HOMOPARENTALIDADE E ESCOLA A relação entre as famílias homoafetivas com filhos e a escola

March 17, 2018 | Author: Priscila Oliveira | Category: Homosexuality, Adoption, Family, Sexual Intercourse, Lgbt


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UNIFIEO – CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEOPriscila Oliveira da Cruz HOMOPARENTALIDADE E ESCOLA A relação entre as famílias homoafetivas com filhos e a escola Osasco 2014 2 UNIFIEO – CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO Priscila Oliveira da Cruz HOMOPARENTALIDADE E ESCOLA A relação entre as famílias homoafetivas com filhos e a escola Trabalho apresentado no PIC Programa de Iniciação Científica do Centro Universitário FIEO, realizado no 1º Semestre de 2014, sob a orientação da professora Dr.ª Laís Helena Malaco. Osasco 2014 3 UNIFIEO – CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO Priscila Oliveira da Cruz Email: [email protected] / [email protected] HOMOPARENTALIDADE E ESCOLA A relação entre as famílias homoafetivas com filhos e a escola ____________________________________________ Osasco, ______/_____________/_______ ____________________________________________ Prof. ______________________ ____________________________________________ Prof. ______________________ ____________________________________________ Prof. ______________________ Osasco 2014 4 Agradecimentos. Agradeço primeiramente a Deus, pela vida, pela família e por estar sempre comigo. Aos meus pais, José Luiz e Maria de Lourdes, pelo apoio, carinho e compreensão de sempre. A minha professora e orientadora Laís Helena Malaco, pelo incentivo e dedicação ao projeto. Sem sua orientação minha pesquisa não teria sido concluída. Ao professor João Clemente de Souza Neto por ter me ajudado no início da caminhada. A professora Débora Rodrigues Moura, pela amizade e por me fazer acreditar em meu potencial. A amiga Maria do Carmo por me fazer acreditar que esse sonho seria possível. As amigas e irmãs do coração Brunella França, Gislene Espera e Elis Gonçalves pelas correções e sugestões. As amigas e escritoras Danieli Hautequest, Karina Dias e Sara Lecter, que ajudaram na divulgação desse trabalho. A galera da “família do fundão”, Luciana Rodrigues, Patrícia Barbosa, Mariana Margonar, Roseli Soares, Vanessa Alencar, Vanessa Alves e Vanessa Augusta, que sempre estão comigo, tanto na graduação de Pedagogia quanto na vida. E, especialmente, aos voluntários que me concederam as entrevistas que fazem desse estudo. Sem sua ajuda esse trabalho não teria sido concluído. Meus mais sinceros agradecimentos. (Música: Metal Contra as Nuvens. sem final feliz Teremos coisas bonitas pra contar E até lá. vamos viver Temos muito ainda por fazer Não olhe pra trás Apenas começamos O mundo começa agora Apenas começamos.5 “E nossa estória não estará pelo avesso Assim. .”. Legião Urbana). 6 RESUMO O presente estudo pretende discute a relação entre as famílias homoparentais e a instituição escolar. a escola ainda trabalha com o modelo de família nuclear como única formação familiar possível e aceitável e. de cunho qualitativo conforme Gil (2008). com profissionais da educação (diretora de uma escola. que atuam em instituição escolar na qual ocorreram casos de homoparentalidade. mesmo com o pluralismo curricular. Constou-se que. mesmo com todas as mudanças sociais iniciadas no século XX. . Almejamos saber se as escolas e os profissionais da educação estão preparados para lidar com a família homoparental e como o currículo escolar contemplam os diferentes arranjos familiares. também. coletando dados através da realização de entrevistas com três famílias homoparentais e. Foi realizado um estudo de campo. as famílias homoparentais ainda permanecem invisíveis no cotidiano escolar e os profissionais da educação sentem-se desconfortáveis em tratar do tema. coordenadora pedagógica e professores). .... 28 Capítulo 4.......................................................... O que é Homossexualidade? .......... 40 Referências Bibliográficas ..... 38 Considerações Finais ...................................................... Pesquisa de Campo ...............7 Sumário: Introdução ...... 42 .......... 35 Capítulo 6................................................................................................ 20 Capítulo 3.................. 8 Capítulo 1........................................................................................ Entrevistas realizadas com os profissionais da Escola ............................................................................. 27 Entrevistas realizadas com as famílias homoparentais ..................................... Discussão e Analise dos Dados Coletados Junto às Famílias .............................. 32 Capítulo 5............................ A família homoparental .................... 11 Capítulo 2............................................................................................................. Discussão e Analise das Entrevistas concedidas pelos profissionais da Educação . a complexidade da estrutura da família contemporânea tem imposto dificuldades as instituições escolares e o estabelecimento da relação família/escola tem sofrido alguns reveses. sofreu transformações significativas ao longo do tempo. O presente trabalho tem por objetivo discutir a relação da família homoparental com filhos e a escola. O estabelecimento de uma relação de parceria entre a família e a escola é de suma importância para o sucesso do trabalho escolar. ainda hoje. Atualmente essa deixou de ter apenas um modelo. Por ocasião do meu trabalho como professora de Educação Infantil. e a . A escola tem papel fundamental nessa relação. por exemplo. Almeja-se saber se as escolas e os profissionais da educação estão preparados para lidar com as famílias homoparentais. pois mesmo com a diversidade familiar presente na sociedade contemporânea. a legalização da união estável entre os homossexuais e também a adoção de crianças por casais homoafetivos. baseado na família nuclear monoparental.8 Introdução. proporcionando-lhes situações em que esses se sintam participantes ativos nessa parceira. Na escola. Apesar dos avanços jurídicos no Brasil que permitiram. a instituição escolar ainda trabalha com o modelo de família nuclear como formação familiar perfeita. A aceitação da homossexualidade e de um modelo familiar que foge ao padrão tradicional tem sido um dos principais fatores que provocam conflitos entre as famílias e as escolas. tive contato com um casal homoparental. chefiado por mulheres. já que as duas instituições possuem objetivos comuns. assim como as demais instituições sociais. que buscava sua inserção no ambiente escolar. A família. continua a ser um tema marginal. dentre eles a família homoparental. para se dividir em inúmeros modelos. e pude observar a tensão entre a família. a família homoparental esteve invisível durante décadas de descaso e. devendo considerar as necessidades das famílias. Porém. incomoda alguns segmentos da sociedade. o bem estar e o pleno desenvolvimento da criança. Bissexuais.202 deste total concentramse na Região Sudeste. os nomes dos dois pais podem constar na certidão de nascimento da criança. a adoção era feita por apenas um dos cônjuges. proveniente de uniões heterossexuais anteriores e. Anteriormente. a criança é criada pelo casal gay e ambos assumem a responsabilidade pela criação. colocando fim ao privilégio heteronormativo e possibilitando a formação de novos arranjos familiares. A homoparentalidade pode se constituir de três maneiras. após ações judiciais bem sucedidas. A terceira possibilidade de filiação homoparental acontece quando um dos cônjuges possui filhos. Uma pesquisa realizada no ano de 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica que existem 60 mil casais homoafetivas vivendo em união estável no Brasil. após o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo pelo Superior Tribunal Federal (STF). por meio da inseminação artificial. a parentalidade homossexual tem se tornado cada vez mais expressiva na sociedade brasileira. porém. que tinha dificuldades em se relacionar com a família devido a seus pressupostos familiares heteronormativos. A conquista de direitos pela comunidade LGBT (Lésbicas. Com a regulamentação das técnicas de reprodução assistida pelo Conselho Federal de Medicina a partir de 2010. A primeira possibilidade é a adoção. que se cadastrava no CNA como sendo solteiro.9 escola. Transexuais e Transgêneros) está rompendo com a lógica segregacionista. como observado nos meios de comunicação. sendo que 32. o número de adoções realizadas por casais homossexuais tem crescido gradativamente. Gays. com a constituição da . Não há