KIMBLERE CRENSHAW Mapeando as Margens - Intersecionalidade Políticas Identitárias e Violência Contra Mulheres de Cor

May 1, 2018 | Author: Medeiros Claudio | Category: Intersectionality, Feminism, Ethnicity, Race & Gender, Racism, Gender


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KIMBLERE CRENSHAW, “Mapeando as margens: interseccionalidade, políticasidentitárias e violência contra mulheres de cor” (fichamento e tradução Prof. Claudio Medeiros) [Kimberlé Williams Crenshaw (born 1959) is an American civil rights advocate and a leading scholar of the field known as critical race theory. She is a full professor at the UCLA School of Law and Columbia Law School, where she specializes in race and gender issues. She is known for the introduction and development of intersectional theory, the study of how overlapping or intersecting social identities, particularly minority identities, relate to systems and structures of oppression, domination, or discrimination] O laço entre políticas de identidade tem estado em tensão com concepções dominantes de justiça social. Raça, gênero e outras categorias de identidade são tratados mais frequentemente no discurso liberal dominante como vestígios de preconceito e dominação - isto é, como estruturas intrinsecamente negativas nas quais o poder social trabalha para excluir ou marginalizar aqueles que são diferentes. O problema com políticas de identidade não é que falhem em transcender as diferenças, como alguns críticos acusam, mas sim o oposto – que frequentemente confundem ou ignoram as diferenças entre-grupos. No contexto da violência contra a mulher, esta elisão da diferença nas políticas de identidade é problemática, fundamentalmente porque a violência que muitas mulheres experimentam muitas vezes é moldada por outras dimensões de suas identidades, como raça e classe. No contexto da violência contra a mulher, a elisão da diferença nas políticas identitárias é problemática, fundamentalmente porque a violência que muitas mulheres enfrentam é muitas vezes moldada por outras dimensões das suas identidades, tal como raça e classe. Além do mais, ignorar diferenças dentro dos grupos contribui para criar tensão entre grupos (...). Os esforços feministas para politizar experiencias de pessoas de cor tem frequentemente atuado como se as questões e experiências ocorressem em terrenos exclusivos. Embora racismo e sexismo interseccionam-se prontamente na vida real das pessoas, isto raramente se dá nas práticas feministas e antiracistas. Logo, quando as práticas explicam identidade das mulhers ou da pessoa de cor numa proposição do tipo “um ou outro”, a identidade da mulher de cor é relegada a uma situação de silenciamento. (...) O feminismo contemporâneo e os discursos antiracistas falham em não considerar 1 estratégias de intervenção baseadas 2 . estão frequentemente. os fatores que abordo apenas em particular e não em absoluto. o assédio físico que trouxe as mulheres para esses abrigos é apenas a mais imediata manifestação da subordinação que elas experimentam. enquanto críticos. por exemplo.. moldando as experiências das mulheres de cor. gênero e classe convergem.) Eu observei a dinâmica da interseccionalidade estrutural durante um breve estudo de campo sobre abrigos para mulheres violentadas localizados em comunidades minoritárias de Los Angeles... obstruindo suas habilidades para criar alternativas para as relações abusivas que as trouxeram primeiramente para abrigos. são sobrecarregadas com pobreza. De fato. (.). Estas sobrecargas.identidades interseccionais como por exemplo as mulheres cor. falta de habilidades profissionais.) Devo dizer já de entrada que interseccionalidade não é tomada aqui como algo novo para totalizar uma teoria da identidade. e um bom número delas são pobres. e como estas experiências tendem a não ser representadas seja pelos discursos feministas ou racistas. Onde os sistemas de dominação de raça. Muitas mulheres de cor. Nem quero sugerir que a violência contra mulheres de cor possa ser explicada somente no quadro específico de raça e gênero considerado aqui.. Muitas mulheres que buscam proteção estão desempregadas ou subempregadas. Os abrigos que atendem estas mulheres não podem se dar ao luxo de lidar apenas com a violência infringida pelo agressor. como classe ou sexualidade. são logo compostas por discrimanção racial no emprego e práticas domésticas que mulheres de cor frequentemente enfrentam (. (. Ao focar nas duas dimensões da violência masculina contra a mulher – agressão e estrupo – eu considero como as experiências da mulher de cor são frequentemente o produto dos padrões interseccionais de racismo e sexismo. Na maioria dos casos. em larga medida consequências