Maria Yedda Linhares História do Brasil

March 29, 2018 | Author: Rafael Zacca | Category: Slavery, Capitalism, Economics, State (Polity), Brazil


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3-7) História do Brasil LINHARES, Maria Yedda. História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1996.2 O Trabalho na Colônia (Ciro Flamarion Cardoso) Não se deve reduzir o trabalho colonial ao esquematismo: escravidão negra, latifúndio e monocultura. Também não se deve reduzir a realidade colonial no Brasil a uma realidade bipartida entre senhores e escravos. Isto não dá conta da complexidade. Esta complexidade se dá em muitos níveis. Estudos regionais e locais de distribuição de propriedade de escravos negros mostraram muitas vezes, na Bahia, em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e em São Paulo, ser reduzido o número de senhores de grandes plantéis de escravos, considerável a dos proprietários de médio porte. Além disso, a própria realidade escravista era difusa, tendo casos de libertos donos de escravos, e mesmo escravos donos de escravos. Outras relações de produção existiam também, como o campesinato. Isto não anula o predomínio da escravidão negra, nem da plantation, nas estruturas coloniais. É preciso lembrar que a escravidão, aliás, é apenas uma modalidade da categoria mais geral de trabalho compulsório, que tinha as facetas as mais variadas. Há quatro fases mais ou menos nítidas no relativo à história do trabalho colonial: -1500-1532: período pré-colonial, caracterizado por uma economia extrativa baseada no escambo com os índios; -1532-1600: época de predomínio da escravidão indígena; -1600-1700: fase de instalação do escravismo colonial de plantation em sua forma “clássica”; -1700-1822: anos de diversificação das atividades em função da mineração, do surgimento de uma rede urbana, mais tarde de uma importância maior da manufatura – embora sempre sob o signo da escravidão predominante. Isto com relação às áreas produtivas nucleares da Colônia. Mas com relação a outras regiões, outras formas coexistem. etc. Apesar disso. como na pecuária extensiva do Rio Grande do Sul e de Goiás. Apesar da economia ser basicamente pré-capitalista. investimento em atividades produtivas).5 O Império Escravista e a República dos Plantadores PARTE A: Economia Brasileira no Século XIX: mais do que uma plantation escravista-exportadora (João Luís Fragoso) A economia escravista-exportadora é predominante durante o império. 60% da população cativa total se encontrava em municípios não-cafeeiros. Outras formas de produção aconteciam no Brasil de então: além de senhores e escravos. não estava fundamentalmente ligada à exportação. nas três probíncias do Sudeste que concentravam a produção cafeeira (Rio. como as relações não-capitalistas de produção pela parceria. e a Lei de Hipotécas. além do cenário internacional capitalista. e o Código Comercial. que. ou englobar todo um universo não-capitalista. é certo que na virada do século XIX para o XX. essa produção não se converteria progressiva e simplesmente para o modo de produção capitalista: este foi o modo de produção vencedor. Esta produção voltada para um mercado interno. Minas Gerais. como o camponês. constituído a partir de diversos segmentos de mercado. Esta realidade coexistiria com o surgimento de novos elementos a partir de 1850. como condição mesma da estrutura global de produção. A produção voltada para o mercado interno não era irrelevante. são elementos que apontam para a transformação da sociedade. Além do mais. Mas esta transição se dá aos poucos e não sem resistência. A abolição do tráfico de escravos. pelo colonato. mas conviveu com outras tentativas. mas é certo também que é nesta época que se presencia o crescimento da . morador. durante o século XIX percebe-se a hegemonia do capital mercantil. e mesmo outras formas sociais de extorsão de sobretrabalho. São Paulo e Minas). outras categorias sociais se colocavam. aliada àquela escravista voltada para o externo. a economia apresentava uma precária divisão social do trabalho e uma circulaçãolimitada de mercadorias. tinha que se transformar em produção (ou seja. mas ao mercado interno. Mas não se pode reduzir a complexidade das relações econômicas a este modelo. a Lei de Terras. E em 1874. somados ao avanço das estradas de ferro. e possuia um importante papel na economia geral do império. E mesmo a maior província escravista de 1819. vai criar um amplo espaço para a realização de acumulações de capital. As produções para o mercado interno no