Parte IDesenvolvimento da psicologia das diferenças individuais 1 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS Roberto Colom Esta revisão histórica não será exaustiva, já que descreveremos apenas os autores ou os acontecimentos históricos que guardam estreita relação com alguns dos conteúdos básicos do estudo das diferenças individuais na psicolo- gia atual. O capítulo foi organizado por temas. No primeiro tema (Antes da Ciência), expomos a maneira como os antigos trataram do proble- ma das diferenças individuais quando perce- beram que os seres humanos comportavam-se de maneira distinta. Da antigüidade até o sé- culo XIX, passando pelo Renascimento, se es- clarecem os indicadores de referência e méto- dos utilizados na tentativa de compreender as diferenças interpessoais. No segundo (Escolas Científicas), organizamos as principais versões da mesma partitura científica; o resultado é uma estrutura composta de três escolas: a es- cola anglo-saxônica, que é a mais influente em nível internacional nos diversos programas de pesquisa voltados a responder a perguntas so- bre diferenças individuais; a escola francesa, que teve uma influência notável na psicologia, especialmente nos primeiros estudos patroci- nados por Alfred Binet, no início do século XX; a escola soviética, que influenciou, a partir das pesquisas psicofisiológicas de Ivan P. Pavlov, di- versas áreas da psicologia. No caso do estudo das diferenças individuais, as contribuições da escola soviética permitiram questionar a res- INTRODUÇÃO Desde os primórdios da humanidade, sem- pre chamaram a atenção as diferenças entre as pessoas. A humanidade acumulou relatos de grandes e de pequenos personagens, histórias protagonizadas por indivíduos revolucionários ou conservadores, bondosos ou malvados, tole- rantes ou tiranos, agressivos ou pacíficos. Este capítulo descreve o passado da psi- cologia das diferenças individuais. Foram di- versas as tentativas de responder a perguntas como: quais são as coisas que diferenciam os seres humanos? O que eles fazem para se dife- renciar e por que se diferenciam? Contudo, em todas essas tentativas, observam-se elementos comuns. As maneiras de responder a essas pergun- tas foram variando ao longo da história da psico- logia até chegar aos dias de hoje. Revisar breve- mente essas tentativas do passado é praticamente uma obrigação. De certa maneira, os feitos de nossos antepassados guardam relação com tudo o que agora fazemos para estudar as diferenças individuais. Saber quais são as perguntas que já foram feitas e qual é o tipo de resposta que já foi encontrada pode ajudar-nos a compreender por que agora fazemos as coisas que fazemos e, por outro lado, permite render merecida homena- gem ao esforço realizado pelos autores que nos precederam ao longo da história. 16 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS. peito das bases biológicas das diferenças de conduta. Na terceira parte do capítulo, são des- critos alguns exemplos para entender o cha- mado “movimento dos testes mentais”. Na quarta parte, é descrito o que se conhece como “revolução” cognitiva, ou seja, a tentativa de ir além da informação obtida com os testes. Na quinta parte, é discutida a relevância da gené- tica da conduta no estudo das diferenças indi- viduais. Finalmente, faz-se referência à análi- se da personalidade, partindo do ponto de vis- ta que estamos adotando aqui. ANTES DA CIÊNCIA Aqui vamos descrever as tentativas de es- tudar as diferenças individuais no mundo anti- go, no Renascimento e nos séculos XVIII e XIX. Ciências antigas, como a astrologia, já foram usadas para descrever as diferenças pessoais e predizer a conduta das pessoas. Atualmente, ainda há muitos devotos dessa ciência: as pes- soas desejam prognosticar sua vida futura e, ao que tudo indica, a astrologia não é completa- mente inútil. Os filósofos gregos também se questionaram sobre as diferenças pessoais. De certo modo, a ciência nasceu na Grécia Antiga, e a psicologia não constitui uma exceção: os fi- lósofos tentaram explicar as diferenças pessoais segundo uma série de princípios naturais. Como no caso da astrologia, existem hoje versões mo- dernas de tipologias humanas que já haviam sido descritas pelos filósofos da Grécia Antiga. No Renascimento, encontramos o pai do estudo das diferenças individuais, o Dr. Juan Huarte de San Juan. O século XVI espanhol (Século de Ouro) representou uma verdadeira revolução científica para toda a Europa, e Huarte desempenhou um papel importante com suas perguntas sobre as diferenças indivi- duais. A obra desse autor espanhol influenciou de maneira notável os estudos realizados no conjunto do continente europeu e, evidente- mente, na psicologia espanhola do século XX. Nos séculos XVIII e XIX, começaram a surgir tentativas mais sistemáticas de encon- trar respostas às perguntas sobre diferenças in- dividuais. F. J. Gall separou-se da filosofia e procurou um novo indicador de referência embasado nas ciências naturais. Os estudos de Charles Darwin e de seu primo, Francis Galton, constituíram a base da escola anglo-saxônica, o primeiro por declarar que a evolução das es- pécies só é possível se os indivíduos que a com- põem são diferentes e, o segundo, por aplicar esse princípio à psicologia. O mundo antigo A astrologia representou uma das primei- ras tentativas de elaborar alguns princípios bá- sicos para classificar e organizar as diferenças entre as pessoas. No capítulo XIII do Tetrabiblos, Ptolomeu esforça-se em relacionar os signos do zodíaco com os traços do ser humano. Esse mo- do de analisar as diferenças individuais de cer- ta maneira também presente na cultura chine- sa e com ligeiras modificações visíveis em al- guns trabalhos contemporâneos, tem por obje- tivo elaborar categorias dentro das quais seja possível situar os indivíduos e, assim, poder pre- dizer seus comportamentos. Entretanto, o momento histórico que mar- cou o início de uma série de reflexões sistemáti- cas sobre as diferenças individuais aconteceu na Grécia Clássica. A documentação disponível mostra que, nessa época, já existia a preocupa- ção de classificar os indivíduos a partir das teo- rias dominantes sobre a natureza. Teofrasto (372-288 a.C.), em seu livro Os caracteres morais, descreveu 30 “tipos morais”, entre eles o adu- lador, o trabalhador, o mal-educado ou o char- latão. A doutrina clássica dos humores e tem- peramentos, de Galeno e Hipócrates de Cós, re- laciona os conhecimentos médicos dos gregos e a procura pelo arké, o elemento primordial, com os postulados dos filósofos pré-socráticos, prin- cipalmente a teoria dos quatro elementos, de Empédocles. Esse tipo de análise levaria às co- nhecidas formas tipológicas, que continuaram desenvolvendo-se até hoje. Temos exemplos dis- so nas famosas tipologias de Krestchmer e Sheldon, que demarcavam uma série de tipos constitucionais que, segundo eles, contribuíam para explicar as diferenças psicológicas. Platão, em sua obra A República, reconhe- ceu e usou as diferenças individuais e, a partir disso, tentou designar os diversos cidadãos da INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 17 República às tarefas para as quais se supunha que estivessem naturalmente aptos. Platão che- gou a escrever uma fábula para ilustrar essa idéia, a conhecida Fábula dos Metais. O Renascimento O espanhol Juan Huarte de San Juan foi o primeiro pensador a elaborar um referencial sistemático para a análise das diferenças indi- viduais. Inspirado na doutrina de Hipócrates e Galeno, desenvolveu uma teoria das faculda- des, ou habilidades, em que diferencia as fa- culdades de imaginar, de entender e de me- morizar. A obra em que apresenta seus argu- mentos e observações, Examen de ingenios, foi muito lida em sua época e traduzida para as principais línguas européias. Huarte classifica e sistematiza as diferen- ças individuais atendo-se aos princípios bási- cos da doutrina científica. Examen de Ingenios consta de três partes fundamentais: 1. Primeiro, estuda teoricamente as di- versas personalidades, suas varieda- des e diferenças, sua relação com a constituição dos temperamentos, a teoria dos humores e do cérebro. Essa análise permite explicar as di- ferenças de talento ou aptidão. 2. Segundo, explora uma série de ques- tões práticas, como as relações en- tre profissões e entre pessoas. 3. Finalmente, são dados conselhos para alcançar um engenho adequa- do, recorrendo, entre outras coisas, a melhoramentos na constituição biológica das pessoas. Séculos XVIII e XIX F.J. Gall foi um dos precursores da psico- logia das diferenças individuais. Ele contestou os métodos introspectivos, próprios das pers- pectivas filosóficas, por considerá-los inadequa- dos para o desenvolvimento de uma psicolo- gia científica. Também descartou a teoria clás- sica das faculdades mentais, à qual atribuiu uma excessiva globalidade e pouca utilidade para explicar a real complexidade e diversida- de do comportamento humano. A craneometria ou frenologia de Gall in- troduziu vários tópicos estudados posteriormen- te pela perspectiva que estamos analisando, por exemplo, as técnicas de mensuração das capa- cidades, de quantificação estatística, de compa- ração entre sexos, classes sociais ou raças. Gall representou a primeira psicologia objetiva das diferenças individuais depois de Huarte, visto que rechaçou o estudo da mente adulta como generalidade e tentou analisar como, de fato, as pessoas são diferentes em uma grande varie- dade de propriedades psicológicas. Inglaterra H. Spencer preparou o caminho para o desenvolvimento de uma psicologia das dife- renças individuais contemporânea e plenamen- te científica, indo além das primeiras tentativas de autores como Huarte e Gall. Segundo Spencer, o estudo da mente deveria consistir em obser- var a maneira como ela evolui a partir de uma massa indiferenciada, até se tornar um orga- nismo heterogêneo e integrado; esse processo denomina-se princípio de diferenciação. Em seu livro Princípios de psicologia (1855), Spencer integra o associacionismo