ITINER€ ¦ÁRIOS DE FORMA€ ¦ÇÃO - Jean Oury.rtf

March 19, 2018 | Author: Adriele Baldessim | Category: Power (Social And Political), Learning, Psychiatry, Life, Psychotherapy


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ITINERÁRIOS DE FORMAÇÃO Jean Oury Revue Pratique nº 1 - 1991 Pgs. 42-50 Tradução: Jairo I.Goldberg Os múltiplos itinerários personalizados da formação não podem se privar de uma reflexão coletiva que deverá durar o quanto dure a função. Neste texto evocam-se pontos essenciais em torno dos quais se articulam a função do tratamento. A formação técnica, científica, no ensino universitário – coloca em questão o campo pedagógico. De uma maneira geral, o problema da formação está longe de ser resolvido; exige tomadas de posição, uma crítica permanente. Por exemplo, à propósito dos estudos de medicina, da formação de enfermeiros, agentes de instituição... Existem freqüentemente impasses que não são dominados, talvez por falta de teorização. Não se trata realmente de definir seu objeto, mas a “forma” da formação. Aliás, “formação”, o que isso quer dizer? Retornaremos a esta questão mais adiante. Eu gostaria de insistir sobre a especificidade da formação psiquiátrica. Aí, também, encontramo-nos frente a grandes dificuldades dado que a definição de psiquiatria não é ainda muito clara; e ainda menos seu exercício, encruzilhada de múltiplas pertinências: biológicas, psicológicas, sociais, estatais, históricas, sem falar nas medidas tradicionais de segregação que estão longe de serem ultrapassadas. A psiquiatria é um lugar marcado por uma atomização das técnicas, dos estatutos, das classificações. Certamente, esta tomada de posição é pessoal, embora compartilhada por muitos; igualmente eu penso que existe uma não separação basal da “psiquiatria” e da “psicanálise”. Seria necessário, ainda, redefinir a palavra “psicanálise” , que recobre agora noções contraditórias, se não heteróclitas. Portanto, não se pode senão indicar, esboçar a especificidade própria do campo em questão, quando se fala de “formação para o exercício da psiquiatria”... Além disso é necessário acabar com uma falsa antinomia entre formação e ensino. Com efeito, temos sempre, como pano de fundo, uma visão pejorativa a propósito do ensino, visão pejorativa que não é senão a tradução do que é o ensino: alguma coisa que permanece muito longe da prática. O ensino deveria poder integrar técnicas muito precisas. Poderíamos retomar a fórmula das “técnicas ativas”, por exemplo,aquelas da escola de Frenet, no nível mais elementar: as fichas auto-corretivas. Isto para sublinhar a diferença que existe entre um homem e um animal: o animal não pode aprender a aprender, enquanto o que talvez especifique o homem, é que ele pode aprender a aprender. O ensino deveria ser um conjunto de técnicas que permitissem aprender a aprender; isto em oposição às noções de aprendizagem, de condicionamento. Quanto ao acesso à formação, concretamente, deveríamos respeitar seu caráter de processo, não indeterminado,mas interminável. Nunca estamos “formados”, com efeito, 1 Psiquiatra, diretor da Clínica de La Borde, França 1 1 Como em música: conhecer os elementos da escritura musical. quais são as relações entre a tarefa coletiva do tratamento de crianças psicóticas e a escola? Relações entre a escola. com personalidades psicóticas. poderíamos dizer que a formação assemelha-se a um processo analítico. a intrusão de um psicótico freqüentemente só contribui para aumentar a desordem coletiva. mas isto coloca em questão a estrutura do setor. acarretando comportamentos de desconhecimento extremamente nefastos e perigosos. na maior parte das vezes ridícula. Certamente. Por exemplo.portanto. do hospital e da escola. É por isso que podemos nos permitir falar desse assunto.mesmo num plano objetivo. as “ferramentas conceituais”. Quando uma criança é um “inadaptado escolar”. etc. Sobretudo. não uma transformação. tem um agenciamento polifônico. Para melhor apreender o que se trata. no sentido filosófico do termo. portanto. existe sempre uma correlação estreita com o que acontece no nível da sociedade global. falar de “neutralidade” é um discurso não polêmico. E sobre este pano de fundo que é necessário retomar a questão. Integração para que? Se não se modifica o meio