Mt 1,18-251 O discipulado cristão segundo Mateus – A figura de José (Mt 1,18-25) – [Publicado em Convergência 39 (2004/nº 378) 589-607] Pe. Jaldemir Vitório SJ A figura de José é pouco aludida nos evangelhos canônicos. Só Mateus e Lucas inserem-no em suas narrativas1. A literatura apócrifa contém alusões a José, em geral, com preocupação apologética centrada na concepção virginal2. Na interpretação bíblica popular, José é muitas vezes reduzido a um pobre coitado. Vêse metido num imbroglio, do qual não chega a se dar conta. Com muita freqüência, também se ouvem considerações piedosíssimas em torno da figura de José, como desdobramento do relato evangélico. Nesta vertente, ele é pintado carregando-se as tintas na sua humildade e conformidade. Surge daí uma devoção muito superficial a São José. Muito raramente sua figura faz jus à consistência teológica recebida nos relatos evangélicos da origem e da infância de Jesus, de modo especial em Mateus. Com sua reconhecida capacidade teológicoliterária, pouco provavelmente, o evangelista haveria de referir-se a José em tom menor. De fato, o pai de Jesus desempenha no projeto teológico-catequético mateano um papel relevante. Este artigo propõe-se a explicitar a função narrativa de José no evangelho de Mateus, tomando como referência Mt 1,18-25. O primeiro passo consistirá em relembrar algumas regras mínimas de interpretação bíblica (1o item). Como estas são, com muita freqüência, ignoradas ou desconhecidas, é comum deparar-se com interpretações do texto bíblico feitas à revelia da dinâmica interna do evangelho. Por isso, será preciso também explicitar o objetivo visado por Mateus ao escrever o evangelho (2º item). Sem ter em mente esse objetivo, tornase impossível captar a mensagem veiculada nas várias cenas do escrito mateano, consideradas individualmente e em conjunto. Estando Mateus interessado em oferecer a sua comunidade pistas para a vivência do seguimento de Jesus, trata-se, então, de esboçar as grandes linhas do discipulado cristão presentes no evangelho (3o item). Estes pressupostos constituem o pano de fundo sobre o qual se situará uma leitura preliminar de Mt 1,18-25, buscando-se evidenciar o sentido de seus vários componentes, tendo como foco a figura de José (4 o item)3. Numa tentativa de síntese e de sistematização, serão elencadas as várias dimensões do discipulado de José, decorrentes da interpretação do texto evangélico (5 o item). Por fim, visando os cristãos atuais, serão explicitadas as grandes linhas inspiradoras do discipulado, sem olvidar os desafios enfrentados por quem se esforça para, no dia-a-dia, deixar-se nortear pelo exemplo do discípulo José (6o item). 1. A interpretação bíblica e suas regras. Muita gente arvora-se em intérprete do texto bíblico, sem levar em conta a existência de regras precisas de interpretação. Tal ousadia hermenêutica tem sido causa de freqüentes desvirtuações do texto sagrado, bem como de mal-entendidos e conflitos desnecessários. Só se pode dialogar a respeito do texto bíblico, quando as partes se atêm às normas específicas de interpretação. Elencaremos, de forma breve, algumas regras relativas à interpretação dos textos evangélicos, válidas para o texto em questão. 1 Nos evangelhos, José aparece exclusivamente no contexto da genealogia, da origem e da infância de Jesus, em Mateus e Lucas (Mt 1,18-25; 2,13-23; Lc 1,27; 2,4.16; 3,23). Marcos não se refere a ele. João faz-lhe duas alusões na expressão “filho de José” (Jo 1,45; 6,42). 2 Cf. “Evangelho do Pseudo-Mateus”, “Protoevangelho de São Tiago”, “Livro sobre a Natividade de Maria”, “História de José, o carpinteiro”, “Evangelho árabe da infância”. 3 É possível descobrir outras finalidades do texto em questão, além daquela aqui sublinhada, em torno do tema do discipulado: confirmar a filiação divina de Jesus; precisar sua geração do Espírito Santo; mostrar como a descendência davídica de Jesus foi salvaguardada por meio de José. de cada expressão. Isso acontece também com a Lei. Importa também observar que a correta compreensão de um texto depende de sua correlação com outros textos. A imensa maioria das pessoas não tem acesso aos originais. os Profetas e os outros Livros: são muito diferentes na língua original”. Em tom de brincadeira. . urge mergulhar neste emaranhado em vista de captar-lhe a lógica interna. em suas partes e no conjunto. muitas vezes. Sua correta intelecção depende de como foi correlacionada com as demais perícopes. de cada frase que. pode nos escapar. das preposições e conjunções. cujos sentidos são objeto de disputa entre os especialistas. O sentido de cada perícope5 depende de sua função narrativa. foi elaborada a partir de projetos literário-teológicos inteligentemente pensados. apesar do esforço. Em todo caso. frases e expressões. cujo conhecimento constitui o primeiro passo da interpretação. É como se fossem parte de um quebra-cabeça. insistiram em certos temas. Em textos narrativos. O passo seguinte consiste em projetá-lo para além de si mesmo e estabelecer correlações com outras perícopes. da forma de organizar o pensamento é determinante para a produção de sentido. toda a literatura bíblica. Resultam daí falsas mensagens. A escolha dos verbos e dos tempos verbais. decorrente do projeto literário-teológico do autor. não consegui traduzir bem algumas expressões. sem escutá-lo. no âmbito da obra onde está inserido (intratextualidade). ou seja. os teólogos-catequistas4 selecionaram o material disponível. e também com textos de outros livros bíblicos e extrabíblicos 4 A expressão “teólogos-catequistas” sublinha o fato de os autores bíblicos serem movidos por preocupações teológicas e pastorais. Por conseguinte. E mesmo tendo acesso aos textos antigos. Em geral. é possível captar-lhe um sentido completo. pretendido pelo autor 6. seja de Mt 1-2 (o evangelho da infância). Interessa-lhes. também se recusará a falar. escritos em hebraico e grego. Este se apressou em esclarecer seus leitores: “Vocês estão convidados a ler com atenção e benevolência. perdoando se. Ler um texto desconectado do contexto é sempre arriscado. Nenhum autor bíblico trabalhou de maneira desordenada e aleatória. temos à nossa disposição traduções nem sempre confiáveis. escritos há tantos séculos. no caso dos textos bíblicos. O texto original foi escrito em hebraico por Jesus ben Sirac e traduzido para o grego por um de seus netos. De fato. para interpretar um texto é insuficiente resgatar sua trama interna. a fé vivida por suas comunidades e seus desafios. é necessário estar atento às palavras. Pelo contrário. Esta será o resultado do sentido de cada palavra. com as quais um texto é tecido. 6 Na ciência da interpretação bíblica. Entre a tradução disponível (o sentido dado pelo tradutor) e o sentido cogitado pelo autor bíblico pode haver um abismo. tidas na conta de verdadeiras! Para compreender o sentido dado pelo autor e não forçar o texto a dizer o que não diz. retrabalharam suas fontes. diz-se: “Tradutor é traidor!” Vale a pena recordar a observação encontrada no Prólogo do livro do Eclesiástico (Sirácida). Mt 1. deram maior ou menor importância aos personagens etc. sobremaneira.18-25 2 Os evangelhos foram elaborados a partir de um projeto teológico-literário preciso. do seu lugar na narrativa. pondo suas idéias por escrito sem ter um rumo pré-determinado. escolheram as formas mais adequadas de transmitir a mensagem (gênero literário). de frases e expressões (sintagmas) organizadas de forma coerente (sintaxe). O leitor acaba por projetar-lhe idéias préconcebidas. Apesar de ser parte de um conjunto maior. as coisas expressas originalmente em hebraico não têm a mesma força quando traduzidas para outra língua. Para depreender o sentido nele entranhado. as perícopes devem ser relacionadas tanto com o contexto imediato quanto com o conjunto do texto.Mt 1. O texto submetido aos caprichos do leitor. 