Ken Wilber - Odisseia

March 26, 2018 | Author: Marcelo Meneghetti | Category: Zen, Sigmund Freud, Psychology & Cognitive Science, Carl Jung, State (Polity)


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ODISSEIAUma investigação pessoal sobre Psicologia Humanística e Transpessoal KEN WILBER 1982 Tradução de Ari Raynsford (www.ariray.com.br) No meu primeiro ano de faculdade (Duke), tive a oportunidade de me deparar com um livro bem pequeno cujas frases iniciais eram: O Caminho que pode ser verbalizado não é o Caminho eterno. O nome que pode ser falado não é o nome eterno. O Indizível é a origem do Céu e da Terra. O Nomeado não é senão a mãe de dez mil coisas. Em verdade, somente aquele que se livra para sempre do desejo pode ver as Essências Secretas; Aquele que nunca se livrou do desejo somente pode ver as Consequências. Essas duas coisas provêm da mesma Fonte; todavia são diferentes na forma. Essa Fonte só pode ser chamada de Mistério, A Porta entreaberta de onde emergem todas as essências secretas. - Lao Tsé, Tao-te Ching Eu nunca tinha sido exposto a tais ideias antes. Ou talvez devesse dizer, se em alguma ocasião vi tais palavras, elas não me impressionaram de modo algum. Até aquele ponto da minha vida estive totalmente envolvido pela ciência (física, química, biologia e matemática). Na minha adolescência fui bastante rebelde e criador de casos para ser considerado normal e saudável; todavia, minha primeira lembrança de satisfação intelectual foi comprar um livro de química aos dez anos e meus momentos mais felizes foram passados em vários laboratórios que montei em casa. No final do segundo grau e no início da faculdade, bebi também bastante cerveja e tornei-me suficientemente obcecado por garotas para, novamente, ser considerado normal e saudável. Entretanto, minha verdadeira paixão, meu daemon interior, era a ciência. Formei um self 1 construído na lógica, estruturado pela física e movido pela química. Fui precocemente bem sucedido nesse mundo, ganhando numerosos prêmios e menções honrosas; entrei para a faculdade com a ideia de manter esse sucesso e extrapolá-lo para o destino de uma vida. Minha juventude mental era um idílio com a precisão e a exatidão, uma fortaleza do claro e do evidente. E assim, à medida que fui lendo o primeiro capítulo do Tao-te Ching era como se, pela primeira vez, estivesse sendo apresentado a um mundo totalmente novo e drasticamente diferente – um mundo além dos sentidos, um mundo fora da ciência e, portanto, um mundo muito além de mim mesmo. O resultado é que essas antigas palavras de Lao Tsé me tomaram de surpresa; pior, a surpresa recusava-se a dissipar-se e minha completa visão de mundo começou a sofrer uma mudança sutil, mas drástica. Em um período de poucos meses – meses que passei em leituras introdutórias do Taoísmo e do Budismo – o sentido da minha vida, como eu o pensara, simplesmente começou a desaparecer. Oh!, não foi nada dramático; foi mais como se, ao acordar uma manhã, após vinte anos de casamento, descobrisse “de repente” que não amava mais minha esposa (nem ao menos a reconhecia). Realmente, não houve nenhum aborrecimento, nenhuma amargura, nenhuma lágrima – apenas a percepção tácita de que era hora de separar-me. Apenas isso: o velho sábio havia tocado uma corda tão profunda em mim (e muito mais forte devido a uma repressão de vinte anos) que acordei, repentinamente, para o entendimento silencioso, mas seguro, de que meu antigo self, minha vida anterior e minhas velhas crenças não poderiam mais ser energizadas. Era hora da separação. 1 Wilber usa self (com “s” minúsculo) para o que o filósofo Huberto Rohden denomina “ego humano” e Self (com “S” maiúsculo) para o que Rohden chama “Eu Divino”. (N. T.) 1 O ESPECTRO DA CONSCIÊNCIA A separação em si, embora não enlouquecedora ou frenética, foi certamente estressante em alguns momentos, especialmente com relação a amigos, família e colegas, muitos dos quais pensavam que Krishnamurti era um comunista e Bodhidharma um pagão, ou pior, um “ateu agnóstico” e, de algum modo, imaginavam que tudo isso levaria meus filhos a crescer cantando “Buda me ama, isto eu sei...”. Mas minha separação foi séria. Intelectualmente, iniciei uma empreitada obsessiva de leitura, devorando livros de filosofia oriental num ritmo alucinante. Cortei aulas de química para ler o Bhagavad Gita; matei aulas de cálculo para estudar a Cabala. Fui apresentado a Huxley e aos psicodélicos, Watts e Beat Zen. Era como se minha prévia vida de “repressão do sublime” tivesse criado, como diria Hegel, uma causalidade do destino que agora me compelia a restabelecer o equilíbrio com uma seriedade quase patológica. Abandonei Duke e voltei para Nebraska, onde meus pais estavam servindo (na Força Aérea), mas rapidamente “realistei-me” na faculdade a fim de evitar a convocação que, naquele período de vietnamização, tinha de ser evitada a qualquer custo. Os dois anos seguintes foram gastos, quase literalmente, em leitura e pesquisa solitária, oito a dez horas por dia. Havia decidido formar-me em química e biologia, simplesmente porque eram tão fáceis para mim que não precisaria perder tempo estudando-as, e poderia, ao invés, usar cada hora fora das aulas para dedicar-me a filosofia e religião orientais, psicologia e metafísica ocidentais. Irresponsavelmente, consegui me formar com honras suficientes para obter uma bolsa de estudos na Universidade de Nebraska (Lincoln) em bioquímica/biofísica; ao longo do meu primeiro ano de pós-graduação, não fiz outra coisa senão continuar a ler, estudar e tomar notas – e os nomes em meus cadernos não eram Krebs, Miller, Watson ou Crick, mas Gaudapada, Hui-neng, Padmasambhava e Eckhart. Mas esse período de intensa absorção intelectual, com certeza, começou a valer a pena, não só por recuperar algum tipo de significado para minha vida, como também por ajudar-me a modelar uma síntese conceitual rudimentar das várias escolas de psicologia, terapia e religião, orientais e ocidentais, que vinha perseguindo tão obsessivamente. Esses dois resultados, o propósito moral do significado e o propósito intelectual da síntese, eram necessários para minha própria peregrinação pessoal; não eram meros assuntos colaterais ou curiosidades intelectuais. Não estava fazendo isso em busca de um título universitário, uma carreira, uma cátedra, ou mesmo um afago na cabeça. Estava fazendo porque sentia que devia fazê-lo; para mim era a busca do Graal, e este era o ponto crucial da motivação que existia, sob forma de semente, no primeiro encontro com Lao Tsé, naquele primeiro ano de faculdade; exatamente por isso, o velho sábio me fascinou. É uma catástrofe intelectual que o conceito de telos 2 tenha sido apagado da psicologia moderna; filósofos desde Aristóteles até Hegel achavam impossível compreender o universo sem telos. Se realmente o universo é interpenetrante e interdependente em todos os aspectos, então, não só o passado modela o presente, como também o futuro modela o presente, do mesmo modo que uma corrente elétrica não deixará um terminal até que o outro terminal distante seja conectado. Isso mesmo, este propósito moral e intelectual, a síntese inicial da psicologia oriental/ocidental a que cheguei por tentativas, 2 Do grego télos, “fim”, “realização”. (N.T.) 2 Rank e Klein – não se poderia imaginar um grupo mais heterogêneo. Assim. Ferenczi. E este puxaempurra culminou. Vedanta e Eckhart. ao invés de sentir-me meramente infeliz. parece que funcionou como uma semente-telos. nesse período. não clinicamente triste. a leitura foi motivada. Já havia naquela época (início dos anos 1970) diversos livros e artigos que faziam comparações e avaliações de escolas orientais e ocidentais de psicologia/terapia. Esta foi minha motivação enquanto agonizei por meses sobre dúvidas como: “Se os freudianos estão certos e a força do ego é o paradigma da saúde mental. estava. uma síntese intelectual que. embora ela seja usualmente traduzida como “sofrimento”. Por exemplo. Zen. (N. com as minhas antigas estruturas de crença terrivelmente abaladas. Logo em seguida escreveria os resultados dessa síntese e os publicaria como The Spectrum of Consciousness (1977).) 3 . do mesmo modo que a causalidade do destino empurrou minhas ações passadas. E. fiquei infeliz e confuso. em minha primeira descoberta importante. invariavelmente. Muito pelo contrário. eu ficava confuso porque todas discordavam entre si. em parte. como pode Perls afirmar que somente o aqui-agora é significativo?” “O Vedanta diz que a Testemunha transcendente é o mais elevado de todos os estados. Para começar.quatro anos após meu primeiro encontro com Lao Tsé. 3 Lançado no Brasil pela Editora Cultrix como O Espectro da Consciência. pareceu-me que. teria de passar do estado confuso para o ordenado. E para passar do estado infeliz para o feliz. uma chamada do amanhã que puxou minhas ações futuras. porque seus autores. pelo menos para mim. entretanto. quando deixei Duke. pela necessidade de uma terapia existencial pessoal. E já se pode antever o problema: à medida que estudava todas as diferentes autoridades que se propunham a dizer-me como tornar-me feliz na vida. nem mesmo sombriamente melancólico – simplesmente infeliz. eu era infeliz. Na maior parte. juntar numa estrutura completa tudo que sentia ser necessário para minha própria salvação. tinha um sentido profundo. mas o Zen afirma que ela é a mais sutil de todas as ilusões. quem está certo?” Não é de admirar que o conceito de dissonância cognitiva de Festinger fizesse tanto sentido para mim. não os achei de muita utilidade. Não profundamente deprimido. mental e emocionalmente. os tradicionalistas Coomaraswami. estava obcecado pela leitura de todos os grandes psicólogos e sábios porque procurava uma saída para essa vida amarga. Norman O. em resumo. Esta infelicidade simples é realmente o sentido para o qual Buda Gautama usa a palavra dukkha. Krishnamurti. Guénon e Schuon. então. significa mais precisamente “amargura”. mas também por Freud. 3 Mas dizer que Spectrum era uma síntese intelectual não significa que ele era somente intelectual ou que estivesse divorciado das transformações pessoais que vinham ocorrendo em minha vida. A vida para mim estava amarga. no sentido mais simples da palavra. Boss e os existencialistas. A primeira verdade de Buda: a vida normalmente vivida é amarga e o primeiro passo no caminho da libertação é despertar para essa amargura. sentiam necessidade de denunciar cuidadosamente (embora algumas vezes de maneira sutil) a visão oposta. Brown. escolhiam lados e. primeiro.T. O ponto era que estava “lendo tudo” porque estava tentando. como é que os budistas podem afirmar que a ausência do ego é o estado mais elevado?” “Se os comportamentalistas estão corretos e o condicionamento histórico do passado é a chave para todos os problemas. infeliz. Jung. Estava particularmente atraído por Perls. intelectual e pessoalmente. simplesmente não podia acreditar que uma mente de gênio (como a de Freud ou Buda) pudesse produzir somente inverdades ou erros. (N. estava sendo completamente atraído para as terapias existenciais (particularmente a terapia da Gestalt). 1997) ele afirma: “Uma das falácias pré-trans de Jung foi confundir coletivo com transpessoal. à medida que cessava toda intencionalidade psíquica. a única possível seria: Freud estava parcialmente correto. como também por pistas intelectuais para a dinâmica da psique.se a discussão versava sobre os méritos de Freud versus Zen. reativadas no cliente através de transferência de grupo.T. independentemente do que os psicólogos pop dissessem. Por exemplo. mas. esses dois sistemas (Zen e Gestalt) não apresentavam nenhuma similaridade.) Esta visão ainda é da fase denominada pelo próprio Wilber como “Wilber-I”. Não me entendam mal: tinha. Isto era inconcebível para mim. aceitei essa primeira importante cartografia da consciência: o pessoal versus o transpessoal. Perls estava muito mais próximo de Freud do que de Buda (e Freud e Buda tinham muito pouco em comum). em The Eye of Spirit (Wilber. Buda estava parcialmente correto. com certeza. Logo descobriria que isso é o que Assagioli chamou de psicossíntese pessoal e psicossíntese transpessoal. Posteriormente. mas sim com várias verdades parciais. onde me despreocupava de tudo isso e deixava que fluísse através de mim na meditação. enquanto o autor orientado pelo Zen definiria Freud como o campeão da ilusão dualística. E foi nessa base experimental que prossegui. um Freud-pop brilhante. Por um lado. transpessoal. introjeções. Acho que a maioria das pessoas. Certamente eles compartilhavam algumas poucas coisas (“esteja aqui agora”.). onde lutava com minhas projeções. 4 Prática de meditação do Zen Budismo. Já estava começando a perceber. Somente estava acontecendo que minha vida vinha sendo vivida em dois planos: um plano pessoal. os existencialistas. ele a reformulou na fase “Wilber-II”. o autor. Por outro lado. adequadamente modificados e adaptados para terapia breve. Mas. na linha Zen. manifestadas por resistência/fuga. coletivo pessoal e coletivo transpessoal. um Freud-pop. não só por técnicas específicas para tratar meus próprios conflitos. ênfase na consciência. Em minha própria prática – minha praxis – isto me ocorria diariamente. e trabalhadas pelo terapeuta via análise – todos conceitos freudianos. então.” (N. de qualquer modo. vinha praticando o zazen 4 seriamente por um ano ou dois e estava cada vez mais sendo influenciado pelo ponto de vista do Budismo Mahayana como um contexto abrangente. se freudiano. e ainda tenho. não percebeu que Perls era basicamente um Freud-pop. Ou era a distinção de Jung entre o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. ainda hoje. mas além disso. 