um índice que comprove o número de famílias homoafetivas brasileiras com filhos. De acordo com o Cadastro Nacional de Adoção (CNA) existem mais de cinco mil crianças e adolescentes à espera de uma família adotante e. A segunda possibilidade está relacionada aos avanços da tecnologia reprodutiva. nesse caso. em alguns casos. casais do mesmo sexo podem ter filhos biológicos e. Travestis. pontuando os desafios que tal configuração familiar gera para as instituições escolares. . Pereira (2011). estuda-se as bases políticas. da família. não importando se a filiação se dá por adoção ou proveniente de filiação anterior à união heterossexual. contemplando poucos sujeitos investigados. Em continuidade a essa discussão. especialmente a homossexualidade. Alves e Lima (2009). já que os dados obtidos foram analisados com mais rigor. Os dados foram coletados em entrevistas com famílias homoparentais e com profissionais da educação (diretora de uma escola. faz-se um breve panorama da história da sexualidade no ocidente e recorre-se aos trabalhos de Foucault (1988) e Chauí (1985). buscando visibilidade e legitimidade. Em seguida conceitua-se a homoparentalidade. perdendo em profundidade. a partir dos trabalhos desenvolvidos por Lima (2011). Mott. a fim de discutir a patologização das sexualidades desviantes. surge como questão efetiva: Será que as escolas estão efetivamente preparadas para atender as crianças cujos pais são homossexuais? Para responder tal questão. Desse modo. Também se discute a especificidade da adoção homoparental a partir dos estudos de Silva (2007). ganhando em qualidade. Foi realizada uma pesquisa de campo de cunho qualitativo conforme Gil (2008).10 união estável e. discute-se sua legitimidade social. Magalhães (2009). coordenadora pedagógica e professores) que atuam em instituição escolar na qual ocorreram casos de homoparentalidade. históricas e culturais que levaram as sexualidades reprimidas a ganharem as ruas. porém. O homossexual possui parentalidade legítima a partir do momento que constrói laços afetivos com a criança e zela por seu bem-estar. Andrade (2011). consequentemente. tendo como base os estudos de Reali (2009). é possível afirmar que os novos arranjos familiares e a diversidade sexual impõem desafios à comunidade escolar. Partindo da concretude da homoparentalidade no Brasil. e pelos pesquisadores Caldéron. Prosseguindo com o exemplo da proibição do incesto. maior será sua respeitabilidade na sociedade. a força da interdição não está apenas nas normas e nos castigos. Na perspectiva apresentada por Chauí (1985) o sexo é encarado de diferentes maneiras nas diversas sociedades e. os cônjuges. transformada em tabu1. mas na interiorização da interdição. os filhos e os irmãos. 1 Chauí define tabu como interdição sagrada e divinizada. dentre eles. os processos educativos. se tomarmos como exemplo a nossa sociedade. dependendo do momento histórico e dos valores e costumes de cada civilização. o sexo é visto como uma torrente impetuosa e contra ele são estabelecidas proibições e permissões. A interdição das práticas sexuais é mais eficaz quando ocorre a interiorização plena do interdito. que são interiorizadas pela consciência individual graças aos inúmeros procedimentos sociais. que quanto mais distante no tempo estiver sua origem e quanto mais invisíveis forem os poderes que a decretam. pela cultura e pela História. É a determinação do primeiro e mais importante dos interditos das práticas sexuais e atinge as diversas sociedades humanas de maneiras distintas. . até mesmo. atingindo a denominada família ampliada e. A proibição do incesto pode ser usada como exemplo no que diz respeito à passagem do sexo “natural” para o sexo “cultural”. Na nossa sociedade a proibição do incesto recai sobre a família restrita. falta grave que gera a morte do infrator e que coloca em risco o grupo social. grupos sociais inteiros.11 Capítulo 1 O que é Homossexualidade? Segundo Farias (2010) a sexualidade bem como as relações afetivas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo foram concebidas de maneira diferente em cada sociedade. Em outras sociedades a interdição é maior. As práticas sexuais são deslocadas de seu caráter biológico e natural e são modificadas pelas regulações impostas pela sociedade. datando do século XIX. na vergonha. ao aprofundar o estudo da repressão sexual. Os sentimentos podem ser disfarçados ou ocultados quando percebidos pelo sujeito como algo incompatível com as normas. permissões e recompensas relativas a práticas que são absolutamente naturais. punições. são bastante recentes. pois estabelece proibições. O sexo torna-se aquilo de que se deve ter vergonha. As demais manifestações sexuais. . e apenas com um longo e árduo trabalho de denúncia. que não fossem heterossexuais e reprodutivas. Fora desses espaços as diferentes manifestações sexuais eram contidas. no sofrimento e na dor. Entretanto. tanto o conceito quanto as reflexões de suas causas e variações no tempo e no espaço. condenada a interdição.12 A repressão sexual é tão antiga quanto à humanidade. Foucault (1988) questiona a chamada “Hipótese Repressiva” afirmando que na verdade não houve uma interdição. Chauí (1985) define a repressão sexual a partir da junção das imposições sociais com a sutil interiorização das proibições e permissões externas. A repressão torna-se perfeita quando já não é percebida como tal. manifestas no desagrado. ao mutismo e a inexistência. foram condenadas a repressão. os valores e as regras sociais. mediante uma considerável soma em dinheiro. um grande incitamento a falar sobre o sexo. silenciadas e censuradas. o sexo poderia ser libertado. De acordo com Foucault (1988) a partir do século XVII a sexualidade passou a ser cerceada pela moral vitoriana e pelo puritanismo moderno. porém. mas sim quando é vivenciada pelo sujeito como um processo de “auto-repressão”. que acabam se convertendo em interdições internas. os indivíduos possuem operações psíquicas responsáveis pela interiorização da repressão enquanto fenômeno social. tornando-o um fenômeno cultural e histórico. manifestando-se apenas de forma marginal nas “rendez-voces” e nas “casas de saúde”. A família conjugal burguesa foi tomada como único e legítimo modelo de sexualidade e. A repressão sexual é um fenômeno bastante peculiar. Nesse sentido. o quarto do casal passou a ser o único local onde o sexo era permitido. mas sim. Ou seja. a repressão sexual quebra a naturalidade biológica do sexo. a partir daí. A relação sexual entre iguais sempre esteve presente na vida em sociedade. p. as instituições que incitam a fazê-lo. para melhor entender o discurso sobre o sexo. Porém. mas apropriar-se dela e. construir um discurso científico com caráter verdadeiro. no fim das contas. pois foi através dela que o discurso sobre o sexo proliferou-se. Coube a medicina. partindo da fala de quem confessa. Sendo assim. finalmente. novas identidades sexuais.” (Foucault. Ela está presente nele todo: subjacente a todas as suas . por ser capaz de captar as verdades que estão escondidas no discurso daquele que confessa.16. o ‘fato discurso’ global. o estudo do discurso sobre o sexo e a divisão da sexualidade em sã (heterossexual. conjugal e monogâmica) e perversa. a partir das confissões obtidas. Não se trata apenas de ouvir a confissão sobre o sexo. primeiro com a Igreja e a prática da confissão dos pecados da carne. a psiquiatria e a justiça penal a captação da confissão. os lugares e os pontos de vista de que se fala. passaram a ser o foco dos discursos sobre o sexo e. depois na literatura com a descrição detalhada do sexo e. quem fala... que adaptaram a confissão religiosa as necessidades modernas de conhecimento sobre o sexo. 1988. porém. Os perversos que. sobretudo pela psiquiatria. que anteriormente não existiam.) o fato de se falar de sexo. psiquiátrica e médica que surgiu a partir do artigo de Wesphal em 1870 e que define toda uma vivência sexual.). “Nada daquilo que ele é.13 Dessa forma a censura e a interdição devem ser entendidas como estratégias dentro da prática de produção discursiva e não como negação ao sexo. contrariarem as leis jurídicas e naturais. por exemplo. por romperem com as leis do casamento e. a partir do século XIX o termo homossexual como categoria psicológica. O caráter científico atribuído à confissão intensificou a autoridade do ouvinte sobre aquele que confessa. a ‘colocação do sexo em discurso’. supostamente. nas novas técnicas cientificas. como é o caso dos homossexuais. em suma. Foucault atribui grande valor ao papel da confissão. é preciso considerar: “(. foram criadas. o médico ganhou uma nova autoridade sobre o paciente. que armazenam e difundem o que dele se diz. escapa à sua sexualidade. porém. dos juristas.” (Foucault. Ao invés de diminuir o peso da repressão dos séculos anteriores. Formou-se um verdadeiro círculo vicioso: a sociedade repressora unida a moral conservadora tornaram clandestinas as práticas sexuais “desviantes”. que servem para diferenciá-lo dos demais e lhe atribuir condutas específicas. Acabou por reger o desejo e fixar nos corpos novas identidades sexuais. 