escolar. a família. a formação como alguma coisa da ordem de uma “modificação”: modificação de um certo nível da personalidade do sujeito que se engaja neste trabalho. mas verdadeiramente “engajado”. Não os instrumentos. sabe-se muito bem que é freqüentemente a escola que está inadaptada à criança. da “integração”. Esta tomada de posição é forçosamente parcial. ou como se quer. que os “pósformados” se abrigam em atitudes de mestre de prerrogativas hierárquicas. Quais são. como diz Lacan.Vê-se bem que um trabalho eficaz necessita uma espécie de coesão entre os diferentes atores. o que chega como mensagem ao ouvido do enfermeiro ou do psiquiatra ou do psicanalista não é senão uma versão muito parcial das coisas. Não de fato. freqüentemente. Polifonia que é necessário tentar decifrar. de uma maneira majoritária. o setor. O processo analítico não deve se deter. o que é uma personalidade psicótica? Opções que se necessitaria sempre redefinir: vê-se bem que uma tal previsão não pode ser neutra. Por analogia. especificamente. com as quais se pode trabalhar. Encaremos. como se disse. saber descobrir os alcances que podem decrescer. existe uma mudança de tal modo rápida das condições materiais e científicas do trabalho em psiquiatria. Portanto. Mas. na qualidade de “falasser” (parletre). isto é. Pois. ser sensível ao contraponto. e esse discurso não pode ser senão um discurso aberto em direção a posições críticas. Tosquelles. Senão assiste-se a constituição de uma casta de analistas “pós-processuais” ! É necessário desconfiar da “parafrenização” da profissão ! É a mesma coisa para os psiquiatras e enfermeiros ! Constata-se. Por outro lado. E é este processo de “decifragem” que exige um mínimo de ferramentas. que são da ordem da etologia. as “categorias”. “em situação”. se tem ligação. que é necessário permanecer aberto a este movimento. se balizar em um domínio tão diverso? Esses domínios que. mas as ferramentas. mas esta parcialidade é partilhada com outros que trabalham nesse espírito. mas uma modificação no sentido de 2 . infelizmente. como diz F.. É o que dá originalidade ao campo da psiquiatria.. o hospital. o que pertence especificamente ao homem na qualidade de ser falante. mas sempre “engajado”. um posicionamento é necessário para cada sujeito que se engaja nesse trabalho. seria importante definir quais são as “ferramentas” com as quais se trabalha. O que não impede que ele possa ter aí outros pontos de vista. Foi sob essa perspectiva que eu insisti na idéia de “encaminhamento” que pode começar bem cedo. mas as preferências . O que se diz igualmente sobre a psicanálise de uma maneira ideal. em um artigo para o II Congresso Internacional de psiquiatria em Zurique.uma sensibilização para alguma coisa específica. não é tão pouco uma vocação no sentido habitual do termo. Sabe-se bem que para passar em um exame clássico. os eventos – não os eventos em si – mas aqueles que marcaram a personalidade. uma disposição particular de sua própria personalidade? Pois. freqüentemente. etc. Mas não se pode ordenar e classificar as competências passionais – que são outras estações no itinerário existencial. administrativos. técnicas de recuperação um pouco comerciais. os gostos. qual é o itinerário que o levou a trabalhar no campo psiquiátrico. com efeito. mesmo nesses tempos de desemprego. etc. da parte do sujeito que se engaja. Isso seria talvez interessante. a pressão dos horários. Tratase de saber se a performance do exame tem valor idêntico àquela que se poderia chamar a performance sobre o terreno. 1957. desviar em direção a qualquer coisa abstrata. seria importante poder precisar quais são as qualidades implícitas que estão na base de uma certa “escolha” profissional. talvez dados os constrangimentos (estatais. os empregos. a linha de vida de qualquer um – senão a partir de certas qualidades específicas em relação com esta questão basal: o que é “necessário” para estar aí? Pode-se dizer ainda que as “virtudes” de um enfermeiro. as paixões. não simplesmente os trabalhos. Os fortes nos temas não são os melhores psicoterapeutas. geral. é algo que não pode ser recuperado pela Câmara do Comércio. as curvas de vida. a pressão da situação social do usuário. portanto. A competência está em relação com o que marca a vida de