HISTORIEN - Revista Acadêmica. Ano 4 n. 9

March 17, 2018 | Author: moiii2099 | Category: Learning, Pedagogy, Time, Science, Knowledge


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ISSN: 2177-0786 2 ISSN: 2177-0786 UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO REITOR: Carlos Fernando de Araújo Callado VICE-REITOR: Rivaldo Mendes de Albuquerque CAMPUS PETROLINA Diretor: Moisés Diniz de Almeida Vice-Diretora: Marta Solange Albuquerque Guimarães COLEGIADO DE HISTÓRIA Coordenadora: Profª Drª Janaína Guimarães da Fonseca e Silva REVISTA HISTORIEN Conselho Editorial Colegiado de História – UPE – Campus Petrolina Prof. Ms. Moisés Diniz de Almeida (Presidente do Conselho – Biênio 2013/2014) Profª Drª Andréa Bandeira Silva de Farias Profª Drª Janaína Guimarães da Fonseca e Silva Prof. Ms. Harley Abrantes Moreira Profª Ms. Tatiana Silva de Lima Profª Ms. Ana Clara Farias Brito Prof. Ms. Carlos Eduardo Romeiro Pinho Prof. Ms. Reinaldo Carvalho Forte Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013 3 Membros Externos Profª Ms. Sheyla Farias Silva (UNILA) Prof. Ms. Luiz Severino da Silva Junior (UNIVASF) Prof. Ms. José Felipe Rangel Gallindo (SEE-PE) Prof. Dr. Nilton de Almeida Araújo (UNIVASF) Prof. Ms. Gian Carlo de Melo Silva (UFAL) Prof. Ms. Lúcio De Franciscis dos Reis Piedade Filho (UEMG) Prof. Dr. Maciel Henrique Carneiro da Silva (IFPE) Profª Drª Maria Cecília Patrício (FADE) Profª. Ms. Cristiane Batista da Silva Santos (UNEB) Profª. Ms. Cristiane Soares de Santana (UFBA) Profª Ms. Elainne Cristina da Silva Mesquita (UFBA) Prof. Ms. Marcus Vinícius Santana Lima (USS) Conselho Consultivo Profª Drª Alcileide Cabral do Nascimento (UFRPE) Profª Drª. Ana Carolina Eiras Coelho Soares (UFG) Profª Drª Ana Maria Colling (UFGD) Prof. Dr. Antonio Lindvaldo Sousa (UFS) Profª Drª Elizete da Silva (UEFS) Profª Drª Flávia de Sá Pedreira (UFRN) Prof. Dr. Henrique Alonso de Albuquerque Rodrigues Pereira (UFRN) Prof. Dr. José Nascimento de França (UFAL) Profª Drª Lina Maria Brandão de Aras (UFBA) Prof. Dr. Lyndon de Araújo Santos (UFMA) Profª Drª Margarida Maria Dias de Oliveira (UFRN) Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013 4 Profª Drª Maria do Socorro de Abreu e Lima (UFPE) Profª Drª Nazira Correia Camely (UFF) Prof. Dr. Ricardo Luiz Silveira da Costa (UFES) Profª Drª. Teresa Maria Malatian (UNESP) Secretaria Executiva Equipe de Revisão e Editoração Prof. Esp. Rafael de Oliveira Cruz Prof. Christoval Araújo Santos Junior – Editoração Prof. Esp. Cleber Roberto Silva de Carvalho – Editoração Profª Juliana Rodrigues Alves – Revisão Prof. Nivaldo Germano dos Santos – Revisão Profª Esp. Alinne Suanne Araújo Silva Torres – Revisão Maria do Socorro Fonseca de Oliveira (Graduação – UPE) – Revisão Dielson da Silva Vieira (Graduação – UPE) – Revisão Lucas Matheus Viana da Silva (Graduação – UPE) – Revisão Paulo Henrique Carneiro Barbosa (Graduação – UPE) – Revisão Janilly Santos de Carvalho (Graduação – UPE) – Revisão OBJETIVO DA REVISTA A Historien é um periódico científico-acadêmico mantido pelo Colegiado de História da UPE – Campus Petrolina, disponível em versão eletrônica. A nossa proposta é o incentivo à produção textual dos alunos do curso de História, visando a expansão do conhecimento em história por meio da produção dos próprios acadêmicos. Assim como, a difusão e divulgação dos resultados das atividades das produções desenvolvidas na instituição ou em outras instituições parceiras. Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013 5 HISTORIEN Revista Eletrônica Universitária Petrolina – PE, ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013. SUMÁRIO EDITORIAL ............................................................................................................................11 DOSSIÊ: O ensino de História na concepção de alunos jovens e adultos: uma análise sobre objetivos e relações com a vida prática ..........................................................17 Wilian Junior Bonete (UEL) O ensino de História à distância: dificuldades e potencialidades ......................37 Bárbara Figueiredo Souto/ Rafaella Araujo Duarte Mello Vieira (UFV) Formar profissionais de História no século XXI: O que dizem as diretrizes curriculares nacionais para formação de historiadores ......................................56 José Antonio Gabriel Neto (UFC) Ensino de História e Educação Não-Formal: Conceitos e Encontros .................68 Juliana da Costa Ramos (UFRPE) Ensino de História: Reflexões sobre o Estágio Supervisionado e a sua prática ...................................................................................................................................................86 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013 6 Joedson da Silva Andrade/Regina Lúcia Meneses de Souza (Graduandos UPE) Escola, Ensino e Tecnologia: a oficina pedagógica “Comunicação tem Histó ria: muito além do bate-papo” ...............................................................................................98 Marcella Albaine Farias da Costa/ Maria Perpétua Baptista Domingues (UFRJ/UERJ) Interações entre o ensino de História Regional e Local e a preservação do patrimônio local ...............................................................................................................113 Moisés Amado Frutuoso (UFBA) Museu Pedagógico de História e Ensino de História: a construção de um museu em sala de aula ...................................................................................................130 Tatiana Polliana Pinto de Lima (UFRB) O jornal como suporte documental e/ou recurso didático para aliar transmissão e produção de conhecimento no ensino de História ..................143 Luciano Everton da Costa Teles (UEAM) A manipulação de saberes na construção de uma História Local ...................158 Iranilson Pereira de Melo (UERN) Fazendo História: A militância como traço identitário dos estudantes de história ................................................................................................................................170 Jackeline Silva Lopes (UNEB) O Ensino de História Antiga: a educação patrimonial através de oficinas pedagógicas .......................................................................................................................185 Beatriz Moreira da Costa (Graduanda UFRJ) Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013 7 Ensino de História: Justiça social em Roma ............................................................199 Filipe dos Santos Vieira/Alex Aparecido da Costa (UEM) Conteúdos e abordagens do ensino de História Regional: um estudo de caso dos livros “Viagem ao engenho de Santana” e “Memória viva dos Tupinambá de Olivença” .......................................................................................................................214 Jaqueline dos Santos Souza (Graduanda UESC) O ensino de História da África e da Cultura afro-brasileira: Desafios e possibilidades ...................................................................................................................232 Franciel Coelho Luz de Amorim (Graduando UPE) Às margens do esquecimento: retratação dos africanos nos livros didáticos de História ..........................................................................................................................241 Geferson Santana (Graduando UFRB) Equívocos da visão eurocentrista em livros didáticos brasileiros sobre a África e os africanos ........................................................................................................256 Rubens Nunes Moraes (Graduando UPE) ARTIGOS LIVRES: Cultura, representação e literatura na pesquisa histórica.................................270 Melissa Rosa Teixeira Mendes (UFMA) O sertão real e imaginário nas construções historiográficas regionalistas .283 Weverson Cardoso de Jesus (Graduando UFT) Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013 8 Combater vícios, ensinar virtudes: o ideal católico tridentino em Sermões de auto-de-fé da Inquisição Portuguesa (1563-1618) ..............................................296 Luís Fernando Costa Cavalheiro (UFPR) Representações historiográficas: Cristãos novos e Inquisição na América Portuguesa .........................................................................................................................310 Juarlyson Jhones Santos de Souza (UFRPE) O poder tem cor: a implementação da produção da cochonilha no Império Português Setecentista ..................................................................................................329 Pamela Sue Zaroski (UFPR) Mercadores da Inquisição. Notas sobre estratégias de ascensão social. (Alagoas Colonial, c. 1674 – c. 1820) .........................................................................346 Alex Rolim Machado (UFAL) Limites do federalismo e da Constituição: A ação oficial de Abraham Lincoln sobre a integração de tropas negras na Guerra Civil Americana (1861-1865) .................................................................................................................................................367 Lara Taline dos Santos (UFPR) A Feminização do Magistério em Pernambuco (1872-1890): Crise Econômica, o fim do Império e o Ensino Público ..........................................................................381 Flávia Bruna Ribeiro da Silva Braga (Graduanda UFPE) A relação entre a imprensa soteropolitana com o golpe de 1889: Uma análise dos discursos jornalísticos sobre a Proclamação da República ......................402 Matheus Berlink Fonseca (Graduando UNIJORGE) Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013 9 As ações do governo pernambucano voltadas para a qualificação de trabalhadores na cidade do Recife, entre os anos de 1889 e 1930 .................416 Estevam Henrique dos Santos Machado (Graduando UFPE) Breve incursão teórico-jurídica sobre o crime passional na Primeira República (1890-1940) .................................................................................................431 Antonio Carlos Lima da Conceição/Lina Maria Brandão de Aras (UFBA) Discursos normatizadores do jornal Cruzeiro na formação da família ideal .................................................................................................................................................448 Jakson dos Santos Ribeiro (UFMA) Menores e criminalidade na década de 1940 e 50 no Rio de Janeiro: As medidas e interesses governamentais na assistência aos desfavorecidos ..459 Raphael Nemésio Costa dos Santos/ Marco Antonio Correia de Carvalho (Graduandos UFRRJ) O Rambo soviético: a desmonumentalização do herói americano e a monumentalização do herói soviético através do cinema ................................470 Moisés Wagner Franciscon (UEM) Reação em cadeia: o descobrimento da fissão nuclear e a criação de armamentos atômicos ....................................................................................................490 Suâmi Abdalla-Santos (UFBA) O papel da Educação no contexto da Crise Estrutural do Capital ....................499 Débora dos Santos Silva (Graduanda UECE) Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013 10 RESENHAS: SALLES, Catherine. Nos submundos da antiguidade. 3.ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987 ................................................................................................................511 Francisco Fabrício Pereira da Silva (Graduando UECE) SILVA, Eduardo; REIS, João J. . Negociação e Conflito: a Resistência Negra no Brasil Escravista. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2009 .............................524 Arthur Rodrigues Fabrício/Liliane Tereza Pessoa Cunha (Graduandos UFRN) HARTOG, François. Evidência da História: o que os historiadores veem. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011 ...............................................................................534 Luiz Henrique Bonifácio Cordeiro (UERJ) CHEVITARESE, André Leonardo; FUNARI, Pedro Paulo A. Jesus Histórico. Uma brevíssima introdução. Rio de Janeiro: Kliné, 2012 ....................................................543 Juliana B. Cavalcanti (Graduanda UFRJ) ENTREVISTA: Conversando sobre Ensino de História – Entrevista com Carlos Augusto Lima Ferreira ...............................................................................................................................550 Rafael de Oliveira Cruz (UFBA) Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013 E o resultado se faz presente na nona edição. Em seguida. n. 9. a partir das narrativas de um grupo de alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da cidade de Guarapuava. Logo em seguida. a Historien se reinventa. Desde a Semana de História promovida em maio de 2013 pelo Colegiado de História da UPE – Campus Petrolina com o tema “Ensino de História: desafios e possibilidades”. em Formar profissionais de História no século XXI: O que dizem as diretrizes curriculares nacionais para formação de historiadores. proporcionar um amplo debate entre pesquisadores de diversas instituições espalhadas pelo país. e mais que isso. Historien (Petrolina). de Wilian Junior Bonete em que discute as concepções sobre o ensino de História. situada no estado do Paraná. O nosso Dossiê inicia com O ensino de História na concepção de alunos jovens e adultos: uma análise sobre objetivos e relações com a vida prática . desafios e possibilidades”. focando na experiência concreta do curso de Licenciatura em História – modalidade à distância – da Universidade Federal de Viçosa. e profundamente mais amadurecidos. Jul/Dez 2013 . ano 4. Joedson da Silva Andrade e Regina Lúcia Meneses de Souza com Ensino de História: Reflexões sobre o Estágio Supervisionado e a sua prática discutem como a disciplina Estágio Supervisionado é uma ferramenta eficaz na superação de modelos engessados de ensino.11 Caros leitores. seus objetivos e relações com a vida prática. Depois. mas sem deixar de lado a ideia primordial de nela fazer um amplo espaço de divulgação da produção científica dos alunos das graduações em História. por isso o tema “Ensino de História: trajetórias. nada melhor que debater mais sobre o processo de formação e as diversas possibilidades na construção e transmissão do conhecimento histórico. Juliana da Costa Ramos em Ensino de História e Educação Não-Formal: Conceitos e Encontros se propõe a discutir os conceitos relacionados à distinção realizada entre o saber histórico escolar e o conhecimento histórico de modo a perceber como esses termos são relevantes à prática pedagógica do ensino de história. Nesse processo de evolução. Bárbara Figueiredo Souto e Rafaella Araújo Duarte Mello Vieira em O ensino de História à distância: dificuldades e potencialidades analisam os problemas e possibilidades do ensino à distância. Quatro anos após o lançamento da primeira edição de nossa revista. pensamos em ampliar o debate para uma nova edição da Historien. José Antonio Gabriel Neto faz uma discussão sobre o conteúdo das Diretrizes Curriculares Nacionais para cursos de História e quais são os novos parâmetros que devem orientar as construções curriculares nesse início de século XXI. Tatiana Polliana Pinto de Lima com o texto Museu Pedagógico de História e Ensino de História: a construção de um museu em sala de aula faz um relato e uma reflexão sobre uma experiência desenvolvida com alunos da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia: a construção do museu pedagógico de história. 9. No texto O jornal como suporte documental e/ou recurso didático para aliar transmissão e produção de conhecimento no ensino de História. Filipe dos Santos Vieira e Alex Aparecido da Costa apresentam uma proposta de aula para alunos do Ensino Médio acerca da situação social em Roma na segunda metade do século II a. Jul/Dez 2013 . tendo como pano de fundo as demandas contemporâneas de um mundo marcado pelo avanço tecnológico. Ainda debatendo sobre ensino de História Antiga. as transformações e permanências na cidade de Amargosa na Bahia ao longo do século XX e início do século XXI. Em seguida. Iranilson Pereira de Melo em A manipulação de saberes na construção de uma História Local discute as abordagens e construção de uma historiografia “oficial” em uma cidade do Rio Grande do Norte. Em Fazendo História: A militância como traço identitário dos estudantes de história. Ensino e Tecnologia: a oficina pedagógica “Comunicação tem História: muito além do bate-papo” discutem a interface entre a escola. o ensino de História na educação básica e as novas tecnologias da informação e da comunicação. Historien (Petrolina). Jaqueline dos Santos Souza no artigo Conteúdos e abordagens do ensino de História Regional: um estudo de caso dos livros “Viagem ao engenho de Santana” e “Memória viva dos Tupinambá de Olivença” discute as transformações ocorridas nas reformulações do conceito de região e a importância de se refletir sobre a história regional e local nos currículos escolares e nos materiais didáticos. Jackeline Silva Lopes analisa a militância como traço identitário dos estudantes da primeira turma de Licenciados em História da Universidade Estadual de Feira de Santana. C.. Já em Interações entre o ensino de História Regional e Local e a preservação do patrimônio local. a partir da construção da memória social e da elaboração das identidades coletivas. Logo após. no texto Ensino de História: Justiça social em Roma. Beatriz Moreira da Costa nos traz o trabalho O Ensino de História Antiga: a educação patrimonial através de oficinas pedagógicas explora os campos da educação patrimonial e oferecer métodos de ensino de História Antiga a partir da oficina pedagógica “Cozinhando para o deus Osíris”. ano 4. Luciano Everton da Costa Teles analisa como os jornais podem ser utilizados no processo de ensino/aprendizagem como suporte documental e/ou recurso didático para promoção de um ensino de história inovador. Moisés Amado Frutuoso discute como o ensino da história regional e local pode contribuir no ambiente escolar para a preservação do patrimônio cultural.12 Marcella Albaine Farias da Costa e Maria Perpétua Baptista Domingues no texto Escola. n. Posteriormente. 1820). Em seguida. n. Ainda na trilha sobre ensino de História da África. discute mutabilidade do conhecimento histórico operado a cada geração de historiadores sobre a presença dos cristãos novos e da Inquisição na América Portuguesa. (Alagoas Colonial. Alex Rolim Machado em Mercadores da Inquisição. faz uma análise sobre as elites da região que hoje compreende o estado de Alagoas. representação e literatura na pesquisa histórica em que a autora busca um possível entendimento de como a narrativa histórica. c. utilizados em escolas públicas e privadas do Brasil. Notas sobre estratégias de ascensão social. ensinar virtudes: o ideal católico tridentino em Sermões de auto-de-fé da Inquisição Portuguesa (1563-1618) analisa a recomendação tridentina era pregada em Portugal. tentando observar os diferentes mecanismos de poder utilizados pela sociedade para ascender socialmente dentro do quadro agrário. a fim de compreendermos como a imagem de sertão foi construída e tornada uma abstração. escravista e periférico da Capitania de Pernambuco. Historien (Petrolina). relaciona aspectos presentes na escrita das questões regionais. Luís Fernando Costa Cavalheiro em Combater vícios. 9. a partir dos sermões de um padre jesuíta. A seção de Artigos livres inicia com o texto de Melissa Rosa Teixeira Mendes intitulado Cultura. o trabalho Às margens do esquecimento: retratação dos africanos nos livros didáticos de História de Geferson Santana reflete sobre os silêncios nos livros didáticos de História do terceiro ano do Ensino Médio referente à participação dos africanos na Segunda Guerra Mundial. Já no trabalho de Pamela Sue Zaroski. Jul/Dez 2013 . no início do século XVII. Em seguida. sobre a importância e ao mesmo tempo as dificuldades de inclusão da temática Africanidades em sala de aula. Ainda sobre a Inquisição Portuguesa. vemos como se deu a implementação da cochonilha no Império Português.13 Franciel Coelho Luz de Amorim em O ensino de História da África e da Cultura afrobrasileira: Desafios e possibilidades debate questões sobre o ensino de História da África e da cultura afro-brasileira. passando por uma discussão nos problemas do nosso ensino. o texto O sertão real e imaginário nas construções historiográficas regionalistas de Weverson Cardoso de Jesus. Juarlyson Jhones Santos de Souza com o texto Representações historiográficas: Cristãos novos e Inquisição na América Portuguesa. O poder tem cor: a implementação da produção da cochonilha no Império Português Setecentista . ano 4. a Historiografia. apresenta-se na atualidade. Encerramos o nosso Dossiê com o texto de Rubens Nunes Moraes intitulado Equívocos da visão eurocentrista em livros didáticos brasileiros sobre a África e os africanos em que aborda como se apresenta a história da África e dos africanos em alguns livros didáticos de Ensino Médio de História. Ainda sobre a América Portuguesa. 1674 – c. em especial os africanos do chifre da África e da África setentrional. o texto Menores e criminalidade na década de 1940 e 50 no Rio de Janeiro: As medidas e interesses governamentais na assistência aos desfavorecidos. o texto de Flávia Bruna Ribeiro da Silva Braga. Em seguida. 9. entre os anos de 1889 e 1930 . conseqüência do período econômico do final do Império e o crescimento das escolas mistas em finais do século XIX. o fim do Império e o Ensino Público traz novas perspectivas à feminização do magistério em Pernambuco. O texto O Rambo soviético: a desmonumentalização do herói americano e a monumentalização do herói soviético através do cinema de Moisés Wagner Franciscon faz uma análise das representações no cinema soviético dentro do contexto da Guerra Fria. de Estevam Henrique dos Santos Machado. tem como objeto a educação para o trabalho no período conhecido como Primeira República. Matheus Berlink Fonseca em A relação entre a imprensa soteropolitana com o golpe de 1889: Uma análise dos discursos jornalísticos sobre a Proclamação da República analisa os discursos jornalísticos utilizados pelos jornais que circulavam da cidade de Salvador durante a primeira quinzena após a Proclamação da República no Brasil.14 Adentrando na América oitocentista. Raphael Nemésio Costa dos Santos e Marco Antonio Correia de Carvalho analisam as medidas desencadeadas que intentavam acrescentar às políticas reguladoras do Estado a assistência aos menores infratores. Antonio Carlos Lima da Conceição e Lina Maria Brandão de Aras em Breve incursão teóricojurídica sobre o crime passional na Primeira República (1890-1940) buscam examinar as concepções jurídicas sobre os crimes passionais ocorridos entre casais com vínculos amorosos e/ou sexuais em Salvador no início da República. ano 4. Jul/Dez 2013 . bem como identificar nos atos a base de uma política de emancipação gradual e compensada dos escravos. intitulado A Feminização do Magistério em Pernambuco (1872-1890): Crise Econômica. Ainda tratando do mesmo período temporal. Já no texto As ações do governo pernambucano voltadas para a qualificação de trabalhadores na cidade do Recife. Suâmi Abdalla-Santos aborda o contexto científico e tecnológico em meados do século XX. Saindo dos Estados Unidos para o Brasil. n. Em seguida. Jakson dos Santos Ribeiro com Discursos normatizadores do jornal Cruzeiro na formação da família ideal nos apresenta discussão acerca da representação da família sobre a ótica do periódico religioso Jornal Cruzeiro entre as décadas de 1940 a 1950 em uma cidade do interior do Maranhão. Em seguida. com foco nas pesquisas que Historien (Petrolina). o texto Limites do federalismo e da Constituição: A ação oficial de Abraham Lincoln sobre a integração de tropas negras na Guerra Civil Americana (1861-1865) de Lara Taline dos Santos estabelece alguns apontamentos acerca da atuação da administração Lincoln com relação à integração de tropas compostas por negros no exército americano. foi realizada por Arthur Rodrigues Fabrício e Liliane Tereza Pessoa Cunha. Cavalcanti nos brinda com a resenha do livro Jesus Histórico. A nona edição encerra com uma entrevista gentilmente concedida pelo Prof. A resenha de Negociação e conflito. n. foi resenhado por Luiz Henrique Bonifácio Cordeiro. 9. Juliana B. da Universidade Estadual de Feira de Santana. de André Leonardo Chevitarese e Pedro Paulo Funari.15 resultaram na criação das primeiras bombas atômicas no texto Reação em cadeia: o descobrimento da fissão nuclear e a criação de armamentos atômicos . Evidência da História. Esperamos imensamente que essa edição proporcione uma gama variada de interesses e debates. Dr. Boa leitura! Historien (Petrolina). E encerramos a seção de Artigos com Débora dos Santos Silva em O papel da Educação no contexto da Crise Estrutural do Capital buscando compreender o verdadeiro papel da educação dentro de nossa realidade. ano 4. Nossa edição consta com quatro trabalhos para a seção de Resenhas: Francisco Fabrício Pereira da Silva nos trouxe a resenha de Nos submundos da antiguidade de Catherine Salles. e que outros pesquisadores venham a colaborar com o crescimento da Revista Historien. Jul/Dez 2013 . de João José Reis e Eduardo Silva. E por fim. Carlos Augusto Ferreira Lima. O trabalho de François Hartog. 9. Jul/Dez 2013 . ano 4. n.16 DOSSIÊ Historien (Petrolina). sobretudo no conceito de consciência histórica tal como JörnRüsen e Agnes Heller propõem. Jul/Dez 2013:17-36. 2Graduado em História (UNICENTRO). 1 Recebido em 12/10/2013.O ENSINO DE HISTÓRIA NA CONCEPÇÃO DE ALUNOS JOVENS E ADULTOS: UMA ANÁLISE SOBRE OBJETIVOS E RELAÇÕES COM A VIDA PRÁTICA1 Wilian Junior Bonete2 Resumo: Com base nos pressupostos teórico-metodológicos do campo da Didática da História e Educação Histórica. Professor/Tutor dos cursos de História da Universidade do Norte do Paraná (UNOPAR – pólo de Guarapuava). Keywords: History teaching.. concepts and historical knowledge of students by teachers. Consciência Histórica. your goals and relationships with life practice. seus objetivos e relações com a vida prática. PR.com Historien (Petrolina). Aprovado em 16/11/2013. Mestre em História Social (UEL). 9. ano 4. through the narratives of a group of students Youth and Adults of Guarapuava. Com a pesquisa aqui relatada sugere-se uma alternativa de trabalho para o ensino de História que aponta a necessidade do conhecimento sistemático das ideias. PR. With this research. n. Didatics of history. E-mail: wjbonete@gmail. dos conceitos e dos saberes históricos dos alunos por parte dos professores. Professor de História da Rede Particular de Ensino na cidade de Guarapuava. Palavras-chave: Ensino de História. Educação histórica. Abstract: Based on the theoretical and methodological assumptions of the field of Didactics of History and History Education. este artigo analisa as concepções sobre o ensino de História. Didática da História. we indicate an alternative job for History teaching which indicates the need of systematic knowledge of ideas. Historical consciousness. . a partir das narrativas de um grupo de alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da cidade de Guarapuava. this paper analyzes the conceptions about History teaching. History Education. especially in the concept of historical consciousness as JörnRüsen and Agnes Heller propose. PR. construção do saber histórico escolar. (CAIMI. Ernesta Zamboni (2005. os pesquisadores dessa área tem buscado novas perspectivas de interpretação e produção de saberes. cultura.. aprendizagem. dentre outras. Para Flávia Caimi (2009). requer conhecimentos e habilidades em diferentes domínios. tem desenvolvido reflexões direcionadas a diversos temas como. 2009. linguagens. destaca. Comunicação. Ao longo das últimas três décadas o ensino de História tem se estabelecido como um fértil campo de pesquisa que contempla investigações sob diferentes ângulos teórico-metodológicos. Pela identidade e diferença com a ciência histórica (MESQUITA. n. Geografia.4). Introdução Os sistemas de ensino enfrentam atualmente novas demandas formativas. p. Jul/Dez 2013: 17-36. tempo e livro didático. além do crescimento quantitativo e qualitativo da produção científica sobre o ensino de História. 9. 2011. Construindo-se numa zona fronteiriça entre História e Educação. Segundo a autora. Historien (Petrolina). de uma maneira diferente das formas tradicionais de aprendizagem reprodutiva ou memorística. porém. p. ocorre uma evolução naquilo que o aluno deve aprender e pela forma como deve aprender. Educação. Desse modo.37) ao fazer um balanço bibliográfico sobre as temáticas que surgiram nos encontros e seminários especializados dos grupos de trabalhos (GTS) nacionais e internacionais. . No plano das discussões sobre o ensino de História essas preocupações estão cada vez mais presentes e partem de uma importante definição acerca dos objetivos de ensinar e aprender História na educação básica. por exemplo. Antropologia. práticas de ensino. a sociedade. p. entrecruzam-se nessa produção diferentes saberes e áreas do conhecimento como História. formação de professores..66). Flávia Caimi afirma ser isso algo extremamente necessário. currículos. com o seu ritmo acelerado de mudança. o que por sua vez. ano 4. a multiplicidade de conhecimentos que envolvem essa produção.O ensino de história na concepção. exige dos professores e alunos uma capacidade de integração e relativização do conhecimento que vai além da assimilação mecânica de informações. possuem uma bagagem cultural. apontam que uma intervenção transformadora da qualidade da aprendizagem histórica demanda um conhecimento sistemático das ideias e dos saberes históricos dos alunos por parte dos professores. Jul/Dez 2013: 17-36. os estudos sobre ensino de História. o presente artigo se propõe a analisar as concepçõesacerca do ensino de História e seus objetivos. tampouco devem ser vistas como obstáculos no processo da aprendizagem. uma visão de mundo. BARCA. opiniões. Compartilhando desse entendimento. na visão de um grupo de 66 alunos jovens e adultos de uma escola pública na cidade de Guarapuava. Os alunos que chegam até a escola. busca-se identificar e refletir sobre quais sentidos são atribuídos por esses alunos a História e se os mesmos conseguem estabelecer uma relação prática do conhecimento histórico com suas vidas. n. conhecer as ideias históricas dos alunos. é um passo fundamental para a construção de um ensino de História com sentido para a vida. . concepções. Assim. As diversas vertentes investigativas partem do princípio da necessidade de constituir parâmetros claros que respondam a pragmática pergunta rotineira que se apresenta no cotidiano intra e extraescolar: afinal.Wilian Junior Bonete Ao rever o panorama apresentado por Ernesta Zamboni é possível reconhecer a existência de diferentes comunidades de pesquisadores que tomam como objeto de suas análises o ensino e aprendizagem da História. para que seve a História? Conforme Ronaldo Cardoso Alves (2011.principalmente aqueles ligados diretamente as áreas da Didática da História e Educação Histórica. independente da idade. 9.21) essa pergunta revela a necessidade de se transformar a realidade instrumental ideológica da História em um instrumento que permita as pessoas a construírem suas identidades e se colocarem de forma autônoma diante dos problemas de orientação temporal na sociedade. bem como a forma pela qual elaboram o pensamento histórico acerca de si mesmos e do mundo que os cerca. Paraná.3 O texto se origina de nossa dissertação de mestrado intitulada Ensino de História. Nesse contexto. consciência histórica e a Educação de Jovens e Adultos defendida em 2013 junto ao Programa de Pós-Graduação 3 19 Historien (Petrolina). (SCHMIDT. valores e experiências de vida que não devem ser desconsideradas. p.Em outros termos. um conjunto de ideias. 2009). ano 4. 2008. para a análise global de todas as formas e funções da consciência histórica. Visando melhor exposição do tema. os processos de recepção da História e os interesses desses alunos como tema essencial de suas reflexões didáticas. mas todas as expressões da cultura e da consciência histórica dentro e fora da sala de aula. Ao contrário de ser entendida como uma “mera facilitadora da aprendizagem” ou como um “conjunto de técnicas pedagógicas”. o seu objeto principal de análise é a consciência histórica (em todas as suas formas e funções) e o seu papel na vida prática humana. (CARDOSO. com a sua própria área de pesquisa e ensino.. como uma sub-disciplina da ciência da história. Historien (Petrolina). A pesquisa contou integralmente com financiamento da CAPES. Entretanto.. esse texto divide-se em duas partes. Nas palavras do autor: Com esta expansão da área de competência do ensino de História. Isso ocorre devido a função de orientação que o conhecimento histórico tem na vida prática em História Social da Universidade Estadual de Londrina – UEL. a Didática da História considera a subjetividade dos alunos. com seus próprios métodos e com a sua própria função. . Jul/Dez 2013: 17-36. A primeira parte apresenta uma breve caracterização sobre os fundamentos teóricometodológicos do campo da Didática da História e Educação Histórica que permitiram a análise das questões aqui presentes.165). n. ano 4. A segunda parte contempla a análise sobre as concepções dos alunos jovens e adultos sobre o ensino de História. a didática da história desenvolveu um autoentendimento com o qual ela se apresenta como relativamente autônoma. não investiga apenas as situações de ensino e aprendizagem da História dentro da sala de aula. De acordo com Jörn Rüsen (2012). Embora possua fortes relações com a História escolar. 9. Didática da História e Educação Histórica: breve caracterização A Didática da História – Geschichtsdidaktik – é um campo de estudos que surgiu na Alemanha e tem influenciado diretamente as pesquisas brasileiras sobre o ensino de História. seus objetivos e relações com a vida em sociedade.O ensino de história na concepção. p. a Didática da História é uma disciplina científica que se preocupa com a formação histórica dos indivíduos. n. é passível de mudança conforme as condições do contexto social e sua realidade. Jörn Rüsen (2010) aponta quatro “dimensões da consciência histórica”. 2001. por sua vez. (RÜSEN. autora também de referência no campo da Didática da História. ano 4. 2012. ao passo que é levado a tomar atitudes ou decisões. Jörn Rüsen define a consciência histórica como sendo um conjunto de operações mentais pelas quais os homens orientam e interpretam sua experiência no tempo e no espaço. Agnes Heller (1993). diferentes modos pelo qual o homem buscou encontrar respostas as suas necessidades (ou carências) de orientação no tempo e no espaço. mas sim.85-86). esses estágios não correspondem a níveis ou etapas. Em suma. p. quem somos e para onde vamos”. De maneira convergente. p15). ou “formas de geração de sentido histórico” que podem ser manifestadas no ser humano: tradicional. 4 21 Historien (Petrolina). A autora chama de “estágios da consciência histórica” essas diferenças nas formas de responder a questão “de onde viemos. Entretanto. nas diversas circunstâncias da vida prática. 9. Cerri (2011) e Bonete (2013). Esta afirmação é inquestionável quando se trata da função prática que o conhecimento histórico desempenha na educação e formação. Jul/Dez 2013: 17-36.57). a autora divide as diferentes condições e características da consciência histórica no tempo em estágios. A forma como o indivíduo interpreta e lida com sua experiência no tempo. crítica e genética. . As perspectivas de Jörn Rüsen e Agnes Heller são privilegiadas no que tange ao ensino de História porque ambos mostram que a consciência histórica é Heller elabora um exercício especulativo com base na história dos povos que nos antecederam procurando sistematizar o quanto sua consciência se difere dos modelos preponderantes na atualidade. especialmente no ensino de história. Nesse sentido. p. exemplar. entende que a consciência histórica é uma forma pela qual os homens buscam respostas as diversas situações que o tempo e a experiência do cotidiano lhes impõem. Esses estágios são pensados em termos de generalidade (referência a parte dos humanos) e universalidade (referência a todos os seres humanos). Agnes Heller (1993. mas múltipla.Wilian Junior Bonete humana e a didática da história pode contribuir com suas pesquisas para controlar esta função. (RÜSEN. Para uma análise mais detalhada ver: Silva (2007).70). (CERRI. p. 2011. Na concepção dos autores a consciência histórica não é única. propõe um quadro teórico denominado de “estágios da consciência histórica”4 que mostra o desenvolvimento da consciência histórica desde os primórdios da humanidade até a atualidade. nas diferentes sociedades. trata-se de deixar aparecer sobre a folha da vida prática humana.. exercem um papel decisivo na vida dos alunos.14). Jörn Rüsen (2012) explicita que a consciência histórica não foi aleatoriamente escolhida como categoria central na Didática da História. que desempenha um papel importante no equilíbrio mental e cultural de um indivíduo. normativas e de uma apropriação significativa. p. como elementos da consciência histórica.) em primeiro lugar trata-se de trazer o lado subjetivo que todos os professores e alunos de história têm. 9. bem como o uso e a função da História na vida pública e privada. Isso significa reconhecer sua constituição por meio da presença e orientação objetiva da memória histórica não-organizada. Segundo Klaus Bergmann (1990. nos quais a autocompreensão histórica do sujeito afetado forma sua identidade. leva em consideração que a consciência histórica é direcionada a organização dos fatores do ensino e aprendizagem e divide-se em dois aspectos: (. Parte-se do pressuposto de que a História e o conhecimento histórico. necessariamente um fator humano. visto que todos são levados a lidar com diversas situações diárias que exigem reflexão e interpretação da realidade e do mundo contemporâneo. Sua análise cobre os estudos históricos. a processos determinados de individualização e socialização. Historien (Petrolina). circulação e utilização social dos conhecimentos históricos. sua orientação disciplinar como objeto para esta área é muito consistente diante da questão de como a História é ensinada e aprendida. ano 4. Grifos nosso). É através dela que se experiencia o passado e o interpreta como História.. direciona seu foco para o significado da História na sociedade. e ao mesmo tempo. . (RÜSEN.71. do ensino e a aprendizagem de história. Isso abre espaço para o entendimento de que os alunos são dotados de uma consciência histórica. um principio organizador (principalmente do ponto de vista escolar). que emerge do cotidiano. (RÜSEN. 2012. Ao mesmo tempo. n. p.. mas cobre todas as formas do pensamento histórico. A Didática da História. Todavia. a tal ponto que ele não possa apenas ser transportado ou transmitido. 2006. Jul/Dez 2013: 17-36. para a produção.O ensino de história na concepção.. isto é. Pelo contrário. por meio da consciência histórica. é útil ressaltar que “consciência histórica” é um conceito que não tem relação apenas com o ensino de História. por meio de experiências históricas seletivas. mas referemse sempre. Nesse caso. investiga e reflete acerca dos conteúdos que poderiam ser transmitidos ou ensinados. p. às categorias e possibilidades da estruturação dos conteúdos históricos tanto na escola. bem como os métodos. nas mídias ou em qualquer outro setor da cultura dos grupos e sociedades. 9.30-33). nas palavras de Ronaldo Cardoso Alves (2011. Jul/Dez 2013: 17-36.Em outras palavras. reflexivo e normativo:  O aspecto empírico é a investigação dos conteúdos históricos que são transmitidos. ano 4. sejam eles nas escolas.91). esse campo se subdivide em três aspectos: empírico. 2007. n. como fora dela. A preocupação maior é. . (RÜSEN. Mesmo possuindo fortes vínculos com a História escolar. Nessa direção.  O aspecto normativo investiga sistematicamente todas as formas da mediação intencional e representação da História.158). é reconhecidamente campo do conhecimento no Reino Unido e tem se espalhado sob 23 Historien (Petrolina). uma vez que os processos de aprendizado ocorrem em diversos e complexos contextos da vida cotidiana. com a História e a formação da consciência histórica em um determinado contexto histórico-social. a formação dos indivíduos.24). sobretudo do ensino de História. é importante considerar que a Didática da História não visa apenas compreender o contexto escolar isolado (CARDOSO. Esse campo investigativo busca a compreensão do papel da cultura e da consciência histórica na sociedade. 2008. propõe os conteúdos a serem ensinados. no entanto. Nesse contexto. p.Wilian Junior Bonete p. Psicologia e as Ciências Sociais. dos grupos e sociedades a partir da e pela História.  O aspecto reflexivo expõe sistematicamente os processos de ensino e aprendizagem. a Didática da História estabelece uma interface com a Pedagogia. p. Outra área de estudo que reflete sobre os fenômenos do ensino e aprendizagem da História é a chamada Educação Histórica – History Education – que atualmente. ” (BARCA. Partindo dos referenciais propostos por Jörn Rüsen. Jul/Dez 2013: 17-36. “[. os estudos da Educação Histórica têm contribuído para a superação da dicotomia entre o “saber” e o “fazer”. 2012). dentre outros autores. evidência. isto é. fez-se uso da “Análise de Conteúdo” proposta por Lawrence Bardin (1977) e Roque Moraes (2003) que procura. Espanha. visto que os problemas didáticos são questões circunstanciais na ciência da História. Como metodologia de análise. essa denominação em países como Portugal. De acordo com Isabel Barca. narrativa e. entre teoria da História e práticas escolares.. como visto anteriormente. (GERMINARI. toma-se a vivência escolar como ponto de partida para a construção do conhecimento histórico mediada por uma reflexão epistemológica construtora de metodologias que dotem alunos e professores de habilidades e competências históricas que os permitam ler e interpretar o mundo que vivem. Historien (Petrolina). A análise pautou-se pelo referencial teórico proposto por Jörn Rüsen e Agnes Heller sobre a consciência histórica que. pois revela as ideias e os saberes históricos dos alunos.. 2007.] essa linha investigativa tem alimentado um conjunto de pesquisas em torno de concepções acerca de explicação. inclusive Brasil. Em outros termos. é central na Didática da História e Educação Histórica. Esse campo investiga as ideias históricas dos sujeitos em contextos necessariamente de escolarização e parte do pressuposto de que intervenções didáticas significativas na aprendizagem histórica exigem o conhecimento das ideias históricas de alunos e professores tendo como principal referência à epistemologia da História.27)... O Ensino e aprendizagem da História na visão de alunos jovens e adultos: concepções e objetivos As duas questões que serão analisadas na sequência. ano 4. p. significância. mais recentemente. . fazem parte do instrumento de pesquisa foi utilizado em nossa dissertação de mestrado. objectividade. 9. n. mudança. BARBOSA. consciência histórica.O ensino de história na concepção. dentro do quadro epistemológico debatido por Jörn Rüsen. Opinião dos alunos jovens e adultossobre os objetivos de se estudar História Questão 10 a) 21% . revelar às minúcias e os sentidos manifestados. ( ).Conhecer o passado b) 8% . n.As três alternativas Para a reflexão sobre a escolha dessas alternativas. foi solicitado aos alunos que a explicassem. a) Conhecer o passado. Explique a resposta que você escolheu: Entre essas alternativas. Das explicações acerca da questão mais assinalada – “(d) As três alternativas” – a análise apontou para a seguinte categorização5: As porcentagens relativas a todas as categorizações apresentadas nos gráficos não se referem ao número de participantes da pesquisa.Buscar orientação para o futuro d) 65% . Assim.Wilian Junior Bonete através da organização. mas sim ao número argumentações. Para tanto. Em sua opinião. 65% dos alunos assinalaram a alternativa “(d) As três alternativas” das quais se obteve o seguinte resultado geral: Gráfico 1 . ano 4. ( ) b) Compreender o presente. e/ou ocultos. qual é o principal objetivo no estudo de se estudar História? Marque apenas uma alternativa. . Jul/Dez 2013: 17-36. ( ) d) As três alternativas. a questão 10 de nosso instrumento de pesquisa procurou identificar a valorização dos objetivos do estudo da História pelos alunos jovens e adultos. categorização e interpretação. 9. nos diversos tipos de discursos. 5 25 Historien (Petrolina). tanto em fontes existentes como aquelas produzidas.Compreender o presente c) 6% . foi lhes apresentado o seguinte enunciado: 10. ( ) c) Buscar orientação para o futuro. As três dimensões temporais como explicação e entendimento da vida humana 5% . alternativa d ) 43% . No Quadro 1 abaixo.. "Vida Prática" e "Futuro"] 19% . Jul/Dez 2013: 17-36. "Presente".Orientação para a Vida Prática [subcategoria: "Passado"..Categorização das respostas As três alternativas (Questão 10. a linha argumentativa predominante foi identificada na categoria “Orientação para a Vida Prática” (43%). ano 4. . apresentam-se alguns fragmentos das argumentações dos alunos: Historien (Petrolina). Gráfico 2 .História como fonte de conhecimento 8% .Passado como meio de orientação para o futuro 19% .O ensino de história na concepção.Argumentações diversas Como pode ser observado. n. 9.Passado como entendimento do presente 5% . No entanto. foram várias as temáticas argumentativas levantadas. PM. n.” MM16 L1-3: “Uma coisa completa a outra.Argumentações6 GM24 L1-4: “(.) porque ficamos conhecendo o passado.” GM7 L1-3: “(... assim compreender o presente e nessa mistura nos orientar para o futuro”. ano 4. 9.” GM12 L1-3: “conhecer a história esta ligado ao pass ado como podemos compreender o presente e também como buscar orientação para o futuro”. a vida dos nossos ancestrais. certamente terei alguma lição para o presente e terei escolhas para o futuro”. Tudo está envolvendo o passado. Jul/Dez 2013: 17-36. Convém destacar que foi privilegiada a escrita original dos alunos. .. conhecendo o passado eu vou entender o presente e poderei me preparar para o futuro”. PM5 L1-4: “(..” MM3 L1-3: “é uma maneira de conhecermos o que aconteceu la atrás e através de certos acontecimentos compreender o presente e ter orientação para muitas coisas”. o que por sua vez justifica eventuais equívocos gramaticais. é interessante para saber o que mudou até agora e para saber também o futuro o que vai faltar que é água. GM2 L1-4: “no meio em que vivemos nos temos que estar atento em tudo o que se passa em nosso meio. MM21 L1-3: “porque temos que conhecer a história do passado . MM5 L1-3: “o que serei amanhã é resultado do que somos hoje e fomos ontem. PM 10 L1-2: “A história tem para mim como objetivo conhecer o passado..” GM 14 L1-3: “(.) temos de saber o que aconteceu no passado para que não cometamos os erros deles no presente e nem no futuro para que continue evoluindo nosso planeta. para viver o presente e construir um futuro com menos erro”. pois a cada dia a nossa vida se torna uma história diferente e diversificada.) história faz parte da nossa vida por isso nos precisamos saber como era a história no passado para compreender o presente e buscar orientação para o futuro. GM9 L1-3: “estudamos a história para estudar o que aconteceu no passado e tentar compreender o que esta acontecendo no presente e tentar entender como será no futuro..” MM2 L1-3: “porque nosso modo de viver depende muito de conhecer a nossa história.” MM7 L1-2: “porque eu acho que a história é capaz de nos ensinar quase tudo na vida.. GM e MM referem-se às nomenclaturas dadas aos alunos participantes da pesquisa no intuito de preservar suas identidades.Wilian Junior Bonete Quadro 1 . 6 27 Historien (Petrolina). assim explica lá. entender como viviam..” GM1 L1-3: “porque você conhecendo a história você aprende o passado e compreende o presente e te auxilia no futuro”. MM20 L1-3: “porque quando eu olhar para o passado. sabendo o que levou a estarmos assim e tentar apontar os erros e termos um futuro mais livre da política suja”.) é importante saber o passado. A história quem faz somos nós mesmos. Embora o discurso dos alunos aponte que o objetivo do estudo da História está relacionado às três dimensões temporais e exerce grande influência na vida prática. e consubstancia-se como uma forma de “Orientação para a Vida Prática”. Ela precisa ser concebida como um conjunto..74). no qual a experiência do tempo passado e a intenção com respeito ao tempo futuro são unificadas na orientação do tempo presente. A respeito disso... é possível inferir que os jovens e adultos enxergam um sentido na História que lhes possibilita conhecer o passado e articulá-lo a interpretação do presente e a expectativa de futuro.. é possível perceber que para alguns a História é considerada apenas como “passado”: “(. 2001.O ensino de história na concepção. de ações humanas. . nesse mesmo quadro de argumentações. n. Jörn Rüsen advoga que: “História” é exatamente o passado sobre o qual os homens têm de voltar o olhar. ou ainda a afirmação de que o “(. “presente” e “futuro”. no espaço. “A história tem para mim como objetivo conhecer o passado. a História é fruto do agir humano (ou dos feitos) no tempo.) porque uma coisa completa a outra. assim compreender o presente e nessa mistura nos orientar para o futuro”. de poderem conquistar seu futuro. 9.. “a história é capaz de nos ensinar quase tudo na vida” (MM7 L1-2). assim explica lá. (PM 10 L12). Por outro lado. ordenado temporalmente. São esses processos concretos que fundamentam qualquer tipo de representação da História. (RÜSEN. a ênfase recai sobre o passado.) Historien (Petrolina). conhecendo o passado eu vou entender o presente e poderei me preparar para o futuro” (MM16 L1-3). Note-se que para o autor. p.. a fim de poderem ir à frente de seu agir. Jul/Dez 2013: 17-36.) A história quem faz somos nós mesmos” (GM2 L1-4)... Há então convergência e relevância no pensamento histórico daqueles alunos que indicaram que: “(. na experiência de vida. De acordo com a visão dos alunos. entender como viviam. Em outros termos. o objetivo maior do estudo da História está diretamente relacionado com as três dimensões temporais: “passado”. ano 4. Categorização das respostas 18% . Para tanto. é importante para a sua vida? Como? Obteve-se então a seguinte categorização: Gráfico3 . Essa breve análise traz consigo algumas indagações: até que ponto o conhecimento histórico se relaciona com a Vida Prática? Em outras palavras. como os alunos estabelecem relações entre o conhecimento histórico e sua experiência de vida? A História aprendida na escola é realmente importante para sua formação? Como? As indagações acima direcionam o foco para a questão 11 que objetivou verificar se o pensamento dos alunos a respeito da História.História como fonte de mudança 13% . 9. adquirido na escola.História como exemplo 3% .História e a busca pela Identidade 3% . Jul/Dez 2013: 17-36.História como passado 5% .História inerente ao ser humano 11% . foi proposta a seguinte pergunta: 11.Ampliação da visão crítica de mundo 13% . ano 4. n. .Wilian Junior Bonete conhecer a história esta ligado ao passado como podemos compreender o presente e também como buscar orientação para o futuro” (GM12 L1-3). Você acredita que o conhecimento sobre a História. manteria o mesmo sentido da questão anterior e se eles argumentariam sobre a forma como se relacionam com conhecimento histórico.Passado em comparação com o presente 8% . expresso em suas narrativas.Para obtenção de conhecimentos 11% .Entendimento da atualidade/sociedade (Questão 11) 8% .Argumentações diversas 29 Historien (Petrolina).Passado e sua influência no futuro 8% . não o tomando como dado puro. deve agir de modo intencional e racional sobre ele.. PM14 L1-3: Sim. GM18 L1-2: sim. é uma Historien (Petrolina). por exemplo: política. e para 11% dos alunos a História possibilita a ampliação da visão crítica de mundo conforme pode ser visto no Quadro 2 abaixo: Quadro 2 . Como pode ser observado.O ensino de história na concepção. Dessa forma.Argumentações Entendimento da atualidade/sociedade GM10 L1-2: sim. a consciência histórica pressupõe que o homem. para essa parcela dos alunos. p. ano 4. GM17 L1-2: para compreender as mudanças na atualidade comparando com o passado. a mobilização do pensamento histórico. exemplo: política. GM23 L1: sim. porque assim consigo entender melhor a sociedade de hoje. sem a história muita coisa como a tecnologia não seria como ela é hoje (... pois tendo esse conhecimento podemos discutir e tentar melhorar o mundo de hoje. convém destacar que 18% afirmaram que o conhecimento histórico adquirido na escola é de grande importância.. por sua vez. Retomando Jörn Rüsen (2001. guerra. paz. PM1 L1-2: Sim.) sem a história ninguém teria ou poucos teriam acesso. 13% afirmaram que estudar o passado permite o entendimento (e comparação) da realidade presente. é útil pontuar que todos os alunos (total de 38) que responderam e argumentaram ao questionamento proposto buscaram apresentar a relação de suas experiências com o conhecimento histórico. novamente houve uma variedade de temas nas categorizações. guerra. Jul/Dez 2013: 17-36. estando no mundo. e. a consciência histórica. pois proporciona o entendimento da atualidade/sociedade. PM3 L1-2: importante para o conhecimento do passado e o que acontece no mundo inteiro. . Os alunos indicaram o conhecimento histórico e seu potencial crítico e transformador como fonte que permite “compreender as mudanças da atualidade comparando com o passado.57). Na impossibilidade de analisar todas as respostas dos alunos. pois aprendemos muitas coisas da sociedade atual e de antigamente. para saber a respeito de como foi criado o país e seus princípios. Porém. 9. n. paz” (GM17 L1-2). mantendo assim o mesmo sentido com relação à questão anterior. . um paradoxo: ou viaja-se no tempo ou traz-se o passado ao presente. GM22 L1-3: sim..Wilian Junior Bonete forma de entender o mundo contemporâneo. n. e ainda posso falar com as pessoas e trocar idéias. Esses alunos entendem que é preciso estar conectado com o mundo da informação. MM20 L1-2: sim. “(.) você fica conhecendo o que aconteceu no passado que explica muita coisa que está acontecendo no presente” (GM22 L1-3). entendem que a História ocupa um lugar privilegiado no que tange a compreensão do mundo. 9. Estudar História é. Nesses fragmentos argumentativos a concepção de História enquanto fonte de conhecimento do passado continua. suas transformações e contradições. portanto. os alunos avançam no posicionamento rejeitando a ideia da História como algo sem sentido ou como mera disciplina escolar. mas agora com a indicação de que esse conhecimento explica “(.. Nessa linha de pensamento. porque você fica conhecendo o que aconteceu no passado que explica muita coisa que esta acontecendo no presente. Ou seja. Essa realidade traduz-se no quadro abaixo: 31 Historien (Petrolina). procurando relacionar a influência do conhecimento histórico com suas experiências de vida na sociedade.Argumentações Passado em comparação com o presente MM3 L1-3: É importante saber o que aconteceu com quem viveu lá atrás.. . MM10 L1-2: muito importante conhecer a história do passado e comparar a história de hoje. Jul/Dez 2013: 17-36. mas por outro lado. MM11 L1-2: sim.) como era a vida antes e como está agora” (MM11 L1-2). ano 4. pois aprendemos como era a vida antes e como está agora. pois conhecendo a história saberei como agir no presente. assim imaginamos hoje e podemos comparar como há diferenças hoje em dia. Isso ficou ainda mais evidente conforme os quadros 3 e 4: Quadro 3 . refleti-lo em sua historicidade e também “discuti-lo a fim de melhorá-lo” (PM1 L1-2). 9. L1) e conduz a formação de uma “(. busca identificar as diversas relações sociais que se estabelecem em distintos e variados grupos humanos.O ensino de história na concepção.. através dela entendemos a evolução do mundo. L12). GM24 L1: sim.. as solidariedades. mas de onde viemos.44)..42) lembra que o primeiro objetivo do conhecimento histórico é a compreensão dos processos e dos sujeitos históricos. Se tornando uma pessoa crítica socialmente. na história você aprende não só sobre a história. ano 4.) entendimento da evolução do mundo” (GM24. da política.) de onde viemos.. igualdades e desigualdades existentes nas sociedades. porque ate na política ela estuda os presidentes. por esse conhecimento. Nesse sentido. GM15 L1-4: Sim. Seria bom estudar tudo. já que. procura perceber as diferenças e semelhanças.Argumentações Ampliação da visão crítica de mundo GM7 L2-4: (. o desvendamento das relações que se estabelecem entre os grupos humanos em diferentes tempos e espaços. Quadro 4 . Holien Gonçalves Bezerra (2009. comparando problemáticas atuais e de outros momentos. portanto. Jul/Dez 2013: 17-36. p. dos estados.. p. democracia. cultura. história do país dos estados. valores.. . cultura.) pessoa crítica socialmente. a História concebida enquanto um processo que amplia a visão crítica de mundo e que objetiva aprimorar o exercício da problematização da vida social como ponto de partida para a investigação produtiva e criativa. uma abertura para uma visão mais diferente de ver a vida e aprender mais.. democracia. uma abertura para uma visão mais diferente de ver a vida e aprender mais”. economicamente e politicamente” (GM9. política. valores. Historien (Petrolina). O conhecimento histórico é. nossos antepassados. nossos antepassados. GM9 L1-2: Sim. (BEZERRA.) aqui na escola é estudado apenas só uma parte da história e já dá diferença. 2009. (GM15 L1-4). história do país.... Os alunos apontaram essencialmente o conhecimento histórico como um fator preponderante para a ampliação da visão crítica a respeito mundo. entende-se “(. n. os conflitos e contradições. O estudo da História em sala de aula leva ao “(. e por fim posiciona-se de forma crítica no presente buscando relações possíveis com o passado. um mecanismo essencial para que o aluno possa apropriar-se de um olhar consciente para sua própria sociedade e para si mesmo. economicamente e politicamente. seja ele criança. p. 9. Almejou-se também. p. conhecer o aluno com quem se trabalha. sugerir uma alternativa para o enfrentamento das dificuldades que existem no campo do ensino e aprendizagem de História a partir do entendimento das ideias e conceitos dos alunos sobre a História e sua função social. é fundamental para que o trabalho docente obtenha sucesso. uma vez que produz informações privilegiadas. necessário compreender a sala de aula como um espaço propício para o compartilhamento de conhecimentos. ano 4. aliadas ao ensino enquanto processo construtivo. 33 Historien (Petrolina). na sociedade em que vivem.Wilian Junior Bonete Considerações finais Ao longo desse texto procurou-se abordar uma concepção de consciência histórica e ensino de História que uma vez articuladas entre si. podem fornecer referenciais e possibilidades de orientação dos seres humanos no tempo. O aprofundamento no tipo de pesquisa aqui relatada possui um grande potencial. pois. para o aprimoramento das questões relativas ao ensino e aprendizagem da História. Torna-se. n. . jovem ou adulto. Jul/Dez 2013: 17-36. ou nas palavras de Maria Auxiliadora Schmidt (2002. Conforme Flávia Caimi (2009. nesse caso sobre a História. Desenvolver um trabalho com base nas ideias. os alunos podem apropriar-se do conhecimento e desenvolver novas formas de pensar historicamente e atribuir sentido as suas experiências no tempo e no contexto social em que vivem. é importante valorizar os conhecimentos prévios dos alunos. conceitos e saberes históricos de alunos. remete a compreensão de que uma das funções do ensino de História consiste justamente na possibilidade de alunos e professores intervirem na realidade em que vivem a partir de diálogos estabelecidos entre o presente e o passado. por meio dessas concepções. e muitas vezes essenciais. Em suma.57) como um espaço onde “uma relação de interlocutores constroem sentidos”. e a maneira como mobilizam tais conhecimentos.79). Por meio dessas ideias. no espaço. práticas e propostas. Londrina. Rebeca. 2ª Ed. v. Klaus.GONTIJO. 2011. p. consciência histórica e a educação de jovens e adultos. Luis Fernando. Aprender História com Sentido para a Vida: consciência histórica em estudantes brasileiros e portugueses. In: KARNAL. Marcelo de Souza. CERRI. Wilian Junior. BERGMANN. A Históriana Reflexão Didática. 1. (Tese de doutorado em Educação) . 1977. set/fev. 5. Jul/Dez 2013: 17-36. 9. CAIMI.. BARBOSA. Geyso./jun. Rio de Janeiro: FGV. (Mestrado em História Social) – Universidade Estadual de Londrina. v. . n. BARCA. São Paulo. 115-126. Laurence. 9. BEZERRA.O ensino de história na concepção. SãoPaulo. GERMINARI. História escolar e memória coletiva: como se ensina? Como se aprende. Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos. 198 f. 2011. Isabel.) 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A formação do professor de história e o cotidiano na sala de aula. Ernesta. Circe. E-mail: [email protected]. mais ricas e profícuas. no entanto. O ensino à distância é uma modalidade educacional que se encontra em franca expansão atualmente e sua flexibilidade e grande alcance fazem com que se torne bastante interessante e propício dentro do contexto físico. compartilhar nossa vivência a fim de tornar as discussões sobre o tema. Federal University of Viçosa. focusing on the concrete experience of the Bachelor's Degree in History from the distance mode. limitations and possibilities of distance learning. Nosso objetivo se concentra no esforço de. ano 4. Jul/Dez 2013: 37-55. Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e atualmente atua como tutora do curso de licenciatura em História modalidade EaD da Universidade Federal de Viçosa. E-mail: barbarafsouto@yahoo. sua aplicação ainda está cercada de desafios a serem solucionados. Aprovado em 15/11/2013. Contribuir para a construção dessas soluções é o principal objetivo deste artigo.com. 9. 3 Graduada em História pela Universidade Federal de Viçosa e atualmente atua como tutora do curso de licenciatura em História modalidade EaD da Universidade Federal de Viçosa.br 2 Historien (Petrolina). share our experiences in order to make the discussions on the topic richest 1 Recebido em 07/10/2013.br. . econômico e social do Brasil. focando na experiência concreta do curso de Licenciatura em História – modalidade à distância – da Universidade Federal de Viçosa/MG. Our objective is concentrated in effort. beyond provides a small overview about the history teaching and distance learning especially in Brazil.O ENSINO DE HISTÓRIA À DISTÂNCIA: DIFICULDADES E POTENCIALIDADES1 Bárbara Figueiredo Souto2 Rafaella Araujo Duarte Mello Vieira3 Resumo: Este artigo pretende fornecer uma reflexão sobre os problemas e possibilidades do ensino à distância. além de fornecer um pequeno panorama sobre o ensino de História e o ensino à distância. Palavras-chave: Ensino de História – Distância – Lugar Social Abstract: This article is intended to provide a reflection about the problems. principalmente no Brasil. n. Em seguida. esboçaremos um panorama sobre a construção e a prática do ensino da disciplina História em nosso país. mesmo que seja preciso percorrer longas distâncias. o artigo foi organizado em quatro seções. Jul/Dez 2013: 37-55. Historien (Petrolina). com as novas modalidades de ensino da disciplina em questão. que hoje estão em voga no Brasil. têm conseguido resultados positivos? Cursos de graduação à distância devem ter nível de dificuldade inferior ao presencial? É possível oferecer ensino de qualidade à distância?O “lugar social” dos alunos influencia na construção do conhecimento oferecido? Com o intuito de responder a esses questionamentos. The distance learning is an educational modality that is currently booming and its flexibility and wide range make it very interesting and suitable within the context of physical. é de grande potencial. neste artigo. 9. a nosso ver. intitulada “O ensino de História no Brasil”. pontuando períodos relevantes e chegando até os dias atuais. However its application is still surrounded by challenges to be solved and to contribute to the construction of these solutions is the main purpose of this article. . almejamos discutir questões relacionadas ao ensino de História no Brasil. na seção “Ensino à distância”. Sentimos a necessidade de compartilhar alguns aprendizados adquiridos na prática. ano 4. no Brasil. Keywords: History Teaching – Distance – Social Place. focaremos a discussão nos cursos de ensino à distância. passando pelas experiências iniciais em nosso país. Devido à experiência na área.Bárbara Souto/Rafaella Vieira and fruitful. o Brasil tem desenvolvido métodos de ensino que objetivam romper fronteiras físicas e levar conhecimento por todo o território nacional. Na primeira. n. Mas será que o ensino à distância consegue absorver o público diverso com o qual precisa lidar? Essa modalidade é uma forma de democratização do ensino? Os cursos. Introdução Desde o século XIX. Pensando nisso. com o intuito de ajudar a refletir e a melhorar a qualidade dessa nova modalidade de ensino que. economic and social development of Brazil. Segundo Manoel Guimarães.1). (GUIMARÃES. com o intuito de abrir questões para reflexão e estimular a prática do ensino de qualidade. nas considerações finais. quando a História adquiriu caráter científico. n. bem como apresentaremos as ideias de autores que já publicaram suas impressões a respeito dessa modalidade de ensino. à consolidação dos Estados Nacionais e à disseminação das universidades. sobre o ensino de História no Brasil. escreveremos sobre as dificuldades e potencialidades do curso em questão que. a nosso ver. Assim. p. ano 4. Por fim. Posteriormente. Podemos atribuir esse fato ao desenvolvimento científico. foram encontrados dezoito programas de ensino referentes às reformas curriculares ocorridas na época.O ensino de história à distância faremos uma reflexão sobre as tentativas de aplicação desse método no País. é nessa época que “O historiador perde o caráter de hommes de lettres e adquire o estatuto de pesquisador. entretanto. O ensino de História no Brasil Contar histórias é prática antiga nas sociedades. surgiram os primeiros manuais como os elaborados por professores do colégio Pedro II. Apenas da disciplina História. No século XIX. 9. Segundo Renato de Souza e João Pires. com o título de “Licenciatura em História à Distância UFV”. o pensar a história enquanto disciplina é uma prática que teve início apenas no século XIX. . todos organizados pelo Colégio Pedro II (VECHIA e LORENZ Apud SILVA e 39 Historien (Petrolina). neste tópico. quais são as tendências no ensino de História? Inspirados nessas questões é que almejamos refletir. que era um instituto referência para todo o País (SOUZA e PIRES. p. 2010. poderá servir de base para reflexão a respeito de outros cursos da modalidade EaD.5) Mas como a história foi ensinada nas escolas? A produção historiográfica ditava o ensino de tal disciplina? Havia influência direta dos governos? E hoje. sua regulamentação foi favorecida em se tratando de disciplina escolar. 1988. tanto a historiografia quanto as mudanças políticas e sociais alteraram significativamente o ensino de História em nosso país. de igual entre seus pares no mundo da produção científica”. no período de 1841 a 1951. colocaremos algumas sugestões para o aprimoramento da dinâmica desse tipo de ensino. Jul/Dez 2013: 37-55. devido à relevância do assunto. indicamos a leitura do artigo de Manoel Luis Salgado Guimarães. 4 Historien (Petrolina).5) Manoel Guimarães analisa profundamente o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e suas produções científicas. Mas quais eram as diretrizes da historiografia na época e do ensino da História no século XIX e início do século XX? O projeto de reflexão sobre a história brasileira ocorreu no período de consolidação do Estado Nacional. E este lugar. com ela era possível aprender lições. p. a disciplinarização da História guardava fortes marcas do debate nacional. a história era vista como “mestra da vida”. Jul/Dez 2013: 37-55. 2010. é interessante a ênfase que o autor dá no caráter elitista da instituição e a influência iluminista em suas produções. ou seja. influenciou diretamente as interpretações sobre a questão nacional. Assim. o “lugar social”. pela ideia de progresso e civilização. herdeira muito próxima de uma tradição iluminista. esclarecido e civilizador”. Para este artigo. 1988. . portanto. para seguirmos as colocações de Michel de Certeau.16). entretanto. ano 4. Nas palavras de Manoel Guimarães: O lugar privilegiado da produção historiográfica no Brasil permanecerá até um período bastante avançado do século XIX vincado por uma profunda marca elitista. (GUIMARÃES.10-14). a história era compreendida como um processo linear. em se tratando de história e historiografia brasileira no século XIX. 9. Não é objetivo desse artigo aprofundara análise sobre o IHGB. p. 1988. Além disso. de onde o discurso historiográfico é produzido. ou seja. n. p. Afinal. desempenhará um papel decisivo na construção de uma certa historiografia e das visões e interpretações que ela proporá na discussão da questão nacional. Portanto.4 A escrita da história proposta pelos membros do IHGB estava pautada na atuação de um “Estado iluminado.Bárbara Souto/Rafaella Vieira GUIMARÃES. o ambiente onde foram construídas as concepções sobre a história. os trabalhos construídos no IHGB foram fundamentais na construção da nacionalidade brasileira e no ensino de História. compreender o presente e encaminhar o futuro (GUIMARÃES. que propunha uma revisão temática e metodológica na pesquisa: [. mas desvalorizando o aspecto crítico das mesmas. nessa época. p... a proclamação da República não trouxe mudanças significativas para o ensino de História. 2012. (CALDEIRA e CAVALCANTI. 41 Historien (Petrolina). não inserindo novas abordagens historiográficas em sua prática docente. O objetivo do governo era utilizar a disciplina para moldar os cidadãos. por isso. com o objetivo de determinar o modelo civilizatório a ser seguido. . 2012. Interessante notar que.2) Apesar dessa intensificação do caráter nacional.2) Entretanto. Para Silva e Fonseca. as oportunidades de ampliar e conhecer novos campos a serem estudados. diversificando o objeto de estudo que poderia estimular o surgimento de uma consciência histórica. na exaltação dos heróis da pátria e a valorização do sentimento de nacionalidade. etc. surgiu a disciplina Estudos Sociais. 2010. que relacionava a história do Brasil à história europeia. de lutas políticas e teóricas. estavam em voga as concepções propostas pela Escola dos Annales. O próximo marco que podemos identificar no ensino de História no Brasil se desenvolveu durante a experiência da ditadura.13-14). Jul/Dez 2013: 37-55. houve centralização das políticas educacionais. Para os autores. n. p. Podemos observar mudança significativa no ensino de História no período do regime militar brasileiro (19641984)..) aumentando assim. que unia a História e a Geografia. o que houve foi uma ênfase nas biografias. Segundo Souza e Pires. O governo de Getúlio Vargas colocou o ensino de História como elemento fundamental da “formação da unidade nacional”. nas décadas de 1930 e 1940. ao menos em seus anos iniciais. antropologia.2). ano 4. a História fo i definitivamente consolidada enquanto disciplina escolar. afinal. a disciplina escolar de História manteve suas diretrizes tradicionais. (SILVA e FONSECA. principalmente a noção de civilização. sociologia. p.O ensino de história à distância O tipo de história desenvolvido pelo IHGB foi ensinado nas escolas.] preocupando-se com uma interpretação fundamentada em trabalho conjunto com as demais ciências humanas (filosofia. esse foi um momento de reflexões. s/d.. (FONSECA Apud SOUZA e PIRES. de debates. ensinando seus deveres básicos para com a comunidade e a nação. p. 9. (SOUZA e PIRES. o mais discutido e debatido entre os estudiosos do assunto. a partir do final da década de 1970. acabam por Historien (Petrolina). muitas vezes. . que se tornou. pois: [. p. A década de 1990 foi de extrema relevância para o ensino de História no Brasil. o rádio. Jul/Dez 2013: 37-55. por isso mesmo. para fins deste artigo. Muitos são os cursos que utilizam mais de uma forma de comunicação em suas atividades. Essa luta foi vitoriosa. refletindo o contexto de redemocratização pelo qual passava o País. e reivindicaram a autonomia das duas disciplinas. desenvolvidos em diferentes lugares por docentes e outros atores do processo educativo. ano 4. A mediação entre as partes se dá através de meios de comunicação diversos. o ensino de História no Brasil expandiu significativamente. a internet.14). cada vez mais. atualmente. 2010. nos últimos anos da História do ensino à distância. como o correio. Essa foi uma conquista importante porque rearfimou. Essas mesmas necessidades. reproduzir conhecimentos eruditos produzidos noutros espaços: existe também uma produção escolar. 9. a cultura escolar.] cresceu a pesquisa científica cujo objeto de estudo é o ensino e a aprendizagem de História. os saberes e as práticas educativas. a concepção de que ensinar História não é apenas repetir. sendo que essas variantes são. Com essa ampliação.. p. entre nós. passou-se a valorizar. Será possível ensinar História à distância? Como funcionam os cursos à distância? Quais as impressões e pareceres que podemos recolher das experiências em andamento? Ensino à distância Consideraremos. guiadas pelas diversas necessidades dos alunos que buscam a possibilidade de uma formação à distância. o telefone e.Bárbara Souto/Rafaella Vieira Os indivíduos ligados às áreas de História e Geografia se mobilizaram. como ensino à distância toda forma de ensino em que professor e aluno se encontram separados em termos de espaço físico. a televisão. diversas em algumas situações..3). o meio de ensino mais expressivo e. (SOUZA e PIRES. n. 2010. É nessa onda de rompimento com preconceitos arraigados na sociedade brasileira e novas formas de se trabalhar o ensino de História que entra em voga uma nova modalidade de ensino: o ensino à distância. (SILVA e FONSECA. também. A partir da década de 60. alguns autores localizam seu surgimento ainda na década de 20.59). p. É marcante o caráter técnico desses cursos. A maior parte da bibliografia sobre o assunto localiza o surgimento do ensino à distância no século XIX. É importante destacar que as iniciativas de formação superior a partir do ensino à distância eram poucas. a criação do Sistema Avançado de Comunicações Interdisciplinares (Projeto Saci). acompanhando a expansão da imprensa e se concretizando. Nos últimos cinco anos.O ensino de história à distância influenciar inclusive o conceito básico de ensino à distância. com o objetivo de ampliar o acesso à educação (SARAIVA. O projeto foi abandonado em 1968. 1996. principalmente. do século XX. tornando presente em sua prática eventos como aulas presenciais. 9. a continuidade das iniciativas dentro do ensino à distância ficava a cargo. Missouri e North Dakota. Texas. principalmente. Podemos elencar. No início do século XX. no uso da internet e do computador. Diversas iniciativas surgiram a partir desse momento e encontraram suporte nos meios televisivos. palestras e outros tipos de atividades que levam professores e tutores para encontros presenciais com seus alunos. Nesse novo 43 Historien (Petrolina).17). como Wisconsin. criado em 1941. principalmente. que pretendia. . as iniciativas brasileiras de ensino à distância se vincularam a outro meio de comunicação em massa. (FREITAS e ARAÚJO. n. a criação do Instituto Universal Brasileiro. como uma das iniciativas brasileira de educação à distância através de correspondência. Nebraska. criada em 1995 e que continua em funcionamento atualmente. p. Kansas. Outro exemplo é a TV Escola. ano 4. Oregon. com a criação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro que apresentava um plano educacional vinculado à radiodifusão. através de um satélite doméstico. denunciando certa descrença quanto a essa possibilidade durante esse período. 2005. através de módulos enviados por correio.58. que visavam principalmente à qualificação para o exercício de alguma atividade ligada à inserçãono mercado de trabalho. É possível citar. alocar três canais de TV com fins educativos. No que diz respeito ao surgimento do ensino à distância no Brasil. ancorado. pôde-se observar uma expansão considerável do ensino à distância no Brasil. em franca expansão no período: a televisão. de universidades americanas. Jul/Dez 2013: 37-55. como exemplos dessa tendência. Minnesota. 6São muitos os profissionais envolvidos no processo do ensino à distância. ano 4. geralmente organizada com o recurso de diversas instituições. a uma biblioteca que o auxilie na sua formação e aos tutores presenciais. Essa possibilidade se tornou bastante interessante para o caso brasileiro devido. A estrutura de ensino proposta pela UAB se dá a partir da articulação de dois elementos: o polo presencial e as universidades.20-21). Historien (Petrolina). do material didático e da equipe de professores que elaborará o material pedagógico. à universidade. coordenadores de pólo e do curso e profissionais e técnicos envolvidos com a produção de aulas e do material didático. p. Podemos enumerar entre eles tutores a distância e presenciais. (SARAIVA. bem como com o apoio dos governos municipais e estaduais. a comunicação entre eles ocorre através do mesmo meio utilizado para o contato com os alunos. foi fundada a Universidade Aberta do Brasil (UAB). logo. . professores.mec. O conceito de polo presencial foi delimitado como uma estrutura para a execução descentralizada de algumas funções didático-administrativas de curso. 1996. É importante lembrar que os agentes educacionais6 também se encontram separados espacialmente.5 O polo é onde ocorre o contato presencial do aluno com o curso.Bárbara Souto/Rafaella Vieira contexto. n. da democratização do ensino superior. a educação à distância se tornou um recurso importante na tentativa de democratização da educação e.gov. que tem como principal objetivo articular e integrar as iniciativas de ensino superior à distância no País. rede ou sistema de educação à distância.br/polo. no caso específico deste artigo. de forma geral. 9. Podemos notar que. Já.Uab. onde ele deve ter acesso aos computadores ligados à internet para realização de suas obrigações do curso. cabe a elaboração do curso. entre outras questões. que oferecem os cursos de formação. O mote da expansão do ensino foi 5 Disponível em: <http: / / www.php > Acessado em 1 de novembro de 2012. consórcio. que têm a função de atender aos alunos e às suas demandas relativas ao curso. Jul/Dez 2013: 37-55. à grande extensão territorial e à escassez de instituições de ensino superior em algumas regiões do País. (ALONSO. p. Algumas pesquisas apontam para a predominância da aprendizagem passiva entre os alunos dos programas de ensino à distância. 45 Historien (Petrolina). 9. diretamente.946). e os altos índices de evasão são um indicativo da distância que existe entre o perfil necessário para a efetivação de um curso à distância de qualidade e o perfil real do público que procura essa possibilidade de formação. Jul/Dez 2013: 37-55. mesmo assim. Como o contato com o professor é sempre feito (ou pelo menos. para além das singularidades e especificidades da modalidade. n. Entretanto não é esse o ambiente hegemônico do panorama dos programas de EaD. 2006. ano 4. é preciso se preocupar com a formulação do material pedagógico e com as avaliações. ávidos a absorver ao invés de elaborar. vem sendo uma das balizas para o que seriam as possibilidades e os limites do seu uso. a comunicação pode apresentar problemas ao longo do processo de aprendizagem. . em grande medida. torna-se necessário o desenvolvimento de uma aprendizagem autônoma. Disponibilizar o material didático de forma acessível ao aluno não é o suficiente. A contradição qualidade versus expansão. A possibilidade de expansão da educação a partir do ensino à distância está diretamente ligada ao uso das tecnologias de informação e comunicação.1322). os chamados TICs. tem se convertido em critério para afirmar ou negar o ensino à distância como uma possibilidade educativa.O ensino de história à distância acompanhado. As discussões sobre as especificidades do ensino à distância apresentam outro ponto em comum: a ênfase no papel ativo do aluno e o perfil autônomo que esses devem apresentar. por exemplo. à situação de uma sala de aula. na maioria das vezes) a partir de um meio de comunicação intermediário. 2010. Eles possibilitam que a informação chegue a um número muito superior de pessoas se comparados. Lidar de forma eficiente com esse intermédio tecnológico é um dos principais desafios do ensino à distância. e que acabam desestimulados a continuar sua formação nos cursos. p. As descrições devem ser precisas e os objetivos claros e. A palavra autonomia parece ser a palavra de ordem das propostas de ensino à distância. (ZUIN. pelo desafio de oferecer uma formação de qualidade que. na esteira dessa expansão. Muitas vezes. ano 4. o ensino se torna problemático. se a tentativa desse exercício se der numa relação de 200 alunos para um professor. na maioria dos sistemas constituídos na EaD. p. Nesse contexto. Citando Kátia Alonso: Temos assistido. como uma das bases da modalidade. (ALONSO. ao menos nos últimos 20 anos. 1330). é possível verificar que. Discutir o papel do docente na EaD e todos aqueles que o acompanham no processo de aprendizagem é um passo essencial para a consolidação da modalidade no País. pouco ou muito pouco se discutiu sobre os novos campos profissionais que surgem ao longo do seu processo de efetivação. no discurso do “trabalho em equipe” tido. É nesse ponto que nossa discussão se encontra com a problemática do papel docente na EaD e o tênue limite entre a função do professor e do tutor. pelo atendimento mais próximo aos alunos. Não é suficiente ter alunos e professores comprometidos com o exercício da mediação. Um dos problemas relacionados a isso é que o tutor não tem. o debate intenso sobre a profissionalização do professor. .Bárbara Souto/Rafaella Vieira Alguns estudos já questionam a ênfase dada à necessidade de autonomia. 9. n. independente de quão eficientes sejam as TICs envolvidas no processo e de quão qualificados sejam os profissionais envolvidos. ao tutor. 2010. principalmente no que diz respeito ao papel e à importância dos tutores. 2010. é da “ilusão do atendimento massificado que se origina a ideia de autonomia do aluno na EaD” (ALONSO. Para autores como Kátia Alonso. Historien (Petrolina). 1327). Se muito já se discutiu sobre as peculiaridades da educação à distância. profissionalmente. fica destinada a maior parte das atividades de “ensino”. mediante a observação dos intermediários tecnológicos envolvidos. supostamente. diante do quadro de expansão do ensino superior no Brasil. embora seja ele o responsável direto. reconhecimento social/ econômico/ empregatício compatível com suas atribuições. Jul/Dez 2013: 37-55. Isso. vale questionar até que ponto. Embora esse debate tenha como personagem o professor que atua na educação básica. problematizando se ela é realmente possível no panorama em que a modalidade de ensino EaD tem se desenvolvido no Brasil. em decorrência da parcelarização do trabalho docente na EaD. o professor de nível superior não sofre do mesmo mal que caracteriza tal fenômeno: a desqualificação. Lagoa Santa/MG. . tendo essas. Em seu edital. de forma geral. por exemplo. pessoas que possuíam ensino médio completo. mas que ainda não atuavam como professores. a partir dessa breve exposição sobre o ensino à distância. mas alguns pontos ainda precisam ser abordados com mais profundidade. Jul/Dez 2013: 37-55. Isto acabou por gerar turmas muito heterogêneas. mas não possuíam ainda uma formação superior na área. suas peculiaridades e especificidades. não foi possível preencher uma grande parcela das vagas destinadas à formação de professores que atuam na rede do ensino básico.O ensino de história à distância Podemos concluir. o curso se direcionava para a formação de professores que já atuavam na rede pública de ensino. Licenciatura em História à Distância (UFV) O curso de Licenciatura à Distância da Universidade Federal de Viçosa/MG iniciou suas atividades no primeiro semestre de 2011. No entanto. 9. Embora seja possível perceber diferenças entre o público dos polos presenciais. o público diversificado que 47 Historien (Petrolina). ano 4. que muito já foi produzido sobre o assunto. funcionários públicos. por jovens que buscavam a sua primeira qualificação profissional. Logicamente. a realidade obtida com o processo de seleção foi outra. e 10 ficaram separadas para pessoas que se encaixam na categoria “demanda social”. em menor número. Ipanema/MG e Bicas/MG. donas de casa que tentavam retomar seus estudos e. n. Isso fica claro quando observamos a distribuição de vagas no edital: 50 se destinam a professores atuantes na rede de ensino público. compostas. ou seja. já que esse se apresenta como uma realidade posta e em constante expansão. Esse caráter inicial fica ainda mais evidente se levarmos em conta que o tempo de serviços prestados também foi convertido em pontos classificatórios no processo seletivo. Diante deste panorama. como previsto no edital. tendo como polos presenciais as unidades de Jaboticatubas/MG. a elaboração de relatos e reflexões sobre as práticas concretas e o compartilhamento dessas conclusões se tornam essenciais para a consolidação e o aprimoramento do ensino à distância no Brasil. sido preenchidas por pessoas que se encaixavam no grupo das “demandas sociais”. por profissionais liberais. Jul/Dez 2013: 37-55. é preciso também relativizar esses dois extremos: observamos casos de pessoas que já tinham obtido outras graduações e possuíam sérios problemas de formação educacional básica (leitura e escrita). rapidamente. citada no tópico anterior. . No que diz respeito à parte de administração e de coordenação. que iam de pessoas que já estavam fazendo sua segunda graduação. 9. Na primeira situação descrita. ao mesmo tempo em que encontramos pessoas há muito afastadas dos estudos e com sérias dificuldades para prosseguir com suas formações (como é o caso dos alunos que residem no meio rural. dos que têm apresentado desenvolvimentos importantes ao longo do processo de formação e dos que têm obtidos bons resultados nas disciplinas. e logo ficou claro que não seria possível atender a todas as necessidades individuais. como uma questão a ser enfrentada. n. não teriam oportunidade de concluir um curso acadêmico de graduação que não fosse oferecido na modalidade EaD. o desafio passou a ser o dilema de atender a demandas particulares e. é possível perceber como a discussão sobre a expansão versus qualidade. até o presente momento. Historien (Petrolina). criar critérios para a realização e autorização de provas de segunda chamada se tornaram um desafio constante. ao mesmo tempo. até aqueles que já estavam afastados dos estudos há muitos anos e que possuíam sérias dificuldades para acompanhar o ritmo de um curso superior. manter certa coesão institucional. Todavia. ano 4. a heterogeneidade das turmas se mostrou. estabelecer prazos para entregas das atividades avaliativas. Marcar datas para prova (que são realizadas nos polos presenciais). Já no planejamento pedagógico. fica claro como é válida e importante a oferta de cursos de formação à distância. É preciso lidar com uma gama de formações. e que acabaram por ter um excelente desempenho nas disciplinas oferecidas. Um número significativo dos alunos que continuam vinculados ao curso. Como é possível ser formado em nível superior se ainda se tem graves problemas de formação básica? Já no segundo apontamento.Bárbara Souto/Rafaella Vieira acabou constituindo o curso teve impacto direto sobre o funcionamento das partes administrativa e pedagógica. ainda se faz presente. afastados inclusive dos polos presenciais). os alunos contavam também com um tutor presencial em cada polo. Soma-se a isso o fato de alguns alunos não possuírem acesso à internet em suas residências e. n. Essa foi uma situação não prevista na formulação do curso e que acabou por se tornar persistente ao longo do seu andamento. Embora todos os polos possuam computadores ligados à internet. em algumas situações. Caberia aos alunos recorrer aos seus tutores. Elencaremos. responsável por uma disciplina. nem sempre esses alunos chegam até o polo. 9. alguns deles que pudemos perceber. ou do desinteresse de efetivar esse contato. cada polo possuía um tutor à distância. Muitos alunos não residem nas cidades dos polos e não têm acesso a eles. uma oportunidade importante e a tratam como tal. cada um deles responsável por uma das disciplinas ministradas. Embora existam alunos que encontram. Em outras situações. Jul/Dez 2013: 37-55. ou seja. ela não se efetivou de forma tão clara. Primeiro. à sua disposição. de forma constante. . neste artigo. cada polo tinha. Embora essa seja uma premissa óbvia de funcionamento de um curso à distância. Na estrutura inicial do curso. em caso de qualquer dúvida ou dificuldade. no curso à distância. à disposição dos alunos. Os tutores ficavam disponíveis durante um período de atendimento fixo e pré-estabelecido de 20 horas semanais de trabalho. temos a dificuldade de acesso físico aos meios digitais. É importante lembrar também que. de acordo com as demandas e dificuldades particulares.O ensino de história à distância Uma das primeiras soluções para as dificuldades surgidas da heterogeneidade nasceu da possibilidade de um acompanhamento individual dado aos alunos. A possibilidade de atendimento individual passava por outra questão: a iniciativa dos alunos de entrarem em contato com seus tutores ou mesmo de responder aos contatos protagonizados por esses. mas não a realiza. Isto pode advir de uma dificuldade técnica de uso das tecnologias envolvidas e programas de comunicação online utilizados (o que acontece em alguns casos). Surge aí a possibilidade de que os tutores atendam os alunos de forma individual. além da categoria de tutor à distância. o aluno possui o meio de comunicação com os tutores e professores. se estavam sendo ministradas 04 disciplinas. ano 4. e foram vários os aspectos que influenciaram essa situação. sequer possuírem computadores. 04 tutores. existem aqueles que buscam essa modalidade como uma 49 Historien (Petrolina). na prática. caso não haja uma mudança de postura. uma formação consistente. sempre que possível. ano 4. A postura passiva de uma parcela dos alunos acaba por tornar desinteressante o contato desses com os tutores. inclusive. a flexibilidade do curso torna possível. n. Não estamos defendendo aqui. é necessário também disciplina. mais uma vez aqui. no momento mais propício ao aluno. É colocada. De fato. 9. que seriam cursos “de fim de semana”. . e não obtém dele uma resposta pronta. elementos para a elaboração de um raciocínio. que uma pessoa que trabalha em tempo integral organize seu tempo de estudo de acordo com suas possibilidades. ele acaba por se sentir desestimulado a fazer esse contato. Podemos notar que esse é um estigma que ainda está muito vinculado aos cursos de modalidade EaD e. mas sim. possibilidade de atendimento individual. encontramos relatos equivocados de que os cursos à distância seriam destinados para aqueles que “não possuem tempo para estudar”. já que não existe para esse um cronograma rígido e cotidiano de atividades. já que existe no curso. Quando um dos alunos que se encontra nesse recorte de perfil procura um tutor para auxílio de suas dúvidas. que o aluno do ensino à distância tenha que desenvolver uma autonomia que se aproxime do autodidatismo. não. mas que esse aluno deve ter a iniciativa de entrar em contato com os profissionais envolvidos no curso. de valor igual ao de um curso presencial. a necessidade da autonomia do aluno do curso à distância. Ainda dentro da discussão sobre as principais dificuldades pedagógicas encontradas na experiência relatada neste artigo. da melhor forma possível. podemos apontar também a resistência que uma parte significativa dos alunos apresenta em relação à leitura do material disponível. por diversas vezes. tirar suas dúvidas. Infelizmente. há pouco a se fazer nesses casos em que o objetivo é um diploma simplesmente e. em qualquer curso com o mínimo de consistência. por exemplo. os recursos disponíveis para sua formação. Diferentemente dos cursos oferecidos à distância que se Historien (Petrolina). Jul/Dez 2013: 37-55. Além de autonomia. fazer seus questionamentos e utilizar. embora esse contato diário deva acontecer. esse tempo de estudo exista.Bárbara Souto/Rafaella Vieira forma mais facilitada de alcançar uma formação superior. mas é indispensável que. ou mesmo. É necessário que o aluno seja capaz de se organizar e também de planejar o seu horário de estudo. O ensino de história à distância encontram inseridos nas áreas de ciências exatas. tutores à distância. ano 4. tutores presenciais. reduzindo o seu estudo apenas à leitura da apostila auxiliar e ao contato com as aulas gravadas. mas. já que esses nem sempre ocupam o mesmo espaço físico. é importante salientar que os cursos à distância não se encontram alocados dentro dos respectivos departamentos (embora esses sejam responsáveis pela sua elaboração e pela disponibilização dos agentes pedagógicos). . sendo o principal deles. Professores. No caso específico do curso da UFV. essa dificuldade e essa resistência se tornaram. que se encontram online. coordenação do curso e coordenadores de polo se comunicam. n. grande parte do processo formador no curso de História se dá a partir do exercício contínuo da leitura. persistentes entre um grupo significativo dos alunos matriculados no curso de História à Distância da UFV. Essa dificuldade fica ainda mais distante de ser resolvida quando não existe a procura pela ajuda dos tutores. a internet. Jul/Dez 2013: 37-55. devido ao fato de que muitos estão tendo contato. Retomando a questão da comunicação através dos meios tecnológicos e suas dificuldades. é preciso contato constante com os textos acadêmicos. como falta de organização pessoal e de disciplina para manter certa rotina de estudos. Fica claro. pelo meio online. É um traço comum e esperado que os alunos apresentem dificuldade de leitura no início do curso. Muitos alunos acabaram por abandonar as leituras mais difíceis (e importantes). com uma bibliografia acadêmica. Parte desse problema está vinculada aos apontamentos feitos anteriormente. concluímos que elas auxiliaram mais significativamente. mas se encontram subordinados ao Centro de Ensino à Distância 51 Historien (Petrolina). 9. o que resulta num amadurecimento intelectual. os alunos que mantém uma postura desinteressada e passiva no curso. O curso disponibiliza apostilas que têm o intuito de ajudar nas leituras mais complexas. pela primeira vez. principalmente. que muitos alunos absorvem pouco ou muito pouco do que leem – quando as leituras de fato ocorrem. No entanto. Fazendo um balanço parcial do uso das apostilas de auxílio. nas atividades e provas. mas seu efeito não foi o esperado. peculiarmente. não podemos perder de vista que o contato entre as instâncias administrativas e pedagógicas também acorre através desses meios. Essa dificuldade tende a diminuir ao longo do curso. e negativamente. para isso. do desajuste entre as expectativas dos alunos e da real concretização do curso. são os alunos e os profissionais que lidam diretamente com eles. A carga de trabalho dos tutores à distância se tornou ainda mais efetiva com o processo de evasão dos alunos. Evasão essa. como ficou claro. é fundamental para a formação dos alunos. em grande parte. principalmente dos tutores à distância. acrescentando ainda mais uma instância a essa cadeia de segmentos envolvidos.Bárbara Souto/Rafaella Vieira (CEAD) da instituição. Com a evasão. n. a parcela dos agentes envolvidos que acumula a maior parte das funções diretamente ligadas aos alunos. 9. Os principais prejudicados por essas desarmonias estruturais. por exemplo. Jul/Dez 2013: 37-55. chegando até a grande parte do processo de correção das atividades avaliativas. grande parte dessa função fica a cargo dos tutores. no caso. . passando por deslocamento para a aplicação de provas e para a realização de aulas presenciais (que também são ministradas por esses mesmos tutores. nessa situação específica. ano 4. Na prática. os professores são os responsáveis pela formulação das aulas e pela atividade pedagógica. cabe a esses toda uma gama de obrigações pedagógicas. através do trabalho de Ângela Alonso (2010). ocorreram cortes do número de bolsas que refletiram. fruto. A repercussão direta dessa sobrecarga é a precarização do trabalho oferecido por esses profissionais que. fazer comentários mais longos e detalhados sobre os trabalhos produzidos pelos alunos. A disponibilização de bolsas para tutoria (à distância e presencial) é calculada pela UAB a partir do número de alunos matriculados no curso. na maior parte das vezes). exatamente. Fica inviável. no corte de vagas para tutoria à distância. A comunicação precisa entre todas essas partes tem se mostrado mais um dos desafios do curso. Qualquer desvio de informação ou desalinhamento de uma dessas partes pode causar uma situação desastrosa no fim da cadeia. esses tutores passaram a registrar sobrecarga de trabalho. Na experiência alvo deste trabalho. Como já apontamos anteriormente. como foi discutido em vários pontos anteriores. do atendimento aos alunos. Como essa é. obviamente. Podemos afirmar que a definição mais nítida e precisa das obrigações de cada parte e a distribuição mais Historien (Petrolina). geralmente. os tutores. como já foi apontado anteriormente. . A nosso ver. que os documentos e as questões. político e cultural [. Sabemos que os processos seletivos também têm suas limitações e problemas. tal afirmativa também é verdadeira em se tratando do ensino. tendo por base as leituras apresentadas nesse texto e a experiência adquirida no curso de licenciatura à distância da UFV. Jul/Dez 2013: 37-55. que lhes serão propostos. n. mas achamos essencial que o curso à distância ocupe o mesmo patamar dos cursos presenciais nesse quesito. das demandas principais para o Considerações finais Segundo Michel de Certeau: Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção sócio-econômico. Apesar dos problemas existentes nos cursos à distância.. 2002. 9. acreditamos no potencial desse tipo de ensino. a prova de seleção não deve ser mais fácil que a avaliação utilizada nos cursos presenciais. . ano 4. que ainda é novidade no nosso país. que se delineia uma topografia de interesses. se organizam. com o intuito de aprimorar o tipo de ensino em pauta e estimular o ensino de qualidade.O ensino de história à distância igualitária de funções entre profissionais de mesmo status e. p. Após refletirmos sobre o ensino de História à distância. pois defendemos que o curso à distância não tem por objetivo diminuir o grau de dificuldade da graduação – conforme discutimos nesse artigo.] É em função deste lugar que se instauram os métodos. até mesmo.66-67) A nosso ver. Por isso. Nossa experiência na área nos instigou a apresentar as dificuldades dessa modalidade. na qual faremos sugestões de mudanças nos cursos oferecidos. tornou-se uma funcionamento mais eficiente do curso. apresentaremos nossas considerações finais. (CERTEAU. por isso reforçamos o quão importante é consolidar as bases do lugar de prática dos cursos à distância. nossa primeira proposta para a melhoria do desenvolvimento dos cursos à distância é o rigor no processo seletivo. entre instâncias diferentes. mas que tem crescido a passos largos. 53 Historien (Petrolina). A princípio. por falta de esclarecimentos. as atribuições dos cargos são muito importantes para que as funções sejam bem executadas. antes mesmo da seleção durante o processo de divulgação do curso. as informações sejam passadas corretamente. Historien (Petrolina). Jul/Dez 2013: 37-55. não podemos deixar de dizer que o profissional deve ser mais valorizado. pois exerce função de extrema importância e. por exemplo. em cada polo. Ao tocar nesse assunto. o tutor presencial e o aluno. Por isso. quando coincidem os calendários das atividades do curso à distância com o de outras atividades realizadas no espaço do polo. muitos polos não têm um espaço autônomo para estabelecer sua sede. os coordenadores dos cursos poderiam oferecer palestras sobre a dinâmica empregada nesse tipo de ensino. A estrutura dos polos merece uma análise mais profunda. principalmente a transmissão de informação. especificando claramente o público alvo. por exemplo. essa não é tarefa simples. parece fácil e até obvio. Além disso. na prática. os alunos se inscrevam num curso que não tenham condições de terminar. Questão fundamental nos cursos à distância é a definição clara das funções de cada profissional. ano 4. entretanto. 9. é preciso mais investimento. O objetivo é evitar que. como o coordenador. os objetivos do curso. o que acarreta em evasão e ocupação de vagas que poderiam ser ocupadas por outras pessoas que possam aproveitar melhor o curso. gerando problemas. Em um curso de História. antes de se dar início ao curso. a satisfação da equipe seja completa e o aluno seja sempre bem atendido e orientado. n. tanto por alunos como pelos profissionais envolvidos. muitos são alocados em escolas do município. externas a ele. as atividades previstas e como essas serão colocadas em prática. o tutor à distância. o professor. o aluno precisa mais do que computadores e acesso a internet. principalmente. É fundamental a existência de uma boa biblioteca. Todos os profissionais são bolsistas. Percebemos que a distância dificulta algumas questões. não possui carteira assinada e nem contrato. Se possível. . mesmo assim. a carga horária e.Bárbara Souto/Rafaella Vieira Outra sugestão é a elaboração de um edital bem detalhado. com remuneração baixa que atrasa com certa freqüência. Portanto. SARAIVA. Soc. Michel de. Os lugares sociais envolvidos no andamento do curso e de suas atividades são diversos e distintos. ZUIN. 2002.br/polo. Educ.17-27. Educ. p. Estudos Históricos. CERTEAU.O ensino de história à distância Concluímos então. 2006. e criar uma comunicação e um entendimento efetivo entre todas as suas partes se faz fundamental. Rio de Janeiro: Forense Universitária. Em aberto. Campinas.php > Acessado em 1 de novembro de 2012. Antonio A.. Kátia Morosov. 9. 2005. ano 4. Jul/Dez 2013: 37-55. A expansão do ensino superior no Brasil e a EaD: dinâmicas e lugares. pois a propagação do conhecimento só pode contribuir para o melhoramento dessa nova prática de ensino. mas como a experiência no Brasil é recente. Bahumila (Coords). que os cursos à distância possuem imenso potencial. 2ªed. p. Educação à distância no contexto brasileiro: algumas experiências da UFBA. Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional.113. p. out. Rio de Janeiro. de Maria de Lourdes Menezes. Brasília. n. A escrita da história. n.79. v. n.31. abr/jun.. Salvador (BA): ISP/UFBA. p. S.1996.96 – Especial. GUIMARÃES. Terezinha. Educação à distância ou educação distante? O programa universidade aberta do Brasil.1. Campinas.935-954.<http://www. 27.mec. Manuel Luís Salgado. .1319-1335. ano 16. 5-27. que precisam estar em ampla consonância para proporcionar um resultado final satisfatório. 1988. estamos aprendendo a construir cursos de qualidade.Uab. É gratificante discutir essas questões. Referências ALONSO. n. 55 Historien (Petrolina).gov. Trad. ARAÚJO. out/dez. Kátia Siqueira de. 2010. Educação à distância no Brasil: lições da história. vol. Soc. FREITAS. Fica claro que grande parte das dificuldades e desafios de implementação de tal modalidade de ensino decorre do fato de que estamos lidando com espaços de produção de conhecimentos múltiplos. n. o tutor e o professor virtual. proporcionando uma maior liberdade nas construções das matrizes dos cursos de graduação na área. Política Educacional. ano 4. fazer uma discussão sobre o conteúdo das DCN para cursos de história e quais são os novos parâmetros que devem orientar as construções curriculares nesse início de século XXI. O método utilizado foi o de revisão bibliográfica e pesquisa documental. Contato: gabriel-neto87@hotmail. Palavras-chave: Diretrizes Curriculares. embora representem um avanço significativo quanto às questões relativas aos currículos mínimos dos anos 1980. to a discussion on the content of DCN for history courses and what are the new 1 Recebido em 11/10/2013. new perspectives and challenges were put to professional trainers. trazendo uma dicotomia licenciatura/bacharelado. e Bacharel em História pela Universidade Federal do Ceará. como por exemplo. Aprovado em 15/11/2013.FORMAR PROFISSIONAIS DE HISTÓRIA NO SÉCULO XXI: O QUE DIZEM AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA FORMAÇÃO DE HISTORIADORES1 José Antonio Gabriel Neto2 Resumo: A partir da promulgação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para formação de profissionais para as mais diversas áreas. Concluímos. novas perspectivas e desafios foram postos aos profissionais formadores. including history.com 2Licenciado Historien (Petrolina). entre elas a História. a separação entre saberes específicos para licenciatura e gerais. Objetivamos. n. Como resultado. encontramos que as diretrizes. Currículo. 9. Bolsista FUNCAP. Jul/Dez 2013: 56-67. We aim. Ensino de História. Abstract: From the enactment of the new National Curriculum Guidelines (DCN) to train professionals for the most diverse areas. . também pecam em alguns aspectos. Mestrando em Educação pela Universidade Federal do Ceará. in the following text. Formação docente. no sentido de trazer uma adequação às novas demandas apresentadas durante a última década. que é preciso um esforço conjunto da Associação Nacional de História e instituições de ensino superior. no texto a seguir. portanto. hoje. Apresento aqui algumas reflexões sobre como se deu essa profissionalização docente no Brasil e como a questão da profissionalização do educador é interpretada na literatura do país. Os primeiros professores no Brasil foram os jesuítas. in order to bring conformity to the new demands presented during the last decade. providing greater freedom in the construction of arrays of undergraduate courses in the area. also sin in some aspects. n. 2008. Introdução A formação de professores é. o ensino possuía caráter religioso e dominador. dos escritos do francês Yves Chevallard. 26). that it takes a joint effort of the National Association of History and higher education institutions. p. although they represent a significant advance on the questions relating to the minimum curriculum '80s. Ribeiro nos mostra como esse movimento foi mudando: Com o surgimento e a divulgação do “saber científico”. We conclude. o saber do educador deixa de ser o centro de gravidade das práticas docentes.José Antonio Gabriel Neto parameters that should guide the curriculum construction in the beginning of XXI century. ano 4. A concepção de um professor reprodutor de conhecimentos vem. such as the separation of specific knowledge to undergraduate and general bringing a dichotomy degree/bachelor. As a result. The method used was the literature review and documentary research. . therefore. Na época da colônia. advindos de Portugal. 9. we found that the guidelines. centrado na figura do professor. Jul/Dez 2013: 56-67. agentes externos à sala de aula (BITTENCOURT. O pesquisador afirma que a escola se organiza a partir de uma noosfera. ou seja. enquanto o ato 57 Historien (Petrolina). fundado nas ciências positivas da natureza e com grande influência do discurso pedagógico psicológico.Docente este que nem sempre produzia o saber que ensinava. principalmente. um dos principais temas do âmbito educacional brasileiro. ano 4. um formador de mão de obra fabril. A reforma universitária de 1968 e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1971 reforçam esse modelo de ensino. Sobre a formação do professor nesse período. um profissional intelectualmente mal preparado. Assim. A preocupação quase exclusiva com o modo de ensinar. Mesmo com as mudanças. a partir de 1930 (RIBEIRO. sendo suficiente uma formação rápida e considerada precária. o ensino nas universidades continuava menos crítico. ou que assumisse uma atitude reflexiva diante da educação e da sociedade. p. de maneira superficial. as reformas promovidas no ensino brasileiro pela Ditadura Militar tornaram o ensino. quase que exclusivamente. Porém. Sua consequência foi. em média. podemos entender que o professor era um mero reprodutor de saberes. evidentemente. preocupada principalmente com o ensino dos métodos e das técnicas pedagógicas. com poucas possibilidades de vir a ser um educador que compreendesse e questionasse a realidade. 2010.Formar profissionais de História no século XXI pedagógico vai centrando-se progressivamente no educando. dois anos. essencialmente com a definição de metas e objetivos a serem atingidos. de maneira a produzir resultados mais eficazes.). Nesse contexto. O educador deveria não apenas possuir boa cultura geral e sim uma boa postura em relação a seus estudantes. concretizando-se no grande movimento da Escola Nova. A mudança na prática docente influencia todo o quotidiano da escola. Assim. n. Este pensamento educacional. passando pelo planejamento e chegando até a prática docente. tal qual na época dos jesuítas no Brasil. 105). surgem em todo o país cursos de licenciatura curta. p. Ribeiro (2010) dispõe: Para se ensinar. Historien (Petrolina). menos humanista. não seria necessário um maior preparo intelectual. que perguntasse pelo sentido de sua prática. (RIBEIRO. divididos. 2010. mostrando que a preocupação do governo no período era de formar o máximo possível. em duas áreas principais: Ciências e Estudos Sociais. 9. impulsionou a formação do educador faculdades de filosofia. principalmente. Jul/Dez 2013: 56-67. portanto. ciências e letras. . Todo o processo formativo levaria. mas sem profundidade. podemos entender que houve uma mudança radical em fins do século XIX e início do século XX. Essas reformas comprometeriam significativamente os campos de atuação dos profissionais de História. deveriam permitir que cada instituição de ensino elaborasse suas matrizes de acordo com necessidades específicas. Diretrizes Curriculares Nacionais para cursos de História De acordo com Coelho (1999). Apoiamo-nos em Mesquita (2008) quando a autora versa sobre a estrutura dos cursos de História nesse momento histórico. Assim. Essas orientações. portanto. a qual pretendia romper com a potencialidade crítica da produção do conhecimento histórico. 2008). .José Antonio Gabriel Neto Com os cursos de História não foi diferente. os currículos dos cursos de graduação foram duramente criticados. principalmente por sua rigidez. o que havia aprendido na universidade. em fins do século XX e início do XXI. e mesmo o professor não era sujeito produtor de conhecimento. A História não se via ameaçada apenas pelos problemas advindos da Reforma Universitária. O saber escolar inexistia. o professor repassava. quadro e giz. o que impossibilitava uma flexibilidade na construção da prática docente. sem um currículo único para todos os cursos. n. porém. mas também se via à beira de sua eliminação como disciplina escolar e como curso de formação de professores pela implantação dos Estudos Sociais. Segundo a historiadora os professores formadores detinham-se em ensinar as técnicas de trabalho aos futuros professores. Ficara evidente para o governo federal. Nesse sentido. 9. Jul/Dez 2013: 56-67. mecanicamente. durante as décadas de 1980 e 1990. ano 4. O saber deveria ser deixado apenas com os doutores. trazia dificuldades para a inserção no mercado de trabalho (MESQUITA. a Associação Nacional de História (ANPUH) e a Associação dos Geógrafos do Brasil (AGB) lutaram intensamente contra o movimento dos Estudos Sociais e as licenciaturas curta e plena da disciplina. O mesmo deveria saber utilizar os instrumentos ditos tradicionais como: livros didáticos. Ou seja. o Ministério da Educação começou a pensar em documentos que pudessem orientar as construções curriculares dos mais variados tipos de cursos de graduação. produtores do saber produzido pela academia. através do Ministério da Educação (MEC) a 59 Historien (Petrolina). Formar profissionais de História no século XXI necessidade de renovação curricular e mudança da cultura escolar. Desse modo, as Diretrizes Curriculares deveriam possibilitar que as próprias instituições reformulassem seus currículos, permitindo, assim, que os cursos de formação possuíssem autonomia curricular. Assim, as DCNs vieram substituir os Currículos Mínimos, muito criticados pelo seu caráter predominantemente disciplinar, por não reconhecerem o valor das atividades formativas realizadas fora do ambiente acadêmico e por recomendarem uma elevada carga horária. Ao não abrir mão de um grande elenco de disciplinas, sobretudo obrigatórias, e de uma pesada carga horária em cada curso, esses parâmetros curriculares acabavam por transformar o currículo numa grade curricular, “dentro da qual os alunos deveriam estar aprisionados, submetidos, não raro, até aos mesmos conteúdos, prévia e obrigatoriamente repassados, independentemente de contextualização” (BRASIL, 2003, p.2). Gabriel Neto, Rodrigues e Ribeiro (2013, p. 2) trazem uma discussão sobre a elaboração das DCN no âmbito do Ministério da Educação. Segundo os autores, o referido modelo curricular, pela pouca flexibilidade que tinha, tornou-se anacrônico face às novas demandas socioeconômicas. Tornou-se obsoleto, porque era incapaz de se adaptar às rápidas transformações contemporâneas. Além disso, revelou-se “ineficaz para garantir a qualidade desejada”, desencorajando “a inovação e a benéfica diversificação da formação oferecida” (BRASIL, 1997a, p. 2). Para superar esse modelo, o MEC, por intermédio da secretaria de Educação Superior (SESu), lançou, através do Edital nº. 4, de 10 de dezembro de 1997, um desafio às Instituições de Ensino Superior (IES) para apresentarem propostas para a elaboração de diretrizes curriculares para a graduação, que seriam analisadas e sistematizadas por comissões de especialistas da SESu. De acordo com esse edital, as DCNs teriam como objetivo: (…) servir de referência para as IES na organização de seus programas de formação, permitindo uma flexibilidade na construção dos currículos plenos e privilegiando a indicação de áreas do conhecimento a serem consideradas, ao invés de estabelecer disciplinas e cargas horárias definidas (BRASIL, 1997b). Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 56-67. José Antonio Gabriel Neto Portanto, conforme indica à palavra diretrizes, estes normativos constituem orientações, mas “que devem ser necessariamente respeitadas por todas as instituições de ensino superior” (BRASIL, 1997a, p. 2). No que diz respeito à participação no processo de discussão das diretrizes curriculares, o supracitado edital referia a necessidade das IES envolverem as sociedades científicas, ordens e conselhos profissionais, associações de classe e o próprio setor produtivo nesse debate, a fim de consolidar propostas articuladas tanto às reformas necessárias da estrutura dos cursos quanto ao perfil do profissional a ser formado. Posteriormente, em 2001, perante a heterogeneidade das propostas recebidas, a CES “decidiu adotar uma orientação comum para as diretrizes que começa a aprovar e que garanta a flexibilidade, a criatividade e a responsabilidade das instituições ao elaborarem suas propostas curriculares” (BRASIL, 2001, p. 2). A partir dessa nova orientação, segundo Gabriel Neto; Rodrigues; Ribeiro ( 2013), a questão da duração, carga horária e tempo de integralização dos cursos seria objeto de parecer e/ou resolução específica, devendo as DCNs contemplar os seguintes itens: (i) perfil do formando / egresso / profissional; (ii) competências / habilidades / atitudes; (iii) habilitações e ênfases; (iv) conteúdos curriculares; (v) organização do curso; (vi) estágios e atividades complementares; e, finalmente, (vii) apresentar as formas de acompanhamento e avaliação das disciplinas e atividades realizadas ao longo da formação. Assim, a década de 1990 marcou a política educacional brasileira não só porque consolidou o ideário neoliberal neste campo, mas porque, precisamente para realizá-lo, deflagrou um processo de reforma que atingiu todos os níveis de ensino. Entre as reformas, certamente a reforma para a educação superior foi central. As mudanças educacionais operadas durante os anos de 1990, no governo do expresidente Fernando Henrique Cardoso atendiam a interesses do Fundo Monetário Internacional. A elaboração das Diretrizes mostra a preocupação do estado brasileiro em 61 Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 56-67. Formar profissionais de História no século XXI preparar profissionais para as demandas de um mundo globalizado. No entanto, o modelo de formação de professores adotado pelo Brasil passou a se preocupar, em primeiro plano, com o diploma, e, em segundo plano, com o ensino. Seguindo a política de formação docente advinda do governo federal, de junho a novembro de 1998, a Comissão de Especialistas de História designada pelo MEC, juntamente com a direção da Anpuh (Associação Nacional de História), elaborou o documento das Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de história (DCN). Em abril de 2001, o texto foi aprovado por unanimidade pela Câmara de Educação Superior do Ministério da Educação. Primeiramente, as DCN de História situam historicamente a situação da graduação na área no país. Brasil (2001) explica que as DCN de História vieram para substituir os currículos mínimos, tão presentes nas décadas de 1970 e 1980. Depois, explicam de que maneira e baseado em que princípios. A seguir, apresentam proposta de como devem ser construídos os currículos de história no Brasil. Por fim, o texto das DCN divide as diretrizes (ou seja, a maneira como os cursos de história devem ser organizados) em seis itens: perfil dos formandos, competências e habilidades, estruturação dos cursos, conteúdos curriculares, estágios e atividades complementares e conexão com a avaliação institucional. De acordo com o documento: O graduado deverá estar capacitado ao exercício do trabalho de Historiador, em todas as suas dimensões, o que supõe pleno domínio da natureza do conhecimento histórico e das práticas essenciais de sua produção e difusão. Atendidas estas exigências básicas e conforme as possibilidades, necessidades e interesses das IES, com formação complementar e interdisciplinar, o profissional estará em condições de suprir demandas sociais específicas relativas ao seu campo de conhecimento (magistério em todos os graus, preservação do patrimônio, assessorias a entidades públicas e privadas nos setores culturais, artísticos, turísticos etc).(BRASIL, 2001). O texto contempla o exercício profissional do historiador, que deve estar preparado para os desafios que o mundo globalizado lhe impõe. Trabalhar com novas tecnologias, estar preparado para o exercício do magistério em todos os Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 56-67. José Antonio Gabriel Neto graus, pesquisa e atuação em instituições diversas. Para Fonseca (2003), no entanto, os historiadores, de maneira geral, se preocupam com uma sólida formação para a pesquisa em detrimento de uma formação voltada para o exercício da profissão docente. Segundo a autora, o documento silencia quanto à formação do professor de história não preocupandose com o ensino de História no Brasil. Porém, o documento deixa bastante claro em várias passagens quais devem ser os parâmetros de formação para o licenciado. “Competências e Habilidades. Específicas para licenciatura: a. Domínio dos conteúdos básicos que são objeto de ensino – aprendizagem no ensino fundamental e médio; b. domínio dos métodos e técnicas pedagógicos que permitem a transmissão do conhecimento para os diferentes níveis de ensino.”(BRASIL, 2001). Assim, podemos afirmar que o documento não apenas demonstra preocupação com a formação do professor de história, mas também explicita de que maneira os cursos de graduação devem preparar o historiador para a função docente. O documento deixa claro quais são os saberes necessários à formação do professor. No entanto, as colocações são vagas, permitindo uma variada gama de interpretações. Em outra passagem, quando da descrição dos conteúdos curriculares dos cursos de graduação em história, o documento relata que: “No caso da licenciatura deverão ser incluídos os conteúdos definidos para a educação básica, as didáticas próprias de cada conteúdo e as pesquisas que as embasam” (BRASIL, 2001, p. 4). No entanto, é correto afirmar que existe uma separação clara entre a formação para a pesquisa e a docência nas DCN. Licenciatura e bacharelado estão separados na questão de competências, habilidades e conteúdos curriculares. As DCN mostram que a formação para a pesquisa é, aparentemente, mais importante que a formação para o exercício da docência. 63 Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 56-67. Formar profissionais de História no século XXI Embora o documento explicite preocupação com a formação de professores de história, os saberes pedagógicos aparentemente são postos em segundo plano. Os saberes “básicos” aparecem no texto antes dos saberes necessários à docência, mostrando que, em primeiro lugar, o historiador é um profissional pesquisador. Os saberes pedagógicos, segundo Fonseca (2003) não se articulam com os saberes básicos para a formação do historiador, tampouco se constituem apenas em elementos de instrumentação do trabalho. Para Caimi, a dualidade de concepções presente nos documentos legais reflete a diversidade de pontos de vista entre os profissionais da História e os das Faculdades de Educação dentro das universidades. Além disso, historicamente, têm-se manifestado tensões e dicotomias entre licenciatura e bacharelado nos cursos de graduação, constituindo-se, de um lado, os que defendem a soberania do conhecimento histórico e, de outro, os que advogam a supremacia da orientação pedagógica na formação do profissional da História, definindo hierarquias de valor e importância entre os conhecimentos ditos “específicos” e os ditos “pedagógicos”. (CAIMI, 2006). Além disso, o documento não esclarece como deve ser distribuída a carga horária do estágio e, mais uma vez, separa os conteúdos pedagógicos dos conteúdos específicos da disciplina de história. Podemos concluir, portanto, que as DCN englobam toda a formação do historiador, porém de forma bastante aberta, permitindo a construção de currículos diferentes entre si, possibilitando às universidades o atendimento de sua realidade local, sem, necessariamente, fugir de um contexto educacional mais amplo. Quanto à formação de professores e prática de ensino, o texto, emboraseja vago, deixa claro como os cursos de graduação em História devem proceder nesse sentido. O estágio supervisionado tem papel fundamental por ser a parte onde teoria e prática mais se relacionam. Isso é possível de ser notado quando o documento tem, em uma de suas diretrizes principais, o trato que o estágio deve ter na formação do historiador. Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 56-67. José Antonio Gabriel Neto Considerações finais As diretrizes, embora representem um avanço para a liberdade curricular dos cursos de graduação em história, sejam eles de licenciatura ou bacharelado, também possuem antigos vícios que precisam ser superados para que uma maior qualidade na formação dos profissionais da área seja atingida. Além disso, o documento foi criado no ano de 2001, sendo assim, portanto, anterior à lei 10.639/03 e 11.645/08, que torna, respectivamente, obrigatório o ensino das culturas afro-brasileira e indígena em instituições de ensino, sejam elas públicas ou privadas. Nesse sentido, é importante que os órgãos que reúnem os historiadores tenham papel central na construção de novas orientações para as construções curriculares dos cursos de graduação. A partir de uma nova redação, o documento pode adequar-se às novas demandas impostas aos professores de história durante a última década, facilitando o contato entre universidades e escolas, maximizando assim, o aprendizado de formadores, graduandos e professores. Falar sobre a formação de professores de História é uma tarefa árdua, visto que a literatura sobre o tema é praticamente inexistente no Brasil. Poucos pesquisadores do país se dispõem a falar sobre o assunto. Apesar disso, é possível notar que a produção historiográfica sobre objetos de estudo relacionados à formação docente em História vem crescendo significativamente nos últimos anos despertando interesse de muitos historiadores principalmente no âmbito dos programas de pós-graduação. Contudo, a formação de professores é um processo contínuo e está em constante mudança. Não podemos pensar em uma formação única e que não esteja adequada aos problemas de cada realidade local. Além disso, o estudo da formação do professor de História deve ser cada vez mais objeto das tensões dos 65 Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 56-67. Formar profissionais de História no século XXI pesquisadores do ensino de História. Bibliografia BITTENCOURT, Circe. Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez, 2004. BRASIL, Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para cursos de História. Brasília: MEC, 2001. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES0492.pdf>. BRASIL. Ministério da Educação. CNE/CES. Parecer nº 776/97, de 3 de dezembro de 1997.Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 1997a.Orientação para as Diretrizes Curriculares dos cursos de graduação. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES0776.pdf>. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Superior. Edital 4/97. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 1997b. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/e04.pdf>. BRASIL. Ministério da Educação. CNE/CES. Parecer nº. 67/2003, de 11 de março de 2003. Referencial para as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN dos cursos de graduação. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 2003. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CES0067.pdf> FONSECA, Selva Guimarães. Como nos tornamos professores de História: A formação inicial e continuada. In: FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática de Ensino de História. Campinas: Papirus, 2003. GABRIEL NETO, J.A; RODRIGUES, Y.K.O; RIBEIRO, L.T.F. Diretrizes Curriculares Nacionais para formação do 'historiador': Existe espaço para a formação Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 56-67. José Antonio Gabriel Neto docente?. In: ROGÉRIO, Pedro; SANTOS, Alice Nayara. (Org.). Currículo: Diálogos Possíveis. Fortaleza: Edições UFC, 2013. MESQUITA, Ilka Miglio de. Memórias/Identidades em relação ao ensino e formação de professores de História: Diálogos com fóruns acadêmicos nacionais. Campinas. Tese – Universidade Estadual de Campinas, Programa de Pós-graduação em Educação, 2008. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/list.php?tid=27&page=78 RIBEIRO, Luis Távora Furtado. A Formação Docente no Brasil. In: Ribeiro, Luis Távora Furtado; RIBEIRO, Marco Aurélio Patrício. Temas Educacionais: Uma coletânea de Artigos. Fortaleza: Editora UFC, 2010. 