O anti-fitness ou o manifesto anti-desportivo Introdução ao conceito de Reeducação Postural Luís Coelho Fisioterapeuta mézièrista Professor de Pilates Investigador na área das raquialgias “Vejo no relativismo uma doença dos pensadores, a qual consiste em acreditar que a opção entre duas doutrinas rivais é arbitrária, porque a verdade não existe, ou porque não há nenhum meio de decidir, se entre duas teorias, uma é superior à outra.” (Karl Popper) Título: “O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO. INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE REEDUCAÇÃO POSTURAL” Autor: Luís Coelho Paginação: Maria João Rico Impressão: Fotolitaria, Lda. ISBN: 978-989-8086-25-9 Depósito legal nº: 1ª Edição: Novembro de 2008 Contra Margem Lda Rua Cidade de Setúbal 1569 - B Pinhal General 2975-220 Quinta do Conde Telf/Fax: 21 087 63 95 Telm: 91 966 69 18 © contramargem.blogspot.com
[email protected] .............. ...................................................................................Intervenção Postural........................................... .........................Índice Agradecimentos........................9 Prólogo.......................................................... .............Dados histológicos e funcionais preliminares: tecidos conjuntivo e muscular...........................11 Introdução......................................................O método Mézières ou a revolução na ginástica ortopédica..... ..................................... 123 ......Fitness enquanto “indústria cultural”.....................71 VII ..............35 III .............................Diferentes tipos de músculos.....................13 I ...................90 VIII ............................................................................. ......44 IV ........................................53 V ...61 VI .....................O métodos neo-mézièristas........................ 115 Conclusão.........................23 II ........................................................................................................... ....Implicações da Reeducação Postural para a prática desportiva..........................Posturas de “Postura”................ particularmente. para além dos colegas terapeutas e médicos responsáveis.Agradecimentos Todos os autores que lemos e relemos.. às pessoas que me ensinaram ao longo de muitos anos. Foi com todos eles que se assumiu o meu caminho metodológico. particularmente os mestres da Escola Superior de Saúde do Alcoitão. em especial. . . Neste contexto. agradeço a forma como abraçou o projecto deste trabalho. à Dra. a todas as pessoas que são capazes de ler os meus escritos (incluindo os leitores do meu blog). E não deixará sempre de ser nestes grupos que reside a Verdade. um agradecimento é também devido a todas as pessoas que conheci no seio do mundo do fitness. e. os próprios doentes/alunos das minhas aulas de reeducação postural. Não poderia deixar de agradecer também ao Dr. Isto inclui especialmente diversos membros de grupos minoritários. José Luís Bernardino Rocha por toda a paciência necessária no decorrer dos últimos anos. sem se questionarem. Deixo quase para o fim um agradecimento fundamental aos meus pais. sem reflectirem. de forma mais ou menos incessante. em geral.. influenciam a nossa escrita. Daí que começaria por agradecer a feição desta obra a todos os autores e todos os indivíduos que de alguma maneira influenciaram a minha forma de pensar. no Consultório e Clínica de Reabilitação. e tropeçando no medo de que eu seja objecto de alguma forma de estigmatização. Não poderia deixar de agradecer também ao pessoal com que trabalho no dia a dia. e o entusiasmo que manteve do início ao fim da feitura da obra. Lda. que constituem. mesmo não compreendendo completamente a importância deste trabalho. os quais. Helena Mineiro.Lisboa. Agradeço. E. e evitar atirar logo pedras. o agradecimento mais importante.com Blog: http://www. apresento uma série de argumentos. necessário dizer que esta obra é sobretudo um “manifesto”. alguém que. sendo a força motriz mais importante da minha vida nos tempos mais problemáticos. apesar de fornecer algumas bases do que será uma “revolução na metodologia do treino”. de forma séria.. E é uma obra para ser lida com a mente aberta. portanto. supostamente com um componente importante de auxílio da saúde. novos e futuros. A minha antiga companheira íntima e a minha eterna amiga Vanessa. uma tentativa de construção de um conceito. agradeço toda a companhia. E disso tentarei não me esquecer no decurso da escrita deste manifesto. Nesta obra.LUÍS COELHO não deixam de me apoiar. Não é um guia de treino. Nos tempos modernos. não de uma pragmática propriamente dita. fitness significa. um dos seres simultaneamente mais niilistas e mais sentimentais que conheço. velhos.reeducacaopostural. E com toda a certeza de que a Verdade deve ser encontrada. por fim.. Que os teus olhos continuem a brilhar (no amor) tanto agora como sempre brilharam!. Aliás. e muito menos nas crenças das “maiorias” ensinadas por esses mesmos investigadores. À Vanessa Almeida. Luís Coelho Contacto: coelholewis@hotmail. A Verdade carece de uma epistemis adequada. num sentido mais ou menos etimológico. Veremos porque é que defendo que o fitness está muito longe de constituir um serviço à saúde humana. É. um “completo estado de bem-estar físico”. Este livro é uma obra de carácter teorético.reeducacaopostural.com Site: http://www. E. tem sido vendida a ideia de que o exercício físico é sinónimo absoluto de “saúde”. não nas pressuposições de investigadores imperfeitos. é e será sempre a minha “alma gémea”. e a ajuda no saborear dos prazeres da vida. a quem dedico particularmente esta obra. Os seus objectivos são a passagem imperiosa de uma mensagem e da iniciação a uma pragmática. assim como apresentarei. Prólogo O termo anti-fitness surpreende pela suposta contradição que evoca nas nossas mentes.com 10 11 . teremos sempre em conta uma designação de fitness enquanto um conjunto de práticas físicas cada vez mais em voga. apesar de tantas aventuras e desventuras.blogspot. a minha visão teorética da coisa. todos eles com base em factos ou dados científicos basilares. nas suas diversas componentes. quero que herde todo o “objecto” da minha vida. Aos meus amigos. de transmissão de um entendimento. Este não é um livro de instruções. Para tal. outras vezes inteiramente apodíctica (portanto. com o meu discurso. e a actividade gímnica em geral. tendo. que.Introdução O título da presente obra remete para o campo da inadequada compreensão do tipo “utilitarista”. seja pela crescente mediatização das competições que lhe estão associadas. Pretendo. nas últimas décadas. falo essencialmente numa óptica relativa ao “longo prazo”. todas as armas disponíveis para alimentar a patologia do “corpus” frágil que todos possuímos. em termos músculo-esqueléticos. Se especificarmos a “questão patológica” veremos. de uma forma umas vezes científica. Falar de desporto tem sido. que o desporto. constitui mais forma que conteúdo. barganhar a ideia de que o desporto é inteiramente mau ou que possui só consequências deletérias para o organismo biomecânico. com algum nível de análise. O que pretendo realmente fazer é mostrar. mais aspecto que verdadeira inteireza. tem dado lugar a um discurso assaz público. com base em axiomas). em si. seja pelas suas cambiantes psicossociais. anunciar. o desporto actual e modernamente praticado possui mais inconvenientes que vantagens. a temática desportiva. um aglomerado de artifícios corpóreos tendentes à criação de um super-homem. quando falo das consequências nefastas que a actividade desportiva poderá ter para o corpo músculoesquelético. capaz de toldar os mais aprimorados espíritos da intelligentsia nacional e internacional. de forma alguma. nos seus mais básicos circunlóquios. de tudo capaz. uma óptica 13 . que me refiro não tanto a um “curto prazo nosológico” mas mais a um “longo prazo estrutural”. Aliás. o que é o mesmo que dizer que a grande maioria das pessoas não concordará sequer com o conceito que me proponho defender. Não pretendo. e somente nestes termos (que o mesmo será falar de um contexto determinado). com tangentes possibilidades físicas e/ou mentais. Ou seja. falar de uma espécie de milagre ou descoberta médica ultra-inovadora. tal como nos é apresentado. quando falamos de funções como a força.. prende-se com a saúde músculo-esquelética. pelo futuro de uma patologia. a função depende. pelo devir de determinada morfologia (relativa à forma ou estrutura corporal). senão estultamente negligenciado. função. no médio prazo. voltando ao binómio presente (estrutura vs. Não se interessa muito pelo “andamento” de uma condição. Mas. o mesmo será dizer. com um dinamómetro) e do volume (medido meramente por uma fita métrica) musculares ou que o treino de resistência aeróbia leve à diminuição da frequência cardíaca e da tensão arterial (em repouso). E também não é difícil pressupor que estas mesmas funções corpóreas. estudos maioritariamente de natureza experimental (ou quasi-experimental). e estamos todos a incorrer num erro crasso?. secundária ou terciária). da estrutura corporal enquanto aspectos definidores da saúde do “porvir” de determinado indivíduo. talvez não seja demais repetir que é a parte “função” do binómio que tem sido amplamente objecto de investigações. Há. porventura. implica a compreensão de que é a estrutura que vence a “pressão dual” do binómio vigente. pelas consequências de um determinado comportamento e. Ainda no contexto da dicotomia estrutura vs. milhares de estudos relacionados com as funções referidas. como tal. e com a saúde postural. em toda esta história. É certo que cada corpo é uma idiossincrasia.. a discussão presente finaliza-se no ponto em que se entende. Mas.. num 14 15 . pois tudo o que interesse ao design corpóreo remete para um campo de “longo prazo” que poucos têm a paciência ou a disponibilidade para escrutinar. A ciência médica. e tantas outras. Trata-se do binómio. muito pela forma como a mesma está teorética e institucionalmente cimentada. Ou. Geralmente. Sabemos que a ciência médica interessa-se fundamentalmente pela patologia “presente”. se tivermos em conta que. Tentemos especificar melhor a última ideia... controladas preferencialmente numa população randomizada (ou aleatorizada). função. Será que compreendemos suficientemente bem as implicações dessa possibilidade? Será que conseguimos mesmo atender à possibilidade de que tudo o que fazemos “agora” terá repercussão cumulativa no design músculo-esquelético do corpo. em que se assume que “a função faz o órgão” e que. tudo depende da função. o que havemos todos de fazer se ninguém reparar que. No respeitante aos estudos relativos a esses mesmos indicadores. por um esquema conceptual fundamentalmente funcional. A dúvida. o lado da estrutura. diria que somente a parte função é sabidamente conhecida. Daí que a “ciência” se interesse sobretudo pela função. estrutura vs. função). mais sublimes. Raramente as “ciências da saúde” se têm interessado pela “prevenção” (seja primária. especialmente relevante. levam à melhoria da saúde e qualidade de vida do indivíduo. E não há quaisquer dúvidas que a prática desportiva possui inúmeras vantagens para a saúde cardio-respiratória. é inegável que a prática física possui uma série de efeitos numa ou várias funções corpóreas. tem sido amplamente esquecido. visa a medição de uma série de variáveis.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural ou dimensão de um “porvir” que não pode ser mais do que meramente previsto em termos especulativos. potência muscular. O seu modelo. Portanto. Diria que o contexto dos métodos fisioterapêuticos de Reeducação Postural. Portanto. Aproveitando a ideia do parágrafo. provavelmente “o Rei vai nu”. num sentido geral. o outro lado do binómio. a ciência que é praticada visa o “curto prazo funcional”. que iremos atender mais tarde. não é difícil adivinhar que o treino de força conduz ao aumento da força (medida. remetemo-nos para um conjunto de indicadores/variáveis funcionais relativamente fáceis de medir e de obter. mobilidade articular. nomeadamente aquela que proponho neste “manifesto”. Mas também é certo que a ciência médica se tem interessado sobretudo pelos aspectos grupais (ditos nomotéticos) dessa mesma idiossincrasia. ou seja. prima por um pensamento preferencialmente do “curto prazo”. geralmente. Não obsto a essa evidência. no contexto de estudos de mensuração de uma ou mais funções corporais. diria que a ciência médica se tem interessado especialmente pela “função” corpórea. por exemplo. No contexto desses estudos. No parágrafo anterior deixei latente uma dicotomia. de forma inextricável. da estrutura que a acomete?. temos de deixar bem claro que tal é totalmente coerente. consigna a “cura” de uma anomalia estrutural e/ou funcional. E raramente essas mesmas ciências se têm interessado pelos aspectos. treinadas até determinado ponto. interferindo na função futura?. Contudo. provavelmente. óssea e até psicomotora. sobretudo. assim como apenas essa parte tende a ser aludida no respeitante ao “campo de actuação” da prática física. única e singular no seu todo.. que tem sido tantas vezes apelidado de “biomédico” ou “biomecânico”. e pouco pela estrutura. que havemos de fazer se. resistência aeróbia. resistência muscular. Ou seja. ou seja. Compreendendo aquela que pode ser entendida como a “Teoria 16 das Cadeias Musculares”. Todos os outros métodos podem ser considerados como secundários àquele que levou a ideia de Globalidade ao seu máximo. portanto. progressivamente superficiais. todos os dias. nomeadamente que “o estado das estruturas miofasciais determina a forma e alinhamento das articulações”. se atendermos à postura como design músculoesquelético. relativamente àquilo que consigna à temática da Postura e da Intervenção Postural. na realidade de natureza mio-fascial. O anti-fitness constitui. é precisamente aí que a investigação existente ecoa no vazio e. tomando as modalidades do tipo fitness como uma espécie de “alvo a abater”. constitui um assunto de grande âmbito e complexidade. O que não é de estranhar. é logicamente difícil suster os métodos em análise por estudos verdadeiramente científicos. Todavia. começar o nosso trabalho pela análise sucinta da natureza histológica (relativa aos tecidos humanos) de músculos e tecido conjuntivo. Ora. Da ontologia (relativa ao que há) passemos para o campo epistémico (relativo à teoria do conhecimento). acredito que há um enorme fosso teórico (e também pragmático) que pode e deve ser analisado. o conceito presente não se resume ao conjunto citado de implicações músculo-esqueléticas advindas do paradigma da “Reeducação Postural”. E. e também àquele que criou o conceito de “cadeia muscular”. o trabalho com o método Mézières ainda carece de um linha de estudos experimentais que atestem a “evidência” da “técnica”. é uma reflexão sobre as práticas. de Anti-fitness. por mim criado. o paradigma dito postural possui uma repercussão inalienável naquilo que podemos designar como “saúde músculo-esquelética a longo prazo”. uma “entidade ontológica” independente e relevante. Ou seja. Veremos que. poderei desde já dizer que esse mesmo design. que visam o treino compulsivo de um “corpo frágil” e a esteticização patológica desse mesmo corpo. supostamente estão envolvidas no “desenhar” da nossa estrutura músculo-esquelética. fortemente ligadas aos métodos de “Reeducação Postural”. me impressiono por ver tantos e tantos profissionais de Fisioterapia e de Educação Física a cometerem sucessivamente os mesmos erros e a caírem tão profundamente na ignorância cabal relativamente à temática da Globalidade e da Postura enquanto design corpóreo. todos os que partem do grande método. se a temática “estrutural” se relaciona com o campo do “longo prazo longitudinal”. o meu entendimento estende-se a um conjunto mais vasto de ideias e actividades. as metodologias de 17 . O mesmo será dizer que o meu entendimento da prática desportiva não acrescenta. para mim. como veremos. à semelhança da psicanálise e de tantos outros métodos de carácter fortemente conceptual. partindo de uma série de pressupostos e de axiomas criados pelos paradigmas fisioterapêuticas de “Reeducação Postural”. O anti-fitness é mais do isso.. face à tão grande prolixidade de métodos de “intervenção postural”. praticamente desconhecido em Portugal e no mundo anglosaxónico. Só depois pretendo traçar um percurso que passa pela análise do conceito de “postura” e pela história geral dos métodos ditos de “Reeducação Postural”. o método Mézières. para mim. entre leigos e profissionais. acabando num capítulo de análise do conceito ou postulado central do “trabalho postural” que advogo. aquelas que. Iremos. especificamente falando. Aliás. É um conceito global. Não entendo as ditas implicações de uma forma muito mais completa do que aquele que foi o entendimento de Thérèse Bertherat sobre a mesma temática. muito às ideias de Bertherat e à sua antiginástica. Isto não antes de esclarecermos o postulado mais importante desta obra. Posso dizer desde já que. pois.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural sentido restrito. O mesmo será dizer que. facilmente podemos começar a visar um conjunto imenso de implicações para o mundo da fisioterapia classicamente preconizada e da actividade física modernamente praticada. Todas estas bases são fundamentais no sentido em que caminhamos na direcção de um propósito.. Pois. não é despiciendo dizer que existe uma enorme ignorância. um tanto ou quanto especulativos. de Françoise Mézières. Daí o conceito. alienação relativamente ao fitness enquanto prática destruidora da harmonia corporal e do equilíbrio psicofísico com esta relacionado. É preciso atender que muitas das afirmações que profiro se baseiam em premissas e teorias. aqueles que apresentam a grande inovação conceptual para o nosso trabalho correspondem aos métodos da Escola francesa. decorrente em muito da ideia de “alienação” sustida por tantos filósofos. aparentemente. portanto. com o qual pretendo finalizar esta introdução. que é também o postulado mais importante dos métodos de “Reeducação Postural” que iremos tratar no “manifesto”. com fortes repercussões na questão “saúde” que nos pretendemos tratar. Esta obra começará por tratar a parte que considero mais proeminente em termos teoréticos: a natureza das estruturas musculares e fasciais. as ditas implicações são tão óbvias que. Não tenho dúvidas de que os mesmos existem e estão bem presentes nas mentes de terapeutas bem experimentados. Rapidamente. daquelas que fazem das aulas de “educação física” o grande tormento semanário. repleto de “desequilíbrios musculares”. muitas dessas mesmas ideias são contraintuitivas. obviamente. ainda mais porque fui uma criança particularmente sedentária. a dificuldade em compreender um conjunto de pressuposições axiomáticas que têm sido tão importantes na edificação de grandes teorias do conhecimento. Será que eu me considero “essa” pessoa? Será que vejo em mim algum tipo de destino messiânico? Como é óbvio. tentando evitar as barreiras naturais que tendem a interpor-se. unidades da potência práxica. porque tanto admiro este homem que soube dizer que Verdade há só uma e o que varia é a proximidade a essa Verdade. aumentando a vontade natural para não as aceitar. por exemplo. toda a conversa da “falta de evidência” encerra. mas há. algumas das ideias que defendo vão contra o que a “maioria” advoga. cujos conjuntos musculares trabalham muitas vezes de forma sinérgica e associativa. de forma mais ou menos directa. para compreendermos a necessidade da escrita desta obra. de natureza biográfica. Precisei de vários anos de curso para ter uma ideia mais ou menos “diferencial” da concepção de corpo músculo-esquelético. chegando a haver estruturas musculares que realizavam tarefas de forma totalmente patológica e disfuncional. um fervoroso praticante de desporto. a par de tão grande evidência observacional cimentada. O meu corpo estava absolutamente ingovernável. tornei-me. A ironia reside no facto de que. constituí várias vezes “modelo” para os professores e colegas. Gostaria de terminar esta introdução com uma contextualização. considerada importante. no seu âmago. por vezes. Mas. somente convido os leitores a terem sempre presente a “dúvida” e a reverem copiosamente as suas ideias. indubitavelmente quem tenha a lógica e a Verdade mais perto de si. principalmente flexibilidade. Foi a prática da musculação que me ajudou a conceber uma ideia do corpo como constitutivo de um conjunto avultado de músculos. mais ou menos indirecta.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural terapêutica global dizem respeito a aspectos muito abrangentes da Pessoa. pois. altura em que seria particularmente útil o meu conhecimento “rudimentar” da anatomia muscular. ainda mais se estiver associada a uma entrega mais ou menos obsidiante. apesar de terem dado ao meu corpo uma certa “estética musculosa”. sendo. essa mesma prática poderá tornar-se. difícil isolar variáveis e medir resultados. Por outro lado. quando eu disser que acredito que. Este tipo de conhecimento iria. dispenso tal pós-modernismo. Por mim. para indivíduos completamente incultos em matéria de “desporto”. a prática de uma qualquer actividade física poderá ser vantajosa no sentido de poder dar um certo nível de consciência corporal. a musculação alimenta os “desequilíbrios musculares”. estruturas que aproximam articulações e que nos permitem a concretização de uma série de actividades. nesta fase da minha vida. Na realidade. e que o seu treino em elevado grau poderia fazer com que o corpo perdesse determinados atributos. seria prejudicar-me demasiadamente se admitisse tal coisa. ficou bem explícito que vários anos de musculação. tinham enchido a minha “capa” de diversos defeitos que só dificilmente se poderiam corrigir. cem por cento nefasta. Ajudou-me. a minha ideia de “corpo” não diferia 18 19 . na minha adolescência já tardia. Na realidade. A musculação ajudou-me. para mim. em particular. influenciar a minha entrada no curso de Fisioterapia. Devo dizer que é um tanto ou quanto irónico que escreva esta obra. E. inicialmente pura especulação. Ainda mais. E vão certamente contra um certo tipo de tradição. Acontece que não precisei de muito tempo para perceber que a “força muscular” constitui apenas uma entre diversas funções corpóreas. portanto. em particular de musculação. A Verdade depende. paralelamente à minha há muitas outras verdades. num segundo tempo. mesmo assim. se tornaram um facto à luz da ciência mais rigorosa. do homem que a “constrói”. após ter tido uma infância particularmente “inactiva”. incorrer na falta de falsificabilidade científica. Esta última premissa é especialmente relevante. Durante o curso de Fisioterapia. e que. a ver o corpo como um todo. muitos outros dirão que essa é a minha verdade. Convido qualquer um a pensar na quantidade de ideias contra-intuitivas que. exemplo perfeito do que uma prática rígida do desporto poderia levar em termos de “equilíbrio muscular”. mesmo com vários anos de curso e uns poucos anos de prática profissional. Perante a perplexidade da existência de tantos e tantos paradigmas (na lógica de Kuhn) e de tantas epistemis (na lógica de Foucault). Que Karl Popper me perdoe se. para além disso. a ter uma ideia de que grupos musculares compõem o corpo e a que tipo de “acções” esses grupos se destinam. naquela altura. Diria que. comecei a perceber que as coisas poderiam ser vistas de uma forma diferente. a visão de conjuntos estendidos de grupos musculares sinérgicos. pois só assim se poderá verdadeiramente entender a natureza do conhecimento. do cotovelo e do joelho. Convido os leitores a fazerem um trajecto pela obra. começando a ler os livros da “Reeducação Postural Global” de Souchard. cadeias musculares. e pensam sempre segundo o “raciocínio dos grupos musculares”. não via o corpo de uma forma muito diferente de um treinador que trabalha conjuntos de músculos. igualmente. a revalorizar a questão dos “diferentes tipos de músculos”. mais ou menos “comunicáveis” entre si. A ordem dos capítulos deste livro reflecte. e o treino de pesos (e de todas as actividades que utilizam resistências). A visão de Globalidade muscular.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural cabalmente da ideia de “corpo” que é partilhada pela maioria dos fisioterapeutas e profissionais de educação física. o treinador ou o terapeuta gostam de fortalecer.. conceito que irá ser mais tarde tratado. quando abracei a área da Reeducação Postural. é visto em termos desses grupos musculares. segundo “uma outra forma de ver” as coisas. etc. de alguma maneira. Os profissionais da Motricidade partilham uma ideia de corpo enquanto estrutura constituída por um conjunto de diversos grupos musculares. e das diversas secções da coluna. quando comecei o meu trabalho de fisioterapeuta.. E comecei. Essa mesma ordem também reflecte a necessidade de uma certa coerência conteudística. abdutores (afastam da linha média). Precisei de vários anos de trabalho em “Reeducação Postural” para começar a perceber que o corpo possui uma identidade global bastante mais completa do que a “identidade” que nos servem nos cursos de base de Fisioterapia e Motricidade. Independentemente da pessoa ou patologia existente. tornar os músculos mais potentes e resistentes. um trajecto necessariamente de “mente aberta”. Tanto o trabalho de “contracção”. Aliás. em geral. adutores (aproximam da linha média) e rotadores do ombro e da anca. a ordem com que fui “integrando” muitos desses conceitos. são vistos enquanto funções relativas a grupos musculares distinguíveis uns dos outros: flexores (aproximam duas superfícies ósseas) e extensores (afastam duas superfícies ósseas) do ombro e da anca. e sobretudo a visão de Globalidade mio-fascial (um conceito mais lato que o anterior). quanto o trabalho de “distensão”. E precisei de bastante tempo para começar a entender certos argumentos de fisioterapeutas especialistas em “Reeducação Postural”. As diversas funções musculares são vistas como adstritas às funções articulares mais importantes. Só muito mais tarde. assim como o treino de flexibilidade. os fisioterapeutas mais “experientes” que observava também não trabalhavam. assim como a natureza fundamental do trabalho reeducativo. nunca segundo um raciocínio de. Dizia eu que. não tem sido apanágio dos paradigmas de treino e do trabalho de fisioterapia convencional. 