IDEIAS CENTRAIS DO TEXTO DE RUI CANÁRIO

April 2, 2018 | Author: CristinaOliva | Category: Sociology, Schools, State (Polity), Welfare State, Learning


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IDEIAS CENTRAIS DO TEXTO: CANÁRIO, Rui . A escola como construção histórica .In: O que é a escola ? Um olhar sociológico. Porto: Editora Porto, 2005. Capítulo 5:.pp.59-88. 1. Crise ou mutação?  Os debates recentes sobre escola (últimos trinta anos): pano de fundo: generalizado e difuso sentimento de insatisfação, ao qual as múltiplas mudanças (reformas) não tem conseguido dar uma resposta pertinente;  “Sentimento de mal estar”- Diagnóstico realizado ao final dos anos sessenta – existência de uma “crise mundial da educação” – deve ser entendida como “crise da escola”; 2. Os paradoxos da escola:  Os sentimentos de frustração em relação às promessas da escola tem permanecido e alimentado o debate sobre a “crise” da escola sem que esse tenha se convertido em uma compreensão dos paradoxos, que na metade do século XX, marcaram a expansão da escolarização: o 1º paradoxo: por um lado: o inegável triunfo da escolarização, no final do milênio, é contado como uma história de progresso e de vitórias, o que contrasta com a visão pessimista da “crise”, instalada desde os anos 70. o 2º paradoxo: a “erosão” a que foi submetida a educação escolar, por via de uma crítica permanente e sistemática, foi contemporânea da hegemonia do modelo escolar que tendeu a contaminar todas as modalidades educativas, podendo-se afirmar que a educação permanece refém do escolar; o 3º paradoxo: a crescente escolarização de nossas sociedades foi concomitante com o agravamento de problemas de natureza social (guerra, ambiente, pobreza, desigualdade) que configuram autênticos impasses civilizacionais. As promessas iluministas do triunfo da razão, de que a escola é historicamente herdeira e executora e cuja concretização a ciência e a técnica deveriam facilitar, encontram um obstáculo intransponível na imaturidade política dos nossos modos de governo social; o 4º paradoxo: a centralidade da missão de promoção da cidadania atribuída à escola, que contrasta com um fenômeno de retrocesso na participação política, nas sociedades mais ricas e escolarizadas (Europa e América do Norte); como novidades: o o o o aparecimento de uma instância educativa especializada que separa o aprender do fazer. a relação pedagógica no quadro da classe. uma nova forma de socialização (escolar) que progressivamente viria a tornar-se hegemônica.o 5º paradoxo: “a corrida à escola” iniciada no período áureo dos “trinta gloriosos” (explosão escolar dos anos 60) não mostra indícios de abrandar. A crescente insatisfação com a escola traduz-se numa intensificação da procura e na opção por percursos escolares mais longos.  Os debates sobre a escola têm mostrado alguma incapacidade de procurar compreender. O QUE É ENTÃO A ESCOLA? Essa pergunta é suscetível a uma pluralidade de respostas: RESPOSTA 1: Não há dúvidas de que estamos em presença de uma invenção histórica. contemporânea da dupla revolução industrial e liberal que baliza o início da modernidade e que introduziu. esse conjunto de paradoxos e a confusão que freqüentemente os marca. de forma articulada. que remete para problemas de natureza conjuntural. que remete para mudanças e problemas de caráter estrutural. propõe-se o conceito de “mutação”.  Diante do conceito de crise. superando a relação dual entre o mestre e o aluno.  Três dimensões da escola: Como forma Como organização Como instituição . a criação de uma relação inédita. exprime uma crise do modo de pensar a escola” PRIMEIRA QUESTÃO QUE SE IMPÕE: o será que estamos diante de uma “crise” e se esse conceito – entendido como correspondente a uma patologia que rompe temporariamente um equilíbrio – é adequado para descrever a situação atual da escola. como se a escola se tivesse transformado num “mal necessário”.  “Mais do que a complexidade da “crise da escola”. o Em oposição a visões naturalizadas que encaram a escola atual como uma espécie de realidade intemporal. funciona como uma fábrica de cidadãos. um aluno) para modos de ensinos simultâneos (um mestre. exercida num lugar e num tempo distintos das outras atividades sociais.(Queiroz. tendo como referência o designado “Estado. a partir de um conjunto de valores estáveis e intrínsecos. o representando a escola. desempenhando um papel central na integração social. uma classe). não apenas uma invenção histórica.educador”.6) o A construção histórica da escola moderna supõe:   por uma lado: a invenção da infância.O período da “escola das certezas”: marca o período forte da instituição. tendo tornado possível a transição de modos de ensino individualizados (um mestre. submetidos a regras de natureza impessoal e que definem a especificidade do modo de socialização escolar. o O nascimento histórico. . também. a escola é uma instituição que. viabilizou a emergência dos sistemas escolares modernos.p. a consolidação e o desenvolvimento dos modernos sistemas escolares situam-se num contexto que é indissociável da dupla revolução (liberal e industrial) que marcou o final do século XVIII. o A Dimensão da Instituição: finalmente. na perspectiva durkheimiana de prevenir a anomia e preparar a inserção na divisão social do trabalho. a construção da escola como “objeto sociológico” supõe que a sua emergência seja historicamente situada. 