67 Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 56-67. ENSINO DE HISTÓRIA E EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL: CONCEITOS E ENCONTROS1 Juliana da Costa Ramos2 Resumo: O artigo aqui apresentado se propõe a discutir os conceitos relacionados à distinção realizada entre o saber histórico escolar e o conhecimento histórico de modo a perceber como esses termos são relevantes à prática pedagógica do ensino de história sendo indicativos de determinadas hierarquizações conceituais. Ao cogitar questões que partem da premissa de que o saber histórico não está intrinsecamente vinculado ao saber produzido na academia, por conseguinte, tem se tornado emergente a busca por outros locais de produção de saber histórico, dentre os quais, àqueles referendados pela educação não-formal, pois, estes se apresentam nas últimas décadas, como espaços, que com maior intensidade, refletem a produção que está vinculada à concepções complexas de saberes produzidos, transmitidos e construídos pelos sujeitos envolvidos e imersos nas relações de poder que constituem a construção de saber/conhecimento. Assim, abordaremos a relação entre ensino tradicional de história e as novas abordagens que tem esse modelo como algo a que ser pretende superar, articulando os conceitos e as práticas desenvolvidas no âmbito da educação não-formal, além de problematização sobre a oposição ao conceito de educação formal definida, a priori. Nesse sentido buscamos analisar o desenvolvimento de tais práticas educativas com os diálogos contemporâneos entre o ensino de história e espaços de educação não-formal, tais quais os museus de modo a perceber os desdobramentos desses debates no campo da educação e da produção de conhecimentos e saberes. Palavras-chave: Ensino de História. Saber histórico escolar. Educação não-formal. Résumé: L'article présenté ici est de discuter liée à la distinction entre le connaissance historique et savoir de l'école afin de comprendre comment ces termes sont des concepts pertinents pour la pratique pédagogique de l'enseignement de l'histoire indicative de certaines hiérarchies conceptuelles. Lors de l'examen des questions du principe que la connaissance historique n'est pas intrinsèquement liée à la connaissance produite dans l'académie, donc, est devenu la recherche émergentes pour d'autres sites de production de la connaissance historique , parmi lesquels ceux qui sont approuvés par l'éducation non - formelle, parce qu'ils viennent au cours des dernières décennies, tels que les espaces, avec plus d'intensité que reflète la production qui est liée à des conceptions complexes de connaissances produites, transmises et construite par les individus impliqués et Recebido em 10/10/2013. Aprovado em 18/11/2013. Graduada no Curso de Licenciatura Plena em História, na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Atuou como bolsista de iniciação à docência, fomento: Capes-Cnpq/UFRPE. Atualmente o trabalho desenvolvido permeia os seguintes temas: Ensino de História, Educação em Museus, Patrimônio, Educação Não-Formal, Afetividade e Memória. E-mail: [email protected] 1 2 Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 68-85. Juliana da Costa Ramos immergés dans les relations de pouvoir qui constituent la construction de la savoir/connaissances. Ainsi, nous discutons de la relation entre l'enseignement traditionnel de l'histoire et les nouvelles approches qui ont ce modèle comme quelque chose qui vise à surmonter en articulant les concepts et les pratiques développées dans le cadre de l'éducation non formelle, ainsi que remettre en cause l'opposition à la notion de l'éducation formelle définie a priori. En ce sens, nous analysons le développement de ces pratiques éducatives avec des dialogues contemporains entre l'enseignement de l'histoire et des espaces d'éducation non formelle, de sorte que les musées afin de comprendre les ramifications de ces débats dans le domaine de la production et de la savoir l'éducation et de la connaissance. Mots-clés: Enseignement de l'histoire. Savoir historiques. Éducation non formelle. O Saber Histórico Escolar e Conhecimento Histórico Todo conhecimento histórico é produzido imerso em dois substratos fundamentais: o primeiro é a historicidade na qual toda a ação humana encontrase condicionada; o segundo se insere na esfera do conhecimento produzido pela ciência histórica a partir dos postulados e cânones que determinam o ofício do historiador. Esse preâmbulo nos indica o que é posto por MARTINS (2005, p.12) como “caráter relacional do conhecimento histórico”: O conhecimento é duplamente histórico. De um lado, é histórico porque se dá no tempo humano refletido imerso na historicidade de toda e qualquer existência. [...] De outro lado, é histórico por ser produzido mediante práticas metódicas consagradas de pesquisa, que atendem a requisitos de controle de qualidade e pertinência. Nesse segundo caso, fala-se do conhecimento histórico em sentido estrito. (MARTINS 2005, p. 12) Partindo do pressuposto de que todo o ser humano é capaz de desenvolver e possuir conhecimento histórico, verificamos que tal produção ocorre de modo quase que compulsório, tendo como justificativa a capacidade inata dos seres humanos de desenvolverem conhecimentos/habilidades ao longo de um período temporal. Entretanto, existe outro modo de produzir conhecimento histórico. Este aspecto diz respeito à produção da história científica, o que implica não apenas o saber informal, aquele conhecimento adquirido com a experiência ou com o vivido, 69 Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 68-85. Ensino de história e educação não-formal mas, sobretudo, o saber produzido pela elaboração sistemática, dogmática e intencional na qual está circunscrita a operação historiográfica. Assim: a historiografia produzida como fruto dessa interação entre o vivido e o pensado é elaborada discursivamente na forma narrativa, em que se articulam, argumentativamente, os dados (vividos diretamente ou investigados indiretamente) e a interpretação. Subjazem, pois, a ela, duas pretensões razoáveis: a da racionalidade dialogal e a da possibilidade de produzir um discurso veraz. (MARTINS, 2005, p. 6). A partir dessas constatações verificamos que toda produção de conhecimento histórico “científico” se instaura como um campo elaborador de “verdades”, não absolutas, mas como conjecturas, que são legitimadas pelo método. Nesse sentido buscamos aqui analisar as ideias que colocam em oposição, a priori, os termos saber histórico escolar e conhecimento histórico, na tentativa de perceber como os teóricos analisam esses conceitos e fundamentam as teorias em torno do tema Ensino de História. Epistemologicamente o termo conhecimento se refere à informação adquirida pelo estudo. Enquanto o saber diz respeito à instrução recebida em relação a algo através da experiência. Em muitos aspectos esses dois conceitos aparecem como sinônimos, todavia, quando se referem ao ensino de história os termos se apresentam numa condição de oposição em que o conhecimento histórico estaria vinculado à ciência produzida academicamente entre os pares, já o saber histórico escolar se encontraria relacionado àquilo que é ensinado e aprendido pelos professores e alunos, dentro do ambiente escolar a partir da simplificação do conhecimento histórico científico. Essa dicotomia, que apresento de modo simplista, representa sucintamente um dos vários panoramas acerca das pesquisas em torno da relação entre a disciplina acadêmica e a escolar. No estudo sobre as disciplinas BITTENCOURT (2009, p. 33) afirma, que “a História escolar integra um conjunto de disciplinas que foram sendo constituídas como saberes fundamentais no processo de escolarização brasileira [...]”. Entretanto, CARRETEIRO, 1996 verifica também que se avançou muito pouco com relação a analise das particularidades da produção do conhecimento Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 68-85. técnicos educacionais. procedimentais e atitudinais. em que a primeira argumenta que tais disciplinas são frutos. No que concerne às pesquisas sobre as disciplinas escolares. onde o "saber usar" é a medida e referência para o conhecimento. ano 4. não apenas a História.36). Nesse sentido “o saber histórico escolar seria um entre outros ‘saberes’ de natureza prática. famílias. Chevallard entende ser a escola parte de um sistema no qual o conhecimento por ela produzido se organiza pela mediação da “noosfera”. conceito correspondente ao conjunto de agentes sociais externos à sala de aula – inspetores. o que impulsionou cobranças da sociedade em torno de uma finalidade prática que o conhecimento histórico deveria produzir.teoria da transposição didática. que tem o ditada da matemática: Yves Chevallard. do modo pelo qual é ensinada e aprendida a História. tais reflexões que tem como problema científico a didática das disciplinas escolares já se apresentam 71 Historien (Petrolina). o qual estaria sempre relacionado ao desenvolvimento de competências (atitudinais. como maior expoente é denominada: . autores de livros didáticos. e. Tal concepção. 35. produções simplificadas. Jul/Dez 2013: 68-85. Este panorama reflete o caráter tecnicista no qual se orientou a educação brasileira nos finais dos anos 80 e sua contribuição para o aumento do fosso entre o saber escolar e o acadêmico Ao distinguir tipos de conteúdos históricos: conceituais. . p. (BITTENCOURT 2009. 9. Esses agentes garantem à escola o fluxo e as adaptações dos saberes provenientes das ciências produzidas pela academia. as orientações apresentadas em tal documento incidiram na distinção dos tipos de conhecimento histórico. procedimentais. necessários e imprescindíveis para se viver e sobreviver na era da globalização” (SCHMIDT 2005. impulsionadas pelos estudos desenvolvidos no âmbito da supracitada transposição didática. n.36) No Brasil. das chamadas ciências de referência. Verificamos assim o surgimento desse debate na esfera da pesquisa relacionada à didática das disciplinas. p. Entretanto. conceituais). estes Parâmetros recorrem à ideia do "saber histórico" utilizável.Juliana da Costa Ramos histórico no âmbito da disciplina escolar. podemos destacar duas fortes correntes. além de vinculado aos sistemas e demandas do atual desenvolvimento tecnológico. o debate sobre as pesquisas das disciplinas escolares é evidenciado a partir dos anos 1990 quando da elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais. (LEITE. que também se dá quando o saber ensinado se distancia em demasia do saber do sábio: se o saber já é de amplo domínio público.] É o momento em que se impõem as reformas do ensino. Entretanto. Jul/Dez 2013: 68-85. p 39). . 37).Ensino de história e educação não-formal desde os anos trinta e indicam uma preocupação com relação à chamada “crise do método” (SCHMIDT. e que vislumbram a disciplina escolar como entidade específica produtora de saber autônomo. Quando o saber ensinado se afasta demais do saber do sábio. Em oposição à teoria da transposição didática. na qual podemos destacar os pensadores Ivon Goodson e André Chervel. o que justifica a escola? [. 15) “as crianças tem claras dificuldades para entender os conteúdos históricos devido às limitações gerais impostas pelo seu desenvolvimento cognitivo”. ocorreria o “envelhecimento moral”. autores como LEITE (2004) analisam de modo profundo a questão da transposição didática e afirmam que para além de uma vulgarização do “saber do sábio” (IDEM) se encontra uma complexa análise sobre as estruturas que conjecturam o saber escolar. surge uma segunda perspectiva. A respeito dessas questões: Chevallard propõe o seguinte modelo de interpretação: tal compatibilidade dependeria da sustentação do saber ensinado em um ponto mais ou menos equidistante entre o saber do sábio e o saber “banalizado”. sem a mediação escolar. causado pela perigosa aproximação com “o saber banalizado”. além de problematizar as adaptações necessárias à prática pedagógica. p. Esses teóricos tecem críticas à teoria da transposição didática e afirmam que essa hierarquização do conhecimento tem conotações mais amplas e não está Historien (Petrolina).. o que já era constatado por Piaget e Dewey e denunciado por CARRETEIRO (1996. passando a ter a legitimidade questionada pelo entorno social devido à sua obsolência. questiona-se a própria noção de conhecimento produzido no e pelo ambiente escolar. torna-se indispensável. ano 4. No bojo desses debates podemos destacar os pesquisadores que se posicionam contrários à perspectiva de Chevallard.. mas que não se apresenta como produto derivado das mesmas. proveniente do saber sábio. n. 9. Paralelamente. Deste modo. Revelando assim. ocorre o que o autor chama de “envelhecimento biológico”. acessível às famílias dos estudantes. 2005. p. quando um fluxo de saber. não desvinculada das ditas ciências de referências. Ainda sobre a teoria de Chevallard. 2004. [. Chervel determina que “as disciplinas escolares. imersas nas relações de poder”. tendo objetivos próprios e muitas vezes irredutíveis aos das ciências de referência” (IDEM 2009. “a compreensão da disciplina escolar relaciona-se ao papel do conhecimento como instrumento de poder de determinados setores da sociedade” (BITTENCOURT. 2009. utilizando outros conceitos que não os da matemática. p. ano 4. 2009. 2009. os saberes da formação profissional e os saberes da experiência. Ao definir a escola como produtora de um saber próprio.. 39). 9. p. Pág. 38). 51). disciplina a respeito da qual o Chevallard desenvolveu a teoria da transposição didática.” (IBDEM. Emerge nesse sentido uma reavaliação sobre o papel do professor. com vias a perceber que contradições. nesse contexto. 38). O que denota outra preocupação. CHERVEL apud BITTENCOURT (2009. Tal perspectiva possibilita uma ampliação nos debates em torno da atuação dos 73 Historien (Petrolina). Para assim compreender como “as disciplinas escolares formam-se no interior dessa cultura. os saberes curriculares. afirma que: “o estudo das disciplinas escolares deve ser contextualizado historicamente. seria ele um produtor de saber ou um reprodutor/simplificador do conhecimento cientifico? Essas questões suscitam pesquisas sobre como “os professores mobilizam em seu ofício os saberes das disciplinas..] corresponde a um trabalho profissional que se define como saber docente” (BITTENCOURT. que diz respeito à função exercida pelo professor na teoria da transposição didática. p. Para tais autores. Chervel questiona o aspecto que diz respeito ao caráter generalizador da teoria da transposição didática e discute sua aplicabilidade em outras disciplinas. Pág. n.Juliana da Costa Ramos limitada apenas a considerações de ordem epistemológica. como havia constatado Chevallard. Pois. O que revela outro ponto de forte debate relacionado à hierarquização do conhecimento que coloca o saber escolar como conhecimento secundário em relação àqueles saberes produzidos pelas chamadas ciências de referência. podem dali ser extraídas com o objetivo de problematizar de modo mais profundo o conceito que ele denomina como cultura escolar. um dos principais críticos a teoria de Chevallard. 38). não podem ser entendidas simplesmente como metodologias. Jul/Dez 2013: 68-85. . 9. As criticas a teoria da transposição didática precisam possibilitar a construção de projetos de pesquisas concretos e comprometidos como Historien (Petrolina). ou seja. no modo pelo qual os conteúdo e problemas da disciplina são apresentados aos alunos desde os anos iniciais de sua formação.Ensino de história e educação não-formal docentes enquanto agentes produtores de saberes e a pesquisa a respeito das especificidades dessa produção. relacionado ao desenvolvimento natural do ser humano. n. . na prática ainda verifica-se o hiato entre as pesquisas psicológicas e educacionais acerca da construção do conhecimento histórico produzidos pelos indivíduos nas mais diversas esferas educacionais e sociais. O que deixa muitas lacunas a serem preenchidas. mas é evidente que um número maior pesquisares brasileiros precisam se deter e aprofundar a questão no campo da História e dos problemas para o ensino de história. acreditamos que as pesquisas acerca da transposição didática têm muito a contribuir ao ensino de história. ano 4. nos currículos. o problema do ensino de história habitado no método ou os conteúdos. na didática do ensino de História. a polêmica dos debates acerca da produção do saber histórico escolar. Jul/Dez 2013: 68-85. não podendo nesse sentido passar despercebido por nós tais considerações. Entretanto. que hoje os principais estudiosos ainda têm problemas em superar ou “tomar partido” em relação a um local nesse debate. Essa dificuldade é fruto de um problema cognitivo. pois. Acreditamos que ambas as teorias tem pertinência e é por conta disso. a priori são por nós utilizadas sucintamente para expor ao leitor como tais reflexões influenciam a produção e definição de conceitos em torno das pesquisas sobre ensino de história e das práticas didáticas. dentro das especificidades da educação nacional. passível de ser solucionado com o amadurecimento e desenvolvimento do sujeito? Ou o problema estaria no método. na teoria ou prática. seria. É obvio que tais indagações só nos indicam que as problemáticas são bem mais complexas e profundas do que poderíamos debater nesta narrativa. Assim. Entretanto. da cultura escolar e do saber docente. na escola. o conhecimento histórico e as diversas questões que permeiam o tema da transposição didática. nos professores ou os alunos. críticas e inovadoras de ensinar e aprender história a partir desta aproximação feita entre a educação formal e não-formal.Juliana da Costa Ramos alternativas. no que diz respeito ao modo de produzir e difundir o conhecimento histórico. ano 4. n. Essa corrente a qual todo o professor de História é apresentado. nossa escrita busca perceber como tais enunciados relevam orientações específicas ao Ensino de História e implicam na utilização de métodos e conceitos chamados inovadores no sentido em que repensam as práticas didáticas sobre os novos paradigmas que são apresentados cotidianamente. 75 Historien (Petrolina). fazendo uma analise não apenas do método didático de utilização das linguagens alternativas. mas percebendo que teorias educacionais surgem nesse campo ainda recente de pesquisa. e no século XIX é marcada pela tentativa de legitimação da História e de modo geral das humanidades no panteão das ciências a partir da apropriação dos métodos das ciências naturais. como base conceitual do que se deve aprender em História. atrasado em sua natureza. quando associado ao ensino. Jul/Dez 2013: 68-85. a algo retrógrado. e/ou positivista. está fortemente vinculado a representação marcada sob a orientação teórica da escola metódica. Criticas ao modelo “tradicional” de ensino de História Uma pergunta básica deve ser feita: o que se define como ensino tradicional de História? O senso comum tende a atribuir ao termo tradição. grosso modo. o conceito de cultura escolar tem nos últimos anos se apresentado como um tema complexo ao qual se debruçam cada vez mais pesquisadores e entusiastas com vias a contribuir para um projeto qualitativo no campo do entendimento da comunidade escolar e suas especificidades. ainda no início de sua graduação. Essa tendência permanece no Brasil até meados do século XX. . possui uma construção narrativa. ou religiosa. 9. Assim. no caso específico do ensino de História observamos que este ensino dito tradicional. é marcada pelo uso de fontes oficiais. Para que assim possamos debater a relação entre ensino de História e educação não-formal e como essa interação pode ser percebida como produtora de saberes e formas criativas. baseada em fatos de natureza estatal. de imagens amplamente difundidas.Ensino de história e educação não-formal Outro elemento que deve ser considerado ao problematizar a questão da tradição no ensino de História diz respeito ao método de ensino. assim. Historien (Petrolina). “um lugar de produção socioeconômico. Passando a ser vista como um lugar social. entre outros. p. e o ensino de história. Muitas mudanças também podem ser visualizadas nos currículos escolares. Nesse momento verificamos que a utilização desses elementos lúdicos e motivacionais no ensino ainda não possuía o aporte teórico necessário. teatros. Porém as mudanças nos padrões curriculares só se concretizam de fato na década de 1980. Jul/Dez 2013: 68-85. após o fim do regime militar que instituiu alterações no sistema de ensino. p.. 2007. n. Esse quadro sofrerá transformações bruscas em meados da década de 1970. 2003. p. as visitas guiadas a museus e espaços culturais tais como bibliotecas. como mero veículo de reprodução da memória do vencedor” (IDEM. político e cultural [.] um meio de elaboração circunscrito por determinações próprias” (CERTEU. sobre o uso de linguagens alternativas ao ensino de História. também passa a ser inserida nos currículos de história e nas práticas didáticas. espaços voltados à ciência. 2003. Nos “tempos do repensar” a escola abandona o caráter meramente reprodutivo que reporta os “valores e ideias da classe dominante. principalmente no que diz respeito ao ensino de História. principalmente nos livros didáticos. pouquíssimos eram os profissionais e intelectuais que se debruçam em torno do tema ainda embrionário. Durante o governo militar as estruturas curriculares visavam castrar desde a base da educação a formação critica do individuo “descaracterizando as ciências humanas como um campo de saber autônomo. . passando a ser transmitidas como um mosaico de conhecimentos gerais e superficiais da realidade social” (FONSECA. ano 4. entretanto alguns elementos já eram amplamente utilizados em sala de aula. 20). como o uso de produções cinematográficas. 66). 9. Até meados da década de 1980 o ensino ainda se estruturava no exercício da repetição e memorização dos fatos. com a revisão historiográfica.. 20). a inclusão de elementos da cultura. competências cognitivas. é necessário repensar o quê e de que maneira está se ensinando. O como se ensina. em princípio. da necessidade de lidar com um mundo diferente e. Sobre isso: Os estudos sobre os processos do aprender destacam o papel ativo dos sujeitos na aprendizagem. Verificamos assim. Isto traz implicações importantes para o ensino. Não se trata de rememorar ou memorizar fatos e personagens históricos. os professores precisam mudar a forma de como se ensina. ano 4. seja escolar ou acadêmico. e especialmente. p. 2003. Para Castells. já que se formulam novas demandas ao que a educação deve proporcionar. pelo Estado. permita aos indivíduos atuar criticamente e politicamente no meio em que vivem. capaz de intervir e transformar a realidade brasileira” (FONSECA. onde as escolhas realizadas pelo educador e a nível maior. n.Juliana da Costa Ramos O ensino de História se vincula à preparação dos cidadãos para a vida em uma sociedade democrática e “o novo ensino de história [. 92). 2001 p. em razão de exigências postas pelo volume crescente de dados acessíveis na sociedade e nas redes informacionais.] assume a responsabilidade de formar o novo cidadão. para que o saber histórico. 77 Historien (Petrolina). pois se o que está mudando é a forma como se aprende. . Ao se formular um novo modelo de ensino de História formulam-se também a inclusão de novas práticas e linguagens.. de educar a juventude em valores e ajudá-la a construir personalidades flexíveis e eticamente ancoradas (HARGREAVES. fazem com que essa aparente necessidade caminhe lado a lado com pesquisas que buscam problematizar o modo pelo qual os professores ensinam. também. 9. Compreendemos assim que o ensinar história faz parte de um processo acima de tudo político. irão interferir na maneira pela qual os alunos se relacionam e produzem o saber histórico. mas perceber as continuidades e descontinuidades históricas e qual o papel dos sujeitos nestes contextos. a necessidade dos sujeitos desenvolverem habilidades de pensamento. depende do como se aprende.. 16). a tarefa das escolas e dos processos educativos é o de desenvolver em quem está aprendendo a capacidade de aprender. Jul/Dez 2013: 68-85. a difusão do discurso que legitima a construção de uma prática de ensino que permita aos indivíduos agirem de maneira crítica e emancipada e a retomada de propostas já anteriormente realizadas por autores como Paulo Freire. ] a educação não-formal. . [. constituindo um processo permanente e não organizado. problemáticas do cotidiano e as aproximações entre educação formal e não formal. Sobre os recursos didáticos GAGNÉ apud PILETTI (2010 p. De maneira geral percebemos que a utilização seja dos recursos didáticos. Assim. em contraposição ao campo do ensino de história em que percebemos uso do conceito de “novos documentos”. No decorrer das leituras percebemos que os elementos definidos como linguagens alternativas são nomeadas de diversas maneiras. porém das escolas) e possa levar a uma certificação (mesmo que não seja essa a finalidade) diverge ainda da educação formal no que respeita à não fixação de tempos e locais e á flexibilidade na Historien (Petrolina). além do termo “linguagens alternativas” para o ensino de história. Tais mudanças conjecturam que o uso dos conceitos.Ensino de história e educação não-formal Educação Não-Formal e Ensino de História No trabalho com linguagens alternativas para o ensino de história o maior impasse ainda se encontra na conceituação e definição sobre o que são efetivamente tais linguagens.. n. durante aulas de História correspondem hoje a demandas vistas como frutos de inquietações que vislumbram uma preocupação cada vez mais frequente com a singularidade dos indivíduos e uma prática educativa integral e inovadora. que nos últimos vinte anos refletem mudanças paradigmáticas no contexto educacional brasileiro. das diferentes abordagens e metodologias da educação não-formal. Compreendendo a Educação não-formal como: Todas as possibilidade educativas no decurso da vida do indivíduo. de elementos culturais. ao trazer a tona estímulos que possibilitem aos estudantes se perceberem como agentes sócio-históricos. são ações sintomáticas de uma mudança das mentalidades. 149) os define como “componentes do ambiente da aprendizagem que dão origem a estimulação do aluno”.. permite diferentes formas de apropriação das problemáticas e conteúdos históricos. até as linguagens alternativas. ano 4. No campo pedagógico à recorrência do termo recurso didático. a inclusão de temas transversais. Jul/Dez 2013: 68-85. 9. embora obedeça também a uma estrutura e a uma organização (distintas. seja dos novos documentos. Buscamos. 9. pois este tipo particular de prática educativa: Considera e reaviva a cultura dos indivíduos nela envolvidos. nesse sentido. saber fazer e saber ser” (FREITAS.78). p. são formas pertinentes de abordagens metodológicas baseadas na prática da educação não-formal. na experiência e na troca. Assim.. as justaposições às metodologias e conceitos da educação não-formal contribuem. no prazer. 23) Aprofundando questões referentes à identidade de grupos que por muito tempo estiveram marginalizados no que se alude a aquisição e o exercício de cidadania. ano 4. incluindo educadores e educandos. mas indo além.. ao proporcionar aos alunos. quadrinhos. (AFONSO. (VON SINSON Et All. de modo que a bagagem cultural de cada um seja respeitada e esteja presente [. no desenvolvimento das habilidades cognitivas necessárias à compreensão de conceitos possuidores de um maior grau de abstração e subjetividade. Através do desenvolvimento de competências que proporcione aos alunos realizar essa ponte dialógica entre o conteúdo histórico escolar e seu cotidiano. Jul/Dez 2013: 68-85. O enfoque das práticas de ensino de história deve ser possibilitar os diálogos entre “o saber. levando essa realidade a perpassar todas as atividades. 2010. p. p.Juliana da Costa Ramos adaptação dos conteúdos da aprendizagem a cada grupo concreto. quanto mais se possa realizar uma experiência direta. A aprendizagem é tanto mais eficaz. contudo 79 Historien (Petrolina). valorizar a realidade de cada um. 191). 2007. Tais questões. linguagens plásticas em diferentes contextos. imagens. a utilização de produções cinematográficas. perceber como as práticas em sala de aula podem gerar elementos que extrapolem os muros da própria escola. além de trazer aos estudantes uma concepção mais crítica e mais próxima a sua própria realidade.] a fim de não somente. 1989. . Assim. por meio das experiências e aproximação didática com o cotidiano e com as ideias em sua concretude. por meio da apropriação das narrativas históricas vistas sob diversos panoramas. n. sana uma antiga preocupação baseada numa perspectiva de interpretação histórica distanciada na qual os alunos não se identificam com a história ensinada e proporciona a construção do conhecimento histórico baseado na fruição. n. Logo. quais são os panoramas de julgamento sobre tais competências? Qual o papel do professor nesse processo? Onde habita o seu limite? Constatando tais reflexões por meio da observação da prática docente. ou a autonomia? É possível algum tipo de avaliação sobre tais questões. na medida em que são chamadas para responder perguntas e questionamentos adequados aos objetivos da história ensinada”. todas as linguagens. responsáveis pela formação do pensamento. 310) dentro do “processo de aprendizagem as fontes se transformam em recursos didáticos. que segundo ABUD (2005. p. frutos de múltiplas experiências culturais. p. Visto que os modos de elaboração do saber escolar hoje são fortemente influenciados pelos diversos meios de comunicação de massa. literatura. As mudanças do conhecimento histórico acadêmico. tradição oral.Ensino de história e educação não-formal percebemos que pouco se desenvolve conceitualmente as competências necessárias e talvez o mais importante. de que modo. ano 4. em seus mais diversos contextos. a partir do trabalho com novas fontes podem ser expressas nas salas de aulas pelo uso de novas técnicas didáticas. nos espaços de lazer. etc. . diferentes abordagens audiovisuais e a interferência direta da internet. mas com o cotidiano da clientela escolar. A formação do aluno/cidadão se inicia e se processa ao longo de sua vida nos diversos espaços de vivência. verificamos o peso de tais indagações. Deste modo: Historien (Petrolina). 9. percebendo assim que teoria e prática necessitam de muita reflexão e esmero para que possam se realizar de modo desejável. tais como os meios de comunicação de massa – rádio. 164): O professor no exercício cotidiano de seu ofício incorpora noções. na família. no trabalho. na atualidade eles têm que lidar não só com os conteúdos da disciplina história e com os aspectos metodológicos. museus. cinema. É fato que o papel dos professores mudou. imprensa em geral -. Jul/Dez 2013: 68-85. linguagens do mundo vivido fora da escola. a educação e em particular o ensino de História. contribuem com a produção/difusão dos saberes históricos. etc. Como concretamente incentivar o criticismo em sala de aula. todos os veículos e materiais. podem auxiliar o desenvolvimento de tais competências nos alunos. TV. monumentos. representações. Essa perspectiva é reafirmada por FONSECA (2003. na mídia. [. 2005. ela tem o compromisso de favorecer e oferecer diferentes possibilidades de exercício de vivência de diálogos nesse perspectiva de criação de pensamentos divergente. 9. e em muitos casos são referências pelos trabalhos educacionais desenvolvidos tanto para educação não-formal.. Isso nos leva a refletir sobre as práticas educativas que imbricam educação formal e não-formal e efetivam a perspectiva de uma vivência educacional que circula em vários espaços e interage com os mais diversos sujeitos a partir das trocas sociais. ano 4.Juliana da Costa Ramos A educação não formal pode abrir essa possibilidade e esse espaço nas suas relações educacionais [. n. de ensinar a pensar..] (SANTOS. p. as distâncias entre o ensino formal e o não formal é urgente e necessário. (GARCIA. opostos. Jul/Dez 2013: 68-85. quanto aos setores formais de ensino.. diferentes. O que contribui para a diminuição do abismo que coloca ensino formal e educação não-formal como conceitos opostos.] essa prática é importante quando se pensa em um processo educacional que priorize a transformação. se tem a intenção de transformar. mas. 2008. . proporcionando ganhos significativos para todos os sujeitos envolvidos no processo [.. Encurtar.. A vida. Tendo em vistas que os setores educativos nos museus já se encontram consolidados na grande maioria das instituições. os elementos teóricos e práticos no campo educação não-formal proporcionam a reflexão sobre como a educação acontece de modo generalizado em diversos ambientes por meio de experiências significativas de interação e aprendizagem colaborativa. p. pois. criativos. 32) O espaço museal se insere nesse contexto pela sua capacidade de suscitar experiências visto que ao entrar em contato com objetos musealizados o aluno é provocado a compreender as dimensões materiais e simbólicas inerentes a esses 81 Historien (Petrolina). ousados. Nesse sentido fizemos uma breve prospecção sobre a inserção das práticas pedagógicas da educação não-formal desenvolvidas em instituições museais e como elas podem oferecer ao ensino de história excelentes contribuições levando em consideração os seus encontros contemporâneos. 40) Assim. contraditórios.] Não assumimos com isso que a educação nãoformal tenha o papel de ensinar a criação.. o conhecimento construído e reconstruído a cada momento na vivência do cotidiano deve ser um referencial essencial para a análise e o enriquecimento da prática pedagógica. Tais reflexões.] quando perdem suas funções originais [. 20-21). ligados pelo sentimento identitário de pertença e de representatividade gerados a partir da experiência patrimonial/museal. é preciso exercitar o ato de ler objetos. 2004. o objeto perde seu valor de uso [. Afinal. aquela vivenciada no e pelo entorno escolar. . prática que utiliza o objeto como gerador de provocações acerca das mais diversas situações problemas e insere o museu como “o lugar onde os objetos são expostos para compor argumentos críticos” (Ramos 2004. no ensino de história por sua contribuição à descentralização da narrativa história e por oportunizarem. e demais profissionais da educação a partilharem e problematizarem suas experiências culturais e históricas. “se aprendemos a ler palavras. 20). n.. p. O que estimula não só os alunos. 2004.. baseado no conceito Freiriano de leitura de mundo. aproximações com a história local. Jul/Dez 2013: 68-85. de observar a história que há na materialidade das coisas” (IDEM. ano 4. Ao entrar no espaço expositivo. 19) De tal perspectiva emerge o conceito que Francisco Régis Lopes Ramos (2004) nomina como pedagogia do objeto. Historien (Petrolina). dentro dos conceitos meta-históricos. Estando atento para a necessidade da prática reflexiva na qual deve se desenvolver o ato educativo. é que o autor ressalta a necessidade de aprendermos a leitura dos objetos. mas o ensino de história também reformulou suas práticas e seus objetos. assim.. p. 9. P. técnicos. entretanto é preciso ter em mente que àquele artefato exposto aos olhares curiosos é só o ponto de partida para a prática pedagógica. o diálogo entre o museu e o ensino de história é cada vez mais caro a professores e alunos. não só compreendem os espaços culturais.Ensino de história e educação não-formal bens. Dentre tantas possibilidades didáticas destacamos o uso do patrimônio cultural.. (RAMOS. “ninguém vai a uma exposição de relógios antigos para saber as horas. em particular dos museus. professores. os pais.] tais objetos passam a ter outros valores”. mas a comunidade escolar. J.11. ou seja. Ramos (2004. Revista Ensino & História. jul. . A Sociologia na Escola. p. Essa história que pode ser percebida no primado do olho sobre o objeto museal. p. p.” (Freire apud Ramos. é gerado o “debate de situações desafiadoras” em que nas próprias “situações existenciais” são germinadas “situações problemas”. os diálogos contemporâneos possíveis entre o ensino de história e os espaços de educação não formal tais quais os museus. Esta aprendizagem provocativa. as questões suscitam reflexões. mas de uma experiência social.Juliana da Costa Ramos Tal como afirma. Esteves. Assim. (IDEM. mas usar a pedagogia do objeto no museu e em muitos outros territórios”. Porto: Afrontamento. p. n. por estes contribuírem de modo inexorável na educação integral e provocativa dos indivíduos. Reafirmando assim. S. REFERÊNCIAS ABUD. ano 4. 48). Processos de construção do saber histórico escolar. 1989. uma visita ao museu realizada durante as práticas de ensino de história assume o compromisso meta-histórico. J. Jul/Dez 2013: 68-85. 83 Historien (Petrolina). e elaborar não só em soluções absolutas. 83-96). v. R. Sociologia da educação não-formal: reactualizar um objecto ou construir uma nova problemática? ( In: A. 34). 2000. mas os questionamentos que deslocam o pensamento para abismos onde o conhecimento é produzido a partir da reflexão e da troca. Stoer. Kátia Maria. 2000. materializado através da experiência da educação não-formal.24) “estudar a história não significa saber o que aconteceu e sim ampliar o conhecimento sobre a nossa própria historicidade”.2005. dessa reflexão “o que importa para o ensino de história não é “ir ao museu”. os sujeitos são instigados a pensar as situações problemas. onde “a partir do vivido. extrapola a própria finalidade da história ensinada dando margem à criação não apenas de um recurso didático. 9. Reiterando-se a atualidade de Paulo Freire e da pedagogia da pergunta. Londrina. artefato que personifica as práticas sociais desenvolvidas através do tempo. Ao instituir a dúvida como algo imperativo nas práticas pedagógicas. A. p 25-34 AFONSO. Francisco Régis Lopes. n. São Paulo: Ática. SANTOS.2005. São Paulo. Rio de Janeiro. Margareth Brandini. . MARTINS. (IN – Educação não-formal: contextos. São Cristóvão. 2009. 2005 Pág 19-41). Revista Dimensões do PRPPG em História da UFES. a educação e o museu. reflexões e aprendizados. Forense Universitária. jul. Moura. [org. IN- Historien (Petrolina). Estevão de Resende. Chapecó: Ed. p 35-48. Itamar. PILETTI.Ensino de história e educação não-formal BITTENCOURT. LEITE.11. Dissertação (mestrado em educação) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Margareth Brandini. vol. Mário. SIMSON. 9. p. A danação do Objeto: O museu no ensino de História. Didática e Prática de Ensino de História: Experiências. SP: Unicamp/CMU. 24. Holambra SP: Editora Setembro. SCHIMIDT. ISNN: 1517-2120. PARK. 2010 RAMOS. FERNANDES. Cortez. Miriam Soares. 2003. percursos e sujeitos. 2007. Rio de Janeiro. Claudino. verdade e argumento. 2004. Londrina. Porto Alegre: Artes Médicas. 2010. Maria Auxiliadora. ano 4. 1997.] – Campinas. Renata Sieiro. Jul/Dez 2013: 68-85. CARRETEIRO. Fundamentos teóricos-metodológicos para o Ensino de História (Anos iniciais). A escrita da História. PARK. Didática Geral. Encontros museológicos – Reflexões sobre a museologia. v. 5-32. 2004. 2008. FERNANDES. Selva Guimarães. Renata Sieiro. Contribuição de Basie Bernstein e Yves Chevallard para a discussão do conhecimento escolar. História: conhecimento. 2010. FONSECA. GARCIA. Minc-IPHAN/DEMU. Valéria Aroeira. Um sobrevôo: o conceito de educação não-formal. Construir e Ensinar as ciências sociais e a história. Argos. DE CERTEAU. Olga Rodrigues de Moraes Von. 2007. Michel. Educação não-formal: um conceito em movimento. Ensino de História fundamentos e métodos. Maria Célia T. Campinas – SP: Papirus. Editora UFS. FREITAS. Saber escolar e conhecimento histórico? Revista Ensino & História. Andy. ano 4. ET al. n. 85 Historien (Petrolina). n. fev/abr 2001. (Rumos educação cultura e arte. conversas plurais. Jul/Dez 2013: 68-85. .Juliana da Costa Ramos Visões singulares. 9. HARGREAVES. 16. 3). – São Paulo: Itaú Cultural. O ensino como profissão paradoxal. Porto Alegre. ano IV. Pátio. uma vez que estas instituições estão intimamente ligadas. Os novos debates não têm alcançado as salas de aula. Key-words: Teaching of History. razão de constantes críticas dos alunos a disciplina. n. The new debates have not reached the classrooms.com. Novas possibilidades tornam-se necessárias. Aprovado em 18/11/2013. Universidade. e sem relevância. 2 1 Historien (Petrolina). Abstract: This article discusses the teaching of history. Esp. Nesse contexto. ano 4. O ensino de História requer esforço múltiplo e continuado dos profissionais da área. Estágio Supervisionado. Trabalho orientado pela Profª. billed as "memorize" and irrelevant. because of constant criticism of the student’s subject. O debate sobre o ensino de História requer uma análise reflexiva sobre o que ocorre nas salas de aula. its practice and the importance for supervised construction of the research. 9. New possibilities become necessary. Reflect on the role of the training of history in the school and university becomes necessary. A disciplina tem sido constantemente repensada com novas teorias e abordagens. University. Refletir sobre o papel do profissional de História na escola e na universidade torna-se necessário. once the discipline has lost ground in the school. Traineeship Supervised. E-mail: joedsonandrade@hotmail. 3 Graduanda em História pela Universidade de Pernambuco – Campus Petrolina. Jul/Dez 2013: 86-97 . taxada como “decoreba”. The subject has been constantly reviewed with new theories and approaches. sua prática e a importância do estágio supervisionado para construção da pesquisa. faz-se necessário refletir sobre o Recebido em 10/10/2013. Palavras-chave: Ensino de História. Nesta dinâmica permite juntar sujeitos na mesma tarefa: pensar novas práticas em favor da responsabilidade social que exercem.ENSINO DE HISTÓRIA: REFLEXÕES SOBRE O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E SUA PRÁTICA1 Joedson da Silva Andrade2 Regina Lúcia Meneses de Souza3 Resumo: Este artigo visa discutir o ensino de História. Graduando em História pela Universidade de Pernambuco – Campus Petrolina. Let’s join this dynamic character on the same assignment: to think new practices in favor of the responsibility social that perform an activity. The teaching of history requires multiple and sustained effort of professionals. uma vez que a disciplina tem perdido espaço no âmbito escolar. since these institutions are closely linked. E-mail: regirock2007@hotmail. Zélia Almeida.com. ”. faz menção as principais dificuldades do ensino. Jul/Dez 2013: 86-97 . Ser professor exige: dedicação. Em síntese. formação continuada e amor à profissão. no decorrer dos estágios supervisionados. motivou-o e o torna relevante. O professor de História tem à sua disposição múltiplas formas de abordar o conhecimento histórico. para eles não tem “sentido”. p. quebra de paradigmas e desconstrutivismo. numa realidade concreta que. sobre como tem se posicionado frente às dificuldades do ensino. ao mesmo tempo. n. “Um professor mal preparado e desmotivado não consegue dar boas aulas nem com o melhor dos livros. Têm de haver uma inter-relação das instituições de ensino. este não exerce seu papel. a pesquisa consegue vincular. Ensino de História por conceito. Um bom mestre. atuante. Quando o profissional não transforma o conhecimento. precisa “saber fazer bem”. Pensar História e desenvolvê-la exige muito mais que teorias. p. mesmo compreendendo seu caráter mais teórico-prático. pensamento e ação. no entanto. ano 4. A pesquisa torna o ensino vivificado. 2010. p. O professor precisa ter uma meta. (RIOS. 2001. 9. (PINSKY e PINSKY. O debate sobre novas práticas de ensino de História é frequente.Joedson Andrade/Regina Souza papel do professor. dentro da universidade. (com inúmeras interpretações) é tarefa de um professor preparado para o exercício da função. empenho. dialeticamente. (KARNAL. que conflitam com os saberes e práticas Historien (Petrolina). assim as possibilidades da doutrina se tornar realidade serão aumentadas. neste momento. “é preciso. que é fruto desse processo. 2007. não rompe as dificuldades do ensino. 31). O debate sobre novas abordagens é sugerido de vastas opções. 19). num contínuo processo de construção – desconstrução – reconstrução e a extensão é a aplicabilidade do conhecimento. tornar a compreensão possível. mantendo um diálogo ativo entre os três pilares acadêmicos: pesquisa – ensino – extensão. a cerca da vivência e experiências adquiridas na sala de aula. 62). As discussões no meio acadêmico. 2004. é preciso que tenha claro o quê e como ensinar. Também. mostrar que é possível desenvolver uma prática de ensino adequada aos nossos tempos (e alunos): rica de conteúdo. 131). (CASTELO BRANCO. p. socialmente responsável e sem ingenuidade ou nostalgia”. O campo da História é muito subjetivo. Porém. pois é comum vermos os discentes reclamarem que a história. A essência da docência resume num conjunto de atribuições. porém o professor é um elemento chave. p. Logo. n. No entanto entendemos que precisa ser assumido como horizonte ou utopia a ser conquistada no projeto dos cursos de formação” (PIMENTA. ou quebrar paradigmas. 2009. que deve agir como pesquisador e observador refletindo sobre suas ações dentro da sala de aula. quando buscam conexões entre o pensamento e a ação”. a compreensão desse conhecimento prático vai depender também da maneira como o professor compreender seu lugar no contexto de trabalho”. “Entretanto. dentro do segmento de estágios supervisionados conta com inúmeras deficiências. quanto prática. (SILVA. p.Ensino de história adquiridas na academia. na docência juntamente com a desvalorização da profissão. Jul/Dez 2013: 86-97 . conhecimentos de ordem prática. é possível transformar a História Antiga em uma abordagem prazerosa e crítica. é preciso uma escola apta a receber estas propostas. 2011. sendo o 88 Historien (Petrolina). Não existe um modelo a seguir. acaba acarretando ao futuro professor de história sequelas. A prática do ensino de História perpassa por muitas reflexões. daí a necessidade das teorias acadêmicas interagirem nos espaços escolares da educação básica. que em primeiro lugar é necessário reconhecer a função e o ambiente a qual será semeado o conhecimento. quer e flexionada no conhecimento adquirido. 102). tanto teoria. A falta de acompanhamento ao estagiário no âmbito de iniciação de sua experiência. ano 4. 2009. p. (SILVA. O sistema de ensino superior nas licenciaturas no Brasil. que acabam refletindo no despreparo dos docentes. Mais que uma inovação do ensino. É necessário ter em mente. que circunda. tanto ao discente na academia. quanto ao aluno. Se o professor de historia se reconhece na profissão ou no oficio certamente terá ferramentas a operar os saberes teóricos e práticos. Infelizmente a realidade do ensino de história tem sido posto no rol de diversas problemáticas. lançará mãos ao fruto do ensino de qualidade a ser transpassado. “os professores constroem os seus conhecimentos profissionais. Ação será à prática. 9. “O estágio já se encontra presente em práticas de grupos isolados. 102). que não se trata de romper com o modelo tradicional. Dessa forma a prática é relevante e estar condicionada a forma como o conhecimento será passado. 34). Ora. e o dever. e assim levantar questões a serem pesquisadas. dioceses que guardam documentos antigos. nos caracteriza ao oficio de historiador. levantamento de hipóteses e formação de novos pontos de vista. filmes. a cerca dos acontecimentos historiografados. São poucos os professores que utilizam de metodologias que visam enriquecer o ensino de história. Os estagiários como perceptores de tais problemas. são ferramentas importantíssimas para difusão do conhecimento. Segundo Gilberto Freyre. n. 105). fotografias. Documentários. além de estimular o aluno provoca nele o instinto investigativo. p. então devemos ser não somente agentes reprodutores e sim construtores do conhecimento. Segundo Marilda da Silva. “Nesses ambientes. 27). envolvendo reflexão que é fundamental para o desenvolvimento da práxis. Boa parte deste material pode ser levado a sala de aula. devem munir-se de novas técnicas e metodologias que visem à mudança dentro das temáticas a serem trabalhadas. que trazidos para o presente através da historiografia com as diversas interpretações de um fato. e assim sendo apenas mais um no sistema problemático do ensino da disciplina de história. revistas. Contudo. ano 4. 2009. 9.Joedson Andrade/Regina Souza tradicionalismo e apego ao livro didático agentes que em partes impossibilita a implementação de novas ferramentas no ambiente de ensino. documentos antigos. de angariar instrumentos teóricos imprescindíveis ao aprendizado da prática docente. Percebemos a importância da Historien (Petrolina). Existe uma série de possibilidades de se trabalhar os conteúdos da disciplina: jornais. se fazer história é utilizar-se de acontecimentos passados. debates e pesquisas de campo. documentários. o estágio deveria oferecer além da prática a pesquisa. cordel. “ensinar não é transferir conhecimento. p. Jul/Dez 2013: 86-97 . Na realidade é vasto o percentual de docentes e futuros docentes que saem da universidade e não se reconhece no oficio. 2009. A pesquisa de campo. quando não houver possibilidades. existe museus. (FREYRE. O futuro professor deve incentivar as discussões de como foram construídos os diversos pontos de vista a cerca de acontecimentos históricos. Nesse aspecto. mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. O futuro profissional desenvolveria atitude investigativa. (SILVA. os futuros professores têm a oportunidade. não aprendem a praticar o ofício”. Como mudar o quadro atual do ensino. O professor de História tem a sua mão muitas possibilidades de abordar o conhecimento. “o profissional fica reduzido ao “prático”: não necessita dominar os conhecimentos científicos. O projeto de estágio. um enriquecimento teórico. resumindose muitas vezes. não se preocupando com a sua função social. o comodismo. É preciso repensar o ensino de história e refletir sobre a relação entre quem ensina e quem aprende.Ensino de história pesquisa. p. A pesquisa é fundamental. 2010. sem fundamentação e sem nexos com as atividades e as finalidades do ato de ensinar. (FREYRE.” (PIMENTA. como também a educação de si. desânimo e a forma de passar a disciplina têm sido muito parecidos nas escolas: questionários imensos e respostas saturadas. 2011. Aprender a ensinar requer prática. Apesar de novas perspectivas e metodologias o ensino de História nas salas de aula ainda não se adequou as expectativas do alunado de hoje. 101). Porém. ou seja. Ensinar requer o precedente da pesquisa. a mini-aulas na própria universidade. visitas etc. 2011. a prática educativa tem de ser constantemente refletida. estar atento aos lançamentos da sua área”. pois “não há prática sem pesquisa”. Jul/Dez 2013: 86-97 . 131). mas tão somente as rotinas de intervenção técnica deles derivadas. razão da necessidade urgente da interação das instituições responsáveis pela produção do conhecimento histórico. por sua vez. se as unidades de produção do conhecimento estão condicionadas a soltar profissionais no mercado. 90 Historien (Petrolina). pesquisa e uma análise da realidade vivenciada. a pesquisa possibilita o educar. n. 2009. fica abreviado a um agregado de atividades técnicas e burocráticas. “Um professor de História deve tentar. os estágios de maneira geral. 9. Ensinar História não é tarefa fácil. ano 4. 34). teorias e mais teorias de nada servem se não condizem com a realidade concreta. (KARNAL. O autor transparece o quanto é fundamental pesquisar. na medida do possível. p. se não. requer esforço múltiplo dos vários profissionais da educação. p. porém o estágio precisa condizer com a realidade das escolas. Assim. p. (PIMENTA. 13). viagens. acabam por se configurar em atividades distantes da realidade concreta das escolas. a universidade deve possibilitar a pesquisa para o desenvolvimento das teorias. . A História muito mais que uma ciência é dotada de várias significações e merece ser compreendida. ano 4.. Experimentar. no entanto torna-se necessário saber. Que o aluno possa entender que a apropriação do conhecimento é uma atividade em que se retorna ao próprio processo de elaboração do conhecimento. se a disciplina tem sido renovada. 54-66). daqui a algum tempo poderá a mesma perder o espaço que lhe é dado. trazer as teorias para os espaços escolares é de fato trabalhar com novas possibilidades buscando alcançar os sujeitos para transformar a realidade da educação e do ensino de História. p.) Fazer com que o conhecimento histórico seja ensinado de tal forma que dê ao aluno condições de participar do processo do fazer. O aluno vê a disciplina de História como dada e acabada. se esse conhecimento está atingindo de fato o alunado. tão magnífica. para que assim possa ganhar as mentes e trazer a revolução para as escolas. a articulação entre elementos constitutivos do fazer histórico e do fazer pedagógico. O acompanhamento por parte da universidade permite uma melhoria na prática educativa. para que a mesma tenha o valor que merece. A História vem mudando constantemente. não ocupar um lugar nas mentes dos alunos. Nesse contexto é possível ajustar-se as necessidades que surgem buscando transformar com dedicação e empenho os espaços escolares. Jul/Dez 2013: 86-97 . com novas propostas para as salas de aula. isto quando se tem um profissional realmente preparado para o exercício da função. (. A realização na sala de aula da própria atividade do historiador. além de tirar as teorias do papel para realmente modificar a realidade da educação básica. A história é também uma construção dinâmica. do construir a História. poderá esta “ciência”. mas não tem sido compreendida Historien (Petrolina). 9. essa é mais uma razão de intervir e modificar a disciplina (dentro e fora da universidade). Se não pensarmos na importância e ressignificação da disciplina dentro do âmbito escolar. (SCHMIDT In BITTENCOURT.Joedson Andrade/Regina Souza É inegável o papel transformador que a disciplina de História exerce. muitas vezes não consegue interpretá-la como instrumento capaz de revolucionar e trazer novas perspectivas. n. 1998. ou se de fato tem ocupado as salas de aula. está reduzido à academia. amplamente importante. pois não se pode ensinar bem. utilizar-se de novas leituras é indispensável. se reconfigurou e hoje possui um vasto campo de possibilidades. A História é uma disciplina referencial. Outro quesito importante é a formação continuada. nos lábios dos homens. ao “recuo da teoria”. para tanto. 2003. Os espaços acadêmicos de formação de professores devem ter como objetivo a implantação de metodologias especificas para o ensino de história. assim como a Física de lord Kelvin ou de Langevin não é a de Aristoteles. p. ano 4. A História mudou de fato. Pensando assim. A teoria. aquela que escrevia Hecateu de Mileto. ela mudou muito de conteúdo. já há mais de dois milênios. se os espaços do conhecimento não se relacionam. Este processo permite 92 Historien (Petrolina). um revigoramento e até mesmo uma renovação do profissional. incentivando a pesquisa e o desenvolvimento das teorias para um ensino melhor. mas precisa de novos horizontes e de ser abordada com qualidade por quem exerce o papel de educador. pelo menos é o que tem mostrado a realidade vivenciada nas escolas. se este conhecimento humano. 51). (DUARTE. se as pesquisas em educação se renderem. uma vez que hoje temos uma gama de novos conteúdos e métodos à disposição. ou mesmo as instituições de ensino superior deveriam está mais próximas do local onde os seus profissionais atuam. por isso. 620). Mesmo permanecendo pacificamente fiel a seu glorioso nome helênico. p. nossa história não será absolutamente. n. uma nova proposta nos espaços que produzem e que difundem o conhecimento faz-se necessário.Ensino de história como deveria. melhorando assim o conhecimento e a prática educativa. no entanto o profissional nunca deve “morrer profissionalmente”. desde que surgiu. (BLOCH. 9. 2001. O incentivo para os educadores da educação básica é pouco ou inexistente. Questiona-se. esta oferece novas possibilidades. “De pouco ou nada adiantará defendermos a necessidade de os formadores de professores serem pesquisadores em educação. Jul/Dez 2013: 86-97 . esses espaços agiriam juntos em solucionar os problemas da educação básica. Seguramente. Assim. (KARNAL. ano 4. Além disso.. é duramente criticado. 2010. Os livros didáticos precisam ser utilizados de forma correta. faz parte do cotidiano escolar há pelo menos dois séculos” (BITTENCOURT.. o livro é necessário. não trazem para o ensino novas concepções para o saber. uma vez que a pesquisa (tão importante para a prática docente) comparece apenas na atividade docente. se não houvesse livro didático.299). Jul/Dez 2013: 86-97 . Nesse contexto.Exatamente porque a informação chega aos borbotões. p. mas só se transforma em conhecimento quando devidamente organizada. 9. essa prática contribui também para à construção da identidade profissional. este ás vezes. porém o professor deve se apegar a outros meios. como foco no processo de ensino e de aprendizagem. O estágio supervisionado implantado de maneira adequada permite inculcar valores e transformar os professores em investigadores. logo seria estranho. sem a devida percepção ou utilidade. p. é que se torna mais importante o papel do bom professor. É necessário também reflexões sobre o livro didático. 22). os recursos tecnológicos oferecidos nas escolas ainda são insuficientes. A legislação sobre o estágio no Brasil também carece de ser revista. porém indispensável para os docentes. Um revigoramento da disciplina de História depende de um esforço múltiplo de professores e difusores de novas teorias. n. de forma a tornar o ensino de História mais prazeroso. 2011. E confundir informação com conhecimento tem sido um dos grandes problemas de nossa educação. permitindo ao professor uma orientação do quê ensinar e para quê. “Os livros didáticos são “os mais usados instrumentos de trabalho integrantes da “tradição escolar” de professores e alunos. e não no processo de formação dos professores.Joedson Andrade/Regina Souza uma forma de interação do futuro docente com a realidade escolar. mais exige um pouco mais de inquietude Historien (Petrolina). permitindo ao mesmo interagir e melhorar esses espaços o que trará benefício para as instituições de ensino e para a sociedade. O livro é parte da cultua e da educação. por todos os sentidos. pois. é o norte das suas abordagens. Sem dúvida que a informação chega pela mídia. a disciplina oferece muitas possibilidades. a série de mídias disponíveis para o alunado. A história na sala de aula deve ser encarada como um desafio constante.Ensino de história dos seus propagadores. pois a comunidade escolar em geral sente a falta que o livro faz. pelos pais e pelos próprios estudantes. A melhoria só virá com novas propostas. 2004. uma parte da população sequer tem referência sobre o papel da universidade na transformação da sociedade. p. p. A falta dos livros gera logo inquietações. No Brasil é fácil perceber o abismo entre Universidade e escola. Com o descaso do governo para o sistema educacional. está apito a novas propostas é dar um passo em favor de uma história mais prazerosa. na universidade como espaços interligados é buscar uma ampliação e melhoria do ensino. o livro adquiriu com o passar dos tempos um status dentro da escola e do sistema educacional. que atenda aos anseios da sociedade do seu tempo. 170). mas também pela sociedade. O ensino de história deve ser pensado de forma a atingir um mundo em transformação. O livro serve para acompanhamento de conteúdos ministrados. como de outras disciplinas. O livro didático não é visto como referência para o ensino apenas pelos professores. Jul/Dez 2013: 86-97 . mais saber ensinar é fundamental. “o livro didático de História exerceu e. o livro auxilia na produção do conhecimento. 9. (SCHMIDT In BITTENCOURT. pois assim como o professor. É importante ressaltar. O professor de história deve ser dotado de conteúdos. aproximá-lo tanto dos cidadãos como das unidades de ensino básico. Dessa forma. Essa busca deve ser constante e influenciar os vários espaços do saber. ainda na medida do possível. com quebra de paradigmas. pois é subsídio teórico para a construção dos saberes históricos na sala de aula”. exerce um papel fundamental no ensino de História. muitas instituições estaduais ou municipais acabam ficando sem acesso ao livro didático. (SCHMIDT In BITTENCOURT. Pensar na formação docente. que o livro está condicionado ao modo como o professor utilizará junto a outras ferramentas no processo de ensino. que o coloca em destaque na prática dos professores. O ensino sem o livro didático ficaria fragmentado. 2004. na escola. ou seja. 170). a disciplina assim exige. é o que se espera de um bom profissional da área. 94 Historien (Petrolina). com união entre as instituições de ensino. n. tanto de Historia. ano 4. fica evidente a necessidade de desburocratizar esse espaço. Trazer novas estratégias para melhorar o ensino. escola e sociedade. escolas e universidades são propagadores do conhecimento. modificando a visão do alunado em relação à disciplina. O professor exerce o papel central na transmissão do saber histórico. não depende somente de novas abordagens e da utilização de novas mídias. O estágio tem de ser reflexivo e não reduzido a uma orientação. está restrita a academia. Como futuros docentes. ou do professor. Muitas vezes a teoria não alcança os sujeitos. o ensino de história perpassa por várias questões.Joedson Andrade/Regina Souza Apesar das dificuldades encontradas no âmbito das experiências. A construção da identidade profissional está diretamente ligada entre teoria e prática. escola e estágio. Melhorar o ensino de História. requer uma reconfiguração das estruturas de ensino como todo. Gestões. a experiência mostra uma realidade muito diferente da teoria. 9. portanto ter uma boa formação. de romper com muitos padrões pré-concebidos que dificultam a difusão do conhecimento. Assim. Jul/Dez 2013: 86-97 . A reorganização das práticas de formação deve ser constantemente repensada pela universidade e pelos que produzem as legislações que regem a formação de professores. baseada na pesquisa. possibilitando a construção do saber histórico em suas dimensões. escola e estágio). o estágio supervisionado é um espaço de mediação reflexiva entre universidade. percebemos que a sala de aula é um espaço que precisa ser repensado e aproximado da universidade. n. ano 4. Este constitui a base para a boa formação. estes devem firmar um compromisso com o educar e ensinar de Historien (Petrolina). é latente a necessidade de mudar a realidade na formação dos profissionais de educação. Professores. é importante refletir sobre as práticas e o ponto de partida para uma análise construtiva do saber histórico. Nesse embate entre universidade. quando se tem a visão da realidade e o reconhecimento da diferença. o futuro docente se encontra dentro de um triangulo (universidade. consiste em preparar um profissional para os desafios que vem surgindo. depende sim. que enquanto agente produtor do saber pode contribuir de forma significativa para melhoria do ensino de história. contemplando sujeitos engajados na mesma tarefa: transformar o ensino de história numa abordagem prazerosa e consequente. só assim irá levar em conta a prática como ponto de partida e de chegada. São Paulo: Cultura Acadêmica. RIOS. 2007. CONTRERAS. 2004. Circe. SCHMIDT. 11 ed. História na sala de aula. Terezinha Azeredo. Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários a pratica educativa. M. ed. ano 4. São Paulo: Cortez. 9. KARNAL. 11.Ensino de história forma a transformar a realidade. Jul/Dez 2013: 86-97 . BIBLIOGRAFIA BITTENCOURT. 4 ed. O ensino de história possibilita uma revolução. Ética e competência. Didática e prática de ensino de História. A formação do professor de história e o cotidiano da sala de aula. São Paulo: Contexto. A. 2002. seguramente mal interpretada. Estágio e docência. . 2004. Leandro (Org. 2011. José. São Paulo: Cortez. João Pessoa: Universitária.) A formação do Historiador: tradição e descobertas. In: FLORES. São Paulo: Cortez. PIMENTA. 2011. Selma Garrido. Uyguacira Velôso. A difícil arte de ensinar História. 2001. A autonomia de professores. O saber histórico na sala de aula. Complexidade da formação de professores: saberes teóricos e saberes práticos. 2003. São Paulo: Paz e Terra.). Campinas/SP: Papirus editora. 2009. São Paulo: Contexto. Circe. 96 Historien (Petrolina). C. Regina (Org. Transformar o ensino de história depende também de uma mudança radical na estrutura educacional brasileira. FONSECA. Ed. SILVA. CASTELO BRANCO. FREIRE. porém as dificuldades encontradas nas salas de aula ainda dificultam a compreensão da disciplina. 9. Ensino de História: fundamentos e métodos. n. São Paulo: Cortez.. São Paulo: Editora UNESP. In: BITTENCOURT. E. Selva Guimarães. Paulo. M. 2009. BEHAR. 9.Joedson Andrade/Regina Souza Historien (Petrolina). n. Jul/Dez 2013: 86-97 . ano 4. Assim. of the Programme for Teaching Initiation (PIBID) of the Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ) / Antonio Prado Júnior State School – the pedagogical workshop 1 Recebido em 06/10/2013. having as background the contemporary demands for a “technological hybrid” world that imposes several challenges and new possibilities. 9. Como sabemos. a partir da análise de uma experiência pedagógica vivenciada no âmbito do Projeto “História para que te quero História”. ENSINO E TECNOLOGIA: A OFICINA PEDAGÓGICA “COMUNICAÇÃO TEM HISTÓRIA: MUITO ALÉM DO BATE-PAPO”1 Marcella Albaine Farias da Costa2 Maria Perpétua Baptista Domingues3 Resumo: Este texto tem por objetivo pensar a interface entre a escola. we are immersed in a reality saturated by (new) technologies. pensamos: como o ensino de História tem dialogado com essas questões? Este estudo pretende responder a tais perguntas. Ensino de História. Jul/Dez 2013: 98-112 . through the analysis of a pedagogical experience developed in the Project “History for what I need History”. And so. dotadas de potencialidades. History teaching in Basic Education and the new Information and Communication Technologies (ICTs). Aprovado em 16/11/2013.ESCOLA. o ensino de História na educação básica e as novas tecnologias da informação e da comunicação (NTICs).com 3Graduada em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e supervisora do Programa de Iniciação à Docência (PIBID) / História UFRJ / Colégio Estadual Antonio Prado Júnior. Palavras-chave: Escola. mas também de limitações.domingues@yahoo. Abstract: This text has as purpose to think the interface between school. do Programa de Iniciação à Docência (PIBID) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) / Colégio Estadual Antonio Prado Júnior – a Oficina pedagógica “Comunicaç~o tem História: muito além do bate-papo”.br 2Mestranda Historien (Petrolina). not rare are indagations as: what is the school's role in this new panorama of uncertainties? As historians and History teachers. ano 4.com. não são raras as indagações do tipo: qual é o papel da escola neste novo panorama de incertezas? Como historiadores e professores de História. we think: how History teaching has dialogued with these questions? This study intends to answer these questions. PIBID. Tem-se como empiria os questionários previamente respondidos pelos alunos que objetivavam participar da Oficina. n. with its potentialities but also limitations. Tecnologia. do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-bolsista CAPES do Programa de Iniciação à Docência (PIBID) / História UFRJ. estamos imersos em uma realidade saturada por (novas) tecnologias. E-mail: mp. E-mail: marcellaalbaine@gmail. As we know. tendo como pano de fundo as demandas contemporâneas de um mundo “hibridamente tecnologizado” que impõem diversos desafios e novas possibilidades. ) O desmoronamento em curso é doloroso e desconcertante. Ainda que hoje pareça tão ‘natural’. As empiric material there are questionnaires previously answered by the students who intended to take part in the workshop. History teaching... algo cuja existência seria inimaginável. etc.) a escola é uma tecnologia de época.Marcella Costa/Maria Domingues “Communication has History: far beyond the chat”. diríamos até que recente demais para ter se arraigado a ponto de ser tornar inquestionável. será que a escola se tornou obsoleta? É muito difícil responder a esta interrogação de modo categórico. a partir dessa abertura... PIBID. “Há explicações históricas e antropológicas para essa discrepância crescente”. Os impactos decorrentes das novas tecnologias da informação e da comunicação (NTICs) tem se tornado central no panorama discursivo e epistêmico contemporâneos. econômica. isto é. como a escola tem se portado e reagido a isso? “Parece que assistimos a uma crise da escola na sua relaç~o com a juventude (. mas. 9. Jul/Dez 2013: 98-112. Keywords: School. p. talvez as possíveis respostas ainda sejam impronunciáveis. . (. p.. numa confluência espaçotemporal concreta e identificável. De fato.1106). A antropóloga argentina Paula Sibilia (2012).9-10). Em consequência disso.) o regime escolar foi inventado algum tempo atrás em uma cultura bem definida. cultural. essa instituição foi concebida com o objetivo de atender a um conjunto de demandas especificas do projeto histórico que a Historien (Petrolina).. ostentando seus feitiços tecnológicos e seu estilo de vida globalizado. afirma a autora: (. a visão se expande para outras direções.. ano 4. entende que há uma incompatibilidade entre o objetivo para o qual a mesma foi criada (pautado no ideal normalizador e disciplinar) e os corpos e subjetividades dos jovens do século XXI. Technology. política. o certo é que essa instituição nem sempre existiu na ordem de uma eternidade improvável. A escola como tecnologia desmembramentos e a tecnologia na escola: tensões e Enquanto deslizamos velozmente a bordo deste século XXI que tantas surpresas nos tem trazido. os caminhos podem se multiplicar (SIBILIA. escreveu o sociólogo Juarez Dayrell (2007. Mas.. (. As NTICs deixam suas marcas na esfera social. no seu livro Redes ou paredes: a escola em tempos de dispersão. 2012. n.)”. de decisões na incerteza. 2003. sobre as tecnologias na escola. como as expostas nos textos da Lei Nº 5. ensino e tecnologia planejou e procurou pô-la em prática: a modernidade (Ibid. 9. ao longo deste trabalho. ano 4. “da centralidade da linguagem na produç~o do mundo ‘em significados’”. 20).453/2009. muitas vezes. “de escola sob suspeita”. situado na Praça da Bandeira. de hegemonias contingenciais”. como uma marca importante dos chamados “tempos pós”. Entendendo a própria escola como uma tecnologia (de uma temporalidade que não é a nossa). “de ambivalência. Diferentes épocas da história da humanidade são historicamente reconhecidas pelo avanço tecnológico correspondente” (KENSKI. procuraremos refletir. constatamos que a tecnologia está presente nas sociedades desde muito tempo – basta citar. canalizando esforços para superar a condição de crise que anteriormente discutimos? Pensemos por partes. 2009. “tempos de desigualdades”. 4 Colégio Estadual Antonio Prado Júnior. Apesar do forte vínculo que há na atualidade entre tecnologia e “novidade” (ARRUDA. Jul/Dez 2013: 98-112. no caso dos ambientes escolares. considerando-se principalmente os rápidos avanços da informática e da internet. o mimeógrafo. de subversões. o caderno. o computador etc. o giz.p. A vivência no âmbito da iniciação à docência (PIBID / História / UFRJ) em um colégio da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro4 fez-nos perceber de forma mais direta algumas tensões que envolvem este tema. 100 Historien (Petrolina). concorrem com os professores. situamos as NTICs sempre no seu ininterrupto movimento de obsolescência.. p. Em que pesem as diretrizes proibitivas de tecnologias nas salas de aula. “A evoluç~o social do homem confunde-se com as tecnologias desenvolvidas e empregadas em cada época.222/2008 e da Lei Nº 5. esses dispositivos invadem esse espaço e. n.17). Que novos desafios são postos a estes profissionais? Como eles lidam com uma geração de alunos tidos por “nativos digitais” (PRENSKY. o livro didático. p. de múltiplos sentidos em movimento. 1517). Gabriel (2008) os define como sendo “tempos de uma nova lógica cultural”. 2001)? Como ressignificar o papel da instituição escolar. o quadro-negro. Em primeiro lugar.Escola. . 136): “o aluno ser| alguém que est| se ‘alimentando’.) de algo cuja posse consideramos beneficiá-lo sentindo-nos legitimados para proporcionar tudo isso a ele”. não é capaz de distinguir informação de conhecimento.. que significa alimentar”.Marcella Costa/Maria Domingues Se aquele lócus está “sob suspeita”. portanto. 2010..13). é aquele sujeito que questiona imposições. Em segundo lugar. n. . Em última análise. é esta geraç~o “nascida digital”. principalmente. Alumnus vem do verbo latino alere. que vive o fragmento temporal do “aqui e agora” e. Defendemos. Síntese e significado enquanto reordenação e reestruturação da cultura recebida em mosaico.. p. o jovem de hoje é aquele que “curte”.. Ent~o. Ser jovem significa (ou pode significar. que é alimentado por outros e que deve sê-lo (. “H| uma evidente necessidade de se teorizar a juventude contemporânea como um fenômeno de impressionante complexidade e Historien (Petrolina). a noç~o da escola como “espaço de síntese”. O aluno é um ser carente (. 1994 apud LIBÂNEO.29). parece-nos claro que ele precisa rever sua função. conversando por celulares em toda parte. se é alvo de crítica e descrença de tantos sujeitos da própria comunidade escolar (forças endógenas) e de outros externos a ele (disputas exógenas). continua Gimeno Sacristán (2005. que não suporta horas extensas “parado” nas salas de aulas unicamente ouvindo e copiando o quadro – é um sujeito que. p. 9. proposta por Colom Cañellas em 1994 e ainda muito atual: (. Desta forma. 2010. que “compartilha”. segundo o prisma de quem analisa) justamente o oposto do que fora acima colocado. muitas vezes. é preciso apontar a diferença identitária salutar entre “ser jovem” e “ser aluno” na atualidade. ano 4.) um espaço onde seja possível.. p.. conceber a escola como espaço de síntese é acreditar nela como estrutura possibilitadora de significado mais do que como estrutura possibilitadora de informação (COLOM CAÑELLAS. que está sempre na }nsia do novo. Jul/Dez 2013: 98-112.). que “est| ‘sempre ligada’. “A origem da palavra aluno nos dá as primeiras pistas sobre a condição dos sujeitos que desempenham esse papel. digitando mensagens instantâneas e participando de redes virtuais ou reais” (DARNTON. em uma sociedade culturalizada pela informação das multimídias e pela intervenção educativa urbana. realizar a necessária síntese doadora de sentido e de razão crítica de todas as mensagens-informação acumuladas de forma diversa e autônoma através dos meios tecnológicos. que resulta em mobilizaç~o efetiva das competências”. Jul/Dez 2013: 98-112. da mesma forma. afirmam Bigum e Green (1995.. p. fala. tomando o devido cuidado para não cair em posições extremas. coordenada em tempo real. quais sejam. no seu livro “Adeus professor. ano 4. é “uma inteligência distribuída por toda a parte. com “regras do jogo” que nem todos dominam. uma identidade e subjetividade discente não mais guiada pela “passividade”.)”. segundo a lógica da cultura escolar – ser seguidor de regras. ser jovem é contestá-las. por exemplo. cruzando a fronteira entre o conhecimento formal e informal. relacionando aptidões individuais com práticas sociais. mas tudo o que a internet oferece a seus usu|rios” (Ibid. adeus professora?: novas exigências educacionais e profissão docente”. memorizaç~o e reprodução de conteúdos (uma prática ainda muito presente. nas aulas de História). Da mesma forma... a autora mostra também como a internet provoca demandas novas e específicas para a compreensão de seus usu|rios. “dominar uma tecnologia significa manejar não só o hardware. Diante disso: que novas identidades e subjetividades são forjadas no âmbito da realidade escolar tecnológica e do ciberespaço? Defendemos uma identidade docente não mais pautada na transmissão de um saber tido como verdadeiro e absoluto. mas sim pela possibilidade da cocriação em rede. que é preciso “educar para a mídia”. de “tecnotimismo” ou de “tecnofobia”. É imperioso.13). Este conceito dá conta de um conjunto de habilidades básicas e avançadas. Contudo. 9. n. 209) no texto “Alienígenas na Sala de Aula”. p. 2011). entre muitas outras questões. que os professores revejam suas práticas. Há aí um caminho do meio que precisa ser perseguido. incessantemente valorizada. mas na representação da função de “animador da inteligência coletiva dos grupos” – esta. 102 Historien (Petrolina). Libâneo (2010).2829). ensino e tecnologia contradiç~o”. Com esta ideia. segundo o filósofo Pierre Lévy (1998. p. . Ser aluno é – ou deveria sê-lo. “jovens” e “alunos” ou “jovens-alunos” precisam de uma educaç~o em termos de uma ciberliteracidade (LIVINGSTONE.Escola. “a base e o objetivo da inteligência coletiva s~o o reconhecimento e o enriquecimento mútuo das pessoas (. valoriza o saber da experiência. Magalhães & Rocha (2009.). em que interagem as características do professor (. Ensino de História e as tecnologias da comunicação: uma experiência pedagógica Diversos autores5 têm trabalhado a especificidade do saber histórico escolar: (. n.. ano 4. dos alunos e aquelas da instituição (.Marcella Costa/Maria Domingues Entre o discurso escolar e o discurso multimidiático (“hibridamente tecnologizado”) do tempo presente. 5 Dentre os quais. para tanto.. p.. (. GABRIEL (2006). Segundo Gontijo.. adequadas aos diferentes graus de formação dos alunos. existem tensões e desmembramentos que ainda estamos longe de dar conta em sua totalidade. do Programa de Iniciaç~o { Docência (PIBID) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Historien (Petrolina). 2007. o saber pedagógico e o saber da disciplina de História e.. 9.. características essas que criam um campo do qual emerge a disciplina escolar [também em sua especificidade] (MONTEIRO. pelas práticas aprendidas e pela erudição obtida mediante a formação intelectual/profissional do professor como historiador. corroborando o que foi dito.. pelos saberes adquiridos na vida e pela experiência em sala de aula. rompendo com as naturalizações e abrindo o horizonte de expectativas. .) a História escolar é reinventada em cada aula. O Projeto “História para que te quero História” (PIBID / História / UFRJ) leva em consideração tal especificidade e.) a história escolar orienta-se por regras pedagógicas próprias.). no contexto de situações de ensino específicas.) o objetivo da história escolar é ensinar/aprender a pensar historicamente. pensamos: como o ensino de História tem dialogado com todas as questões acima suscitadas? É sobre isso que pensaremos a seguir. p.. busca fortalecer os laços entre a universidade e a realidade escolar.. 106).. Como historiadores e professores de História. 14-16): (. Jul/Dez 2013: 98-112. a partir de uma experiência pedagógica vivenciada no }mbito do Projeto “História para que te quero História”. duas supervisoras e a coordenadora geral) definiu o objetivo geral da atividade como sendo o de refletir criticamente sobre os usos das ferramentas tecnológicas e de comunicação disponíveis no 104 Historien (Petrolina). Lembremos Almeida & Grinberg (2009. O Projeto. . no constante desafio da busca por temas que sejam instigantes e que estejam na cadeia de significação histórica da realidade discente. deve estar atenta às novas demandas da sociedade. enquanto espaço de conhecimento. em duas escolas da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro: o CIEP Ayrton Senna e o Colégio Antonio Prado Júnior. mas também no dia-a-dia da sala de aula que.201).)”. O seu potencial estava justamente em trazer para o espaço escolar assuntos rotineiros do cotidiano dos alunos. o Projeto – coordenado pela Profª Drª Carmen Teresa Gabriel (FE/UFRJ) – acredita ser um espaço dinâmico e diferenciado para o ensino da História justamente por buscar a articulação horizontal entre essas diferentes esferas e saberes. A montagem e execução (em novembro de 2012) da Oficina pedagógica “Comunicaç~o tem História: muito além do bate-papo”. colocam as autoras. tem como metodologia a realização de Oficinas e Cineclubes. n. ensino e tecnologia conecta de forma sinergética o âmbito historiográfico e de pesquisa histórica ao ofício do ensino – entendendo que produção de conhecimento não se dá apenas na escrita e na pesquisa histórica. demanda do professor um diálogo com aquelas outras esferas. tal renovaç~o “ainda n~o encontrou grande correspondência na metodologia de ensino da disciplina” – predominantemente expositiva e conteudista. quando traçam um importante diagnóstico sobre o ensino de História na atualidade. deu-se por considerar – conforme discutimos no primeiro tópico deste texto – que a escola. 9.. Todavia.Escola.. necessariamente. p. ano 4. historicizando suas formas e usos de modo que os jovens refletissem criticamente sobre as apropriações que fazem das novas tecnologias. afirmando que ele “vem passando por uma grande renovação nos últimos anos. Então. principalmente no que se refere { incorporaç~o de novos temas e novas abordagens (. A equipe (composta por dez bolsistas. Jul/Dez 2013: 98-112. explorando os laboratórios de informática – espaços frequentemente negligenciados pelo corpo docente. propomos trabalhar a comunicação. Em última análise. desnaturalizando as formas de comunicação contemporâneas. Posteriormente. . poder e memória. n. 9. inventores / invenções. A atividade dividiu-se em três dias. Foram emitidos SMS aos participantes acusando o início da Oficina e. percebendo as diferentes temporalidades dentro dos ritmos e durações dos processos de transformação das formas de comunicação. viagem. “Telegrama” (Exaltasamba) e “Pela Internet” (Gilberto Gil). 8 Estas imagens continham formas inusitadas de comunicação (como lençol. Jul/Dez 2013: 98-112.  Explorar permanências do passado no nosso presente no que tange às formas de comunicação. Os objetivos específicos consistiram em:  Problematizar os consumos e formas de acesso à comunicação. 6 Historien (Petrolina). Os trechos selecionados foram das seguintes composições: “Atoladinha” (Bola de Fogo). problematizar a questão do ruído de comunicação e ressaltar a importância não só da maneira que o emissor se comunica. recepcionamos os alunos no Laboratório de Informática.Marcella Costa/Maria Domingues cotidiano.  Explorar conscientemente as potencialidades e os limites oferecidos por estas ferramentas para a formação do aluno. logo em seguida. trabalhamos de forma dialogada a leitura de diversas imagens projetadas nas telas dos computadores8 e explicamos as próximas etapas. gráficos mostrando como os próprios alunos usam essas novas tecnologias (feitos a partir dos questionários que serão discutidos no próximo tópico) e montagens sobre os temas: afeto. fizemos a dinâmica do telefone sem fio7 com a seguinte frase (registrada em papel): “A Internet é soluç~o?”. 7 Os objetivos desta etapa especificamente foram: desconstruir a infalibilidade das novas tecnologias na comunicação e na transmissão de informações. viagem. devidamente ambientado com músicas6 cujas letras (entregues impressas aos alunos) versavam sobre comunicação.  Operar com a noção de simultaneidade. poder e memória) que os habilitariam à condição futura de roteiristas (atividade do terceiro dia) e comunicamos aos discentes que eles receberiam um CD com material de apoio e que teriam orientação por parte dos bolsistas via Facebook (mediante um grupo fechado de contato). Realizamos o sorteio de cinco temáticas (afeto. No primeiro. ano 4. mas também de como o receptor recebe e interpreta mensagens. inventores / invenções. pipa e fumaça). ) pelos computadores são inevitáveis. que recebe jovens dos mais diversos bairros da cidade do Rio de Janeiro e sua região metropolitana. além de nos orientar no próprio planejamento das próximas etapas. relembrando aos participantes que eles deveriam anotar dados que os ajudassem na próxima etapa – a visita contou com a mediação de uma pessoa da equipe de educadores do Espaço. p.. cujo detalhamento este trabalho não pôde dar conta. a realização da Oficina no Colégio Estadual Antônio Prado Júnior foi precedida pela aplicação de um questionário cujos objetivos eram: traçar um perfil dos alunos que se envolveriam na atividade proposta. segundo alguns especialistas de estudos de linguagens. n. Jul/Dez 2013: 98-112. Responderam voluntariamente alunos de turmas de 1º ano (1001. Por fim. 9. interessa-nos centrar no tópico a seguir nos questionários previamente respondidos pelos discentes que objetivavam participar da mesma. os alunos tiveram seu momento de criação e elaboraram apresentações nos computadores sobre os temas abordados durante o processo de execução da Oficina (terceiro dia). revolucionaram ou estão revolucionando (. 1003).) as formas de conhecimento escolar.Escola. 106 Historien (Petrolina).. Análise crítica de um material empírico: retomando questões e fechando conversa Conforme dissemos. ano 4.. 1002. Apesar da riqueza desta atividade. 3003 e 3004) do Ensino Médio. formando por amostragem um perfil dos estudantes desta instituição de ensino eclética. . entender o uso que esses sujeitos fazem das NTICs. Tenhamos em mente que: A informática e os computadores [além dos diversos dispositivos móveis da atualidade]. ensino e tecnologia O segundo dia consistiu na visita ao Museu das Telecomunicações / Espaço Oi Futuro (Flamengo). 2009. por sua capacidade e poder de estabelecer comunicações mais pessoais e interativas. 107-108). pois geram sujeitos com novas habilidades e diferentes capacidades de entender o mundo (BITTENCOURT. 3002.. As mudanças culturais provocadas (. Esta escolha dá-se por considerá-los uma empiria igualmente rica e que irá nos possibilitar o contato com o aporte teórico que anteriormente discutimos. 2º ano (2011 e 2012) e 3º ano (3001. pudemos contar com um material empírico que nos abre a possibilidade de uma análise crítica. ainda assim as abstinências foram poucas. com faixa etária entre 15 e 20 anos. Quanto à utilização diária.6% dos alunos usam o computador há mais de quatro anos. o aprendizado através desses dispositivos móveis: laptops. Quanto ao tipo de página acessada na rede mundial de computadores. acessa a internet pelo celular/smartphone. n. smartphones etc. Semanalmente. Um número significativo. número inferior a 2% dos jovens. seguidas por notícias veiculadas pelas redes sociais (Facebook. enquanto 32% afirmam usá-lo cinco ou mais horas e 14% o utilizam até uma hora por dia. apenas 11% dos entrevistados. Jul/Dez 2013: 98-112. enciclopédias e dicionários também foram indicados por um grande número de alunos. apenas 5 declararam não usar computador e apenas 4 declararam não ter acesso à internet. Ask). Aqueles que a utilizam apenas uma vez por semana representam apenas 4% dos alunos. celulares. em sua maioria de múltipla escolha. 9. Somente quatro. tablets. Após a tabulação dos dados fornecidos. Sites educativos. 9 Historien (Petrolina). A frequência na utilização dos meios digitais também nos foi revelada pelos dados coletados: 72. ou seja. Outro ponto significativo é o pequeno número de educandos que acessam a internet na escola. – dado que nos chama a atenção9. dos 234 alunos que responderam ao questionário. ano 4. sem distinção quanto ao gênero. Google. . as apontadas como mais utilizadas foram as de jogos online. enquanto 24% utilizam este meio entre um e quatro anos. Twitter. o acesso diário à internet é realizado por 73%. o utilizam há um ano ou menos. pois o grupo já havia formulado a hipótese de haver uma apropriação das novas tecnologias digitais por parte da maioria dos alunos. 54% dos alunos. A análise dos dados também nos revela que a maioria realiza o acesso à internet em sua residência: 93% dos alunos assim o declararam. 51% usa o computador de uma a cinco horas por dia. Este dado em particular não nos surpreendeu. Os alunos foram comunicados sobre o fato da não obrigatoriedade em respondê-lo.Marcella Costa/Maria Domingues O questionário era composto por 12 questões. Em números absolutos. Supomos que as pesquisas escolares sejam o motivo do grande Existe uma discussão ainda incipiente no campo educacional sobre as potencialidades do chamado mobile learning. Youtube. Nas questões 10 e 11. e pensemos: o fato da grande maioria dos nossos alunos acessar a internet com frequência. n. os estudantes poderiam marcar mais de uma alternativa. Já as justificativas pelo não uso da internet foram: não ter interesse (1 aluno).Escola. não ter acesso no local onde mora (3 alunos). tecnologia e outros – nesta ordem. apesar da sua popularização – nada acrescenta à construção do conhecimento ou na formação de uma cidadania ativa e participativa. educação. astronomia. a vida das mulheres morenas. Nessas perguntas. a aplicação deste questionário nos forneceu dados importantes para o planejamento da nossa atividade. no quesito notícias. Conforme dissemos. por exemplo: jogos. seguido por fofocas. 108 Historien (Petrolina). O simples fato de usar a internet – ou não tão simples. tão presentes no cotidiano de nossos alunos. seria a garantia de uma utilização plena da mesma em todas as suas possibilidades? Certamente que não. O questionário é finalizado com a seguinte pergunta: “se você pudesse criar uma página na internet. aquelas ligadas à política são as mais procuradas. qual seria o tema?”. esportes. As mais variadas temáticas foram apresentadas. Brasil e Mundo. pois a realidade mundial ainda não é a de plena democratização de acesso. não saber usar (nenhum aluno) e proibição dos pais (nenhum aluno). como em outras. esportes. Aquelas possibilidades só caminharão para a esfera do concreto se conseguirmos articular as competências individuais necessárias para o 10 Também denominado de “Internet literacy”. Justificaram o não uso do computador por: falta de interesse (2 alunos). ano 4. Da mesma forma. abrimos espaço para aqueles que não utilizam o computador e/ou internet. 9. . Retomemos o conceito de ciberliteracidade10 trabalhado por Livingstone (2011). conforme observamos na coleta dos dados. religião. Os dados revelam ainda. conteúdo adulto. não possuírem computador (3 alunos) e não saber usar (1 aluno). educação. adolescência. domésticas etc. músicas. – informações estas que nos revelam uma intensa diversidade de interesses desses jovens. Jul/Dez 2013: 98-112. proibição dos pais (2 alunos). que. ensino e tecnologia número de acessos a tais sites. permitiunos também uma reflexão sobre as possibilidades e limites do uso pedagógico desses meios. privilegiando a política e a economia. p. digitalizado ou não. Os dados coletados nos revelam ainda um baixo número de alunos utilizando a internet na escola – fato que interpretamos como uma grande falha no suporte institucional para utilização dos meios digitais com o objetivo de promover a construção dos saberes desses “jovens” e desses “alunos” ou desses “jovens-alunos”. Tais habilidades dependem. o formato enciclopédico e sem reflexão interativa com o aluno. ano 4. No recente artigo intitulado “A História online: analisando sites de ensino de História no Brasil” (2012). seja qual for o meio didático utilizado. escolas e professores continuam tendo um papel essencial. Percebemos. Ao abordar a categoria saberes escolares. então. apontando que “a História neles encontrada ainda é tradicional. 2012. presa a fontes escritas e avessas a tratar da cultura e do imagin|rio” (ALVES &FONSECA. que a utilização dos meios digitais nem sempre quebra alógica instrumental da transmissão de dados e informações e não é garantia de uma atualização crítica de práticas e conhecimentos. 9. reforcemos. Se. n~o é o suficiente. Gabriel (2006) diz: Historien (Petrolina). linear. Jul/Dez 2013: 98-112. Em nosso questionário. de forma individualizada. n. da intermediação do professor – ator social que deve encorajar a reflexão crítica para a construção do conhecimento de seus alunos. assim como a confiabilidade de suas fontes. . as autoras notam a ausência da bibliografia consultada. muitos jovens apontam os sites educativos como bastante acessados. 9). Comumente utilizados por alunos da educação básica através do buscador Google.Marcella Costa/Maria Domingues funcionamento da interface com as estruturas institucionais – portanto. esse dado revela certa autonomia por parte dos alunos em suas pesquisas escolares. A utilização plena dos meios digitais envolve a busca por informação. cabe ressaltar que o simples acesso a esse tipo de página. em busca da “resposta certa”. Janete Flor de Maio Fonseca e Maria Fernanda Alves tecem algumas críticas sobre os mesmos. por um lado. o hiato entre as transformações pelas quais a escrita da história sofreu nos últimos anos e a abordagem da história presente nos sites pesquisados. seleção e avaliação da relevância das mesmas. p. como vemos nas redes sociais da atualidade. concluímos que – por inúmeras razões – é um desafio aos professores de História apropriarem-se dos novos recursos tecnológicos visando o desenvolvimento da literacidade histórica nos seus alunos. socializar os saberes considerados e legitimados como dominantes (Ibid. Almeida Neto (2010. 110 Historien (Petrolina). O universo das NTICs está presente no cotidiano dos jovens. n. ensino e tecnologia Se o desenvolvimento das novas tecnologias fez com que a escola perdesse o monopólio do saber reconhecido socialmente. estabelecer uma “conex~o reflexiva” com esse “universo pouco explorado pelo ensino escolar de forma sistem|tica” (FONSECA& SILVA. 4). cabe aos professores. 30) e que pode. 2010. relacionado à construção da cidadania a partir de um diálogo crítico entre a multiplicidade de sujeitos. estruturar e sistematizar os saberes fragmentados. A escola continua sendo um espaço importante para amplos setores da sociedade. . p. onde circulam saberes. formativo. lugares e culturas. Diante do exposto. amiúde associados aos jovens “pela compuls~o contínua de emitir eletronicamente dados da própria vida” (ZUIN. de um lado. de outro. entre outros. 9. tempos. Jul/Dez 2013: 98-112. cultural.2010. criados em outros lugares e. e considerando os limites e as possibilidades desta ação. a discussão sobre saberes escolares permite argumentar que ela continua. em suas pr|ticas. transformando-se em um lugar. parece ruir”.p. os professores têm que se haver com seu cotidiano. Silva (2004. Não sem riscos. e muito. p. vivenciando problemas concretos e concebendo proposições e alternativas”. podendo ser considerada como único locus onde é possível.965). e ainda: “entre um modelo que se desfaz e outro que se constitui.234) aponta que “o castelo argumentativo. 54) salienta: “estamos no limiar de um mundo no qual nosso ofício dever| se modificar profundamente e que a informatização de nossa cultura deverá influir profundamente na nossa maneira de pensar [ensinar] e produzir história”. sendo um espaço onde se estabelecem relações privilegiadas com os mesmos. tradicionalmente erguido pelos professores para justificar o ensino de história. Ao ensino de História é atribuído um papel educativo. contudo. ano 4. entendemos e apostamos que esta é uma trilha instigante e que vai “muito além do bate papo” e do “sentimento de vacuidade”. colaborar com a consolidação da consciência histórica na medida em que for incorporado à cultura escolar. No mesmo sentido. político.Escola. p. p. 9. ALMEIDA NETO. 2009. jan. FONSECA.31. 2009. DAYRELL. As WebQuests e o ensino de história. Janete Flor de Maio. Cultura e Poder: desafio para pensar o campo do currículo em "tempos pós".). 2010. Juarez. BITTENCOURT. MG: Autêntica Editora. GABRIEL. Chris. Marcos Antonio da. Petrópolis: Vozes. Antonio Simplício de. p. n. Revista Educação & Sociedade. Rebeca. ARRUDA. Eucidio. Belo Horizonte. 1-30. Alienígenas na sala de aula. 13-22. Robert. São Paulo: Cortez. In: MOREIRA. 60. Campinas. e CANDAU. 2008. Selva Guimarães. Maria Fernanda Silva. Keila. Revista Brasileira de História. FONSECA. 2010. 28. Helenice Aparecida Bastos. 1105-1127. Recife. 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Salvador: Quarteto. n. Ensino de História: reflexões e novas perspectivas. jul. 2011. Rio de Janeiro: Mauad X. Tecnologias e Ensino presencial e a distância. S. the material heritage in the process of construction of social memory. ambos localizados numa das primeiras aldeias jesuítas do Brasil – a Aldeia do Espírito Santo. a partir da construção da memória social e da elaboração das identidades coletivas. To relate preservation of the material heritage with the teaching of regional and local history.frutuoso@yahoo. INTRODUÇÃO 1 Recebido em 03/10/2013. por outro lado. Memória social. Mestrando em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia (UFBA). and on the other hand. We conducted a case study to show the current state of the church of Espírito Santo and your central plaza.INTERAÇÕES ENTRE O ENSINO DE HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL E A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL1 Moisés Amado Frutuoso2 Resumo: O artigo discute como o ensino da história regional e local pode contribuir no ambiente escolar para a preservação do patrimônio cultural. em Vila de Abrantes (município de Camaçari. Ao relacionar a preservação do patrimônio material com o ensino da história regional e local. ano 4. the article discusses two points: the role of government as a promoter.com. from the construction of social memory and the development of collective identities. Aprovado em 28/11/2013. Licenciado (2008) e Bacharel (2013) em História pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). both located in one of the first Jesuit villages of Brazil – the Vila do Espírito Santo. sometimes in oblivion. Jul/Dez 2013: 113-129. como a escola pode se tornar o espaço para fortalecimento das identidades regionais e locais. ora da preservação. n.br. Keywords: Teaching of regional and local history. 9. 2 Historien (Petrolina). ora do esquecimento. State of Bahia). in Vila de Abrantes (city of Camaçari. . Realizamos um estudo de caso para mostrar a situação atual da igreja do Divino Espírito Santo e de seu terreiro. Palavras-chave: Ensino de história regional e local. as the school can become a place for strengthening regional and local identities. no Estado da Bahia). e. sometimes in preserving. do patrimônio material no processo de construção da memória social. Patrimônio cultural. Cultural heritage. E-mail: moises. Abstract: The article discusses how the teaching of regional and local history in school can contribute to the preservation of cultural heritage. o texto aborda dois pontos: o papel do poder público enquanto promotor. Social memory. a partir da construção da memória social e da elaboração das identidades coletivas. propondo a história como ciência social. p.uma renovação historiográfica com a formulação de novos problemas. inseridos numa realidade mais ampla com a qual se articulam (AMADO. nas guerras e nas negociações diplomáticas. Neste sentido. o objeto de estudo da História é a ação dos indivíduos e suas experiências. 9. métodos e abordagens da pesquisa histórica.Moisés Amado Frutuoso Marc Bloch afirmou que a História é “a ciência do homem no tempo” (2001. Discutiremos o papel do poder público enquanto promotor. centrada na história das decisões dos grandes homens e suas ideias. compreendendo também a história do tempo presente (ver BÉDARIDA. deveria examinar apenas o passado. baseada numa historiografia factualista. enquanto campo do conhecimento. 55). além das transformações e permanências que estes promoveram na sociedade em determinado período de tempo. do patrimônio material no processo de construção da memória Historien (Petrolina). . os acontecimentos da vida humana não ocorrem apenas no tempo. mas também no espaço. ora da preservação. nossa intenção neste artigo é discutir como o ensino de história regional e local no ambiente escolar pode contribuir para a preservação do patrimônio cultural. que se configuram como detentores de uma particularidade. Ao lado de Lucien Febvre. 8). A definição da História como estudo do homem no tempo rompeu com a ideia de que esta disciplina. MOTTA. 2012). em Vila de Abrantes (município de Camaçari-BA). Os domínios historiográficos se ampliaram. ambos localizados numa das primeiras aldeias jesuítas do Brasil – a Aldeia do Espírito Santo. no início do século XX. que pode ser regional ou local. um estudo de caso onde será analisada a situação atual da igreja do Divino Espírito Santo e de seu terreiro. os Annales constituíram-se contrários à abordagem positivista. A interdisciplinaridade com as temáticas e métodos das demais ciências humanas possibilitou a proposta da históriaproblema. Jul/Dez 2013: 113-129. Este recorte se atenta à especificidade de cada localidade ou região. A categoria espacial se manifesta na historiografia por meio do recorte. com a afirmação da prioridade dos fenômenos coletivos sobre os indivíduos. p. Realizar-se-á. ora do esquecimento. 1996. Assim. 1990. ano 4. No entanto. Bloch iniciou o movimento dos Annales e propôs. Dessa forma. n. também. seja na curta ou longa duração. Em “A invenção do Nordeste”. ano 4. Jul/Dez 2013: 113-129. remete mais a uma noção fiscal. podemos entendê-la como fruto da ação humana. do que uma noção geográfica. Albuquerque Junior desnaturaliza o conceito de região ao problematizar a sua constituição e ao atribuir-lhe uma historicidade. coletiva dos estudantes e também como a escola pode se tornar um espaço para fortalecimento das identidades regionais e locais entre os estudantes. 2011. seu uso na disciplina da história e o papel da história regional e local em sala de aula. A IDEIA DE REGIÃO E A HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL Região.. No entendimento deste autor. José D’Assunção Barros (2013) ressalta que o simples recorte espaciallocalizado não implica necessariamente em história regional. 35). móvel e atravessada por relações de poder (ALBUQUERQUE JR. O enfoque no regional “associa-se à noção de que temos agora um lugar que se apresenta ele 115 Historien (Petrolina). em sua etimologia do latim regere (comandar). afirma que: A região não é uma unidade que contém uma diversidade. Esta ideia de região como resultado da ação dos homens é a que os professores devem utilizar no ambiente escolar quando abordarem temáticas relacionadas à história regional e local. n. 9. com diferentes estilos” e não imaginadas como detentoras de uma “homogeneidade. 37). com o objetivo de entender como e quando se formou o que hoje compreendemos como a região Nordeste no âmbito da cultura brasileira. o historiador Durval Muniz de Albuquerque Junior (2011). . em diferentes discursos. uma região deve ser pensada como “um grupo de enunciadose imagens que se repetem. por isso ela é aberta. militar. em diferentes épocas. p. mas é produto de uma operação de homogeneização.Interações entre o ensino de história. Tomando por base que o conceito de região não é algo natural. 2011. uma identidade presente na natureza” (ALBUQUERQUE JR. administrativa. este conceito está mais diretamente ligado a uma relação de poder do que a uma divisão natural do espaço. com certa regularidade. é necessário problematizarmos o conceito de região. que se dá na luta com as forças que dominam outros espaços regionais. Assim.. Antes disso. p. Por isso. 9. suas regras. inspiradas nas confrarias europeias. estes estudos foram feitos sob a égide do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB) e seus congêneres provinciais/estaduais. muitas vezes ela consegue também retratar a História dos marginalizados. Ao misturar aspectos históricos e geográficos em espaços delimitados politicamente. Historien (Petrolina). 1990. quando emerge das regiões economicamente mais pobres. . herança do século XIX. n. que são trabalhos baseados em descrições de regiões ou localidades. sua totalidade interna – e que habitualmente se encontra ligado ou a uma rede de outras localidades análogas. ou a um sistema mais amplo” (BARROS. produziram um grande número de corografias. o ser humano historicamente determinado. esta abordagem permitiu focalizar as localidades e regiões desconhecidas ou pouco abordadas pela historiografia. p. No Brasil. Tais instituições. é pautada num discurso historiográfico homogeneizador com o intuito de justificar a unidade nacional e os sentimentos pátrios. 181). de fazer a ponte entre o individual e o social. na tradição. as corografias cultivavam os feitos das elites regionais e locais e foram utilizadas como instrumentos de dominação para legitimar uma história baseada. identificando-se com a chamada “História popular” ou “História dos vencidos” (AMADO. 13). Ao buscar o que é diferente e particular. Esta última. Jul/Dez 2013: 113-129.Moisés Amado Frutuoso mesmo como sistema – com sua própria dinâmica interna. contribuir na elaboração das identidades coletivas. O estudo da história regional e local faz um contraponto à história nacional. ano 4. A história regional e local é uma abordagem que pode colaborar para a construção da memória social de uma comunidade e. devem ser pensadas as abordagens regionais e locais. supostamente. as produções regionais e locais possuem uma longa tradição na historiografia francesa e cresceram durante o século XIX. Estas identidades. pois estudos com este enfoque possuem: [.. Nesta perspectiva. As pesquisas de base empírica e o fortalecimento dos programas de pósgraduação em todo o país a partir da década de 1980 trouxeram um novo fôlego à história regional e local. 2013.] a capacidade de apresentar o concreto e o cotidiano. Por outro lado.. p. consequentemente. Apesar disso. HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL EM SALA DE AULA A construção do saber histórico escolar perpassa pelas conexões existentes entre o local. Neste sentido. e recomendada também para estudantes do nível médio. nacional e mundial através do tempo. 1997. o nacional e o mundial. integrar os diversos estudos sobre as relações estabelecidas entre o presente e o passado. entre o local. tanto no dia-a-dia individual. o tempo e a sociedade é possível pensar a história em sala de aula enquanto dimensão da experiência humana. ganhem dimensões históricas e espaciais múltiplas e retornem ao local.. estabelecidas por meio de processos historicamente apropriados que conferem sentido a um determinado grupo (CRUZ. As vivências contemporâneas concretizam-se a partir destas múltiplas relações temporais e espaciais.Interações entre o ensino de história. ano 4. 9. possuem fluidez e se constituem a partir do processo de diferenciação em relação ao outro. n. Esta abordagem poderia ser ampliada. Assim. municípios) é apenas privilegiado nas séries iniciais do ensino fundamental. como no coletivo. . 2001). de desconstruí-lo e de reconstruí-lo em dimensões mais complexas (BRASIL. o estudo da história local (bairros. os professores atuariam na 117 Historien (Petrolina). p. familiar. a proposta é de que os estudos sejam disparados a partir de realidades locais. 1993).. cidades. destaca-se o que aponta a incumbência do profissional da educação: Cabe ao professor. Jul/Dez 2013: 113-129. A compreensão das dinâmicas sociais locais e regionais permite o entendimento do contexto mais amplo e pode revelar experiências humanas não perceptíveis num enfoque macro. suprindo as necessidades de orientação no tempo dos estudantes (RUSEN. ao longo de seu trabalho pedagógico. Entre os princípios e orientações recomendados aos professores nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) voltados para o ensino de história e geografia. Problematizando o espaço. O trecho acima indica o quanto a compreensão da realidade local é imprescindível para a formação da consciência histórica dos estudantes. o regional. incorporando aspectos da história regional. 65) (grifo nosso). na perspectiva de desvendá-lo. regional. Assim. Afinal. capaz de estabelecer relações.. p. Como bem afirmou Marcos Lobato Martins (2009. o educador fica à vontade Historien (Petrolina). respeitando-se.. diversos tipos de fontes podem contribuir para a realização do trabalho pedagógico. imagens. Portanto. No entanto..Moisés Amado Frutuoso construção de sínteses históricas. apontando que “as escolas e os professores devem recriá-los e adaptá-los à sua realidade local e regional” (BRASIL. é necessário que o professor tenha uma postura ativa. 146). as situações concretas vividas pelos profissionais de História. para não se tornar um mero repetidor dos conteúdos de pesquisas alheias.] os professores de história. sem significar que se pretende fazer do aluno um “pequeno historiador” capaz de escrever monografias. que são fontes potenciais para construção de uma história local parcialmente desconhecida. . desvalorizada.45). Jul/Dez 2013: 113-129. forjado na prática habitual de pesquisa e submetido a processos de formação continuada [. 188). teoria e prática terão que ser definitivamente associados. danças. é claro. Relatos orais. para levar às salas de aula a história regional e local. para incorporar conteúdos de história regional e local. Ainda segundo os PCNs.. músicas e narrativas podem se transformar em instrumentos de construção do saber histórico escolar. o professor deve assumir uma nova postura. 1997. 9. “[. esquecida ou omitida. 1997. É fato que o livro didático é focado no âmbito nacional e na valorização dos grandes acontecimentos e personagens históricos. p. objetos.. comparações e relativizando sua atuação no tempo e espaço (BRASIL. Ensino e pesquisa. A maior dificuldade para a utilização de temas relacionados à história regional e local em sala de aula é o apego ao livro didático por parte dos professores. p. 2011. terão que virar pesquisadores. Ao se recuperar esses materiais. 39).. [. n. o saber histórico escolar desempenha um outro papel na vida local.] somente o professor-pesquisador. relacionando momentos significativos da história regional e local com a história nacional e mundial. p.Como os PCNs indicam esta flexibilidade na escolha dos conteúdos de História.] será capaz de formar e orientar os estudantes nas atividades de pesquisa e investigação da realidade” (OLIVEIRA. ano 4. mas um observador atento das realidades do seu entorno. sociologia e/ou geografia). resistência por parte da direção da escola no que diz respeito aos novos conteúdos e dificuldades em visitar museus e centros de memória são algumas das adversidades que podem ser encontradas. n.. o Cinema Novo de Glauber Rocha. as chanchadas da Atlântida. Jornadas duplas (às vezes. Utilizar a história regional e local em sala de aula é um desafio gratificante. para incluir na sua prática profissional temas específicos relacionados à história regional e local de sua realidade. Jul/Dez 2013: 113-129. . Através da audição das canções e da análise de suas letras é possível identificar elementos singulares e que são particulares de seu lugar social de criação. Tanto no âmbito local quanto no regional. além de perceber como aquela localidade vivenciava os acontecimentos históricos que marcaram o Brasil e o mundo. sob o recorte do regional e do local. além de documentários e produções do pós-retomada do cinema brasileiro na década de 1990 podem ressaltaras 119 Historien (Petrolina). o uso da literatura e de jornais da imprensa local de diversos períodos históricos pode servir de fonte para investigar a vida social e política de um determinado período e observar aspectos da cultura popular e de elite. O professor de história tem. O autor refere-se às circunstâncias contrárias que os professores encontram ao realizar o trabalho docente nas escolas brasileiras. ano 4. 9. uma abordagem que permite a utilização de diversos tipos de materiais. A produção audiovisual. triplas) de trabalho. Martins também faz referência às situações concretas vividas pelos profissionais do ensino de história. Tais atividades podem (e devem) ser realizadas através da articulação entre as diversas disciplinas do currículo (língua portuguesa e literatura. produzidas em diferentes contextos sociais e políticos. A comparação de diferentes versões de uma mesma música. apresenta nuances que somente um olhar mais crítico poderia identificar. deve ser um recurso utilizado em sala de aula.Interações entre o ensino de história. A trajetória dos diversos ritmos musicais regionais e seus principais expoentes pode ser objeto de pesquisa para educadores e estudantes.. diante de si. A produção cinematográfica deverá também ser abordada junto aos estudantes: os filmes lançados pela Companhia Vera Cruz. para a preservação dopatrimônio cultural.Moisés Amado Frutuoso diferenças regionais (mesmo em obras fílmicas onde a estereotipia3 prevalece). etc. contribui. O PAPEL DO ENSINO DE HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL PARA A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL: O CASO DA IGREJA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO O ensino de história regional e local. permite a realização de atividades extramuros com os estudantes. 3 Historien (Petrolina). Para melhor aproveitamento das atividades. Este contato levará os alunos a questionar o contexto histórico no qual estão incluídos. é fruto de uma voz segura e autossuficiente que se arroga o direito de dizer o que é o outro em poucas palavras. n. sobre alguém ou algo.] a denominação dos lugares é. diversas atividades podem ser realizadas com o objetivo de aproximar os estudantes dos aspectos históricos de sua realidade local ou regional. as quais poderão ser analisadas no ambiente escolar. Além disso. Independente de sua natureza. A historicidade dos nomes das ruas. uma linguagem que leva à estabilidade acrítica. possibilitando a melhoria do processo de ensino-aprendizagem e promover o fortalecimento das identidades coletivas. Jörn Seemann (2005. p. A toponímia dos lugares. 209) afirma que a toponímia deve ir além do estudo linguístico e histórico. 9. 4 A toponímia dos lugares é o estudo etimológico dos nomes dos lugares. recomenda-se assistir apenas trechos dos filmes ou documentários. Jul/Dez 2013: 113-129. levando em consideração que “[. material ou A estereotipia é o processo através do qual se constrói uma ideia pré-concebida. Enfim.. por meio de um projeto interdisciplinar.4através dos seus elementos históricos ou geográficos. p. atores.. O estereotipo nasce de uma caracterização grosseira e indiscriminada do grupo estranho. em nome de semelhanças superficiais do grupo”. dos bairros e até mesmo das cidades da região onde a escola está situada pode ser resgatada. considerando seus aspectos regionais e locais.) e o contexto em que foi produzida. “o discurso da estereotipia é um discurso assertivo. é uma fala arrogante. já que a escola é o espaço primordial para construção da cidadania. Segundo Albuquerque Junior (2011. em que as multiplicidades e as diferenças são apagadas. de fato. ao promover a construção de identidades coletivas e despertar a consciência histórica. é necessário apresentar a obra (história. a ideia é permitir que estudantes e professores discutam as impressões sobre o que foi exibido. contribuindo para a construção da memória afetiva e social dos estudantes. também. 30). repetitivo. direção. ano 4. um processo político-cultural que merece uma análise mais detalhada do que o registro dos nomes atribuídos às localidades”. . geralmente preconceituosa. 1988). documentos. II . [. A memória social é o resultado de um processo dinâmico e se constitui como um dos elementos de coesão que dão suporte para a elaboração de 121 Historien (Petrolina). Tanto o tombamento quanto o registro podem ser realizados nas esferas federal. artísticas e tecnológicas.] os edifícios e áreas urbanas de valor patrimonial podem ser tomados como um ponto de apoio da construção da memória social.os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico. 168).as obras. 9. IV . arqueológico.. 2008) chamada Brasil. .as formas de expressão. Os bens materiais e imateriais que compõem o rol listado acima fazem referência à identidade e à memória dos diferentes grupos das regiões que compõem esta “comunidade imaginada” (ANDERSON. ecológico e científico. No caso brasileiro.. p. Podemos definir patrimônio cultural como o bem ou o conjunto de bens. 2005. o patrimônio cultural. imaterial. paisagístico. artístico. (BRASIL. como um estímulo externo que ajuda a reativar e reavivar certos traços da memória coletiva em uma formação sócioterritorial (MESENTIER. Monumentos e imóveis de relevância histórica fazem parte do chamado patrimônio cultural edificado. estadual ou municipal. considerados importantes para uma determinada sociedade. Ao se tornarem referência de momentos históricos ou rememorarem experiências individuais ou vividas em grupo. considera patrimônio: I . tanto de natureza material quanto imaterial. n. a partir de uma relação dialógica (e por vezes conflituosa) entre o poder público e segmentos da sociedade.Interações entre o ensino de história. O tombamento (reconhecimento do valor material de um bem cultural) ou o registro (no caso de um bem imaterial) é um ato administrativo do poder público com o objetivo de preservar. edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais. V . O que configura a existência de um patrimônio não é o fato deste ser ou não tombado. Jul/Dez 2013: 113-129..os modos de criar. a Constituição Federal (1988). III as criações científicas. são as condições políticas e sociais que definem quais bens serão preservados. paleontológico. em seu artigo 216. através de uma legislação específica. objetos. ano 4. sendo necessária apenas a existência de uma legislação específica.. fazer e viver. nos primeiros anos de colonização. esta ordem religiosa acenava com um método alternativo de assimilação e conquista dos povos nativos. tomemos como exemplo um dos mais antigos templos do período colonial: a igreja do Divino Espírito Santo. esta aldeia jesuíta era formada por índios tupinambá e permaneceu sob a administração eclesiástica até 1758. Esteve. possui características do primeiro século de colonização. representante da arquitetura jesuítica no Brasil. p. 2004. A igreja do Divino Espírito Santo foi a principal construção da Aldeia do Espírito Santo (atual Vila de Abrantes).Moisés Amado Frutuoso identidades coletivas. 60). com a Historien (Petrolina). cujo objetivo era o de catequizar os nativos e expandir a fé católica. ano 4. 1994. em 1549. n. 73-74). uma das primeiras povoações estabelecidas por padres da Companhia de Jesus na América portuguesa. No entanto. Desta forma. Fundada em 1558 às margens do rio Joanes. tendo servido de refúgio para o clero da capital baiana (BEHRENS. “buscaram controlar e preservar os índios através de um processo de transformação que visava regimentar o índio enquanto trabalhador produtivo” (MONTEIRO. p. 2010. ainda que estas não tenham sido pensadas por estes indivíduos. ofereceram um contraponto à deliberada dizimação indígena praticada pela maioria dos colonos. Jul/Dez 2013: 113-129. Os jesuítas chegaram ao Brasil com a esquadra de Tomé de Souza. segundo o Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia (BAHIA. A edificação contava. até a década de 1940. A igreja do Divino Espírito Santo. envolvida na resistência aos holandeses durante a invasão e ocupação que estes realizaram em Salvador nos anos 1624-25. 117). indicou que a construção atual do templo parece ser da época da reforma da aldeia. Com o estabelecimento de aldeias. um dos pioneiros no estudo da arquitetura luso-brasileira. . Para exemplificarmos as interações entre o ensino de história regional e local e a preservação do patrimônio cultural. distante 41km da capital do Estado da Bahia. A inserção do estudante no contexto histórico de sua realidade social por meio do ensino de história regional e local possibilita a construção de identidades coletivas. 9. 1978). Smith. Robert C. quando foi alçada à condição de vila (SANTOS. ainda. 36). em 1689 (SMITH. localizada em Vila de Abrantes. p. distrito da cidade de Camaçari. p. Suas ações. 2007. ocorre no âmbito do poder público e é mediado por uma “dinâmica que envolve a esfera pública da vida social. 2010). p. além da já citada residência anexa (onde até meados do século XX funcionou um convento). Smith (2010. FARIAS. 5 123 Historien (Petrolina).Interações entre o ensino de história.. . Domingos Alves Muniz Barreto exerceu diversos cargos na estrutura colonial e teve grande atuação política à época da desagregação do Império Luso-Brasileiro como redator do periódico carioca Despertador Constitucional (SÁ. A escolha em prol da preservação do patrimônio cultural. Nascido na Bahia na segunda metade do século XVIII e pertencente a uma família tradicional. com uma praça central. poder-se-ia acreditar que a igreja do Divino Espírito Santo em Vila de Abrantes seria um bem tombado pelos órgãos competentes por se constituir como parte do patrimônio histórico baiano. tinha papel fundamental para essa estrutura social. 56) e está disponível em: <https://repositorio. Acesso em 30. com destaque para as pesquisas relacionadas à botânica da América portuguesa (PEREIRA.pdf>. como afirma Leonardo Marques de Mesentier. ou terreiro. Por ser uma iniciativa jesuíta. 9. uma igreja e fileiras de unidades residenciais flanqueando o espaço aberto” (SCHWARTZ. 2006). Faleceu no Rio de Janeiro. pode-se observar nesta planta um elemento característico dominante das construções jesuíticas: o alpendre de entrada do edifício que hoje não existe mais. Porém. 49). é a partir do processo de conflito social e da disputa por hegemonia política que se dá a construção da memória coletiva. residência anexa de dois andares e oito janelas no pavimento superior. a qual foi demolida sob o pretexto de que estava começando a ruir (BAHIA. n. 1978).. 169). pois era o local onde os jesuítas reuniam os índios para as ações de catequese. p.11. 6Esta planta foi reproduzida por Robert C. A praça central. ano 4.br/ri/bitstream/ri/1063/1/Arquitetura%20Colonial%20Baiana. 1988. em um contexto político e cultural” por meio de um conjunto de ações que contribuirão para a construção da memória ou o esquecimento social (2005. 2009. Em suma. em 1831. p. As análises realizadas por Smith a respeito da Vila de Abrantes partem da planta e da descrição realizada em 1792 por Domingos Alves Branco Muniz Barreto. Jul/Dez 2013: 113-129.5 que se encontram no Arquivo Histórico Colonial Português. a constituição espacial da Aldeia do Espírito Santo seguiu os padrões adotados pela Companhia de Jesus: “as aldeias jesuítas eram fisicamente organizadas segundo padrões europeus. Pelas razões apontadas.6 Com base na vista topográfica.ufba.2013. Recentes estudos abordaram o perfil naturalista do personagem. Na década de 1970. contribuíram para que este patrimônio não fosse tombado. Por esta razão. medidas tomadas pelo poder público. por exemplo. que intervenções do poder público que tendem descaracterizar o espaço são recorrentes. No entanto. a Secretaria de Planejamento daquela Prefeitura apagou essa memória” (FLEXOR. os técnicos do Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia (IPAC-BA) detectaram como perigo potencial para o legado dos jesuítas o desvirtuamento da ambiência motivado pela falta de proteção legal por parte das esferas de poder. propuseram que as construções em torno da praça fossem disciplinadas. ano 4. que “tanto a preservação da igreja do Divino Espírito Santo quanto o traçado original da praça em que está localizada são motivos de orgulho para o seu povo” (CAMAÇARI. como uma pista de skate e uma quadra poliesportiva. No espaço que antes era o terreiro foi construídauma praça. portanto. Vila de Abrantes consistia num pequeno núcleo populacional limitado à sua antiga praça jesuítica. Jul/Dez 2013: 113-129. pois a construção da grande quantidade de imóveis na localidade indica uma total descaracterização do entorno da igreja e seu terreiro. que afirmou numa publicação oficial voltada para estudantes da rede de ensino. n. “[. Pelo contrário. como pergolados. 2010. . bancos e um espelho d’água ao centro. 2004. após realização de pesquisas para o Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia.] ignorando toda a história de Abrantes. apesar de sua relevância histórica. e seu papel dentro dela. a Prefeitura de Camaçari equipou o antigo terreiro em frente à igreja com mobiliário e equipamentos modernos de esporte. p. p. percebe-se que tal recomendação não foi seguida à risca pelo poder público. é possível afirmar. Em 2003... além de outros itens. O paradoxo de tais atos é percebido no discurso oficial da Prefeitura de Camaçari. 9). A inauguração da BA-099 em 1972 e sua ampliação posterior na década de 1990 (Linha Verde) trouxeram um vetor de crescimento para a região. como a descaracterização do seu terreiro. Até a década de 1960. 6). Preferimos acreditar que tais afirmações partem do Historien (Petrolina). “em nome de um discutível modernismo e bem estar dos habitantes”. Se levarmos em consideração que na década de 1960 o poder municipal loteou parte do terreiro primitivo (reduzindo seu comprimento em um terço) (BAHIA. 1978). 9.Moisés Amado Frutuoso as salvaguardas necessárias para preservação desta construção não foram estabelecidas. 2012. Cabe ao educador.. 9. realizadas no ambiente escolar. ao possibilitar reminiscências. 54). o que é melhor do que criar um “pastiche” no sentido de restaurar a disposição “original” do terreiro. como recurso didático. Jul/Dez 2013: 113-129. possibilitarão o fortalecimento de uma identidade local e permitirão que os estudantes de Camaçari reconheçam neste espaço o local de nascimento de seu município. visitar Vila de Abrantes permitirá ao educador atuar na 125 Historien (Petrolina). Acreditamos que a preservação do passado em Vila de Abrantes envolve principalmente a realização de ações educativas nas escolas de Camaçari e da região. p.. é importante para o processo de ensinoaprendizagem. 105). A igreja do Divino Espírito Santo e seu antigo terreiro fazem parte do que Nora chamou de “lugares de memória” (1993).Interações entre o ensino de história. A visita de professores e estudantes. mas também fazê-los “compreender as mensagens propostas [. No caso específico de nossa análise. 2002. A preservação da igreja do Divino Espírito Santo e da memória da existência do terreiro possui relevância porque “a preservação de lugares pode ser elemento formador de cidadania se. mas também a promoção de ações para a preservação da igreja do Divino Espírito Santo e seu antigo terreiro.. criando assim um “falso histórico”. nesta atividade pedagógica. Uma opção seria a instalação de placas em vários pontos da atual praça com breves textos que discorressem sobre a história do local e em como esta se entrelaça com a História da Bahia e do Brasil. ano 4.. Trazer à tona as experiências dos indivíduos que viveram na localidade em tempos idos ajuda a reforçar o sentimento de identidade cultural e pertencimento.] e construir novas significações a partir delas” (ALMEIDA. A proposta não é retirar os equipamentos públicos montados no local. p. n. . e são uma falácia com o intuito de esconder a irresponsabilidade da esfera pública no que concerne à preservação do patrimônio material. exibir a história em sua inteireza e construir identidades efetivamente coletivas” (KOHLSDORF. desconhecimento sobre o assunto. VASCONCELLOS. Ações educativas. não apenas acompanhar os alunos ao local escolhido (sejam sítios históricos ou museus). fazendo com que atuem com vigor pela salvaguarda deste patrimônio cultural edificado. no ambiente escolar. Diferentes abordagens. n. será possível proteger não apenas o patrimônio cultural edificado. como a história regional e local. 