Marcella Bacha - A Baleia em primeira pessoa: iconografia, história, cultura e memória

March 28, 2018 | Author: Marcella Bacha | Category: Whaling, Homo Sapiens, Thought, Museum, Interdisciplinarity


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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIROCentro de Ciências Humanas e Sociais – CCHS Escola de Museologia A BALEIA EM PRIMEIRA PESSOA: ICONOGRAFIA, HISTÓRIA, CULTURA E MEMÓRIA MARCELLA FAUSTINO FERNANDES BACHA RIO DE JANEIRO Dezembro 2013 2 MARCELLA FAUSTINO FERNANDES BACHA A BALEIA EM PRIMEIRA PESSOA: ICONOGRAFIA, HISTÓRIA, CULTURA E MEMÓRIA Trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, como requisito parcial para obtenção de grau de bacharel em Museologia. Orientador: Prof. Ms. Anaíldo Bernardo Baraçal Coorientadora: Ms. Solange de Sampaio Godoy Coordenadora da Disciplina: Avelina Addor RIO DE JANEIRO-RJ Dezembro 2013 3 BACHA, Marcella Faustino Fernandes. A baleia em primeira pessoa: iconografia, história, cultura e memória / Marcella Faustino Fernandes Bacha. Rio de Janeiro: UNIRIO/CCH/Escola de Museologia, 2013. 91 p. Bibliografia. Trabalho de conclusão de curso apresentado à Escola de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Orientador: Prof. Ms. Anaíldo Bernardo Baraçal. 1. Cultura dos animais. 2. Baleia. 3. Teoria Museológica. 4. Cultura da baleia. 5. Testemunhos. (Graduação – UNIRIO/CCH/ à Escola de Museologia). 4 MARCELLA FAUSTINO FERNANDES BACHA A BALEIA EM PRIMEIRA PESSOA: ICONOGRAFIA, HISTÓRIA, CULTURA E MEMÓRIA Trabalho de término de curso apresentado à Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, como requisito parcial para obtenção de grau de bacharel em Museologia. Banca Examinadora _______________________________________ Prof. Ms. Anaíldo Bernardo Baraçal Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro _______________________________________ Prof. Avelina Addor Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro _______________________________________ Prof. Dr. Bruno César Brulon Soares Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro RIO DE JANEIRO, 06 DE DEZEMBRO DE 2013 5 “O começo de todas as ciências é o espanto de as coisas serem o que são.” (Aristóteles) 6 Para Dy (in memorian), Megan, Eloah e Zeca, os quais mais me inspiram nessa caminhada; Carlos Bacha, Sonia Faustino e Elza Bacha, os que me possibilitaram chegar até aqui; às baleias, que me mostraram uma pureza de coração que eu ainda não conhecia. 7 AGRADECIMENTOS Muitas foram as pessoas envolvidas na realização dessa pesquisa, e reconhecer o carinho e o interesse de cada uma delas é o mínimo que eu poderia fazer para demonstrar sua importância para o alcance dos resultados. Antes de qualquer nome eu quero agradecer a Deus por ter me iluminado, me inspirado e me ajudado a vencer todas as batalhas que encontrei pelo caminho. Obrigada pela saúde e perseverança que foram de extrema valia. Aos meus pais, Carlos Bacha e Sonia Faustino, por toda a ajuda e paciência que tiveram ao longo desta etapa, e ainda por se entregarem ao novo junto comigo. Ao meu orientador, Anaíldo Baraçal, por participar e me motivar durante o processo que resultou nesse trabalho, por acreditar em mim e no meu tema e por ter sido peça fundamental para que essa etapa fosse concluída com um resultado positivo. Minha mais sincera gratidão pela amizade, pela dedicação, compreensão e pelas trocas proveitosas que realizamos. À minha coorientadora Solange Godoy, por estar sempre presente em meus momentos de dúvida, por acreditar e confiar em mim, por aceitar este desafio e ser receptiva a novas ideias. Minha admiração e gratidão por sua amizade que me manteve firme em todos os momentos de dificuldade. À professora Avelina Addor, pelo apoio e compreensão nas etapas de produção desse trabalho. Ao eterno diretor da Escola de Museologia da Unirio, Ivan Coelho de Sá, pelo incentivo e por me ensinar a ser perseverante e a ter foco e fé nos meus objetivos. Aos amigos de trabalho do Museu Histórico Nacional, Luis Carlos Antonelli e Liane Maia, os que participaram do nascimento dessa proposta, e que contribuíram em todas as etapas deste sonho que realizei. Obrigada pela amizade, confiança e incentivo. Vocês foram meus alicerces. À minha grande amiga, Anna Carolina Predes, o meu eterno agradecimento pelo apoio dado a este trabalho, pelo incentivo e por ter feito a gentileza de traduzir parte dos textos pra mim. A todos os meus amigos de convivência diária, pelo interesse constante em encaminhar informações sobre minha pesquisa, por lembrarem-se de mim sempre que 8 viam representações de baleia em algum lugar, e por serem tão pacientes nos meus momentos de nervosismo, em especial a Raphael Muniz. Aos professores Anita Correia Lima (História/UNIRIO) e Wellington Castellucci Jr. (História/UFBA) pelo interesse, atenção e disponibilidade. A Paulo Guilherme Alves – Pinguim (Divers for Sharks) e José Truda Palazzo Jr. pelo interesse, pelas informações fornecidas e pela atenção dedicada. Minha eterna admiração ao maravilhoso trabalho realizado por vocês. Minha sincera gratidão a Nadine Bittencourt (Divers for Sharks), Jociery Parente (Fundação Mamíferos Aquáticos), Karina Tavares (Prefeitura de Búzios), Carla Ennes (Prefeitura de Rio das Ostras), Camila Bellini, Luiz Albuquerque (Sea Shepherd), Guilherme Ferreira (Sea Shepherd) e Guilherme Dutra (Conservação Internacional), pelos artigos e bibliografias recomendadas. Por último, e não menos importante, obrigada as baleias por serem seres tão encantadores, que foram capazes de despertar tudo de melhor que eu já produzi na vida, que foi esse trabalho. 9 RESUMO O levantamento iconográfico de testemunhos que remetam à presença da baleia no Brasil foi a etapa que compôs o início de elaboração deste trabalho. A análise desse levantamento e a abordagem dos aspectos históricos da pesca da baleia desde a colonização traça uma breve trajetória de sua história. Essas informações aliadas aos novos estudos que têm sido realizados em todo o mundo, serviram de embasamento para corroborar a ideia de que as baleias são animais que tem capacidade de promover cultura. Seguindo essa linha de pensamento, é apresentado o pensamento antropocentrista como responsável pela situação de desequilíbrio em que o planeta se encontra, sofrendo com as relações de poder que o homem promove sobre todas as espécies. Considerando esse cenário que vivenciamos no mundo atual, propõe se uma mudança de olhar, com a baleia deixando de ser vista como um ente a ser caçado e passando a estar em situação de equilíbrio com o homem. Com isso, é discutido o modo como a museologia pode quebrar paradigmas e promover uma mudança de olhar nas exposições, no âmbito da escolha do que deve ser musealizado e como poderia ser apresentada a cultura da baleia segundo os alicerces museológicos atuais. Palavras chave: cultura dos animais, baleia, teoria museológica, cultura da baleia, testemunhos 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10 1. A BALEIA COMO MATÉRIA PRIMA ......................................................................... 19 1.1 O início da baleação no Brasil ........................................................................................ 20 1.2 Recursos extraídos das baleias .................................................................................... 23 1.3 O fim da pesca da baleia no Brasil ....................................................................... 26 2. TESTEMUNHOS E ICONOGRAFIA DA PRESENÇA BALEEIRA E DE SUA RELAÇÃO COM O HOMEM .............................................................................................. 28 2.1 Homem e baleia – uma relação desde a pré-história ....................................................... 28 2.2 Testemunhos e iconografia do extermínio no Brasil .................................................. 30 2.3 Iconografia internacional – Nantucket ................................................................. 42 3. A CULTURA DAS BALEIAS ........................................................................................... 47 3.1 O antropocentrismo e o pensamento judaico-cristão formando paradigmas e o despertar do ecocentrismo .................................................................................................... 47 3.2 A cultura da baleia: origem, comportamento e identidade ........................................ 54 3.3 A relação entre o homem e a baleia antes da era cristã e do pensamento antropocêntrico .................................................................................................................. 72 3.4 A importância da memória para consolidar a ideia de cultura das baleias ..... 73 4. MUSEOLOGIA, MEMÓRIA E CULTURA BALEEIRA ............................................. 77 4.1 Museologia e interdisciplinaridade ................................................................................ 77 4.2 Conceitos necessários ................................................................................................ 80 4.3 A importância do reconhecimento e preservação da memória ............................ 84 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 88 GLOSSÁRIO .......................................................................................................................... 90 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 93 11 INTRODUÇÃO O tema deste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Museologia, da Escola de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO, relacionado com a cultura dos animais e, em recorte específico, à cultura das baleias, foi eleito para ser estudado devido a um interesse pessoal. Durante visita ao Museu Histórico Nacional – Instituto Brasileiro de Museus/Ministério da Cultura (IBRAM/MinC), um dos ovais de Leandro Joaquim me atraiu a atenção: Pesca da Baleia na Baía de Guanabara, pintura em óleo sobre tela, datada de final do século XVIII, com número de registro SIGA 021011. Desde então, surgiu a necessidade de entender como ocorreu esse processo de caça à baleia no Brasil, que teve início no período colonial. Juntamente com esse interesse veio a busca de informações, o contato com profissionais de diferentes áreas como: história, biologia, ecologia e principalmente ativistas e responsáveis por organizações não governamentais - ONGS de proteção ao ecossistema marinho e baleias, contribuíram com a troca de experiências, envio de textos, entre outras colaborações que foram fundamentais para o desenvolvimento e seguimento da pesquisa. Com o aprofundamento do estudo, foram sendo levantados dados referentes ao contexto que se apresentava; o conhecimento do massacre que esses animais sofreram na costa brasileira e os testemunhos desse momento histórico que está no cotidiano social de importantes cidades do litoral brasileiro (se manifestando em nome de ruas, bairros, edifícios e monumentos) e não podem ser identificados pela população local pois essa informação não é de conhecimento público. Com o levantamento de todas essas questões se manifestou de maneira emergencial a necessidade da sociedade conhecer essa realidade que marcou a história Brasileira, mas está sendo esquecida. Nesse momento, o TCC foi pensado para pontuar esses locais que tem evidências da baleia e apresentar como e porque ocorre essa relação, apresentando então as “memórias da presença da baleia no Brasil”, até então o título inicial da pesquisa. Os focos de abordagem da questão da memória baleeira partiram de uma visão museística e patrimonial clássica: 1) Primeira relação Homem x Baleia 2) Testemunhos e iconografia do extermínio no Brasil 3) Iconografia Internacional - Natucket 12 No último caso será apresentada a localidade de Natucket, nos Estados Unidos da América do Norte, que tinha a atividade baleeira com grande destaque e fez parte do cenário de Moby Dick (livro de Herman Melville, de 1851, filmes de John Huston, 1956, de Francis Ford Coppola, de 1998, e ainda o de Trey Stokes, de 2010, a série de animação, de Hanna Barbera, a partir de 1967, e música de Led Zepelin, em álbum de 1969). A região é repleta de iconografia baleeira em diversas dimensões e nos mais inusitados lugares, fazendo referência a esse momento histórico dominado pela caça a baleias já em declínio na economia do vilarejo à época da edição do romance. Após os apontamentos a respeito de testemunhos relacionados com a presença da baleia no Brasil, foi levantada uma importante questão: a população se identifica com esses locais/objetos? Eles conseguem associar a nomenclatura do lugar à presença das baleias por ali? A resposta é previsível e envolve a motivação inicial da pesquisa – apresentar para as pessoas a história do que foi feito com as baleias – pois não, a grande maioria da sociedade não faz nenhum tipo de correspondência entre nomes e fatos. Essa conclusão transformou parcialmente a pesquisa, que pretendia tratar diretamente das “Memórias da presença da baleia no Brasil”, mas por necessidade social precisa tratar de Testemunhos da presença da baleia no Brasil, pois a memória não está consolidada e real na vida das pessoas então nesse momento só poderão ser coletados os testemunhos que serão apresentados a sociedade. O objetivo é que, o despertar de uma consciência ambiental dote as pessoas dessa memória, e possam se lembrar dessa questão em seu dia a dia ao passarem em lugares representativos. Com o aprofundamento no estudo, tornava-se mais evidente a crueldade com que foi tratado o sacrifício das baleias, e afastado da sociedade alienada sobre essa parte de nossa história até os dias de hoje. Com sua complexa função cerebral, suas marcantes características, seus hábitos específicos, sua constituição cultural e seu caráter ordenador de instintos e necessidades, as baleias serão apresentadas como animais que lutavam apenas para ter seu espaço como um ser vivo respeitado. A noção de como o homem foi responsável pela matança de baleias na costa brasileira e as representações desse momento ampliaram o foco do trabalho, encaminhando o estudo para uma abordagem sobre a cultura da baleia, a sua identidade. A partir desse momento as baleias assumiram o papel de sujeito da pesquisa, elas passam a estar em primeira pessoa, apresentando suas características cognitivas e o seu modo de estabelecer relações e comunicações. A baleia não será mais tratada aqui como um animal dominado e atingido pelo homem, passando a ser apresentada como uma 13 espécie que tem seu papel no meio ambiente, seu modo de viver, sua cultura, suas particularidades. O antropocentrismo, isto é, a prática de o homem se considerar único e de se colocar no centro do universo está presente na sociedade e é responsável pelo modo tradicional de ver as coisas a partir da visão do próprio homem, mas este trabalho pretende se afastar desse modo de considerar os fatos. Esse pensamento prioriza o desenvolvimento do homem, entretanto ele não trata de maneira hierarquicamente próxima as outras espécies do ecossistema como animais e vegetais de todas as espécies de seres vivos, o que acabou contribuindo para o estado de desequilíbrio que tem se apresentado no planeta ultimamente. A base do pensamento antropocentrista tornou o homem capaz de praticar a caça às baleias do modo cruel como foi, com o objetivo de obter recursos. Até quando o antropocentrismo continuará a ser justificativa à sobrevivência do ser humano? Até quando a sociedade estará livre do esgotamento de recursos que esse modo de pensar proporciona? A baleia será estudada em quatro visões diferentes, como apresentado a seguir: a) As baleias como objeto de estudo (história) b) A situação Museística clássica – o estado de coisas (testemunhos) c) As baleias como sujeitos produtores de cultura (cultura das baleias) d) Museologia e novas perspectivas teórico-analíticas (a museologia e a cultura das baleias) Desse modo, esse trabalho irá apresentar conceitos museológicos, contribuindo para promover uma reflexão a partir da possibilidade da museologia incluir uma nova vertente de pensamento – a da cultura das baleias. As etapas a serem comprimidas nesse trabalho são pontuações sobre os testemunhos que remetem à memória da presença da baleia no Brasil, incluindo apresentação dos vestígios da caça e os rastros de sangue deixados pelo homem na formação da genealogia baleeira, visando despertar a população de seu estado de desconhecimento e propor um despertar para uma nova consciência museológica de reconhecimento da capacidade de promoção de cultura em não humanos. 14 JUSTIFICATIVA Esta monografia justifica-se por realizar uma abordagem diferenciada sobre a museologia, apresentando à luz do desenvolvimento do conceito que está sendo discutido nos dias de hoje que é o de “cultura dos animais”. A partir dessa ideia, propõe se pensar qual é o papel da museologia frente a essa realidade que está se desenvolvendo rapidamente em alguns países do mundo, e, aos poucos, vem ganhando espaço no Brasil. As ideias de antropocentrismo e teo-antropocentrismo têm sido justificativas que explicam e naturalizam o homem como explorador e dominador enquando desconsideram o valor de qualquer outra espécie de vida. Nesse cenário o ecocentrismo surgirá como uma saída defendida por alguns pensadores, como sendo a melhor alternativa de desenvolvimento equilibrado e sustentável para todas as espécies, onde o homem passaria de líder de uma cadeia para ser apenas parte integrante de um todo. O personagem dessa pesquisa será a baleia, que por séculos esteve presente, em grande número, no litoral brasileiro, e atualmente encontramos apenas alguns indivíduos isolados. A situação enfrentada por esses seres no momento de auge da pesca da baleia no Brasil, evidencia o aspecto histórico das práticas desse período, quando foi quase promovida a sua extinção, e o modo como o homem, fortemente influenciado pelo pensamento antropocentrista, agiu de maneira arbitrária em face dos cetáceos. Partindo desse pensamento serão apresentados alguns vestígios deixados pela baleia no Brasil, abordados na forma de apontamento de testemunhos, que caracterizaram de diversas maneiras a presença da baleia em diferentes momentos da formação do país. RELEVÂNCIA A relevância deste trabalho consiste em trazer à consideração uma nova maneira de se pensar a museologia, os museus, as espécies que compõem nosso ecosistema e a vida. A contribuição que a museologia pode dar no desenvolvimento do pensamento ecocentrista, juntamente com a proposição de trabalhar com os testemunhos da memória da baleia, tornando isso conhecível pela sociedade com um caráter de promoção da 15 memória baleeira e implicitamente auxiliando na conscientização da população sobre preservação e respeito a todos os seres viventes. A reflexão sobre a alteração do sujeito no momento de promover uma exposição museográfica, o reconhecimento de que o ser humano não é o único ser que promove cultura e o conhecimento de memórias promovidas pela destruição praticada pelo ser humano, são questões que estão sendo estudadas no presente e tendem a ser aprofundadas no futuro, com um caráter interdisciplinar, envolvendo cientistas de muitas as áreas, um importante momento para a museologia se consolidar como área de estudo, quebrando paradigmas e trabalhando com essa nova maneira de pensar os referenciais que norteiam o campo, as exposições museográficas, a memória e a cultura. FUNDAMENTOS TEÓRICOS Além dos fundamentos teóricos museológicos, este trabalho aborda conceitos relacionados a áreas como: ciências sociais (cultura, memória, identidade), biologia e história. Definições de museologia e seu papel interdisciplinar, teoria museológica e alguns apontamentos sobre formação da memória e mediação cultural, estarão presentes embasando as idéias defendidas. Dentre os principais nomes relacionados com a área que foram fundamentais para argumentar sobre essa temática estão Jean Davallon (tratando da questão da mediação cultural, tornando o objeto cultural e o público mais próximos), Tereza Scheiner (com as representações mentais e sensoriais e o caráter de relacionar o objeto percebido com conceitos pré-existentes), Anaíldo Bernardo Baraçal (a relevância do pensamento filosófico, a consideração ôntica inclusiva a outros seres, que não os humanos, além da noção da interdisciplinaridade que envolve os fenômenos museológicos). Artigos e notícias internacionais que postulam o desenvolvimento da ideia de cultura dos cetáceos, no exterior, também estarão presentes neste trabalho, trazendo referências específicas da biologia que foram de extrema relevância para conhecer detalhadamente as baleias, seus hábitos e as suas características, como o dos pesquisadores Jose Truda Pallazzo Jr (com publicações que fornecem informações específicas sobre as diferentes espécies de baleias existentes, além de informações relevantes sobre o fim da baleação) e Fabiana Comerlato (abordando aspectos 16 específicos sobre o que era produzido com o que era extraído das baleias), entre outros autores que abordam a questão ambiental, desde o período colonial até os dias de hoje. É necessário abordar as importantes pesquisas realizadas na área da história, que embora ainda possua muito mais a explorar sobre esse assunto, se comparados com outros segmentos estudados no período colonial muito pesquisados, é fundamental citar material de grandes nomes como Myriam Ellis (historiadora e precursora da abordagem acerca da história da baleia no Brasil, configurando a rotina de