in- glês, representado por filósofos como John Locke e David Hume, à fisiologia sensório- motora e à teoria da evolução do naturalista Lamarck. O desenvolvimento da mente consis- tiria em um ajuste adaptativo às condições ambientais, e o cérebro humano acumularia experiências durante o processo de evolução. Nessa perspectiva, as idéias inatas não seriam incompatíveis com os pressupostos empiristas dominantes na filosofia anglo-saxônica, cená- rio em que Spencer desenvolveu sua obra. Contudo, quando os psicólogos alemães adotaram a filosofia associacionista dos ingle- ses, não perceberam a possibilidade de vincular essa filosofia com a teoria da evolução. Foram os ingleses que viram que a secessão da Psico- logia passava pelo estudo das variações indivi- duais a partir de uma perspectiva naturalista. Para os herdeiros do associacionismo britâni- co, o indivíduo era uma espécie de combina- 18 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS. ção entre organismo físico e atividade mental; já para os alemães, não havia problema em aceitar a idéia da variabilidade física. Contudo não fazia sentido sequer pensar em variabili- dade mental ou psicológica, pois estava fora de questão perguntar-se se a atividade mental era única e exigia leis universais. Os verdadeiros pilares do estudo científico contemporâneo das diferenças individuais são: – Charles Darwin e Francis Galton. – O protestantismo e o capitalismo. O protestantismo e o capitalismo propi- ciam o rompimento do conceito universal do homem como indivíduo inseparável de seu gru- po, que era próprio da Idade Média, e introdu- zem uma concepção do homem como ser indi- vidual. O protestantismo coloca o homem sozi- nho perante Deus, rejeitando o papel mediador da Igreja Medieval. O capitalismo, por sua ne- cessidade de especialização individual para co- brir uma grande variedade de funções no traba- lho, requisito para obter aumento de produtivi- dade e de eficiência administrativa, constitui o caldo de cultura adequado para o desenvolvi- mento de técnicas de mensuração e de quantifi- cação das diferenças individuais. O surgimento do estado capitalista moderno dependia da di- visão do trabalho e da especialização ocupa- cional dos talentos humanos. Por outro lado, a quantificação e a descrição das diferenças in- dividuais guardam relação com uma socieda- de econômica que depende da mensuração e da quantificação dos produtos materiais. O êxi- to da tecnologia aplicada no terreno material prepara o caminho para o estudo científico das diferenças individuais nas características psi- cológicas mais freqüentes. Do ponto de vista estritamente científico, surgiu Charles Darwin, que afirmava que as dife- renças individuais são os elementos básicos de seu sistema teórico. Segundo ele, as variações individuais deveriam ser o ponto de partida das ciências biológicas e antropológicas, assim como a chave que possibilitaria a interpretação cien- tífica da natureza. Darwin estudou o problema das diferenças individuais na espécie humana em suas obras A origem do homem (1871) e A expressão das emoções no homem e nos animais (1873). Ele afirmava que, para poder estudar cientificamente as diferenças individuais, eram necessários métodos originais, e essa foi a tare- fa de que se encarregou Sir Francis Galton. ESCOLAS CIENTÍFICAS Uma escola científica é composta por uma série de autores que compartilham idéias sobre determinada disciplina. No que diz respeito à pesquisa sobre as diferenças individuais, é possí- vel identificar ao menos três escolas que compar- tilham o interesse por seu estudo, ou seja, todas são versões da mesma partitura científica. Mas, por outro lado, elas também possuem algumas diferenças significativas, que permitem separar suas importantes contribuições. As distinções que faremos podem ser um pouco arbitrárias, mas servem para organizar, de maneira relati- vamente sistemática, os esforços realizados até o presente nessa área. As escolas que vamos descrever são a anglo-saxônica (Inglaterra e América do Norte), a francesa e a soviética. A escola anglo-saxônica: Grã-Bretanha e América do Norte Francis Galton: seu principal postulado teórico afirma que se existem variações essen- ciais nas propriedades físicas, elas também de- verão existir nas psicológicas, e que há uma re- lação direta entre as diferenças individuais no funcionamento dos órgãos sensório-motores e as diferenças intelectuais. Assim, quanto melhor for o rendimento da pessoa em tarefas basea- das em tempo de reação, de caráter sensorial e motor, maior será sua capacidade intelectual. Em sua obra Gênio hereditário, Galton escreveu: “neste livro, pretendo demonstrar que as habilidades naturais do homem proce- dem da herança e estão sujeitas exatamente às mesmas limitações que a forma e as caracte- rísticas físicas de todo o universo orgânico”. Galton utilizou uma série de métodos es- tatísticos para coletar informações sobre as di- ferenças individuais. Também estudou a esta- tística de Quetelet e se deparou com a distri- buição normal das medidas físicas, como a al- INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 19 tura. Observou que, se fosse medida a altura da população de um determinado país, seria constatado que boa parte dos resultados fica- ria em torno de uma altura média, uma segun- da parcela da população, menos numerosa, estaria constituída por pessoas com alturas um pouco maiores e uma terceira parte, ainda mais reduzida, seria de pessoas muito altas; o mes- mo aconteceria no outro sentido, com pessoas um pouco mais baixas do que a média e muito mais baixas do que a média. Características fí- sicas, como altura, representariam uma distri- buição normal, adotando a forma de um sino: se isto acontece com a altura, a mesma coisa deverá acontecer com todas as outras carac- terísticas físicas, tais como o perímetro cra- niano, o tamanho do cérebro, o peso da mas- sa cinzenta e o número de fibras nervosas, e, portanto, dando um passo que nenhum filó- sofo vacilaria em dar, a mesma coisa aconte- cerá com a capacidade mental. Galton pode ser considerado como um re- volucionário da psicologia. Vejamos as decla- rações de alguns autores importantes da psi- cologia contemporânea: – Anne Anastasi (1958): Galton foi o primeiro a tentar aplicar os prin- cípios evolucionistas da variação, seleção e adaptação ao estudo dos indivíduos humanos. Também foi quem primeiro utilizou os testes de associação livre, técnica que, posteriormen- te, foi adotada e desenvolvida por Wundt. – Maurice Reuchlin (1978): A contribuição teórica de Galton ao estudo das diferenças individuais na psicologia humana consiste em relacionar esse estudo com o me- canismo geral da evolução. – George A. Miller (1968): Enquanto Wundt conservou o passado, Galton construiu alicerces para o futuro. Galton, em muito maior medida que Wundt, é a fonte da psicologia moderna. Francis Galton desenvolveu uma série de técnicas para estudar cientificamente as dife- renças individuais: – formulou as principais medidas de dis- persão, como, por exemplo, o desvio- padrão; – inventou o percentil, os métodos de regressão e as tabelas de referência pa- ra interpretar os escores individuais; – elaborou os primeiros cadernos para o registro ponderado do desenvolvi- mento a partir do nascimento; – inventou diversos aparelhos de regis- tro, como o apito de Galton para medir as funções auditivas, e provas para me- dir a discriminação da profundidade de cor, acuidade visual e daltonismo; – desenvolveu o índice de correlação para descrever a força da relação en- tre duas variáveis. Esses instrumentos permitiram que Galton montasse um laboratório antropométrico, ins- talado pela primeira vez durante a Exposição Internacional de Saúde, realizada em 1884, em Londres. Ele também inventou o retrato-robô e su- geriu o uso das impressões digitais para identificar as pessoas de modo inequívoco. Ambos têm sido de grande utilidade na inves- tigação policial. University College: com o passar do tem- po, este centro passou a ser a principal insti- tuição da escola britânica. Galton contribuiu com um grande número de instrumentos de mensuração para o laboratório de psicologia do University College. Tanto Galton como Karl Pearson influenciaram de modo decisivo as pes- quisas desenvolvidas nesse laboratório. Entre 1906 e 1931, o laboratório de psi- cologia foi dirigido por Charles Spearman e, posteriormente, por Sir Cyril Burt até 1951. Burt (1952) escreveu: Durante os 20 anos em que tenho ocupado a cátedra de Psicologia do University College, meu principal propósito tem sido preservar suas tradições originais e fazer dele um ponto de irradiação do ramo da psicologia que aqui foi fundado e desenvolvido por Galton – a psi- cologia individual ou, como Stern costumava chamar, psicologia das diferenças –, o estudo das diferenças mentais entre indivíduos, se- xos, classes sociais e outros grupos. 