9. articulando a história local à história regional. conhecer as várias partes do todo. Jul/Dez 2013: 113-129. para o qual o espaço escolar possui papel fundamental. questionando as respostas prontas e as visões estereotipadas. nacional e mundial. Assim. A sala de aula. no rol dos temas abordados nas escolas de Camaçari. Ao relacionar o ensino de história regional e local e a preservação do patrimônio cultural. mas também garantir a constituição de uma memória social (a partir da preservação do passado). pelo contrário. a partir da abordagem da história local e regional. torna possível ampliar o conhecimento sobre a realidade social em que os estudantes estão inseridos. com isso. ressaltamos a importância de ambos para a constituição das identidades coletivas eda sua atuação no alicerce da memória social.Moisés Amado Frutuoso construção da memória social entre os estudantes de Camaçari. ainda que timidamente. de conteúdos relacionados à história do município. o fortalecimento da identidade cultural da população local. Nesse sentido. possibilitaram aos professores aliar a prática docente com a pesquisa empírica. tão comum no espaço acadêmico. Espera-se. problematizando-o. Nota-se que a figura do professorpesquisador. é imprescindível a realização de ações que viabilizem a preservação deste exemplar da arquitetura jesuítica em Vila de Abrantes. A proposição de estudos com recorte regional e local no espaço escolar não tem como objetivo negar a história nacional. é indispensável também a inclusão. Além do tombamento da igreja do Divino Espírito Santo junto às esferas estadual e federal. ano 4. . assegurando às futuras gerações o conhecimento das experiências vivenciadas por diversos povos numa das primeiras aldeias jesuítas do Brasil. começa a surgir. Historien (Petrolina). CONSIDERAÇÕES FINAIS O amadurecimento das discussões historiográficas contemporâneas no ensino de história por meio dos conteúdos abordados em sala de aula permitiu um avanço na atuação docente e no processo de ensino-aprendizagem. BRASIL. n. geografia. Petrópolis.2. Comunidades Imaginadas: Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. FERREIRA. Apologia da História ou o ofício do historiador. ANDERSON. A invenção do Nordeste e outras artes. A escola torna-se uma instituição de suporte da memória social. Janaína. 104-116. Circe (Org. DF. Salvador. O saber histórico na sala de aula. Por que visitar museus. Disponível em: 127 Historien (Petrolina). Prefeitura de. Marieta de Moraes (Org). Zahar. espaço de construção do conhecimento. 2013.). 05 jan. História e região: reconhecendo e construindo espaços. CAMAÇARI. parte 1. In: SILVA. Constituição da República Federativa do Brasil. Camilo de Mello. FGV. assim. São Paulo: Contexto. François. Secretaria de Cultura e Turismo. Benedict. 9. São Paulo: Cortez. 1990. BARROS. DF: MEC/SEF. São Paulo: Companhia das Letras. AMADO.). Jul/Dez 2013: 113-129. Diário Oficial da União. 1996. p. 1988. Tempo presente e presença na história. Secretaria de Educação Fundamental. Ricardo Henrique B. VASCONCELLOS. Rio de Janeiro: Ed. 2011. vol. BLOCH. n. Marc. 2004. 2002. São Paulo: ANPUH/Marco Zero. Revista Ponto Móvel Cidade do Saber – Especial Vila de Abrantes. A expansão da História. AMADO. Janaína. Dissertação (Mestrado). Brasília. Adriana Mortara. 2001. Monumentos e Sítios do Recôncavo. República em Migalhas: História regional e local. REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE JUNIOR. Brasília: CNPQ. Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia.. e. 2010. Brasília. Poder Legislativo.7. RJ: Vozes. BÉDARIDA. 1978. 1997. desperta para a relevância da preservação do patrimônio cultural. Marcos (coord. Durval Muniz de. nov. José D’Assunção. ALMEIDA. Rio de Janeiro. BAHIA.Interações entre o ensino de história. se apresenta também como cenário para fortalecimento das identidades regionais e locais por meio desta abordagem historiográfica. In: BITTENCOURT. Programa de Pós-Graduação em História. BEHRENS. v. 2008. Parâmetros Curriculares Nacionais: história. . Um tesouro de Camaçari. ano 4. BRASIL. A capital colonial e a presença holandesa de 1624-25. 5 (1ª à 4ª séries). Universidade Federal da Bahia.. (IPAC-BA). Salvador. In: Usos e abusos da história oral. OLIVEIRA. São Paulo. 2012. 1993. Nº 2. NORA. 63-74. Salvador. 10. Leonardo Marques de. FLEXOR. PEREIRA. São Paulo. Dissertação (mestrado).jul-dez 2012. 2013. In:Revista Arqadia. História Regional.28.com/doc/149087084/Revista-Ponto-Movel-Cidade-do-SaberEspecial-Abrantes> Acesso em 20 jun. p. .cchla. Disponível em: <http://www. 2004. In: PINSKY.br/Vivencia/sumarios/28/PDF%20para%20INTERNET_ 28/revista%20VIV%C3%8ANCIA_28. Acesso em 28 jun. 2013. Curitiba: Ibpex.. Novos temas nas aulas de História. Professor-pesquisador em educação histórica. economia e poder na Bahia (1788-1800). FARIAS.anpur.br/revista/rbeur/index. 1994. Acesso em 28 jun. Programa de Pós-Graduação em Ensino. 2013. Entre memória e História: a problemática dos lugares. História. 167-177. Anais. Ronaldo. UFRN/CCHLA. Ciro Flamarion. Companhia das Letras. 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Disponível em: <https://repositorio. SCHWARTZ.pdf. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial.pdf>. Carolina Ramalho de. Brasília. RUSEN. São Paulo: Companhia das Letras. Monografia (Graduação em História). Fabricio Lyrio. n.11. jun.ufba. 2005. 156.p. Jörn. SMITH. Natal. século XVIII. SANTOS. SÁ. n. . Revista de História da USP.br/ri/bitstream/ri/1063/1/Arquitetura%20Colonial%2 0Baiana. São Paulo. Domingos Alves Branco Muniz Barreto e o Despertador Constitucional. Robert C. Fundamentos da ciência histórica. > Acesso em 30 nov. p.. 207-224.2013. n. Revista Vivência.2013.br/pgh/docs/Disserta%C3%A7%C3%B5es/Disserta%C3%A7 %C3%A3oRodrigo. Jul/Dez 2013: 113-129.uefs. 1988. Stuart B. 2010. 2007. ano 4. 29.Interações entre o ensino de história.. Salvador: EDUFBA. We can then say that the whole history of Amargosa 1 Recebido em 10/10/2013. etc . art objects. no Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia: a construção do museu pedagógico de história. Mestre em Educação pela UNICAMP.MUSEU PEDAGÓGICO DE HISTÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA: A CONSTRUÇÃO DE UM MUSEU EM SALA DE AULA1 Tatiana Polliana Pinto de Lima2 Resumo: Este artigo pretende relatar e refletir nas páginas a seguir sobre uma experiência desenvolvida com alunos do curso de Pedagogia que cursaram o componente Ensino e Aprendizagem em História. E-mail: [email protected]. Federal University of Bahia Reconcavo: the construction of the museum of history teaching. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas semi-estruturadas com familiares de diversas faixas etárias dos discentes e o museu foi composto por objetos pertencentes aos entrevistados. 9. the changes and continuities in the town of Amargosa Bahia along the twentieth and early twenty-first century.. . Não podemos então afirmar que toda a História de Amargosa. trace materials. as transformações e permanências na cidade de Amargosa na Bahia ao longo do século XX e início do século XXI. because it comes to us by way of incomplete evidence. Professora Assistente no Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. problematizada. This experience has not made us learn all history. religious events. manifestações religiosas. Licencianda em Pedagogia pela UNIFACS. The data were collected through semi-structured interviews with family members of different age groups of students and the museum was composed of objects belonging to the respondents as well as the pupils themselves. História Local. Jul/Dez 2013: 130-142. parciais: registros documentais. 2 Historien (Petrolina). ressignificada. Mas. n. Formação de Professores. foi apreendida e trabalhada. Semestre.. etc. ao longo do século XX e início do século XXI. ofertado no 6º. ano 4. oral records. Memória. Abstract: This article intends to report and reflect on the following pages about an experiment conducted with students of the Faculty of Education who attended the component Teaching and Learning in History offered in the 6th. Aprovado em 16/11/2013. Esta experiência não nos fez apreender toda a História. bem como aos próprios discentes. visto que ela chega até nós por meio de evidências incompletas. que uma pequena lacuna dela foi percebida... partial: documentary records. the Center for Teacher Education. Palavras-chave: Museu. Doutoranda em Educação pela UFBA. objetos de arte. Graduada em História pela UFRN. vestígios materiais. registros orais. Semester. 9. faremos algumas explanações sobre o local de onde estamos nos reportando. políticos. O curso do qual estamos falando Historien (Petrolina). no Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia: a construção do museu pedagógico de história. técnicos e culturais. las inter-relaciones entre los fenómenos afectados por los mismos. 2004. as transformações e permanências na cidade de Amargosa na Bahia ao longo do século XX e início do século XXI. Claro é que La historia intenta compreender y explicar cómo y por qué se han producido los cambios y qué papel han jugado en ellos sus protagonistas y por qué. o museu perde a aura de monumento e o objetivo de tornar-se documento. ano 4. But a small gap it was perceived. . Mas. Jul/Dez 2013: 130-142. (Kátia Abud. Requer pensar a sua prática considerando a inconclusão na formação. André Silva e Ronaldo Alves) É a reflexão contida nas palavras acima que gostaríamos de nortear a leitura das páginas a seguir. re-signified. sobre uma experiência desenvolvida com alunos do curso de Pedagogia que cursaram o componente Ensino e Aprendizagem em História. Nesta perspectiva iremos relatar e refletir. (PAGÉS. da qual nos falava Paulo Freire. Se encarado como templo. Pensar em formar professores requer ir mais além do que meramente transmitir conteúdos. Semestre. n. Memory. antes de adentrarmos as considerações sobre o tema em si. Teacher Training. pois foi a partir delas que a experiência de construção de um museu pedagógico de história foi desenvolvida. y estabelece sus ritmos y sus duraciones. Busca los antecedentes de los cambios.Tatiana Polliana Pinto de Lima over the twentieth and early twenty-first century was seized and crafted. ofertado no 6º. deixa de ser objeto de análise de um conjunto de concepções e contextos sociais. nas páginas a seguir. Keywords: Museum. ou seja. 202) Foi com esta provocação em sala de aula que tudo começou. p. além de perder o sentido de sinal do passado. Local History. discussed. uma licenciatura que irá trabalhar com a educação infantil e com os anos iniciais do ensino fundamental. devemos ampliar esse prazer que o historiador sente no manuseio das fontes para uma gama maior de pessoas. É perceber que esses professores dos anos iniciais e da educação infantil precisam ser considerados como sujeitos basilares na formação das crianças. se o conhecimento histórico efetivamente seduz e diverte os pesquisadores da área. desenvolver um trabalho com museu. levando em conta que a História precisa ser vista enquanto campo de prazer. antes de relatarmos e refletirmos sobre a criação dele. Visto isso. educação do campo. n. Afinal. Nesse campus tem-se oito cursos de Licenciatura: filosofia. Devemos lembrar que trabalhar com ensino de História nos cursos de Pedagogia não é meramente trabalhar com sujeitos que não serão professores especificamente de história. mas serão professores também de história. Sob essa ótica. é considerar as mudanças no ensino de História ocorridas nos últimos anos no Brasil. visando o estabelecimento de uma educação de qualidade para todos. . letras. pedagogia. eles são professores multidisciplinares. Esta apresenta estrutura multicampi. Segundo Marcos Silva. 9. foi com os discentes do curso de Pedagogia que o museu pedagógico de história foi construído. educação física. faz-se mister esclarecer acerca da vontade de desenvolver com graduandos de Pedagogia. planejamento e gestão da educação para atender demandas regionais e estaduais. se o contato com livros especializados e diferentes fontes históricas (documentos governamentais. conferindo ao Centro de Formação de Professores (CFP). Entretanto. a partir da perspectiva de história local. química. Ora. localizado na cidade de Amargosa. futuros adolescentes que chegarão aos anos finais do ensino fundamental e serão ensinados por professores licenciados em História que comumente costumam falar que as crianças adentram esta fase sem conhecer os conceitos básicos da História. Jul/Dez 2013: 130-142.Museu pedagógico de história e ensino de história encontra-se lotado na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). o desejo de construir um museu. a responsabilidade pela formação dos profissionais especializados nos processos de pesquisa. ano 4. Vale do Jiquiriçá. . matemática.. física. objetos 132 Historien (Petrolina).. o rigor dos conceitos e saberes históricos não deve ser desprezado nesta busca. 2003. a pesquisa foi parte integrante de todo o processo. por que não expandir efetivamente o universo de pessoas que desfrutam dessas alegrias? (SILVA. Foi assim.) é tão bom para os que estudam história em profundidade por lhes permitir dialogar com experiências humanas e interpretar seus trajetos. ampliam e superam simultaneamente) e garantia de que os atos de pesquisa e ensinar continuam a se questionar permanentemente em busca de novos horizontes na produção de saberes. e o compromisso de sua presença na cena social ampliada e sob controle de seus agentes. É evidente que defender a identidade entre ensino e pesquisa não se confunde com usos vulgarizadores desses termos praticados em algumas escolas [. inerente ao segundo. obras de arte. a pesquisa e o ensino devem caminhar de mãos dadas. Jul/Dez 2013: 130-142. Nesse sentido. . a partir de entrevistas feitas com os moradores da localidade (12 em média em cada semestre Historien (Petrolina). Não deve ser excluído neste processo de sedução. ano 4. sob minha orientação. e por onde ela circula. ultrapassando o isolamento dos saberes constituídos. Aquele foi inteiramente construído pelos discentes. depoimentos escritos ou orais. etc.. Identificar pesquisa e ensino significa preservar o rigor da produção de saber. realizando para isso alguns recortes temáticos. p. 9. 2003. É refletir sobre o ensino de história. mesmo inconscientemente. p. São faces de uma mesma moeda. A intenção era aproximar um dos lugares pelos quais a história (a produção histórica) circula (no caso os museus) da comunidade do Centro de Formação de Professores e externa à este centro. próprio à primeira. fotografias. pensando numa síntese desses atributos. 18-19) Nessa experiência de construção de museu pedagógico de história em movimento. Nesse sentido. há reciprocidade na aliança (ensino e pesquisa se iluminam. objetivando a sua prática permeada de ricas experiências para todos. com este intento firmado. as transformações e permanências na cidade de Amargosa.Tatiana Polliana Pinto de Lima do cotidiano. que buscamos a construção do museu cujo objetivo era aprendermos pela pesquisa dos objetos existentes nos arquivos familiares dos discentes. construindo pontes entre a historiografia e os espaços onde ela é constantemente produzida. (SILVA..] e até em centros de pós-graduação. 14) Contudo. n. caricaturas. formativa. Tudo isso sempre se orienta por determinada postura teórica. a chamada “consciência crítica”. sobre a história da sociedade na qual cada um de nós encontra-se inserido. dos visitantes.. sobre o sujeito histórico. (RAMOS. e isso compõe processos comunicativos que necessariamente se constituem na seleção das peças que devem ir para o acervo e no modo de ordenar as exposições. relações de namoro e casamento. Qualquer museu é o lugar onde se expõem objetos. 14) Este era um dos nossos intentos: estimular o ato de reflexão por parte dos discentes. sistema monetário. Jul/Dez 2013: 130-142. festas.. 9. Foi apresentar aos graduandos em pedagogia as relações existentes entre museu e ensino de história. etc. do regional passou a ser entendida a partir de temas como moradias. então. de hábitos e de costumes pelos quais Amargosa havia passado no século XX e no início do século XXI. p. implica reconhecer que. nem sempre confessa. na sua própria definição. o conhecimento sobre certo período histórico. a classificação geral dos elementos da natureza.Museu pedagógico de história e ensino de história que a experiência se desenrolou) e com a coleta de objetos representativos das transformações tecnológicas. os discentes começaram a pensar uma história educativa. A partir de então. o elogio a determinadas personalidades. ano 4. vestuário. Outro objetivo nosso ao desenvolver essa experiência foi romper com a ideia de que o museu é um local onde se depositam objetos velhos. que pode ir dos modelos de doutrinação até parâmetros que estimulam o ato de reflexão. os governantes. meios de transporte e de comunicação. Fazer relações entre museu e educação. as revoltas. os “novos” personagens da história. dos entrevistados. emancipadora. 2004. libertária. . Era perceber que o museu é um espaço importante nos processos de renovação pedagógica. do local. seja o nacionalismo. especialmente o ensino de história. em detrimento de uma história que enfatizava os líderes. o museu sempre teve o caráter pedagógico – intenção. de mentalidade. de defender e transmitir certa articulação de ideias. possibilitando por meio dos objetos 134 Historien (Petrolina). alimentação. as batalhas. o regionalismo.. Começaram a ver uma história na qual todos somos sujeitos dela. n. A história do cotidiano.. crítica. Se tornaram. A reflexão sobre a própria história deles. 2004. roupas.. como o lugar onde os objetos. ou analisados. até escrituras de terras de final do século XIX. 2004. É o estudo da história pelos objetos. são expostos. No caso específico da experiência desenvolvida já há três semestres. Atualmente. uma reflexão. os objetos variaram desde instrumentos de trabalho do trabalhador rural. p. Jul/Dez 2013: 130-142. um pensar sobre o presente vivido. Como história dos contemporâneos.. 9. desde o tronco de prender escravos em exposição no Museu do Ceará até o copo descartável que faz parte do nosso cotidiano. com o mundo vivido e o desejo de modificá-lo. portanto. neste caso os objetos pertencentes às famílias dos discentes.. No museu pedagógico de história. os debates sobre o papel educativo do museu afirmam que o objetivo não é mais a celebração de personagens ou a classificação enciclopédica da natureza. com as memórias individuais e coletivas da cidade de Amargosa a partir da História Oral. . organizados para compor um argumento. com as histórias de vida. arquivamento e estudos referentes à vida social das pessoas. n.Tatiana Polliana Pinto de Lima conhecidos dos discentes o ato de aprender e a percepção de integração com a história. a percepção do museu templo de adoração dos objetos perdeu espaço para a construção do museu-fórum. para a reflexão crítica. cédulas. dentro da suposta “neutralidade científica”. Se antes os museus eram contemplados. 22). é um recurso moderno usado para a elaboração de documentos. ano 4. considerando que esta: . Mudam. p. Isto não quer dizer que ela se esgote no momento da apreensão e da eventual análise das entrevistas. utensílios domésticos. 20) Entra em voga o caráter educativo do museu. moedas..” (RAMOS. agora devem ser interpretados. e sim a reflexão crítica. Mantém um compromisso de Historien (Petrolina). para entendermos e conhecermos o nosso passado. “Assim. Estas escolhas didáticas e teóricas foram igualmente norteadas pelo entendimento da importância de se trabalhar com a história local. Ela é sempre uma história do tempo presente e também conhecida por história viva. qualquer objeto deve ser tratado como fonte de reflexão. cartas pessoais. a história oral tem de responder a um sentido de utilidade prática e imediata. brinquedos. documentos pessoais. para o ato comunicativo com os objetos expostos.” (RAMOS. os “argumentos museais”. p. individual ou coletiva. mas também com aquelas que eram particulares. Foi uma descoberta de si na história recheada de prazer tanto por parte dos discentes como por parte dos visitantes do museu.. 2004. com algumas lembranças que não mais se queria lembrar. Foram exposições que desnudaram algumas memórias dos habitantes da localidade. A memória torna-se. . 139) Todos abrimo-nos para além da sala de aula. entre pensamento e ação. elemento essencial na busca da identidade individual e coletiva. 1996. com as memórias que eram de todos. p.) a memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade. Entretanto. O passado dialogando com o presente e vice-versa. p. ano 4..Museu pedagógico de história e ensino de história registro permanente que se projeta para o futuro sugerindo que outros possam vir a usá-la. suas próprias histórias de vida.o trabalho com a memória pode possibilitar que os alunos relacionem a fisionomia da localidade e da cidade em que vivem. Jul/Dez 2013: 130-142. foi um diálogo produtivo entre teoria e prática. 9. (MEIHY. (ORIÁ. Segundo Zamboni (1993) 136 Historien (Petrolina). A memória é. bem como experiências sociais e cotidianas de outras épocas.. as narrativas dos sujeitos entrevistados. foi também um descobrirse através da viagem no tempo e no espaço. alfabetizamos os nossos olhares para além dos muros da universidade.. suas experiências sociais e lutas cotidianas. é a memória dos habitantes que faz com que eles percebam. 220) Foi assim uma experiência que mexeu com as emoções. 13) Ao termos como ponto focal as memórias. concebia-se que . suas experiências sociais e suas lutas cotidianas... sua própria história de vida. 2007. Segundo Ricardo Oriá . cuja busca é um das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje. favorecendo a autonomia do fazer e do ser sujeito histórico. n. construindo uma grande temporalidade. assim. pois imprescindível na medida em que esclarece sobre o vínculo entre a sucessão de gerações e o tempo histórico que as acompanha. Lembremo-nos de Le Goff quando diz que “(. na febre e na angústia” (Menezes e Silva. na fisionomia da cidade. Era entender as particulares de cada uma das histórias de vida. não para que elas findassem em si mesmas. de suas relações sociais. com outras temporalidades. explicassem por si sós a história da cidade. A seguir. sem. desse modo.. deixá-la engessada. Jul/Dez 2013: 130-142. ano 4. em média. todos os grupos deveriam pesquisar sobre todos os temas e os dados eram socializados em momentos de orientação coletiva. em sua formação intelectual e social. as transformações e permanências. 7) A História Local como estratégia pedagógica foi outra percepção que norteou essa experiência. n.30 e 49 anos 4.15 e 29 anos Esses grupos construíam um instrumento de coleta de dados (um roteiro de entrevista). sim.. construiríamos olhares múltiplos da História. A divisão se processou da seguinte forma: cada grupo se responsabilizou pelas entrevistas com sujeitos (parentes dos discentes) de variadas faixas etárias: 1. entendendo-a como parte de uma sociedade mais ampla.70 e 90 anos 2. cujo objetivo era nortear a entrevista. O processo de construção da história de vida do aluno. contudo.Tatiana Polliana Pinto de Lima O objetivo fundamental da História. um dos roteiros construídos pelas alunas Marly Santos e Valdicélia Ferreira da Silva como exemplo. Mas. Através do conhecimento da história da localidade. a fim de que seu crescimento social e afetivo desenvolva-lhe o sentido de pertencer. que cada grupo composto por sete alunos. Foi pensando. em processos históricos mais amplos. Entretanto. (p. 9. contribui para situá-lo historicamente. situado em contextos mais amplos.50 e 69 anos 3. das histórias familiares. que esta última fosse entendida em suas relações constitutivas com outras localidades. é situar o aluno no momento histórico em que vive. no ensino de primeiro grau (ensino fundamental). . ENTREVISTA COM PESSOAS ENTRE 70 E 80 ANOS Historien (Petrolina). ficou responsável por dois temas diretamente. 9. ano 4. 2-Vestuário: -Como eram as vestes masculinas e femininas da sua época? -Quais são as principais diferenças das vestes atuais para as vestes da sua época? 3-Alimentação: -Quais eram os alimentos mais consumidos? -Como eram conservados os alimentos? 4.Museu pedagógico de história e ensino de história 1-Perfil do entrevistado (idade. . Jul/Dez 2013: 130-142.Relação namoro/casamento: -Como se davam as relações de namoro? -Qual era e como se dava o processo para se chegar ao casamento? -Quais são as principais diferenças do namoro dessa época para o namoro na atualidade? 5-Moradias: -Como eram as estruturas das casas? -Quais as principais diferenças das moradias dessa época para as moradias atuais? 6-Meios de transporte: -Como se dava o transporte de pessoas e mercadorias na sua época? -Quais são as diferenças do transporte dessa época para os transportes atuais? -Quais os transportes que foram utilizados na sua época e que ainda continuam sendo utilizados? 7-Meios de produção: -Quais eram as principais atividades econômicas desenvolvidas? -Como se dava o processo de produção e venda de mercadorias? 8-Sistema Monetário: -Qual a moeda utilizada na sua época? -Existia algum banco na sua cidade? -Como funcionava esse banco? 9-Música: -Quais os estilos de músicas mais ouvidos na sua época? -Quais as principais festas e em que períodos ocorriam? -Quais as principais diferenças da música e das festas de sua época das atuais? 138 Historien (Petrolina). sexo. n. local de moradia). Ora.Tatiana Polliana Pinto de Lima Percebamos que em um primeiro momento as perguntas eram muito diretivas. Jul/Dez 2013: 130-142. pudemos de fato acompanhar a interação dos discentes e perceber a atuação destes no desenrolar da pesquisa. sem reflexão. Fonseca (1994) nos traz que “. Esta. p. pela Pedagogia de Projetos. Subsidiados. observar o desempenho qualitativo. forma esta que permitirá aos alunos estarem envolvidos com a realização de uma atividade que tem significado dentro de um contexto mais amplo. 104-105) A percepção dos discentes ao final foi que o conhecimento histórico é algo em permanente construção. Foi com os dados obtidos com as entrevistas e com os objetos coletados nos arquivos familiares que o museu foi construído. Após debates em sala de aula. então. constroem conhecimentos de uma forma diferente. 1994. foi a maior Historien (Petrolina). n. o que permitiu que não empregássemos o nosso tempo enquanto docente do componente curricular Ensino e Aprendizagem em História não para cronometrar o tempo e o desempenho quantitativo de cada indivíduo envolvido no projeto.assumir a proposição investigativa em sala de aula implica ousar e construir uma atitude reflexiva e questionadora diante do conhecimento historicamente produzido” (p. (FONSECA. refletem na e pela ação ‒. pudemos perceber a motivação. sim. mas. não estando pressionados pela necessidade de um produto imediato – pois vivenciam. grupos e atividades. .. Perceberam que este conhecimento é acumulado. apropriado. verdade absoluta imutável. 9. os dados trazidos. 119). o envolvimento nas atividades. Logo. reproduzido e transformado em diferentes níveis e contextos sociais e re-significado de diversas maneiras. Segundo Selva Guimarães Fonseca: A realização de um projeto envolve intenso trabalho de reflexão para a articulação de conteúdos. Aqui. as suas percepções sobre o que estava sendo relatado. professor e alunos. as perguntas foram modificadas paulatinamente pelos grupos que passaram a indagar aos entrevistados os por quês de. com certeza.. A experiência fez com que os mesmos construíssem um relacionamento crítico e ativo com o conhecimento existente. ano 4. as discussões e debates realizados. não podendo ser considerado um fato cristalizado. o processo é privilegiado e não o produto final. A experiência de construção do museu pedagógico de história facilitou A construção de problematizações. ao longo do século XX e princípios do século XXI. dos costumes. dos tipos de organização social. etc.. ressignificada. 114) Nesse sentido. o objetivo proposto quando do início do Projeto foi alcançado: a partir de algumas fontes.. tais como fontes orais.. Ademais. (ALBUQUERQUE JÚNIOR. a cidade de Amargosa. de nosso tempo. Não podemos. p. registros orais. quais as transformações e permanências que puderam e podem ser observadas nesta mesma sociedade em alguns aspectos: no caso específico. objetos de arte. . uma pequena lacuna dela foi percebida. afirmar que toda a História de Amargosa. 2004. parciais: registros documentais. Jul/Dez 2013: 130-142. Mas. ao ser analisado e retrabalhado. todavia a que se desse destaque e importância à diversidade de pensamentos. documentais e resquícios materiais.. manifestações religiosas. conhecer um pouco da sociedade na qual vivemos. CAINELLI. notadamente entre as sociedades que pretensamente viviam em uma pré-história em relação àqueles que viviam na história. ano 4.. [. n. então. p. que não foram institucionalizadas sob a forma de conhecimento histórico. foi apreendida e trabalhada. isto é. a apreensão de várias histórias lidas com base em distintos sujeitos da história. das práticas e dos símbolos que informaram a vida social das sociedades do passado. (SCHMIDT. dos hábitos. 32) 140 Historien (Petrolina). vestígios materiais. fazendo-os vê-las como constitutivas de uma realidade histórica mais ampla e produzindo um conhecimento que. entre a história vivenciada pelo historiador e o conhecimento cientificamente produzido. nem é nosso objetivo. contribui para a construção de sua consciência histórica. .Museu pedagógico de história e ensino de história conquista de todos os envolvidos nesse Projeto: a reconciliação entre ação e conhecimento. dos valores. bem como de histórias que foram silenciadas. 9.. problematizada.] pode favorecer a recuperação de experiências individuais e coletivas do aluno. Contribuímos para romper com a história construída somente a partir do aspecto político. visto que ela chega até nós por meio de evidências incompletas. É óbvio que não podemos apreender toda a História. mas também à diversidade constituinte das sociedades e culturas de nosso presente. 2012. n. da necessária e constante luta pela liberdade que. punidos e castigados porque tentaram dar sentidos diversos a sua existência e ao mundo. Historien (Petrolina). SILVA. ano 4. o mais idoso do bairro. 2012. preparadas e dispostas a empreender a luta permanente e diuturna em busca do ser livre. afinal. escritos. a mãe. a natureza. ALBUQUERQUE JÚNIOR. ao trazer para cena diferentes personagens – aqueles que se singularizam. A história serve para que possamos formar subjetividades mais livres. que se tornaram conhecidos. . p. nomeados. A história. o destino. o pai. mas é o avô. o sistema. Fazer defeitos nas memórias: para que servem o ensino e a escrita da história¿ In: GONÇALVES. do que não é o dirigente político. serviu para nos ajudar a formar subjetividades. ao focalizar inúmeras formas de resistência humana a realizar um sentido para as suas vidas e para a história. Ana Maria (org. ROCHA. cidadãos conscientes da convivência pública. 9. 36) REFERÊNCIAS ABUD. é o próprio ser de sua existência. a ordem. Helenice.Tatiana Polliana Pinto de Lima Esse projeto nos ensinou a prestarmos atenção ao outro. Nesse sentido. Foi a valorização da fala do sujeito “comum”. mais desejosas. as estruturas e contra todas as instituições e categorias que definiram ao longo da história o que seria o necessário e o irrecorrível da existência dos homens -. Durval Muniz de. Ronaldo Cardoso. (ALBUQUERQUE JÚNIOR. que se destacaram. que foram registrados. Encerraremos com a citação de Albuquerque Júnior (2012) ao nos fazer refletir sobre o sentido da história hoje por entender que as palavras a seguir nortearam a experiência de construção do museu pedagógico de história no curso de Pedagogia da UFRB. nos propicia o aprendizado da liberdade. ser que só existe enquanto prática permanentemente afirmada e retomada. Ensino de História. Kátia Maria. convivendo em uma realidade constituída por opiniões e interesses muitas vezes divergentes. Márcia de Almeida. André Chaves de Melo. São Paulo: Cengage Learning. ALVES. Jul/Dez 2013: 130-142. o líder comunitário. 2010. integrantes deste espaço público. MONTEIRO. que se rebelaram contra Deus. 2012. às suas vivências para aceitá-las na sua essência.) Qual o valor da história hoje¿ Rio de Janeiro: Editora FGV. o prefeito. MENEZES. 2004. 2007. Jul/Dez 2013: 130-142.Museu pedagógico de história e ensino de história MEIHY. José Carlos S. 142 Historien (Petrolina).) Ensino de história: sujeitos. 2004.) Enseñar y aprender ciencias sociales. ano 4. Joan. In: BENEJAM. El tempo histórico. RAMOS. Pilar. ZAMBONI. ORIÁ. Maria Fátima de Souza. A danação do objeto: o museu no ensino de história. Joan (coord. geografia e historia en la educación secundaria. Ensinar História. Marlene. Maria Auxiliadora. GASPARELLO. 2004. 1993. PAGÉS. Marcelo de Souza (org. História – série argumento. Chapecó: Argos. Ricardo. Manual de Histórial Oral. Bom. Arlette Medeiros. O ensino de história e a construção da identidade. FAPERJ. ed. 2004. saberes e práticas. In: BITTENCOURT. Rio de Janeiro: MAUAD X. In: MONTEIRO. n. São Paulo: Scipione. PAGÉS. São Paulo: SEE-CENP. São Paulo: Contexto. 4. CAINELLI. Ana Maria. 9. Ernesta. Francisco Régis Lopes. SILVA. São Paulo: Loyola. 1996. Leila Medeiros de. . MAGALHÃES. Circe (org. Memória e ensino de história. Barcelona: Universidade de Barcelona. SCHMIDT.) O saber histórico na sala de aula. Ensinando história nas séries iniciais: alfabetizando o olhar. O JORNAL COMO SUPORTE DOCUMENTAL E/OU RECURSO DIDÁTICO PARA ALIAR TRANSMISSÃO E PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO NO ENSINO DE HISTÓRIA1 Luciano Everton Costa Teles2 Resumo: Recentemente. pautado num entrelaçamento entre transmissão e produção de conhecimento. E-mail: lucianoeverton777@hotmail. Keywords: Education. INTRODUÇÃO Durante décadas atrás se estabeleceram críticas ferrenhas sobre um ensino de história pautado somente na transmissão de conteúdos. Não que os conteúdos deixassem de ser importantes. mas sim pela forma que o ensino 1 Recebido em 09/10/2013. Newspapers. n. o presente artigo tem como objetivo demonstrar como os jornais podem ser utilizados no processo de ensino/aprendizagem como suporte documental e/ou recurso didático para promoção de um ensino de história inovador. destacando as possibilidades e potencialidades da produção do conhecimento neste âmbito do ensino.com 2 Historien (Petrolina). . ano 4. Abstract: Recently the idea of teaching history seated strictly on content delivery has been the target of fierce criticism. Seeking to contribute to this discussion. History. as space par excellence of reproduction of knowledge. Palavras-chave: Ensino. guided into a blending of knowledge production and transmission. this article aims to demonstrate how newspapers can be used in the teaching/learning as supporting documentation and/or teaching resource for promoting an innovative history teaching. Such criticism has sought to break with this perspective that realizes the basic education. 9. Mestre em História Social pela Universidade Federal do Amazonas. seja ela pública ou privada. Aprovado em 16/11/2013. Tais críticas têm buscado romper com esta perspectiva que percebe a educação básica. História. Jornal. Buscando contribuir com esta discussão. whether public or private. Professor Assistente da Universidade do Estado do Amazonas – CEST. a ideia de um ensino de história assentado estritamente na transmissão de conteúdo tem sido alvo de críticas ferrenhas. como espaço por excelência da reprodução do conhecimento. highlighting the possibilities and potentialities of the production of knowledge in this field of education. Jul/Dez 2013: 143-157. no qual questões como metodologias de ensino. O ENSINO DE HISTÓRIA: REPRODUÇÃO OU PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO? O ensino de história. Nesta esteira. teste e prova que são os mais tradicionais na perspectiva da “educação bancária” e. etc.. como no caso da disciplina Histórica. em especial ligados à produção e transmissão de conhecimentos. o presente artigo tem como objetivo demonstrar como os jornais podem ser utilizados e/ou no processo de ensino/aprendizagem como suporte documental recurso didático. Jul/Dez 2013: 143-157.O jornal como suporte documental. como tambémem disciplinas específicas. 144 Historien (Petrolina). o que lhe foi repassado na aula. programas. que se tornou referência para estudos posteriores acerca da educação. foi concebido por meio de uma divisão hierárquica entre ensino superior e educação básica. fidedignamente. Esta divisão definia práticas e processos a serem seguidos. recursos didáticos. ano 4. 9. via instrumento avaliativo. em especial tornando o aluno um receptáculo. n. no decorrer das décadas de 1960 e 1970. constituem-se como balizas para a compreensão do ensino. em menor intensidade. elaborou uma série de estudos demonstrando o caráter limitado dessa perspectiva de ensino sobre a formação dos discentes. livros didáticos. . 4 Paulo Freire. no decorrer de décadas anteriores. o ensino de história vem se consolidando como um campo de reflexão promissor. Cabe destacar que. 4O objetivo era. formas assumidas pela disciplina histórica em contextos históricos diferentes. currículos. tendo este que reproduzir. resumos. surgiram reflexões que não somente o utilizaram como referência teórica no campo da Ciência da Educação.. Na esteira deste autor. 3Em especial. extrair do aluno o que foi apresentado na aula. recentemente. destacando este último aspecto. o professor universitário teria um papel fundamental na produção do conhecimento histórico enquanto que o professor da educação básica se inseria no âmbito da transmissão desse conhecimento. via instrumento avaliativo3. assumia neste processo. promovendo um ensino de história inovador pautado num entrelaçamento entre transmissão e produção de conhecimento. questionários. No interior desse movimento. 9. dos alunos com o objeto/tema de estudo. Ter o aluno e professor como sujeitos históricos e do seu próprio conhecimento (CIAMPI. de sociedade. Primeiro o sujeito (pesquisador) que quer conhecer. o trabalho de seleção. no ensino de história. ou 3º grau. etc. 1994. como também no status profissional. 1994. p. recentemente surgiram várias críticas sobre esta “divisão do trabalho”. demonstrando de que forma a interpretação sobre o passado foi construída pelo historiador. cruzamento de informações. a problematização. ano 4. As críticas assentaram-se na ideia de que o conhecimento se constituicomo um processo e não um dado pronto. compete a produção do conhecimento histórico (ou seja. é o espaço do chamado “discurso competente”. 20). tendo como foco a interlocução. Segundo o objeto que se coloca para ser conhecido. acabado e definitivo. Apontar procedimentos. a “oficina de Clio” passou a ser incorporada. Em que pese à vigência dessa situação. encontra-se estruturado de tal forma que à universidade. Ressaltar os desdobramentos do ofício do historiador no trabalho do professor em sala de aula. cabia ao professor (tanto da educação básica como do ensino superior) identificar e discutir os elementos presentes no processo de construção do conhecimento. Esta divisão acabou produzindo não somente uma hierarquia na relação com o conhecimento. em especial na formação do pesquisador (visão de mundo. p. o diálogo. 2003. 5 Com efeito. tornou-se importante no processo do ensino de história. tratamento e confronto das fontes para a compreensão e explicação do objeto de estudo. etc. etc. n. . lugar social que ocupa. tendência teórico-metodológica adotada. conduzido pelo professor. Historien (Petrolina). regras e perspectivas presentes na produção do conhecimento histórico. como os das outras disciplinas. Neste sentido. (CABRINI.Luciano Everton Costa Teles O ensino de história. p. 5Dois elementos se destacam no processo de construção do conhecimento. situação vivenciada ainda hoje. bem como a preocupação com montagem do tema. 19-20). 112).).) e nas possibilidades de exploração do objeto (acesso. Jul/Dez 2013: 143-157. outros fatores estão presentes nesse processo. salarial. no início do século XXI. Da relação desses dois elementos emerge o conhecimento. enquanto às escolas de 1º e 2º graus cabe a sua reprodução (CABRINI. Não obstante. . 9. o professor da educação básica. Assim. finalmente.6 tem possibilidades de caminhar num processo de Por imposição entende-se a construção e definição do papel social e profissional atribuído aos professores da rede básica de ensino (responsáveis pelo ensino. configurou-se como salutar. no sentido de transmissão do conhecimento) e aos professores de nível superior (responsáveis pela produção do conhecimento). o que evidencia uma dinâmica. apontando que os professores de história inseridos no âmbito da educação básica podem trabalhar de forma articulada o ensino e a produção de conhecimento. Isto porque o processo de produção do conhecimento no espaço escolar envolve um conjunto de relações complexas onde alunos e professores articulam experiências. Portanto. Sobre esta questão Idanir Ecco (2007. potencializadora de intervenções sociais. a articulação entre conhecimento e realidade social pode promover ações e comportamentos no sentido da promoção de mudanças sociais. 6 146 Historien (Petrolina). buscando visualizar como a história. nesse processo. vivências. p. Além disso. n. Jul/Dez 2013: 143-157. Em outras palavras: o professor de história precisa ser alguém que entenda de história. Com efeito. E trabalhar História na perspectiva da produção do conhecimento requer atividades de pesquisa. dominar e encaminhar os passos da produção do conhecimento histórico. foi produzida. 2º ou 3º graus) nesses mesmos caminhos da produção. p. É preciso garantir que o professor de história seja alguém que domine o processo de produção do conhecimento histórico. interesses.. não no sentido de que saiba tudo o que aconteceu com a humanidade. atualmente tornou-se essencial romper com aquela “divisão do trabalho” mencionada acima..O jornal como suporte documental. que seja alguém que saiba se relacionar com o saber histórico já produzido e que. de investigação. 1994. 137) destaque que: a contemplação de uma aprendizagem significativa requer uma metodologia participativa. ano 4. mas que saiba como a história é produzida e que consiga ter uma visão crítica do trabalho histórico existente(CABRINI. seja alguém capaz de encaminhar seus alunos (sejam eles do 1º. 23). enquanto conhecimento. prática esta possível de implementação entre alunos e professores dos Ensinos Fundamental e Médio. valores e expectativas diferenciadas. ao contrário do que foi “imposto” no passado. 9. tão ardorosamente desejada no interior da disciplina histórica. observadas e exploradas. na década de 1970 após a superação de antigas posturas que marcaram a prática historiográfica. ano 4. enaltecendo a objetividade do fato jornalístico e esboçando uma tendência a utilizá-la como relato fidedigno da realidade. 1988). foi lentamente se constituindo a ideia de “fato verdade”. supostamente a espera do historiador para serem compiladas. a fim de não comprometer. ainda de forma tímida e lenta. extraído e materializado em artigos presentes nas colunas jornalísticas. com o uso desse registro. No extremo oposto. OS JORNAIS NA PESQUISA HISTÓRICA A utilização da imprensa periódica como fonte para a pesquisa histórica brasileira ganhou terreno. por não serem oficialescas – na medida em que não eram documentos comprovadamente produzidos por agentes do governo – eram relegados a um plano secundário. . que elegia a imprensa como “templo dos fatos”. Jul/Dez 2013: 143-157. Num momento de reavaliação do tratamento Historien (Petrolina). a pretensa objetividade. a imprensa periódica despertava desconfiança nos historiadores. n. tem-se como exemplo a utilização de jornal como suporte documental e/ou recurso didático para a produção do conhecimento histórico. fonte imparcial e neutra dos acontecimentos (CAPELATO.Luciano Everton Costa Teles ensino/aprendizagem que tenha como foco a articulação entre ensino e produção de conhecimentos. notadamente as noções de “fonte suspeita” e “repertório da verdade”. Entretanto. Para demonstrar essa possibilidade. Os diversos temas tratados e as inúmeras informações veiculadas. a imprensa periódica foi sendo vista de forma diferente. as informações contidas na imprensa periódica representavam um recorte in loco da realidade. No final da década de 1970 e início de 1980. Com relação à primeira postura. Neste sentido. para aqueles que insistiam em utilizá-la era necessário redobrar a atenção. ano 4. mas a construção deste fato.O jornal como suporte documental. a adoção de uma postura cautelosa e crítica no trato com a imprensa tornou-se referência obrigatória para os pesquisadores.. uma vez que deu à imprensa um lugar de destaque nos estudos históricos. Desta forma. Portanto. a tarefa preliminar de identificar os elementos construtores do fato se tornou central na construção historiográfica. 1985. A partir deste momento. Esta questão trouxe consigo a necessidade de estabelecer os principais traços característicos dos órgãos de imprensa a serem investigados (ZICMAN. inversamente. Era preciso indagar ainda sobre o modo como os jornais constituíram formas de olhar e narrar os eventos e de fixar uma versão entre outras possíveis. a imprensa periódica passou a ser tomada como espaço de representação de inúmeros aspectos da realidade. tal como sustenta Maria Helena Rolim Capelato (1988. melhor compreender a lógica de seus discursos e a emergência de projetos de intervenção social e política que. Este processo foi importante. . Zicman lembrava que. atentou-se que no processo de construção do fato jornalístico os elementos subjetivos e os interesses do jornal interferiam decisivamente. p. permitindo estabelecer questões que procuravam elucidar não o fato jornalístico em si. era necessário atentar para o eixo norteador de sua ação – o campo político e ideológico. n. uma vez que possibilitava identificar e localizar a imprensa socialmente e. 91-92). Era preciso identificar o “lugar social de onde o jornal falava” (VIEIRA. ela buscava encobrir. assim. 1989). para os que resolviam tomá-la como fonte de estudo historiográfico. 9. p. Com efeito. O periódico.. por vezes. 148 Historien (Petrolina). antes considerado fonte suspeita e de pouca importância. a imprensa possibilita ao historiador acompanhar o percurso dos homens através dos tempos. dispensado pelo historiador às fontes históricas. a atenção voltou-se para os elementos constitutivos da construção dos textos jornalísticos. como “repertório da verdade”. 13): Manancial dos mais férteis para o conhecimento do passado. já é reconhecido como material de pesquisa valioso para o estudo de uma época. Jul/Dez 2013: 143-157. Esta posição foi sendo difundida e acabou influenciando os historiadores que caminharam no sentido de romper com a postura que via a imprensa como “fonte suspeita” ou. p. Marialva Barbosa (2004. manifestações culturais e políticas. Os trabalhos desenvolvidos por estes profissionais consistiam na realização de levantamentos de jornais e abordagens descritivas sobre os mesmos. Ancorado em um modelo marxista que atrelava a dimensão cultural ao nível da infraestrutura – aquela era reflexo desta –. obra de vulto que refletiu sobre a dinâmica e evolução dos órgãos de Imprensa e analisou suas características em diversas conjunturas. p. Sobre esta perspectiva.Luciano Everton Costa Teles Como fonte histórica. Em 1966 surgiu a História da Imprensa no Brasil. notadamente as lutas. ano 4. Francisco Foot Hardman (1983). dentre outros. 03) alega que “escrever a história da imprensa não é. 1). a imprensa configurou-se como um “manancial dos mais férteis” para a reconstrução e elucidação do passado. por exemplo. nomes e mais nomes. Esta dimensão pode ser percebida logo no início do livro quando afirmou que “a história da imprensa é a própria história do desenvolvimento da sociedade capitalista” (SODRÉ. com destaque para Alfredo de Carvalho e Afonso de Freitas. os compromissos e os interesses de diversos setores que compõem a sociedade. os estudos nos remetem. 9. Sidney Chalhoub (1991). Deste modo. Neste caso. as obras de Maria Auxiliadora Guzzo Decca (1997). a tentativa de construção de uma História da Imprensa no Brasil não se restringiu a este primeiro momento. num primeiro momento. a nível nacional e dentro da seara da História do Trabalho. nem destacar os personagens que se tornaram singulares na construção engendrada no passado para o futuro”. a imprensa também foi tomada como objeto de estudo. Por outro lado. Sodré via imprensa como um “aparelho ideológico do estado”. tornouse possível recuperar dimensões sociais importantes. 1999. Com efeito. os ideais. n. Historien (Petrolina). aos Institutos Históricos e Geográficos espalhados pelas regiões do país e aos intelectuais ligados a estas instituições. . factual e cronológica. certamente. A imprensa possibilitou um melhor conhecimento das sociedades no nível de suas condições de vida. dentre outros aspectos. Ângela de Castro Gomes (1988). Desta forma. a imprensa era vista por uma perspectiva descritiva. alinhar fatos e datas. Jul/Dez 2013: 143-157. vários trabalhos emergiram como. Por meio dela. os estudos que tomaram a imprensa enquanto objeto de investigação. O autor estabelece também a divisão cronológica realizada por Sodré e Bahia. Nesta linha. 7 Cabe mencionar que os estudos menores e mais regionalizados não ficaram de fora. Enquanto aquele optou por uma divisão que acompanha a periodização tradicional da historiografia brasileira (Imprensa Colonial. subdividindo esta em dois capítulos: a grande Imprensa e a crise da Imprensa brasileira).. 9. mas também inquirir essa historicidade em articulação com os processos de incorporação de novas tecnologias e linguagens. este a divide em três grandes períodos. p. Na segunda. por outro viés. a obra de Ignotus (1883). Assim pois. com a ortodoxia que lhe é peculiar. 7 150 Historien (Petrolina). p. factual. n. Geraldo Pinheiro (1993/94. a imprensa era encarada de forma descritiva. ano 4. “Fase de Consolidação” (1880 – 1930) e “Fase Moderna” (1930 – 1960). Jul/Dez 2013: 143-157. 198) assim se posicionou: não obstante a grande contribuição que estes trabalhos trouxeram ao debate contemporâneo. o jornal era visto como “aparelho ideológico do estado”. Idem. Considerando as obras que buscavam analisar globalmente a História da Imprensa do Brasil. o que acabou gerando um empobrecimento analítico resultante do determinismo econômico. Juarez Bahia (1990) procurou discutir não só um sentido geral na história da imprensa brasileira.. ora em plano global ora em plano regional.O jornal como suporte documental. e Luiz do Nascimento (1972). Precedendo a obra de Sodré. caminharam em duas vertentes. . enquanto Nelson Werneck Sodré. Hélio Viana e Juarez Bahia estão fortemente marcados por perspectivas positivistas. Além de Bahia. Imprensa do Brasil Império e da República. cronológica e preocupada em fazer levantamentos de documentação sobre jornais (catálogos e listagens). chamando-os de “Etapa Inicial” (1808 – 1880). esta não foi a única obra que procurava construir. são exemplares. Imprensa da Independência. Na primeira. 197-198). Porém. Esta perspectiva acabou apresentando um baixo teor explicativo. que abordou a imprensa no Maranhão entre 1820 e 1880. Desta forma. Carlos Rizzini (1988) e Hélio Viana (S/D) também desenvolveram estudos sobre os órgãos de imprensa em perspectiva global. uma História da Imprensa no Brasil. a partir da segunda metade do século XIX até meados da década de 1970. (1993/94. o qual focalizou a imprensa em Pernambuco. eles carregam limitações de suas época. Carlos Rizzini. . no processo de ensino/aprendizagem o jornal pode ser utilizado em dois sentidos: como suporte documental (objeto/fonte de estudo) e como recurso didático. a noção de imprensa enquanto “prática social que compunha o tecido social urbano” se difundiu e contribuiu para a emergência de trabalhos relevantes. principalmente. linguagens. para que emerjam dessa produção de sentidos. Compreender a imprensa como instrumento de intervenção na vida social em que seu estudo pode se dar como objeto/fonte. Com efeito. Jul/Dez 2013: 143-157. 9.o jornal pode ser explorado para demonstrar como o historiador o utiliza no processo de construção do conhecimento. a recuperação histórica da constituição da imprensa. p. sujeitos dotados de consciência determinada na prática social (GONÇALVES. pois acabou articulando duas dimensões que potencializaram a produção do conhecimento histórico por meio de um diálogo em que a imprensa periódica tornou-se o foco dos estudos. que surgiram por meio de aspectos presentes na realidade do cotidiano do local onde o periódico circula e que acabam alimentando a produção de ideias e sentidos. Cabe destacar que atualmente a tendência encaminha-se em tomar a imprensa periódica como objeto e fonte de estudos concomitantemente. uma vez que desaparece a categoria imprensa na forma abstrata para dar lugar ao movimento vivo das idéias. No primeiro caso. 2001. 09). destacando a relação deste com o documento e revelando as formas de abordá-lo no sentido de Historien (Petrolina). bem como as informações contidas nos artigos veiculados. com destaque para o trabalho de Heloisa de Farias Cruz (2000) que buscou refletir sobre as relações entre cultura letrada. Esta perspectiva apresentou-se profícua.Luciano Everton Costa Teles Nas décadas subsequentes. apresentam-se como fundamental e rica para a construção do saber historiográfico. suas tecnologias. ano 4. protagonistas e. USANDO O JORNAL CONHECIMENTO PARA ARTICULAR ENSINO E PRODUÇÃO DE Com efeito. como resultado da operação histórica. dinâmicas e transformações ao longo do tempo. periodismo e vida urbana no processo inicial de formação da metrópole paulistana. n. documentos significativos para publicação.. extrair informações sobre aspectos do passado que irão compor uma interpretação específica. problematização. 9Na mesma linha de divulgação e democratização do acesso aos documentos históricos. ano 4. processos judiciais. jornais os mais variados. n.. 1994. o professor da educação básica. Imagem 1: Jornal Gutenberg Fonte: Acervo do Laboratório de História da Imprensa no Amazonas – LHIA/UFAM 8Ultimamente. no interior dos acervos.) sobre essa realidade e à compreensãoda forma como esse conhecimento foi construído (CABRINI. 9. questões como definição do tema. os alunos fizeram algum trabalho de reflexão que os leve à produção do conhecimento (. ao buscar os jornais nos acervos da cidade. no campo da História. seleção de informações. os historiadores canalizaram esforços no sentido de buscar. 152 Historien (Petrolina). etc..O jornal como suporte documental. nas publicações de fac-símiles 8 ou em sites específicos. como por exemplo. Pode-se citar como exemplo o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) que em seu site disponibiliza documentos do século XIX ao XXI. reflitam sobre ele. solicitando que os alunos. produzindo desta forma conhecimento. Neste contexto. 30). p. Assim.9 poderá traçar uma atividade explorando-o como “passaporte” para adentrar numa época especifica. Jul/Dez 2013: 143-157. por meio de problematizações. compreensão e explicação acabam sendo elementos fundantes nesse processo. Traduzindo: a partir de elementos levantados para o exame de uma determinada realidade histórica. explicando-a por meio das informações contidas no jornal. várias instituições disponibilizaram em sites na internet documentos que podem ser baixados. . relatos de viajantes. num processo de divulgação e democratização do acesso aos mesmos. vários documentos foram recuperados e publicados. Nesta esteira.. Jul/Dez 2013: 143-157. Também pode ser usado para compor um material específico. construído pelo professor para explicar um determinado conteúdo. Neste caso. Em determinadas situações. Portanto. “a produção de materiais pelos professores é a melhor forma de atender a especificidade de determinado conteúdo” (PORTAL DO PROFESSOR.Luciano Everton Costa Teles Por outro lado. p. ano 4. o jornal pode ser utilizado como recurso didático. 9. . o jornal pode ser explorado também nesta perspectiva. n. Historien (Petrolina). 4). ele se configurará como um instrumento mediador dos temas e das explanações estabelecidas pelo professor e direcionadas aos alunos. 9.O jornal como suporte documental. Cabe destacar que os jornais mais recentes.. caracterizam-se como primordiais para discussão e produção de reflexão sobre questões do presente. ano 4. promovendo uma visão crítica.. incluindo aí os atuais. Jul/Dez 2013: 143-157. o jornal utilizado tanto na perspectiva de suporte documental como de recurso didático constitui-se como instrumento capaz de promover a 154 Historien (Petrolina). n. Imagem 2: Jornal O Solimões Fonte: Biblioteca do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) Com efeito. . de certa forma. fomentando uma compreensão da realidade mais atual e. segundo a qual cabia aos professores de nível superior a produção do conhecimento e aos professores da educação básica apenas. inserindo o professor e o aluno nesse processo. cuja perspectiva se assenta na articulação entre transmissão e produção de conhecimentos. a transmissão do mesmo. Por meio do domínio acerca da produção do conhecimento histórico e da capacidade em traduzir esse processo para os alunos. 9. como mencionando na citação acima. buscou-se romper com a “divisão do trabalho” docente. de obras de arte.Luciano Everton Costa Teles articulação entre ensino e produção de conhecimento na educação básica. Historien (Petrolina). dos espaços da cidade. não se restringe somente aos jornais. Com isso. a exploração do patrimônio histórico. tornar-se pesquisadores nas suas localidades. buscando informações. Trata-se de possibilitar aos alunos. n. juntamente com seus professores. etc. de jornais de época. os alunos do ensino fundamental e médio podem. construindo o conhecimento histórico a partir da investigação da memória de seus familiares. REFERÊNCIAS 10Além do resgate da história local. dos museus. via história oral. Com efeito. .. quando possível a manipulação direta do objeto de estudo (DIEHL. 2002. Jul/Dez 2013: 143-157. destacando que é extremamente possível que o professor da rede básica de ensino paute sua atuação profissional nesses termos. . p.. a proposta de aliar transmissão e produção do conhecimento por meio da exploração de jornais dificilmente se tornará traumática. a utilização de jornais como instrumento para a produção do conhecimento se insere num movimento maior de fomentar “a manipulação direta do objeto de estudo” por parte dos professores e dos alunos da educação básica e. de patrimônios históricos. 227) (Grifo nosso). 10 CONSIDERAÇÕES FINAIS Observou-se que a utilização do jornal como suporte documental e/ou recurso didático pode promover um processo de ensino/aprendizagem inovador. ano 4. Os Donos do Rio: Imprensa. CAPELATO. DECCA. BAHIA. GONÇALVES. DIEHL. 1990. O livro didático e o currículo de história em transição. Ensino de História: conteúdos e conceitos básicos. Adelaide e BRUNO. 8. CHALHOUB. José Ribamar Bessa (coord. 1997. Trabalho. Juarez. n. Jul/Dez 2013: 143-157. 1988. São Paulo: Brasiliense. jun/2007. 1920-1934. Antônio (org. 1988. Manaus: Editora Calderaro. Passo Fundo: UPF. Idanir. São Paulo. Maria de Nazareth. CIAMPI. CABRINI. práticas e propostas. FERREIRA. 2001./2003. Jornal. GOMES. O Trabalhador Gráfico – Edição fac-similar. Rio de Janeiro: Vício de Leitura. BEZERRA. 2000. Conceição et al.O jornal como suporte documental. 9. . Holien Gonçalves. ano 4. São Paulo. GONÇALVES. n. 10. O processo do conhecimento/pesquisa no ensino de história. 9. O ensino de história: revisão urgente. Maria Auxiliadora Guzzo. Ângela de Castro. História e Técnica: história da imprensa brasileira. 2002. Vol. São Paulo: Contexto/Edusp. Helenice. 2000. FREIRE. Cia das Letras. Allyson (orgs). Adelaide (org). p. ECCO. Imprensa e História do Brasil. Heloisa de Faria. Ática. p.). 156 Historien (Petrolina). out.São Paulo: Contexto. Poder e Público. São Paulo: Ática. Cem Anos de Imprensa no Amazonas (1851-1950). BARBOSA. 1890-1915. 1990. Fortaleza: UFC. O ensino de História: evidências e tendências atuais. Leandro (org. Lar e Botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. 2004. São Paulo em Papel e Tinta: periodismo e vida urbana. Vol. 1994. Revista Ciências Humanas. Ceará Socialista – Anno 1919. 1988. São Paulo: Uduc/Fapesp. CRUZ. Imprensa Operária no Brasil. 109-132. A Vida Fora das Fábricas: cotidiano operário em São Paulo. 2002. In: KARNAL. 1991.). 123-141. Marialva. História na sala de aula: conceitos. História e Ensino. A Invenção do Trabalhismo. Sidney.. Florianópolis: Insular. São Paulo: Vértice. Maria Helena Rolim. Rio de Janeiro: Paz e Terra..). São Paulo. n. n. . PINHEIRO. Recife: Editora Universitária de Recife. FranciscoFoot. Amazônia em Cadernos. SODRÉ. Nem Patrão! Vida operária e cultura anarquista no Brasil. 4. Folhas do Norte: Letramento e Periodismo no Amazonas (1880-1920) Tese de Doutorado em História. 1972. História da Imprensa no Brasil. NASCIMENTO. O Livro. Maria do Pillar et al. 1989. 1500-1822. São Paulo. A Pesquisa em História. PUC-SP. 1985. 195-206. Manaus. IGNOTUS. Projeto História. n 2/3. 89-102. Nem Pátria. A Imprensa no Maranhão. Nelson Werneck. Rio de Janeiro: Editora Faro & Lino. Universidade do Amazonas. 1883. 1999. Carlos. ZICMAN. São Paulo: Brasiliense. VIEIRA. p. Reneé Barata. p. o Jornal e a Tipografia no Brasil. Luiz do. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado. Maria Luiza Ugarte. RIZZINI. 1988. Historien (Petrolina). Geraldo Sá Peixoto. São Paulo: Ática. 2001. ano 4. Rio de Janeiro: Mauad. PINHEIRO. História da Imprensa de Pernambuco (1821-1954). “Imprensa e Modernidade: relato de pesquisa em curso”. 1820-1880. Jul/Dez 2013: 143-157. 9. 1993/4. História Através da Imprensa: algumas considerações metodológicas. Educ. 1983.Luciano Everton Costa Teles HARDMAN. INTRODUÇÃO 1 Recebido em 02/10/2013. Palabras-chave: Historia local. que después de la institucionalización (obligación) de la enseñanza de historia local en la red municipal de enseñanza de la ciudad regida por la Ley nº 283/2009. Conclui-se. . rompen con los principios que orientan el acto de pensarse y enseñar historia que se proponen la construcción de conocimiento crítico pensativo. com predominância do autor Aldo Torquato da Silva com três livros publicados e aproximadamente 3 mil obras em circulação. con predominancia del autor Aldo Torquato de Silva con tres libros publicados y aproximadamente 3 mil obras en circulación. verdadeiros manuais sobre a história da cidade. Palavras-chave: Historia local. que após a institucionalização (obrigatoriedade) do ensino de historia local na rede municipal de ensino da cidade regida pela Lei nº 283/2009. Resumo: El presente trabajo tuvo por objetivo discutir como la historia de la ciudad de João Cámara viene siendo presentada en la sociedad camaraense. sendo entendidas como verdades absolutas. nas escolas. as escritas memorialistas. E-mail: ipm88641702@hotmail. Aprovado em 15/11/2013. toman como base para la construcción de los discursos. ensino. entonces. 9. então. las escrituras escritores de memorias. que possibilitaria a compreensão e intervenção do individuo na sociedade.A MANIPULAÇÃO DOS SABERES NA CONSTRUÇÃO DE UMA HISTÓRIA LOCAL1 Iranilson Pereira de Melo2 Resumo: O presente trabalho teve por objetivo discutir como a historia da cidade de João Câmara vem sendo apresentada na sociedade camaraense. memorialista. que a utilização destes livros sem que haja uma problematização do seu conteúdo. tomam como base para a construção dos discursos. rompem com os princípios que norteiam o ato de se pensar e ensinar história que se propõem a construção de conhecimento crítico reflexivo. siendo entendidas como verdades absolutas. verdaderos manuales sobre la historia de la ciudad. nas esquinas. y principalmente. ano 4. Graduado em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. que la utilización de estos libros sin que haya una problemática de su contenido. que posibilitaría la comprensión e intervención de la persona en la sociedad. e principalmente. seja ela no legislativo. Núcleo Avançado de Ensino Superior de João Câmara. sea ella en el legislativo. en las escuelas.com 2 Historien (Petrolina). n. enseñanza. Se concluye. Jul/Dez 2013: 158-169. escritores de memorias. em las calles. verdadeiras “bíblias” sobre a cidade: São os livros “Baixa-Verde: Fatos. “História De Um Homem (João Severiano da Câmara)” (1954) – Autor: “Câmara Cascudo -. . apresentando grandes fatos. e “Baixa-Verde – outras histórias”. ano 4. o autor busca mostrar. os fatos ocorridos na história da cidade. tomados como manuais. Na segunda parte ele busca apresentar histórias que eram contadas. as histórias de assombração que eram contadas e aterroriza as suas noites e dos seus parentes quando crianças. n.Iranilson Pereira de Melo As discussões sobre o local. Causos e Coisas” (2004) “Baixa-Verde Raízes de nossa história” (2009). Ele usa o termo “fato” para dar certa consistência e credibilidade a sua fala quando o texto trata de assuntos como a fundação da cidade Baixa-Verde. Quando se trata de história local sobre a cidade de João Câmara. sejam elas engraçadas. “Baixa-Verde: fatos.. a principal fonte são os livros do escritor Aldo Torquato. por último. “um espelho de uma história tradicional” de meados do século passado. de forma pretensiosa. Aldo Torquato também apresenta nomes de significância na cidade. Causos e Coisas”. “Um Historien (Petrolina). “BaixaVerde: Retalhos da sua História” (1990) – Autor: Paulo Pereira Dos Santos. Vertentes (Memórias)”(1976) – Autor: João Maria Furtado. obras como: “Baixa-Verde: fatos. a conquista da primeira moto. apresentando pouco rigor cientifico levando em consideração que seus principais escritores fazem parte de famílias influentes da cidade. Jul/Dez 2013: 158-169. e fortes nomes políticos. “BaixaVerde: Ontem. em seu terceiro capitulo intitulado “Coisas”. ascendem em produções principalmente memorialistas exaltando grandes nomes. buscando o cerne da história da cidade. fotos etc. causos e coisas” (2004) – Autor: Aldo Torquato –. e. o autor destina este espaço para apresentar momentos vividos por ele em diversos momentos da sua vida. famílias. Em seu primeiro livro. entre outras histórias. em um primeiro momento. Hoje e Amanhã” (2002) – Autor: Paulo Alexandre Da Silva. Já em seu segundo livro ele busca compilar. 9. como em outras cidades. como os relatos do Chico da Bomba.. como: as brincadeiras do seu tempo de criança. ou ainda políticos com mandatos no poder legislativos na cidade no presente ou no passado. na cidade de João Câmara. para assim. está abarcando além das aulas. cria a “Lei nº 283 de junho de 2009. de modo. permitir a construção de um conhecimento mais prazeroso para o alunado.. A cidade de João Câmara. estando correlata a disciplina de História do Rio Grande do Norte. deixando claro que será apresentado um ponto de vista sobre a história de João Câmara. MATERIAIS E MÉTODOS 160 Historien (Petrolina). que estabelece a obrigatoriedade do Ensino de História do Município na rede municipal de ensino e das outras províncias”. bem como a “isenção” no papel como escritor. e posteriormente. poema. É importante apontar que este “ensino de História Local” se dá dentro da prerrogativa. Para tanto. medidas preventivas no tocante aos abalos sísmicos do Município de João Câmara” (MELO. objetivou-se com o presente estudo compreender as intencionalidades que envolvem a institucionalização da lei. ele busca apresentar certo rigor à sua escrita. quando diz que “A tarefa de aprofundamento dos temas tratados neste livro é o desafio que proponho aos historiadores. o autor demonstra explicitamente sua presença dentro da história local. “Páginas Do Tempo”( 2005) – Autor: Paulo Pereira Dos Santos. vídeos na busca para entendermos os abalos sísmicos ocorridos em 1986 na cidade de João Câmara. Contudo. Em seu terceiro livro. sob o projeto de Lei nº 01 “[que] tem como princípio anexar um parágrafo ao artigo 2º da Lei municipal nº 283 de junho de 2009. a refletir sobre incorporação de novos recursos (didáticos e paradidáticos) que possibilitem o estudo da história local. no decorrer do livro. agora. pesquisadores e curiosos presentes e futuros”. 2013). 9. n.A manipulação dos saberes. não distante de outros municípios visando perpetuar sua história. (TORQUATO. em 03 de março de 2010. Homem Admirável” (1997) – Autor: Paulo Pereira Dos Santos. O presente trabalho traz como tema: “A manipulação dos saberes na construção de uma história local”. segundo a qual. e percebendo que a escola seria o melhor espaço de (re)produzir estas acepções. bem como nomes.. ano 4. tais como: o jornal. Jul/Dez 2013: 158-169. deve ser destinado no mínimo de 10 horas/aulas por ano para esta discussão. permitindo a estes discentes sentirem-se participantes na construção da historia da sua cidade. . datas etc. 2012: 17). 9. os tipos de discurso que aceita e faz funcionar como verdadeiros. ... possibilitando a construção de um estudo que forneça recursos para se pensar a historia local partindo do principio do que esta sendo imposto como verdades na cidade de João Câmara. os meios pelo qual cada um deles é sancionado. n. se assemelham aos discursos produzidos pelos memorialistas. reafirmado pela sociedade. o status daqueles que estão encarregados de dizer o que conta como verdadeiro. como verdade. como nos apresenta Foucault: Cada sociedade tem seu regime de verdade. 1979) Não é objetivo desse trabalho “dizer” que o modo como se vem produzindo/contando a “história” na cidade João Câmara é falsa ou mentirosa. (FOUCAULT. ano 4. em consonância a estruturação de meios que problematizem este espaço. nas esquinas e ainda nas escolas. tentando desvendar sua ordem utilizando de leitura de teóricos e de memorialistas para a problematização do conhecimento que vem sendo inseridos em sala de aula. tidos. dizer que essa história (re)produzida é passível de ser estudada. pelo fato de muitas vezes esses discursos reproduzidos serem constantemente repetidos sem ser realizada uma análise. sua “política geral” de verdade. Jul/Dez 2013: 158-169. um discurso predominante. isto é. gerando certas inquietações.Iranilson Pereira de Melo O presente trabalho tem como proposta para o seu desenvolvimento o método comparativo/analítico. pelo poder legislativo. ou seja. assim. (re)pensada. Almeida (2010) nos faz pensar esses aspectos quanto em seu Historien (Petrolina). por seus comportamento e valores que geram um aprisionamento do indivíduo. mas sim. RESULTADOS E DISCUSSÕES Os discursos reproduzidos pela população baixaverdense/camaraense. e problematizada. imutável às anuências do tempo e espaço.. seja uma fonte para o desenvolvimento do meio no ato de se ensinar a historia da cidade. as técnicas e procedimentos valorizados na aquisição da verdade. pois não apenas comparamos os discursos como também procedemos a sua analise. e ainda. 2002: 62). Certeau argumenta que “Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção socioeconômico. a episte e o lugar. estes não conseguem condensar as características cientificistas necessárias para academia.]” (ALMEIDA. Isto se dá como a própria autora apresenta. a partir da definição de uma temática. arquivos.. texto ela diz sobre a produção de conhecimento cientifico e sua complexibilidade: “[. Sendo populares influentes (advogados. consolidado como verdade imutável. ano 4. o rigor não poderá ser outra coisa senão um modo de falar do fenômeno que se caracteriza pela mutabilidade e abertura [. Podemos entender. Jul/Dez 2013: 158-169.. médicos. Ou seja.. dinâmicos e em grande parte imprevisíveis. n.. então. para a construção de uma “nova” história. percebemos que as produções acadêmicas utilizam-se como base para o seu desenvolvimento as fontes. . políticos) os principais escritores locais. pois. 2010: 33). que a utilização de fontes. para posterior concretização e construção da escrita. “uma prática” (a utilização de arquivos e das fontes e posterior analise) e “uma escrita” (sistematização do conhecimento). deixará explicito ou implícito em seu texto. ainda que apenas para aquele momento. o autor faz um recorte que possibilitará na sua escrita apresentar questões relativas às aproximações e distanciamentos que ele. os historiadores dão maior atenção a histórias macro.. 9. tais como: jornal. expondo versões e visões até então não pensadas. A construção escrita de história local geralmente é apresentada por memorialistas. contudo. utilizando os diversos lugares. e abrindo uma série de problematizações possíveis para um mesmo fato. costumeiramente. sob uma metáfora – “a historia contada é apenas a parte visível de um imenso iceberg” (ALMEIDA. monumentos. buscando no e do historiador a imparcialidade. dialogando entre si. 2010). Assim. juntamente com o dialogo com outras ciências/disciplinas e a utilização rigor teórico-metodológico respaldado cientificamente possibilitaria novas (re)interpretação de um dado fato. sobre questionamentos coerentes que poderão auxiliar na compreensão e posterior disseminação do trabalho historiográfico pronto. Este conjunto de fatores permite construir e discutir a história. político e cultural” (CERTEAU. Nesta perspectiva. 162 Historien (Petrolina).] longe do equilíbrio..A manipulação dos saberes. bem como o seu “lugar social” (posicionamento na sociedade). como autor. porém os novos habitantes preferiram denominá-lo de Baixa-Verde. O escritor/memorialista em sua escrita discorre e expõem todos os seus desejos e anseios. n. pois o então redator da Lei nº 283/09. problematizando-as. os habitantes de Assunção chamavam o lugar onde a estrada de ferro se instalara simplesmente de Matas. o Sr. contemplando histórias negadas. um verdadeiro jogo de interesses. Desse modo. Em parte. Antônio Proença oficializar o nome Baixa-Verde apondo-o na fachada da Estação Ferroviária que construíra. causos e coisas” e inserido no livro “Baixa-Verde Raízes de nossa história”. Ainda que a história local apresentada na cidade de João Câmara consiga apresentar questões locais. . fatos significativos para a comunidade. político) defende sua memória. Aldo Torquato. Jul/Dez 2013: 158-169. presidente da Câmara (no período de aprovação da lei). buscando compor uma identidade camaraense unificada. mesmo nas épocas de secas mais intensas. escritor de 3 obras memorialistas sobre a cidade de João Câmara. ex-prefeito. tais como: Como já tive a oportunidade de mencionar anteriormente. o autor da lei (escritor. É notória tal afirmação em certas passagens do seu texto. rompendo com princípios norteadores da prática do ensino de história. institui aos professores a obrigatoriedade de se destinar no mínimo de 10 horas/aulas por ano para a discussão local. por situar-se em uma região de baixo relevo e solo arenoso. coberto por uma gramínea sempre verde. Na chamada Historien (Petrolina). Esse texto foi extraído do seu primeiro livro. mostrando a sua vida de modo que o leitor chega a confundir a vida do autor com a história da cidade. ano 4. 9. histórias que são deixadas de lado que deixam aparecer figuras populares.Iranilson Pereira de Melo Contudo. como os primeiros capítulos. vereador com 5 mandatos no Legislativo. “Baixa-Verde fatos. notou-se na cidade de João Câmara. contando histórias sempre dominantes à sua vivência. a inserção do conteúdo local nas escolas municipais de forma obrigatória pretende apresentar questões deixadas de lado pelos grandes recortes adotados nos livros didáticos. partindo muitas vezes do “EU” (Aldo Torquato). em que os títulos publicados por Aldo Torquato são as principais fontes de estudos sobre João Câmara. Coube ao Dr. na realidade. existe. que na busca da disseminação da história da cidade institui a obrigatoriedade do Ensino de história local. de sua vivência na construção dos seus livros. há alguns anos falecido em Natal. Abdon Torquato. que usa de dois textos em forma literária para apresentar a sua história e a história da cidade. joguei “peladas” inesquecíveis. que se fez músico. até os vinte e cinco anos. o compartilhamento que vai para além do indivíduo compõe um ambiente de comunhão de saberes internalizados pelos indivíduos. Não diferente do seu terceiro livro. entre os anos de 1915 e 1920. desenvolvidas e disseminadas em João Câmara são (re)afirmadas pela repetição nos diversos meios 3“Ela é a consciência de pertencer a uma cadeia de gerações sucessivas das quai s o grupo ou o indivíduo se sente mais ou menos herdeiro”. que objetivam um sentimento de pertença ao local. 9. nas diversas camadas da sociedade (re)afirmando um molde estruturante da mesma. onde “são mascarados os defeitos e enaltecidas as qualidades” (HALBWACHS. 2006: 106). Por tanto. 2012: 142) 164 Historien (Petrolina). ano 4. onde ainda moram sua esposa e seus filhos. (CANDAU.. (TORQUATO. para o coletivo. buscando instituir sua vivência. ainda que este local não exista fisicamente. “graminha”. 2006: 143). E segue em seu texto fazendo em certos momentos menção a ele (Aldo) e sua família. n. a sua memória. . (TORQUATO.A manipulação dos saberes. Esta se apresenta de forma implícita. Pedro Torquato. Retalhos do Caminhar de uma família nordestina. onde Halbwachs reflete: “toda memória coletiva tem como suporte um grupo limitado no tempo e no espaço” (HALBWACHS. no capítulo Na Fazenda de Santa Rosa e no capitulo seguinte. Jul/Dez 2013: 158-169.. chegaram a BaixaVerde. 2009) (grifo do autor). entre tantos outros desbravadores. Estas relações de pertença que são impostas. vindo da região conhecida como beira-do-rio e Antônio Justino de Souza. Estruturante por que esta memória se consolida como verdade “indiscutível” e genealógica3. ou explicitamente. Gumercindo foi amigo de infância de meu pai. meu avô. 2009) (grifo do autor). No parágrafo seguinte mostra a presença de sua família desde os “primórdios” (título dado pelo autor ao capítulo) da cidade: Pouco depois da chegada da estrada de ferro. Foi também por aquele tempo que nasceu no lugar um menino a quem os pais deram o nome de Gumercindo Saraiva. comerciante e folclorista. ] A memória instala a lembrança de um grupo que une. ano 4. [. vulnerável a todos os usos e manipulações. como já citado anteriormente. “Baixa-Verde Raízes de nossa história” (2009) e “Baixa-Verde – Historien (Petrolina). Para tanto.. sem perguntar: “Quando?”. sendo as experiências de cada individuo parte integrante da história do espaço que ele pertence. “Por quê?”.. sem manifestar seus desejos e anseios nessa história. ... sempre carregada por grupos vivos e.. inconsciente de suas deformações sucessivas.] A memória é vida. costura [. tornando-os “ parte de nós”. Causos e Coisas” (2004). “Fundado e embaso em quê?”. não problematizá-lo segundo as (re)produções e pensamento elitizado.. tendo em sua finalidade.. 2011) As adversidades presentes ainda que nos pequenos espaços.[. então. Hall analisa as acepções relacionadas a identidade cultural: [.Iranilson Pereira de Melo de diálogo deste conhecimento. ao contrario. n. Neste momento é importante que distingamos a memória e a história.. (HALL. A identidade. Jul/Dez 2013: 158-169. no local..] ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores. e das coisas”. ela está em permanente evolução. 1981). uma “construção cultural”. estas relações de identidade(s) de um dado local são compostas por memórias diversas. tornando ambos reciprocamente mais unificados e previsíveis. dos causos. aberta à dialética da lembrança e do esquecimento. mesmo por que.. nesse sentido. não homogêneas. negligenciá-la. 9. pertence a todos e a ninguém.. por meio dos “fatos. suscetível de longas latências e de repentinas realizações. Pierre Nora diz: [. culmina num “fechar de portas” para outros tantos “fatos.] A história. demanda análise e discurso critico [. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais queeles habitam. Podemos. o que lhe dá uma vocação para o universal (NORA.. então. ou seja. afirmar que os livros: “Baixa-Verde: Fatos. aceitando pensamentos e reflexões de um dado grupo de forma passiva. causos e coisas”. estabelecida nas relações de identidade para com a cidade vista pelo olhar do autor memorialista. são indeterminadas e substancialmente singulares.] o sujeito à estrutura.] [decontraponto] A história [por ser uma produção] intelectual e laicizante. contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. vídeos) como uma possibilidade de recurso a ser inserida dentro do contexto escolar. na utilização desses livros] as contradições. neste caso.A manipulação dos saberes. Assim. . outras histórias” (2012) têm suas características essencialmente atreladas à memória de um dado grupo. mediante o diálogo com documentos. há aberturas para uma nova escrita e interpretação da história contada.) o professor pode deixar [aflorar. que muitas vezes não 166 Historien (Petrolina). compreendendo estes (os documentos – jornais. Para tanto. os recursos paradidáticos possibilitam uma análise e distanciamento das ideias memorialistas possibilitando a construção do saber mais isento e menos pragmático compactuado nos livros do autor Aldo Torquato. cordel. 2003: 167). o local factível para a história.. esse constructo apresente lacunas que a memória apresenta. pode-se concluir que a influência da figura do memorialista na escrita da história local e na influência que ele exerce na sociedade é inegável. poesia. o local. Jul/Dez 2013: 158-169. 9. bem como o seu desejo de reproduzir as suas análises. um processo de ensino aprendizagem livre de preconceitos e estereótipos” (FONSECA. devem atentar a essas particularidades do discurso pensado pelo autor. Desde que questionados. a inserção desses livros memorialistas nas salas de aula. visando a ampliação dos horizontes na utilização dos livros. a serem estudadas. de quem e do que é bom ou ruim para cidade.. CONCLUSÃO Diante do caminho percorrido neste trabalho. que dentro desse processo dialético. e ainda. problematizálas e compreendê-las. tomados como verdades.. muitas vezes simplistas. problematizadas e historicizadas. ainda. visando auxiliar a prática docente. tornando. identificá-las. com criatividade e criticidade.. Dentro desta proposta. n. fotos. pouco tem interessado aos estudiosos e suas respectivas publicações a abordar questões. “(. ano 4. mesmo por que esses pequenos recortes espaciais. que se apresenta no livro memorialista que por diversas vezes compõem “o” instrumento nas aulas. ao se tratar de história local na cidade de forma dominante na construção dos discursos. disseminadas e. ALMEIDA. Causos e Coisas (2004). Jul/Dez 2013: 158-169. . sim. sem as longas repetições de uma história tradicional. O método utilizado por Aldo Torquato não condensa as características necessárias para academia. Complexidade. Cada temática exige sua especificidade. se trata de memórias. Maria da Conceição de. Historien (Petrolina). p. poesia. assim. como o próprio nome sugere. muitas vezes aos trabalhos monográficos atenderem essa demanda para com o conhecimento local.Iranilson Pereira de Melo excederia aos limites da própria cidade. cabendo ao professor/aluno/popular buscar os recursos possíveis para tornar a sua aula. e Baixa-Verde – outras histórias (2012). sem questionar os discursos que chegam até a população. mas também destaco que estes são importantes: estes livros não devem ser excluídos da construção da história da cidade de João Câmara. 2010. 9. A grande questão que se deve atentar para com a leitura dos livros do autor Aldo Torquato na cidade João Câmara é a tomada dos discursos apresentados por ele (Aldo Torquato) como verdades. n. Edição Especial. Causos e Coisas (2004). Natal. 1986. Por tanto. Baixa-Verde Raízes da nossa história (2009). A escrita memorialista. sem problematizá-los. vídeo etc. 01 dez. a organização de memórias divulgadas. que se deve ir além dos livros: Fatos. neste caso. BaixaVerde Raízes da nossa história (2009). São Paulo: Livraria da Física. cordel. Tribuna do Norte. ou seja. e a utilização destes livros sem questioná-los. como jornais.000 mil cópias. ou melhor. REFERÊNCIAS ABALOS sísmicos transformam João Câmara na cidade do medo e na terra de ninguém. verificou-se. e o seu discurso mais prazeroso. circulando na cidade aproximadamente 3. publicadas. sem usar fontes alternativas. mas. cabendo. São 3 títulos publicados. sendo eles Baixa-Verde: Fatos. saberes da tradição. para afirmar ou apresentar outras versões sobre os fatos. ao longo da elaboração dessa pesquisa. acaba condenando ao descrédito as informações. e Baixa-Verde – outras histórias (2012).1 – 4. ano 4. saberes científicos. manter um diálogo com outros recursos que possibilite tornar o local mais compreensível. 1997. Programa de pós-graduação em Educação. Didática e prática de ensino de história: experiências. n. A História local e seu lugar na história: histórias ensinadas em Ceára-Mirim. Natal/RN2006. 2002. LIBÂNEO. Selva Guimarães. 9. FOUCAULT. Secretaria de Educação Fundamental. São Paulo: Editora Forense Universitária. Rio de Janeiro: Graal. 2010. . Natal: Lili Graf MMO. Chico. 2003. Michel.. O TERREMOTO que mexeu com o Brasil. 168 Historien (Petrolina).. Brasília.Vavy Pacheco. José Carlos. FAGUNDES. geografia. José Evangelista. ano 4. MELO. 2001. Direção: José Alberto Vivas Veloso. FRANÇA.A manipulação dos saberes. Goiânia: Alternativa. São Paulo: Brasiliense. – Campinas. Emiliane Cristina de. et al. De baixa verde a João Câmara. CERTEAU. 2013. A influência dos abalos sísmicos de 1986 para o êxodo urbano em João Câmara. In: A escrita da historia. SP: Papirus. BORGES. Monografia – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. 2011. João Câmara: Observatório sismológico da UNB. O ensino de Historia: Revisão Urgente. Os “intelectuais” e a manipulação dos saberes sobre história local: O escopo da Lei Municipal nº 283/09 na cidade de João Câmara. Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais – FAFIC. A operação historiográfica.1 DVD. GAL. Tese – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais – FAFIC. Michel de. 1989. Jul/Dez 2013: 158-169. Microfísica do Poder. 1987. Iranilson Pereira de. João Câmara/RN. João Câmara/RN. Parâmetros curriculares nacionais: história. reflexões e aprendizagem / Selva Guimarães Fonseca. FONSECA. BRASIL. Monografia – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. 2006. 1987. Ministério da Educação e do Desporto. Organização e Gestão escolar: Teoria e Prática. ZANIRATO. Produção Rede Globo De Televisão. vol. Aldo. 9. 2005. TORQUATO. Historien (Petrolina). Revista de História UFC. In: Trajetos. Cidades Visíveis. Disponível em: <http://youtu. Marlene Cainelli. São Paulo: Scipione. TORQUATO. 2004. João Câmara: Grafipel.be/n9rvkvsg3is> Acesso em 15 de jan. Maria Auxiliadora. Baixa-Verde – outras histórias. 27.Iranilson Pereira de Melo PESAVENTO.2. Baixa-Verde: Raízes de nossa história. Ensinar História/ Maria Auxiliadora Schimidt. 2009. ano 4. João Câmara: Sebo Vermelho. Cidades Sensíveis. Jul/Dez 2013: 158-169. Fortaleza: UFC. In: Revista Brasileira de História. SHIMIDT. 2007. n. . 2012. Baixa-Verde: Fatos. Cidades Imaginadas. Causos e Coisas. 2004. Sandra Jatahy. A Documentação Fotojornalistica na Pesquisa Histórica. Helena. 2013. TERREMOTO em João Câmara – 1986.Vol. João Câmara. TORQUATO Aldo et al. Aldo. Silvia. recorre-se ao Projeto de Implantação do Curso de História. the Report Stage of the Group and the interviews with subjects who participated in the process.FAZENDO HISTÓRIA: A MILITÂNCIA COMO TRAÇO IDENTITÁRIO DOS ESTUDANTES DE HISTÓRIA (FEIRA DE SANTANA-BA. problematizar o papel da militância na formação dos historiadores (professores e pesquisadores). Pretende-se. Jul/Dez 2013: 170-184. especialmente ex-alunos. como suporte documental. Professora Assistente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) – Departamento de Educação / Campus XIV – Conceição do Coité. ingressos em 1986 e formados em 1991. As supporting documentation. Aprovado em 19/11/2013. Para tanto. assim. militância. sua relação com o contexto em que o curso foi criado. The aim is to discuss the role of activism in the formation of historians / history teachers.com 2 Historien (Petrolina). 1986-1991)1 Jackeline Silva Lopes2 Resumo: O presente artigo visa analisar a militância como traço identitário dos estudantes da primeira turma de Licenciados em História da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). highlighting how this identity was constructed. ao Relatório de Estágio da Turma e aos depoimentos de sujeitos que participaram do processo. who entered in 1986 and graduated in 1991.lopes. with the curriculum as well as the influence and example provided by teachers.lacerda@gmail. refers to the Project Implementation of the Course of History. Palavras-chave: Identificação profissional. especially old students. its relation to the context in which the course was created. 1 Recebido em 10/09/2013. com o currículo implantado e com a influência/o exemplo dos docentes. E-mail: jack. historiador/professor de História. . Mestra em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). n. 9. Abstract: This article examines militancy as a trace of the identity of the first class of students graduates in History from the Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). destacando como esta identidade se construiu. ano 4. podemos citar: fim da relação fordianakeynesiana entre capital e trabalho. a exemplo de Giddens (1991). dependência político-econômica dos países periféricos. globalização dos mercados. social ou cultural. Nem todos viveram outros tempos. como as de gênero. das nacionalidades. 9. caracterizado como um tempo de mudanças. efemeridade das tecnologias. militancy. É também um tempo de crises: econômicas. etnia e raça e outros processos de identificação política. vivemos este “novo tempo”. fragmentação dos movimentos sociais e diversificação de suas bandeiras de luta. mas. Assim.Jackeline Silva Lopes Keywords: Professional identification. dos movimentos sociais. por vezes. dos valores. Hall (2000. ou o processo de formação dos Estados Nacionais. historian / teacher of history. ficam fragmentadas. da estrutura familiar padrão. flexibilização das relações trabalhistas. . mas ninguém parece inerte à sua presença e inferência nas vidas de cada um de nós. que são. ora nos agarramos e ora nos afastamos dessas múltiplas identidades. das identidades. e a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados é abalada. Dentre estas. no senso comum da sociedade atual. expansão dos meios de comunicação de massa. conflitantes. que se sustentavam na definição de identidades nacionais . outros o temem. parece ser uma unanimidade a sensação de que vivemos um louco “novo tempo”. enfraquecimento do Estado e fortalecimento dos micropoderes. sexualidade. que se baseava nas identidades de classe. Jul/Dez 2013: 170-184. dos sujeitos e dos paradigmas científicos e ideológicos. Alguns o aproveitam. Alguns estudiosos da contemporaneidade.como o processo de contestação ao sistema capitalista. ano 4. do Estado. Desde a década de 1970. sobrevivem das lembranças de tempos passados. Historien (Petrolina). apontam também para os efeitos das transformações contemporâneas sobre as identidades. 2005). naturalização da miséria. do consumismo e do capitalismo como um sistema indestrutível. dispersas em meio às novas identidades. se ressentem de não tê-los vivido ou profetizam o apocalipse. n.entraram em colapso e as identidades que lhes davam suporte. Isso porque os processos históricos que fixaram certas identidades . Silva (2000) e Woodward (2000). ano 4. quanto de si mesmos – constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo. para a maioria da população. . Segundo afirma a Professora Elizete da Silva (2002). que participou da mobilização pela mudança. porque as pessoas já não consideram que seus interesses sociais são contemplados em termos de classe. 233). essa contemporaneidade demorou mais a se fazer sentir e compreender. de deslocamento ou descentração do sujeito. de modo que se vislumbrava a possibilidade de uma democracia que verdadeiramente garantisse o poder ao povo. fortalecia essa idéia. (HALL. o curso surge em substituição à Licenciatura Curta em Estudos Sociais – existente na UEFS desde 1976 –. a criação do curso de História na UEFS representava. atuar como uma identidade mestra que alinha e reconcilia as diferentes identidades na construção de uma política. 9). uma vez que tendo o país vivido uma ditadura militar até meados da década de 1980. já que era 172 Historien (Petrolina). uma luta política maior. as primeiras manifestações pela sua implantação remontam ao final da década de 1970. para os professores e estudantes de Estudos Sociais que fizeram parte desse processo. tanto pelo seu alcance. 2005. os problemas que afetavam a nação se resolveriam. a Licenciatura Plena em História na UEFS. p. Acompanhando um movimento nacional. os efeitos da nova ordem capitalista ficavam camuflados como reflexos do regime ditatorial.Fazendo história Esta perda de um “sentido de si” estável é chamada. após um longo processo de lutas. além de integrar comissão que elaborou o projeto do curso. encampadas por professores da instituição e estudantes do curso de Estudos Sociais. n. A impressão que se tinha era a de que. 9. por exemplo. O clima de grande mobilização social. algumas vezes. tendo seu ápice na grande passeata pelo campus de 1983. percebemos que já não é possível à identidade de classe. Jul/Dez 2013: 170-184. através de movimentos organizados como os de trabalhadores e da igreja. encerrada com um enterro simbólico do curso de Estudos Sociais na Reitoria da instituição. Esse duplo deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural. No Brasil. uma vez derrubados os militares do poder e implantado um regime democrático no país. É neste contexto de efervescência e otimismo que foi instituída. Diante do exposto. Segundo Silva (2002. p. em 1986. e de História. e o profissional que nela atua deveria ter uma sólida base teórica que lhe permitisse uma visão crítica da realidade. n. através de sua atuação no ensino de 1º e 2º graus (atuais ensinos fundamental e médio. 6). Jul/Dez 2013: 170-184. sistemas produtivos. p. através de uma atuação não apenas profissional. percebemos que. 39 apresentam em suas ementas conceitos e expressões marxistas. relações de produção. Um traço marcante do currículo do curso de História implantado na UEFS era sua orientação marxista e freiriana. mas também no exercício do papel de um militante político-social. 12 eram Historien (Petrolina). um caráter salvacionista. .Jackeline Silva Lopes uma luta travada em âmbito nacional pela ANPUH (Associação Nacional do Professores de História). A expectativa para com a implantação do curso de História estava relacionada às concepções de Universidade – voltada à compreensão e intervenção na realidade social . 9. ao analisarmos a estrutura do curso de História no Plano. perceptível a partir da forma como as disciplinas foram organizadas. A História assume. uma aproximação do professor de História que se quer formar tanto com o perfil de um “intelectual orgânico” gramsciano quanto com o “professor progressista” freiriano. dentre as suas 64 disciplinas. modo de produção. materialismo. 1990. formar cidadãos brasileiros críticos. deixando de explorar tais conceitos e expressões. como ciência capaz de “auxiliar na compreensão” desta realidade e na “solução dos diversos problemas que atingem a sociedade brasileira” (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA. burguesia e proletariado. em tempos de redemocratização. Nas 25 disciplinas que sobram. política ou econômica. já que seriam eles responsáveis por. ano 4. a partir do Plano Estrutural do curso. É possível perceber. a exemplo de estrutura social. luta de classes. o qual seria capaz de desenvolver a “consciência crítica” dos alunos e contribuir para a transformação da sociedade. numa lógica linear que partia dos modos de produção. então. Tal informação se confirma quando. método dialético ou dialética. quanto no que tange à extensão dos efeitos dessa medida para a educação feirense e para a política local/regional. nas referências bibliográficas das disciplinas e na necessidade constante de justificar-se enquanto um curso voltado para a produção de ferramentas para a transformação da realidade social. respectivamente) e propor soluções de bases científicas para os problemas sociais. . as obras de Freire são referenciadas em três das 4 disciplinas pedagógicas do curso. na qual se encontra Louis Althusser. 3 174 Historien (Petrolina). Pierre Bourdieu. Jul/Dez 2013: 170-184.. nossas bibliografias. quanto ao ser professor de História: Esta frase aí (. se não todos. tendo em vista a concretização do projeto de transformação.). que se tratava de uma formação que prezava muito pela leitura de textos teóricos. sendo a educação o seu campo prioritário de atuação. 1990).. mais precisamente Letras.. contribuiu para que eu acumulasse leituras. Antonio Gramsci.. na época da formação. 2009).. Pode-se dizer.Fazendo história relacionadas a outras áreas de conhecimento. a respeito do que hoje me parece ser insuficiências na elaboração teórica de alguns deles. Demerval Saviani. O depoimento de um ex-aluno da primeira turma do Curso de História aponta para esta característica: A gente fez um curso de graduação em que. em respeito às normas do Comitê de Ética da Universidade Estadual de Feira de Santana. se auto definiam como marxistas. com a intenção de vê-los agir politicamente na sociedade. Tais profissionais comporiam uma liderança comprometida com a mudança social..) eu acho que também deve fazer parte da sua A fim de preservar a identidade dos depoentes. de alguns desses professores. bem como consta nas referências do relatório de Estágio. Além disso. quando perguntado sobre a concepção que tinham.. é possível perceber o ideal de sujeitos e profissionais que se pretendia formar na universidade.. Bárbara Freitag e Paulo Freire. autores estes citados em depoimentos. bem como referenciados no Relatório de Estágio e nos programas/ementas de disciplinas do plano estrutural do curso. ainda. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA..) E. É o que percebemos na fala de um dos depoentes abaixo. que eu acumulasse espertice (. a orientação geral das disciplinas. entrevista concedida em 21 jan. (D3. 9. quase todos os nossos professores.) está muito condicionada ao que a gente vivia no momento. iremos designá-los como D acompanhado de um número (a exemplo de D3)... ano 4.3 A partir da análise da literatura consumida pelos estudantes de História de fins da década de 1980 e início da de 1990. . (. Jean-Claude Passeron. n. (. Exatas e Saúde. a despeito dos limites de alguns. escola e sociedade” [na verdade. Nós tínhamos que ter coerência com o que nós estávamos trabalhando (. É isso que sugere D5. Falavam dessa questão do que é o professor. n. (Entrevista concedida em 30 dez... dessa vinculação militante do professor de História. eram bem preparados. nesse caso. principalmente da área de educação.. Historien (Petrolina).). 9.. entrevista concedida em 30 dez. na qual o depoente põe em dúvida o verdadeiro domínio do marxismo da parte deles. uma consideração diferenciada a respeito da qualificação dos professores.. que era o movimento estudantil. distintamente de uma transcrição anterior.. 2009). Constata-se. (.. 2009) Havia. que era o movimento dos professores. A militância parecia ser uma característica presente na maioria dos professores de História da UEFS no período em destaque.Jackeline Silva Lopes pesquisa..). ainda. principalmente na área de educação. dessa concepção aí. (D7. acredito. estava baseada muito no que nós líamos e no que nós discutíamos (. uma série de bibliografias (. do que é o professor. o que é que nós líamos naquele momento. ex-aluno desta turma: (.. . ano 4. com o próprio curso e com as lutas que o próprio curso demandava e nas quais o curso se envolvia.) Então muitos desses relatórios. Estado e sociedade”]. que tinham comprometimento com aquilo que faziam.. que é “Estado. o movimento sindical. momentos estes em que os mestres tornavam-se referências de compromisso e militância. deixando dúvidas quanto à formação teórica que possuíam. Apesar da avaliação crítica recentemente elaborada. professores que não apenas eram bons. de Bárbara Freitag. o mesmo informante que questiona os seus antigos mestres (D3) e mais um dos entrevistados durante a pesquisa nos fornecem pistas do peso referencial de alguns docentes para a formação da turma. Jul/Dez 2013: 170-184.) nós tínhamos um quadro muito bom de professores. mas pessoas que tinham um envolvimento. um dos livros clássicos. do ponto de vista da acumulação do conhecimento. além de ler Paulo Freire.) para estudar. e pensar a história. Então. tanto da área de história quanto da área de educação. “Escola. dessa vinculação política. além de ler Gramsci. o forte envolvimento entre docentes e discentes na construção do curso além de coparticipação nas lutas internas da universidade. O Professor Elói Barreto. mas foi uma alegria profunda...) Não era só aulinhas de História do Brasil que eu dava.. (. destaca. .) Os professores que nós tivemos.) Na época. da minha contribuição para a formação de uma geração de profissionais. que do ponto de vista da.. A gente tinha uma vida acadêmica que englobava a totalidade. a vida inteira. 9. das discussões e de tudo o mais. o momento. (. o contexto também era muito. eu acho que eu dei o que eu pude.. A primeira. nós ainda fazíamos política (com ênfase) acadêmica dentro desta universidade... De certo. do conteúdo. percebe-se que a primeira turma de História da UEFS ingressou no curso em um contexto otimista e de grande efervescência dos movimentos docente e estudantil.. chegando a emocionar-se ao rememorar a época: [. muito feliz aqui.. sou um animal político”. eu estou tranqüila. a militância acadêmica como um de seus traços característicos. posso ter politizado demais.. mesmo. eu disse: “hum. dos textos.. em depoimento. 2009). importantíssima (.) A gente tinha a formação de História. Eu acho que. entrevista concedida em 28 jan.. uma vontade de mudar o mundo.Fazendo história Neste trabalho. também orgulha-se de sua militância: [..... (Elói Barreto de Jesus. só dava 176 Historien (Petrolina).) E eu estou muito. [chora] fundamental. 2009). posso ter exagerado em outras. como muitos exaltam. nós fazíamos com muito prazer. Além das leituras teóricas. Assim. n. ano 4. carregando consigo as convicções e o espírito da época durante toda a formação acadêmica e profissional. (.. né? Então a gente é um pouco dessa coisa de.. E era bom. posso ter errado em algumas coisas – todo mundo erra -.. mas a nossa formação política foi importantíssima. por sua vez.. entrevista concedida em 14 out.. Não quero ser reconhecido por conta disso não.] fazer universidade para a gente foi. a discussão.. isto garantiu a esta turma uma formação bastante específica. Jul/Dez 2013: 170-184. Eu tenho uma alegria profunda disso..] eu lutei a vida toda pela Universidade... eu estou tranqüila. nós fazíamos com muita garra. por exemplo. muito favorável para isso. Uma vez um aluno meu disse que eu politizava tudo [risos da entrevistadora]. (. quando a gente chegou.. né? (Elizete da Silva. muito.. a construção da Universidade Estadual de Feira de Santana.. entrevistamos dois destes docentes: a Professora Elizete da Silva e o Professor Elói Barreto. de maneia decidida. (. e transformamos em residência universitária.) em que nós ocupamos o prédio. Jul/Dez 2013: 170-184. e a gente muito ousado. n. conforme demonstra o trecho destacado abaixo: A concepção dialética e materialista da História (. e engenharia civil era o curso. isso é. . Mas era. era visível que nós tínhamos aceito esse convite.. muita coisa que estava em aberto. foram construtores dele e da Universidade.. pela primeira vez.. o curso de História se fez respeitar muito. mas pra fazer. de maneira ativa.). não. das quais nós participávamos.. (. só assistir aula. apresentadas pelos alunos da primeira turma de História da UEFS no Relatório de Estágio da turma.. Aqueles foram anos em que nós tivemos.) Aqueles foram os anos em que nós elegemos pela primeira vez no Departamento o diretor do Departamento. puxamos pra gente a responsabilidade de fazer movimento estudantil e. que era pra ser uma creche.Jackeline Silva Lopes engenharia. (D6.. enfim. denunciadora da luta de classes e do seu produto histórico e anunciadora da possibilidade dos homens assumirem seu papel de sujeitos críticos de sua própria ação e...) Então. das Historien (Petrolina).. em [19]87. a criação do diretório acadêmico que não existia e foi construído por nós (... greves de professores. e. mudança de currículo.) faz esta ciência cumprir o que chamamos acima a sua vocação profética. deixar uma marca dentro da universidade. 2010).. o fazer História da gente não era fazer História. Formados neste contexto. 2009).. e nós discutimos como fazer pra criar o Colegiado de História... a preocupação em destacar que não se limitaram à condição de estudantes do curso – mais do que isso. e aí a gente cresceu rápido.. eleições diretas para reitor. de algum modo. (. aqueles foram.) Nós tínhamos sido convidados a construir. entrevista concedida em 21 jan. Aqueles foram anos de memoráveis. no depoimento acima. não surpreende as representações sobre a História e sua função social. e aí a gente entrou para disputar. foi a primeira vez que nós conseguimos fazer isso.. estava abandonada. é. principalmente. entrevista concedida em 08 jan.. (D3. a montagem do corpo docente. também. Chama atenção.. aproveitar as oportunidades. É o que também destaca o depoimento abaixo: O curso de História estava sendo montado e nós participamos ativamente da montagem do curso. regulamentação de vários dispositivos curriculares. (. pra aparecer mesmo. ano 4. 9. pra brigar.. Nessa perspectiva. mas não apenas intelectuais de gabinete. 4 Palavra alemã que significa visão de mundo. se colocam como preparados para exercer esta função. tínhamos que ser intelectuais. portanto.. permanente qualificação. afirmavam que o profissional formado em História pela UEFS assumiria a função social de intelectual orgânico das classes subalternas em potencial.. primeiro pela nossa qualificação. 178 Historien (Petrolina). para tanto.. (. 1993. ela passava obrigatoriamente. Jul/Dez 2013: 170-184. 1990). Nós deveríamos ser realmente intelectuais. O “ser professor de História” assume. n. e ao frisar que. p.) A luta por fazer chegar uma nova concepção de História ao 1º e 2º graus. É a partir destas convicções que os futuros docentes de História aqui estudados expõem suas autorrepresentações sobre os profissionais que seriam. a ser constituída pela classe subalterna através de seus intelectuais. Ao atrelar a capacidade do intelectual orgânico em cumprir esta vocação profética da História ao domínio da concepção dialética e materialista da História. atuando no sentido de sistematizar e catalisar a WELTANSCHAUUNG. a gente entende. faz-se necessário “um curso que consiga instrumentalizar o profissional para a referida vocação” (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA. [grifos meus] Aqui. 9. 23). ou seja. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA. os futuros formados “professores de História” pela UEFS. ano 4. 1993. já que dominavam a concepção dialética e materialista da História e tiveram uma vivência no tocante à militância. por sua vez. como uma essência. p. um agente interno dos grupos sociais explorados. então. uma explícita e exaltada conotação político-ideológica . o uso do termo “vocação profética” para a História cumpre o papel de dar o destaque que desejavam à sua função crítica e emancipadora como natural. passa a confundirse com a luta por uma nova concepção de mundo. não apenas intelectuais de academia e não apenas intelectuais. Nesse entendimento a gente achava que a transformação. . É o que destaca D5: História é a ciência essencial.4 superar o senso comum. (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA. alternativa à óptica burguesa.Fazendo história ações coletivas. 21-23).. militantes mesmo do movimento social . . O mesmo sinaliza D3. necessariamente. É o que podemos perceber no depoimento de D5: [. uma luta em prol de uma sociedade melhor. conforme destaca D6: Eu digo que a minha atuação. 2009)... quando afirma: “nós saímos da universidade como intelectuais orgânicos e faríamos a diferença.Jackeline Silva Lopes mas intelectuais cujos serviços estivessem colocados a favor das classes subalternas e da transformação. por nós”. “A Revolução passa obrigatoriamente. ser professor é ser um transformador. eu mesmo. Nós acreditávamos nisso. para eles. (Entrevista concedida em 30 dez. 9.. Eu só não quero ser só intelectual e não quero ser só repassador. 2009). aliás. n. Pelos depoimentos coletados. já que eu vou ser professor.alguns de nós mais. 2009). nós éramos revolucionários. através da nossa atuação profissional. Então a formação teórico-política ajudou Historien (Petrolina). Eu quero produzir conhecimento. de modo que ser historiador/professor de História. então aquilo que nós colocamos lá está carregado de nossa concepção de sociedade. Eu não me vejo uma professora que possa ir para uma sala de aula ludibriar.. Nós queríamos ser exatamente. de nossa concepção de profissional. diametralmente opostos àquilo que nós identificávamos como sendo os professores de História daquela época: mantenedores do estado. chama à atenção a frequência com que se referem à profissão como compromisso sério a ser seguido. mantenedores da subalternização. enrolar os alunos (. O mundo do ensino de História seria outro depois da nossa chegada” (Entrevista concedida em 21 jan. Do mesmo modo. né? Nós desejávamos isso.). levar adiante esse conhecimento. reprodutor do conhecimento. impulsionava esses jovens para a necessidade de ir muito mais além do que o simples exercício de uma profissão. um compromisso social... outros menos -. ano 4. Jul/Dez 2013: 170-184. mantenedores da desigualdade (. significava também uma missão. Eu quero ser pesquisador e produzir o conhecimento. e quero. nossa concepção de transformação [com ênfase e ironia] do mundo. é possível perceber.. e quero. Eu quero construir o conhecimento.).E daí a gente volta para a questão da dubiedade do curso: Eu quero ser pesquisador.] nós éramos militantes do movimento estudantil. ela é uma atuação pautada no compromisso que eu gestei dentro da universidade. (Entrevista concedida em 30 dez. ainda. que a formação a partir da militância.. quanto dos seus ex-alunos.. entre si. tornou-se possível perceber que a formação pautada na leitura de teóricos marxistas e na vivência da militância. com o ramo da ciência..) na medida em que você alia a sua criticidade a um... ano 4.. foi fundamental para que pautassem sua identidade profissional em um engajamento ideológico.). na análise.. Entrevista concedida em 30 dez. mas pessoas comprometidas com. O desafio era ganhar o respeito. uma.. portanto. né? Então. com esse transformar a história para uma coisa melhor. de não passar ninguém sem saber. comprometidas com. de dar aula. tanto do Relatório do Estágio da primeira turma do Curso de História da UEFS. ou cozidos. 9. quando.. de não ir para lá enrolar. de você ter uma postura assim. assim... n. na argumentação. com a ciência chamada História. a partir da referência dos seus docentes. uma postura profissional. estava certa a Professora Elizete da Silva.. político e social – inicialmente. e daí saímos. no seu ambiente. muitas dessas pessoas. eu consegui um respaldo dos alunos. Pode-se afirmar. A partir dos trechos aqui destacados. (Entrevista concedida em 08 jan. assim. no seu espaço. [. cada qual no seu. então. engajada também no movimento... profissional – e no compromisso com a transformação da sociedade. um comportamento. de não faltar aula. a partir dessas autorrepresentações. 1990). . posteriormente.Fazendo história (. ao defender que “não era um curso de História apenas para formar conteúdos de História.. bastante crítica também... 2010). comprometidas com o movimento.] nesse caldeirão [da Universidade] é que fomos cozinhados... pessoas. comprometidas com o que faziam.. com o lutar por uma vida melhor para todo mundo. profissionalmente muito comprometidos com a disciplina História. (. Aparentemente. 2009). e mostrando aos alunos o que é ser um professor comprometido com o ensino público. que na formação dessa primeira turma de Licenciatura em História da UEFS a universidade cumpriu com os objetivos propostos em seu Plano de Curso: habilitar profissionais que tenham “a responsabilidade profissional” e “o compromisso político com o desenvolvimento da capacidade crítica dos seus alunos” (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA. digamos.. era um curso de 180 Historien (Petrolina). E como é que você ganha o respeito? Sendo um profissional sério.. estudantil e. pessoas muito comprometidas com a profissão e pessoas muito solidárias. (D5.. Jul/Dez 2013: 170-184. depoentes nesta pesquisa. n. hoje prevalece no senso comum a noção de que os governos democráticos falharam em sua missão de salvar o país e frustraram as expectativas sociais. instabilidade. no início da de 1990. por vezes. a culpa das mazelas do país era depositada no governo ditatorial. 9. Diante desse contexto. se antes. construíram trajetórias diversas e. e escândalos de corrupção. como sinalizamos no início deste texto. ao enfraquecimento do poder estatal.. como ficaram as identidades da geração de historiadores/professores de história militantes. e manifesta. diariamente. 64-65). entre 1986 e 1991? Estes professores tiveram e têm histórias de vida e experiências profissionais diferentes. o marasmo e o esvaziamento dos movimentos sociais organizados. formados na UEFS na primeira turma do Curso. desemprego. constituindo identidades múltiplas e. na possibilidade de tudo se ajeitar. uma descrença generalizada. Por isso. .) Todas estas “pequenas distorções” compunham um imenso quadro de insegurança. Havia também irresponsabilidade nos pronunciamentos políticos e nas atitudes de grande parte dos governantes.Jackeline Silva Lopes História para formar cidadãos. principalmente no que se refere à penetração das idéias neoliberais. p. Nos governantes. Historien (Petrolina). O contexto era de crise econômica. ano 4. Como acreditar nas boas intenções do poder público se elas são. nelas. desmentidas pelos fatos? (. comportamento comum na contemporaneidade. professores engajados num processo para a transformação social”. Segundo Rodrigues (1999. avaliou o trabalho realizado: “eu acho que a gente foi eficiente se conseguiu passar isso para eles”. arrocho salarial. Entretanto. Havia no ar. contraditórias. impotência e desproteção que ainda caracteriza o cotidiano da maioria dos cidadãos brasileiros. gerando a incredibilidade. tentativas frustradas do Governo Federal em implantar pacotes econômicos. à naturalização da miséria e das desigualdades. Assim. até mesmo nos empregos públicos.. na existência de saídas. para a maioria dos brasileiros. enfim. desenvolveram múltiplos processos de identificação profissional. começaram a se tornar perceptíveis no Brasil os efeitos das mudanças observadas em nossa contemporaneidade. Jul/Dez 2013: 170-184. n. Assim. ano 4. Dois indicam. Um deles também tentou redimensionar a profissão. Sentese realizado na escolha que fez. Estes identificaram-se melhor com o exercício da profissão no nível superior. mas a realização de um Seminário na UEFS em dezembro de 2011. onde as barreiras são menores e o reconhecimento social e financeiro é maior. redimensionar seus objetivos profissionais. que também tiveram dificuldades de se desvencilhar dos antigos ideais e encontraram obstáculos para realizá-los na escola pública. Há ainda um que desde o início percebeu que não se identificava com o ensino em níveis médio e fundamental e fez sua opção pelo ensino superior. buscando. E o que dizer das novas levas de historiadores/professores de História que estão se formando na UEFS? Qual o papel da militância estudantil na construção identitária dos profissionais nela formados? Este é um estudo ainda a ser feito. sente-se “frustrado”.Fazendo história Entre os seis ex-alunos da primeira turma do curso de Licenciatura em História da UEFS aqui entrevistados. desenvolvendo a pretensão de abandonar a sala de aula. 9. mas tem maior dificuldade de se desvencilhar dos antigos ideais. de forma a melhor se adaptarem à realidade – ao invés de promotores da revolução social. consideram-se satisfeitos e felizes na profissão. não disfarçam a preferência pelo ensino superior. organizado pelo Diretório Acadêmico Estudantil e por um coletivo de estudantes do curso. apesar do cansaço e das frustrações em alguns momentos. Outros dois. sob o 182 Historien (Petrolina). em suas avaliações. por isso. embora se ressinta da experiência que deixou de adquirir em salas de aula do nível fundamental e médio. Jul/Dez 2013: 170-184. mas perceberam que o modelo imaginado não era viável na realidade da escola pública que vivenciavam. . que tentaram ser efetivamente os professores idealizados nos anos de vida universitária. é possível recompor traços da trajetória profissional e deduzir sobre os efeitos da identificação profissional construída durante o processo de formação e no exercício da prática docente. ao mesmo tempo em que afirmam gostar daquilo que fazem e que não teriam problema em continuar o trabalho em escolas públicas caso fosse necessário. motivadores de transformações significativas nas vidas de alguns alunos. embora deseje permanecer na área de educação. Em suas falas. Por não conseguir colocá-los em prática. meio ambiente. Stuart. 103-133. 227-244. dentre outras. As conseqüências da modernidade.) Então. n.Jackeline Silva Lopes título “O movimento estudantil e a memória do curso de História” representa um desejo de refletir sobre a identidade profissional e a possibilidade ou necessidade de manter a militância como um dos traços identitários dos profissionais de História formados na UEFS. 10ª Ed. ano 4. geração. . Tomaz Tadeu da (org. até um outro momento. 2005. SILVA. São Paulo: UNESP. novas bandeiras de luta se colocam para os futuros historiadores/professores de História: aquelas referentes a raça. para além de tudo que tão vivendo. Para aqueles inclinados a se lançar nestas batalhas. não vão. Hoje. RODRIGUES. tá certo? (Elói Barreto de Jesus. jan/jun 2002. 2000. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. Pela Universidade? Não.. A década de 80: Brasil: quando a multidão voltou às praças. Quem precisa de identidade? In: SILVA.). Elizete da. REFERÊNCIAS GIDDENS. Eu aposto profundamente naqueles que são capazes de resistir. p. Anthony. Marly. ficam as palavras do Professor Elói Barreto para reflexão: Então é como eu vejo hoje a profissão de Historia. HALL. Stuart. Historien (Petrolina). Não. Combates pela História nas terras de Lucas da Feira. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 2009). 1991. Eles vão ser sempre lutadores. são capazes de. 3ª Ed. p. Feira de Santana: UEFS. São Paulo: Ática. Petrópolis: Vozes. 1. Ano 1.. 9. gênero. vão ser reconhecidos pelo sistema. não imagino que vocês. vão ser sempre aqueles que vão garantir a luta. n. 1999. acreditar que amanhã pode ser diferente. Jul/Dez 2013: 170-184. em entrevista concedida em 28 jan. HALL. que os profissionais de História hoje. preconceitos regionalistas. Humanas: Revista do Departamento de Ciências Humanas e Filosofia – Universidade Estadual de Feira de Santana. (. Rio de Janeiro: DP&A. ). 1993. p. K. n.). Relatório de Estágio do curso de História. Tomaz Tadeu da (org. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA. Plano Estrutural do Curso de Licenciatura em História. 1990. 7-72. Feira de Santana: UEFS. Feira de Santana: UEFS. In: SILVA. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 2000.Fazendo história SILVA.2: pesquisa histórica e interferência na escola pública de 1º grau em Feira de Santana. Petrópolis: Vozes. . 2000. 1990. 184 Historien (Petrolina). Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. Tomaz Tadeu da (org. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes. 9. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA. ano 4. WOODWARD. Jul/Dez 2013: 170-184. Abstract: The development of strategies for the teaching of Ancient History is an increasingly common concern among educators and specialists in the area. Cultura Material. Jul/Dez 2013: 185-198. 9. Keywords: Ancient Egypt.ª Regina Maria da Cunha Bustamante. Palavras-chave: Egito Antigo. Basic Education. ano 4. Material Culture. Educação Básica. Alimentação. que faz parte do acervo do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. History Teaching. Alimentation. Museu Nacional. National Museum. 1897-1878 BC). com o objetivo de explorar os campos da educação patrimonial e oferecer métodos de ensino de História Antiga. The educational workshop "Cooking for the god Osiris" was devised using the stela of Senusret-iunefer (dating from Dynasty XII:. Aprovado em 12/12/2013. which is part of the collection of the Museu Nacional of the Universidade Federal do Rio de Janeiro.C. .O ENSINO DE HISTÓRIA ANTIGA: A EDUCAÇÃO PATRIMONIAL ATRAVÉS DE OFICINAS PEDAGÓGICAS1 Beatriz Moreira da Costa2 Resumo: A elaboração de estratégias para o ensino de História Antiga é uma preocupação cada vez mais frequente aos especialistas e educadores da área. 1 Recebido em 05/10/2013. n. with the objective of exploring the field of heritage education and offer methods of teaching ancient history. 2 Graduanda do curso de História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). sob orientação da Prof. ). The Osiris Festivals.ª Dr. Ensino de História. A oficina pedagógica “Cozinhando para o deus Osíris” foi elaborada a partir da estela de Senusret-iunefer (datado da XII dinastia: c. Historien (Petrolina). 1897 a 1878 a. Festival de Osíris. ser um modo de satisfazer uma necessidade fisiológica. ministrada no primeiro período de 2013 pela Prof.) Mas. obviamente. definiu resumidamente alimentação como: Forma de comunicação. ligando tais temas diretamente à utilização do Museu Nacional para a inovação do Ensino de História. Com isto.ª Regina Maria da Cunha Bustamante na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).Oficina Pedagógica “À mesa com os antigos”.. em que intervêm. já que as fontes escritas. relações precisas e hierarquias sociais. n. (. ano 4. 186 Historien (Petrolina). Valeri (1989. aliás considerado determinante no que respeita à disponibilidade e apropriação de um excedente no âmbito de um certo modo de produção. ou destinar à oferta ou ao consumo ostentório parte da sua produção. Trazer a cultura material do Mediterrâneo Antigo exposta em museus cariocas à realidade do corpo docente e discente da Educação Básica é um dos objetivos do projeto “Cultura material na Antiguidade Clássica e os desafios da Educação Patrimonial” o qual a disciplina se insere. Nesse semestre foi trabalhado o tema “Alimentação”. e que traduzem. para além de. por exemplo. estes. Se isto não leva a privilegiar o aspecto de sinal dos fatos alimentares. p.O ensino de história antiga INTRODUÇÃO O presente trabalho foi elaborado na disciplina Tópico Especial em História Antiga II . não podem também ser reduzidos a fatos de nutrição. Do Mel as Cinzas de 1966. A Origem das Maneiras à Mesa de 1968 e O Homem Nu de 1971). 209).. tema este que se trabalhado em uma pesquisa historiográfica é esclarecedor e repleto de informações sobre as sociedades. existem códigos alimentares que vão deste as técnicas de preparação dos alimentos ao próprio ritual e cerimonial das refeições. não se pretende desvalorizar o aspecto econômico da alimentação. a alimentação é um fato cultural que reflete determinadas situações sociais. 9. Jul/Dez 2013: 185-198.ª Dr. A utilização da cultura material para compreender as sociedades antigas é fundamental. influenciado pela tetralogia de Lévi-Strauss (O Cru e o Cozido de 1964. Realizou-se um estudo ainda sobre Cultura Material e Educação Patrimonial. no entanto. no entanto. categorias como puro/impuro. . em todas as sociedades. além de poucas. semelhante à linguagem ou aos sistemas de parentesco. pois o tempo e espaço o qual o objeto fora produzido é singular e a sua relação com o homem que o deu sentido o torna histórico. O uso da exposição da cultura material nos museus permite aproximar as sociedades antigas dos alunos ao trazer o passado para o presente de forma tateável e. n. que controlavam também a circulação e consumo. p. antes de propor a uma atividade prática de confecção de dois pratos.. ano 4. construir um saber histórico escolar. seleção temática dos assuntos tratados. 6). circulação e consumo indiscriminado. e ainda estavam fadadas ao efeito do tempo. Diferentemente da cultura material que tinha produção.. . compreendida como múltipla e plural. fazendo com que o aluno construa as suas próprias concepções e atribua valores a determinadas sociedades de acordo com a consolidação de seu conhecimento histórico e crítico. Escolhi uma estela da Coleção do Egito Antigo do Museu Nacional da UFRJ com o objetivo de levar o aluno a interpretar a peça e a inseri-la em seu contexto histórico. as relações entre os grupos sociais. Este processo leva ao reforço da autoestima dos indivíduos e comunidades e a valorização de sua cultura brasileira. Assim. Jul/Dez 2013: 185-198. ajudando a elaborar um processo criativo e pedagógico através da Educação Patrimonial. a agricultura e a culinária egípcia. objeto ou artefato que pode conter informações sobre a sociedade a qual pertencia. 9. levando-o a compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido. a Oficina preocupou-se em explicar a religião egípcia. A OFICINA “COZINHANDO PARA OSÍRIS” Foi de acordo com tais parâmetros que desenvolvi a Oficina Pedagógica “Cozinhando para Osíris”. Educação Patrimonial é um instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia. Historien (Petrolina). Segundo Maria de Lourdes Horta (2006. a partir daí.Beatriz Moreira da Costa foram produzidas pela elite alfabetizada (domínio da escrita. uma vez que se considera cultura material qualquer utensílio. Um dos diversos desafios da Educação Patrimonial é a superação do uso de discursos pré-fabricados.). Eis a importância de transformar a exposição do Museu em algo compreensível: a criação de Oficinas Pedagógicas centradas em tal acervo torna o Ensino da História mais dinâmico e vivo. A cidade de Abidos. anualmente. De acordo com o mito. surge em forma de madeira e fecunda Ísis. A estela que foi trabalhada na Oficina. pães e cerveja. que pode ser encontrada no Museu do Cairo – voltada para a via processional que era percorrida pela imagem do deus Osíris durante seu grande festival.O ensino de história antiga O Egito Antigo era uma sociedade teocrática. Hórus perdeu o olho direito na batalha contra seu tio Seth. bois e gansos). esposo de Ísis e pai de Hórus. cultuava Osíris e. assiduamente. aonde vingou seu pai. Osíris é morto por seu irmão Seth e seu corpo é cortado em 14 pedaços sendo espalhados por Seth em todo o Egito. promovia um festival ao deus chamado de “Festival de Osíris” ou “Mistério de Osíris”. proveniente de Abidos – cidade onde supostamente Osíris fora sepultado – tem como imagem central a figura de Senusret-Iunefer oferecendo diversos alimentos ao deus Osíris (dentre eles. pois é ao mesmo tempo responsável pelo julgamento das almas dos mortos. n. e pelo ciclo do rio Nilo e pela fertilização do solo. 9. Osíris. é o deus dos mortos e do renascimento. que durante o ritual de mumificação feito por Anúbis. que por sua vez. é o deus do céu e é representado com corpo de homem e cabeça de falcão. consegue achar todos. que mais tarde dará luz a Hórus. dessa forma é impossível pensá-lo sem sua crença na vida como uma preparação para a morte e na forma com que os deuses estavam em constante diálogo com a sociedade através de suas diversas representações. ano 4. mas a esposa de Osíris. . é provável que tenha pertencido a uma capela votiva da família – assim como outra estela de Senusret-Iunefer (administrador real durante o reinado de Senuseret III. e. Ísis. segundo informações do Museu Nacional. na XII dinastia). exceto o seu órgão reprodutor. Jul/Dez 2013: 185-198. 