sudeste: o caso de Minas Gerais A província do Rio de Janeiro. Possuía. Em Paraíba do Sul. foi a maior província escravista do país: em 1819 e 1872 possuía respectivamente 15. Isto mostra algum grau de autonomia nacional. De um lado.população urbana. Trata-se de uma economia em que o domínio do trabalho escravo e a presença de formas camponesas geram uma frágil divisão socoal do trabalho e uma precária circulação de mercadorias e moedas. município assentado no fornecimento de mandioca e café para o mercado interno.5% da população cativa do país. com formação de seu capital industrial e sua classe operária. que apresentava uma aristocracia rural com índice de concentração de terras e escravos semelhantes aos municípios cafeeiros do vale do Paraíba. ao mesmo tempo. altos índices internos de diferenciação econômica (concentração de riqueza). por exemplo.2% e 24. pelo menos 1/3 dos escravos eram indivíduos com laços de parentesco. os primeiros passos da industrialização. A escravidão brasileira não consiste em um campo de concentração. de outro. em 1850. mas sim em um sistema social estável e complexo. apesar de obviamente tenso. o Capivari. Isso se traduz na presença de práticas monopolistas e especulativas e no endividamento como momento frequente do funcionamento de empresas. O definhamento do escravismo . Minas Gerais. O que se sublinha é o caráter lento e tenso dessas transformações. A Reafirmação do escravismo no centro-sul e sua posterior superação Pesquisas recentes demonstram como não há uma dependência tão grande das flutuações coloniais em relação aos rimos do mercado internacional. há o norte fluminense açucareiro. Existia em Minas uma expressiva divisão social do trabalho e um forte comércio provincial. em 1874 . ao longo do século XIX. concentrava 51% dos seus escravos em áreas não-exportadoras. onde o grande fazendeiro tinha em torno de 30 escravos. em nível internacional. Essas modificações no cenário econômico podem levar a crer que essa montagem e essa expansão se fariam sob as novas condições de produção capitalistas. No final do século XIX. a formação dessas relações de produção se dá em meio ao surgimento da República (1889). além da instauração das primeiras ferrovias e de um sistema bancário verdadeiro. em partes. entre eles a maioria italianos: mais de 90% foi subsidiada pelo governo paulista. e apresentam um panorama muito diferente do exposto anteriormente. A elite republicana seria mais representativa. o que reforçava os aspectos não econômicos presentes nas novas relações de produção. mas essas modificações não significam que o Estado Republicano tenha se tornado mais democrático. acontecia a consolidação da hegemonia capitalista. essa situação se traduzia como fortalecimento do mandonismo local (coronelismo). Ao mesmo tempo. Ao invés disso. As novas fronteiras: o novo Oeste paulista e os novos regimes de trabalho na agricultura do Sudeste Montagem e expansão da agricultura cafeeira paulista se dá em meio a um tempo de mudança: o contexto do definhamento da estrutura escravista brasileira.Os últimos anos do império fornecem informações sobre as condições materiais de reprodução do sistema. o que é fatal para uma agricultura extensiva fundada no trabalho escravismo (e fatal também para os que movimentavam fortemente esta economia: os grandes traficantes). Cada vez tem-se menos terras e menos homens a incorporar. No campo. O envelhecimento dos escravos e dos cafezais indica o envelhecimento do sistema agrário. São Paulo recebeu muitos imigrantes. A grande propriedade e o camponês livre no nordeste: uma outra transição . Essa mudança política implicaria o maior acesso dos interesses regionais e de classe ao centro do poder. e a redução de sua capacidade de reprodução. as classes subalternas continuavam destituídas de parte substancial de seus direitos de cidadania. Mas dados apresentam que isto se daria reproduzindo. com seu sistema federalista e suas oligarquias locais. E somente a partir da década de 1880 é que os fazendeiros paulistas adotariam em larga escala o trabalho imigrante. as antigas estruturas da escravidão. a economia da Amazônia é uma combinação de uma mesma empresa da agricultura e de subsistência com o extrativismo. O boom da borracha traria mudanças.) Através desses dados é possível perceber a resistência da instituição escravista em algumas áreas do Nordeste. como nas demais províncias brasileiras. que varia desde a economia camponesa até o uso compulsório do trabalho indígena. uma transição do trabalho escravo para o