qualquer um. sem que existe uma visão precisa de sua finalidade. se trata do engajamento de toda uma vida nesse trabalho. por exemplo. Não se lançar em estatísticas que desejariam comparar os modelos. Dito de outra forma . Vê-se bem que se qualquer um tem um interesse muito vivo pela bricolagem. atento. Seria interessante estudar. a disponibilidade? Vigilância e disponibilidade são predicados um tanto “puros”. que influíram em uma tal orientação? Pode-se julgar o valor de qualquer um conforme o que podemos chamar suas “competências”. por exemplo. não era um ofício. Poderíamos definir assim uma carta das “competências passionais”. não se julga de fato as competências. 3 . Não é alguma coisa que se faz de maneira passageira. Essa sensibilização não necessita. os trabalhos e os dias. de um psicoterapeuta. mas. Mas isto nunca é puro acaso: existe sempre uma dimensão inconsciente na decisão de se engajar. mas faria perder muito tempo. Mas. em que se espera um trabalho. A menos que não sejamos nós mesmos tomados no interior de todo um contexto e que não sejamos senão um dos elementos de uma coletividade bem mais estruturada. e. Será que estamos também disponíveis quando o horário do trabalho é ultrapassado? Foi um pouco nesse sentido que eu havia dito. que afinal de contas esse “trabalho” não era uma profissão. hierárquicos). Isso não é evidente. que não está de fato em relação com o que está em questão aqui. as quais introduzem uma diferença entre “performance” e “competência”. encaminhamento às vezes não intencional. ou antes. Quais são. competências no sentido das análises semânticas. estereotipado. quais são as possibilidades da sensibilização? Esta questão permanece muito problemática dado que as técnicas atuais são. entretanto. A formação deve. uma disponibilidade de saída. isso pode ser um trunfo: é provável que ele seja preciso. Certamente que se pode estar aí por acaso. poder se integrar ao desenvolvimento da personalidade. como o vestibular. são a vigilância. para cada um. paciente. a própria estrutura do exame privilegia bem mais as performances. a pressão da família. afinal de contas. sobretudo pelo fato de que a doença mental – no sentido bem amplo do termo – se especifica de uma maneira tradicional – em Kretschmer ou Tosquelles – pela multi ou polidimensionalidade. Certamente.No campo psiquiátrico. é necessário ser capaz de aceder a um certo lugar. ser acessíveis às nuances da ambiência . onde tudo está freqüentemente misturado. com as ferramentas conceituais que permitem desobstruir um lugar. entre depressão e demência. dado a miséria existencial de todas essas pessoas que “descarrilharam no simbólico”. afinal de contas.. Sistemas. Isto significa que é necessário abordar esse problema por todas as facetas possíveis. problemas fundamentais. E para abordar estas questões devemos privilegiar tanto as facetas sociais. existem forçosamente. mesmo dissociada. como disse Lacan. uma recolocação em questão daquilo que está implícito ou não consciente no que se chama os “normopatas”. ser sensível ao pequeno detalhe. permanece uma pessoa. ela necessita de uma aprendizagem. apenas pela transcendência que está ligada ao respeito do outro. as coisas essenciais que na maioria das vezes não aparecem. em espera infinita. sem qualquer medicação. tem uma depressão crônica. em um campo da psicopatologia. biológicas. com os problemas fundamentais do ritmo da existência. na maior parte do tempo. explosões das personalidades psicóticas. que não estão em nenhum lugar. a maneira de estar “com” o outro. portanto. mais no sentido nobre do termo. por exemplo. em uma dimensão ética. com “extratores”. Essas dimensões influem também aí. espécies de endokineses que colocam em jogo “decisões” quase orgânicas (no sentido de Victor Von Weizsacker). o que é específico da psicose são as dificuldades. quase sempre está mascarado por completo pelos ensinos demasiadamente abstratos ou estereotipados: o que. uma impossibilidade de “estar com” (no sentido de estar com o outro. E para ter acesso a este fenômeno. estruturas psicopatológicas. no campo da psiquiatria estamos diretamente lançados em problemas que. que estão sempre perdidas no “abwarten”. portanto. Ora. portanto não se trata de ser dogmático e de só querer tratar de uma maneira