Koltes

March 27, 2018 | Author: Adriano Roman | Category: Theatre, Love, Argument, Science, Philosophical Science


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Na Solidão dos Campos de Algodãode Bernard-Marie Koltès teatro 11, 12, 13, 14, 15 e 16 de julho de 2006 21h30 (dias 11, 12, 13, 14 e 15) · 17h00 (dia 16) · Palco do Grande Auditório · Duração 1h25 Título original Dans la solitude des champs de coton (1986) Tradução Nuno Júdice Encenação Philip Boulay Cenografia Jean-Christophe Lanquetin Com Diogo Dória (o Cliente) e Victor de Oliveira (o Dealer) Músico Piero Corso Luzes Stéphane Loirat com a colaboração de Quito Tembe Responsável pela produção Jean-Christophe Boissonnade Uma co-produção Compagnie du Tournesol, Culturgest, Festival Internacional de Teatro de Almada, Centro Cultural Franco-Moçambicano (Maputo) com a participação do Forum, Scène conventionnée de Blanc-Mesnil e do Serviço Cultural da Embaixada de França em Moçambique. Espectáculo integrado na programação do Festival de Almada 2006. © agence enguerand bernand O espectáculo A palavra em Koltès é hemorrágica: esvazia-se, fala-se, é palavreado; é uma palavra que é um gesto, é uma parada. Tem o seu corpo, a sua língua, a sua musculatura. Deve ser incarnada. Este “clarão” da palavra, aquecida ao branco, sonda o desejo. De que fala? Ou, ainda mais difícil, de que falam eles (o Dealer, o Cliente)? Os falantes, os protagonistas desta língua, entregam-se, indo bem para lá de si mesmos e dão conta da ferida de todo o encontro. Falam apenas para encontrar o próprio objecto da sua palavra. Procuram dizer o seu desejo. O que acaba por significar arrancar, do outro, a confissão do seu desejo, e para si mesmo negar que se possa ter um – a menos que seja o desejo astucioso de declinar a oferta, ou o desejo, feito aparentemente de abnegação, de o providenciar. Mas procurar dizer o desejo, seja o humilde desejo de satisfazer o outro desejo ou seja a arrogância do desejo que recusa a sua satisfação, conduz invariavelmente a reencontrar o próprio desejo como origem da palavra. Procurar dizer o seu desejo só tem sentido se a palavra já for, ela própria e desde logo, o fruto do desejo. Mas se é o desejo que faz falar, como falar dele? Querendo a luz que faz ver, só se encontra ofuscamento, cegueira. Talvez a peça fale deste impasse, do ofuscamento que vem sempre depois da iluminação. Uma vez o desejo posto à luz do dia, dir-se-ia que se descobre o nada: o vazio de toda a oferta que esquece que só é rica à luz do desejo do outro ou o vazio de uma satisfação que não tivesse sido precedida pela experiência própria ao desejo, que consiste na sua exposição, a sua enunciação, para o outro. O texto diz portanto também este combate: desafio amoroso permanente, frente a frente de lutadores, a falta erigida em arma definitiva. E como que para não ceder ao fantasma do seu desejo (o assassínio do outro), um e outro entram na dualidade consigo mesmos, saem do duelo para serem verdadeiramente dois: tanto quanto o desejo só existe como espelho do desejo do outro, há apenas uma palavra para dois, quer dizer, palavra nenhuma. Resta de alguma forma, porque há encontro, uma ternura, uma ternura humana – a ternura ficando como a única traição feliz do amor… caso contrário só restará declarar guerra a todos e perpetrar o assassínio: dois homens só podem dar as mãos obliquamente, lateralmente, cruzando-se; cada um apresentando ao outro o seu perfil, vulnerável, exposto. A minha relação com a peça Na Solidão dos Campos de Algodão existe desde que comecei a trabalhar. Foi com esta peça que fiz a minha primeira encenação, no Conservatório Nacional Superior de Arte Dramática