juridicamente livre. Várias formas de produção sustentam essa atividade.. no sertão. Formas de trabalho no mundo amazônico No século XIX. o que significa dizer que possuíam uma soma de escravos superior à do conjunto provincial representado pelo Sudeste. em 1850 iria abalar a capacidade de reposição desta mão-deobra no Nordeste. para verificar isso. 54% de sua população cativa era africana. assistimos à transição do trabalho escravo para formas de produção assentadas em outras relações não-capitalistas. A demanda externa por esse produto só cresceria após 1890. mas sem alterar suas bases estruturais. O resultado desse processo é a expropriação de antigos camponeses ligados à agricultura de alimentos e a consequente migração de segmentos desse grupo para outras áreas. A lavoura de alimentos se baseava principalmente no trabalho familiar. alimento fundamental na dieta dos escravos. (. Além disso. basta recordar que em Pernambuco.“As províncias nordestinas. O sul e o centro-oeste: a “periferia da periferia” No final do século XVIII. segundo o censo provincial de 1842. Mas a abolição não representou aí uma perda substancial de mão-de-obra pelos antigos senhores.” Houve. Todavia. até a década de 1860. a abolição do tráfico internacional de cativos. voltada para o mercado interno. a partir da segunda metade do século XIX se consolida a propriedade fundiária pecuarista. Portanto. concentravam mais ou menos 50% da população cativa do país. O desenvolvimento dessa indústria no Sul está ligado às secas ocorridas no Ceará.. aí. com a invenção do pneumático. inclusive para a zona da mata canavieira. assumindo um caráter camponês. No centro-oeste. . a pecuária gaúcha se junta a produção industrial do charque. criou capital – dinheiro que se converteu em capital industrial e criou algumas das condições necessárias a essa transformação. Teria assim início uma nova onda colonialista que repartiria o mundo entre as grandes potências da época. Conclusões “no período escravista a plantation não conformava uma unidade autosuficiente. Já no Rio de Janeiro. ao acumular. Isso ajudaria a complexificar a economia nacional. os processos de concentração e centralização na produção capitalistas. ou na forma de empréstimos. em segundo lugar. Mas há elementos novos. o processo de industrialização se deu em um contexto de decrescimento da agricultura cafeeira.” . cresce o número de investimentos nas colônias em ferrovias. de relações capitalistas de produção. Era o início da industrialização do país. parceria. a predominância do setor têxtil cede lugar para a indústria química. Ela recorria ao mercado para se reproduzir e o fazia em um mercado interno pré-capitalista. elétrica e de construção de máquinas. acompanhados da fusão do capital bancário com o industrial – o chamado capital financeiro – resultam na modificação da lógica de funcionamento da economia capitalista. o complexo cafeeiro. etc). entre elas o setor industrial. No Brasil. Estados Unidos e Alemanha passam a ser a “oficina do mundo” no lugar da Inglaterra. dando origem às grandes plantas industriais. fato esse que redefine o ritmo da transição para uma economia capitalista.As conjunturas econômicas da República dos plantadores e o início da industrialização Na transição do século XIX para o XX há uma série de transformações em nível de economia internacional. mas sim a constituição de diferentes tipos de relações de produção não-capitalistas (colonato. Crescimento dos centros urbanos e das atividades econômicas ligadas a eles. Em São Paulo. serviços públicos e empresas produtivas. temos que aquela transição não representou a consolidação. moradores. essas mudanças ocorrem com permanências estruturais. na agroexportação. Tudo isso aconteceria às custas do aumento do endividamento externo. pela instalação e ampliação das estradas de ferro. Há também uma persistência de uma estrutura fundiária concentrada. A decadência dessa atividade gerou uma transferência de capitais para novas áreas de investimento. A agricultura continuava a ser o principal setor da economia. Críticos à centralização monárquica. esses cafeicultores acabariam por implantar. O coronelismo possibilitou esse sistema. Ela foi a aplicação dos seguintes princípios: o reforço da figura presidencial (a despeito da independência dos poderes) e a solidarização das maiorias com os executivos (estaduais e federal). Os pressupostos dessa República eram democracia e liberalismo excludente. A Política dos Governadores se instaurou para que se reduzissem os traumatismos e as crises