188 Historien (Petrolina). Senhor de Abidos. 3 Historien (Petrolina). cada servidor de Deus. cada pessoa – se amais Uepuauet. que vos sejam dadas toda vida. vosso deus. Senhor de Vida. nascido de SitImagem disponível em: http://www. Senhor de Abidos.ufrj. para que ele conceda um bom enterro na necrópole do Ocidente. nascido de Situoser. de pães e cerveja.br/site/assets/public/2013-04/428. Oferenda que o rei faz a Osíris. Estela de Senusret-iunefer A tradução da inscrição da estela consiste em diversas oferendas ao deus: Bom deus Khakaura.museunacional. amado de Uepuauet. na paz profunda. cada escriba. n. e venerável. incenso e unguento – sendo isto o que deu Uepuauet. Senhor do Território Sagrado. vós que passais perto desta capela do Superintendente do Armazém. Chefe dos Ocidentais. amado de Osíris. cada sacerdote. Iunefer – cada leitor. . estabilidade e prosperidade. Chefe dos Ocidentais – para a alma de Iunefer. 9. que viveis na terra. doce de amor. que vos sejam dadas toda vida. Chefe dos Ocidentais. aos milhares: pão e cerveja. na presença do grande deus – para a alma de Senuosret-Iunefer. assim possais dizer: ‘Oferenda que o rei faz. Oferenda que o rei faz a Uepuauet.jpg. incenso e unguento. para que faça oferendas de invocação. grande deus. para a alma do Superintendente do Armazém. Senhor do Território Sagrado. Jul/Dez 2013: 185-198. (vasos de) alabastro. bois e gansos. grande deus. e roupas. Senuosret-Iunefer. bois e gansos. Acesso às 14:33 em 13 de dezembro de 2013. Oh vós.Beatriz Moreira da Costa 3 Figura 1. (vasos de) alabastro e roupa. ano 4. estabilidade e prosperidade para sempre. realizarem cultos. Jul/Dez 2013: 185-198. no seu ponto de vista. submetidos a tributos e trabalhos forçados. pois em vida teve tal privilégio que foi garantido pela vontade divina. 16): Na larga base da pirâmide social. Segundo Kasia Szpakowska (2010. ano 4. his journey in the day to provide light and air to all people. formando a maioria absoluta da população. à arbitrariedade e corrupção dos funcionários e mesmo a castigos físicos. a emissão de palavras e a absorção de alimentos. é a imagem real e cotidiana do mito de Osíris que representa o ciclo natural do mundo. os camponeses.] os antigos egípcios tinham consciência da ligação entre estas duas ‘oralidades’. 508): The cyclical nature of the world as well as the constant threat of chaos was elucidated by the repeated rising of the triumphant sun-god. Segundo Ciro Flamarion Cardoso (p. . a ponto de os termos serem quase sinônimos na linguagem ‘real’.O ensino de história antiga uoser e venerável’ – se desejais permanecer na terra em vossas funções sob o Rei. A sociedade egípcia é extremamente hierarquizada. responsáveis por cuidarem dos templos. e da relação primordial que existe entre a vida e a nutrição. n. ou seja. assim como tudo na vida dos egípcios. assim como metafórica. 9. 68): [. p. ajudam com encantamentos diários nas margens do Nilo para fazer a plantação a crescer saudável. todas as classes sociais têm um papel bem definido e são altamente especializadas em suas funções: o faraó é o deus vivo. p. A alimentação no Egito Antigo é evidenciada na escrita: o mesmo hieróglifo que significa “comer” também significa “falar”. que ocupa a função de administrador real e os demais nobres são. mas não sejais negligentes! A oferenda de alimentos é vital para a sociedade egípcia: Senusret-iunefer restitui os alimentos ao deus. a retribuição da abundância é justa. por fim. his setting in the west during the night where he would 190 Historien (Petrolina). Senusret-iunefer. estavam os trabalhadores braçais. donos de terras. um exemplo é o dono da estela trabalhada. e por isso são também peças chaves no festival de Osíris. os sacerdotes. e para que vos tragam oferendas sagradas do altar do Chefe dos Ocidentais.. Segundo Flandrin e Montanari (1998. os nobres. em sua grande maioria. analfabetos. camponeses majoritariamente. intermediário entre a esfera terrestre e divina. dos prazeres da mesa. A saúde e a longevidade dependiam. A agricultura. e.. 157): O grande deus Osíris devia surgir todos os anos de sua sepultura na terra. O festival consistia em um evento anual. A principal fonte sobre o festival é a estela de Ikhernofret. Os camponeses colocavam as sementes no solo após a descida do Nilo. os egípcios levavam a estátua de Osíris de seu templo construído em Abidos até a sua tumba em Peker (região localizada ao sul da cidade). que se acredita ser uma cópia da encomenda que recebera do rei – Senuseret III – para apresentar uma edição antiga do texto sobre o festival. a última fase era a Estação das Ceifas. sua imagem era velada durante a madrugada com diversos rituais performáticos e era de fato um louvor a vida e a morte do deus. a Historien (Petrolina). and his regular reappearance once again in the morning. Já que o ritmo das estações era o desenrolar anual da vida e morte de Osíris. o mito de Osíris também tinha a sua encenação teatral: O Festival de Osíris. pois o solo ainda estava molhado e adubado com o rico fertilizante “húmus”. ano 4. isso dependia tanto do trabalho do camponês como da magia do sacerdote. O festival de Osíris era divido em cinco partes principais de acordo com a estela de Ikhernofret. proveniente de Abidos no Império Médio: no primeiro dia. depois era a Estação da Descida. Durante o período de semeação eram recitados vários encantos para assegurar o sucesso plantação. na forma tão vital do trigo. Vacas e animais leves puxavam o arado a fim de cobrir as sementes. . onde em uma procissão. quando a riqueza legada pelo Nilo era recolhida. p. quando as águas se retiravam de novo para o seu leito fluvial e as colheitas começavam a crescer.Beatriz Moreira da Costa wage battle with chaos. estruturada em um ciclo de três estações agrícolas de acordo com a inundação do Nilo: a primeira era a estação do Dilúvio ou Inundação. Além de ser parte do cotidiano egípcio. Ou seja. Segundo Jon Manchip White (1966. quando as águas do Nilo inundavam suas margens. Jul/Dez 2013: 185-198. O calendário não era um frio e apenas convincente registro da passagem dos dias. n. A importância dessa procissão é confirmada na quantidade de capelas construídas na via onde a imagem do deus percorria (o caso da estela estudada na oficina). mas um gráfico do processo do martírio e ressurreição do deus. 9. o deus Osíris é a personificação da renovação anual da plantação. o Senhor de Abidos com uma capela e coloquei nele (Osíris) belas jóias quando ele foi para a localidade de Peker. assim que ela chegava em Abidos. Eu subjuguei todos os adversários nas margens de Nedit e eu o fiz conduzir a grande barca. Eu entalhei a cabine. Eu dirigi o trabalho relacionado com a barca neshemet. (Depois) Eu adornei o deus com a sua indumentária.. Eu repeli aqueles os quais se rebelaram contra a barca neshemet e subjuguei os inimigos de Osíris. A procissão é liderada pelo deus Wepwawet. Eu segui o deus para a sua casa. a barca "Neshmet”. dignas para adornar a carne de um deus. a grande procissão de Osíris: momento no qual Osíris morre e seu corpo é levado de seu templo para o seu túmulo em Peker – região localizada ao sul da cidade. malaquita. O quinto dia. Eu conduzi o caminho do deus para a sua tumba em Peker.O ensino de história antiga procissão de Wepwawet. A sua 192 Historien (Petrolina). O quarto dia.] Eu vinguei Unnefer. [. a qual carrega sua beleza. Primeiro dos Ocidentais. No terceiro dia. apoiar) seu pai. para isto eu tenho mãos puras para adornar o Deus. tem de ser defendido contra seus inimigos: Eu arranjei a Procissão de Wepwawet quando ele foi defender (vingar. n. Uma estátua de Osíris é levada ao templo: Eles viram a beleza da barca neshemet. Eu adornei o corpo do Senhor de Abidos com lápis-lazúli. 9. . electrum e todos os tipos de pedras preciosas. Eu dirigi a Grande Procissão e acompanhei o deus no seu caminho. Eu fiz a barca divina navegar e Thot guiou a jornada. em que a batalha simulada é promulgada durante o qual os inimigos de Osíris são derrotados.. O barco que o corpo é transportado. Senhor] de Abidos para o seu palácio. vigília noturna: Orações e recitações são feitas e ritos fúnebres realizados. ano 4. Jul/Dez 2013: 185-198. deus da guerra. Osíris é pranteado e os inimigos da terra são destruídos simulando a Grande Batalha de Nedit na qual Osíris é vingado. Eu sou um Sem com dedos purificados. Ela trazia [Osíris. no meu ofício de Chefe do Mistério. Eu adornei a barca chamada “Ela que reluz para frente em verdade”. O segundo dia. Meu ofício foi aquele de Sem (mestre das cerimônias rituais). Osíris renasce: Osíris renasce ao amanhecer e coroado com a coroa de Maat. naquele dia da Grande Batalha. 40): Quando a inundação chega. Eu soltei o nó no ---. como os donos de algumas terras. participavam direta e indiretamente do festival. Mas ele não está totalmente morto. . pois eram dependentes das cheias do Nilo ou da graça de Osíris. ano 4. O rio garantia fertilidade. Osíris é a água nova. ou seja.Beatriz Moreira da Costa purificação foi feita. Jul/Dez 2013: 185-198. Realizado no último mês da inundação. Os camponeses executavam as etapas agrícolas ao longo do ano. a qual deixa os campos verdejarem. pois no ano novo as ervas nascem novamente de seu corpo e mostram que ele está vivo. o processo de vazante e cheia do Nilo foi associado ao mito do deus. p. enquanto outros realizavam rituais performáticos durante o festival de Osíris. o faraó se torna um deus depois de morto. seu trono foi feito espaçoso. que reconquista o trono usurpado por seu tio Seth. O festival de Osíris foi o primeiro grande acontecimento teatral conhecido pelo homem: fora realizado durante quase dois mil anos seguidos e teria sua origem em crenças populares. prosperidade e vitalidade à região. As etapas do festival demonstram a vida agrícola do Egito Antigo: o período de cheia. [ele veio descansar entre] seus [companheiros]. seu séquito. por sua vez. fossem ricos ou pobres. Dessa forma. fica claro a relação direta do Festival de Osíris com as etapas agrícolas: havia uma analogia entre o rio Nilo e o deus Osíris. o festival celebra a inundação do Nilo e o sucesso da plantação. 10) na emblemática frase “O Egito é uma dádiva do Nilo”. A importância do Nilo fora expressa por Heródoto (Histórias II. 9. simbolicamente representadas no festival. segundo Adolf Erman (2001. e também reforça a figura do deus Osíris como o rei morto e a associa o rei vivo com o deus Hórus. a plantação e a colheita. Quando então as plantas murcham e morrem. onde as chuvas não eram tão abundantes. n. Alguns sacerdotes ajudavam a plantação a ter sucesso com magia e encanto. já que o faraó só poderá ser associado diretamente a Osíris após a sua morte. Todos. A associação do faraó reinante aos atributos do deus Hórus constitui na reafirmação de seu poder e ofício sagrado dentro dessa sociedade. que ligam os ciclos da natureza aos acontecimentos do mito de Osíris. Os nobres participavam. O rio Nilo é o coração do Egito assim como Abidos é a cabeça do deus Osíris. acredita-se desta forma que Osíris também morreu. Historien (Petrolina). necessita de 500g de grão-de-bico já cozidas. e o terceiro grupo possa misturar o azeite de oliva e o “Tahine” ao purê obtido. pimenta-do-reino. “Homus”. corrigir o sal e incorporar o azeite de oliva ao purê obtido. cozinhar bem o grão-de-bico em uma caçarola com água salgada até que amoleça bem. além de abordar o contexto histórico da estela trabalhada. no Egito Antigo. O caráter da Oficina não é realmente oferecer a comida ao deus Osíris. A preparação é muito simples. tem como objetivos: trazer a culinária egípcia ao conhecimento dos alunos e mostrar que. cujos ingredientes são: 1 colher (sopa) de azeite de oliva. o prato será servido e explicado que se trata de uma receita que provavelmente era consumida pelos faraós e a elite egípcia. e como proprietários de capelas votivas nas vias. CONCLUSÃO A Oficina Pedagógica tem como proposta. onde ocorria a procissão do festival de Osíris. O orientador da Oficina deverá retomar a imagem da estela de Senusret-Iunefer e convidar os alunos a se sentarem à mesa e consumirem o prato preparado como demonstrado na estela. 3 dentes de alho. Jul/Dez 2013: 185-198. coentro.O ensino de história antiga onde os camponeses trabalhavam. A segunda receita é o molho “Tahine”. n. por mais que pareça distante. 9. os alunos farão duas receitas culinárias muito comuns no Egito Antigo: “Homus” e “Tahine”. . a dieta 194 Historien (Petrolina). 1 colher (sopa) de vinagre. sal e 2 colheres (sopa) de gergelim. o segundo grupo possa preparar o “Tahine”. Devem-se separar as crianças de modo que o primeiro grupo possa descascar o alho e misturar o grão-de-bico ao alho triturado. ano 4. A escolha dessas receitas foi pela facilidade e rapidez de executá-la para depois consumi-la. acrescentar os alhos crus descascados e triturar. Após a finalização da receita. Na Oficina Pedagógica proposta. 1 pitada de sal e 3 colheres (sopa) de azeite de oliva. A primeira receita. mas apenas cozinhar para o deus e entender que. 1 colher (sopa) de creme de leite. essa refeição poderia ser oferecida ao deus conforme mostrado na estela. 1992 (Biblioteca básica) CARDOSO. Dessa forma. VAINFAS. novas perspectivas.). F. ensaios de teoria e metodologia... R. e destacar o caráter religioso que a comida egípcia tem ao ser oferecida aos deuses cultuados no país em busca da estabilidade cósmica do universo. História da alimentação. Referências Bibliográficas BAINES. M. 9. BRESCIANI. para somente depois estar disponível para cozimento e fazer parte da mesa real e ritualística. 1998. São Paulo: Cortez. educação patrimonial e cultura material. 2011. M. BIELESCH. MÁLEK. M. BURKE.. 2004. ano 4. Alimentos e bebidas no Antigo Egito. . J. In: FLANDRIN. C. C. REVISTA ANGELUS NOVUS 2: 5-33. S. ed. F. São Paulo: Estação Liberdade. Escrita da História. 3. (Org. a oficina pedagógica em questão é uma estratégia do ensino de História Antiga que não se limita somente ao corte temporal. n. A partir desse quadro. São Paulo. S.). Historien (Petrolina). Editora UNESP.). Jul/Dez 2013: 185-198. o aluno poderá compreender não só as etapas agrícolas egípcias como também os grupos sociais e seus papéis na sociedade. (Org. J. BITTENCOURT. Rio de Janeiro: Campus.Beatriz Moreira da Costa egípcia tem elementos semelhantes com a nossa dieta. J. Domínios da História. 1997. P. MONTANARI. 2008. E. Deuses. traçou-se um quadro processual do alimento: o grão deve ser plantado e colhido por camponeses. Ensino de História: fundamentos e métodos. Barcelona: Folio. Na Oficina. templos e faraós: Atlas cultural do Antigo Egito. O Festival de Khoiak: a celebração dos ciclos do Renascimento. mas também traz questões importantes como a propagação de um debate história comparada. (Org. ) LE GOFF. MONTEIRO. X. S. (Col. P. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. CURY. A. História Antiga. 2005. A. Erechim. Brasília. A. In: PINSKY. São Paulo: Contexto. NORA. 2003. FINLEY. (Col. M. 2003. Os antigos. J. 1986. Francisco Alves. de Castro et al.) 196 Historien (Petrolina). . Arqueologia. (Org. 1985. C. O Homem e a História) FUNARI. Rio de Janeiro: Liv. A. 2009. ed. 2013. M. M. testemunhos e modelos.). de Castro et al. História: novos problemas. 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Introdução – diretrizes. Avec l'analyse de la source cet article cherchera àdécrirele contexteet les institutions socialesde l'époque. seus agentes e sua atuação. Nous visons également àcomprendre le processus historique précédent la période d'étudeen essayant de délimiterson développement pour comprendre les spécificités de question agraire romaine à l'époqueen question.ENSINO DE HISTÓRIA: JUSTIÇA SOCIAL EM ROMA1 Filipe dos Santos Vieira2 Alex Aparecido da Costa3 Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar uma proposta de aula para alunos do Ensino Médio acerca da situação social em Roma na segunda metade do século II a. tema. Com a análise deste documento buscaremos delinear o contexto e as instituições sociais da época. Pretendemos também entender o processo histórico anterior ao período estudado procurando delinear seu desenvolvimento para compreensão das especificidades da questão agrária romana no momento em questão. Aprovado em 15/11/2013. leurs agents et leurs performances. poder e cultural em articulação com os conteúdos básicos sobre os 1 Recebido em 04/10/2013.. a partir do estudo do fragmento do texto de Plutarco em que este transcreve um discurso de Tibério Graco. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História pela mesma universidade. Jul/Dez 2013: 199-213. ano 4. Email: filipe_vieira90@hotmail. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História pela mesma universidade. fonte Nesta aula contemplamos os conteúdos estruturantes relativos às relações de trabalho. 9. tribuno romano que intentou uma frustrada reforma agrária. Ainda no sentido de processo histórico pretendemos estabelecer relações com a atualidade destacando diferenças e permanências. Graduado em História pela Universidade Estadual de Maringá – PR. Atua na área de Instituições e História das Ideias.com 3 Graduado em Letras e História pela Universidade Estadual de Maringá. tribun romain qui a apporté une réforme agraireéchoué. C. Résumé : Cet article vise àproposer une classe pour les élèvesdu secondaire sur la situation sociale à Rome dans la seconde moitié du deuxième siècle avant JésusChrist à partir del'étude du fragment du texte de Plutarque dans ceil transcritun discours de Tiberius Gracchus. (BOWDER. Em relação à fonte. cujo povo se debateu em diversas lutas entre grupos sociais distintos. por isso adotamos o tema/título Justiça social em Roma. foi uma cidade e foi um império. C. pois esses três elementos encontram-se permeados em uma dinâmica de complementaridade que dá significado aos embates políticos em torno da questão agrária romana.Ensino de história sujeitos. 1980). A distância no tempo. pois o confronto entre aqueles problemas e os atuais permitirá ao aluno uma interpretação com historicidade da realidade do tempo presente. além disso. 9. interessa estudá-los. Tema . C. ano 4. de seu biógrafo Plutarco não deve ser vista como um fator que ponha em dúvida a autenticidade do relato. e 120 d. devemos considerar que Plutarco teve acesso à fontes com as quais teve engenhosidade no trato (BOWDER. cujo dramático tribuna do teve lugar em 133 a.. 1980). n. (BOWDER. mas aborda também as relações de poder. Jul/Dez 2013: 199-213 . da sociedade romana ainda estão presentes em nossa época. sejam eles virtuosos ou viciosos. um historiador grego que viveu entre os anos 50 d. que separa Tibério. de trabalho e as relações culturais da Roma republicana de fins do século II a.discussão historiográfica. Levando em consideração que os legados. um fragmento de um discurso de Tibério Gracoi. e durante essa trajetória seu povo protagonizou processos de aculturação em que influenciou e foi influenciada. O documento escolhido trata principalmente da questão agrária romana. Em se tratando de história antiga devemos ter sempre em mente o papel preponderante que a cultura oral desempenhava naquelas sociedades. recorte tempo e espaço Diante da distância no tempo entre nossa época e a história da Roma Antiga podem suscitar-se questionamentos sobre a importância de ensiná-la nos dias atuais. temos de destacar que este chegou até nos por meio de Plutarco. A Roma antiga teve uma história de mais de mil anos. C. contexto. C. as revoltas e as guerras. 1980). atravessou crises econômicas e prosperidades também se submeteu a formas de governo diferenciadas. Ocorre que as semelhanças entre nossa sociedade e aquela guardam muitos traços em comum. Uma dessas lutas foi a tentativa de reforma agrária intentada por Tibério Graco na segunda metade 200 Historien (Petrolina). Antes da maioria de seus pares. durante seu mandato conseguiu promover um início de reforma agrária que visava resolver o problema da concentração de terras nas mãos da aristocracia redistribuindo-as aos camponeses que as tinham perdido devido às dívidas e por não poderem recuperar seu poder de produção após retornarem das campanhas militares. C. Jul/Dez 2013: 199-213 . baseada no seu grupo dirigente. mesmo assim tal proposta pareceu muito radical e Tibério acabou por ser assassinado por elementos da elite romana que nele viam um aspirante à tirania.Filipe Vieira/Alex Costa do século II a. ameaçava o poder aristocrático (BOWDER. Naquele tempo como no passado recente da história brasileira as populações impossibilitadas de viver no campo engrossam o movimento de êxodo rural que incha as grandes cidades forçando sua populações a submeterem-se à péssimas condições de vida. foi tribuno. n. p. 1980). 98. era reacionária e insensível às dificuldades das camadas populares. antes de tudo. pois: Uma outra transformação importante na sociedade romana em conseqüência do sucesso das conquistas e da utilização do trabalho escravo em grande escala foi o aumento significativo do contingente de plebeus desocupados. A estes juntaram-se levas de pequenos agricultores arruinados que faziam crescer os números do êxodo rural e inchar as cidades. mas todo o sistema político em que eles estavam fundamentados. sobretudo a capital (FUNARI. 2001). Tibério Graco tinha também uma preocupação quanto ao destino da imensa massa popular que se concentrava em Roma. 9. ano 4. Tibério Graco percebeu que o quadro caminhava para um agravamento que culminaria com revoltas sociais que colocariam em risco não apenas os interesses aristocráticos. mas tão somente exigiu que fossem obedecidas Historien (Petrolina). que era patrício. C. Esse esboço sintético da tentativa de reforma agrária já demonstra o quanto a sociedade romana. o que. Tibério Graco. eram partes dos territórios conquistados apropriados pela aristocracia. As terras a serem distribuídas não eram de propriedade particular. Para sanar tais problemas não adotou medidas revolucionárias. Em 133 a. Assim como na Roma Antiga no Brasil atual aqueles que desafiam os interesses dos latifundiários e desmatadores são frequentemente assassinados. 107. inclusive traziam vantagens para a aristocracia que passariam a ter posse legal de terras que estavam em seu poder de maneira irregular.Ensino de história leis anteriores que regulamentavam a utilização de terras conquistadas (BLOCH. Entretanto. quanto para os proletários. portanto uma série de garantias. Portanto as concessões a serem feitas eram pequenas. p. Tomando como base la antigua ley licinio-sextia. mesmo que fosse pouco a aristocracia não estava disposta a ceder. con lo que. a terra pública que eles tinham o direito legal de reter era transformada em propriedade privada. n. ano 4. p. 46. tanto para os ocupantes ricos. Em relação ao ponto em que o discurso de Tibério Graco critica os generais romanos por suas falsas promessas aos soldados podemos perceber a formação do poder pessoal baseado no prestígio político e militar característico do período. se prevía que ninguma persona había de disponer em el agerpublicus de uma posesíon superior a lãs 500 yugadas (o a lãs 1000 yugadas. 1974). 1987). Como compensação aos expropriados. pese a todo estas posesiones devenían de sus anteriores ocupantes. pero em adelante habían de continuar em propiedad del estado romano – lo que hacía explícito mediante el pago de um arriendo insignificante -. pois diante da miséria do camponês soldado nesse período se agravaria e este incapaz de atingir o censo 202 Historien (Petrolina). o que culminaria no futuro com a necessidade de sustento por meio do serviço militar. que conservariam áreas consideráveis. Havia. 9. a fim de que no pudiesen ser adquiridas por los grandes proprietários (ALFOLDY. em el caso de famílias numerosas). evitandose assim a volta à situação anterior (CORASSIN. isso só era possível devido ao desamparo dos camponeses. impedidos de vender suas parcelas. Tibério Graco pretendia: Revitalizar el campesinato romano. Jul/Dez 2013: 199-213 . Las tierras recuperadas por la limitación de La superfície de ocupación debían ser repapartidas entre agricultores pobres como parcelas de um máximo de 30 yugadas. 1988). nesse sentido podemos traçar um paralelo entre a aristocracia romana e elementos da direita brasileira que baseada em princípios liberais crítica os atuais programas de distribuição de renda. pelo assistencialismo. em última instância. Jul/Dez 2013: 199-213 . p. A sua aspiração imediata era assegurar essa força para. flutuava já no ar como única solução para os graves problemas políticos (BLOCH. e assim por diante. demonstrar como a história como conhecimento é produzida. Além disso. ano 4. mas somente interpretações dos fatos. mantida na dependência pela falta de investimentos na educação que antes de cumprir o papel de formar cidadãos críticos e conscientes criam apenas mão-de-obra barata e eleitores alienados e avessos à política. não podendo alistar-se no exército. certo da sua influência entre os comandos. no qual cada um deve ser capaz de participar como sujeito ativo. sempre enredada pela demagogia dos políticos. Em uma massa empobrecida e dependente é que eles apoiavam-se. uma massa semelhante à grande parte do povo brasileiro. A forma dominante. 9. Em suma cabe acrescentar a visão de Nietzsche de que não existem fatos. apoiado nela. que. A fonte na historiografia Desde os tempos de Heródoto e Tucídides. e. para que o estudo do passado possibilite a compreensão do presente como parte do processo histórico. tem sido a narrativa dos acontecimentos políticos e militares. sonho da sua vaidade. apresentada como a história Historien (Petrolina). 1987). n. 1974). tratados de antiquários. aqueles que. cria poder contar com tal exército para os seus planos de política interna. ao fazer com que os alunos entendam os processos históricos por meio de análise documental. uma massa popular a qual não era interessante emancipar. ao que parece. a história tem sido escrita sob uma variada forma de gêneros: crônica monástica. Esta metodologia de ensino pretende. organizado na base de comissários especiais. procurar-se-á dificultar a aceitação de verdades absolutas oferecidas acabadas.172. Em relação a essa situação verificada é que propomos uma aula baseada na análise de um documento histórico. porém. que era a renda mínima estipulada para o serviço militar se viu envolvido em uma situação que demandou uma mudança significativa: A transformação completa do exército cidadão em mercenário verificou-se com Caio Mário: foi ele quem impôs um eficaz sistema de recrutamento.Filipe Vieira/Alex Costa militar. memória política. recebiam o pão doado por esses generais que para isso dedicavam uma parte dos despojos conquistados (ALFOLDY. através disso. chegar ao poder unipessoal. também chamada de Positivista (século XIX). ao mesmo tempo quantitativa e qualitativa. além de lutar contra uma história de “ídolos” voltada fundamentalmente para a política. Jul/Dez 2013: 199-213 . pág. Essa definição de documento foi debatida e ampliada com o surgimento da História Nova (1929) de LucienFebvre e Marc Bloch. Com a Escola Metódica. 9. n. O interesse da memória coletiva e da história já não se cristaliza exclusivamente sobre os grandes homens. excluindo a utilização de documentos não escritos para a pesquisa histórica. o documento escrito converteu-se no fundamento do fato histórico”(SCHMIDT. a história política. decretos.Ensino de história dos grandes feitos de grandes homens – chefes militares e reis. passa a apoiar-se em textos mais seguros. correspondências. testemunhos e manuscritos diversos. sobretudo diplomática: Esta revolução é. 17). CAINELLI. Le Goff ressalta o limite dessa definição de documento sentida pelos próprios historiadores positivistas. os positivistas só utilizavam os documentos escritos como fonte documental para produzir história. uma contestação a esse tipo de narrativa histórica. fundadores da revista “Annales d’histoireé conomique et sociale”. pág. a dúvida se torna examinadora. Foi durante o Iluminismo que ocorreu pela primeira vez. os acontecimentos. ambos professores da Sorbone no século XIX. que a utilização e crítica dos documentos triunfam através de ciências auxiliares. 204 Historien (Petrolina). diplomática. o fazer-se história por meio de documentos. Essa escola revolucionou a maneira de fazer história conhecida até então. onde este apela frente à necessidade de se utilizar outras fontes onde faltam as escrituras. (BURKE. lutando contra os princípios positivistas de definição de documentos. Langlois e Ch. a heurística e a hermenêutica que fazem a crítica externa e interna do documento respectivamente. de objetividade absoluta na escrita. Para V. A crítica aos documentos foi definitivamente fundada por Mabillon no século XVII. Seignobos. a história que avança depressa. 1997. 2006. Todavia. dentre eles Fustel de Coulanges. ano 4. como por exemplo. A partir deste momento.90). Jacques Le Goff nos diz. “Para os historiadores daquele século. os documentos se restringiam a cartas. O documento. por exemplo. não relegou a importância do documento escrito. Mas ela pode ser feita. No entanto. que ampliou o campo de documentos disponíveis para pesquisar. os nascimentos. documentos orais e imagéticos. priorizando uma história problemática. religiosos e psicológicos. 21). os matrimônios e as mortes. para a história moderna. sem dúvida. A fonte na sala de aula O documento escrito foi ao longo dos tempos o mais utilizado como fonte pela historiografia tradicional para se produzir história. é de grande importância para o ensino a análise de Historien (Petrolina). Jul/Dez 2013: 199-213 . em que são assinalados. A Nova História recusava a noção de história dos grandes feitos. documentos escritos não oficiais. professores de história e profissionais da área. coloca em primeiro plano. por paróquia. que enfatiza os motivos geográficos. ela deve ser feita com tudo o que a engenhosidade do historiador lhe permitir utilizar” (FEBVRE. o documento escrito ainda é o mais utilizado pelos historiadores. Até o movimento dos “Annales” (1929) de Lucien Febvre e Marc Bloch. Outras fontes ainda são usadas de forma acanhada pela historiografia ou então como forma de complementar e confirmar informações fornecidas por documentos escritos. a ampliação da definição do quê é fonte. 1974. ano 4. Interessa-se por todos os homens. voluntária ou involuntariamente. pág. 531). passou a ser encarado como produto da sociedade que o fabricou. Para isso ampliaram seu campo de fontes documentais. como fontes de pesquisa: “A história se faz com os documentos escritos. pág. n. intelectuais. marca a entrada na história das “massas dormentes” e inaugura a era da documentação em massa. 1994. suscita uma nova hierarquia mais ou menos implícita dos documentos. (LE GOFF. o registro paroquial que conserva para a memória todos os homens. O registro paroquial. quando eles existem. passando a incorporar sítios arqueológicos. vestígio deixado pelos homens. Contudo. apenas as escrituras eram recorridas como fontes para se estudar história. apesar da ampliação de fontes empregadas na pesquisa do saber histórico pelos Annales em 1929.Filipe Vieira/Alex Costa militar. sociais. que continuou sendo utilizado por historiadores. econômicos. Assim como na historiografia. 9. panfletos. despertando assim o espírito crítico através do questionamento da verdade histórica. por exemplo. cabe ao professor dar todas as instruções necessárias: A leitura dos documentos. o aluno pode tirar suas conclusões. 2006. (ABUD. deve ser acompanhada de um projeto que vise a inserção do aluno nessa nova linguagem e proporcionar o amadurecimento de habilidades. como por exemplo. habitua-o a raciocinar baseando-se em uma situação dada. pág. o uso de fontes em salas de aula permite: [. propagandas. a análise do documento escrito não deve ser relegada à própria sorte do aluno.] o trabalho com o documento histórico em sala de aula é importante para a desconstrução de determinadas imagens canonizadas a respeito do passado” (SCHMIDT. não ficando restrito a algo posto pelos historiadores.. textos de historiadores.Ensino de história documentos escritos nas salas de aulas: “[. 2010. analisando a experiência humana de viver em sociedade à luz das dimensões espaço e tempo nas quais essa experiência tenha ocorrido”. desenvolvendo o sentido da análise histórica (RÜSEN. Jul/Dez 2013: 199-213 . A familiarização com fontes do passado.. o professor deve apresentar aos seus alunos. 15). 9.] estimular nos alunos o hábito de pensar historicamente. questionar qual a natureza do documento (documentos oficiais. textos de imprensa. 12). pág. observar em uma perspectiva histórica as situações com que se deparam. (AMARO. a 206 Historien (Petrolina). 2007). No entanto. construindo relações de diferenças e semelhanças.. cartas. Por meio de dois documentos contraditórios do mesmo período.. podendo assim ter sua própria visão sobre determinado acontecimento. ano 4. n. Segundo Amaro. a interpretação. a descrição. 2005. já esclarecida e sem campos para novos estudos. alguns procedimentos a seguir. desmistificando a história como algo imutável. tanto no arquivo quanto na própria escola. Para consecução da análise de documentos escritos. 92). isto é. O emprego do documento histórico na sala de aula permite o diálogo do aluno com realidades passadas e presentes. pág. a sistematização de idéias. CAINELLI. manuscritos). como se o ato de conhecer fosse algo dado e espontâneo. entre as quais a extração de informações. observando localizações. estimular o interesse pela história geral. o documento omiti ou dá informações falsas. como o documento apresenta a realidade. exemplificando uma situação ou fato histórico. ocorre defesa ou crítica a alguém. n. com quais objetivos foi produzido o documento. o autor (nem sempre é possível reconhecer a autoria do texto.Filipe Vieira/Alex Costa datação. induzir o aluno ao conhecimento histórico. desconexas. reforçando o que foi falado pelo professor. Para tanto. ao invés de ser apenas um punhado de informações apresentadas. Parafraseando Amaro. de seu país ou de sua região. No entanto. cabe ao professor adequar a análise do documento considerando as necessidades e potencialidades dos alunos. O professor não deve se limitar aos documentos escritos. procurando obter dados sobre sua personalidade e suas prováveis intenções quando produziu o documento). explorar todos os detalhes que a obra oferece. por isso os documentos devem ser escolhidos de maneira que despertem interesse e admiração pelos alunos. o trabalho com o documento histórico em sala de aula exige do professor um alargamento na sua própria forma de ver e utilizar este como recurso metodológico. segundo Amaro (2005). o destinatário. mas quando possível é importante que o aluno pesquise. De acordo com Schmidt e Cainelli. levando-os a construção de novas argumentações históricas. licenciando alunos e professores a rever representações já existentes. conceitos e hipóteses. situando-o no tempo e no espaço. como por exemplo. Jul/Dez 2013: 199-213 . o documento contradiz ou está de acordo com outros referentes ao mesmo período e tema. conhecendo-a melhor. de modo que esta faça sentido. além de buscar contextualizar o documento. mas Historien (Petrolina). o aluno sob orientação do professor deve retirar as informações expostas no documento. quais os argumentos. a análise de documentos nas aulas de história contribui para ilustrar o tema trabalhado em sala. pode avaliar todas as possibilidades que nela imbricam e que podem contribuir para seu trabalho. e assim. qual é o assunto central do texto. ano 4. a localização geográfica (onde foi escrito). mudanças e permanências. Depois de realizado esses primeiros procedimentos. estudar a história como fonte de respostas para hipóteses ou problemas. por meio de perguntas. 9. é necessário enfatizar que essa atividade é potencializada quando o professor tem familiaridade com a linguagem do documento que pretende utilizar. Contudo.função. mas sim. 9. 5-data tópica e 6. 4. depois de encerrada a leitura de todos os alunos.data cronológica. Apresentaremos uma variação de objetos e documentos que possam trazer informações a respeito do passado tais como textos. a partir de um embasamento do contexto político.emissor. além de informática. faremos isso explicando as formas de análise mais adequadas a cada uma deles. Plano de aula Esta aula é direcionada aos alunos do ensino médio e objetiva. 3destinatário. que compõem a História. Segunda fase Iniciaremos a atividade em sala por meio de uma leitura silenciosa e individual do documento que será entregue aos alunos em fotocópias. fontes orais e audiovisuais. 2. Duração: uma aula.Espécie do documento. são frutos de interpretações. ano 4. possibilitar aos alunos a análise de um documento histórico relativo à questão agrária romana. n. Em seguida. fotos e objetos variados. social e cultural da Roma Antiga. o que excluem a ideia de verdade absoluta. 208 Historien (Petrolina). Primeira fase Considerando que o trabalho com fontes vem sendo pouco utilizado em sala de aula e quando usado pouco problematizado enquanto documentos nesta etapa pretendemos apresentar aos alunos o trabalho do historiador no trato com os documentos para que entendam a forma como o conhecimento histórico é produzido.Ensino de história introduzir nas aulas também iconografia. os documentos não escritos não devem ser utilizados apenas como forma de complementar ou confirmar informações das escrituras. Posteriormente distribuiremos folhas em forma de fichas com os seguintes campos a serem preenchidos:1. pediremos a eles que usem a palavra de forma livre para que expressem sua compreensão do texto sem nossa intervenção. Jul/Dez 2013: 199-213 . Com isso pretende-se também inserir os alunos no processo de construção do conhecimento histórico levando-os a compreender que os fatos narrados. como fontes. a editora. sonoros ou imagéticos que Historien (Petrolina). educativa? 5 – Entre fins do século I d. 6 –Ano de 2009– data de reedição da fonte que temos em mão. 3 – Leitores interessados na história de Roma – questionamentos interessantes podem ser levantados aqui ao lembrarmos que no período o acesso a este tipo de obra produzida por Plutarco era restrito à uma elite letrada que correspondia a uma parcela ínfima da população do mundo antigo. ano 4. O objetivo deste tipo de trabalho de descrição da fonte possibilitara aos alunos iniciar-se no entendimento do processo de construção do conhecimento histórico. 4 – Informar a respeito da atuação de Tibério Graco acerca da questão agrária romana– pode-se indagar aqui o motivo do interesse na história romana no momento em que a fonte foi produzida.Filipe Vieira/Alex Costa As respostas esperadas para esta etapa são: 1 – Documento escrito – aqui não prevemos dificuldades. Este exercício será feito de acordo com a discussão da aula anterior acerca dos tipos de documentos. 9. moral. Nesta etapa uma releitura da fonte será necessária para que os alunos consigam descrevê-la ao preencher os campos da ficha. 2 – Plutarco – aqui deverá ser problematizada a questão relativa à autoria do texto feita por Plutarco a partir de um discurso proferido por Tibério Graco por volta de duzentos anos antes. n. possibilita a discussão acerca do novo emissor. Jul/Dez 2013: 199-213 . com seu objetivo econômico. aprendendo de que forma ele ocorre e inclusive se colocando na posição de um historiador em contato com a fonte. ela teria uma função política. O objetivo final desta experiência é o de tornar os alunos capazes de descrever os vários tipos de textos escritos. – completa-se aqui o entendimento acerca da autoria da fonte por parte de Plutarco. especializada oferecer documentos do interesse de historiadores do nosso tempo. C. documentos estes que os ajudarão a produzir novas leituras acerca da história de Roma. C. e início do século II d. A idéia de luta pela Itália poderá completar o raciocínio anterior agregando informações acerca do processo de romanização das regiões conquistadas pelos romanos e que passaram a serem suas aliadas. sua posição de tribuno possibilitará apresentarmos aos alunos os cargos políticos romanos e a sua importância dentro da situação evocada pela fonte. O trecho que trata dos soldados sem lar com suas famílias introduzirá a discussão sobre a questão agrária romana. buscando verificar as permanências e/ou as modificações das relações de trabalho. tal situação oferecerá ensejo para trabalharmos o tema da expansão romana. Quarta fase Após a experiência descrita na segunda fase os alunos reunidos em equipes de três deverão elaborar um relatório com os dados extraídos da análise do documento. culturais e de trabalho presentes na fonte respectivamente nos trecho que tratam das atitudes dos generais. relações de poder e 210 Historien (Petrolina). Jul/Dez 2013: 199-213 . o título do documento refere-se a Roma. mas o corpo do texto referese apenas à Itália. Duração: uma aula. por exemplo. Por último trataremos da figura de Tibério Graco. 9. n.Ensino de história os cercam no dia-a-dia e ao adquirirem essa habilidade serem capazes de problematizá-los de acordo com o contexto em que estiverem inseridos. A elaboração do relatório será orientada por tópicos correspondentes aos conteúdos estruturantes: relações de trabalho. de poder e culturais da antiguidade no tempo presente. aqui poderemos explicar o que é reforma agrária e retornar ao título para problematizar a idéia de justiça social que traz em seu bojo as relações de poder. da religião e da distribuição de riqueza. ano 4. Duração: uma aula. Terceira Fase: Nesta etapa estimularemos os alunos a fazer exercício de interpretação da fonte fazendo indagações sugestivas tais como: Por quê? Como? Quem? Onde? Acreditamos que nessa fase do trabalho reaparecerão dúvidas de interpretação. Após estimularemos os alunos a traçar paralelos entre o tema da aula e a realidade atual sobre as guerras e a distribuição de riqueza. AMARO. Maringá: Eduem. 1987. Ronaldo Cardoso. São Paulo: Cengage Learning. BOURDÉ. Referências Fonte PLUTARCO. Jul/Dez 2013: 199-213 . Ensino de História. BURKE. Fontes e Documentos no Ensino de História. 9. 2010. Martin. Peter. 100 textos de História Antiga. As Escolas Históricas. In: PINSKY. São Paulo: Art Editora. Jaime. n. Editora Unesp. Historien (Petrolina). Quem foi quem na Roma antiga. Linguagens. ano 4. HERVÉ. Bibliografia ABUD. BOWDER. Juntamente com esse relatório será anexada a ficha de descrição do documento produzida pelos alunos na segunda fase descrita acima. A Escola dos Annales (1929-1989): a revolução francesa da historiografia. 1980.Madrid: Alianza Editorial. SILVA. Guy. ALFÖLDY. São Paulo: Europa-América. 2005. Duração: uma aula. Publicações Europa América. André Chaves de Melo. Léon. Lutas sociais na Roma antiga. BLOCH. Géza. Hudson Siqueira.Filipe Vieira/Alex Costa relações culturais. Diana. 1974. In: História: Metodologia de Ensino. São Paulo: Contexto. 2009. ALVES.A intenção na produção desse material é a de fixar a experiência da análise documental e ao mesmo tempo produzir um material para intercâmbio entre as turmas. Historia social de Roma. Kátia Maria. São Paulo. 1997. Tibério Graco: justiça social em Roma. 9. FEBVRE.12. Buenos Aires: PLEYADE. Fontes Históricas. São Paulo: Editora Contexto. __________ Grécia e Roma. 1992. História e Memória. Leandro. André Luiz. 2003. KARNAL. FONSECA. A cidade antiga. Pedro Paulo Abreu. Moses. V. São Paulo: Contexto. Antiguidade clássica: a história e a cultura a partir dos documentos. São Paulo: Brasiliense. ano 4. 1996. p. JOANILHO. 1998. 1985. FUNARI. n. Jul/Dez 2013: 199-213 . 1995. PINSKY. 2003. Selva Guimarães. Campinas: Unicamp. 1972. Barcelona: Editorial Ariel. Política no mundo antigo. 2003. SP: Editora Unicamp. Jacques Le. A nova LDB e o ensino de História. 1997. 1994. A reforma agrária na Roma Antiga. Andrea. Ch. Lucien. SEIGNOBOS. LANGLOIS. Práticas e Propostas. Fustel de. GOFF. Maria Apparecida Mamede. São Paulo: Martins Fontes. Ensinando e Aprendendo História. Lisboa: Presença. Maria Luiza. 1998. O homem romano. 1974. Campinas: Papirus. Campinas. História e prática: pesquisa em sala de aula. 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É para o luxo e enriquecimento de outrem que combatem e morrem tais pretensos senhores do mundo. seu abrigo. São Paulo: Editora Scipione. História viva teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico. pois nenhum destes romanos possui nem altar de família. Maria Auxiliadora. 9. IX. 2007. que não possuem sequer um torrão de terra. Contexto.Filipe Vieira/Alex Costa RÜSEN. 2009. i Anexos Tibério Graco: Justiça Social em Roma Os animais da Itália possuem cada uma a sua toca. na hora do combate. São Paulo. Jörn. No entanto. seu refúgio. os homens que combatem e morrem pela Itália estão à mercê do ar e da luz e nada mais: sem lar. Jaime. Historien (Petrolina). e nos materiais didáticos. The criterion for the choice of didactic materials worked in related article is limited to works " Journey to the ingenuity of Santana " and " Living memory of Tupinambá". regional e nacional. Livros didáticos Abstract: This text analyzes the changes occurring in the reformulation of the concept region and the importance of reflecting on the regional and local history in school curriculum. pauta-se no estudo de temas sobre a história Regional e local. tendo como base as exigências da lei nº 9. que visa o estabelecimento nas instituições de ensino. na medida em que são precários as edições de livros paradidáticos dessa natureza. Teaching of History. Estudante do último período do Curso de História. Artigo realizado sobre a orientação do Professor Doutor Robson Norberto Dantas. em Ilhéus. ano 4. Ensino de História. Textbooks.394/96 – artigo 26. . which seeks to establish in educational institutions in matters related the identity local. 9. according as are precarious educational materials of that nature in Ilhéus . Os critérios para a escolha dos materiais paradidáticos trabalhados no referente artigo. lotada no Departamento da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC. Jul/Dez 2013: 214-231. se limitaram às obras “Viagem ao engenho de Santana” e “Memória viva dos Tupinambá de Olivença”. and didactic materials.394/96. 1 2 Recebido em 11/10/2013. Article 26. Aprovado em 19/11/2013. as well as the decay of myths and ideas sedimented by long and general history or nation. regional and national levels. Palavras-chave: História Regional e Local. E-mail: jackkssouza@hotmail. 9. de assuntos ligados a identidade local. bem como a decadência de mitos e ideias sedimentada há tempos pela história geral e ou da nação.com Historien (Petrolina). Keywords: Local and Regional History. A metodologia utilizada para o desenvolvimento desta análise.CONTEÚDOS E ABORDAGENS DO ENSINO DE HISTÓRIA REGIONAL: UM ESTUDO DE CASO DOS LIVROS “VIAGEM AO ENGENHO DE SANTANA” E “MEMÓRIA VIVA DOS TUPINAMBÁ DE OLIVENÇA”1 Jaqueline dos Santos Souza2 Resumo: Este texto analisa as transformações ocorridas nas reformulações do conceito de região e a importância de se refletir sobre a história regional e local nos currículos escolares. based on the requirements of Law nº. n. The methodology used to develop this analysis is guided in the study of topics on the history Regional and local level. influenciando por tanto. portanto. O que importa para a Micro-História não é tanto a “unidade de observação”. ou mesmo do próprio conceito de história mundial (BITTENCOURT. Nesse sentido. e. com maior predomínio até as décadas de 60 e 70 do século XX. à proporção que se revisa a história nacional. 2004. Assim percebe-se a necessidade de integrar a história do Brasil à história mundial. nas analises mais gerais dos estudos históricos. que observa e o modo intensivo como ele observa o seu objeto. cultural e a renovação da história política. prevaleceram às discussões pautadas na macro-história3. ao global. 1999). é possível perceber a Informa-nos José D’ Assunção Barros que a macro-história tende a apresentar as suas interpretações sob a forma de uma verdade que é enunciada objetivamente e de fora. que além de limitar o Brasil a um país periférico do sistema econômico capitalista.Jaqueline dos Santos Souza A hegemonia imperial Norte Americana. período em que a autonomia imperial decidia os rumos do ensino de história. para a ruptura com a lógica da história eurocêntrica. ano 4. influenciou. Jul/Dez 2013: 214-231. a seleção dos conteúdos históricos Brasileiros. tal hegemonia continua resistindo. retrogrado e ultrapassado diante dos seus conteúdos históricos. abrindo novos espaços para as micro abordagens. excluindo as suas particularidades. na renovação dos estudos históricos escolares e acadêmicos. 2004. “ao mesmo tempo em que as relações sociais se expandem com a globalização. Tais perspectivas foram assim abordadas a partir da proliferação de estudos e pesquisas realizadas no âmbito universitário e fora dele (idem). Já a partir dos anos de 1970. empreendendo para tal uma “redução da escala de observação” que não poupa os detalhes e que investe no exame intensivo de uma documentação. ou.157-158). tenta opor as particularidades das culturas regionais e locais. apoiando-se na produção didática voltada para a compreensão do mundo globalizado. até ás décadas de 1960 e 1970.157-159). não considerando as especificidades locais. e aos poucos. percebe-se que varias tendências historiográficas começam a surgir. p. . n. mas a “escala de observação” utilizada pelo historiador. p. elas não são mais organizadas localmente” (Souza. No entanto. 3 Historien (Petrolina). história das civilizações (BITTENCOURT. entendendo-se que. a Micro-História procura enxergar aquilo que escapa à Macro-História. que inicialmente pautou-se na história geral. focando-se nos estudos mais particulares do nacional. 9. Em contrapartida. com uma notável atenção para a história social. essas disposições contribuíram ainda. valorizando.0244. por uma parte diversificada. na lei 4. 15). A partir dos anos 1980. a história regional. p. o próprio. culminou nos anos 1980.024. .gov.27). denominada de Nova História. a mesma manteve o sistema organizado pela legislação anterior com a anulação da prescrição do currículo fixo e rígido para todo o território brasileiro.394/965.394/96. A fim de tornar mais acessível os estudos históricos regionais no currículo escolar.Conteúdos e abordagens do ensino de História Regional necessidade de analisar os aspectos particulares de seus espaços.br/ccivil_03/leis/l9394. PCN 1998. tais como questões ligadas a história social. a política educacional Brasileira teve em seus argumentos o destaque para educação nacional. exigida pelas características regionais e locais da sociedade. percebendo desde já a emergência de melhores tratos com os assuntos regionais. 5 A lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional n° 9. 9. em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar. todas elas voltadas para novas problemáticas e temáticas de estudo. possibilitando o debate de novas questões. a ser complementada. passou a existir uma diversificação no conceito de fonte histórica e os objetos de estudo dos pesquisadores foram ampliados. nas modificações das propostas curriculares. dizia assim: “Art. Nesse contexto. os historiadores produziram trabalhos mais sistematizados relacionados ao tema. Jul/Dez 2013: 214-231. (OLIVEIRA. como nos pondera pensar Ana Maria Carvalho de Oliveira. torna-se importante perceber as resoluções da lei 4. as inovações a partir das mudanças de 1929 contribuíram para renovação e ampliação do conhecimento histórico e dos olhares da história. p. a qual anulou a formalização do currículo fixo e rígido para todo o território brasileiro. segundo a autora. n. Mas. foi possível estabelecer uma nova perspectiva para o ensino da Em 1945.htm 4 216 Historien (Petrolina). o particular. entrou em vigor em 20 de Dezembro de 1996.planalto. P24-25. que resultou em 1961. da cultura. facilitando assim a atuação dos estados e estabelecimentos de ensino na ampliação de áreas optativas ao currículo mínimo prescrito pelo conselho Federal de educação. cultural e do cotidiano (PCN 1998. no que se refere a História Regional e Local. Isso só foi possível graças aos novos pressupostos teóricos e metodológicos que surgiu na França em 1929. através da História Regional busca-se aflorar o específico. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum. 26. O alargamento dos conteúdos históricos. ano 4. 2003. de diretrizes e bases. Disponível em: www. de diretrizes e bases 1991. da economia e da clientela”. só recentemente com as propostas da lei de Diretrizes e bases da educação nacional nº 9. p. 161). 26. as quais enfatizavam as análises mais gerais e não se detinham aos estudos mais particulares que melhor indicavam as diferenças da história recente do país. de acordo com a intenção da lei supracitada. de forma que se volte mais para as analises do cidadão comum e das relações estabelecidas pelos indivíduos. Os currículos da educação infantil. enfatiza-se que: “Art. Percebe-se nesse sentido. Nesse processo. a necessidade de integrar a história nacional à história mundial. ano 4.Lei nº 9. em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar. e aos poucos. antes se pautava apenas na região como um conjunto de elementos naturais e de divisões regionais administrativas. da cultura. atentando-se para os estudos mais particulares do nacional. de 2013. n. No que visa à autenticidade das exigências prescritas na lei supracitada. 2004. do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum. abrindo novos espaços para as micro abordagens6. é possível compreender a necessidade de analisar os aspectos particulares de seus espaços. aproximando o aluno de suas vivencias e tornando-o ativo diante do saber.Jaqueline dos Santos Souza história regional. Jul/Dez 2013: 214-231. Tais perspectivas trouxeram um novo olhar para o conceito de região que. de acordo com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).” Portanto. a educação infantil e o educando. da economia e do educando.394/96 – no seu artigo 26. recebem destaque. regional e nacional. valorizando a história regional e local (BITTENCOURT. passando a ser também entendida como construção histórica. Bittencourt nos informa que a partir da década de 1970 houve um considerável crescimento na pesquisa de História Regional em razão do esgotamento das Macro-abordagens. à proporção que se revisa a história nacional. 9. algumas reformulações foram feitas pela lei n° 12. por uma parte diversificada. será possível resgatar assuntos ligados á identidade local. Contribuindo para os estudos históricos. exigida pelas características regionais e locais da sociedade.796. . Assim. possibilitando ao aluno a refletir sobre os seus valores e as suas práticas cotidianas. e por tanto voltada para a atuação dos homens na 6 No livro República em Migalhas: história Regional e Local. a ser complementada. Historien (Petrolina). 1985. entre eles.1997 p153 ). 1997.. bem como a decadência de mitos e ideias sedimentadas há tempos pela história geral e ou da nação. regional e global complementar-se. que ligam as pessoas ao seu lugar de origem dentro de uma organização econômica e social. a aplicação de um diálogo entre ambas. causaram um embate. ano 4. fortalecendo os vínculos locais. percebendo as suas particularidades. Todas as transformações ocorridas tanto nas reformulações do conceito de região. a vida. pois esta é útil para rever paradigmas e buscar caminhos para novas leituras do social. A história local ou regional foi desse modo. reafirmam-se espaços e sociedades marginalizadas pela história. “fatos imprecisos”.. elimina diversos aspectos do social. uma singularidade. poderia assim dizer. o qual percebe que a história Geral. os fatos cotidianos e os acontecimentos locais: “. n.8). . com a qual se articula” (AMADO. 2004. 162). Janaína Amado ressalta que os geógrafos. Jul/Dez 2013: 214-231. fica a cargo da história local. p. (BITTENCOURT. seus espaços de relacionamentos cotidianos. seja ela oficial ou não. 9. quanto com a preocupação de se refletir melhor sobre a história regional e local nos currículos escolares. Por outro lado. dos grandes feitos e grandes heróis tomados como sendo a história de todo um povo.visto que o desenrolar da história é percebido a partir de um centro que lhe dá sentido: aquilo que não participa dessa atribuição é considerado fora da grande história. como desprovida de utilidades para a repaginação das novas concepções. por muito tempo considerada como uma simples monografia” (RODRIGUES. p. já que não se pode promover o estudo isolado da realidade regional desvinculado da interpretação de caráter 218 Historien (Petrolina).Conteúdos e abordagens do ensino de História Regional organização do espaço. principais contribuintes para a transformação do conceito de região. tornando-se muito mais vantajoso. Seguindo essas perspectivas. podemos tomar como exemplo os escritos de Marc Ferro. não se deve negligenciar a importância da história Nacional e Geral. daí a sua serventia em “rediscutir as teorias aplicadas às macro abordagens ou às longas durações” (RODRIGUES. p 153). Nesses termos. Inserindo-se nesse debate. a definem como: “a categoria espacial que expressa uma especificidade. dentro de uma totalidade: assim a região configura um espaço particular dentro de uma determinada organização social mais ampla. Dessa forma. 2002. O material originou-se de uma oficina cujo assunto tratava do “ressurgimento étnico” dos referidos povos. na comunidade de Acuípe de baixo. . (Neves. p. é um livro que surgiu do projeto de produção de Material didático sobre temas de história regional do LAHIGE (Laboratório de Ensino de História e Geografia). na interação com os grupos sociais em todas as extensões. 2002. nota-se a importância do estudo da História Regional e Local no universo historiográfico. Foi oferecido como desafio para novas pesquisas dos registros feitos. ou simplifica aspectos relativos às relações sociais. 9. alcançando vencidos. 7 Historien (Petrolina). como nos elucida Erivaldo Neves: A História Local requer um tipo de conhecimento diferente daquele focalizado no alto nível de desenvolvimento nacional e dá ao pesquisador uma ideia mais imediata do passado.394/96 – artigo 26. 90) Assim. político e geoambiental. enquanto o conhecimento do regional e do local insistira na diferença e diversidade. Torna-se importante salientar que. ler o seu grafite nas paredes. ano 4. seguir suas pegadas nos campos. n. Assim. respectivamente. 8 “Memória viva dos Tupinambás de Olivença”. vencedores e dominados.Jaqueline dos Santos Souza geral. Ele pode ouvir os seus ecos no mercado. 89) Apresentaremos no decorrer deste artigo. a analise detalhada de um determinado espaço adquire um significado próprio o que não se constata nas análises macroestruturais. p. focalizando o indivíduo no seu meio sócio-cultural. é um livro organizado pelos professores e lideranças da aldeia Tupinambá de Olivença. Jul/Dez 2013: 214-231. da Universidade Estadual de Santa Cruz. Ambos os ensaios tem como fito retratar a história local e regional de Ilhéus. Para análise das sobreditas obras basear-se-á nas resoluções da Lei nº 9. editados em 2000 e 2007. uma vez que ela aproxima o historiador do seu objeto de estudo. (Neves. conectando o individual com o social. o recorte local não reduz. ao contrário. Ela é encontrada dobrando a esquina e descendo a rua. elucida-nos Neves que o estudo do regional ao focalizar o peculiar. Por esta ótica. tomando novas proporções a partir da avaliação e revisão pelos professores até o período de sua publicação em 2007. redimensiona a análise do nacional. identificando a “Viagem ao engenho de Santana”. apresentarei a divisão interna dos capítulos. ressaltando as identidades e semelhanças. Para uma melhor compreensão das propostas dos referidos livros. na intenção de rever aspectos que necessitem de maiores informações. as obras “Viagem ao Engenho de Santana7” e “Memória viva dos Tupinambás de Olivença8” sobre a autoria de Teresinha Marcis e dos professores Tupinambá de Olivença. Ao fim das analises individuais. enfatizando a ação dos Coronéis. a exemplo da relação conflituosa entre índios e colonos durante o período colonial. que visa o estabelecimento nas instituições de ensino. .Conteúdos e abordagens do ensino de História Regional concepção de história e os conhecimentos históricos apresentados pelos seus autores. 220 Historien (Petrolina). político e 9A produção historiográfica de Ilhéus. regional e nacional. análises desse caráter tornam-se imprescindíveis a fim de perceber quais atores sociais foram preservados na memória oficial de Ilhéus. suas demandas e justificativas. bem como as fontes históricas expostas. se deu pelo fato da inviabilidade de materiais de pesquisa que ultrapassassem os limites do século XX e a produção do cacau9. n.394/96 – artigo 26. uma vez que visa-se alcançar em especial o público de estudantes do ensino regular10 e dos professores. Dessa forma. sem perder de vistas o lugar e a importância que cada ator social ocupa na história oficial de Ilhéus. A metodologia utilizada para o desenvolvimento desta análise. tendo como base as exigências da lei nº 9. regional e/ou local. que promoveram o progresso social. Os critérios para a escolha dos materiais se limitaram às duas obras na medida em que são precários a edições de livros paradidáticos dessa natureza em Ilhéus. o livros de Marcis (2000). Análise das Obras “Viagem ao engenho de Santana” e “Memória viva dos Tupinambá de Olivença”. bem como as reflexões de assuntos referentes à identidade e memória na história local e regional. A motivação para o desenvolvimento do livro “Viagem ao engenho de Santana”. de assuntos ligados a identidade local. sobre a autoria de Teresinha Marcis. 10 Entende-se por Ensino Regular o processo de ensino-aprendizagem realizado em instituições escolares. públicas ou privadas. trazendo aspectos da história de Ilhéus ainda pouco conhecidos. Entretanto. se fará uma comparação entre as obras a fim de detectar quais os atores sociais. Jul/Dez 2013: 214-231. durante anos se limitou a estudar a sociedade do cacau. ano 4. Outra motivação da obra estava relacionada ao entendimento de alguns aspectos. estruturado em sistema de ensino. 9. se pretendeu na contra-mão dessas historiografia. regulamentado por legislação específica de âmbito nacional. Todo o seu conteúdo foi explicado com uma linguagem acessível aos leitores. Ampliando este instrumento metodológico está o PNLD 2008. pauta-se no estudo de temas sobre a história Regional e local. elas são apresentas de forma a facilitar a compreensão do assunto e muitas se tornam uma ampliação do próprio texto. de uma história do tempo presente. O paradidático destaca-se pelo seu caráter de teor informativo. interferindo em uma melhor visualização das imagens que se encontram em tamanhos pequenos e na cor preta e branca. Por outro lado.Jaqueline dos Santos Souza econômico da história de Ilhéus desde a fundação da Vila de São Jorge. 9. Assim. heróica e simplista de seus agentes. principalmente devido à relevância dada as relações existentes entre diferentes grupos sociais. fontes documentais que trazem à tona as histórias vividas pelos diferentes personagens históricos de Ilhéus. orais e iconográficas. tornando viva a história de dois séculos atrás. Há um trabalho minucioso com as fontes escritas. devidamente identificadas e legendadas. escolha que se justifica pela importância dos acontecimentos que marcaram todo o desenvolvimento regional. tornando possível a reflexão por parte dos alunos. No entanto algumas dificuldades são apresentadas devido à qualidade do material didático. . tendo como base para a percepção dos acontecimentos. n. esses contratempos não interferem na qualidade de suas informações. tornando possível a investigação do passado como um problema que tenha sentido nos dias atuais. Jul/Dez 2013: 214-231. A problemática do livro parte antes de tudo. Esse trabalho criterioso com as fontes enriquece a leitura do livro na medida em que os procedimentos de investigação apresentados contribuem para a formação do censo crítico do aluno. ano 4. superando nesse sentido a visão factual. as quais mostram ruínas do Engenho de Santana. período de decadência do Engenho de Santana. Tais informações viabilizam os alunos a pensarem criticamente. As imagens são de fácil compreensão. Historien (Petrolina). até o final do século XIX. decidiu-se por explanar todo um trabalho de análise em volta do Engenho de açúcar. das ações dos sujeitos históricos. fatos que marcaram a história da capitania de Ilhéus. uma vez que as particularidades das imagens não são comprometidas. a exemplo das fotografias da página 24. respeitando o discurso dos mais velhos que “resistem até hoje em suas terras”. das representações do local 222 Historien (Petrolina). e acabam por trazer outro olhar para uma maior aproximação do contexto de discriminação e opressão vivenciadas pelos mesmos. situação que se justifica por acontecimentos passados. algo que se justifica pelo fortalecimento dos seus pressupostos. em expressar o desejo do reconhecimento étnico e geográfico que vise à demarcação do território tradicionalmente habitado pelos Tupinambás e o resgate da cultura dos povos supracitados. A explicação tradicional mostra esses grupos indígenas passivos diante do desconhecido. partindo da investigação e construção da memória histórica dos povos citados e das histórias dos cronistas. e ativos quando se percebem num espaço de escravidão.Conteúdos e abordagens do ensino de História Regional Outro paradidático em análise é “Memória viva dos Tupinambá de Olivença”. Jul/Dez 2013: 214-231. O seu público alvo é destinado às escolas Tupinambá de Olivença e aos outros povos indígenas da Bahia e do Brasil. Eles contam a sua história. 9. pois o livro inicia-se com destaque para a história atual e a identificação espacial dos Tupinambá. Baseiam-se para tanto. ao longo da obra são apresentadas fontes imagéticas e orais. para torná -la conhecida. a partir da importância dos rituais sagrados e de sua relação com a natureza e com os instrumentos de caça e pesca. O trabalho com a documentação histórica não se limita a manuscritos. Os tupinambás de Olivença buscam contar a sua história. na luta por um ensino diferenciado. a história acaba investigando o passado visto como um problema que tenha sentido no presente. as quais são lembranças enraizadas na memória dos “parentes mais velhos”. deixando claro que a cultura se modifica a cada geração. . percebendo assim como as relações sociais se constroem de maneira diferenciada. e começa a tomar novos rumos com o reconhecimento de sua cultura através da luta por seus direitos. Nesse sentido. em uma série de relatos e testemunhos. Os fatos históricos da obra não seguem periodizações lineares para a construção da história dos povos Tupinambás de Olivença. n. O livro apresenta claramente o objetivo. ano 4. esse surgiu de um projeto de oficina elaborado pelos índios de Olivença. a importância da história oral. ou mesmo. com o depoimento de personagens que ainda resistem à força do tempo. 9. Os Tupiniquim. p 79). no sentido de não informar como foi possível fazer essa seleção dos desenhos. descendente dos Tupinambá. Jul/Dez 2013: 214-231. no atual Rio do Engenho e que trazem nas suas memórias resquícios de um passado sofrido pelos maus tratos sociais. Nos capítulos seguintes 5. algumas informações sobre os autores das imagens deixam a desejar. responsáveis pelo progresso econômico do engenho de Santana. 3 e 4. e das histórias que viveram. 12 “Os povos indígenas que habitavam o litoral brasileiro na época da chegada dos portugueses pertenciam a dois troncos lingüísticos distintos: os Tupi guarani e o Jê. n. ocupando as páginas 43 a 74. (MARCIS. que constam das páginas 11 a 42. há maior destaque para os escravos africanos comercializados a baixíssimos custos nas costas da África. visto o grau de conscientização tomado pelos Tupinambás de Olivença desde a infância. No entanto. confirmar se os autores são estudantes da escola indígena. e a elite economicamente ativa. chamam muito a atenção do leitor por aparecerem em forma de caricaturas ocupando um espaço relevante no contexto. Nesse sentido. As imagens são devidamente legendadas. levando o leitor a pensar sobre as ações dos sujeitos históricos. outros índios também foram deslocados para as terras ilheenses como os Tapuia12 e potiguar.(MARCIS. Assim ela inicia a história do Engenho de Santana apresentando duas diferentes categorias de agentes sociais: os marginalizados. P 79). que os Tupi chamavam Tapuia”. 2. viviam ao longo do litoral de Ilhéus até a atual baixada santista.Jaqueline dos Santos Souza onde vivem. Isso se torna muito importante. ao mesmo tempo em que percebem o desgaste dos espaços naturais causados pela mão humana. a esquadra portuguesa causou a exploração dos nativos da terra. estes ganham importante destaque entre os capítulos 1. além da intenção de posse da imensa costa brasileira e das suas riquezas naturais. 6 e 7. Comparação entre as obras O presente e o passado dialogam. dentre estes se encontravam os índios Aimoré e Tupiniquim11. ano 4. . ou não. 11 Historien (Petrolina). que vieram da Europa com a ambição de expandir o seu comércio nestas terras Brasileiras. na medida em que a autora Teresinha Marcis ressalta em seu livro. Olivença era aldeia Tupinambá. No entanto. marginalizados pela a história brasileira. outros que ia pra mais longe voltavam no final da semana e se ajuntavam em Olivença para fazer festa. MARCIS.. quando eu me entendi por gente.”(depoimento do Sr Armando Magalhães. e tomar muitas biritas. tais situações são vistas na verdade. Hoje ainda se encontra muitos pedaços dos tijolos. o paradidático “Tupinambás de Olivença”. através de relatos e testemunhos da história do seu povo. 63 anos. Eu mesmo fui lavadeira ”(depoimento de dona Laura. n. e os exploradores. e no capítulo 2 destaca a experiência dos primeiros contatos com os “invasores”. Nesse sentido. no propósito de perceber o valor da história contada pelos mais velhos. ano 4. a história contada vai além da apresentação de informações que traga a tona a vida de uma sociedade explorada durante séculos. Aqui. é possível identificar algumas semelhanças na proposta dos paradidáticos citados... nos capítulos 1. também destaca a história oral.No meu tempo. coteas. invasores europeus. era uma grande olaria.Conteúdos e abordagens do ensino de História Regional Não muito diferente. para a percepção dos índios como agentes de sua própria história.. como forma de reconstruir o passado e percebê-lo como motivador da destruição do lugar de suas vivências. Nesse sentido. 4 e 5 há destaque para a história dos Tupinambás. Jul/Dez 2013: 214-231. Assim são destacados a presença de duas categorias de agentes sociais. Alguns voltavam pela tarde. a primeira impressão dos índios 224 Historien (Petrolina). as aldeias se acabaram pois os índios foram fugindo pelas matas. Jairy e Aldeia sede de Olivença. moradora do povoado. 9. em ambos os livros. que é cachaça. Quando eu era pequena o rio tinha cachoeiras. no outro lado tinha a casa de farinha e a serraria. Mas. Existiam três povoados de Índios: Coqueiros. Professores Tupinambá de Olivença. (apontando para o inicio das casas. os tupinambá de Olivença. “. Os índios saiam para trabalhar nas matas. pp10). 3. Nessas perspectivas. como motor propulsor de uma luta política. pp46) Há outro destaque. com as perseguições sucedidas. As mulheres ganhavam a vida lavando roupa. . social e econômica que visa o atual reconhecimento étnico e geográfico desses povos. assim identifica-se nos fragmentos abaixo: “Esse lugar hoje está muito diferente. destruindo canaviais e povoados dos colonos”. ano 4. E ainda “Estamos acostumados a ouvir a história sobre os índios que os brancos contam. No que diz respeito à diferença entre ambos os materiais didáticos. é importante destacar que apesar de se assemelharem em alguns aspectos. mesmo que sejam triste. onde se lê: “Os índios não compreendem a ganância dos colonos em produzir mais do que o necessário para viver e resistem cada vez mais. os tupinambá que ainda não haviam sido catequizados reagiram ao trabalho escravo e a invasão de suas terras. fugindo para o interior. mas não incapazes de agirem contra as sujeições dos colonos portugueses. por outro.28). recusando os trabalhos forçados em troca de bugigangas. até o final do século XIX. político e econômico da história de Ilhéus. defronte as ganâncias dos europeus os tornaram indefessos diante do desconhecido. são assim tratadas: Historien (Petrolina). destruindo plantações e amedrontando os colonos. os “pretos minas” e os crioulos. os Professores Tupinambá de Olivença. eles se diferenciam no seu objetivo principal. desde a fundação da Vila de São Jorge.” (MARCIS. p. ainda assim é válido lembrar alguns pontos de seus relatos em que contam e falam do nosso povo. n. ressaltadas nos capítulos 5. alguns fatores fundamentais que promoveram o progresso social. Questões como a submissão e resistência dos escravos. além da influência dos padres de Ilhéus e de Lisboa no controle desses cativos. Por volta de 1558. 9. “O primeiro contato que nosso povo Tupinambá/Tupiniquim teve com os exóticos europeus foi uma relação aparentemente amistosa.p. 6 e 7. 20). ou seja.Jaqueline dos Santos Souza Tupiniquim. objetiva expressar o desejo do reconhecimento étnico e geográfico visando à demarcação do território tradicionalmente habitado pelos Tupinambás e o resgate da cultura de seu povo. Jul/Dez 2013: 214-231. pois não sabíamos ainda ao certo o que os estrangeiros queriam fazer em nossas terras” (Professores Tupinambá de Olivença. se por um lado busca-se entender na obra de Teresinha Marcis.32). (Professores Tupinambá de Olivença. p. . o livro de Marcis ainda ressalta o trabalho escravo do negro Africano. como os citados acima. Além dessas diferenças. quanto pelo trabalho compulsório. este último promove ao leitor as propostas de vida reivindicadas por esses agentes marginalizados. rebeliões e tratados. Eduardo. este raro documento histórico revela o escravo como um agente histórico ativo que buscava melhorar sua vida e as condições de trabalho mesmo dentro do regime de escravidão.. Apud MARCIS. Apud MARCIS. que a história regional e local de Ilhéus apresentadas. paralisando a produção por dois anos”(SCHWARTZ. a labuta sempre era acompanhada por um feitor e sua chibata. Outro aspecto que se deve notar são as diferenças existentes.. tanto pelo não reconhecimento como povos civilizados. 1988.. p 66). evitando a generalização de que todos os escravos são iguais. As formas de resistência também variam. A conseqüência. Ele alegava que apenas palavras não bastava. n. sob a liderança de um “cabra” chamado Gregório Luís. mas quando os escravos foram atacados escreveram um tratado de paz. impondo-se. Negociação e conflito: A resistência negra no Brasil escravista. que era necessário andar pelo canavial com o diabo na boca e o pau nas costas dos pobres”(citado por SCHARWTZ. 9. se meu senhor quiser paz há de ser nessa conformidade.Para podermos viver nos há de dar rede. entre fugas. 1989.”(Transcrição do texto original in Reis. 130. como os agentes históricos rechaçados pela sociedade da época dos primeiros contatos. 226 Historien (Petrolina). p. Jul/Dez 2013: 214-231. se quiser estar pelo que nós quisermos a saber. p 52). Nos canaviais. os escravos do Engenho de Santana se rebelaram..Conteúdos e abordagens do ensino de História Regional “Os castigos físicos eram a forma mais comum para manter o escravo submisso e obediente. João José e SILVA. . até o final do século XIX. tarrafa e canoas. por exemplo. “Em 1789. das ações dos escravos do Engenho de Santana. 1988. e quando quiser fazer caboas e mariscar mande os seus pretos Minas. como relata um jesuíta do Engenho de Santana. o envio da expedição militar para debelar a referida revolta. causou por parte do governo. nem a mariscar. Vimos neste capítulo. Mataram o feitor e ocuparam o engenho. ano 4. nós queremos paz e não queremos guerra. Apud Marcis. outra religião e outros costumes. visa perceber a atuação de índios e negros. p 69) De acordo com Marcis. Essa prática era também utilizada pelos padres Jesuítas. 142. Não nos há de obrigar a fazer Camboas. P. que assim dizia: “Meu senhor. p. é da forma apresentada. mantendo as suas identidades através de seus costumes e da cultura material. Jul/Dez 2013: 214-231. podemos. Concebido como um recurso auxiliar para o professor e como instrumento facilitador da aprendizagem.). respectivamente. Sobre esses dois últimos aspectos. . trazendo a tona o estudo da história local e do meio em que vive o mesmo. os PCN´s (Parâmetros Curriculares Nacionais). É na reconstrução desses laços interrompidos que a memória viva dos Tupinambás de Olivença projeta o futuro de sua sociedade. o livro didático visa a aproximação das fronteiras espaciais e socioculturais. A História Regional nos livros didáticos do 2º ao 5º ano Nesse contexto de novas perspectivas para o trabalho da história local e regional na sala de aula. mantidos como pilar sustentador das obras mais importantes. percebe-se a pouca atenção dada às obras regionais. hoje não reconhecidos pelo labor das horas perdidas. 1989. objetivando por meio do estudo da história local e do cotidiano.Jaqueline dos Santos Souza Antes. enfim de celebrar á vida. n. que os livros de Teresinha Marcis e dos professores Tupinambás se complementam. cantar. na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si” (POLLAK. p 49). ano 4. 9. no Primeiro Ciclo(1ª à 2ª s. reafirmando-se enquanto um povo que não perdeu a sua identidade. essa que se baseia na modificação da cultura a cada geração. dançar. tanto individual como coletiva. mas que reconhecem a sua história e a sua origem. identificando as especificidades locais/regionais. buscam auxiliar o professores na execução dos seus trabalhos. a partir da transformação da sua própria cultura (Professores tupinambá de Olivença. em que foram proibidos de falar. pela falta de maiores investimentos na sua produção e de um trabalho dinâmico que. considere a progressão histórica dos alunos. Corroborando com os respectivos propósitos.204). portanto dizer que “a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade. ao mesmo tempo em que banidos do reconhecimento das mesmas e de suas próprias histórias. essa ao contrário. com a história do passado e do presente. escravos de uma história. identificar algumas características da sociedade em Historien (Petrolina). se transformou ao longo dos tempos. é estar além de tudo ligada a história cultural. Portanto. esta que é capaz de redimensionar a visão política das formas improvisadas de lutas. “a questão da memória impõe-se por ser a base da identidade. línguas. assim algumas faltas são observadas tais como: o pouco esclarecimento sobre o recorte espacial escolhido. ainda há muitos desafios a se vencer no percurso realizado para a consolidação dos livros didáticos de história regional e local. 1997. 2013. evitando criar a imagem do Índio como povo único e sem história. a desconexão entre os conteúdos.35-36) No entanto. relações sociais e de trabalho diferentes do seu cotidiano” (Parâmetros Curriculares Nacionais. pois esta possibilita ao discente o entendimento do seu cotidiano. p 169). o qual descreve: “A preocupação em identificar os grupos indígenas que habitam ou habitavam a região próxima do convívio dos alunos é a de possibilitar a compreensão da existência de diferenças entre os próprios grupos indígenas. (PCN. n. ao mesmo tempo. O conhecimento sobre os costumes e as relações sociais de povos indígenas possibilita aos alunos dimensionarem.Conteúdos e abordagens do ensino de História Regional que os alunos vivem. ano 4. tais como a memória e identidade dos sujeitos históricos. seria desconsiderar dois importantes aspectos que formam o estudo da história local e do cotidiano. percebendo as mudanças e permanências nas organizações familiares e educacionais. sem perder de vista os problemas significativos da história do tempo presente. de resistência e de organizações diferentes das estabelecidas pelo poder institucional. de acordo com Circe Bittencourt. as habilidades trabalhadas nos livros regionais e as formas isoladas que se apresentam os processos regionais e locais à história brasileira. Passar despercebido. conhecem costumes.28). diferentes. mediante a identificação das diferenças e semelhanças existente de inicio no presente. 1997. Nesse intuito. por questões como essas. (BITTENCOURT. uma vez que. Jul/Dez 2013: 214-231. p. e é pela memória que se chega a história local”. as mudanças ocorridas naquele espaço onde vivem e. perpassar pela história do cotidiano é preocupar-se com a história local. 9. p.35-36). com especificidades de costumes. 228 Historien (Petrolina). para que em seguida desenvolvam estudos do passado.p. em um tempo longo. bem como nas relações de trabalho e na organização urbana ou rural em que vivem. Segundo os PCNs torna-se relevante introduzir estudos dos povos Indígenas. 2004. identificando o passado sempre nos espaços de convivência. (PNLD. . Historien (Petrolina). ou seja. Assim os Parâmetros Curriculares nos orienta a estabelecer no Segundo Ciclo (3 ª e 4 ª s. Niterói. na busca de explicações abrangentes. mas não mencionamos a importância histórica que teve o rio das Contas para a economia da Capitania dos Ilhéus. a exemplo do tratamento com os personagens históricos. não podemos falar de economia da Capitania dos Ilhéus no século XIX. por exemplo. Geralmente estudamos as características do rio Nilo. Também. estudamos o poder apenas em uma esfera nacional. mas isso não significa estabelecer escalas de valores entre um tema e outro. estudados nas escolas deveriam ser menos mecânico e mais aplicável a um significado de vida para os estudantes. sociedade e paisagens da capitania e comarca de Ilhéus no período colonial. . 2007 (tese de doutorado).Jaqueline dos Santos Souza Como foi possível perceber nos comentários anteriores. “uma história distante de seu tempo presente. a História Regional e Local não pode ser desvinculada de um contexto mais amplo de região. No entanto. Evidentemente. uma vez que boa parte do abastecimento da cidade de Salvador até o século XIX era feita através desse rio13. que dêem conta de expor as complexidades das vivência históricas humanas. acredita-se que os conteúdos de história. Jul/Dez 2013: 214-231. de suas experiências de vida. muitas vezes sem significado para os alunos. que os conteúdos de História Geral e Nacional se relacionem com a História Local. ano 4. de suas expectativas e desejos. caso 13 Acerca das relações econômicas da Capitania de Ilhéus e seu papel de abastecedora de alimentos ver DIAS. Marcelo H. para os alunos entenderem as reivindicações das sociedades indígenas contemporânea é necessários está atentos aos fatos históricos da história geral e do Brasil. é necessário dar conta da urgência em se trabalhar na sala de aula esta nova concepção historiográfica. não levamos em consideração as práticas políticas e os símbolos usados pelos coronéis da nossa região como forma de perpetuar seu status sócio-econômico. uma vez que os livros didáticos e módulos privilegiam apenas um tipo de conhecimento histórico universalizado em temas de História Geral e do Brasil. A nível de consideração final. n. PPGH-UFF.). Economia. o fundamental é percebermos as relações históricas na mais pura especificidade. sem fazer uma relação com o cenário nacional. é necessário se prevenir diante de alguns riscos. 9. como bem esclareceu Neves (2002). ano 4. 6. 2007. Pierre. 2002. 230 Historien (Petrolina). caso se limite a apresentar aos alunos personagens políticos de outras épocas. Arcádia. 1997. n. destacando a vida e a obra de antigos prefeitos e demais autoridades.166p. Erivaldo Fagundes. Memória. Memória viva dos Tupinambá de Olivença: relembrar é reviver. Brasília: Ministério da Educação. 45-57. In SILVA. BRASIL. p. p169). Michael. Marcos (Org). Teresinha. Niterói. Cortez. 9. (BITTENCOURT. BRASIL. 2007 (tese de doutorado). Viagem ao Engenho de Santana/ Teresinha Marcis. – Ilhéus: Editus. Brasília: MEC. NEVES.2004. A importância da história local para o ensino de história: Um olhar para o município de Duque de Caxias. Estudos Históricos. Marcelo H. São Paulo. UEFS/ ed. BRASIL. 1992 MARCIS. Brasilia: MEC/SEF. 3-15. vol. 360p. esquecimento. Secretaria de Educação Básica. 2012. Janaína. Guia de Livros Didáticos: PNLD 2013: História. Rio de Janeiro. História & Perspectiva. Jul/Dez 2013: 214-231. p.2007. Referências AMADO. PEREIRA. Salvador: Associação Nacional de Ação Indigenista. Guia de Livros Didáticos: PNLD 2008: História/Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: História. Geografia. . História Regional e Local no Brasil: fontes e métodos da pesquisa histórica regional e local.3.Conteúdos e abordagens do ensino de História Regional contrário a história local pode simplesmente reproduzir a história do poder local e das classes dominantes. CESE. n. 2. BITTENCOURT. sociedade e paisagens da capitania e comarca de Ilhéus no período colonial. Feira de Santana/ Salvador. 2004. 128p. DIAS. PPGH-UFF. POLLAK. é afirmar-se ser/[organização] Professores Tupinambás de Olivença. Circe Maria Fernandes. História e região: reconhecendo e construindo espaços. História Local. 1990. 2000. 2010. GOUBERT. República em Migalhas: história Regional e Local. silêncio. n. Aldiceia Machado. Ensino de história: fundamentos e métodos. 1989. São Paulo: Marco Zero/ CNPq. Secretaria de Educação Fundamental. Economia. nº 16/17. J. . 9. pp. n. SOUZA. ano 4. In: Revista História & Perspectiva. F. Magda Viana de.Jaqueline dos Santos Souza RODRIGUES. Identidade Cultural e política Municipal de Educação. “História Regional e Local: problemas teóricos e práticos”. Uberlândia: UFU/COCHI. 1997. Jul/Dez 2013: 214-231. S. FAPERGS e FINEP/ 1999. 149-164. Historien (Petrolina). Discutindo também porque precisamos de lei para valorizar nossas heranças culturais e como está ocorrendo o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira a partir da lei nº 10. 2 Recebido em 05/09/2013.O ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA E DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES12 Franciel Coelho Luz de Amorim3 Resumo: O presente trabalho procura debater questões sobre o ensino de História da África e da cultura afro-brasileira.639/03. 9. Palavras-chave: Ensino de História da África. Diversidade Cultural. o nosso ensino assim como as práticas pedagógicas.639/03. Jul/Dez 2013: 232-241. Harley Abrantes Moreira. 10.639/03. . Ms. no sentido de estarem em conformidade com o devido valor histórico-cultural que sempre foi repassado apenas por meras representações sobre a África e os Afrodescendentes no nosso processo de ensino-aprendizagem. portanto. Aprovado em 17/11/2013. This work emphasizes therefore our teaching as well as teaching practices in order to comply with the due historical and cultural value that has always been passed by just mere representations about Africa and African Descent in our process of teaching and learning. Law No. Keywords: Teaching African History.639/03. 3 Graduando em História pela Universidade de Pernambuco – UPE Campus Petrolina. O ensino de História da África e da Cultura Afro-brasileira passou a ser obrigatório a partir de 2003 nas instituições de ensino públicas e privadas da 1 O presente Artigo é resultado de discussões estabelecidas na disciplina de História da África do curso de Licenciatura em História da UPE Campus Petrolina. sobre a importância e ao mesmo tempo as dificuldades de inclusão da temática Africanidades e sobre tudo como incluir e desfazer ideias que desvalorizam nossa própria Diversidade Cultural. E-mail: francielupe@gmail. Also discussing why we need the law to value our cultural heritage is occurring and how the teaching of African history and culture from africanBrazilian Law No. Cultural Diversity. Lei nº 10. through a discussion on the problems of our education on the importance and yet the difficulties of including thematic and Africanidades about everything including and discard ideas that devalue our own Cultural Diversity. Historien (Petrolina). passando por uma discussão nos problemas do nosso ensino. n. ano 4.com. 10. Orientador: Prof. Esse trabalho enfatiza. Abstract: This paper seeks to discuss issues on the teaching of African history and culture african-Brazilian. Franciel Coelho Luz de Amorim educação básica. E ainda se observa pouca preocupação no levantamento de discussões e efetivação na complexidade da lei. (BRASIL. em especial nas áreas de Educação Artística. resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social. a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional. ano 4. enquanto o ensino privado e apresenta com a Historien (Petrolina). n. a luta dos negros no Brasil. assim como coloca o artigo 26-A da referida lei: Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio. econômica e política pertinentes à História do Brasil. pois as abordagens de cunho histórico-culturais.639 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. § 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar. § 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos. Sabemos que o ensino público do nosso país é responsável por educar a grande maioria da nossa população. torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. deveriam perpassar pelo continente africano e pela cultura afro-brasileira para entendermos o processo de formação da sociedade brasileira. de Literatura e História Brasileira. Jul/Dez 2013: 232-241. assim como as demais. 9. uma vez que já estamos nos aproximando quase há uma década depois do vigor da lei. deveríamos levar em conta que não necessitaria ter lei obrigando que tais discussões ocorressem. 2003. com a lei 10. p. 01). . oficiais e particulares. Diante dessa obrigatoriedade devemos fazer os seguintes questionamentos: Por que a necessidade de se estabelecer uma lei para que o nosso ensino começasse a valorizar e a explanar a devida importância da história da África e da Cultura Afro-brasileira? Será que mesmo depois da lei existe empenho na valorização e na conscientização por parte dos educadores e das instituições de ensino para a devida importância de se discutir Africanidades ou simplesmente existe um vago e precipitado preenchimento de algo que foi imposto obrigatoriamente a ser cumprido? São questionamentos pertinentes. se encaixando. A construção da criticidade dos educandos não é uma tarefa fácil. heróis. Isso porque muitos entram em uma rotina de comodismo e estagnação de suas práticas pedagógicas. enquanto as culturas das etnias historicamente inferiorizadas (Negros e Índios) são vistas de modo meramente simbólico. (FERNANDES.]de forma folclorizada e pitoresca. ano 4. nesse caso. n. Sendo que os professores não podem ser um instrumento de reprodução dessas representações. mas que os docentes ao trabalharem com o tema mostrassem que não possuímos uma história homogeneizada e sim uma heterogeneidade étnica que foi 234 Historien (Petrolina). principalmente aqueles históricos que sempre foram interpretados e repassados por errôneas representações e que o nosso ensino (principalmente de História) continua reproduzindo até os dias atuais. e que o ensino (principalmente de História) não pode ser regido por representações que foram criadas e reinventadas para os fatos e os acontecimentos. Mas. mas dando-se ao europeu a condição de portador de uma ‘cultura superior e civilizada’”. 9. grandes homens e grandes feitos ou até mesmo a própria noção de cultura na qual as ideias eurocêntricas (do homem branco hegemonicamente e historicamente considerado superior) sempre predominaram. 380). como mero legado deixado por índios e negros. Como as histórias de reis. 2005. .. Sendo que essas culturas são percebidas “[.O ensino de história da África missão de preparar os filhos de uma minoria com maior poder aquisitivo (os filhos dos ricos) para o ingresso nas grandes Universidades do nosso país. não percebendo que as discussões precisam fluir. mas infelizmente muitos acabam sendo passivos e obedientes à opressão exercida por aqueles que comandam os interesses políticos e ideológicos da nossa sociedade. Jul/Dez 2013: 232-241. Seria necessário. mesmo com uma grande distinção apresentada entre o público e o privado sabemos que o nosso Ensino de maneira geral ainda é muito falho no que diz respeito às discussões críticas sobre os fatos que são pertinentes. pois muitos educadores não conseguem desenvolver sua própria criticidade diante de muitas situações. dentro do “conceito vivo” e valorizante de cultura. p. não conceituar o que seria a cultura afrobrasileira.. nesse caso. Sendo assim. o consumo. a própria pluralidade cultural que atende para a nossa diversidade cultural. preceitos e princípios que valorizam uma ou outra expressão cultural. Historien (Petrolina). o trabalho. n. p. pois as práticas culturais estabelecidas pelos Africanos no Brasil não são as mesmas cultivadas no território Africano. tornando Africanidades um tema obrigatório no nosso ensino já existia os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) que visam os conteúdos transversais. problematizações e uma devida valorização tanto da história da África como da cultura Afro-brasileira. . um complexo e diverso sistema cultural o qual hoje convencionamos chamar genericamente de cultura afrobrasileira. por exemplo. (GOMES. que alterou as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Jul/Dez 2013: 232-241. a saúde. ou seja. 9. Todas elas são responsáveis por essa diversificada sociedade que é rica em diversidade cultural. houve uma ressignificação dessas práticas a partir dos novos contextos que aqui encontraram sendo assim Os africanos e seus descendentes moldaram e criaram uma cultura negra dentro de uma nova realidade chamada Brasil. um processo sólido que contemplasse uma série de discussões cercadas de observações. pois somos diferentes e não podemos viver em torno de um conjunto de regras. ano 4. O ensino de história da África não deveria ser tratado como uma obrigação. ou seja. paulatinamente. o ensino de uma determinada disciplina interligado de maneira interdisciplinar a outras temáticas como.2012. criando assim. Antes da lei 10. pois estudar sobre a África é estudar sobre uma vertente de nossas próprias origens. e ainda segundo Oliva (2003) deveria ser dado relevância ao estudo de Africanidades de uma maneira geral sem necessitar de motivação. a ética.639/03. a sexualidade. essa nova cultura lhes dava sentido à existência. 52).Franciel Coelho Luz de Amorim se constituindo nas diferentes expressões que hoje nos cercam e nos entrelaçam. mas sim que ocorresse de uma maneira natural. na qual o direito a diferença não é somente necessário. Nesse caso falar em cultura Afro-brasileira não falar de cultura Africana. sem que uma cultura sobreponha-se à outra.O ensino de história da África [. mas que todas sejam vistas como importantes para a construção da identidade nacional. 338). ano 4. .. (por sua vez considerado historicamente produto de posse para a produção e acumulação das riquezas da minoria europeia do nosso país) para uma abordagem das nossas heranças culturais. (ZAMPARONI apud OLIVA. (se é que ela era ou é trabalhada como rege os PCNs) de maneira que houvesse uma recorrência não estereotipada a história do negro. 335). p. senão restrita a algumas lamúrias nas poucas páginas dedicadas à escravatura”. 2008. 236 Historien (Petrolina).639/03 as discussões foram se fomentando para a inserção da História da África também nos currículos Acadêmicos. p. Mas infelizmente “quem olha para os currículos escolares. 2008. com isso “encontram dificuldades para ter acesso às informações que lhes possibilitem aplicar a lei”. burocrático e que não deve ser levado a serio. (LAUREANO. mas que esta acontecendo para uma formação diferenciada nos futuros educadores que deverão ter outra postura na sala de aula no que diz respeito ao ensino das diversidades culturais. 9.] a ênfase nas diferentes formações que o povo brasileiro teve. 2009. 161).. a prova disso é fato da pluralidade cultural não ser trabalhada sem que uma cultura se sobressaia à outra. Uma grande maioria de professores que atuam no nosso ensino são professores que saíram da Universidade já há bastante tempo e tiveram uma formação que os impossibilitam hoje de serem conhecedores da África e das culturas Afro-brasileiras. A importância da história da África como das culturas de matrizes africanas não podem ser colocadas para o esquecimento ou o desconhecimento dos que fazem o processo de ensino-aprendizagem acontecer nessa sociedade. Jul/Dez 2013: 232-241. p. Esta temática dificilmente é vista sendo trabalhada nas escolas.(LAUREANO. n. já antes da lei 10639/03. Ela obrigaria. Mas infelizmente os PCNs parecem serem desconhecidos por muitos educadores ou simplesmente são vistos como algo dificultoso. que os professores dessem uma passada pela África para tratar de nossas heranças culturais. mas sabemos que é um processo bastante lento. do primeiro grau à universidade – salvo raras exceções – não vê a presença negra. Com a inclusão da lei 10. esse grande número de professores que desconhecem a temática acabam somente se refugiando nos aportes oferecidos e pré-estabelecidos pelo livro didático. repressivo e disciplinador. n. os professores se deparam com piadas.Franciel Coelho Luz de Amorim Esse é um problema seríssimo que já deveria ter sido revisto há bastante tempo. Historien (Petrolina). 2005. que efetivaram uma participação mais que importante na edificação da nossa sociedade: Os livros didáticos. assim como aponta Gomes (2012. e práticas estereotipadas que mostram o negro historicamente como um objeto insignificante nesse processo e que não contribuiu em nada para o que somos hoje. que primou pelo relato dos grandes fatos e feitos dos chamados ‘heróis nacionais’. 9. Na maioria deles. Jul/Dez 2013: 232-241. ilustrações. sobretudo os de história. Que por sua vez se constituem em meras e muitas vezes errôneas representações da história. pois como será ensinado algo desconhecido. 50): Muitas vezes. a participação de outros segmentos sociais no processo histórico do país. que impôs estigmas de marginalidade. geralmente brancos. ainda estão permeados por uma concepção positivista da historiografia brasileira. despreza-se a participação das minorias étnicas. Nesse sentido as práticas pedagógicas se voltam para a desvalorização étnico-cultural de uma grande parte de nossa sociedade. 380). escamoteando. carregados de ideias de uma história oficial que não inclui as diversas manifestações culturais e étnicas raciais. assim. os educadores devem com certa frequência se deparar com situações delicadas que podem ser causadas pelas próprias reproduções que eles mesmos fazem nas suas práticas de ensino. (FERNANDES. jargões e represálias que são lançadas sobre a África e a cultura afrobrasileira apenas variando em graus de violência. especialmente índios e negros. p. as crianças afrodescendentes se sentem não tão bem quando olham seu passado exposto sobre imagens. sendo reflexo de uma tradição pautada sobre um discurso depreciativo. ano 4. inferioridade e nocividade ás práticas transmigradas com as etnias da África. Além disso. . O ensino de história da África Trabalhar a temática do ensino da África não é uma tarefa fácil, pois simplesmente existe uma imagem eurocêntrica que foi criada e recriada historicamente sobre a inferioridade do continente africano, com isso observamos que não existia (ou ainda não existe) uma preocupação na efetivação de currículos escolares que venham a integrar o eixo das discussões sobre a África. Invés disso observa-se a reprodução dessa imagem de superioridade do homem branco que perpassa através dos anos por todos os currículos escolares, livros didáticos, e principalmente nas práticas pedagógicas, sendo que isso não se restringe somente a educação básica. Muitos discursos intelectuais apontam para essas ideias discursivas de inferioridade da África e de seus descendentes, sendo que o meio acadêmico ainda se apresenta com poucas preocupações para a efetivação do ensino brasileiro devidamente integrado nas discussões e abordagens sobre o ensino da história da África e da nossa cultura afro-brasileira. Apesar da publicação da lei 10.639/03, ou talvez, motivado por ela, encontramos um quadro ainda em mudança em relação às preocupações e reflexões acadêmicas acerca do ensino da história africana. Ressalvando-se algumas exceções, fora apenas nos últimos quatro anos, às vezes um pouco antes, que nossos especialistas em estudos africanos começaram a tecer considerações mais específicas acerca do lugar da África no sistema educacional brasileiro. (OLIVA, 2009, p. 159). Devemos ressaltar que a nossa sociedade de uma forma geral pouco sabe sob o continente africano, sobre toda a conjuntura política, econômica, social, sobre os costumes, as práticas, as diversas religiões, sobretudo no âmbito cultural.E com isso acabamos por reproduzir as ideias e as visões preconceituosas e de inferioridade desse continente, sem a devida consciência de que fazemos parte, de maneira bem ampla, da história do continente africano, pois de lá vem uma grande parte de nossas heranças culturais. A reprodução de ideias de uma África indissociável de uma civilização inferior e acima de tudo de não enxergarmos o seu devido valor sociocultural, são 238 Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 232-241. Franciel Coelho Luz de Amorim repassadas principalmente pelos diversos veículos de comunicação de massa do nosso país, que continuam a se apoiar em imagens construídas no passado (e ainda no presente) para mostrarem em quase todos os momentos as péssimas condições de vida, doenças e a desigualdade ainda existente na África (parecendo até que são problemas exclusivos do continente africano), sem, contudo mostrar o outro lado da moeda. Dessa contribuição que é dada pela mídia Oliva (2003, p. 431) coloca que reproduzimos em nossas idéias as notícias que circulam pela mídia, e que revelam um Continente marcado pelas misérias, guerras étnicas, instabilidade política, AIDS, fome e falência econômica. Às imagens e informações que dominam os meios de comunicação, os livros didáticos incorporam a tradição racista e preconceituosa de estudos sobre o Continente e a discriminação à qual são submetidos os afrodescendentes aqui dentro. Com tudo isso, aplicar a lei e efetivar a temática de Africanidades nos currículos escolares não se ressume somente a ter que obrigatoriamente aplicar e sim a uma série de questões que precisam ser discutidas e uma infinidade de problemas que necessitam ser resolvidos, ou seja, o ensino público, assim como foi relatado acima, é responsável pela educação da grande maioria dos brasileiros e esse mesmo ensino público em si já não oferece condições para que ocorra um sólido processo de ensino-aprendizagem. Além de um grande número de problemas estruturais, os professores precisam ensinar algo que conheçam e ao mesmo tempo se sintam preparados para abordar e discutir em sala de aula; as instituições de ensino superior (principalmente na formação docente) precisam alterar seus currículos com o acréscimo da história da África e cada vez mais travar discussões acadêmicas para que os futuros professores sejam conhecedores dessa temática; os educandos precisam ser despertados para a desconstrução de muitas interpretações errôneas que fazem (muitas vezes por ouvir relatos) sobre a África e as culturas afro no Brasil, percebendo assim que são sujeitos resultantes dessa história e dessa diversidade cultural. Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 232-241. O ensino de história da África CONSIDERAÇÕES FINAIS É necessário sempre abordarmos questões do nosso ensino é estarmos centrados na certeza de que não devemos enquanto educadores ou futuros educadores ficar estagnados, passivos e obedientes às ideias, preceitos, regras e até mesmo estereótipos que foram construídos e implantados nas instituições, nos livros didáticos, nas práticas pedagógicas e nos próprios professores, sendo nesse caso reprodutores intrínsecos a essas ideias que se proliferaram e ainda proliferam na nossa sociedade e, sobretudo no nosso ensino. Esperamos que as instituições de ensino da nossa educação básica e principalmente as de ensino superior travem discussões efervescentes na perspectiva de vivenciarem devidamente a contextualização do ensino de história da África e da cultura afro-brasileira na busca de um devido reconhecimento de ambas as expressões culturais que de modo indissociável constituíram a nossa rica diversidade cultural. Sabemos que a aplicação da lei 10.639/03 a partir de uma simbologia ou simplesmente por achar que é uma lei e deve ser aplicada de qualquer maneira não vai resolver os problemas existentes nessa lacuna do nosso processo de ensino aprendizagem. É necessário antes de repensarmos as práticas pedagógicas, que os educadores se conscientizem sobre o que já foi erroneamente construído e reproduzido sobre a imagem da África e que revejam e repense o que sabem sobre o tema e sendo o caso busquem uma especialização ou até mesmo a participação nos eventos acadêmicos para não só absorver conhecimento, mas desenvolver uma integração de novos conceitos e valores permeados por meio dessa participação efetiva nessas discussões acadêmicas. Discussões que necessitam ser ampliadas no sentido de não ser somente mais uma lei que se junta a tantas outras já existentes, mas sim um processo de 240 Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 232-241. Franciel Coelho Luz de Amorim construção de outras realidades de pensamentos e ideias possíveis somente pelo víeis da educação. REFERÊNCIAS BRASIL. Presidência da República Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos.Lei nº 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Brasília: 2003. FERNANDES, José Ricardo Oriá. História e Diversidade cultural: desafios e possibilidades. Cadernos Cedes.Campinas: vol. 25, nº 67, pp. 378-388, set./dez. 2005. GOMES, Gustavo Manoel da Silva. Representações da África nas práticas de ensino de Histórias e Culturas Africanas na sala de aula. In: MOREIRA, Harley Abrantes (Org.). Africanidades: Repensando identidades, discursos e ensino de história da África. Olinda: Livro Rápido, 2012. pp. 38-65. LAUREANO, Marisa Antunes. O ensino de História da África. Ciências e Letras. Porto Alegre: nº 44, pp. 333-349, jul./dez. 2008. OLIVA, Anderson Ribeiro. A História da África nos bancos escolares. Representações e imprecisões na literatura didática. Estudos Afro-Asiáticos. Ano 25, nº 3, 2003.pp. 421-461. OLIVA, Anderson Ribeiro.A história africana nas escolas brasileiras. Entre o prescrito e o vivido, da legislação educacional aos olhares dos especialistas (19952006). História. São Paulo: vol. 28, nº 2, 2009.pp. 143-172. Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 232-241. ÀS MARGENS DO ESQUECIMENTO: RETRATAÇÃO DOS AFRICANOS NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA1 Geferson Santana2 Resumo: O presente intuito é refletir sobre os silêncios nos livros didáticos de História do terceiro ano do Ensino Médio referente à participação dos africanos na Segunda Guerra Mundial, em especial os africanos do chifre da África e da África setentrional. A escolha se baseou pelo fato desses territórios terem sido privilegiados nas discussões dos capítulos dos materiais didáticos e por terem sido pontos estratégicos usados pelos Aliados (Inglaterra, França, EUA) para atacar e defender-se das investidas bélicas do Eixo (Japão, Alemanha, Itália), assim como invadir outras regiões circunvizinhas sob dominação nazifascista. Ao longo da discussão traçada falaremos da importância dos povos africanos na libertação de nações europeias a partir da historiografia utilizada. Palavras-chave: II Guerra Mundial; África; Ensino de História. Abstract: The present intention is to reflect upon the silences in the history schoolbooks from the third year of high school on the involvement of Africans in the Second World War, particularly the Africans from Horn of Africa and North Africa. The choice relied on the fact that these territories have been privileged in the discussions of the chapters of didactic materials and they were strategic spots used by the Allies (Britain, France, USA) to attack and defend themselves from armed investees of the axis (Japan, Germany, Italy), as well as invading other surrounding regions under nazifascista domination. Throughout the discussion traced we will talk of the importance of African people in the liberation of European nations from historiography used. Keywords: Second World War; Africa; Teaching of History. Parto de uma inquietação sobre a ausência nos livros didáticos do terceiro ano do Ensino Médio referente à participação dos africanos do chifre da África e da 1 Recebido em 15/09/2013. Aprovado em 17/11/2013. Graduando em Licenciatura em História pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Editor-Gerente da Revista Eletrônica Discente História.com. Celular: (75) 9102-3013. Correio eletrônico: [email protected]. Agradeço as contribuições do Prof. Juvenal de Carvalho. 2 Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 241-255. Às margens do esquecimento África Setentrional na guerra datada pelo historiador africano Ali A. Mazrui de 1935, quando Benito Mussolini começa a invasão da Etiópia, mas na Europa dar-se em 1939 com a invasão da Polônia pelos alemães em aliança com os soviéticos. Registrei na pesquisa que, no Brasil, poucos são os estudos sobre a atuação da África nas guerras mundiais. As iniciativas de estudos sobre o continente africano na guerra ainda são tímidas na História, e menos ainda no ramo cinematográfico. A investida mais importante no ramo deste tipo de produção para a compreensão dos povos africanos na guerra é o filme Dias de glória (2006), que tem como foco a arregimentação dos africanos na luta em territórios africanos e europeus. Inclusive esses homens foram basilares na libertação de Estados africanos (colônias ou protetorados) e europeus da dominação nazifascista. Usei como fonte para esta investigação o terceiro volume de História: das cavernas ao terceiro milênio de Myriam Becho Mota e Patrícia Ramos que denominei de livro A, e o terceiro volume de História: o mundo por um fio de Ronaldo Vainfas, Sheila de Castro Faria, Jorge Ferreira e Georgina dos Santos que denominei de livro B. Ambos foram coletados em uma escola estadual de um dos municípios do Recôncavo baiano. O intuito maior é refletir sobre os capítulos que tratam da Segunda Guerra Mundial, analisando as informações que constam sobre a participação dos africanos do chifre da África e da África setentrional. As fontes analisadas são posteriores as publicações historiográficas que relacionam guerra e África, em especial o volume VIII da coleção História Geral da África publicado em português no ano de 2010 pela Organização das Nações Unidades para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). A mesma instituição já havia publicado dez volumes (10) em francês, e o volume dez publicado em 1985 Histoire Générale del’Afrique: études e documents e que tem como subtítulo L’Afrique et la seconde guerre mundiale, resultou de estudos apresentados em um colóquio organizado entre os dias 10 e 13 de novembro em 1980 pela mesma instituição. Posteriormente, a primeira edição da coleção em inglês foi publicada em 1993, permitindo-nos afirmar que os autores dos livros didáticos desconsideraram todo material descrito e largamente divulgado na internet. Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 241-255. Geferson Santana O silêncio é marcante nas fontes considerando que os livros A e B citam História da Segunda Guerra Mundial de Marc Ferro, que faz rápida abordagem sobre o Magrebe no continente africano. Mesmo o citando como referência os autores preferem não aprofundar a questão. Ao menos caberia nos referidos materiais didáticos uma nota ou questionamento sobre como se deu efetivamente o envolvimento dos africanos, mas preferiu-se deixar a África no esquecimento ou na posição de passividade, apenas como mais um cenário de conflito entre Eixo e Aliados (Inglaterra, França, EUA). O sistema educacional brasileiro e as reflexões sobre a lei 10.639/2003 Uma curiosidade que atiça minha imaginação é como a temática africana e afro-brasileira vem sendo elaboradas, pensadas e divulgadas nos livros didáticos dos últimos dez anos. Creio que mudanças significativas tenham ocorrido no ensino de História nas instituições de educação. Diz Anderson Ribeiro Oliva (2003, p.425) que a partir dos anos 80 e 90 mudanças significativas foram sendo incluídas no ensino, principalmente com as contribuições da escola dos Annales e sua sugestão da história temática como perspectiva. No Brasil, a experiência com a temática africana no livro didático é traumática. São encontrados vários problemas de coerência e imprecisão no conteúdo dos livros. Mas cabe aqui uma pequena reflexão sobre o livro didático, instrumento pedagógico tão polêmico nas discussões atuais de pesquisadores que o tem como objeto de pesquisa, em especial aqueles que investigam no campo do ensino de História. A partir dos anos 1960, com a implantação da ditadura militar no país, os materiais didáticos teriam espaço nas preocupações mercadológicas dos empresários e do Estado que foi seu principal consumidor nos últimos 40 anos (FONSECA, 2003, p.54). Esse momento histórico que abrangeu quase toda segunda metade do século XX teve papel importante na consolidação do uso do livro didático nas escolas, e com isso foram criados vários mecanismos de estímulos às editoras brasileiras (FONSECA, 2003, p.49-57). 243 Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 241-255. Às margens do esquecimento O consumo de livros didáticos esteve sob a influência do processo de massificação do ensino, ocorrido primeiramente pelas reivindicações dos movimentos sociais dos anos 50 e consolidados a partir da década de 60. Isso permitiu a investida das empresas editoriais na larga e intensa produção de materiais didáticos, sendo estes os instrumentos pelos quais os educadores centralizam suas mediações do processo de ensino-aprendizagem. “Ruim com ele, pior sem ele”, assim se refere Fonseca (2003, p.49) ao apego dos educadores ao material pedagógico, mas também aponta para a deficiência do ensino, porque em termos de estratégias educacionais alguns docentes ainda não perceberam a importância de pesquisarmos em outras fontes para estruturar as aulas. A ideia de que os textos da graduação só servem para obtermos o diploma ainda perdura no pensamento de alguns educadores, do contrário pensariam em usá-los em sala de aula, depois de fazer o que Ana Maria Monteiro (2007) denomina de transposição didática3. Não quero travar uma discussão sobre o conceito de transição didática, mas gostaria de alertar aos educadores sobre a necessidade de pensarmos no processo, adotando a postura de tornar possível a compreensão do conteúdo curricular por meio também dos textos acadêmicos numa linguagem adequada ao nível dos estudantes. É preciso considerar que os estudantes possuem níveis diferentes de aprendizagem e que existem alguns perigos ao tomar o livro como verdade absoluta4. O primeiro dos perigos é a própria concepção de África, africano e negro que alguns livros reproduzem5. O ensino de História da África e Cultura Afro-brasileira são conteúdos obrigatórios pela lei 10.639/2003 nas instituições de ensino. A lei foi aprovada em 2003, pelo então presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva (SOUZA, 2012, p.17; SERRANO, 2007, p.15-6; OLIVA, 2012, p.43, 2003, p.428), mas a lei por si O professor tem papel importante na formação do estudante, pois a ele é dada a função de fazer a transposição didática do conteúdo, no sentido de aproximar o estudante do pensamento científico de forma adequada ao seu nível de aprendizagem. 3 Na concepção de Circe Maria Fernandes Bittencourt (2004, p.232) a sala de aula deve ser pensada numa perspectiva de desconstrução da ideia de verdade, partindo para análise das possibilidades e das interpretações. 5 Marina de Mello e Souza (2012, p.19-20), chama a atenção dos seus leitores para os erros grotescos presentes nos materiais didáticos, e alerta-nos para a necessidade do estudo e da pesquisa no campo da História da África. 4 Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 241-255. Geferson Santana mesma não garante que o ensino da história dos africanos e dos afro-brasileiros seja aplicado em todas as escolas. No IV Seminário de Ensino de História: Ensino de História e Diversidade (2012) que é uma realização anual do curso de Licenciatura em História do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) identifiquei que as pesquisas apresentadas pelos estudantes apontavam dificuldades na aplicação da lei nas escolas do Recôncavo. É visível a deficiência das instituições de nível superior na formação de professores habilitados a exercerem nas escolas a prática docente em História da África e Afro-brasileira, como também não existe um acompanhamento dos órgãos do governo referente à aplicação da lei6. Sem contar que, conforme chama atenção Anderson Ribeiro Oliva (2003, p.428) muitos destes educadores em atuação não tiveram em seus currículos de graduação ou educação básica conteúdos sobre a história da África e cultura afro-brasileira. Marina de Mello e Souza (2012) socializa suas boas experiências, ao falar de suas visitas às diversas escolas do Brasil para apresentar o paradidático África e Brasil Africano em 2006, além da realização de palestras e reformulação do currículo da disciplina de História da África no curso de História na Universidade de São Paulo (USP). Souza (20012, p.18) expressou seus sentimentos de esperança ao falar das várias experiências de educadores da educação básica nos cursos de formação que são oferecidos pelo governo via as universidades, publicação de livros paradidáticos e publicação de literatura infanto-juvenil. As iniciativas apontadas por Souza e reforçadas por Carlos Serrano (2007) indicam aumentos nos índices de interesse e aceitação da temática nas instituições de ensino. Creio que deveríamos também nos atentar para os conteúdos e a qualidade das iniciativas. O aumento do salário de docente é um estímulo para ingressar nos cursos de formação e especialização sobre história africana e afrobrasileira, nos levando a ponderar a respeito da ideia de militância e interesse em De fato, garantir a efetivação da lei nas instituições de educação é um grande desafio, principalmente porque não existe um sistema de vigilância nas escolas. Por outro lado, a vigilância poderia ser um veículo inibidor do desempenho acadêmico dos professores das escolas e universidades públicas e privadas do país. Então, temos que pensar em uma estratégia que possibilite o acompanhamento da aplicação da lei nas instituições de educação sem constrangimento para nenhuma das partes. 6 245 Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 241-255. Às margens do esquecimento querer contribuir com a diminuição das imagens estereotipadas e preconceituosas dos africanos e dos negros. A lei 10.639/2003 por ser obrigatória gerou polêmica nas escolas e universidades. O argumento central é que ela ajuda na diminuição da exclusão e marginalização dos afro-brasileiros com um custo alto, a exclusão da outra etnia (SERRANO, 2007, p.17). As resistências ao estudo da história e das culturas africanas e afro-brasileiras são problemas que precisamos resolver democraticamente, expondo para os opositores que a lei tem uma função que vai para além de uma reparação histórica. Nos materiais didáticos e mesmo em algumas produções acadêmicas houve uma reprodução eurocêntrica da concepção de vida cultural e social das populações africanas. O continente africano é apresentado como hábitat de seres primitivos, menos evoluídos e monstruosos (SOUZA, 2012, p.23). Segundo Oliva (2003, p.430-41), essas são as representações que foram construídas no imaginário do mundo. A partir de uma análise cuidadosa de diversos pontos de vistas de especialistas e pensadores do período da Antiguidade, do medievo e do contemporâneo, o autor demonstra o quanto as visões preconceituosas e estigmatizantes estão presentes nos escritos de vários pensadores, objetivando a estigmatização dos personagens em questão. Para Oliva (2003, p.429), “silêncio, desconhecimento e representações eurocêntricas (...)” são termos que resumem muito bem a utilização que os livros de história do Brasil fazem da história dos povos africanos, sendo esta, a meu ver, uma afirmação generalista para o momento recente considerando os progressos em termo de substância que podemos identificar em alguns materiais didáticos. Não podemos recusar, por outro lado, que a ideia de negro e de africano são construções europeias com valores discriminatórios e preconceituosos (OLIVA, 2003, p.433). Quando se fala de negro e africano, automaticamente alguns livros didáticos e paradidáticos remetem suas reflexões à fórmula errônea “africano negro = = escravidão”, como se o continente africano de resumisse apenas a escravidão (MATOS apud OLIVA, 2003, p.427). Mas, os PCNs são pontos inovadores no campo da educação básica demonstrando-se como instrumentos de debate a discriminação racial e como um dos principais veículos de Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 241-255. Geferson Santana aprimoramento do ensino de história da África e afro-brasileira (MATOS apud OLIVA, 2003, p.426). Chifre da África e África Setentrional: análise dos livros didáticos de História Mesmo com os avanços proporcionados pela lei 10.639, assim como, a ampliação dos grupos de estudo e pesquisa contemplados por ela objetivando a eliminação de equívocos, imprecisões e erros,as fontes analisadas não demonstram uma preocupação na introdução da relação da África com a Segunda Guerra Mundial conforme as novas leituras historiográficas. Não notamos com densidade nas referidas fontes a presença da África. Ela é colocada na condição de continente passivo no conflito entre os países integrantes do Eixo e Aliados. Geralmente trata-se de uma leitura pouco reflexiva sobre os africanos enquanto sujeitos históricos, e isso naturalmente tem influência sobre os estudantes da educação básica que foram e são acostumados a enxergar as populações africanas enquanto passivas a ação dos colonizadores. Existe perigo nas abordagens dos livros didáticos? Sim! As imagens que eles transmitem acabam gerando “construções imagéticas” conscientes e inconscientes nos estudantes, dificultando cada vez mais o processo de desmistificação de um continente africano monstruoso, cheio de primitivos despolitizados e a-históricos. As continuidades de tais incoerências só ajudam na permanência de um legado eurocêntrico, preconceituoso e estigmatizante por natureza. Ambos os livros (A e B) partem de uma antiga e oficial concepção historiográfica liderada por algumas especialistas clássicos do século XX, notadamente Ferro e Eric Hobsbawm. Para estes a guerra começa em 1º de setembro de 1939, com a invasão da Polônia pela Alemanha nazista de Adolf Hitler (HOBSBAWM, 1995; FERRO, 1995). A atitude alemã de invasão silenciosa do território polonês gera a declaração de guerra da Inglaterra e França à Alemanha, após uma tentativa de querer resolver diplomaticamente a invasão relâmpago (GONÇALVES, 2005, p.167; VISENTINI, 1989, p.10-34). E para a África, quando a guerra efetivamente começa? Mazrui (2010, p.2) estipulou que a guerra no continente africano começa quando Mussolini inicia o 247 Historien (Petrolina). ano 4, n. 9. Jul/Dez 2013: 241-255. acarretando fomes e epidemias. para pensar numa saída na Conferência Econômica Internacional de Londres. embora as repúblicas da América Latina só participassem de forma mais nominal (. causando um processo de aumento das misérias e epidemias no continente.169).Às margens do esquecimento procedimento de invasão da Etiópia em 1935. n. ano 4. mas ressalta o historiador africano Tayeb Chenntouf (2010. . na Segunda Guerra Mundial não seria diferente. p. a crise de 1929 “com seu enorme rastro de destruição. para Ferro (2008.20).) quase todo globo foi beligerante ou ocupado. em especial na África do norte. p.. Afirma-nos a autora: “O que se sucedeu essencialmente foi que a crise de 1929 aumentou a falta de alimentos.169) acredita que ela estremeceu as bases do sistema de produção dos países capitalistas. p.50)que a Para Hobsbawm (1995. despertou ressentimentos e ativou a luta pelo poder” ocupando o centro da causa8. “praticamente todos os Estados independentes do mundo se envolveram. A África foi um dos motivos? Os livros A e B primaram por citarem o continente apenas para falarem dos conflitos bélicos em prol das conquistas de territórios. p. Gonçalves (2005. esta explicação é um grande equívoco.178) chama atenção para os impactos da crise econômica de 1929 no continente africano.. Leila Leite Hernandes (2005.44) para a origem do conflito mundial refere-se ao descontentamento dos beligerantes eixistas. ou as duas coisa juntas”. porque o conflito seria irrefutavelmente a vontade das forças alemãs de atacarem as cidades da Inglaterra. 7 Historien (Petrolina).31-2) a Segunda Guerra Mundial foi global. quisessem ou não. p. A proposta de inovação do autor nos permite pensar em novas possibilidades de datação do início do conflito mundial considerado por Ferro (2008) e Hobsbawm (1995) como o maior fenômeno do século XX7. mexeu com a Bolsa de Valores de Nova York.176) explica que o primeiro grande conflito aconteceu em parte na África devido à demanda ambiciosa de redistribuição dos territórios. p. p. Entretanto. em particular nas zonas assoladas pela seca”. gerando o subconsumo. Como na Primeira Guerra Mundial. São vários os motivos elencados pelos especialistas para a gênese da guerra. A ousadia historiográfica de Mazrui abre portas para pensarmos em outros critérios de datação do início da guerra. 9. seguidas de represálias anglo-americanas. p. discutindo as possibilidades de entendimento e cooperação para driblar a crise geral. Para Williams da Silva Gonçalves (2005. e exacerbou os nacionalismos com a fracassada tentativa em junho de 1933. A versão de Hobsbawm (1995. Jul/Dez 2013: 241-255. que vinham desenvolvendo intenso movimento de dominação da Europa. e consequentemente das riquezas. 