Manual de Bioética e Biodireito. Edilson Tetsuzo Nama. 2015

March 31, 2018 | Author: AndréBittencourt | Category: Bioethics, Morality, Science, Homo Sapiens, Liberty


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Edisontetsuzo namba MANUAL de BIOÉTICA e BIODIREITO Resolução CFM no 1.931, de 24 de setembro de 2009 (novo Código de Ética Médica); Resolução CFM n o 2.013, de 9 de maio de 2013 (sobre reprodução assistida); e Lei n 12.852, de 5 de agosto de 2013 o (Estatuto da Juventude) SEGUNDA EDIÇÃO Ampliada, atualizada e revista MANUAL DE BIOÉTICA E BIODIREITO Para alguns livros é disponibilizado Material Complementar e/ou de Apoio no site da editora. Verifique se há material disponível para este livro em atlas.com.br EDISON TETSUZO NAMBA MANUAL DE BIOÉTICA E BIODIREITO Resolução CFM nº 1.931, de 24 de setembro de 2009 (novo Código de Ética Médica); Resolução CFM nº 2.013, de 9 de maio de 2013 (sobre reprodução assistida); e Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013 (Estatuto da Juventude) 2ª edição ampliada, atualizada e revista SÃO PAULO EDITORA ATLAS S.A. – 2015 © 2009 by Editora Atlas S.A. 1. ed. 2009; 2. ed. 2015 Capa: Nilton Masoni Composição: Lino-Jato Editoração Gráfica Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Namba, Edison Tetsuzo Manual de bioética e biodireito / Edison Tetsuzo Namba.– 2. ed. – São Paulo : Atlas, 2015. Bibliografia. ISBN 978-85-224-9560-3 ISBN 978-85-224-9561-0 (PDF) 1. Bioética 2. Direito e biologia 3. Genética humana – Aspectos morais e éticos 4. Genética humana – Leis e legislação I. Título. 09-07852 CDU-34:57 -340 Índices para catálogo sistemático: 1. Biodireito 34:57 2. Bioética : Aspectos jurídicos 340 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Editora Atlas S.A. Rua Conselheiro Nébias, 1384 Campos Elísios 01203 904 São Paulo SP 011 3357 9144 atlas.com.br Ao Caio Vinícius e ao Felippe Augusto. fundamento da minha existência. . A Beatriz. que me ensinaram o sentido da palavra amor. meus filhos do coração. minha esposa. . Sumário Apresentação à 1ª Edição.3  Posturas liberal e conservadora.1.1  Ética. 16 2. 43 3. 22 2.2. 12 1. 22 2.2.2.1  Nascituro e embrião.2  Embriões excedentários.2.2  Definição.1  Personalidade jurídica.2. 3 1. 3 1. 40 3  Aborto.1  Noção geral. 31 2.2.1. 36 2. 1 1  Ética.1  Nascituro.2. 22 2. bioética e biodireito. 31 2.1  Noção geral.1. xi Prefácio à 2ª Edição. 16 2.2  O titular da dignidade.2  Princípios da bioética.3  Biodireito. 44 .2  Embrião (“no útero” e “in vitro”).3 De lege ferenda. 43 3.1. xiii Introdução. 14 2  Dignidade da pessoa humana.2.2.2. 11 1. 9 1. 9 1.1  Evolução do termo bioética.2  Bioética. 6. 70 6  Clonagem humana. 59 5.1  Definição. 45 3.4  Limitação da clonagem humana em virtude dos direitos da perso- nalidade.6.6.1. 50 4.6  Regulamentação internacional. 59 5. 78 6.5  Tratamento da matéria nos pretórios.2  Modificação da Carta Magna ou elaboração de outra Constituição.2  Crítica à legislação. 60 5.3  Legislação estrangeira.1.3  Conceituação.3  Tratamento privatístico-legal. 61 5.2  Conceito.6. 68 5. 94 6.3  Legislação constitucional e ordinária. 49 4. 96 6. 102 6.1  Direitos da personalidade. 94 6.6. 81 6.6  Legislação infraconstitucional sobre a clonagem humana.5  Discussão ética.6.6. 76 6.1  Escorço. 84 6.6  Projeto de lei.5.2  Clonagem reprodutiva e terapêutica: distinção. 99 6.1. 75 6.2  Legislação extravagante.2  Conceituação. 57 5  Células-tronco embrionárias.5  Tratamento constitucional da clonagem humana. 75 6.viii  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba 3.4  Dignidade da pessoa humana na clonagem.1.4  Disposição legal objeto de controvérsia.3  Riscos e benefícios. 50 4.2  Características. 47 4  Anencefalia. 49 4. 50 4.4  Tratamento internacional.4  Argumentos favoráveis e desfavoráveis à retirada do feto anencéfalo em debate na sociedade. 51 4. 114 7. 61 5. 116 .5. bioética e clonagem humana. 114 7. 106 7  Experiência com seres humanos. 96 6. 89 6.1  Aspectos genéricos da clonagem humana.1  Generalidades.1  Panorama genérico. 84 6.1  Constituições no passado e atual.3  Caracterização. 116 7.3  Ética. 94 6. 182 9.3  A relação tripartite.5. 167 8. 117 7. 121 8  Reprodução assistida. 189 .1  Presunções quanto à filiação e a influência da ciência.5  Casos práticos.5. 163 8. 180 9.3  O solteiro.1. 181 9.6  O casamento do transexual.1  Noção geral.1.2  Conceito.2  Mudança de tratamento na filiação.3  Recusa em se realizar o exame de DNA. 131 8. 127 8. 164 8.6  Experiência com animais.2.5.2  A paternidade na clonagem. 123 8.4  Consentimento livre e esclarecido.5. 167 8. 131 8.2  A bilateralidade na reprodução.2  Projeto Fiuza e objeções. 151 8.5.2  Na união estável.5  Elucidação e formalização do consentimento livre e esclarecido.5.1  Ação negatória de paternidade.3.3. 180 9. 170 8.5.7  Laqueadura e vasectomia. 137 8.3  Transexualidade feminina e masculina.3.6  Diagnóstico de pré-implantação – biópsia de embriões ou PGD (pre-implantatio- nal genetic diagnostic).3. Sumário  ix 7.4. 129 8.1. 134 8. 183 9. 169 8.1.2. 135 8.4  Coisa julgada e exame de DNA.7  Relacionamento médico e paciente.5  Pais na clonagem.1.1. 174 9  Mudança de sexo.2. 119 7.3  Reprodução à revelia das partes. 166 8. 144 8.1.1  Iniciativa solitária. 171 8. 168 8. 169 8. 171 8.3  Presunções e perícias.1  Generalidades. 171 8.2  Presunções na reprodução assistida. 120 7.1  Homem casado. 169 8. 123 8.3. 181 9.3.1  A maternidade na clonagem.5.5.4.4  Comportamento dos transexuais.4  Paternidade e maternidade responsáveis.1  Histórico.2  Exames hematológicos: a prevalência da realização do exame de DNA. 6  Argumentos favoráveis e desfavoráveis para a eutanásia. 231 Bibliografia.6  Listas de doação.5. 208 11.1  Generalidades.6. 235 . 227 13  Conclusões. 224   12.1  Conceito.2  Conceito.2  Desfavoráveis. 222   12. 193 10. 226 12. 220 12.x  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba 10  Transfusão de sangue. 214 11.7  Limitação à doação.4  Jurisprudência.1  Generalidades. 219 12.3  Elementos constitutivos.1  Distanásia.5.6.5  Considerações finais.5.7  Tratamento legal. 194 10. 195 10. 220   12.8  Plano internacional.4  Modalidades.4. distanásia.5  Doador e receptor. 219 12. 197 10.1  Favoráveis. 203 11. 214 11. 211 11. ortotanásia. 225   12. 218 12. 193 10. órgãos e partes do corpo.3  Momento da extração de tecidos. 209 11.2  Constitucionalidade ou não da recusa. 203 11. 218 12. 203 11.3  Mistanásia.2  Quanto às consequências do ato e consentimento do paciente.4  Suicídio assistido. 220   12.9  Impossibilidade de veiculação.5.3 Parâmetros do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e do Conselho Nacional de Ética para Ciências da Vida (Portugal). 225 12. 226 12. 225   12.5 Distinção entre eutanásia. mistanásia e suicídio assisti- do.2  Ortotanásia.2  Gratuidade.4. órgãos ou partes do corpo em caso de morte.1  Em relação ao ato em si. 217 12  Eutanásia. 201 11  Transplante de tecidos. 220   12.8  Cobertura de planos de saúde para o transplante. 207 11.4  Consentimento. 220   12. A posição jurisprudencial. transfusão de sangue. experimentação com seres hu- manos. quando possível. alguns temas que eram comentados sem maiores inquietações. Não se tem a pretensão de esgotar o desenvolvimento dos tópicos. transplan- tes de órgãos. serão preocupação desta obra. células-tronco embrionárias. porém. reflexão. de maneira sucinta. não definitivas. os dilemas quanto ao aborto. O Autor . mas de dar um panorama das controvérsias que exigem respostas jurídicas ou. tracejar o que vêm a ser a ética e a distinção entre bioética e biodireito. pelo me- nos. Conclusões serão feitas ao final da obra. Devido à influência da tecnologia. mudança de sexo. é de grande valia para reforçar o entendimento sobre cada um dos assuntos e para aclarar algumas dúvidas. reprodução assistida. Depois disso.Apresentação à 1ª Edição O objetivo do livro é. principalmente os que dizem respeito à vida e integridade física. estão ganhando maior proeminência. tecidos e partes do corpo. dentre outros assuntos. retirada do feto anencéfalo. para orientar o leitor de que maneira gostaria de se posicionar ou se prefere manter-se neutro. delimitar o que se entende por dignidade da pessoa humana e quem seria seu titular. clonagem humana. eutanásia. Por essa razão. pela variedade e complexidade dos diversos questionamentos. . Por isso mesmo. manteve-se a linguagem acessível. estu- dantes. primordialmente.Prefácio à 2ª Edição A estrutura do livro permanece a mesma. Muito obrigado. atualizar o conteúdo e fazer revisões. Espero que a leitura auxilie a instigar a curiosidade de todos pelos novos rumos traçados pelo alcance de tecnologias novas. Não se perdeu de vista o público-alvo: quem não conhece a matéria. profissionais da área jurídica e médica. O Autor . Procurou-se ampliar alguns capítu- los. . mas também se existira algum limite para tal ingerência. próximo à nossa realidade. está a possibilidade ou não em se evitar ou interromper a gravidez. Mais tarde. Também se tem dúvida sobre a possibilidade de se retirar o feto anencéfalo do ventre materno. o aborto. po- rém. com a obtenção do embrião pré-implantatório. ou seja. surgem e poderão emergir. A experiência com seres humanos é objeto de análise constante. A clonagem humana reprodutiva ou terapêutica não é assunto fictício. o biodireito auxiliou nisso e para resolver as contendas que surgiram. os riscos e benefícios sopesados. começou- -se a pensar de que maneira a ciência influenciaria no comportamento humano. Não só os benefícios foram sopesados. Dentre outras inquirições que perturbam o ser humano. Mais que uma conduta geral correta. Saber quem é o titular da dignidade não é menos controverso. independentemente de um marco divisório.Introdução Com a gradativa interferência da tecnologia na vida das pessoas. De que maneira pode-se amenizar o sofrimento de doentes ou buscar a cura de males hoje insanáveis com a pesquisa com células-tronco embrionárias é pro- blema com o qual se defronta. a prévia ex- . do mínimo necessário para inexistir a violação de outros valores além dos que estavam em foco. esfera da ética. a bioética veio respon- der à outra indagação. com existência dos excedentes e congelados. em laboratório. De que ma- neira se consente esse experimento. A dignidade da pessoa humana é objetivo almejado tanto numa como noutra esfera. bem como a possibilidade. ou não. pela necessidade de se constatar o momento da morte. A eutanásia volta à mente das pessoas. A transfusão de sangue causa problemas quando se tem a contraposição do direito à vida com o direito à liberdade religiosa. tecidos e partes do corpo. ortotanásia. A transexualidade.2  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba periência com animais e sua limitação. com a melhor compreensão da reprodução assistida. verificando-se que muitos podem agonizar em leitos de hospitais. de casamento são enfrentados nos meios jurídicos. verificar os problemas para a constituição da família com filhos. mis- tanásia e suicídio assistido é relevante para que não se use o termo de maneira equivocada. com possibilidade de cirurgia modificativa do corpo de alguém. Sua diferença com a distanásia. não é enca- rado de maneira pacífica. bem como a relação de médico e paciente são dilemas que não podem ser deixados de lado. O transplante de órgãos. Busca-se. . com os registros de mudança de nome e sexo. igualmente. Pitágoras. e não com ele próprio. 2   São exemplos desses conhecedores: Tales de Mileto. a preocupação era com o naturalismo.3 por exemplo.1 O pensamento grego tinha uma série de teorias abrangentes sobre a origem do mundo e sobre a essência da realidade. São Paulo: EPU. Zenão. nunca consti- tuíram uma escola filosófica no sentido tradicional do termo. ou seja. difundiu-se a ética grega. em decorrência da democratização da vida política da Antiga Grécia. p. p. que eram atraídos pelo saber a respeito do 1   MASIP. para evitar conflitos intermináveis. astronomia e ciências da natureza em geral. 3   Os sofistas eram pessoas de perfil intelectual semelhante. Com a evolução natural. Vicente. Vicente. Histó- ria da filosofia ocidental. Anaxímenes. Leucipo.2 No século V a. nem sequer um movimento unitário . 24-35). Anaximandro. Empédocles.1 Ética A ética foi entendida de maneira diversa no transcorrer dos séculos.. muito bem representa- dos por meio das escolas e seus discípulos. Tais teorias eram idealizadas por profundos conhecedores de física. assim chamadas por filósofos e pensadores contemporâneos e posteriores. matemática. 24. 1 Ética. Bioética e Biodireito 1. Parmênides. He- ráclito. Sua compreensão dependia da formação de quem a estudava e do contexto em que se inseria. dedicadas a atividades pedagógicas em geral. outros pensadores procuraram organizar os problemas po- líticos e morais. Demócrito e Anaxágoras (MASIP.C. História da filosofia ocidental. Antes dos pré-socráticos. Os sofistas. com aquilo em torno do indivíduo. 2001. sente-se dono de si mesmo e. 35). Filosofando. O homem. História da filosofia ocidental. Irineu. MARTINS. estabelecia um total desinteresse pelas coisas materiais em favor quase que exclusivista das coisas do espírito. 36-38). Notavam-se um desprezo pelo trabalho físico e exaltação das classes dedicadas às atividades consideradas superiores: contemplação. Protágoras. 4   STRENGER. guiada pelo que o homem tinha de mais característico e elevado: a razão. Em decorrência disso. Não a obtinha quem alcançasse o prazer ou a riqueza.” E acrescentava: “Só sei que nada sei!”. particularmente político e jurídico. 6   ARANHA. pois era. 5   STRENGER. como consequência. A felicidade era obtida com as vir- tudes. rejeitando o relativismo e o subjetivismo so- fista. nem as normas.4 Sócrates critica-os duramente. 353. Tais virtudes tinham duas classes: (a) as intelectuais. concluindo: “Deve-se melhorar o conhe- cimento e aperfeiçoar a conduta. e. Na sua ética. só poderia viver na cidade. ensinavam a arte de convencer pela argumentação. Maria Lúcia de Arruda. pela discussão. Pródico. conhecendo-o. política e guerra. Maria Lúcia de Arruda. o erro. que. . o homem – o sábio – devia ser. 1998. os escravos não tinham lugar. 43-44. 2003. conhece-te a ti mesmo. 3. 2001. um bom cidadão. Não existiam a verdade. A vida teórica só era pos- sível para uma minoria ou elite. Maria Helena Pires. porém. posto que aquelas.6 Aristóteles acreditava que a ideia existia somente nos seres individuais. p. História da filosofia. por outro lado. liberdade pessoal e saúde.7 (MASIP. São Paulo: Moderna. p. ao mesmo tempo. eram insuficientes para fazer alguém feliz. p. Considerava como saber fundamental aquele a respeito do homem. feliz. ou seja. isoladamente. 7   ARANHA. Irineu. Trasímaco e Hípias são sofistas (MASIP. mas a vida teórica ou contemplação. São Paulo: LTr. por serem humanas. aspirando ao bem. Nesse quadro. Eram fundamentais as virtudes não inatas. não pode deixar de praticá-lo. na qual esta seria superior àquele e. História da filosofia. História da filosofia ocidental. p. com algumas condições necessárias: maturidade. por conseguinte. da qual a maior parte – os escravos – estava excluída. eram transitórias.”5 Platão privilegiava a relação homem-Estado enquanto afirmava a dualidade corpo-alma. p. seu ensinamento básico era: “Homem. Estreita era a unidade da moral e da política. Górgias. MARTINS. 353.” Sua ética é racionalista e pode ser sintetiza- da da seguinte maneira: “O homem age retamente quando conhece o bem. 49-57. ed. Filosofando: introdução à filo- sofia. Maria Helena Pires. e (b) as práticas ou éticas. Vicente. social.4  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba homem. pois. O fim último do homem era a felicidade. as conquistadas pelo exercício. como tal. por natureza. o homem se formava espiritualmente somente no Estado e me- diante a sua subordinação à comunidade. Vicente. pois seriam desprovidos de virtudes morais e direitos cívicos. um animal político. p. bens materiais. para ele. ”11 Kant dissocia a moral das ideias de prazer e de utilidade. ed. Rumo à justiça. inicia-se o período helenístico. a Justiça e a Verdade. tendo como corolários o início e a expansão do capitalismo no século seguinte. é racionalista. encarnado numa pessoa que vivera entre nós e partilhara a nossa condição humana. dificilmente se concebem teorias éticas autônomas da doutrina da Igre- ja Cristã. Para Immanuel Kant. para quem ser feliz significa viver de modo racional. mas na pureza da vontade e na retidão dos propósitos do agente considerado. surge a moral burguesa. . Vicente. a ética racionalista tornou-se antropocêntrica e teve sua maior expressão em Kant. 2004.C. Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino são exemplos de estudiosos desse período. resultado de vida pacífica e ausência de qualquer dor ou preocupação. A lei cuja representação deve ilustrar o móvel da con- duta eticamente boa é o imperativo categórico. para quem a felicidade é sinônimo de prazer. Dessa fase. José Renato. Maria Helena Pires. p. a significação moral do com- portamento não reside em resultados externos. É o modelo que todos deviam procurar seguir. Maria Lúcia de Arruda. Ética geral e profissional. Afere-se a moralidade de um ato a partir do foro íntimo da pessoa. 10   COMPARATO.10 No século XV. praticando as vir- tudes. 9   NALINI. e os epicuristas. mas se apoia em princí- pios racionais apriorísticos. caracterizada pela aceitação da explo- ração do homem pelo homem. tanto na vida quanto na morte. no entanto. São Paulo: Revista dos Tribunais. 11   ARANHA. 62-69. MARTINS. 49. A ética dominante.9 O Cristianismo reintroduz uma perspectiva transcendente. p. Se 8   MASIP. Os homens tinham um modelo ético a seguir. Deus é identificado com o Bem. 2010. Ética. História da filosofia ocidental. Devido às mudanças sociais (surgem os burgueses) e eclesiásticas (Reforma). Contrapondo-se à ética teocêntrica da Idade Média. pela aceitação do dogma da encarnação do Filho de Deus. o critério supremo de moralidade. ele formulou seu mandamento fundamental: “Age de maneira que possas querer que o motivo que te levou a agir se torne uma lei universal. O fundamento da lei moral não está na experiência. 354. 69. do século XVI até o século XIX. em sua filosofia prática. p. Nesse contexto. Filosofando. temperada. que trans- cende a pura sensação. São Paulo: Saraiva. Fábio Konder. destacam-se os estoicos. A conduta é valiosa no âmbito moral se a motivação consiste apenas no reconhecimento do bem. p.8 Do século IV ao século XV prevalece a moral cristã. Bioética e Biodireito  5 Com a decadência do mundo grego. embasan- do a Revolução Industrial do século XVIII. apro- ximadamente na segunda metade do século IV a. 4. transformador. que influenciou o mundo ideológico dos criadores do Código Civil de forma semelhante como a doutrina do direito natural do século XVIII influenciou os autores do Código Geral prussiano e do Código Civil austríaco.   NANNI.12 A compreensão do homem encontrou uma expressão duradoura no persona- lismo ético de Kant. São Paulo: Saraiva. Maria Lúcia de Arruda. Comportar-se fazendo bioética para quem se interesse pela ética. que leva ao êxito.   “Costuma-se dizer que para o pragmatismo o critério de verdade não é adequação do sujeito 16 ao objeto. (b) o reconhecimento do comportamento irracional contra o racionalismo absoluto. Para am- bos. Revista de Informação Legislativa. o indivíduo como tal. 126. Giovanni Ettore. 12   NALINI. Maria Helena Pires. criador. 1998. p. 1994. social e histórico. p. MARTINS. (c) a origem do ser humano em si mesmo. p. a psicanálise. ed. José Renato. São Paulo: Saraiva. Evaldo Alves. 356-359. uma nova conceituação ética. signi- fica que leva eficazmente à obtenção de um fim.13 Atualmente. como utilidade menor ou maior para o homem” (REALE. Introdução à filosofia. . o pragmatismo. 356. especialmente ao proletariado. Maria Lúcia de Arruda.17 No marxismo. Ética geral e profissional.14 As principais correntes dessa ética são o existencialismo. es- treitamente ligado ao desenvolvimento técnico e científico e ao espírito de em- presa. discute-se a ética contemporânea que se inicia em meados do século XIX. p. Dívida externa e princípios gerais do direito: uma visão do direito civil 13 obrigacional. Isso faria com que certos comportamentos e atitudes recebessem uma outra explicação e. Para essa corrente.   D’ASSUMPÇÃO. segundo Evaldo Alves D’Assumpção. 249. out. Brasília. A verdade se identifica com o útil. e Filosofia do direito. O que os diferencia é que para Sartre Deus não existe e o homem é plenamente livre. o marxismo. 169). Kierkeggard e Sartre representam teoricamente o existencialismo./dez.6  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba o agente atuou visando à obtenção de alguma recompensa. mas a medida de sua conveniência sócio-cultural. p. 17   ARANHA. MARTINS. sua ação não pode ser tida como positiva. o que vale é o homem concreto. designando o que melhor ajuda a viver e a conviver. em detrimento do formalismo e do universalismo. Desse modo. Dá-se especial valor às classes. 15   ARANHA. nº 160. quando se diz que algo é bom eticamente. Miguel. torna-se essencialmente egoísta. o neopositivismo e a filosofia analítica. 1988. não em uma fundamentação transcendente da ética. nasce e se difunde essencialmente o pragmatismo. a visão do homem é de ser produtor. sem qualquer vinculação com um criador. 16. 14 Rio de Janeiro: Vozes.16 A psicanálise deu sua contribuição ética ao afirmar que existe uma zona da personalidade da qual o sujeito não tem consciência (inconsciência). buscando-se: (a) o homem concreto. 2003. Filosofando. Maria Helena Pires. 54. p.15 Nos Estados Unidos. portanto. Filosofando. Ao racionalismo são contrapostos o irracionalismo absoluto e um individualismo radical. Miguel. Essa orientação é encontrada com o auxílio de regras e princípios. é orientadora das ações a serem realizadas. Miguel. ou melhor. de sua norma. a atenção concentra-se na análise da linguagem moral. Filosofia do direito. mas propriamente a doutrina da conduta enquanto inseparável de sua razão ou critério de medida. visando. Os conhecimentos científicos tornam. uma análise rigorosa da significação dos enunciados das ciências e de sua verificabilidade. Nessa nova concepção. Este problema que a ciência exige. Maria Helena Pires.   D’ASSUMPÇÃO. p.   “Para o neopositivismo contemporâneo. que não pode ser dissociada da realidade. daí a estreita vinculação com o direito. ou seja. 354-355. o que equivale a dizer: a teoria normativa da ação” (REALE. quer para a sociedade” (REALE. no sentido do aperfeiçoamento moral da humanidade e na determinação essencial do valor do bem. assim como para a 19 Escola Analítica de Cambridge e todas as suas derivações. Comportar-se fazendo bioética para quem se interesse pela ética. p. Ética. Bioética e Biodireito  7 cujo destino histórico é abolir a si próprio dando origem a uma sociedade verda- deiramente humana. 8-9. quer para o indivíduo. sendo a “teoria normativa da ação”. Introdução à filosofia. segundo alguns. regi- da pelos grupos dominantes que afirmam: “assim é que deve ser”. chama-se problema ético. purificá-las de ‘pseudo-problemas’” (REALE. no qual se têm as normas jurídicas como instrumentos de regulamentação dos comportamentos em sociedade. mais urgente a necessidade de uma solução sobre o problema da obrigação moral. em suma. nasce e atinge sua plenitude a ética da manipulação. que não pode deixar de exercer uma função teleológica. Com ela.18 No neopositivismo e nas filosofias analíticas. pode-se chegar ao cúmulo de se descartar o ser humano em prol de resultados rápidos. 25). põe-se de maneira tal que a ciência se mostra incapaz de resolvê-lo. mas não resolve. para o chamado Círculo de Viena. Maria Lúcia de Arruda.    “Elucidada a correspondência entre norma e conduta. para não se tornar etérea. mas não o resolve. p. positiva ou negativa. O conceito de “bom” é algo que pode ser captado apenas intui- tivamente.20 Miguel Reale sintetiza o drama da conquista científica no plano da ética. MARTINS. A Ética é. parte-se da necessidade de li- bertar a ética do domínio da metafísica. mediante a qual se expressa teleologicamente um valor. 385). a ordenação da conduta.19 A tecnologia supera tudo e se transforma na verdadeira deusa dos tempos modernos. podemos esclarecer que a Ética não é a doutrina da ação em geral. como o único ser que se conduz. Introdução à filosofia. Evaldo Alves. a Filosofia não é senão uma teoria meto- dológica-linguística das ciências. 18   ARANHA. e marca momento culminante em toda verdadeira Filosofia. por meio das normas que regem a huma- nidade. O problema do valor do homem como ser que age. p. Filosofando. 12). mas não implicam qualquer solução.21 A ética representa uma conduta adotada após um juízo de valor. a qual ordena condutas. Em decorrência dis- so. Miguel. 20 p. . às vezes. 21   “Qual a obrigação do homem diante daquilo que representam as conquistas da ciência? Que dever se põe para o homem em razão do patrimônio da técnica e da cultura que a humanidade conseguiu acumular através dos tempos? A ciência pode tornar mais gritante o problema do dever. urgentemente. tais como falta de estabilidade na economia. de forma a reduzir a autoridade estatal a formas jurídicas objetivamente definíveis.”24 Conforme alerta José Alfredo de Oliveira Baracho: “As relações entre a ética e o direito têm uma longa história que conduz a uma bioética da responsabilidade. deve-se entender o que vem a ser bioética e se ela coincide com o biodireito. justificar ações e omissões. abr. O ser humano mostra que pode pender para o material. com as crenças e ideologias próprias. p. Disponível em: <http:// www. deixa isso de lado e procura alicerçar sua existência nos valores. cultuadas de há muito. José Alfredo de Oliveira.adv.22 Na modernidade. todavia. cumpre precisar a distinção entre o elemento jurídico e o elemento ético. 77. 82-83. por exemplo. 1988. 379. Essa tendência pode ter sido gerada pelos acontecimentos dos anos de 2013 e 2014. Deseja-se. crescente violência – brigas de torcidas organizadas –. os debates são perenes e podem tornar algum avanço técnico sem regulamentação jurídica. p. a “ética nas eleições”. precipuamente. 33 após a impressão. Ética geral e profissional. a “ética educacional”.   CALLIOLI. Deseja-se algo mais elevado para legitimar a vida. 25   BARACHO. Eugenio Carlos./jun. Vida humana e ciência: complexidade do estatuto episte- mológico da bioética e do biodireito – normas internacionais da bioética. p. Provavelmente. RT. História da filosofia ocidental. Revista de Direito Civil.8  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Deve-se procurar quais são os parâmetros que regem as nossas ações. a “ética po- licial”. a pacificação social. 22   MASIP. a ética tem papel importante para todo esse anseio. Essa tarefa poderá contribuir para a nitidez da linha de limites posta ao exercício da autoridade e representará fundamental garantia da autonomia individual. entra em cena a responsabilidade ética por parte do técnico.”25 Dessa forma. Procura-se uma nova modu- lação dos valores vigentes. Por essa mesma razão. 23   NALINI. não no sentido filo- sófico. a distinção entre direito e moral assume especial importân- cia. Acesso em: 22 maio 2006. debate-se a “ética na política”. aumento da crimina- lidade e do crime organizado. . Segundo assinala Eugenio Carlos Callioli: “Onde começa a manipulação téc- nica por parte do homem. mais que nunca. Diante dessa tendência. movimentos sociais inusitados – reivindicações populares variadas e “black blocs”. veiculação de escândalos políticos. diante da possibilidade de interferir na geração humana.br/tex024. Aspectos da fecundação artificial “in vitro”. em certo momento. José Renato.htm>. enfim. com o desejo do bem individual e do bem comum. 24 São Paulo. p. concreto da vida. Daí sua preocupação com a ética. ao formular a responsabilidade decorrente de suas aplicações. Como proceder.23 O pensamento humano e a valoração em relação à vida diferem de acordo com as transformações espaciais e temporais.gontijo-familia. Vicente. Todos estão à procura de subsídios para prosseguirem suas vidas. nº 44. cautelosa. Encyclopedia of bioethics.27 Em 1988. Global bioethics. p. denominada Bioethics: bridge to the future. 1998. p. Warren.30 David J. 1988. 22 (6). O meio ambiente seria o cerne da pesquisa. Bioética e Biodireito  9 1. é auxiliar a humanidade no sentido de participação racional. 2. p. Van Rensselaer. tendo em vista os progressos rápidos e comple- 26   Apud VIEIRA. . 370-374. Potter afirmou que bioética é “como nova ciência ética que combina humildade. 1999. p. 116. Restringe-se a bioética à área de abrangência da pesquisa e atenção à saúde. Englewood Cliffs/New York: Prentice-Hall. 27   POTTER. intercultural e que potencializa o senso de humanidade”. East Lansing: Michi- 28 gan State University Press.29 Outro estudioso. Algumas definições do vocábulo foram elaboradas e elas devem ser mencio- nadas para melhor compreender os debates. enquanto que esta conduta é examinada à luz dos princípios e valores morais”. com am- pla abrangência. ensinou que bioética é “o estudo siste- mático da conduta humana na área das ciências da vida e da atenção à saúde. Building on the Leopold legacy. São Paulo: Jurídica Brasileira. 29   Publicado em O Mundo da Saúde. Van Rensselaer. Englewood Cliffs/New York: Prentice Hall. responsabilidade e uma competência interdisciplinar. 1971.1 Evolução do termo bioética A palavra bioética apareceu pela primeira vez em 1971 no título da obra de Van Rensselaer Potter. outra é a definição apresentada pelo oncologista: é “a combina- ção da biologia com os conhecimentos humanísticos diversos constituindo uma ciência que estabelece um sistema de prioridades médicas e ambientais para a sobrevivência aceitável”. Bioética e direito. Reich. Tereza Rodrigues. em 1978. segundo Potter. na pa- lestra em vídeo no IV Congresso Mundial de Bioética. Potter dizia que a bioética “é a ponte entre a ciência e as humanidades”. 30   REICH.2. Ele procurou dar ênfase a uma bioética global. 1971. New York: MacMillan. Roy.2 Bioética 1.26 A finalidade da bioética. em 1998. ou da pessoa humana. Ética.28 Com a intenção de definir a bioética com ótica profunda. 15. sacramentou que bioética é “o estudo interdisciplinar do conjunto das condições exigidas para uma administração responsável da vida humana. em 1979. 1978. no processo de evolução biológica e cultural. Bioethics: bridge to the future. Ele se propunha a enfatizar os dois componentes mais importantes para se atingir uma nova sabedoria: o conhecimento biológico e os valores humanos. Tóquio (Japão) – 04 a 07 de novembro de 1998 –.   POTTER. 1991. p. Diferentemente da ideia original de Potter. 19. 32   A definição foi elaborada em 1989. que trabalhava em uma Universidade de Jesuítas. Guy Durant assim a definiu: “é a pesquisa de soluções para os conflitos de valores no mundo da intervenção médica”. interdisciplinaridade e pluralismo como características da bioética. New York: MacMillan. Le suplêment 1979. A bioética: natureza.33 Ele atenta para uma característica fundamental da bioética.32 Esse pode ter sido o ponto de par- tida da afirmativa de James Childress de que “no âmbito da Ética o conflito é inevitável. Seu objetivo. Tristan. a exemplo da Medline. segundo princípios morais. localizado e mantido pela Universidade de Georgetown.35 Interessante é o estudo feito por Javier Sábada. seis meses mais tarde da publicação do livro de Potter. Kennedy Institute of Ethics. e isso é decisi- 31   ROY. Kennedy Institute for the Study of Human Reproduction and Bioethics. 22. decisões.   O professor leciona Ética na Universidade do Texas. Estados Unidos. XXI. a visão pluralista. Point de départ et direction de la bioéthique. conduta e políticas – das ciências da vida e atenção à saúde. princípios e objetivos. prolongar a vida humana. Reich inclui aspectos de sistematiza- ção. incorporou-se na base de dados da Bioethicsline que a bioética “é um ramo da ética aplicada que estuda as implicações de valor das práticas e do de- senvolvimento das ciências da vida e da medicina”. 35   Encyclopedia of bioethics. 1995. Estados Unidos. David J. nº 128. funda o J. R. vinculado à National Library of Medicine. Estados Unidos. p. Hellegers menciona os aspectos negativos da bioética. 59-75. 33 Manuale di etica. assim: “é o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão moral.34 Classifica-se a bioética como uma das éticas aplicadas. sim. ENGELHARDT. qual seja.31 Diretor do Centro de Bioética da Universidade de Montreal. p. Em 1994. como um instrumento para a negociação pacífica das instituições morais”. e que.10  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba xos do saber e das tecnologias biomédicas”. Washington. os limites para possíveis transgressões (o dever). de 1978. Ele desejava. São Paulo: Pau- lus. p. Milano: Il Sagiatore. Roy foi um dos primeiros autores a inserir a questão do progresso das tecnologias aplicadas à saúde como motivador da reflexão ética. em 1995.” Tristan Engelhardt asseverou que a bioética “funciona como uma lógica do pluralismo. Aprimorando sua definição. É uma reelaboração da definição de Reich. no qual afirma que o conceito existente na Enciclopédia de Bioética tem influência de Hellegers. utilizando uma va- riedade de metodologias éticas em um cenário interdisciplinar”. La biomédicine aujourd’hui et l’homme de demain. Washington.   Bioethics thesaurus – Bioethicsline. ginecologista católico. 1995. A Bioethicsli- 34 ne é um serviço de informações bibliográficas. 1994. . Potter não tinha essa intenção: para ele a bioética era o estudo sistemático da ação humana tanto nas ciências humanas como nas de saúde. Disponível em: <http://www. de acordo com o “bem- -estar” de todos. Particularismos não podem ser considerados para essa finalidade. La necesidad de la bioética. quando faz compila- ção ao comentar sobre a “Evolução da definição de bioética na visão de Van Rensselaer Potter – 1970 a 1998”.2.br/bioetev.2 Princípios da bioética Conforme ensina Heloisa Helena Barboza.). angústia! São Paulo: Martins Fontes. prevalecentes na sociedade existente. pois. b) o da beneficência. María (Org.”37 Não se pode negar a importância da bioética e a árdua tarefa de compreendê- -la. As fontes das quais foram retiradas as definições são mencionadas por José Roberto Goldim. A bioética não deixa de ser um dos conhecimentos adquiridos pelo ser huma- no para a condução de sua vida e de sua evolução. deve ha- ver uma aplicação de suas descobertas na realidade. 1997. Ética. Iniciados os trabalhos em 1974. que se traduz na obrigação de não causar dano e de extremar os benefícios e minimizar os riscos. . o chamado Informe Belmont. c) o da justiça ou imparcialidade na distribuição dos riscos e dos be- nefícios. é uma parte de nossa responsabilidade simplesmente humana. o estabelecimento dos princípios da bioética decorreu da criação. Javier. Estu- dios de bioética y derecho. contendo três (3) princípios: a) o da autonomia ou do respeito às pessoas por suas opiniões e esco- lhas. salvo haja entre ambas alguma diferença relevante. ou seja. deveres do homem para com outro homem. não é uma parte da biologia: é uma parte da Ética. com os limites impostos por esse mesmo conjunto de homens e mulheres. p. com o avanço técnico-científico.bioetica. o que lhe interessava era o que tinha em mira o bem. era melhorar a qualidade de vida pelos “braços da moral” – bem e dever –. 61. Ela representa um vetor do conhecimento que procura conciliar a vida inter- disciplinarmente. à saúde. Bioética e Biodireito  11 vo. à ética etc. de uma Comissão Nacional que tinha a incumbência de identificar os princípios éticos básicos que deveriam guiar a investigação em seres humanos pelas ciências do comportamento e pela biomedicina. 37  COMTE-SPONVILLE. e de todos para com a humanidade. com vistas ao meio ambiente. pragmaticamente. pelo Congresso dos Estados Unidos. não podendo uma pessoa ser tratada de maneira distinta de outra. 35-49.ufrgs. segundo valores e crenças pessoais. 36   SÁDABA. 2000. A vida deve ser conduzida de forma ética. Outros já o tentaram. Acesso em: 4 jul. Bom dia. como se diz hoje. In: Casado.36 “Bioética. com a característica específica da conciliação com a experimentação científica. 1. quatro (4) anos após publicou a referida Comissão.htm>. à vida. p. 2006. Valencia: Tirant lo Blanch. Repensar el sujeto. a determinação estrita do texto legal. Childress acrescentaram outro. . que eles não atendem às demandas da ordem normativa. não devendo sujeitar-se às imposições dos detentores do conhecimento ou do poder público.br/direitos/direi- tosglobais/paradigmas_textos/v_barreto. em sua formulação restrita. as questões políticas foram respondidas de forma diversa pelas duas grandes linhas de pensamento contemporâneo: liberais e conservadores. represen- tando a afirmação moral de que a liberdade de cada ser humano deve ser res- guardada. Disponível em: http://www.html>. do princípio da beneficência. assim. em obra publicada em 1979. cuja liberdade constitui a sua dimensão principal. tendo em vista o corpo-objeto do agente moral. a norma reguladora deve procurar corrigir. 2000.org. os problemas individuais e sociais provocados pelas novas tecnologias. o indivíduo é o senhor absoluto do seu destino. devem-se paralisar as experiências e transferir para especialistas bem intencionados a decisão e o controle final do processo científico e tecnológico. mas. Já os liberais colocam o indivíduo acima de considerações de caráter pú- blico e social. v. o da “não maleficência”. nº 2. Acesso em: 2 mar. o princípio da autonomia estabelece a ligação com o valor mais abrangente da dignidade da pessoa humana.2. segundo o qual não se deve causar mal a outro e diferencia-se. e no da justiça ou equidade. Bioética.dhnet.3 Posturas liberal e conservadora Depois de estabelecida a agenda temática da bioética. que envolve ações de tipo positivo: prevenir ou eliminar o dano e promover o bem. Beauchamp e James F. As perguntas respondidas pelas duas vertentes que constituem o cerne da temática política da bioética são as seguintes: a)  O que é necessário evitar? Os conservadores afirmam que não se encontra em discussão a liberdade dos indivíduos. 211. de modo que não há uma separação significante entre um e outro princípio. considerando-se que maximizar o bem do outro supõe diminuir o mal. No caso de dúvida. 1989). Considerado como agente moral. no da beneficência existe o reconhecimento do valor moral do outro. sim. 38   Princípios da bioética e do biodireito. p. 39   Bioética. biodireito e direitos humanos. moral e jurídica de uma socie- dade pluralista e democrática. 8.38 Segundo Vicente de Paulo Barretto.12  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba A esses. Principles of biomedical ethics (New York: Oxford Uni- versity. mas se trata de um bem de um contínuo. ainda não devidamente controladas e conhecidas em suas conse- quências. 2006.39A própria origem de cada um dos princípios mostra. Tom L. 1. a chamada “heurística do medo”. Ética. cujos ritmos e objetivos deverão estar sujeitos ao controle da sociedade civil. É necessário suspender essas experiências. torna-se necessário aprofundar os debates sobre as descobertas e tecnologias da genética. não há uma concepção unificada do ser humano. trata-se de evitar qualquer restrição ao exercício pleno da liberdade individual. a natureza biológica do ser humano é facilmente atingida pe- las temidas agressões tecnológicas. que resultam em violações desse espaço primitivo de liberdade natural. por seus representantes políticos. não é possível haver uma definição do bem e do mal de forma abstrata e com expressão universal. que a natureza humana seja desnaturada. transformou o homem de sujeito em objeto de técnica. Bioética e Biodireito  13 portanto. impedindo-se. na verdade. considerada como um todo orgânico. b)  O que é necessário promover e apoiar? Para os conservadores. para os liberais. Na concepção dos liberais. Na concepção conservadora. Os liberais relacionam o estatuto do ser humano a uma das formas naturais que garantem o exercício da liberdade. Deve-se procurar preservar a todo custo a esfera da pessoa. que. antes que a ciência humana aventure- -se por campos do conhecimento ainda pouco conhecidos. o homem estrutura-se em função de uma unidade orgânica. É proposta uma moratória nessas pesquisas. c)  Qual o estatuto do corpo humano? No entendimento dos conservadores. cujas consequências acabam atentando con- tra a própria natureza humana. o importante . Em consequência. para que se possa recuperar a unidade natural do indivíduo. Deixa o indivíduo. seria exorcizada a compulsão tecnicista da contemporaneidade. pelas próprias características do pensamento liberal. por meio do medo. devem ser encaradas com cautela. na opinião de importantes críticos da mo- dernidade. Os liberais afirmam que se deve promover a tolerância e assegurar a resolu- ção pacífica dos conflitos. a tarefa de avaliar o pro- gresso da ciência e da tecnologia. a não ser a remissão à liberdade. Os conservadores partem da suposição de que as aplicações dos novos conhe- cimentos. esses debates devem obedecer a uma estratégia política de dissuasão. na qual a liberdade constitui a espinha dorsal essencial para o equilíbrio e o aperfeiçoamento da pessoa humana. Por essa razão. assim. As diversas respostas permitem determinar qual o entendimento do homem e da sociedade que se encontra subjacente em cada uma das posições e quais as consequências da nova biologia para o mundo. principalmente genéticos. e das novas vidas mais ou menos artificiais que a ciência está apta a criar. 42 odireito. Gisele. Vicente de Paulo. que não se restringe às questões atinentes à saúde. a qual serve mais a uma finalidade política: usada para fazer prevalecer o entendimento religioso ou o laico. é o momento de se preocupar com o biodireito. o que acirra as discussões.41 No entender de Gisele Leite: “A preocupação de se erguer princípios do Bio- direito é.. p.d.”42 Os princípios constitucionais devem constituir os princípios do biodireito. 44   LEITE. Paulo Ferreira da.14  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba nas questões da bioética. para correção de anoma- lias genéticas e para a cura de seus males. p. A bioética dominou a esfera do direito como “pano de fundo” de debates de situações controversas. ao meio ambiente e à tecnologia. A necessidade imperiosa do biodireito e da bioética. vide nota 83.43 As disposições constitucionais relativas à vida humana. A necessidade imperiosa do biodireito e da bioética. O discernimento na escolha de uma forma mais inovadora na concepção de um ser humano.asp?ConteudoId=37&SeçaoID=10&SubSeçao=1&>.com/impressao. p. ou seja. Disponível em: <http://www. Acesso em: 25 maio 2006. 41 Porto: Rés-Editora. p. Esta não é uma questão essencial. Deve-se desvincular o direito da bioética. 6. sua preser- vação e qualidade. estão imbricadas com o biodireito. sob pena de se restringir a liberdade científica. ou a destruir. seja do ponto de vista moral. s. antes de tudo. 43   LEITE. objetivando a melhor efetividade do fim maior.. não pode ser tolhido. Logo. Princípios de direito: introdução à filosofia e metodologia jurídicas. o “bem-estar” com responsabilidade. 207. consistirá na preservação da liberdade de escolha e do debate público. 2003. permitindo-se que cada indivíduo e cada comunidade estabeleçam seus próprios padrões de con- trole. 6.   CUNHA.40 1. Paulo Ferreira da Cunha ressalta a importância da biologia e o início de for- mação de um biodireito para regular as questões da vida. 5. hoje em dia. como em todos os demais problemas sociais. A necessidade imperiosa do biodireito e da bioética. Gisele. . deve determinar os seus próprios parâmetros normativos.3 Biodireito Os avanços técnicos e científicos e a complexidade de cada um dos ramos do saber provocam o imprescindível intercâmbio de informações. (Coleção Resjurídica).   LEITE. ibidem. pois cada sociedade. p. Gisele. A respeito de bibliografia complementar de sua assertiva. não se reduzir a Ciência Jurídica a um papel meramente instrumental.44 40   BARRETTO. Idem. Publicado desde 16 mar. 175. já há algumas normas sobre a consi- deração de valores. seja no aspecto jurídico. porém. em princípio. mencionam-se normas de prevenção e de influência do descompromisso da eticidade na condução da vida e dos avanços científicos. 47   BARACHO. José Alfredo de Oliveira. uma opção individual não pode desconsiderar seus reflexos para terceiros. José Alfredo de Oliveira. para que outros. repilam seus males. ocupando-se da formulação das regras jurídicas em relação à problemática emergente do progresso técnico-científico da Biomedicina. Vida humana e ciência. a decisão será crucial para a continuidade da vida de alguém. p. porém. 15. reprodução assistida. aborto. p.”47 Muitas vezes. p. O confronto entre curar alguém e não se defender quem está em posição frágil é debatido de maneira intensa. O Bio- direito questiona sobre os limites jurídicos da licissitude da intervenção técnico- -científica possível. 14. quando se trata do biodireito. células-tronco embrionárias. tais como câncer. mal de Par- kinson. para alguns retrocessos. de apenas uma pessoa. por exemplo. viável ou congelado há mais de 3 (três) anos. A dignidade e o direito podem ser lesados acaso haja prosseguimentos em pesquisas com destruição do embrião. 45   BARACHO. . Vida humana e ciência. transfusão de sangue. A dicotomia direito à vida e o exercício da consciência religiosa são contrapostos. por si ou por alguém representado ou assistido. mudança de sexo. exemplificativamente. confrontando-se com os aspectos da incompatibilidade com a vontade oposta”. eutanásia.46 “Ciência e técnica só podem intervir sobre a vida. transplante de órgãos. Enfim. Alzheimer. Percebe-se isso nitidamente quando se fala sobre o nascituro e o em- brião. 46   BARACHO. Em outros momentos. Tudo isso fica no âmbito do biodireito e por ele deve ser solucionado.”45 O biodireito “formalístico e legalístico pretende garantir a autonomia da opção individual. quando se pretende ter um filho independentemente de quem fornece o material genético. Ética. com predominância da vontade. Vida humana e ciência. Bioética e Biodireito  15 No dizer de José Alfredo de Oliveira Baracho: “O Biodireito é estritamente conexo à Bioética. com doenças incuráveis. quem sabe. entre outros assun- tos de suma relevância para a sociedade contemporânea. retirada do feto anencéfalo. 15. com conse- quências para quem será gerado. a mulher. O início de uma vida já é cercado de influência do progresso científico. clonagem humana. desde que não afetem à dignidade e ao direito. José Alfredo de Oliveira. perfeitamente possível. no caso de se negar à transfusão de sangue e os desdobramentos dessa escolha. experimentação com seres humanos. 1º.1 Noção geral Perelman. Ética e direito.1 Embora tenha conteúdo abstrato. 3   SILVA. Chaïm. a dignidade da pessoa humana foi pre- vista na Constituição Federal. 1996. III. Tradução de Maria Ermantina Galvão. No ordenamento jurídico brasileiro. ed. declara que a dignidade da pessoa humana é princípio geral de direito comum a todos os po- vos civilizados. 9. São Paulo: Martins Fontes. caput. 96. 2   Art. esquecendo-a nos direitos sociais. p. inc. desde o direito a viver. sociais e culturais. como um dos “prin- cípios fundamentais” a serem observados na República Federativa do Brasil. ignorando-a quando se tratar de direitos econômi- cos.3 1   PERELMAN.2 José Afonso da Silva caracteriza a dignidade da pessoa humana como um valor superior. promulgada em 5. José Afonso da. é de suma importância para a compreensão dos direitos humanos. ao defrontar-se com os temas da ética e do direito. p.10.1988. 401. Curso de direito constitucional positivo. . no qual se constitui um Estado Democrático de Direito. 2 Dignidade da Pessoa Humana 2. ou invocá-la para construir a “teoria do núcleo da personalidade” individual. Não se trata de defender apenas os direitos pessoais tradicionais. São Paulo: Malheiros. que atrai o conteúdo dos outros direitos fundamentais. 1992. Derecho justo. 2004. entre outros valores morais.10 4   Bastos. 2004.    “Tomada em si. 225. 2002. situando-se em um plano superior. Brasília: Ed. 7. Teoria da norma jurídica. 2002. 10. normas fundamentais generalíssimas do sistema. por sua vez. do Direito penal e de outros ramos do Direito público) genuinamente decisivos. Norberto. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. diretrizes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. Apresentação de Alaôr Caffé Alves. . Karl. Colaboração de Ives Gandra da Silva Martins. 142). Direito constitucional. objeto precípuo do direito civil [. Revisão técnica de Cláudio De Cicco. é um dos elementos ordenadores do direito privado genuinamente decisivo. Comentários à Constituição do Brasil (promulgada em 5 de outubro de 1988). em continuidade à nota 7 de rodapé). Karl. É o limite e o fundamento do domínio político da República. São Paulo: Revista dos Tribunais. O princípio jurídico não é a regra mas é norma jurídica. p. eles são antes os elementos ordenadores do Direito privado (e. a norma é concretizada. mas de colocá-las em ação” (BOBBIO. São Paulo: Saraiva..” 7   “Das relações jurídicas privadas recortamos alguns espaços problemáticos nos quais se projeta o princípio da dignidade da pessoa humana.6 Estabeleceu-se um princípio geral de direito que deve resolver os conflitos sociais.7 Em consequência.8 Nessa perspectiva. p. J. é a ideia diretora de uma regulamentação (cf. assevera que o respeito à dig- nidade da pessoa. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. não são interesses quaisquer ao lado de outros. v. num plano superior. LARENZ. Tradução de Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. 5 6   ENGISCH. Norberto. exige não so- mente interpretação mas também concretização” (Junqueira de Azevedo. mas por cima deles. 1999. A palavra princípio leva a engano. Antonio. 1985. a dignidade da pessoa humana.   CANOTILHO. a meu ver. a Repú- blica é uma organização política que serve a pessoa. A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios. Tradução de J.4 O ser humano não serve aos aparelhos político-organizatórios. Dignidade da Pessoa Humana  17 Não se deve relegar a segundo plano o fato de que a vida não pode ser de- sumana. utilizada em norma. reportando-se a Coing. 4. espe- cialmente constitucional. In: Estudos e pareceres de direito privado. p. 9   “A tarefa de uma norma não é a de descrever as consequências que derivam de certos fatos.. 6. 10   “Princípio jurídico. as normas mais gerais. p. Teoria do ordenamento jurídico. no mesmo plano. é norma jurídica cuja violação não pode ser permitida. p. Celso Ribeiro.5 Engisch. p. São Paulo. Coimbra: Almedina. 32). Bauru: Edipro. ed. a con- fiança. a expressão é um conceito jurídico indeterminado. p. 1996. Judith. possibilitando a liberdade a todos. o respeito pela dignidade da pessoa. tanto que é velha questão entre os juristas se os princípios gerais são normas. 378: “Os valores morais como a igualdade. 8   “Os princípios gerais são apenas. 2001. Tradução de Maria Celeste C. Santos. 1. ed. Introdução ao pensamento jurídico. p. Nesse sentido. eles não se situam ao lado dos fatos a ordenar. Ele é fim. 3). José Joaquim Gomes. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras” (BOBBIO. por sua vez. evidentemente. Sa- raiva. 158). sua tarefa é descrever as consequências que derivam de certos fatos e colocá-las em ação. ed. 472-473. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. é princípio jurídico” (JUNQUEIRA DE AZEVEDO. O Estado tem o compromisso de zelar por essas finalidades. UnB. Tampouco se pode permitir o distrato do ser humano. 17). Baptista Machado. p.9 Além de ser interpretada.]” (MARTINS-COSTA. Apresentação de Tercio Sampaio Ferraz Junior. 2001. primeiro que tudo. Antonio. ). 2004. p. 14). sensí- vel ao aspecto valorativo logo no momento da interpretação dos dados primários. In: DELGADO. Antonio. pode ser amado. Uma das concretizações da intangibilidade da vida humana é a proibição do abortamento do embrião. da fundamentação última do princípio enunciado. 2004. p. antes exige um trabalho complexo de valoração. 2º. José de Oliveira. 16   “Caso por caso se verificará se não há causas que a levem a excluir justamente na situação em causa. também presentes na ordem jurídica. O direito: introdução e teoria geral. 1. José Rena- to. entre os direitos fundamentais. p. à luz da ratio. consagração e manutenção que ela se apresenta” (JABUR. inferiores à própria vida” (NALINI. p. Jones Figueirêdo (Coord. Do prisma jurídico. exige como pressuposto a intangibilidade da vida humana. São Paulo: Método.12 A vida da pessoa humana deve ser digna. pois. 15   “A dignidade humana se afirma e se manifesta sob o influxo dos direitos da personalidade. do novo Código Civil). Tem vida própria e. o seja também na fase da conciliação dos princípios detectados” (ASCENSÃO.   JUNQUEIRA DE AZEVEDO. 2º do novo Código Civil). não tem personalidade jurídica (art. 5º. p. 14   “Assim. ou eticamente. Deve-se harmonizá-lo com outros.14 as- segurado expressamente no art. 13 2004. Limitações ao direito à própria imagem no novo Código Civil. p. a sua projeção. ou se outros princípios. Antonio. 57). da Carta Magna. não se impõem nesse caso e marcam outra solução. Antonio. não há pessoa e. entretanto. nota 2. mas já é sujeito de direito (art. última parte. não há dignidade” (JUNQUEI- RA DE AZEVEDO. Gilberto Haddad. a vida. é o bem por excelência. 13 (Série Grandes Temas de Direito Privado).13 A proteção dos direitos da personalidade. uma conjugação de elementos provenientes de quadrantes muito diversos da ordem jurídica. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. caput. não há dignidade. por- que é por meio desse respeito. está intrinsecamente relacionada com a dignidade da pessoa humana. 2001. que esse não é o único princípio a ser concretizado na República Federativa do Brasil. Filoso- ficamente. v.18  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Na qualidade de princípio. ou seja. já se inseriu com individualidade no fluxo vital contínuo da natureza humana. aqueles que se podem tirar 17 por abstração de normas específicas ou pelo menos não muito gerais: são princípios. Sem vida. portanto.11 A pessoa é o bem e a dignidade é seu valor. entre estes o “direito à vida”. 15-16. não há pessoa. é.   “Ao lado dos princípios gerais expressos há os não expressos. Rio de Janeiro: Renovar. ou normas . 437-438). Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. ALVES. no mínimo.   JUNQUEIRA DE AZEVEDO. porque ele é um novo ser humano que já recebeu sua própria parcela de vida.16 expressos e implícitos na Carta Magna. Sem vida. pessoa humana.15 Não se pode menoscabar. 12 2004.17 11   “O princípio jurídico da dignidade como fundamento da República exige como pressuposto a in- tangibilidade da vida humana.    O que quer dizer que também aqui a atividade do jurista não é meramente lógica. Todos os demais direitos são bens da vida. e sem pessoa. nesta fundamentados e. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Mas nada tem na realidade de estranho que uma atividade. conforme se percebe. sem pessoa. ed. Mário Luiz. Questões controvertidas no novo Código Civil. 3. 2. Ética geral e profissional. apontem soluções opostas. 3. Contra a opinião de Engisch não se deve considerar semelhante ‘compromisso entre dois diferentes princípios gerais’ da ordem jurídica como uma contradição. por assim dizer. Introdução ao pensamento jurídico. ou seja. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 205-206). ser eliminados.18 generalíssimas. no último caso ele não pode. aqui da característica. pois. 355. uma desarmonia. em conflito entre si. privilegiar um princípio em detri- mento de outro. que busca colher. De resto também no nosso texto é reconhecida a diversidade das ‘contradições de princípios”’ (ENGISCH. Karl. Norberto. o autor explica a distinção entre “oposição” e “contradição”. no texto). 2. que encontram o seu equilíbrio na legítima. encontrar um compromisso. Como exemplo.    Engisch tem conhecimento da reprovação de Canaris e responde: “A questão de saber se no caso concreto surge uma ‘contraposição’ [traduzido como ‘oposição’ na outra obra] ou uma ‘contradição’. como Engisch resolve o problema da existência das contradições de princípios he- terogêneos? “Não é possível uma resposta unitária a esta questão” (ENGISCH. pelo qual se destine a cada princípio um determinado âmbito de aplicação. infra. e eles precisam. 1996. por isso. 206. para a sua realização. “no entanto. em 1949. nota 14). comparando normas aparentemente diversas entre si. 159). contudo. eles ostentam o seu sentido próprio apenas numa combi- nação de complementação e restrição recíprocas. mas antes ‘ajustados’ através de uma solução ‘intermédia’. criticando Engisch. da mútua limitação dos princípios. se se preferir. Trata-se. antes incluindo nela (em parte) também as autênticas contradições (no sentido da terminologia utilizada no texto). aquilo a que comumente se chama o espírito do sistema” (BOBBIO. sendo possível. p. Dignidade da Pessoa Humana  19 Dificuldades são encontradas para tal intento.    Adiante. mas sim como uma oposição. sendo assim. p. se não for possível compatibilizá-los. afinal. eles não têm a pretensão da exclusividade. porque Canaris afirma que Engisch não quer uma “desarmonia” (contradição) de princípios. p. que teriam deixado de vigorar mesmo sem um ato especial de revogação: “Wengler. de uma concretização através de subprincípios e valores singulares. recorde-se a tendência divergente entre o princípio da liberdade de testar e o da protecção da família. como diz Engisch. formulados pelo intérprete. Ele usa do escólio de Wengler para indicar uma solução. e porque o tratamento jurídico de ambos os fenômenos é diferente. pela qual a sua oponibilidade interna se ‘resolva’ num compromisso. contrárias ao renovado pensamento jurídico humanitário e próprio do Estado de Direito. deve ser eliminado. com conteúdo material próprio” (Pen- samento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Karl. considera utilizável uma fórmula deste tipo: ‘certas . nota 16). segundo Claus-Wilhelm Canaris: “os princípios não valem sem excepção e podem entrar entre si em oposição ou em contradição. principalmente porque se pode deparar com uma “contradição” e. optar pela existência de uma “oposição” ou “contraposição”. quando este estudou as regras jurídicas do “Terceiro Reich”. 321). Teoria do ordenamento jurídico. ed. ser seguido (cf. no duplo sentido da palavra” (Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. tomados em cada um. então. utilizando-se da interpretação criativa do direito para não haver “quebra no sistema”.     A sustentação não fica sem uma tréplica. com frequência. Introdução e tradução de Antonio Menezes Cordeiro. eles não devem. sempre que. 88). de modo algum. Deve-se. acima elabo- rada. p. o qual admite a coexistência de princípios contraditórios: “pertence à essência dos princípios gerais de Direito que eles entrem. p.    Mas. ou. Introdução ao pensamento jurídico. enquanto as oposições de princípios aqui em causa pertencem necessariamente à essência de uma ordem jurídica e só a esta dão o seu pleno sentido. p. também por isso se recomenda uma clara delimitação terminológica” (Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Pois uma contradição é sempre algo que não deveria existir e que por isso. ele não limita essa reserva às oposições de princípios. nem sempre será de resposta fácil. 18   Os princípios gerais do direito têm quatro características. Curso de direito constitucional. CEJ. 255. 1998. Pietro. 21-32. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Maria Celina B. nº 16. Ricardo Luis. Agrário e Empresarial. p. 1999 e TEPEDINO. 748-755. cf. interpretando estas de conformidade com aquela” (ENGISCH. cujas diferenças foram lembradas por Carlos Alberto da Mota Pinto. Tradução de José Lamego. Acesso em: 1º jan. p. Disponível em: <http://www2. Revista do Advogado – novo Código Civil – aspectos relevantes. fls. Karl. como método exegético (ENGISCH. por todos. Por isso. Introdução ao pensamento jurídico. em particular para as relações de direito de família. Moraes. O direito privado e suas atuais fronteiras. Fundamentos de direito privado. especificamente. 2004. Coimbra: Coimbra.br/~direito/ publicacoes/publicacoes/diversos/tepedino. 19   “Esta é a realidade em que vivemos: uma ordem jurídica constitucional que avocou para as relações de Direito Privado. Constituição e direito civil: tendências. In: Estudos e pareceres de direito privado. LARENZ. Ele é a razão de ser do Direito. p. v. 1991. 114). 52. RT. JUNQUEIRA DE AZEVEDO. 19-30. alguns preferem a permanência da distinção e interpretá-los “conforme a cons- tituição”. 2002. 52-55). diante do qual os outros são submetidos à exegese e à apli- cação. p. out. ou uma tábua de salvação para a complementação de interpretações possíveis de normas postas. Nessa visão. 15. 1997. RT. institucionais. LOTUFO.” E conclui: “Uma forma menos ampla de adaptação do antigo Direito à nova situação jurídica global seria a já acima (p. São Paulo: Revista dos Tribunais. 3. 1998. jan. 2002). ed. Da oportunidade da codificação civil. Rio de Janeiro: Renovar. Em toda abordagem jurídica o intérprete invoca o princípio da dignidade do homem e os seus des- dobramentos em todo o sistema jurídico. Tradu- ção de Maria Cristina de Cicco. reimp. Rio de Janeiro.uefj. na medida em que também o ‘complemente’ ou ‘desenvolva’ com vista a harmonizá- -lo. p. Paulo. o enfoque constitucional civil não é adotado. 1-17. Karl. p. p. 65. dez. Mas esse princípio não é apenas uma arma de argumen- tação. Brasília. Gustavo José Mendes. São Paulo. LOTUFO. ou seja. no Brasil. p. 480 e BONAVIDES. 1993. Aquilo que não for conciliável com estes pensamentos ou ideias fundamentais não terá aplicação. v. não existiria. Revista de Direito Civil. O pioneirismo de Clóvis Beviláqua quanto ao direito civil constitucional. v. eleger a dignidade da pessoa humana como “princípio prevalente”. 323). 2002. p. cf. 747. Acesso em: 30 jun.20  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Mais prudente seria. 147-148. Metodologia da ciência do direito. 5. p.    Mesma opinião tem Rosa Maria de Andrade Nery: “O tema é dos mais debatidos e estudados. Todavia. ed. São Paulo./mar. Antonio. 3. nº 68. de fenômeno inverso. Revista on-line da PUC do Rio de Janeiro. 60. Não se pode olvidar. Renan./set. Karl. 768. São Paulo: Saraiva. ainda. 147) referida ‘interpretação conforme a Constituição’. a dignidade da pes- soa humana como valor central. talvez. como sustentado. 2002. v. 3. A caminho de um direito civil constitucional. .html>. 1997 e LORENZETTI. p. jul. Renan. a dicoto- mia entre direito público e direito privado. da privativação do direito público (GIORGIANNI. Moraes. 24-28. por assim dizer. Gustavo. 2004. ed.19 tampouco o que assenta a primazia da dignidade da pessoa humana no âmbito ideias político-jurídicas fundamentais pelas quais o legislador hoje presumivelmente se deixaria em absoluto conduzir se houvesse de regular a questão. Imobiliário. O direito pós-moderno e a codificação. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. quanto ao seu conteúdo. 480. Associação dos Advogados de São Paulo. São Paulo. p. com os princípios da Constituição agora vigente e com os princípios das novas leis. Ele se bastaria sozinho para estruturar o sistema jurídico” (Noções preliminares de direito civil. 2004. p. em Teoria geral do direito civil. jan. 12. Introdução ao pensamento jurídico. se sobrepor na escolha de princípios ou nas novas técnicas legislativas” (TEPEDINO. de. p. Relações de consumo e a nova teoria contratual. da “constitucionalização do direito civil”. Sobre o direito civil constitucio- nal. 473-480). ano 17. Crítica a essa tendência. se houvesse de fornecer o critério de valoração da legislação nacional-socialista’. Sobre o estudo realizado da matéria. Maria Celina B de. Michele. PERLINGIERI. 2006. superando todos os outros interesses patrimoniais. Clonagem: pessoa e família nas relações do direito civil. São Paulo: Malheiros. São Paulo: RT. ed. matrimoniais ou ideológicos que pudessem. na língua grega. 2. M. Portanto. 1989. 1977. pode-se conceituá- -la de forma simples. Ela não deve ser esquecida e deixada em segundo plano. Dignidade da Pessoa Humana  21 do direito privado. que compõem a humanidade” (HORKHEIMER. O “brilho” maior será da norma que concretizar os direitos humanos. para se evi- tar retrocessos indevidos. o qual vive em seu âmago. foi obtida. 10. 308). Antonio. e ampl.    Sobre o estudo de A política de Aristóteles. tais como as existentes sob a égide da ética. em muitas ações.    A convivência em sociedade é primordial. Theodor W. 17). justamente. negócio jurídico e ideologia. p. pelo menos primárias. In: Estudos em homenagem ao professor Silvio Rodrigues. para não polemizar. pólis é. Aristote. principal- mente os privados. Apud ARISTÓTELES. Cláudia Lima Marques escreve que deve existir um “diálogo com as fontes”. Max. 2002. mas todas as leis envolvidas par- ticiparão da solução concorrente. Cláudia Lima. 519. porque a satisfação das necessi- dades. das normas em conflito sob a luz da Constituição. p. soluções momentâneas. étude sur la politique. 466-467. rev. para a perfeita caracterização do direito civil nacional. que é a aplicação simultânea. O valor “dignidade da pessoa humana” é crucial hodiernamente. A política. Paris. pois um Estado sem cidade é um organismo sem músculo cardíaco (DEFOURNY. uma expressão geográfica e uma expressão política: a palavra designa indiferente- mente tanto o lugar onde bate o coração da Cidade (Cité) como a população submetida à mesma soberania absoluta. p.21 Se as pessoas possuem uma vida digna. p. Nota-se. Sociologia e sociedade: leituras de introdução à sociologia. a importância da dignidade do ser humano.20 Se realizada a concretização. 4. M. p. face ao noticiado na imprensa: abandono de crianças na 20   MARQUES. e vem sendo explicada diferentemente por diversos autores (JUNQUEIRA DE AZEVEDO. da continuidade das leis no sistema –. de efeito útil para todas as leis envolvidas. “conflito de normas”. deve ser lembra- da. São Paulo: Saraiva. ed. mais amplo que a cidade. Ao comentar o “conflito de leis” – em verdade. de fato. a tendência é amenizar os conflitos. Tradução de Roberto Leal Ferreira. Ao contrário. continuando-se a aplicar ambas as leis (à exceção das normas confli- tantes) a um mesmo caso concreto. Compilação de texto de Marialice Mencarini Foracchi e José Souza Martins. esquecendo-se dos efeitos vindouros. bioética e biodireito. Ciência do direito. como: “o conjunto de homens com grupos de diversas dimensões e significados. incluindo mais de 1. só se funda no momento em que a própria cidade é estabelecida. tir. nitidamente. atual. Defourny diz que. 1998. Mas o Estado (Cité). ao mesmo tempo. porque. ed. sob pena de se ter apenas casuísmos. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 18-19). São Paulo: Martins Fontes. de modo a atingir o efeito social (e constitucional) esperado. O fenômeno geográfico e o fenômeno político caminham lado a lado. compatibilizadora. a contradição existente é apenas entre algumas disposições (normas) dessas leis. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Edi- tora. porém. ADORNO. e a regra é. essencial ao ser humano. melhor não desprezar outros princípios. . 21   Muitas ciências estudam a sociedade de maneira direta ou indireta.000 decisões jurisprudenciais.. 1932. São Paulo: Revista dos Tribunais. mas com eficácias (brilhos) diferenciadas a cada uma das normas em colisão. nota 3. tem-se a convivência harmônica na sociedade.. 3-6). ao seu lado.22 Até esse momento. 23   O novo Código – cuja vacatio legis findou em 11. especifi- 25 camente. p. todavia. fruto da fertilização de um óvulo pelo espermatozoide.23 não há personalidade civil. 3º. o presidente da República. 2º do novo Código Civil. nº 16. pois a Constituição tem por objetivo “erradi- car a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. jan.071/17. o direito civil.24 os seus direitos. ou seja. vida humana e implicações jurídico-morais.1 Nascituro e embrião 2. José Car- los. A codificação.25   CHINELATO E ALMEIDA. António Manuel. Direitos de personalidade do nascituro.1. São Paulo: Revista dos Tribunais.1. p. porém a lei põe a salvo. genericamente. 1º. como já se fez na França quando da vigência do Código Civil de 1804. que o exerce por meio de representantes eleitos. 1998. inc. 2. 51). O mais discutível é saber em que momento começa a proteção pretendida. os pobres e os ricos. idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. conforme Judith Martins-Costa. no útero ou nas trompas de Falópio da mulher. Luís Inácio Lula da Silva – sucedeu o Código Civil idealizado por Clóvis Beviláqua (MOREIRA ALVES. hoje. nº 38. 2. nos termos desta Constituição”). O recente diploma legal manteve a redação anterior do art. O método era natural e. desde a concepção. A boa- -fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. 374 da Medida Provisória editada em 9. cor.2003 com a supressão apenas do art. A parte geral do projeto de Código Civil brasileiro: subsídios históricos para o novo Código Civil brasileiro. falta de assistência médica. temas de políticas públicas. III). conforme o art. teria o condão de dar segurança jurídica e afastar o “não direito” (MARTINS-COSTA.01. raça. ou diretamente. em que se esperava codificar tudo para além daquela época (HESPANHA. tendem à reflexão na bioética e no biodireito.   Quando da elaboração do Código Civil de 1916. ausência de ensino. 3º. Panorama histórico da cultura jurídica europeia. sem preconceito de origem.2003 por sua excelência.2. sexo. São Paulo.22  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba rua. p. “todos”. IV). 2.1 Nascituro O nascituro é aquele que ainda vai nascer. 1992.2. o que mudou foi apenas o método. parágrafo único: “Todo o poder emana do povo. por via direta ou indireta. 1999. após a nidação. 21-30. dez. 168). instala- ção do ovo. Brasília. enfim. Revista do 22 Advogado. ed. o método artificial (Clonagem. CEJ. p. p. 24   Moreira Alves explica que o conceito de concepção é exatamente o mesmo. . reverenciava-se o direito privado e. Judith. temos. inc. 2002. Com o nascimento? Antes dele? Tais questionamentos serão abordados a seguir./mar. 2003. 21. ed. quem é a “pessoa humana” a ser digna: o povo (art. São Paulo: Saraiva. 516). Silmara Juny A. p. Portugal: Publicações Europa-América. 2. 4º da Lei nº 3.2 O titular da dignidade A Constituição brasileira indica.   ALVES. 1. . Rio de Janeiro: Forense. José Carlos. Mário Luiz. 65). p. quando fossem previsíveis alterações sucessivas para adaptações da lei à experiência social e econômica. Novo Código Civil confrontado com o Código Civil de 1916. esclarece-se a manu- tenção do texto passado. Tribuna do Direito. Mário Luiz. Barcelona: Bosch Casa Editoral. Mário Luiz. 65. Direito romano. 2º). nº 122. são reco- nhecidos alguns direitos a serem atribuídos ao nascituro. DELGADO. com referência ao que foi dito por Miguel Reale. 64. Mesmo porque transcendem o campo do Direito Civil”. a redação aprovada pelo Senado. Tampouco sua existên- cia retroage ao momento da concepção. atinente aos ‘direitos do nascituro. do Código Civil [Lei nº 10. O feto. não oferece resposta para indagações mais complexas. Em Roma. 72 (tradução livre). No Brasil. que deve ser objeto de um estatuto próprio”29 – resultado da votação: aprovado por maioria. p. 2º. no ventre de sua mãe. Dignidade da Pessoa Humana  23 No parecer do relator-geral do Projeto. 92. v. repetindo o Código de 1916. Jones Fi- gueirêdo. alguns enunciados foram elaborados pelos seus participantes. em virtude de muta- ções sociais em curso. Jones Figueirêdo. Jones Figueirêdo. uma pessoa começava a existir com seu nascimento. DELGADO. Dessa forma. São Paulo: Método. no brilhante artigo Clonagem. que. 1960. Fritz.30   ALVES. 2002. Jones Figueirêdo. e entre eles tem-se que: “sem prejuízo dos direitos da personalidade. ano XIV. como observou a Professora e Deputada Sandra Starling. Ocorre. ed. p. 1998. 29   Associação Paulista dos Magistrados. ou na dependência de mais claras colocações doutrinárias ou. Tradução da edição inglesa por José Santa Cruz Tei- 30 geiro. 2002. 12. 11. Novo Código Civil confrontado com o Código 27 Civil de 1916. Novo Código Civil confrontado com o Código 26 Civil de 1916. São Paulo: Método. São Paulo. edição de setembro. não pode ser considerado uma pessoa. a forma como ficaram redigidos alguns dispositivos talvez traga dificuldades ao disciplinamento dessas questões pela legislação específica.603). Novo Código Civil confrontado com o Código Civil de 1916.27 Entretanto. Ricardo Fiuza. Mário Luiz. DELGADO. De fato.28 Na “Jornada de Direito Civil”.   SCHULZ. realizada em Brasília. não é sede adequada para ques- tões emergentes da reprodução humana. p.    “Por exemplo. a vida do ser humano não mais se inicia apenas pelo contato do espermatozoide com o óvu- lo no útero da mulher. 28   ALVES. deixando à legislação extravagante a discipli- na de questões ainda objeto de fortes dúvidas e contrastes. quando o embrião humano é gerado em proveta” (ALVES. ‘desde a Concepção’ (art. 1. o art. Bebês de Proveta e o Código Civil. cf. em si. DELGADO. o projeto reconhece a inseminação artificial (art.406/2002]. “no- vidades como o filho de proveta só podem ser objeto de leis especiais. “neste final de século. nele assegurados. Derecho romano clássico. p. desde a concepção’. porém. ainda. quando se trata de reprodução. Mas essa formulação. põe a salvo os di- reitos do nascituro. p. proposição de nº 2.26 A atitude da comissão de elaboração do anteprojeto agiu com acerto ao não dar guarida no Código senão aos institutos e soluções normativas já dotadas de certa sedimentação e estabilidade. de 11 a 13 de setembro de 2002. MOREIRA ALVES. outra é a sede de regulamentação. Decretos. para reforçar seu entendimento. Livro 4. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. São Paulo: José Bushastsky: Edusp. 1º. como consequência. que lhe pertencerem em razão da criança. Clóvis. Livro 3.   Ordenações são compilações de leis portuguesas que vigoraram de 1446 a 1867. Clóvis Beviláqua afirmou que seria mais lógico o início da personalidade remontar à concepção. Direito civil – parte geral. O art. 145. p.dji. segundo a qual a aquisição da personalidade opera-se a par- tir do nascimento com vida. Teixeira de Freitas. 3. 1. p. Nesta obra. e depois lhe sobreveio.    No texto. em seu Esboço. ou mai ao tempo do testamento não tinha filho legítimo. o início da personalidade passaria a ter como marco o nascimento e a viabilidade. v. com a vigência do Decreto nº 181. Clóvis Beviláqua refere-se a dois livros das últimas Ordenações Filipinas e correspon- dentes títulos e parágrafos: Livro 3. 1. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. de 1º. 7). 1972. adotada a teoria natalista. é razoável o entendimento de que o nascituro tem 31   RODRIGUES. Leis. e antes de seu nascimento elas podem adquirir alguns direitos. que tem no ventre” (correspondente ao escrito nas Ordenações Manuelinas.1. como se já estivessem nascidas. para ele. 2003.htm>. ele faz refe- rência expressa às Ordenações. Título 82. a personalidade se adquiria desde a concepção. 33. Lições de direito civil: parte geral. p.br/dicionario/ordenações. 39. eram adeptos da teoria concepcionista. e ao Direito Civil de Carlos de Carvalho. Título 28. sentenciou: “Ficam revogadas as Ordenações. 7: “E podera ouvir e julgar sobre demanda que faça alguma mulher que ficasse prenhe. 34   CHAVES. 1. Silvio. 5). Antônio. Clóvis Beviláqua. Alvarás. que.807. Belo Horizonte/São Pau- lo/Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo. p.071. até ser apro- vado o primeiro Código Civil de Portugal. tinha escrito a regra do art. ou o tinha. assi o testamento. da do novo Código. 12. 5: “Ontrosi. 36. e he vivo ao tempo da morte do pai. art. São Paulo: Saraiva. com. ed. que.31 Em comentários ao antigo Código. Título 18.”   Houve três Ordenações portuguesas. todavia. ed. 1. Clóvis. se o pai. v.1916). v. de 24 de janeiro de 1890. adotava-se doutrina diferente do então Códi- go Civil e. foram mantidas até 1916. No Brasil. 2007.32 No decorrer de suas ponderações. que a mettam em posse de alguns bens. Ordenações Manuelinas (1521-1603) e Ordenações Filipinas (1603-1867). quando se deu a promulgação do nosso Código Civil (Lei nº 3. 3º do referido texto dispunha que: “a persona- lidade começa com a concepção sob a condição de nascer com vida”. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho asseveram que. art.”34 Percebe-se que os juristas mencionados. como os legados nelle conteudos são nenhuns e de ne- nhum vigor” (correspondente ao escrito nas Ordenações Manuelinas. aduziu: “Parece mais lógico afirmar francamente a personalidade do nascituro. Usos e Costumes concernen- tes a matérias de direito civil reguladas neste Código. 172. p. 33   BEVILÁQUA. Resoluções.”33 O entendimento também era acolhido por Teixeira de Freitas. 1959. 32   BEVILÁQUA. 143. e não era disso sabedor. na seguinte ordem cronológica: Ordenações Afonsinas (1446-1521). Disponível em: <www.24  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba No Projeto de Clóvis Beviláqua. no art. Livro 4. Título 70. . 221: “Desde a concepção no ventre materno começa a existência visível das pessoas. Acesso: 12 fev. ou mai. entre outros. à Consolidação de Teixeira de Freitas. 36 Por fim. Novo curso de direito civil. 238. Pablo Stolze. Não há nação que se preze não re- conhecendo a necessidade de proteger os direitos deste. 1989. PAMPLONA FILHO. Rodolfo. asseverou que a palavra filho. O vocábulo ‘filho’. Pablo Stolze. influenciada pelo direito francês. 39-53). p. com sua inci- dência. Pablo Stolze. ENTREGA DE FILHO MEDIANTE PAGA OU RECOMPENSA. p. reconhece-se sua capacidade e. tem proteção legal de seus direitos desde a concepção. 38   GAGLIANO.). Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO.39 A legislação dos povos civilizados é a primeira a desmentir que o nascituro não tem condição de pessoa. Rodolfo. Atualizado por Vilson Ro- drigues Alves. Campinas: Bookseller. art. 2. reconheceu a condição de “sujeito de direito” do nascituro para fins do art. C. 93. abrange tanto os nascidos como os nascituros. 93. conforme Maria Helena Diniz. Pablo Stolze. O direito de família e a Constituição de 1988. Rodolfo.38 e. inclui os nascituros. 40   GAGLIANO. Novo curso de direito civil. Chinelato e Almeida. PAMPLONA FILHO. Novo curso de direito civil. p. 39   GAGLIANO. CRIME DE IM- PRENSA. PAMPLONA FILHO. In: BITTAR.35 Outros estudiosos filiam-se à teo- ria da personalidade condicional. ninguém discute que tenha direito à vida. até mesmo na China. Há os que são adeptos da teoria concepcionista. O pen- samento é de Silmara Juny A. Dignidade da Pessoa Humana  25 mera expectativa de vida. Novo curso de direito civil (abrangendo o 35 Código de 1916 e o novo Código Civil). 92. Ao se atribuírem direitos ao nascituro. 36   GAGLIANO. 2000. uma vez que os direitos patrimoniais estariam sujeitos ao nascimento com vida (condição suspensiva). v. PAMPLONA FILHO.37 Os autores concluem que a maior parte da doutrina segue a teoria natalis- ta. o douto relator. p. sendo muito comum reconhecer ao nascituro mera expectativa de direito. Novo curso de direito civil. ed. empregado no tipo penal do art. 238 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Ementa – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. sendo projeto (O nascituro no Código Civil e no nosso direito consti- tuendo projeto de Código Civil e a nova Constituição Federal). p. 92. p.   GAGLIANO. 223. Pablo Stolze. 37   Apud GAGLIANO. . p. reconhece-se sua personalidade. 4.069/90. a ap- tidão é apenas para a titularidade de direitos da personalidade (sem conteúdo patrimonial). p. o que não é determinado é o sujeito do direito. a exemplo do direito à vida ou a uma gestação saudável. lá usada. 2003. analisando norma do Estatuto da Criança e do Adolescente. F. Carlos Alberto (Coord. embora ele não seja pessoa. O direito não é futuro e não é pre- ciso pensar em sujeito parcial de direito. e não mera expectativa. com base no ensinamento de Pontes de Miranda. 