psicoterapêutica .sabe-se bem. mesmo insólito. assim como em medicina geral. Seria necessário. o sentido de uma “bifurcação” psicofísica. A “vida cotidiana” pode ser considerada como pano de fundo. Temos sempre um assunto para qualquer um que tem um nome. poder respeitar o outro aí onde ele está). uma “ferramenta” pela qual podemos orientar até um certo limite o processo patológico. com “fadigas transcendentais” e às vezes verdadeiras somatizações. em decorrência da dissociação. os “operadores lógicos” que permitem extrair do campo cotidiano. quanto as psicanalíticas. Pensem nas relações entre o câncer e esquizofrenia. com seu próprio nome. proveniente de uma confusão entre o mesmo e o outro. uma certa “paisagem”. uma “linha institucional” (Tosquelles). no sentido dos “artesãos”. mesmo escondido. Pois a pessoa. mas o que se pode chamar transcendental é o que ultrapassa a norma habitual. precisar as correlações entre o biológico. são mascarados. ser sensível “àquilo que tem pathos”. etc. É o problema do cristal do qual falava Freud: existe a recolocação em questão das dimensões transcendentais do fato mesmo de se estar aí. aliás. no sentido habitual do termo. o psicossocial e o psicoterapêutico. ser sensível à emergência. Uma técnica de sensibilização é então importante. dos operários que talham as pedras. isso necessitaria de uma análise bem mais fina. à complexidade multifatorial que determina as formas de evolução de tal ou tal síndrome: fraturas na linha 4 . Devemos. as coisas mais pregnantes. É justamente o que. Justamente essa aprendizagem. que não constituíram ou destruíram seu espaço de vida. aquele que de uma maneira evidente. Seria necessário também falar das práticas pedagógicas e das práticas hospitalares. A maneira de abordar o outro.. não “se ensina”. podem ser esperados por vias diversas. Essa dialética concreta. Esse processo pode-se fazer progressivamente. momentos de emergência de signos. às manifestações paradoxais de um sentido iluminado. uma espécie de sadismo camuflado. ainda que isso seja a base elementar de toda démarche ética: ter respeito pelo outro. Tudo isso exige uma certa sensibilidade ao próprio estilo dos encontros: esperar passivamente. Problema banal semelhante à aprendizagem da escuta dos barulhos do coração: se não estamos preparados. É somente nesse momento que poderemos fazer um diagnóstico. Basta que nos digam que é preciso ouvir “tum-tá” para que rapidamente. numa “espera instrumentalizada”. os sopros. Mas isso só é possível quando ele próprio é apreendido num contexto de convivência e respeito. não adianta escutá-los com o estetoscópio. e às vezes não é senão ao fim de muitos meses que ele se torna eficaz para tal ou tal sujeito psicótico à deriva. ao contrário. Devemos nos envolver. mas.. possamos distinguir os ruídos . É nessa dimensão que aquela fórmula “aprender a aprender” ganha todo o seu sentido: o psicótico poderá então se exprimir e nos ensinar a sintaxe sutil de seus problemas. A função de acolhimento é a base de todo trabalho de agenciamento psicoterapêutico.da existência de uma pessoa podem tornar pregnante tal fator que. São hábitos difíceis de se adquirir. Mas a tradução que nós podemos fazer disso exige uma disposição particular que se adquire pelo exercício de uma “tekné”. pois não ouvimos senão ruídos confusos. sendo coletivo na sua textura. se é considerado pela equipe. e de qual maneira acolhê-lo. E nessa perspectiva que os “operadores”. ele deve ter em conta a história. Em qualquer campo científico. É esta a verdadeira neutralidade que permite liberar rapidamente o que é pregnante e vai permitir ao outro se manifestar. de mensagens erráticas. Um dos preâmbulos desse trabalho é poder decifrar naquilo que se apresenta o que é importante acolher. um certo saber sobre o que se trata. etc. de mensagens gestuais. Para desvendar tal ou tal forma de manifestação patológica é preciso estar “advertido”. Podemos dizer que o “tum-tá” é uma espécie de ferramenta conceitual. poderá eventualmente ser decisivo para a seqüência dos eventos que escandem a vida de um sujeito em aflição. se desejamos ser eficazes é preciso poder descrever corretamente o objeto de pesquisa. espécie de atenção trabalhada que a torna sensível á qualidade do contexto.. Pois o diagnóstico é o essencial para poder fazer alguma coisa. isto não é neutralidade. exige uma reflexão coletiva. O próprio diagnóstico é uma forma de encontro sobre esse fundo de polifonia. Não se trata. freqüentemente. numa “espera ativa”. por patamares. Há momentos privilegiados que é necessário poder balizar. as maneiras da civilização local que permitem acolher o insólito. o contexto local e a “subjacência”. o ritmo. ou mesmo um “extrator lógico”. as ferramentas conceituais verificam-se indispensáveis. 