5 Chama-se perícope a um pequeno texto com princípio. meio e fim. nem sempre interessado em assumir a postura de ouvinte. seja de Mt 1-28 (o evangelho completo).18-25 é uma perícope. é prudente evitar interpretações ingênuas a partir de nossas traduções. Ele consiste num complexo de palavras (lexemas). existem textos classificados como crux interpretum (cruz dos intérpretes). como é o caso dos evangelhos. é impossível recuperar o sentido exato (semântica) de determinada palavra ou expressão. Em função destes. por volta de 80 d. Resultou daí uma onda de intolerância e . mantendo viva a fé em Deus. naquele momento.C. deve de alguma forma estar relacionada com a mensagem transmitida nas origens. Por fim. é movido por preocupações pastorais bem demarcadas. No âmbito da fé. passava por sérios transtornos. A mensagem do texto bíblico. tanto exegéticas quanto hermenêuticas. tendo em mente influenciar sua comunidade em pontos específicos. Buscou-se criar um calendário comum das festas. as liturgias foram padronizadas. deveras. As comunidades cristãs. entendemos que Deus fala e nos aponta as veredas por onde somos chamados a caminhar. Na sua quase totalidade. por conseqüência. os textos bíblicos têm propósitos práticos. De 66 a 70 d. faz-se necessário explicitar os objetivos visados pelo evangelho de Mateus. o autor bíblico tem em mente um determinado público (leitor pressuposto e subentendido). Estas são regras elementares para a leitura do texto bíblico. nos seus albores. Os cristãos da comunidade mateana estavam às voltas com uma preocupante crise de fé. extraída hoje. A objetividade do texto exige ser respeitada. através da unificação dos grupos remanescentes da destruição. ligados à vida de seus leitores originais e primeiros destinatários. Diante desta situação. A religião judaica. um grupo de guerrilheiros – os zelotas – empreendeu uma revolta independentista para se livrar do jugo do Império Romano. para deleite do autor. Quando um teólogo-catequista bíblico dispõe-se a escrever. É importante não se arvorar em intérprete do texto bíblico apropriando-se dele de maneira abusiva e irresponsável. Em certos casos. elaborou-se uma lista (cânon) dos livros bíblicos. ao escrever. 2. partindo de certas inquietações e. um grupo de rabinos empreendeu um processo de reabilitação do judaísmo. Mateus: uma catequese do discipulado. Em outras palavras. Entretanto. entendiam-se como um dos vários movimentos no âmbito do judaísmo.C. Considerando essas regras de interpretação do texto bíblico. conhecida como Guerra Judaica. Estas inter-relações oferecem ao leitor-intérprete pistas valiosas. provinham da tradição judaica. com o fito de ajudá-la a superar as tribulações. os livros bíblicos foram escritos em momentos de crise da comunidade de fé. fazendo todas as correntes seguirem idêntico padrão de vivência da fé. cuja conduta pretende influenciar (pragmática). em distintas circunstâncias de sua história. Qual foi a intenção de Mateus ao escrever o evangelho? Que pontos na vida da comunidade mais o preocupavam? Em função disto.. Nenhum livro bíblico foi escrito de forma despreocupada e desengajada. Estes buscavam no texto uma luz para a sua caminhada. Quando isto acontece. inspirados nos ensinamentos e nas práticas do Messias Jesus. não se submetendo aos ditames da liderança judaica. Eram grupos de judeus.18-25 3 (extratextualidade ou intertextualidade). Os romanos usaram a força militar para subjugar os rebelados. a leitura do texto bíblico torna-se mais rica e estimulante.Mt 1. Só assim é possível fazer uma espécie de “fusão de horizontes” entre os leitores-intérpretes atuais e os primitivos. quiçá sejam necessárias outras específicas e particulares. em Palavra de Deus e passava a ser reconhecida como tal. leve-se em consideração que. Daí o empenho do movimento restauracionista de fazê-las aderir ao projeto de padronização da prática religiosa judaica. que idéias transmitiu no seu escrito e procurou inculcar nos seus leitores? O evangelho de Mateus foi escrito por volta do ano 85. Era quando se transformava. culminando com a destruição do Templo de Jerusalém e a desarticulação da liderança judaica. O método escolhido foi o da uniformização das práticas religiosas.. os cristãos recusaram-se a abrir mão de suas práticas de fé. Em sua maioria. no sentido de superação da centralidade da letra – o texto escrito da Lei –. pela superação da tentação de idolatria expressa na supervalorização das criaturas.17). abrir-lhes as mentes. contentes com uma religião de aparências (Mt 15. e. pois “absoluto” é só o projeto amoroso do Pai (Mt 5. o episódio do cego de nascença.10-11) 7. preocupados com as minúcias da Lei Mosaica.21-48 contém uma série de exemplos de como o discípulo do Reino interpreta a Lei. resume-se em ouvir a Palavra de Deus e colocá-la em prática. superando-lhe a materialidade das palavras. merecedora de crédito? Mateus tem em mira oferecer à sua comunidade. O discípulo é confrontado com uma proposta concreta.34). Os membros da comunidade de Mateus. Esta pauta de ação não supõe a revogação da Lei e dos Profetas (Mt 5. Mateus descreve Jesus como o Mestre da comunidade. O Reino de Deus concentra-lhe todo o ser e o agir. renegadores da fé de nossos pais. sim. a Palavra revelada pelo Filho Jesus. 3. por concebê-lo como uma espécie de catecismo do discipulado. quando vos injuriarem e vos perseguirem e. expressa essa realidade. mentido. A “des-absolutização” dos ditames da Lei acontece na busca da vontade divina expressa em cada mandamento. produziu um texto didático. ou na sua vivência exterior e exibicionista. como era o caso de algumas correntes do farisaísmo (Mt 6. Aí estão formuladas as linhas mestras da conduta cristã. sintetizada em Mt 5-7 – o Sermão da Montanha. mergulhando os cristãos de procedência judaica numa terrível crise8. em processo de esclarecer os discípulos. 13. passaram a sofrer um acelerado processo de marginalização.43-48). disserem todo o mal contra vós por causa de mim” (Mt 5.21. Jo 9. As palavras escondem um querer radical a ser visado pelo discípulo. Mt 5. a ponto de conformá-lo todo com o querer do Pai. Pelo contrário. porque deles é o Reino dos Céus. A expulsão do judaísmo veio sem demora. esquemático. para nos tornar discípulos de Jesus? De fato. transformando-o em discípulo do Reino. Mateus refere-se a esta situação quando põe na boca de Jesus a bem-aventurança da perseguição: “Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça. E o faz escrevendo o evangelho como uma espécie de resumo da proposta cristã para quem deseja tornar-se discípulo de Jesus.23. Nada de teorias. somos apóstatas e hereges. 8 .20). Este se caracteriza por viver sob o senhorio de Deus. Não mais a Palavra mediada pela interpretação dos rabinos.Mt 1. o mandamento é entendido 7 O evangelho de Mateus contém outras alusões a esta situação (Mt 5. Quem é discípulo do Reino? O discipulado cristão. como acontecia na prática dos escribas. e àquelas em idêntica situação. centrada na figura do Deus libertador? A opção por Jesus possibilita-nos algo de novo e melhor? Quais são as reais exigências da fé em Jesus? O seguimento de Jesus oferece-nos uma identidade consistente. os ensinamentos da religião judaica. Bem-aventurados sois. consiste numa forma de radicalização da Lei Mosaica. A Lei ordena “Não matarás!” Numa interpretação apressada. buscando sempre e em tudo a sua vontade. Repassando o texto evangélico. se perguntavam: Vale a pena abandonar nossa fé tradicional. Esta revelação atinge o cerne da vontade do Pai – o espírito da Lei – e toca o íntimo do ser humano. tirado de Mt 5. para Mateus.18-25 4 perseguição. uma resposta convincente a suas interrogações. de forma a reforçar-lhes a fé e prepará-los para o embate gerado pelo contexto de intolerância quase fanática da liderança judaica. conciso. é possível delinear o retrato do discípulo do Reino esboçado por Mateus. baseada na Lei de Moisés.2126. 