238 da Lei 8. I. 91-92. 92. Tratado de direito privado: parte geral. ed. Posto que não seja pessoa.41 O Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Novo curso de direito civil. PAMPLONA FILHO. São Paulo: Saraiva. Rodolfo. Rodolfo.40 Pontes de Miranda já alertava sobre a condição de “ser humano” do nascituro. 41   PONTES DE MIRANDA. Rodolfo. t. São Paulo: Saraiva. I. que já defendia tal ideia quando o novo Código Civil estava em elaboração. pois não é pessoa. 9.11. de retroação da indenização à data da morte da vítima. e RT. relator o Ministro Assis Toledo. TJRS.02. 525). Em outra oportunidade: “Com o nascimento. Gustavo. 26. relator o desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos. adquirindo-se a personalidade. p. mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum”. com vida. porém. já se decidiu pela necessidade de se indenizar porque ocorreu erro médico no acompanhamento de gravidez. Apelação Cível nº 1999. 28. 17.1999.4. 803. p.11. Apelação Cível nº 195123112.5. v. 8 e 10. sem endereço certo. e 27). violan- do-se a integridade física do nascituro: “Age com culpa o médico que não procede ao devido acompanhamento de paciente que se encontra em trabalho de parto. . Lei nº 8. 66.1995.1999. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República (parte geral e obrigações – artigos 1º a 420). p. Maria Celina Bodin de. p. j. 4ª Turma.1984. j. j. a proposta genérica. da lavra do ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. 2004. por ser direito personalíssimo. Apelação Cível nº 70000134635. V. 1ª CC. 7ª CC. relatora a desembargadora Maria Berenice Dias. Recurso Especial não conhecido” (Recurso Especial nº 48. de o nascituro reque- rer o dano moral. 716. de 15.4.01187. 161. RJTJRS 04/418. pondo a lei a salvo os direitos do nascituro. e TJRS. que não preenche os elementos essenciais do tipo em exame. v.42 No Tribunal de Justiça de Minas Gerais. relator Athos Gusmão Carneiro. aplicando-lhe medi- 42   TEPEDINO. vide TJRJ. conforme preceitua o Estatuto da Criança e do Adolescente. 395. São Paulo.587. 26.1995).1995. 5ª Turma. p.001. 25. 232. 8ª CC TA. Apelação Cível nº 583052204.119-8 – RS (94/14018-5). p. Recurso Especial nº 399. Rio de Janeiro: Renovar. v.069/90 (arts. 193. já concebido quando da ocasião do evento” (TJRS. em outra oportunidade. 20. parágrafo único. Prestigiou-se a legitimidade. 25.2002. é ato unilateral imperfeito. MORAES. e RT. Heloisa Helena. pu- blicado no DJ em 17. ocorre a aquisição de direitos pela pessoa. Possibilidade. v. Acórdão publicado no DJ. 1. Aceitando a possibilidade de o nascituro ajuizar a ação investigatória de paternidade. RSTJ.26  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Todavia. sem maiores consequências. p. v. j. BARBOZA. 24.028. relator o desembargador Luiz Roldão de Freitas Gomes.4.2002. RDTJRJ. restrito no que se refere ao valor por não ter conhecido o pai falecido. 7ª CC.03. sem vínculo de qualquer natureza entre a promitente e terceira pessoa que se proponha a realizar a condição. de cuja ementa se extrai: “II – o nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai. v. ed.416-3. 1986.2005). não é pessoa. principalmente do ponto de vista 43 prático (arts. I.43 Vicente Ráo pontificou que a proteção conferida ao nascituro não lhe atribui personalidade jurídica. O direito e a vida dos direitos. 160. preleciona que. publicado em 5. Direito civil: parte geral. 22.45 Sílvio de Salvo Venosa. Atualizado por Ana Cristi- 48 na de Barros Monteiro França Pinto. 46   VENOSA. 1-42).   SANTOS. J. ed.44 Silvio Rodrigues ensina que o nascituro não tem personalidade. São Paulo: Atlas. 1. . 14. 3. situação que só com o nascituro se aperfeiçoa. Silvio. preservam-se os seus interesses para o futuro. na égide do Código Civil de 1916. A doutrina da per- sonalidade jurídica do nascituro não é. 39. há uma expectativa de vida humana. 160. pois esta advém apenas com a vida. Também não é a que conclui pelo reconhecimento de direitos sem sujeito. Direito civil: parte geral. indica a situação ou o fato em virtude dos quais certas ações podem ser propostas. para o feto. re- troativamente. Escrevia João Manuel de Carvalho Santos. Todavia.48 Caio Mário da Silva Pereira é totalmente desfavorável a conceder direitos ao nascituro. Curso de direito civil: parte geral. 1.2005. não é um ser dotado de personalida- de jurídica. 2. então.   MONTEIRO. exata. e. Ele virá a tê- -la com seu nascimento com vida. M. os efeitos de determinados atos futuros. anotada e atualizada por Ovídio Rocha Barros Sandoval. pois ele ainda não é uma pessoa.8. uma pessoa se formando. pois. Vicente. 603. Sílvio de Salvo. ed.6. p. Código Civil brasileiro interpretado. p. 66. ou. equivale a uma situação jurídica de expectativa. p. Direito civil. 45   RODRIGUES. São Paulo: Saraiva. criticando o fato de o legislador do novo Código não ter enfrentado questões modernas no campo da medicina e na ge- nética. 246. 2003.46 É apenas uma expectativa de direito. O nascituro não tem personalidade jurídica. 1. com amparo jurisprudencial. v.47 Washington de Barros Monteiro. rev. ed. deve salvaguardar-lhe os eventuais direitos. nota 2. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. Sílvio de Salvo. relator o desembargador Sebastião Pereira de Souza. p. 36. v. j. a lei não pode ignorá-lo. Os direitos que se lhe reconhecem permanecem em estado potencial. seja qual for a conceituação dada ao nascituro. 2002. p. por causa disso. ou ao qual se reportam. 1991. p. v. tem a mesma linha de pensamento. de Carvalho. Não há que se falar em reconhecimento de personalidade ao nascituro nem se admitir que antes do nascimento ele seja sujeito de direito. 44   RÁO. portanto. que o nascituro não é nada mais que “víscera da mãe”. Washington de Barros. como é provável que venha ao mundo vivo. 47   VENOSA. dessa forma. São Paulo: Revista dos Tribunais. Dignidade da Pessoa Humana  27 camentos que colocam em risco a saúde do NASCITURO” (Apelação Cí- vel nº 458. Silvio Rodrigues. não os equiparando em tudo ao já nascido” (DJ. retroage ao momento de sua concepção. pois “ocorria mera expectativa de direito. para cuja consti- tuição dever-se-á aguardar o fato do nascimento e a aquisição da personalidade. a sua existência. 82. se ele nascer vivo. não cabe indagar de que maneira se processa a concepção: se por via de relações sexuais normais.2000. RJTJRS 217/214). confirmando a referida decisão. Minas Gerais. relativas a direitos do nascituro. tal qual se dá com o Código alemão. 16452). p.038. Acórdão proferido no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 256.1999. Vicente Ráo. resumindo-se a hipótese a caso de ilegitimidade ativa e passiva”. Sílvio de Salvo Venosa. Subordinando a personalidade ao nascimento com vida. O Tribunal a quo rejeitou pleito de alimentos provisionais. 2ª Turma. As hipóteses previstas no Código Civil.10. Caio Mário da Silva. antes do nascimento com vida não existe per- sonalidade. mas. 9. se vem à luz como pessoa capaz de direitos. 217-218 e 221. 1. j.2. p. no tocante aos seus interesses. são exaustivas.512. Instituições de direito civil: introdução ao direito civil.1984.1983. não amparada pela legislação.12. 2004. 28. cujo Órgão Julgador. Pelo nosso direito. 20. portanto. João Manuel de Carvalho Santos. Washington de Barros Monteiro e Caio Mário da Silva Pereira aco- lhem a teoria natalista. publicado em 5. Proteção de seu direito. o feto ainda não é uma pessoa. p. tem o préstimo indiscutível da simplicidade. relator o desembargador Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. relator o ministro Carlos Alberto de Menezes Direito. Quando relator do RE nº 99.49 A negativa em reconhecer o vínculo de paternidade foi estampada no V. na verdade proteção de expecta- tiva. Até aí o que há são direitos meramente potenciais. redigiu a seguinte ementa: “Civil. Apelação Cível nº 70002027910.3.28  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Antes do nascimento. Venda feita pelos pais a irmã do nascituro.2001. julgamento datado de 18. ed. Nascituro. . se por inseminação artificial ou se mediante processos técnicos de concepção extra- -uterina (fertilização in vitro). A fórmula do Código Civil. assim se pronunciou o TJRS: “O nascituro goza de personalidade jurídica desde a concepção. Rio de Janeiro: Forense.10. DJ 28. o italiano e o português. que se tornará direito. O nasci- mento com vida diz respeito apenas à capacidade de exercício de alguns direitos patrimoniais” (6ª CC. 49   PEREIRA. 3ª Turma. o ministro Francisco Rezek elaborou voto. teoria geral de direito civil. Adotando a teoria concepcionista. v. Ademais. GONÇALVES. fundamentalmente. p. 13). p. “manipulado”. 357). reforça a colocação de que o nascituro não tem personalidade nem. como terceiro ponto não negativo.   Alguns são ressalvados por Gilberto Haddad. O primeiro ponto positivo é elaborar-se um projeto para cuidar de assunto tão delicado. O respeito que o ser que vai nascer merece não advém do fato de ele ser titular de direitos e contrair deveres e. a eugenia. 51 honra e a identidade (Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre direitos de personalidade. integridade física. colidir algum interesse dele com   JABUR. Dignidade da Pessoa Humana  29 Não se tem uma posição pacífica para dizer se o nascituro possui ou não personalidade jurídica. a integridade física. vê-se que num só diploma in- serem-se noções de biodireito. aquele que não pode. a imagem etc. por si. José 50 Geraldo Brito. e está em trâmite no Congresso Nacional.    Carlos Alberto Bittar não faz distinção alguma entre a concessão de direitos de personalidade à pessoa humana ou ao nascituro (Os direitos de personalidade. VAGNER JÚNIOR. Não importa a condição do nascituro. enfim.51 O Projeto de Lei nº 478/2007 é nomeado “Estatuto do Nascituro”.50 Ou seja. Proíbe-se. saudável ou não. primordial- mente quando. Num quarto momento. . A proposta legislativa. a saúde. tem pon- tos favoráveis e desfavoráveis. é protegida. São Paulo: Revista dos Tribunais. e a inexistência de discrimina- ção. tais como a vida. a liberdade. In: FILOMENO. o respeito. ele deve ser respei- tado. Renato Afonso (Coord. não se pode desacreditar qualquer teoria de plano. por possuir direitos da persona- lidade em sua amplitude. O Código Civil e sua interdisciplinaridade: os reflexos do Código Civil nos demais ramos do Direito. a honra. Breve leitura dos direitos da personalidade. secular. Rio de Janeiro: Forense Universitária. nomeando-o “ser huma- no concebido”. Belo Horizonte: Del Rey. p. em consequência.). pleitear direitos. Atualizado por Eduardo Carlos Bianca Bittar. quinta observação. 2004. A vulnerabilidade. 2004. em última análise. no exercício do poder familiar. Preocupação muito salutar. direito fundamentais são arrolados. tal qual qualquer outra iniciativa legislativa. mas emana do fato de ele representar a “vida humana” em seus primórdios. di- reitos a serem protegidos em sua inteireza. Gilberto Haddad Jabur menciona que os direitos da personalidade são aque- les que aderem à pessoa a partir do primeiro “sopro de vida”. Mas não pode ser tratado de qualquer maneira. 402. Gilberto Haddad. Dessa forma. O segundo destaque é a busca na proteção do ser mais frágil. cuja preocupação vivia no espírito dos romanos. 7. Luiz Guilherme da Costa. por representar vida humana em potencial. a convivência fami- liar. O Ministério Público é chamado a intervir em favor do nascituro. direito civil e direito penal. 2000. a alimentação. a dignidade. procura-se sistematizar o tratamento legal do nascituro. como o nascimento com vida. ed. tampouco. Para a interpretação da possível lei. desde que calcada em substratos concretos. tampouco o homicídio e o latrocínio. De outro lado. os direitos individuais e coletivos. talvez por receio das inovações científicas. diametralmen- te o oposto acontece. O dispositivo. quarta nota. requerendo a nomeação de curador especial. não alguém que tem “natureza humana”. por exemplo. sétima anotação. Código Civil e Lei de Biossegurança. suceder. insere-se “outro meio científico”. não se descuidou em criminalizar condutas ofensivas ao nascituro. levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige e as exigências do bem comum. declarada pelo Supremo Tribunal Federal. verifica-se o intuito de modificar conceitos da área civil e da biossegurança. . é o sexto ponto favorável. Em verdade. bioético. curador especial. nessa sucinta análise de pontos vantajosos. entretanto. Em segundo lugar. respeitabilíssima. para. isto é. e a condição peculiar do nascituro como futura pessoa em desenvolvimento. embora dependa do nascimento para ter personali- dade jurídica. sexto ponto negativo. titular de direitos materiais ou morais. pelo menos deve haver cuidado para evitar contradições de legislações e dubiedades insanáveis. com o Projeto. legal ou ilegal. depois. Criminalizou-se o aborto como crime hediondo. Por último. ou legais. o tráfico não existira mais.30  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba os pais. indeterminados. O mais certo é esclarecer as pessoas em ser prejudicial o aborto. perdeu-se uma oportunidade em conciliar leis já mencionadas. receber doação. Por fim. há também posições não muito aceitáveis. causando mais incertezas que certezas. num projeção para o futuro. um terceiro. denomina-se nascituro o ser humano concebido e não nascido. para. conceitos jurí- dicos. confunde-se a noção de nascituro e embrião pré-implantatório e. Se fosse assim. para possibilitar a cura de doenças com a manutenção de postulados mais tradicionais. essa medida não acabará com essa prática condenável se diferente dos casos legais. chegar-se a um consenso mínimo. proteção. é repetitivo. Essa é a quinta observação a ser feita. se independente. Em primeiro lugar. pelos direitos fundamentais conferidos. não seria incons- titucional um conceito amplíssimo de nascituro? É necessário ter-se cuidado ao se inserir novos diplomas legais no ordenamento jurídico. para que a população não tenha medo de se expor. Ora. Um representante daquela instituição. insere. ele já é um ser humano completo. além disso. com flagrante con- tradição entre os dispositivos do próprio Projeto. terceiro aspecto. se é constitucional o art. terá melhores condições de pro- teger o nascituro. com o avanço da ciência e tecnologia. incluir os seres humanos concebidos “in vitro”. os produzidos através de clonagem ou por ou- tro meio científica e eticamente aceito. qual seria? Seria conveniente desde já legislar sobre o que não se sabe “se” e “de que maneira” será descoberto? A cautela é de suma relevância. 5º da Lei de Biossegurança. p. v. Disponível em: <http://www. p. desde a concepção. ainda. p. São Paulo: Revista dos Tribunais. Dignidade da Pessoa Humana  31 2.2. 1996. PEREIRA E SILVA. 11..2. rev.dirit- to.53 A vida se inicia com a fecundação e a vida viável com a gravidez. out.). é o momen- to da penetração do espermatozóide no óvulo. além da biológica. São Paulo: Saraiva. mesmo fora do corpo da mulher. Reinaldo. nº 78. 90). O direito do embrião humano: mito ou realidade? Revista de Direito 52 Civil.1.406. 2. 9.1. Na vida intrauterina. ad- quirindo personalidade jurídica material apenas se nascer com vida. Eduardo de Oliveira. In: CAMBLER. 113-114. ou mesmo in vitro. e. O mesmo pensamento sobre a necessidade de se proteger o embrião desde a concepção. Os direitos humanos do embrião. 2005. p. concernente aos direitos da personalidade. 53   DINIZ. Everaldo Augusto (Coord. 88. em consequência. posto as ideias colocadas. finalmente.54 Reinaldo Pereira e Silva afirma ser o embrião. Eduardo de Oliveira Leite entende que o embrião. aum. Maria Helena. 55   PEREIRA E SILVA.2 Embrião (“no útero” e “in vitro”) 2. ou nascituro. RT. . própria. de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10. os quais estão em estado potencial.56   LEITE. Ele afirma que a clonagem terapêutica está vedada pela existência de aborto quando se usa tal técnica. consagrados constitucionalmente. devido aos recursos da ciência que permitem a identificação de sua carga genética. possíveis tratamentos e cirurgias intrauterinas. O início legal da consideração jurídica da personalidade. pode ser visto na obra de Renan Lotufo (Curso avançado de direito civil: par- te geral. independente da de sua mãe. também não pactua com a ideia da distinção entre o embrião no útero materno e aquele pré-implantatório. 35. 22-40. 54   DINIZ. incluído na noção jurídica de nascituro. Os direitos humanos do embrião: análise bioé- tica das técnicas de reprodução assistida.. p.it/materiali/civile/poeta. Acesso em: 11 dez. bem como sobre o destino dos embriões excedentários. São Paulo: Saraiva. tem plenos direitos da personalidade. 1999. p. out. ed. Código Civil anotado. no útero ou in vitro. p. possui resguardados. ocasião em que será titular de direitos patrimoniais. ed.52 O embrião. normativamente.html>. Ele é sujeito de direito. os seus direitos.2. 1. tem personalidade jurídica formal.55 Edoardo Poeta. em qualquer fase e conce- bido no corpo humano ou fora dele. ed. passíveis de clonagem. 2006. de 10. deve ser protegido desde a concepção. v. 2003. Cf.01. tornou-se necessário pensar a res- peito do embrião in vitro. se criopreservados (congelados).2002). e atual. Reinaldo. o que viola a dignidade da pessoa humana.1 Personalidade jurídica Com a evolução da reprodução assistida. doados ou utilizados para pesquisa científica e. reconhecendo-se seu caráter de pessoa desde a fecundação. 2. porque a partir dela passa a ter existência e vida orgânica. “ostacolo” per la clonazione terapeutica. 56   Legge sull’aborto. 2002. 768. São Paulo. 89-91. conforme Maria Helena Diniz. na Itália. O estado atual do biodireito. Maria Helena./dez. pessoa. 60   Art. não pode ser desrespeitado. Ele tem vida. Reforça o fato de não padecer de inconstitucionalidade a proposta de mudança da redação do art. não é afastado para outros tipos de situações no plano fático. pode-se. não possuindo. p. não foi alcançado pelo diploma legal. de 4.60 No novo Código Civil. conforme a Lei de Introdução ao Código Civil. 4º daquele diploma legal. o conceito de ‘nascituro’ sempre e ape- nas quando haja gravidez. mar. Antonio. 2º do Decreto-lei nº 4. há de se ressalvar que. eticamente. 2000. Tutela civil do nascituro. na realidade. seja de fecundação in vitro” (CHINELATO E ALMEIDA. 364. o “nascituro” (ovo que sofreu nidação)61 tem direitos assegurados. não a intangibilidade da vida.59 A lei é vigente e de acordo com a Carta Magna. porém. elaborado em laboratório ou clonado. apesar de não ser consi- derado “pessoa”. impondo-se.9. mas é preciso lembrar da seguinte observação: não desacreditar de quais- quer teorias a respeito do nascituro.657. a teoria natalista é acolhida pelo menos segundo al- guns estudiosos.32  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Antonio Junqueira de Azevedo compartilha a ideia de que o embrião pré- -implantatório. sob pena de favorecer o aborto. é uma vida em potencial. O “embrião”. ed.   JUNQUEIRA DE AZEVEDO. não se poderá falar em ‘nascituro’ enquanto o ovo (óvulo fertilizado in vitro) não tiver sido implantado na futura mãe. pré-implantatório. aceitar-se-ia a clonagem terapêutica com a obtenção de embriões clonados para tratamento de doenças neurodegenerativas do próprio sujeito. não fazendo parte do “fluxo vital contínuo da natureza humana”. Silmara Juny A. . 2º do novo Código Civil. p. em consequência. entretanto. não é inconstitucional. A afirmação histórica dos direitos humanos. Pablo Stolze. por isso. posto que não incida sobre a reprodução assistida. se está vigorando.” 61   “Assim. pois. mas. 2º. pesquisá-lo limitadamente. PAMPLONA FILHO. 11). Novo curso de direito civil. 91. 797. v. inicia- -se a gravidez. de pronto. 2002. Fábio Konder. seja ela resultado de fecundação in anima nobile (obtida naturalmente ou por inseminação artificial). ou seja. não plenos. sim.1942: “Não se destinando à vigência temporária. 58   COMPARATO. Rodolfo.58 No entendimento de ambos. 2003.57 Comentando sobre o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Saraiva. na fecundação in vitro. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. E. desde logo. com ligações hauridas na Medicina e na Biologia. 59   GAGLIANO. para nós. Desde a concepção. a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. 57 RT. porque aqui se protege. o menos forte. a concepção não faz que. tenha personalidade jurídica. 3. São Paulo. pela redação do art. é necessária outra legis- lação para modificá-la. a personalidade jurídica inicia-se com o nascimento com vida. Uma vez implantado no útero. e. Outro argumento – que não parece ser obtuso – é o seguinte: o art. p. ou clonado. não podendo ser interrompida. Fábio Konder Compa- rato esclarece que a possibilidade do aborto não ficou totalmente afastada. o embrião no útero ou in vitro. em potencial. São Paulo: Sa- raiva. 20-21. p.   No parecer do relator-geral do Projeto. como o de eticidade. mantendo-se a Parte Geral – conquista preciosa do direito brasileiro. Miguel. sob o risco de se vulgarizar sua existência.    Em outra oportunidade. p. quer patrimoniais. ‘Direito de Empresa’” (REALE. primeiro por Hahneman Guimarães. DELGADO. nota 34 (Série Grandes Temas de Direito Privado)). de Silvio Marcondes. Jones Figueirêdo. Mário Luiz. dada a sua falta de cor- relação com a sociedade contemporânea e as mais significativas conquistas da ciência do direito. p. posteriormente. e. contudo. mas sim do direito das obrigações – de resto.63    “A gravidez começa com a nidação (isto é. entre os quais René Fridy- man quanto à impropriedade da palavra ‘pré-embrião’ pois de embrião já se trata” (CHINELATO E ALMEIDA. Novo Código Civil confrontado com o Código Civil de 1916. Não se pode desrespeitá-lo. Visão geral do novo Código Civil. neste caso. São Paulo: Método. Theóphilo de Azevedo Santos e Nehemias Gueiros. Silmara Juny A.   f) dar nova estrutura ao Código. São Paulo: Método.    c) alteração geral do Código atual no que se refere a certos valores considerados essenciais. Revista de Direito Privado. Revista dos Tribunais. Dignidade da Pessoa Humana  33 quando obtido fora do útero materno. Tutela civil do nascituro. 64). depois. contando com a colaboração. Orozimbo Nonato e Philadelpho de Azevedo. 2002. por sua natureza complexa. Questões controvertidas no novo Código Civil. nº 9. lembrando-se a crítica dos diversos especialistas. v. São Paulo. desde Teixeira de Freitas –. direitos a serem assegurados. não se pode tratá-lo como nascituro ou uma pessoa plena. ALVES. 2002. transferindo-se para a legislação especial aditiva o regramento de questões ainda em processo de estudo ou que. revesti- mento interno do útero). Reforçam este entendimento a diretriz “e” mencionada e adotada por Miguel Reale na sistematização do novo Código Civil62 e o dito por Ricardo Fiuza quando da vigência deste diploma legal. propriamente. “novidades como o filho de proveta só podem ser objeto de leis especiais. quando o ovo se implanta no endométrio. lembra: “A lei poderá distinguir a capacidade do nascituro implantado e do não implantado. a unificação do direito privado. nas duas meritórias tentativas feitas anteriormente por ilustres jurisconsultos. e./mar. 62   Algumas diretrizes foram seguidas para a elaboração do novo Código Civil:    “a) preservação do Código vigente sempre que possível. quer da personalidade. 11). jan. Mário Luiz. 1. Adoção de nascituro e a quarta era dos direitos: razões para se alterar o caput do art. com a proposta de elaboração separada de um Código Civil e de um Código das Obrigações. conforme entendimento já explanado do Professor Waldemar Diniz de Carvalho e do Professor Dr. com o anteprojeto do ‘Código das Obrigações’. p. Silmara Juny A.    d) aproveitamento dos trabalhos de reforma da Lei Civil.    e) firmar a orientação de somente inserir no Código matéria já consolidada ou com relevan- te grau de experiência crítica. que. .    g) não realizar. 11). não só pelos seus méritos intrínsecos. 2004. já uma realidade operacional no País – em virtude do obsoletismo do Código Comercial de 1850 – com a consequente inclusão de mais um Livro na Parte Especial. 370. p. Ricardo Fiuza. esclarece-se a manutenção do texto pas- 63 sado. In: DELGADO. mas também pelo acervo de doutrina e de jurisprudência que em razão dele se constituiu. Mesmo porque transcendem o campo do Direito Civil” (ALVES.621 do novo Código Civil. com referência ao que foi dito por Miguel Reale. Jones Figueirêdo.    b) impossibilidade de nos atermos à mera revisão do Código Beviláqua. Odon Ramos Maranhão” (CHINELATO E ALMEIDA. 1. a exemplo das mais recentes codificações. mas com nova ordenação da matéria. de socialidade e de operabilidade. denomi- nou-se ‘Atividades Negociais’. de início. envolvem problemas e soluções que ultrapassam o Código Civil. por Orlando Gomes e Caio Mário da Silva Pereira. pois. votado no Congresso Nacional. 9º. p. enfatizou que ele não continha vício quanto à constitucionalidade ou juridicidade e.34  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Dessa forma. válido para o enten- dimento de sua condição:64 (a) a corrente concepcionista sustenta que o embrião goza de direitos a partir da concepção. portanto. ocorre em um segundo momento. (b) a chamada teoria genético-desenvolvimentista baseia-se no fato de o ser humano. e mais coerente com os princípios éticos brasileiros. é caracteri- zado como pessoa. ou seja. A posição da autora é diferente de todas as outras construções teóricas: evi- dencia-se a desnecessidade de se recorrer a interpretações extensivas da catego- ria abstrata de pessoa natural ou de seus “desdobramentos”. merecedora de proteção jurídica ao que lhe é fundamental.03.2005 com sete vetos.” O senador Rubens Requião ofereceu substitutivo ao Projeto nº 90/99. em seu art. que. 14. portanto. Jussara Maria Leal de. sendo aquele em que já é possível identificá-lo como único. § 1º. considerada em qualquer fase de seu desenvolvimento como noção pré-normativa e. em cada uma delas. Também não é pre- ciso atribuir personalidade jurídica ao embrião. Em qualquer etapa do desenvolvimento. 65   MEIRELLES. 8-9. é valor. O ensinamento de Jussara Maria Leal de Meirelles. § 2º. a qual indica as teorias a respeito do embrião obtido laboratorialmente. é. A pessoa humana. 2000. características diversas. o legislador pátrio. antes de sua introdução no aparelho reprodutor da mulher receptora. referindo-se à “potencialidade da pessoa” para designar a autonomia embrionária e o estatuto que lhe é próprio. convertido em lei com a sanção do presidente da República em 24. com base em comentários de grupo interdisciplinar de Curitiba. em respeito à dignidade humana. salutar era a redação do Projeto de Lei do Senado nº 90/99. ou seja.65 Ao que parece. O Projeto de Biossegurança. manteve a mesma redação anteriormente comentada. passar por diversas fases. não contém norma de igual redação. porque se pode utilizar o embrião inviável para a pesquisa. . e apesar de ter feito ajustes no Projeto para tornar a proposição mais precisa do ponto de vista médi- co. Rio de Janeiro: Renovar. desde esse momento. p. Jussara Maria Leal de. os direitos assegurados ao nascituro na forma da lei. em parte. ao disciplinar o uso de células-tronco embrionárias. A proteção do embrião. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica. adotou a segunda corrente. no qual se reconhece a necessidade de protegê-lo. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica. apresentando. 64   MEIRELLES. É o que se entende por “origem suces- siva da vida humana”. a vida e a dignidade. no art. 9-16. previa: “Não se aplicam aos embriões originados in vitro. a teoria genético- -desenvolvimentista. individualizado. administrativo e jurídico. no início de seu desenvolvimento. antecede e supera as categorias jurídicas abstratas. (c) a terceira vertente qualifica o embrião como um “ser humano em potencial”. no útero ou elaborado em laboratório. Entende-se que nessa fase. se for efetuada em embriões muito iniciais (very early). no presente. . que começa com a formação do sistema neural. 18º dia. permitido na Dinamarca.68 ele tem vida independente e não pode sofrer qualquer intervenção. pelo fato de não ter uma individualidade própria. p. 31) e na Lei Britânica de 2002 que permite a clonagem terapêutica. p. 161.   SERRÃO. quer em embriões obtidos por clonagem.66 No Brasil. Keith L. surgem os primeiros sinais do desenvol- vimento do encéfalo. Daniel. em sua variação. para investigação ou para eventuais tratamentos de doença. o início da vida autônoma seria com o começo da formação do cérebro. não tem personalidade jurídica. O direito do embrião hu- mano. de 4.. Revisão técnica de Ithamar Vugman. 67   Assim optou-se no Relatório Warnock (LEITE. por via inversa. excedentes das técnicas de reprodução assistida. Rio de Janeiro: Guanabara Kogan. Não se olvide que na lei de transplantes de órgãos. (c) o uso da clonagem terapêutica para investigação sobre o tratamento de doenças graves é eticamente aceitável. 68   MOORE. Fev. com o consentimento dos “pais”. Tra- dução de Ithamar Vugman e Mira de Casrilevitz Engelhardt. em princípio. completado aquele espaço temporal. Eles consideram que tratar doenças graves com células stem é. podem ser usadas logo que (as long as) benefí- cios substantivos are available para tratar doença humana. ilustra quatro posições: (a) os que consideram que o estatuto moral do embrião é tão elevado que as suas células stem não devem ser usadas e o embrião deve ser destruído. O embrião. Trabalho elaborado por solicitação 66 do Ministério da Ciência e do Ensino Superior de Portugal. N. tampouco possui direitos da personalidade. quer pela técnica in vitro. ou seja. ao que parece. o art. a partir do 14º dia da concepção para uns67 ou 18º para outros. Dignidade da Pessoa Humana  35 Mais detalhada é a classificação formulada por Daniel Serrão. Chamado a elaborar trabalho sobre o uso de embriões em investigação científica. logo. (b) as células stem. A opinião desse subgrupo é a de que a investigação de células stem embrionárias deve usar apenas os embriões exce- dentários do processo de fertilização in vitro. como a que é usada na fertilização. por solici- tação do Ministério da Ciência e do Ensino Superior de Portugal. tecidos e outras partes do corpo humano. de permitir a produção de células stem embrionárias. PERSAUD. Embriologia básica.434. O uso desses embriões em investigação é preferível ao uso de células fetais (fetos abortados legalmente. 2003. 3º estabeleceu o momento da morte com a cessação das atividades cerebrais. alguns acham que não há necessidade premente. também se prestigiou a teoria (b). ed.2. Destes.1997. Lei nº 9. presume-se). e manipular embriões para ou- tra finalidade que não seja o desenvolvimento do embrião até o nascituro pode constituir uma erosão dos valores em causa. Nessa fase. Eduardo de Oliveira. quando da vigência da lei. ainda. apenas uma possibilidade teórica. 2000. 5. Uso de embriões em investigação científica. é permitido realizar pesquisa para se obter células-tronco embrionárias a partir de embriões congelados. desde que há mais de três anos ou.   CHORÃO.2. existe um relativismo ético e.pt>. está a pessoa. em termos mais ou menos permissivos.931. Reinaldo. fim em si mesmo. § 1º. de procriação artificial heteróloga. .ul. aí está a alma espiritual. p. Bioética. assim. De acordo com um entendimento ontológico-substancialista. impunha: “O número ideal de oócitos e pré-embriões a serem transferidos para receptora não deve ser superior a quatro. está o indivíduo humano. jun. onde está o indivíduo humano. Os direitos humanos do embrião.71 Dessa maneira. não serão transferidos para o útero materno.73   O novo Código de Ética Médico (Resolução nº 1.2. Os direitos humanos do embrião.69 Mário Emílio Forte Bigotte Chorão defende que a condição ontológica da pessoa não é uma qualidade mensurável. Cada pessoa em concreto é um sujeito único e irrepetível. ou se é pessoa por natureza ou não. de aborto. No caso de procriação medicamente assistida. Reinaldo. Lisboa. o Conselho Federal de Medicina oferece três destinos para o embrião nessa situação: ele pode ser doado para outro casal que tenha problemas de fertilização. tem-se a preocupação com os “embriões que sobram” – aqueles que não são utilizados para a implantação no útero da mulher. 15. 71   Pereira e SILVA. onde está o produto da concepção. 72   Pereira e SILVA. Mário Emílio Forte Bigotte. não só é inviável causar-lhe dano. 73   A Resolução nº 1. em razão do sucesso de tentativa biomédica antecedente. como também se lhe devem dispensar. para se ter uma gravidez completa. de eutanásia ativa e passiva. com uma dignidade incompatível com a sua instrumentalização e coisificação.36  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba 2. 86. é necessária a formação de mais de um embrião. de 17. positivamente. pessoa e direito (para uma recapitulação do 70 estatuto do embrião humano). 2005. Buscando resolver o dilema. cuja probabilidade de ocor- rer é de 18%.2009).358/92 do Conselho Federal de Medicina. nota 46. é preciso colocar mais de um “ovo” no útero.2 Embriões excedentários Uma primeira postura ética é a de que os embriões excedentários não deve- riam existir. a fertilização não deve conduzir sistematicamente à ocorrência de embriões supranumerários”. à sombra de “paradigmas bioéticos”. porque a mulher conseguiu engravi- dar naturalmente e o casal desistiu da saída artificial). no item “6”. p. têm sido justificadas práticas de con- gelamento. ou ser os embriões abandonados em laboratório (por exemplo. 1-15. mesmo com essas e outras ponderações.70 Não obstante. ou usado para terapia genética. Eles podem ser os embriões que. pode ser congelado. parece legítimo enun- ciar que onde está o corpo humano (vivo). p. manipulação experimental e destruição de embriões.9. sinaliza para essa im- 69 possibilidade: “Art. a atenção e os cuidados que merece. O ser embrionário deve ser respeitado como pessoa humana. Disponível em: <http://www.72 Quando se realiza a reprodução assistida. Todavia. 86.1. Dignidade da Pessoa Humana  37 a)  Embriões “doados” A terminologia “doar” embriões não é aceita por alguns autores. Isso porque não se poderia “doar” um “ser vivo”, o que representaria a sua “coisificação”, tal como ocorre em um contrato de doação. Embora feita a ressalva, talvez sendo mais apropriada a terminologia “ado- ção”, atual Resolução nº 2.013/13, tal qual na Resolução nº 1.358/92, usa-se a palavra “doação” ao referir-se ao embrião, ele, e gametas, será “doado” sem cará- com o intuito de não aumentar os riscos já existentes de multiparidade.” A nova Resolução, nume- rada 1957/2010, alterou um pouco essa possibilidade, porque, em seu item “I” (princípios gerais), “6” estabelece: “O número máximo de oócitos e embriões a serem transferidos para a receptora não podem ser superior a quatro. Em relação ao número de embriões a serem transferidos, são feitas as seguintes determinações: a) mulheres com até 35 anos: até dois embriões; b) mulheres entre 36 a 39 anos: até três embriões; c) mulheres com 40 anos ou mais: até quatro embriões.”   A Resolução nº 1.358/1992 proibia a utilização de procedimentos que visassem a redução embrionária (item “7”). Ela ocorre quando se implanta mais de um embrião no útero da mulher e todos vingam, ou seja, todos os embriões dão ensejo a uma gravidez, no sentido jurídico do termo. Para não haver risco à saúde da mãe e do ser gerado, poder-se-ia retirar um ou mais embriões, atitude que encontra resposta nos Estados Unidos da América. Se permitida sua utilização em nosso país gerar-se-iam discussões no âmbito da bioética e na esfera do biodireito muito importan- tes, exemplificativamente: (a) a mulher poderia escolher qual o embrião deve prosseguir com seu desenvolvimento e aquele que será retirado? (b) a atitude não seria equiparada a aborto e, sendo assim, considerada crime? (c) qual dos embriões retirar, o primeiro implantado, o último, ou am- bos? (d) nessa escolha, se ela for entendida como viável, não deveria interferir o pai, se contribuiu com seu material genético para geração do ser ou desejou que nascesse – filiação sócio-afetiva? (e) pode haver a retirada do embrião do útero, mesmo com risco de vida à gestante, acaso ela e o pai da criança não consintam? (f) qual o médico capacitado para realizar a redução embrionária, o que fez a implantação ou outro profissional? (g) deve haver autorização judicial para o proce- dimento de redução embrionária? (h) para qual Juízo, acaso afirmativa a resposta anterior, deve ser endereçado o pedido? (i) se o casal que desejou a reprodução assistida não foi devidamente orientado sobre a possibilidade de multiplicidade de gestações, poderia ajuizar ação de indenização por dano material e dano moral? (j) o casal poderia ser compelido a assinar termo renunciando a possível indenização por dano material ou moral acaso todos os embriões implantados resultassem numa gravidez? (k) se ocorresse “troca” dos embriões implantados, um sendo do casal e os outros três sendo de casal diverso, poderia ocorrer redução embrionária? (l) se a gravidez prosseguisse, com embriões de outro(s) casal(is) quem seriam, efetivamente, os pais da criança? (m) as crianças poderiam ser adotadas pelo casal que contribuiu com seus gametas para sua formação? (n) se o equívoco ocorreu, quem realizou o implante responde civil, ético e penalmente por seu ato? (o) e se vários forem os profissionais envolvidos na reprodução, qual deles responsabilizar, acaso haja resposta afirmativa à questão anterior? p) a relação entre o casal e o(s) a(s) médico(a)(s) é civil, comercial ou consumerista? (q) se a responsabilidade for civil e comercial, pelo que envolve a ati- vidade, ela seria objetiva? (r) se a relação for adjetivada de consumo, como se dará a inversão do ônus da prova? (s) se permitida a redução embrionária, o embrião retirado poderia ser utilizado para outros fins: pesquisa para obtenção de células-tronco embrionárias, por exemplo? (t) se não fosse para se conseguir células pluripotentes, poder-se-ia utilizá-lo para outra finalidade: terapia gênica? A matéria é muito delicada e merece atenção. Essas ponderações subsistem, porquanto a redução embrionária é novamente vedada na nova Resolução (item I, “7”: “Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso e técnicas de RA, é proibida a utilização de procedimentos que visem à redução embrionária”). 38  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba ter lucrativo ou comercial (IV, “1”), ademais, os “doadores” não devem conhecer a identidade dos “receptores” e vice-versa (IV, “2”). b)  Embriões congelados Silmara J. Chinelato e Almeida alerta para a condição de “não nascituros” dos embriões congelados, pois somente após a implantação deles no útero, me- diante a qual se iniciará a gravidez, é que se poderá considerar que ali existe um novo ser, uma pessoa, embora o embrião pré-implantatório deva merecer tutela jurídica como pessoa virtual ou “in fieri”.74 Reinaldo Pereira e Silva defende a necessidade de se reconhecer direitos ao nascituro, entre os quais o direito à vida – logo, a teoria que garante à pessoa que vai nascer personalidade jurídica é a mais apropriada, não podendo haver manipulação de embriões, pois, no atual contexto dos avanços tecnológicos, deve prevalecer a interpretação de que o concepto pré-implantatório, “in vitro” ou “criopreservado”, por sua natureza, é pessoa humana.75 A possibilidade de se congelar embriões para o futuro gera, igualmente, al- guns questionamentos: até que momento pode-se deixar o embrião nessa situa- ção? Pode-se utilizá-lo se um dos cônjuges falece? Para a primeira questão, o Conselho Federal de Medicina Nacional determina que os embriões com mais de cinco (5) anos poderão ser descartados se esta for a vontade dos pacientes, não apenas para as pesquisas de células-tronco, conforme previsto na Lei de Biossegurança (Resolução nº 2.013/13, V, “4”). Na segunda, embora controversa, a solução seria ter a anuência do outro cônjuge, por testamento, ou outro escrito reconhecidamente verdadeiro.76 O tempo em que o embrião ficará congelado é importante atualmente, pois a nova Lei de Biossegurança, Lei nº 11.105, de 24.3.2005, em seu art. 5º, inc. II, permite a utilização, para a pesquisa de células-tronco embrionárias, de embriões congelados há mais de três anos ou, se ao tempo de vigência da lei, foram conge- lados e exceder-se, igualmente, aos três anos. Já se tem pronunciamento jurisprudencial sobre congelamento e descongela- mento de embriões, com problema do material usado: 74   CHINELATO E ALMEIDA, Silmara Juny A. Tutela civil do nascituro, p. 11.   PEREIRA E SILVA, Reinaldo. Introdução ao biodireito: investigações político-jurídicas sobre o 75 estatuto da concepção humana. São Paulo: LTr, 2002, p. 230. 76   Recentemente, a Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu que uma mulher britânica que ficou infértil depois de submetida a um tratamento contra câncer não poderá utilizar seus embriões congelados para ter um bebê sem a concordância de seu ex-noivo. A Corte manteve decisão ante- rior da Alta Corte, segundo a qual o consentimento contínuo tanto do homem quanto da mulher é necessário durante todo o decorrer dos procedimentos de fertilidade (Folha de S.Paulo. São Paulo, quarta-feira, 8.3.2006, p. A21). Dignidade da Pessoa Humana  39 “Prestação de serviços – Reprodução assistida – Contaminação do material utilizado no descongelamento de embriões – Impossibilidade de implanta- ção de parte dos embriões formados – Responsabilidade objetiva da clínica – Legitimidade passiva da comerciante do produto contaminado afastada, por ter sido identificada a fabricante – Indenizações por danos material e moral mantidas – Recurso da Ré provido e parcialmente provido o dos Autores” (Apelação nº 0005475-21.2011.8.26.0302 – 36ª Câmara de Di- reito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador Pedro Baccarat – J. 24.4.2014). Em outro momento, fixou-se valor de indenização pelo descarte de em- briões não autorizado: “DANOS MORAIS – Pleito de indenização pela perda-descarte de pré-em- briões criopreservados em Hospital Público – Descarte ou perda, sem o consentimento do casal, que pretendia ter outro filho, por inseminação in vitro – Documentos e informações técnicas a revelar que a criopreservação realmente aconteceu, mas não de quatro pré-embriões, mas de dois pré- -embriões, uma vez que estavam em estágio de desenvolvimento (blasto- cisto inicial) próprio para o congelamento – Prova testemunhas que não infirmou os documentos apresentados – Valor pleiteado, no entanto, que ora é reduzido a R$ 20.000,00 (vinte mil reais) – Sentença de improce- dência reformada – Recurso parcialmente provido” (Apelação nº 0212660- 67.2008.8.26.0000 – 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justi- ça de São Paulo – Relator Desembargador Antonio Carlos Malheiros – J. 7.8.2012). Denominou-se de obrigação de meio, não de obrigação de resultado, a manu- tenção dos pré-embriões congelados e vivos: “Indenização – Responsabilidade civil – Dano material e moral – Inocor- rência – Morte de cinco pré-embriões – Ausência de nexo de causalidade – Todavia, entre o possível erro e o resultado – Manutenção em congela- mento que não garante sobrevida aos embriões – Obrigação que é de meio e não de resultado – Ausência de ilicitude do comportamento – Verba inde- vida – Ação julgada improcedente – Recurso da ré provido, prejudicado o exame daquele dos autores” (Apelação Cível com Revisão nº 311.214-4/4- 00 – 6ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Relator Desembargador Vito Guglielmi – J. 15.2.2007). c)  Embriões para pesquisa Existe forte resistência ao ato de se “ceder” os embriões para pesquisas, prin- cipalmente por se acreditar que se dispõe da vida de alguém, descaracterizando a 40  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba natureza humana, além dos abusos que podem ser cometidos: tentar a obtenção do ser perfeito, o cruzamento de cargas genéticas (com a de animais, por exem- plo) para favorecer o mercado cosmético. Por causa disso, críticas severas foram feitas ao conceito de “pré-embrião”, elaborado pela Comissão Warnock, para caracterizar o concebido até o 14º dia após a fertilização “in vitro”. A proposição tinha como único fim ideológico ga- rantir experimentações com seres vivos. O conceito de “pré-embrião” deveria ser retirado do vocabulário embriológico, porque não se pode fundamentar objetiva- mente; além disso, sugere equívocos acerca do status do embrião durante as duas primeiras semanas de vida.77 Todavia, é mais razoável concedê-los para a obtenção de um proveito médico para a humanidade, como prevê a Lei de Biossegurança em seu art. 5º, inc. II, que eliminá-los pelo desinteresse do casal por uma outra gravidez ou porque a clínica responsável por sua manutenção não se interessa mais em deixá-los em criopreservação.78 Nos pretórios, conforme se verificou, existe uma tendência a se conferir di- reitos ao nascituro, sendo ainda prematura alguma postura quanto ao embrião, especialmente o pré-implantatório. Quanto a este último assunto, com o progres- so da ciência e o dinamismo da realidade, logo se deverá adotar alguma posição nos diversos Juízos. 2.3 De lege ferenda Por causa da insuficiência da noção de nascituro para a proteção do embrião pré-implantatório, o deputado Ricardo Fiuza, com embasamento no ensinamento de Maria Helena Diniz, propôs nova redação ao art. 2º do novo Código Civil. O Projeto de Lei recebeu o nº 6.960/2002 e foi apresentado em 12.06.2002, aguar- dando deliberação. A norma legal teria a seguinte proposição: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do embrião e os do nascituro.” O embrião, antes de implantado e via- bilizado no ventre da mãe, não pode ser considerado nascituro, mas também é sujeito de direitos.79 77   PEREIRA E SILVA, Reinaldo. Os direitos humanos do embrião, p. 86-87, nota 48.   VELÁZQUEZ, José Luis. Células pluripotenciales y ética. In: Casado, María (Comp.). Estudios 78 de bioética y derecho. Valencia: Tirant lo Blanch, 2000, p. 271. No mesmo sentido: ZATZ, Mayana. Clonagem e células-tronco. Revista de Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, nº 51, 2004, p. 254.   FIUZA, Ricardo. O novo Código Civil e as propostas de aperfeiçoamento. Colaboração de Mário 79 Luiz Delgado Régis. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 32. Dignidade da Pessoa Humana  41 Segundo Maria Helena Diniz, o embrião humano congelado não poderia ser considerado nascituro, embora ele deva ter proteção jurídica como pessoa virtual, com uma carga genética própria. Apesar de a vida se iniciar com a fecundação, e a vida viável com a gravidez – que se dá com a nidação –, na verdade, o início legal da consideração jurídica da personalidade é o momento da penetração do espermatozóide no óvulo, mesmo fora do corpo da mulher. Por isso, a Lei nº 8.974/95, nos arts. 8º, incs. II, III e IV, e 13, veio a reforçar tal ideia e a vedar: (a) manipulação genética de células germinais humanas; (b) intervenção em material genético humano in vivo, salvo para os tratamentos de defeitos genéticos; (c) produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível. A referida lei também considerou tais atos como crimes, punindo-os severamente. Com isso, parece que a razão está com a teoria concepcionista, uma vez que o Código Civil resguarda desde a concepção os direitos do nascituro e, além dis- so, no art. 1.597, inc. IV, presume concebido na constância do casamento o filho havido, a qualquer tempo, quando se tratar de embrião excedente, decorrente de concepção artificial heteróloga.80 Reforçando a ideia da proteção desde a concepção, Maria Helena Diniz enu- mera os arts. 2º, 1.609; 1.779 e parágrafo único; e 1.798 do novo Código Civil. Consagrando o direito à vida, menciona o art. 5º da Constituição Federal e os arts. 124 a 128, incs. I e II, do Código Penal. Há outros direitos: à filiação (arts. 1.596 e 1.597 do nCC); à integridade física, a alimentos (RT, 650/220; RJTJSP, 150/906); a uma adequada assistência pré-natal, a um curador que zele pelos seus interesses em caso de incapacidade de seus genitores, de receber a herança (arts. 1.798 e 1.800, § 3º, do nCC); de ser contemplado por doação (art. 542 do nCC), de ser reconhecido como filho etc.81 Inúmeras têm sido as manifestações desfavoráveis a essa proposta, conforme deixou anotado Ricardo Fiuza, pois, conforme os professores Pierangelo Catalano e Francesco Busnelli, o embrião tem a qualidade de nascituro. Distingue-se um do outro por uma imposição de certa propaganda científica e política antinatalista. Idêntica é a posição de Silmara Juny A. Chinelato e Almeida, que entende ser amplo o conceito de nascituro, não importando o lugar de concepção.82 Por outro lado, outros estudiosos apontam diversos fundamentos para a não modificação. Conforme Marcos Segre, não se pode precisar o instante do início da vida, sendo ela um processo progressivo, que não surge ou se extingue de uma vez só.   Diniz, Maria Helena. Novo Código Civil comentado. In: FIUZA, Ricardo (Coord.). 3. ed. São 80 Paulo: Saraiva, 2004, p. 6. 81   Diniz, Maria Helena. Novo Código Civil comentado, p. 5. 82   FIUZA, Ricardo. O novo Código Civil e as propostas de aperfeiçoamento, p. 32-33. a partir do 14º dia da concepção. Pesquisas com células-tronco: aspectos científicos. porque. São Paulo. Marcos.). Marco A. rudimentarmente. que podem curar males de muitos na sociedade. em lei esparsa. 1995. São Paulo: Edusp. . COVAS. A manutenção do texto ordinário. 5º.. Covas. Zago e Dimas T. p. Nenhum direito da personalidade seria violado. 30 nov. é impossível falar em “início da vida”. p. mas. mesmo porque sua “individualidade” inicia-se. tampouco seria preservado algum valor ético. In: SEMINÁRIO NO INSTITUTO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO. o que se faz é uma utilização “religio- sa” da observação científica. em consonância ao Enunciado das Semanas de Jornadas Jurí- dicas.406/2002. com a vigência da lei. sim. ao contrário. três anos posteriores” para a obtenção de células pluripotentes. parece ser a melhor alternativa. do ponto de vista científico estrito. p. em âmbitos ético. art. Dimas T. A proposta colidiria com a nova Lei de Biossegurança. legal e científico. conforme assinalado. Além disso. constitucional.42  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Quando se usa a ciência para aquele marco. 103. além de imprópria.   SEGRE. a iniciativa. 2º da Lei nº 10. 2004. a “mistura dos DNAs”. Cláudio (Org.83 Não foi outra a explanação de Marco A. existe apenas continuidade. criando uma nova célula viva. 1-20.   ZAGO. repita-se. In: COHEN. Dessa maneira. 83 Bioética. Limites éticos da intervenção sobre o ser humano. tem-se a conformação do sistema nervoso. a sede para a regulamentação de sua condição não está no Novo Código Civil. em seu art. digno. que apenas pode indicar o momento da fecundação. que. pelo menos. permite o uso de “embriões inviáveis” ou de “embriões congelados há mais de três anos ou. 13. éticos e 84 sociais. estar-se-ia pro- curando acautelar quem mais precisa: a pessoa.84 Sua dignidade não seria garantida. Haveria permissão de ordem constitucional para a investigação científica até o 14º dia. com seu “bem-estar”. seria inconsti- tucional. uma vez que todas as formas de criação de embriões combinam material de duas células vivas. dia em que. outros afirmam que o ser gerado tem vida própria. em consequência. Aborto e eutanásia: dilemas contem- porâneos sobre os limites da vida. p. e do mesmo modo que a vida de um filho não depende da vontade arbitrária e egoísta da mãe – mesmo com o beneplácito do pai –. da retirada do ser gerado do útero materno. Rachel Aisengart. Rio de Janeiro. José de Oliveira (Coord. O tema suscita intensa altercação. 2008. 292. sendo.1 Sobre aquela perspectiva. Coimbra: Almedina. in- violável em seus direitos e. o direito não está subjugado à pretensão do legisla- dor – mesmo quando referendada por uma maioria democrática ou retificada por uma jurisdição de fiscalização da constitucionalidade. à vida. principalmente por entender que a mulher tem plena liberdade sobre seu corpo. dentre estes. Igualmente se mostra tormentosa a possibilidade. MENEZES. Henrique Mota assevera: “Do mesmo modo que a vida jamais pode ser degradada ao nível de objecto. . 2   Interrupção voluntária da gravidez. ou não. 81-82. o primordial. 18 (1). Estudos de direi- to da bioética.). aliás. 3 Aborto 3. Revista de Saúde Coletiva. Uns desejam sua liberação. deixando amordaçar a sua vocação essen- cial para proclamar e defender os valores absolutos e para expressar o nível e o progresso civilizacional de cada sociedade. 2005.1 Noção geral Há preocupação no que concerne ao nascituro e ao embrião quanto à titula- ridade da dignidade humana. In: ASCENSÃO. p. de outro lado. também o direito não pode ser ames- quinhado a um sistema de preceitos.”2 1   GOMES. Edlaine de Campos. Igualmente. 44  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Não se deve permitir o aborto, a menos que a vida da gestante esteja em ris- co, pela conciliação dos princípios da não maleficência, de beneficência e justiça, sob o ponto de vista bioético. Sob a ótica do biodireito, existe certa maleabilidade em algumas situações, permitindo-se o aborto.3 3.2 Definição Julio Fabbrini Mirabete ensina que o aborto é a interrupção da gravidez, com a destruição do produto da concepção.4 É a morte do ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente na expulsão. O produto da concepção pode ser dis- solvido, reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou a gestante pode morrer antes da sua expulsão.5 Heleno Cláudio Fragoso afirma que o aborto consiste na interrupção da gra- videz com a morte do feto.6 Seu pressuposto, pois, é a gravidez, ou seja, o estado de gestação que, para efeitos penais, inicia-se com a implantação do ovo na ca- vidade uterina; do ponto de vista médico, a gestação se inicia com a fecundação, isto é, quando o ovo forma-se na trompa, pela união dos gametas masculino e feminino, dessa forma, inicia-se a marcha do óvulo fecundado para o útero, com a duração média de três a seis dias, dando-se a implantação no endométrio. Daí em diante, é possível o aborto.7 Celso Delmanto também entende que existe aborto com a interrupção do processo da gravidez, com a morte do feto.8 Damásio E. de Jesus, igualmente, entende que o aborto é a interrupção da gravidez, com a consequente morte do feto (produto da concepção).9 3   Até o século XIX o aborto era tido como assassinato e punido, agora, é multiplamente permiti- do, em certos limites. O que se discute são esses limites (STÖRIG, Hans Joachim. História geral da filosofia. Revisão geral de ORTH, Edgar. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p. 621). Ou seja, a maior flexibilidade das legislações foi constatada pela filosofia, abandonando-se a menção pura e simples da proibição do ato de interrupção da gravidez. 4   Manual de direito penal. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1986, p. 73. 5   MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 73. 6   Lições de direito penal, parte especial. V. I. 9. ed., rev. e atualizada por Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 112. 7   FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, p. 112-113. 8   Código penal comentado. 3. ed. atualizada e ampliada por Roberto Delmanto. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 215. 9   Código penal anotado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 391. Aborto  45 A. Almeida Júnior e J. B. de O. e Costa Júnior asseveram que aborto é a in- terrupção da gravidez antes do tempo normal, com morte do produto da concep- ção.10 Os obstetras diferenciam entre aborto e parto prematuro, usando aquela expressão quando a gravidez se interrompe antes do sexto mês; este vocábulo quando se interrompe depois. Para o médico-legista, havendo morte do produto, trata-se de aborto.11 Maria Helena Diniz explica que o termo é originário do latim abortus, advin- do de aboriri (morrer, perecer) e vem sendo empregado para designar a inter- rupção da gravidez antes de seu termo normal, espontaneamente ou de maneira provocada, tenha havido, ou não, expulsão do feto.12 3.3 Legislação constitucional e ordinária Na Constituição Federal, promulgada em 5.10.88, se a exegese do art. 5º13 for restrita, não se deve permitir o aborto, em nenhuma situação, por ser absoluto o direito à vida. Permitindo-se exceções, pode haver regulamentação na legisla- ção ordinária. Na legislação infraconstitucional, existem algumas normas disciplinando a matéria, de maneira indireta e direta. No direito civil, especificamente no Código Civil de 2002, não há norma expressa, entretanto, pelo teor do art. 2º,14 em que se preservam os direitos do nascituro, desde a concepção, a resposta à problemática parece ser negativa. No Código Penal, coíbe-se o aborto, caracterizando-se sua conduta em cri- me contra a pessoa,15 cujo processamento é feito perante o Tribunal do Júri.16 A ilicitude é excluída em duas hipóteses, a saber, se em jogo a vida da gestante, o que se nomeou aborto “necessário” ou “terapêutico”17 e na gravidez decorrente de 10   Lições de medicina legal. 21. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1996, p. 364. 11   JÚNIOR, A. Almeida; COSTA JÚNIOR, J. B. de O. e. Lições de medicina legal, p. 364. 12   O estado atual do biodireito, p. 31.   “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasilei- 13 ros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualda- de, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” 14   “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” 15   Arts. 124, 125, 126 e 127 do Código Penal.   Conforme o art. 5º, inciso XXXVII, da Constituição Federal, ao Júri é assegurada a competência 16 para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. 17   Art. 128, inciso I, do Código Penal: “Reconhecido o aborto terapêutico, realizado para salvar a vida da paciente, não se justifica a condenação do acusado pelas lesões corporais nela produzidas, em virtude da intervenção a que se submeteu (RT 413/286)” (Julio Fabbrini Mirabete. Código penal 46  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba estupro,18 o denominado aborto “sentimental”, “ético” ou “humanitário”.19 Existe controvérsia na necessidade de autorização judicial nesta última hipótese.20 Em ambos os casos, ele deve ser praticado por médico.21 Afirmou-se que as excludentes de ilicitude, tais como explanadas, devem ser interpretadas restritivamente, não se estendendo para outros casos, mesmo aná- logos, como de deformações do feto que tornariam inviável a gestação, dando ensejo à interrupção da gravidez.22 interpretado. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 982). Mesmo nessa situação, existe forte polêmica. Recentemente, a mãe de uma menina de nove (9) anos, estuprada pelo padrasto e com gravidez de gêmeos, bem como a equipe de médicos, foi excomungada pelo Arcebispo de Olinda e Recife, por- que, mesmo com risco de vida da gestante, o religioso entendeu que não se poderia terminar com a vida de dois (2) seres em formação. Isso gerou muitas controvérsias, acirrando o debate sobre a criminalização da conduta, interromper a gravidez resultante de estupro, no Congresso Nacional. 18   Hoje em dia a noção de estupro mudou, sob esta nomenclatura tem-se configurado o cri- me acaso haja constrangimento de alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (grifei), nova redação do art. 213 do Código Penal, por meio da Lei nº 12.015, de 7.8.2009, que alterou o Código Penal, Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Ainda por aquela lei, o Título VI tem nova denominação, qual seja, “Dos crimes contra a dignidade sexual” e não mais “Dos crimes contra os costumes”. Demais disso, diferente do que ocorria no passado, tem-se um tipo especial para o “es- tupro de vulnerável” – Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos. 19   Art. 128, inciso II, do Código Penal: “RECURSO EX OFFICIO – ABORTO PROVOCADO POR TERCEIRO – EXCLUDENTE DE ANTIJURIDICIDADE – ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA MANTIDA – IN- TELIGÊNCIA DO ART. 128, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL – RECURSO IMPROVIDO. Evidenciada a incidência de excludente de antijuridicidade elencada no art. 128, inciso II, do Código Penal, impõe-se a absolvição das rés desde logo, consoante estabelece o artigo 411 do Código de Processo Penal” (Protocolo 31116/2004 – Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso – 3ª Câmara Cri- minal – Relator Desembargador Flávio José Bertin – Julg. 14.2.2005). Nesta hipótese, mesmo sem a ingerência de um médico, a absolvição sumária não foi afastada. 20  Cf. Apelação Criminal nº 63.749/6 – Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – 3ª Câma- ra Criminal – Relator Desembargador Odilon Ferreira – Julg. 27.2.1996. A exceção foi anotada na Apelação Criminal nº 11.853/9 – Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – 1ª Câmara Cri- minal – Relator Desembargador Gudesteu Biber – Julg. 10.8.1993: “ABORTO – Autorização judicial – Possibilidade, se os pais ou responsáveis pela menor estuprada não podem dar o consentimento – Caso concreto – O juiz pode, em casos excepcionais, dar autorização para o aborto sentimental em caso de gravidez resultante de estupro – Tal autorização, entretanto, deve ser negada quando o aborto, pelo tempo de gravidez, induz perigo de vida para mulher – Recurso conhecido e impro- vido.” Em outra oportunidade, não se conheceu o recurso, por se entender descabida a apreciação judicial (Apelação Criminal nº 661083661083 – Tribunal de Justiça do Distrito Federal – Turma Criminal – Relator Desembargador Lúcio Arantes – Julg. 20.9.1984 – DJ do DF de 20.9.1984, p. 1). Noutra situação, asseverou-se que a intervenção judiciária era imprescindível (Apelação nº 70018163246 – Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Câmara Medidas Urgentes Criminal – Relator Desembargador Marcelo Bandeira Pereira – Julg. 3.1.2007). 21   Art. 128, caput, in fine, do Código Penal.   Mandado de Segurança nº 282.662-3/0-00 – 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do 22 Estado de São Paulo – Relator Desembargador Sinésio de Souza – Julg. 30.11.1999. Aborto  47 Em outra ocorrência, entretanto, admitiu-se a cessação da gravidez, com in- terpretação extensiva do art. 128, inciso I, do Código Penal, tendo o feto Síndro- me de Patau, com difícil possibilidade de vida extrauterina, no caso, com oligo- frenia acentuada e frequentes convulsões, evitando-se risco para a saúde mental da mãe.23 No Programa Nacional de Direito Humanos – PNH-3, aprovado pelo Decreto nº 7.037, de 21.12.2009, DOU de 21.12.2009, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República deveria apoiar a aprovação do pro- jeto de lei que descriminaliza o aborto, considerando a autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos. Ademais, o Ministério da Justiça precisa imple- mentar mecanismos de monitoramento dos serviços de atendimento ao aborto legalmente autorizado, garantindo seu cumprimento e facilidade de acesso. A repercussão quanto ao apoio ao aborto foi imediata, sendo que exigiu uma nova reflexão sobre a matéria, sendo encarregado de mudar o texto o Ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, preci- puamente, para amenizar o desgaste junto à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Na nova redação, o aborto integra matéria de saúde pública, com a garantia do acesso aos serviços públicos. Sob o enfoque do biodireito, portanto, não se permite o aborto indiscrimi- nadamente, a menos em momentos em que o ser gerado não foi desejado, sen- do sua concepção impingida; naqueles em que há dois direitos em jogo, quais sejam, o de quem gera e o do gerado e, por último, com controvérsia, quando há má formação do feto, com inviabilidade na vida fora do útero, com abalo psíquico dos pais. 3.4 Tratamento internacional A matéria não é regulamentada de maneira uníssona nos diferentes países. Existem os que proíbem a prática do aborto em todas as hipóteses, aqueles que permitem em certas situações e outros que são extremamente permissivos. No Chile, por exemplo, não há possibilidade de se abortar, mesmo em caso de risco à vida da gestante. O Código Penal não prevê a hipótese de exclusão da criminalidade nem mesmo quando a mãe está com a vida em risco (arts. 342 a 345). O aborto foi legal de 1964 a 1973; durante esse tempo, as complicações por aborto baixaram de 118 para 24 por 100 mil nascimentos. Em El Salvador, ou apenas Salvador, igualmente, punem-se todas as mo- dalidades de aborto (arts. 133 a 137), inclusive, a culposa (art. 137 – quem   Apelação Criminal nº 70006088090 – 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio 23 Grande do Sul – Relator Desembargador Manuel José Martinez Lucas – Julg. 2.4.2003. 48  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba culposamente provocar aborto será sancionado com prisão de seis (6) meses a dois (2) anos). Na Nicarágua procura-se coibir a prática abortiva (arts. 162 a 164 do Código Penal). Todavia, no art. 165, prevê-se a possibilidade do “aborto terapêutico”, determinado cientificamente, com consentimento do cônjuge ou parente mais próximo da mulher, para os fins legais. No Afeganistão não se pode realizar a interrupção da gravidez para resguar- dar a saúde da grávida, tampouco em razão de crime sexual praticado contra a gestante, por anomalia do feto ou questão social. A única hipótese permissiva é se a mãe está em risco de vida (art. 404, (2), do Código Penal). De outro lado, no Canadá, o aborto não é restringido. Desde 1969, há lei que permite a prática abortiva em situações de risco à saúde e, a partir de 1973, a in- terrupção voluntária da gravidez deixou de ser ilegal. O Canadá é um dos países que dá mais liberdade de fazer o aborto. Nos Estados Unidos o atual presidente, Barack Obama, suspendeu veto ao financiamento público de operações no exterior promovidas por organizações humanitárias favoráveis ao aborto. Na China, também, o aborto é legal e, até mesmo, incentivado para conter o avanço demográfico. Alguns seguidores de Hung Liang Chi propuseram medidas drásticas para deter a explosão demográfica: relaxar as leis contra o infanticídio das meninas, estimular a prática de seu infanticídio de forma massiva, incentivar a abertura de mosteiros, proibir o casamento das viúvas, distribuir drogas este- rilizantes, aumentar a idade do casamento, criar impostos sobre as famílias com mais de duas crianças, afogar bebês, excetuando-se uma minoria selecionada.24 Em algumas regiões, as mulheres são forçadas a interromper a gravidez. Legalizado no Japão em 1948, durante muito tempo, o aborto foi usado como contraceptivo. As japonesas resistiam ao uso de métodos anticonceptivos mais modernos, como a pílula. Quando legalizado, com o nome de “Lei de Pro- teção Eugênica”, o principal objetivo planejado seria a utilização do aborto como medida eficaz para os problemas da superpopulação e aceleração da taxa de crescimento populacional. A Lei de Proteção Eugênica japonesa permitia o aborto quando realizado por motivos médicos, eugênicos, humanitários e sociomédicos, nada obstante, a interpretação dada a esta lei foi ainda mais ampla e o aborto se tornou uma verdadeira prática a pedido, amplamente disseminada e amparada pelas instituições públicas.25 24   Disponível em: <http://www.aborto.com.br/historia/ha4-2.htm>. Acesso em: 6 fev. 2009. 25   Disponível em: <http://www.aborto.com.br/historia/ha5-18.htm>. Acesso em: 6 fev. 2009. em discussão no Supremo Tribunal Federal. posto que haja movimentos para a legalização da prática. ou “piedoso”). do ventre da mulher. 2003. ed. em razão do ajuizamento da “Arguição de Descumprimento de Preceito Funda- mental” (ADPF) nº 54. interrompendo-se a gravidez. 4 Anencefalia 4. ou “eugenético”. São Paulo: Atlas. no caso de feto anencéfa- lo. Julio Fabbrini Mirabete adjetiva essa modalidade de aborto como “eugêni- co” (ou “eugenésico”. o aborto provocado. ausência de massa cerebral. em processo normal de gravidez fisiológica. claramente. Nesses casos. .1 Generalidades Assunto correlato ao anterior.1 Zalmino Zimmermann. não patológica. Publicação da Asso- ciação Brasileira dos Magistrados Espíritas – ABRAME. 858. 10-11.2 arrematando: “O anencéfalo pode mostrar grave deficiência ou. 3. explicando que não há exclusão da ilicitude. Presidente da Associação Brasileira dos Magistrados Espíritas – ABRAME –. tem reflexos. nasce e vive – a casuís- 1   Código penal interpretado. com possibilidade de continuação da vida. 2   O direito à vida no ordenamento jurídico brasileiro – a questão do aborto. diz respeito à retirada do feto anencéfalo. cuja expulsão forçada configura. até. p. p. deve haver prova ou suspeita de que o ser gerado virá ao mundo com a anomalia. mas tem tronco encefálico. asseverou que é preciso ter em mente que a mulher traz em seu ventre uma outra pessoa em desenvolvimento. sem cérebro. José Aristodemo. A sociedade é machista. ibidem. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) afirma que o feto com anencefalia não tem ausência de cérebro.”3 4.2008. Folha de S. São Paulo. como esta.3 Caracterização Não há osso frontal.Paulo. que contém globos oculares salientes. Tendências e debates. Argumentam que a mulher deve ter liberdade para escolher interromper a gravidez diante da certeza de que. seu filho irá morrer. em seu so- berano direito de viver. constitucionalmente protegida.2008. Cotidiano. p.6 As Católicas pelo Direito de Decidir defendem o caráter laico do Estado e não discutem sobre existência ou não da vida. mas interromper ou não a gravidez deve ser uma escolha da mulher.8.5 4. Existe vida. enfim. mostrando-se. 27.Paulo. 6   Folha de S. e o tronco cerebral é deformado. Anencefalia de volta. A Igreja Universal do Reino de Deus defende o caráter laico do Estado. durante o primeiro mês de embriogênese. O cérebro remanescente encontra-se exposto. 5   PINOTTI. mas má-formação. Dizer que essa vida pode ser interrompida é discriminatório. 3   ZIMMERMANN. quarta- -feira. mes- mo se nascer. racista e contrário ao mandamento “não matarás”. quarta-feira. . Idem. p. uma individualidade diferente da pessoa da mãe. A face é delimitada pela borda supe- rior das órbitas. p. Zalmiro. São Paulo.4 Argumentos favoráveis e desfavoráveis à retirada do feto anencéfalo em debate na sociedade A opinião dos diferentes grupos religiosos não é tranquila quanto ao assunto. A3.4 4. decorren- te de fatores genéticos e ambientais. não discute sobre a existência de vida e dizem que mesmo na Bíblia há respaldo para o aborto.50  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba tica médica registra casos de anencéfalos que vivem até um mês e mais. após o nascimento –. O direito à vida no ordenamento jurídico brasileiro.8.2 Conceito A anencefalia é o resultado da falha de fechamento do tubo neural. 27. José Aristodemo. 4   PINOTTI. 11. C4. parietal e occipital. ainda que primitiva. em alguns momentos. Assim. existe vida. aliado à neuroplasticidade existente no tronco encefálico. não se pode deixar de observar que os impetrantes vivem a angústia de suportar no âmbito familiar. Os opositores destacam a autonomia da vida de quem está se formando.26. ele não poderia decidir sobre o seu fim. insensível e sem percepção à dor. sensibilidade e percepção à dor naqueles que apresentam essa patologia. Paulo Leão sustenta que na anencefelia verifica-se ausência completa ou par- cial e variável de partes do cérebro. não há vida tutelada. Até a ciência re- conheceria que a vida não pertence ao próprio homem e que. em havendo essa hipótese. Cotidiano. .5 Tratamento da matéria nos pretórios A jurisprudência. sua situação não pode ser comparada à da morte encefálica. mas partes do encéfalo sempre estão presen- tes. embora sejam necessários estu- dos para comprová-lo. e o feto anencéfalo. De outra parte. Do ponto de vista das questões políticas fundamen- tais. 26.2010. não há bases científicas para se afirmar falta de cons- ciência. quem defendeu a retirada do feto anencéfalo afirmou que ele não tem vida. concede-se a segurança” (Mandado de Segurança nº 0381000- 03.Paulo. não se teriam provas de estar inconsciente. Percebe-se que os defensores do aborto preservam a liberdade da mãe em escolher levar adiante a gravidez. Portanto. mas também não sancionar a conduta. a dor trazida pela gestação de um feto acometido de anencefalia. São Paulo.0000 – 14ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São 7   Folha de S. nas primeiras fases da vida. A vida lhe é outorgada.8. 4. C7. Samantha Buglione concentra a defesa no abortamento no fato de a vida tu- telada pelo Direito é a do ser que tem condições de viver a bios. em conceito e consequência. Anencefalia  51 A Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família acredita que o feto com anencefalia tem parte do encéfalo. p. sua condição é equiparada à do morto cerebral. equipara-se a alguém com morte cerebral. Por esse motivo. terça-feira. “Embora não se desconheça que a questão da interrupção da gravidez é contraditória e muito tormentosa. motivo pelo qual. não só permitir a retirada do feto.2008. mais conveniente permitir que nasça e viva até quando puder. tem-se antecipado para. portanto. Crianças com anencefalia podem ter algum grau de consciência.7 Dessa vez.8. ou não. A Associação Médico-Espírita do Brasil menciona que a formação de parte do cérebro nos fetos anencefálicos permite-lhes ter consciência. portanto. O crime de aborto pressupõe feto vivo. instruída com laudo médico e psicológi- co favoráveis.26.”9 8   MIRABETE.2014. ao avançado quadro depressivo da gestante por carregar em seu ventre um ser anormal e sua consciência das possíveis sequelas que podem decorrer de um aborto malsucedido. Acórdão supramencionado. pois comprovado cientificamente que o feto é portador de anencefalia (ausência de cérebro) e de outras anomalias incompatíveis com a sobrevida extrauterina. interpretou-se de maneira evolutiva o art. 9   MIRABETE.3.8.2012). Na mesma esteira: Mandado de Segurança nº 0000410-73.0000 – 10ª Câ- mara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador Carlos Bueno – J. 8. Idem. 5.3. “TJAP: Direito penal – Jurisdição voluntária – Alvará de autorização judi- cial para realização de aborto – Feto portador de anencefalia – Anomalia comprovada em laudo médico – Estado depressivo da gestante atestado por laudo psicológico circunstanciado – Consciência da gestante e de seu marido das possíveis consequências de um aborto – Interpretação da nor- ma jurídica em consonância com o art. autorizariam o aborto. 128 do CP – Aplicação dos princípios da analogia admitidos no art. deliberada com plena conscientização da gestante e de seu companheiro. ibidem. com a inviabilidade da sobrevida do feto fora do útero. Diante da solicitação de autori- zação para realização de aborto. .52  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Paulo – Relator Desembargador Wilson Barreira – j.2014. outra solução não resta senão autorizar a requerente a interromper a gravidez (JCAT 83-84/699 e RT 756/652). impõe-se a interpretação das normas vigentes segundo os fins a que se destinam e à luz das exigências do bem comum. ponderando-se que o sofrimento da mãe. 5º (Lei de Introdução ao Código Civil) – Provimento da apelação – Demonstrados por laudos médicos e psicológico a anencefalia do feto. bem como do marido. Em Santa Catarina. 17. sua incompatibilidade com a vida extra- -uterina. corroborando a exclusão da ilicitude. Julio Fabbrini. Julio Fabbrini.”8 No V. p. veja-se: “TJSC: Aborto – Autorização judicial – Anencefalia fetal – Comprovada inviabilização da vida extrauterina – Pedido instruído com laudo médico irrefutável da anomalia e de suas consequências e com favorável parecer psicológico do casal – Consentimento expresso do pai – Interpretação ex- tensiva da excludente de punibilidade prevista no inciso I do art. para o fim de reformar a sentença fustigada e deferir o alvará au- torizando a interrupção da gravidez (RJD 22/264). aliado a sua consciência das consequências do ato de interrupção da gestação. e do drama emocional a que estará submetida caso leve a termo a gestação. 3º do CPP – Autorização concedida – Apelo provido. 859. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil. Código penal interpretado. ed.. 4. dando ao termo vida um sentido mais amplo. . a amargura.561-1 – 13ª Câmara Cível do Tribu- nal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Relator Desembargador Fran- cisco Kupidlowski – julg.8. ou seja. porque os documentos médicos comprobatórios demonstravam a im- possibilidade da sobrevivência após o nascimento. dada a ausência de calota craniana no feto – anencefalia –.10. gerando contraposições até mesmo na mesma Câmara de julgamento: a antecipação do parto. sem possibilidade de vida extrauterina. Anencefalia  53 O Tribunal sulista preferiu interpretar de maneira extensiva a excludente de criminalidade prevista no art. asseverou-se: “A ausência de previsão autorizativa para o aborto.2007. pois inexiste previsão legal autorizando tal atitude. do Código Penal. pela existência da anencefalia.3. preocupando-se com a saúde da própria mãe. concedeu-se autorização para a interrup- ção da gravidez. Em outra decisão. numa situação de anomalia específica. o Judiciário deve autorizar a interrupção da gravidez até como medida de prevenção profilática à genetriz” (Apelação 515. a interrup- ção da gravidez evita. quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. não foi permitida.1999. em Minas Gerais. além da vida inviável do feto.10 No mesmo sentido. que an- tecipa a situação do feto em formação. porque deve ha- ver uma evolução necessária da legislação incidente. a qual exige a adequação dos princípios contidos na lei que é permis- siva ao tratar do aborto necessário. Havendo constatação médica de inviabilidade de vida pós-parto. não sendo demonstrado risco de vida para a gestante. foi lem- brada em outro momento: “Tratando-se de aborto eugênico ou necessário. concluindo que eventual abalo psicológico não se constitui em excludente de criminalidade.7. em geral anencefalia. preocupando-se com a saúde da mãe. O tema é tormentoso. 5. pela má formação do ser que pode vir a nascer. o sofrimento físico e psicológi- 10   Apelação Cível nº 0275864-9 – 3ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais – Relator Juiz Duarte de Paula – j. inciso I. ou seja. 25. sobremaneira.2005 – RT 842/291-293).11 Em data an- terior. cessando o sofrimento pelo qual passa- vam a mãe e seu companheiro. em decorrência de má formação congênita do feto. no art.2005. de “qualidade de viver”. ou acrania do feto. 128 do CP.   Habeas Corpus nº 70020596730 – 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande 11 do Sul – Relator Desembargador Ivan Leomar Bruxel – j. 128.   Apelação nº 70012840971 – 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do 12 Sul – Relator Desembargador Marcel Esquivel Hoppe – Julg. deu-se a permissão para a retirada do feto acometido de ausência da calota craniana. 17. ao avanço tecnológico da medicina. não impede que o Judiciário analise o caso concreto e o resolva à luz do bom senso e da dignidade humana.12 A garantia dos sentimentos familiares. presente causa de exclusão da culpabilidade (genérica) de natureza supralegal que dispensa a lei expressa vigente cabe ao Judiciário autorizar o procedimento” (Apelação nº 70011918026 – 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Relatora Desembargadora Elba Aparecida Nicolli Bastos – Julg.11. II. Rio de Janeiro. nesses casos.”13 Novamente.159. porque a ausência de encéfalo é incompatível com a vida pós-parto extrauterina. I. em sua Ementa (3). o ministro Joaquim Barbosa – pos- to que da ementa constasse que. inadmitindo-se a interpretação extensiva. 