armações baleeiras, de arpoadores entre outras práticas) e Wellington Castelluci Junior (historiador com publicação de extrema importância na área de debates históricos sobre a baleia, apresentando diversos aspectos do início da baleação, além de realizar um breve levantamento iconográfico, apresentando pinturas que retratem o cenário de caça a baleia), entre outros. METODOLOGIA O processo de produção desse trabalho teve inicio com uma visita ao Museu Histórico Nacional, IBRAM/MinC onde o oval de Leandro Joaquim “Pesca da Baleia na Baía de Guanabara” me sugeriu a necessidade de uma reflexão sobre aquela representação. Em seguida foi iniciado o levantamento bibliográfico para obter material suficiente a fim de produzir um trabalho acadêmico, e com isso foram encontrados artigos nacionais e internacionais, que, em seu conteúdo, trabalhavam com a questão baleeira no Brasil. O aprofundamento foi sendo complementado a partir da busca por vídeos relacionados com baleias, análise de filmes relacionados com o tema, com o enfoque dado ao modo como a baleia é representada em cada caso, consulta a arquivos públicos de prefeituras para obter informações a respeito de nomes de ruas e monumentos, entrevista com pessoas de diferentes áreas para pensar sobre o grau de conhecimento que a sociedade apresenta sobre a presença da baleia no Brasil. Foram realizadas viagens para Armação dos Búzios, Arraial do Cabo e Rio das Ostras a fim de conhecer alguns locais que são mencionados neste trabalho e produção de fotografias. O envolvimento foi se intensificando e contou com a ida a seminários da área, onde o mais significante deles foi o “Seminário de Direito dos Animais”, no qual estavam presentes ativistas de toda a parte do Rio de Janeiro, que tinham ações de luta 17 em território nacional e internacional. A troca tida com essas pessoas foi muito esclarecedora, e as reações ao ouvirem minha fala sobre “Memórias da Presença da Baleia no Brasil” me apresentou uma realidade ainda desconhecida. Biólogos, veterinários, advogados (relacionados à causa animal) ficaram impressionados com a abordagem deste trabalho e confessaram que eles, apesar dos anos de envolvimento na causa, não tinham conhecimento desta realidade e do quanto as baleias estão próximas de nós. Foi consultado o acervo particular da coorientadora Solange Godoy que, por ter sua filha morando há alguns anos em Nova York, esteve em Nantucket e recolheu um rico material que caracterizava o modo como aquela região lidava com as baleias. Além disto, pude contar com o material gentilmente disponibilizado por sua filha, Fernanda Godoy, com livros de alta qualidade apresentando fotografias do local, para que eu pudesse conhecer a arquitetura, o modo de viver e os pontos mais importantes da região. ESTRUTURA DO TRABALHO 1. A baleia como matéria prima O primeiro capítulo terá uma abordagem histórica dos fatos, onde a baleia estará apresentada como objeto de estudo. Fará uma amostragem de como ocorreu a relação predatória entre o homem e as baleias, e como os homens se aproveitaram desses animais, agindo sobre eles como a espécie dominadora. Nesse capítulo é destacado o papel do homem na questão da extinção das baleias. Os fatos citados têm ligação com os testemunhos e iconografia baleeira, considerando que isso tudo foi produzido no período histórico que está sendo citado. 2. Testemunhos e Iconografia da presença baleeira e de sua relação com o homem O segundo capitulo apresentará a situação museística clássica, os testemunhos e a iconografia baleeira encontrada no Brasil, os vestígios desse momentos histórico que estão sendo esquecidos pela sociedade. Para tanto o capítulo foi dividido em tópicos que apresentarão os testemunhos referentes a cada período, para que possa ser analisado segundo o pensamento do homem de cada era. Foi elaborado a partir de levantamento e análise de pinturas, investigação de matéria prima de objetos utilitários e prédios e 18 busca por iconografias da época em que a prática da baleação era comum na costa brasileira. 3. A cultura das baleias O terceiro capítulo deste trabalho contribui para difundir o conceito de cultura das baleias, quando elas passam a ser vistas como sujeitos produtores de cultura. Isso será feito com uma abordagem relacionada ao antropocentrismo e o ecocentrismo, a apresentação de evidências científicas e outras obtidas em relatos, que indicam que de fato as baleias têm cultura, e por fim um apontamento que destaca a importância de se estabelecer uma memória baleeira para ajudar a despertar na sociedade a consciência social, e os ideais ecocentristas. 4. Museologia, memória e a cultura baleeira O quarto capítulo apresentará questões da museologia e trabalhará conceitos, dentre eles o de memória, que serão suporte para defender e refletir sobre as questões levantadas no capítulo três. Apresentará algumas bases teóricas da museologia, fazendo alguns apontamentos que podem ser utilizados para defender a teoria da existência de uma museologia voltada para a cultura baleeira. Considerações Finais Será produzido um fechamento ao raciocínio levantado no trabalho, propondo algumas reflexões, como: o papel da museologia na questão ambiental que o mundo vive hoje, como a museologia pode se adaptar a uma nova realidade proposta pelo concebimento da cultura animal, quais os passos devem ser tomados para transformar a museologia em uma área de estudo ecocêntrica, qual é o papel da museologia dentro das ciências humanas que pode contribuir com a conscientização da sociedade. Referências Apresentar os autores e pesquisas utilizadas para compor esse projeto desafiador, que une referencias interdisciplinares em prol de um objetivo maior que é a promoção da cultura e valorização da vida. Foram consultadas referências das áreas: museológica, histórica, biológica e neurológica, além da enorme importância das reportagens publicadas, dos vídeos assistidos e dos relatos deixados por antigos pescadores. 19 OBJETIVOS o Geral Discutir a memória das baleias, tendo em vista o senso comum sobre elas, o modo relacional do homem para com esse outro ser, o processo de dizimação da espécie, aspectos enfechados em uma perspectiva museológica, buscando contribuir para a reflexão sobre a museologia clássica e novas possibilidades analíticas. Realizar um questionamento acerca do antropocentrismo, dando oportunidade do ecocentrismo ser revelado. o Específico Apresentar comprovações cientificas do reconhecimento da baleia como individuo possuidor de cultura. Desenvolver as três maneiras de abordar a baleia: como objeto de estudo, evidenciando a situação museística clássica e as baleias como seres produtores de cultura. HIPÓTESE Como transformar os testemunhos da presença da baleia no Brasil em memória da cidade ou da população? Como despertar nos indivíduos o interesse em conhecer o outro, proteger o outro, e ainda, pensar e analisar situações a partir da visão do outro? Teria o homem condições de utilizar os conhecimentos obtidos nas ciências humanas e sociais para aceitar e respeitar a existência da cultura animal? A museologia interdisciplinarmente pode contribuir para responder a essas perguntas promovendo a quebra de paradigmas, e incorporando a ideia de cultura animal em suas teorias museológicos, cumprindo assim seu papel epistemológico de um ponto de vista menos autocentrado. A memória seria um alicerce a ser amplamente conhecido a título de conscientização e conhecimento da realidade das baleias a partir das situações opressoras a que elas foram submetidas. 20 1 A BALEIA COMO MATÉRIA PRIMA Parece difícil, para nós, nos identificarmos, enquanto mamíferos, às mamíferas baleias. Quem vive no mar há de ser peixe ou réptil, pensa o senso comum. Por um outro aspecto, enganamo-nos quando, nos baseando na grande dimensão (medindo até 30 metros e chegando a pesar 180 toneladas), dissociamos as baleias dos seus “primos” golfinhos / botos. Assim são e vão nossas classificações que, associadas e amparadas pela fundamentação de crenças e dogmas religiosos, estabelecem hierarquias de que derivam modos de perceber o mundo e de nele agir. O que conhecemos? Como conhecemos? Quais os referenciais para os nossos conhecimentos? Aproximemo-nos da baleia, substantivo originário do grego phállaina, do latim ballaena. É um mamífero aquático parte integrante da ordem dos cetáceos, composta também por toninhas e golfinhos, a qual sua classificação etimológica tem como origem o latim cētus e do grego κῆτος. É importante destacar que um outro significado dado para κῆτος é a expressão “monstro marinho”, o que pode explicar a tradição em realizar comparações entre baleias e monstros ao longo do tempo. Segundo sua classificação taxonômica pertence ao: Reino: Animalia ; Filo: Chordata; Classe: Mammalia; Ordem: Cetacea. Para definir a subordem das baleias é necessário conhecer as duas possibilidades que se apresentam na natureza: Misticetos: Não apresentam dentição, são conhecidas como baleias de barbatana. Sua alimentação é realizada através de sardas que filtram a entrada de plânctons e pequenos organismos que compõem a sua alimentação. Exemplos de espécies de baleia misticeti: Baleia Jubarte e Baleia Franca; Odontocetis: Possuem dentes, e o utilizam para a alimentação que consiste de peixes, lulas, entre outros cefalópodes. Exemplo de espécie de baleia odontoceti: Baleia Cachalote. Ser que existe no planeta Terra desde seis mil anos antes da era cristã, no Brasil foi caçada de 1603 a 1987, mas ainda é abatida por países como Japão e Noruega. Apesar das semelhanças esses parentes mamíferos têm sido objeto de nossa continuada exploração. 21 1.1 O início da baleação no Brasil A prática de caçar baleias passou por diversos momentos diferentes em seu desenvolvimento no mundo. Os bascos, habitantes de parte do norte espanhol e do sudoeste francês, eram caçadores bem aperfeiçoados que iniciaram essa atividade na Europa. no século IX. Os japoneses por sua vez a começaram no ano 712 d.C, registro realizado no Kojiki (livro sobre o Japão antigo). Vilas de esquimós na Groenlândia também caçam baleias há muitos séculos, utilizando a técnica do arpão com veneno, seguindo com esse processo até os dias de hoje, obtendo autorização internacional para a prática observando cotas de caça pelos aborígenes. Mesmo caso se apresenta na Noruega que pratica a baleação desde o ano de 810 d.C. No século XVII grandes potências europeias aderiram a essa atividade, como Inglaterra, Holanda e Dinamarca. 1 No âmbito brasileiro, a prática de pescar baleias teve início no período colonial. A ocasião da farta presença desses animais na costa juntamente com a escassez de recursos que se estendia para toda a sociedade foram os fatores determinantes para ver nas baleias a fonte de suprimento para as suas necessidades. Frei Vicente Salvador, em seu livro História do Brasil, escrito em 1627, apresentou o cotidiano colonial vivido na América Portuguesa, grande responsável pelo conhecimento que se tem atualmente sobre o início da prática da baleação no Brasil, sendo seu livro uma referência bibliográfica básica para quem necessitar abordar essa questão. Era grande a falta que em todo o estado do Brasil havia de graxa ou azeite de peixe, assim para reboque dos barcos e navios, como para se alumiarem os engenhos, que trabalham toda a noite, e se houveram de alumiar-se com azeite doce, conforme o que se gasta, e os negros lhe são muito afeiçoados, não bastara todo o azeite do mundo. Algum vinha do cabo vender, e de Biscaia [País Basco] por via de Viana, mas era tão caro, e tão pouco, que muitas vezes era necessário usarem do azeite doce, misturando-lhe destoutro [sic] amargoso, e fedorento, para que os negros não lambessem os candeeiros, e era uma pena como a de Tântalo padecer esta falta, vendo andar as baleias, que são a mesma graxa, por toda esta Bahia, sem haver quem as pescasse, ao que acudiu Deus, que tudo rege, e prova, movendo a vontade a um Pedro de Orecha, Biscainho, que quisesse vir fazer esta pescaria; este veio com o governador Diogo Botelho do reino no ano de mil seiscentos e três, trazendo duas naus a seu cargo de Biscainhos, com 1 PALAZZO, Miriam; PALAZZO JR, José Truda. S.O.S Baleia!, Editora Sulina, 1989, p.51-52 22 os quais começou a pescar, e ensinados os portugueses, se tornou com dias carregadas. 2 Conforme registrado no trecho transcrito era grande a falta de azeite, enquanto o litoral brasileiro apresentava vasta população de cetáceos, dentre eles as baleias. Com isso começou a ser pensada a possibilidade de se capturar esses animais com o intuito de obter sobretudo óleo para iluminação. Para tanto, os bascos transmitiram seus conhecimentos aos portugueses, para que pudessem praticar em sua colônia a caça às baleias. A obtenção de recursos das baleias obtida inicialmente através da exploração praticada nos animais que encalhavam espontaneamente começou a ser aprimorada com a oficialização da instalação da caça das baleias, no ano de 1603, no Recôncavo Baiano. Nesse momento, a caça era realizada nos arredores da costa, sem demandar do deslocamento para alto mar e os materiais utilizados eram basicamente o arpão manual e o bote. Até então, a pesca era livre, sem intervenções diretas da coroa portuguesa. O modo como essa prática era realizada no início também foi narrada por Frei Vicente Salvador: [...] a primeira coisa que fazem é arpoar o filho, a que chamam baleato, o qual anda sempre em cima da água brincando, dando saltos como golfinhos, e assim com facilidade o arpoam com um arpéu de esgalhos posto em uma haste, como de um dardo, e em o ferindo e prendendo com os galhos puxam por ele com a corda do arpéu, e o amarram, e atracam em uma das lanchas, que são três as que andam neste ministério, e logo da outra arpoam a mãe, que não se aparta do filho, e como a baleia não tem ussos mais que no espinhaço, e o arpéu é pesado, e despedido de bom braço, entra-lhe até o meio da haste, sentindo-se ela ferida corre, e foge uma légua, às vezes mais, por cima da água, e o arpoador lhe larga a corda, e a vai seguindo até que canse, e cheguem as duas lanchas, que chegadas se tornam todas três a pôr em esquadrão, ficando a que traz o baleato no meio, o qual a mãe sentindo se vem para ele, e neste tempo da outra lancha outro arpoador lhe despede com a mesma força o arpéu, e ela dá outra corrida como a primeira, da qual fica já tão cansada, que de todas as três lanchas a lanceiam com lanças de ferros agudos a modo de meias-luas, e a ferem de maneira que dá muitos bramidos com a dor, e quando morre bota pelas ventas tanta quantidade de sangue para o ar, que cobre o sol, e faz uma nuvem vermelha, com que fica o mar vermelho, e este é o sinal que acabou, e morreu, logo com muita presteza se lançam ao mar cinco homens com cordas de linho grossas, e lhe apertam os 2 SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil (1550-1627). Editora Itatiaia, 1627, p.117 23 queixos e boca, porque não lhe entre água, e a atracam, e amarram a uma lancha, e todas três vão vogando em fileira até a ilha de Itaparica, que está três léguas fronteira a esta cidade, onde a metem no porto chamado da Cruz, e a espostejam, e fazem azeite. 3 Os biscainhos estabeleceram armações e controlaram a caça da baleia na colônia através de contrato com a Coroa até o ano de 1612. Com o fim do contrato, em 1612 a Coroa cogitava a possibilidade de eles continuarem responsáveis pela exploração dessa matéria prima, entretanto não houve nenhuma renovação no acordo e os mesmos nunca mais pescaram nessa região. No ano de 1613 foi instalada uma única armação, na Bahia, que era de responsabilidade de Antônio Machado de Vasconcelos, em Itaparica. 4 Em 1614 foi estabelecido pela Coroa Portuguesa o monopólio da Pesca da Baleia, passando a ser considerada um Peixe Real, então de propriedade da Coroa, que estabeleceu o monopólio de sua exploração. Como afirma Wellington Castelluci Junior (2010), a Câmara Municipal de Salvador estimulou a prática de caça às baleias pelos habitantes, atitude completamente contrária às pretensões da Corte Portuguesa. O aumento da produção caseira de azeite, que era de qualidade inferior ao produzido pelos biscainhos, fez com que o preço de mercado do produto fosse diminuído, causando profundo descontentamento nos colonizadores, justificando o fato da baleia ter se tornado um Peixe Real. 5 O procedimento seguinte foi a realização de arrendamentos periódicos aos interessados em praticar a atividade e, posteriormente, o estabelecimento de contratos. Essa atitude da Coroa Portuguesa foi considerada abusiva pelos moradores de Salvador, que tentaram se manifestar de forma contrária, pedindo o retorno da pesca livre, sem precisar pagar impostos sobre os contratos para Portugal. Entretanto, todas as ações foram em vão e a política de monopólio teve continuidade. 6 Com o passar do tempo, a pesca da baleia foi ganhando destaque de maneira gradual, deixando de ser prática exclusiva do Recôncavo Baiano e chegando ao Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina. A caça em larga escala era caracterizada pela ausência de preocupação com a manutenção das espécies, dificultando e quase impossibilitando a garantia de sua sobrevivência e perpetuação. 3 SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil (1550-1627). Editora Itatiaia, 1627, p.117-118 4 ELLIS, Myriam. A Baleia no Brasil Colonial, 1969, p. 34-35 5 CASTELLUCCI, Wellington. Caçadores de Baleia, 2010, p. 35 6 ELLIS, Myriam. A Baleia no Brasil Colonial, 1969, p.35-36 24 O escasseamento progressivo de baleias, nas últimas décadas do século XIX, foi o resultado da intensidade com que aqueles animais eram mortos nas águas costeiras. Calcula-se que, durante todo o século XVIII, ampliou-se continuamente a caça de baleia no litoral baiano, e que se chegou a matar, nas melhores temporadas, cerca de 120, 130 e até 200 unidades daquele animal por ano. 7 1.2 Recursos Extraídos das Baleias A falta de recursos que ocorreu no período colonial brasileiro foi um dos grandes impulsionadores para o início da prática de caça à baleia. Havia escassez de alimentos, de matéria-prima para produção de utilitários, e a colônia ficava dependente do que era enviado de Portugal, enquanto que a demanda era crescente devido à chegada das expedições colonizadoras portuguesas, compostas também por jesuítas que logo se estabeleceram aqui. A tendência era a potencialização dessas carências causadas pelo crescimento populacional. “Ao longo dos séculos, as baleias foram matérias-primas para produtos diversos, quando eram aproveitados: o toucinho, as barbatanas ou dentes, o espermacete e o âmbar (para os cachalotes), a carne, os tendões, a pele e os ossos.” 8 De fato tudo era aproveitado da baleia, que era considerada uma grande fonte de recursos até então escassos na colônia. “Conforme reza um dito de sabedoria popular, do boi só não se aproveita o mugido. O mesmo direi em relação à baleia. Os seus derivados tinham infinitas utilidades.” 9 Carne: A carne foi amplamente aproveitada com o início da caça à baleia. Era utilizada na alimentação dos moradores da colônia. Ainda é controversa a afirmação sobre quem se alimentava desta carne, visto que alguns autores defendem que era uma carne saborosa, degustada pela nobreza brasileira. Entretanto, existem outras opiniões, como a que defende que essa carne era utilizada para alimentação de escravos. 7 CASTELLUCCI, Wellington. Caçadores de Baleia, 2010, p.78-79 8 COMERLATO, Fabiana. A Baleia como recurso energético no Brasil – Anais do Simpósio Internacional de História Ambiental e Migrações, Florianópolis, SC, 2010, p 1126 9 CASTELLUCCI, Wellington. Caçadores de Baleia, 2010, p. 38 25 E, embora gozasse de má reputação, muitas famílias de elite constumavam, às escondidas, desfrutar do apetitoso sabor da carne fresca ou do torresmo que, ao ser cozida, exalava um cheiro bastante forte, enjoativo e denunciador. No Brasil colonial e mesmo nos oitocentista monárquico, quem passasse pelas fachadas das residências requintadas das cidades, fatalmente sentiria o forte asco da carne em processo de cozimento, embora alguns memorialistas do século XX afirmem o contrário. 10 “A carne era outro produto derivado das baleias, apesar de possuir muita hemoglobina, era consumida pelos mais pobres e escravos.” 11 Gordura: O “azeite de peixe” 12 ou “azeite da terra” 13 era um dos produtos mais valiosos dentre os extraídos da baleia. Sua produção ocorria a partir de um processo de derretimento das camadas de gordura e verificação quanto a sua possibilidade de consumo. 14 A principal utilidade desse óleo era a iluminação, mas ainda possuía outras funções. Abastecia o mercado interno e apenas o excedente era exportado. Embora o seu uso tenha se destacado na iluminação, existiam outras utilidades para esse óleo: O óleo também era aproveitado para lubrificação de engrenagens, fabricação de velas, confecção de tecidos grosseiros de lã, para o preparo de couros, tintas e vernizes, sabões, enxofres e breu para calafetagem de navios. 15 “É senso comum que o óleo de baleia foi amplamente utilizado na argamassa das construções no litoral do Brasil, esta afirmação deve ser vista com cautela, não cabendo generalizações desta natureza.” 