5 . não se torna eficaz senão pela valorização da pura singularidade daquele que é acolhido. E o mesmo ocorre para se descobrir a estrutura de uma “ambiência”. o que não quer dizer se colocar em uma atitude passiva de “laissez-faire”. à polifonia dos discursos. feita freqüentemente de intervenções mínimas. certamente. Uma disponibilidade feita de modéstia pragmática é necessária para recolher e favorecer as iniciativas benéficas. ao redor desse “esquema”. Aí está um dos objetivos fundamentais a que uma formação bem conduzida poderia se propor. uma atenção de cada um. de se contentar com uma resposta “tecnocrática” tal como função de acolhimento = hóspede de acolhimento! O acolhimento. Uma equipe para tomar uma analogia musical. praticamente é o que fazemos.”). de um meio que é capaz de acolher todas as fantasmagorias psicóticas. que o que conta mais são as relações complementares. Trata-se . que pode aparecer como quase normal para o profano. que está em jogo aí? Não se trata simplesmente de uma relação individual ou mesmo singular. Portanto. do gênero “estamos todos do mesmo lado”. aí está na sua própria qualidade de “presença”. que não está manifesto de saída. (mas não as complementaridades tais como: “sou especialista nisso. é como uma escala: com um certo número reduzido de notas. É nesse nível que podemos falar de sensibilização: levar em conta o fato que o outro. correlatas de uma espécie de atomização dos estatutos. estas deveriam ser já trabalhadas no interior da equipe. concreta: levar em conta as qualidades de presença dos outros. em particular no nível das estruturas psicóticas. com alguém. para poder jogar com elas. ele naquilo. Sabemos bem no plano da estruturação institucional fina. a partir dessas potencialidades que há um acesso. é importante dizer que deveríamos trabalhar num campo pragmático com as ferramentas que estejam de acordo com este campo. a solução surge espontaneamente. Mas de tornar disponíveis as potencialidades.. no entanto.. na própria equipe já existe uma forma de colocar em prática permanente as relações complementares. das funções. pois sabemos que ai existe uma ressonância. com efeito. conhecemos a importância das “relações complementares” na constituição e dialética de uma “linha institucional”. o que permite esperar que alguém. que na maior parte das vezes estão mascaradas. Quando estamos embaraçados frente a um doente complicado.. eu havia empregado a palavra “modificação” em um contexto particular (no sentido de Michel Butor). o companheiro de trabalho. num estado de sofrimento patológico. de um trabalho de equipe. quase emparedadas. com efeito. Não se trata de algo que vai transformar de alto a baixo a personalidade. de outra as condições de uma certa forma de convivência. O que é. mas antes a um insólito. um trabalho que é um “levar em conta os outros” e si próprio. É. mas simplesmente para não impedir a emergência. assim como as complementaridades. as dificuldades de estar com. A incapacidade de fazer este “diagnóstico” acarreta todas as espécies de mal entendidos mantidos pela mídia. permanente.. mas trata-se sempre. e que não se manifestaram em função do estilo de trabalho tal qual ele se apresenta habitualmente. um insólito que devemos decifrar.. isto é: “seria bom que esse tal pudesse vê-lo”. Aí existe uma armadilha: não se trata de uma complementaridade mais ou menos romântico-moderna. mas de uma complementaridade inconsciente. de um registro quase material: de um lado a articulação de diferentes competências.. que faz parte da formação. poder conhecer o outro naquilo que é capaz de. que se perde no especular. etc. Aliás. por tanto. Ora. mas que seja de saída tomado no âmbito daquilo que lhe é mais especifico: o trabalho de um espaço onde possa acontecer alguma