5ª Turma. em caso de habeas corpus preventivo que vise a autorizar a paciente a realizar aborto. embora sem qualidade. a ministra Laurita Vaz. O direito não pode exigir heroísmo das pessoas.2000. não se inclui entre os abortos eugê- nicos. CP) que excluem a ilicitude. O ‘aborto eugênico’ decorre de anomalia comprometedora da higidez men- tal e física do feto que tem possibilidade de vida pós-parto.2004. Não há confronto no caso concreto com o direito à vida porque a morte é certa e o feto só sobrevive às custas do organismo materno. muito menos quando ciente de que a vida do anencéfalo é impossível fora do útero materno. Embora não incluída a antecipação de parto de fetos anen- céfalos nos dispositivos legais vigentes (art. o embasamento pela possibilidade esteia-se em causa supralegal autônoma de exclusão da culpabilidade por inexigível outra conduta. Ao ser interposto recurso do referido Acórdão. As hipóteses em que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito.06. decidiu-se pela antecipação do parto: “O feto anencefálico. p. tendo em mente que a norma penal vigente protege a ‘vida’ e não a ‘falsa vida’. relatora do Habeas Corpus nº 32. o princípio da reserva legal. de 22. a ocorrência do parto durante o julga-   Mandado de Segurança nº 329.2005 – RT 838/657-662). Não há justificativa para prolongar a gestação e o sofri- mento físico e psíquico da mãe que tem garantido o direito à dignidade. Há de prevalecer. legitimada a pretensão da mulher de antecipar o parto de feto com tal anomalia que o torna in- compatível com a vida. como dos demais membros da família. Reunidos todos os elementos probatórios fornecidos pela ciência médica. 128. datado de 17. 339. 09. . tampouco analogia in malam partem. Em decisão publicada no DJ.54  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba co. rigorosamente. 29.564-3/3-00 – 1ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de 13 São Paulo – Relator Desembargador David Haddad – Julg. atestada a impossibilidade de so- brevivência sem o fluido do corpo materno. o que não é o caso presente. Dentro desta ótica.2. Com isso. dá interpretação restrita à Constituição Federal e à legislação penal ao afirmar que ambas tutelam a vida como bem maior a ser preservado. rejeitou o pedido de aborto de nascituro acometido de anencefalia.3. tanto de uma mãe que já sabe que o filho não tem qualquer possibilidade de viver.2004. A gestante convive diuturnamente com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto dentro de si que nunca poderá se tornar um ser vivo. a sobrevida é diminuta. Acentuou que a tutela da vida humana experi- menta graus diferenciados. à respectiva família. 3. Rio de Janeiro. Para a concessão. quando a vida se torna inviável. mesmo estando biologicamente vivo (porque feito de células e tecidos vivos). para fazê-los cessar. do direito à liberdade em seu sentido maior. da legalidade e. com a posterior gestação. fica solapada. sendo nenhuma as chances de se afastarem. dando como prejudicada a irresignação – expôs a possibilidade de se realizar o aborto eugênico. postos à disposição da humanidade não para simples inserção. Quando se chega ao final da gestação. como também para promover o reconhecimento do direito constitucional . o desenvolvimento e. envolvidos os aspectos físico. de sentimentos mórbidos. A vida é um bem a ser preservado a qualquer custo. Se assim é – e ninguém ousa contestar –. O ministro Marco Aurélio deferiu liminar para o aborto eugênico em 1º. Dados merecedores da maior confiança evidenciam que fetos anencéfalos morrem no período intrauterino em mais de 50% dos casos.7. mas. acima de tudo. trata-se de situação concreta que foge à glosa própria ao aborto – que conflita com a dignidade humana. não tem proteção jurídica (HC nº 84. danos à integridade moral e psicológica. mas. cuida-se do direito à saúde. sinteticamente: 1. 3º da Lei nº 9. há de se lançar mão dos avanços médicos-tecnológicos. além do referido anteriormente. do direito à preservação da autonomia da vontade. recebem do ordenamento regimes jurídicos diferenciados. A um só tem- po. No caso da anencefalia. A saúde.2004).025. na sobrevida. não é justo condenar a mãe a meses de sofrimento. os efeitos da deficiência. segundo o art. Anencefalia  55 mento do writ implica a perda do objeto. no dia a dia. Diante de todo o exposto. dava acolhimento ao pleito para não só sobrestar os processos e as decisões não transitadas em jul- gado. da dignidade da pessoa humana. a ciência médica atua com margem de certeza igual a 100%.2004. no sentido admitido pela Organização Mundial da Saúde. a liberdade e a autonomia de vontade. o nascimento. além dos riscos físicos reconhecidos no âmbito da medicina. manter-se a gestação resulta em impor à mulher. justamente. desde a fecundação do óvulo. publicado no DJ em 25. mental e social. O feto anencefálico.6. Diante de uma deformação irreversível do feto. 2.434/97 – Lei de Transplante de Órgãos – citado pelo douto relator).2004. Tribunal Pleno. de desespero. argumentou. Então. não ultrapassando período que possa ser tido como razoável. 4. a morte do ser humano (que ocorre com a morte encefálica. de angústia. Os valores em discussão revestem-se de importância única. finalmente. com a legali- dade. As diversas fases do ciclo vital. já que a vida do feto era inviável fora do útero materno.3. O Brasil é uma república laica. Tanto quanto possível. Marco Aurélio – Julg. da liberdade e autonomia da manifestação da vontade e da legalidade –. Pendente de julgamento a arguição de descumprimento de preceito fundamental. 126 e 128. Min.4.2012 – Tri- bunal Pleno). há de ser dada sequência a processo objetivo. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez do feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124. Uma não pode interferir de maneira predomi- nante numa situação que afeta a todos. Relator Ministro Marco Aurélio. Acórdão a conduta de abortar um feto anencéfalo não se enqua- drava nas hipóteses dos arts. 126 e 128. entendimento em relação ao qual guardo reserva. adequada surge a arguição de descumprimento de preceito funda- mental. pontificou-se: “ADPF – ADEQUAÇÃO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – FETO ANEN- CÉFALO – POLÍTICA JUDICIÁRIA – MACROPROCESSO. do Código Penal” (ADPF 54/DF – Distrito Federal – Rel. Em outro V. devem ficar suspensos até o crivo final do Supremo Tribu- nal Federal. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL RE- PRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITO FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. do Código Penal: “ESTADO – LAICIDADE. ADPF – LIMINAR – ANENCEFALIA – INTERRUPÇÃO DA GRA- VIDEZ – GLOSA PENAL – AFASTAMENTO – MITIGAÇÃO. Em jogo va- lores consagrados na Lei Fundamental – como o são os da dignidade da pessoa humana. incisos I e II. não prevalece. da saúde. Se de um lado temos a liberdade de . incisos I e II. em arguição de descumprimento de preceito fundamental. 124. chegando-se. surgindo absolu- tamente neutro quanto às religiões. Na dicção da ilustrada maioria. de 27. limi- nar no sentido de afastar a glosa penal relativamente àqueles que venham a participar da interrupção da gravidez no caso de anencefalia” (ADPF 54 QO/DF – Distrito Federal). processos criminais em curso. ADPF – LIMINAR – ANENCEFALIA – INTERRUPÇÃO DA GRAVI- DEZ – GLOSA PENAL – PROCESSO EM CURSO – SUSPENSÃO. 12. a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. considerados a interrupção da gravidez de feto anencéfalo e os enfoques diversificados sobre a configuração do crime de aborto.2005. Considerações. Acórdão do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Em outro V. em face da interrupção da gravidez no caso de anencefalia. Na decisão colegiada mostra-se a necessidade de convivência harmônica en- tre a laicidade e a religiosidade. de imediato.4. a partir de laudo médico atestando a anomalia que atingiu o feto.56  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba da gestante de submeter-se à operação terapêutica de parto de fetos anencéfalos. autonomia.. . 128.. . ... .. . em suma. até sua finalização. .. .. . . . b) a gravidez com anencéfalo traz à mãe maior probabilidade de doença hipertensiva específica da gravidez e polidrâmnio. todavia. . 4. . . . .. . . . .834/2005.. .. . . . . . . Essa opinião baseia-se nos seguintes fatos: ‘a) não há nenhuma possibilidade de sobrevivência prolongada para esse tipo de patologia.. .. . . . ao que parece.. . II – . .... tal como as apontadas. 1º O art. . . .. outros argumentam que não há previsão legal para a reti- rada do feto anencéfalo. procurando-se conciliar seus princípios. . . com a consequente continuidade do estado gravídico. . “Art. porque se quer preservar a vida de quem nascerá e a liberdade de quem não quer levar adiante uma gravidez na qual o feto não terá sobrevida. . . . . Sob o enfoque bioético. . surgem soluções antagônicas. . ... deverá ser per- mitido ao casal decidir.. ..848. devem ficar desprezadas e terem seus atos criminalizados.... . . . .. . . acrescenta um inciso ao art. ... de outro há pessoas descrentes e.. para antecipar uma situação que não prosperará. desejam que a gravidez transcorra “normalmen- te”. além de causar. re- tirando a antijuridicidade do aborto do anencéfalo.. de 7 de dezembro de 1948. . . . . . .. . .. não por isso. . Na seara do biodireito. .... .. 128 do Código Penal. 128 do Decreto-lei nº 2. Anencefalia  57 consciência religiosa. de iniciativa dos Deputados Luciana Genro e José Aristodemo Pinotti.. . ao se diagnosticar um feto anencéfalo.. . III – se o feto é portador de anencefalia comprovada por laudos indepen- dentes de dois médicos (NR). beneficência. .. lembre-se. . . .. . o prosseguimento da existência de quem não tem a calota craniana. passa a vigorar acrescido do seguinte inciso: “Art. .. .. . . . . .. . .. . . .. . . . .. evitando que a mãe continue a sofrer e suportar uma gravidez sem êxito. . ... Uns admitem a retirada do feto anencéfalo. so- bre a interrupção ou o seguimento da gravidez. . .. de uma maneira totalmente informada e livre. . com .. chega-se a um im- passe. . . 2º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação. ... . . . .. . .. . . .. .. . .. justiça ou equidade. I–. . .. ou seja. .6 Projeto de lei O Projeto de Lei nº 4. ..” Em sua justificativa. os autores do projeto asseveram: “Entendemos que. Art. . até seu término. é a necessidade da anuência. o que levará a mais discussões ainda. a escolha feita já seria fundamento para a ruptura do enlace. isso é inaceitável. ou não. em razão da opção de retirar o feto. podem ser rompidas. muito menos econômicos. em não raras vezes. repita-se. porque a viabilidade não existirá. não me- recendo outros efeitos. Para outras. um parto distórcico pela própria condição de anen- cefalia. fomentar novas lides e permitir nesses casos possível pedido de dano moral de um parceiro contra o outro. A religião pro- fessada por um dos parceiros pode ser diferente da do outro. com o cuidado de se exigirem dois laudos independentes para que não paire nenhuma dúvida sobre o diagnóstico. do homem e da mulher. porém. devendo ser obri- gatória. deve ficar. 186 do novo Código Civil e pensar-se na indenização em comento. que acreditasse ferido em sua dignidade. Não seria a melhor solução jurídica. uma segunda opinião de um obstetra experimentado’. para além de se dar a luz. por se tratar de um Estado laico. por lidar com questões íntimas de família. o diagnóstico de anencefalia pode ser realizado com total segurança. O problema. em que se tem previsto a necessidade de ameaça ou violação de direito ser decidida em Juízo. antes da interrupção. c) com a metodologia propedêutica mais moderna. . Diferente será se o outro (ou outra) foi induzido em erro.58  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba grande frequência. em segundo plano. mesmo com a liberdade religiosa. acabando por eclodir no Poder Judiciá- rio. Haveria uma patrimonialização indesejada. en- tretanto. inevitável se a convivência em comum se tornasse insuportável. Para algumas pessoas. Isso causaria uma ruptura numa família de há muito formada. Isso pode levar a debates infindáveis. poderia incidir o art. pela responsabilidade comum em se ter gerado um ser. Em razão disso. Uniões de muitos anos. não importa a condição do ser gerado. ele deve nascer. mesmo com a descriminalização. Ela. após todas as informações específicas de seu caso. Aliás. porém. permitir que a decisão seja tomada por eles livremente.” Não se quer obrigar o casal a interromper a gravidez. principalmente para fortalecer a formação de uma sociedade mais voltada a valores e não imediatista. a CTNBio determinaria a imediata paralisação da atividade. de 5 de janeiro de 1995.191-9. dispor sobre a Política Nacional de Biossegurança (PNB) e. 8º.1 Panorama genérico Algumas observações já foram feitas quando do estudo do embrião pré- -implantatório ou no útero. A antiga Lei de Biossegurança nº 8.974/95. vedava experimentos de clo- nagem radical por meio de qualquer técnica de clonagem. 8º. DNA. 5º. em seu art. II. 2º. criar a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). das plantas. além disso. de . Ela foi regulamentada pelo Decreto nº 1.814. revogar expres- samente a Lei nº 8. 10 e 16 da Lei nº 10. A Instrução Normativa nº 8/97. estabelecia algu- mas definições importantes: de organismo. No art. dos animais. armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível” não era possível. mais especificamente. Com os objetivos de: regulamentar a Constituição Federal (art. 6º. pois a “produção. em seu art. a Medida Provisória nº 2. estabelecer normas de segurança e mecanismo de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados (OGM) e seus derivados.752/95 e pontificava que. 3º. organismo geneticamente modificado etc. a clonagem mostrava-se ilegal. RNA. incs. 9º.974. de 23 de agosto de 2001. devendo-se acrescentar alguns detalhes para melhor compreensão de assunto extremamente sedicioso. IV e V). 225. para o meio ambiente. havendo riscos graves para a saúde humana. 5 Células-Tronco Embrionárias 5. e os arts. 7º. com. 5º da menciona- da legislação e. não há fundamento científico para se utilizar. no art.2005.2005. mas “clonagem não reprodutiva”. 2006. quinta-feira. erigindo como crime essa conduta (art. Lei nº 11. entre outras providências.br/folha/ brasil>. Quinta-feira.1 Ela foi aprovada por 352 votos. 19-21. é crime a violação das referidas normas (arts. exigido por Lei? Quem será o responsável pela obtenção do consentimento informado – o próprio pesquisador ou o médico assistente responsável pelos procedimentos de reprodução assistida?4 1   Folha online. Luiz Inácio Lula da Silva. além disso. São Paulo. bem como a falta de critério científico para sua elaboração. 151). p.105. Disponível em: <http://www. 4   MARTINS-COSTA. Acesso em: 24 mar. 2   O Estado de S. Lei de Bios- -segurança – medusa legislativa? Jornal da ADUFRGS. com 60 contrários e uma abstenção. .folhauol.3 Para reforçar a vedação. 15 e 16). 21 do novo Código Civil. complementando-a. sendo originária do substitutivo do deputado Darcísio Perondi. na Câmara dos Deputados. Como os pesquisadores interessados em utilizar embriões terão acesso aos dados de suposta inviabilidade? Poderão invadir a privacidade dos “genitores” para conferir o estado ou o tempo de congelamento. o Presidente da República. Belo Horizonte: Del Rey. FERNANDES. maio 2005. nº 134.60  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba 15 de dezembro de 2003. 3   “Referida lei proíbe a clonagem humana (art. IV).3. 6º. sancionou. p. a sistemática da lei foi criticada. José Roberto. nos termos do art. 2005. GOLDIM. 6º. 25)” (GOMES. p. a nova Lei de Biossegurança. A maneira de se utilizar as células-tronco é descrita no art. 5. de três anos. Paulo. José Jairo. é duvidoso dizer que os embriões tenham “genitores”. não se deveria usar a expressão “clonagem terapêutica”.3. de 24 de março de 2005. já tendo passado pelo crivo do Senado. IV). após o lapso temporal de três anos. Juridicamente. Direito civil: introdução e parte geral. 3. os embriões da reprodução assistida.2 Crítica à legislação Após entrar em vigência. proíbe-se a “clonagem humana” (inc. Não se sabe o que seria “embrião in- viável”. 24. Márcia Santana.2 Entre os vetos não constou nenhum dos temas cernes da lei: as pesquisas científicas com células-tronco embrionárias e o poder da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio) para tratar do plantio de organismos gene- ticamente modificados. bem como afirmar que não ocorreu violação da vida privada. A4. com sete vetos. Judith. 225 da Cons- tituição. todavia. art. 15 da Lei nº 9. 5º É permitida. XI) – definição reproduzida no Decreto nº 5. de 4 de fevereiro de 1997. inc. 6   Maria Helena Diniz entende que tal permissão “viola o direito à vida e o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana. 63 a 67 do Decreto nº 5. de 22 de novembro de 2005 (regulamenta dis- positivos da Lei nº 11. 11. caso a mãe não os possa receber no corpo. os incisos II. de 24 de março de 2005. p. atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis. a utilização de células- -tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por ferti- lização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento. ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais.434.3 Conceituação As células-tronco embrionárias são células de embrião que apresentam a ca- pacidade de se transformar em células de qualquer tecido de um organismo (inc. 10). na data da pu- blicação desta Lei.591. e dá outras providências): Art.591/2005. 5.6 § 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 2003. utilizou-se a terminologia própria para quando se vale de uma das técnicas de reprodução assistida. § 1º Em qualquer caso. Os embriões in vitro não são proprieda- des daqueles.5 § 2º Instituições de pesquisa e serviço de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pes- quisa. XII. não são do laboratório de biologia nem do médico que pratica a reprodução assistida (Estatuto do embrião. 2º. 3º Para os efeitos deste Decreto. . Ler também os arts. a noção de “genitores” é dada pelo Decreto nº 5. v. contados a partir da data de conge- lamento.105. nº 2.4 Disposição legal objeto de controvérsia Pela novidade da matéria. Ou seja. capítulo VII – “da pesquisa e da terapia com células-tronco embrionárias humanas obtidas por fertilização in vitro”. 113-114). No Brasil. p. já congelados na data da publicação desta Lei. Daniel Serrão refletiu que cabe a eles decidir sobre o destino dos embriões-“filhos”. é necessário o consentimento dos genitores. o dispositivo legal deve ser transcrito: “Art.591/2005.” 5   Sobre o consentimento dos “pais”. para fins de pesquisa e terapia. consagrados constitucionalmente” (Código Civil anotado. Células-Tronco Embrionárias  61 5. Revista de Bioética. considera-se: XV – genitores: usuários finais da fertilização in vitro. Brasília. depois de completarem 3 (três) anos. ou que. IV e V do § 1º do art. pelo seu as- pecto democrático. deve prevalecer. um deve ser destacado: o Poder Legislativo. às 14h50.estadao. LEI DE BIOSSEGURANÇA. sobre a possibilidade da clonagem terapêutica.7 Outro era o entendimento do então Procurador-geral da República. o “Movimento em prol da vida” requereu seu ingresso no processo como amicus curiae. portanto. a deliberação realizada no âmbito do processo político majoritário. Seu autor foi o Procurador da República. Acórdão acentua-se: “CONSTITUCIONAL. contra a União e o Conselho Federal de Medicina. Estado de São Paulo.105. sob nº 55. Ministro Ayres Brito.9 O Supremo Tribunal Federal. Acesso em: 11 jul. assinada em 16. por que não dizer. com protocolo datado de 30. CONSTITUCIONALIDADE DO USO DE CÉ- LULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS PARA FINS TERAPÊUTICOS. por maioria de votos. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. tomou posição na matéria. decidiu que o dispositivo legal. IMPUGNAÇÃO EM BLOCO DO ART.510. desde que com o consentimento dos respectivos genitores. pois ajuizou. doutor João Gilberto Gonçal- ves Filho. Cláudio Fonteles.com.   Disponível em: <http://conjur.5>. em cuja ementa do V. seguindo a linha de pen- samento do então Relator.05. resultando disciplina que se harmoniza com o tratamento dado na maior parte dos países ocidentais.05. perante a Justiça Federal. sendo o debate levado aos pretórios. A ação foi interposta antes mesmo da aprovação da Lei de Biossegurança.br//static/text/38560.2005. 2006. por votação que não se pode desprezar.132. 8   ADI nº 3. uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o artigo da Lei de Biossegurança que per- mite o uso de células-tronco retiradas de embriões humanos para fins de pesquisa e terapia. art. Entre os argumentos re- lacionados por Luís Roberto Barroso para preservação do texto legal. após a inédita audiência com a exposição de vários estudiosos sobre a questão. INEXISTÊNCIA DE VIO- LAÇÃO DO DIREITO À VIDA.8 Para questionar a ação ajuizada por Fonteles. PESQUI- SAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS. NORMAS 7   A ação foi proposta na Subseção Judiciária de Guaratinguetá.62  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Tornou-se acirrada a questão da experimentação com células-tronco embrio- nárias e. perante o Egrégio Supremo Tribunal Federal. DE 24 DE MARÇO DE 2005 (LEI DE BIOSSEGURANÇA). O tema não se situa no espectro dos consensos mínimos protegidos pela Constituição. 9 .2005. favoráveis e desfavoráveis. O Ministério Público Federal em Taubaté ajuizou Ação Civil Pública para per- mitir a pesquisa com células-tronco obtidas de embriões humanos produzidos a partir de fertilização in vitro. 5º. é constitucional. DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO. 5º DA LEI Nº 11. IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO. porquanto produzidos laboratorialmente ou ‘in vitro’. encontradiças em cada embrião humano de até 14 dias (outros cientistas reduzem esse tempo para a fase de blastocisto. as neuropatias e as doenças do neurônio motor). distrofias musculares. pois ambos são mutuamente complementares. As ‘célu- las-tronco embrionárias’ são células contidas num agrupamento de outras. QUE PASSA PELO DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJA- MENTO FAMILIAR. a segurança. atrofias espinhais pro- gressivas. ocorrente em torno de 5 dias depois da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozoide masculino). autorizada pela Lei nº 11. a traduzir verdadeira comunhão de vida ou vida social em clima de transbordante solidariedade em benefício da saúde e contra eventuais tramas do acaso e até dos golpes da própria natureza. significa apreço e reverên- cia a criaturas humanas que sofrem e se desesperam. Isto no âmbito de um orde- namento constitucional que desde o seu preâmbulo qualifica “a liberdade. desesperam e não raras vezes degradam a vida de expres- sivo contingente populacional (ilustrativamente. Células-Tronco Embrionárias  63 CONSTITUCIONAIS CONFORMADORAS DO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA. Contexto de solidá- ria. a igualdade e a justiça” como valores supremos de uma sociedade mais que tudo “fraterna”. O que já significa incorporar o advento do constitucionalismo fraternal às relações humanas. Não cabe ao Supremo Tribu- nal Federal decidir sobre qual das duas formas de pesquisa básica é a mais promissora: a pesquisa com células-tronco adultas e aquela incidente so- bre células-tronco embrionárias. e não espontaneamente ou ‘in vida’. Embriões a que se chega por efeito de manipulação humana em ambiente extracorpóreo. a esclerose múltipla e a lateral amiotrófica. longe de traduzir desprezo ou desrespeito aos congelados embriões ‘in vitro’. A certeza científico-tecnológica está em que um tipo de pesquisa não invalida o outro. A CONCEITUAÇÃO JURÍDICA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E SEUS REFLEXOS NO CONTRO- LE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE BIOSSEGURANÇA. porém u’a mais firme disposição para encurtar caminhos que possam levar à superação do infortúnio alheio. o desenvolvimento. A pesquisa científica com células-tronco em- brionárias. Inexistência de ofen- sas ao direito à vida e da dignidade da pessoa humana. I – O CONHECIMENTO CIENTÍFICO. infelicitam.105/2005. pois a pesquisa . compassiva ou fraternal legalidade que. A escolha feita pela Lei de Biossegurança não significou um desprezo ou desapreço pelo embrião ‘in vitro’. DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA ADITAR À LEI DE BIOSSEGURANÇA CONTROLES DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM RESTRIÇÕES ÀS PES- QUISAS E TERAPIAS POR ELA VISADAS. atormen- tam. II – LEGITIMIDADE DAS PESQUISAS COM CÉLULAS- -TRONCO EMBRIONÁRIAS PARA FINS TERAPÊUTICOS E O CONSTITU- CIONALISMO FRATERNAL. objetiva o enfrentamento e cura de patologias e traumatismos que severamente limitam. o bem-estar. infraconstitucionalmente. sem as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de vida autônoma e irrepetível. O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o preciso instante em que ela começa. porque nativiva (teoria ‘natalista’. em se tratando de experi- mento ‘in vitro’. E quando se reporta a ‘direitos da pessoa humana’ e até dos ‘direitos e garantias individuais’ como cláusula pétrea está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa. porquanto lhe faltam possibilidades de ga- nhar as primeiras terminações nervosas. em contraposição às teorias ‘concepcionista’ ou da ‘personalidade condicional’). entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar). É cons- titucional a proposição de que toda gestação humana principia com um embrião igualmente humano. contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural continuidade fisiológi- ca. que se faz destinatário dos direitos fundamentais ‘à vida. para o embrião. III – A PROTE- ÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À VIDA E OS DIREITOS INFRA- CONSTITUCIONAIS DO EMBRIÃO PRÉ-IMPLANTO. A potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meritória o bastante para acobertá-la. o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Mas as três realidades não se confundem: o embrião é o embrião. Não faz de todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado bem jurídico.64  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba com células-tronco embrionárias (inviáveis biologicamente ou para os fins a que se destinam) significa a celebração solidária da vida e alento aos que se acham à margem do exercício concreto e inalienável dos direitos à feli- cidade e do viver com dignidade (Ministro Celso de Mello). mas da vida que já é própria de uma concreta pessoa. Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de proteção pelo direito comum. à segurança e à propriedade’. Isto sem prejuízo do reconhecimento de que o zi- . mas nem todo embrião humano de- sencadeia uma gestação igualmente humana. pelo menos enquanto o ovócito (óvulo já fecundado) não for introduzido no colo do útero feminino. claro. MATÉRIA ESTRA- NHA À PRESENTE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Donde não existir pessoa humana embrionária. mas embrião de pessoa humana. O embrião referido na Lei de Biossegurança (‘in vitro’ apenas) não é uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova. à igualdade. Mutismo constitucional hermeneuti- camente significante de transpasse de poder normativo para a legislação ordinária. mas não uma pessoa no sentido biográfico a que se refere a Constituição. IV – AS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO NÃO CARACTERIZAM ABORTO. O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvi- mento biológico do ser humano. O em- brião pré-implanto é um bem a ser protegido. Situação em que deixam de coincidir concepção e nascitu- ro. insuscetível de progressão reprodutiva. O modo de irromper em laborató- rio e permanecer confinado ‘in vitro’ é. à liberdade. 199 da Constituição. o que propicia a base constitucional para um casal de adultos recorrer a técnicas de reprodução assistida que incluam a fertilização artificial ou ‘in vitro’. para contemplar os porvindouros componentes da unidade familiar. Propo- sição não autorizada pela Constituição. O recurso a processos de fertilização artificial não impli- ca o dever da tentativa de nidação no corpo da mulher de todos os óvulos afinal fecundados. A decisão por uma descendência ou filiação exprime um tipo de autonomia de vontade indi- vidual que a própria Constituição rotula como ‘direito ao planejamento familiar’. Não existe tal dever (inciso II do art. po- rém. 5º). com planejadas condições de bem-estar e assistência físico-afetiva (art. ou nele já fixado. versante sobre pesquisas com substâncias humanas . Não se cuida de interromper gravidez humana. ‘fruto da livre decisão do casal’. planejamento familiar que.’ (Ministro Celso de Mello). De outra banda. se por eles optar o casal. Células-Tronco Embrionárias  65 goto assim extracorporalmente produzido e também extracorporalmente cultivado e armazenado é entidade embrionária do ser humano. Não. A opção do casal por um processo ‘in vitro’ de fecundação artificial de óvulos é implí- cito direito de idêntica matriz constitucional. 5º da Constituição. 5º da CF). V – OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AUTONOMIA DA VONTADE. em contrapasso ao direito fundamental que se lê no inciso II do art. sem acarretar para esse casal o dever jurídico do aproveitamento reprodutivo de todos os embriões eventualmente formados e que se revelem geneticamente viáveis. Mais exatamente. 226 da CF). O § 4º do art. AO PLANEJAMENTO FAMILIAR E À MATERNIDADE. A Lei de Biossegurança não veicu- la autorização para extirpar do corpo feminino esse ou aquele embrião. Imposição. O prin- cípio fundamental da dignidade da pessoa humana opera por modo biná- rio. porque incompatível com o próprio instituto do ‘planejamento familiar’ na citada perspectiva da ‘paternidade responsável’. que implicaria tratar o gênero feminino por modo desumano ou degradante. aqui enten- dida como autonomia de vontade. fundamentado este nos princípios igualmente constitucionais da ‘dignidade da pessoa humana’ e da ‘paternidade responsável’. nas palavras do Ministro Joaquim Barbosa. A conjuga- ção constitucional da laicidade do Estado e do primado da autonomia da vontade privada. De uma parte. necessário seria reconhecer a ele o direito a um útero. além do mais. VI – DIREITO À SAÚDE COMO COROLÁRIO DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA DIGNA. ser humano em estado de embrião. para aquinhoar o casal com o direito público sub- jetivo à ‘liberdade’ (preâmbulo da Constituição e seu art. Para que ao embrião ‘in vitro’ fosse reconhecido o pleno di- reito à vida. pois dela aqui não se pode cogitar. é ‘fundado nos princípios da dignidade da pessoa huma- na e da paternidade responsável’ (§ 7º desse emblemático artigo constitu- cional de nº 226). A ‘controvérsia constitucional em exame não guarda qualquer vinculação com o problema do aborto. Eliminar ou desentranhar esse ou aquele zigoto a caminho do endométrio. da insuficiência protetiva ou do vício da arbitrariedade em matéria tão religiosa. A Lei de Biossegurança não conceitua as categorias mentais ou entidades biomédicas a que se refere. a Constituição Federal dota o bloco norma- tivo posto no art. faz parte do catálogo dos direitos fundamentais da pessoa humana (inciso IX do art. No caso. 218) que autoriza a edição de normas como a constante do art. A regra de que ‘O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico. A compatibilização da liberdade de expressão científica com os deveres estatais de propulsão das ciências que sirvam à melhoria das condições de vida para todos os indivíduos. Por isso que exigente do máximo de proteção jurídica. Trata-se de um conjunto normativo que parte do pressuposto da intrínseca dignidade de toda forma de vida humana. faz parte da seção normativa dedicada à ‘SAÚDE’ (Seção II do Capítulo II do Título VIII). até como signo de vida co- letiva civilizada. 196 da Constituição). 197). enquanto atividade individual. filosófica e etica- mente sensível como a da biotecnologia na área da medicina e da genética humana. garantida mediante ações e serviços de pronto qualificados como ‘de relevância pú- blica’ (parte inicial do art. 5º da Lei de Biossegurança. sempre. Tão qualificadora do indivíduo e da sociedade é essa vo- cação para os misteres da Ciência que o Magno Texto Federal abre todo um autonomizado capítulo para prestigiá-la por modo superlativo (capítulo de nº IV do título VIII). diretamente postas pela Constituição a serviço desse bem inestimável do indivíduo que é a sua própria higidez fí- sico-mental. O termo ‘ciência’. biológicas e correlatas. ou que tenha poten- cialidade para tanto. Saúde que é ‘direito de todos e dever do Estado’ (caput do art. VII – O DIREITO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE DE EX- PRESSÃO CIENTÍFICA E A LEI DE BIOSSEGURANÇA COMO DENSIFICA- ÇÃO DESSA LIBERDADE. 6º da CF) e também como o primeiro dos direitos constitutivos da seguridade social (cabeça do artigo constitucional de nº 194). Assegurada. 5º da CF). a dignidade da pessoa humana. ciências médicas. 5º da Lei 11. VIII – SUFICIÊNCIA DAS CAUTELAS E RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELA LEI DE BIOSSEGURANÇA NA CONDUÇÃO DAS PESQUISAS COM CÉLULAS- -TRONCO EMBRIONÁRIAS. positivado como um dos primeiros dos direitos sociais de natureza fundamental (art. a pesquisa e a capacitação tecnológicas’ (art. A Lei de Biossegurança caracteriza-se como regração legal a salvo da mácula do açodamento. A Lei de Biossegurança como instrumento de encontro do direito à saúde com a própria Ciência. Direito à saúde.105/2005 do necessário fundamento para dele afastar qualquer invalidade jurídica (Ministra Cármen Lúcia). caput) é de logo complementada com o preceito (§ 1º do mesmo art.66  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba para fins terapêuticos. mas nem por isso impede a facilitada exegese dos seus textos. Liberdade de expressão que se afigura como clássico direito constitucional-civil ou genuíno direito de personalidade. pois é de se presumir que recepcionou tais categorias e as que lhe são correlatas com o significado que elas por- . 218. IX – IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.5. sempre se teria a possibilidade de esvaziamento da iniciativa. inexiste o abor- to. Pensamento jurídico moderno e seus desencontros com a biotecnologia. É este perigo a que se deve atentar. afirmar um direito que proteja o ser humano sem ser humanista (no sentido moderno do termo) e salvaguarde a vida. 10 Curitiba: Ed. 27. ven- cidos. Ricardo Lewandowski.10 A par disso. que o homo oeconomicus substitua o homo sapiens.5. por maioria – a ação foi julgada improcedente. orgâ- nica. pode-se realizar pesquisa com células-tronco embrionárias para fins terapêu- ticos. não se atenta contra a vida. ou restrições tendentes a inviabilizar as pesquisas com células-tronco embrionárias. unem-se a ciência. 242. cujo início é incerto. Public. Tanto a vida quanto o ser humano estão sendo instrumentaliza- dos. em diferentes extensões os Senhores Ministros Mene- zes Direito. a dignidade da pessoa humana é permeada pelo direito à saúde e plane- jamento familiares.5.). Inexistência dos pressupostos para a aplicação da técnica da ‘interpretação conforme a Constituição’. sem ser vitalista e biologizante. Divulg. pois existe embasamento tradicional e se deveria mudar essa posição. Ação direta de inconstitucionalidade julgada totalmente im- procedente” (ADI nº 3510/DF – Distrito Federal – Tribunal Pleno do Supre- mo Tribunal Federal – Julg. e a inevitável questão que emerge desta atitude é exatamente de como. Rebeca Fernandes. Há quem critique de maneira veemente a decisão do Supremo Tribunal Fede- ral. Em síntese. são complementares e o constitucionalismo fraternal deve ser incorporado às relações humanas.2008 – DJe-096. Afasta-se o uso da técnica de ‘interpretação conforme’ para a feitura de sentença de caráter aditivo que tencione conferir à Lei de Bios- segurança exuberância regratória. Melhor ainda.2010. o progresso e o respeito solidário entre todos. estão se tornando mercadorias em função da lógica nociva do biopoder. caso contrário. se dissemine. que viver se resuma a consumir e direito se traduza em desejo. a pesquisa de células-tronco adultas não exclui a realizada para células-tronco embrionárias.   DIAS. 2012. 29. então. que as mais delicadas possuam controle e publicidade. parcialmente. Cezar Peluso e Gilmar Men- des (Pres. Células-Tronco Embrionárias  67 tam no âmbito das ciências médicas e biológicas. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) produziram as primeiras células-tronco embrionárias humanas no Brasil. as pesquisas prosseguem e por isso mesmo necessária seguran- ça jurídica para os experimentos científicos terem investimentos.2010 – v. 28. p. UFPR. afastando-se tormentos infindáveis. . com saúde. porquanto a norma impugnada não padece de polissemia ou de plurissig- nificatidade. Enfim. Não se pode deixar que a lógica do mercado. cultural e biológica. social. sem perder de vista a vida digna. para evitar abusos. Dever- -se-ia colocar no lugar do “sujeito de direito” o homem em sua concretude. da empresa. Eros Grau. A melhora em testes para Parkinson e lesões da medula. por exemplo. para que tais tratamentos se tornem uma realidade. g.br/noticias/88-prmeiras-celulas-tronco-embrionárias-brasileiros>. superior ao obtido com células-tronco adultas.5 Discussão ética As células-tronco embrionárias humanas podem transformar-se em qualquer outra célula do corpo.11 5. procura-se prestigiar pesquisas em que se ob- têm as células-tronco em questão sem destruição do embrião. têm capacidade de se tornar diferentes tipos de células.. Lygia da Veiga Pereira. muitas vezes. Nos Estados Unidos. no Brasil. cientistas do Instituto de Biociências da Universidade usaram 35 embriões que estavam congelados em clínicas de fer- tilização “in vitro”. aqui. v. Elas são. aos animais. Falta muito. as que regulam a ativação dos genes específicos. porém. Dois   Disponível em: <Ameo. pluripotentes. restringe-se. Por isso mesmo. . ainda.org. conforme mostrado. é muito boa. 2014. A pesquisa começou em 2006. doados pelos genitores. tal como discipli- nado na lei brasileira. segundo a pesquisadora. 11 Acesso em: 3 set. pela possibilidade de se eliminar o “embrião”. em 2005. o grupo Geron entrou com pedido no FDA (Food and Drug Administration). causa controvérsias. O uso de células-tronco embrionárias para sanar males. Eles consegui- ram acionar a produção de quatro proteínas da classe dos “fatores de transcrição”.68  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba É o primeiro resultado prático obtido no país desde a legalização das pesqui- sas com embriões humanos. contudo. ainda. pela Lei de Biossegurança. questionada na Justiça. Para se conseguir uma linhagem estável. As células-tronco embrionárias foram testadas em animais e o efeito é muito positivo. como o mal de Parkinson. Experimento de japoneses com camundongos conseguiu produzir células- -tronco versáteis sem destruir embriões. órgão regulamentador do país. para começar os testes clínicos em humanos. ela foi reconfirmada pelo Supremo Tribunal Federal. capazes de conferir versatilidade a células comuns. tendo sido possível sua conversão em células muscu- lares e nerônios. ganhando divulga- ção na mídia. líder do gru- po de pesquisa. após alteração genética. A identificação dos quatro fatores de transcrição que induzem a pluripotência (versatilidade) das células foi o ponto-chave do trabalho. afirmou que as células produzidas são realmente células-tronco embrionárias. A ideia é mobilizar esse potencial regenerativo em terapias para doenças degenerativas. pois foram modificadas com genes que têm potencial cancerígeno.Paulo.12 “O cardeal mexicano Javier Barragán. São Paulo. Dessa forma. Para Zago. 9. 13   Folha de S. vasos sanguíneos e nervos. 12   Folha de S. ademais. um outro grupo mostrou que as chamadas células iPS (células-tronco pluriponte induzidas) são capazes de realmente curar doenças.Paulo.1.Paulo.14 O estudo. O uso dessa técnica foi bem recebido tanto pela academia quanto por grupos religiosos e antiaborto por oferecer uma alternativa ao uso das polêmicas células-tronco embrionárias. Um grupo de pesquisadores conseguiu “enganar” células adultas humanas para que elas voltassem a agir como células-tronco embrionárias. afirmaram que a diversidade de alternativas para obter células-tronco é boa para a ciência. elogiou ontem o trabalho de cientistas que conseguiram obter células-tronco de potencial terapêutico a partir do líquido amniótico de placenta. não descartam a necessidade de células embrionárias. Norte-americanos usaram a técnica para reverter a anemia falciforme em animais com um modelo da doença. Células-Tronco Embrionárias  69 estudiosos brasileiros. outros cientistas diziam que ainda era cedo para decretar o fim da necessidade de uso de células de embrião em pesquisas.8. A esperança é as células-tronco deslocarem-se até o local da lesão e liberarem compostos que ajudem os nervos lesionados da medula a se regenerar. como c-Myc. Foram manipuladas para se tornarem precursoras de determinados tipos de células nervosas. elas poderão converter- -se em células destruídas pela lesão na medula do paciente. A Geron é a primeira empresa a receber autorização do FDA para aplicação humana das células-tronco embrionárias para paciente com lesão medular recente. ministro de Saúde do Vaticano. terça-feira. .2006. Marco Antônio Zago e Stevens Kastrup Rehen. e testes. ibidem. São Paulo. Dois deles. Há quem trabalhe com isso. não se deixa a pesquisa com células-tronco embrionárias para o esquecimento.15 De outro lado. após 20 dias daquela notícia. “é um verdadeiro progresso porque não danifica órgãos e não discrimina a vida”. como osso. o uso de células geneticamente alteradas também pode levantar questionamentos éticos. pela primeira vez. sexta-feira. p. A10. e mostrou que as células-tronco do líquido amniótico podem ser diferenciadas para compor diversos tipos de te- cidos. p.12. segundo a imprensa. São Paulo. 14   Idem. 11. A22. Alysson Muotri e Stevens Rehen. Depois.2007. músculo. Na mesma reportagem. foi conduzido pelas uni- versidades americanas de Harvard e Wake Forest. todavia. sexta-feira. ao menos em camundongos.2007. A29.”13 Segundo o religioso. As células-tronco usadas pela Geron vêm de embriões humanos excedentes de tratamento de infertilidade. estão sendo feitos em seres humanos. sem destruir embriões. as células não pode- riam ser usadas em experimentos clínicos. 7. receberam com cautela o avanço. porém. p. no estado atual. 15   Folha de S. Hugo. Parlamento Europeu nº 303.16 Depois de mostrar de que forma outros países e organismos tratam do assun- to. p. pois uma de suas modali- dades tem estrita conexão com a nova perspectiva de cura de doenças insanáveis. o veto restringia a ação dos cientis- tas e prejudicava a capacidade do país em competir com outros. maio 2001. na maior parte dos Estados. inseminação artificial e manipu- lação de embriões. investigação científica e legislações europeias. os pacientes devem apresentar lesões muito recentes.70  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba O teste na fase 1 não terá por objetivo curar pacientes. Fréderic. sob a direção de Stoa Graham Chambers.com/ciência-e-saude/noticia/2010/10/empresa-americana-inicia-1- teste-clinico-com-celula-tronco-embrionaria. que entrou em vigor em janeiro de 1991. p. só permite o diagnóstico ou análise de um embrião para o seu próprio benefício e com o objetivo de implantar este embrião individual no útero da respectiva mãe e visando à gravidez e ao parto. .6 Regulamentação internacional Nos Estados Unidos da América. Nota informativa nº 14. 18   GAMARELI. 5.112. há muito. Brasília.html>. Desenvolveram-se. a Lei de Proteção do Embrião. Segundo o novo presidente. 2004. o presidente George Bush proibiu a destinação de recursos públicos para o financiamento de pesquisas que utilizassem células-tronco em 2001). de uma maneira geral. 1-10. 6. dois conceitos diferentes: “– A investigação em embriões humanos financiada pelo setor público é objeto de uma regulamentação restrita (nessa esteira. livre de interfe- rências políticas. Nos termos do § 1º da Lei de 1991. Barack Obama. Ele prometeu uma “nova fronteira” para a ciência. qualquer pessoa que fertilize artificial- mente um óvulo para qualquer outro fim que não o de originar uma gravidez na 16   Disponível em: <G1. Pelas diretrizes definidas para o teste.”18 O atual presidente. Legislação atinente à clonagem. a investigação desenvolvida pelo setor privado. e em 9. não é sujeita a qualquer regulamentação (apenas um Estado em cada cinco possui legislação nesta matéria).globo. Assim. 17   FERNANDES JÚNIOR. a utilização de embriões na investigação médica é ilegal na Alemanha.2009 assinou um decreto suspendendo o veto de seu antecessor ao uso de dinheiro público em pesquisas com células-tronco embrionárias. p. out. mudou a diretiva na matéria. Consultoria Legislativa. mas determinar se as células são seguras para uso. passar-se-á a comentar sobre a clonagem humana. em paralelo. conforme noticiado pela imprensa. Embriões. está ao rubro a controvérsia so- bre a regulamentação da investigação em embriões humanos. 7.17 – Em contrapartida.3. Na Alemanha. 2005. Cada caso tem de ser aprovado por uma comissão especial de ética. conforme o art. Lei nº 42/88. 2. de 22 de novembro. em prin- cípio. Discute-se se os embriões devem ser considerados viáveis ou não. No entanto. a experimentação com base em embriões humanos. Células-Tronco Embrionárias  71 mesma mulher que doou o óvulo está sujeito a ser processada. Assim. têm declarado serem a favor dessa opção. de 28 de dezembro. é pos- sível importar células estaminais de outros países para projetos de investigação especiais de grande importância. No entanto. 18. opiniões variam e o governo conservador opõe-se. Acesso em: 19 5 fev. e se os progenitores derem o seu consentimento. No entanto. As sentenças foram lidas pelo Tribunal Constitucional (STC 212/99 e STC 116/99). Tanto a Comissão Nacional para a Reprodução Assistida como o Observatório da Lei e Bioética.bionetonline. Consequentemen- te. . existe uma exceção a essa regra: é permitida a investigação se esta for útil para o embrião e não o danificar.20 Na França. A discussão centra-se nos embriões excedentá- rios criopreservados que ultrapassaram a data legal para serem utilizados e que foram rejeitados para qualquer projeto parental.org/portugues/Content/sc_leg1. e também diversos grupos de cientistas e médicos.2002 e só podem ser utili- zadas em projetos com “objetivos de investigação de elevada importância”. em certas circunstâncias. A autorização deve. é ilegal utilizar um embrião para produzir células estaminais. O problema principal con- siste no conceito de viabilidade.bionetonline. para técnicas de reprodução assistida.htm>. p. proíbe-se.   Disponível em: <http://www.htm>.01. 2. e a Con- venção dos Direitos Humanos e Biomedicina do Conselho Europeu. pela Lei de julho de 1994. Não é permitida a produção de embrião unicamente para fins de investigação médica.1. a situação alterou-se. Autoriza-se a investigação em embriões inviáveis. 2005. Para se usar embriões humanos a fim de produzir células estaminais. as leis aplicáveis são: Lei nº 35/88. a lei es- tipula que é necessário haver autorização específica. Essas células deverão ter origem em linhas de células estaminais criadas e estabelecidas antes de 1º. uma vez que a capacidade deles de se desenvol- verem em azoto líquido é nula. p.19 Na Espanha. sobre Bioética. Acesso em: 20 5 fev. 2.org/portugues/Content/sc_leg1.2000). Desde que essa lei foi promulgada. é ilegal criar um embrião puramente para fins de investigação médica. ser dada pela Comissão Nacional para a Reprodução Assistida ou por uma comissão ad hoc. para doação e uso de embriões humanos e fetos ou das suas células. As mais altas au- toridades médicas francesas (a Comissão Consultiva Nacional sobre Ética e a   Disponível em: <http://www. tecidos e órgãos. rigorosamente regulamentadas. da Convenção dos Direitos Humanos e Biomedici- na do Conselho Europeu (de 01. de uma maneira geral. mas utilizando apenas embriões excedentários congelados produzi- dos por FIV e doados por ambos os progenitores para investigação. No entanto. Atualmente. Essa nova le- gislação permitiria aos progenitores doarem os embriões excedentários (não im- plantados no útero) para investigação. de nº 135/VII (1997). Neste caso. Nunca houve consenso sobre o estatuto do embrião e isso impediu todas as tentativas de legislar a procriação clinicamente assistida.21 Em Portugal não é legal a utilização de embriões humanos para investigação médica. . existe uma lacuna na lei. Em 20.000 embriões excedentários. existem cerca de 100. em que não haja planos diretos de conceber um filho). proibindo “a criação ou utilização de embriões para fins de investigação ou experimentação científica”.gouv.2001 foi apresentado ao Conselho de Ministros um novo projeto de lei destinado a alterar a lei anterior. a remoção de células estaminais de embriões constitui uma in- fração à Lei de Bioética de 1994. A nova lei proibiria igualmente a concepção de embriões humanos para fins de investigação (em outras palavras. têm de ser destruídos. Lei promulgada em 29. A experimentação só avançará se ambos os progenitores tiverem dado o seu consentimento por escrito e se o protocolo de investigação tiver sido especificamente aprovado pelos Ministérios responsáveis pela investigação e saúde. 21 Acesso em: 5 fev. para uma eventual implantação posterior no útero da mãe. Na França. que foi adotado após uma primeira discussão na Assemblée Nationale (parlamento francês). A nova lei provavelmente legaliza a produção de células estaminais para fins terapêuticos. os legisladores concordam com o biólogo Jacques Tes- tard (responsável pelo primeiro bebê de proveta francês) nas reservas que coloca acerca da genuína revolução antropológica que seria a criação de seres humanos para.   Disponível em: <http://www. Existe um decreto muito genérico. uma vez que não é proibida a importação de células de embriões humanos disponíveis no mercado internacional. Após esse período de cinco anos.72  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Academia de Medicina) e o Conselho de Estado recomendaram a autorização da investigação de embriões in vitro. Os embriões excedentários são armazenados em estado de congelação durante cinco anos. em janeiro de 2002. Os progenitores poderão igualmente decidir doá-los a outro casal ou mandá-los destruir. Contu- do. 2005. publicado pelo Con- selho de Ministros.000.06. ajudar um casal a ter um filho.legifrance. em seguida. A fertilização in vitro (FIV) só pode ter uma finalidade. que proíbe a investigação em embriões.07. aceita-se a investigação “quando esta tenha como único propósito beneficiar o embrião”. sendo mensalmente produzidos cerca de 1. destruí-los.fr> (“Le service public de l’acess au droit”).1994 proíbe a produção de embriões para inves- tigação médica. pode-se produzir um embrião unicamente para fins de investiga- ção médica. quer tenham sido produzidos unicamente para fins de investigação médica. Em 2001. 1-2. Essa investigação apenas poderá ocorrer nos embriões excedentários re- sultantes da fertilização artificial. Além disso. de 1997. Acesso em: 23 5 fev. ela corresponde à interpretação dessa Lei feita pelo Parlamento.23 Na Dinamarca existem dois casos em que é legal utilizar embriões humanos na investigação médica: quando o objetivo é aperfeiçoar as técnicas de fertili- zação artificial ou aperfeiçoar as técnicas de investigação genética do embrião. antes de serem eliminados. Se o doador der o seu consentimento. a “Human Fertilisation and Embryology Act” (Lei de Fertiliza- ção Humana e Embriologia) permite a investigação com embriões humanos em alguns casos específicos. os doadores têm de assinar uma declaração consentindo na utilização dos óvulos ou espermatozoides para uma grande variedade de situações. Desde 1980. portanto.htm>. Apesar de essa proibição não constar explicita- mente na Lei da Fertilização Artificial dinamarquesa de 1997. Células-Tronco Embrionárias  73 A Convenção de Oviedo começou a vigorar em dezembro de 2001. 18 proíbe expressamente a “criação de embriões humanos para fins de investigação”.   Disponível em: <http://www. Está regulamentado na lei dinamarquesa sobre fertilização artificial (“Lov om Kunstig Befrugtning”). se existir consentimento. bem como na investigação do desenvolvimento dos embriões humanos. quer tenham sido produzidos para serem implantados em um útero. a esterilidade e as doenças genéticas.org/portugues/Content/sc_leg1. 2005. Esses casos incluem a investigação sobre o aborto. Em todos os casos. p. o mais foi extraído de <http://www.22 No Reino Unido é permitida a utilização de embriões humanos para investi- gação médica. essa lei foi alterada de modo a permitir a utilização de embriões para investigação de doenças graves e dos respectivos tratamentos.bionetonline. com algumas leis de licenciamento rigorosas. O art.bionetonline.htm>. A “Human Fertilisation and Embryology Act” aplica-se. 22   Afora o conteúdo do relatório do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Acesso em: 5 fev. Não se podem criar. . embriões exclusivamente para fins de investi- gação. que quaisquer outras experiências com embriões são ilegais.org/portugues/Content/sc_leg1. os embriões devem ser eliminados no período de 14 dias após a fertilização. 2005. 6. igualmente. a todos os embriões. os óvulos e os espermatozoides podem ser utilizados para produzir novos embriões que serão utilizados apenas para a finalidade já indicada. p. como no caso de morte ou de óvulos excedentários. Antes da recolha dos óvulos e do esperma. os óvulos e o esperma deixam de poder ser utilizados na investigação e têm de ser destruídos. de 1997).org/portugues/Content/sc_leg1. Acesso em: 5 fev.eu. Contudo. legislação específi- ca quanto à produção de embriões unicamente para fins de investigação médica. é legal importar células estaminais de outros países para investigação. p. de acordo com a Lei da Investigação Médica de 1999. a menos que isso torne possível a cura ou a prevenção de uma doença grave. e a investigação que visa a alterar características hereditárias é proibi- da. No âmbito do Conselho da Europa. Decor- rido o lapso temporal.bionetonline. É estritamente proibido criar embriões meramente para fins de investigação.26   Disponível em: <http://www. se- gundo regulamentação da lei dinamarquesa de 1997 sobre fertilização artificial. e segundo o que disse o Ministro da Saúde. . proíbe explicitamente a “criação de embriões humanos para fins de investigação” (art. Mas.org/portugues/Content/sc_leg1. 2006. a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e da Dignidade do Ser Humano. nos casos em que uma doença na fase inicial da idade adulta cause infertilidade).74  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Não é legal utilizar embriões humanos para produzir células estaminais.htm>. desde que os doadores tenham dado o seu consentimento por escrito.europarl. Não há. em janeiro de 2002. igualmente. 2006. Também não foi elaborada legislação sobre a utilização de embriões huma- nos para produzir células estaminais.   Disponível em: <http://www. 2. 3 após impressão. Os óvulos e esperma podem ser armazenados em nitrogênio líquido durante 15 anos (por exemplo.htm>. p. a Convenção só tem força de lei uma vez rati- ficada pelos parlamentos nacionais. p. 18). o que não aconteceu em todos os países da União Europeia.24 Na Finlândia. Acesso em: 25 14 jul.int/omk/sipade2>. 2005. no que diz respeito à Apli- cação da Biologia e da Medicina (igualmente denominada Convenção de Oviedo. 26   Disponível em: <http://www2.bionetonline. Acesso em: 24 14 jul. Os embriões não podem ser implantados em um organismo e têm de ser des- truídos no prazo de 14 dias.25 Na União Europeia não existe legislação específica sobre a utilização de em- briões humanos na investigação médica. a contar da fertilização. 4 após impressão. os embriões excedentários dos tratamentos de fertilização podem ser utilizados para investigação. A investigação em células estaminais é controlada pelos conselhos éticos dos hospitais. 1 Aspectos genéricos da clonagem humana O clone. novamente.asp>. sob pena de se condenar alguém a um sofrimento contínuo. bastando a manipulação do óvulo e a colocação de suas características genéticas no núcleo do gameta feminino. Gisele. o qual pode ser totalmente desconhecido. sem necessidade do relacionamento com outrem. 6 Clonagem Humana 6. que significa broto. Minidicionário de língua portuguesa. 1   FERREIRA. resultando em células idênticas entre si e também idênticas à célula progenitora. por meio próprio ou natural. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Tais genes clonados são apenas parte do material genético. 1 após impressão. 10. . mantém-se a mesma carga genética (genótipo). a vida se esvaia. 3.uj. criada. Acesso em: 24 maio 2006. não se pode imediatamente dificultar qualquer possibilidade nesse desiderato. 1993. p. produto da clonagem.1 O vocábulo advém do grego klon. e brotar é um processo assexuado de reprodução pela célula-mãe. Clonagem e demais manipulações modernas em face do direito. ed. até que. impr.com. 2   LEITE. Disponível em: <http://www. 123. É certo que o fenótipo dependerá de influência do meio. pode ser definido como o conjunto de indiví- duos originários de outros por multiplicação assexuada. “ter uma cópia de si mesma”.br/default_impressao. se existe a possibilidade de amenizar ou eliminar uma doença de um ser humano. Aurélio Buarque de Holanda. todavia. No entanto. p.2 A pessoa que almeja essa forma de procriação busca auxílio de um médico a fim de ser. Isso com atenção ao entendimento interna- cional para ambos. na fase de blastocisto. as quais são dolorosas. de ínfimo resultado – estimado em não mais de 10% – e de alto custo. ROMERO. porque hoje só se conseguem cultivar em laboratório células com as mesmas características do tecido do qual foram retiradas. por exemplo. 5   ZATZ. 6. serão gerados só tecidos. M. Carmen Rachel S. 18. Consultoria legislativa de 27.. 2004. Mayana. tem suas limitações.76  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Daí a necessidade.pdf>. teoricamente.br/ conleg/artigos/politicasocial/ClonagemHumana. Clonagem humana – um panora- ma da questão. 249. 251.5 A técnica teria a vantagem de evitar rejeição se o doador fosse a própria pessoa. depois de esclarecida. Na clonagem para fins terapêuticos. . inseri-lo em um óvulo e implantá-lo em um útero (que funcionaria como uma “barriga de aluguel”). Disponível em: <http://www. Se esse óvulo se desenvolver. são pluripotentes – para fabricar diferentes tecidos. Luiz Carlos Pelizari. p.4 Clonagem terapêutica é a técnica que consiste na remoção do núcleo de um ovo doado que é “reprogramado” com uma pequena porção de material genético do receptor. Isso abrirá pers- pectivas promissoras para futuros tratamentos. nº 51.senado. Revista de Estudos Avançados.2 Clonagem reprodutiva e terapêutica: distinção No caso da clonagem humana reprodutiva. A tecnologia é uma alternativa às propostas disponíveis de fer- tilização assistida medicamente. São Paulo. Também não há por que chamar esse óvulo de embrião após a transferência de núcleo. pois ele nunca terá esse destino. constitucional e legal. Clonagem e células-tronco. Acesso em: 4 jul. que. O doador não poderá ser a própria pessoa 3   ZATZ. Todavia. a diversidade das expressões clonagem reprodutiva e clonagem terapêutica. v. havendo a possibilidade de se usar essas células – que. p. p. 4   FARIA. Não se trata de clonar um feto até alguns meses den- tro do útero para depois lhe retirar os órgãos. sucinta e claramente. em laboratório. que casais inférteis pu- dessem ter filhos.6. 6. de abordá-la nos aspectos ético. 2006. Clonagem e células-tronco. Mayana. é permitido que ele se divida no laboratório. a proposta seria retirar-se o nú- cleo de uma célula somática.3 A finalidade da técnica seria permitir.2002. Seria como um gêmeo idêntico nascido posteriormente. óvulo cujo núcleo foi substituído pelo de uma célula somática. teremos um novo ser com as mesmas características físicas da criança ou adulto de quem foi retirada a célula somática. sem implantação no útero. estressantes. Em vez de se colocar o óvulo no útero.gov. poderia ser de qualquer tecido de uma criança ou adulto. pois a mutação pa- togênica causadora da doença estaria presente em todas as células. o conhecimento da formação de cânceres. a clonagem reprodutiva humana requer a inserção em um útero hu- mano. Além disso. ainda. 2002). 252. 7-8). que se mostraram funcionais. A compreensão do processo de diferenciação celular que a tecnologia de clonagem pode produzir permitirá. M. por meio de injeção de células clonadas de miocárdio nas regiões danificadas pelo infarto. Luiz Carlos Pelizari. O experimento foi realizado em uma vaca. Clonagem e células-tronco. grandes benefícios na área de transplantes – seria possível cultivar apenas órgãos isolados. Uma outra questão diz respeito à reprogramação dos genes que poderiam inviabilizar o processo dependendo do tecido ou do órgão a ser substituído. por exemplo. não se sabe. Mayana. Carmen Rachel S. Uma verdadeira revolução na cirurgia plástica. no caso de células obtidas de uma pessoa idosa afetada pelo mal de Alzhei- mer. poderá ser promovida. a grande esperança. 6   ZATZ. ainda. sem risco de rejeição. p. Clonagem humana. p. segundo os especialistas. diabetes. sem que eles fizessem parte de um ser completo. dos quais foram retiradas células precursoras de tecido renal (CÉLULAS. células-tronco podem ser cultivadas para substituir ou repor tecidos e órgãos danificados por cau- sas diversas como. Parkinson. para terapia celular vem da utilização de células-tronco de outras fontes. os benefícios da clonagem terapêutica são acentuados por outros autores. trata- -se de uma tecnologia que necessita de muita pesquisa antes de ser aplicada no tratamento clínico. 2. se as células clonadas teriam a mesma idade do doador ou se seriam células jovens. Em resumo. por exemplo. doenças degenerativas das articulações e ou- tros problemas similares” (FARIA. usando células do próprio animal para produzir embriões clonados. 7   “Uma das potencialidades oferecidas diz respeito ao entendimento do processo de envelheci- mento das células e à possibilidade de nele intervir. em espaço de tempo exíguo. Se usadas linhagens de células-tronco embrionárias de outra pessoa. ter-se-ia também o problema da compatibilidade entre o doador e o receptor. ROMERO. Clonagem Humana  77 quando se tratar de alguém afetado por doença genética. . tanto reconstrutiva como cosmética.7 A diferença fundamental entre os dois procedimentos é que: 1.    Outra possível aplicação seria na reversão de problemas como ataques cardíacos.    A tecnologia promete. queimaduras e lesões nervosas e cerebrais. insuficiência cardíaca. na transferência de núcleos para fins terapêuticos.6 Embora essas ressalvas sejam feitas. Uma conquista impor- tante nesse sentido foi obtida por pesquisadores americanos que teriam viabilizado a produção de estruturas semelhantes a pequenos rins. Da mesma forma.. Por este motivo. trazendo grandes progressos para as áreas de prevenção e cura desse tipo de doença. por mais que se seja favorável à clonagem terapêutica. as células são mul- tiplicadas em laboratório para formarem tecidos.    Especula-se que a técnica poderia contribuir para a limitação ou a cura de doenças como Al- zheimer. 10 2006. Acesso em: 6 jul. desde a primeira fusão e as primeiras divisões ce- lulares. preocupado com o futuro da humanidade no século XXI. 2002. 1º. 17. Que se estimulem as pesquisas científicas visando à obtenção de células-tronco multipotenciais (medula óssea. foi contrária à produção de embriões para fins de pesquisa. desde o seu início até o seu fim. jan. pois é imoral. inaceitável para qualquer ser humano que se produzam embriões humanos por fertiliza- ção assistida ou clonagem artificial para. Data de publicação: 18.gov. que se tornou lei. também. critica a “eugenia liberal”. do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.09. o tecido fetal cadavérico e os embriões residuais dos tratamentos de infertilidade representam um suprimento adequado de recursos de pesquisa para os proje- tos federais que envolvam embriões humanos. a Comissão Consultiva Nacional Americana sobre Bioética (American National Bioethics Advisory Commission). 9   “É imoral planejar ou tentar realizar quaisquer experimentos que possam resultar na produção de um ser humano pela clonagem artificial. O ser humano tem vida a partir do momento em que surge a célula ovo.11 Jürgen Habermas. é.htm>. A Resolução nº 6. retirar-se células-tronco pluripotenciais (células do embrioblasto) por mais nobres que pareçam ser seus objetivos (clonagem terapêutica). 2004. Nos Estados Unidos. Os benefícios da reprodução humana. pois. produto da fertilização do ovó- cito pelo espermatozoide e a interrupção da vida do ovo (em qualquer estágio). visando à retirada de células-tronco pluripotenciais ou multipotenciais poderá e deverá ser. por exemplo) de indivíduos adultos.br/cnpcp/resolucoes/ res2002n6.10 Dom Geraldo Majella Agnelo. p. de 30. São Paulo. O embrião. pois ela se inicia com a formação do ovo.org/portuguese/Código: ZP04081805>. Brasília. devendo a interferência nele. a chamada clonagem reprodutiva. A vida é um processo que tem início com a fecundação.8.78  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba 6. ca- pazes de produzir diferentes tecidos” (Disponível em: <http://www. ao comentar o Projeto de Lei da Biossegurança. considerada um ato criminoso. ser qualificada de crime. instituiu como referência – em seu art. p.8 Curioso é a possibilidade de os Estados-membros tratarem a matéria de maneira diversa. Folha de S. também. “inaceitáveis” são os argumentos éticos da clonagem terapêutica no Reino Unido.   Disponível em: <http://www./mar. sobre “Clonagem Hu- mana” –. nº 16. em seus relatórios.mj.9 Segundo a Federação Internacional das Associações de Médicos Católicos. CEJ. Por outro lado. do embrião ou do feto.zenit. A vida deve ser respeitada em todos os momentos. . o parecer do conselheiro Edison José Biondi. 7 nov. quanto à clonagem terapêutica. bioética e clonagem humana A clonagem humana suscita questionamento ético que envolve diferentes setores. no embrião ou no feto.2002. com o auxílio de Gerson Cotta Pereira. principalmente no que tange a seu aspecto ético. A3.3 Ética. criticava a clonagem terapêutica. Soren. atualmente. aceitando que não há diferença moral em se usar em- 8   HOLM. deve-se ter em mente que a destrui- ção do embrião é a supressão da vida. deles. 11   Biogenética: esperanças. já dispõe de todas as “informações” necessárias para os desdobramentos posteriores. 2006). no qual se critica o uso da técnica na modalidade reprodutiva.Paulo. e.2004. Acesso em: 5 jul. ilusões e riscos. 16   O futuro da natureza humana: a caminho de uma eugenia liberal? Tradução de Karina Jannini. depois do 14º dia de sua formação. Tirar a vida: o embrião e o feto. M. visa ao desenvol- vimento de uma linhagem celular humana. Clonagem Humana  79 briões “excedentes” ou produzidos para a pesquisa.   “Para algumas pessoas. v. p. São Paulo: Martins Fontes.15 A clonagem terapêutica. contraria a clonagem terapêutica: “Do ponto de vista moral. não há uma diferença significa- tiva se os embriões utilizados para fins de pesquisa forem ‘excedentes’ ou se eles forem produzidos para os fins dessa instrumentalização. 9). é necessário tomar medidas de salvaguarda e fiscalização que assegurem ser sempre esse o caso. proporciona uma justificação ética suficiente para o prosseguimento dessa pesquisa (HOLM.htm>. p.   SINGER. . especialmente as que sofrem de doenças que poderão beneficiar-se 13 com tratamentos que poderiam ser desenvolvidos.14 A partir de uma série de afirmações. 2006. p. 2003. Luiz Carlos Pelizari. 2004. conforme Anne Fagot-Largeault.. é uma medida necessária para compreen- der como reprogramar as células adultas de modo a que produzam tecido compatível.ig. “(. 236.   FAGOT-LARGEAULT. Reinaldo. John Harris defendeu a legitimidade da clonagem terapêutica. 2004. Revista de Estudos Avançados. Carmen Rachel S. Dessa forma. Clonagem humana. 133. 239-240. ser ins- tituída.) levando em conta seus possíveis benefícios para a humanidade”. no Sexto Congresso Mundial de Bioéti- ca. Tradução de Jefferson Luiz 14 Camargo. 12 Revisão da tradução de Eurides Avance de Souza.. maio/ago. um alerta é feito: sempre que se rea- liza uma experiência com embriões. Embriões.13 Peter Singer afirma que o embrião não é uma pessoa. Nesta observação. o fato de que a pesquisa para criar embriões pela substituição dos núcleos de células.hpg. pode ser separado em dois ou mais embriões. ROMERO. não de um indivíduo. São Paulo. Ética prática. RT. Isso oferece um fundamento para as leis e os regulamentos da Inglaterra e de vários outros países que permitem a realização de experiências com embriões até 14 dias depois da fertilização. a clonagem.”12 Em sentido totalmente inverso foi a manifestação do Grupo de Especialis- tas Britânicos de Autoridades Médicas Superiores (British Chief Medical Officers Expert Group). será ainda mais difícil sustentar que o feto é um ser humano em um sentido moralmente significativo.br/filosofia/tirar. 816. Enquanto não estiver superada a possibilidade da criação de gêmeos. é filosoficamente muito questionável confundir uma “célula humana” com uma “pessoa humana”. Acesso em: 7 jul. ou seja. 81. 15   PEREIRA E SILVA. Disponível em: <http://www. p.com. 18. out. 12-16. v. nº 51. 2002)” (FARIA. Mesmo assim. dando suporte para a clonagem terapêutica. fiscalizada. p. tanto é assim que. O embrião no estado de blastocisto não tem autonomia moral. Anne.. Biodireito: a nova fronteira dos direitos humanos. em Brasília. Ele não tem a carac- terística da individuação. em 2 de novembro de 2002.odialetico. células-tronco e terapias celulares: questões filosóficas 16 e antropológicas. Peter. São Paulo. Somente é necessário proibir a implantação no útero. mas. ou de embriões descar- tados em clínicas de fertilização é defendido pela maioria dos cientistas e por inúmeras pessoas que podem se beneficiar da técnica. 16). e sim monitorar cuidadosamente sua aplicação. se o objetivo é beneficiar futuramente a humanidade. Volnei. nº 16. São Paulo: Saraiva. 32. 18. Esse é o posicionamento das 63 academias de ciência espalhadas pelo mundo que repudiaram a clonagem reprodutiva. Marcos. p. mas no seu controle. Estudos e pareceres de direito privado. o seu controle. . Brasília. In    .. São Paulo. Mayana. escreve que é favorável à pesquisa com células-tron- co. a partir de “pré-embriões” formados in vitro. pois a ciência não inventou a gestação extrauterina. 2002. sob o ângulo da intangibilidade da vida humana. sim. O grande nó da questão não está na utilização das técnicas de clonagem em si.18 Volnei Garrafa também repudia a ideia de qualificar a clonagem terapêutica de imoral. Brasília. 2002. como admitida pelo Parlamento Europeu e pelo governo inglês. com a transferência de núcleo. jan. Parece-me que não devemos temê-las. a própria clonagem terapêutica. CEJ. 17 nº 16. 254. O que preocupa não é a aplicação da técnica. v. não é condenável do ponto de vista ético e jurídico. Antonio. não sendo condenável ética ou juridicamente. jan. aprioristica- mente. Marcos. CEJ. não   SEGRE./mar. Clonagem reprodutiva e clonagem terapêutica: questões éticas.20 Antonio Junqueira assevera que a clonagem em estudo não fere a intangibi- lidade da vida humana.”21 O embrião pré-implantatório não tem a menor possibilidade de se tornar um ser humano.”17 Em outra oportunidade. “Dentro desses parâmetros. 260./mar. Clonagem e células-tronco. 21   JUNQUEIRA DE AZEVEDO. animais e mesmo em seres humanos (clonagem terapêutica) por meio de clo- nagem ou de outras técnicas na busca de benefícios futuros para a humanidade.) Não é moralmente condenável o fato de cientistas trabalharem com segurança sobre 19 variedades vegetais. Crítica bioética a um nascimento anunciado.19 Mayana Zatz esclarece a possibilidade ética da clonagem terapêutica. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. E este controle deve-se dar em um patamar diferenciado dos planos científico e tecnológico: o controle é ético!” (GARRAFA.   SEGRE. 2004. 2004. 16. Existe uma diferença intransponível entre ambas: a implantação ou não do embrião no útero humano. p. seja resultado da fecundação ou da clonagem. 20   ZATZ. p. isto é. todavia. Deve haver um monitora- mento das técnicas inovadoras: “Cabe reiterar que não serão as técnicas que nos levarão a um ‘inferno ético’. p. para melhorar a qualidade e prolongar o tempo de vida das pessoas.80  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Marcos Segre compartilha do mesmo pensamento. A propósito da utilização de células-tronco embrionárias. sendo condenável a de modalidade reprodutiva.. Revista de Estudos 18 Avançados. nº 51. O uso de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos. p.   “(. 1997. logo.montfort. não excluiria a clonagem para pesquisa ou para fins terapêuticos. especificou que a Santa Sé opunha-se à clonagem de embriões humanos com o propósito de destruí-los para a retirada das células-tronco.24   COMPARATO. a fim de não “instrumentalizar” a raça humana. Não é coisa.22 A clonagem humana reprodutiva é antiética. moral e religião no mundo moderno. 6. por sua vez. A fiscalização não pode ser realizada apenas pelos órgãos governamentais.va/roman_curia/pontifical_academies/acdlife/docu- 23 ments/ rc_pa_acdlife_doc_08111998_genoma_po. 11. São Paulo: 22 Companhia das Letras. Fábio Konder. Acesso em: 6 jul.html>.  Disponível em: <http://www.4 Dignidade da pessoa humana na clonagem A Igreja Católica manifesta-se contra a clonagem humana. Por isso.br/index. que o dispositivo proibia a clonagem reprodutiva. isto é. porquanto não se desvirtua a intangibilidade da vida humana e procura-se ame- nizar a angústia ou eliminar moléstia de uma pessoa. em sentido amplo.php?secao=documentos&subsecao= decr 24 etos&artigo=clonagem&lang=bra>. A clonagem terapêutica. O Ministério Público estadual ou fede- ral deve agir de forma eficiente para a defesa dos interesses em questão. 2006. especialmente sobre a clonagem humana. em documento formulado pelo “Grupo Informal de Traba- lho sobre Bioética”. mas não se trata de um organismo autônomo e.11. não pode de pronto ser assim nomeada. o respeito da dignidade humana. pois não se tem em mira a per- petuação da espécie. mas. pelo desrespeito à dignidade da pessoa humana. 2006. . p. um ser humano in- teiramente formado. A formulação. Isso é contrário ao senso comum de formação de comunidade que respeita as desigualdades e é solidária com todos. por causa da relevância da atividade executada.23 Em outro texto. 476. de uma determinada pessoa. Quando da edição da “Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos do Homem”. Acesso em: 6 jul. conforme Fábio Konder Comparato. O que não se pode deixar de fazer é um controle rígido sobre pessoas e entidades que pesquisem a obtenção de tecidos e órgãos ao se utilizar o embrião clonado para fins terapêuticos.vatican. 2006. datado de 11. Ética: direito. Clonagem Humana  81 pode ser tratado de maneira vulgar. Deve-se cuidar para que haja meio de as violações serem comunicadas. a Santa Sé pronunciou-se. infelizmente. em comen- tários ao art. porque isso é incompatível com o fundamento e os motivos da investigação bio- médica humana. bastam dois documen- tos de sua autoria para verificar seu repúdio àquela técnica. ainda que o objetivo fosse nobre.   Disponível em: <http://www.org. sim. 2006. A dignidade é o substrato de todos os direitos humanos. reconhece-se sua dignidade. A “clonagem terapêutica” seria ainda pior que a outra modalidade. O mundo não pode tomar dois caminhos diferentes: o caminho dos que estão dispostos a sacrificar ou comercializar seres humanos em prol de uns poucos pri- 25   Disponível em: <http://www. ser uma enorme perda de tempo e dinheiro. Tal técnica não incluiria a “mescla” usual de genes.montfort. o novo ser humano é utilizado como mero material de laboratório. Na clonagem “reprodutiva”. Essa pessoa viria ao mundo como cópia biológica de outro ser. Acesso em: 6 jul. um bem de consumo substituível em vez de um evento irrepetível na história humana.br/index. Em verdade. eliminando- -o. assim.25 A clonagem reprodutiva. O termo dignidade. ela seria perigosa ao clone. Na clonagem reprodutiva. Ademais.org. com ofensa grave à dignidade e à humanidade. portanto.php?secao=documentos&subsecao= dec retos&artigo=clonagem&lang=bra>. muito bem. o objetivo é implantar o embrião clonado no útero da mãe substituta a fim de “produzir” um filho. pois tem de produzir um novo organismo autônomo e individual. O bom senso e a necessidade de realizar pesquisas fundamentais sérias e orientadas para objetivos determina- dos. como um substituto em vez de um indivíduo único. com identidade específica e única. ao menos é dada ao clone a oportunidade de desenvolver-se e nascer. afirmou que cientistas.82  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Quanto à dignidade da pessoa humana. Devem-se res- peitar os direitos dos outros porque. Portanto. inexis- tindo eticidade neutra. antes de se fazer qual- quer outra operação com o embrião. um instrumento de vontade do outro em vez de um fim em si mesmo. sem permitir que se desenvolva. o objetivo é utilizar imediatamente o embrião clonado. utilizado na Declaração de Posi- ção e na Carta das Nações Unidas. com con- sequências genéticas negativas previsíveis para o conjunto dos genes da huma- nidade. . primeiro. intelectuais ou físicas. A “clonagem terapêutica” é uma teoria não comprovada que pode. A maneira como um ser humano clonado chega ao mundo marcaria essa pessoa mais como um artefato que como um ser humano. É essa dignidade que obriga a respeitar todos os seres humanos. filósofos e humanistas estão concordes quanto à necessidade de se vedar a clonagem re- produtiva. qualquer modalidade de clonagem é “reprodutiva” em seu primeiro estágio. sobretudo se necessitarem de proteção ou cuidados. Na “terapêutica”. significa o valor intrínseco que é compartilha- do de maneira comum e igual por todos os seres humanos. e fixaria arbitrariamente o genótipo. não importam quais sejam suas condições sociais. instrumento. convocam a comunidade biomédica mundial a dedicar os fundos necessários para a pesquisa utilizando células-tronco “adultas”. na clonagem “para pesquisa”. a falta de respeito à dignidade é inerente à clonagem. bem como a “terapêutica” ou “para pesquisa” não são dois tipos diferentes de clonagem: ambas envolvem o mesmo processo técni- co de clonagem e se distinguem somente nos objetivos procurados. que faz que cada indivíduo tenha um genoma único. durante o processo. n. Com essa medida.php?secao=documentos&subsecao=dec retos&artigo=clonagem&lang=bra>. não recepcionada. Com a legalização. Mesmo que a Lei Maior venha a ser modificada. o qual se sobre- levaria contra qualquer tentativa do novo legislador constituinte em disciplinar a matéria. sob pena de descaracte- rizar a unicidade de sua existência. uma compreensão comum da hu- manidade e das bases fundamentais das quais dependem todas as nossas ideias sobre os direitos humanos. risco para os direitos de outrem” – g. pelo menos. e não para “pôr em risco direito de alguém”. e. dificultando sobremaneira o controle do uso de embriões no País. independentemente de culpa. Na esfera da responsabilidade civil. não ensejaria a perquirição da culpa (CC/2002. o que se verificará com mais detalhes no tópico seguinte. a clonagem terapêutica não ficará na clandestinidade. por sua natureza. por suas características. a lei que dis- ciplinasse a matéria de forma diversa seria tida como inconstitucional ou. ferir-se-ia direito da personalidade importantíssimo: de identidade. Se assim age. ou quando a atividade normalmente de- senvolvida pelo autor do dano implicar. parágrafo único: “Haverá obrigação de reparar o dano. 2006.br/index. Acesso em: 6 jul. Ninguém pode renunciar ao direito de identidade. 