Ludoterapia Melanie Klein

March 24, 2018 | Author: Tkar | Category: Play Therapy, Learning, Psychology & Cognitive Science, Psychoanalysis, Psychotherapy


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LUDOTERAPIA: O JOGO E O BRINCAR NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA COM A CRIANÇAHISTÓRICO DA LUDOTERAPIA Melanie Klein ao iniciar seu trabalho na década de 20, desenvolveu um novo instrumento de trabalho: ¨a técnica do brincar¨. Por meio dessa técnica foi possível alcançar as fixações e experiências mais profundamente recalcadas da criança e exercer uma influência importante em seu desenvolvimento. Na psicanálise infantil o brincar tomou forma e sentido, passou a ser visto e trabalhado como técnica infantil, chamada de ludoterapia. Para a psicanálise infantil a palavra e o brincar da criança devem ser resgatados em toda sua autenticidade. Essa abordagem vai além da concepção cronológica e, objetiva revelar o que há de específico no infantil e na criança. A Ludoterapia é uma técnica psicoterápica usada no tratamento dos distúrbios de conduta infantis e, baseia-se no fato de que o brincar é um meio natural de auto-expressão da criança. Podendo ser utilizada de forma individual ou grupal. Visto que não se pode exigir de uma criança que faça associações livres, Melanie Klein tratou o brincar como equivalente a expressões verbais, isto é, como expressão simbólica de seus conflitos inconscientes. Assim a Psicoterapia Infantil ajudaria a criança a resolver fixações e a elaborar situações traumáticas do seu desenvolvimento. A análise através do brincar mostra que o simbolismo possibilita à criança transferir não apenas interesses, mas também fantasias, ansiedades e culpa a outros objetos além de pessoas, ou seja, muito alívio é possibilitado através do brincar. Podemos assim pensar que a criação, no uso da criatividade através do brincar seria um viés sublimatório; forma encontrada pela criança de colocar suas pulsões à mostra, expostas via objetos socialmente valorizados ou não. Melanie Klein percebeu que o brincar da criança poderia representar simbolicamente suas ansiedades e fantasias e, que estas brincadeiras possibilitam conhecer os significados latentes e estabelecer correlações com situações experimentadas ou imaginadas por elas, fornecendo à cada uma delas a possibilidade de elaborar tais situações; mas, parece ter sido Donald Woods Winnicott o primeiro pós-freudiano a se debruçar sobre a real temática, como objeto de estudo específico. A IMPORTÂNCIA DA LUDOTERAPIA NO TRATAMENTO DE CRIANÇAS VÍTIMAS DA VIOLÊNCIA A análise infantil funda-se no princípio da catarse, uma vez que tenta explorar o mundo de sentimentos e impulsos inconscientes como origem efetiva de todas as ações e reações observadas nos pequenos pacientes. E, embora a livre associação seja uma técnica aplicável na psicoterapia infantil, nem sempre será possível fazer com que a criança venha a falar. Em razão disso, o analista deverá fazer uso de jogos, brincadeiras, desenhos e análise de sonhos dos quais passaremos a tratar a partir de agora. 1 que analisavam as relações infantis e o processo de transferência de informações. A criatividade e A independência. Porém. a vítima é induzida a falar brincando. traumas e tudo aquilo que atinge sua sensibilidade. atualmente. Com a ludoterapia. visando à decodificação do significado da brincadeira desenvolvida na sessão analítica. A CRIANÇA E O BRINCAR SEGUNDO VERA BARROS DE OLIVEIRA Segundo a Psicóloga Infantil. E. p. visando o tratamento psicológico. esquecendo das ameaças que normalmente sofre e isso é muito bom para o profissional e para a própria criança – alegam os especialistas. angústias. os objetos são providenciados especialmente com esta finalidade e ajudam a analisar a violência sofrida pela criança e descobrir o agressor. a qual. O psicodrama auxilia as crianças na superação de obstáculos a seu desenvolvimento emocional. para se fazer psicoterapia. A comunicação. Vera Barros Oliveira (2000). o que lhe possibilitará exercer uma influência radical em seu desenvolvimento. é um trabalho que pode ser desenvolvido com crianças a partir de dois anos de idade. 