16 Não se pode afirmar que o óleo de baleia esteve presente em todas as construções daquele período, mas há fortes indícios de sua utilização em arquiteturas próximas ao mar (fortalezas, fortes, farol) e em estruturas com acabamento arquitetônico em formato de arco. 10 CASTELLUCCI, Wellington. Caçadores de Baleia, 2010, p. 39 11 COMERLATO, Fabiana. A Baleia como recurso energético no Brasil – Anais do Simpósio Internacional de História Ambiental e Migrações, Florianópolis, SC, 2010, p 1126 12 ELLIS, Myriam. As Feitorias Baleeiras Meridionais do Brasil Colonial. São Paulo: USP, 1966, p.286 13 Idem 14 COMERLATO, Fabiana. A Baleia como recurso energético no Brasil – Anais do Simpósio Internacional de História Ambiental e Migrações, Florianópolis, SC, 2010, p 1130 15 ELLIS, Myriam. A baleia no Brasil Colonial. São Paulo: Melhoramentos, 1969, p.136 16 COMERLATO, Fabiana. A Baleia como recurso energético no Brasil – Anais do Simpósio Internacional de História Ambiental e Migrações, Florianópolis, SC, 2010, p 1132 26 Consultando bibliografia específica da área obtêm-se maiores detalhes sobre como os recursos da baleia eram aproveitados nessa construção. “É comum indicar-se o óleo de baleia como aglutinante. No entanto, pesquisas mais recentes referem-se à borra ou resíduo do cozimento, já que o óleo seria muito caro. Portanto, o óleo só ser ia utilizado como hidrorrepelente” 17 Ossos: A ossada das baleias tinha muitas utilidades. Ornamentação e cerca divisória de casas eram duas delas. Posteriormente com o fim das armações, alguns ossos que serviam para fazer divisão dentro daquele espaço foram transferidas para outros lugares, inclusive praias. 18 “Na Bahia, os ossos de baleia serviam para fazer pentes, caixinhas, botões e bancos. Os banquinhos eram usados no tratamento médico, acreditava-se que estes assentos eram recomendados aos pacientes de reumatismo.” 19 Barbatana: A barbatana foi o produto mais exportado, considerando que a maior parte da produção de óleo ficava para abastecer a colônia. As barbatanas eram removidas das baleias, precisando ser apenas limpas e armazenadas, atendendo as necessidades das manufaturas estrangeiras e da metrópole. Este material pela sua versatilidade de uso era altamente requisitado no mercado internacional. As barbatanas eram matérias-primas para a confecção de guarda-chuvas, tabaqueiras, piteiras, cachimbos, estojos, bengalas, chicotes, escovas, brochas, penachos, instrumentos de Física e Química, armações de chapéus, de golas, de mangas, de saias e espartilhos. 20 Ao contrário da carne da baleia, a barbatana compunha junto com o óleo, um importante artigo de exportação europeia, demonstrando que o interior da própria atividade baleeira havia uma hierarquização entre seus produtos, ou seja, enquanto a carne era um subproduto da pesca da baleia, a barbatana e o óleo eram importantes para exportação, sendo considerados artigos de luxo na Europa. 21 17 (Técnicas Construtivas no Brasil Colonial – Apostila História e Teoria da Arquitetura e do Urbanismo UFMS disponível em: http://www.histeo.dec.ufms.br/aulas/teoriaIII/05%20Tecnicas%20Construtivas.pdf) 18 COMERLATO, Fabiana. A Baleia como recurso energético no Brasil – Anais do Simpósio Internacional de História Ambiental e Migrações, Florianópolis, SC, 2010, p 1129 19 VIANNA, Hildegardes. Antigamente era assim. Rio de Janeiro: Record; Salvador, BA: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1994, p. 62 20 ELLIS, Myriam. A Baleia no Brasil Colonial, 1969, p. 135 21 DIAS, Camila Baptista. A Pesca da baleia no Brasil colonial: Contratos e contratadores do Rio de Janeiro no século XVII, 2010, p. 58 27 1.3 O fim da pesca da Baleia no Brasil A proibição a qualquer molestamento ou captura de cetáceos no litoral brasileiro ocorreu somente no ano de 1987, através da lei nº 7643, entretanto, antes desse período já haviam sido tomadas algumas iniciativas que expressassem o desejo do Estado de proibir a prática de caçar baleias. Em 1985 foi aprovado o Projeto de Lei nº 124/85 pelo qual a pesca seria proibida, além de um decreto editado pelo então presidente José Sarney no ano de 1986, proibindo a captura comercial de baleias por um período de cinco anos, a partir de 1986. 22 Liquidaram esta indústria, entre outros fatores, a concorrência estrangeira (basicamente norte-americanos e ingleses), as ultrapassadas técnicas baleeiras, a diminuição do número de cetáceos em águas brasileiras e o desenvolvimento de novas técnicas de iluminação advindas do emprego do gás, do petróleo e da eletricidade. Os maiores caçadores deste cetáceo, no século XVII e XVIII, foram os holandeses; no XIX a supremacia da pesca ficou por conta dos norte-americanos e ingleses, e no século XX, aos noruegueses e japoneses. Estatística da I nternational Whaling Statistics, informam que em apenas 71 anos, de 1868 a 1939, foram mortos 822.381 animais, ou seja, mais de 10 mil por ano. 23 A partir da segunda metade do século XX a pesca foi aperfeiçoada, com o aprimoramento dos materiais usados, como por exemplo a implantação do canhão-arpão e do desenvolvimento do navio frigorífico. Por outro lado, a extinção de algumas espécies começava a ganhar espaço na imprensa e a preocupar ainda mais os ambientalistas, o que contribuiu fortemente com o resultado dessa grande dualidade que envolveu esse período, até que, oficialmente, em 1987, foi proibida a pesca da baleia no Brasil. 24 Cronologicamente, então, podemos afirmar que o Brasil caçou baleias em seu litoral a partir do ano de 1603 até o ano de 1987, ou seja, 384 anos de matança em território nacional, do que poucos registros podem ser encontrados. 22 TOLEDO, Gustavo. O Homem e a Baleia: aspectos históricos, biológicos, sociais e econômicos da caça na Paraíba. João Pessoa, 2009, p. 151 23 OLIVEIRA, João; CARIGNATTO, Denílson. A Pesca da Baleia no Brasil: um estudo de história e meio ambiente, p. 42. Grifo nosso. 24 Idem 28 Os locais envolvidos na baleação estão ocultos da vida cotidiana da sociedade, dos livros escolares, e acabam se afastando da vida das pessoas e do conhecimento público. 25 25 Alguns países, como Japão e Noruega, caçam baleias até os dias de hoje, ainda que estejam agindo contra a legislação internacional estabelecida pelo Comitê Internacional das Baleias. A justificativa utilizada por esses países é o enquadramento nas cotas de caça aborígene. Entretanto, pode ser observado que esse argumento não corresponde com a realidade da caça da baleia nesses países, ao analisar o quantitativo de animais mortos, e os locais que são destinados. Os representantes legais desses países travam constantes lutas em encontros internacionais tentando retornar com esse debate sobre a autorização de caçar baleias, seguindo o cumprimento de cotas. 29 2 TESTEMUNHOS E ICONOGRAFIA DA PRESENÇA BALEEIRA E DE SUA RELAÇÃO COM O HOMEM Objetos e toponímia são os resquícios da presença e do tipo de relacionamento do homem com as baleias. Algumas instalações ligadas à exploração da baleia sobreviveram e abrigam museus, outras encontram-se ocultas em estruturas de edifícios, ainda existem aquelas que já se perderam com o tempo, mas a tentativa de preservação desse testemunho é o que deve ser buscado pelos que já foram atingidos por essa realidade. Museus, selos e monumentos públicos contemporâneos invocam parte desse nosso passado, que ainda precisa ser descoberto pela sociedade. 2.1 Homem e Baleia – uma relação desde a pré-história O local em que foi realizada a busca por material desse período foram sambaquis, que consistem de “depósitos” construídos pelos homens que viveram há milhares de anos, e é composto de material orgânico, calcário e entre outros que indicam, ao serem analisados, o modo de vida de determinado grupo. Ao pesquisar o material de um determinado sambaqui do litoral centro sul do Brasil foram encontrados objetos produzidos a partir de elementos de baleias, datados de até seis mil anos a. C. Nesse momento o homem não ia ao mar para caçar cetáceos, mas se aproveitava dos encalhes que ocorriam em algumas regiões do litoral para a produção de artefatos. Foi observada a presença de cinzas que indicam ser de baleias, carvão, espinhas de peixes, cabeças de bagre, ossos de baleia, dentes perfurados (como objeto de adorno), pontas de projétil feitas com osso, zoolitos em diversas formas e esculturas em osso. 26  Escultura: era comum a produção de esculturas com ossos de baleias. O formato mais frequente era a representação de aves. “Lugar de habitação, o sambaqui possuía também características de cozinha e, por essa razão, nele se encontram 26 LIMA, Tania Andrade. Em busca dos frutos do mar: os pescadores-coletores do litoral centro-sul do Brasil, REVISTA USP, São Paulo, n.44, p. 287, dezembro/fevereiro 1999-2000 30 restos de carvão, de cinzas e de fogueiras (...) e, por vezes até ossos carbonizados de baleia.” 27 Figura 1: Escultura em osso, em formato de ave. 28 Figura 2: Extremidade de um bastão de osso, com escultura de ave na extremidade, provavelmente utilizado como propulsor. 29  Pontas de Projétil: feitas em osso, com diferentes tamanhos e formas. “O material ósseo, dental e conchífero é mais numeroso, constituído por vértebras 27 Espirais do Tempo – Bens Tombados do Paraná – Governo do Estado do Paraná, Secretaria de Estado de Cultura, p. 408, 2006 28 Disponível em: http://www.usp.br/revistausp/44a/03-tania.pdf - Acesso em Outubro de 2013 29 Idem. 31 de peixe perfuradas e alisadas, pontas de ossos longos alisadas e polidas, facas de ossos de baleia, discos perfurados de bula timpânica de baleia (...)” 30 Figura 3: Pontas de Projétil feitas em osso, com diferentes tamanhos e formas. 31 2.2 Testemunhos e iconografia do extermínio no Brasil Os reflexos da presença da baleia na sociedade estão evidentes em grande parte de locais do cotidiano e de circulação da população. A realização desse levantamento visa identificar lugares que apresentem vestígios desse período e promover uma tentativa de formação de sua memória. Considerando que as baleias faziam parte da vida dos moradores do litoral brasileiro, mas se afastaram entre outros motivos, pela intervenção humana realizada com a prática da caça predatória, impedindo a realização do convívio harmonioso entre as espécies. Locais de Memória  Pico do Arpoador (Ipanema/Rio de Janeiro/RJ) – Composto também pela praia do Arpoador, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Este local tem relevância 30 Espirais do Tempo – Bens Tombados do Paraná – Governo do Estado do Paraná, Secretaria de Estado de Cultura, p. 409, 2006 31 Disponível em: http://www.usp.br/revistausp/44a/03-tania.pdf - Acesso em Outubro de 2013 32 histórica para o estudo das baleias no Brasil, pois, no período de caça os arpoadores costumavam ficar sobre a pedra fazendo observação de baleias. Na medida em que eram avistadas, o arpoador que era responsável pela observação, avisava ao restante dos baleeiros para que pudessem atingir a baleia na medida em que se aproximava da costa. 32  Armação dos Búzios (RJ) – Cidade localizada na Costa Azul do estado do Rio de Janeiro, local de veraneio e de grande procura por turistas de todo o mundo. Tem esse nome pois no local onde hoje é a cidade existia uma grande armação baleeira (local onde os produtos da baleia eram processados). Além da designação do Município, a memória da Armação permanece viva nos nomes da ponta da Matadeira – local em que a baleia era morta para a retirada das barbatanas - e da praia dos Ossos - local em que se enterrava a ossada desses animais. 33 Figura 4 :Mapa de praias da cidade de Armação dos Búzios 34 32 Disponível em: http://www.riodejaneiroaqui.com/portugues/arpoador.html- Acessado em Outubro de 2013 33 Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável, Armação dos Búzios, p. 115, Junho de 2003 34 Disponível em: http://www.buziosonline.com.br – Acessado em Outubro de 2013 33  Praia dos Ossos (Armação dos Búzios/RJ) – Tem esse nome pois era o local onde eram jogados os ossos de baleia após a retirada do óleo para aproveitamento industrial, que ocorria na Praia da Armação.  Praia da Armação (Armação dos Búzios/RJ) – Tem esse nome pois era o local onde eram levadas as baleias após sua captura. “Os portugueses começaram a exploração de suas matas até o esgotamento, levando os residentes a adotar a pesca da baleia para sobreviver. Esta atividade é responsável pelo nome de vários locais, como as praias da Armação e dos Ossos, em alusão aos ossos das baleias espalhados na areia depois da retirada do óleo.” 35 Figura 5: Praia da Armação 36  Museu Oceanográfico da Marinha – Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (Arraial do Cabo/RJ) – Está situado em um edifício onde no passado era uma armação baleeira de grande importância para a região. 37 35 Disponível em http://www.michelin.com.br/br/michelin-viagem/Buzios.html - Acessado em Outubro de 2013 36 Foto Marcella Bacha, 2010 37 Disponível em: http://www.ieapm.mar.mil.br/museu.htm- Acessado em Outubro de 2013 34 Figura 6: Foto da Fachada do Museu 38  Praia da Baleia (Rio das Ostras/RJ) – Praia localizada na costa azul do litoral carioca e tem esse nome devido ao fato dessas águas terem feito parte da rota migratória das baleias durante muitos anos. Até os dias de hoje, ainda podem ser encontrados alguns indivíduos nessa região. Segundo informações da Prefeitura de Rio das Ostras, dar esse nome a essa praia “foi uma maneira de homenagear esse dócil animal que atravessa as águas rio ostrenses”. Figura 7: Dealhe da Costa da Praia da Baleia, rota das Jubartes no Brasil (Rio das Ostras) 39  Museu da Baleia (Imbituba/SC) – Apresenta mapas, ferramentas e informações sobre a pesca da Baleia no Brasil. Seu grande valor representativo está no fato 38 Disponível em: http://escolamunicipaljoaobessa.blogspot.com.br/2011_10_01_archive.html - Acessado em Novembro de 2013 39 Foto Marcella Bacha, 2010 35 de seu prédio apresentar a mesma estrutura de quando ainda era uma armação baleeira. 40 Figura 8 :Imagem interna do prédio sede do Museu da Baleia em Imbituba/SC 41 Iconografia 42  Leandro Joaquim – Pesca da Baleia na Baía de Guanabara - Séc. XVIII / Óleo sobre tela / 83x113cm , Museu Histórico Nacional (Nº SIGA 021011) Obra pertencente ao Museu Histórico Nacional que mostra de maneira detalhada o trabalho realizado nas armações baleeiras próximas à Baía de Guanabara, incluindo o trabalho que era executado pelos arpoadores. Pode ser destacada a edificação da armação baleeira, o trabalho do transporte do animal até o local de extração de recursos, o momento em que as baleias eram efetivamente caçadas e, por fim, o seu estágio inicial, que é o momento em que ainda nadam livremente pela Baía de Guanabara. 40 Disponível em: http://www.baleiafranca.org.br/oprojeto/oprojeto_museu.htm - Acessado em Outubro de 2013 41 Disponível em: http://www.baleiafranca.org.br/maiores/centro_museu/maior08.htm - Acessado em Outubro de 2013 42 A escultura de Aleijadinho que representa o profeta Jonas foi cogitada para elencar essa listagem iconográfica, entretanto, a partir de levantamento bibliográfico em diferentes versões da Bíblia e de pesquisas relacionadas foi observado que não há uma verdade absoluta quanto à espécie animal que engoliu Jonas, embora já tendo sido considerado uma baleia, é chamado na maior parte das vezes de “monstro marinho” e “peixe”. 36 Figura 9: Leandro Joaquim – Pesca da Baleia na Baía de Guanabara 43  Aspecto da Pesca da Baleia no Recôncavo Baiano – Hippolyte Taunay – Paris,1822 (gravura) Obra produzida por Taunay em Paris, no ano de 1822, retrata detalhes da luta travada entre as baleias e os pescadores num momento de confrontação entre caça e caçador. Como o primeiro lugar de estabelecimento de armações baleeiras no Brasil, o Recôncavo Baiano tem grande importância nesse cenário retratado por Hippolyte Taunay em Paris. Figura 10: Hippolyte Taunay – Aspecto da Pesca da Baleia no Recôncavo Baiano 44 43 Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd _verbete=2426&cd_item=1&cd_idioma=28555 – Acessado em Outubro de 2013 44 TAUNAY, Thomas Marie Hippolyte e Denis, Ferdinand-Jean. IN: Pedro Correia Lago, Iconografia brasileira: coleção Itaú, São Paulo, Itaú Cultural, contra capa, 2001, p. 37  Roberto Sá – Praça da Baleia (Rio das Ostras-RJ) – 2001 Segundo informações obtidas através de contato com a Prefeitura de Rio das Ostras, no dia 01 de Junho de 2012, essa escultura é a maior referência a cetáceos no mundo. A Praça da Baleia foi inaugurada em 2002, no bairro de Costazul, Rio das Ostras/RJ, com a escultura de uma Baleia Jubarte em tamanho natural, feita em estrutura metálica recoberta com chapas de bronze e liga de latão. A escultura tem 20 metros de comprimento e pesa quatro toneladas, e na cauda da baleia tem um mergulhador com 1,85 metro, pesando 200Kg. A Baleia Jubarte, esculpida por Roberto Sá, fica dentro de um lago de 25 metros e funciona como um chafariz, com água esguichando pelas narinas (nariz) e escorrendo pela boca e pela cauda, dando uma visão bastante real do animal. Figura 11 :Detalhe da escultura de Baleia Jubarte na Praça da Baleia, Rio das Ostras 45  Selo Comemorativo – Pinturas do Rio de Janeiro do século XVIII: Pesca da Baleia na Baía de Guanabara. Foi lançado em 1979 pelos Correios e recebeu o rótulo de “comemorativo”, reproduzindo um quadro que retrata a caça de baleias na Baía de Guanabara. Isso é algo 45 Foto Marcella Bacha, 2010 38 que deve ser comemorado? É importante destacar que no ano de lançamento a pesca da baleia ainda não era proibida no Brasil. Figura 12 : Selo comemorativo reproduzindo quadro de Leandro Joaquim 46  Acervo Museu da Marinha de Arraial do Cabo – É constituído por materiais usados em navios de caça de baleia Figura 13: Sino e canhão utilizados em baleeiras 47 46 Disponível em: http://mundodabiologia.com.br/baleias-e-golfinhos-representados-em-selos-postais- brasileiros-lodi/ - Acessado em Outubro de 2013 47 Disponível em http://www.ieapm.mar.mil.br/museu/acervo.htm - Acessado em Outubro de 2013 39  Acervo Museu da Baleia (Imbituba/SC) Possui mapas e painéis apresentando as rotas utilizadas pelos pescadores, arpões, além de ilustrações com a representação da caça da baleia Figura 14: Imagem de sala de exposição do Museu da Baleia/Imbituba 48  Acervo Museu Nacional do Mar (São Francisco do Sul/ SC) Possui reproduções cenográficas de caça a baleias, incluindo a reprodução dos barcos que eram utilizados. Figura 15: Sala da Pesca da Baleia 49 48 Disponível em http://www.baleiafranca.org.br/maiores/centro_museu/maior10.htm - Acessado em Outubro de 2013 49 Disponível em: http://www.museunacionaldomar.com.br/index.htm - Acessado em Outubro de 2012 40 Figura 16: Sala das Baleeiras 50  Óleo e Sabão – produzidos com a matéria prima obtida através das baleias. Figura 17: Garrafas com óleo de baleia e sabão em barra 51 50 Idem 51 Fonte: Acervo do Centro do Mar em Horta, Açores, Portugal. Foto: Fabiana Comerlato, 2009. 41  Iluminação – Conforme será explicado a seguir, o óleo de baleia era amplamente utilizado no mercado interno para iluminação. O subir e descer era esforço demais e o mercado que todos frequentavam ficava na praia, em frente ao porto dos Padres. Compravam pescado, hortaliças, mandioca, leite e “azeite de peixe” – o óleo de baleia. Diriam em uníssono o ditado que qualquer um conhecia: “Quem tem para candeia nunca se deita sem ceia.”[110] A candeia, lampião que permaneceria aceso à noite enquanto houvesse óleo, iluminava a refeição. Baleias frequentaram a Guanabara no inverno durante muito tempo, e sua pesca era das mais rentáveis.[111] A carne era saborosa, as barbatanas serviam de lixa e sua gordura, o óleo, era combustível. Mais: o óleo misturado a conchas trituradas dava uma argamassa resistente como poucas para a construção de prédios. (Os escravos às vezes bebiam o óleo direto do lampião, era alimento.) Valia tanto o negócio da caça à baleia, produzia tantos subprodutos úteis, que virou monopólio estatal. Para explorar a pesca, já em 1583, o empresário teve de assinar contrato de concessão pública. 52 Figura 18: Iluminação com a utilização de azeite de peixe. Ilustração produzida por José Reis Carvalho, feita em 1851, retratando a iluminação na cidade do Rio de Janeiro 53 52 DORIA, Pedro. Enquanto o Brasil nascia, Nova Fronteira, 2012, p. 66 53 Fonte: Enciclopédia Ilustrada do Brasil. Rio de Janeiro: BLOCH, 1982. vol. 9 - p. 2585. Reprodução fotográfica: Fabiana Comerlato. 42  Casa do Trem – Museu Histórico Nacional Prédio que atualmente pertence ao Museu Histórico Nacional, a Casa do Trem têm características que sugerem que foi uma construção onde o óleo de baleia era utilizado. Sua proximidade com o mar e sua data de construção são alguns desses indícios.  Arcos da Lapa/Aqueduto da Carioca – Rio de Janeiro – RJ O local, que hoje é sinônimo de festividades e de grandes eventos da noite carioca, só pôde ser construído devido ao sacrifício das grandes baleias que eram caçadas na região. “Os Arcos da Carioca foram construídos por braço escravo, utilizando pedra, tijolos, areia, cal e óleo de baleia.” 54 Fez-se necessária, no governo de Gomes Freire de Andrade (1733- 1763), sua substituição por novos arcos (1744-1750), de traçado retilíneo, solidamente construídos pela mão de obra escrava, em alvenaria de pedras brasileiras (contrariando a lei que impunha a importação de materiais de construção), com rejuntamento de argamassa de cal hidratada e terra misturada a óleo de baleia, cuja resistência ficou comprovada através dos séculos. 55  Ossos – Com o fim das armações baleeiras alguns ossos que eram responsáveis por fazer a separação de ambientes dentro da armação foram levados para praias e ficaram expostos lá por um longo período. 