de Paris (1994). Repusemo-la no Théâtre de la Cité Internationale, depois em digressão no Printemps des Comédiens de Montpellier e no Festival Verbier & Academy, na Suíça (1995). Uma segunda versão foi criada, dez anos mais tarde, com o mesmo elenco (Victor de Oliveira/O Cliente e Vincent Ozanon/O Dealer), no Forum, Scène Conventionée de Blanc-Mesnil, depois em digressão no Teatro Nacional de Ankara e na Antiga Oficina de fabrico de Moeda do Palácio dos Sultões Topkapi, em Istambul (2004/2005). O projecto de voltar a trabalhar A Solidão, desta vez em versão portuguesa, prende-se simultaneamente com este percurso em comum com o texto ao longo do tempo e com os dois actores lusófonos que são Victor de Oliveira e Diogo Dória. As minhas idas e vindas a África também contaram. E muito: Bernard-Marie Koltès revela de forma perturbante algumas realidades urbanas africanas, e o que aí se vive. De modo que iremos também explorar as ressonâncias e deflagrações de sentido da língua koltesiana em Moçambique (representações em Maputo): provavelmente, algumas palavras do Dealer, sejam elas ditas em Lisboa ou na antiga colónia portuguesa – e claro, ou mesmo sobretudo, as respostas do Cliente – serão ouvidas em toda a sua dimensão de uma troca (ou de um desejo) Norte/Sul. A menos que se trate do contrário: uma linha Sul/ Norte que não seja forçosamente a do arame farpado como os de Mellila ou Ceuta. Philip Boulay © Elsa Ruiz O autor Bernard-Marie Koltès nasceu em Metz em 1948. Educado pelos jesuítas, estudou piano, órgão e jornalismo antes de entrar para a escola do Centre Dramatique de l’Est em Estrasburgo. Fundou de seguida a companhia Le Théâtre du Quai para a qual escreveu Les Amertumes (1970), La Marche – Le Procès ivre (1971) e Récits morts (1973), que ele próprio encenou. Escreve para a rádio L’Héritage (1972) e Des Voix sourdes (1973). Depois de uma viagem à Rússia em 1973, escreve o romance La Fuite à cheval très loin dans la ville, seguido de Le Jour des meurtres dans l’histoire d’Hamlet. Em 1976 escreve La Nuit juste avant les forêts (que encena em 1977 e que será montada em toda a Europa) e Sallinger em 1977. Viaja à Nicarágua, à Guatemala e a Salvador e depois escreve Combat de nègre et de chiens em 1979. A partir de 1983 dá início à sua parceria com Patrice Chéreau, que criará Combat de nègres et de chiens, depois Quai Ouest (1985) e Le Retour au désert (1988). Dans la Solitude des champs de coton foi estreada em Janeiro de 1987 no Théâtre des Amandiers, Nanterre, com encenação de Chéreau e interpretação de Isaach de Bankolé e Laurent Malet (Chéreau seria ele próprio intérprete numa segunda e numa terceira versões). As peças de Koltès são representadas em toda a Europa, especialmente na Alemanha. Entre 1981 e 1985 passa vários períodos em Nova Iorque e também no Senegal. A sua última peça, escrita em 1988, é Roberto Zucco, criada em Berlim em 1990 por Peter Stein e estreada em França em 1991 com encenação de Bruno Böeglin. Morre em 1989, depois de vários meses de viagem ao México, à Guatemala e a Lisboa. Koltès em Portugal Segundo a CETBase (do Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras de Lisboa), foram apresentados em Portugal os seguintes espectáculos a partir de textos de Koltès: Combate de negro e cães (1990, TEAR; 1999, Teatro Nacional S. João; 2003, Théâtre National de Toulouse), Roberto Zucco (1994, Teatro do Século; 1998, Teatro Só; 1998, Compagni Utopia ASBL; 2005, Comuna – Teatro de Pesquisa), Cais Oeste (1999, Seiva Trupe; 1999, Ensemble – Sociedade de Actores), A noite mesmo antes da floresta (2001, Casa Conveniente; 2002, Teatro Plástico; 2003, Trimagisto) e Nicarágua prologue (2004, Mala Voadora). Na Solidão dos Campos de Algodão teve estreia portuguesa a 25 de Abril de 1990, pelo Novo Grupo/Teatro Aberto, com tradução de João Lourenço e Vera San Payo de Lemos, dramaturgia de Vera S. P. de Lemos, encenação de João Lourenço, cenário de Nuno Carinhas e João Lourenço, figurinos de Nuno Carinhas, música de Eduardo Paes Mamede, luzes de João Lourenço e Melim Teixeira e interpretação de João Perry (Dealer) e Mário Viegas (Cliente). Em 1999 o Teatro Só apresentou a peça com tradução e encenação de Nuno M. Cardoso, que a interpretou com Nuno Cardoso primeiro no Citemor e depois no Balleteatro Auditório, Porto. Em 2002, no Teatro Garcia de Resende, em Évora, a Trimagisto – Cooperativa de Experimentação Teatral apresentou o espectáculo com tradução de Luís Correia Carmelo, dramaturgia de Artur Barradas Lopes e Rui Pina Coelho, encenação e dispositivo cénico de Artur Barradas Lopes, luzes de António Oliveira e interpretação de Luís Correia Carmelo e Nuno Coelho. O mesmo grupo apresentou novamente o espectáculo no ano seguinte, na ex-Fábrica dos Leões, em Évora, com tradução e elenco idênticos, luz de Sara Gil e um colectivo dramatúrgico composto por José Alberto Ferreira, Luís Correia Carmelo, Nuno Coelho, Tiago de Faria, Tiago Porteiro e Rui Pina Coelho. Ainda em Évora, no Garcia de Resende, o CENDREV montou a peça com tradução e encenação de Mário Barradas, cenografia de Christian Rätz e interpretação de Rui Nuno e Victor Zambujo. Em Março deste ano, o Teatro Plástico apresentou o espectáculo no Porto, no Parque de Estacionamento da Rotunda do Castelo do Queijo, com tradução de José Paulo Moura (publicada em edição de autor), encenação e direcção plástica de Francisco Alves, banda sonora original e desenho de som de Ricardo Serrano, desenho de luz de Mário Bessa, projecto de artes plásticas de Miguel Soares e interpretação de Alberto Magassela e Afonso de Melo. No mesmo mês, a partir do texto de Koltès, Martim Pedroso criou o espectáculo Impasse na Casa Conveniente, em Lisboa. O texto Um deal é uma transacção comercial de valores proibidos ou estritamente controlados que se conclui, em espaços neutros, indefinidos e não previstos para esse uso, entre fornecedores e fregueses, por acordo tácito, sinais convencionais ou palavras de duplo sentido – com o objectivo de contornar os riscos de traição ou de vigarice que tal operação implica – a qualquer hora do dia ou da noite, independentemente das horas de abertura regulamentares dos estabelecimentos de comércio homologados, mas sobretudo às horas de fecho dos mesmos. Bernard-Marie Koltès Preâmbulo a Na Solidão dos Campos de Algodão que se é pobre, pobre de desejos, há todas as feridas que se podem fazer ao desejo do outro e o sofrimento que se descobre e que ao mesmo tempo se recusa. Patrice Chéreau, 1995 Há dez anos, quando Bernard-Marie Koltès me falava da peça que estava a escrever e que se tornaria Na Solidão dos Campos de Algodão, contava-me o seguinte: dois homens que não se conhecem abordamse: diz-me o que queres e eu vendo-to, diz o primeiro, e o outro responde: diz-me o que tens e eu digo-te o que quero. É o deal sob todas as suas formas, são todas as formas de deal que a vida propõe, é a verdade das relações entre os homens. Aqui, dois homens orgulhosos e trapaceiros; o dealer nunca dirá o que propõe – mas talvez porque é a ele que lhe falta algo –; o cliente exigirá sempre que se adivinhe o que reclama – mas talvez porque já não sabe como se faz para pedir –; de uma e outra parte um amor próprio igual, em breve um mal-entendido doloroso, depois assassino. Há o que não se pode dizer e o que não se quer fazer, porque não se deve