Louis Althusser Por R o l a n d B a r t h e s

March 18, 2018 | Author: Henrique Zanetti da Silva | Category: Louis Althusser, Karl Marx, Ideologies, Science, Marxism


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Louis AlthusserL O U I S A lT H U S S E R Louis Althusser nasceu em Birmandreis, Argélia, em 1918. Em 1939, teve êxito no extremamente competitivo exame de admissão para a prestigiosa École Normale Supérieure (Escola Normal Superior, ENS) em Paris. Entretanto, o serviço militar impediu-o de ingressar de imediato na vida acadêmica: a convocação para lutar na Segunda Guerra Mundial adiou seus estudos para mais tarde. Capturado em Vanees, em 1940, Althusser passou os cinco anos seguintes aprisionado em campos de concentração alemães. Depois da guerra, estabeleceu três ligações que seriam cruciais por quase toda a sua vida. Primeiramente, retornou à École Normale Supérieure, onde acabou sendo aprovado no agrégation*1e onde daria aulas até 1980. Em segundo lugar, conheceu Hélène Rytman, companheira com quem manteve um relacionamento duradouro, ainda que difícil e turbulento, até a morte dela, em circunstâncias trágicas. Por fim, após romper com o catolicismo, filiou-se ao Partido Comunista Francês (PCF), ao qual continuaria vinculado até o fim da vida – ainda que com algum desconforto. Althusser apareceu com ímpeto no cenário intelectual em 1965, com a publicação de For Marx (A favor de Marx), rapidamente seguida de Reading Capital (Ler O Capital ). Nesses textos, criticava com veemência o que considerava ser a ossificação dogmática da teoria marxista sob a ortodoxia stalinista, que reduzira a determinação social a forças produtivas, tomando, portanto, a forma de um economismo ou economicismo. Da mesma maneira, Althusser polemizou ferozmente com as leituras hegelianas de Marx. Os marxistas ocidentais haviam se apoiado pesadamente em Hegel, e a desestalinização dos partidos comunistas marxistas também encorajara uma aproximação. A releitura crítica da obra de Marx levou Althusser a uma nova periodização, na qual localizava um “corte” entre um Marx da juventude, “ideológico”, e um Marx “científico” da maturidade. Althusser afirmava que a mudança na direção de uma abordagem científica exigira que Marx abandonasse Hegel, bem como a antropologia filosófica e o humanismo que davam sustentação a seus textos anteriores a 1845. Assim, defender uma leitura hegeliana de Marx era precisamente afastar-se das realizações mais importantes de Marx, das quais a principal era a concepção de uma sociedade como uma totalidade complexamente determinada. Althusser argumentava que seu retorno a Marx tinha como justificativa a intenção de diferenciar os marxismos, o autêntico do ideológico. Esse retorno, contudo, não era a recuperação de algo que outrora se conhecia e agora fora * Nota do Tradutor (N. T.): O agrégation é um sistema de admissão, por concurso, de professores em liceus e faculdades na França, e que efetiva o acadêmico funcionário público do ensino. 13 da obra de Gaston Bachelard –. ou a noção de que a história é a realização de uma essência humana. Isso significa. o amor ou a liberdade. documentos. era incompatível com o anti-humanismo teórico da investigação científica das relações sociais encontrada no Marx posterior. em Hegel) = a essência interior do todo”. o mesmo significado que tem na teoria da relatividade. na qual se considera que a “essência” determina todas as facetas da vida social. Cada conceito está embutido numa rede de conceitos que Althusser definiu como uma “problemática”. com o intuito de extrair a “inconsciência” teórica do texto que estruturava os tipos de questões apresentadas e limitava a gama de conceitos e respostas possíveis. mas rompe com a experiência cotidiana por meio da construção de estruturas conceituais e teóricas. uma palavra não é um conceito científico. prática) que reproduz o cotidiano como senso comum. numa tentativa de estabilizar relações antagônicas. abrira um “novo continente” de conhecimento científico. na física newtoniana. O historicismo apresenta a história como um processo linear rumo a um objetivo. era necessário.. Marx. Para Bachelard. A palavra “espaço” não tem. É uma teleologia. mais especificamente. tal descoberta do Marx autêntico exigiu três fontes intelectuais marxistas: a epistemologia histórica. religioso etc. Da epistemologia histórica – e. Para Althusser. O humanismo. Althusser se apropriou da noção de “corte”. A leitura sintomática que Althusser fez de Marx identificou uma problemática que rompia com o humanismo e o