56 54 Armazém de Dados Instituto Pereira Passos – Disponível em: http://portalgeo.rio.rj.gov.br/EOUrbana/ArcosDaLapa_txt.htm - Acessado em Novembro de 2013 55 DIAS, Alexandre. O Rio carioca da cidade do Rio de Janeiro, Brasil: da sua história o que preservar? – Disponível em: http://www.bvsde.paho.org/bvsAIDIS/PuertoRico29/pessoa.pdf - Acessado em Novembro de 2013 56 LOPES, Licídio. Rio Vermelho e suas tradições. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1984, p. 18 43 Figura 20: Ossos de baleia na praia de Itapuã - Salvador 57 2.3 Iconografia Internacional – Nantucket Nantucket é um condado do estado norte-americano de Massachusetts, que se torna o cenário de um romance escrito em Outubro de 1851 chamado “Moby Dick” de Herman Melville. Esse romance foi baseado em uma história real e conta a história de uma baleia cachalote que tem o nome de Moby Dick e em uma viagem de caça é a responsável pela perda da perna de um dos tripulantes, que por sua vez volta ao mar como capitão de uma tripulação com o principal objetivo de encontrá-la e se vingar do mal que lhe foi causado. O enredo do livro é em torno dessa questão, abordando com riqueza de detalhes a rotina de um navio baleeiro, apresentando detalhes da embarcação, do armazenamento de produtos e das técnicas de caça. Herman Melville teve grande destaque com sua produção e seu livro ganhou vários prêmios. De fato o condado de Nantucket é um local em que na época que a pesca da baleia era permitida se tornou um grande centro, que reunia pescadores e outros novatos interessados em oportunidades de embarcar nos navios baleeiros. Com a proibição da pesca essa atividade foi suspensa no local, entretanto, as baleias seguem profundamente presentes na realidade da região. 57 LOPES, Licídio. Rio Vermelho e suas tradições. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1984 – Foto Isabel Gouvea 44 Foi criado o museu da pesca à baleia, Whaling Museum, cuja sede é uma antiga fábrica que armazenava material extraído das baleias. O acervo é composto por todos os tipos de objetos utilizados na caça, informações sobre as baleias e ainda galerias de arte decorativa, pré-história e pinturas. Figura 21: Fachada Whaling Museum – Nantucket 58 Mas não é só dentro do museu que a baleia está presente em Nantucket. Turistas confirmam que a cidade está repleta de pequenos detalhes em casas e edifícios públicos que ilustram iconograficamente o quanto elas foram importantes para a região. Figura 22: Cata vento do Whaling Museum com imagem de Baleia Cachalote 59 58 Disponível em: http://www.nha.org/sites/index.html - Acessado em Novembro de 2013 59 Disponível em: http://familypedia.wikia.com/wiki/Nantucket - Acessado em Novembro de 2013 45 Figura 23: Detalhe de porta de casa particular de Nantucket 60 Figura 24: Bolsa vendida para turistas como souvenir de Nantucket, onde a baleia é representada de maneira central 61 60 Disponível em: http://www.nantucket.net – Acessado em Julho de 2012 61 Acervo: Solange de Sampaio Godoy – Foto: Marcella Bacha, 2013 46 Figura 25 – Enfeite de árvore de natal em formato de baleia, vendido na loja do Museu 62 Nantucket utilizou seu passado como importante local de caça de baleia, para se transformar em um grande polo turístico no presente, onde grande parte de seus visitantes vão em busca de descobrir o local que abriga os mistérios da grande Moby Dick, e das práticas de caçar baleias que para muitas pessoas ainda são realidades desconhecidas. É importante destacar que nesse caso ocorreu a aceitação da realidade e o aproveitamento dela para apresentar todo o conteúdo histórico e artístico que o local tinha e que devido ao seu alto potencial inovador e encantador é capaz de atrair públicos em todas as épocas do ano. Esse processo foi oposto no Brasil, pois pouco são os registros existentes sobre a baleação em território nacional. Ainda assim, o pouco material que vem sendo preservado só existe devido ao forte suporte dado por ONGS de defesa das baleias, não havendo iniciativa pública direta para transformar essa parte da história brasileira em uma realidade e em objetos e lugares de memória para os poucos representantes da geração de caça da baleia que ainda existem. Essa situação é facilmente observada ao analisar o grande desafio que é estudar esse tema no Brasil, causado pela pouca 62 Disponível em: http://www.nantucketmuseumshop.org/Shop/cart.php?m=product_list&c=47 – Acessado em Novembro de 2013 47 quantidade de material e pela perda de importantes personagens dessa história que já apresentam idade avançada e pouca quantidade de informações que estão disponíveis e de fácil acesso para a população nos citados locais de memória. Apesar da existência de algumas entidades que tratem da questão baleeira no Brasil, como o Museu da Baleia – Santa Catarina, Museu do Instituto de Pesca – São Paulo, Museu Nacional do Mar – Santa Catarina e Museu Oceanográfico – Rio de Janeiro, ainda existem problemas sobre o tipo de discurso que é empregado nessas instituições. O tom que é dado aos fatos que envolvem a realidade da baleia no Brasil devem fugir da conformação e aceitação desta realidade. Faltam questionamentos mais aprofundados sobre o reconhecimento da baleia como sujeito de sua realidade, e não um ser vivo que será constantemente submetido a outra espécie. Outro ponto que deve ser destacado sobre o papel dos museus citados é a distância em que eles estão da sociedade, não há uma preocupação de servir a comunidade e de informar, trazer o público para a exposição. 48 3. A CULTURA DAS BALEIAS 3.1 O Antropocentrismo e o pensamento judaico-cristão formando paradigmas e o despertar do ecocentrismo Bíblia Sagrada O pensamento judaico cristão, formador da base social que vivemos atualmente, está diretamente ligado com a realidade de um Deus único e pessoal, que é transcendente ao mundo. Sinteticamente, essa maneira de ver e lidar com o mundo trouxe consequências para a estrutura patriarcal na qual nossa sociedade está estabelecida. Muitos são os modelos que fazem parte desse padrão, alguns exemplos são a questão da submissão da mulher e a preponderância do homem no seu modo de estabelecer relações com os outros seres. O segundo exemplo é o que será abordado neste trabalho, focando na questão homem x baleias. Para tanto utilizaremos um fragmento bíblico para caracterizar o pensamento a ser apresentado: A criação do céu e da terra e de tudo o que neles se contém. No princípio criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: Haja luz; e houve luz. E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas. E Deus chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro. E disse Deus: Haja uma expansão no meio das águas, e haja separação entre águas e águas. E fez Deus a expansão, e fez separação entre as águas que estavam debaixo da expansão e as águas que estavam sobre a expansão; e assim foi. E chamou Deus à expansão Céus, e foi a tarde e a manhã, o dia segundo. E disse Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus num lugar; e apareça a porção seca; e assim foi. E chamou Deus à porção seca Terra; e ao ajuntamento das águas chamou Mares; e viu Deus que era bom. E disse Deus: Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente está nela sobre a terra; e assim foi. E a terra produziu erva, erva dando semente conforme a sua espécie, e a árvore frutífera, cuja semente está nela conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom. E foi a tarde e a manhã, o dia terceiro. E disse Deus: Haja luminares na expansão dos céus, para haver separação entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais e para tempos determinados e para dias e anos. E sejam para luminares na expansão dos céus, para iluminar a terra; e assim foi. E fez Deus os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas. E Deus 49 os pôs na expansão dos céus para iluminar a terra, E para governar o dia e a noite, e para fazer separação entre a luz e as trevas; e viu Deus que era bom. E foi a tarde e a manhã, o dia quarto. E disse Deus: Produzam as águas abundantemente répteis de alma vivente; e voem as aves sobre a face da expansão dos céus. E Deus criou as grandes baleias, e todo o réptil de alma vivente que as águas abundantemente produziram conforme as suas espécies; e toda a ave de asas conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom. E Deus os abençoou, dizendo: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei as águas nos mares; e as aves se multipliquem na terra. E foi a tarde e a manhã, o dia quinto. E disse Deus: Produza a terra alma vivente conforme a sua espécie; gado, e répteis e feras da terra conforme a sua espécie; e assim foi. E fez Deus as feras da terra conforme a sua espécie, e o gado conforme a sua espécie, e todo o réptil da terra conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom. E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra. E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra. E disse Deus: Eis que vos tenho dado toda a erva que dê semente, que está sobre a face de toda a terra; e toda a árvore, em que há fruto que dê semente, ser-vos-á para mantimento. E a todo o animal da terra, e a toda a ave dos céus, e a todo o réptil da terra, em que há alma vivente, e toda a erva verde será para mantimento; e assim foi. E viu Deus tudo quanto tinha feito, e eis que era muito bom; e foi a tarde e a manhã, o dia sexto. 63 O homem vive do estabelecimento de relações e a relação entre homem - animal é formada por dois indivíduos, de duas espécies diferentes, uma delas está em posição de comando e a outra de comandada. Seguindo as mensagens transmitidas pela Bíblia Sagrada, instrumento de grande conteúdo informacional norteador de toda a caminhada ao longo do desenvolvimento social da cristandade, podemos observar, no livro do Gênesis, a criação do mundo. Este livro é o grande estruturador deste capítulo, pois, em sua essência, Deus criava os seres vivos, explicando quais seriam suas tarefas para garantir a vida na Terra. O fragmento a seguir foi extraído do capítulo I do Gênesis: “E Deus criou as grandes baleias (...) E Deus os abençoou, dizendo: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei as águas nos mares” 64 . Esse trecho apresenta o momento da criação das baleias, 63 GÊNESIS, Capítulo I, versículos 1 ao 31. BÍBLIA SAGRADA. São Paulo, ed. Paulinas, 2009 64 Idem 50 apresentando uma tarefa: “enchei as águas nos mares”. Como sua última criação, Deus fez o homem, com a atribuição de: E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra. E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra. E disse Deus: Eis que vos tenho dado toda a erva que dê semente, que está sobre a face de toda a terra; e toda a árvore, em que há fruto que dê semente, ser-vos-á para mantimento. E a todo o animal da terra, e a toda a ave dos céus, e a todo o réptil da terra, em que há alma vivente, e toda a erva verde será para mantimento. 65 Esse é o momento quando Deus cria o homem e a ele entrega toda a sua criação, para que possa se multiplicar e ser dominada, sendo todos os seres servidos de alimento, tudo seria mantimento e o homem teria o poder sobre eles. As ideias de dominação, manutenção e frutificação são os conceitos chaves desta passagem, que explica o modo como a sociedade continua lidando com a natureza atualmente. Esse livro foi submetido a interpretações variadas ao longo dos tempos, mas é um dos responsáveis pela formação do senso comum da sociedade que aposta que os animais existem para nos servir exclusivamente de alimento, ou qualquer outro tipo de prestação de serviço gratuita que tenham capacidade de exercer. Essa visão de que a natureza é dominada, subjugada de acordo com as vontades do homem determinou a ela uma perda quase completa de direitos. O caráter de exclusiva exploração afastou fortemente a ideia de que os outros seres poderiam vir a ter algum direito de proteção, ou controle do domínio humano para evitar interferência em seu habitat natural. Essa ideia de poder absoluto em que o homem explorava a natureza sem pensar em uma contra partida, gerou muitas extinções de espécies ao longo dos anos, até que, hoje em dia, as pessoas parecem estar cada dia mais preocupadas com essa questão. As baleias foram submetidas a esse poder soberano, o homem decidindo sobre seu futuro em momentos de carência dos recursos naturais, que ela possuía, transformando-as em uma espécie a ser explorada para obtenção de matéria prima para 65 BÍBLIA SAGRADA. São Paulo, ed. Paulinas, 2009 51 gerar recursos econômicos. Essa irracionalidade causou a quase extinção de espécies como a da baleia Jubarte e Franca, além da morte de muitos filhotes recém-nascidos, ainda que tivessem pouca serventia para o consumo. Essa questão da serventia já é um indicador do exagero humano, visto que já estavam matando sem uma real necessidade ou possibilidade de aproveitamento. Essa caça era praticada mesmo que não houvesse mercado para ela, ainda que houvesse outras formas de obterem esses recursos. A vida deste imenso animal não estava valendo nada, pois essa era uma decisão a ser tomada pelo homem, e ele não via motivo nenhum para poupar as baleias desses atentados constantes. Essa hegemonia garantida ao ser humano pelo poder divino foi e ainda é, uma arma muito perigosa no trato com a natureza. É um grande desafio explicar a uma parcela grande da sociedade de não ser pelo simples fato dela ser humana que ela pode sair devastando toda e qualquer espécie. A proposta é ponderar acerca da interpretação e se conscientizar que devemos viver em harmonia para conseguirmos frutificar a terra, podendo procurar outras maneiras de obter grande parte de nossos mantimentos sem depender do grande sofrimento de alguma espécie para nos servir de sustento, provisão ou preservação. “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra.” 66 É importante encontrar o ponto de equilíbrio que garanta o bom desenvolvimento de todos, considerando relevante citar as descobertas da proximidade cognitiva de diversas espécies com a espécie humana, principalmente as baleias, o que diminuiu a grande distância que se acreditava existir entre o ser humano e os outros animais. A partir dessa compreensão, passa a se considerar que as baleias têm consciência de existência, sofrem, choram e, principalmente, tem envolvimento com outros indivíduos de sua família. Todos esses fatores evidenciam a urgência da natureza em ser respeitada e preservada, pois todos os seres têm o direito de viver e se multiplicar conforme diz a Bíblia Sagrada dos cristãos. 66 BÍBLIA SAGRADA. São Paulo, ed. Paulinas, 2009 52 Antropocentrismo A situação social, econômica e ambiental em que o mundo chegou trouxe a necessidade de rever determinadas concepções do mundo. A visão antropocêntrica, do homem em posição central, afastado das outras espécies e se colocando como dominador, controlador, regente do mundo, tem grande aceitação em todo o ocidente. Essa dominação atribuída e assumida ao longo dos anos e transmitida com o passar das gerações contribuiu para a situação de completo autoritarismo que a espécie humana vive nos dias de hoje, demonstrado através de suas atitudes. Para exemplificar esse problema pode ser apresentado o objeto de estudo desta pesquisa, a caça da baleia no Brasil. Por que? Para que? Podem existir algumas respostas racionais, como a escassez de recursos e alimentos, mas nenhum argumento é capaz de justificar a morte de mais de 200 mil baleias por ano, impondo a algumas espécies a quase extinção. Nesse caso, a única resposta possível seria a grande avidez do homem para obter recursos financeiros sem se preocupar com nada que esteja a sua frente e o impeça de alcançar seus objetivos. Essa concepção que ainda está fortemente presente na sociedade nos dias de hoje – antropocentrismo – garante ao homem soberania absoluta para fazer o que desejar dos recursos naturais que podem ser explorados. O desequilíbrio causado pelo excesso de exploração, levando à extinção de espécies e à escassez de recursos começa a despertar na sociedade a consciência de preservação ambiental e a importância de se mudar a concepção social que temos hoje, afastando o homem do centro do ecossistema e fazendo-o assumir o seu papel como mais um integrante dele. As ideias defendidas pelo ecocentrismo, não são efetivamente uma novidade, mas passaram a ser mais respeitadas com a evolução dos estudos relativos à situação dos recursos naturais em todo o planeta. O que há de novo no período moderno é que, quando Montaigne, no século XVI, e os libertinos franceses, no século XVII, resgataram a antiga contestação dos céticos à “soberania imaginária” do homem sobre as outras criaturas, descobriram, pela primeira vez, que na tradição cristã havia autores que concordariam com eles. Em meados do século XVI, John Bradford, mártir mariano, contestou abertamente a doutrina escolástica de que os animais foram feitos exclusivamente para o amparo do homem. No século XVII, tornou-se cada vez mais comum defender que a natureza existia para a glória divina e que Deus se preocupava tanto com o bem-estar das plantas e animais quanto 53 com o do homem. Durante a Guerra Civil houve sectários que levaram tal tese à sua conclusão lógica. “Deus ama tanto as criaturas que rastejam no chão quanto os melhores santos” dizia um deles, “e não há diferença entre a carne de um homem e a carne de um sapo. 67 Ainda que tenham sido ocultados ou ignorados ao longo dos anos, existiram cientistas e filósofos que foram precursores das ideias do ecocentrismo e questionaram o direito à vida que os animais possuem desde o século XVII, como exemplo pode ser citado o trecho abaixo: Há constatações curiosas, até mesmo paradoxais, que remontam aos tempos pré-industriais, como se pode ver pelo período abrangido por seu trabalho. Eram sucessivamente os tempos do Renascimento, dos inícios da Ciência moderna e do Iluminismo, que tanto enfatizaram o privilégio da razão humana, autônoma e independente de qualquer limite que não fosse ela mesma. No entanto, havia quem contestasse esse privilégio. Na realidade, sempre houve críticos da arrogância e do despotismo do Homem em relação à Natureza. Diz ele: “Em fins do século XVII, a própria tradição antropocêntrica sofria acentuada erosão. A aceitação explícita da ideia de que o mundo não existe somente para o homem pode ser considerada como uma das grandes revoluções no pensamento ocidental, embora raros historiadores lhe tenham feito justiça. Por certo, houve muito pensadores antigos, cínicos, céticos e epicuristas, que negaram ser o homem centro do universo, ou a humanidade objeto de especial preocupação dos deuses. Na era cristã, houve contestações ocasionais à autocomplacência antropocêntrica, tal como a dos pensadores céticos, entre os quais Celso, que no século II d.C. atacou tanto os estóicos como os cristãos, afirmando que a natureza existia tanto para os animais e plantas quanto para os homens. Era absurdo pensar que os porcos foram criados especialmente para servirem de alimento ao homem, dizia Porfírio um século depois; por que não acreditar que o homem fora feito para ser comido pelos crocodilos? 68 A aceitação dessas ideias pela sociedade seria de grande valia para reestabelecer o equilíbrio ambiental, garantir o direito igual para todos e o reconhecimento do valor único que cada ser vivo tem para o meio ambiente. A interdisciplinaridade própria da museologia pode colaborar nessa mudança de valores apresentando à sociedade a 67 THOMAS, Keith. O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 1966, p. 198 68 Idem 54 cultura das baleias através de diferentes abordagens. Essa mudança de sujeito/objeto pode transformar as exposições de museus com esse tipo de temática, e apresentar a todos que elas também têm cultura e identidade. Esse conhecimento do outro, desse novo ente que passa a ser respeitado como tal, será fundamental para que a sociedade reconheça a importância das ideias ecocentristas, do respeito aos outros indivíduos e da preservação do meio ambiente. Isso fará com que, consequentemente, o homem aceite com mais facilidade as mudanças que, cedo ou tarde, nos serão impostas (seja pela conscientização geral, seja pela escassez de recursos que obrigará a mudar o modo de ver o mundo). Pontuar e assinalar casos específicos, como as baleias são nesta pesquisa, é importante para que a sociedade conheça a que ponto a humanidade chegou e aprendamos com o passado para não repetirmos os mesmos equívocos no futuro. Os testemunhos da presença da baleia no Brasil citados nesta pesquisa têm esse objetivo. Esse trabalho evoca a nova maneira de se pensar a museologia, promovendo uma reflexão sobre o seu conteúdo de maneira integral, para que em um futuro próximo algumas dessas ideias sejam mais consideradas, a contribuir para o bom relacionamento entre as espécies. Figura 26 : Ilustração representando o antropocentrismo (EGO), e o ecocentrismo (ECO). 