23. Eis um pequeno exemplo. 10.44.1-9). Como os cristãos mantinham-se firmes na sua decisão de não aderir ao movimento de restauração. Por isso.1). nem de abstrações! A proposta mateana consiste num modo de proceder superior ao dos escribas e fariseus (Mt 5. escrito num período um pouco posterior ao evangelho de Mateus. responder-lhes as questões. certamente. 13-14 – confronto com duas portas: a estreita e a larga. A primeira corresponde a abraçar as exigências do Reino assim como se apresentam. É a cruz referida em Mt 16. Daí a admoestação: “Entrai pela porta estreita!” (b) Mt 7. sua religião é vivida no escondimento e na simplicidade. A felicidade provém de Deus e. Ele vai muito além do previsto. as bem-aventuranças devem ser entendidas na sua conotação teológica. A exortação do 9 As bem-aventuranças. a ruptura com o próximo provoca a ruptura com Deus. E mais.19-7. por sua vez. nas três práticas características: a esmola. contenta-se com palavreados vazios. sob o senhorio de Deus. num processo custoso de vivência radical do amor misericordioso. jamais permitindo a menor intromissão de outros valores em sua vida. sempre e em tudo. Deus é o eixo da vida dos bem-aventurados. visando a manter o coração do discípulo integralmente centrado em Deus. Daí a admoestação do Mestre: “Busquem. o gesto litúrgico-cultual será desprovido de sentido. excluindo as renúncias e as cruzes características do discipulado. por isso não age como os hipócritas e ostentadores. Criatividade e generosidade serão a marca de seu agir. em primeiro lugar. só poderá oferecer um culto agradável a Deus após ter se reconciliado.28. positivo ou negativo. O vocábulo grego makários tem sido traduzido para o português como bem-aventurados e felizes. onde o discípulo é exigido a vencer-se a si mesmo. O profeta falso prega uma religião “ao gosto do freguês”. dá mostras de autenticidade e veracidade segundo os critérios evangélicos. a ponto de anular a capacidade de a Palavra transformar-lhe a vida. O Mestre alertou os discípulos: “Guardai-vos dos falsos profetas!” E ofereceu uma pista para discernir entre o verdadeiro e o falso líder da comunidade: “Pelos frutos. A segunda corresponde a um estilo de vida onde as exigências do Reino são adaptadas às conveniências pessoais. Caso contrário. Para o discípulo do Reino. pelo testemunho de vida.13-20 – confronto com dois tipos de profeta: o verdadeiro e o falso. se alguém está de relações cortadas com o semelhante. Sl 128). contém uma série de orientações a serem vividas no dia-a-dia. O falso.18-25 5 no sentido material: tirar a vida física do próximo. inseridas no início do Sermão da Montanha (Mt 5. deixa-se guiar por ela.21-23 – confronto com duas atitudes: o fazer e o falar. Mt 6. sem se deixar polarizar por elas. do estabelecido e do legalizado. (c) Mt 7. . O verdadeiro discípulo do Reino caracteriza-se por sua obediência à Palavra escutada. apontam para diferentes maneiras de centrar a vida em Deus. Por isso. com ela. Essa disposição fundamental torna-o livre diante de todas as criaturas. O discípulo caracteriza-se por sua disposição e capacidade de viver. embora reconhecendo o desafio de ser-lhe completamente fiel. Ao realizá-las.1-18 descreve a vivência religiosa do discípulo do Reino. A interpretação de Jesus vai além e descobre outras formas de eliminar o outro. a realização plena do ser humano (Dt 33. Este modo de proceder faz do discípulo um “bemaventurado”9. seguro de sua recompensa.33). preocupados em serem vistos e aplaudidos pelos demais. matando-o dentro do coração. O parecer alheio. aderindo apenas aos ensinamentos de quem. Portanto. Em geral. Três pequenos textos ilustram as decisões a serem tomadas por quem está em processo de se tornar discípulo do Reino: (a) Mt 7.24. A continuação do Sermão da Montanha. expurga-lhe os elementos fundamentais. Sem vacilar. Mt 6. Basta-lhe estar sob o olhar bondoso do Pai.29. E se entrega sem limites à prática do bem em favor do semelhante. O profeta verdadeiro corresponde ao líder da comunidade preocupado em transmitir a mensagem do Mestre na sua inteireza. o Reino de Deus e a sua justiça!” (Mt 6. a oração e o jejum. Porém. Antes. O termo hebraico ’esher refere-se à situação humana de bem-estar e prosperidade frutos da bênção divina ou da recompensa divina devida à integridade no agir. o discípulo é movido pela pureza de coração. a Lei funciona como uma espécie de baliza para a sua conduta. embora se deva pagar um alto preço. reconhecê-los-ei!” Cabe ao discípulo estar atento para não ser enganado. sua compreensão no Novo Testamento deve levar em conta o referencial hebraico. transformando-a em pauta de ação. está longe de influenciá-lo.Mt 1.3-12). Enquanto referência do Reino anunciado por Jesus. Das quatro possibilidades. pelo contrário. Só escatologicamente o nó será desfeito e a vontade divina despontará no mais total esplendor. O discípulo é desafiado a suportar esta incerteza. ou. O Maligno age da mesma forma. E sim. Daí a urgência do discernimento em vista de reconhecer-lhe. Cem.18-23) e passa a impressão de serem poucos os verdadeiros discípulos. a vontade do Pai não se apresenta ao ser humano de maneira cristalina e inquestionável. O Sermão da Montanha conclui-se com a parábola das duas casas (Mt 7. com suficiente certeza. feita na vivência cotidiana e fiel da Palavra. Uma vez conhecido este desígnio superior. Uma descrição resumida da identidade do discípulo do Reino encontra-se em Mt 12. A sorte de cada um já está embutida na sua opção! No primeiro caso. Uma vez discernida e encontrada a vontade do Pai. De fato. Duas parábolas mateanas – do tesouro escondido no campo e do comerciante de pérolas finas – elucidam este comportamento discipular. Enquanto não concluir a sua caminhada terrena. nada tem a ver com conhecimento racional e abstrato. a parábola do semeador alude a várias posturas diante da Palavra (Mt 13. Na situação contrária. dá o máximo de si e se esforça para produzir sempre mais e melhores frutos de misericórdia e de perdão. cabe ao discípulo suportar a equivocidade da existência. A parábola do joio e do trigo (Mt 13.20. .44) tem como referência a situação dos adeptos do Reino sem prévia intenção.24-30 + 36-43) ilustra a experiência humana de ambigüidade entre a vontade divina e as muitas solicitações suspeitas. deleite espiritual e mero saber intelectual. mesmo assim em proporções variadas.47-50). referida em Mt 5.Mt 1. assemelha-se à casa construída com firmeza sobre a rocha. aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus”. deparam-se de maneira fortuita com a proposta de Jesus. Deus propõe ao ser humano sua vontade. 