928. igualmente ato ilícito no novo Diploma Legal (art. não se respeitaria o princípio geral de ser “único”.). em decorrência. Fazer avançar o projeto de uma proibição mundial da clonagem humana é parte dessa missão e dever das Nações Unidas.org. Para seu próprio bem. fica mais fácil controlar o banco de sêmen e óvulos. art. Cabe às Nações Unidas exercer todos os esforços na procura dessa base para que os seres humanos sejam respeitados tais como são. com a efetivação da clonagem do ser humano. ou. Esta vem em be- nefício do ser humano. a humanidade precisa de uma base comum. nos casos especificados em lei. A dubiedade prevalece quando a clonagem é terapêutica. pratica ato ilícito. então. a res- trição a embriões excedentes e congelados: a destruição ou não deste “ente com expectativa de direito”. 26   Disponível em: <http://www. existiria pelo menos o “princípio implíci- to” da impossibilidade de se reproduzir por meio da clonagem. 186 do novo Código Civil). e o daqueles que não podem aceitar esse abuso.montfort. A dignidade da pessoa humana também foi incorporada na Constituição Fe- deral como um dos elementos essenciais do Estado. 187). aquiliano (art. . pelas danosas consequências que traz ao ser humano. Procura-se auxiliar quem sofre com procedimento científico. em decorrência. Clonagem Humana  83 vilegiados. abuso de direito.26 A dignidade da pessoa humana seria afetada com a clonagem reprodutiva. pois sendo ela fundamento do direito privado. a realização da clonagem humana. Os legisladores extraordinários de 1824. 27 São Paulo: Método. p. coloca-se em risco a própria vida huma- na. estamos em evolução. 1937. de que se crie uma liberdade que elimine as demais ou que o poder se concentre de tal forma que proporcione o uso da ciência em proveito de poucas pessoas. sim. Assume-se uma inocente postura defensiva. pois. 1946. 2000. erigin- do o pilar da dignidade da pessoa humana como valor fundamental. porém. Valencia: Tirant lo Blanch. II: (“preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético”). Há. María (Org. no Título “Da Ordem Social”.). La necesidad de la bioética. 225 (“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. mas. que deve ser resguardado diante dos avanços da medicina e da biologia. que dá notícia da necessidade da preservação da identidade no momento de se relacionar com o meio em que se está. Repensar el sujeto. In: CASADO. Javier. dispositivo constitucional. 28 Estudios de bioética y derecho. essa preocupação na nova Carta Magna. 2004. . Pietro de Jesús adverte que as inovações genéticas e os anseios de um setor de profissionais da ciência por ultrapassar os limites do ainda ignorado repercur- tem no direito constitucional. Pietro de. impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”). no Capítulo VI (“Do Meio Ambien- te”): art. diretamente. não há qualquer norma sobre o tema. 1891. inc.   JESÚS.84  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba A dignidade humana é preservada.5.28 6. 257. Ao se abrir caminho para alterações no patrimônio genético.1 Constituições no passado e atual As Constituições Federais. devemos mu- dar em função dos descobrimentos e do progresso moral e não ter receio de que a humanidade melhore em quantidade e qualidade. incumbe ao Poder Público:”). bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.5 Tratamento constitucional da clonagem humana 6. e igualmente a do embrião. Também não houve. Patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988.27 Nas precisas palavras de Javier Sádaba. já que não existira base ôntica em que a dignidade pudesse assentar-se. 1967 e 1969 não regulamentaram a reprodução com auxílio tecnológico. no Capítulo da Família.   SÁDABA. pois ele não será manipulado de forma a se tornar um “objeto”. não se preocuparam com a clonagem do ser humano. justamente porque existirá maneira pela qual se respeitará sua existência na esfera constitucional e da legis- lação ordinária. p. 49. especificamente. § 1º (“Para assegurar a efetividade desse direito. até 1988. 17. senão com o sentido de que não se deve exagerar no esmiuçamento de determinações le- gais aparentemente claras. o efeito da declaração de nulidade retroage ex tunc. Coimbra: Almedina. pois semelhante indagação. de acordo com a doutrina estrangeira (v. São Paulo: Martins Fontes. 1991. Assim. de forma que os efeitos jurídicos que ela deixou atrás de si sejam destruídos. Dessa forma. p. As normas jurídicas podem ser anuláveis. contudo. 31   O ato inconstitucional. sendo aquela técnica uma das mais promissoras nessa área para auxiliar a humanidade. o método assexuado de reprodução. comparan- do-a aos costumes.29 Contudo. Clonagem Humana  85 Carlos Maximiliano já alertava que a interpretação literal não é a mais ade- quada para encontrar o alcance e o sentido da lei. Rio de Janeiro: Forense. Entretanto. se aplicado. p. Rui). ou.) Disposições claras não comportam interpretação – Lei clara não carece de interpretação – Em sendo claro o texto. Cardoso da Costa. 1985. 5). Manoel Gonçalves. ed. Marshall) e nacional (v. não tem origem romana. p. ed. Curso de direito constitucional. 290 e 292). 149 ss). Ainda: “O brocardo – In claris cessat interpretatio. 1994). p. se feita com equilíbrio. nada impede que o intérprete decomponha e estude os termos de disposições que tais. Assim. já se defendeu a inconstitucionalidade de uma norma constitucional.. Kel- sen diz que as leis inconstitucionais são leis conformes à Constituição.. todavia. p. rev. as quais. 11. só pode resultar na melhor compreensão e na mais adequada observância da lei” (Her- menêutica jurídica. qualquer experiência que possa ferir a integridade do genoma de alguém não pode avançar. sua análise gramatical esclarece muito em relação à clonagem:30 não se pode ter uma pessoa com a carga genética igual à da outra. tornando impossível descrevê-lo em proposições jurídicas que não sejam contraditórias entre si (Teoria pura do direito. Hermenêutica e aplicação do direito.    Ao contrário. é nulo e írrito. nula é essa aplicação. 2. domina- dor absoluto dos pretórios há meio século: afirmativa sem nenhum valor científico. Entre a lei e a decisão jurisprudencial. ed. Teoria pura do direito. 30   Rubens Limongi França atenta que o brocardo criticado “não pode ser atacado em seus estritos termos. a Constituição e o decreto. (BACHOF. Hans. não é possível qualquer conflito que destrua a unidade desse sistema normativo. ele não obriga. uma norma pode ser anulada com efeitos para o futuro. ante as ideias triunfantes na atualidade (1)” (MAXIMILIANO. pode-se realizar a clonagem terapêutica. e aum. não se admite pesquisa da vontade – famoso dogma axiomático.    Essa tese.    O ato inconstitucional seria um ato anulável de efeito retroativo (ex tunc) (FERREIRA FILHO. Ou. 29   “(. 33). ao supradireito etc. entre a Constituição e a lei. não deve descurar da interpretação respectiva’ (2)” (Ibidem). Normas constitucionais inconstitucionais? Tradução e nota prévia de José Manuel M. Assim. 30-31). embora não seja única. Ulpiano ensinou o contrário: Quamvis sit manifestissi- mum edictum proeteoris. entre uma norma superior e uma norma inferior de uma ordem jurídica. Ensina o grande mestre austríaco que não pode existir dentro de uma ordem jurídica algo como a nulidade.. tendo essa anulabilidade vários graus. é rejeitada por autores do peso de Kelsen (KELSEN. a lei e o decreto. 1989. já que é mencionada a fiscalização das entidades de pes- quisa e manipulação genética. attamen non est negligenda interpretatito ejus – ‘embora claríssimo o edito do pretor. 7. São Paulo: Saraiva. na leitura da norma mencionada. g. se ocor- rer permissão legal. Ou pode ser anulada com efeito retroativo. em tese. além disso. embora expresso em latim.31 No entanto. Tradução de João Baptista Machado. contudo. é inconstitucional. g. são anulá- veis por um processo especial. Carlos. permanecendo intocados os efeitos já produzidos. Otto. não sendo de se aplicar. 1999. uma vez que disso se acautele. em uma fórmula geral. não sendo válidos os atos praticados sob o seu império. v. . São Paulo: Saraiva.. após 1814. a intepreta- ção deve ter uma constituição tríplice: lógica. Para isso. 2001. enquanto for possível conhecê-lo na lei. todas as premissas da interpretação estão dispostas na lei ou em conhecimentos gerais. 33   SAVIGNY. Friedrich Karl von. Campinas: Edicamp. sistemático e histórico. gramatical e histórica. caput (direito à vida). CEJ. de onde surge. Por esse motivo. por- que concebidas de modo a que cada uma tenha: a) uma parte lógica que consiste na apresentação do conteúdo da lei na sua origem.   FERRAZ JUNIOR. p. Metodologia jurídica. alertando-se para a leitura do preâmbulo da Carta Magna. muda o seu entender no que tange à função da in- terpretação. Friedrich Karl von. p. 65-68. c) uma parte histórica. p. arts. um conjunto vivo em constante movimento. muda-se o critério. Também é a apre- sentação genética do pensamento da lei. ao responder à pergunta “Como é possível uma interpretação?”. 2002). é preciso verificar o pensamento contido na lei. domina- 36 ção.34 A lei deve ser objetiva. Mas o pensamento deve ser expresso. fazer uma crítica superior. Tradução do alemão para o espanhol de J. Adequação linguística de Regina Célia de Carvalho Paschoal. Então. Savigny. Caletti Matenco. a fim de reforçar o entendimento formulado. 1º. M. . e também no con- texto em que se insere a clonagem humana. nº 16. 10-11). se essa intenção aparecer na lei. Santa-Pinter. Tudo depende da intenção do legislador. 10-11. Só é possível a apresentação da lei através da apresenta- ção do momento em que existe a lei” (SAVIGNY. uma condição necessária da lógica. co- mentou: “Ela deve poder ser elaborada histórica e sistematicamente.36 32   Por exemplo. ela passa a ser a maneira de compreender o pensamento do legislador manifestado no texto da lei. Sérgio Ferraz (Aspectos constitucionais na clonagem humana. o art. A lei é dada num momento determinado.32 deve-se compatibilizar a norma com as de- mais existentes no mesmo diploma legal e em outros. Tercio Sampaio. Metodologia jurídica. Deve-se restituir de sentido um texto corrompido. 34   “As duas primeiras são consideradas como classes de interpretação. o que apresenta a relação das partes entre si. devem-se utilizar os métodos lógico. é preciso conhecer as condições históricas para captar o pensamento da lei. que expressavam “relações vitais”. pode-se afirmar que: interpretação é reconstrução do pensamento (claro ou obscuro. é o mesmo) ex- presso na lei. jan. porém incorretamente. Além do já empregado. responsáveis pelo sistema jurídico como um todo orgânico. inc. III. 226 e 227. para um povo determinado. razão pela qual é preciso que existam normas da linguagem. p. Metodologia jurídica. Também está relacionada com a lógica. 8. Dessa maneira. Tradução para o português de Hebe A. daí a ideia de que seria a convicção do povo o elemento primordial para a interpretação das normas. art. 1988. 35   SAVIGNY. Brasília. E com ênfase para a exis- tência fundante dos “institutos de direito”. 241. São Paulo: Atlas. b) uma parte gramatical.86  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Pelo fato de vários debates serem travados e de teses antagônicas no plano constitucional serem defendidas. decisão.35 Mais tarde. Introdução ao estudo do direito: técnica. J./mar. p.”33 Ao se interpretar. 5º. Friedrich Karl von. Ao fazê-lo. p. Tercio Sampaio. 260. distinguir tipos básicos de interpretação: a especificadora. Introdução ao estudo do direito.41 Na Constituição Federal. Introdução ao estudo do direito. Tercio Sampaio. A justiça ou a busca do sentido justo exige que se atinjam os objetivos axiológicos do direito. a hermenêutica identifica o sentido da norma. 218. ao controlar. Tercio Sampaio. p. Para que haja controle. o poder de violência simbólica se exerce por paráfrases que acrescem a força normativa das relações de autoridade. pois exarado em termos mais convenientes. a restritiva e a extensiva. Tercio Sampaio. p. podemos falar em métodos lógico-sistemático.38 Existem três critérios para demonstrar os métodos de interpretação: a corre- ção ou coerência.40 No conjunto. reforça-o. porém. di- zendo como ele deve ser (dever ser ideal). certas alternativas não contem. O objetivo tecnológico volta-se. o poder de violência simbólica. . art. não sejam levadas em consideração.39 Além disso. é preciso que o receptor conserve as suas possibilidades de ação. a hermenêutica pro- duz um acréscimo à função motivadora da língua normativa e realiza um ato de violência simbólica. Clonagem Humana  87 Ao utilizar seus métodos. p. principalmente. fazer que. A coerência ou a busca do sentido corre- to exige um sistema hierárquico de normas e conteúdos normativos. a paráfrase interpretativa não elimina o texto. mas realiza uma paráfrase. é possí- vel. Controlar é neutralizar. o emissor não elimina as alternativas de ação do receptor. liderança e reputação conforme decodificações consoante um código forte ou um código fraco. Ou seja. Introdução ao estudo do direito. 38   FERRAZ JUNIOR. didaticamente. para um efetivo con- trole da conotação e da denotação. 251. 40   FERRAZ JUNIOR. Tercio Sampaio. mas aja conforme o sentido. mas o mantém de uma forma mais conveniente. sociológico e histórico e teleológico-axiológico. a pesquisa e a capacitação tecnológica”. prescreve-se que “o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico. o consenso e a justiça. Introdução ao estudo do direito. dando-lhe por base de referência o dever ser ideal do legislador racional. O consenso ou a busca do sentido funcional exige respaldo social. isto é. ao interpretar. 39   FERRAZ JUNIOR. pondo outro em seu lugar. isto é.37 A uniformização do sentido tem a ver com um fator normativo de poder. “para a solução dos problemas 37   FERRAZ JUNIOR. p. uma reformu- lação de um texto cujo resultado é um substituto mais persuasivo. Poder aqui é controle. mas as neutraliza. 257. Introdução ao estudo do direito. Em função deles. 41   FERRAZ JUNIOR. 260. embora conservadas como possíveis. Assim. não cria um sinô- nimo para o símbolo normativo. Por isso. métodos e tipos constituem a língua hermenêutica na sua es- trutura. 260. o esquema de ação do emissor. dignidade e com esteio na Constituição Federal.ibge. utilizar técnicas artificiais para reprodução.shtm>. em 2062. ao nascer. Quem padece de algum mal deseja o alívio de sua doença ou a completa ausência dela. que todos os meios disponíveis devem ser objetivamente analisa- dos.ibge. formar uma união estável. com ética. sim. a grande dificuldade hoje é a assistência à saúde. Em 2050.39 filhos por mulher. mas. a mesma dos japoneses. será de 81. obviamente. Há outros. o número de brasileiros vai parar de aumentar” (Disponível em: <http://www. Mas.br/home/presidencia/noticias/30082004projecaopopulac ao. O legislador tem outras preocupações mais emergenciais: reestruturar prin- cípios fundamentais para a organização de um Estado Democrático de Direito. embora diminuindo. 262 milhões de brasileiros. 2006). en- fim. porém. Em 2000. adotar uma criança ou adolescente. nunca houve intento do brasileiro de perpetuar a si mesmo. Historicamente. também. entretanto. o avanço na manipulação genética. não é desprezível. uma média de 2. o Brasil estava na 75ª posição entre os 192 países ou áreas comparados pela ONU”.shtm>. 2006). aumentou em 10 milhões de pessoas. E mais: pela Revisão 2004 da Projeção de População do IBGE. Acesso em: 6 jul. que . Estado de terceira grandeza.    “Se o crescimento da população permanecesse no mesmo ritmo dos anos 50.43 Planos médicos não estão fornecendo tudo o que é necessário para o bem-estar de seus 42   “Em 34 anos. Aces- so em: 10 jul. nossa taxa de fecundidade diminuiu.3 anos. que pode ser obtida com o método da clonagem terapêutica. devido às trans- formações ocorridas na família brasileira como a entrada da mulher no mercado de trabalho e a popularização dos métodos anticoncepcionais. (Disponível em: <http://www.gov. hoje. desde então. de constituir uma família. Dessa forma.8 milhões de brasileiros e nossa expectativa de vida. reforçar direitos individuais e sociais para a efetivação dos direitos fundamentais. enquanto os maiores de 65 anos eram apenas 5%. entre outras finalidades nobres. entre esses. a fim de amenizar o sofrimento ou eliminá- -lo de alguém. os dois grupos se igualarão. seremos 259. obter “outrem” para a perpetuação da espécie. pela leitura e finali- dade da norma. outros assuntos de igual relevância. seríamos. No entanto. outra não poderia ser a preocupação para ingressar no cenário mundial: o incremento econômico.88  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional” (§ 2º). Não se pode deixar de lado. estabelecer diretrizes para a execução de objetivos econômicos de combate à mi- séria e infraestrutura básica etc.gov. o grupo de 0 a 14 anos representava 30% da população brasileira. que defendem. De outra sorte. ou seja.   “A PNDA [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios] 2003 apontou que ainda existiam 43 no Brasil importantes limitações ao acesso ao serviço de saúde. hoje. casar-se. em 18%.br/home/presidencia/noticias/30082004projecaopopulacao. Mas o envelhecimento da população está se acentuando: em 2000. mostrou. em 2050. isso não é o prioritário. a reprodução assexuada deixa de ser prioridade. somente entre 2000 e 2004. principal- mente em um país no qual a taxa de natalidade.42 voltando-se os esforços de todos para a higidez da sociedade. a população brasileira praticamente dobrou em relação aos 90 milhões de habi- tantes da década de 1970 e. php?pid=S01045 9702000000200001&script=sci_arttext&tlng=pt>. p. 7. 7-21.scielo. saude-Manguinhos. assim. a outra. sem deixar de consignar a repulsa à eugenia e à possível tentativa de reprodução de raças superiores. de nossa mãe (via óvulo).ibge. verificamos que. haverá uma ou outra consequência para os diferentes setores da sociedade. evitando-se. Hist. . a doutrina se perguntava qual era o limite do poder dos houve.1988.44 Quanto mais técnicas para sanar os males das pessoas. Canotilho assevera que não há normas só formais. melhora expressiva em vários dos indicadores de acesso analisados” (Disponível em: <http://www.46 6. desse modo.pdf>. nas últimas décadas. 2006). 7. 311. A finalidade da norma. que pode favorecer grandemente a humanidade. March/June 2000.gov. Acesso em: 10 jul. sendo esta a razão de nossa diversidade genética. é identificar cada pessoa como única. Mesmo esta poderá beneficiar-se de meio mais eficaz para controle do mal que a acomete. 44   Marília Bernardes Marques comenta que: “Sob a ótica da política de saúde. a dignidade humana defendida constitucionalmente entre nós está diretamente ligada ao va- lor da vida. nº 1 [cited 10 July 2006].br/scielo.10. Acesso em: 10 jul. eventual rejeição de algum órgão ou tecido transplantado. todavia. salvadoras para uma parcela considerável da população. Dependendo da redação de um disposi- tivo constitucional.45 Pietro de Jesús reforça o entendimento demonstrado. médicos e medicamentos são extremamente dispendiosos.5. Pietro de. ao comentar que há possibilidade para a clonagem terapêutica. apesar dos progressos alcançados no Brasil. v. pois se tornarão “obsoletas” para uma minoria. o sistema público de saúde está precário. o compromisso de assegurar a acessibilidade universal aos remédios ainda está bastante distante” (Pharmaceutical patents and the accessibility of drugs in Brazil. cienc. justificável apenas se tiver um fim terapêutico.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/ pnad2003/questpnad2003. 2006). uma oriunda de nosso pai (via espermatozoide) e.2 Modificação da Carta Magna ou elaboração de outra Constituição A elaboração de uma nova Lei Maior e a possibilidade de emendá-la ou revê- -la são de suma importância para todos. p. ao que tudo indica. melhor será para o barateamento do custo das já existentes. [online]. Patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. A necessidade imperiosa do biodireito e da bioética. Disponível em: <http://www. 45   Leite. sem qualquer outra com a mesma carga genética. Clonagem Humana  89 segurados. Gisele.   JESÚS. entre 1998 e 2003. O genoma de cada um de nós é constituído de duas metades. Quando se iniciaram os trabalhos para a elaboração da Constituição pro- mulgada em 5. 46 p. . todas as vezes que circunstâncias fora da ordem comum exigem. 1989. vocês ousariam contestá-la. resultado de reforma da Constituição anterior. Prefácio de José Ribas Vieira. o primeiro elemento significando “antes”. “marchar” (Curso de direito constitucional.. A ordem constitucional vigente no País é. mesmo os direitos adqui- ridos. ou evolu- ção. 1986. ele próprio pode mudar) ou limitado (Schmitt. p. Pinto Ferreira esclarece que a 48 palavra preâmbulo vem do latim. por resultar num texto totalmente refeito e profundamente alterado. deu origem a uma nova Constitui- ção. libertado das limitações materiais e circunstanciais que lhe eram impostas” (Curso de direito constitucional. o prefixo “pre” e o verbo “ambulare”. “sobre”. 1999. que a Constituição preveja (Curso de direito constitucional. Duverger. diante de vocês e exprimir sua vontade.   Com relação ao poder de revisão.. 9.. portanto. Duguit. – o Poder Constituinte constitucionalizado é uma criação do originário . Laferrière. previsto na Constituição. estabelecida com restrita obediência às regras então vigentes. repita-se. do sistema. o que se fez foi convocar. Alguns diziam da possibilidade de a Assembleia Nacional Constituinte48 ter plenos poderes. “andar”. 25).47 já que foram convocados por uma Emenda Constitucional. podendo modificar qualquer matéria. Hauriou. na realidade. adaptando-a a novos tempos e novas exigências) e dos Estados- -membros de um Estado federal (Poder Constituinte decorrente). 1992. representantes extraordinários. Outros estudiosos comentavam sobre a instalação de um Congresso Nacional Constituinte. Assim. Vedel.   Nomenclatura. já anterior- mente mencionado. e não depois de ocorrer uma revolução. ela é formada de dois elementos. São Paulo: Malheiros. p. ed. a saber. logo. salienta que ele é derivado (provém de outro). São Paulo: Saraiva. A constituinte burguesa: o que é o terceiro estado? Organização e introdução de Aurélio Wander Bastos. 10. Burdeau. usada no “Prêambulo” da Carta Magna. Como uma grande nação não pode. ed. 71). de modo que é limitado por este) e condicionado (só pode agir nas condições postas pelas formas fixadas) (Curso de direito constitucional. a rigor. E assim pensam. 122). com caráter de Estados. na convocação da Assembleia Nacional Constituinte.    As espécies de Poder Constituinte derivado são o poder de revisão (trata-se de poder. 82).. ed.90  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Constituintes. São Paulo: Saraiva. Se ela pudesse se reunir. discute-se se ele é ilimitado (nessa linha de pensamento. porque ela faz isso de uma forma. mas que.) Mas ao convocar os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. e não de outra? Aqui a realidade é tudo e a forma nada” (SIEYÈS.. mas um Congresso Constituinte” (Curso de direito constitucional positivo. não uma Assembleia Nacional Constituinte.    Explicando sobre o Poder Constituinte derivado. Desse modo. aliás. Rio de Janeiro: Líber Juris. se reunir. as regras que ele próprio declarou. tivemos. porque o consideram o próprio poder originário subsistente em sua própria obra. p. Joseph Barthélemy. 27-28). o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. que deriva também do originário. p. é preciso que ela confie a representantes extraordinários os poderes necessários a essa ocasião. “caminhar”.49 47   Conforme o ensinamento francês do abade Sièyes: “Os representantes extraordinários terão um novo poder que a nação lhes dará como lhe aprouver. e o segundo significando “passear”. mas não se destina a rever sua obra e sim a institucionalizar coletividades. 49   José Afonso da Silva assim se pronunciou: “(. Recaséns Siches. manifestação do Poder Constituinte derivado. para alterá-la. 24). 17. Pinto Ferreira . subordinado (está abaixo do originário. p. p. Tradução de Norma Azeredo. de modo geral. apenas. não existiria a faculdade de modificar alguns princípios norteadores do Estado brasileiro. Emmanuel Joseph.    Manoel Gonçalves Ferreira Filho complementa:    “Verifica-se que o Brasil seguiu aqui o modelo inaugurado pela França em 1958. 52 Dessa forma. universal e periódico. as legislações alienígenas têm combatido qualquer tipo de possibilidade da clonagem. Perpetuar. 60. mais proximamente. segundo Jean Jacques Rousseau. As crianças permane- cem ligadas ao pai o tempo necessário que elas necessitam para sua conservação. o certo é que. em sessão uni- cameral. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (SILVA. como os demais poderes. Elas podem ser 51 modificadas pela revisão prevista no art. poderia a Constituição sofrer uma emenda ou. não pode validamente ultrapassar limites) pela Constitui- ção (Curso de direito constitucional. Jean Jacques. a única sociedade natural é a fa- mília. em um de seus artigos iniciais. As cláusulas “pétreas”.. secreto. da Consti- tuição Federal. 162.51 Surge a dúvida inevitável: se a modificação for de maneira ampla. 62). Curso de direito constitucional. p. sem manipular o material genético. Assim que cesse tal necessidade. eximidas da obediência devida ao pai. 22). o pai isento dos cuidados devidos aos filhos reentram todos igualmente na independência. sem qualquer sociabilidade. a separação de poderes. pois. decair a proibição à clonagem? Em uma primeira análise. espontâneo na origem. por diversos motivos. no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.”    José Afonso da Silva ensina: “Reforça a ideia de que a expressão revisão constitucional significa ampla reforma constitucional (. São Paulo: Cultrix.)” (Curso de direito constitucional positivo. Manoel Gonçalves..50 deter- minou-se a revisão constitucional. o voto direto. já não é naturalmente. irresistivelmente. e a própria família apenas se mantém por convenção” (ROUSSEAU. incs. Sua competência ele a recebeu do poder originário e. 57). dissolve-se o laço natural. p. O contrato social e outros escritos. com o objetivo de se evitar a eugenia.   FERREIRA FILHO. Isso seria “artificial” ao extremo. impedindo deliberação sobre propostas tendentes a abolir: a forma federativa do Estado. não se poderia elevar em âmbito constitucional o incremen- to da família constituída unilateralmente. José Afonso da. são os limites materiais da Constituição. Clonagem Humana  91 Quer escolhendo uma tese. chocando-se com o gênero família. 52   “A mais antiga de todas as sociedades. p. p. p. e a única natural. . Se continuam a permanecer unidos. como os demais poderes constituídos. em uma nova elaboração. contados da promulgação da Constituição. sim. I a IV. com o embate na ex-Iugoslávia (disputa entre croatas e sérvios). repugnada desde a Segunda Guerra Mundial e. § 4º. poder-se-ia. contudo. quer preferindo outra. Comparativamente. como a Constituição. 50   “Art. é a da família. sanar alguma anomalia. pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional. 25). de acordo com o art. 3º A revisão constitucional será realizada após cinco anos. iniciando-se o processo de seleção genética. Uma verdade inquestionável é a necessidade de o homem viver em sociedade e. As crianças. Curso de direito constitucional positivo. com objetivos nobres. a resposta deve ser negativa quanto à clonagem reprodutiva. e os direitos e garantias individuais. mas voluntariamente. Patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. desde já. nunca para fins eugênicos. A lei internacional não teria. em seu bojo. art.   JESÚS. Pietro de Jesús conclui que o desenrolar dos direitos fundamentais e da Ciên- cia Genética outorgam o subsídio para decidir. de ter determinada cadeia genética que o desiguale dos outros indivíduos. Não se pode admitir uma “restrição” ao “bem-estar de todos”. e. não haven- do obstáculo ético ou jurídico para tal prática. A resposta. Se uma recomendação internacional ou um tratado disciplinasse a proibição da clonagem humana terapêutica. É interes- sante anotar. pensar-se-ia estar banida do direito brasileiro. pelo contrário. Devido à Emenda Constitucional nº 45/2004. embora influen- cie na “vida em geral”. ainda. A afirmação histórica dos direitos humanos. inc. Por conseguinte. se estendida a proibição existente na Lei de Biossegurança. procura-se conciliar o avanço tecnológico médico com as regras de cunho axiológico. 5º da Constituição Federal. Isso faz que cada um seja parte (pessoa) pertencente ao coletivo (sociedade). isto é. p. Pietro de. devido ao disposto no agora § 3º. Haveria. inerentes à natureza humana (p. cumpre destacar que. mesmo. ao contrário.53 O que se poderia cogitar seria a clonagem terapêutica. imediata- mente vigeria no ordenamento brasileiro. sem perder a unicidade da existência. não convence. ofensa a direito humano se a clonagem para reprodução fosse efetivada. não. Alguns exemplos extraídos da própria Constituição Federal reforçam tal en- tendimento e demonstram a necessidade de a pessoa humana não só “viver” e “ser feliz”. com eficácia ime- diata. 228-229.54 Proibir a cura das doenças hoje insanáveis seria uma medida “inconstitucio- nal”. IV. conforme assevera Fábio Konder Comparato. 53   COMPARATO. mas também “bem viver”. tranquilamente. não interfere no “fluxo vital da vida humana”.92  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Nenhuma norma poderia afrontar o princípio de alguém ser único. que acrescentou dois parágra- fos ao art. em favor da per- missão jurídica para. o esclarecimento da doutrina alemã sobre os direitos humanos e sua distinção com os direitos fundamentais. Tal autorização é apenas para as práticas que conduzam à eliminação de doenças genéticas. Isso fere qual- quer regra ou princípio das esferas nacional ou internacional. 6º. direito adjetivado de “humano”. Fábio Konder. 176-177). 54 p. outras observações devem ser feitas. realizarem práticas de terapias genéticas em células somáticas ou células-tronco de embriões que seriam destruídos por não serem implantados no útero das potenciais mães. dessa forma. no intuito de preservar a vida de todos. para a clonagem da modalidade destacada. Estes deveriam estar no corpo de uma norma suprema e aqueles. que. por força do § 1º. 149. . entretanto. existiria flagrante violação da Constituição Federal. pois são universais. “saúde”. 6º. obviamente. percebe-se a preocupação pela “higidez pessoal” e da “sociedade”. segundo 55   “O preâmbulo de uma Constituição nunca deve ser considerado mera fórmula. com reajustes periódicos que lhe preser- vem o poder aquisitivo. o legislador volta a destacar a promoção do “bem-estar de todos”. É de competência comum da União. inc. Tem. fundada na harmonia social e comprometida. como moradia. transporte e previdência social. IV. alimentação. em seu art. a liberdade. Nenhum desses direitos será efetivado. procura-se realizar uma interpretação tal qual a preconizada por Savigny: com elementos lógicos. pluralista e sem preconceitos. higiene. Curso de direito constitucional. inc. diz-se que ele deve ser ca- paz de atender às necessidades “vitais básicas” do trabalhador urbano e rural e às de sua família. inc. à educação e à “ciência” (art. afirmou Story em seus Comentários à Constituição Federal dos Estados Unidos que o preâmbulo revela a intenção do legislador” (FERREI- RA. ao contrário. não levianamente. Aqui. histó- ricos e sistemáticos. Ou seja. a pesquisa e a capacitação tecnológicas (art. a segurança. As pessoas jurídicas de direito público interno devem. 23. concernente aos direitos sociais. 219. No art. com a solução pacífica das controvérsias. a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna. outra vez. gramaticais. O art. na ordem interna e internacional. sem a possibilidade de se evoluir nas pesquisas científicas. educação. Com apoio nas normas em destaque. dos Estados. o “bem-estar”. IV. do Distrito Federal e dos Municípios proporcionarem os meios de acesso à cultura. ao se realçar o salário mínimo. ao “bem-estar” de todos. a qual. justamente para chegar-se. portanto. estatui-se que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico. sacramenta-se que o mercado interno integra o patrimônio na- cional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e so- cioeconômico. sendo vedada sua vinculação para qualquer fim. o mesmo valor que a Constituição. procurando-se acertar a linguagem hermenêutica. incrementar o acesso à ciência. V). No art. p. deve-se respeitar o lavor porque ele traz à pessoa o “bem-estar” e a “saúde”. parte integrante da Constituição. como disse Barraquero. No corpo da Norma Fundamental. destaca-lo-á como premissa. lazer.55 o desenvolvimento. 7º. 3º. nos termos da lei federal. principalmente o direito à saúde. está acima das leis ordinárias. Pinto. 71). Nesse sentido. tendo em vista o bem público e o pro- gresso das ciências. para finalizar os argumentos favoráveis à busca do “bem-estar”. vestuário. No § 1º. o “bem-estar da população” e a autonomia tecnológica do País. 218). Ele é. estabelece entre eles a “saúde”. determina-se que a pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado. . com seu apoio. assim. Clonagem Humana  93 O preâmbulo da Carta Magna anuncia que os representantes do Estado bra- sileiro são responsáveis por assegurar o exercício dos direitos sociais e indivi- duais. No capítulo referente à ciência e à tecnologia. Escolhe-se um critério. 58   VENOSA. 6. crueldade e opressão. 1. Direito civil. não deixando ao léu os arts. ao lazer. 227. Em razão disso. na figura de seu ex-presidente Bill Clinton. além de colocar qualquer um a salvo de toda forma de negligência.6. não só cada um terá uma vida melhor. p. violência.57 No novo Código Civil. A personalidade pode ser entendida como o “conjunto de poderes conferidos ao homem para figurar nas relações jurídicas”. na qual o número de conflitos será menor. à liberdade e à convivência familiar e comunitária. o indivíduo conjuga a capacidade de direito e 56   DINIZ. 57   DINIZ. posteriormente. ex- ploração. . em não raras situações.6. ela deve ser analisada no âmbito dos direitos da perso- nalidade pelo liame que guarda com a dignidade da pessoa humana. 459.56 Por isso mes- mo. porém.58 A capacidade. à profissionalização. 148. enfim. tal qual na Grã-Bretanha. Não se pode desprezar o bem-estar efetivo de todos como princípio geral de direito. Se ela é plena. O estado atual do biodireito.6 Legislação infraconstitucional sobre a clonagem humana Há normas médicas proibindo a clonagem. é o limite da personalidade.94  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Tercio. mas evitam-se atrasos que. foi muito criticada a iniciativa inglesa de permitir a clonagem humana tera- pêutica. não se inseriu qualquer norma a respeito da clonagem humana.1 Definição Nesta oportunidade. compatibilizando-se o “direito à vida” com o “direito à saúde”. mas também a sociedade. discriminação. O estado atual do biodireito. por que não dizer. 6. conforme já lembrado. à educação. de compar- tilhar das melhorias das condições de vida. v. A partir disso. 449. noticiada no final de 2001. p. à cultura. tendência mundial encabeçada pelos Estados Unidos. Maria Helena. na esfera da clonagem te- rapêutica. Sílvio de Salvo. fazem-se necessários alguns esclarecimentos sobre a “personalidade” e. bem como aliados aos direitos à alimentação. Maria Helena. excluem pessoas de um país inteiro da sociedade internacional e.1. 226 a 230. principalmente o art. pois seus integrantes estarão com suas condições mínimas de saúde preservadas. p.1 Direitos da personalidade 6. ao respeito. mencionar o que se entende por “direitos da personalidade”. à dignidade. p.”64 59   VENOSA. outros coexistentes com a concepção (vida. imprescritibilidade e impenhorabilidade. a ponto de não serem absolutamente disponíveis e de merecerem. 62   LOPEZ. 1. e que encer- ram. t. constituindo o mínimo neces- sário do conteúdo da própria personalidade. independente da vontade de cada um. Serviu este texto de modelo a várias leis. O dano estético: responsabilidade civil. 94. São Paulo: RT. Eles seriam: “Direitos subjetivos privados. mas a capacidade de exercício é mitigada. como nenhum ou- tro direito merece. atual. sem intervenção humana. por isso. 47. fora do comércio. 64   JABUR. ed. Gilberto Haddad. p. rev. São 61 Paulo: RT. o indivíduo tem capacidade de direito. 46. essenciais ao bem-estar. o Código Civil português de 1966 e o anteprojeto do Código Civil francês. . Conforme acentua Antônio Chaves. ou per- sonalíssimos. 148. O dano estético.. Teresa Ancona. privacidade e direito moral do au- tor). 47). entre elas ao Anteprojeto Orlando Gomes” (LOPEZ. restringem-se-lhe alguns ou todos os atos da vida civil. ao pseudônimo. v. Antônio.60 Teresa Ancona Lopez afirma que os direitos em questão são as prerrogativas do sujeito em relação às diversas dimensões de sua própria pessoa. p. integridade física. Outros diplomas legais também tratam da matéria: o Código Civil alemão de 1900. § 2º. O dano estético. honra. o Código Civil suíço de 1907. v. Direito civil. ao nome. p. p.59 Há direitos que afetam diretamente a personalidade e que não possuem con- teúdo econômico direto e imediato. sobre o Direito ao Nome. que possibilitam o desfrute das faculdades do corpo e do espírito.61 O primeiro diploma legal a tratar dos direitos da personalidade foi a Lei Romena.   LOPEZ. em 1895. o predicado da inexpropriabilidade. imagem e identidade pessoal). Tratado de direito civil.62 Dentre os vários existentes. Sílvio de Salvo. em que se devem sanar as difi- culdades de saúde que o ser humano sofre. Teresa Ancona. esses direitos da personalidade. A Escola do Direito Natural defende a exis- tência desses direitos por serem inatos à personalidade. ao próprio corpo. categoria autônoma. Clonagem Humana  95 a capacidade de fato. e ampl. de conteúdo não patrimonial. p. relacionam-se com o direito natural. Teresa Ancona. o diploma legal mais importante é o Código Civil italiano de 1942. alguns adquiridos com o simples fato do nascimento (liberdade. neste caso. 1. Liberdade de pensamento e direito à vida privada: conflitos entre di- reitos de personalidade. se limitada. 2. 1. 63   “Esta lei trata pormenorizadamente de vários direitos da personalidade como o direito à ima- gem. 1999. 60   CHAVES. 1982. irre- nunciáveis e excepcionalmente transmissíveis aos sucessores. mas com reflexo pecuniário. 491.63 A conceituação dada por Gilberto Haddad vem ao encontro do que significam os direitos da personalidade na atual conjuntura. estão. vitalícios. 66   PONTES DE MIRANDA. 10. sua crítica era de que o referido projeto era incompleto. e o de 1916 não era exceção.66 Com supedâneo no ensinamento doutrinário. saúde (integridade física e psíquica).1. C. Buenos Aires: Abeledo- -Perrot. imprescindíveis. liberdade.1. 6. Projeto 634-B (arts. ou. p. 216. 1. determinou que. Somente nas últimas décadas do século XX. perenes ou perpétuos. no art. a preferência em disciplinar legalmente os direitos da personali- dade não é tradição no direito. “com exceção dos casos previstos em lei. no novo Código Civil. no plano constitucional. 67 11 a 21). o direito privado passou a ocupar-se dos direitos da personalidade mais detidamente. Tratado de direito privado. v. com relação ao elaborado por Orlando Gomes. ed. devemos lembrar que o Projeto de Código Civil de 1975. relativamente indisponíveis. como se verificará a seguir. 6. 1991. alguns se refletem até mesmo depois da morte. imprescritíveis.6. porque. Tratado de derecho civil: parte general. no sentido de que podem ser opostos erga omnes. sendo eles inatos ou originários. os direitos imprescindíveis para a existência e o progresso do ser humano. Antes da entrada em vigor do novo Código Civil. Projeto 634-B (arts. em princípio. Guilhermo. também agasalha em seu texto os direitos da personalidade. talvez porque o centro de proteção dos direitos individuais situe-se no direito público.65 Para Pontes de Miranda. inalienáveis. mais propriamente.   “Finalmente. 11. quanto ao projeto de Código Civil de 1975. Livro I. E.67 65   BORBA. independentemente da vontade de alguém. inalie- nável e irrestringível. estão fora do comércio e não possuem valor econômico imediato. os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciá- veis. porque perduram enquanto existir a vida humana. F. porque perduram por toda a vida. 315. 11 a 21). embora de uma maneira . não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”. absolutos. Título I. em sua Parte Geral.2 Características Guilhermo Borba expõe algumas peculiaridades desses direitos. Teresa Ancona Lopez men- cionava fundamentos legais diretos e indiretos para a existência dos direitos da personalidade no sistema jurídico nacional. o legislador dedicou um capítulo – o segundo – aos direitos da personalidade e. honra e igualdade.96  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Nessa categoria.6. p. porque são adquiridos ao nascer. consequentemente. o direito da personalidade é irrenunciável. No entanto. Dele são irradiados os direitos de vida.3 Tratamento privatístico-legal A matéria não é sistematizada na maioria dos códigos civis. pri- 72 vacidade e respeito. corpo e integrida- de física e os que dizem respeito à imagem. influen- ciaram a formulação do Texto Maior de 1988. avançado consideravelmente e bem. . por exteriorizarem aqueles direitos que nem por emenda constitucional podem ter seu perfil modificado (art. toda legislação inferior passou a estar subordinada ao perfil da Constituição. que levou à formulação daqueles perfilados no art. 54-55. dela condicionador e por ela condicionado.   “E a linha é uma só. p. p. inc. protegidos pela Constituição e pelo Código Civil. Domingos (Coords. 70   SILVA MARTINS. Ives Gan- dra da Silva.68 Além disso. dignidade humana. Ives Gandra da Silva Martins consigna que a matéria tem sede constitu- cional. p. e deu respaldo à sua aprovação posterior. O dano estético. In: MARTINS FILHO. V. 69   SILVA MARTINS. não impediu a recepção do texto incompleta e não tão bem-elaborada como a do Projeto Orlando Gomes” (LOPEZ. a de tornar os princípios constitucionais da honra. 56. 56. São Paulo: LTr. VI. 2003. 5º e em outros dispositivos da lei suprema. Os direitos de personalidade. que são cláusulas imodificá- veis do texto constitucional. Ives Gandra da.72 Podiam ser considerados direitos implícitos na lei civil pretérita. 68). p. entretanto. 12 a 21. honra. além de norteá-los no art. no art. gerada a partir do projeto do Código Civil. visto que a evolução doutrinária e pretoriana. Parece-me ter.71 Ao concluir os seus estudos. Ives Gandra da. a “Constituição cidadã” foi. em parte. 60. IX. Os direitos da personalidade. Ives Gandra da. IV) e que conformam um leque de garantias a ser instrumentalizado pela legislação infraconstitucional. 56.70 Em verdade. apesar de seu projeto anteceder a Constituinte. sendo projeto anterior à Constituinte. O novo Código Civil: estudos em homenagem ao professor Miguel Reale. Teresa Ancona. 68   SILVA MARTINS. Gilmar Ferreira. 5º. o Código Civil de 2002.69 Condicionador na medida em que. 11. 49). p. o autor expõe que tais direitos são fundamental- mente de duas naturezas: os que se referem ao respeito à vida. XI e XII. neste particular. traça princípios a serem seguidos quando se verifica a existência de direitos da personalidade. MENDES. Os direitos de personalidade. Clonagem Humana  97 O novo Código Civil. sobre o desenho do código anterior. onde não tão claramente tais direitos estavam conformados” (SILVA MARTINS. tendo em vista o fato de que incorporou ideias que estão no subs- tratum do projeto original. FRANCIULLI NETTO. a partir de outubro de 1988. Ives Gandra da. o constituinte optou claramente pela valorização do indivíduo e de sua personalidade. al- guns dos seus conceitos e princípios. no Capítulo II. Condicionado porque. dignidade. incs. sendo o Código Civil. debatidos no Congresso Nacional. § 4º. Ives Gandra da. Os direitos da personalidade. Os direitos da personalidade.). que todo o cidadão merece. 71   SILVA MARTINS. p. Ele assegura que o constituinte preocupou-se em preservar direitos fundamentais. arts. X. a integridade. VAGNER JÚNIOR. 73   SILVA MARTINS. a vida. Luiz Guilherme da Costa. São Paulo: Revista dos Tribunais.   CAHALI. pouco desenvolveu a temática. LISBOA. 537-538. embora tenha tido por objetivo primordial a preservação do respeito à dignidade da pessoa humana e aos direitos protegidos constitucionalmente. a liberdade. como se pode ver nos arts. RUSSO JÚNIOR. Dano moral. orientada para valorizar a pessoa em sua plenitude. no capítulo dedicado a tais direitos. In: DINIZ. In: FILOMENO. a autoria etc. O Código Civil e sua interdisciplinaridade: os reflexos do Código Civil nos demais ramos do direito. destinada a complementar o sólido arcabouço do Código Civil de 1916. além de regulamentação por normas especiais. nos arts. . a privacidade. prevendo em poucas normas a proteção de certos direitos inerentes ao ser humano. rev. a imagem.    Euclides Benedito de Oliveira é favorável à indenização. 2003. p. a imagem e o direito do autor. identificando o dano moral nas situações de perigo ou de ofensa aos direitos de vizinhança. 74   Diniz. p. 76   CAHALI. o culto ao valor da dignidade humana. 537. Yussef Said.98  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba de Beviláqua e da própria formulação de legislação extravagante. 954. p. O legislador não quis assumir o risco de uma enumeração taxativa. p. e no art.73 Maria Helena Diniz comenta que Goffredo Telles Júnior considera que os di- reitos da personalidade são os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio.74 Conforme Yussef Said Cahali. 949 a 950. apesar da grande importância dos direitos da personalidade. Os direitos da personalidade. ou seja. Dano moral. 68-69. Ives Gandra da. Belo Horizonte: Del Rey. a sociabilidade. 18. Rômolo.77 Obtêm- -se. e ampl. o qual dispõe sobre a liberdade pessoal. talvez para que haja. diante de seu caráter ilimitado. Renato Afonso (Coords. Yussef Said. alusivo ao direito à honra. 23. reconhece-se até mesmo um direito à tranquilidade e ao sossego. posteriormente. relativos ao direito à vida. GONÇALVES. a reputação ou honra. 2004.   PIOVESAN. Flávia. José Geraldo Brito. 953. 75 1998. dignidade humana e direitos 77 de personalidade.). 145-166).. São Paulo: Saraiva. 2. inexauríveis por excelência. compartilhando da corrente concepcionista (Indenização por danos morais ao nascituro.76 Em plena harmonia com os parâmetros internacionais e constitucionais. o novo Código Civil. quer pre- servar os direitos que são imanentes à personalidade humana. Direitos humanos. a título de dano moral. Novo Código Civil comentado. concernentes à integridade física e psíquica. Ela expõe que. inaugura-se o processo de “humanização do direito civil” na história brasileira. p.75 Outras emana- ções dos direitos da personalidade. desenvolvimento jurisprudencial e doutrinário. a transformação a que se sujeitou o direito nas últimas décadas. atual. vêm adquirindo particular ênfase: a intimidade.). causado ao nascituro. 948 a 951. regional e local. Maria Helena. Nesse contexto. ed. Roberyo Senise (Coords. O direito civil no século XXI. nos planos global. p. Maria Helena. no art. emprestando especial ênfase à proteção dos direitos da personalidade. 82 Por isso o repúdio à técnica da obtenção de um “ser” pela reprodução assexuada. É nesse ponto que se diferenciam dos direitos humanos. 63. 6. E isto. portanto. 2007. consagração e manutenção que ela se apresenta”.   Celso Lafer ensina: “(.80 No Enunciado 274 da IV Jornada de Direito Civil.   “É a dignidade humana que orienta o tributo aos essenciais direitos da pessoa. Gilberto Haddad. Em outro trecho: “O fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado. só é possível porque cada homem é singular. Rui (Organização).)” (A reconstrução dos direitos hu- 82 manos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. Limitações ao direito à própria imagem no novo Código Civil. inc. 13. Limitações ao direito à própria imagem no novo Código Civil. chegou-se a seguinte afir- mação: “Art. como nenhum pode sobrelevar os demais. pois estes são direitos que se ma- nifestam nas relações jurídicas de direito público. que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável.. Flávia. Gilberto Haddad. vem ao mundo algo sin- gularmente novo” (p. 13). de sorte que. efetivado com o princípio da unicidade. visando a proteger o indivíduo de atos praticados por outros. 81 p.79 Em seus dizeres: “A dignidade humana se afirma e se manifesta sob o influxo dos direitos da personalidade.6. contida no art. regulados de maneira não exaus- tiva pelo Código Civil.81 Os direitos da personalidade manifestam-se nas relações jurídicas de direito privado. em que o indivíduo se protege contra atos arbitrários do Estado. Os direitos de personalidade. re- sultando na violação do direito da personalidade de “identidade”. 119). 1º.78 A estreita vinculação entre os direitos da personalidade e a dignidade da pes- soa humana também não deixa de ser assinalada por Gilberto Haddad..1. dela insepará- 79 veis. Clonagem Humana  99 diante do desafio de resgatar no direito o seu potencial ético e transformador. deve-se aplicar a técnica da ponderação”. 181 – a afirmação está entre aspas no original porque é pensamento de outros .4 Limitação da clonagem humana em virtude dos direitos da personalidade O uso da clonagem reprodutiva afronta a dignidade da pessoa humana. p. III. dignidade humana e direitos 78 de personalidade. 80   JABUR. fonte e essência a pessoa humana. o respeito à sua personalidade física e moral e à sua plena e absoluta dignidade.) Todo homem.   PIOVESAN. p. p.   ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR. por sua vez. porque é por meio desse respeito. porque imbricados com a personalidade” (JABUR. 1988. 11. São Paulo: Companhia das Letras. p. Direitos humanos.. 18. a cada nascimento. são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa hu- mana. tendo em sua centralidade. Brasília: CJF. Rômolo. Jornada de direito civil. RUSSO JÚNIOR.. Em caso de colisão entre eles. é único (. da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Caso a clonagem do ser humano seja viabilizada. nº 16. com sua fantasia de super-homem. esclarece que o instalado entre 1890 e 1933 é de três ordens: 1. por conseguinte. Massimo. 83   VARI. o direito de todos de não ser discriminado genetica- mente.. questões religiosas. São Paulo. 86   “(. Goffredo. Maria Helena Diniz afirma: “a) O ser humano tem direito a ser geneticamente único e irrepetível” (O estado atual do biodireito. jun. com toda sua carga genética. lembrando um período da história que todos preferem esquecer. São Paulo: Juarez de Oliveira. É por ele que se lutou pela efetivação dos direitos da personalidade. chegar-se-á a ponto de se tentar a criação do “ser perfeito”. e. p. com a prática nazista do racismo85 e busca do “soldado alemão ideal”. Fábio Konder Comparato esclarece: “O caráter único e insubstituível de cada ser humano. 267). Maria Helena. o racismo ariano.) O princípio da esfera privada é a diferença e a diferenciação. 2. 67. com seus acertos e erros. com defeitos. 85   Eduardo de Oliveira Leite descreve em que consistiria a eugenia preconizada na Alemanha e. 2002. 451). 86-86. 438). p.) ressuscitando o ‘fantasma’ nazista de ‘xerocopiar’ soldados alemães. 254). CEJ. 2004). rejeitam a clona- gem humana. quanto ao racismo. a própria condição “humana” de todos estará comprome- tida.. é aquele que deve ser protegido pelo direito. que assi- nala a especificidade única de cada indivíduo (.86 O ser humano. 31). 65-70. p. jan. mesmo sob o aspecto de direito à ignorância a res- peito do futuro. por fim. podendo dar azo às atrocidades conhecidas de há muito.87 estudiosos). p. paradoxal ao que se “é”. científicas. rev. p. Ética: do mundo da célula ao mundo dos valores. Clonagem humana e o direito da pessoa – visão europeia.. v.. étnicas. conduzido por uma inexaurível esperança de vida melhor” (TELLES JÚ- NIOR. tendo. p.83 Não se pode admitir a dupla derivação do patrimônio genético de alguém. o racismo branco..   “O ser humano é. vive ele a experimentar formas diferentes de sociedade. Massimo. A temi- da “eugenia” ressurgiria em pleno século XXI. Clonagem humana e o direito da pessoa. especialmente como diversidade genética. de não ser submetido à prática de seleção genética etc. nenhuma justificativa de utilidade pública ou reprovação social pode legitimar a pena de morte” (A afirmação histórica dos direitos humanos./mar. marcadamente. levantando. filosóficas e jurídicas” (DINIZ. inerentes e imprescindíveis para sua existência. e que. p. portador de um valor próprio. lembrando Benoît Massin. p. 68. O estado atual do biodireito. Há nele uma ânsia insaciável 87 de absoluto (ver parágrafo 63). E como o absoluto é inatingível. ed. 2. que afirma a superioridade biológica dos arianos sobre o resto do gênero humano. 84   VARI. veio a demonstrar que a dignidade da pessoa existe singularmente em todo indivíduo. ainda. um ser fascinado pela perfeição. 2004. por fim. RT. mas também francesa e norte-americana (Eugenia e bioética: os limites da ciência em face da dignidade humana.84 O raciocínio leva a uma conclusão ainda mais aviltante: se não for respeitado o direito em questão. o racismo nórdico. . 824. e. que sustenta a supremacia da raça nórdica e estabelece vínculos com a eugenia alemã.. e 3. pelas feridas que causou. Por fim: “(. atingir a pureza da raça ariana e a vitória na guerra. Brasília.100  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Massimo Vari explica que o direito à identidade genética.)” (p. que se funda sobre a supremacia da raça branca. em verdade. efetivar-se-á o princípio expresso na Carta Magna do “bem-estar”. por exemplo. precisamente. quer intelectual. ao cadáver. O “egoísmo” será a marca dessa sociedade. 321). agora.). em sentido amplo. Clonagem Humana  101 Olvidar-se da intocabilidade da sequência genética é abrir mão da “humani- dade”. Torino: G. Mário Luiz. terapia genética. A clonagem está ligada. à identidade. Bioetica e diritto. 1 (Série Grandes Temas de Direito Privado). à intimidade. clonagem. ao tema da imortalidade” (BARBAS. bem como da possibilidade de discriminação do ser resultante dessa atividade. uma manifestação da intimidade do ser. positivamen- te. às partes separadas do corpo. para a correção de uma “anomalia”. São Paulo: Método. uma diversidade mais a proteger. ao contrário.”88 Giuseppe Dalla Torre também antevê a possibilidade de violação da unicida- de. que tem como um de seus componentes o povo. e em uma proporção que não encontrará limites. A possibilidade da clonagem humana parece sugerir uma segunda interpreta- ção. Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. José de Oliveira (Coord. ao respeito e às cria- ções intelectuais). comprometendo o próprio Esta- do. e não “para todos”. 2004. v. D. ao corpo.91 No que se refere à clonagem terapêutica. ao segredo.89 Já não se terá a discriminação de cor. à integridade física. p. In: ASCENSÃO. dado natural: a diferença. Jones Figueirêdo. com respeito ao universo de todos os homens. à integri- dade psíquica. da identidade biológica e genética com a manipulação genética. 90   VARI. à imagem. Clonagem humana e o direito da pessoa. Estu- dos de biodireito da bioética. pois evidencia a origem biológica do indiví- duo criando laços e vínculos que outrora não existiriam. Adriana Caldas do Rego F.90 Progressivamente. mas protegendo e tutelando. não se violará qual- quer direito da personalidade (direito à vida. 1993. à proteção jurídica. Testes genéticos. Direito da personalidade no novo Código Civil e os elementos genéticos para a identidade da pessoa humana. com o aumento da expectativa média “qualitativa” de vida. p. será excluído da convivência social. 88   MALUF. 68. Giappichelli. não só as incorreções serão sanadas. raça ou sexo. 89. Questões controvertidas no novo Código Civil. mas também se ob- jetivará “melhoria de rendimento”. 2005. A diversidade genética vista à luz do princípio da igualdade torna-se. voltada “para si”. Aquele que não receber uma interferência em seus genes pela escolha dos genitores. p. quer físico. designadamente na literatura 91 e nos próprios mitos. 43. Massimo.   “Ter um duplo e ser imortal esteve sempre nas fantasias humanas. Em sentido oposto. mas a “genética”. não só excluindo a discriminação. 89   TORRE. p. In: DELGADO. sonho atual do “ser” contemporâneo. Coimbra: Almedina. repetidamente mencionado no desenrolar deste texto. ALVES. Maluf conclui: “Em relação à identificação genética da pessoa humana entendemos ser esta um direito personalístico. . Stela. A perpetuação da espécie pode ceder lugar à “perpetuação de si mesmo”. Giuseppe Dalla. à voz. Inviabilizada a comercialização do “embrião clonado”. conforme se anotou. Em uma primeira leitura.102  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Interfere-se em um “ente com expectativa de direito” e. a “clonagem terapêutica” estaria relega- da do ordenamento jurídico. “normal”. Quiçá. esclerose. obtém-se o necessário para promover a cura de doenças tidas como incontorná- veis: diabetes. IX). 3º. com sua clonagem. de maneira inexorável. logo. restringe o termo ao tradicional: a clonagem é utilizada para suprir a deficiência de obtenção de um ser vivo por um casal. não é uma falácia. inc. infarto. .2 Legislação extravagante Os argumentos favoráveis à clonagem terapêutica. acometido de um mal. A clonagem terapêutica é a destinada à produção de células-tronco embrio- nárias para utilização terapêutica (inc. repita-se.6. o legislador menciona que é técnica de “reprodu- ção assexuada”. de uma técnica que pode aliviar ou eliminar as consequências de uma doença não é “violar direito”. mesmo com a vigência da nova lei. clonagem para fins reprodutivos. produzida artificialmen- te. 6. Ao impedir a clonagem humana. Em nada difere do conceito inserto no art. do Decreto nº 5. o Decreto nº 5. IV e VIII). limita-se a proibição à clonagem reprodutiva. constar do registro geral a possibilidade de se utilizarem gametas para futura pesquisa a fim de eliminar males até então sem cura. com substrato no já argumentado. portanto. A clonagem para fins reprodutivos é a que busca a obtenção de um indivíduo (inc. pelo menos. com ou sem utilização de técnicas de engenharia genética. No art. mas “efetivar a possibilidade de uma vida”. Alzheimer e Parkinson. entre eles os de clonagem. a clonagem humana. Todavia. precisamente em 22 de novembro. distrofia muscular. Ao conceituar a clonagem. de Biossegurança. por meio de doações. incs. a resposta não é aceitável. tudo deveria ser como no transplante de órgãos ou transfusão de sangue. No final do ano de 2005. clonagem terapêuti- ca e células-tronco embrionárias. que proíbe. acrescentando algumas concepções e explicitando outras. XI. Privar alguém. A clonagem é o processo de reprodução assexuada. como dito. X). tais como os defendidos. não a qualifica de reprodutiva ou terapêu- tica. baseada em um único patrimônio genético. 2º. ou seja.591/2005. 3º existem vários conceitos para serem utilizados na leitura do texto. esta definida como atividade de produção e manipulação de moléculas de DNA/RNA recombinante (art.591/2005 entrou em vigor a fim de regulamentar dispositivos dessa lei.   Lembre-se que a “vida viável”. parece estar a ultrapassar esta aparente necessidade” (Problemas éticos da reprodução assistida. sim. visando atingir melhor índice de êxitos. pois as distinguiu no art. os progressos técnicos no desenvolvimento de embriões in vitro. o crime aconteceria se a clonagem fosse reprodutiva. Disponível em: <http://www. para ilustrar. Esse raciocínio reforça o entendimento esboçado.. 10. faz menção ao embrião inviável. Clonagem Humana  103 Caso desejasse coibir as duas modalidades de clonagem humana: a reprodu- tiva e a terapêutica. 2003). podem ser revertidas no pagamento de cestas básicas” (Consultor jurídico. Dessa ma- neira. Esta. A tipificação deve ser clara e simples. p. criticava-se a penalização da clonagem humana.) aqueles com alterações genéticas comprovadas por diagnóstico pré- -implantacional. podia-se entender como embrião inviável aquele não dividido em outras células e. a pena restritiva não seria eficaz para coibir a ação de grandes laboratórios. p.conjur. estar-se-ia na seara da clonagem reprodutiva. que tiveram seu desenvolvimento interrompido por ausência espontânea de clivagem após período superior a vinte e quatro horas a partir da fertilização in vitro. por exemplo. 11. mas passível de 92   “O PL também é visto como inadequado no que tange a punições a práticas de estudos vetados em seus dispositivos. 94   Jorge Biscaia afirma que: “Simultaneamente. que se 93 dá com a nidação (Novo Código Civil comentado. . não é próprio para a obtenção de uma pessoa.93 O art. na legislação estrangeira. A enumeração feita pelo art. Quando da publicação do então projeto de lei. Revista de Bioética.com. na qual não se sabe ao certo as consequências. reforça tal entendimento ao conceituar embriões inviáveis como: “(. sob pena de violar o princípio da “ampla defesa” e do “contraditório” no momento da instauração da ação penal.591/2005. à dignidade.94 Novamente. deveria mencioná-las expressamente. v. 6). permitindo distinguir os inviáveis.. Quer-se inibir a manipulação de células-tronco embrionárias. inicia-se com a gravidez. portanto. canadense e francesa. não pode ser tratada como crime. uma ciência nova como a genética. Brasília. XIII. conforme Maria Helena Diniz. em que se defende a impossibilidade da clonagem reprodutiva. Felizmente. por fim. O tipo penal que faz referência ao art. Quinta-feira. ou com alterações morfológicas que compro- metam o pleno desenvolvimento do embrião”. ofensiva à ética. Acrescente-se que o art.3. uol. do Decreto nº 5. ademais. 2005). e não da terapêu- tica. inc. não é taxativa. inc. Acesso em: 10 mar. aos direitos da personalidade e inconstitucional. mortos na chamada redução embrionária. Para especialistas. 5º não pode ser aplicado.br>. p. já que penas de um ano. 1. começa- ram a ser implantados no útero materno vários embriões. não é correto des- crever as condutas delituosas de maneira negativa.92 A norma penal não pode ser interpretada extensivamente ou in malam partem.2005. porém. Além disso. 5º. essa é a técnica para se evitar maiores digressões em assunto tão controvertido. 83-84. 3º. I. conforme normas específicas estabelecidas pelo Ministé- rio da Saúde. 3º. nº 2. 5º. principalmente porque os avanços científicos estavam nos primórdios. admitindo-se a eliminação posterior dos não desejados. não há óbice ético-jurídico para a clonagem na modalidade terapêutica. é menos reprovável eticamente do que usar embriões excedentários que foram excluídos do projeto procriativo que esteve na sua origem. Daniel. p. no futuro. inc. não despicien- da. Analisando o inc. por isso mesmo. na esfera pública. e direito da perso- nalidade. 5º da Lei. II do art. O Decreto nº 5. . o princípio expresso de direito – inscrito na Constituição Federal – ao “bem-estar”.   CIOCCI. outra também não poderia ser a exe- gese. depois de completados três anos. p. além de três anos. No referido dispositivo. assim sendo dispendiosa a manutenção deles em criopreservação. A possibilidade de uso desses embriões após o interregno de três anos não tem explicação científica. constitucional. é mais salutar utilizá-los para o bem de terceiros. contados a partir da data do seu congelamento (art. principalmente pelo atraso causado pelos debates infindáveis. 14. que não ficará limitado por seus males.591/2005 complementa o que vêm a ser “embriões congela- dos disponíveis”: são aqueles congelados até o dia 28 de março de 2005. Não é sem razão que o resultado com células-tronco 95   SERRÃO.96 Para não se ferir direito fundamental. eventualmente. Possibilitará. Daniel Serrão entendeu que parece evidente que colher cé- lulas pluripotentes nessa estrutura [transferência nuclear em óvulos humanos]. no âmbito privado. XIV). permite-se a pesquisa em embriões congelados há mais de três anos ou que vierem a se tornar congelados a partir da vigência da lei. no futuro. de serem células e tecidos do próprio indivíduo do qual se trata. “vida” e. deve-se admitir a clonagem terapêutica.104  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba ser ampliada. não sujeitos a rejeição imunológica. 2005. 2º. São Paulo. digno. Universidade de São Paulo. com vias para uma vida “realmente saudável”. cuja pesquisa e resultado levarão alguns anos. Acresce que as células diferenciadas ou os tecidos que um dia venham a ser obtidos e com os quais possam. e violaria princípio fundamental: o “bem-estar” da pessoa. Uso de embriões em investigação científica. Outro raciocínio não seria ético. depois desse lapso temporal. é imprová- vel o casal que se submeteu à reprodução assistida desejar ter filhos. Direito penal e reprodução humana assistida. corrigir-se situações clínicas de falta de células terão a vantagem. com pleno desenvolvimento do “ser”. 318 f. não constituída para fins de procriação humana. Por isso mesmo. Ao que parece. em vez de eliminá-los. logo.95 Déborah Ciocci esclarece que o embrião clonado não seria semelhante ao embrião obtido pelas técnicas de reprodução assistida e. em consequência. a experiência com a clonagem de embriões para a cura de moléstias hoje insanáveis. Tese (Doutorado 96 em Direito Penal) – Faculdade de Direito. Déborah. 175. sábado. prepara-se a sociedade para uma mudança na maneira de conceber técnicas terapêuticas e aceitá-las.Paulo. surgindo problemas na esfera pragmática. É dessa forma que se concilia o progresso científico com a necessidade de respeito aos valores humanos primordiais. ou a variação da teoria “B”. ao desrespeito da pessoa humana. 26.98 Os sucessos e fracassos da pesquisa são equilibrados. ao comentar sobre a liberdade. a dignidade da pessoa humana. pois existe o risco de. Chega-se à conclusão de que inovar não significa transgredir padrões já aceitos e. uma vez que é mais aceitável. as normas cons-   “Os estudos e os tratamentos experimentais com células-tronco da medula óssea ou do cordão 97 umbilical estão mais avançados. mas essencialmente no direito a não sofrer empecilhos no processo de investigação científica” (A era dos direitos. A evolução científica não fica sem sustentação jurídica. tampouco. delineia-se com mais pujança o biodireito. Clonagem Humana  105 a partir da medula óssea ou do cordão umbilical está mais avançado. São Paulo. Pau- latinamente. desrespei- tar posturas ideológicas. A ciência demonstra quando a “individualidade” se inicia. C1). Isso. com seus ad- jetivos e defeitos. mencionado no Decreto. em última instância. Assim. A discussão filosófica não a repele de pronto. ao contrário. não representa a proibição. no futuro.3. p. mostrada por Daniel Serrão. Rio de Janeiro: Campus. Contribui-se. Adota-se a teoria gené- tico-desenvolvimentista.   Bobbio. técnica mais apropriada para se alcançar tais objetivos. tal como explicada por Jussara Meirelles. não se pode impedir a clonagem terapêutica. para a formação de um aparato jurídico que ser- virá como norteador das condutas humanas e coibirá ações ilícitas e repugnadas. contudo. Enfim. . não haver soluções apropriadas. gradativamente. o que dificultaria o prosseguimento de investigações mais ousadas para a melhoria da saúde de todos e poderia estagnar alguma pesquisa promissora. decisivamente. quer-se propiciar que ela alcance seu direito a uma vida viável para suas realizações. Há normas internacionais permissivas da utilização do embrião antes dessa fase. 1992. é permitir a cura de moléstias graves e possibilitar transplantes sem rejeição. com cirurgias bem-sucedidas em cardiologia e neurologia” (Folha de S. O controle responsável das iniciativas biotecnológicas é a melhor solução para se compatibilizar a ética. complementada pelo Decreto. A finalidade da legislação. a partir do 14º dia da formação do embrião. Não se dinamiza sua efetivação pelo princípio da precaução. do uso da clonagem na modalidade em comento.97 Não se é favorável ao desrespeito ao embrião e à sua “coisificação” nem. Inexiste ofensa à vida ou à dignidade da pessoa humana. Tradução de Carlos Nelson Coutinho.2005. assim se pronuncia: “O direito à liberdade científica 98 consiste não no direito a professar qualquer verdade científica ou a não professar nenhuma. 19). Não teria sentido possibilitar a pesquisa em seus primórdios e atravancá- -la em seu estágio mais sofisticado. p. pois no presente não há nenhum tratamento com base em embriões de clonagem (aos quais prefiro chamar quase-embriões ou clonotos). adultos. Por isso mesmo. 2005. antecipando um eventual uso futuro. diria bizarras. Argumenta-se que a autonomia individual ficaria comprometida se fosse li- vre a possibilidade de clonagem. 306. caso não se permita a pesquisa. não tanto quanto à clonagem tera- pêutica. 19. 2005. pois há maleabilidade em sua aceitação pela obtenção de benefícios à humanidade. a clonagem humana com fins reprodutivos recebeu a rejeição da Academia Nacional de Ciências. o ganho de lucros que laboratórios e empresas especializadas em produtos bioquímicos irão obter (Por detrás do último ato da ciência-espetáculo: as células-tronco embrionárias.99 Assim. de forma controlada. o resultado será sua realização na clandestinidade. em fetos ou em embriões. que propõe banir por lei a técnica e colocar penas severas contra essa prática. São Paulo. p. colhidos em mortos ou em vivos. Estudos de direito da bioética.106  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba titucionais e as leis infraconstitucionais. impondo-se um limite na permissão para sua execução. rejeita-se veementemente a clonagem reprodutiva. José de Oliveira (Coord.101 Em fevereiro de 2003. p. e também nos quase-embriões produzidos pela técnica da clonagem – à qual já se chama hoje clonagem te- rapêutica.3 Legislação estrangeira Nos Estados Unidos. o Congresso norte-americano aprovou a proibição da clonagem reprodutiva e da clonagem terapêutica. 256). No contexto histórico pregresso e atual. Pietro de Jesús Lora. 100   “Para atingir estes benefícios. há previsão de sanções administrativas e penais para a transgressão da Lei nº 11. mas são aplicações. em seres humanos. Questões para o século XXI. no qual se inseriu a lei. de tecnologias já disponíveis hoje” (SERRÃO. e não em sua efetivação. 101   ALARCÓN. Daniel. pela ambição e pelo intuito de lucro de muitas pessoas. nº 55. quanto à clonagem. A ética e o direito vão ter muitas dificuldades para lidar com estes novos problemas que não são as fanta- sias da engenharia genética./dez. tecidos e órgãos. . que vê na aprovação o fa- 99 vorecimento de clínicas que possuem estoques de embriões congelados e. set.100 6. Patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. v. A violação da proibição pode ser punida com multas de até US$ 1 milhão e prisão por até dez anos.105/2005. De outra ótica. mostra-se mais adequado inserir tais técnicas no ordenamento ju- rídico. In: ASCENSÃO. Revista de Estudos Avançados.). porque se predeterminaria a morfologia e a   Postura oposta à adotada por Dante Marcello Claramonte Gallian.6. 14). Coimbra: Almedina. com células-tronco embrionárias e/ou clonagem de embriões (clonagem terapêutica). será desenvolvido um comércio livre de células. 105   É o que se extrai da obra de: SHAPIRO. na erosão dos valores fundamentais da democracia.” Na Alemanha. p. ou le trans- planter dans un être humain. Cases. p. 5. Além disso. 46-47. July 2004. 2005.htm>. West Group. Roy G. um embrião. Clonagem Humana  107 psicologia do clonado. como dito. une autre forme de vie ou un dispositif arti- ficiel. 103   National Legislation concerning Human Reproductive and Therapeutic Cloning. Michael H.104 Na Espanha. 529 e 807. feto.org/portugues/Content/sc_leg1. 2. 2005. 416.bionetonline. O § 6º. ao final. a proibição da clonagem no § 6º da Lei de Proteção do Embrião inclui a “clonagem terapêutica” e a “clonagem reprodutiva”. American Casebook Series.. Acesso em: 104 5 fev. de acordo com a interpretação da maior parte dos peritos legais do país germânico. 419-420. em si mesmo. 391-393. resultando. Acesso em: 105 5 fev. ser humano ou cadáver. proíbe a criação artificial ou mesmo a tentativa de criação de um embrião humano com a mesma informação genética que outro embrião. 373- 376. Também é considerada um ato criminal pelo Código Penal de 1995. Paris.   Disponível em: <http://www.htm>. 5º]. sciemment: a) créer un clone humain par quelque technique que ce soit.org/portugues/Content/sc_leg1. SPECE JÚNIOR. a clonagem terapêutica utilizando embriões excedentários que ultrapassaram a data de implantação e que tenha a autorização dos doadores do material genético é legal. O problema é que os grupos religiosos se opõem e do- minam os mecanismos de decisão de controle administrativo. A transferência ou tentativa de transferência desse embrião para o útero de uma mulher também é proibida.103 Actes interdits 5. tendo sido banida no protocolo adicional da Convenção de Direitos Humanos e Biomedicina (que forma parte integrante da lei espanhola).   Disponível em: <http://www. p. “Act Respecting Assisted Human Reproduction and Related Research (As- sisted Human Reproduction Act) prohibiting reproductive and therapeutic cloning was adopted in March 2004 [sendo a vedação estatuída em seu art. Consultada em: 5 fev. 2.bionetonline. A clonagem reprodutiva é proibida desde 1989 pela Lei para a Reprodução Assistida. não só é ilegal produzi-lo como também utilizá-lo na investigação médica. materials 102 and problems on bioethics and law. . 1981. (1) Nul ne peut. 2005. uma vez que esse clone é. p.102 A clonagem reprodutiva e terapêutica é proibida no Canadá desde março de 2004. Unesco. o Conselho de Estado e o Presidente da República. 25 II Journal Officiel du 7 aôut 2004. que. que se tornou legislação. em pouco tempo. 106 Acesso em: 5 fev.legifrance. 16-4. conforme já foi verificado.151-2 e seguinte(s). também 108 disponível no legifrance. 107   Inséré par Loi nº 2004-800 du 6 aôut 2004 art. a produção de embriões por clonagem (implantação do núcleo somático no óvulo) é proibida. é que a OMS pode apenas sugerir políticas aos governos. à des fins industrielles ou commerciales ou à des fins thérapeutiques”. o ginecologista italiano Severino Antinori anunciou oficial- mente. 2.   Inséré par Loi nº 2004-800 du 6 aôut 2004 art. Victor Boulijenkov. ex- primiram a sua oposição. 21 Journal Officiel du 7 aôut 2004. L. O impedimento se concretizou no “Code de la Santé Publique”.2001.fr> (“Le service public de l’acess au droit”).108 Na Itália.8.106 Especificamente. 3e alinéa: “Est in- terdite toute intervention ayant pour but de fair naître un enfant génétiquement identique à une autre personne vivante ou décédée”. sua intenção de fazer clones de seres humanos. a referida comissão votou a favor da legalização da clonagem tera- pêutica por 14 votos contra 12. o art. O médico italiano. Assim ficou a redação do “Code Civil”. Essas entidades receiam que a autorização da clonagem terapêutica leve ao aparecimento de um mercado comercial de óvulos e propicie a clonagem reprodutiva. conforme Boulijenkov.2001. apesar de uma recomendação contrária da Comissão Nacional de Ética. 2. proibiu igualmente essa téc- nica. em seu art. que. em 7.151-4: “Est égale- ment interdite toute constitution par clonage d’un embryon humain à des fins thérapeutiques. afirma ser necessário. 2005. Os biólogos ou equipes médicas que produzirem um embrião clonado e im- plantado poderão ser condenados a 20 anos de prisão. L. Jacques Chirac. adjetivando-a como uma infração crimi- nal à integridade humana e uma prática eugênica. a criação de normas internacionais para regulamentar o tema. mesmo com o repúdio da clonagem pela Organização Mundial de Saúde (OMS) – órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU) –. Em 1998. Em 7.”107 O projeto de lei. . não tendo qualquer direito de punir nem de forçar a implementação de uma lei. em seu art. por meio do coordenador de sua Divisão de Genética Humana. a OMS aprovou uma resolução em que se recomendava aos países não praticar a clonagem reprodutiva.gouv. prevê a “Interdiction de constituer par clonage um embryon humain à des fins de recherche.108  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Na França. durante uma apresentação científica em Washington. é muito rigoroso quanto à clonagem reprodutiva. Outra lei. Esse   Disponível em: <http://www.2. O problema. de 2003. Mas a Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNCDH). de- clarou que utilizaria o mesmo método usado para criar a ovelha “Dolly”. no futuro. não estava abrangido pela “Human Fertilisation and Embryology Act” de 1990. A Lei sobre Técnicas de Procriação Assistida. Em abril de 2002. na rea- lidade. 2005.   Disponível em: <http://www. 109   Afora o conteúdo do relatório do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. da clonagem terapêutica. proíbe.glphr.109 Em Portugal. os manifestantes antiaborto do “Pro- -Life Alliance” iniciaram uma batalha jurídica em uma tentativa de impedir a clonagem terapêutica de um embrião dito “normal” – logo. 8. acena-se para a possibilidade. de Portugal. uma vez que não existe lei que a regule. As clonagens reprodutiva e terapêutica são vedadas por Lei de outubro de 2004. proíbe a clonagem reprodutiva e criminaliza a sua utilização. Acesso em: 5 fev.org/portugues/Content/sc_leg1.bionetonline. sobre a clonagem humana. entretanto. não há legislação sobre a utilização de embriões no que diz respeito às células estaminais. Clonagem Humana  109 procedimento é destinado unicamente a “ajudar casais estéreis”. A legislação italiana. os embriões não sobrevivam tanto tempo em cultura). .htm>. Em resposta a essa alteração de 2001. a interferência na carga genética de alguém. assim. o controverso médico italiano anunciou que uma de suas pacientes estava grávida do primeiro bebê-clone do mundo. a “Assisted Medical Procreation Law”. É a clonagem hu- mana terapêutica sendo efetivada. A operação seria em duas etapas: a concepção de um embrião humano. À semelhança do que acontece em qualquer investigação com embriões. 2005. expressamente. em- bora os estudiosos portugueses sejam contra. o que é legal desde 2001. pode ser que. ela- borado em abril de 2006. disse Antinori na Academia Nacional de Ciências norte-americana. Acesso em: 5 fev. promulgada pelo Parlamento em julho de 1999. Está em vigor a Convenção já mencionada. p. Contudo. A clonagem terapêutica não é permitida ou vedada em lei. no qual se realizará um “diagnós- tico pré-implantação” para se assegurar de que “o feto não apresente nenhuma anormalidade”. 1-2. permita-se aquela técnica em outra oportunidade. composto de 64 páginas. a investigação só é permitida mediante uma licença da “Human Fer- tilisation and Embryology Authority” (Autoridade para a Fertilização Humana e Embriológica). investigar a cura de doenças graves. o mais 110 foi extraído de <http://www. no Relatório nº 48 do Conselho Nacional de Ética para as Ciências para Vida. pelo relatório mencionado.110 Na Inglaterra. p. a inves- tigação utilizando embriões clonados não deveria ser permitida.org/genetic/europe2-7. também é possível usar embriões para produzir células esta- minais e. estes devem ser eliminados antes do final do 14º dia (embora. Todavia.htm>. porém. Por essa razão. essa decisão foi revogada por três juízes do Supremo Tribunal de Justiça. 2005. p.2004.gov.116   Disponível em: <http://www. 2005. a ser consi- dera legal.htm. um recurso à Câmara dos Lordes para que se analisasse essa decisão. p.htm>. A “Pro-Life Alliance” apresentou. mas deveria ser feito um pedido ou haver uma lei do governo sueco para tal finalidade: “(. Disponível em: <http://www. Acesso em: 113 5 fev.org/portugues/Content/sc_leg1.htm>. Acesso 114 em: 5 fev. 2.bionetonline. 6.110  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Em janeiro de 2002. and enabling such knowledge to be applied. p. a lei que entrou em vi- gor em dezembro de 2001 considera crime a implantação de um embrião clonado no útero de uma mulher.org/genetic/europe2-7.>.) the Swedish Research Council declared that creating embryos through somatic cell nuclear transfer for therapeutic purposes ‘can be ethically defensible’ wich would require formulation or a legal framework by the Swedish government”.com.org/portugues/Content/sc_leg1..”114 Na Suécia. Acesso em: 5 fev. . 