Maria Simone Euclides - 1020755 - 4086 - Corrigido

May 20, 2018 | Author: Lis Gonçalves | Category: Ethnicity, Race & Gender, Racism, Gender, Feminism, Science


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Quando se é mulher, negra, doutora e professora universitária: uma travessiamarcada por disputas Maria Simone Euclides1 Sâmia Paula dos Santos Silva2 Joselina da Silva3 Este trabalho é parte da pesquisa de doutorado que investiga a ascensão de mulheres negras doutoras e professoras universitárias no Estado do Ceará. Partimos da problemática que docentes negras no ensino superior torna-se cada vez mais singular. Se analisarmos a pirâmide social, verifica-se que a medida que avança-se os anos de escolaridade a presença de pessoas do segmento étnico racial negro torna-se cada vez mais ausente. Tal situação é reflexo das desigualdades e hierarquias raciais que compõem o quadro da sociedade brasileira. Objetivamente, nessa pesquisa busca se compreender se a existência do racismo institucional, e os marcadores de gênero interferem no âmbito profissional dessas mulheres. Sendo assim, partimos dos seguintes questionamentos: De que maneira gênero e raça atuam como diferenciadores na trajetória de professoras negras? Haveria algum impedimento para que essas professoras ocupassem lugares de prestígio na universidade? Quais os desafios encontrados e enfrentados durante essa travessia? Para a realização desse trabalho, adotou-se uma pesquisa qualitativa utilizando como técnica de coleta de dados a revisão bibliográfica e a realização de entrevistas semi estruturadas com as professoras negras, de modo a compreender sua história de vida e os desafios encontrados na docência do ensino superior. Como dito incialmente, o recorte realizado se restringe a docentes doutoras negras que atuam em âmbito federal no estado do Ceará. A entrevista foi dividida em 3 partes: perfil de identidade (informações gerais da entrevistada), dados sócio econômicos e história de vida. Até o presente momento, foram realizadas 2 (duas) entrevistas, com docentes que atuam na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro - Brasileira (UNILAB), localizada na cidade de Redenção do estado do Ceará. Dentre os principais resultados encontrados até o presente momento, destaca-se que o percurso realizado pelas entrevistadas se assemelha no que tange as dificuldades encontradas no período antes de entrada no ensino superior. Já no que se refere ao exercício de docência na universidade, cada uma cria por si própria, estratégias de sobrevivência para conseguirem se manter em meio a competitividade e aos estereótipos de gênero e raça. A ideia dos campos em disputas, discutido em Bourdieu é bastante válida para se compreender como essas estratégias são elaboradas e ressignificadas nas tramas do cotidiano profissional. 1 Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Ceará. E-mail:[email protected] 2 Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Ceará. E-mail: [email protected] 3 Docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected] 1 Considerações iniciais A situação de negros e negras na esfera do ensino superior, diz respeito a quebra de estereótipos tão presentes no imaginário social no qual deve ser suplantada a ideia de que negro é incapaz, não possui assim, capacidade intelectual para ocupar espaço que exigem controle, raciocínio e ordem. Para docentes negras, romper com esse viés, é ainda duplamente desafiador haja vista que tem que romper também o binômio de serem mulheres inferiores aos homens na ciência. Assim, considerando o lugar do trabalho docente na educação superior, há que se pensar em um grande galgar de posição para mulheres negras, pois representa a tomada de um espaço outrora não ocupado pelas mesmas. Embora, se reconheça o papel diferenciador que esse espaço passa a tomar na identidade profissional dessas mulheres, há de se considerar que de acordo com as nuances de racismo e sexismo na sociedade brasileira, o fato de uma mulher negra vir a serem doutoras e professoras universitária, isso não impede que as mesmas possam vivenciar situações em que preconceito racial e de gênero atuem como demarcadores. Como salienta Santos (2010), embora o número de mulheres ocupando o espaço público seja maior do que há algumas décadas, é possível vê-las muito mais em espaços historicamente destinados ao feminino. É considerando tais nuances que este artigo busca identificar as marcas de racismo e sexismo na trajetória profissional de mulheres negras doutoras e professoras universitárias que atuam em universidades públicas do estado do Ceará. Gênero e Raça no Ensino Superior Mesmo com a universalização do ensino a toda a população, o espaço escolar, é um espaço que homogeneiza e legitimam as desigualdades. Nesse aspecto, Bourdieu (1996), nos traz reflexões importantes acerca desse assunto. Segundo ele, o espaço escolar não é neutro, pelo contrário, chama a atenção para o fato de ele ser regido por normas de uma cultura arbitrária que tende a reproduzir determinados valores condizentes a uma determinada classe social. Neste sentido, a institucionalização do ensino escolar segue concomitante aos valores e interesses que estão impregnados na sociedade. 