inerentes aos processos sucessórios em que “oposição” e “situação” se revezassem no poder. Isso era firmado na alternância do Executivo federal. com as lideranças provenientes de São Paulo e Minas Gerais (por muitos denominada de “política do café-com-leite”). na prática. outros mecanismos não faltavam. Ele recebia o apoio do governo municipal. Assim. permitiu-se que as oligarquias locais consolidassem o poder em seu âmbito. evitava que o crescimento de poderes locais pudesse enfraquecer o esquema montado. ficando a Presidência com a condução das grandes questões. e baseado na maximização do poder das oligarquias estaduais. é o suposto sufrágio universal.6 Da República Velha ao Estado Novo Parte B: Estado e Sociedade: A consolidação da república oligárquica (Sônia Regina Mendonça) A República Velha caracterizou-se pelo predomínio inconteste de grupos agrários. sob a hegemonia dos cafeicultores paulistas. O coronel geralmente era um grande proprietário de terras em processo de descapitalização que dependia de um apoio maior para se manter em seu status de coronel (político e financeiro). . Um exemplo bastante claro. com a figura dos PRs (Partidos Republicanos) estaduais. mesmo sem um Partido Único. por meio do coronelismo. em um país em que a maioria esmagadora da população era analfabeta. Nesta transação de interesses entre as máquinas político-administrativas dos estados e os interesses políticos e econômicos dos donos de terra (ainda uqe fossem latifúndios improdutivos em questão). um regime político coerente com a república: pautado na federação. que tinha como condição a alfabetização. como a fraude eleitoral aberta – que entre outros. e com isso garantia votos de seu eleitorado (por meio do voto de cabresto) para o jogo político que se desenhava. sem dispensar o apoio inconteste do localismo. cuja solução só se daria com o Estado Novo. procurava-se a compensação contemplando as oligarquias menores ora com lugares estratégicos na composição de chapas presidenciais. apenas uma fração pequena no todo da população do país. nem a possibilidade de alianças com os demais setores subalternos. Pelo lado político. quanto ao desempenho de seus papéis coercitivos. fica evidente o caráter secundário da mobilização política operária no conjunto. Ao mesmo tempo. o governo federal estava limitado pelo próprio federalismo oligárquico. A crise dos anos 20 Houve na década de 1920 uma crise socio-econômica e política. Era este o caráter contraditório desse sistema de dominação: para cumprir suas funções. desenvolveu um programa elitista. O segundo estendeu-se desde então até 1937. era uma crise de hegemonia. é verdade que seu conteúdo inscrevia-se nos limites do universo liberal que partilhavam. Mesmo a oposição aberta ao regime não estava livre de contradições marcantes. Surgiam então conflitos intraclasse dominante. em uma crise hegemônica em que nenhuma classe alcançara o controle inconteste do aparelho do Estado. culminando com a “revolução” de 30. sem que a busca mesma desses princípios contemplasse a democracia plena. O movimento operário era limitado. desdobrável em dois momentos: o primeiro teve como sentido último a contestação à preponderância da burguesia cafeeira. Em um país cujo regime se baseava no controle sobre o campo. “ilhado” nas poucas grandes capitais em processo de industrialização. tentando atender aos interesses dos outros segmentos agrários que os apoiavam. Também o movimento operário apresentava seus limites. os tenentes. O único dos segmentos passível de ser aproximado a setores médios que teve expressão política efetiva no período. Além disso. a preponderância dos imigrantes na configuração da classe limitava também o movimento.Deste esquema que favorecia os cafeeiros paulistas surgiram as políticas de valorização do café implantadas pelo governo federal ao longo do período. fazendo com que à condição de estrangeiros se adicionasse um projeto de ascenção social. Boa parte desta crise de hegemonia se explica pelas divisões regionais que as classes burguesas tiveram em sua gênese no Brasil. E do ponto de vista . tanto no que diz respeito à sua base financeira. Se podemos constatar nos representantes dos setores médios críticas ao regime político. ora no atendimento parcial de certas demandas regionais. Da “revolução de 30” ao Estado Novo O golpe de outubro de 1930 deslocou a tradicional oligarquia paulista do poder. a economia mercantil exportadora tinha cumprido já todas as potencialidades de desenvolvimento. os tenentes apresentavam um programa