Prof.Ismael Dantas [11] 8517-1911 www.dantas.pro.br
[email protected] twitter. com/profismael Gil Vicente O Teatro Popular......................................................................................................... 02 Gil Vicente................................................................................................................. 02 Julgamento Crítico.................................................................................................... 03 Resumo sucinto da obra Vicentina:........................................................................ 05 Farsa de Inês Pereira ................................................................................................. 05 Auto da Índia .............................................................................................................. 18 Auto da Alma .............................................................................................................. 25 Auto da Barca do Inferno ............................................................................................ 35 Auto da Feira .............................................................................................................. 43 Farsa do Velho da Horta...............................................................................................53 Auto da Lusitânia ....................................................................................................... 60 Auto de Mofina Mendes ..............................................................................................65 Romagem de Agravados ........................................................................................... 67 O Juiz da Beira.............................................................................................................70 Quem tem Farelos?.....................................................................................................73 Textos Complementares acerca do Teatro Vicentino:............................................76 Teatro pré-vicentino.....................................................................................................76 A vida de Gil Vicente .................................................................................................. 77 Gil Vicente, a Idade Média e o Renascimento........................................................... 79 Crítica Social ............................................................................................................ 80 Trilogia das Barcas ..................................................................................................... 84 A Sátira Social em Gil Vicente.................................................................................... 87 Características da obra vicentina................................................................................ 89 Gil Vicente, um dos escritores mais notáveis do Quinhentismo Português............... 90 O Teatro ..................................................................................................................... 91 Atividades................................................................................................................... 95. Fonte de Consulta ...................................................................................................100 1 O Teatro Popular “Teatro Popular - Durante a Idade Média, a atividade teatral em Portugal se resumiu aos momos, arremedilhos e entremezes, breves representações de caráter religioso, satírico ou burlesco. Teatro de índole popular, caracterizava-se por uma linguagem, temas e forma de encenação acessíveis ao povo, e às vezes com a sua direta participação. Na origem, constituía o teatro profano, oposto aos mistérios e milagres, manifestações do teatro religioso então predominante”. (Massaud Moisés, in «Literatura Portuguesa através dos textos»). ................................................................... ................................................................................................ Gil Vicente Dramaturgo português que viveu pelos fins do século XV (Guimarães -1465? / Lisboa? – 1536). É considerado criador do Teatro Português pela apresentação, em 1502, com o «Monólogo do Vaqueiro» (também conhecido como «Auto da Visitação»). A obra teatral de Gil Vicente faz parte da primitiva dramaturgia península, ao lado do espanhol Juan Del Encina. Parte considerável de sua obra está escrita em língua castelhana, a começar por sua primeira obra, o «Monólogo do Vaqueiro» (1502). Gil Vicente é considero pela crítica literária a maior figura da literatura renascentista portuguesa antes de Luís Vaz de Camões. Há dois aspectos na sátira de Gil Vicente: divertir o público e redimir o ser humano, conforme o lema da comédia antiga: ridendo castigat mores (rindo, corrige os costumes). Alguns dos seus versos valem apenas como aforismo. Confira: “Mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube”. (Harold Ramanzini, in «Literatura Gramática e Criatividade») Posted by Dantas Quanto às modalidades do teatro vicentino: - Moralidades: Monólogo do Vaqueiro (ou Auto da Visitação), Auto do Pastoril Castelhano, Auto dos Reis Magos, Auto da Fé, Auto da Mofina Mendes, a Trilogia das Barcas (Auto da Barca do Inferno, Auto da Barca do Purgatório, Auto da Barca da Glória), Auto da Alma, Auto da Feira entre outras. - Farsas: Auto da Índia, O Velho da Horta, Quem tem farelos?, Farsa de Inês Pereira, O Juiz da Beira, Farsa dos Almocreves, Romagem dos Agravados entre outras. - Comédias: Comédia de Rubena, Comédia do Viúvo, Floresta de Engano, Amadis de Gaula, Auto da Lusitânia (tragicomédia) entre outras. 2 Julgamento Crítico De José Maria D’Andrade Ferreira (Gil Vicente - Nossos Clássicos, vol. 105): “Gil Vicente, reagindo contra a pressão clássica, funda o teatro nacional, em que o espírito da sátira zomba dos dois grandes poderes do tempo, da fidalguia e do clero, diante do próprio rei e de sua corte. (...) O seu teatro, como expressão literária, é o espelho daqueles tempos, e os reinados de Dom Manuel e Dom João III, refletem-se cheios de vida mais genuinamente em todas as suas cenas do que nas crônicas de Garcia de Resende. A originalidade, que os infamadores coevos tentaram negar-lhe, o mais poderoso dote do seu talento. (...) Os chistes de que ele apimenta as falas de seus personagens, a intenção moral que ele põe nas suas criações, são resultados fecundos de seus dotes criadores.” ............................................................................................. De Carolina Michaёlis de Vasconcelos (Gil Vicente - Nossos Clássicos, vol. 105): “Já enunciei, diversas vezes, a tese que Gil Vicente, otimamente dotado pela natureza, ávido de aprender, apto a configurar, lendo o que antes e depois de 1502 lhe era acessível, e tirando a cada leitura elementos para a sua educação espiritual, se compenetrara, necessariamente, na infância e na mocidade, de ideias medievais, adotando uma concepção escolástica – de filosofia teologante ou teologia filosofante. Colocado nos umbrais do tempo moderno podia ser influído todavia na idade viril pelas correntes caudalosas das ideações do Renascimento.” ................................................................................................ De Fidelino Figueiredo (Gil Vicente - Nossos Clássicos, vol. 105): “... enquanto o teatro clássico ia caminhado para a concentração dos seus efeitos emotivos pela pratica rigorosa da disciplina das unidades de ação, de tempo e de lugar, de limitação do número de personagens, de eliminação de todos os elementos antidramáticos e de unificação ou homogeneidade do seu tom – o auto de Gil Vicente caminhava para ampliação dos seus temas, para o aumento da população do palco, para uma duração cada vez maior da ação, não da representação, e para a mais audaciosa justaposição dos lugares.” ................................................................................................ De Hernani Cidade (Gil Vicente - Nossos Clássicos, vol. 105): “O que a sua obra patenteia é que era homem de bem extraordinários talentos, altos e vários. Ao que se depreende das cartas de D. Manuel que lhe dizem respeito, era ele a um tempo cenógrafo e músico, dramaturgo e poeta-poeta, sobretudo. (...) Interessa em Gil Vicente o artista que soube surpreender todo o pinturesco do espetáculo da vida; o psicólogo atento à intimidade das almas; o poeta capaz de profundamente sentir e sugestivamente comunicar os sentimentos e as ideias de mais íntima e funda ressonância: o homem, finalmente, no mais compreensivo sentido da palavra, em simpatia comunhão com os seus contemporâneos, cujas aspirações, entusiasmos, ideias encontram na sua obra, não apenas o eco nítido, senão também a lúcida consciência diretiva.” De I.S. Révah (Gil Vicente - Nossos Clássicos, vol. 105): 3 .....” ............ modesto.............................................. os seus vícios.............. ideação – ato ou efeito de idear...... repelida mecanicamente por outros......... como um autor sem antecedentes....... mantiveram o esplendor do teatro vicentino durante 34 anos. relativo à escolástica... despretensioso.........que deseja com ânsia........................ De António José Saraiva (Gil Vicente e o Fim do Teatro Medieval): “Gil Vicente não pode ser considerado independentemente............................. ... De S..... a ortodoxia das suas ideias religiosas e a coragem expressa no seu teatro de crítica social..................................... Ora esta utopia dos simples e ignorantes.... escolástico – escolar. .. Uma espécie de idade de ouro é sonhada por Gil Vicente no mundo pastoril”....... viúva de D......................... ávido .. explicam................. .. os seus impulsos intelectuais e religiosos........ (Coetâneo – que vive ou viveu na mesma época...... e logo a seguir a do próprio rei D..“A obra vicentina não é só uma esplendida realização literária...... que não sabem rezar........... Aqueles que nada têm... um bom casamento.......... 4 ............. onde a proteção da Rainha Velha D. Leonor........................ II Gil Vicente ... que desejam aos anjos... como recompensa.................................... nem arte de viver............................ ______ NOTAS: coevo [é] – coetâneo...................... Mas esta frase evangélica.... pilhéria.......... Spina (Presença da Literatura Portuguesa – Era Medieval): “A sua autonomia intelectual............................. ............ De António José Saraiva (História da Cultura em Portugal vol... com ardor............ ................. nem terra.. João II....” ..... Considera-o também um inovador que transformou os antigos momos do Paço em comédias e tragicomédias”... são os perfeitos............. estão à porta do paraíso e deles é o reino dos céus...... formação de ideias...... parece ter nele um conteúdo substancial..) chiste – dito gracioso................................... com as suas classes...................................... um fenómeno miraculoso...... porque deles é o reino dos céus» do Sermão da Montanha................. diz-se do método das escolas medievais.............. nem sabedoria............................ senhores feudais e pregadores eruditos... idealização....... Pelo menos acentua o caráter negativo da ideologia vicentina na medida em que se opõe a um mundo real de mercadores.. em talvez algum significado...................... palpita nela de modo espantosamente vivo a sociedade portuguesa do primeiro terço do século XVI.......Reflexão da Crise): “Gil Vicente não faz mais do que glosar o «Bem-aventurados» os pobres de espírito.... .. João III.............................................. que imaginam o Céu como uma serra farta de gado...... explicam o parentesco do seu ideário com o pensamento reformista do tempo........ também o prestígio de que gozou na corte.. ... de nada se apercebe.... É a libertação do cativeiro da pobre moça que nunca imaginou ser tão infeliz.... mas sem a noção dos processos jurídicos que defende...... provando assim Mestre Gil que a calúnia não tinha razão de ser..... Inês não o quer..... . esta se zanga...... A experiência da vida conjugal foi para ela uma lição. Foi o primeiro provérbio glosado em teatro.. Trata-se de uma história com princípio...... como acontece na farsa Quem tem Farelos? . feito juiz..... um falso Ermitão.... Felizmente que ele morre em Arzila... à maneira da Farsa da Índia ou do Velho da Horta.................. ...... Volta a falar-lhe no casamento com Pero Marques........ pode ainda ser uma série de episódios sem ligação.... cuja ação dramática expõe uma história satírica.... egoísta e autoritário... Traído pela mulher na sua fidelidade conjugal ele........... Ele irá aparecer trazido pelos Judeus casamenteiros – Latão e Vidal – e esta Inês. à feira... já casados................... 5 ..... A vida de casada é um perfeito inferno............ Todas as cenas se desenrolam num contexto lógico.... Assim Inês arranja um marido que a “leva” e se livra do “cavalo” que a derrubara............ com “tipos” bem definidos.... É uma sátira social......... o “asno”.................. rico. onde Inês se encontrará com um antigo namorado.. aceitará o moço estúpido que lhe proporcionará uma existência de liberdade.... (Maria Amélia Ortiz da Fonseca... como o Clérigo da Beira... ainda uma série de episódios ligados a uma personagem principal como no Juiz da Beira... mas estúpido e boçal. o que prova o interesse de Gil Vicente pela poesia tradicional. Lianos Vaz aparece de novo............. enquanto a mãe foi à missa.. in Gil Vicente Farsa de Inês Pereira)......... Ela sonha com um bom “tangedor de viola” e que seja bem falante. Trata-se. fantasiosa e sonhadora logo se sente atraída pelo escudeiro...... .......... de um ótimo documento para o conhecimento de ditados populares e cantigas. Após uma introdução realizada por Inês que canta e põe de parte o trabalho que estava fazendo.... meio e fim..... uma ação dramática completamente desenvolvida........ muito pior quando ela só pensa em maridos e casamentos! Chega uma alcoviteira – Lianor Vaz – que traz à jovem uma proposta de casamento de um certo Pero Marques..Resumo sucinto da obra vicentina Farsa de Inês Pereira A Farsa de Inês Pereira é o desenvolvimento dramático do provérbio “mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube”....... pois...... uma comédia de caráter e de costumes da vida doméstica.... finalmente.... Em Gil Vicente a estrutura da “farsa” pode ser feita de quatro maneiras: poderá constituir um episódio arrancado à vida real..... Ter uma filha preguiçosa não agrada a ninguém.... Gil Vicente desenvolveu este dito popular que lhe foi dado por alguns fidalgos que desconfiavam da sua honestidade literária. O pior virá a seguir! Ele é cruel.... agora que ele ainda está muito mais rico... . Teremos... A Farsa de Inês Pereira é......... igualmente.. onde intervém o mesmo Pero Marques. Agora... Esta última estrutura é a que corresponde à Farsa de Inês Pereira..... aceitando casar com ele.... O amor não interessa.... O mote foi muito bem trabalhado... Ela já não tem ilusões! E a farsa irá terminar pela ida de ambos. Folguei ora de vir cá.... Assim . Ora vós ide lá vendo se lhe vem melhor ninguém.que de maneira. (35) E isso hei-de ter na mão? Deitai as peias no chão. Eu vos escrevi de lá a cartinha.. digo maior algum tanto. perdoe-lhe Deus! que fora bem escusado.. er também. e as peias no capelo.. E desejo ser casado. E que val aqui uma destas? (31) (Ó Jesus! Que Jão das Bestas! Olhai aquela canseira!) Assentou-se com as costas para elas. Mais gado tenho eu já quanto. Faleceu.. (36) As perlas para enfiar. que Deus tem. por i..A passagem que se vai ler corresponde ao delicioso diálogo em que Pero Marque vem pedir a má de Inês em casamento.. E ficamos dous eréus. como meu pai. e o mor de todo o gado. que eu me espanto quem me fez seu namorado. amigo? Eu Pero Marques me digo. com Inês. (34) Tende ora. Chega Pero Marques aonde elas estão. e diz: Mãe Pero Mãe Pero Inês Pero Inês Eu cuido que não estou bem. (37) E as peras? onde estão? 6 .. três chocalhos e um novelo.. meu é o morgado. Como vos chamais. e diz: Mãe Pêro Inês Digo que esteis muito embora. hão-de estar na derradeira.. (33) De morgado é vosso estado? Isso viria dos céus. (32) Porém. Parece moça de bem.. Tomai aquela cadeira. prouguesesse ao Espírito Santos!... Inês. senhora. E eu de bem. a segundo o que eu entendo. Cuido que lhe trago aqui peras da minha pereira... ..Pero Inês Pero Inês Pero Nunca tal me aconteceu. Cant'eu quero-me ir daqui. doutra arte havia de ser.... no mais quente. não aporfieis. que não quero.. antes que venha o escuro.. Algum rapaz mas comeu. veremos que lhe dizeis. como homem de bom recado. (39) não diga algum demo alguém. Pois trazia-as de boa mente. (41) e prometo não casar até que vós não queirais. ainda que saiba estalar. que elas vinham chentadas (38) cá em fundo. tomade-o lá!). Fresco vinha o presente.. Vossa mãe foi-se? Ora bem! Sós nosdeixou ela assi. Pero Vossa mãe é lá no muro? Inês Minha mãe eu vos seguro que ela venha cá dormir.. nem me apraz. Ide casar a Cascais! Não vos anojarei mais. com folhinhas borrifadas! Não.. me havíeis de fazer? Nem ninguém que há-de dizer? (O galante despejado!) Se eu fora já casado.. que as meti no capelo.. senhora. eu quero-me ir. 7 . e o pente não se perdeu. Homem. Pero Pois. E Vós que. Inês Inês Pero Virá cá Lianor Vaz. (40) (Quão desviado este está! Todos andam por caçar suas damas sem casar e este. eficou aqui o novelo. ...... .............. 1983........ escarnefucham de vós!) (43) Não sei se fica lá a peia........................................... e vos acha só a tal hora...................... 44)Entenda-se: supúnhamos que alguém apareça 45)çarrai: fechai............ oxalá.........................Inês Pero (Estas vos são elas a vós! (42) Anda homem a gastar calçado............................... Inda não tendes candeia! Ponho por cajo que alguém (44) vem como eu vim agora...... Parece-vos que será bem? Ficai-vos ora com Deus................. ........ herdeiro por excelência dos bens vinculados........ 37)capelo: chapéu... 42)Isto é: assim são vocês............. E sicais sereis vós minha: (46) entonces veremos nós................... 46)siquais: quem sabe. Olhai se o levou o gato......... 41)Entenda-se: ainda que eu seja homem estourado........................... cá fica o fato. 36)peias: arreios do animal (que Pero Marques levou consigo para a casa de Inês).. ______ NOTAS: 31)Pero Marques pergunta qual preço duma cadeira destas........ não vos aborrecerei mais... ......................... 35)Isto é: segure aí..... mulheres! 43)escarnefucham: zombam.......................................... (Org....... e quando cuida que é aviado.............................................................................. çarrai a porta sobre vós...... Inês... ............ (*)SPINA................ 38)chentadas: metidas..... 33)morgado: filho primogênito............ p....................................... Obras-primas do teatro vicentino..........171-174 8 ............... 39)cant’eu: quanto a mim.................... Segismundo...)... . ........ São Paulo: Difel............... (45) com vossa candeazinha.......... Pardeus! Bom ia ia eu à aldeia! Senhora........... 32)eréus: herdeiros...................... 40)homem de recado: prudente......... 34)Refere-se às últimas peras da planta........................ ........................ familiar. descontrolada. proverbial. namoradeira. Mãe Lianor Vaz Rude. sabida. infiel vingativa. honesto. sincera. Conselheira. amiga. vulgar. tímida. Pero Marques Monologada. vaidosa. generosos. crítica. cômica. afetiva. alegre revoltada. discreto. ajuizada. submisso. Familiar. fingida. amiga. epítetos. respeitador. ingênuo. teimosa. irônica. trabalhador.Personagens Tipos Caracterização Linguagem Comportamento Inês Monologada. leviana. ajuizada. Ignorante. leal. 9 . obsequiosa. rude. Conselheira. Preguiçosa. casamenteiros. preguiçoso.Personagens Tipos Escudeiro Latão e Vidal Moço do Escudeiro Ermitão Caracterização Linguagem Comportamento Monologada. mentiroso. revoltada. adulador. infeliz. 10 . falso. Atabalhoada. galante. Interesseiros. galante. interrogativa. Pobre. desconexa. gabarola. trocadilhos. fingidos. persuasiva. serviçal. parasita. Ambígua. desleal. irônica. artificiosos. leal. Mentirosos. convincente. Refilona. Persistente. cauteloso. vaidoso. gracejador. epítetos. exclamativa. ambicioso. castelhana. mentirosos. A Sátira Social na Farsa de Inês Pereira Na Farsa de Inês Pereira as personagens constituem «tipos» vicentinos. O papel da mulher no século XVI aí está representado em Inês, a Mãe e Lianor Vaz. A sátira social está presente, com maior ou menor intensidade, consoante a intriga a requer. Analisemos, em primeiro lugar, o desempenho de Inês. É uma rapariga solteira, com grande pesar seu. Antes tivesse «filhos de três em três» pois não estaria tão sozinha. Ela pretende casar-se com alguém que pertença a um nível social superior ao seu. É natural que levando a vida que levava, sempre fechada em casa (nem sequer ia à missa!), sem poder ir à janela e sempre obrigada às lides caseiras desejasse emancipar-se. A autoridade e os conselhos da Mãe enfastiam-na. «Lavrar» não é com ela! Embora quisesse casar-se depressa, em boa verdade pretendia escolher marido do seu agrado. Não era ambiciosa em matéria de riquezas. Um homem rico não lhe interessava. Queria-o instruído, elegante, educado, bem falante, que a fizesse sentir-se orgulhosa da escolha que fizera. A sua presunção é muito! O pobre Pêro Marques não lhe serve, campônio como é, tão deselegante, tão boçal. Ele é um «simplório» e isso não agrada à moça, que se sente muito superior a ele. Seria mal empregada em tal marido! Pêro Marques simboliza o homem do campo, o lavrador honrado e bem intencionado, em oposição ao Escudeiro que é, ou parece ser, ligado à corte. Este problema do antagonismo entre o camponês e o homem cortesão, dois tipos tão antitéticos, irá ser bem desenvolvido por Sá de Miranda. A corte simbolizava luxo e devassidão Temos, assim, a sátira social na pessoa de Inês. Falemos, agora, do clérigo. A história que Lianor Vaz conta parece ser inventada pelo menos, a Mãe de Inês não acredita nela. Um tal clérigo queria abusar dela e, uma vez mais, Gil Vicente ataca a classe eclesiástica. Lianor conta a sua «história» com todos os pormenores. Ele agarrou-a e rasgou-lhe o «cabeção da camisa», tal a fúria que dele se apossara. Ela bem quis gritar mas estava rouca, «com tosse e catarro» e as palavras não lhe saíam da garganta. O clérigo pretendia saber se ela era «macho ou fêmea». É evidente que nada conseguiu porque Lianor fugiu salva por um tal Vasco de Fois, que era alferes-mor da Ordem de Cristo, em Tomar, onde a farsa foi representada. Está, assim, posto a nu o carácter dos clérigos, dos falsos religiosos, cuja vida se não coadunava com a missão religiosa a que haviam devotado. Quanto ao Escudeiro, outro «tipo» vicentino, ele é muito frequente na obra de Mestre Gil. Dando-se ares de grande personalidade, sabendo, como ele próprio diz, «ler e escrever», «tanger viola», e cantar, não passa de um «rascão», isto é, um vadio e um vagabundo que vai vivendo de expedientes e pretende uma mulher de posses e que seja «donzela». Claro que Inês só tinha a seu favor a beleza, a garridice e a frescura juvenil. Quando o »Moço» se queixa deter os sapatos rotos, de dormir no chão «com o tecto por manta» e de não ter que comer, ele tudo lhe promete para depois de casado. Parece-nos que o dinheiro teria de vir de Inês! Fanfarrão e covarde irá mostrar-se tal como é ao morrer às mãos de «um pastor mouro» quando ia a fugir de uma batalha, enclausurada tivesse exclamado: «oh que nova tão suave»! 11 Lianor Vaz não chega a ser o «tipo» perfeito das alcoviteiras. Ela não pretende lucros ao arranjar o casamento para Inês. Fá-lo por amizade. Bem diferente é das verdadeiras «alcoviteiras» de Gil Vicente-Brizida Vaz, por exemplo, ou Ana Dias e Branca Gil. Estas mulheres gozavam de grande prestigio na sociedade do tempo. Em oposição a Lianor Vaz temos os «Judeus casamenteiros» que operam por interesse. Eram igualmente bem conceituados e emprestavam dinheiro a juros. São, pois, estes, os breves apontamentos que colhemos quanto à sátira social na Farsa de Inês Pereira. (Maria Amália Ortiz da Fonseca, in «Gil Vicente Farsa de Inês Pereira»). ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ............................................................................................ ______ NOTAS: lide – lida; canseira; combate. campónio – camponês. [Campônio – port. Do Brasil] boçal – estúpido,ignorante, rude, grosseiro. cortesão – homem que freqüenta a corte. Home de maneiras distintas e amáveis. sevassidão - qualidade ou conduta de devasso; libertinagem. Desregramento de costumes. clérigo – pessoa que recebeu ordens sacras. camisa – peça de vestuário feminino para dormir. [Camisola - Brasil] alferes [é] – antigo posto do exercito brasileiro correspondente ao atual segundo–tenente. coadunar - conformar(-se), combinar-(se), harmonizar-se). tanger - tocar (instrumento musical). Tocar (gado). garridice – qualidade do que garrido; elegância. roto [ô] - que se rompeu; feito em pedaços; quebrado. algoz [ó ou ô] – carrasco. Pessoa cruel, desumana. 12 ESTUDO DO TEXTO «Farsa de Inês Pereira» (Leia a peça na integra) 01) Provão - 2002 Como é seca a velhice! Leixai-me ouvir e folgar, que não me hei-de contentar de casar com parvoíce. A protagonista de Inês Pereira profere as palavras acima pa-ra justificar à mãe a decisão de não se casar com Pero Marques. Nas cenas finais, já viúva do escudeiro autoritário com quem escolhera casar, a personagem decide aceitar o antigo pretendente, que lhe parece talhado para ser marido traído. Com essa trajetória da personagem, Gil Vicente comprova a máxima popular que é tomada como mote de seu texto: mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube. As considerações acima, associadas ao contexto da obra, permitem a afirmação correta de que o autor (A) produziu a reviravolta no enredo da farsa humanística como manobra para garantir a dignidade da heroína,representante dos valores sociais que emergiam. (B) fez a protagonista viver a tragédia da inocência, e sua humilhação final mostra a impossibilidade da preservação do pretendido registro idealista. (C) escolheu o gênero que lhe permitisse tratar o amor e a estrutura social como forças fatalisticamente irreconciliáveis, impondo o banimento da heroína do grupo social a que pertence. (D)) se preocupou, como é usual no gênero escolhido, em mostrar que a heroína se ajustou a uma nova situação e à sociedade como um todo, recurso que permitiu a Gil Vicente evidenciar a hipocrisia de seu tempo. (E) deu à farsa o tratamento típico da tragédia – a heroína ao vencer uma série de provas desafia o destino – recurso escolhido para criticar, pelo riso, costumes de seu tempo. 02) Leia as três afirmações abaixo a respeito da Farsa de Inês Pereira. I – Pode ser colocada como representante do teatro de costumes vicentino. II – Encaixa-se na tradição da farsa medieval sobre o adultério feminino desenvolvida por Gil Vicente. III – Inês Pereira é uma moça que vive na vila e pretende subir de condição. a) Todas estão corretas. c) Apenas a I e a II estão corretas. e) Apenas a II e a III estão corretas. b) Todas estão incorretas. d) Apenas a I e a III estão corretas. 13 ...................... ................................... .. ....... ................................................................................................................... Pretende estar à janela para se distrair......................................................................... ........................... 14 .......... sempre fechada em casa e obrigada a realizar as lides caseiras....................................................................................... ........................................................................................ ................................. ........................ ................................................. .............” Comente acerca da importância da introdução do texto? ................ .................................................................................................................................................... Finge estar trabalhando e inicia o seu monólogo............................................................................................... .................................................................................... ........................................................ ................... Como poderá ela viver toda a vida desse modo? Não é nenhum macaco nem coruja para estar sempre encerrada «como panela sem asa/que está num lugar»......... Queixa-se da vida que leva.............................................................................................................. folgar e sair quando lhe apetecer............................................................... ...................... Se a vida são dois dias para que háde ela conformar-se? Como as outras moças também ela quer rir.... 04)Aponte a dicotomia entre Lianor Vaz e os Judeus casamenteiros .......................................................................03) “Inês canta dois versos em castelhano........................................................................................................................................................................................... ............................ ...................................................................... Levanta-se da cadeira onde costurava................................................................................................................................................................. .............................................................. .......................................................................................................................... ........................................................................................ 05)Estabeleça a antítese entre Inês e a Mãe............................................................... .............................................................................................................................. ............................................................................................ ................................................. 15 ....................................................... ............................................................................ ................................................................................................................................... ....................... ............................... .. ............... ................................................................................................................... .............................................................................................................................. ............................................................................................... . ..................................... ......................................................................................................................................................................................................................... .... .......................................................................................................................................06)Caracterize as atitudes de Inês ao longo de toda a Farsa...................................... 08) Indique a diferença entre Pêro Marques e o Escudeiro............................................................................ ............. ............................................................................................................................................................... ............................................ ......................................... ....................................................................................................................................................................................................................................... ............................ Como Gil Vicente retrata esse diálogo? ................................................................................................................................................................................. 07)O diálogo final entre marido e mulher é bastante elucidativo......................................................................................................................................................................... ............................................................................................. ...................................... .......................................................... .................................................................................................... primeiro pretendente e segundo marido de Inês. Identifique a alternativa que não corresponde ao provérbio. do Renascimento português. antes lavrador que Nero. que prioriza os valores essencialmente materialistas. do Barroco português. de Gil Vicente. (D) reformadora. critica a sociedade mercantil emergente. Meu desejo eu retempero: asno que me leve quero. animal nobre. com forte apelo religioso. não cavalo valentão: antes lebre que leão. 10)O argumento da peça A Farsa de Inês Pereira. no qual as contradições humanas entre a vida terrena e a espiritual são apresentadas a partir dos casamentos complicados de Inês Pereira. (D) O asno corresponde a Pero Marques. é correto afirmar que é um texto de natureza: (A) satírica. (E) Cavalo e asno identificam a mesma personagem em diferentes momentos de sua vida conjugal. pertencente ao Renascimento português. asno que a carrega. consiste na demonstração do refrão popular “Mais quero asno que me carregue que cavalo que me derrube”. escrita por Gil Vicente: Andar! Pero Marques seja! Quero tomar por esposo quem se tenha por ditoso de cada vez que me veja. pois se apresenta a religião como forma de orientar e salvar as pessoas pecadoras. pertencente ao Humanismo português. leia os versos seguintes. Sobre a Farsa de Inês Pereira. no qual se delineia o papel moralizante. (E) cômica.09)Para responder à questão. pertencente ao Humanismo português. 16 . na construção da farsa: (A) A segunda parte do provérbio ilustra a experiência desastrosa do primeiro casamento. que a derruba. (B) O escudeiro Brás da Mata corresponde ao cavalo. com vistas à transformação do homem. em que se ridiculariza a ascensão social de Inês Pereira por meio de um casamento de conveniências. no qual Gil Vicente. a partir das situações embaraçosas vividas por Inês Pereira. (C) religiosa. (B) didático-moralizante. da famosa Farsa de Inês Pereira. (C) O segundo casamento exemplifica o primeiro termo. de forma sutil e irônica. ........... 12) Prove que o mote «mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube» está bem desenvolvido......................... é correto afirmar: a) Privilegia a visão racionalista da realidade por Gil Vicente........ c) Retrata uma cena grotesca em que se notam traços da cultura popular............. ....................................... ........... tal friúra e tal canseira........... como as "boas fadas"..11)Em Farsa de Inês Pereira (1523)........................... empregada pelo autor para atender as necessidades do homem do Classicismo................." friúra: frieza........................................... pelas quais Gil Vicente é considerado um mestre renascentista..................................... o que não invalida a inclusão de Gil Vicente entre os autores do Humanismo.......... .. e) Revela em Gil Vicente uma visão positiva do homem de fé que se liberta da doença pelo recurso à divindade. ..... .......................... um dos judeus que foi em busca do marido ideal para Inês........................... assim me fadem boas fadas que me soltou caganeira......................... ....................... o que se evidencia pela referência de Gil Vicente a figuras mitológicas clássicas.............. b) É escrito com perfeição formal e clareza de raciocínio................... O trecho a seguir é a fala de Latão.......................................................................................... que trago as tripas maçadas............................................................................... estado de quem está frio maçadas: surradas fadem: predizem Sobre o trecho.................. dirigindo-se a ela: "Foi a coisa de maneira...... ...... 17 ..................................... d) Sua linguagem é característica de um período já marcado pelo Renascimento................... .................................................................................................................................... Gil Vicente apresenta uma donzela casadoura que se lamenta das canseiras do trabalho doméstico e imagina casar-se com um homem discreto e elegante..... para vossa mercê ver o que nos encomendou..... ..................... a quem a heroína descreve...... ........................................................... ............... 18 .......... ............. . ................... na sua casa...........Auto da Índia “O Auto da Índia é a primeira farsa de Gil Vicente....... Muito embora a obra se apresente como uma peça num só ato............................................... chamado Lemos..................................................... no entanto.............. A tentativa foi magistralmente lograda................... disfarça............ Constança deixa-se conquistar facilmente por um castelhano e antigo pretendente............................................................................... à aflição vivida durante a ausência e até à falta de apetite.......... de modo bem diferente da realidade................................................................................................................................................. A heroína do auto aproveita a ausência do marido (que embarcou para a Índia) para se divertir.................................................................................... A chegada provoca nela certo desespero.... alude a promessas feitas... ............................................................... .............. representada em 1509 perante a Rainha D..................................” (1) . .... O auto termina com a chegada do marido............................................................... viúva de D...... Leonor... .. ........... podemos ver nela três momentos: 1º) A expectativa da partida – Revela-se aí toda a ansiedade da Ama e apreensão pela demora do embarque............ Lemos e o Castelhano fanfarrão.................................... ela mostra nitidamente a existência de partes.......................... O poeta-ourives tomou como tema um aspecto marginal da história da expansão portuguesa no Ultramar: a sua repercussão na fidelidade conjugal........... 3º) O regresso do marido – Aproxima-se o termo da viagem e o simples anúncio do regresso do marido perturba a Ama...................................... a vida que levara na sua ausência............................................................. O que a põe em situação embaraçosa é a presença simultânea.. de dois admiradores...... Assim............................. à maneira da época............. João II.... 2º) O adultério – Longe do marido............ A armada está muito a pique. isso é quem porcos há menos. Moça. que é certo que fica cá. Lemos.Entram nela estas figuras: Ama. era má. Quem diz esse desconcerto? Disseram-mo por mui certo. que choráveis por noss' amo. como pode vir a pelo? melhor veja eu Jesus Cristo. 10 15 Moça Ama O Concelos me faz isto. Eu irei saber s'é assim. S'eles já estão em Restelo. má hora chorarei? Como me leixa saudosa! Toda eu fico amargurada! Pois por que estais anojada? Dizei-mo. Marido. Castelhano. Arreceio al menos. Moça Ama 5 20 25 30 35 19 . por vida vossa. Hajas a minha benção. Certo é que bem pequenos são meus desejos que fique. Agasta-se-m'o coração que quero sair de mim. Leixa-m' ora. Por qual demo ou por qual gamo ali. Moça Ama Andei na má hora e nela a amassar e biscoutar para o demo levar à sua negra canela e agora dizem que não. que dizem que não vai já. (2) Moça Ama Moça Ama Moça Ama Moça Ama Jesu! Jesu! Que é ora isso? É porque se parte a armada? Olha de a mal estreada! Eu hei de chorar por isso? Por minh' alma que cuidei e que sempre imaginei. ............. Dormirei....... São João no ermo estava.... 40)Entenda-se: de um diabo como o meu (marido).Vai Moça e fica a Ama dizendo: Ama Moça Ama Moça Ama A Santo António rogo eu que nunca mo cá depare: não sinto quem não s'enfare de um diabo Zebedeu....... _____ NOTAS: 3)mal estreada: desastrada............. Dou-te uma touca de seda..... 14)eramá: em má hora.....] ...... ........................ . Figueirinhas...... 19)Concelos: Vasconcelos.............. p................................................................. . Ou.................... Gilberto (Org. 1978.. Porto.... já vai lá de foz em fora.......... senhora............................ boas novas acharei.... 1991...................... 12)anojada: aborrecida................... Dicionário das literaturas portuguesa................ .. (2)MOURA....... quando ele vier. COELHO.. enfadada........... . Cantando vem ela e leda...............de tornar cá? que chegada e que prazer! 40 45 50 [.......... 21)vir a pelo: vir a propósito...... Dai-m' alvíssaras.......... dai-me do que vos trouxer.................................. 16)desconcerto: disparate.. brasileira e galega............ bênção era vocábulo oxítono.........)........... Lisboa: Ulisseia. 27)al demenos: ao menos.... Ali muitieramá! agora há...................... 31) à sua negra canela: para a Índia..... 26)a pique: a ponto (de partir)....... Teatro de Gil Vicente....... Jacinto do Prado (org........... 36)benção: na época..................)......... 3º ed........ pelo menos...................... 39)s’enfare: se aborreça. e a passarinha cantava............. 52)muitierama: em muito má hora (1).... Deus me cumpra o que sonhei... 8)gamo: marido enganado 9)má hora: em má hora............. 76.............................. dormirei............. 20 ....... desproposito.. alegre. pretensioso. afetiva. desonesta. Manhosa. apaixonado. convincente. Popular. Castelhana. crítica. Marido Popular. mentiroso. dissimulada. Castelhano 21 . mentirosa. teatral Fanfarrão. crítica. desarticulada. serviçal. exagerada. exaltada. objetiva. irônica. cortejador. cômica. conquistador. comunicativa. proverbial. enfática. teatral. denotativa. dubitativa. leviana. objetiva. gabarolas. atiradiço. pobre. exagerada. vulnerável. adulador. exclamativa. manhoso. ingênua. irônica.desarticulada. disparatada.resmungona. curiosa. bondoso. palrador. falsa. madrigalesca. figurada. vaidosa. observadora. realista. Ingênuo. infiel. confidente. simples.Personagens Tipos Constança Moça Caracterização Linguagem Comportamento Popular. Lemos Popular. realista. amiga. fingido. guloso. conselheira. objetiva. narrativa. teimoso. fingida. sensual. objetiva. amigo. vaidoso. objetiva. galante. Alegre. imaginativa. confiante. Megalômano. satírica. resmungona. que embarcara para a Índia. fulminando por um lado o marido de doestos cruéis durante a sua ausência. certa forma ou grau de comédia caracterizada pela despreocupação quanto à verossimilhança e pela truculência dos processos. Todos alimentavam ilusões que. Preocupação. as farsa constituem o quarto livro. em geral. escreve: «A principal qualidade histórica desta peça. nos Lusíadas. com seus defeitos e virtudes. muito embora as personagens do Auto da Índia nos apareçam com as suas deficiências morais. Todos se propunham partir. é a de representar a introdução do real contemporâneo no nosso teatro. Riso. infiel em qualquer circunstância. o marido deixara-a bem recheada. na introdução à sua obra. Ora o Auto da Índia nada tem que nos lembre religião. Gil Vicente pretende pôr em evidencia as consequencias nefastas da partida das armadas para longes terras. A tentativa foi magistralmente lograda. finalmente. pelo contrario. Pela primeira vez m Portugal se contava no palco qualquer coisa. É uma pequena peça. na Idade Média. para se divertir. por força do seu carácter. na Índia. ganhar poder político. Pretendia-se ganhar dinheiro. que não concorda com as infidelidades da Ama. em 1562. João II.brincalhona. O facto de o marido estar longe. recheio. honesta. ganhar honrarias. verdade se diga. feita pelos seus filhos Luís Vicente e Paula Vicente. objecto das preocupações de uns e do riso incontido de outros. pois o marido está ausente. Já o Velho do Rastelo. dulcerosa e interessada após a chegada dele. parece-nos a ter quaisquer problemas financeiros. porque o adultério representava o factor mais importante da desagregação das famílias. não apenas pela situação em que se encontra. se desfaziam perante a realidade. não explica nem desculpa a atitude da mulher. A partir. Depois passou a designar peça cómica e. nos diz que a “dura inquietação da alma e da vida” é uma «fonte de desamparos e adultérios». na medida em que é obrigada a trabalhar para ganhar o pão de cada dia.. uma adúltera. Gilberto Moura. a obra em questão é.A Sátira Social no Auto da Índia O Auto da Índia é a primeira farsa de Gil Vicente. profana. 22 . Mestre Gil tomou como tema um aspecto marginal da história da expansão portuguesa no Ultramar: a sua representação na fidelidade conjugal. viúva de D. em França. acentuadamente cómica. arrancadas à vida quotidiana. O meio social de Constança não é dos piores. ela é-o. Sabemos. um perigo moral e social. Se Constança é uma mulher infiel. com todos os ingredientes que ela comporta. de caráter divino. A ambição era desmedida.e essa coisa era matéria de actualidade para o povo. Teatro de Gil Vicente. Etimologicamente. Os “fumos da Índia” enfeitiçavam os homens mais crédulos. uma farsa. com efeito. uma fútil. O que a põe em situação embaraçosa é a presença simultânea de dois admiradores – Lemos e o Castelhano fanfarrão. a Moça é. » Se Constança é aquela mulher abominável que nos conhecemos. que se entremeava nas representações teatrais populares. quando ele ia à pesca a poucos quilómetros de casa. Erradamente classificada de Auto. se exceptuarmos o caso da Moça. Constança é retratada com todo o pormenor psicológico. muito acima das «boas qualidades». cujo titulo lhe foi atribuído. mas a necessidade a isso a obriga. pelo cómico contrastante operado no comportamento da esposa leviana. Os Autores eram. de maus costumes. a palavra farsa significa entremeio. As personagens são todas profanas. e hiprocritamente solicita pelo outro. Muito ela atura. e desejando a sua morte. A heroína aproveita a ausência do marido. No Auto da Índia está latente uma verdadeira comedia de costumes. a infidelidade já existia. Na compilação da obra de Gil Vicente. Leonor. representada em 1509 perante a rainha D. mas sim porque ela é. Embora ela seja uma ignorante. Também aquela é um produto da sociedade da época. na maior parte das vezes.uma rapariguinha simples. porque ela própria se nos confessa que. ... a cozinha e o quarto................ entremear – colocar(-se) entre duas coisas....... intercalar(-se)... O próprio Marido de Constança...... O amor era letra morta.... E é essa insatisfação que decerto a atira para os braços do Lemos e do Castelhano. provável.. tanto mais que se sentia «fermosa e jovem».... [fig.... Se repararmos nos comparsas do Auto – O Lemos e o Castelhano vinagreiro -. que cauteriza............ [Doestar – dirigir doestos a....qualidade do que verosímil...............fazer exceção de..... que seguira viagem para a Índia na armada de Tristão da Cunha.... A infidelidade conjugal está também presente na Farsa de Inês Pereira embora. Nem Pêro Marques nem o marido de Constança desconfiam das suas mulheres... não deixa de inspirar-se nas realidades do momento e de ser uma pintura viva dos costumes e dos tipos contemporâneos.............. Naquele tempo. tinha o necessário.. Gil Vicente esteve sempre atento à sociedade que o rodeava e às realidades imediatas. corresponde aos anseios do mundo que rodeava Gil Vicente.... donaire. “um fastio”. insultar] solícito – diligente. Descreve e observa com realismo........... por força das circunstancias..... Mas a necessidade física impunha-se-lhe. nas classes médias...... embora quase sempre cáustico e zombeteiro.. (Maria Amália Ortiz da Fonseca.... excluir...... cuidadoso....... Ele era.. simples... Sabemos quanto ela detestava o pobre marido............... que nem sempre escolhia o noivo... funesto...... Não que os amasse..... Ambos pretendentes são pobres..... não obstante o seu medievalismo. São um produto da época....... ... veremos que eles correspondem a “tipos” da sociedade no tempo de Gil Vicente.... distinção... muito frequentemente o casamento era imposto à mulher. exceptuar . . em que não repugna acreditar....... alcançar..... . Isso facilitava os encontros amorosos.......... como a própria mulher afirma. Há que reparar que em ambos os casos os maridos são ingénuos... Duas divisões... verosimilhança ................... in «Gil Vicente Auto da Índia»).. Era quanto lhe bastava para receber garbo os seus “namorados!”.... chegando a desejar-lhe a morte... ______ NOTAS: lograr –conseguir.... mas também isso era vulgar na época........ injúria.. aí se passava tudo. o que não significa que os não haja nos momentos presentes........... Não a satisfazia.. adopta uma posição dignificante perante a família. garbo – elegância. O caso de Constança poderá bem ser um deles.. Os pais entregavam as filhas a maridos de que elas não gostavam.Por outro lado... A sátira social está em ambos representada. 23 ........... cáustico – que queima. O seu teatro.... confiantes.... doesto [ê] – insulto. O Castelhano é um produto da influência de Castela no nosso país. Como era o quarto dependência apresentável ... embora pequena. mais atenuada......] importuno. sarcástico... [ Brasil – excetuar] nefasto – que causa desgraça.. A sátira está presente em ambos os casos. onde imperava o castelhanismo... embora alardeando uma riqueza que não possuem.... quanto a nós..... A obra vicentina... a sua casa... verosímil – que parece ser verdadeiro. A cama tinha de estar sempre presente. mordaz. ..............................................ESTUDO DO TEXTO «Auto da Índia » [Leia o texto integral] 01)A que se deve o título? ........ ........................................................................................................... .......................................................... física e psicologicamente................................. .. 05) Prove que o Auto da Índia é uma Farsa e não um Auto.............................................................................................................................. Explica-os....................... .......................................................................................................................................................................................................................... ............................................... 04) Quais os temas sociais que Gil Vicente expõe nesta peça............................................................................................................................ ....................... ............................................................................................................................................................................................................................................................................ ..... .................................................................................................................................................................. ............... ............................................................. .................................................................................................................................. 24 .................... ............................................................ 03) Estabeleça dicotomia entre «Lemos» e o «Castelhano»................. ............................................................................ conforme o título............................................... .................................................................................................... ................................................................................................................................................ 02) Caracteriza as personagens femininas «Ama» e «Moça»........................................................................................................ ............................................ ............................................... ......................... ....... ............................................................................ ........................................................................................................................................... ........................... ... 4)atalaiado: acautelado................ olhai: não torneis atrás. ........ o Auto da Alma é a expressão dramática do velho tema do Peregrino – paradigma do destino do Homem.................................... solicitada pelas forças contrárias do Bem e do Mal....Auto da Alma (1518) Do ponto de vista teológico.... articulados como estão à vontade do homem (livre-arbítrio).. o imigo (1) à vossa vida gloriosa..................................................................................... com penas infernais.... parece propor ao homem o caminho seguro para redimir os seus pecados e atingir assim a glória eterna... (2) Não creiais a Satanás...................... 120 125 130 135 140 Andemos a estrada nossa.................. que passais não caiais: siga vossa fermosura as gloriosas.........................) São...... a peça de Gil Vicente.. ................. e (3) a memória que o espírito atalaiado (4) do pecado caminha sem temer nada pera a Glória.... e nas redes de tristura tenebrosas........................ (*) ..... 3)Subentende-se: continuai a ter.. as almas...... (5) ______ NOTAS: 1)imigo: inimigo.. pois........... na Trilogia das Barcas.... E nos laços infernais.......... vosso perigo! Continuai ter o cuidado no fim de vossa jornada........ 5)as gloriosas: isto é............. 2)grosa: obstáculos....................... O ANJO À ALMA . A existência humana é uma contínua luta entre as forças do bem (na peça representadas pelo o Anjo) e as solicitações do Mal (encarnadas na figura do Diabo..... 25 ....... da carreira............. Do ponto de vista social............ A passagem que vamos transcrever expressa um destes momentos antinômicos em que vive a Alma....................... dois mundos que lutam por impor a sua supremacia........ porá grosa.. ..... depois da acusação e o castigo dos crimes........... não são embalde os deleites. procurai por senhorios e haveres. e fortunas. 8)por: em vez de. que somente não sentis. que todos fazem assi. Gozai. Não são embalde os haveres. 10)al: outra coisa. deixa-me ir que e al (10) me fundo.. (6) se sois humana? Não cureis de vos matar. que ainda estais em idade de crescer (7) Tempo há i para folgar e caminhar: vivei à vossa vontade e havei prazer. 11)me fundo: me firmo. gozai dos bens da terra. não cureis doutro paraíso: Quem vos põe em vosso siso (9) outro remanso? Não me detenhais aqui. ó delicada. ______ NOTAS: 6)Entenda-se: a ponto de não sentirdes que.7)crescer: engrandecer-se. 9)siso: entendimento. 12)afeites: atributos 26 . doce e manso. (11) Oh! descansai neste mundo. .. e vos leva tão cansada por estrada.Adianta-se o Anjo. não são debalde os prazeres e comeres: tudo são puros afeites (12) das criaturas: para os homens se criaram. para onde isso? Quem vos engana. Quem da vida vos desterra à triste serra? Quem vos fala em desvarios Por (8) prazeres? Esta vida é descanso. alva pomba. e vem o Diabo e diz: 145 150 155 160 165 Alma Diabo 170 175 Tão depressa. alma santa. 18)é tormenta: isto é. sede isenta. se vísseis quanto ganhais nesta jornada! Visite a nossa loja virtual Caminhemos. 