Introdução ao Estudo do Direito – Norberto Bobbio - “O positivismo jurídico” Páginas 63 - 77 Capítulo 3 – o código napoleônico e as origens do positivismo jurídico na França16. O significado histórico do Código de Napoleão. A codificação justiniana e napoleônica. A ideia de codificação, que atualmente está enraizada no mundo contemporâneo, surgiu por obra do pensamento iluminista, na segunda metade do século XVIII. Esta ideia de codificação atua no âmbito jurídico faz dois séculos, vindas da Europa continental. As codificações justiniana e napoleônica tiveram fortes influências no desenvolvimento da nossa cultura jurídica. As codificações não possuem caracteres idênticos. - Napoleônica – código propriamente dito, tal como entendemos hoje. Um corpo de normas sistematicamente organizadas e expressamente elaboradas. - Corpus Iuris Civilis – coletânea de leis anteriores. Ex.: uma das quatro partes do Digesto não é de fato um código, mas sim uma antologia jurídica, sendo constituído por trechos, fragmentos, dos principais jurisconsultos romanos, distribuídos por matéria e geralmente ligados entre si e adaptados às exigências da sociedade bizantina pelo sistema de interpolações – acréscimos, modificações ou cortes feitos pelos compiladores. 17. As concepções filosóficas e jurídicas do iluminismo inspiradoras da codificação francesa. As declarações programáticas das Assembleias revolucionárias A ideia de codificação é fruto da cultura racionalista, em que as ideias iluministas encarnaram em forças históricas e políticas, dando lugar à Revolução Francesa. É de fato neste período – 1790 e 1800 – que a ideia de codificar o direito adquire consistência política. Surge a ideia de um legislador universal, este legislando em todos os tempos e para todos os lugares, com um direito simples e unitário, sendo estas duas características a ideia de fundo, que guia os juristas que nesse período se batem pela codificação. A França possuía uma multiplicidade de direitos territorialmente limitados: setentrional – onde estavam vigentes os costumes locais; meridional – onde vigorava o direito comum romano. Os racionalistas acreditava que a multiplicidade e a complicação do direito era fruto do arbítrio da história. As velhas leis deveriam ser substituídas por um direito simplista e unitário, que seria ditado pela ciência da legislação, ciência esta que interrogando a natureza do homem, estabeleceria quais eram as leis universais imutáveis que deveriam regular a conduta do homem. Os iluministas estavam convictos de que o direito histórico, constituído por uma selva de normas complicadas e arbitrárias, era apenas uma espécie de fenômeno e que além dele, fundado na natureza das coisas passíveis de serem conhecidas pela razão humana, existia o verdadeiro direito. - As essência verdadeira da realidade é simples - as leis são harmônicas e unitariamente coligadas Por isso o direito podia e devia ser simples e unitário. Essa concepção jurídica de retomada a natureza de contraste entre a natureza e a história (um VS o outro) é inspirada em Russeau, que em seu livro considera que a causa da corrupção do homem seja a civilização e seus costumes, afinal o homem seria naturalmente bom. Baseandose nisto, os iluministas propuseram a eliminação do acúmulo de normas jurídicas produzidas pelo desenvolvimento histórico e tentaram instaurar um direito fundado na natureza e adaptado às exigências universais humanas. A multiplicidade da lei é fruto da corrupção. Ideia de codificação – direito simples, claro e acessível a todos. 1790 – Assembleia constituinte, júris populares (instituição judiciária composta não de juízes togados, especialmente nas causas penais. Trata-se de uma instituição de inspiração democrática). O procedimento judiciário consistiria somente de um juízo de fato – assegurar os fatos previstos pela lei. Visto que o direito se tornaria qualquer dificuldade, já que todas as questões de direito que o juízo tradicionalmente comportava, e que exigiam a intervenção de técnicos do direito, eram exclusivamente fruto da multiplicidade e complicação irracional das leis. Qualquer cidadão poderia ser eleito membro da instituição do juris populares. 18. Os projetos de codificação de inspiração jusnaturalista: Cambacérès Codificação – como foi realizada: Produção do código civil O Código Civil se distanciou, na sua realização, da inspiração iluminista e jusnaturalista pendendo para a tradição jurídica francesa do direito romano comum. Cambacérès apresentou 3 projetos de código civil de inspiração jusnaturalista. Equiparações de filhos naturais aos legítimos - concepção iluminista revolucionária de família – igualdade dos cônjuges, cômoda possibilidade de dissolução de patrimônio pelo divórcio, e comunidade patrimonial entre os cônjuges. Primeiro projeto 1973 Três princípios fundamentais – reaproximação da natureza, unidade e simplicidade. Concepção individualista-liberal: garantir dois postulados fundamentais – igualdade de todos os cidadãos perante a lei e a liberdade pessoal – liberdade contratual. Os deputados consideraram o projeto muito pouco “filosófico” e demasiado “jurídico”. Segundo projeto 1794 Menos técnico e mais simples – código de leis fundamentais; princípios essenciais nos quais deveriam inspiras os legisladores e juízes. Três princípios fundamentais – ser senhor da própria pessoa, possuir bens para poder satisfazer as próprias necessidades, poder dispor desses bens no interesse próprio e da própria família. (pessoa, direitos reais, obrigações) Muitas hostilidades rondaram esse projeto, sendo deixado de lado. Terceiro projeto 1796 Maior elaboração técnico-jurídica / maior conformidade à experiência jurídica tradicional Abandono dos princípios do jusnaturalismo racionalista Maior elaboração técnica Único dos três projetos apresentados que exerceu certa influencia na elaboração do projeto definitivo do Código Civil. 