115   Disponível em: <http://www.111 No “Explanatory Note”. firma-se: “The purpose of the Act is to prevent human reproductive cloning taking place in the United Kingdom by rendering it a criminal offence to place in the womb of a woman a human embryo that has been created other than by fertilization..br/ciencia/interna/0. 116 Acesso em: 14 jul.. Acesso em: 111 5 fev. com sucesso.   Disponível em: <http://noticias. que não faz parte da regulamentação da “Human Fertilisation and Embryology Act” de 1990.”112 Entretanto. alerta-se que: “These Regulations specify additional purposes for which the Human Fer- tilisation and Embryology Authority may grant licenses for research invol- ving embryos under the Human Fertilisation and Embryology Act 1990.OI284155-EI297. 2005.113 No “Explanatory Note” do “Human Reproductive Cloning Act”. assim. Alguém que tente praticá-la insurge em uma pena de até dez anos de prisão. Acesso em: 14 jul. nº 188. e a clonagem terapêutica passou. o “Swedish Research Council” declarou que a criação de embriões por meio de transferência de núcleos em células so- máticas com fins terapêuticos “pode ser eticamente defensável”.org/portugues/Content/sc_leg1.bionetonline. 6.3.opsi. 2006. 112   Statutory Instrument. 2006. The purposes are those of increasing knowledge about the development of embryos. os quais decidiram que um embrião clonado está de fato abrangido pela lei de 1990. htm>.html>. noticiou-se que a Suécia apoiaria a pesquisa de clonagem terapêutica.   Disponível em: <http://www.115 Em 25.terra.htm>. or about serious disease.ink/si/si2001/ 20010188.glphr. 2005. 2001.bionetonline. em dezembro de 2001.   Disponível em: <http://www.00. no que se refere à clonagem reprodutiva. 1º. Ao tratar da clonagem reprodutiva. tal como adotadas pela União Europeia. Clonagem Humana  111 Na Dinamarca. A clonagem reprodutiva é coibida na Lei de Inves- tigação Médica de 1999. Recentemente.org/portugues/Content/sc_leg1.bionetonline.int/omk/sipade2>. p.119   Disponível em: <http://www. Em âmbito mais amplo. 4 após impressão.europarl. com recomendação para que a Organização das Nações Unidas editasse proibição de qualquer forma de clonagem humana.1983 já tinha proibido a clonagem de embriões humanos).118 Na União Europeia.bionetonline. A lei dinamarquesa de 1997 sobre fertilização artificial proíbe a clonagem reprodutiva. observa-se que a clonagem terapêutica.117 Na Finlândia. A Resolução de 11.   Disponível em: <http://www. desde que siga as regras consagradas na lei dinamarquesa de 2001 sobre práticas médicas. a técnica continua a não ser usada. proíbe a clonagem em seu art. No texto mencionado. coloca um dilema ético profundo. 2006.3. que implica a geração de embriões humanos para exclusivos propósitos de investiga- ção.htm>. Acesso em: 117 14 jul. 3º). 2.3. 119   Disponível em: <http://www2. Acesso em: 118 14 jul.org/portugues/Content/sc_leg1. não se pode clonar um embrião humano para investigação médica. Ele deve ser cuidadoso e consciencioso no seu trabalho.eu. A primeira Resolução do Parlamento Europeu (16.1989) estipulava que a punição criminal era a úni- ca reação possível à clonagem humana. 2005.10. não existe lei regulamentando a clonagem de um em- brião para investigação médica (clonagem terapêutica). o Protocolo Adicional à Convenção Europeia para Proteção dos Direitos Humanos e da Dignidade do Ser Humano.htm>. Não existe lei sobre a utilização da clonagem terapêutica. A Declaração dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000) proíbe a clonagem reprodutiva de seres humanos (art. p. o Parlamento Europeu aprovou uma Resolução reprovando a iniciativa do Reino Unido em permitir a clonagem terapêutica. p. As experiências com clonagem reprodutiva também são vedadas. mas é obrigatório destruir os embriões no prazo de 14 dias após a fertilização. no que diz res- peito à Aplicação da Biologia e da Medicina (Convenção de Oviedo). no nº 2. De qualquer modo.1997 bania explici- tamente a clonagem e requeria aos Estados-membros que adotassem medidas no sentido de punir criminalmente todas as violações à proibição (A Resolução de 28. Acesso em: 5 fev. a restrição existe. em 7. Um médico pode efetuar tratamentos com clonagem terapêutica. ultrapassa fronteiras irreversíveis no que concerne às normas de investigação e é contrária às políticas públicas. 3 após impressão. a clonagem terapêutica de embriões excedentários para tra- tamentos de fertilização é legal.2000. 2006. .9. 121   Folha Ciência. .122 Em 18. no site <http://www. podem ser utilizados embriões.  Unesco. da Universidade de Stanford. a fim de se obter células-tronco. embora com profundas divergências.org. de 29 de janeiro de 2004. Disponível em: <http://unesco. Essa posição do sul-coreano foi apoiada por David Magnus e Mildred Cho. como querem os britânicos. ou. Paris.2. Eles terão de ser criados em razão das técnicas de reprodução assistida.112  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Na Coreia do Sul. de “condutos de trans- ferência nuclear”. que excederem aos necessários para o tratamento da infertilidade. naquele país foi realizada a primeira experiência de clo- nagem humana em 2004. 122 2004. comandou o trabalho da criação de 11 linhagens de células-tronco embrionárias.org/genetic/asia2-07-htm>. 2005.org/wiki/ONU_%C3%A9_contra_a_clonagem_huma- na>.org>. conforme a Lei da Vida Ética. Acesso em: 13 jun. “blastocistos”.121 Um fato que pode abalar o dinamismo na pesquisa é a recente descoberta da farsa daquela experiência. com a experiência em embriões. A18. a Assembleia Geral da ONU aprovou uma declaração não vinculativa que pede aos governos dos países- -membros que adotem medidas para proibir a clonagem humana. 20. A declaração foi adotada com 71 votos a favor. O problema ético da destruição de uma “pessoa” foi levantado. National legislation concerning human reproductive and therapeutic cloning. Proíbem-se todas as formas de clonagem humana na medida em que são in- compatíveis com a dignidade humana e com a proteção à vida humana. O cientista sul-coreano teria fraudado informações e divulgado.scienceexpress.120 Sem prejuízo disso. existe movimento para a possibilidade de.2005. 2006. Trata-se da primeira aplicação prática da clonagem humana no desenvolvimento da chamada clonagem terapêutica. 35 contra e 45 abstenções.wikinews. Acesso em: 5 fev. novamente. Woo Suk Hwang. 123  Disponível em: <http://pt. e pede aos países que ajustem suas legislações para proibir todo tipo de clonagem humana. possibilitar a clonagem terapêutica. indevidamente. inclusive para fins terapêuticos. No Japão.glphr. a pesquisa realizada será feita nos excedentários. São Paulo. Tanto isso é verdade que essa na- ção não assinou o Tratado da ONU que proibia qualquer tipo de clonagem. Acesso em: 5 fev.123 120   Disponível em: <http://www. 10. p.br>. ao que Woo Suk respondeu que não se tratava de “embriões”. a existência da criação das linhagens de embriões humanos clonados. porém. p.2005. o pesquisador da Universidade Nacional de Seul.5. 2005. Neste país. Neste ano. dos Estados Unidos. com menos de 14 dias. não se obtêm embriões de qualquer maneira. Além disso. de pronto. que poderia redundar. A situação não é a mais adequada. Conforme anotado em páginas anteriores.org. Como se tem notícia. primordialmente se haverá benefícios para muitas pessoas. tudo que é muito encoberto.jornaldaciencia. Acesso em: 13 124 jun. maiores abusos poderão ocorrer. pois. provavelmente o experimento não está mais adiantado devido ao repúdio de muitos setores da sociedade pela pos- sibilidade de se manipular negativamente o embrião. as diferentes maneiras de se realizar a clonagem humana.   Disponível em: <http://www. Clonagem Humana  113 O Brasil foi contra. se algum experimento for feito na clandestinidade. Isso mostra sincronia entre o posicionamento lá adotado e a legislação internamente elaborada. não é feito às claras. deveria haver mais informação científica e debate antes da decisão final sobre os méritos da clonagem terapêutica. Enquanto isso perdurar. dificilmente se terá divulgado estudos mais eficazes para a matéria. pois não se repudiou.br/Detalhe.124 Percebe-se que no Brasil foi-se cauteloso.jsp?id=25702>. segundo o representante brasileiro. pelo menos. pois. A linguagem do texto era dúbia e inexata. se avanços fossem feitos na manipulação de células-tronco embrionárias. . e reclamou que a votação só deixou explícita a profunda divisão da comunidade internacional sobre o assunto. redunda em ilicitudes das diversas ordens. o que não convém. 2006. na modalidade “clonagem humana terapêutica”. com grande quantidade de cobaias humanas à disposição. depois de se aludir à inovação na cura de doenças. Eutanásia e distanásia.2 1   HOSSNE. Cláudio. Sonia.). 2   “Os campos de concentração. William Saad. nos campos de concentração e prisões. VIEIRA. Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina. OSELKA. sendo questionados seus resultados. fora e antes da hora (maior detalhamento será feito quando se estudar a eutanásia. Iniciação à bioética. Sergio Ibiapina. Gabriel. pois aplicados em indivíduos definhados e mal-nutridos. A “mistaná- sia” ou “eutanásia social” é a morte miserável. Volnei (Coord. A experimentação com seres humanos: aspectos éti- cos. 7 Experiência com Seres Humanos 7. p. no último capítulo). Em nome da ciência. In: FERREIRA COSTA. . São Paulo: Edusp. favore- ceram outro tipo de mistanásia ativa.1 Escorço Conveniente explicitar. Leonard M. GARRAFA. decorrente do uso de embriões da reprodução assistida e pela clonagem terapêutica. 1998. Os alemães realizaram experimentos terríveis. pelas células-tronco embrionárias. p. de que maneira a experiência poderia ser usada em seres humanos.1 A necessidade de criação de mecanismos de controle tornou-se imprescin- dível quando se tomou conhecimento dos abusos cometidos durante a Segunda Guerra Mundial. foram realizadas experiências em seres humanos que em nada respeitavam nem a integridade física nem o direito à vida dos participan- tes. A experimentação com seres humanos tem sido feita ao longo do tempo. com diferentes níveis de ética e de qualidade. COHEN. seres humanos foram transformados em cobaias descartáveis” (MARTIN. 128. In: SEGRE. Marcos. 1995. 176). Não havia ética. Assim. . Declaração de Helsinque II (1975) e as “Diretrizes Internacionais Propos- tas para a Pesquisa Biomédica em Seres Humanos” (1981). O primeiro. em como protegerá a vulnerabilidade dos sujeitos da pesquisa”. H. VIEIRA. Mais à frente. mas têm efeito sobre a pesquisa clínica (HOSSNE. 9). MÜLLER. O extraordinário impacto qualitativo dessa Resolução nas pesqui- sas com seres humanos no Brasil é evidente. Idem. eugênicos ou outros que atentem contra a dignidade humana” (art. R. inclusive com reconhecimento internacional” (FILHO.. 2007. Análise dos aspectos éticos da pesquisa em seres humanos contidos nas Instruções aos Autores de 139 re- vistas científicas brasileiras. S. Experimentação com seres humanos. . W. No Brasil. S.. revisada várias vezes. o de “Sempre que participar de pesquisa envolvendo seres hu- manos. S. S. Ciência & Ensino. A. W. 1999. PEREIRA. v.4 A Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial. p. William Saad. Sonia. nº 1. Revista Brasileira de Reuma- tologia. étnicos. Declaração de Helsinque I (1964).. maior e mais detalhado. Revista da Associação Médica Brasileira. 100 do Capítulo XII. S. de. R. v. de. MÜLLER. R. 4. 2. 3   Os documentos não têm força de lei. 1997. Experiência com Seres Humanos  115 Depois dos terrores ocorridos. o médico respeitará as normas éticas nacionais. de 1964.. Não se faz referências que protocolos de pesquisa devem ser aprovados previamente por comissão independente e nem referências relativas à publicação dos resultados desses estudos. OLIVEIRA. afirma que protocolos de pesqui- sa em seres humanos devem ser analisados por comitê independente do investi- gador e que os relatos de experimentação fora dos princípios da Declaração não devem ser aceitos para publicação.6 No novo Código de Ética Médico. 99 do Capítulo XII – “Ensi- no e Pesquisa Médica”). algumas regulamentações foram feitas para disciplinar a matéria: Código de Nuremberg (1946). S. p. 6   “A Resolução CNS 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – Ministério da Saúde completou uma década em outubro de 2006. a matéria é disciplinada pela Resolução 196/96.. jan. sendo a última aprovada em 1996.. 2). 5   SARDENBERG. é vedado ao médico “Deixar de obter a aprovação de protocolo para a realização de pesquisa em seres humanos. R./fev. HOSNE. Ética em pesquisa: dez anos da resolução CNS 196/96. de acor- do com legislação vigente” (art. p. São Paulo.3 No Código de Nuremberg. do novo Código de Ética Médico). incluiu-se entre os “Princípios Fundamen- tais” (Capítulo I).5 Em razão do controle necessário. 47. 4   SARDENBERG. PEREIRA. A. HOSNE. 45. T. do Conselho Nacional de Saúde. ibidem. ou qualquer animal. proibiu-se ao médico: “Participar de qualquer tipo de experiên- cia envolvendo seres humanos com fins bélicos. OLIVEIRA. H. jun. T. José Marques. políticos. explica que “o consentimento voluntário dos sujeitos humanos é absolutamente necessário”. são estabelecidos dez tópicos que os médicos de- vem seguir quando realizam experimentos em seres humanos. 295). comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos (item III. 1995. serão admissíveis as pesquisas envolvendo seres humanos quando (V. ou no mínimo igual. Os danos econô- micos envolvem desde a necessidade de o participante do experimento arcar com os custos de exames adicionais até a necessidade de assumir. Pelo menos potencialmente todo experimento pode causar danos de natureza física. em sua totalidade ou partes dele. da Resolução): a) oferecerem elevada possibilidade de gerar conhecimento para enten- der.2 Conceituação Pela Resolução 196/96. A experimentação com seres humanos: aspectos éti- cos. prevenir ou aliviar um problema que afete o bem-estar dos sujeitos da pesquisa e de outros indivíduos. ou seja. 8   HOSSNE.7 Os danos físicos são previsíveis até certo ponto. a outras alternativas já estabelecidas para a prevenção. Não existe preocupação apenas com aquilo que pode afetar o ser humano no momento da pesquisa.3 Riscos e benefícios A ideia de risco. social e econômica. individuais ou coletivos. Os danos psicológicos podem ocorrer com experi- mentos com alucinógenos. 7. com as possíveis consequências para cada um que está sendo submetido a ela. em seu item II. os danos advindos da experimentação.2. incluindo o manejo de informações ou materiais. Sonia. psicológica.1. da Resolução 196/96). porém. A experimentação com seres humanos: aspectos éti- cos. o diagnóstico e o tratamento. p. a pesquisa envolvendo seres hu- manos é definida da seguinte maneira: pesquisa que. individual ou coletiva- mente. c) o benefício seja maior. 132.1. Os danos sociais referem-se à publicação de dados confidenciais. financeiramente. afinal. VIEIRA.8 Dentre os aspectos éticos da pesquisa está a ponderação entre riscos e bene- fícios. que podem produzir comportamentos aberrantes. William Saad. 1995. . tanto atuais como potenciais. William Saad. a probabilidade de causar dano está associada à ex- perimentação. 7   HOSSNE. b) o risco se justifique pela importância do benefício esperado. Sonia. Embora haja riscos potenciais. p. não se pode prever tudo o que pode acontecer. 132. “b”. envolva o ser humano de forma direta ou indireta.116  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba 7. VIEIRA. Jamais poderá ser exigido do sujeito da pesquisa. O formulário do consentimento livre e esclarecido não deve conter nenhuma ressalva que afaste essa responsabilidade ou implique ao sujeito da pesquisa abrir mão de seus direitos legais. Joaquim Clotet menciona outros sinônimos ao termo “consentimento esclarecido”. oferecendo-se a todos os sujeitos os benefícios do melhor regime (V. preferindo este último. Qualquer que seja a nomenclatura. sob qualquer argumento.5). Beccher. Experiência com Seres Humanos  117 Os benefícios e riscos são ponderados não só para cada um individualmente. de que é o aspecto mais importante na experimenta- ção com seres humanos. renúncia ao direito à indenização por dano. As pesquisas sem benefício direto ao indivíduo devem prever condições de serem bem suportadas pelos sujeitos da pesquisa.7). além do direito à assistência integral. mas também a pessoa deve saber dos riscos e benefícios que se proporcionarão. sua afirmação. ou seja. Do mesmo modo. origens . O Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição deverá ser informado de to- dos os efeitos adversos ou fatos relevantes que alterem o curso normal do es- tudo (V. não previsto no termo de consentimento. tão logo constatada a superioridade de um método em estudo sobre outro. Devem-se buscar os benefícios e minimizar os danos e riscos para todos. incluindo o direito de procurar obter indenização por danos eventuais (V. 9   A expressão é utilizada na Resolução 196/96. mas também para a coletividade em que se está realizando a pesquisa. de maneira clara e exata. psicológica. da Resolução 196/96). em razão da tradução do vocábulo inglês informed consent. social e educacional (V. o projeto deverá ser suspenso. despido de qualquer influência.3). Os sujeitos da pesquisa que vierem a sofrer qualquer tipo de dano previsto ou não no termo de consentimento e resultante de sua participação.6). “consentimento consciente” e “consentimento infor- mado”. O pesquisador.4 Consentimento livre e esclarecido9 O consentimento de quem está se submetendo à pesquisa não deve ser ape- nas livre.2. permanece válida. ou seja. con- sequente à mesma.4). patrocinador e a instituição devem assumir a responsabili- dade de dar assistência integral às complicações e danos decorrentes dos riscos previstos (V. “consentimento pós-informação”. e um dos requisitos raramente prescindíveis no tratamento médico (Con- sentimento informado nos comitês de ética em pesquisa e na prática médica: conceituação. O pesquisador responsável é obrigado a suspender a pesquisa imediatamente ao perceber algum risco ou dano à saúde do sujeito participante da pesquisa. quais sejam. considerando sua situação físi- ca. têm direito à indenização (V. 7. reportando-se a Henry K. Rio de Janeiro. Débora. os senis. 1489-1496. na medida do que compreende (“No caso do sujeito de pesquisa ser menor de idade. como prisioneiros. v. ainda. Rio de Janeiro. p. VIEIRA. desrespeitando-se a dignidade de cada um. DINIZ. Rio de Janeiro. William Saad. A eticidade da pesquisa. também estão nessa situação. Mauro Machado do. velhos asilados. A biopolítica da população e a experimentação com seres humanos. da Resolução 196/96). 101. porque podem estar em busca de ajuda desesperadamente. além de se protegerem grupos vulneráveis e os legalmente incapazes. após as devidas explicações sobre a natureza e as consequências da pesquisa” (art. p. a qualquer custo. os de baixa escolaridade e as crianças). PRADO. Cadernos de Saúde Pública. v. 17. 2001). os empregados e alunos). poder-se-ia ultrapassar a ra- zoabilidade existente. em especial. 135. desejando-se. Sonia. A experimentação com seres humanos: aspectos éti- cos. a preocupação de alguns estudiosos a respeito da maior permissibi- lidade de experimentos em povos de países em desenvolvimento. Ciência & Saúde Coletiva. não se permite ao médico “Deixar de obter do paciente ou de seu representante legal o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de pesquisa envolvendo seres humanos.    Deve-se destacar. de maneira clara e sem qualquer imposição. imperialismo ético e controle social. os indivíduos à morte e os doentes (pessoas com doenças crônicas. Declaração de Helsinki: relativismo e vulnerabilidade. respeitar sua autonomia e defendê-lo de sua vulnerabilidade (III. livre e es- clarecido. necessitam de intervenção especializada para se recuperar). Marilena. experimentar nova droga. maio/jun. no entanto. são vulneráveis.1. 445-455. no novo Código de Ética Médico. implica esse tipo de consentimento. p. 17. de vulneráveis. . 679-698. html>. CORRÊA./jun. abr. Mudanças na declaração de Hel- sinki: fundamentalismo econômico. me- nores recolhidos em orfanatos e outros tipos de instituição – Fundação Casa no Brasil – acresci pacientes de enfermaria. p. Consultado em: 13 fev. Com almejo de resultados. Cadernos de Saúde Pública.br/revista/biolv3/consentimento. liderada por países desenvolvidos. em alguém.118  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Aliás. Volnei. Sandra. para não se ter cobaias humanas.org. 1995. caput. os que estão em situação de de- pendência (todos os institucionalizados. nº 6. os Estados Unidos da América. 10   HOSSNE. um imperialismo ético (CAPONI. Busca-se a vontade de quem se submete à experimentação. nº 2. aliás. nº 3.portalmedico. com relativização de valores. v. “a”. mas que. refratárias à terapia conhe- cida. para curar alguma moléstia grave. 2001 e GARRAFA. A pesquisa sempre deverá tratar o indivíduo-alvo em sua dignidade. além do consentimento de e atualidade. nov. por exemplo.10 Quanto ao menor de idade. 2004. 9. o que caracterizaria uma visão equivocada da vulnerabilidade. São vulneráveis aqueles que não compreendem (deficientes mentais. do Capítulo XII). 2009). Disponível em: <http://www. o novo Código de Ética Médico assinala para a necessidade dele mesmo dar o consentimento./dez. os doentes que têm tratamento conhecido. Por vezes. é necessário seu assentimento livre e esclarecido na me- dida de sua compreensão” – art. os objetivos e os procedimentos que serão utilizados na pesquisa. so- bre a metodologia. O termo de consentimento obedecerá aos seguintes requisitos (IV. da Resolução). i) as formas de indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa. 7.1. O próprio respeito à dignidade humana exige que toda pesquisa se proces- se após o consentimento livre e esclarecido dos sujeitos. c) os métodos alternativos existentes. b) os desconfortos e riscos possíveis e os benefícios esperados. da Re- solução) (percebe-se que o consentimento deve ter a forma escrita): a) ser elaborado pelo pesquisador responsável. expressando o cumpri- mento de cada uma das exigências acima.2. e) a garantia de esclarecimento. g) a garantia do sigilo que assegure a privacidade dos sujeitos quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa. parágrafo único). Experiência com Seres Humanos  119 seu representante legal. f) a liberdade do sujeito de recusar a participar ou retirar seu consenti- mento. sendo o mais interessado. com os seguintes aspectos: a) a justificativa. 101. informando a possibilidade de inclusão em grupo controle ou placebo. entretanto. em qualquer fase da pesquisa. indivíduos ou grupos que por si e/ou por seus representantes legais manifestem a sua anuência à participa- ção na pesquisa (introito do item IV da Resolução). sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado. poderia desejar a sujeição do representado a algum tratamento.5 Elucidação e formalização do consentimento livre e esclarecido O esclarecimento dos sujeitos envolvidos na pesquisa deve ser feito em lin- guagem acessível (IV. até mesmo de boa-fé. de- verá também assentir. O representante legal. . d) a forma de acompanhamento e assistência. ele. h) as formas de ressarcimento das despesas decorrentes da participação na pesquisa. pode ser necessário um curador para defender seus interesses. assim como seus responsá- veis. antes e durante o curso da pesquisa. que não pode ser abusiva (cf. as práticas que coloquem em risco sua função ecológica.10. . o experimento em seres hu- manos deve ser baseado em resultados de experimentação em animais e no co- nhecimento da evolução da doença ou outros problemas em estudo. dessa manei- ra. vedadas. enfim. em seu art. Em alguns casos. Em virtude da invasão de empresa no Estado de São Paulo. O uso de animais é para atividades educacionais (art. 7. a experientação efetivará outra norma da Lei Teto. podem ser feitos. c) ser assinado ou identificado por impressão datiloscópica. Criam-se as Comissões de Ética para Uso de Animais em cada instituição de pesquisa e o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea). § 1º. logo.794. pois. Na Constituição Federal. quem fiscalizará as experimentações e as penalida- des. Existe todo um regramento para criação e utilização de animais (arts. 17 a 21). na forma da lei. por todos e cada um dos sujeitos da pesquisa ou por seus representantes legais. sendo uma retida pelo sujeito da pesquisa ou por seu representante legal e uma arquivada pelo pesquisador. da Lei nº 9. conforme se tem divulgado. caput. Em outras palavras. art. Existe. os resultados já conhecidos justificam a condição do experimento. ainda. bem como ao uso co- mum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. 225. d) ser elaborado em duas vias. acaso os testes em animais não violem a função ecológica. § 1º. classificaram-se as espécies pas- síveis desse tipo de pesquisa. A pesquisa em animais em nosso país é disciplinada na Lei nº 11. 1º. de 8. I e II) e para atividades de pesquisa científica (art. dentre outras providên- cias. um arcabouço legal para explicar em que situações as experimentações podem ser feitas. 1º.” Para essa tarefa. impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. estabelece-se que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. legais e éticos da matéria.120  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba b) ser aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa que referenda a inves- tigação. acolhida constitu- cional para a experimentação. 217. Há legalidade na experiência com animais.6 Experiência com animais Conforme preceituava o Código de Nuremberg. art. 11 a 16). por um grupo de defensores dos que não podem clamar para serem salvos. provoquem a extinção da espécie eleita ou submetam-na à crueldade. § 2º). os cães que lá estavam. § 1º. incumbe ao Poder Público.605/1998). serão tratados alguns aspectos constitucionais. 32. Elaborou-se.2008. penalidades são instituídas (arts.. provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”. o uso de cães é intermediário para a prática com camundongos e seres humanos. VII: “proteger a fauna e a flora. Pesquisa em modelos animais. haja quem fiscalize as entidades promovedoras daquela ação. 1995. porque não está contrária a alguma atitude geral ou mínima imprescindível para o progresso humano no contexto global.7 Relacionamento médico e paciente O médico não pode se esquecer de sua condição. em prol da humanidade. 12   HOSSNE. diminuindo os riscos e potencializando os benefícios. estudiosos. Disponí- 11 vel em: <http://www. cada ato deve preservar o relacionamento médico-doente em toda sua plenitude. VIEIRA. William Saad. os animais também têm sua relevância. 7. estão conciliando a ciência com os postulados bioéticos para o assunto. contudo. d) o conflito entre o bem dos seres humanos e o bem dos animais deve ser evitado sempre que possível. a Carta da República não é violada. tampouco fere algum diploma legal infracons- titucional. para cientistas. Apesar do novo desafio. Márcia Mocellin. Experiência com Seres Humanos  121 Inexiste restrição ética. o minimamente aceitável numa sociedade em evolução qualitativa. 145. acaso os animais não sejam submetidos à cruelda- de. porquanto regulamentadas as espécies a serem utilizadas. c) nem todo conhecimento gerado em pesquisas com animais é plena- mente transferível ao ser humano. ao contrário. também no bem-estar do ser humano que se propôs a determina- da técnica nova. sendo necessários para o progresso da ciência. pesquisar para o avanço do conhecimento. b) nem tudo que é tecnicamente possível de ser realizado deve ser per- mitido. Alguns princípios são norteadores nessa experimentação:11 a) os seres humanos são mais importantes que os animais. diferenciada de acordo com a espécie considerada. com respeito a outros seres vivos. médicos e pesquisadores que laboram para essa finalidade. p. José Roberto. RAYMUNDO. A experimentação com seres humanos: aspectos éti- cos. porém.ufrgs. ou pode ser taxada de antiética ou violadora de algum preceito bioé- tico. maneira e fiscalização.br/bioetica/animrt.htm>. Acesso em: 19 fev. a experimen- tação é permitida para o incremento do meio ambiente e do desenvolvimento científico. quando da experimentação em seres humanos. 2009. que está ligada à essência do relacionamento médico-doente.12 Isso fará com que o médico responsável não pense apenas no êxito da expe- riência.   GOLDIM. Sonia. ao contrário. . Em conclusão. com sofrimento. acomodações ruins. ele pode ser visto. como uma cobaia. como qualquer outro. Caso isso não seja feito. dor. Brasília: Conselho Federal de Medicina. falta de material para atendimento. Ou seja. Conforme enfatiza Leo Pessini: “Triste futuro nos aguarda se esquecermos a verdade de que as coisas têm preço. não das vidas que serão salvas. afora se ter em mente que ele é um ser humano. Qualquer que seja a condição desse paciente. muitas vezes. v. salários não con- dizentes com as funções desempenhadas. é por causas do bene- fício que se pode obter. Não se pode permitir plantões extensos. qualquer perigo à saúde do paciente será devidamente sopesado. sofrimento. A insen- sibilidade predominará. mas as pessoas.122  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Além disso. Se isso não for feito.”13 Mais do que nunca é necessário no atendimento médico o profissional da área da saúde enxergar no paciente um ser humano com dignidade. nº 2 – 2005. 69. não se dedicará para tirar sua dor ou curar uma doença. 13. 2006. A valorização de quem trata com um ser humano em estado de “má saú- de” deve ocorrer. dignidade. doente contagioso. um instrumento para certa finalidade. número de pacientes exacerbado para cada um. concomitantemente. . de maneira urgente. criminoso de guer- ra. terá maior beneplácito com a manutenção do vínculo em comento. que sente angústia. Bem como se não formos sábios no criar um mundo de dignidade humana que nos proteja da ameaça de sermos degradados a meras cobaias ou seres instrumentais. Se não o for. 13   Dignidade humana nos limites da vida: reflexões éticas a partir do caso Terri Schiavo. mesmo nessa situação. p. não o tornando um “objeto de estudo”. concretizando-se a dignidade da pessoa humana. ine- xistência de medicamentos ou instrumentalização de exames. estrangeiro. Bioética. alienado. o tratamento de quem colabora para a descoberta de novas curas ficará prejudicado. face a desvalorização humana. que fica nebulosa. cercavam-se os matrimônios grego e romano de atos que caracteri- zavam a passagem da mulher de uma família para outra. p. com o fim específico de procriar. e a primeira instituição por ela estabelecida foi o casamento. o culto aos antepassados não cessava. Um dos motivos era porque a religião foi norma constitutiva da família anti- ga. com a res- ponsabilidade por esse culto. principalmente por ser malvisto. mas possibilitava o divórcio. quer nos propósitos religiosos da 1   COULANGES. em sua origem. Fustel de. preservando-se a linhagem. Tradução de Jonas Camargo Leite e Eduardo Fonseca. a do marido. a adoção. .1 Histórico Nascituro. conforme verificado. corriqueiramente. tinha feição egoística. por- que. causam vá- rias dúvidas e debates. tampouco existia preocupação com as regras de biodireito. Nesse contexto. embrião e possível eliminação. embora este fosse raro. 33-43. Em Roma. também não é menos tormentosa sua geração. 1975. era aceito –. o direito.1 Pouca influência havia da bioética – uma vez que tudo se dava conforme o que. 8 Reprodução Assistida 8. o casamento era consensual. o que implicava a dificuldade de sua dissolução e a proibição do celibato. Dessa forma. São Paulo: Hemus. O matri- mônio decorria da vontade das partes. pois di- recionava-se aos interesses do pater familias. A cidade antiga: estudos sobre o culto. pois o desaparecimento da família significava a morte do culto aos antepassados perante o fogo sagrado. as instituições da Grécia e de Roma. possuindo caráter público e conotação política. em alguns países. em 1791. que inseminou a esposa de um lorde inglês utilizando o esperma deste.10 As experiências com fertilização in vitro. como a Inglaterra e a Austrália. Procriações artificiais e o direito. 42-43. percebeu que os espermatozoides submetidos a frio.6 Jean Rostand. além dos Estados Unidos. Eduardo de Oliveira. Eduardo de Oliveira. geralmente. 1995. 1996. 673. 19 e 41. A nova filiação.124  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba manutenção do culto familiar. éticos e jurídicos. 5   LEITE. Foi possível. com a finalidade de reprodução humana. Eduardo de Oliveira. Ogino e Knauss conseguem obter o período fecundo de uma mulher. A noção de esterilidade do casal data do século XVII. p. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos. p. antes disso. p. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais: o estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. a “culpa” pela impossibilidade de se obter prole era da mulher. p. Eduardo de Oliveira.11 2   CAMARGO VIANA. p. então. 4   GAMA. A família e a filiação. Rui Geraldo. Rio de Janeiro: Renovar. p.8 No mesmo ano. 18. psico- lógicos. ocor- reu a utilização bem-sucedida de esperma congelado nos Estados Unidos. p. os quais tinham capacidade de reprodução. 8   LEITE. pensar em “bancos de esperma”.3 A primeira experiência comprovada pela ciência de inseminação artificial com êxito foi a de John Hunter. sem alteração de sua viabilidade. em 1945. 672. 3   LEITE. conservavam-se por muito tempo. Em 1875 e 1890. Guilherme Calmon Nogueira da. 10   LEITE. Procriações artificiais e o direito.5 Em 1932. p. pôde-se observar um avanço na área de descobertas médicas na reprodução. 6   LEITE.4 Trata-se da inseminação artificial homóloga. Procriações artificiais e o direito. somente passaram a ganhar força na década de 1970. Eduardo de Oliveira. concluiu-se que a fertilização é constituída pela união do núcleo de um espermatozoide com o de um óvulo. 7   LEITE. Eduardo de Oliveira.7 Smith obteve sucesso em congelar embriões em 1953. 31-32.2 Paulatinamente. 18. . 176. Procriações artificiais e o direito. 31. p. Eduardo de Oliveira. pela observação de peixes e mamíferos. São Paulo: Revista dos Tribunais. Guilherme Calmon Nogueira da. 11   GAMA. quer na fortificação da família. 31. religiosos. Procriações artificiais e o direito. Procriações artificiais e o direito. 2003. Tese apresentada para a obtenção do título de Professor Titular – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. e com o emprego de glicerol.9 Edwards e Steptoe conseguiram embriões humanos in vitro em 1969. 9   LEITE. p. que passou a ser conhecida como o primeiro “bebê de proveta” por ter sido concebida em labo- ratório com os recursos da Fivete. Steptoe. 35). 18. Comentários ao Código Civil: parte especial – do direito de família (arts.547. p. outras seriam as terminologias mais adequadas: “gestação por conta de outrem” e “mater- nidade por substituição” ou “sub-rogação” (Comentários ao Código Civil: parte especial – do direito de família (arts. 14   LEITE.591 a 1.14 O problema. 18. p. ano 50. A nova filiação. 20 e 42.15 Isso gerou controvérsias. nasceu Anna Paula Caldeira. muitas vezes.1984.710). desde há muito já se alertava para o “perigo da inseminação artificial” no Brasil (cf. 1. 673). 42. § 4º) (Comentários ao Código Civil: parte especial – do direito de família (arts. A partir de 1980. In: Junqueira de AZEVEDO. Procriações artificiais e o direito. Procriações artificiais e o direito.    Aliás.12 Na Inglaterra. também: CHINELATO E ALMEIDA. 199. no Japão. lembrava-se a necessidade de haver legislação para garantir a mãe biológica. Bolzan relata que a ideia de fertilização humana in vitro foi lançada em 1937 em trabalho anônimo sob o título ‘Conception in a watch glass’. e de 1975. nasce o primeiro bebê de mãe de aluguel (Veja online.16 12   LEITE. 13   Guilherme Calmon Nogueira da Gama. 34)” (GAMA.13 Havia coleta dos espermatozoides do homem e dos óvulos da mulher. São Paulo: Saraiva. o nascimento de bebês de proveta deixou de ser um caso extraordinário e ganhou foros de normalidade. 149. 2004. pois fere preceito constitucional. 35). 51. logo. facilitando o incremento da reprodução as- sistida. 1998. realizava-se uma fusão artificial em um tubo esterilizado e implantava-se o embrião no útero da mulher. Cf. Taylor e Collins. No Brasil. complementa: “Alejandro D. v. p. A nova filiação. v.710). 497-507). em nota. publicado no The New England Journal of Medicine. p. Guilherme Calmon Nogueira da. Revista Forense. 18.10. nº 217. 2004. a primeira criança brasileira resultante da concepção com o recurso da Fivete. v. Antonio (Coord. Ademais. p. 16    Silmara Juny Chinelato sustenta que o método é ilegal. Eduardo de Oliveira. em 25 de julho de 1978. AZE- VEDO. A inseminação artificial em face da moral e do direito. Eduardo de Oliveira. v. São Paulo: Paulinas.591 a 1. nos Estados Unidos. p. Tradução de Marisa do Nascimento Paro. Reprodução Assistida  125 O aumento de ovulação é conseguido em 1971 por meio de estudos de Edwards. Guilherme Calmon Nogueira da. 2004. Eduardo de Oliveira. 7). 1. 1. Rock e Menkin conseguiram a primeira fertilização extracorpórea de um óvulo humano (Reprodução assistida e dignidade humana. Armando Dias de. 673-674). 15   LEITE.591 a 1. não era somente o de encontro dos gametas. outra deveria engravidar em seu lugar. porque pela legislação então vigente a mãe seria a . Em outro momento. Silmara Juny A. nasce Louise Joy Brown. abar- cando a cessão gratuita de útero para gestação por conta de outrem (art. em 1948. 66-67. mas também a própria impossibilidade de a mulher levar adiante uma gravidez. Rio de Janeiro. Os primeiros casos clínicos relati- vos ao empréstimo de útero datam de 1963. p.   Em 1983. realizado pela equipe de Milton Nakamura (GAMA.710). p. 1. p. p. sendo que. p. Procriações artificiais e o direito. e o processo foi vulgarmente denominado “barriga de aluguel”.). em 07.   Em fevereiro de 1997. surgiram mais avanços: criaram-se os “depósitos de espermas e óvulos”. p. poder-se-ia utilizar o gameta do homem ou da mu- lher para a gravidez. Afirma-se: a) o genoma mostra a unidade de todos os membros da família humana. f) a pesquisa. A sua finalidade é salvaguar- dar a espécie humana. 1998. aquilo que herdamos dos nossos ancestrais e como es- sas características se associam quando da formação da cadeia genética. j) a pesquisa no genoma deve respeitar os direitos humanos. a qual impede a clonagem. e l) os Estados devem promover medidas para implementar a presente Declaração. evolui e está sujeito a mutações. novamente. clínicas especializadas em reprodução assistida do mundo todo têm investido nesta técnica (SANTOS. hoje disciplinados no direito alienígena. em 1984. de novos questionamentos. ano 16. g) deve ser obtido o consentimento dos interessados. b) todos têm direito a ter a sua dignidade respeitada independentemente de suas caracte- rísticas genéticas. em termos jurídicos. 1990. p. São Paulo: Ícone. 18   A Declaração Universal sobre Genoma e os Direitos da Pessoa aprovada na Unesco. afirma que ele é componente do patrimônio comum da humanidade. vale ressaltar a preciosa contribuição nacional para a descoberta do genoma. 83). 114). em 1997. d) o genoma. pasmado. 2001. o mun- do viu a possibilidade de se criar uma criatura a partir de si própria. Equilíbrio de um pêndulo: bioética e a lei: implicações médico-legais. c) devem ser respeitadas a individualidade e a diversidade. 7). cientistas escoceses surpreenderam o mundo ao anunciar o nascimento 20 da ovelha “Dolly”. Motivo.20 que realizava a gestação (BASTOS DE MENEZES. h) ninguém pode ser dis- criminado por razões genéticas.    Desde que Carl Wood e sua equipe de pesquisa australiana demonstraram. do código genético de cada pessoa.126  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Depois da descoberta da inseminação artificial in vitro. v. 19   Bastante criticado por seu gigantismo.19 Os cientistas anunciaram a duplicação da ovelha “Dolly” e. o Projeto Genoma Humano acumulou descobertas nos anos 1990 e surpreendeu o mundo. k) os benefícios do avanço na biologia deve ser para indivíduos vítimas de doenças genéticas. em 1993 (PEREIRA E SILVA. o primeiro mamífero clonado a partir de células de um animal adulto. Novas técnicas de reprodução humana. sul-africana gera óvulos fecundados de sua filha (Veja online.    O primeiro “banco de sêmen” brasileiro. 1). nº 4. A técnica . Reinaldo. em fevereiro de 2001. Os direitos humanos do embrião: análise bioética das técnicas de procriação assistida. jul.17 Também deve ser lembrada a descoberta do genoma. a possibilidade de uma Declaração dos Direitos ao Genoma. p. Thereza Christina. e) o genoma não pode ser usado para fins financeiros. instalou-se no Hospital Albert Einstein.18 ou seja. i) todo indivíduo tem direito a reparação se uma ação afetar o seu genoma. o tratamento ou a diagnose do genoma do indivíduo devem ser feitos avaliando-se os riscos e benefícios. para a conservação no tempo do material genético mas- culino. 17   Já em 1987. 660. com a divulgação do mapeamento do código genético humano (95% do sequenciamento foram concluídos até então) (ver Diálogo Médi- co. out. Maria Celeste Cordeiro dos. favoráveis e contrários. que em- briões humanos gerados no laboratório podiam permanecer congelados por certo tempo e contnuar seu desenvolvimento normal no útero. p. 253-256)./ago. na própria pessoa que fornecia o óvulo ou em outra mulher. p. por sua natureza. Nesse particular. Sem autorização de quem doou. São Paulo. RT. Reprodução Assistida  127 8.2 Mudança de tratamento na filiação Pela predominância do casamento durante muitos anos, com a vigência do Código Civil de 1916, apenas eram tidos como legítimos os filhos dele decorren- tes (art. 337). A nomenclatura antes usada (“legítimos”) fazia que muitas pessoas ficassem excluídas do direito de ter um pai ou, pelo menos, pleitear alimentos. Não é sem razão, portanto, que a Lei nº 8.560, de 29.12.1992, revogou a norma legal que denominou os filhos ilegítimos de “havidos fora do casamento”. Com a finalidade de evitar as possibilidades de questionamento da filia- ção, presumia-se ter ocorrido a concepção durante a existência do matrimônio e, como consequência, a paternidade, em duas hipóteses principais: quando os filhos eram nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal e os nascidos dentro de 300 dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, desquite ou anulação (art. 338, incs. I e II). O legislador da época preocupava-se com a legitimação,21 com o objetivo de equiparar os direitos de quem seria tratado diferentemente, pela não união conjugal de um homem com uma mulher (cf. arts. 339 e 352-354); além disso, cuidou do reconhecimento dos filhos ilegítimos (arts. 355-367). Estes se desdo- bravam em naturais, quando nascem de homem e de mulher entre os quais não existe impedimento matrimonial, e espúrios, quando nascem de casal impedido de se casar na época da concepção. Adjetivados desta maneira seriam os adulterinos, quando o impedimento se relaciona com a existência de casamento anterior de um dos genitores com outra pessoa, e incestuosos, se o impedimento decorre de parentesco próximo dos ge- nitores, ou de afinidade, conforme enumeração constante do revogado art. 183, incs. I a V, do Código Civil de 1916. Não existiam muitos problemas com os ilegítimos naturais, pelo estabelecido nos arts. 355, 363 e 1.605, caput, do Código Civil de 1916. Quanto à situação dos adulterinos, ela foi melhorando com a vigência de algumas leis: nº 883, de 21.12.1949, que facultou, após dissolvida a sociedade da clonagem já era praticada havia duas décadas, mas até então só as tentativas feitas a partir de embriões tinham dado certo (exemplo disso é a clonagem de embriões humanos, em 1993 – Veja online, p. 7). A proeza da equipe chefiada pelo pesquisador Ian Wilmut produziu uma enxurrada de dúvidas científicas e reflexões éticas (Veja, nº 1.485, 5.3.1997, p. 92). Recentemente, “Dolly” faleceu, sendo empalhada, para a lembrança à posteridade da descoberta científica. 21   Já se sustentava que o capítulo do Código Civil de 1916 teria sido revogado pela Constituição de 1988, ao proibir qualquer menção à origem da filiação. A vedação foi reproduzida no art. 20 da Lei nº 8.609, de 13.7.1990, bem como pelo art. 5º da Lei nº 8.560, de 29.12.1992 (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito de família. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, v. 2, p. 250). 128  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba conjugal, o reconhecimento voluntário do filho havido fora do matrimônio e, ao filho, a ação para que se lhe declarasse a filiação; nº 6.515/77, que alterou a Lei nº 883/49, possibilitando, ainda na vigência do casamento, o reconhecimento em testamento cerrado, aprovado antes ou depois do nascimento do filho e, nes- sa parte, irrevogável; a Lei nº 7.250, de 14.11.1984, também mudando a Lei nº 883/49, facultou o reconhecimento após cinco anos da separação de fato; o art. 2º da Lei nº 883/49, com redação dada pela Lei nº 6.515/77, ordenou que o di- reito à herança fosse reconhecido em igualdade de condições, qualquer que fosse a natureza da filiação. Por fim, a Lei nº 12.004, de 29.7.2009, expressamente, revogou a Lei nº 883/49, no art. 3º. O incestuoso não poderia nunca ser reconhecido, pela disposição constante no art. 358 do Código Civil de 1916. Percebe-se, nitidamente, que um inocente já nascia discriminado pelo “erro” praticado pelos pais, o que denota mais uma reprovação moral que jurídica. Felizmente, com a promulgação da Constituição Federal, a igualdade filial imperou. Segundo o art. 227,22 § 6º, os filhos “havidos ou não da relação de casa- mento”, ou seja, os antigos “legítimos” e “ilegítimos”, ou por adoção, “parentesco civil”, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Tem-se, a partir de então, “filhos”, sem qual- quer adjetivação. Depois de longa data rejeitando-se determinadas filiações, aceita-se a equi- paração e pune-se a distinção. Não é sem razão que a legislação ordinária, ex- pressamente, para não pairar qualquer dúvida, revogou o art. 358 do Código Civil de 1916 (Lei nº 7.841, de 17.10.1989). 22   A nomenclatura do capítulo, VII, no qual se inclui a norma em análise, foi modificada pela Emenda nº 65/2010, para constar: “Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso”, isto é, acrescenta-se a palavra “jovem”.   O caput do art. 227, igualmente, foi alterado por aquela Emenda, para acrescer a terminologia jovem: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”    Outras modificações e acréscimo foram feitos pela Emenda nº 65/2010 (§ 1º e inciso II, do art. 227; § 3º, incisos III e VII, do art. 227 e § 8º, incisos I e II, do art. 227).    No Congresso Nacional tramitou o Projeto de Lei nº 4.529/2004, convertido na Lei nº 12.852, de 5.8.2013, que começou a vigorar 180 dias de sua publicação (art. 48), ocorrida em 6.8.2013, portanto, em 7.2.2014, em que se define jovem a pessoa entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos. A legislação será feita, conforme o art. 1º, sem prejuízo do Estatuto da Criança e do Adolescente.    Na Câmara Municipal de São Paulo foi aprovado o primeiro “Estatuto da Juventude”, concei- tuando jovem aquele entre 18 (dezoito) e 25 (vinte e cinco) anos de idade, faixa etária tal como sugerida por Jorge Barrientos-Parra. Revista de informação legislativa. O Estatuto da Juventude – Instrumento para o desenvolvimento integral dos jovens. Brasília, ano 41, nº 163, jul./set. 2004, p. 133, para uma definição que refletisse nossa realidade, em razão de, pela ONU, o termo “juventu- de” ser variável no mundo. Reprodução Assistida  129 Em acréscimo àquela providência, no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, no art. 26, permitiu-se o reconhecimento conjunto ou separado dos pais com relação aos filhos, por qualquer instrumento, independentemente da origem da filiação. Tal foi a preocupação com a filiação que, no art. 27, estabeleceu-se: “O reco- nhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e impres- critível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.” A partir de 29 de dezembro de 1992, a Lei nº 8.560 permitiu o reconheci- mento, além de no próprio ato do registro de nascimento, também por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivada em cartório; por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; e por manifestação expressa e direta ao juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém (art. 1º, incs. I a IV). O novo Código Civil, Lei nº 10.406/2002, não ficou alheio às mudanças, sendo mesmo redundante ao repetir a disposição constitucional da igualdade dos filhos (art. 1.596: “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designa- ções discriminatórias relativas à filiação”).23 O legislador não permitiu qualquer discriminação quanto à filiação, logo, o ser gerado por clonagem também terá aquele direito, e o problema será, em mui- tos casos, estabelecer quem é a mãe ou o pai do clone. Eis o panorama jurídico, o qual se modificou profundamente com o avanço da ciência. Novas maneiras de determinação da paternidade e da maternidade foram descobertas, culminando no exame de DNA, em que se tem uma certeza de quase 100% de quem gerou a criança. Antes, porém, é necessário aclarar o que vem a ser presunção e qual a projeção da progressão na área científica. 8.3 Presunções e perícias Na Parte Geral do novo Código, no título referente às provas, encontram-se a presunção24 e a perícia (art. 212, incs. IV e V, respectivamente). 23   Com peculiar acerto escreve Arnoldo Wald: “Não obstante, é imperioso reconhecer que malgra- do a equiparação promovida, enquanto permanecer a instituição do casamento haverá sempre uma diferenciação entre os filhos havidos durante a constância do matrimônio e aqueles que deste não decorrem. Prova disso tem-se na redação conferida aos arts. 1597 e 1598, que cuidam da presunção de paternidade dos filhos concebidos na constância do casamento” (O novo direito de família. Re- visto com a colaboração da Professora Priscila M. P. Corrêa da Fonseca. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 251-252).   Ensina Carlos Alberto Dabus Maluf que a presunção legal representa a herança das presunções 24 que o juiz estabelecia por provocação dos jurisconsultos (A presunção absoluta e relativa na teoria 130  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Presunção é a ilação, na definição de Silvio Rodrigues, tirada de um fato co- nhecido para um desconhecido.25 A presunção não é uma prova, é um processo lógico por meio do qual a men- te atinge uma verdade legal. Ela se subdivide em: presunção comum (aquela que a lei não estabelece, mas funda-se no que ordinariamente acontece) e legal (criada pelo direito positivo para valer como prova do fato ou da situação assim anuncia- da); esta, por sua vez, pode ser absoluta (praesumptio iuris et de iure ou legis et de lege – não admite prova em contrário, existindo um interesse de ordem pública que impede de aparecer o interesse fundado na prova de que não é verdade) e relativa (praesumptio iuris tantum – é a que pode ser ilidida, prevalece enquanto não contraditada por outra prova).26 Ela não se confunde com o indício. Este é o fato conhecido do qual se tira a presunção. Um é a premissa; a outra, o resultado. A prova indiciária foi por Ben- tham denominada prova circunstancial.27 O art. 230 prevê que as presunções não legais não são admitidas nos casos em que a lei exclui a prova testemunhal. A perícia abrange exame e vistorias, que são perícias do Código de Processo Civil (arts. 420 a 439), arbitramento e inspeção judicial. Exame é a apreciação de alguma coisa, por meio de peritos, para esclarecimento em juízo. Vistoria é a mesma operação, porém, restrita à inspeção ocular, muito empregada nas ques- tões possessórias, nas demarcatórias e nas referentes aos vícios redibitórios. Conforme ensina Guiseppe Chiovenda: “Peritos são pessoas chamadas a ex- por ao juiz não só as observações de seus sentidos e suas impressões pessoais sobre os fatos observados, senão também as induções que se devam tirar objeti- vamente dos fatos observados ou que se lhes deem por existentes. Isto faz supor que eles são dotados de certos conhecimentos teóricos ou aptidões em domínios especiais, tais que não devam estar ao alcance, ou no mesmo grau, de qualquer pessoa culta (perito médico-legal, perito avaliador, perito agrimensor, perito ar- quiteto etc.). Aliás, pode-se escolher para perito ainda uma pessoa inculta, desde da prova – sua natureza jurídica e sua eficácia. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 74, nº 262, abr./ maio/jun. 1978, p. 90). 25   RODRIGUES, Silvio. Direito civil, 2003, v. 1, p. 277. 26   PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, p. 605-606. Teresa Ancona Lopez tam- bém esclarece: “Em síntese, nas presunções legais é a regra de Direito que comanda a conclusão a ser tirada do fato, é a verdade legal. Não constituem, portanto, estas presunções meios de prova, mas apenas conceitos ligados ao ‘onus probandi’. Por outro lado, as presunções de fato ou comuns são meios de prova, pois se apoiam na experiência comum (ex quod plerumque fit) para chegarem a uma conclusão” (A presunção no direito, especialmente no direito civil. RT, São Paulo, v. 513, p. 26-39, jul. 1978, p. 35, segunda coluna). 27   MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral, v. 1, p. 303. Reprodução Assistida  131 que versada na questão técnica discutida em Juízo [...]. Quanto mais técnica é a questão submetida ao juiz, tanto maior é a utilidade da perícia”.28 Arbitramento é o exame pericial que visa determinar o valor da coisa ou da obrigação a ela ligada, muito comum na desapropriação, nos alimentos, nas indenizações dos danos por atos ilícitos. Inspeção judicial é a verificação feita pessoalmente pelo magistrado, quer examinando uma pessoa, quer verificando o objeto, com o escopo de colher dados para prova (arts. 440 a 443 do CPC).29 A perícia que importa é a modalidade “exame”, que se centraliza na coleta de sangue dos envolvidos para, em uma comparação de dados genéticos, descobrir a paternidade e, em alguns casos, a maternidade. A presunção e o exame pericial são meios de provas, não podendo ser tidos como absolutos para a formação do convencimento, pois este é livre e depende apenas da apreciação do que é apresentado. Logicamente, se não houver ou- tros elementos que possam enfraquecê-los ou colocá-los em dúvida, devem ser acatados. 8.3.1 Presunções quanto à filiação e a influência da ciência 8.3.1.1 Noção geral As presunções quanto aos filhos, aceitas pelo Código Civil de 1916, eram legais e relativas, ou seja, admitiam prova em contrário. O novo Código adotou apenas o critério do art. 338, repetindo as hipóteses no art. 1.597, respectiva- mente, incs. I e II. Aqui também se têm presunções legais e possíveis de serem contrapostas.30 A primeira crítica a se realizar é quanto à terminologia. Restringiu-se a pre- sunção ao casamento e, pela nova conformação constitucional e ordinária, a fa- mília também pode manifestar-se pela união estável. Outro aspecto é a presunção, legal e relativa igualmente, quanto à “repro- dução assistida” (incs. III a V), não disciplinando esta maneira de procriação. O   CHIOVENDA, Guiseppe. Instituições de direito processual civil. v. III. Tradução da 2ª ed. por 28 Paolo Capitanio. 1ª ed. Campinas: Bookseller, 1998, p. 143. 29   DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. 20. ed. rev. e aum. de acordo com o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10/1/2002). São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 437. 30   Ocorreu correção da numeração, de art. 337 para art. 338, nesta edição, graças à observação do nobre Magistrado Doutor Fábio Luís Bossler, que me honrou com a menção do ensinamento a respeito das presunções em sua obra, Magistratura e Ministério Público – Civil – Questões comenta- das – Série Carreiras Públicas. 1ª ed. São Paulo: Editora Método, 2011. 1. pode ser receptora das técnicas de RA. num parentesco até o segundo grau. A Resolução nº 1.5. 256).2013. Rio de Janeiro: Renovar. 3) A mulher. contempla a temática na perspectiva da inseminação artificial a Resolução nº 1. I. n. que tenha solicitado e cuja indicação não se afaste dos limites desta Resolução. posteriormente.013/2013. da resolução: “Todas as pessoas capazes. deve ser casada ou manter união estável. A matéria foi. itens “1” e “2”. do Conselho Federal de Medicina. o mesmo item II era subdividido em “1” (“Toda mulher. para submeter-se à reprodução assistida. o casal homoafeti- vo usar da técnica (Item II. inclusive. “4”) . “1”). podem ser receptoras das técnicas de RA desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo.31 que também é insuficiente quanto à filiação resultante da clonagem. regulada pela Resolução nº 1. publicada no DOU de 6. 2) Toda manipulação genética deve evitar a seleção da espécie. princípio fundamental para evitar a eugenia. “1” e “2”). após processo semelhante de consentimento informado”). ed. podendo. será necessária a aprovação do cônjuge ou do companheiro. 4) A Resolução prevê a gestação por substituição. 3) a mulher. Entre seus princípios. que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução. 2. capaz nos termos da lei. parentes de segundo grau. do Conselho Federal de Medicina. p. de acordo com a legislação vigente”).358/92. desde que seja com pessoa da família. 2) toda manipulação genética deveria evitar a seleção da espécie. 2003. 4) a resolução previa que as doadoras temporárias do útero devem per- tencer à família da doadora genética.957/2010. estabelece-se que as técnicas de repro- dução assistida têm o papel de auxiliar a resolução dos problemas de reprodução 31   “No vazio legislativo ordinário.957/2010 foi revogada pela de nº 2. publicada no DOU de 9.2011. princí- pio fundamental para evitar a eugenia (item I. 79: 1) a reprodução assistida permanecia sendo subsidiária (item I. desde que tenha concordado de maneira livre e consciente em documento de consentimento informado”) e “2” (“Estando casada ou em união estável. 119). seção I.1. sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regio- nal de Medicina (item VII. An- tes. Luiz Edson. seção I. para submeter-se à reprodução assistida. não precisaria ser casada ou manter união estável. em tese estaria vedada a contratação de terceiro para realizar a gestação por substituição” (FACHIN. p. p. Das ‘Normas Éticas para a Reprodução Assistida’ daquela Resolução emergem algumas características: 1) A reprodução assistida é ‘sub- sidiária’. . Assim.132  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba parâmetro que se tem é uma Resolução do Conselho Federal de Medicina. que tornava a exegese feita pelo eminente estudiosos correta. Direito de família: elementos críticos à luz do novo Código Civil brasileiro. n. Para arrematar.957/2010). eugenia ou para originar híbridos ou quimeras (art. é ve- dada (I. de um lado.358/1992 e 1. restrições no âmbito médico. e b) limita-se a idade para o uso das técnicas. O novo Código de Ética Médico. O § 3º alerta que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo. A seleção de espécie. Duas observações devem ser feitas: a) não se tem a subsidiariedade do uso das técnicas de RA como nas ou- tras duas Resoluções (1. facilitando o processo de procriação. em inteiro acordo e devidamente esclarecidos so- bre a RA. pois o médico não deve realizar a procriação medicamente assistida com nenhum dos seguintes objetivos: I – criar seres humanos geneticamente modificados. o que pode causar debates no âmbito jurídico-constitucional. respeitando-se sua autonomia. Todas as pessoas capazes. sendo utilizadas quando exista probabilidade efetiva de sucesso e não se incorra em risco grave de saúde para a paciente ou o possível descendente. 15. pode ser que o médico não se sinta confortável em auxiliar todo e qualquer indivíduo nesse desiderato e ele não pode se sancionado por suas convicções. ela não precisa ser casada ou viver em união estável. II – criar embriões para investigações. embora tivesse vigência anterior ao da Re- solução. Reprodução Assistida  133 humana. No item “2” do II. III –  criar embriões com a finalidade de escolha de sexo. podem ser submetidas às técnicas em comento (II. reforça algumas daquelas conclusões. respeitando o direito da objeção de consciência do médico. coloca-se a possibilidade do uso das técni- cas de RA para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras. expressamente. as presunções encontradas no capítulo são inócuas diante dos avanços da ciência. . § 2º. o que se convencionou denominar de “eugenia”. e a idade máxima das candidatas à gestação de RA é de 50 anos. há exagerada preocupação com a “ver- dade biológica”.931/2009). pois lá não se tem limite de idade. Aqui se utiliza de redação a reconhecer a inde- pendência da mulher do homem. embora possa haver. de outro. Hodiernamente. para preservar a gestora e o ser gerado. da Resolução nº 1. em conformidade com a legislação vigente. Se. “1”). “4”). não expressas. deve-se respeitar a individualidade de quem quer ter a prole. independe dos demais sistemas. de maneira codominante. não havendo dominância (genes dominantes) nem recessividade (genes recessivos). primeira e segunda colunas). exemplificativamente. ou de histocompatibilidade). Realizando-o. não são utilizados com frequência (SILVA FILHO. São Paulo. Landsteiner e Levine descobriram os aglutinógenos M e N. Se isto não ocorre. com certeza. a paternidade. . desde 1972. Os distin- tos tipos de Rh que se encontram na população: positivo ou negativo. os fatores que o integram são herdados heredita- riamente. a exclusão do vínculo gené- tico (SILVA FILHO. Arthur Marques da. dependem da presença ou ausência de D. 38   SILVA FILHO. Arthur Marques da. Kidd e Auberger”36 e “S”. transmissíveis hereditariamente. HLA e DNA. São sistemas de pequena exclusão de probabilidade e. Arthur Marques da. 32   É possível excluir a paternidade quando. conforme as teorias de Fischer-Race e Weiner (SILVA FILHO. p. Os países mais desenvolvidos o admitem e o Brasil não ficou sem sua influência. p. o qual veio a permitir afirmar-se. 34   Do ponto de vista genético. tem-se uma exclusão mais decisiva e segura. que foi construído a partir da demonstração e identificação dos antígenos encontrados na célula branca do sangue (leucócito). isso depende da presença do gene “S”.1. 35   O fator Kell.38 Com os avanços da engenharia genética. porque muitos homens possuem esse mesmo grupo sanguíneo. segundo as leis mendelianas. Arthur Marques da. as substâncias do grupo ABO. segunda coluna).2 Exames hematológicos: a prevalência da realização do exame de DNA Os sistemas sanguíneos usuais conhecidos eram o “ABO”. 58. v. um grande passo na verificação da identidade ge- nética foi o uso do sistema HLA (human leukocytes antigens – antígeno leuco- citário humano. p. HLA e DNA. Não há certeza. HLA e DNA – novas técnicas de determinação do vínculo genético. primeira coluna). pelas secreções. a paternidade é impossível (SILVA FILHO. É o melhor sistema para a exclusão da paternidade ou maternidade. maio 1990. 33   Em 1927. Existe uma compatibilidade de vínculo genético (SILVA FILHO. 57. Possibilita. também. 58. 655.35 “Lutheran Duffy. Determinados indivíduos possuem faculdades de eliminar. 58). a criança expressa em seu fenótipo ambas as bagagens genéticas (genó- tipos) recebidas tanto do pai quanto da mãe. Sua transmissão permite formar tabelas de probabilidades possíveis. Almeida Júnior e Aysch Amar (SILVA FILHO. O fator presente no filho deve encontrar-se em algum dos genitores. HLA e DNA).37 Ademais. Arthur Marques da. 36   Descobertos entre os anos de 1946 e 1951.34 “Kell Cellano”. p. HLA e DNA).32 “M e N”. 54-65. o fator Rh está constituído por três caracteres: C. isto é. 37   Cuida da eliminação de certas secreções. todavia.33 “Rh”. A sua transmissão depende de uma parelha de genes. que com certeza são en- contrados isolados ou em conjunto e independem dos tipos sanguíneos. HLA e DNA. Arthur Marques da. 59-61.134  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba 8. RT. D e E. Arthur Marques da.3. Dentro desse mesmo sistema se elaboraram classificações sanguíneas. surge o sistema do DNA. HLA e DNA. p. não podendo ter filho do grupo AB. é muito raro e se comprovou que só existe em 8% de indivíduos. por isso mesmo. a qualidade paterna é possível. o pai e a mãe pertencem ao grupo O. p. conforme demonstram Zicarelli Filho. se o filho tiver o grupo sanguíneo O. que assim se denomina por ter sido encontrado na mulher com aquele nome. 231 e 232. É o predomínio do exame hematológico visando ao DNA. Em de- corrência do respeito à integridade física e psíquica da pessoa humana. p. pela probabilidade. mesmo para a democracia. a capacidade de criar moléculas de DNA sob medida – tornaria tudo isso possível.. BERRY. senão única. p. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Nessa es- teira. em torno de 99..1. acrescentando que. DNA: o segredo da vida.3. de ser o DNA uma molécula é creditada a Watson e Crick. . em verdade. James D. 2005. Antonio. BERRY. DNA. “aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa” e “a recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame”. Andrew.39 Watson afirma que a biologia molecular percorreu um longo caminho nos 20 primeiros anos após a descoberta da dupla-hélice. analisar o DNA. quando encaminharam à revista Nature trabalho intitulado “Molecular structure of nucleic acids”. 41 2004. Tradução de Carlos Afonso Mal- ferrari. 99.40 De toda sorte. o novo Código Civil incluiu normas principalmente para resolver o proble- ma de recusa na realização do exame.41 Reinaldo Pereira e Silva tem a mesma opinião. 69. 17. São Paulo: Companhia das Letras. na página 737. mas tudo que foi feito foi ob- servar. valendo como abertura de caminho para abusos posteriores”. o DNA ganhou realce na doutrina e na jurisprudência estran- geira e pátria. p. Andrew. em 1953. menos observação e mais ação. Antonio Junqueira de Azevedo responde negativamente à condução manu militari. James D. O advento das tecnologias de DNA recombinantes – e. como prova sumamente importante para a identidade biológica.   JUNQUEIRA DE AZEVEDO. Reprodução Assistida  135 A descoberta. havendo trabalhos jurídicos e científicos a seu respeito. O último dispositivo normativo vem ao encontro de um dos entendimentos majoritários da doutrina e da jurisprudência: na impossibilidade de se compelir o investigado à realização do exame de sangue e. com elas. 8. de exclusão e afirmação de uma pessoa ser genitora da outra. ele é o pai ou a mãe.3 Recusa em se realizar o exame de DNA Não se pacificou ser inviável a sujeição de alguém ao exame médico. Dever-se-ia agir.99%. publicado na edição de 25 de abril. conforme os arts. como consequência. não seria insignificante vedar a condução coercitiva para o 39   WATSON. Assim. 40   WATSON. pois “não parece ser suficiente o interesse privado no conhecimento da paternidade para quebrar o preceito da não invasão física. a permissão poderia tornar-se pre- cedente excessivamente grave. eram naturalistas moleculares que descreviam o que viam. Curso de direito civil. 43   MADALENO. 47   DINIZ. Canadá. José Rubens. ago. 415. p.069/90. p. v. defende ser perfeitamente aceitável o in- vestigado ser compelido ao exame. p. Curso de direito civil. 149.136  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba exame. direito da personalidade. RT. v.46 No direito estrangeiro. 147-154. Mesmo porque a presunção como prova indireta jamais poderia chegar ao extremo de tornar a perícia a sublime prova. no entanto. 2. Reinaldo. 82.45 José Rubens Costa. José Rubens. 18. 44   MONTEIRO. . Espanha. Não omite. 84. jan. França. 793. p. p. v. Direito indisponível à verdade histórica – exame compulsório de DNA. que se dá com o pai e a mãe.47   PEREIRA E SILVA. entretanto. Maria Helena. p. 82-83. contrariando as esperanças cegamente nela confiadas. 766. 2002. enquanto não fiscalizadas as técnicas para realização da perícia. para quem “o direito fundamental que deveria ter sido acolhido é o da criança de con- viver com um pai e uma mãe”. absoluta. por exemplo. e recusá-la. 1999. imprescritível e intransmissível. 2001. assegurado pelo art. 264. que é indisponível. o bafômetro para verificar se o infrator está alcoolizado. v.43 Washington de Barros Monteiro também sustenta que. 783. igualmente. 5. O exame de DNA e sua influência na investigação da paternidade 42 biológica. São Paulo. COSTA. sendo inegável o grau de certeza que se chega com o exame denominado DNA. p. v. São Paulo. p. irrenunciável. São Paulo. Áustria e Suíça deter- minam a submissão. 27 da Lei nº 8. Maria Helena. Washington de Barros. no estado atual do direito. 69-87. Alemanha. porque se a de- terminação para realizar uma prova é um dos poderes do órgão que judica e se se pode empregar. Direi- to indisponível à verdade histórica. 151-152. também se poderia obrigar o suposto pai ao teste de DNA. 46 RT. age lícita e adequadamen- te. Reinaldo. criticando a sacralização da presunção em investigação de paternidade. Curso de direito civil.44 Maria Helena Diniz aprecia o problema de maneira diversa. Revista dos Tribunais. O Estado deve garantir à criança o seu direito à convivência familiar. 414. e no país germânico o investigado é levado “manu militari”. A sacralização da presunção na investigação de paternidade. 2001.42 Rolf Madaleno. São Paulo: Saraiva. Rolf. p. termina por merecer o mesmo resultado e define a paternidade pela mera presunção de culpa. principalmente tendo em vista a indisponi- bilidade do direito à filiação. nov. O exame de DNA e a sua influência na investigação da paternidade biológica.   COSTA. opinião diversa de Eduardo de Oliveira Leite. 45   DINIZ. não tem o juiz qualquer meio para coagir alguém a que se submeta ao exame hematológico. argumenta que se alguém se negar a realizar o exame. Bélgica. PEREIRA E SILVA. Inglaterra e Itália alinham-se entre os que não admitem o constrangimento físico à realização do exa- me para a verificação da paternidade. ed. p. certo que ele se liga ao direito ao nome. de nº 301. por maioria.11.” Ou seja. serão hábeis para provar a verdade dos fatos.2009. Pleno. 5º. nas quais se julgou improcedente 48   TEPEDINO. a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade. 10. com o seguinte enunciado: “Em ação investiga- tória. a matéria que era sumulada tornou-se lei. 487. a tendência será vedar a constrição do investigado ao exame pela abalizada opinião de juristas de escol e. pelo disciplinado na Lei nº 12. “réplica de si mesmo”.560/92. não se efetivaria o disposto no inc. p. Reprodução Assistida  137 Na jurisprudência pátria. com a prevalência da “identidade genética”. LV daquela norma.004. de 29. Trib. em termos ge- notípicos. pelos precedentes nas duas excelsas cortes. por fim. o leading case é o conhecido julgado do Supremo Tribunal Federal que. deixar- -se-ia de lado uma das conquistas insertas no Código. 2º-A à Lei nº 8. a pessoa que forneceu o material genético até poderia desejar ser pai e/ou mãe do clone. 1. rel. tendo uma série de expectativas com relação a essa pessoa. BARBOZA. dever-se-ia verificar se possui condições emocionais e psicoló- gicas para tanto. LVI.7. No caso da clonagem humana. Além disso. da Lei nº 8. assegurou a impossibilidade de condução coer- citiva do réu a exame médico. MORAES. “caput”. também. Maria Celina Bodin de. os quais comprometeriam para sempre a vida de pelo menos duas pessoas. . a filiação “socioafetiva”.593). O exame médico não deveria ser absoluto. Gustavo. 2º-A.” A Lei nº 12. com voto vencedor do ministro Marco Aurélio (STF. acrescentou o art. bem como os moralmente legítimos. DJ 22. que também não deixa de ser um direito da personalidade (art.11. e a avaliação do DNA pode ter erros – pois é feita por seres humanos –. por fim. em algumas situações. inc.4 Coisa julgada e exame de DNA A verdade genética influenciou na nova discussão de situações já conso- lidadas. Permitiu-se.3.1992. Heloisa Helena. principalmente porque não é o único meio de prova para a formação da convicção (art. HC nº 71373-4.1994.” Parágrafo único: “A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção de paternidade. existindo presunção juris tantum de paternidade para aquele que se recusa ao exame de DNA. para acórdão. j. de 19. da Consti- tuição Federal) reforçada pelo art.560. porém.12. pois terá um ser que lhe é igual. a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório. estabelecendo que: “Na ação de investigação de paternidade.1.48 Após enfrentar o dilema em inúmeras situações. 8. Ao que parece. todos os meios legais. o Superior Tribunal de Jus- tiça elaborou Súmula.1996). pois não se permitiria ao “litigante” acesso à ampla defesa.004/2009. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. p. A REGRA DO ART. com a tendên- cia de se reabrir a discussão quando o exame de DNA não foi feito. p. 26.2004. não há que se admitir a assertiva de coisa julgada. ou seja. 28. O texto constitucional traz implícita a ideia de que os valores nele consagrados devem ser compatibilizados. COISA JULGADA. em outras. INSUSCETÍVEL DE MODIFICAÇÃO. LEXSTJ.2004. 160. em virtude da identidade genética e verdade real:   PEREIRA e SILVA. 217). Epaminondas da. RNDJ. 324. 2ª Seção. 161. p. 60. 226. relator o ministro Humberto Gomes de Barros. v. Coisa julgada e DNA. ou seja. RBDF. 122. v. p.138  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba determinada demanda por insuficiência de provas. 160-161. a “segurança das relações jurídicas” não pode sobrelevar-se à proteção da “dignidade da pessoa humana” e à salvaguarda da “paternidade responsável” (art. 2000. p. RDR. NÃO HAVERIA COMO VENCER O CAOS SOCIAL QUE SE INSTALARIA. relator o ministro Carlos Alberto Menezes Direito. A nova postura “significa dizer que. v. p. 468 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL É LIBERTADORA. 156-161. j.1998. SOLUÇÃO PRÓ VERDADEIRO ‘STATUS PATER’” (REsp nº 300. des- necessário é o advento de lei nova. ATÉ MESMO. uma nova propositura para verificar-se a identidade de alguém. 113. v. diferentemente do escrito na edição anterior (1ª). 111. 224). São Paulo.9.1998. § 7º.    “AÇÃO DE NEGATIVA DE PATERNIDADE. RJADCOAS. p. 51   “AÇÃO RESCISÓRIA – INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – EXAME DE DNA APÓS O TRÂNSI- TO EM JULGADO – POSSIBILIDADE – FLEXIBILIZAÇÃO DE DOCUMENTO NOVO NESSES CASOS. v. da CF). 11.5.50 Dizia-se que na jurisprudência a matéria não é pacífica. 80. permite-se a nova discussão. EXAME PELO DNA POSTERIOR AO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.   COSTA. Em algumas deci- sões. parece haver uma mudança de posição. j. 7. p. e RT. 50 p. p. O exame de DNA e a sua influência na investigação da paternidade 49 biológica. p. Reinaldo. LEXSTJ. 61. . JSTJ. p. v. posterior. 130. FORA DOS CASOS NOS QUAIS A PRÓPRIA LEI RETIRA A FORÇA DA COISA JULGADA.06. publicado em DJ 29. 6. 13. 128. bastando que a sensibilidade do Julgador se expresse amparada nos recursos hermenêuticos à sua disposição”. no STF e no STJ a respeito do tema. publicado em DJ 6. 226. 831. 485” (REsp nº 107. abr. 182. v.49 A prova resultante da engenharia genética. PUDESSE O MAGISTRADO ABRIR AS COMPORTAS DOS FEITOS JÁ JULGADOS PARA REVER AS DECISÕES. Para tanto. e RSTJ. RT. RMP. SERIA TERRIFICANTE PARA O EXERCÍ- CIO DA JURISDIÇÃO QUE FOSSE ABANDONADA A REGRA ABSOLUTA DA COISA JULGADA QUE CONFERE AO PROCESSO JUDICIAL FORÇA PARA GARANTIR A CONVIVÊNCIA SOCIAL. 774. 3ª Turma. enquanto desfavorável aos interesses da filiação. não. p. v. é apta a viabilizar o ajuizamento de ação anulatória do assento de nascimento para a ex- clusão de filiação ilegítima. v. v.084/GO. ELA ASSEGURA QUE O EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO COMPLETA-SE COM O ÚLTIMO JULGADO.248/GO.51 Todavia. SE. v. PELA ABERTURA DA VIA RESCISÓRIA NAQUELES CASOS PRECISOS QUE ESTÃO ELENCADOS NO ART. E A SABEDORIA DO CÓDIGO É RE- VELADA PELAS AMPLAS POSSIBILIDADES RECURSAIS E. 75.4. p. QUE SE TORNA INTANGÍVEL. 93. perícia do DNA. p. 540. DIRI- MINDO OS CONFLITOS EXISTENTES. 1. “Nas ações de estado. admitindo-se a relativização ou flexibilização da coisa julgada. VÍN- CULO GENÉTICO AFASTADO POR EXAME DE DNA. 2. 3. COMO EMANAÇÃO DE SEU DIREITO DE PERSONALIDADE. 5. mas sem amparo em prova genética (exame de DNA). Não devem ser im- postos óbices de natureza processual ao exercício do direito fundamental à busca da identidade genética. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. VÍNCULO DECLARADO EM ANTERIOR AÇÃO INVESTIGATÓRIA. 4.12. Hipótese em que não há disputa de pater- nidade de cunho biológico. entre as mesmas partes. bem assim o princípio da paternidade responsável. É dotada de repercussão geral a matéria atinente à possibilidade da repropositura de ação de investigação de paternidade. por falta de provas. inclusive de qualificações. Admite-se o processamento e julgamento de ação negatória de paternidade nos casos em que a filiação foi declarada por decisão já transitada em julgado. 2. PREVALÊNCIA. como as de filiação.6. como natural emanação do direito de per- sonalidade de um ser. “RECURSO DESPROVIDO.2011 – Dje 16. PECULIARIDADES DO CASO. POSSIBILIDADE. EM RESPEITO À PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À BUSCA DA IDENTIDADE GENÉTICA DO SER. Recursos extraordinários conhecidos e providos” (RE 363889/ DF – Distrito Federal – Tribunal Pleno – Relator Ministro Dias Toffoli do Supremo Tribunal Federal – J. COM FUNDA- MENTO EM COISA JULGADA. Reprodução Assistida  139 “EMENTA RECURSO EXTRAORDINÁRIO – DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL – REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA – AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE DECLARADA EXTINTA. Deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de investigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efeti- va existência de vínculo genético a unir as partes. meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo. EM RAZÃO DA EXISTÊNCIA DE ANTERIOR DEMANDA EM QUE NÃO FOI POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA. quando anterior demanda idênti- ca. foi julgada improcedente. PRINCÍPIO DA VER- DADE REAL. de forma a tornar-se igualmente efetivo o direito à igualdade entre os filhos. . Precedentes do STJ e do STF. 1. em razão da parte interessada não dispor de condições econômicas para realizar o exame de DNA e o Estado não ter custeado a produção dessa prova. POR SER O AUTOR BENEFICÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA E POR NÃO TER O ESTADO PROVIDENCIADO A SUA REALIZAÇÃO – REPROPO- SITURA DA AÇÃO – POSSIBILIDADE. Busca-se o reconhecimento de paternidade com relação a pessoa identi- ficada.2011). de cunho afetivo. FLEXIBILIZAÇÃO DA COISA JULGADA. “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. em confronto com outra. em decorrência da não realização do exame de DNA. deve-se dar prevalência ao prin- cípio da verdade real. quanto à análise do interesse . DO CPC – RECURSO ESPECIAL PROVIDO – NEGATÓRIA DE PATERNIDADE PROCEDENTE. especialmente. DJ 20. Art. § 2º. o que obsta o conhecimento da insurgência por esta Corte de Justiça. IRRESIGNAÇÃO DA RÉ. 543-B.2005). se faz necessário a incursão no acervo fático-probatório dos autos. O conteúdo normativo do dispositivo tido como violado não foi objeto de exame pelo Tribunal a quo. meio de prova que pode fornecer segurança quase absoluta quanto à existência de tal vínculo’” (REsp 895545/MG – 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – Rel. art.6. Min. “AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C PETIÇÃO DE HERANÇA – FALTA DE INTERESSE DE AGIR – SÚMULA Nº 7 DO STJ – COISA JULGADA – FLEXIBILIZAÇÃO – POSSIBILIDADE DE REPROPOSI- TURA DA AÇÃO. de Pat.560.2014). no sentido de que ‘deve ser relativizada a coisa julgada estabelecida em ações de in- vestigação de paternidade em que não foi possível determinar-se a efetiva existência de vínculo genético a unir as partes. Embora julgamento anterior desta Turma tenha. e sequer res- taram interpostos embargos de declaração. 