1995. ou seja. a uma nova forma de organização que. mas uma invenção recente que corresponde a uma revolução nos modos de socialização. em ruptura com os processos de continuidade com a experiência e de imersão social que prevaleciam anteriormente. RESPOSTA 2: Uma outra forma de analisar a escola e tentar entender suas mutações corresponde a adotar uma perspectiva diacrônica que permite identificar três períodos distintos: 1. por outro lado: a emergência de uma relação social inédita: a relação pedagógica.o A dimensão da forma: representa uma nova maneira de conceber a aprendizagem. o A dimensão da organização: A escola corresponde. a uma forma diferente de fabricar o social. .  A construção histórica da escola e a sua exterioridade relativamente ao mundo social conduziram ao aparecimento de uma nova categoria social: o aluno. cada vez mais. Por outro lado: a tornar-se hegemônica. a partir da criação de uma relação pedagógica entre um professor e um aluno . na medida em que é socialmente percebida como “justa”. a partir de um sistema nacional de escolas.o uma nova ordem política: a escola moderna significou subtrair à Igreja a tutela sobre o ensino. Tendem a ser. Durante esse período a escola goza de uma forte legitimidade social. contribuindo para acelerar o declínio do rural tradicional. apesar de funcionar num registro claramente elitista (Dubet e Martuccelli).  A Hegemonia da Forma escolar: o A invenção histórica dos sistemas escolares modernos corresponde a instituir e tornar hegemônica uma outra forma de aprender. Em termos internos: a conflitualidade é reduzida ao mínimo e há harmonia entre escola e seus públicos. apoiado num corpo de funcionários libertos das tutelas locais: o Uma nova ordem social: do ponto de vista social.  O trabalho escolar: entre o prazer e o enfado: o Os alunos:   o Por aquilo que fazem: comportamentos inadequados e qualificados de “indisciplina. a transferência da população para as zonas urbanas industriais. relativamente a outras modalidades de pensar e organizar as aprendizagens.  Uma coerência dupla da escola num “tempo de certezas”    Em termos externos: a escola é consonante e está funcionalmente adaptada a uma nova ordem política. encarados pelos professores como o problema principal da escola. Por aquilo que não fazem: realização correta e diligente das tarefas escolares que lhes são pedidas. relação essa que tende:   o Por um lado: a autonomizar-se das restantes relações sociais. Cumulatividade: aprende-se acumulando informações. o Uma nova ordem econômica: do ponto de vista econômico a escola participa historicamente na construção de uma sociedade industrial. Baseando-se nos princípios de:   Revelação: o mestre que sabe ensina ao aluno ignorante. proletarizando-as. social e econômica. A escola participa na construção de um novo tipo de laço social: construído em torno da relação salarial. cuja missão é ensinar. correspondendo à erosão do “Estado-providência”. realizar um determinado trabalho).O período da “escola das promessas”: A partir de meados do século XX. durante o último quarto de século. necessariamente. Esse conjunto de mudanças profundas afetou a juventude de forma muito particular. na organização escolar. 1955) O desencanto com a escola amplificou-se durante o último quartel do século XX. é substituir o critério de “obrigação” pelo critério da “necessidade”.“Escola das incertezas” . do ponto de vista dos professores. o “constrangimento pela espontaneidade”. 2. o enfado pelo prazer”. quer coma escola. em resultado das mudanças profundas que afetaram o setor econômico. A expansão quantitativa dos sistemas escolares estava associado a uma pano de fundo marcado pela euforia e otimismo em relação a escola. nomeadamente no que diz respeito à natureza da sua relação. é concomitante com a construção de um “Estadoprovidência” que se assume como “estado-desenvolvimentista”. também designado por “Estado regulador” (Queiroz. o Em síntese: o que está em causa. a incompatibilidade pelo entendimento. o Essas transformações têm implicações importantes no campo da educação: .o A verificação recorrente de que os alunos “trabalham pouco” é. compreensivelmente preocupante:  A aprendizagem corresponde. a um trabalho realizado por quem aprende e os professores. Esse fenômeno da “explosão escolar” assinala um processo de democratização de acesso a escola que marca a passagem de uma escola elitista para uma escola de massas e a sua entrada num “tempo de promessas”. com base na associação entre mais escola e três promessas: o o o Desenvolvimento Mobilidade social Igualdade 3. político e social. confrontam-se com a impossibilidade de ensinar a quem não quer aprender (ou seja. quer com o mercado de trabalho: passou-se de uma relação marcada pela previsibilidade para uma relação em que predomina a incerteza. à sua perda de legitimidade e conseqüente emergência de um Estado “mínimo” ou “modesto”. O Declínio do Estado Nacional: O fim ou declínio do Estado Nacional consagra uma mutação com consequências importantes no plano da atividade política. 