23). com todas as suas exigências. Embora se tornando discípulos e se dispondo a seguir as orientações do Mestre Jesus. pode ser interpretada a parábola da rede (Mt 13. cabe ao discípulo acolhê-la de todo coração e com alegria. Não é pura contemplação. está a casa construída sobre a areia. Esta dinâmica ético-espiritual decorre de uma profunda comunhão com Deus e da capacidade de discernimento da realidade. mas não lhes dar ouvido. “Fazer a vontade do Pai” é o resumo da ética do discípulo. quiçá fruto de paixões desordenadas. mas sim. no caso. Vivendo o dia-a-dia. irmã e mãe”. Na mesma linha. Quem é sincero na sua adesão ao Reino. Senhor’ entrará no Reino dos Céus. só uma corresponde à produção de frutos. Qualquer tempestade será suficiente para arruiná-la. ao longo de toda a sua vida. o conteúdo e as exigências.18-25 6 Mestre não dava margem para indecisão: “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor. A união com Deus projeta o discípulo para além de si mesmo. é preciso caminhar com muita cautela. A primeira (Mt 13. procurando não se deixar enganar. o querer divino está longe de ser encontrado com facilidade e de maneira evidente. ilustração das duas possíveis posturas do discípulo: escutar as orientações do Mestre e deixarse guiar por elas. está rodeada de muitíssimas outras propostas. com o agravante de sugerir algo muito semelhante à proposta divina. suas aspirações e projetos. Mesmo as mais terríveis intempéries jamais a abalarão. acolhe-o com a mais total liberdade e disponibilidade e faz dele o próprio projeto de vida. Mais adiante. Trata-se de quem “ouve a Palavra e a entende!” (v. esse é meu irmão. dispostos a ouvi-la e a praticá-la. Entretanto. Só pelo discernimento continuado terá a possibilidade de evitar as ciladas da maldade e do pecado. Em cada situação.4-9. São muitas as formas como o Reino interpela o ser humano.50: “Quem fizer a vontade de meu Pai que está nos céus. para não se deixar enganar pelas aparências. sempre numa linha de experiência revolucionadora. Até lá. nem todos atingem a excelência no agir. Suas aspirações pessoais ficam relativizadas no confronto com o querer divino.24-27). O entendimento. sessenta e trinta por cento estabelecem a distinção entre os discípulos. escutá-las. Trata-se da compreensão prática. Esta é a “justiça superior”. pergunta-se pelo projeto de Deus a ser expresso nas mais pequeninas ações e nos gestos mais simples. no tempo de Jesus.18-25. o povo não esperava em Israel um Messias nascido de uma virgem. é não tomá-lo como relato biográfico. O discípulo. (1) José. com seu esquema próprio: aparição (v. como quem faz o elo entre Jesus e a linhagem davídica e. 4. É a “pérola de valor inestimável”. A figura de José deve ser considerada. temos uma chave de interpretação da perícope mateana referente a José. tendo como horizonte esse esboço de vida discipular. 20) – sinal e nome (v. messiânica. raras e valiosíssimas. Porém. como bom judeu. A segunda parábola (Mt 13. consta ha almah (a jovem). 21) (cf. traduzido por parthenos (virgem). aqui. cheio de júbilo. a intervenção do Anjo dirimirá as dúvidas e suspeitas e abrirá o caminho para a realização do projeto de Deus. Lc 1). José é colocado no frontispício do evangelho como exemplo de discípulo fidedigno. No projeto literário-teológico mateano. insistiremos na apresentação de José como modelo de discípulo. sem titubear. Em hebraico. verificar por que José foi inserido na narração. 20-21) – objeção (v. o discípulo se desfaz de seus projetos pessoais e se integra. O texto evangélico consiste. numa catequese narrativa. pois se reveste de todas as virtudes que.1 e Mq 5. jovem é neanis. tudo quanto se diz no evangelho a respeito de um discípulo é possível exemplificar reportando-se a José. Por conseguinte. Deus escolheu um caminho dramático para realizar seu projeto. com seus impasses e dificuldades 10. portanto. Ex 3. usada por Mateus. a pessoa depara-se com o Reino. 11. No texto hebraico. com o risco de ser rejeitado pela sociedade da época? (3) Maria aceitará uma proposta avessa a seus esquemas? (4) A idéia de concepção sem a participação de um homem era alheia ao horizonte messiânico daquele tempo.18-25 está calcado no gênero literário “anunciação”. o apelo de Deus. deixa de lado tudo quanto considerava importante até então e abraça. Jz 16. capaz de inspirar os ouvintes-leitores.2. submeterá Maria ao apedrejamento.5.18-25. Interessa-nos. A narração leva o leitor a perguntar-se: por que Deus escolheu um caminho tão complicado para realizar seu plano de salvação? Isto dá vivacidade ao texto evangélico e suscita na mente do ouvinte-leitor uma série de interrogações. Uma leitura de Mt 1. a ponto de relativizar tudo mais. garantindo-lhe uma identidade social. 20a) – perturbação (v. pois carece de valor diante da descoberta inesperada. Como pano de fundo está a fé em Jesus Cristo à luz da experiência pascal. tornando secundários todos os demais bens.Mt 1. Por causa do Reino. conhecido no AT.14. Quiçá a tradução grega de Is 7. Com esses dados preliminares. 11 Isto depende da interpretação a ser dada a Is 9. São as “pérolas finas”. em grego. na continuação da narrativa. articulada em forma de drama. No auge do impasse.45-46) difere um pouquinho da anterior. ao situar José na origem de Jesus. Sem negar esta finalidade. Ele é discípulo do Reino por antecipação! Um pressuposto importante na leitura de Mt 1. Sua busca tem em vista algo preciso: encontrar projetos de vida deveras merecedores de serem abraçados. Nesta busca. serão atribuídas a um verdadeiro discípulo do Reino. Daí poder se perguntar: alguém se deixaria convencer pela história da concepção sem a participação de um homem? Em todo caso. sem torná-lo de todo inteligível! 10 Mt 1. embora fosse possível encontrar no Antigo Testamento a idéia de um salvador nascido de uma virgem11. sim. A explicação mais simples e conhecida consiste em apresentá-lo no contexto da tradição da concepção virginal. em consonância com o objetivo global do evangelho. a serem respondidas no decorrer da narração. Em suma. Gn 17-18. torna-se um absoluto. portanto. fosse devedora da idéia de concepção virginal do Messias. fazendo valer a Lei? (2) José se recusará a assumir a paternidade de Jesus. como um valor excelente e insuperável. .18-25 7 Então. como se Mateus tivesse a intenção de fazer uma crônica da concepção de Jesus. 20b) – mensagem (vv. Refere-se aos empenhados na procura do Reino dispostos a qualquer sacrifício para a realização de seu intento. enfocada na figura de José. de corpo e alma. virgem é betulah. na dinâmica de Deus. por não seguir a ordem natural das coisas (v. Se agisse segundo tal concepção. em vista da salvação. 18. Atribui-se ao Espírito Santo. “O mandamento de frutificar e multiplicar pesa sobre o homem. o esposo de Maria. versículo final da genealogia de Jesus (Mt 1. paixão e morte – sua humanidade – eram conhecidas pelos primeiros destinatários do evangelho. terrena. e não a José. entendida na sua vertente legal. Jesus vem do Espírito Santo. mas o sentido causal-histórico (= “desde o”). 14 A partícula do. pois aceita carregar. Um homem não pode beber o cálice da esterilidade a fim de não dar a luz. “a gênesis de Jesus” (v. a infâmia da esposa. (a) Mt 1. de certo modo. mas suficientes para satisfazer a curiosidade de seus leitores.18a) 12.4). Os personagens implicados na ação – o Anjo do Senhor. José será chamado a colaborar nesta obra de criação e salvação. misericordioso.16. era preciso justificar a paternidade de Jesus. 18b) 13. uma força divina está na raiz de sua existência. Porém. 