hegelianismo. enquanto tais. experiência. Esta última é um know-how (experiência. realizar “leituras sintomáticas”. que a ciência não é uma extensão do cotidiano. uma prática por meio da qual materiais brutos (por exemplo. literário. Curiosamente. O significado nesta última não se funda na primeira. político. e foi uma tarefa dos livros de Althusser explorar e mapear o potencial teoricamente contido nesses domínios. em primeiro lugar. Em Ler o Capital. a crença de que os indivíduos. Althusser afirmava ter descoberto que o trabalho teórico deveria ser visto como um tipo de produção. ideologias) são influen14 . o que Althusser chamava de “totalidade expressiva”. Afirmava que “tal e tal elemento (econômico. isso era o que estava por trás do contraste entre ciência e ideologia. tais como aquela entre capital e trabalho. de acordo com Althusser. nos termos de Lacan. por sua vez “materializadas” em ferramentas. O segundo sentido de corte historiciza o primeiro. a filosofia espinosana e a psicanálise lacaniana.50 Grandes sociólogos contemporâneos esquecido. são os agentes da história. técnica. O que atribui significado científico a um vocábulo particular é sua relação com outros conceitos. rompe com ela. “fatos”. Associado ao humanismo estava o historicismo. Uma vez que diferentes problemáticas podiam compartilhar palavras. legal. como a criatividade. instrumentos e experimentos. Althusser identificou em Marx um corte epistemológico iniciado em 1845 e que evoluiria para uma nova problemática depois de 1857. Contudo. na linguagem de Spinoza. decorrente de uma concatenação de eventos: uma guinada visceral da intelectualidade acadêmica francesa contra o marxismo. afirmando que. mas estrutural. Para Althusser. já tinha perdido grande parte de sua carga explosiva. Apesar de suas difíceis relações com o estruturalismo. Ele defendia o argumento de que o nível econômico ou a região de relações de produção é sempre determinante. Althusser criticaria o caráter excessivamente teórico dessa visão. em última instância. reconhecidos por ele próprio em mais de um texto de autocrítica posterior. “os efeitos não são externos à estrutura. Em trabalhos posteriores. seus textos foram decisivos para acadêmicos como Göran Therborn. rompendo com a ideologia. Portanto. Em fins da década de 1970. Erik Olin Wright e Stephen Resnick e Richard Wolf. O pensamento de Althusser sacudiu o marxismo e eletrizou o debate teórico. Nicos Poulantzas e Michel Pechau. de maneira coerente. Em outras palavras. A formação social é uma totalidade descentralizada. entretanto. sempre e a um só tempo. determinantes e determinadas por outras. o trabalho teórico-conceitual. a ênfase de Althusser no conhecimento enquanto prática produtiva foi retomada e desenvolvida por Roy Bhaskar como a base do realismo 15 . Apoiando-se nas idéias de Marx. mas especialmente na filosofia materialista de Spinoza. políticas. o que estava em jogo não era uma causalidade expressiva. Althusser afirmou que o conceito marxista de modo de produção tornou possível uma problemática na qual as sociedades poderiam ser conceitualizadas como totalidades contraditórias e complexamente organizadas. Não se trata de uma estrutura unitária. Não existe causa primária ou última. Assim. ideológicas) de uma sociedade são. a hora solitária da ‘última instância’ nunca chega”.Louis Althusser ciados por uma estrutura teórica que. mas de uma estrutura de estruturas. Pierre Machery. Não há uma contradição apenas. a estrutura é imanente em seus efeitos”. outras regiões podem ser dominantes. existe uma “causa ausente”. os processa e organiza. mas uma pluralidade de contradições. “do primeiro ao último momento. que chamou de “Generalidade III”. Terry Eagleton. Além dos limites de seu círculo imediato – incluindo Etienne Balibar. Essa transformação prática do que chamou de “Generalidade I” pela ação da “Generalidade II” produz o conhecimento científico. para nomear apenas alguns –. ou.. no feudalismo. bem como importantes problemas teóricos intrínsecos à própria posição de Althusser. fez ressalvas a seu próprio raciocínio. Todavia. é a chave fundamental da produção do conhecimento científico. a região econômica estrutura um campo de determinação mútua no qual outras regiões são relativamente autônomas. Mao e Lenin. em certos modos de produção. Mais tarde. As diferentes regiões (econômicas. O legado de Althusser é imenso. que se amalgamam ou são deslocadas. o althussearianismo é frequentemente referido como “marxismo estrutural”. em que cada elemento é “superdeterminado” ou já tendo sempre