20 21 . ou seja. um por um. do punho e do tornozelo. as peças anatómicas que permitem os eixos de movimento. No interior do tecido conjuntivo. as moléculas colaginosas 23 . as moléculas colaginosas e os feixes conjuntivos alongamse”. as articulações. Sublinhem-se as seguintes palavras. o colagéneo (proteína de curta duração) modifica-se durante toda a vida. Estas duas proteínas possuem alguma capacidade regenerativa. Segundo Bienfait. o estudo dos tecidos biológicos. é nestas proteínas que se situa a maior parte da patologia do conjuntivo (sendo esta especialmente relevante para as alterações estruturais). sobretudo. cuja função é a secreção de duas proteínas de constituição: o colagéneo e a elastina. mas. as quais contribuem para a substância matricial da estrutura articular. O tecido conjuntivo ou conectivo compõe. não interessa discorrer muito sobre o tipo de tecidos que compõem o organismo humano. Obviamente. à nossa visão “global” do corpo interessa.I . A “dinâmica” estrutural do tecido conjuntivo depende totalmente do mecanismo funcional das fibras anteriormente mencionadas. descrição que vai ao encontro da nossa “perspectiva”. a qual tem sido tantas vezes negligenciada por tantos profissionais. é fundamental perceber a dinâmica deste conjunto de fibras. de forma dominante. Bienfait refere a “dinâmica da elastina” como estando dependente do “estado de tensionamento” do tecido (p. constituído por um conjunto de células denominadas “blastos”. constitui terreno fundamental do nosso percurso. Bienfait1. apresenta uma descrição sucinta deste tipo de tecido. as duas proteínas formam fibras. um conjunto de dois tecidos: o tecido conjuntivo e o tecido muscular. na sua obra “Os desequilíbrios estáticos”. ou seja.15): (a) “se a tensão suportada pelo tecido é contínua e prolongada. (b) “se o tecido suporta tensões curtas mas repetidas. Agora. enquanto a elastina (proteína de longa duração) constitui uma forma estável.Dados histológicos e funcionais preliminares: tecidos conjuntivo e muscular A “histologia”. portanto. Aliás. O tecido conjuntivo é. a qual demonstra existir uma certa proporcionalidade entre a sobrecarga ou força exercida no tecido conjuntivo e a distensão obtida no mesmo. nós ainda nem chegámos à parte relativa a esse tipo de tecido (muscular). Se compararmos a deformação do “tecido não contráctil” com o esticar de um elástico. e. O caso (b) deriva da submissão do tecido a repetidos estados de tensões curtas. e estes podem ser revistos em Kisner e Colby: elasticidade. Esta “pequena deformação” produz uma série de alterações reversíveis no tecido conectivo.. defendendo que o facto de o músculo ser mais forte não significa que se torne menos flexível. como o calor na forma de exercício físico. 151). podemos presumir que uma deformação fraca e não mantida leva à recuperação completa da “elasticidade”. e uma deformação “demasiadamente persistente” leva à “distorção” das propriedades do referido elástico. muito particularmente importante para quando falarmos da fáscia (estrutura essencialmente constituída por tecido conjuntivo). nomeadamente ao “alongamento” do tecido. rigidez estrutural. aliás. p. o mito de que o treino de força leva a uma diminuição progressiva da flexibilidade tem sentido de existir. ocorrendo uma forma mais permanente de alongamento. Muitos autores contrapõem a este “mito”. À medida que essa força for ocorrendo. diminui a capacidade de deformação permanente do tecido. Isto remete-nos para um campo extremamente polémico da discussão envolvendo o treino de força vs. uma deformação mais persistente leva ao aumento da amplitude ou da flexibilidade do citado elástico. na sua mítica obra “Exercícios terapêuticos”. É academicamente bem conhecida a chamada “curva sobrecarga-distensão”. após determinado limite de força. à densificação do tecido proteico. leva à diminuição progressiva da elasticidade. que o mesmo será dizer que “ocorrerá completa recuperação dessa deformação normal caso a sobrecarga não seja mantida” (Kisner & Colby. Vários factores influenciam a “curva sobrecarga-distensão”. Em geral. preferem falar de um tipo de tecido não contráctil. Os dados apresentados levam-nos a supor que. todavia. falando. Se a sobrecarga continua para além do ponto anterior. o tecido funciona na porção elástica da curvatura. O mesmo será dizer que o crescimento ou alongamento do tecido depende da submissão do mesmo a uma tensão longitudinal progressiva e continuamente realizada. Importante será ter em atenção que é totalmente científica a noção de que tanto a força como o tempo de deformação tecidular influenciam a capacidade de deformação permanente do tecido. mas.. realmente. É a primeira pista que damos para a forma como deve ser feito o alongamento. dureza. aquando de um leve alongamento. a possibilidade de ruptura do tecido. havendo a possibilidade de ruptura. podemos resumir as coisas desta maneira: é necessário um determinado tipo de força de deformação para que o tecido inicie o seu “alongamento”. ou seja. mais tarde. Factores como o calor submetido ao tecido (por exemplo. O primeiro aumentao. treino de flexibilidade. O caso (b) refere-se à compactação do tecido. acabamos por entrar na “amplitude plástica” da deformação tecidular. o trabalho de força leva à compactação tecidular. enquanto que o segundo diminui-o. deformação. que é o tecido conectivo. O caso (a) deriva da força contínua e progressiva de alongamento. Este facto é especialmente relevante e aponta para um dos mais importantes aspectos “revolucionários” a ter em conta no respeitante a uma “nova” metodologia 24 25 . Kisner & Colby2. havendo. de duas “forças” relacionadas com a flexibilidade deste tipo de tecido: sobrecarga e distensão. a distensão diminui. O aumento do Coeficiente de elasticidade leva à diminuição da fluage. se é aplicada uma carga máxima e é atingido o ponto de força máxima o tecido acabará por falhar. na forma de exercício) e a idade cronológica influenciam o Coeficiente de elasticidade. A “curva sobrecarga-distensão” pode e deve ser interpretada de formas muito diferentes. até que. As fibras colaginosas e os feixes conjuntivos multiplicam-se”. uma fórmula de deformação. indubitável e axiomaticamente demonstrado pela “ciência histológica”. produção de calor (conhecida por histeresis) e fadiga. O caso (a) refere-se ao fenómeno de crescimento do tecido. o que significa que tudo o que aumente a elasticidade. Entretanto. Assim sendo.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural instalam-se em paralelo. que é a seguinte: Índice de deformação = Força aplicada / Coeficiente de elasticidade x Tempo O Índice de deformação é conhecido como fluage. Ainda estamos a falar de um tipo sistematicamente gorado de tecido biológico. sendo que este é um estado normal ou fisiológico dos tecidos dependente directamente da Força e do Tempo. o que aparece fortemente relacionado com o trabalho de força do tecido muscular. Há. intitulado “O treino da flexibilidade muscular e o aumento da amplitude de movimento: uma revisão crítica da literatura” (revista Motricidade. da “consequente” postura corporal). mas pode ser meramente acto (mental) defensivo. para além de não existir qualquer prova científica desta asserção. devo dizer que não acredito na possibilidade reeducativa de um método que não inclua o treino de flexibilidade propriamente dito. mais uma vez. obviamente. Em artigo meu. relacionadas com uma série de discursos mais ou menos polémicos. na realidade. A primeira questão a ter em conta é a da própria validade da minha “revisão da literatura”. Por outro lado. n. Outra questão prende-se com o grau de aceitação de ideias pouco consentâneas. Mas essa mesma pressuposição tão lógica e intuitiva contradiz a lógica de uma equação científica. as propriedades ditas mecânicas do tecido muscular ou contráctil dependem sobretudo dos componentes de tecido conectivo. perante os citados factores. de certo modo. certos autores. Ora. o treino de flexibilidade tem de ser adequado à tal “curva sobrecarga-distensão” anteriormente apresentada. Para além disso. Mas retomaremos mais tarde esta questão. sem vistas à deformação permanente. desmonto os aspectos mais científicos relativos ao paradoxo referido. podemos (e devemos) treinar a flexibilidade com um nível de sobrecarga suficientemente forte para que haja uma deformação mais permanente. que é comummente realizado a quente e no final do treino. esta assunção vai de encontro à ideia de muitos autores que referem que o verdadeiro treino de flexibilidade (ou seja. e suficientemente fraca para não correr o risco de lesões por distensão ou ruptura. Ora. Concluo que a maioria dos estudos aponta para a não comprovação de que o calor produza um efeito significativo no aumento da flexibilidade. só é verdadeiramente eficaz e factível se for efectuado a frio. a ciência é contra-intuitiva. As suas teorias baseiam-se não em factos objectivos mas sim em intuições de estatuto inteiramente subjectivo. e somente o “alongamento” (muitas vezes referido como “diferente” do trabalho de “flexibilidade”). sendo que. o verdadeiro treino de aumento das amplitudes de movimento) não deve ser realizado. quando falamos das propriedades relacionadas com a “deformação” muscular estamos fundamentalmente a referir-nos 26 27 . 2007)4. pois a elasticidade do tecido a alongar é menor. argumentando que essa é uma propriedade fisiológica dos tecidos que não deve ser modificada. que uma série de “cientistas” afirmam e advogam teorias que não são apoiadas por uma lei física basilar. é o treino a quente que se torna (coerentemente) perigoso. Essa ideia tradicional advém da pressuposição. deve ser realizado. deve ser dito que. Na realidade. chama a todo este “facto” o Paradoxo do Coeficiente de elasticidade. da lógica. portanto. Philippe Souchard3. A principal implicação da existência de tecido conjuntivo é a de que o alongamento deve ser suficientemente prolongado de modo a que o citado tipo de tecido possa “deformar” permanentemente. demonstra que. Claro que estas afirmações estão. uma deformação permanente do tecido anteriormente falado só pode ser conseguida se o treino de flexibilidade for realizado sem a presença de factores que aumentem o Coeficiente de elasticidade. muitos defensores da ideia de que o treino de alongamento deve ser realizado a quente referem que o treino a frio aumenta o risco de lesão. muitos dos cientistas da área da “motricidade humana” têm realizado um mau serviço a respeito dessa dada “ciência”. sem o qual não é possível haver mudança real dos aspectos da estrutura mio-fascial. Todavia. Ou seja. não há verdadeiramente razões genuinamente científicas para pressupor que o treino de flexibilidade tenha de ser realizado a quente. o que. por vezes. Temos. ou seja. Se as propriedades mecânicas do tecido não contráctil são importantes. não concordam que se deva mexer com a fluage tecidular. Veremos que os métodos de Reeducação Postural se baseiam num tipo de alongamento necessariamente lento e progressivo. a meu ver. como Bienfait. não podemos esquecer as propriedades relativas ao tecido muscular.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural de treino. a qual ajuda a guiar a sensação de alongamento (e do seu limite). acredito que o treino de flexibilidade deve ser realmente e seriamente executado. Por mim. poderei ainda argumentar que o “calor” embota a sensação de dor. Ou seja. Será que eu fui completamente objectivo na “recolha” dos estudos mencionados? A minha mente diz que sim. O alongamento. Para além disso. o pai da Reeducação Postural Global. volume 3. da intuição de uma série de “especialistas”. Este “princípio de trabalho” deve estar presente independentemente do tipo de factores que influenciem a elasticidade do tecido.º4. Vários factores influenciam a elasticidade. e. sendo que faço uma revisão dos estudos relacionados com a utilização do calor como factor auxiliar no aumento da flexibilidade. se quisermos uma modificação mais “real” do estado de tensão dos tecidos (e. portanto. sendo que. antagonista e sinergista. e. todas elas numa interacção mais ou menos contígua. era dada preferência ao estudo “imagético” mediante a utilização de imagens de conjuntos musculares (como as imagens da figura 1) e não tanto de músculos individuais. É quase sistémico o acto de julgar os males músculo-esqueléticos em termos de músculos ou tendões específicos. algo que se aproxime daquilo que mais tarde iremos designar por “cadeias musculares”. Fig. assim. A história da anatomia humana releva para um campo extremamente profundo do conhecimento médico e científico. Ou seja. nos tempos de estudante do ensino superior. Um mesmo músculo pode ser agonista. é comum referir os flexores e os extensores. para cada músculo. Temos centenas de músculos ditos agonistas (realizadores do movimento). Aliás. E. Trataremos das mesmas depois de referirmos alguns componentes do tecido muscular. assim como podemos ver o sistema muscular também de formas muito diversificadas. Na realidade. Gostaria só de salientar a importância de Andrés Vesálio (1514-1564). como se pode ver pelas figuras 2 e 3. o mais importante anatomista de sempre. a sua “origem”. Dentro dos possíveis. outras mais profundas. Estas foram já tratadas. os abdutores e os adutores. mas nunca tudo ao mesmo tempo. mas com desenhos globais dos mesmos. o corpo aparece desenhado com uma série de “capas” musculares. Lembro perfeitamente as aulas de anatomia. Tínhamos que saber.1 .LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural às propriedades mecânicas de deformação do tecido conjuntivo (tecido este que está na composição sectária-anatómica dos conjuntos musculares). pelas inserções ósseas comuns. 28 29 . os rotadores. Os músculos constituem a unidade motriz do nosso corpo. e é bem conhecida a excelência das suas imagens de conjuntos musculares. e raramente se atende à realidade patológica de um “conjunto muscular”. Somos verdadeiramente uma espécie de gabardina de músculos.Imagem simplificada do sistema muscular (plano superficial). outros que contrariam a acção destes (antagonistas) e músculos que colaboram no processo funcional (sinergistas). visam o estudo de músculo a músculo. Para além de ter sido um grande investigador. como os livros do prof. quando o mais correcto e “fisiológico” seria estudar “conjuntos musculares”. a maioria dos livros de anatomia de texto. há que referir outras propriedades. uma visão que só seria historicamente “igualada” em pleno século XX com algumas famosas “imagens” das “cadeias musculares”. Vesálio tinha já uma visão extremamente global do aparelho muscular. Esperança Pina. ainda assim. os quais se ligam uns aos outros em termos anatómicos pelas aponevroses (tecido fascial). devemos ver o corpo como um todo. Na realidade. foi igualmente um grande ilustrador. em termos funcionais. Os meus antigos professores de anatomia encorajavam o estudo “analítico” dos músculos. em que os músculos eram estudados sobretudo nas suas vertentes anatómicas relacionadas com as inserções ósseas. entre outros “realizadores” funcionais. Mas. nomeadamente as propriedades ditas “neurofisiológicas” do tecido muscular. umas mais superficiais. se tínhamos que saber as inserções e acção de cada músculo em particular. Dou um certo “realce” a esta temática por motivos que iremos compreender adiante. em termos mais funcionais. podemos estudar os músculos de formas muito diversas. “inserção” e “acção” (cinesiológica). Por outro lado. A visão analítica dos músculos domina o mundo da medicina e da “saúde” em geral. Em termos fisiológicos. assim como é científico igualmente o facto de esse aumento tecidular ser acompanhado de uma redução no número de sarcómeros (Tabary et al.se separam com o deslizamento e ocorre um alongamento brusco nos sarcómeros (Flitney e Hirst. Por sua vez. relacionado com o já referido trabalho lento e progressivo de flexibilização. O feixe divide-se também. 2 . 4 . é importante dizer que as miofibrilas são constituídas por unidades funcionais denominadas sarcómeros. poderei dizer que é tarefa hercúlea descrever os pormenores do funcionamento neuromuscular do aparelho músculo-esquelético. 1978.Imagem de Vesálio. em secções. não deixa de ser igualmente crucial referir alguns aspectos da natureza neurofisiológica do tecido 31 30 . O músculo é revestido por uma fina camada de tecido conjuntivo . citados por Kisner & Colby).Partes constituintes do tecido muscular. o alongamento inicial ocorre no componente elástico em série. O mecanismo de alongamento mais permanente. claramente científica. 1982. Daqui a afirmar que o trabalho de contracção muscular. associado ao processo de fortalecimento muscular. também elas rodeadas de tecido conjuntivo. Também é científico o facto de haver um aumento da quantidade de tecido conectivo aquando da imobilização do músculo em posição de contracção. propriedade igualmente imputável ao tecido conjuntivo. 1992. resulta no mesmo tipo de redução do número de sarcómeros. perimísio endomísio epimísio sarcolema sarcômero miofilamento miofibrila fibra muscular feixe muscular músculo Fig. por sua vez. O tecido muscular que nos interessa é conhecido por tecido muscular estriado esquelético. não me parece que exista grande distância teorética. quando o alongamento é realizado passivamente. dividindo-se cada uma em miofibrilas contrácteis. sendo estas constituídas por dois tipos principais de proteínas: a actina e a miosina.anteriormente referidos . o epimísio divide o músculo em secções ou feixes musculares. Threlkeld. as fibras musculares. não é minha intenção escrutinar aqui de forma elaborada temas que podem ser encontrados em quaisquer livros de anátomo-fisiologia. Kisner & Colby descrevem muito bem a resposta mecânica da “unidade contráctil” ao alongamento. Resumindo. Estes factos são de natureza “física” e. Quando a força de alongamento é libertada cada sarcómero recupera o seu comprimento de repouso. Tardieu et al.o perimísio. citados por Kisner & Colby).LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural Fig. os quais incluem um sistema de filamentos. Portanto. está relacionado com o aumento do número de sarcómeros em série. portanto. É a esta “energia potencial elástica” do músculo que se dá o nome de elasticidade. 1972. A figura 4 desmonta as partes constituintes do tecido muscular e tecido conjuntivo associado. Aliás. Após certo ponto. 3 . encurtando o sarcómero aquando da contracção muscular e aumentando o seu comprimento aquando da “distensão”. um músculo é constituído por um conjunto avultado de fibras musculares. Este mesmo tecido constitui a propriedade “carnal” da estrutura esquelética. Entretanto.. podemos dizer que. Fig. Se a natureza mecânica funcional do tecido muscular é relevante.Imagem de Vesálio. ocorre um comprometimento mecânico das pontes transversas à medida que os filamentos .. estes filamentos deslizam entre si. levando alguns autores a presumir que a contracção pode. Acabamos este capítulo com a referência à electromiografia. colocadas bem no centro do músculo. desta vez. nomeadamente na distinção entre duas grandes naturezas de músculos: os músculos tónicos e os músculos fásicos. Veremos. à produção de um relaxamento muscular. mas sim devido à existência de um prévio mecanismo de inibição pré-sináptica do sinal sensorial do fuso neuromuscular 6. mediada. afirmar que estes dados são muito mais do que meras pressuposições. em resposta. Por outro lado.e toda a minha teoria . por meio do chamado reflexo tendinoso de Golgi. Ora. Veremos que os paradigmas de Reeducação Postural não incluem a utilização das técnicas “de contracção” referidas. não podem ser gorados todos aqueles estudos que demonstram que a seguir a uma contracção mantémse sempre um estado de tensão latente ao nível do músculo. método um pouco na moda dos profissionais do fitness. produz-se. Os pormenores e respectivos autores podem ser consultados em Kisner & Colby. Refiro-me ao fuso neuromuscular. É importante relembrar que existe uma relação directa entre o córtex cerebral e os neurónios que inervam os conjuntos musculares. já conhecido há várias décadas entre os fisioterapeutas. sim. acontece que alguns estudos muito recentes referem que a eficácia do PNF no aumento da flexibilidade não se deve afinal à activação do reflexo tendinoso de Golgi (como se pensou durante décadas). Tem sido essa a “base” teorética de certos métodos de trabalho da flexibilidade como o contract-relax e o hold-relax do PNF (Facilitação Neuromuscular Proprioceptiva). o que significa que. portanto. pelo sistema Gama. Também tem sido essa a base de vários métodos de “relaxamento progressivo” como o “relaxamento muscular progressivo de Jacobson”. constituindo dados já liminarmente aceites. que trabalham como censores ou medidores sensíveis ao grau e velocidade de alongamento muscular. E isso deve-se sobretudo ao facto de a Escola francesa de onde vem a maioria desses métodos ser um pouco alheia aos estudos referidos (os quais são de origem anglo-saxónica). em certa medida. demonstra que. Importa. No meu já citado artigo da revista Motricidade apresento um quadro de resumo de estudos que atestam a credibilidade científica do PNF enquanto método de incremento da flexibilidade. em resposta a esse alongamento. Importa. Portanto. Por outro lado. o alongamento lento faz disparar o órgão sensitivo do tendão (Órgão Tendinoso de Golgi). se se pretende realizar uma deformação tecidular mais permanente. Sublinho desde já que só mediante a compreensão adequada dessa “natureza muscular diferencial” é que é possível traçar o caminho que este livro . no próximo capítulo os principais aspectos relativos às diferentes naturezas musculares. não negligencie o próximo capítulo como tantos profissionais da motricidade têm surpreendentemente feito. em baixo. independentemente do processo envolvido no “contrair-relaxar” deve ser questionada a eficácia da contracção muscular como veículo para o relaxamento e flexibilização. não sendo possível o mesmo relaxar por completo (proponho a consulta da revisão de Rosemary Payne5 na sua obra “Técnicas de relaxamento”). Aliás. e portanto evitar essa mesma contracção muscular defensiva. o chamado reflexo miotático. é utilizada a contracção muscular vigorosa seguida de relaxamento como veículo do aumento do estado de relaxação muscular. E é com “medições electromiográficas” que se traçou definitivamente um novo e importantíssimo percurso na compreensão da “fisiologia muscular”. pelo sistema extra-piradimal e. já vários estudos mediante a utilização de medições electromiográficas (método de medição dos inputs neuromusculares) tinham demonstrado que a seguir a uma contracção o músculo não relaxava por completo. Este “fuso” detecta variações na velocidade e duração do alongamento muscular. o qual conduz à contracção muscular. mediada pelo sistema piramidal. assim como existe uma relação entre as zonas subcorticais do encéfalo e outro género de neurónios que inervam os músculos. relacionados com as bases fisiológicas mais preliminares. já agora. acrescentar que a contracção muscular vigorosa produz também a activação do reflexo tendinoso de Golgi. o alongamento deve ser realizado lentamente.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural contráctil. o que. ser utilizada como veículo de relaxamento muscular. Em ambos os métodos. se for realizado um alongamento brusco. uma rápida contracção muscular. O aspecto relevante de todos estes dados neurofisiológicos é que. 32 33 . levando este. activando. O assunto é de tal forma importante e crucial que merece um capítulo próprio. É no contexto deste sistema que devemos referir a existência de um conjunto de fibras musculares.se propõe. C. e citando as referências do “meu” trabalho como genuinamente consultadas. É de realçar que a primeira classificação dos diferentes tipos de fibras musculares remonta ao ano de 1873. Kisner. é um facto que os músculos do nosso corpo não são todos iguais. os diferentes tipos de classificação das fibras musculares. E essa coloração está intimamente ligada à constituição estrutural e funcional das células que compõem 34 35 . Payne. nos tempos que correm. (1981). E tudo varia segundo o critério científico que é atendido. G. Re-examination of the possible role of Golgi tendon organ and muscle spindle reflexes in proprioceptive neuromuscular facilitation muscle stretching. Há imensas referências bibliográficas relativas ao tema. L.Diferentes tipos de músculos É de admirar que. 12(3):50-5)1. Os desequilíbrios estáticos: fisiologia. (2007). L. Sports Biomech. Souchard. ainda existam cursos da área da motricidade que relevam para segundo plano a temática da classificação dos diferentes tipos musculares. M. São Paulo: Editora Manole Ltdª. fazer aquilo que tantos “investigadores” fazem: plagiar um artigo já realizado. 3(4): 22-37. 3. Chamase “Classificação e adaptações das fibras musculares: uma revisão” e é de Viviane Minamoto e de uma revista brasileira (Fisioterapia e Pesquisa 2005. E esse mesmo critério prescreve um modelo ou contexto de investigação determinado. de forma sucinta. (2003). quando foi utilizada a coloração do músculo (Ranvier): as fibras foram classificadas como brancas ou vermelhas. fazendo de conta que as mesmas não estavam já referidas no artigo de base. O treino da flexibilidade muscular e o aumento da amplitude de movimento: uma revisão crítica da literatura. 3(1): 159-183. inclusive. São Paulo: Summus editora. Poderia. & Colby. 2. II . Pois é certo que muito há a dizer sobre as classificações dos tipos musculares. Bienfait. Este mesmo artigo explica. Ph-E. 4. 5.LUÍS COELHO Bibliografia (I) 1. Por mim. Coelho. É certo que. Loures: Lusodidacta. Ora. existem diversas formas de classificar as fibras musculares. Le champs clos. (1995). 