13 As duas referências ao Espírito Santo na concepção de Jesus (vv. . em segredo. Entretanto.20) têm a ver com a idéia de gênese. Ele provém de uma raiz divina.18-25. por conseguinte. Um homem não pode desposar uma estéril ou uma menor. A mulher. em função do intento divino de salvar a humanidade. Ou seja. 16 introduz uma novidade. lhes escapa. fruto do amor misericordioso de Deus. de quem e apenas de quem provém toda “gênese”. define sua figura. espiritual. Deus é o verdadeiro pai de Jesus. Por conseguinte. Esta leitura é problemática. tinha uma participação secundária e meramente passiva na concepção dos filhos. Em outras palavras. desenvolvida em Mt 1. à primeira vista. A gênese de Jesus é. cuja vida. (d) José é referido como “sendo justo” (v. que não pode dar a luz. 19a). É uma forma de afirmar. para indicar o início do novo e verdadeiro gênese. é um termo fundamental em se tratando de discipulado. mas uma mulher pode ficar sem marido. perceptível já na introdução: “A origem de Jesus foi assim:. Mateus é sucinto e claro na sua explicação. As gerações sucediam-se pela vertente masculina. vinculada ao tribunal. 15 Mateus parte do pressuposto de ser Jesus uma dádiva divina para a humanidade.. As pessoas implicadas na narração são desafiadas a abrir mão de seus esquemas e acolher algo cujo sentido. Daí a necessidade de alguém disposto a fazer parte deste verdadeiro drama da salvação.28) está formulado no plural” (Tratado Yebamot M 6. José será instado a discernir a presença divina na gravidez inexplicável de sua mulher15.Mt 1. Alguns estudiosos interpretam “justo” no sentido de bondoso. na expressão do Espírito Santo (em grego. literalmente. no fluxo genealógico. considerado na perspectiva de José. curiosidades e informações desnecessárias! (b) O texto narra a origem de Jesus. mas a mulher pode bebê-lo para não dar a luz” ( Tratado Yebamot T 8. os ditames da Lei. são pensados como servidores de Deus. ao referir-se a Jesus: “Jacó gerou José. Portanto.”. Nada de detalhes.18-25 corresponde a uma espécie de nota explicativa a Mt 1.. mas não sobre a mulher. histórica. o v. da qual nasceu Jesus chamado Cristo”. por se fundar na 12 Os chamados “evangelhos apócrifos” encarregaram-se de revestir a história da origem e da infância de Jesus com pormenores irrelevantes. José e Maria – são todos referidos a este horizonte criacional divino. faz-se também presente na origem de Jesus. a causa (origem) da concepção de Jesus 14. Esta é uma exigência da colaboração na obra de Deus: abraçar ideais nem sempre evidentes e plenamente compreensíveis. era de caráter claramente didático. Este adjetivo evidencia o tipo de relação estabelecida com o Deus de sua fé e. Importava esclarecer esta ruptura feminina. O vocábulo “justo”. porque o mandamento (Gn 1. Uma mulher pode desposar um eunuco. a transcendência de Jesus. não coincide com a concepção judaica de justiça.18-25 8 Uma leitura de superfície ajuda-nos a detectar outros elementos importantes do texto mateano. não tem o sentido causal-instrumental. já no início do evangelho. portanto.1-17). pneumática. “Um homem não pode ficar sem mulher. em termos sociais. (c) A gravidez pelo Espírito Santo sem prévia coabitação introduz um elemento enigmático na narração. José deveria ter aplicado. na mentalidade da época.1). O propósito do evangelista ao elaborar Mt 1. É uma forma de indicar a ação de Deus criador. penhor da criação de um ser humano novo. Como na criação o Espírito pairava sobre a superfície das águas (Gn 1. ek). Rabi Yohanan ben Beroqa estima que ele pese sobre os dois. aplicado a José. e não só humana.5). sem delonga. Desta relação decorre sua existência.8). teria sido mais misericordioso se resolvesse ficar junto de Maria. repudiar uma mulher corresponde a relegá-la à condição de adúltera. moral ou jurídico. Doravante não haveria de ser assim. 16 Em todo caso. em seguida. a família de Maria e as autoridades religiosas de Nazaré jamais a aceitariam17.1-11 mostra Jesus posicionando-se diante da forma como esta lei era aplicada na sua época. ser fiel a Deus18. Trata-se de uma justiça cuja raiz e motivação são de caráter teológico. e nela encontra a sua explicação. pois temia olhar para Deus manifestando-se na sarça ardente (Ex 3. Esta é uma forma de sublinhar sua perplexidade inicial. 12. No caso. Jesus assume uma posição radicalmente crítica diante da legislação matrimonial em voga. além de José. tem lampejos de incerteza e obscuridade. 19b). As moças prometidas em casamento estavam submetidas à mesma lei. em tudo. Uma evidente injustiça! O tema retoma em Mt 19. “justo” tem a ver com a sua condição de discípulo exemplar. 20 O adultério é condenado pelo Decálogo. 20a) – a respeito da conduta conveniente a ser assumida. chegando a provocar decisões precipitadas e indevidas a serem. Outros estudiosos atribuem a “justo” um sentido diferente. referindo-o à atitude respeitosa e reverencial de José diante de Maria por reconhecer. escutar-lhe a Palavra e colocá-la em prática.7). Em termos narrativos. texto exclusivo de Mateus. Entretanto. situando o vocábulo “justo” no contexto mais amplo do evangelho de Mateus.Mt 1. o Deus dos Exércitos (Is 6. diante da manifestação de Deus. como se já fossem esposas (Dt 22. José toma a posição correta. cada qual com seu papel específico. A Lei previa a morte imediata do homem e da mulher adúlteros (Lv 22. Vivendo numa sociedade rigidamente estruturada. 21 No evangelho de Mateus.13. no caso de José. na sua total obediência a Deus (Gn 15. corrigidas. Ser justo. Moisés cobriu o rosto. o contexto geral do texto mateano permite aplicar a José a imagem de misericordioso e puro de coração. Uma coisa é certa para José: seria injusto submeter sua esposa aos rigores da Lei. .23-29). Sua descoberta da vontade de Deus acontece em meio a dúvidas e incertezas. Porém. Jo 8. Dt 5. a palavra justo diz respeito ao conjunto de suas atitudes.1-9. a Lei antiga previa o divórcio (Dt 24. pouco disposta a aceitar argumentações mal enjambradas. abrindo-se para Deus. suplicando-o afastar-se. Ou seja. Portanto. indica-se apenas que. a Lei não previa “o repúdio em segredo”21.18-25 9 ingenuidade de José. Conforme Mt 5. para encobrir-lhe o malfeito16. deveria se descobrir a identidade do indivíduo responsável pela gravidez de Maria e submetêlos aos rigores da lei. Justo é quem se pauta pela vontade divina e encontra nela o rumo de sua vida. Tudo quanto faz é expressão de sua fidelidade (justiça) a Deus. incapaz de medir as conseqüências de sua decisão. Isaías sente-se perdido por seus olhos terem visto o Rei. José toma a decisão de repudiar sua esposa em segredo para não difamá-la (v. esta explicação também não se sustenta.32.4-6). A narração deixará claro o equívoco da escolha feita. ele é o único personagem descrito na condição de discípulo: escuta a revelação divina e a executa ao pé-da-letra e sem demora. Sua atitude assemelha-se à dos justos do Antigo Testamento. e não apenas social. ao lado do homicídio e do roubo como atos que lesam o próximo (Dt 20. 9. O querer e o agir do justo estão sempre voltados para Deus. apesar de ser interessante.5). significa ser discípulo exemplar. nos fatos relativos à origem e ao nascimento de Jesus. ao fazer sua teologia narrativa tinha diante de si uma comunidade crítica. estará incorrendo em adultério. ético. no caso de José. Para ele. 18 A “justiça” de José tem a ver com a “justiça” de Abraão. (f) Em processo de discernimento – “enquanto assim decidia” (v.10.14.18). sem abrir mão da disposição de. esta não se apresenta de maneira patente e inequívoca. Porém. Mt 5. nela. como se exige dos discípulos de Jesus (cf. 17 A arte narrativa exige plausibilidade.1) como uma espécie de concessão divina “por causa da dureza do coração humano”. estão implicados Maria e o Espírito Santo. Neste momento. todo centrado em Deus19. apesar de o discípulo estar disposto a fazer a vontade divina. Porém. Dt 22. Jesus põe fim ao repúdio das mulheres por parte dos maridos (= divórcio). por ser lesiva às mulheres.7-8. pela qual deveria ser apedrejada na condição de adúltera 20. (e) Envolto em obscuridade. Antes. No caso de José. A preocupação de Mateus era claramente catequético-pastoral e não biográfico-histórica. por se reconhecer pecador (Lc 5.6). calado. Propomos outra linha de interpretação.22). a presença do mistério divino. Se um homem despedir a sua mulher e se casar com outra. Como será explicitado adiante. 