8 Hernandes (2005. como território e outros. FERREIRA. VAINFAS. (FARIA.185). Diante do novo fracasso militar italiano. Jul/Dez 2013: 241-255. ano 4. p. Hitler organizou o Afrika Korps (1941). A guerra no deserto estava apenas começando. quando estes apoiados pelos anglo-americanos derrotaram os nazifascistas naquele território. Ela foi elencada como ponto de partida das ambições nazifascistas no continente africano.Geferson Santana Primeira Guerra se desenrola entre europeus e na Europa. p. 2005. Eles também ajudaram na construção de suas próprias histórias. SANTOS. que cominou na soberania completa com a assinatura do Acordo Anglo-Etíope em 1944. Não posso silenciar perante a relevância da informação. principalmente da atuação dos africanos neste momento tão delicado da guerra no mundo. Primeiro que os livros didáticos nos remetem aos silêncios. Não seria necessário recorrer a estudos mais especializados para defender a hipótese de que para ambos os conflitos mundiais a expansão territorial.184)9. SANTOS. foram e são sujeitos históricos.153) Há dois pontos que precisam ser pensados a partir deste fragmento. que até então era ocupada pela Itália fascista (HERNANDES. exilado na Inglaterra. 9 249 Historien (Petrolina). A Etiópia compõe o chifre da África. reitero a importância de entendermos que os africanos não devem ser colocados na condição de propriedades dos colonos e objeto de ambição dos beligerantes. mas. 2005. e não posso negar que os autores estão certos em suas afirmações (MOTA e RAMOS. em uma guerra que permaneceu em impasse até 1942. Houve o esquecimento nos livros de que os etíopes também tinham interesses ao se envolverem nas lutas sangrentas travadas ao lado dos Aliados. p. A vitória etíope sobre os soldados italianos representou muito no imaginário dos africanos (HERNANDES. 2010. que pode ser constatada a partir das pesquisas já existentes. o uso da mão-de-obra dos africanos e a exploração dos recursos naturais da África foram interesses vigentes nas metas expansionistas europeias. sendo o único Estado africano livre até 1935. FARIA. . p. retoma seu império. n. 2010. VAINFAS.). 2005.152. empurrando os exércitos ingleses de volta à fronteira egípcia.97-8. Neste intervalo de 1941-44 o então imperador etíope Haile Selassie. p. As esperanças de dias As forças britânicas junto com patriotas etíopes iniciam a Campanha da África Oriental com o objetivo de garantir a soberania do Estado africano em 1941. 9. Explica Hernandes que a independência etíope e consolida em 1942. FERREIRA. Jul/Dez 2013: 241-255. uma vida de liberdade e sem os colonos opressores. São interessantes as considerações dos livros didáticos sobre a existência do projeto Afrika Korps criado pelo ditador nazista Hitler. 9. . Eles acreditaram em dias melhores. 2005. que pretendiam marchar da Líbia até o Egito para conquistar o canal de Suez. Era evidente que a participação dos africanos nos esforços de guerra representou as esperanças na mudança.100). Aceitou para o bem de sua família. Em todas as tentativas os ingleses os impediram de realizarem a conquista e dominação do território egípcio forçando-os a fugir para a Líbia sob dominação italiana (RAMOS e MOTA. impondo derrotas fatais ao exército de Mussolini. p. e foi enterrado com honras militares” (FARIA. SANTOS. Mas. Realmente muitos africanos garantiram presença na guerra. ex-comandante do Afrika Korps. FERREIRA. 2010. porém.160). As cenas de morte dos envolvidos com a Operação Valquíria também podem ser vistas no filme Operação Valquíria. provocando a morte de quase 5 mil pessoas.Às margens do esquecimento melhores e de independência após o sombrio período da guerra estavam sendo construídas. mas por ser muito popular na Alemanha recebeu a opção de suicídio. considerando que nas bibliografias pesquisadas este fato não foi registrado. Historien (Petrolina). contando. acrescentam os autores: Enquanto resistiam na Inglaterra. Segundo os autores do livro B os italianos já tinham empurrado os ingleses até as fronteiras do Egito. Depois de empurrados até o Egito. FERREIRA. Reitero a relevância da informação. em sociedades marcadas pelo racismo dos colonizadores (HERNANDES. VAINFAS. dessa vez com contra-ataque dos britânicos. Mas só os britânicos lutaram em prol da vitória? Os africanos foram arregimentados em prol do projeto de defesa da África e consequentemente dos interesses dos colonizadores.153) No fragmento acima. 2005. (FARIA. 10“Embora muito doente e deprimido. 2010. os britânicos reagiram. p. ano 4. VAINFAS. O marechal Erwin Rommell. os exércitos britânicos eram fustigados no norte da África pelos italianos. de onde partiriam para o Iraque com objetivo de controlar as reservas petrolíferas. O segundo ponto é sobre o longo embate militar que Eixo e Aliados suportaram. participou da conspiração. mas obviamente que mostra a execução apenas dos principais personagens do filme. pois como já mencionado. p. p. n. SANTOS. eles criaram em seus imaginários a esperança. e liderado pelo general Erwin Rommel10 nas duas tentativas fracassadas de invadir e dominar o Egito. é interessante refletir sobre a importância das vitórias dos britânicos sobre os alemães em 1942. Hitler mandou executar os conspiradores.180). Léon Blum (França). Outros personagens masculinos e europeus mais um asiático são também colocados como destaque ao longo do capítulo. permitindo que finalmente a conquista e tomada do território tunisiano do controle nazifascista se concretize em maio de 1943 11. trago uma citação com dados estatísticos do Chenntouf: 11E ainda acrescenta Chenntouf (2010. assim como africanos. a entrada dos ingleses em Túnis e dos americanos em Bizerte marcam o fim da campanha da Tunísia”. iniciadas primeiramente pelos britânicos. inclusive alguns países da América que muito colaboraram com os Aliados. denominada por Mota e Ramos (2005) como o “refluxo da maré”. a meu ver. e Joseph Mengele (Alemanha). A imagem do estadista britânico Winston Leonard Spencer Churchill foi. que atuaram no contexto da guerra é total. Jul/Dez 2013: 241-255. a exemplo do Brasil que enviou soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para terras italianas. mas que as devidas considerações a outros países dos vários continentes devem ser dadas. Os livros A e B não falam das iniciativas dos ingleses e tropas angloamericanas de invasão e tomada da Tunísia pela fronteira da Argélia. Não nego que a atuação do governo britânico foi importante. além das movimentações de guerra nos seus Estados. sendo inclusive comentado por várias vezes. Para as fontes analisadas. Isoroku Yamamoto (Japão). 251 Historien (Petrolina). os Aliados passam à ofensiva generalizada em 22 de abril de 1943. Primeiramente. africanos etc.. 9. ano 4. Com o intuito de contribuir com a defesa de uma historiografia o mais fiel possível aos acontecimentos conflito mundial na África. fica uma crítica relevante ser atribuída essencialmente ao livro B.Geferson Santana Para além deste aspecto. Esta é usada como ponto de partida das operações. n. a exemplo de Francisco Franco (Espanha). que foi a derrocada do Eixo. Em maio. a figura selecionada pelos autores do livro B como exemplo de atuação e heroísmo na guerra. está muito evidente. .52): “Após uma série de operações. inclusive da África. que a imagem de uma Inglaterra heróica e salvadora dos seus domínios. A ausência de brasileiros. e os sujeitos selecionados pelo livro são exaltados pelos seus feitos independentemente de terem sido bons ou ruins. estes conflitos militares compreendidos entre 1941 a 1943 são elencados apenas como fatores importantes dentro de um processo maior. p. O exército africano intervém na liberação da Córsega (setembro–outubro de 1943). a África do Norte fornece sozinha 216. permitindo que finalmente a conquista e tomada do território tunisiano do controle nazifascista se concretize em maio de 1943. sem aviso prévio na noite do dia 13 para 14 de novembro do mesmo ano garante a ocupação dos grandes centros urbanos como Sfax.000 homens originários da África do Norte (incluindo 290.000 homens. Líbia. De 1943 a 1945. Por outro. p.52) Chenntouf (2010) defende que o engajamento dos africanos nos esforços de guerra tem como plano de fundo a esperança de abertura democrática. Forças militares dos Aliados iniciaram uma contra ofensiva à invasão alemã.52). p. assim como africanos. iniciadas primeiramente pelos britânicos. 9. na Indochina e na Birmânia”.000 argelinos.. . ano 4. estes em um número aproximado de 190 mil homens lutaram “(.Às margens do esquecimento Até junho de 1940. p. Em 9 de novembro de 1942. perto de Túnis. A Itália e a Alemanha representaram para os Aliados uma verdadeira “dor de cabeça”. Afirma Chenntouf (2010) que os britânicos e estadunidenses alcançariam vitórias significativas cotando com a tomada da Tunísia pela fronteira da Argélia.. capital da Tunísia.) em frentes de batalhas na Alemanha. n.000 homens” (CHENNTOUF. p. no Oriente Médio. (CHENNTOUF. Normandia. tunisianos e marroquinos) participam da liberação da França. A iniciativa alemã de invasão de Túnis. entre eles 123. Jul/Dez 2013: 241-255. na campanha da Itália (atingindo Roma em 15 de junho de 1944) e na campanha da Provence (em agosto de 1944). Esta é usada como ponto de partida das operações.185). Itália. com um corpo de 1. o que acabou acontecendo em 1939 quando os Aliados declararam guerra ao Eixo nazifascista. os dados da autora acabam corroborando para o entendimento de que muitos africanos foram necessários para a guerra em solos africanos e europeus. 2010. 2010.52). porque “o desembarque angloamericano acelera o desenvolvimento dos projetos alemães na Tunísia. uma centena de aviões alemães aterrissam na área de al ‘Awina. Sousse e Gabès. diz Tayeb Chenntouf (2010. considerando que a partir da Líbia ameaçavam a Tunísia. A reação britânica em alguns momentos fora retardada. exemplifica que muitos outros africanos ligados às colônias de domínio fascista acabaram sendo recrutados forçadamente. antes de se redirecionar rumo ao norte para se unir ao conjunto do exército francês. Hernandes (2005. 385. Historien (Petrolina).000 argelinos. por consequência. igualmente.Geferson Santana Os alistamentos para o front de combate aos eixistas não aconteceram apenas militarmente. n. mas os livros acabam centrando nos aspectos militares. mas o Magrebe abordado por Ferro acaba sendo silenciado em suas narrativas. 9. A apreciação dos materiais didáticos teve como meta demonstrar ao leitor o quanto os livros didáticos silenciaram e ainda silenciam sobre os povos africanos e suas atuações na guerra. Foi isso que acometeu. A guerra na África não se resume ao confronto bélico. p. censurados. postos na clandestinidade e. que ainda tem muito a ser feito no campo da História da África na sala de aula. explana Chenntouf (2010. A análise meticulosa da bibliografia utilizada não aconteceu para tratar o problema em questão. faltou a preocupação em fazer um mapeamento mais detalhado das bibliografias existentes sobre a relação entre África e guerra. . ano 4. 253 Historien (Petrolina). nos esforços em prol da economia de guerra. muitos outros foram. Considerações finais A presente proposta de reflexão se dispôs a demonstrar por meio da análise dos livros didáticos destinados aos estudantes do terceiro ano do Ensino Médio. muitos partidos políticos nacionalistas se engajaram na luta contra a ideologia fascista propagada pela Alemanha e Itália e que teve algum eco no Egito. Mas. promovendo uma imagem equivocada e errônea do continente africano e esquecendo que África é uma diversidade de povos. ao Partido do Povo Argelino com seu líder MessaliHadj e membros que foram presos ou condenados a trabalhos forçados em 29 de abril de 1941. Todos os autores dos referidos materiais analisados citaram uma África passiva à ação dos beligerantes e ficaram presos ao caso da Etiópia.56-7). A meu ver. mesmo usando o livro de Ferro. fadados ao desaparecimento no cenário político. Faltou nas fontes uma discussão sobre as atuações dos africanos no processo de organização política nos partidos nacionalistas. Jul/Dez 2013: 241-255. Ele foi citado pelos autores dos livros A e B. em especial no caso da Segunda Guerra Mundial. Pouco se percebe questionamentos sobre os silêncios da historiografia clássica e dos livros didáticos e paradidáticos no tocante a ausência de um conteúdo aprofundado da participação dos africanos. Ensino de História: Fundamentos e métodos. SERRANO. In: História Geral da África.pdf. Referências BITTENCOURT.1. p. ZENHA. Brasília: UNESCO. _______________________. Apresentando a temática deste livro. Eric. Celeste. p. v. MAZRUI. p. nº 1. de 2013. Introdução. Acesso em: 02 de jan. pp.11-20.Às margens do esquecimento Com isso. In: História Geral da África. p. _______________. São Paulo: Cortez. São Paulo. nº3. 2004. Ática. 2010. O chife da África e a África sententrional. Circe Maria Fernandes. Daniel Aarão.83-93. 1995. n. 2010. p. Rio de Janeiro: Mauad X. Estudos Afro-Asiáticos. Revista História Hoje. v 1.29-44. Era dos Extremos: o breve século XX (1914-199). p. 2012. 2003.421-61. Marina de Mello e. 9. A Segunda Guerra Mundial.33-66 FERRO. 2005. Marc. Anderson Ribeiro. Jorge. FERREIRA. São Paulo.165-93. Ali. Selva Guimarães. n. ano 25. CHENNTOUF. A história da África nos bancos escolares. 2008. 2007. In: Didática e prática de ensino de História. Os saberes que ensinam: o saber escolar. São Paulo: Companhias das Letras. São Paulo: Papirus. Carlos. 2012. História da Segunda Guerra Mundial. Livros didáticos e paradidáticos de História. Brasília: UNESCO. FONSENCA. não é precipitado afirmar que falar de África nos capítulos analisados não foi uma das prioridades. 1995. Revista História Hoje. SOUZA. Rio de Janeiro: Agir. Disponível em: http://www. p. GONÇALVES. Jul/Dez 2013: 241-255. São Paulo. In: Professores de História: entre saberes e práticas. In: REIS FILHO.17-28. ano 4.01-29.scielo. VIII: África desde 1935. HOBBAWM. Williams da Silva. Historien (Petrolina). Tayeb. p. Representações e impressões na literatura didática.1.br/pdf/eaa/v25n3/a03v25n3. 2007.49-57. . Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África. O Século XX. Entre máscaras e espelhos: reflexões sobre a identidade e o ensino de História da África nas escolas brasileiras. In: Memória D’África: a temática africana em sala de aula. VIII: África desde 1935. Ana Maria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. MONTEIRO. Campinas. O século XX explicado aos meus filhos. OLIVA. São Paulo: Cortez. A. 2003. Fagundes. n. Paulo G. Segunda Guerra Mundial: história e relações internacionais / 1931-45. ano 4.Geferson Santana VISENTINI. 1989. . Jul/Dez 2013: 241-255. da UFRGS. 255 Historien (Petrolina). Porto Alegre: Ed. 9. de 20 de dezembro de 1996. Jul/Dez 2013: 256-268. África. . Aprovado em 19/11/2013. Livros. Abstract: In this article we demonstrate how it presents the history of Africa and Africans in some school textbooks of history that have been developed previously and later the law 10.394. acirraram-se as discussões e reflexões sobre o ensino da história da África nos livros didáticos no Brasil. E-mail: rubens-nm@hotmail. 2009). para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". que na 1 2 Recebido em 05/10/2013. 2009). Palavras-Chave: Negros. Graduado em História pela Universidade de Pernambuco.com 3 Altera a Lei no 9. n. Introdução A partir da implantação da lei 10.639/03.639/03 establishing the compulsory teaching of history and culture african-Brazilian and African public and private schools in the elementary and middle school (BRAZIL. ano 4. e dá outras providências. Africa. Professor Substituto de Ciências Humanas Secretaria da Educação do Estado de Pernambuco. Keywords: Black.639/03 3 que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio (BRASIL.EQUÍVOCOS DA VISÃO EUROCENTRISTA EM LIVROS DIDÁTICOS BRASILEIROS SOBRE ÁFRICA E AFRICANOS1 Rubens Nunes Moraes2 Resumo: No presente artigo pretende-se demonstrar como se apresenta a história da África e dos africanos em alguns livros didáticos de ensino médio de história que foram elaborados anteriormente e posteriormente a lei 10. que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 9. Historien (Petrolina). Books. . É evidente que o eurocentrismo ficou impregnado na formação escolar brasileira. holandeses entre outros. Herança do modelo positivista A herança do modelo positivista se enraizou também no Brasil. com a atualização dos livros e atualização dos professores. 378). de notável diversidade cultural. 9. conscientizando os alunos. 2005. Gradativamente foi imposta a superioridade branca como modelo padrão de uma sociedade dominante com herança europeia. pois. As mudanças no ensino ocorrerão gradativamente. nesse contexto surge uma pergunta: será que a implantação da lei. p. juntamente com a discriminação racial e a difusão errônea da superioridade branca. e a principio eram relatados nos livros os “heróis” de origem europeia como portugueses. por conseguinte. que tornou obrigatório o ensino de história e da cultura africana irá contribuir efetivamente para a diminuição da discriminação racial no Brasil? Não é somente tarefa efetiva dos professores de história. de negros e mestiços. Apesar desse fato incontestável de que somos. elaborando projetos interdisciplinares. ano 4. com seus feitos de “bravura” em sua maioria escamoteando índios e negros. a escola brasileira ainda não aprendeu a conviver com essa realidade e. e a contribuição para o desenvolvimento do Brasil como nação. na sua grande maioria. e procurando conhecer mais da África.Rubens Nunes Moraes maioria dos publicados anteriormente estão inseridos a visão eurocêntrica sobre o continente africano e seu povo. posteriormente militares na sua quase totalidade branca. não sabe trabalhar com as crianças e jovens dos estratos sociais mais pobres. Posteriormente foram importadas teorias racistas 257 Historien (Petrolina). Jul/Dez 2013: 256-268. (FERNANDES. juntamente com a escola. mostrando a resistência dos negros. espanhóis. constituídos. uma nação multirracial e pluriétnica. em virtude de nossa formação histórico-social. n. Porém. que enobrecia e exaltava os feitos dos “heróis” da coroa que vinham de além-mar arriscando suas vidas em favor de seu soberano. mas de todas as disciplinas. sabemos pouco sobre esse continente. 64-65). Outros que defendiam a ideia de branqueamento foram Silvio Romero7. a miscigenação mais clara etária naturalmente produzindo uma população mais clara. crítico literário. e usava os eufemismos raças mais avançada e menos avançadas. por teses que corroboram que o racismo tem origem ideológica para justificar a dominação de determinados grupos sobre outros. uma maior incidência de doenças e sua desorganização social. capitão-mor. intendente. 1989. Conceito naturalista e biológico que vem sendo gradativamente desconstruído. Segundo. Mas a esse pressuposto juntavam-se dois outros. donatário. filósofo. pois consideravam a raça4 branca como raça “mais adiantada” e a preta “menos adiantada”. Personagens comuns não entravam na história. e no caso a negra estava fadada a desaparecer. Paris. Concordava com essas ideias João Batista de Lacerda. A lista é grande: comandante. em 26-29 de julho de 1911. Primeiro. em parte porque as pessoas escolhiam parceiros sexuais mais claros. onde foram exaltados os “heróis” conquistadores europeus e posteriormente os militares com seus feitos de “bravura”. doutor em ciências naturais. governador. 4 Historien (Petrolina). ano 4. Também concordava com essa previsão Martim Francisco Ribeiro de Andrada6. marechal. por causa das mazelas e da pouca resistência. professor.Equívocos da visão eurocentrista. (SKIDMORE. n. coronel. entre outros. 6 Martim Francisco Ribeiro de Andrada (1775-1844) nasceu em Santos/SP. nesse sentido corrobora Thomas Skidmore: (.. adaptação do “racismo científico” que pretendia mostrar a superioridade da raça branca.. e Nina Rodrigues8. presidente. que a população negra estava se tornando menos numerosa que a branca. diretor do Museu Nacional..) no pressuposto da superioridade branca algumas vezes implícita. . 5 João Batista de Lacerda (1846-1915) nasceu no Rio de Janeiro/RJ. Afirmavam que a imigração branca ajudaria a reforçar a predominância branca. p. No Brasil existia um ideal de branqueamento. a não ser se viessem a exaltar algum “herói branco” em seu feito. 9. na tese de João Batista de Lacerda5.. médico e cientista brasileiro que apresentou a tese Sur le métis au Brésil no Congrès Universel des Races. 7 Silvio Romero (1851-1914) nasceu em Lagarto/SE. Jul/Dez 2013: 256-268. por razões que incluíam uma taxa de natalidade supostamente menor. europeias que enalteciam os brancos influenciando o pensamento racial brasileiro. pois deixava em aberto a questão de saber quão inata era a inferioridade negra. Esse costume foi enraizado e transmitido de uma geração a outra. em favor da superioridade branca europeia. 2005. É preciso mudar esse pensamento. antropólogo. . mas venha pelo interesse do mesmo modo como estudamos: Povos do crescente fértil. pois na história. p. trará benefícios para a educação brasileira. Antes da lei 10. Grécia. 423-424). da contribuição de um povo. É inadmissível. escamoteando. p. 2005. professor. É necessário reconhecer a importância de estudar a História da África. o povo negro. sobretudo os de história. Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) nasceu em Vargem Grande/MA. n. se caminha para uma mudança á longo prazo. como cita (OLIVA. Isso foge ao senso de conhecimento livre de preconceitos. na história da humanidade e do Brasil sejam estudados por obrigação. Os livros didáticos. com a aprovação da lei. como ser inferior. que o interesse. Cisma Religioso. ainda estão permeados por uma concepção positivista da historiografia brasileira. as influências eurocentristas estão inseridas em quase todos os aspectos. médico. Revoluções Liberalistas ou qualquer outro assunto (OLIVA. ou em outra situação omitida por interesse de alguns grupos. mas. ainda que tenhamos que aprender a trabalhar com os temas: África. o africano. do legado. 9. a Europa e a Ásia. Roma. independente de qualquer outra motivação. africanismo e negro amplamente em sala de aula. 423): primeiro temos que reconhecer a relevância de estudar a História da África. de cultura. enxergar à importância de estudar a África. mesmo que de forma obrigatória.639/03. o negro é colocado sempre à margem da sociedade. com influências positivistas. a influência positivista europeia se fazia presente nos livros didáticos seguindo padrões centenários de ensino. ano 4. 8 259 Historien (Petrolina). o conhecimento. geralmente brancos. como por exemplo. sem que a motivação venha da obrigatoriedade.Rubens Nunes Moraes A África e os negros nos livros didáticos Nos livros pesquisados. a América. do mesmo modo como se estudam outros continentes e seus povos. que primou pelo relato dos grandes fatos e feitos dos chamados “heróis nacionais”. do saber sem fronteiras ou barreiras na educação. Jul/Dez 2013: 256-268. omitem a violência sofrida pelos indígenas. (FERNANDES. Jul/Dez 2013: 256-268. p. não se apresente nos livros didáticos trabalhados. posteriormente pelos negros onde o sofrimento foi muito maior do que os relatados nos livros. 2005. 382). será suprir essa lacuna. . no modo de abordagem de determinadas camadas sociais no processo histórico do país. 382). começaremos com: “História Geral”. 2005. direcionado ao ensino médio produzido antes da aprovação da lei 10. porém. Somente o conhecimento da história da África e do negro poderá contribuir para se desfazer os preconceitos e estereótipos ligados ao segmento afro-brasileiro. que tem como Historien (Petrolina). (FERNANDES. que nega a pluralidade étnico-cultural de nossa formação. 2005. p. O papel do professor como educador. ou de cor. além de contribuir para o resgate da auto-estima de milhares de crianças e jovens que se vêem marginalizados por uma escola de padrões eurocêntricos. procurando mostrar e ensinar aos seus alunos. o genocídio e etnocídio praticados contra as populações indígenas no Brasil: eram cerca de 5 milhões à época do chamado “descobrimento”. do autor Cláudio Vicentino.Equívocos da visão eurocentrista. no entanto. para assim.. n. ou mesmo de etnia diferente contribuíram no processo da formação da nação brasileira. Geralmente nos livros didáticos. ano 4. de que outras camadas de estratos sociais inferiores. 380). recorrendo a fontes bibliográficas auxiliares.639/03. que tem como autores Flavio de Campos e Renan Garcia Miranda de Flavio de Campos. hoje não passam de 350 mil índios.. a realização da primeira missa. procuram mostrar o lado épico da colonização do Brasil como a chegada dos portugueses em caravelas. Análise dos livros didáticos nos temas África e africanos Na análise dos livros. depois analisaremos o livro “A Escrita da História”. 2005. mesmo que. Oculta-se. conscientizar desde cedo o aluno. p. voltado ao ensino médio e finalmente “História Geral e do Brasil”. de 2002. a participação de outros segmentos sociais no processo histórico do país. (FERNANDES. mas. assim. 9. 9 261 Historien (Petrolina). com 520 páginas. (VICENTINO. mostrando que a política colonizadora fundamentou-se na “diplomacia do canhão”. percebemos uma iconografia mostrando negros africanos vestidos como europeus a fim de mostrar a interferência branca na África. humanitária. Cláudio. nova versão do pretexto ideológico do século XVI. a Itália tomando o litoral da Doutrina racista do filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903). A missão civilizadora era considerada “o fardo do homem branco. . foi a intensificação do mecanismo de exploração internacional. Jul/Dez 2013: 256-268. Na página trezentos e trinta e seis. n. p. direcionado ao ensino médio. “levar a fé cristã aos infiéis da América”. Os dois últimos livros citados foram efetivamente produzidos depois da implantação da lei citada anteriormente. Destaca também a guerra dos Bôeres. 2002. na temática “O imperialismo do século XX”. 2002. na verdade. o que ocorreu. que a partilha da África iniciada na segunda metade do século XIX e concretizada a partir da conferência de Berlim.337). e cultural” que deixavam o conforto de suas vidas na metrópole para “melhorar” a vida nos locais a que se dirigiam. também específico ao ensino médio. Tanto no século XVI como no século XIX. 9. divididos em sete unidades. Posteriormente cita Alemanha conquistando Camarões. ano 4. do autor Cláudio Vicentino.Rubens Nunes Moraes autores José Alves de Freitas Neto e Célio Ricardo Tasinafo. Inglaterra dominaram territórios africanos. da editora Scipione. Na unidade V com o título “A idade contemporânea (séculos XVIII e XIX)”. Livro “História Geral Cláudio Vicentino” Analisando o livro “História Geral”. O autor destaca o darwinismo social9. que França. podia ser aplicada à evolução da sociedade. Segundo Spencer a Teoria da Evolução de Darwin. que discorre sobre o processo da expansão imperialista o neocolonialismo. com trinta e nove temáticas ou estudos. o Sudeste e o oriente da África. onde o uso da força era justificado pelos ideais dos colonos que eram portadores de uma “missão civilizadora. o Togo. filantrópica. Prosseguindo o autor mostra no subtítulo “O imperialismo na África”. de 2006. n. quando ao autor relaciona a escravidão com viés imperialista e neocolonialista. . percebe-se nitidamente que se trata de um pequeno resumo em uma página e meia. A partir das palavras e imagens – significantes . como civilizado. mostrando somente o domínio europeu colonizador. que levaria salvação e evolução aos “povos atrasados”. e que justificava disseminar essa civilização branca pelo mundo. Historien (Petrolina). e quando retratou em iconografia o povo africano foi como europeu. que poderia ser estendido e melhor explorado. Inicialmente são percebidas atitudes positivistas. vestido como o seu colonizador branco. Na análise do livro percebemos que essa produção foi anteriormente à aprovação da lei 10. que tornou obrigatório o ensino de historia da áfrica nas salas de aula.639/03. possui oito capítulos. que é direcionado ao ensino médio. ou somente absorveram as representações elaboradas pelos autores. p. em 2005 1ª edição com 656 páginas.. (OLIVA.presentes nos livros.. que tem como autores Flavio de Campos e Renan Garcia Miranda e que foi produzido pela editora Escala Educacional S/A. o subtítulo que trata sobre a África é chamado de “Corrida pela África”. os próprios alunos irão construir suas representações e significados.Equívocos da visão eurocentrista. a Bélgica tomando o Congo na página trezentos e quarenta. Cita também o europeu. O autor deixa de destacar as resistências e lutas do povo africano. ou seja. Jul/Dez 2013: 256-268. 442). que tem por título “A era dos impérios” “Imperialismo”. O referido capítulo é o dezesseis. respectivamente em apenas um capítulo vem tratar da temática África. Líbia. a Eritréia e a Somália. ano 4. nesse sentido o livro poderia ser mais contextualizado e explorar melhor sobre a África. mostrando que a escravidão africana teria sido justificada pela religião. Livro “A Escrita da História” Sobre o livro “A Escrita da História”. 9. 2005. 639/03. que tem como autores José Alves de Freitas Neto e Célio Ricardo Tasinafo. os autores começam exaltando a África como berço de origem humana. cobre e diamantes (CAMPOS. Percebem-se lacunas. 360). p. (CAMPOS. p. mostrando somente o viés europeu de “conquistador”. ano 4. . 2005. da lei. em 2006. Áfricas”. da ordem e da civilização industrial. Defendiam o seu dever de cristão era dar o exemplo e educar os outros. voltado ao ensino médio. Relata a exploração dos europeus. entre os ingleses e os colonos descendentes dos holandeses. Prossegue citando e mostrando a concorrência entre povos europeus como a guerra dos Bôeres (18991902). com quarenta e cinco capítulos. Jul/Dez 2013: 256-268. Áfricas”. e não mostrar a real história da África. que minavam as riquezas do provo africano. 362): “As relações britânicas com os bôeres do Transvaal e do Estado Livre de Orange pioraram com a descoberta de ricas jazidas de ouro e diamantes na região”. e os primeiros a criar uma escrita para aqueles que não conheciam nenhuma em todo o século XIX. 2005. Os missionários cristãos foram os primeiros a entrar em contato com povos estrangeiros a adquirir conhecimentos sobre eles. pois esse livro foi elaborado posteriormente a lei 10. No capítulo sete que tem como título: “África. e utilizavam os próprios nativos na exploração desses recursos como: minério. o capítulo vinte e oito com o título “O Imperialismo europeu” e o capitulo trinta e nove com o título “Descolonização da África e Ásia e o Terceiro Mundo” vem tratar da temática África. com 932 páginas. elevaria os “povos atrasados” na escala da evolução e da civilização. o capítulo sete com o título “África.Rubens Nunes Moraes Muitos liberais acreditavam que a extensão do império. n. editado e produzido pela editora Harbra. ouro. pretendendo analisar os principais grupos populacionais que viviam na África antes da chegada dos 263 Historien (Petrolina). 9. eles penetraram regiões inexploradas para pregar e continuar a cruzada contra a escravidão – a que particularmente os ingleses se opunham. Livro “História Geral e do Brasil” Analisando o livro “História Geral e do Brasil”. M. 9. n. houve nova valorização ao se identificar as especificidades históricas de um continente que é um verdadeiro mosaico de heterogeneidades. André Álvares. sob a influência dos nacionalismos independentistas no âmbito da busca pela identidade do continente e de cada um dos Estados-nação recém-formados. ano 4. europeus.. 2006. L. Gao (no Mali) para Trípoli.. 127). mostrando a existência de comunidades organizadas e hierarquicamente ativas. Agadez. mostrando novos estudos e novas abordagens de documentos. G. (. para compreender no seu universo sociocultural através de pesquisas realizadas em vários campos de ciências humanas. Notamos a preocupação dos autores de forma sensata mostrar a importância da África.). Historien (Petrolina). (FREITAS NETO. impérios e reinos na história africana...Equívocos da visão eurocentrista. o Africano que descreviam suas viagens pelo Saara e suas incursões marítimas ao longo da costa do Atlântico. destaca os pontos de comércio ao sul: Timbuktu (no Mali). Cadamosto. ao centro do Níger. passando por Taouden..) foi apenas a partir de 1960. Foi quando se passou a empreender a releitura de livros do Velho Mundo mediterrâneo como: Zurara. D´Almada e Leão.) (FREITAS NETO. Diogo Gomes. desconhecer características importantes das populações africanas significa ignorar aspectos que tiveram papel fundamental em nossa formação histórica. p. Percebemos a sensatez dos autores procurando mostrar de forma coerente. Esse estudo é bastante importante para nós. TASINAFO. p. que o Brasil seja o país das Américas que mais africanos recebeu durante mais de três séculos de duração do tráfico transatlântico. passando por Ghadames ou por Murzuk. (. destacando importantes rotas comerciais. novos estudos e novas abordagens sobre a temática África. passando por Ghadames. de pesquisa. Logo. fontes. 2005. L. p. uma totalidade caracterizada pela complexa diversidade cultural de seus povos. São Paulo: Selo Negro. A África na Sala de Aula: visita à história contemporânea. Jul/Dez 2013: 256-268. para Trípoli. que foi reconhecida a necessidade de se conceber um novo método de abordagem adequado para negar a homogeneidade das “tribos africanas”. TASINAFO. brasileiros: estimase.. 2006. Fez e Túnis. Dito de outra forma. O subtítulo “O deserto e as rotas comerciais” cita o “Reino Kush” o mais antigo reino africano. 127 in Hernandez. . 25-33. “O reino de Benin”. onde cabiam aos europeus “civilizar” os povos “atrasados”. os autores citam a “Conferência de Bandung” ocorrida em 1955 que impulsionou a descolonização. Percebemos a coerência dos autores e a preocupação de mostrar uma história sem viés eurocentrista. Benin e Congo e as cidades-estados da África Oriental com os subtítulos “O reino de Gana”. na página 779. .Rubens Nunes Moraes O capítulo também dedica estudos a Gana. mas incumbidos de fazer uma história diferente valorizando a África e os africanos. e mostra a “Apartheid”. “O reino do Congo”. religião. destaca a importância de sabermos e como viviam os africanos antes da introdução pelo tráfico no Brasil. “As cidades-estados da África Oriental”. “África. 9. Jul/Dez 2013: 256-268. costumes e no trabalho herdado da presença dos africanos na nossa sociedade. também vem citar os movimentos de libertação da África citando o “sonho do pan-africanismo”. subjugando sem qualquer consulta ou permissão impondo o seu domínio através da força em busca de matérias primas e mercados consumidores. os africanos governados pelos africanos. e que se organizavam em estados. utilizando a força militar como a divisão da África subsaariana. dando ênfase a etnias. reinos e mostrando o legado dos africanos ao Brasil. “Os impérios Mali e Songai”. mostrando a importância de entendermos que havia uma grande diversidade étnica e cultural entre eles. com comércio ativo e hierarquia social. América espanhola e Brasil”. “Os reinos de Benin e Congo”. No capítulo vinte e oito com o título “O Imperialismo europeu” mostra a visão nacionalista do europeu em relação a uma “missão civilizadora”. ignorando as etnias locais. ano 4. os autores mostram a contribuição dos africanos na cultura. Destaca os conflitos étnicos ocorridos em Angola e Moçambique. onde os europeus impuseram fronteiras a fim de preservar os seus interesses. 265 Historien (Petrolina). Finalmente no capítulo trinta e nove intitulados: “Descolonização da África e Ásia e o Terceiro Mundo”. alimentação. América espanhola e Brasil”. no subtítulo “A descolonização da África”. Mali e Songai. destaca a criação da OUA (Organização da Unidade Africana) criada em 1963. No último tópico “África. posteriormente cita Nelson Mandela e sua luta contra o regime. n. levaram escritores a retratarem os negros. sem dar nenhuma importância à contribuição do negro na formação do Brasil.. a fim de identificar algumas disparidades retratadas neles. ou de monopólio da História em função da influência da Europa. nesse sentido é necessário conscientizar os alunos desde os anos iniciais. percebem-se algumas lacunas nos livros antes da aprovação da lei. informando a importância do negro na construção do Brasil como nação e mostrar a diversidade e o legado do povo africano na história: Historien (Petrolina). explorar. e continuam a utilizar o viés europeu branco. 9. Jul/Dez 2013: 256-268. mas patente a necessidade de criticar construtivamente alguns livros. ano 4. e em alguns que também prosseguem em omitir. Não é latente. africanos e negros sem viés eurocêntricos. exterminar e dizimar povos. novas abordagens e ressignificação de visões passadas dão um novo sentido e caminham para conscientização de novas gerações que olham para o passado de outra forma. mas que tendem a reconhecer e valorizar minorias que foram discriminadas pelas classes dominantes.. n. Constatamos que continuam alguns estereótipos mostrando os negros só como escravos. nesse sentido despertar a percepção de mudanças a começar na sala de aula. Considerações finais A partir dessas análises. a contribuição cultural é geralmente ignorada. mostrando como o negro ajudou na construção da identidade racial brasileira. os africanos e a África de forma tendenciosa à visão eurocêntrica Com o tempo. paradigmas são quebrados. que anteriormente por preconceito. não se deixando influenciar por visões impostas por modelos influenciados por padrões eurocêntricos e positivistas. procurando suprir lacunas através de bibliografias auxiliares que vão embasar o conhecimento sobre: África. para que sejam reconhecidas as contribuições dos africanos e negros na construção do Brasil como nação. Isso é o que se espera dos novos historiadores e escritores no nosso país. . como justificativa de superioridade para assim: dominar. ou por políticas de editoras.Equívocos da visão eurocentrista. o verdadeiro sentido é a consciência da grande contribuição e legado do povo africano na formação do Brasil como nação. A lei 10. (MAGNOLI. porém o educador não tem obrigação como requer a lei para o ensino sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio. mas os avanços são poucos em relação à mudança de um olhar diferente sem viés eurocêntrico para África e africanos. procurando conscientizar os alunos estimulando o pensar e o questionamento dos conteúdos presentes nos livros. A conscientização tem um longo caminho a percorrer a começar das séries iniciais mudando progressivamente a história com viés exclusivamente eurocêntrico.Rubens Nunes Moraes Se há um traço verdadeiramente africano. substituindo pela lógica real mostrando nesse sentido contribuições dos anônimos da história.639 promulgada no ano de 2003 completa dez anos. p. mas que gradativamente começaram a serem mudados através de questionamentos e discussões que começam muitas vezes na sala de aula da academia entre professor e aluno. REFERÊNCIAS 267 Historien (Petrolina). o continente abrigava milhares de entidades políticas distintas. 222). antes da mal denominada ‘divisão’ da África pelas potências imperiais. a priori os educadores poderão utilizar e indicar outras bibliografias que complementem e ajudem a suprir lacunas existentes nos livros didáticos que ainda não mudaram a visão sobre África e africanos. Jul/Dez 2013: 256-268. n. 2009. e não somente a história dos grandes vultos. para assim quebrar paradigmas como estereótipos criados pelo olhar eurocêntrico que permaneceram muitos anos intocáveis. Os questionamentos levantados aqui são para construção de uma dialética que venham a enriquecer a amplitude do conhecimento dos alunos e professores. ano 4. . que acabariam reunidas pelos colonizadores em cerca de meia centena de Estados. ou por discente e docente. 9. Claro que esse caminho infelizmente é lento. esse traço é a diversidade. n° 3.Equívocos da visão eurocentrista. Flávio de. p. 2. 1989. 4. n. 356-362. p. História Geral. 2005. . Ensino de História e diversidade cultural: desafios e possibilidades. n. MAGNOLI. José Alves de. São Paulo: Harbra. 2009. FERNANDES. SKIDMORE. Thomas E. p. 2006. DF. Renan Garcia. 9. Brasília. 2002. FREITAS NETO. identidades e representações. Uma gota de sangue: história do pensamento racial.. 378388. Paz e Terra. CAMPOS. 67. 2005. Célio Ricardo.334 de 20 de Dezembro de 1996). 126-139. TASINAFO. Cedes. FERNANDES. 773-775. v. 09 de Janeiro de 2003 (Lei 9. Textos de História. 421-461. José Ricardo Oriá. História Geral e do Brasil. A escrita da História.. 1996. Vol. José Ricardo de Oriá. São Paulo: Contexto. Historien (Petrolina). Cartilhas raciais. MIRANDA. Lei Nº 10. O negro na historiografia didática: imagens. Representações e imprecisões na literatura didática. Campinas. Jul/Dez 2013: 256-268. Anderson Ribeiro. São Paulo: Scipione. Ano 25. BRASIL. VICENTINO. Cláudio Vicentino. p. p. Demétrio. 219-238. Preto no Branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. 2003. OLIVA. ano 4. São Paulo. Cláudio. n. 25. Estudos Afro-Asiaticos.639 que altera as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A história da África nos bancos escolares. dez. Cad. São Paulo: Escala Educacional. 531-539. 779-783. ano 4. Jul/Dez 2013 .269 ARTIGOS LIVRES Historien (Petrolina). n. 9. Longe de esgotar o debate. Aprovado em 17/11/2013. Falemos da chamada crise das Ciências Humanas e Sociais da década de 1960. nossa proposta é apresentar elementos de entendimento das novas formas de pesquisa na História. trouxeram para a forma como os historiadores interpretam as realidades sociais. Abstract: History. ano 4. começaremos por uma análise de uma parte da história da História. no último meio século. Finally. métodos e conceitos próprios da disciplina. ressignificando muitos de seus preceitos. CRISE: um novo olhar Como ponto de partida para nosso debate.CULTURA. Grosso modo podemos considerar que os 1 2 Recebido em 09/10/2013. from the notions of culture and representation. Culture. Representação. 9. To do so. raising possibilities for further discussions. Jul/Dez 2013: 270-282. REPRESENTAÇÃO E LITERATURA NA PESQUISA HISTÓRICA 1 Melissa Rosa Teixeira Mendes2 Resumo: A História. levantando possibilidades para novas discussões. Palavras-chave: Historiografia. A proposta deste artigo é buscar um possível entendimento de como a narrativa histórica.com. methods and concepts of the discipline. a Historiografia. Mestre em História pela Universidade Federal do Maranhão. presents today. our proposal is to introduce elements of understanding of new forms of research in History. Historien (Petrolina). Por fim. The purpose of this paper is to seek a possible understanding of how the historical narrative. Representation. we highlight the use of literature as a source for the History. destacamos o uso da Literatura enquanto fonte para a História. passou por diversas e profundas mudanças. Keywords: Historiography. procuraremos entender como ocorreram essas mudanças e as contribuições de uma visão dos processos históricos que. giving new meaning to many of its precepts. we will seek to understand how these changes occurred and contributions of a vision of historical processes that. Email: melissa_rtm@hotmail. Far from exhausting discussion. passed by many several and deep changes. n. Historiography. in the last half century. brought to the way how historians interpret social realities. Para tanto. Cultura. a partir das noções de cultura e representação. . apresenta-se na atualidade. os indivíduos (CHARTIER. 1994:02). a 271 Historien (Petrolina). transformou-se radicalmente até encontrar um estágio aproximado ao que vivenciamos na atualidade. olhar para homens e mulheres como agentes em menor ou maior grau de atitudes. após grandes guerras quentes e frias. por estruturas sólidas e rígidas. aqueles que contribuem para que a roda da História não pare de girar. Deixando então de ser meros espectadores ou receptores de informações previamente disponíveis. apenas pela política e economia e a partir dos grandes nomes. Os métodos estruturalistas. Sujeitos históricos. 9. conceitos e formas documentais ao pesquisador. trouxeram novidades na forma como os historiadores exercem seu ofício. as ideias sobre representações. foi necessário. recebem e interagem com o mundo que os cerca de diferentes modos. movimentos sociais. ano 4. não podia mais ser explicada por sistemas numéricos fechados. a sociedade fazia esse mundo se alterar e uma transformação na forma de se compreender esse novo mundo fez-se necessária para os pesquisadores do social. Para compreender essa nova sociedade. as estruturas e os mecanismos que regulam. A História Social. O mundo mudava. prontas para serem incorporadas. n. as parentelas. A sociedade. desta forma. ou não são mais. portanto. o abandono dos preceitos rígidos incorporados pelo Positivismo. as relações sociais. Jul/Dez 2013: 270-282 . ditaduras. pois segundo Chartier: O objeto da história. entre outros. fora de qualquer controle subjetivo. justamente. as famílias. com o estruturalismo. não são. as análises totalizantes e os pressupostos marxistas passaram a não responder mais a todas as questões que se apresentavam aos analistas sociais – ao menos da forma como esses pressupostos eram utilizados. A sociedade. as reflexões a respeito da cultura e a (Nova) História Cultural. antes vista de forma única e homogênea passou a ser encarada como um conjunto de indivíduos diferentes entre si e que. Esses novos diálogos com o método marxista. Por essa reformulação de visões houve a abertura de inúmeras possibilidades de objetos.Melissa Rosa Teixeira Mendes paradigmas de análise dos pesquisadores das Ciências Sociais e Humanas começaram a ser postos em xeque a partir desse momento. que ao longo dos anos. e sim as racionalidades e as estratégias acionadas pelas comunidades. sem serem interpretadas de múltiplas maneiras. ver esses novos sujeitos. o método baseado na crítica erudita das fontes (oficiais) – já posta em discussão desde a Escola dos Annales – e o privilégio dado aos objetos de estudo baseados na política. refletir. ano 4.Cultura. a História incorporou uma nova noção de cultura. CULTURA E REPRESENTAÇÃO Ao romper com a ideia de tempo contínuo. Podemos então assinalar... visto em suas descontinuidades e não apenas em suas possíveis permanências. além do próprio conceito de fonte histórica. os historiadores quiseram restaurar o papel dos indivíduos na construção dos laços sociais. compreender e fazer o universo social ganharam ênfase. o futuro certo passa a ser visto como um porvir marcado por incertezas. É dentro dessa nova forma de pensar o mundo que conceitos que privilegiam o entendimento e a análise das formas humanas de pensar. que foi ampliado. representação e literatura. Jul/Dez 2013: 270-282 . n. a História das Mulheres seguida do estudo das relações de gênero – entre tantos outros – ganharam destaque na medida em que se buscou compreender os processos históricos nos quais os indivíduos passaram a ser entendidos como sujeitos das ações que movem o curso dos acontecimentos Ainda segundo Chartier: De um lado. dos sistemas de posições para as situações vividas. das normas coletivas para as estratégias singulares (CHARTIER. Daí resultaram vários deslocamentos fundamentais: das estruturas para as redes. Além disso. grosso modo que para os historiadores a crise de paradigmas das Ciências Sociais e Humanas marcou o rompimento com a Escola Positivista e preceitos tais como: a noção de identidades universais dos sujeitos. incorporação da experiência vivida dos seres sociais no curso da História. 9. a objetividade histórica. pois há um rompimento com o tempo teleológico. o tempo teleológico. toma por base a origem do termo para demonstrar a variação que a palavra sofreu ao longo do Historien (Petrolina). Terry Eagleton em seu A ideia de cultura. entendida a partir de então não mais como algo natural. na economia e nas elites. sensíveis a novas abordagens antropológicas ou sociológicas. O tempo em si mesmo passa a ser encarado de forma diferente. o caminhar da humanidade não é mais encarado como um processo que leva a um fim. 1992:02). mas como algo construído. entre outros. ano 4. Eagleton entende que há uma diferença entre ambas. 2005:15). precisa ser cultivada – de modo que. podemos considerar que muito do que em nós se consolida como algo natural. metafísico. culturalmente. como uma plantação. pois cultura é percebida como algo construído e natureza como algo inerente ao próprio ser. 9. Se somos seres culturais. culturais. como refinamento. a cultura é uma criação. mais. que faz parte intrinsecamente do ser humano. –. Um exemplo é a História das relações de Gênero. são construções sociais. neste sentido. Naturalmente falando. que possui como característica principal desnaturalizar os conceitos daquilo que diferenciam homens e mulheres. algo não construído. mas. Embora a palavra “cultura” seja um termo que nos remete a vários conceitos. Mas. que são tidas como naturais. assim como a palavra cultura nos transfere do natural para o espiritual. também sugere uma afinidade entre eles. 273 Historien (Petrolina). pode ser vista pelos indivíduos que a incorporam como natural. porque está presente desde sempre. ou seja. pessoa que tem entendimento de vários assuntos. na verdade. também somos parte da natureza que trabalhamos (EAGLETON. assim: A natureza humana não é exatamente o mesmo que uma plantação de beterrabas. o autor demonstra como a própria noção de natureza é algo cultural e. homens e mulheres são biologicamente diferentes. como conceitos e vivências que nos são apresentados como naturais. Porém. Muitas vezes construído de fora para dentro a partir do momento em que recebemos informações e as transformamos em conceitos – ou representações – e os reelaboramos culturalmente. que elas acabaram por se tornar tão fortemente arraigadas nos discursos. então natural. como o Estado. n. a Igreja.Melissa Rosa Teixeira Mendes tempo e suas possíveis diferenças com a ideia de natureza. é uma criação que. ou instituições. a Família etc. Jul/Dez 2013: 270-282 . Mas o que os torna socialmente diferenciados é algo que foi construído. na verdade é algo construído tanto de dentro para fora quanto do contrário. com sua internalização. as sociedades internalizaram de tal forma essas diferenças nos papéis de gênero – a partir de vários dispositivos. qualquer conceito que utilizemos para definir cultura é sempre algo que foi produzido. A partir dessa visão. Porém. Em outras palavras. tradições de um povo. Sendo assim o que é natural – ou não natural – hoje em dia pode se alterar tanto de uma sociedade para outra. ou ainda. ou seja. 9. segundo Chartier. representação e literatura. entre a objetividade das estruturas (que seria o terreno da história mais segura.. como em uma mesma sociedade ao longo do tempo. Entender a cultura das sociedades é entender a forma como essas sociedades. reconstrói as sociedades tais como eram na verdade) e a subjetividade das representações (a que estaria ligada uma outra história. só o são verdadeiramente a partir do momento em que comandam atos — que tem por objetivo a construção do mundo social. O que leva seguidamente a considerar estas representações como as matrizes de discursos e de práticas diferenciadas — mesmo as representações coletivas mais elevadas só tem uma existência. ano 4. Jul/Dez 2013: 270-282 . praticam as representações. incorporam. “são estes esquemas intelectuais..Cultura. n. 1990:18). mas para sujeito diferenciados. espera-se acabar com os falsos debates desenvolvidos em torno da partilha. dirigida às ilusões de discursos distanciados do real) (CHARTIER. Dessa forma. aquela que. o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado” (CHARTIER. tida como irredutível. dentro de uma mesma sociedade. a forma como a realidade social é construída e dada a ler em diferentes tempos e lugares. quantificáveis. ganha destaque na análise dos historiadores. e como tal a definição contraditória das identidades — tanto a dos outros como a sua (CHARTIER. manuseando documentos seriados. Essas formas como a natureza e a cultura são interpretadas estão na ordem do dia no que diz respeito à noção de representação que. em última instância. que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido. representam a si e ao mundo no qual estão inseridas. o pesquisador pode tomar por objeto as formas e os motivos das suas representações nas práticas sociais: Deste modo. a cultura. 1990:17). mas também a forma como os sujeitos recebem. 1990:18). Historien (Petrolina). através de suas práticas. ao voltar-se para a análise da vida social. interpretam e. isto e. Portanto. Há então de se levar em conta as estruturas. ele nos responderia baseado na imagem de seu último professor de História. a produção. há uma pergunta que precisa ser feita: Afinal. O historiador – no caso o professor de História – é aquele que fala sobre o passado. os discursos construídos ao longo do tempo histórico são formas de classificação e organização desse mundo. o trabalho de pesquisa que toma forma final de narrativa. Quer dizer que em seu trabalho de pesquisa. “o pedacinho do mundo que é o objeto (pretendido) de investigação da história é o passado” (JENKINGS. Com o passar do tempo. a representação pode ser entendida como a visão coletiva que se faz de algo ou de alguém. O HISTORIADOR E A PESQUISA HISTÓRICA HOJE Antes de darmos continuidade ao nosso assunto central. A História é o elo que liga o presente do historiador ao passado que ele deseja pesquisar. o trabalho do historiador. tendo em vista que História. 9. começamos por tentar conceituar as três palavras enunciadas acima: historiador. 2001:23). o que faz um historiador? Caso esta pergunta fosse feita a um estudante do ensino básico. Para entender o que é esse ofício do historiador. E o passado é o que já aconteceu e ficou registrado – por meio de qualquer indício de cultura material e mesmo oral – em um tempo que é anterior ao tempo em que o historiador vive e escreve sobre essa história. tornam-se tão fortemente internalizadas. História é o que os historiadores fazem. O historiador é o profissional. A História não é o passado em si mesmo. 275 Historien (Petrolina). História é a ciência.Melissa Rosa Teixeira Mendes Dentro dessa perspectiva. História e passado. n. ano 4. O passado é o objeto. Assim sendo. História então é a escrita. historiador (no caso o professor) e passado têm uma ligação profunda e inextricável. Podemos considerar que esse nosso aluno hipotético aproximou-se de uma possível definição. muitas vezes anteriores ao nascimento desse aluno. pois sua aula costuma referir-se a aspectos do mundo social. também pode ser chamada de historiografia. Assim. Jul/Dez 2013: 270-282 . de estudo e interpretação os historiadores produzem a História. a partir da repetição e incorporação desses discursos – a partir de suas práticas – que passam a ser entendidas como aspectos naturais do viver em sociedade. não o viu. Jul/Dez 2013: 270-282 . O historiador. na Historiografia – naquilo que o historiador escreve – a presença de dois tempos que se intercalam: o tempo presente do pesquisador e o tempo passado dos fatos e documentos eleitos por ele. elege a documentação do passado a ser investigado por ele. o interesse do pesquisador é responder inquietações de seu tempo a partir de fatos que se localizam no passado. da memória. no presente.. mas esse passado que o historiador pesquisa não é tomado por ele mesmo enquanto passado. e os historiadores só conseguem trazê-lo de volta Historien (Petrolina). como imaginaria nosso aluno hipotético. esse diálogo que o historiador tem com o passado não é de todo pacífico. Para ele. da análise. História e passado seriam sinônimos. É a partir dessa pesquisa. não pode “ressuscitar” o que já está morto.Cultura. É um diálogo um tanto complexo. da interpretação dos fatos passados. reflitamos o óbvio: o historiador não viveu o passado. em um tempo anterior ao de sua escrita. Dessa forma. apesar de a História ter seu objeto no passado. ao pensar que o professor de História fala do passado (e o passado é a História). Isso porque. n. não possui mecanismos para trazer esses acontecimentos de outrora para sua época. como o é. em alguns casos. O passado por si só é algo que se encontra distante. o porvir. O mesmo ocorrendo com o futuro. Ao contrário. o historiador centralizou ainda mais sua pesquisa/narração no presente. E. ano 4. Porém. embora possa ter uma história. o passado torna-se História. Dessa forma. que o historiador recolhe dados para escrever uma História daquele passado.. nesse momento. Isso quer dizer que “o passado já passou. do estudo. mas é como um tema-problema que responderá às questões que o historiador levanta em seu presente. pois suas inquietações não visam mais a busca por um fim único e universal que respondesse às questões totais. representação e literatura. O que torna o passado História é a forma como o historiador elege esse pedacinho do que já passou enquanto seu objeto de pesquisa. para muitos que estão distantes do cotidiano do trabalho dos historiadores. muitas vezes turva. Ele já passou. 9. visto pela ótica. O passado pelo passado não é História. longe. o tempo da narrativa histórica. a História não é exatamente o passado. Ao romper com a noção de tempo teleológico. é o tempo presente. Há então. um mesmo fato. ano 4. Hoje o historiador sabe que não há somente uma verdade – única. mesmo dentro desses itens. de que são exemplos os livros. ela nasce dos fatos. de uma forma ou de outra. etc. quando estudada pelos documentos deixados pelos revoltosos poderá ter uma interpretação diferenciada.Melissa Rosa Teixeira Mendes mediado por veículos muito diferentes. (JENKINS. e apenas uma. a partir de diversos pontos e. mas que nossos objetos de pesquisa são passíveis de verdades que estão em acordo com a forma através da qual lançamos nosso olhar a eles. Pode-se analisar um mesmo objeto. os eventos que. Além disso. leitura de qualquer fenômeno. mesmo porque seu objeto concreto são os fatos. do social. dependendo da fonte que se utilize. 9. que o mesmo objeto de investigação é passível de diferentes interpretações por diferentes discursos”. Aceita-se hoje. Jul/Dez 2013: 270-282 .. Essa verdade histórica não 277 Historien (Petrolina). sem que nenhuma seja a mais correta de todas. (JENKINS. Sendo assim. dessa forma. um mesmo evento. por exemplo. E. a mesma revolta. definitiva e irrefutável –. podemos apresentar particularidades analíticas e. documentários. do imaginário. está inserido.] o passado e a história não estão unidos um ao outro de tal modo que se possa ter uma. A verdade histórica reside na maneira como se dão as relações entre os indivíduos. porém. enquanto ser social.“[. inclusive. da economia. 2001:25).. artigos. 2001:27). Uma revolta popular. e não como acontecimentos presentes”. enfim. 1981:47-62). da política. pode ser passível de diferentes representações. mas nem por isso pode ser desqualificada como sem método ou inventiva. ocorreram – embora alguns eventos possam ter sido forjados na época em que ocorreram. n. um mesmo fenômeno pode nos mostrar muitas verdades. se analisada a partir de documentos do governo será vista de uma forma. a partir da cultura. essa escolha é influenciada pelo meio sociocultural em que o historiador.. ele está fazendo uma escolha dentre diversas possibilidades. A História lida com uma verdade diferente da verdade filosófica. que a imparcialidade no ofício historiográfico deve ser buscada. porém ela não é plena. pois até no momento em que o pesquisador elege uma parte do passado para seus estudos. “A história não oferece um laboratório de verificação experimental” (THOMPSON. A LITERATURA COMO FONTE HISTÓRICA A História. uma das maiores construções dos homens em sociedade seja a linguagem. Possivelmente. A primeira é a interpretação que os indivíduos que vivenciaram esse passado. imaginário e representação. fizeram. esse conjunto de atos se formaliza e se reproduz Historien (Petrolina). entre outros.. Através da língua e de sua prática social. ano 4. Consideramos ainda que. construções simbólicas. disputas. aparte palpável. não dava conta de responder as questões que se apresentavam ao pesquisador. baseou suas pesquisas e metodologia sobre as reflexões a respeito de cultura. instituições de diversas naturezas. uma vez que a parte material da sociedade. conhecer. entendemos que a História estuda as ações dos homens vivendo em sociedade. que lhes era contemporâneo. transmitir. como a economia e a política. Consideremos que linguagem.Cultura. os homens podem “falar. a linguagem é uma representação e sua prática se dá na conceituação. Isso não quer dizer que não há formas de comprovação dos fatos históricos. Neste sentido. 9. As verdades históricas dependem da interpretação que se faz desses fatos e. relações de todas as formas.. A segunda é a forma como o historiador interpretará os vestígios deixados a respeito desses fatos a partir da escolha das fontes e da metodologia aplicada à análise de cada uma. a fala. nesse ponto. pós-crise. Busca então compreender as representações e as práticas – culturais / sociais – desses homens coexistindo socialmente: suas lutas. n. nomear. enquanto criação humana. na nomeação do mundo. representação e literatura. Foi necessária uma ida ao subjetivismo das ações dos sujeitos-agentes. temos duas formas de interpretação que o historiador deve levar em conta. enquanto criação cultural. Não é preciso mencionar aqui o quão importante a linguagem é para a solidificação e desenvolvimento – de todas as espécies – de uma sociedade. Pois todas essas categorias são exclusivas das formas como os homens se relacionam socialmente. experimentalmente. pode ser comprovada matematicamente. é uma criação cultural. Jul/Dez 2013: 270-282 . para que muitos dos atos sociais pudessem ser compreendidos. ] à fala. Assim. 2010:73). do tempo de seu autor.Melissa Rosa Teixeira Mendes incessantemente por meio da fixação de uma regularidade subjacente a toda ordem social: o discurso”. E esse tempo presente. afirma que “tem havido uma relutância em considerar as narrativas históricas como o que elas mais manifestamente são: ficções verbais. E o discurso. mesmo porque as representações do mundo social são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. um autor e sua obra literária podem ser utilizados enquanto indício para a pesquisa historiográfica quando lidos e entendidos levando-se em consideração o contexto no qual seu texto foi produzido. 9. é fruto de seu tempo. motivos. tal como qualquer produção cultural. Jul/Dez 2013: 270-282 . (SEVCENKO. e cujas formas têm mais em comum com suas contrapartidas na literatura que na ciência” (WHITE. pois qualquer produção artística. cujos conteúdos são tão inventados como descobertos. ele o fará com os olhos e com as limitações de seu próprio momento vivente. pois mesmo que ele escreva sobre um passado – ou um futuro – distante de seu tempo. todo escritor possui uma espécie de liberdade condicional de criação. normas ou revoltas são fornecidos ou sugeridos pela sua sociedade e seu tempo – e é destes que eles falam” (SEVCENKO. produção artística não poderíamos vê-la como sujeito desencarnado. só e somente só. 279 Historien (Petrolina).. Pois. ano 4. Dessa forma. de transmitir mensagens de qualquer natureza “portanto. é ficção. o ato de falar. Mas nem por isso deixa de dizer ao pesquisador algo sobre o momento de sua feitura. possa tornar-se um ato de linguagem” (BAKHTIN. deve-se considerar as representações de mundo – neste caso dos escritores – como realidades de múltiplos sentidos. “afinal.. Hayden White. Por isso. em seu artigo O texto histórico como artefato literário. n. contemporâneo do autor é o que influencia sua obra. uma vez que os seus temas. 2003:28). 2003:29). Mesmo se considerarmos a literatura enquanto. a unicidade do meio social e a do contexto social imediato são condições absolutamente indispensáveis para que [. A literatura não é realidade. a linguagem – oral ou escrita – são fatores importantes da vida social. valores. 2001:97). Porém. entre outros.. Enfim. Não há nada de antiprofissional em se utilizar da arte para fazer História. em acontecimentos verídicos. quem não sente prazer em ler um texto bem escrito? “Um ofício pode trazer as marcas características tanto da arte quanto da ciência” (GAY. a história não é a arte o tempo todo” (GAY. Jul/Dez 2013: 270-282 . análises documentais. algumas vezes. Por mais que possamos nos utilizar de um determinado tipo de arte ao escrever nossos textos. Muitos escritores utilizam-se desse recurso literário para vender mais suas obras. a História seria uma narrativa de ficção. ou seja. pois os leitores preferem histórias em que sintam mais a presença da veracidade. Nas palavras de Albuquerque Júnior “História. Fato é que um romance que se propõe a contar uma história verdadeira vende muito mais que um romance que não tenha essa pretensão – principalmente nos dias atuais –. representação e literatura. os pesquisadores podem utilizar de recursos na escrita para deixar suas narrativas mais agradáveis a todos. Porém. a História não é capaz de trazer o passado. Em outras palavras. Ainda segundo Gay. inclusive a nós mesmos. Um historiador não pode inventar personagens e encaixá-los em sua narrativa. Não pode criar situações que deem mais dinâmica a sua História e que deixem o enredo mais interessante. Os textos literários. pesquisas. “seja o que mais possa ser. ano 4. porém não quer dizer que a história nele contida seja realmente verdadeira. Já o literato não tem a preocupação em narrar um fato que realmente aconteceu e tal qual como aconteceu.. Como já mencionamos. métodos de interpretação dos discursos. 1990:167). mas sua afirmação gerou muitas polêmicas sobre uma possível aproximação da História com a narrativa literária. Afinal. das representações. o profissional da História não pode fazer ficção. mas parte de uma série de estudos. o conteúdo em si não é meramente artístico. Mas isso não faz os historiadores romancistas ou literatos. por mais que se apoiem.Cultura. por mais que narre uma história. constrói uma narrativa. tal como ocorreu. O fato é que White falava de um determinado tipo de História (a História do século XIX). a arte de inventar o passado” Historien (Petrolina). 9. O historiador narra fatos. de volta. seu objeto é o real. Não pode imaginar acontecimentos para prender a atenção de seus leitores. não têm preocupação (e obrigação) com algum tipo de verdade. 1990:168). n. 1994. Roger. P. São Paulo: Contexto. Marxismo e filosofia da linguagem. Roger. ano 4. n. Preferimos aqui História. Macaulay. desafios. Ranke. A escrita da história: novas perspectivas. Terry. (Introdução e conclusão). São Paulo: Cia. Durval Muniz. A história repensada. P. O que é a História. n.7. Peter. São Paulo: Annablume/Hucitec. das Letras. 1990. São Paulo: Editora UNESP. Rio de Janeiro: DIFEL. 2001. 2007). A história hoje: dúvidas. Estudos Históricos. CHARTIER. 2003. Literatura como missão: tensões sociais e criação na primeira república. JENKINS. São Paulo: Cia. REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE JÚNIOR. O estilo na história: Gibbon. São Paulo: Editora UNESP.. 2007. Keith. Para uma filosofia marxista da linguagem. a arte de entender as representações do passado. 2010. 97-113. v. 9. GAY. São Paulo: Unesp. A ideia de cultura. BURKE. M. EAGLETON. SEVCENKO. 23-53. História a arte de inventar o passado. A história Cultural: entre práticas e representações. Burckhardt. BAKTHIN. 13. das Letras. In: ____. 1990. CHARTIER. Rio de Janeiro. propostas. 281 Historien (Petrolina). Peter. In: _______. Jul/Dez 2013: 270-282 .Melissa Rosa Teixeira Mendes (ALBUQUERQUE JR. 1997. Nicolau. 1992. Historien (Petrolina). Jul/Dez 2013: 270-282 . Trópicos do Discurso: ensaios sobre a crítica da cultura.. WHITE. representação e literatura. Hayden. 2001.Cultura. São Paulo: EDUSP. 9.. ano 4. n. today Tocantins state . questionamos como o Goiás – sobretudo sua região norte.O SERTÃO REAL E IMAGINÁRIO NAS CONSTRUÇÕES HISTORIOGRÁFICAS REGIONALISTAS1 Weverson Cardoso de Jesus2 Regina Célia Padovan3 Resumo: As análises expostas nesse artigo são frutos de uma retomada na historiografia referente à região. pretende-se relacionar aspectos presentes na escrita das questões regionais. a fim de compreendermos como a imagem de sertão foi construída e tornada uma abstração. Imaginary. Region. Após essa compreensão. pesquisador do NEUCIDADES (Núcleo de Estudos Urbanos e das Cidades).edu. Professora adjunta da Universidade Federal do Tocantins.com 2 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Goiás. Curso de História. pesquisadora do NEUCIDADES (Núcleo de Estudos Urbanos e das Cidades). .CNPq. in order to understand how the image of backlands was built and made an abstraction. Campus de Porto Nacional. Introdução 1 Recebido em 07/10/2013. 9. Palavras-chave: Sertão. Pesquisador do Grupo Religiosidades e Festas . Email: weversonsem@hotmail. bolsista Pibid/Capes. Abstract: The analysis exposed in this article are the result of a recovery in the historiography concerning the region. Following this understanding. Email: reginapadovan@uft. ano 4.especially its northern region. Região.br 3 Historien (Petrolina). hoje estado do Tocantins – foi representado pelo sertanejo.Campus Porto Nacional.was represented by the backcountry. n. we intend to relate aspects present in the writing of regional issues. we question how Goiás . Aprovado em 16/11/2013. Jul/Dez 2013: 283-295. Key-words: Backlands. Imaginário. Acadêmico do Curso de História . apesar de estarem distantes temporalmente na elaboração de estudos regionais. aproximam-se na medida em que pensam a construção de imagens que expõem as visões formadas acerca da Historien (Petrolina). 9.. A categoria sertão tem sido objeto de investigação de diversas áreas do conhecimento. desde sua colonização até a contemporaneidade. Pernambuco. Amado centra-se em definir aspectos presentes na discussão da imagem de sertão para inseri-lo num contexto maior de nacionalidade. Tendo analisado essas perspectivas questionamos como o Goiás – sobretudo sua região norte. entre outras com a finalidade de compreender os processos civilizatórios. suas discussões corroboram para pensarmos aspectos nacionais que foram construídos desde o período colonial até a contemporaneidade e que serão explorados posteriormente. História. uma categoria que abrange diversos significados. Propomos neste artigo retomar aspectos da historiografia regional que se referem à construção da imagem de “sertão” nos diversos períodos que abrangem a trajetória do país. Propomos ainda compreender como a ideia de sertão foi construída na historiografia até tornar-se uma abstração. de um melhor entendimento das questões relacionadas à região e a formação dos aspectos identitários da nação. hoje estado do Tocantins – foi representado pelo “sertanejo”. até chegar à capital do Império – Rio de Janeiro. a civilização estava presente na região costeira.O sertão real e imaginário. Nessa perspectiva.. Jul/Dez 2013: 283-295. nas regiões conhecidas pelos colonizadores como os estados da Bahia. . ano 4. formadores de identidades. incluindo as denotações pejorativas e depreciativas que perpassam na mentalidade coletiva de habitantes das metrópoles. As observações de Janaína Amado (1995) oferecem elementos introdutórios nas questões regionalistas ao considerar que as diferenciações regionais começaram a ganhar ressonância no país a partir do período da colonização portuguesa. o sertão imaginário e o real. como Literatura. n. habitante dessas terras consideradas “incultas” e “distantes”. Sociologia. Para uma melhor compreensão acerca das construções imaginárias formadas na mentalidade coletiva temos como expoente a obra de Albuquerque Júnior (2006) que centra sua análise na região Nordeste para identificar as imagens construídas a seu respeito. Importa-nos perceber que esses autores. Geografia. são alguns dos exemplos de problemas enfrentados por quem desenvolve trabalhos referentes à História Local. havia a necessidade de alargar o campo de pesquisa. podendo apresentar todas as questões fundamentais da História a partir do ângulo da visão que faz aflorar o específico. seja por elementos presentes na literatura. e chegaremos à atuação do Estado nas perseguições e torturas ocorridas no período. . No entanto. entre outras unidades federativas surgidas no século XX. carência de bibliografias. Podemos investigar a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985) a partir da atuação. Tocantins. Tentam então desconstruir imagens formadas ao longo da história nacional. essas dificuldades não impedem a escrita de uma história que privilegie a região. Nesse sentido. n. os silenciamentos ou negações de acesso às fontes. Rondônia. o próprio.Essa vertente contribuiria para a construção da história de estados recém-criados. p. perseguição de comunistas ou líderes sociais pelo Estado tendo como eixo norteador as intervenções ditatoriais na região Norte. é essa ponte que a historiografia regional busca traçar. o particular. falta de investimento para pesquisas de cunho regional ou local.Weverson Jesus/Regina Padovan região e que o sertão faz parte da nação e por isso não deve ser desconsiderado. 285 Historien (Petrolina). por exemplo. A realização de trabalhos voltados para essa temática depara-se com grandes dificuldades. pontua Amado (1990. como Brasília. o mau estado de conservação dos documentos. Mato Grosso do Sul. 9. ano 4. Outros fatores elencados relacionam-se ao monopólio de arquivos em posse de famílias. poesia e narrativas coloniais. pois o conhecimento regional oferece novas óticas de análise ao estudo de cunho nacional. Jul/Dez 2013: 283-295. pois o individual não se desvincula do social.Os temas tradicionais da historiografia mostravam-se saturados. a desorganização dos arquivos. busca-se valorizar as diferenciações regionais para inseri-las no contexto nacional.7). A construção da imagem do sertão real e imaginário na historiografia regionalista O interesse pela historiografia regional e local no Brasil ocorreu como consequência do crescente aumento dos cursos de pós – graduação e de estudos monográficos. Historiadores brasileiros. desconhecido. como Varnhagen. p. como a cultura. aos adjetivos postos anteriormente. Nelson Werneck Sodré. No período que compreende as últimas décadas do século XIX e início do século XX. percebemos o mesmo em relatos de viajantes. por índios indomáveis. Capistrano de Abreu e Oliveira Viana utilizaram e refinaram o conceito. designando uma das subáreas do nordeste brasileiro. Essas diferenças são perceptíveis na medida em que percebemos a heterogeneidade que compõe a nação. . espaços vastos e desconhecidos. Historien (Petrolina). o “sertão” chegou a constituir um vocábulo absolutamente essencial em todas as construções historiográficas que tinham como tema básico a nação brasileira. ano 4.. O sertão engloba o campo espacial e literário. culinárias ou de linguagens. A categoria sertão é também uma referência institucionalizada sobre o espaço no Brasil. Enquanto a historiografia nacional ressalta as semelhanças. nos diálogos dos indivíduos. no século XVI. as manifestações culturais. Sérgio Buarque de Holanda. a cultura. essa categoria permanece em uso no cotidiano. no litoral habitava a civilização. os bons modos de vida. Amado (1990) constata que este recebeu a conotação de local desprovido de cultura. Apesar de ser um termo usado desde antes da chegada dos portugueses ao país. A categoria tornou-se uma construção linguística para expressar o “desconhecido” ou “inabitado”. 9. habitado por homens sem fé e sem lei. n. relatórios de presidentes de província e relatos de paisagens elaborados pelos viajantes. quando elencamos a particularidade de uma região em contraposição à outra. Ao historicizar o termo. Demais historiadores importantes da época como Euclides da Cunha. ou ainda o local onde os encarregados da Coroa Portuguesa eram enviados para expiar seus pecados. a mesma expressão era usada em oposição ao “litoral”: enquanto que no sertão habita o desconhecido. a regional lida com as diferenças assegura Amado (1990. trabalharam de formas diversas com essa categoria. entre outros.O sertão real e imaginário. O sertão é presente no pensamento social brasileiro e na historiografia desde a colonização do país. 12). O sertão presente nesses documentos limita-se à local escondido. de acordo com o IBGE. Jul/Dez 2013: 283-295.. (GARCIA. p. ano 4. lei ou rei. acumulação de capital financeiro. áreas extensas. Às vésperas da Independência a ideia de sertão era bem difundida no Brasil. Mato Grosso e Goiás. regiões desconhecidas. possuíam pouca informação ou controle 287 Historien (Petrolina). localizados dentro das possessões recém-conquistadas ou distantes delas. No século XV o usaram para nomear espaços vastos. As significações do termo e sua utilização ao longo dos tempos designam diversos sentidos: entre o século XII e XlV. interiores. A mesma destaca que os lugares são criações. O sertão foi ainda largamente utilizado pela Coroa portuguesa e pelas autoridades lusas nas colônias até o final do século XVII ao emitirem documentos relacionados aos domínios coloniais. n. fundação de núcleos urbanos e implantação da pesada burocracia lusa. 149). p. esta abstração era carregada de significados depreciativos. 1995. Os relatórios redigidos pelos governantes da Província do Goyaz são analisados por Ledonias Garcia como fonte para compreensão da ideia que os mesmos tinham da região goiana. (AMADO. Desse modo. leigas ou religiosas. 2012. Designava terras sem fé. É interessante notarmos que apesar da descoberta de minas auríferas em Minas Gerais. Jul/Dez 2013: 283-295. Cronistas e viajantes que percorreram o Brasil. 131). . essas regiões continuaram a serem chamadas de sertão. os portugueses empregam a palavra “sertão" ou "certão" referindo-se a áreas situadas dentro de Portugal e afastadas da capital. da explosão demográfica. 9. as culturas e as referências são criadas pelos homens do lugar e esses lugares são representados pelos homens de fora. desde o século XVI usaram a categoria para designar grandes espaços interiores e obscuros. habitadas por índios "selvagens" e animais bravios. a imagem dos sertanejos e índios da região goiana foi construída pelos viajantes estrangeiros. afirma a historiadora. sobre as quais as autoridades portuguesas.Weverson Jesus/Regina Padovan atentando ao fato de que essa compreensão do sertão é necessária para entendermos a formação nacional. Na investigação realizada pela autora percebe-se a constância da categoria “isolamento” e da figura indígena como empecilho para que a civilização adentrasse na Província. distantes do litoral. de natureza ainda indomada. usada para classificação e hierarquização dos espaços do império português. Sertão e costa (margem) foram categorias complementares... O Nordeste é filho da ruína da antiga geografia do país. dependendo do local onde se encontrava o enunciante. longínquos. n. alterara-se profundamente. desconhecidos. insuficiente. Janaína Amado (1995. ao longo do tempo. 2006. vindo dos Estados Unidos.O sertão real e imaginário. no Brasil do século XIX ocorria um processo inverso: a absorção de todos os significados construídos pelos portugueses a respeito de sertão e acréscimo de outros significados. sertão representava a liberdade e esperança. O termo em análise sempre esteve carregado de sentidos negativos. 150) pontua a importância que a categoria em análise recebeu em Portugal. para os governantes lusos o sertão era o local de enriquecimento e de morte. (ALBUQUERQUE JR. sertão constituiu o espaço do outro. Somente no início do século XIX. lança-se a compreensão de como. p. sinônimo de interior. a percepção do intelectual que desembarca no Recife. chegando ao sentido original e anterior à constituição das colônias: o de interior. liberdade em relação a uma sociedade que os oprimia. 39). segmentada entre ‘Norte’ e ‘Sul’. o sertão perdia seus significados polissêmicos. para os expulsos da sociedade colonial. ano 4.. . uma vez que uma foi construída em função da outra ao refletir o inverso da costa. um exílio a que haviam sido temporariamente relegados. No início dos anos vinte. Na medida em que o império se fragmentava. esperança de vida nova. Por outro lado. este geralmente era membro da alta sociedade e habitante de grandes centros urbanos. Para o colonizador. o próprio físico da região. sendo que a categoria é de essencial importância para o entendimento do conceito de nação. é de que a própria paisagem. Jul/Dez 2013: 283-295. Albuquerque Jr. diferentes autores descreveram o Nordeste brasileiro e inscreveram essa região no país. contrapondo-o às demais regiões do Brasil. em Portugal o sertão esvaziou-se dos significados que tivera para os portugueses e recebeu outras conotações: espaços amplos. 9. Historien (Petrolina). se impõe uma imagem e um texto homogêneo. Eram retratados na imprensa dessa região os costumes “bizarros e simpáticos” da população da região Norte e Nordeste. 2006. n. reportagens.. até mesmo em teatros. . Esses relatos do estranhamento funcionam também no sentido de criar uma identidade para a região de quem fala.] atentando para as diferenças entre o espaço e o sujeito do discurso e o que ele está visitando. ao qual. A partir da década de 1920 ocorre na região Centro-Sul o desejo de conhecer o “diferente”. não atentando para suas diferenças internas. retratando o Norte como 289 Historien (Petrolina). Os Sertões é sem dúvida um marco no sentido de que esboça os elementos com que vai ser pensado o problema de nossa identidade nacional. (ALBUQUERQUE JR.. A superioridade de São Paulo era justificada pela presença de uma raça superior. O imaginário coletivo acerca do Nordeste perpassava pela imprensa paulista. seja na exaltação dos imigrantes e suas contribuições na região Sul ou no reforço de sua ausência na região Norte e Nordeste como fator de atraso e de incultura. ano 4. Em Cunha aparece formulado o par de opostos que vai perpassar os discursos sobre nossa nacionalidade: o paulista versus o sertanejo.Weverson Jesus/Regina Padovan A obra de Euclides da Cunha é uma tentativa de desmistificação da ideia de Nordeste. 9. como vemos no trecho do espetáculo Brasil Pitoresco. Essas visões eram mostradas em obras. É uma fonte de imagens e enunciados para os diferentes discursos regionais. 42). sobretudo. e muitos intelectuais se admiravam com o caráter pitoresco que o nordeste era retratado. O referido autor assevera que o caráter de valorização de elementos externos ao país e a desvalorização do nacional foram realizados por intelectuais do período – início do século XX -. a eugenia assegurava o domínio da região Centro-Sul sobre as demais do país. quase sempre. de Cornélio Pires. Oliveira Viana via o nordestino como um degenerado por sua condição racial. Até então a imprensa era a grande responsável pela criação e apropriação de imagens dos “nortistas”.. o Norte e Nordeste passaram a serem alvos de visitas de especialistas e curiosos de outras áreas do país. Jul/Dez 2013: 283-295. sempre mostrando as diferenças como estranhas e bizarras por estarem ligadas ao arcaísmo e atraso. em oposição à área de que se fala. Inventa-se o paulista ou o nordestino [. um local: “[. rádios e também na televisão. os sertões misteriosos.. na poesia. 2006. (ALBUQUERQUE JR.Essa diversidade de temas abordados. a fome. ambíguos.] feito para que o público risse das ‘coisas pitorescas. de pesquisas realizadas. Trata-se de entender a produção do conceito de representação do Nordeste e como ele funciona dentro ou fora de suas fronteiras. 9. a religiosidade e outros aspectos relacionados ao nordeste. Jul/Dez 2013: 283-295. percebe-se que a utilização do termo sertão foi responsável pela difusão de um tipo brasileiro. Relaciona-se ainda à literatura regionalista que tem o sertão como lócus de discurso e como forma de mostrar a realidade social da região.. Ressalta-se que a ideia de sertanejo e do próprio nordeste foi uma construção. no Brasil. Euclides da Cunha. 154) enfatiza que talvez nenhuma outra categoria. É necessário entender como ocorreu a criação de imagens referentes ao Nordeste para consumo do Sul e a serviço de que relações de força estão relacionadas. especialmente na oral e cordel. . ano 4. esquisitas. sua compreensão é necessária para entendermos a trajetória da História do Brasil.. 2006.O sertão real e imaginário. pertencente à uma região específica. 46). p. “A verdade sobre a região é construída a partir dessa batalha entre o visível e o dizível”. Esse termo encontra-se presente em outras artes como a pintura. o teatro.. dos irmãos do Norte’. o sertanejo sempre foi visto como o desprovido de cultura. 45). A temática “História e região” pode ser abordada por diversos ângulos.. dissertações e teses defendidas refletem que a história regional e local vem se Historien (Petrolina).. exóticas. Igualmente. fruto de obras de autores como Raquel de Queiroz. ocupando amplos espaços nos meios de comunicação: jornais. o cinema e a música. entre outros que relatavam em suas obras a seca. n. Descobre-se o nordestino como um bom tipo para espetáculos de humor” (ALBUQUERQUE JR. Amado (1995. monografias. ridículas. José Lins do Rego. prosa. representando tema central na literatura popular. O sertão foi por diversas obras e em diversos momentos tratado de forma contundente na literatura brasileira. além de correntes e obras literárias. Desse modo. literatura realista. míticos. tenha sido construída por meios tão diversos e com significados importantes e variados. situados ao mesmo tempo em espaços externos e internos. com compaixão. ao que distancia dos grandes centros urbanos.. . p. onde crescem apenas mandacarus. a continuidade desses termos refletem as ressignificações que os mesmos sofreram no decorrer dos tempos. ano 4. vivem e pelejam num país de florestas. rasga-gibões e xiquexiques. [. Com as anotações abaixo percebemos as diferenciações existentes nos sertanejos da região observada. em contraposição aos de demais regiões: Se não podemos dizer nada de certo de muitos sertanejos do Brasil. 9. A partir destas observações compreende-se que o Brasil. No entanto. não vegetam em recantos desolados. Particularmente na antiga região norte do Estado do Goiás. Audrin (1963. Não são vítimas de secas periódicas que aniquilam as criações. atual Estado do Tocantins. inóspito.. desde a sua colonização. percebemos o quanto essas desqualificações não representam o verdadeiro sentido da categoria explorada neste artigo. preguiçosa e com vestimentas rasgadas. onde correm águas permanentes. a imagem que está vinculada ao sertanejo é de uma pessoa calma. Jul/Dez 2013: 283-295. n. onde nunca faltam caças na matas. não no intuito de mitificar figuras. mas de mostrar que a história é construída pela ação humana. Essa diversidade reflete ainda o interesse em construir uma história diferenciada da contada pelas elites locais. 9) certifica que os sertanejos conhecidos por ele no antigo Norte goiano não igualam-se aos de demais áreas do Brasil e tem características bem particulares. desembarcar nas plataformas das Estações Roosevelt ou Pedro II. Não estão sujeitos à lamentável necessidade de disputar ao gado e outros animais a água escassa das cacimbas. Não pensem os leitores que nossa gente do interior seja a massa de retirantes que temos visto.] São livres.. onde rios e lagos são piscosos.] Nada lhes falta quando podem e querem trabalhar. onde o solo é rico e fartas as pastagens.Weverson Jesus/Regina Padovan fortalecendo no país. [. explorando na historiografia como a imagem do sertão foi sendo construída. de verdes campinas e várzeas.. estamos em condições de afirmar que os sertanejos que chamamos “nossos”. inutilizam lavouras e obrigam-nos a expatriar-se à procura do “Inferno Verde”. Tais são os sertanejos que conhecemos. com destino aos cortiços da Paulicéia ou às favelas da Cidade Maravilhosa. percebe-se que a categorias “sertão” e “sertanejo” continuam sendo usadas com o sentido de local onde habitam pessoas desprovidas de conhecimento. O sertão sempre foi visto em contraposição à “costa”. foi visto como um território desconhecido. e exatamente por 291 Historien (Petrolina). p. onde o sertão é visto como o desconhecido. transportando para a literatura diversos preconceitos. praticamente desde seu início. ou sertão/litoral. permeado pela seca.4) assevera que o sertão está em toda parte. nem por isso dissociado da conexão geral. demarcando a fronteira entre o Norte atrasado. foi ressignificado no Tocantins. ano 4. Ao analisar as folias e festas religiosas presentes em Natividade e Monte do Carmo – TO.. obscurantista e o Centro-Sul civilizado. Guimarães Rosa (1994. De tal Historien (Petrolina). ao desabitado. mas. p. O sentido de sertão.O sertão real e imaginário. as imagens do sertão desprovido de recursos econômicos e desabitado ainda vigoram no imaginário dos foliões do Espírito Santo. ao esquecido. Maria do Espírito Santo Cavalcante (2003) ressalva que o antigo Norte de Goiás foi identificado como sertão. Percebemos no imaginário social a visão do sertão como lugar distante.. 9. n. 119) o sertão cria seus tipos de sertanejos dentro do paisagismo de interferência regional. Rosa é um expoente do movimento Modernismo e diferencia-se dos demais regionalistas por não abordar os problemas brasileiros de uma maneira superficial. mas também num contexto mais amplo. p. Porém. . relacionado ao interior. Devemos pensar a categoria não somente no seu aspecto regional. afirma Pessoa (2013). afastado da sede do governo. espaço geográfico opositor à urbanização moderna das capitais do Centro-Sul. a valorização da cultura sertaneja num momento histórico em que predominava um discurso desenvolvimentista coloca o escritor na contramão da literatura brasileira que. De acordo com Otávio Barros da Silva (1997. que percorrem o sertão levando a mensagem divina. como ambientalmente árido. degredados da lei de iniciar uma vida nova. isso. evidenciado no pensamento social brasileiro. uma terra propícia para ser explorada. ainda nacional. O sertão não inclui apenas a região Nordeste. Jul/Dez 2013: 283-295. defendeu a modernização do país. mas nem por isso deve ser visto como lugar da barbárie. Esse distanciamento das sedes de instituições oficiais possibilitou oportunidades para fugitivos. o interior. 130) elucida que o sertão goiano e tocantinense difere do sertão Euclidiano. Diferencia-se ainda por abandonar a ênfase da paisagem para realçar o ser humano em conflito com o ambiente e consigo próprio. abandonado. Messias (2010. ao longínquo. dado que o mesmo é uma parte da nação. o preguiçoso e religioso ligado ao messianismo. não se deve atribuir valores a regiões específicas do Brasil como sendo melhor ou pior para se viver. tal como nos foi mostrada é fruto de uma construção social e a tentativa de desconstruir essa imagem ainda não foi possível. . de mostrar a identidade sertanista como partícipe da heterogeneidade cultural brasileira. Considerações Finais Essas observações realizadas a caráter de uma tentativa de compreensão da imagem construída acerca do sertão. habitado por pessoas incultas. As contribuições da historiografia regional centram-se na tentativa de desvincular as ideias pejorativas criadas para desqualificar o sertão e os habitantes do mesmo. Não se deve negligenciar ou deixar de perceber as contribuições que o termo sertão trouxe à historiografia. Essa região. música. trabalhadores. tenciona ainda descortinar a imagem feita pelos colonizadores referentes ao sertão. visto como local da barbárie. dado que a interiorização do país foi a grande responsável pelo enriquecimento de regiões e de famílias tradicionais do Sudeste. céticos. A diferenciação entre regiões é uma constante na definição do conceito de Nordeste. do diferente. nos sertões habitavam os incultos. do encontro de culturas diferentes. literatura. da alteridade. No pensamento do habitante do Centro-Sul. O sertão é o local do desconhecido. os miseráveis abatidos pela seca. na “civilização” habitavam os superiores. enfim. 293 Historien (Petrolina). telenovelas.Weverson Jesus/Regina Padovan modo. teatro. bem como inseri-lo na história nacional. os cômicos e pacíficos moradores. os inteligentes. enfim. 9. tendo a região Nordeste como expoente. degradadas racialmente. ano 4. Estas reflexões são necessárias para compreendermos como o sertão real e imaginário estão entrelaçados na mentalidade coletiva. Jul/Dez 2013: 283-295. violentas. da cultura local. A trajetória do termo foi investigada com a finalidade de entender os sentidos polissêmicos do termo. diversas áreas que o usaram como referência para expressar a contribuição da região. n. por outro lado. REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE JR. Trajetórias geográficas. José Maria. 2001. O poder simbólico. mas um espaço onde insere uma forma de viver característica das pessoas. 8. 2008. 9. 1995. A história vigiada. BOSI.. p. CAVALCANTE. Goiânia: UCG. Ed. ano 4. São Paulo: Ed. Pierre. Nação. Jul/Dez 2013: 283-295. Geografia: conceitos e temas. CORREA. . In: A invenção do Nordeste e outras artes.). 15. CUNHA. ____________________. espaço físico. Memória e Sociedade: lembranças de velhos.O sertão real e imaginário. BURKE. O Discurso Autonomista do Tocantins. n. e por estar em nós não podemos descartá-lo. 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O procedimento consistiria em saber quais eram as virtudes a serem seguidas e quais os vícios a serem combatidos. will be addressed how the tridentine recommendation was preached in Portugal. É dessa conjuntura histórica que este artigo tratará. a deep crisis created preoccupations about the recovery of Christian faith. portanto. n. Council of Trent. was a fundamental element of the Catholic Reformation. Aprovado em 15/11/2013. em autos de fé da Inquisição portuguesa. Abstract: The Council of Trent (1545-1563) recommended to the preachers to stimulate the congregation to know themselves better as Catholics. Jul/Dez 2013: 296-309. will be use two sermons preached by the Jesuit Francisco de Mendoça in autos de fé of the Portuguese Inquisition. Naqueles anos. In those years. between 1616 and 1618. The proceeding would to know what virtues were to be followed and what vices were to be rejected. serão utilizados dois sermões pregados pelo jesuíta Francisco de Mendoça. constituiu-se em um elemento basilar da Reforma Católica. será abordada de qual forma a recomendação tridentina era pregada em Portugal. The preacher. Para isso. Em especifico. uma agravada crise causava preocupações com a recuperação da fé cristã. Sermon. Mestrando em História pelo Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal do Paraná (PPGHIS/UFPR). in the early of the seventeenth century. For this. Historien (Petrolina). It is about this historical context that this article will attend. . Specifically. Keywords: Autos da fé. Concílio de Trento.COMBATER VÍCIOS. entre 1616 e 1618. Graduado em História (licenciatura e bacharelado) pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Inquisição Portuguesa. A difusão dos Evangelhos tornava-se uma urgência para que os católicos de Roma sentissem-se parte do rebanho de Deus. Portuguese Inquisition. ano 4. ENSINAR VIRTUDES: O IDEAL CATÓLICO TRIDENTINO EM SERMÕES DE AUTO-DE-FÉ DA INQUISIÇÃO PORTUGUESA (1563-1618)1 Luís Fernando Costa Cavalheiro2 Resumo: O Concílio de Trento (1545-1563) recomendava aos pregadores estimular seus fiéis para melhor se conhecerem enquanto católicos. Bolsista CNPq. It was up to those who ascend at the pulpit to be the voice of Christ present in the Holy Scripture and make it closer to its listeners. 1 2 Recebido em 10/10/2013. O pregador. Cabia a quem subisse ao púlpito ser a voz de Cristo presente na Sagrada Escritura e torná-la próxima de seus ouvintes. Palavras-chave: Sermões de autos de fé. The spread of the Gospel became urgency to the Catholics of Rome feel as part of God's flock. therefore. para saber quem pertencia ao fiel rebanho do Senhor (DELUMEAU. Buscou. uma provação. a reunião não terminaria no seu pontificado. Desde fins da Idade Média. 325-334). Momentos de incerteza. muito mais. chegando aos últimos pontos no ano seguinte. Parecia um castigo divino: um Deus vingador para um mundo envelhecido (DELUMEAU. pp. 17). 2009. de crise. Os dezoito anos foram longos não porque o assunto era delicado de ser tratado. em proximidades do Juízo Final.Luís Fernando Costa Cavalheiro CONSIDERAÇÕES INICIAIS Trento. As fragilidades da Igreja Romana estavam expostas. Em todo caso. 335-344). Por isso. Ou. Em 1545 o Papa Paulo III convocou os cardeais de seu clero para discutir as mudanças necessárias. guerras. p. Pestes. pp. poucos foram os avanços quando um surto de peste assolou a região e forçou uma súbita interrupção ao Concílio. 1985. Para piorar. Jul/Dez 2013: 296-309. tornou-se emblemática com a criação do confessionário. críticas internas e externas e ameaças constantes de cisões desafiavam o rebanho católico. 2009. principalmente. Nos anos seguintes. Nos quatro primeiros anos. de graves dúvidas e. em 1562 os debates estavam quase todos finalizados. A confissão. mas porque até o contexto parecia impossibilitar qualquer ação. A Igreja procurou ficar mais próxima Historien (Petrolina). ano 4. no entanto. era preciso enfrentar tamanha desestruturação. sobretudo na França. reafirmar o que era e como ser católico. um espaço para que o fiel pudesse dizer no mais íntimo do seu ser todas as suas falhas e assim ser remisso dos seus pecados e reconciliado com Deus. por exemplo. corrupção pareciam demonstrar a ira divina lançando suas pragas e seus castigos (MULLETT. Entretanto. as sessões seriam interrompidas em decorrência de guerras religiosas. n. chegava ao fim o Concílio Ecumênico que visava estabelecer bases para reformar a Igreja Católica Romana. não se preocupou em dar uma resposta ao protestantismo. Trento. talvez. nem no de seu sucessor: quatro papas passariam pelo trono de São Pedro. 1563: após longos dezoito anos. a necessidade de reafirmação dos sacramentos. protestantes fundavam novas igrejas e tomavam ovelhas católicas. . 9. Assim teremos nas palavras do jesuíta Francisco de Mendoça. então. Do contrário. . do que a lição. seguiremos uma trajetória iniciada nos autos-de-fé. p.. 298 Historien (Petrolina).. os castigos de outrora poderiam voltar. conheceremos os possíveis espectadores. 85) As propostas reformistas não se encerraram em 1563. que agora deveria ter maior inquietude com seu comportamento e com a expiação de seus pecados. Por outro lado. Nas páginas que seguem. A escolha de dois sermões justifica-se para melhor apresentar convergências e divergências nos comportamentos viciosos e virtuosos. em sermões pregados em autos-de-fé da Inquisição portuguesa. O segundo capítulo da quinta sessão dos decretos tridentinos. 9. ano 4. (. Jul/Dez 2013: 296-309.) E se algum desprezar o cumpri-lo. Por isso. ensinar virtudes do seu rebanho. Um dos alicerces dessa renovação católica centrou-se na importância da transmissão das Sagradas Escrituras. (. um em 1616. p. para que evitá-lo de deixar cair em heresia. Mas era preciso saber como não cair mais em erros. o católico deveria procurar meios de se afirmar como tal. 1785. Esta proposta faz parte de uma dissertação de mestrado previamente intitulada “E Cristo é a única voz de todo o mundo: a defesa da Respublica Christiana nos Sermões de autos-de-fé da Inquisição Portuguesa” e o que se oferece aqui é uma primeira tentativa de estabelecer elementos para subsidiar a análise do corpo documental. o púlpito e as palavras lá proferidas.. 87 ).Combater vícios. Muito pelo contrário: foram elas a divulgação de novas preocupações para o catolicismo.) e todos os mais Prelados da Igreja estão obrigados a pregar por si mesmos o Evangelho de Jesus Cristo. n. Aqui entra o objeto deste artigo: cabia ao pregador e à sua prédica apresentar com “palavras breves e claras os vícios de que se devem apartar e as virtudes que devem seguir” (O SACROSSANTO E ECUMÊNICO CONCÍLIO DE TRENTO. acompanharemos como os vícios e as virtudes eram pregadas em Portugal no início do século XVII. em Coimbra.. não estando legitimamente impedidos. na cidade de Évora e outro em 1618. intitulado “Dos pregadores das palavras de Deus” enfatizava a preocupação: Porquanto não é menos necessária à República Cristã a pregação do Evangelho. 1785. saiba que o espera um rigoroso castigo (O SACROSSANTO E ECUMÊNICO CONCÍLIO DE TRENTO. de um modelo literário muito importante para o momento: os autos teatrais – como. Francisco de Mendoça subiu ao púlpito com um sermão cujo exórdio foi tirado do livro de Isaias. o Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente.Luís Fernando Costa Cavalheiro O CORPO DE CRISTO: OS AUTOS DE FÉ Auto-de-fé significava. ano 4. Jul/Dez 2013: 296-309. Ao chegar ao local. Fazia parte. Fernão Martins Mascarenhas e outras autoridades religiosas. Ao longo do trajeto eram acompanhados de perto pelos familiares da Inquisição. responsável pela pregação naquele auto. 25 de novembro de 1618: ainda na aurora. aos quais cabia a tarefa de provocar o arrependimento dos culpados. n. a procissão chegou ao fim. *** Coimbra. Ao amanhecer o dia. Na igreja da matriz e das redondezas os sinos tocavam convidando os moradores a seguir o caminho. Mendoça clarificou suas palavras dividindo-as em dois conjuntos: apresentar os pecados do povo judaico e. saíram o inquisidor D. . cento e vinte e seis réus – sessenta e um homens e sessenta e cinco mulheres – saíram pelas ruas em procissão. anunciar os possíveis castigos que aquele povo sofreria. Logo em seguida. Ao findar. uma recuperação da fé católica. ainda. em sentido literal. O pregador não se preocupou com o número de réus e fez uma pregação que provavelmente foi longa. sobretudo pela sua inserção em uma sociedade em que gestos e vozes eram mais compreensíveis do que papéis e escritas. A representação teatral era uma função fundamental naquelas circunstâncias. pois quando passou pela imprensa contava com Historien (Petrolina). 9. por exemplo. iniciou-se uma missa entoada pelo tradicional hino de louvor Veni creator spiritus. O destino era a praça da cidade. ato da fé. A prédica demonstrava preocupação com os pecados e os erros do antigo povo de Israel. Lá estava montado um cadafalso e ao seu redor uma estrutura para acomodar o público. dentre eles o jesuíta Francisco de Mendoça. em seguida. os gastos. 111). triunfaria diante da heresia. n. p. 1985. Nas Colleções de Listas impressas e manuscriptas dos autos-de-fé. aliás. 9. p. ano 4. 3 300 Historien (Petrolina). tornava-se cada vez mais necessária após Trento. (MARAVALL. Mas quem eram essas pessoas que acompanhavam essas cerimônias? O que as motivavam em participar? O que elas procuravam? Para compreender as intenções dos pregadores será preciso conhecer os ouvintes de sua prédica.Combater vícios. Em seguida. ninguém foi condenado à morte (MOREIRA. Uma catarses e espalhava e “o povo sentia-se protegido e purificado com estas imolações que se desenrolavam segundo um cerimonial majestoso e santificador” (SARAIVA. . Toda aquela situação tinha que passar ao público a sensação de que ele. de António Joaquim Moreira. Era parte de um ritual minimamente cuidado. maiores eram. de alguma forma. um artifício cuidadosamente encenado para evidenciar ao cristão que no julgamento divino ele seria o escolhido para o reino de Deus (BETHENCOURT. Naquele dia ninguém foi relaxado ao braço secular. 379). o tempo do sermão era diminuído ou suprimido. não constava nenhuma informação sobre o referido auto. 2000. condenando e ameaçando de excomunhão quem não colaborasse como Santo Ofício. É o que faremos a seguir. p. Por isso. conforme afirmou José António Maravall (MARAVALL. os festejos caracterizavam uma forma de fugir das agonias causadas aos homens. Tratava-se de “uma época trágica”. OS OUVIDOS DO REBANHO DE CRISTO Muitos daqueles que se dirigiam ao local do auto-de-fé tinham naquele dia uma festividade. outro clérigo subiu à tribuna para a leitura do Édito da Fé. em 1616. cf. O domingo da imolação do inimigo mais parecia com o Juízo Final. SARAIVA. 1863. 4 Não foi encontrada nenhuma referência sobre a sequência dos ritos do auto-de-fé de Évora. ensinar virtudes cerca de 60 folhas. p. 248). 2009. cada vez mais se incorporava novos instrumentos musicais aos louvores. não deixando escapar nenhum detalhe. também. 110.4 A sequência dos ritos mencionados foi uma constante nos autos. 60v-63v). Ao adentrar o século XVII. fls. A festa. 277). p. Logo depois passou-se à leitura dos crimes e das condenações dos culpados. 2009. inicialmente cantado em coro foi ganhando Quando o número de réus era muito elevado. pois quanto maior era o tempo dispensado. Essa medida era importante para não estender o auto-de-fé para mais de um dia. então. 1985. Jul/Dez 2013: 296-309. O Veni creator spiritus.3 Ao fim rezou-se um Pai Nosso. em uma carta enviada ao rei D. . nem mesmo a possibilidade de intempéries. até o fiel mais simples que morava aos arredores de onde se realizava o espetáculo (MORENO MARTÍNEZ. João de Melo. com toda a comitiva de males. Pelo auto circulavam diversas pessoas. Por outro lado. p. segundo se pensa no século XVII. 1997. 146). 450) Esse simples fiel era uma das grandes preocupações para a pregação do dia. D. sendo a noite e os dias passados de grandes tempestades. o auto-de-fé era um momento raro. De qualquer forma. Cabia ao pregador a tarefa de provocar. mas como a garantia de uma bela entrada aos reinos dos céus – caráter religioso (MORENO MARTÍNEZ.e que o parecia favorecer. p. A maioria deles tinha pouca ou nenhuma instrução e encontrava na pregação a oportunidade de conhecer melhoras Sagradas Escrituras. que à luta acompanha. João III. 9. p. n. e houve que por seu serviço fazer muito bom dia. Muito provavelmente. conforme surpresa do Inquisidor de Lisboa. A curiosidade de saber quem eram os culpados.Luís Fernando Costa Cavalheiro ritmos de trombetas e tambores. Nosso Senhor seja louvado. se fez nesta cidade [de Lisboa] o auto-de-fé e acabou-se. quais os seus erros atraía uma multidão. 1997. o que não causou pouco crédito no povo em ser negócio de serviço de nosso Senhor. quatorze deste mês [de junho]. Outra vez devemos compreender o ambiente em que estava inserido aquele homem. com os possíveis proveitos que também a dor traz consigo. aquela mulher que ao amanhecer do domingo dirigia-se ao local do espetáculo: O homem. como o inquisidor. Quem lá estava precisava organizar uma grande festa para que se fizesse justiça aos culpados –caráter jurídico – e para que o Juízo Final não fosse marcado com o medo de condenação aos fiéis. (D. 1921. quando muito. apud AZEVEDO. é um indivíduo em luta. 145). Era a ele quem deviam dirigir-se as palavras a demonstrar os vícios e as virtudes. narrando o auto-de-fé de1544: Senhor – hoje. Isso reforçava a necessidade de participar e sentir-se parte daquele rebanho que triunfaria na fé. para assim ficar mais próximo de Deus. a exigida contribuição com a Inquisição fazia dos autos um momento de declarar-se católico e evitar a excomunhão. mais ou Historien (Petrolina). Nada parecia impedira participação do povo. com muito sossego. ano 4. afinal acontecia apenas uma vez por ano e. João de Mello. terça-feira. o simples fiel era a maioria. duas. Desde importantes autoridades. Jul/Dez 2013: 296-309. a sentir a sua religião: quando se festavam. como a “voz de Cristo” se pronunciava. fonte de tantas inquietações. Mas estes não eram os únicos ouvintes presentes. . por conseguinte. 302 Historien (Petrolina). o pregador expunha os vícios e as virtudes para seu diversificado público? Como era possível estabelecer uma relação entre o público e o Santo Ofício? Quais eram seus objetivos? Conheceremos. ensinar virtudes menos ocultos. a reconciliação ao seio cristão. p. Michael Mullet demonstra que foi a partir dessa conjuntura que as sensibilidades foram tomadas como um importante elemento de doutrinação: os católicos foram então encorajados. ano 4. Havia um público marginal: era ele o réu que estava na condição de escolher uma possível remissão de seus pecados e. n. mas de alguma forma a resolução do Concílio de Trento convidava o católico a melhor se conhecer. mais do que anteriormente. 2009. Muito do que era dito ao cristão para convencê-lo sobre a gravidade dos vícios era também uma forma de amedrontar os acusados. Nenhuma limitação ou imposição de estilo ficou clara. provavelmente. 9. 260-261).. Jul/Dez 2013: 296-309. por exemplo. grifo meu). Essa agonia causada por convulsões e crise no homem poderia encontrar uma saída nas pregações. A pregação para eles. eram estimulados a sentir um desgosto emocional pelos seus pecados e mesmo arrependimento por terem causado sofrimento a Cristo (MULLETT. na existência da Inquisição. então. na participação da missa. O medo condicionaria o culpado a conhecer suas falhas. p. era mais dificultosa.Combater vícios. A VOZ DE CRISTO: O PREGADOR E A PRÉDICA Uma das preocupações da Reforma Católica era em como as palavras atingiriam os ouvintes. em luta dentro de si (MARAVALL. O homem é um ser agônico. 66. pois para além de persuadir era preciso admoestar. 1985. agora. portanto. No revivescer da fé em Deus.. causando um abalo psicológico. E de qual forma. no acompanhamento do auto-de-fé. (. cuidados e até violências que do seu interior brotam e se projetam com o mundo e com os demais homens.) encontra-se o indivíduo em combate interno consigo mesmo. assumindo-as e levando-os ao arrependimento. 1995. precisava reverter essa situação (MULLETT. 5 O pregador. Contudo.. para “vincular a alma mais ao coração do que à inteligência” (MORÁN. 1967. estas foram as informações sobre o jesuíta Francisco de Mendoça. Geralmente. 9. assim. então. Por conseguinte. Na dissertação. Nas duas vezes em que esteve com a palavra. Quando eleito para assumir o púlpito. os autos-de-fé foram perdendo o caráter de teatro sacro para tornarem-se espetáculos de massa (NAZÁRIO. o próprio Francisco de Mendoça apresentava-se como um representante de Deus no púlpito: “Já antigamente matastes e apedrejastes os Profetas de Deus (. a Reforma Católica foi uma reconquista das massas. não apedrejeis agora ao próprio Deus. a preocupação não será em mapear a trajetória dos pregadores. p. o episcopado apontava três possíveis nomes para. p. ANDRÉS-GALLEGO. 27). (MENDOÇA. assim. 2002. 1985. Conforme bem destacou Jean Delumeau. assim como se fazia nas parábolas. o pregador recebia uma lista com os nomes e as acusações levadas ao cadafalso no domingo. tendo como espaço privilegiado o púlpito da Inquisição.ANDRÉS-GALLEGO.. as potenciais ovelhas que poderiam fugir do rebanho (DELUMEAU.Luís Fernando Costa Cavalheiro Buscava-se. (MORÁN. No sermão pregado em 1618. apenas um ser escolhido. tendo em vista que serão muitos (algo em torno de 20 pregadores diferentes). Francisco Mendoça ficou encarregado desta tarefa por duas vezes na segunda década do século XVII. . pp. não era qualquer um que poderia ser pregador em um auto-defé. seria a voz de Cristo. Da mesma forma que Jesus recomendava uma busca incansável por qualquer ovelha desgarrada do seu rebanho. 1995. pp. “a noção do padre como orientador paternal e g u i a d o s l e i g o s i n v a d i u a C o n t r a R e f o r m a ” (MULLETT. 102107).) não mateis. pautadas no fortalecimento da formação de seminários paroquiais. Jul/Dez 2013: 296-309. 91-109). fls. 20). ano 4. 118). a grande preocupação de Mendoça. 119). a Igreja Reformada assumiu como uma de suas falhas o distanciamento entre o clero e o leigo e. Até o momento da pesquisa. em seguida. que aqui vos prega”. p. 1985. estabeleceram-se dois planos evangelizadores: a recuperação e a consolidação da fé. p. 1618. uma fé mais emotiva do que intelectual. Assim. n. A intenção será em fazer uma análise cultural e social da pregação na sociedade portuguesa do século XVII. 3-3v). A partir de então. 5 Historien (Petrolina). M a s quem eram estes que outrora mataram e apedrejaram os profetas? Era o povo judaico. 14).Combater vícios.(. grifos meus).. duros. fl. ano 4.) depois que fez esta execração tão blasfema contra si. A exortação reforçava que os ritos judaicos não eram condizentes com os cristãos: “essas vossas cerimonias judaicas que guardais. 1618. Uma expressão. a segunda seria a dos filhos. fl.) Enquanto a vara está na 304 Historien (Petrolina)... e encoberta e solapada: coitado de ti. 3. expressões como cegos. como espirituais. 18v). Assim aconteceu com as gerações seguintes. que sois vós. 1618. de onde tirastes? Da Escritura? Bem parece que nunca a lestes e pelo menos que nunca a entendestes” (MENDOÇA. agora. Mendoça categoricamente chamou os judeus de cepa: é o povo judaico uma vara cortada da cepa. Jul/Dez 2013: 296-309. A culpa dos pais foi ao recusar Cristo enquanto o Messias prometido pelas profecias. fl.. coetâneos à prédica. O pecado. uma repetição. e pondes o selo ao que vossos pais fizeram. e com uma coisa na boca e outra no coração (MENDOÇA. e por hipocrisia e por falsidade. é pecado profundo. os vícios a serem apartados.. pertinazes. tinha uma proporção ainda maior. Desde então. se andar por entre nós fingida. ambas as pregações de Mendoça se repetem e confluem para uma só argumentação: os judeus fingiam sua fé. contudo. mataram-no e assim perderam tudo que tinham Depois que o povo Judaico matou e crucificou a seu verdadeiro Messias e pediu a Deus que o sangue deste inocentíssimo cordeiro viesse sobre ele e sobre todos seus filhos (. os que ainda hoje aprovais e ratificais. Por isso. 9. 1616. saltou aos olhos: no sermão de 1618. fl. O fingimento não era uma simples designação do oponente. então. Porque é pecado por fingimento e por engano. até chegar naquela da segunda década do século XVII. Pior do que isso. 13). assim temporais. Assim ele demonstrou ao dividir o povo judaico em duas gerações: a primeira seria a dos pais. contemporâneos a Jesus Cristo. . Em boa medida. Muito mais que um fingimento. era uma constatação: “pois esta cegueira Judaica é uma peste. E ficou relaxado do trono da misericórdia divina para o tribunal da justiça divina (MENDOÇA. pois: o pecado de seus filhos. os judeus ficaram desterrados pelo mundo. obstinados eram comuns para demonstrar os judeus. 1616. ensinar virtudes Francisco de Mendoça foi enfático: os judeus eram os opositores dos católicos. Portugal!” (MENDOÇA. n. qualficou? (. Eram eles. então.) Ficou confiscado em todos os seus bens.. O pregador também aconselhou aos judeus. não há coisa mais proveitosa.Tal [é] o povo judaico. porém. Se os judeus eram os vícios. 27). um recurso retórico amplamente utilizado nas pregações para definir o outro. não percais a eterna. fls. senão também pelo povo Judaico. 1497: cerca de vinte mil judeus dirigiram-se ao porto na esperança de embarque para terras além de Portugal. esperança e caridade não havia melhor povo. certamente a maioria entre os réus. Depois que deixou a Deus e renunciou o Messias e perdeu a fé e fez naufrágio de todas as mais virtudes sobrenaturais. ao Senhor recorria para atingir o perdão pelas falhas judaicas: “Lembrai-vos. p.). Senhor JESUS. Em esmo tendo exposto que o maior pecado dos judeus fora a morte de Cristo. cabia aos católicos serem virtuosos e praticarem a fé. Tratava-se de uma metáfora. para que pode servir no mundo senão para o fogo? (MENDOÇA.. ano 4. não percais o Céu. enquanto estava unido com Deus e com seu verdadeiro Messias. já que perdeis os corpos. a entregaremse a Deus para não perder o pouco que ainda restava: “já que perdeis a terra.Luís Fernando Costa Cavalheiro cepa com folha e fruto. Mendoça. As palavras guiavam o olho da mente para que este observasse os conceitos abstratos. elas ensinavam: “as metáforas teatralizavam as virtudes (. fl. por fé.” (MENDOÇA. 2005. depois que se[é]cortada[a] cepa só para o fogo serve.” (MENDOÇA. 1618. não só pelo povo Cristão. os judeus perderam suas virtudes. a piedade e o perdão. já que perdeis a vida transitória. entre o final do século XVI e início do XVII. que vós pusestes nessa Cruz e derramastes [o] vosso sangue e destes a vossa vida. 1616. Em dezembro do ano Historien (Petrolina). n. . 28v-29. a misericórdia. de tipo moral. grifo meu) Além de ser um perigo que deveria ser isolado por fazer mal à cristandade. 15). 16v). aguçando a imaginação e a memória. a metáfora era utilizada como forma de provocar a sensibilidade em quem ouvia. 9.. fl. Francisco Mendoça colocava aos olhos dos seus ouvintes a imagem do triunfo da fé católica: uma cepa sendo jogada ao fogo. Por conseguinte. CONSIDERAÇÕESFINAIS Lisboa. Segundo Marina Massimi. não se preocupou só com condenações. 1616. não percais as almas. associados a cada pormenor delas” (MASSIMI. Jul/Dez 2013: 296-309. nem arrependidos de suas culpas (MENDOÇA. esta não era a questão a ser resolvida. Senhor. Mas ah miserável povo. assinara um contrato de núpcias com Isabel. ensinar virtudes anterior. era muito mais uma alegoria dos antepassados.. ao aproximar-se do fim uma multidão procurava os portos para zarpar. Um católico deveria assumir seus erros. filha dos Reis Católicos. a confissão? Além de estar próximo ao leigo. rei português. também. Não. estimular o arrependimento.) Espalhados e esquartejados por todas as quatro partes do mundo. que seriam divididas entre cristãos velhos e cristãos novos.) Para que com este cativeiro testemunharem por todo o mundo sua falsidade e nossa verdade. 9. numa espécie de intermediário de Cristo. n. Os ecos da voz de Francisco Mendoça soa-nos um certo estranhamento. pedir perdão. Oficialmente. Contudo. enquanto tal. D. e espalhai-vos por todo mundo. Fernando e Isabel. a exposição dos sentimentos. Mendoça. a esperança tornou-se desespero. Temendo perder uma importante parcela econômica de seu reino. Mesmo chegando às linhas finais cabe-nos. o soberano português autorizou uma conversão forçada aos judeus. o pregador deveria. um eco. (. O problema era o comportamento judaico: sua falsidade. 1618. conseguir remissão e ser reconciliado. Ao voltarmos às palavras do pregador. notamos veementes afirmações contra judeus e não contra cristãos-novos. ainda.. O judeu. Este era o exemplo de vício a ser combatido. não existiriam mais comunidades judaicas. sua repetição nos ritos ancestrais. mesmo passados mais de cem anos após a conversão. . O fingimento claramente era uma forma de demonstrar a falta de credibilidade na conversão judaica ao catolicismo: Cativai-os. Manuel atendeu e estabeleceu um prazo de dez meses para a saída. 21). uma pergunta: qual seria a intenção de Mendoça nessa constante repetição de uma existência judaica em Portugal no início do século XVII? Seria simplório acreditar que o problema era o judeu. mas nem por isso convertidos. ano 4. parecendo demonstrar contradição. arrepender-se. (.. sua obstinação. Manuel.Combater vícios. fl. Não era esse um dos sacramentos da reforma tridentina. Um dos pedidos das coroas hispânicas foi a expulsão dos judeus das terras lusas. D. para que os comportamentos do fiel rebanho não fossem iguaisao do infiel. apenas cristãs. 306 Historien (Petrolina). quase uma metáfora.. Jul/Dez 2013: 296-309. 1921. [s. De uma parte. como batismo. ensinar a não transgredir a norma e marcar as pautas para o reto comportamento. MOREIRA. AZEVEDO.]1863.e. converteram-se e deixaram de ter vozes de brutos para tomarem “umas línguas suavíssimas de Anjos. ao católico é apresentado. que. Era uma tentativa de reencontro com a proposta primitiva do catolicismo. Acesso em 16 de novembro de 2013.António Joaquim. 31). fl. No autode-fé. 31). ano 4. João Lucio. apresentou exemplos. Lisboa: Livraria Clássica Editora. Lisboa:[s. Colleção de listas impressas e manuscriptas dos autos-de-fé públicos e particulares celebrados pela Inquisição de Coimbra . (MENDOÇA.pt/15393/4/>. finalmente Cristo seria a única voz de todo mundo. História dos Christãos Novos Portugueses. Historien (Petrolina). no entanto. Disponível em: <http://purl. E assim.Luís Fernando Costa Cavalheiro portanto. estimular positivamente a participação e integração voluntária no sistema. Afinal. n. 1618. atingida por todos e assim expressa. João III.d. como da Noruega. inculcar à sociedade o ódio à heresia mostrando-lhe os meios para defender. Muito mais do que isso. REFERÊNCIAS Fontes: “Carta do Inquisidor João de Mello a D. p. 1618. de outra. de uma fé universal.” (MENDOÇA. esta era a função da prédica: reordenar o aprendizado que desde criança.se dela (GONZALES DE CALDAS. reeducou. era advertido para pertencer à voz de Cristo. A intenção de Francisco de Mendoça e da Igreja Católica de fins do século XVI e início do XVII era muito mais que expiação de comportamentos e pecados.” Apud. essa função era ainda mais específica: sua finalidade comum era sempre pedagógica. 241). fl. Evangelizou em um momento de crise humana. Mendoça demonstrou que isso era possível: até mesmo bárbaros de terras distantes. 9. . para louvarem a Cruz do Senhor. A exceção estava no fingimento.]. Jul/Dez 2013: 296-309. Lisboa. Barcelona: Ariel. GONZALES DE CALDAS.uc.pt/wrapper. MASSIMI. São Paulo: Edusp. Espanha e Itália – séculos XV XIX. 9. História das Inquisições. n. São Paulo: Companhia das Letras.asp?t=Serm%E3o+que+fez+o+Padre+Doutor+F rancisco+de+Mendon%E7a+%2E%2E%2E+no+Auto+da+F%E9%2C+que+se+cele brou+na+pra%E7a+da+cidade+de+Coimbra+a+25+de+Novembro+do+ano+de+16 18&d=http%3A%2F%2Fbdigital%2Esib%2Euc%2Ept%2Fbduc%2FBiblioteca%5F Digital%5FUCBG%2Fdigicult%2FUCBG%2DVT%2D15%2D8%2D4%2FglobalItem s%2Ehtml> Aacesso em 16 de novembro de 2013. História do Medo no Ocidente.pt/wrapper. 2009. . almas e corpos no Brasil Colonial. ano 4. Disponível em: <http://purl.pdf> Acesso em 16 de novembro de 2013. A Cultura do Barroco. 308 Historien (Petrolina). A. São Paulo: Edições Loyola. Palavras. Jul/Dez 2013: 296-309.asp?t=Serm%E3o+que+pregou+o+muito+rever endo+padre+Francisco+de+Mendon%E7a+%2E%2E%2E+no+auto+p%FAblico+d a+f%E9+que+se+celebrou+na+pra%E7a+da+cidade+de+%C9vora+domingo+8+de +Junho+de+1616&d=http%3A%2F%2Fbdigital%2Esib%2Euc%2Ept%2Fbduc%2 FBiblioteca%5FDigital%5FUCBG%2Fdigicult%2FUCBG%2DVT%2D15%2D8%2D2 7%2FglobalItems%2Ehtml> Acesso em 16 de novembro de 2013.d].241 MARAVALL.Combater vícios. In:ALCALÁ. Maria Lúcia Machado. p. pp.“Nuevas Imágenes del Santo Oficio en Sevilla: el auto de fe”.uc. Disponível em: <http://almamater. 1781. Barcelona: Editorial Labor.102-107. Disponível em: <http://almamater. Sermam que pregou o muyto reverendo padre Francisco de Mendoça da Companhia de Jesus no auto publico da FEE que se celebrou na praça da cidade de Évora Domingo 8 de junho de 1616. Francisco. no Auto da Fé. 1300 – 1800: uma cidade sitiada. DELUMEAU. [s. 2005. Em latim e português. Dedicado e consagrados aos excelentíssimos e reverendíssimos senhores arcebispos e bispos da Igreja Lusitana. ensinar virtudes O Sacrossanto e ecumênico Concílio de Trento.pt/360/4/sc-7006-p/sc-7006-p_item4/sc-7006-p_PDF/sc-7006p_PDF_24-C-R0150/sc-7006-p_0000_capa-guardas2_t24-C-R0150. 1967. Silvana Garcia. que se celebrou na praça da cidade de Coimbra a 25 de Nouembro do anno de 1618. Trad. La Reforma. São Paulo: Companhia das Letras. SERMÃO QVE FES O PADRE DOVTOR FRANCISCO DE MENDOÇA DA COMPANHIA DE IESV. DELUMEAU. 2000. Trad. Jean. tomo I. Inquisición Española y Mentalidad Inquisitorial . Jean. Marina. José António. Maria Victoria. Referências bibliográficas: BETHENCOURT. Portugal. 2009. Jul/Dez 2013: 296-309. SARAIVA.). MULLET. Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Lisboa: Gradiva. 2002 [originalmente apresentada como dissertação de mestrado na Faculdade de Filosofia. “O Pregador”. ANDRÉS-GALLEGO. A Contra-Reforma. 1985. José. 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Para tal selecionamos algumas obras historiográficas sobre a presença dos cristãos novos e da Inquisição na América Portuguesa visando perceber a multiplicidade de suas concepções. Inquisição. E-mail: juarlyson_historia@hotmail. 9. Aprovado em 15/11/2013. 2005. 3Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em História Social da Cultura da Universidade Federal Rural de Pernambuco. dada su importancia para los estudios sobre el tema. Cristãos novos. Optamos por construir nossa análise a partir da discussão entre as concepções presentes em algumas destas obras. seus objetos e suas formas de abordagem. Resumen: Nuestro objetivo a través de este trabajo es de reflexión sobre la mutabilidad del conocimiento histórico operado a cada generación de historiadores. 2Esse texto foi originalmente concebido como trabalho de conclusão da disciplina Historiografia Social da Cultura Regional. Inquisición. Jul/Dez 2013: 310-328. la discusión entre los conceptos presentes en algunas de estas obras. Utilizamos la noción de representación historiográfica para realizar nuestro análisis. n. Pesquisa financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Utilizamos a noção de representação historiográfica para conduzir nossa reflexão. Palavras-chave: Historiografia. Hemos elegido para construir nuestrareflexión. de Souza3 Resumo: Objetivamos por meio deste trabalho em refletir sobre a mutabilidade do conhecimento histórico operado a cada geração de historiadores. sino también da exposición enumerativa. p.REPRESENTAÇÕES HISTORIOGRÁFICAS: CRISTÃOS NOVOS E INQUISIÇÃO NA AMÉRICA PORTUGUESA12 Juarlyson Jhones S. ministrada no primeiro semestre de 2013 pela Profª. Seleccionamos algunas obras historiográficas sobre la presencia de cristianos nuevos y de la Inquisición en la América portuguesa con el objetivo de darse cuenta de la multiplicidad de sus concepciones. sus objetos y sus formas de planteamiento. Historien (Petrolina). A ideia para este trabalho surgiu a partir do cotidiano de pesquisa que. portanto. 2008. (SILVA & SILVA. 9. (MALERBA. que é a sua própria historicidade.. Malerba afirma que “devido a uma característica básica do conhecimento histórico. “sem conhecer sobre o que já se produziu em sua área de estudos. . Silva & Silva sinaliza para o fato de que desde a Antiguidade e Idade Média. 190). p. ano 4.) fez-se mister no cotidiano dos profissionais da história”. Olhar para a produção histórica nos ajuda a estabelecer parâmetros e critérios de análise para a construção de uma pesquisa histórica prudente. p. inserindo-as. sentimos a necessidade de refletir sobre. além do próprio conceito de historiografia. no desenvolvimento desta dupla reflexão teórica chegar ao elemento chave que norteia este trabalho: a representação historiográfica. A discussão historiográfica permite não somente sua legitimação em determinada área do conhecimento histórico. Jul/Dez 2013: 310-328. 2005.Juarlyson Jhones S. da inquisição e da América Portuguesa. Muito mais do que sinalizar a preocupação historiográfica já presente entre os escritores antigos. 11) Para tal. o conceito de representação. no conjunto da produção escrita do mesmo gênero. dificilmente ele [o historiador] poderá elaborar uma reflexão crítica”. Além disso. 15). n. E. mas também a reflexão sobre caminhos a serem seguidos e alertando acerca de equívocos interpretativos possíveis. 192).. Pois. Jurandir Malerba aprofunda a questão ao afirmar que o caráter auto reflexivo da História é o elemento mais pertinente que a faz se diferenciar do conjunto das Ciências Humanas. O próprio conceito de historiografia tem sido visitado nos últimos tempos por diversos autores levando a reflexões importantes sobre a produção dos historiadores. p. p. 311 Historien (Petrolina). (MALERBA. ao visitar algumas obras históricas clássicas sobre a temática dos cristãos novos. de Souza primordial para sua validação e para sua inserção dentro das produções acerca de determinada temática a revisão dos textos já consagrados como referência. 2005. conduziu a uma reflexão crítica para o estabelecimento e inserção do nosso trabalho na historiografia sobre estes temas. (SILVA & SILVA. cronistas e historiadores tem apresentado a preocupação em comparar seus escritos com outras obras que lhe foram contemporâneas ou mais antigas. temos de nos haver com todas as contribuições dos que nos antecederam”. “pensar o estatuto do texto histórico (. 