coisa. uma espécie de adequação entre a potencialidade manifesta do companheiro de trabalho e a particularidade do sujeito que se apresenta. uma 6 . um trabalho que não secrete tampouco relações de rivalidade paranóica. não um trabalho para favorecer.Quanto ao que chamamos de “sensibilização”.. ao contrário. Por outro lado. A sensibilização deve ser. todas as dificuldades do contato. Por exemplo. não forçosamente ao estranho. etc. está. é assim que vocês diriam ao cozinheiro para que desse duas laranjas. com sua complementaridade a si próprios. Sr. “entrar-sair”. podemos compor quase uma infinidade de partituras. Ir. Ele deixou uma abertura pelo fato de ter dito ao senhor X que talvez por alguns dias ele não teria laranjas. justamente. dito de outra 7 . X se virasse sozinho conquistando a confiança dos cozinheiros. o movimento. no final das contas. trabalhar o meio para que ele possa acolher não importa qual estilo de existência psicótica. do que tem pathos. é necessário que cada um seja tomado em sua potencialidade. X receba suas duas laranjas”.. este lhe redigiu uma prescrição de “duas laranjas com a finalidade de lutar contra uma constipação”. Um pequeno exemplo: quando o Sr. com um certo número finito de personagens que estão aí. receita que o senhor X levou ao cozinheiro o que alargou seu perímetro. os espaços de jogo. no nível do vetor contato. pediu a seu médico que lhe fizesse uma prescrição de duas laranjas. nós não teríamos encontrado. Ele teria pego suas laranjas e teria ido embora. onde médicos e cozinheiros praticamente não se conhecem. quando temos acesso à potencialidade de cada um. etc. Supervisor. Se. A base não é a estase. seus engajamentos pessoais. Não foi por isso que o médico telefonou a cozinha para dizer “é necessário dar laranjas ao senhor X”. com a condição de que concretamente tenha uma possibilidade de iniciativa. A base é. ter iniciativas ? É isto que vai tornar possível que haja uma espécie de “tomada” das transferências parciais que são. Esse exemplo nos mostra uma maneira de colocar em ato – o que é essencial para nosso trabalho – um espaço de jogo (no sentido Winnicottiano do termo). Igualmente. ao contrário. Podemos nos exprimir como Sartre: “a totalidade destotalizada” a fim de evitar que isso se tome como “prático-inerte”.vir. É nesse sentido que as pessoas com quem trabalhamos não são puras abstrações. então. esse procedimento permite ao Sr. Mas de uma maneira mais argumentada. no exemplo precedente. é necessário estar na própria base. uma vez que isso lhe permitiu ir ao “castelo” até então inacessível por razões delirantes. X. Ele deixou que o Sr. Retomando o que disse Jaques Schotte a propósito de Szondi.. no sentido de uma crítica permanente de sua “posição”. É importante. X estabelecer uma relação transferencial como ele quer com os cozinheiros. na qualidade de trabalhadores. o que implica que devamos lutar contra essa espécie de transversal da sociedade estabelecida que é querer sempre totalizar. podemos dizer que se trata de levar em conta o itinerário de cada um. para que haja um espaço de jogo. dois meses depois. sabendo bem que haveriam dias em que isso não adiantaria. que haja dias onde isso não adiante porque tal fato dá aos próprios cozinheiros a possibilidade de agirem como podem e segundo seu humor. no nível do “irvir”. ultrapassando largamente aquilo que podemos delas decifrar. etc. o Sr. de um movimento que não seja imediatamente recuperado em uma sistemática elaborada pela sociedade que é da ordem do “abrir-fechar”. Era absolutamente importante não se precipitar. etimologicamente. devemos poder. parafrênico.oitava. como poderia ter ocorrido num hospital “clássico”. o que permite aos psicóticos viver essas transferências. Mas. a caminhada. o médico tivesse simplesmente telefonado aos cozinheiros e dito: “é necessário que o Sr. em relação com aquela prescrição de laranjas. “avançarrecuar”. Constatamos neste exemplo que temos diferentes visões do mesmo problema que é um problema basal. Mas isso exige uma espécie de análise permanente de si-mesmo. O que quer dizer. X todas as manhãs descascando alguma coisa na cozinha. levar em conta as potencialidades. o que permite singularizar as mensagens e aceder à lógica aleatória dos verdadeiros encontros. Não o corpo anátomofisiológico. 