20 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS. Dois alunos de Burt precisam ser mencio- nados: os professores Raymond B. Cattell e Hans Eysenck. R. B. Cattell também teve a oportunida- de de estudar com Charles Spearman, mas, depois de concluído seu período de formação e após desenvolver alguma pesquisa no labo- ratório, mudou-se para os Estados Unidos, onde fundou a Sociedade de Psicologia Experimen- tal Multivariada para o desenvolvimento da psi- cologia fatorial. Também foi o fundador do Institute for Personality and Ability Testing (IPAT), de Illinois, centro de investigações em que foram desenvolvidos numerosos instru- mentos de medição usados internacionalmen- te. Os resultados práticos dos estudos realiza- dos no IPAT têm sido dirigidos tanto à medi- ção da inteligência quanto da personalidade. Talvez o resultado mais conhecido de Cattell seja o 16-PF, um teste que visa a medir impor- tantes variáveis da personalidade, muito utili- zado pela psicologia organizacional e pela psi- cologia clínica. Além de contribuir com o de- senvolvimento da tecnologia psicológica, Cattell também é um renomado teórico da psi- cologia, ainda que a complexidade matemáti- ca de seus trabalhos tenha sido, em muitas oca- siões, um obstáculo para que seja conhecido pelo grande público de psicólogos. Hans Jurgen Eysenck é um dos autores mais importantes da psicologia em geral, com numerosas obras de divulgação psicológica que serviram para divulgar o caráter científico dos estudos psicológicos. Também foi protagonista de estrondosos debates públicos que deram a volta ao mundo e, inclusive, foi objeto de perse- guição por parte de determinados grupos radi- cais. Na comunidade científica, Eysenck desta- cou-se por seus estudos sobre diferenças da per- sonalidade, desenvolvendo a conhecida teoria PEN (psicoticismo, extroversão, neuroticismo), além de explorar o problema das diferenças inte- lectuais. Embora seus estudos partam da análi- se dos traços, sua própria equipe de investiga- ção e muitas outras equipes, de diversos países, têm explorado as bases biológicas das princi- pais dimensões da personalidade, entre as quais se destacam a extroversão e o neuroticismo, incluídos na sua teoria PEN. Tal como Charles Spearman (1904), po- demos resumir as principais características da escola britânica da seguinte maneira: – propunha que a natureza da mente devia ser explorada através da análi- se de uma série de elementos simples; – manifestava um repúdio explícito aos métodos introspectivos. Spearman expressava isso da seguinte maneira: Quando dizemos que a decisão de Régulo de votar contra a paz com Cartago não passou de um conglomerado de sensações visuais, au- ditivas e táteis, de intensidade e grau de asso- ciação diversos, estamos correndo o risco ine- gável de perder alguns elementos psíquicos preciosos. – apoiava-se em uma psicologia correla- cional para descobrir, objetivamente, quais eram as tendências psíquicas im- portantes. Mais concretamente, preten- dia descobrir quais eram as relações en- tre o rendimento dos sujeitos nos tes- tes mentais e as atividades psíquicas mais interessantes; – rejeitava tanto as teorias clássicas das faculdades, que influenciaram forte- mente as primeiras tentativas de cons- truir uma psicologia científica, quan- to o recurso da iluminação interna ou da intuição do pesquisador. A escola britânica pretendia produzir fatos ve- rificáveis. Segundo Spearman, se esse programa tão ambicioso fosse bem-su- cedido, daria à psicologia experimen- tal o elo que faltava em sua justificação teórica e, ao mesmo tempo, se conse- guiria um produto prático promissor; – enquanto o procedimento habitual na psicologia consistia em determinar, de modo subjetivo, uma área de pesqui- sa (como percepção, atenção, imagi- nação ou fadiga), a proposta da esco- la britânica consistia em não adotar nenhuma posição teórica ao iniciar a pesquisa e, assim, chegar a descobrir, experimentalmente, quais poderiam ser os conceitos teóricos importantes; INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 21 – as pessoas utilizadas nas pesquisas psi- cológicas deviam representar a popu- lação geral. Spearman escreveu: “uma Universidade não é o lugar idôneo para procurar a correspondência na- tural entre funções”; – é necessário estudar os fundamentos cognitivos do rendimento das diferen- tes pessoas nas provas ou nos testes mentais. A obra de Charles Spearman A natureza da “inteligência” e os prin- cípios da cognição constituiu o primei- ro estudo cognitivo sistemático da his- tória da psicologia. Segundo Carroll (1982), essa obra consiste em uma análise minuciosa dos processos de ra- ciocínio, tal como se manifestam na resolução de silogismos, na obtenção de inferências a partir de proposições, na resolução de problemas matemáti- cos e em outros processos similares. Em resumo, a escola britânica caracteri- za-se por um intenso esforço para submeter o estudo das diferenças individuais à análise ma- temática e estatística. Às vezes, é denominada psicologia fatorial, cuja principal característi- ca é a utilização de procedimentos estatísticos para produzir teorias psicológicas. Contudo, como escreveu Raymond B. Cattell (1947) so- bre Charles Spearman: As teorias de Spearman passaram despercebi- das devido à serena elegância matemática de que estavam revestidas. Provavelmente, o fato de que a maioria dos pesquisadores não se- guisse esse rastro ocorreu porque, quase ime- diatamente, surgiram o clamor e a gritaria causados pelas provas de Binet. James McKeen Cattell: este autor traba- lhou com Francis Galton em seu laboratório antropométrico, em Londres. Posteriormente, fundou o laboratório de psicologia da Univer- sidade de Columbia, provavelmente o primei- ro produto visível da escola americana (Boring, 1950). J.M. Cattell seguiu as diretrizes de Galton e rejeitou a perspectiva de Wundt, tal como ocorreu no caso da escola britânica. Vejamos algumas das características do laboratório de Cattell através de seu escrito clássico, Mental Test and Measurement: – “Sr. Francis Galton já utiliza alguns desses instrumentos em seu laborató- rio antropométrico”. Cattell esperava que “a série de testes aqui apresenta- da contasse com sua aprovação”; – considerava conveniente seguir Galton e combinar a aplicação de testes cor- porais, como peso, tamanho e cor dos olhos, com determinações psicofísicas e mentais; – Cattell escreveu: Acompanho o Sr. Galton na escolha do senti- mento de esforço ou peso. O Sr. Galton utiliza um engenhoso instrumento que mede o tem- po através do movimento de queda de um bas- tão e que dispensa a eletricidade. Como Galton, faço com que o sujeito divida uma régua de ébano em duas partes iguais median- te a utilização de uma linha móvel. Cattell partilhava com Galton a idéia de que era possível obter uma medida do funcio- namento intelectual através de testes de discri- minação sensorial e de tempo de reação. As funções simples podiam ser medidas com preci- são, ao contrário das propriedades mais com- plexas, cuja mensuração objetiva não era nada fácil. Segundo Boring (1950), não se deve re- duzir a psicologia de Cattell somente aos tes- tes mentais, já que se trata de uma psicologia das capacidades humanas. Cattell tentou de- senvolver uma descrição da natureza humana em relação ao seu alcance e à sua variabilida- de, da mesma forma que Galton. A escola americana após J.M. Cattell: a ver- tente americana da escola anglo-saxônica está muito vinculada aos testes mentais e à utiliza- ção de métodos matemáticos, assim como a es- cola britânica. As duas guerras mundiais re- presentaram momentos importantes para o de- senvolvimento da tradição americana, visto que propiciaram uma comunicação mais intensa entre um grande número de pesquisadores. Existe, portanto, uma extraordinária semelhan- 22 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS. ça com o ocorrido em outras áreas da ciência, como a física. Existiram muitos autores e instituições re- levantes na escola americana, mas, provavel- mente, os mais importantes foram os seguintes: – o Laboratório de Psicometria, de Louis Leon Thurstone, instalado na cidade de Chicago; – o Projeto sobre Aptidões, de Joy Paul Guilford e do exército americano; – o IPAT (Institute for Personality and Ability Testing – ou Instituto para Medi- ção da Personalidade e das Capacida- des), dirigido por Raymond Bernard Cattell; – a equipe da Universidade de Stanford, dirigida por Lewis Terman. Essa uni- versidade foi, a partir desse momen- to, um centro aglutinador de várias equipes de pesquisa sobre as diferen- ças individuais. Autores do porte de Lee J. Cronbach e Richard Snow de- senvolveram suas pesquisas nessa uni- versidade. Muito perto da Universida- de de Stanford, encontra-se a Univer- sidade de Berkeley, onde trabalhou um dos autores mais importantes da psi- cologia das diferenças individuais, Arthur R. Jensen; – o Educational Testing Service, de Prin- ceton. Nesses e em outros centros acadêmicos, sob a cuidadosa supervisão dos autores cita- dos, formou-se a maior parte dos pesquisado- res das diferenças individuais nos Estados Uni- dos. Por outro lado, esses centros também con- tribuíram para a formação de pesquisadores de vários outros países. É possível afirmar que existiram três áreas básicas de desenvolvimento nos Estados Unidos: – em primeiro lugar, a psicologia fato- rial, de Thurstone, Cattell e Guilford, cujo objetivo é estudar duas áreas bá- sicas de pesquisa: a inteligência e a personalidade humanas; – em segundo lugar, o movimento dos testes psicológicos. O principal objeti- vo desse movimento é produzir ins- trumentos de medição confiáveis e vá- lidos, que permitam avaliar uma série de propriedades psicológicas, de tal maneira que seja possível fazer julga- mentos objetivos sobre indivíduos di- ferentes em situações práticas como educação, trabalho e clínica; – em terceiro lugar, uma linha de investi- gação básica das diferenças individuais, que foi precursora, nos últimos 30 ou 40 anos, da chamada psicologia cog- nitiva diferencial, que se propõe explo- rar as causas das diferenças intelectuais por meio da análise experimental de laboratório dos processos mentais. Esses três pilares não foram independen- tes nem únicos. Entre eles, se estabeleceram relações de inquestionável interesse para o avanço científico relacionado com a pesquisa das diferenças individuais. O paradigma teórico básico das diferenças individuais (O-E-R, organismo, estímulo, res- posta): provavelmente, uma das principais contribuições teóricas da escola americana surgiu da tese de doutorado de L.L. Thurstone. Nesse estudo, posteriormente transformado em artigo publicado em 1923 (“The stimulus-res- ponse fallacy in psychology”), o objetivo de Thurstone era refutar a linha condutista de J.B. Watson e seus seguidores. Para isso, Thurstone também elaborou uma via alternativa para as pesquisas psicológicas, que não era “redutora” da riqueza do comportamento humano. Para Thurstone, antigo ajudante de T.A. Edison, uma psicologia científica capaz de ga- nhar o respeito de outras ciências naturais não precisava cingir-se exclusivamente à análise da conduta diretamente