69 69 Disponível em: http://www.ecodebate.com.br– Acessado em Setembro de 2013 55 3.2 A Cultura da Baleia: origem, comportamento e identidade Origem – ancestrais das baleias Para preservar e valorizar é preciso conhecer. As baleias, assim como outras espécies, estão presentes no planeta há milhões de anos e, antes delas possuírem as características que apresentam atualmente, tinham outros hábitos e outras necessidades. Desse modo, torna-se necessário abordar a sua história desde o passado, mas não do nosso passado, e sim do passado delas, que vivem no planeta há muitos anos, antes da espécie humana aparecer e dominar seu território, quando elas ainda conseguiam viver integralmente tudo que a sua natureza lhes dava direito. Pesquisas conduzidas por cientistas buscam encontrar parentes próximos das baleias analisando fósseis, com o intuito de pesquisar a formação anatômica dos animais, além de sua capacidade de adaptação em ambientes aquáticos e terrestres. Para a realização dessa análise é preciso avaliar onde e como os parentes das baleias se alimentavam e se reproduziam, para que possam ser comparados aos hábitos das primeiras espécies e como as conhecemos hoje. Paleontologia reconhece hoje que os ancestrais das baleias que andaram em terra firme eram carnívoros, com quatro patas e cascos, cujos sucessos do Eoceno (período geológico) em diante provavelmente evoluíram para espécies mais pesadas, com patas curtas, estrutura mais próxima para a vida anfíbia em águas rasas em rios ou estuários (ou seja, ora estão na água ora em terra, como os crocodilos ou as tartarugas de agua doce que conhecemos hoje, embora estes animais nada tenham a ver com baleias e seus ancestrais). 70 As espécies primitivas que deram origem as baleias como as conhecemos tiveram origem na era geológica do Eoceno (aproximadamente há trinta milhões de anos atrás). Desde então as baleias se dividiram em três subordens com características evolutivas distintas: as Archeoceti, Odontoceti e Mysticeti, sendo a linhagem encontrada no Eoceno (mais antiga) a Archeoceti. As baleias passaram por um processo 70 LOPES, Roberto; SILVA, Cibele. As Baleias de Barbatana, Novembro de 2010, p.1 56 evolutivo muito complexo para se adaptar à vida marinha. Mudanças na estrutura corporal como o encurtamento de vértebras cervicais, membros inferiores transformando se em nadadeiras, a cauda tornando-se responsável pela locomoção, a narina passou a ser no topo da cabeça (para facilitar na respiração sem precisar tirar o corpo da água), atrofia dos ouvidos (desenvolvimento da audição submarina) entre outras alterações, principalmente ocorridas na caixa craniana.  Baleias Archeoceti (55 a 25 milhões de anos atrás) “Grande parte dos espécimes de Archaeoceti conhecidos são do norte da África, sugerindo que eles podem ter se originado naquele continente, provavelmente como um ramo de uma primitiva linhagem pré-carnívora ou carnívora.” 71 O fóssil de baleia mais antigo encontrado até hoje é do médio Eoceno, da espécie Pakicetus, sendo que apenas um crânio foi encontrado. A continuidade do levantamento encontrou maior quantidade de espécies no Paquistão, dessa vez com restos de crânios e outros ossos do corpo fossilizados. A justificativa empregada pelos cientistas para classificar os Pakicetidae (que eram animais terrestres) como ancestrais das baleias é a forma dos ossos do ouvido, tendo uma dobra em forma de S, considerada uma peculiaridade anatômica. O Eoceno que durou de 55 a cerca de 34 milhões de anos atrás, foi o período de expansão do grupo dos mamíferos, quando os cetáceos também tiveram seus primórdios conhecidos. Cerca de um milhão de anos após Pakicetus surgiu outro parente: AmbulocetusNatans, cujo primeiro fóssil (com idade em torno de 45 milhões de anos) foi descoberto no Paquistão, em 1994 72 Baleias da espécie Ambulocetus Natans desenvolveram as condições adaptativas para viverem no ambiente terrestre e aquático. É possível comparar, de acordo com evidências analisadas a partir dos fósseis, que essa espécie tenha tido hábitos de caça parecidos com o de um crocodilo. Sua formação corporal era de patas grossas, pés com quatro dedos e dentes afiados. 71 PALAZZO, Miriam; PALAZZO JR, José Truda. S.O.S Baleia!, Editora Sulina, 1989, p.12 72 LOPES, Roberto; SILVA, Cibele. As Baleias de Barbatana, Novembro de 2010, p.4 57 Na Índia, especificamente em uma planície que é banhada periodicamente pelo Oceano Índico, foram encontradas quatros espécies de baleias primitivas, que viviam juntamente com peixes ósseos, tubarões, crocodilos e tartarugas. Essas espécies são: Indocetus, Rodhocetus, Andrewsiphius e Kutchicetus, e possuíam como característica patas curtas e alterações metabólicas se comparadas com a Ambulocetus Natans, pois essas quatro espécies desenvolveram característica que possibilitariam a evolução para as tornarem verdadeiros mamíferos aquáticos. As baleias da espécie Protocetidae são constituídas por um grupo heterogêneo (Indocetus, Rodhocetus e Qaisracetus) e tinham como peculiaridades patas grandes (utilizadas para a locomoção na água) e é possível que elas apresentassem cauda lobo. Os Protocetidae e os Kutchicetus são encontrados em extratos fossilíferos da Índia e do Paquistão, sugerindo que foram as primeiras baleias a se dispersarem por longas distâncias aquáticas. 73 . Os Dorudontidae e os Basilosauridae viveram no Eoceno tardio (41 a 35 milhões de anos atrás), quando provavelmente estavam presentes em todos os oceanos da época. Eram animais grandes (aproximadamente 18 metros), nadavam por movimentação sinuosa e possuíam corpo serpentiforme. Tinham uma alimentação variada, detectada através de análise de conteúdo fossilizado do estômago que revelou mais de 13 tipos de peixes. 74 Dorudontidae, que estão relacionadas às Basilosauridae, possuem porte semelhante a golfinhos. As duas espécies ainda dispunham de membros posteriores completos, mas de pequeno tamanho, o que sugere que não foram determinantes para o desenvolvimento da natação. As Dorudon vieram posteriormente às Basilosauridae. A especialização da locomoção na transição da terra para o mar na evolução das baleias envolveu pelo menos duas fases distintas: (1) membros traseiros dominantes com alongamento de cauda para obter estabilidade em Protocetidae (Rodhocetus), seguido de dominação da ondulação caudal, como em Basilosaurus e Dorudon, nos quais os membros posteriores já estavam em involução, mas ainda apareciam externamente. 75 73 LOPES, Roberto; SILVA, Cibele. As Baleias de Barbatana, Novembro de 2010, p.7 74 LOPES, Roberto; SILVA, Cibele. As Baleias de Barbatana, Novembro de 2010, p.9 75 Idem 58  Mysticeti e Odontoceti (baleias de barbatana e baleias de dente) De acordo com a análise do gráfico evolutivo em cada era geológica, pode ser observado que as duas espécies tiveram o início de seu desenvolvimento no fim do período Oligoceno e o momento de maior destaque no Mioceno. No Pleistoceno, as quantidades de espécies se estabilizaram, sugerindo não terem ocorrido grandes extinções. Há teorias também de que alterações ambientais tenham influenciado o aumento e estabilização dessas espécies (principalmente as Mysticeti), como mudanças nas correntes oceânicas e da temperatura do mar, o que gerou também a extinção das formas arcaicas (Archaeoceti). Foi em meio à antiga efervescência dos Archaeoceti que surgiram os Odontoceti, ou seja, cetáceos com dentes, hoje distribuídos em oito famílias, 34 gêneros e 66 espécies (marinhas e de água-doce) e os Mysticeti, os cetáceos com barbatanas, com três famílias, 6 gêneros e 11 espécies, dentre elas o maior animal do mundo, a baleia azul. 76 José Truda Palazzo Jr e Miriam Palazzo fazem uma resumida descrição das características dos dois grupos para que seja possível diferenciar as espécies pertencentes a cada um deles e conhecer melhor seus hábitos. Os mysticeti são caracterizados pela presença de cerdas na boca que permitem a passagem da água mas garantem a apreensão dos pequenos animais dos quais a baleia se alimenta. Neste grupo estão as propriamente dita, como a Baleia Franca, a Baleia Sei, a Baleia de Bryde, a Baleia Minke, a Baleia Cinza da Califórnia e a famosa Baleia Azul. Os odontoceti se caracterizam por apresentar dentes que variam grandemente dependendo da espécie. Incluem a grande maioria dos cetáceos, abrangendo os cachalotes, a beluga, o narval, as baleias- piloto, a orca e todos os golfinhos e botos. 77 76 LOPES, Roberto; SILVA, Cibele. As Baleias de Barbatana, Novembro de 2010, p.12 77 PALAZZO, Miriam; PALAZZO JR, José Truda. S.O.S Baleia!, Editora Sulina, 1989, p.14 59  Parentes vivos Inicialmente, acreditava-se que os animais originadores das baleias eram os Mesoniquídeos (Ungulados), segundo uma interpretação paleontológica baseada em evidências anatômicas. Estudos mais recentes, realizados através de dados moleculares, sugerem que as baleias derivaram dos Artiodátilos, grupo zoológico que é dividido em duas subordens: Ruminantia (bovídeos, camelos, antílopes, veados) e suína (porcos, hipopótamos e taguás). A ordem Suína intrega o hipopótamo, animal considerado o parente vivo das baleias. Memória, raciocínio, cultura e estabelecimento de relações A capacidade de estabelecer relações entre os indivíduos de sua espécie, de aprendizado e ensinamento, a imitação, a troca informacional, a demonstração de sentimentos e ainda a capacidade de raciocínio podem ser consideradas algumas maneiras de manifestação de sua capacidade de produzir e possuir cultura. A análise dessa evolução e desse estabelecimento de relações é o grande objeto do presente estudo, a fim de avaliar o grau de proximidade entre as baleias e o homem, para corroborar a ideia de que todas as espécies devem ser respeitadas em sua integralidade, e não apenas respeito à espécie humana. Comparar esses dois seres (homem e baleia) e considerar suas equivalências é fundamental para mostrar o quanto estes seres são próximos, entretanto, essa proximidade não se reflete no respeito e na preservação dos cetáceos. Animais tão diversos quanto formigas, peixes esgana-gata e baleias orca são agora conhecidos por escolherem hábitos de forrageamento, preferências alimentares, preferências de acasalamento e táticas de evasão de predadores, e por aprenderem chamados, canções e rotas migratórias através da observação dos mais experientes. Mas a reivindicação que os seres humanos não são a única espécie imersa em um reino cultural está coberta de controvérsia. 78 78 LALLAND, Kevin N. Culturas Animais, Revista Com Ciência nº 134, Campinas, 2011. Tradução Germana Barata, p.1 60 Estudos recentes têm se aprofundado em analisar a capacidade de compreensão e de promoção de cultura dos cetáceos. Tendo já sido comprovada a alta capacidade cognitiva dos golfinhos, os estudos agora estão voltados para as baleias. Queria também falar um pouco sobre as baleias, que são o oposto dos insetos, não apenas do ponto de vista físico, mas também da comunicação. As baleias se comunicam centralmente por um canto e seguramente todos nós já teremos ouvido gravações de cantos de baleias. Que muito se parecem a verdadeiras árias operísticas. Um canto que tem um enorme alcance. Uma baleia quando canta consegue ser ouvida a cem quilômetros de distância por uma outra baleia. E estou falando da baleia porque sua comunicação é vocal e requer, portanto, ser ouvida por outra baleia. 79 É relevante destacar essa questão citada do ouvir e ser ouvida, semelhante aos seres humanos, que também possuem comunicação oral, e que para estabelecer um tipo de relação precisam que outro individuo ouça o que estão dizendo. Os machos de jubarte cantam na temporada reprodutiva, com a função provável de atrair fêmeas e/ou afastar machos, pois geralmente são observados sozinhos. São canções constituídas por frases, chamadas temas, emitidas em longas sequências de repetição. Os cantos diferem entre as populações mundiais de jubarte, o que tem sido utilizado para caracterizar e diferenciar cada população. Também variam a cada temporada, podendo ser alterados lentamente até se tornarem em algo completamente distinto após cinco anos. Recentemente foram registrados cantos similares entre baleias jubartes brasileiras e da costa do Gabão, levantando a hipótese de que em algum momento de seu ciclo de vida – durante a rota migratória ou na área de alimentação – os machos das duas populações se encontraram e intercambiaram temas e frases. 80 Entende-se então que a capacidade de comunicação facilita alguns tipos de relação, como no caso citado acima onde os sons contribuem para o acasalamento, e mais 79 JUNIOR, NorvalBaitello. A Cultura do Ouvir. Revista CISC, Seminários Especiais de Rádio e Áudio – Arte da Escuta – ECO, 2º semestre 1997, p.10 80 LOPES, Roberto; SILVA, Cibele. As Baleias de Barbatana, Novembro de 2010, p.24 61 importante que isso surge a hipótese, a possibilidade de que haja o aprendizado entre essas espécies, a troca de informações entre os indivíduos o que indica a capacidade de instrução. Algumas baleias misticetis são conhecidas por produzirem sons que lembram cantos. As baleias corcundas ou jubartes produzem sons muito melodiosos. Essas canções podem durar mais de meia hora. Quando esta termina, geralmente recomeçam repetindo a mesma sequência em um padrão que pode durar vários dias. Os machos dessas baleias cantam principalmente durante a estação reprodutiva sendo que no início desse período, todos eles cantam a mesma canção. Conforme a estação progride, a canção muda gradualmente e no final do inverno essa canção praticamente não é reconhecida como a do início da estação. Pouco ou nenhuma canção ocorre na estação de alimentação no verão. Quando as jubartes retornam aos locais de reprodução no ano seguinte elas reiniciam a mesma canção de quando elas terminaram a época reprodutiva do ano anterior. No final da nova estação a canção é distintamente nova. Essa podem ser ouvidas a mais de 5km de distância e serviria para atrair a fêmea sendo equivalente a competições entre machos de mamíferos terrestres. 81 Essa afirmação de João Marcos Schmiegelow destaca outra característica importante: a capacidade de memorização das canções e consequente afirmação de sua capacidade memorial mais extensiva. A questão do reconhecimento dos sons produzidos pelas jubartes como música tem sido profundamente estudada e analisada comparativamente com as músicas produzidas pelo homem. A despeito de poderem produzir sons sem ritmicidade ou tonalidade, as baleias optam por produzir sons rítmicos, de forma semelhante a composições humanas e com tonalidade definida. Mais do que isso: - O canto produzido por elas é composto de fraseados de tamanho semelhante às frases na música composta por homens e, assim como nós, elas exploram diversos fraseados dentro de um mesmo tema antes de partir para um tema diferente. Da mesma forma, são frequentes composições que exploram um tema, partem para uma seção mais elaborada e, depois, retornam ao tema inicial (semelhante ao nosso formato de composição: estrofe – refrão – estrofe); - O tamanho total de um canto (uma música?) assemelha-se ao tamanho médio de músicas produzidas pelo homem, possivelmente 81 SCHMIEGELOW, João Marcos Miragaia. Baleias, Golfinhos e afins. Periódicos v.2 n.2 Comunicações PUC Campinas, 1988, p.32 62 pelo fato de que o tamanho de seu córtex permite uma capacidade atencional semelhante à nossa; - Ainda que elas tenham uma extensão tonal que alcança sete oitavas musicais, as baleias preferem compor músicas com intervalo entre notas também semelhantes às nossas composições (que raramente explora toda essa extensão em uma única composição); - Elementos percussivos são incorporados à música e intercalados com tons puros numa taxa semelhante àquela encontrada em composições humanas; - Algumas repetições encontradas são semelhantes a rimas, indicando que as baleias possam usar desse artefato tanto quanto os humanos usam: um recurso mnemônico para lembrar-se de composições complexas. Tantos elementos comuns entre os sons musicais produzidos por essas diferentes espécies apontam para o fato de que a música não possa ser apenas um produto cultural humano. Nas palavras de Gray e colaboradores (2001): “O fato de que a música das baleias e dos homens tem tanto em comum, mesmo com nossos caminhos evolucionários não tendo se cruzado em 60 milhões de anos, sugere que a música deve ‘predar’ os humanos, ao invés de sermos os inventores dela. Nós somos adeptos tardios do ambiente musical. 82 Nesse parágrafo é apresentado o estudo mais detalhado acerca da música produzida por homens e da música produzida pelos cetáceos, detalhando as particularidades de cada uma delas. A capacidade de emissão de sons também pode ser aproveitada para outro sentido fundamental a esses animais, a localização. Os cetáceos tem a ecolocalização altamente desenvolvida. A vantagem da utilização do som no meio aquático é que ele viaja cerca de 5 vezes mais rápido que no ar e possuir maior variação de comunicação que a visão. Como resultado, muitos animais nectônicos mostram forte desenvolvimento em estruturas receptoras para o som (...) Os sons de baixa frequência são usados por esses animais para orientá-los na coluna d’água com relação aos objetos em volta deles, entretanto, não produzem informação como estruturas mais detalhadas de objetos. Assim, muitos animais nectônicos que possuem a ecolocalização desenvolvida, também tem a habilidade de variar a frequência do som produzido. Nas baleias com dentes, a ecolocalização alcança um máximo de desenvolvimento. Esses animais possuem elaboradas modificações morfológicas da cabeça e sistema respiratório que permite a eles enviar e receber ondas sonoras variando em grande amplitude de frequência. As baleias odontocetis possuem uma protuberância arredondada na região da cabeça chamada 82 RODRIGUES, Felipe. Fisiologia da Música: Uma abordagem comparativa. USP/FAPESP, São Paulo, 2009, p.15 63 melão. Este é aparentemente usado como uma lente acústica para focalizar o trem de ondas sonoras. Cetáceos odontocetis também possuem grandes cérebros em relação ao seu tamanho corpóreo, estando em segundo lugar no reino animal, no desenvolvimento dos hemisférios cerebrais. O cérebro do cachalote por exemplo, pesa mais de 10 kg. Parece que esses grandes cérebros são necessários para permitir o processamento rápido das informações acústicas recebidas. (...)Para se localizarem no mar, esses animais possivelmente utilizem o campo geomagnético da terra para elaborar um mapa sensível que lhes permita conhecer sua posição. Eles devem possuir um sistema receptor bastante sensível, ainda não totalmente conhecido. 83 A ecolocação é importante, pois auxilia as baleias no trabalho de localização e identificação de objetos. É como se essa capacidade cumprisse a tarefa que os olhos e o tato desempenham para o ser humano. Na ecolocação, os sons emitidos pelos odontocetos funcionam como uma espécie de sonar biológico. Eles batem nos objetos e ecoa, sendo captados pela mandíbula e levados para o ouvido, que codifica e manda para o cérebro informações do tipo distância, textura e tamanho do objeto. Assim eles passam a localizar e analisar objetos e se orientar de forma precisa sem o auxilio dos outros sentidos. Na comunicação, os sons servem para diferenciar os indivíduos e os grupos e provavelmente para formar um tipo e linguagem capaz de transmitir informações variadas. Além dos demais sentidos, os cetáceos utilizam um sentido magnético como instrumento de navegação durante o seu deslocamento [...] A capacidade de aprendizagem e uma suposta inteligência entre esses animais pode estar relacionada ao tamanho cerebral. A quantidade de neurônios no cérebro é muito baixa. Este fato por sua vez não implica numa pequena capacidade mental, já que nos mamíferos em geral, a densidade de neurônios corticais decresce com o aumento do tamanho do cérebro. 84 Essa capacidade de se localizar é uma importante característica das baleias, que não possuem o sentido da visão profundamente desenvolvido, e desse modo dependem do seu desenvolvimento auditivo para se localizarem. “Uma vez encalhado, o animal emite sons indicativos de seu sofrimento, que são ouvidos pelos outros membros do grupo, que então buscam aproximar-se do animal 83 SCHMIEGELOW, João Marcos Miragaia. Baleias, Golfinhos e afins. Periódicos v.2 n.2 Comunicações PUC Campinas, 1988, p.33 84 JACOBINA, Ana Maria Souza. Os Cetáceos. Trabalho de Término de Curso, UNICEUB, Brasília, 2000, p.14 64 ferido ou doente, e na ânsia de acompanhá-los acabam encalhando.” 85 Outras características podem ser destacadas no comportamento das baleias, diferente dos que já foram anteriormente citados, como: imitação (realizada entre mães e filhotes) e sentido de cooperação entre os indivíduos. Esse comportamento indica um lado bem profundo da cumplicidade: visto que quando um indivíduo está em perigo ele emite sons, essa emissão pode ser comparada a um pedido de ajuda realizado por algumas outras espécies, como até mesmo pelo ser humano, quando um está em situação de perigo, os outros elementos recorrem para tentar ajudá-lo. Essa preocupação com o outro, que tem se mostrado presente na realidade dos grandes cetáceos, é caracterizada pelo pronto atendimento ou pela tentativa de atendimento rápido ao indivíduo que pediu “socorro” através de comunicação oral. As baleias jubartes, por exemplo, apresentam grande organização social, com grupo instáveis e pequenos de 2 a 3 indivíduos. A competitividade na época reprodutiva e a busca por alimento são motivos que podem fazer com que esses animais se reúnam, em grupos de até 11 baleias. Na área de reprodução são observados grupos competitivos, formados por uma fêmea e dois ou mais machos em disputa pela preferência no acasalamento e ainda de fêmeas com filhotes. 