dar de bandeja ao outro a sua fraqueza, há uma espera louca e tenaz, a descoberta de Para mim o que há de enorme é esta mistura de Rimbaud e de Faulkner. As personagens são construídas e desenvolvidas inteiramente a partir da linguagem. Ao mesmo tempo encontra-se nestes textos uma estrutura molieresca. (…) O que Koltès faz é muito raro na escrita dramática recente. As peças dos outros autores têm apenas uma estrutura de intriga e a intriga no teatro é aborrecida. É em vez disso necessário tornar obscura ou fazer saltar esta estrutura de intriga. Em Koltès há ao invés uma estrutura de ária. Isto quer dizer que o autor está mais ou menos directamente presente nos seus textos, nas suas personagens. Acho isso muito importante, porque neste momento a tendência geral é a extinção do autor, a expulsão do autor do texto e também do teatro. Foi isso que me interessou em Koltès. E aqui não estive isento de inveja, porque tem um ar de tal forma não-construído. Estamos na presença de passagens fluidas de um nível de percepção a outro. Estas passagens são absolutamente fluidas e não as podemos situar em pontos precisos. E acho isso extraordinário. O todo tem também qualquer coisa de lírico, qualquer coisa de poema, mas é uma corrente de consciência. Não são placas que são colocadas uma ao lado da outra. Esta corrente de consciência representa a força destes textos: Koltès faz com a linguagem o que o cinema faz com a imagem. Heiner Müller Na Solidão dos Campos de Algodão (1986) é frequentemente considerado, e com justiça, a peça central da obra koltesiana: menos espectacular que Combate de negro e de cães (1983), menos provocadora do que Roberto Zucco (1990), possui uma perfeição formal e profundidade enigmática que dão sempre vontade de voltar a esta obra para lhe admirar a estranha harmonia. Cume da arte de Koltès, da sua faculdade de baralhar as pistas, esta peça, embora muito comentada, conserva todo o seu segredo. (...) Mais do que como uma intriga composta por acontecimentos visíveis e uma progressão da intriga, a peça apresenta-se como uma série de proposições logicamente ligadas umas às outras, uma sequência de argumentos e de contra-argumentos, que são outras tantas etapas de uma negociação e de um deal de que se apreende mal o objectivo. Em vez de uma intriga, deparamo-nos com a exposição quase matemática dos temas e dos topoi de todo o comércio, com as suas tentações, as suas tentativas e as suas tensões. Nesta justa verbal, cada um tenta fazer ceder o outro, fazê-lo aceitar os seus argumentos, obrigá-lo a descobrir-se e levá-lo à conclusão do negócio. A troca conclui-se? Nada é menos certo, já que se não há entre eles nada que não tenha sido “entendido” ou adivinhado, o leitor nunca chega a conhecer o objecto da disputa e do desejo. Será o amor, o comércio, o desejo do desejo? Três pistas, pelo menos, que são outros tantos fios condutores, isotopias de leitura. (...) O diálogo parece-se mais com um tratado de filosofia do que com um drama; há apenas duas personagens; não se passa nada e no entanto, pela forma, lembra uma tragédia clássica: um Corneille onde se rivalizasse em generosidade para convencer o outro a declarar-se, um Racine onde o desejo e a paixão não ousassem dizer o seu nome (...). Um conflito permanente e aberto opõe os dois cúmplices em longas tiradas onde se respondem argumento por argumento segundo as regras de um tratado de lógica ou de direito. A troca não é psicológica, não são dois caracteres, dois humores que se enfrentam como indivíduos específicos, mas duas máquinas de falar, de raciocinar e de convencer, de se defenderem e de contra-atacarem. A lógica do comércio apaga as leis da