observável. Afirmava que era perfeitamente possível dar atenção às pro- priedades psicológicas não-observáveis e, mes- mo assim, conservar o status de ciência no sen- tido estrito. Ele dizia que um fato que a psico- logia não podia ignorar é que “nós procura- mos ativamente a maior parte de nossos estí- mulos”. Segundo Thurstone: Todo problema científico constitui uma pro- cura pelas relações funcionais entre duas va- INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 23 riáveis. Na psicologia, temos dois sistemas de variáveis que devem estar relacionados: as mo- tivações e os comportamentos observáveis. Em vez de selecionar esses dois sistemas de variá- veis, tentamos (erroneamente) expressar a ação como uma função do estímulo. A proposta de Thurstone pode ser sinte- tizada do seguinte modo: – afirmar que a psicologia estuda as rela- ções estímulo-resposta é ir longe demais; – esquecemos que a pessoa pode respon- der, ou não, a determinados estímulos; – é necessário destronar o estímulo como elemento básico da pesquisa psico- lógica; – o elemento importante da investiga- ção psicológica deveria ser o indiví- duo e suas motivações, seus desejos, suas necessidades ou suas ambições; – o estímulo é, simplesmente, o fato, mais ou menos acidental, de que o am- biente se transforma em estímulo so- mente quando serve de instrumento para os propósitos de alguém. Quan- do não serve de instrumento para fa- zer aquilo que queremos, já não é pos- sível falar em estímulo; – o estímulo não é uma causa, mas sim- plesmente um meio para alcançar nos- sos objetivos pessoais, não os do es- tímulo; – Thurstone apresentou um paradigma alternativo ao clássico “Estímulo-Or- ganismo-Resposta”, em que o elemen- to essencial da pesquisa psicológica é o estímulo, e a pessoa apenas modifica a série estímulo-resposta. Nele, quan- do o instinto é mencionado, é pensan- do principalmente em um estímulo capaz de desencadear a conduta ins- tintiva, mas a pessoa é ignorada. O novo paradigma postulado por Thurs- tone é o seguinte: o indivíduo – o estímulo – o comportamento O indivíduo torna-se o ponto de partida, e o estímulo é considerado como uma circuns- tância ambiental momentânea. O indivíduo deve ser considerado como a primeira causa com que deve estar comprometida a psicolo- gia científica. Por isso, pode-se dizer que a psi- cologia das diferenças individuais representa um enfoque científico, centralizado na pessoa, e não no estímulo. O paradigma O-E-R foi trazido novamente à tona por Robert Plomin, na obra Genetics and Experience (1994). Nessa obra, Plomin sugere que o paradigma O-E-R pode ajudar os psicó- logos a expressarem, de maneira prática, a idéia de que a pessoa deve ser considerada como um ser ativo. Estranhamente, Plomin não se baseou em Thurstone para fazer sua proposta, ou seja, os dois autores chegaram a conclusões semelhantes por caminhos independentes, mas com um intervalo de 60 anos (Plomin, comu- nicação pessoal). A escola Francesa Alfred Binet: o artigo escrito por Binet e Henri em 1895 (“A psicologia individual”), en- quadra-se no movimento nascente dos testes mentais e critica a visão elementarista dos tes- tes típicos da perspectiva de Galton e Cattell, basicamente sensório-motora. Um estudo clássico realizado nos Estados Unidos por Wissler (1901) evidenciou a escas- sa viabilidade prática das idéias de Galton. As medidas típicas usadas por ele não eram capa- zes de predizer as diferenças individuais no ren- dimento acadêmico dos universitários. Contu- do, a qualidade científica do estudo de Wissler é muito pobre (Eysenck e Eysenck, 1985) pe- las razões que apresentamos a seguir: – utiliza entre três e cinco medidas de tem- po de reação, sendo que, para obter médias significativas, são necessárias pelo menos 100 medições, devido à variabilidade desse tipo de medidas; – Wissler não usou nenhum teste de inte- ligência, limitando-se a correlacionar os tempos de reação com as qualifica- ções médias dos estudantes universitá- rios que, evidentemente, não eram re- presentativos da população em geral. 24 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS. Após um longo período dedicado a pes- quisar as tarefas mais simples estudadas por Galton e Cattell, entre outros, Alfred Binet che- gou à conclusão de que os testes que incluíam atividades mais complexas e guardavam maior semelhança com as atividades mentais da vida cotidiana poderiam ser muito mais interessan- tes. Binet escreveu que “o uso dos testes está muito difundido atualmente: existem autores contemporâneos especializados na criação de novos testes; organizam-nos em função da teo- ria, sem se preocupar em verificá-los de modo conveniente”. Binet e Simon (1905) expuseram algumas considerações no desenrolar de seu fa- moso trabalho Escala Métrica da Inteligência: – uma avaliação adequada da inteligên- cia exige utilizar tarefas que estejam mais próximas das verdadeiras tare- fas de interesse ou critério, ou seja, de desafios reais como, por exemplo, aprender as diversas matérias da edu- cação fundamental; – a avaliação não deveria realizar-se em laboratório, e sim nos contextos natu- rais em que se desenvolvem essas ta- refas. Nesse caso, as diversas matérias são ensinadas na escola; – nesse tipo de prova, é necessário ter rapidez: é impossível prolongá-la além de 20 minutos sem cansar o indivíduo; – os testes devem ser heterogêneos e va- riados, capazes de abranger rapida- mente um amplo leque de observações; – o objetivo deve ser observar um de- terminado nível de inteligência, sepa- rando a inteligência natural do apren- dizado adquirido. Isso significa que pode vir a ser necessário sacrificar muitos exercícios com conteúdo ver- bal, literário ou escolar; – os alicerces essenciais da inteligência são o bom julgamento, a correta com- preensão e o bom raciocínio; – a memória, mesmo sendo um elemen- to importante da inteligência, deve ser considerada de modo independente da capacidade de julgamento. É possí- vel ter uma grande memória sem ca- pacidade de julgamento e vice-versa. A escala métrica da inteligência resulta, portanto, em uma teoria da inteligência. Por isso, segundo Oleron (1957), quando Binet expres- sa a inteligência com apenas uma cifra está su- pondo que o objeto de sua mensuração é único. As pesquisas de Alfred Binet permitem atender a uma série de demandas técnicas: se- leção de deficientes, interpretação e classifica- ção dos desvios do comportamento, predição de sucesso e adaptação pessoal. Segundo Binet, a psicologia individual deveria concentrar-se no estudo dos processos superiores e se abrir a novas formas de traba- lho, capazes de simplificar as tarefas de labo- ratório e aproximá-las da vida cotidiana. Para isso, um dos métodos mais úteis é o dos testes psicológicos. Portanto, a contribuição de Alfred Binet ao desenvolvimento da psicologia das diferen- ças individuais consiste nos seguintes aspectos: – seu interesse básico pelo tema; – a ênfase que coloca no estudo das fun- ções superiores, dos processos comple- xos do psiquismo, contraposta ao ele- mentarismo e à simplicidade da pers- pectiva de Galton ou de J. M. Cattell; – sua insistência na necessidade de uma renovação metodológica. Nesse senti- do, defende os testes mentais e uma con- cepção prática do exame psicológico. A escola francesa depois de Alfred Binet: Binet morreu prematuramente, e seu projeto de pesquisa ficou sem uma continuidade pessoal clara. Contudo, após sua morte, Henri Pieron encarregou-se do Laboratório de Psicologia de Paris e resgatou o legado que ele deixou. E. Claparède é outra personalidade im- portante no desenvolvimento da tradição fran- cesa. Como Binet, também sustentou a neces- sidade de dar à psicologia a possibilidade de demonstrar à sociedade seu caráter prático. Por essa postura, Claparède chegou a ser um dos principais promotores da psicologia aplicada em nível internacional. Anos depois, podia-se encontrar na Fran- ça uma série de pesquisadores influenciados, direta ou indiretamente, pelos primeiros estu- dos de Alfred Binet. Provavelmente, o autor INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 25 mais importante desse grupo seja o aluno de Pieron, Maurice Reuchlin, que foi o encarre- gado de escrever um manual básico de psico- logia diferencial (La psychologie differentialle), editado originalmente em 1969 e reeditado, posteriormente, em várias ocasiões, a última delas em 1993. Esse manual tem servido de base para a formação de muitos profissionais franceses que atualmente orientam suas ativi- dades psicológicas a partir dessa perspectiva científica. Nos últimos anos, destacaram-se como te- mas de pesquisa prioritários, entre outros (Reuchlin, 1978): – o estudo das diferenças intra-indivi- duais, ou seja, o acompanhamento das mudanças de uma pessoa em diversas situações e ocasiões; – o estudo das mudanças de maturida- de durante o ciclo vital; – a análise da inteligência, dando espe- cial ênfase ao retardo mental. A escola soviética A tradição soviética é habitualmente cha- mada de psicofisiologia das diferenças indivi- duais. Seu objetivo principal foi encontrar uma explicação causal das diferenças de comporta- mento, por meio do estudo científico de variá- veis fisiológicas, principalmente em animais, ainda que não exclusivamente. I.P. Pavlov: em suas clássicas pesquisas sobre o processo digestivo, na Torre do silên- cio, Pavlov encontrou diferenças de condicio- namento individuais, sistemáticas e reiteradas entre os cachorros estudados por ele. Obser- vou que alguns deles podiam ser condiciona- dos com extrema facilidade, enquanto outros demoravam muito mais tempo para reagir às condições experimentais. O estudo de Pavlov consistiu, basicamente, em: – colocar um cachorro em um quarto a prova de som; – após um período de jejum alimentar, implementar uma seqüência como a seguinte: • tocar um sino; • dar alguma comida ao cachorro imediatamente depois de finaliza- do o som do sino; • repetir a seqüência som-comida uma série de vezes, respeitando os mesmos intervalos de tempo, na versão mais