1.140  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba “Recurso especial desprovido” (REsp 1375644/MG – 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – Relatora Ministra Nancy Andrighi – J. 282 e 356 do STF). “1. retratar o julgamento que antes declarou a paternidade.. Supremo Tribunal Federal. 1. em ação investigatória anterior.102.2014). nos termos do art.2014 – Dje 2. Para se chegar a entendimento diverso. do CPC. diante de dois exames de DNA nega- tivos da paternidade do ora recorrente realizados na nova ação.614 do Código Civil. deve-se.12. à falta não atribuível a negativa do acionado (Lei Inv.4. em decorrência da não realização do exame de DNA.2013 – Dje 25. ante a ausência do requisito do prequestionamento (Súmulas ns. de 29. “1.9. Alegação de ausência de interesse de agir das autoras da ação. não é possível pretender a anulação do registro que daí decorre’ (REsp 435. 17. negatória da paternidade. Ministro Sidnei Beneti – J. segundo o entendi- mento da época. firmada pelo C. “2. Rel.12. “NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE ANTERIORMENTE JULGADA PROCEDENTE SEM EXAME DE DNA – RE- TRATAÇÃO DE JULGADO ANTERIOR DESTA TURMA. estabelecido que ‘se está afirmada a paternidade com base nas provas então disponíveis. conclusão que se impõe em consequência de orientação.1992. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO. 2º. DIANTE DE REPER- CUSSÃO GERAL DE JULGAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – INTELIGÊNCIA DO ART.2. § único e Súmula 301 STJ) de exame de DNA. Lei 8. com efeito de repercussão geral. 543-B. quando há apenas coisa julgada formal decorrente da extinção do pro- cesso anterior e a ação posteriormente proposta atende aos pressupostos jurídicos e legais necessários ao seu processamento. recusar o ajuizamento da nova ação (CPC.2. Rel.’ ‘Descabe. . ‘Não se deve perder de vista que a pretensão deduzida na investigação fundamenta-se no direito personalíssimo.987)” (AgRg no REsp 895545/ MG – 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – Rel. Assim. 268). relacionado à personalidade.6. máxime em ações de estado. “3. PRECEDENTE DA SEGUNDA SEÇÃO. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg nos EDcl no REsp 1201791/SP – 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – Relator Ministro Marco Buzzi do Superior Tribunal de Justiça – J. QUARTA TURMA.2010 – DJe 22. visando à segurança ju- rídica. “I – Já decidiu a Segunda Seção desta Corte que. forçosa a incidência da Súmula nº 7 do STJ. Ministro RAUL ARAÚJO.12. COISA JULGADA. “4. DIVER- GÊNCIA JURISPRUDENCIAL. In casu. Min. art.2. “AGRAVO REGIMENTAL. 21.6. art.2. onde não foi reconhecida a alegada paternidade” (AgRg no REsp 363558/DF – 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – Rel. sendo julgada improce- dente por inexistir prova idônea da pretensão. Min. “Encontra-se sedimentado neste STJ o entendimento no sentido da im- possibilidade de se renovar a investigação de paternidade em virtude do advento do exame de DNA.2013 – Dje 3.2010 – DJe 7. 83/STJ.2010). indisponível e imprescritível de conhecimento do estado biológico de filiação.2010. Reprodução Assistida  141 meramente econômico das autoras da ação. em face do princípio da dignidade da pessoa humana. não se apresenta aconselhável privilegiar a coisa julgada formal em detrimento do direito à identidade genética. Sidnei Beneti – Julg. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. 1º. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NEGATIVA DE PATER- NIDADE. consagrado na Constituição Federal como direito fundamental. EXAME DE DNA. motivo pelo qual é possível flexibilizar a coisa julgada.2010). Destarte. COISA JULGA- DA.’ (REsp 1215189/RJ.2013). julgado em 2. Luis Felipe Salomão – Julg. IMPOSSIBILIDADE.5.05. 18. consubstanciado no prin- cípio constitucional da dignidade da pessoa humana (CF. afastando a coisa julgada formada em processo anterior. III).2011). “PROCESSUAL CIVIL. SÚMULA N. assim. 4. o egrégio Tribunal a quo asseverou que a demanda anterior- mente ajuizada não fez uso do exame de DNA. deve ser preservada a coisa julgada nas hipóteses de ajuizamento de nova ação reclamando a utilização de meios modernos de prova (DNA) para apuração da paternidade (REsp 706. na espécie. en- contrando apoio na busca da verdade real. “5. DJe 1º. “Investigação de paternidade – Apelante que já havia ajuizado demanda idêntica.9.0008 – 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador Guilherme Santini Teodoro – J. concordam com a exoneração dos alimentos. Min.2014). mantém-se hígida a coisa julgada. que consagra o direito à identida- de genética. É inviável a reforma de decisão acobertada pelo manto da coisa julga- da. de regra.142  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba “1. não traduz veniere contra factum proprium e cede ante o fato novo resultante de acor- do para nova apuração da paternidade – Sentença reformada – Aplicação do art.2009). ante o resultado da perícia judicial. parágrafo 3º do CPC – Suficiência do laudo do IMESC. alguns defendem a possibili- dade de nova discussão. ainda que tenha sido proferida com base em tecnologia já superada” (AgRg no REsp 646140/SP – 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – Rel.26. em posterior ação revisional de alimentos. sempre tendo como substrato os fatos da lide.9. mas sim em fato novo relevante a justificar a relativização da coisa julgada em prol da verdade real – Precedentes desta Corte e do STJ – Injustificada recusa em submeter- -se a exame de DNA na ação anterior que. 515. tomado como prova emprestada do processo da ação revisional de alimentos e cujo valor excludente do vínculo genético é absoluto – Ação negatória proce- dente – Apelação provida” (Apelação nº 0010903-27. caso contrário. nas circunstâncias. concordam com a realização de exame de DNA pelo IMESC. embora o exame pelo sistema HLA tenha excluído a paternidade – Partes que.2009 – DJe 14. João Otávio de Noronha – Julg.2010. No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.8. quando já maior de idade o suposto filho. direito de personalidade indisponível e imprescritível próprio da dignidade da pessoa humana protegida constitucionalmente – Ação ne- gatória não fundada em mera incerteza subjetiva. julgada improcedente – Sentença fundamentada em resultado .5. medida determinada por sentença – Falta de resposta na ação negatória – Extinção do processo sem resolução do mérito por coisa julgada – Inadmissibilidade – Mitigação ou relativização da coisa julgada – Necessidade – Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e verdade real – Em ação de estado de investigação ou negação de paternidade. 3. sobre a segurança jurídica da coisa julgada decorrente de cognição com provas precárias pre- valece a segurança jurídica alcançada por meio de cognição baseada em prova posterior segura (exame de DNA). tem-se admitido a rediscussão da matéria quando existe a insu- ficiência de provas. 20. após exame extrajudicial pelo mesmo método ter excluído o vínculo genético – Perícia judicial na ação revisional excludente do paren- tesco – Parte que. outros a negam. é preferível não permitir novos debates jurídicos: “Negatória de paternidade – Ação investigatória anterior procedente com trânsito em julgado – Cognição baseada em provas orais e presunção por recusa injustificada em submeter-se a exame de DNA. ”52 A coisa julgada serve para dar segurança às situações jurídicas controver- sas. em tese. tal como o pretendido DNA. ed. da 2.2013).9. nas ações de estado. ed.5.2012).26. entretanto. no Enunciado nº 109. Não é porque existe a possibilidade científica de sua realização que questões de há muito apaziguadas deverão ser novamente discutidas. segunda coluna. 767. a coisa julgada poderá ser relativizada. por si só. Como já defendido. não autoriza a propositura da nova ação de investigação de paternidade pela autora – Os acelerados avanços científicos sempre ensejarão o surgimento de novas tecnologias o que. estabeleceu-se que: “A restrição da coisa julgada oriunda de demandas reputadas improcedentes por insuficiência de prova não deve prevalecer para inibir a busca da verdade genética do investigando. e ampl.0444 – 7ª Câmara de Direi- to Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador Mendes Pereira – J. não pode ser entendido como deslealdade processual – Condenação excluída – Sentença de extinção do feito sem apreciação do mérito parcial- mente reformada – Recurso provido em parte. . se acolhida a pretensão da apelante. do Código Civil anotado. 18.8. Nelson. Código Civil comentado e legislação ex- travagante: atualizado até 15 de junho de 2003.. Na Jornada I. “Apelação – Investigação de paternidade – Coisa julgada – Extinção – An- terior ação julgada improcedente com base em prova pericial hematologia (HLA) – Exame que quando exclui a paternidade. bem como no reconhecimento de que toda e qualquer questão relacionada ao vínculo parental estaria imune aos efeitos da coisa julgada material – Li- tigância de má-fé não verificada – O fato de ter ajuizado nova demanda pleiteando a realização de exame à luz de tecnologia mais avançada. rev.2012. tão somente para excluir a condenação a autora no pagamento de multa e indenização por litigância de má-fé” (Apelação nº 0001474-18. 22.8. o exame de DNA não é infalível. essa relativização só é admitida se o primeiro pedido foi julgado improcedente. 3. atual. Rosa Maria de Andrade. uma série de querelas 52   NERY JÚNIOR. p. possui caráter absoluto – Impossibilidade de rediscussão em nova ação – Extinção mantida – Recurso improvido” (Apelação nº 0001870- 36. 2005. Reprodução Assistida  143 de exame hematológico que excluiu a paternidade do apelado com rela- ção à recorrente – Coisa julgada material reconhecida a impedir o pros- seguimento da demanda – Não se desconhece que.2011. Caso isso fosse possível. por insuficiên- cia de provas – Precedentes da Corte e do STJ – O exame hematológico realizado pelo método HLA também tem valor absoluto quando exclui a paternidade – O simples fato de não ter sido realizado exame de DNA.26. São Paulo: Revista dos Tribunais. NERY.0474 – 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador Egidio Giacoia – J. implicaria na contínua retomada da instrução de processos findos. ed. 97-109. a decisão que teve em conta a paternidade so- cioafetiva. Se houve neces- sidade da intervenção judicial. Nelson. 460. e CHIOVENDA. por isso mesmo. 4. In: Temas de direito processual civil. de 11 de janeiro de 1973: arts. 2. lei nº 5. NERY. São Pau- lo: RT. 1996. que não convém ser outra vez exposta a terceiros. 432-475.” .2002. 2. O raciocínio pode ser aplicado à filiação decorrente da clonagem humana. ainda. p. 54   REsp nº 440394/RS. 106. 474 do Código de Processo Civil). Rosa Maria de Andrade. 1994. com a coisa julgada. possibilitou o ajui- zamento de ação negatória do filho nascido durante a união estável. O cuidado e o zelo com os filhos não advêm da lei ou da biologia – podem com elas coincidir. p.53 Nessa situação. por conseguinte. Não se pode deixar de lado. Correta. Istituzíoni di diritto processuale civile. Giuseppe. não se afigura prudente uma nova propositura da ação. existia uma contrariedade à pretensão. as novas conquistas médicas no setor de procriação. guar- dadas as reservas a serem feitas oportunamente. 8. sem novas discussões.2. e também a maternidade. 4ª Turma. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante em vigor. DJ 10. nº 117. NERY JÚNIOR. caso contrário.2003. e ampl. j. devem ser responsáveis. A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil brasileiro. de Paolo Capitanio. p. 178. José Carlos. mesmo depois do prazo estabelecido no antigo art. rev.11. Revista e atualizada por Aricê Moacyr Amaral Santos.2 Presunções na reprodução assistida Além das profundas mudanças geradas pelo texto constitucional. 1998. São Paulo: Saraiva. A filiação é socioafetiva. 7. isto é. 1988.3. principalmente para se evitar alguma doen- ça ou curá-la. rememorando conflitos já sedimentados. a eficácia preclusiva da coisa julgada (art. 193. bem como o uso indiscriminado do 53   BARBOSA MOREIRA.144  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba iria instalar-se no seio de inúmeras famílias. relator o ministro Ruy Rosado de Aguiar. em muitos casos. se já instalada. Campinas: Bookseller. lê-se: “Talvez mais importante do que esclarecer a verdade biológica da paternidade seja manter a legitimidade da pessoa que exerce a função social de pai. v. Como se verá mais adiante. § 3º. p. e RT. todavia. prejudicando o desenrolar das rela- ções humanas. “pai” e/ou “mãe” e os filhos. 40. p. Comentários ao Código de Processo Civil. está-se auxiliando na formação de uma sociedade que aceita mais proximamente as relações de fato estabelecidas. tanto o que deveria ser sustentado não pode mais ser debatido como também aquilo que foi e ficou sob a égide daquele instituto processual. 25. decorre do relaciona- mento no plano dos fatos entre pessoas. 221. Tradução do original italiano. v. Em determinado trecho do Venerando voto vencedor. ed. confor- me preceituado na Constituição Federal. que não incidia na espécie e. estranhos ao núcleo familiar.54 Com tal atitude. 814. do Código Civil de 1916. A verdade genética é importante. ed. p. SANTOS. a paternidade. 849. v. Rio de Janeiro: Forense.869. Moacir Amaral. Instituições de direito processual civil. RNDJ. 817. . deverão ser interpretadas como ‘técnica de reprodução assistida. Eduardo de Oliveira. A inovação é fruto de emenda no Senado Federal.597.    Para um panorama genérico das técnicas de reprodução assistida (“monitoramento da ovulação”. dos incs. 338. 60   NERY JÚNIOR. cf. Eduardo de Oliveira. v. p.56 O novo Código no art. “injeção intracitoplasmática de esperma- tozóides. Direito civil aplicado. Guilherme Calmon Nogueira da. (arts.   GAMA. “a paternidade não mais se estabelece exclusivamente so- bre um suporte biológico. 248-249. Orienta-se. Código Civil comentado e legislação ex- travagante. com os resquícios já delineados (art. tais como a legitimidade da filiação decorrente do casamento (art. III. NERY. praticamente. “transferência intratubária de zigotos. “transferência de citoplasma” e “barriga de aluguel”). Direito de família. por exemplo. várias proposições de interpretação e mudança quanto ao artigo em foco foram realizadas. p. 203. p. São Paulo. 58   LEITE. tão importante para a civilização romana. respectivamente. 204. 337. I e II). 339 e 340 do CC/1916).57 A partir de então. em matéria de filiação. Luiz Edson. do CC/1916) ou.59 Na Jornada I. p.. como sempre se entendeu. “alteraram profundamente as estruturas habituais que juridicamente esta- beleciam as relações humanas.   LEITE. incs. deve- -se “apreciar a filiação além do mero suporte biológico (modelo clássico) em proveito de uma paternidade de intenção (modelo contemporâneo).597. noções caras ao Direito de Família brasi- leiro.597. 1. mas também sobre um suporte psicossocial e afetivo”. Direito civil aplicado: direito de família.55 Segundo Eduardo de Oliveira Leite. São Paulo: Revista dos 55 Tribunais. a presunção pater is est. nota 332.58 Nesse contexto. a uma mudança de termino- logia: “As expressões ‘fecundação artificial’. Direito civil aplicado. Eduardo de Oliveira. e que resistiu incólume ao passar dos séculos. 764. ICSI”. p. “biópsia de embriões”. 12. Eduardo de Oliveira. III a V.”’60 (Enunciado nº 105). Reprodução Assistida  145 DNA. Direito civil aplicado.. “fertilização in vitro”. p. organizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. 11-34. 2003. Rosa Maria de Andrade. “inseminação artificial intra-uterina”. A reprodução assistida heteróloga sob a ótica do novo 57 Código. ‘concepção artificial’ e ‘inseminação artificial’ constantes. nos incs. ZIFT”. 56   LEITE. Nelson. IV e V do art. 5. volatizaram-se diante da evolução ocorrida e. “transferência intratubária de gametas. nov. GIFT”. 2005. cuidou da “fecundação artificial homóloga”. 203. ficaram es- vaziadas de sentido. abalou-se toda a estrutura do bem cons- truído edifício da filiação”. 1. 59   LEITE. segunda coluna. RT. p. v. 204. com larga incursão da afetividade”. p. No momento em que se separou o vínculo paren- tal de hereditariedade cromossômica. FACHIN. 1. não sendo inserida pelos que participaram da elaboração do texto original ou de quem o sistematizou. então. “concepção artificial homóloga” e “inseminação artificial heteróloga”. 63   NERY JÚNIOR. substitui-se o contato sexual entre o casal pela vontade. 764. NERY. mas jamais artificial. A proposição foi feita por Guilherme Calmon Nogueira da Gama (A reprodução assistida heteróloga sob a ótica do novo Código. Código Civil comentado e legislação 62 extravagante. até porque a fecundação ou a concepção obtida por meio das técnicas de reprodução assistida é natural. primeira coluna. Código Civil comen- tado e legislação extravagante. Nelson. p. primeira coluna. 278-279. NERY. justifica-se a aspira- ção. p. out. NERY. Nelson. 18. Retira-se. Rosa Maria de Andrade. Rosa Maria de Andrade. 764. Nelson. As expressões ‘fecundação artificial’ e ‘concep- ção artificial’. As expressões fecundação artificial. Enunciado nº 126. ou implícita.146  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Em outro momento. p. Código Civil comentado e legislação ex- travagante. p. 764. ou seja. Código Civil comentado e legislação extravagante. após o recolhimento dos gametas masculino e feminino. 65   Enunciado nº 127. Rosa Maria de Andrade. houve ainda imprecisão terminológica no inc. inc. p. referindo-se a uma situação verídica. Revista dos Tribunais. III. conforme o Enunciado nº 257. com o auxílio técnico. segunda coluna. 764. para constar a expressão havidos por fecundação artificial homóloga. da Jornada III. NERY. ou seja. em que uma senhora sexa- genária. III. porque não é aceitável o nascimento de uma criança já sem pai. são impróprias. Além disso. V.597. 1993). e aquelas pelas quais a fecun- dação ocorre in vitro. portanto. utilizadas nos incs. com presunção absoluta ou relativa de paternidade quanto ao marido. 61   “As técnicas de reprodução assistida são basicamente de duas ordens: aquelas pelas quais a fecundação ocorre in vivo.63 No que tange à presunção estabelecida no art. mais precisamente em laboratório. III e IV. melhor seria a utilização da expressão ‘téc- nica de reprodução assistida’. 1. Nelson. Rosa Maria de Andrade.   NERY JÚNIOR.597. v. p. Rosa Maria de Andrade. fora do organismo feminino. 1. NERY. quando trata da inseminação artificial heteróloga. falecido havia cerca de dez anos. 764-765). é verdade. Depende do fato de que a mulher continue viúva e haja consentimento escrito do cônjuge-varão para a utilização de seu material genético após o seu falecimento64 (Enunciado nº 106). ou pelo risco da situação jurídica. ela não é auto- mática. não abrangendo a utilização de óvulos doados e a gestação de substituição. mediante sêmen congelado pertencente ao ex-marido. p. inc. . para observar os princípios da paternidade responsável e dignidade da pessoa humana. Código Civil comentado e legislação ex- travagante. Nelson. dependendo da manifes- tação expressa.61 No âmbito das técnicas de reprodução assistida. concepção artificial e inseminação arti- ficial devem ser interpretadas restritivamente.65    Sobre a inseminação artificial. 64   NERY JÚNIOR. Melhor seria uma mudança de redação quanto ao art. Carlos Alberto Bittar mostrou-se contra essa técnica (Problemas ético-jurídicos da inseminação artificial. São Paulo. a expressão: mesmo que falecido o marido. nota 17). incluídas aí todas as variantes das técnicas de reprodução in vivo e in vitro” (NERY JÚNIOR. uma vez que a inseminação artificial é apenas uma das técnicas de reprodução in vivo. de vontade62 (Enunciado nº 104). no próprio organismo feminino. para fins do inciso em comento. NERY JÚNIOR. segunda coluna. 696. além de se propor mudança de termos. Suécia e Itália. segunda coluna. RT. O uso de embriões que sobram por quem já se separou ou divorciou provocará várias discussões. a inexistência de qualquer vínculo entre o doador anôni- mo e a pessoa concebida através do método de reprodução assistida.5. São Paulo. p. V. RT. prevista no art. São Paulo. v. entretanto. p. a criação de vínculo jurídico entre a criança fruto da reprodução assistida e as pessoas que desejaram a concepção. ainda. 199. v. a um par- ceiro.1998. 68   NERY JÚNIOR. 67   GAMA. 2000. e 764. 1. Álvaro Villaça. Além disso. Reprodução Assistida  147 A questão da ausência de um dos genitores. jul. 72-73. jun. A análise até então realizada refere-se à reprodução homóloga. O Parlamento Europeu não a prestigia. considerou possível a adoção das técnicas da reprodução pela mulher não vinculada. como Alemanha. porém. não é unânime. 78-79. Nelson. I.597. Posição que foi ratificada em “Barriga de aluguel: inadmissibilidade”. dezembro de 2009. com material alheio. Se não for possível a revogação. da Constitui- ção Federal. na Espanha. tal qual prevê o art. de 31. IV. tal como redigida a norma. fere a legislação vigente e as bases do Direito Natural. 48-51. Guilherme Calmon Nogueira da. 1. nos casos de reprodução heteróloga. a “Ley de Técnica de Reproducción Assistida”. a inseminação heteróloga. os embriões excedentários somente poderão ser usados caso haja prévia autorização por escrito de cada um dos côn- juges68 (Enunciado nº 128). p. Código Civil comentado e legislação ex- travagante. A 26).597. nº 79. Guilherme Calmon Nogueira da. deveria ser revogado. Ed. inc. na mesma Edição. Contrariamente. resultando em embriões a serem implantados em útero alheio ou. § 4º.   GAMA. sêmen próprio e óvulo alheio ou vice-versa). . Ética. 5º. formal ou informalmente. como: impedimento   GAMA. primeira coluna. a possibilidade de alguém desempenhar a tarefa de gestar para outrem mediante o aluguel do próprio corpo não afronta qualquer princípio ético e nem subtrai da mãe a sublime tarefa de desdobrar fibra por fibra o coração e padecer no paraíso” (p. B 26. p. Filiação e reprodução assistida: introdução ao tema 66 sob a perspectiva do direito comparado. posicionou-se Maria Berenice Dias. os efei- tos jurídicos devem ocorrer apenas para impor restrições. 729. p. 69   AZEVEDO.66 A maioria dos países que já adotaram legislação a respeito é contrária à monoparentalidade. p. Filiação e reprodução assistida: introdução ao tema 70 sob a perspectiva do direito comparado. Rosa Maria de Andrade. Guilherme Calmon Nogueira da. inc. reforçando sua tese com o art. 776. 68. com material próprio ou alheio (sêmen e óvulo próprios ou alheios. exemplificativamente. 1996. direito e reprodução humana assistida.69 Guilherme Calmon assevera que alguns pontos vêm se tornando comuns na reprodução assistida. NERY. p.70 No que tange aos pais biológicos (doadores do material fecundante). inc. 51. o sigilo das informações relativas aos doadores e ao próprio casal.67 O art. 763. Carta forense. da Constituição Federal. Para ele. aceita por Álvaro Villaça. finali- zando seu artigo com o argumento: “No entanto. em útero próprio. ferindo-se o princípio da igualdade. apenas a mulher poderá utilizar-se daqueles embriões. Filiação e reprodução assistida. que rejeita a heteróloga. proibição de reconhecimento voluntário ou mesmo forçado para fins de criação de direitos ou deveres. 75   No mesmo sentido. 73   GAMA. em união estável desde 2011.74 O juiz Luiz Cláudio Broering.73 Há na legislação brasileira a previsão a respeito da possibilidade de uma crian- ça ter dois pais. 75-76 (especial- 72 mente a nota 66). Nelson. teve dúvida a respeito de sua atuação no projeto parental. Há exceções. o que não pode ser confundido com barriga de aluguel. como o amor. p. Filiação e reprodução assistida. Código Civil comentado e legislação ex- travagante. maternidade e filiação resultantes da adoção de técnicas de reprodução assistida. ao contrário do afirmado no novo Código Civil. consequentemente. procedimen- to proibido pela legislação. jure et de jure.76 na lição de Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Guilherme Calmon Nogueira da. p. Filiação e reprodução assistida. sequer será estabelecido o vínculo de parentesco entre a criança e o doador do material fecundante. é desfeito entre o ado- tado e seus parentes consanguíneos. 772. lugar de afetividade. neste caso.   GAMA. carinhosa. segundo o Enunciado nº 111. 78. vigora o princípio de se manter o sigilo de quem foi o doador do material genético. 78. o biológico e o socioafetivo. As presunções. Curso de direito civil. 18 e 20. Na reprodução assistida heteróloga. Guilherme Calmon Nogueira da. Guilherme Calmon Nogueira da. ou mesmo sem vínculo genético entre os envolvidos. A criança foi gerada por inseminação artificial e a irmã de um dos conviventes cedeu o útero e o óvulo para a gestação.   GAMA. primeira coluna. Filiação e reprodução assistida. 382-387. O vínculo de parentesco. NERY. . p. impossibilidade de adoção do próprio filho biológico. Guilherme Calmon Nogueira da. A reprodução assistida heteróloga sob a ótica do novo 76 Código. p. como na Suécia. não há regra específica. Guilherme Calmon Nogueira da. Maria Helena Diniz. o que vem a excepcionar o princípio da unicidade do vínculo paterno e. 75. houve gestação por substituição. p. p.71 Nos países europeus.77 71   GAMA. 77   NERY JÚNIOR. No Brasil. do vínculo materno. Áustria e Bélgica. sob a modalidade heteróloga.75 seriam “abso- lutas”. 74   GAMA. o desejo da construção de uma relação afetuosa. p. reunindo as pessoas em um grupo de companheirismo.148  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba matrimonial. em nenhum momento.72 A natureza jurídica da paternidade. Rosa Maria de Andrade. A decisão do juiz considerou que. Filiação e reprodução assistida. tem autoriza- ção judicial para registrar o filho com os nomes dos pais. ou seja. decidiu que um casal homoafetivo. A doadora quis auxiliar o irmão a realizar o sonho da paternidade e. titular da 1ª Vara da Família de Santa Catarina. deve ter em conta sentimentos nobres. em sua maioria. ini- cialmente. ou seja. . não saberá quem será a pessoa que receberá o espermatozoide ou o óvulo para concepção. o adotado é resultado do relacionamento de pes- soas que assumem o risco da paternidade e/ou maternidade. ou seja.8. também se regulamen- ta a maternidade e paternidade responsáveis (art. dando ensejo à filiação socioafetiva. Dessa maneira. Lei nº 8. após completar 18 (dezoito) anos” (destaquei).609/1990. 229). em linhas gerais. cessado o vínculo de parentesco que havia entre os pais e o adotado. Guilherme Calmon Nogueira da. conforme se esmiuçará no tópico seguinte. com redação dada pela Lei nº 12. ou seja. este tem direito de saber quem são aqueles indivíduos. instrução e conselhos ao ser gerado é o verdadeiro pai ou mãe. porque são ca- sados. em 4. o(a) doador(a)   GAMA. 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente. promulgada em 5. quem recebe o material genético doado. o direito ao esta- do de filiação. Na Constituição Federal. namorados. contudo. o(a) doador(a)(es) do material genético sabe que ele será usado para gerar um ser. para o bem-estar da criança. tem relações sexuais eventuais. 27 da mesma Lei nº 8. como a circunstância de serem espécies do gênero parentesco civil”. Os laços de sangue prevalece- riam sobre a vontade de ser pai ou mãe. A legislação referente à Infância e Juventude assegura ao adotado que fique na família natural. Se não fosse assim. Reprodução Assistida  149 Por isso. assumiram o risco da paternidade e/ou maternidade.010/2009.069/1990.2009. bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes. “Ressalte-se que não há sentido em cogitar na equiparação entre adoção e procriação assistida heteróloga em todos os aspectos civis. ao invés da família substituta. 22. Quando ocorre a adoção. não tem e não deseja nenhum con- tato com essa pessoa.1988. estabeleceu que: “O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica. p. ou seja. mas naqueles aspectos que ambos têm em comum.78 O art. A reprodução assistida heteróloga sob a ótica do novo 78 Código. que garante não saber sua origem. em nenhum momento estabeleceu vínculo com o ser gerado e. elas sabem que podem ser pai ou mãe.11. No caso da reprodução assistida heteróloga.10.2009. provavelmente. nada obstante. Disciplinou-se além do que se desejava. o dispositivo em estudo me- rece ser interpretado restritivamente. Chamou-se a isso de direito à identidade genética ou direito ao reconhecimento das origens. em 5. ou seja. assumiram o risco de proporcionarem o estado de filiação. Dessa forma. ao contrário. que começou a vigorar após 90 (noventa) dias de sua publicação. os quais. quem dá carinho. existiria descompasso com o art. O risco da paternidade e/ou maternidade é de outrem. não assume o risco de ser pai e/ou mãe. unidos estavelmente. 150  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba (es) tem(têm) direito de ver resguardada sua intimidade, direito fundamental, segundo o art. 5º, inciso X, da Carta Magna. A doutrina já se inclina a não ver estendidos todos os dispositivos legais que cuidam da adoção à reprodução assistida heteróloga, segundo acentuou Guilher- me Calmon Nogueira da Gama.79 Efeito prático acaso outro fosse o tirocínio seria a de inviabilizar a formação de bancos de sêmen e óvulos a serem utilizados por terceiros, cujo anonimato tem sua característica marcante. Não se nega o direito efetivamente prevalente no ordenamento jurídico, qual seja, o de estado de filiação, pois os pais são aqueles que efetivamente deseja- ram ter o(a) filho(a)(s). Em suma, o direito inserto no art. 48 do Estatuto da Criança e do Adoles- cente não é aplicável à reprodução assistida heteróloga, diante do direito ao anonimato dos doadores. A origem biológica referida no artigo em questão nada mais é que a vetusta tradição da paternidade e da maternidade em razão do sangue, o que, conforme se demonstrou, não mais deve sobrelevar o exercício responsável de uma ou ou- tra função. Não teria sentido tratar igualmente os filhos e, de outro lado, dizer que vêm de uma “família natural” ou “família substituta”. Há filhos, advindos de “famílias”, seja qual for o móvel de sua constituição. A distinção só tem sentido em termos de debates, para acentuar ainda mais a não diferenciação. Entende-se que se queira saber da origem biológica, afinal, em última aná- lise, responde-se a uma das indagações do espírito humano, qual seja, “donde se vem”, entretanto, isso não tem relevância prática, porque, agora, repita-se, devem-se tratar todos os filhos igualmente (art. 226, § 6º, da Carta Magna e art. 1.596 do novo Código Civil). Dessa maneira, conveniente o Enunciado 339, formulado na IV Jornada de Direito Civil: “A paternidade socioafetiva, calcada na vontade livre, não pode ser rompida em detrimento do melhor interesse do filho.” Afirmação que pode ser estendida à maternidade.80 Na Proposição nº 129, inclui-se um artigo ao final do Capítulo II, Subtítulo II, Título I, Livro IV, enumerado 1.597-A, com o seguinte caput: “A maternidade será presumida pela gestação” e, no parágrafo único, estabelece-se que: “Nos casos de utilização das técnicas de reprodução assistida, a maternidade será estabelecida em favor daquela que forneceu o material genético, ou que, tendo planejado a gestação, valeu-se da técnica de reprodução assistida heteróloga.”81 79   Nota 78 (anterior). 80   ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR, Rui (Org.). Jornada de direito civil. Brasília: CJF, 2007, p. 71. 81   NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado e legislação ex- travagante, p. 764, primeira e segunda colunas. Reprodução Assistida  151 O acréscimo deve ser feito porque a norma legal autoriza o homem infér- til ou estéril a se valer das técnicas de reprodução assistida para suplantar sua deficiência reprodutiva, em decorrência, não poderá deixar de prever idêntico tratamento às mulheres. Dar-se-á guarida às mulheres que podem gestar, abrangendo quase todas as situações imagináveis, como as técnicas de reprodução assistida homólogas e heterólogas, nas quais a gestação será levada a efeito pela mulher que será a mãe socioevolutiva da criança que vier a nascer. Pretende-se, também, assegurar à mulher que produz seus óvulos regular- mente, mas não pode levar a termo a gestação, o direito à maternidade, uma vez que apenas a gestação caberá à mãe sub-rogada. Contempla-se, igualmente, a mulher estéril e que não pode levar a termo uma gestação. Essa mulher terá sua maternidade declarada em relação à criança nascida de gestação sub-rogada na qual o material genético feminino não provém de seu corpo. Em hipótese alguma poderá ser permitido o fim lucrativo por parte da mãe sub-rogada. A incompatibilidade entre o originalmente pensado – deixar à legislação ex- travagante a matéria sobre a reprodução assistida – e a emenda que acrescentou os incs. III, IV e V ao art. 1.597 do novo Código Civil, embora procurasse abarcar situações desprovidas de regulamentação, suscita, como mostrado, inúmeras dú- vidas. Mais prudente seria, talvez, sistematizar a matéria em outra lei,82 assimi- lando as construções doutrinárias, as elaboradas pela jurisprudência e o existente em matéria de legislação nacional e estrangeira. No que tange à clonagem humana reprodutiva, como técnica de reprodução assexuada, há norma proibitiva na Lei de Biossegurança, sendo salutar medida, pelo inconveniente ético, constitucional, legal e técnico que provoca. 8.4 Paternidade e maternidade responsáveis João Baptista Villela preleciona que a consanguinidade tem um papel secun- dário na configuração da paternidade. O que a caracteriza é o amor, o desvelo, a forma como alguém se entrega ao bem da criança. Ela não é um fato da biologia, mas um fato da cultura. Está no devotamento e no serviço, não na procedência do sêmen. Esses componentes, acrescidos do amor, escapam à leitura e à men- suração objetivas. A paternidade determinada pelo DNA, por conseguinte, não 82   Existe Projeto de Lei, de iniciativa do senador José Sarney, que procura regulamentar a repro- dução assistida. 152  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba é conclusiva, ela é muito mais que isso. Ser pai ou ser mãe é, em larga medida, saber ouvir.83 O critério da verdade socioafetiva é explorado pela doutrina cada vez mais.84 Afeto, amor, respeito, ternura, entre outros vocábulos, são usados para caracte- rizar o legítimo laço entre pais e filhos. Isso vem ao encontro da determinação constitucional da responsabilidade na filiação, na maternidade e na paternidade. Outros julgados podem ser lembrados, dando ênfase a socioafetividade, com menção à origem biológica. Excelso Superior Tribunal de Justiça: “Permitir a desconstituição de reconhecimento de paternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas” (REsp 1.383.408/RS – 3ª Turma do Superior Tribu- nal de Justiça – Relatora Ministra Nancy Andrighi – Julg. 15.5.2014 – DJe 30.5.2014). “Não se pode olvidar que o STJ sedimentou o entendimento de que ‘em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da de- monstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com paternidade socioafetiva (REsp 1059214/RS. Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16.2.2012, DJe 12.3.2012)’” (Resp 1115428/SP – 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – Relator Ministro Luis Felipe Salomão – Julg. 27.8.2013 – DJe 27.9.2013). “4. Mesmo na ausência de ascendência genética, o registro da recorrida como filha, realizando de forma consciente, consolidou a filiação socioafe-   VILLELA, João Baptista. Repensando o direito de família. Cadernos Jurídicos da Escola Paulista 83 da Magistratura, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, v. 1, nº 1, p. 95-106, 2000, p. 103-105.    Silmara Juny A. Chinelato e Almeida pontifica: “Há muito se alude à desbiologização da pater- nidade, invocando-se, entre nós, a obra pioneira de João Baptista Villela. Depois de Villela, muitos escreveram sobre a paternidade socioafetiva, entre os quais Luiz Edson Fachin, Gustavo Tepedino, Eduardo de Oliveira Leite, tema que também foi de meu interesse” (Comentários ao Código Civil, p. 14).   A jurisprudência do TJRS vem prestigiando a matéria. Cf. GISCHKOW PEREIRA, Sérgio. O 84 direito de família e o novo Código Civil: principais alterações. RT, São Paulo, v. 804, p. 43-53, out. 2002. Reprodução Assistida  153 tiva – relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamen- te. Isso porque a parentalidade que nasce de uma decisão espontânea, deve ter guarida no Direito de Família” (REsp 1244957/SC – 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – Relatora Ministra Nancy Andrighi – Julg. 7.8.2012 – DJe 27.9.2012). “1. A paternidade ou maternidade socioafetiva é concepção jurispruden- cial e doutrinária recente, ainda não abraçada, expressamente, pela le- gislação vigente, mas a qual se aplica, de forma analógica, no que forem pertinentes, as regras orientadoras da filiação biológica” (REsp 1189663/ RS – 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – Relatora Ministra Nancy Andrighi – Julg. 6.9.2011 – DJe 15.9.2011). “1. A paternidade biológica não tem o condão de vincular, inexoravelmen- te, a filiação, apesar de deter peso específico ponderável, ante o liame genético para definir questões relativa à filiação. “2. Pressupõe, no entanto, para a sua prevalência, da concorrência de ele- mentos imateriais que efetivamente demonstram a ação volitiva do genitor em tomar posse da condição de pai ou mãe. “3. A filiação socioafetiva, por seu turno, ainda que despida de ascendência genética, constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e ampa- rada juridicamente. Isso porque a parentalidade que nasce de uma decisão espontânea, frise-se, arrimada em boa-fé, deve ter guarida no Direito de Família. “4. Nas relações familiares, o princípio da boa-fé objetiva deve ser obser- vado e visto sob suas funções integrativas e limitadoras, traduzidas pela figura do venire contra factum proprium (proibição de comportamento con- traditório), que exige coerência comportamental daqueles que buscam a tutela jurisdicional para a solução de conflitos no âmbito do Direito de Família (REsp 1087163/RJ – 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – Relatora Ministra Nancy Andrighi – Julg. 18.8.2011 – DJe 31.8.2011). “Direito civil. Família. Recurso Especial. Ação de anulação de registro de nascimento. Ausência de vício de consentimento. Maternidade socioafeti- va. Situação consolidada. Preponderância da preservação da estabilidade familiar. “[...]. “Mantém-se o acórdão impugnado, impondo-se a irrevogabilidade do re- conhecimento voluntária da maternidade, por força da ausência de vício na manifestação da vontade, ainda que procedida em descompasso com a verdade biológica. Isso porque prevalece, na hipótese, a ligação socioafeti- va construída e consolidada entre mãe e filha, que tem proteção indelével conferida à personalidade humana, por meio da cláusula geral que a tutela e encontra respaldo na preservação da estabilidade familiar” (Recurso espe- 154  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba cial nº 1000356/SP – 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – Relatora Ministra Nancy Andrighi – Julg. 25.5.2010 – DJe 7.6.2010). “REGISTRO CIVIL. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE VIA ESCRITU- RA PÚBLICA. INTENÇÃO LIVRE E CONSCIENTE. ASSENTO DE NASCI- MENTO DE FILHO NÃO BIOLÓGICO. RETIFICAÇÃO PRETENDIDA POR FILHA DO DE CUJUS. ART. 1.604 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE VÍ- CIOS DE CONSENTIMENTO. VÍNCULO SOCIOAFETIVO. ATO DE REGIS- TRO DA FILIAÇÃO. REVOGAÇÃO. DESCABIMENTO. ARTS. 1.609 E 1.610 DO CÓDIGO CIVIL. “[...]. “4. O termo de nascimento fundado numa paternidade socioafetiva, sob autêntica posse de estado de filho, com proteção em recentes reformas do direito contemporâneo, por denotar uma verdadeira filiação registral – portanto, jurídica –, conquanto respaldada pela livre e consciente inten- ção do reconhecimento voluntário, não se mostra capaz de afetar o ato de registro da filiação, dar ensejo a sua revogação, por força do que dispõem os arts. 1.609 e 1.610 do Código Civil” (Resp 709608/MS – 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – Rel. Min. João Otávio de Noronha – Julg. 5.11.2009 – DJe 23.11.2009; RBDFS vol. 13, p. 130 e RT vol. 893, p. 194). A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em anúncio de 19.10.2009, negou o pedido de anulação de registro civil de W.G.G.H., formulado sob a alegação de que o reconhecimento da paternidade deu-se por erro essencial. Os Ministros entenderam que admitir, no caso, a preva- lência do vínculo biológico sobre o afetivo, quando aquele se mostrou sem influência para o reconhecimento voluntário da paternidade, seria, por via transversa, permitir a revogação do estado de filiação. A decisão foi unâ- nime. Para o relator do processo, Ministro Massami Uyeda, a ausência de vínculo biológico entre pai registral e o filho registrado, por si só, não tem, como quer fazer crer M.C.H., o condão de tachar de nulidade a filiação constante no registro civil, principalmente se existente, entre aqueles, lia- me de afetividade. Segundo o nobre Ministro, a dúvida sobre a verdade bio- lógica, ainda que não absolutamente dissipada, mostrou-se irrelevante para que M.C.H., incentivado, segundo noticia, pela própria família, procedesse ao reconhecimento de W.G.G.H. como sendo seu filho, oportunidade em que o vínculo afetivo há muito se encontrava estabelecido (http://www.stj.gov. br/portal_stj/objeto/texto/impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp.area=3... – acesso em 19.10.2009). “2. Em se tratando de adoção à brasileira, a melhor solução consiste em permitir que o pai-adotante busque a nulidade do registro de nascimento, quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de socioafetividade com o adotado” (destaquei – REsp 108815/PB – 3ª Turma do Superior Tribu- 8. 267). “[.8.. e não é. FATOR IMPEDITIVO. p. 98. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDA- DE. respeito e amparo.2007 – DJ 17. p. EXPULSÃO. 137 e RBDF. também não deseja ser pai socioafetivo. posto se sobrepor a dependência moral-afetiva. p.6. tutela a família. entrevendo a importância dos laços socioafetivos incorporou a família estável.815/80.2009)..2005 – DJ 29. p. vol. 75. se o afeto persiste de forma que pais e filhos constroem uma relação de mútuo auxílio. “2.9. 23. Inexistência de nulidade do assento lançado em registro civil (destaquei). fruto de união espontânea (destaquei). desconhecido pelo Direito. de carinho e de sustento a alguém que. .5. No mesmo sentido: HC 32756/DF – Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça – Relator Ministro Luiz Fux – Julg. 21. fundamento jus-político da República.. “3. DEPEN- DÊNCIA SOCIOAFETIVA. A contrario sensu. 36.2009 – DJe 4. “– O STJ vem dando prioridade ao critério biológico para o reconheci- mento da filiação naquelas circunstâncias em que há dissenso familiar. a eventual dependência econô- mica. para reconhecer a existência de filiação jurídica. A ausência de vínculo biológico é fato que por si só não revela a falsidade da declaração de vontade consubstanciada no ato do reconhecimento. Deveras. é acertado desconsiderar o vínculo meramente sanguíneo. “[. não sendo o pai biológico. FILHO NASCIDO E REGISTRADO APÓS O FATO CRIMINOSO.]” (HC 43604/DF – Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça – Relator Ministro Luiz Fux – Julg.8. Destarte. ART. A relação socioafetiva é fato que não pode ser. absolutamente indiferente para a ma- nutenção do filho junto ao pai alienígena.4.2007.2004 – DJ 22. O ordenamento constitucional. 23. “1. “RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO. Reprodução Assistida  155 nal de Justiça – Relator Ministro Massami Uyeda – Julg. “HABEAS CORPUS. a infância e a adolescência. tudo sob o pálio da dignidade da pessoa humana. LEI Nº 6. Não se pode impor os deveres de cuidado.8. Recurso conhe- cido e provido” (destaquei – REsp 878941/DF – 3ª Turma do Superior Tri- bunal de Justiça – Relatora Ministra Nancy Andrighi – Julg.]. “– O reconhecimento de paternidade é válido se reflete a existência du- radoura do vínculo socioafetivo entre pais e filhos. de natureza pós-positivista e principio- lógica. inegável que a família hoje está assentada na paternidade so- cioafetiva (destaquei) por isso que.2006. IRRE- LEVÂNCIA DIANTE DO VÍNCULO SOCIOAFETIVO. PARÁGRAFO 1º.. 10. 139).2005. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO SANGUINEA ENTRE AS PARTES. onde a relação socioafetiva desapareceu ou nunca existiu. 9% de I. a paternidade de J. Assim. A. regulamentação de visitas e oferta de alimen- tos – ação movida por suposto pai biológico contra pai registral – deferi- mento de tutela antecipatória concedendo direito de visita ao pai genético – insurgência – preliminar de ilegitimidade ativa ad causam – alegado erro no registro de nascimento – legitimidade do pai biológico configurada – paternidade genética provada mediante exame de DNA – existência prévia de laços afetivos entre o pai biológico e a menor (destaquei) – direito de visi- ta – verossimilhança comprovada – receito de dano irreparável existente – perigo de irreversibilidade da medida – requisitos da tutela configurados – razoabilidade/proporcionalidade – decisum mantido – agravo improvido” (Agravo de Instrumento nº 2006. O exame de DNA realizado em 1º grau atestou a probabilidade de 99. prepondera sobe os laços biológicos e nem mesmo o superveniente conhecimento da verdade biológica pode levar à desconstituição desta paternidade. ato que é irrevogável pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. representada por sua mãe.. nem por ele (que requereu a improcedência da inicial). Após sentença.156  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina: “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – Anulação de registro paterno c/c investigação de paternidade. R. então companheiro de sua mãe..045276-4 – 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina – Relator Desembargador Monteiro Rocha – Julg. E. 8. o pai biológico pleiteou a renovação do exame de DNA. M. constando os nomes dos seus avós paternos. M.2008). sobre a autora E. propôs ação de investigação de paternida- de e alimentos contra o autor. F. mantendo-se a paternidade socioafetiva até então existente. sem sucesso. O relator fundamentou sua decisão no que chamou de supremacia da filiação so- cioafetiva sobre a biológica. o Magistrado da 2ª Vara Cível de Araranguá decla- rou a paternidade biológica e a mudança no registro da autora. A garota foi registrada por J. E. já que tal renovação somente deve ser realizada quando há erro ou vício no laudo apresentado. amparado nos princípios do moderno direito de família. Reformou-se sentença da Comarca de Araranguá para reconhecer a pater- nidade biológica de I. F. ‘Este parentesco. posto que o mero vínculo consanguíneo não pode apagar os anos de afeto e dedicação’ (destaquei). R. ser o pai biológico de E. não pode ser desconstituída. Consta nos autos que a me- nor. somente para fins genéticos – sem qualquer vínculo parental ou sucessório –. Lê-se na ementa: Direito civil – família – investigatória de paternidade c/c assistência judi- ciária gratuita e alimentos – exame DNA positivo – procedência parcial em 1º grau – insurgência do investigado – cerceamento de defesa – ausência de testemunhas e indeferimento de 2º exame DNA – testemunhas deferidas . M. quando tinha nove meses.9. de A. No caso em questão. O reconhecimento voluntário da filiação está sedimentado por elos de afetividade. nem pela filha. que não a da consanguinidade. . com a roupagem do ca- samento ou da união estável. deve substituir a velha ideologia da famí- lia patriarcal. Essa ideia inspirou. ou. segundo o Enunciado nº 103 da Jornada de Direito Civil I. desde que. Porto 87 Alegre. p. abr. e na medida em que. a ideologia do afeto.000406-5 – 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de San- ta Catarina – Relator Desembargador Monteiro Rocha – Julg. Sérgio Resende de. v. 1999. mas também pela reprodução assistida. Rui (Org.87 Com essas ideias. Código Civil comentado e legislação ex- travagante. A ideologia do afeto. 10. 1.86 Ensina Sérgio Resende de Barros que. devem ser lidos os artigos do novo Código Civil referen- tes ao “Direito de Família”. salvo quando houver comprometimento a sadia formação e do integral desenvolvimento da personalidade destes” (negritei). 71. o Enunciado 338 da IV Jornada de Direito Civil: “Art. mas também aquele originado da reprodução assistida heteróloga e da socioafetivida- de. p. No art.   GAMA. parental e patrimonial.   BARROS. quem sabe. Síntese/IBDFAM. passou a negar.8. a despeito da falta de expressa previsão legislativa.588.88 85   NERY JÚNIOR. Jornada de direito civil. O fato de o pai ou a mãe constituírem nova união não repercute no direito de terem os filhos do leito anterior em sua companhia. 759. homóloga ou heteróloga. primeira coluna. com a ressalva de que essa forma de parentesco sempre existiu.85 A redação da norma não passou despercebida pela doutrina. para designar o paren- tesco civil. Revista Brasileira de Direito de Família. 1º. ocultar e mascarar a realidade da vida social. 22. quando se constitui um novo relacionamento amoroso. os quais exercem o direito de visita apenas formalmente. assim. não só se prestigiou o parentesco decorrente da adoção. mostra-se digna de importante nota a referência à outra origem. nesse sentido. NERY.2008)./jun. Esta. A reprodução assistida heteróloga sob a ótica do novo 86 Código. Reprodução Assistida  157 independentemente de intimação – nova perícia – desnecessidade – laudo regular – recurso improvido – reconhecimento da paternidade – existência de paternidade socioafetiva e genética – prevalência daquela – matéria de ordem pública – paternidade para fins exclusivamente biológicos – manuten- ção do registro civil – sentença reformada (destaquei – Apelação Cível nº 2005. em que os filhos estão em melhor situação com o novo casal do que com o pai ou mãe biológicos. 1.593 do novo Código Civil. 88   ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR. p. 2007. não os educam de maneira adequada. acredita-se. Nelson. Guilherme Calmon Nogueira da. fundada na posse do estado de filho. não só no que se refere ao parentesco por adoção. Rosa Maria de Andrade. há muito tempo. p. tornou-se ideologia negativa.). 1. que é positiva. todavia. olhando para o presente e para o futu- ro. Brasília: CJF. nº 1. se não se efetivarem. por óbvio. prestigia-se o parentesco de sangue e o traduz. com o pa- gamento de um valor a título de reparação de danos. não se pode resumir tais condutas a. Jornada de direito civil.2010. mental e psíquica de quem está em formação.158  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Não é sem razão que se elaborou o Enunciado 341 da IV Jornada de Direito Civil: “Art. isto é.696.696. não tem(têm) valor. Não se pode impor. p. A proposta tem boa intenção.). entretanto. pressioná-lo(a)(s) a fazer(em) o que não deseja(m). dentre outras condutas desonrosas. Outra linha de raciocínio deve ser feita: muitas vezes. cada um deles pode ofendê- -lo(a)(s) fisicamente e/ou verbalmente. por fim. de 26. expondo- -o(a)(s) a terceiro(s). acontecerá o inverso. ou eles. com a falha paterna ou materna. devendo culminar com o afas- tamento de um dos pais do lar. impedir a troca de correspondência. dizendo que ele ou ela. não deixar que um ou outro fique a determinada distância da criança ou do adolescente. com o dano moral. impor condições para uma convivência. humilhá-lo(a)(s). modificação da guarda. por exemplo. para preservar a higidez emocional. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Estaduais começa a formar opinião sobre a aplicação da referida legislação: 89   ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR. a relação socioafetiva pode se ele- mento gerador de obrigação alimentar”. exercitar a guarda e o direito de visitas.8. Ao invés de orientá-lo(a)(s) e monitorá-lo(a)(s). é que lhe(s) dá autonomia e crescimento sadio. Para os fins do art. lá. acentuando a falta de um ou outro genitor.318. pragmaticamente. des- denhar seu amadurecimento. que deseja a paternidade e maternidade responsáveis.89 Na Lei nº 12. seja de que maneira o for. Suas negligências já encontram resposta com a necessidade de se pagar alimentos. 1. a ausência do pai ou da mãe é salutar para a criança e para o adolescente. pela ausência de cada um deles. responsabilizar a ausência de um dos genitores. tão perniciosos quando se sabe que expressar suas ideias. mais conflitos entre pais e filhos. sobre a alienação parental. a um montante a ser pago para o(a)(s) filho(a)(s). procura-se responsabilizar o pai ou a mãe omis- sos adjetivando sua conduta como ilícito civil e penal. Rui (Org. aqui se quer desvincular o direito de família da patrimonialização. cessação das visitas. os “segredos (no sentido negativo) entre pai ou mãe e filho(a)(s)”. 1. ou seja. 71. em valor a ser dado à criança ou adolescente. . o que não parece guardar sintonia com a Constituição Federal. não cumprir(em) o que determina quem está responsa- velmente exercitando seu dever de pai ou de mãe. existe colisão ao prevalente no novo Código Civil. com aquela iniciativa. desejando influenciá-lo(a)(s) danosamente para controlar suas atitudes. com destaque na dignidade da pessoa humana e. pelo mencionado “abandono moral” isto é. uma obrigação em pe- cúnia. de outro lado. após uma conversa. 26. o que não ocorre nos autos” (EDc. ou se for objeto de ação autônoma. O ato judicial que resolve. o meio de impugnação idôneo será a apelação.0000 – 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador Helio Faria – J. 10.318/2010 prevê que o reconhecimento da alienação parental pode se dar em ação autônoma ou incidentemente. “4. todavia. “Agravo de Instrumento – Ação de Guarda e Regulamentação de Visitas – Pleito de realização de visitas no Brasil em finais de semana alternados. Os conflitos de competência apontados pelo embargante como repre- sentativos da jurisprudência desta Corte. de hipóte- ses excepcionais. em que fica clara a existência de alienação parental em razão de sucessivas mudanças de endereço da mãe com o intuito exclusivo de deslocar artificialmente o feito. ainda que o contato paterno-filial tenha sido limitado pela distância – Realização de nova perícia psicológica.3.11. “Agravo de Instrumento – Ação de divórcio litigioso – Decisão que poster- gou a análise das questões pertinentes à visitação do genitor agravante em relação à sua filha menor para a audiência. o recurso cabível. a questão da alienação parental tem natureza de decisão interlocutória (§ 2º do art.1. a fim de comprovar alienação parental – Indeferimento – Estudo psicoló- gico realizado nos autos que já considerou a mudança de domicílio dos agravados – Decisão mantida – Recurso não provido” (Agravo de Instru- mento nº 2042488-82. a decisão encerrará a etapa cognitiva do processo na primeira instância” (REsp 1330172/MS – 3ª Turma do Superior Tri- bunal de Justiça – Relatora Ministra Nancy Andrighi – J. neste aspecto.2010 – DJe 18. no entanto.2014). sem especificar. 29. “3. A Lei 12. “para seu pronunciamento mais amplo” – Genitor que pleiteia.8. Se a questão.26. Reprodução Assistida  159 “3.2010). for resolvida na própria sentença. 11. a aplicação das regras do CPC.2014 – DJe 17. incidentalmente. desde janeiro de 2013.8. impondo. tratam.0000 – 3ª Câmara de Direito Privado do .2014). no CC 108689/PE – 2ª Seção – Relator Ministro Raul Araújo – J.11. pela fixação de um regime de visitas.2013. com imposição dos custos à genitora – Descabimento – O agravante teve seu direito de visitas preservado. na realidade. temendo a ocorrência de alienação parental – Exis- tência de parecer favorável de assistente social judiciária – Ausência de elementos que impeçam o estabelecimento liminar do pretendido regime de visitas – Fixação nesta sede – Possibilidade. 522 do CPC). o recurso cabível para impugná-lo é o agravo (art. sem prejuízo de readequa- ção na origem – Decisão reformada – Recurso provido” (Agravo de Instru- mento nº 0123855-65. 162 do CPC). porque nesses casos.3.2013. em consequência. 1.0000 – 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador Antonio Vilenilson – J. “Apelação Cível – Guarda de Menor – Preponderância do interesse da crian- ça – Alienação Parental praticada pelo genitor – Improcedência do pedido inicial do pai e concessão de guarda unilateral à mãe – Apesar de a guarda compartilhada. 4.2014).8.2011.26. em que restou demonstrada a prática de atos de alienação parental pelo genitor. atender o melhor interesse da criança.8.2013).8.2011). e condições plenas desta em assumir o exercício da guarda – Estudo social realizado preliminarmente que não restou conclusivo – Necessidade de ao menos instalar-se o contraditório – Agravo a que se nega provimento” (Agravo de Instrumento nº 0045080-36.2011). “Ação declaratória de alienação parental – Determinação das medidas pro- visórias previstas no artigo 6º da Lei nº 12.26.2013.8.160  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador Egidio Giacoia – J.8.6.0000 – 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Desembargador Relator Caetano Lagrasta – 8. “Regulamentação de visitas – Condições impostas ao pai – Eventual re- cusa de entregar as crianças no dia da visita paterna deve ser analisada com cuidado – Imprescindível prova cabal para a imputação de alienação parental e crime de desobediência” (Agravo de Instrumento nº 0041070- 17.26. “Modificação de guarda de menor – Alienação Parental – Designação de audiência de conciliação antes da análise do pedido de tutela antecipada – Inocorrência de prejuízo – É dever e responsabilidade do juiz tentar a conciliação das partes.0000 – Re- lator Desembargador Neves Amorim – J.2011.26.4.2011).2010. “Regulamentação de visitas – Deferimento de visitas pleiteadas pela avó materna. 21. por ora – Inexistência de relato de ocorrências recentes que envolvam a agra- vada e sua conduta de impedir a convivência entre pai e filha – aguardo do contraditório e melhor instrução do feito – Decisão mantida – Recurso improvido” (Agravo de Instrumento nº 0075630-82.318/2010 – Não cabimento. 2. em período estreito. 20. visando o superior interesse do menor – Gravidade das consequências advindas do reconhecimento da síndrome de alienação parental que reclama cautela e prova técnica robusta acerca de sua ocor- rência – Situação que exige diagnóstico seguro quanto aos sinais de dete- rioração da figura materna unicamente em razão da conduta do genitor. sem retirada e com acompanhamento – Irresignação dos guardiões desacolhida – Processo criminal movido con- tra a genitora que não pode suprimir o convívio com os demais familia- res maternos – Alienação parental – Não demonstrado perigo de prejuízo para a menor – Recursos improvidos” (Agravo de Instrumento nº 0516448- 45.0000 – 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembarga- dor Percival Nogueira – J. como regra. .9. como contribui ainda para a formação físico-psicológica da infante. Restrições ao direito de visitas são excepcionais. C/C OFERTA PROVISÓRIA DE ALIMENTOS. A regulamentação do direito de visitas. 16.2014). 3. objetivamente.2014). que ainda não entende os distúrbios vividos pelos pais. 227.0127 – 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás – Relator Desembargador Zacarias Neves Coelho – J. notadamente naquelas que envolvam pedido de modificação de guarda.09.09. mais que dos laços sanguíneos. caput. 1. até porque ela revelou melhores condições para ser a guardiã e. já que a convivência familiar assegura não só a formação de vínculos afetivos. Reprodução Assistida  161 deve-se conceder a guarda unilateral da menor à sua mãe. educação e lazer da filha – Apelação conhe- cia. mais apti- dão para propiciar à filha afeto nas relações com o grupo familiar. dos laços afetivos. uma vez que a separação de seus pais não deve alterar os laços de filiação e a uni- . “AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO. de Sena Conceição – J.8.8. o julgador deve ter em vista.8. 1. agora ausente do lar comum. com a perda da guarda.589 do Código Civil. PARTILHA DE BENS E PEDIDO LIMINAR DE GUARDA – GUARDA PROVISÓRIA CONCEDIDA AO GENI- TOR. A convivência com ambos os genitores é importante para a adequada formação da menor. Esses laços. 5. que. dos laços. o interesse do menor. sempre e primordialmente. da Constituição da República). mais que isso.1. devendo o direito paterno de convivência com a criança ser tão amplo quanto reco- mende a situação pessoal da infante e os laços de afeto que a une ao pai. A visitação aos filhos decorre da Constituição Federal e do art. a menor. deve prestigiar sempre e primordialmente o interesse da criança (art. tal decisão deve ser mantida. “AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DIVÓRCIO – REDUÇÃO DO DI- REITO DE VISITAS DO GENITOR – PRINCÍPIO DO SUPERIOR INTERESSE DA MENOR – SALUTAR CONVIVÊNCIA COM O PAI – PEDIDO INDEFE- RIDO – AMPLIAÇÃO DA QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO E DO SIGILO FISCAL – MEDIDAS ADOTADAS NO ÂMBITO DA EXCEPCIONALIDADE – DECISÃO MANTIDA. visando sobretudo pre- servar o melhor interesse das crianças – Recurso conhecido e desprovido” (Agravo de Instrumento nº 178124-28. mas desprovida” (Apelação Cível nº 115829-93.2012. tanto pela mãe quanto pelo pai. assim como todas as questões que envolvem menores. os sente profundamente. por certo. 2. PREPONDERÂNCIA DO DIREITO E INTERESSE DO MENOR.2013. II – Haven- do motivo suficiente para que a guarda dos menores seja alterada em favor do genitor – inclusive em face dos fortes indícios de alienação parental por parte da mãe –.0000 – 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás – Relator Desembargador Alan S. não está isento da responsabilidade de contribuir com a criação. I – Nas causas que estejam envolvidos interesses relativos a crianças. podendo eventual falta de recursos financeiros de sua parte ser suprida pela ajuda do pai. sem necessidade de concentrar na criança mais um foco da discórdia. indene de dúvida. Se o pai possui interesse de estar presente e visitar a filha o tanto quanto lhe for permitido.162  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba dade familiar. Agravo de instrumento conhecido e desprovi- do” (Agravo de Instrumento nº 184606-89. que contrapõe ao melhor interesse da criança e ao amplo direito à convivência familiar entre pai e filho. certamente.2013). submetida ao crivo do contraditório. apenas no futuro se anotará os efeitos dessa legislação. 5. sob a premissa de que toda criança ou adoles- cente tem o direito de ter amplamente assegurada a convivência familiar. 8. que de fato existe a alienação parental e que está interferindo na formação psicológica da criança.8. não constitui medida extrema. Recurso Improvido” (Agravo de Instrumento nº 68050- 04. sem- pre com vistas ao interesse dos menores. Percebe-se que os Tribunais estão aplicando a lei de maneira cuidadosa.0000 – 4ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás – Relatora Desembargadora Elizabeth Ma- ria da Silva – J. “AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO C/C RE- GULAÇÃO DE VISITAS. 19 do ECA. .09. quando necessário a realização de provas para averiguação de abuso sexual e alienação parental. para que não seja também atingida pela irreflexão comum àqueles. Há necessidade de prova.2013). quanto a paterna. 4. a ampliação da quebra do sigilo bancário e do sigilo fiscal. que tem por escopo a aproximação de filhos e pais. Infelizmente. A regulação da visita do pai ao menor.8. tanto a materna. Inteligência do art. um simples diálogo poderia resolver o impasse. se com- provada.09. A situação de alienação parental. enseja revisão da regulamentação das visitas realizadas pelo pai.5. 2.2013. PENSÃO ALIMENTÍCIA E ALIMENTOS PROVISÓ- RIOS – SUSPEITA DE ABUSO SEXUAL – ALIENAÇÃO PARENTAL – NECES- SIDADE DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA. somente é autorizada quando inexistem elementos de convicção passíveis de demonstrar a situa- ção econômica da parte. Contudo. onde o ex-casal deve poupar a filha.0000 – 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás – Relator Desembargador Carlos Escher – J.2013. 6. os quais sofrem com os deslizes de seus genitores. de forma assistida e alternada. tem-se apenas o fator real de conflito vivenciado entre os genitores. não se pode afirmar. tomando armas para fazer frente a fatos em que. O direito fundamental à privacidade somente deve ser relativizado em casos excepcionais. A prevalência do melhor interesse da criança im- põe o dever aos pais de pensar de forma conjugada no bem estar da filha. 7. 29. antes do pronunciamento de profissional especializado nomeado pelo juiz para a realização de perícia. sendo necessárias mais provas a respeito.8. Assim. por ser medida extrema. para que ela possa usufruir harmonicamente da família que possui. 1 Ação negatória de paternidade O art. Cf. no pri- meiro caso. Nesse dispositivo legal. o Enunciado nº 258 estabeleceu: “Não cabe a ação prevista no art.2002. Recurso conhecido e provido” (REsp nº 139. a fim de disciplinar que se desconstituirá a paternidade caso fique caracterizada a posse do estado de filho.1.2003. contados do nascimento. relator o Ministro Eduardo Ribeiro. com nova numeração.2001.6. se. 8.2002. se o anonimato não for fundamental. 92   NERY JÚNIOR. v. 90 O marido pode propor a ação negatória de paternidade. previa-se o prazo de prescrição de dois meses para tal impugnação. p. Rosa Maria de Andrade. a contar do prazo do dia de sua volta à casa conjugal. § 3º. e modifica-se o parágrafo único. REsp nº 194. também REsp nº 440. p. 4ª Turma. mas também quem socioafetivamente tem vinculação com o filho. da Jornada de Direito Civil I. Código Civil comentado e legislação ex- travagante. NERY. 814.11. v. j. ao mari- do o direito de contestar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher. v. 1. 40.91 Na Jornada III. 178. e RT. p. segunda coluna.590/ SP. 344 do Código Civil de 1916 possibilitava. 17. os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação. 131. REsp nº 146. p. v. § 3º. e RSTJ. publicado em DJ 14. relator o ministro Castro Filho. § 2º.90 O conteúdo do art. e da data do conhecimento do fato. a inexistência do vín- culo genético restou cientificamente comprovada. p.). p. 324. contestada a filiação. dispondo que. 3ª Turma. o prazo era de três meses. autorizada pelo marido nos termos do inciso V do art. RBDF. 3ª Turma. propôs-se alteração legis- lativa da norma para acrescer o § 1º.601 do novo Código assentou a posição majoritária: “Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher. primeira coluna. Nelson. 314. permitia a ação negatória da paternidade além do exíguo prazo previsto no art. 178.4. 29. mesmo quando ultrapassado o prazo esta- belecido pelo § 3º do art. p. Nelson.8.2003.394/RS. . 5. j. o pai não será só aquele que forneceu o material genético. como o uso do exame de DNA.866/RS. por causa da evolução científica. § 4º).601 do Código Civil se a filiação tiver origem em procriação assistida heteróloga. Deve-se definir a quem caberá exercer o “poder familiar”. a jurisprudência. e RNDJ. 1.n. 40. publicado em DJ 05. 25. 95. privativamente. relator o ministro Ruy Rosado de Aguiar. 766. no segundo (art. cuja paternidade configura presunção absoluta.1999). com remissão expressa ao art. 178 do Código Civil.548/GO. DJ 3. Reprodução Assistida  163 Da mesma forma deve ser tratada a clonagem reprodutiva. p. j. sendo tal ação imprescritível” (g. 4ª Turma. p. se era presente o marido. 193. Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado e legislação ex- travagante. publicado em DJ 10. NERY. realizado o exame de DNA. No Enunciado nº 130. Se ele fosse ausente ou lhe ocultassem o nascimento. 1. relator o Ministro César Asfor Rocha. 178.2000. p.2.”92   “CIVIL – NEGATÓRIA DE PATERNIDADE – DECADÊNCIA – EXAME DE DNA – PRECEDENTES. v.9. 106. 167.597. 221. 766.3. 142. RNDJ. 91   NERY JÚNIOR. Mesmo antes da vigência do novo Código. Sérgio.   “Art. pois.95 93   GISCHKOW PEREIRA. hoje pre- cariamente prevista no novo Código Civil e complementada por uma Resolução do Conselho de Medicina. para investigar a paternidade.    II – àqueles declarados como pai e mãe no registro de nascimento. ou para quem se considere o verdadeiro pai biológico. E o processo.601.601. demonstrar que a matéria deve. não é o objetivo. p. privativamente.gov. p. 2006. Propor a legislação. contida no anterior art.601 foi modificado em sua integralidade. ainda conviviam.4. os cônjuges estavam separados de fato” e “Cessa a presunção de paternidade do primeiro marido. a coabitação entre os cônjuges. nos estreitos limites deste trabalho. à época da concepção. O direito de família e o novo Código Civil. O direito de contestar a relação de filiação é imprescritível e cabe.960. p. mas não o é a de petição de herança. 95 às seguintes pessoas:    I – ao filho. a Súmula nº 149 do Egrégio Supremo Tribunal Federal orientava: “É imprescritível a ação de investigação de paternida- de.br/sileg/integras/50233.2 Projeto Fiuza e objeções Restringir-se-á às propostas realizadas para os arts.597 e 1.601.htm>. dois parágrafos únicos são acrescidos aos arts. 238-239. na época em que se deu a concepção.597.598. sim. O novo Código Civil e as propostas de aperfeiçoamento.598 e 1. 1.camara. no caso do inc. à época da concep- ção. às vezes. o quanto antes. se. porque as normas são inovadoras e. 344 do Código Civil de 1916. A presunção de paternidade dos filhos nascidos nos 300 dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal só deve ser manti- da se os cônjuges. Ricardo. os cônjuges estavam separados de fato.93 8. que é a base da presunção de pater- nidade. 1. no Projeto. II. 48. de 2002.” As sugestões foram elaboradas por esclarecimento de Zeno Veloso. Melhor seria deixar de remediar o que destoava do contexto legislativo e elaborar nova lei que regulamentasse a matéria. pois não mencionou a admissão da demanda proposta pela “mãe”. já está suspensa antes da dissolução da sociedade conjugal. dura um longo tempo.164  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Aliás.    III – ao pai e à mãe biológicos. embora exclua a expressão privati- vamente. FIUZA. mas.” Sérgio Gischkow Pereira critica a redação do art. não de comportamento genérico. 1. 1. cuja imposição é discutível. 1. Acesso em: 94 11 jul. provocam vários debates. ser disciplinada. desde sua vigência. por influência de Regina Beatriz Tavares da Silva e Zeno Veloso. em muitos casos. respectivamente: “Cessa a presunção de paternidade.94 As propostas são tímidas. se. No Projeto de Lei nº 6. 55. porque se trata de normas para a atuação médica.   Disponível em: <http://www. 1. . O art. mesmo na adoção. 2º e 4º são sugestões de Regina Beatriz Tavares da Silva. se declarou no registro que era seu o filho que teve a sua mulher. do casamento. no entanto. 240-241.    § 2º A relação de filiação oriunda de adoção não poderá ser contestada. por conseguinte. p. salvo provando erro. O dispositivo se aplica a todos os meios de prova. se a recusa for injustificada. não se proíbe que o filho. por problema de saúde que queira resolver ou para evitar casamento com irmão de sangue. pelos motivos já destacados quando se comentou a doação de óvulos e espermatozóides na reprodução assistida. o propôs. não se pode deixar de proteger os interesses do contestante.97    IV – a quem demonstrar legítimo interesse. como dito. por exemplo. mas também ao próprio filho e ao verdadeiro pai. os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação. por ter caráter irrevogável. No que se refere ao § 3º. deve caber não só àquele que consta do registro de nascimento como pai. dolo ou coação. Ricardo. A única forma de conciliar a resistência de um com o direito de outro é presumir-se. Outra questão de relevo é a da exigibilidade. O novo Código Civil e as propostas de aperfeiçoamento. localizado na Parte Geral e. O novo Código Civil e as propostas de aperfeiçoamento. os herdeiros seguirão ao autor. queira negar a primeira paternidade e conhecer. para se efetivarem os princípios constitucionais de igualdade filial e da verdade real nas relações de filiação. ou não. A única exceção é a filiação oriunda de adoção. Reprodução Assistida  165 Os §§ 1º. 241. a existência da relação de filiação. esse direito não deve ser privativo do marido. Ricardo. que não pode ser contrariada.    § 3º O marido não pode contestar a filiação que resultou de inseminação artificial por ele con- sentida. por causa da redação do art. quem é seu pai biológico. no caso o sangue. de realização do exame de DNA contra a vontade de quem se ajuíza a ação e. se o filho for oriundo de casamento. não é possível constranger alguém à retirada de parte de seu corpo. O § 4º é despiciendo. não só ao exame de DNA. salvo se prova erro. 97   FIUZA. embora ela não seja revogável. A relação pode ser oriunda. dolo ou coação. na realidade. Zeno Veloso.    § 1º Contestada a filiação. Quanto ao § 2º.    § 4º A recusa injustificada à realização das provas médico-legais acarreta a presunção da exis- tência da relação de filiação” (FIUZA. sob pena de violação a direito da personalidade. Não há nenhum reparo a ser feito. em al- gumas hipóteses. 239-241). 96   FIUZA. O novo Código Civil e as propostas de aperfeiçoamen- to. também não pode contestar a filiação. pois a recusa pode ser em relação a qualquer das provas médico-legais. p. que depende da realização da prova para o conhe- cimento de suas alegações. pois não se pode admitir que um pai leve pessoalmente o filho a registro e depois venha a contes- tar a filiação. 232 do novo Código Civil. Embora o direito à contestação da relação de filiação não possa caber a qualquer pessoa. aplicável a todo o diploma legislativo. p.96 O § 1º já consta da redação do novo Código e não refuta a regra de que. Ricardo. . ou não. o direito em tela é imprescri- tível. com todos os direitos e deveres existentes. não se exclui a possibilidade da utilização da ação negatória por outras pessoas. como dito. não tiverem conhecimento da origem da criança. recebendo. o filho será de quem determinou ou fez a clonagem desautorizada.601. se a inseminação é homóloga. 8. comprovar-se erro na manipulação das células germinativas. poderia haver tal impugnação. em reprodução assistida heteróloga. Caso contrário. Faltou.5 Pais na clonagem Em relação à clonagem humana. pois não é razoável alguém providenciar o registro e. biológicos. apenas se estiverem de boa-fé. já que ele sabia antecipadamente que geraria um ser humano. mas de garantir um mínimo de segu- rança a quem se origina desse processo de reprodução – o “clone” –. não deixa de ser um “humano”. por algum interesse vulgar. há a necessidade de se regulamentar de maneira conveniente a matéria.166  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Por coerência. o desejo da paternidade responsável. porém. 1. remuneração . A segunda parte do parágrafo não necessita de alteração. sendo tal ação imprescritível. procurarem eximir-se da responsabilidade que lhes cabe. porque faz apenas o seu trabalho. porém. e ao filho. eventualmente. § 2º Contestada a filiação. com esse pensamento. isso se meu filho consentiu na clona- gem. e não meu filho. Isso exclui a possibilidade de pais. § 1º Terá igual direito quem demonstre legítimo interesse. na medida em que se o cientista é pago para fazer a clonagem. os herdeiros do impugnante têm direito de pros- seguir na ação. que. no momento. Dessa forma. Belmiro Pedro Welter afirma. restringir a vedação para aquela forma de reprodução. a vontade. inclusive. se não consentiu. poderão contestá-la. se adotado o ideal. a menos que algum vício da vontade esteja presente. pois. Nem todos concordam. Cabe aos pais. alguém que permite a inseminação artificial heteróloga não pode repudiar a paternidade posteriormente. assim como será herdeiro de meu filho. se de boa-fé. além dos aspectos tecnológicos e éticos. é pai socioafetivo. depois de ato sério e de fé pública perante o Cartório. mãe e pai declarados assim no registro. não existe legislação adequada para solucionar os problemas que dela podem advir. não faz sentido atribuir a ele a filiação. por causa de. em tese. porque já sabe que não é o pai bio- lógico. A melhor redação do dispositivo legal talvez fosse a seguinte: Art. o clone de meu filho é meu neto. Não se trata de se prender ao casuísmo. ou seja. Além disso. dessa forma. o direito de contestar a paternidade dos filhos. querer repudiar a paterni- dade. sem desejo algum de ser mãe de alguém. a um padrão familiar que depende. e a mulher se responsabilizou pelo resultado obtido. por isso mesmo deve ser evitada. Esses fundamentos são lançados com base na filiação biológica. § 4º. 2..99 A monoparen- talidade deve ser a exceção e. São Paulo: Revista dos Tribunais. promover a destituição do poder familiar.5. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. . não há dúvida de que ela será responsável pelo clone. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros. há   WELTER. a reprodução foi desejada..1. adota-se a ideia de se considerar tão somente o pai ou mãe socioafetiva. Belmiro Pedro. Por mais que se condene a conduta.5. 8. em regra. é protegida constitucional- mente. da CF. tendo este contorno. Como se não bastasse o poder da tradição.98 Diante de tantas conjecturas. A “produção independente” não é aceita no âmbito da reprodução assistida. p. O modelo tradicional da representação marido- -mulher é demais intenso para ser afastado pela mera ocorrência das vontades individuais. ou seja. mas sempre presente. desconsiderando a paternidade ou maternidade biológica. e ampl. 2003. caso haja a efetivação da reprodução assexuada. despreza-se a verdade biológica para dotar a verdade socioafetiva. p.. 99   “(.100 Jussara Maria Leal de Meirelles acentua tal aspecto ao dizer que a monopa- rentalidade é a exceção e depende da hipótese em que se insere. Contudo. necessariamente. atual. São Paulo: Revista 98 dos Tribunais. quando na clonagem estiver estabelecida a filiação afetiva. a conduta social se amoldou. De um lado. pois causa prejuízos à criança. Isso pode acontecer se a mulher teve por finalidade única e exclusiva perpetuar-se.) O projeto inicial de autonomia raramente não se faz acompanhar de uma marginalidade. ao passar dos séculos. pode-se mostrar incompatível a permanência da criança com a mãe.1 Iniciativa solitária Se ocorrer intervenção científica com a utilização de óvulos da própria mu- lher que fornece o material genético para ser colocado no oócito. de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. poder-se-ia alterar a guarda e. 243-244. 226. Qualquer pessoa pode comunicar o fato. pois ele é incons- titucional. Reprodução Assistida  167 por seu serviço. Eduardo de Oliveira. em última instância. aproxima-se da natural. ed. e existindo gestação a qual suporte. 100   Art. rev. é conveniente existir parâmetros jurídicos para a solução das inúmeras situações que surgirem na prática.1 A maternidade na clonagem 8. ilegal e criminoso. 107). mais ou menos intensa. logo. De acordo com estudos sociais e psicológicos. da bilateralização dos papéis” (LEITE. 2003. Dúvida pode existir se a produtora dos óvulos não os cedeu espontaneamen- te.101 Assim não pensa Rui Geraldo Camargo Viana. porque. p. o clone pode desejar o cancela- mento do registro e ajuizar ação de investigação de maternidade e. Ter-se-ia um filho sem pai. que vê uma maneira de a mu- lher se livrar do estado de dependência em que se encontrava: “Tudo isso para mostrar que as mulheres viviam num estado de depen- dência e que. afinal. 2001. de maneira a coibir à criança o direito ao vín- culo paterno-filial tão somente porque assim sua mãe desejou. 102 apriori.”102 Na hipótese figurada. e. In: III CONGRESSO BRASI- LEIRO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOBRE O NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO E A VACATIO LEGIS.combr/cgi/for/viewtopic. Não há um homem que queira o filho ou ceda o material genético. o cancelamento do registro feito e o ajuizamento de ação de reconhecimento de maternidade. Jussara Maria Leal de.1. 5-6. na tese de titularidade à cadeira de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Filhos da reprodução assistida. p. A família na travessia do milênio.php?printertopic=1&t=420=start=&postdays>. Posição já defendida em 1996. 