2 Cada indivíduo é caracterizado, por Bourdieu, em termos de uma bagagem socialmente herdada, advinda da sua socialização primária. É o que ele conceitua por habitus. O habitus tem relação com o aprendizado que adquirimos, nos apropriamos e incorporamos de maneira durável, determinando, assim, nossa visão de mundo, preferências, forma de conduzir a vida e enfrentar os desafios nos diversos campos que, na visão de Bourdieu (1996), são espaços que detém relativa autonomia, porém conduzidos por normas próprias. Nesses campos, os indivíduos se inter-relacionam e travam embates visando os interesses específicos Silva (2012). Para Bourdieu (2002 apud Silva 2012, pág 22) habitus é “um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas que permitem resolver os problemas da mesma forma e graças às mesmas correções incessantes dos resultados obtidos, dialeticamente produzidos por esses mesmos resultados”. Essa bagagem inclui, por um lado, certos componentes objetivos, externos ao indivíduo, e que podem ser postos a serviço do seu sucesso escolar, tais como: o capital econômico, o capital social, o capital cultural, este último composto, inclusive, pelos títulos escolares. O capital cultural incorporado pelo indivíduo se constituiria grandemente vinculado à herança familiar, a qual é concebida como influenciando na definição do destino escolar do indivíduo. Para este autor o capital cultural configura-se como uma herança familiar e que tem grande influência na vida escolar dos indivíduos. Neste contexto, merece destaque a importância da família em relação aos investimentos educacionais que contribuem para que os indivíduos adquiram capital cultural: saberes, práticas, valores e metas para o futuro profissional (SILVA, 2012). Este capital estaria diretamente relacionado a outro capital ao qual seja o capital econômico para ter acesso a esse capital cultural por meio da compra de livros, quadros, 3 possibilidades de viagens internacionais dentre tantas outras possibilidades de acesso ao conhecimento. A posse do capital cultural favoreceria o desempenho escolar na medida em que facilitaria a aprendizagem dos conteúdos e dos códigos que a escola veicula e sanciona. Os esquemas mentais, a relação com o saber, as referências culturais, os conhecimentos considerados legítimos e o domínio maior ou menor da língua culta, trazidos de casa, facilitariam o aprendizado escolar, tendo em vista que funcionariam como elementos de preparação e de rentabilização da ação pedagógica, possibilitando o desencadeamento de relações entre o mundo familiar e a cultura escolar. A educação escolar, no caso dos indivíduos oriundos de meios culturalmente favorecidos, seria uma espécie de continuação da educação familiar, enquanto para aqueles oriundos de outros meios culturais significaria algo estranho, distante, ou mesmo ameaçador. Ao contrário das camadas populares, a classe média e a elite tenderiam a investir pesada e sistematicamente na escolarização dos filhos. As famílias deste grupo social já possuiriam volume razoável de capitais que lhes permitiria apostar no mercado escolar sem correrem tantos riscos (NOGUEIRA, NOGUEIRA, 2006). Enquanto os indivíduos que já possuem uma bagagem cultural atrelada aos valores legítimos teriam maior facilidade de acesso e permanência nas instituições escolares, outros encontrariam maiores dificuldades e, diante de tais impasses, acabariam por evadir e deixar de lado o sonho de se formarem. Dentre os indivíduos que se enquadram nesta segunda opção, estariam as ditas minorias sociais: os pobres e os negros. Dentro desta concepção, a escola é vista como um filtro através do qual se selecionam alunos e se estabelecem barreiras, o que pode ser observado nas altas taxas de evasão de determinados segmentos sociais e no acesso diferenciado ao ensino superior (BOURDIEU, 1996). A escola acaba por reproduzir em seu espaço toda ideologia presente no imaginário social e isso interfere diretamente nas trajetórias individuais dos estudantes negros e negras. Assim, através de todo um aparatos muitas vezes invisível, a escola separa os aptos dos não aptos. Se, até fins da década de 50, a grande clivagem se fazia entre, de um lado, os escolarizados, e, do outro, os excluídos da escola, hoje em dia ela opera, de modo bem 4 menos simples, através de uma segregação interna ao sistema educacional que separa os educandos segundo o itinerário escolar, o tipo de estudos, o estabelecimento de ensino, a sala de aula, as opções curriculares. Exclusão “branda”, “contínua”, “invisível, “despercebida”. A escola segue, pois, excluindo mas hoje ela o faz de modo bem mais dissimulado, conservando em seu interior os excluídos, postergando a sua eliminação, e reservando a eles os setores escolares mais desvalorizados (BOURDIEU apud NOGUEIRA; NOGUEIRA 2006, p.13). Todos esses elementos compõe o que Bourdieu (1996), chamaria de campo. Para o autor, campo se constitui um espaço dinâmico onde os indivíduos se encontram constantemente em disputa para alcançar diferentes objetivos e, neste embate, aqueles que dispõem de maior capital cultural, social e econômico ocupam posições de status e conseguem fazer valer seus interesses, consolidando a desigualdade social e cultural, bem como favorecendo a reprodução do poder. Nas palavras de Arroyo (2007 apud Laborne 2012, pág. 5), O sistema escolar se rege por essa lógica do direito individual à educação, cada aluno é um aluno em seus percursos individuais, com ou sem problemas individuais de aprendizagem, aprovado ou reprovado e retido. As lógicas que regem o trato dos alunos no cotidiano escolar são lógicas individualistas de sucesso, mérito, fracasso. Através dos estudos de Hasenbalg (1979) apud Ribeiro (2006), tem-se a conclusão de que os estudantes brancos teriam mais chances de fazer com sucesso as transições educacionais do que os estudantes negros. A desigualdade se faria antes da entrada no espaço educacional e posteriormente à sua entrada no mundo do trabalho. Ainda que se obtivesse o mesmo patamar de graduação que os estudantes brancos, após a conclusão dos estudos os não brancos entrariam em desvantagem no mercado de trabalho em decorrência da sua cor. Há um peso de responsabilidade para o negro, no qual ele preciso ser “o melhor”, aquele que nunca comete falhas, para garantir sua visibilidade e ser reconhecido socialmente. Assim, embora o elemento raça não apareça concretamente como impedimento para a ascensão dos negros e negras na sociedade, ele se constitui como elemento camuflado 5 de racismo. São elementos quase imperceptíveis, mas que fazem a diferença, por exemplo, quando se vai ingressar no mercado de trabalho (SILVA, 2012). No que se refere especificamente a relação da mulher no universo acadêmico, percebe- se que nos anos iniciais, há uma sobreposição de mulheres em relação aos homens. Quando se chega, porém aos graus superiores, nota-se pouca ou quase nenhuma presença do segmento racial negro. Em determinadas situações, a presença de negros e negras encontra-se direcionada a cursos de menor prestígio na sociedade, e em se tratando exclusivamente da presença feminina, autores como Queiroz (2001), ressaltam que o campo científico ainda é marcado pelo sexismo e a falsa ideia de que fazer ciência é somente privilégio do sexo masculino. Historicamente, nossa sociedade ao hierarquizar raça e gênero, criou uma também uma série de privilégios, no qual o segmento racial negro e a grande maioria das mulheres ficam em situação desprivilegiada (SILVA, 2012). Dessa forma, às mulheres negras foi reservado lugares menos privilegiados na pirâmide social como, por exemplo, o de empregadas domésticas ou babás em casas de família (CARNEIRO, 2003). O rompimento dessa cadeia é conseguido através de muita superação e resignação. Tal atitude também pode ser compreendida a luz da resiliência que seria essa capacidade de dar a volta por cima e resistir apesar de todos os obstáculos. Quanto maior o nível de ensino, menor a probabilidade de se encontrar mulheres negras no exercício da docência. Quando alcançam esse espaço, a todo o momento, precisam mostrar que são capazes para ocupar o cargo, desempenhando esforço além dos demais para que sejam reconhecidas (SILVA, 2012). Nesse percurso, cada uma, cria por si própria, estratégias de sobrevivência para conseguirem se manter em meio a competitividade. A ideia dos campos em disputas, discutido em Bourdieu (1996), é bastante válida para se compreender como essas estratégias são elaboradas. Consta nessa luta, o volume de capitais culturais, social, cultural que cada indivíduo dispõe em sua trajetória. No que se refere às mulheres negras, é necessário reconhecer que dentre as múltiplas questões que as diferenciam, têm também que lidar com o campo das questões de gênero e questões raciais. 