1995.A essa técnica que faz uso desse tipo de recursos deu-se o nome Ludoterapia. é necessário que o brincar seja espontâneo. embora se utilize de todo tipo de brincadeira). modelos teóricos que ampliam ou alteram essas concepções originais. o monólogo (pensar alto enquanto desempenha um papel). 80). surgiu a partir de estudos de Ana Freud e Melaine Klein. além disso. 2 . no brincar casam-se a espontaneidade e a criatividade com a progressiva aceitação das regras sociais e morais. “É somente a presença mental de alguém mais que brinque com a criança que permite que o jogo seja plenamente transformador de angústias” (FERRO. o duplo (atribuir fala a um outro personagem). que acentuava a importância do trabalho exaustivo de interpretação em análise de crianças. transformando o brincar da criança em tratamento. O terapeuta poderá fazer uso do psicodrama (que envolve essencialmente a brincadeira do faz-de-conta. Desde o método clínico de Klein e seus seguidores. aprendendo a conciliar de forma efetiva a afirmação de si mesma à criação de vínculos afetivos duradouros. entre outras. favorece: O desenvolvimento intelectual. onde ela demonstra sua história vivida. encontramos. Dentre as técnicas mais utilizadas estão o teatro espontâneo (desempenho de papéis sem texto previamente definido). através daquilo que ninguém lhes pode tirar – sua imaginação. que inibe a denúncia. O fato é que por trás de toda agressão física há sempre um abuso psicológico. já conseguem expor os fatos por meio das brincadeiras. a brincadeira além de refletir a forma de pensar e sentir da criança. O equilíbrio emocional. visto que a partir desta idade. brincando a criança se humaniza. No caso de crianças vítimas da violência. Através do “brincar” a criança tem a possibilidade de vencer medos. ou seja. Por meio deste método é possível ao terapeuta obter acesso às fixações e experiências mais profundamente recalcadas da criança. puxar e empurrar. quando rola. E. a assumir. só se desenvolvem mediante a possibilidade de expressão e comunicação com o meio. esconder e achar. Segundo Oliveira. a se lembrar de algo sem precisar vê-lo. pinta. até mesmo para sua auto-afirmação. que o caráter ondulatório e cíclico de sua atividade lúdica. O brincar do bebê com o próprio corpo Segundo Oliveira (2000).Oliveira explica que brincando a criança elabora progressivamente o luto da perda relativa dos cuidados maternos. protege. imaginando que o mesmo é um cavalo. se assim podemos dizer. modela. dizendo: “o brincar ensina a escolher. expressa simbolicamente que está aprendendo a esperar e a suportar a tensão e a frustração da separação. assumindo a responsabilidade por seus atos. alicerçadas nos reflexos. são as brincadeiras do bebê com seu próprio corpo. a delegar e. complementa. objetos uns dentro dos outros. por serem orgânicas. abrir e fechar. expressa aquilo que tem significado para ela. A brincadeira simbólica Para Oliveira (2000). ao lento. que alimenta. 2) começa a falar. E. Ela alega que as estruturas mentais. gradual e batalhado ingresso no universo humano propriamente dito. engatinha. para momentos futuros. completa dizendo que o brincar compensa e reequilibra o organismo. 3 . que dá forças ao bebê para suportar sua ausência. a participar. o simbólico. o brincar se constitui na ferramenta por excelência que a criança dispõe para aprender a viver. numa cadência rítmica. conversa e brinca. essa é fase do faz-de-conta. que dão condição à passagem da vida ainda muito próxima dos instintos. não é uma negação da mesma. a imitar na ausência do modelo. em que a criança passa a representar sua ação internamente e a se utilizar de manifestações simbólicas para interagir com o meio. a postergar”. desenha. assim como encontra forças e descobre estratégias para enfrentar o desafio de andar com suas próprias pernas e pensar aos poucos com a própria cabeça. ao representar a realidade do jeito que a criança a vê e sente. mas uma situação privilegiada