6. poderia cair aqui no acto de “revisão da literatura” intensiva e tornar todo este texto hiper-científico. Exercícios terapêuticos: fundamentos e técnicas (3ª edição). Um guia prático para profissionais de saúde. mudando uns verbos aqui e uns substantivos acolá. Técnicas de relaxamento. Chalmers. (2004). Eles diferenciam-se em muitas características e esses mesmos caracteres relevam para diferentes tipos de classificação. R. prefiro citar o artigo para onde olho neste momento. em geral. patologia e tratamento fisioterápico. Por uma qualquer compulsão de ordem eticista. Paris: Maloine. com a necessária contextualização científica. uns nem sempre compatíveis com os outros. (1998). Motricidade. LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural esses tecidos. não obstante o enfado que esta teoria possa causar. de contracção lenta e com alta resistência à fadiga. É preciso deixar bem preciso que há dois grandes tipos de músculos no corpo humano: os músculos que possuem maior proporção de fibras musculares de um tipo e os músculos que possuem maior proporção de fibras musculares do outro tipo. 2005). possuem uma activação fraca mas constante. Ou seja. Os músculos tónicos possuem uma alta proporção de fibras de contracção lenta. São responsáveis pela produção da maior parte das acções motrizes voluntárias. Métodos de classificação das fibras musculares Autor(es)/ano Ranvier / 1873 Peter et al / 1972 Guth & Samaha / 1969 Brooke & Kaiser / 1970 (Vários) Ogata / 1958 Kugelberg & Edstrom / 1968 Staron / 1997 Pette et al / 1999 Terminologia da classificação das fibras Vermelha Slow-oxidative Tipo I Contracção lenta Oxidativo Alta resistência à fadiga Myosin heavy chain I Branca Fast Glicolitic/FastOxidative Glicolitic Tipo II e subtipos Contracção rápida Glicolítico Baixa/moderada resistência à fadiga Myosin heavy chain II Coloração Bioquímico Histoquímico Fisiológico Metabolismo Limiar de fadiga Imunohistoquímico Vemos pela análise do quadro 1 que existe uma forte correlação entre os diferentes tipos de fibras musculares. que relaciona os diversos tipos de classificação de dois grandes grupos de músculos. são músculos fundamentalmente posturais e portanto de natureza antigravítica (ou seja. consentâneos com os músculos ditos slow-oxidative. Assim sendo. com um papel fundamentalmente anaeróbio ou inconstante. como todas as actividades que implicam uma activação prolongada ou por tempo indefinido. vamos dizer o mesmo de uma forma diferente. E essa mesma função depende das “ordens” que esse mesmo músculo recebe de níveis neuronais que lhe são bastante superiores. tendem a 36 37 . Essa proporção é altamente viciosa e depende sobretudo da função exercida pelo músculo. cruzam várias articulações). Os músculos fásicos possuem uma alta concentração de fibras musculares de contracção rápida. adaptada de Minamoto1. O corpo aparece desenhado com dois grandes conjuntos musculares. No quadro 1 apresentamos uma tabela. os músculos de coloração vermelha estão associados àqueles que são de natureza a realizar actividades preferencialmente aeróbias. portanto. possuindo uma função postural. designados de tónicos. deixar bem sublinhada a certeza científica e factual da existência de dois grandes tipos de fibras musculares: umas relacionadas sobretudo com actividades musculares constantes e outras relacionadas sobretudo com actividades musculares inconstantes. sendo que os mesmo tendem a ser pluri-articulares (ou seja. Terminologia utilizada para a classificação dos diferentes tipos de fibras musculares (Minamoto. Estes músculos. músculos de actividade mais “constante” do que músculos com menor concentração de mioglobina (músculos brancos). Um conjunto é composto por músculos de tonicidade ou activação constante. com fibras do tipo I. É o caso da maioria dos músculos ditos paravertebrais (músculos posteriores da coluna) e da quase totalidade dos músculos da região posterior do corpo. Mas para quê analisarmos de forma tão científica e tão demorada estas classificações? Queremos. responsáveis pela manutenção ou sustentação do corpo contra a gravidade). noutros termos. Estes músculos de fibras essencialmente “vermelhas” serão. Quadro 1. Assim. Portanto. A coloração vermelha está ligada à alta concentração de mioglobina e com a grande densidade de vascularização do tecido. há que referir a existência de músculos tónicos e de músculos fásicos. A distribuição numérica e proporcional do tipo de fibras musculares por cada músculo vai permitir perceber qual a natureza funcional dominante desse mesmo músculo. Estes mesmos músculos de coloração vermelha tendem a ser. a proporção de fibras musculares de um determinado tipo em dominância relativamente a outro tipo depende totalmente da raiz funcional do músculo ou grupo muscular em questão. . estes músculos possuem uma tendência inequívoca para se encontrarem encurtados (portanto. Qualquer semelhança com a natureza da cadeia muscular postural posterior .LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural estar presentes em zonas profundas do corpo e compõem as chamadas “cadeias musculares”.2-5 Sabe-se actualmente que os músculos tónicos estão presentes fundamentalmente na zona posterior do corpo. Para quê activar uma musculatura que já possui uma tendência inefável para o encurtamento?. Essa musculatura aparentemente fraca está. mesmo deitados. por super-activação. (2º) É necessário alongar os músculos da estática [tónicos] e os músculos suspensores. encurtando-se os músculos da dinâmica [fásicos]. e esta capacidade está dependente de algo que podemos designar de maleabilidade tónica. muito contraídos). Aumentando a tensão de músculos já tendencialmente tensos estamos a diminuir essa capacidade. sendo a musculatura tónica constituída essencialmente por fibras musculares de contracção lenta.. poderíamos dizê-lo.. Bem.feitas mediante a utilização da electromiografia . Mas não passa tal aspecto de pura ilusão. soube perceber que a deformidade estava relacionada sempre com “excessos musculares” da musculatura posterior. Para quê estimular uma musculatura cuja activação é constante?. sobretudo aqueles que têm por base o método Mézières. São dele as seguintes palavras que resumem os objectivos de tratamento ou “princípios de intervenção” da Reeducação Postural Global: (1º) Só as posturas activas em alongamento podem devolver aos músculos hipertónicos. enquanto que a musculatura fásica é sobretudo anterior.identificada primacialmente por Françoise Mézières . são esquecidos todos os dias por todos os profissionais de saúde e educação física que teimam em querer fortalecer músculos extensores da coluna. se a musculatura postural é de natureza tónica. sendo que trabalham somente quando ordenamos a sua actividade (os tónicos possuem uma activação fundamentalmente inconsciente e involuntária). apenas com um fim totalmente humorístico. O tratamento segundo o método também não difere muito da assunção base de que os músculos tónicos. numa activação quase permanente. comprimento e flexibilidade. na realidade. Ao fazerem-no estão a criar condições para a criação de novos encurtamentos e de um esgotamento tónico da musculatura posterior. São os músculos da força.. esses músculos não têm a capacidade para crescer ou hipertrofiar. De facto. Veremos mais tarde que Françoise Mézières. Ora. 38 Estes factos. Souchard6 veio mais tarde lidar mais à vontade com os conceitos tratados. a musculatura posterior tem um aspecto de fraqueza. enquanto que os fásicos devem ser fortalecidos. É. de tal forma que. devem ser alongados. sem conhecer necessariamente bem a diferença teorética entre músculos tónicos e músculos fásicos.extremamente básicos. Quão inteligente foi esta senhora ao prever o “erro” presente no trabalho de activação ou fortalecimento de músculos tendencialmente encurtados.para mim . então a sua activação é inquestionavelmente um facto. 39 . assim como reencontrar a retracção de origem. mas como só se activam esporadicamente não têm grande tendência para o encurtamento. mas tal é praticamente impossível de ocorrer com a musculatura tónica. inquestionável que os músculos posturais estão em activação quase permanente. demos agora mesmo já uma série de pistas acerca do que são os métodos de Reeducação Postural. rígidos e dolorosos a sua força.. por estarem já excessivamente retraídos. enquanto os músculos fásicos só se activam quando os mandamos mover determinada articulação.. músculos fásicos.. É preciso atender ao seguinte: as diversas medições dos impulsos neuromusculares .têm demonstrado a realidade inquestionável da função dos músculos tónicos vs. que são . associado de forma superficial à “boa postura” está dependente da capacidade de activação tónica da musculatura extensora da coluna (posterior). Pois a verdade é que o tal “endireitamento” das costas.. Os músculos fásicos são de activação fundamentalmente consciente e voluntária. portanto. Daí o seu aspecto algo asténico.é pura coincidência. Os estudos electromiográficos também têm demonstrado que é possível os músculos fásicos chegarem a um completo estado de repouso ou relaxamento. mas tal deve-se unicamente ao facto de que. E estamos a contribuir para a fadiga dessa musculatura. Por estarem em constante activação. Pois é tão certo que a musculatura postural está sempre em tensão que todos os dias me espanto ao verificar nas prescrições fisiátricas a presença de algo como “fortalecimento dos extensores”. os músculos posturais de sustentação mantêm uma actividade remanescente. (3º) Só as posturas de estiramento progressivo cada vez mais globais permitem alongar todos os músculos rígidos. E quão visionária foi Françoise Mézières quando percebeu que as deformidades posturais advinham dessa mesma super-solicitação tónica. Esse mesmo “excesso tónico” tende precisamente a aparecer em músculos de natureza tónica. inquinando a possibilidade de se realizar um trabalho de facilitação da função apropriado. ou seja. Os médicos mantêm-se nesse modelo essencialmente porque possuem um tipo de ignorância que o Sistema ajuda a alimentar (e quando me refiro ao Sistema. mediante a precedente inibição do tónus anormal. e portanto. no tratamento da deformidade e/ou da raquialgia. estática e/ou postural.. E estas pressuposições são de tal forma inequívocas que é difícil entender por que é que ninguém vê que. eventualmente as pessoas poderão pensar que podemos fortalecer músculos anteriores com pesos ou resistências. mais tarde ou mais cedo. não será difícil perceber que o trabalho de fortalecimento muscular jamais poderá ajudar na edificação postural. Todos os terapeutas que trabalham com o método em questão sabem que o “fortalecimento muscular” é total heresia. A assunção de que o trabalho de força levaria ao surgimento de deformações e “compensações” (reacções de substituição inadequada da actividade muscular). também. quando realizados contra resistências. Expressam. Na realidade. pois o mesmo só poderá levar a mais deformações e/ou compensações corporais. em história de tratamento de dores da coluna (raquialgias).. O método em questão. sem qualquer possibilidade de o evitar. advoguem a realização de um trabalho de inibição tónica. e é de tal forma estrénuo que pode aparecer sob a forma de padrões específicos de actividade. desenvolve reacções relacionadas com o excesso tónico. muitos instrutores de fitness são completamente alheios à realidade da distinção teorética tratada neste capítulo. O método Bobath constitui o mais famoso método de intervenção fisioterapêutica em condições neurológicas como a paralisia cerebral ou os AVCs. refiro-me ao Estado que retira importância ao trabalho da Fisioterapia e alimenta a prossecução desse trabalho com meros papeis de “prescrição médica”). Não devemos esquecer que. 40 Ora. pois sempre que realizamos uma actividade que envolva contracção muscular contra resistências. principalmente aquele previsto pelo método Bobath. desenvolvido pelo casal Bobath. Portanto. estamos a referir-nos à emergência da possibilidade de existência de um desequilíbrio muscular. assim como muitos outros paradigmas de intervenção neurológica.. Mas tal presunção é um erro. portanto mais uma vez a ignorância a permanecer no Sistema.. Os profissionais de educação física mantêm-se nesse modelo essencialmente porque não conhecem outro. envolvem o esforço da musculatura tónica. O que eu sugiro é a interpretação da teoria de Bobath à globalidade do funcionamento corporal. podemos dizer que o corpo aparece gerido por um conjunto mais ou menos avultado de desequilíbrios musculares. Os dados provenientes da electromiografia5 não deixam margem para dúvidas de que até os mais pequenos esforços. desrespeitam as leis fundamentais da postura e do trabalho postural. é normal que o método Bobath. É por este motivo que defendo que a maioria das actividades de fitness.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural Estas frases são fundamentais e expressam os objectivos fundamentais do trabalho em Reeducação Postural. O motivo pelo qual os médicos se mantêm agarrados ao paradigma “fortalecimento” é diferente do motivo pelo qual os profissionais da motricidade mantêm o mesmo tipo de modelo. o “Rei vai nu”. estamos. o objectivo de trabalho em qualquer abordagem física que possua a “saúde” como fundamento primacial. E assim sendo. a maioria dos doentes com lesão cerebral desenvolve condições de hipertonia. O simples facto de a zona posterior ser fundamentalmente tónica (porque é essa zona que nos “endireita”) e a zona anterior ser fundamentalmente fásica ou dinâmica leva-nos a 41 . a estimular os músculos da estática. é comum também à maioria dos paradigmas de tratamento em reabilitação neurológica. é indubitável que os diferentes tipos de desportos e actividades de fitness não possuem no “alongamento” o seu modelo base de trabalho. Um “desequilíbrio muscular” tem sido definido em termos da existência de um músculo ou grupo muscular muito encurtado levar à inibição e alongamento do seu antagonista (músculo ou grupo muscular com a acção inversa). incluindo as pessoas sem lesão neurológica. quando falamos de uns músculos com tendência para o encurtamento e outros com tendência para o relaxamento. a tal musculatura que deveria somente ser alongada e relaxada. Na realidade. Por exemplo. Outro conceito que os ditos profissionais ignoram é o de “desequilíbrio muscular”. defende o treino da facilitação de padrões funcionais de movimento. E os que a conhecem simplesmente não sabem muito bem como lidar com os conceitos vigentes. em especial a musculação. quando Souchard fala de “fortalecimento dos músculos da dinâmica”. Talvez se deixem levar pelos tais aspectos de aparente fraqueza muscular. sem o qual é impossível obter a função “normal”. Ora. o normal é encontrar um estado de superactivação constante e desinibida. até ao ponto em que perdem o seu sentido de existir. 3. em muito. O que acontece é que as reacções ditas normais à sobrevivência humana acabam por. (2005). Le champs clos. et al. ser exageradas pelo próprio corpo. Ou seja. H. Assim sendo. a deformidade postural é tanto maior quanto maior for a relação hipertónica/hipotónica entre as diferentes “faces” do corpo. 4. 5. Minamoto. Veremos que quando falamos de postura ou morfologia (relativo à forma) estamos.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural pensar que o equilíbrio corporal assenta num gigantesco estado de “desequilíbrio muscular”. L. Physical Therapy.D. 12(3): 212-217. The effect of postural correction on muscle activation amplitudes recorded from the cervicobrachial region. (2006).F. 12 (3): 50-55. podemos definir postura como o conjunto global das reacções de equilíbrio muscular existentes numa interacção constante e abrangente no corpo. V. 96(5): 2678-2687. J Neurophysiol. (1984). Paris: Maloine. O desequilíbrio muscular é tanto maior quanto mais acrescida for a décalage entre as “forças musculares” oponentes. J Electromyogr Kinesiol. 6. urge controlar as reacções de sustentação postural referidas. Ph-E. J. Assim sendo. & Matoba. ou seja. (2005). American Journal of Sports Medicine. Se o tónus postural é necessário para o requerido “endireitamento postural” não será um contra-senso inibir esse mesmo tónus? Não será contra-indicado trabalhar no sentido de inibir a musculatura tónica/estática? A resposta pode ser encontrada no conceito. 53(2): 127-131. Bibliografia (II) 1. Gurfinkel. The muscle fiber composition of skeletal muscle as a predictor of athletic success. tão caro a Mézières e a Souchard. Souchard. 2. V. Mas gostaria de deixar já bem explícita a questão funcional dos músculos posturais. Classificação e adaptações das fibras musculares: uma revisão.. Veremos mais tarde que o conceito de “desequilíbrio muscular” e que a noção de reequilibração postural são apanágio sobretudo dos métodos ditos “neomézièristas” de intervenção. Burke. E a deformidade postural advém do tamanho progressivo dessa mesma décalage. facilmente. 42 43 . mediante a inibição dos músculos hipertónicos e a estimulação dos hipotónicos tenta-se dar um maior equilíbrio postural ao corpo. de hegemonia. Ora. Gollnick. Fisioterapia e Pesquisa. P . An overview. (1981). Electrode placement and muscle action potentials amplitudes. O objectivo de tratamento em Reeducação Postural não é muito mais do que a tentativa de criar um maior equilíbrio. podemos acabar este capítulo referindo a primeira definição possível de postura. Assim sendo. McLean. Postural muscle tone in the body axis of healthy humans. 15(6): 527-535. a referir-nos à natureza neuromuscular de um conjunto avultado de processos corporais. se uma quantidade mínima de tónus é necessária à função “anti-gravítica” da musculatura postural. (1973). mantida com característica automática e expontânea. Tribastone1 refere-se a planos. atitude ou hábitos posturais”1. de alguma forma.O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural III – Posturas de “Postura” A questão que se coloca logo é: porquê definir “postura”? Qual a importância que a mesma tem para o nosso manifesto? O que acontece é que quando falamos de postura falamos de um conjunto multidimensional relativo ao design corpóreo. vai de acordo com “um complexo sistema de muitos moldes. assim como o conjunto das patologias relacionadas com as últimas. Ou seja. Diversos investigadores têm dado luz a múltiplos métodos de “intervenção postural” sem que uma definição conceptual de “postura” tenha sido aprioristicamente relevada. E qualquer actividade motora será mais ou menos problemática. porém. comparando os mecanismos de controlo postural com os mecanismos de controlo do movimento (a postura pode ser. definida como um conjunto incomensurável de múltiplos e microscópicos movimentos definindo-se esta como uma perspectiva ‘dinâmica’ da postura). “a posição optimizada. Por “postura” podemos entender. relativo às sensações proprioceptivas e às variáveis aferentes de controlo postural. tanto no método Pilates quanto no Stretching fala-se de “postura”. Comecemos pela caracterização do termo “postura”. falamos de todas as características. tendo como exemplo o conjunto das curvaturas vertebrais funcionais. Ora. a postura. Essa mesma “estrutura” irá determinar o tipo e grau de mobilidade articular e de função geral. Temos. em termos práticos. mas em ambos os métodos realizam-se conjuntos de metodologias físicas dissemelhantes. daí que muitas das confusões metodológicas e pragmáticas dos vários métodos de “correcção postural” nunca tenham sido adequadamente resolvidas. relativo à organização do esquema corporal. ou seja. mais neurológicas ou mais músculoesqueléticas. é preciso primeiro perceber um pouco a natureza das forças musculares (que já referimos) e aquilo em que resulta esse “jogo” de forças. influenciadas por um conjunto de forças dadas às mesmas pelos músculos e respectiva tonicidade. No respeitante aos mecanismos de regulação da postura. portanto. pode ser considerada como “o conjunto de relações existentes entre o organismo como um todo. Efectivamente. Para entender por que é que o treino de força implica um conjunto de efeitos deletérios sobre o corpo. como à posição relativa a uma estrutura determinada. que mais não é que o conjunto estrutural das articulações. e em específico. o plano neuromotor. tudo o que acontece em termos funcionais. no qual intervém. de um organismo em perfeita harmonia com a força gravitacional e predisposto a passar do estado de repouso ao estado de movimento”. substancialmente. Portanto. admitindo agora como exemplo o conjunto estruturado (ou virtualmente estruturado) das curvaturas vertebrais (ditas anatómicas). relativo à organização racional da actividade perceptivo-motora. estamos a entrar num terreno essencialmente “neurológico” que é composto por um conjunto de quatro 44 45 . além do carácter biomecânico. e com a normalização do conjunto das cadeias cinéticas. “postura” pode referir-se tanto à posição relativa a um tempo determinado. alcançada a partir da percepção consciente e do conhecimento do próprio corpo. devemos conceber esse mesmo desenho enquanto a “estrutura” basilar do corpo. ou desgastante a nível articular. dependendo da “estrutura corporal” de base. actuando na reequilibração das tensões miofasciais e das cadeias articulares. inclusive. condicionado pela “postura”.22). alcançada a partir de movimentos. sendo que uma se centra mais na força do centro do corpo e a outra se centra mais na flexibilidade. é. das suas modalidades de funcionamento e da sua organização espacio-temporal. o plano anatómico. Por exemplo. funcionalmente. Este possui um significado original de “posição. as várias partes do corpo e o ambiente que o cerca”. e o plano psicomotor. que interferem com o “desenho” ou formato do corpo. em termos desportivos. quando falamos de “postura” podemos estar a referir-nos a um “fenómeno” consubstanciado por diferentes perspectivas/dimensões e níveis. Iremos tentar ordenar todos estes diversos campos semânticos e idiomáticos. um conjunto de variáveis” (p. Enquanto “posição corpórea”. assim como a personalidade humana condiciona o comportamento. adaptação estática assegurada pela região cérvico-cefálica e pelo tronco 3. essencialmente a músculos posturais. organizados segundo dois sistemas: um sistema ascendente . 3) músculo e todos os factores que influenciam a resposta contráctil (referimo-nos. Apesar de um tanto ultrapassado. a postura significa essencialmente o encadear harmónico de um conjunto de segmentos. Daí que um processo de “reeducação postural” nunca possa limitar-se só à dimensão neurológica ou só à dimensão muscular per si. Já que pretendemos referenciar o paradigma Mézières. influenciam-se mutuamente. os diferentes níveis de controlo postural. Tentemos. e também da retina.A bela forma. e 4) fusos neuromusculares. regendo-se esta pela administração de palmilhas de reprogramação postural. conhecida como a bela forma. órgãos tendinosos de Golgi. Diferentes métodos de “intervenção postural” agem sobre uma ou mais partes dos referidos níveis de controlo postural. motoneurónios alfa e gama. agora. Aliás.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural níveis1: 1) centros superiores. e um sistema descendente . como sabemos.equilíbrio estático assegurado pelos membros inferiores e pelo tronco. Fig. ou seja. Por exemplo. vamos referir o que é a postura perfeita para o método com o mesmo nome. Para Bricot2. dos órgãos tendinosos de Golgi. As proporções da bela forma correspondem ao número de ouro (em relação a √5 +/− ½) para o qual todos deveríamos tender. para Bienfait. 4 . sendo que a sua intervenção (postural) acarreta modificações a nível proprioceptivo (relativo à sensação corporal). 46 47 . que compreendem o cérebro. no paradigma “componencial” de Marcel Bienfait. o paradigma de Bricot2 refere-se sobretudo ao nível neurológico. pelo facto de estarem intimamente relacionados. Estes são. a existência de um completo equilíbrio entre os centros de gravidade de cada uma das peças ósseas que constituem o esqueleto dito “integral”. Para termos uma ideia do que Mézières entendia como a bela forma basta atendermos à imagem modelo do David de Miguel Ângelo (fig. a postura normal significa a ausência de forças contrárias e a presença de relações harmoniosas entre as diferentes componentes esqueléticas. sendo de esperar que a intervenção num nível acarrete mudanças na totalidade dos níveis de controlo. o modelo de Bricot constitui ainda plataforma obrigatória do estudo da posturologia (esta entendida num sentido lato). definir o conceito de postura “normal”. O trabalho em Mézières constitui um esforço de retorno à “morfologia perfeita”. Por outro lado. contidos na espinal medula (zona central e inferior). pela modulação do receptor ocular e/ou pela intervenção ao nível do receptor dento-oclusal. O resultado será a inexistência de dor. O conceito de postura “normal” apresenta. a esses chegam as informações provenientes principalmente dos fusos neuromusculares. 2) interneurónios. para os diversos proponentes das perspectivas “analíticas” do conceito postural e respectiva intervenção. vestíbulo e receptores sensoriais. músculos de controlo essencialmente inconsciente). 4). da pele e do vestíbulo (responsável pelo equilíbrio). o cerebelo e o tronco cerebral. dos mecano-receptores articulares. A Madame Mézières costumava referir-se às formas das obras de arte renascentista enquanto “formas de dimensões perfeitas”. também se pode falar na “estruturação” do paramorfismo numa verdadeira dismorfia.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural Todas as alterações relativas à postura dita “correcta” correspondem a paramorfismos. quando até ali era mais uma questão de “tonicidade muscular”. os desequilíbrios posturais comportam planos: o plano de alinhamento escapular e das nádegas. afirmando que toda a deformidade é virtualmente recuperável (isto. os pés. aquela que já envolve a fáscia. os pés planos ou cavos. no plano frontal) (fig. 5 . “sway back posture” e “flat back posture” (fig. É de reter também a classificação postural de Kendall. o plano escapular posterior. mais de 90% dos indivíduos apresentam um desequilíbrio postural. O desequilíbrio de uma peça é sempre compensado pela reequilibração de outra peça. Alguns autores referem-se a três graus possíveis de “deformidade”: o primeiro grau constitui a “atitude” ou paramorfismo. como veremos nos próximos capítulos. Types of Faulty Posture a b c d e GOOD relaxed kyphosis faulty lordosis posture sway back flat back round back Fig. Entretanto. na visão de Bienfait. o segundo grau constitui a dismorfia parcialmente corrigível. 5). no sentido da consequência para a causa. dizendo que o mesmo não é capaz de conseguir tamanhas correcções de “dismorfias”. Por outro lado. o método Mézières relativizará toda essa questão das “dismorfias”. certas dismorfias congénitas . inicialmente um paramorfismo ou já uma dismorfia possui uma componente somente muscular. podemos dizer que. possa ser. As deformidades posturais consideradas mais importantes são a cifose (curva de concavidade anterior) aumentada (fig. Aqui. Claro que segundo o modelo de Bienfait a deformidade está presente no mero desequilíbrio de uma única peça óssea. mais ligada à “forma” vista como “estruturada”. o tratamento de uma deformidade bem estruturada. Para o autor. Essa estruturação consiste. joelhos e ancas varos ou valgos (desvios relativamente aos eixos verticais). suficiente e necessária ao tratamento do paramorfismo. e os planos alinhados com diminuição das curvaturas. se as alterações são temporárias e reversíveis. 6). vale a pena criar uma divisão entre deformidade de natureza muscular e deformidade de natureza fascial. e como já dissemos atrás. Bienfait desacredita o método Mézières. já que para o mesmo a linha teórica que separa as tais “dismorfias” dos referidos “paramorfismos” é assaz espúria). é possível que certas deformidades. Para este autor. e que só podem ser eficazmente tratadas mediante a realização de cirurgia ortopédica 3. Interessam ao nosso “modelo” de trabalho sobretudo as “deformidades” cuja origem seja do tipo “muscular”.não tem de ser necessariamente de ordem miofascial. e o terceiro grau refere-se às deformidades que não devem ser objecto de alongamento. a lordose (curva de concavidade posterior) aumentada (fig. segundo Bienfait. 7). 6). E daí também que uma intervenção analítica. Assumindo sempre que a fáscia é uma estrutura mais difícil de “moldar” (pois. dentro das quais são paradigmáticas as “kyphosis-lordosis posture”. portanto num novo desequilíbrio. se estiver “em 48 49 . se as alterações se consideram fundamentalmente irreversíveis1 (claro que esta classificação não preenche os quesitos conceptuais do método Mézières. e como veremos mais à frente.Classificação da postura segundo Kendall. não pode significar uma correcção relevante. ou seja. em hiperextensão (recurvatum) ou em flexão (flexum). articulações e aponevroses).por exemplo. Para Bricot2. e a dismorfismos. inicialmente ósseas por excelência dêem origem a deformidades de predominância miofascial. na inclusão de estruturas fasciais na “deformidade”. constitui um conjunto de músculos. adequada ao desequilíbrio de cada peça afectada. o plano escapular anterior com dorso plano. Mas não devemos esquecer que uma deformidade . Entretanto. a escoliose (desvio lateral da coluna. facilmente tratável pela Fisioterapia reeducativa. daí que um pequeno desequilíbrio pode dar origem a grandes deformidades. Por outro lado. com aumento das curvaturas. sempre com vista à aquisição da morfologia “perfeita”. É a partir dessa observação. a “postura” está para o corpo como a “personalidade” está para a mente. fornecida pela bela forma. que o terapeuta mézièrista irá conduzir a sua acção. e não esquecendo nunca a “imagem”. também é difícil definir os critérios de normalidade da “postura corporal”. segundo um ponto de vista psicologista. um 50 51 . Fig. Assim como é difícil definir a normalidade/ anormalidade do funcionamento personalístico. objectivo e bem definido. A meu ver. Sem desprimor das definições apresentadas. Quanto à avaliação postural. em geral. “anormalidade” caem no erro de considerar a “postura” como um arquétipo concreto.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural jogo” uma causalidade nos tecidos moles. 6 . esta pode ser meramente observacional. tal como a personalidade. diria que tanto as classificações existentes de ‘postura’ como as enunciações definidoras da sua “normalidade” vs. e não uma deformidade óssea congénita). essencialmente uma idiossincrasia. A mais utilizada pelos clínicos é indubitavelmente sustida pela observação naturalística em real time.Postura cifo-lordótica. A “postura” é.Escoliose numa criança. mas pode também fazer uso de instrumentos e metodologias complexas1. 7 . Não quero entrar em mais pormenores sem que percebamos verdadeiramente o contexto histórico da “intervenção postural”. em particular. eventualmente quimérica. e do método Mézières e seus “filhos”. Fig. como o Yoga. O Yoga é interessante no sentido em que estava já associado à crença Bibliografia (III) 1. Posturologia (4ª edição). Por outro lado. à necessidade de afirmação dos povos e até das raças.pode dar azo a uma série de argumentos. músculo-esqueléticos e neuromusculares. a história do desporto é quase tão antiga quanto a história da civilização. 