OS FUNDAMENTOS KANTIANOS: LIBERDADE, MORALIDADE E DIREITORosilene de Oliveira Pereira UFJF – MG Resumo: No pensamento kantiano os fundamentos Liberdade, Moralidade e Direito se interligam, onde o homem a partir de uma prudência política acaba por coexistir com a moral. Este princípio da política moral afirma que o povo deve congregar-se a um Estado que se funda no dever. Para Kant o princípio da liberdade deve ser válido para todos, o que precisa prevalecer é a igualdade que deve ser garantida pelo Estado e pelo Direito. Este Estado de Direito kantiano está pautado nas leis que são respaldadas pelo legislativo. Segundo Kant, a liberdade é a condição da lei moral e na sociedade o direito é tão ético quanto a moral, já que a moral garante a autonomia da razão. É a liberdade que ao realizar-se na moralidade e na legalidade é o alicerce do conceito de direito kantiano. Palavras-chave: Moralidade. Liberdade. Direito. Razão. Igualdade. Universalidade admiração e o respeito podem, certamente, incitar à investigação e a c iência é a porta estreita que leva à doutrina da sabedoria, se por esta se entende não só o que se deve fazer, mas o que deve servir de fio condutor aos mestres para abrir bem e com conhecimento o caminho para a sabedoria, que cada um deve seguir, e preservar os outros de falsas vias; uma ciência cuja depositária deve ser sempre a filosofia, em cuja subtil investigação não deve o público ter parte, mas sim nas doutrinas que, após uma tal elaboração, podem finalmente surgir-lhe em todkka a sua claridade. A igualdade, e este princípio se funda no dever. O princípio moral nunca se extingue no homem, e a razão, capaz pragmaticamente de realizar as idéias jurídicas segundo aquele princípio, cresce continuamente em virtude do incessante aumento da cultura, mas com ela cresce também a culpa das transgressões. O problema moral na filosofia kantiana é aquele que se exprime com a máxima agudeza todo o drama da consciência moderna, ou seja, o drama do homem e da razão entregues a si mesmos. A ação moral quando se objetiva na sociedade e no estado, se põe como razão prática, puro exercício da liberdade. Não é a ação moral dos homens que leva à Um princípio da política moral é que um povo deve congregar-se num Estado segundo os conceitos exclusivos da liberdade e da An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 145-149, jul. 2003 145-149. Rosilene de Oliveira. quer dizer. O princípio da liberdade não pode valer só para algumas pessoas.. princípios práticos originais encontrando-se nela que. alimentação – mas fica o pro- An. mas sim para todos. reconhecida na sua realidade. trabalho. Mesmo numa situação de desigualdade social é preciso considerar a igualdade jurídica: o que vale para um vale igualmente para todos. Para Kant a idéia que se tem do Estado. Filos. uma idéia jurídica. 2003 . Para este filósofo cada pessoa pode e deve coexistir com os outros segundo uma lei universal de liberdade. leis da liberdade. 10.. sem o qual o bom ou o mau uso do arbítrio não poderia ser imputado ao homem. fundação do Estado. pois.. Os Fundamentos Kantianos. Kant tem sua confiança depositada “no governo das leis e não no governo dos homens”. colocando antes como dados de nossa razão a priori. é a igualdade de oportunidade. já que é esta liberdade um postulado igualitário. educação. Se não houvesse nenhuma liberdade. São João del-Rei. A idéia de liberdade é dada a priori pela razão. É a moralidade que nos mostra antes de tudo o conceito de liberdade e que a impõe a nós. A moral pressupõe necessariamente a liberdade – em sentido restrito. A lei moral nos faz reconhecer nossa liberdade... todos devem gozar da liberdade. revelando-se no respeito e na obediência. Kant é um adepto incondicional do “estado de direito” e contrário a todas as formas de alteração da vida constitucional e jurídica com base em procedimentos violentos ou revolucionários. ela só é liberdade em relação à legalidade natural. sem a suposição da liberdade seriam absolutamente impossíveis. assim como a liberdade. jul. n. A liberdade do arbítrio é de tal maneira que não pode ser determinada a uma ação por nenhum móvel – motivo – a menos que o homem não a tenha admitido em sua máxima. A lei moral é o princípio da “dedução” da liberdade. A razão pressupõe uma causalidade incondicionada. de modo algum se encontraria em nós a lei moral. p. Esta igualdade pregada e priorizada por Kant.146 PEREIRA. que é garantida pelo Estado e pelo Direito. uma atividade jurídica. é indubitavelmente. A liberdade é “causalidade racional” – um poder supra-sensível. de modo que o que acaba por caracterizar a atividade do Estado é. a liberdade sendo consciente de seu mandamento moral. A liberdade não é a falta da lei. a igualdade em que todos devem ter direito ao básico – nos dias atuais esta necessidade básica recairia sobre a habitação. A razão subjetiva do uso da liberdade deve ser ela própria um “ato de liberdade”... pois. A liberdade manifestada pela lei moral está. saúde. mas uma boa constituição política que promove as condições propícias à ação moral. porque existe. também. e como tal é o bem máximo e propriamente absoluto. este deve considerar-se sagrado. aqui não se pode realizar uma divisão em suas partes e inventar a coisa intermédia de um direito pragmaticamente condicionado. dependendo do seu esforço e dinamismo... No tocante ao direito dos homens. que se funda na universalidade da liberdade. A moral. Se não existisse nenhuma liberdade. regula as ações dos homens e estabelece a cidadania. é em sentido prático realmente livre.. sem sacrificar a liberdade individual. de forma conjunta. já que a liberdade é a fonte da lei. Que as leis ditadas pelo direito concordem subjetivamente com as disposições internas de forma que as leis externas possam ser acatadas por todos. 