1988. dos artistas e da moral. os desvios e as anomalias. da prática da sodomia. mas. que possui características e identidade próprias. O homossexual tornou-se uma personagem da sexualidade humana. 1988. que anteriormente era responsabilidade dos religiosos. passou a ser também um problema clínico e de saúde. já que ela é o princípio insidioso e infinitamente ativo das mesmas. as doenças venéreas.14 condutas. . “A homossexualidade apareceu como uma das figuras da sexualidade quando foi transferida. inscrita sem pudor na sua face e no seu corpo já que é um segredo que se trai sempre. As “aberrações sexuais”. O sodomita era um reincidente. 43. reforçando a repressão sexual. um hermafroditismo da alma. esses conhecimentos serviram para propósitos de normalização das práticas sexuais. tornaram-se interesse dos estudiosos. pelo contrário. Chauí (1985) afirma que o sexo. como explica Chauí (1985) o estudo das condutas sexuais “desviantes” estava diretamente relacionado com o desejo de controlá-las. agora o homossexual é uma espécie. mesmo as considerando patológicas. O conhecimento científico gerado pela “Scientia Sexualis 3” deu lugar a novas formas de repressão sexual. a de normatizar as condutas sexuais desviantes. não interditou as perversões. para uma espécie de androgenia interior. também. p.” (Foucault.). As práticas sexuais passaram a ser estudadas num contexto médico-científico a fim de identificar as condutas sexuais patológicas2. A finalidade não era apenas higiênica. p. Chauí apropria-se do conceito de “Scientia Sexualis” desenvolvido por Michel Foucault em História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. 2 3 Divididas entre físicas e psíquicas.). O discurso sobre as práticas sexuais desviantes. dentre elas a homossexualidade. 44. Por isso. como as pesquisas demográficas e o controle de natalidade e mortalidade. que acabavam introduzindo novos conhecimentos e normas sobre as práticas sexuais. faziam parte das estratégias que apóiam e auxiliam nos discursos reguladores. decifrando o que dela ele nos diz.) e psicológicos (culpa. etc. “Nós dizemos a sua verdade. Para Foucault (1988) o processo de interdição sexual na verdade serviu para a elaboração de um discurso sobre o sexo e uma produção de verdade sobre a sexualidade. o sexo foi subordinado aos interesses do Estado.” (Foucault. Segundo Foucault (1988) os Estados também se valeram dos discursos sobre o sexo. a fim de estabelecer princípios reguladores na vida sexual dos seus cidadãos. mas. utilizando a confissão como estratégia para elaboração de uma verdadeira teia de saberes sobre a sexualidade.).). voluntária ou não. O silêncio e a interdição. e ele nos diz a nossa. chamada por ele de “Scientia Sexualis”. O futuro e a prosperidade das nações não estavam relacionados apenas ao rigor moral dos seus cidadãos. o médico decifra a sexualidade do paciente. A “Scientia Sexualis” ocorreu apenas no Ocidente e atribuiu grande importância à confissão. Os indivíduos passaram a ser identificados pelo discurso da verdade sobre o sexo. 68. p. Mesmo tendo que esconder seu sexo do olhar de outrem. a maneira como cada um deles usava seu sexo. A partir da confissão. havia um dever em confessar o desejo. que estreitassem os limites entre o biológico e o econômico e. por sua vez. liberando o que estava oculto. etc. Esses distúrbios de origem sexual eram veementemente combatidos pelas ciências médicas da época. promovidas pelas igrejas e por meio de incentivos e medidas fiscais. gerava uma série de distúrbios físicos (sífilis. também. 1988. e não pelo rigor e pela proibição. O sexo passou a ser contido pela proliferação de discursos úteis e públicos. sendo a confissão. foram estabelecidas campanhas sistemáticas.15 segredo que. aumentando a repressão sexual. portanto. . o aparecimento. que utilizou da “Scientia Sexualis” para produzir um discurso científico verdadeiro sobre a sexualidade. pederastia e “hermafroditismo psíquico” permitiu. De acordo com Marilena Chauí (1985) todas as culturas vivenciam o sexo a partir de símbolos. mas sim. é dada ao individuo por quem lhe interpreta a confissão. conjugal e monogâmica. A sociedade burguesa criou um verdadeiro aparato de produção sobre a verdade do sexo. os indivíduos confessam e. também. possibilitou a constituição de um discurso “de reação”: a homossexualidade pôs-se a falar por si mesma. pode ser usado como ponto de resistência. estabelecendo identidades e condutas específicas nos corpos. o discurso sobre o sexo ao mesmo tempo em que auxilia nas estratégias do poder. entranhando-se cada vez mais nas estratégias do poder. sobretudo da psiquiatria. apesar de ter caráter cientifico e objetivo. o novo saber sobre o sexo. de toda uma série de discursos sobre as espécies e subespécies de homossexualidade. interditos e . se sujeitam a verdade sobre seu sexo.”. normas. na jurisprudência e na própria literatura. bem diferente do Oriente com sua “Ars Erotica” e a iniciação aos prazeres do sexo.16 A verdade do sexo vem de fora. (Foucault. no trabalho da medicina. no século XIX. os discursos científicos acabara por regular e vigiar o sexo. Entretanto. mas também. na psiquiatria. um avanço bem marcado dos controles sociais nessa região de “perversidade”. Portanto. apoiando-se principalmente. “Ora. certamente. e serviram para “patologizar” as diferentes manifestações sexuais que não fossem heterossexual. valores. O Ocidente inventou outro prazer. ao confessarem. tornou-se uma nova variante dela. 1988. A fim de libertar-se dos mistérios e dos perigos da sexualidade. a reivindicar sua legitimidade ou sua “naturalidade” e muitas vezes dentro do vocabulário e com as categorias pelas quais era desqualificada do ponto de vista médico. atribuindo-lhe sentidos. analisados e decifrados. A “Scientia Sexualis” criou o prazer da verdade do sexo. 96. Ao invés de interditar a sexualidade desviante.). não significou o fim da repressão sexual. A confissão e seus conteúdos foram captados. inversão. p. atribuindo sentidos diferentes a mesma figura. Uma parte desse sentimento gerou os desdobramentos que culminaram nos movimentos que . Portanto. nem criminosos (como viriam a ser tratados depois). As práticas sexuais são perpassadas por diferentes valores. pois muitos acreditavam que o amor verdadeiro só será possível entre pessoas do mesmo sexo. pois tal fato contrariava sua natureza de cidadão. Entretanto. reprimindo-as. foi admitido em outras sociedades.” (CHAUÍ. mas nem por isso deixavam de existir códigos. portanto. As relações homofílicas só eram permitidas entre um homem adulto livre. considerado ativo. A reação das sexualidades reprimidas. Para exemplificar. que já estava numa posição desonrosa. nem doentes. e um jovem livre ou um escravo jovem ou adulto. 24) Diferentemente de gregos e romanos. p. buscando a manutenção da paz para salvar o planeta e a preservação da humanidade. símbolos. incentivada. Ou seja. ambos assumindo o papel de passivos. poderia ser considerada a mesma. só podia ser passivo. 1985. Sendo assim. porém. normas. em algumas circunstâncias. regras e valores regulando a homofilia e. a referia autora cita a homossexualidade. permissões e interditos que permeiam a vida social. que por sua designação homossexual. “O pederasta e o homofílico não eram monstros. Devido a pouca idade. relação considerada imoral e contrária à natureza. a repressão sexual não é idêntica e nem universal.17 permissões e não como um fato natural bruto. Já o homem adulto livre não poderia assumir o papel de passivo. não era permitida a homofília entre homens adultos livres. Como afirma Reali (2009) o fim da Segunda Guerra Mundial permitiu a organização de diversas entidades coletivas. onde a chamada homofília masculina era tolerada e. o jovem poderia ser passivo sem desonra e o escravo. que sofre forte repressão em nossa sociedade. mitos e preconceitos e que atuam sobre elas. cada época possui valores. formas de repressão. a Europa Cristã condenou e perseguiu a homossexualidade considerada como prática sexual contrária a natureza. como na Grécia e em Roma. foram estabelecidos alguns interditos que regiam a homofília. torna-se legitimo e reconhecido em diversas partes do mundo.. mas às vontades dos indivíduos. uma parcela significativa das pessoas passaram por um processo de liberação. culturais e religiosas ainda são bastante excludentes. Transexuais e Transgêneros). é o direito à constituição legal de famílias homoparentais [. (Reali. 