simples da experiência; • depois do período de repetição da seqüência, tocar o sino, mas não dar comida ao cachorro; • comprovar a reação fisiológica do cachorro ao escutar o som do sino. Uma operação cirúrgica permitia obter indicadores fisiológicos sobre a resposta ali- mentícia do cachorro, como, por exemplo, o aumento da salivação. Pavlov comprovou que o som do sino dis- parava automaticamente a salivação do cachor- ro. Sua interpretação foi de que o cachorro aprendera a associar o som do sino com a co- mida, o que o levava a antecipar a chegada de comida, preparando seu sistema digestivo com certa antecedência. O aspecto importante disso é que Pavlov observou diferenças individuais sistemáticas entre os cachorros e, a partir dessa constatação, desenvolveu uma série de explicações teóricas sobre as possíveis causas fisiológicas das dife- renças. Esse princípio básico do condiciona- mento foi retomado nos Estados Unidos por J. B. Watson e tem exercido uma influência deci- siva nos programas de pesquisa voltados a re- lacionar as diferenças individuais observáveis com sua base psicofisiológica. Pavlov afirmou que a explicação das fun- ções mentais deveria apoiar-se em um estudo detalhado e minucioso de suas bases fisiológi- cas. Segundo G.A. Miller (1968), a concepção de Pavlov não é, absolutamente, uma teoria fisiológica: trata-se de uma teoria psicológica encoberta por uma linguagem fisiológica. A escola soviética depois de Pavlov: o tra- balho dos psicólogos russos começou com o estudo das propriedades da atividade nervosa e de seus respectivos tipos. A conduta mani- festada por uma pessoa deve ser, por conse- guinte, uma mistura de: 26 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS. – tipo de sistema nervoso; – experiências condicionantes. A escola soviética explora, entre outras, quatro propriedades básicas do sistema nervo- so: força, mobilidade, dinamismo e equilíbrio. Força: um sistema nervoso forte pode suportar excitação prolongada e concen- trada, ou a ação de um estímulo muito forte, sem passar a um estado de inibi- ção. Um reflexo condicionado (por exemplo, a resposta de salivação ao som de um sino) aumentará em magnitude quando for aumentada a intensidade do estímulo até o ponto em que a intensi- dade do estímulo passar a produzir ini- bição, ou seja, quando for tão intensa que o sistema já não apresente respos- ta. Assim, a resposta condicionada deixa de aumentar em magnitude e, inclusive, pode decrescer ou desapa- recer. Esse ponto denomina-se limiar de inibição transmarginal e será atin- gido mais rapidamente quando o sis- tema nervoso for frágil. Em um siste- ma nervoso forte, uma determinada dose de cafeína terá o efeito de aumen- tar o processo excitatório, enquanto em um sistema nervoso frágil, esse efeito diminui quando faz com que a célula ultrapasse os limites de sua ca- pacidade de trabalho, ou seja, que ela fique saturada e pare de responder. Um sistema nervoso frágil está sem- pre em uma situação de maior ativa- ção espontânea. Isso equivale a um córtex bombardeado, de maneira glo- bal e inespecífica, por uma estrutura cerebral denominada sistema ativador reticular ascendente (SARA). A força do sistema nervoso guarda relação com as propriedades dos neurônios por meio de uma substância de excitabilidade que regula a capacidade de trabalho. Por sua vez, a ativação cerebral espon- tânea refere-se à descarga dos neu- rônios segundo diversos graus de ati- vidade provocada pelo SARA em repos- ta ao grau da carga de trabalho. Por conseguinte, a força é inerente ao siste- ma nervoso, enquanto a ativação es- pontânea é uma exigência externa. Mobilidade: refere-se à velocidade de adaptação do organismo a circunstân- cias novas. Dinamismo: é a capacidade de formar reflexos condicionados positivos e re- flexos condicionados inibidores. Por exemplo, pode-se dizer que as pessoas introvertidas são altas no dinamismo de seus processos de excitação e bai- xas no dinamismo de seus processos inibidores, ou seja, excitam-se com ra- pidez e inibem-se com lentidão. Equilíbrio: seria uma quarta proprie- dade relacionada com a força relativa dos processos inibidores e de excita- ção, que vem somar-se às três dimen- sões independentes de força, mobili- dade e dinamismo. A escola soviética possui um caráter psicofisiológico ou biológico. Seus estudos têm sido decisivos nas tentativas de autores, como Hans J. Eysenck, de explorar as bases biológicas de determinados conceitos psicológicos relacio- nados com as diferenças de personalidade. Os autores mais relevantes em que a tradição dife- rencialista russa se apoiou, após os estudos de Pavlov, foram, entre outros, Teplov, Nebylitsin, Rojdestvenskaya, Merlin e Goluveba. Mas não devemos esquecer os avanços psicométricos da escola soviética. Assim, por exemplo, o Instituto Pan-Ucraniano publicou seus trabalhos, em 1928, na obra As medidas da inteligência. Em 1930, Baranov e Solovieff editaram uma série de testes de inteligência e, em 1920, foram criados na Rússia uma série de institutos (Instituto de Eficiência Industrial e Instituto Central do Trabalho) destinados ao estudo da produtividade e do trabalho, além da divulgação e da aplicação dos métodos psicotécnicos (Fernández-Ballesteros, 1980). OS TESTES MENTAIS Um teste mental consiste em uma série de perguntas ou de problemas que ajudam a avaliar INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 27 algumas propriedades psicológicas. Um teste mental, ou teste psicológico em geral, não deve ser confundido com aqueles testes impressos aos quais se responde marcando um X com um lápis a alternativa que a pessoa considera correta (se é um teste de inteligência), ou que a pessoa pen- sa que melhor a descreve (se é um teste de perso- nalidade). Teste significa prova. Por conseguinte, um experimento de laboratório em que são manipuladas diversas variáveis constitui um tes- te psicológico por meio do qual o pesquisador espera obter informações relevantes sobre o tipo de ações que a pessoa executa ao responder. Na história da psicologia, sempre houve grande produção de provas e de testes psico- lógicos. Embora seja verdade que este tipo de prova tenha sido e seja usado com finalidade tecnológica (por exemplo, nas duas guerras mundiais, para designar soldados aos postos de maior ou menor responsabilidade entre os que precisavam ser ocupados para realizar uma determinada missão ou para dirigir um exérci- to), também foram desenvolvidos testes para os programas de pesquisa básica sobre as dife- renças individuais (por exemplo, para avaliar o grau em que as propriedades psicológicas, como inteligência, são herdadas ou são produ- to dos diversos ambientes culturais em que vi- vem as pessoas). Não se pode esquecer que um bom teste, útil na prática psicológica, requer um longo processo prévio de pesquisa de labo- ratório (Cronbach,1990). Os testes são muito úteis na pesquisa e na prática psicológica, mas também possuem algumas limitações: permitem responder a al- gumas perguntas sobre as diferenças indivi- duais, mas deixam outras sem responder. Uma vez que sabemos como é uma determinada pessoa, objetivo que pode ser alcançado, ao menos até certo ponto, usando testes, deve- mos perguntar por que ela é assim. Esse se- gundo tipo de pergunta é, justamente, aquela à que a perspectiva revisionista, também de- nominada “cognitiva”, tenta responder. A partir de estudos baseados em testes e em pesquisas cognitivas complementares, dis- pomos atualmente de muitas provas (ou tes- tes) que servem para responder a esses dois grandes tipos de perguntas: em que e por que se diferenciam as pessoas? Testes mentais e experimento psicológico Lewis Terman realizou, em 1924, um es- tudo clássico sobre as supostas diferenças en- tre um experimento psicológico e um teste mental (The mental test as a psychological me- thod). Seu estudo consistiu em pedir aos 11 presidentes anteriores da American Psycholo- gical Association (desde 1910) que redigissem uma lista com as diferenças entre um experi- mento psicológico e um teste mental. Terman observou que esses autores não eram capazes de apresentar nenhuma diferença verdadeira- mente importante entre um teste mental e um experimento psicológico. Terman (1924), por sua vez, apontou as seguintes diferenças, habituais nos manuais de psicologia, entre um teste mental e um experi- mento psicológico: – o teste busca identificar as diferenças individuais, e não os universais da psi- cologia; – o teste é aplicado a um grande núme- ro de indivíduos; – o teste estuda a conduta mental, e não o conteúdo; – o teste não utiliza aparelhos; – o teste tenta oferecer um rápido diag- nóstico do indivíduo; – os resultados dos testes são menos pre- cisos do que os obtidos por meio de um experimento psicológico. Em sua dissertação para a American Psychological Association, Terman rejeitou es- sas supostas diferenças visto que, segundo afir- mava, eram infundadas e não passavam de pre- conceitos derivados dos acidentes históricos no uso dos testes por parte de alguns profissio- nais. Na visão de Terman, o pesquisador inte- ressado pelos testes mentais não precisaria: – estudar, necessariamente, as diferen- ças individuais; – rejeitar a introspecção, se pensasse que pudesse ser relevante para seu trabalho; – manifestar um interesse prático; – aceitar como fato que seus resultados eram menos exatos ou menos suscetí- 28 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS. veis de verificação que os de um ex- perimento de laboratório. Qualquer um que estude cuidadosamente a literatura sobre a psicologia dos testes chegará à conclusão de que a maior parte dos psicólogos que já trabalhou com testes interessou-se tanto pelos aspectos teóricos quanto pelos práticos. Pelo simples fato de que um teste permite uma série de aplicações práticas na psicologia, muitas vezes se comete o erro de passar por alto suas possibilidades na pesquisa básica. Por outro lado, supõe-se, erroneamente, que o teste constitui um método psicológico que deve entrar em con- fronto com os outros