6 De acordo com dados do Relatório Anual da situação da mulher, apesar de ter tido um grande avanço significativo na participação dos vários segmentos na escolarização, as hierarquias de gênero e raça ainda prevalecem. Em 2012, quanto mais elevado o nível de ensino, maior era a desigualdade entre mulheres brancas e mulheres negras, de um lado; e, entre homens brancos e homens negros, de outro. Embora as taxas de frequência entre todos os segmentos populacionais tenham se elevado nos últimos anos, houve poucos avanços no sentido da reversão desse padrão de desigualdade. Assim, 24,6% das mulheres brancas e 19,7% dos homens brancos de 18 a 24 anos frequentava o ensino superior, enquanto somente 11,6% das mulheres negras e 7,7% dos homens negros nessa faixa etária o faziam. Da mesma forma, as mulheres são 57,2% das/os matriculadas/os e 61,2% das/os concluintes de cursos de graduação do ensino superior. O sucesso excepcional de alguns indivíduos que escapam ao destino coletivo dá uma aparência de legitimidade à seleção escolar, e dá crédito ao mito da escola libertadora junto àqueles próprios indivíduos que ela eliminou, fazendo crer que o sucesso é uma simples questão de trabalho e de dons Bourdieu apud Silva (2012). Culturalmente e historicamente, há todo um mito fundante na sociedade que atribui aos negros, falta de capacidade intelectual e desempenho que a todo o momento, têm que provar que são capazes de exercer determinada função. Eu tenho que mostrar para todo mundo que sou boa e isso independe da minha cor. Fazer um esforço maior do que qualquer outra pessoa. Tal atitude é preocupante, pois demonstra certo que conformismo ou aceitação do mérito individual como algo que diminuísse as hierarquias sociais. Sobre o racismo camuflado, como as situações são na maioria das vezes de forma disfarçada, sutil e mais pelo lado da subjetividade, fica difícil entrar em confronto direto. Para Vera, mesmo tendo alcançado um status na sociedade, não deixa de passar por situações constrangedoras de racismo, mostrando assim que racismo independe da condição de classe como afirmavam e afirmam adeptos a democracia racial. Como dizia Beauvoir biologia não é o destino. A ideia do rompimento de uma cadeia de situações o qual se abre novas possibilidades de inserção em nossas trajetórias. Rompe com o determinismo e com a ideia da naturalidade das coisas. 7 Mulher (es) e ciência A concepção de gênero refere-se à maneira de compreender as desigualdades entre os sexos desmistificando as relações sociais e as relações de poder entre os mesmos. Segundo Louro (1992), tal concepção está relacionada à ideia de sujeitos identidades e sua imersão na sociedade a depender do tempo e da cultura. Dessa forma, gênero pode ser entendido como uma construção social e histórica que ocorre envolvendo o corpo do homem e da mulher além de sua dimensão biológica. Por se tratar de uma dimensão histórica e social, as relações entre homens e mulheres e o conceito de masculino e feminino são plurais e diversificados até mesmo em uma mesma cultura em função da classe, religião, raça, idade etc. Ademais, considerar as questões de gênero enquanto construções que fazem parte da identidade dos sujeitos é, ao mesmo tempo, considerar que essa construção é dinâmica e se transforma ao longo dos anos a depender do contexto histórico e cultural. A ideia de um sujeito dotado de uma identidade única, que antes era defendida no Iluminismo, já não se fundamenta de fato. A noção de imutabilidade e continuidade foi, assim, se descentrando e desfragmentando por vários motivos, desde a globalização, movimento feminista, pensamento marxista e a psicanálise freudiana, colidindo com uma nova forma estrutural de se conceituar a identidade no sentido amplo e complexo, não única, mas plural, constituída a todo o momento e multiplicando as noções de sujeito. Segundo Welzer-Lang (2001), a dominação não deve ser analisada como um bloco monolítico onde tudo está dado, onde as relações se reproduzem ao idêntico. Mas, a análise, tanto global quanto a que se interessa por um campo específico ou por interações particulares, deve articular o quadro global, societário, e as lutas objetivas ou subjetivas das mulheres e de seus aliados que visam a transformar as relações sociais de sexo, logo a modificar a dominação masculina. De acordo com Butler (2008), não se pode considerar mulher no singular, assim como não se pode considerar masculinidade apenas. Sobre essas categorias, incidem tantas outras que se inter-relacionam, pluralizando as desigualdades. Admitem dessa forma, que mulher ainda que mulheres formem um grupo, não pode ser analisada somente no 8 plural, pois há distintas e diversas formas de ser mulher, com identidades e posições sociais diferentes (HUIJG, D. D, 2007). É por essa abordagem que se encontram as reflexões e discussões das feministas negras e de trabalhos sobre mulheres negras. Os primeiros debates iniciaram-se com as feministas negras norte americanas ou mulheres de cor no final dos anos 70 e início dos anos 80, época também conhecida também por second wave (segunda onda) (CALDWELL, 2010). As principais críticas estabelecidas por essas junto aos movimentos feministas, e o próprio movimento negro, se referem a não representatividade junto aos anseios e lutas desenvolvidas em ambos os movimentos (AZEREDO, (1994); RIBEIRO (1995), CALDWELL (2000); CARNEIRO, (2003); MENEGHEL et al. (2005), WERNECK (2010). Ou seja, ainda que as