2009. Os corpos não estariam mais sujeitos às normas estabelecidas pelo poder regulador. nos seus diversos locais de atuação.18 surgiram nos anos 60.. O Movimento Gay. inclusive. precursor do Movimento Gay... Suas reivindicações começam a ser atendidas e as bases de luta se fortalecem. como o Movimento Feminista. Estruturas sociais. cultural e jurídico [.] a grande conquista que já pode ser. de certa forma. contudo. Em vários países do mundo e em alguns estados brasileiros. Reali (2009) explica que. o momento em que novos “personagens entram em cena” – conforme jargão muito usado na época” (Reali. os argumentos homofóbicos ainda são muitos. “Nesse período ocorre uma expansão política e organizativa de vários movimentos sociais. como mostra Reali (2009). Bissexuais. o Movimento Feminista denunciou a invisibilidade e a subordinação da mulher. atualmente conhecido como Movimento LGBT (Lésbicas. Travestis. herdeiro e beneficiário das transformações preconizadas pelo Movimento Feminista. perceber avanços. pg. Mesmo que o Movimento LGBT ainda tenha um longo caminho a percorrer para a . celebrada. É possível.. a união homoafetiva existe. Porém.. Gays.] o aparecimento de um campo teórico cuja produção política e intelectual tem feito avançar o debate e as políticas interventivas no âmbito social. Um dos avanços mais importantes para o Movimento LGBT é: “[.]”. 6. pg. como reflexo dessas manifestações. 5.] Estamos ainda longe de uma convivência democrática e livre entre as diversas possibilidades sexuais e afetivas [. inclusive na sociedade brasileira. As mulheres desejavam tornarem-se senhoras de seus destinos e corpos e. reconhecida oficialmente. sendo..). 2009.).. a maioria dos casais. . da travesti. o século XXI não se caracteriza pelo combate à homofobia.19 manutenção e obtenção de direitos. também. Entretanto. ainda é muito comum ter-se apenas uma noção estereotipada e negativa das relações homossexuais e. Os corpos tornaram-se mutantes e as políticas de identidades. sua legitimidade social e as especificidades da adoção por casais homossexuais no Brasil. a família homoparental é uma experiência cultural consolidada. No capítulo a seguir discutiremos a família homoparental. compostas de arcabouço de teorias criadas pelo Movimento LGBT. A sexualidade está livre das grades e a heteronormatividade perdeu espaço. o que se observa ainda é a manutenção da inferioridade do gay. sociais e pessoais causados por uma política de profunda repressão à sexualidade. Lamentavelmente. Na perspectiva de Reali (2009) no século XXI os corpos desafiam o poder regulador. não é reconhecida por uma grande parcela da sociedade como família. do transexual e do transgênero. casamento e constituição de família. vítimas de discriminação. em particular em se tratando da realidade brasileira. no determinismo biológico defendido pelos discursos conservadores que reconhece apenas a união entre homens e mulheres. Questões sobre representatividade e invisibilidade dos diferentes grupos são postas em discussão. da lésbica. seja por meio de palavras pejorativas como bicha ou sapatão. No caso da homossexualidade. especialmente em se tratando da sociedade brasileira. na visão estereotipada amplamente difundida na televisão e. Procura-se entender os efeitos políticos. Conhecer a homossexualidade apenas como estereótipo impede seu vislumbramento total. ganham destaque. enquanto construção de laços de afetividade. à educação. à profissionalização. físico. à liberdade e à convivência familiar e comunitária. ao respeito. pela família e pela sociedade. “Art. ao lazer. com absoluta prioridade. a efetivação dos direitos referentes à vida. da comunidade. 1988). apresenta sérios prejuízos no seu desenvolvimento cognitivo. à dignidade. 19. ao lazer.” (ECA . à profissionalização. à cultura. “Art. “Art. da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente. além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência. à dignidade. à liberdade e à convivência familiar e comunitária. excepcionalmente. o direito à saúde. da sociedade em geral e do poder público assegurar.20 Capítulo 2 A Família Homoparental.069 de 13 de Julho de 1990). Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e. 4º É dever da família. assegurada a convivência familiar e comunitária. à educação.069 de 13 de Julho de 1990). crueldade e opressão. em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.Lei nº 8. discriminação. O indivíduo que cresce sem uma família.” (Constituição Federal. com absoluta prioridade. além de apresentar uma série de danos psicológicos devido à falta de afeto e a ausência dos pais. à alimentação. ao esporte. em família substituta. Direito que deve ser zelado pelo Estado. à saúde. à alimentação. É dever da família. . violência. ao respeito. 227. à cultura. Tanto na Constituição Federal (1988) quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) está garantido à criança e ao adolescente o direito a convivência familiar.” (ECA Lei nº 8. exploração. mas sim de forma a garantir seus direitos enquanto família e afirmarem sua parentalidade legítima [. p..] as configurações familiares homoparentais se dão de forma não a reproduzir a formação familiar hegemônica.. constituídas pelo casamento. bem como outras instituições sociais. a união estável e a adoção são direitos fundamentais do ser humano e.] é necessário conceituar esta família homoparental como para além das relações biológicas. que não possuem autenticidade comprovada.” (Lima.. ou tentar se adequar ao que pareceria mais “normal” para a sociedade em geral. De acordo com Lima (2011) a conquista de direitos pelas comunidades LGBT rompeu com a lógica segregacionista. é singularizar a família. apesar dos discursos contrários. nas diversas sociedades e nos diferentes momentos históricos. Dentre elas está à família homoparental. Recusar o título de “família” as essas novas constituições. Atualmente. consequentemente. 2011. uma família. Magalhães (2009) afirma que a família.). que não mais corresponde a nossa sociedade. todas voltadas para a valorização da dignidade humana e do bem estar dos envolvidos.]” (Lima. existem diversas modalidades de família. 2011.. composta por pai. “[. Quando a criança é gerada antes da . pela união estável. Como afirma Lima (2011). 17. na perspectiva de Magalhães (2009) é negar a existência de um vínculo intrafamiliar. que apresenta formas variadas de arranjos familiares.. p. passíveis de mudanças. mãe e filhos. são criações humanas. atualmente reconhecida legalmente como união estável.. colocando-a num formato único. Anteriormente entendia-se por família apenas aquelas que estivessem de acordo com o modelo de família tradicional.21 A Modernidade trouxe consigo alterações no conceito de família. a efetivação da família homoparental existe e pode se constituir de três formas.. que se constitui a partir das relações de parentesco e parentalidade.). etc. “[. com a constituição de uma união estável e. colocando fim ao privilégio heteronormativo e possibilitando a formação de novos arranjos familiares. e a relação só era legalmente válida se fosse constituída pelo casamento. 13. o homossexual possui parentalidade legítima a partir do momento que constrói laços afetivos com a criança e zela por seu bemestar. físico.22 união homossexual. Dentre as conquistas estão o reconhecimento legal da união estável dos casais homossexuais e. quando o mundo ocidental entrou na chamada “Era dos Direitos”. não importando se a filiação se dá por adoção ou proveniente de filiação anterior à união homossexual ou por reprodução assistida. garantindo-lhes um desenvolvimento sábio e a promessa de um futuro melhor. por meio de adoção e através da reprodução assistida. Alves e Lima (2009) como reflexo das mudanças ocorridas a partir da década de 90 do século XX. Para Lima (2011). Além disso. Os laços entre adotantes e adotado fundam-se no afeto dos componentes envolvidos e não nos laços biológicos. A ampliação dos direitos dos homossexuais é um caso exemplar. Independente da forma como a família homoparental se constituiu. é uma das melhores alternativas para a recolocação de crianças e adolescentes institucionalizados em uma família substitutiva. No caso da adoção. Acredita-se haver prejuízo no desenvolvimento sadio da criança criada por casais de gays e lésbicas. são os possíveis estigmas sociais que as crianças adotadas poderão sofrer em virtude da orientação sexual dos seus pais. como também. é possível que o casal homossexual exerça a parentalidade. A adoção homoafetiva é