21)se preza: se orgulha. a vossa vida.180 185 190 195 Anjo 200 205 210 215 Dai folga à vossa passagem de hoje a mais. de vontade livre. quanto o corpo desejar. alma preciosa? Tão asinha (22) desmaiais? Sede esforçada! (23) Oh! Como viríeis trigosa (24) e desejosa. 20)isenta: livre. (13) descansai. (19) não deveis a ninguém nada. (20) Oh! andai. 15)marteirar: martirizar. vós sois senhora imperadora. 23)sede esforçada: tende coragem. (18) Senhora. Quem vos detém? Como vindes para a glória devagar! Ó meu Deus! Ó sumo bem! já ninguém não se preza (21) da vitória em se salvar Já cansais. (16) Tornara-me. se estivesse em seu lugar. querendo-vos marteirar (15) tão de graça. pois descansaram os que passaram por esta mesma romagem (14) que levais. (17) Is tão triste. 22)asinha: depressa. 27 . Caminhemos! Esforçai ora. 17)Entenda-se: eu mudaria de rumo. esclarecida! ______ NOTAS: 13)de hoje a mais: doravante. pressurosa. 24)trigosa: apressada. que é tormenta. Zombai de quem vos quiser Repreender. O que a vontade quiser. 16) tão de graça: tão sem motivos. tudo se faça. 19)imperadora: soberana. 14)romagem: peregrinação. se a vós fora. atribulada. Oh! Como vem tão real! Isto tal me parece bem a mi: ora andai. e de lá para cá. de remate. Descansai! Torna o Anjo à Alma. e fantasiai. Presença da literatura portuguesa era medieval. tudo vos mui bem está. 1977. pobre. Anjo 250 Ó Alma. (28) Não levais de vosso nada. (29) metei o braço por aqui: rra esperai. 26)tende vida: gozai a vida. Segismundo. is-vos perdendo! Correndo vos is meter no profundo! (33) [Versos 120-252] ______ NOTAS: 25)extremos: excessos. e torna Satanás: 220 225 230 235 240 245 Que vaidades e que extremos (25) tão supremos! Para que é essa pressa tanta? Tende vida! (26) Is muito desautorizada. Assi passais esta vida em disparate? Vesti ora este brial. 32)presuntuosos: com vaidade. p. São Paulo . Agora estais vós formosa como a rosa. 33)profundo: inferno.Adianta-se o Anjo. usados antigamente pelas mulheres.165-170. 28 . dizendo: Anjo Alma Que andais aqui fazendo? Faço o que vejo fazer pelo mundo. 29)brial: vestido de seda ou brocado fino. 27)Entenda-se: caminhais mui miserável. (31) Ponde os braços presuntuosos: (32) isso si! Passeai-vos mui pomposa. Agora estais vós mulher de parecer. 28)de remate: enfim. perdida. Amargurada. daqui para ali.Rio de Janeiro: Difel. (*)SPINA. (27) descalça. 30)chapins: sapatos elegantes. 31)de parecer: digna de admiração. Uns chapins (30) haveis mister de Valença: ei-los aqui. fraca. paciente. resignado. confessional. Diabo Zombeteira. atacante. combativa. interrogativa. moralista. Adulador. solidário. derrotista. esperançoso. persistente. convincente. submissa. Alma Implorativa. afectiva. opinosa. inquieta. constante. ansiosa. esperto. interrogativa. resistente. explicativa. impaciente. corruptível. objectiva. renitente. compreensivo. perigoso. preocupado. crítica. pura. esperançoso. interrogativa.Personagens Caracterização Tipos Linguagem Anjo Angélica. fantasiosa. sabedora. irritante. contundente. insidioso. persistente. cansada. mundanal. exclamativa. influenciável. despeitado. exclamativa. angustiada. instigadora. insegura. generoso. Teimosa. exclamativa. Conselheiro. teimoso. obstinado. aliciante. 2º Diabo 29 Comportamento . manipuladora. Conformista. Vulgar. embaraçada. ........ afectiva........ exclamativa......... ........................................................... digna........... exortativo.................................. judiciosa.. misericordiosa............ interrogativa............... repreensiva..................................... .............. Hospitaleira...... doutrinara........................... emotiva.................. ... ....................................................................... respeitável...............................................................Personagens Tipos Santo Agostinho Igreja Caracterização Linguagem Comportamento Mística............................... compreensiva............................... benévolo......................................................... 30 ............................................ doutrinaria................................................... .................................................................................. Humano........ evangélica................................................................... lírica................................................ ....... ............................... solidária...................... Estimulante.............................. .................... condoído...................................... cristã.... redentora... esclarecida.... teológica. acolhedora. ...... ... eloquente... ...... Só ele. de início..... frágil como é. um Auto de Devoção e. se para a frente.. como Auto que é... as suas personagens são hieráticas. Só ele não desiste da batalha....«a triste carreira desta vida!» E a «guarida» aí está. A moralidade está aqui bem exemplificada... a alma encontra a reabilitação desejada. afinal......... pronta e recompensá-la... a moralidade do todo o Auto da Alma. embora. talvez. a reconfortá-la. Na Igreja... só poderá salvar-se com o arrependimento e a fé e.. esse brincos e os dez anéis? A moral católica pretende afastá-la dos perigos que assaltam toda a Humanidade. ela mal se pode arrastar até à santa Madre Igreja.... ofereça alguma resistência........ Que pode ele fazer? A sua «fraca natureza» embaraça-a e daí não saber como caminhar... pronta a perdoar-lhe os pecados. Todos os bens pecaminosos se perdem na hora da morte.... daí..... não consegue reagir........ ______ NOTAS: chapim – antigo calçado de senhora. tem a força necessária para lhe garantir a Eternidade.. se para trás.. Colocada insistentemente entre o Bem e o Mal... debatendose entre o Anjo e o Diabo.... mas será este que vencerá e a levará até à «santa estalajadeira».... tiradas da Bíblia...... presa na cintura. foi tomando aspecto diferente... por vezes. pronta a restituir-lhe a graça de Deus.. Espécie de camisola que usavam os antigos cavaleiros..A Moralidade no Auto da Alma O Auto da Alma é..... que simboliza o Bem. hierático .... vontade libertada... com o tempo... Sujeita ao pecado. «sacerdotal»] brial – túnica feminina.. perturba-se emocionalmente perante todas as ofertas e manhas do Diabo que tão bem a sabe subornar.respeitante às coisas sagradas. o seu principal pecado........[Do gr...... ela é.... que a criou.. pois. mas esta vitória é cheia de problemas intermédios.. A vaidade é. porque não soube cuidar da sua perfeição.) . hieratikós.... Só a persistência do Anjo poderá conduzi-la ao verdadeiro «estado de graça»...... [Do esp.. religioso.... chapín] estalajadeira – Mulher que possue ou administra estalagem. este «brial».. O ser humano... As suas objecções são ditadas pelo poder do pecado... A santa Madre Igreja será.. o fruto desse mesmo mundo. Aprenderá o verdadeiro sentido da Vida e aprenderá. também. Vemos a moral... Colocada no mundo terreal.. O Diabo poderá parecer mais poderoso que o Anjo.. in «Gil Vicente Auto da Alma».. filhos do poeta..... lavando-se «com as suas próprias lágrimas». patim.... ...... 31 .... a «estalagem» onde se curará e onde lhe serão servidos os mantimentos que voltarão a restituir-se as forças que havia perdido na sua tão longa caminhada . O Auto começou por ser totalmente hierático... A Alma joga a sua salvação e a sua ascensão ao Céu.... os preceitos católicos a que deverá obedecer.... no seio de Deus.. para ela... onde o mal tem um papel predominante..... Para que servirão... memória e entendimento. esse colar.. começa por se deixar vencer....... (Maria Amália Ortiz da Fonseca. Deixa-se finalmente seduzir pelos «bens terrenos». isto é... Insegura. lhe deu livre arbítrio. contendo partes profanas...... a que ela. esses «chapins de Valença»..... na classificação da edição organizada por Luís Vicente e Paula Vicente.. mas........ ... «jornada».................... O2) Nos versos acima há o uso incessante de sons nasais........ em muitos momentos........................ Alma Tende sempre mão em mim.. preciosa riqueza (v................................................................... Quais são essas? Vejam os exemplos: triste carreira v............... «triste de Jerusalé /homecida (vv.................................. 426 e 427)........................................................... E assume várias funções......................................................... 03)O adjetivo é uma das classes morfológicas mais utilizadas no Auto da Alma...................................................................................................76)............................................................ diabólicas maldades violetas (vv..........ESTUDO DO TEXTO «Auto da Alma» [Leia o texto integral] 01)Metrifique os dois versos e justifique a metrificação....... 340).. ................................. Comente acerca desses sons: .......................... «estrada» e «carreira»...... «viagem»................... Alma santa (v.688 e 607...............metonímias ).... .............. Comente acerca dos sentidos desenvolvidos........ pousada verdadeira (vv.......... ............. ..... 05)As metáforas e metonímias são recursos inseparáveis da obra literária............................... ..................................................... Aparece quer antes................................................. 04)Comentar acerca do uso recorrentes dos léxicos «caminho»......................................... ........................... ..........................606 e 607 – metáforas).......................................................... o que se prende com uma estratégia discursiva que é............................. 32 ........................................................ de persuasão. Porque hei de empeçar ........................... 51 e 52)................... ............................................................................................................. .................4)................. ........2).......... perigosos perigos (v............... .......... 448 e 449)......................................................... ...................................................... Gil Vicente utiliza desses recursos: «este vale temeroso/e lacrimoso» (v....................................................... que ainda e depois............ que depois do substantivo............................. laços infernais (v... .......................... 134) celestes flores olorosas (vv.......... .......... 09)A linguagem oscila entre o tom implorativo........................................................................ 08)Comente acerca do «ponto de exclamação» (!)... ............................................................................................................................................ ..... ............................. .................................... ............... 10)Comentar acerca do tema.................................................................................... 07)Identifique alguns verbos no presente do indicativo e no modo imperativo................................................. ........................................................................................ interrogativo................................................................................... ......................................................................... ................................................................................................................................................................ apelativo confessional e lírico.......... ................................................................................................................................................................................................. ..... .... Transcreva algumas dessas linguagens no contexto................................ ........................ ............................................................................... 33 ............................................................................. ..................... ............. ............................................................................................................................................................................................................................................................................ .....................................................................................................................4)............................................................................................................................... exclamativo.......... . .... E justifique o seu emprego.............................................................. 11)Estabelecer a dicotomia entre o Anjo e o Diabo............................................................................ ......06)Justifique o uso pleonasmo no verso «perigoso perigos» (v................ .................................. ..................................................................................................................S.............................12)Caracterizar o personagem Santo Agostinho .........................................................................................................] – narrativa alegórica que envolve preceito moral: Jesus usava parábolas para ensinar certos conceitos....................................... uma abstração....... Révah defende que esta peça teatral................................... ....................................................... 15)Gil Vicente mostra-se profundo conhecedor dos textos bíblicos.. 34 ....... 14)Qual a crítica fundamental deste Auto? ..................... ... ................................................................................................................... . parábola [Lit............... 13)Provar que o Auto é um de «moralidade» ........................................................................................... é uma interpretação alegórica da parábola evangélica................................................................. Qual essa parábola? ............................................................................................... ............................................................................................... ................................................................................................ ............................................................... onde a morte e a dor não têm lugar» _____ NOTAS: alegórico: que encerra a alegoria........................ Auto da Alma............................................ um conceito.......................................... .. .............. O estudioso I........................................................................................ ............................ ..................... «Só o homem que viver na religião poderá chegar ao Céu................................................................................. ............. alegoria: é uma figura de retórica pela qual uma figura concreta representa uma idéia......................................... em vários momentos da sua produção dramática................................................................ Em outras palavras: exposição dum pensamento sob forma figurada........................................................................................................... ...................... . .......... ............ (Massaud Moisés......................... Na Primeira Barca....................... outro...................... onde aportam dois batéis: um tripulado por Diabos.................................. embora compostos em épocas e línguas diferentes...................................... não seguiu um plano desde a Primeira Barca........ .......................... que as conduzirá o inferno........... a relação entre elas.............. ..................... ................. Se G....................................... das quais se salvam apenas quatro Cavaleiros «por morrerem pelejando por Cristo». entretanto.................................... assim diante de dois batéis uma galeria de personagens da sociedade portuguesa.......... foi o primeiro a ser representado.......................... consoante os pecados que cometeram enquanto presas aos seus corpos terrestres................................................................ Possivelmente por estimulo da rainha D.............................................Inferno............. dirigindo por Anjos........................... V................................. .......... .. Leonor..................................... segundo a qual as almas sofrem a condenação ou merecem a salvação de acordo com a vida terrena que levaram............................................................... painel português do século XVI [Museu das Janelas Verdes. a partir do segundo Auto.............. Lisboa] Auto da Barca do Inferno O Auto da Barca do Inferno.. ................................................... .................... é evidente............ a do Purgatório e da Glória................................................. in «Pequeno Dicionário de Literatura Portuguesa»).......................................... Desfilam.............. basicamente inspiradas na mesma concepção religiosa....................... e nele nada faz suspeitar que o poeta pretendesse segui-lo com duas posteriores prefigurações.......... que as levará ao Paraíso............ 35 ..................................... as almas chegam a um braço de mar........................V de Auto de Moralidade........ intitulado por G...... concebeu a sequência em mais dois autos que...... .......... ............................................................................. passariam a constituir juntamente com o primeiro um a trilogia.. Diabo Feito. que caravela esta! Põe bandeiras. E também cá zombais? E passageiros achais pera tal habitação? Vejo-vos eu em feição 40 para ir ao nosso cais... louvores a Berzebu! Comp. a vosso serviço. Quê?.Que cousa é esta?..Ora venha o carro a ré! (1) Comp. houlá!. 35 Terra é bem sem-sabor. chegando ao batel infernal.. a que terra passais? Para o inferno.. diz: Fidalgo Diabo Fidalgo Diabo Fidalgo Diabo Fidalgo Diabo Fidalgo Diabo Fidalgo Diabo Fidalgo Diabo Fidalgo Esta barca onde vai ora. (6) Oh-oh.Ora. Diabo Comp.. Para lá vai a senhora? Senhor.. que se quer ir! (4) Oh. à barca. hu-u! Asinha.Diabo À barca. 30 Porém. Verga alta! Âncora a pique! . que é festa. (7) e há-de partir logo ess'ora. 25 Vem o Fidalgo e. (2) e atesa aquele palanco (3) e despeja aquele banco. feito! Bem está! Vai ali. à barca. cá vindes vós?!. À barca. muitieramá.. Parece-me isso cortiço. Parece-te a ti assi!. logo é feito! 15 Abaixa aramá esse cu! (5) Faze aquela poja lesta e alija aquela driça. Diabo 5 10 . Porque a vedes lá de fora... que tempo de partir. pera a gente que virá. sus! que fazes tu?! Despeja todo esse leito! Em bonora. Em que esperas ter guarida? Que deixo na outra vida 36 . caça! Oh-oh. que temos gentil maré! . iça.. senhor.. que assi `stá apercebida? Vai para a ilha perdida.Ó poderoso dom Anrique. Iça! 20 Oh. haveis de passar o rio. (8) Mandai meter a cadeira. 1983. barqueiros. 10)Entenda-se: o pai do Fidalgo havia ido para o inferno nas mesmas circunstâncias. Hi!. aqui com o significado de “infeliz”.) Obras-primas do teatro vicentino. (9) que assim passou vosso pai. 45 50 Embarca ! Ou embarcai!. 5)aramá (ou eramá): em má hora. senhor. aviado estou! (14) Quanto a isto é já pior.. Seria o mesmo que a carom. com o valor de em frente? 2)muitierama: em hora muito má. Quem reze sempre por ti?! . Que sinal foi esse tal? Do que vós vos contentastes. 13)Quer dizer: de que vivestes uma vida de prazeres e pecados. pensam que falo como grou. 9) O Fidalgo era seguido por um criado que lhe trazia uma cadeira.. (12) assim cá vos contentai. (10) Quê? Quê? Quê? E assim lhe vai?! (11) Vai ou vem. (*) ______ NOTAS: 1)a caro: expressão enigmática.. São Paulo: Difel. 37 .. 4)asinha: depressa.107-109. Hi!. Não há aqui outro navio? Não. Hi!. cuidando cá guarecer por que rezam lá por ti?!. termo náutico. que haveis de ir à derradeira.. p. Hi!. não me ouvis? Respondei-me! Hou-lá! Hou!. salvanor! (15) Cuidam cá que sou eu grou. 3)Entenda-se estica a corda (para içar a vela). -Por Deus. Hi!. 15)Isto é: estes asnos não me entendem. 11)Isto é: é este o teu desejo? 12)lá: na terra.Hou da barca. 6)poja: corda que serve para virar a vela. . (13) 55 60 65 A estoutra barca me vou. Pois que já a morte passastes.. e primeiro que expirastes me tínheis dado sinal. Hi!. Segismundo (Org.. (*)SPINA. que este fretastes. para onde is? Ah... 7)ilha perdida: inferno 8)à derradeira: afinal. driça: corda para levantar a vela. Segundo lá escolhestes. 14)Como se dissesse: estou mal arranjado. E tu viveste a teu prazer. Oue jericocins. Hi!.Diabo Fidalgo Diabo Fidalgo Diabo Fidalgo Diabo Fidalgo quem reze sempre por mi. embarcai prestes. Chocarreira. parcial. Atrevido. convencido. opressor. Avarento. Crédulo. Vaidoso. ingênuo. Vulgar. Cômico. Dengosa Inculcadeira. Vulgar Ladrão Exuberante Libertino. crítico. Desbragada Sacrílego. desbragada. soberbo. petulante. (vocabulário e latim tabeleónico) Procurador Vulgar. Decididos. simples. mundano (dançarino esgrimista). Enforcado Coloquial. Cavaleiros Peremptória. usurário. 38 . presunçoso. seguros. Corregedor Identificada com a profissão Corrupto. ignorante.Personagens Caracterização Tipos Fidalgo Onzeneiro Parvo Sapateiro Frade Alcoviteira Judeu Linguagem Comportamento Altiva. ............ ... meros apêndices dos poderosos.. .................. isto é.............. A magistratura é representada pelo Corregedor e pelo Procurador... O povo é representado pelo Enforcado.......................... como principal advogado de acusação... Às instantes solicitações do Diabo para que entrem os passageiros na barca do Inferno (por si mesmos condenados) opõe o Anjo a recusa da entrada na barca da Glória.................................. 39 ............................................... venalidade e rapacidade são salientadas e tanto mais graves sendo eles «filhos da ciência». que os vão condenando ou absolvendo.. opõe-se a decisão irrevogável do Anjo....A Sátira Social no Auto da Barca do Inferno O Auto da Barca do Inferno é exemplo acabado da sátira de Gil Vicente aos usos e (maus costumes do seu tempo...... de acordo com o padrão oficial de conduta moral.................... que procura convencer a vontade.... À argumentação do Diabo......... A nobreza é representada pelo Fidalgo (D............ sem voz e sem vontade. Anrique).. criticado pela simonia e dissolução de costumes........... do clero.................................................. ........ que revela a ignorância e a credulidade manejável pelo Judeu (Jema Fará)..... a soberba presunçosa e o desprezo pelos humildes......................................... que a despreza. da magistratura................. Ao Diabo cabe a dissecação das mazelas morais dos réus................... e pela alcoviteira (Brízida Vaz).... A burguesia comercial é representada pelo Onzeneiro. da burguesia e do povo com seus vícios (e virtudes..... arrancados aos necessitados: pelo Sapateiro (João Anão)...... traficante de carne branca e inculcadeira.................... alguns)........... cujas corrupção... mais objectos que pessoas.. O contraste entre a sua intervenção e a do Anjo constitui também uma apreciação crítica profunda............... . que usufrui de largos juros................ O clero é representado pelo Frade (Frei Gabriel)............................................. que ninguém quer.. em quem se satiriza a ostentação de grandeza........... a moça do Frade (Florença e as moças da Alcoviteira..................... que explora os fregueses com o seu comércio.......... Ele faz desfilar os representantes da nobreza... e pelo criado do Fidalgo...................... ....................... ..... perante o juízo do Anjo e do Diabo. em especial ao poder corruptor do dinheiro e ao desregramento sexual.......... homem cultos e responsáveis..... ................. 3.. ávido de lucro......Escreveu o Auto da Alma.. nas pessoas dos seus mais altos dignitários............... na cena final do Auto da Barca do Inferno (Cavaleiros)........... 1987....... 40 .......... Lisboa: Publicações Europa-América........Com a alteração de sentido de muitos versos........... Gil Vivente Auto da Barca do Inferno.. rapace – que rouba..... Maria José e EUSÉBIO........ Venenoso..... instinto ou gosto da rapina........Com a supressão de passagens várias.......... João III....... Repetir com insistência para imprimir (algo) na mente de alguém. Corretor de prostituta.................. rapacidade – qualidade de rapace. fazer intriga.................. de um cristianismo ortodoxo e tradicional..... 3.... venalidade ..... 4......... facécia . ______ NOTAS: presunçoso [ô] .......... mas numa carta a D... mostrando-se assim obediente à crença oficial...... pela censura inquisitorial.. de quem é venal.... ..... alcoviteiro – que alcovita......... inculcadeira .... [fig...... António... ... indicar............ 2............ este era «autor e actor muito hábil em dizer verdades disfarçadas em facécias e em criticar costumes entre leves gracejos»....Portugal] cabido – corporação dos cônegos de uma catedral ou de uma colegiada..... como na Exortação da Guerra e no Auto da Fama......... em todo ou em parte..... mas no Auto da Barca do Inferno criticou o clero menor –frades e cónegos – e no Auto da Barca da Glória a sua crítica atingiu a própria Igreja................mulher que inculca... (*) ....Exaltou a expansão ultramarina prosseguida oficialmente. mas escreveu também o Auto da Índia sobre os efeitos das longas viagens na estabilidade e moralidade da vida familiar...[Cónego ... repisar...... alcovitar – servir de intermediário em relações amorosas. venal – que se pode vender.... foram castigadas: 1-Com a proibição da publicação de mais de uma dezena de autos........ alcoviteira......... sobre os frades de Santarém........... ......qualidade do que se vende...... ...............No entanto.Sem ter conseguido a síntese entre as forças opostas que se defrontavam.... Essas verdades...] avidez....que tem presunção....... (*)GONÇALVES........................dito zombeteiro.. No dizer de André de Resende.... inculcar – dar indicações a respeito de......... 2.. no Auto da Barca do Inferno (e mais abertamente no Auto da Barca da Glória) defendeu que é pelas obras terrestres que cada um se salva ou se condena... cônego – titulo do sacerdote secular que é membro de um cabido....... indulgência ou benefícios eclesiásticos ... simonia – comércio ilícito de objetos sagrados.............. quando os protestantes afirmavam que só a Fé é salvadora. contemporâneo de Gil Vicente. Gil Vicente: 1........... pretensioso...... apreciadas anos depois........ vaidoso.. rapinante.... defendeu os cristãos-novos de sectárias acusações....... recomendar.................. que rapina......Satirizou fortemente o Judeu no Auto da Barca do Inferno (até no símbolo que transportava).. ................... ................. ............. se serve do verso como forma de expressão... porque Gil Vicente (A)critica a Igreja pela venda indiscriminada de indulgências e pela vida desregrada dos padres.......................................... (C) equilibra a concepção cristã da salvação após a morte com a visão crítica do homem e da sociedade do seu tempo...................ESTUDO DO TEXTO «Auto da Barca do Inferno» [Leia o texto na integra] 01)Provão 1998 O Auto da Barca do Inferno pertence ao movimento literário do Humanismo........................... ....... ........... o clero e o povo.............. (B) preocupa-se somente com a salvação do homem após a morte.... ...................................... (E) critica a Igreja......................................................................................................................... em Portugal......... de suas origens ao século XIX.......... sem se voltar para os problemas sociais da época..... Fiel à tradição...................................... 