2008. (CHATIER. a partir do momento em que estas representações comandam atos. Portanto. 2002. econômicas. (CHARTIER. é o fato de que a representação da realidade social efetuada por determinado grupo aspira à universalidade. p.Representações historiográficas Esta característica do conhecimento histórico se manifesta inclusive como uma necessidade de “retificação das versões do passado histórico. Ainda segundo Chartier. da realidade que o cerca e dos outros. 2002. operada a cada geração”. o conceito de representação se constitui como a engrenagem motora de muitos textos concebidos dentro dos pressupostos da História Cultural. Neste sentido. 2002. 16-17)A história cultural é uma história das representações. dada a ler”. ano 4. Roger. 9. 19). (CHARTIER. A História Cultural – entre práticas e representações. 17) A historiografia se torna. portanto um campo de análise importante dentro do pensamento histórico. “A história cultural. portanto. p. Jul/Dez 2013: 310-328. políticas. n. a representação é uma leitura que um indivíduo opera de si mesmo. 2002. Chartier entroniza a questão da representação como matriz dos discursos e práticas que caracterizam o mundo social. é no debate amplo promovido por 4CHARTIER. 2008. é necess|rio o “relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza”. que podemos considerar como uma maneira de legitimar sua visão de mundo em detrimento de outros grupos que compõem a sociedade. Para Chartier4. tendo ela mesma se tornado fonte para o trabalho de alguns historiadores que se dedicam em efetuar reflexões sobre o tema ou mesmo construir a história da historiografia. Lisboa: DIFEL. ações. as representações só nos são suficientemente creditadas ou relevantes em termos de análise. Outro dado importante que Chartier nos faz referência. (MALERBA. Historien (Petrolina). p. tem como principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída. p 17). Representação e historiografia Sendo um debate atual. que são concebidas como sendo também culturais. voltada para um teor analítico que aborde a subjetividade das estruturas sociais. . tal como a entendemos. pensada. 2008. o recorte documental que Hartog realiza dentro das Histórias de Heródoto faz referência aos citas. “Não h| dúvida de que a historiografia é uma representação do passado”.Juarlyson Jhones S. É necessário compreender que o texto trata de uma análise da narrativa herodotiana. 1999. que inserimos a questão da alteridade5 aprofundada por François Hartog. que segundo Hartog – ao percebê-lo em Heródoto – é manifestada a partir de um saber compartilhado. de Souza Chartier sobre o conceito de representação. Em O Espelho de Heródoto: ensaios sobre a representação do outro . ele sabe por ter visto. Apesar do texto apresentar elementos referentes há vários povos. 313 Historien (Petrolina). pp. O texto histórico é também um ato de representação na medida em que é construído a partir da análise de outras representações que produziram as fontes com as quais 5A priori não devemos perder de vista a questão da alteridade numa perspectiva etimológica: a palavra alteridade é derivada da palavra latina alter que significa “um de dois. o hístor é uma testemunha ocular. Jul/Dez 2013: 310-328. traços que surgiram na Grécia Antiga. 9. . “escolhido por suas qualidades para resolver a questão e impor respeito às decisões tomadas. É a partir de questões como estas que Hartog aponta para elementos que ainda dizem respeito ao ofício do historiador presentes em Heródoto . para os gregos. o segundo. A partir desta análise. Mais que uma testemunha: o hístor é um juiz. Hartog referencia que o hístor é mais além do que uma testemunha que vê. Como? Investigando”. Hartog nos leva à reflexão sobre o trabalho do historiador em sua tarefa de construir ou traduzir representações. n. p. A intenção de Hartog é precisamente discorrer sobre a maneira como aquele que é considerado tradicionalmente como o primeiro hístor6 escreveu história. diferente”. e oferece novos mecanismos de operação histórica pautados na questão da alteridade. O mecanismo interno das Histórias de Heródoto serve de base para o ofício do historiador ainda nos dias atuais. (MALERBA. 6Buscando uma definição para o hístor. Aprofundando a questão. 19). Hartog compara traços que estão presentes na construção atual dos historiadores. 22). A partir do cruzamento das reflexões oferecidas por Chatier e Hartog chegamos à noção de representação historiográfica. povo que vivia ao norte da Grécia. mas um árbitro. Hartog afirma que. pois o trabalho historiográfico também é a materialização de uma representação. (HARTOG. destacando a maneira como Heródoto ‘representou’ os povos que interagiram com os gregos durante o período das Guerras Médicas. o outro. em Heródoto. Hartog pretende analisar elementos objetivos e subjetivos dos textos de Heródoto na Antiguidade. ano 4. visões de mundo. Considerando que as representações são relevantes para análise histórica a partir do momento em que produzem práticas que se inserem no tecido social. outras regiões da Europa – como foi o caso da França. 9. . mas subjugadas e escondidas. Sem perder de vista o fato de que os historiadores e seus textos não estão externos ao tempo. A Inquisição na América Portuguesa e sua historiografia O Tribunal do Santo Ofício teve diversas versões durante a época moderna que já eram derivadas da Inquisição medieval. n. Neste mesmo período. João III.Representações historiográficas trabalha o historiador. passaremos a construir a análise de algumas obras que compõem o quadro historiográfico e as representações dos cristãos novos e da Inquisição presentes nestas obras. próprias do período em que viveram. muitos autores têm defendido a tese de que a Inquisição se constituiu como um instrumento de homogeneização num período que aspirava centralização política no bojo do processo de formação dos estados nacionais. as monarquias católicas (manifestadamente as ibéricas) promoveram o estabelecimento do Tribunal visando eliminar todos os percalços sociais que poderiam produzir conflitos que pusessem em xeque a estabilidade política e social dos seus reinos. os reis católicos consideraram necessária a existência de um instrumento que eliminasse as diferenças religiosas reunindo todos sob o manto da Igreja Católica ou do falso manto da homogeneidade já que as diferenças não eram de fato eliminadas. Sendo assim. Jul/Dez 2013: 310-328. ano 4. auxiliado por ferramentas teóricas e metodológicas. gerando o absolutismo. O primeiro texto historiográfico que nos concede uma narrativa Historien (Petrolina). 1998). Tais conflitos de ordem religiosa promoviam um caos social tão intenso que se fez necessário apaziguá-los para que assim a monarquia iniciasse o processo de centralização do poder nas mãos do monarca. visando à prevenção contra este tipo de conflito. Em 1536 foi instituído em Portugal o Tribunal do Santo Ofício a pedido do rei D. refletindo concepções. Neste sentido. No caso das monarquias ibéricas. por exemplo – estavam mergulhadas nas guerras de religião provocadas pela oposição entre católicos e protestantes. formas de compreender a realidade. (LAVAJO. 9. judeus convertidos ao catolicismo à força por decreto do rei D. Alexandre Herculano constrói sua obra a partir de aspectos estritamente narrativos. negar espaço aos cristãos novos. gerando fontes históricas que permitiram aos historiadores brasileiros a também se dedicarem à temática. produzida na década de 1850 (a Inquisição teve seu fim no reino português em 1821) e organizada em três tomos. ano 4. a historiografia brasileira que trata desta temática tem demonstrado ser cada vez mais profícua. Pernambuco. Jul/Dez 2013: 310-328. . O autor chega inclusive a mencionar o fanatismo religioso do jovem rei D. corresponderia a não investigar as motivações efetivas que levaram à origem e ao estabelecimento do Santo Ofício português. marginalizados e discriminados na sociedade portuguesa da Época Moderna. de Souza precisa do processo de formação da Inquisição portuguesa é de autoria do historiador português Alexandre Herculano. 315 Historien (Petrolina). que possuía domínio jurídico e religioso nas possessões portuguesas do Atlântico. sem conceder espaço a grupos sociais considerados até então periféricos ao poder político. Itamaracá e Paraíba durante a década de 1590. Este aspecto adquire relevo quando fazemos menção ao fato de que comumente a historiografia ocidental do século XIX – de caráter estritamente nacionalista – privilegiava a figura de líderes políticos que possuíam destaque na História do Ocidente. n. registrando as perseguições que os descendentes de judeus foram submetidos no Império Português por meio da atuação inquisitorial.Juarlyson Jhones S. neste caso. Apesar de não ter havido um Tribunal da Inquisição na América Portuguesa. dotando o texto de pouco teor analítico. João III. Manuel em 1497. É importante ressaltar que o destaque dado por Alexandre Herculano aos cristãos novos está também relacionado ao fato de que este mesmo grupo sempre constituiu o principal alvo da Inquisição Portuguesa. Isto se deve ao fato de que a Inquisição de Lisboa. se percebe que aparece na narrativa a figura dos cristãos novos. e sendo um texto de História Institucional. Entretanto. Trata-se da obra História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal. utilizou-se da estrutura eclesiástica já constituída para fazer valer sua atuação por meio das visitações eventuais que ocorreram entre os séculos XVI e XVIII. A primeira visitação do Santo Ofício às partes do Brasil foi conduzida pelo licenciado Heitor Furtado de Mendonça que visitou as capitanias da Bahia. e rendido textos historiográficos dos mais diversos como a obra clássica de Anita Novinsky Cristãos Novos na Bahia (1972) que aborda as formas de participação e interação social dos cristãos novos na sociedade baiana do século XVII. bígamos. 9. referenciando suas atividades econômicas. denúncias e confissões. gays e escravos nas garras da Inquisição (1989). blasfemos. sodomitas. Outra obra considerada um clássico na historiografia da Inquisição no Brasil é a tese de Laura de Mello e Souza O diabo e a Terra de Santa Cruz (1986). n. sobretudo sodomitas. afirma que os estudos inquisitoriais tem se especializado. sexualidade e Inquisição no Brasil (1989) – em que são esboçadas as condutas morais e sexuais dos colonos e os modelos comportamentais estabelecidos pela Igreja da contrarreforma. seus cargos na administração portuguesa na colônia. adúlteros. Neste sentido. em se tratando da questão da sexualidade na Colônia. Entretanto. no qual as práticas de feitiçaria na colônia são investigadas em comparação com o que ocorria na Europa entre os séculos XVI e XVIII.Representações historiográficas De uma maneira geral. . ano 4. Já no final da década de 1980 contamos com o importante trabalho de Ronaldo Vainfas – Trópico de Pecados: moral. bem como suas formas de perpetuar o judaísmo clandestinamente numa sociedade marcada pelo olhar persecutório da Inquisição. feiticeiros. há outra linha de investigação que também se formou e diz respeito ao aspecto institucional da Inquisição e suas formas de atuação na Colônia. homens e mulheres de crenças e comportamentos considerados heréticos foram interceptados pela atuação inquisitorial e inscritos em documentos de processos. Jul/Dez 2013: 310-328. em O Sexo Proibido: virgens. transformando-se em fontes históricas sobre as quais se constituiu a historiografia acerca da presença da Inquisição na América Portuguesa. podemos classificar os estudos inquisitoriais no Brasil a partir de duas linhas de investigação: a primeira diz respeito ao funcionamento institucional do Santo Ofício e a segunda aos grupos perseguidos por este Tribunal. que teve na Inquisição sua principal agência de normatização. Cristãos novos (judaizantes ou não). evocamos o historiador Bruno Feitler que em sua crítica à historiografia da Inquisição no Brasil. padres solicitadores. E. não podemos também perder de vista os trabalhos de Luiz Mott que se direcionam em investigar comportamentos sexuais desviantes. em sua grande Historien (Petrolina). O estudo destes grupos tem proliferado desde a década de 1970. para não dizer a história institucional. Neste sentido. o autor destaca o papel dos oficiais que atuavam na América Portuguesa em nome da Inquisição. oficiais do fisco e as relações entre as justiças eclesiástica e inquisitorial. Em Nas malhas da consciência (2007) Feitler propõe: Conectando a história da instituição. mesmo se aqui privilegiamos o estudo do funcionamento local do Santo Ofício. nas poucas obras que se interessaram pelo tema. não podemos deixar de dedicar espaço a textos pioneiros nesta área de estudos. 9. alguns aspectos presentes na obra que refletem o próprio desenvolvimento dos estudos históricos no Brasil durante a 317 Historien (Petrolina). que privilegiou. pretendo mostrar que não se pode entender uma sem a outra. familiares. Devemos ter em vista. 1213) Bruno Feitler é um dos autores que representam a historiografia mais recente acerca do aspecto institucional da Inquisição no Brasil. Para compor sua análise o autor se utilizou da leitura dos regimentos e editais que regulavam estas instituições. como a obra A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial (1978) da historiadora Sônia A. e pelo funcionamento interno e especificamente processual dos tribunais. sua estrutura e seus procedimentos nos Trópicos. . apenas nos grupos perseguidos pelo Santo Ofício sem levar em consideração os aspectos estruturais de funcionamento do Tribunal no Brasil. 2007. Demonstrando inicialmente como a Igreja funcionava no Brasil a partir da malha paroquial e da maneira como os bispos dirigiam a Igreja nos Trópicos entre os séculos XVI e XVIII. ano 4. Mas. visitadores das naus. n.Juarlyson Jhones S. no entanto. apesar de referenciarmos a nova historiografia institucional sobre o Santo Ofício na América Portuguesa. p. por muito tempo esquecido da historiografia. dentre as quais é destacada o Tribunal da Inquisição. qualificadores. pelos números de presos e condenações. O autor buscou investigar os mecanismos utilizados pelo Santo Ofício português na América Portuguesa. Feitler destaca que a Inquisição se apropriou da rede eclesiástica que existia na Colônia por meio da colaboração dos cleros secular e regular com o Santo Ofício. descrevendo e analisando as funções de notários. Jul/Dez 2013: 310-328. de Souza maioria. (FEITLER. A autora nos concede uma análise a partir da lógica dos ajustamentos das instituições metropolitanas na Colônia. à história das práticas e do sentimento religioso. Siqueira. . os Familiares eram compostos por indivíduos que praticavam o comércio e não apresentavam ‘impureza de sangue’. (CALAINHO. por este motivo. negros. referenciamos a utilização da categoria “mentalidade” que reflete mais uma vez o estado do debate historiográfico da época. A autora insere sua análise a partir do binômio metrópole-colônia – elemento norteador dos estudos coloniais da época –. p. Neste ponto em particular. Outra obra de relevância significativa deve também ser considerada pela precisão da análise nela presente. buscando identificar se a Colônia forjou uma mentalidade autêntica ou apenas “decalque” da cultura metropolitana. não possuíam entre seus antepassados judeus. Segundo Calainho. A compreensão deste grupo torna-se fulcral na medida em que se trata de sujeitos que eram envolvidos com a desprestigiosa atividade mercantil e. ano 4. ou seja. através da atuação dos familiares. n. tendo em vista a não existência de um Tribunal próprio no Brasil. 14) É perceptível a tentativa de Siqueira de realizar uma ‘história cultural’ do Santo Ofício. 9. Ao perceber estas nuances. 1978. não gozavam de status nobiliárquico. Os familiares do Santo Ofício eram Historien (Petrolina). não podemos deixar de considerar a importância do trabalho de Sônia Siqueira que sempre é mencionado em obras recentes que se dedicam à História Institucional da Inquisição Portuguesa. Agentes da Fé: Familiares da Inquisição Portuguesa no Brasil Colonial (2006) da historiadora Daniela Buono Calainho traça o perfil social de um grupo específico importantíssimo para a atuação do Santo Ofício na América Portuguesa. Jul/Dez 2013: 310-328. o Santo Ofício fazia valer sua vigilância na sociedade colonial. Mas. no qual esta noção era amplamente utilizada pelos historiadores que buscavam investigar o aspecto cultural das sociedades. 2006). índios e mouros. Tanto o binômio metrópole-colônia como a noção de mentalidade foram sistematicamente criticada pela historiografia nos últimos tempos. a autora aprofunda a relevância do estudo ao mostrar que. (SIQUEIRA. na medida em que se utiliza da análise desta instituição e seu modo de atuação e procedimentos para compreender a mentalidade colonial. Bem sabemos que desde a década de 1970 os estudos historiográficos tem avançado no sentido de historicizar a realidade social de maneira mais complexa e multifacetada.Representações historiográficas década de 1970. Tais comerciantes buscavam se associar ao Santo Ofício em troca do prestígio social que o cargo de familiar significava. Daniela Calainho nesta obra envereda claramente pela História Social das Instituições abrindo mais um campo de abordagens com relação à historiografia da presença da Inquisição na Colônia. que não poderíamos perder de vista. afinal conduzir uma crítica historiográfica em meio à multiplicidade dos estudos existentes sobre o tema demandaria um esforço que talvez não coubesse no espaço deste artigo. existem outras que mereciam semelhante destaque. Mas.filha dos reis católicos da Espanha. por realizar uma análise historiográfica mais enumerativa. os quais buscaremos traçar mais adiante. Manoel estava pretendendo se casar com Maria de Aragão. Jul/Dez 2013: 310-328. ano 4. neste tópico em específico. além de efetuar prisões em nome da Inquisição. entretanto. Isto porque nossa pesquisa de mestrado direciona-se às trajetórias tecidas por alguns judaizantes na capitania de Pernambuco no século XVI. 9. D. Optamos. por motivos variados. Além das obras que esboçamos. não nos furtaremos em demonstrar uma discussão e crítica historiográfica mais precisa no momento em que trataremos das obras acerca dos cristãos novos. faz-se necessário assinalar que foramos cristãos novos o principal alvo da Inquisição Portuguesa. de Souza responsáveis por denunciar comportamentos heterodoxos que estavam sob a jurisdição inquisitorial. buscamos realizar uma amostra que oferecesse o que há de fundamental na área dos estudos inquisitoriais em seu desenvolvimento desde a década de 1970. os ouvidos e os braços da Santa Inquisição na América Portuguesa. há a produção dos historiadores portugueses sobre a Inquisição. pois além da historiografia brasileira. A Inquisição tem despertado o interesse de pesquisadores que encontram nela várias formas de abordagens. mas a condição 319 Historien (Petrolina). . com objetos de estudos diversos. Além disso. Os cristãos novos e a historiografia: uma crítica Os cristãos novos que viveram nas capitanias do açúcar a partir do século XVI são originados a partir do episódio histórico de conversão forçada dos judeus portugueses ao Cristianismo durante o reinado de D.Juarlyson Jhones S. Eram os olhos. Manuel em 1497. A conversão forçada é discutida pela historiografia como tendo interesses políticos e econômicos relevantes para o contexto da época. n. Representações historiográficas imposta seria de que D. Além disso. D. pois os judeus estavam integrados à vida social. ao mesmo tempo. abster-se de comer carne de porco. em duas ou três gerações. fenômeno conhecido como criptojudaísmo7. desenvolvendo e exercendo várias atividades nas possessões do império marítimo português. a grande maioria dos chamados cristãos novos provavelmente já se constituía de genuínos católicos romanos praticantes (e não só exteriormente). ano 4. Manuel pusesse em prática a política de Estado vigente na Espanha de expulsão dos judeus. p. e. Dessa forma. os cristãos novos foram se perpetuando. Alguns adotaram o cristianismo de forma sincera e tentaram usar os mecanismos sociais necessários para se integrarem à sociedade católica. Manuel ordena que todos os judeus do reino se convertam ao catolicismo. mariscos etc. o comércio exercido pelos judeus era importante para a vitalidade econômica do reino. 7Segundo o historiador Charles Boxer: “Não havia em Portugal nenhum rabino em exercício. (BOXER. por meio do batismo forçado. Outros ainda o fizeram apenas para sua segurança praticando a religião judaica no recôndito dos seus lares. 2002. não se permitia a circulação de nenhum livro ou manuscrito hebraico. . Manuel manobrou as estruturas sociais e políticas de modo a ordenar a expulsão dos judeus dificultando-lhes o acesso aos portos estabelecidos para saída do reino. A expulsão significaria uma perda tanto em recursos humanos. Em Portugal havia a extrema dependência da mão de obra judaica especialmente porque o contingente populacional de Portugal era bem menor que o da Espanha. A conversão forçada gerou a figura do cristão novo dentro do império português. Era o caminho pelo qual o monarca português encontrou de não perder seus súditos de origem judaica pela importância que eles tinham para o reino e. 9. como em recursos financeiros. A pequena maioria que aderia secretamente ao que acreditava ser a Lei de Moisés conhecia pouco mais do que simples práticas ritualísticas.. como vestir roupas de linho limpas aos sábados. política e econômica do reino de forma significativa. e guardar a P|scoa dos judeus em vez da cristã”. n. Jul/Dez 2013: 310-328. O caso português seria ainda mais delicado. (LAVAJO. 1998). D. 279-280) Historien (Petrolina). Diminuindo cada vez mais o número de portos de saída até não permitir a saída de mais nenhum judeu antes do prazo concedido. de atender a determinação dos reis espanhóis para a efetivação do seu casamento. A efetivação da colonização da América Portuguesa a partir de 1530 trouxe muitos cristãos novos. Intelectuais judeus trabalharam no desenvolvimento técnico que seria decisivo para a expansão ultramarina efetuada por Portugal. náufragos. certamente Freyre aponta para a presença judaica e muçulmana na Península Ibérica. que levou muitos colonos. que a cada geração se esvaziava pela ausência de uma formação religiosa consistente no judaísmo. cristãos velhos e novos. p. de uma plasticidade de uma adaptabilidade tanto social como física que facilmente se surpreendem no português navegador e cosmopolita do século XV”. Ao mencionar os semitas. . quando da primeira visitação desta na América Portuguesa já no século XVI. 2006. Freyre acentua a questão familiar ao descartar outras atuações na colonização do Brasil como também sendo significativas. (FREYRE. cristãos novos fugidos à perseguição religiosa. Freyre entroniza a família de modelo patriarcal como sendo responsável pela consolidação da colonização e pela formação da sociedade brasileira. traficantes de escravos. Em busca de encontrar o fator primordial da colonização no Brasil. como na América. p. pois os semitas eram “gente de uma mobilidade. A colonização por indivíduos – soldados de fortuna. Freyre afirma que o “estoque semita” seria um dos elementos responsáveis pela consolidação da colonização portuguesa em vastas regiões. Jul/Dez 2013: 310-328. 81) (grifo nosso) 321 Historien (Petrolina). n. aventureiros. (FREYRE. 2006. A prática de elementos da religião judaica na Colônia foi tão evidente. Gilberto Freyre ao analisar os aspectos referentes ao perfil da figura do colonizador em Casa Grande & Senzala nos informa sobre a formação étnica do povo português. de Souza que distantes do controle central da Igreja e do Estado praticaram com maior mobilidade costumes e hábitos da religião judaica. 69). a denunciarem os cristãos novos judaizantes à Inquisição. Ficou tão no raso. África e Ásia. de papagaios e de madeira – quase não deixou traço na plástica econômica do Brasil. devido à mobilidade e as condições de pouco controle e vigilância existentes na Colônia. 9. tão à superfície e durou tão pouco que política e economicamente esse povoamento irregular e à toa não chegou a definir-se em sistema colonizador. não se encaixassem para explicar o aspecto fixo da formação familiar.Juarlyson Jhones S. Talvez as características de “plasticidade” e de “mobilidade” pelas quais Freyre definiu os de origem semita. ano 4. degredados. pág. (MELLO. (MELLO.. 10“Entendia-se por onzena o ganho excessivo tirado do dinheiro. Cit.. 15421654.. o que confirma a atenção especial dada por Gilberto Freyre às famílias proprietárias de terras. mas que ao mesmo tempo a rebate pelo seu reducionismo ao relegar a participação dos cristãos novos à categoria dos “individuais”. donos do engenho Camaragibe.) Muito superior era o número dos que participavam de atividades comerciais ligadas quase que exclusivamente ao açúcar. 1990. . do Autor: Recife. 9. Historien (Petrolina). José Alexandre Ribemboim11 nos concede uma relação de senhores de engenho de origem judaica no Pernambuco colonial além de referenciar a atuação destes nos mais diversos 8MELO. 2000. sendo. O espaço negado por Freyre aos cristãos novos na economia colonial é concedido por outros autores além de Gonsalves de Mello. 8-9) Nos capítulos que compõem Gente de Nação. Gonsalves de Mello expõe a figura de João Nunes Correa que se destacava como proprietário de terras e onzeneiro10.Representações historiográficas Se verificarmos a abordagem de outros autores como José Antônio Gonsalves de Mello8 e José Alexandre Ribemboim9 perceberemos o desenvolvimento dos estudos históricos que tratam da presença e participação dos cristãos novos na sociedade colonial.). (.. p. 1990.. Ed. Recife: FUNDAJ. portanto dono de uma das “maiores fortunas existentes em Pernambuco (. Editora Massangana. 51) Há também um capítulo dedicado à família constituída por Branca Dias e Diogo Fernandes. Em Gente da Nação.. Gente da Nação: cristãos novos e judeus em Pernambuco. acima do geralmente adotado”. p. 9RIBEMBOIM.. José Antônio Gonsalves de. ano 4. Ao relacionar os cristãos novos com a produção e comercialização do açúcar – principal atividade econômica da época – Gonsalves de Mello nos informa o seguinte: (. José Alexandre. Gonsalves de Mello descreve a partir de um consistente aparato documental a atuação dos cristãos novos durante o Pernambuco colonial. José Alexandre.) Diogo Fernandes e Pedro Álvares Madeira são os dois cristãos novos (ambos acusados de judaizantes) que pioneiramente estão ligados à agroindústria açucareira em Pernambuco. (MELLO.) nos últimos anos do século XVI”. Op. 1990. 1990. Jul/Dez 2013: 310-328. Depois deles outros cristãos novos na segunda metade do século XVI foram aqui senhores de engenho (.. n. No início do século seguinte esse número aumentou. 66) 11RIBEMBOIM. Senhores de Engenho: judeus em Pernambuco colonial. 1542-1654. Entretanto. Galgaram posições representativas na vida social e política. 1992. Cristãos novos na Bahia: a Inquisição.Juarlyson Jhones S. p. Novinsky apresenta argumentos que desconstroem a típica visão do cristão novo apenas relacionado { pr|tica mercantil. p. autores como Charles Boxer13 e Anita Novinsky14 contestam esta tese ao 12NOVINSKY. Isso se confirma quando Freyre menciona que “o Brasil formou-se. como nos confirmam Gonsalves de Mello e Ribemboim analisando os cristãos novos em Pernambuco. 2006. 91). Na Bahia: Recebiam os cristãos novos terras em sesmarias. eram solicitados para importantes decisões na Câmara. (. que não se deu apenas por meio da Inquisição. procurados como conselheiros e financistas. Anita. Perspectiva: São Paulo. Gilberto Freyre cita os cristãos novos quando faz referencia também aos conflitos religiosos existentes na Época Moderna. de Souza setores da sociedade. 2006. Cit. 323 Historien (Petrolina). não se diferenciava em outras regiões. portando “mobilidade” e “plasticidade” em sua essência. ano 4. Tais termos parecem desacentuar a discriminação não somente aos cristãos novos. (FREYRE. Op. para Novinsky. 91). Alguns chegaram a alcançar situação extremamente privilegiada do ponto de vista econômico: eram senhores de engenho e negociavam o açúcar que produziam. portanto. 9. 14NOVINSKY.. Charles. n. (NOVINSKY. 1992.) o português esquece raça e considera seu igual aquele que tem religião igual { que professa”. no Brasil (FREYRE. 13BOXER. 60) Numa comparação entre os interesses e as atividades desenvolvidas pelos cristãos novos na Bahia durante a época colonial. p.. Cit. Essas considerações nos fizeram refletir sobre a afirmação de Gilberto Freyre na qual os cristãos novos (dentre outros grupos) não deixaram traços na economia colonial. Op. 2000) Anita Novinsky em Cristãos Novos na Bahia12 também atesta a participação dos cristãos novos nas diversas atividades desenvolvidas na época colonial destacando a Bahia como palco desta participação. Novinsky destaca principalmente a produção açucareira e seu comércio. Os cristãos novos são representados como uma minoria “acomodatícia e suave”. mas também em termos sociais. Anita. Jul/Dez 2013: 310-328. despreocupados os seus colonizadores da unidade ou pureza de raça. . (RIBEMBOIM. possuíam latifúndios e numerosas propriedades. mas também a outros grupos. não perturbadora da unidade no Império Português e por consequência. Para Boxer a “implementação imediata dos decretos de 1773 mostrou que o espectro judaico era em grande parte criação da ação repressiva da Inquisição e das leis que discriminavam os cristãos novos”. n. 2002. a figura dos cristãos novos “desapareceram quase do dia para noite. ou casados com uma mulher nessas condições. 274). 5) A autora faz referências { luta de classes como engrenagem motora de sua narrativa. 283). . 2002. Boxer nos informa que quando Pombal em 1773 induziu o rei D. Jul/Dez 2013: 310-328. “nas forças armadas. José a promulgar dois decretos extinguindo a exigência de “pureza de sangue” para ocupação de cargos na administração e a distinção entre cristãos novos e velhos na sociedade portuguesa. p. Contestando as afirmações de Gilberto Freyre. (BOXER. No geral. Novinsky confirma a afirmação de Charles Boxer ao afirmar que “o cristão novo herege.Representações historiográficas referenciarem os estatutos de pureza de sangue e os mecanismos jurídicos utilizados no império português com o objetivo de discriminar não somente o cristão novo. p. 2002. não tinham condições para ocupar nenhum posto oficial ou cargo público. 9. os negros e os criptojudeus suportaram o peso do preconceito e da perseguição raciais no mundo português. 284). (BOXER. (BOXER. Na admissão em ordens religiosas. A discriminação era capitaneada inclusive pelo Estado português. nas corporações de ofício” (BOXER. mas considera que esta foi consequência de um evidente conflito entre a efervescente burguesia mercantil. Boxer registra: Uma lei promulgada em agosto de 1671 reafirmava que indivíduos de sangue judeu. como se nunca tivessem existido”. na administração municipal. 275) (grifo nosso) Charles Boxer aprofunda a questão ao mencionar que a discriminação racial estava presentes em todos os setores da sociedade no Império Português. criptojudeu ou ‘judaizante’ foi um mito criado pela Inquisição”. p. mas a assinala noutros termos. 2002. p. 1992. Anita Novisnky não compreende a perseguição aos cristãos novos dentro de uma perspectiva apenas religiosa. elucidando o momento em que a historiografia brasileira era influenciada pelo materialismo histórico. formada em larga Historien (Petrolina). Anita Novinsky também nos informa sobre a discriminação aos cristãos novos. mourisco ou mulato. ainda ordenava que fossem reforçados os procedimentos existentes destinados a impedir que isso acontecesse. como também outros grupos. p. (NOVINSKY. ano 4. p. e que por sua vez operam e configuram novas representações. ano 4. Além desses aspectos. . alteradas. 7) Consideramos a importância dos estudos de Gilberto Freyre que inauguraram uma nova forma de reflexão nos estudos coloniais. Este aspecto é o que nós buscamos mostrar durante todo este trabalho. Jul/Dez 2013: 310-328. A autora buscou compreender o dilema vivido por cristãos novos que não conseguiam encontrar lugar em dois mundos distintos. Sintetizar estas formas de representação e fazê-las dialogar. Se era judeu para os cristãos. Devemos considerar também que Freyre em sua análise não possui como foco de seu trabalho os cristãos novos. era identificado com o segundo sem o conhecer. mas também à produção historiográfica que a rebate. podemos citar o caráter psicológico da abordagem de Anita Novinsky. e se consolida a partir da crítica a modelos teóricos como o proposto em sua obra. servindo de modelo teórico para a historiografia subsequente à Casa Grande & Senzala. n. e os interesses entre a aristocracia que tinha como seu instrumento de luta o Tribunal do Santo Ofício que tentava inibir o desenvolvimento da classe burguesa no processo histórico lusitano. A historiografia forja representações que são revisionadas. Talvez a grande contribuição dos estudos de Freyre seja o fato dele não servir de base apenas para uma historiografia que se alinha ao seu pensamento. que se manifesta de acordo com as necessidades e as demandas de cada época. Mas. 1992. demonstrando. a própria historicidade do conhecimento histórico. além identificar seus mecanismos internos de operação historiográfica constituem num exercício que nos serve de referência para uma reflexão crítica que de alguma maneira se 325 Historien (Petrolina). de Souza medida por cristãos novos. o que era para os judeus?” (NOVINSKY. 9. como o que buscamos traçar a respeito dos cristãos novos. e nos utilizamos destes ‘fragmentos’ para construir a nossa percepção. substituídas a cada geração de historiadores. portanto.Juarlyson Jhones S. A maneira como os cristãos novos são mencionados em Freyre diz respeito a uma representação historiográfica que vai despertar obras especializadas que lhes serão contrárias. a de cristão e a de judeu: “Vivia no primeiro sem ser aceito. forjando uma dupla identidade social. mas os tais são mencionados na análise em diversos momentos. consideramos que a crítica precisa ser feita no sentido de elucidar aspectos que ainda não foram tão percebidos no texto de Freyre. O império marítimo português. Roger. 2002.. 2006. Deixamos. 2007. São Paulo: Companhia das Letras. nossa contribuição no campo da reflexão historiográfica a partir do diálogo estabelecido entre os textos analisados apontando para o exercício de revisão da produção histórica sempre praticada. Daniela Buono. há a necessidade de se revisitar textos já consagrados. A partir dessas considerações realizadas por meio de nossa reflexão historiográfica. ano 4. n. FEITLER. Charles R. abordagens e pesquisas inovadoras. Bruno. Lisboa: DIFEL. não sendo suficiente o espaço deste trabalho para conter reflexões ainda pertinentes que compõem a historiografia sobre o tema. Esta reflexão se torna também importante na medida em que percebemos o fato de talvez futura ou mesmo contemporaneamente. portanto. 2002. aprendendo com suas contribuições. Alameda. . Phoebus: São Paulo. Bauru: Edusc. A História Cultural – entre práticas e representações. A produção historiográfica é ampla. 9. Historien (Petrolina). REFERÊNCIAS BOXER. mas ainda necessária como argamassa solidificadora sobre as quais se edificam ideias. Seja na forma de embasamento e percepção de espaços ainda não tão explorados pelos historiadores já consagrados. Agentes da Fé: Familiares da Inquisição Portuguesa no Brasil Colonial. CALAINHO. percebe-se a pluralidade de abordagens sobre a temática dos cristãos novos e Inquisição no Brasil. seja também na prudência quando do ato de avançar na análise cuidando de evitar determinados equívocos interpretativos. CHARTIER. característica do cotidiano da pesquisa histórica. Entretanto. Nas malhas da Consciência: Igreja e Inquisição no Brasil (Nordeste 1640-1750).Representações historiográficas refletirá em nosso trabalho de pesquisa. Jul/Dez 2013: 310-328. nossa forma de compreender e analisar a historiografia sobre o tema seja também colocado em questionamento. gays e escravos nas garras da Inquisição. 9. A expulsão dos judeus portugueses. François. 1999. Maciel Henrique. São Paulo: Global. SIQUEIRA. 1998. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. . Editora Massangana. Anita. 2006. n. Gente da Nação: cristãos novos e judeus em Pernambuco. Joaquim Chorão. Portugal e Marrocos. Jul/Dez 2013: 310-328. MALERBA. 2000. O Espelho de Heródoto: ensaio sobre a representação do outro. Perspectiva: São Paulo. SILVA. MELO. 1989. MOTT. 1992. SILVA. Cristãos novos na Bahia: a Inquisição. 1990. Senhores de Engenho: judeus em Pernambuco colonial. RIBEMBOIM. Carmen Ballesteros e Mary Ruah.). José Alexandre. Dicionário de Conceitos Históricos. Gilberto. Coord. A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial. ano 4. São Paulo: Ática. Ed. Lisboa: Livraria Bertrand. Belo Horizonte: Editora UFMG. Erro ou equívoco? In: Anais do Colóquio Internacional Os Sefarditas entre Espanha. de Souza FREYRE. Contexto: São Paulo. Luiz. HERCULANO. 2005. 19--. David Lopes (1867-1942). Sonia. São Paulo: Contexto. 1542-1654. Dir. São Paulo: Papirus. A História Escrita: teoria e história da historiografia. LAVAJO. História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal. Kalina Vanderlei. José Antônio Gonsalves de. do Autor: Recife. HARTOG. Jurandir (org. Alexandre (1810-1877). 2008. 327 Historien (Petrolina). 1542-1654.Juarlyson Jhones S. 1978. NOVINSKY. O Sexo Proibido: virgens. Recife: FUNDAJ. Évora. VAINFAS. Laura de Mello.Representações historiográficas SOUZA. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Campus. São Paulo: Companhia das Letras. Historien (Petrolina). 9. sexualidade e Inquisição no Brasil. n. . Jul/Dez 2013: 310-328. 1989. Ronaldo. ano 4. Trópico de Pecados: moral. 1986. Jul/Dez 2013: 329-345. Palavras – chave: Império Português. Possui graduação em História – Licenciatura Plena pela Unicentro. Hipólito da Costa. o Império Português passou a incentivar a implantação de novas espécies naturais. Hipólito da Costa. Portuguese Empire. analisando o plano sistematizado por Dom Rodrigo de Souza Coutinho sobre as reformas econômicas e a relação destas propostas com o envio do jovem naturalista Hipólito José da Costa aos Estados Unidos. . Este ensaio visa apresentar de forma breve. Keywords: Mealybugs. integrada à linha de pesquisa Espaço e Sociabilidades. how was the implementation of cochineal in the Portuguese Empire. analyzing the plan systematized by Don Rodrigo de Souza Coutinho on economic reforms and the relationship of these proposals by sending the young naturalist Hipólito José da Costa to the United States. Urumbebas. Cochonilhas. como se deu a implementação da cochonilha no Império Português. um inseto produtor de um corante carmim. an insect producer of a carmine dye. Abstract: The eighteenth century was marked by Portugal in spreading scientific knowledge largely aimed at solving the economic problems that the kingdom was facing. Dessa forma.br. como por exemplo. Historien (Petrolina).O PODER TEM COR: A IMPLEMENTAÇÃO DA PRODUÇÃO DA COCHONILHA NO IMPÉRIO PORTUGUÊS SETECENTISTA1 Pamella Sue Zaroski2 Resumo: O século XVIII foi marcado em Portugal pela propagação de um conhecimento científico que em grande medida visava solucionar os problemas econômicos que o reino vinha enfrentando. which was marketed by the Spaniards by a high cost in Europe. Urumbebas. e que era comercializado pelos espanhóis por um alto custo na Europa. such as the culture of cochineal. 1 2 Recebido em 11/10/2013. Email: pamellazaroski@yahoo. Mestranda pelo Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal do Paraná.com. a cultura da cochonilha. n. ano 4. 9. This essay aims to present briefly. the Portuguese empire began to encourage the deployment of new natural species. Aprovado em 15/11/2013. Thus. Jul/Dez 2013: 329-345. pregavam um utilitarismo que defendia que a natureza não deveria ser compreendida apenas enquanto uma criação divina. através da publicação de obras científicas. inclusive em gêneros de subsistência e a diminuição de plantações de cereais. 15). A crescente concorrência com outros Estados Europeus como Espanha. 9. Este artigo visa apresentar de forma breve. econômicas e institucionais que buscavam em grande medida solucionar problemas práticos do reino. religiosos. a cultura da cochonilha.O poder tem cor O século XVIII foi marcado em Portugal pela propagação de um conhecimento científico. Buscando acirrar a concorrência entre as Coroas Ibéricas. no aprimoramento das informações sobre a cochonilha. e da obtenção do maior número de informações sobre esta espécie. Portugal elaborou diversas estratégias para implementar esta cultura nas terras brasileiras. e que era comercializado pelos espanhóis por um alto custo na Europa. ano 4. passou a ser cobiçado em Portugal. estava fortemente debilitada devido ao grande número de importações. O Império Português vivenciou na segunda metade do século XVIII uma série de modificações políticas. A economia portuguesa neste contexto. Vice-reis. As ideias iluministas difundidas no Império neste contexto. Inglaterra e França. Nesse sentido Portugal passou a incentivar a criação de uma rede de informações sustentada por diversos indivíduos envolvidos na administração imperial. Historien (Petrolina). um inseto produtor de um corante carmim. do incentivo das produções do corante. . que deveriam auxiliar o Império a aprimorar os conhecimentos científicos sobre seus domínios territoriais. n. como se deu a implementação da cochonilha no Império Português. governadores de província. como o trigo. p. que contribuíam para aumentar a dependência de Portugal com países estrangeiros (FERRAZ. Diante disso. analisando o plano sistematizado por Dom Rodrigo de Souza Coutinho sobre as reformas econômicas e a relação destas propostas com o envio do jovem naturalista Hipólito José da Costa aos Estados Unidos. que em grande medida visava solucionar os problemas econômicos que o reino vinha enfrentando. por exemplo. cientistas e viajantes naturalistas passaram a contribuir com as iniciativas reais. 2008. mas sim que ela possuía um caráter eminentemente prático e que o homem deveria conhecê-la e utilizar suas propriedades naturais para o desenvolvimento econômico do reino. e incorporados em Portugal através das “reformas pombalinas” promoveu um novo olhar para a natureza que deixava de ser concebida apenas enquanto criação divina. esses nativos tinham um amplo conhecimento sobre a natureza dos territórios que habitavam. visando recuperar o poder econômico que possuíra por séculos e almejando o progresso. cientistas. Para a historiadora Ângela Domingues (2001) a criação e sustentação dessa rede demonstrava uma estratégia da coroa portuguesa. A propagação de ideais iluministas difundidos em toda a Europa. Portugal precisava superar o desconhecido. foi uma preocupação do Estado em utilizar esse saber de modo prático. visando um desenvolvimento econômico. dominando não apenas suas propriedades naturais. . Para a historiadora Lorelai Kury (2004) existia um interesse do Império Português em reconhecer os limites físicos de sua soberania e as potencialidades econômicas de seus domínios. no qual Portugal já estava parcialmente debilitado. Conhecer cientificamente as principais colônias e suas propriedades naturais era mais do que uma inovação do saber científico. podendo informar aos funcionários reais potencialidades que sozinhos dificilmente descobririam. ano 4. soldados. intelectuais iluministas demonstraram que a natureza tinha um caráter prático e que o homem deveria conhecê-la e utilizar em seu próprio benefício. Incentivados pela coroa portuguesa funcionários.Pamella Sue Zaroski demonstrava aos ministros e autoridades a necessidade de adotar novas estratégias políticas que possibilitassem um avanço econômico. ministros. em cooptar todos os indivíduos envolvidos na administração imperial para auxiliar o reino a coletar informações de interesse cientifico. mas também a sua utilização. Além dos funcionários enviados pela coroa. contava-se com a colaboração de ameríndios. 331 Historien (Petrolina). Através de uma metodologia empírica. que era tido como um sinal de atraso e. Jul/Dez 2013: 329-345. mas passou a ser vista como um instrumento de potencialidade capaz de auxiliar no desenvolvimento econômico do reino. africanos e asiáticos. eclesiásticos auxiliaram a ampliar o conhecimento sobre as potencialidades ultramarinas. degredados. 9. militares. n. nesse intuito passou a incentivar a criação de uma rede de informações que auxiliasse a aprimorar os conhecimentos sobre seus domínios territoriais. a fim de observar. pintores. enquanto que a fêmea fixa-se na planta. . paisagens que retratassem a natureza exótica. em sua grande maioria. desde a metrópole até os sertões brasileiros. químicos. Definidas pela historiografia como viagens filosóficas. que pudessem ser adaptadas e produzidas em grande escala na colônia brasileira. estas expedições possuíam um caráter cientifico e poderiam ser realizadas por um naturalista ou uma equipe de cientistas. classificava por Lineu como uma variedade de cactus opuntia. Suas observações deveriam ser remetidas à Coroa através de relatos de viagem que informassem todos os caminhos da expedição. Nesta busca pela implementação de novas culturas. Segundo Márcia Helena Ferraz. Os jovens cientistas lusitanos enviados nessas expedições eram. desenhos de animais e plantas. os portugueses acabaram desenvolvendo uma predileção pela cochonilha produtora de uma pigmentação carmim que era utilizada no tingimento de tecidos e comercializado por um alto valor no mercado europeu. onde cresce e se reproduz. Buscava-se acima de tudo a descoberta de novas culturas e novos métodos de plantio. em um ciclo de dura aproximadamente dois meses. catalogar e descrever todas as potencialidades que avistassem. Predominava uma concepção iluminista. Jul/Dez 2013: 329-345.O poder tem cor Outra importante iniciativa promovida pela Coroa Portuguesa foi o incentivo e o financiamento às viagens naturalistas. estudantes recémformados pela Universidade de Coimbra. a qual apontava que o conhecimento deveria ter um caráter eminentemente prático e que. e desenvolvessem uma rentabilidade econômica para o reino. Ao enviar esses naturalistas para diferentes locais do Império a Coroa buscava obter o máximo de informações minuciosas sobre as potencialidades do reino. o macho é o voador. portanto essas informações coletadas não deveriam ficar restritas apenas a gabinetes científicos mais atingir toda a estrutura do Império Português. O processo de obtenção do corante poderia variar Historien (Petrolina). reunindo botânicos. etc. sementes de culturas coletadas. além de outros elementos que não restringiam-se a forma textual. naturalistas. 9. e após concluírem seus cursos eram enviados para diferentes domínios do Império. n. ano 4. entre outros. como cartas geográficas e topográficas. a cochonilha é um inseto que se prolifera na planta urumbeba. e em seguida seca-las ao sol. Com a escassez dos métodos de extração do corante carmim pela árvore do pau-brasil. ou figueira do Inferno como definiam os portugueses. 2007). Segundo Cecília Maria Whestphalen (1979). e nesse sentido a cochonilha passou a ser valorizada. ou também através do processo de torrefação onde os insetos poderiam ser jogados ao fogo ou passadas a ferro. n. Contudo. . A cultura da cochonilha começou a ser produzida em 1523. o primeiro consistia em varrer com pinceis para uma vasilha ou pano todas as fêmeas que já tivessem atingido a fase adulta e submergi-las em água quente por dois ou três minutos. 9. mas sendo retomada em 1786. Em Santa Catarina tais ordens foram cumpridas com certa facilidade. incluindo Portugal. As exigências técnicas apresentadas pela Coroa e o atraso dos pagamentos aos produtores do inseto. sofrendo uma interrupção durante as invasões espanholas. contudo esse segundo método era pouco utilizado por acreditarse que a obtenção do corante poderia ser menor (FERRAZ. tal iniciativa rendeu à Espanha um monopólio comercial que perdurou por quase trezentos anos e que invejava diversos outros Estados Europeus. a Coroa passou a observar outros métodos de obtenção. no Rio Grande do Sul a produção da cochonilha foi relativamente inferior se comparada a Santa Catarina. no governo de José Pereira Pinto. ano 4.Pamella Sue Zaroski entre dois métodos. integrava o rol de corantes que se buscou incrementar na economia lusitana. um dos principais motivos apontados pelos governadores era o desconhecimento dos métodos de preparo do corante. quando os espanhóis observaram que os nativos indígenas do México utilizavam o inseto para "pintarem suas casas e seus algodões" e informaram a corte sobre a beleza e utilidade do corante. as primeiras tentativas de implementação da cochonilha datam de 1782 quando o vice-rei. Além disso. sendo implementadas nos governos de Francisco de Souza e Pedro Antônio. no Brasil Meridional. Jul/Dez 2013: 329-345. e encontrou fatores agravantes que atrapalharam na implantação desta cultura. 333 Historien (Petrolina). As autoridades interessaram-se em investir nesta produção e passaram a promover a multiplicação do inseto. A cochonilha. devido a falta de verbas disponíveis nos cofres do governo constituiam um fator desestimulante para as autoridades da capitania. o 2º marquês do Lavradio prescreveu instruções determinando que os moradores de Santa Catarina e Rio Grande do Sul iniciassem a plantação de urumbebas na região. Contudo a falta de insetos na região levava a necessidade de remetê-los do Rio Grande do Sul. endereçado ao governador Sebastião Xavier da Veiga Cabral. sendo este um dos melhores que se tem descoberto. 9. não obstante se lhe perceber principalmente nas mais antigas. outros indivíduos buscaram solucionar os problemas da produção do corante. o vice-rei Vasconcellos e Souza demonstra descontentamento por até aquele momento não ter recebido notícias sobre a cultura dos urumbebas naquela região. processo que acabava por prejudicar a produção e não solucionava a escassez dos insetos. um funcionário real. que buscava promover a plantação de urumbebas no Rio de Janeiro. porém. 1782. como por exemplo.O poder tem cor Em um ofício de 1782. ano 4. e. Nesse sentido surgem novas tentativas de incremento da produção. Jul/Dez 2013: 329-345. José Saldanha. ignora-se. desconhecia-se seu método de preparo. Percebendo as dificuldades encontradas na implementação da cochonilha. suficientemente quantidade da referida cochonilha. que participava da demarcação de limites na América Meridional e produziu um estudo intitulado "Reflexão sobre o método de aumentar a produção da cochonilha nesta Capitania do Rio Grande do Sul. Em outro ofício endereçado ao vice-rei. Historien (Petrolina). a qual em poucos anos se faz impermeável. Além das tentativas de implantação dos vice-reis. p. (CABRAL. que nas Listas de ordenanças da vila. Comarca da Capitania de São Paulo a cultura da cochonilha e urumbeba era vista com grande importância. No ano de 1799" onde aponta que os urumbebas eram cultivados nos povoados muito mais abundantes do que as cultivadas no campo. inteiramente o método de tirar utilidade desta planta. no item relativo a descrever as propriedades dos fogos recenseados eram indicados as quantidades de pés de urumbebas que cada família possuía. as autoridades lusitanas mobilizavam diversos indivíduos envolvidos na administração colonial para aprimorar seus conhecimentos sobre o inseto. De tal forma. . agora coordenadas pelo vice-rei Luiz de Vasconcellos e Souza. é que embora houvesse inúmeras terras onde os urumbebas eram cultivados.?) Cabe aqui destacar que no Paraná. de tal sorte que algumas fazendas não têm outro gênero de cerca. Cabral aponta que uma das principais razões para tal fato. n. a realizada pelo naturalista Hipólito da Costa em sua expedição pelos Estados Unidos e México nos anos de 1798 e 1799. A economia estadunidense desse período possuía fortes influências tecnológicas vindas da ex-metrópole inglesa. . Ana Pereira da Costa Mendonça. que nesse contexto já havia passado pela reforma pombalina. produziu uma obra esclarecedora sobre a urumbeba e sua utilidades. o território para qual ele é enviado faz divisa com o México. 9. n. 2009). Além disso. era filho do Alferes Félix José da Costa e de D. sobretudo ao cultivo da cochonilha produzida no México. Joaquim de Amorin Castro. Após concluir seus estudos iniciais no Brasil. que já vivenciava as transformações advindas da Revolução Industrial e poderia possuir técnicas que os portugueses desconhecessem. Já formado recebeu a incumbência de estudar assuntos referentes à agricultura e hidráulica dos Estados Unidos. Jul/Dez 2013: 329-345. como se parecia. a Coroa objetivava adquirir conhecimento sobre novas culturas e novas técnicas agrícolas que pudessem modernizar sua produção. como o tabaco. Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça foi um entre os tantos jovens coimbrões que participaram das viagens filosóficas. um naturalista baiano que havia estudado na Universidade de Coimbra. Em 1789. e. e tal fator poderia contribuir para que Costa 335 Historien (Petrolina). Nascido na Colônia de Sacramento. Ao enviar Hipólito da Costa para os Estados Unidos. intitulada Historia Natural do Brasil segundo o sistema de Linnêo com descrições de alguns animais e observações sobre a cochonilha (CRUZ. um território que não pertencia aos domínios lusitanos.Pamella Sue Zaroski Tendo em vista a forte propagação em Portugal. dentre as diversas observações científicas lusitanas sobre a cultura da cochonilha destacamos uma em específico. onde ele descreve minuciosamente o que era o inseto. Contudo. ano 4. de um conhecimento científico neste momento é evidente que obras deste cunho começaram a ser produzidas sobre a cochonilha. Filosofia e Matemática na Universidade de Coimbra. membros de aristocracia local. uma possessão portuguesa. o algodão. Exemplo disto é a instrução emitida por Ferreira (1778) para o marquês de Angeja. Analisar esta expedição auxilia a compreender a ampla dimensão que as estratégias portuguesas alcançaram. em suas observações deveria ater-se principalmente a prática de novas culturas. e onde poderia ser produzida. o linho cânhamo. mudou-se para Portugal para estudar Leis. acabam-se minimizando a dimensão alcançada pelas viagens filosóficas. Pois ao fazer isso. nem tão pouco aos domínios lusitanos. 2012. não se restrinjam a atuação destes naturalistas apenas aos territórios brasileiros. n. GESTEIRA. que até então era o responsável pelos assuntos coloniais. verificasse se elas diferenciavam-se das brasileiras e observa-se como elas eram preparadas. Segundo Cruz (2009) é de extrema importância que os historiadores ao analisar as expedições realizadas pelos cientistas coimbrões. Essas informações que eram de certa forma desconhecidas na Europa seriam de suma importância para a concorrência que Portugal visava. p. a necessidade de conhecer as principais culturas agrícolas existentes na natureza é Historien (Petrolina). Coutinho apresentou a Junta de Ministros do Estado um discurso onde elaborava um plano sistemático de reformas na administração dos assuntos da Fazenda e do Império Português. e que os historiadores ao abordarem estes temas devem "enxergar espaços maiores cujas fronteiras. Outro aspecto notável da expedição de Costa é a relação desta viagem com um plano sistemático de reformas econômicas idealizadas pelo Ministro Dom Rodrigo de Souza Coutinho. . Segundo ele o estudo das ciências luso-brasileiras do período joanino não deve restringir-se aos eventos ocorridos em terras brasileiras. No discurso elaborado pelo ministro. Jul/Dez 2013: 329-345. A expedição de Hipólito da Costa também demonstra que o Império Português não limitou-se a enviar estes jovens naturalistas para expedições restritas a parte brasileira do Império. 9. A época da viagem de Hipólito da Costa. Coutinho havia assumido há pouco tempo o cargo de Ministro dos Negócios e Domínios Ultramarinos. Em setembro de 1796 o ministro foi convocado a deixar o cargo de embaixador português da Sardenha para formular e aplicar algumas reformas que já estavam sendo elaboradas por Luiz Pinto Coutinho. às vezes.O poder tem cor tivesse acesso as plantações espanholas da urumbeba. Ao assumir o cargo. 10). que extrapolou os limites da colônia do Brasil Outro historiador que defende a importância de estudar a expedição de Hipólito da Costa para compreender as reais dimensões das estratégias portuguesas é o historiador norte americano Neil Safier. são mais amplas e sobretudo mais complexas do que a historiografia tradicional normalmente leva em consideração" (SAFIER apud KURY. ano 4. dando ordens expressas sobre indivíduos e autoridades que o naturalista deveria estabelecer contato nos Estados Unidos. o café. que partia de Lisboa rumo à Filadélfia. ) Analisando o plano de reformas entregue à Junta de Ministros com a instrução de viagem encaminhada a Hipólito da Costa é possível notar que assim como outros ministros e autoridades portuguesas. deve V. p. A menos de 20 dias de o viajante embarcar na corveta norte americano Willian. o linho. 43-45. o discurso é apresentado pela primeira vez somente em 1798. Rodrigo de Souza Coutinho procuraria empreender destaca-se a tentativa de naturalizar no Brasil todos os produtos que pudessem ser extraídos de outros países. A instrução também determinava que o naturalista dedicasse especial atenção às novas espécies agrícolas da região. um documento de cunho essencialmente diplomático. e verificar se é o mesmo que nós temos no Rio de Janeiro e em Santa Catarina ( XAVIER. recomendações e informações práticas obtidas por pesquisas produzidas por um grupo seleto de estudantes brasileiros coimbrões que Dom Rodrigo havia selecionado (DIAS. após três anos de estudo e planejamento sobre as práticas econômicas portuguesas. 2007). 9. e fora produzido baseado nas evidências. n. o índigo. e nesse sentido o envio de um jovem naturalista 337 Historien (Petrolina). Segundo o historiador Kenneth Maxwell. Dom Rodrigo de Souza Coutinho endereçou-lhe uma instrução de viagem. se possível fosse. Jul/Dez 2013: 329-345. Coutinho buscava solucionar os problemas práticos do reino. cujo germe forma a cochonilha. procurar instruir-se a trazer as melhores memórias: sobre a qualidade de inseto. ano 4. . Entre estas espécies solicitadas pelo ministro. Mcê. e disfarçando o grande objeto que o leva aos Domínios Espanhóis. procurar de acordo e auxiliado pelo nosso Ministro passar ao México e usando aí de suma moderação e modo. as suas sementes. Mcê. e a cochonilha. remetesse para a Coroa. tais como o algodão. 1997. deve V. observando atentamente os métodos de utilização e os valores comerciais.Pamella Sue Zaroski ressaltada e entre os principais intuitos reformistas que D. As reformas econômicas sistematizadas por Dom Rodrigo em seu discurso articulavam-se à expedição de Hipólito da Costa através da instrução de viagem que o ministro emitiu para o naturalista. é a cochonilha que mais lhe interessa. Coutinho determinou que o naturalista além de descrevê-las em um diário de viagem. n. Compreender desta forma a viagem. . Ela defende que a viagem de Costa. O naturalista era originário de uma região vizinha ao Rio Grande do Sul. além de descobrir se ambas as Coroas Ibéricas cultivavam o mesmo tipo de cochonilha.O poder tem cor instruído auxiliaria a aprimorar os conhecimentos sobre dadas culturas que Portugal buscava implementar em sua economia. e se seria cabível para Portugal tentar travar uma concorrência comercial. não deve de forma alguma ser considerada como um evento isolado e pouco expressivo. província que sofria problemas com a implementação da cultura da cochonilha. significa diminuir a capacidade política e administrativa portuguesa dos setecentos. 9. encontrar respostas para as dúvidas que os lusitanos possuíam sobre o inseto. gostaria de destacar que a expedição de um jovem naturalista português para os Estados Unidos da América. Embora não seja possível comprovar. As observações de Hipólito da Costa sobre esta cultura teriam uma importância prática para o plano que o ministro estava traçando. Jul/Dez 2013: 329-345. ano 4. o qual buscava aperfeiçoar. pois ao percorrer os territórios espanhóis o naturalista poderia coletar informações que auxiliassem na implementação desta cultura no Brasil. A historiadora Tânia Dias corrobora com a ideia de que a viagem de Hipólito da Costa foi pensada dentro de um plano econômico maior que Dom Rodrigo e outros ministros estavam traçando. através da leitura de relatórios solicitados às mesas de inspeção da precariedade das técnicas agrícolas praticadas no Império. enquanto um indivíduo que sozinho planejou e enviou o estudante Historien (Petrolina). percebeu a real necessidade de modernizar a economia portuguesa. Diante disso. buscando conquistar novos mercados e recuperar um certo prestígio que havia perdido. especialmente a cochonilha. não foi uma escolha aleatória de Dom Rodrigo. Para ela. e para tanto adotou medidas prioritárias que são expressas tanto no plano de reformas quanto nas instruções encaminhadas ao naturalista. podemos apontar o fato de ter sido Hipólito da Costa. após Coutinho tomar conhecimento. dinamizar e diversificar a economia colonial. o que busca-se neste ensaio não é enaltecer a figura de Dom Rodrigo de Souza Coutinho. e preocupado com uma aplicação imediata e rentável para o reino. Desta maneira. foi elaborado com um cunho explicitamente técnico. e não qualquer outro estudante de Coimbra enviado nesta expedição. A predileção de Veloso pelos estudos referentes a História Natural. sendo publicada por Safier (2008) consistia de uma carta. A instrução que permaneceu inédita até 2008. Em sua carta. Frei Veloso passou a atuar em Portugal nas últimas décadas do século XVIII.Pamella Sue Zaroski coimbrão em uma expedição naturalista. uma dela teria sido produzida por Veloso. frei Veloso elaborou um pequeno manual de observação dividido nos três reinos da natureza que Hipólito da Costa deveria estudar. Das duas instruções de viagem que o naturalista teria recebido. fez com que o frei compartilhasse das mesmas preocupações que as autoridades portuguesas. chegando até mesmo a ministrar o ensino das disciplinas de geometria e de História Natural. Também trabalhou como diretor durante dois anos (1799-1801). Jul/Dez 2013: 329-345. Além disso. se comparado à instrução que o Ministro do Ultramar lhe enviou. quando fora encarregado pelo vice-rei. as vinhas ou ainda o uso que os americanos faziam dos Búfalos. da Casa Literária Arco do Cego um empreendimento editorial que buscava facilitar a publicação de obras de cunho científico em Portugal. ano 4. Muito embora Veloso não tivesse formação universitária. onde participou do projeto de edição de um inventário ictiológico. Outro indivíduo que esteve envolvido nas estratégias políticas lusitanas e contribuiu para enviar Hipólito da Costa em sua expedição. onde ambos buscavam estudar a História Natural dos domínios portugueses. o algodão. n. e procurasse demonstrar em seus estudos a necessidade e importância do aprimoramento das técnicas agrícolas e da implementação de 339 Historien (Petrolina). Entre as suas produções intelectuais destacam-se as obras “Floræ Fluminensis” e “O Fazendeiro do Brasil”. juntamente com o naturalista italiano Domenicco Vandelli. foi membro da Academia de Ciências de Portugal. os pinheiros americanos. . destacando a importância de observar e descrever a respeito de novas espécies culturais tais como. um documento informal. possuía uma especial predileção pelos estudos de História Natural. que diante de um quadro econômico problemático mobilizou diversos sujeitos envolvidos na administração lusitana para cooptarem em suas estratégias políticas. marquês do Lavradio. foi o frei José Mariano da Conceição Veloso. 9. de coletar espécies de plantas que seriam utilizadas para o Real Museu e Jardim Botânico da Ajuda. mas sim ressaltar a perspicácia do Império Português. Se as latitudes são as mesmas. 6). o Império Português deveria investir nesta cultura. L Bertholet publicado em 1790 nos Annales de Chimie. Contudo dentre as diversas espécies naturais que ocuparam a atenção de Veloso. e só o Mexico produz a Cochonilha. . Alteza Real ( VELOSO. quando já ocupava o cargo de diretor de Arco do Cego. n. Para ele. p. que além de possuir um alto valor comercial era produzida pelos espanhóis em condições climáticas similares as que existiam no Brasil. porque não rivalizarmos aquella rica producção? Isto será devido aos cuidados de V. Bertholet. Menonville foi um botânico frânces que em 1777. L. Bertholet das observações feitas em Guaxaca por M. entrou ocultamente em Vera Cruz e Oaxaca (México). Jul/Dez 2013: 329-345.O poder tem cor novas culturas. Historien (Petrolina). ano 4. As observações do botânico tiveram uma boa repercussão na França que publicou duas de suas produções. além de influenciar outros autores a estudar a cochonilha. como é o caso de C. o de incentivar a iniciativa que visava implantar a cultura do urumbeba e do inseto da cochonilha nas terras tupiniquins. o primeiro escrito pelo próprio frei e o segundo tratando-se de um extrato da obra de Bertholet. 1798). No entanto. 9. são para o Mexico huma riqueza mais segura que as suas minas de prata. O documento trata-se da tradução de um extrato em francês de C. e sobre a criação da cochonilha extraída por M. e publicou a memória intitulada “Memoria sobre a cultura do urumbeba. a que aqui mais nos interessa são suas considerações sobre a cultura da cochonilha. pois se dão muitos paizes. Destaca ainda. a fim de aprender todas as etapas da produção do corante e obter sementes do urumbeba. Os primeiros estudos do frei sobre esta cultura datam possivelmente de 1799. Nas páginas de autoria de Veloso ficam expressas suas intenções com a publicação daquela obra. o que aqui nos importa é compreender o interesse de Frei Veloso sobre estas observações. ou seja. A Memória publicada por Veloso constitui em dois trechos. Thiery de Menonville” (BERTHOLLET. 1800. sobre as observações de seu conterrâneo Thiery de Menonville sobre a cultura da cochonilha. que tal memória deveria ser espalhada pelo Brasil e particularmente pelos povos da beira mar que possuíam terrenos arenosos e que possibilitariam a implantação da cultura. em que este metal abunda. cada qual da maneira que mais lhe coubesse. 341 Historien (Petrolina). Hipólito da Costa ciente da responsabilidade que lhe fora incumbida procurou em sua expedição obter o máximo de informações detalhadas que auxiliasse no conhecimento do reino sobre o território visitado. percebe-se que assim como outros indivíduos envolvidos. E após quase um ano percorrendo os arredores de Nova York e Filadélfia partiu sem a permissão do ministro espanhol para o México. Mesmo quando esteve distante dos domínios espanhóis procurou dar cumprimento às instruções de Dom Rodrigo sobre o cultivo da cultura de cochonilha. na natureza local as propriedades naturais que teriam uma aplicação prática para o reino. 9. analisavam e publicavam obras de cunho intelectual. Dentro de gabinetes científicos ilustrados estudavam. Enquanto os ministros incumbiam-se de elaborar planos políticoadministrativos dentro dos âmbitos da Corte Portuguesa. direta ou indiretamente na administração portuguesa. indivíduos localizados nas franjas do Império cooptavam os agricultores locais para desenvolverem novos processos de produção e novas espécies. As experiências por eles vivenciadas. desconstruindo a concepção de que o Iluminismo tardio português era desconexo com os outros iluminismos europeus. Jul/Dez 2013: 329-345. contribuíam para a formação de uma rede de informações. Mas mais do que isso. Nessa vasta rede de informações os viajantes naturalistas portugueses ocupavam uma responsabilidade importante. estes portugueses não se restringiam apenas aos seus gabinetes. não teriam significância se os conhecimentos adquiridos ao longo da expedição não servissem para um plano maior. que buscava a propagação de um conhecimento científico.Pamella Sue Zaroski Ao analisar a Memória publicada por Veloso. ano 4. buscando através de jornais ou de outras botânicas informações sobre o inseto. n. e comparar se os espanhóis cultivavam as mesmas espécies existentes no Brasil. a fim de realizar observações sobre o inseto. . mas trocavam informações e conhecimento com outros sujeitos de outros impérios. pois eram eles que se aventuravam em territórios inóspitos e desconhecidos a fim de observar na prática. e se não fossem registrados em relatos de viagem. que possibilitassem para aqueles que por diversas razões não haviam saído de Portugal pudessem compreender e estudar as diversas espécies existentes na natureza. Costa era um representante do império português em um território onde pouco se conhecia. que esta droga paga. pouco contribuíram para o conhecimento da espécie. Analisou também o modo de preparo usado e a utilidade econômica que a cultura traria para o Império Português. ano 4. destaca que não só seria possível fazêla como o lucro em Portugal poderia ser maior. e os resultados obtidos ou não com sua implantação não foi os objetivos deste ensaio. tendo em vista que muito do que ele aborda em seus diários. como a realizada pela historiadora Cecília Westhphalen apontam que a produção da cochonilha no Brasil foi efêmera e pouco representou para a economia portuguesa.O poder tem cor Sendo assim. 1858.) Além do mau modo por que a cultura e fabrico da cochonilha é administrada. disfarçando-se em um navio americano que seguia rumo à Puerto-Falso. Lá durante quatorze dias. o que me faz supor que se nós obtivermos cultivá-la. 9. Jul/Dez 2013: 329-345. mas sim o de demonstrar como o Historien (Petrolina). sua expedição por outro lado foi primordial para as estratégias lusitanas que estavam sendo travadas naquele contexto. partiu ocultamente para o México. após o ministro espanhol negar-lhe um passaporte para ele viajar pelas colônias espanholas existentes no Golfo do México. além do fato de que as espécies do inseto coletadas pelo viajante acabaram morrendo antes mesmo de chegar a Portugal. e pode observar que havia muitas semelhanças entre a espécie cultivada pelos espanhóis com a existente no Brasil. Porém analisar a praticidade que esta estratégia alcançou em Portugal. o naturalista demonstra conhecer a iniciativa portuguesa.. mas que uma vez explorado muito se poderia obter. Além disso. o governo espanhol tem aumentado por muitas vezes os pesados direitos de exportação. n. Contudo. . defendemos que apesar de suas observações sobre a cochonilha possuírem uma importância relativa.. Quanto à utilidade que a cultura desta planta nos pode dar se infere bem no alto preço que a cochonilha tem nos mercados da Europa. Alguns autores apontam que as observações realizadas por Hipólito da Costa a respeito da cochonilha. de fazer concorrência com o monopólio espanhol e. p. os espanhóis não poderão de modo algum concorrer conosco nos mercados da Europa ( PEREIRA. Na Memória remetida a Dom Rodrigo. 351). analisou a cultura da cochonilha espanhola. outras pesquisas. e cuido que todo o outro governo que não fosse o espanhol tiraria dessa cultura imensa vantagem (. frei Veloso já havia pontuado na memória publicada. REFERÊNCIAS CRUZ. uma estrutura complexa e multifacetada. 343 Historien (Petrolina). 2004. Thiery de Menonville . Bertholet das Observações feitas em Guaxaca por M. Hipólito José da Costa: um observador econômico na América. 351 e sgts. Memória sobre a viagem aos Estados Unidos em 1798. Porto Alegre: IEL: Fundo Nacional da Cultura.. na conjuntura final do período colonial. e copiada do V tomo dos Annaes de Chymica. Magnus Roberto de Mello. 9. Revista de História da Sociedade e da Cultura. FONTES BERTHOLLET. _______________________. Rio de Janeiro: 1858. p. identidade e quotidiano. constituía nos setecentos. v. 2. Claude-Louis. Rodrigo de Souza. PEREIRA. Jul/Dez 2013: 329-345. Memoria sobre a cultura da Urumbeba e sobre criação da Cochonilha / extrahida por M. 205 – 228. . v. Para Hipólito José da Costa. ed. XXI. Ana Lúcia Rocha Barbalho da. n. p. 9. de Simão Thaddeo Ferreira. por Fr.Pamella Sue Zaroski império português. COUTINHO.. 2009. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. In: XAVIER. Paulo. 1997 p. 1748-1822. Lisboa: na Of. 1799. Alguns aspectos da presença de estudantes brasileiros na Universidade de Coimbra. José Marianno da Conceição Velloso. Brasília: Senado Federal. Ciência. que em períodos de problemas econômicos ou políticos soube arquitetar estratégias que visavam o bem comum. ano 4. “Diário da minha viagem para Filadélfia” (1798 – 1799). 43-45 PEREIRA. Hipólito da Costa. Rio de Janeiro. São Paulo: HUITEC. ano 4. Rio de Janeiro: Biblioteca Naciona. Márcia Helena Mendes.08 (suplemento) p. Tânia. 2007. História. 1999. FERREIRA. Ângela. Revista de História da Sociedade e da Cultura. Seção de Manuscritos. v. Química Nova. II 35. Ana Lúcia Rocha Barbalho da. Ciências. que foi organizado pelo Arquivo Nacional em 1999. Magnus Roberto de Mello. A escrita diária de uma “viagem de instrução”. 2008. Ciência. 1 p. 2001. FERRAZ. PEREIRA. A rota dos Estudos sobre a cochonilha em Portugal e no Brasil no século XIX: caminhos desencontrados. 2009. ver em: ARQUIVO NACIONAL (Brasil). 205 – 228. Saúde. Coordenação de Documentos Escritos. Curitiba: Universidade Federal do Paraná. Verdades por mim vistas e observadas. 30. Seção de Arquivos Privados.O poder tem cor CRUZ. n. 823838.9. na conjuntura final do período colonial. Escritos . 2. Existe uma versão microfilmada do texto de José Ferreira. Instrução. DOMINGUES. Cientistas brasileiros do setecentos. 23 de novembro de 1778. DIAS. 9. identidade e quotidiano. 2004 (Tese de Doutorado). Extraído do texto de Cecília Whesthpalen já referenciado. 1032-1037. ________________________________. Oxalá foram fábulas sonhadas. n. Jul/Dez 2013: 329-345. ________________________________. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. . 2007. Fundo Marquês do Lavradio: inventário/ Arquivos Nacional. p. Para um melhor conhecimento dos domínios coloniais: a constituição de redes de informação no Império Português. 1742. ano I.Revista do Centro de Pesquisa da Casa Rui Barbosa. uma leitura auto-etnográfica. Historien (Petrolina). José Henrique. Alguns aspectos da presença de estudantes brasileiros na Universidade de Coimbra. Assuntos Gerais. v. São Paulo. em finais do setecentos. Rio de Janeiro. As ciências em Portugal e no Brasil (1772 – 1822): o texto conflituoso da química. Lorelay. Urumbebas e Cochonilhas do Brasil Meridional. n. 1979. Maria Cecília. GESTEIRA. n. Rio de Janeiro: Ed. Curitiba. UERJ. 9. 345 Historien (Petrolina). 223 – 235. vol. 2012. Heloisa (Org. 8. Neil. Ensaios de história das ciências no Brasil: das Luzes à nação independete. 4. In: KURY. Instruções e Impressões Transimperiais: Hipólito da Costa. Estudos Brasileiros. WHESTPHALEN.). p.Pamella Sue Zaroski SAFIER. ano 4. . Conçeição Veloso e a Ciência Joanina. Jul/Dez 2013: 329-345. E-mail: arolimm@hotmail. Atuou em pesquisas PIBIC e PIBIP sobre a história de Alagoas Colonial. Aprovado em 15/11/2013. escravista e periférico da Capitania de Pernambuco. pela bolsa de estudos do Programa Santander Universidades.com. Agradeço aqui ao banco Santander e à Universidade Federal de Alagoas. ou recebimento de patentes militares. Agradeço também a Antonio Filipe Pereira Caetano. Inquisição. a característica social estamental hierárquica era condição sine qua non de divisão social dos grupos que habitavam as conquistas portuguesas. além dos livros de índice de pesquisa. n. C. possessions sugar mills. além de alguns aspectos estruturais do texto. pela leitura e colocações pontuais mais teóricas sobre a história e teoria das elites. no período de fevereiro de 2012 até agosto de 2012. or receipt of military ranks. 1 Historien (Petrolina). Portugal. Agradeço ainda a professora Márcia de Souza e Mello. Esse texto pretende lançar uma luz para o estudo do Caleidoscópio das elites que habitavam os territórios sul-pernambucanos. 2 Recebido em 18/09/2013. onde desenvolveu artigos acadêmicos publicados em livros e revistas eletrônicas. 1820)12 Alex Rolim Machado3 Resumo: O fazer-se das elites coloniais na América portuguesa não se perpassou exclusivamente apenas por uso de cargos administrativos. que me apresentou os documentos de habilitações do Santo Ofício. Atuando ativamente para a manutenção da justiça régia. instigando-me a pesquisar meticulosamente as habilitações em seus pormenores. plus many other royal favors. trying to observe the different mechanisms of power used by the society to rise socially within the Esse trabalho é fruto de várias visitas ao Arquivo Nacional Torre do Tombo. do controle colonial e da manutenção da ordem católica. formado pela Universidade Federal de Alagoas. In a society of the Ancien Régime (which has undergone changes and adaptations in the Tropics). 1674 – C. the characteristic hierarchical social estates was a requisite of social division of groups that dwelt the Portuguese conquests. 3 Historiador. além de tantas outras mercês reais. 9. fazendome cavar mais esse assunto dos familiares da Inquisição em território sul-pernambucano. This paper intends to shed light to study the Kaleidoscope of elites that dwelt the territories in the south of Pernambuco. Palavras-chave: Alagoas Colonial. Mercadores. com um intercâmbio de seis meses na Universidade de Lisboa. . Mesmo após a vinda para o Brasil.MERCADORES DA INQUISIÇÃO. tentando observar os diferentes mecanismos de poder utilizados pela sociedade para ascender socialmente dentro do quadro agrário. Abstract: The making of the Portuguese colonial elites in America not only featured only by use of administrative positions. NOTAS SOBRE ESTRATÉGIAS DE ASCENSÃO SOCIAL (ALAGOAS COLONIAL. os equívocos que aqui podem ser encontrados e as lacunas que foram deixadas dizem respeito apenas à minha pessoa. Em uma sociedade de Antigo Regime (que sofreu mudanças e adaptações nos Trópicos). posses de engenhos de açúcar. agradeço aos e-mails trocados e sua infinita ajuda sobre a documentação da Inquisição que está depositada no Digitarq. em Lisboa. Jul/Dez 2013: 346-365. Apesar de todas as conversas e ajudas. ano 4. RODRIGUES. nomeadamente.. Cf. Ou seja. p. 9. 2010. apresentavam tarefas peculiares de “(. pp. Inquisition. 1994. Por isso. 197-216. n. p.Alex Rolim Machado framework agrarian. uma maior incidência pode ser vislumbrada no século XVIII. Da mesma maneira. analisar e pesquisar acerca dos familiares e comissários do Santo Ofício não necessariamente deva ser enquadrado apenas nos quadros da instituição da Inquisição. 2011. . 6 BOSCHI. Merchants Resumir os mecanismos da Inquisição portuguesa em uma introdução para um artigo remonta uma análise bibliográfica que começaria a partir da década de 70 do século XX. artigos e estudos acadêmicos que estão se debruçando nos documentos e nos estudos das malhas de poder do Santo Ofício.) ocupar[e]m-se das diligências sobre ancestralidade (“pureza de sangue”). notas para pesquisa da família (ou das famílias em particulares). Podendo ser feitas avaliações sobre o poder hierárquico daqueles agentes na sociedade. as redes leigas: os Familiares. além de participarem e. ano 4. Keywords: Colonial Alagoas. Working actively to the maintenance of royal justice. como apontou Caio Boschi. torna-se complicado juntar essa contextualização dos estudos acerca do Tribunal Inquisitorial com as novas teses. Tais estudos não se tornam exclusivos de uma estrutura social. RODRIGUES. 127-129. 347 Historien (Petrolina).VIEIRA JUNIOR.BETHENCOURT. a melhor definição do que seria o “Familiar” é a de Caio César Boschi. sobretudo. 385. pp. 1998b. que aglutinou os principais estudos para desenvolver a síntese5.. enslaver and peripheral in the Capitania de Pernambuco. Jul/Dez 2013: 346-365. 5BOSCHI. Em Pernambuco. e as redes eclesiásticas: os Comissários. 2011. administrarem visitas diocesanas”6. 109-135. contudo. Apesar de ter existido Comissários do Santo Ofício para o século XVII. 1992. the colonial control and maintaining the Catholic order. pp. 452.CALAINHO. atuações sociais fora do âmbito do Santo Ofício e as próprias atividades de seu ofício de controle social e costume4. 1998a. pp. 71-79. Tinham prerrogativas semelhantes como as dos Familiares. uma das principais 4TORRES. 1994. os familiares e comissários (junto com as visitações da Inquisição) tiveram importantes atividades7. em seu livro. São Miguel. 2010. Todas situadas dentro da Comarca das Alagoas. . além de denúncias internas para a Inquisição. a vila de Santa Maria Madalena da Alagoa do Sul será abreviada para “Vila das Alagoas”. p. 32. 9. Conselho Geral (CGSO). Vila de Atalaya. “Inquisiç~o e Sociedade” que outras localid ades (como a Comarca de Ilhéus) também sofreram com a inquisição e que por isso fazem parte de um todo. 2012. Por isso. Jul/Dez 2013: 346-365. Dentro da inquirição. Para melhor escrita e leitura deste artigo. dentre as freguesias que ele visitava. Vila das Alagoas. 67-115. p. o termo “Alagoas Colonial” ser| sempre citado entre aspas. Tribunal do Santo Ofício (TSO). 8-42. Cf. pp. 84. o pedido para se tornar Comissário do Santo Ofício. 606. Habilitações. 19-54. o estudo foi feito in loco. 115-155. Esse tipo de estudo demonstra uma característica importante sobre os “familiares alagoanos”. só em 1817 é que “Alagoas” se tornou a “Província das Alagoas”. Posto isso sobre a mesa. Maço 36 – doc. visitador geral das freguesias do sul do bispado de Pernambuco. 11 Sobre essas visitas esporádicas. Historien (Petrolina). n. É notório que sua incidência foi menor do que em outras capitanias de maior envergadura dentro dos quadros da colonização portuguesa. não se deve ignorar que esse mesmo território. alerta-se ainda o fato de que até 1712 o território sul de Pernambuco eram três vilas distintas e separadas administrativamente entre si. 173-194. CAETANO. 1992. presbítero secular Bacharel formado em cânones pela Universidade de Coimbra. Todavia. cuja jurisdição eclesiástica era do Bispado de Pernambuco. 2007. Ao decorrer do artigo. Interessante também conferir FLEITER. Como qualquer outro território da América Portuguesa.Mercadores da Inquisição Capitanias do Estado do Brasil. pp. 10 Luiz Mott demonstrou. pp. de acordo com a delimitaç~o feita por Antonio Filipe Pereira Caetano. Junto a isso. merecendo também uma atenção redobrada na hora do trato dos documentos. FEITLER. estavam a de Santa Luzia [do norte]. sendo necessário seu estudo. fazia parte de um conjunto maior no desenho do Império português10. foi informado que. Arquivo Nacional Torre do Tombo (ANTT). apesar de pequeno. decidiu-se apontar aqui que os familiares pesquisados para “Alagoas” n~o esgotam em hipótese alguma a quantidade de agentes que pediram cartas em outros ambientes e transitaram dentro dos espaços das Vilas do Sul de Pernambuco 11. Cf. Idem. têm-se em Luiz Garcia Velho do Amaral. 2004. era um espaço onde havia expedições de cartas para habilitações no Santo Ofício. natural e morador no Recife. pesquisando os habilitandos que receberam suas cartas dentro dos espaços das vilas “alagoanas” no período de 1678 até 1820. MOTT. pp. sendo a cabeça da Comarca a Vila das Alagoas. ano 4. Portanto. o alerta fica no âmbito mais da história das elites do que da 7WADSWORTH. também se encontram aqui problemas na escrita quando “Vila das Alagoas” é usada para retratar a cabeça da comarca ou quando é usada para tratar a comarca como um todo. 9 MOTT. Cf. 8 2002. Em 1712 foi-se institucionalizada a Ouvidoria das Alagoas. 2010. “Alagoas”8 não ficou isenta de familiares ou de processos inquisitoriais denunciados e julgados para Lisboa9. tendo provisão passada em 18 de maio de 1773. Poxim e Penedo. MOTT. Contudo. Acerca da documentação e metodologia. Luis. 7-16. ou postos em comparação hierárquica com os de outros espaços. aumentando. os grupos “alagoanos” n~o devem ser “rebaixados”. Jul/Dez 2013: 346-365. 9. RODRIGUES. n. 2012. Apesar do pequeno espaço e da falta de uma dinâmica maior. Sobre as distinções sociais mais claras do familiar frente às outras pessoas da sociedade. 4. mas em conson}ncia com as “leis” e “ordens” da Coroa e dos preceitos do Antigo Regime. p. pp. Distribuição geográfica e temporal dos agentes do Santo Ofício em Alagoas Colonial Preliminarmente. . trabalhou-se aqui a ideia de tentar decifrar alguns mecanismos desse “Caleidoscópio do Poder” no âmbito das estratégias para alcançar e manter a mobilidade social e das atitudes políticas utilizadas para exercício de seus variados poderes simbólicos e excludentes13. Mas utiliza-se a mesma nesse texto no sentido de exclusão e mandonismo social como foi aplicada por João Fragoso. é também uma oportunidade de decifrar alguns mecanismos de ascensão social e do “fazer-se” (como diria E. ano 4. 2011. ter-se-iam 05 12FRAGOSO. p. Dividindo em categorias. Idem. e sim que se formaram em suas várias ocorrências particulares em suas atividades costumeiras. cf. e contribuindo. mas sim de diferenças e aproximações entre os privilégios e isenções que eram recebidos. Encontrar tais familiares e comissários. Por isso. 2003. BOURDIEU. não no sentido de pirâmide. além de um exercício de esboço dos primeiros quadros dos agentes do Santo Ofício em “Alagoas colonial”. se adaptando e burlando as vivências costumeiras nos Trópicos12.Idem. 349 Historien (Petrolina). se vê que há 19 agentes do Santo Ofício no território que se pode chamar de “Alagoas Colonial”. cf. trocando em miúdos: pesquisar e alertar que havia “alagoanos” pedindo cartas dentro do território sul-pernambucano e as tendo recebido lá mesmo comprova que os habitantes daqueles espaços preenchiam os requisitos de súditos e de agentes da colonização da Coroa Portuguesa. 2012. 11-35. para as diferenças dos variados títulos e ofícios ocupados por aqueles que podem ser denominados “elites sociais” nas conquistas americanas.Alex Rolim Machado Inquisição em si. 2003. 2012. 13 A express~o “poder simbólico” pode ter sido consagrada por Pierre Bourdieu. Thompson – the making of) dos diversos grupos sociais “alagoanos” nos quadros da Hierarquia Estamental de Antigo Regime. FRAGOSO. Bispado de Aveiro MORADIA Vila das Alagoas CARTA 15 de novembro de 1678. Utiliza-se como base. as três vilas “matrizes” de “Alagoas”. Comarca da Vila de Guimarães. 9. freguesia de S. 1766. Bispado de Pernambuco Cidade de Braga Freguesia de S. por isso. Bispado de Pernambuco Conselho de Ermello. Bispado de Aveiro Freguesia de S. 22 de dezembro de 1694 18 de dezembro de 1683 Constantino Correa da Paz Homem de negócio Vila das Alagoas Antonio Araújo Barbosa Gonçalo de Lemos Barbosa Manuel Carvalho Monteiro André de Lemos Ribeiro Homem de negócios e mercancia Homem que vive de suas fazendas e negócios Homem de mercancia Homem que vive de seus negócios Vila das Alagoas Vila das Alagoas Vila das Alagoas Vila do Penedo 22 de novembro de 1696 5[?] de fevereiro de 1716 9 de agosto de 1720 Provisão em 23 de junho de 1773. o que faz crer que ser familiar era algo que poderia estar “a disposiç~o” de toda a sociedade. Aprox. Arcebispado de Braga Santo Estevão da Facha[?]. onde 12 agentes estão inseridos no período 16781720. 1811-182014. Arcebispado de Braga Vila de Porto Calvo. Enquanto que Penedo teve um oficial em 1773 e outro em 1808. sendo 05 distribuídos em 1765 e 1790. Pedro de Cambra[?]. A partir disso. Porto Calvo tardiamente teve início de sua malha de agentes.Mercadores da Inquisição Comissários e 14 Familiares. o que influenciava era o Contou-se aqui a Vila de São João Anadia por conta de sua proximidade com a Vila das Alagoas. Bispado de Pernambuco Freguesia de S. Jul/Dez 2013: 346-365. Pedro de Cambra[?]. Carta sem informações. 14 Historien (Petrolina). Vicente. Cypriano de Refortauna[?]. além da mesma ser erigida como vila no século XVIII. . n. No geral. João Francisco Lins Joaquim Tavares de Basto João de Bastos Homem de negócios Homem de negócios Homem de negocios Vila de Porto Calvo Vila das Alagoas Vila das Alagoas 28 de abril de 1790 15 de janeiro de 1818 Provisão passada em 11 de outubro de 1810. 1818. a distribuição dos mercadores/homens de negócio familiares do Santo Ofício para a regi~o de “Alagoas” ficaria na seguinte maneira (em ordem cronológica): NOME Antonio Correa da Paz OFÍCIO Eclesiástico NATURALIDADE Vila das Alagoas. A distribuição geográfica e temporal é mais bem realizada na Vila das Alagoas. Os perfis são diferenciados. ano 4. Arcebispado de Braga Vila das Alagoas. Comarca de Guimarães. foi informado o ofício do pai de negociante. 1994. Antonio Correa da Paz. freguesia de S. Cada um moldava o discurso para conseguir o seu objetivo de se tornar um agente do Santo Ofício. além das criações de gado e tabaco que a família tinha desde Sergipe (em posse dos avós de Antonio Correa da Paz) e que mantinham também em 15O que não causa estranhamento principalmente após os estudos de José Veiga Torres e Francisco Bethencourt. “Alagoas Colonial” n~o foge { regra. Dos 19 agentes do Santo Ofício para o espaço sul de Pernambuco. para comprovar genealogia. tendo feito inquirições. O Ofício de Mercador é o que é mais visado pela historiografia quando se pesquisam as habilitações do Santo Ofício. ano 4. limpeza de sangue e os demais requisitos pedidos pelo Santo Ofício. Seu filho. tinha pedido o mesmo ofício aproximadamente em 1674. é peculiar e deveras instigante observar a participação dos mercadores em um espaço que não tinha alfândega e nem praça de comércio de grosso trato. viver à lei da cristandade. homem de negócios. TORRES. mesmo tendo pagado toda a quantia necessária para as atividades burocráticas do Santo Ofício. onde os homens de negócio também tinham estratégias de ascensão social e estratégias políticas. saber ler e escrever. n. Vicente. natural da Vila das Alagoas. Mercadores e Homens de Negócio afazendados Em 15 de novembro de 1678.. 351 Historien (Petrolina). recebendo novas sobre si. ter honra pessoal para tratar de negócios de segredo. nenhum indício de criminalidade. Severino Correa da Paz. atividades de renda. 1994. Cit. Cit. Op. casado com Catarina de Araújo.. natural da mesma vila. . recebia sua carta de aprovação para se tornar Familiar do Santo Ofício em terras pernambucanas. na Vila das Alagoas. natural do conselho de Ermello. geralmente na tentativa de desconstruir essa história centralizada em demasiado sobre a figura do senhor de engenho. Ou seja. mas. 9. que estava em Recife e Salvador. Contudo. utilizando as já inquirições feitas sobre o pai e a mãe. José Veiga. houve familiares de outros grupos sociais e de diferentes atribuições. mas falecendo durante o processo. Seu pai. Jul/Dez 2013: 346-365. 08 eram homens que se diziam “de negócios” ou “trato de mercancia”. 127-129. Op. pp. 50%15. decidiu tomar o pedido do falecido pai para si mesmo. BETHENCOURT. Antonio Correa da Paz. e de ter muito cabedal. Nas inquirições.Alex Rolim Machado padrão do Santo Ofício: limpeza de sangue. Inquisição de Lisboa (IL). pois só tive acesso ao livro de suplemento da letra A. Antonio Correa da Paz. já familiar do Santo Ofício e agora com o Hábito de São Pedro. Apesar de não ter sido dito nas três inquirições (Severino. 9. chamada Mariana de Araújo. 92. De acordo com as inquirições. Constatino. e ainda casado com Anna de Araújo. Em 22 de dezembro de 1694. ano 4. ter cabedal. Antonio e Constantino). além de legitimarem sua pureza de sangue. fl.Mercadores da Inquisição “Alagoas”16. Jul/Dez 2013: 346-365. nos anos 1670. ele se declara homem de negócio. pois nos procedimentos para obter a familiatura. fazendo propor que Antônio Correa da Paz já estudava para ser sacerdote antes mesmo de se tornar familiar. morador na Vila das Alagoas. mas presume-se um estudo religioso). Nas notas de referência. Nas inquirições. 16 Historien (Petrolina). 18 ANTT. informavam que Antonio de Araújo Barbosa vivia de negócios de mercancia. ao ser pesquisado e analisado a primeira diligência em seus detalhes. que se habilitou para se tornar Familiar do Santo Ofício e recebeu sua carta em 22 de novembro de 1696. levando em consideração essa pesquisa de Bruno Feitler. TSO. Bruno Feitler vai informar que “Antônio Correa da Paz. Contudo. FEITLER. Cinco anos depois. além de homem de negócios. era tio legítimo de Antonio Correa da Paz. morador da freguesia de Nossa Senhora do Ó. TSO. Cf. 16v. seu ANTT. microfilme 2931. termo da Vila das Alagoas. Severino Correa da Paz tinha uma filha. irmã de Antonio Correa da Paz e sobrinha de Constantino Correa da Paz. Antonio. TSO. logo. Habilitações. é um caso particular. irmã inteira de Catarina de Araújo. n. com Antonio de Araújo Barbosa. Provisões de nomeação e termos de juramento. Ministros e Oficiais. homem de negócios. CGSO. doc. microfilme 2932. maço 1 – doc 6. maço 20 – doc 613. era a vez de Constantino Correa da Paz. Feitler indica. em 18 de dezembro de 1683. 2007. Livro 7. desconhecido por mim nas pesquisas feitas na Torre do Tombo. viúva de Severino Correa da Paz e mãe de Antonio Correa da Paz. acedendo então ao sacerdócio entre as duas provisões”. receber a carta para se tornar Familiar do Santo Ofício. o que se tornava um ponto importante e fulcral para os entrevistadores: viver abastadamente e ter honra de possuir escravos e lavouras18. tinha trato com a terra. Arcebispado de Braga. 17 ANTT. outro códice sendo “Maço 32. p. Dentro das inquirições. mas ainda não tinha se ordenado Padre. Seu grau de parentesco com Severino Correa da Paz (falecido) era de irmão de sangue. um dos entrevistados disse que conhecia o habilitando na época que ele era estudante (não diz de que. Habilitações. e que a mãe era uma viúva rica e abastada por conta da herança que o falecido marido deixou. mas natural de Santo Estevão da Fachada[?]. o habilitando Antônio Correa d a Paz n~o se diz “homem de negócios”. sendo essa atribuição do pai. que se disse padre e familiar na inquiriç~o feita sobre si para aceder o cargo de comissário [em 22/12/1694]. CGSO. . Casada. tendo seus costumes e vidas avaliados em uma inquirição e tendo sua provisão passada em Lisboa na data supra-citada17. 824”. além do maço e documento j| citado. requeria ser Comissário do Santo Ofício. por sua vez. p. Antonio. que viviam em Sergipe e se mudaram para “Alagoas”. 153. 118-119. Bethencourt) deve ser revista e posta em estudos empíricos mais aprofundados24. a família Correa da Paz era de homens de negócio. o comerciante não era bem visto pelos outros grupos sociais. grande parte dos quais eram também homens de negócio e comerciantes”23. assim. que haveria honra e limpeza na família19. comerciante. mas com filhas solteiras e sem uma oportunidade de perpetuação e progressão social. 279-281. pp. encontrou o caso de um Judeu “tratante”. 2012. BOXER. a comprovação de sua limpeza de sangue ao mesmo tempo em que pretendia a ascensão socialmente com títulos honoríficos e trato com a terra. portugueses. julgado e morto na fogueira em um auto-de-fé. 1998. a família Araújo era dona de terras e de escravos. 195-205. necessitando. essa posição maquiavélica de perseguição contra os cristãos-novos (a fabricação de Judeus. 1968. 1980. visto que “(. 24 Cf. pp. dando a entender. não se deve generalizar a perseguição 19 20FARIA. 22 VEIGAS. CGSO. O casamento com negociantes era um acordo mútuo. p. 9. Curiosamente. seguindo o estímulo de Luiz Mott e Francisco Bethencourt. teriam sido esses comerciantes os mais aptos a denunciar os cristãos-novos. BETHENCOURT. era sempre posto acerca da família de Anna de Araújo e de Catarina de Araújo. como disse F. maço 27 – doc 744. 1994. com muito cabedal. como nas conquistas21. 64. Comissário do Santo Ofício. n. 331-332. 333. 1998. sua genealogia e também o fato de que a mesma era irmã inteira de Antonio Correa da Paz.. 384. para a Inquisiç~o em Alagoas.. 21 BOXER. e a terra ganharia o dinheiro para se mantiver economicamente20. 1997. p. p.) n~o tiveram maiores dificuldades na identificação e na denúncia de cristãos-novos. Contudo. pp. 2009. 22-24. Luiz Mott. ano 4.GIZBERT-STUDNICKI. Interessante observar que o trato da terra. maiores perseguidos pela inquisição portuguesa22. se bem que no ponto de vista mais profundo (social e político) da Restauração. ou seja. que foi indiciado. Logo. . MOTT. cf. soma-se a isso a hipótese da eterna desconfiança de que mercador rico poderia ser sinônimo de cristão-novo. TSO. p. pp. cf. Por isso. 129-131. a partir do tabaco e do gado. 1992. Interessante conferir FARIA. então.Alex Rolim Machado casamento legal com Mariana de Araújo. Além do mais. pp. 2002. 353 Historien (Petrolina). Essa ideia da Inquisiç~o portuguesa como um “frei o anticapitalista” pode ser vista em GODINHO. 23 BOSCHI. pp. Ou seja. onde o dinheiro ganharia a terra para se elevar socialmente. Jul/Dez 2013: 346-365. 2002. Enquanto isso. 252-253. receber os hábitos de Familiar do ANTT. GODINHO. tanto em Portugal. 81. Habilitações. mas sem distintivos simbólicos fortes para criação e manutenção de um status social elevado. mas. que. FARIA. em consonância a isso. Prova disso seria o casamento da filha do comerciante Severino Correa da Paz. além de ser irmão inteiro do Padre Domingos de Araújo Lima. e depois foi para “Alagoas”. p. doc. Mariana de Araújo. para se casar com Antonio de Araújo Barbosa. ganhando um implemento simbólico para serem usados e reconhecidos dentro da sociedade da Vila das Alagoas. com Antonio de Araújo Barbosa. como também não se deve dizer que não houve perseguiç~o dentro do território “alagoano”. e o interessante são as duas irmãs casando com Familiares de famílias distintas. Maria de Amorim Cerqueira casou-se com João de Araújo Lima. cf. chamadas de Setuba/Satuba. Era dono de fazendas. Com isso. que faleceu. era filha de Matheus Cerqueira. é a da Família Amorim Cerqueira com os Araújo Lima e Carvalho Monteiro. O que acabou acontecendo foi que a mãe (já viúva) Catarina de Araújo. onde se casou com Anna de Amorim. Contudo. freguesia de Santa Maria de Refoyos de Lima (Portugal). também se inserindo no círculo do Santo Ofício junto com a família Correa da Paz – Araújo. que em 1703 recebia sua carta de Familiar do Santo Ofício. R. mas sem dispers~o genealógica. optar pela fixação na terra não significava o abandono dos negócios. Arquivo Histórico Ultramarino. 27 Maria de Amorim Cerqueira. casou com uma segunda em Lisboa. 2008. natural da Vila de Vianna Foz do Lima. assistente na Vila das Alagoas. senhor de Engenho de fazer Açúcar. Jul/Dez 2013: 346-365. n. para dotar Mariana de Araújo. onde disseram que matou sua primeira mulher. RUSSELL-WOOD. p. tendo cabedal26. Nas Historien (Petrolina). pois sua família fugiu durante a dominação holandesa e só voltou após a restauração). um “homem de merc}ncia”. era casada com Manuel Carvalho Monteiro. 67-71. e que nessas terras acabaram por fazer um engenho de açúcar. 2012. 26 Em casos de dívidas. principalmente com a escravidão25. natural de Alagoas do Sul (apesar de algumas testemunhas acharem que a mesma fosse natural da Bahia. FARIA. também morador na Vila de Alagoas do Sul. pp. natural do termo da Vila de Alagoas. sendo perpetuadas e adquiridas transformações em suas diferentes conjunturas. 1998. Outro caso “alagoano” parecido. irmã inteira de Maria de Amorim Cerqueira27. adquirir honrarias seria essencial para essa alteração de status que os comerciantes e mercadores visavam para adentrarem na dinâmica dos Trópicos. “um genro comerciante p oderia abrir-lhes as portas do crédito outra vez”. Alagoas Avulsos. comprou terras. que foi levado para o Brasil. Catharina de Araújo Cerqueira. na freguesia de Alagoa do Norte. parte-se da ideia de que é notável verificar aqui a procura de comerciantes em se fixarem e terem o trato com a terra. 1997. Cf. ano 4. 25 PRADO JÚNIOR. que em 18 de setembro de 1709 recebia sua carta de aprovação para se tornar Comissário do Santo Ofício. J.. 9. marinheiro. O caso segue parecido com o acima citado. 64-65. freguesia de Nossa Senhora da Conceição. 1997. 1997. FRAGOSO. 34. mas com menos parentes. defunto. . 64. natural de São Julião de Nogueira. A. que em 9 de inquisitorial apenas aos cristãos-novos. FARIA.Mercadores da Inquisição Santo Ofício era uma estratégia dos mercadores para auferir mais privilégios do que já tinham naquele espaço. Enquanto isso. motivação sine qua non de nobreza em Portugal. é difícil dizer se o marido ficou rico com o casamento ou se já o era antes dele. mas que faleceu. Habilitações. na freguesia de Nossa Senhora da Conceição. 28 Interessante observar as colocações de António Manuel Hespanha sobre o poder do pai da família ao escolher e decidir sobre os casamentos das filhas. e que Catharina de Cerqueira já tinha sido casada com outra pessoa. informações úteis são encontradas sobre esse casamento. Cf. p. principalmente para evitar conflitos a longo prazo. o habilitando era tido como rico. que atuaram nas guerras contra Palmares. e que tinha segurança com seus negócios de mercancia. transpondo também para o caso da Família Amorim Cerqueira com a Araújo Lima e Carvalho Monteiro. termo da Vila das Alagoas. e que Manuel Carvalho Monteiro era seu segundo marido. n. enquanto que seus maridos eram comerciantes. 29 ANTT. Leva-se a crer. Manuel Carvalho Monteiro vivia limpamente. De acordo com uma testemunha. O pai foi um homem rico e afazendado. Jul/Dez 2013: 346-365. e que seu cabedal passaria de 10 mil cruzados. freguesia de São Victor. Mesmo sendo de grupos sociais distintos (comerciantes reinóis de um lado e “fidalgas coloniais” de outro). Manuel. Primeiro. . junto com o pai. Maço 86 – doc. pode-se pensar inquirições de Domingos de Araújo Lima. tinham como dote terras e escravos. na hipótese acima escrita sobre a família Correa da Paz e Araújo. 1992. HESPANHA. é porque o mesmo era também considerado uma pessoa honrada28. também tinha dois irmãos. que não se poderia duvidar de que dotaria a sua filha com vantagem para seu marido poder passar a viver limpa e abastadamente. com muitos escravos. sendo homem de negócio que vivia abastadamente. Nas inquirições em “Alagoas”. e que sabia ler e escrever29. 1623. 275. com cabedal e redes de poder e clientelares. e que se ele tinha autorizado o casamento de Catharina com Manuel de Carvalho. Era natural da cidade de Braga. mas morador na Vila das Alagoas. nesse caso. então. Todavia. onde as filhas. foi frisado sempre que vivia abastadamente e com muitos bens. ano 4. CGSO. TSO. com um cabedal de 20 mil cruzados. denominando sua moradia como o Engenho da Nossa Senhora do Pilar. possivelmente espólios e recompensas de seu pai e seus irmãos nas guerras contra Palmares. 355 Historien (Petrolina). junto com o bom dote que trouxe a sua mulher com que se casou. Além de uma irmã. como um bom partido de canas que cultiva.Alex Rolim Machado agosto de 1720 recebeu sua carta para se tornar Familiar do Santo Ofício. 9. Tais atividades militares fizeram o pai de Catharina e Maria ser denominado como uma pessoa de grande honra e “mais graves da Vila das Alagoas”. pensar os processos de familiares do Santo Ofício ajuda a hipotetizar que. tem-se ainda João Francisco Lins: natural da Vila de Porto Calvo. mesmo sendo homens de mercancia e sem títulos nobiliárquicos (salvo engano). n. e que se tornaria uma pessoa abastada por conta de SILVA.] a verdadeira nobreza há-de ser herdada. Tratado da nobreza hereditária e política (Iª ed. por cargos honrados. solteiro. e servir-lheão estes. mas de reputação social também elevada. 3ª ed. ter cabedal.) uma igualdade et|ria. irmão gêmeo de Ignácio José do Vabo. 1676). Nobiliarchia portuguesa. ou grau. não é esta nobreza verdadeira derivada pelo sangue. Contudo. necessitavam de terem seu próprio status que lhe garantissem prestígio a partir de atividades próprias. como João de Araújo Lima e Manuel Carvalho Monteiro. mas pertence à classe da nobreza Civil. como homens da casa. onde deveria ser norma haver entre os cônjuges “(. 335. António de Villas Boas e Sampaio. ambos. a maioria sendo comerciantes. e herdada dos avós. Essa hipótese ganha força quando se vê a quantidade de irmãos que pedem para ser familiar do Santo Ofício. social.] a verdadeira nobreza não pode da-la o Príncipe por mais amplo que seja o seu poder>>”. que vivia ainda na companhia dos pais. que tiveram. e que a honraria da terra vinha das esposas. 28-29. e vindos de Portugal. Nesses casos.. “<<[. p. pp. ou por alguma preeminência.. mas de apenas 20 anos. que os acrescente. além de Severino Correa da Paz e Constantino Correa da Paz. e derivada dos Pais aos filhos [. como tratavam de comércio. exposto por Maria Beatriz Nizza da Silva.. mesmo fazendo parte das principais famílias da terra. os homens (comerciantes) que tivessem ganhado tal prestígio a partir de suas esposas e de seus casamentos. sua estima pessoal (vindo do cabedal e da limpeza de sangue) era aprovada pelo pai das filhas. Jul/Dez 2013: 346-365. Citado em MONTEIRO. solteiro.. física e moral”30.] E se algumas pessoas de nascimento humilde chegam nos povos a ser avaliados por nobres por acções valerosas. Portanto.. 9. 1725. conquistada por si mesmo e levada adiante a partir de suas próprias atuações31. e Política. e postos da república. necessitavam de uma autoridade própria. p. 30 31 Historien (Petrolina). que se adquire pelos cargos. e serem casados. homem que vivia de seus negócios e abastadamente de seus lucros. e os feitos gloriosamente obrados de os constituir nos princípios da nobreza de sorte que verdadeiramente se não pode dizer deles que são nobres. também morador da Vila de Porto Calvo. 1992. ... 1984.Mercadores da Inquisição aqui a característica do princípio da igualdade. se não que o começam de ser [.. Lisboa. 66. terras. escravos. que obráram. ao estudar o sistema de casamento na Capitania de São Paulo. que via nos mercadores uma pessoa não igual. Nesse caso.. ano 4.. . CGSO. Inquisição de Lisboa. Habilitações. sendo o códice ANTT. mas filha de pais incógnitos. os irmãos Joaquim Tavares de Basto e João Bastos. natural da cidade e bispado de Miranda. Ministros e Oficiais. Em 1810-1818. também negociante e morador na Vila das Alagoas. Maço 21 – doc 262. negociantes. respectivamente32. além de ter feito parte no culto divino na Irmandade do Santíssimo Sacramento. tendo sido passada em 1790 (atente-se a data). mas durante o processo acabou se casando com Ana Felícia de Jesus. Eram pessoas distintas na localidade. Sua esposa. No livro de Provisão e termos de juramentos. a esposa se chamava Anna Sofia do Rosário Acioli. nada é dito em nenhuma das duas inquirições de João e Inácio sobre a existência de algum outro irmão ou parente se habilitando a familiar. TSO. retirado da leitura). naturais da freguesia de S. Habilitações. 157. João. era filha legítima do Capitão Manoel Caetano de Morais. era casado com Anna Sofia/Amália do Rosário Acioli34. em mal estado de conservação (logo. fl. além de viver na Vila das Alagoas com negócios de fazenda e Capitão da Cavalaria 33.Alex Rolim Machado sua herança que iria receber. sendo mais seguro deixar uma dúvida do que um erro. E ANTT. 32 357 Historien (Petrolina). natural da Vila das Alagoas. Jul/Dez 2013: 346-365. n. Ambos receberam a carta de Familiar do Santo Ofício em 28 de abril e 8 de julho de 1790. Sobre a família Lins do Vabo. CGSO. José. Ministros e Oficiais. TSO. CGSO. morador de Porto Calvo. ano 4. José. livro 20. Provisões de nomeação e termos de juramento. que também recebeu carta em 1790 cf. Provisões de nomeação e termos de juramento. Joaquim Tavares de Basto era solteiro quando enviou o requerimento para se tornar familiar do Santo Ofício. alagoana. há uma carta de familiar endereçada para José Lins do Vabo. 33 ANTT. fl. e somando a tudo isso. 156. por sua vez. IL. Era tratado como negociante e com renda entre 6-20 mil réis mensais e que poderiam chegar a 300-600 mil réis anuais. e nas mais irmandades como foi patente. Contudo. Soma-se a isso ainda existência de outro “Vabo”. naquela época sendo síndico dos religiosos franciscanos do convento da Vila das Alagoas. Maço 158 – doc 3062 e cf. Como não se teve contato com a habilitação em mãos. TSO. ANTT. CGSO. TSO. Maço 166 – doc 1421. 34 Dentro do id da Torre do Tombo. natural de Alagoas. opta-se por deixar os dois nomes no texto. João de Bastos. por sua vez. foi informado que o nome da esposa era Amália do Rosário Acioli. Habilitações. pois o Capitão viveu a lei da nobreza servindo os cargos da milícia e também da república. ANTT. chamada Maria Sebastiana. e moradores na Vila das Alagoas. filha do tenente ANTT. para evitar equívocos. Joaquim. já falecido. almotacé e juíz ordinário. como vereador. 9. Bispado de Aveiro. TSO. livro 22. chamado Pedro Antonio Vabo. tesoureiro venerável da ordem dos mesmos. Pedro de Caimbrã[?]. e de sua mulher Ana Joaquina de S. natural e morador de Porto Calvo. Maço 10 – doc 161. e tiveram uma filha. TSO. Inácio. Habilitações. era tesoureiro geral do Senhor do Bonfim. Cf. Sobre “Alagoas Colonial”. 1992. além das informações retiradas em ANTT. tais estudos (elites camar|rias. 317. Esses casos dos comerciantes demonstram como devem ser observadas as pistas sobre o poder político (a pan-politização e a microfísica do poder de M. Sobre as distinções sociais. 2003. TSO. escravos e um título honorífico como senhor de engenho. Provisões de nomeação e termos de juramento. e estendendo de filhos a netos. e não o dote de sua mãe (ou avó). que trazendo o seu princípio de uma pessoa se vai continuando. de maneira que faz uma parentela. MARQUES. 1984. ano 4. a qual pela antiguidade. Historien (Petrolina). Cf. Se parte de seu prestígio era adquirido a partir da família da mulher. terras e até mesmo um Engenho de Açúcar.Mercadores da Inquisição José de Barros Pimentel e neta do Capitão Inácio de Acioli Vasconcelos. João. e não o avô materno37. aqui. fl. Maço 129 – doc 2006. Foucault) na sociedade colonial americana. 2012. 2010. mas herdar e propagar sua honra e importância social38. sua honra e estima pessoal não aumentava tanto quanto se faz crer quando o mesmo adquiria posses de terras. IL. 36Para o Brasil Colonial. visando adquirir símbolos e distinções sociais que o mostrasse diferente – ou superior – a outros. livro 22. CGSO. Mesmo quando o comerciante era abastado e que vivia limpamente e com grandes lucros. MONTEIRO. 33-35. . tendo recebido como dote de sua esposa. 9. pp. 38 “a definiç~o de família nobre mais difundida a que se encontra em Severim de Faria e Bluteau: <<Ordem de descendência. não fazendo o filho herdar o título ou ofício do pai. Jul/Dez 2013: 346-365. 2012. 280. natural das Alagoas35. 37 Ser homem (patriarca) da família era ter o poder político de administrá-la tanto economicamente como socialmente e garantir o bem-comum e prosperidade de sua casa. que seria necessário para sua família que seus descendentes tivessem como norte de nobreza o pai. e nobreza das cousas feitas é chamada nobre>>”. e elites militares) podem ser vistos em CURVELO. hipotetisa-se aqui. FRAGOSO. p. outros tentavam serem 35O documento de João Bastos encontrava-se retirado da leitura. a informação dada pelos livros de índices da Torre do Tombo. 11-35. Ministros e oficiais. n. Sendo o códice ANTT. TSO. Habilitações. e PEDROSA. juízes e administradores. HESPANHA. em especial “Alagoas”36. alguns iriam para os cargos da república. 2012. p. e que pudessem ser utilizadas de modo hereditário. as conquistas mais visadas seriam as pessoais do patriarca. Mesmo sendo clássica na historiografia brasileira a figura do Engenho de Açúcar ou lavouras de cana/tabaco como estrutura principal da elite colonial. mesmo que o dote fosse escravos. essencial se ter em mente os estudos aprofundados de BICALHO. não tido sido possível fazer sua avaliação. ou linhagem. Utilizou-se. o patriarca da família deveria prezar também por suas conquistas pessoais em diversos espaços e esferas da sociedade política. principalmente se tais conquistas vierem a partir do casamento. Alex Rolim Machado cavaleiros professos de alguma ordem militar, muitos seriam militares, e tantos escolheriam os cargos de familiares e comissários do Santo Ofício, lembrando que tal ofício e título de familiar era perpétuo, podendo ser mais bem utilizado por algum membro da família para se diferenciar socialmente ou se articular politicamente. Considerações preliminares Como foi escrito no começo dessas linhas, esse texto se tornou mais um artigo sobre elite social do que uma avaliação mais empírica do funcionamento da inquisição a nível local39. Contudo, n~o se pretendeu criar uma “ordem”, “estado” e nem uma classe. O termo “elite social”, ao ser utilizado para os familiares do Santo Ofício, deve ser empregado tendo-se em mente que – pelo menos para Alagoas – ainda não há conclusão definitiva de como eles viam a si mesmos, enquanto estrutura social ou enquanto grupo social pertencente ao Tribunal do Santo Ofício. Por isso, conclui-se, preliminarmente, aqui, que ser familiar do santo ofício não é um “fim em si”, e sim um processo de iniciação ou de aprimoramento (intermediário) social onde o habilitando, uma vez sendo familiar, não deixava (e nem era impedido) de seguir outras carreiras e dar até mesmo mais atenção a elas do que a do seu ofício da Inquisição40. Apesar da construção de uma malha de familiares e comissários ter sido uma atividade de exclusividade do Tribunal Inquisitorial e legitimada por ele, essa análise de caráter prosoprográfico preferiu partir da ordem de estudos dos colonos em si: suas trajetórias pessoais e estratégias sociais ao requererem a carta 39Sobre a necessidade do estudo das ramificações e estruturas da Inquisição em espaços regionais e locais, cf. BETHENCOURT, 2012, p. 155. Para uma ideia de Pernambuco em modo “regional”, cf. FEITLER, 2007. 40 Um caso para se citar é o do Comissário Antonio Correa da Paz e de sua mãe Catharina de Araújo, além do Familiar Antonio de Araújo Barbosa e sua esposa Mariana de Araújo, que disputaram terras em Alagoas contra uma missão indígena e seu Capitão, Miguel Correia Dantas. Cf. ROLIM, 2010, pp. 202-203. Assim como o Padre Domingos de Araújo Lima e sua relação com o Ouvidor da Comarca e a querela em que se meteu entre dois ouvidores no território “alagoano”, cf. ROLIM, 2010, pp. 185186, cf. PEDROSA, 2011, pp. 161, 163 e 165. Assim também como o de Agostinho Rabello de Almeida, que junto com a Câmara Municipal da Vila de Alagoas, em 18 de abril de 1812, assinou documento para petição de reestruturação da Cadeia Pública da Vila ao Rei. Cf. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Sobre a construção da Cadeia Pública, 1812. Biblioteca Nacional, II-33,10,9. Agradeço ao professor Antonio Filipe Pereira Caetano pela disponibilização do documento. 359 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 346-365. Mercadores da Inquisição de familiar; tentando, assim, traçar suas motivações e mecanismos de ascensão social, a partir da leitura documental desses processos. Ou seja, as conclusões aqui esboçadas durante as análises dos familiares não necessariamente devam ser utilizadas para ilustrar apenas a categoria social “familiar/comiss|rio do Santo Ofício” em particular, e sim que as mesmas estratégias utilizadas pelos reinóis e naturais de “alagoas” para se tornarem um membro da inquisiç~o podem ser pensadas e hipotetizadas para outras ações que visavam outros cargos e ofícios “ultramarinos”, tendendo um mesmo fim (status, poder hierárquico, distintivo social em formas de privilégios de foro). Conclusão parecida e provocações positivas também partiram de Antonio Otaviano Junior em seu artigo sobre os familiares do Maranhão41. Todavia, por mais que se pretendesse estudar alguns mecanismos internos de promoção social dos colonos, desgarrar esses súditos (uma vez familiar/comissário) de seu ofício – que era perpétuo – não é a melhor estratégia, visto que, no limite, como informou Aldair Rodrigues, rebatendo Veiga Torres, os agentes do Santo Ofício, mesmo preocupados com a sua ascensão social eram funcion|rios da Inquisiç~o e “(...), enquanto tais, cumpriam uma série de funções”42. Portanto, torna-se necessário sempre que puder enquadrar o estudo sobre os familiares do Santo Ofício dentro dos quadros internos da instituição e da ação inquisitorial. Referências Documentais e Bibliográficas “Aqui um destaque: esses dados s~o importantes n~o apenas para a compreensão da história de um indivíduo; podem compor um conjunto privilegiado de informações associadas aos estudos da família, considerando-a em seu perfil demográfico, como unidade econômica doméstica ou como um conjunto de sentimentos. E mais, incrementam análises relacionadas às trajetórias de elite, principalmente de grupos portugueses que fizeram fortuna e alcançaram capital político em território americano”. Cf. OTAVIANO JUNIOR, 2011, p. 72. 42 RODRIGUES, p. 201. E continua: “Por n~o utilizar a docu mentação inquisitorial resultante diretamente da ação repressiva do Santo Ofício, Veiga Torres subestimou as funções institucionais dos familiares. Em pesquisa realizada nos cadernos do promotor, registros de correspondências e processos de réus da Inquisição de Lisboa, pudemos encontrar vários episódios em que os familiares de Minas Gerais (e também de outras regiões), aparecem desempenhando uma série de funções enquanto agentes inquisitoriais, funcionando eles, dessa forma, como uma ramificação capilar do tribunal lisboeta”. Idem, p. 201. 41 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 346-365. Alex Rolim Machado Arquivo Nacional Torre do Tombo. Tribunal do Santo Ofício: Conselho Geral do Santo Ofício; Habilitações. Antonio, maço 20 – doc. 613; Constantino, maço 1 – doc. 6, microfilme 2931; Antonio, maço 27 – doc. 744; Manuel, maço 86 – doc. 1623; João, maço 166 – doc. 1421; Inácio, maço 10 – doc. 161; Joaquim, maço 21 – doc. 262. Tribunal do Santo Ofício: Inquisição de Lisboa: Ministros e Oficiais. Provisões de nomeação e termos de juramento. Livro 7, fl. 16v.; livro 20, fl. 157; livro 22, fl. 156, 317; Arquivo Histórico Ultramarino. Alagoas Avulsos. Doc. 34; Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Sobre a construção da Cadeia Pública, 1812. Biblioteca Nacional, II-33,10,9. BETHENCOURT, Francisco. História das inquisições: Portugal, Espanha e Itália. Lisboa: Circulo de Leitores, 1994. BETHENCOURT, Francisco. “A Inquisiç~o revisitada”. In: GARRIDO, Álvaro. COSTA, Leonor Freire. DUARTE, Luís Miguel (org.). Economia, Instituições e Império. Estudos em homenagem a Joaquim Romero Magalhães. Coimbra: Almedina, 2012. 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A partir disso, objetiva-se realizar alguns apontamentos acerca da atuação da administração Lincoln com relação à integração de tropas compostas por negros no exército americano, bem como identificar nos atos a base de uma política de emancipação gradual e compensada dos escravos. Palavras-chave: Abraham Lincoln. Soldados negros. Guerra civil americana Abstract: In 1861, Abraham Lincoln enacted the first Confiscation Act, followed by the second Confiscation Act and the Militia Act, both issued in mid-1862. The acts were adopted in order to extend the powers of the President to use black men – largely former slaves – in army and seize Confederate´s properties, solving problems of recruitment and financing of the conflict. However, the limits imposed by the federal system and the Constitution of 1787 limited presidential actions. From this, the objective is to make some notes about the performance of the Lincoln administration about the integration of black troops in the American Army, identifying in the acts the basis of a policy of gradual and compensated emancipation of slaves. Keyword: Abraham Lincoln. Black soldiers. American Civil War Introdução: Em novembro de 1860, Abraham Lincoln, republicano moderado, foi eleito décimo sexto presidente dos Estados Unidos da América. O jovem presidente – 1 Recebido em 10/10/2013. Aprovado em 02/12/2013. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná (PGHIS) Departamento de História (DEHIS), linha de pesquisa Espaço e Sociabilidades. Agência Financiadora: CAPES. 2 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 367-380. Limites do federalismo e da constituição tendo formação no campo jurídico – defendeu desde o princípio do mandato a importância das mudanças se darem no campo legislativo. Entretanto, em face da guerra que ameaçava a jovem nação, Lincoln passou a orientar parte de suas decisões segundo o preceito de que uma posição de comando poderia, ocasionalmente, pedir uma tomada de autoridade executiva que não se submetesse estritamente aos princípios constitucionais. (HOLZER; GABBARD, 2007, pp.1-5) Com a alçada de Lincoln à presidência, os deputados de estados que temiam ações contrárias à escravidão fomentaram, no Congresso, debates acerca do alcance de uma legislação nacional. As ações presidenciais eram questionadas a partir da defesa do sistema federalista presente na Constituição. A partir disso, objetiva-se realizar alguns apontamentos acerca da atuação da administração Lincoln com relação à integração de tropas compostas por negros no exército americano, tendo em vista que grande parte desses homens vinha de um passado de escravidão. Paralelamente, intenta-se identificar nos atos a base de uma política republicana de emancipação gradual e compensada dos escravos, afim de não perder apoio ecolocar em risco a vitória da União no dispendioso conflito. A visão do presidente sobre a escravidão e a crítica confederada Lincoln entendia a escravidão como um entrave ao desenvolvimento do país, tendo em vista sua contribuição para manter a população branca sem ambições, desestimulando o trabalho e o crescimento intelectual. Desta forma, identificava as iniciativas à expansão dos negócios e do progresso econômico como insuficientes em face ao potencial do país. O presidente temia que estes fatores prejudicassem de tal maneira as pessoas brancas que elas passassem a se equiparar às negras, em sua concepção, naturalmente inferiores. (HORTON, 2007, p 13) Assim como muitos de seus contemporâneos, Lincoln assumia e aceitava a supremacia branca como parte de uma ordem natural: "There is a physical difference between the white and black races which I believe will forever forbid Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 367-380. Lara Taline dos Santos the two races living together on terms of social and political equality."(Abraham Lincoln, apud HORTON, 2007, pp 13-14) Inicialmente, o projeto republicano limitava-se a restaurar a União o mais rápido possível, mantendo intacta a escravidão. Desta maneira, apesar de cristalizada a imagem de Lincoln como um grande expoente da luta abolicionista, seu compromisso referia-se unicamenteàmanutenção da federação: My paramount object in this struggle is to save the Union, and is not either tosave or to destroy slavery. If I could save the Union without freeing any slave I would do it, and if I could save it by freeing all the slaves I would do it; and if I could save it by freeing some and leaving others alone I would also do that. What I do about slavery, and the colored race, I do because I believe it helps to save the Union.3 Entretanto, os sete primeiros estados a deixarem a União em fevereiro de 1861 - South Carolina, Mississippi, Florida, Alabama, Georgia, Louisiana e Texas – embasavam seus argumentos seccionais na ideia de que o décimo sexto presidente era declaradamente abolicionista. Depois dos confederados abrirem fogo contra os soldados da União que ocupavam o Forte Sumter na Carolina do Sul em 12 de abril de 1861, Lincoln convocou cerca de setenta e cinco mil voluntários a apresentarem-se ao exército. Contrariando a expectativa republicana de que a causa seccional obteria pequeno apoio, poucos dias após a convocatória do presidente, outros quatro estados – Virginia, Arkansas, Tennessee e North Carolina – retiraram-se dos Estados Unidos para formar os onze estados da Confederação. A guerra civil tornava-se muito maior do que aventava Lincoln e seus partidários nortistas. (HORTON, 2007, p 16). Um campo de batalha no Congresso: A legislação sobre a utilização de soldados negros Carta do presidente Abraham Lincoln a Horace Greely, editor do jornal Tribune e um dos membros fundadores do partido republicano. Washington, 22 de agosto de 1862. (Disponível em: http://www.abrahamlincolnonline.org/lincoln/speeches/greeley.htm Acesso em 08 de junho de 2013.) 3 369 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 367-380. Limites do federalismo e da constituição Com a eclosão das batalhas, os exércitos do norte e sul rapidamente passaram a depender das tropas formadas por negros. A incorporação de homens de cor - sendo grande parte escravos fugidos de estados confederados e borderstates4 - exigia da gestão Lincoln uma ação regulamentária. Porém, a criação de uma legislação específica sobre a utilização de soldados negros colocava em risco a postura evasiva do governo quanto à questão escravista. Lincoln compreendia o peso da demanda e as controvérsias que gerava, sobretudo, nos borderstates, nos quais a escravidão ainda era uma prática comum, enraizada socialmente. Em nove em julho de 1861, o Congresso deliberou que os soldados da União não deveriam devolver os escravos que capturassem. Esta ação auxiliava os militares a lidar com o grande número de escravos fugidos que adentravam seus acampamentos. A partir disso, a questão das tropas negras e da incorporação de ex-escravos tomava os debates, demandando uma legislação específica. Em seis de agosto do mesmo ano, em meio aos enfrentamentos no Congresso e contrariando a política de não interferência nos estados e na propriedade privada, Lincoln outorgou o primeiro Confiscation Act. Proposto pelo senador republicano Lyman Trumbull, de Illinois, o documento definia os parâmetros legais para a apreensão de propriedades e bens, incluindo escravos, em posse de pessoas que aderiram ou auxiliaram a rebelião sulista. (SYRETT, 2005, pp XXI-03) Diante da notícia de que sulistas vinham empregando escravos em batalha, o Confiscation Act definiu que aqueles que houvessem sido utilizados na rebelião confederada poderiam ser prontamente confiscados em prol da União, ganhando sua liberdade. (SYRETT, 2005, pp XII-06) Porém, o ato ainda garantia aos senhores o direito de reclamar esses escravos, em boa medida em função do temor dos congressistas do norte com relação a perda de apoio dos BorderStates, mas também visando manter a possibilidade de retorno a União para os estados separatistas, desejosos de abdicar da causa seccional, uma vez que poderiam Os borderstates eram estados escravistas que não declaram secessão a União desde 1861. Eram eles: Missouri, Delaware, Maryland e Kentucky. Em 1863, West Virginia separou-se do estado confederado da Virginia e também tornou-se um borderstate ao declarar-se um novo estado escravista na União. 4 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 367-380. and the execution thereof obstructed. dos borderstates. 2007. . by combinations too powerful to be suppressed by the ordinary course of judicial proceedings. o que gerou dúvidas e conflitos entre os militares que encontravam os fugitivos. abetting. 