psicologia: é mais directa e mais cínica, menos sentimental e menos afectiva. Mas a conclusão do deal é uma miragem que, como o desejo, escapa a toda a apreensão e afasta-se sem parar. Também as acções físicas importantes não são aquelas, visíveis, dos jogos de cena das personagens em conflito, mas as outras, intangíveis, das etapas do deal. (...) As principais regras clássicas são observadas: unidade de lugar (um espaço neutro), de tempo (o momento breve de um encontro onde dois desconhecidos se cruzam), de acção (sobretudo interior). O decoro é respeitado, o tom é muito elevado e a expressão muito polida. Enquanto que nas suas outras peças Koltès vai alegremente contra as regras, aqui respeita-as à letra, renovando com uma estética clássica, ou mesmo pré-clássica: a do diálogo filosófico (de um Platão ou de um Diderot, por exemplo) ou da disputatio medieval. Mais do que de neo- ou protoclassicismo, seria preciso falar de pós-classicismo (de pós-dramático), já que não se trata de um regresso às fontes pré-dramáticas ou de um pastiche da tragédia clássica mas de um deslocamento e uma desclassificação irónicos dos cânones clássicos. Como se Koltès, ao reconstituir as formas e os discursos hiperclássicos, não quisesse deixar de pôr um pauzinho na engrenagem. O leitor cedo se apercebeu de que não pode contar com este texto, apesar da sua forma reconfortante e séria, que a obra se recusa a uma conclusão clara e a toda a cooperação duradoura. Qualquer metalinguagem para analisar a obra, todos os andaimes para lhe verificar a construção vêm a provar-se pouco seguros e contraditórios. (...) Se o espaço é neutro e o tempo indefinido é porque a cena se passa num lugar não realista, nem sequer talvez real, apenas evocado pelos diálogos e nunca descrito pelas didascálias. Este espaço-tempo é simbolizado unicamente pela linguagem, como numa tragédia ou comédia clássicas. O início da peça parece uma reminiscência das primeiras palavras da Disputa (uma peça que Koltès tinha admirado muito na encenação de Chéreau): “Eis o lugar do mundo mais selvagem e mais solitário...” A linguagem cria o lugar em Marivaux como em Koltès. (...) A frase com extremas circunvoluções, a retórica neoclássica dos seus argumentos constituem a sua única moeda de troca, uma temível máquina textual que, no dispêndio, excesso e potlatch, se situa nos antípodas de uma troca de informações e de uma comunicação eficaz. A frase koltesiana, máquina de ilusões, não tem tanto de ser compreendida pelo leitor ou ouvinte mas sim descrita, quer dizer tanto comentada quanto percorrida, como se descreve uma paisagem no comboio que a atravessa. A trajectória das frases e das réplicas descreve uma figura, espacial e retórica, que não penetra o sentido mas percorre o relevo da paisagem textual. Parece-se um pouco com a máquina de Descartes: “uma gigantesca máquina na qual só há a considerar as figuras e os movimentos das suas partes.” Máquina de guerra, ou pelo menos de devolver a palavra, com um funcionamento dominado pouco a pouco pelo leitor, que se faz cada vez mais rápida, mais simples, mais conflitual até ao confronto final (“Então, qual é a arma?”). A frase acaba por só se referir a si própria enquanto mecanismo eficaz, mas vazio. O pastiche das formas clássicas heróicas, ou heróico-cómicas, a argumentação digna da retórica clássica conduzem a um jogo metatextual e a uma auto-encenação da língua, e já não do mundo e da ficção como na metáfora barroca do mundo como teatro, mas do período retórico como jogo de linguagem. À estandardização da linguagem, ao domínio dos media, opõe-se esta escrita do excesso e esta preciosidade do estilo: um estilo de tal forma