41 ................. representam a nobreza............................................. (D) tem como única preocupação criticar o homem e as mazelas sociais do momento histórico em que está inserido.......................................................................................................................................................................... 04)Indique as personagens que................................................. Gil Vicente critica três classes sociais........................................ .................... Faça a escansão de alguns dos versos e classifique o tipo de verso................................. ... no texto....................................................................................................... .............. .............................................. Quais são essas classes? .................... ............................. Gil Vicente fez uso das métricas mais utilizadas na poesia medieval......................... 03)No Auto da Barca do Inferno................. . ao defender com entusiasmo os princípios reformistas disseminados pela Reforma protestante.................................................................................................. 02)O teatro................................. Judeu. b) O Frade representa o clero decadente e é subjugado por suas fraquezas: mulher e esporte. c)Alcoviteira tem uma linguagem dengosa e melíflua. porém apenas o Onzeneiro e o Parvo portam os instrumentos de sua culpa. indique a alternativa que melhor se adapta à proposta do teatro vicentino. e) A sátira é aqui demolidora e indiscriminada. é agiota e usurário. de Gil Vicente. não estabelecem a divisão maniqueísta do mundo entre o Bem e o Mal. Sapateiro. Onzeneiro. 42 . ou melhor. Gil Vicente tem como objetivo alcançar a consciência do homem. E) Entre as características próprias da dramaturgia de Gil Vicente. C) As personagens comparecem nesta peça de Gil Vicente com o perfil que apresentavam na terra. Alcoviteira. nada leva para a morte. de tudo que juntara. Frade. lembrando-lhe que tem uma alma para salvar. de Gil Vicente: a) É intricada a estruturação de suas cenas. leva a amante e as armas de esgrima. Corregedor. 06)Fidalgo. apesar de alegóricas. c) É complexa a critica aos costumes da época. a Igreja e a Nobreza. A) Preso aos valores cristãos. destaca-se o fato de ele seguir rigorosamente as normas do teatro clássico. a) O Onzeneiro idolatra o dinheiro. leva papéis e processos. já que o autor primeiro a relativizar a distinção entre Bem e o Mal. porém poupa. Procurador. Enforcado e Cavaleiros são personagens do Auto da Barca do Inferno. d) A ênfase desta sátira recai sobre as personagens populares mais ridicularizadas e as mais severamente punidas. não fazendo referência a qualquer exemplo de valor positivo. por questões ideológicas e políticas. b) O moralismo vicentino localiza os vícios. D) Gil Vicente traça um quadro crítico da sociedade portuguesa da época. Analise as informações abaixo e selecione a alternativa incorreta cujas características não descrevam adequadamente a personagem. que surpreendem o público com a inesperado de cada situação. leva a bolsa vazia. Parvo. mas nos indivíduos que as fazem viciosas. B) As figuras do Anjo e do Diabo.05)Indique a afirmação correta sobre o Auto da Barca do Inferno. d) O Corregedor representa a justiça e luta pela aplicação integra e exata das leis. não nas instituições. 07) Considerando a peça Auto da Barca do Inferno como um todo. ............... Eu sou estrela do céu........... muito mais... mais que nunca................ .........Auto da Feira Moralidade composta por Gil Vicente «nas matinas do Natal»... e entendais meus partidos......... in «Dicionário de Literatura Portuguesa»).............................. e todo o al (2) que me a mi aconteceu. cerca de 1527............ as quais oferecem as suas mercadorias a dois compradores que lhes fazem a corte) exprimem igual desprezo pelas virtudes que o Serafim vende.............. campônios e camponesas... representa o mundo sob a forma duma feira em que os principais vendedores são um Serafim e o Diabo............ e depois vos direi qual........ e posto em seu assento...................... O primeiro freguês é nem mais nem menos que Roma...................... O A.................................. (1) todos quantos aqui estais afinai bem os sentidos. tendo em atenção a data aproximada do auto.. O auto acaba com uma cantiga entoada pelas camponesas em louvor da Natividade. 43 ................. (Jacinto do Prado Coelho... e quem me cá descendeu e a que... Entra primeiramente Mercúrio....... ................. diz: MERCÚRIO 5 10 Para que me conheçais....... ........ A violência do ataque vicentino à cúria romana surpreende-nos........ símbolo do Papado........ As outras personagens (maridos e mulheres queixosos dos respectivos cônjuges........ E ao mundo e ao diabo. pois no céu nasci com elas. neste mundo onde morais nenhum homem aleijado. Muitos presumem saber as operações dos céus. eu. 44 . mal sabida e lisonjeira. não lhe sabe tomar conta de um vintém que lhe entregou. e o Sol sobre amarelo. sem mentiras nem cautelas. E porque está governado por seus cursos naturais. Porém. diz verdade. d' azul fora a sua cor. e ao moço que mandou. (5) diz que o céu é redondo. E que o sabem têm por fé. Que. e o que há de acontecer aos anjos e a Deus.15 20 25 30 35 40 45 50 E porque a astronomia anda agora mui maneira. se o céu fora quadrado. não corre por isso mais. quero-vos pregar. vos direi a verdadeira. E cada um sabe o que monta (3) nas estrelas que olhou. e eles todos em cabo terão um cão pelo rabo. e que morte hão de morrer. senhor. se o Sol fora azulado. e não sabem cujo é. E se Francisco de Melo (4) que sabe ciência avondo. o que per curso de estrelas se poderá adivinhar. E. se for manco e corcovado. não fora redondo. à honra deste dia. e não fora assi dourado. não lho escondo. ......... e a terra para a receber? a Lua tem este jeito: vê que clérigos e frades já não têm ao céu respeito................ ______ NOTAS: 1)partidos: expedientes................ E a claridade encendida dos raios piramidais causa sempre nesta vida que quando a vista é perdida............... a morte de cada um é aquela de que se fina.............. (*)SPINA.. Presença da literatura portuguesa era medieval......... E que mais quereis saber desses temporais e disso........................ E que faze [m] os poderes dos sinos resplandecentes? Fazem que todalas gentes ...... ..55 60 65 70 75 80 85 E assi os corpos celestes vos trazem tão compassados.. está o céu para isso. 6)cantá: certamente........ que todos quantos nascestes................170-173.. 2)o al: o mais.. E porque Saturno a nenhum influi vida contina................... Cantá (6) de seu próprio moto........... ................. 4)Francisco de Melo: célebre matemático da época.......................... e cresce-lhes o proveito.......... Segismundo.. se nascestes e crescestes.. se quer chover......................... São Paulo: Difel....... faz fazer ao morto voto de não bulir mais consigo............ e não de outro mal nenhum.... os olhos são por demais........... primeiro fostes gerados.......... mingua-lhes as santidades.............ou são homens ou mulheres.... 3)monta: interessa....... 5)avondo: em abundância.... Outrossim o terremoto...... importa.......... (*) ........... 45 .............. p.............. senão que..... ... 1977..... que às vezes causa perigo. ou crianças inocentes......................... Séria. crítica. judiciosa. moralista. desaticulada. Trocista. elevada angélica. palavroso. explicativa. crítico. Mercúrio Exortativa. receptiva. Tempo Serafim 46 . sincero. exortativa. materialista. confiante. cômico. invocativa.Personagens Tipos Caracterização Linguagem Comportamento Alatinada. teológica. Conselheiro. estimulante. direta. observador. respeitável. popular. Conselheiro. galhofeira. incisiva. preocupado. funcional. trocadilho. conversador. informativa. estimulante. conversador. paradoxal. religioso. solene. sensível. pecador. depreciativa. malífluo. queixoso. Judiciosa. conflituoso. confessional. Desiludido. impertinente. interrogativa. negociante. assisada. apelativa. esperançoso. cínica. reflexiva. Comunicativo. prepotente. manhoso. divertida. desonesto. censurável. inseguro. materialista. entusiástica. conscienciosa. perverso. dialogante. intimativa. arcaica. aliciante. livre. materialista. competitivo. condenável. explicativa. comerciante. enganador. disparatada. Irritante. renitente. persistente. implorativa. crente. angustiado. pessimista. interrogativa. culta. pretensioso. Repetitiva.invocativa. arrogante. decidido.inclemente.Personagens Tipos Diabo Roma Caracterização Linguagem Comportamento Comparativa. 47 . ruim . opinosa. afectada. Ansioso. ambicioso. incrédulo. explicativa. agressivo. arrependido. documental. informativa. fanfarrão. declarativa. irresponsável. aliciante. desolado. maldoso. ofensiva. irônico. tentador. Consternado. observador. céptica. irascível. desiludido. explicativa. referencial. Resmungão. exagerada. Recriminatória. queixoso. referencial. caturra. Déspota. depreciativa. depreciativa. objectiva. atacante. atacante. galhoteiro. duro. autoritária. esperto. activa. invejoso. irónico Popular. reprovativa. Amâncio Vaz Dinis Lourenço Branca Annes 48 . irónico. crítica. esperto. recriminativa. inclemente. agressiva. revoltada. injuriosa. infeliz. alegre. observador. impetuosa. enérgica. exagerado. insatisfeito. incisiva. Desiludido. insatisfeita. materialista. Inclemente. Combativa. alegre. decidida. Depreciativa. cruel. insatisfeito. disparatada.incisiva. refilona. queixoso. observador. explicativa. Insofrida. atacante. explicativa. insidiosa. irrelevante.. recriminativa.Popular. impiedosa. censurável. gafolheiro. Popular. Galhofeiros. adulador. resignada. ingênuos. piedosa. observador. mansa. saudáveis. provérbios. epítetos. galanteador. festivas. conformista. calma.Popular. Cortejador. namorador. sutil. rural. materialista. Três moços Vicente Materialista. Mateus Jovial. conformada. respeitadores. adulador. simples. travessas. interrogativa. rural. atrevido. exagerada. descontraído. epítetos. incisiva. feliz. interrogativa. intencional. galhofeira. Conversadores. coloquial. gentis. agressiva. 49 . simples. intencional. ajuizada. atrevido. joviais. jovem. Marta Dias Nove moças dos montes Popular. exclamativa. alegres. observador.alegre. honesta. objectiva. alegre. . Namorador. Popular. galhofeiro. crente. coloquial. malicioso. galanteador. graciosa. desconcertante. arrojado. despretensiosa. realista. objectiva. directa. Alegre. Popular. Coisas boas não interessam «porque não trazem proveito». chama-lhe «ladrão». as virtudes foram-se dissipando «de dias em dias». E surge-nos. bem pretende vender a sua mercadoria. paz e o temor de Deus. o Auto da Feira é uma «moralidade» em toda sua extensão. As pessoas procuram-no e ele a todos satisfaz. /Senhora do mundo/exemplo de paz. Afinal. há que voltar a nelas acreditar e fugir às tentações demoníacas que arrastam o homem para o pecado. na introdução feita por Mercúrio. nas pessoas que tudo julgam saber sobre todas as matérias. mais isso não importa. que ilude os feirantes «ser ruim é o que importa». Ele «vende muito perigo». Mera vaidade! O homem supõe possuir «todo o saber». O Serafim chama todos à «feira da Virgem. «artes de enganar». no fundo. Nunca ninguém «lhe tolhe que não ganhe sua vida!» Que vende ele? Mentiras. Ainda desta vez. por exemplo. Faz alarde dos seus conhecimentos. veremos que este. porque se consome em contendas doutrinárias. com especial destaque. a figura do Serafim. não é ele o senhor absoluto nessa «feira das virtudes?». pois o Demo consegue vender tudo quanto lhe apetece. conselhos «maduros». a meditar. As boas pessoas nunca encontram a felicidade. eleva-o. igualmente. além de criticar e ridicularizar a astronomia. que o deve conduzir na «estrada da vida». pastora dos anjos/luz das estrelas!»/Será o Serafim quem se manterá em cena ao longo de todo o Auto. verbera os Papas por causa da venda das indulgências e aponta-lhes a vida modelar dos primeiros pontífices. É ele o que rege o Bem e dá ao ser humano a sabedoria divina. Segundo ele. manhas. Mercúrio tem razão. Ele se esforça. 50 . brinca com o espectador. pecados. O Diabo interpõe-se. Se bem repararmos. É um defeito que abarca toda a humanidade. refere-se à Cristandade «que he toda gastada / só em serviço da opinião». justiça. se detém. Gil Vicente condena a corrupção da Igreja. Os dois não se entendem. Que o homem se reduz à sua ignorância e não ambicione discutir assuntos que não entende. por vezes errados. A personagem Tempo. Há que renová-las. como é de sua missão. «que he já perdido em todos Estados». Há que criticar e condenar semelhante atitude. mas a verdade é que todo o mundo se perde em vãos desejos materiais. Para ele. É ele o grande construtor da Verdade.Posted by Dantas A Moralidade no «Auto da Feira» Bem analisado. mas é esse mesmo perigo que atrai o ser humano! O Serafim condena-o. e com toda a sua sagacidade irónica e crítica. verdade. Falam uma linguagem antitética. que é alegórica. Ele – o Tempo – só tem para trocar preceitos morais: virtudes. . É ele quem pretende «vender consciência»... derrotar.............. Até as moças do monte não lhes interessa «a virtude»............. mas a verdade é que a própria Branca Annes e a Marta Dias declaram não saberem........... (Maria Amélia Ortiz da Fonseca......... onde estará então o seu socorro? A parte profana do Auto não deixa de ser uma «moralidade».... Segundo elas....se queixam das mulheres............ ......... cujas mercadorias são Justiça. agradar.: púcara........ temor de Deus........... Verdade..... antinomia .........] irremediável – que não se pode remediar. dos sombreiros.... buliçoso... interessar... do pão .. Só incompreensão e desamor! Só a ausência do «temor a Deus» e a inconsciência dos seus próprios defeitos! O próprio Serafim nada consegue delas.... isso só revela a sua pouca paciência e humanidade. púcaro – pequeno vaso com asa......... A Roma pretende o Serafim vender «paz..... É curioso o que sobre o Auto da Feira escreve António José Saraiva na sua obra Gil Vicente e o Fim do Teatro Medieval: O mundo contingente..... As duas mulheres – Branca e Marta – sofrem do mesmo mal.. o conflito entre o mundo espiritual e o material...........contradição entre duas leis ou princípios. São desumanas e não perdoam «as faltas» dos maridos.............. Nunca ninguém está contente com o que tem e inveja-se a sorte do vizinho........ «uma pucarinha para mel» e um tecido grosseiro e rústico............. in «Gil Vicente Auto da Feira»)....... Uma vez mais... vender por preço baixo..... irreparável.......... o «que isso é»...... revela-se em irremediável antimonia com o tranquilo e infinito mundo da pastora dos anjos........ verdade e fé».... o mundo que é observável e descritível....... mas para ela isso é impossível. .... acidental... ........... limitado............. que é o que elas desejam.. ............. Só erros e pecados! Quanto daria o pobre Serafim para pôr termo à maldade que é a perdição do mundo........ Ele propõe-lhe dar paz «em troco de santa vida»................... É a rebelião entre o Bem e o Mal............. não dá pão nem maridos. Querem «um sombreiro»......... [Do gr... desordenar-se.. dos anéis............ .................... 51 ...... Oposição recíproca de duas coisas ou pessoas...... de que é mensageira a luz das estrelas...... dos «púcaros de mel»........... _____ NOTAS: apetecer – causar apetite. É a luta dos dois mundos............... «contradição nas leis».............. Como se sentiria ele feliz se alcançasse dos homens a bondade e o bom senso Nem Roma consegue entendê-lo.. das ladeiras da serra......... Como poderá ela fugir às guerras? Se os próprios cristãos a desbaratam... A luxúria e a prepotência assolam a classe eclesiástica...] desbaratar – dissipar................... dos jubileus e das mentiras.. antinomía............ Paz....... sequer....... pois se os dois compadres – Amâncio Vaz e Dinis Lourenço......... que não tem conserto ou solução. mas como conseguir? Ela anda perdida em guerras sucessivas........ pôr obstáculos. o mundo dos casamentos. das estações e dos perdões papais.......... de agir.............. [Var.A acção do Serafim manter-se-á até o final.. tolher – impedir de mover-se. ................................................................................................... 03)Analisar a atitude das mulheres de ambos......................... ................................................................................................................................................................................................................. .................................................................................................................................................................................................................... ...................................................................................................................ESTUDO DO TEXTO «Auto da Feira» [Leia o texto na integra] 01)Estabelecer a dicotomia entre o Serafim e o Diabo...... .................................................................................................................................................................................... .................................................................................................................. .......................................................................................................................................................... .. ........................................................................................................................................................................................................... ................. ...... .................................................................. .... ............. ................................................... Quais são essas partes? .................................................................................................................. .. ........................................................................................................................................... ................................................................................................................................................................................................ ............................................................................... .... 04)Para maior facilidade de estudo podemos considerar o Auto da Feira constituído por três partes............................................................................ ................. ............................... 02)Comente acerca do ponto crucial do auto............................... ............................................... 52 ................................................................... .................... ........................................................................ ........................................ se apaixona subitamente por uma jovem compradora........ .... o Velho Farsa do Velho da Horta (1512) “Gil Vicente....... zombando mesmo das suas tontarias.................................................................. Após a cena que vamos transcrever..... nesta farsa...... (S........................ mas que..... Insensível às solicitações do Velho................ e mais não lhe fica............. ......................................................... relata as peripécias decorrentes de um frustrado amor senil............. ................................................. Intervém finalmente a Justiça. seguemse as astucias profissionais de uma alcoviteira que promete ao Velho a posse do objeto amado................. como a sua fortuna.................................................................. ...... 53 ............................................ poético pelo lirismo romântico do Velho apaixonado..................................... não só a doce miragem do pobre enamorado.........Lucas Cranach (1472-1553)............................................ que acaba por prender a alcoviteira....................................... cujo protagonista................... .... um velho sessentão e proprietário de uma horta.... . mediante promessas lisonjeiras e de próximo êxito....... Spina.................................. como remate doloroso.......................................................... in «Presença da Literatura Portuguesa – Era Medieval») .............................................................................................. acaba por extorquir toda a riqueza do Velho.. dissipando-se assim................... ........................ ...... senão ouvir de uma nova freguesa a noticia de casamento daquela que lhe reacendera por alguns instantes o ardor da juventude............ e altamente cômico pela ironia empolgante com que a Moça responde ao pretendente........................................ .......................... o diálogo entre os dois sobe para o primeiro plano................................................................................. Ó meus olhinhos garridos! Minha rosa! meu arminho! Onde é o vosso ratinho? (2) Não tem os cheiros colhidos? Tão depressa vinde vós. e como as lisonjas são de barato. Que buscais vós cá. 54 . Onde se criou tal flor? Eu diria que nos céus. donzela. meu coração? Vinha ao vosso hortelão. benza-vos Deus. Pois damas se acharão que não são vosso sapato (1) Ai! como isso é tão vão. por cheiros para a panela.Entra a Moça na horta e diz o Velho: Velho Moça Velho Moça Velho Moça Velho Moça Velho Moça Velho: Moça: Velho: Moça: Velho Moça: Velho: Senhora. que se moço fosse com a metade. Grã fogo d’ amor me atiça. Deus vos mantenha. E a isso vinde vós. meu coração! Jesu! Jesu! que coisa é essa? E que prática tão avessa da razão! Falai. Senhor. minha condessa. minha senhora. senhora. meu paraíso. e não a al? Vistes vós! Segundo isso. meu amor. nenhum Velho não tem siso natural. ó minha alma verdadeira! E essa tosse? Amores de sobre-posse (3) serão os da vossa idade: o tempo vos tirou a posse. (4) Mais amo. falai doutra maneira: mandai-me dar a hortaliça. Mas no chão. dá-lhe lá favores! Velhice. como te enganas! (10) Essas palavras ufanas acendem mais os amores. Não vos vedes como estais? Vós me cegais com tristuras. Vossa alma não é lembrada que vos despede esta vida? Vós sois minha despedida. mas vejo as desaventuras que me dais. vive qualquer amador.Moça: Velho: Moça: Velho: Moça: Velho: Moça: Velho: E qual será a desastrada. E pois (8) penado. minha morte antecipada. que morrer é acabar. é amar. e amor não tem saída. que fará o desamado. ainda que amado. Bom homem! Estais às escuras. mas cativo. Que galante! Que rosa! Que diamante! Que preciosa perla fina! Ó fortuna triunfante! Quem meteu um velho amante com menina! O maior risco da vida. 55 . ou que sois para viver! (7) Vivo não no quero ser. que atende (5) vosso amor? Ó minh’ alma e minha dor. e mais perigoso. quem vos tivesse furtada! (6) Que prazer! Quem vos isso ouvir dizer cuidará que estais vós vivo. e sendo desesperado de favor? (9) Moça: Velho: Moça: Velho: Ora. (13) de menina namorado. (12) Mas um velho. Porque a minha hora dagora val vinte anos dos passados. nem contrato. quanto mais na velhice. e está tão fora de si que em partindo vós daqui.. que. é a vida que leixais? Tanto sois mais homicida. Já perto sois de morrer: donde nasce esta sandice. cegou minha alma. porque é mais namorado. em idade de conselho. (14) 56 . que amor não quer razão. é partida. ma tirais. amais os velhos viver? E mais querida. que (11) os moços namorados a mocidade os escora. Ó minha alma e meu espelho! Ó miolo de coelho mal assado! Quanto for mais avisado quem d’ amor vive penando. quem vos trouxe a este meu horto? Ai de mim! Porque. quando estais mais de partida. mas penas de coração sem querela. nem cautela. nem preito. que. e andais contra a natura? Ó flor da mor fermosura.Moça: Velho: Moça: Velho: Moça: Velho: Não vedes que sois já morto. assi como vos vi. Em conclusão. terá menos siso amando. quando amo mais a vida. e a vida.. nem condição. (23) 57 . sem partido senhora. porque não posso esperar. que me sentiste. Não quero tanta franqueza. Mana minha. (18) isso si. achastes vós a daninha. meio cego? Mas de todo. por mui namorado modo me tendes minha senhora já cego de todo em todo. (21) Não por me serdes piedosa (22) porque. que estou de pressa. remelado. Toda minha horta é vossa. O vosso hortelão não vem? Quero-me ir. somente por ir asinha (24) e não tardar. Ó meu rosto d’alfeni! Que em forte ponto vos vi (19) neste pomar! Que velho tão sem sossego! Que garridice (20) me viste? Mas dizei. Quanto mais estais avessa. se namora. Ó formosa. Bem está quando tal lodo. Colherei alguma couisinha. quanto mais graciosa. Senhora. Cortai tudo. eis-me eu aqui. pois seu dono é destruído. sois crueza. que não sei senão amar.Moça: Velho: Moça: Velho: Moça: Velho: Moça: Velho: Moça: Velho: Moça: Velho: Moça: Hulos (15) esses namorados? Desinçada (16) é a terra deles: olho mau (17) se meteu neles: namorados de cruzados. mais certo vos quero bem. se sois servida. seja a horta destruída. ........ 19)em forte ponto: em má hora... minhas flores.... artificiais. vitalidade........... rosa........ 12)escora: ampara.... 5)atende: dê atenção................ vereis minha sepultura ser chegada.... 11)que: porque..... 18)de cruzados: de dinheiro.....Velho: Moça: Velho: Colhei...... Ditoso é o jardim que está em vosso poder: podeis....... 4)posse: energia.... clandestinamente.................. Quisera que esses amores foram pérlas preciosas e de rubis o caminho por onde is. 22)Entenda-se: não sou liberal com o fim de que tenhais piedade de mim..... e a horta de ouro tal.. 9)desesperado de favor: desesperançado de correspondência...... 6)Entenda-se: olá pudesse casar-me convosco a furto.. 2)ratinho: designação biroa do hortelão......................... 16)desinçada: livre. com lavores mui sutis....... 20)garridice: elegância.............. Atenção! Leia o texto integral.... ............ 24)asinha: depressa...... senhora... 21)franqueza: liberalidade....... 10)ufanas: presunçosas.... ______ NOTAS: 1)Entenda-se: que se igualam a vós... 15)Hulos: onde.......................... Que folgura! Que pomar e que verdura! Que fonte tão esmerada! N’água olhai vossa figura:... 23)sem partido: à vontade.................. colhei flores.. fazer dele o que fazeis de mim......... 3)sobre-posse: forçados......... de dotes... [Versos 30-208. 17)olho mau: mau-olhado... ....... 14)avisado: ajuizado. pois Deus fazer-vos quis angelical.........] ......... 58 ... 7)Entenda-as: ou que tendes longa vida 8)pois: visto que............. 13)conselho: reflexão..... dessas rosas....... ........... 05)Trace a característica da Alcoviteira..................................................................................................................................................................... ................. .................... ............................. 02)Comente acerca da temática do texto ................................................................................. ........................... .....................ESTUDO DO TEXTO 01)Faça um levantamento quanto ao aspecto formal........................................................................................... .......................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... ..................................................................................................... .............................................................................................................. ............................................... 04)Trace a característica da «Moça» ................................................................................................................................................................................ ................................................................... ......................................................................................................................................................................................................... 