3. Temos.individuais ou grupais . M. 52 53 . apesar de útil do ponto de vista nosológico. B. certas actividades orientais. a tentativa de classificar a postura “normal” vs. Não interessa traçar aqui a história dos diversos desportos. mas nenhuma actividade desportiva foi inventada de propósito para servir a saúde humana. como é sabido de um tempo anterior à civilização helénica. os jogos e as competições estavam irrefutavelmente ligadas à necessidade de emulação. Por exemplo. variáveis. Afinal de contas. psicoemocionais. os Jogos Olímpicos. A história dos diversos desportos . patologia e tratamento fisioterápico. Tratado de exercícios correctivos aplicados à reeducação motora postural. de sujeito para sujeito. Tribastone. Interessa somente dizer que não há um único desporto que tenha sido inventado com um fim de “saúde”. pré-requisitos ao entendimento das bases do método Mézières. Aliás. F. então temos pano para mangas quase de tamanho indefinido. vêm. (2001). Portanto. (1995). quase todos de ordem mais ou menos mentalista. algo que se vai manter ao longo de milénios. o desporto ao serviço de uma série de razões de ser de ordem mais ou menos competitiva. No próximo capítulo iremos atender ao conceito (geral) de intervenção postural. se não nos esquecermos de certas práticas milenares como o Yoga e artes marciais como o Tai-chi. uma história da ginástica. a competição multi-desportiva de maior nível. Todos os desportos parecem estar mais ou menos direccionados para a consecução de um ou mais objectivos. foram criadas com a intenção de criar um cômputo fisicalista numa prática fundamentalmente espiritual e mentalista. portanto. neste capítulo. São Paulo: Summus editora. Os desequilíbrios estáticos: fisiologia. muitas vezes radicalmente. associadas a competições de maior ou menor nível. dispensável segundo o ponto de vista “dinâmico” e “morfoanalítico”. São Paulo: Ícone Editora. IV – Intervenção Postural Não é minha intenção formular. assim como a pormenores mais ou menos importantes de cariz histórico. Nos tempos anteriores à nossa Era. “anormal” é. Bricot.LUÍS COELHO “corpus” definidor de um conjunto intrincado de factores psiconeurológicos. tínhamos já a funcionar uma série de actividades do tipo desportivo. Naquele tempo. mesmo que queiramos especificar a nossa abordagem como a “ginástica de correcção postural”. Bienfait. (2004). 2. assim como ao conceito mais específico de Reeducação Postural. São Paulo: Editora Manole. Para mais. muito. Ou seja. é curioso ver como tantos fisioterapeutas RPGistas se recusam a falar do Yoga e das suas possibilidades terapêuticas (em termos posturais). trabucando a força da musculatura posterior. Aliás. o qual viria a firmar as bases programáticas da ginástica moderna (dita “sueca”) viveu também numa época em que pouco se sabia sobre a natureza das estruturas anatómicas e das funções por estas permitidas. ainda muito longe de possuírem o sentido que actualmente possuem. No Yoga. neste momento. supostamente realizadas para diminuir o nível de cifose dorsal.. movida por princípios de alongamento global e progressivo. exagera o trabalho de extensão do tronco. não faz uso das noções fisiológicas mais basilares. Devo dizer. não possui qualquer tipo de relevância para a intervenção dita “postural”. e não possuem conhecimentos suficientes sobre a distinção entre os diversos tipos musculares. Os métodos “ginásticos” referidos pelo autor para o tratamento das escolioses são os seguintes: a) O método Niederhöffer. não deve ser fortalecida.. necessariamente inclusivo da diferenciação entre musculatura tónica/estática e musculatura fásica/ dinâmica. no início do século XX. A meu ver.e cem por cento perigosas para indivíduos que sofram de hérnias discais. centrado no trabalho inicial de fortalecimento e continuado de relaxamento dos músculos envolvidos nos desequilíbrios musculares próprios da escoliose. apesar de o Yoga ser portador de alguns princípios de intervenção “visionários”. assim como o conceito de “ginástica estática”. 54 55 . em termos práticos. das pressuposições deste senhor que viveu num tempo já há muito passado. ainda parcialmente movida pelos princípios de Ling. é extremamente lato e dado a inúmeras interpretações metodológicas. com objectivos pretensamente de “intervenção postural”. tantos profissionais continuem a realizar ginásticas de correcção que se baseiam somente na mobilidade da coluna e outras zonas com deformação?. Aliás. Tal receio não se justifica. esta senhora publicou a obra “La gymnastique statique”1. fásico”. assim como a “ginásticas estáticas”. O que é perfeitamente incrível é que ainda actualmente tantos e tantos fisioterapeutas. ainda assim.. Também não pretendo perder muito tempo a explicar que este nosso livro se dedica sobretudo à “ginástica” e não tanto ao “desporto” em geral. no ano em que Françoise Mézières iria criar o seu método.cem por cento ineficazes por motivos que iremos explicar mais tarde. Os princípios do Yoga têm milénios de existência e. Em 1947. Como este capítulo se dedica sobretudo à “intervenção postural”.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural de que o formato corporal dependeria de uma actividade muscular essencialmente estática.. mas tais conceitos estavam. da fraca vontade de evoluir para caminhos mais desenvoltos. Como é possível que. a referência à figura de Per Henrik Ling (1766-1839) não deixa de ser obrigatória. eram já inúmeras as referências a ginástica de “correcção postural”. quase todos os desportos foram inventados antes de possuirmos os dados fisiológicos da distinção “tónica” vs. o Yoga não discrimina os tipos de musculatura. pois o conceito moderno de “postura”. como se tivessem medo que o Yoga criasse uma espécie de “nuvem” ao seu método. Ou seja. tal nesciência advém. segundo a distinção já realizada entre musculatura tónica e musculatura fásica. que o conceito de “correcção postural”. trabalham-se extensores do tronco e flexores do tronco mais ou menos com a mesma disponibilidade. “fásica” que possuímos na actualidade. na qual falava um pouco sobre todas essas ginásticas “estáticas”. única e exclusivamente. todos aqueles princípios de ginástica centrada na mobilidade das articulações e do alongamento feito no fim do treino advêm. não é minha intenção perder muito mais tempo a explicar que praticamente quase todos os desportos existentes foram inventados antes da invenção da electromiografia. e portanto. Na realidade. este senhor sueco. aproximam-se bastante dos princípios da Reeducação Postural. dado o conhecimento do binómio “tónico vs. Assim sendo. penso que não será difícil provar que a “ginástica moderna”. Tudo feito por instrutores que não são adequadamente formados.. a tal musculatura que. assim como professores de educação física. Isto para não falar de todas aquelas torções. Dizendo de outra maneira. é do total ou quase total desconhecimento dos instrutores de Yoga. Caminhando pelas noções de “ginástica”. continuem a mover as suas abordagens por princípios seculares. Alguns destes métodos aparecem bem explicados no capítulo “Escoliose” da obra de Tribastone2.. fásico”. essas mesmas ginásticas davam excessiva ênfase ao trabalho de força muscular. Tribastone não perdeu tempo a pensar na possibilidade de o método Pilates poder ter algum tipo de efeito nas escolioses. na diminuição dessa concavidade. baseando-se em exercícios de tomada de consciência. do lado da concavidade escoliótica. centrado na tentativa de colocar em equilíbrio todas as deformações envolvidas nas grandes deformidades. primacialmente e em termos ditos “miofasciais” aos osteopatas dos finais do século XIX. é mais a “história da terapêutica global”. Ainda assim. baseado no trabalho em alongamento completo e encurtamento incompleto dos músculos paravertebrais do lado da concavidade. relegando-lhe a atenção de várias formações especializadas. portanto. e no trabalho em encurtamento completo e em alongamento incompleto dos músculos do lado da convexidade escoliótica. e j) As Técnicas de Desequilíbrio. Mas esta não é já a “história da ginástica”. d) O método do Instituto Ortopédico Pini. Souchard4 deu-lhe uma importância enorme. com um “excesso” da musculatura posterior. mas todas as investigações dão relevo à existência de excessos ou contraturas musculares na etiologia da escoliose idiopática (primária. 56 57 . não pode ter qualquer tipo de influência numa coisa tão complexa quanto a escoliose. i) A Ginástica Proprioceptiva. c) O método Klapp. Considerada por Françoise Mézières3 como uma deformidade secundária à lordose. f) O método Gimnasium. Portanto a crítica formulada por Mézières em 1947 a esses diversos tipos de ginástica tem a sua conveniência. associada. fundamental em termos históricos. associados a exercícios respiratórios e de treino de força muscular estática. os quais favorecem a contracção muscular simétrica. Os estudos recentes tendem a considerar a escoliose como um desequilíbrio muscular de proporções variadas. g) O Estruturalismo Psicomotor. os métodos centrados no alongamento tecidular também tiveram o seu lugar na história.5-8 Daí a lógica da ginástica estática. ajudando. Estas últimas técnicas representam a passagem. de um tipo de ginástica mais centrado em princípios músculo-esqueléticos por excelência para um tipo de ginástica mais centrado em princípios neurológicos e de treino sensorial-proprioceptivo. negligenciando o aspecto mais importante da Estática: o alongamento. Mais ou menos paralelamente a esse tipo de “ginásticas estáticas”. sem terem verdadeiramente em linha de conta o binómio “tónico vs. baseado na colocação de posições específicas na postura de quadrupedia. muito precisamente. soalho pélvico). e. baseado na convicção de que as escolioses dorso-lombares e lombares podem obter uma vantagem terapêutica de contracção isométrica do músculo psoas (inserido superiormente na lombar e inferiormente na anca). mesmo sendo centrado na força dos abdominais profundos (transverso abdominal. centrada sobretudo no trabalho de fortalecimento muscular estático ou isométrico. e) O método do Psoas. sem causa aparente). correlaciona-se sempre. h) A Reeducação Proprioceptiva Neuromuscular. A verdade é que um método centrado na força abdominal. Graças a Deus.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural b) O método Schroth. não possuir já grande razão de ser. A escoliose tem sido vista como o modelo fundamental do trabalho de Reeducação Postural. independentemente da sua origem. O facto de muitas dessas “ginásticas” moverem-se já pelo paradigma da “Estática” representa um tipo de evolução que a maioria das actividades dos ginásios modernos desconhece. pois é uma perturbação indelevelmente ligada à temática dos desequilíbrios musculares. baseado na utilização de um conjunto de rolos piruteantes. criado pela Doutora Ida Rolf (1896-1979). mas foram os franceses os primeiros a “chegar à lua”. os quais compreendiam bem o papel do “tecido conjuntivo” no estado de tensão do corpo e no “design” das articulações e da postura global. então somente poderei considerar como “sãs” as “ginásticas” baseadas nos princípios do “alongamento global” e nunca as ginásticas estáticas sem discernimento da “teoria das Cadeias musculares” e muito menos as ginásticas do tipo fitness. Pois foram estes que. Não é Françoise Mézières que vai ligar a temática científica dos músculos “tónicos vs. como é a Postura que representa a Estrutura humana. diversos tipos de terapia manual e/ou massagem que constituem manobras analíticas no caminho da globalidade.a fáscia . Ele será terminado nos vários capítulos seguintes. que mais não é do que um conjunto entrelaçado de músculos e tecido conjuntivo. os tratamentos ditos “globais” constituíram. Gostaria de dizer que este capítulo “fica em aberto”. Aliás. quem o faz é Souchard. organizados globalmente de modo a formar um “trilho” ou “cadeia” dominante e de natureza inquestionavelmente tónica ou estática. devemos referir o método da “Integração estrutural” ou rolfing. Esta noção de “trilho”. Podemos dizer que os anglo-saxónicos iniciaram as viagens de “exploração do Espaço”. baseado no tipo de massagem mais profunda e global existente à face deste planeta. Como é a Postura que subjuga todas as restantes normas de funcionamento corporal. assim como o método de trabalho utilizado (centrado no alongamento global). Em especial. principalmente nos dois próximos. criaram o conceito de “cadeia muscular”. dinâmicas. correspondem sobretudo aos métodos baseados nas teorias de Françoise Mézières. naquilo que podemos designar como “teoria das Cadeias musculares”.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural A importância do alongamento dos tecidos moles viria a ser formulada várias vezes pelos osteopatas. a história dos métodos de “Reeducação Postural” começa com a noção de globalidade miofascial cedida pelos osteopatas americanos dos finais do século XIX. Para mim. feitas para perder calorias. viriam a fazer uso de métodos globais de alongamento de “cadeias musculares”. uma ginástica só pode ser considerada “para a saúde humana” se respeitar as leis posturais. E todos os diversos métodos anglo-saxónicos de trabalho postural viriam a integrar a fáscia como componente fundamental da dinâmica da Globalidade. as únicas ginásticas com verdadeiras potencialidades em saúde e Postura. assim como a história do surgimento dos métodos discípulos. durante muito tempo. mas não para respeitar as “leis do corpo”. O rolfing constitui um método inovador.10 Esta bioquímica viria a criar um método extremamente inovador. pelas mãos de Françoise Mézières. como a Psique representa a Estrutura psíquica humana.. fásicos” à sua noção de “cadeia muscular”. agora a falar já do conceito de “Reeducação Postural”. Mas atenção!. Mas dos méziéristas e “neo-mézièristas” falaremos bastante nos capítulos que se seguem. No mundo anglo-saxónico.9.. o que significa que só podemos aceitar. Para mim. o qual viria a influenciar todos os métodos anglo-saxónicos ditos de “Reeducação Postural”. Em especial. a verdadeira Reeducação Postural. para mim.viria a ser importancionalizada cabalmente pela osteopatia preliminar. os verdadeiros métodos de “intervenção postural”. incluindo os “Trilhos anatómicos” de Myers11. 58 59 . Como já afirmei. perdeu a corrida “ideológica” para a Escola francesa. em nome da saúde humana. uma estrutura que engloba vários componentes musculares e conjuntivos . É de sublinhar o facto de que passei. as ginásticas posturais baseadas na “teoria das Cadeias musculares”. nomeadamente a escola de Mézières. as quais são baseadas naquela que podemos designar de “teoria do sistema fascial humano”. nos quais falarei dos diversos métodos de Reeducação Postural. Isso. E estes mesmos métodos viriam a desenvolver-se de forma independente tanto no mundo anglo-saxónico quanto no mundo francófono. Só muito mais tarde. e. os proponentes das metodologias relacionadas com os “trilhos miofasciais”. os próximos capítulos são precisamente dedicados a explicar as bases da revolução mézièristas. Karski. 8. muito alto e magro. (2004). Rolfing. São Paulo: Editora Manole. 11. realizada com base nas leis fisiológicas que aceiram o papel do fortalecimento muscular. Tribastone. Karski. São Paulo: Martins Fontes. (2003). T. V-O método Mézières ou a revolução na ginástica ortopédica A compreensão dos princípios do método Mézières implica o entendimento da postura sobretudo como o resultado funcional do equilíbrio “estático” entre as cadeias musculares. Deitando. A história do método em questão releva de determinados acontecimentos e observações que são do bom conhecimento do terapeuta mézièrista. Mas o que são afinal as cadeias musculares? E de que maneira as mesmas contribuem para desenhar a forma do corpo. Tratado de exercícios correctivos aplicados à reeducação motora postural. Paris: Vuibert. Etiology of the so-called “idiophatic scoliosis”. 10. nós realizámos a flexão dos ombros e vimos. no chão. 5. Para não acrescentar um mal à cifose já presente. a progressão da doença”. 60 61 . possibility of prophylactics. Biomechanical factors in the etiology of idiophatic scoliosis: two etiopathological groups of spinal deformities. T. então. 8) conta na sua obra “L’homéopathie française”1 (traduzindo): “Quando numa magnífica manhã de primavera de 1947. F. 7. II-nd and III-rd etiopathological groups. (1949). para nosso novo espanto. New classification of spinal deformity . Mézières. Ortop Traumatol Rehabil. R. T. 61(2): 143-150.I-st. A própria Mézières (fig. (1977/1990). a ginástica postural clássica era.LUÍS COELHO Bibliografia (IV) 1. Karski. Meridianos miofasciais para terapeutas manuais e do movimento. Stud Health Technol Inform. (1996). Souchard. Recent observations in the biomechanical etiology of so called idiophatic scoliosis. como esperado. Nesta época. F. A integração das estruturas humanas. Feitis. (2006). Two groups of development of scoliosis. Contractures and growth disturbances in the hip and pelvis as the cause of “idiopathic scoliosis”. T. 91: 37-46. mas a rigidez era tal que nada era possível realizar. 9. Paris: Vuibert. I. E foi esse mesmo tipo de trabalho que foi feito inicialmente com a doente. Seu tratamento fisioterapêutico e ortopédico. São Paulo: É Realizações. Mézières. (2003). Rolf. Tratava-se de um sujeito longilíneo. 6. La révolution en gymnastique orthopédique. La gymnastique statique. 123: 473-482. em decúbito dorsal. Trilhos anatómicos. os exercícios de ‘endireitamento’ e o trabalho dos músculos dorsais com vista a fortalecer os extensores do tronco. São Paulo: Summus editorial. (2001). Chir Narzadow Ruchu Ortop Pol. nós realizámos a báscula posterior da bacia e. nós estávamos bem longe de pressentir que a nossa profissão e o destino de toda uma legião de doenças iam ser mudadas. São Paulo: Editora Manole. 4. F. 3. vimos a hiperlordose lombar esquivar-se e deslocar-se para a nuca”1 (fig. a nossa doente.9). New rehabilitation treatment. Biomechanical considerations. produzirse uma enorme lordose lombar. para moldar a sua estrutura? Vamos tentar responder a estas questões no contexto da explicação da história do método Mézières. como já vimos. Biomechanical explanation of spine deformity. Stud Health Technol Inform. 2. Mézières refere: “Nós tentámos. (2002). naturalmente. Karski. Myers. Ida Rolf fala sobre rolfing e realidade física. As escolioses. Um colete de couro e ferro não havia conseguido parar. nós vimos entrar no nosso consultório uma paciente apresentando uma soberba ‘cifose’. Ph-E. (1947). 6(6): 800-808. para nosso espanto. T. pelo contrário. o princípio preliminar de que todas as deformações têm origem num encurtamento da musculatura posterior manteve-se incólume até à data. 8 .1 Actualmente sabemos que a “cadeia posterior”. até mesmo. geradas por mecanismos protectores. Esse comportamento dinâmico integra um conjunto de inúmeras compensações. ao invés de fortalecer esta musculatura. inclui um comportamento dinâmico. nenhum músculo posterior era demasiadamente fraco ou longo. Veremos. as suas observações em duas partes: (1) a musculatura posterior comporta-se como um só músculo e (2) ela é sempre forte de mais. sendo que estes são devidos ao denominado reflexo anti-álgico à priori.Françoise Mézières (1909-1991). como o diafragma e. mas sim achatado pela sua própria força. para os proponentes de Mézières. também. ser acrescentado que a própria Françoise Mézières terá cedo percebido que existia uma sinergia importante entre a musculatura posterior e o diafragma e os músculos rotadores internos dos membros (cadeia muscular ânterointerna). 63 62 . alongando de uma ponta à outra da coluna vertebral. descontraí-la. todos estavam curtos. 9 . o que corresponde à noção de cadeia muscular. É o que costumamos chamar de compensação. mais à frente que a noção de “cadeia muscular” (e também dos seus constituintes) diferenciou-se um tanto com a prossecução teorética dos diversos métodos de linha “mézièrista”.Lógica das compensações musculares. Mézières e os colegas acabaram por admitir uma verdade que viria a ser anunciada como uma nova lei: que “todo o encurtamento parcial da musculatura posterior leva a um encurtamento de todo o conjunto desta musculatura”. identificada pela primeira vez por meio das observações de Mézières. Entrámos. nem mesmo os da região cifosada. o qual integra um conjunto muito avultado de estruturas musculares. efectivamente. potente de mais. “Então. num conjunto de noções variadas que inicialmente Mézières não dominava completamente. Deve. Françoise Mézières acrescenta: “Tanto que como o alongamento da musculatura lombar se traduzia pelo encurtamento da curvatura cervical. a musculatura anterior. O sujeito não era de forma alguma esmagado pela acção da gravidade (noção clássica). Depois de repetida várias vezes a experiência. a dos seus músculos dorsais. rígidos e fortes demais. Era preciso. Fig. para esta paciente. curta de mais.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural Fig. a lei é que o alongamento de um qualquer músculo posterior leva ao encurtamento do conjunto de toda a musculatura posterior”1. A fisioterapeuta resumia. E. como se se tratasse de uma lordose”. efectivamente. igualmente. onde “toda a modificação de comprimento no sentido do alongamento ou no sentido do encurtamento de parte da musculatura tem repercussão sobre todo o conjunto”. détorsion. Esquema 1: “Anel Mézières” Da observação iniciática de Mézières1 do paciente cifótico. » (6) « La morphologie thoracique est conditionnée par certains mouvements de la tête et des membres supérieurs. com vista à harmonização muscular na forma da morfologia perfeita ou bela forma: deslordose. douleur. Fig. referida atrás (conhecida como o “princípio de observação”). Para além disso.Françoise Mézières deslordosando e desrodando uma doente. qui se succèdent en s’enjambant comme les tuiles d’u toit) ». o qual resume os princípios referidos anteriormente. a desmontagem dos princípios far-se-ia na forma de um “tripé de intervenção”. » (3) « Les membres sont solidaires du tronc et le creux poplité constitue.Françoise Mézières tratando uma doente. ela ocorre em todos os movimentos de extensão e nos movimentos de grande amplitude dos membros. 11). Mézières tira diversas conclusões (mantemos. provoque instantanément le raccourcissement de l’ensemble du système ». Quinta lei: « La rotation des membres due à l’hypertonie des chaînes s’effectue toujours en dedans ». Segunda lei: « Les muscles des chaînes sont trop toniques et trop courts (il n’y a donc rien qu’il faille renforcer) ». une troisième concavité postérieure liée aux lordoses rachidiennes. Sexta lei: « Toute élongation. » A musculatura posterior é demasiado forte e demasiado curta. o original francês): (1) « Il n’est que des lordoses »: a cifose (e a escoliose) não é possível sem uma acentuação das lordoses e é vista como a sua consequência. (5) « La lordose s’accompagne toujours de la rotation interne des membres. » As conclusões de Mézières levaram a que a autora enunciasse oficialmente um conjunto de seis leis na sua obra “Originalité de la Méthode Mézières” (1984)2: Primeira lei: « Les nombreux muscles postérieurs se comportent comme un seul et même muscle (Une chaîne musculaire se définira comme étant un ensemble de muscles polyarticulaires et de même direction. » O esquema 1. 10 . É visível a aplicação do princípio da deslordose. Terceira lei: « Toute action localisée. ¶ Deformações congénitas ou primitivas ¶ Patologias ¶ Trauma ¶ Dores Compensações Devido ao reflexo anti-álgico à priori Porque a musculatura posterior se comporta como um só músculo. 10 e fig. Em lordose Deformações Rotação dos membros Bloqueio diafragmático 64 65 . Fig. tout effort implique instantanément le blocage respiratoire en inspiration.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural Assim sendo. apresentado seguidamente. » (4) « Tout est compensation lordotique. agora. (2) « La lordose est mobile et coulisse sur le corps tel un anneau sur une tringle à rideau. en dehors du rachis. A lordose constitui a origem de todas as deformações do ráquis e dos membros. aussi bien élongation que raccourcissement. Quarta lei: « Toute opposition à ce raccourcissement provoque instantanément des latérofléxions et des rotations du rachis et des membres (lógica das compensações) ». » (7) « La lordose coexiste toujours avec le blocage du diaphragme en inspiration. 11 . expiração e desrotação (fig. representa o “anel Mézières”. respectivamente das cadeias musculares posterior e anterior. todas as deformações ocorriam a partir de uma ou mais lordoses. Algo tão simples quanto o trabalho expiratório mantido durante 30 minutos ou mais pode significar a essência de um tratamento. 12). e imagens seguintes das cadeias musculares tidas em conta). nada em Mézières tem a ver com a “estética” do fitness. 14 . e prolongados ao longo de determinada amplitude (articular). O trabalho é. processo essencial à obtenção do relaxamento de todas as cadeias musculares (pois todas estão relacionadas. Fig. o tratamento segundo Mézières poderá consistir meramente o trabalho respiratório com incidência na expiração. incluindo musculatura sinergista com inserção superior na coluna cervical). longo. 66 67 . pois essas mesmas posições constituem um sucedâneo de múltiplos alongamentos sucedidos no tempo. O conceito de “cadeia muscular” não aparece inicialmente na obra de Mézières. 13 e fig.Imagens clássicas dos conteúdos principais das cadeias musculares anterior e posterior. não tem nada a ver com o que é ou não “bonito” ou com o que é ou não “agradável”. O tratamento mézièrista consiste precisamente num conjunto de posturas que possibilitam o tratamento iniciático de um “bloco superior” da “cadeia posterior” (constituído pela cabeça. Fig. A cadeia muscular posterior era vista como a estrutura principal a trabalhar. mais tarde. desrotação e desbloqueio diafragmático (os princípios fundamentais de trabalho de Mézières. podemos dizer que. as posturas de tratamento podem ser mantidas durante vinte. por Mézières (ver figuras 13 e 14 com imagens clássicas. coluna cervical. directa ou indirectamente. também em Souchard). 12 . No método Mézières (e. e coluna dorsal até T7) e. logo de seguida. Na realidade. portanto. cintura escapular e membros superiores.Postura de trabalho com o método Mézières. ajustado e pensado. enquanto que a cadeia anterior do pescoço é posta em evidência por Nisand (futuro criador da “Reconstrução Postural”) e aceite. O tratamento segundo Mézières corresponderia precisamente a toda a acção de alongamento muscular global e prolongado com vista à deslordose. a grande cadeia posterior e a cadeia ântero-interna são postas em evidência por Mézières. As “cadeias musculares” vão sendo “formuladas” ao longo da obra da autora: a cadeia braquial. Portanto. É tudo parte de um processo extremamente controlado. para Mézières. assim como os princípios da “revolução na ginástica ortopédica” viriam a ser formulados iniciaticamente na sua obra “Révolution en Gymnastique Orthopédique”3). com o diafragma). cintura pélvica e membros inferiores) (fig.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural Do Esquema apresentado. árduo e algo doloroso. trinta ou mesmo quarenta minutos. sendo que esta(s) estaria(m) associada(s) à rotação dos membros (relacionada com o encurtamento do psoas e outros músculos sinergistas) e ao bloqueio diafragmático (associado ao encurtamento do diafragma e dos diversos músculos suspensores das vísceras. como veremos mais tarde. ao tratamento do “bloco inferior” da “cadeia posterior” (coluna de T7 até ao cóccix. E. enquanto um conjunto avultado de estruturas musculares (e fasciais) que compõem um “todo” em determinadas regiões do corpo viria a ser entendido de diferentes maneiras por diferentes autores. Fig. nos tempos que correm. entretanto. Fig.