de traços autoritários e nacionalistas. “Estava em gestação uma modificação na própria estrutura e forma de atuação do Estado. Foi aí a primeira ruptura no avanço da acumulação capitalista. Nele. que lidavam com estes movimentos tendo-os como “questão de política”.doutrinário. como também a alteração do próprio processo de reprodução das classes. sem que nenhuma fração de classe lograsse a hegemonia. voltado para a purificação das Forças Armadas e da sociedade como um todo. defendendo um Estado mais centralizado. Quanto ao tenentismo: portadores de um ideário elitista. Mas quando em 1925 tomou força e corpo a legendário Coluna Prestes. cujos produtos viriam a ser não apenas a superação das formas tradicionais de expressão política dos interesses de classe. de dicotomia entre o pólo produtivo e o da realização da produção. inscrito na ossatura do Estado. e um ataque à oligarquia paulista. e levou ao máximo a sua principal contradição. uma legislação mais uniformizada. Por isso o período de 1930-37 é de crise política aberta. A despeito disso. o movimento operário fazia frente às classes dominantes. e não de política. bem como a .” A análise das grandes linhas de desenvolvimento recente do capitalismo no Brasil não pode deixar de lado as transformações processadas a partir da década de 1930. garantindo o prestígio a um candidato governista eleito. enquanto que os grupos que o apoiaram não conseguiram resolver as contradições que lhe deram origem. A crise brasileira de 1929 foi resultado do esgotamento vagaroso de um padrão de acumulação. os segmentos oligárquicos encontraram os termos de realinhamento. Isso deu ao Estado alguma autonomia frente aos interesses que o disputavam. deve-se analisar o aspecto pouco positivo desempenhado pelo anarquismo. A instalação da ditadura do Estado Novo em 1937 explicitaria tais tendências. a longa marcha de 24000km pelo interior do país para “manter viva a chama da revolução”. cujo caráter obreirista e ênfase em temas de pouca receptividade no meio social dificultaram a organização política de classe. A crise hegemônica se resolvia por meio de um inimigo em comum. Ao mesmo tempo. a concentração de renda e a integração no conjunto econômico capitalista mundial. a partir da visão corporativa do “órgão de colaboração do Estado”. o empresariado brasileiro. do ponto de vista deste Estado. A partir de então. mecânica. transportes. Foram transformadas as relações campo/cidade e reafirmadas estruturas já implantadas: a industrialização. A maior e mais importante das alterações foi a da inversão do polo campo/cidade. É também neste momento que se generalizam as relações de produção capitalistas. o Estado passará a disputar a hegemonia dentro destes partidos com as classes trabalhadoras. graças à intervenção do Estado na economia e um desenvolvimento do setor administrativo das empresas. e uma categoria não- . com um aumento enorme da classe operária. culta e. Teve a criação o Ministério do Trabalho (1931). espalhadas entre latifúndios e minifúndios. onde a população rural predominante antes desta modernização se tornará urbana. Institucionalizar as relações entre Estado e operariado se manifestou como preocupação no imediato pós-30. um amplo setor camponês desempenhava ainda um papelchave neste modelo capitalista especificamente brasileiro. por conta das condições sociais extremamente negativas e pelo crescimento da violência rural. composto de diversas oficinas e fabriquetas. à universidade. que aumentou cerca de cinco vezes em trinta anos. do setor bancário e pela área de saúde e educação. Há também o crescimento do setor terciário. depois de 1975. bancos e comércio. Isto criaria novas camadas médias urbanas: um categoria assalariada não operária vinculada às funções burocráticas do Estado. comunicações e transporte. praticamente concentrada na cidade. material elétrico. e a promulgação da legislação trabalhista. O êxodo rural esvaziou mesmo o interior de alguns estados como o Rio de Janeiro ou o Espírito Santo. nos esteios da luta contra a ditadura militar. tendo como principal ator.redifinição do papel do Estado na economia. 