2005. ou seja. que são as famílias compostas dos filhos e um só dos pais. foram se libertando até chegar hoje na produção independente. divórcio ou morte. a mulher age sozinha. As alternativas que lhe sobram seriam. por qualquer motivo. 1-11. para que lhes seja dada a devida proteção (art. se esse fosse o seu interesse – “o de ter um filho” –. item 51. Acesso em: 8 abr. de pouco em pouco.5. Nessa hipótese. 200. 8. não poderia ser obstada nem mesmo pelo ser gerado. § 4º). . Rui Geraldo. acredita-se na impossibilidade de se conceder perdas e danos à lesada.   CAMARGO VIANA. 101   MEIRELLES. p. quis a prole e buscou meios para viabilizá-la. aquilo que Oswald de Andrade chama de ‘O matriarcado de pindorama’. agindo assim. A família não seria só monoparental. em que as mulheres vão se libertando e criam as famílias morganáticas. Disponível em: <http://www. mas também unilateral.168  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba o reconhecimento pela Constituição às entidades familiares monoparentais for- madas em razão de separações de fato ou de direito.2 A bilateralidade na reprodução Se o óvulo utilizado é de uma mulher e a gestação é suportada por outra. de outro. 226. que cede seu material genético. desejando ser a mãe. o poder familiar sobre o clone seria por ela exercido. O contrário também é verdadeiro. out. a institucionalização deliberada da monoparentalidade. sendo de interesse público. isso porque não se pode dar o caráter patrimo- nial para situação tão próxima à essência do ser. afinal. é quem quer ter o ser gerado. o homem será o pai da criança. pois. culminando na destituição do poder familiar. do novo Código Civil. Na segunda. pois realiza um ato que é censurável eticamente e pelo ordenamento jurídico. cabendo a crítica feita ao art. caso tenha contraído núpcias. pois agiram de maneira ilícita.5. A guarda sobre a criança pode lhes ser retirada. inc. devendo. não se cogitando da inviabilidade do exercício do desejo de ser mãe. . as- semelhando-se a hipótese à inseminação homóloga (art. do novo Código Civil). O homem que se casou pode colocar sua carga genética em óvulo doado por terceira. de boa-fé estão quem cedeu os óvulos e quem suportou a gravidez.2 A paternidade na clonagem 8.1. Diferente é a solução se a doadora de óvulos e a gestora não sabem de nada. na outra si- tuação. a mãe. com permissão do cônjuge-virago. pode ser questionado sobre ficar com a guarda e. Quem desejou o clone. Igualmente. Na primeira hipótese. 1. pode fazer um clone de si com o auxílio de sua mulher. A situação não é prevista em lei. e a mulher. em última instância. V.3 A relação tripartite A situação mais complexa seria aquela na qual o óvulo é de uma mulher.2. colocá-lo em seu óvulo para a gestação. a mãe. novamente. para isso. a gestação é feita por outra e uma terceira deseja o clone como filha(o) – prova- velmente.5. Em uma primeira análise. agindo a mulher com consciência de que quer o clone. haver res- paldo a dois inocentes: a cedente e a criança. pois quem cedeu o óvulo estava de boa-fé. aquela que deseja perpetuar-se. com a gestação suportada pela mulher. inc. poder-se-ia cogitar da suspensão e/ou perda do poder familiar. é nomeado um curador. Não se impediria as duas de requere- rem o cancelamento e o reconhecimento daquele parentesco. Basta.5. havendo colisão de interesses com o responsável de fato. Reprodução Assistida  169 não poderá ser impedido. a ilicitude do ato dos pais pode comprometer o exercício da guarda e do poder familiar. 8. 1. com intervenção obrigatória do Ministério Público. Certamente. por isso mesmo. Ele será o pai da criança.1 Homem casado A pessoa do sexo masculino. Ambas são ludibriadas ou não têm consciência do que realizam.597. com o poder familiar sobre o clone. parece ser lógica a solução de atribuir a maternidade à última. não. III. Haveria peculiar solução da “duplicidade de maternidade”.597. fornecer o seu mate- rial genético e. e não se colocaria obstáculo ao clone em ter duas mães em seu registro. 8. e sua mulher. logo. 8. geralmente é ocultada. 1. Se ele tiver de utilizar o óvulo de terceira. . ter-se-á a maternidade por socioafetividade. que será colocado no óvulo da convivente. a menos que incidir a socioafetividade materna de sua convivente. Ele será o pai. com a gestação suportada pela convivente. porém. NERY. Será o pai. podem perder a guarda da criança e o poder familiar. a gestora será a genitora. p. pode usar de óvulo de uma mulher e gestação de outra. Em vez de perpetuar-se com sua convivente. a mãe. de acordo com o teor do Enunciado nº 104 das Jornadas de Direito Civil I. e a pessoa com a qual vive estavelmente. Nos dois últimos exemplos. dificilmente. Am- bos cometem um ato espúrio. a qual suportará a gravidez. 1. aqui também será o pai. dependendo da manifestação expressa (ou implícita) de vontade no curso do casamento.2 Na união estável As três conjecturas feitas podem ser aplicáveis ao homem que vive estavel- mente com uma mulher. po- dendo ser dada a outrem.312-1. A doadora.313. caso con- trário. porém. com aprovação por unanimidade. a guarda da criança poderá ser questionada. Código Civil comentado e legislação extravagante. e a mulher. Nelson. exercendo sobre ela o poder fa- miliar. recorde-se. com a consciência da ilicitude do ato.572.5. pois são restritas ao matrimônio. pelas regras até então existentes no que se refere à inseminação artificial. nas- cendo a criança sem a mãe. Aqui se terá uma situação pe- culiar: o homem será o pai. pela insuportabilidade da vida em comum (art. Caso sua mulher tenha anuído. uma ou outra será a mãe. dando motivos à separação e/ou divórcio. do novo Código Civil). não incidirão as presunções mencionadas. gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida. Rosa Maria de Andrade. e igualmente o poder familiar.170  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Entendeu-se que no âmbito das técnicas de reprodução assistida. 103   NERY JÚNIOR. envolvendo o em- prego de material fecundante de terceiros. podendo ser revelada apenas em situações excepcionais. caput. O homem pode ceder seu material genético.103 O indivíduo casado pode usar seu material genético e colocá-lo no óvulo de uma mulher e “contratar” a gestação com terceira. a mãe. com o anonimato da doadora. mas também o casamento.2. o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica ma- trimonial) juridicamente qualificada. Isso não só pode com- prometer quem ficará com a guarda da criança. deve haver um “acordo” entre o indi- víduo do sexo masculino e ela. ele deverá suportar o ônus da paternidade ou maternidade. Ela nascerá sem mãe se nenhuma das mulheres mencionadas tiver o intuito de assumir aquele papel. ao se produzirem embriões. provenientes dos pais. sem conhecimento das partes envolvidas. todavia. são selecionados os embriões não afetados para virem a ser implantados. podendo perder a guarda e o poder familiar. deseja. pois ele não tem por finalidade constituir uma família. podem ser retirados. o ser gerado precisa ficar sob a responsabilidade de alguém que supra sua subsistência. 8. evita-se a necessidade de se recorrer ao aborto . para fazer o rastreio de uma série de doenças. pois não usa de ética para manipular os gametas de terceiros e engana uma terceira para a gravidez.3 Reprodução à revelia das partes Se o cientista não pede consentimento de quem fornece o material genético e o óvulo. Aqui também pode ser questionado o fato de ser conveniente o cientista ficar com a criança. em princípio. isso sim. a imor- talidade. Antes de se iniciar a gravidez. Sua atitude é muito censurável. De outro lado. como forneceu o material genético e deseja o(a) filho(a). alguns deles possuírem anomalias. será o pai da criança. Ou então.2. O DGPI (“diagnóstico genético pré-implantação”) envolve a colheita de uma célula embrionária precoce cultivada em laboratório e a feitura de testes gené- ticos. 8.5. colocando o resultado da fecundação em uma mulher para gerar o clone. Não há qualquer presunção quanto à paternidade. uma cederá o oócito e outra realizará a gestação.3 O solteiro O homem solteiro poderá se clonar com o auxílio de uma mulher. existe possibilidade de. Dessa forma. Esta pode- rá fornecer o óvulo e suportar a gravidez. por vezes. A guarda e o poder familiar do homem. genéticas. Reprodução Assistida  171 8. muitas delas raras. Entretanto. a pessoa do sexo masculino.6 Diagnóstico de pré-implantação – biópsia de embriões ou PGD (pre-implantational genetic diagnostic) A reprodução assistida é utilizada para se suprir a deficiência na geração de um ser.5. Se o tem. podem ser usadas para tipagem do sistema HLA do em- brião. 2009.pucrs. lê-se: “A reco- mendação de estudo citogenético pré-implantacional não só está correta.. em duas categorias principais: uma seria relacionada diretamente ao ato. Nessa seleção imunológica.104 A técnica poderia.” Na Resolução em vigor. como nos campos de concen- tração. tendentes a formar uma nova linhagem pós-humana. Na ementa. a outra sobre o problema ético da própria seleção genética. conforme denomina (VI). existem algumas diretrizes sobre o diagnóstico genético pré-implantação de embriões. Acesso em: 12 fev. como também está amparada pela Resolução CFM 1. sendo oportuna. em que não se veda tal procedimento. mas também pela seleção artificial dos mais aptos. . igualmente.107 No Brasil. Tradutores: Ana Cláudia Jorge e Victor Ferreira. O diagnóstico genético de pré-implantação e a mobilidade dos 104 doentes (01-08). se é possível evitar a continuação de uma doença genética na descendência.   BADALOTTI. porém. de nº 95. 220. Recomenda-se que as técnicas de reprodução assistida podem ser acopladas à seleção de embriões submetidos a diagnóstico de alterações genéticas causadoras de doenças (“1”). em que as vidas nuas dos internos eram desconstituídas de toda persona- lidade e humanidade para depois serem eliminadas como insetos.358/92. fazer uso dela. Disponível em: <http://www. que venha a ser útil a algum ser humano já nascido. ainda. os embriões “defeituosos” seriam eliminados. Acesso em 14 fev. encontra-se. Bioética e reprodução assistida. Ora.. Jerome. Mariangela. o questionamento básico é ser o embrião usado como meio e não um fim em si mesmo. Mariangela..   PARISSE-BRASSENS. 2009. eurordis.108/2003. não há motivo para. ser utilizada para seleção de embriões com determinada característica imunológica.pol>.br/bioetic/cont/mariangela/bioticaereproducao. parecer em vir- tude de Consulta.php3?id_article=1637>. não há legislação a respeito. pois caso fossem constatadas anomalias. Bioética e reprodução assistida. 107   Pensamento jurídico moderno e seus desencontros com a biotecnologia. com o intuito de seleção de embriões HLA-compatíveis com algum filho(a) do casal já afetado por doença. elaborada pelo Conselheiro Reinaldo Ayer de Oliveira. p. 106   BADALOTTI. Pontifícia Universidade Católica do 105 Rio Grande do Sul – Programa de Pós-Graduação em Medicina e Odontologia. As técnicas. esta que tenha como modalidade de tratamento efetivo o transplante de células-tronco ou de órgãos (“2”).106 Crítica severa faz Rebeca Fernandes Dias. nº 2013/2013. uma vez que a manipulação dos em- briões pode acarretar lesões e morte embrionária. Bioética.org/imprimer. pois a desumanização e a nudez da vida não ocorrem apenas pela seleção via descarte.172  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba seletivo depois do diagnóstico pré-natal. que trata das normas técnicas para utilização das técnicas de reprodução assistida. em se tendo a tecnologia em mãos. Disponível em: <http://www.105 Existem objeções éticas em relação a seu uso. o qual deve ser precedido de aconselhamento genético. o recurso do DGPI pode ser eticamente aceito. Também não é ético usar o DGPI para a seleção de embriões em função de características físicas que não estão associadas a qualquer patologia. preferir sacrificar o que não vem em favor de quem já está convivendo com eles. Reprodução Assistida  173 Deve haver cautela para se evitar a instrumentalização nesse momento. devendo limitar-se seu uso para aquelas cujo diagnóstico te- nha um valor preditivo elevado. O recurso ao DGPI põe em confronto valores éticos que. toda a informação necessária para a to- mada de decisão pelos genitores. o tempo máximo de desenvolvimento de embriões “in vitro” será de 14 dias (“3”). A utilização do DGPI deverá obedecer sempre ao princípio do consentimento informado. demonstre-se que pelo menos um dos ge- nitores é portador de alteração genética hereditária causadora de doença grave. caso a caso. Por fim. designada- mente para escolha ou melhoramento de características consideradas normais. consequências e alternativas disponíveis. podem entrar em conflito. seu uso pode ser positivamente valorizado do ponto de vista ético. Este deverá fornecer. Dessa forma. assim como a avaliação e o acompanhamento psicológico. em certas circunstân- cias. a sua realização não viola princípios éticos fundamentais. muitas vezes. O uso do DGPI para selecionar embriões dadores de células estaminais com o fim de traçar doença fatal familiar configura um complexo dilema ético em que se considera poder sobrelevar-se o princípio da solidariedade. por sua angústia de algum tempo. No Parecer 51/CNECV/07. enquanto tal. asseverou-se que o DGPI (“diagnóstico genético pré-implanta- ção”) é uma técnica de investigação diagnóstica e. A sua resolu- ção supõe a análise ponderada das possibilidades terapêuticas oferecidas pelas tecnologias disponíveis. a título excep- cional. quando. após avaliação médica. O emprego da técnica é eticamente inaceitável em doenças de determinação genética complexa. de Portugal. pois. taxas de êxito. ao invés de buscar uma vida nova. particularmente sobre os procedimentos. que origine morte prematura e sofrimento prolongado e irreversível. de modo claro e compreensível. sendo igualmente inaceitável por ser contrário ao princípio da não instrumenta- lização. As decisões tomadas com base no resultado da aplicação da técnica podem conduzir a situações de valor ético distinto. atende à manifestação da vontade dos genitores e deve ser sempre sujeita à apreciação positiva. Quando possível evitar o desenvolvimento de um ser humano que tenha alta probabilidade de nascer ou vir a desenvolver doença grave. do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. por comissão especializada. . o casal pode. a utiliza- ção das ações para qualquer tipo de controle demográfico. garantida a liberdade de opção (art.2009. podendo cau- sar grande sofrimento à criança e aos pais. caput.2. nomeadamente as contidas nos números 19 a 26.2009. Na mesma reportagem. pla- nejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição. conforme noticiou periódico no Brasil.1.109 8. São Paulo. o ginecologista e especia- lista em reprodução humana. competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito. anunciaram. C7. Médicos britânicos. fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável.108 Dias depois. justamente pelo uso do DGPI.Paulo. métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade. 2º. São Paulo. A prescrição só poderá ocorrer mediante avaliação e acom- 108   Folha de S. 226. afirmou que a indicação da FIV (fertilização “in vitro”) com DGPI para pessoas com doenças genéticas ocorre quando o problema é mortal ou compromete gravemente a saúde.263. 4º. por ações pre- ventivas e educativas e pela garantia de acesso igualitário a informações. caput). porque a presença dessa mutação no embrião representa apenas uma probabilidade do desenvolvimento do tumor de mama ou de ovário. limitação ou aumento da prole pela mu- lher. vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (art. 9º. o nascimento de uma menina selecionada para não ter um gene rela- cionado ao câncer de mama e de ovário (BRCA 1). em 9. p. No art.174  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Aos embriões excedentários deverão ser aplicadas as disposições do Parecer nº 44/CNECV/2004. pelo homem ou pelo casal. § 7º). para os fins daquela lei. meios.7 Laqueadura e vasectomia Conforme preceitua a Constituição Federal. optou pela fertilização “in vitro” para evitar doença genética. A norma da Lei Fundamental é regulamentada pela Lei nº 9. serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitas e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas. .2009. A fim de exercer o direito ao planejamento familiar. sábado. que pode acarretar um risco de até 80% do desenvolvimento do tumor. estabelece-se que se entende. difundiu-se que um casal de brasileiros. É proibida. C8. ao invés de procurar a gravidez natural. 1º. domingo. caput. Arnaldo Cambiaghi.1. de 12 de janeiro de 1996. o planejamento familiar é livre decisão do casal. O planejamento familiar orienta-se. conforme o art. 109   Folha de S. p.Paulo. 10. Essa utilização é polêmica. segundo o parágrafo único. ter filho(a)(s). o grau de sofrimento imposto à ofendida. ‘A cirurgia em que ocorre a perda da capacidade reprodutiva do ser huma- no. vantagens. por si mesmo. acaso o casal.]. ainda. por não se poder conceber que o médico decida. ou um deles. há de ter o inquestionável consenti- mento do paciente. não podendo..1989). o controle de natalidade.110 Aliás. Oliveira. conscientizar a todos do que é a gravidez. 13). 5. ou não. é decisão do casal. porque a procriação não constitui finalidade essencial do casamento (Apelação Cível nº 111290-1 – CCIV 6 – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Relator Desembargador J. “AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – CER- CEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – RESPONSABILIDADE MÉ- DICA – PROCEDIMENTO CIRÚRGICO DE LAQUEADURA – NECESSIDA- DE DE EXPRESSO CONSENTIMENTO – DANOS MORAIS – FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. Dessa forma. Num primeiro momento. Depois. laqueadura em se tratando da mulher e vasectomia no que tange ao homem. Julg. isso pode gerar consequências para o autor das cirurgias. [. além de propiciar meios para se levar adiante o nascimento de um ser. acaso alguém seja submetido à laqueadura ou vasectomia sem seu consentimento. bem como a ausência de consentimento expresso para a realização da laqueadura. impor a impotência generandi. Havendo nos autos prova do nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e o ato praticado pelo profissional da saúde. em decorrência de esterilização. o bem-estar ou a saúde dos pacientes. L. que comprometa a vida.. em tese. Ao Estado cabe. Assim. 12). “Embora a dor moral seja imensurável em termos monetários. não queira mais engravidar ou gerar filhos. novamente. isso é direito de cada um deles. . desvanta- gens e eficácia. apurar-se o dano provocado e ressarcir não só materialmente o paciente. é vedada a indução ou instigamento individual ou coletivo à prática de esterilização cirúrgica (art. impõe-se a condenação do agente por danos morais. De outro lado. e que estejam em desacordo com as regras de seu ofício. reverter o que causou. ato de extrema importância. Reprodução Assistida  175 panhamento clínico e com informação sobre os seus riscos. o potencial econômico-social do 110   Decidiu-se pela impossibilidade de se anular casamento em virtude do homem ter-se subme- tido à vasectomia. mas também o dano moral por ele sofrido. Também é proibida a exigência de atestado de esterilização ou de teste de gravidez para quaisquer fins (art.10. a condena- ção do ofensor deve levar em consideração a natureza e gravidade do dano. Não se pode realizar. De outro lado. acaso ocorra a gravidez. entretanto. 252 do RITJ/SP” (Apelação nº 0001754-71. “Indenizatória – Erro médico – Inocorrência – Atendimento adequado – Va- sectomia que não é método infalível – Ação improcedente – Apelo despro- vido” (Apelação nº 0011721-94.2014). sentença. 6. se o homem ou a mulher se submeteu a alguma das duas intervenções.8.2014).2000). por ser a obrigação de meio e não de resultado.2004.5. tanto que a autora buscou método contraceptivo – Não se pode ver.26. 13. a menos que o homem ou a mulher não tenham sido suficientemente orientados sobre o insucesso de uma ou outra operação. 28.176  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba ofensor e sua repercussão.2004. arcar com gastos referentes à saúde e à educação do me- nor até sua maioridade civil – Recurso parcialmente provido” (Apelação nº 9000007-35. “Indenização – Danos materiais e morais – Cirurgia de laqueadura das trompas – Gravidez posterior – Não demonstração de erro médico quanto ao procedimento – Ausência de ato ilícito que justifique a obrigação de . supostamente prejudicial à ges- tação.8. dano moral – Dano material reconhecido – Os requeridos devem.0361 – 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador For- tes Barbosa – J.0698 – 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador Evaristo dos Santos – J.2010. 4.26. prospera a ação quando escusável o comportamento do profissio- nal diante da excepcionalidade de falha no método contraceptivo e de posterior ausência de sequelas tanto para a autora quanto para a criança – Mantida a r. no nascimento de filho. solidariamente. não se pode acolher pleito de indenização.26.0053 – 3ª Câmara de Direito Público do Tri- bunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador José Luiz Gavião de Almeida – J. “Dano material e moral – Responsabilidade civil – Laqueadura tubária que não alcançou o resultado prometido – Perícia médica classificou o resultado da laqueadura como obsoleto – Possibilidade de ineficiência do resultado não foi informado à autora – A atividade médica está inserida entre aquelas sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor – À falta de informação responde o fornecedor que causa o prejuízo ao consumidor – No caso dos autos a gravidez não era esperada.12.8.8. “Indenização por danos morais e materiais decorrentes de gravidez após laqueadura – Descabimento – Prova pericial afastou falha médica no pro- cedimento – Sequer quanto a prescrição.11. nos termos do art.2013). sob pena de se tornar inócua à vítima ou fator de estímulo da conduta ilícita’ (Apelação Cível nº 0322443-5 – 3ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais – Relatora Juíza Jurema Brasil Marins – Julg. Reprodução Assistida  177 indenizar – Dever de informação cumprido quanto à falibilidade do méto- do contraceptivo – Ação improcedente – Sentença mantida – Recurso não provido” (Apelação nº 9000007-54. 8.000. Apelações conhecidas e improvidas” (Apelação Cível nº 011040069905 – 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo – Relator Desembargador Ronaldo Gonçalves de Sousa – Julg. Danos material e moral. 14. art.8.8.26. caput. Então não se pode ver no contrato entre o médico e a pa- ciente senão uma obrigação de meio e não de resultado. pós-cirúrgica – Dever de indenizar – Médica que não informou a paciente acerca da possibilidade de insucesso da cirurgia (destaquei) – Sentença de improcedência revertida – Recurso parcialmen- te provido” (Apelação Cível nº 390. 27. reparações consequentes. “INDENIZAÇÃO – Danos morais – Alegação de execução imperfeita do contrato – Esterilização cirúrgica – Obrigação de meio – Método de efi- cácia não absoluta – Recurso desprovido. Fato do serviço – Lei nº 8. há probabilidade de insucesso.5. desprovidos de recursos para a criação e sustento do novo filho.0281 – 5ª Câmara de Di- reito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador Moreira Viegas – J.6. Naturalmente não poderia ditar precauções contra a concepção.1999).6. O profissional Liberal não conseguiu provar que efetuou as devidas informações técnicas sobre tal proce- dimento (grifei). “PROCESSO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR – APELAÇÕES CÍVEIS – FATO DO SERVIÇO – LEI Nº 8078/90 – REPARAÇÕES MATERIAL E MO- RAL – PROCEDIMENTO DE LAQUEADURA TUBÁRIA – Médico realiza procedimento de Laqueadura tubária durante serviço de parto cirúrgico.078. pois o médico não pode garantir que não haverá risco de gravidez. .989-4 – 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Relator Desembargador Ruiter Oliva – Julg.2007).00 (sete mil reais). não exigia nenhuma. Dano moral fixado em R$ 7. ainda que mínima. E não se pode cogitar da falta do dever jurídico por parte do médico em não orientar a paciente de precauções essenciais.244-4/9-00 – 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Relator Desembar- gador Testa Marchi – Julg.2009. não planejada. 5. 28. “Dano moral – Responsabilidade civil – Cirurgia de laqueadura tubária – Gravidez indesejada. a sua eficácia não é absoluta já que.2013).2008). Pre- cedentes do STJ. causando extraor- dinária aflição aos pais. Conquanto a esterilização ci- rúrgica pela laqueadura das trompas constitua um método contraceptivo definitivo em decorrência da irreversibilidade da capacidade reprodutiva. pois a es- terilização fora realizada exatamente com essa finalidade e para os incô- modos de outros métodos” (Apelação Cível nº 76. pois seu estado de saúde. e após 4 anos a paciente veio a engravidar. “INDENIZAÇÃO – Responsabilidade civil – Cirurgia de vasectomia – In- sucesso verificado.2000).576-4/1-00 – 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Relator Desembargador Beretta da Silveira – Julg. denominada vasectomia. após o pós-operatório – Culpa do profissional de medicina afastada – Hipótese de obrigação de meio e não de resultado – Ação improcedente – recurso desprovido” (Apelação nº 425. para protegê-la. com nova gravi- dez. 24.2000). . “RESPONSABILIDADE CIVIL – Serviços médicos prestados em hospital do Estado – Vasectomia – Insucesso da primeira cirurgia.4.019-4 – 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Relator Desembargador Gildo dos Santos – Julg.966-5 – 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Relator Desembargador Corrêa Vianna – Julg. 5. sem a pro- va da conduta culposa do profissional. 17. como de doença mental da mulher. possibilitando a fecundação.9.5.2002). “INDENIZAÇÃO – RESPONSABIIDADE CIVIL DO MÉDICO – VASECTOMIA – OBRIGAÇÃO DE MEIO – ‘ONUS PROBANDI’ DO AUTOR – CULPA NÃO DEMONSTRADA – VOTO VENCIDO. toda e qualquer cirurgia dessa natureza não confere ao paciente a certeza absoluta de que não mais poderá engravidar qualquer mulher. existindo casos em que após a operação o organismo reconstitui. Não se pode atribuir responsabilidade indenizatória ao médico por lesão decorrente de intervenção cirúrgica. obrigado o suplicante a se submeter a outra intervenção com risco e sofrimento desnecessários – pedido de indenização por danos materiais e morais – Ação julgada improcedente – Decisão que se confirma face à ausência de prova da conduta culposa dos profissionais – Doutrina e ju- risprudência nesse sentido – Improvimento do apelo” (Apelação Cível nº 086. bem como à crian- ça que poderia conceber. 9.2006). Em algumas hipóteses. o que não constitui erro do profissional da medicina se este advertiu o autor dos riscos inerentes e das cautelas a se- rem tomadas no período pós-operatório” (Apelação Cível nº 0358996-4 – 3ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais – Relatora Juíza Jurema Brasil Marins – Julg.10. especialmente considerando que. foi permitida a la- queadura. sem sua manifestação de vontade. inclusive diante da gravidez superveniente – Conheci- mento do autor de tal possibilidade – Pedido improcedente – Recurso não provido” (Apelação Cível nº 94.178  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba “RESPONSABILIDADE CIVIL – Erro médico – Cirurgia de Vasectomia – Pos- terior gravidez da esposa do paciente – Alegação de negligência e impe- rícia do cirurgião – Descabimento – Não realização por parte do autor de necessário exame solicitado pelo médico. cientificamente. 2. agredida e estuprada – Inviabilidade de gravidez manifesta. sai deambulando pelas ruas. 16. Reprodução Assistida  179 “ALVARÁ – Interdita – Alienada mental – Submissão à cirurgia de laquea- dura de Trompas de Falópio – Requisição exigida pelo próprio estabeleci- mento hospitalar – Notícia de que a interdita. já tendo sido assal- tada. o que torna inviável a utilização de outros métodos contraceptivos – Apelada que já realizou o sonho da maternidade e já conta mais de trinta e seis anos de idade – Cirurgia. é assediada sexualmente por desconhecidos na ausência da curadora legal – Falta de condições psicológicas da alienada mental para levar adiante eventual gestação.2005). . 26. “INTERDIÇÃO – Pedido que cumula pretensão de expedição de alvará para que a interditanda possa ser submetida a cirurgia de Laqueadura das Trompas de Falópio – Patologia mental irreversível – Incapacidade absoluta reconhecida pelo laudo médico – Requerida que.2000). durante as crises. afastada – Recurso provido para determinar o prossegui- mento do feito em primeiro grau” (Apelação Cível nº 327.275-4/3 – 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Relator Desembargador Silvério Ribeiro – Julg.045-4 – 10ª Câmara de Direito Privado do Tri- bunal de Justiça do Estado de São Paulo – Relator Desembargador Souza José – Julg. recomendada pelo próprio hospital em que a requerida foi pela última vez internada – Deferimento – Recurso provido” (Apelação Cível nº 157. importando em risco à sua saúde e à criança – Carência do pedido. ademais. de madrugada. pois. pessoa alienada mental. inclu- sive em virtude de risco à saúde da gestante e do feto. mormente em razão da medicação pesada que a interditanda ingere – Impossibilidade de fiscalização contínua e permanente por parte do curador.9. 2 1   Lições de medicina legal. Isso se deve a uma necessidade psicológica: quem nasceu homem ou mulher não se vê como tal. de nº 276. exemplificativamente. Almeida Júnior e J. e Costa Júnior: “O transexual não se conforma com a sua condição. 13: O art. Brasília: CJF. B. e a consequente alteração do prenome e do sexo no Registro Civil”. retirada do pênis e feitura de algo que aparenta uma vagi- na. 56. efetivamente. em casos extremos. p. “mudar de sexo”. . ficar como se sente em seu íntimo. de O. procurando auxílio médico para.”1 Dessa maneira.). Rui (Org. p. formulou-se o seguinte Enunciado. 2   ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR. almeja. 13 do Código Civil. qual seja: “Art. ingerem hormônios para ficarem com a aparência mais mas- culina ou mais feminina e. satisfazerem sua necessidade psíquica. aceitar ficar como do sexo que nasceu é um transtorno que o incomoda dia a dia. razão pela qual exige veementemente a troca de sexo. 9 Mudança de Sexo 9. Jornada de direito civil. Elas desejam mais. em con- formidade com os procedimentos estabelecidos no Conselho Federal de Medici- na. Para esses indivíduos. ou seja. 63. autoriza as cirurgias de transgenitalização. mudar. no sentido morfológico da palavra. Nos dizeres de A. ao permitir a disposição do próprio corpo por exigência médica. 2007.1 Generalidades Existem pessoas que não se contentam em se relacionar emocionalmente e sexualmente com alguém do mesmo sexo. Costuma-se dizer que ele possui os elementos físicos de um sexo e o comportamento psicológico de outro sexo. Na IV Jornada de Direito Civil. 284. São Paulo: Revista dos Tribunais. Maria Helena. Mário. RT. o “eu” verdadeiro. Existe mais frequência de transexuais masculinos. MATOS. Mário Coimbra. Murilo Rezende. ou não.0). 1976.. Murilo Rezende. O transexual e a cirurgia para a pretendida mudança de sexo.3 O distúrbio de identidade que o transexual tem é considerado doença pela Organização Mundial de Saúde (CID 10 F 64. 242. 2012. O estado atual do biodireito. normalmente). 5   MAPPELI JÚNIOR. essa opção. p. o transvestido contenta-se com o simples uso de roupas do sexo oposto.3 Transexualidade feminina e masculina Os transexuais femininos são mais raros. 6   SALGADO. Mudança de Sexo  181 Independentemente de se aceitar. Yolanda Alves Pinto Serrano de. já que a identidade de gênero é fator determinante e condicionante da situação de saúde dos indivíduos e pode demandar procedimentos médicos e cirúrgicos amplamente aceitos e ado- tados pela comunidade científica. set. São Paulo: Ministério Público. O transexual e a cirurgia para a pretendida mudança de sexo. p. identificando-se psicologicamente com o gênero oposto. numa concepção individualista. Di- reito sanitário. igualdade e o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.   SALGADO. p. mostrando a interferência dos avanços científicos também na escolha de quem se deseja ser. 491. 284. MATOS. p. Reynaldo.. até mesmo. com parceiros do mesmo sexo. 229-230. além de envolver os direitos fun- damentais de liberdade. embora a França tenha sido o primeiro país do mundo a retirar a transexualidade da lista de patologias psiquiá- tricas..5 Não se confunde com a homossexualidade (homossexuais são os que. 242. manter relações com pessoas do sexo oposto.4 A visão da transexualidade vem evoluindo. obteriam “resposta e gratificação”. 3   DINIZ. 7 . p.6 tampouco com o transvestismo (a satisfação independeria da existência de parceiros. Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Cível e de Tutela Coletiva. embora também sejam conhecidos. COIMBRA. o fato é de que muitas situações já foram analisadas na jurisprudência. v. Yolanda Alves Pinto Serrano de. 9. nas relações entre si). em fevereiro de 2010.2 Conceito Transexualidade é a condição sexual da pessoa que rejeita sua identidade genética e a própria anatomia de seu gênero. 4   MAPPELI JÚNIOR. Reynaldo.7 9. Direito sanitário. é também pertinente à saúde pública. podendo. jurídico e técnico (CARVALHO. ético. Curso básico de medicina legal. p. 50% são neuróticos estruturados e outros são personalidades psicopáticas. ed.10 A cirurgia é uma reivindicação da quase totalidade dos transexuais. p. UFPR: Champagnat. 10   MARANHÃO. 40% têm histórico de perturbações mentais entre familiares. com frequência. sendo condenado. Marco 11 Antonio Sanches e Ida Cristina (Orgs. nesse crime a ação penal é pública incondicionada.8. independe da vontade da “vítima”. autoriza clínicas particula- res a realizarem o procedimento em transexuais MTF (genitália masculina para feminina) e.11 Existem aqueles que são operados e. Nos casos estrutura- dos.). não satisfeitos com os resultados. A vulnerabilidade do transexual. MONEY etc. enquanto outros desejavam apenas “legalizar” a sua homos- sexualidade e outros delinquem. Resolução do Conselho Federal de Medicina. Odon Ramos. LEVINE. 136. a hipófise. Curso básico de medicina legal.). de 2002. em número de quatro.   Elaboraram-se pelos menos dois pareceres. 1989. 136. Odon Ramos. Essa situação não seria corrigível na fase adulta e a hormonioterapia somente exacerbaria um erotismo já direcionado.9 As depressões. porém. que realizam essa operação. p. São Paulo: Revista dos Tribu- nais. No Bra- sil. em 12. O Ministério da Saúde regulamentou procedimentos para realização da cirurgia pelo Sistema Único de Saúde (SUS). tem sido indicada a cirurgia para “reversão sexual” (JONES.   VIEIRA.).8 9.955 autorizou clínicas e hospitais privados também a realizarem as cirurgias de transexuais FTM (femi- nino para masculino). p. 12   MARANHÃO. 4. sem modificá-lo (PERLOFF. não estimulada por andróginos. 9   MARANHÃO. Hilário . Bioética e vulnerabilidades. apresentam perturbações psíquicas: 19% a 33% são psicóticos. Curitiba: Ed. por lesão corporal. sob os pontos de vista científico. Curso básico de medicina legal. 135-136. a Resolução do CFM nº 1. para opinarem pela con- 13 duta correta do médico. recorrem em prazo médio. WOLLMAN etc.2010. p. lembre-se. A criação de uma “neovagina” constitui “correção precária”: é inelástica.182  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba A explicação moderna é de natureza hormonal: durante a formação fetal e no nascimento.13 8   MARANHÃO. Odon Ramos. não tem lubrificação própria e não é zona erótica natural. 135.). 93. Muitos dos que são ope- rados prostituem-se. Tereza Rodrigues. THOMPSON. o médico foi processa- do criminalmente. ou seja. 2012. HOOKER etc. desenvolve somente células feminilizantes (HARRIS.4 Comportamento dos transexuais Os transexuais.12 Houve caso em que mesmo o paciente estando satisfeito. Odon Ramos. tentativas de suicídio e desajustes sociais melhoram com a intervenção cirúrgica. Curso básico de medicina legal. de um médico e de um jurista. recor- rem à Justiça contra os próprios médicos que procuraram corrigir ou melhorar a situação inicial. há hospitais públicos. Ele não havia conseguido a mudança no registro junto à Justiça paulista e recorreu ao Tribunal Superior. a tanto.10.5 Casos práticos Mais recentemente. determinou a alteração e a designação de sexo de um transexual de São Paulo que realizou cirurgia de mu- dança de sexo. igualmente.5. pela douta Relatora. p. Transexualismo.2007. também.2009. sem menção à razão ou ao conteúdo das alterações procedidas: Veiga de. São Paulo: Revista dos Tribunais. e agente de sua vontade livre procu- rou alterar no seu registro civil a sua opção. Mudança de Sexo  183 9. discriminação. que decorreram de decisão judicial. permitiu- -se a averbação da mudança de nome e de sexo do interessado. Na Ementa lê-se: “O recorrido quis seguir o seu destino. 15. O reco- nhecimento se deu pela necessidade de ferimento do corpo. porém. com anotação de que a medida se deu por ordem judicial. opróbrio. afirmou- -se que se deveria consignar. 545. cercada do necessário acom- panhamento médico e de intervenção que lhe provocou a alteração da natureza gerada. p. o Superior Tribunal de Jus- tiça. para que seu caminho ficasse adequado ao seu pensar e permitisse que seu rumo fosse aquele que seu ato voluntá- rio revelou para o mundo no convívio social. 571). desonra.10.2007 – DJ 21. Ministra Nancy Andrighi. Em V. 22. Há uma modificação de fato que se não pode comparar com qualquer outra circunstância que não tenha a mesma origem. .11. São Paulo: Revista dos Tribunais. Março de 1981 e FRAGOSO. v. 1981). RT. A Eminente Ministra asseverou que a observação sobre alteração na certidão significaria a continuidade da exposição da pessoa a situações constrangedoras e discrimina- tórias (REsp 1008398/SP – 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – Relatora Mininstra Nancy Andrighi – J. indignidade com aquele que escolheu o seu caminhar no trânsito fugaz da vida e na permanente luz do espírito” (REsp 678933/RS – Rela- tor Ministro Carlos Alberto Menezes Direito – T 3 – Terceira Turma – Julg. decisão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça. 545. com anúncio em 15. p. Conceito – distinção do homossexualismo.2009 – DJe 18. Transexualismo – diagnóstico – conduta médica a ser adotada. 299-304. como se sabe. todavia. A decisão da Terceira Turma do STJ é inédita porque garante que nova certidão civil seja feita sem que nela conste anotação sobre a decisão judicial. permitiu-se. para evitar si- tuações vexatórias. a fim de que se refletisse a verdade.3. Esconder a vontade de quem a manifestou livremente é que seria preconceito.2009). mar. Em data passada. Heleno Cláudio. equivale o ato cirúrgico. 289-298. Acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. O registro de que a designação do sexo foi alterada judicialmente poderá figurar apenas nos livros cartorários. v. RT. a mudança do prenome e do sexo do transexual. Outra foi a opinião. o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo acolheu apelo do Ministério Público para que as alterações do nome e de sexo constassem na margem do livro de registro em decorrência de decisão judi- cial.2007). (Apelação nº 0003025-02. em 2006.0047 – 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador J. Mônaco da Silva).2006). de Câmara do Preclaro Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. sem observar que isso decorreu de decisão judicial: “EMENTA: RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. carteira profissional. Em Julgado datado de 2. justifica a pretensão. como cédula de identidade. 3. salvo o próprio interessado ou no atendimento de requisição judicial. no caso com respaldo jurisprudencial. sendo capaz de levar seu usuário a situação vexatória ou de ridículo. procla- mada na Constituição de promover a realização da felicidade do indivíduo. TRANSEXUALIDADE. vivendo publicamente como mulher. que constitui prenome femi- nino. para se saber da existência do envol- vimento criminal do requerente. ALTERAÇÃO. Medida que não prejudica a segurança jurídica nem terceiros e satisfaz a finalidade do Direito. o seu nome de registro está em descompasso com a identidade social. Assim.2008. por maioria de votos. reconhecida sua necessidade.26.184  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba “REGISTRO CIVIL. Transexual primário já submetido a cirurgia de reversão de sexo. título de eleitor etc. No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Diante das condições peculiares da pessoa. em 24. não é proibição absoluta: . RECURSO PROVIDO” (Apelação cível com revisão nº 352. entretanto. por ser inacreditável que alguém se submetesse à operação castradora e apresentasse requerimento semelhante para evitar pu- nição criminal.2014. sem menção à razão ou ao conteúdo das alterações procedidas.509-4/0-00 – Relator Desembargador Gilberto de Souza Moreira – 7ª Câmara de Direito Privado – Julg. colocou-se que a mudança do prenome. L.8. 25. além de se indeferir pedido de conversão de julgamento em diligência. resguardando-se. 1. o que justifica plenamente a alteração. sendo conhecido por apelido. da averbação em outros documentos do apelado. POSSIBILIDADE. 4. PRENOME E SEXO. Deve ser averbado que houve determinação judicial modificando o registro.5. 2. Recurso provido” (Apelação Cível 70018911594 – Relator De- sembargador Sérgio Fernando de Vasconcelos Chaves – 7ª Câmara Cível – Julg. O fato da pessoa ser tran- sexual e exteriorizar tal orientação no plano social. com vedação.4. admitindo a averbação da mudança de nome e sexo. relativamente à alterações nas certidões de registro civil. a publicidade dos registros e a intimidade do requerente. Autorização para alterar-se o registro civil. já que o nome registral é compatível com o sexo masculino. assim. AVERBAÇÃO À MARGEM.4. nenhuma informação ou certidão poderá ser dada a terceiros. 2006). Para garantir o princípio da se- gurança jurídica.2012. a Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda. Mudança de Sexo  185 “Ementa: Registro civil – Mudança de nome e sexo – Transexual que se submeteu à ablação do órgão externo masculino – Deferimento – Apelação do Ministério Público – Desnecessidade de conversão do julgamento em diligência – Pretensão admitida pela jurisprudência – Proibição de mudan- ça do prenome que não é absoluta – Apelação provida” (Apelação cível nº 427. sendo que a exigência de prévia cirurgia para interromper situações vexatórias constitui violência. em virtude de que: “O fato de existir ação penal contra o autor não pode servir de obstácu- lo a que tenha assegurado o seu direito à dignidade da pessoa humana.2007). da Secretaria de Segurança Públi- ca do Estado de São Paulo. de modo a afastar eventual perigo ao interesse público. sem risco para a verdade que todo o registro deve espelhar e sem que se retire dos terceiros o direito de conhecer a verdade – Sentença modificada – Ação julgada improcedente – Recurso provido” (Apelação nº 452.036-4/0-00 – Relator Desembarga- dor Grava Brazil – 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Julg. dando-se provimento ao recur- so interposto: “Retificação de registro civil – Modificação de nome e sexo – Regra da imu- tabilidade dos dados do assento de nascimento.2008). o instituto de identificação Ricardo Gumbleton Daunt.11. 3.0562 – 3ª Câmara de Direito Privado . basta que seja oficiado ao juízo criminal comunicando a alteração do nome do apelante. para evitar maiores constrangimentos e humilhações. mesmo respondendo a acusação criminal.11. 7. a Diretoria de Serviço Militar do Ministério do Exército e ao Tri- bunal Regional Eleitoral” (Apelação cível sem revisão nº 492.7. certo que a demonstração entre o sexo biológico e o psicológico poderia ser feito por perícia multidisciplinar (Apelação nº 0040698-94.524-4/0- 00 – Relator Desembargador Ary José Bauer Júnior – 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Julg. permitiram- -se a mudança de prenome e do sexo de quem realizava os pleitos. Em outro momento. e com o mesmo objetivo. mediante reconhecimento de sua identidade sexual. essencial à sua felicidade. assim como também. como forma de inte- gração social.8. Recentemente.26. permitiu-se a alteração do nome no assento civil de pessoa transexual. A vedação nas retificações já foi reconhecida. que só podem ser modi- ficados em razão de justificativa irrebatível. 11.435-4/3 – Relator Desembargador Maurício Vidigal – 10ª Câmara de Direito Privado – Julg. “REGISTRO CIVIL. 14   VIEIRA.26. permanecen- do com a genitália masculina – Necessidade de compatibilidade entre os elementos do assento para impedir confusão na identificação das pessoas – Pedido indeferido – Recurso desprovido” (Apelação cível com revisão nº 392.2013. . espelhando a realidade – Falta de interesse de agir caracterizada – Processo extinto sem resolução de Mérito – Sentença mantida – Ausência de violação a dispositivos de lei. 5.2014). o que. Em outro momento. 6.2013. Acórdãos do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.. não teria se submetido à cirurgia para modificação da condição da qual nasceu. em 9. antes. Pretensão manifestada por transexual que ainda não se submeteu à cirurgia de mudança de sexo. novamente.0003 – 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador James Siano – J.2014).8.2006).. consistente no “desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto” (Apelação nº 0016069- 50. Ausência de erro registrário que.5.8.26. Existe projeto em tramitação com o objetivo de autorizar o transexual a ade- quar seu nome mesmo antes de realizar a cirurgia. pois havia informações prestadas pela psi- cóloga que identificava a incongruência entre a anatomia de nascimen- to e a identidade que a parte relatou sentir.6. “A vulnerabilidade do transexual” . Tereza Rodrigues. “Registro Civil – Pedido de retificação de nome masculino (Luciano) para feminino (Luciana) sem o concomitante pedido de alteração do sexo ano- tado no assento – Inadmissibilidade – Autor com aparência externa de mu- lher mas que não realizou cirurgia para a alteração de sexo. 99. embora aparentasse outro sexo. foi per- mitida a alteração do nome.186  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador Carlos Alber- to de Salles – J.5. sem a necessidade de cirurgia. “Registro civil – Pleito de alteração do prenome e designativo do sexo – Mo- dificação condicionada à realização de cirurgia de redesignação sexual. RETIFICAÇÃO. espelhou a real situação biológica do indivíduo – Inadmissibilidade” (Apelação cível nº 328. não se permitiu a mudança do nome.2004). p.670-4/7-00 – Relator Desembargador Morato de Andrade – 2ª Câ- mara de Direito Privado – Julg.2014).14 Em três V. ademais. na hipótese. transexualidade é considerada doença (CID-10 – F64.2.005-4/0-00 – Relator Desem- bargador Magno Araújo – 6ª Câmara de Direito Privado – Julg.. de quem. 18. bem como a qualquer cânone constitucio- nal – Recurso desprovido” (Apelação nº 0025917-51.0). 24.0071 – 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador Luiz Antonio de Godoy – J. não ocorreu – Registros públicos que têm caráter de defi- nitividade.3. ” No Tribunal de Justiça do Amapá. logo. TRANSEXUAL. textualmente: “O casamento é o vínculo jurídico entre homem e mulher. permitiu-se a mudança do prenome e do sexo de quem requeria as medidas: “CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. em razão da maleabilidade da legalidade. Relator e com voto vencedor o Desembargador Salles Rossi. sob pena de o casamento ser considerado inexistente. ou seja. a fim de evitar futuras inconstitucionalidades. a perícia comprovou que quem requeria a modificação apresen- tou características marcantes do sexo masculino. sendo que naquele não há menção ao sexo do portador. e do não impedimento do ordenamen- to jurídico.257-4/3- 00. CIRURGIA DE EMASCULA- ÇÃO. que se unem segundo as formalidades legais. Ademais. ainda.” No voto vencido. Mudança de Sexo  187 A divergência de opiniões sobre a anotação sobre alteração de sexo em virtu- de da cirurgia ficou registrada na Apelação Cível com revisão nº 439. Leia-se. em procedimento de jurisdição voluntária. pois nas atividades habituais de cidadão o uso e a apresentação do registro geral supre o do assento. não há como admitir a retificação no registro no que se refere ao sexo. Uma delas é a diferença de sexo. a alteração de sexo pos- sibilitaria o casamento e a união estável de pessoas de “mesmo sexo”. asseverou- -se que o apelo deveria ser provido. na vida em sociedade não haverá problemas de constrangimento ao apelado em manter seu sexo como masculino no assento de registro civil. o constrangimento daquele que possui o prenome ‘VANESSA’. em cuja ementa lê-se: “EMENTA – RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL (ASSENTO DE NASCI- MENTO) – Transexualismo (ou disforia de gênero) – Sentença que auto- rizou a modificação do prenome masculino para feminino – Controvérsia adstrita à alteração do sexo jurídico no assento de nascimento – Admis- sibilidade – Cirurgia autorizada diante da necessidade de adequação do sexo morfológico e psicológico – Concordância do Estado com a cirurgia que não se compatibiliza com a negativa de alteração do sexo original- mente inscrito na certidão – Evidente. do Eminente Desembargador Ribeiro da Silva. mas que consta do mesmo registro como sendo do sexo masculino – Ausência de prejuízo a terceiros – Sentença que determinou averbar nota a respeito do registro anterior – Decisão mantida – Recurso improvido. MODIFICA- ÇÃO DE PRENOME E SEXO. Assim. a fim de se evitar uma inconstitucionalidade futura. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO. ADAPTAÇÃO DE GENITÁLIA EXTERNA FEMININA. SEXO PSÍQUICO . da 8ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. a preocupação maior para se permitir a mudança do nome e do sexo de alguém. Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. o expõe a ridículo. é de se dar guarida a um ato de má-fé. c. c. PREDOMÍNIO DA EQUIDADE SOBRE A LEGALIDADE. Alteração do sexo que encontra apoio no art. 2) Elencado entre os procedimentos de Juris- dição Voluntária. para que 15   Operações cirúrgicas de mudança de sexo: a recusa de autorização de retificação do registro civil.015/73. A mudança do nome e do sexo do transexual no registro civil não é matéria pacífica.188  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba RECONHECIDAMENTE FEMININO.2001). Em V. . parágrafo único. p.” “É função da jurisdição encontrar soluções satisfatórias para o usuário. 679. São Paulo: Revista dos Tribunais.015/73 e da inexistência de vedação legal no ordenamento jurídico pátrio. 22. Antônio Chaves. desde que não prejudiquem o grupo em que vive. o pedido de retificação de registro civil para a mudança de prenome e sexo de transexuais assim comprovados. questiona-se se não é momento de se mudar a postura em se impedir tais retificações. em última análise. 109).15 Posições tradicionais e maleáveis existem quanto à matéria. Recurso provido para se acolher a pretensão. 5. RT.157. pode ter decisão afastada do critério de estrita legalidade. 1) É juridicamente possível a retifica- ção de assento civil de nascimento para modificar o prenome e o sexo de transexual submetido a cirurgia de emasculação com adaptação da genitá- lia masculina externa para a feminina diante da flexibilidade do princípio da imutabilidade do nome. insculpido nos artigos 55 e 58 e respectivos parágrafos únicos da Lei nº 6. 14. v. da Constituição da República. viabilizando a modificação para aquele pelo qual é conhecido (Lei 6. PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. em face da condição atual do autor. art. destacou-se a função da jurisdição para se encontrarem soluções satisfatórias ao usuário. maio 1992. assegurando a fruição dos direitos básicos do cidadão” (Apelação Cível nº 165. art. entretanto. 5º.4/5 – Re- lator Desembargador Boris Kauffmann – 5ª Câmara de Direito Privado – Julg. Leia- -se a ementa: “Registro civil. por exemplo. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDI- DO.3. formulando algumas perguntas. Desatendimento pela sentença de primeiro grau ante a ausência de erro no assento de nascimento.2001). X. Nome masculino que. 55.6. 3) Apelo improvido para manter integralmente a sentença de primeiro grau” (Apelação Cível nº 693/00 – Relator Juiz Convocado Doutor Edinardo Souza – Câmara Única – Julg. Pedido de alteração do nome e do sexo formulado por transexual primário operado. não. se desconhecia ter ela ingerido hormônios. 17   Solução que já foi cogitada por Antônio Chaves. divorciar-se ou anular o matrimônio. como dito. não suportando mais a convivência em comum. Acaso um homem se case com uma “mulher”. out. sem saber dessa condição. Revista Forense. transexual. para outros. desde o início.6 O casamento do transexual A pessoa que se submeteu à operação pode almejar não apenas namorar ou- trem ou ter um relacionamento estável. 16   Castração. pela cirurgia feita. ou seja./dez. com as retificações deferidas. feito operação de ablação e retificação do registro. uma mulher. psicolo- gicamente. maneira tradicional para se formar uma família. v. set. RT. 11. Para tanto. sa- bendo da condição do transexual. Mudança artificial de sexo. porém. Transmissão de vírus da AIDS. a ideia é de duração por toda uma vida ou por tempo razoável. por erro essencial do outro cônjuge (art. Por parcela da jurisprudência. 1981. . em Responsabilidade médica./nov.17 O problema se torna mais complexo quando o casal quer o matrimônio. seja. 276.16 Algumas ponderações devem ser feitas. 1994. Antônio Chaves comentava que era o segundo problema fundamental para o qual nem a doutrina nem a jurisprudência se apresentavam ainda preparados a enfrentar. inciso I. não se sente um homem ou uma mulher. Imagine a perplexi- dade em procurar um homem e. a confiança e a cumplicidade do casal permeiam sua relação. Esterilização. deve-se averbar que a mudança foi em decorrência de decisão judicial. 707. do novo Código Civil). parece que. O transexual. a fim de que se amenize sua angústia. 1557. Mudança de Sexo  189 uma pessoa procurada pela justiça acoberte sua identidade. neste caso. tem-se como possível a retificação do nome e do sexo de quem se submete à cirurgia. o enlace não deve se desfazer facilmente. p. Operações de “mudança” de sexo. a operação para mudança “morfológica” de sexo é re- comendada e tem cunho terapêutico. agora. isto é. a respeito do casamento do transexual. O tema. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. Rio de Janeiro: Forense. Um devedor inadimplente também pode usar do mesmo expediente para não pagar os credores. 18. Para alguns. dessa forma. Quando se celebra um casamento. p. se descobre isso. contrair o matrimônio. possível é separar-se. foi percebido pela doutrina civilista. 9. de sexo diferente. Civil e Penal. expresso pessoalmente. do casa- mento de pessoas de mesmo sexo. ainda que as partes tenha agido de boa-fé. O ato que não tiver algum desses requisitos não produzirá efeitos civis. A matéria foi amplamente discutida pelos parlamentares e causou polêmica na so- ciedade argentina.18 Não se deve confundir a matéria com aquela. Na Argentina. 2º. A questão não é fácil. a mudança de sexo é um fato que produz consequên- cias jurídicas de índole Constitucional. em razão da alteração. 18   O alerta. a resposta é afirmativa. ensejando uma regulamentação legislativa eficaz” (Aspectos jurídicos da mudança de sexo. nº 35. existe amparo para que alguém ingira hormônios. p. . salvo o disposto no artigo se- guinte”. 172 do Código Civil. jun. quer mudar seu nome e registro do sexo a que pertence. em tradução livre: “É essencial para a existência do matrimônio o pleno e livre consentimen- to. a resposta deve ser negativa. São Paulo: Centro de Estudos. não importando o que realizem para mudar essa condição. Se. promovida pela Lei nº 26. salvo disposição do artigo seguinte. de outro lado. art. “O ato que não tiver algum desses requisitos não produzirá efeitos civis. “O matrimônio terá os mesmos requisitos e efeitos.” Agora. independentemente de serem os contraentes do mesmo ou de diferente sexo. ainda que as partes tenham agido de boa-fé. A redação da norma era a seguinte. sim. igualmente tortuosa. já foi realizado por Luiz Roberto Lucarelli: “Apesar de não contemplada em nosso ordenamento jurídico. BO 22.2010. até mesmo.618. O transexual não se considera do mesmo sexo de quem desposa e. pela medicina e pelos assentos registrários. recentemente. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo. permitindo-se a realização do matrimônio de pessoas do mesmo sexo. mudou-se a redação do art. 1991. expresso pessoalmente. por ambos os contraentes. perante a autorida- de competente para celebrá-lo. a dicção da norma é: “É essencial para a existência do matrimônio o pleno e livre consentimen- to. pelo homem e pela mulher. perante a autorida- de competente para celebrá-lo. psicolo- gicamente não se sente do sexo que aparenta. realiza cirurgia e. deve ser regulamentada.190  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Acaso se acredite que homem e mulher são tais de acordo com seu nascimen- to. de maneira mais genérica. serão de um sexo e de outro sempre. 227). O homem sente-se totalmente uma mulher e vice-versa.7. a fim de se evitarem transtor- nos e discussões. Não lhes dá opção. porque. de 14. Embora de salutar iniciativa.5. As duas pediam para serem habilitadas ao casamento civil. No Brasil. diziam que não caberia ao Conselho Nacional. por maioria. a união livre. portanto. por 14 votos a favor e 1 contra. 5. em 25. Acesso em: 26 out. de nº 175.5. Mudança de Sexo  191 É um precedente importante na América Latina. ou seja. não se trata da falta de sintonia entre o mor- fológico e o efetivamente entendido como o sexo real.  Disponível em: <www. Ministro Joaquim Barbosa. poderá recusar habilitar homossexuais ao casa- mento. Nenhum cartório.2013. A Resolução. Ademais. contudo. ou seja.br/2011-out-25/stj-reconhece-casamento-civil-entrepes- 20 soas->. Em síntese. de caráter adminis- trativo. Caderno Cotidiano de 6. desrespeito ao princípio da legalidade.5. mulher e mulher. de maneira indireta. Afinal. na época de entrar em vigor a Resolução. não o casal tradicional.20 O casamento é uma união formal. embora não haja legislação a respeito. quem regulamenta a matéria é o Congresso Nacional. primariamente. Não se afasta a possibilidade de um transexual gostar de pessoa do mesmo sexo psíquico. a Resolução pode ser questionada.2011 – e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF – 132/RJ – Rio de Janeiro – Tribunal Pleno – Relator Ministro Ayres Britto – J. reconheceu a possibilidade de um casal de mulheres casarem. alguns Ministros do Supremo.conjur. neste caso. 2011. o Supremo Tribunal Federal teria julgado constitucional a “união estável” de pessoas do mesmo sexo (na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI – 4277/DF – Distrito Federal – Tribunal Pleno – Relator Ministro Ayres Britto – J. isso diz respeito à interpreta- ção da Justiça Estadual. cercada de rituais.19 A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. então. 19  Jornal Folha de S.2013.10. Eles poderiam desejar outra maneira de se casarem ou. ainda são homem e homem. que implicaria em efeitos nos registro públicos. também. pois busca dar mais uma opção aos casais ho- moafetivos. é assinada pelo então Presidente do Supremo Tribunal. editar regulamentação sobre a questão. Ocorreria. aprovou resolução que obriga os Cartórios a celebrar casamento entre pessoas do mesmo sexo e converter a união estável em matrimônio. . estender tudo isso aos casais de mesmo sexo não parece ade- quado. solene. submete- rem-se aos cânones existentes. menos formal. C7. para um deles.Paulo. de regra.5. disciplinada amplamente.2011).com. o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentou a matéria. em decisão não vincu- lativa. 5. mas de preferência sexual. de regra.2011. . no cotidiano das pessoas. causa insegurança nos Cartórios Extrajudiciais. enfim. Outra maneira para registrarem atos parece não ser apropriada. Isso deve ter resposta na prática. Eles seguem a lei para evitar fraudes. marcados pela legalidade e segurança jurídica. deve-se ter em mente a solidariedade e a paz social em todas as ações. com as opções diversas das que se pratica. até mesmo no âmbito jurídico. Não se deve apon- tar para alguém já julgando pela opção sexual ou maneira de se portar. tem-se mais tolerância com os diferentes relacionamentos afetivos. De toda forma.192  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Além disso. com as diferenças. inconsis- tências e má-fé. e da beneficência. Isso causa acirrados debates. Somente a carne com sua alma – seu san- gue – não deveis comer. 2008. A base religiosa que alegam para não permitirem ser transfundidos é obtida em alguns textos contidos na Bíblia. p.1 Generalidades De início. algumas religiões não a admitem. obrigatoriedade do médico em utilizar o método apropriado para salvar o doente do mal que o acomete. Coordenação de Gabriel Oselka. que comer qualquer espécie de sangue. liberdade do paciente em não aceitar a transfusão ou seu responsável se for incapaz ou interdito. 10 Transfusão de Sangue 10. e deveras o deceparei dentre seu povo” (Bioética clínica: reflexões e discussões sobre casos selecionados. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. To- davia. notadamente. o de preservar a vida e a consciência religiosa.1 No âmbito da bioética. Centro de Bioética. previstos no art. pelo me- nos. estão envolvidos. . 158).” Ou no Levítico: “Quando qualquer homem da casa de Israel ou algum residente forasteiro que reside no vosso meio. Dois direitos constitucionais e fundamentais. não haveria maiores problemas em realizar a transfusão de sangue. ter-se-ia a contraposição dos princípios da autono- mia. eu cer- tamente porei minha face contra a alma que comer o sangue. já que o método visa à salvaguarda da vida. 5º. 1   Livro do Gênesis: “Todo animal movente que está vivo pode servir-vos de alimento. Como no caso da vegetação verde. direito essencial do ser humano. as “Testemunhas de Jeo- vá”. deveras vos dou tudo. 5º. v.2 Mesmo sob iminente perigo de vida deve-se alterar o quadro jurídico. to- dos aqueles que sejam adeptos da religião “Testemunhas de Jeová”. 2   BASTOS. Vige. da Constituição Federal. até porque podem existir ou surgir meios alternativos para se chegar a resultados idênticos. ou seja. existem alguns direitos em contra- posição: da preservação da vida e da consciência religiosa. é fundamental. por razões científicas e convicções religiosas. fica certo que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (princípio da legalidade). já que todos eles devem ser entendidos em conjunto. A situação seria mais delicada acaso quem deveria sofrer a transfusão esti- vesse em sério perigo de perder seu bem mais precioso. certamente poderão recusar-se a receber o referido tratamento. pelo menos. Celso Ribeiro Bastos. e não se pode negar que a recusa ou atraso no procedimento reflete certa disposição. asseverou que o paciente tem o direito de se recusar a determinado tratamento médico. Como não há lei obrigando o médico a fazer a transfusão de sangue no paciente.194  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba 10. mesmo contrária ao posicionamento do paciente ou de seus representantes legais. até porque o ordenamento jurídico não pune aquele que tenta o suicídio. Seria mesmo desarrazoado ter um mandamento legal obrigando a certo trata- mento. no que se inclui a transfusão de sangue. por vontade médica. respondendo a indagações da “Associação das Teste- munhas Cristãs de Jeová”. Direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue. o exercício da consciência religiosa não poderia sobrepujar à preservação do paciente. em última análise. O seu consentimento. 505. serem constrangidos a sofrerem determinada intervenção. e que se encontrarem nesta situação. Celso Ribeiro. Este é seu correto alcance.3 De outro lado. 506. com fundamento no art. invocável contra terceiros. pois. São Paulo. p. p. II. não podendo. poder-se-ia contra-argumentar que o direito à vida é absoluto. 787. Direito de recusa de pacientes submetidos a tratamento terapêutico às transfusões de sangue. porque. . Inexiste conflito entre direito à vida e a privacidade e a liberdade (em sentido amplo). prevalecendo opinião técnica.2 Constitucionalidade ou não da recusa Conforme mencionado no tópico anterior. RT. não pode ser disponível. Ao que parece. em consulta jurídica. nesta hipótese. 3   BASTOS. para a realização da trans- fusão de sangue. por razões científicas e convicções religiosas. da existência do ser humano. maio 2001. Celso Ribeiro. do médico. por este dispositivo. a ampla liberdade e o direito à integridade da pessoa humana. O direito à vida é dirigido contra a sociedade e contra o Estado. a vida. por estudo realizado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado Paulista. com respeito à au- tonomia. na hipótese de perigo de vida iminente.”4 A situação é controversa quanto se trata de crianças. Bioética clínica: reflexões e discussões sobre casos selecionados. do qual a pessoa conscientemente não teria o direito de abrir mão.).123/94: “torne-se claro que o paciente tem o direi- to de decidir quanto à sua aceitação ou não. que ela prevaleceria a não ser em caso de iminente risco de morte. Transfusão de Sangue  195 10. a Constituição assegura o ‘direito à vida’ e não ‘o dever à vida’”. . de fazer juízo perfeito das possíveis consequências de sua atitude. é aceitar a recusa na transfusão de sangue. invocando-se os arts. deixa realmente uma brecha para a intervenção compulsória do médico em situações de imi- nente risco de morte. Em tais casos. veda-se: “ali- mentar compulsoriamente qualquer pessoa em greve de fome que for considera- da capaz física e mentalmente. Uns acreditando que não deveria prevalecer a vontade dos pais. 56 (veda-se ao médico “desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou te- rapêuticas. baseado em crença. a posição pode ser questionada. com base no princípio da beneficência. 48 (o médico não pode “exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar”) e 51 (por analogia.191/99: “o Código de Ética Médica vigente. Afinal. deve o médico fazê-la ciente das prováveis compli- cações do jejum prolongado e. para outros. com relação à criança. A tendência. religião. sem contrariar sua von- tade expressa. • Parecer 27. “embora jurisprudencialmente. não se desape- gando plenamente do Princípio da Beneficência. por isso mesmo. 4   OSELKA. 158-159. a com- paração com outras proposições é conveniente para o correto enquadramento do assunto. no Brasil. • Parecer 41. salvo em caso de iminente perigo de vida”).3 Parâmetros do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e do Conselho Nacional de Ética para Ciências da Vida (Portugal) A matéria não é problemática apenas em nosso país.278/96: “deverá o médico procurar os recursos técnicos e científicos para proteger a saúde do paciente. p. Menciona-se. tratá-la”) do Código de Ética Médica e pareceres nesse sentido: • Parecer Consulta 19. ainda. Gabriel (Coord. a transfusão deve ser realizada perante risco iminente de morte”. ou qualquer outra condição inerente à sua vontade”. se tenda a considerar a vida como sendo um ‘bem indisponível’. Contudo. de transfusão de sangue. deverá ser reiterado. Embora não se requeira que o consentimento revista uma forma de- terminada. A manifestação antecipada da vontade tem apenas um valor indica- tivo. emitiu as seguintes opiniões: 1. desde que lhe seja reconhecida a capacidade para tal e existam condições para a exercer. 5. que seja adotada a forma escrita. designadamente a administração de sangue e he- moderivados. prevalecendo o dever de agir decorrente do princípio da beneficência consagrado na ética médica. 3. em caso de haver recusa. 7. 6. A recusa em aceitar transfusões de sangue e hemoderivados enquadra- -se no direito de o doente decidir sobre os cuidados de saúde que de- seja receber. no Parecer nº 46.196  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida de Portugal. nomeadamente as decorrentes das suas convicções reli- giosas. Para qualquer tratamento existe o dever de esclarecimento prévio. para fins probatórios. de seu lado. . A recusa de tratamento com sangue e hemoderivados em situação de perigo de vida só pode ser considerado pelo médico quando é o pró- prio destinatário da terapêutica e manifestá-la de um modo expresso e livre. 9. Em situações de extrema urgência. o qual. pelo que são justificados os atos terapêuticos que se destinam a salvar a vida. 4. 10. não dispensando a obtenção do consentimento informado que obriga a um efetivo esclarecimento quanto às consequências da recusa de tratamento. A autonomia implica a capacidade do doente para exprimir as suas preferências. designadamente a administração de sangue quando está clinicamente indicada. usando os meios indicados para o tratar. com risco de vida em que o pacien- te não possa manifestar o seu consentimento. 2. é da máxima conveniência. Os doentes interditos ou com anomalia psíquica e os doentes menores de idade carentes do discernimento necessário não podem considerar- -se como tendo competência para assumir decisões sobre cuidados da saúde. 8. de junho de 2005. é o mesmo dispensado. Ao médico é reconhecido o dever de agir em benefício do doente. pelo que são justificados os atos terapêuticos para os quais não foi obtido consentimento e que se destinam a salvar a sua vida ou prevenir sequelas. Quando haja uma recusa válida o médico e/ou outros profissionais de saúde têm o dever de a respeitar. Exarou-se V. por utilizarem médicos de cidade não abrangente: “Plano de Saúde – Esposa do autor que. todavia. Noutro V.26. Acórdão muito interessante. prevalecendo igualmente.4 Jurisprudência A jurisprudência não ficou alheia à discussão. Acórdão decide-se de maneira similar. em caso de recusa. recomendando-se que sua recusa na transfusão seja obtida por escrito. acentuando a possibilidade de intervenção mesmo com a recusa religiosa: . transfusão sanguínea. para conciliar os diferentes diplomas legais para a melhor solução da controvérsia.2013). deve ser requerida a autorização dos repre- sentantes legais. os recusantes não poderiam impor sua vontade para o plano de saúde. buscando profissionais que realizassem o procedi- mento em seus termos. porquanto aquela au- torização não corresponde ao exercício da autonomia.9. deve-se intervir para assegurar a integridade da vida. 10. Transfusão de Sangue  197 11. pessoal e inde- legável. mesmo com vontade contrária dos representantes legais. 5. respeita-se a vontade do paciente. fazendo uso de medicação anti- coagulante. apresentou quadro de hemorragia no ovário.0150 – 6ª Câmara de Direito Pri- vado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relatora Desembargador Ana Lucia Romanhole Martucci – J. em que não se ques- tionou a recusa ao tratamento sem a transfusão de sangue. não se pode compelir o plano de saúde a arcar com ônus maior que o contratado se os autores escolherem não fazer uso do serviço – Recurso desprovido” (Apelação nº 0001509-65.8. caso esta se fizesse estritamente necessária – Autor e paciente se dirigiram a outros nosocômios. para a qual seria necessária intervenção cirúrgica – Médicos credenciados que não se com- prometeram a não utilizar. também. No que tange a interditos ou com anomalia psíquica e menores. em São Paulo. Tratamento ministrado em cidade fora da abran- gência do plano contratado – Reembolso – Impossibilidade – Livre escolha por atendimento em hospital descredenciado – Ausência de negativa de cobertura pelo plano – Não constatada qualquer abusividade – Ré cumpriu com sua obrigação contratual – Rede credenciada que estava apta para a realização do procedimento – Recusa que se deu por parte dos contratan- tes – Recusa ao tratamento que é direito do indivíduo – Todavia. Nas situações anteriores. Aqui. sem prejuízo do recurso às vias judiciais quando indicado. o dever de agir decorrente do princípio da beneficência. durante o procedimento.2004. 163-4/1-00 – 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Relator Desembargador Caetano Lagrasta – J. Respeitou-se o direito à crença religiosa. em que a vida estava em perigo.198  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba “Plano de saúde – Cirurgia autorizada – Recusa da ré em garantir a res- trição de transfusão de sangue – Convicção religiosa do paciente – Dano moral não configurado – Realização fora da rede credenciada – Reembolso não previsto no contrato – Indenização por dano material indevida – Re- curso improvido” (Apelação Cível com Revisão nº 442. 13.5. sem consentimento da paciente ou familiar: . Se o Sistema Único de Saúde do Estado de Mato Grosso não dispõe de profissional com domínio da técnica que afaste o risco de transfusão de sangue em cirurgia cardíaca. Em outro momento. O princípio da isonomia não se opõe a uma diversa proteção das desigualdades naturais de cada um.2006).6. 31. consagrada no texto constitucional não se resume à liberdade de culto. considerou-se desnecessária a intervenção judicial. A liberdade de crença. Não cabe à administração pública avaliar e jul- gar os valores religiosos. em Julgado do Mato Grosso. no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.2007). existindo técnica alternativa. deve o Estado disponibilizar recursos para que o procedimento se dê por meio de técnica que dispense-na. a crença religiosa do paciente” (Número de protocolo 22395/2006 – 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso – Relator Desembargador Sebastião de Arruda Almeida – Julg. mas respeitá-los. mas também de orientar-se e seguir os preceitos dela. quando na unidade territorial não haja profissional credenciado a fazê-la. deve propiciar meios para que o procedimento se verifique fora do domicílio (TFD). por maioria de votos: “TESTEMUNHA DE JEOVÁ – PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COM POS- SIBILIDADE DE TRANSFUSÃO DE SANGUE – EXISTÊNCIA DE TÉCNICA ALTERNATIVA – TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO – RECUSA DA AD- MINISTRAÇÃO PÚBLICA – DIREITO À SAÚDE – DEVER DO ESTADO – RES- PEITO À LIBERDADE RELIGIOSA – PRINCÍPIO DA ISONOMIA – OBRIGA- ÇÃO DE FAZER – LIMINAR CONCEDIDA – RECURSO PROVIDO. devendo-se efetivar a transfusão de sangue. não pode o Estado recu- sar o Tratamento Fora do Domicílio (TFD) quando ele se apresenta como única via que vai ao encontro da crença religiosa do paciente. à manifestação exterior da fé do homem. que deve ser precatado de todas as formas de discrimi- nação. A inclinação de religiosidade é direito de cada um. preservando. tanto quanto possível. Se por motivos religiosos a transfusão de sangue apresenta-se como obstáculo intransponível à submissão do recorrente à cirurgia tradicional. Havendo alternativa ao procedimento cirúrgico tradicional. in- dependentemente do consentimento dela ou de seus familiares.8...6. em se tratando de autorização para transfusão de sangue em paciente tes- temunha de Jeová –. 13. Acórdão. pois. a vida dos cidadãos – Jurisprudência deste Tribunal de Justiça do Estado de São Pau- lo – Recurso não provido” (Agravo de Instrumento nº 307. com risco de morte.2007). antes de tudo. Acórdão (Número do pro- cesso 70020868162 – 5ª Câmara Cível – Relator Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack – Julg. já se pronunciou pelo acerto da conduta de se reali- zar a transfusão de sangue. Noutro V. anotou-se que os tratamentos alternativos foram esgotados. 26. além de se reconhecer a prevalência da vida. Posição já asseverada em outro V. inviolável e preponderante.2003). como bem primeiro.9. porquanto a ementa reflete os fundamentos jurídicos adotados pela maioria. Embargos de declaração rejeitados” (Número do processo 70021268982 – 5ª Câ- mara Cível – Relator Desembargador Umberto Guaspari Sudbrack – Julg. na esfera da Constituição Federal. Transfusão de Sangue  199 “(. 22. havendo iminente perigo de vida. Num outro Julgado. pela feitura da cirurgia com o procedimento: “DANO MORAL – Responsabilidade civil – Contrato – Prestação de Ser- viços – Plano de Saúde – Necessidade de tratamento cirúrgico pelo autor – Inexistência de recusa da requerida em autorizar a cirurgia – Pedido de que o procedimento fosse realizado sem transfusão de sangue – Convicção religiosa do paciente – Comprometimento que não poderia ser assumido pela ré – Dano moral não configurado – Indenização indevida – Decisão mantida – Recurso improvido” (Apelação Cível nº 442. No Estado de São Paulo..1997).) Inexiste. não se reconheceu a existência de responsabilidade civil.10. a omissão apontada. pois o profissional de saúde tem o dever de. não havendo recusa expressa da transfusão quando da internação da paciente: “INDENIZATÓRIA – Reparação de danos – Testemunha de Jeová – Rece- bimento de transfusão de sangue quando de sua internação – Convicções . no sentido de que. por dano moral.693-4/4 – 7ª Câmara de Junho/2003 de Direito Privado – Relator Desembargador Maia da Cunha – Julg. 20.2007).163-4/1-00 – 8ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Caetano Lagrasta – Julg. não há necessidade de intervenção judicial. mesmo com a recusa do paciente: “AÇÃO CAUTELAR INOMINADA – Hospital que solicita autorização judi- cial para realizar transfusão de sangue em paciente que se encontra na UTI. e que se recusa a autorizá-la por motivos reli- giosos – Liminar bem concedida porque a Constituição Federal preserva. empreender todas as diligências necessárias ao tratamento da paciente. por outro lado. . descaracterizando-se as condutas em típicas.8. art. 1º. pelo estrito cumprimento do dever médico. do Código Penal – Ausência de justa causa para ação penal – Ordem concedida para o seu trancamento. de recusa expressa a receber transfusão de sangue quando da internação da autora – Ressarcimento. 132 do Código Penal.5. 132 do Código Penal. I. Não seria tipificada a conduta de médico. Em outro momento. art. à mesma tivesse ministrado transfusão de sangue” (Habeas Corpus nº 184. 146. entre outras. art. do Código Penal 162 (f) – Uma vez comprovado efetivo perigo de vida para a vítima.200  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba religiosas que não podem prevalecer perante o bem maior tutelado pela Constituição Federal que é a vida – Conduta dos médicos.2002). aderiu a tratamento alternativo: “OMISSÃO DE SOCORRO – Agentes que não permitem a transfusão de sangue a vítima menor – Socorro ministrado sob diferente forma terapêu- tica – Inteligência: art. de despesas efetuadas com exames médicos. 17 do Código Penal. art. não incidiu em omissão de socorro responsável que não permitiu a transfusão de sangue. 17 do Código Penal.8. ao realizar a transfusão de sangue: “CONSTRANGIMENTO ILEGAL – Inteligência: art. igualmente. em 30. posto que somente efetua- ram as transfusões sanguíneas após esgotados todos os tratamentos alter- nativos – Inexistência. não cometeria delito nenhum o Médico que. 7. que não merece acolhida. por outro lado. mesmo contrariando a vontade expressa de quem é responsável. que se pautou dentro da lei e ética profissional. I.1996).430-4 – 3ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Flávio Pinheiro – Julg. parágrafo 3º.210-1 – 6ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Testa Marchi – Julg. posto não terem sido os valores despendidos pela apelante – Re- curso não provido” (Apelação Cível nº 123. parágrafo 3º. 135 do Código Penal. decidiu-se pela não neces- sidade da autorização judicial para a transfusão sanguínea: “MEDIDA CAUTELAR – Autorização judicial para cirurgia e transfusão de sangue em paciente necessitada que se recusa à prática do ato por questão religiosa – Desnecessidade – Estrito cumprimento do dever legal do médi- co – Recurso não provido” (Apelação Cível nº 264. 135 do Código Penal. ademais. mesmo contrariando a vontade expressa dos por ela responsáveis.1989). Aliás. 