desigualdades de gênero existam, a dimensão da diferença (racial), estabelece uma dupla discriminação das mulheres negras junto à sociedade. De acordo com Ribeiro (2004), no movimento feminista as dificuldades de lidar com a diversidade existente entre as mulheres (por exemplo, as diferenças raciais, étnicas, de condições sociais, de orientação sexual, de geração ou culturais) e mesmo de ter uma visão mais ampla dos processos organizativos vieram a reforçar a imagem feminista como branca, de classe media, intelectualizada. Sendo assim as questões raciais e étnicas passam a ser vistas como responsabilidade das mulheres negras. Já no movimento negro as criticas partem das generalizações atribuídas aos sexos, e acabam por representar anseios de uma sociedade machista. De acordo com Ribeiro (1995), as mulheres negras sempre estiveram presentes no movimento, porém suas questões especificas foram secundarizadas. Aqui no Brasil, tais discussões vieram á tona a partir dos anos 80 com as obras de Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Sueli Carneiro, Thereza Santos, Edna Roland, Luiza Bairros e Fátima Oliveira (Caldwell, 2010). De acordo com Azeredo (1994), tais debates ainda são bastante tímidos e silenciados do que em relação à militância presente nos Estados Unidos. As explicações para a pouca discussão, segundo Barreto (2005), poderia ser a presença ainda do mito da democracia racial, onde de forma sutil o 9 racismo aparece menos latente do que nos Estados Unidos, tensões de caráter racial tendem a ser minimizadas ou ignoradas. De acordo com Giacomini (1988), durante a escravidão a imagem da mulher negra era realçada por três tipos sendo eles: mãe-preta, ama de leite e objeto de desejo.. Nesse período, tratada como coisa ou propriedade de seu senhor, era impossibilitada de viver enquanto sujeito. Além disso, as mulheres cativas, frequentemente eram destinadas a necessidades e serviços da casa-grande, servindo, entre outras atribuições, como ama- de-leite, e objeto sexual. Exclusivamente na casa-grande, a poder e vontade masculina, eram forçadas a satisfazer a libido do senhor e dos filhos destes. Por sua vez, as senhoras sentiam-se ameaçadas por essa proximidade entre senhores e escravas, e infligiam muitos castigos corporais (GIACOMINI, 1988). Das heranças desse trágico período histórico, a autora destaca a negação da identidade negra ou a dificuldade de inserção no mercado de trabalho. Na pesquisa desenvolvida e publicada por várias organizações dentre elas: Rede de Desenvolvimento Humano, Redeh, no projeto Mulher, 500 anos atrás dos panos. sobre Mulheres Negras no ano de 2004, assim como nas análises de Giacomini, salientaram que as mulheres negras estiveram presentes em vários momentos e em diferentes papeis, ora como escrava sexual, ama de leite, vendedoras ambulantes a peças chaves na articulação de movimentos revolucionários como a formação dos quilombos (SCHUMAHER, 2007). A crítica que é feita nessa publicação bem além da condição de objeto durante a escravidão se refere ainda há invisibilidade e ao desprestígio dessas mulheres na reconstituição na História brasileira. Ademais, os ranços históricos desse momento de identidade de mulheres negras, ainda prevalecem de forma nítida principalmente com relação aos poucas oportunidades no mercado de trabalho e autonomia dessas mulheres. Conforme salienta Theodoro (2008), após o término da escravidão a mulher negra passou a atuar como viga-mestra das famílias e das comunidades negras, arcando com o sustento moral e com a subsistência dos filhos. Saiu da senzala para cortiços, tornando-se mulher da cama e mesa, ora servindo ao seu companheiro, ora servindo o patrão que antes encarnava o papel de senhor, além de servir à patroa que antes era a sinhá. 10 Atuando no século XX como empregada ou babá, viabiliza a emancipação da mulher branca, por permitir a sua saída de casa para ocupar as universidades e trabalhar nas repartições públicas. Elas são a síntese da dupla discriminação de sexo e cor na sociedade brasileira: mais pobres, em situações de trabalho mais precárias, com menores rendimentos e as mais altas taxas de desemprego (DIEESE, 2005). O trabalho doméstico ainda é, desde a escravidão negra no Brasil, o lugar que a sociedade racista destinou como ocupação prioritária das mulheres negras. Nele, ainda são relativamente poucos os ganhos trabalhistas e as relações se caracterizam pelo servilismo (RIBEIRO, 2004). Transpondo as discussões de gênero para o âmbito educacional e científico, temos algumas peculiaridades. Como bem destaca Melo et al, (2004), a posse de um diploma ainda é uma das vias de formação e oportunidades para a maioria da população que deseja ocupar um posto no mercado de trabalho. Apesar de haver uma feminização do espaço escolar, a medida que se avança os níveis de ensino, menos chances existem de serem