da opressão de gênero e classe.. como acontece nas experiências das mulheres violentadas. Meu foco na intersecção entre raça e gênero apenas destacam a necessidade de contabilizar múltiplos graus de identidade ao se considerar como o mundo social é construído.. responsabilidades com criação dos filhos. eles também precisam confrontar as outras formas de dominação rotinizadas e multifacetadas que frequentemente convergem na vida dessas mulheres. enfrentam obstáculos diferentes. (. a partir do qual as mulheres de cor se engajaram criticamente no feminismo branco pela ausência das mulheres de cor. um grande e contínuo projeto para pessoas que foram subordinadas – e realmente. Pelo contrário. No entanto. Mas dizer que uma categoria como a de raça ou gênero são construídas socialmente não é dizer que aquela categoria não tenha qualquer significância no nosso mundo.exclusivamente nas experiências de mulheres que não compartilham a mesma classe ou raça como pano de fundo serão ajudas limitadas para aquelas mulheres que. Uma interpretação da crítica antiessencialista – segundo a qual o feminismo essencializa a categoria “mulher” – deve muito à ideia pós-modernista segundo a qual as categorias que nós consideramos naturais ou meramente representacionais são.. e por outro lado para falar pelas mulheres de cor. Seria útil a este respeito distinguir interseccionalidade da perspectiva proximamente relacionada do antiessencialismo. na verdade. e portanto não faz o menor sentido continuar reproduzindo estas categorias organizando- se em torno delas (. esta crítica às vezes se enganará quanto ao sentido de “construção social” e distorce sua relevância política. Isto é 3 . um dos projetos para os quais as teorias pós-modernas têm sido muito úteis – é pensar no modo pelo qual o poder se agrupou em torno de certas categorias e se exerce contra outras.. Enquanto o projeto descritivo do pós- modernismo (de questionar as formas pelas quais o sentido é socialmente construído) soa muito generalizante.). digamos. encarnando o que se poderia chamar de “tese vulgarizada da construção social”. não haveria algo como.) Este artigo apresentou a interseccionalidade no sentido de enquadrar as variadas interações entre raça e gênero no contexto da violência contra mulheres de cor. Uma versão do antiessencialismo. por um lado.. Este projeto tenta desvendar os processos de subordinação e as várias formas pelas quais esses processos são experimentados por pessoas que são subordinadas e pessoas que são privilegiadas. construídas socialmente em uma economia linguística da diferença.. por causa de sua raça e classe. “negros” ou “mulheres”. interseccionalidade pode ser mais amplamente útil como forma de mediar a tensão entre asserções de múltipla identidade e a contínua necessidade de grupos políticos. é que uma vez que todas as categorias são socialmente construídas. E é importante notar que identidade continua sendo um lugar de resistência para membros de diferentes grupos de subordinados. em muitos casos ou na maioria deles.. a mais crítica estratégia de resistência para desempoderar grupos é ocupar e defender uma política de localização social ao invés de desocupá-la e destruí- la. às vezes mesmo subvertendo o processo de categorização se empoderando dele. Primeiro. É claro. É preciso apenas pensar sobre a subversão histórica da categoria “negro” ou a recente transformação do substantivo queer para entender que a categorização não é uma via de mão única. por outro lado. “Eu sou uma pessoa que passou a ser negra”. historicamente. Todos nós podemos reconhecer a distinção entre a afirmação “Eu sou negro” e a afirmação “I am a person who happens to be Black [eu sou uma pessoa que passou a ser negra]”. Uma é o poder exercido simplesmente através do processo de categorização. “Eu sou negro” toma a identidade imposta socialmente e a empodera como uma âncora de subjetividade. “Eu sou negro” se torna não simplesmente uma declaração de resistência mas também um discurso positivo de auto- identificação. Pessoas que foram subordinadas podem e de fato participam. Há verdade em ambas as categorizações. (. Isto não é negar que o processo de categorização é ele mesmo um exercício de poder. o poder de provocar aquela categorização para consequências sociais e materiais. a outra. E o mais urgente problema deste projeto. Construcionismo vulgar então distorce as possibilidades de uma identidade política significativa confundindo ao menos duas manifestações do poder proximamente ligadas. “Eu sou primeiro uma pessoa”) e uma concomitante destituição de uma categoria imposta (“Negro”) como contigente. circunstancial. mas a história é muito mais complicada que isto. Neste