19 No drama da encarnação. Algo parecido acontece com Simão Pedro ao reconhecer Jesus: lança-se-lhe aos pés. É o que faz José.3-25). Sua fala é a fala de Deus. para alertar “Maria Madalena e outra Maria” a respeito da ressurreição de Jesus.2. na condição de ouvinte da Palavra de Deus. 1Rs 3. Por isso. tema essencial do evangelho mateano. A José cabe ponderar e dar a sua anuência.7-12. 25 Na concepção do Antigo Oriente. Em geral. É quando o indivíduo cessa todas as atividades e fica como morto. 24 A expressão “do Senhor” dá credibilidade ao que será comunicado a José. Deus fala por seu anjo ou por meio de sonhos.19.Mt 1. põem-na em prática. sem diminuir o grau de exigência da proposta divina. com Deus e captar-lhe a vontade. como ele. Esta patente inserção de José no âmbito do povo eleito tem a intenção de apresentá-lo como o primeiro israelita a se tornar discípulo do Messias Jesus. filho de Davi” (Mt 1.22). (i) O Anjo do Senhor chama José de “Filho de Davi”. o ativismo e a perturbação de espírito são as posturas menos adequadas para quem. revelando seu desígnio de salvação. Para sintonizar-se com o projeto divino.13. Assim. Jz 13. O cap.5) ou de exortações divinas (Jr 29. sim. oferecendo a José pistas para o discernimento e a decisão. possibilitavam-lhes ter acesso a informações impossíveis de serem obtidas por outras vias. ele se torna prefiguração dos “justos” do Novo Testamento – os “bem-aventurados” – que escutam a Palavra de Deus e. o ser humano é urgido a se colocar.15. Afinal. (g) A alusão ao “Anjo do Senhor” é um recurso literário para se referir à comunicação de Deus com o ser humano22. enquanto está dormindo e sonhando (v. 2 faz quatro alusões ao Anjo do Senhor (Mt 2. O AT contém anúncios de nascimento transmitidos por anjos (Gn 16. Este fato funda-se na convicção de que Deus manifesta-se. Importa. (j) As palavras do Anjo (v.22).20.17-20). Em Mateus. eliminar-lhe a obscuridade. quando o sono profundo cai sobre as pessoas adormecidas em seu leito. então lhes abre os ouvidos e as atemoriza com aparições”.19. A agitação. Este dado teológico e antropológico está na base de toda experiência de discipulado. É um anjo de origem confiável. Nenhuma outra ação se insere entre a ordem divina e a sua execução. abrindo caminho para as futuras gerações que. 20-21) oferecem a José uma chave de compreensão para a sua experiência.8. com toda docilidade e liberdade. embora devendo seguir na contramão da “justiça dos escribas e fariseus” (Mt 5. Sb 18. estava em condição de sintonizar-se. . a quem o ama o Senhor o concede enquanto dorme” (Sl 127. formado por quem abraçou o Reino anunciado por Jesus. em se tratando de revelação divina: “Em sonho ou visão noturna. deitar tarde. 20b)25. deveras. muito menos. É a Palavra de Deus assumindo forma sensível23. haveriam de acolher a Palavra e praticá-la. Para o salmista. Antes de mais nada são palavras de ânimo e conforto: “Não tenhas medo!” Em clima de agitação e perturbação de espírito é impossível perceber a vontade de Deus. Mt 27. em momentos importantes de sua vida familiar.1). como acontece com todo verdadeiro discípulo do Reino. O Anjo explica-lhe o sucedido. Cabe ao ser humano colocar-se em posição de escuta. reconhecer a vontade divina na sua inteireza.15-16 alude à situação privilegiada. comendo um pão ganho com suor. 23 Mateus combina duas formas de comunicação divina: o anjo e o sonho. de todo coração. 22 O “Anjo do Senhor” reaparecerá apenas em Mt 28. É o veículo de comunicação da revelação divina. 2. São mediações para a revelação de verdades escondidas (cf. no cabeçalho do evangelho – “Jesus Cristo. Daí nasceria o verdadeiro Israel. aplicar-se em praticar a vontade revelada. O sono evoca a morte. pois passa da escuta da Palavra à sua imediata realização.5. representada pelo sonho. À receptividade (sono – sonho). 26 Jó 33. à escuta de Deus para. não se trata de um anjo qualquer. os sonhos colocavam os seres humanos em contato com o mundo da divindade.12.19). dispõe-se todo para acolher o apelo de Deus.18. como o evangelista havia denominado Jesus. são referidas separadamente. como fundamento insubstituível! (g) José é abordado pelo Anjo do Senhor24. Jó 7. “é inútil madrugar.2). em seguida. 1Sm 28.18-25 10 Agora.13. É a forma de se referir à postura adequada do ser humano em processo de escuta dos apelos de Deus. José tem quatro sonhos (Mt 1. Não podendo rebater e justificar-se. sobremaneira. tem a intenção de estar disponível nas mãos de Deus26.6. aberto no mais íntimo para as realidades supraterrenas.14. mesmo desconhecendo suas motivações últimas. nem. segue a atividade humilde e eficaz. reservadas apenas para Deus. porém. Por meio de Jesus. experiência semelhante à feita por todos os discípulos do Reino. Doravante. desempenharia um papel importante na dinâmica de oferta de salvação à humanidade. De novo. Em momento algum. Com o gesto de dar-lhe o nome sugerido pelo Anjo. o nome é-lhe sugerido. assim. É a ação das pessoas movidas pelo querer divino.44). Era imprescindível obter a livre anuência de José. a partir das Escrituras. José abraça a proposta divina. O ser humano dá nome a todos os seres criados. Interessa ao evangelista eliminar qualquer possibilidade de dúvida em torno da origem divina de Jesus. uma pista de interpretação da pessoa de Jesus (v. o texto denota coação sobre José.Mt 1. pois Deus não atropela a liberdade humana. não poderá tornar-se senhor de Jesus. na de toda a humanidade. José assumia um papel social em relação a Jesus. José recebe a missão de. (l) O evangelista recorre ao profeta Isaías para oferecer à comunidade. pensa-se que Mateus. quando chegam a reconhecê-lo. (k) O sentido do novo Gênesis é revelado no v. apropriação de algo. Para os desejosos de encontrar Deus só haveria um caminho: o filho gerado do Espírito Santo no ventre de Maria. No caso de José. durante e depois do parto – estão fora de seu interesse. Ele age por livre decisão! Sem isto.15). Este determina o nome a ser dado por José ao filho que haverá de nascer. No plano social. teria acesso ao mistério de Deus. sim. a respeito da presença do Espírito Santo na origem da concepção Jesus. como o agricultor na parábola do tesouro escondido no campo (Mt 13.14. cuja paternidade social e “davídica” José era solicitado a assumir. Deus conosco 29. (m) Sem titubear. despertando do sono. ao projeto literário-teológico do evangelho interessava a referência ao Emanuel.18-25 11 As palavras do Anjo retomam uma informação dada no v. O discípulo José foi desafiado de modo radical a acolher uma proposta divina. o Pai. Esta explicação determinava a forma como José haveria de se relacionar com o filho que vai nascer. a alusão a “virgem” reforça o ponto no qual se quer insistir – Jesus Cristo é de origem divina –. Assim devia se entender o sucedido no ventre de Maria. cujos agentes não são explicitados e que têm Deus como agente pressuposto. cuja compreensão cabal lhe escapava28. um indicativo da sua condição na história humana. para a qual estava impossibilitado de oferecer explicações. José foi envolvido num largo movimento de paternidade. Neste versículo aparece um tema importante a ser retomado no v. Este é o sentido de Gn 2. 