5 Assim. Kierkegaard. imenso respeito (e débito) pelo que Perls fez. uma vez que há estruturas de coletivo pré-pessoal. seguindo a linha da Gestalt. o quebracabeça supremo. retroflexões e tudo o mais. O sistema completo de Perls operava com introjeção. Da minha parte. e como encaixá-las coerentemente é. definiria o Zen como um treinamento em esquizofrenia catatônica. etc. Defrontamo-nos não com vários erros e uma verdade. e o mesmo valia para Perls. os comportamentalistas. De preferência. que a consciência podia ser dividida em dois grandes domínios: o pessoal e o transpessoal. e outro plano. se tivesse que tirar uma primeira conclusão. projeção e retroflexão (repressão).) 5 4 .T. teoricamente. Por outro lado. vislumbraram precisamente a natureza da existência do self individual.” escreveu Boss (1973). mas sim como uma de doçura e luz. Os existencialistas ressaltavam que onde quer que haja um self individual. Então. a angústia é o estado básico do self individual. Isto não é terror neurótico. é aquela que não tem consciência da morte inesperada e solitária. como colocado por Kierkegaard. era. não a sexualidade. mas um terror inerente. o ser humano tem medo de. como o epítome da teoria personalista. algo inerente ao sentido do self individual e não algo causado por treinamento falho para ir ao banheiro 5 . como disse William James. mas.Em seguida. devessem transcender. ou a pessoa inautêntica. ‘estar no mundo’. Como afirmou Becker (1973): “A consciência da morte é a repressão básica. a fim de proteger-se do terror da morte.” Em outras palavras. esses transpersonalistas (e humanistas) propuseram visões do desenvolvimento da infância que eram um evidente mingau romântico. da existência humana. frequentemente deparei-me com o oposto: eles estavam tão furiosos com o tratamento dispensado por Freud aos domínios mais elevados que rejeitavam tudo que Freud havia dito. disse Heidegger. “A arquiansiedade essencial. quanto a de Freud. De fato. Assim. a falha em compreender esta angústia inerente é fruto apenas da negação ou repressão da real e precária natureza da existência. individuais. ao ignorar as verdades desagradáveis que Freud havia revelado sobre os domínios inferiores e infantis. por exemplo. Freud e sua histeria a respeito de religião em O Futuro de uma Ilusão são um exemplo de uma teoria pessoal transbordando para uma dimensão transpessoal. a repressão que causa ansiedade. e sua percepção não é doentia. então. o self individual estimula a repressão em resposta à ansiedade.” A neurose fundamental não é causada por uma confiança em muletas mentais. Ao contrário. cheguei à minha primeira regra básica para tentar entender o que aceitar como válido nas teorias: aceitar como possivelmente verdadeira qualquer coisa que uma teoria pessoal diga sobre a esfera pessoal e o que uma teoria transpessoal diga sobre a esfera transpessoal. O self feliz é o self doente. brevemente sorrirá no banquete. embora os transpersonalistas. por uma incapacidade para criar muletas em quantidade suficiente. a incapacidade para a ilusão” – incapacidade para fingir que a morte não existe. o terror de existir e o terror da morte. há angústia. e. da nulidade. Mesmo Freud (1974) chegaria logo a esse entendimento. ela era básica. uma visão tão distorcida. os existencialistas. mas verdadeira. Esta simples cartografia de dois níveis permitiu-me também encaixar os insights do existencialismo e do transcendentalismo ou. pois como finalmente colocou: “É a ansiedade que causa repressão e não. básica. a neurose “sempre é. sofrimento. bem como fica ansioso com. Eles diagnosticaram perfeitamente a humanidade e o diagnóstico foi angústia. mas ser muito cuidadoso quando houver superposição das mesmas. do não-ser. Sartre e Shankara. antes de tudo. mas incluir a teoria pessoal. incapacidade para esconder o crânio que. é inerente a todas as formas isoladas. eles não puderam mais definir a angústia como meramente neurótica ou anormal. no fundo. Na sua angústia básica. o que não é senão uma falha em reconhecer uma verdade inferior e parcial precisamente no domínio em que ela é verdadeira. Como Rank ressaltou. como eu pensava. o self que “se tranquiliza com o trivial”. mesmo sobre a esfera pessoal. em primeiro lugar. Ao verem que a ansiedade vem antes da repressão. no sentido oposto. Não é a ansiedade que é neurótica e sim a complacência. Homens e mulheres eram vistos não como uma mistura de animais e anjos. Nada que o self possa fazer acabará com a angústia porque o self é angústia. para o pecado e para a doença chamada self. Do mesmo modo. o self que. então o sistema mais abrangente é o mais válido. A palavra para prognose em sânscrito é prajna (prajna = pró-gnose). mais neurótico e infeliz”. Entretanto. de sofrimento e angústia. é o ciclo de nascimento. É verdade. o self infeliz. há angústia. pois “a morte perde seu ferrão”. inerentemente. Neste ponto – mas não antes – o indivíduo não precisa mais reprimir a morte. ou Identidade Suprema. ou como sendo a união do sujeito e do objeto. há medo e onde há o self. os transpersonalistas foram além. a conclusão tirada da ilustração desse brinquedo é que se um sistema filosófico pode abraçar outro. é anicca. Esta conclusão seria a pedra fundamental de toda a minha teorização subsequente e 6 Na tradição do Hinduísmo. e esta natureza é angústia. elas confirmam. anatta. 1974). as tradições transpessoais afirmam que há uma porta de saída para o sofrimento. Descobrindo o Todo. Portanto. o que pode ser entendido como ela estando além da dicotomia do sujeito e do objeto. dukkha (impermanente. mais infeliz”. o existencialismo é uma caixa chinesa menor. é uma libertação da sina de ser um self individual.) 6 . “O inferno são os outros”. “quanto menos repressão. mas incluíram os existencialistas. Assim.T. a neurose (ou neurose fundamental) não era causada pela repressão. O ponto é que a descoberta dessa unidade última. há medo. Então. vendo que o ser e o não-ser são um. Assim. transcendendo o self e o outro. o sujeito separado dos objetos.ou algo de que o self poderia ter se livrado se mamãe e papai tivessem sido bons para ele. mas não vice-versa. libertamonos do medo de morrer. que onde há outro. diz-se que a realidade suprema é “não-dual”. Ao vislumbrarmos que o self e o outro são um. “Sempre que há outro. libertamo-nos do medo de viver. As tradições místicas ou transpessoais concordam com esse diagnóstico – o self individual. amargurado). (N. não só as tradições transpessoais entenderam o diagnóstico da humanidade – angústia. depara-se necessariamente com dukkha ou amargura/angústia. e é prajna. Era existencial e não meramente circunstancial. E é prajna – pró-gnose. morte e renascimento a que cada ser humano está sujeito enquanto viver na ignorância e não atingir a Identidade Suprema. jnana – que é ativado e mantido em todas as verdadeiras formas de meditação e contemplação. de modo vívido. insubstancial. que estilhaça as correntes de samsara. insight gnóstico. mas é possível transcender o medo e a angústia. a cura para a doença em si. de modo que a anterior cabe dentro dela. Portanto. que é envolvida pela caixa maior dos transcendentalistas (mas não vice-versa). mas correta em seu domínio. parcial e incompleta. a vida amarga. ao contrário. Com efeito. terror da morte – como foram além dos existencialistas e descobriram a prognose da humanidade. do mesmo modo que a Física Newtoniana é um subconjunto da Física Einsteiniana. rebate Sartre. passei a entender. ou insight transcendente. Cada caixa é um pouco maior que a anterior. 6 de dukkha. ele ou ela libertam-se do destino de ser uma parte.” ensina o Upanishads (vide Hume. não “quanto mais repressão. somente se transcende a angústia morrendo para o self – ambos ascendem e caem juntos. a conclusão lógica das caixas chinesas. simplesmente porque menos repressão significava uma pessoa aproximando-se mais da verdadeira natureza da realidade e da existência. Vocês já devem ter visto um conjunto dessas caixas de brinquedo. mas pela falha em reprimir. dukkha. Assim. Logicamente. simplesmente a vê como a expressão de uma unidade mais profunda ou self mais profundo. o ego. Teoricamente. (N. Aquela cartografia de dois níveis – pessoal versus transpessoal – naturalmente era um mapa muito rudimentar. separado os representantes de cada espécie e construído suas teorias em torno deles. muitas. Pois.Psicologia Transpessoal. poderia ser: elas objetivam fazer ressurgir e realizar completamente o self centáurico. e também por Erikson com um significado similar). 3ª . nem o corpo podem ser autônomos. Na verdade. o Homo erógeno. se tivéssemos de declarar a meta geral das terapias humanístico-existenciais em uma frase.) Por enquanto.T. Por exemplo. mais profundamente suas diferenças se mostravam.Behaviorismo. As terapias humanístico-existenciais não negavam esta equação. o id ou o superego. mesmo na esfera pessoal. a autonomia só pode ser encontrada no self centrado. baseada em mais aplicações das caixas chinesas. conceituei isto como: a persona (ou autoimagem fraudulenta) pode voltar a unir-se com a sombra (ou inconsciente pessoal reprimido) de modo a permitir a emergência do ego total (ou autoimagem precisa. diferentes escolas de psicologia/terapia estavam em gritante desacordo. de um lado havia toda a escola da psicologia do ego (não só a psicologia analítica do ego como também a psicologia cognitiva do ego) e do outro lado a completa Terceira Força 7 da psicologia/terapia humanístico-existencial. e 4ª .Psicanálise.” Note que May não nega a existência do ego/id/superego. como também em níveis de consciência e de existência. Como o estudo de James Broughton revelou. Parecia muito mais provável que o mundo fosse realmente habitado por quatro ou cinco espécies humanas totalmente diferentes e que cada uma dessas escolas tivesse. o ser total. focalizando especialmente como cada uma via a natureza e a função da psicoterapia. Rollo May (1969): “Nem o ego. força adequada do ego e assim por diante). inclusive. de certa forma. potenciais que suplantavam quaisquer das suas partes. 2ª . o Homo transcendente – mas ninguém parecia estar falando sobre o Homo sapiens.) 7 . Havia o Homo assassino. Então. comecei a chamar esse nível mais profundo de “centauro” (um termo da mitologia primeiramente usado por Benoit [1955] para indicar a unidade completa do homem-mente com o animal-corpo. concentrei-me no delineamento dos papéis das psicologias do ego versus as psicologias humanístico-existenciais. pareciam também ir além desta equação e falar sobre os potenciais do organismo total. devemos ir atrás do sistema egoid-superego e esforçarmo-nos para entender o “ser” do qual eles são expressões. Pela sua própria natureza. o Homo potencial total. o Homo condicionado. não somente em filosofias e psicologias. as personalidades mais 7 As quatro Forças da Psicologia são: 1ª . Assim.Psicologia Humanística. as psicologias do ego pareciam ter como objetivo “tornar o inconsciente consciente” ou reagrupar no ego os aspectos da psique que se haviam separado ou dissociado devido a dificuldades ou complicações no desenvolvimento passado. Usando termos junguianos. o organismo total incluindo o ego/id/superego. nem o inconsciente. por exemplo). bem como psicologicamente. simplesmente. Quanto mais as estudava. isto era quase tão simples quanto: persona + sombra = ego. Nos termos mais simplistas possíveis. Em particular. seja a persona. havia aí uma caixa chinesa. comecei a me perguntar se todas essas diferentes escolas estavam realmente estudando o mesmo ser humano. Mas. (Logo vislumbraria uma possível razão para isso.permitiria que eu estabelecesse claramente uma hierarquia. faziam uso explícito dela (Perls. como logo ficou óbvio para mim. mas não vice-versa. dentro da esfera pessoal. dois graus de transcendência. novas patologias. Posteriormente. e. No nível do centauro. uma vez que “onde há outro. como Bucke muito bem colocou. essas eram generalizações muito simples. Do mesmo modo. todavia. eu subdividiria essas terapias em duas classes. no nível da Identidade Suprema. Ao mesmo tempo em que lutava com essas várias prioridades. Assim. além do meio-ambiente. o eu de cada um é o Todo (isto é. a três grandes níveis do ser ou da consciência: o nível da persona. para fechar nossa conta com Freud. essas simples generalizações também me levaram. uma “consciência cósmica”. e. uma posse. maior e maior. causa a repressão da sombra – mas a repressão da sombra. A primeira coisa que ficou óbvia para mim foi que existem pelo menos dois diferentes subdomínios na esfera transpessoal ou. ambas as visões estão parcialmente corretas: a ansiedade primária é existencial e dada. então. cada novo passo também cria novos medos. a segunda. a equação era: ego + corpo = centauro. Rolfing).completamente desenvolvidas viam “tanto a mente quanto o corpo como experiências de um self integrado”. cada pessoa traçava suas fronteiras. indo mais fundo. Mas o ponto essencial se mantinha: unir o ego-mente e o corposoma de modo a fazer ressurgir uma identidade total com o centauro. elas não são o eu). noética e somática. 