8 . E justamente isto que é problemático na existência psicótica. além disso. O médico que há anos a acompanha regularmente vai vê-la todo dia dada a importância da transferência que se estabeleceu entre ambos. Y que serviu de mediadora entre os dois e transformou as relações hostis que existiam entre ambos em relação de simpatia. Y ( escaras. Trata-se aqui. estar sensibilizado ao conhecimento concreto do corpo. está imobilizada com um gesso no membro inferior causado por uma fratura. Mas isso requer bem mais atenção e delicadeza que a organização de um jogo de volleyball. uma cumplicidade amigável se estabeleceu com uma monitora que se ocupa igualmente da Sra. não uma vida em comum. impasse na “fabricação do dizer”. “Subjacente”: não algo congelado. Isso permite a dialética das relações complementares. que são apenas então aquilo pelo qual vai se manifestar um sofrimento de ordem psicológica.forma..). valorizar o que contou para ele na abertura ao mundo. isto é. Confiamos no outro com a condição que tenhamos. Coloca-se então freqüentemente um problema de prescrição de urgência. Aplicar uma injeção. “Estar à escuta” é estar sensível à manifestação do “aparecer”. etc. Y. o médico. daí a substituição freqüente dos gestos à palavra e no nível do corpo o risco constante das somatizações. armadilhas. um lugar para o “arqueológico”. cujo espaço de jogo não é senão uma figura. para uma história concreta. Isso permite “conquistar a confiança” e introduzir na intercomunicação uma dimensão de humor. dificuldade de fantasmatização. É nesse sentido que eu falava de um subjacente. É nesse sentido que é muito importante ter uma sensibilização ao corpo. impedida. Resulta daí. mas uma espécie de húmus. do corpo das “manifestações”. “saber” experimentado por essa espécie de convivência técnica. de “grund”. como podemos integrar a história de cada membro de uma equipe? É necessário que haja um lugar onde isso possa se fazer. Isso reclama uma experiência que requer a formação. Von Weizsacker). de estar com o outro. essas técnicas podiam ter valor de iniciação verdadeira ao corpo do outro em suas diferentes manifestações. não são senão modalidades do ato de encontro com o outro em seu estado de sofrimento. Ocorre o mesmo com as doenças que apresentam uma evolução demencial. por exemplo. do corpo do Outro. Existem encruzilhadas. cadeira de rodas. A atenção frente a Sra. Penso. que pode ser de ordem biológica ou farmacológica ou fisioterapêutica ou simples diversionismo. feita de eventos e materiais que permitem a constituição de um “lugar” originário. mas uma espécie de comércio (“umgamg” de V. uma nova enfermeira se sentia investida do tratamento corporal da Sra. Y que. quando fazíamos curas com insulina ou com eletrochoque em série. portanto. e. retificar o que esteve na moda durante muito tempo: “a escuta”. foi a Sra. Por exemplo. Por exemplo. É então importante para o enfermeiro. antes. sua “história” . dos sistemas de “aberturas”. São vias de intervenção no nível do corpo. Ora. Ao nível do pathos: saber com qual qualidade podemos contar. A propósito da sensibilização do outro me parece que é preciso tornar mais exato. Daí esta noção do “espaço de dizer”. o corpo medicalizado – ainda que seja essencial adquirir uma técnica dos cuidados habituais. Y permitiu que uma relação positiva se estabelecesse entre essa enfermeira e o médico. quando não impossibilitada. uma certa forma de convivência – aplainamento de distinções dos conflitos imaginários que sufocam toda inventividade. etc. o ensino e o respeito do outro. a angústia pode provocar um desfalecimento ou uma agitação ou mesmo um abatimento fisiológico. É nesse arqueológico que pode haver uma “tomada” do histórico de cada um. Por ocasião dessa visita cotidiana. na Sra. Por outro lado. prescrever medicamentos. correlativamente. O psicótico está aí extremamente sensível: existe uma espécie de percepção extraordinária da possibilidade de proximidade do outro. O próprio espaço. garantindo uma distância que não seja nem um afastamento. É através desse trabalho de elucidação que pode se estabelecer uma maior proximidade frente ao outro em sofrimento. Pensemos em todas as forma de “identificação projetiva” nas quais nos arriscamos deslizar. Esse poder é