19. A elaboração e aprovação do projeto definitivo: Portalis Ponto de passagem da filosofia iluminista da Revolução para aquela de inspiração espiritualista-romântica da Restauração: Espiritualismo eclético vindo da obra de Portalis que possuía o espírito iluminista, contestava o pensamento kantiano: abuso do espírito filosófico; crítica indiscriminada conduzida pelo racionalismo contra toda a cultura passada, crítica que levou à destruição da tradição, ao ateísmo e ao materialismo e à parte mais nefasta da Revolução Francesa. 20. As relações entre o juiz e a lei segundo o art. 4º do Código Civil. O discurso preliminar de Portalis. Se o Código de Napoleão foi considerado o início absoluto de uma nova tradição jurídica, que sepulta completamente a precedente, isto foi devido aos primeiros intérpretes e não aos redatores do próprio Código. O art. 4º estabelece que o juiz deva em cada caso resolver a controvérsia que lhe é submetida, estando excluída a possibilidade de abster-se de decidir. Ele explica três casos que poderiam colocar o juiz em dificuldade: Obscuridade da lei: através da interpretação a parte que se encontra obscura da lei deve se tornar clara. Insuficiência da lei: o juiz deve usar-se da integração da lei caso a lei não resolva completamente um caso Silencio da lei: Lacunas da lei, o juiz deve suprir a lei, deduzindo de qualquer modo a regra para resolver a controvérsia. Através da auto-integração¹ ou da hetero-integração². 1 – busca da tal regra no interior do próprio sistema legislativo; 2 - no exterior do sistema, através do juízo pessoal ou equidade. Os redatores do CC usavam da segunda, como uma livre criação do direito por parte do juiz. Para integrar uma lei, é necessário que o juiz recorra à equidade, através da avaliação subjetiva do juiz. Redução da própria lei a norma para resolver quaisquer controvérsias. Neste modo de entender o artigo 4º que se fundou a escola de exegese que fora acusada de fetichista da lei, fundamentando a resolução de quaisquer problemas na intenção do legislador. Páginas 78 – 89 21. A escola da exegese: as causas históricas do seu advento Art 4º - não desempenha função de válvula de segurança que garanta o poder de criação do direito por parte dos juízes como era a intenção dos redatores. Savigny, Da vocação de nosso tempo para a legislação e a jurisprudência, 1814. – Na Alemanha: previu e receou a brusca interrupção do desenvolvimento da tradição jurídica e, principalmente, da ciência jurídica, perdendo esta sua capacidade criativa. Isso tudo quando a codificação vigorasse. França: acontece com a escola da exegese: limitação passiva e mecânica do Código. Escola científica: propunha a uma elaboração autônoma de dados e de conceitos jurídicos cuja validade fosse independente e transcendesse o próprio Código. Advento da Escola da Exegese Próprio fato da codificação: Resolução das principais controvérsias. Ehrlich, A lógica dos juristas. – os operadores do direito procuram sempre a via mais simples e curta para resolver uma dada questão, procurando assim a solução no próprio Código, e desprezando outras vias (jurisprudência, doutrina, costume,...), pois é mais complexa a utilização deste do que daquele. Mentalidade dos juristas: Princípio da autoridade, vontade do legislador que pôs a norma jurídica: com a codificação essa vontade é expressa de modo seguro e completo, bastando ser ditado pela autoridade soberana. Doutrina da separação dos poderes: o Juiz não pode criar o direito, pois poderia estar invadindo a esfera de trabalho de outro poder – o legislativo. Princípio da certeza do direito: tem do direito um critério seguro de conduta somente conhecendo antecipadamente, com exatidão, as consequências de seu comportamento. -Pescatore, lógica do direito. – Divide a história do direito em 4 épocas, a última das quais se inicia pela Rev Francesa – fase do direito codificado. -Triunfo da razão jurídica natural; manifestação das instituições jurídicas. Revolução na ciência da legislação. -Relação entre a codificação e ciência jurídica: -A codificação depura e estabelece o predomínio seguro da razão jurídica natural, armada de lógica, protegida pela legalidade. Ela não destrói elementos do passado, só os faz desaparecer. A jurisprudência, a lógica do direito (ciência jurídica), a doutrina as tomará serenamente, restaurando a vida e incorporando-se no novo organismo. -A codificação é uma etapa, não um compasso de espera no desenvolvimento do direito. -Doutrina trabalha no interior da codificação, absorvendo a tradição e incorporando-a no sistema legislativo. -Para Pescatore a ciência do direito tem somente tarefa puramente explicativa e não criativa. Natureza política: pressões exercidas pelo regime napoleônico – somente o direito positivo é aplicado. O governo imperial quase que ordenou a exegese, tendo as faculdades de direito por primeiro objetivo, lutar contra as tendências filosóficas que se manifestavam precariamente, aliás, na maior parte do tempo no curso de legislação das escolas centrais. 