59 .................... ........ ............................................... 03)Estabeleça a dicotomia entre a linguagem do Velho e da Moça......................................... ....... ........................................................................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................ .... .......................................... ............... .......................................................................... ......... ............................................... ...... desencadeia tal ciúme em Lisbea...................... (*) .................. um homem............... após acender paixão no Sol.. cujo “capelães”. dele teve uma filha. Lusitânia.. gira em torno da origem de mitológica de Portugal: a ninfa Lisibea.... vestido como pobre...Auto da Lusitânia Representada ao Rei D..... 60 ......” O diálogo em que ambos se desincumbem de sua missão constitui a cena que a seguir se transcreve... Entra Todo o Mundo.. ainda...... ao qual também concorrem Mercúrio e algumas deusas. apaixonado perdidamente por ela... rico mercador....... Gil Vicente extrai o episódio do encontro entre Lusitânia e Portugal............ e logo após. Este se chama Ninguém e diz: Ninguém: Que andas tu aí buscando? Todo o Mundo: Mil cousas ando a buscar: delas não posso achar..... Notase... Da lenda... esta peça... que a primeira parte da peça contém a descrição duma família judaica ao tempo de Gil Vicente............ cuja formosura chegara aos ouvidos de Portugal...... . se dispõem a relatar a Lúcifer “tudo quanto aqui se monta..... cavaleiro? Todo o Mundo: Eu hei nome Todo o Mundo e meu tempo todo inteiro sempre é buscar dinheiro e sempre nisto me fundo.. de magnificente beleza. Enterrada na montanha Feliz Deserta. e faz que anda buscando alguma cousa que perdeu..... sobre ela se edificou uma cidade que.. como o próprio autor declara a certa altura.............. Ninguém: Como hás nome......... João III em 1532.... que vem a falecer...... Dinato e Berzebeu...... Este..... porém ando porfiando por quão bom é porfiar..... veio a denominar-se Lisboa....... por causa do nome da ninfa...... e Todo o Mundo dinheiro. escreve isto bem. e busco a consciência. Ninguém: E eu virtude. Dinato: Que escreverei. a fundo. (Berzebeu para Dinato) Belzebu: Esta é boa experiência! Dinato.Ninguém: Eu hei nome Ninguém. Ninguém: E eu quem me repreendesse em cada cousa que errasse. Dinato: Que tens sabido? Belzebu: Que quer em extremo grado Todo o Mundo ser louvado. Belzebu: Ninguém: (Berzebeu para Dinato) Outra adição nos acude: escreve aí. a morte conheço eu. Ninguém: Todo o Mundo: Ninguém: (Ninguém para Todo o Mundo) Buscas mais. A vida não sei que é. e Ninguém ser repreendido. que busca honra Todo o Mundo e Ninguém busca virtude. amigo meu? Busco a vida a quem ma dê. que Deus mande que tope com ela já. (Ninguém para Todo o Mundo) Buscas outro mor bem qu'esse? Todo o Mundo: Busco mais quem me louvasse tudo quanto eu fizesse. Ninguém: (Ninguém para Todo Mundo) E agora que buscas lá? Todo o Mundo: Busco honra muito grande. 61 . companheiro? Belzebu: Que Ninguém busca consciência. Belzebu: (Berzebeu para Dinato) Escreve mais. Todo o Mundo: Ninguém: (Todo Mundo para Ninguém) E mais queria o paraíso. Eu sempre verdade digo. Todo o Mundo: Ninguém: (Todo Mundo para Ninguém) Folgo muito d'enganar. E eu ponho-me a pagar quanto devo para isso. não sejas tu preguiçoso! Dinato: Quê? Belzebu: Que Todo o Mundo é mentiroso. Dinato: Que sorte? Belzebu: Muito garrida: Todo o Mundo busca a vida e Ninguém conhece a morte. sem mo ninguém estorvar. sem nunca me desviar. E Ninguém diz a verdade. Ninguém: Eu sou todo desengano. ande lá mano! Dinato: Que me mandas assentar? 62 . Ninguém: (Ninguém pra Todo Mundo) Que mais buscas? Todo o Mundo: Lisonjear. Dinato: Que escreverei? Belzebu: Escreve que Todo o Mundo quer paraíso e Ninguém paga o que deve. Belzebu: (Berzebeu para Dinato) Ora escreve lá. Belzebu: (Berzebeu para Dinato) Escreve com muito aviso. compadre.Belzebu: (Berzebeu para Dinato) Escreve lá outra sorte. e mentir nasceu comigo. Belzebu: (Berzebeu para Dinato) Escreve. ......................... honra ........................ ..... bonita................................. atrapalhar...procurar obter.............................. nisto me fundamento.......... ............... Obviamente. não te fique no tinteiro: Todo o Mundo é lisonjeiro......... e Ninguém desenganado................................... folgo ............. ..................tenho prazer............................. açude – ocorre....... Contração dos pronomes pessoais oblíquos................ ................. Entenda-se no texto: sem ninguém estorvar isto a mim..................... ..........encontre.................................................. ........................... 63 ............................................. estorvar .......... .......................... lisonjear ................ mor bem qu’esse – bem maior que esse...................incomodar..... ande la mano! – mãos à obra! nisto me fundo – nisto me sustento.................................me+o..........................me+a.... ........................................................ ....................................................... é pura ironia de Berzebeu................................ isto é acrescentar uma declaração........ ______ NOTAS: perfiando = porfiando – insistindo........ato de aditar.................................... perfiar = porfiar ................................... outra coisa de valor......... Contração do pronome objeto indireto me com o pronome demonstrativo objeto direto o... teimando............elogiar...................... ....... grado – vontade................ tope .....................Belzebu: Põe aí mui declarado.......... acrescentamento............. ma ....... gosto.......... garrida – elegante...... mo ...................... objeto indireto e direto............................................................. ............... .................................................................... adição ...respeito social.......................................................... respectivamente................... .......................................................... e outros... c)todo o mundo diz a verdade 05) No fragmento do«Auto da Lusitânia»................... p................................ 04) O texto afirma que: a)todo o mundo é mentiroso. 02)Comente as figuras de «Todo o Mundo» e «Ninguém».................................................... "louvado/repreendido"............................................................... .......................... e)Todo o Mundo é mentiroso.................................................... ............................. ............. ................................... b)Ninguém é mentiroso..................................................................................................................................... ............................................................................. ............................................. ..........70-73....................... 64 .............................................................................................................................................................................ESTUDO DO TEXTO 01)Comente acerca dos aspectos formais.......... ......................................... o autor utiliza um recurso estilístico que consiste no emprego de vocábulos antônimos... .......................................................................... ............................................................. Massaud....... estabelecendo contrastes.................................. ....................................................................................................................................................................... ........................................................................ 2003........................... d)ninguém diz a verdade......... 03)Explique a ironia presente na escolha dos nomes das personagens Todo o Mundo e Ninguém........................... caracterizando-as............ ......... ........... ............................................................ Esse recurso é conhecido como: [ ] eufemismo [ ] apóstrofe [ ] sinestesia [ ] antítese (*) MOISÉS....... como "vida/morte"............. A literatura portuguesa através dos textos.................. .................................. São Paulo: Cultrix........ tendo em vista o conteúdo de suas falas........... É precedido dum prólogo estranho. que passará de um milhão e meio. mas idealizas um futuro com a venda de um pote de azeite.. mas o auto. As donzelas que acompanham a virgem leem textos que profetizam o aparecimento duma mulher eleita. José Paio Vaz Pessival Mofina Mendes Braz Carrasco Barba Triste Tibaldino Anjo [. e farei dinheiro grosso. No entanto. João III.. estes ovos chocarão.Auto de Mofina Mendes O Auto de Mofina Mendes tem originariamente o nome de Auto dos Mistérios da Virgem. esta cantiga cantando.. que me estará namorando: virei de dentro bailando assim dest'arte bailado. que é a coisa mais barata que eu de lá posso trazer.] Mofina: Vou-me à feira de Trancoso logo. da qual nascerá o redentor do género humano. para recrear o público durante o tempo que ocorre da Anunciação ao Nascimento. cujo conteúdo discorda da matéria do auto. Foi representado em Êvora a 24 de Dezembro de 1534. Do que este azeite render comprarei ovos de pata. Os pastores apascentam os seus rebanhos. cada ovo dará um pato. O anjo Gabriel vem anunciar-lhe essa mensagem de Deus. a vender barato.. (1) Figuras: A Virgem Prudência Pobreza Humildade Fé O Anjo Gabriel S. a segunda desenvolve o episódio profana de Mofina Mendes e a terceira com carácter religioso. perante o rei D. É constituído por três partes: a primeira é respeitante à Anunciação. e o dia que for casada sairei ataviada com um brial de escarlata. refere-se ao Nascimento de Jesus. e cada pato um tostão. nome de Jesu. Casarei rica e honrada por estes ovos de pata. [. e diante o desposado.] 65 . é despedida. dá especial relevo a um episódio pastoril: o de Mofina Mendes. que perde os seus gados. no mundo a vida segue o seu curso. Quais são os desejos revelados através desse devaneio? ............................................................ 66 .......... ..................................... p........... 04)Qual o verso que indica que o texto foi escrito para ser representado e cantado? .................................................................................................enfeitada (1)RAMOS............................................................................................................................................................. 03)Como você entendeu a referência a Jesus relacionada com dinheiro grosso? ............................................................................................................................................................... .......................... .................................................. ................................................................................................................................................................................................................................ “Gil Vicente e o teatro do renascimento”............................... ................. Braga: Livraria Cruz........ Atenção! Leia a peça na integra: «Auto de Mofina Mendes» ______ NOTAS: brial – vestido de carmesin de precioso tecido.................. Feliciano................................................................................... .......................................................................................................... atavida ......................................................................................... 1967. ............................TUDO DO TEXTO 01)Quem narra aparentemente o texto? .................................................... ........... .................................................................................................................................... ......................................................... 232..... 02)O texto apresenta uma espécie de devaneio da personagem principal............................................................................................................................ ..................................................... 05)A personagem principal valoriza os ideais religiosos da Idade Média ou valores materiais? ............................... In: História da literatura Portuguesa.................... .................... .............. ........ ............................................................................................. ................................................................................................... ............................................................................................................. ................................................................... ................................................................o próprio gosto petrarquista de exprimir os ardores passionais por meio de antíteses.................................................... ....... frades que fingem piedade para conseguir um bispado.. ........................ Por bem ....................................................................era medieval.....................................Romagem de Agravados (1523) Como no teatro de revistas de hoje.......................................... nesta peça Gil Vicente faz desfilar um variadíssimo elenco de descontentes: duas religiosas que protestam contra as regras da vida conventual.... .......................................................... Segismundo....... . .............. ..................................................... ..................... São Paulo: Difel........ 67 ...................................................................................... .................... ............................................................................ (*) .......................................................................................................................................... é satirizado por Gil Vicente: Colopêndio é um exemplo desse tipo passional que vive estados sentimentais contraditórios gerados pelo amor................................ (*)SPINA......... tipos que aspiram a títulos nobiliárquicos............................................................................ .................................................... meninas pretendentes a damas do Paço....................................................................................................................................................................................................................................................................................................... s/d............................. .......................................................... e para isso tomam lições de civilidade e etiqueta etc........ ........................................................................... Presença da literatura portuguesa ..................... ...................................................................................................................................................... imitado pelos poetas quinhentistas........................... .................................... ............................................................................................................................................. ......... . ........................................................................................................................................................................ ..................................................................como já dissemos ....... quando chamo. Não sei se sei o que digo. sabendo certo que passo perigo marinho. quando estou.Vêm Colopêndio e Bereniso. quando me mostro. (2) Prometem-me uns vãos cuidados mil mundos favorecidos. Bernaert van Orley (1491-1542) Quando falo. entonces ando. e ando fora de mi. cada vez estou mais perto de ter mor guerra comigo. nem posso estar sem cuidado. quando cuido que acerto. quando choro. e diz: Colopêndio Pois Amor o quis assi. Parece-me quanto vejo Tudo triste com razão: cousas que não vem nem vão essas são as que desejo. hei frio. se fujo de meu perigo. onde estou não posso estar sem estar desesperado. e sem ti vou tão deserto que. então respondo. estou quedado. entonces rio. vou mais fora de caminho. que (1) cousa certa não acerto. Porque tais carreiras sigo. e todas pena me dão. quando ando. estou calado. e eu acho-os todos mudados em outros mundos perdidos. e com tal dita nasci nesta vida. estou sonhando. que meu mal tanto me dura. quando durmo. e sem ti não tenho cura. em que não vivo. quando acordo. estou acordado. quando espero. não tardes triste ventura. 68 (3) . que eu cuido que estou comigo. Foges-me. que a dor não se doi de mi. com que serão descansados. mato-me por me matar. me escondo. desconfio. Já não ouso de cuidar. quando me queimo. ......................... Porque é tal meu padecer sem ninguém de mi ter dó......................... senhor meu.. .......... Quem sofrimentos vendesse quanto ouro ganharia que eu por um só lhe daria a vida se a tivesse como quando Deus queria...................................... meu bem pesa-lhe comigo.......................... porque de mi lhe vem mal............................. Tu....................... mo dirás........................ 69 ............................. que as pragas de Faraó não se houveram de escrever nem os agravos de Jó.................................................................. São Paulo: Difel....Beroniso Colopêndio Bereniso Colopêndio Eu remédio não espero porque aquela em que me fundo para mi que tanto a quero tem o coração de Nero (5) para me tirar do mundo................................ e meu espírito carvão...................... ...... Minha alma com tal perigo deseja ser de animal.... ............. onde te vás? Juro às dores que sustenho que não sei se vou se venho.......... Ó irmão.. ______ NOTAS: (*)SPINA....................................................................... s/d.. e eu quero-lhe mal mortal............................................... Presença da literatura portuguesa ................................................................................................. Segismundo................... ..................... ............. Que eu de mi novas não tenho. ..................................... ......era medieval................. Ai de mi que estou em tal risco de penosa confusão que tenho já o coração feito pedra de corisco.......... ........................................... ...................... .. ........ Ferreiro......... (*) ............................ foi chamado à corte e mandaram-lhe que fizesse uma audiência diante de el-rei........................................... ....... na era do Senhor de 1525................... se foram morar onde ele tinha sua fazenda.......................... Ana Dias...................... Sapateiro.................. 15 5 70 .................. Pêro Marques sou da Beira e juiz mexericado......................................... Escudeiro........... que era lá na Beira............................................... Amador............................................... Entra Pêro Marques dizendo: Olhai vós bem qu’este sou eu homem de boa ventura........................................ Vasco Afonso.. ........................................................................................................................ ............................................................... ........................................................................ Preguiçoso... ...... ..... deram-me lá um julgado por cajo de Inês Pereira com que embora sou casado.......... Porteiro. como foi casado com Inês Pereira......................................... Foi representada ao mui nobre e cristianíssimo rei D... Esta farsa que se adiante segue é o seu argumento desta maneira: diz o autor que este Pêro Marques.. empacho nunca me atura................................ Brioso..................... E porque dava algumas sentenças disformes por ser homem simples.. onde o fizeram juiz.......... Moço do Escudeiro......................................................... 10 Passou-se cá um mandado nega por me dar canseira que logo em toda maneira viesse e vim emprazado bofá com fraca esmoleira.........O Juiz da Beira Figuras: Pêro Marques....... ...... em Almeirim.......... João......................................................................................................................................... .. o terceiro em Portugal deste nome........................ e he-de dizer o meu coma qualquer criatura............. Bailador. ...................................................................................................................... ................................................................. ............................................... Oh que matos para pão! que vales para açafrão e canas açucaradas. Do que pertence ao juiz. 14 – vim emprazado = vim com prazo fixado. São terras novas guardadas que nunca foram lavradas. 7 – Juiz contra o qual foi movida sindicância ou processo. soma avonda que assi lê-me ela o caderno ali onde sê a Ordenação de cabo a rabo em par de mi. por não ser paceiro vim cá para me amostrar que sou eu homem inteiro. 4 – Hei-de dizer a minha opinião. 71 . 12 – nega por = apenas para. e em terra de Viseu ninguém não me contradiz. 9 – por cajo = por causa. Que ele é muito de apertar Com juízes de siqueiro Ora eu. 10 – embora = em boa hora. e assi como ela diz assi xe-mo faço eu.! 45 [.. felizmente.E porque me tem tenção Diogo Lopes de Carvalho por me meter em trabalho diz que não cumpro a Ordenação e que para juiz não valho. 20 25 30 35 40 Vem um porteiro apregoando: Quem quiser vir arrendar as charnecas de Coruche antes que o lanço mais puxe que se querem arrematar. Ora assi que de maneira minha hóspeda Inês Pereira Deus a benza sabe ler e quanto me faz mister para eu ir pela carreira De que eu contente sam..] ______ NOTAS: 3 – Não tem papas na língua. ......................... ... 41 – Todo o pregão do porteiro é humorístico e visa denunciar a corrupção da justiça na corte........ Que nunca foram lavradas: o cultivo dos campos de Coruche é antiquíssimo......................... Gil Vicente sátiras sociais.................................................. 33 – 34 – Lê a parte do caderno onde se encontra a lei referente ao caso a julgar........................... (*)SARAIVA...................... Lisboa: Publicação Europa-América. inundadas pelas cheias do Sorraia.. ............................. Conversa de sequeiro: conversa ociosa......... a provocar o riso......... .......................... 32 – Soma e avonda tem o mesmo sentido: em suma................... 27 – minha hóspeda = minha esposa (forma arcaica já no século XVI)....... 19 – A Ordenação era a compilação da legislação em vigor............................................................... enfim............................................................. 16 – Porque me tem má vontade............................ 47-49 – As terras............................................................. 45-46 – terras guardadas: terras vedadas....... ................................... Ambas as afirmações se destinavam........).................... .................................. 72 ...................... Com fraca esmoleira = com fracas ajudas de custo........................................ Talvez juiz de sequeiro signifique juiz sem estudos. ............................................................................................ cortesão.. não se prestam para pão................ Que ou aquele que frequenta o paço real. que carrega o che................. No teatro de Chiado e de Prestes encontra-se madrugo de sequeiro........ no sentido de vadio........................ ...... . 17 – Desembargador do Paço com funções de inspetor judicial............... Maria de Lourdes (Org.................... 29-30 – Sabe tudo quanto é preciso para eu seguir carreira............... 43 – antes que o lance mais puxe = antes de subir o lance...................................... ..................... mas prometia não o fazer a quem se entendesse com ele na «alfândega da cortiçada».......................................... isto é: sinceramente....................... portanto............. O pregoeiro tinha o dever de levar a almoeda ao lanço mais alto.................................15 – bofá = pronúncia rústica de abofé = com boa-fé............................................................. ... juiz rural................................ palaciano..... 22 – siqueiro = soalheiro..................... O açafrão e a cana-deaçúcar eram importados e não se cultivavam em nosso território.................. 1988........................................... 37 – xe-me faço: arremedo da pronúncia beiro..................... ... ..... ................................ 23 – paceiro = homem da corte.................... . aos quais põem pelas ruas da amarguras.... talvez............ apenas se ouve o que o escudeiro lhe diz...... começa a increpá-la pelo seu leviano procedimento....... morder os beicinhos.... dá-lhe atenção. corrido............ Lisboa: Seara Nova........ «pelas palavras que ele responde..... ........... justificando exuberantemente as informações do moço: as trovas que faz à sua dama e as cantigas que lhe endereça.............. Quem tem Farelos? por Gil Vicente.... respondendo-lhe esta malcriadamente e sustentando que a última ocupação que lhe agrada e é a própria é alindar-se ao espelho..... moça leviana e presumida.... tecer e até amassar......... amo de Apariço... então. covardes e pelintras que aparentam de ricaços e de fidalgos e imaginam bem trovar e tanger... cantando uma cantiga de despedida.......... ocupações estas que ela repete.................... bem como as palavras que com ela troca................ Passam depois a falar dos amos....... moços de esporas de dois escudeiros..... perguntam em voz alta: Quem Tem Farelos?.................. E assim termina a farsa......... mas. na verdade..... como já vai amanhecendo..... não são........... Aires Rosado............ pintar-se.... vai tratar. Encontram-se....... mas é de almoçar...... (*) .. 1973........Quem Tem Farelos? Apariço e Ordonho........ se pode conjecturar o que lhe ela diz»................. mas também a mais difícil de interpretar.... A velha...... ............. entre si. com desdém..... Da conversa entre os dois. crivando de invectivas e pragas o escudeiro.. embora o autor declare que............... que acaba por se retirar.. e é esta..... para prepararem a palhada para as montadas de seus amos.... pentear-se.. ficando só com Isabel.... talvez mais por vaidade do que por outra causa...... debaixo da janela........ afinal.. por fim... (*)ANDRADA.. .......... apodandoos de fanfarrões.. Ernesto de Campos de (Org....... doncella não é da autoria de Gil Vicente...... estudar sorrisos.. A mãe aconselha-a.. 73 ............. reconhecem-se e trocam..... quando....).. mais que dois impostores sem mérito nem préstimo algum.. tão insulsa como as outras da sua convencional autoria................... ............... da tradição popular. não tarda a aparecer.... fiar... a lavrar (costurar)......... a parte mais cómoda da farsa....................... que a cantiga Si dormis........... A conversa do escudeiro é interrompida pelo ladrar dos cães e pelo miar dos gatos...... aprender a responder de pronto aos galanteios e outras coisas semelhantes........ com certeza........... revelam bem a sua insensatez devendo notar-se... terminando por lhe dizer que.. a mãe de Isabel acorda e desce a rua..... porém.... Isabel. as chufas habituais... Escudeiro.. Manuel primeiro deste nome...... É o seu argumento que um escudeiro mancebo... tangia viola e a esta causa...................... meu irmão?) APARIÇO É o demo que me tome! Morremos ambos de fome e de lazeira todo ano (é o diabo que vive comigo) (morremos de fome) (e de miséria o ano inteiro) ORDONHO Con quien vive? (para quem ele serve?) 