encontradas a participação feminina. (BORDI, BAUTISTA, 2007). Há diferenciadas relações e atribuições de papéis nos quais mulheres e homens, vem ocupando posições diversificadas e desiguais no mercado de bens simbólicos. Dessa forma, há um acúmulo de estudos e pesquisas que apontam que há uma tendência a identificar a ciência como algo exclusivamente masculino. Como destacam as autoras (BORDI, BAUTISTA, 2007): “las ciencias son para los varones y el servicio para las mujeres”; as mulheres que logram a ingressar no espaço, rompem com uma cadeia lógica de normalidade, quebrando paradigmas de competência e destino profissional. Toda essa “identificação” é parte de um contexto maior de resquícios ainda da hierarquização de papéis masculinos e femininos na sociedade. De forma simbólica, homens e mulheres já nascem com determinadas ideias do que é lugar de mulher e o que é lugar de homem, e isso reflete nas atitudes, conquistas e projetos. É o que Bourdieu (2005) chamaria de submissão encantada ou uma socialização desde sempre realizada para manter os corpos em ordem na perspectiva de Foucault em Microfísica do Poder (2007). Ancorado as construções culturais sobre as questões de gênero, é válido destacar algo evidenciado pelas pesquisadoras Bordi e Bautista, 2007; que para o sexo masculino não 11 impera a questão biológica da maternidade. Para eles, não há diretamente a necessidade de combinar o desenvolvimento profissional com a maternidade e o cuidado do lar, como o é para as mulheres. Dessa forma, isso lhes garante uma maior disponibilidade de assumir cargos de decisão nas instituições e dedicarem a carreira acadêmica. Infelizmente, os programas de avaliação de produtividade não consideram estas distinções em seus instrumentos. Todos, homens e mulheres, estão sujeitos à avaliação mesmos controles, produzindo desigualdades sociais nos estímulos que são dadas a esses esforços individuais. Muito poucos são o espírito em busca da igualdade de gênero, como se observa a nível nacional através do Sistema Nacional de Pesquisadores (SNI), do Ministério de Educação Pública (SEP) e do Consejo Nacional de Ciencia y Tecnología (CONACYT).” (BORDI; BAUTISTA, 2007, pág. 583 ). Tendem a encontrar mulheres em atividades de pesquisas que não esteja relacionadas a permanência em laboratórios já que em grande parte são mulheres casadas e com filhos (BORDI; BATISTA, 2007). As autoras chamam a atenção para a maternidade que aparece como marco que distingue lugares de pertença para homens e mulheres na sociedade. E isso há de ser levado em conta quando se analisa e se estuda os critérios de produtividade para os mesmos. A diferencia de los varones, quienes no se preocupan en tomar decisiones personales (matrimonio, número de hijos, edad para embarazarse) para planear una carrera científica, se encuentra que, para las mujeres, estas decisiones son cruciales. Si las mujeres deciden comenzar la maternidad a un edad moderadamente temprana (antes de los 30) y aún no han iniciado su carrera científica, ésta la postergarán hasta que sus hijos e hijas hayan alcanzado al menos la edad de secundaria. Pero si ya se encuentran en esa carrera de las ciencias y la tecnología, tanto su productividad como su superación profesional se verán seriamente detenidas. La mayoría observará cómo sus compañeros de trabajo serán más valorados por sus logros en las ciências (BORDI, BATISTA, 2007, pág. 593). Essa situação não modifica no contexto brasileiro, ao passo que o sistema patriarcal que legitima os papéis de gênero, ainda não foram desmistificados. Como bem evidenciado por Carvalho e Casagrande, 2011; ainda hoje, há um descompasso entre a trajetória profissional despendida por homens e mulheres no mercado de trabalho, de modo que as mulheres ainda são as que assumem o papel da casa, do cuidado dos filhos e dos idosos o que acaba implicando em sua saída para o espaço público. 12 Essa constatação nos remete a pensar sobre os requisitos nacionais para mapear a produtividade científica masculina e feminina. Como os órgãos de fomento intentam validar e certificar produtividades? Seria a mesma para ambos os sexos? Em quais áreas mulheres se apresentam em sua maioria? De que maneira adotar uma perspectiva de gênero e raça para se pensar a equidade de mulheres e homens no universo científico? Com relação a questão racial, é válido considerar que recentemente, a Plataforma Capes que registra currículos de pesquisadores, passaram a colocar no perfil a identificação pelo quesito racial. Além dessas questões, as autoras evidenciaram que há certa divisão por gênero de carreiras na universidade, onde os homens estariam ligados diretamente a ciência dita dura e as mulheres as áreas no qual se tem uma restrita interação com o cuidado ou as falácias do estereótipo do que é ser feminino. O que pode ser interpretado também como a extensão do serviço doméstico