cercada de mitos e são vários os argumentos contrários a ela. o direito de adoção para os casais homossexuais. para tornar-se uma possibilidade de se constituir uma família. A adoção deixou de ser vista como último recurso para a constituição familiar. a família substitutiva vem para suprir à ausência da família biológica. garantindo ao menor o direito à convivência familiar e assegurando-lhe um crescimento mental. mesmo que apenas um seja o responsável legal pela criança. acredita-se . Mott. consequentemente. emocional e social adequados. A homoparentalidade é entendida por Caldéron. Outro argumento contrário a adoção. A Adoção Homossexual. dificultando sua inserção social. . estabelecendo com eles o diálogo e. Vale ressaltar a importância da adoção pelo casal e não apenas por um dos cônjuges. consequentemente. em caso de separação ou falecimento de um dos pais. O juiz ou tribunal pondera o que diz a lei e se. o adotado teria propensão a tornar-se homossexual. Não existe legislação específica que trate da adoção por casais homossexuais. Em se tratando de possíveis chacotas que as crianças adotadas poderiam sofrer em relação a sexualidade dos pais. principalmente. uma pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo comprovou que os homossexuais adotantes tem grande preocupação com a educação dos filhos e zelam por seu bem-estar. Se assim fosse. comprovando-se o vínculo afetivo entre o menor e casal adotante. os argumentos contrários a adoção por homossexuais mostram-se preconceituosos e negar esse direito os casais homossexuais é discriminatório e fere a dignidade humana. já que ambos dividiram as responsabilidades pela criação do adotado e. evitando assim a marginalização da família homoafetiva. independente da orientação sexual do casal adotante. a jurisprudência tem tendido a reconhecer a vinculação socioafetiva das famílias homossexuais e crescem os casos de casais de gays e de lésbicas adotantes. pais heterossexuais não teriam filhos homossexuais. No entanto. a Ciência não comprovou haver diferenciação no desenvolvimento e na formação moral de crianças criadas por homossexuais das criadas por heterossexuais. O que tem prevalecido no judiciário brasileiro é o principio do melhor interesse da criança. a criação de legislação específica para a adoção por casais homossexuais. Portanto. Como também não existe um consenso cientifico que a influência da orientação sexual dos pais na orientação sexual dos filhos. evitando qualquer exposição dos filhos. a adoção se efetiva. respeitada a acolhida inicial. E. fica garantido a criança direitos básicos como pensão alimentícia e direito a sucessão de bens como herdeira.23 que a falta de referências heterossexuais possa acarretar danos psicológicos e. também. porém. sendo positiva a avaliação do comportamento sócio moral e da estrutura emocional dos adotantes e preenchidas as exigências legais. a jurisprudência brasileira tem utilizado princípios presentes na Constituição Federal. que viabilizam a adoção por casais homossexuais. demonstrando que mesmo com a ausência de legislação específica. No entanto. ela afirma que o estranhamento das crianças se deve ao preconceito que ainda é reforçado pela sociedade sexista e a única forma de mudar tal quadro. a ideia de família nuclear ainda persiste no imaginário social como a formação familiar perfeita e a parentalidade homoafetiva ainda é cercada de mitos e . a citada autora ressalta que independente do estranhamento inicial. Foi solicitado aos entrevistados que desenhassem diferentes modelos familiares dentre eles a família homoafetiva. Já Marina Eirada Pereira (2011) utilizou casos de adoção por casais homossexuais como exemplo. Longe de inviabilizar a adoção por homossexuais. as crianças dariam preferência para as famílias constituídas a partir do modelo tradicional. como apontado por Caldéron. para o caso de serem adotadas. partindo do ponto de vista dos possíveis adotados.24 Mariana Saraiva Chaves Silva (2007) analisou o texto da lei. no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Observou-se um estranhamento por parte das crianças em relação à existência de família constituídas por dois homens ou duas mulheres e. que consiste na realização de desenhos dirigidos e em verbalizações dos mesmos. independente de qual seja a orientação sexual dos adotantes. as crianças desejam ser cuidadas e a família homoparental não foi excluída definitivamente como possibilidade de futura adoção por parte das crianças. valorizando os vínculos afetivos entre adotantes e adotados. Alves e Lima (2009). Mott. No entanto. Rosiane de Andrade (2011) trata da adoção homoafetiva. destacando que a jurisprudência tem levado em conta o princípio do melhor interesse da criança. é uma profunda revisão no conceito de família e nos papéis sexuais dos indivíduos. ressaltando que o respeito e os vínculos afetivos e o combate a discriminação devem ser prioridades no ato do julgamento dos pedidos de adoção. Realizou uma série de entrevistas com crianças utilizando-se do método desenho-estórias. A criança deve explicar ao entrevistador o que ela desenhou. Além disso. dando voz a indivíduos que permaneceram invisíveis nos ambientes escolares e. como “cabeça” do casal. como no caso das famílias homoparentais. Alves e Lima (2009) afirmam que a concretude da família homoparental impõe as escolas à reflexão sobre suas práticas pedagógicas. O Movimento Gay (em suas mais variadas facetas) contribui para o declínio do patriarcalismo. Apesar dos avanços jurídicos. Lima (2011) demonstrou que os profissionais da educação possuem um modelo rígido do que vem a ser uma família que. A instituição familiar não está em jogo. As transformações sociais ocorridas a partir da década de 90 do século XX colocaram o modelo de família nuclear em xeque quando a autoridade exercida pelo homem. apesar de suposta tranqüilidade presente no relato das entrevistadas. para o desenvolvimento do respeito mutuo e a superação dos preconceitos contra os homossexuais. Reali (2009) abordou a relação da escola com a família homoparental. que permanecem invisíveis no ambiente escolar e sem igualdade de direito. na maioria das vezes. incomoda alguns segmentos da sociedade. é distante da realidade e bastante excludente. partindo das vivências das famílias. a família homoparental esteve invisível durante décadas de descaso e. vem enfraquecendo. particularmente às configurações familiares homossexuais que começam a ganhar visibilidade e reconhecimento legal. . de modo a reconhecer a diversidade familiar. Homoparentalidade e Escola. continua a ser um tema marginal. a falta de formação continuada dos professores. É preciso considerar a diversidade de configurações familiares indo além do modelo de família nuclear. ainda há muito que se fazer para o acolhimento das famílias homoparentais nas escolas. que não são preparados para lidar com o tema tende a prolongar o problema. de maneira a ampliar seu leque de trabalho de trabalho no tocante ao tema família. Caldéron. Na escola.25 preconceitos. Mott. mas sim a reconfiguração da mesma. ao questionar convenções sociais e repressões históricas. ainda hoje. e afirmar que o elemento constitutivo da identidade sexual é o amor. Tendo como foco a instituição escolar. .26 Nos próximos capítulos abordaremos a pesquisa de campo realizada coletando dados em entrevistas com as famílias homoparentais e com profissionais da educação (diretora de uma escola. coordenadora pedagógica e professores) que atuam em instituição escolar na qual ocorreram casos de homoparentalidade. J. porém. A primeira família entrevistada é chefiada por dois homens. A segunda família é chefiada por duas mulheres. os nomes dos entrevistados serão mantidos em sigilo. E. T. que são mães de uma menina M. 56 anos. Conforme combinado. também era casada com um homem e L. C. já que os dados obtidos foram analisados com mais rigor. M. de 13 anos. especialmente a família chefiada por dois homens. Semelhantemente ao caso acima mencionado. Os dados foram coletados em entrevistas com famílias homoparentais e com profissionais da educação (diretora de uma escola. já que sua condição de homossexuais é pública e vivida livremente. 29 anos. J. embora as famílias homoparentais. ganhando em qualidade. de 14 anos. As três famílias entrevistas vivem em relações estáveis e duradouras e dividem as responsabilidades pela criação dos filhos. já havia sido casada com um homem e a filha é fruto dessa relação. C. não tenham se oposto a divulgação de seus nomes. que são mães de L. A terceira e última família também é chefiada por duas. na qual ocorreram casos de homoparentalidade. de 34 anos e A.27 Capítulo 3 Pesquisa de Campo. no ano de 2012. perdendo em profundidade. Atualmente. a escola possui apenas um caso de família . Já os profissionais da educação que aceitaram participar desse estudo atuam em uma escola de Educação Infantil localizada em uma comunidade de baixa renda da Região Oeste de São Paulo. 