1977). e o não-eu. já conseguia ver a diferença entre a ansiedade-culpa neurótica e a ansiedade-culpa existencial. mostraram-se extremamente úteis para o desenvolvimento de outras generalizações. assim. as tradições místicas iam ainda mais fundo e objetivavam unir o centauro e o cosmos para revelar a Identidade Suprema. Exceto pelo último nível da Totalidade. elas não são “eu”. A psicanálise objetivava unir a persona e a sombra para revelar um ego inteiro e saudável. as posses possam ser “minhas”. A partir desse ponto. restrições ou limitações da consciência. (E. comecei a intensificar meus estudos sobre filosofia/psicologia orientais e tradições místicas em geral. com efeito. No nível do ego. o eu é a psique. há medo”. embora. por assim dizer. O quadro completo girava em torno do senso de identidade de cada um ou onde. Por exemplo. o nível do ego e o nível do centauro. o soma aparece como não-eu (“Eu tenho um corpo”. mas. a prévia separação entre sujeito e objeto. dependendo de como elas abordavam predominantemente o centauro através da mente (Rollo May.) E mais. o eu é o organismo. a da segunda. mas o resto da manifestação – o meio-ambiente “lá fora” – aparece como não-eu. ansiedade excedente ou ansiedade neurótica em si mesma. as terapias humanísticas objetivavam unir o ego e o corpo para revelar o centauro total. e é essa ansiedade primitiva que. a primeira era causada por temor da sombra.” Aqui. era exatamente o paradigma das terapias humanístico-existenciais (Loevinger. em última instância. No nível da persona. o eu tornava-se menor e menor. Binswanger) ou através do corpo (yoga. se preferirem. O 8 . e este self integrado. Obviamente. por temor da diversidade geral do mundo. o centauro. o meio-ambiente e o corpo e a sombra aparecem como não-eu. Como colocado por Perls (1951): “O objetivo é expandir a fronteira do que você aceita como você mesmo para incluir todas as atividades orgânicas. A causa da primeira era uma divisão interna do sujeito. novas doenças. a clássica união mística). leva a ansiedade excessiva. Pois cada nível inferior de consciência parecia ser construído por sucessivos estreitamentos. foi um passo muito pequeno compreender como as tradições místicas se encaixavam em um esquema global. o espectro da consciência é um espectro de patologias. Estava aprofundando meu compromisso com o estudo e a prática do Zen. não eram contraditórias e sim amplamente complementares. que a academia estivesse completamente desvirtuada. a consciência transcende a mente. etc. Não é que elas estivessem tratando o ser humano de diferentes ângulos. ainda assim chegaria em casa e trabalharia nele a noite inteira. 9 . ou que os hindus chamam de savikalpa samadhi. onde não se testemunha mais a realidade. o corpo. e assim por diante). Bem. família e colegas entender por que eu não me mantinha no ambiente universitário – se não em ciência. os sefirotes da Cabala. Agora ficava claro o porquê de tantas diferentes terapias. elas estavam analisando diferentes níveis do ser humano por diferentes ângulos e. CONSCIÊNCIA PROTOPLÁSMICA O ano seguinte foi um período de grande transição para mim. e desaparece como uma entidade separada. estava profundamente envolvido pelo conceito do Zen de honrar as atividades mais humildes. Mas além desse nível de transcendência. Casei-me com minha melhor amiga. E tudo isso. o trabalho manual “inferior”. alto ou baixo. sagrado ou profano. o self profundo intui a Divindade. ou que o Budismo Mahayana chama de alaya-vijnana. Não é que desgostasse de dar aulas ou que achasse. de Mente universal. um espectro da consciência.grau mais baixo é o da testemunha transcendente. pelo menos em filosofia ou psicologia. mas os domínios ou níveis a que se referiam eram suficientemente reais e distintos. Nesse estado.). Além disso. combinava muito especificamente com as cartografias esotéricas contidas nas grandes tradições místicas do mundo (os koshas do Hinduísmo Vedanta. os vijnanas do Budismo Mahayana. No primeiro estado. vendedor de armazém. seus potenciais e suas doenças. o self mais profundo abre-se para a Divindade. Adicionando esses dois níveis transcendentais aos níveis da esfera pessoal obtive uma hierarquia de cinco níveis de consciência. minha esposa passou a apresentar-me como “o mundialmente famoso autor e lavador de pratos”. Cada nível possuía suas características próprias – suas necessidades. procurei deliberadamente e assumi empregos de trabalho manual em tempo parcial: como atendente de posto de gasolina. portanto. transforma-se na realidade. Foi difícil para muitos dos meus amigos. foi apresentado em The Spectrum of Consciousness. não está confinada apenas ao organismo individual) e o estado superior. como William Irwin Thompson. Amy. mas recusei. ou especialmente. sozinho ou com outros. mesmo. com consequências desequilibrantes. A testemunha transcendental colapsa em tudo que é testemunhado. interrompendo meu doutorado e tirando um mestrado (principalmente porque agora queria dedicar todo o meu tempo à elucidação do espectro e à prática do Zen). sahaja samadhi. Isto é similar ao que Maslow chamaria de uma experiência de platô. Meditava diariamente (três horas) e uma vez por mês fazia uma sessão de meditação de dia inteiro. mas. mais ainda. há um estado supremo e radical. mais ou menos. orientais e ocidentais. Esses termos não foram exatamente escolhas felizes. Com a publicação de Spectrum apareceram ofertas para dar aulas. chamei o primeiro estado de faixas transpessoais (a identidade ainda não é una com o Todo. Sabia que se ensinasse esse material o dia todo. o centauro e simplesmente testemunha as flutuações desses domínios inferiores. Daí em diante. Já que queria valorizar essa postura de equilíbrio. Esse esquema ajustava-se à hierarquia de necessidades de Maslow e. no estado supremo. e isso é a Suprema Identidade (bhava samadhi. lavador de pratos. por outro lado. o ego. e abandonei o curso de pós-graduação. houve uma virtual explosão de várias “cartografias da consciência”: a pesquisa de Grof com psicodélicos vinha sendo cada vez mais aceita como um trabalho legítimo e não como um produto de “alucinações com ácido”. voltei-me para o desenvolvimento e a dinâmica básica dessas estruturas (enquanto. algo que nenhum livro e nenhuma universidade poderiam oferecerme. em The Spectrum of Consciousness. (N. foi um completo treinamento sobre a vida daqueles que somente podem ter esses empregos simples como meio de subsistência. e principalmente. Entretanto. mas cujos destinos as recompensavam apenas com futuros sombrios e com corpos que envelheciam prematuramente devido à tensão física. Comecemos pela revista: um indivíduo chamado Jack Crittenden. concreta. dediquei-me a uma elaboração mais precisa do modelo do espectro. vinha mantendo correspondência constante comigo. e também havia Green e Green. livros ou cursos. Sendo mais específico. Foi um treinamento primeiro. Welwood. Mas o que faltava em todas era uma tentativa sustentável de estudar e descrever a dinâmica e o desenvolvimento dessas várias estruturas ou níveis de consciência. uma combinação entre Main Current. as cartografias eram boas. Goleman. concentrei-me quase que somente nas estruturas básicas da consciência. em viver o mundo de uma maneira imediata. conceitos. não através de palavras. esqueça os livros e artigos. em humildade. refinava e expandia meu entendimento das mesmas). Vivi e trabalhei com dúzias de almas que trabalhavam duro e eram abertas e decentes. A primeira coisa que fiz nessa “atmosfera livre” foi escrever uma versão popular para Spectrum chamada No Boundary (1979) 8. E o mais perturbador para mim. Huston Smith (1976) apresentou um estudo definitivo. dois importantes eventos interromperam temporariamente a redação de Atman.) Lançado no Brasil pela Editora Cultrix como O Projeto Atman. Tiller. o trabalho de Maslow sobre a hierarquia das necessidades estava sendo rapidamente entendido. Battista. de íntima fraternidade. demonstrando de uma vez por todas que o cerne das grandes religiões do mundo era uma hierarquia de consciência. Houston e Masters.) 10 . Metzner e meu próprio trabalho sobre o espectro – o ponto mais notável era que todas essas cartografias se mostravam essencialmente semelhantes. Foi para esse desenvolvimento que direcionei minha atenção e os resultados de meus estudos preliminares seriam finalmente publicados como The Atman Project 9 (Wilber. Também foi um treinamento em manter os pés no chão. elas somente podem ser concebidas como algo que se desenvolveu.T. Em seguida. Tart. Até onde foram. Não há outra maneira de se dizer isso sem parecer piegas. Essa foi exatamente a crítica de Hegel a Kant: as estruturas de consciência não são simplesmente dadas no início. o outro foi uma viagem marginal pela antropologia. Studies in Comparative Religion e Journal of Transpersonal 8 9 Lançado no Brasil pela Editora Cultrix como A Consciência sem Fronteiras. Queria fundar uma revista dedicada àqueles assuntos tratados em Spectrum e que seria. Esqueça a formação acadêmica.T. esqueça os títulos. sobrevivendo com salários ínfimos. Esse arranjo (trabalho-estudo-meditação) proporcionou-me o equilíbrio (corpo-menteespírito). a flexibilidade e o tempo de que precisava para desenvolver minhas pesquisas. de certo modo. ao mesmo tempo. simplesmente faltava a elas sensibilidade desenvolvimentista. Por essa época. 1980).Nem preciso dizer que toda essa situação foi um treinamento extraordinário. esqueça realmente tudo e lave pratos por vários anos. assim direi apenas que saí dessa situação com um sentimento compartilhado de humanidade. (N. tangível. assim. após ler Spectrum. Um foi uma revista. sustentavam que nos primeiros meses da infância o ego está perfeitamente identificado ou imerso no Self. co-editasse a revista. comecei a reconceituar o rumo completo do desenvolvimento. os freudianos. O caminho parecia ser direto: O recém-nascido começa em um estado de “consciência cósmica infantil”. baseando-me nos dados da corrente principal da psicologia do desenvolvimento.10 Se ReVision estava fluindo suavemente. o self e o outro. Louise Kaplan. E isso se mostrou. Os junguianos. a fim de perceber esta totalidade. consciência protoplásmica. de acordo com a psicanálise. sentia-me contente em fazê-lo. o recém-nascido. todos estruturalistas como eu – haviam criado a noção muito clara e precisa de “desenvolvimento como desdobramento estrutural” e mapeado seu rumo da infância até a adolescência. dentro e fora. Piaget. Piaget. por exemplo. um estado de unidade ou totalidade primária. mas está inconsciente dessa totalidade. em como encaixar coerentemente essas ideias. Mahler e Kaplan. Loevinger – afirmavam que o bebê. estava interessado não só naquilo que esses psicólogos da personalidade tinham a dizer. Problema: qual a relação desse estado com o estado supremo. por essa época. os junguianos. O entusiasmo de Jack convertera-me e ReVision transformar-se-ia numa revista extraordinária. pensamentos essencialmente similares foram expressos por Allan Watts. são um. e mais. então. uma questão extraordinária. ou. Afinal. convenceu-me a ser co-editor com ele e. como único editor. desde o início. O problema girava em torno do estado de indissociação sujeito-objeto. “abandonou” seu posto de co-editor para se tornar “diretor/editor”. desde o princípio. porém considerando o contexto das tradições transpessoais. Mas. Para começar. que certamente parecia fazer sentido para mim. Fairbairn. Finalmente. Esse é o estado da totalidade final. a alma primeiramente 10 Muitos anos depois a passamos para Heldref Publications e nenhum de nós está envolvido com ela desde então. ego-libido e objeto-libido não diferenciados. Arthur Koestler e outros. existe inicialmente em um estado em que sujeito e objeto. como também no que as tradições místicas tinham a dizer. mas declinei do convite (principalmente porque já estava assoberbado com minhas próprias pesquisas). Seguindo esta pista. deixando-me. Obviamente. a tradição mística afirma há longo tempo que o estado definitivo é de unidade sujeitoobjeto (ou não-dualidade). Klein chamava esse estado identificação projetiva. é uma identificação inconsciente com o Self (a visão junguiana). Entretanto. que é recapturado em despertares místicos. Jack e eu começamos a trabalhar na revista (que ele denominou ReVision) e nos tornamos amigos constantes. a Suprema Identidade de Brahman-Atman. Mas. o que. pelo menos. num belo movimento de xadrez. Joseph Campbell. Prince e Savage. não apresentava sérios problemas. minhas tentativas de conceituar desenvolvimento psicológico não estavam. Piaget e Kohlberg – de certa forma. Queria que eu editasse. também concordei em seriar Atman em quatro partes na sua revista. Mas praticamente todas as escolas ocidentais de psicologia – os kleinianos. já que ambos são unidades sujeito-objeto? A maioria dos autores com conhecimento de tradições místicas considerava o estado neonatal como evidência de uma unio mystica ou samadhi primordial. Norman O. os trabalhos de acadêmicos como Werner. Prometi apoiá-lo moral e intelectualmente.Psychology. quando a alma existe em unidade com o mundo. tornou-se óbvio que teria de estudar a psicologia do desenvolvimento do bebê e da criança. Brown afirmava que esse estado inicial de fusão sujeito-objeto é o estado perfeito de não-dualidade. habilmente. em si mesmo. 