9. p 43) Be it enacted by the Senate and House of Representatives of the United States of America in Congress assembled. o documento apresentava. auxiliando financeiramente o esforço de guerra que começava a apresentar as primeiras vitórias no campo de batalha. o presidente mantinha-se dentro dos limites constitucionais. and it shall be the duty of the President of the United States to cause the same to be seized. or any person or persons engaged therein . or their agent. any person or persons. shall purchase or acquire. Desta maneira.org/library/document/first-confiscation-act/ Acesso em: 08 de julho de 2013 5 371 Historien (Petrolina). a exemplo dos quatro BorderStates originais. n. or if any person or persons. or employe.Lara Taline dos Santos adentrá-la sem deixar de ser escravistas. caráter evasivo. Quanto à emancipação. attorney. muitas vezes. o primeiro Confiscation Act não tinha como objetivo principal aumentar a renda da União. or suffer the same to be used or employed. or consent to the use or employment of the same as aforesaid. or promoting such insurrection or resistance to the laws. reafirmava sua autoridade para confiscar e apreender os bens daqueles que aderiram à rebelião. with intent to use or employ the same. Entretanto.(PALUDAN. or by the power vested in the marshals by law. sell or give. ano 4. being the owner or owners of any such property. his. como também pela ambiguidade de sua redação. in aiding. after the President of the United States shall have declared. by proclamation. that the laws of the United States are opposed. Seus esforços estavam focados em tentar punir os rebeldes e assinalar uma ameaça Disponível em: http://teachingamericanhistory.5 O número de escravos libertos por esse primeiro ato foi ínfimo. Jul/Dez 2013: 367-380. Simultaneamente. O primeiro Confiscation Act não tratava explicitamente dos escravos de senhores leais a União. her. confiscated. evitando mais ataques contra seu governo. any property of whatsoever kind or description. and condemned. That if. all such property is hereby declared to be lawful subject of prize and capture wherever found . during the present or any future insurrection against the Government of the United States. tanto pelo documento não pressionar os militares a o fazerem. igualmente. shall knowingly use or employ. Porém. procurava. visando desestabilizar a Confederação. ainda que cuidadosa. o ato transgredia os direitos assegurados pela Constituição de 1776 quando definia que o confisco de bens. atacando seu principal alicerce: o sistema escravocrata. um morador do sul. . à escravidão. terras e escravos seria mantido para além da vida do traidor. poderia ter suas terras e escravos apreendidos simplesmente por ser cidadão de um estado rebelde? Caso fosse condenado. reiterando que a guerra não era contra a escravidão. na qual afirmava oficialmente que a guerra não estava sendo travada “(. n.” (PALUDAN. identificamos esse primeiro Ato como uma ofensiva. como era possível provar que suas propriedades estavam sendo utilizadas em prol da Confederação? (SYRETT. Os ataques direcionavam-se também para as condições em que se realizariam as apreensões. em fins de julho de 1861 o Congresso aprovou a resolução Crittenden-Johnson.. (SYRETT. Para além dessa questão. seu impacto na Confederação e na escravidão não foi tão grande quanto os nortistas esperavam. O primeiro Confiscation Act seria uma medida militar. mesmo sem dar suporte ou apoio ao esforço de guerra confederado.. não abolicionista. o governo comprometia-se a não interferir na política interna dos estados. Neste sentido. Desta forma. 44). sanar os problemas de recrutamento e angariar fundos para gerir o esforço de guerra. Os congressistas republicanos estavam prontos para um ataque mais severo às bases da instituição escravista. ano 4. Afinal. pp. 05-15) Diante deste panorama de questionamentos e críticas. Lincoln procura trabalhar para desestabilizar econômica e politicamente os estados rebeldes. Mesmo temeroso da perda de apoio. houve relutância do presidente em implementar o primeiro Confiscation Act.Limites do federalismo e da constituição à escravidão nos estados insurgentes. Jul/Dez 2013: 367-380. or subjugation. o ponto mais controverso versava a respeito dos escravos. Segundo os opositores. mesmo que de maneira tímida e com muitas restrições. mas os representantes dos BorderStates e Historien (Petrolina). mesmo alargando seus poderes. 2005. 2007.) for any purpose of conquest. XII-14) A gestão Lincoln vinha sofrendo constantes críticas com relação à interferência e desrespeito à organização federalista dos estados. p. Entretanto. 2005. Com essa resolução. 9. pp. nor purpose of over throwing or interfering with the right or established institutions of those [Confederate] states. Assim. a partir do ataque à escravidão. or. era preciso cuidado. muito menos tolerante com os rebelados. . um ano após a aprovação da resolução. pois um novo Ato. podendo chegar a pena de morte. o presidente procurava regularizar o ingresso e organização de negros nas tropas da União. ano 4. (SYRETT. if any. estabelecia que o crime de traição fosse passível de multa mínima de dez mil dólares. Paralelamente. Essa medida sinalizou os primórdios de uma política de redivisão de terras entre os republicanos que tornou-se evidente durante a Reconstrução. evidenciando problemas de insuficiência militar e financiamento de guerra. afim de custear as tropas nortistas e desestabilizar a Confederação. 9.Lara Taline dos Santos a opinião pública como um todo não estavam. poderia retirar da União os borderstates. he shall be imprisoned for not less than five years and fined not less than ten thousand dollars. os esforços de Lincoln foram cuidadosos na implementação deste primeiro ato. Os condenados perderiam imediatamente todas as suas terras e bens. Esse ato. Be it enacted by the Senate and House of Representatives of the United States of America in Congress assembled. Porém. at the discretion of the court. demasiadamente duro com estados escravistas. já era uma realidade desde antes da promulgação do primeiro Ato. real and personal. and all his slaves. dando vantagem aos confederados. and shall be adjudged guilty thereof. Jul/Dez 2013: 367-380. of which the said person so convicted 373 Historien (Petrolina). que seriam utilizados pela União para custear a guerra. uma vez que extraoficialmente a presença de regimentos de homens de cor. shall be declared and made free. and all his slaves. if any. em 17 julho 1862. 2005. excluding slaves. shall be declared and made free. pp. That every person who shall hereafter commit the crime of treason against the United States. o Congresso aprovou o segundo Confiscation Act. n. Ao governo Lincoln cabia angariar fundos. O presidente soube observar esse cenário e manobrar de forma a não prejudicar seu governo e as conquistas executivas que vinha angariando. compostos inúmeras vezes por negros fugidos de estados escravistas. said fine shall be levied and collected on any or all of the property. 04-13) Com o recrudescimento do conflito crescia exponencialmente a necessidade de contingente humano. também proposto pelo senador Trumbull. Para tanto. shall suffer death. o documento visava acabar com o dilema relativo à incorporação de ex-escravos no exército. 10. nor in any way given aid and comfort thereto. And be it further enacted. SEC. ano 4. com exceção daqueles oriundos dos borderstates. except for crime. devendo ser prontamente devolvidos aos seus senhores. and has not borne arms against the United States in the present rebellion. assume to decide on the validity of the claim of any Disponível em: http://teachingamericanhistory. podendo inclusive armá-las.8 Com relação aos escravos fugidos. de que seriam confiscados e incorporados a USCT7 no norte apenas os escravos utilizados em batalha. under any pretence whatever. escravos de todos os senhores rebeldes quer houvessem sido utilizados na guerra. or some offence against the laws. 11. 8 Disponível em: http://teachingamericanhistory.asp?document=559 Acesso em: 08 de julho de 2013 6 Historien (Petrolina). Territory. from any other State. a libertação dos escravos mantinha-se restrita aos estados rebeldes. Os negros fugidos de estados escravistas leais a União eram compreendidos enquanto prisioneiros de guerra. Essas medidas visavam dar ao presidente melhores condições de combater as forças confederadas e colocar fim ao conflito tão oneroso ao país. Assim. Com o novo ato.6 O segundo Confiscation Act derrubou a limitação. SEC. possibilidade descartada um ano antes. Jul/Dez 2013: 367-380.Limites do federalismo e da constituição was the owner at the time of committing the said crime. any sale or conveyance to the contrary notwithstanding.org/library/index. That the President of the United States is authorized to employ as many persons of African descent as be may deem necessary and proper for the suppression of this rebellion. and no person engaged in the military or naval service of the United States shall. and for this purpose he may organize and use them in such manner as he may judge best for the public welfare. or in any way impeded or hindered of his liberty. or the District of Columbia.org/library/index. shall be delivered up. And be it further enacted. quer não – poderiam ser libertados. 9. Desta forma. That no slave escaping into any State.asp?document=559Acesso em: 08 de julho de 2013 7 Astropas negras que integravam o serviço militar norte-americano era designadas pela sigla USCT – United States Colored Troops. . ampliando os poderes de Lincoln com relação às tropas negras. n. imposta no primeiro. unless the person claiming said fugitive shall first make oath that the person to whom the labor or service of such fugitive is alleged to be due is his lawful owner. o documento definia que eles não seriam mais devolvidos. enquanto as fronteiras do país ainda estavam consolidando-se. além de assegurar legalmente a manutenção do tratamento desigual entre soldados brancos e negros de mesma patente. n. and he is hereby. or any military or naval service for which they may be found competent.htm. or performing camp service or any other labor. Nas seções 12 a 15. segundo o Militia Act. assim são supervisionados diretamente pelo governo federal.asp?document=559 Acesso em: 08 de julho de 2013 10 Os "territórios" foram criados como unidade política dos Estados Unidos da América com fins de melhor administrar terras ainda pouco exploradas ou recém adquiridas. That the President be. Durante a guerra civil os territórios eram: Dakota Territory. treinamento e armamento de todos os soldados. authorized to receive into the service of the United States. Nebraska Territory. Colorado Territory. on pain of being dismissed from the service.Lara Taline dos Santos person to the service or labor of any other person. . mas também visando a manutenção do apoio dos borderstates.edu/Freedmen/milact.history. Acesso em: 08 de julho 2013 9 375 Historien (Petrolina). ano 4. sendo que após seis meses de ingresso no exército Disponível em: http://teachingamericanhistory. SEC. persons of African descent. and such persons shall be enrolled and organized under such regulations. concedendo-lhes o direito de nomear os oficiais que ficariam no comando das coloredtroops. Na mesma data foi também aprovado o Milita Act. em parte pelas limitações impostas pela Constituição. organizada com fins de suprimir insurreições. Os territórios não entram no sistema federalista. Jul/Dez 2013: 367-380. deveria estender-se a todos os homens entre 18 e 45 anos.org/library/index. IndianTerritory (Oklahoma). 11 Disponível em: http://www. not inconsistent with the Constitution and laws.9 Apesar de libertar escravos oriundos de estados rebeldes e dos "territórios"10 as leis não chegaram a atingir o cerne da questão escravista.umd.And be it further enacted. 9. or surrender up any such person to the claimant. O alistamento. 12. for the purpose of constructing intrenchments. Utah Territory e Washington (District of Columbia) Terrytory. as the President may prescribe. New MexicoTerritory. repelir invasões e executar as leis federais.11 O Militia Act buscava situar modelos quanto ao recrutamento. o ato conferia ao presidente total autoridade – em concordância com a Constituição e as leis – para aprovar o recrutamento de negros para atuar no exército e na marinha. documento que vinha revisar um primeiro ato de mesmo nome emitido em 1792 convocando a formação de uma milícia nacional. during the present rebellion.Limites do federalismo e da constituição esses soldados deveriam estar armados com rifles ou mosquetes. sob ameaça de perder o apoio crucial desses estados que ainda mantinhamse escravistas mesmo sob a égide da União. has levied war or has borne arms against the United States. por sua vez. os valores baixos pagos a todos os soldados eram ainda mais irrisórios para os negros. during the present rebellion. restrita à construção e reparo de fortificações. o documento apresenta-se como um compromisso da administração Lincoln com os Bordes States. wife and children of such man or boy of African descent shall not be made free by the operation of this act except where such mother. O documento reiterava ainda que os negros. apenas os estados rebelados. That when any man or boy of African descent. Jul/Dez 2013: 367-380. não deveriam ser tratados da mesma maneira que seus homólogos brancos. n. or adhered to their enemies by giving them aid and comfort. Paralelamente. shall render any such service as is provided for in this act.00 mensais. a área de atuação dos negros continuava. usage. 9. who by the laws of any State shall owe service or labor to any person who. Ao emitir o Militia Act. shall forever thereafter be free. And be it further enacted. por esse motivo. não podendo inflamar os ânimos dos oposicionistas dos Bordes States.00 mensais que poderiam ser pagos em uniformes. his mother and his wife and children. any law. identifica-se o comprometimento do presidente em realizar uma emancipação gradual dos escravos. conforme a seção treze. SEC. or custom whatsoever to the contrary notwithstanding: Provided. tendo em vista sua condição de inferioridade natural. alegava-se não possuírem direito ao mesmo valor de soldo dos brancos.50 para custear o fardamento. That the mother. has borne arms against Historien (Petrolina). wife or children owe service or labor to some person who. he. uma vez mais. em terreno hostil. O tratamento diferenciado se estenderia à questão do soldo. Entretanto. temerosos de que a incorporação de soldados de cor na milícia da União pudesse ser um passo a mais em um processo de emancipação dos escravos. . abarcando. 13. recebiam U$10. com um adicional de U$3. Desta forma. Uma das arguições discriminatórias referia-se ao fato de os soldados negros não haverem integrado o exército desde os primórdios do conflito e. ano 4. não raro. Os soldados negros. Lincoln está. Assim. Os soldados brancos recebiam U$13. Com esta medida. constituíram os primórdios da política de emancipação dos escravos. mas sem oferecer nenhuma garantia de manutenção dos direitos civis dos ex-escravos.htm. 13 Disponível em: http://teachingamericanhistory.Lara Taline dos Santos the United States or adhered to their enemies by giving them aid and comfort.asp?document=559. porém a própria legislação apontava que o objetivo da emancipação era servir aos interesses nortistas e republicanos e não garantir melhor padrão de vida aos negros. se adaptariam melhor e poderiam desfrutar de sua condição de homens livres. 2005. a gestão Lincoln projetava uma cisão na Confederação. bem como o Milita Act. aonde. Sua promulgação impeliu Lincoln a abraçar a causa abolicionista. tendo em vista que ambos os atos constituíam uma ingerência na autonomia dos estados. . 01). O segundo Confiscation Act apoiava a emigração dos ex-escravos para países declima tropical. Sua promulgação acenava com uma saída honrosa para os que resolvessem mudar de ideia e reintegrar-se a União. dava aos rebeldes a chance de rever sua posição.org/library/index. Acesso em: 08 de julho de 2013 12 377 Historien (Petrolina). O segundo Confiscation Act. 9. sob a garantia presidencial de asilo e perdão. supostamente. O ato sinaliza a expectativa de que as punições severas impostas aos traidores levariam a elite sulista a repensar a posição separatista.12 Lincoln trabalhou para que a implementação das novas leis fosse bemsucedida. jurando lealdade à União dentro do prazo máximo de sessenta dias. ano 4. temendo as medidas do ato. n. p.13 Os atos – sobretudo o segundo – apresentaram-se como uma tentativa do governo Lincoln de promover uma emancipação gradual e compensada dos escravos. Jul/Dez 2013: 367-380. planejando que aqueles agentes – individuais ou coletivos – que. Considerações Finais Ambos os Confiscation Acts. a fim de não perder o apoio dos borderstates e talvez convencer os estados rebeldes a abandonarem a causa da secessão. (SYRETT. mais especificamente.umd. regulamentassem sua situação se colocariam em conflito direto com os que ainda desafiavam os decretos presidenciais.edu/Freedmen/milact. iniciando a reforma do Sul Disponível em: http://www.history. Acesso em: 08 de julho 2013. McClellan ganharam a batalha mais sangrenta da guerra civil. ano 4. 2007. a legislação dos atosmesmo que de forma dúbia – lançou as bases que nortearam a política de redivisão de terras e tratamento dos recém-libertos no período da Reconstrução. Jul/Dez 2013: 367-380. Com o avanço das tropas da União nesses territórios. assinalada sobretudo no segundo Confiscation Act. O poder do presidente restringia-se ao poder de guerra. XII-01) Em 17 de setembro de 1862. A vitória estratégica em Maryland possibilitou a emissão de uma Proclamação de Emancipação preliminar cinco dias depois do embate. 46) Os atos apontam para um Lincoln desejoso de sua própria emancipação executiva. a libertação dos escravos continuou limitada constitucionalmente. as tropas nortistas do general George B. n. a ação executiva do presidente jamais transgrediu os limites estabelecidos pela Constituição. portanto. 2005. deixando momentaneamente sem ação militares e autoridades civis. pp. 45) Desta forma. A assinatura deste documento transformava a guerra em um conflito não apenas para salvar a União. não tiveram a escravidão ameaçada. Historien (Petrolina).Limites do federalismo e da constituição durante o próprio conflito. Porém. Porém. uma vez que a resolução de libertação dos escravos afetava todos os estados ainda rebelados em 01 de janeiro do ano seguinte. Progressivamente. p. Desta forma. (PALUDAN. Para além do período da guerra. mesmo com a Proclamação de Emancipação oficial de 1863. Antietam. p. a emancipação manteve-se circunscrita a estados rebeldes nos quais a guerra ainda estava em curso. . mesmo que inicialmente restrita aos escravos de Estados insurretos. mas também para abolir a escravidão. A aprovação dos atos conferiu-lhe maior autonomia para gerenciar a incorporação de negros aos corpos militares da União e iniciar uma legislação prévia de emancipação. evidenciava-se a contradição que representava a existência dos BorderStates escravistas na União. Esse poder não era operacional em estados leais que. o número de escravos fugidos que tentavam adentrar o exército aumentou ainda mais. 9. visando restaurar a União o mais rápido possível. a escravidão ainda era mantida nos estados leais. (PALUDAN. (SYRETT. 2007. editor do jornal Tribune e um dos membros fundadores do partido republicano.edu/Freedmen/milact. Jul/Dez 2013: 367-380. 2007. Sara Vaughn (Org). Southern Illinois University Press. Lincoln and Freedom: Slavery. Acesso em: 08 de junho de 2013.org/library/index. "Slavery during Lincoln´s Lifetime". Disponível em: <http://www. Disponível em: <http://www. Emancipation and the Thirteenth Amendment. 14 FONTES Carta do presidente Abraham Lincoln a Horace Greely. mas somente onde era constitucionalmente possível.Lara Taline dos Santos Lincoln libertou os escravos.htm>. 14 379 Historien (Petrolina).org/lincoln/speeches/greeley. Second Confiscation Act (1862). Acesso em 08 de junho de 2013. James Oliver. Southern Illinois University Press. Harold. n. First Confiscation Act (1861). . Acesso em: 08 de junho de 2013. 9. Disponível em: <http://teachingamericanhistory. SaraVaughn (Org). Lincoln and Freedom: Slavery. Washington. Militia Act (1862).asp?document=559>. Disponível em: <http://teachingamericanhistory. ano 4. HORTON.history. In: HOLZER. 2007.umd.org/library/document/first-confiscation-act/>. GABBARD.abrahamlincolnonline. 22 de agosto de 1862. Atualmente a pesquisa encontra-se em fase de análise da documentação e em seguida será organizada em uma dissertação a ser apresentada como conclusão do curso de mestrado. Harold. A comunicação é parte integrante do projeto de pesquisa "As visões da liberdade e da escravidão dos soldados negros na Guerra Civil Americana (1861-1865)" sob orientação da professora doutora Martha Daisson Hameister. GABBARD. Referências HOLZER. Emancipation and the Thirteenth Amendment.htm> Acesso em: 08 de junho de 2013. n. Phillip Shaw. Jul/Dez 2013: 367-380. ano 4. Confiscation Acts. In:HOLZER. Historien (Petrolina). 2007. SYRETT.Southern Illinois University Press. 2005. "Lincoln and the Limits of Constitucional Authority". Harold. Sara Vaughn (Org). Failing to Reconstruct the South. Fordham University Press. .Limites do federalismo e da constituição PALUDAN. GABBARD. John. Emancipation and the Thirteenth Amendment. Lincoln and Freedom: Slavery. 9. guarded by the Public Archive Jordão Emerenciano. E-mail: flaviabrunabraga@gmail. Dr. as a consequence of the final economic Imperial period and the grown of both-sexes schools based on the analysis of the Public Education Secretary documentation in Pernambuco. ano 4. Pernambuco. Mastership. Magistério. Adriana Maria Paulo da Silva (Pós-graduação em educação da UFPE) com financiamento da FACEPE no ano de 2011-12. O FIM DO IMPÉRIO E O ENSINO PÚBLICO 1 Flávia Bruna Ribeiro da Silva Braga2 Resumo: Este artigo tem como objetivo trazer novas perspectivas à feminização do magistério em Pernambuco. . Adriana Maria Paulo da 1 2 Recebido em 13/03/2013. between 1872 and 1890. Pernambuco. Empire INTRODUÇÃO A História da Educação em Pernambuco é um campo ainda pouco explorado. conseqüência do período econômico do final do Império e o crescimento das escolas mistas a partir da análise da documentação da Inspetoria de Instrução Pública em Pernambuco. que tem na tese de doutoramento da Profª.com Historien (Petrolina). Jul/Dez 2013: 381-401. Curriculo Lattes http://lattes. The end of the Empire and its consequences on public education in the Province are general aspects of the subject. n.br/6601915163369923. Brazil. Mais desconhecido ainda é o período Colonial e Imperial da educação em Pernambuco. sob a guarda do Arquivo Público Jordão Emerenciano. no período de 1872 a 1890. Aprovado em 03/12/2013. O fim do Império e as repercussões no ensino público da Província são aspectos gerais do tema a ser abordado.cnpq. Granduanda da UFPE em História. Keywords: Feminization. Palavras-chave: Feminização. Pesquisa realizada sob orientação da Prof. Império Abstract: This article brings new perspectives about the historical feminization of education in Pernambuco.A FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO EM PERNAMBUCO (1872-1890): CRISE ECONÔMICA. 9. Afirma Marina Natsume Uekane que a questão da feminização está ligada “à presença das meninas nas escolas primárias. Revista de estudos feministas : Florianópolis. 3 Historien (Petrolina). O argumento de Hahner é fundamental para a defesa do mesmo princípio para o fenômeno ocorrido em Pernambuco. este artigo busca trazer novas discussões acerca da feminização do magistério em Pernambuco. Afirma ainda o autor que o crescimento de mulheres alfabetizadas nos centros urbanos mais desenvolvidos forneceu um grande potencial de professoras contratadas por salários mais baixos. criada em 1880 em decorrência da lei que regulamenta a coeducação de ambos os sexos em 1879. buscamos tratar a participação feminina no magistério público de Pernambuco no final do Império e traçar os principais aspectos que levaram a profissão de professor primário a uma esfera majoritariamente feminina já no fim do século XIX. Encontrado em: < http://www. 2007. 5 UEKANE. em fins do século XVIII e primeira metade do século XIX. Baseado no caminho traçado pela Profª. Hahner4 a feminização do magistério durante a década de 70 do século XIX está ligada ao ensino feminino. (2011. 9. mais valorizado pela camada social que prestigiava o desenvolvimento material e o progresso da nação no qual “salientam o poder da mulher para orientar o desenvolvimento moral de seus filhos e a formação de bons cidadãos para a Nação” (HAHNER: 2011. Adriana Maria Paulo da. escolas normais: a coeducação e a feminização do magistério no século XIX. ano 4. Marina Natsume.br/reunioes/30ra/posteres/GT02-3332--Int. Adriana. Processos de construção da escolarização em Pernambuco. Neste artigo.org. Recife: Editora Universitária da UFPE. De acordo com June E. maio-agosto/2011.anped. o qual procuramos elucidar ao longo do artigo. devendo SILVA. 398 p. 468).pdf > Acesso em 10 de junho de 2013. Na Corte5. um dos trabalhos pioneiros sobre o tema. Tendo como principal referência as cidades de Olinda e Recife e o período do ocaso do Império. Jul/Dez 2013: 381-401. a feminização do magistério está relacionada com a Escola Normal mista. “Mulheres em sala de aula”: um estudo acerca da feminização do magistério primário na Corte (1879-1885). Escolas mistas. o estudo sobre a atuação social dos professores públicos na província de Pernambuco continua através das pesquisas com graduandos sob a orientação da Profª Adriana. .A feminização do magistério em Pernambuco (1872-1890) Silva3. 468). através de bolsas PIBIC/Facepe e CNPq. n. 4 HAHNER. Acrescenta-se a presença da Escola Normal mista a presença de positivistas como Benjamin Constant que professavam a qualidade feminina para o magistério. June E. 4). Nesta Província. 6 383 Historien (Petrolina). . em Minas Gerais. organizados como se acham.br/novo/congressos/cbhe3/Documentos/Coord/Eixo5/478. a outros fatores. não é possível concordar com Uekane. legislação e dados estatísticos. n. já afirmava o Inspetor que ali as mulheres estavam lutando pela paridade salarial. visto que já em 4 de fevereiro de 1841 o Presidente da Província de Minas Gerais destacava essas qualidades. Luciano Mendes de Faria.pdf > Acesso em 10 de junho de 2013. Também em Minas o ensino de escolas mistas – como veremos no caso de Pernambuco – era anterior a legislação de 1879 que regulamentou o ensino coadunado. visto que o acesso a profissionalização no magistério feminino era muito restrito e. o número de professoras públicas tem um rápido crescimento a partir da década de 1860. antes de qualquer prescrição legal. além de econômicas. Em relação à feminização em Pernambuco. Encontrado em < http://www. FILHO. teria se tornado feminino no fim do século.org. sem inconvenientes algum. 5) Afirmam os autores ainda que – assim como defendo para o caso de Pernambuco – cai por terra o argumento de que as Escolas Normais tiveram papel preponderante na feminização do magistério. de 1879. 9. Cito: “Têm elas (as professoras) de reger escolas mistas frequentadas pelos meninos de ambos os sexos. portanto. independente da Escola Normal. desencorajado – principalmente quando se tratavam das aulas gratuitas da Sociedade Propagadora da Instrução Pública – a questão do feminização do magistério em Pernambuco está ligada. O magistério. MACEDO. A Feminização do magistério em Minas Gerais (1860-1910): política.sbhe. Jul/Dez 2013: 381-401. por vezes. MACEDO. já que a formação de professora era em número muito reduzido e a presença de professoras não-normalistas (sem formação) era expressivo. escolas que já existiam em nossos costumes. No Relatório ao Presidente da Província. podem trazer muitas vantagens à educação dos costumes” (Citado por FILHO.Flávia Bruna Ribeiro da Silva Braga este espaço ser organizado para recebe-las” (2005. ano 4. Também em Minas Gerais6 a feminização do magistério é estudado a partir da ótica das Escolas Normais. provavelmente. Elenice Fontoura de Paula. Ali o discurso de valorização da competência feminina para o magistério parece ser pioneiro em relação a outras província brasileiras. pág. Paudalho [1880. 1878. tendo na profissão de professora a única via para ingressar nesse meio. Timbaúba. Setembro] . Igarassú [1883. Feminização do magistério primário baiano. Fonte: Registros da Série Instrução Pública localizados no Arquivo Público Jordão Emerenciano. Julho]. Maio] . Paudalho [Bexigas. 8 A seca de 1878 foi tão expressiva para a região que a Câmara de Deputados não votou leis provinciais neste ano. Outubro] . Maio]. fruto do voluntarismo dos professores em regiões suburbanas da “Escola Normal Oficial”. a criação de Escolas Normais ficou a cargo da Sociedade Propagadora. Canhotinho [1877]. aumentaram progressivamente no mesmo período. IP26 ao IP54. Diferentemente de Pernambuco. Canhotinho [1878. O segundo período do século XIX para a Província de Pernambuco é marcado por sucessivas secas – mais notadamente a de 18788 e 1879 – além de intermitentes casos de epidemias9. Peres [1883. Marise da S. Tanques [1875. Agosto]. leituras e representações. e não apenas na Capital. 9 Entre 1873 e 1890 registrei – no mínimo – 34 epidemias relatadas por professores e/ou moradores pernambucanos. Cruangy.A feminização do magistério em Pernambuco (1872-1890) Também na Bahia7 o processo de feminização do magistério se registra no período final do século XIX. Encontrado em < http://itaporanga. Vicência [1878. II seminário Nacional de Gênero e Práticas Culturais. Panellas. Marília F. ano 4. Bezerros [1878. Setembro]. julho]. Taquaretinga [1881.net/genero/gt1/20. São José da Coroa Grande [1882. Outubro]. quanto nas noturnas e Normais. 9. Janeiro]. n. Preguiça [1879. Em Pernambuco. não desconsideramos tal argumento visto que o número de alunas tanto nas escolas primárias. LIMA. São Bento. CONTEXTO ECONÔMICO BRASILEIRO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX A feminização do magistério em Pernambuco – e aqui abordo “feminização” por superioridade numérica em relação ao total de professores da Província – ocorreu em um período de crise financeira para a região. em nenhum momento da pesquisa. Barreiros [1878. Alagoa do Carro [1882. Janeiro]. DICK. Agosto]. São Caetano da Raposa [Febre Amarela] . Alagoa do Carro [1882. Gravatá [Janeiro de 1873]. na província da Bahia a criação de Escolas Normais no interior do Estado (Caetité e Barra) demonstra uma intenção em aumentar o número de professores em várias regiões. Agosto]. O Estudo supracitado defende que a feminização do magistério na Bahia esteve ligado a um crescente aumento do interesse feminino pelos estudos. Apesar de não termos. . Setembro].Altinho [1878. Não há registro de publicação no código de leis até 1879. Janeiro]. Gravatá [1882. elementos que demonstrassem o afã feminino pelo estudo.pdf > Acesso em 10 de junho de 2013. Novembro]. Jul/Dez 2013: 381-401. Novembro]. Culturas. Outubro]. São Bento [1879. Igarassú [1884. Vertentes [1879. PURIFICAÇÃO. 1889-1930. Sara Martha. Urbano. da. São Vicente [1878. Outubro]. quando a matrícula feminina da Escola Normal supera o número das matrículas masculinas no período Republicano (1895). 7 Historien (Petrolina). M. Junho]. Recife: Fundação Joaquim Nabuco : Massangana. P. . 26 de novembro de 1889 Ilmo Sem Pulsando no meu peito de brasileira um titânico entusiasmo pelo agigantado passo que deu o Brasil. Fevereiro]. também faz uma análise da situação financeira do Norte do Império. quando argumenta acerca dos fundos de emancipação dos escravos – fator de intensa disputa entre o sul e o norte – assim como o Junho]. 299p. Inspetor da Instrução do Estado de Pernambuco. Julho].11 Manuel Correia de Andrade12 em seu livro História das Usinas de Açúcar em Pernambuco.282. Rio de Janeiro: Topbooks. Fundação Joaquim Nabuco. Evaldo Cabral de Mello13. Historia das usinas de açúcar de Pernambuco. Porto de Galinhas [1884. em seu livro Norte Agrário e o Império. Agosto]Taquaretinga [1884. Manuel Correia de. assim como Manuel Correia. Arthur Orlando da Silva. n.. 114p. A primeira carta. Rio Doce [1889. 1989. Jul/Dez 2013: 381-401. ed. em 26 de novembro de 1889 (7 dias após a instauração da República em Pernambuco)10 Cadeira mista de Instrução Primária do Povoado de Água Branca. 10 Deve-se levar em consideração que a distância e as dificuldades enfrentadas pelo sistema de correio do Império impressiona que em apenas sete dias esta professora tenha declarado seu apoio à República. Evaldo Cabral de. Caruarú [1884. ano 4. Julho]. para auxiliar o déficit público que minha pátria contraiu com o estrangeiro. cerca de 400km de Recife no sertão do Pajeú). c1999. CNPq. Pedra Branca [1884. que podemos argumentar acerca das dificuldades financeiras do país que passou o Segundo Reinado e o Governo Provisório republicano. Capital [1890]. 9. Anexo 1 12 ANDRADE.D. Riacho Doce [1884. argumenta que as tentativas de implantação dos Engenhos Centrais – que fracassaram – assim como a contração de empréstimos para as primeiras Usinas e o sistema ferroviário que servia a indústria açucareira.Flávia Bruna Ribeiro da Silva Braga Mas. venho por meio deste oferecer metade dos meus vencimentos mensais a contar de janeiro do ano vindouro até dezembro. quando aborda esse período do final do século XIX. rev. Anexo. de Água Branca (atualmente pertencente ao Estado da Paraíba. O norte agrário e o Império: 1871-1889 . 385 Historien (Petrolina). Professora. são alguns dos aspectos da progressiva dívida externa que contrai Pernambuco na sua tentativa de modernização. Comissão de Eventos Históricos. é a partir do relato de duas cartas endereçadas por duas professoras públicas à Secretaria da Instrução Pública. 28 de novembro de 1889. Pg. da professora Francisca Alves de Azevedo. 2. Novembro]. Francisca Alves de Azevedo. 13 MELLO. 11 IP51. Saúde e fraternidade Dr. Saúde e Fraternidade Sem. P. outra professora pública. folgo em comunicar-vos que resolvi fazer descontar dos meus ordenados de professora pública a quantia de dois mil réis mensais a contar do mês próximo de janeiro de 1890 até o completo pagamento daquela dívida. Editora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Mas é de se considerar que as sucessivas secas registradas. . contraem sucessivos empréstimos com bancos estrangeiros – notadamente os ingleses – na tentativa de modernização e sobrevivência das lavouras de cana. 2007. que ora atravessa uma crise política tão simpática pela mudança radical da forma de governo para a República.14 O que levam os professores públicos a tal ato de empatia com a recente República? Para isso seria necessária uma pesquisa mais profunda acerca do advento da República em Pernambuco. a admiração e o respeito como sistema de governo eficaz e representante do progresso tão presente nos IP51. Maria Tereza Chaves de Mello em seu livro A República Consentida15. Maria Tereza Chaves de. 9. 244p. Anexo. ano 4. n. Rio de Janeiro: Editora FGV. assim como as epidemias. Anexo 1 Mello. diante de tal quadro. Maria Florentina de Góes Cavalcanti. mas acreditai Sem Diretor. davam alguns dos aspectos de insatisfação para com o governo e o alimento necessário para a esperança em um sistema político que trouxesse o progresso. Diretor da Instrução Pública No intuito de também concorrer com uma soma qualquer para o pagamento da dívida externa da Nação Brasileira. 5 de dezembro de 1889 Sem. além da “negligencia” da Corte com as Províncias do Norte. 14 15 Historien (Petrolina). Pg. Diretor da Instrução do Estado de Pernambuco. paulatinamente. Os empresários pernambucanos. que os meus compromissos não permitem mais. 13 de dezembro de 1889. destina a maior parte dos fundos públicos da Corte para agricultores e empresários sulistas. esta de São Frei Pedro Gonçalves do Recife (Capital) também repete o “ato patriótico”: 5ª cadeira da freguesia de São Frei Pedro Gonçalves do Recife do Estado de Pernambuco.A feminização do magistério em Pernambuco (1872-1890) fundo de imigração estrangeira que. A república consentida: cultura democrática e científica do final do Império. Sinto sinceramente não poder concorrer em quantia maior como era meu desejo. no final do Império. Em 5 de dezembro de 1889. Professora pública. somadas a um contexto de empréstimos estrangeiros que só aumentavam a dívida pública. É o que me cumpre comunicar-vos. tendo o regime monárquico perdido.306. Jul/Dez 2013: 381-401. que aborda a opinião pública da população carioca sobre o Segundo Reinado. Anexo 1 IP31.. assim como o contingente humano empregado. ano 4. tem deveres mais restritos em política do que outro qualquer empregado público. . 9.br/cursos/toledo/historiaeconomica/eeb1-2.6.. n. que me parece.unioeste.] verifiquei que era exagerada a notícia que deram a v. P.pdf > Pág. teve conseqüências financeiras profundas na organização nacional monetária. Pg. 11 de outubro de 1876. Anexo 1 18 PRADO. Pg. Tegipió 2 de outubro de 1876 Os habitantes de Tegipió16 Defende o professor o delegado literário [. [. A Economia Política das Reformas Econômicas da Primeira Década Republicana. como ocorreu com o professor de Tejipió. O que é exato é que o referido professor é partidário exaltado e em sua oposição a atualidade política. vez ou outra..435. Encontrado em < http://cacphp. 16 17 387 Historien (Petrolina). ao contrário.425. em razão do oficio. mas. Carlos Delorme. Anexo. Joaquim Manoel de Oliveira e Silva. Afirma Luís Carlos Delorme Prado que “A estrutura financeira do país e a inadequada política monetária do governo imperial não contribuiu para a aceleração do crescimento econômico. Jul/Dez 2013: 381-401.]17 A insatisfação para com o regime monárquico se elevou irremediavelmente após a Guerra do Paraguai. falam os moradores Ilmº e Exmº Sem Presidente da Província É muita audácia do professor de Tegipió Joaquim Manoel d’Oliveira e Silva. Não diferentemente eram os professores públicos em Pernambuco que. apareciam nos Registros sendo acusados de falar mal do governo. não guardou as conveniências a que está obrigado na qualidade de professor público. As despesas nacionais com a guerra. Acesso em 10 de junho de 2013.. Anexo. 19 de outubro de 1876.” 18 IP31.Flávia Bruna Ribeiro da Silva Braga discursos do fim do século XIX. estar constantemente de porta em porta cabaltando contra o governo e faltando de dar aula a seus alunos sem se temer de coisa alguma e queremos saber se esse professor fica impune cometendo semelhante abuso. reforçou as dificuldades criadas pelas restrições ao mercado doméstico e as ineficiência típicas de uma sociedade agrária e escravocrata.sª o professor Joaquim Manoel só deixou de dar aula no dia 2 deste mês. P. entretanto. ou de regiões pobres. 16. Curato da Sé de Olinda 8. muitas vezes. Jaboatão 10. Curato da Sé] – abruptamente pelo Governo Provincial em 1883. pelo então Diretor Geral da Instrução Pública. São essas escolas que contribuíram para a escolarização e profissionalização feminina em crescente demanda – visto que a Escola Normal era insuficiente para a quantidade de professoras necessárias e. 1 libertos São José São Pedro Mártir de Olinda Tejipió Torre – Feminina Travessa do Calabouço [2] – 1 Masculina. . AS ESCOLAS NOTURNAS As escolas noturnas eram. ano 4. 15. São Frei. Estância – Feminina 9. Ao longo da pesquisa foram contabilizadas 81 escolas noturnas que funcionaram em Pernambuco. no período que vai desde 1872 até 1890. não ocorreu de maneira equilibrada. majoritariamente. contabilizamos a criação de 36 escolas noturnas. Boa Vista [3] – 2 masculinas. 14. 20. 1 feminina 4. 9. 1 Feminina 13. Capunga 6. Na região estudada entre Recife e Olinda. inacessível à mulher de baixa renda. 18. 1 libertos São Frei Pedro Gonçalves [2] – 1 masculina. A permanência dessas escolas. 1 Libertos Historien (Petrolina). João Barbalho Uchôa Cavalcanti. 17. 23. 22. Madalena. Afogados 2. assim como para alunos adultos e libertos. é possível agora traçarmos um panorama da educação pública em Pernambuco neste período. Campo Grande 5. 75 eram destinadas aos adultos homens. Conceição de Maranguape 7. destinadas a formação de professores/as. 19. apenas 6 escolas femininas noturnas foram abertas em Pernambuco. chegando mesmo a quase todas serem fechadas – excluindo as 07 principais da Capital [São José. n. Das escolas analisadas.A feminização do magistério em Pernambuco (1872-1890) Tendo o contexto econômico do final do século XIX. Jul/Dez 2013: 381-401. Não é conhecida a causa do fechamento das escolas noturnas a partir da documentação trabalhada. Muitas dessas escolas foram frutos do esforço e da persistência de professores e/ou moradores de localidades. Santo Antônio. Beberibe 3. 21. Monteiro [2] 12. Santo Amaro. visto que esses discentes eram quase sempre trabalhadores no período diurno. Muribeca [2] – 1 Masculina . geralmente distantes do Recife. Paratibe – Feminina Peres Porto da Madeira Santo Amaro das Salinas [2] Santo Antonio [3] – 1 masculina. abaixo relacionadas: 1. Madalena 11. 1 feminina. Boa Vista. ] devendo reverter em benefício de uma Caixa Econômina Escolar que o suplicante deseja fundar. A disputa pelas aulas noturnas muitas vezes chegava ao ponto da barganha e do apelo. assim como também reflete o desejo de professores em contribuirem para a educação de adultos. P. 9. então professor a ser substituido.Flávia Bruna Ribeiro da Silva Braga 24. como vemos nas petições de Benjamin Ernesto Pereira da Silva e João José Rodrigues. visto que em muitas localidades interioranas (como Escada. podiam servir de meio a assegurar posições de destaque em determinadas localidades19..] julgo de toda justiça que seja nomeado o peticionário [Benjamin Ernesto] para reger a referida cadeira não só por que tem cumprido os seus deveres com a maior inteligência. quando vários professores requeriam uma transferência para a mesma localidade. No entanto. ano 4. Venda Grande 26. Várzea 25. dedicação e moralidade. metade da gratificação que lhe concede pelo exercício da referida escola e a outra metade deverá ser aplicada a compra de casa para escolas primárias”20 Ao passo que na petição de Benjamin Ernesto vemos: “[. em 1881. Caxangá 27. sendo este ano por 116 alunos. Além disso o dever do cargo de delegado literário dessa freguesia. a regência da escola noturna era menos prestigiada e além de tudo gratuita. Jul/Dez 2013: 381-401. o que prova a grande 19 Pois professores que acumulavam atividades no magistério tinham mais prestígio diante da Inspetoria em critério de desempate.. tem apresentado grande número de discípulos aprovados com distinção e plenamente. zelo. como também porque é casado e tem a seu cargo numerosa família. 17 DE NOVEMBRO DE 1881. 20 IP37. Por exemplo..518 389 Historien (Petrolina). que tinha tanto escola masculina como feminina gratuitas) e em localidades mais próximas a Recife. n. e sua aula é de todas a mais frequentada. Dos 36 professores que contabilizamos. Encruzilhada As escolas noturnas não gozavam de muita frequencia de alunos. 20 se ofereceram para regerem gratuitamente suas aulas. a cadeira noturna de São Frei Pedro Gonçalves do Recife (Capital) devido a jubilação do professor Antonio Rufino de Andrade Luna. Estes professores requereram. . ter um “curriculo” mais extenso de atividades pesava no deferimento do pedido.. vejamos: “João José Rodrigues oferece-se a serviço gratuitamente na aula noturna que vagou [. que ocupo a longos anos me obriga a dizer que o peticionário no espaço de dez anos que exerce o magistério não tem dado a menor falta nem gozado licença alguma. por sua vez. pois elas serão essenciais para a formação de professoras (que. Esta sociedade. PG. Temos conhecimento das professoras Candida Menezes Drummond da Cunha [Boa Vista. desde 1872. Santo Antonio. As informações sobre a sua existência.221. a Escola Normal da Sociedade Propagadora não era bem vista pela sociedade recifense. já que somente em 1887 – três anos depois . A professora Maria Amância só aparece no IP em 1887. Paratibe. data de 1879.A feminização do magistério em Pernambuco (1872-1890) vocação que tem para o ensino. Estância. . 24 A Sociedade Propagadora da Instrução Pública era uma organização de professores voluntários que visavam a formação de professores e professoras para o magistério público. muitas vezes. só que mediante mensalidade. A professora de Estância é Francelina Forjaz de Lacerda [Gratuitamente] e a de Muribeca é Ernestina Victorina Beranger [Gratuitamente]. tendo sido diferenciada na documentação da “Escola Normal Oficial”. assim como a educação de adultos pobres.ANEXO. não é possível afirmar que ela seria a professora em questão. elas já existiam em Pernambuco. houve duas professoras em Paratibe: Maria Amancia César de Souza [1887] e Henriquieta Amelia de Menezes Lyra [1872]23. Durante a pesquisa. foi exclusiva da Escola Normal). ESCOLAS MISTAS A lei que regulamenta acerca das escolas mistas. P. Entretanto. P. gratuitamente]. A Escola Normal. Quanto as aulas noturnas femininas estas foram em reduzido número [6] Nas localidades: Boa Vista.a cadeira será da professora Maria Amância César de Souza. No entanto. n. infelizmente. 23 É provável que a professora Henriquieta tenha sido a requerente da escola noturna por ter permanecido no dito local por longos anos e também porque o pedido foi feito em 1884. Sua conduta civil como moral se torna digna de todos os elogios”21 Ressalte-se que a cadeira noturna foi dada ao professor João José Rodrigues. como as escolas noturnas femininas criadas pela Sociedade Propagadora da Instrução Pública24. também formava professoras. 11 DE JULHO DE 1881. não teve seu nome registrado na petição encontrada no IP22. que ainda não foi devidamente estudada pelos historiadores. Muribeca e Torre. através dos Relatórios da Instrução Pública. 9. gratuitamente]. ANEXO 1 IP40. 22 Historien (Petrolina). A professora de Paratibe. no entanto. Maria Prisciliana Villela dos Santos [Torre. foi essencial para a educação de pessoas de baixa renda. Amélia Augusta de Moraes Quintal [Santo Antonio]. 3 DE OUTUBRO DE 1884. ano 4. quando já contava com 13 escolas mistas espalhadas pela 21 IP37. só surgem a partir de 1876. É importante ressaltar a criação dessas escolas noturnas femininas. pelo menos.297[FV]. Jul/Dez 2013: 381-401. no Brasil. visto que a transformação de cadeiras de um ou outro sexo acontecia em decorrência de baixa frequência de alunos. .Flávia Bruna Ribeiro da Silva Braga Província. mais fortemente. em comparação de 13 em 1876. 9. propõe a transformação de diversas escolas do interior da Província em mistas. que a grande seca de 1878 devasta grande parte da província. aumentando rapidamente. em meio à crise econômica supracitada. O número de escolas mistas estava. ao que parece. necessariamente. uma tendência administrativa da Inspetoria durante a década de 70 do século XIX e. o Estado já contava com 217 escolas mistas. portanto. João Barbalho Uchôa Cavalcanti. por exemplo. Visto que as mulheres eram as únicas permitidas para regerem escolas mistas e a criação dessas últimas era imperativo para as demandas orçamentárias cada vez mais exigentes. na de 80 do mesmo século como forma de contenção de gastos em localidades mais afastadas às freguesias centrais do Recife e Olinda. um estudo aprofundado das escolas mistas teria que. A prática de recorrer à criação de escolas mistas tomou força com o declinar do Império. Jul/Dez 2013: 381-401. Abaixo o gráfico que ilustra a elevação do número de escolas mistas na Província. se voltar para as localidades do interior da Província. É neste período. ano 4. Em 1890. n. O advento da escola mista foi. final do período pesquisado. Fonte: Códices da Instrução Pública (26-54) localizado no Arquivo Público Jordão Emerenciano. Em 1887 o então Inspetor Geral. e contribuiu para a feminização do magistério. visando à 391 Historien (Petrolina). o magistério feminino alavanca com a precipitação de escolas mistas e a regência de escolas masculinas por mulheres. Dessa forma. ano 4. a instrução masculina parece não se abalar com a criação de escolas mistas. apesar de nem todos receberem vencimentos. o número de professores com vencimentos cresceu. retirados de suas cadeiras para darem lugar a uma professora. acumular tanto a aula masculina quando a faminina da região). pois um casal de irmãos. Outro argumento seria o “aproveitamento” da professora de uma determinada localidade para a regência de uma escola mista recém criada. no ano em questão. e portanto não poderiam ser. dispensando-se. 9. do número de professores – que. visto que muitos professores [homens] eram considerados vitalícios e invioláveis em sua posição no magistério. de imediato. Podemos perceber que a instrução feminina foi a que mais abriu espaço para as escolas mistas que as escolas voltadas para o sexo masculino. . assim como as despesas pela manutenção física da escola -. Fonte: Códices da Instrução Pública (26-54) localizado no Arquivo Público Jordão Emerenciano. ou primos. já sentia a pressão financeira da elevação do número de escolas. (Que iria.A feminização do magistério em Pernambuco (1872-1890) supressão de 95 escolas públicas de um ou outro sexo e o “enxugamento” da despesa da Instrução Pública que. portanto. Abaixo. Em termos comparativos. assim. É possível que a abertura do espaço tipicamente feminino da escola possa ter sido mais socialmente aceitável. uma comparação percentual entre escolas femininas. A medida proposta por João Barbalho não é posta em prática imediatamente. n. poderiam frequentar uma escola mista de maioria feminina sem os entraves da moral da época. o professor da escola masculina e a anexação dessa a escola Historien (Petrolina). masculinas e mistas em Pernambuco no período pesquisado. de alunos e concessões de gratificações. Jul/Dez 2013: 381-401. Por muito tempo eram um pagamento de 5 mil réis. Na verdade. De maneira geral. E a introdução da coeducação nas escolas normais aumentaria o número de mulheres e diminuiria o número de homens matriculados. assim. o único custo do Estado com a educação era o pagamento de aluguéis e os vencimentos dos professores. o futuro caráter da magistratura” (2011. 9. mas não de maneira muito superior ao número de cadeiras femininas. Os custos de contratação de um professor público eram mínimas. por exemplo. observa-se um equilibrio do número de escolas de um e de outro sexo até 1889.Flávia Bruna Ribeiro da Silva Braga da professora local. quando o número de escolas exclusivamente femininas decai com o fim do Império em 1889. mudando. n. 468). Concordamos. . ano 4. com a conclução de June E. Hahner quando afirma que a escola mista criou mais oportunidade para mulheres entrarem no magistério porque se podia confiar a regência das aulas mistas às mulheres. visto que o local a ser utilizado como sala de aula era procurado pela própria professora – só obrigando (mas nem sempre) o Estado a pagar o aluguel (preço fixo para todas as regiões. Jul/Dez 2013: 381-401. e não limitá-las a só lecionar nas escolas para meninas. Acima percebe-se que a instrução pública de cada sexo tendia a uma leve maioria de cadeiras masculinas em relação ao total. Na região estudada 393 Historien (Petrolina). portanto. Fonte: Códices da Instrução Pública (26-54) localizado no Arquivo Público Jordão Emerenciano. no centro do Recife). incapaz de pagar a quantia total de um aluguel. dos professores. as despesas com infraestrutura e as gratificações. . freguesias como Boa Vista e São Frei Pedro Gonçalves. as escolas noturnas e a regência de escolas masculinas parecem ser.. portanto. n. Jul/Dez 2013: 381-401. Juízes. tinham escolas em que a frequência superava 100 alunos (sexo masculino)25. ambas cadeiras que fazem parte hoje da Capital pernambucana. O orçamento. promotores. ano 4. As escolas mistas surgem. donos de engenho. dos alunos e do prestígio social. das cadeiras. sendo a primeira escola masculina regida por mulheres na Província. chega a cair. cresce poucos contos de réis e. Percebe-se que as localidades centrais do Recife e Olinda não tinham muitas escolas mistas. 26 Boa parte dos Delegados Literários – que era um cargo voluntário – era exercido pelas autoridades locais. Historien (Petrolina). A população escolar do Recife cresce na década de 80 do século XIX. Primeiramente. Outros fatores – como a diferença salarial entre sexos (A professora era mais 25 Em 1875 a escola masculina de São Frei Pedro Gonçalves do Recife com freqüência superior a 100 alunos foi confiada a uma mulher. em alguns anos. Segundo. aspectos fundamentais para entender o processo de feminização do magistério que ocorre no final do século XIX em Pernambuco. O que se pode perceber é que as localidades centrais do Recife de Olinda detinham grande parte do orçamento. Junto cresce a quantidade de professores. como uma alternativa para o momento financeiro na Província.A feminização do magistério em Pernambuco (1872-1890) encontramos 22 escolas mistas em comparação com as 217 totais encontradas no Estado em 1890. então. efeitos de um governo que se adapta aos tempos de crise. as escolas mistas não tinham prestigio social nesta época e foram criadas em localidades onde a sua existência se tornou o único caminho para a continuação do ensino público. entretanto. assim o definhamento generalizado do ensino no restante da Província.. 9. evitando-se. porque os professores dessas regiões gozavam de um prestígio de antiguidade em suas cadeiras que os tornavam praticamente invioláveis. inicialmente. FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO As escolas mistas. Nesse cenário o magistério feminino perspectiva e as autoridades locais dos delegados literários26 (no fim do Império eram mais autônomos em relação à Capital) – majoritariamente no Interior – aprofundam os conflitos entre a instrução pública e a população. o que levava a Inspetoria a deter sua atenção na maior parte das vezes para essas localidades que para o Interior. Terceiro. menos passíveis de serem substituídos por uma professora ou terem suas cadeiras transformadas em mistas. Jul/Dez 2013: 381-401. Abaixo um gráfico comparativo do número de professores de ambos os sexos. O que encontramos no período pesquisado. um aumento sobre o número de professores existentes então. 9. Na verdade o que existe ao longo da pesquisa é um equilíbrio no número de professores e professoras pela Província de Pernambuco e. entretanto. ano 4. no final do Império e primeiros anos da República.Flávia Bruna Ribeiro da Silva Braga barata) e a crise financeira do fim do Império – tenham. também. É a partir de 1887 – constata-se que no mesmo período da elevação do número de escolas mistas – que o número de professoras no magistério público supera o número de professores. Fonte: Códices da Instrução Pública (26-54) localizado no Arquivo Público Jordão Emerenciano. Em termos comparativos evidenciamos: 395 Historien (Petrolina). contribuído para esse processo. n. não é uma transformação que vai da supremacia masculina para a supremacia feminina no magistério. . n.5 27 Historien (Petrolina). “Mulheres em sala de aula”: um estudo acerca da feminização do magistério primário na Corte (1879-1885). Ver mais em UEKANE. 28 IP29. quer por que se abrem assim as nossas patrícias uma brilhante carreira em que se poderão empregar com grande vantagem para si e para a província. 9. ano 4. mais proveito e adiantamento”. está isto conhecido. João Barbalho Uchôa Cavalcanti lançava a primeira medida para a expansão das mulheres no magistério público quando envia ao Presidente da Província esta petição: São hoje geralmente conhecidas as vantagens do ensino de alunos do sexo masculino confiado à professoras. A regência de escolas masculinas por professoras também foi um fator no processo de feminização do magistério. juntaram aos argumentos econômicos a favor das escolas mistas o da sua contribuição para “a amenidade dos costumes”. mais assiduidade.A feminização do magistério em Pernambuco (1872-1890) Fonte: Códices da Instrução Pública (26-54) localizado no Arquivo Público Jordão Emerenciano. onde se pretendeu criar num estabelecimento “para os dois sexos um curso normal comum e simultâneo”. Sendo este um exemplo digno de imitação. P. Em 31 de janeiro de 187427.. 28 Sobre a atuação de João Barbalho Uchôa Cavalcanti. o segredo de bem dirigi-las e empenha-las no estudo. inspetor Geral da Instrução Pública de Pernambuco na década de 1870. tudo tem feito proclamar-se a mulher como sendo a mais competente para o magistério primário. tenho a honra de propor a V. [. pelos incalculáveis benefícios que deixa a esperar.Exª caberá a gloria de ter assim admitido um melhoramento de grandíssimo alcance e de ter prestado um assinado serviço a pública instrução. destaca Hahner: “Alguns educadores. a simpatia que inspiram a estas. e convindo ao mesmo tempo preparar neste sentido a reforma que se vai fazer no ensino publico.] Iniciando nesta província o ensino dos meninos por professoras. a V.br/reunioes/30ra/posteres/GT02-3332--Int.org. . o dom de facilmente transmitir-lhes as noções e conhecimentos de que dispõem. a rivalidade entre os dois sexos resultaria em “mais aplicação. Jul/Dez 2013: 381-401. melhores lições. A vocação das mulheres para a educação das crianças. 31 de janeiro de 1874. Na Europa e na America. como João Barbalho Uchôa Cavalcanti. Marina Natsume.pdf > Acesso em 10 de junho de 2013.anped. Proclamaram que “reunir os alunos de ambos os sexos para ministrar-lhes em comum ensino é uma das providências mais vantajosas que se podem adotar na instrução pública”.. E entre nós as províncias de Minas e Ceará já têm escolas de meninos dirigidas por mestras. tornando-o agradável e ameno.Exª se digne de nomear senhoras para reger provisoriamente as cadeiras primarias do sexo masculino que vagarem ou cujos professores obterem licença. que com relação ao aproveitamento dos alunos. Cavalcanti não só queria Na Corte a liberação do magistério feminino para turmas masculinas só ocorre em 1879. Encontrado em: < http://www. seguramente.. maiores eram as possibilidades de aumentar o número de mulheres no magistério” (2011 : 469) A primeira professora indicada para reger uma escola masculina é Flora da Silva Antunes para a 4ª cadeira de Santo Antonio. na mesma localidade. mas achava que “as aulas mistas [.. com aulas extras de música. canto e francês Pede cadeira feminina da Boa Vista Francelina Forjaz de Lacerda 1875 Estância. .” Assim. Maria Cândida Figueiredo Santos. Não se sabem os motivos que levavam essas mulheres a rejeitarem as escolas. Listamos. que inicia.Flávia Bruna Ribeiro da Silva Braga dar a preferência da regência das escolas primárias às senhoras. 15 escolas masculinas que tiveram regência feminina. 5ª São José 3ª São José Paratibe Ponte dos Carvalhos 1ª São Gonçalves 1ª São Gonçalves 1ª Santo Salinas 2ª São Frei Frei Amaro Frei Pedro Pedro das Pedro Pede cadeira feminina de São José Pede cadeira feminina de São José Pede para ser transferida para a cadeira feminina da mesma localidade Posteriormente transformada em mista Pede para ser transferida para a cadeira feminina da mesma localidade 397 Historien (Petrolina). Pede cadeira feminina da Boa Vista Também rege escola noturna para meninas e adultas. a regência de escolas masculinas por mulheres na Província de Pernambuco em 1875. essas professoras não permaneciam muito tempo em cadeiras masculinas. requerendo transferência para cadeiras femininas. No entanto. 9. foram criadas aulas mistas com mais crianças para as professoras ensinarem.] a elas devem ser confiadas exclusivamente. as quais tratariam como mães as crianças. A professora negou a indicação (por motivo desconhecido) e então é nomeada uma 2ª professora. Jul/Dez 2013: 381-401. ano 4. Nome Maria Candida Figueiredo Santos Data 1875 Cadeiras Masculinas 4ª Santo Antônio Obs. n. 6ª Boa Vista Thereza Alexandrina de Barros Melo Leobina de Barros Cavalcanti Lins Cosma Elvira de Araújo Anna Bezerra Cavalcanti da Silva Costa Isabel Francisca de Quental Emília Alexandrina de Albuquerque Pereira Leovigilda da Silva Cordeiro Maria Amancia César de Souza [Sem Nome] Amália Maria Vieira de Barros Henedina Floresta dos Santos Cordeiro Thereza Porfíria de Jesus e Silva Francisca Seráfico de Assis Carvalho 1875 1878 1879 1881 1882 1884 1884 1884 1885 1885 1888 1889 1890 Rua Marcílio Dias 4ª Santo Antônio Coelhos 2ª Passagem da Madalena Poço da Panela 2ª Afogados. ]30 (grifo nosso) Apesar do salário. as despesas com o aluguel da casa e mobília para a escola.. Além da escola mista que já foi apontada acima e também das escolas masculinas regidas por mulheres. . muitas vezes. se oferece a reger a cadeira de ensino misto cuja criação reclamam os habitantes do lugar Sant’Anna. 28 de outubro de 1878.. pois.] Dá-se em todo caso um benefício à localidade e uma economia para a província que fica com uma escola relativamente barata. que pode ser aceita o oferecimento. 9. na petição que junto devolvo. Jul/Dez 2013: 381-401. Também foram encontrados pedidos de professoras para regerem escolas masculinas. P. Penso. ser inferior para a mulher professora. (HAHNER. 2011: 468). dando base à argumentação supracitada que a escola mista “era aceita apenas por uma questão econômica.386 [fv] Historien (Petrolina). particularmente em cidades onde o ensino separado entre os 29 30 Códices da Instrução Pública (26-54) localizado no Arquivo Público Jordão Emerenciano.A feminização do magistério em Pernambuco (1872-1890) Gonçalves Fonte: Códices da Instrução Pública (26-54) localizado no Arquivo Público Jordão Emerenciano.. correndo por conta da mesma. possibilidades de independência financeira. no sentido de sua petição. como foi o caso de Francisca Seráfico de Assis Carvalho pela cadeira de Santana: A professora Francisca Seráfico de Assis Carvalho. mas não se sabe se a concessão foi dada29. A feminização do magistério também tem outros influenciadores. com as garantias que forem necessárias[. assinando a professora termo. Afirma também o autor. também encontramos referências em que as professoras barganhavam cadeiras de maneira a conseguirem aprovar suas petições.. [. ano 4. n. São elas: Maria Cintra Lima Waldetrudes Primitiva da Fonseca Teles Maria Paulina Alves dos Santos Henriqueta Amélia de Menezes Lyra Maria do Rosário Pinheiro 1890 1879 1879 1882 1887 Porto da Madeira Beco do Espinheiro Beco do Espinheiro São José ou Afogados 2ª Santo Amaro das Salinas Fonte: Códices da Instrução Pública (26-54) localizado no Arquivo Público Jordão Emerenciano. para muitas mulheres de renda baixa. a profissão trazia. de Jaboatão. perante o Tesouro Provincial. . Os professores públicos não foram apenas uma maneira de olhar a história do ensino em Pernambuco.Flávia Bruna Ribeiro da Silva Braga sexos demonstrava que os custos eram muito elevados” (2011. foi se delineando em torno das questões apresentadas. e mais barato. 9. pois afirma o Secretário do Interior em 1906 disse que “a professora com mais docilidade sujeita-se aos reduzidos vencimentos com que o Estado pode remunerar o seu professorado” (Apud FILHO. quanto nas particularidades inerentes a todo grande tema. Em Minas Gerais não parece ser diferente. Para isso participaram as sucessivas secas ao longo da segunda 399 Historien (Petrolina). não determinou. A feminização do magistério foi um tema que surgiu da vida desses professores e que. portanto. A documentação trabalhada. n. CONCLUSÃO O tema em questão é ainda pouco estudado em Pernambuco. mas também uma classe social que permitiu olhar o passado imperial com lentes diferentes. a contribuição das escolas mistas. A situação econômica porque passava a Província no fim do Império. mas certamente influenciou a presença feminina no magistério e o surgimento das escolas mistas em Pernambuco. mas também com os grandes salões do Ginásio Pernambucano e da Escola Normal. MACEDO : pág. muitas vezes sem lado definido. ano 4. Jul/Dez 2013: 381-401. tanto no sentido geral. mas também participam da vida social da sua região e da sua Província. ainda que pouca se comparado com o montante existente. temos. E continua a ressaltar o caráter econômico ao dizer que “a maternidade espiritual serviu como uma justificativa para empregar mais. São atores sociais que conviveram com a pobreza da população. 471). O processamento dos dados nos mostrou um cenário complexo. 469). Caminhos estes muitas vezes favoráveis à situação dos cofres públicos em Pernambuco no fim do Império. onde os professores públicos não apenas lecionam. A pesquisa que aqui apresentei é apenas um esboço para estudos futuros no campo da História da Educação em Pernambuco e muita documentação precisa ser trabalhada. ao longo da pesquisa. nos deu grande base para as afirmações acima. das escolas masculinas e do esforço de certas professoras por regências de escolas. 6) Para a construção do entendimento da feminização do magistério. professoras” (2011. I. em grande medida. Miriam. – Concluímos. Não diferente. Bauru. Jul/Dez 2013: 381-401. ao que tudo indica. João Barbalho Uchoa Cavalcanti. A. obrigou ao Secretário de Instrução Pública. Educação. Socialização: construção das identidades sociais e profissionais. da. visando a redução de custos e a não-extinção de aulas públicas em localidades distantes da Capital. . poder e sociedade no império brasileiro. deixando muitas localidades do interior reféns de mandatários locais e da solidariedade entre os habitantes para continuar sobrevivendo durante esse período. foi. aliado a um público discente crescente. afirmando que a feminização do magistério em Pernambuco foi. São Paulo: Cortez. Campinas : Papirus. ano 4. a tomar medidas de ajuste e redirecionamento das verbas. as epidemias intermitentes. aglutinação das cadeiras masculinas e femininas de localidades interioranas em torno de uma aula mista. Desmistificando a profissionalização do magistério. M. Portugal: Porto. 1999. BIBLIOGRAFIA ARÓSTEGUI. todos esses aspectos influenciaram. Julio.A feminização do magistério em Pernambuco (1872-1890) metade do século XIX. GONDRA. 2008. a educação pública em Pernambuco sofreu das exigências financeiras a que foram submetidos os cofres públicos. paulatinamente. CUNHA. uma conseqüência das ações alternativas sobre a educação. SP: Edusc. 1997. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do século XIX. 2006. A pesquisa histórica: teoria e método. C. portanto. Alessandra. 2005. ministrada por uma mulher. 9. empreendidas no sentido de “enxugar” o “excesso” de cadeiras públicas localizadas nas regiões distantes da Capital. DOLHNIKOFF. A alternativa feminina para o magistério público foi uma dessas medidas. Historien (Petrolina). n. a um redirecionamento das contas públicas da Província para as necessidades da Capital. Cortes no orçamento. José & SCHUELER. uma conseqüência de urgência nos anos derradeiros do Império – vimos que a equivalência entre o número de professores masculinos e femininos se manteve constante ao longo do período estudado. só tendo uma maioria feminina no penúltimo ano do Império. as dívidas externas da Província. São Paulo: Globo. DUBAR. Keila & SALES. Marina Natsume.anped. maio-agosto/2011. 1995. leituras e representações. June E. Encontrado em < http://cacphp. n. MELLO. ANDRADE.br/reunioes/30ra/posteres/GT02-3332--Int. .pdf > Pág. PRADO. escolas normais: a coeducação e a feminização do magistério no século XIX. GRIMBERG. Evaldo Cabral de. Urbano. 2008. 401 Historien (Petrolina). Escolas mistas. 1984.unioeste. Revista de estudos feministas : Florianópolis. SILVA. “Mulheres em sala de aula”: um estudo acerca da feminização do magistério primário na Corte (1879-1885). Jul/Dez 2013: 381-401. HOBSBAWM. Encontrado em : < http://www. PURIFICAÇÃO.org. Maria Tereza Chaves de. 2007. 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Acesso em 10 de junho de 2013.pdf > Acesso em 10 de junho de 2013. ano 4. 2010.br/cursos/toledo/historiaeconomica/eeb1-2. Rio de Janeiro : Editora FGV : Editora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Ricardo. CNPq. Comissão de Eventos Históricos. 2007. O Norte Agrário e o Império. 1889-1930. Marise da S. UEKANE. em fins do século XVIII e primeira metade do século XIX. Rio de Janeiro : Nova Fronteira. 9.com. As principais fontes utilizadas foram os jornais.A RELAÇÃO ENTRE A IMPRENSA SOTEROPOLITANA COM O GOLPE DE 1889: UMA ANÁLISE DOS DISCURSOS JORNALÍSTOS SOBRE A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA1 Matheus Berlink Fonseca2 Resumo: Este trabalho analisa os discursos jornalísticos utilizados pelos jornais que circulavam da cidade de Salvador durante a primeira quinzena após a Proclamação da República do Brasil. Orientadora: Claudia Moraes Trindade. n. The method utilized was the speech and dialogue analysis with the research literature on the topic of the Proclamation of the Republic as the works of José Murilo de Carvalho for Rio de Janeiro and Wlamyra Albuquerque for Bahia. Palavras-chave: República. ano 4. o que influenciou na difusão dos acontecimentos do novo sistema de governo na imprensa soteropolitana. Salvador. . Email: mberlink@gmail. 2 Historien (Petrolina). Aprovado em 17/11/2013. Trying to understand the political positioning of these newspapers by their political orientations. Buscando compreender o posicionamento político destes jornais a partir das suas orientações políticas. Imprensa. The research revealed that local 1 Recebido em 02/10/2013. A metodologia utilizada foi a análise do discurso e o diálogo com a bibliografia específica sobre o tema da Proclamação da República como as obras de José Murilo de Carvalho para o Rio de Janeiro e Wlamyra Albuquerque para a Bahia. A pesquisa revelou que o discurso local foi tendencioso para o republicanismo. Abstract: This paper analyzes the journalistic speech used by newspapers of Salvador city during the first fortnight after the Proclamation of the Republic of Brazil. Jornais. Jul/Dez 2013: 402-415. The main sources used were the newspapers. Graduando em História pelo Centro Universitário Jorge Amado (UNIJORGE). além dos inquéritos policiais e textos de Olavo de Carvalho. in addition to police investigations and texts from Olavo de Carvalho. Golpe. Salvador. E um dos 403 Historien (Petrolina). cujo primeiro número circulou em 2 de julho de 1889 ( Dias Tavares. ano 4. p. a realidade de repúblicas em crise. a instauração da República significou um passo inevitável para a evolução do Brasil. tais como a Guerra do Paraguai (1864– 1870). em sua maioria. . para o povo. Porém. Para os republicanos. Keywords: Republic. onde podemos destacar alguns fatos. levando em consideração que o processo de Proclamação foi. a criação do Clube Federal Republicano de 1888 e a Abolição da Escravidão em 13 de maio de 1888(Carvalho. enquanto que para os monarquistas. Jul/Dez 2013: 402-415. Media. é derivado da continuação de um longo processo político e social decorrente dos tempos do Império. No entanto. o qual trouxe a Proclamação da República para o Brasil. ainda assim. n. onde muitos não tinham uma ideia real do que seria a República. feito por militares e. como diz Aristides Lobo. Segundo o autor Tobias Monteiro. nos momentos iniciais da república. tais como: A criação do Clube Republicano Baiano em 1878 e a publicação do jornal A República Federal. jornalista carioca: o povo assistiu “Bestializado” todo o processo da Proclamação da República sem entender direito o que se passava. para o caso específico da Bahia. houve uma tentativa de construir a versão oficial do ocorrido pelos olhares dos vencedores. 2010). por uma parcela deles. 9. o triste fim de um período de glórias e a inserção do Brasil na mesma realidade de seus vizinhos latino-americanos. Newspaper INTRODUÇÃO O golpe de 1889. tentava-se ao máximo glorificar as ações dos atores principais e reduzir ao máximo os fatos que derivavam do acaso (1989. teve um significado diferente. Coup. 26-33). pode-se ainda incluir os seguintes fatos como contribuintes para Proclamação da República na Província.Matheus Berlink Fonseca speech was biased towards republicanism which influenced the broadcasting of events of the new system of government in soteropolitana press. a divulgação do Manifesto Republicano de 1870. 2008). ou seja. Provincia da Bahia não adhere movimento ilegal e tumultuário. a Proclamação foi muito mais aclamada pelos militares. o então presidente da província da Bahia Almeida Couto. imposto pela força. Presidente. como pode ser visto em telegrama escrito pelo Presidente da Câmara Municipal. ano 4. E. como uma força extra oficial. em 16 de novembro de 1889. ao que parece aceito pelo terror. junto ao Marechal Hermes da Fonseca. sob o nome de Governo Provisório. Na manhã do dia 16 de novembro. instrumentos utilizados para oficializar e legitimar esse novo período da história nacional com toda certeza foi a imprensa.. Jul/Dez 2013: 402-415. por estarem no epicentro da República. e. se estabeleceu na Côrte. A Bahia teve uma ação diferenciada no ato da Proclamação em relação às outras Províncias. cientes de toda a situação. do quadro político de maneira geral. em um segundo momento.A relação entre a imprensa soteropolitana. no Quartel de São Pedro e no dia posterior no Palácio da Aclamação do que de fato proclamada – com exceção do movimento republicano que constava de sua maior parte por estudantes e professores da Faculdade Baiana de Medicina. neste caso mais específico os jornais que circulavam na época. entre outros civis. 16 de novembro de 1889. 1939. A primeira reação da Província da Bahia foi a defesa da Monarquia. 475) Mediante esse quadro de instabilidade política na Província baiana que se instalava com a chegada das notícias do novo regime. porém de longo alcance. comandante de armas da província. de difusão do novo regime. este artigo visa analisar os Historien (Petrolina). enviado aos jornais do Rio: “A camara Municipal da Bahia protesta contra a ditadura militar que..” (BARROS. Segundo Renato Lessa (1997). Diferentemente. em especial àde São Paulo e Rio de Janeiro que. Pede que communique todas folhas – Augusto Guimarães. . n. e afirma sua completa adhesão ás instituições e ao Imperador”. declararam suas disposições de obediência às leis do Império e ao Imperador. na Bahia. logo os jornais serviram em primeira instância para situar a população do que estava acontecendo. seja com opiniões favoráveis ou contrárias. 9. “Bahia. não tinham outra opção se não a aceitação imediata do novo regime. “O Brasil acordou após o 15 de novembro sem ter a resposta institucional a respeito de si mesmo’’. p. mesmo queesse ainda não estivesse totalmente definido. a partir do 15 de novembro de 1889 (data da Proclamação da República) até o dia 30 de novembro do mesmo ano. ainda existiu também. Jul/Dez 2013: 402-415. entre eles. . a possibilidade do novo regime trouxe muitas inspirações à expectativa da sociedade baiana. membros da elite intelectual. trouxe consigo uma expectativa inicial muito grande de maior participação popular de diversos setores da sociedade. pois esses discursos. professores e pessoas ligadas à Faculdade de Medicina da Bahia. a formação do I Congresso Republicano da Bahia em junho de 405 Historien (Petrolina). 9. Terá sua análise baseada nas matérias que circularam nesses primeiros quinze dias de instauração do novo governo nos periódicos publicados na época. Vale lembrar que. formado em sua maior parte por estudantes. Além disso. em especial na capital Salvador. este trabalho visa compreender os quinze primeiros dias da implantação do regime republicano. além de toda massa da população. em especial na capital. A IMPRENSA SOTEROPOLITANA COMO PALCO DE BATALHA A República. no século XIX e como esse marco histórico foi compreendido e transcrito pela imprensa soteropolitana da época. instaurada através do golpe republicano de 15 de novembro de 1889. Na Província da Bahia. assim como no resto do país. as massas eram os que mais sofriam com os impactos do antigo regime monárquico . Prova disso foi os diferentes grupos republicanos que foram criados momentos antes do Golpe da República. para isso. n. ano 4. serão utilizados em grande parte para legitimar o golpe do 15 de novembro de 1889 e. irá ajudar a construir a história destes que se dizem vitoriosos por parte do novo governo republicano.Matheus Berlink Fonseca primeiros momentos do governo republicano na Bahia. em especial os jornais. de certo modo. Entre estes estavam grupos operários. os almanaques e os discursos propagados pelos jornais da época. ou seja. Estes já explanavam para a população soteropolitana os benefícios que a democracia republicana poderia trazer. composto na cidade de Salvador. São Salvador. militares.fossem eles positivos ou negativos. anarquistas. podem-se citar em Salvador alguns jornais de cunho republicano e. tendo maior notoriedade o grupo republicano de 1878. De certo modo. além de mostrarem o que estava acontecendo. ano 4. Ed. quando se percebe o aumento gradual da publicação de periódicos e das tipografias existentes na capital baiana. como analisa Kátia Mattoso (1902. quase nenhum meio lhe restava de fazer ouvir sua voz. Por que limitados? Eram diversas as limitações que existiam durante o século XIX. p. Esse quadro começou a mudar somente no final do século XIX. Salvador: Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.300). professor da Escola Baiana de Medicina e um dos dirigentes e redator do jornal A República Federal que. surgiram 287 jornais na década de 80 do século XIX na Bahia em detrimento dos 180 jornais que surgiram na década de 70 no mesmo século.3 quase um aumento de 50% na produção de jornais. 2008. folhetins e revistas. jornais. Primeiro. n.207). Anais da imprensa da Bahia. o grosso da sociedade brasileira – incluindo a população baiana –. 3CARVALHO. o fato de que somente um terço da população soteropolitana era alfabetizada. 2007. Geralmente havia pouco espaço para a literatura e notícias locais acabando por afastar boa parte da população da leitura desses periódicos. João Nepomuceno. pág. tinha um número considerável de periódicos em circulação durante a segunda metade do século XIX. TORRES.. p. Em linhas gerais. apesar de possuir um alto índice de analfabetismo. Segundo o historiador José Murilo de Carvalho (1987. tanto para a constituição de um jornal ou periódico. 2. Jul/Dez 2013: 402-415. Pág. no entanto. ao analisar essa situação vimos que a capital baiana. mais tarde. na década de 1880 houve o aparecimento de 287 periódicos4 na província da Bahia. fossem eles monarquistas. que entre seus dirigentes estava o médico Virgílio Damásio.A relação entre a imprensa soteropolitana. João Nepomuceno. Anais da imprensa da Bahia. a maior parte deles na cidade de Salvador. tomaria posse no dia 18 de novembro de 1889 como primeiro governador republicano do recém-criado Estado da Bahia (DIAS TAVARES. exceto o veículo limitado da imprensa. republicanos ou de qualquer outro segmento político. quanto para sua circulação e compreensão. Alfredo de. ainda assim é um número muito expressivo.37). 1889. envolvendo diários. Ed.. Para ter uma noção. 9. Historien (Petrolina). a maioria dos jornais era fundada e mantida por partidos políticos. 2007. Embora boa parte deles não durasse mais que três ou quatro anos. Salvador: Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. TORRES. . 2. Alfredo de. Outro motivo que afastava a população da leitura desses periódicos era. 268 4CARVALHO. existia uma crescente mídia republicanista na Bahia. Porém. Curralinho (atual Castro Alves). 407 Historien (Petrolina). o encarregado. maior número e maior visibilidade. quando os primeiros jornais baianos de cunho republicano surgiram. ano 4. não se pode dizer o mesmo da elite intelectual e politica baiana que se utilizava da mídia como um verdadeiro campo de batalhas entre monarquistas e republicanos. 299)”. Augusto Guimarães.5 Se. pode-se citar O Horizonte (1872). O principal representante dessa vertente era O Diário de Noticias que circulava na capital baiana. conservadores e liberais. assim como dos militares e simpatizantes civis na capital. 9. n. foi na capital Salvador que esses jornais ganharam corpo. Santo Amaro da Purificação e Feira de Santana.Matheus Berlink Fonseca fato que contraria a ideia de uma sociedade em sua maior parte analfabeta e teoricamente desinteressada por tudo que essa mídia poderia trazer. Destes jornais republicanos na capital. 1865-1890 (TRINDADE. Foi esse jornal. no dia 17 de novembro de 1889. de caráter essencialmente conservador. Esse campo de batalha já vinha sendo montado desde a década de 1870. de informar a toda população soteropolitana sobre o manifesto elaborado pelo presidente da Câmara dos Deputados da Bahia. . existiam empecilhos que dificultassem o acesso da população comum aos jornais. 2008. 2012). 5 TAVARES. História da Bahia. de modo geral. em defesa da Monarquia e “contra a ditadura violenta que esse sistema oriundo de surpresa e traição trazia’’ (DIAS TAVARES. Cachoeira. 2008. Salvador. Este último serviu de referência para a construção da identidade republicana de boa parte da população. 11. No entanto. A Republica Federal. já que existia o ato de leituras públicas na cidade e até mesmo nas prisões. que teve sua primeira edição em 2 de julho de 1889 no ano do Golpe Republicano. a exemplo da Sentinela da liberdade na Cidade de Cachoeira em 1870 e O Popular na cidade de Santo Amaro da Purificação em 1872. como fica evidenciado no trabalho Ser Preso na Bahia. existiam também os jornais de tendência conservadora e monárquica. Edufba. Se. Ed. A Tribuna (1876 – 1878) e talvez o mais importante deles. além de ter servido como espécie de modelo para a criação de grupos republicanos no interior da província a exemplo das cidades de Orobó (atual Ruy Barbosa). um por um lado. Luís Henrique Dias. Jul/Dez 2013: 402-415. noticioso. E durante os momentos iniciais da República se conteve somente a passar notícias que estavam por ocorrer naquele momento confuso de transição de Monarquia para República em uma província que até o momento se mantinha fiel ao Imperador D. n. Publicação Diária * Duração 1879 -1911 Orientação Neutra em partidos políticos. Gazeta da Tarde O Encouraçado A Lanterna Diária 1880-1889 1881..A relação entre a imprensa soteropolitana. esse manifesto nunca chegou a ser lançado. Lourenço de Castro. Pedro II. pois o presidente da Câmara Augusto Guimarães não conseguira o número de assinaturas suficientes para esse ato. chistoso. é necessário fazer um quadro comparativo entre diferentes periódicos que existiam na capital baiana durante o mês de novembro de 1889. que por motivos do momento foram os que mais agiram no palco principal da batalha. Além desses dois lados. Proprietário Propriedade de Associação. Abolicionista Crítico Literário e independente. religiosas ou até mesmo apartidárias. . Dentro desse grupo destaca-se o Jornal de Noticias da Bahia que adotava uma postura neutra em relação à política. Nome: Jornal de Notícias da Bahia. Evangélico Crítico.. ’Órgão’’ do povo’’. noticioso e literário. 9. Jul/Dez 2013: 402-415. ‘’jornal para todos’’. crítico e satyrico. porém com um relevante movimento republicano. Para isto analisaremos a tabela I.1889 1882-1911 Pamphilo da Santa Cruz O Corsário Bissemanal 1884-1898 Januário Raymundo Martins Echo da Verdade O Alabama Mensal Bissemanal 1886-1895 1887-1891 Sob a proteção da Polícia Historien (Petrolina). existiam diversos outros periódicos que possuíam distintas orientações políticas. ano 4. Tabela I Periódicos existentes em novembro de 1889 na cidade de Salvador. Para entendermos melhor o contexto em que englobava diferentes reações à República na mídia soteropolitana. Alfredo de. Propaganda republica Moralizado Salustiano Pedro Órgão do Clube Federativo da Bahia Tenente Gouveia O Diabo Monitor Caixeral A Justiça A Verdade Diário do Comércio O Grito Nacional Leituras religiosas Publicação semanal Mensal 1888-1889 1888-1889 1888-1896 1888 – 1893 1889/1892 1889 1889-1911 Religiosa Baptista Neutro em politica Político Religioso Associação Francisco Pires de Carvalho Conego Clarindo de Souza.1958 1879-1890 * Pela tarde. literário e chistoso. ** Os espaços em brancos devem-se a não terem sido encontrados dados sobre o periódico. 2007. 409 Historien (Petrolina). Diário da Bahia Gazeta da Bahia 1833. com exceção dos domingos e dias de guarda (feriados. FONTE: CARVALHO.Matheus Berlink Fonseca O Monitor Catholico 1887-1895 Católico Órgão oficial da Diocese da Bahia. O Domingo O Neto do Diabo A República Federal Três vezes por semana Semanal 1888 -1892 1888-1889 1888-1890 Literário Crítico. 2ª ed. ano 4. João Nepomuceno. 9. Júlio Pimental José Bonifácio Doutor Salustio Associação Aristides Ricardo de Sant’ ana O Derby A Cruzada O Cruzeiro Repórter Jornal do Povo Semanal 1889 1889 1889 1889 1889-1890 Turfista Literária e chistosa Político Interesse do povo Noticioso e literário Republicano A Voz da Pátria Pequeno Jornal Diária 1889 1889-1892 Doutor Aristides Cesar Spinola Zama Conservador Conservador Orgão do partido conservador. . n. Anais da imprensa da Bahia. TORRES. *** Os dados foram retirados dos Anais da Imprensa Baiana. em grande maioria religiosos). Salvador: Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Jul/Dez 2013: 402-415. monárquica e republicana – o que sugere um equilíbrio entre as forças. n. Fernando. que tinha aproximadamente quarenta periódicos em circulação. Rio de Janeiro. entre seus proprietários. possuía somente três jornais em circulação. Mas voltemos ao ponto central de nossa discussão: existiam no mês de novembro de 1889 cerca de vinte e sete periódicos circulando na capital. Em: <http://historiasevariaveis.com. levando-se também em consideração que Salvador era a segunda cidade mais importante do Império Brasileiro . Se em Minas Gerais. havia também significativa disputa política entre os periódicos. pode se ver que Salvador estava muito a frente da maioria das capitais de províncias existentes no Brasil a nível de produção midiática. 9.. É notícia! A proclamação na república (15/11/1889) nos jornais de Ouro Preto. Catálogo de jornais e revistas do Rio de Janeiro 18081889. cada um seguindo uma orientação política distinta – neutra..br/2011/08/e-noticia-proclamacao-darepublica. vol. estando muito próxima da produção existente na capital do Império. Em Salvador havia quatro periódicos de orientação republicana. ano 4. capital da Província de Minas Gerais.A relação entre a imprensa soteropolitana. Anais da Biblioteca Nacional. .6 Nessa comparação. sendo estes: A gazeta da tarde.85. A Província de Minas de caráter monárquico e por fim o jornal Movimento que fazia parte do movimento republicano de Minas Gerais. sendo eles: O jornal União de caráter imparcial. Afim de sabermos um pouco sobre o momento em que a produção midiática se encontrava na cidade do São Salvador. que apesar de sua primeira instância ser de orientação religiosa. basta ter em mente que naquele momento em Novembro de 1889. 6 Historien (Petrolina). Jul/Dez 2013: 402-415.blogspot. 7 Ainda sobre essa comparação entre as províncias e analisando a tabela I. havia somente três periódicos. O diabo e a Voz da Pátria . a cidade de Ouro Preto. 7Plinio Doyle. São vinte e sete periódicos contra os três existentes na capital mineira em novembro de 1889. havia os conservadores e os monárquicos: O Monitor Catholico. Uma das características dos periódicos oitocentistas era o tempo curto de sua existência. Rio de Janeiro. Salvador de fato se comparava às grandes Províncias quando se tratava de produção midiática. por ser Ribeiro. um número realmente expressivo e significante. conforme indicado na Tabela 1.html> Acesso em 24 de março de 2013. por exemplo. ou melhor. A República Federal.no que diz respeito a economia. não podemos dizer o mesmo da capital baiana. Seguidos dos periódicos republicanos. 1965. alguns não iam além da primeira edição. A Cruzada. Um bom exemplo é o Jornal O Alabama. O Domingo. Jul/Dez 2013: 402-415. Alfredo de. Além desses. Dentro dessa categoria existia também o Jornal de Noticias de Bahia. como contos e histórias. e o Monitor Caixeral que tratava de alguns trabalhadores que atuavam nas mais diversas casas comercias da cidade. Por fim. e o periódico Batista. n. Ed. em novembro de 1889. Diário da Bahia e a Gazeta da Bahia. João Nepomuceno. Com esse quadro geral pode-se analisar que a tensão existente entre os republicanos e monarquistas na Província da Bahia. sendo esse o tipo de jornal em maioria naquele momento. muitas vezes relacionados à mentalidade escravocrata da época. O Neto do Diabo. ano 4. tinha ligações profundas com a instituição da Monarquia. ou assuntos chistosos. E esses jornais muitas vezes deixavam a política em segundo plano e tratavam mais de assuntos literários. existiam os periódicos de orientação religiosa e não católico. TORRES.Matheus Berlink Fonseca católico e principalmente por ser da Arquidiocese da Bahia. que tratava de assuntos relacionados às casas de apostas de Salvador. O Corsário. 2007. Alguns jornais com temas bastante específicos como o Derby. possuindo a diversidade e quantidade de periódicos. havia aqueles que se reivindicavam neutros em disputas políticas e a favor da população. Jornal do Povo8. o Repórter. principalmente apostas de corrida de cavalos.já era fomentada momentos antes ao ato da Proclamação e que essa tensão foi alimentada muito em parte pela mídia local existente que. 9. 2. A Lanterna. que fora o jornal de maior circulação na cidade de Salvador e que por causa disso receberá devida atenção ao longo do texto. . podemos citar os seguintes: O encouraçado. levou a um clima mais acirrado de ideologias a CARVALHO. fazendo com que diferentes posições políticas coexistissem na mesma redação – fato que pode ser analisado no Jornal de Notícias da Bahia. o Diário do Comércio voltado para economia local e regional. que possuía entre seus redatores militares e membros da elite intelectual. Lembrando que existiam alguns jornais que escapavam de uma suposta pureza ideológica. Ainda sobre esse tipo de seguimento jornalístico. Anais da imprensa da Bahia. A Verdade. tais como o jornal evangélico Echo da Verdade. Salvador: Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. 8 411 Historien (Petrolina). que se dedicava à dura e sistemática perseguição ao candomblé baiano. ganhou diferentes opiniões entre as vertentes da população. 24). A existência dos anos áureos reafirmava a possibilidade de um futuro no qual a Bahia readquirisse uma posição privilegiada no contexto nacional. . No entanto. Para além disso. Os mesmo Levitas do progresso eram também saudosistas de um passado mitificado. podemos elaborar uma série de outros fatores que proporcionaram essa reação diferenciada nesta Província. o zelo e a guarda pelo Imperador e as instituições monárquicas: temos a princípio o medo da elite baiana de perder o prestígio político que possuía durante o Império. essa maior diversidade e circulação de periódicos . a opinião sobre o que poderia vir a ser e os benefícios e malefícios da República. Jul/Dez 2013: 402-415. ano 4. o povo baiano e principalmente a elite vão tentar criar um ideal de modernidade no Estado. entre outros. (ALBUQUERQUE. fundado em 1894. Segundo Falcón (2010. principalmente...A relação entre a imprensa soteropolitana. evidenciando que o povo baiano e. 9. fez com que na Bahia. seja entre os cidadãos comuns ou entre as mais altas instâncias militares e políticas da cidade. é interessante decifrar o que pode explicar em parte o motivoda Bahia ter como sua reação inicial a defesa da Monarquia. pág. Vão ser retratados as Batalhas do 2 de Julho. aliás compreensível levando-se em consideração que as elites baianas gozavam do mais amplo reconhecimento político da Corte durante a fase imperial.de diferentes vertentes políticas e grupos políticos –. em especial na sua capital. Nesse sentido. Durante os anos que seguem a República na Bahia. principalmente através da criação do IGHB – Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. o barão do Rio Branco.) Fato. essa suposta modernidade baiana republicana ésempre respaldada nos tempos “áureos”. pág. encabeçando mais da terça parte dos ministérios que se sucedem entre 1847 e 1889”.. De algum modo. os tempos imperais.. 27) em sua obra Coronéis do Cacau: “(. a sua elite. 1997. Historien (Petrolina). n. respeito da permanência ou alteração do sistema político social/político vigente. estavam profundamente ligados ao Império e ao conservadorismo. A historiadora Wlamyra Ribeiro de Albuquerque evidencia isso em sua obra: A exaltação dos tempos de glória foi fundamental para a construção da fabula da modernidade baiana. ou seja. n. F. Jul/Dez 2013: 402-415. temos na Bahia uma elite que busca ter na República o mesmo espaço político que possuía no Império. Em contra partida. o monarquismo não conseguiu desenvolver um autoconceito independente do seu oposto: O republicanismo era sua referência obrigatória. 2010. ainda sendo uma figura importante como essa.. 9. por mais que houvesse essa reação inicial de defesa da Monarquia. ano 4. tentando de todo modo se agarrar ao rastro de modernidade que o novo sistema prometia. Dessa forma. Roderick J. temos essa mesma elite baiana presa ao conservadorismo e às glórias do Império e. é sabido que até mesmo essa elite. Salvador. 413 Historien (Petrolina).Matheus Berlink Fonseca Prova disso são as grandes figuras públicas da cidade de Salvador que nos momentos iniciais se diziam fiéis ao Imperador e que após alguns dias aderiram à República. Porém. que a princípio estava favorável ao Império.. Como resultado disso. (JANOTT. Imprensa Oficial do Estado da Bahia. fragmentária e contraditória. Borges de.) Outras razões da fragilidade do movimento monarquista devem ser consideradas. tinha suas dúvidas e fraquezas ideológicas em relação ao regime monárquico: (. sentindo-se parte do Império do Brasil e não desta República que vinha. Seus principais pontos de sustentaçãose definiram-se em questões de natureza circunstancial e não de princípios. Comandante de Armas da Bahia. 1939 BARMAN. A Margem da História da Bahia. Porém. 2. 1989. Claro que não se pode ter como principal causa da mudança de segmento político a influência dos jornais. . Como não se desenvolveu no Brasil uma sólida doutrina monarquista durante o Império. uma fragilidade ideológica em relação ao se sentir parte do Império será a chave condutora para a vitória do golpe de 1889 na Bahia. pág. tendo como a mais ilustre dessas figuras o marechal Hermes da Fonseca. 254). Referências BARROS. ed. UNESP. O Imperador Cidadão. de certa forma. no inicio da República esta será elaborada pelos restauradores de uma forma imprecisa. São Paulo. (Coord. In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História da ANPUH.Uma breve trajetória da imprensa no Recôncavo da Bahia durante o século XIX. 1965. 1990. 87-114.A relação entre a imprensa soteropolitana. século XIX: uma província no império. TORRES.. José Murilo de. 2007. Salvador: Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. 1997. ed. José Maria. 2009. julho. Universidade Federal da Bahia. A invenção republicana. 1989. TOBIAS. De. 26-33. Formação das Almas: O imaginário da República no Brasil. São Paulo. CARVALHO NETO. 1987. IGHB. pp. n. Ciência hoje. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Wlamyra Ribeiro de. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Rio de Janeiro. José Murilo de. ano 4. jan. Rio de Janeiro n 59.106. João Nepomuceno. Historien (Petrolina). CARVALHO. Os bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi. 3. Rev.. BELO./dez. O fim do trafico de escravos na imprensa Baiana 1811 – 1850. Anais da Biblioteca Nacional. FREITAS SILVA. CARVALHO. Rio de janeiro. MONTEIRO. Catálogo de jornais e revistas do Rio de Janeiro 1808-1889. 1997. História do Brasil Nação 1808-2010. As Proclamações da República. Bahia. Proclamação da República na Bahia no olhar de um cientista político. Salvador. História da Republica 1889 – 1954. 2. São Paulo.). CAMILA de. RENATO. ALBUQUERQUE. DINIZ. Alfredo de. 9. . Paulo Cesar Oliveira de. A proclamação na República e sua repercussão na imprensa Carioca. Péricles. vol. CARVALHO. Companhia Das Letras. 2011 CARVALHO. (Dissertação de Mestrado em História). 2011. Plínio. (Dissertação de Mestrado em História). Anais do VII encontro nacional de História da Mídia. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Companhias Das Letras: São Paulo. 2 ed. Companhia das Letras: São Paulo. v. p. 1992. volume 2. MATTOSO. ed. Rio de Janeiro. ed. JESUS. O civismo Festivo na Bahia: Comemorações Públicas do Dois de Julho (1889/1923). José Murilo. Anais da imprensa da Bahia. J. 2004.85. DOYLE. Joviniano S. Kátia Queiroz. 2. Jul/Dez 2013: 402-415. LESSA. Rio de Janeiro 1972. Salvador: Edufba. 2 ed. É notícia! A proclamação na república (15/11/1889) nos jornais de Ouro Preto. Luís Henrique Dias. Jul/Dez 2013: 402-415. Em: <http://historiasevariaveis.br/2011/08/e-noticia-proclamacao-darepublica.Matheus Berlink Fonseca RIBEIRO. História da Bahia. Fernando.blogspot. TAVARES. n. Salvador. 11 ed. A primeira gazeta da Bahia: Idade d`Ouro do Brazil.com. SILVA. 415 Historien (Petrolina). Maria Beatriz Nizza da.html> Acesso em 24 de março de 2013. ano 4. Edufba. 9. 2005. 2008. . Este trabalho foi desenvolvido a partir da análise da documentação presente no site da Universidade de Chicago (Disponível em: http://www. Educación profesional. Recife. Resumen: Este artículo se centra en la educación para el trabajo en el período conocido como la primera república o de la antigua república (1889-1930). Palavras-clave: Pernambuco. Propusimos por lo tanto. ENTRE OS ANOS DE 1889 e 19301 Estevam Henrique dos Santos Machado2 Resumo: O presente artigo tem como foco a educação para o trabalho no período conhecido como primeira república ou república velha (1889 – 1930). Palavras-chave: Pernambuco. ano 4. analizar las políticas públicas para el desarrollo de la educación en el Estado de Pernambuco. Aprovado em 16/11/2013. Graduando em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) ex-bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica – PIBIC/FACEP.edu/brazil/provincial/pernambuco) que trata dos relatórios dos governadores do Estado de Pernambuco. E-mail: estevambinho@gmail. Jul/Dez 2013: 416-430. Recife.crl. Propusemo-nos. era a promessa positivista de uma nova ordem rumo ao progresso.com.edu/brazil/provincial/pernambuco) que encarga de los informes de los gobernadores del Estado de Pernambuco. n. Ramon de Oliveira (DFSFE/UFPE) 2 Historien (Petrolina). Educação profissional. . Porém as estruturas patriarcais e latifundiárias arraigadas em diversas 1 Recebido em 04/10/2013. Dr. portanto. 9. Orientador: Prof.AS AÇÕES DO GOVERNO PERNAMBUCANO VOLTADAS PARA A QUALIFICAÇÃO DE TRABALHADORES NA CIDADE DO RECIFE. Introdução e caracterização do período O advento da República hasteou a bandeira de uma mudança nas estruturas econômicas e sociais. Este período mantém a sua ascendência cultural oligárquica atrelado à uma inserção de um capitalismo cada vez mais apresentável como fator de mudança social.crl. analisar as políticas públicas a favor do desenvolvimento da educação no Estado de Pernambuco. Este trabajo ha sido desarrollado a partir del análisis de la documentación en este sitio de la Universidad de Chicago (Disponible en: http://www. Este período conserva su supremacía cultural oligárquica vinculada a la inserción de un capitalismo cada vez más presentable como factor de cambio social. Estevam Henrique dos Santos Machado localidades. mas não à lógica produtiva. é a gênese do coronelismo. uma mudança tão desejada pelos ideais republicanos.2% entre os anos de 1907 e 1937 (PERNAMBUCO. p.5% para 25. O predomínio secular de Pernambuco sobre a economia do açúcar caiu vertiginosamente em face das refinarias de açúcar instaladas no sul do país. desarticular os movimentos messiânicos do Contestado e de Canudos. à medida que uma massa de libertos deixou o campo e procurou se instalar nas cidades gerando um inchaço populacional. que continua a ser monocultora e latifundiária. revelando a cidade como palco de exclusão social com o surgimento das favelas. É importante salientar que a república relegou a Pernambuco. As elites se veem num jogo de articulações políticas em que as esferas micro e macro de influência política se encontram articuladas de maneira jamais vista. o que se agrava mais ainda quando se diagnostica essa nova população urbana como uma massa trabalhadora em potencial. a uma situação nacional de segunda ordem. . Essa crise na economia 417 Historien (Petrolina). em parte. portanto infrutífera. Jul/Dez 2013: 416-430. Importante lembrar que há uma insistência por parte das elites econômicas tradicionais em manter a monocultura da cana de açúcar. A quota pernambucana na produção nacional caiu de 41. 1977) em que se altera a forma de se produzir. da política dos governadores e da política do Café com Leite (CARVALHO. a não ser pelo emprego de força maciça. já que não se diversificou a economia. porque não consegue. 1997). sem a qualificação profissional necessária. 106) e de todo o seu aparato técnico. com a substituição dos engenhos banguês pelas usinas (COMBRINK 2010. n. Da mesma forma que o Estado tenta se afirmar como uma nova forma de organização política e institucional vive o paradoxo do insucesso. como um todo. 1938. dificultaram nesse sentido. A visão de um Estado ineficiente é um ponto chave para se entender o período. ano 4. 9. sendo esta aposta anacrônica e. 1986). ocorrendo um processo consagrado pela historiografia de uma modernização sem mudanças (EINSENBERG. p. Essa insistência que Caio Prado coloca é a de um investimento pesado na modernização da produção açucareira. O fim da escravidão (1888) teve efeitos significativos no período em que estudamos. condenando esta à estagnação (PRADO JÚNIOR. principalmente no nordeste. 231). “A população urbana do Recife cresceu apenas à razão de 3. Fábricas em Goiana. Sergio Loreto: Serviço de recenseamento – o Recife acusa. residenciais em mocambos 19. Graças. São José.737.. e vice-versa.079. 116). Sendo os bairros analisados: Recife. oficinas 390. porém a falta de crédito e de uma logística propícia impediram um boom mais acentuado (LEVINE. . atrelada à indústria têxtil sofria certas dificuldades em se estabelecer. sendo homens 144.484 de 1912. Paulista e Recife aparecem nesse período. 1968. Poço da Panela e Várzea. p. A “Veneza brasileira” entra nesse contexto como figura da modernização do período. p. tinha essa vocação desde os tempos coloniais e o seu porto era a janela do estado para o mundo. Santo Antônio. 1991.As ações do governo de Pernambuco. 1917. Recife era agregadora de pessoas e de capital.164.947. Jul/Dez 2013: 416-430. quadros 499. 1924 a. mercadorias 630 e quitandas 337 (PERNAMBUCO. Houve mais um crescimento a nível local do que a nível nacional. Boa Vista. 367).556 habitantes em 1890 em comparação aos 216.4 % da produção nacional (PERNAMBUCO. sendo: residenciais 19. vacarias 105. um crescimento de aproximadamente Historien (Petrolina). fábricas 155. p.. que em 1910 correspondia a 49. existindo 111. o crescimento populacional da região centro-sul.).3% ao ano de 1900 a 1960 em comparação com 6.413 e mulheres 168. mesmo sendo uma “capital” regional do nordeste. n. armazéns e lojas 1. (HARDMAN & LEONARDI. Afogados. casas de cômodos 255. Porém o Porto do Recife nesse período perde paulatinamente sua influência no cenário nacional devido à sua incapacidade de aportar os novos e gigantes navios transatlânticos. E mesmo a importante produção algodoeira. tanto é que no site do IBGE demonstra esse crescimento. ano 4.822.0% de são Paulo” (SINGER. Em relação aos tipos de imóveis: 45. 1997). A falta de um programa de dragagem do porto prejudicou bastante a região. No ano de 1924 houve um serviço de recenseamento na cidade do Recife e quem nos relata os resultados é o governador do Estado de Pernambuco o Dr.8% de Belo Horizonte e os 7. agroexportadora pode também ser um dos fatores para o êxodo rural que aconteceu no período. em taxas percentuais. segundo o recenseamento efetuado por este departamento 313.150 habitantes. não consegue alcançar. 9. 148) Recife. p. compreendia principalmente escolas normais (de nível médio) para moças e escolas técnicas para rapazes (ROMANELLI. Mas. “A série de reformas pelas quais passa a organização escolar revela uma oscilação entre a influência humanista clássica e a realista ou científica” (RIBEIRO. 419 Historien (Petrolina). 1997. tange a educação afirmava: À União cabia criar e controlar a instrução superior em toda a Nação. p. bem como criar e controlar o ensino secundário acadêmico e a instrução em todos os níveis do Distrito Federal. A educação profissional na primeira república Boa parte da população brasileira durante a primeira república. a oficialização de um sistema dual de ensino aonde se reservou à classe dominante cadeiras cativas no ensino superior e nas escolas secundárias acadêmicas. muito aquém do crescimento de cidades como São Paulo e Belo Horizonte. que na época. totalmente significativo. enquanto para as classes populares estavam destinadas a um pífio ensino primário e uma escola profissional. há um embate também entre pensadores que defendiam um ensino baseado na literatura contra os que defendiam um ensino baseado na ciência. e aos estados cabia criar e controlar o ensino primário e o ensino profissional. n.Estevam Henrique dos Santos Machado 94% (OLIVEIRA.] o elevado índice de analfabetismo na região. A Constituição de 1891 no que Era. era analfabeta. 41). porém essa situação se agravava no nordeste. contribuíram para inevitabilidade da distância cada vez maior entre o Norte e o Sul” (LEVINE. porém volto a repetir.p.. ano 4.. A educação primária sob a incumbência dos estados relegava á força da nação um segundo plano e isso tem muito a ver com a questão do poder local e da manutenção da força das oligarquias locais e das práticas clientelísticas (VEIGA. 2010). 2005. E esse era um dos fatores que figuram na bancarrota da influência política de Pernambuco: “ [. 9. principalmente no que se refere às posturas a serem tomadas em relação à finalidade do ensino: o embate entre os defensores de uma formação humana versus os defensores de uma formação para o ensino superior. . portanto. 79). como um todo. 125). 1998. Jul/Dez 2013: 416-430. O Estado brasileiro se vê numa encruzilhada conceitual. p. porém o cenário republicano é mais complexo devido à afluência de novos agentes que ganham mais voz nesse período: profissionais liberais. os governadores do estado endossam a ideia de uma sociedade melhor oriunda da oportunidade de oferta de trabalho. que espero realizar.. porém o governo falha em realizar uma difusão efetiva do ensino voltado para o trabalho aos setores médios urbanos. ‘desfavorecidos da fortuna’. . 1976. 1991). Jul/Dez 2013: 416-430. a elite política e econômica se utilizava da educação como forma de sustentáculo do aparelho ideológico do Estado (SAVIANI. então: Agora como antes. menos como um programa propriamente educacional. abrangerá escolas para os dois sexos objetivando o preparo do operariado ao lado da cultura intelectual. tanto de melhoramento individual dos cidadãos. e uma gama de segmentos cada vez mais ascendentes.164). às ‘classes pobres’. Essa estrutura educacional é o reflexo da sociedade monárquica do qual a republicana surgiu. o ensino técnico – profissional é organizado com o objetivo expresso de atender às ‘classes populares’. n. 9. A palavra de ordem é ‘progresso’ que se anseia na formação profissional adequada como forma. o seu objetivo inequívoco – muitas vezes.As ações do governo de Pernambuco. intelectuais. Além é claro dar suporte à modernização que chegara ao estado. p.. portanto. imprescindível á função a que se destina como fator de riqueza e de progresso da Historien (Petrolina). Nesse contexto de ‘regeneração pelo trabalho’. essa “modernização tecnológica (ainda eu no nível de adaptação e de manutenção da tecnologia importada) inerente a esses novos setores da economia brasileira gerou novas necessidades de qualificação profissional” (MANFREDI. militares. ‘órfãos’. aos ‘meninos desvalidos’.147). comerciantes. e mais como um plano assistencial aos ‘necessitados da misericórdia pública’. Figurava. 2002. ‘abandonados’. 79). mas também como consequência disso numa melhoria social: A organização da instrução profissional. ano 4. explicitamente proposto – era o de regeneração pelo trabalho (NAGLE. 2011. principalmente à medida que implanta em Pernambuco uma série de escolas destinadas aos estudos agrícolas que serão disseminadas pelo interior. p. Depois de uma análise conceitual a pesquisa chega a se perguntar: Qual o conteúdo do discurso proferido pelo governo de Estado de Pernambuco no que tange à educação profissional na aurora da república? Em Pernambuco. o coração e as mãos’ (PERNAMBUCO. 1916. A escola que propugno é aquela que. não dá a ninguém a capacidade de prover á subsistência’. amor ao trabalho. mas não no que se fazer. usando-se nas escolas. No discurso do Governador Estácio Coimbra. Importante ressaltar a mão do Estado como definidor do acesso ao ensino. na 421 Historien (Petrolina). e de como esse acesso se fazia presente. ano 4. n. teria o compromisso de formar cidadãos com integridade moral e aptos ao trabalho. p. escrita e contas. possa despertar e fortalecer a capacidade de ação. assim como a distinção que a educação era dada na zona rural da zona urbana: Os programas de ensino devem ser adaptados ás condições das localidades onde vão ser aplicados. Devemos todos pensar na realidade de nossa situação econômica e preparar nas escolas o espirito das crianças.Estevam Henrique dos Santos Machado sociedade. Assim como numa divisão regional do ensino que será corroborada pelo trabalho. p.5). Sempre que possível.5). em suma’. ao lado da letras e do calculo. na capital e em outras regiões. deve-se ao lado da escola manter modesta oficina de arte manual. a inteireza moral. Tenho fé. compreensivo de noções mais complexas e mais aproveitáveis para alunos de um meio mais elevado. Na zona central do Estado o professor se limitará a ensinar os rudimentos da leitura. encaminhando-as para a cultura da terra (PERNAMBUCO. . a escola não teria somente a função de repassar as letras e o cálculo. meus senhores que a difusão do ensino técnico-profissional mostrará ao nosso Estado e ao país horizontes mais amplos.Na região mais culta do Estado outro seria o programa de ensino. A proposta de mudança está circunscrita a uma mudança na forma de se fazer. e mais do que a modificação de programas devemos preocupar-nos com a mudança radical nos métodos.30). E ainda: ‘é necessário cultivar a inteligência. a formação do caráter. 1929. onde as crianças por algumas horas aprendam um oficio qualquer. livros contendo noções elementares de agricultura e pecuária. Isso é bem explícito na crítica ao sistema educacional adotado no império e seguido na república. de preferência. ‘Já não é possível fechar os olhos á cruel realidade. Naquele documento politico salientei que ‘a escola que ensina só a ler. p. escrever e contar. Um novo tempo estava chegando e atrelado a ele vinha uma crítica às antigas estruturas. Jul/Dez 2013: 416-430. 9. assegurando com um maior quinhão de bem estar individual a felicidade mais generalizada da nossa gente (PERNAMBUCO. 1930. A formação para o trato da cultura da terra demonstra o conservadorismo do governo e do pensamento de Estácio Coimbra. uma taxa também baixa. p. quanto da iniciativa privada. Fez-se necessário no decorrer da pesquisa uma separação temática. Uma proposta que deve ser analisada é a de divisão de dois períodos.. O segundo período seria de 1920 adentrando a década de trinta. zona rural o ensino é destinado unicamente para formar agricultores aptos para melhorar o plantio principalmente da cana e do algodão.. 9. ano 4. pois da mesma forma que a oferta por qualificação foi se ampliando.165) no sentido de miragem como uma forma de visão enganosa. . já quea estrutura montada no estado era legada dos tempos imperiais.2%. Porém seguindo a ideia de Nagle (1976) é importante salientar essa época como um período dotado de um fervor ideológico onde a educação se torna ponto principal dos debates e polêmicas assim como das iniciativas. As práticas educativas estavam atreladas a uma forma da burguesia urbana de conquistar poder político. onde o Estado está mais sólido e com mais recursos financeiros e humanos para realizar parte das reformas previstas há muito tempo. o que Sérgio Buarque de Holanda chama de “miragem da alfabetização do povo” (HOLANDA. A educação profissional passou a atender a uma parcela maior da sociedade de forma lenta e gradual. era uma forma dessa burguesia urbana combater as elites agrárias em busca da hegemonia política do país (PAIVA. já em 1933 a população matriculada em tais cursos se elevou a 0. Por exemplo.06% da população pernambucana estava matriculada em cursos profissionais. Jul/Dez 2013: 416-430. é. n. as demandas foram proporcionais ou até maiores. um de 1889 até a década de vinte onde o discurso é mais forte que a prática. 1976) sem grande implicação prática nas ações governamentais. em 1910.As ações do governo de Pernambuco. tanto do setor público. demonstrando existir por parte do governo certo zelo e preocupação por elas. 2003. 0. porém que já demonstra que as melhorias estavam em processo de surtir efeitos de ordem quantitativa.24) que é frustrado lentamente diante da incapacidade do Estado.Um verdadeiro período de “otimismo pedagógico” (PORTO JÚNIOR. 1995. Uma proposta a ser levantada é a de se estabelecer marcos temporais que delimitam o estudo da história da educação na República Velha. 1985. portanto. p. já que o voto aos analfabetos era negado. o tempo do otimismo pedagógico (NAGLE. p. As Historien (Petrolina). 97). Na analise da documentação algumas instituições educacionais se sobressaíram. inclusive a educação profissional por está estritamente ligada à instrução pública. entretanto. apenas 504 são destinados ao ensino primário do Estado. porém. e a relação dessas condições com o desempenho escolar e até mesmo com a frequência desses alunos. ‘Isto significa que o progresso d’estes estabelecimentos está tambémsubordinado ao plano de ensino do Estado. por vezes. ‘Sem as escolas primárias nenhum valor terão as escolas Normais. porém. 1899. Assim. quando diz em seu relatório: ‘Não bastará. para que tudo esteja seguido. As escolas profissionais em Pernambuco Em 1899 o Funcionamento da escola normal se dava no prédio do Instituto Benjamin Constant. pp. Olyntho Victor. ela está em completo abandono. a reforma da Escola. sob a direção do Dr. alimentação e remédios (PERNAMBUCO. para manter o aluno pobre em sala de aula era necessário fornecer uma alimentação básica e subsídios para se sustento. 1916.4-5). cuja população atinge. estaduais e municipais: A instrução pública no Estado reclama inadiáveis cuidados. a mais de 2 milhões de almas(PERNAMBUCO. Olyntho Victor. entregue aos poderes municipais. ano 4. não podem subsistir sem aquela. . da qual se ocupa o Poder Legislativo. 27-8). O pouco espaço no orçamento destinado à educação era um problema para os governantes. basta dizer que de um orçamento de 14 mil contos. o descaso fazia das escolas verdadeiros problemas na mão do Estado. 423 Historien (Petrolina). e por este motivo faço minhas as palavras de Dr. ‘A Instrução Publica depende diretamente das Escolas Normais. 47). então: em 1923 se cria a Caixa escolar com a função de amparar os alunos de baixa renda. Jul/Dez 2013: 416-430.Estevam Henrique dos Santos Machado instituições responsáveis pela educação das crianças e jovens recebiam essa atenção. estas. com roupas. p. assim como a divisão de responsabilidades entre as instâncias federais. A instabilidade política e econômica e até mesmo. O Estado se mostra sensível ás péssimas condições de vida do alunado. 9. ou melhor ao Regulamento orgânico da instrução(PERNAMBUCO. pp. n. O Estado poucas cadeiras de ensino mantém e para vê-lo. 1925 b. O grande número de moças que frequentam as escolas normais (a oficial e as equiparadas). . A escola de engenharia de Pernambuco foi criada e mantida pelo poder estadual e adentra nos moldes da sua congênere federal: Resolve conceder á mesma Escola. cerca de 700. são suficientes.Uma escola domestica. portanto. que fomentou o emprego de professoras.de 7 de Historien (Petrolina). Jul/Dez 2013: 416-430.As ações do governo de Pernambuco. A escola normal se fazia instância vital para o desenvolvimento da instrução pública.309 de Código das disposições Comuns ás instituições de Ensino Superior. Virá prestar valioso serviço. 9. A ampliação dos estudos virá necessariamente com o crescimento da escola (PERNAMBUCO. A grande quantidade de alunas em detrimentos à alunos do sexo masculino teve diversos fatores. Outro motivo é a falta de oportunidade dessas meninas de se integrarem à outro sistema de formação para o trabalho. ano 4. 1923-1929). e era uma forma de educação profissional. o primeiro foi o fato da disseminação das escolas mistas no final do império e começo da república. Outro ponto a ser notado é a predominância do sexo feminino nas matrículas do curso. aprovado pelo Decreto legislativo n 230. Além da escola profissional oficial existiam outras congêneres espalhadas pelo estado.. n. A partir de 1929 foi exigida a idade de 14 anos para se matricular na escola normal e o curso foi estipulado em 5 anos – três primeiros para cultura geral e os dois últimos a profissional. 1927. por enquanto. Neste mesmo ano recebeu 29 matrículas e tem uma curva ascendente alcançando o número de 118 matrículas no ano de 1929 (PERNAMBUCO. 12-3). a criação de uma escola de arte culinária e o estudo de higiene mais especializado e acomodado aos fins da escola. num mundo ainda machista e cercado de velhos preconceitos. É a necessidade ou o desejo de obter certa soma de conhecimentos. A escola normal também surge como única via de emprego para as jovens. que.Maior desenvolvimento á classe de costura. A escola normal oficial teve um crescimento regular no número de matrículas passando de 107 em 1904 até 218 em 1930. Não é aceitável que todas essas moças tenham vocação para o magistério. fato que foi amenizado ela criação do curso comercial anexo à escola normal pelo Ato de 24 de fevereiro de 1923. embora limitada ás disciplinas mais necessárias e de acordo com as exigências do meio. mostra a necessidade de outras escolas profissionais. pp. por enquanto. somente as escolas normais podem dar.. de acordo comart. n.14). 1889.(1904.676 p. ora a falta de carros para carregar cana. número máximo permitido. serralheria e padaria (PERNAMBUCO.Estevam Henrique dos Santos Machado Setembro de 1891.825 Fonte:Relatório dos Presidentes da Província de Pernambuco (1889. p. 9. 1889. Além de problemas eventuais de melhoramento do maquinário que se mostrava em via de uma manutenção constante para manter a produtividade em alta: A fábrica nas condições em que estava.45).800 650. com trabalho penoso e desprezas avultas. A escola enfrentava dificuldades de ordem logística. . fazer moagem dobrada com a vantagem das caldeiras fornecerem vapor suficiente para mover para mover ao mesmo tempo os aparelhos da luz elétrica.52). 1899. sendo sua organização. carpintaria. ano 4. Total em quilos 895. 2009). em número de alunos distribuídos nas oficinas anexas onde se ofertava os cursos de alfaiataria. p. Em 1899 o instituto contava com 150 alunos.29).os privilégios e garantias de que goza a Escola Federal congênere (PERNAMBUCO. ora a falta da própria cana fazia a produção parar.820.700 8. podia tirar uma safra de 10 a 12 mil sacos de açúcar em 7 ou 8 meses de moagem. p.53) foram produzidos 425 Historien (Petrolina).52). Além da produção e manipulação de cana-de-açúcar. destilação e oficinas (PERNAMBUCO. o que foi altamente oneroso para os cofres públicos. sem vapor suficiente para fazer funcionar regularmente as máquinas e aparelhos e somente com 5 turbinas centrifugas. Nessa tentativa de formar para o mercado de trabalho a escola montou uma verdadeira usina. p. (1890. No ano de 1889(PERNAMBUCO. p.944 8. Tabela 1 – Produtividade da Escola Frei Caneca Safra 1897 – 1898 1898 – 1889 1902 – 1903 Sacos de açúcar (75 kg cada) 11. ao passo que os melhoramentos feitos pode em igual tempo e mais economicamente. sapataria.52). p. outras culturas eram desenvolvidas. 1889. A escola industrial Frei Caneca foi criada em 1894 com o intuito de preparar os antigos alunos da antiga ‘Colônia Orfanológica Isabel’ no âmbito do conhecimento teórico e prático de técnicas agrícolas e fabris (ARANTES. Jul/Dez 2013: 416-430. n. Só consegue se equiparar a uma congênere. 190 sacos de batata e foram fabricados 16. 9. inaugurada em 7 de abril do mesmo ano tinha por destino a formação de agrônomos capazes de executar diferentes operações de cultura: lavras. o Colégio Pedro II. aonde tinha no ano de 1889 o controle sobre 558 cabeças de gado. Jul/Dez 2013: 416-430. quando os agrônomos diplomados pelos seus cursos. coma palavra e os exemplos práticos. 1919. que legaria ao estado quarenta contos de réis anualmente. porém existe uma esperança no discurso do governador Antônio Gonçalves Ferreira de que a situação irá se regularizar de tal maneira que a escola não precisará mais de ajuda pecuniária do governo. levarem aos incrédulos e diferentes.As ações do governo de Pernambuco. porém em 1906 não executava fielmente os planos do ginásio nacional. A Escola de agronomia foi criada por decreto de 11 de março de 1911. atrofiante e desoladora. sementeiras. entretanto. cujos benefícios. somente poderão ser avaliados em toda sua extensão no futuro. O governador Sigismundo Gonçalves desativa a escola em 1904 pela lei n. ano 4.656 de seis de maio do referido ano. Em 1901 os reflexos de uma falta de invernos regulares prejudicou bastante a produção da escola. . pois sua inauguração oficial data de 7 de abril de 1911. mas obedece a princípios Historien (Petrolina). 2. 7040 litros de milho. com o arrendamento da usina anexa à escola. para o comércio e industrias e que sirva enfim aos que desejam habilitar-se ao ingresso imediato na corrente da vida social (PERNAMBUCO. p.62).. 150 litros de feijão. cuidados culturais. Desde sua fundação o Ginásio Pernambucano tinha por vocação ser uma escola modelo. dispersando-se pelo território do estado. conservação e utilização de produtos afins e tinha a proposta de atrelar o ensino teórico do prático: instituição nova.800 litros de farinha de mandioca. Além de possuir diversas propriedades tanto na zona da mata como no sertão..496 quilos de café não despolpado. a convicção de que a cultura dos campos não se restringe á rotina secular. em 1916: O ginásio precisa ser mais que um mero curso anexo ás academias: é mister que se torne capaz também de preparar cidadãos para o serviço dos vários departamento da administração estadual. já vem todavia prestando assinalados serviços. um grande benefício para os cofres públicos que teriam sido exauridos na manutenção da colônia. 1919 registram 43 alunos matriculados. que se destinam a lavoura e à indústria pastoril. exercitam-nos no manejo dos instrumentos e máquinas agrárias.9). pois. até a completa ruína da lavoura. com os mais eficientes resultados” (PERNAMBUCO. Diante da incapacidade do poder público de criar e manter escolas de formação profissional em diversas partes do estado. o sentimento de débito com a educação agrícola: “Está em debito o Estado para com as suas classes produtoras. um carioca. Em junho de 1915 formaram-se seis agrônomos e em novembro deste mesmo ano oito agrônomos sendo estes (num total de quatorze): dez pernambucanos. E tinha o Estado. p. na voz de seus representantes. baseado nos moldes. Nesse mesmo ano se formaram agrônomos 11 alunos. eles proporcionam gratuitamente aos filhos dos trabalhadores rurais noções de língua vernácula. ensinamento técnico. de aritmética. nas podas das enxertias das arvores. p.38). botânica.9). no trato e direção dos animais. dentre eles um puro sangue inglês. A partir da Lei n. p. nos processos de cultura racional.770 de 16 de maio de 1906 o estado passou a subvencionar três escolas agrícolas criadas pelos sindicatos regionais nos municípios de Garanhuns.1914. A escola recebia alunos de todas as partes do “norte” do país e contava com um posto zootécnico que em 1913 que contava com 56 animais de raça. É de incontestável utilidade para a lavoura a existência desses institutos. principalmente de cunho agrícola. na adubação e irrigação dos terrenos. na agricultura e avicultura (PERNAMBUCO. Em 1917 foram 35 alunos matriculados. um piauiense e dois paraibanos. 9. de 427 Historien (Petrolina). No ano de 1916 eram subvencionadas pelo governo as escolas elementares mantidas pelos sindicatos de Goiana e Itambé. n. que a ciência agronômica institui. 1919. Goiana e Escada. física e agricultura.Estevam Henrique dos Santos Machado científicos. Jul/Dez 2013: 416-430. de cuja aplicação não é dado prescindir sem ocasionar a decadência. o governo passa a subvencionar escolas mantidas por sindicatos e associações. por maior que seja a natural fertilidade do solo(PERNAMBUCO. não facultando aos jovens. Durante o ano de 1916 as aulas teóricas e praticas da escola contaram com a presença de 48 alunos. . embora modesto o seu programa de ensino. ano 4. 1914. Tabela 2 – Matrículas nas escolas técnicas: a Masculina e a Feminina Historien (Petrolina).As ações do governo de Pernambuco. 1577 de maio de 1923 o governo foi autorizado a criar colônias correcionais para menores e adultos. chapéus e artes aplicadas. . um alagoano. posteriormente recebe o nome de Escola Industrial Governador Agamenon Magalhães e em 1962. com diretores vindos do estado de são Paulo. Garanhuns e de Bonito. 42. arte culinária.239 de 27 de dezembro de 1928 criou duas escolas profissionais: uma masculina – esta que em 1943 muda de nome para Escola Industrial de Pernambuco. flores. Sergio Loreto conforme o ato de 4 de junho de 1923 e segundo a Lei n. tornearia e entalação. por exemplo. O Ato n. Nesse mesmo sentido foi criada em 18 de agosto de 1916 uma escola primária para os sentenciados na ilha. Restaurada e regulamentada pelo governador o Dr. No ano de 1926 foram matriculados 32 alunos no regime de internato e 12 no curso preparatório e em 1928 foram 41alunos matriculados. Outra escola subvencionada pelo governo foi a Escola Superior de Agricultura e medicina veterinária São Bento. Gameleira e Escada. Agamenon Magalhães – situada na rua Concórdia e a feminina na Rua da Soledade n. agrícola penal destinada a mendigos. Jul/Dez 2013: 416-430. três paraibanos e os demais pernambucanos. A escola feminina oferecia as suas alunas os cursos de corte e costura. Em 1917. pintura e desenho artístico. A escola masculina disponibilizava os cursos de marcenaria. ano 4. rendas e bordados. No seguinte ano teve matrícula de 131 alunos. 1. mecânica e artes gráficas. roupas brancas. A lei nº 370 de 9 de junho de 1899 autorizava o governo executivo a criar duas colônias em Fernando de Noronha. n. que era administrada por monges beneditinos. Porém em 1919 só eram subvencionadas pelo governo apenas três escolas: a de Escada. bêbados e/ou vagabundos. disciplinar industrial. a de Goiana e a de Garanhuns. Amaraji. tinha 60 alunos matriculados entre 18 a 38 anos. dentre estes estavam: um cearense. palco das inovações técnicas do período... 9. A primeira. e abrangia detentos oriundos de diversos estados e idades. Colégio Técnico Prof. A segunda. com ensino primário e de ofícios mecânicos objetivada para menores abandonados. História da indústria e do trabalho no Brasil. CARVALHO.Estevam Henrique dos Santos Machado Escola Masculina 1929 1930 209 – Escola Feminina 309 390 Fonte: Mensagem dos governadores do Estado de Pernambuco (1930. Adlene Silva. Boris (org. 6ª ed. História Geral da civilização brasileira: O Brasil republicano – Estrutura de poder e economia (1889 – 1930). Peter. José Murilo de. 90). COMBRINK. 1991. 2002. Jul/Dez 2013: 416-430. In: Revista Brasileira de História da Educação. 6. Robert. 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Otaíza de Oliveira. Jorge. 