rebuscado e torneado que corta qualquer referência mimética ao real. (...) O desejo – a conclusão do deal, seja qual for o seu objecto – não se pode realizar, porque cada um se instala nas suas posições, se limita a repetir a sua recusa: de dizer o que se quer comprar ou o que se quer vender, de dar ou de receber. Esta “maneira comercial de encarar as relações humanas”* exclui todo o sentimentalismo, mas também toda a realização do amor. Estamos de facto na situação bloqueada de uma impossibilidade lógica, de um koan do amor que Lacan formulava nestes termos: “O amor consiste em dar algo que não se tem a alguém que o não quer.” O dealer, provavelmente, não tem nada para dar e o cliente não lhe quer comprar nada. E portanto “não há amor”, só armas para seduzir. O desejo não encontra o seu objecto, porque não lhe diz o nome, talvez simplesmente porque é inconsciente da sua identidade real, porque não sabe o que deseja. “O sujeito – diz-nos Lacan – não é aquele que pensa. Mas o que deseja. Compreende-se então que o desejo seja inseparável do pensamento inconsciente.” Não confessando a si próprios em que consiste o desejo e procurando portanto o desejo pelo desejo, os protagonistas negam-se a si mesmos, e negam o mundo exterior, porque a paragem do desejo é talvez o nirvana, mas é também o enclausuramento, o suicídio, a morte. (...) Patrice Pavis Le Théâtre Contemporain – Analyse des texts, de Sarraute à Vinaver, Armand Colin, 2004 * Bernard-Marie Koltès, Une part de ma vie, Paris, Minuit, 1999, p. 127. filme e conversa 12 de julho de 2006 18h30 · Pequeno Auditório · Entrada Livre Argumento e Realização François Koltès Produção BEKA Responsável Sylvie Versluys Co-produção Ardèche Images Production, France 3 Fotografia Kevin Jewison, Damien Morisot Som Sylvain Girardeau, Mustapha Delleci Fotos de arquivo e Filmes Elsa Ruiz, Emile Hilt, INA Ano 1996 Duração 45 minutos A seguir ao filme haverá uma conversa com o autor e Philip Boulay, encenador de Na Solidão dos Campos de Algodão de Koltès. Bernard-Marie Koltès: Comme une étoile filante (Como uma estrela cadente) de François Koltès A vida de um escritor que se alimentou dos seus encontros, que compreendeu e exprimiu como um visionário a globalidade do mal do fim do século, que queimou a sua vida atravessando a existência de muitas pessoas, aí deixando uma marca profunda, como o seu herói Roberto Zucco, como uma estrela cadente. O Bernard nasceu em 1948, tinha eu quinze meses. Tanto quanto me lembro nós éramos gémeos e, se não foi por erro da natureza – de que não quero acusar os meus pais –, tratou-se propriamente de um excesso do meu irmão já com inclinação para a preguiça, que me empurrou demasiado cedo para fora da nossa mãe de modo a que eu fosse ver como era o exterior (origem de um hábito que ele confirmaria de seguida, enviando-me, por exemplo, as suas primeiras peças para que as secasse), e para se banhar sozinho no suco e essência maternos, inscrevendo aí boa parte do seu destino e privando-me das vantagens que permaneceram para mim, nascido cedo demais, uma carência irremediável e por conseguinte um pesado handicap. Mas foi no entanto muito feliz que o vi chegar uma bela manhã de primavera, eu que o esperava como se me faltasse um segmento – uma manhã idêntica à que ele escolheu para partir de novo, deixando-me outra vez sem esse pormenor para o resto dos meus dias, esquecendo-se de me pedir a opinião, a mim que o amava tanto. François Koltès Biografias Philip Boulay fez em 1995 a sua primeira encenação, com 27 anos, no Conservatório: Dans la solitude des champs de coton de Koltès. Montou Théâtre de Antonio Tabucchi, Le Mariage forcé e L’Amour Médecin