11 . mas alinhando-o e religando-o ao Self. então a dinâmica do desenvolvimento pode ser conceituada como um “projeto Atman”. para um self pessoal consciente (dividido e alienado). Assim. como combinado. pois parecia que havia apresentado o caso tão cuidadosamente que não conseguia quebrar minha própria argumentação. aquela “consciência cósmica infantil”. O desenvolvimento foi o delineado no parágrafo anterior. Cheguei à dinâmica do seguinte modo. segue-se que o objetivo do desenvolvimento é recuperar a união com o Self. Pois se realmente havia um espectro da consciência – uma Grande Cadeia do Ser. e. seguindo-a . Quanto mais ponderava sobre a situação. até uma união final consciente transpessoal (conscientemente total e extática). algo estava definitivamente errado. tentando descobrir o que estava me incomodando. Sentia-me desconfortável. 1959]. ainda assim. todavia. aquela proposição era.. uma vez mais. Junte-se esta visão à visão transpessoal e ter-se-á o seguinte: se essa condição original de fusão neonatal é realmente o estado inicial de totalidade ou de identidade com o Self. o self é uno com um mundo de amor e prazer. comecei a reunir os domínios pessoal e transpessoal num esquema desenvolvimentista e dinâmico. Seria realmente um estado de identificação inconsciente com o Self. uma identificação subsequentemente perdida e depois recuperada? Compreendia que a maioria das autoridades transpessoais respondia afirmativamente a essa pergunta. A principal escola de psicologia a tratar de problemas psicodinâmicos foi a psicanálise. A evidência dessa visão parecia irresistível. mantendo ligação com o ego. Li e reli insistentemente meus escritos. mais parecia que algo estava profundamente errado. Mas quanto mais pensava sobre este modelo de desenvolvimento. em unidade de amor e prazer com o mundo inteiro. há um imenso corpo de teoria e pesquisa (de Freud a Loewald) sugerindo que a principal (mas não a única) dinâmica de desenvolvimento é tentar recuperar o prazer narcisista que existia no seio materno (na fase oral pré-ambivalente) e que foi perdido no desenvolvimento subsequente. como colocado por Lovejoy – então seria razoável assumir que o desenvolvimento seguia a própria Grande 12 . As implicações de tudo isso foram apresentadas nos primeiros rascunhos de The Atman Project. o caminho completo de desenvolvimento seria o de um estado inicial de união transpessoal inconsciente (“paradisíaco”). na realidade. mais era levado ao estado inicial de fusão neonatal. daí ser o objetivo final do ego humano restaurar o que Freud chama de “narcisismo ilimitado” e colocar-se. como também que Eros impele o ego a recuperar aquele sentimento: “O desenvolvimento do ego consiste num afastamento do narcisismo primitivo e resulta numa vigorosa tentativa de recuperá-lo. e não só num esquema estrutural como havia feito em Spectrum. Freud não só afirma que o sentimento egoico humano uma vez abraçou o mundo inteiro [i. mas sua interpretação (ele realmente tem algo a ver com o Self?). Se usarmos o termo hindu para o Self supremo.deve renunciar a essa unidade inconsciente e criar um self isolado e um mundo de separação e dualidade. só então ela poderá retornar à totalidade de um modo consciente. durante o estado neonatal de fusão sujeito-objeto]. assim procurei nela as sugestões iniciais.” No narcisismo primitivo. [Brown. Nessa escola. o ponto crucial do problema – não os dados (há realmente um tipo de estado de fusão neonatal).e. que começaram a ser publicados em ReVision. Mas. homens e mulheres caíram do céu (ou da unidade com e como Divindade). Cassirer e a ideia da identidade natural primordial. os melhores dos quais pareciam ter acesso a estados espirituais genuínos. depois separação e. um Jardim do Éden. um Paraíso no qual todas as coisas eram unas em êxtase e felicidade e de onde homens e mulheres decaíram? E essa queda não foi causada pelo conhecimento. erroneamente. O Éden foi. era como acelerar um motor de corrida em ponto morto. préegoicos e largamente subumanos da evolução. pré-pessoais. movendo-se. o período dos estágios subconscientes. mais um ponto começava a sobressair: havia muito pouco de “paraíso puro” na humanidade primitiva (não estou me referindo a povos indígenas que existem atualmente. A mitologia não nos fala de uma Idade de Ouro. por fim. mas exatamente no meio. mas pré-pessoal. então nem mesmo a mitologia antropológica servia de ajuda. Era paradisíaco. simplesmente. os mitos do Éden confundiam ignorância pré-pessoal com êxtase transpessoal. todas as evidências estavam do lado da visão transpessoal geral. não nas extremidades da Grande Cadeia. mas a tribos originais de proto-humanos que viveram há meio milhão de anos. A princípio. e inclusive. e sim do presente eterno de onde emergem todas as coisas. Por razões que explicarei a seguir. mas sim macacos pré-pessoais. a média de consciência dos humanos primitivos não parecia ser transindividuada. quando homens e mulheres começaram a evoluir a partir do Éden. até. como não poderia deixar de ser. no próximo e no próximo. Posteriormente. quanto mais olhava para a evidência real. mas sim préindividuada. do seu degrau inferior para o degrau supremo. se assumimos que de. Watts. 13 . ao imaginar que houve. chegaria à conclusão de que foi precisamente a falha em questionar aquele retorno em U que desviou meus esforços iniciais. e usualmente muito raros. num primeiro momento. Com exceção de ocasionais.Cadeia. Brown. Gebser e o estado de totalidade arcaica. como uma queda do céu. Jung e outros) postulava um tipo de retorno em U. Caímos do céu neste momento. quando o que precedeu as pessoas não foram almas transpessoais. separação e alienação egoica? E isso não se encaixa perfeitamente com o desenvolvimento infantil: unidade inicial. Mas os teólogos e mitólogos confundiram essas duas quedas. com uma expectativa média de vida de vinte e poucos anos e uma consciência relativamente prédiferenciada). aquele retorno em U começou a deixar-me profundamente intrigado. Se não tivesse me ancorado no trabalho manual e na segurança do zazen. mas essa não foi uma queda na história. Mas aí estava o problema: a visão geral transpessoal (Norman O. num passado histórico real. Mas era exatamente essa a pista que estava procurando. um céu transpessoal na Terra. Esse foi um período muito difícil para mim. toda vez que criamos limites e vivemos com a sensação de um self separado. Por outro lado. os proto-humanos (Australopithecus. O problema era complexo porque. algum modo. Sentia dores físicas ao esforçar-me para endireitar as coisas. isto foi considerado. tenho certeza de que teria soltado um pino por aí. as evidências pareciam confirmar os mitos do Éden: Lévy-Bruhl e a noção da participation mystique. Intelectualmente. xamãs. há paralelos filogenéticos/ontogenéticos. não transpessoal. de tal modo que. retorno à unidade (com iluminação)? ASCENSÃO A PARTIR DO ÉDEN Coloquei de lado The Atman Project e resolvi estudar antropologia e mitologia. Homo habilis e outros). no sentido cru da palavra. Realmente. mamíferocorpo. Berdyaev. Então. E essas três fases gerais – do pré-pessoal. para o pessoal. a ontogenia recapitula a cosmogonia e a filogenia. supremo.porque proto-humanos. iniciando no nível mais baixo e culminando no mais alto. e mamífero (o tifão 13). persona.) A serpente mítica que come sua própria cauda. da evolução natural ou universal. Descrevendo o período inicial da infância (o estado de fusão neonatal ou identificação 11 A matéria primordial (materia prima) dos alquimistas e gnósticos. portanto. metade serpente. (N. siddhi etc. turiya. apresentavam-se agora perfeitamente transparentes. (N. mais importante. O ponto final foi que. os problemas do desenvolvimento. planta e animal inferior (o uroboro 12). Ao mesmo tempo. o sutil (morada dos arquétipos e da Divindade pessoal). que tanto haviam me confundido e perturbado.) 12 14 . dúvida ou desespero reais. Up from Eden (Wilber. White. mas agora podia incluir explicitamente os níveis da esfera subconsciente: matéria (o pleroma11). para os humanos. ego. Ou. sendo pré-egoicos.). L. Esse estudo antropológico e evolucionário (Wilber. o mágico. Pois aquilo que chamamos crescimento. Teillhard de Chardin e. Isto se tornou claro para mim de um modo marcante por uma frase de Piaget. réptil-uroboro. Teillhard de Chardin e Hegel haviam afirmado. esses estágios permitiram-me equacionar a narrativa em concordância com os trabalhos históricos de eruditos tais como L. Complementarmente. havia começado a cartografia nos níveis da autoconsciência (persona. (N. Isto é.T. ou desenvolvimento. A mesma “força” que produz seres humanos de amebas. planta. causal. Esses domínios continuavam válidos. Retornando a The Atman Project. eis um mais completo espectro da consciência ou Grande Cadeia do Ser: matéria-pleroma. Ao invés. os níveis subumanos tais como matéria.) 13 Figura mitológica. reuni todos esses estudos em um livro. 1981). produz adultos de crianças e os estágios de ambas as produções são essencialmente similares. ego. para o transpessoal – combinavam perfeitamente com os trabalhos de Aurobindo. refinei minha compreensão da esfera transpessoal. réptil e mamífero. rastreei quatro estágios principais nessa transição: o arcaico. centauro.T. subdividindo-a em quatro níveis gerais: o psíquico (domínio dos estados transpessoais iniciais. 1981) também me permitiu preencher algumas lacunas na cartografia apresentada em Spectrum. Assim. metade homem. para alma. psíquico. Retornei a um estudo profundo e cuidadoso de Hegel e terminei ainda mais impressionado com ele do que com qualquer outro filósofo ocidental.T. E. o ponto central da evolução é que ela efetivamente segue a Grande Cadeia. Na verdade. para espírito. matéria para corpo. os mitos do Éden falam da passagem histórica do subconsciente para o autoconsciente e as consequentes culpa e ansiedade necessariamente envolvidas nesse processo. o causal (o Vazio não-manifesto) e o supremo (espírito. Erich Neumann e Julian Jaynes. Svabhavikakaya). é a expressão. assim. Naquele livro havia dado pouca atenção aos níveis mais baixos do ser. para mente. capacidade para ansiedade. o mítico e o racional. Jean Gebser. centauro) e continuado através dos níveis da superconsciência (transpessoal. não havia nenhuma razão para que ela não pudesse continuar da autoconsciência para a superconsciência. na visão concisa da teologia ocidental. de Hegel. sutil. pelo menos num esquema bem abrangente. exatamente como Aurobindo. Recentemente. se a evolução conseguira mover-se da subconsciência para a autoconsciência. universal). não tinham capacidade para pensamento autorreflexivo e. mas era exatamente a distinção que precisava para conceituar o desenvolvimento humano mais adequadamente. o que é perdido no desenvolvimento subsequente é a inocência relativamente extática do estado de fusão material. a Brown. subconsciente. quando realmente ela se move do inconsciente pré-pessoal. mas aí não fará o menor sentido dizer que esse estado inicial foi perdido no desenvolvimento subsequente. eles são completamente ignorantes deles. para pessoal. mas era uma união de participação somente com os níveis mais baixos da Grande Cadeia – o material. apresenta-se como uma perda da união transpessoal. Aquele estado inicial de fusão. e já que a fusão pré-pessoal. O bebê não é “um com o mundo inteiro”. Nesse estado primitivo de fusão não entram níveis mais elevados. em especial com o nível material (e o nível biológico via mãe). ele afirmou que “aqui podemos dizer que o self é material”. Em outras palavras. a falácia pré-trans faz parecer que o desenvolvimento move-se do inconsciente transpessoal. uma vez que tanto as esferas pré-pessoal quanto transpessoal são. Eles não conseguem distinguir o corpo físico do ambiente físico. haviam considerado um estado de “unidade com o mundo inteiro em amor e prazer”. com o mundo social. de qualquer maneira. para o transpessoal. elas podem parecer idênticas à primeira vista. para o pessoal. (Do mesmo modo. com o mundo sutil. O PROJETO ATMAN Agora isto pode parecer um ponto trivial. para o consciente transpessoal. ao invés de pré-pessoal. Isto é. a visão é falaciosa). embora sejam totalmente diferentes. subconsciente. Instantaneamente. Mas uma vez ocorrendo essa confusão. Assim. Ora. o bebê não é um com o mundo mental. desde Freud a Jung. que sustentava que esse estágio primitivo era uma identificação com o Self. Eles são basicamente unos. ambas não-pessoais. fui capaz de demonstrar a mesma coisa aplicada antropologicamente ao estado médio dos humanos primitivos. Assim. ela. conciliá-lo com a 15 . a totalidade ainda não se manifestou no bebê e é realmente impossível ser uno somente com um potencial (ou. é uma grande falácia referir-se a esse estado primitivo de fusão como “unidade com o mundo inteiro”.projetiva que tanto havia me confundido). nada mais é do que uma identidade com os níveis mais baixos da Grande Cadeia. pré-pessoal. com o ambiente material e a mãe biológica. porque esses mundos sequer existem ou já emergiram. o biológico e o animal). A falha em compreender tal distinção provoca exatamente o retorno em U que mencionei anteriormente: do transpessoal para o pessoal