recebido a influência de uma variedade de outros elementos.. o dominante é o nível político. uma mudança dos horizontes políticos. Althusser deu uma importante contribuição ao materialismo imanentista espinosano contemporâneo. e ele foi declarado incapaz e inocentado em 1981. a educação) e sua contribuição para a reprodução das relações sociais de exploração. até morrer. o desafio lançado por Althusser à teoria marxista e ao pensamento social: talvez seja também o nosso. um “materialismo aleatório”. uma sociedade mais justa).50 Grandes sociólogos contemporâneos crítico. também de publicação póstuma. silenciado pela ausência de julgamento pelo homicídio de Hélène. Althusser tentou traçar e esboçar um “materialismo do encontro”. em novembro de 1980. em termos mais amplos. Esse foi. Ademais. No fim das contas. mas nenhum parecia capaz de evitar os colapsos periódicos. A justiça francesa considerou Althusser inimputável. as severas crises de depressão e os sucessivos períodos de internação. Hélène. Althusser não foi preso. É outra área em que Althusser. Ele afirmou que. Depois de solto. Sua obra sobre a ideologia – esboçada em A favor de Marx no ensaio “Idéologie et appareils idéologiques d’état” (“Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado”) – teve larga influência. lançam luz sobre importantes aspectos do projeto intelectual e político de Althusser. Se a “traumabiografia” esconde mais do que revela. o produto de voluntarismo ou um fenômeno inteiramente fortuito. Em outras palavras. onde permaneceu até 1983. entre outros. acima de tudo uma “reescrita de uma vida sob o prisma de seu naufrágio”. Althusser sofria de psicose maníaco-depressiva. ele assassinou a esposa. a família. 16 . Em 1992. o texto permitia a ele “intervir pessoalmente e publicamente para oferecer meu próprio testemunho”. de maneira inovadora. nas palavras de Gregory Elliot. delineando a função dos “aparelhos ideológicos estatais” (tais como a Igreja. Em escritos como “Le courant souterrain du matérialisme de la rencontre” (“A corrente subterrânea do materialismo do encontro”) e “Machiavel et nous” (“Maquiavel e nós”). A definição de Althusser para o conceito de ideologia – “representação da relação imaginária de indivíduos com suas reais condições de existência” – mostrou-se extremamente fértil. trabalhando em sua autobiografia. postumamente. associado. Foi o fim de sua carreira acadêmica. aos 72 anos. em 22 de outubro de 1990. de ataque cardíaco. sem que isso fosse visto como um evento pré-ordenado. a autobiografia de Althusser foi publicada. mudou-se para o norte de Paris e viveu relativamente recluso. A tentativa althusseriana de desenvolver um materialismo não reducionista continua sendo um programa de pesquisas vital. Foi submetido a uma miríade de tratamentos. durante um surto psicótico. o volume é. Tragicamente. Etienne Balibar e Antonio Negri. fia-se na psicanálise lacaniana para explorar a ideologia como prática material que constitui os indivíduos enquanto sujeitos. propôs a questão de como podemos usar o conhecimento teórico de modo a contribuir para a emergência de algo novo (por exemplo. mas sim internado num hospital psiquiátrico. Mais que um testemunho ou uma biografia. a Gilles Deleuze. outros textos. New York: SUNY. London:Verso. 1999. London: New Left Books. 1989. Em inglês For Marx. 1976. Gregory Elliot. São Paulo: Companhia das Letras. O futuro dura muito tempo. London: Allen Lane. 1992. London: Pluto Press. Althusser:The Detour of Theory. Gregory Elliot. 1979. London: Palgrave. ed. Claude Lévi-Strauss. Machiavelli and Us. Essays in Self-Criticism. London: Continuum. Society and Its Metaphors. London: New Left Books. Alex Callinicos. 1974. PARA LER LOUIS ALTHUSSER Em português A favor de Marx. London:Verso. 2002. 1962-5. Reclaiming Reality. Read. José López. Ler O Capital. 1975. 1987. 2003. PARA SABER MAIS Ted Benton.Roland Barthes VEJA TA M B É M Neste livro: Manuel Castells. The Rise and Fall of Structural Marxism. 17 . 1969. Rio de Janeiro: Zahar. Althusser’s Marxism. 1965-8. The Micro-Politics of Capital. Seguido de Os fatos: autobiografias. London:Vintage 1994. Althusser: A Critical Reader. Reading Capital. 1984. Com Etienne Balibar. 1971. 2003. Oxford: Blackwell. Rio de Janeiro: Zahar. Ernesto Laclau. Warren Montag. Louis Althusser. 1970. London: Macmillan. 1976. 1994. London:Verso. J. Roy Bhaskar. The Future Lasts a Long Time. Em 50 sociólogos fundamentais: Karl Marx. Lenin & Philosophy and Other Essays. London: New Left Books.
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