de aprender a lidar com as funções e relações sociais. E. que alterna movimentos opostos. tira e põe. como os de abaixar e levantar. com temas opostos como vimos. chegando mesmo a armazenar bem-estar. Oliveira esclarece que é a crença no retorno periódico da mãe. justamente porque confia em seu retorno. É no brincar que a criança encontra condições de desenvolver seu potencial já adquirido geneticamente. Exemplos: 1) uma criança brincando com pedaço de pau. vezes sem conta. contribuindo para sua integração com o meio em que vive e. o brincar tem um papel importante na construção da inteligência e equilíbrio emocional do bebê. aquece. Dessa forma. Oliveira diz que a brincadeira simbólica. inclusive às de destruição. portanto. Só há uma possiblidade de dirigirmos de forma saudável esses impulsos. já se faz presente a necessidade de respeitar o outro. no brincar. Oliveira esclarece que às crianças devem ser dados limites claros e objetivos. assim como a aprender a lidar com sua própria destrutividade” e. diz que paralelamente a essa descoberta. pelo menos parcialmente e. de serem identificados e controlados”. por ser uma atividade livre que não inibe a fantasia. a agressividade encobre muitas vezes uma sensação de medo ou excitação frente ao objeto de desejo e pode se manifestar de forma disfarçada através de atitudes de 4 . Oliveira prossegue dizendo que “o brincar. Oliveira defende que é parte inerente do psiquismo e indispensável à sobrevivência. assim como capazes de cometermos ou desejarmos cometer atos hostis para com os outros. A agressividade manifesta no brincar No que tange à questão dessa agressividade manifesta no brincar. favorece o fortalecimento da autonomia da criança e contribui para a não formação e até quebra de estruturas defensivas. segundo ela. se os reconhecermos em nós mesmos (Oliveira.construir de forma equilibrada nossa personalidade. de carinho. a menina não apenas imita e se identifica com a figura materna. ela pode também passar a manifestar essa insegurança através de atitudes violentas de desafio e confronto. e dar vazão à possível necessidade de autopunição.. prossegue dizendo que: . p. ajuda a criança a afirmar-se como pessoa e a externalizar sentimentos e pensamentos. prossegue dizendo que dramatizar o vivido. E. de força ou poder. o que está buscando ansiosamente é encontrar um limite externo que a contenha e “salve”. Segundo ela. “que ajudem a trabalhar sua impulsividade. trabalho e arte está o remorso inconsciente pelo dano causado na fantasia inconsciente e um desejo de começar a corrigir as coisas”. e de ser uma boa mãe. principalmente para com as pessoas mais íntimas. “por trás de todo. ao possibilitar a projeção de conteúdos ameaçadores e dinâmicas negativas internas. E diz que quando a criança não consegue controlar suficientemente bem suas fantasias de destruição e passa a temer que as mesmas tomem conta de sua realidade (externa e interna). a importância de dar livre curso às fantasias. no fundo. a criança experimenta o prazer de aprender a brincar com outras crianças em situações imaginárias. torna-os visíveis e passíveis. explica que o brincar. como os pais e irmãos. mas. Assim. por exemplo. Pois. onipotência e voracidade. 2000). pela culpa gerada por senti-los.E. é fundamental. prossegue dizendo que. pois quando estas se tornam assustadoras demais. internamente passam a correr o risco de não poderem mais ser projetadas ou sublimadas. que nos torna sofregamente ávidos de “alimento”. “ao brincar de que é a mãe da boneca. representando-o. mas realmente vive intensamente a situação de poder gerar filhos. inclusive os de hostilidade para com os outros. 