das mulheres no mundo privado para o espaço público. Tais informações trazem a necessidade de se pensar em políticas publicas que possam garantir uma maior equidade e paridade entre mulheres e homens no âmbito cientifico. Concretamente para los hombres solteros y casados no hay contradicción ni tensión entre el éxito privadofamiliar y el éxito público-profesional. Sin embargo, en las mujeres solteras y casadas existe esta tensión, por la política sexista del sistema y la carencia de un contexto democrático que propicie la participación igualitaria de mujeres y hombres tanto en lo privado como en lo público. Por consiguiente, es manifiesta la importancia de implementar políticas institucionales de igualdad, tanto en el ámbito educativo-académico, como en el público-político (BORDI, BATISTA, 2007, pág. 605). Inúmeras são situações já evidenciadas por pesquisadoras de mulher e ciência que compõe detalhadamente o quadro das hierarquias criadas e recriadas ao longo dos tempos. De acordo com (SCHIEBINGER, 2001; apud Carvalho e Casagrande, 2011), as mulheres eram proibidas de frequentar lugares públicos, entrar em bibliotecas, universidades, publicar resultados de suas pesquisas ou discutir em posição de igualdade sobre seus conhecimentos com os cientistas. Muitas produziam conhecimento em laboratórios dentro de seus lares e os resultados de seus estudos eram divulgados com nomes de seus irmãos, pais ou maridos ou algum outro representante masculino, pois aos homens era permitido produzir conhecimento científico. Algumas usaram pseudônimos masculinos para poder comunicar-se com outros cientistas, serem ouvidas 13 e respeitadas. Outras foram criticadas, discriminadas, perseguidas, humilhadas por estarem transgredindo regras que eram rigidamente impostas às mulheres da época. (pág. 23) Todas essas “limitações” fazem com que as trajetórias para mulheres e homens se diferenciem, principalmente quando se tem em vista que as mulheres se inserem na vida cientifica de uma forma tardia (CITELI, 2000). Sendo que o processo para serem reconhecidas é também diferenciado quando se compara ao universo masculino (COSTA, 2006). Ao passo que ainda com todos os vieses a presença feminina no espaço cientifico, quando se articula questão de gênero com a questão racial, nota-se uma situação bastante emblemática para mulheres negras. Enquanto mulheres brancas reivindicam reconhecimento no universo acadêmico, as mulheres negras caminham na perspectiva de serem integradas no mercado de trabalho para além do espaço de trabalhadoras domésticas. Sendo assim, é importante destacar que a categoria “mulher”, embora mulheres formem um grupo, não é um grupo singular, pois as mulheres são também diferentes, com identidades e posições sociais diferentes “que fazem a diferença” (HUIJG DYI, 2007). Há inúmeros trabalhos que tratam da questão de gênero, ciência e tecnologia, mas poucos que trazem a particularidade de gênero concomitante a questão racial. Essa é uma discussão ainda incipiente nos debates acadêmicos, condicionada também a ausência de dados concretos junto aos bancos de dados científicos no país. Resultados e discussões Até o presente momento foram realizadas 6 (seis) entrevistas, dentre os principais marcadores citados pelas entrevistadas, tem-se o lugar de onde veem (na grande maioria das camadas populares), e a sutileza de racismo e sexismo no cotidiano profissional. Com relação à idade de ingresso junto as universidades e a entrada no mercado de trabalho notam-se que há um espaço longo demarcado por escolhas, negociações familiares até o ápice da carreira, como já dito isto estaria diretamente relacionado aos papéis familiares que mulheres assumem dentro da esfera privada. 14 Olhando a faixa etária das professoras entrevistadas e a entrada no mercado de trabalho, nota-se que em sua grande maioria tiveram que romper a trajetória profissional por causa do cuidado da casa, dos filhos ou dos maridos. Para as mulheres solteiras, a caminhada acadêmica surte de maneira mais fluida e sem as nuances dos vários papeis que o feminino deve se comportar. Além desse contexto, o fato de estarem inseridas em um ambiente familiar que de certa forma lhes empoderasse a tal modo incentivando a sua formação acadêmica, foi de primordial valia nas várias trajetórias recontadas. Essa ideia de família citada aqui, não se restringe somente a figura pai, mãe e irmãos (ã), mas os vários arranjos e rearranjos possíveis que fornecem determinados atributos de proteção, acolhimento e encorajamento dos que dela fazem parte. Por se tratar de um estudo focado nas relações raciais e ser realizado por professoras negras, para colegas cientistas, é uma ciência inválida que implica a não veracidade quando realizada por outras pessoas. Essa situação de boicote, indiferença para com as professoras negras, foi algo recorrente para a grande maioria das