8 A modernização autoritária: do golpe militar à redemocratização 1964/1984 (Francisco Carlos Teixeira da Silva) Entre os anos 1950 e 1980 ocorreu o mais intenso processo de modernização pelo qual já passou o país. resultando em relações de trabalho não-capitalistas que seriam cruciais no conjunto geral do capitalismo nacional. Esses operários seriam resultado dos setores de metalurgia. Os militares – i. com uma figura controversa. após sete meses de mandato. com a bandeira da recuperação econômica e da austeridade. a maioria dos oficiais superiores principalmente os da Aeronáutica e do grupo de coronéis e tenentes-coronéis – já faziam intervenções políticas antes de 1964. inconformado com os limites constitucionais e açoitado por índices inflacionários. em 1961. As Forças Armadas tentavam evitar o fracionalismo e apresentar uma face unificada perante o país. em particular o peso dos partidos conservadores. Em 1954 já tinham forçado Vargas a demitir o ministro do Trabalho João Goulart.assalariada. Os militares seguiram conspirando.e. O Social Democrata (PSD). que tinha sua base política no campo. Mesmo as Forças Armadas passavam por uma crise política. Jânio Quadros. histriônica. pela aceleração do processo de monopolização e pelo encarecimento do crédito e de outro os profissionais liberais. derrotado por JK e Jango na aliança PSD/PTB. que até então restringia-se aos trabalhadores do meio urbano. de forçar a concessão de amplos poderes pelo Congresso Nacional. principalmente advogados. Essa conjuntura permitiu que o candidato da UDN. No ano seguinte a aliança entre militares e a UDN lança Juarez Távora como candidato à presidência.. estava pronta para recorrer aos quartéis quando necessário. Pela primeira vez desde a redemocratização de 1945 a UDN iria ao poder. Transformações sociais e a crise da representatividade política Todas essas transformações alteraram o peso político dos partidos tradicionais. fosse eleito presidente. Temia principalmente o avanço do PTB (P Trabalhista Brasileiro) no meio rural. sua . médicos e dentistas. ocupado em destruir as estruturas partidárias e procurando governar acima do Congresso. Mas a vitória não fora completa. surgindo como um núcleo de eficácia e probidade frente a um governo (o de JK) que julgavam corrupto e economicamente inepto. Também a União Democrática Nacional (UDN) passava por uma crise: sempre derrotada nas eleições majoritárias pela coligação PTB/PSD. e a bancada tanto do PTB como do PSD eram fortes no Congresso. pois o PTB elegera Jango para a vicepresidência. permitindo uma inflação até então inédita. tenta um plano “sinistro e ingênuo”. tendo de um lado uma pequena burguesia batida pela inflação. sustentado no localismo e no coronelismo. apresentando. sentia já o declínio da população e da importância econômica rurais. Jânio Quadros. O III Exército declarase pela posse do vice-presidente. c) discurso demagógico. mas movimentos. Assim se cunhou o conceito de “populismo”.renúncia. O principal argumento anti-reformista da direita (UDN. e PTB e PSD dão a renúncia como consumada. onde predominava a mentalidade da guerra fria. PL.. que não saberia votar. lança uma campanha pela legalidade. Leonel Brizola. E duas semanas antes do golpe . No caso brasileiro.) residia na ignorância do povo. parcelo do PSD. “Tendo as experiências peronistas e apristas da Argentina e do Peru como pano de fundo. haverá o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social. embora os outros pontos continuem válidos. sendo o primeiro passo concreto em direção a uma solução do impasse econômico e político no campo. as classes dominantes do país. PR. do voto das esquerdas e perdiam a esperança de. que previa ampla reforma. Francisco Weffort caracterizou o populismo: a) estilo de liderança individualista e personalista. governador do Rio Grande do Sul. no âmbito do regime democrático. dirigido à pequena burguesia. Os ministros militares assumem o poder e declaram o impedimento de Jango. e com ampliação das grandes propriedades e expulsão do trabalhador rural. cindindo as Forças Armadas. PSP. que já era usado para Juan Domingos Péron na Argentina. substituído pelo conceito de povo e de massas populares. cada vez mais firme. O plano falha. que estava previsto para 1963-5. a figura o primeiro “pai dos pobres” (Vargas) foi substituída por outras figuras que representavam diferentes papéis. b) diluição do conceito de classe social e de luta de classes.. as elites culturais e as lideranças militares formadas sob influência direta das escolas de treinamento militar dos Estados Unidos. Com João Goulart. com contínuo processo de concentração de terras. A questão agrária no Brasil e a resistência à mudança A estrutura da posse e uso da terra no Brasil entre 1945 e 1964 era marcada por forte concentração fundiária. impedir a ascensão do reformismo trabalhista no poder. e Carlos Lacerda da UDN denuncia o plano. para englobar o movimento reformista de