19. forte e confiável” – esclarece Oliveira e. Oliveira ainda explica que no faz-de-conta. consiste inclusive em aprender a canalizar esse potencial agressivo.. para então aprender a se controlar para viver no convívio com os outros e. terá que lidar em sociedade. por se sentir rejeitada pela mãe e. os brinquedos e jogos infantis. seus desejos e suas experiências vividas. sedução ou negação. tornaram-se processos simbólicos. pulando. como pode ser desviada para outras pessoas ou situações. Ao passo que para uma criança de 6 anos. 5 . ou. que tenta manipular a atenção da mãe. sociais com as quais. sejam esses internos ou externos. conflitos e hostilidades da criança na relação com o outro. por exemplo. buscando amenizar as falhas. Oliveira esclarece que. mas descreveu o processo criativo como sendo uma tentativa de restauração de danos causados a objetos. que a criança havia perdido a inocência e suas brincadeiras e jogos apresentavam conteúdos sexuais. esconder-se. Oliveira cita o exemplo da criança. ao contrário do faz-de-conta coletivo. Para ela. Em 1929. Ex: para uma criança de 2 ou 3 anos. etc. não focalizava a criatividade como sendo uma temática específica. O JOGO E O BRINCAR SEGUNDO MELANIE KLEIN Melanie Klein. Conjecturava a possibilidade do lúdico não apenas com o propósito de resgatar a relação de amor que a criança pode não ter tido. para isso. quando na idade adulta. O jogo de regras No jogo de regras o prazer está em cumprir as regras. só assim. o jogo de regras prepara a criança para as questões de regra morais. camuflar-se. Além disso. a criança poderá se enxergar como é e se aceitar. a sexualidade. procura compensá-lo manifestando extremo carinho em relação a ele. hostilizando-a através de uma recusa em receber alimento. esta atividade só será atraente se envolver algumas regras determinando o procedimento: subir com um pé só. é essencial que a mãe não a idealize e que aceite suas limitações. mas uma possibilidade de se trabalhar mais enfaticamente com o sujeito infantil. brincando a criança expressa de modo simbólico suas fantasias. com sentidos e significações especiais e únicos para cada criança. a inveja. Segundo ela. acabou por criar sua própria linha de psicanálise. ou ainda projetar-se. para esta. A referida autora observou que existem outras emoções em jogo nessa relação. o simples fato de subir os degraus de uma escada já é uma satisfação. discípula fiel de Sigmund Freud.manipulação. Embora seja difícil para a própria criança e para as pessoas que a rodeiam admitir a agressividade latente ou evidente na criança. como por exemplo. de dois em dois. Melanie Klein. Pois. etc. Verificou. não poderá haver a interferência super-protetora materna. no jogo de regras há colaboração e/ou competição. então. que hostiliza seu irmão menor. como o ódio. Ele esclarece que esse objeto não é auto-erótico. produzir um objeto e estabelecer uma relação afetuosa com este objeto. Ele afirma que quando o simbolismo é empregado. Ou seja. como. E. no brincar a criança manipula fenômenos externos a serviço do sonho e veste fenômenos externos. Segundo Winnicott. Um objeto que não é imposto à criança. o “objeto transacional” serve como suporte .um apoio para criança. Winnicott esclarece ainda. este objeto é reconhecido pelos pais e é carregado para todos os lugares. adulto ou velho. Assim. E.”. amando-a e repeitando seu ritmo natural. Segundo ele. adolescente. sabemos que estamos tratando de uma atividade que ocorre na área que foi denominada por Winnicott de transicional. Às vezes uma fralda velha.O JOGO E O BRINCAR SEGUNDO DONALD WINNICOTT Winnicott. para 6 . acontecendo primeiro entre mãe e bebê. quando pensamos no brincar como um instrumento valioso para o trabalho analítico. fenômenos transicionais é justamente a transferência que ocorre na troca do uso do dedo ou polegar para a utilização de um objeto como o “não-eu” a que ele chama de objeto transicional. por isso não pode ser lavado. portanto. a capacidade de criar. como por exemplo. diz que o brincar tem um lugar e um tempo. observou que os bebês tendem a usar os punhos e os dedos para satisfazerem seus instintos e. a sobrevivência à destruição. a apresentação de objetos. por exemplo. Ele afirma que quando a criança experimenta angústia. quando essa interação é feita com confiança. de acordo com Winnicott o simples fato de estar ao lado da criança. Segundo ele. “brincar é fazer. que o brincar envolve o corpo devido à manipulação de