entrevistadas. Outro fato interessante citado pelas entrevistadas diz respeito a solidão da mulher negra que ousa entrar em um espaço de privilégios do sexo masculino. Foram citados momentos em que as mulheres foram rejeitadas pelo coletivo na academia por estudarem temáticas relacionadas a suas trajetórias. No decorrer da trajetória como estudante até chegar a imersão no universo acadêmico como docente, grande parte das entrevistadas contou com o apoio e incentivo de familiares, professores e amigos. Tiveram que conciliar duplas ou às vezes triplas jornadas de trabalho, a saber: mãe, trabalhadoras e estudante do ensino superior. Dessa forma, é interessante destacar que para além do esforço individual, houve um somatório de forças exteriores que contribuíram para que houvesse rompimentos e novas inserções no universo profissional. Quanto a presença de mulheres negras no espaço universitário, percebe-se que esse é um espaço de arranjos e rearranjos, no qual docentes negras na maioria das vezes sentem a solidão de militarem por suas respectivas causas. Partem assim, em busca de parcerias que possam contribuir no debate de ideias sobre questões raciais, haja vista que há um olhar desviado sobre mulheres negras docentes pesquisando assuntos relacionados a temática racial, foi o caso relatado por uma das entrevistadas a professora 15 Bakhhitah. Ousamos a questionar se fosse outras temáticas se a percepção dos docentes seria diferente. Será que o incomodo seria por se tratar de uma temática racial e de gênero? A resposta para tal postura pode ser explicada em partes pela dificuldade que alguns espaços da sociedade possuem de reconhecer a existência do racismo e sexismo nas relações sociais. Tende-se tornar-se menos problemática a questão de modo a minimizar e extinguir qualquer debate sobre tal assunto. Essa é a uma das variadas formas de camuflar racismo e sexismo e até mesmo a negar a existência dos mesmos se configurando em uma das formas mais eficazes de se distinguir pessoas por suas características fenotípicas e sexuais. Foi citada também a importância da representação e representatividade quando se pensa em posições galgadas por mulheres negras e a referencia para seu grupo racial. Como bem colocado por uma das entrevistadas, “uma sobe e puxa a outra” ou “As nossas trajetórias só vão fazer sentido quando forem coletivas”. Ambas as falas, comunga com toda a trajetória anterior ao universo acadêmico que uma das docentes travou em espaços de militância junto a movimentos sindicais e de mulheres negras antes da entrada na academia enquanto professora universitária. Relata assim, seu compromisso com a coletividade e a responsabilidade de arrastar demais mulheres junto aos espaços que ela já inseriu. Trata-se de ajudar a diminuir o impasse histórico de pouca representatividade de mulheres negras em espaços de poder. Vale ressaltar que trata-se uma docente com um diferencial em sua carreira que diz respeito a experiência de candidatura para reitora em uma universidade estadual. Sua fala remonta de um lugar marcado por disputa, luta e política. Dentre os principais desafios encontrados, tem-se a expressiva constatação por todas as entrevistadas de que “o racismo continua a existir mesmo que tenha uma ascensão social. Ascensão social não protege contra o racismo”. 16 Considerações Finais Pelo que foi encontrado até o presente momento, é notório a constatação de que hierarquias raciais e de gênero ainda imperam no espaço acadêmico, convergindo em novos desafios e modos de atuação para professoras negras. Nesse espaço, o esforço despendido para serem reconhecidas e aceitas como pesquisadoras é visível, demonstrando assim que ainda há muito o que ser superado para que possam ter as mesmas trajetórias profissionais com relação aos demais docentes da mesma instituição. Além do mais, faz se conhecer através de suas trajetórias, a inserção na maioria das vezes tardia para esse segmento nas carreiras superiores, enunciando a necessidade de políticas de ação afirmativa que possam equiparar a presença de negros e negras também na carreira profissional do ensino superior. Por fim, há que se destacar que as nuances relatadas pelas professoras negras, fazem parte de uma discussão de um contexto maior onde cotidianamente se enfrentam situações de racismo e sexismo, para além da posição que ocupam. O fato de ocuparem uma determinada posição no mercado de trabalho, não as isenta de sofrer pelas mesmas ações vivenciadas pela maioria de mulheres negras que vivem na invisibilidade. Referencias AZERÊDO, Sandra. Teorizando sobre gênero e relações raciais. Estudos Feministas. Rio de Janeiro, nº Especial. p. 203-216. 1994. Disponível em: < http://www.ieg.ufsc.br/admin/downloads/artigos/08112009-064854azeredo.pdf> Acesso em: 15/04/2015. BARRETO, Raquel de Andrade. 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