86 Em relação ao comportamento desses animais na época de reprodução pode ser observado que, em alguns casos, a fêmea é vista junto com o filhote e há a presença de um terceiro individuo, que é chamado de “escorte”. Estudos genéticos mostram que os escortes normalmente são machos e, com o aprofundamento desse estudo, comprovou- se, também, que esse macho não é o pai do filhote que está com ela. Ainda que seja difícil identificar a função desse terceiro elemento, é possível garantir que há uma relação entre eles. Observadores de baleias localizados na região do Arquipélago de Abrolhos já viram esses casos e essas três baleias aparecem realizando saltos e batendo caudas em sincronia. Esses apontamentos indicam o quanto a vida social é importante para os cetáceos. 85 PALLAZO JR., J. T. &BOTH, M. C. 1988. Guia dos Mamíferos Marinhos do Brasil. Editora Sagra, Porto Alegre, p. 15-17. 86 LOPES, Roberto; SILVA, Cibele. As Baleias de Barbatana, Novembro de 2010, p.21 65 A imitação comportamental está virando tema de estudos, como uma outra alternativa para comprovar a existência de cultura neste grupo. As determinações das imitações comportamentais podem ser genéticas, fisiológicas, ecológicas e, no seu mais alto grau de complexidade, imitadas e aprendidas culturalmente. 87 A questão se os animais aprendem por imitação atraiu um nível de interesse especialmente alto, já que frequentemente se assume que a imitação é baseada em processos cognitivos complexos – tais como a habilidade de se compreender o que o outro está fazendo, ou de adotar a perspectiva do outro, ou mesmo a percepção consciente – suposições que permanecem altamente controversas. Todavia, evidências relativamente fortes sobre imitação foram produzidas para uma variedade de espécies de pássaros, primatas e cetáceos. 88 Um comportamento recente, descoberto ao realizarem observações de baleias, está causando grande inquietação entre os cientistas. A realização de “lobtail”, que de acordo com o significado da palavra significa: LOB – deslocar/bater e TAIL – cauda, consiste em bater a cauda na água, como se tivesse dando tapas no mar. Este comportamento, chamado “bater de cauda”, foi percebido/gravado primeiro em uma baleia no Golfo do Maine em 1980. Desde então, 278 baleias jubarte – entre os aproximadamente 700 indivíduos que frequentam a área do Banco de Stellwagen - empregaram a estratégia do lobtail, de acordo com o estudo publicado esta semana no periódico Science. Nos anos 80, Rendell e seus colegas descobriram que o conhecimento do novo comportamento de bater de caudas espelhava a frágil/solta/livre conexão social entre as baleias. Basicamente, uma baleia ingênua – um indivíduo que não exibia o comportamente de bater cauda - era mais propensa a começar a bater causa se associada com outra baleia que usasse a nova técnica. O novo estudo é uma boa prova de concepção/conceito mostrando que cientistas podem usar esse tipo de análise em rede para observar questões de tradições e aprendizado social, disse Bennet Galef, um professor aposentado da Universidade MCMaster em Ontario, Canada, que se especializou em aprendizado social. 89 87 RENDELL, Luke; WHITEHEAD, Hall, 2001, Culture in whales and dolphins, Behavioral and Brain Sciences, EUA, p. 353 88 LALLAND, Kevin N. Culturas Animais, Revista ComCiência nº 134, Campinas, 2011. Tradução Germana Barata, p.4 89 LEE, Jane J. Do whaleshaveculture? Humpbacks pass on behavior, National Geographic, 2013. Disponível em: <http://news.nationalgeographic.com/news/2013/13/130425-humpback-whale-culture- behavior-science- animals/?rptregcta=reg_free_np&rptregcampaign=20131004_rw_membership_n1p_intl_c1#close- modal>. Acesso em outubro de 2013 66 Ainda não se tem a informação precisa sobre o objetivo da realização desses movimentos, mas existem hipóteses que sugerem relação com os hábitos de forrageamento, de modo que a batida da cauda na água faz com que os peixes fiquem aglomerados e mais fáceis de serem consumidos. Os constantes trabalhos de observação sugeriram que esse comportamento só é praticado por espécies de baleia que vivem em grupo, não sendo observado nas que costumam permanecer sozinhas. Devido ao fato desse movimento ter tido início há pouco tempo, existem fortes indícios que sugerem que ele foi transmitido e aprendido. Pesquisadores diferem em como definir exatamente a cultura, mas a maioria concorda que isso envolve uma adoção coletiva e a transmissão de um ou mais comportamentos entre um grupo. A habilidade humana de criar e transmitir novas tendências culturais ajudaram nossa espécie a dominar a Terra, em grande parte porque cada nova geração pode se beneficiar das experiências das precursoras. Pesquisadores descobriram que esta similar, embora muito simples, transmissão cultural toma lugar em animais, incluindo peixes, insetos, suricatos, pássaros, macacos e primatas. Às vezes essas diferenças culturais parecem bizarras, assim como as tendências recentemente desenvolvidas entre alguns macacos, de cutucar os globos oculares uns dos outros com suas longas e afiadas unhas - um comportamento que se originou entre um pequeno grupo de indivíduos e o qual foi disseminado através do tempo "(...)" Observadores têm a impressão que o batimento de caudas (bater de caudas) estava se espalhando, mas não havia evidência sólida. Então, o grupo analisou uma base de dados de 27 anos do comportamento de baleias coletada do Santuário Marinho Banco Natural de Stellwegen, na boca da baia de Massachussets, entre Cape Cod e Cape Ann. Isto inseriu 73.790 gravações de avistamento no computador, envolvendo 653 baleias que foram vistas ao menos 20 vezes. Com o passar dos anos, o bater de caudas se espalhou para 37% da população, e mais de 80% das baleias que adotaram a técnica aparentavam fazê-la para estar em associação com outra baleia que já se encontrava guiada pelo método (indivíduos foram contados como "associados" se eles andassem a uma distância de dois corpos um do outro e demonstrassem coordenação em seu comportamento) 90 90 BALTER, Michael. Strongest evidence of animal culture seen in monkeys and whales, Science Now, 2013. Disponível em: <http://www.wired.com/wiredscience/2013/04/animal-culture-monkeys-whales/>. Acesso em outubro de 2013 67 A consideração da prática do lobtail resultou no aprofundamento do estudo sobre a cultura entre baleias, considerando-se esse tipo de movimento como um indicador de produto cultural e de transmissão de hábitos. O grupo de pesquisa usou então a análise em rede para desenhar conexões entre as baleias e seus “amigos” - uma rede social para jubartes. Quanto mais amigos de caçada-lobtail uma baleia tinha, diz Rendell, mais provável que o animal desenvolvesse a habilidade. Os resultados sugerem que baleias jubarte, que os pesquisadores anteriormente mostraram aprender canções de uma para outra, também passam comportamentos de caça. "Nesta população, você tem multiplas tradições ocorrendo." diz Rendell. Ele argumenta que isto pode constituir cultura nas baleias. "A demanda de tradição e cultura nos animais selvagens pode ser muito controversa." diz a antropóloga evolutiva Rachel Kendall da Universidade de durham na Inglaterra. O grupo de Rendell fez um bom trabalho liderando críticas potenciais, ela diz. Assim, Rendell diz, "Adoraria ser capaz de dizer que o caso está encerrado, mas acho que sempre haverá debate sobre a cultura nos animais". E agora, quando as pessoas tiverem esse debate, ele diz, as baleias jubarte terão que ser parte disto. 91 Ainda que diversos estudos estejam sendo realizados, muitos desafios devem ser enfrentados, como por exemplo: como identificar esses traços culturais? Como observar as baleias e fugir do modo de pensar antropomorfo? Uma importante e recente descoberta é que etiquetas sofisticadas podem ser colocadas em baleias por curtos períodos, e estas podem dar uma perspectiva detalhada sobre o comportamento dos animais. Dez anos atrás nós não tínhamos quase nenhuma ideia de como uma cachalote se alimentava nas profundezas mas por causa destas etiquetas e outros avanços técnicos, nós estamos tendo uma boa ideia. Será muito interessante quando o poder destas técnicas for trazido para permitir o fim social das coisas - o papel da cultura, o papel do cérebro nas baleias, isto é onde o quebra cabeça é maior e mais difícil (...) Podemos ver como as batidas do coração mudam enquanto coisas diferentes acontecem com os animais socialmente - quando eles encontram um amigo, escutam um padrão de cliques que não é familiar. Podemos observar como eles interagem um com o outro 91 ROSEN, Meghan. Signs of culture in whales and monkeys. Science News, Jun, 2013 – Disponível em: https://www.sciencenews.org/article/signs-culture-whales-and-monkeys. Acessado em Outubro de 2013 - Grifo nosso 68 fisicamente - como o ouvir dos cliques modifica seus movimentos de sutis formas? Então esta informação pode positivamente estar relacionada aos indivíduos. Enquanto construímos conhecimento em histórias dos indivíduos, podemos ver como eles variam e como estas diferenças afetam a sociedade - personalidade etc. Vejo isso da maneira a seguir (...) "O dilema é se estamos modificando as baleias por observá-las? A observação de baleias cresce o perfil do animal mas estamos influenciando seu comportamento? No futuro, esse encontro de culturas será recíproco? Podemos chegar ao ponto onde entenderemos as baleias e elas se comunicarão conosco?" Estamos falando sobre a cultura humana encontrando a cultura das baleias. Isso é o que tento fazer quando escrevo sobre baleias, mas isto é o que você faz fisicamente quando está em campo com elas. E há o aspecto do jeito com que nossa cultura afeta as baleias - historicamente através da caça e agora através da maneira com que estamos mudando o planeta. (por exemplo, quando estive no Maine recentemente, aprendi com Dr John Wise que cachalotes, inalam tão profundamente que podem estar respirando metais pesados no ar) (...) O que me fascina é a noção que estes animais tem, e assim como nós, podem começar a racionalizar seu lugar no mundo - o que significam, o que a existência deles significa. Isto é algo que você deve formar uma hipótese em breve. Não estou pedindo a você para me dizer o que uma baleia deve estar pensando, mas você acha possível que uma baleia tenha um senso existencial de si mesma? Para mim como escritor o maior problema é o antropomorfismo - escrever sobre animais de uma perspectiva humana é difícil, não ser antropomórfico é realmente o único jeito que nós humanos as podemos descrever. A baleia, e especialmente a cachalote, nos atrai porque nós sabemos tão pouco e porque a ciência sobre esses animais é tão recente, tendo apenas três décadas de idade. 92 Para completar esses apontamentos, seguem alguns outros feitos por Felicith Muth, bastante pertinentes com os questionamentos que a museologia terá que fazer para conseguir acompanhar essa vertente. Então como é que os cientistas conseguem separar todas essas possíveis explicações para este comportamento alimentar? Com a utilização de uma análise efetiva, a "análise de difusão com base na rede " , que poderia revelar que a explicação mais provável era para a propagação deste comportamento . Assim como com a cultura humana, onde espera-se que os indivíduos que interagem mais uns com os outros são mais propensos a compartilhar a mesma cultura, de modo que esse modelo foi utilizado pelos cientistas para supor que o 92 HOARE, Philip; WHITEHEAD, Hal. The cultural life of whales, The Guardian, 2011. Disponível em: <http://www.theguardian.com/science/2011/jan/30/whales-philip-hoare-hal-whitehead> Acesso em: outubro de 2013 – Grifo nosso. 69 comportamento lobtail foi aprendido. Com isso os individuos que “lobtailed” estariam gastando mais tempo com outros indivíduos que também “lobtailed”. Para certificar-se que os indivíduos não foram apenas passar mais tempo com os membros da família que podem ter as mesmas ' genes para' comportamento lobtail , incluíram informações em seu modelo sobre se a mãe de um indivíduo tinha sido um alimentador lob -tail . Ao ligar todas as informações que sabiam sobre quem estava saindo com quem, quem estava relacionado com quem, e outros fatores para fazer com o ambiente do animal, que poderia afetar a alimentação lobtail , os cientistas puderam dizer que a situação mais provável era que estava realmente acontecendo. Ele mostrou que era extremamente provável que as baleias estivessem aprendendo o comportamento lobtail umas das outras. De fato, os exemplos que demonstraram "que as baleias estavam aprendendo umas com as outras eram 54.000 vezes melhores do que os exemplos que as baleias aprendiam por si mesmas (ou seja, mais provável que elas aprendam mais e melhor com o grupo). Eles também descobriram que o comportamento era mais praticado quando havia abundância de um determinado peixe. Isto parece sugerir que há algo de especial neste peixe que faz com que o comportamento particularmente útil para a alimentação seja utilizado quando ele está presente em grande quantidade. [ ...] Mesmo que a evolução cultural seja geralmente mais rápida do que a evolução biológica, sendo capaz de ter uma visão ampliada sobre como comportamentos podem mudar ao longo de algumas décadas, essa visão que não pode ser adquirida com o trabalho de apenas um ou dois anos. [ ...] Como exatamente as baleias estão aprendendo umas com as outras ainda não é clara, mas este estudo é mais um passo no sentido de uma maior compreensão da cultura animal. Como a cultura é algo que consideramos uma parte tão essencial do ser humano , é difícil não olhar para a cultura animal e compará-la com a nossa própria . Perguntei a Rendell sobre “como comparar a cultura animal não-humano e a nossa, e o que estudos como esse podem ser capazes de nos dizer sobre a nossa própria cultura.” Ele ressaltou que há um vasto abismo entre nossa cultura e o que vemos em animais não-humanos: " Essas diferenças [ entre os seres humanos e outros animais ] são tão grandes que não faz sentido para muitos antropólogos chamar não-humanos de produtores de cultura. Para eles, com seu foco em símbolos e significados, humanos e não humanos não são a mesma coisa. No entanto, os biólogos evolucionistas tendem a se concentrar sobre a cultura como um fluxo de informação alternativa de genes - um segundo sistema de herança - e, nesta perspectiva , as diferenças são maiores. Não há resposta aceita universalmente para este desacordo, mas todos aceitam que a cultura humana é única (mas então, assim é a cultura de baleias , a cultura chimpanzé, cultura pássaro, assim como voar, andar, deslizar e nadar são todas as maneiras originais de locomoção) ... entender o que os não-humanos são e não são capazes com relação à cultura nos ajuda a se concentrar no que realmente faz com que a cultura humana seja única. " Para levar isso um passo adiante, entendendo quais condições conduzem à cultura que nós vemos em animais, nós podemos entender melhor quais condições podem ter conduzido a cultura mais primitiva 70 em nosso passado evolutivo, e como nossa cultura evoluiu ao ponto que está em hoje. 93 Alguns relatos de pescadores também podem colaborar com esse raciocínio, visto que eles esclarecem questões comportamentais, como o grau de amabilidade desses animais, a estreita relação entre mães e filhotes, o fato da mãe emitir um som, uma espécie de choro à medida em que seu filhote era atingido pelo arpão ,e ainda, sua tentativa em vão de salvar o baleote, o que acabava levando a mãe diretamente para a morte. 94 O conjunto de testemunhos de quem presenciou esse momento existencial, lancinante, esclarece que a relação entre baleia e baleote (filhote) é bastante profunda, explicita que esses animais têm consciência da morte, sabendo o momento em que estão perdendo um ente de sua família, além de demonstrar um grande senso de proteção. Trazer esse debate para o Brasil e acrescentar a contribuição da museologia contemporânea é um grande desafio. Treinar o olhar para observar o outro não humano, valorizar e reconhecer que esses outros também produzem cultura, esses exercícios são fundamentais para contribuir ao desenvolvimento de novas perspectivas e estímulos intelectuais / epistemológicos ao campo museológico, de sua teorização. Rotas Migratórias Outra característica das baleias são as grandes migrações presentes em seu cotidiano. Consistem, como o nome já diz, nas migrações periódicas que as baleias realizam com o objetivo de se alimentar e reproduzir. É desconhecido o mecanismo que faz com que esses animais saibam a direção correta de seu deslocamento, não tendo explicação o modo como conseguem percorrer longas distâncias (do polo norte ao polo sul), considerando que não foi encontrada nenhuma característica corporal que confirme uma capacidade de localização tão complexa. Cientistas concluíram que essa atividade migratória está ligada ao código genético. Entretanto, algumas teorias acreditam que 93 MUTH, Felicith. Animal Culture: Insights from whales. Scientific American, 2013. Disponível em: <http://blogs.scientificamerican.com/not-bad-science/2013/04/27/animal-culture-insights-from-whales/> Acesso em outubro de 2013.Tradução nossa. Grifo nosso. 94 PALAZZO, Miriam; PALAZZO JR, José Truda. S.O.S Baleia!, Editora Sulina, 1989, p.30-38 71 essa rota migratória é aprendida e que a informação é compartilhada entre todos os indivíduos da espécie, sem ainda haver evidências concretas sobre isso. “Populações de baleias dos dois hemisférios possuem períodos migratórios opostos, reduzindo as oportunidades de encontro dessas duas populações em zonas equatoriais. Baleias Jubarte e Franca migram próximo à costa, enquanto que as baleias azuis e fin realizam migrações em águas mais profundas.” 95 A principal fonte de alimentação dos Misticetos (conhecidas como baleias de barbatana) são pequenos crustáceos (krill e copépodes) e pequenos peixes. A fase de alimentação é realizada nas regiões polares e com a chegada do inverno no polo sul esses animais procuram águas mais calmas e quentes para se reproduzir e cuidar dos seus filhotes nos seus primeiros dias de vida. O mapa a seguir ilustra como é realizada a migração baleeira ao longo de todo o mundo: Figura 27 :Esquema de migração de baleias entre áreas de alimentação e reprodução. 96 No Brasil, podem ser localizados dois locais em que as baleias estão sempre presentes durante sua temporada na América do Sul: Arquipélago de Abrolhos (Baleias Jubartes) e Litoral Catarinense (Baleias Francas). As duas áreas do litoral brasileiro recebem as baleias anualmente com data de inicio da migração em julho, auge da 95 Relatório de Atividade de Perfuração Marítima dos Bloco BM-PAMA-16 e BM-PAMA-17 Bacia do Pará, p. 490 96 Disponível em: www.bact.wisc.edu:81 – Acessado em Agosto de 2013 72 migração em setembro, e fim em novembro/dezembro. Embora essas espécies sejam as mais frequentes, ocorre avistagem e/ou encalhe de outras, mas com menos frequência. Os locais de maior recorrência são Abrolhos e Santa Catarina são realmente os locais de maior aparecimento das baleias, mas ao longo do ano há registros de avistagens e encalhes ao longo de toda a costa brasileira. O mapa a seguir faz apontamentos de locais em todo o litoral brasileiro onde ocorreram esses encalhes, avistagens e capturas de baleias. Figura 28:Registros de ocorrência de encalhes, avistagens e capturas acidentais de mamíferos aquáticos marinhos no litoral do Brasil 97 Não existem evidências que comprovem desde quando as baleias realizam esse processo migratório tão complexo, mas é possível analisar e concluir essa informação a partir de dados obtidos em regiões onde há a presença de sambaquis, como indicamos no capítulo II, e/ou onde o homem deixou marcas de sua presença no passado. Esse raciocínio permitiu estabelecer uma hipótese de que as baleias “frequentam” o litoral brasileiro há pelo menos 7 mil anos. Para justificar essa afirmativa serão utilizados dois estudos de caso, o primeiro deles no Estado do Paraná e o segundo no Estado de São Paulo, que serão apresentados no item a seguir. 97 Informação extraída do banco de dados do Sistema de Monitoramento de Mamíferos Marinhos (SIMMAM). 73 3.3 A relação entre o homem e a baleia antes da era cristã e do pensamento antropocêntrico Na pré história, já são encontrados registros de relações entre o homem e a baleia. Os grupos que viviam no litoral brasileiro frequentemente se deparavam com uma baleia encalhada, já morta ou ainda tentando voltar ao mar. Nesse período não havia ainda a prática de caçar as baleias, entretanto, as que morriam na areia eram aproveitadas e as que encalhavam ainda com vida eram abatidas através de golpes, com pedaços de tronco. Em seguida, todas as partes de seu corpo eram aproveitadas. Em 1957 foram realizadas escavações em sambaquis no município de Pontal do Paraná, a 500m do rio Guaraguaçu e a 4.500 m de sua foz, na baía de Paranaguá, no distrito de Praia de Leste, escavações financiadas pelo CNPQ, CAPES e pelo Conselho de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Dentre os materiais encontrados existiam ossos de baleia carbonizados, facas feitas com ossos de baleia e discos perfurados de bula timpânica de baleia. As camadas superiores do sambaqui datavam de aproximadamente 2.000 a 2.500 anos atrás, podendo as camadas mais profundas regredir a até oito mil anos. A partir dessa informação, é possível concluir que o homem das cavernas se aproveitava da baleia, sem praticar a caça predatória indiscriminada, e nem ter nenhuma atitude que colocasse em risco a sobrevivência da espécie. Esse animal era aproveitado por completo, sendo sua carne servida como alimento, seus ossos transformados em objetos utilitários e, inclusive, a bula timpânica aproveitada como matéria prima para criação de objetos zoomórficos e/ou utilitários. Possivelmente os ossos que não tivessem serventia fossem carbonizados. 