de Molière, Armor e Démons aux anges de Elsa Solal, Sebastopol de Ramon Griffero, Madame de Sade de Mishima, La Dispute de Marivaux, Les Caprices de Marianne e Il Faut qu’une porte soit ouverte ou fermée de Musset. Trabalhou em teatros como o Athénée/ Louis Jouvet, Ferme du Buisson, Théâtre Gérard Philippe (direcção de Stanislas Nordey, onde foi artista associado entre 1998 e 1999), Théâtre de Gennevilliers (direcção Bernard Sobel), Forum/BancMesnil. E em países como a Finlândia, Chile, Roménia, Gabão, Camarões, Angola, Congo, Espanha, Turquia, Alemanha. De Koltès, para além do trabalho em torno de Na Solidão dos Campos de Algodão, encenou ainda: Tabataba, espectáculo apresentado primeiro nos subúrbios de Kinshasa (2003) e depois nos da Seine Saint-Denis (2005); e Roberto Zucco, em 2004, também em Kinshasa, com uma equipa artística congolesa. Nuno Júdice nasceu em 1949. Formou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa. É Professor Associado da Universidade Nova de Lisboa, onde se doutorou em 1989 com uma tese sobre Literatura Medieval. Em 1997, foi nomeado Conselheiro Cultural da Embaixada de Portugal e Director do Instituto Camões em Paris, cargos que exerceu até 2004. É poeta e ficcionista. Publicou o seu primeiro livro de poesia em 1972. Recebeu os mais importantes prémios de poesia portugueses. Está representado em inúmeras antologias, tendo participado nos mais importantes festivais de poesia, como o de Roterdão e o de Medellin. Dirigiu a revista Tabacaria da Casa Fernando Pessoa até ao número 8. Em teatro, foi tradutor de algumas peças, como Sertório (editada na Relógio d´Água) ou A Ilusão Cómica (editada pelo Teatro Nacional São João), ambas de Corneille e tem editadas as suas peças Antero – Vila do Conde (& etc.) e Flores de Estufa (Quetzal). Recentemente os Artistas Unidos publicaram um volume do seu Teatro. Victor de Oliveira nasceu em Moçambique em 1971. Iniciou-se no teatro em Portugal como membro fundador da Companhia de Teatro de Sintra, onde trabalha durante dois anos sob a direcção de João Alvim e Cândido Ferreira. Entra em 1992 no curso de actores do Instituto Franco-Português. Em 1994 entra no Conservatório Nacional Superior de Arte Dramática de Paris. Interpretou Sertorius de Corneille (enc. Brigitte Jacques), Armor e Démons aux anges de Elsa Solal, Les Caprices de Marianne e Il faut qu’une porte soit ouverte ou fermée de Musset, Dans la solitude des champs de coton de Koltès (enc. Philip Boulay), Gauche Uppercut de Joël Jouanneau, Agar des Cimetières de Brahim Hanai, Prométhée de Rodrigo Garcia e P’tite Souillure de Koffi Kwahulé (enc. Serge Tranvouez), The Unforgiven Dogs de Claudia Mendez (enc. Ferrab Audi), L’enclos de Armand Gatti (enc. Michel Simonot), Cloud Tectonics de José Rivera (enc. Véronique Bellegarde). Em 1998 assina a sua primeira encenação com Magnificat, a partir de Fernando Pessoa, no Festival Internacional de Teatro de Almada. Diogo Dória estreou-se como actor em 1975, tendo desde então trabalhado com encenadores como Osório Mateus, Luís Miguel Cintra, Filipe La Féria, José Luis PróxiMO eSPeCtáCulO Gómez, Solveig Nordlund, Carlos Fernando, Dominique Ducos, Miguel Guilherme. No cinema participou em filmes de João Botelho, João Canijo, Jorge Silva Melo, Raoul Ruiz, Wim Wenders, Manoel de Oliveira. Dirigiu vários espectáculos, nomeadamente com textos de Samuel Beckett, Nathalie Sarraute, Robert Pinget e Almeida Faria. Jean-Christophe lanquetin colabora com Philip Boulay desde 2002 no ciclo Koltès (Tabataba, Kinshasa 2002/3; Dans la Solitude des champs de cotton, Blanc-Mesnil/ Istambul, 2004/5; Roberto Zucco, Kinshasa/ Niamey/Ouagadougou, 2004/5; La Nuit