22-23). referindo-se a Is 7. no futuro. Dar nome tem. uma conotação particular de assenhoramento. 18.19-20. Todas as discussões posteriores em torno da virgindade de Maria – antes. “dar nome” ao menino. deveria apresentar-se como seu pai e assumir todas as responsabilidades inerentes a esta condição. única e exclusivamente. 25b. Na verdade. fez como lhe ordenou o anjo do Senhor e recebeu sua mulher” (v. na mentalidade bíblica. declara que José “não teve relações sexuais com Maria até o dia em que ela deu à luz um filho”. e. A forma passiva “foi gerado” aponta para ação de Deus como agente (passivo teológico 27). 25 deve ser interpretado no contexto da narração. Por isso. Estava destinado a ser a presença de Deus na vida da comunidade cristã e. retorna o tema do Gênesis. Em geral. Este não era um segundo nome de Jesus e. descartando a participação de José na sua concepção. “José. como sinal de domínio sobre eles. cumpria a missão reservada para ele como discípulo do Reino. por extensão. (n) O v. capazes de minorar-lhe o impacto desafiador. a origem teológico-pneumática exigia dele assumir a postura de discípulo diante do filho. . queira fundamentar a concepção virginal. Entretanto. Ele gerou Jesus pela força do Espírito Santo. 29 Entretanto. Como se vê. o gesto de obediência perderia toda a transcendência. 28 De Deus “recebe o nome toda paternidade no céu e na terra” (Ef 3. 24). 21 – “ele salvará o seu povo dos seus pecados”: José estava sendo confrontado com uma iniciativa divina em vista da salvação da humanidade. 27 “Passivum theologicum” é como são designadas certas formas verbais passivas encontradas na Bíblia. quando se falará do cumprimento da ordem divina. cujo Senhor é. Mateus introduz. um tema central do seu evangelho.21: “. Jesus mostrará sua condição de Emanuel. acaba por se desorientar. uma vez conhecidas as aspirações divinas. José foi a primeira pessoa a ter acesso a esta revelação. com clareza. As controvérsias giraram em torno do exato sentido do adjetivo justo. sem perder sua consistência e credibilidade. As coisas são demasiado complicadas. embora pondo em risco sua reputação e sua vida. um imperativo. Partindo das considerações em torno de Mt 1. serve de exemplo para os futuros discípulos de Jesus. José acredita e se pergunta o que fazer.19-23). Porém. o evangelho de Mateus é uma espécie de catecismo do discipulado cristão. (a) O discípulo justo. Deus pode contar com ele. Também aqui fica patente sua condição de justo: sua vida está toda centrada em Deus e no serviço divino.13-18). a “compreensão” vai além da mera racionalidade. Um caminho para a sua interpretação consiste em considerar todas as menções a José. mesmo em situações arriscadas. A segunda narra a volta do Egito para Nazaré.. a comunicação acontece durante o sono. Daí ser descrito como discípulo aquele que “obedece” à ordem divina. Por ser justo. de qualquer comunidade cristã. Nestas circunstâncias. no qual José foi chamado a participar de maneira especial. 30 A etimologia do nome Jesus está indicada em Mt 1. em meio a perigosas peripécias (Mt 2. São duas cenas da infância de Jesus.pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”. sob o prisma da justiça. José age como um discípulo autêntico. por extensão. Envolvido por confusão mental e inquietação de espírito.18-25 12 (o) “E ele o chamou com o nome de Jesus” (= Deus – Javé – salva! 30) é o ápice do cumprimento da ordem divina. Porém. está onde Deus o envia e faz o que Deus lhe ordena. quando a paz reinava em seu coração. Caso contrário correria o risco de equivocar-se na tomada de decisão. assim. Além do texto aqui considerado. A narrativa evangélica fala de José em processo de discernimento da realidade. onde ele está a serviço do menino Jesus. por conseguinte.Mt 1. O discernimento tornou-se. praticando-a sem hesitar! No caso. A primeira refere-se à fuga para o Egito (2. (b) O discípulo que crê e discerne.18-25. Por isso. o medo e a insegurança não têm lugar em sua vida. Por isso. considerando sua condição de justo.. A obscuridade parece reinar ao redor. em Mt 1-2. que revolucionaria a vida dos futuros discípulos. José estaria impossibilitado de sintonizar-se com a vontade de Deus. o discernimento supõe um clima adequado. Por isso. trazendo perdão e salvação para a humanidade. Mt 1. portanto. é de outra ordem. 5. Este era o ambiente propício para perceber. José age com prontidão. em contexto de discipulado. Mateus apresenta José como encarnação do verdadeiro discípulo na relação com Deus. O foco de interesse não se centrou na defesa da concepção virginal. A compreensão. As grandes linhas do discipulado de José. Nela esta implicada a fé. é possível esboçar as grandes linhas do discipulado cristão.13-23. Assim. para onde Deus apontava. Como foi explicado. encarnadas na figura de José. Tem por objetivo oferecer pistas para a correta vivência do seguimento de Jesus no âmbito da comunidade mateana e. José é referido em Mt 2. Como foi dito.19 esteve no centro das disputas entre os exegetas. Uma vez captada e compreendida a vontade de Deus. . mas na explicitação do projeto salvífico de Deus para a humanidade. que fazia parte da tradição recebida e aceita por sua comunidade. Ele haveria de ser a presença misericordiosa do Deus libertador – “Deus conosco” –. (e) O discípulo generoso e disponível. Maria não era estéril. Logo. estará em condições de ler o Evangelho. Por isso. bem como José. as esperanças messiânicas do tempo não comportavam concepções por obra do Espírito Santo. embora nem todos os detalhes fossem evidentes. a comunicação do Anjo do Senhor exigir-lhe-á dar uma guinada na sua opção. O recurso literário utilizado por Mateus não priva José de sua liberdade. seja qual fosse. Esta chave de interpretação evita leituras precipitadas. Uma vez conhecida a vontade de Deus. ao ir para o Egito e de lá voltar (Mt 2. apenas. Basta-lhe “ouvir” a Palavra de Deus para. O discipulado inspirado em José. “recebeu em casa sua mulher” (v. Pensar numa direção diferente redundaria em reduzir Deus a uma espécie de tirano despótico. José faz a sua escolha sem considerá-la fechada e inquestionável. Quem se dispuser a ser como José. mas não sem a colaboração de seus maridos. a ponto de acolher algo impossível de ser compreendido e aceito nos limites de uma vontade alienada. relativizando tudo mais. intenção bastante irreal no contexto jurídico da época. Para tanto se exigia uma enorme liberdade de espírito. 6. Permanece sempre disposto a se deixar guiar. José submete-se sem discutir.Mt 1. realizar o propósito de Deus. sem ficar “de orelha em pé” para ver onde haveria de acabar tudo aquilo. sem exigir provas suplementares. (f) O discípulo destemido.12-23). Sua abertura para Deus resulta de um total domínio da liberdade. pois tudo quanto aí se diz pressupõe atitudes semelhantes à 31 Também os Magos deverão mudar de plano por orientação divina. José tinha o plano de “repudiar Maria em segredo”. das quais Deus se serve para concretizar a salvação. será apto para se tornar discípulo de Jesus. sem nenhum respeito pela criatura humana. Bastou a José reconhecer a vontade de Deus para acolhê-la com toda generosidade e disponibilidade. Esta não é a teologia de Mateus! O recurso às mediações humanas. apesar das várias referências a José. só tem sentido se a liberdade do ser humano for garantida e respeitada. até o extremo de deixá-la de lado e seguir numa direção imprevista. Interessava-lhe. uma vez reconhecida nela a ação divina. A gravidez “desde o Espírito Santo” era algo inusitado e estranho. Mateus não lhe atribuir uma só palavra. um personagem capaz de servir de modelo para os membros de sua comunidade e para os cristãos de todos os tempos. Nada disso lhe passa no coração. sem cultivar secretas desconfianças. Mateus descreveu José em tom maior. Esta era – e é – uma exigência do cumprimento da vontade de Deus!31 (d) O discípulo obediente. praticá-la. o qual se torna absoluto em sua vida. não era necessária a intervenção divina em vista da gravidez. . Isto se dá com José. A escuta transforma-se em ação. Tudo isto exigiu de José muita coragem para acolher Maria. 