Vargas em diante. específico do PTB. e d) não cria partidos estruturados.” Os apelos da UDN em favor do golpe militar ficam assim mais compreensíveis. sabiam do avanço. e líder da ala esquerda do Trabalhismo. Em 1963 é criado o Estatuto do Trabalhador Rural. além da concentração de terra. A insistência na reforma agrária foi o que separou decisivamente o PTB do PSD. Qualquer projeto de reforma agrária atacava dois nódulos nervosos do capitalismo brasileiro. como com Costa e Silva no Paraíba) a movimentos populares. No Brasil. É neste contexto que a pressão dos EUA se intensifica. e em maio de 1962 declara um plano de intervenção do Estado na economia. pela ameaça à propriedade e clima de guerra fria.um projeto de ampla reforma agrária é enviado ao Congresso. caracterizaram-no como tal. onde uma coisa se mostrava crucial defender. Goulart marca o plebiscito pedindo retorno ao presidencialismo para 6 de Janeiro de 1963. lançando mão de instrumentos de chantagem e coerção. que serão o centro de mobilização popular no campo. assim como aquela dos setores das Forças Armadas em parceria com a direita nacional. e em algumas áreas locais a repressão (algumas vezes militar. escassez de produtos de primeira necessidade. Soma-se a esta conjuntura um quadro de crise generalizada de inflação. No quadro internacional. Desde 1955 a agitação por terra e a luta daí decorrente assumia a importância de luta política. Embora as intenções de Goulart com a reforma agrária não fossem exatamente comunistas – o presidente acreditava mesmo que o desenvolvimento industrial necessitava de uma reforma agrária que garantiria o fim da inflação. Quase simultaneamente a CGT desencadeia uma greve geral em apoio a Goulart e eclodem manifestações no Rio de Janeiro e em São Paulo. Neste contexto. para a direita: a propriedade privada. mais tarde chamada “Ligas Camponesas”. baixos salários e abundância de matérias primas –. seriam também alo da histeria anticomunista. apoiando Goulart e Miguel Arraes. Goulart rompe com o papel decorativo que lhe havia sido imposto desde a aprovação. Mesmo assim em 1962 o trabalhismo avança em 1962 e dobra a sua bancada. O estabelecimento do regime autoritário . somava-se a situação internacional de guerra fria. Surgiu então a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores. Em clima de golpe de Estado. superando a antiga fase em que movimento social era “caso de polícia”. Mas não chegou a ser votado. o presidente John Kennedy exercia forte pressão sobre o Brasil para alinhá-lo à política de bloqueio e enfrentamento a Cuba. levando este último a uma aliança com a UDN. exigindo direito de voto e melhores condições na tropa. procura-se diminuir a presença do Estado na economia. “arrocho salarial”). até mesmo com motim de suboficiais da Aeronáutica e da Marinha em 1963. que o custo do crescimento econômico pelo modelo tomado custara a ampliação da pobreza e a transformação do país em um imenso quartel. particularmente o dos alimentos. uma crise representativa também se esboçava nas Forças Armadas. e têm início os expurgos políticos. Destacou-se logo a profundidade e furor da repressão política. como os próprios militares viam com a imposição da Lei de Segurança . Goulart. O golpe prometia uma rápida reorganização do país. embora continuasse a manter os salários abaixo da inflação. a base que faltava no Congresso. Teve início a morte e o desaparecimento de diversas lideranças sindicais e camponesas. Havia certo reconhecimento. concentradora de renda e antipopular. pois a essa altura o golpe já era tramado entre lideranças civis e militares. que prefere evitar um “banho de sangue”. o Estado renunciou ao controle dos preços internos. particularmente contra sindicatos. ação e saída de capitais estrangeiros no país. e a sua devolução rápida. nacionalistas e partidos de esquerda. mesmo dentro das Forças Armadas. e passa então para a ofensiva. Para controlar a inflação e estabelecer o crescimento econômico foram tomadas medidas que seguiam duas direções: a liberalização da entrada. Goulart não consegue contornar a crise. Os civis e os militares articulados ao golpe pareciam ter um projeto bem delimitado de intervenção na vida política do país. prenunciando o que viriam a ser os anos de Terror do regime. Uma aliança dominada pela UDN no Congresso Nacional se forma com a saída de Jango. buscando nas ruas.Em meio ao clima de golpe. se apoiava então nas organizações sindicais. Para manter essa política econômica. revogando a Lei de Remessas de Lucros para o Exterior. saneamento