22. A escola da exegese: seus maiores expoentes e suas características fundamentais Nome – EXEGESE Técnica adotada pelos seus primeiros expoentes no estudo do Código de Napoleão. Consiste em assumir pelo tratamento científico o mesmo sistema de distribuição da matéria seguido pelo legislador e, sem mais, em reduzir tal tratamento a um comentário, artigo por artigo, do próprio Código. Interpretação exegética Primeiro modo com o qual se inicia a elaboração científica de um direito que tenha sido codificado ex novo pelo legislador Tratado sobre o direito civil, Zacharie – foi traduzido adequando-se às concepções predominantes na França, abandonaram a ordem sistemática e retornaram à ordem do Código. História Segundo Bonnecase – 3 períodos 1. Primórdios – 1804 – 1830 2. Apogeu – 1830 – 1880 3. Declínio – 1880 em diante, até o fim do século passado Segunda fase, - apogeu – os importantes. 1. 2. 3. 4. Alexandre Duranton Charles Aubry e Frédéric Charles Rau Jean Ch. F. Demolombe Troplong – teórico da exegese Caracteres fundamentais Inversão das relações tradicionais entre o direito natural e direito positivo – Não negam o direito natural, mas desvalorizam a importância. Ele não constitui um corpo completo de preceitos absolutos e imutáveis, sendo tais muito vagos, e só podem ser determinados pelo direito positivo. Enquanto não for incorporado ao direito positivo, não terá característica relevante. Inversão tipicamente positivista das relações entre o direito natural e o direito positivo - Em lugar de mensurar a validade do direito positivo com base na sua conformidade com o direito natural, afirma este último é tanto mais relevante quanto seja consagrado pelo primeiro. – Inversão contraditória – o direito natural não é necessariamente o melhor direito, dado que a própria definição de direito natural comporta a ideia da sua excelência e da sua superioridade relativamente ao direito positivo. Concepção tradicional entre o direito natural e o direito positivo – aplicabilidade em via subsidiária do direito natural em caso de lacunas no direito positivo. Art 4º Código de Napoleão – era admitida tal função subsidiária ao direito natural, porém é interpretado de forma diferente, afirmando que o juiz deve se fundar unicamente na lei. *principio da plenitude da lei – A lei é a que vale (bem como os positivistas)* Concepção rigidamente estatal do direito – as normas jurídicas são exclusivamente postas pelo Estado ou que conduzam a um reconhecimento por parte dele – princípio da onipotência do legislador; negação de todo tipo de direito positivo diferente daquele posto pela lei, como o consuetudinário, judiciário e científico. Segundo a escola de exegese, a lei não deve ser interpretada segundo a razão e os critérios valorativos daquele que deve aplicá-la, mas, ao contrário, este deve submeter-se completamente à razão expressa na própria lei. Interpretação da lei fundada na intenção do legislador – se o único direito é aquele contido na lei, compreendida como manifestação escrita da vontade do Estado, torna-se então natural conceber a interpretação do direito como a busca da vontade do legislador naqueles casos. Distinção da vontade do legislador Real – no caso em que a lei disciplina efetivamente uma dada relação, as tal disciplinamento não fica claro a partir do texto da lei. Presumida – quando o legislador se omitiu em regular uma dada relação (lacuna da lei). Recorrendo a analogia e aos princípios gerais do direito, procura-se estabelecer qual teria sido a vontade do legislador, se ele tivesse previsto o caso em questão. Contrapondo-se: vontade da lei -Subjetiva – vontade do legislador que a pôs historicamente – liga a interpretação da lei ao momento da sua emissão e comporta, portanto uma interpretação estática e conservadora. -Objetiva – entendida como o conteúdo normativo que a lei possui em si mesma, prescindindo das intenções dos seus autores – desvincula a interpretação progressiva ou evolutiva, uma interpretação que leva em conta a mudança das condições histórico-sociais. -Culto do texto da lei – o interprete deve ser rigorosamente, religiosamente, subordinado as disposições dos artigos do Código. -Respeito pelo princípio da autoridade – pessoa que possui qualquer poder de estabelecer o que é justo e o que é injusto, de modo que sua decisão não possa ser colocada em discussão, e consequentemente os juristas possuem um seguro ubi consistam em seu raciocínio: o personagem é o legislador. *Absoluto respeito que seus expoentes têm pela lei; grande autoridade da qual gozaram alguns dos primeiros comentadores do Código, cujas afirmações foram adotadas pelos juristas posteriores como se fossem outros tantos dogmas.
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