e de volta ao transpessoal. Eles realmente viveram em participação mística e unidade arcaica. para o consciente pessoal. não a estrutura psicológica mais baixa. Os bebês não são unos com esses níveis. mas sim com o nível de ser material-urobórico. é realmente perdida. então terá de admitir que todos os níveis anteriores à iluminação também são unos com o Self de um modo inconsciente. ou fundidos. Para começar. que todos. Pois o Self é a totalidade das estruturas psicológicas. se você preferir considerar essa visão como uma metáfora. tais como a pré-escola e a universidade. erroneamente. o esquema completo tornou-se claro. Aí estava exatamente o problema com a visão transpessoal geral. o bebê efetivamente rompe uma identidade. para transpessoal. com o mundo simbólico ou com o mundo linguístico. identificação esta subsequentemente perdida no desenvolvimento e recuperada na iluminação. Ainda mais que essa fusão primitiva simplesmente não pode ser igualada com o Self ou com a identidade do Self. não com o Self. se por “mundo inteiro” entendemos apenas a fusão primitiva biomaterial. a seu modo. teoria evolucionária. é um impulso para realizar o potencial mais elevado de cada um – isto é. é composto por todos os estágios precedentes de evolução/desenvolvimento. poderia apontar para uma condição passada. como também uma impulsão para realizar-se uma condição futura. ao contrário. então. o termo que você preferir). nenhum dos quais pode ser explicado por teorias de reforço. À medida que comecei a rever a noção completa da dinâmica (incluindo o que havia escrito anteriormente). todo o crescimento. a The Atman Project e parti para os estágios estruturais de desenvolvimento – sub-auto-superconsciência – considerando a missão. histórica e verdadeira. os aspectos mais importantes do comportamento são criativos 16 . não havia necessidade de telos. Estava relutante em introduzir telos.) Tinha agora em minha mente uma imagem razoavelmente precisa das estruturas da consciência e do desenvolvimento dessas estruturas. Coloquemos da seguinte maneira: a teoria do condicionamento pode explicar o reforço de uma tendência após ter emergido pela primeira vez. ou “força” da evolução e do desenvolvimento. estágios que agora fazem parte da sua individualidade composta e que expressam suas necessidades. Aurobindo e outros. todo o desenvolvimento. mas inclui seus predecessores de um modo holístico. a dinâmica da consciência parecia não só uma pressão para afastarse de um passado real. Espírito. Então. Por outro lado. com a Grande Cadeia do Ser. As filosofias perenes e as tradições transpessoais unanimemente sustentam que a “dinâmica”. e reproduzem suas próprias existências. mas não por que ocorre pela primeira vez. por conveniência. para mente. O ponto é que o que denominamos desenvolvimento é um processo dinâmico de movimento hierárquico através desses estágios. Retornei. Em outras palavras. A consciência não era só condicionamento. o indivíduo não é uma unidade isolada. real. Ela pode dizer por que um comportamento se repete ou por que ocorre pela segunda vez. por meio de trocas com os correspondentes níveis do ambiente. desenvolver a superconsciência (natureza de Buda. Isto é. a partir da qual facilmente derivaria minha dinâmica. é na primeira aparição de um ato que está toda a novidade. já bastante esquisito. para espírito. não só porque isto significaria imediata rejeição da parte dos psicólogos ortodoxos. mas emergência criativa e esforço teleológico. como também porque – mesmo sendo um psicólogo transpessoal e. oculto. e poderia fazê-lo sem ter de invocar a noção de telos. podemos usar. para alma. com Hegel. de tal modo que cada estágio de consciência torna-se um nível de consciência no desenvolvimento subsequente. em forma de ninho: desenvolvimento que é envolvimento. Ao sustentar que o estado de fusão do bebê era uma forma inconsciente da unidade suprema. toda a inovação. os potenciais e conflitos de cada estágio de desenvolvimento. ficou óbvio porque estava tão relutante em desistir da ideia de que o bebê existia em um estado de “totalidade perfeita”. cada nível transcende. podia afirmar que todo o desenvolvimento subsequente era uma tentativa de recuperar a consciência de Atman. como sustentam os psicólogos ortodoxos. (Esta é a noção de “individualidade composta” apresentada em Eden. Embora Atman apresente ao todo cerca de vinte estágios/níveis. Uma vez que a unidade suprema já existia no desenvolvimento do bebê. todas as evidências apontavam inequivocamente para a noção de telos. Entretanto. ou suficientemente fantasmagórico – a ideia parecia bastante improvável até para mim. a versão mística ocidental mais simples: matéria para corpo. toda a criatividade. voltei-me mais uma vez para a dinâmica da consciência. consciência de Deus. portanto. mas não consegue explicar a própria emergência inicial. Em outras palavras. natureza de Atman. aos olhos dos ortodoxos. nem mesmo predominantemente. sim. bem como sua exclusiva confiança no condicionamento passado e na teoria do reforço. uma declaração bastante pobre em si mesma. desenvolverse além do ego-mental. (É um paradoxo: Atman é. Fuller. Torna-se concreto ou real somente pelo seu desenvolvimento e através do seu fim. Atman-telos ou o impulso para realizar o Espírito – revi as motivações de.” Mas agora o objetivo não era conceituado como a recuperação de um estado infantil de fusão (ou uma “versão amadurecida” daquele estado). “o círculo que pressupõe seu fim como seu propósito. ao mesmo tempo. etc. a fim de atingir estágios superiores que culminam na unidade suprema (comunhão divina em Deus somente. Aurobindo. sua “psicologia empírico-analítica” baseia-se extensivamente em sistemas de metafísica oculta e em hipóteses epistemológicas arbitrárias. sua natureza presente e o resultado final do seu desenvolvimento. mas ele ou ela deve continuamente abandonar as forma inferiores de unidade a fim de descobrir unidades mais elevadas. e em. de fato. De qualquer modo. Hegel. a fim de encontrar a unidade pela interação mental-social (comunidade. 1965) Note que a dinâmica geral ainda era a mesma em que havia originalmente pensado: a pulsão na direção da consciência de Atman. O ponto central do desenvolvimento é que o indivíduo procura a unidade em cada estágio de crescimento. Hegel: [O Absoluto] é o processo do seu próprio vir a ser. então. determinista. Gregory Bateson. acredita que pode ignorar a filosofia. Embora tenham sido apresentadas críticas fatais a essa teoria de reforço da aprendizagem por filósofos como Whitehead.e/ou teleológicos. circunscritos ao passado. ao mesmo tempo. metafísica oculta é má metafísica (tal como motivação inconsciente é frequentemente patológica). (Coplestone. os psicólogos se mantiveram amplamente ignorantes delas. Não somente telos passou a ser aceitável para mim. cada estágio de desenvolvimento. Vejamos alguns rápidos exemplos: é preciso desenvolver-se além da unidade pela comida (fusão com o comer. como uma descoberta teleológica do estado de Atman. Assagioli. causou uma catástrofe intelectual de primeira magnitude. Não são totalmente. Albert Szent-Gyorgyi. a fase fálica/edipiana). minhas dúvidas quanto a usar o conceito de telos desapareceram completamente após meu estudo de Hegel. “Sou um cientista. e sim tendências criativas expressas em direção a potenciais ainda não realizados – em resumo. reducionista e profundamente autocontraditória – uma teoria que não foi (e ainda não é) totalmente contestada. é. A maioria dos psicólogos ortodoxos. um processo que continua até que haja somente a Unidade. Hegel). Prigogine. o Objetivo de 17 . quando. comecei a entender que a rejeição de telos pela psicologia ortodoxa. No mínimo. Hartshorne e Huston Smith. que é a condição suprema e o potencial radical de cada pessoa. Aristóteles. Fantappie. a fase transpessoal) Cada estágio é uma forma mais elevada e inclusiva de unidade e o desenvolvimento simplesmente continua até que haja somente Unidade e a alma esteja baseada naquela Fonte e Quididade que formaram o telos da sequência completa. evidentemente. na ilusão de que são cientistas empíricos. Aceitando telos – especificamente. o círculo que pressupõe seu fim como seu propósito [telos] e tem seu fim no seu começo. não necessito de filosofia especulativa” é a declaração de um filósofo pragmático e logicamente positivista. telos. mas. sugerindo que eles fossem subconjuntos deste impulso último para a Unidade (como haviam feito Whyte. A superação da barreira do telos foi o último grande obstáculo para uma conceituação decente da dinâmica da consciência. a fase oral) e da unidade pelo sexo (união biológica. a fase mental) e. 1979). “o processo de seu próprio vir a ser”. por exemplo. cada estágio mais elevado nega (transcende). então. ao mesmo tempo. cada estágio de desenvolvimento sucessivo transcende. desejo. Se o Espírito fosse somente presente. “Superar é. uma falha em superar esse estado primitivo de fusão narcisística deixa-nos fixados em buscas prépessoais e tendências subumanas (como relatou. se o indivíduo consegue reconstruir (lembrar-se de) essa história. PATOLOGIA Essa mudança na ênfase também ajudou-me a conceituar mais adequadamente a forma do desenvolvimento propriamente dita: em cada estágio sucessivo de crescimento e desenvolvimento. para mim. ao tempo. sofrimento. você seria iluminado já. Entretanto. como era assumido. Finalmente. Objetivo e Condição. De fato. separação. Entre outras coisas. A descoberta central de Freud foi que sintomas emocionais não são destituídos de sentido ou absurdos. para o espírito. o estado redescoberto não era o estado de fusão neonatal. eles apresentam significado porque têm várias causas que repousam na história real do indivíduo. espaço. Ele é. self. Isto corresponde a dizer que. o significado do sintoma 18 . Assim. então. mas. que é anterior no tempo. entender patologia. que é anterior em profundidade. se ele fosse somente um objetivo. mortalidade. integra o inferior com o superior. para a alma. avanços e recuos – e aí está o complicado amálgama do desenvolvimento). transcende esse estágio para o imediatamente acima e. Christopher Lasch. corpo e mundo. o desenvolvimento é uma tentativa de recuperar a consciência de Atman (mas uma tentativa lenta e tortuosa. aquele desejo é simplesmente um impulso de regressão e autoabsorção narcisística. e esse processo continua até que haja somente Unidade. separação. memória. não poderia ser onipresente – portanto. mas o estado supremo de Atman. E fixação pré-pessoal não tem absolutamente nada a ver com a verdadeira inclinação transpessoal. mas sim com aquele que é anterior ao tempo – anterior. mas preserva (inclui) seu predecessor numa unidade e síntese de maior ordem. mas inclui seus predecessores. identidade.) Do mesmo modo. A transcendência final é a síntese final. um empuxo regressivo que deve ser superado com sucesso a fim de que possa ocorrer um maior desenvolvimento. ao mesmo tempo. à medida que o desenvolvimento se move da matéria para o corpo. ao contrário. observe que o desejo e o impulso para redescobrir a totalidade de Atman não têm nada a ver com o desejo de voltar ao estado neonatal de fusão (como muitos teóricos supuseram). e o desenvolvimento é simplesmente um retorno àquilo que já somos eternamente antes daquele abandono. é uma junção não com um estado particular no tempo. de fato. disse Hegel (1949). novamente. Em resumo. É uma “reunião” porque estamos constantemente abandonando aquele Estado Primordial ao adotar limites. para a mente. a primeira é involucionária ou regressiva. Assim. negar e preservar”. defesas. recompensas substitutas. A última é evolucionária ou progressiva. mente.todos os estágios evolutivos e a realidade presente ou Essência de cada estágio. a natureza da iluminação era como originalmente havia pensado e como todas as tradições mantêm – uma recuperação ou redescoberta de um estado anterior. o self diferencia-se desse dado estágio. é o mais alto degrau da escada e a madeira de que é feita toda a escada. Em verdade. A união com Atman é ainda uma “reunião”. com esse esquema ficou mais fácil. marcada por compensações. self. ao invés de transcendência. sonhos e projeções. 19 . dependendo das circunstâncias. um “retorno do reprimido”. certamente. esse entendimento histórico ajuda a despir o sintoma de sua opacidade e poder. para não mencionar o papel da neurobiologia). à medida que emergem níveis superiores. por volta dos 4 a 7 anos. Na sua forma mais suave. antissensual e antiemocional tão característica da típica mente ocidental (não é de admirar que L. O resultado é que. Esta dissociação mente-corpo. emocional-sexual. repressão. cada falha no desenvolvimento coloca em movimento uma subsequente relação de causa e efeito. na história subsequente. para a alma. Agora. todos estágios corporais). Ao invés de diferenciação. ela produz a mentalidade friamente racional. poderá gerar sérias repercussões. teleologicamente. L. e o complexo de Édipo em particular. se o desenvolvimento a partir da matéria para o corpo. ela está por trás de todas as várias repressões (defesas) descritas por Freud – as repressões do desejo e prazer corporais pelo ego/superego mental. Esse entendimento também pareceu lançar luz num dos pilares do Freudianismo. Agora. embora aparentemente bizarra à primeira vista. o significado de um sintoma pode ser descoberto via “causas na história” e. Em resumo. previamente. neles. Isto é. a mente (estágio 3) começará a emergir e a diferenciar-se do corpo (do mesmo modo que o corpo. há dissociação. considerava a psicanálise em geral. simplesmente a mente não se diferenciará do corpo. ela tenderá a dissociar-se do corpo. uroboro. não sou admirador de Freud. Por exemplo. portanto. os inferiores não são integrados e sim segregados. A dissociação e a alienação geram. Em formas menos drásticas. Aí. vários sintomas patológicos e desordens emocionais. então. abstrata. tifão. Fui finalmente vencido pelo fato de que talvez o maior psicólogo da história ocidental acreditava que o complexo de Édipo/Electra estava no âmago da psique de cada indivíduo. é central em muitas desordens. havia pelo menos uma verdade muito importante contida na teoria de Freud. Aspectos da experiência são excessivamente absorvidos ou excessivamente evitados e alienados. 