98 Outro caso a ser analisado ocorreu em São Paulo, mais precisamente em Ribeira do Iguape, nos sambaquis da região de Lagunar de Cananéia. Neste local foram encontrados pedaços de vértebras de baleia escurecidos e a hipótese sugerida por Ab’Sáber, participante da comissão de estudo desse sambaqui, foi de que esses ossos eram queimados como um ritual mítico. A queimação das vértebras da baleia seria parte de uma cerimônia religiosa dos homens ditos primitivos, o que pode ser considerado verdadeiro se analisar que, para muitos grupos aborígenes, as baleias são consideradas 98 Espirais do Tempo – Bens tombados do Paraná, Governo do Estado do Paraná, Secretaria de Estado da Cultura, 408-410, p. 2006 74 animais sagrados. A datação estimada desse material é de seis mil a mil e quinhentos anos atrás. 99 Com esses registros, pode se afirmar que as baleias estão presentes no país há mais tempo que o homem moderno, entretanto, sem nenhuma estimativa mais concreta de quando as rotas migratórias começaram a ocorrer e como as baleias sabiam percorrer de polo a polo. De qualquer modo, a lição que nos fica é que os povos que habitavam o Brasil antes da chegada dos europeus ou até mesmo antes da existência dos europeus aproveitavam da baleia morta tudo que ela podia oferecer, sem haver desperdício e, o principal, sem destruir a natureza. Existe a possibilidade que a consciência da morte que esses animais possuem os tenha afastado de regiões onde o abate tenha sido constante. 3.4 A importância da memória para consolidar a ideia de cultura das baleias A questão fundamental do ensino da história pode ser aproveitada para iniciar uma argumentação sobre a necessidade e importância de se preservar as memórias da pesca da baleia. Estuda-se o passado para que ele seja conhecido e analisado por toda sociedade, a fim de que não sejam cometidos nos dias de hoje os mesmos equívocos cometidos em outros tempos. O homem sempre viveu no decorrer da história uma relação de dominação com a natureza. Na história da colonização do Brasil este fato é pertinente. A relevância da abordagem deste assunto não reside na insignificante acusação aos fatos passados ou repasse da culpa da degradação ambiental para os colonizadores e colonizados do país. Estes viveram em realidades sociais e culturais diferentes. No entanto, a descrição dos relatos de um passado distante pode favorecer o enriquecimento dos argumentos nas discussões e reflexões sobre a relação sociedade-natureza no tempo e no espaço buscando impedir a devastação de toda forma de vida no planeta, busca contemporânea. 100 99 AB’ SABER. &BESNARD. Sambaquis da região lagunar de Cananéia. In: Boletim do Instituto Oceanográfico, São Paulo, nº 4, 1953, p. 215-230. 100 ADÃO, Nilton. A Degradação ambiental no Brasil colônia: relatos para reflexões contemporâneas. Revista Educação Ambiental, 2007, p. 1 75 Este trabalho integra os aspectos históricos e museológicos, aliados ao impacto dos resultados obtidos pelos esforços de ambientalistas e da importância da preservação da memória, visando um grande avanço no conhecimento dos cetáceos e na proposta de uma nova abordagem, de um novo olhar sobre eles. A proteção ambiental realizada por ONGs ocorre através de manifestações públicas, com passeatas e reivindicações, além de posicionamento em debates políticos. A tentativa de preservar outros seres vivos da intervenção humana pode ter uma maneira singular de ser realizada, através do desenvolvimento das questões que envolvem a promoção e o reconhecimento de que as baleias podem realmente produzir e transmitir cultura, o que as aproxima dos seres humanos. Nesse raciocínio, é importante abordar o posicionamento do outro frente ao abate a que eles foram submetidos, considerando sua posição como seres vivos, como membros ativos do nosso ecossistema, como também mamíferos, e como seres capazes de interagir e estabelecer relações. Esse modo de estudar apresenta a vantagem que se pode obter ao analisar as questões ambientais de maneira interdisciplinar, incluindo a Museologia. No âmbito da questão baleeira, esse aproveitamento ocorre com a pesquisa do passado histórico, que permite evidenciar os sofrimentos e sacrifícios sofridos pelas baleias, através da análise dos testemunhos que podem ser resgatados desse momento de extermínio. Com esse material separado e pesquisado, pode se apresentar à sociedade outro modo de como o homem pode e deve considerar as baleias, visando a geração de uma consciência social que auxilie a sua compreensão enquanto ser e redunde na sua proteção nos dias de hoje. Posteriormente, pensar a museologia com uma mudança de foco na representação, buscar o afastamento da museística tradicional, que apresenta a baleia em terceira pessoa e passar a considerá-la em primeira pessoa, buscando através de pesquisas e observação a maneira mais fidedigna de fazer uma abordagem deste ser, retirando-o da situação de objeto e instaurando-a como sujeito, ainda que circunstancialmente. A proteção e o conhecimento estão intimamente ligados, por isso o enorme esforço em tornar pública a questão de proteção das baleias. O Núcleo de Orientação e Pesquisa Histórica (NOPH) de Santa Cruz (RJ) aponta e define com clareza uma das principais etapas a ser vencida para alcançar o patamar de salvaguarda mínima necessária: “Um 76 povo só preserva aquilo que ama. Um povo só ama aquilo que conhece” 101 . Essa afirmação mostra a necessidade de desmistificar as baleias e apresentá-las como mamíferos aquáticos, capazes de produzir cultura. Esse conhecer significa não apenas ‘ficar sabendo’ ou saber superficialmente sobre o assunto, mas sim conhecer o animal, a partir de sua própria vida, seus hábitos, rotinas, relações com o ser humano e as semelhanças e proximidades cognitivas e sensoriais, que tornam os cetáceos e os homens mais próximos. A descoberta dessa proximidade é a grande estratégia para tentar despertar na população a consciência ontológica, cultural e ambiental de que todas as espécies tem o direito de viver em seu habitat natural, sem intervenções. Do mesmo modo que elas não são um risco para o homem, o homem também não deve ser um risco para elas. Um dos maiores problemas enfrentados para garantir a preservação da memória baleeira é o fato de que, embora os recursos extraídos da baleia tenham sido de grande importância para produção de diversos materiais, não ganhou as páginas dos livros escolares, em que constam apenas os ciclos do café, do ouro, da cana de açúcar. É raro encontrar qualquer citação ou menção à presença e importância da baleia para o país em algum material acadêmico e escolar. Esses fatores contribuem para a questão de não poder tratar da história da baleia como se ela possuísse memória, pois qualquer referência às baleias e a sua extinção são apenas testemunhos, que não dialogam com a sociedade que por sua vez não os reconhece, por isso não podem formar, criar, estabelecer e compor uma memória. Nesse momento é comum se perguntar: Qual passado foi eleito para ser preservado? De fato, conclui-se que as baleias não estão incluídas nas possíveis respostas para essa pergunta, pois, desde o início do desenvolvimento comercial das baleias, e ainda que esse comércio movimentasse parte considerável de capital e de trabalho escravo, isso não foi profundamente abordado ao longo dos estudos da história brasileira, embora ainda haja alguns expoentes que se destacaram pelo seu interesse em apresentar essas atividades. O primeiro personagem da história brasileira a se preocupar com a matança sem limites que ocorria no litoral foi o naturalista José Bonifácio que, em 1790, escreveu nos Anais da Academia Real das Sciencias, no caderno “Memórias econômicas da academia real das sciencias de Lisboa”, sua manifestação contrária à exploração abusiva de recursos naturais não renováveis, neste caso, as baleias: 101 CHAGAS, Mário. A Imaginação Museal. Coleção Museu, Memória e Cidadania. Ibram, 2009, p. 36 77 Deve certo merecer tambem grande contemplaçaõ a perniciosa pratica de matarem os baleotes de mamma, para assim harpoarem as mãis com maior facilidade. Tem estas tanto amor aos seus filhinhos, que quasi sempre os trazem entre as barbatanas para lhes darem leite; e se por ventura lhosmataõ, não desamparaõ o lugar, sem deixar igualmente a vida na ponta dos farpões: he seu amor tamanho, que podendo demorar-se no fundo da agua por mais de meia hora sem vir a respirar assima, e escapar assim ao perigo, que as ameaça, folgaõ antes expôr a vida para salvarem a dos filhinhos, que não podem estar sem respirar por tanto tempo. Esta ternura das mãis facilita sem duvida a pesca [...]" He fora detoda a duvida, que matando-se os baleotes de mamma vem a deminuir-se a geração futura; pois que as baleas por uma dessas sabias leis da economia geral da Natureza só páremdous em dousannos hum unico filho(a) ; morto o qual perecem com elle todos os seus descendentes [...] 102 Precursor da defesa ambiental, José Bonifácio introduziu e explicou nessas palavras a visão de um defensor da natureza em um mundo já voltado para questões econômicas e de exploração da terra, dos homens pelos homens e de todos os recursos que estivessem acessíveis (matérias primas). Essa descrição coloca Bonifácio nos primórdios da consciência ambiental, demostrando sua tentativa de alertar a nobreza e a burguesia, para evitar os problemas que enfrentamos nos dias de hoje: extinções de espécies, aquecimento global, entre outros desafios enfrentados pelo mundo contemporâneo, para restabelecer a harmonia com o meio ambiente. 102 BONIFÁCIO, José. Memórias Econômicas da academia Real das Sciencias de Lisboa, TOMO II, 1790, p. 398 78 4 MUSEOLOGIA, MEMÓRIA E CULTURA BALEEIRA 4.1 Museologia e Interdisciplinaridade A museologia se notabiliza por ser área de estudo interdisciplinar. As questões referentes à memória e ao patrimônio têm em seus alicerces o suporte de áreas como: antropologia, história, sociologia, entre outras ciências que podem ser evocadas em decorrência do tipo de coleção e/ou objeto que esteja em estudo, presente na instituição museu. Segundo Mathilde Bellaigue (1992, p.5) 103 , a museologia tende ao estabelecimento de redes ou sistemas, essas redes ou sistemas podem ser consideradas ligações, compostas por um conjunto de ações interdisciplinares que tenham como objetivo a salvaguarda dos objetos e das memórias intrínsecas e extrínsecas pertencentes a eles. Bruna Cruz, em seu trabalho monográfico, oferece sua reflexão sobre o objeto da Museologia. Antecipadamente assumimos que será possível constatar que a noção de valor de memória, de cultura e de subjetividades é próprio da Museologia, notadamente sob a noção Stránskýana, levando a um lugar de discussão sobre a Realidade e o Sujeito, que, pretendemos, não seja apenas o sujeito humanóide, como nos referiremos à subjetividade antropomorfa, em cotejo com a da humanidade, ligada a valores, independente da forma física de quem a exercita. 104 Segundo o dicionário Aurélio, memória significa: 1. Faculdade pela qual o espírito conserva ideias ou imagens, ou as readquire sem grande esforço; 2. Lembrança; 3. Monumento comemorativo; 4. Nome, fama; 5. Recordação, presente; 6. 103 BELLAIGUE, Mathilde. O desafio museológico. V Fórum de Museologia do Nordeste, Salvador, Brasil, Novembro. 1992. 104 CRUZ, Bruna Costa. Das baías austrais aos baianos: por uma teoria delfínica da museologia. Orientação de Anaildo Bernardo Baraçal. Universidade do Rio de Janeiro – UNIRIO, Rio de Janeiro, 2009. 79 Dissertação literária ou científica; 7. Anel; 8. Nota Diplomática; 9. Memorial, renovamento de pedido; 10. Relatório; 11. Órgão do computador que permite o registro, a conservação e a restituição dos dados” 105 Cabe ao profissional da museologia eleger o que pode ser considerado representativo de um grupo ou de uma memória. “Pode-se dizer que o que faz com que determinado registro ou artefato torne-se documento/momumento, é o universo de sentido que ele constrói” 106 É esse universo de sentido que se torna representativo e possibilita a guarda de memórias de um grupo social/étnico ou de um período. O processo de salvaguarda da memória é bastante complexo, indo do individual ao plano coletivo. O processo de memória se inicia como um processo individual, diretamente ligado ao modo como o indivíduo percebe a si mesmo, ao mundo interior que o habita e a sua relação com o mundo exterior. Esta memória “particular” se define por meio do cruzamento entre movimentos voluntários e involuntários da percepção, e nela se entrecruzam constantemente experiências do passado e do presente. 107 “O passado projeta-se no presente, sob a forma de representações mentais e sensoriais, contribuindo para a formação de ‘cenários’ onde o indivíduo se coloca como observador e/ou como personagem” 108 A questão da memória está ligada ao desafio de despertar nas pessoas o reconhecimento, ou seja, “toda a percepção consciente do real tem o caráter de um reconhecimento: institivamente, relacionamos os objetos percebidos com conceitos e/ou percepções pré-existentes” 109 Assim como os demais estudos da área museológica, a análise e a investigação sobre presença, reprodução e cotidiano das baleias no litoral brasileiro, também são objetos de estudo considerados interdisciplinares, pois contam com a participação de 105 DICIONÁRIO Aurélio. Disponível em: <http://74.86.137.64-static.reverse.softlayer.com/>. Acesso em: fev. 2013. 106 GOMES, Ana Lúcia de A. Guardar não é lembrar. Anais do Museu Histórico Nacional, Vol. 32, Ano 2000. p. 97 107 SCHEINER, Tereza. Museologia e Interpretação da Realidade: O Discurso da História. Unirio, Brasil. 2006. p.3 108 Ibid., p.3 109 Ibid., p.4 80 profissionais de áreas como: biologia, oceanografia, zoologia, engenharia ambiental, história e turismo. A troca de informações realizada por pesquisadores de áreas diferentes é responsável por agregar valores ao trabalho, aumentar o alcance da pesquisa tornando possível o exame do objeto de maneira mais ampla, traçando um panorama mais completo das questões a ele referentes, facilitando a análise e o levantamento de problemas a serem debatidos e solucionados por profissionais de múltiplas áreas, especialistas esses inseridos no projeto, de maneira direta ou indireta, e que, independentemente do modo como participam, aumentam substancialmente as possibilidades de serem encontradas soluções para os apontamentos e questionamentos levantados. De forma geral, o principal desafio da área museológica é trabalhar com o: [...] paradoxo da prática museológica: atuar simultaneamente sobre todos os tempos e espaços possíveis, registrando todos os olhares possíveis, usando todas as linguagens possíveis, para recriar, de formar especialíssima, a memória-síntese (que se constitui na fronteira entre o emergente e o consagrado), o discurso-síntese (o dito e o não dito, o ausente e o presente), o cenário-síntese (a história oficial e as evidências que permanecem à margem). 110 Michel Tevoz, um dos fundadores do Movimento Internacional da Nova Museologia, fala em grande parte de seus textos sobre os desafios museológicos frente à questão dos preconceitos existentes na sociedade. Na museologia, há a necessidade de se encontrar um equilíbrio, fugir do maniqueismo para realizar uma exposição informativa, com valores comunicacionais e culturais, sem interesse nem compromisso em utilizar o conteúdo apresentado para fazer demagogia. O que ele chama de “itinerário sutil” 111 é o grande objeto de trabalho, a grande busca, ou seja, a exposição equilibrada que agrade ao público. Tendo que ser ao menos uma exposição honesta, mas sem poder escandalizar com os valores sociais estabelecidos. Mesma intenção deste trabalho que propõe ir além da museologia tradicional e alcançar, admitir e acrescentar a 110 SCHEINER, Tereza. Museologia e Interpretação da Realidade: O Discurso da História. Unirio, Brasil. 2006. p. 8 111 MOUTINHO, Mário C. Museus e sociedade. Monte Redondo, Portugal: Museu Etnológico de Monte Redondo, 1989, p. 65 81 visão e a capacidade de racionalizar que os cetáceos têm, além da consciência de sua compreensão do seu momento de quase extinção, considerando ainda a sua consciência de estar no mundo e avaliar sua proximidade com os humanos, igualmente mamíferos. É necessário conhecer a baleia plenamente para que ela possa ser representada em primeira pessoa. Ainda que essa representação acabe sempre sendo realizada pelo homem, supõe-se que o profissional esteja preparado para se afastar de certo conceitos avindos do senso comum, consciente da igualdade entre as espécies e que tenha a sensibilidade de avaliar o outro e como ele pode ser representado como sujeito de uma apresentação, objeto de exposição através de outro discurso, fundado em outros referencias epistêmicos. Só assim essa pessoa poderá produzir uma narrativa mais isenta, sendo responsável pela oralidade de um ente que não a possui, mas ainda assim precisa ser apresentado. Priorizaremos exercer o sentido da visão sobre o comportamento cultural dos indivíduos, uma vez que esperamos constatar que a visão mecanicista e a cisão entre mente e corpo nos têm levado à fragmentação, afastando-nos do sentido da vida. Criaremos elos afetivos e não institucionais. Repensaremos o conceito de cultura. 112 4.2 Conceitos Necessários Torna-se fundamental abordar os conceitos de termos como cultura, memória, museologia e identidade, palavras carregadas de significados que darão caminho para a análise pretendida para esta pesquisa. [...] a museologia tem que se basear no conhecimento da importância para a cultura e a memória daquela realidade que está sendo observada. Para isso precisamos utilizar conhecimentos de numerosas disciplinas científicas [...] em nível multidisciplinar, por que [...] 112 CRUZ, Bruna Costa. Das baías austrais aos baianos: por uma teoria delfínica da museologia. Orientação de Anaildo Bernardo Baraçal. Universidade do Rio de Janeiro – UNIRIO, Rio de Janeiro, 2009, p.11 82 aquela realidade musealizada [...] não se trata especialmente de um fenômeno singular. 113 A museologia como área do conhecimento interdisciplinar está ligada diretamente com a memória e a cultura, dois conceitos que serão analisados a seguir que, por sua vez, estão intimamente relacionados com a temática abordada por esta pesquisa. Cultura significa cultivar, e vem do latim colere. Genericamente a cultura é todo aquele complexo que inclui o conhecimento, a arte, as crenças, a lei, a moral, os costumes e todos os hábitos e aptidões adquiridos pelo homem não somente em família, como também por fazer parte de uma sociedade como membro dela que é. 114 cul.tu.ra. sf (lat cultura) [...] . 7 Aplicação do espírito a uma coisa; estudo. 8Desenvolvimento que, por cuidados assíduos, se dá às faculdades naturais. 9Desenvolvimento intelectual. 10 Adiantamento, civilização. [...] 13 Sociol Sistema de ideias, conhecimentos, técnicas e artefatos, de padrões de comportamento e atitudes que caracteriza uma determinada sociedade. 14 Antrop Estado ou estágio do desenvolvimento cultural de um povo ou período, caracterizado pelo conjunto das obras, instalações e objetos criados pelo homem desse povo ou período; conteúdo social.15 Arqueol Conjunto de remanescentes recorrentes, como artefatos, tipos de casas, métodos de sepultamento e outros testemunhos de um modo de vida que diferenciam um grupo de sítios arqueológicos. C. alternativa, Agr: a que se faz alternando. [...] C. geral: a constituída de conhecimentos básicos indispensáveis para o entendimento de qualquer ramo do saber humano. 115 “A memória (do latim memorĭa) é a faculdade psíquica através da qual se consegue reter e (re)lembrar o passado. A palavra também permite referir-se à lembrança/recordação que se tem de algo que já tenha ocorrido, e à exposição de factos, dados ou motivos que dizem respeito a um determinado assunto.” 116 113 BARAÇAL, Anaíldo. O objeto da Museologia e a via conceitual aberta por Zbynek Zbyslav Stránsky, Unirio, 2008, p.94 114 In: DICIONÁRIO Michaelis. Disponível em: <www.uol.com.br/michaelis>. Acesso em: fev. 2013. 115 Idem 116 In: DICIONÁRIO Conceito De. Disponível em: < http://conceito.de/memoria >. Acesso em: fev. 2013. 83 me.mó.ria. sf (lat memoria) 1 Faculdade de conservar ou readquirir ideias ou imagens. 2Lembrança, reminiscência: Memória do passado. [...]. 4 Monumento para comemorar os feitos de alguma pessoa ilustre, ou algum sucesso notável. 5 Apontamento para lembrança.6 Memorial. 7 Anel que se dá para conservar uma lembrança ou para comemorar algum fato. [...] 11 Dissertação científica ou literária, destinada já a ser enviada a uma corporação, a uma academia, a uma escola ou ao governo, já a ser publicada pela imprensa. 12 Aquilo que serve de lembrança; vestígio. 13 Psicol Em sentido geral e abstrato, a capacidade dos organismos vivos de se aproveitarem da experiência passada, em virtude da qual passam a ter uma história; fundamento do aprendizado em geral em qualquer de seus aspectos (motor, emocional, verbal, consciente, inconsciente). [...] sfpl 1 Narrações de caráter pessoal escritas para servirem de subsídio histórico. 2 Escritos em que o autor só trata de acontecimentos que lhe dizem respeito ou dos pertencentes à sua época e em que é mais ou menos interessado. [...] 