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural Fig. de forma algo gratuita.Cadeia muscular posterior (plano superficial). 15 . O conceito de “cadeia muscular”.Cadeia muscular posterior (plano profundo). só nos anos 90 é que os anglo-saxónicos viriam a falar de “trilhos” miofasciais.Cadeia muscular braquial. » O princípio terapêutico da Globalidade é proposto bastante cedo pela autora e consistia no já referido “tripé de tratamento”. e a noção de tratamento pela Estática mediante a realização do alongamento global. viriam a estabelecer a sua relação com os meridianos chineses. Fig. 19 . 17 . Veremos que 68 69 . utilizada. O que fica do método Mézières é sobretudo a noção primacial de “cadeia muscular”. Fig. 18 .Cadeia anterior do pescoço. A obra e método de trabalho de Mézières parte de um postulado patogénico: « La forme conditionne la fonction et la douleur est à envisager comme un signal d’alarme d’une déformation qui aurait atteint son seuil d’acceptabilité. através de “contracção isométrica excêntrica”. no próximo capítulo que os diferentes discípulos de Mézières viram as “cadeias” de diferentes maneiras. Veremos. e.Cadeia muscular ântero-interna. mais tarde. 16 . As posturas de alongamento deveriam ser realizadas com “alongamento global de todas as cadeias musculares envolvidas”. Esta cifra é meramente aproximativa e não pode deixar de ser moderada pelo facto de os seus cursos não possuírem programa. provavelmente. Mézières recebeu o prémio da “Legião de Honra”. 2. (1972).. e (b) dimensão neuromuscular. Mézières declarou: « Je m’indigne en voyant une multitude de kinésithérapeutes prétendre améliorer. F. traduzido para português para o desapropriado título “Dê saúde ao seu corpo: a saúde pela antiginástica” (EuropaAmérica).LUÍS COELHO autores como Souchard viriam a cientificar um pouco mais os conceitos de Françoise Mézières. pelo menos num primeiro tempo. L’homéopathie française. ou então. La révolution en gymnastique orthopédique. voir enseigner ma méthode. mas. Poderíamos explicar isso com o facto de essa hiperflexibilidade significar um tipo específico de desequilíbrio muscular. aliás um tipo de “(re)conhecimento” que a própria Mézières não pretendia. a zona lombar. Mézières. a qual respeita ao comprimento dos tecidos moles. precisamente.. a cadeia ântero-interna). Perto do fim da sua vida. A prática clínica demonstra que. F. (1984). Este estado de “tensão” pode referir-se a duas dimensões: (a) dimensão miofascial por excelência. ou seja. pessoas extraordinariamente flexíveis possuem deformidades. Mézières. DOIN. no facto de que o design músculoesquelético. G. Importante será também dizer que. Paris: Vuibert. A sua fama aumentou de forma descontrolada. 3. Em 1990. ainda assim. relacionada com a cadeia posterior. não eram necessárias muitas “condições” e/ou critérios para que um terapeuta fosse considerado “mézièrista”. possuem. A obra de Bertherat (ver fotografia na fig. ela estimou o número de terapeutas com o seu curso como sendo de cerca de mil e quinhentos. sendo que não gostaram que o método passasse a fazer 70 71 . à resistência tónica que os músculos contrapõem durante o processo de mobilização ou alongamento. algo que a própria Mézières não pretendia. 4 . a meu ver há duas possibilidades de explicação: uma é a da existência de uma retracção ou encurtamento muscular numa zona muito específica da cadeia muscular posterior (neste caso. Mézières. está dependente do estado de tensão das cadeias musculares. F. o tipo de alinhamento e formato das estruturas articulares. Ed. alors qu’il y a fort peu de praticiens qui l’aient réellement assimilée »1. por exemplo. Essa hipertonia não tem de ser obrigatoriamente acompanhada de retracção miofascial estrutural. e passou a ser ouvida na rádio e vista na televisão. ou seja. Pode existir grande flexibilidade muscular. hiperlordose lombar? Ora. O fenómeno da proliferação de escolas (e do método em si) amplificou-se consideravelmente após a publicação do livro de Thérèse Bertherat2 “Le corps a ses raisons” (1976). por vezes. avaliação de conhecimentos ou registo das presenças dos formandos. Originalité de la méthode Mézières. o grande postulado da Reeducação Postural consiste. ou pelo menos. Paris: Maloine. A proliferação de escolas paralelas tornou-se inevitável. esses mesmos grupos musculares podem ser particularmente “tensos” e “hipertónicos”. Mas como explicar os casos de pessoas com grande flexibilidade da cadeia muscular posterior e que. Tanto ela como os fisioterapeutas mézièristas pretendiam manter o método dentro das lides clínicas e académicas. Ou seja. 20) era toda ela de “inspiração” mézièrista. mesmo assim. Foi esta mesma obra que permitiu a criação da fama relativa ao método. a qual respeita não tanto à flexibilidade miofascial mas mais à tonicidade muscular. estando ou não associada a uma retracção muscular a algum nível antagonista. sendo que incluía um capítulo inteiro dedicado ao método de Mézières. a outra explicação reside na tal questão da tonicidade.195. As técnicas ditas “mézièristas” constituem todas aquelas que advêm directa ou indirectamente do trabalho de Françoise Mézières. Depois da obra de Bertherat ter conhecido um sucesso mundial de vendas. (1949). isto desde os anos 60. a adaptar os seus conceitos e princípios a uma gíria mais relacionada com as “novidades” da fisiologia. Mézières ensinou a sua arte desde os finais dos anos 50 até à sua morte em 1991. VI – O métodos neo-mézièristas Bibliografia (V) 1. inclusive. É o resultado de uma . Aquilo que para Bertherat foi apelidado de “antiginástica”. o que aconteceu inicialmente. (c) técnicas que se reclamam como sendo de origem “mézièrista”. e que. e principalmente em “Le repaire du tigre”3. Quanto às obras de Bertherat. é de realçar a capacidade que Bertherat teve para explicar o método a todos os que não possuíam formação especializada. como já percebemos. apresentam diferenças significativas relativamente ao método original. É o caso do método de Ph-E Souchard (um antigo assistente de Mézières. é sobretudo um conceito. ditas “método Mézières”. a assunção de um conjunto muito avultado de vantagens relativamente ao conhecimento de “novos” campos de conhecimento e terapêutica). Mais do que um método (de trabalho grupal). visto que o nome “Mézières” estava fortemente inflaccionado.teorética e pragmaticamente . mas que não escondem o facto de apresentarem “evoluções” relativamente ao original – tanto no plano teórico como no plano prático . Fig. ensinou e escreveu sobre o método). dificultando. pode ser apelidado de anti-fitness.Thérèse Bertherat. É o caso do método das “Cadeias musculares e articulares” de Godelieve Denys-Struyf (uma importante retratista e escritora sobre o método Mézières). No final. o método das “Cadeias musculares” de Leopold Busquet e a “Reconstrução Postural” de Nisand. Um conceito relacionado com as implicações 72 73 . que. pela Association Mézièriste Internationale de Kinésithérapie (AMIK) ou pela Association des Mézièristes du Nord. consiste precisamente no acalentar da ideia .alimentam. mas que. Para além disso. Porém. mais do que qualquer outro. O método ensinado por estas associações já não é completamente congruente com o método original. ainda muitos terapeutas mantêm esta tendência para manter determinada “arte de intervenção” no “segredo dos Deuses”. estas foram feitas para o grande público. Por volta dos anos 80. alguns anos depois de Mézières ter registado o seu método.evolução relativamente ao original.evoluções que justificam a mudança de apelidação do método. Regressando à questão da proliferação de escolas.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural parte da “opinião pública” (aliás. e fortemente após a publicação da obra de Bertherat2. possuindo o erro da simplificação abusiva.e a maioria dos desportos de carácter assimétrico . Tudo isto levou a que Mézières acusasse os diversos autores de adulterarem o seu método e de utilizarem o seu nome como um viático1. é que. apesar da evidência demonstrar que são métodos dependentes de Mézières e pouco diferentes . muitas vezes. Em todas as suas obras.poderá resultar num excesso mio-fascial com consequências reumatológicas deletérias no longo prazo. o que obrigou os autores referidos a utilizarem outras denominações para apelidarem os seus “métodos”. Françoise Mézières fez proteger o seu nome através do Institut National de la Propriété Industrielle. Voltemos à “antiginástica” de Bertherat.de que o treino de força muscular. muitos outros métodos do tipo “mézièrista” surgiram: (a) vários métodos que se reclamam como sendo independentes do método Mézières. apanágio das práticas desportivas contemporâneas . a capacidade para compreender as verdadeiras implicações que o método Mézières possui para o mundo do desporto em geral. É o caso dos métodos ensinados pela Association des mézièristes d’Europe. o conjunto dos erros e “deformações” que os métodos gímnicos modernos . a Reeducação Postural Global (RPG). 20 . a autora teve. (b) as técnicas de antigos alunos de Mézières. todos os autores que introduziram ideias interessantes no método recusavam-se a abandonar a apelidação “Mézières”.provavelmente lógica . com grande engenho. no fundo.do original. como é advogado pelas mesmas.contra-intuitiva mas científica . Thérèse Bertherat conseguiu traduzir. o autor talvez tivesse esquecido a máxima de Mézières “a saúde é o resultado da forma perfeita”. Portanto. Em termos teoréticos. Para ela. ainda mais porque o mesmo ensinou o método durante dez anos e escreveu sobre o mesmo. nem técnicas como a “eutonia de Gerda Alexander” ou o método reeducativo de Feldenkrais eram suficientemente bons e comparáveis à excelência de Mézières.Bases de la Rééducation Posturale Globale” e a comparar os princípios do RPG com os princípios preliminares do método Mézières. 2. 4. Aí. As posturas de trabalho variam segundo as alterações existentes. não podendo ou devendo ser vista como uma ginástica “doce”. muito pela razão de que a maioria desses princípios. são princípios do método Mézières. É.pouco percebidas . Importante será dizer que Bertherat recusa o conceito de “ginástica suave” ou “ginástica doce” para o seu método (e muitos outros da linha mézièrista). Para Souchard há dois grandes conjuntos de “retracções” globais: posterior e anterior. 7.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural . rã no chão com abertura dos braços. mais do que qualquer outro. postura sentada. Entretanto. se para Mézières não há cifose sem lordose. 3. 21 . 74 75 . apesar de as posturas do RPG não acrescentarem nada em termos metodológicos ao método Mézières. postura “bailarina”. um método de vocação quase psicoterapêutica. na postura “sentada” é mantida a curvatura lombar neutra. por exemplo. Ele prevê alguns dos princípios de métodos futuros como o relaxamento da sofrologia e o método “Corpo e Consciência” de Courchinoux. são bastante imaginativas. 6. O seu método de trabalho grupal advoga a consciencialização corporal. Fig. Se analisarmos bem essas “posturas” veremos que algumas são iguais às posturas de Mézières. Talvez Souchard tivesse em conta as novas linhas de estudos “funcionais” que privilegiam a “utilização da coluna neutra”. 21). Thérèse Bertherat não deixou de perceber. É de lamentar que Souchard raramente refira a “mãe intelectual” do seu método.Posturas do RPG (1. segundo a filosofia dos métodos vigentes. 5. Souchard vai dar mais atenção à(s) cadeia(s) anterior(s) do que Mézières. inovadoras e eficazes (ver posturas em fig. portanto. A sua “ginástica” envolve imensas estruturas de âmbito psicofísico. por exemplo. Muita coisa pode ser dita sobre o mesmo. para Souchard a cifose poderá constituir-se como uma entidade autónoma relativamente à lordose. assim como um considerável poder de concentração. 8. referimos também a Reeducação Postural Global de Ph-E Souchard. Este é provavelmente o método mais conhecido de todos. rã no chão com fechamento dos braços. pois. enquanto que essa curvatura tende a ser “deslordosada” no método Mézières (ver exemplos nas figuras 22 a 27). por meio do alongamento do tipo Mézières. como meio para atingir a excelência pessoal. supostamente “descobertos” por Souchard. que a Reeducação Postural poderia trazer uma série de implicações para o mundo da prática desportiva. postura de pé contra a parede. mas esteticamente mais belas e “politicamente” mais correctas. Ainda mais porque as suas posturas de trabalho (o seu método inclui oito posturas de alongamento) são claramente inovadoras. Convido qualquer um a ler a obra de Souchard “Le champs clos .que os princípios mézièristas possuem para toda a “ginástica ortopédica”. a forma prevalece sobre a função. Não é criticável que Souchard tenha criado o seu próprio método. postura de pé). E é claro que não é minha intenção constituir um resumo dos princípios do método. com cadeias anteriores envolvidas em independência da cadeia muscular posterior. rã no ar com abertura dos braços. rã no ar com fechamento dos braços. como a já citada “Le champs clos” e também a recente obra “As escolioses. Dissemos. Importa também referir que. muitas delas com mais imagens que texto. e todas elas com uma certa tendência para ser recalcitrantes. Neste mesmo país em particular. Ora. a qual permite colocar em tensão todas as cadeias musculares simultaneamente (principalmente quando utilizado o sistema de polias). Outras advêm da necessidade de criar um método mais adaptado à realidade desportiva como o “Le stretching global actif”5 (o Stretching Global Activo constitui um método grupal baseado igualmente em posturas de alongamento e princípios ditos “mézièristas”. Em certos países. o ensino do método de Souchard atingiu proporções de merchandising avassaladoras. Fig. Fig. Resta dizer que. Importa. Mas aí. como o Brasil. é a obra de Souchard que tem permitido expor muitas bases da “teoria mézièrista” ou “teoria das cadeias musculares”. ainda. anteriormente. trabalhando os dois “blocos” ao mesmo tempo. no sentido em que Souchard valoriza a diferenciação entre musculatura tónica e musculatura fásica de uma forma que Mézières não valorizou. Para além do que fica dito. 26 e fig.Postura de Mézières e a “correspondente” ‘rã no ar’ do RPG de Souchard. Seu tratamento fisioterapêutico e ortopédico”4. ele não inova tanto quanto outros autores. tanto o método de Souchard como o método de Busquet (“Cadeias musculares”) tentam dar uma ênfase de maior globalidade aos tais “blocos”. o tratamento segundo Souchard acaba por ser feito . foi feito a pensar sobretudo nas necessidades dos desportistas). sendo que é este que acaba por ser vítima de plágios e de tantos e tantos “formadores” a ensiná-lo. se Souchard refere a existência de cadeias dinâmicas. sendo o método mais conhecido. dizer que a noção de “cadeia muscular” para Souchard acrescenta um pouco a Mézières. Aliás. 24 e fig. 22 e fig. 27 .Postura de Mézières e a “correspondente” ‘postura sentada’ do RPG de Souchard. As suas obras foram traduzidas para o português do Brasil e podem ser encontradas nas livrarias especializadas. 76 77 .LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural Fig. 25 .individualmente numa mesa própria. na medida do possível. que o tratamento segundo Mézières incluía primariamente o bloco superior da cadeia posterior e só depois o bloco inferior. Aliás. O autor publicou cerca de duas dezenas de obras. Souchard vai ter em conta a existência de cadeias musculares um pouco diferentes das do método original. Algumas são fundamentais. enquanto o tratamento segundo Mézières é feito num colchão.Postura de Mézières (à esquerda) e a “correspondente” ‘rã no chão’ do RPG de Souchard (à direita). o método de Souchard é considerado muitas vezes como original. 23 . a maioria dos autores “neo-mézièristas” vai possuir uma noção de “bloco” e de “cadeia muscular” muito diferente da original. são de natureza dinâmica. nomeadamente a “A pubalgia”6. É observável em todas aquelas pessoas que aparentam possuir umas costas bem esticadas. agora. uma das mais modelares estruturas posturais patológicas. A postura PM (póstero-mediana) é. Mas é estranho que Busquet praticamente nem sequer refira o nome de Mézières em praticamente toda a sua obra7. Fig. as quais dependeriam da cadeia muscular mais solicitada (posturas PM. 79 . são constituídas essencialmente por músculos fásicos. Inicialmente. É muito comum entre os atletas e os instrutores de fitness. Fig. cruzadas anteriores e cruzadas posteriores . grande retratista de posturas. Godelieve DenysStruyf. Apresento.cadeias flexoras e extensoras. AL e PL). Todas as outras cadeias musculares são sobretudo de natureza dinâmica. A obra de Busquet é bastante prolixa. permitem a interligação dinâmica e funcional entre os membros superiores e os membros inferiores. provavelmente. o equilíbrio adoptado impele o corpo para a frente. constitui uma importante referência dentro da linha de Mézières. se utilizássemos um critério de categorização dos métodos “neo-mézièristas” diferente do utilizado atrás. métodos de linha mézièrista de natureza ortopédica (RPG e “Cadeias Musculares”).Leopold Busquet. Num ponto de vista dos métodos “neo-mézièristas” é aquele que. a sua única obra traduzida para português. 28) vai dizer que somente existe uma cadeia estática: a grande cadeia estática posterior. e relacionam. uma dupla. De espantar está também a linha de cadeias “neuromeníngeas” e “viscerais” em que Busquet vai colocar realce. AM. portanto seis estruturas posturais. nestas cadeias. ou seja. segundo uma linha “orto-reumatológica” possui a maior completude. Neste ponto.Postura PM (póstero-mediana). Busquet acrescenta uma série de estruturas formadas por tecido conjuntivo à sua “cadeia estática posterior”. os quais. Esses métodos dão importância ao ser humano na sua totalidade psíquica e somática. 28 . esta nova categorização. 29 . Nesta estrutura. A sua obra possui uma grandeza de conhecimento anatómico que qualquer outro mézièrista não possui. sendo que é a actividade dos músculos posteriores que garante a sustentação da atitude. 78 pois os métodos de Godelieve Denys-Struyf8 e de Peyrot são de tal forma “diferentes” que só com muito esforço podemos considerá-los como métodos da linha da postura e/ou da motricidade humana. poderia dizer que há.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural então Busquet (fig. os quais chegam a pensar que esta é uma postura louvável. PA-AP . Por exemplo. a postura com os estados psicológicos (e vice-versa). designativas de seis tipos particulares de personalidade. de natureza psicossomática (“Cadeias musculares e articulares” de Godelieve Denys-Struyf e “morfoanálise” de Peyrot) e métodos de natureza neurológica (“Reconstrução Postural”). As outras cadeias . de forma ímpar. delineou a existência de cinco tipos de posturas. uma lordose geral facilmente verificável. é preciso referir que. sobretudo. constitui o padrão ideal. Em especial. pode resultar de uma “personalidade relacional ou de fachada” ou então pode ser o resultado de uma “personalidade adquirida mal vivida. uma dificuldade na relação com o exterior. alinhada. A postura AM (ântero-mediana) resulta da actividade dos grupos musculares anteriores. representando uma personalidade lançada para a maturidade. Uma atitude PA-AP não forçada. na tentativa de contrariar a postura defensiva da pessoa. 80 81 . As pessoas com a postura AM estruturada tendem a viver na espera. sendo que conjuga a hiperlordose lombar (excessivo arqueamento da coluna lombar) com uma compensatória hipercifose dorsal (inclinação anterior do tórax). sendo característica das pessoas que desejam possuir um grande controlo sobre a sua vida e a dos outros. de modo a contrariar a tendência para a queda. que favorece a ideação e a acção. limitando o imprevisível. então ela releva de um problema de auto-estima. flexível e agradável.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural Esta postura pode resultar de uma motivação e de uma escolha. pois. é a sua própria identidade que está em jogo. o eixo de todas as personalidades. Fig. criar-se-á um padrão específico de trabalho muscular profundo exagerado e desinibido. algum Pilates e algum Yoga poderão agravar esta estrutura particular. esta reage com ainda mais tensão. uma tendência ao fechamento e uma atitude de derrota. correcta. na modelagem. A dupla estrutura PA-AP (póstero-anterior . Esta postura é extremamente característica. eventualmente. os quais garantem o suporte de um desequilíbrio para trás. 30 . 31 . se existir um fraco equilíbrio. no entanto. portanto. Esse achatamento é mínimo se existir um bom equilíbrio corporal. a estrutura AP constitui uma espécie de estrela central de todas as outras estruturas. no fundo. rigorosa e. no fundo. criador de tensões e diminuidor da mobilidade articular. A solução parece estar na regularização das tensões. para a manutenção de determinado alinhamento vertebral e determinado padrão de achatamento articular. Se a postura é resultado de uma imposição. Fig.Postura AM (ântero-mediana). estando associado às personalidades mais flexíveis e assertivas. para a liberdade responsável e consciente. As opções terapêuticas variam consoante a natureza causativa da postura: a postura pode ser o resultado de uma “personalidade constitucional profunda e realizada”. Por outro lado. O seu tratamento depende muito mais do que a inibição do seu padrão neuromuscular característico. contribuindo. é. A musculação. em dificuldade”.Postura PA-AP (póstero-anterior . uma postura de combate defensivo.ântero-posterior) é aquela que mais se aproxima da estrutura de músculos profundos e anti-gravíticos.ântero-posterior). para os indivíduos destros). 32 . A sua “visão” releva de uma orientação mais psicologista do método Mézières. um eixo relacional. Fig. vistas nos planos frontal e horizontal (as cadeias mais dinâmicas e relacionais. ao medo e à introversão. a expansão e a extroversão (é este o tipo de cadeia que é mais trabalhada nas extensões. mas permite a abertura. realizados num espírito lúdico e despreocupado. estas duas estruturas interagem no mesmo corpo.mais próxima das abordagens psico-corporais e psicomotricistas do que da actividade desportiva tida no seu frio “fisicalismo” quase anti-humano. de modo a perceber o seu dinamismo e a inverter alguns dos aspectos que caracterizam a sua patologia. é a estrutura que busca o devir.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural A postura AP é aquela que precisa mais de ser preservada. Mas o seu desenvolvimento está também dependente do acolhimento da mãe AM. permitindo o confronto das forças depressivas da morte. A ginástica. permitem o desabrochar da AP . É de Godelieve Denys-Struyf a frase “a estrutura governa a função e submete o psiquismo”. e leva-nos a entender até que ponto o conceito de Mézières é abrangente e tende para uma visão globalista do ser humano. AL relacionada com a dominância do membro superior direito e PL relacionada com o apoio no membro inferior esquerdo (isto. E nunca devemos esquecer que todo o indivíduo é irredutível a uma tipologia.Postura PL (póstero-lateral). também posta em evidência por Thérèse Bertherat . Restam as estruturas secundárias AL (ântero-lateral) e PL (póstero-lateral). enquanto que as anteriores pertenciam ao eixo vertical da personalidade. 82 83 . semelhantes às cadeias cruzadas de Leopold Busquet). aberturas e torções do Yoga). do apoio do pai PM e do suporte celestial PA. a dança e as artes marciais. Possivelmente. pois é o padrão que permite a acção e a busca práxica da realização. mais posterior. Já a segunda associa-se a um outro tipo de tensão. O trabalho global das “cadeias musculares e articulares” GDS impõe a sempre impartível relação do terapeuta com o doente e deste com o seu próprio corpo. visão . o desporto em geral. A sua concepção de postura enquanto entidade psicossomática holística é fundamental à compreensão integral do ser humano.Postura AL (ântero-lateral). assim como das escolioses. claro. resultando o seu padrão postural e comportamental de uma combinação muito própria de elementos das diversas estruturas tratadas. A dinâmica destas estruturas importa à compreensão de todas as assimetrias corporais. Fig. A primeira associa-se ao fechamento e à retracção. O trabalho terapêutico deve partir da sempre necessária consciencialização da estrutura. Estas estruturas pertencem ao eixo horizontal.aliás. 33 . pois foi o único que . se calhar. o mézièrista tende a encontrar uma postura correctiva e a mantê-la o 84 85 . o mais desconhecido de todos é. partes do corpo que são sujeitas a movimentos de grande amplitude com o objectivo de induzir ou solicitar determinado padrão postural. é um ponto de passagem para a obtenção de um padrão postural “correcto”. Nisand acrescenta e descreve pormenorizadamente uma nova cadeia muscular . do seu tónus (e jamais podemos esquecer que é através das variações de tónus que o sistema nervoso comunica com o sistema muscular). 34 . indubitavelmente. 34). na modificação do padrão de excitabilidade muscular das cadeias posturais).diafragma e psoas . estando ligado à Universidade Louis Pasteur . como já dissemos. o mais científico dos métodos. o que é bastante injusto. mais do que da elasticidade dos músculos. o método de tratamento por Mézières por meio do estiramento em “contracção isométrica excêntrica” transforma-se num meio de tratamento por “solicitação activa induzida”. a partir de pontos periféricos precisos.compreendeu a “postura” enquanto entidade primacialmente neurológica. Assim sendo.Strasbourg. ao contrário do que ocorre com o método Mézières. mas sim na incapacidade que a estrutura hipertónica (rígida) tem de se deformar. (b) Nisand propõe uma nova interpretação da lógica das compensações corporais. o mais fiel dos métodos. Diferenças metodológicas levam a diferentes técnicas. (c) O método da Reconstrução Postural propõe uma outra forma de interpretar o aparecimento de dor. ou seja. pai da Reconstrução Postural. é também o método com os princípios mais inteligentes. Ora. A partir destas diferenças.a cadeia anterior do pescoço. de modo a que os alongamentos possuam um efeito de neuroplasticidade adaptativa eficaz e não só um efeito de modificabilidade temporária do tónus.os poucos que sabem sequer da existência dele . pois. o mézièrista identifica a dismorfia como algo “anormal”. e são mantidas não por tempos necessariamente muito prolongados (Mézières). mas também pelo trabalho de consciencialização corporal com base na estimulação neuro-sensorial (ou seja. da postura trabalhada passivamente passa-se para um trabalho de carácter mais activo. salientando a importância de um conjunto de respostas neurológicas aquando do movimento (respostas evocadas) e o contributo dos centros neurológicos centrais para o surgimento das deformidades.que a postura não é talvez tanto o resultado de uma maior ou menor flexibilidade mio-fascial. era preciso ter surgido este método em 1992 para finalmente percebermos . também. pois este é simultaneamente o mais fiel e o mais evoluído dos métodos pósMézières. É. Fig. é. uma condição obrigatória para se obter a postura normal.e a cadeia braquial). A dor não tem origem na própria deformidade. o tratamento passa não só pelo alongamento global das cadeias musculares (Mézières). enquanto que o “reconstrutor” tende a lidar com todas as posturas que possam ser efectivas no sentido de se obter uma inibição do padrão.Michaël Nisand. a cadeia ântero-interna . nomeadamente: (a) Enquanto Mézières se referia à existência de três cadeias musculares posturais (a grande cadeia posterior.