1969) que está no âmago de desordens esquizoides e esquizofrênicas (composta frequentemente por traumas múltiplos que ocorreram na transição anterior da fusão material para o self corporal). havia se diferenciado do estado de fusão material). entre as idades de 1 a 2 anos. a mais ridícula e absurda de todas as teorias psicológicas. para a mente. o complexo de Édipo. Quando comecei a estudar esses assuntos. White [1950] tenha chamado a separação mente-corpo de “a dissociação europeia”). evidências de falha na integração. Além desses níveis. “causas na história” significam realmente “eventos em desenvolvimento”. Isto é. mas. para o espírito se processa mais ou menos normalmente. Mas repetidamente (muito contra minha vontade e perfeitamente ressentido do fato) eu era levado de volta ao gênio de Freud (pelo menos. e um retorno que aparece como sintomas. Esta não é a única causa da patologia (há. o self material inicial (estágio 1) transformar-se-á no self corporal (estágio 2). ela produz aquilo que Laing chamou “o falso self”: o indivíduo sente a mente como o self e o corpo como outro. terapeuticamente.torna-se transparente para ele ou ela e. procurei em vão por um gênio maior. No extremo. uma falha em integrar os potenciais futuros e emergentes. perde seu domínio obsessivo na consciência. se ocorrerem repetidos acidentes graves de desenvolvimento durante esse período (tais como traumas ou situações sem saída). Com certeza. uma síndrome (de acordo com Laing. doenças emocionais apresentam grande parte da sua etiologia em abortos no desenvolvimento – em tarefas não assumidas ou incompletas. com respeito aos níveis inferiores. A dor nas pernas 20 . parece-me que Freud foi capaz de ver o complexo de Édipo como universal porque a transição do corpo para a mente é universal e o complexo de Édipo representa. segregação). compartilham a mesma forma de desenvolvimento (diferenciação. Pois a essência do complexo de Édipo é que ele marca a transição dos desejos emocional-sexuais para identificações mentais (“identificações substituem escolhas de objetos”). Ao contrário: o complexo de Édipo é uma das formas mais baixas da dinâmica transicional. na sequência do desenvolvimento da matéria para o corpo. alienação. Obviamente. Édipo marca a transição do corpo para a mente. o complexo de Édipo localiza-se no ponto de transição e diferenciação do corpo para a mente. doenças. neonatal. Apresentar um “problema edipiano” significa simplesmente que esta transição falhou completamente. altas ou baixas. foi intensamente investigada por Mahler. Na sequência da matéria para corpo. tais como o de Apolo e o de Vishnu. Isto não significa que essas transições mais elevadas sejam “impulsos edipianos sublimados”. individual. na qual o bebê aprende a distinguir o self corporal do ambiente material em geral e da mãe pré-edipiana em particular.Quanto mais estudava. sutis e supra-egoicos. para mente. Isto é. (Isto é. Mas todas essas transições. isolados de participação na consciência. O complexo de Vishnu. integração) e a mesma forma de possível mau desenvolvimento ou patologia (dissociação. material. tentei esquematizar em The Atman Project as características dessas transições mais elevadas. minha prática meditativa. por assim dizer. para a fase do self corporal. egoicos para domínios transpessoais. Fairbairn e a importante escola da teoria de relações com o objeto em geral). mais aquela verdade parecia insinuar-se. Essa transição. Klein. a dificuldade de transformação da alma para espírito. ocorre em um nível tão elevado que aflige somente meditadores avançados (como explicarei brevemente). há outros pontos de transição além de Édipo. o fulcro dessa transição. PRÁTICA DE MEDITAÇÃO A natureza desses complexos mais elevados. para a alma. para a mente. retornam agora sob formas mórbidas de sintomas. a transição do self material para o self corporal ocorre antes. angústias. mentais. embora não exatamente avançada. tornou-se dolorosamente óbvia para mim através da minha própria meditação. Em qualquer dos casos. Uma das conclusões dessa linha de estudo foi que o mais importante e difundido complexo hoje em dia não é o complexo de Édipo – ou a dificuldade de transformação do corpo para a mente – mas aquele que podemos chamar de complexo de Apolo – uma dificuldade de transformação da mente para a alma ou de domínios pessoais. Ao terminar de escrever No Boundary (Wilber. No caso das transições superiores (mente para alma e alma para espírito) a teoria freudiana falha totalmente (como também a psicologia ortodoxa em geral). O indivíduo fica preso ao nível do corpo (fixação) ou alienado do nível do corpo (repressão). sensório-motor e pré-edipiano. para alma. Ele marca a transição da busca de unidade através do corpo (intercurso emocional-sexual) para a busca de unidade através da mente (intercurso comunicativo). para espírito. separado. para o espírito. E essas semelhanças entre níveis constituíam o que especialmente me interessava. não estava mais na fase de um iniciante. 1979). há uma falha para transcender e integrar o corpo (ou impulsos emocional-sexuais em geral) e esses impulsos dissociados e alienados. Assim. nos estágios oral. Portanto. dando especial ênfase aos paralelos com as transições oral e edipiana. transcendência. a fase oral marca a transição do estado de fusão inicial. T. assim. posteriormente reformulada. é que. Jung é definitivamente culpado da falácia pré-trans. pensamentos entram e saem da consciência como nuvens atravessam o céu. Mas. Nada gruda. a dificuldade em transcender da esfera mental para a esfera sutil. deve-se (como em todas as transformações) “morrer” para a esfera inferior (neste caso. mais aberto à lucidez. Nesse domínio. por exemplo. No nível sutil. porque são formas pré-racionais. (Um excelente depoimento dessas batalhas iniciais foi prestado por Walsh. se nos ativermos a ela. em finalmente ser capaz de elevar as flutuações das contrações mentais e descobrir. que é descoberto. então. uma mera descrição da Realidade verdadeira. os arquétipos são encontrados nos estágios primitivos da evolução. não é que o pensamento necessariamente cesse (embora isso aconteça muitas vezes. maravilhosas. mas com o próprio fluxo de pensamentos em si mesmo – foi uma árdua tarefa. ele não se afasta desse fundo mais abrangente de lucidez e conscientização (vide. Simplesmente. por assim dizer. é supramental. fiquei face a face com meu complexo de Apolo. 1978). 1977. tende a elevar infantilismos pré-racionais a glórias espirituais. durante a meditação. mas não retém. Esse domínio era simplesmente o sutil. Assim. Chuang Tsé: “O homem perfeito usa sua mente como um espelho. ao contrário. quando o pensamento surge. como dizem os budistas. 14 Este foi um período muito real e muito intenso para mim. verbal”. Porque esse é o reino dos arquétipos e da divindade arquetípica – o confronto com aquilo que é sempre numinoso. como disse Plotino. não se fica mais “perdido em pensamentos”. Do mesmo modo que a pessoa com complexo de Édipo mantém-se inconscientemente ligada ao corpo e ao seu princípio de prazer. profundas. A esfera sutil (ou a “alma”. 1997): “Neste uso. Este uso para “arquétipo”. emana do Um e representa uma expressão 14 Mais uma visão da fase “Wilber-I”. a pessoa com complexo de Apolo mantém-se inconscientemente presa à mente e ao seu princípio de realidade. isso evitará a descoberta da Realidade autêntica. ativa. tenho assinalado que essas imagens “arquetípicas” arcaicas deveriam realmente ser chamadas “protótipos”. a Asanga e Vasubandhu). embora de maneira incipiente. Não absorve nada. e não formas sutis. este mundo que. embora por convenção seja suficientemente real. transracionais e pós-pós-convencionais (que é o modo como os arquétipos são usados na Filosofia Perene. transegoica e transverbal. não recusa nada.” (N. como ressaltado por Jung. a mental-egoica). aumentando na capacidade de manter uma postura alerta. mais real. especialmente no início). simplesmente porque ambos são não-racionais. com suavidade. E. é o que mais tenho criticado. a qual. recebe. mágicas e míticas. Senti-me afortunado em fazer algum progresso. Mas para atingir-se essa esfera. A falha ou a incapacidade de consegui-lo é o complexo de Apolo.(devida à postura de lótus) estava suportável e minha conscientização. todavia. é. minha mente era igual à de um macaco: compulsivamente ativa. foi minha primeira inequívoca experiência direta da sacralidade do mundo. nada raspa. como chamada pelos místicos cristãos) é o início dos domínios transpessoais. como tal. o relato cristalino de John Welwood desse “terreno transpessoal”). porque ainda é o mais comum e o mais largamente associado ao nome de Jung.” Entretanto. ele não diferencia com suficiente clareza as situações pré-racionais e transracionais. de Plotino a Garab Dorje. as experiências do domínio sutil podem ser (e usualmente são) verdadeiramente extraordinárias. Nele.) 21 . filogenética e ontogenética.) A luta com meus pensamentos obsessivos / compulsivos – não pensamentos obsessivos particulares como na neurose específica (o que geralmente é indicação de uma fixação no complexo de Édipo). embora relaxada. embora neutra. e. um domínio incomparavelmente mais profundo. em The Eye of Spirit (Wilber. após desgastar o complexo de Apolo. racional. Por exemplo. nada atrita. em última instância. (“realidade” aqui significa “realidade institucional. graça e clareza. obsessivamente motivada. mais saturado de ser. Anteriormente. cuidadosa e intimamente. A seguir. manipura. esses diversos domínios reconhecerá imediatamente as profundas diferenças entre exposições pré-pessoais. de modo que não tive que perder tempo para aprender ou discutir sua posição. mas chorar. então. ou “chakras” shabd. e foi exatamente isso o que fiz... fiz um “tour” pelo domínio sutil. E mais importante. pelo fato de estar bastante familiarizado (na teoria e na prática) com as experiências que podem ser produzidas por impulsos subconscientes. que muito me ajudaram a esclarecer minhas experiências nesse domínio (Singh. 15 Toda sua abordagem era hierárquica. e sem a sua liderança (mesmo que apenas por livros) duvido seriamente de que pudesse passar tão facilmente e rapidamente por alguns desses domínios. finalmente. Lágrimas de gratidão. por horas. o que casava perfeitamente com minha própria filosofia. Minha descrição favorita desse domínio é a de Dante e asseguro-lhes que o que ele descreve é literalmente verdadeiro: Fixando meu olhar na Luz Eterna. ou iniciado. neste ponto inicial seria sacrilégio. (Isto não é falsa humildade. de indignidade e. As escolas orientais são muito explícitas quanto às diferenças entre pranamayakosha (exposições emotivo-sexuais) e anandamayakosha (intuições arquetípicas). vi três círculos De três cores. além dele – mas efetivamente ainda não tinha sido apresentado. anahata. embora de uma dimensão. àquele domínio. E o primeiro parecia refletido no segundo Como o arco-íris é pelo arco-íris. O ponto central de Singh é que há nos domínios sutis uma hierarquia de iluminações audíveis cada vez mais sutis. Nessa época descobri os trabalhos de Kirpal Singh. não fui levado pela falácia de confundir experiências superconscientes com renascimentos subconscientes.) Gargalhadas – grandes gargalhadas – vieram depois. desenvolvimentista e dinâmica. 15 Na tradição tântrica os chakras (centros de energia sutil) são sete: muladhara. de compaixão. a yidam (o termo budista) e ishtadeva (o termo hinduísta). Em minha opinião. subconscientes e instintivas em comparação àquelas que são transpessoais. Um mestre zen uma vez disse que a resposta apropriada ao primeiro kensho forte (pequeno satori) não é rir. qualquer pessoa que tenha estudado.) 22 . Em minha opinião. Embrulhadas juntas amorosamente em um pacote. em minha prática meditativa.T. Na profunda subsistência luminosa Daquela Excelsa Luz. além dos chakras (como o ajna e o sahasrara) considerados por escolas de yoga mais antigas e menos sofisticadas como os derradeiros. superconscientes e arquetípicas. svadhisthana. Singh é o mestre insuperável dos domínios sutis. nunca encontrei ninguém que não se sentisse indigno desse domínio. de maravilhamento infinito. a divindade. e o terceiro Parecia fogo respirado igualmente por ambos. vi nas profundezas. Estava. tendo um gosto dos níveis mais sutis. essas eram as mais profundas experiências por que jamais havia passado. 