objetos. escolhidos com significado e sentimentos oníricos. que após alguns meses passam a usar algum objeto especial para substituir este meio de estimulação. Adquirem também. que tudo acontece com um mediador. um cobertor. o bebê já está claramente distinguindo entre fantasia e fato. medo e desamparo. Ele explica que em todas as fases da vida. Assim sendo. inventar. E. a destruição do objeto. Ele explica que o brincar facilita o crescimento e. possui características muito particulares. já tendo a capacidade de reconhecer este objeto como “não-eu”. chupar o dedo ou enrolar o cabelo. antes é por escolhido pela própria criança. segundo as experiências de vida. se a tarefa da mãe é cumprida na sua integralidade o desenvolvimento emocional e mental do bebê e da criança é conseguido sem consequências negativas. prossegue dizendo que há uma evolução direta dos fenômenos transicionais para o brincar. do brincar para o brincar compartilhado. a criatividade é fundamental e é através dela que o indivíduo sente que a vida é digna de ser vivida. criança. E. um pedaço de roupa dos pais. o manejar. até por que. o cheiro e. entre criatividade primária e percepção. imaginar. o mediador é fundamental para o sucesso no desenvolvimento do bebê. com interação: o segurar. pois ele representa conforto e segurança para o bebê. não é auto-erótico porque é externo ao corpo da criança.além de conduzir aos relacionamentos grupais. entre objeto externo e interno. Esclarece ainda que. é o suficiente para proporcionar condições para seu desenvolvimento. ou seja. e deste para as experiências culturais. a saúde . “Não devemos esquecer que o que nos interessa é o simbolismo e as mensagens que o desenho transmite. o perfil psicológico e o estado emocional das crianças. explica em sua obra “Como Interpretar os Desenhos das Crianças”. refletem a forma como elas enxergam seu ambiente familiar e o mundo à sua volta. nos fala enfaticamente que “é no brincar que o individuo criança ou adulto pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o individuo descobre o eu (self)”. ele se esforçava por tornar a consulta significativa para a criança.cada criança. pois. esse objeto tem um sentido. na escola ou nas relações sociais. estará exteriorizando uma falta de confiança em si própria. e não sua perfeição estética”. na escolha do tipo de lápis e papel que a criança utiliza. E. assistente social psiquiátrica. depois dava-o à criança. são verdadeiras fontes de informações valiosas. indica capacidade de concentração e certa tendência à introversão. as formas e as figuras que as crianças colocam habitualmente no papel. E. Se nessa mesma folha ela aplicar traços menos definidos. Além de constantemente revelar as dificuldades pelas quais elas estão passando em casa. por meio dos desenhos é possível conhecer o temperamento. ele desenvolveu o ¨jogo dos rabiscos¨ e a ¨consulta terapêutica¨. Segundo ela. Donald Winnicott se armava de papel e. na tarefa de educá-las e. para isso. explica que decifrar corretamente os desenhos infantis – e descobrir o que está por trás dessas janelas do consciente e do inconsciente – nem sempre é fácil. que os rabiscos. na maioria das vezes. visto que lhe é familiar. inclusive. superficiais ou feitos com pouca pressão do lápis. fazia um avião ou um leque com o qual brincava um pouco e. porém. significa que seus 7 . Segundo ela. Winnicott passou a se dedicar a estudar os meios de utilizar o espaço terapêutico da forma mais produtiva a fim de obter os melhores resultados terapêuticos possíveis. DECIFRANDO A CRIANÇA POR MEIO DOS DESENHOS INFANTIS Nicole Bédard. sabe que pode levá-lo para onde quer. com quem escreveu "The Problem of Homeless Children" em 1944 e "Residential Management as Treatment for Difficult Children" em 1947). se a criança escolhe uma folha de papel pequena. dando-lhe alguma coisa para levar e que pudesse ser utilizada e/ou destruída. na formação de sua personalidade. pedagoga canadense. embora não seja nenhum bicho-de-sete-cabeças. visto que. segundo ela. Ainda quanto às escolhas iniciais para