37 anos e R. de 6 anos. de 33 anos. coordenadora pedagógica e professores) que atuam em instituição escolar na qual ocorreram casos de homoparentalidade. é fruto desse relacionamento. contemplando poucos sujeitos investigados. A pesquisa de campo realizada é de cunho qualitativo conforme Gil (2008). que estão juntos há mais de 20 anos e que adotaram um filho. A. 50 anos e D. pois. acostumou-se com a ideia e aceitou receber a visita do casal. A. A escolha de adotar uma criança foi discutida pelo casal durante 10 anos e. afeiçoando-se não só aos pais como também aos amigos do casal. As situações de birra e frustração de A. por sua vez.. com exceção de duas pichações feitas em seu armário da escola com o intuito de denegrir sua família. A primeira família a ser entrevistada é formada por dois homens. independentemente de qual tipo de discriminação o menino sofresse. 56 anos. que lhe explicaram como deveria agir caso fosse discriminado por alguém. A. 50 anos e D. Desde o inicio. M. M de 13 anos. graças a intermédio de uma juíza que se sensibilizou com a história do casal. quanto nas aulas de inglês. no caso de falecimento de um dos dois. sem gerar prejuízos para a segurança da criança. Os primeiros contatos do menino com os futuros pais foram fundamentais para a criação de vínculos afetivos entre o casal e o garoto. foram aprendendo a lidar com o garoto e serem pais e. e D. não foi vítima de discriminação. deram entrada com o pedido na Vara da Infância e da Juventude a fim de obter a habilitação para a adoção conjunta. No começo o menino apresentou resistência em conhecer e ser adotado por um casal gay. nos escoteiros. foram sendo superadas e os limites sendo estabelecidos. freqüenta uma escola de Ensino Fundamental de rede pública de ensino. superou o estranhamento inicial que tinha em relação aos homossexuais. no ano de 2005. o casal optou por pleitear a adoção conjunta. o outro poderia obter a guarda do filho automaticamente. O processo de adoção durou quase sete anos e o casal só conheceu seu futuro filho no ano de 2011. Em julho de 2012 a adoção tornou-se definitiva. que adotaram um menino. M. A. com o tempo. . M. A. 1º Família. A. foi instrumentalizado pelos pais. T. M. Aos poucos T. filho do casal. porém. M. Mesmo sabendo que a burocracia poderia ter sido menor caso um dos dois tivesse entrado com o pedido como solteiro. Felizmente.28 Entrevistas realizadas com as Famílias Homoparentais. tanto na escola. no hospital. São tratadas como uma família comum. após conhecer R. que assume o cuidados com a menina. 29 anos. Como a escola já havia recebido outros estudantes filhos de casais homossexuais. Apesar do choque inicial. E. E. são tomadas em conjuntos e os gastos também são divididos. o quadro docente conta com uma professora transexual. “Mostramos para a M. também. C. 37 anos e R. foi ela que acompanhou C. E. desistiu da relação. descobriu que estava grávida de 2 meses. nasceu. A aproximação com a escola permitiu que o casal acompanhasse o desenvolvimento e o comportamento do filho. . Como também. C. As decisões sobre a educação de M. não aceita o relacionamento que ela mantém com R. a fim de conversar com as pedagogas e falar sobre o histórico do garoto e. Os pais acompanham de perto os cadernos e os trabalhos de casa. que o que importa é o amor. A família de R. Ela está começando a entender e agora ela fala para todo mundo que eu sou a mamãe e a R. passa mais tempo fora de casa é R. R. E. ajudando quando preciso especialmente nas preparações para as provas. que já estavam preparados para lidar com a questão.. não houve um estranhamento por parte dos educadores. sem que uma tire a autoridade da outra. foi casada durante 12 anos e nunca havia pensado em ter filhos. de 6 anos. sem distinções. sem saber que estava grávida. Seu casamento não ia bem e. que são mães de uma menina M. evitar que o menino sofra “bullying” devido ao fato de ser filho de um casal de gays. como da família. foi acompanhado pelo pai D. E. E. Já a família de C.29 No primeiro dia que o menino freqüentou a escola.. carinho e respeito. Além disso. sua atual esposa. e R. e quando M. Como C. Quando foi viver com R. C. C. 2º Família. A segunda família a ser entrevistada é formada por duas mulheres. dividem as responsabilidades pela criação de M. sobre o fato dele ter dois pais gays. acompanhou toda a gestação de C. trata M. é a mamãe do coração. e C. explicando as especificidades de seu relacionamento e tentando fazer M. conheceu L. as mães são bem recebidas e tratadas com igualdade de direitos.. realizou um trabalho com um livro infantil que apresentava diferentes tipos de família. L. J. Eu perguntei se tudo bem pra ela? E ela: Claro mamãe! Eu tenho duas mamães . A família procurou a escola a fim de conversar sobre sua configuração e. sempre dialogando com a menina. e R. entender os motivos do preconceito e como lidar com ele. Porém. dividem as responsabilidades da criação do . Meus pais ficam quietos. conheceu A. A. Inclusive como forma de integrar a família de C. a rotina escolar. A terceira e última família a ser entrevistada também é formada por duas mulheres. a mulher com quem viria a se casar e dividir as responsabilidades pela criação de L. que não vêem com bons olhos o relacionamento de C. e R. afirma C. com quem teve um filho. respeita e sempre nos deu atenção. de 33 anos . com apenas 8 meses de idade e é considerada pelo menino como uma mãe. E. “A coordenação apesar de não concordar por ser evangélica. J. Azar de quem não tem!”. estuda numa escola de Ensino Fundamental da rede particular de ensino. afirma C. M. os dois se separaram e J. afirma C. nas palavras de uma das mães. a conversa foi boa e proveitosa.”. E. e A. incluindo a família homoparental. de 34 anos.30 Que ela tem o pai dela. a escola de M. “Há mais ou menos uns 6 meses atrás a Duda disse que eu era a mamãe que ela nasceu da barriga e a Flor (ela chama a Rosa de Flor) a mamãe do coração. nos diferentes eventos realizados pela escola. 3º Família. desconversam. C. E. Além disso. Nunca notei distinção ou preconceito. era casada com um homem. seja dos próprios parentes ou dos pais de algumas amigas de M. procuram educar a criança da melhor forma possível. as duas não teriam condições de educar e dar amor a uma criança. o preconceito ainda aparece no cotidiano da família. imaginando que por se tratar de um casal homoafetivo. quando o menino ainda era bebê. mas que ela tem duas mães. E. e R. Mesmo assim.”. perceberam que a escola não estava preparada para lidar com as especificidades do casal de forma tranqüila.31 menino e..”. “[.”. e A. Porém. procurou a escola.] a expressão facial denuncia algo. gostaria que tratassem com mais naturalidade. L.] minha mulher também é responsável pelo meu filho. não se interessou em incluir a família homoparental como tema de discussão no cotidiano escolar. J.. É impressionante. a pessoa congela. Somente num momento específico. quanto os pais de A. A minha mulher responde pelo meu filho em caso de necessidade. “É um tema delicado e acho que os professores não estão preparados para isso. bastou o assunto deixar de figurar na mídia e o tema foi novamente abandonado. É tanto respeito que parecem que estão falando com o prefeito e não com a mãe de um aluno. Ele tem nela uma mãe. Diferentemente dos dois casos acima expostos. É difícil mesmo. a escola preocupou-se discutir a homofobia. A reação dos funcionários é de neutralidade. J. A fim de facilitar a comunicação e evitar que o menino sofresse algum tipo de preconceito por conta do relacionamento das mães. dá pra sentir que não está.. porém. A coisa é forçada. Apesar do preconceito não ser declarado. estuda numa escola de Ensino Fundamental da rede pública de ensino. quando alguns rapazes foram atacados na paulista. tanto os pais de J. afirma J. sempre que a gente se declara. Apesar de dizer que está tudo bem. consideram o menino como neto. Leva um tempo para processar a informação e então volta. a escola de L.”