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural Em matéria de métodos neo-mézièristas. a Reconstrução Postura 9-18 de Nisand (fig. a postura depende. é aquele que mais respeita os critérios de uma necessária cientificidade. mediante a facilitação de padrões de postura por meio de “pontos-chave” (à semelhança do papel dos mesmos “pontos-chave de controlo” do método Bobath de tratamento das disfunções neurológicas). A Reconstrução Postural difere do método Mézières em diversos aspectos. O agravamento da dismorfia é. enquanto que o reconstrutor identifica a dismorfia como um ponto de passagem para a obtenção de um padrão postural vantajoso. pois é aquele que mais respeita as bases teoréticas do método original. portanto. As posturas em Reconstrução Postural são obtidas. sendo que muitas das manobras mézièristas foram modificadas ou suprimidas: o mézièrista tende a evitar as compensações. mas até ao ponto em que se verifique a normalização tónica.finalmente . portanto. enquanto que o reconstrutor tende a manter a “postura” só até que exista exaustão e extinção da resposta evocada (normalização tónica). na realidade. as “cadeias musculares” são semelhantes aos “trilhos miofasciais”. de alguma maneira interferir com o “estado tónico” do sujeito. métodos desenvolvidos de forma independente. Temos referido diferentes paradigmas de intervenção. Mas gostaria de acrescentar mais um ponto a este capítulo. igualmente. estes bem comparáveis entre si. tentar compreender os aspectos mais simplistas dos métodos. de todos os métodos. O que não pode deixar de se considerar como antitético. É. Outra conclusão é a de que constitui uma obrigação ética e intelectual aquela que podemos designar a “necessidade de integração metodológica”. psicomotricistas e psicossomáticas. questionando a eficácia de actividades mais lúdicas. semelhantes aos princípios do Yoga. o modelo de Nisand (porque é de um “modelo” que efectivamente se trata) constitui o mais inovador de todos os métodos de Reeducação Postural. é pena que tantos fisioterapeutas não realizem esse espantoso trabalho de comparação dos diferentes métodos. Por exemplo. É o caso dos métodos anglo-saxónicos e do método de Busquet. ajudando formadores e empresas a encherem os bolsos de dinheiro). não temos sido suficientemente claros em afirmar que os diferentes métodos devem ser entendidos sempre dentro de determinado contexto sóciohistórico. Infelizmente. e. Outro exemplo. de novo. mas sim de “restauração morfológica”. é um método condenado à reclusão teorética. Vemos. provavelmente. o mais neurológico dos métodos e também o mais contra-intuitivo dos mesmos. Este método vem revalorizar o papel da terapia manual. tanto o conceito de Bobath como a teoria das “Cadeias musculares”.utilizadas para induzir o movimento periférico). dar. Ou seja. não deixando. as autoposturas são impensáveis na Reconstrução Postural (o que levanta uma série de questões relativamente ao trabalho de Reeducação postural em grupo). Por exemplo. o que a Reconstrução Postural vem dizer é que o tipo de “diminuição dos excessos musculares” que é necessária constitui a “inibição do tónus”. pois o próprio sujeito não consegue educar as suas próprias reacções tónicas correctivas. os pontos corporais de trabalho na Reconstrução Postural fazem lembrar os “pontos-chave de controle” do método Bobath (que mais não são do que partes do corpo . As implicações que este .possuem para a “dinâmica desportiva” e do axioma “exercício é saúde” são muitas e carecem de uma análise em capítulo próprio (capítulo VII). em termos de evolução. outra evolução possível constitui a via neurológica. as “compensações” e as “reacções associadas” 86 87 . Mas. as quais podem. ênfase a métodos de cariz proprioceptivo. Temos falado de diferentes métodos de trabalho. daqui podemos tirar uma série de conclusões. Por outro lado.mais sensitivas . sobretudo. Portanto. Ou seja. aumentando a nossa compreensão basilar das coisas e diminuindo a nossa insegurança (a mesma que nos leva a fazer tantas e tantas formações pós-graduadas. podemos incluir a Integração Funcional de Bienfait19. Dentro desta linha evolutiva. método que irá valorizar o trabalho analítico de alongamento miofascial e de descompressão articular (por meio daquilo que o autor designa de pompages). este é o único que carece de uma atitude de “comercialização” e de exploração para além da Universidade Louis Pasteur. As pompages de Bienfait lembram muito certas tracções do método ortopédico de Cyriax. pois a actividade resistida alimentava a “actividade anormal”. salientando a necessidade de uma intervenção necessariamente individualizada do doente. nomeadamente a inibição da tensão prévia ao processo de actividade motora dita “facilitada”. ainda assim os conceitos desenvolveramse de forma independente. os proponentes da Reconstrução Postural não falam de “correcção morfológica” como os mézièristas. se calhar. Com todas estas inovações. Por exemplo. E muitos dos princípios da Reeducação Postural são. obviamente. que. possuem uma mesma forma de ver a práxis neuromotora.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural máximo de tempo possível. fazendo a necessária integração mentalista.e todos os outros métodos . Podemos. os métodos de Reeducação Postural de linha mais orto-reumatológica evoluem para uma visão da “cadeia muscular” cada vez mais próxima da visão fascial. de existir uma série de elementos em comum entre métodos supostamente divergentes. E podíamos continuar eternamente. como já tivemos oportunidade de ver. psicodramáticas. tentando integrar conceitos e mostrar semelhanças metodológicas. a qual tem por base não o alongamento mio-fascial correctivo mas sim o alongamento com vista à normalização de padrões de activação tónica das cadeias musculares. E uma delas é a de que devemos. Bobath era totalmente contra a utilização de pesos nos seus doentes neurológicos. 15. La méthode Mézières: un concept révolutionnaire. Souchard. Os desequilíbrios estáticos. (1990). 7. Les chaînes musculaires.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural relacionadas com a hipertonia. (1996). La lettre du médecin rééducateur. Entre le tout renforcement et le tout étirement. traitement des dysmorphismes et des algies du tronc et des membres. 4. (2004). 6. M.. M. (1999). Seu tratamento fisioterapêutico e ortopédico. (2001). 14. Françoise Mézières sort du silence. Mains Libres. M. Jesel. Turlin. P . São Paulo: Summus editorial. Busquet. La Reconstruction Posturale®. la revue Romande de Physiothérapie. L. (1995). Fisiologia. As escolioses. (2003). Nisand.. Jesel. KS 417. vejam os pontos em comum com os princípios do “conceito de Mézières”. Nisand. Le corps a ses raisons. M. C. C. Ph-E. patologia e tratamento fisioterápico (3ª edição). Callens. Souchard. M. Busquet. KS 387. Ph-E. (1996). Paris: Éditions du Seuil. 12. M. Le traitement des algies vertébrales par la Reconstruction Posturale. Nisand. Nisand. Esse é um passo para o futuro! Bibliografia (VI) 1. KINÉSITHÉRAPIE. Le Magazine 97. 17. (1997). 8. (1985). 9. Nisand. (1997). T. existe-t-il une autre voie ?.D. Formation continue: Premier stage de Reconstruction Posturale à Genève. Callens. Lisboa: Europress. la revue Romande de Physiothérapie. Le repair du tigre. L. Bienfait. La Reconstruction Posturale: une physiothérapie normative de la forme. M. M. (1990). 3. (1997). déviance ou évolution? 11ème Symposium Roman de Physiothérapie les 5 et 6 novembre 2004: “Les Chaînes Déchaînées” Lausanne-Suisse. Les chaînes musculaires et articulaires: la méthode G. Paris: Éditions du Seuil. (2002). 19.11ème Symposium Roman de Physiothérapie les 5 et 6 novembre 2004: “Les Chaînes Déchaînées” Lausanne-Suisse. simples e abrangente. São Paulo: É Realizações. Publication périodique de l’ANMSR (Association Nationale des Médecins spécialistes en Rééducation). Bertherat. Jesel. (1995). (1976). da actividade muscular segundo a perspectiva Globalista. Kiné Actualité. M. 11. Mains Libres.S. Rééducation fonctionnelle dans les cervicalgies communes selon la méthode de reconstruction posturale: concept et aspect technique. Paris: Maloine. (2004). 88 89 . 13. Paris Éditions Josette Lyon.. Nisand. 18. São Paulo: Editora Manole LTDA. 16. (2006). M. T. 10. É fundamental que alguém pegue nos dois conceitos e crie uma teoria.. Reconstruction Posturale. Ora. À propos de certains dysmorphismes du pied: identification et correction par la Reconstruction Posturale®. Kine Plus 57: 19-25. Callens. 5. les annales 10: 37-42. Bertherat. 2. Nisand. C. A reeducação postural global a serviço do esporte. Mains Libres. A pubalgia. G. Denys-Struyf. M. O stretching global ativo. Concept. 332: 6-7. la revue Romande de physiothérapie. no mundo anglo-saxónico. Por motivos de coerência histórica.Implicações da Reeducação Postural para a prática desportiva Começaria por dizer que. de métodos-filhos e /ou novas metodologias. Importante será também dizer que a ideia de que a postura e/ou morfologia estaria relacionada com o estado de comprimento-tensão dos grupos musculares também não é apanágio criador de Mézières. Para além disso. filho do RPG. tornaram-se métodos de utilização grupal e massificada. O mesmo será dizer que a diferenciação teorética da musculatura humana em dois grandes tipos . sendo que tem sido inalienavelmente demonstrado que os músculos de natureza “tónica” são mais “sensíveis” a um trabalho também ele tónico. a qual. pelo menos aqueles que se relacionam mais com os profissionais da motricidade. o que releva de uma grande importância para a consubstanciação conceptual dos métodos de trabalho em Mézières. que o conceito de trabalho postural com base no alongamento global das estruturas miofasciais (organizadas em cadeias) com vista à reestruturação morfológica caracteriza a totalidade dos métodos de linha mézièrista.O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural VII . Direi. tanto a “antiginástica” quanto o “Stretching Global Activo”. diria que é devido ao método Mézières o seu necessário e inalienável reconhecimento enquanto método fundador de um conceito também ele fundador.é anterior ao princípio de observação que levaria à criação do seu método. O que realmente deriva da “revolução mézièrista” é a nova metodologia de “ginástica estática”. Aliás. que é raro um método não brotar numa nova linha mais ou menos independente. dentro do conjunto dos métodos neo-mézièristas. que não deixou de possuir. preciso entender que a base científica dos métodos em análise é real. não querendo diminuir a sua importância. Tudo isto demonstra que o conceito de “ginástica estática” não é derivado de Mézières e da sua revolução. é já considerada mais “facto” que “teoria”. relativamente ao mais puro método original. penso que esta questão começa a ganhar novos contornos científicos na actualidade. pois.“La gymnastique statique” (1947) . Não devemos esquecer. igualmente.utilizado por tantos . Ora. a dita ideia já vigorava nas ginásticas mais clássicas. Aliás. contudo. de parcimónia científica e de pureza metodológica. não possui o mesmo grau de eficácia que os métodos verdadeiramente individuais. sendo que ganhou importantes contornos científicos com a introdução e desenvolvimento do método Pilates. a capacidade de criar uma verdadeira “revolução na ginástica ortopédica”. durante décadas. A evolução constitui um caracter especificamente humano. que a primeira obra de Françoise Mézières . Não critico. há aqueles que seguem uma linha mais comercial de divulgação e aqueles que seguem uma linha mais conservadora de desenvolvimento. e a partir dali. métodos como a “antiginástica” de Bertherat e a “Reeducação Postural Global” auferem de uma fama a nível mundial. sendo que os estudos que envolvem a electromiografia não deixam margem para dúvidas de que a actividade tónica dos músculos de natureza postural é mais persistente e menos “moldável” que a actividade tónica dos músculos de natureza fásica. o conceito de ginástica “estática” e/ou “postural” é anterior à revolução de Mézières. todos os esforços de inovação.de que o facto de existirem músculos de natureza postural não obriga à utilização de uma ginástica do tipo “estática”. acreditou-se que o trabalho do transverso abdominal ou dos rectos abdominais levaria à diminuição da hiperlordose lombar (já. É. tanto teorética quanto pragmática. igualmente. naqueles tempos pré-Mézières. Claro que não é despiciendo o argumento . mais ou menos autónoma.músculos tónicos/posturais e músculos fásicos/dinâmicos essencial para a prescrição metodológica dos métodos da linha de Mézières. até ali se centrava especialmente no treino de força muscular. e de tal forma o é. viria a centrar-se no trabalho de alongamento muscular global. Em particular. Diria que todos os métodos neo-mézièristas possuem a robustez e a vitalidade de uma metodologia inovadora. enquanto que os músculos de natureza “fásica” são mais “sensíveis” a um trabalho dinâmico (que os diferentes desportos de resistência e força/potência muscular tão bem demonstram). principalmente no mundo francófono. contudo. a qual. a qual tem permitido criar um número incomensurável de cursos e formações com preços simplesmente indescritíveis. considerada como “malade 90 91 . ou seja. Este é um bom argumento para tantos e tantos desportistas e terapeutas que acreditam que o treino dos músculos anteriores dinâmicos do tronco (rectos abdominais) poderá fazer com que aumente a cifose dorsal.. Outra coisa que é importante ter em conta diz respeito ao método Pilates. não faz sentido se não incluir o trabalho de alongamento ou stretching. Eu acrescentaria que. Fig. podemos igualmente citar que a sua prática. a acção de determinados músculos não poderá contrariar completamente a acção de outros conjuntos musculares. Sendo essencialmente um método de treino da força abdominal profunda .LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural postural”). mesmo que seja funcional. 92 93 . 36 .. ou seja. E já que falamos de Pilates. Fig. sendo o músculo transverso abdominal um músculo de inserção posterior lombar e anterior abdominal. ainda mais porque os níveis mais avançados do treino de Pilates implicam a existência de um certo nível de flexibilidade muscular.. um sistema muscular de “antagonismo puro”. os mézièristas mais clássicos até acreditam que o trabalho do transverso abdominal tem um efeito lordosante e que. o Pilates passar a ser uma actividade contra-indicada ao trabalho de Reeducação Postural propriamente dito. Só mais tarde. Souchard viria a deixar bem claro . e. 35 . Como poderá aumentar a cifose dorsal por esse mecanismo. de um qualquer músculo e/ou grupo muscular jamais poderá permitir o trabalho de “correcção” de uma deformidade. O autor associa isso ao facto de não existir.e da capacidade de activação dessa mesma musculatura -. como tal. temos de colocar a hipótese de a actividade deste mesmo músculo ter realmente um efeito lordosante. Quanto aos músculos flexores dinâmicos do tronco. ele jamais poderia ter o efeito de “deslordosar” a coluna (aliás. portanto.Músculos superficiais da parede abdominal (Netter). principalmente do músculo transverso abdominal. por este e outros motivos. seja dinâmico.Músculo transverso abdominal. sendo dinâmicos nunca poderiam contrariar a acção de uma musculatura estática (posterior). seja estático. deve ser evitado)..que o treino. como poderá constituir-se determinado design postural se estamos a falar de músculos de natureza dinâmica e não estática/ postural?. no nosso corpo.melhor que a própria Françoise Mézières . à custa de uma nova deformidade (com todas as 94 95 . até aqui já citei uma série de mitos e as contradições existentes nos mesmos. ou não é simplesmente conseguida. tem por resultado o aumento do tónus da musculatura de natureza postural. Portanto. por melhor que o instrutor seja. aumentando o nível de deformidade na lombar. possuem uma função importante de estabilização da coluna lombar. Fig. um bom instrutor de Pilates será capaz de se aperceber do perigo de “deformação” quando ele estiver próximo de acontecer. ou seja. Mas há ainda uma outra realidade a ter em conta: é que. pela acção de afastamento do membro inferior . não é possível eliminar muitas das compensações que o corpo realiza aquando do treino abdominal.Treino abdominal (excessivo) com compensação lombar. Vamos analisar a ideia . Na realidade. como se pode fortalecer músculos essencialmente tónicos (músculos extensores do tronco e musculatura adutora das omoplatas) com exercícios de fortalecimento dinâmico? Não é muito lógico. aliás. pelas razões já apresentadas. Se a exigência sobre a lombar aumenta . Fig. próprio de várias actividades físicas.os abdominais contraem e fornecem um “ponto fixo” à coluna lombar. incluindo o Pilates. o que a experiência dos mézièristas tem demonstrado é que o fortalecimento muscular. a correcção da cifose. Porém. ainda assim. impossível. é cem por cento irracional. é preciso ter uma ideia da relação biomecânica que os abdominais estabelecem com outras áreas corporais. mesmo que somente dirigido à musculatura fásica (o que é. ainda podemos pensar na possibilidade de exercícios de fortalecimento abdominal e de fortalecimento dos extensores do tronco poderem ter como resultado o encurtamento dos músculos extensores. sempre que a exigência sobre a coluna for muito grande os abdominais perdem a capacidade para realizar tal estabilização. esse trabalho de força irá somente levar à criação de uma nova deformidade.de que o trabalho de “correcção postural” carece de “fortalecimento muscular”. que é o que muitas vezes acontece num treino abusivo e descontrolado do Pilates. 37 .Prancha de Pilates com excessiva activação lombar. é esse mesmo exagero tónico que se pretende inibir com o trabalho de “reeducação postural”. Primeiro que tudo. Ora. o trabalho de fortalecimento dos extensores do tronco. Ora. com vista à correcção de uma hipercifose dorsal. Por outro lado. Portanto.clássica e hegemónica . pois não há forma de isolar completamente o trabalho da musculatura dinâmica relativamente à musculatura postural). geralmente. A experiência tem demonstrado que. os abdominais. é conseguida à custa do encurtamento da musculatura extensora. por exemplo. o que torna tudo muito mais contra-indicado ou impróprio para a saúde dita “postural”.por exemplo. Ou seja. 38 .LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural Para perceber o perigo do treino abdominal. visto que dissemos que o trabalho dos músculos fásicos comportaria o trabalho co-sinérgico dos músculos posturais. Mas. ou então. E isto por várias razões. Mas não fiquemos por aqui. principalmente os profundos. . no princípio mais genuinamente mézièrista. é que a ideia de que devemos manter uma “postura direita” e de que toda a nossa higiene postural se relaciona com o “estar direito” constitui um mero e estulto mito. incluindo especialistas da área). com manutenção da curvatura lordótica “normal”). porque todo o trabalho de força muscular . O trabalho de força muscular. Uma delas consiste no facto de a maioria dos atletas possuir um semblante de “endireitamento” do tronco. preferindo. Se há coisa que os mézièristas demonstraram. Mas voltando às questões da “higiene postural”. Ou seja. algo comparável ao açúcar da alimentação: é belo. o trabalho de força da musculatura extensora irá. mas sim à eliminação de qualquer nível de lordose. Por tudo o que fica dito. sabe bem. consiste. desenvolvem muita tensão nos extensores do tronco.) e o trabalho de inibição tónica das hegemonias musculares prevalecentes. pela natureza de trabalho neuromuscular desta musculatura. o que corresponde não propriamente à inversão da curvatura (como muitos críticos de Mézières têm sugerido). se não cifosada. o trabalho dos extensores do tronco ainda vai aumentar mais a cifose (a não ser claro que. Souchard. é claro. Assim sendo. Aqui surgem muitas questões. como essa tal “postura direita” constitui um erro postural inacreditavelmente dominante. sem margem para dúvidas. Os atletas.“Agachamento”. a colocação da coluna lombar numa posição neutra (ou seja. temendo o nível de contra-intuição presente nesta ideia. exercício paradigmático da musculação com excessivo trabalho de extensão. muitas vezes. a longo prazo irá traduzir-se na fadiga e consequente “encurvamento”. mais uma vez. lentamente tender para a cifose. dando-lhes uma aparência de “direitos”. viria a trair os princípios de higiene postural mézièrista. a meu ver. a postura “correcta” consiste.irá criar a hegemonia de tensão da musculatura postural. assim como ao aparecimento de hérnias discais. belo e atractivo. Isto acontece. o que. em toda a postura que permita o alongamento muscular posterior (sem exageros. a deslordose). ou seja.. se crie a retracção hegemónica da 96 97 . posso e devo dizer que o “endireitamento postural” constitui uma ideia supramente mitificada.no qual é exímio o conjunto de desportos contemporâneos . esse mesmo “endireitamento” do tronco constitui. na realidade. que a pessoa irá. ao contrário do que a intuição nos poderia fazer pensar. é bastante comum os mézièristas recomendarem aos seus doentes que estes se sentem com a lombar bem apoiada. a grande maioria dos atletas possui o tal aspecto hegemonicamente belo. Mais tarde. mesmo a funcional (ou seja. criar um nível de fadiga tal. na postura do “cocheiro” (estou a referir-me verdadeiramente ao “curvado” cocheiro). Tendo em conta a natureza funcional da cadeia muscular posterior. mas faz mal (pois já não se adequa às necessidades do Homem presente). tem bom aspecto (pois já foi útil em tempos passados). pelo facto de possuírem intensa actividade física. pois tem sempre como consequência a criação de tensão numa musculatura de natureza já por si hipertónica. e por muito mais. a postura “ideal” de “descanso” consiste. pura e simplesmente. Todo o trabalho de “endireitamento” somente irá criar uma hiper-solicitação do trabalho muscular da cadeia muscular posterior. Isto leva a que os extensores do tronco da maioria dos atletas fiquem demasiadamente encurtados. Não só a “bela forma” ou “postura correcta” não consiste numa “postura direita” (ao contrário do que quase toda a gente acredita. Diria que o treino de correcção de uma hiperlordose somente poderá ser conseguido com o trabalho de ablação total da curvatura. claro está. Ora. não é correctivo. Fig. Ou seja. talvez seja pertinente dizer que. 39 . à custa de uma deformidade (de retracção muscular) em rectificação ou” lordose dorsal”. na realidade.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural consequências sintomáticas que tal acarretará). Quer isto dizer que. para os mézièristas. o trabalho desportivo irá super-solicitar o trabalho postural. como acontece com os desportistas. Talvez isto explique que estes mesmos atletas “direitinhos” sejam altamente vulneráveis a dorsalgias e cervicalgias. LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural musculatura entre as omoplatas, o que levaria a um “endireitamento patológico”). É preciso entender que a capacidade de “endireitamento postural” está dependente do bom funcionamento tónico da musculatura extensora postural, o que, tendo em conta o que sabemos do funcionamento deste tipo de músculos, significa a capacidade de manter a contracção por períodos prolongados de tempo sem criar fadiga. Ou seja, o “endireitamento postural” será tanto maior quanto mais flexíveis forem os músculos posturais; a capacidade para manter a contracção está fortemente dependente da capacidade elástica da musculatura. Significa, então, que, quanto mais flexível for a musculatura postural, mais capacidade tem a mesma de gerar uma contracção anti-gravítica persistente. Aliás, as minhas observações têm-me dado a entender que a facilidade para nos mantermos “direitos” advém do comprimento da cadeia muscular posterior, ou seja, advém da flexibilidade da musculatura posterior. E isto não é novidade alguma, pois, qualquer bom observador poderá facilmente ver a diferença na forma como uma pessoa flexível se senta, relativamente a uma pessoa menos flexível. Compare-se, por exemplo, as senhoras com os senhores. Quem tem, geralmente, maior capacidade para manter uma postura sentada direita (com pernas esticadas)? As senhoras, que são mais flexíveis? Ou os senhores, que são mais “fortes”?... O princípio mais primacial de observação leva-nos a verificar que são as senhoras as que possuem mais facilidade em obter determinadas posturas, o que advém da sua maior flexibilidade miofascial. Recomendo, em termos de treino desportivo, a realização dos diversos exercícios com diminuição da curvatura lombar. Mas mesmo assumindo que um bom instrutor ajuda o seu aluno a manter uma postura de “deslordose”, não há cuidado algum que retire a essa mesma actividade física a sua tendência para o “fortalecimento”, o estatuto de “deformadora”. Ou seja, é real que muitos instrutores actuais ajudam os seus alunos a diminuir o nível de tensão sobre a coluna, mandando os utentes dobrarem os joelhos ou deslordosarem a lombar. É, admito, uma evolução positiva no campo do fitness. Mas, ainda assim, de pouco serve tal evolução, pois o carácter “deformador” de certos desportos, como as actividades resistidas, está incutido no contexto próprio dessas actividades. Gostaria, entretanto, de referir, mais uma vez, o Pilates. Como actividade de força do centro do corpo, diria que, pelo facto de o Pilates trabalhar a força “de dentro para fora”, esta actividade é, de facto, inovadora, constituindo, a meu ver, o menor mal entre vários males. Mas, à semelhança do Yoga e de muitas outras actividades físicas, há várias escolas de Pilates. De uma forma simplista diria que as escolas clássicas defendem um tipo de treino mais “duro”, com a lombar necessariamente sempre assente no colchão, enquanto que as escolas modernas defendem a realização de uma prática menos “dura”, e portanto, com menos compensações, mas com a coluna lombar em posição neutra. Ora, por motivos já apresentados, defendo o trabalho do Pilates tal como protagonizado pelas escolas modernas, ou seja, um Pilates controlado, com menor probabilidade de deformação e/ou compensação corpórea. Com o risco de ser menos interessante, é indubitável que o Pilates apresentado por certas escolas como o “Pilates Institute” é exponencialmente mais seguro que muitos outros. Porém, não concordo, de forma alguma, com o princípio da “coluna neutra”. Entendo, pelos já apresentados motivos relacionados com a “deslordose”, que o Pilates deve ser praticado sempre com a coluna lombar completamente assente no colchão ou, em geral, em estado de “deslordose” ou alongamento. Trata-se do necessário “colocar em tensão” de uma estrutura cujos músculos são tendencialmente fortes, curtos e hipertónicos. Fig. 40 - Coluna lombar assente no colchão. 