de suas instituições. o regime militar foi obrigado a aprofundar ainda mais sua política repressiva. Assim. norteado no mito das Forças Armadas como “Poder Moderador”. privatizando diversos setores estabelecidos pelo Estado para criar as bases do desenvolvimento econômico. a fim de manter as taxas de remuneração do capital e a competitividade dos produtos brasileiros no exterior. e deposição de governadores eleitos. Além disso. ainda cindidas. em particular contra o Trabalhismo e o comunismo. e o controle dos salários mantidos sempre abaixo da inflação (ou seja. através de manifestações de massa e comícios. com os mais altos índices de crescimento econômico do país. É estabelecida a pena de morte e a resistência armada se intensifica também. proclama um “Milagre Brasileiro” como o patamar inicial de um crescimento acelerado e ininterrupto. e com exílios e prisões. O governo do general Médici. E grande parte da população se encontra abaixo do mínimo indispensável de 2.” Durante o governo Geisel. diminuir as injustiças sociais. Neste contexto a “linha dura” da ditadura tentam arrochar ainda mais o regime. com os dois pilares (endividamento externo. Surge o slogan do Brasil Grande. Nesse contexto consumava-se o “golpe dentro do golpe”. e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). e arrocho salarial) atingindo o seu limite. A resistência civil se torna mais ousada e forte.Nacional. de apoio ao regime. o modelo economico em prática no Brasil sofre profunda mudança: pois esse modelo se pautava largamente na conjuntura internacional. instrumento básico da ação da ditadura. estabelecendo eleições indiretas e consolidando a intervenção militar na vida pública. fazendo uma oposição branda ao regime. As críticas ao regime aumentam. gradual e segura”. com movimentos de guerrilha urbana e rural. a fase mais radical do regime. concedendo Anistia Política e altera a legislação partidária. o regime militar não conseguiu. Assim é editado o AI 5. principalmente a partir de 1968. com proibição de peças. particularmente com o endividamento externo engolindo fatias enormes do PIB. afastando militares identificados com a tortura e com a corrupção. principalmente com o choque do petróleo. canções. o milagre demonstra sua fraqueza. para conter as vozes divergentes. institucionalizando a arbitrariedade. O AI 2 de 1965 dissolveu os partidos e limitou a representação partidária a dois partidos: A ARENA (Aliança Renovadora Nacional). Com a mudança do quadro econômico internacional. Em seguida. a Constituição de 1946 é reformada em sentido autoritário. A repressão alcança o nível cultural também. Embora com um crescimento econômico elevado. consolidada na Emenda Constitucional de 1978. com o ufanista “Brasil: ame-o ou deixe-o.240 calorias diárias. acelera a bertura. Figueiredo acelera as transformações institucionais. Tem início a abertura “lenta. cassa mandatos e estabelece a censura prévia e os inquéritos militares sigilosos. com entrada maciça de capitais estrangeiros e arrocho salarial. bem pelo contrário. O Geisel sob pressão. com entrada de crédito de capitais estrangeiros e endividamento externo. após hesitação. A continuidade da crise . dando maior liberdade de organização aos partidos. que fecha o Congresso. vice-presidente da coligação da Aliança Democrática. transformando seu governo na transição entre a ditadura e a democracia. pondo lado a lado líderes como Tancredo Neves. agora Partido Democrático Social) como ministros. bem como a impedir qualquer membro do antigo regime a ser responsabilizado pela dívida externa. e Luís Inácio da Silva (PMDB. união do PMDB com dissidentes do PDS. Ulisses Guimarães. PMDB.faz estalar a crise nos meios militares. Mas morreu antes de assumir o cargo. desaparecimentos e escândalos financeiros. Tancredo foi eleito presidente do país com o compromisso de instalar uma Assembléia Nacional Constituinte. Tancredo Neves prometera ao ex-presidente Geisel tornar os membros do PDS (ex-ARENA. a Igreja. ex-líder da ARENA e ex-presidente do PDS. os órgãos de classe reúnem-se em uma imensa campanha política por eleições presidenciais diretas (as “Diretas Já”). além de ter o próprio José Sarney como vice. Leonel Brizola. PDT e PT respectivamente). com um grupo radical negando a aceitar a abertura política e apelando para o terrorismo contra alvos civis. José Sarney. . é empossado primeiro presidente da Nova República. e comprometia-se a não permitir inquéritos sobre as torturas. Os partidos.
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