métodos da pesquisa psi- cológica. O teste psicológico, na verdade, é um método para explorar os processos mentais ou a conduta mental, ou seja, justamente aquilo que deve fazer um experimento psicológico. Vamos descrever agora uma série de ques- tões históricas básicas sobre os testes mentais. Veremos como, até certo ponto, a denominada “revolução” cognitiva no estudo das diferen- ças individuais constitui um apanhado das pes- quisas clássicas sobre testes mentais ou provas psicológicas. Períodos na investigação dos testes mentais J.B. Carroll (1982), estudante destaca- do do Laboratório de Psicometria de L.L. Thurstone e cabeça pensante do Educational Testing Service (ETS), de Princeton, distin- gue dois períodos básicos no chamado movi- mento dos testes mentais, ou seja, na linha mais visivelmente aplicada da psicologia das diferenças individuais: o período de desenvol- vimento e o período moderno. Período de desenvolvimento: entre a pu- blicação da obra de Francis Galton, Hereditary Genius, em 1869, e a fundação da Sociedade Psicométrica e sua revista Psychometrika, por L.L. Thurstone, em 1935. Durante esse perío- do de desenvolvimento (Carroll,1982): – identificaram-se os principais proble- mas próprios do estudo das capacida- des mentais; – desenvolveram-se as metodologias bá- sicas necessárias para produzir dados objetivos; – os testes de capacidade mental tor- naram-se objetos de ampla utilização. O movimento dos testes mentais desen- volveu-se apoiado em dois pilares básicos: – a análise fatorial, que visa a identificar as dimensões da capacidade mental; – a teoria dos testes, cujo objetivo é ob- ter avaliações confiáveis das capacida- des mentais. Nesse período de desenvolvimento, não se prestou maior atenção à: – diferenciação das capacidades mentais; – possibilidade de os resultados dos tes- tes estarem enviesados pela cultura. E.G. Boring (1950) resumiu o período de desenvolvimento da seguinte maneira: – a década de 1880 foi marcada pelo tra- balho de F. Galton; – a década de 1890, por J.M. Cattell; – a década de 1900, por A. Binet; – os testes mentais de F. Galton, J.M. Cattell e A. Binet eram provas de apli- cação individual; – na década de 1910, aconteceu o auge do desenvolvimento dos testes de in- teligência. Na década de 1910: – H. Goddard fez a adaptação america- na da Escala Métrica da Inteligência de Binet-Simon; – apareceu o Manual of Mental and Physical Tests [Manual de Testes Físi- cos e Mentais], de Whipple; – W. Stern cunhou a noção de QI (quo- ciente intelectual); – apareceu o Teste Stanford-Binet, de L. Terman (1916); INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 29 – foram elaborados e aplicados os Army Tests (Testes do Exército), programa dirigido por R. Yerkes. Esses testes constituíram a primeira ten- tativa sistemática de elaborar provas de apli- cação coletiva, o que provocou uma verdadei- ra revolução no movimento dos testes. As teses sobre avaliação modificaram-se substancialmente a partir do desenvolvimento de testes coletivos: um teste se transforma em uma série de itens ou elementos cujo resulta- do se expressa através do número de itens que a pessoa realiza com sucesso, em que o resul- tado se denomina escala de pontos. – A década de 1920 foi marcada pela crise dos testes de inteligência, provo- cada por considerações culturais que questionavam a premissa da heredi- tariedade do QI. Em 1923, Kelley publicou Statistical me- thods, obra que contribuiu de maneira notável para a aplicação da metodologia estatística a diversos temas psicológicos. Período moderno: a década de 1930 pode ser considerada como de expansão da técnica de análise fatorial, inventada por Charles Spearman, da escola britânica. Os principais representantes da tradição fatorialista, na es- cola britânica, são G. Thomson e C. Burt e, na escola americana, o principal representante é L.L. Thurstone. As obras fatorialistas mais importantes são: – The vectors of the mind (1935) e Primary mental abilities (1938) de L.L. Thurstone; – The factorial analysis of human ability (1939), de G. Thomson; – Factors of the mind (1940), de C. Burt. As universidades americanas que dispu- nham de equipes de pesquisa sobre testes de capacidade mental eram, entre outras: Univer- sidade de Columbia, Universidade de Stanford, Universidade de Harvard, Universidade de Minnesota, Universidade de Ohio, Universida- de de Iowa, Universidade da Califórnia e Uni- versidade de Chicago. A história dos testes mentais ao longo do período moderno pode ser acompanhada por meio dos Mental Measurement Yearbooks, pu- blicações de uma equipe formada pelo casal Buros, da Universidade de Rutgers, em Nova Jersey, que, desde 1941, publicam uma série de obras com resenhas de milhares de testes mentais. Atualmente, os Mental Measurement Yearbooks estão digitalizados e é possível acessar sua base de dados por meio da internet. Por outro lado, comissões especiais de or- ganizações profissionais, como a American Psy- chological Association (APA), publicam perio- dicamente normas técnicas para os testes, mas nem sempre é possível garantir que todas as atividades de desenvolvimento de testes sejam idôneas. Em 1947, foi fundado o Educational Testing Service (ETS), que passou a ser um cen- tro de referência fundamental para a pesquisa da teoria dos testes mentais. Durante o período moderno, a pesquisa analítico-fatorial vem desenvolvendo-se em duas linhas fundamentais: – melhorar a metodologia em si por meio, por exemplo, dos modelos não-lineares de análise fatorial (McDonald, 1962); – procurar novos fatores de capacidade e interpretações psicológicas mais pre- cisas desses fatores. Um outro aspecto é o desenvolvimento da análise fatorial confirmatória, cujo objetivo é confirmar hipóteses estatísticas sobre a estru- tura dos dados. Atualmente, ainda são publica- das versões sobre essa técnica, e são desenvol- vidos programas de computador cada vez mais sofisticados para aplicar esse tipo de análise. A “REVOLUÇÃO” COGNITIVA Os modelos psicológicos, derivados da pesquisa com testes mentais, servem para iden- tificar e organizar fontes sistemáticas de dife- renças individuais, ou seja, para saber em que se diferenciam as pessoas. 30 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS. As teorias cognitivas, surgidas durante a denominada “revolução” cognitiva, têm o ob- jetivo de explorar o desempenho em tarefas intelectualmente exigentes, para descobrir em que se diferenciam as pessoas. As duas vertentes deveriam ser conside- radas complementares, visto que nenhuma possui virtudes superiores às da outra. A pers- pectiva clássica na pesquisa de diferenças in- dividuais sempre tentou responder a duas per- guntas fundamentais: 1. Até que ponto as tarefas dos testes mentais conseguem proporcionar medições confiáveis dos comporta- mentos característicos dos indiví- duos que as executam? Essa primeira pergunta pode ser res- pondida por meio da teoria dos testes. 2. Até que ponto um rendimento ade- quado nas diversas tarefas reflete a utilização de alguma capacidade ou potencial cognitivo do indivíduo? Essa segunda pergunta pode ser res- pondida por meio da metodologia fatorial. Contudo, sabemos que a resposta para uma pergunta de múltipla escolha, incluída em um teste de vocabulário, como, por exemplo, A carta era ASSOMBROSA (a) CORRETA, (b) SURPREENDENTE, (c) ABSURDA (d) OBSOLETA, (e) FEIA exige, no mínimo: – ler as palavras que aparecem na per- gunta; – reconhecer as palavras registradas no arquivo da memória; – recuperar a informação sobre o signi- ficado exato das palavras; – comparar as diversas peças da infor- mação; – selecionar uma resposta a partir des- sas comparações. O objetivo da perspectiva cognitiva é deta- lhar os passos necessários para realizar uma variedade de tarefas intelectualmente exigen- tes. Comprova-se, portanto, o caráter comple- mentar entre essa visão e a da psicologia fatorial. Muitos autores uniram-se para dar corpo a essa perspectiva cognitiva: Carroll, Hunt, Pellegrino, Glaser, Gagné, Sternberg, Detter- man, Underwood, Cooper, Just, Carpenter, Embretson e um longo et cetera. Robert J. Sternberg, da Universidade de Yale, é, talvez, o autor que mais tem feito para divulgar essa linha de trabalho sobre as diferen- ças individuais. Além de produzir um novo pa- radigma experimental, a análise componencial publicou, individualmente ou junto com cola- boradores, grande quantidade de obras sobre a perspectiva das diferenças individuais. Contudo, Earl B. Hunt, da Universidade de Washington, em Seattle, é quem geralmente é considerado o primeiro autor a publicar um estudo verdadeiramente sistemático das rela- ções que se estabelecem entre os estudos clás- sicos sobre diferenças individuais e as análises realizadas sob uma perspectiva cognitiva. Outro autor muito relevante para esse enfoque cognitivo, Richard B. Snow (1989), da Universidade de Stanford, escreveu: O trabalho empírico sobre os correlatos cog- nitivos começou no laboratório de Hunt. A abordagem dos componentes cognitivos é deri- vada da invenção de Sternberg (em sua tese de doutorado, de 1975) de uma metodologia para encontrar, experimentalmente, alguns dos componentes da execução em tarefas simi- lares às dos testes. Surgiu claramente, então, uma psicologia cognitiva diferencial, dirigida à compreensão das diferenças individuais a par- tir da perspectiva do processamento de infor- mação. O Escritório de Pesquisa Naval (mais concretamente, os diretores da divisão de ciên- cias psicológicas, Glenn Bryan e Marshall Farr) contribuiu economicamente para o desenvol- vimento desse trabalho. Desde 1975, o Escri- tório de Pesquisa Naval vem financiando pro- jetos de Carroll, Hunt, Pellegrino, Glaser, Sternberg, Underwood e meus, para trabalhar na análise processual das capacidades, e criou um grande círculo de pesquisadores, indepen- dentes, mas em comunicação. INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 31 Os principais temas de pesquisa da perspectiva cognitiva No exemplo do problema de vocabulá- rio descrito