o desenho. pois. e é sentido como algo seu que lhe passa segurança e.se dela. pode experimentar um sentimento de posse e controle. jamais se soube de uma criança que houvesse resistido a esse gesto. despedindo. segundo Claire. Bédard. há significado. adverte Bédard. Segundo Clare Winnicott (que fora sua esposa. O Jogo dos Rabiscos de Donald Winnicott Sentindo-se pressionado a atender um número cada vez mais elevado de crianças que lhe eram trazidas em busca de tratamento. exige sensibilidade e alguma prática. E. ela esclarece que é importante observar por onde a criança o começa e explica que: Se for pelo lado esquerdo da folha. Bédard esclarece ainda. Quando o preto vem acompanhado do azul. Se a proporção da casa no desenho é muito grande. porém. no entanto. O preto representa o que vai pelo inconsciente e mostra que a criança tem confiança em si mesma e no dia de amanhã. como se sente” (MURGIA). significados um pouco mais complexos. que as figuras humanas. quando desenhado no centro do papel. ela sustenta que. nos desenhos infantis. chama a atenção para a necessidade de se atentar nessas figuras humanas. e quanto mais fortes forem os raios. por outro lado. extrovertida. Quem acha que as casinhas coloridas são todas parecidas. Pois. costuma ser uma cor mal interpretada pelos pais. está mostrando exatamente como ela está. e que pode ser bastante esclarecedor para os pais. quer dizer que ela deposita fé e esperanças no futuro. o início no centro indica que ela está aberta a tudo à sua volta e no momento não vive ansiedades nem tensões de maior monta. E. as crianças estão retratando a si próprias ou as pessoas com quem elas convivem cotidianamente. significa que ela é introspectiva.pensamentos estão girando ao redor do passado. por exemplo. são excelentes pistas para se desvendar o que vai por dentro das cabeças das crianças. completa. Segundo ela. tem. representa um auto-retrato da criança e. talvez revele um sentimento de depressão e derrota. Bédard prossegue dizendo. pode representar a influência de uma mãe de índole muito independente. Uma porta pequena na casa sinaliza uma criança 8 . estamos diante de uma criança que acredita ter certa responsabilidade por sua mãe e por seu pai – talvez se trate de uma família desarticulada. mais a mãe será controladora e do tipo que impõe sua vontade em todas as situações. Se for muito intenso. a criança está vivendo uma fase mais emotiva do que racional. avisa a autora. na maioria das vezes. mas. ainda não percebeu seu corpo no espaço. talvez com algumas perguntas girando na cabeça. tão frequentes nos desenhos infantis. E. quando desenhado à esquerda do papel. o auto-retrato infantil pode ser analisado por outros ângulos. principalmente os pais e parentes. ao desenhá-las. as cores também fornecem pistas sobre o que vai pela cabeça dos pequenos desenhistas. Se a casa é muito pequena. explica Nicole. pode indicar um pai com tendências à violência verbal ou física. O mesmo sol a que o psicólogo Murgia se refere. se for pelo lado direito. para o rosto. é o provedor. que o sol desenhado à direita do papel revela a percepção que a criança tem a respeito do pai. otimista e ambiciosa. além de ser adaptável às circunstâncias. Já o amarelo representa o conhecimento. é a casa40. mas. está quase sempre relacionado à figura paterna: ele está lá em cima. a posição dos braços e os pés. Segundo o psicólogo Fabiano Murgia (2010). pode sinalizar algum tipo de agressividade. “À luz da pedagogia. Outro tema recorrente nos desenhos infantis. e também por isso pode esquecer de desenhar os olhos ou os braços – isso é normal até os 7 anos”. o sol realmente representa a energia masculina. associada a maus pensamentos ou tristeza. Ainda segundo Bédard. a curiosidade e a alegria de viver .a criança que usa essa cor com freqüência é generosa. diz que quando a criança “se retrata num cantinho da folha de papel. para Nicole Bédard. Ela explica que a preferência pelo vermelho revela uma natureza enérgica e um espírito esportivo e. não está tendo o reconhecimento corporal dela