10.. por meio de reformas de um governante contido nas leis advindas de um Legislativo escolhido entre os melhores da população. já que é neste que se é possível a união dos fins de todos.. mas toda a política deve reconhecer a importância do direito. As ações dos indivíduos. contribuem para que a humanidade atinja seus fins e consiga a paz pelo direito cosmopolita que garante a justiça e a paz universais. no sentido de exigência racional prática de autodeterminação universal. An. O Estado de Direito kantiano procura construir uma sociedade cada vez mais igualitária. Para que isso ocorra. A liberdade capaz de despertar interesse é a liberdade da vontade. 145-149. A moralidade agrada a razão.. A liberdade universal é a condição de possibilidade de toda vontade singular. Para Kant a consciência da liberdade é dada ao ser num único ato denominado fato da razão. já que a idéia é de que se tenha uma sociedade não estagnada. Para Kant seremos livres enquanto formos capazes de obedecer à lei moral. 2003 . Os Fundamentos Kantianos. A elaboração de uma Constituição Civil perfeita deverá se realizar por meio do direito para que possa ser garantida a cidadania e a realização moral da espécie humana. São João del-Rei. jul. n.. que só pode agir sob a idéia da própria liberdade. buscavam legitimação de seus atos. Filos. por maiores que sejam os sacrifícios que ele custa ao poder dominante. pela razão. também não haveria nenhuma lei moral.PEREIRA. A realidade da liberdade está em que um ente racional. desconfiava das decisões de assembléia. O querer moral é um querer universal. Kant lutava contra as várias formas de despotismo. Rosilene de Oliveira. Kant confia na igualdade progressiva da sociedade. p. acreditava que a assembléia se tornava despótica quando governos ditos ditatoriais. querer o bem universal. 147 gresso de cada um na sua individualidade. porque ele tem como objetivo proteger o outro e a preocupação da moral. A soberania da lei deve preservar a dignidade do homem. através da sociedade civil. de forma alguma se encontraria em nós a lei moral.. São João del-Rei. já que agir de acordo com o direito é uma exigência da ética. o homem só ter liberdade por meio do direito. ou seja. Daí. n. limitando o arbítrio dos indivíduos de forma igual. Os Fundamentos Kantianos. Dessa forma. p. Na sociedade o direito é tão ético quanto a moral. pois se não existisse nenhuma liberdade. Rosilene de Oliveira. pois todos que participam dessa razão universal devem ter voz própria e só a partir daí que se pode e deve esperar a melhora do estado e a proteção dos direitos. Só assim será eliminada a violência.. 2003 . An. o direito se realizará através da coação. participando todos ativamente da sociedade.. O homem ao participar da sociedade civil tem o direito para proteger e resguardar a liberdade de todos os cidadãos. isto é.. coordenando-a de tal maneira que a liberdade externa de todos possa coexistir consoante uma lei universal. ensinando a ler os acontecimentos através da razão. o direito em Kant acaba por determinar a esfera de liberdade dos indivíduos. 145-149. jul. A ordem normativa e coativa do direito precisa estar submetida à razão para que o homem não aja de forma singular. Dessa forma. tornando possível a liberdade. na medida em que torna possível o seu exercício externo. a injustiça entre os homens. 10.148 PEREIRA. realizar-se na moralidade e na legalidade. pois. A liberdade deve. que Kant através de seu realismo e consciência histórica. a ação externa da liberdade deve ser efeito da adoção da máxima moral. então. e suas ações sejam conformes a ele. O direito procura realizar a liberdade na plenitude. para o exercício da liberdade. a liberdade está reconhecida na sua realidade. considerou seu século como sendo uma etapa crítica. É importante dizer que a liberdade kantiana é a condição da lei moral que o homem conhece. É possível dizer. As normas estabelecidas pelo Estado precisam emanar da razão pura para que possa criar no homem o dever. criando uma sociedade e um Estado onde a liberdade e o bem de todos seja o princípio regulador. É mister destacar que à liberdade da razão pertence ainda o direito de expressar ao público os próprios pensamentos. Filos. preservando princípios universais de ação.. o poder de um sobre o outro. garante a autonomia da razão. que é absoluta.. libertando-se assim das limitações e coerções sofridas.. 4 edição. 2003 . 1972. E. Diritto e Stato nel pensiero di E. Antônio e outros. Existencialismo. O Pensamento de Kant. Relume-Dumará. Vozes. São Paulo. EDUnB. O Conceito de Direito em Kant. 1996. 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