74 .... Vêm Apariço e Ordonho....... moços de esporas...... Foi representada na mui nobre e sempre leal cidade de Lisboa ao muito excelente e nobre Rei D..... (estás tão bem) (que já não falas com ninguém..... compañero? (como você vai... Apariço....... Ó fideputa ruim! (Ordonho! Espera por mim...... . Ordonho Criados...... a buscar farelos.. quem é a pessoa que você serve..... continuamente era namorado..) (seu filho da puta!) Sapatos tens amarelos. como e pode a mi ir bem? (se eu moro junto com um escudeiro) (como posso ir bem?) ORDONHO Quien es tu amo? di. .. Este nome da Farsa seguinte ............... era do Senhor de 1515.. mãe de Isabel........) ORDONHO Como te va.. Velha.........pôs-lho o vulgo..«Quem Tem Farelos?» .... e diz logo: APARIÇO Quem tem farelos? ORDONHO Quien tiene farelos? (quem tem farelos?) APARIÇO Ordonho! Ordonho! espera mi...... por nome Aires Rosado.. nos Paços da Ribeira.. hermano? (Quem é teu amo.................. ainda que sua moradia era muito fraca..Farsa de «Quem tem Farelos» Figuras: Aires Rosado..... já não falas a ninguém................ me diga................... companheiro?) APARIÇO S'eu moro c'um escudeiro.......... Trata-se aqui duns amores seus......... ................... [Do lat...................... ....................... 75 ..... III)Qual a situação central da peça? ............. motejar de... Mãe – Eu te farei amassar. [fig. invectivo ................ trobar...........que tem o carácter de invectica..... alcunhar.......... insulso sem sal.. afetado........................ Eu quero.. mãe.......... ______ NOTAS: chufa ............. .. para depois ascenderem na carreira............ trovar – fazer ou cantar trovas................. I)Quanto ao aspecto fônico: 01)Metrifique a estrofe acima........... farelos e água.......... almoçar...... desenxabido.................................mistura de palha.................. Isabel – Esse é outra fantasia..... acusar.................................. zombaria.................................. presunçoso............... ................................................... motejo....... desdém – desprezo com orgulho.. Moços de esporas – que serviam na cavalariça............................. 03)Qual o esquema rimático da estrofe? ... .............ESTUDO DO TEXTO Quem tem farelos? [Leia a peça na integral] Isabel – Isto vai sendo de dia.................... desafetação.............. «achar» (as rimas)] tanger – tocar (instrumento musicais)...................ação de chufar................ ............. apodo [ô] – alcunha afrontosa..... injurioso......................... depreciando. tocar (animais)................... presumido – vaidoso............ insulsu-....dirigir a apodos a.......................] que não tem graça.............. «insípido»] increpar – repreender...... 02)Como se classificam os versos quanto ao número de sílabas? E justifique o seu emprego...... insosso.......................... apodar ... agressivo.............. cantar em verso [Do prov............. palhada ... comparar........ II)Síntese de características vicentinas.. ........................... Apariço – forma popular de Aparício......... censura..... zombaria..................... tiveram grande voga na Idade Média. Existiu.] zombaria. engraçado. chocarreiro . farsa. O jovem actor sabia «arremedar» os ofícios divinos e pregar em italiano para dizer inconveniências. naus e castelos. eram ainda correntes em Portugal nos fins do século XV. um rabino. porquanto tinha complicadas exigências técnicas e reclamava uma grande variedade de trajes. Os «arremedilhos». graças ao recurso a uma apropriada indumentária animal. Em outras palavras: artista que tocava vários instrumentos e cantava versos alheios. farsa. denominadas «momos» ou «entremezes». cantando e tocando instrumentos musicais. também designados por «jogos de escarnho» dada a sua tendência quase habitual para escarnecer e gracejar. entremez. Isto é. Das suas habilidades faziam parte. jocoso [ô] – que provoca riso. Sancho I. João II.aquele que diz chocarrice. Leonor com o imperador Frederico da Alemanha. Também apresentavam homens sob a forma de animais. momice. espectaculosas figurações de animais e pessoas. Exibiam animais imaginários ou reais. rude. cómicos e carnavalescos. e Garcia de Resende. entremez – pequena composição dramática. na Crónica de D. Além dos «arremedos». [Chocarrice – comentário zombeteiro. os «momos» (por alguns também denominados «entremezes»). O gosto por estas diversões públicas. portanto. nos templos e nos paços dos reis. Os «arremedos» com aspectos licenciosos chegaram a tomar cabimento nos próprios templos. no Elucidário. Bonamis e Acompaniado.: [ó]). e aos seus «arremedilhos”. jogral – artista que. jocosa ou burlesca. gracejo geralmente desrespeitoso. muito concorreu para o progresso cenográfico do teatro.Textos complementares acerca do teatro vicentino Teatro pré-vicentino O Teatro medieval. um escolar em artes muito dado à prática de «arremedilhos». ou. Santa Rosa de Viterbo. os trejeitos. na Crónica de Afonso V. Todavia. (*) ______ NOTAS: frustre – de qualidade inferior. momo – representação dramática por meio de mímica. (f. e pl. cita um documento do século XII. ganhava a vida declamando poemas. com seus cânticos. Dão notícias de momos reais: Rui de Pina. revestiam. de natureza profana ou religiosa. o que moveu a Igreja e o Estado a intervir para reprimir tais abusos. como consta de documento datado de 23 de Abril de 1482.que alude a dois jograis.] arremedar – imitar grosseira ou ridiculamente. a imitação caricatural de pessoas. 76 . mas dele não sobreviveu qualquer monumento literário. revestiu sempre uma forma frustre e rudimentar. faziam «arremedilhos». Figura inspirada em momo. e que personifica o carnaval. um teatro profano pré-vicentino. «Arremedavam». o primeiro cronista. onde cumpria determinada pena. O rei D. na Idade Média. por exemplo. trovador. o segundo a propósito das festas realizadas em Évora. [fig. mandou tirar da cadeia. Bras. Dotado de bastante maleabilidade dramática deu uma sessão de «arremedilhos». em 1492. [Arremedava o teatro vicentino] arremedilho – representação teatral curta e chistosa. em que imitou um capelão. ao relatar a celebração do casamento da Infanta D. foram os primeiros actores. aspectos desproporcionados. escasso. em alguns casos. de caráter popular. que também se podem chamar «arremedos». entre nós. nas praças públicas. farsa satírica. essa experiência dramática foi continuada e desenvolvida por Gil Vicente. da corte de D. alegre. Tais reproduções. João II. às vezes. as graças e ditos jocosos e chocarreiros. ator dessa farsa. um tabelião e ainda outras personagens. recitativos e danças. Os jograis e jogralesas. A Vida de Gil Vicente A biografia de Gil Vicente está cheia de mistérios e incertezas. Apenas se conhecem com relativa segurança os incidentes biográficos que ilustram a actividade artística e literária do dramaturgo. Seria descendente de uma família de ourives e teria nascido em Guimarães (1), porventura, à volta de 1465 ou 1466. Teria partido muito novo para Lisboa, aí recebendo uma acurada educação moral e intelectual, nos primeiros anos. Uma discriminação mais íntima do ideário vicentino permitiu aventar a hipótese de que Gil Vicente se ilustrou em alguma das grandes universidades do tempo. O Prof. Joaquim de Carvalho inclina-se a admitir estas duas audaciosas proposições, contra o parecer tradicional (2): Gil Vicente foi indivíduo de ilustração variada, Gil Vicente fez estudos regulares. «O estudo das fontes da sua obra pode ajudar a esclarecer a extensão do seu saber e, talvez alcance inculcar a escola e o país em que estudou: se só em Portugal, se em Portugal e em Salamanca, e ainda se, após alguns anos em Salamanca, frequentou Paris, embora durante menos tempo e com menor assiduidade.”(3). Gil Vicente acusa o gosto pelas ciências teológicas e filosóficas do tempo. Manifesta-se familiarizado com os intelectuais contemporâneos, e interessado por muitos grandes anseios da época. É notável a sua independência de pensamento. No julgamento e apreciação dos fenómenos humanos e das ocorrências do mundo, a sua inteligência exerce-se, em geral, sem subordinação a ideias feitas e a superstições. É nele forte a propensão para ver de frente as realidades, o que o integra no experiencialismo do Renascimento. Em janeiro de 1531, um forte abalo císmico atingiu o País, causando danos e semeando o pânico. Outros tremores de terra se seguiram a este, com pequenos intervalos. A quando do último, Gil Vicente estava de passagem em Santarém, onde começou a correr insistentemente que os tremores de terra eram castigos da Providência, determinados pela falta de fé dos judeus. Gil Vicente convocou então os elementos da classe eclesiástica para uma reunião na crasta de São Francisco. Aí proferiu um sermão célebre, em que afirma serem os tremores de terra «acontecimentos que precedem da natureza», e não provem da cólera divina. E deplorando que se aceitasse de animo leve tal suposição, assevera finalmente nesse sermão: «não é prudência dizerem-se tais cousas publicamente, nem mesmo, nem menos serviço de Deus; porque pregar não háde ser praguejar. As vilas e cidades dos reinos de Portugal, principalmente Lisboa, se há muitos pecados, há infindas esmolas e romarias, muitas missas e orações, e procissões, jejuns, disciplinas e infindas obras pias, públicas e secretas. E se alguns há que são ainda estrangeiros na nossa fé e se consentem, devemos imaginar que se faz porventura com tão santo zelo, que Deus é disso muito servido, e parece mais justa virtude aos servos de Deus e seus pregadores, animar a estes e confessá-los e procurá-los, que escandalizá-los e corrê-los por contentar a desvairada opinião do vulgo». O clero e o povo mudaram de parecer após as objurgatórias deste católico avisado e esclarecido. Gil Vicente dá conhecimento a D. João III da sua intervenção pacifica e muito realista, numa carta em que relata os acontecimentos. As classes dominantes reconhecem o prestígio artístico deste cortesão. A Corte admira-o e anima-o a prosseguir após a representação da sua primeira obra, em 1502. A aura dramática de Gil Vicente chega aos conventos, e a abadessa do Convento de Odivelas pede-lhe a representação de um auto no seu mosteiro, pedido que o dramaturgo acolhe favoravelmente. E lá se representou em Odivelas o belíssimo Auto da Cananeia, no ano de 1534. Ainda neste mesmo ano, D. João III assiste em Évora à exibição do Auto de Mofina Mendes. 77 A sua carreira dramática termina com a representação da comedia de Floresta de Enganos, em 1536, estando presente D. João III, o grande protector e assíduo admirador de Gil Vicente. Temendo certamente o Rei que se pudesse perder uma obra de tanto merecimento, ou que se dispersasse em publicações que já circulava, ordenou a Gil Vicente que coligisse as suas obras, tarefa a que o escritor se consagrou nos últimos tempos da vida. Sobre as circunstâncias da existência familiar de Gil Vicente, dispõe-se ainda de parcas informações. Casou primeiramente com Branca Bezerra, nascendo deste casamento Gaspar e Belchior Vicente. Em segundas núpcias, contraiu matrimônio com Melícia Rodrigues. Nasceram então os filhos: Valéria, Paula e Luís Vicente. Estes dois últimos defendem a glória literária do pai, levando a cabo e publicando a Compilação da Obras de Gil Vicente. Luís Vicente, no prólogo da Compilação, faz notar a D. Sebastião que as obras do pai foram «algumas delas feitas por serviços de Deus, e todas em serviço de vossos avós, e de que eles muito gostaram». Acrescenta mais que o próprio D. Sebastião «gosta muito delas, e lê e folga de ouvir representadas». Esta afeição intelectual dos reis e príncipes dedicada a Gil Vicente, teve seus começos com a Rainha D. Leonor, viúva de D. João II, que pressentiu o génio do dramaturgo. Este homem de letras, segundo parece definitivamente averiguado por Braacamp Freire, era também artista consumado na arte de ourivesaria. (4) Ourives da Rainha D. Leonor, que lhe encomendou várias obras, desempenhou também na Casa da Moeda o cargo de «mestre da balança». Em casa, entregava-se, simultaneamente, ao labor dramático e ao ofício de ourives. Teria sido o lavrante da Custódia de Belém, uma obra-prima da ourivesaria nacional. O rei D. Manuel, por alvará de 15 de Fevereiro de 1509, nomeia Gil Vicente «vedor das obras de oiro e prata» que se venham a fazer no Convento de Tomar, Hospital de Todos os Santos, e Mosteiro de Nossa Senhora de Belém. O cinzelador de metais preciosos manifestou-se tão hábil como o dramaturgo. Teve Gil Vicente uma existência gloriosa e cheia de trunfos. Viveu apaixonadamente para a arte e para os mais nobres ideais. Morreu em Évora, por fins de 1536, ou já no início do de 1537, tendo previamente composto o epitáfio para a campa onde, jaz, no mosteiro de S. Francisco daquela cidade. (*) ______ NOTAS: aventar – apresentar, lembrar, sugerir (ideia, proposição etc). propensão – pendor, tendência, vocação para determinada coisa. (Ana Paula sempre mostrou propensão para fazer pesquisas literárias.) crasta – claustro [Do lat. claustra, pl. de claustrum, «lugar fechado») objurgatória - censura; repreensão áspea. cortesão – homem que vive na corte; indivíduo cortês. coligir – reunir em coleção; juntar. parco – que é pouco, escasso. [É uma pessoa de hábitos parcos, mas de muita generosidade com os outros.] folgar - dar folga a; alargar; desapertar; divertir-se; ter prazer ou satisfação em alguma coisa; gostar. ourivesaria - arte de ourives; loja ou oficina onde se vendem ou fazem objetos de ouro e prata. (1)Feliciano Ramos, Gil Vicente e a sua Obra (in Auto da Alma de Gil Vicente, 1962). (2) Caroline Michaelis de Vasconcelos, Notas Vicentinas, IV: Cultura: Cultura Intelectual e Nobreza Literária. (3) Joaquim de Carvalho, Os Sermões de Gil Vicente e a Arte de Pregar. (4)Braancamp Freire, Gil Vicente Trovador e Mestre de Balança. 2ª edição, Lisboa, 1944. 78 Gil Vicente, a Idade Média e o Renascimento Nos fins da Idade Média, o género artístico português entra em novo período evolutivo. É precisamente nessa hora, em que uma longa idade histórica entra em declínio, que se observa uma efervescência crescente do espírito artístico. Gil Vicente, pelo seu temperamento religioso, continua a tradição da Idade Media. O povo, que tão largamente se manifestara nas crónicas de Fernão Lopes, não cessa de incentivar a imaginação artística de Gil Vicente e é um dos motivos mais freqüentes dos seus atos. As suas fontes são essencialmente de índole mediévica: a cidade de Deus, de Santo Agostinho, o uso de alegorias, o interesse pelos temas bíblicos na arte dramática medieval, a imitação inicial de autores espanhóis, como Juan del Encina, etc. Os metros do Cancioneiro também foram muito usados pelo dramaturgo. Esteticamente, o seu pensamento está, em parte, subordinado aos cânones medievais, como ainda recentemente o demonstrou o Prof. Joaquim de Carvalho a respeito do sermão. A obra vicentina, não obstante o seu medievalismo, reage contra a mentalidade supersticiosa e mítica da Idade Média; busca predominantemente, a inspiração nas realidades do momento histórico ; e encerra uma pintura viva dos costumes e dos tipos contemporâneos. Descreve e observa com vivacidades. Nenhum dos escritores latinos do renascimento esteve mais atento do que Gil Vicente à sociedade que o rodeava e às realidades imediatas. Ele conciliou superiormente, na sua arte, a concepção sobrenatural do homem e o gosto pela existência material. Admira muito a Criação, a obra de Deus, mas aspira ao Céu, sonho da alma humana. Esta admirável combinação do transcendente e do sensível é um dos segredos da extraordinária originalidade de Gil Vicente. A afeição ao mundo concreto, provectamente representada na obra vicentina, marca bem a adesão do dramaturgo ao espírito do Renascimento .(*) ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ ................................................................................................ .............................................................................................. ______ NOTAS: Encina – Juan Del Encina (1468/1529). Poeta e dramaturgo espanhol. Um dos pioneiros do teatro profano em seu país. Embora de inspiração religiosa, sua produção dramática revela um espírito humanista ligado à Renascença. Autor, entre outras, das peças: Auto do Natal; Plácido e Vitoriano; Cristino e Febea (esta última uma écloga). Sua obra lírica mais importante é Cancioneiro (1496), coletânea de poemas. 79 para ser bispo do «ilhéu de Peniche». repete:«Arre. Depois. cedo é». convidando-o. segue-se a de canto mas Bastião estropia tudo. querem falar à vontade e desejam sobretudo mais liberdade. D. as quais protestam. muitas raparigas eram lamentavelmente forçadas a ingressar nos conventos. que tais mulheres repelissem os rigores da clausura? Ao lado do grupo feminino de insatisfeitas. num passo da mesma obra. Joana Manuel. Na Romagem dos Agravados.e. embora sem vocação para a vida religiosa. Começa aquele sacerdote por levar o examinando a ler uns «versozinhos». E. Às vezes. E assim Gil Vicente vai anatematizando umas tantas pessoas que não estavam à altura das aspirações que tinham. Narciso. 80 . Maria de Ataíde. Romagem dos Agravados. é irónico e sarcástico. Fr. perpassa ainda a interessante personagem de Fr. homem desejoso de honrarias e cheio de «tartufismo». Na sua mordacidade crítica. que se não conforma com certos desaires da fortuna. pois severas repreensões e censuras desfechou Gil Vicente contra a sociedade e contra a gente da época em que viveu. Que admira. O descontentamento apossa-se também de duas religiosas. Acha que lhe não escasseia a competência. como sucede. Naquele tempo. esta coisa simples: ser conde das Berlengas. de modo a ver se alcança um bispado. que se enamorou de «ua moça de muito bom parecer». muito a sério. que o pai. Fr. X. por exemplo. vai-se fingindo muito piedoso. por exemplo. dirigindo-se ao pequeno. a seguir. A peça. sem pestanejar. resolve santificar algumas conhecidas damas do Paço: Maria Anriques. figuravam os inadaptados. com veemência. sujeito com quatro mil cruzados de renda ambicione. Joana de Mendonça. e só para rir. contra a regra conventual: elas abominam o silêncio. É lógico. B. que um tal de Cerro Venturoso. desgosto da vida. Aquele. posto que tenha presenciado a insuficiência mental da criança. Desfila ante os espectadores uma série de mulheres. Mas assiste-se bem depressa à quebra desta generosidade. no Velho da Horta. D. Dorósia e Domicília. Sempre houve por aqueles tempos uma grande procura de títulos nobiliárquicos. É na presença do pai que o rapaizinho é submetido a todas estas provas. Depois da prova de latim. Violante de Lima. Desalentado Fr. O exame oferece diferentes fases de imenso interesse cômico. ao mesmo tempo. desvia o inquérito para a língua latina. portanto. o Bastião imagina que o assunto é todo respeitante a «cominhos» e a «açafrão». insiste. que teimam em não reconhecer a incapacidade dos filhos e ousam destiná-lo a carreiras incompatíveis com as aptidões que possuem.O padre ainda insiste para que ele diga A. mas o mocinho limita-se a declarar que «Assis era um alfaiate». pronunciar A. Paço mando-o. pelo menos. O moço. portanto. Catarina de Figueiró. onde verbera a fraqueza amorosa de um velho. houve quase sempre justiça e inteligência. beatriz da Silva. que vivia junto da Sé. luvas e espada dourada. com desembaraço.Crítica Social Os vivos aparecem frequentemente nos seus autos. A todas apelida espirituosamente de santas. Ante esta ordem. Foi este vistoso cortesão que um dia examinou certo rapaz Bastião. arre. repete: «Vi ora três ratos vir». é uma sátira de flagrante realismo e uma autêntica parada de descontentes. C. fala assim: «Dize ora Beatus vir». destina à carreira eclesiástica. a mordacidade vicentina visava a cegueira daqueles pais. por exemplo. a pegar «no papel na mão». Fr. e ele. em que seu filho «pera tudo tem engenho». que usava gorra de veludo. Paço conclui então que o jovem é incapaz de apreender coisa alguma. Paço. Nesta emergência. senhor de boas maneiras. Paço com este insucesso. Paço é suficientemente objectiva para.... ergue no Auto da Feira.... podermos ver em Gil Vicente um precursor de D........ lavar a louça. como há-de olhar. e em tudo vai ele próprio explicando........ foca aspectos da vida doméstica dum casal que tinha uma filha chamada Lediça........... teriam foros literários.. Gil Vicente. costurar.. em ter pena das mulheres mal-casadas... Aparece em cena a feiticeira Genebra Pereira...... que ainda vinham muito distantes......... Neste sentido. O frade ensina-a a fazer uma «mesura»........... Tudo isso é muito simples e trivial.. repreende aqueles que «já não têm ao Céu respeito»......... ... Revela uma mentalidade saudável e avessa a preconceitos humilhantes........................ .. onde alude à degradação moral do Renascimento... Estas operações executam-se às vezes com o seguinte material de trabalho: fel de coruja. no Auto da Feira.. jovem descuidada e preguiçosa.. Gil Vicente foi dos primeiros......... se tenha perdido o «temor de Deus» e que o dinheiro seja a máxima ambição de toda a agente............ luxuria....... riso sóbrio composto.... por exemplo............. O pai aplicava-lhe castigos corporais.. sangue de leão.. ..... É uma calamidade moral que Gil Vicente condena.... à roca.. em patrocinar traficâncias e tratar de casamentos........... pretendente ao lugar de dama do paço................ ao dedal e ao menino «Saulinho»....... O quadro mostra-se... No Auto das Fadas troça das práticas da feitiçaria... a qual não só frisa a inocência dos seus propósitos. hipocrisia........... ........................ Desde modo... A actividade professoral de Fr......... coração de gato preto............ ao estigmatizar as superstições do povo.... devassidão. que desobedecia à mãe e trazia o cabelo mal penteado............. deplora que.. Assim.. a anunciar o romantismo e o realismo. nessa obra dramática..... como varrer a casa....................... que pede um pente à irmã.. sombrio: mentira. e falar alguma coisa.. Francisco Manuel e de Molière..... dá instruções à menina Giralda... o grande dramaturgo.......... mas lembremo-nos de que Gil Vicente.. na Europa... etc....(1527)...... Gil Vicente realiza com certa mestria a arte de ridicularizar baixas crendices... 81 ........... apesar do efeito cômico que procura tirar das situações....... punha em circulação temas que só mais tarde...... No «Auto da Lusitânia»........ um vigoroso protesto contra o torpe materialista dos tempos. em auxiliar o «namorado» desiludido........ acima de tudo....... de vez em quando.. Na mesma peça referencia também trabalhos domésticos.............. Sonha uma sociedade de mais perfeita estrutura moral e religiosa.. homem moralmente severo e disciplinado.... explica-lhe como deve «dar as passadas».... Paço também é professor de etiqueta e civilidade.. no século XIX......... Há alusão ainda ao fuso.......... desdém pela honradez...... desvia a observação para os episódios da vida caseira........... por toda parte....... às vezes.....O Fr.. que consiste. empenhado numa alta campanha moralizadora.. ...... Quer fazendo crítica dos actos pessoais.......... «rabo» dum peixe chamado «huja»......... e da regularidade com caricatura as pessoas e as coisas............ quer pondo em destaque o descontentamento social... como expõe a sua acção humanitária. quanto às lições como matéria de cómico.......... está..... por exemplo.. Recomenda-lhe mais: «corpo mui direito»... desastres e desinteligências na família e a corrupção do clero.... Apresenta-se sempre magistralmente familiarizado com a vida quotidiana. com esse realismo descritivo da vida domestica e com atenção dispensada às crianças.. que buscava nos astros a explicação de todas as doenças. o seguinte: «comer cousa leve». Mestre Anriques. Mas a galeria das vítimas vicentinas está completa? Não. para bem curar. quando anda está quieto. E vem finalmente o último médico. Por consequência. chega à conclusão de que não existe «causa» alguma que pudesse ter originado uma «febre verdadeira». Nenhum reconhece o tratamento despropositado de Brásia. Em Colopêndio (Romagem dos Agravados) ridicularizou os poetas amorosos. faltam. a fazer a exposição em latim. comer «alface esparregada» e beber água «cozida com rosmaninho». julga-se perdido e fora de si. É claro que o tratamento será outro. quatro médicos examinam sucessivamente o doente. Este entende. Observa mais que as sangrias se devem fazer de harmonia com o movimento das estrelas.. Nesta segunda hipótese. Assim. mal se acha junto do enfermo. Recomenda também que o padecente seja sangrado no dia imediato. É certo que logo a seguir esclarece: «Não sei se sei o que digo». Entretanto. faz notar que. os curandeiros e médicos. pelo menos. e todos eles. diagnostica: «febre sincopal». conturbado por grandes acessos amorosos. Na opinião de Torres. lampreia. a seu respeito. diziam experimentar estados de espírito contraditórios e determinados pelo ardor passional. Depois deste Galeno. desejoso de patentear os seus vastos conhecimentos. sem dúvida. quanto ao diagnostico.A sua sátira não poupou as excentricidades dos poetas. é indispensável o conhecimento das doutrinas astronómicas de Ptolomeu. quando chora está a rir. o seguinte: quando fala está calado. que. mas nunca lebre. Enfim. E chega então o primeiro físico: Mestre Felipe. Saturno. conhecia. de vários preceitos médicos. Trata-se do «Físico Torres». no caso de se tratar de «quebranto». Diagnostica: febre que «procede de cardíaca». Profere alguns dislates. o enfermo sofre do baço. Ora o fidalgo Colopêndio. logo de entrada. o enfermo untará simplesmente o cotovelo com um remédio feito de favas da Guiné incenso e sumo de marmelo. também depois expresso num soneto de Camões. num soneto célebre. com uma regularidade desconcertante. especialmente os que. Mercúrio. aos quais Gil Vicente aplicou um correctivo histórico. Este gosto das antíteses sentimentais. provavelmente. Aparece primeiramente em cena um homem bastante incomodado. para Gil. pronuncia-se Mestre Fernando. porém. O Terceiro físico. um engenho Esculápio. encontra-se em absoluto desacordo com os três físicos que o precederam. uma extravagância inaceitável. Tratamento: tomar um clister «d’água de cevada» misturada com farelo. Quanto a dieta. e após algumas considerações astrológicas. à maneira de Petrarca. e acordado está a sonhar!. quando dorme está acordado. porco.se desmentem uns outros. que satirizou os profissionais da arte hipocrática e a astrologia judiciária. Tratamento: aplicação de uma «telha quente». 1524. 82 . preconiza o seguinte regime alimentar: comer lentilhas ou abóbora cozida. Neste caso. O mesmo apaixonado averigua. tomar um suadouro com uma composição especial e esfregar com unto de coelho determinada parte do corpo. ao queimar-se tem frio. apressa-se. coelho. a tarefa vicentina consistiu em verberar os desvairos de enamorados e a poesia petrarquista das antíteses. com imperturbável gravidade. Em virtude da persistência da doença. Foi na Farsa dos Físicos. A curandeira Brásia Dias abeira –se do doente e diagnostica: «frialdade». caldo de ervilhas e beber água cozida com avenca. começa imediatamente a dissertar sobre os planetas Júpiter. dizendo mesmo «eu de mi novas tenho». que a doença é toda de rins. Está de cama e precisa urgentemente de ser tratado. representada pela primeira vez. tubarão etc. congro. era. .................. um a um.... o incenso e o sumo de marmelo. Na verdade............. A própria Brásia Dias receitava mezinhas e remédios que se remendavam em velhos tratamentos médicos............... E diz o criado......... .......... Na Farsa dos Físicos lançou Gil Vicente o ridículo sobre a ciência médica do tempo...... É que uma certa Branca Dinisa não correspondeu ao seu pretenso apaixonado....... E tinha razão. errando constantemente o diagnóstico............................. não tinha a febre que o terceiro físico apontou............. Neste arranjo especial... Um moço que assiste a toda esta comédia galénica..... como está averiguado......... falava castelhano.... Tentam encobrir a incompetência técnica.................................................. Era muito consultado por D....... sobressai a habilidade do comediógrafo. João III.. Mestre Fernando era medico do Marquês de Vila real e homem de raça judaica............................ A ali se afirma a preocupação charlatanesca de ostentar saber e ludibriar o doente e o público. Mestre Filipe.......... O Mestre Torres (chamava-se Tomás de Torres)...... A terapêutica vicentina baseia-se no estudo de livros de medicina........ que os «físicos» se mostram incapazes de descobrir................. e daí a doença sentimental deste.......... também não sofria dos rins... vai presenciando....... orientado de modo a alcançar o Maximo efeito satírico.................... ........ por exemplo... e talvez por ser de origem espanhola........ pois os espectadores sabem........ ........ como depois Amato.... copiava do vivo e do natural e era um espírito lido e ilustrado...... ......astrólogo e matemático... em arte................................. vão examinar o doente.............................. .. ................................ surpreendem................... médico..... qual é o verdadeiro achaque do enfermo................. Ela receitava. é doutor em medicina e catedrático de astronomia na Universidade de Lisboa.......... são conhecidos «físicos» contemporâneos.............................. chegando alguns a ser estudados por Amato Lusitano e Garcia de Orta.A situação dos físicos é sumamente humilhante........... ..... a imperícia dos médicos ........... como Gil Vicente................ nem do baço: tratava-se apenas de um padecimento amoroso............ Mestre Anriques... as considerações dos médicos................. desde o início da peça... com toda nitidez....... Os quatros médicos que.... Gil Vicente tratou de documentar-se medicamente........................ parece que se doutorara em Paris. estupefacto........................ por conseguinte.. 83 .............. que lhe dispensava a maior proteção. um clérigo...... O primeiro a intervir...................................... Manuel e ensinou astrologia a D.............................. Os médicos vicentinos são incapazes e ignorantes... sorrindo: «Está a doença em Bilbau e vós andais à procura dela por «Entre Douro e Minho»... o terceiro médico. Este físico de prestígio tenha então uns 55anos................................... (*) ...... e.... ........... Então a Farsa dos Físicos demonstra........................ e que também conhece o mal de que sofre o amo.. o enfermo não estava apoquentado por «frialdade»......... A Farsa dos Físicos é uma das peças dramáticas em que mais transluz a propensão trocista de Gil Vicente....... pelo recurso a mero verbalismo e aos disparates médicos da época.................... mais uma vez........................... Ao escrever a Farsa dos Físicos. perante a Rainha D. entristecem-se. os que. porém. surge inesperadamente Jesus. com a assistência de D. uma intenção meramente galhofeira. quer fosse para antegozar a felicidade que prometia. em Almeirim. assim como quatro cavaleiros da Ordem de Cristo. Eles afligem-se. onde irá ser devorado por dragões. em África. Estamos em presença das crenças católicas de Gil Vicente. A acção destes três autos. pois que. No Auto da Barca do Purgatório. Casos há. cronologicamente. Gil Vicente. No primeiro auto. Manuel. em parte. pelo bem ou pelo mal que praticou durante a existência terrena. recebendo como sanção da sua má conduta a condenação às penas do inferno. Barca do Inferno. Barca do Purgatório e Barca da Glória.Trilogia das Barcas Gil Vicente hauriu largamente na sociedade em que vivia a matéria cómica dos seus autos. por ela. decorre em lugares extra-terrenos e no mundo do além do túmulo. varias pessoas do povo e um fidalgo. dos acima citados. Apenas se salva um pobre de espírito. Leonor. a Barca do Purgatório foi representada. e de uma preferência literária por temas respeitantes à existência da vida futura. estando enferma do mal de que faleceu. Estes incriminados são. integrado na mística expansionista da época. o Auto da Barca da Glória. inspirada nos lugares em que estacionará a alma após a morte. sentiu que as lutas contra o Mouro. Os condenados são pessoas de baixa categoria social. Havia o gosto de evocar a hipotética mansão em que decorre a existência futura. No entretanto. que morreram pela Pátria «nas partes d’África». Maria. e aos lugares onde o homem viverá eternamente. em que Gil Vicente julga os homens e os invectiva por virtude da sua repreensível conduta. quer fosse para fazer temer a Justiça de Deus. A Trilogia das Barcas documenta superiormente o idealismo ético e combativo de Gil Vicente. Salva-se um “menino de tenra idade”. A Barca do Inferno «foi representada de câmara. por vezes. os delinquentes vão para o Purgatório expiar as culpas que praticaram. eram de uma cruzada em defesa da Fé. Guiou. O desenvolvimento da acção pressupõe a aceitação da imortalidade da alma e das convicções doutrinarias que responsabilizam o homem depois da morte. por conseguinte. à última hora. para consolação da muito católica rainha D. em estado de felicidade ou de perpétua condenação. um duque. Conhece-se a circulação em Portugal dessa literatura. Segue-se. onde são violentamente acusadas personagens da mais elevada jerarquia social: um conde. um ser irresponsável. um cardeal. Na Idade Média esses temas inspiram outros escritores como já sabemos. são incriminadas. em 1517. e. etc. caíssem. mantêm-se os objectivos de crítica social da primeira Barca e. e impressionam agora também o dramaturgo Gil Vicente. os afortunados delinquentes só sofrem um tormento moral. em Lisboa. e até se desesperam. um papa. Um chega a escutar o ruído tenebroso do “lago dos leões”. em consequência disso. informados do seu destino e das razões que os condenaram ao sofrimento eterno. no Hospital de Todos os Santos. um arcebispo. na morte mereciam o prémio da vida eterna. 84 . um rei. um bispo. em 1518. que os leva para o céu. a Barca da Glória teve a primeira representação em 1519. ......................................... aproveitada por Molière] escassear – tornar menos farto..... tartufo – indivíduo hipócrita...................................................................................Apesar de ser bem maior do que a dos outros a sua culpabilidade....... ........................................................ personagem da comédia italiana.............................................................. das limitações que lhe impunham. ..................... Braga: Livraria Cruz.............................................................. a criminalidade aumenta.................. . Feliciano.................................. ato ou dito de tartufo............................... ................. desaire –falta de elegância ou distinção.................................... mas nas duas primeiras Barcas é manifesta a desigualdade de tratamento......................... (*) .................................................... tacitamente..................... _____ NOTAS (*)RAMOS....... nas condenações que proferiu........................ tartufismo ou tartufice – qualidade....................... por parte do dramaturgo.............................. não padecendo mais que a tortura de nervos........ velhaco............................. ............................................................................................. .......................................................................................................................................................... ............ 1967............................... A complacência vicentina não é apenas louvável compaixão cristã......................... os tripulantes da terceira Barca são arbitrariamente favorecidos............................................................................... Tartufo... antr........... ...................................................................................... que tem caráter de nobreza.............................................. ............. ................. 85 .............. A parcialidade judiciária de Gil Vicente............................................... Quer dizer................. as classes dirigentes e influentes................. devoto fingido... ........................................................ [Do it..................................... mas advém da aceitação........................................ nobiliárquico – relativo a nobiliarquia............... ............... .... ................................... Gil Vicente faz depender as penalidades da hierarquia social: é complacente para os grandes e severo para os pequenos................... História da literatura portuguesa............................. Há lógica teológica na sentença proferida por Gil Vicente............................................................ Além disso.... tornam-se bem palpáveis............................................... ................... à medida que caminhamos da primeira barca para a terceira............................................. ...................... faltar................................ os pecadores usufruem um benefício que é conferido pelo dogma da Redenção.... enquanto que as penalidades diminuem de severidade................ hierarquia. cumprimentado. sobrevivendo às virgens. Francisco Manuel – D.[Invectiva – injúria] antegozar – gozar antecipadamente. trocista – que ou aquele que faz troça ou gosta de fazer troça. vício. zombaria). Em 1327. classe tenro – que se pode cortar. [Do lat.disparate. frialdade – qualidade do que é frio. suspeita»] galénico . Escritor. loucura. lampreia – peixe ciclóstomo. médico grego muito afamado (131-201). Poeta e humanista italiano. que lhe inspirou um amor platônico. implícito arcebispo – bispo responsável por uma determinado arquidiocese D. comum em Portugal. censurar. (Troça – ato ou efeito de troçar. depois de cozidas. consumir. dislate. matemático e geógrafo grego (século II). mole. Aspirar. desatino. Francisco Manuel de Melo (1608/1666). picadas e espremidas. unctu-. achaque – doença habitual mas sem gravidade. conheceu Laura de Noves. jerarquia – subordinação gradativa de poderes. político e militar português. defeito moral. à vida na corte e às honrarias.espécie de barrete. «boa mesa.repreender veemente. O arquipélago é um possante bloco granítico.relativo a Cláudio Geleno. às pesquisas eruditas. da fam. sofrer as consequências de. desvairo – ato ou efeito de desvairar. injuriar. [fig. extrair. pasmado. Ptolomeu – Ptolomeu astrônomo. congro – peixe robusto e longo. aprtir ou mastigar facilmente. de pele lisa.] novo. pretexto. asneira. Molière – Jean-Baptiste Poquelin Molière (1622/1673). delicado. esparregado – guisado de ervas. dos Murenídeos. Molière é um dos mestres da comédia satírica. Usou as suas obras para criticar os costumes da época. «a morte parecia bela no seu belo semblante». escárnio. Este amor durou até o fim de sua vida. As peças «Tartufo» (1664). [fig. 86 . salva. Creme de espinafre. cortesia. verberar . ax-xaqq. Lus. «Don Juan» (1665) e «O Misantropo» (1666) são consideras obras-primas da literatura universal.vênia. Dramaturgo francês. imputação sem fundamento [Do ár. óleo perfumado»] untar – esfregar com unto ou qualquer substância oleosa. frio.] remédio caseiro. invectivar – dizer ou lançar invectiva. subentendido. mezinha .Berlengas – arquipélago das Berlengas está situado a 16 km a oeste de Peniche. insultar. expiar – remir (uma culpa ou um crime) por meio de penitencia.líquido para clister. Petrarca – Francesco Petrarca (1304/1374). unto – gordura. haurir – retirar para fora de lugar profundo. ou à sua doutrina médica. estupefacto – assombrado. boquiaberto. Peniche – cidade portuguesa no distrito de Leiria. Esgotar. recente. [Barrete – espécie de boné] mesura – referência que se faz. gorra [ô] . tácito – não expresso por palavras. «dúvida. como o que encontramos. no Auto da Barca do Inferno que traz pela mão a sua Florença e que pretende entrar com ela na barca do Anjo. No mesmo Auto da Barca da Glória a que já aludimos. A Igreja nunca foi diretamente atacada como instituição mas várias circunstâncias nos aparecem. são pobres de espírito e de instrução. os frades devassos. pajens. É o clero secular aquele que Mestre Gil melhor satiriza. um arcebispo e um bispo são salvos do Inferno por um milagre de Jesus Cristo. embora cheios de prosápia. na Farsa de Inês Pereira e Quem tem Farelos?. Alguns plebeus vaidosos teimam em subir na escala social. as profissões liberais: o juiz. Encontramo-la igualmente no Cancioneiro Geral. que. Os próprios médicos – os físicos – não escapam à crítica vicentina. instituições. No que respeita à nobreza esta apresenta-se-nos decadente e ignorante. moças namoradeiras. participam um imperador. Temos o onzeneiro que emprestava dinheiro a 11%. Ela foca as fraquezas humanas. criados. judeus. um cardeal. São como parasitas que vão vivendo de expedientes. nobreza e povo. pastores. habituado a censurar maus costumes entre leves gracejos. ciganas e muitos outros. por vezes. lavradores e todos os outros «tipos» a que fizemos referência ao longo deste capítulo. o procurador. igualmente. o meirinho e o oficial de justiça. de Garcia de Resende. Gil Vicente não poupou. escreveu: Gil. tão criticado foi por Lutero. referindo-se a Gil Vicente. Pode ser em verso ou em prosa. os amores puros dos pastores. as mães conselheiras e até aquela figura admirável do Auto da Cananeia que pede a Jesus lhe salve a filha endemoninhada! André de Resende. como sabemos. as Cantigas de Escárnio e Maldizer. eloquente e muito hábil em dizer verdades entre gracejos. os soldados. Em Gil Vicente não há só depravados. escudeiros. apontando erros e incoerências. em edições raras e de difícil acesso. O escudeiro é outro «tipo» alvejado pela sátira vicentina. autor e também ator. Na Idade Média o Clero foi um dos alvos principais. Há ainda o falso Ermitão da Farsa de Inês Pereira que faz uma corte descarada à moça. Nele encontramos as crianças. Em Romagem dos Agravados ridicularizou os poetas amorosos. feiticeiras. de vasto saber e uma erudição sólida e cujas obras se encontram dispersas pelas bibliotecas da Europa. Em Gil Vicente deparamos com “tipos” bem característicos: alcoviteiras. Mete a ridículo pessoas. mas estes são intencionais. a tendência para explicar os fenômenos naturais por intervenção direta de Deus. um duque e um conde. o culto supersticioso. maridos atraiçoados. por exemplos. serranas. por exemplo. igualmente. Haverá. No Renascimento o gênero satírico foi muito popularizado. os almocreves. Igualmente o povo não é esquecido. pastores. tais como o negócio das indulgências.A sátira social em Gil Vicente “A sátira tem uma intenção moralizadora. A vida mundana que levam não se coaduna com a missão religiosa a que se devotaram. escravos negros. Os Romanos e os Gregos cultivaram-na. especialmente os que. São típicos na sua obra. exageros. São pelintras e vadios (rascões) dão-se ares de grandes personagens mas não pagam aos criados nem lhes dão que comer nem os vestem decentemente como acontece na Farsa dos Almocreves. A sua sátira não poupou os poetas. censurando vícios e defeitos. Gil Vicente só alude ao alto clero no Auto da Barca da Glória (em castelhano) onde um papa. ideologias ou a própria sociedade. Entre nós a sátira foi cultivada desde os primeiros documentos literários. conseguindo os seus intentos desonestos. pelo poder de Jesus. A sátira de Gil Vicente abrange as três classes sociais: clero. o célebre humanista. o corregedor. salvos. à 87 . Os fidalgos. As suas personagens constituem caricaturas. marinheiros. um rei. Há que lembrar. Gil. Procuram-se títulos nobiliárquicos...... ...... sujeito com quatro mil cruzados de renda. o que não cabe no âmbito reduzido deste trabalho......... mexeriqueiro.... Elas cantam animadamente.......... Ao lado do grupo feminino das insatisfeitas.. breves representações de caráter religioso.. esfusia.............. clemência. como acontece com uma das personagens da referida Romagem dos Agravados.... ______ NOTAS: coadunar .. a alegria.. diziam experimentar estados de espíritos contraditórios e determinados pelo ardor passional. arremedilhos e entremezes. ... carregador. ascendência............. Narciso. também. A sátira social em Gil Vicente é............................. ambicioso e galhofeiro que pretende ser eleito bispo do «ilhéu de Peniche». sem-vergonha. mais liberdade.relativo à onzena.. um tal Cerro Ventoso..... ..... (Maria Amélia Ortiz Fonseca.. prosápia – linhagem... meirinho – antigo funcionário judicial correspondente ao Oficial de Justiça..........disposição para perdoar culpas ou pecados (próprios ou alheios).....conformar(-se)........ a atividade teatral em Portugal se resumiu aos momos....... sobretudo... de cesto à cabeça...... agiota....... . Bastante propenso a pôr à vista as mazelas sociais....... vão para a feira a cantar....... no Auto da Feira................. onzena – juro de onze por cento (11%)........................... e às vezes com a sua direta participação....... As moças da aldeia....... que pretende ser conde das Berlengas e Fr... perdão. No Auto da Feira aparecem as mulheres descontentes com o seu casamento. Vêmo-las na Romagem dos Agravados....... onzeneiro – onzenário.. Gil Vicente insiste no relato da indiferença pela vida perfeita....... referir-se a.maneira de Petrarca.... orgulho... Vaidade... Indulgência ... onzenário ........... tão indiferentes à pureza interior...... combinar-(se)......... alinham os inadaptados... Teatro de índole popular. Há....... Elas querem falar à vontade e desejam........ esfuziar – fazer zumbir ou sibilar...... aludir – fazer alusão a.................. pois......... satírico ou burlesco............ almocreve [é] – indivíduo que tem por profissão conduzir bestas de carga.... Usurário........................ Intrigante... muito vasta... num soneto célebre.... pelintra – que não sente vergonha de seus atos condenáveis............ in «A literatura Portuguesa através dos textos») 88 .. (Massaud Moisés..... temas e forma de encenação acessíveis ao povo......... manifestações do teatro religioso então predominante”.. constituía o teatro profano.. bazófia....... [Esfusiar ?] Teatro Popular ........ caracterizava-se por uma linguagem........ que contém onzena.. harmonizar-se).... [fig................. Na origem....... in «Gil Vicente – Farsa de Inês Pereira») ..... Verifica-se................ Nestas almas femininas.. no entanto....... duas freiras que se não conformam com a vida de clausura. no entanto....... Muito haveria ainda para mencionar...... mencionar....“Durante a Idade Média.. que estas raparigas se desinteressam muito da vida moral e alimentam mais aspirações mundanas....... oposto aos mistérios e milagres.] juro exorbitante....... os entremezes. o lirismo de cantigas etc. De espírito e formação medievais. do papa. um teatro rico e original. O ser humano é seu objeto de preocupação. Foi o primeiro a fazer o texto literário sobre a cenografia e o espetáculo. a crítica social e o mistério. a mistura do cômico e religioso. estava longe de expressar (ou propor) a rebelião dos reformistas protestantes. crítico dos costumes. juízes – que representam uma justiça com bolsos cheios (“Barca do Inferno”. e não ao frade que. do camponês. “Floresta de Enganos”. O paraíso está reservado ao simples e humilde. De cultura teocêntrica numa época de nítidas transformações. Os novos valores se associam à decadência humana. 89 . do marido traído e de outros mais que compõem a realidade da época. utiliza de artifícios pra fingir a palidez do jejum (“Romagem dos Agravados”. 1515. Gil Vicente cria o retrato do cigano. corregedores. Os costumes são outros. as farsas (gênero popular com finalidades satíricas). da moça casadoura. os religiosos são mais atacados pelo autor. é fácil perceber que o autor expressa os valores sociais hierárquico e tradicionais. já na época do autor. Critica o homem que abandona o campo e se entrega às aventuras do mar. os tracionais usurpadores e exploradores do povo: meirinhos. desenvolvidos na Idade Média: as narrativas (de origens cavaleirescas). dizer das suas misérias e apontar o caminho para a redenção. consegue definir o personagem a partir do seu vestuário característico. Nesse prisma. do médico. Criador de tipos sociais. ambicionando a ascensão. como Teófilo Braga. Há críticos que o consideraram pré-reformista. a indisciplina e o utilitarismo são a contradição entre o ideal e a prática religiosa. da alcoviteira. as superstições. A crítica ao homem tem como função abrir sua consciência e reaproximá-lo de Deus. Mas a essa experiência integra outros elementos tipicamente populares. A ambição.Ou então. o artificialismo. de qualquer categoria social.Características da obra vicentina “O teatro de Gil Vicente foi considerado. do judeu. do tipo psicológico e mesmo de uma linguagem peculiar. A princípio buscou as ideias nas representações pastoris de Jun del Encina. O pensamento cristão e a crítica aos costumes não chegam a se constituir uma bipolarização: a crítica existe em função do pensamento cristão. Mas Gil Vicente. 1536). no século XIX. Gil Vicente não se identifica com os valores da burguesia. colocou em cena fatos e situações que relevam a imoralidade dos frades. 1533). ao puro. emotivo de reflexão porque vive num contexto em que os costumes de degradam. Não perdoou nada. Ressalta as crenças. do fidalgo decadente. Acreditando na função moralizadora do teatro. os milagres e misteriosa. Esses se opuseram à Igreja porque estavam imbuídos de um espírito antropocêntrico fortalecidos e apoiados pela burguesia. ele esteve enraizado numa concepção teológica. a imoralidade. acreditou na necessidade de desnudar o homem. O homem de seu tempo. “Farsa de Inês Pereira”..... Infelizmente a sua obra não chegou à posteridade com a pureza textual que seria de desejar.. em G........... no dia seguinte ao nascimento do futuro Rei D.................. o bobo.... a tarefa de compilar as peças....... .... 90 ............... o clero.............................................. in «História da Literatura Portuguesa»).. que começa o teatro literário português............. e magnificamente. um dos escritores mais notáveis do Quinhentismo Português “Gil Vicente............... 1515....... ao lado de peças cômicas........................... A corte.... Apesar disso........ também omitiu algumas peças................. E há a figura do soldado que..... a beberrona..... opõe-se a figura do lavrador (“Barca do Purgatório”...... na câmara da Rainha D.... Portugal só conhecia........ Antes dele........ elas expressam a rebeldia contra o trabalho domestico.. Por isso tem sido cognominado “o Plauto Português”........... Tão brilhante....... .. ... que se exigiu a repetição da peça nas festas do Natal......... Pouco antes de falecer... ou fidelidade conjugal. Era sua estreia............ o homem do povo.. Sinal dos novos tempos.... Abdala Júnior.................. sem pretensões literárias....................... espalhadas em folhas volantes...... A sua carreira literária (teatral) vai de 1502 a 1536................................ o filho de G. ...... não nos é possível por julgar hoje a autêntica e integral obra vicentina............. ....V........... Coube ao filho do escritor.......................... A comparação do texto impresso com a única folha volante conservada evidencia a grave mutilação sofrida pelo original..... “Romagem dos Agravados”): é sugado pelo trabalho... tipos folclóricos ( a alcoviteira............. Para essa atitude há de ter influído preponderantemente a coação inquisitorial....” (B.............. Em 1502.. Apenas teve tempo de reunir algumas (folhas volantes impressas e manuscritas).. Assim..................... João III............. O próprio Luís Vicente confessa ter “ apurado” os textos recolhidos... levar a termo a compilação............... Maria de Castela............. V.......... Fez-se a impressão em 1561-2....... iniciou G........ Assim sendo.......... alterou a cronologia e confundiu a classificação................. Luís Vicente.......... no “Auto da Índia (1509)... Tudo isso improvisada.. Além de voltar pobre foi traído pela mulher............................ na forma em que veio até nós é suficiente para fazer a gloria do maior poeta teatral em língua portuguesa................... in «Dicionário de Literatura Portuguesa e Brasileira»)......... e de escrever a dedicatória ao Rei............ foi fundador do teatro em Portugal................ parte para o Oriente com propósito de se enriquecer.............. pelos frades e pelos e pelos cobradores de renda...... ........ o judeu etc..” (Celso Pedro Luft..... recitou o Monólogo do Vaqueiro (ou Auto da Visitação).........) são somados à figura da moça da vila (“Quem tem Farelos”. estas mais frequentes..... Em 1536 encerrava a carreira com a representação da Floresta de Enganos....... de inspiração bíblica ou litúrgica....... é verdadeiramente.......... V. Gil Vicente........ na cidade de Évora. 1518...... um dos escritores mais notáveis do Quinhentismo português.......... muito singelas..................... Além dessa deturpação textual..... certo tipo de representações religiosas........A esses personagens que são tipos sociais...... 