anteriormente, é fácil constatar que, essencialmente, existem dois elementos que são necessários para que uma pessoa pos- sa responder: – as palavras que lê e introduz em sua mente para poder compará-las en- quanto lembra de seus significados; – as operações que realiza para ler es- sas palavras, recuperar seus significa- dos, compará-las e se decidir por al- guma delas. O primeiro aspecto geralmente é deno- minado “representação da informação”, e o se- gundo é chamado de “processo cognitivo”. A pessoa precisa aplicar uma série de processos cognitivos aos diversos tipos de representação mental da informação; a combinação particu- lar desses processos e representações para ten- tar resolver uma determinada tarefa intelec- tualmente exigente é, habitualmente, denomi- nada “estratégia cognitiva”. Não surpreende que os principais temas de investigação da perspectiva cognitiva sejam os seguintes: – Quais são os processos mentais respon- sáveis pelo rendimento inteligente? – Com quanta rapidez e exatidão as pes- soas executam mentalmente esses pro- cessos? – Em quais estratégias cognitivas esses processos mentais se combinam? – Sobre quais formas de representação mental operam os processos cognitivos? Essas pesquisas sobre o processamento, ou tratamento mental da informação que participa na resolução de tarefas intelectualmente exigen- tes, tais como um problema matemático ou a compreensão de uma frase ambígua, podem per- mitir a elaboração de novos testes de inteligência através do uso, por exemplo, de computadores ou de dispositivos similares. Nos últimos anos, foram desenvolvidas algumas baterias de testes que são aplicadas por meio do computador. Segundo a perspectiva cognitiva, quan- do os pesquisadores projetam testes, tarefas ou provas para explorar propriedades psicológi- cas importantes, como a inteligência, deveriam aproveitar os atributos psicológicos dos mate- riais de estímulo, além dos componentes do processo intelectual que, supostamente, são ne- cessários para responder. Comentário sobre a perspectiva cognitiva Apesar de essa perspectiva buscar a me- lhor compreensão da natureza das capacida- des humanas, na verdade, essas tendências, re- lativamente recentes, representam uma reto- mada de estudos realizados no final do século XIX, quando autores como J.M. Cattell, Charles Spearman ou Alfred Binet, entre outros, ten- taram medir a inteligência através de observa- ções sobre processos simples, como discrimina- ção sensorial, tempo de reação ao escolher en- tre várias alternativas e capacidade de memó- ria. O elemento realmente novo é uma tecnolo- gia experimental mais precisa e sofisticada. Segundo Carroll e Maxwell (1979), os estudos sobre testes cognitivos na psicometria clássica sempre estiveram presentes na pers- pectiva processual ou cognitiva. Galton, Binet, Spearman e Thurstone podem ser considera- dos como os primeiros psicólogos cognitivos. A utilização da análise fatorial e de outras me- todologias correlacionais pela atual geração de psicólogos cognitivos é, com certeza, a conti- nuação de uma tradição da psicologia das di- ferenças individuais. O conteúdo da maior parte dos testes para medir capacidades mentais provém das pesqui- sas realizadas pela psicologia das diferenças individuais. Visto que a psicologia cognitiva es- tuda os mesmos fenômenos que a psicologia das diferenças individuais, ela provê informa- ção para compreender as capacidades mentais em um referencial teórico ligeiramente diferen- te daquele dos testes mentais. Embora os psi- 32 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS. cólogos cognitivos enfatizem a importância da variação experimental nas tarefas intelectual- mente exigentes, enquanto os psicólogos das diferenças individuais mais clássicos preferem o estudo da variação individual, ambos traba- lham sobre condutas semelhantes e, em deter- minados casos, idênticas (Sternberg, 1981). GENÉTICA DA CONDUTA Os pesquisadores americanos que utili- zam testes psicológicos em seus trabalhos têm sido pioneiros nos estudos sobre um problema básico e clássico da psicologia: até que ponto as diferenças de conduta podem ser atribuídas à herança e às condições socioambientais em que vivemos? Nos Estados Unidos, foram desenvolvidos vários projetos de pesquisa voltados a encon- trar dados para ajudar a responder a essa per- gunta, mas esse tipo de estudo vem sendo rea- lizado também em outros países, e, inclusive, existem programas de pesquisa coordenados em nível internacional (Plomin, 1995). Diversos autores vêm usando testes psico- lógicos para transformar essa pergunta em ob- jeto de estudo. Assim, por exemplo, na hora de investigar se as diferenças de inteligência são influenciadas pelos genes ou pelo ambiente, os autores usam testes de quociente intelectual, que são aplicados em pessoas geneticamente idên- ticas (gêmeos), em pessoas geneticamente re- lacionadas (por exemplo, pais e seus filhos bio- lógicos), em pessoas geneticamente indepen- dentes (por exemplo, o autor e os leitores deste livro) e em pessoas que compartilharam ou não seus ambientes (por exemplo, gêmeos que fo- ram criados na mesma família ou em famílias diferentes). Os escores dessas pessoas com di- versos graus de parentesco genético e ambiental foram submetidos a diferentes tipos de análise estatística para realizar as correspondentes es- timativas quanto ao peso da influência de am- bos os fatores nas diferenças de inteligência, tal e qual são medidas pelos testes de QI. Há diversos mal-entendidos sobre esses estudos. Desde que foram iniciados, os auto- res tomaram cuidados escrupulosos ao reali- zar seus trabalhos, mas isso não evitou que, de maneira sistemática, tenham acontecido vio- lentos debates públicos sobre o tema. Muitos desses autores sofreram perseguições, inclusi- ve em seus próprios locais de trabalho. Um dos casos mais dramáticos foi o do psicólogo britânico Sir Cyril Burt, vítima de uma campanha de perseguição organizada, ao que tudo indica, a partir de supostas provas sobre um estudo de gêmeos. Depois da morte de Burt, sua biógrafa publicou, na imprensa, uma carta em que levantava a possibilidade de que Burt houvesse inventado seus dados. Ainda hoje, nas aulas das faculdades de psicologia, Burt geral- mente é apresentado como exemplo dos peri- gos que corre um pesquisador obsecado com a certeza sobre suas idéias. Contudo, os autores que estudaram exaustivamente a famosa frau- de científica de Burt jamais encontraram pro- vas definitivas que permitissem concluir que, efetivamente, houve qualquer má-fé de sua parte (Fletcher, 1990; Joynson, 1989). Por outro lado, é preciso dizer que os dados de Burt constituem apenas uma minúscula gota d’água na imensa quantidade de projetos realizados desde então; portanto, apesar de alguns autores, como Leon Kamin ou Stephen Gould, terem-se baseado no suposto caráter fraudulento do estudo de gê- meos de Burt para negar todo o projeto de pes- quisa sobre a origem genética e ambiental das diferenças individuais, as evidências disponíveis sugerem que as críticas à premissa principal não se sustentam. Atualmente, o Projeto Genoma Humano deveria ter ajudado a mudar um pouco as coisas. Contudo, parece que sempre surge uma sensibilidade especial quando cientistas estu- dam as possíveis bases genéticas e ambientais das diferenças psicológicas. Enquanto existem apenas reações sociais ao estudo do genoma humano em geral, a situação muda significati- vamente quando, por exemplo, menciona a procura pelos marcadores genéticos de, por exemplo, a inteligência. Existem muitos projetos de pesquisa vol- tados a resolver esse problema. A Universida- de de Minnesota e a Universidade do Texas são dois centros importantes e, a partir deles, sur- giram, e surgem, muitos estudos sobre a ori- INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 33 gem das diferenças individuais. Autores como Thomas Bouchard, da Universidade de Minne- sota, publicam seus estudos em revistas de pres- tígio, como Science, de modo que a comunida- de científica em geral parece considerar com bastante seriedade os estudos sobre esse pro- blema básico e clássico da psicologia. Atual- mente, existe uma tal quantidade de dados empíricos nesse sentido provenientes de diver- sos países que são poucos os que ainda duvi- dam de que as diferenças de conduta são in- fluenciadas por ambos os componentes. PERSONALIDADE E DIFERENÇAS INDIVIDUAIS Até agora descrevemos, essencialmente, os estudos e os avanços relativos às respostas dadas ao problema das diferenças intelectuais. A razão disso é que essas diferenças foram es- tudadas muito mais profundamente pela co- munidade científica. Contudo, a perspectiva das diferenças in- dividuais também vem pesquisando o tema da personalidade. Em resumo, poder-se-ia afirmar que a maior parte dos programas de pesquisa que abordam o problema das diferenças de per- sonalidade vem concentrando-se na análise dos traços psicológicos, ou seja, nas propriedades da personalidade que podem ajudar a explicar as diferenças de conduta: – Por que duas pessoas se comportam de maneira diferente diante das mes- mas situações objetivas? – O que leva algumas pessoas a preferi- rem ir a festas a ficarem em casa len- do um bom livro? – O que leva uma pessoa a cursar a fa- culdade e seguir a carreira de psicolo- gia? – Por que algumas pessoas preci- sam apenas de uma leve provocação para se transformarem em seres tre- mendamente agressivos? – O que leva uma pessoa a renunciar o seu bem-estar ocidental e decidir vi- ver na África, ajudando populações humanas que tentam sair de seu esta- do de pobreza? Essas são algumas das perguntas a que os cientistas que vêm estudando as diferenças de personalidade esperam poder responder algum dia. Contudo, apesar dos consideráveis esforços realizados, ainda não somos capazes de dar uma resposta satisfatória. Três dos mais importantes programas de pesquisa dirigidos ao estudo dos traços ou ca- racterísticas da personalidade humana são: – o programa de Joy Paul Guilford; – o programa de Raymond Bernard