98 99 LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural Já que falamos mais uma vez de “força”, devo dizer que a ideia de que as lombalgias estão associadas à falta de um “reforço muscular” é, por tudo o que foi dito, falaciosa. E a todos aqueles que poderão apresentar linhas de estudos que demonstram essa relação, eu apresento linhas de estudos que contradizem essa mesma relação, assim como muitas outras linhas de estudos que relacionam flexibilidade, morfologia, mobilidade, e muitos outros factores, com a presença/ausência de dor. Diria que ainda estamos muito longe de atingir uma plena maturidade metodológica que permita atribuir credibilidade suficiente às diversas linhas de estudos existentes. O mesmo será dizer que, atendendo ao que tenho visto em tantos e tantos artigos, pouco se sabe verdadeiramente, em termos científicos, sobre a relação entre os diversos factores biomorfológicos e a raquialgia. Aliás, atendendo a que à maioria dos estudos realizados falta um grupo controlo ou a necessária aleatorização da amostra, não posso deixar de afirmar que a ciência que se faz por aí é ainda extremamente imatura. Isto para não esquecer o facto de, mesmo nos estudos considerados como sendo “de qualidade”, é impossível controlar o efeito Pigmaleão da investigação, ou seja, o efeito relacionado com a influência que as expectativas pessoais do investigador terá no surgimento dos resultados. Se somarmos a tudo isto certos actos próprios da investigação científica, como o plágio, a invenção, ou o mero acto de sobrevalorização de uns estudos em desprimor de outros, podemos ter bem em conta que devemos desconfiar de tudo o que é processo científico. Em termos gerais, os cientistas, nos seus estudos, nem que seja por um efeito Pigmaleão inconsciente, tendem a concluir aquilo que desejavam concluir. Prefiro, pessoalmente, mergulhar na natureza apodíctica das bases conceptuais de um método revolucionário como o método Mézières. E é no seio dessa mesma natureza que o princípio revolucionário de que as deformidades posturais e as raquialgias são devidas aos excessos musculares e/ou tónicos e não à fraqueza toma aspecto de uma verdadeira “lei” de estudo etiopatogénico e de intervenção terapêutica. Importante será acrescentar que, na actualidade, principalmente no campo teorético da “Reconstrução Postural”, parece que tudo o que dissemos sobre excessos musculares está relacionado mais com o “tónus em si mesmo” do que com o “comprimento muscular”. Assim sendo, as deformidades e dores ósteomusculares advêm sobretudo da incapacidade que as estruturas musculares têm para criar “pontos” de modificabilidade tónica. Ora, neste ponto, importa referenciar novamente o paradigma de Bricot. Ou seja, se vamos passar a valorizar mais o campo “neurológico” do trabalho postural, não podemos deixar de sublinhar a importância do trabalho terapêutico com base no treino proprioceptivo e de equilíbrio e no relaxamento psicofísico. Aliás, se a “postura” depende fortemente de uma capacidade de “controlo neurológico central”, que, sendo essencialmente subcortical, é de natureza fundamentalmente inconsciente, então devemos, tal como o fez Bernard Bricot, valorizar o papel do trabalho “neurológico”, percebendo, de uma vez por todas, que a ordem “consciente” e “voluntária” para “endireitar” as costas de nada serve. Ora, se o mecanismo de controlo postural é inconsciente de que serve mandar alguém “endireitar-se”?... A experiência tem demonstrado que as metodologias que fazem uso de estratégias de controlo consciente da posição corporal são ineficazes. Diria que certas metodologias de “actividade física” que privilegiam o “global” ao invés do “analítico”, e o “motor” ao invés do “físico”, como a dança, a psicomotricidade, o relaxamento, as artes marciais e todas as actividades que façam uso das capacidades de equilibração e de coordenação neuromotora, poderão ter mais eco no trabalho de “reeducação postural”. Portanto, para além das metodologias mais fisicalistas, todas as outras mais psiconeurológicas possuem uma importância provavelmente fulcral. Gostaria de referir que, muitas vezes, principalmente quando temos novos alunos nas nossas aulas, as nossas tentativas de “endireitar” e alinhar o utente levam a que o mesmo fique mais tenso do que se o deixássemos simplesmente em paz. Ora, por vezes, é preferível não sermos excessivamente exigentes para com os utentes, pois a “tomada de consciência” do corpo e da postura envolvem um processo de automatização, o qual é necessariamente delongado. Portanto, temos que uma intervenção a nível reumatológico, na presença da “deformidade postural” e ou de sintomas raquidianos, passa por um trabalho necessariamente ecléctico, centrado fundamentalmente no paradigma Mézières, o que inclui também a sua componente psicofísica e de integração neuro-sensorial. Como vimos, para o paradigma em análise, todas as deformidades posturais 100 101 LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural possuem origem em “excessos” da musculatura essencialmente posterior. As lordoses são a origem. As escolioses estão sempre correlacionadas com um excesso muscular da musculatura lordosante (os mesmos músculos paravertebrais que estão envolvidos na flexão lateral, e eventualmente, na rotação dos corpos vertebrais da coluna, são também os músculos mais poderosamente envolvidos na “lordose”). E as cifoses, essencialmente deformidades meramente “aparentes”, resultam também de uma compensação lordótica, que, eventualmente, pode ser devida à acção de contrariação “directa” da lordose, seja devido à acção do diafragma, seja devido à acção dos músculos rotadores internos, ou da acção mais “indirecta” das cadeias musculares anteriores (sempre relacionadas com a “posterior”, relação mediada pelo diafragma). Vimos, também, já bastante atrás, que a o conceito de postura “normal” e de postura “anormal” não é correcto, visto que ninguém possui uma postura perfeita. Portanto, no campo “postural”, raramente alguém é isento de hegemonias musculares, raramente alguém possui uma postura dita “normal”, e raramente alguém possui características “perfeitas” de flexibilidade muscular. Ora, o que tudo isto vai implicar é que a linha teorética que divide “saúde” de “deformidade” é extremamente espúria, se é que chega a existir. Ou seja, todos nós somos “doentes posturais” em potência e, portanto, tudo o que fica dito para as pessoas com deformidades posturais relevantes, mantém-se oportuno para a totalidade das pessoas, pois todos nós possuímos algum grau de “deformidade postural”. O mesmo será dizer que, em termos analíticos, todos nós possuímos determinada idiossincrasia, e somos tanto mais saudáveis quanto melhores as condições de bom alinhamento e a proximidade à “bela forma”. E todos devemos tender para a “bela forma”. E tudo deveríamos fazer para criar tal tendência, a qual não deixa de se aproximar do conceito kantiano de “perfectibilidade” humana. Por exemplo, o mecanismo patológico da artrose está intimamente relacionado com a “postura”. Os médicos tendem a relacionar a “artrose”, ou qualquer outro processo degenerativo, com a osteoporose e outros factores de desgaste articular. Mas, eu diria que, se a postura fosse perfeita, se o alinhamento fosse perfeito, nunca teriam estado presentes factores relevantes de desgaste articular. Ou seja, a “perfectibilidade” é condição do bom funcionamento articular. E essa “perfectibilidade” está dependente da “forma” e, portanto, dos factores miofasciais e neuromusculares que com ela se relacionam. Se a pessoa possuir algo perto da “bela forma”, e não vier a ter alguma condição reumatológica e/ou orto-traumatológica relevante que modifique as condições de alinhamento articular, é pouco provável que venha a sofrer de qualquer tipo de condição degenerativa. Acrescentaria que estas mesmas pessoas também são aquelas que podem praticar actividades como “andar”, “correr” ou “saltar” com a menor probabilidade de virem a criar problemas articulares decorrentes de deformidades (a não ser que o excesso de prática desportiva modifique o panorama tónico-muscular presente). Por outro lado, o que dizer da “saúde” de alguém que possua um certo nível de desalinhamento e/ou deformidade (mesmo que não notória)?... Será que as pessoas com um nível mínimo de deformidade poderão praticar actividades físicas com o mesmo à-vontade que as pessoas que possuem grande nível de “bela forma”?... Aquilo que tenho defendido é que não. Ou seja, deverá haver, para a maioria das pessoas, uma diminuição cabal da tendência para a prática de desportos como os de carácter assimétrico e as actividades de fitness, pois, estando estas actividades grosseiramente centradas no trabalho da “força muscular”, acabarão por funcionar como uma porta de entrada para a criação de tensão muscular e consequente deformidade. Atenção: não pretendo negar a evidência que tantos estudos (ditos funcionais) têm lançado sobre determinadas vantagens que advêm da prática desportiva. Falo só em termos “posturais”, “estruturais”, “morfológicos”, ou, mais globalmente, “músculo-esqueléticos”. E o que defendo é que, ao contrário do que muitos preconizam, a actividade desportiva, principalmente as novas modalidades do fitness, potenciam o exacerbar de hegemonias musculares que se queriam refreadas. E isto é tanto mais verdade quanto maior a tendência que o indivíduo possui para a tensão muscular e a retracção mio-fascial. Em particular, certos desportos, como a musculação, constituem, provavelmente, um factor importante de criação de desequilíbrios musculares relevantes. Analisemse as “posturas” dos culturistas e retirem-se as necessárias conclusões... Já Françoise Mézières, no seu “Originalité de la Méthode Mézières”1, dizia que « a la différence de toutes les autres méthodes, ma méthode: 1º ne s’adresse qu’à élasticité musculaire; 2º ne fait jamais de musculation; 3º tient compte de la 102 103 Consiste.. e principalmente para actividades mais intensas como o “correr” ou a realização de qualquer outra actividade com relativo impacto. principalmente se realizadas em termos “competitivos”. A actividade física. o resultado da mobilização de um joelho excessivamente valgo ou varo? Se num joelho valgo há aproximação das superfícies externas da articulação e se num joelho varo há aproximação das superfícies internas. Podemos generalizar este exemplo para qualquer outro tipo de “desalinhamento”. Vamos ter em conta um exemplo. ao final de vários anos.ser inconsciente . então fingem que não a têm pois não dá jeito ao médico ou terapeuta que o seu atleta passe a ter muito menos lesões. será que uma actividade tão simples como a marcha não poderá ajudar no desgaste das superfícies mais próximas (incluindo todo o conteúdo articular como a cápsula articular e as cartilagens)? Provavelmente. colocam o corpo humano sob grande stresse. aquele que treina a sua flexibilidade!. Mas as questões não se resumem ao carácter de maior ou menor fortalecimento muscular.volte o mais rápido possível para a actividade. indiscutivelmente. torna-se extremamente anti-mézièrista (fig. Já todos devemos ter ouvido falar nas Lesões por Esforço Repetido (LER)!.Postura de Yoga. com hiperlordose lombar. 7º ne s’adresse qu’au physique.. 6º ne fait jamais d’exercice perpendiculaire à l’axe rachidien.. provavelmente.... Chego a este ponto e afirmo. 4º n’exerce jamais l’inspiration. o fisioterapeuta desportivo existe para criar condições para que o desportista volte a assumir o mais cedo possível “carne para canhão” 104 105 . O trabalho de mobilidade/mobilização articular é realizado sistematicamente pelos fisioterapeutas e outros profissionais da motricidade. A maioria das actividades gímnicas.. de que a fisioterapia desportiva existe somente para criar condições para que o atleta . Fig. ano a ano. E há todo um conjunto extremamente avultado de lesões próprias do excesso de actividade física.. relevantes. simplesmente evitar. Pergunto se estes profissionais chegaram a perceber se o seu utente teria as condições de alinhamento articular requeridas para esse mesmo trabalho. 5º ne fait jamais d’exercice analytique. na realidade. E o atleta inteligente é. no modelo de trabalho dos terapeutas com doentes com artroses ou processos inflamatórios. Na realidade. constitui uma porta de entrada para a “deformidade”. sem margem para dúvidas. diz que Mézières não simpatizava sequer com o Yoga. aqui está este autor a generalizar o conceito à totalidade dos praticantes de actividade física. » E quem a conheceu. semana a semana. na realidade. O que é perfeitamente compreensível. depois de percebermos que tanto o método Mézières como os métodos neo-mézièristas não gostam do trabalho de força. E se têm essa consciência. especialidades médicas como a “medicina desportiva” ou a própria “fisioterapia desportiva” existem somente porque o desportista é extremamente dado a lesões. 41 . e de fortalecimento dos extensores do tronco. os efeitos ditos “cumulativos” serão. andar um ou dois quilómetros não provocará grande diferença. 41). pois. mas se somarmos essa mesma actividade repetida dia a dia. estando repleto de posturas em (hiper)lordose. E o que é certo é que nem mesmo esses profissionais da Medicina Desportiva e da Fisioterapia Desportiva têm consciência de que o corpo é suficientemente frágil de modo a preocuparmo-nos cada vez mais com todas as condições de prevenção e/ou evicção dos esforços deletérios. a qual. A questão relaciona-se em muito com o típico trabalho de mobilidade articular. principalmente a actividade intensa e/ou com fins competitivos. Qual será. Portanto.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural morphologie normale. seria mais sensato. está já presente no final da adolescência.5. já algum terapeuta se perguntou se esta mesma ligadura não irá sujeitar a estrutura a um jogo artificial de tensões? Já algum terapeuta se perguntou se esta mesma ligadura não aumentará o nível de stresse sobre as estruturas que está a libertar. que as deformidades posturais de terceiro 106 107 . simetria corporal e deformidades posturais. Um bom fisioterapeuta . e é do médico especialista em ortopedia e medicina desportiva Leandro Massada. focada sobretudo em sintomas e apenas nos mesmos. E é bem verdade que a prevalência de dores da coluna em jovens é bastante acentuada. atingindo um certo nível de “estruturação” até ao final da adolescência. Para além disso. Eu próprio tenho.. importa falar cada vez mais de Educação Postural ao invés de Reeducação Postural. explica. os quais incluem uma revisão de estudos relacionados com a realidade vigente. apesar de os fisioterapeutas de Reeducação Postural acreditarem. não na criação de condições de fisioterapia não reeducativa. Gostaria de. E já que falámos da obra de Leandro Massada. quase todos. em atletas de desportos do tipo “assimétrico”. O bom fisioterapeuta aposta na prevenção. É um livro obrigatório.que não será decerto o fisioterapeuta do desporto .. ainda poderia acrescentar todas as obras – existem centenas . é muito comum o fisioterapeuta colocar no atleta uma ligadura elástica que permitirá reduzir a amplitude dos movimentos dolorosos. a verdade é que tudo indica que. como escolioses de curvatura dupla (deformidades do tipo “assimétrico”). consistindo esta fase (principalmente o “pico de crescimento em altura” que dura maioritariamente dos 12 aos 14 anos de idade) um importante período de aquisição do equilíbrio postural. vemos que nem sempre a actividade desportiva se correlaciona com a saúde. O facto de a postura possuir um “desenvolvimento” precoce. Por isto e muito mais. o período adolescente é riquíssimo em “desequilíbrios musculares”.. sem nunca mais cessar. e concentrada na criação de condições de agravamento da condição geral do desportista. que considero um complemento fundamental ao meu manifesto. que tem a obrigação ética de desencorajar a realização de uma actividade física que está a demonstrar ser perniciosa para o atleta. uma importante revisão de estudos que referem a existência de deformidades diversas em actividades desportivas variadas. levando a que a deformidade possa facilmente ocorrer ou manifestar-se nesta época (através de um excesso tónico desinibido). ou seja. na possibilidade de reestruturação postural em qualquer idade. para além de possuir informações preciosas sobre postura. chegado a este ponto. Como veremos na Conclusão. não só os desportos de competição devem ser evitados nas idades jovens. E poderia continuar a efectuar perguntas. Especulação sobre um estudo antropométrico efectuado em jovens atletas”2. referir uma importante obra da literatura médica. Trata-se da obra “O homem é um animal assimétrico. também. de uma forma bastante científica.. De facto. Proponho a leitura dos artigos citados. Aliás.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural para a actividade desportiva competitiva. sublinhando. um pouco aquilo que venho citando em todo este texto. a verdade é que a maturação óssea faz-se de forma assimétrica e desproporcionada. Se um atleta realiza um mecanismo de entorse. Esta obra. pelo menos se nos restringirmos à saúde músculoarticular. Vamos atender a um exemplo que considero ser paradigmático: a ligadura funcional. Não devemos nunca esquecer que o bebé é totalmente cifótico e que o desenvolvimento acarreta o aumento das curvaturas lordóticas.que se dedicam ao estudo das dores e lesões próprias de cada actividade física. é preciso referir alguns aspectos relativos ao desenvolvimento dito “ontogenético” (desenvolvimento juvenil). Bienfait sublinha a importância da prevenção. que a actividade desportiva estrénua acarreta grandes esforços para as estruturas articulares. pois. Daí que Bienfait3 considere as lordoses cervical e lombar como curvaturas secundárias (e. estudado os factores de risco envolvidos no aparecimento de raquialgias em adolescentes4. o que parece ser uma consequência óbvia da limitação dos movimentos problemáticos?. como todo o esforço com vista a uma correcta “intervenção postural” deve confluir numa palavra muitas vezes negligenciada: a prevenção. A obra inclui. quanto mais tarde se iniciar o esforço reeducativo mais difícil se torna o processo de tratamento da deformidade. assim como a “normal” “maturidade postural”. de facto. Ora. em conjunto com outros investigadores. leva-nos a assumir que.será um ser consciente. O que é preciso entender é que quase toda a deformidade postural. distendendo os tecidos moles da zona externa do tornozelo. Em particular. a obra de Leandro Massada apresenta dados bastante concretos sobre a forte incidência de deformidades posturais. e aposta na Verdade. por exemplo. a cifose é apenas aquilo que resta do desenvolvimento das lordoses). referente a jovens desportistas. permitindo a realização dos movimentos não problemáticos. Para além disso. não possuem qualquer tipo de recuperação do tipo fisioterapêutica (somente a cirurgia ortopédica pode ajudar). Portanto. Na fig. pretendo dizer que actividades que fazem uso “directo” da força da cadeia muscular posterior. a solução para tudo o que foi dito não passa. mas mesmo estas deverão ser inseridas num novo plano de treino físico. é que se pode pensar na realização do treino de força. Fig. como a maioria dos desportos de carácter assimétrico. a meu ver. Só depois de estarem criadas as boas condições de alinhamento esquelético é que se torna “racional” realizar muitas das actividades motrizes típicas do fitness.Lisboa. Este deve privilegiar o trabalho do “centro do corpo”. 2º alongamento global. propriamente. Esse mesmo plano ou metodologia é diferente da tradicional e consiste na realização.. deveriam ser proibidas aos padecedores de raquialgias. e a quase totalidade de práticas do fitness. até mesmo esse “andar” poderá apresentar malefícios num indivíduo que apresente deformidade. apesar de em muitos casos tal ser recomendável. por longos períodos de tempo. quando a posição e alinhamento articulares forem menos viciosos. E essas actividades deverão ser acondicionadas a toda uma nova metodologia de trabalho físico. tal como já foi dito (anteriormente). ginásticas de mobilidade). as quais deverão ser necessariamente suaves. Só depois deverá ser realizado o alongamento. Pois.Alongamento da cadeia posterior. como a natação. Por outro lado. que é o que uma miríade de profissionais de saúde ainda faz. Passa.. pela ordem que vou apresentar. possuem igualmente uma incomensurável irracionalidade. em grupo. sobretudo. após horas de marcha ou mesmo meia hora de corrida (como vimos atrás). 5º alongamento global e 6º relaxamento. a minha “utopia” de treino consiste num conjunto de “atletas” que alongam logo de manhã. antes de realizarem qualquer outro tipo de actividade física. suaves. como o simples “andar” podem ser muito benéficas para a saúde. Este deve. E essas mesmas actividades são. a musculação e o Yoga. deverão ser realizadas as actividades de mobilidade (actividades cardiovasculares. Nos meus grupos de “Reeducação Postural”. a não ser àquelas que possuam condições de flexibilidade excelentes. inicialmente. Somente este relaxamento inicial irá facilitar o alongamento. global e progressivamente por períodos prolongados de tempo. as verdadeiras dismorfias. trabalho sempre segundo a metodologia que apresentei. 42 . Só nesta altura. 108 109 . o jogo de forças articulares deletérias poderá ser beneficiado de um trabalho preliminar de alongamento. Jamais deveriam ser recomendadas. como no Pilates. pela realização de actividades ligeiras. Não será assim tão estranho pensar no que acontece a um joelho excessivamente valgo ou excessivamente varo.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural grau. De modo a não se acabar o trabalho físico em posição de encurtamento. com carácter essencialmente cardiovascular. 42 é visível um conjunto de doentes a alongarem a cadeia muscular posterior. numa classe no Consultório e Clínica de Reabilitação. O relaxamento e o alongamento libertam as estruturas articulares. Outras actividades. . 4º força do core e trabalho facilitado das extremidades. têm de ser criadas condições de relaxamento das estruturas miofasciais. pelos mesmos e outros motivos que já apresentei. 3º mobilidade articular. E só no fim de todas as estruturas estarem adequadamente “libertas” de tensão. Ou seja. ser feito a frio. deve-se voltar a alongar globalmente (com os cuidados necessários ao alongamento a quente) e acabar com o relaxamento. do seguinte leque de actividades: 1º relaxamento. desaconselhadas a qualquer pessoa. através dos métodos de relaxamento. pela evicção da actividade desportiva. Lda. e o trabalho “facilitado” das estruturas à periferia. Portanto. Por outro lado. certas actividades cardiovasculares. Ora. Portanto.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural Fig. antes de mais nada. não havendo tempo para aplicar terapias manuais aos doentes.Trabalho no rolo correctivo. também poderá ajudar nos nossos intentos (ver fig. a qual “fará” posteriormente um trabalho de mobilização menos vicioso. posso garanti-lo. é indubitável que este novo “esquema” de trabalho físico implicaria. autónoma. No caso de se tratar de um processo inflamatório ou degenerativo do membro inferior. E especificamente para os fisioterapeutas. antes de se passar à mobilização do membro e aos vários exercícios de força (que não recomendo nas artroses.. a “moda” e toda a efemeridade patente na indústria do fitness passariam para segundo plano. E também implicaria o erradicar do mito do “endireitamento postural”. seja de cariz inflamatório. deveriam ser tratados inicialmente com a correcção da posição da cabeça e coluna em geral e o trabalho respiratório (com insistência na expiração). já anteriormente aludido. . constituindo nesse “acto” o alongamento um papel primordial. no caso de uma artrose. a meu ver. Lda. Em termos mais específicos. nada (ou quase nada) impede que se realize algum trabalho de alongamento global antes de passar à realização das mobilizações e dos exercícios autónomos. 43 . Por exemplo. 44 demonstra-me a alongar uma doente naquele que considero o alongamento mais paradigmático do método Mézières. Ora. e das necessárias implicações metodológicas do mesmo baseadas no conceito de Mézières. a saúde passaria para primeiro plano. realizar o alongamento global dos membros inferiores por meros minutos. não custa nada. Todos os problemas da coluna vertebral. seja de cariz degenerativo. recomendo a realização de algum alongamento global por uns meros minutos. Eventualmente. Neste novo esquema. Mas. apenas se houver tempo para tal componente. o alongamento do bloco inferior da cadeia posterior. por exemplo. recomendo que tenhamos em conta a ideia de “blocos” da cadeia muscular posterior. por mais ocupados que os mesmos estejam com o seu excesso de doentes. uma tendinite ou qualquer outro estado inflamatório do membro superior. seja activa. sendo que.Lisboa. é comum aplicar-lhes instruções para a realização de exercícios activos. uma série de mudanças. antes de nos pormos a mobilizar um joelho com artrose. 43 apresenta os mesmos doentes treinando o alinhamento e mobilidade da coluna em rolos correctivos. a realização de manobras de descompressão articular (e podemos. Só depois faz sentido passar ao trabalho de mobilidade. 110 111 . na maioria dos casos. pois os exercícios de fortalecimento irão ajudar a criar tensão em estruturas que já estão por si tensas e demasiadamente “colapsadas”). em termos da “minha utopia”. Este tipo de metodologia também obrigaria a que os treinadores e professores passassem a dispor de um conhecimento mais alargado da “teoria das cadeias musculares”. tórax e membro superior. não há nada que impeça a realização precedente de alguns minutos de alongamento. das novas formas de alongamento. No caso de haver um problema no ombro. numa classe no Consultório e Clínica de Reabilitação. Fará toda a diferença.. A fig. Primeiro é necessário libertar a articulação. em grupo. mais uma vez. uma postura de Stretching Global Activo. recomendo. Por exemplo. no caso de existir. enquanto que a “estética”. seja passiva. A fig. Como veremos no próximo capítulo. Seguir-se-iam o treino de força central. Esse alongamento permitirá libertar mais a articulação. 45). gostaria de dizer que. recomendo. passar directamente ao trabalho de mobilidade (o que é extremamente comum ver nas clínicas que por aí abundam) pode constituir um erro. a verdade é que a fisioterapia actual constitui um processo crescentemente massificado. referir as pompages de Bienfait). assim como técnicas ditas “harmónicas” que ajudam a criar “espaço” nas superfícies articulares e a mobilização articular dita “acessória”. mais uma vez. precisamente. a meu ver. vou do efeito para a causa). Esse “corpo”. incluindo os exercícios mais adequados à “dinâmica” do grupo. penso que muitas vezes a razão pela qual certas artroses demoram tanto tempo a conhecer uma melhoria sintomática prende-se. Só por último é que realizo o trabalho de Pilates. Só depois realizamos diversos exercícios de mobilidade vertebral e das articulações proximais. 45 . Infelizmente. Ora. Começo sempre as minhas aulas com um qualquer alongamento global da cadeia posterior.. O método Mézières e os métodos neo-mézièristas lançam-nos uma série de pistas relativamente a um novo conceito de “cultura física”. Fig. A “estética” da aula fica para segundo plano. Portanto. Também no meu trabalho com grupos realizo sempre o mesmo ciclo global alongamento . Dentro dos possíveis tento adequar os alongamentos executados à especificidade de cada membro do grupo. O corpo musculado atrai-nos porque a nossa genética associa esse corpo a uma forma de supremacia biológica. a estrutura domina a função. Mas. tanto o fitness quanto outras indústrias continuam a perseguir um conceito dito “dionisíaco” de vivência e sociedade.Alongamento global do bloco inferior da cadeia muscular posterior. tal como veremos no próximo capítulo. apesar de que é isso que faz com que as pessoas voltem ou não no dia seguinte. efectuo o plano lógico de alongamento: inicialmente o alongamento das cadeias anteriores e. com controlo das compensações. nos tempos “racionais” que actualmente vivemos. com o facto de os terapeutas ou instrutores moverem uma articulação sem pensarem no seu primacial realinhamento.mobilidade . 112 113 . Não estou flagrantemente preocupado com a “forma” da coisa. depois. Primeiro está a metodologia. dominantemente considerado “belo”. o alongamento das cadeias posteriores (ou seja. 44 . Depois.Exemplo de uma postura de Stretching Global Activo.força. Aliás.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural Fig. remete-nos para o já citado exemplo do “açúcar”.. um corpo dito de fitness. Esta “bela forma” nada tem a ver com um corpo “musculado”. não terei primeiro de pôr tudo no seu lugar e só depois passar à “função”?. menos centrada na performance e na robustez muscular e mais centrada na estrutura com base na “bela forma”. já não faz muito sentido existir esse género de corpo. 