própria. transmite calor. o sol. O preto. A educadora infantil Luciane Isabel de Freitas. radiante. mas ela possui o caráter e o potencial necessários para fazer frente à situação. deve começar a prestar atenção nos detalhes. Quando a criança desenha a si própria. explica que não necessariamente é assim. nesse caso. ruídos e silêncios. E. até na nossa parte primitiva e animal. a proibiu de comer um chocolate. amores. e que tem nos desenhos infantis uma de suas especialidades pedagógicas. luzes. aprecia os imprevistos positivos. Assim. recantos. diretora da ABC Pesquisa e Desenvolvimento em Educação. também indica teimosia e tendência de impor as próprias vontades. a casa da família. Para a autora. está inscrito mais profundamente em nós. A maçaneta desenhada à direita é sinal de que a criança tem desejos constantes de mudanças. como a concha para o caracol. corredores e portas secretas. e por isso. culinária. “A cada nova informação que recebe. a casa é o termo mais carregado de ressonância afetiva. os pontos altos e baixos e as necessidades de uma criança com base em apenas dois ou três desenhos. na sua obra Le dessin dune maison. pode ser retratada de forma menos afetuosa. mas. as pessoas com quem ela mantém os laços mais fortes. Até por que. universo . fogos e águas. alegre ou não. a maçaneta desenhada no centro indica uma criança em busca de independência e autonomia. por isso. mas se a mãe dela. é preciso levar em consideração o momento que ela vive”. assim como suas relações com todos seus envelopes. alquimia. mais difícil de interpretar. a criança provavelmente irá responder que sua árvore é diferente das outras porque vem de Marte e que a casa pertence a um super-herói capaz de voar. Royer (1989) afirma. significa que seus pensamentos estão ligados ao passado – e dessa forma ela busca confiança para enfrentar o futuro. é revelar as modalidades de sua pertença no mundo. a casa das férias. e arrisca-se a antecipar o futuro. nos acompanha ao longo de nossa vida. naquele dia. Quanto à maçaneta da porta. Isso. Bédard esclarece que quando a criança a desenha à esquerda. é seletiva com os amigos e parentes. E conclui dizendo que: A criança costuma colocar perto de si. a última moradia. mais rico também de significados que os temas desenho da árvore e pessoa. alegando que não existem árvores com peixes nos galhos ou casas suspensas no céu. o que é eventual e não corresponde à realidade de seus sentimentos. na análise do desenho. A casa é o símbolo de todas as "peles" sucessivas que nos envolvem . Uma porta grande. em contrapartida. status social. a casa de retiro. Cada uma de nossas casas possui suas fragrâncias.o seio materno. O conselho que fica aos pais é que jamais interfiram nos desenhos das crianças. Essa criança não aprecia transformações bruscas e precisa de tempo para assimilar novas idéias. família. ao contrário de revelar uma criança distante da 9 . não gosta que lhe façam muitas perguntas e nem que a observem. pondera a educadora Thereza Bordoni. é sinal de boas-vindas para quem quiser fazer parte de seu cotidiano41.que tem dificuldades em convidar as pessoas para visitá-la. Esse arquétipo ligado a nossa segurança. desenhar uma casa é evocar o último Ego que reside mais fundo. tantas paixões: a casa da infância. Nicole Bédard chama a atenção para o fato de que não se deve avaliar a personalidade. Ela diz que o ideal é utilizar vários desenhos feitos num determinado espaço de tempo. tantos sonhos. a casa dos sonhos matrimoniais. as aventuras. mais capaz de desencadear tantas lembranças. A imagem da casa. espaços. posses. que a casa constitui um arquétipo mais complexo. penumbras assustadoras ou propícias aos desabafos.e que vão se encaixando e modelando. a criança reestrutura a sua forma de ver o mundo e. corpos. no papel. de Belo Horizonte. apenas mostra sua originalidade e. 10 . O que certamente é o que se espera dela. demonstra que está desenvolvendo a capacidade de afirmar as próprias opiniões e de desbravar seus caminhos.realidade.
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