1975). As folhas espalhadas de todo o universo. todas as imagens “mágicas” e “alucinatórias” descritas por Freud e outros. ajna e sahasrara. vishuddha.Dele. Simplesmente a usei. (N. uma introdução a arquétipo. como aparentemente fiz. havia tido breves vislumbres iniciais do domínio sutil – e mesmo do causal. me pareceu. Sem dúvida. É por isso que se diz que o Tao está além do saber ou não-saber.” “Mas como se pode viver em concordância com ele?” “Ao tentar concordar você já se desviou. não-conhecer é simples ignorância.” Mas sem tentar. por assim dizer. não um objeto particular. a natureza verdadeira deste e de cada momento antes que eu possa compreendê-lo. é como o céu vazio. que nunca se quer abandoná-las. O estado supremo é o que sou antes de ser qualquer outra coisa. superiores ou inferiores. Quanto mais me aprofundava na natureza da experiência. ao contrário. é o que vejo antes de ver qualquer coisa e o que sinto antes de sentir qualquer coisa. penso que de Hans Sachs. deseja-se banhar para sempre em sua glória arquetípica e libertação imortal – e aí está o complexo de Vishnu. comecei a entender o que elas realmente eram – meras experiências. 1975] Explica-se isto assim: o Upanishads diz que Brahman não é um entre muitos. começou a curar-me da fixação do nível sutil. tão salutares. segundo a qual a psicanálise termina quando o paciente compreende que ela pode durar para sempre. em ver isto ou aquilo. Mas meu treinamento Zen. “O Tao é sua consciência comum. porém o ponto era que essa exposição experiencial poderia continuar para sempre. tão maravilhosas. nunca perdê-las. Conhecer é falso entendimento.OS LIMITES DA EXPERIÊNCIA Mas à medida que essas experiências superconscientes progrediam. Poderia ser apresentado a experiências cada vez mais sutis ad infinitum. por definição. Admito que esses domínios. em si mesma. o complexo de Vishnu. de São Dionísio a Eckhart – tudo me dizia que o estado supremo não era uma experiência (um ponto que coloquei em “The Ultimate State of Consciousness” [Wilber. meu entendimento (embora ainda superficial) de Krishnamurti. Assim. Porque. tão profundas. 1975-1976]). pelo menos como os conhecia. Se o complexo de Apolo é o veneno dos meditadores iniciantes. do certo ou errado. Pois o complexo de Vishnu é precisamente a dificuldade em mover-se da alma sutil para o espírito causal. E 23 . como vou conhecer o Tao?” “O Tao”. O mesmo tipo de compreensão. estritamente relativo). em saber isto ou aquilo. Era aquele vasto pano de fundo ou Abismo (Ruysbroeck) de onde emanam as inúmeras realidades experienciais. esse ou aquele sentimento. As experiências sutis são tão extasiantes. eram mais reais que os planos material. corporal ou mental. disse o Mestre. “O que é o Tao?” Mestre Nan-chuan respondeu. porque era anterior a tudo isso. mas um sem um segundo. tanto mais me tornava profundamente desiludido com ela. “é anterior ao conhecer ou não-conhecer. o complexo de Vishnu é o grande sedutor dos praticantes intermediários. experiência é algo que tem um começo e um fim (estritamente temporal. de Shankara e de Sri Ramana Maharsi. não tinha nada a ver com mudanças de estado. Há uma citação. de um modo especial. mas a realidade de todos os objetos. não era absolutamente experiencial. Por que mudar o rumo da conversa para certo e errado?” [Citado em Watts. mas a própria natureza e essência de todas as experiências. Chao-Chou perguntou. Se você realmente compreende o Tao antes de duvidar. Não era uma experiência particular entre outras experiências. mais reais do que os estados comuns. a postura da testemunha desapareceu completamente. testemunha todos os eventos emergentes. “é a derradeira cidadela do ego. a testemunha transpessoal que. baseiam-se na dualidade entre sujeito e objeto. embora de um modo fugaz. devem ser superadas.”. Entretanto. observador e observado.”. o despertar verdadeiro é a dissolução da própria testemunha e não uma mudança de estado naquilo que é testemunhado. trata-se meramente de um sujeito mais sutil e de um objeto mais extraordinário. e sim “Quem captou?”. por assim dizer. Mesmo sonhando. A testemunha desses estados divinos ainda se mantém intacta.mesmo assim. é dualista. Não havia nenhum sujeito em nenhuma parte do universo. desobstruída. simplesmente porque essas extraordinárias experiências são. E. “Quem canta o nome de Buda?”.” Nesse ponto. O ponto é que todas as experiências. superiores ou inferiores. de qualquer modo. além da testemunha (e do complexo de Vishnu). cedo ou tarde. imanente. Não “Eu captei o sentido do koan. corpo e mente. momento a momento. ficam aquém da consciência não-dual e. mas sim “Quem deve?”. simplesmente total. No quarto dia apareceu. Todavia. Por isso é que sempre se afirmou que formas de indagação do tipo “Quem sou eu?”. Em outra palavras. e sua natureza é de sutil contração ou resistência. de acordo com o Zen. por outro lado. prosseguir e terminar (o que Charles Tart chamou de “sonhos translúcidos”). não despersonalizado. mas transpersonalizado. Mas com esse tipo de pergunta. mas uma amplificação delas. para a verdadeira natureza da atenção. o estado da testemunha. Entretanto. Então. Isto é. que não é nem subjetiva nem objetiva. Mesmo na esfera da alma. Mais precisamente. radiante. 24 . Qualquer atenção é exclusiva. “A testemunha”. Todas são meras contrações subjetivas no Campo da Consciência. experienciador e experienciado. É muito importante compreender que esse estado não foi uma perda das faculdades. superiores ou inferiores. Não “Eu devo sempre estar consciente da minha respiração. todas as experiências. assim. incomparavelmente mais real do que os níveis inferiores da matéria. esse tipo de indagação faz com que a atenção se volte para a própria atenção. foi em um sesshin ou retiro zen intensivo. Roshi ficou totalmente impassível diante de todo aquele “makyo”. não foi um transe vazio e sim perfeita claridade. estava tentando captar o Todo como uma experiência particular – por certo um Grande Experiência. A primeira vez que isto se tornou óbvio para mim. resta apenas a consciência inicial. na verdade. uma experiência – e era exatamente isso que não permitia a descoberta (porque uma experiência é um saber ou não-saber e não algo que precede a ambos). o sujeito transforma-se no objeto de modo que a fronteira entre eles é rompida e ambos desaparecem como entidades exclusivas e separadas. Nenhuma das faculdades pessoais – linguagem. disse ele. essa contração subjetiva que é atenção torna-se o objeto da atenção. não havia nenhum objeto em nenhuma parte do universo. calma e clara. lógica. de maneira firme. Tudo estava surgindo momento a momento e estava surgindo em mim e como eu. sagradas ou profanas. O efeito dessas perguntas é liberar a atenção das telas objetivas da consciência e excitar a consciência em si mesma. não havia nenhum eu. “Quem deseja libertação?” são o caminho básico. mas. muitas outras tradições confundem makyo com o estado supremo. havia apenas o universo. Por isso o Zen chama todas as experiências superiores por um nome pejorativo: makyo ou “ilusões sutis”. e isso inclui a “atenção passiva” e qualquer outra conscientização sutilmente motivada. porque ela se liga nisso e ignora aquilo. conceitos. meramente se testemunha: pode-se ver o sonho começar. talvez o único caminho. incrível e profundamente comum. outro estado. uma introdução em primeira mão. com maior facilidade. extremamente útil em outros casos. uma que. destruí-lo). Não podia ver. “transcendentes” ou “místicos”. Em outras palavras. Para experienciá-lo. (N. não podia ouvir. do mesmo modo que o alfabeto não é outra letra. tão extraordinariamente comum que nem mesmo foi notado. porque era tudo ouvido. simplesmente era tudo. uma 16 No Budismo Mahayana. Daí em diante. é. foi aí que subdividi o domínio transpessoal em pelo menos quatro ou cinco níveis baseados em análises estruturais. às várias esferas mais elevadas da consciência. é o último domínio (causal) antes da transcendência final. razoavelmente sólida. tornei-me profundamente desconfiado dos transpersonalistas que falam dos estados superiores como “realidades experienciais”.habilidades motoras – foi perdida ou enfraqueceu-se. ainda escorregadia. Como mencionei anteriormente. indefeso e perfeitamente não-dual foi. tive de me separar dele (isto é. percorrendo os domínios sutis. porque era tudo visto. Eu não observava ou experienciava nada. Também vi a perfeita inadequabilidade do paradigma de “estados alterados”. porque era tudo sabido. e o que todos os estados têm em comum não é. Esse estado radicalmente aberto. Não havia ninguém lá para compreendê-lo até que eu saísse dele (acho que cerca de três horas depois). em si mesmo. não podia saber. muito menos que o estado em si mesmo. em verdade. finalmente senti que chegara a uma cartografia mais completa da consciência. muito frequentemente condensados e chamados de “transpessoais”. inicial e incompleta – proporcionou-me. Mas todo esse período. pelo menos tinha o mérito da abrangência. Os refinamentos poderiam vir ao longo dos anos. esse “não-domínio”. enquanto naquele estado. o que todos os estados têm em comum. com extensas tabelas de referência mostrando como as principais psicologias orientais e ocidentais se encaixavam nela. Para maiores detalhes. por enquanto. lutando com o complexo de Vishnu e penetrando no Dharmakaya 16 – embora de maneira parcial. Ao contrário. Com essa experiência. ao mesmo tempo. Daí porque ele é. Com essas subdivisões do espectro. pela primeira vez pareceu-me que todas elas funcionavam em radical abertura. o grande mistério e o perfeitamente óbvio.T. pelo menos. A maioria dos modelos ocidentais de meditação cai em um de dois campos: a escola fisiológica/neurológica/padrões cerebrais e a escola cognitiva/psicológica. O seu reconhecimento ou experiência é muito. que não era absolutamente nenhuma experiência. ocasionalmente.) 25 . um modelo baseado tanto na prática pessoal quanto no estudo teórico. porque esse domínio. Mas foi somente quando me dei conta de que estava naquele estado que realmente não estava mais nele. A primeira vê a meditação como redução sensorial. ao mesmo tempo. de retornar à literatura das tradições transpessoais e desenvolver uma classificação bastante exaustiva dos vários domínios superiores. essa cartografia foi apresentada em The Atman Project. UM MODELO DE MEDITAÇÃO Este período também me ajudou a montar um modelo experimental da natureza e função da meditação. apesar de ter feito o mesmo em Spectrum. que era a totalidade de tudo surgindo momento a momento. lateralização hemisférica. fui capaz. longe de ser perfeita e. vide The Atman Project. livres das defesas impostas pela sensação de um self separado. havia somente aquele estado. além daquelas provenientes de Eden. para tratar do derradeiro domínio espiritual. do mesmo modo 17 “Na famosa sequência de pinturas zen-budistas conhecida como “A série do pastoreio do boi” encontramos um exemplo clássico da cronologia dos estágios espirituais. Desde os estágios dhyana/prajna de Buda até os estágios de sublimação dos chakras do kundalini. não como uma resposta ao relaxamento. Na etapa seguinte. Bem. foram também os primeiros verdadeiros psicólogos do desenvolvimento. porém muitas cartografias tradicionais contêm até vinte e cinco estágios/níveis de consciência meditativa). olhamos absolutamente para tudo. 17 o curso multinível de contemplatio de Hugo de São Victor. eles a veem como um processo de desenvolvimento. ela avista o rastro do boi e começa a procurá-lo nas montanhas e nas planícies deste mundo. o abrangente sistema de meditação zen representado pelos estágios do pastoreio do boi. (Anteriormente. uma vez que a essência das tradições orientais é uma visão fenomenológico/desenvolvimentista/estrutural dos domínios superconscientes e que a psicologia ocidental possui uma bem detalhada visão fenomenológico/desenvolvimentista/estrutural dos domínios autoconsciente e subconsciente. desautomatização. e no quadro seguinte. símbolo da sua alma ou natureza primordial. ambos desaparecem em um momento de morte do ego e rompem em direção a domínios mais elevados da consciência. Moody e David Carrol) (N. A segunda vê a meditação como uma dessensibilização super-wolpiana. ou uma estratégia de auto-regulação. tanto o boi quanto a pessoa que o buscava deitam-se juntos. os estágios específicos e detalhados ensinados por Santa Teresa d’Ávila e São João da Cruz. O que todos têm em comum é uma visão da meditação.resposta ao relaxamento. esta foi a abordagem que segui em The Atman Project. Para ser preciso. a ponte mais imediata e indolor seria simplesmente adicioná-las. mas sim como um desenrolar hierárquico de sucessivas estruturas superiores de consciência. em harmonia. ou uma privação sensorial. Nas outras pinturas. Acho que cada uma dessas teorias tem o seu mérito. alteração cognitiva ou estratégia de autorregulação. Mas.) 26 . o âmago. mencionei que havia pelo menos cinco dessas estruturas ou níveis mais elevados. regressão a serviço do ego. variáveis ergotrópicas/trofotrópicas. para mim. Isto porque todos os níveis mais elevados de consciência possuem diferentes componentes ou dimensões (que em breve chamarei de “estruturas superficiais”). No último estágio. a pessoa que buscava ressuscita e retorna para a feira livre do mundo. exceto para