146. porém.642/5 – 9ª Câmara do Tri- bunal de Alçada Criminal de São Paulo – Relator Juiz Marrey Neto – Julg. art. ocorreram decisões sobre a transfusão de san- gue em quem é “Testemunha de Jeová”. Na esfera penal. art. diferentemente do crime de abandono de incapaz.8. provocando-lhe a morte. Transfusão de Sangue  201 162 (d) – No crime de omissão de socorro. Existem argumentos para a proibição da transfusão sanguínea pela religião professada pelo doente e outros favoráveis.1989 – RJD- TACRIM 7/175). .1998).085354-0 – 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relator Desembargador Francisco Bruno – J. não se olvidando de direitos fundamentais insertos na Carta Magna (direito à vida e à liberdade religiosa). deve-se atentar para os princípios da bioética na solução de um caso concreto (autonomia. Embora a incerteza pareça predominar. não recebesse transfusão de sangue – Alegando os motivos espirituais e de religião – Fato típico – Ausente a falta de justa causa – Ordem denegada” (Habeas Corpus nº 253. desde que lhe seja possível fazê-lo em risco pessoal.642/5 – 9ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo – Relator Juiz Marrey Neto – Julg. 135 do CP define como crime é a falta de assistência. 5. impe- dem ou retardam transfusão de sangue na filha.458-3 – 3ª Câmara do Tribunal de Justiça do Esta- do de São Paulo – Relator Desembargador Pereira Silva – Julg.5. 10. não ma- leficência e justiça). ainda que através de terapêutica distinta.99. beneficência.5 Considerações finais A questão é tormentosa. e não podem deixar de ser le- vados à apreciação do júri – Recursos não providos” (Recurso em Sentido Estrito nº 993. caracterizam o dolo eventual. os incentiva a tanto e ameaça de processo os médicos que assistiam a paciente. caso realizem a intervenção sem o consentimento dos pais – Ciência da inevitável consequência do não tratamento – Circunstâncias que. mas abona- da por critério médico. em tese. o dever de assistência não está ligado a relações jurídicas especiais e qualquer pessoa está adstrita a socorrer. 30. testemunha de Jeová. para a ação penal” (Habeas Corpus nº 184. “HABEAS CORPUS – Pretendido trancamento de ação penal – Homicídio – Paciente que influenciou para que a vítima fatal. Médico da mesma religião que. O que o art. sob esse título.1. principal- mente se a vida está na iminência de ser comprometida. 28. em caso de ho- micídio: “Homicídio – Sentença de pronúncia – Pais que segundo consta.2010). também segundo consta. inexiste justa causa. por motivos religiosos. Comprovado que as acusadas estão assistindo a menor. Noutro sentido decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo. não tem. não parece ser a melhor medida. permite a transfusão de sangue. esse será o ponto controverso. não pode ser responsabilizado por agir de pronto para garanti-los e. se a pessoa optou em não realizar a transfusão sanguínea. porém. deveria analisar a situação e intervir. mesmo sem autorização judicial. parece estar isento o médico. num possível questionamento. se possível. se ele não se despe de sua condição profissional. deve-se fazê-lo. Exemplo disso é encontrado se alguém está interessado na herança de uma pessoa que professa uma religião e. Ao verificar sua conduta. . Não se pode desconsiderar. deixar uma viável não prosseguir por falta de autorização de uma pessoa ou indivíduos para a transfusão em foco. em verdade. de prolongar uma vida que vai se extinguir (distanásia). dificilmente terá responsabilidade civil. daque- les que desejam se aproveitar do suplício de outrem para obterem benefícios indevidos. por- que. igualmente. possivelmente. porém. almejando. realizar a transfusão de sangue. Num primeiro mo- mento. todavia. em face disso. numa sociedade predominantemente laica. mesmo diante da recusa do paciente ou dos responsáveis. parece pre- ponderar o último aspecto. de- pois alega motivos religiosos para não aceitar o procedimento feito para ajuizar ação de dano moral contra o hospital e médicos. havia meios al- ternativos para seu tratamento. diante desse contraste. atualmente. se aquela técnica usada pudesse salvar sua vida. Deve-se realizar a “ponderação de valores”. Se agir assim. que o médico jurou defender a saúde e a vida dos pacientes e. o médico utilizou-os. Outra hipótese similar é a de quem fica em silêncio. de maneira total. crença religiosa e vida humana. aquelas vontades ou se teve de agir para salvaguardar os deveres de sua profissão.202  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Deve-se ter cuidado para evitar o predomínio de interesses menores. Se possível salvar alguém por transfusão de sangue. o resultado do exame necroscópico será importante. o falecimento e a sucessão universal. se está em uma situação de dubiedade. conforme se verá. O médico. quer evitar a transfusão de sangue. No caso concreto. a menos que se tenha em mãos os meios alternativos e se comprometa em usá-los dadas as circunstâncias pecu- liares do caso concreto. atentar se desprezou. com função própria. . uso de instrumentos previstos na lei proces- sual penal. 1   DINIZ. Maria Helena. como pondera Todoli. 179. Martin assevera que “já é grave quando se usa a medicina para maltratar qualquer pessoa. 269. 11 Transplante de Tecidos. vulnerável por causa de sua situação econômica”. existe quem queira lucrar com o sofrimento alheio. como. tal como a prisão preventiva. em vida ou post mortem. É tam- bém denominado enxerto vital.2 Mesmo com restrições e cuidados na doação e recepção. da Lei nº 9. órgãos e partes do corpo humano. principalmente quando retirado de doador pobre. em não raras situações. O estado atual do biodireito. 2   Art.1 11. 1º. Isso é inaceitável e é coibido pela lei.1 Conceito O transplante é a amputação ou ablação de órgão.434/1997. caput. Órgãos e Partes do Corpo 11. por exemplo. 3   Eutanásia e distanásia. p.2 Gratuidade A disposição de tecidos. de um organismo para ser instalado em outro e exercer as mesmas funções. na prática de tortura ou na co- mercialização de órgãos para transplante. Leonard M. para o transplante ou tratamento.3 Exige. não pode se onerosa. p. 204  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba A medida excepcional foi utilizada para coibir a ação delituosa. nos termos do artigo 312 do CPPB. cabendo-lhe o processo de agenciamento dos doadores de órgãos. posição das mais importantes e imediatamente inferior ao gerente e assessores. parágrafo único e 16 da Lei nº 9. assim agindo. parágrafo único. pela simples faculdade em pagar pelo serviço. Habeas Corpus liberatório. sofre agora a ignomínia de ver brasileiros miseráveis sendo levados para o exterior para vender órgãos de seu corpo (grifei). Improcedência do WRIT. ambos da Lei nº 9. c. em razão de tratar-se de crime cuja prática afeta a garantia da ordem pública. efetiva-se o princípio da dignidade humana. Relaxamento da prisão pre- ventiva. Manutenção da prisão preventiva.434/97 c/c artigo 288 do Código Penal Brasileiro. de tráfico internacional de órgãos (modalidade intermediar e realizar transplante ilegalmente) em concurso com forma- ção de quadrilha. de modo a tornar possível a mercancia. 3 – Indícios suficientes da autoria e materialidade delituosas a ensejarem a manutenção do decreto preventivo. o acusado. o art. principalmente em relação aos estrangeiros. bem como unindo os interesses entre compradores e vendedores. o nome do país e evitar a mácula da venda de órgãos do corpo por pessoas em situação econômica desfavorável. em outras pa- lavras. em tese. não se vulgariza técnica que pode salvar alguém. em tese. como e principalmente. Indícios suficientes de autoria e ma- terialidade. autorizam a Prisão Pre- ventiva. posto que esta decorre da possibilidade de vir o acusado a dar continuidade às viagens e ao tráfico de órgãos. cujo avanço tecnológico se reflete por sua concretização. apontados aos indiciados é daquela que. Artigos 311 e 312 do Código de Processo Penal Brasileiro. inclusive. ocupava. ao mesmo tempo. não bastando a vergonha de ter entre os seus filhos escravas sexuais levadas para os países ricos europeus. e. 1 – Conforme narra a denúncia ofertada pelo MPF. que. ora Paciente. 15. prevista no art. atuando nos paga- mentos e recebimentos. por ofender a própria dignidade humana e o nome do país (grifei).434/1997. não só por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. 2 – A gravidade dos crimes. no esquema da quadrilha. e art. 4 – O comparecimento do réu a juízo para ser interrogado não afasta a prisão preventiva. 288 do Código Penal (formação de quadrilha). O mínimo exigível para se possibilitar o uso do procedimento médico – re- chaçar o comércio ilegal – é obtido e. 16. c. preservar a dignidade da pessoa humana. uma vez que perma- . Garantia da ordem pública e aplicação da lei penal. Crime. resgata-se a valorização humana: “Processo penal. a função de diretor. Artigo 15. Dessa forma. protege-se a honra do Estado Brasileiro e condena-se a exploração da miséria alheia. que a condenação.034/95 – Condenação por crimes de- correntes de organização criminosa – Êxito da atividade da organização criminosa. o artigo 33. o art. este último decorrente do êxito da atividade da organi- zação criminosa – artigo 10 da Lei 9. a ser cumprido inicialmente no regime fechado. Reco- nhecimento do cumprimento da pena no regime semiaberto. Manutenção da prisão preventiva.4. prevê. Impossibi- lidade. bem como ao comportamento da vítima.434/97 c. Análise das circunstâncias judiciais (CP. ou seja. em face da ocorrência dos crimes de quadrilha (artigo 288 do CPB) e de tráfico de órgãos. com uso das normas de direito penal e processual penal. Acórdão. Improcedência do writ. quando se tem. Transplante de Tecidos. Pena – reclusão de 06 anos e 07 meses em regime fechado. 3 – Por outro lado. no seu inciso III.05. 13. aos motivos. cumpri-la em regime semiaberto. Habeas Corpus liberatório. Artigo 15. poderá. do CPB prevê que o conde- nado não reincidente. 15. que o juiz atendendo à culpabilidade. na espécie. Crime de tráfico internacional de órgãos (modalidade intermediar transplante de órgãos humanos ilegalmente) em concurso com formação de quadrilha. 288 do CPB.434/97 c. 2 – É certo que o artigo 59 do CP. desde o princípio. da Lei nº 9. da Lei nº 9. que redundou na aplicação de 6 anos e 7 meses de reclusão. cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exce- da a 8 (oito). com a exigência da prisão processual: “Penal. para quem cometeu os delitos tipificados no art. às circunstâncias e consequências do crime. Réu preso preventi- vamente (garantia da ordem pública e aplicação da lei penal). à conduta social.00. que a ora Paciente foi condenada a uma pena em regime fechado em face do crime de tráfico de órgãos ter sido decorrente . Reflexo da necessidade de se combater a relativização do valor da pessoa humana foi explicado noutro V. Durante toda a instrução criminal. 10 da Lei nº 9.839-PE (2004. Processo penal. art. Efeito do decreto condenatório. parágrafo único. aos antecedentes.004735-8) – 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Re- gião – Relator Desembargador Federal Petrucio Ferreira – Julg. 1 – Improcede o pleito dos impetrantes de reconhecer-se à Paciente o di- reito de iniciar o cumprimento da pena no regime semiaberto. à perso- nalidade do agente. ‘b’. todavia. 4 – Acontece.2004).034/95 – o que retira a alegação de constrangimento ilegal. parágrafo 2º. c. estabelecerá conforme seja necessário e suficiente para reprovação do crime o regime inicial de cumprimento de pena. c. 59) e por disposição expressa do art. agora. mantendo-se o regime inicial fechado para o cumpri- mento da pena privativa da liberdade. o art. Sentença condenatória proferida na ação pe- nal. Órgãos e Partes do Corpo   205 nece ativo o ramo israelense da quadrilha” (Habeas Corpus nº 1. 288 do Código Penal. parágrafo único. de maior rigor – no cárcere –. 00. segundo a denúncia. dada pelo receptor e/ou sua família. que. pelo que se impõe a manutenção do regime inicial do cumprimen- to da pena no FECHADO. . nem imporia a coisificação de alguém.5 4   Mencionado por MALUF.034/95 que assim dispõe: ‘os condenados por crimes decorrentes de or- ganização criminosa iniciarão o cumprimento da pena em regime fechado’.015836-7) – Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Desem- bargador Federal Petrucio Ferreira – Julg. de Leonardo de Castro. 1º.05. nos termos do artigo 312 do CPPB. é daquela que. de gratuidade das doações. 2. enfocando dessa forma seu aspecto altruísta (p. a ‘tesoureira’. sofre agora a ignomínia de ver brasileiros miseráveis sendo levados para o exterior para vender órgãos de seu corpo. ed. da qual a Paciente era. por exemplo. não bastando a vergonha de ter entre os seus filhos escravas sexuais levadas para os países ricos europeus.2005).4 Não estão compreendidos na noção de tecidos referidos na lei o sangue. No novo Código de Ética Médico é vedado ao médico participar direta ou indiretamente da comercialização de órgão ou de tecidos humanos (art. parágrafo único. 6 – Ordem de Habeas Corpus denegada” (Habeas Corpus nº 2179 – PE (2005. A autora não omite sua opinião. e conforme comprovação ao final da instrução cri- minal. não só por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.434/97.206  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba do êxito da atividade da organização criminosa. São Paulo: Atlas. da Lei nº 9. por ofender a própria dignidade humana e o nome do país. percebe-se a importância de se conciliar conhecimentos de ciências diversas para a correta aplicação das regras e princí- pios do biodireito. com pessoas encarregadas de atividades específicas (como o ‘Diretor’. transformando-o em mercadoria. que redun- dou na aplicação da pena definitiva de 06 anos e 7 meses de reclusão. qual seja. 14. sem haver redução do valor do ato.6. tendo ficado evidencia- do que o grupo delinquente possuía uma estrutura definida. 5   Art. Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. 5 – Por fim. o esperma e o óvulo. À vista dos exemplos na seara penal. Alguns entendem que deve haver recompensa pelo ato altruísta de doação de órgãos. Essa é a posição. autorizam a manutenção da Prisão Preventiva. 363). por disposição expressa do artigo 10 da Lei nº 9. a gravidade dos crimes apurados na instrução criminal e reco- nhecidos e confirmados na sentença condenatória recorrível. Curso de bioética e biodireito. em regime fechado e 320 dias-multa. tampou- co incentivaria o mercantilismo na compra e venda de órgãos. o ‘Caixa’). 46 do Capítulo VI – Doação e transplante de órgãos e tecidos). multidisciplinar e interdisciplinar. 362. ‘uma das diretoras do esquema de tráfico. inclusive. 2013. em razão de tratar-se de crime cuja prática afeta a garantia da ordem pública. p. 16. 5º e 6º.7 Leo Pessini ensina que: “A crescente aceitação da constatação de morte ence- fálica como critério de morte humana é decisiva não somente nos casos de neces- sidade de liberação do corpo para enterro. da Lei e art.268/97. não se permite que os médicos façam parte das equipes de remoção e transplante. 3º. inviável a retirada. 16. § 3º. pelo decurso do tempo. para transplante. parágrafo 2º.11 6   Art. caput. órgãos ou partes do corpo humano é a morte encefálica. Os procedimentos são prescindíveis quando a morte encefálica decorrer de parada cardíaca irreversível. do Decreto nº 2. o que poderia comprometer a valoração a ser feita pelo profissio- nal. reconhecido pelo Brasil. quan- do pertencente à equipe de transplante” (art. 12. nº 1. 2004. Transplante de Tecidos. p. ainda.8. poderá pedir que o diagnóstico de morte encefá- lica seja acompanhado por médico indicado pela direção local do SUS. .6 Leonard M. por má prática.10 Os familiares que acompanham o falecido ou quem tenha oferecido meios de contato serão obrigatoriamente informados do início do procedimento para a verificação da morte encefálica. Bioética. O novo Código de Ética Médico reforça essa ideia ao vedar ao médico: “Participar do processo de diagnóstico da morte ou da decisão de suspender meios artificiais para prolongar a vida do possível doador. é retirar um órgão vital. tecidos e partes do corpo. 11   Art.268/97. morte fora e antes da hora. 9   Art. um deles deverá ter título de especialista em neurologia. mais preocupado em dar continuidade no ato posterior e não no que constata. alerta-se que o número de dois (2) médicos é o mínimo necessário. 7   Eutanásia e distanásia. 180. do Decreto. Órgãos e Partes do Corpo   207 11. 49. parágrafos 4º. do Decreto nº 2. mencionando-se essa circunstância no respectivo relatório. caput.9 mediante autorização de critérios clínicos e tecnológicos definidos na Resolução nº 1.268/97. se a demora de seu comparecimento não tornar. p. no art. v. 16. da Lei referida e art. 8   Distanásia: algumas reflexões bioéticas a partir da realidade brasileira. do Conselho Federal de Medicina. comprovada por resultado incontestável de exame eletrocardiográfico. órgãos ou partes do corpo em caso de morte O marco para a retirada post mortem de tecidos. Neste documento. 16. além disso. 3º. mas também de sua utilização como fonte de órgãos para transplantes. do Decreto nº 2. parágrafo 1º. recorde-se.3 Momento da extração de tecidos.”8 Ela será constatada e registrada por dois (2) médicos não participantes das equipes de remoção e transplante. 43 do Capítulo VI). caput. Para evitar que haja parcialidade da extração de órgãos. 10   Art. 16.480/8.1997. Brasília: Con- selho Federal de Medicina. Martin assevera que um último exemplo de mistanásia. antes de a pessoa ter morrido. A presença de médicos de confiança da família do falecido no ato de comprovação e atestação da morte encefálica será admitida. Carente a família de recursos financeiros. em qualquer um.14 No caso de morte sem assistência médica.208  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba É obrigatório. órgãos ou partes poderá ser efetuada se estes não tiverem relação com a causa mortis. ao artigo 4º da Lei nº 9. firmada em docu- mento subscrito por duas (2) testemunhas presentes à verificação da morte. órgãos e partes. até o ano de 2001. 14. 21 do Decreto nº 2. hipótese em que serão ressarcidos na forma da lei.13 Antes da realização da necropsia. 7º. às cen- trais de notificação. 18.12 Após a notificação.16 11. a remoção de tecidos. avós) ou colateral. condignamente recomposto para ser entregue.211. parágrafo único.15 Após a retirada de tecidos. parágrafo único.4 Consentimento A autorização para doação de tecidos.3. de óbito em decorrência de causa mal definida ou de outras situações nas quais houver indicação de verificação da causa médica da morte.268/97. ou seja: “Art. 16   Art. 15   Art. da Lei nº 9. salvo manifestação de vontade em contrário. captação e distribuição de órgãos da unidade federada onde ocorrer. do Decreto nº 2. do Decreto nº 2. para todos os estabelecimentos de saúde. com cópia que acompanhará o corpo à instituição responsável pelo procedimento médico-legal. 17. parágrafo único. 17 14 do Código Civil.434/1997.   Não se pode olvidar do Enunciado 277 da IV Jornada de Direito Civil. o diagnóstico de morte encefálica feito em paciente por eles atendido. maior de idade. a retirada de tecidos. órgãos ou partes de cadáver para fins de transplante ou terapêutica somente poderá ser realizada após a autoriza- ção do patologista do serviço de verificação de óbito responsável pela investiga- ção e citada em relatório de necropsia. do Decreto nº 2. órgãos ou partes do corpo era presu- mida. 13 da Lei nº 9. 17.268/97. obedecida a linha sucessória. 14   Art. órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverão permitir a imediata remoção do paciente ou franquear suas instalações e fornecer o apoio operacional necessário às equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante. 13.268/97. O art. o cadáver será imediatamente necropsiado naquele caso e. os estabelecimentos de saúde não autorizados a retirar teci- dos. com objetivo .2001. caput. 13   Art. caput. aos parentes do morto ou seus responsáveis legais para sepultamento.17 12   Art. de 23. reta (pais. órgãos e partes do corpo de pessoas fale- cidas para transplantes ou outros fins terapêuticos dependerá de autorização do cônjuge ou parente.268/97.434/97 e art. obrigatória por lei. notificar. inclusive (irmãos). até o segundo grau. a retirada de tecidos.434/97 e art.434/97 e art. em seguida. 8º da Lei nº 9. ao afirmar a validade da disposição gratuita do próprio corpo. circunstância a ser mencionada no respectivo relatório. A partir da modificação feita pela Lei nº 10. exercendo emprego público efetivo. caput.268/97. deve ser ju- ridicamente capaz.21 ou seja. ser emancipado. caput. do Decreto nº 2. art. órgãos e partes do seu corpo para serem retirados. se o falecido vivia naquela condição. e parágrafo único. 11. nos termos da lei civil.).” . 5º. 2007. p. Rui (Org. que não houvesse esforço em se descobrir quem seria o falecido encontrado em algum lugar. 20   Art. para se aproveitar de seus tecidos. Transplante de Tecidos. 19. do novo Código Civil (ser maior de dezoito anos. ter colado grau em curso em ensino superior. possuir estabelecimento civil ou comercial ou. é necessário. ainda.19 É vedada a remoção post mortem de tecidos. tampouco ter sido enganado ou equivocar-se em de- monstrar o que pretende. 63).20 Procura-se evitar que. caput. que deve estar em pleno gozo das faculdades mentais e manifestar sua vontade de maneira livre e espontânea. casado. estar em uma das condições previstas no art. isto é. ou por seus responsáveis legais.434/97 e art. vilipendiando-se seu corpo ou. 6º da Lei de Transplantes e art. órgãos ou partes do corpo. 22   Mais específico neste aspecto o Decreto 2. órgãos. desde que. para depois da morte. 1ª parte. em vida. do Decreto nº 2. científico ou altruístico. 9. 9º. § 4º.434/97 ficou restrita à hipótese de silêncio do potencial doador” (destaquei) (ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR.268/97. A retirada de tecidos. 15: “Qualquer capaz. 19   Art. órgãos ou partes do corpo. 21   Art. do Decreto nº 2. Brasília: CJF. órgãos ou partes. em função de- les. para fins de transplantes ou terapêuticos.18 A remoção post mortem de tecidos. ainda. 5º da Lei nº 9. e partes do corpo vivo será precedida de comprovação de comunicação ao Ministério Público e da verificação das condi- ções de saúde do doador para melhor avaliação de suas consequências e compa- ração após o ato cirúrgico.268/97. 19. o doador. a aplicação do art. 18   Art. 20.5 Doador e receptor Quem dispõe de tecidos. se ocultasse a identificação de alguém. além de seus incisos. não pode ser coa- gido a realizar a doação. pode dispor de tecidos. pela existência de relação de emprego. órgãos ou parte do corpo de pessoa ju- ridicamente incapaz poderá ser feita desde que permitida expressamente por ambos os pais. determinou que a manifestação expressa do doador de órgãos em vida prevalece sobre a vontade dos familiares. em se permitindo a retira- da. Órgãos e Partes do Corpo   209 Apesar da literalidade da norma. portanto. da Lei nº 9. o menor com dezesseis (16) anos completos tenha economia própria). 4º da Lei n. equiparando-se a união estável à família.434/97. órgãos ou partes do corpo de pessoas não identificadas.22 acrescente-se. Jornada de direito civil. a fim de que se possam retirar os tecidos.268/97. a anuência do convivente sobrevivente. primos. dentre outros motivos. preferencialmente por escrito e diante de tes- temunhas. poder-se-ia optar pelo nú- mero de duas (2) ser suficiente para legitimar a doação. . quem recebe a doação.24 Não se mencionam quantas testemunhas deverão subscrever o documento. lido em sua presença e acrescido de outros esclarecimentos que pedir. a qual preenche as condições psicoló- gicas. a fim de que seja esclarecido de que pode haver revezes. parágrafo único. 15. do Decreto nº 2. oferecido à sua leitura e assinatura e de duas testemunhas presentes ao ato. em situação não expressamente admitida pelo então Decreto nº 2. órgãos ou partes de seu corpo. 9º. como está no plural e interpretando-se esse dispositivo com aquele que trata da autorização para retirada de órgãos. para doação em documento lavrado na ocasião.268/97. além disso. da Lei de Transplantes.25 Ou seja.2000). quem está vivendo em união estável. feita pela cunhada do autor.268/97: “AUTORIZAÇÃO JUDICIAL – Transplante de órgãos – Promessa de doação de rim. O receptor. 25   Art. 20. feita pela cunhada do autor. 24   Art.434/97. ou seja. 9º. dispensada esta em relação à medula óssea. o doador não apenas faz um ato de liberalidade. O doador deverá autorizar. nova- mente. 2ª parte. tios. O doador será prévia e obrigatoriamente informado sobre as consequên- cias e riscos possíveis da retirada de tecidos. § 4º. Em V.8.958-4 – 7ª Câmara de Direito Privado – Relator Desembargador Salles de Toledo – Julg. e aqui. deverá haver autorização judi- cial. Essa é a orientação do Decreto 2. em seu art. órgão ou parte do corpo objeto da retira- da. ou parentes consanguíneos até o 4º (quarto) grau26 (mãe. deve ser cônjuge. porém. não se provou de maneira convincente a união estável existente entre doadora e receptor: 23   Art. tecidos ou partes do corpo (art. estende-se a possibilidade para o convivente. não obstante a ocorrência de apenas três das quatro compatibilidades em relação ao HLA – Possibilidade do transplante em situações não expressamente admitidas pelo Decreto nº 2. 9º. especificamente o tecido.23 Autorizou-se a doação de rim para transplante. irmãos. última parte. avós. Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo não se possi- bilitou essa doação porque. 4º da Lei). da Lei nº 9. da Lei nº 9.434/97.210  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Quando a disposição for para outra pessoa. clínicas e imunológicas. porém. assim. ou seja.268/97 – De- ferimento do pedido – Autorização para o transplante – Recurso provido” (Apelação Cível nº 124. para se evitar burocratizar o ato.268/97. 26   Art. exemplificativamente). § 4º. 9. fica ciente das consequências da atitude para si próprio. do Decreto nº 2.268/97.31 11. § 1º e art. 28   Art. o receptor é respeitado em sua dignidade.8. após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento.434/97 e art. 22. o consentimento será dado por um de seus pais ou responsáveis legais. § 1º. alguns exames de compatibi- lidade entre doador e receptor são exigíveis.30 Dessa forma.6 Listas de doação Pela dificuldade na obtenção dos órgãos.2014). que poderá assumi-los. do Decreto nº 2. se for o caso.268/97. que conterá as informações sobre o procedimento e as perspectivas de êxito ou insucesso. Para o procedimento de transplantes. do Decreto nº 2. Transplante de Tecidos. 10 da Lei nº 9. § 4º. do Decreto nº 2. não aceitando o procedimento cirúrgico com a esperança de efetivamente ser curado ou concre- tamente minorado seu mal. A inscrição em lista única de espera não confere ao pretenso receptor ou à sua família direito subjetivo à indenização. caput.268/97.26. 22. Órgãos e Partes do Corpo   211 “Alvará judicial para realização de transplante de órgão – Indeferimento – Fraude – Irresignação da requerente – Sentença correta – Documentos mé- dicos rasurados – Informações contraditórias ao longo do processo sobre a união estável da autora com o pretenso receptor – Cirurgia de risco – Mu- lher em idade fértil – O mínimo de cautela desaconselha o deferimento do pedido – Recurso desprovido” (Apelação nº 0008270-41. aposta em documento.27 Nos casos em que o receptor for juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida de sua vontade. com indicações das sequelas previsíveis. se o transplante não se realizar em 27   Art.268/97. . a um dos pais ou responsável legal. Ele deve dar seu consentimento expresso para o transplante ou enxerto. mediante expressa concor- dância. 22.28 A autorização será aposta em documento. estar inscrito em lista única de espera.0007 – 7ª Câmara – Relatora Desembargadora Mary Grün – J. bem como excluir a possibilidade daquele transmitir alguma doença incurável ou letal para o receptor. ou.2013. ainda. § 2º. além de seus parágrafos.5. além disso.268/97. 10. 23 e 24. 29   Art. 7. 31   Arts. transmitidas ao recep- tor. listas são elaboradas para a doação e recepção. 22. do Decreto nº 2. 30   Art.29 Os riscos considerados aceitáveis pela equipe de transplante ou enxerto serão informados ao receptor. – Ao Judiciário não é dado quebrar a ordem de prioridade organizada pelo Sistema Nacional de Transplante. estando ausentes. 14. não coletiva – Princípio constitucional de separação de poderes – Impossibilidade. a decisão guerreada é de ser mantida. 26.2005).2004). também. 10. § 2º.32 Já se decidiu pela impossibilidade de se interferir em lista para tal prática médica: “Os requisitos à concessão da antecipação da tutela pleiteada são expressos em lei. LISTA ÚNICA DE RECEPTORES. com preferência.212  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba decorrência de alteração do estado de órgãos. tecidos ou partes do corpo humano. na Lista Única de Receptores de órgãos.434/97.5.823-5/5 – 8ª Câma- 32   Art. afastar razões emi- nentemente técnicas quanto à inclusão de pacientes em lista de transplan- tes de órgãos. por via jurisdicional e em tutela particular. . provocada por acidente ou incidente em seu transporte. com o que. de constatação a respeito de caso tão ou mais grave na ‘lista’ de espera – Inexistência de ofensa ao princípio isonômico – Recurso negado” (Agravo de Instrumento nº 306. em outra decisão.01. em sede de tutela antecipada. a possibilidade de prejudicar alguém mais ne- cessitado: “EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. mencionou-se. Lippmann Júnior – Julg. SISTEMA NACIONAL DE TRANS- PLANTE.7.006366-8 – Agravo de Instru- mento – 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Relator Desembargador Edgard A. Não cabe ao Judiciário. sob pena de violar o direito de quem se encontra em situação mais necessitada” (Agravo de Instrumento) nº 61134 – PE – 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Rela- tor Desembargador Ridalvo Costa – Julg. tecidos e parte do corpo. o que não se afigura ao caso” (Número de processo 2004.04. não se mudou posição na lista de transplantes: “PROCESSO CIVIL – Ação Cautelar – Pedido de Liminar – Doente aco- metido de mal grave do fígado – Candidato na posição 541 da ‘fila’ de transplante de órgãos – Lista Única do Sistema Estadual de Transplante (SES/SP) – Preferência – Descabimento – Impossibilidade de ser efetua- da regulamentação diversa da existente. da Lei nº 9. que lhe seriam destinados. Além da impossibilidade de se interferir na lista de transplantes de órgãos. Evitando-se a violação da separação de poderes. exceto quando há prova inequívoca de ilegalidade/incons- titucionalidade nos procedimentos de inclusão. – Decisão que determinou a inclusão do agravado. de preferência no Hospital das Clínicas. Em outra oportunidade. com os posteriores acompanhamentos.2000). a Entes estatais – As sanções serão impostas de outras formas” (Apelação Cível nº 179. para que se efetue o transplante do próximo rim que for doado. até que chegue a vez da autora. decidiu-se: “ANTECIPAÇÃO DA TUTELA – O Hospital das Clínicas destina 20 leitos a transplantes renais que. em razão de ser portadora de insuficiência renal crônica – Fica assegurado o direito da autora.914- 5/1 – 4ª Câmara de Direito Público – Relator Desembargador Viana Santos – Julg. dados as melhores con- dições de estrutura. pelo atraso no cumprimento de decisão judicial.6. eis que tal é incabível – Não cabe o preceito cominatório contra entidades públicas – Ele tem o condão de intimidar. às suas expensas – Multa cominatória – Afastabilidade – A multa imposta à ré deve ser afastada. dispensar a ré de mantê-la internada até tal momento” (Agravo de Instrumento nº 153. No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. em leito. assegurado à autora o direito ao transplante no momento oportuno (respeitada a posição dos receptores mais antigos na lista e a compatibilidade clínica). 28.4.529-5 – 8ª Câmara “Janeiro/2000” de Direito Público – Relator De- sembargador Torres de Carvalho – Julg. estão per- manentemente ocupados – Tal ocupação impede a realização de novos transplantes/implantes e os órgãos destinados a receptores lá registrados acabam encaminhados a outros hospitais onde. não se deu provimento a recurso do portador de um mal de saúde porque por sua culpa foi excluído da lista de espera e o serviço prestado era satisfatório: . beneficiam interessados pior colocados que a autora no cadastro técnico – Agravo provido em parte para. em hospital da rede estadual. sendo atribuídos a quem de direito segundo os critérios técnico-médicos e o lugar na lista de cada receptor.5. devido ao longo tempo de ocupação e ao fre- quente retorno de pacientes que receberam rins anteriormente.2005). valendo-se para isso de recursos próprios de outros que ajustar na rede pública ou particular. de ser coerci- tivo e não de ser compensatório – Não pode o próprio Estado-Juiz impor multa.2003). apenas. 5. já se acentuou: “PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO – Obrigação de fazer – Pedido que deve ser atendido em parte – Pleiteia-se que seja compelida a ré a provi- denciar a internação da autora. Assegurando-se o direito a receber o transplante. Órgãos e Partes do Corpo   213 ra de Direito Público – Relator Desembargador Caetano Lagrasta – Julg. para evitar a postergação do transplante/implante de órgão. 23. no sentido de que outros órgãos não sejam rejeitados pelo Hospital das Clínicas pela falta de leitos. Transplante de Tecidos. 2010. 11. obtemperam-se conhecimentos do direito do con- sumidor e noções da bioética. procura-se resguardar a vida do doador. As despesas do plano de saúde com transplante de órgãos foram excluídas pelo Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo (extinto pela Emenda Cons- titucional nº 45/2005): “Contrato – Prestação de Serviços Médico-Hospitalares – Plano de Saúde – Pretensão ao direito a cobertura das despesas realizadas com transplante 33   Art. §§ 1º e 2º. Além disso. . além de corresponder a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora. do Decreto nº 2. sua higidez mental e física e. o equilíbrio entre os princípios bioéticos da autono- mia. 15. sendo ele efetivamente satisfatório para quem recebe o órgão.7 Limitação à doação A doação de órgãos só é permitida se forem duplos. concluindo pela adequação dos serviços por ela prestados – Defeitos apontados pelo autor que não dão ensejo ao surgimento de responsabilidade civil da ré – Recur- so desprovido” (Apelação nº 0407674-18. 11. 10.12. tecido ou parte do corpo.2013). especialmente no que toca ao acompanhamento por psicólogo.8 Cobertura de planos de saúde para o transplante Nos dois julgados a seguir. beneficência e não maleficência. teria sido excluído dos cadastros para transplante renal por culpa da ré. além disso. Percebe-se.214  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba “Indenização por danos morais – Cerceamento de defesa não caracteriza- do – Alegação de que o autor. a eficácia no transplante. judicial e extrajudicialmente. 9º. de partes de órgãos. assistente social e nutricionista – Exclusão do autor da fila de transplante que se deu em razão de fato a ele imputável – Qualidade do atendimento prestado pela ré que já foi deba- tida em diferentes esferas. nitidamente.0000 – 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – Relatora Desembar- gadora Christine Santini – J.26.8. bem como de que o serviço prestado pela ré é deficiente. tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador em continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represen- te grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável.33 Dessa maneira.268/97. § 3º da Lei de transplantes e art. portador de insuficiência renal crônica. da Lei nº 9. de um de seus pais ou responsáveis legais. em situação de não cobertura do plano de saúde para “autotransplante ou transplante autólogo”. redigida e imposta pela empresa de plano de saúde ao consumidor. consistentes no forne- cimento de assistência integral para os consumidores dos respectivos servi- ços. § 8º. 22. considerando-se defesas as cláusulas que restringem esse serviço. Transplante de Tecidos. Aliás.6. para o autotransplante depende-se apenas do consentimento do pró- prio indivíduo.34 34   Art. refere-se apenas ao transplante propriamente (transplante heterólogo). No Tribunal de Justiça de Minas Gerais. discriminar a conveniada. de órgão ou de parte de órgão de um indivíduo para outro. não podendo.1998). Deflui da vigente Carta Magna que o particular que presta serviços médi- cos e de saúde possui os mesmos deveres do Estado. registrado em seu prontuário médico ou. Órgãos e Partes do Corpo   215 de fígado – inviabilidade – Existência de cláusula determinando a exclusão da recorrida pelos custos relativos a transplante de órgãos – Cautelar ino- minada e indenizatória improcedentes – Recurso Improvido” (Apelação Cível nº 0769700-3 – 1ª Câmara – Relator Juiz Vasconcellos Boselli – Julg. podendo a sua falta levar ao óbito. que nada mais era do que a extensão ou conti- nuação do tratamento a que estava sendo submetida a paciente” (Apela- ção Cível nº 0394765-5 – 3ª Câmara Cível – Relatora Juíza Teresa Cristina da Cunha Peixoto – Julg.10. . se ele for juridicamente incapaz.2003). Configura ato ilícito. ou seja. nos termos do Código de Defesa do Consumidor. assim.434/97. havendo manifesta predominância da vontade da fornecedora sobre a da conveniada. viabilizando que as cláusulas preestabelecidas que proporcionem vantagens lesivas aos direitos da asse- gurada sejam repelidas pelo Judiciário. ao contrário. Constatada a presença de relação jurídica contratual firmada sem prévia análise das cláusulas pela aderente e. mormente quando a intervenção cirúrgica é de caráter urgente. imperioso é reconhecer no plano de saúde um contrato de adesão. quando se verifica que a cláusula restri- tiva. e não ao denominado autotransplante ou transplante autólogo (no caso em julga- mento de medula óssea). a negativa de cobertura médica. limitando-lhe os riscos cobertos. capaz de gerar direito à indenização por dano moral. 9º. decidiu-se pela assistência integral: “AÇÃO ORDINÁRIA – Plano de Saúde – Contrato de prestação de serviços – Cláusula limitadora dos riscos cobertos – Inadmissibilidade – Assistência integral – Ato ilícito configurado – Voto parcialmente vencido. 8. 2014). de tratamento para a moléstia.. na apólice. Rejeição do primeiro órgão. deve ser invalidada a cláusula de exclusão de transplante do contrato de seguro-saúde.26.2. por recear não ter acesso ao procedi- mento médico necessário para curar-se.8. sob alegação de estar previa- mente excluído do contrato. por meio de abusividade em cláusula contratual.2009 – DJe 15.12. 4. que incluía a probabilidade – e não a certeza – da necessidade do trans- plante.]. “Além de ferir o fim primordial do contrato de seguro-saúde.. “A negativa de cobertura de transplante – apontado pelos médicos como essencial para salvar a vida do paciente –. “Com vistas à necessidade de se conferir maior efetividade ao direito in- tegral à cobertura de proteção à saúde – por meio do acesso ao trata- mento médico-hospitalar necessário –. a cláusula res- tritiva de cobertura de transplante de órgãos acarreta desvantagem exage- rada ao segurado. o Superior Tribunal de Justiça decidiu pela necessidade de cobertura e abusividade da cláusula de exclusão do transplante: “Direito civil. . como também metajurídico” (REsp nº 1053810/SP – 3ª Turma – Relator Ministra Nancy Andrighi – Jugl. Álvaro Passos: “Contrato – Prestação de serviços – Plano de Saúde – Negativa de cobertu- ra de transplante de fígado – Inadmissibilidade – Inclusão. “[.0100 – 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – J. Contrato de seguro em grupo de assistência médico-hospi- talar. assegura-se contra tais riscos. bem mais elevado no plano não só jurídico. Em São Paulo.. foi utilizado para salvar-lhe a vida. por não se permitir que norma hie- rarquicamente inferior à lei limite ou restrinja direito garantido por esta – Recuso improvido” (Apelação nº 0154425-59.. devendo toda e qualquer medida tendente a minimizá-la ou eliminá-la ser coberta – Entendimento sumulado por este Tribunal (Súmulas 96 e 102) – Impossibilidade de excluir o custeio do procedimento. que celebra o pacto justamente ante a imprevisibilidade da doença que poderá acometê-lo e.2012. Cláusula excludente. Transplante de órgãos. com base em Resolução. submetido a tratamento complexo. 17. o segurado.3. ademais. individual e familiar. deixa o segurado à mercê da onerosidade ex- cessiva perpetrada pela seguradora.].. “[. Invalidade.].2010). notadamente ante a peculiaridade de ter sido.. “[.216  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Recentemente. procedimento que. em situação de transplante de fígado. a mesma posição foi adotada pelo Desembargador Relator. Novo transplante. campanhas de esclarecimento público dos benefícios esperados a partir da vigência da lei e de estímulo à doação de órgãos (parágrafo único do art.9 Impossibilidade de veiculação Não é possível a veiculação. Deve prevalecer a higidez da pessoa.” Procura-se preservar a saúde de alguém. órgão ou parte do corpo humano para pessoa determinada identificada ou não. salvo quando os órgãos de gestão nacional. c) apelo público para arrecadação de fundos para o financiamento de transplante ou enxerto em benefício de particulares. 11). regional e local do Sistema Único de Saú- de realizarem periodicamente. não prevalece a negativa de cobertura do procedimento. Órgãos e Partes do Corpo   217 A Súmula 96 tem o seguinte teor: “Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato. de anúncio que configure (art. não impedimentos insertos em cláusulas. ultrapassando-se qualquer empeci- lho de aspecto consumerista.” A Súmula 102 é assim redacionada: “Havendo expressa indicação médica. . contratual e econômico. Transplante de Tecidos. relativa a estas atividades. é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS. por qualquer meio de comunicação social. por meios adequados de comunicação social. 11.434/1997): a) publicidade de estabelecimentos autorizados a realizar transplantes e enxertos. b) apelo público no sentido da doação de tecido. 11 da Lei nº 9. faça trans- plantes de órgãos. tentar mostrar alguns elementos que lhe são inerentes. . igualmente. no útero ou pré-implantatório. Nas duas últimas situações. tecidos e partes do corpo. em coma irreversível há 17 anos. possibilitando-se que continue sua linhagem. Tirá-la de alguém. com a possibilidade. causa polêmica. o término da vida. anencefalia. Dessa forma. inclusive a Igreja Católi- ca. para se saber se alguma inovação científica pode ser difun- dida para seu bem-estar. regrada da experiência com o próprio ser humano. de 37 anos. Ao se estudar a eutanásia. distinções com termos cor- relatos. Isso se obtém. exigiram que fosse criada uma legislação a respeito. modalidades. realize transfusão de sangue. quer-se uma técnica para a higidez do ser huma- no. Muitos setores. outra é a preocupação. equilibrando-o emocionalmente. A decisão da Justiça italiana em autorizar a suspensão da alimentação de Eluana Englaro.1 Generalidades Discorreu-se sobre o aborto. mesmo sofrendo e com doença incurável. conveniente definir o que vem a ser eutanásia. hipóteses em que se polemiza a cessação da existên- cia do embrião. mude de sexo. 12 Eutanásia 12. acentuou a divisão sobre a eutanásia na sociedade italiana. ou seja. células-tronco embrionárias e clo- nagem humana terapêutica. qual o tratamento legal da matéria e a comparação com legislações de outros países. ela inexiste se o morto estava sadio e não tinha qual- quer aflição. 3. b) a pessoa visada é acometida de sofrimento e doença incurável. quando alguém provoca a morte de outrem para obter alguma vantagem econômica ou. 12. recebe atendimento médico. 182). Novo dicionário da língua portuguesa. etimologicamente. não a eutanásia. devem ser realizados por um médico. 334-340. . p.2 à pessoa que sofre.3 1   FERREIRA. Eutanásia e distanásia. quando há: a) morte provocada por sentimento de piedade. por compaixão. 847. p. Leonard M. os atos que. por misericórdia. ed. age-se sobre a morte.1 Atualmente. 3   MARTIN. alguém pode dar fim ao sofrimento e angústia de outro ser humano. fica paraplégico. Eutanásia  219 12. imbuído daquele sentimento. Aurélio Buarque de Holanda. para vingar-se. Ao invés de dei- xar a pessoa morrer. para outros. Há quem acrescente um terceiro componente para se ter a eutanásia. p. 2004). antecipando-a. não. e sente fortes dores. compaixão. Rodrigo. sem sofrimento. porque. 2004. Quem acompanha isso.3 Elementos constitutivos A eutanásia caracteriza-se. então. portanto. A verdadeira eutanásia ocorre quando a morte é provocada em quem é víti- ma de forte sofrimento e doença incurável. provocam preco- ce e diretamente a morte a fim de eliminar a dor. Para que ela se caracterize. Eutanásia e compaixão. usa-se a expressão para representar uma morte provocada por sentimento de piedade. Curitiba: Positivo. 2   Há quem sustente que a compaixão é insuficiente para justificar a eutanásia (MARTIN. Eutanásia e distanásia. p. devendo ser sedado todos os dias. efetivando-se a bioética da proteção (SIQUEIRA-BATISTA. Na segunda hipótese. irreversivelmen- te. Exemplo do ato seria matar alguém. não suportando ver o acidentado naquela situação. Revista Brasileira de Cancerologia. motivados por compaixão. 183. 1ª coluna. Caracteriza-se o homicídio. que. 50 (4). significa morte serena. abrevia seu óbito. Leonard M. após acidente de trânsito. todavia.2 Conceito Eutanásia. 4   SIQUEIRA-BATISTA.2 Quanto às consequências do ato e consentimento do paciente Ela pode ser subdivida em eutanásia voluntária. Eutanásia: pelas veredas da morte e da autonomia. SCHRAMM. 9 (1). Rodrigo. 34. ortotanásia. ansiosa e com muito sofrimento. 12. a morte ocorre por omissão em se iniciar uma ação médica que garantiria a perpetuação da sobrevida (deixar de se acoplar um pa- ciente em insuficiência respiratória ao ventilador artificial). Eutanásia involuntária.4. 34-35.1 Distanásia Distanásia é o antônimo de eutanásia. Na eutanásia não voluntária a morte é levada a cabo sem que se conheça a vontade do paciente. Ciência & Saúde Coletiva.5 Na eutanásia voluntária atende-se a uma vontade expressa do doente. secundariamente. v. Fermin Roland.1 Em relação ao ato em si Existe uma clássica divisão: eutanásia ativa. 690. p.4 A eutanásia ativa é o ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente. que seria um sinônimo de suicídio assistido.6 É o prolongamento artificial do processo da morte. depressão respiratória e óbito).4 Modalidades 12.   FERREIRA. Novo dicionário da língua portuguesa. gerando. SCHRAMM. Quanto à eutanásia de duplo efeito.5. a morte é acelerada como consequên- cia de ações médicas não visando ao êxito letal. 12. Rodrigo. Na eutanásia passiva. 2004. p. a morte lenta. p. eutanásia passiva e eutanásia de duplo efeito. ocorre se o ato é realizado contra a vontade do enfermo. mistanásia e suicídio assistido 12. 6 .5 Distinção entre eutanásia. Fermin Roland. 5   SIQUEIRA-BATISTA. com sofrimento. Eutanásia: pelas veredas da morte e da autonomia. ou seja. Aurélio Buarque de Holanda. 3ª coluna. involuntária e não volun- tária.4. por fins humanitários (em caso de utilização de uma injeção letal). distanásia. mas ao alívio do sofrimento de um paciente (emprego de uma dose de benzodiazepínico para minimizar a an- siedade e a angústia.220  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba 12. Aqui ela tem sentido na medida em que gera lucro para a empresa hospitalar e os profissionais envolvidos. Eutanásia e distanásia. no momento. 186-187. auxiliares e enfermagem? 7   PESSINI. aguardar o fim de sua existência. A medicina preocupa-se mais com a cura de patologias do que com as tradicionais preocupações com o cuidado do portador das patologias. veda-se a distanásia: “Nas situações clínicas irreversíveis e terminais.2009. no Ca- pítulo I. É o momento em que se prolonga a agonia. obsti- nação terapêutica (tal como os europeus a chamam) ou medicina ou tratamento fútil e inútil (linguagem norte-americana). com conforto e tranquilidade. No Brasil. 43 e 10 MARTIN. 187. combatendo a morte como o grande e último inimigo. Leonard M.9 A distanásia. Distanásia: algumas reflexões bioéticas a partir da realidade brasileira.9. “Princípios Fundamentais”. p. Distanásia: algumas reflexões bioéticas a partir da realidade brasileira. 188. . Eutanásia  221 Não se objetiva estender a vida de alguém. Eutanásia e distanásia. todavia. pessoa de sua confiança. Leo. Distanásia: algumas reflexões bioéticas a partir da realidade brasileira. Melhor é preparar a pessoa para que possa. Na perspectiva do paradigma científico-tecnológico. auxiliado de aparatos tecnológicos. p. p. 9   MARTIN. não prevejam possibilidade de cura e ou de melhora. 40. p. p. de 17. 8   PESSINI. Leo. Leo. Distanásia: algumas reflexões bioéticas a partir da realidade brasileira.931. a distanásia se- gue outra racionalidade. dedica-se a prolongar ao máximo a quantidade de vida huma- na. p.   PESSINI. o processo da morte. Leo. o médico evitará a realização de procedimentos diag- nósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados” (item XXII). 41. a justificação do esforço para prolongar indefinidamente os sinais vitais é o valor absoluto que se atribui à vida humana. é uma postura ligada especialmente aos paradigmas tecnocientífico e comercial-empresarial da medicina. caracterizada também como escarniçamento terapêutico.8 Na distanásia.11 No novo Código de Ética Médico.10 Na ótica do paradigma comercial-empresarial da medicina. Leonard M. 44 e 11 MARTIN.7 A valorização da vida tende a se traduzir numa preocupação com o máximo de prolongamento da quantidade de vida biológica e no desvio de atenção da questão da qualidade da vida prolongada.   PESSINI. Não é possível prolongar uma vida irrecuperável. p. a tradição ética médica codificada tem a tendência de respaldar intervenções distanásicas. mesmo que os conhecimentos dos médicos. Eutanásia e distanásia. Resolução nº 1. Quem melhor para realizar isso que o médico cuidador. de maneira artificial. Leonard M. o que é vedado pelo ordenamento jurídico. garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento. de 28. 189-191.12 Na ortotanásia não se abrevia o processo de morrer (eutanásia) e. Nesta linha. 12. tampouco. Distanásia: algumas reflexões bioéticas a partir da realidade brasileira. poder-se-á nomear um curador a esse doente para ajuizar uma ação na Justiça. Leo. p. prorrogam sua angústia e desânimo. Nesse caso. qualitativa. situa-se a medicina paliativa. por exemplo. para se ter a assistência para chegar-se ao término de uma existência. Acórdão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. ao invés de restaurar sua saúde. 14   PESSINI. a discussão sobre o “morrer bem” conduziu à aprovação da Reso- lução 1. asseverou-se que “na fase terminal de enfermidades graves e in- curáveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamen- tos que prolonguem a vida do doente. para propiciar àquele ser humano um término de jornada respeitoso e menos doloroso possível.11. O ser humano é colocado como valor fundamental e central numa visão da medicina a serviço da saúde. não permitem a cessação de tratamentos que. Eutanásia: pelas veredas da morte e da autonomia.003860-2/0000-00 – 3ª Turma Cível – Relator Desem- bargador Hamilton Carli – Julg. p. do Conselho Federal de Medicina. Leonard M. Não se pode deixar alguém nesse estado à mercê de pessoas que. 13   SIQUEIRA-BATISTA.2003).5. Procura-se promover nas suas práticas junto ao paciente terminal a morte digna e humana na hora certa.2006.2 Ortotanásia A ortotanásia significa o não prolongamento do processo da morte além do que seria natural. existem tratamentos desproporcionais (distanásia). . controlar batimentos cardíacos. 10. 34. a fim de obter autorização para cessar o prolongamento de uma vida de sofrimen- to. SCHRAMM. Fermin Roland. Rodrigo. melhor será con- versar com a família. Se ocorrer divergência entre a vontade do paciente e a de seus familiares. 44-45 e MARTIN.2.13 Aqui prevalece o paradigma da benignidade humanitária e solidária. Ela deve ser praticada por médico. p. muito menos que tenha uma “vida útil”. É tamanha a gravidade de tal ato que o homicídio não será privilegiado. Eutanásia e distanásia. na perspectiva de uma assis- 12   No corpo de V. mesmo por fins beneméritos. a limitação de cobertura do serviço de UTI pode levar à ortotanásia. mas.14 No Brasil. da concepção à morte. qualificado (lucro – motivo torpe)” (Apelação Cível – Ordinário – 2002. esteja “vivendo”. pressão arterial. sim.222  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba É inacreditável que alguém dependente de vários aparelhos. Antes dos considerandos. como exemplo análogo de ortotanásia: “Em determinados casos. extrai-se a seguinte afir- mação. para respirar.805/2006. a interpretação mais adequada do Direito em face do atual estado de arte da medicina. A Comissão de Seguridade Social e Família aprovou.”15 Embora haja divergência. respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. da 14ª Vara Federal. Em São Paulo.br/2010-dez-04/juiz-valida-resolucao-conselho-medicina- -permi.00. Acesso em: 8 dez. A resolução provocou debates na mídia e foi suspensa por decisão liminar exarada pelo Meritíssimo Juiz Doutor Roberto Luis Luchi Demo. Destaca-se da r. O art.” É a ortotanásia como procedimento na condução de cuidados com doentes terminais. .com.2010. a possibilidade do usuário dos serviços de saúde no Estado recusar tratamentos dolorosos ou extraordiná- rios para tentar prolongar a vida. caput. Deputado José Linhares. conhecida como Lei Mário Covas. na sua impossibilidade.conjur. em 8. Eutanásia  223 tência integral. que previa apenas a descriminalização da conduta. ficam assegurados todos os cuidados básicos e paliativos cabíveis. foi redigido com o seguinte teor: “É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente na fase terminal.12. haja vista que traduz. deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas. de enfermidade grave e incurável. na perspectiva da resolução questionada. No art. levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou. O texto que regulamenta a ortotanásia é um subs- titutivo do relator. respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal”. nos autos da Ação Civil Pública nº 2007. permite-se aos médicos. Veiculou-se em 4. ao admitir a “sedação paliativa”: “Nos casos de doença incurável e terminal. de sua família ou de seu representante legal para o ato.34.2010 que o mesmo Magistrado julgou improcedente a ação proposta pelo Ministério Público. há quem sustente que o novo Código de Ética Mé- dico acolheu a ortotanásia. 2010. estabelece-se. a de seu representante legal”. na condição de direito. proposta que regulamenta a ortotanásia.. parágrafo único. na Lei Estadual nº 10. 1º.. ao Projeto de Lei do Senado. E o faço com base nas razões da bem-lançada manifestação da ilustre procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira. suspender tra- tamentos que prolonguem a vida de pacientes terminais ou sem chances de cura. que apontava a inconstitucionalidade da resolução do Conselho Federal de Medicina. em seu art.014809-3.12. 41. 2º. se houver autorização da família.>. sentença: “Alinho-me pois à tese defendida pelo Conselho Federal de Medicina em todo o processo e pelo Ministério Público Federal nas suas alegações finais. entretanto. Alguns requisitos devem ser seguidos: (a) autorização expressa do paciente. XXIII. movida pelo Ministério Público Federal.241/1999. (b) o médico assistente do paciente ficará incumbido de apresentá-la a uma junta médica especializada 15   Disponível em: <www. Eutanásia e distanásia. fora e antes do seu tempo. . usam a medicina para atentar contra os direitos humanos de uma pessoa. padecendo enquanto vivem dores e sofrimentos. em seguida.conjur. principal- mente.com. 2010. se tornarem vítimas de erro médico. Um exemplo seria no caso de idosos internados em hospitais ou hospícios onde não se   Disponível em: <www.16 12. para. exemplificativamente. na qual as propostas tramitam em regime de prioridade. em princípio. Ela ocorre quando o médico e/ou seus associados. livremente e de propósito.3 Mistanásia17 Mistanásia ou “eutanásia social” é a morte miserável. em be- nefício próprio ou não. p. Na América Latina.. (c) asseguram-se cuidados especiais a todos os pacientes em estado terminal. por imperícia. A mistanásia por imperícia pode se caracterizar quando o doente falece por falta de atualização de conhecimento do médico. A mistanásia por negligência.. A mistanásia por imprudência é aquela em que o médico prescreve tratamento ou outro procedimento sem exame direto do paciente. Outra situação é daqueles que conseguem ser admitidos como pacientes. causando seu óbito. imprudên- cia ou negligência. evitáveis. Acesso em: 8 dez. A próxima fase é a análise pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cida- dania. pode ocorrer quando se omite a tratamento de um doente e no abandono do paciente crônico ou terminal sem motivo justo. Leonard M. a forma mais comum de mistanásia é por omissão de socorro estrutural que atinge milhões de doentes durante sua vida inteira e não apenas nas fases avançadas e terminais de suas enfermidades. São pacientes terminais as pessoas portadoras de enfermidade avançada.224  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba encarregada de analisar o pedido. A última forma de mistanásia é a existente em pacientes vítimas de má práti- ca. com o alívio da dor. A ausência ou a precariedade de serviços de atendimento médico garante que pessoas com deficiências físicas ou mentais ou com doenças que poderiam ser tratadas morram antes da hora.>.br/2010-dez-08/comissao-camara-aprova-proposta-regula- 16 menta. de modo geral.5. progressiva e incurável. com prognóstico de morte iminente e inevitável e não apresentem perspectiva de recuperação do quadro clínico. prejudicando direta ou indiretamente o doente ao ponto de menosprezar sua dignidade e provocar uma morte dolorosa e/ou precoce. 17   MARTIN. Aqui se garante o di- reito a uma morte digna. 174-180. assim. uma morte precoce. Suicídio praticado. senão. o enfermo está. Eutanásia  225 oferecem alimentação e acompanhamento adequados. v. em princípio. Eutanásia.1 Favoráveis Quem defende o ato aponta para a necessidade de que seja respeitada a liberdade de escolha do ser humano que padece e decide. ou seja. SCHRAMM. processado por ter infringido o art.4 Suicídio assistido No suicídio assistido. Acesso em: 19 mar. p. com moléstia incurável. contra a dignidade humana. SCHRAMM. retirando-se 18   SIQUEIRA-BATISTA. 21 SIQUEIRA-BATISTA. Além disso.18 Nessa situação. sendo competente e autônomo.5. p.6. suicídio auxiliado por terceiro. 13 (1). quem prestou auxílio no suicídio: “TJSP. ao contrário. pro- piciando que se livre o enfermo de um sofrimento insuportável. Ciência & Saúde Coletiva. provocando. Instigação ou auxílio ao suicídio. 20   SIQUEIRA-BATISTA. criminoso. Rodrigo. Induzimento. Preferência pela morte. o ser humano 19 é também dono da sua própria morte? Disponível em: <http://jus2. 2009. Fermin Roland. a pessoa solicita auxílio de outra para morrer. 122 do Código Penal. morte assistida e ortotanásia: o dono da vida.21 impôr fim em seus dias. 35. porque não constitui um ato desvalioso. Luiz Flávio. manifestando sua opção pela morte.19 Apesar da posição doutrinária. Rodrigo e SCHRAMM. sempre consciente. a eutanásia reveste-se de um genuíno estofo humanitário. Eutanásia: pelas veredas da morte e da autonomia. caso não seja capaz de tornar fato sua disposição.   Sobre a relatividade da autonomia da vontade de alguém.uol.com. ou seja. A eutanásia e os paradoxos da autono- mia. Rodrigo. 34.6 Argumentos favoráveis e desfavoráveis para a eutanásia20 12. cf. Réu pronunciado” (RT 720/407). Júri. não se trata de um fato materialmente típico. Fermin Roland. em favor dela. 12. na eventualidade de ter que ficar na dependência de terceiro. já houve decisão determinando que se levasse ao julgamento no Tribunal do Júri. miserável e sem dignidade. .   GOMES. Neto que lhe leva pasta com documentos e arma de fogo. Fermin Roland. 12.br/doutrina/texto. asp?id=9437>. Eutanásia: pelas veredas da morte e da autonomia. p. 207-221. Vítima que se encontrava internada em hospital. sabendo das in- tenções do avô. 2008. influenciada por diversos fatores. Na morte assistida. Nesta situação estaria o enfermo que acredita ser sua situação um embaraço para familiares. Ninguém mais perto da pessoa que sofre do que o cônjuge. Nesse caso. • A ocorrência de pressão psíquica.22 extrai-se do corpo do V. • A eutanásia poderia ser motivada por fins não altruísticos. de alguma forma. o fato de ter sido praticada contra cônjuge não pode ser logicamente tida como agravante. para obten- ção de herança. porém. ou pelo finalismo intrínseco da natureza. A eutanásia é um crime movido pelo sentimento de piedade e 22   Art. caput. na visão do próprio paciente. não pode ser inter- rompida. O crime por piedade é tanto menos grave quanto mais ligada ao réu a pessoa do vitimado.226  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba uma vida sem qualidade. a vida. em se tratando de eutanásia. mencio- nou-se que ela seria vedada em lei. embora proibida em lei (grifei). por motivos circunstanciais. mesmo doente e agonizante. No novo Código de Ética Médico retratou-se a tendência não acolhedora. não tendo mais sentido de ser vivida. 41. não soa tão criminosa quanto o homicídio verdadeiro. Dessa forma. do Capítulo V – Relação com pa- cientes e familiares). não se tem admitido sua prática por se atentar contra a vida de alguém. 12. • A desconfiança potencial – e subsequente desgaste – na relação médico paciente. aliás. porém. Em Julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. de forma permissiva ou proibitiva.6. seguros de vida. por exemplo. Ele não deseja morrer.7 Tratamento legal Não há norma que discipline a matéria. mesmo com a vontade expressa de seu detentor. . 121 e parágrafos do Código Penal. pois se vedou ao médico: “Abreviar a vida do paciente. 12. ainda que a pedido deste ou de seu representante legal” (art. Se a eutanásia.2 Desfavoráveis • A eutanásia violaria o princípio da sacralidade da vida. a eutaná- sia lhe é imposta. como bem concedido pela divindade. teria um estatuto sagrado. expressamente. logicamente por se subsumir a hipótese como homicídio. Acórdão: “A circunstância de ser a vítima esposa do réu não é motivo lógico de agravamento. Defende. Existe muita resistência na aceitação da eutanásia.006985-0/0000-00 – 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul – Relator Desembargador Rui Garcia dias – Julg. urge implementar o direito de acesso a bons cuidados paliativos. infelizmente em número claramente não suficiente para quem deles necessita.701/2 – 1ª Câmara Criminal – Relator Desembargador Gudesteu Biber – Julg. O importante é fornecer-lhe os cuida- dos.6. a controvérsia não é menos acerbada. de forma a proporcionar-lhe uma vida com qualidade. da seguinte maneira: 1. A vida humana é inviolável (art. de modo a tratar a dor e outros sintomas. da Constituição da República Portuguesa). A proibição da eutanásia na lei justifica-se pela proteção de um bem fun- damental. É.010698-7/0000-00 – 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul – Relator Desembargador Carlos Eduardo Contar – Julg. seja qual for a explicação que se pretenda dar para essa morte provocada. pois. ainda. como de resto existem já em Portugal.10. 4. dever inalienável do Estado e da Sociedade tudo fazer para minorar a solidão e o sofrimento físico dos que precisam de acompanhamento técnico e humano de “consultas de dor” e de cuidados paliativos nas situações de doença grave ou de incapacidade prolongadas. Em outros arestos. 2.3. 22. Para tal.1994).8 Plano internacional Na esfera internacional. ainda.2008 e Ape- lação criminal nº 2002. nº 1. verificando-se a vedação da eutanásia na irrefutável maioria dos países. 3. que é o da vida do doente. por se tratar de “motivo de relevante valor moral”. 24. pois é inaceitável matar um doente. Pronun- ciou-se. porque nobre. O Centro de Estudos de Bioética de Portugal emitiu parecer desfavorável à eutanásia.2002. mesmo quando ela não existe. até o fim natural. . aprovado pela moralidade média.23 12. ela foi lembrada como forma de se privilegiar o homicídio. O direito comparado aceita essa posição. como tem sucedido na Holanda (eutanásia involuntária de doentes adultos e mesmo de menores). 23   Apelação criminal nº 2007. o paciente de possíveis abusos de uma hipotética autorização para matar a pedido. 15. O papel dos profissionais de saúde é o de proporcionar aos doentes toda a atenção necessária para poder dar-lhes uma vida com qualidade. Eutanásia  227 tal sentimento é tanto mais puro quanto mais próximo do agente a pessoa que está sofrendo” (Apelação criminal nº 19. .   GOLDIM.. 25   JO C 132. José Roberto. com “dor física ou psicológica constante e insuportável”. embora a prática já fosse tolerada desde 1997. além disso.br/bioetica/ 27 eutabel. . que surgiu de uma longa trajetória de casos. assinalou que o direito à vida engloba o direito aos cui- dados de saúde e exige a proibição da eutanásia. um parecer positivo quanto a mais rápida e total implementação da rede de cuidados paliativos. 2008. Eutanásia – Holanda. A lei não se aplica a menores ou a qualquer paciente incapaz 24   Disponível em: <http://algarvepelavida. na verdade. Ela é resultado de um longo processo de desenvol- vimento. 51 contra e 10 abstenções. Diversamente da Holanda. Expressa as exigências que vêm evoluindo na jurisprudência e na ética médica daquele país desde 1973. Eutanásia – Bélgica. José Roberto.228  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba Essa proteção é exigida pela ética médica. de uma jurisprudência prévia.26 Na Bélgica. a morte medicamente as- sistida a que todos temos direito. Nestas condições. que seria gravemente comprome- tida se o papel dos médicos e dos enfermeiros que com eles colaboram. 2009. e no Estado do Oregon. legalizou-se a morte assistida sob condições estritas. A lei foi derivada de uma diretriz emanada pelo Comitê Consultivo Nacional de Bioética daquele país.4.ufrgs.27 A partir daí.   GOLDIM. A lei concede proteções legais aos médicos des- de que eles usem de estritos critérios. Acesso em: 19 mar.24 Resolução do Parlamento Europeu a respeito dos direitos do homem na União Europeia sugeriu a abolição da pena de morte da legislação dos Estados- -membros e. 4. Disponível em: <http://www. nos Estados Unidos da América.br/bioetica/ 26 eutanhol. se transformasse no de prestadores oficiais da morte. Esta é.htm>. 2009. A Holanda foi o primeiro país no mundo a legalizar a eutanásia sob certas condições em uma lei que entrou em vigor em abril de 2002.>.25 Holanda e Bélgica. são exceções na permissibilidade da eutanásia. através da sua Direção. Acesso em: 18 dez.ufrgs. de modo a que o doente terminal viva em paz a sua vida até morrer. O doente precisa estar em sã consciência e tomar a de- cisão por si próprio. Disponível em: <http://ww.blogspot. certo de que a resposta a um (raro) pedido de eutanásia é a compassiva e total prestação de cuidados. de 28. na Europa.com/2008/11/eutanasia-parecer-do-centro- -de-estudos. a lei na Bélgica adveio de um debate sobre a sua necessidade e adequação.1997. Acesso em: 19 mar. em 23 de setembro de 2002. o Centro de Estudos de Bioética exprime. como garantes da defesa da vida.ht.htm>. qualquer médico que ajude um paciente a morrer não é conside- rado um criminoso desde que o paciente adulto seja terminal ou sofra de algum mal intolerável e sem esperança de recuperação. O Parlamento belga endossou o projeto de lei com 86 votos a favor. As principais diferenças são que a notificação nos Países Baixos e os procedimentos de controle são mais elaborados e transparentes do que na Bél- gica.org/pt/articles/belgica-aprova-a-eutanasia-infantil>. dos verdes e do partido separatista flamengo N-VA. os procedimentos belgas são anônimos. 2014. Ela foi aprovada em de- zembro de 2013 no Senado. os médicos são obrigados a notificar seus casos a um comitê de revisão. 2014.2014 a lei que autoriza terminar com a vida de uma criança sem limite de idade. O próprio paciente deve fazer o pedido. não assim na Holanda. O sofrimento psicológico não é suficiente para se autorizar a eutanásia das crianças. além disso. em 13. uma doença incurável.28 Em linhas gerais.3. por 86 votos a favor e 44 contra.29   Disponível em: <www. Os responsáveis legais também deverão autorizar a prática. refletido e repetido e não haver pressões exter- nas. Todos os pedidos de morte assistida terão que passar pela aprovação de uma comissão especial. Nos dois países. sendo pioneiro nessa iniciativa. assinou em 2002 a lei da eutanásia. foi admitida. que inclui na sua declaração final: “apelo urgente ao Governo belga para reconsiderar a sua decisão”.zenit. Ocorreu ampliação da abrangência da lei de 2002. Acesso em: 31 ago. A assinatura era um ato pura- mente simbólico. 29  Disponível em: <www. Embora não haja limite de idade. mantiveram-se contra os Democratas cristãos valões e flamengos e o partido Vlaams Belang. que vai decidir se os médicos seguiram todas as determinações da nova lei. A lei tem recebido as críticas do primeiro Congresso Internacional de Cuida- dos Paliativos Pediátricos realizado na Índia. O pleito deve ser voluntário. embora indispensável para a entrada em vigor da norma.2. A eutanásia para jovens emancipados já era permitida a partir dos 15 anos. com 12 abstenções. seu pai. O rei Alberto. aprovou lei para eliminar qualquer res- trição de idade na realização da eutanásia. como os excepcionais. O Parlamento belga. por escrito.2014. Eutanásia  229 de tomar a decisão conscientemente. . procura-se chegar ao consentimento esclarecido.zenit. um sofrimento físico impossível de suavizar e se encontre em fase terminal.org/pt/articles/horror-na-belgica-o-rei-felipe-aprovou-a-lei-da- -eutanasia-infantil>. O rei Felipe da Bélgica sancionou em 3. Acesso em: 28 31 set. há condições a serem preenchidas para a eutanásia ser realizada. O texto determina uma avaliação do médico responsável e também de um psiquiatra infantil para atestar a maturidade do paciente. depois. desde que tenha capaci- dade de discernimento. A eutanásia pediátrica contou com o apoio dos socialistas e liberais valões e flamengos. opunha-se ao “suicídio” assistido medicalmente. Desde aquela época. dificilmente alguém desejará terminar sua vida porque tem. principalmen- te religiosos. a eu- tanásia é permitida desde uma lei que entrou em vigência em 1994. caso contrário.html>. utilizaram-se do benefício legal para morrerem. efetivamente. com auxílio médico. em se sujeitar a esse procedimento. 341 pessoas. 30 .   Disponível em: <http://www. Se. O paciente deve assentir para que ocorra a cessação de sua vida. os ensinamentos contrários forem disseminados na comu- nidade belga. apenas existe uma faculdade de uma criança ou de um adolescente. alguma doença grave incurável e esteja em fase terminal. Acaso a dou- trina pregada não sensibilize os corações dos jovens. caracterizar-se-ia o homicídio. 2008.230  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba É interessante a reação de muitos setores da sociedade belga. por exemplo.org/lawsnamericaframe. que tinha como base política uma alardeada postura pró-vida (recorde-se do não envio de recursos públicos para entidades humanitárias que promoveriam o aborto e da impossibilidade de se investir na pesquisa com células-tronco embrionárias).30 A administração do então presidente George W. No Estado-membro de Oregon.finalexit. em estado terminal. não é culpa da lei o uso da eutanásia. com assistência de seus pais. Ninguém está a coagir alguém a se submeter a eutanásia. avaliado por dois médicos. na costa noroeste dos Estados Unidos. que foi com- plementada em 1998. Bush. Acesso em: 19 dez. A dignidade da pessoa humana torna-se assunto central. ou conge- lados há mais de três (3) anos. pela necessidade de se encon- trar uma resolução para um dilema. existe permissibili- dade legal para o abortamento. os quais. em algumas situações. o aborto é questionado. hoje em dia. Nessa contraposição de valores. procurando-se conciliar seus princípios – autonomia. Todavia. Ela é sustentáculo para os direitos da personalidade. Discute-se quem seria titular da dignidade humana. beneficência. tais como quando a mãe sofre perigo de vida. questões que antes eram mais ou menos dis- cutidas realçam-se no dia a dia de todos. suscitando acirrados de- bates no que se refere ao nascituro e ao embrião pré-implantatório. 13 Conclusões A ética procura regular o comportamento geral das pessoas. antes e a partir da vigência da Lei nº 11. mas também às jurídicas. de embriões inviáveis. Direciona-se o agir de uma maneira ou outra. em caso de estupro. Posições conser- vadoras e liberais influenciam nessa tarefa. estendendo-se a possibilidade para a anencefalia. não se estendem apenas às pessoas naturais. Em decorrência da discussão a respeito do status do nascituro e/ou do em- brião. . O biodireito tem por objetivo possibilitar a solução normativa para as ques- tões que as ciências colocam na vida das pessoas. de acordo com as circunstâncias e os pensamentos prevalentes. não maleficência e justiça.105/2005. A utilização de células-tronco embrionárias. A bioética tem por finalidade encontrar o mínimo necessário quando a tec- nologia influencia a vida e a saúde dos indivíduos. deve-se cuidar para que seja respeitado. se o clone nascer. seguem-se procedi- mentos rigorosos. antes pensada apenas ficticiamente (HUXLEY. órgãos ou partes do corpo por técnica que não tem em mira o nascimento de um ser. entretanto. caso a caso. ela pode ser afastada. surgem novos questionamentos na seara da filiação. Por isso. é mais uma forma de buscar terapêuticas para sanar doenças incuráveis. na situação específica do exercício de consciência religiosa. sendo o principal a obtenção do consentimento claro e escla- recido. Aldous. . Em princípio. A clonagem humana terapêutica. questiona-se a possibilidade da modificação do assen- to registrário. Resolver o problema de alguém infértil é muito importante. para maior concretude de sua condição. mas. pessoas que são acometidas da tran- sexualidade procuram não só se modificarem-se morfologicamente com o uso de hormônios e vestimentas. com clara violação dos direitos fundamentais destes últimos. Ela é aceita por organismos internacionais e já tem previsão permissiva na Grã-Bretanha. no que tange ao nome e ao sexo de alguém. Todavia. O cerne da discussão é a destruição do embrião em razão disso. São Paulo: Globo. o que. Tradução de Lino Vallandro e Vidal Serrano. pesquisas estão sen- do feitas num sentido e noutro. também. com o melhora- mento dos métodos de reprodução assistida. A fim de se realizar experimentação com seres humanos. deve-se verificar qual a situação mais proveitosa para o ser que nasce. a obtenção de células-tronco que possam se diferenciar por outras técnicas tem aceitação maior. teria maior êxito em se efetivar. usando. pode-se realizar o auxílio para a fer- tilização e implantação de ovos no útero materno.232  Manual de Bioética e Biodireito  • Namba com consentimento dos pais. ed. A clonagem humana. embora igualmente controversa. Mesmo assim. com a maternidade e paternidade responsáveis. por outro lado. Admirável mundo novo. para obtenção de células-tronco embrionárias e células-tronco adultas. 2. devendo haver conciliação desses esforços para as curas de males insanáveis e melhoria da qualidade de vida de todos. Sem deixar de lado a consanguinidade. pois se tem em mira justamente a obtenção de cura de males incuráveis e reposição de tecidos. agora é cogitada para implementação. os países desenvolvidos querem relativizar o conceito de “vulnerabilidade”. procuram estabelecer laços matrimo- niais. por exemplo. causa polêmica e questionamento jurídico. a ablação. A clonagem humana reprodutiva é condenada. sem a devida evolução técnica. provocando modificações no sistema de presunções inserto no novo Código Civil. 2003). para a possibilidade de ser realizarem experiências em povos dos países em desenvolvimento. Mesmo diante da celeuma. Para se completar como seres humanos. Em última análise. maternidade e paternidade. A transfusão sanguínea é feita para benefício do paciente. Em razão disso. a não ser pela proposição isolada do médico italiano Antinori. Em razão disso. igualmente. a solução seria a adoção. terapeuticamente. no Brasil. principalmente com o novo Código de Ética Médico. O transplante de órgãos. também. no máximo. por sentimento de piedade. e um Estado-americano. A eutanásia é a morte sem sofrimento. da mistanásia e distanásia. prestigiada. Bélgica e Holanda. tecidos e partes do corpo é importante para melho- rar a vida de um doente ou salvar sua vida. Conclusões  233 desde que não cause perigo de vida a quem. . Nessa esfera. provocada a quem está sofrendo ou não tem cura. Posto que seja nobre sua finalidade. Oregon. Neste caso. amenizam-se as consequências da conduta homicida e apenas dois países. tecido ou parte do corpo. dá-se ênfase às “testemunhas de Jeová”. que são os maiores opositores a esse tipo de técnica. esteja sendo tra- tado. é preciso o com- pleto esclarecimento do doador e do receptor sobre as consequências da doação e da recepção de um órgão. maior ou menor. permitem-na. cuja força dimi- nuiu. Difere da ortotanásia. . nº 79. Mário Luiz. 2004. de O. BARBAS. Coimbra: Almedina. RT. Testes genéticos. Ed. e. Biogenética: esperanças. 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Procuradores Formador da Escola Paulista da Magis- do Estado. Mestre e Doutor em Obra de interesse para estudantes e pro- Direito pela Universidade de São Paulo. biênio 2009-2010. Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo. por indicação da Presidência da Seção de Direito Criminal. Juiz Asses- sor da Vice-Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo. Membro do Instituto Brasileiro de Direi- to de Família (IBDFAM) . fessores de direito. Defensores Públicos. Promotores de Jus- litar do Barro Branco (APMBB).Edison Tetsuzo Namba é Juiz de Direi. Docente tiça. Leitu- nal de Justiça do Estado de São Paulo ra complementar para as disciplinas Di- no Comitê Regional de Enfrentamento reito Civil e Bioética do curso de direito ao Tráfico de Pessoas e na Comissão em graduação e pós-graduação. operadores da área Docente Civil da Academia de Polícia Mi- jurídica (Advogados. Juízes de Direito) e profissio- tratura (EPM). . Representante do Tribu- nais da área de medicina e saúde. ou não. • o aborto. a abordagem da ética. a fim de se valorarem as condutas humanas. MANUAL de BIOÉTICA e BIODIREITO Devido aos avanços tecnológicos. órgãos e partes do corpo. enfrentando-se vários problemas que afligiam e afligem a humanidade. principalmente em quem é seu titular. com preocupação do tratamento internacional para cada um dos assuntos. sua configuração como crime e exceções. delineia-se o biodireito. a mistanásia e o suicídio assistido. • a mudança de sexo e a possibilidade de se consignar isso no assento registral. . São objeto de estudo deste livro temas como: • a dignidade da pessoa humana. A ética é conce- bida diferentemente no espaço e no tempo. • a transfusão de sangue e a sua impossibilidade pela consciência religiosa professada. • a pesquisa com células-tronco embrionárias na Lei nO 11. consigna-se a posição jurisprudencial sobre cada um desses questionamentos. Em consequência. por diversos povos. a ortotanásia. da bioética e do biodi- reito é importante. • o transplante de tecidos. Por isso mesmo. • a clonagem humana (reprodutiva e terapêutica) e seu acolhimento. Na medida do possível. • a experimentação com seres humanos e suas limitações. com reflexos no estudo do nascituro e do embrião. • a eutanásia e sua distinção com a distanásia. busca-se a resposta na bioética. • a retirada do feto anencéfalo do útero materno. • a reprodução assistida. pelo ordenamento jurídico.105/2005. sua gratuidade e a verificação do momento da morte para suas extrações. que se mostra insuficiente. sem previsão legal para sua execução.
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