2. Quando temos um utente em mãos. Factores de risco psicossociais. R. M. Podemos mexer com os diversos sistemas que integram a sua Pessoa. J. Coelho. 114 115 .Fitness enquanto cultural” “indústria Independentemente do tipo de sistema teorético ou metodológico que queiramos seguir no domínio do trabalho com o utente. Avalio todos os dados que considero relevantes para ter uma ideia da Estrutura dominante do sujeito. Massada. L. Especulação sobre um estudo antropométrico efectuado em jovens atletas.. o poder para modificar o fenotipo desse mesmo indivíduo. que tanto pode ser o doente de fisioterapia como o utente do ginásio. temos. Na maioria das situações.. A acção motora só é pedida se for estritamente necessário. não perco tempo e começo logo a avaliar todas as componentes fundamentais que integram o processo de intervenção. L. São Paulo: Summus editora. Bienfait. Uma intervenção centrada exclusivamente na realidade idiossincrática do doente é a única que permite a adaptação aos problemas presentes e a adequação a uma realidade de natureza individual. Lombalgia inespecífica nos adolescentes. a minha intervenção é fundamentalmente passiva e envolve tanto o alongamento global adstrito a todo o processo como certas manobras analíticas de terapia manual. V.LUÍS COELHO Bibliografia (VII) 1. quando determinada pessoa se entrega à minha intervenção. Almeida. é indubitável que a intervenção individualizada é a que mais se aproxima da utopia que todos desejamos. Re(habilitar) . Os desequilíbrios estáticos: fisiologia. quando tenho um indivíduo em mãos. Considero que poucos mais profissionais do que o fisioterapeuta possuem os conhecimentos adequados e a práxis necessária para desenvolver este tipo de intervenção adequada à especificidade problemática de cada indivíduo.Revista da ESSA. 23(1): 81-90. F. Lombalgia nos adolescentes. E aí. patologia e tratamento fisioterápico. & Oliveira. 5. Almeida. Aliás. Vejo o indivíduo como um todo e toco-lhe de modo a perceber como o seu corpo interage com a minha própria práxis. Lisboa: Editorial Caminho. Originalité de la méthode Mézières. Paris: Maloine. 3. Revista Portuguesa de Saúde Pública. Coelho. (1984). 4.. Estudo epidemiológico na região da grande Lisboa.. Mézières. & Oliveira. VIII . O homem é um animal assimétrico. 3. se munidos das mínimas condições de autonomia profissional. Identificação de factores de risco biomorfológicos.L. V. Podemos moldar todos os componentes que determinam a sua individualidade psicofísica. Estudo epidemiológico na região da grande Lisboa. a nossa intervenção será provavelmente diferente consoante o sujeito que temos em mãos. R. (2006). (1995). 65-86. (2006). (2005). Mas são estes mesmos instrutores ou personal trainers que chegam a ganhar financeiramente o triplo daquilo que ganha um fisioterapeuta. coisa que é relativamente demorada e necessariamente individual. por falta de tempo ou possibilidade. o termo “doente”) um qualquer alongamento dito “global”. Por outro lado. Ou seja. Para além disso. profissionais sem qualquer possibilidade de agir segundo um processo constante de utilização do raciocínio clínico. a indústria do fitness é. certos instrutores começaram a empregar termos como “cadeia muscular posterior” e “alongamento global”. não utilizam os princípios desses métodos. mediante a utilização de poderosos métodos de perfil reeducativo. institutos e hospitais possam sobreviver ou mesmo tentar ter algum lucro. a realidade é que o Sistema continua a funcionar de modo a encarar os fisioterapeutas como mera força de trabalho. mais “baratos” para o Sistema).. simplesmente. profissionais sem formação superior.. tudo permanecerá sem solução. não raras vezes. infelizmente. As simples “massagens” vendem e rendem mais do que uma qualquer 116 117 . Quanto aos instrutores de fitness. nunca irão permitir ao doente que o mesmo seja tratado segundo uma filosofia de “integração estrutural”. no mínimo. A frustração que estes poucos fisioterapeutas sentem é do meu total entendimento. o fisioterapeuta comummente trata vários doentes essencialmente por meio de ordens de realização de exercício físico. não se mantendo assim tão ignotos. Todas estas razões levam a que a grande maioria dos fisioterapeutas trate os seus doentes recorrendo ao exercício físico activo (outras abordagens mais analíticas como os agentes físicos. de todo. mas a realidade é que a grande parte desses terapeutas não chega verdadeiramente a integrar as “lições” que esses métodos têm para dar. Infelizmente. não podemos esquecer que a grande maioria dos fisioterapeutas permanece num sistema de subsistência técnico-científica relativamente a um médico fisiatra (ou outro tipo de médico). as leis Mézières. ou. De facto. Em certas clínicas. portanto. aqueles que pretendem. Os poucos terapeutas que tentam utilizar os princípios dos mesmos tendem a ser fortemente repelidos pelo Sistema. ora são demasiadamente lentos no tratamento dos doentes. bastante mais lucrativa que a “indústria da saúde”. burlesca. O que significa que. realidade abstrusa também generalizável à maioria dos subsistemas e seguros. os fisioterapeutas mantêm-se ignotos relativamente à dimensão interventiva e teorética geral dos métodos de Reeducação Postural. é necessário que as mesmas preencham as horas de trabalho dos terapeutas de diversos doentes. muitos fisioterapeutas desconhecem. sobretudo. Vejamos o contexto dos fisioterapeutas. continuando o Sistema a funcionar como funciona. para que clínicas. o fisioterapeuta chega a tratar dez doentes por hora.nunca de natureza global. pois ora são “inteligentes” de mais para o mesmo. ser apaparicados. não utilizam a filosofia desses métodos ou. nos tempos que correm. Mesmo quando os doentes são tratados pelos personal trainers. regra geral.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural O que existe no dia a dia da verdade clínica/fisioterapêutica e na realidade dos ginásios é a completa massificação de todo o processo referido. não obstante a realidade numérica dos doentes a tratar terem a sua importância. É bastante irónico ver que. E o mesmo acontece com o Wellness e a estética em geral. Alguns são conhecedores da Reeducação Postural Global ou de outros métodos neo-mézièristas. meros trabalhadores manuais. Portanto. Não tenho muito bem a certeza onde aprenderam tais conceitos. Como o Serviço Nacional de Saúde paga muito pouco pelas diversas intervenções (entendidas formalmente em termos de códigos). o instrutor vai induzindo o exercício até que no fim realiza o conjunto de alongamentos. tanto o fisioterapeuta no seu domínio clínico quanto o instrutor de fitness no seu domínio gímnico não dispõem do tempo necessário para realizar uma correcta intervenção dita individuada do utente. e assim sendo.. podemos dizer que a sua quase totalidade numérica desconhece os princípios da “teoria das Cadeias musculares”. Ainda não vi em toda a minha vida um instrutor a aplicar a um utente (aqui perde-se. são usualmente realizadas por auxiliares de fisioterapia. Ou seja. São estes mesmos profissionais que lidam. mas a tentativa destes profissionais de integrar os citados conceitos na sua prática é. Aliás. ultimamente. E uma das lições é precisamente que a intervenção adequada envolve um constante processo de avaliação e intervenção estrutural. vemos que poucas coisas diferem da realidade já clássica e tradicional da coisa. as massagens e a electroterapia. e.. ou porque simplesmente desrespeitaram “ordens superiores”. como não há tempo/dinheiro nem autonomia para tratar doente a doente. com os “senhores do dinheiro”. não há grandes possibilidades para que o fisioterapeuta possa mostrar as suas verdadeiras potencialidades.. o qual nem precisa de ser obrigatoriamente licenciado. independentemente do tipo de utente que lhes aparece. estará muito provavelmente a trair uma série de princípios de natureza pessoal. e também porque continua a haver uma certa subjugação do fisioterapeuta ao médico especialista. portanto. é pouco possível. independentemente de ter um homem musculoso ou um outro homem com uma escoliose. como instrutor de fitness que é. necessariamente individualizada (e longa). pois. Não podem agir segundo determinada morfologia. E estes são. a conhecer as verdadeiras potencialidades da Fisioterapia. Aliás. 20 euros por uma aula de Pilates. visto que o Sistema é muito pouco flexível e que. o que os métodos de Reeducação Postural. e outros como os métodos de intervenção neurológica. exigindo uma completa individualização do tratamento. ainda mais porque o número de fisioterapeutas portugueses tem crescido exponencialmente. adequadamente licenciados. E essas turmas fazem todas o mesmo. ganha numa hora de trabalho também ele “massificado”. ou uma componente de individuação necessária. Ora. em ginásios como o Holmes Place. Está formado apenas para a “metodologia do exercício” não para a visão necessariamente holística e individuada do utente. regra geral. Em especial. pelos motivos apresentados. aquilo que a “máquina industrial”. vinte ou trinta indivíduos (ou então a grupos de doentes da ordem dos seis a dez por hora). Se estiver. Portanto. seja do mercado do fitness. aos seus utentes. Em termos gerais. e tomando um pouco a temática do início do capítulo. Ora. dizem é que é preciso realizar ajustes (corporais) constantes no seio de uma actividade contínua de observação clínica e avaliação morfológica. formados pelo próprio Holmes Place. seja do Sistema clínico. E é essa mesma massificação que permite que um instrutor ganhe. a tendência é para que estes profissionais se mantenham concentrados no mundo clínico.. regra geral. isto se admitirmos que se mantêm no mundo da saúde (e esta realidade é cada vez mais acutilante. Assim sendo. os fisioterapeutas não tendem a ser muito bem aceites no mundo do fitness. Não possuem capacidades para agirem de diferente forma segundo os diferentes utentes que lhes aparecem. é comum os instrutores de fitness ensinarem os exercícios aos utentes sempre da mesma maneira. conhecimentos preliminares e metodológicos suficientes para perceberem a complexidade envolvida na unicidade estrutural de cada utente. Por exemplo. perante tais factos. que esteja bem consciente da complexidade da temática postural por que todos nos movemos. formados para servirem essa grande máquina industrial que este franchising constitui. como os doentes são muitos. ganha mais do dobro do que a maioria dos fisioterapeutas. Uma intervenção centrada nos pormenores fundamentais da “integração estrutural”. os fisioterapeutas. dar uma componente clínica. A “massificação” é. possuem muito menos possibilidades de lucrar. Acho graça quando um instrutor diz que.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural sofisticada técnica de fisioterapia. mesmo possuindo uma turma. consequência da abertura desregrada de escolas. É preciso ainda dizer que. é possível encontrar instrutores de musculação a ganhar 15 euros à hora. E nesse mesmo mundo. Esse mesmo instrutor. adequadamente formado.. portanto. tão massificado como é. numa realidade em que vários doentes têm de ser tratados simultaneamente. doente. seguindo sempre mais ou menos as mesmas premissas de trabalho. Esses mesmos instrutores não possuem. raras são as vezes em que o terapeuta pode empregar técnicas mais sofisticadas.. pretende é a completa massificação de todo o processo de lidar com os utentes. ou seja. as pessoas não chegam. não possui o conhecimento necessário para tal tipo de adequação. como é possível defender que a individualidade é respeitada no seio de grupos de utentes?. Não se adequa às diferenças. o que é normal. um instrutor de musculação ensina um determinado exercício sempre da mesma maneira. a palavra de ordem relativamente ao trabalho que se realiza na indústria clínica e do fitness. muitas delas com uma qualidade questionável). Não podem. mesmo sendo profissionais muitas vezes de alto gabarito. Mas mesmo partindo do princípio que temos à frente um bom instrutor. em termos gerais. adapta os exercícios à individualidade de cada aluno. cai para dar origem ao trabalho físico feito com turmas de dez. é costume dizer que “para massagens há sempre dinheiro!”. precisamente aquelas que dão à Fisioterapia o seu estatuto de grande e promissora cientificidade. E assumo sempre a Fisioterapia no seu 118 119 . Este processo é dinâmico e constante.. na sua grande maioria. Aliás. muitas vezes. e com bons conhecimentos sobre “morfologia”.. 400 clubes. e que os mesmos fisioterapeutas mal têm tempo para colocar as mãos nos doentes. toda a cultura de massas é idêntica. Adorno e Horkheimer. quando perceberem que a Fisioterapia ancora num sistema de exercício não muito diferente do que se faz no fitness. ainda temos uma série de outras indústrias. E. em Portugal. a moda e a estética.000 colaboradores e 600. a indústria cultural impõe às diversas gerações bens padronizados para satisfação imediata das suas necessidades caracterizadas como iguais e supérfluas. tendem a procurar outras soluções. quando. Pois. Portanto. Aliás. conseguiu passar a sua mensagem. Se o mercado do Fitness. Em especial.000. há cerca de sete mil “academias” e mais de dois milhões de praticantes.000 de praticantes a nível Europeu. ao aperceberem-se das limitações do Serviço Nacional de Saúde. A educação do corpo realizada pela Educação Física. que a tudo confere um ar de semelhança. envolvendo uma série de temáticas de ordem económicofinanceira que não gostaria de pormenorizar. mais cedo ou mais tarde. país europeu que mais lucra com o Fitness. temos uma série de outros negócios. a maioria dos filósofos da Escola de Frankfurt foram. Pudera! Provavelmente. os quais mobilizam cerca de 16. acaba mesmo por investir nas exorbitâncias dos ginásios. destinou a sua intencionalidade. Mais uma vez digo que não é minha intenção afirmar o contrário do que milhares de estudos e todo um grande Sistema industrial dizem. aliás. é preciso ter a noção. incluindo certas universidades. perfeitamente adequado para a nossa discussão. mais de meio milhão de portugueses está nos ginásios a preparar-se para constituir o conjunto dos futuros clientes da Fisioterapia. na perspectiva desses milhares de empregados desse mercado. de uma visão alucinada e delirante de alguns “intelectuais”. em algum tempo. nos tempos actuais. Voltando a Portugal. no fundo.000 praticantes. Vejamos outros dados. No Brasil. estes mesmos senhores somente revalorizaram o papel de algo que se pode chamar de “alienação social”. de “indústria cultural”. o corpo assume-se como uma “obsessão” com um lugar central. assim como as mais variadas “indústrias do corpo”. saiba-se que há. pois estão de tal forma embrenhados no Sistema que já não há espaço nas suas cabeças alienadas para qualquer outra possibilidade factual. E este valor nem se aproxima dos valores relativos a Espanha. enquanto disciplina pedagógica. acabarão por voltar para os ginásios. E. o Fitness constitui um dos maiores centros de negócios do continente americano e o maior centro de negócios da América Latina. Para compreender estes filósofos. Mais uma vez.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural significado mais lato. considerados seres delirantes. junto desse lobbie. o qual se engendra com a acção conjunta e integrada dos vários meios de difusão cultural. fico chocado quando me dizem que. assim como o lobbie do Fitness. tendo a ginástica como conteúdo formativo chave. os doentes. e se. talvez porque é nele que se inscrevem as possibilidades de “embelezamento” do self. o Fitness é um mercado que vale 330 milhões de euros anuais. relativamente sub-reptícia. Há cerca de 40. tal não passa. o qual é inclusivo de muitas técnicas comummente identificadas com as terapias não convencionais. Mas. necessário à 120 121 . este mesmo mercado poderá ter consequências deletérias dificilmente mensuráveis. dos quais cerca de seis milhões são alemães. ainda assim. alimentam o “bem estar” com base numa forma traiçoeira de escapismo mentalista. como o Wellness. O resultado de tudo isto é que. Como. o que fornece aos profissionais das medicinas não convencionais e aos profissionais do fitness uma grande oportunidade de investimento. O problema da já referida massificação de tratamento dos utentes nos ginásios é bastante complexo. sob o poder do monopólio. puderam revelar o carácter sistémico do mesmo. podemos concluir que o lobbie dos ginásios. para além do mais. Tudo negócios que movem milhões e empregam uma série de indivíduos. como todas aquelas que estão associadas a esses tão prolíficos estudos que demonstram a vantagem do exercício para a saúde. digo que é somente na dimensão músculoesquelética que apresento as minhas renitências relativamente às vantagens de determinadas formas de exercício. ao cunharem o conceito de “indústria cultural”. no fundo. de que. o conteúdo da ginástica fortalecia o seu carácter de “cientificidade” que se constituía numa sólida base para a formação do “homem novo”. as medicinas não convencionais. Claro que esses mesmos profissionais do fitness nunca aceitarão aquilo que eu digo. ao abandonar o SNS o utente já está preparado para gastar mais dinheiro. cerca de 1. no nosso país. Adorno e Horkheimer criaram o conceito. para as mãos dos instrutores. A medida em que. Portanto. Não tenho “nome” suficiente para arriscar tanto. em condições de debilidade interior. E nesta mesma sociedade da “forma”. Conclusão Chamar ao meu texto “manifesto anti-desportivo” é obviamente um exagero. e as sociedades apolíneas. mas a verdade é que estamos ainda regidos por muitos impulsos e princípios de vida instintiva. e o Anti-fitness. Em ginásios como o Holmes Place ou o VivaFit. É que a verdadeira intervenção dita “física” junto do doente/utente tem de ser algo muito próprio do terapeuta/instrutor. relaciona-se perfeitamente com o poder da forma. Como pode um ser não autónomo constituir a diferença também ela de natureza autónoma? O acto de “tratar” determinado utente advém de uma sempre necessária capacidade de racionalizar. para além de possibilitar o lazer. como é possível dar ao utente dos ginásios a possibilidade de alicerçar a diferenciação e a visão individuada das coisas?. de agir para além do “comum”. fazer parte dessa mesma máquina industrial. enquanto conceito por mim criado. E enquanto fenómeno próprio das “sociedades do capital”.. E os trabalhadores. Mas é um exagero necessário! É indubitável que o desporto possui inúmeras vantagens.LUÍS COELHO implantação e consolidação do capitalismo. Se os instrutores de fitness bebem todos “da mesma cartola”. 122 123 . de pensar para além da “regra”. E com o Fitness vem todo um conjunto de elementos associados à exagerada esteticização de uma sociedade em regressão. Devíamos estar a caminho de uma necessária e “humana” racionalização do nosso comportamento global. O exercício possibilita também a formação da disciplina. É claro que o meu “discurso” não é nem nunca será aceite pelas maiorias. a inscrição em ginásios. ou seja. a alienação relativamente a esse mesmo trabalho. Pois é certo que essas maiorias irão sempre permanecer um tanto ou quanto alienadas pelo peso de uma máquina extremamente opressiva que é a do Fitness. enquanto método. Agem todos como elementos de uma indústria desumana. e principalmente o fitness. Um instrutor igual a todos os outros. da imagem. parecem saídos de uma máquina fotocopiadora ou de clonagem. há uma série de “dados” que devem ser tidos em conta. Daí a forma como se está a tomar tão a sério o “aparato do corpo” e a necessidade de bem parecer. se nos ativermos aos aspectos músculo-articulares. E penso que o demonstrei sem margem para dúvidas. o Wellness. o exercício possibilita a melhoria da capacidade física dos homens-máquinas industriais. Mas eu não vejo as coisas tanto em termos do exercício favorecer a máquina industrial. Mas. certos métodos mais ligados à verdadeira globalidade do ser acabam por medrar face ao peso opressivo da Imagem relacionada com os diversos métodos da “indústria do corpo”. a começar pelos instrutores dos grandes ginásios. levadas pelos impulsos. a prática desportiva lembra a sempre presente divisão classista da sociedade (afinal de contas. a qual é necessária à força de trabalho capitalista. formados por uma poderosa máquina de “lavagem cerebral”. constituem elementos de uma sociedade “real”. a agir como uma cópia de um conjunto de instrutores todos iguais. O Fitness. Eu vejo mais as coisas em termos de o exercício físico. todos formados da mesma maneira e com os mesmos erros. em particular os instrutores. feita de conteúdo. Se Nietzsche estivesse por “estes lados”. Enquanto trabalhadores. pela forma como é vendido e praticado. Pois é certo que não é categórico que o desporto produza só bons resultados. de uma utopia (tendo o corpo belo como inalienável objecto quimérico) e do espectáculo (lembremos a “Sociedade do espectáculo” de Guy Debord). não poderá jamais fazer a diferença. Aliás. já clássica. O Fitness é apenas um dos vários aspectos de “esteticização” da sociedade. pois é bem certo que tudo no Fitness é mais imagem que conteúdo. mais racionais. não são para todos!).. A Reeducação Postural. entre sociedades dionisíacas. as cirurgias estéticas. É um fenómeno claramente adstrito às sociedades capitalistas. a acção de promoção de determinada actividade é simplesmente inebriante. E no seio dessa indústria não há lugar para o Eu se afirmar. voltaria a firmar a diferenciação. não é despiciendo o facto de o exercício físico ser considerado como uma peça fundamental do desenvolvimento financeiro. Aliás. Na realidade. a meu ver. para além do que o Sistema nos quer impingir. Ou. o exemplo das deformidades congénitas. tenha o fitness o significado que tiver. que muitas terapias.. E para o doente acreditar basta o terapeuta ter verdadeira fé no seu acto. colocando. incluindo métodos contraditórios. encontrar excepções à regra. É uma visão para além do óbvio. cujo principal postulado poderia ser. que mais não são do que a razão do corpo levada a um exagero que o próprio corpo não consegue medir. que as pessoas. Também é normal que o meu “método” produza dores e possíveis pioras. igualmente. Temos. Nem que seja pela acção da libertação de determinadas hormonas no organismo. dão resultados. a saúde articular depende de boas características de flexibilidade miofascial e de tonicidade neuromuscular. É todo um contexto de “desalienação” que poucos atingem. O corpo tem realmente as suas razões!. estão poderosamente associadas a todo um processo de mitificação. Nem que seja pelo facto de não serem estudos longitudinais. É normal. Aliás. regra geral. verdadeiramente adquiridas. por outras palavras. Nem que seja pelo efeito do mero “aquecimento” tecidular. basta mexer num corpo há muito preso nas suas deformações e adaptado às suas compensações para que o mesmo produza algum género de reacção sintomática. É normal que as pessoas sintam que o treino de pesos as ajudem nas suas lesões articulares. São tão reais quanto aqueles instrutores e/ou terapeutas que dizem que o seu método ou terapia não possui efeitos secundários. Até na ciência essa “fé” interfere. por exemplo. devemos. De facto. É preciso lutar contra certas hegemonias. Se assim fosse as Elites. e isso eu não nego. É toda uma forma de ver a realidade da actividade física.LUÍS COELHO O ANTI-FITNESS OU O MANIFESTO ANTI-DESPORTIVO Introdução ao conceito de Reeducação Postural mas que só é percebida por aqueles que fazem questão de enfrentar todos os “lados” da realidade. como o tempo mostrará de forma algo implacável.. o de que “a estrutura e alinhamento articulares dependem do estado de tensão dos tecidos miofasciais”. pois eu nunca disse que esse postulado servia para todas as situações. não necessariamente mais verdadeira do que a dos outros. de facto. a forma e alinhamento das articulações depende grandemente dos tecidos moles como os músculos.. Assim sendo. Mas. É normal que as pessoas se sintam “levadas” pelos milhares de estudos que dizem bem da actividade física. bem lá no seu íntimo. se calhar. E se. por exemplo.. nada muda. não fariam qualquer sentido. basta que o doente acredite que o método é eficaz. os quais têm uma função de tirantes mecânicos. Gostaria de acrescentar algo sobre o conceito “reeducativo”. ainda mais se tivermos em conta que certos autores consideram que a verdadeira dismorfia está permanentemente estruturada e é inalterável. mas isso não quer dizer que a deformidade articular não possa ter outras causas. E quando se trata de perturbar um “equilíbrio” que o corpo atingiu. Aliás. Também quase deificados têm sido os argumentos de que o desporto é bom para a saúde. a maioria dos terapeutas holísticos mais não são do que mestres daquilo que denomino de “imagética social”. quase deificação. todo o processo científico em questão. devo dizer que todos os fisioterapeutas sabem. as medicinas não convencionais. a Reeducação Postural constitui essencialmente uma grande Teoria. Por exemplo. sem possuírem tensão muscular relevante? (É o caso de muitos indivíduos com formas severas de artrite e espondilite). quase tudo dá resultado. Em matéria de terapias. este não é. se sintam melhor com a prática desportiva. Porém. Esta questão da Verdade é extremamente relevante. verdadeiro sinónimo de saúde. De facto. raramente a Verdade está nas mãos da opinião majoritária. Somente chamo a atenção para o facto de que raramente a Verdade está nas mãos do Sistema. O Anti-fitness é sobretudo uma reacção própria da racionalidade humana. nem nunca será. não obstante a sua grande importância conteudística. ter em conta 124 125 . esta é apenas a “minha” verdade. tal pode ter um efeito de “crise” maior do que aquela que levou os utentes a procurarem a nossa ajuda. Mas nem sempre tem razão nas suas razões.. esse é o mesmo Sistema que quer afirmar os instrutores de fitness como profissionais de saúde. Por exemplo. incluindo muitos terapeutas com formação na área. Claro que. Muitas coisas são “normais”. mesmo que incorrecto. E é precisamente nestes casos que faz sentido falar de uma intervenção “reeducativa”. a grande maioria das deformidades associadas ao genético/congénito são. atentos ao aparecimento de lesões no longo prazo. No fundo. e de natureza fundamentalmente muscular. a Reeducação Postural não é apenas mais um método em que se tem formação. quando na realidade até “beber água” pode possuir efeitos adversos. como indivíduos com grandes deformidades articulares. não obstante todas as reticências relativas à sua natureza. como muitos dirão.. . obrigado a fazê-lo. Deixo este “manifesto”. a qual permitirá.LUÍS COELHO que nem sempre é de Reeducação Postural que se trata o nosso trabalho. E uma grande discussão poderia sair daqui se quiséssemos discutir o papel da “prevenção” no mundo da Saúde portuguesa. então. toda esta conversa do Anti-fitness assenta precisamente na importância da prevenção. o qual não passa de uma introdução geral ao “anti-fitness”. mais importante que o processo reeducativo. 126 . concreta e árdua para ser realizada pela palavra escrita. se quisesse. No fundo. Poderia. prevenir muitas lesões futuras. Deixo. portanto. e. é da prevenção da dismorfia (que pode significar o evitar que um paramorfismo se torne uma dismorfia). é o processo preventivo. aquilo de que falamos realmente quando falamos dos métodos de (Re)educação Postural. Mais do que recuperar uma dismorfia. procederia à análise de exercício a exercício. uma nova atitude face à actividade física. Nesse livro. a meu ver.. Se calhar. de forma alguma. Mas essa é uma tarefa demasiadamente prática. mais simples. no contexto do fitness. somente um instrumento. que tem como função dar a “outra face” da realidade. desde os mais globais até aos mais analíticos. Educativo. A Educação Postural significa. Quem quer aceitá-la aceita-a. quem não quiser não é. escrever um livro de mil e uma páginas. e dos erros neles presentes.