ponto. indeterminada. intimamente ligado às declarações comemorativas como “Black is beautiful”. mas eles funcionam muito diferentemente dependendo do seu contexto político. o processo de categorização não é unilateral.um projeto que presume que categorias possuem sentido e consequências. mas sim os valores particulares atrelados a elas. e o modo pelo qual estes valores mantêm e criam hierarquias sociais. realiza a auto- identificação tensionando uma certa universalidade (com efeito. mas há não obstante certos graus de agenciamento que as pessoas podem e de fato exercem nas políticas de categorização.) Nós podemos ver nos debates sobre subordinação racial através da história e ver 4 .. há um poder desigual. não é a existência de categorias. mas sim porque o conteúdo descritivo destas categorias e das narrativas onde elas estão baseadas privilegiavam algumas experiências em detrimento de outras. O problema é especificamente político: as narrativas de gênero são baseadas na experiência da mulher branca de classe média. no caso Hill. foi retoricamente desempoderada em parte porque ela se viu entre as interpretações dominantes do feminismo e do antiracismo. mas a miríade de caminhos pelos quais alguns de nós vinham sendo sistematicamente subordinados. Em vez disso. Board of Education. Consideremos a controvérsia Clarence Thomas/Anita Hill... trazendo alegações de assédio sexual contra Thomas. 5 . ou que segregação era inconstitucional porque era uma injúria às crianças negras e opressora para suas comunidades? Embora a alguns possa parecer questão difícil. A solução não implica apenas argumentar pela multiplicidade das identidades ou desafiar a generalidade do essencialismo. Com respeito particularmente aos problemas que confrontam mulheres de cor.). as dimensões de raça e gênero da sua posição não podiam ser ditas. Anita Hill. como frequentemente acontece. Durante as audiências do Senado para a confirmação de Clarence Thomas para a Suprema Corte. mesmo por muitos dos seus advogados (. Este dilema poderia ser descrito como consequência do essencialismo antiracista da negritude e o essencialismo feminista da mulheridade. [O caso] Brown v.que em cada instância havia a possibilidade de desafiar tanto a construção da identidade quanto o sistema de subordinação baseado naquela identidade. e as narrativas de raça são baseadas na experiência do homem negro. Pega entre a narrativa competitiva do tropos do estupro (promovida pelo feminismo). por exemplo. quando a política identitária falha. para a maioria a dimensão da dominação racial que teria sido mais vexatória para os afro-americanos não foi a categorização social enquanto tal. e o linchamento (promovido por Thomas e seus apoiadores antiracistas). por um lado. teria sido necessário afirmar estes aspectos cruciais da sua localização que foram apagados. Qual dos dois argumentos possíveis foi politicamente mais empoderador – que a segregação era inconstitucional porque o sistema de categorização racial no qual ela se baseou era incoerente. isto não é porque estas políticas tomam como naturais certas categorias que são construídas socialmente. 6 . especialmente à luz do nosso reconhecimento das múltiplas dimensões da identidade? Mais especificamente. ou ao menos coalizões potenciais esperando para serem formadas. Por exemplo. interseccionalidade fornece a base para reconceitualizar raça como uma coalizão entre homens e mulheres de cor. e ainda servir como base de crítica às igrejas e outras instituições culturais que reproduzem heterosexismo. tal como identidades raciais estiveram obscurecidas em discursos feministas? Significa que não podemos falar de identidade? Ou.. Por exemplo. interseccionalidade fornece um meio de explicar por que mulheres de cor precisam abandonar o argumento geral segundo o qual os interesses da comunidade requerem a supressão de qualquer confrontação em torno do estupro intraracial. antes de tudo. Interseccionalidade deve fornecer os sentidos para lidar também com outras marginalizações. Aliás. em vez disso. como portanto entendemos política identitária hoje. o que significa argumentar que identidades de gênero foram obscurecidas por discursos antiracistas.).. reconheçamos que grupos identitários organizados onde nos encontramos são de fato coalizões. (. que qualquer discurso sobre identidade tem que desconhecer como nossas identidades são construídas através da intersecção de múltiplas dimensões? Uma resposta inicial a estas questões requerem que nós. raça pode ser também uma coalizão entre pessoas de cor heteronormativas e gays. no campo do estupro.Se história e contexto determinam a utilidade das políticas identitárias.
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