. Ela o conhece desde os oito meses de nascido e me ajudou a criar o menino. . diz J. “[. atualmente com 14 anos. declara J... mães de L. as entrevistadas sofreram preconceito em algum momento em sua relação com a escola. J. Apesar de aparentemente não a ver nenhuma conflito entre a família e a escola por conta da sexualidade das mães. como forma de evitar que a criança sofre preconceito. Tal postura não reflete apenas o comportamento da . profissionais e mães respeitáveis. A tranqüilidade na relação entre escola e família homoparental é quebrada assim que as mulheres posicionamse como homossexuais e exigem para suas companheiras tratamento de mãe. Discussão e Analise dos Dados Coletados Junto às Famílias. De acordo com Reali (2009) as entrevistadas afirmam ter uma relação tranqüila com a escola dos filhos. de 14 anos. é melhor que o casal mantenha distância da escola. Reali (2009) entrevistou três famílias homoparentais. mulheres comuns. No texto “Homoparentalidade e escola: que conjugação é essa?”. Mesmo afirmando haver tranqüilidade. Noeli Gemelli Reali (2009) discute a relação entre a família gay e a escola. já que os profissionais da escola não desconfiam que as mães. Reali (2009) afirma que à tranqüilidade na relação das entrevistadas com as escolas de seus filhos é. partindo das vivências de suas entrevistadas. ignorando as famílias que se constituem de dois pais ou duas mães. escondam a ilegalidade de serem lésbicas. Diretores e professores se mostram perplexos diante da transgressão sexual das mães. chefiadas por mulheres e. traçou o perfil do relacionamento que essas famílias tiveram com as escolas de seus filhos.32 Capítulo 4.. Como o exposto por Noeli (2009) a escola organiza-se de acordo com o modelo heteronormativo. Mesmo quando se discute o tema da diversidade sexual. na verdade. porém nos relatos feitos por elas há uma preocupação de não expor a própria homossexualidade. sinônimo de invisibilidade. e A. os professores sentem-se desconfortáveis e até incomodados para discutir o tema da homossexualidade. A pesquisa desenvolvida por Reali (2009) nos permite traçar um paralelo com o caso vivido por um dos casais que tive a oportunidade de entrevistar. Já no caso da família de T. demonstrou que a instituição escolar está disposta a incluir e problematizar a questão dos diferentes arranjos familiares. partindo da realidade presente no cotidiano escolar e não de modelos estereotipados e excludentes. as famílias homoparentais que entrevistei não optaram pelo silêncio. principalmente. 50 anos e D. e R. mesmo de forma singela. portanto. o corpo docente já estava capacitado a lidar com as peculiaridades da família de T. tentou incluir a família homoparental na rotina escolar ao trabalhar. sofresse preconceito dos demais pais de alunos. Foram até a escola. que continua presa aos discursos normativos no que se refere à sexualidade. podemos observar que a escola. 29 anos. a presença de famílias homoparentais no ambiente escolar fomentou a discussão dos pressupostos familiares e sexuais de educadores. discutindo as configurações familiares de seus alunos. caminhando para a diversidade. de 6 anos. pais de A. de qualquer tipo de discriminação. Mesmo que os resultados não tenham sido positivos para todas as famílias entrevistas. Apesar de a tentativa da escola de debater o tema com as crianças não ter impedido que a família de C. com um livro de literatura infantil que apresenta diferentes configurações familiares. se identificaram como homossexuais e cobraram dos profissionais uma postura ativa no combate a discriminação. 56 anos. os outros dois relatos obtidos. de 13 anos. Entretanto. M. mãe de M. a superação de pressupostos familiares excludentes e. No caso da família de C. preparadas para o exercício de sua cidadania. Diferentemente do que foi apontado por Reali (2009). por exemplo. . e. e D. Ou seja. a escola já havia tido contato com outras famílias homoparentais e. 36 anos e R. dentre eles a família homoafetiva. permitindo o combate ao preconceito.33 instituição escolar. alunos e comunidade escolar. Apesar dos relatos positivos que colhi junto às famílias entrevistadas. M. sinalizam para uma possível mudança na postura das escolas em relação à família homoparental. ainda há muito que fazer para o acolhimento das famílias homoparentais nas escolas. proteger o jovem A. é possível afirmar que a garantia de direitos da comunidade LGBT tem deixado as pessoas mais seguras e conscientes. E. mas da sociedade como um todo. principalmente. . especialmente a homofobia.34 um trabalho escolar efetivo que garante o combate a toda e qualquer forma de discriminação. discussão e estudos de textos (geralmente propostos pela direção) e resoluções de problemas. Como membros da APM. sempre respeitando a vontade da maioria do grupo. para ela a . As famílias são convidadas a participar da rotina escolar em momentos específicos. Dia dos Pais. A maioria dos professores da escola é efetiva e possuem Ensino Superior. O planejamento das atividades é feito de maneira que as várias disciplinas dialoguem entre si. dos momentos de festividades escolares. no momento da realização dessa pesquisa. A diretora ou da coordenadora estão sempre presentes nesses momentos. infelizmente. As Horas de Atividades Pedagógicas Coletivas são utilizadas para o planejamento de atividades. Entrevistas realizadas com os profissionais da Escola. ocorrem nesses momentos e de maneira coletiva. Apesar de na escola já terem sido registrados três casos de crianças filhas de homossexuais. a escola possui apenas um único caso de família homoparental que.) e nas reuniões escolares. portanto. primeira profissional a ser entrevistada. Na instituição ocorreram outros casos de homoparentalidade. As tomadas de decisões. entretanto. especialmente os ligados a indisciplina dos alunos. a maioria é licenciada em Pedagogia.35 Capítulo 5. é comum que os professores polivalentes e especialistas trabalharem com temas semelhantes. em particular. Meus primeiros contatos com a escola foram intermediados pela diretora. como expectadores nas festividades presentes no calendário escolar (Dia da Mães. a escola conta com a atuação dos professores especialistas em Artes e Educação. etc. não concordaram em participar dessa pesquisa temendo que a exposição de suas vivências gerasse repercussões negativas na vida da criança. como voluntários nos projetos escolares desenvolvidos em parceira com a Comunidade. Além das professoras polivalentes. A escola de Educação Infantil que fez parte desse estudo se localiza em uma comunidade de baixa renda da Região Oeste de São Paulo e atende crianças com idades entre 3 e 5 anos. dessa maneira. tanto a família quanto a criança devem ser acolhidas na escola de modo a sentirem-se seguras no ambiente escolar. de . a família homoparental causa estranheza. Questionada sobre isso a diretora afirmou que a escola organiza o currículo dessa maneira como forma de abarcar a maioria dos casos. de forma a valorizar e problematizar o cotidiano e as vivências dos alunos. afirmam que o trabalho com as diferentes configurações familiares diversas deve ser feito apenas nas classes em que houver necessidade. ao ler os livros de registro dos professores entrevistados. Entretanto. outras configurações familiares. Porém. o trabalho em sala de aula deve contemplar todas as configurações familiares. excluindo. Os conteúdos relacionados à família estão sempre associados às figuras do pai e da mãe. pois o que se espera é que a criança tenha pai e mãe. num primeiro momento. Após a conversa com a diretora. Pude constatar que no caso do Plano Político Pedagógico não há uma definição clara do conceito de família que a escola trabalha e no Plano Curricular o conceito de família relaciona-se diretamente com o modelo heterossexual. percebi que ao trabalharem com o tema família. já que o que se espera é que a criança tenha um pai e uma mãe.36 presença da homoparentalidade na escola é incomum. adotando atividades que trabalharam apenas com as figuras de pai e mãe. Porém. que foram unânimes em dizer que. como a família homoparental. já que boa parte das famílias que tem filhos matriculados na escola possui pai e mãe. fiz a leitura do Plano Político Pedagógico e do Plano Curricular da escola a fim de verificar qual o conceito de família a instituição escolar possui e como a homoparentalidade é trabalhada em sala de aula. passado o choque inicial é possível incluir a família homoparental no cotidiano escolar em igualdade de direitos como os heterossexuais. especialmente no caso da homoparentalidade. os docentes seguiram o modelo proposto no Plano Curricular da escola. Além disso. independentemente da orientação sexual dos pais. Em seguida. Questionados sobre isso. sem adoção de outros modelos familiares. fiz a entrevista com a coordenadora pedagógica e com os professores. Como também. tanto pela família homoparental quanto pelas famílias heterossexuais. não justifica a inclusão do tema se compararmos. não há menções no livro de registro da professora da realização de um trabalho especial no que tange a família. no livro de registro das reuniões não se encontra menção sobre a discussão do tema