309). o Por outro lado. sustentara o desenvolvimento do Estado-providência.o o o Está em causa a criação de uma nova ordem que altera e torna obsoletos os sistemas educativos concebidos num quadro estritamente nacional. o Por um lado. Os novos tempos marcam uma tendência inversa: o o desmantelamento dos estados de bem-estar com consequências ao nível dos processos de ruptura do laço social que estão no cerne da designada “exclusão social”. essa perda de coerência é interna: na medida em que o funcionamento interno da escola não é compatível com a diversidade dos públicos com que passou a estar confrontada nem com as missões “impossíveis” que lhe são atribuídas. As suas missões de reprodução de uma cultura e de uma força de trabalho nacionais deixam de fazer sentido numa perspectiva globalizada. o As mutações no mundo do trabalho (desemprego estrutural de massas e precarização dos vínculos laborais) fazem evoluir sociedades baseadas em pleno emprego. uma erosão da centralidade da escola no monopólio legítimo da certificação de conhecimentos”. A Nova questão social: O declínio do Estado nacional é coincidente com a ruptura do compromisso político que. essa perda de coerência é externa: na medida em que a escola foi historicamente produzida em consonância com um mundo que deixou de existir. no período fordista. Escola. o qual permitia uma articulação harmoniosa entre crescimento e a integração social. para sociedades “doentes” do trabalho. segundo Martuccelli (2001.p. A passagem de um paradigma da qualificação para o paradigma da competência representa. do elitismo à exclusão relativa: É com o processo de democratização e massificação da escola que é possível assinalar o ponto de viragem que marca o irreversível rompimento do equilíbrio que caracterizava a “escola das certezas” e a evolução para uma dupla perda de coerência da escola. . O efeito conjugado da expansão dos sistemas escolares e das mutações no mundo do trabalho tende a acentuar a discrepância entre o aumento da produção de diplomas pela escola e a rarefação de empregos correspondentes. 2002). Trata-se de algo que é dificultado pela perda de legitimidade que decorre do fosso cada vez maior entre as expectativas sociais depositadas na escola e as possibilidades da sua concretização. quer a forma escolar. Para alguns. Não é possível advinha nem prever o futuro da escola. Assim. O problema da escola pode ser resumido em três facetas: o A escola. ambos e em conjunto. o O problema central da escola é. mas é possível problematizálo. prisioneiros. A Escola tem Futuro? O diagnóstico sobre a situação atual da escola é sombrio.Dubet e Martuccelli: defendem que o aspecto central da mutação sofrida pela escola reside na sua abertura a novos públicos e na mudança operada nos modos de seleção. o O déficit de sentido é algo em comum a professores e a alunos. Padece de um déficit de sentido para os que nela trabalham (professores e alunos). um déficit de legitimidade. essencialmente. Fecundo imaginar “uma outra escola”. ainda. aparecem feridas de uma irreversível obsolescência.È desejável agir estrategicamente. No quadro de um esgotamento do “programa institucional” (Dubet. a partir de uma crítica a que existe. para que o futuro possa ser o resultado de uma escolha e não a conseqüência de um destino. É marcada. sendo a conseqüência mais importante desta mutação a de colocar como central o trabalho de construção do sentido do trabalho realizado na escola por professores e alunos. a escola já não é uma instituição e. fabrica exclusão relativa). quer a organização escolar. os atores sociais nas escolas passam de uma lógica de desempenho de um papel para a de um processo de construção da sua experiência escolar. a construção de uma escola do futuro deverá se orientar por três finalidades fundamentais: . na medida em que faz o contrário do que diz (reproduz e acentua desigualdades. dos mesmos problemas e dos mesmos constrangimentos. o que condiciona o principal requisito para que a escola seja eficaz: a construção de um sentido positivo para o trabalho que é realizado. no presente. na configuração histórica que conhecemos: É obsoleta. por um déficit de legitimidade social. a adoção do procedimento inverso ao da escola atual que visa a transformação das crianças e jovens em alunos. Construir a escola do futuro supõe. para construir a escola do futuro será necessário: transformar os alunos em pessoas. . onde se vive a democracia. como um lugar de hospitalidade. A construção de uma outra relação com o saber por parte dos alunos e uma outra forma de viver a profissão por parte dos professores têm de ser feitas a par. A de transformar a escola em um sítio em que se ganha gosto pela política. Os professores e os alunos são. isto é. A de fazer da escola um sítio onde se desenvolva e estimule o gosto pelo ato intelectual de aprender – valor de uso para “ler” e intervir no mundo. Só nessas condições a escola poderá assumir-se. ou seja. pois. para todos. em conjunto. prisioneiros dos problemas em comum.o o o A de construir uma escola que se aprenda pelo trabalho e não para o trabalho. usando-a para pensar o mundo e nele intervir. onde se aprende a tolerância com as injustiças e a exercer o direito a palavra.
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