117 As definições apresentadas esclarecem de forma geral a ligação entre os três termos e a análise desse material permite algumas conclusões básicas, como a necessidade de haver conhecimento: sem conhecer algum fato, não se pode ter memória e cultura relacionada a ele, o que impossibilitaria a museologia de trabalhar nas interações diretas com o real. Essa questão é completada por Ana Lucia Siaines de Castro, nos dizendo que “Na medida em que se perde a memória espontânea, caberia à sociedade criar e manter estas instituições museificantes, proclamadoras e proclamadas como sustentáculos da identidade social” 118 O fragmento de Ana Lucia aborda a perda da memória espontânea, mas neste caso estudado pode ser aproveitado para considerar o tema da memória não estabelecida , onde o indivíduo precisaria dos alicerces das instituições museificadoras para contribuir com a criação de laços e identidade, posteriormente contribuindo para que essa temática, a partir de então, contribua para a memória fazer parte do indivíduo e de coletividades. A sociedade ainda não teve a oportunidade de conhecer a cultura das baleias para que pudesse, a partir dela, observar em suas próprias vivências relações associativas e descobertas, identificar fragmentos em seu dia a dia que remetam ao abate delas no litoral. “Do latim identĭtas, a identidade é o conjunto das características e dos traços próprios de um indivíduo ou de uma comunidade. Esses traços caracterizam o sujeito ou 117 In: DICIONÁRIO Michaelis. Disponível em: <www.uol.com.br/michaelis>. Acesso em: fev. 2013. 118 CASTRO, Ana Lucia Siaines de. O Museu do Sagrado ao Segredo, 2009, p.95 84 a coletividade perante os demais.” (Sítio Conceito De). Complementando os conceitos anteriores, a definição de identidade colabora para a ideia de que, este trabalho, além de tratar da questão baleeira sob o ponto de vista humano, contempla a questão da baleia pelo busca do viés de sua identidade própria, seu estado de existir no mundo, suas particularidades e características que as aproximam e as afastam do ser humano. Estamos imersos em tempo integral nesta dinâmica de traços, experiências, vestígios e percepções que nos constituem, individual e socialmente, por meio de mecanismos de mudança e de reprodução cultural. Neste processo, muitas vezes a incorporação do novo contribui exatamente para justificar e reforçar valores, conceitos e percepções de mundo já estabelecidos. Mas isto não significa a cristalização do processo cultural: toda reprodução da cultura implica numa alteração. 119 A memória do patrimônio é o impulso vindo do mundo material que nos rodeia. Incita em nós o conhecimento que está salvaguardado em nosso sistema de memorização, ligando assim nosso próprio conhecimento às propriedades do objeto. A memória do patrimônio, salvaguardada nos objetos ou nos conjuntos, está ligada à sua forma e sua matéria, e portanto ao aspecto material de sua substância. A memória também está ligada ao contexto em que existem ou existiram antes (esses objetos). A conservação do patrimônio cultural é uma atividade consciente. É um processo social, científico, profissional e humano múltiplo, cujo fim é interpretar os valores do mundo material que nos rodeia. A proteção da memória supõe uma identificação atenta daquilo que é a memória nos objetos do patrimônio. Em primeiro lugar, requer a proteção do portador da memória, mas também de suas relações com o próprio objeto, ou com o seu entorno. A proteção da documentação tem a mesma importância. Neste caso, uma parte da memória se transmite por outros meios. A memória do patrimônio cultural se instala, assim, gradualmente, na consciência dos homens e torna-se memória coletiva. 120 119 SCHEINER, Tereza. Museologia e Interpretação da Realidade: O Discurso da História. Unirio, Brasil. 2006, p.3 120 MAROEVIC, Ivo. O papel da musealidade na preservação da memória. Congresso Anual do ICOFOM. Tradução Tereza Scheiner, Croácia, 2007, p.1 85 4.3 A importância do reconhecimento e preservação da memória A museologia tem como alguns de seus objetivos disciplinares o resgate e a preservação da memória e, como postula Ivo Maroevic (1997), o patrimônio é a memória coletiva, logo sendo necessário preservá-la. Quando recordamos, elaboramos uma representação de nós próprios para nós próprios e para aqueles que nos rodeiam. Na medida em que a nossa “natureza” – o que realmente somos – se pode revelar de um modo articulado, somos aquilo de que nos lembramos. Sendo assim, então, um estudo da maneira como nos lembramos – a maneira como nos apresentamos nas nossas memorias, a maneira como definimos as nossas identidades pessoais e coletivas através das nossas memórias e a maneira como transmitimos essas memórias a outros – é o estudo da maneira como somos. 121 Memória pode ser para muitas áreas do conhecimento simplesmente a capacidade que um indivíduo tem de lembrar de seu passado; mas para a museologia a memória e suas manifestações vão além dessa simples definição. Para os museólogos, a memória individual e coletiva tem importância na formação da sua identidade, da sua capacidade de querer apreender ou de ignorar determinados acontecimentos. Tem relação direta com o interesse do público por determinado tema de museu, de exposição, e pelo seu sucesso, pelo grau de compreensão e tudo o que envolve a relação e a reação que o visitante terá com o assunto abordado. Nesta perspectiva, essas reações estão diretamente ligadas com suas memórias, com a bagagem de significados que ele vai completando e carregando ao longo da vida, definindo o tipo de emoção que será despertada por determinada coleção e/ou recurso expográfico utilizado. Os objetos têm a propriedade de conter dados de memórias da época de seu uso, de como foram feitos, entre outras informações específicas. Com isso adquirem valores representativos. No momento em que o objeto entra em uma instância social de memória, podendo ser museu, centro cultural, entre outros, ele perde o seu valor utilitário e adquire um caráter simbólico, de sua origem ou composição, e a partir daí se intensifica o trabalho da museologia ligada à existência institucional, formalizadora: 121 FENTRESS, J. ;WICKHAM, C. Memória social: novas perspectivas sobre o passado. Lisboa: Teorema, 1992, p.20 86 identificar, valorar e trabalhar a memória que esses objetos testemunhais / documentais possuem, extraindo deles seus valores intrínsecos e extrínsecos, materiais e imateriais. A partir desse processo é possível identificar as memórias suportadas pelo objeto em estudo e assim ele pode ser reconhecido como representativo. Ivo Maroevic explica sucintamente e de forma clara o modo pelo qual esse processo ocorre: “A memória do patrimônio, salvaguardada nos objetos ou nos conjuntos, está ligada à sua forma e sua matéria, e, portanto ao aspecto material de sua substância. A memória também está ligada ao contexto em que existem ou existiram antes (esses objetos)” 122 Esse processo de memoração ocorre quando objetos despertam na sociedade o seu próprio conhecimento, sua própria lembrança, criando uma relação de identificação e pertencimento das pessoas com o patrimônio. Quando esse processo ocorre satisfatoriamente os profissionais que lidam com as questões memória x esquecimento, museólogos em sua grande maioria, obtêm sucesso em seu trabalho devido ao alcance de seu objetivo que é o de fazer com que a sociedade se sinta representada e identificada com seu patrimônio, seus bens, e tudo que seja representativo de sua história. A musealidade, uma característica que se identifica como uma informação possível de qualidades do passado, é como um valor que pode ser comunicado a qualquer momento do presente de forma apropriada, será de grande ajuda ao verificar os planos de memória que deverão ser preservados. Em certas situações, existe ainda uma relativização do panorama da memória, capaz de ser comunicada no processo de criação da memória coletiva como valor social. 123 Gilberto Freyre deu um exemplo bastante consistente e claro alusivo à questão da representação introduzida acima. A passagem fala de uma crise na tradicional culinária nordestina: “uma cozinha em crise significa uma civilização inteira em perigo: o perigo de descaracterizar-se”. 124 122 MAROEVIC, Ivo. O papel da musealidade na preservação da memória. Congresso Anual do ICOFOM. Tradução Tereza Scheiner, Croácia, 2007, p.1 123 MAROEVIC, Ivo. O Papel da Musealidade na preservação da memória. Congresso Anual do ICOFOM. Tradução Tereza Scheiner, Croácia, 2007, p.5 124 FREYRE, Gilberto. Manifesto regionalista. Recife: IJNPS, 1976. p. 72 87 Mediação Cultural Há um processo intermediário no desenvolvimento da memória. A mediação cultural é uma alternativa para aproximar o patrimônio da cidade de toda a sociedade, as ações que integram essa mediação são compostas de transmissão de informação com a presença de um emissor (que está passando as informações), e de um receptor (que está recebendo, interpretando e analisando as informações de acordo com as suas experiências pessoais). A realização dessa mediação facilita a captação de informações por determinado público que não conseguiria compreender a exposição sem esse auxílio. É possível citar a definição de Davallon para mediação cultural, devido à sua precisão em justificar os princípios dessa prática: “visa aceder um público a obras (ou saberes) e a sua ação consiste em construir uma interface entre esses dois universos estranhos um ao outro (o do público e o, digamos, do objeto cultural), com o fim precisamente de permitir uma apropriação do segundo pelo primeiro.” 125 A próxima questão a ser considerada é a da origem do emissor e suas possíveis características. “Além dos indivíduos, os objetos, artefatos, ferramentas e tudo mais que não é humano, também possui significação, o que os configuram como instrumentos de mediação (...) os dispositivos ordenam, organizam, dizem, narram, interferindo na apropriação da informação.” 126 De acordo com as informações extraídas da citação de Giulia Crippa é possível concluir que podem existir emissores materiais, de modo que a interação do receptor com o objeto pode se dar de maneira direta (objeto > visitante) ou, como em outros casos, através de mediadores, quando tidos com o necessários, tais como pintores, fotógrafos, guias, historiadores e turismólogos. A necessidade da mediação pode ocorrer devida à informação a ser mediada e ao tipo de público que está sendo esperado para tal visitação. Isso quer dizer que, no caso de temas em que o público já tem conhecimento prévio do assunto, é possível que os objetos por si só 125 DAVALLON, Jean. A Mediação: a comunicação em processo? Prisma.com: revista de Ciências da Informação e da Comunicação, Porto, n. 4, Jun. 2007. p. 4 126 CRIPPA, Giulia e SOUZA, Eduardo. A Cidade como lugar de memória: mediações para a apropriação simbólica e o protagonismo cultura. Revista Eletrônica do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio –PPG – PMUS – Unirio/Mast – 2009, p.63 88 sejam mediadores informacionais. Entretanto, no caso de uma temática mais específica, com um público alvo mais restrito, haverá a necessidade de mediação por profissionais especializados e preparados para falar sobre o tema, oportunidade em que essa interação informacional entre público e mediador torna possível para o visitante absorver melhor as informações proporcionadas, ainda que antes do início da mediação tudo fosse desconhecido por ele. Nos casos em que o objeto ou recursos iconográficos não conseguem ser autoexplicativos, sua importância não é reduzida face à necessidade da presença de um profissional de mediação. Independente de como ocorrerá a mediação, os objetos nunca perdem o seu caráter único e representativo. 89 CONSIDERAÇÕES FINAIS A museologia enquanto integrante das ciências humanas e sociais tem, associada a elas, papel importante e constante a desempenhar em vários segmentos da sociedade. Este trabalho discutiu, no eixo das ciências humanas, sobre como os seres humanos, ao produzirem ciência, abordam outros, como consideram, ou não, que o outro possui valores e cultura, aspectos e perspectivas ainda pouco aprofundados. Foram apontados testemunhos da presença da baleia no Brasil, selecionados com base em levantamentos de diversas origens e mantidos por uma curiosidade e pelo ato de questionar o que existe, o que está à volta, e que nos é dado para, obrigatoriamente ser aceito sem sequer questionar. No segundo momento deste trabalho, foi apresentada a situação museística clássica, de como as baleias são apresentadas e representadas atualmente pela sociedade. A partir de uma análise de conceito de palavras nos nomes constantes das cidades (como foi o caso da cidade de Armação dos Búzios – referindo- se à palavra armação), pôde ser identificada a história de um período, no qual a investigação revelou memórias que vão se perdendo à medida em que outra pessoa também não tenha o interesse em se informar profundamente o assunto. Foi disposto um levantamento iconográfico e informacional sobre os vestígios da presença da baleia no Brasil para, em seguida, abordar um exemplo único de iconografia baleeira internacional. Esse caso foi escolhido de maneira intencional, para propor uma reflexão comparativa com os casos brasileiro e norte-americano (Nantucket). O que nós fizemos com nossas memórias? Por que estamos permitindo que essas memórias sejam apagadas? A maneira oposta como esses dois locais lidaram e lidam com semelhante situação é espantosa. Existem pessoas que viveram os últimos anos de caça da baleia no Brasil e têm muito a contar. Esses poucos personagens não se sentem lembrados por ninguém em seus lugares de memória, transformando o que poderia ser uma memória coletiva, relacionada a um período da história do Brasil, em uma memória individual, que irá se perder a medida que os antigos pescadores forem morrendo. Essa falta de interesse está promovendo uma perda de conteúdo informacional, de conhecimento, que é refletido diretamente na dificuldade para realizar pesquisas e levantamentos sobre esse assunto. Talvez se existisse no Brasil uma história como a de Moby Dick nossa realidade seria diferente. 90 Os fatos históricos foram necessários para expor a relação homem x baleia no Brasil, para que ela fosse apresentada como um objeto de estudo e, nesse caso, abordando sua trajetória no País, desde os locais de avistagens e início da prática da baleação até o momento de proibição da caça. Foram trazidos elementos acerca da cultura das baleias, citando as descobertas e teorias de diversos pesquisadores de todo o mundo que defendem a ideia das baleias terem capacidades sensoriais e cognitivas para estabelecer cultura. Nesta nova consideração cultural, levantaram-se questionamentos necessários para apontar o grande desafio e responsabilidade para a museologia com relação à tarefa de externar a cultura das baleias. O percurso de construção deste trabalho de conclusão de curso orientou para a realização de levantamento minucioso e análise de citações feitas por pescadores e pesquisadores dedicados ao conhecimento destes animais, por longos períodos, além do estudo de evidências científicas comprovadoras de as baleias terem comportamentos que definem a cultura baleeira como uma verdade. Em sequência, a museologia é considerada como área de estudo, mostrando os conceitos necessários para discutir em seu âmbito a perspectiva deste trabalho, considerados os desafios que serão enfrentados para aproveitar-se das ideias de mediação cultural nessa nova linha de pensamento, de compreensão do fenômeno balear a ser infundida, aproveitando-se de ideias já consolidadas que podem contribuir para a exploração da museologia voltada para a cultura das baleias. “Não acomodar com o que incomoda” foi o grande lema deste trabalho, que passou por diversas etapas, utilizando fontes variadas de estudo, para que, aproveitando- se de cada um dos conceitos estudados, fosse possível aceitar uma teoria. A cultura das baleias é uma realidade no mundo e está cada dia mais próximo o dia em que o homem terá que lidar com isso. E cabe à museologia aceitar o desafio de abraçar esta abordagem e causa contemporâneas e ser a área de estudo precursora, para quebra de paradigmas e de preconceitos que envolvem essa questão. Ainda que este estudo apresente limitações patentes, como a falta de oralidade de uma baleia para se expressar, o desafio deve ser o grande aliado para a contribuição ao esclarecimento destas questões ainda obscuras atualmente, mas que, com certeza, podem ser analisadas com cautela e os problemas serem gradativamente elucidados. 91 GLOSSÁRIO ANIMAL: 1 Pertencente ao animal, aos seres animais, aos seres que vivem e têm sensibilidade e movimento próprio. (Dicionário Michaelis On Line, Melhoramentos, 2013) ARMAÇÃO BALEEIRA: A armação baleeira é uma instalação litorânea estruturada para a pesca ou caça às baleias e o processamento dos seus produtos. [http://pt.wikipedia.org/wiki/Armação_baleeira, acessado em dezembro 2013] ARPOADOR: Aquele que arpoa ou fisga. (Dicionário Michaelis On Line, Melhoramentos, 2013) BALEAÇÃO: Pesca de baleias. (Dicionário on line de português, 2013) Caça à baleia. (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008- 2013, http://www.priberam.pt/dlpo/balea%C3%A7%C3%A3o [consultado em 30-11- 2013]) BALEEIRA: Embarcação comprida, estreita e veloz, para a pesca de baleias. (Dicionário Michaelis On Line, Melhoramentos, 2013) BALEIA: 1 Zool Mamífero marinho da ordem dos Cetáceos; a chamadabaleia- azul, com 30 m de comprimento, é o maior animal que até hoje existiu sobre a Terra. Voz: bufa. 2 Astr Constelação austral, próxima ao Aquário. 3Coisa, e especialmente pessoa, de dimensões avultadas. B.-anã: baleia de pequeno porte (Caperea marginata). B.-azul: cinza-azulada, com inúmeros sulcos na pele da garganta, habita as regiões frias de todos os oceanos (Balaenoptera musculus). B.-branca: a) baleia ártica de barbas (Balaena mysticetus); b) o mesmo que beluga, acepção 2. B.-de-corcova: mede 12 a 16 m e possui longas nadadeiras peitorais (Megaptera novaeangliae), também chamada jubarte. B.-de-gomo: nome dado no Sul do Brasil às baleias que têm profundos sulcos na região gular; o mesmo que rorqual. B.-franca: baleia do Atlântico norte, com 4 m (Balaena glacialis); também chamada b.-preta, b.-dos-polos, b.- verdadeira, b.-lisa. B.-lisa: o mesmo que b.-franca. B.-mirim:baleia de 7 a 10 m; pertence ao grupo rorqual (Balaenoptera acutorostrata) e apresenta uma faixa branca 92 na nadadeira peitoral; também chamada de b.-pamonha e balgado. B.-pintada: baleia de dorso cinza-enegrecido com pintas brancas (Balaenoptera borealis). B.- rostrada: baleia dentada, da família dos Zifiídeos. (Dicionário Michaelis On Line, Melhoramentos, 2013) BALEOTE: Filho da baleia, que, ao nascer, mede 5 m e pesa até 6 t. (Dicionário on line de português, 2013) Baleia nova; filhote da baleia. = BALEATO. (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/baleote [consultado em 30-11-2013]) CETÁCEOS: É o nome de uma Ordem de animais mamíferos aquáticos, que compreende duas sub-ordens : a dos Odontocetos (ou Odontoceti) e a dos Misticetos (ou Mysticeti). Os Odontocetos são espécies providas de dentes, como o cachalote, a orca, o nerval e os golfinhos. Os Misticetos são animais cuja cavidade bucal é provida de lâminas córneas (barbatanas), como as baleias. (Dicionário Michaelis On Line, Melhoramentos, 2013) CULTURA: Esse termo tem dois significados básicos. No primeiro e mais antigo, significa a formação do homem, sua melhoria e seu refinamento. F. Bacon considerava a C. nesse sentido como "a geórgica do espírito" (De augm. scient., VII, 1), esclarecendo assim a origem metafórica desse termo. No segundo significado, indica o produto dessa formação, ou seja, o conjunto dos modos de viver e de pensar cultivados, civilizados, polidos, que tam-; bém costumam ser indicados pelo nome de civilização (v.). A passagem do primeiro para o segundo significado ocorreu no séc. XVIII por obra da filosofia iluminista, o que se nota bem neste trecho de Kant: "Num ser racional, cultura é a capacidade de escolher seus fins em geral (e portanto de ser livre). Por isso, só a C. pode ser o fim último que a natureza tem condições de apresentar ao gênero humano" (Crít. do Juízo, § 83). Como "fim", a C. é produto (mais que produzir-se) da "geórgica da alma". No mesmo sentido, Hegel dizia: "Um povo faz progressos em si, tem seu desenvolvimento e seu crepúsculo. O que se encontra aqui, sobretudo, é a categoria da C, de sua exageraçâo e de sua degeneração: para um povo, esta última é produto ou fonte de ruína" (Phil der Ges-chicbte, ed. Lasson, p. 43). (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998). 93 SUJEITO: (gr. tmoiceíuEvov; lat. Subjectum, Suppositum-, in. Subject; fr. Sujet; ai. Subjekt; it. Soggettó). S.m. - Esse termo teve dois significados fundamentais: 1. aquilo de que se fala ou a que se atribuem qualidades ou determinações ou a que são inerentes qualidades ou determinações; 2. o eu, o espírito ou a consciência, como princípio determinante do mundo do conhecimento ou da ação, ou ao menos como capacidade de iniciativa em tal mundo. Ambos esses significados se mantêm no uso corrente do termo: o primeiro na terminologia gramatical e no conceito de S. como tema ou assunto do discurso; o segundo no conceito de S. como capacidade autônoma de relações ou de iniciativas, capacidade que é contraposta ao simples ser "objeto" ou parte passiva de tais relações. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998). 94 REFERÊNCIAS AB’ SABER.; BESNARD. Sambaquis da região lagunar de Cananéia. 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