Cattell; – o programa de Hans Jurgen Eysenck. Esses três programas possuem muitas coi- sas em comum, mas também existem algumas diferenças entre eles. Na segunda parte desta obra, vamos descrevê-los com detalhe, de modo que aqui diremos apenas que todos produzi- ram testes psicológicos de inquestionável im- portância na prática psicológica para medir as variáveis da personalidade: – a Guilford-Zimmerman Temperament Survey (GZTS), ou seja, a Sondagem do Temperamento de Guilford-Zim- merman; – o 16 Personality Factors (16-PF) (Os 16 Fatores de Personalidade) e outros testes destinados a medir diversas va- riáveis da personalidade, e não só as de temperamento; – o Eysenck Personality Questionaire (EPQ) (Questionário de Personalidade de Eysenck) que mede os três traços que, segundo esse autor, constituem a essência da personalidade: psicoti- cismo, extroversão e neuroticismo. Evidentemente, alguns desses programas de pesquisa não se restringiram à elaboração de uma teoria sobre traços de personalidade e à criação de testes para medir esses traços. Mui- tos deles procuraram outros métodos de tra- balho. Eysenck, por exemplo, estudou, por mais de 40 anos, as bases biológicas das diferenças de personalidade. Sua teoria constitui um in- dicador de referência e é utilizada internacio- 34 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS. nalmente para analisar o problema de deter- minar até que ponto as diferenças de persona- lidade são herdadas ou são produto das condi- ções socioambientais (Loehlin, 1992). Nos últimos 10 ou 15 anos, a comunida- de científica vem desenvolvendo uma teoria so- bre os traços de personalidade que parece es- tar alcançando enorme consenso internacional no que se refere ao problema de estabelecer quais são as dimensões básicas que, necessaria- mente, deveriam ser levadas em consideração ao falar de personalidade humana. Essa teoria de consenso recebeu o nome de Big Five, ou “Teoria dos Cinco Grandes”, e seus principais divulgadores têm sido, provavelmente, Paul T. Costa e Robert McCrae. Mais adiante, vamos descrever esses pro- gramas de pesquisa com detalhes suficientes para mostrar até onde chegam os avanços no estudo científico desse apaixonante tema. CONCLUSÃO Se fosse necessário resumir a trajetória histórica da psicologia das diferenças indivi- duais, deveríamos dizer que seu primeiro obje- tivo é desenvolver teorias psicológicas baseadas em fatos verificáveis empiricamente. Mesmo a filosofia tendo sido importante para pensar em termos psicológicos sobre a mente e a conduta humana, a psicologia optou, em determinado momento da história da ciência, por utilizar métodos adequados para comparar as conjec- turas dos pesquisadores sobre a conduta. Antes da ciência, os pensadores do mun- do antigo, do Renascimento e dos séculos XVIII e XIX faziam-se perguntas às quais podiam res- ponder sem necessidade de usar métodos ob- jetivos. Assim, por exemplo, por meio de téc- nicas de introspecção, ou seja, observando os próprios pensamentos, tentavam descobrir como é percebida a realidade ou como se pen- sa sobre um conteúdo abstrato. Contudo, quan- do a psicologia optou pela ciência, começou a estudar a conduta como uma variável que pode ser observada e medida por qualquer um, de maneira transparente e objetiva. Portanto, a análise objetiva da conduta é a chave para transformar o estudo filosófico da mente hu- mana no estudo psicológico da conduta. A influência decisiva da teoria da evolu- ção de Charles Darwin levou a descartar o velho problema filosófico da separação entre corpo e mente. Não há razão para que o estudo da mente humana seja diferente do estudo da es- trutura do organismo humano e dos modos hu- manos de agir. O corpo possui uma estrutura de ossos e de músculos que funcionam de uma determinada maneira, que seguem uma deter- minada dinâmica. O médico e o biólogo podem estudar as características de ossos e de músculos e fazer uma série de provas naturais ou experi- mentais para averiguar como eles atuam de for- ma coordenada. A mente humana também po- de ser estudada dessa maneira. Primeiro, pode- se saber, empiricamente, qual é a estrutura bá- sica das propriedades psicológicas; isso se con- segue por meio de uma série de provas: esses são os testes. Segundo, é possível estudar como essa estrutura age, utilizando outras provas que forneçam pistas ou caminhos para chegar à con- duta: esses são os testes da perspectiva cognitiva. A teoria da evolução, que Francis Galton incorporou na pesquisa psicológica, a influen- cia em três aspectos. Em primeiro lugar, na me- dição objetiva das diferenças individuais, ou seja, na medição da conduta humana em con- dições-padrão. Um teste não passaria de um meio para estudar, com métodos científicos, a conduta das pessoas. Um dos slogans mais lem- brados de Galton é: “sempre que for possível, meça”. Em segundo lugar, visto que não existe razão para que o estudo da mente tenha um caráter diferente do estudo de qualquer função física, a pesquisa das diferenças de conduta exige conhecer as características biológicas das pessoas. Se uma pessoa é um pouco mais inteli- gente do que outra, uma das possíveis hipóte- ses é que essa diferença tenha relação, ao me- nos em parte, com sua organização cerebral. Em terceiro lugar, se as características físicas estão sujeitas à influência da herança, não há nenhum motivo para supor que a conduta hu- mana não seja governada também, ao menos até certo ponto, pela programação genética. INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS 35 A psicologia das diferenças individuais estuda pessoas, e as pessoas vivem em socie- dade. O estudo científico das diferenças indi- viduais e os resultados práticos derivados des- sa pesquisa têm tido grande impacto no trans- curso deste século. Provavelmente, a tecnologia mais conhecida seja a dos testes, mas também tiveram grande repercussão os estudos realiza- dos sobre as diferenças entre grupos humanos. Questões como, por exemplo, saber se os homens são mais agressivos do que as mulhe- res, se os idosos podem continuar sendo úteis à sociedade, se as camadas sociais mais pobres são o “caldo” de cultura para a delinqüência ou se os orientais são mais inteligentes do que os caucasianos sempre estiveram sujeitas a grande controvérsia social. Quase todos têm opiniões pessoais a esse respeito: não raro es- cutamos que os homens são mais independen- tes ou menos inteligentes do que as mulheres, que as mulheres são mais sensíveis e cálidas do que os homens, que os idosos deveriam dedi- car-se a seus passatempos e se retirar dos âmbi- tos de influência social, que os adolescentes cria- dos em camadas sociais mais pobres acabam co- metendo atos delituosos ou que os caucasianos são menos aptos do que os orientais. Os cientis- tas sociais e, principalmente, os psicólogos re- colheram esse tipo de perguntas e tentaram submetê-las à análise científica rigorosa e obje- tiva, que fugisse das diversas ideologias e enfo- ques pelos quais se têm observado normalmen- te essa variável social. Contudo, os dados cien- tíficos nem sempre satisfazem todas as possí- veis convicções ideológicas, o que tem feito com que os psicólogos poucas vezes tornem públi- cos seus dados fora da comunidade científica. Segundo a professora Sandra Scarr (1988), é necessário levar em conta que somente uma pesquisa desonesta ou manipulada poderia aco- modar-se a todas as ideologias: um estudo ri- goroso obviamente não pode, nem deve, ser ela- borado para isso. Os resultados práticos da pesquisa que possam ter um impacto social não deveriam ser usados para emitir julgamentos sobre quais são as melhores condições para viver em socie- dade. Mas poderiam ser considerados pelas pessoas que tomam as decisões que incidem em nossas vidas: decidir baseados em fatos pa- rece mais desejável do que fazê-lo a partir de opiniões. Se fosse comprovado em diversas oca- siões que os homens, como grupo humano, são, de fato, um pouco menos inteligentes do que as mulheres, deveríamos perguntar o que é neces- sário fazer para que essas diferenças desapare- çam. Se fosse comprovado que os adolescentes que vivem nas camadas sociais mais pobres têm, de fato, maior probabilidade de acabar na pri- são, deveríamos perguntar o que fazer para evitá-lo. Se fosse comprovado que a inteligência dos velhos declina rapidamente a partir dos 70 anos, deveríamos perguntar o que fazer para evitar essa decadência. Se fosse comprovado que, apesar das melhoras objetivas na educação, o grupo que se auto-identifica como oriental ob- tém melhor escore nos testes de inteligência do que os caucasianos, deveríamos perguntar o que fazer para que essa diferença desapareça. Temos certeza de que ignorar essas pos- síveis diferenças não ajuda em absoluto a supe- rá-las. E não saber em que consistem, se é que realmente consistem em alguma coisa, facilita apenas a proliferação de ideologias absurdas e dos mais variados estereótipos sociais. Como escreveu a professora Sandra Scarr (1988), acre- ditando que protegiam os grupos menos favo- recidos, alguns cientistas sociais somente conse- guiram atrasar a elaboração de programas de melhoria social. Por outro lado, submeter deter- minados tipos de estudos científicos a proces- sos inquisitoriais e transformá-los em tabus pelo simples fato de que têm grande impacto social não é, evidentemente, próprio dos sistemas de- mocráticos (Humphreys, 1991; Pearson, 1991). REFERÊNCIAS Anastasi, A. (1958). Psicología Diferencial. Madrid: Aguilar, 1967. Binet, A. e Henri, V. (1895). La psychologie individuelle. Année Psych., 2, 411-463. Binet, A. e Simon, Th. (1905). Métodos nuevos para el diagnóstico del nivel intelectual de los subnormales. In J.M. Gondra (comp.), La Psicología Moderna. Bilbao: Desclée de Brouwer, 1982. 36 CARMEN FLORES-MENDOZA, ROBERTO COLOM & COLS. Boring, E. (1950). Historia de la Psicología Experimen- tal. México: Trillas, 1978. Burt, C. (1952). Autobiography. 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Report "Introdução à Psicologia Das Diferenças Individuais"