a psicologia desenvolvimentista/estrutural. ela não sabe onde encontrá-lo. mas o que todas tendem a não considerar é precisamente. o ponto central é que são estágios de desenvolvimento. Na primeira das suas dez imagens (às vezes. Consideremos qualquer importante sistema de meditação: os detalhados estágios dhyana/prajna de Buda. o domestica. vê o boi e. onde ajuda outras pessoas a encontrarem o seu próprio caminho espiritual. Minha opinião é que na pressa de fazer uma ponte entre as psicologias ocidental e oriental. de tal modo que cada estágio engloba uma estrutura distinta de consciência. A necessidade para essa abordagem multidimensional torna-se completamente óbvia quando compreendemos que não existem somente vários níveis de consciência meditativa. de qualquer modo. esses tradicionalistas não foram somente os primeiros estruturalistas. a tradição completa do yoga kundalini/tântrico. a contemplação taoísta hierárquica de Lao Tsé. mas também diversos caminhos diferentes para atingir-se cada nível.T. infelizmente. os oito passos dos Yoga Sutras de Patanjali. há doze) vemos uma pessoa que busca ansiosamente por um boi. Assim. debaixo de um salgueiro. a própria essência da meditação. exatamente como são. após uma luta.” (Transcrito do livro Os Cinco Estágios da Alma de Harry R. composto de estágios especificáveis. Em verdade. Finalmente. padrão cerebral alterado ou metabolismo reduzido. que suas contrapartes mais baixas – componentes tais como motivação. mas ambos são igualmente restringidos pela estrutura profunda do meu nível de desenvolvimento presente). como também do desenvolvimento da consciência como um todo. as estruturas superficiais são restringidas pela forma da estrutura profunda. Assim. a estrutura profunda não especifica. especificando sua forma holística e/ou padrões operativos. cognição. pré-operacional. um conjunto especificável de operações que. Por exemplo. governa as atividades de cognição do respectivo nível. enquanto a Meditação Transcendental aproxima o mesmo nível através de relaxamento profundo. uma planta contém minerais. elas são variáveis (exceto. o conteúdo de um pensamento particular do nível. Entretanto. arrumamos hierarquicamente as estruturas profundas de acordo com uma das três regras gerais: (1) acesso – uma estrutura mais elevada tem acesso total a uma mais baixa. Então. Isto se tornou especialmente aparente para mim com Eden. O ponto é o seguinte: mesmo que você assuma que há somente cinco níveis superiores com quatro componentes cada. simplesmente. é importante ressaltar que. holisticamente. Sem repetir toda a argumentação. diferentes práticas meditativas podem atingir diferentes dimensões ou componentes. (3) caixa chinesa – um estado mais elevado contém todas as funções ou capacidades de um mais baixo. mas não vice-versa. porém. obviamente. mas não viceversa (por exemplo. desafiavam qualquer simplificação. um fato que torna ridículas ingenuidades como “meditação é uma resposta ao relaxamento”. como sugerido por Tart. e assim por diante). a estrutura profunda é a forma definidora de um dado nível de consciência. Cada um deles é uma estrutura profunda. na realidade. estruturas superficiais compartilhando uma mesma estrutura profunda. Como usado em Atman e Eden. são. na medida em que forem condicionadas por outras estruturas superficiais: os pensamentos que tive ontem afetam e condicionam os pensamentos que tenho hoje. porém minerais não contêm plantas). embora aparentemente diferentes. Piaget mostrou que o desenvolvimento cognitivo se dá através de quatro estágios/níveis básicos: sensório-motor. que. O que fazemos em pesquisa da meditação (ou pesquisa da consciência em geral) é olhar para conjuntos de dados. enquanto a estrutura superficial é qualquer variável ou componente daquele nível. ou grupos de fenômenos específicos. (2) desenvolvimento – quanto mais elevado o estado. Modificando consideravelmente o significado de alguns termos da linguística transformacional. no interior desse limite. animais após plantas. a diferenciar estruturas profundas e estruturas superficiais. subjacente a esses complexos conjuntos de dados (“vinte diferentes técnicas de meditação”). e não pode. mais tarde ele tende a emergir numa sequência de desenvolvimento (isto é verdadeiro em todas as tendências evolucionárias. afeição e despertar. Esses particulares são estruturas superficiais. você já tem vinte abordagens meditativas com diferenças significativas. Uma vez 27 . humanos após animais. existe um padrão essencialmente simples. identidade. mas alerta. o ponto é que esse tipo de análise estrutural permitenos traçar um número discreto de superfícies profundas subjacentes a variados fenômenos superficiais. e da sublimação do pensamento. plantas após pedras. e isso simplifica em muito o quadro não só da meditação. o Yoga Kundalini atinge o nível sutil superior via exercícios hiperintensivos e técnicas de despertar do afeto. e o estado superior possui capacidades não disponíveis no mais baixo. aparentemente. Por exemplo. operacional concreto e operacional formal. Todavia. Definimos as várias estruturas profundas. porque lá se apresentou uma imensa quantidade de dados interculturais que. A seguir. comecei. Krishna e Buda descobriram o mesmo domínio causal-espiritual. a resposta dada é “Mudemos de assunto”. que Cristo nasceu de uma virgem. Como toda boa ciência. mas unidade de estrutura esotérica/profunda 18). ela pode ser apresentada de duas maneiras básicas. está sobre uma tartaruga. Krishna acasalou-se com quatro mil vacas. o seguinte mais baixo é A-B.T. religião que é terrivelmente concreta e literal. Lao Tsé nasceu com novecentos anos. o estruturalismo clássico tem muito pouco a nos dizer sobre as estruturas superficiais.. esta. uma série de estruturas de crenças que tentam explicar os mistérios do mundo em termos míticos.) 28 . um dia.. e assim por diante. o próximo é A+B. A religião esotérica não pede que você acredite em nada na base da fé ou que engula obedientemente qualquer dogma. ao invés de termos testemunhais ou de experiência direta. C. na verdade. encontra-se sobre uma serpente. Tudo isso. interculturais e invariantes. lazer. também necessitando de suporte. mas você aprende a jogar beisebol com ele – estruturas profundas são dadas. condicionadas. da mesma estrutura profunda básica (aquela do domínio sutil superior). Gaia. Brahma nasceu da quebra de um ovo cósmico etc. Em todo o mundo. – é moldado e condicionado culturalmente. Você não aprende a ter um corpo. o yidam do Budismo. o seguinte A+B+C e assim por diante..” (N. se o estado mais elevado é A.. simplesmente especifica-se detalhadamente os parâmetros de A. a estrutura profunda do corpo humano é a mesma em qualquer lugar: duzentos e seis ossos. o seguinte A-B-C e assim por diante. como ressaltado por Schumacher (1977): se o estado mais baixo é A. Ao contrário. compartilham. 1991. Essa foi a abordagem utilizada tanto em Eden quanto em Atman. que realmente acredita. são interculturais. estruturas superficiais são condicionadas.. Entretanto. o ishtadeva do Hinduísmo e o arcanjo do Cristianismo. estruturas superficiais são aprendidas. ou que sábios místicos como Cristo. literalmente choveu maná do céu. é baseada na experiência direta. Os hindus acreditam que a Terra deve estar apoiada em algo. que Moisés abriu o Mar Vermelho. assim. ou que. Portanto. teorias de reforço mostram-se de excelente utilidade. vide. por sua vez. Graça e Coragem (Wilber. nas palavras de Schuon. 2007): “A religião exotérica ou “exterior” é religião mítica. enquanto estruturas profundas. por exemplo. Assim. O experimento é a meditação. finalmente. é necessário suplementar a psicologia das estruturas profundas com disciplinas das estruturas superficiais. universais e largamente invariantes.estabelecida essa hierarquia. 18 Sobre religião exotérica e religião esotérica. creem encontrar-se sobre um elefante que. que. religiões exotéricas consistem desses tipos de crenças. mas o expressaram através de diferentes estruturas superficiais (o que atrasou a compreensão de que há. não em simples crenças ou desejos. atividades aceitáveis etc. Ela ajudou-me a entender que técnicas de meditação bem diversas podem conduzir ao mesmo nível básico dos domínios superconscientes. disciplinas que tratam do condicionamento histórico real e da moldagem daqueles componentes psicológicos que são variáveis e contingenciáveis. B. dois rins etc. levou a uma sugestão que me parece absolutamente fundamental: em minha opinião. um coração. E quando surge a pergunta “Em que a serpente está apoiada?”. Para dar um exemplo simples. e pode ser verificada e validada por outras pessoas que também tenham executado o experimento. “uma unidade transcendente das religiões” – não unidade de estrutura exotérica/superficial. por exemplo. A esse respeito. duas pernas. historicamente contingenciadas e culturalmente relativizadas. por exemplo. mas o que se faz com o corpo – suas estruturas superficiais de trabalho. uma vez emersas. a religião esotérica é um conjunto de experimentos pessoais conduzidos cientificamente no laboratório da sua própria consciência. Em ambos os casos. Isto é religião exotérica. embora com formas exteriores muito diferentes. a força do estruturalismo está em apontar as estruturas profundas ou níveis básicos da consciência que são largamente interindividuais. que o mundo foi criado em seis dias. dê-me uma prova empírico-científica do significado da produção mental chamada Hamlet). o ponto é que a mesma abordagem básica se aplica ao estudo da meditação. mas se consideradas isoladamente. Uma é a busca de “mecanismos que produzem os efeitos da meditação” e a outra é a busca de “correlações fisiológicas específicas dos estados meditativos”.”) Quando Piaget descobriu que as pessoas passam por uma importante transformação cognitiva. têm como efeito a depreciação da validade fenomenológica dos estados de meditação em si. embora secundários e subsidiários. aqueles transpersonalistas que exegeticamente abraçam os paradigmas da psicologia personalista (autorregulação comportamental. fisiologia mecanicista) numa tentativa de serem aceitos por seus pares ortodoxos. Isso já aconteceu com as abordagens fisiológicas e as abordagens de alteração de comportamento. e a teoria sistêmica/funcionalismo. Refiro-me especificamente a duas predominantes e difundidas estratégias de pesquisa. meu sentimento é que a psicologia transpessoal negará e preservará a 29 . além da hermenêutica histórica. para elucidar as estruturas superficiais. De fato. o uso de abordagens como a da correlação fisiológica tem como consequência invalidar o desenvolvimento meditativo em si mesmo (um prelúdio para a conclusão. Desse modo. essas são noções importantes. mecanismos. esses estados místicos são simples padrões cerebrais anormais. Com certeza. se essa tendência continuar. Naturalmente. Essa abordagem para a meditação. Quando Kohlberg descobriu seis grandes estágios de desenvolvimento moral. Outra é a hermenêutica ou ciência da interpretação. fenomenológicas. E mais. O mesmo deve ser aplicado a meditação e transcendência. em muitos casos. eles não são realmente transpessoais – são apenas alterações no sistema nervoso do indivíduo. estruturais e interpretativas (foi precisamente isso que Piaget e Kohlberg fizeram). minha abordagem global foi usar a psicologia fenomenológicodesenvolvimentista e o estruturalismo para determinar as estruturas profundas da consciência.do mesmo modo que a teoria sistêmica e o funcionalismo. do pensamento pré-operacional para o operacional concreto. ninguém gritou por “um mecanismo que produzisse tais efeitos. vocês sabem. ela é idealmente apropriada para a pesquisa das estruturas superficiais. além de produzir seus próprios resultados positivos. “Bem. A hermenêutica é profundamente importante porque o significado das estruturas psicológicas superficiais não pode ser determinado empiricamente. porque meditação é. como também de induzir a psicologia ortodoxa a pensar que as preocupações transpessoais podem ser absorvidas (e portanto dispensadas) pelos seus próprios paradigmas personalistas. é intenção e interpretação mentais e nenhum teste empírico-sensorial irá esclarecê-lo (por exemplo. simplesmente. estruturas superficiais sempre existem em contextos históricos específicos. Por outro lado. Estudos fisiológicos. simplesmente correm o risco de não só violar a fenomenologia do seu próprio campo ao reduzi-la a dimensões personalistas. significado. não houve grande exigência para buscar evidências de uma igualmente drástica mudança na fisiologia cerebral.” A razão é que tais transformações podem ser demonstradas – e provadas – pelas ciências desenvolvimentistas. em breve teremos uma ridícula psicologia transpessoal pessoal. como a hermenêutica salienta a importância de compreender-se os contextos históricos a fim de determinar-se significados particulares. livra-nos de diversos juízos falsos. desenvolvimento de níveis superiores. assim. como definido por Husserl. Em minha opinião. reforços comportamentais e ondas cerebrais podem assumir importantes papéis. 1977. The phenomenology of mind. K. uma sanção. Berkeley: Images. 1979. Wheaton. E. Perls. 1959. 1949. Lasch. 1969. New York: Free Press. 1955. 1975. 3. Meditation and the unconscious. 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