1523).... .. em matéria de espetáculos cênicos.. ...... não vibra o menor sopro de paganismo em toda a sua obra. Foi a ausência desse lirismo e a consequente insistência nos aspectos cômicos e grosseiros da representação. que na Romagem de Agravados expressa os seus desencontrados estados sentimentais ocasionados pelo ardor passional. Esta peça. pelo contrário: nela está evidente uma concepção cristã da vida. João II. 91 . um teatro à base de pura cenografia e em que a palavra literária esteve quase inteiramente ausente. aliás. a simonia – no Auto da Feira e na Barca da Glória. mas o tratamento de temas universais e a presença dominante de um lirismo carregado dos valores mais legítimos da inspiração poética. Suas peças dão-nos a sensação de quem escreve num inteiro à-vontade. é uma condenação total da degradação moral do Renascimento. na Inês Pereira. supera imediatamente a enformação estética espanhola e acabar por consolidar o gênero em Portugal com a sua fecunda produção dramática. no Auto da Barca do Inferno. buscando aí as sugestões iniciais para o seu teatro pastoril da primeira fase. logo no início do Auto da Feira. não só esta visão total de uma época complexa e grande na história da cultura ocidental. Henrique da Mota. a bazófia nobiliárquia – na Comédia Sobre a Divisa da Cidade de Coimbra. as práticas da feitiçaria – no Auto das Fadas. os adeptos da astrologia – na figura de Mercúrio. A sátira e as peças pias estão continuamente a serviço do missionário. o relaxamento dos costumes clericais – no Clérigo da Beira. apoiado numa extraordinária vocação poética e numa apreciável formação intelectual. na Farsa do Escudeiro e na Farsa dos Almocreves. Gil Vicente não se deixa todavia impregnar daquela concepção horizontal da vida – em que o homem é a medida de todas as coisas. a corrupção no seio da família – no Auto da Índia. na figura de Colopêndio. até à mais baixa classe social: feiticeiros. desde o papa. da época em que o Céu e Deus perdem o respeito e o temor dos homens. explica-se que Gil Vicente fustigue de forma impiedosa toda a sociedade de seu tempo. e em que o dinheiro se torna a mola mestra da vida. Sem tradição dramática atrás de si. Gil Vicente volta-se para a experiência espanhola de Juan del Encina sobretudo. que levaram ao declínio o teatro que procurou seguir as pegadas de Gil Vicente. e da mais rigorosa ortodoxia. e o próprio gosto petrarquista das antíteses foi por ele ridicularizada. dissolve-se na vegetação da planície. O que torna imorredouro o seu teatro é. com a mais franca autonomia. conquanto nos ajude a compreender alguma coisa da dramaturgia vicentina. o rei e o alto clero. Gozando naturalmente de uma liberdade de espírito na corte em que vive. Gil Vicente não perdoou também a galantaria cortesã. não obstante podemos respigar algumas notícias de dramaturgia religiosa durante a Idade Média e alguns documentos de teatro alegórico de D. alcoviteira e agiotas. preocupado na edificação do homem e na sua subordinação à Providência. obscurecido pela figura imponente do criador do teatro português. O gênio criador de Gil Vicente.O Teatro O teatro. – Antes do aparecimento de Gil Vicente. a nobreza a viver na sua fatuidade e à custa do trabalho alheio – na Farsa dos Almocreves. A galeria de tipos é riquíssima e variada. os vícios da época são incontáveis e de toda espécie: ridiculariza a imperícia dos médicos (físicos) – na Farsa dos Físicos. Vivendo em pleno Renascimento. não podemos falar num teatro em Portugal. ao contrário. o arbitrário da estrutura interna de suas peças. para esse desenrolar contínuo. Se Camões expressa a grandeza do homem de Quinhentos. Os pais que surram os filhos. o desprezo do trabalho e o abandono do campo . desde os mais prosaicos problemas da vida doméstica às mais dramáticas situações morais. estas bagatelas da vida caseira que a literatura clássica desconheceu completamente e só os escritores do século XIX conseguiram incluir no temário da literatura. o tema caracteristicamente barroco do homem na sua vida dilemática entre as forças do Bem e as solicitações sedutoras do Mal. na sucessão de extraordinários quadros à maneira das novelas de cavalaria. inteiramente divorciado da realidade social. num testemunho eloqüente de senso artístico: um teatro montado segundo um formalismo estético estaria fadado a não conseguir a colaboração do público. de que foram vitima sobretudo os homens do reinado manuelino. variado. Gil 92 . Nesta peça é Gil Vicente a focalizar a corrupção da família. mouros e escravos negros. e um sopro de lirismo autentico. a sucessão das cenas como num teatro de revista. a lavagem da louça e o trabalho com o fuso e a roca. constituem todo o encanto da arte vicentina e as condições necessárias para a perenidade. está o alto poder de Gil Vicente na descrição dos tipos. que tudo faz para galgar melhor posição na hierarquia religiosa. o desleixo da donzela que traz constantemente os cabelos em desalinho. O poeta épico. já tem seu esboço no teatro vicentino. Mas não foram apenas caracteres e aspectos extraídos da realidade que o rodeava: Gil Vicente intuiu situações. Gil Vicente. logo mais é o clérigo pretensioso. mais além é o quadro realíssimo da corja de mulatos. deixou-se levar pela embriaguez géstica de seu tempo. a própria consciência cristã do homem ocidental. à custa de expedientes e rapina. flagrante. que. a viver de fantasia. na glorificação da ufania heróica e da grandeza do homem do século VI. impostas à vida religiosa pela vontade paterna. O desprezo por aquelas categorias que deram a arquitetura e o equilíbrio do teatro clássico. torturado pela ideia de que possui uma alma para salvar. que encarna no Poema o sentimento de oposição contra a febre obsessiva da aventura marítima. crescida e mitificada na imaginação coletiva. quando o dramaturgo censura os pais que destinam seus filhos para o casamento. É neste sentido que Gil Vicente é muito mais realista do que Camões. como realmente não conseguiu o teatro renascentista que Sá de Miranda tentou em 1528. a ostentar uma falsa erudição para impressionar a sua clientela. a incapacidade de transportar o drama para as suas criações novelescas. à revelia dos próprios interesses. E. são outras notas que o realismo descritivo de Gil Vicente não se esqueceu de registrar. fazendo o público desfilar com todos os seus vícios perante si mesmo. em Camilo também proliferam as freiras sem vocação. de quadros e de tipos.ocasionados pelo espírito de aventura do homem de seu tempo: Gil Vicente inclui-se no símbolo camoniano do Velho de Restelo. O tema romântico da “mésalliance” que ingressa um pouco tarde na novela passional camiliana. através das suas misérias. agora a figura quixotesca do nobre decadente. a costura de um travesseiro. O seu teatro não é apenas uma visão da sociedade de seu tempo em todos os pormenores: é a visão da vida do homem na sua totalidade. preferiu o retrato vivo da sociedade de seu tempo. XVIII e XIX. a Renascença ofereceu a Gil Vicente a substância necessária com que animar o seu teatro durante 34 anos. a aventura do espaço e a superação das forças adversas da Natureza. o medico charlatão. embriaguez essa que sublimava o poder dos homens e deformava um pouco a realidade histórica.A compensar a penúria da montagem cênica. nesta outra encontramo-lo a dar o devido corretivo para as alcoviteiras – figura que dá uma nota pinturesca à baixa sociedade peninsular e adquire foros no temário da literatura espanhola e portuguesa. motivos e temas de interesse universal. estão a recolher os resíduos das naus que aportam abarrotadas das especiarias do Oriente. mas em todos os seus recantos. depois. que vieram a ser explorados mais tarde pela literatura dos séculos XVII. ................................................................................................................................. onde exalta os efeitos portugueses............ (S...a ensinar a renúncia e propor o caminho que leva à salvação........... o homem preso às realidades terrenas............................................................................................. pois retratar ao vivo a sociedade de seu tempo............................................................ ................................................................. ....... no dramaturgo.......... ............................................. no prólogo mesmo está bem manifestado o espírito vicentino na exaltação da fama lusitana: “principalmente pólo infinito dano que os mouros................ ....... 84-88)..................... ........................................................................................................................ subentendido no efeito purificador de sua arte......................................................................... o homem na sua pequenez.............. .................... não se ajustava muito bem o elogio do homem renascentista...... dentro deste programa previamente traçado para o seu teatro.......................... Isto não impediu................ pois Gil Vicente trazia presente no espírito a função purgadora da dramaturgia.............................................................................. .. expresso pela consciência de cruzada a que se destina seu povo na dilatação da fé......... ............................. O que os aproxima é o sentimento cristão no Épico.............. .... recebem dos portugueses na índica navegação”...................... ........... que chegasse a escrever o Auto da Fama................................................................................... Spina........................................................................................................................................... .............................. ..................................................... o homem que precisa purificar-se para a salvação de sua alma..... todavia....................................................... in «Presença da Literatura Portuguesa Era Medieval» p........................................................................................ a exaltação dos valores épicos.............. ............................................................................................................................................ ......... ................................................................ ............. do heroísmo embriagador dos homens de Quinhentos............. é perfeitamente explicável que.................. Matéria dessa ordem brigava com a índole de seu teatro.............................. ................................................................... ........... .........................................................................Vicente procura exprimir as misérias da vida.................................................. .................... ......................... imigos da nossa fé............................ 93 ..................................... as misérias morais e políticas de então........................ entretanto.................................... ...................................................................................... Se Gil Vicente procura......... maltratar. deduzi. Que não pertence a nenhuma das religiões monoteístas (cristã. costumes e cultos dos pagãos. açoitar.personagem criada por Luís de Camões no canto IV da sua obra Os Lusíadas. Doutrina religiosa considerada legitima. enformar – dar forma a. imortal.ato ou efeito de purgar.vaidade. [«Cheio de bazófia. tomar forma. «inimigo»] 94 . def. . imperecível. piedoso. pio – que tem piedade. ostentação. Renascença (ou renascimento) – período de renovação científica. [ Do lat. Relativo ao oceano Índico. da prep. os conservadores e os reacionários que não acreditavam no sucesso da epopeia dos descobrimentos portugueses. personagem de Cervantes. com base na imitação dos modelos da Antiguidade clássica greco-romana. judia e mulçumana). eterno.relativo ao escritor português Camilo Castelo Branco. Tribunal [Sin. Índico . encorpar. «Amor de Salvação» entre outras). fustigar – bater repetidamente. neta acepç. ou à sua obra. limpar ou purificar. história. simonia – comércio ilícito de objetos sagrados.: fórum. e que se realizou. intuir – perceber ou apreender (algo) por intuição. sem intervenção do raciocínio. ortodoxia [ks] – qualidade e condição do que é ortodoxo.da Índia. mouro – indivíduo do povo árabe que ocupou a Península Ibérica durante o século sete séculos. purgação . foro [ô] – uso ou privílegio garantido pelo tempo ou pela lei. gracejo. acontecimento histórico. vaidade. delicadeza. quixotesco [é] . manuelino . («Amor de Perdição». camiliano . desenvolver-se. literária e artística. galanteio. Exaltar exageradamente qualidade ou atributos de (algo ou alguém).transforma em mito. Castigar por qualquer modo. comum. concluir. no plano estético. graça. presunção. 1825-1890. inimĩcu. ufania . polo – antiga contr. vulgarmente considerado como iniciado no século XIV e prolongado através dos séculos XV e Xvi. indulgências ou benefícios eclesiásticos. imigo – forma arcaica de inimigo. Galantaria ou galanteria – arte de galantear. pagão – que não foi batizado. paganismo . corpo. Velho de Restelo . Trivial._____ NOTAS: enformação – ato ou efeito de enformar. [Do fr.relativo a Dom Quixote. Manuel I de Portugal (1469-1521) e à sua época. físico ou moral. devoto. Meter na fôrma ou no molde. gesta [є] – façanha.relativo ao Rei D. «façanhas»] mitificar . discordava de tudo e de todos»]. [Do lat. banal.que não é morredouro. O Velho de Restelo simboliza os pessimistas. bazófia . mésalliance [mêzalianç] – casamento desigual.] prosaico – relativo ou pertencente à prosa. fuso – utensílio para fiar a roca. presunção. Peça onde se enrola a corda do relógio. que não acaba. roca [ó] – instrumento que serve par afiar. Fineza. fatuidade – qualidade de quem é fátuo.vaidade desmedida. galanterie (galantəri) ] imorredouro . indiano. gesta.conjunto das ideias. por+o art. o. porque o Senhor é contigo. C)A elaboração requintada. 04)Aponte a alternativa correta em relação a Gil Vicente: A) Compôs peças de caráter sacro e satírico. E)Representa o melhor do teatro clássico português. Ó Virgem. mais te quero inda dizer: benta és tu em mereceres mais que todas as mulheres. D)A preocupação com o homem e com a religião. se ouvir me queres. D)Só escreveu peças e português. B)A obra escrita em prosa. nascidas e por nascer. O fragmento acima pertence à peça: [a] Farsa de Inês Pereira [c] Auto da Alma [b] O Velho da Horta [d] Auto da Mofina Mendes [e] Auto da Índia 02)A obra tem como tema o ditado popular "Mais quero asno que me carregue do que cavalo que me derrube" e trata da questão do casamento por interesse. humana e divina rosa. além de fornecer um retrato fiel dos costumes da época. criticando seus valores superficiais e vazios. O fragmento acima pertence à peça: [a] Farsa de Inês Pereira b] O Velho da Horta [c] Auto da Alma [d] Auto da Mofina Mendes 03) Caracteriza o teatro de Gil Vicente: A)A revolta contra o Cristianismo. 95 [e] Auto da Índia . E)A busca de conceitos universais. cheia de graça graciosa. C)Escreveu a novela Amadis de Gaula. dos pecadores abrigo! Goza-te com alegria. B) Introduziu a lírica trovadoresca em Portugal. Maria.Atividades 01)Estudo do texto Oh! Deus te salve. .......... ........................ [E]Aprofunda-se nos valores clássicos......................................... Parece-te que é justiça?” O fragmento acima pertence à peça: [A] Farsa de Inês Pereira [B] Quem tem Farelos? [D] O Velho da Horta [E] Auto da Mofina Mendes 96 [C] Auto da Índia ......................................................... de oscilante classificação como o Auto dos quatro tempos............................. ..........................................Para que é envelhecer esperando pelo vento? ......................... [C]Apresenta-se como traço de união entre a Idade Média e a Renascença................... ............. ............................. encontra-se elevados valores cristãos........................................ .................................. 08)Qual a primeira obra de Gil Vicente? ............ 09)Estudo do texto “................................... 07)Qual a principal característica da obra de Gil Vicente? ....... Partiu em Maio daqui Quando o sangue novo atiça................................................................................................................................. rudimentar e popular.............................. 06)Em que circunstâncias Gil Vicente produziu sua obra? ....................................... [A]Embora servisse para o entretenimento da Corte...................... seu teatro caracterizava-se por ser primitivo................................................ ................... [D]Ao lado da sátira....................05)Assinale a alternativa incorreta a respeito da obra de Gil Vicente............................................................. [B]Algumas de suas peças têm caráter misto....................... seguindo rigidamente os padrões do teatro grego............................................................................................................ ........................................... ....................................... Comente metaforicamente acerca desse provérbio.................... 12)O texto denuncia a revolta da jovem confinada aos serviços domésticos.............................. 15)A sátira de Gil Vicente abrange as três classes sociais......................... ................................................................. ................... o que confere atualidade à obra..................... ......................................................................................................................................................................................................................... ............ [C] Auto da Alma 11)A Farsa de Inês Pereira é glosada a partir do provérbio «Antes burro que me leve que cavalo que me derrube»... .................................. ... ...................................................................... Assinala alternativa que justifica o enunciado acima: [A] Auto da Índia [B] Quem tem Farelos? [D] O Velho da Horta [E] Farsa de Inês Pereira.................................................................................................................................................................................................................................................. .......Essa afirmação se refere à peça? [A] Farsa de Inês Pereira [B] o Velho da Horta [D] O Velho da Horta [E] Auto da Índia [C] Quem tem Farelos ? 13)Qual a peça de Gil Vicente que tem por tema uma das conseqüências das viagens dos descobrimentos: o adultério? [A] O Velho da Horta [B] Auto da Alma [D] Auto da Feira [E] Auto da Índia [C] Farsa de Inês Pereira 14) Qual a peça que Gil Vicente termina a sua carreira dramática? ............ ........ profano e divino............... Quais são essas? .......................................................................................................................... .......10)”Nas peças religiosas o autor coloca sempre em relevo a oposição dos dois mundos: material e sobrenatural... trevas e luzes”...................................................................................................... 97 ..................................................................................................................................... . revestiu sempre uma forma frustre e rudimentar.. Gozando naturalmente duma liberdade de espírito na corte em que vive.............................. ............................................... se considera a sua obra como um espelho..... no Velho da Horta........... onde verbera a fraqueza amorosa de um velho.............................................. ....... ........................ o rei e o alto clero.................... 08)Os vivos aparecem frequentemente nos seus autos..............................16)Assinales alternativas corretas e some os valores: 01)Uma das características das obras de Gil Vicente é o recurso a personagens-tipo............. ............. ......................... 02)Vicente é considerado um poeta-dramaturgo ........................ ____ 17)Sintetize com suas palavras o teatro pré-vicentino............ Por isso........................................ explica-se que Gil Vicente fustigue de forma impiedosa toda sociedade de seu tempo.. entre nós............................................................... porque toda a sua obra é escrita em verso........... são uma síntese dos defeitos e virtudes desses grupos...................................... Foi o primeiro a fazer valer o texto literário sobre a cenografia e o espetáculo............................................................................... que se enamorou de moça de bom parecer.......................................... 32)O teatro medieval. As suas personagens não são individuais................................. .. 98 .......................... uma profissão....... com a mais franca autonomia.......... Desta forma... ....... ............ .......... até à mais baixa classe social...... Às vezes é irônico e sarcástico........... 04)O teatro de Gil Vicente foi considerado.............. que Gil Vicente desconheceu os problemas da burguesia urbana assim como os do trabalho artesanal e do assalariados citadinos...... por exemplo........ Dramaturgo por ser criador de teatro e poeta.............................................. 16)Suas peças dão-se a sensação de quem escreve num inteiro à-vontade... sem atacar diretamente alguma pessoa em particular.. uma classe social. .................................. em resumo..... como sucede................. representam sempre um grupo...... já na época do autor......... 64)A análise das personagens vicentinas e da sua importância relativa mostra-nos................... porque reflete fielmente a sociedade do séc.......................... pondo a descoberto muitos dos vícios e hábitos das várias classes sociais................................. Gil Vicente satirizava a sociedade.......... com seus cânticos.......................... .......... ..................... um teatro rico e original................................................. Nas suas obras critica a sociedade do seu tempo................. desde o papa... XV...................... Os jograis e jogralesas....... recitativos e danças....................................... Assim.. foram os primeiros atores............................. isto é......................... ............................................... ................................................................. ........ ........... ........... ..... 64)Gil Vicente não poupou............. 04)Gil Vicente preferiu o retrato vivo da sociedade de seu tempo.................. XVIII e XIX........................ 16)A sátira tem uma intenção moralizadora......................................................................................................................... o procurador.......... apontando erros e incoerências 32) Gil........................... Mete a ridículo pessoas................................... ............. o meirinho e o oficial de justiça....... 08)Gil Vicente realiza com certa mestria a arte de ridicularizar baixas crendices..................... . ............... .............................. 02)Gil Vicente intuiu situações.................................................................................... ................................................................... instituições.............................................................................................................. através das suas misérias.... ideologias ou a própria sociedade................................................ ...................................................18)Comente acerca da Farsa dos Físicos............................................................................................................................................................................... censurando vícios e defeitos..................................... _____ 20)Caracterize as três fases do teatro vicentino........................... ........................................................................... Gil Vicente............................. igualmente...... ................. ..................................... 99 ............................ 19)Assinales alternativas corretas e some os valores: 01)O seu teatro é apenas um visão da sociedade de seu tem pó em todos os pormenores................................................................................ mas em todos os seus recantos............ não era habituado a censurar maus costumes entre leves gracejos................ autor e também actor.................................... motivos e temas de interesse universal a ser explorados mais tarde pela literatura dos séculos XIII...................................................................... ........ as profissões liberais: o juiz................... elequente e muito hábil em dizer verdades entre gracejos......................................................................... o corregedor................................................................... . COELHO.Auto da Barca do Inferno. gramática e redação: 2º grau. 94-95-160-161. In: História crítica da literatura portuguesa [Humanismo e Renascimento]. 100 . Gil Vicente – Auto da Feira. CEREJAS. _______________ . Gil Vicente – Auto da Alma. 1991. História da literatura o renascimento literário europeu.FONTE DE CONSULTA ABDALA JÚNIOR. Gil Vicente – Auto da Barca do Inferno. 1991. Gil Vicente . Lisboa/São Paulo: Verbo. 1993. Benjamin e PASCHOALIN. ANDRADA. Lisboa: Planeta. (Org.). “Gil Vicente: retrato e crítica” In: Português: linguagem: literatura. Lisboa: Livraria Popular de Francisco Franco. Para uma leitura de Auto da Alma de Gil Vicente. Lisboa: Publicações Europa-América. p. Porto: Porto Editora.). 1985. Mário (Org. Lisboa: Livraria Popular de Francisco Franco. ______________________________ . 1990. Auto da Índia. 1985. ALVES. Gil Vicente – Farsa de Inês Pereira. GONÇALVES. FONSECA. Ana Paula. Lisboa: Publicações Europa-América. Maria Amália Ortiz da (Org.). Manuel dos Santos (Org. Lisboa: Seara Nova.). Lisboa: Publicações Europa-América. 1990. s/d. António (Orgs. “Gil Vicente e o teatro português. 1994. s/d. 1991. 1987. Thereza Cochar. Dicionário de literatura. Jacinto do Prado. Maria Aparecida.). São Paulo: Ática. DIAS. Gil Vicente – Auto da Índia.). «Farsa quem tem farelos?». Maria José e EUSÉBIO. Eduardo. Quem tem Farelos? Lisboa: Editorial Comunicação. Vanda. BERNARDES. _____________________________ . Porto: Figueirinhas. 1999. ____________________________ . (v. (Org. Quem tem Farelos? por Gil Vicente. William Roberto e MAGALHÃES. Dicionário de literatura.” In: História social da literatura portuguesa. Jacinto do Prado. 1990. Lisboa: Publicações Europa-América. FIÚZA. (Org. São Paulo: Atual. IÁÑEZ. Gil Vicente – Auto da Índia. Porto: Figueirinhas. 1990. 1973. Ernesto de Campos de. 1985. 1). “Gil Vicente: o teatro de corte e a dramaturgia popular”. Porto: Porto Editora. _____________________________ . José Augusto Cardoso. Lisboa: Editorial Presença. 1999.). Lisboa: Publicações Europa-América. ANÁSTASIO. COELHO. Lisboa: Gradiva. Oscar. 1967. SIMÕES. São Paulo: Cultrix. RAMOS. A. António José. RIBEIRO. Feliciano. In: Fundamentos de língua e literatura. In: Pequeno dicionário e literatura portuguesa. _______________ . Braga: Livraria Cruz. In: Súmulas de literatura portuguesa. Avgvsto C. Porto Alegre: Globo. Auto de Inês Pereira. II – Gil Vicente – reflexo da crise. 101 . 1967. Auto de Inês Pereira. SARAIVA. Porto: Porto Editora. História da cultura em Portugal vol. Lisboa: Editorial Comunicação. “Gil Vicente”. OLIVEIRA. Gilberto (Org. Osório. (Org. 1984. Massaud. In: Literatura portuguesa da Idade Média a Fernando Pessoa. 1989. “Gil Vicente”. MATEUS. MOURA. António José e LOPES. 2000. Haroldo.LIMA. “Gil Vicente”. In: Iniciação na literatura portuguesa. Lisboa: Editorial Comunicação. RIBEIRO. Lisboa: Editorial Comunicação. Lisboa: Publicações Europa-América. 1993. Auto da Índia de Gil Vicente. s/d. 1979. Celso Pedro. Cristina Almeida. 1988. LUFT. “Teatro popular” In: A literatura portuguesa através dos textos. p. 1991.189-217. São Paulo: Cultrix. MOISÉS. gramática e criatividade: volume I. RODRIGUES. São Paulo: Saraiva. 1991. 1997. “Gil Vicente e o teatro medieval”. Auto da Índia de Gil Vicente. Cândido de. In: Literatura. História da literatura Portuguesa desde o século XII aos meados do século XX.). NICOLA. __________________ . 1991. 1988. Manuel. s/d. Cloder Rivas e MESQUITA. 1992. Lisboa: Editorial Comunicação. São Paulo: Gráfica Biblos Limitada. 15ª ed. Lisboa: Editorial Comunicação. “Gil Vicente”. Teatro de Gil Vicente – Auto da Índia /Auto da Barca do Inferno / Auto da Barca do Purgatório / Farsa de Inês Pereira. In: Dicionário de literatura portuguesa e brasileira. Maria Idalina Resina. José de. Auto da Alma de Gil Vicente. SARAIVA. 1988. São Paulo: Scipione. p. J. Lisboa: Ulisseia. Cristina Almeida. Exortação da Guerra de Gil Vicente. Roberto Melo. MARTOS. “Gil Vicente”. Pires de.40-47. Porto: Editorial Domingos Barreira. 1981. São Paulo: Editora do Brasil.). “O teatro popular – Gil Vicente”.1º volume /2º grau. “Gil Vicente” In: História da literatura portuguesa. RAMANZINI.. 4)Espero que esse resumo sucinto do teatro vincetino. pesquise outros textos que estão citados na fonte de consulta. VICENTE. ___________ .139. 83. 1981. Augusto C. TUFANO. __________ . Martin Claret. Lisboa: Publicações Europa-América. ____________ Gil Vicente: autos / por Cleonice Berardinelli. Entretanto. Gil.SPINA. poderá haver alguns deslizes ortográficos. Douglas. Lisboa: São Paulo. 1991. Pires de. Farsa de Inês Pereira / Auto da Barca do Inferno / Auto da Índia. Presença da literatura portuguesa . (Orgs. Sátiras sociais – Auto da Índia / Quem tem Farelos?/Farsa de Inês Pereira/O Juiz da Beira/Farsa dos Almocreves/ Romagem dos Agravados. 2006. Auto da Alma e Auto da Feira. 1988. Segismundo. São Paulo: Difel. ____________ . ____________ . Auto da Barca do Inferno. São Paulo: Moderna. 1996. v. Obras-primas do teatro vicentino. TORRINHA. O velho da horta /Quem tem farelos? /Auto da Índia. 2)Além dos textos complementares. «Dentro de você existe um Gênio. 105) ___________ .era medieval. Porto: Editorial Domingos Barreira. (Nossos Clássicos. Francisco e LIMA. descubra-o!» 102 . 3)Os textos complementares não foram fotocopiados. s/d. Os Autos das Barcas.). 2006. ___________________ NOTAS IMPORTANTES: 1)Leia todas as peças na integra. In: Estudos de literatura portuguesa. foram digitados. São Paulo: Ateliê Editorial. ________________ . 1981. 1983. 2006. 1991. v. Lisboa: Publicações Europa-América. Lisboa: Publicações Europa-América. “O teatro de Gil Vicente”. traga-lhe conhecimento do teatro português da Idade Média. Farsa de Inês Pereira de Gil Vicente. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. Rio de Janeiro: Agir. São Paulo: Martin Claret. 103 .