24). Só quem tiver as virtudes de José. É interessante o fato de em todo o evangelho da infância. A tradição de Israel conhecia muitas histórias de mulheres estéreis que deram a luz por intervenção divina.18-25 13 (c) O discípulo dócil. com prontidão. esta intenção não se constituía numa espécie de absoluto. Por outro lado. por ser clara a vontade de Deus. mesmo devendo abrir mão de decisões já tomadas. De fato. A vontade divina é como um tesouro encontrado no campo pelo lavrador. Supõe-se ter acolhido Maria sem recriminá-la. onde José é considerado uma espécie de marionete na mão de Deus. Porém. Na experiência dos discípulos atuais. características da ação de Deus. Colocar-se nas mãos de Deus nada tem de renúncia à liberdade. o discípulo: (a) abre-se para o querer divino. porém. seguro da presença de Deus A adesão ao Reino e ao respectivo projeto de vida. embora sendo grande a boa vontade e a sinceridade do discípulo. (d) aceita caminhar na obscuridade. onde acontece o sonho revelador. não lhe proporcionará a clarividência e a luminosidade desejadas a respeito dos caminhos a serem trilhados. Portanto. tão freqüente na história da fé cristã. (c) dispõe-se a receber missões duras e exigentes A entrega da liberdade nas mãos de Deus. o discípulo do Reino tem mais possibilidade de encontrar a vontade de Deus. vê-se desafiado a entregar a vida. Quem estiver disposto a colaborar com a obra de Deus. Em situações limites. Só lhe interessa uma coisa: saber-se fazendo a vontade de Deus. consiste em . Pelo contrário. o discípulo jamais se sentirá um joguete nas mãos de Deus. diante do qual nenhum apelo se sobrepõe. torna-se digno do nome cristão. O discípulo verdadeiro caracteriza-se por sua capacidade de seguir adiante. É o testemunho dos mártires.Mt 1. urge criar um clima favorável para um correto discernimento. deve colocar-se nas mãos de Deus. sem impor condições. É preciso estar disposto “para o que der e vier”. nos moldes de José. Em José isto é representado pela experiência do sono. empenhando nela toda a sua liberdade. Como José. supõe-se que assuma com toda determinação e garra a proposta divina. Este pré-requisito possibilita ao discípulo lançar-se de cheio na dinâmica divina e o abre para as novidades e as surpresas. (f) recusa-se a se arvorar em juiz de Deus. agitação. (e) jamais se sente lesado em sua liberdade por causa de Deus. (b) cria as condições necessárias para um bom discernimento Além de almejar discernir. não poucas vezes. sem lhe fazer reparos. sem impor limites ou restrições. nem tampouco uma espécie de fantoche sem vontade própria. consiste em potenciá-la ao máximo. A vontade divina torna-se um imperativo. Quem se dispõe a se fazer discípulo do Reino. mesmo às apalpadelas e aos tropeços. nem tem a pretensão de ensinar-lhe a melhor forma de agir Aceitando a vontade divina assim como se apresenta. por lhe ser permitido atuar para além de qualquer contaminação do egoísmo e da maldade. Sentir-se e comportar-se assim é indigno de um discípulo. Esse é um caminho de superação das paixões desordenadas e da tirania das opções mesquinhas e egoístas. levam o discípulo até os extremos de sua força e suportabilidade. por sua vez. Basta-lhe esta certeza indiscutível para se manter seguro e inabalável na caminhada. A grande tentação. Tais missões.18-25 14 dele. corresponde a fazer calar as muitas vozes desencontradas borbulhando em suas mentes e corações. Mas também todo um ambiente de ansiedade. o discípulo do Reino mantém-se na sua condição de discípulo. nestas circunstâncias. O serviço divino é caminho de realização pessoal para o discípulo. nervosismo e insegurança. Ao contrário. supõe coragem para enfrentar as missões queridas por ele. como prova de adesão ao Reino. Na paz e na tranqüilidade de espírito. Nada de querer dar lições a Deus e determinar-lhe como deve agir. prontas a desafiar toda e qualquer tempestade.18-25 15 atribuir a Deus alguma forma de engano. mesmo a mais terrível. será inconveniente. na eventualidade de se perceber infiel. Mateus inseriu. na execução da vontade de Deus. é a forma mais conveniente de o projeto de Deus se realizar. consistiria em julgar um equívoco divino a concepção “pelo Espírito Santo” e sugerir a Deus um caminho mais compreensível e aceitável para fazer a salvação chegar à humanidade. todos os discípulos e discípulas de Jesus são desafiados a ser como José. impávido. sua existência consistiria em pôr-se a serviço exclusivo do Filho de Deus. Só tem condições de perseverar no discipulado cristão. quem se dispuser a fazer a vontade de Deus assim como se apresenta. São os julgamentos precipitados a respeito da obra de Deus. Isto lhe dá segurança e lhe permite voltar ao bom caminho. quem se dispuser a entrar pela porta estreita (Mt 7.720-300 Belo Horizonte – MG Tel: (31) 3115-7024 e Cel. sem pestanejar. qualquer leitura do texto mateano referente a José. O compromisso com Jesus. dando-lhe um rumo preciso. Este era a aspiração de Mateus em relação aos cristãos de sua comunidade. feita numa perspectiva de comiseração e diminuição dele. a pedido de Deus. fica impossibilitado o discipulado nos moldes queridos pelo Mestre Jesus.13-14). quem. No caso do evangelho. por saber que. vagando por caminhos incompatíveis com a sua opção.Mt 1. Doravante. for além de suas dúvidas e inquietações interiores e se lançar.edu. sem rumo. como José.: (31) 8444-1653 E-mail: jvitoriosj@faculdadejesuita. mesmo incompreensível. uma figura de alto valor paradigmático.br . levou-o a redimensionar o rumo de sua vida. (g) ouve a palavra de Deus e. sem se deixar abalar (Mt 7. Este movimento de percepção da vontade divina e de submissão a ela marca a cadência da vida do discípulo do Reino. Só pode ser discípulo.24-25). sempre inusitada e imponderável. Por isso. Cristiano Guimarães. Dr. De certo modo. Em última análise. coloca-a em prática O contínuo discernimento mantém o discípulo sempre sintonizado com a vontade de Deus e o motiva a estar disponível para realizá-la. não corre o risco de caminhar ao léu. nisto consistiu a experiência do justo José. Agindo assim. Sem isto. O desejo de Deus consiste em que o discípulo crie um vínculo de união tão forte com Jesus a ponto de se dispor a arriscar tudo por sua causa. 2127– Planalto 31. como nós! ____________________ Endereço do autor: Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia Av. o testemunho de José norteia a opção pelo Reino anunciado por Jesus. Conclusão Para uma comunidade perseguida e passando por sérias dificuldades – como era o caso da comunidade mateana e pode ser o de muitas comunidades cristãs atuais –. Em outras palavras. no início do evangelho. estariam construindo suas casas sobre a rocha. Portanto. capaz de inspirar os leitores-ouvintes de sua comunidade e os de todos os tempos. posta sob o fogo cruzado da liderança judaica.
Report "Jaldemir Vitorio, Discipulado Em Mateus a Figura de Jose"