e ao questionar a diretora e a coordenadora pedagógica sobre isso. reitera que o preconceito ainda é grande. com o índice de crianças com necessidades educacionais especiais que a escola recebe. no entanto.37 maneira a não causar atritos com as outras famílias. deixando que os alunos falassem livremente de suas experiências familiares sem. Vale ressaltar que apesar das constantes discussões de textos voltados para as questões da Educação nas Horas de Atividades Pedagógicas Coletivas. Nesse caso justificativa para o trabalho com tema seria a presença da família homoparental e não o combate a discriminação. por exemplo. a baixa ocorrência de casos de crianças filhas de homossexuais (até agora a escola registrou apenas três casos). fui informada que não haviam sido encontrados textos que discutem a homoparentalidade. De acordo com ela não houve nenhum tipo de reclamação do trabalho desenvolvido. fazer nenhum registro das atividades em questão. . porém. pois muitas pessoas ainda têm preconceitos contra homossexuais. mesmo na classe onde se apresenta um caso de homoparentalidade. Porém. Ao ser questionada a professora me informou que realizou rodas de conversas e desenhos livres com as crianças de sua turma. permitindo que os professores trabalhem com modelos familiares excludentes. fingir que não . pois. Discussão e Analise das Entrevistas concedidas pelos profissionais da Educação. pude constatar que as famílias homoparentais permanecem invisíveis no cotidiano escolar. com a adoção de atividades que trabalham com o modelo de família nuclear. a família homoparental não encontra espaço no ambiente escolar. tornando o trabalho escolar marcadamente excludente.38 Capítulo 6. já que. Quanto à fala da diretora da escola. mãe e filhos. coordenadores pedagógicos e professores sentem desconforto ao abordar o assunto dentro e fora da sala de aula. Diretores. do combate a discriminação contra a família homoparental e a igualdade de direitos entre pais homossexuais e heterossexuais. da coordenadora pedagógica e dos professores percebe-se o que Lima (2011) denominou de pseudo- esclarecimento sobre o tema da homoparentalidade. como a homoparental. os profissionais da educação possuem um modelo rígido do que vem a ser uma família. baseando-se no heteronormatividade e distanciando-se da realidade vivida por seus alunos. Nesse sentido corroboro com as idéias de Lima (2011). a escola associou o conceito de família apenas com relacionamentos heterossexuais. ao incluir o tema família no rol de conteúdos escolares. aumentando a marginalização da família homoparental como afirma Lima (2011). Há não definição do conceito de família no Plano Político Pedagógico da escola que fez parte desse estudo. preferindo. Fato que se comprova a partir da analise do Plano Curricular da escola. Tanto no ingresso da criança quanto durante a continuidade do processo educativo. composta por pai. por exemplo. abre espaço para a livre interpretação. Apesar do discurso em favor da diversidade. ao entrevistar os profissionais da educação que atuam na escola que participou desse estudo. sem igualdade de direito. No currículo escolar a situação mostrou-se ainda mais grave. muitas vezes. excluindo definitivamente outras configurações familiares. 39 enxergam a diversidade de configurações familiares existentes na nossa sociedade atualmente. particularmente no que se refere a homossexuais e a constituição de famílias homoparentais. apontado pela citada autora e também presente no Plano Curricular da escola participante desse estudo. políticas e sexuais que estão em andamento. por exemplo. Mesmo quando se discute o tema da diversidade sexual. as escolas do século XXI. Como afirma Reali (2009) apesar das mudanças epistemológicas. mas da sociedade como um todo. Um exemplo disso. ignorando as famílias que se constituem de dois pais ou duas mães. . a homoparentalidade continua fora de discussão. são as comemorações em homenagem ao dia dos pais e ao dia das mães. Tal postura não reflete apenas o comportamento da instituição escolar. ainda não consegue lidar com a diversidade. A escola organiza-se de acordo com o modelo heteronormativo. os professores sentem-se desconfortáveis e até incomodados para discutir o tema da homossexualidade. que continua presa aos discursos normativos no que se refere à sexualidade. O que se encontra é o silêncio. Mesmo com o pluralismo preconizado no currículo escolar. Os profissionais da escola. infelizmente. Mesmo quando se discute o tema da . Lamentavelmente. suas particularidades. Apesar dos relatos positivos que colhi junto às famílias homoparentais entrevistadas. Nesses casos as famílias chefiadas por homossexuais foram bem recebidas na escola. foram contempladas e os cônjuges são tratados com igualdade de direito. a documentação escolar também é elaborada partindo de pressupostos familiares excludentes. Em se tratando das entrevistas realizadas na escola com os profissionais da educação (diretora. fingem que não sabem as mães são lésbicas. nem a homoparentalidade e nem o combate à homofobia são discutidos em sala de aula. dois deles sinalizam para mudanças positivas nas escolas no que tangem ao tratamento e inclusão das famílias homoafetivas no cotidiano escolar. de certa forma. mãe e filhos. um dos relatos colhido com uma família chefiada por mulheres faz parte dos casos que estão relegados a invisibilidade. contemplando apenas as famílias constituídas por pai. coordenadora e professores) pude constatar que a invisibilidade da família homoparental permanece. a escola organiza-se de acordo com o modelo heteronormativo. ainda faz parte do cotidiano dos LGBT. apesar de cientes da homossexualidade das mães. preferindo fingir que não enxergam a diversidade de configurações familiares existentes na nossa sociedade atualmente. Quanto à questão da discriminação. As entrevistas realizadas com as famílias homoparentais e a escola permitiram a reflexão sobre a situação das famílias homoafetivas com filhos e sua relação com a escola. Dos relatos colhidos como as famílias homoparentais. é combatido pelas escolas por meio de atividades educativas com a comunidade escolar. que. aumentando a marginalização da família homoparental. Os profissionais da escola se sentem desconfortáveis ao abordar a questão da homoparentalidade dentro e fora da sala de aula.40 Considerações Finais. ignorando as famílias homoafetivas. Além disso. mas da sociedade como um todo. . conscientes e preparadas para o exercício de sua cidadania. especialmente a homofobia. Ainda há muito que fazer para o acolhimento das famílias homoafetivas com filhos nas escolas. capacitando-os a discutir as questões de gênero e sexualidade. Tal postura não reflete apenas o comportamento da instituição escolar. Foram até a escola. É imperativo o investimento na formação continuada dos profissionais da educação. os profissionais da educação se sentem desconfortáveis e despreparados para discutir a homossexualidade. Só assim a construção de um ambiente escolar igualitário será possível. um trabalho escolar efetivo que garanta o combate a toda e qualquer forma de discriminação.41 diversidade sexual. que continua presa aos discursos heteronormativos no que se refere à sexualidade. Fato relevante nesse estudo foi à postura das famílias homoparentais em relação à escola. A partir dos relatos colhidos junto às famílias homoparentais. principalmente. se identificaram com pais ou mães homossexuais e cobraram dos profissionais uma postura ativa no combate a discriminação e proteção de seus filhos contra o preconceito. que não optaram pelo silêncio. é possível afirmar que a garantia de direitos da comunidade LGBT tem deixado as pessoas mais seguras. Diante do exposto há necessidade de preparar os professores e a equipe escolar para atender esse novo panorama familiar. a superação de pressupostos familiares excludentes e. br/ccivil_03/constituicao/constituicao. MOTT. R. Angélica Curvelo. MOTT. In: https://psicologia. 2011.unesp. CHAUÍ. M.br/dpesp/Repositorio/39/Documentos/novos_desa fios_e_demandas_a_comunidade_escolar.sp. GIL. Acessado em: 20/04/2013. A Escola e Os Novos Arranjos Familiares.htm. M. Novos desafios e Demandas à Comunidade Escolar: A Escola e a Educação de crianças adotadas por famílias gays.htm.br/revpsico/index. LIMA. ALVES. São Paulo: Editora Atlas. A. In: Acessado em: 10/02/2014.br/ccivil_03/leis/l8069. Ana Carolina. Constituição da República Federativa do Brasil de http://www. Repressão Sexual essa nossa (des)conhecida. S. 1988.pdf.php/revista/article/viewFile/169/211.defensoria.php/197/course/section/101/rosian e. História da Sexualidade I: A Vontade de Saber. CALDÉRON. 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