inseparável de uma espécie de “savoir faire” frente ao espaço habitado. mas . como nas C. Para tentar manter uma certa serenidade.. freqüentemente. Pankow. nosso trabalho frente à pessoa em sofrimento é justamente “reensinar-lhe” a investir o espaço e o seu corpo. banal afinal de contas. entre o próximo e o distante. estética. se enfraquece progressivamente e as normas de trabalho tornam-se estereotipadas.e geralmente é o que mais falta. nem um evitamento. Essa sensibilização é da ordem de uma experiência pessoal numa dimensão de “experentia”. igualmente as roupas. por exemplo. podem secretar meios de defesa criando obstáculos frente ao que está em jogo na dinâmica psicoterapêutica concreta. 9 .M. a tradução da maneira pela qual o corpo é “habitado” – no sentido Winnicottiano. comensalidade. A maneira pela qual um espaço é habitado é.E. um certo domínio. uma ambiência particular onde “possamos ousar nos manifestar”. mas. armadilha mantida num sistema de sugestão. a propriedade. reiterada. mas que ele possa falar disso num lugar de acolhimento específico. de maneira quase espontânea? É seguindo os cursos?Indo a escola? Fazendo estágios? O problema permanece. não que ele faça uma exposição sistemática de seu trabalho. nem uma mistura confusa ou comunhão com o outro. Ora. a tecnização cada vez maior. Essa operação de “dar conta” é portanto capital para preservar uma qualidade de percepção dos micro-eventos que se tramam na vida cotidiana com os “doentes”. de valorização das competências. Existe uma espécie de carência institucional dos sistemas de “controle” coletivo. ter uma certa originalidade sem que isso degenere numa espécie de grupo esquisito – como ainda se vê com freqüência. Equação mais geral cujo colocar em ato faz parte da formação. Esse problema do espaço é tão mais importante na medida em que está em ressonância com a especificidade da existência psicótica: “o corpo é o modelo estrutural do espaço” diz G.E. freqüentemente. sem grande interesse e sobretudo sem “paixão” eficaz.. Mas essa qualidade relacional requer um meio “trabalhado”.A. entre o si-mesmo e os outros. infelizmente. Devemos sublinhar a dificuldade na qual se encontra exposto o enfermeiro em sua relação de convivência técnica com o outro: risco de se deixar tomar na armadilha de sua própria psicopatologia. Mas por qual procedimento de formação podemos chegar a manter esse lugar. Nos estágios de enfermeiro. que um tratamento “corporal” ultrapassa largamente o aspecto puramente físico do trabalho e acarreta um sistema de convivência eficaz tanto para o doente quanto para as pessoas que se ocupam dele. qualidade de investimento. Isso faz parte do processo de formação que nunca deve se deter. que não é invasiva. mas ao mesmo tempo a dialética concreta do próximo e do distante. “aquele que trata” deve poder dar conta disso. É o aspecto fenomenológico do “wohnordnung”. É necessário sublinhar que a formação. dialética. a formação contínua. dos usuários. criando sistemas de relação onde não existe mais limites entre o mesmo e o outro. A demanda. Uma espécie de tédio se instala e uma monotonia improdutiva se infiltra nos diversos “centros de interesse” da profissão. sobretudo. se coloca freqüentemente esse problema técnico: como “habitar” um espaço? Higiene. etc. etc.Notamos. A limpeza – no contexto da ”arrumação” – tem uma função terapêutica? Quem efetua esse conjunto de tarefas? Quem decide colocar gravuras nas paredes. as mais variadas. mesmo que seja só para a organização da profissão. Uma discussão aprofundada que leve em conta experiências. freqüentemente de maneira passional. comprar cortina. Cada detalhe pode ter uma importância enorme. renovar as colchas das camas? O quarto não é um espaço privilegiado que deve ser “tratado” como tal ? isso não necessita de uma estratégia das equipes onde estatutos. Por exemplo. ao nível do estatuto profissional. na divisão estatutária do trabalho. funções devem poder se agenciar em uma dimensão psicoterapêutica? Questão de detalhe? Quem pode julgar? 10 . o problema das tarefas de arrumação é uma questão que tem sido evocada. papéis.O que precede não quer ser senão uma apresentação – parcial e partidária – dos problemas da formação. é necessária.
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