juste avant les forêts, Ankara, 2006). Dá aulas na École Supérieure des Arts Décoratifs de Estrasburgo e dirige as Scénographies Urbaines (Devalu 2002, Alexandria 2004, Kinhasa 2006). Piero Corso é um músico autodidacta italiano. Encontra em meados dos anos 70 o trabalho de Alvin Curran, Tristan Honsiger e Alessandro Agostini. No início dos anos 80, conhece Philip Boulay através do trabalho de Patrice Guillaumet. Com Boulay colaborou em Dans la Solitude des champs de coton (1994/5), L’Amour Médecin (Helsínquia, 1996) e Armor (Théâtre Gérard Philippe de Saint-Denis, 1998). Stéphane loirat trabalha regularmente com a companhia Black-Blanc-Beur (hip hop) com a qual viaja em digressão um pouco por todo o lado. Monta o trabalho de Philip Boulay no Forum de Blanc-Mesnil e elabora os desenhos de luz do ciclo Koltès. música sexta-feira, 21 de julho 21h30 · Anfiteatro de Ar Livre · Dur. aprox. 1h00 Banda Sinfónica Portuguesa O programa apresentado neste concerto pela Banda Sinfónica Portuguesa foi escolhido para ser executado numa noite de verão, ao ar livre. Tem um carácter festivo, exuberante e brilhante, e é dirigido a um público heterogéneo que não ficará indiferente aos diversos temas a interpretar. Exemplos disso são, desde logo, e a abrir o concerto, a fanfarra dos jogos olímpicos de Atlanta em 1996, criada pelo conhecido compositor americano John Williams, e a Abertura para o Gil do palmelense Jorge Salgueiro, escrita para a Expo 98, de Lisboa. Segue-se Muralles, do compositor espanhol Deval, que relata uma história musical de um pueblo dos arredores de Valência. As Czardas de Monti são uma relíquia da música popular e ao mesmo tempo virtuosista, aqui executada por um instrumento solo, o xilofone. Ferran compôs em Maribel uma malagueña onde impera a presença a solo do trompete. Por último, a Fantasia Arco-Íris é a obra-prima do talentoso compositor Duarte Pestana que muito doou ao nosso património musical filarmónico e sinfónico, em especial à Banda Sinfónica da Guarda Nacional Republicana. Os portadores de bilhete para o espectáculo têm acesso ao Parque de Estacionamento da Caixa Geral de Depósitos. Conselho de Administração Presidente Manuel José Vaz Vice-Presidente Miguel Lobo Antunes Vogal Luís dos Santos Ferro Assessores Gil Mendo (Dança) Francisco Frazão (Teatro) Miguel Wandschneider (Arte Contemporânea) Raquel Ribeiro dos Santos (Serviço Educativo) Direcção de Produção Margarida Mota Produção e Secretariado Patrícia Blazquez Mariana Cardoso de Lemos Jorge Epifânio Exposições António Sequeira Lopes (Produção e Montagem) Paula Tavares dos Santos (Produção) Fernando Teixeira (Montagem) Susana Sameiro (Culturgest Porto) Comunicação Filipe Folhadela Moreira Maria João Franco (estagiária) Publicações Marta Cardoso Rosário Sousa Machado Actividades Comerciais Catarina Carmona Serviços Administrativos e Financeiros Cristina Ribeiro Paulo Silva Direcção Técnica Eugénio Sena Direcção de Cena e Luzes Horácio Fernandes Audiovisuais Américo Firmino (Chefe de Imagem) Paulo Abrantes (Chefe de Audio) Tiago Bernardo Iluminação de Cena Fernando Ricardo (Chefe) Nuno Alves Maquinaria de Cena José Luís Pereira (Chefe) Alcino Ferreira Técnico Auxiliar Álvaro Coelho Frente de Casa Rute Moraes Bastos Bilheteira Manuela Fialho Edgar Andrade Joana Marto Recepção Teresa Figueiredo Sofia Fernandes Auxiliar Administrativo Nuno Cunha Com o apoio da AFAA, Association Française d’Action Artistique Ministère des Affaires Étrangères Culturgest, uma casa do mundo. Informações 21 790 51 55 Edifício Sede da CGD, Rua Arco do Cego, 1000-300 Lisboa [email protected] • www.culturgest.pt
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