2005. Rio de janeiro. PORTO JÚNIOR. PRADO JÚNIOR. Mensagem dos governadores do Estado de Pernambuco..Anuário estatístico: Ano III – 1929. In: Aprender – caderno de Filosofia e psicologia da educação. Petrópolis: Editora Vozes. Gênero e Feminismo/UFBA. Gender. 9. n. Mestre em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres. o que possibilitou a apropriação das falas nos tribunais e a relação entre elas e a sociedade em geral sobre a concepção de gênero na teorização do crime passional. Aprovado em 16/11/2013. Jul/Dez 2013: 431-447.UFBA. pretende também identificar as concepções de gênero que perpassavam aquela sociedade e sua influência na prática dos crimes passionais estudados. Campo. between 1890 and 1940 contributed to legitimizing gender inequality. partiram da consulta das obras doutrinárias jurídicas do período 1890-1940.com 3 Doutora em História pela USP e professora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres. Brandão de Aras3 Resumo: Este artigo objetiva examinar as concepções jurídicas sobre os crimes passionais ocorridos entre casais com vínculos amorosos e/ou sexuais em Salvador/Ba. Palavras-chaves: Crime passional. . Bacharel em Direito . Licenciado em História – UCSAL. Introdução O estudo dos dramas passionais e a compreensão da posição dos agentes forenses ante os crimes mencionados.BREVE INCURSÃO TEÓRICO-JURÍDICO SOBRE O CRIME PASSIONAL NA PRIMEIRA REPÚBLICA (1890-1940)1 Antonio Carlos Lima da Conceição2 Lina M. curalima@gmail. contribuíram para legitimar a desigualdade de gênero. Gênero e Feminismo – PPG/NEIM-UFBA e Doutorando PPG/NEIM – UFBA.br 2 Historien (Petrolina). also aims to identify the conceptions of gender aspects that pass that society and its influence on the crimes of passion studied. Gênero. Abstract: This article aims to examine legal conceptions of passion crimes occurred between couples with romantic and / or sexual ties in Salvador / Ba. Field. 1 Recebido em 10/10/2013. entre 1890 e 1940. laras@ufba. ano 4. Keywords: Crime of passion. escravos em sua relação de adaptação ou resistência à dominação de classe. passando a ser uma fonte privilegiada de investigação da vida cotidiana. o Código Penal de 1940. só sendo solicitada a atuar quando os arranjos.. não refletem a real extensão do fenômeno em Salvador. operários. dos mais variados não se tornavam possíveis. Embora nos limites deste artigo não tenha a pretensão de analisar os autos processuais. Foi entre estes dois códigos que se construiu a figura do crime passional. Estudar os momentos de conflito costuma abrir brechas que permitem aos historiadores visualizar e. que trazia a alegação da perturbação dos sentidos como justificativa dos atos criminosos. analisar as normas. Chalhoub (1986). 9. No que se refere especificamente à temática a ser abordada. podemos concluir que os achados empíricos encontrados no Arquivo Público do Estado da Bahia. A justiça era um dos recursos dos mais extremos. Jul/Dez 2013: 431-447. não mais como um meio para estudar as patologias ou o incomum nas sociedades. Isto explica. detalhes reveladores da vida cotidiana de mulheres. com base na dirimente do artigo 27. primeira legislação criminal republicana e seu substituto. Coufield (2000). que encerrou a temporalidade reconstituída neste caminhar. . O regime republicano 1889-1940 inaugurou uma política de Historien (Petrolina).Breve incursão teórico-jurídica. hábitos e comportamentos que foram quebrados na vivência cotidiana das relações de gênero. têm se utilizado do estudo das mais variadas formas de crimes e violência como meio de captar. este trabalho tem como base teórica o estudo pioneiro “Morte em Família” da antropóloga Correa (1983) sobre as representações jurídicas dos papéis sexuais. surgiram às balizas temporais que tiveram como parâmetro o Código Penal de 1890. ano 4. Soihet (1989). O crime. pensado agora. parágrafo 4º. a partir da documentação criminal. portanto. foi deslocado do centro da vida social. n. por exemplo. Fausto (2001). A partir das fontes coletadas e tendo como base a organização do campo jurídico na Primeira República. camponeses. Desde meados da década de 1970 historiadores (as) como Esteves (1989). a ausência de processos envolvendo mulheres das camadas médias e alta. através da análise dos processos de homicídios ocorridos entre homens e mulheres no período que vai de 1952 a 1972. Thompson (1998).. O aparelho judiciário tornou-se mais uma instituição. foram. trazendo maiores oportunidades institucionais. No final do século XIX. no sentido de fazer com que eles assumissem suas responsabilidades diante da ordem burguesa. colocando-o como o centro de um projeto político. ainda. infringiram normas. Notabilizou-se. incluindo o controle das práticas populares como jogos e apostas. possibilidade de ordenar a nação através do controle social direto (polícia e punições jurídicas) ou indireto. Segundo o jurista Castro (1943). 9. burlaram.Antonio Conceição/Lina Aras disciplinarização do trabalhador. dada a urgência de construção da nação republicana. assim como eles em outros campos sociais. Jul/Dez 2013: 431-447. bem mais sutil. também. Além da eleição do domínio privado como local adequado para a manifestação de 433 Historien (Petrolina). preservando harmonia com a instituição familiar. O estudo dos protagonistas envolvidos nos dramas passionais. a tentar introduzir o trabalhador na ótica burguesa. possibilitaram a superação da ideia dicotômica de mulheres vítimas e homens agressores. assim. por uma vigilância e repressão contínuas sobre o liberto e o imigrante e pelo aprofundamento de uma ideologia do trabalho. pessoas que transgrediram. o início dos tempos republicanos. regulando manifestações da sexualidade.” Especificamente para o pensamento jurídico. “a justiça e o pensamento jurídico não ficariam indiferentes à formação de trabalhadores em seu sentido moral e sexual. tornou-se um momento privilegiado para organizar uma política mais voltada para a sexualidade. junto com a medicina. que passam por redefinições sociais amplas. Durante o processo de consolidação da ordem burguesa. . enfocando a família e promovendo a subjetivação da boa conduta social. transformam-se as expressões públicas de emoções. Muito embora elas fossem certamente vítimas. Neste cenário tornou-se expressa e nítida a preocupação do Código Penal com a ordem pública. como a difusão de papéis/imagens sociais e sexuais a serem valorizados ou marginalizados. n. cada qual influenciado por valores e representações que marcaram a sociedade soteropolitana no período estudado. Criou. ano 4. com os direitos individuais e com a propriedade. a fábrica e a polícia. o governo provisório efetuou uma revisão das leis civis e criminais decretando reformas e disposições complementares. à época. . na condição de marido e pai. Uma das instituições mais importantes e que serviu de modo fundamental para veicular esse tipo de moralidade foi o casamento. Desenvolver o equilíbrio e o domínio sobre si próprio era pré-requisito para que se pudesse ter controle e autoridade sobre a família. que. com uma participação dos bacharéis e juristas na vida pública e na intelectualidade da república. Na perspectiva da constituição da ordem burguesa. sentimentos. passaram a aplicar os conhecimentos das ciências biológicas e humanas ao direito.. visto como consequência natural na vida do cidadão comum e. A contenção. de acordo com o olhar civilizador contemporâneo. o autocontrole burguês eram tidos como fundamentais tanto para a vida familiar quanto para os futuros chefes de família. O campo do direito: espaço de solução dos litígios passionais Acompanhando as oscilações sociais e contribuindo para o aperfeiçoamento e eficácia das instituições de controle social. suas formas de ação e punições.Breve incursão teórico-jurídica. verifica-se um contínuo esmaecimento das expressões desenfreadas das emoções. a República assistiu a uma renovação na aplicação da justiça Historien (Petrolina). Esta contribuição se evidenciou. a constituição de um campo jurídico do qual faz parte o direito criminal. era necessária a pacificação das relações de gênero e isso deveria refletir-se na valorização do controle das emoções com o consequente comedimento na expressão das paixões. Especialistas do direito penal brasileiro. ano 4. jornalismo. o direito manteve seu papel relevante na consolidação da ordem. a moderação. Jul/Dez 2013: 431-447. nos moldes analisados por Bourdieu (1989). influenciados pelas discussões desencadeadas por criminologistas europeus sobre o comportamento do criminoso. de tal forma que pudessem ser afiançadas relações sociais equilibradas e estáveis. insistindo nas diferenças inerentes aos indivíduos. história. também. atuando em diversas áreas do conhecimento. Neste sentido. explicitam-se de um modo tal que poderia ser qualificado como selvagem. em muitas situações.. 9. como a literatura. É nesse período que efetivamente se pode observar. como uma barreira contra os vícios e a degeneração. n. o direito positivo serviu de justificativa para a intervenção dos agentes jurídicos no desenvolvimento físico e moral da nação. § 4º. Dessa forma. O Código apresentava elementos que podiam acentuar o grau de responsabilidade do criminoso. . os juristas brasileiros fizeram uso dos pressupostos da ciência moderna e do método empírico para recusar as premissas amparadas no livre-arbítrio. levando a pessoa a cometer o crime. não tardaram em apropriar-se da dirimente do artigo 27 a fim de elaborar teses de defesa de seus clientes. Os amorosos no Brasil passaram a lavar com sangue toda e qualquer honra ferida. estimulando a impunidade. Eram as atenuantes como a embriaguez e as agravantes. parágrafo 4º do Código Penal republicano brasileiro. com atenuação de pena no julgamento. O jurista italiano – considerado por Moraes (1933) um dos mais importantes teóricos do assunto – estabeleceu uma diferença entre as paixões sociais e antissociais. 27. Dentre elas. uma das mais polêmicas e que gerou grandes consequências foi a dirimente do artigo 27. traduzidas nas dirimentes. Ansiosos em promover o aperfeiçoamento racial e social. Assim. assim como reduzi-la. no momento do crime. para quem a paixão amorosa poderia desencadear um processo de perda de sentidos. trazia situações de inimputabilidade penal. passou a ser individualizado. que se referia a matar alguém. Para justificar a alteração emocional momentânea. No Brasil. ano 4. A paixão social era aquela que contribuía para a consolidação da vida em 435 Historien (Petrolina). cuja formação se deu sob influência do moderno pensamento criminológico. Esta individualização acontecia na esfera extracódigo e dava-se a partir da congregação entre o estado emocional. o antigo Código Penal de 1890. os defensores dos passionais invocavam os ensinamentos do criminalista italiano Ferri (1934). e o perfil social do acusado. Defensores dos criminosos passionais. Este preceito legal levava à absolvição dos chamados criminosos passionais. art. n.Antonio Conceição/Lina Aras e do direito. estabelecia que: ”Não são criminosos os que se acharem em estado de completa perturbação de sentidos e de inteligência no ato de cometer o crime”. a exemplo da vadiagem. Além disso. Jul/Dez 2013: 431-447. um homicídio que poderia ser interpretado a partir do artigo 124 do Código Penal republicano. para as primeiras. 9. ano 4. Antes a supressão que a perda da posse exclusiva [. p. 68). se deva fazer voltar ao antigo senhor com a violência. Eluf salienta. por resultar de uma paixão no sentido amplo do termo. n. O termo deriva de ‘paixão’. na fantasia reta ou desequilibrada do esbulho. certos homicídios são chamados de ‘passionais’. porém. 1934..Breve incursão teórico-jurídica.. Segundo Eluf (2007). intervém não a veemência de uma paixão. como paixão antissocial. o assassinato ou tentativa.. 9. pois classificava este ato.] deveremos afirmar bem alto que o direito de matar não é uma faculdade que a civilização possa conceder a alguém (FERRI. Esse sentimento é comum aos seres humanos. passional. de certa forma. . convencionou-se chamar de “passional” apenas os crimes cometidos em razão de relacionamento sexual amoroso (ELUF. cujo corpo. do tipo que desestrutura a vida em sociedade. que estabelecia quem eram criminosos que se achavam em estado de completa perturbação de sentidos e de inteligência no ato de cometer o crime.2007. como o amor. Jul/Dez 2013: 431-447. ainda que. 113). que. Sobre os homens que matam suas companheiras ele considerava: O homem que acredita ter o direito de matar. já o sentiram Historien (Petrolina). opressão marital sobre a mulher escrava e besta de carga. portanto. A paixão antissocial era sua antítese. em várias medidas. mas a manifestação de um egoísmo possessório. reprovável. p. Em linguagem jurídica. aliada ao previsto no artigo 27 parágrafo 4 do Código Penal de 1890. só porque surpreenda ou creia no adultério. A paixão não basta para produzir o crime. aquela que trazia a destruição dos valores morais e desestruturava a vida em sociedade. portanto. Ferri (1934) lutava contra a utilização desta teorização para a absolvição dos criminosos por paixão. sendo. crime cometido por paixão. permitiu a existência de um crime jamais redigido nos códigos penais brasileiros. A associação das ideias de Ferri aos discursos da psicologia. comunidade e para o progresso humano.. todo crime é. 9. entretanto. 2007. quando o amor. nem pelos juristas. No outro polo da discussão protestava o promotor carioca Lyra (1931) que. se isto ocorresse. Conforme Moraes (1933). Protestava. Nos anos de 1930. A caracterização do crime passional. . Evaristo de Moraes. ano 4. E. nem pela sociedade. Nos indivíduos sãos. 56). Amparado em pressupostos da psicologia. podendo ser acompanhada por fenômenos somáticos. eles deveriam ser encaminhados para os manicômios a fim de receberem tratamento apropriado. discorreu sobre as diferenças entre paixão e emoção. e ofuscar transitoriamente a razão (MORAES. por sua vez. defendeu a tese da especificidade dos crimes passionais. não foi pacificamente aceita. A paixão. A figura do criminoso por paixão desencadeou um debate expresso na literatura jurídica especializada. sem relação alguma com momentos de insanidade. pode ser acompanhado de diversas perturbações psíquicas e somáticas. que os criminosos passionais cometiam seus atos premeditada e friamente. As ideias pró e contra os passionalistas atingiram os agentes jurídicos conforme suas posições na esfera forense e perpassaram o conjunto da sociedade. toma a forma de paixão. o amor constitui um estado que não ultrapassa os limites fisiológicos e que pertence. que se posicionaram e exprimiram suas ideias e concepções em relação aos criminosos passionais. justificando para alguns os assassinatos entre casais e para outros reforçando a 437 Historien (Petrolina). fundamentava-se na idéia fixa. p. 1933.113). portanto. ambos defendendo suas perspectivas a partir de estratégias definidas pela posição na hierarquia interna do campo jurídico e pelos interesses da clientela. à psicologia normal. Jul/Dez 2013: 431-447. na década de 1930. por intensidade ou predomínio de um de seus elementos. no entanto. no livro Criminalidade Passional. assim como na imprensa. de pouca duração. escrito em 1933. desencadeou uma intensa campanha contra os criminosos passionais. n. nos tribunais e na imprensa. que. a discussão se intensificou entre os defensores e acusadores.Antonio Conceição/Lina Aras ou sentirão em suas vidas. A emoção era súbita. Nem por isso praticaram a violência ou suprimiram a existência de outra pessoa (ELUF. A experiência de todos os dias demonstra. p. 9. Os juristas da virada do século XIX para o XX definiram suas posições por meio da avaliação e aplicação de princípios teóricos nas análises sobre a sociedade brasileira e nos veredictos em casos criminais individuais. dentre as quais os juristas. República e a Lei Segundo Esteves (1989). ano 4. n. a qual. O projeto republicano trazia em si a pretensão de formar um cidadão com espírito cívico e moralmente adequado para colaborar com a construção de um país progressista e civilizado. encontrava respaldo no Código Penal de 1890. as tentativas dos juristas de impor normas “civilizadas” nas relações de gênero e de conter a sexualidade dentro das famílias “higienizadas” eram parte de um projeto mais extenso de controle social durante a primeira república. infantilizadas e anárquicas. Jul/Dez 2013: 431-447. O discurso republicano tinha como preocupação a manutenção da ordem social. era constantemente contestada. estabelecendo práticas e influenciando decisões. Historien (Petrolina). viam a família como a base da nação e um espaço social que produzia uma força de trabalho dedicada. que teve como base diversas fontes locais e estrangeiras. Sua autoridade cada vez mais se apoiava na asseveração de sua perícia profissional..Breve incursão teórico-jurídica. É neste sentido que a organização da sociedade civil. tese de que este criminoso deveria ser tratado como outro qualquer. objetivando preservar a construção da nação de possíveis decisões incultas. incluindose entre elas a dirimente do artigo 27. Com o passar do tempo. tiveram sua aplicação no território nacional.. eles desenvolveram o próprio corpo teórico-jurídico. . mesmo antes da promulgação da Carta Magna. Na República Velha. com a exclusão de vários segmentos sociais do processo político. mesmo assim. que conduziram a burocracia imperial. honesta e disciplinada. As determinações inerentes ao Código Penal Brasileiro de 1890. Para que isso ocorresse. os juristas não tinham a mesma ascendência sobre as políticas nacionais que seus predecessores. foi preciso estabelecer normas que possibilitassem a aplicabilidade do código em cada instância e em cada mínima porção do campo jurídico em todo país. As autoridades públicas. artigo destinado principalmente à proteção dos alienados mentais. . e o âmbito de sua aplicação. É impossível caracterizar essa figura jurídica sem mencionar o seu contexto legal. A escola clássica culpava o indivíduo por seus atos absolutamente. O Código Penal brasileiro entrou em vigor antes mesmo da constituição e teve a pretensão de organizar a sociedade. traz como inovação a questão da irresponsabilidade criminal. isto é. e pelo positivismo. perpassou a vigência de três constituições e substanciais mudanças na conjuntura socioeconômica do país. desfazer as disparidades jurídicas. o que se evidencia como parte da tendência do direito em ir eliminando. não era possível.Antonio Conceição/Lina Aras O Código Penal de 1890 atravessou a República Velha. nunca figuraram em nenhum dos nossos códigos de forma explícita. A história do crime passional no Brasil está estreitamente vinculada à História do Direito Penal brasileiro. enquanto a escola positiva observava o contexto social e outros fatores mais proximamente. o Código Penal. quando foi editado o novo código penal. invocar como argumento para Lombroso legista e criminalista italiano principal expoente da escola criminológica positiva de fins do século XIX. Como este código ainda se apoiava no princípio fundamental da chamada escola clássica de direito – o livre-arbítrio. ano 4. que procuravam caracterizar os criminosos nas classes definidas por ele. O Código Penal republicano de 1890. abrindo-se a possibilidade de isentar de culpa “os que se acharem em estado de completa perturbação de sentidos e de inteligência no ato de cometer o crime”. à medida que o Estado se firmava como mediador das disputas entre as pessoas. A influência positivista. progressivamente. O pensamento de Lombroso foi detectado nos profissionais de justiça e advogados da época. Jul/Dez 2013: 431-447. através de Cesare Lombroso4. 4 439 Historien (Petrolina). a década de 1930. quando a Psiquiatria se firmava como campo da Medicina. 9. legalmente. a responsabilidade moral do autor de um crime –. que buscava identificar as características físicas que evidenciassem e comprovassem a sua degeneração mental. nos primeiros anos da república. o Júri. de fato. Os crimes passionais. a vingança privada. n. chegando ao ano de 1940. expressa-se na criação de imagens de criminosos. de seu corpo. Foi influenciado pela teoria clássica do direito penal. por crer no livre-arbítrio absoluto. pois este artigo legal passou a ser conhecido pelos juristas como homicídio privilegiado. a direito seu ou de outrem”. no código que não mais lhe reconhecia a possibilidade de absolvição. nomeado pela primeira vez na legislação. O crime passional foi. quando se tentava comprovar a irresponsabilidade do criminoso passional.) o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço”. não satisfez aos advogados que desejavam lutar pela absolvição de seus clientes passionais. o que se fez no código de 1890. mas não legal. Contudo. o que.Breve incursão teórico-jurídica. Este privilégio de matar. a tal ponto que no código que o substituiria (em 1940). mudando até de nome. foi demonstrar que este criminoso não oferecia nenhum perigo para a sociedade.. . repele injusta agressão. para ser coerente com o código em vigor. ano 4. “Se o agente comete o crime sob o domínio de emoção violenta. explicitamente. punição de um criminoso a defesa da sociedade. resultava ainda numa punição entre um e seis anos de prisão.. num de seus artigos que “a emoção ou a paixão não excluem a responsabilidade criminal”. foi que se obteve a figura jurídica. em seu artigo 21. usando moderadamente dos meios necessários. 9. embora inclua um capítulo dedicado aos crimes cometidos contra ofensas à reputação. pressuposto da nova escola penal italiana. e reconhecido como um delito de exceção. da seguinte maneira: “Entende-se em legítima defesa quem. ironicamente. por oposição à orientação clássica. a discussão deveria centrar-se na questão da responsabilidade Foi então no período de vigência deste código que se fez a fama do crime passional. pareciam concordar que. Ao contrário da argumentação utilizada na vigência do código anterior. Todavia. Jul/Dez 2013: 431-447. aparentemente. afirmava-se. no campo retórico.. logo em seguida a injusta provocação da vítima (. à dignidade ou ao decoro. definiu legítima defesa. quando aceito integralmente pelo júri.. n. Conforme reza o Artigo 121 do código de 1940. já que provavelmente não voltaria a delinquir. A paixão deixava de ser uma evidência de irresponsabilidade e passava a ser apenas motivo de diminuição da pena. da legítima defesa Historien (Petrolina). Combinando habilmente noções no campo teórico do direito e jogando com as ambiguidades da definição do papel da família e da mulher dentro dela. mesmo que boa parte dos juristas que discutiam a criminalidade fossem então adeptos dessa nova escola. O Código Penal não definiu o que era a honra assim como não definia a paixão. Uma que afirmava que a honra está em cada um e que qualquer ato cometido por alguém. sustenta que a honra da família está em cada um de seus membros e que atos cometidos contra ela. . A sua punição devia ser exemplar e o suficiente para preveni-lo. Desta maneira. mas a justiça devia levar em consideração as qualidades pessoais do criminoso e o tipo de paixão que o impulsionava. apontava-se que as penas obedeceriam a critérios fixos. ou a de coronéis indignados com a traição de seus capangas. Para construir essa figura de delinqüente concorre 5 Idem 441 Historien (Petrolina). Os juristas argumentavam que era necessário julgar o prejuízo que este crime trazia à ordem social. era a de punição da esposa adúltera. repercute apenas em quem o cometeu. que não seja de agressão. Caracterizando o passional O criminoso por paixão é um tipo jurídico que apareceu inicialmente nas obras de autores como Lombroso5 e teve sua teorização mais importante sob a pena de Enrico Ferri. não apenas a honra dos maridos traídos mas. como o crime supostamente cometido na legítima defesa da honra. No Brasil. movido por uma paixão social. A utilização que se fez de nossa história serviu tanto para justificar a presença do crime passional em nossos costumes como para desmentir esta justificativa. A fundamentação histórica de sua existência apoiar-se-ia na tradição de um patriarcalismo brasileiro em que a honra sempre foi lavada com sangue. n.Antonio Conceição/Lina Aras da honra. Delinquente passional é aquele. Para Ferri. a significação implícita da expressão crime passional. outra. 9. antes de tudo. o exemplo de atitude que representava. é um crime basicamente masculino. em que duas opiniões principais se defrontam. o que só será explicitado pelos juristas que o combateram na década de 30. a de pais a quem os filhos foram desleais. O crime passional. Jul/Dez 2013: 431-447. também. no campo das discussões jurídicas como no da sua publicação pela imprensa. repercute nos outros. que o sucedeu como argumento no júri. A criação desta figura abriu um debate. ano 4. por qualquer um deles. Breve incursão teórico-jurídica... a sua personalidade, de precedentes ilibados, com os sintomas físicos, entre outros, da idade jovem, do motivo proporcionado, da execução em estado de comoção, ao ar livre, sem cúmplices, com espontânea apresentação à autoridade e com remorso sincero do mal feito, que frequentemente se exprime com o imediato suicídio ou tentativa séria de suicídio. (FERRI, 1934). A influência deste pensamento criminológico no Brasil nos primeiros anos da República foi muito utilizado pela defesa dos criminosos passionais, os quais se valeram destes referenciais jurídico-penais tendo em vista a absolvição dos criminosos por amor. Segundo Boreli (1999), o passional, nome criado para designar os indivíduos que cometiam crimes movidos pela paixão, tinham algumas características estabelecidas pela antropologia criminal: eram homens jovens, que cometeram seus delitos às claras, eram pessoas de “sensibilidade superior e aguda emotividade”. Tais homens de passado ilibado e de conduta anterior honesta, depois de perpetrarem o crime, tentavam o suicídio. O perfil era de um individuo que tinha deixado a emoção dominar momentaneamente a sua vida e este item era extremamente importante na caracterização do passional, pois era a emoção que trazia a perda da razão e dava uma explicação para o crime; no caso dos passionais o domínio da emoção era provocado pela descoberta da ofensa à sua honra ou à sua família. Neste sentido, os jovens eram mais predispostos a esta situação por sua inexperiência e intolerância. Os passionais eram também pessoas de “alma sensível”, o que explicava sua explosão e, por fim, seus atos eram praticados publicamente e sem premeditação, ou seja, na frente de testemunhas. A confluência destes elementos era completada pela presença de uma “vida anterior honesta”. Neste ponto era fundamental, para criar a imagem de um crime cometido no “calor da dor”, reforçar a noção de que aquele ato era um “intervalo infeliz” na vida do cidadão honesto e merecedor de uma “pena individualizada”. Os juristas entendem que é preciso defender e propagar a ideia de que a paixão só deve e pode atenuar o crime quando intrinsecamente for altruística e nobre, e quando for o crime o deslize transitório de uma consciência honesta, premida pela excepcionalidade das mais anormais e graves circunstâncias. Neste Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 431-447. Antonio Conceição/Lina Aras sentido,o jurista e sociólogo Spencer que afirmou: O amor nos faz cegos diante dos defeitos do objeto amado, nele nos mostra belezas imaginárias, e, por essa dupla alucinação negativa e positiva, por esse delírio complicado dos sentidos e da inteligência, nos arrasta ao desespero, à ruína, à morte (MORAES, 1933, p. 43). A Escola Clássica diz, textualmente: A inteligência e o livre-arbítrio são as duas condições da responsabilidade moral. O homem só é culpado quando conhece a lei moral e tem o poder de observá-la. Essas duas condições da responsabilidade moral são, igualmente, exigidas para a responsabilidade legal. (MORAES, 1933, p. 43). O debate jurídico da época era se não haveria casos para os quais fosse absolutamente desnecessária e inútil a penalidade, a exemplo dos crimes passionais, ou emotivos. Partindo do princípio segundo o qual a pena deve ser a expressão exata das reações coletivas, provocadas no seio da sociedade pelo delito, sempre que essas reações não sejam manifestas, ou quando a ambiência social aceite o crime como um ato não-reprovável, a pena tornar-se-á desnecessária, pois não terá havido perturbação da ordem jurídica. Havia um entendimento jurídico influenciado pela escola positivista de que a boa índole do criminoso, o seu honesto passado, a qualidade moral e social dos motivos e a forma apenas violenta da execução do crime, seguida de manifestações de arrependimento, ou de remorso, mostrariam que o crime era passional ou emotivo, um fato triste e doloroso na vida normal do criminoso; logo, não haveria razão para lhe ser aplicada qualquer pena, ainda mesmo não desonrosa. Neste caso, toda a repressão seria inútil e, como tal, iníqua. O que se considerava era que o passional tinha realizado um ato corretivo da ordem vigente, que tinha sido “perturbada” pelo comportamento adúltero e que tinha retornado à sua ordem pelo ato do passional. Neste sentido, o passional não devia ser criminalizado, pois não havia conturbado a ordem social e, sim, retificado o comportamento inadequado de uma mulher que manchara a honra de um homem. 443 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 431-447. Breve incursão teórico-jurídica... Segundo Fausto (2001), essa é uma prática “tida como receita pedagógica eficaz na sociedade brasileira e não apenas nela”. Esse tipo de violência é, até c erto ponto, tolerado pela coletividade e faz parte do processo de socialização dominante. Entretanto, um quadro de violência nas relações pessoais, especialmente entre companheiros afetivos e/ou sexuais, pode evoluir e chegar ao caso limite da agressividade física: o ato do homicídio. Nos anos 30 do século XX, a noção que estes autores desenvolviam era a ideia de que o casamento devia ser a união de vontades racionais, de dois seres humanos lúcidos e capazes. A mulher podia e devia manifestar sua opinião sobre o assunto, pois a união devia ser uma decisão racional. Quando isto não acontecia, tinha-se o domínio da emoção, que era responsável pelo início de um casamento infeliz e dos resultados desastrosos do adultério e do crime passional. O que se depreendia dos textos de combate aos assassinos passionais era a noção de conceder à mulher uma honra própria desvinculada da honra do homem e desvincular a honra do homem do comportamento da sua esposa/companheira, pois era a desonra provocada por seus atos que tornava o homem violento, levando-o a matar. Entretanto, em nenhum momento estes juristas tocavam nas modificações do duplo padrão moral, as mulheres continuavam a ser julgadas por seu comportamento privado e os homens por sua adequação ao mundo do trabalho. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nas representações do moderno, do civilizado, encontravam-se as tensões e os conflitos. Nesse cenário, em nada harmonioso, as relações amorosas aconteciam. Sob olhares higiênicos e normatizadores, homens e mulheres legaram, ao presente, formas de viver e amar que, em muitas vezes, não corresponderam aos ideais imaginados pelos pregadores burgueses da ordem e da civilização. O estudo das concepções jurídicas sobre os passionais ocorridos em Salvador no período estudado, possibilitaram a superação da idéia dicotômica de mulheres vítimas e homens agressores. Muito embora , elas foram vítimas, mas Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 431-447. Antonio Conceição/Lina Aras também transgrediram, burlaram, infringiram normas, assim como eles em outros campos sociais. Como o território humano não é meramente físico, mas, também, simbólico, o homem, considerado todo-poderoso, não se conformava quando sua mulher o abandonava por não mais suportar seus maus tratos. Qualquer que seja a razão do rompimento da relação, quando a iniciativa é da mulher, isto se constituiu uma afronta para ele. Na condição de macho dominador, não pode admitir tal ocorrência, podendo chegar a extremos de crueldade. A partir dos encontros com as fontes doutrinárias jurídicas , houve um caminho percorrido em busca da compreensão daquelas múltiplas falas que diziam o crime passional. O criminoso passional como uma criação jurídica de uma prática cultural, marcou a cidade do Salvador no período estudado (1890-1940), a qual internalizou as concepções de gênero como justificativa para a prática dos crimes passionais envolvendo casais. Neste sentido, este trabalho preocupou-se em expor a concepção dos agentes do direito, no seu campo jurídico específico, os quais se utilizaram de todo um instrumental doutrinário, visando a defender suas concepções naquela esfera de poder. Não ignoramos, no entanto, que as práticas jurídicas estavam vinculadas a um contexto maior e relacionavam-se com as representações que motivaram os dramas entre os casais. Tentou-se demonstrar, no decorrer deste trabalho, a partir de reflexões teóricas, que os dramas passionais possibilitou visualizar e, portanto, analisar as normas, hábitos e comportamentos que foram quebrados na vivência cotidiana das relações de gênero. Emoções, desvios e punições abriram possibilidades de reflexões teóricas mais profundas e oportunidades para o levantamento de problemáticas que, de forma alguma, encerraram as possíveis aproximações sobre os crimes passionais e as relações de gênero que marcaram o cotidiano de homens e mulheres envolvidos nos dramas de paixão. 445 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 431-447. Breve incursão teórico-jurídica... Futuros trabalhos poderão explorar outras dimensões que contemplem a complexa trajetória dos amantes e das múltiplas paixões que envolvem homens e mulheres. Referências BORELLI, Andréa. Matei por amor: as representações do masculino e do feminino nos crimes passionais. Rio de Janeiro: Celso Bastos, 1999. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel. 1989. CASTRO, Francisco José Viveiros de. Atentados ao pudor. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1943. CAULFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro (1918 – 1940). Campinas: Editora da Unicamp, 2000. CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle époque. São Paulo: Brasiliense, 1986 CORREA, Mariza. Morte em família. Rio de Janeiro: Graal, 1983. ELUF, Luisa Nagib. A paixão nos bancos dos réus. São Paulo: Saraiva, 2007. FAUSTO, B. Crime e cotidiano. São Paulo: Edusp. 2001. FERRI, Enrico. O delito passional na civilização contemporânea. São Paulo: Saraiva, 1934. LYRA, Roberto. O amor e a responsabilidade criminal. Rio de Janeiro: Saraiva, 1931. MORAIS, Evaristo de. Criminalidade passional. São Paulo: Acadêmica, 1933. SOHEIT, Rachel. Condição feminina e formas de violência. Mulheres pobres e ordem urbana. Rio de Janeiro: Forense, 1989. Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 431-447. Antonio Conceição/Lina Aras THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudo sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 447 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 431-447. DISCURSOS NORMATIZADORES DO JORNAL CRUZEIRO NA FORMAÇÃO DA FAMILIA IDEAL1 Jakson dos Santos Ribeiro2 Resumo: O presente artigo aborda uma discussão acerca da representação da família sobre a ótica do periódico religioso Jornal Cruzeiro entre as décadas de 1940 a 1950 na cidade Caxias – MA. O discurso do periódico religioso apontava em suas páginas, que a família caxiense deveria espelhar-se na imagem da “Sagrada Família”, ou seja, uma família, em que se inspirassem os princípios que regia as atitudes do bem estar social da ordem e da boa moral cristã. Desse modo, o jornal em suas páginas afirmava que a mulher deveria seguir os princípios da Maria, santa e submissa, o homem igual a José, honesto e trabalhador e as crianças e os jovens, deveriam apresentar seus comportamentos espelhados em Jesus, ou seja, filhos obedientes e comprometidos em divulgar os ideais da religião católica. Palavras-chave: Família. Ordem. Padrão. Discurso. Resumen: Este artículo aborda la discusión sobre la representación de la familia en los periódicos ópticos décadas religiosas de Cruise oficiales entre 1940 a 1950 en la ciudad de Caxias – MA. Los discursos de la revista señaló en su vida religiosa, la caxiense familia debe reflexionar sobre la imagen de la "Sagrada Familia", es decir, una familia, en la que respiran los principios que rigen las actitudes de bienestar social y el buen orden la moral cristiana. Por lo tanto, dijo el diario en sus páginas que la mujer debe seguir los principios de María, santo y el hombre sumiso igual a Joseph, honesto y trabajador y los niños y los jóvenes deben presentar sus comportamientos reflejan en Jesús, es decir, obediente niños y se comprometió a promover los ideales de la religión católica. Palabras clave: Familia. Orden. Estándar. Discurso. Introdução 1 Recebido em 10/10/2013. Aprovado em 16/11/2013. Mestrando em História Social pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA, da qual pertence à Linha de Pesquisa Poder e Sociabilidade. Atualmente desenvolve pesquisa de nível de mestrado, investigando como são construídos os perfis masculinos na cidade de Caxias na primeira metade do século XX. E-mail: [email protected] 2 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 448-458. Jakson dos Santos Ribeiro Fonte: Cruzeiro, Caxias-Maranhão, 01 de janeiro de 1946, nº. 534, Ano XIII, p.03 A verdadeira família catholica Muitos e muitos dos nossos irmãos católicos, num julgamento superficial de sua vda partícula, acham que ella está perfeitamente de accordo com as santas normas do Divino Mestre. Contemplemos, entretanto, o seguinte quadro: - n’ uma família quo se diz profundamente catholica, num lar em que a imagem do Sagrado Coração de em que a Santa ceia preside às refeições familiares, os membros desta mesma família vivem como que desunidos entre si. O pae, cansado pelas luctas de todos os dias, encontra-se sempre nervoso e neurastentic, não admitindo siquer mais que o filho caçula vá solicitar suas caricias de pae. A mãe, preocupando-se com a filha mais velha que está em idade de se caras, acompanha a em todos os festavaes e reuniões mudanças, de acurando dos deveres de sua casa, entregue a terceiros. O filho mais velho também, estudando por um diletantismo, vive uma vida vegetativa que se reparte entre o gozear as aulas e freqüentar qualquer baile que se improvise na nossa sociedade. Todos vivem preocupados, mal humorados e presos com mil e um preocupações. [...] Mães Critãs! Velae pro vosso Lar, conseravae sempre viva a fé chistã sob vosso tecto. [...] Que cada um compreenda verdadeiramente os seus deveres e compreendamas com sociedade e espírito christão. [...]. 3 CRUZEIRO, Caxias, Maranhão. (Devido às condições que os jornais pesquisados estar bastante complicadas com o desgaste ao longo dos anos não foi possível encontrar os dados que informem o ano e o número do jornal. Outra observação que a ortografia foi mantida conforme encontrada nos jornais pesquisados, nesse caso ao jornal que foi extraído o texto acima. 3 449 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 448-458. Discursos normatizadores... O texto publicado pelo Cruzeiro apresenta o ideal de família, que o periódico católico afirmava ser a família4, o verdadeiro lar na prática do cotidiano, para que os caxienses pudessem se espelhar, uma representação no qual deveria compor de uma mulher dedicada aos filhos a casa, como forma de preservar os preceitos religiosos; um marido que após o dia de trabalho se apresente também ao compromisso de ajudar a educar os filhos e amá-los e os filhos que sejam amados e vigiados para que não enveredem pelos caminhos tortuosos da vida. No caso, a mocinha seja preservada a sua virgindade até o casamento, como forma de manter os valores cristãos da pureza; o rapaz, que tenha uma vida de homem, com suas práticas masculinas, mas saiba entender os valores da Igreja e os ensinamentos de seus pais. (PRIORE, 2006, p. 267) O lar foi representado como uma instituição formadora dos indivíduos sociais. As práticas sociais que foram desempenhadas por homens e mulheres devem passar pela boa formação familiar na qual deveria ser proporcionada pelo núcleo, que é a família. E é na família onde se projeta a boa filha e a esposa do amanhã, o futuro homem, honesto e trabalhador. As construções discursivas que envolvem o seio familiar colocam esta instituição como o núcleo responsável pelo equilíbrio social e pela normatização dos sujeitos. Os discursos ecoados por instituições como a Igreja, ou pelos sujeitos de jalecos brancos, que no início do século XX ganharam notoriedade no território nacional – os médicos vão ser nessa primeira metade do século XX, vozes que legitimavam a funcionalidade da família no seio social. Eles suscitaram a fomentação de uma família disciplinada nas suas práticas cotidianas. Os discursos que se voltavam para legitimar um grupo familiar ordenando e disciplinado conforme os preceitos da Igreja e do Estado, se inserem nas mudanças ocorridas em torno dos sujeitos e da própria ideia de família, que se revestiam de novos valores, novas formas de se conceber como tal. Dessa forma (PRIORE, 2006) nos aponta A família, a instituição mais “sólida” desde os princípios da era cristã, reforç ada em sua [...] forma pelas religiões ocidentais [...] PRADO, Danda. O que é família?. 11ª Ed., São Paulo, Brasiliense, 1989, p. 64 4 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 448-458. Jakson dos Santos Ribeiro Os mais diversos discursos sobre a família e o casal — literários, médicos, religiosos e jurídicos — decretam que é no lar, no seio da família que se estabeleciam as relações sexuais desejadas e legítimas, classificadas como decentes e higiênicas. E se o matrimônio era a etapa superior das relações amorosas, “garantidor da saúde da humanidade e da estabilidade social” como queriam alguns autores, nada melhor do que transformá-lo em necessidade para todos. (PRIORE, 2006, p, 266-267) Nessa perspectiva, cultivar uma representação acerca da família como princípio vital para sociedade era de suma relevância para a manutenção da ordem, pois vão fazer com que muitas instituições tenham como objetivo manter as pessoas arraigadas nos princípios religiosos e cívicos do período. A essa questão Chartier nos coloca que representações do mundo social assim se processa como forma de construir na teia social a imagem do real embora os sujeitos em suas práticas aspirem à outra perspectiva de ação acerca da ideia de família. Nessa linha de raciocínio a formação da ideia de família “[...] a famíliamodelo tinha diversas funções: fonte de estabilidade econômica, base religiosa, moral, educacional e profissional.” (PRADO, 1989, p. 74). Como núcleo de construção de bons cidadãos, nos traz à tona a intencionalidade de existir sujeitos como os médicos, e de instituições, como a Igreja com o propósito de penetrar na mentalidade citadina na perspectiva de formar uma percepção sobre a família e as funções da instituição familiar na cidade. Os discursos e representações acerca da família se projetam no imaginário social com a visão de como perceber e como deve ser a família na sua prática cotidiana. No caso da religião, em Caxias tinha-se o jornal o Cruzeiro imbuído de disseminar na mentalidade citadina caxiense o padrão familiar e a forma de agir no seu cotidiano. A defesa de um padrão familiar a ser seguido torna-se uma prática do Cruzeiro, como forma de salientar um jeito de ser família, pois considerava que, devido às conturbações da vida moderna estavam provocando a desestruturação de um padrão a ser seguido, e o Cruzeiro considerava essa desqualificação de um perfil incorreto, uma vez que quebrava a regra estabelecida pela sociedade. O periódico age com seus discursos como forma de constituir na mentalidade social, modelos a serem seguidos tanto do que é família, como do 451 Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 448-458. Discursos normatizadores... homem social, mulher e filhos. O poder de afirmar e legitimar suas palavras no bojo sociedade se passa pelo espaço que ocupa, pois o seu respaldo vem da Igreja, fonte geradora de preceitos morais, e também pela sua representatividade na própria percepção das pessoas. O discurso do Cruzeiro forma uma visão social e a função da sociedade familiar compondo em sua teia discursiva a ideia mais correta de família no seu contexto. Na própria maneira de apresentar os discursos elenca elementos que possam traduzir a ideia do que é ser família, nesse caso as palavras são forjadas e compostas para manter uma harmonia, e do sentido ao qual quer apresentar, nesse caso a forma “correta” de apresentar-se socialmente como um lar. O Cruzeiro apresenta um ideal que não poderiam se configurar em muitos lares caxienses, mas salienta esse desejo como uma forma de influenciar na formação desse ideal. A ideia desse ideal no discurso do Cruzeiro se apresentava na seguinte perspectiva: a estrutura familiar deveria se compor nas decisões da autoridade mor. Nesse caso era o pai, o chamado senhor de todas as coisas, das decisões a serem tomados, o regente maior da família e a mulher deveria ocupar o lugar de senhora submissa nos quais decisões do esposo se tornava a única solução para os problemas, sejam eles domésticos ou mesmo da própria mulher e que a mesma não deveria ousar salientar suas opiniões. Sob essa ótica, os discursos que trazem a tona o padrão de família, não consegue abranger que o real não se processa nessa dinâmica de um homem, como o único responsável pelo sustento familiar e a mulher a pessoa de dedicação exclusiva ao lar e aos filhos. O real nas primeiras décadas do século XX se processa em outra ótica. O desenvolvimento industrial galgava cada vez mais espaços. As máquinas estavam cada vez mais presentes nos espaços citadinos e na vida das pessoas. A ordem econômica coloca-se mais exigentes diante do tipo de trabalhador, que sejam mais dedicados e disciplinados nas suas atividades. A consumação de uma nova realidade econômica dava sinais que transcorreriam mudanças em vários aspectos, seja ele de ordem econômica como estavam acontecendo e também em outra ordem, social e cultural. Historien (Petrolina). ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013: 448-458. Os governos da terra querem encampar tudo na sociedade moderna “[.. Aumentando o numero de divórcios e de uniões livres [. por sua vez não comunga com as constituições familiares que se processam em Caxias como no restante do país. É valido ressaltar que essas mulheres que deram o passo para além do batente da casa tiveram que desempenhar as funções da nova atividade adquirida e as atividades do lar. multiplicando-se os papeis: o relacionamento entre as gerações se torna mais abertos escamotearam-se menos conflitos. O Cruzeiro.. Como bem afirma (BRUSCHINI. Essas mudanças se processam na configuração de um núcleo burguês.Jakson dos Santos Ribeiro A família foi afetada pelas mudanças geradas pelas transformações econômicas no qual foram se constituindo no meio social. ano 4. ou seja. que sussurravam nos espaços da cozinha saltaram os batentes das casas e se aventuraram nos espaços citadinos.] Cada um deseja fazer o que melhor entende. 27). As relações entre os sexos se alteram. para Igreja era uma ofensa aos preceitos do santo sacramento. o grupo familiar e social está sujeito e captado em uma determinada instância histórica.] (BRUSCHINI. ou família burguesa. n. O mosaico social foi ganhando nessas primeiras décadas do século XX novas constituições. salientando que era uma ofensa aos desígnios religiosos e da boa moral cristã da Igreja Católica. . 1990. que em muitos extrapolam as suas fronteiras. Assim foi comportando-se a família na primeira metade do século XX no Brasil. o Código Civil que a concebe com liberdades. assimétrica ritualizada. estando portando sujeita a determinações mais amplas. 9. estaria perdendo terreno a passos largos. onde se entrelaçava com o novo modelo econômico que vai como motor principal das atividades econômicas e outras que fizeram com que a realidade social se configurasse de acordo com as conjecturas dos interesses econômicos. 1990). p. Os homens nessa ordem não foram encarados como os únicos sustentadores do núcleo familiar. condenando. sem 453 Historien (Petrolina). O modelo tradicional da família hierárquica.. A engenharia familiar constituída nos primeiros cinquenta anos do século XX vai ganhando novos sentidos simbólicos inserindo-se em uma estrutura familiar determinada pela sua temporalidade e suas concepções cotidianas. por exemplo. ainda precisavam cuidar dos filhos e do marido. as vozes delicadas.. Jul/Dez 2013: 448-458. Fecunda. p. 9. perdendo o fio condutor de seus comportamentos assimilados no seio familiar. Contra modelos desviantes: normatizando comportamentos de pais e mães Uma das marcas modernizadoras que se corporificava nas cidades brasileiras na primeira metade do século XX era a valorização dos espaços. justiça. n. Maranhão. os filhos não deveriam rebelar-se contra os pais. 02) Para acabar com a família.. Caxias. lei. implantando o amor livre... nº. não significava que prática cotidiana houvesse uma uniformização dos grupos familiares caxienses. p.. A modernização dos espaços eram sinais que as cidades se revestiam com suas características próprias. atender a direção. Honrada [. Ao relatar nos seus discursos um padrão de família.. Indissolúvel. extravasarem entusiasmos nos dias de festas pagãs de carnaval. costume ou razão fundamental”.. assumirem todas as condutas cristãs guardando os dias santos. em que se tornava perceptível a diferenciação do cenário urbano para o rural. (SALAZAR. Lá se vai a família verdadeira Uma Santa. ano 4. 602) Para Cruzeiro os moldes familiares que estavam se constituindo eram a própria desconfiguração da “verdadeira família” e isso não poderia ser constituído no cenário caxiense sob a ótica do periódico religioso. Qual o único Código capaz de melhorar a consciência do homem? (CRUZEIRO. Na família não impera a consciência e dignidade religiosa.] as famílias deveriam portar-se. seguir os padrões da moral. 2009.] O mundo marcha para uma catástrofe social sem remedo. Nesse sentido a família [. pensa-se em liquidar com todas as famílias. os filhos naturais legitimados. a prostituição. mas em muitos lugares do Brasil. (CRUZEIRO. . não permitirem-se as filhas. nº. Jul/Dez 2013: 448-458. 31 de março de 1948.Discursos normatizadores. Cruzeiro contra diz os modelos negativos que existiam não apenas na sociedade caxiense. Caxias. A imposição de um modelo familiar para sociedade. Maranhão. 31 de março de 1948. Nessas “novas cidades” emergiam espaços de sociabilidade Historien (Petrolina). 48) Nas representações discursivas do Cruzeiro o modelo seria inspirado em um padrão mais santificado e se projetava com o objetivo de normatizar os sujeitos para que sua prática como instituição familiar se enveredasse por caminhos que desviasse do padrão santo. 602. No momento da abertura democrática. espalhou-se pelo país. n. 2008. As cidades brasileiras. condenar-se a viver no passado. 40) Frente à modernidade que ia dando características a uma cidade faziam com que urbes como Caxias acompanhasse o espírito de modernização proporcionando aos citadinos caxienses. p. como frequentar as praças. homens e mulheres a vivenciar novas práticas. Jul/Dez 2013: 448-458. como os ensinamentos morais em segundo plano: 455 Historien (Petrolina). mesmo as não figuravam entre as mais ricas e prósperas. Ignorar a onda de novos costumes e hábitos urbanos que chegavam. ano 4. Caxias possuía um comercio admirável que estava em pleno desenvolvimento. p. assim. 41) No entanto. . essa modernização dos costumes não é visto com bons olhos pelo discurso do semanário católico. por considerar que a família vai perdendo sua função de formar cidadãos e os preceitos familiares e cristãos vão sendo deixados de lado. O crescimento urbano e as novas construções (residências e comércios) representavam a ansiedade pela chegada do progresso. como mais oportunidades de lazer e convivências sociais. (PEREIRA. queriam. 2006. 9. 2006) Caxias atinge um considerável auge de desenvolvimento no final da década de 1940. Como coloca o semanário católico em uma reportagem de 01 de junho de 1946 número 553. Como bem afirma (PEREIRA. o passeio público os bailes e o teatro Nessa linha de desenvolvimento que se enraíza em terras gonçalvinas. seria dar um atestado e inimigo do progresso. de alguma forma também participar das mudanças que estavam em curso no mundo. ano XIII em que o discurso vai afirmar que os país valorizam apenas o valor do trabalho e deixa as responsabilidades familiares. segundo o Cruzeiro. (CASTELO BRANCO. formam as pessoas de bem. O trabalho de muitos pais fora de casa faz com que deixem de oferecer aos seus filhos os bons ensinamentos que.Jakson dos Santos Ribeiro que possibilitavam os citadinos inserir em suas práticas novos hábitos. devido ao desenvolvimento das atividades que ganham espíritos velozes para vivenciar o progresso. Caxias proporciona aos citadinos novas sociabilidades. A valorização dos espaços urbanos não ficou apenas nos grandes centros do país. A idéia de progresso importada da Europa. juntamente com uma série de outros valores. p. Pois a formação da “boa família”. 554. A noite. 04) O semanário apresenta que a família. pois simbolizava que os novos casais estavam esquecendo o valor cuja família deveria ter na sociedade. Os novos comportamentos. os pobres pequeninos.” (CRUZ. que criaram fortes obstáculos á harmonia do lar. Segundo Cruz (2010) essas normas e padrões disseminados pelo Cruzeiro acabam adquirindo um caráter de universalidade. n. pelas doutrinas modernistas. a família e a sociedade mudaram no seus fundamentos. 9. Sábado. 30) Desse modo. E isso se tornava uma afronta aos preceitos bíblicos. E “qualquer desvio dessas representações criadas pela correlação entre Igreja-elite era reprimida. Caxias-Maranhão. favorecendo as baixas paixões da animalidade humana. principalmente os atores principais. nº. influenciadas. p. dependeria dessa base fortalecida para que se tenha “o fortalecimento e organização da Nação” (CRUZEIRO. Ah! muitos pais da atualidade. diminuindo o principio de autoridade suprema do chefe da família.Discursos normatizadores. pai e mãe compreendam o significado do núcleo familiar na sociedade. pois estariam criando um lar de formação errada e sem os conceitos cristãos. não teem tempo para isto.. 8 de junho de 1946. (CRUZEIRO. ano 4. CaxiasMaranhão. nº. ficam abandonados aos cuidados das amas. 2010. teatros. o discurso do Cruzeiro verifica que homens e mulheres que formam a família naquele momento estão se fundamentando em conceitos familiares modernos demais para época. p. Sábado.. e bailes. em busca de distrações. São bastante ocupados. Jul/Dez 2013: 448-458. 8 de junho de 1946.]. podia acarretar a constituição de uma geração com muitos defeitos. etc. vão para os cinemas. aos leitores [. .. 04) Figura: II Historien (Petrolina). que os pais estavam realizando nessa ótica. Hoje.. 554. Essas práticas eram condenadas pelo Cruzeiro. após o jantar – nos momentos de lazer. segundo o Cruzeiro. Caxias-Maranhão. 01 de janeiro de 1955. do país. na visão do periódico religioso que deveria se estabelecer como fonte proporcionadora de virtudes necessárias para formar filhos quer. o jornal o Cruzeiro representava a família como fonte fomentadora desse propósito. Marshall. n. 457 Historien (Petrolina). . Para o fortalecimento da nação. ano 4. 2007. sejam homens ou mulheres de bem. Jul/Dez 2013: 448-458. pois era o núcleo familiar. São Paulo: Companhia das Letras.Jakson dos Santos Ribeiro Fonte: Cruzeiro. Fonte Jornal Cruzeiro (1941-1958) Referencias BERMAM. irmãos de parte do pai e irmãos por parte da mãe. mas constituída de princípios cristãos. Nessa imagem reforça um padrão família. como salienta a imagem. primos. no qual que deveria está unida diante dos vários momentos da vida. Nela a família nuclear encontra no meio e ao redor do casal encontram-se os sobrinhos. Tudo que sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. 9. um exemplo de um casal que comemora as bodas de diamante e possui uma família grande. As pipiras da fábrica: as mulheres operárias sob o olhar da sociedade caxiense na década de 1950. Aprendendo a ser caxiense: a influência dos discursos do jornal Cruzeiro no processo de construção da identidade caxiense (1941-1949). Historien (Petrolina). Maria Cristina Aranha. (Monografia apresentada ao Departamento de História e Geografia) Caxias. CESC. Ana Paula Alves. 2010. Brasiliense. n. Mulher. COUTINHO. PEREIRA. Editora Revista dos Tribunais. BRUSCHINI. SALAZAR. . – São Paulo: Fundação Carlos Chagas: Vértice. 1989. Contexto. CESC. – 2. Mulheres plurais.. A história cultural: entre práticas e representações. 9. CHARTIER. São Paulo. 2002. (Monografia apresentada ao Departamento de História e Geografia) Caxias. Roger. Danda. Pedro Vilarinho. A representação da família caxiense através do discurso do Jornal Cruzeiro na década de 40. 2009. História do Amor no Brasil. Milson. – Teresina: Edições Bagaço. 2005. Débora de Cássia Gomes. ano 4. Conceição de Maria Oliveira. Caxias das Aldeias Altas: subsídios para sua história. Jul/Dez 2013: 448-458. São Paulo.Discursos normatizadores. PRIORE. São Luis: Caxias: Prefeitura de Caxias. Mary Del. PRADO.. CRUZ. 2005. 2006. ed. 11ª Ed. CESC. 2006. (Monografia apresentada ao Departamento de História e Geografia) Caxias. O que é família?.. casa. família: o cotidiano nas camadas medias paulistanas. 2 ed. Tradução Maria Manuela Galharda. 1990 CASTELO BRANCO. Portugal. (Serviço de Assistência aos Menores). Para mais informações ver: http://lattes. Palavras-chave: Infância.cnpq.A. Aprovado em 23/11/2013. que intentavam acrescentar às políticas reguladoras do Estado a assistência aos menores infratores. Criminalidade.br/3596524351666751 1 Graduando do 7º período de História . Criminality. 3 Graduando do 7º período de História .cnpq. regiments and edicts on the season. E-mail: raphaelncsantos@gmail. Este artigo foi idealizado e concretizado originalmente como requisito parcial necessário para aprovação na disciplina História do Brasil IV. we intend to use as sources official documents. Serviço de Assistência aos Menores. n. Socioeducação. which wanted to add to regulatory policies of the State the assistance to juvenile offenders.br/3596524351666751 4 Historien (Petrolina). Key-words: Childhood. Para tanto. such as the regulation of S. Abstract: This article aims to analyze the measures taken during the period comprising the decades of 1940 and 1950. pretende-se utilizar como fontes os documentos oficiais. como o regulamento do S.MENORES E CRIMINALIDADE NA DÉCADA DE 1940 E 50 NO RIO DE JANEIRO: AS MEDIDAS E INTERESSES GOVERNAMENTAIS NA ASSISTÊNCIA AOS DESFAVORECIDOS12 Raphael Nemésio Costa dos Santos3 Marco Antonio Correia de Carvalho4 Resumo: Este artigo visa analisar as medidas desencadeadas durante o período que compreende as décadas de 1940 e 1950. Socioeducation.M.A. Para mais informações ver: http://lattes. . ano 4. (Service of Assistance to Minors). Jul/Dez 2013: 458-469.com.com. 2 Recebido em 09/10/2013. To this end. E-mail: [email protected] pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ-IM). Service of Assistance to Minors.Licenciatura pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ-IM). ministrada pela professora Doutora Surama Conde Sá Pinto. no curso de Licenciatura em História da UFRRJ. regimentos e decretos sobre a época. 9.M. campus Nova Iguaçu. 26.. 205) “A segunda fase caracteriza-se pelo enorme corpo jurídico/institucional que foi criado pelo Estado brasileiro para o atendimento da infância. Trabalho. Fernando Torres . As três leis específicas de atendimento. Florianópolis. fornecendo moradia. além de definir sua condição civil e jurídica e os direitos que lhe correspondem. Sendo a primeira fase aquela que se estende desde a colonização até a década de 1920. 14. ilustrada nos jornais que circulavam na época.). Este processo se inicia na década de 1920 e segue até os anos 80. o Serviço de Assistência ao Menor e a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor são produtos deste momento”5 A terceira fase engloba o período subsequente. formação profissional e educação do adolescente. n. Quem seria esse “menor” e que significado teria o termo na época? Segundo Fernando Torres Londono6 “A partir de 1920 até hoje em dia a palavra passou a referir e indicar a criança em relação à situação de abandono e marginalidade. v. diretamente subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Jul/Dez 2013: 458-469.. História da Criança no Brasil. compreende aquilo que Luíz Cavalieri Bazílio chamou de a segunda fase da história do atendimento à criança e ao adolescente no Brasil.Menores e criminalidade. n. segundo o autor (1996. p. internação quando necessária. p. . educação e saúde. Luiz Cavalieri. posterior encaminhamento a empregos. as causas de seu surgimento no contexto do Estado Novo e suas deficiências posteriores. 1991. A origem do conceito menor.A. Revista Perspectiva. jul/dez 1996. 6LONDONO. ano 4. 203 – 220. 9. In: DEL PRIORE. Historien (Petrolina). a criação dos Juizados de Menores. onde se verifica uma proliferação e intensificação da participação de ONGs e outros fatores pertinentes ao processo de redemocratização pós Ditadura Militar. seria criado com o objetivo de assistir aos menores desamparados. o Serviço de Assistência ao Menor. Mary (org. Este órgão. O contexto em que se insere a presente análise. 5BAZÍLIO.M.” O presente estudo irá analisar a dinâmica da implementação do S.. Segundo André Ricardo Pereira.A. mais enfáticas. suscetíveis a renderem-se às drogas. mas é na década de 1940 e posteriormente que medidas mais drásticas. Thompson8 conceitua o termo “disciplina”. não somente como forma de repreensão.19 n. para enquadrar-se às mudanças. de fato existe.Raphael Santos/Marco Carvalho Em qual contexto verifica-se a necessidade do governo em implantar. no sentido que E. mas de educação. analisa os processos referentes às necessidades de adequação do povo no que se refere a seus costumes. uma vez que a existência de um discurso oficial visa justamente atestar que aquilo ao que ele se opõe. As dificuldades daí surgidas acarretaram na intensificação do combate aos marginalizados. n.P. . Ou seja. desde o início do século XX aqueles que não se adequavam a ordem estabelecida já eram vistos como um problema a ser revolvido. No tocante aos homens e o cotidiano.M. André Ricardo. “quando o espetáculo da pobreza tomou conta dos centros urbanos. ociosidade e. consta o seguinte: PEREIRA. vol. Erradicar a preguiça e promover o apreço pelo trabalho como condição inerente a existência humana fazia parte daquelas que seriam as condições para suprimir do cotidiano as mazelas sociais e diminuir a criminalidade. em relação à Divisão de Integração Social. Qual seria a melhor forma para se compreender a instituição do Serviço de Assistência ao Menor? A análise dos próprios documentos oficiais pode esclarecer os motivos. bebidas. Revista brasileira de História. A criança no Estado Novo: uma leitura na longa duração.. 7 8THOMPSON. ano 4.38 São Paulo. crianças e adolescentes pobres começaram a ameaçar a propriedade privada” 7. neste sentido. em voltar o olhar para a situação dos menores abandonados. a sociedade deveria enfrentar suas tradições e costumes e disciplinar-se diante das novas condições de convívio. O país passava por um processo de transformação e industrialização. em Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional demonstra a dinâmica da adaptação da sociedade frente a insurgente industrialização dos meios de produção. analisando este objeto através de uma metodologia pautada na longa duração. sem assistência. são tomadas e necessitadas. muitas vezes – devido as circunstâncias antes expostas – acarretando em crimes contra a ordem da sociedade? De modo geral. 461 Historien (Petrolina). no art. e na esteira deste processo. 1999. Jul/Dez 2013: 458-469. 9. 19 do regimento do S. Menores e criminalidade. intensificar o combate a valores divergentes e degradantes circulantes. Tendo em vista esta extensão das medidas já realizadas através da reforma de Pereira Passos.A. n. não se limitavam àqueles que infringiam as leis. que havia desajustados e marginalizados. por exemplo. em consonância com as intenções propagadas pelo Estado Novo. o ajustamento social dos menores e a sua integração na sociedade.I. acrescentando-se também as dificuldades logísticas. Um relatório do Ministério da Justiça de 1946.” Historien (Petrolina). 19.A. e com o concurso das demais Divisões do S. no Estado Novo as medidas visavam não somente a correção dos menores infratores e o auxílio à educação daqueles incapazes. segundo os princípios técnicos do Serviço Social. significa. O que se verificou nos anos seguintes foi uma demasiada gama de dificuldades provenientes de fatores diversos. que nele tem o primeiro contato com o serviço. “Art. claramente.” Segundo nos informa este artigo do regimento.A.A.M. mas também aos menores impossibilitados de enquadrarem-se na sociedade. Jul/Dez 2013: 458-469.M. ideia decorrente das políticas empregadas na capital no início do século XX. menciona que “A impropriedade de suas instalações e deficiência de pessoal habilitado propiciam incidentes diários. Em teoria.. exercendo sobre o menor.. compreendendo também os cuidados médicos necessários para a garantia de uma plena saúde dos marginalizados. antes de tudo.M.A. As atribuições do S. ano 4. quando dirige-se a investigar a situação estrutural e o funcionamento do Órgão Central do S. À Divisão de Integração Social (D. Higienizar no sentido lato. 9.. o supracitado consiste naquelas que deveriam ser as atribuições e obrigações do S.S. envolvendo fatores de ordem política e econômica. A correção passava pelo viés da educação e da salubridade. como órfãos.) compete promover..M. A intenção em controlar e assistir os necessitados e legislar quanto aos crimes cometidos por menores significava. .M. uma impressão desagradável que influi consideravelmente sobre a sua atitude em face do S. o simples fato de propor o ajustamento e a integração de menores. mas também higienizar os desfavorecidos. 463 Historien (Petrolina). o Diário de Notícias e o Diário Carioca.. o padre Pedron. 03 de junho de 1951. Vindo esta providência facilitar a internação na sede daquele serviço. No ano de 1946. que não possuía leitos suficientes para suprir a demanda. “[.]” O jornal A Manhã10 relata que o diretor do serviço em 1951. encontramos a grafia correta.M. assim. Além dos já citados. o periódico Gazeta de Notícias9 relata que a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados recebeu “[. 12Jornal A Manhã. Jornal A Manhã.] fez minucioso relatório sobre a situação daquele Serviço. terceira página.M. foram tomadas medidas que visavam implantar instalações provisórias. 9. primeira seção. Optou -se por manter a forma original utilizada pelo periódico. de numerosos menores que se encontram. que apresentou circunstanciado relatório sobre as graves deficiências de que se ressente o Serviço de Assistência ao Menor no Distrito Federal [.. Buscando solucionar as deficiências acima expostas.M.. dirigente da instituição. que os alojamentos provisórios visam abrigar menores de ambos os 9Gazeta 10 de Notícias. ambos de 3 de agosto de 1951 disponibilizaram a informação ao grande público. esclarece os motivos e as intenções por trás das mudanças: “Quero deixar bem claro.A. Jul/Dez 2013: 458-469. o padre João Peduen11.] a visita do Sr. . n. o governo proporcionando uma ampla política de assistência aos menores abandonados e delinquentes que ali. Está. em particular a superlotação dos leitos e a consequente incapacidade de suportar toda a demanda.. 11 Esta edição do jornal escreveu o nome do diretor de forma equivocada.Raphael Santos/Marco Carvalho As deficiências da situação do S. apontando as falhas e expondo a maneira de corrigi-las. desabrigados. 17 de outubro de 1946. Verificando matérias jornalísticas posteriores.A... que havia uma precariedade quanto a infraestrutura do S. para que não haja mais dúvidas.” Neste mesmo relato. vieram a conhecimento do público através dos periódicos. “Pedron”. como relata o A Manhã12 “Alojamentos provisórios foram agora construídos nas dependências do S. na mesma matéria acima citada. Matos de Alencar. encontram orientação segura.. A notícia de que o governo pretendia tomar providências quanto à situação do órgão que deveria assistir os menores foi veiculada em diversos periódicos. também.A. ano 4.” A Gazeta de Notícias ainda acrescenta. 27 de março de 1952. presentemente. ficou nítido o caráter socioeducativo do projeto e dos ideais políticos. O interesse era tamanho no projeto. depois do que serão encaminhados aos estabelecimentos adequados a um processo eficiente de recuperação. 26 de março de 1952.] destinada a debater os problemas da infância desajustada do país”15. ano 4.. n.M. e. presidente da Associação Brasileira de Ajuda ao Menor (ABAM). Jul/Dez 2013: 458-469. a gênese do problema. 14A Noite.Menores e criminalidade. 10 de setembro de 1955. que se inseria neste contexto da prevenção da Entre as atribuições do S. Tentando dar maior visibilidade à luta que travavam estes setores contra a criminalidade e o abandono de menores. suportando a internação de dois mil e quatrocentos menores. na disseminação e conscientização do povo para a situação.” Neste contexto. o governo e órgãos dele derivados se importavam também com as mães. Após a inauguração do evento. Foi “organizada pelo Juiz de Menores e [. a necessidade de reeducação dos marginalizados quanto às questões estruturais dos órgãos responsáveis. testes de nível mental13 e de escolaridade.A. . sexos. figurava a necessidade do amparo psiquiátrico. 15Correio da Manhã. 16Correio da Manhã. “que abordará os principais aspectos do problema” e também a presença de Adalgisa Lourival Fontes. 9.. gestantes.A.. é disponibilizada uma matéria jornalística justamente a respeito dos projetos e assistências psicológicas e psiquiátricas para os menores.16 Tinha-se também a consciência de que a criança não era o embrião. 15 de abril de 1952.M. que ficara responsável pela organização do evento. entre outros indivíduos ligados à cargos governamentais. mais precisamente entre os dias 14 e 19 de abril. foi realizada em 1952 a “Semana do Menor Abandonado”. implantando toda uma política de assistência e educação maternal. denominada Programa de Proteção Materno-infantil. 13 Historien (Petrolina). que a Semana contava com a participação do ministro Saboia Lima. Em matéria veiculada pelo periódico A Noite.. os candidatos e submetem a exames médicos. Durante sua permanência nesses locais. As conferências realizadas abordavam questionamentos tanto referentes às medidas socioeducativas. em vias de internação nas diferentes escolas que constituem a rede assistencial do S. desta forma. de 15 de outubro de 1955. sob os auspícios do Estado Novo em 1940. o periódico A Noite14 noticia que um novo estabelecimento vigorará na Ilha das Flores. ao mesmo tempo. preservar a saúde da criança pela manutenção da estabilidade de sua família implicava na constituição de meios que executassem esta dupla tarefa..M.” Na esteira deste processo de intensificação das ações na década de 1950. tidas como outros elementos desviantes do caminho natural.) Construção do Instituto Padre Severino e da Granja Escola. verifica-se a atenção dada a esta questão. Há cem mil menores abandonados no Brasil. 06 de fevereiro de 1955. n. Trabalhando em estreita colaboração com o Prefeito. a integração social. Propondo a criação e dirigindo o Posto de Puericultura equipado com um Lactário (unidade para extração e redistribuição de leite materno). 465 Historien (Petrolina). 9.. no qual os caminhos da saúde e do perfeito desenvolvimento físico e moral seriam dados. poderia sugerir medidas de saneamento local. ano 4. orientadas pelo Estado e contando com a participação de quem já tinha tais problemas resolvidos.Raphael Santos/Marco Carvalho criminalidade e desfavorecidos que aqui tratamos. Tudo estava sendo 17Op. . Para tanto.A. na Ilha do Governador – Quatro oficinas e ateliês de música e pintura – Futuramente.” Na mesma matéria.considerado o mais perfeito alimento para o indivíduo na primeira infância.” E acrescenta ainda que “Em resumo. para interessar as firmas industriais. e passaram “onde outrora nenhum jornalista entrava sem emoção e ao mesmo tempo ódio”. 18Diário Cit. e o jornal Diário de Notícias18 faz um apelo em suas páginas: “CUIDEMOS DAS CRIANÇAS DO BRASIL – DOZE MIL CRIANÇAS NO SAM.. dizem os entendidos – (. a Bolsa de Trabalho. surge a ideia da construção do Instituto Padre Severino. Jul/Dez 2013: 458-469. de Notícias. André Ricardo Pereira17 comenta que “Ao erradicar concepções advindas da ignorância. o médico permitiria o retorno àquele idealizado "estado de natureza". p. promovendo. distribuição de alimentos etc. o médico estaria estimulando a amamentação ao peito . Neste sentido. – e moral – educação das mães e das crianças –. onde jornalistas visitaram as instalações do S. evitando a propagação de doenças. os meios físicos deveriam propiciar a assistência material – atendimento médico. 177. A antiga visão dos maus-tratos era eclipsada mediante as constantes atividades e projetos. A este respeito. Cit. A visão sobre como o Estado brasileiro encarava o problema dos desvalidos. entravado em diversos debates. n. especulava-se a saída do padre Pedron do cargo de diretor do S. leitora destes periódicos aqui tratados. Após sua inauguração. pode-se afirmar que as tentativas de reorganização institucional ficavam demasiadamente restritas ao âmbito teórico. quanto a situação calamitosa vivenciada no Distrito Federal: “O cargo de diretor do Serviço de Assistência ao Menor (SAM) que devia estar nas mãos de um entendido. Segundo este mesmo jornal. de Notícias.A.Menores e criminalidade. analisamos seriamente os problemas que dizem respeito à criança em geral e aos abandonados em particular. ano 4. trabalhamos muito. mas um Congresso não é executivo. termos como “depósito de menores”.. com esta especulação.” Analisando a fala do juiz. As tentativas proliferavam. Não mais tinha espaço na mentalidade brasileira.. Houve um congresso em Curitiba em 1953 que visava realizar um debate com autoridades acerca da situação presente do menor abandonado. é hoje um cargo político”20 Com esta situação.M. transviados e delinquentes juvenis estavam transformando-se em algo positivo.A. Jul/Dez 2013: 458-469. o desejo crescente em ocupar o cargo de diretor de uma instituição 19Diário 20Op. que a administração era regida de acordo com interesses políticos e não socioeducativos. relata que “O congresso foi muito bom. mas havia ainda certa resistência quanto a parte administrativa do S. Mourão Russel. 9.. o jornal critica a organização e o comprometimento por parte do S. 09 de julho de 1953. Historien (Petrolina). Interessa-nos demonstrar que. .M. gerou-se na capital uma corrida para ver quem ocuparia o cargo que ficaria vago. O Instituto Padre Severino seria a ilustração principal deste processo. Encarava-se. em entrevista para o Diário de Notícias19. primeiro Juiz de Menores.A. O sr.M.. reformulações legais ou estruturais e ampliação das instalações. reestruturado. ao menos na visão da imprensa. planejava-se alocar em seu interior uma série de oficinas culturais e profissionalizantes. percebe-se o diálogo existente entre o objeto do presente estudo e a política trabalhista varguista: segundo as autoridades. antes disto. mas antes devido à verba que o S. ganhava exemplificação neste contexto. no Rio de Janeiro. recebia. No atual estado da pesquisa.M. fazia parte deste projeto sociopolítico a preparação e subsequente encaminhamento para postos de trabalho. desenvolve-se no CEDOM21 um projeto ligado ao Novo Degase. n. Homogeneizar. ou seja. A utilização dos periódicos contemporâneos ao período tratado é elucidativa no sentido de podermos compreender a importância política que era dada a questão. as etapas consistiam em retirar o transviado do seio da sociedade. Neste sentido. CONSIDERAÇÕES FINAIS É importante salientar que o presente estudo não tem o intuito de solucionar um questionamento historiográfico.Raphael Santos/Marco Carvalho que zelava pela recuperação de abandonados ou criminosos não se fazia no que diz respeito a interesses socioeducativos. ou seja. visa elaborar um levantamento e exposição de fatos significativos no que se refere às atitudes e as preocupações das autoridades brasileiras quanto a situação em que se encontravam os menores abandonados e vitimados pelas ações criminosas. tendo que se disciplinar ou sofrer as represálias. ano 4. . para que não a contamine e alocá-lo em uma espécie de reformatório. zelar pela coesão da brasilidade tornava-se um dos eixos principais da política instaurada após 1930 com Getúlio Vargas.A. Uma vasta documentação encontra-se ainda inutilizada devido aos maus tratos do tempo e a falta de conscientização social no que e refere a compreensão da importância 21 Centro de Documentação e Memória. Jul/Dez 2013: 458-469. 467 Historien (Petrolina). que tende a resgatar parte significante da história do menor em dificuldades com a lei desde a década de 1920. 9. base da ideologia varguista. saindo então devidamente moldado ou preparado para ocupar um posto de trabalho. Neste âmbito. não tinham espaço na sociedade aqueles que divergissem do modelo sociopolítico apresentado. a questão política. conforme denunciada pelo Diário de Notícias tomava corpo. . André Ricardo. Historien (Petrolina). . .A Manhã. vol. Menores Desamparados da Proclamação da República ao Estado Novo. s/d LONDONO. 9. Trabalho. n. Mary (org.Diário Carioca. Florianópolis. ano 4.. n. São eles. . A origem do conceito menor. Fernando Torres. PEREIRA. 203 – 220.38 São Paulo.1944. 1991. .. majoritariamente. Laura Valéria Pinto. BIBLIOGRAFIA Fontes primárias .Menores e criminalidade. 26. 1999.Decreto nº 16575 de 11. Referências Bibliográficas BAZÍLIO. 14. fichas cadastrais.A noite. formação profissional e educação do adolescente. Revista brasileira de História. História da Criança no Brasil.19 n. . documentos pessoais. destes documentos. A criança no Estado Novo: uma leitura na longa duração.Correio da Manhã.Diário de Notícias. prontuários.09. In: DEL PRIORE. .). Luiz Cavalieri. Revista Perspectiva.Regimento do Serviço de Assistência ao Menor. p. v. etc. jul/dez 1996 FERREIRA. Jul/Dez 2013: 458-469. . In: PILOTTI. Um histórico da legislação para a infância no Brasil. Irene. ano 4. Irene. Rio de Janeiro: Instituto Interamericano Del Nino. da legislação e da assistência à infância no Brasil. 9. Editora Universitária Santa Úrsula. n. F. A arte de governar crianças: a história das políticas sociais. Jul/Dez 2013: 458-469.Raphael Santos/Marco Carvalho RIZZINI. 469 Historien (Petrolina). 1995. e RIZZINI. Crianças e menores: do pátrio poder ao pátrio dever. Amais Livraria e Editora. Misto de propaganda oficial e de exigência do sistema de produção cinematográfico. n. Monumentalização. desconstruindo o discurso americano e enaltecendo a autoimagem do país. ano 4. deconstructing the American discourse and praising the self-image of the country. Odinochnoye Plavaniye allows a closer relationship with the complexity of Soviet society. Desmonumentalização. Mestre em História Política e Movimentos Sociais pela Universidade Estadual de Maringá. In this process. Nesse processo. For their analysis was employed the social history of 1 2 Recebido em 10/10/2013. the Soviets built and reaffirmed the representation made over the United States. E-mail: mw. .com.O RAMBO RUSSO: A DESMONUMENTALIZAÇÃO DO HERÓI AMERICANO E A MONUMENTALIZAÇÃO DO HERÓI SOVIÉTICO ATRAVÉS DO CINEMA1 Moisés Wagner Franciscon2 Resumo: O sucesso internacional da série Rambo e sua gritante mensagem antissoviética possibilitou à URSS a oportunidade de produzir um filme de ação nos mesmos moldes. Para sua análise foi empregada a história social do cinema de Marc Ferro. Aprovado em 23/11/2013. Odinochnoye Plavaniye permite uma maior aproximação com a complexidade da sociedade soviética.franciscon@hotmail. Abstract: The international success of the Rambo series and its blatant anti-Soviet message has enabled the USSR the opportunity to produce an action movie in the same way. juntamente com os conceitos de monumentalização e desmonumentalização de Marcos Napolitano. Mixed official propaganda and requirement of cinematic production system similar to its western. Historien (Petrolina). como seu similar ocidental. os soviéticos construíram e reafirmaram a representação que faziam dos Estados Unidos. 9. Palavras-chaves: Cinema. usually hidden by the theories of totalitarianism. geralmente ocultada pelas teorias do totalitarismo. União Soviética. Jul/Dez 2013: 470-489. Odinochnoye Plavaniye não trata de eventos históricos passados. portanto. A melhor tradução seria “Viagem solitária”. Como gênero. que procuram prender e dar a dimensão ao expectador da tensão política existente na primeira metade dos anos 1980. Promove a desconstrução da imagem do herói americano (bem como da imagem que os soviéticos faziam do americano típico) a partir da própria visão tradicional soviética de heroísmo. 9. . de Marcos Napolitano. INTRODUÇÃO Odinochnoye Plavaniye recebeu diferentes nomes. se assemelha a uma forma híbrida entre o realismo socialista praticado na URSS e o filme de ação americano. segundo o país em que foi exibido: The russian hero. A obra se insere como mais um capítulo da rivalidade entre os Estados Unidos e a União Soviética no período conhecido como Segunda Guerra Fria (HALLIDAY. Keywords: Cine. Jul/Dez 2013: 470-489. Soviet Union. puderam descrever bem ao filme. Monumentalization.Moisés Wagner Franciscon film by Marc Ferro. até mais de dois. bem como do alegado pacifismo soviético e do belicismo americano. Solo Voyage: the revange. possui um papel importante e necessário para a análise do filme. Demonumentalization. The detache dmission. ano 4. n. Pode ser considerado. mas de eventos ficcionais baseados no presente. Sovit: la respuesta. Le soviet. Como produto social e também um olhar de uma sociedade sobre outra. dirigido pelo georgiano Mikhail Tumanishvili e é considerado como a versão russa de Rambo. A rivalidade em sua composição impôs a absorção de elementos do cinema do inimigo ideológico. 1983). obra de propaganda? O cinema ocidental costuma não ser 471 Historien (Petrolina). a teoria da história social do cinema de Marc Ferro. É um filme soviético de fins de 1985. Quando os distribuidores internacionais passaram a acrescentar o subtítulo de “revanche”. along with the concepts of monumentalization and demonumentalization of Marcos Napolitano. O discurso embutido no filme é melhor percebido com o uso dos conceitos de monumentalização e de desmonumentalização na escrita fílmica. seria. ou grupo de pessoas. O avesso do sistema de produção soviético. 178). portanto. Se Rambo foi um sucesso. interpretações ou negações. O sucesso da propaganda política não consiste na lavagem cerebral. p. Mas o uso dos sentimentos não foi monopólio do cinema dito totalitário. geridos por agências centrais encarregadas da burocracia e da censura.7). orçamento. Justifica-se que o cinema soviético seja percebido apenas como propaganda porque o regime utilizava agências declaradamente de propaganda para seu fomento ou que era um regime que a tudo politizou (TAYLOR. 2012) ou ainda pela extensão econômica do Estado (OVERY. das massas que participaram da luta armada ou da construção do socialismo e se identificassem com o que foi produzido3. em que os diversos estúdios de cinema são empresas estatais. n. O sucesso desse tipo de campanha pode ser de tal ordem que a propaganda possa fazer parte dos pilares de sustentação do regime. Seus criadores. em seu apelo junto às massas. como seu apoio. 1998. argumenta-se que a indústria cinematográfica ocidental curva-se ao mercado – os estúdios produzem o que o consumidor quer ver. Ou então como algo que penetra no indivíduo. . dependentes do crédito e das encomendas governamentais. p. a ‘propaganda’ é a atividade. em vez de analisá-la em um plano mais abstrato para uma definição mais satisfatória. Basta lembrar-se do próprio material sobre o Isso fica bem claro com a definição dada por Taylor: “‘Propapanda’ é concernente com a transmissão de idéias e/ou valores deuma pessoa. 2009). sensato. mas sim em sua vinculação e em sua capacidade de apreensão do momento. Como ponto final. 3 Historien (Petrolina). estúdios. 1999. dependem da iniciativa e de recursos privados. não para transmitir uma mensagem clara.170. Onde a ‘propagação’ é a ação. sem releituras. 1998). com uma transmissão plena. Maria Helena Capelato entende a propaganda do Estado no cinema como a tentativa de causar emoções por meio da narrativa fílmica.O Rambo russo visto como obra de propaganda política. 9. para outro. mas para produzir determinados efeitos pretendidos sobre as massas. A filiação entre cinema e regime é muito mais palpável na URSS que nos Estados Unidos. começar com as particularidades eexaminar mais de pertoas várias fases do processo de transmissão” (TAYLOR. como se nada no cinema fizesse parte também do imaginário social. O termo traz um aspecto vazio e artificial. ano 4. Mas ela não nasce nem se sustenta do nada. da pura retórica (CAPELATO. pelo uso confesso pelos líderes (PEREIRA. Jul/Dez 2013: 470-489. isso se deve unicamente às massas de expectadores americanos ávidos por violência e mensagens conservadoras e nacionalistas. da mesma forma que esta pode controlar os estúdios – propriedade sua. pois tanto no Ocidente como no Leste os dirigentes tiveram a mesma atitude. Painel confuso. o que o tornariam uma voz oca e contrária aos interesses do regime. aponta para a propagação dos ideais conservadores já existentes em amplos segmentos da sociedade e do meio político americanos para outros campos dessa mesma sociedade e para outros países. O mesmo se pode afirmar da produção soviética..Moisés Wagner Franciscon qual Odinochnoye Plavaniye foi elaborado: Rambo presencia seus compatriotas em inanição serem espancados por soldados vietnamitas bem armados. amparado nos referenciais gramscianos. ideais defendidos pelo regime enaltecidos. sem ser necessária uma ligação umbilical com o mesmo. ano 4. Esses cineastas. n. p. Ela não era algo aéreo. Inimigos demonizados. Por essa visão. Jul/Dez 2013: 470-489. entretanto. de 473 Historien (Petrolina). Enredos que não possuem diferença profunda com filmes como o stalinista Padeniye Berlina ou o nazista: O jovem hitlerista Quex. tentaram apropriar-se dele e pô-lo a seu serviço: em relação a isso. uma jovem ser assassinada e. pretende permanecer autônomo. estão cada um a serviço de uma causa. O que Capelato (1999. conscientemente ou não. Qual é. e não ao nível das ideologias. as diferenças se situam ao nível da tomada de consciência. dos Sovietes ou da Burocracia. uma necessidade no modelo americano de cinema. com mensagens deslocadas de sua sociedade. a diferença entre alguns produtos do cinema das democracias liberais e o dos regimes que se afirma serem totalitários? Os interesses do Estado podem se expressar no cinema de diferentes formas. As autoridades. Silva (2009). principalmente com o surgimento como blockbusters e suas exigências de financiamento. também vale para a produção cinematográfica americana.o menino-soldado que luta contra os ocupantes soviéticos. de que ideias e mercadorias eram vendidas concomitantemente. Este. portanto. o cinema no ocidente ou no leste mais se assemelha do que se distancia como afirma Marc Ferro: Desde que os dirigentes de uma sociedade compreenderam a função que o cinema poderia desempenhar.]. desejam tornar submisso o cinema.. agindo como contra-poder [. . Principalmente se o considerarmos como instituição controlada por facções pertencentes à classe dominante. sejam as representantes do Capital.177) afirma para o Estado Novo e os fascismos. também continham em seu âmago mensagens do sistema econômico. 9. seus empregados. e o trabalho dos diretores – em última instância. A propaganda de bens de consumo. quando o financiamento da indústria cinematográfica passou a enfrentar a ameaça representada pela diminuição de público pagante e os estúdios das repúblicas soviéticas aumentaram sua produção mas majoraram seus prejuízos. por exemplo. kinovoeniana (LAWTON. 1992. Antes da concepção do cinema como indústria e linha de montagem.146-149). Entretanto. 2012). n. Não explicam. o diretor poderia decidir desde o orçamento – sempre alongando mais e mais as filmagens e gerando novas necessidades. ano 4. os cineastas e produtores discutiam se o cinema deveria ser comercial ou autoral. É difícil conceituar um filme assim porque todos trazem uma visão ideológica. Como o Plano Quinquenal estipulava. Os empresários recorreram à industrialização e aos executivos como forma de tomar o controle dos diretores. pensa no filme político ou filme de propaganda dentro de limites bem mais estreitos.O Rambo russo uma ideologia. O desenvolvimento dos filmes de ação soviéticos.192). 2009. explicitamente ou sem colocar abertamente as questões. sempre o mais apreciado pelas massas soviéticas. como prefere Troncale. Para ele. p. 1992a. demonstra a maior força da última corrente. quanto a duração da obra ou toda e qualquer alteração no roteiro. Napolitano. Jul/Dez 2013: 470-489. 9. O argumento do mercado todo poderoso para a produção ocidental e da plena liberdade do diretor tem falhas essenciais. O cinema de entretenimento. preços dos ingressos. p. refinado ou destinado às massas (BEUMERS. isso não exclui o fato de que haja entre eles resistência e duros combates em defesa de suas próprias ideias (FERRO. Essa pressão aumentou a partir dos anos 1960. teve um incremento nas comédias – que costumavam ter o maior público – e no até então menos frequente gênero de filmes de aventuras. como um gênero destacado do cinema bélico. o filme político caracterizado por ser propagandístico e apoteótico não é algo tão comum quanto se pode imaginar. 13-14). além do orçamento dos filmes. Esse mercado imposto na prática obrigava os estúdios a rodar filmes com algum apelo popular. 4 Historien (Petrolina). ou. Concomitantemente. também estimativas para a audiência nas salas de exibição (KENEZ. assegurando assim seu lucro e impondo tudo o que julgassem necessário para a preservação deste (PEREIRA. 2008). . fornecedores. p. decepções com o público pagante ou com as pressões que retiraram dos diretores poder real sobre a produção desde o surgimento dos executivos de Hollywood4. Tampouco os soviéticos não enfrentavam qualquer desafio similar. . Explica que elas são atividades dirigidas contra nações estrangeiras. Um reportar da fictícia rede de TV ASB. latente ou secund|ria. controlando todo o tráfego marítimo entre os dois oceanos. Hessalt e seu braço direito. orquestradas de tal forma que jamais a culpa dessas ações recaem sobre os Estados Unidos. Era guarnecida por um submarino e dois barcos lança-mísseis. Crowder oferece uma última missão. Hessalt é atormentado pelas lembranças de sua última ação no Vietnã. diz que exercícios militares na junção dos oceanos pacífico e índico reuniram os países membros da OTAN. o sargento Eddie Griffith (Nikolay Lavrov). Enquanto entretém os mercenários com dançarinas cubanas exiladas. Simultaneamente. os soviéticos realizariam seus próprios exercícios militares com a esquadra do pacífico. Seguem-se imagens do porta-aviões nuclear Nimitz. Continha silos atômicos equipados com míssil Cruise de longo alcance. Jul/Dez 2013: 470-489. na ponte do porta-aviões. 2011. Filmes políticos devem ser aqueles “nos quais o tema da política é o eixo do roteiro e da narrativa” (NAPOLITANO. são mercenários que são periodicamente usados pela CIA em suas operações secretas. p. MONUMENTALIZAÇÃO E DESMONUMENTALIZAÇÃO Odinochnoye Plavaniye inicia-se com uma introdução às operações secretas da CIA. Ao mesmo tempo as lideranças das superpotências planejam um encontro para tratar do desarmamento. revela a existência de um arquipélago não mapeado próximo do local de realização dos exercícios militares das esquadras da OTAN e da URSS. Um incidente poderia desencadear uma guerra. revela seus planos de eliminá-los para manter a operação em segredo absoluto: “De que 475 Historien (Petrolina). Um míssil com carga convencional deveria ser empregado contra um navio de passageiros da rota San Diego-Cingapura. O major Jack Hessalt (interpretado pelo ator letão Arnis Licitis) tem um encontro com o alto escalão da CIA. sob a batuta americana. ano 4. TRAMA. n. Os dois lados vigiam-se e o clima é tenso. Foi construída uma base militar no local. encabeçado por Frank Crowder (o também letão Janis Melderis).Moisés Wagner Franciscon declarada.83). A cena seguinte passa-se na Flórida. em reunião com outro agente. 9. onde comandava missões punitivas que incendiavam aldeias e matavam os camponeses. Após dispensá-los. ou Guerra nas Estrelas.O Rambo russo você tem pena. Hessalt desenvolve um plano contra Crowder. Instalam uma carga atômica num míssil cruise e decidem Em uma época em que a passagem nordeste do Ártico ainda era impraticável pelo gelo. 9. Ele sabe o verdadeiro significado de sua última missão para a CIA e confidencia a Griffith que serão eliminados assim que a operação for realizada. . Seu regresso é adiado quando são chamados pelo Alto Comando para resgatarem um casal de americanos naufragados no arquipélago. n. Como maiores interessados e patronos da operação. cheia desses amarelos”. mísseis intercontinentais. Jul/Dez 2013: 470-489. Tomam de assalto a base. os bombardeiros B1 e F-117 Stealth. a ampliação da frota. em meio a seu jogo. O expectador é apresentado ao major Shatokhin (Mikhail Nozhkin) e ao seu pelotão da infantaria naval. sua fragata toma parte nos exercícios militares antes de regressar à União Soviética. Os almirantes soviéticos sabem que a explicação para o disparo do míssil está nessa ilha. comentam e defendem a operação planejada pela CIA. bem como outros programas como. temem o fim dos contratos governamentais com suas empresas. O preço da amizade entre os povos seria de 460 bilhões de dólares e o trabalho de 1/5 dos americanos. “marines” soviéticos apelidados de cassacos negros devido aos seus uniformes. Grandes magnatas do complexo industrial-militar americano. A cena seguinte ocorre num campo de golfe. Michael? O maldito é um sádico. o fim das pesquisas com o sistema de defesa estratégico. 5 Historien (Petrolina). Após tentar eliminar os náufragos americanos. que ela é de importância geoestratégica para a URSS por controlar as rotas marítimas essenciais para o país5 e para lá enviam os fuzileiros de Shatokhin. preveem que o ataque ao cruzeiro de Cingapura colocaria a opinião pública mundial contra os soviéticos e contra os encontros diplomáticos pelo desarmamento. Incendiou toda uma aldeia perto de Saigon. metralhando os soldados pertencentes à força aérea americana. Seu barco foi destruído pelo míssil lançado pelos homens de Hessalt numa tentativa frustrada de atingir o cruzeiro. ano 4. a URSS dependia da navegação de circunavegação da África e da Ásia para ligar seus portos europeus aos do extremo oriente asiático. Após meses em alto-mar. Tendo em mãos a manchete dos jornais para os próximos dias. numa viagem solitária. que virara um ícone dos movimentos pacifistas após escrever uma carta para o 477 Historien (Petrolina). Ainda no mesmo ano. O avião foi derrubado. utilizando respectivamente a OTAN e o Pacto de Varsóvia. entre 1969 e 1979 (como os acordos SALT I. Em 1983. Jul/Dez 2013: 470-489. 1993). . A tensão chegou ao limite entre os anos de 1982 e 1983. empreenderam grandes exercícios militares junto à Cortina de Ferro sem prévio aviso. Em 1982 EUA e URSS. causando a morte de 269 pessoas. insatisfeitos por verem a OTAN implantar silos nucleares nos países europeus membros ou por verem os impostos cobrados por Reagan terem esse destino. o voo 007 da Korean Airlines invadiu o espaço aéreo soviético e sobrevoou importantes bases militares secretas na península da Kamchatka. n. a tripulação não respondeu à exigência de mudar sua rota. Em seguida. afirmaram que o voo de nome sugestivo tratava-se de uma missão secreta promovida pelos EUA e pela ditadura sul-coreana que empregava os passageiros como escudo humano. de limite territoriais. gerando a apreensão em cada um dos lados de uma invasão iminente. Impedem o lançamento. iniciando uma guerra no Pacífico. derrotam o submarino e os dois barcos lança mísseis.Moisés Wagner Franciscon bombardear a esquadra soviética. Ronald Reagan logo em seguida ao incidente acusou a URSS de ser o império do mal. II e o Tratado de Helsinque). Shatokhin derrota os homens de Hessalt nos arredores da base para em seguida adentrá-la. Os soviéticos alegaram imaginar que se tratasse de um avião espião e não de um Boeing 747. e com a ajuda de sua fragata. de direitos humanos ou que punham limites à corrida militar estratégica. os revesses dos Estados Unidos na política externa – sempre explicados pelos setores conservadores americanos como obra de Moscou – a eleição de Reagan e a expansão do campo formado por países socialistas no Terceiro Mundo levaram ao fim do período da Détente e ao início da Segunda Guerra Fria (HALLYDAY. a garotinha americana Samantha Smith. em seu célebre discurso. Abordado por caças soviéticos. ano 4. A CIA e as forças armadas decidem varrer o pequeno arquipélago do mapa com um bombardeio feito por um B2. 9. marcada pelos encontros entre seus líderes e a assinatura de acordos desarmamentistas. que levará horas para chegar. A crise dos euromísseis levou centenas de milhares de cidadãos dos Estados Unidos e da Europa Ocidental às ruas. Após uma década de arrefecimento nas relações entre as superpotências. 2010. Ao ser descontruído. o historiador seria: Alguém que dedica uma parte significativa da sua carreira a criar significado a partir do passado. morreu em um acidente aéreo em solo americano. Jul/Dez 2013: 470-489. Ambas as afirmações parecem injustificadas. filmes históricos. p. os diretores tornam o passado significativo. Todos continuam voltando a tratar do assunto fazendo filmes históricos. Todos [historiadores e cineastas] parecem obcecados e oprimidos pelo passado. a qual o historiador está preso. Napolitano toma o conceito de monumentalização criado por Eduardo Morettin para analisar dois filmes de ambientação histórica. ano 4. não como uma fonte simples de escapismo ou entretenimento. Para Rosenstone. Ao fazer isso.O Rambo russo secretário-geral do PCUS Yuri Andropov. A necessária continuidade dessa linha de pensamento levaria a conclusão de que diretores que produzem filmes que abordam cenários políticos contemporâneos fazem o mesmo trabalho que cientistas políticos. Para esse processo de desconstrução por meio da narrativa fílmica Napolitano cunhou o termo desmonumentalização. . Todo monumento é uma busca de sentido no passado – de eventos e personagens. Esses acontecimentos formam o argumento do filme. de três maneiras diferentes – criam obras que visualizam. Um monumentaliza. o cineasta que produz filmes do gênero de época. a questão de monumentalização de eventos e personagens (ou sua desconstrução enquanto Historien (Petrolina). n. e o cinema é um dos campos mais propícios a essa tarefa: Como parte das estratégias de representação que dão sentido político aos filmes históricos. permite perceber camadas de historicidades. Podemos afirmar o mesmo para o presente. o discurso de poder. contestam e revisam a história (ROSENSTONE. o outro os desconstrói.173-174). no mínimo. 2010. Desse modo.173-174). Com o diferencial de possuir uma narrativa mais rica e interessante que a escrita. 9. faz o mesmo trabalho que o historiador. mas como uma maneira de entender como as questões e os problemas levantados continuam vivos para nós no presente (ROSENSTONE. enaltece fatos e personagens. p. independentemente da mídia/linguagem. para ele. p. As estratégias de monumentalização e os limites a esse mesmo processo dependem. mostrando homens no lugar de semi-deuses: Procuramos destacar uma operação central em filmes históricos que é o da monumentalização ou da demolição de monumentos Os filmes soviéticos costumam ser bem apurados quanto ao armamento empregado. Ou as fraquezas humanas naturais onde antes estas não apareciam. Mais ainda: é construído sobre tensões e contradições. Até o histórico rifle de assalto STG-44. O monumento histórico é embelezado e não é real. A dicotomia construída entre bem e mal. dissolvida ou tornada o contrário do costumeiro. As outras armas são armas soviéticas ou do Leste Europeu. É criar um enredo ácido que nega as características heroicas ou monumentais de personagens e processos. no caso de Odinochnoye Plavaniye) dissonante da narrativa. Este não foi o caso de OdinochnoyePlavaniye. sobre o qual atua o “específico fílmico” que com sua linguagem própria tenta moldar ou trabalhar a memória histórica(MORETTIN. A única arma de fabricação americana em cena é a carabina M1. . como a tchecoslovaca ZB26 (imitando uma BAR?). por sua vez. interesse onde antes existia apenas o idealismo. É uma tentativa de desmontar mitos e discursos estabelecidos. 9. 6 479 Historien (Petrolina). Jul/Dez 2013: 470-489. A desmonumentalização é a inversão da narrativa tradicional louvatória. Invés da visão heroicizada. da Alemanha nazista. A monumentalização pode ser igualmente a exaltação de características tidas como nacionais ou ligadas ao regime por meio de um personagem real ou fictício. aparece disfarçado.65). A outra arma ocidental é o fuzil G3. sobre-humana de personagens. 2011. Um passo necessário é a reconstrução e silenciamento do passado (ou do presente. vileza. para se assemelhar ao M16 americano. mostra corrupção. ou de se arranhar a imagem de quem se pretende criticar. A monumentalização. alimentada com balas de pistola. como os tanques tiger que foram retirados de museus para as filmagens de Osvobozhdenye. n. Além da memória social. As antigas certezas tornam-se fluídas e vagas. pode ser elencada a percepção que essa sociedade faz de algo além de seu passado – como outras sociedades e regimes de sua mesma época. é rompida. encontra no cinema – linguagem espetacular por excelência – um grande potencial de realização (NAPOLITANO.Moisés Wagner Franciscon “monumentos”) tem um papel central na escrita fílmica da história. ano 4.tanto do nível técnico6 da indústria cinematográfica quanto da memória social que se quer trabalhar. com o monumento sempre representando o bem. 2011). de fabricação alemã ocidental. . fuzila à traição. mas adora a guerra. tradições historiográficas e memoria social. É como material fragmentado. 2011. p. como parte da batalha pela representação do passado. Não é apenas o ideal individualista americano presente na figura de John Rambo que é desfeito pela narrativa fílmica. Pelo contrário. 9.O Rambo russo (desmonumentalização). Ele é que é chamado e se apresenta. Ele não protege. Jul/Dez 2013: 470-489. ele mata americanos perdidos num naufrágio na calada da noite. diretores alienados e diretores críticos. de decidir se a história é ciência ou ficção literária (ou cinematográfica). Frank Crowder ocupa o papel do coronel Sam Trautman. portanto. Estes são abandonados à própria sorte. Não e trata. Não se trata de proferir juízos de valores. pelo contrário. defensor de jovens vietnamitas. Ele não possui um coração bondoso que o faz desrespeitar ordens diretas para não se engajar na luta pelo bem de outrem. a filmes “críticos”. mas um sanguinário cheio de sequelas. Trata-se de refletir acerca da capacidade de refletir acerca da capacidade de reflexão histórica proposta pelo cinema. O agente do governo americano não vai até ele. usado para o serviço sujo e descartado logo em seguida. pode-se insinuar que os “unguentos tibetanos” que utiliza são drogas injetáveis (mais um sinal da decadência ocidental. Não é a imagem da correção. Essa tarefa cabe aos soviéticos. segundo a retórica soviética). Não é um soldado valoroso. Não se trata de avaliar o filme pelo seu grau de fidelidade aos eventos representados. Apenas dá ordens aos seus subordinados. Ele não é um exército de um homem só. mas também na tensão entre expectativa geral e produto final. a partir de sua linguagem própria. Ele não se afasta de tudo para obter paz interna. de surpresa e pelas costas. Nesse processo. ocorre um diálogo específico entre obras cinematográficas. Jack Hessalt é a desconstrução do próprio John Rambo. Analisar a relação entre cinema e história é tentar entender o sentido que esses monumentos e ruínas adquirem nas telas. n. mas sim desconfiança e perfídia. sem cobrar dos filmes uma encenação fidedigna dos eventos ocorridos. O olhar soviético incide também sobre Historien (Petrolina).83-84). opondo filmes “manipuladores”. Ele não salva os americanos perdidos em alto-mar. Rambo troca sua libertação da prisão com trabalhos forçados pela missão de reconhecimento e resgate na Indochina. Hessalt o faz pela promessa de retorno à sua pátria. ano 4. parcial e muitas vezes anacrônico em relação aos eventos representados. que o filme pode se revelar como documento histórico da época e da sociedade que o produziu (NAPOLITANO. Não há fidelidade entre os oficiais. os soldados ainda leais à CIA e à força aérea. por meio da descoberta de um navio que naufragou na região7. Havia a ideologia oficial propagada pelo regime nas campanhas oficiais e uma autonomia da sociedade soviética. ano 4. As representações soviéticas acerca da vida nos Estados Unidos não podem ser generalizadas (ENGLISH. Pertencentes à classe média. O serviço secreto e as forças armadas trabalham para as corporações do complexo industrial-militar e não para a segurança da pátria. belicista. carregado com 40 toneladas de outro e prata. 2000). até o de sociedade desejável. eram marcadas por um dualismo gritante. O casal Harrison considera as ilhas inabitadas.Moisés Wagner Franciscon outras auto-representações de sua sociedade. esperam encontrar não só a fortuna como também sem a necessidade de trabalho árduo. “terra de ninguém”. Como tudo na URSS.típicos capitalistas predatórios. de que nos Estados Unidos não existem rouxinóis. confrontar ou negar ao todo essa mesma representação. O próprio sistema democrático liberal norte-americano é desmontado pela acusação de não ser de fato uma democracia. como sua propriedade privada (a ponto de serem reprovados pela marine soviético como sendo “capitalistas”). como imperialista. Flórida. frenético e cacofônico. O regime guia-se não pela vontade das massas expressa por seus representantes. O contraste é acentuado por uma fala do major Shatokhin. que poderia reproduzir assimilar. etc. em Key West. mas também o de abster-se”. O argumento pode ser fruto da descoberta feita pela família Fisher do galeão espanhol Nuestra Señora de Atocha. que não estão acostumados ao seu canto. n. evocando as raízes russas. substituindo-a por outras. Além da narrativa. Diferentes camadas e grupos possuíam visões igualmente diferentes. 9. no mesmo ano de 1985 e que se converteu num fenômeno na mídia americana e em fonte de motivação para caçadores de tesouro. mas por seus interesses. passando da percepção negativa dos EUA. quase uma caricatura do gênero. Jul/Dez 2013: 470-489. a democracia não é apenas o direito de votar a favor ou contra. 7 481 Historien (Petrolina). A trilha sonora nas cenas em que os americanos aparecem é preenchida por um rock agudo.. . outros elementos da linguagem fílmica contribuíram para a desconstrução do inimigo ideológico. A trilha sonora executada nas cenas com os soviéticos é composta por melodiosos acordeões. É o que expressa a metonímia de uns dos empresários que jogam golfe enquanto discutem como forçar a retirada dos Estados Unidos da mesa de negociação desarmamentista: “Afinal. imposta aos cineastas e estúdios por Stalin.311. os ministérios e as agências cinematográficas nos anos 1930. p. Após a morte de Yosip Stalin e a desestalinização promovida por seu sucessor. boina verde americano ferido pelos marines soviéticos.O Rambo russo Fig. 2009. já estava em refluxo fazia décadas. Do outro lado. Nikita Kruschev. Os 20 anos da imposição do realismo socialista deixaram marcas profundas. presenciamos a monumentalização dos princípios e ideais presentes na sociedade soviética e em sua ideologia oficial. Essa corrente do cinema soviético. n. 8 Historien (Petrolina). Foi um gênero que O experimentalismo. ano 4. Jul/Dez 2013: 470-489. Entre outras. os diretores puderam ter maior liberdade (LABARRÉRE. voltou com a criação de um estúdio dirigido por Chukhrai dentro dos da Mosfilm. 1. À esquerda. O major Shatokhin é a imagem do herói positivo defendido pelo realismo socialista. . Zhdanov. 341). Houve espaço até para uma Segunda Onda (1974-78) ou Nova Onda (1986-91) (LABARRÉRE. tão marcante até o fim dos anos 1920. testando os limites da nova autonomia obtida e da leniência das autoridades. As diretrizes do regime foram negadas. o Major Shatokhin com seu RPG-2. Uma nova geração de cineastas desmantelava o realismo socialista peça por peça. 2009). sentiu-se uma forte influência do realismo italiano e do cinema francês nos anos 1950 e 19608. 9. uma sucessão de ondas rejuvenescedoras atingiram a produção fílmica soviética. À direita. com uma história linear – o avesso da arte dos anos 1920. tempo das limitações. . Jul/Dez 2013: 470-489. como Andrei Tarkovsky que. ano 4. perdeu a cidadania soviética e foi impedido de retornar. os sentimentos pessoais antes que as regras coletivas. 9 483 Historien (Petrolina). ao estilo de Vertov. abertamente didáticas. com o apoio governamental. Segunda Guerra Mundial). uma nova forma de filmar em que havia espaço para a crítica (LABARRÉRE. relativamente simples. arquitetura. A Nova Onda era “a escola poética do cinema que se assemelha a escola de Pudovkin. As montagens. de Romm (BEUMERS. os clichês impostos habitualmente: o indivíduo antes que a massa. que existia mesmo sob Stalin. revitalizando o cinema autoral. que “rompeu com a tem|tica e.57. com a estética prevalecente até então de forma radical: rechaço da narrativa tradicional. mesmo aqueles que se utilizavam da desmonumentalização para criticar o próprio regime.431. p. Como mostra o trabalho do cineasta Alexei German (LAWTON. O realismo socialista. lirismo e espiritualidade”. instaurando uma nova fotografia. retornaram com Fascismo Ordinário. com “trabalhadores heroicos cujo maior objetivo de vida é a construção do socialismo”. dos setores que se sentiam confortáveis com sua mensagem e dos cineastas que esperavam fazer carreira dentro da máquina estatal atendendo a essas demandas. como as acusações de privilégios em Quando voam as cegonhas. acabou sendo exilado quando se encontrava em viagem pela Europa Ocidental. sem ênfase excessivo e evitando. O limite do aceitável parece ter sido a politização da fala dos cineastas. A nova escola foi chamada de escola “arcaica” porque lidava principalmente com eventos e épocas passadas. religião e poesia” (LAWTON.173. pintura e cinema) deveriam ser claras. bem como de transmitir alguma mensagem que fosse considerada valiosa ou interessante pelo regime (LAWTON. 2009. 1992. 9. n. Eisenstein. p. folclore abrangente. Kenez (2008. poetas. o realismo socialista. com heróis positivos e temas ideológicos.Moisés Wagner Franciscon se arraigou nos estúdios e que subsistiu. otimistas. p. após criticar publicamente o governo. com seus temas tabus e sua pressão por seguir um manual para o cinema foi tachado de malokartinnyi. 1992). porém eram tratados de maneira mais íntima. 1992. de uma forma ou de outra. subsistia. em meio às novas correntes presentes no cinema. sobretudo.273). encontravam emprego nos estúdios e. na medida do possível. contos de fadas. O herói como homem do povo “Na realidade. conseguiam levar a maior parte de sua obra aos cinemas9. p. aos solavancos. que foram. de 1962. As diferentes apresentações da arte (uma vez que o realismo socialista atingiu a literatura. escultura. 5) aponta como características do realismo socialista a presença da coletividade ou de forças correlatas a ela. 174). Vertov e Dovzhenko. o amor antes do heroísmo”. no desinteresse pelos temas sociais.129). p. Apesar da força da Nova Onda. retorno { interioridade. o filme não se afastava dos grandes temas (Guerra Civil. 343) – inclusive a da atuação do país na Segunda Guerra. No cinema bélico foi marcante a obra de Tarkovsky Ivanovodetsvo. com suas dificuldades de atingir e prender a atenção das massas. 2009. e afundar um dos barcos americanos. Consegue passar comandos e tirá-los das situações mais complicadas. ao estilo de Rambo. Em 1984 produziu Sluchay v kvadrate 36-80. decisão. As visões negativas do país são deixadas de lado por uma que endossa sua contribuição para a paz mundial e a importância de suas forças armadas. Tumanishvili pretendeu criar heróis de carne e osso. Sabe a importância do trabalho coletivo e se mostra um líder nato. Mas se diferencia de seus homens por sua função e capacidades de organização. não o faz lançando uma frase de efeito. como se desvencilhar após serem rendidos pelos mercenários da CIA. para apreciar a primavera da região. CONCLUSÃO Após os anos de criticismo social no cinema da URSS. Uma quase inversão dos fatos. O apoio de Tumanishvili aos setores conservadores parece ser condicional. demonstrado acima de tudo pela comédia (FRANCISCON. ano 4. Ou sua filiação muda conforme o Historien (Petrolina). experiência. Shatokhin possuí um único desejo: retornar para sua aldeia natal na região de Vladimirov após sete anos de ausência. ganhando sua confiança e adesão. com um histórico familiar de luta pela Rússia desde os tempos de Napoleão ou que conheceram as forças armadas como fonte regeneradora. n. 2013). Jul/Dez 2013: 470-489. em que os soviéticos impedem a explosão de um submarino americano com problemas em seu motor nuclear.O Rambo russo também gerava empatia entre a plateia composta de operários e camponeses com o personagem e sua mensagem edificante e pró-regime. Após Shatokhin disparar seu lança-rojão. O major Shatokhin é um exemplo não só para seus homens. Não foi a primeira obra do gênero que se opunha ao cinema autoral e crítico feito pelo diretor Tumanishvili. como também para o casal de náufragos americanos. um filme nacionalista como Odinochnoye Plavaniye representava a força dos setores conservadores na sociedade soviética. São homens simples do campo e da cidade. Essa empatia tem início com a apresentação dos soldados do pelotão. caçar e ajudar seu pai já idoso com a carpintaria na pequena casa. 9. Ele e seus soldados precisam se ajudar mutuamente para conseguir que suas mãos trêmulas pudessem acender seus cigarros. Treina seus homens para os momentos de necessidade. . bem como quase todas as mesquitas e sinagogas (BROWN. na ordem de 18% do PNB nos anos 1970-80 (SEGRILLO. Expressões comuns mencionando Deus. p. p. pela referência a Deus. p. Nesse ano dirigiu Zaveshchaniye Stalina. Os volumosos gastos com as forças armadas. preparou o caminho para a impulsão na direção oposta na década seguinte.O nacionalismo presente no filme mais se assemelha ao pan-russo do que em outros filmes patrióticos. como fiz o major Shatokhin. como caucasianos. Odinochnoye Plavaniye oculta fatos e distorce a realidade. especialmente sobre a Segunda Guerra Mundial. É também expressão do renascimento religioso acontecido no país sob o secretário-geral do PCUS Leonid Brejnev.Moisés Wagner Franciscon ambiente.124) são mostrados para o público interno e externo como uma imposição.259). após o período de ateísmo militante de Nikita Kruschev10. a moda era a visão do passado do país como totalitarista. Jul/Dez 2013: 470-489. 2010. ano 4. A filiação pró-ideologia oficial de Odinochnoye Plavaniye não é completa. “Que Deus te ouça”. . Busca impedir a identificação de o aparelho militar soviético com a mesma lógica e o mesmo complexo industrial-militar criticado aos americanos. n. que via no cristianismo ortodoxo uma de suas características mais importantes (LAWTON. 10 485 Historien (Petrolina). Em 1993. conclui afirmando que é um “fato histórico”. Como monumentalização.229). Parshin (Nartai Begalin). como demonstra o momento da troça entre o major Shatokhin e um marine soviético sobre a terminologia do materialismo histórico. 9. que se sucedeu ao de relativa tolerância religiosa da época de Stalin após a concordata com a Igreja Ortodoxa. A resposta do marine é que não atingiram as condições materiais necessárias. com o governo Yeltsin e a restauração capitalista. túrquicos e mongólicos. gestos religiosos e mesmo críticas ao ateísmo do partido comunista da União Soviética (PCUS) deixaram de ser exceção nos anos 1970 com a disseminação dessa vertente tradicionalista do nacionalismo eslavo. Ao lembrar que não h| rouxinóis nos Estados Unidos. vital Entre 1959 e 1964 ¾ das igrejas cristãs foram fechadas no país. Esse período de tendência antirreligiosa. segundo as concepções dos autores mais profundamente antissoviéticos do Ocidente. Em Odinochnoye Plavaniye a diversidade étnica aparece com um dos marines do pelotão. 2000. aparentemente da Ásia Central. para dar ao seu discurso o aspecto da realidade palpável. 1992. entretanto. em que retrata o significado de Stalin para o país apenas sob viés negativo. Nestes é frequente a aparição de soldados das várias nacionalidades da URSS. O padrão nacionalista também pode ser arrolado como pan-russo tradicionalista. p. condenando filmes como Odinochnoye Plavaniye (e correntes políticas soviéticas com posições similares) ao ostracismo quando as negociações desarmamentistas deslancharam após a reunião de cúpula de Reykjavík. o regime. 55. “as grandes obras fílmicas da contra-história [. Por fim. mostrou-se plural. Birgit. São Paulo. como é o caso do filme analisado. Cinema e história. 32. A History of Russian Cinema. O cinema das minorias é um complemento à história escrita. n. Comunicação & Sociedade. The Rise and Fall of Communism. BEUMERS.. p. Historien (Petrolina). Para Ferro. Como Capelato (1998) demonstra no caso do varguismo e do peronismo. para se exprimir. eslavófilos.O Rambo russo para a sobrevivência do país diante do assédio americano. etc. 2010. 1976. e com ótimos resultados. belicistas. Nova York: Berg. 175-202. tido por monolítico no exterior. com várias facções. como pacifistas. Outra possibilidade de contra-história é aquela feita por classes sociais e grupos antagônicos.] provém naturalmente das sociedades onde o regime político não deixa à história sua liberdade e onde. ano 4. Jul/Dez 2013: 470-489. ela toma uma forma cinematogr|fica” (FERRO. 9. socialdemocratas. . como a moderna e poderosa marinha soviética construída sob Brejnev. ou regimes rivais. v. uma vez que possibilita uma outra versão histórica que não cabe ou é rejeitada e ocultada pela história oficial. 2011. O que é importante para o quadro do cinema soviético. dever-se-ia procurar averiguar mais a representação que um regime pretende encorajar ou fazer de si mesmo do que rotulá-lo como totalitário.415). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS. BROWN. marxistas-leninistas.204). Archie. ocidentalistas... 2010. José D’Assunção. n. rompendo o isolamento que a preponderância dos Estados Unidos nos mares havia imposto à URSS até meados do século XX. de 1986. p. 2009. liberais. Londres: Harper Collins Publishers Ltd.(BROWN. 2011. História e-história. FRANCISCON. Fred. LAWTON. André Z. Maria Helena et al. Londres: Routledge. 1983. Cinema and Society: from the Revolution to the death of Stalin. 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Palavras-chave: Segunda Guerra Mundial. No entanto. Graduado em História pelo Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge). com foco nas pesquisas que resultaram na criação das primeiras bombas atômicas.REAÇÃO EM CADEIA: O DESCOBRIMENTO DA FISSÃO NUCLEAR E A CRIAÇÃO DE ARMAMENTOS ATÔMICOS1 Suâmi Abdalla-Santos2 Resumo: O presente trabalho aborda o contexto científico e tecnológico em meados do século XX. Percebe-se que a pesquisa sobre a fissão nuclear foi um dos primeiros grandes projetos da nova maneira de se fazer ciência. Science Introdução Desde o início da era humana. ano 4. 9. reduzir o desgaste físico e diminuir o tempo empregado nas tarefas cotidianas. A pesquisa histórica utilizada mantém um diálogo com elementos da engenharia. It is perceived that research on nuclear fission was one of the first major projects of the new way of doing science. . Ciência Abstract: This paper discusses the scientific and technological context in the midtwentieth century. which would influence other projects in the near future. da física e dos estudos estratégicos de defesa. Jul/Dez 2013: 490-498. a conquista de territórios e bens de consumo tornou-se alvo de cobiça entre os homens. que viria a influenciar outros projetos em um futuro próximo. Mestre em História das Ciências pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). a Big Science. focusing on the research that resulted in the creation of the first atomic bombs. logo. n.abdalla@gmail. Historical research used in a dialogue with elements of engineering. diversas ferramentas e aparelhos foram criados para facilitar os trabalhos braçais. Atom Bomb. Já na Segunda Guerra Mundial.Suâmi Abdalla-Santos machado que havia sido desenvolvido para facilitar o corte de madeira. 491 Historien (Petrolina). O controle do espaço aéreo. por exemplo. se tornariam terrenos normais de bombardeios. graças ao senhor. eliminando diversas fronteiras e obstáculos. ano 4. alguns povos estudavam conceitos de física e matemática que eram adaptados para suas máquinas mortais. porém. pois. 1918. nos saques e nas pilhagens de cidades e vilas conquistadas. como a ilha da Inglaterra. são alguns exemplos desse tipo de prática. os automóveis. A cada cálculo bem-sucedido. Aparentemente. Seria impossível deixar de constatar o progresso que o senhor proporcionou à navegação aérea. 9. sobretudo de um ponto de vista militar. recentemente. p.73) A Primeira Guerra Mundial foi inconfundível com a primeira utilização das máquinas voadoras e dos gases letais. os aviões. n. A utilização e a adaptação de veículos para fins militares não é novidade: a cavalaria armada. Estimo que dessa maneira a navegação aérea seja muito útil em tempos de guerra. A descoberta da fissão do núcleo de urânio e uma consequente reação em cadeia com liberação de grande quantidade de energia tornou possível a criação da bomba com maior poder de destruição já criada pelo homem até então. avançar ou recuar. (SANTOS-DUMONT. os navios. uma cova coletiva era utilizada para acomodar a crescente massa de cadáveres que se formava durante as batalhas. e. a ciência que obteve maior destaque foi a física. . além das trincheiras da morte. Mesmo sem perceber. Jul/Dez 2013: 490-498. onde as tropas ficavam semanas defendendo suas posições e bloqueando o avanço inimigo. deve-se aplicála doravante a questões práticas. Podemos ver total interesse das autoridades militares em explorar essas novas descobertas científicas em uma carta do Ministério da Guerra da França endereçada ao inventor Alberto Santos-Dumont: Senhor. A criação de máquinas e equipamentos mais eficazes tornou determinado povo mais poderoso que outros. com o custo de ficarem impedidos de levantar. durante o desfile de 14 de julho. acabou sendo empregado para cortar as cabeças dos inimigos. era de fundamental importância para os líderes políticos. alvos inatingíveis. notei admirado a facilidade e a segurança com que o senhor dirigia seu balão. depois de ser bombardeado com um nêutron. primeiramente na Alemanha . a descoberta da fissão do núcleo de urânio foi anunciada na Europa. Hahn e Strassmann haviam publicado o resultado da experiência que haviam feito.255) Conhecidamente. GRAY. tornando-se bário. o núcleo de urânio parecia ter se dividido em dois. como também um poder destruidor de proporções tão gigantescas que até os dias atuais. No caso. quase 70 anos depois.por Otto Hahn e Fritz Strassmann. ano 4. n. Veremos agora uma breve análise do desenvolvimento da física durante a Segunda Guerra Mundial com foco nas pesquisas com partículas atômicas que culminaram na criação das primeiras bombas nucleares.. 9. posteriormente. . A "Corrida Espacial". contudo. as primeiras bombas atômicas foram construídas pelos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. 2002 p. as bombas nucleares ditariam um novo modelo de política de segurança internacional nos anos que seguiram o de 1945. na Inglaterra .e. discute-se o direito de alguns países em possuir esta tecnologia.por Otto Frisch e Rudolf Peierls. A descoberta do poder nuclear O domínio da fissão atômica trouxe ao mundo não somente uma nova forma de geração de energia. em 1939 .Reação em cadeia Durante a Guerra Fria o medo era o principal combustível para uma corrida armamentista em um mundo bipolar. (DAVIS ..]Uma história técnica das Armas de Destruição em Massa é muito importante. além de insinuar que não havia um ponto no globo terrestre que estivesse a salvo de um ataque com armas atômicas. travada pelos Estados Unidos e União Soviética. Jul/Dez 2013: 490-498. onde. [. A superação tecnológica era motivo de orgulho nacional e também servia como aviso aos inimigos. mostrava ao mundo a crescente capacidade de carga que seus foguetes poderiam carregar. Mais impactante que as armas químicas utilizadas na Primeira Guerra Mundial. Já a publicação de Frisch Historien (Petrolina). em 1940. esta importância é potencializada pelo seu envolvimento político e efeito estratégico na política mundial. mas a invasão da União Soviética pelo exército alemão. em 1941.149). Em julho de 1941. ano 4. . 1994. A publicação de Frisch e Peierls foi recebida com tanta seriedade que foi criado um comitê para pesquisa e desenvolvimento da reação em cadeia decorrente da fissão atômica (JOHNSON. p. até que. p. Os cientistas soviéticos já haviam manifestado interesse na fissão nuclear desde as primeiras publicações na Europa. Alguns físicos como Igor Kurchatov acompanhavam as informações britânicas com seriedade. em março seguinte. p. argumentava que tal arma.167) Além disso. n. se voltaram para as batalhas de resistência. 2000. Os projetos para uma fábrica de separação nuclear foram completados em dezembro de 1940 e. já no seu título. 1994. (JOHNSON. que os explosivos convencionais.341). O "Comitê Maud" desenvolveu suas atividades por pouco mais de um ano. intitulado “O uso do urânio para a bomba”. sendo altamente econômica no seu poder de destruição.341) Foi somente após o relatório final do Comitê Maud que os Estados Unidos inclinaram seus interesses para a fissão nuclear e começaram a trabalhar o tema em parceria com a Inglaterra. fez com que as principais instalações científicas soviéticas fossem desfeitas e realocadas para regiões do interior. em 1941. a possibilidade de produção de uma "superbomba" (SANCHEZ RON. Nesta época. mantendo os cientistas trabalhando em apenas questões com resultados mais imediatos. a bomba atômica tinha deixado de ser um assunto de especulação científica e estava se instalando nas áreas da tecnologia industrial e da engenharia. mais concentrada e de profundo efeito na moral do inimigo. neste momento. prevista pelo Comitê para estar pronta em 1943. 2000. (SANCHEZ RON. seria muito mais barata. 9. a Grã-Bretanha estava muitos meses a frente de qualquer outra nação. e andava rápido. Jul/Dez 2013: 490-498. o relatório do Comitê Maud. em que estava descrito a real possibilidade de se criar uma reação em cadeia através da fissão do núcleo do urânio 235 (U-235) e também métodos de como separar o U-235 (físsil) do urânio comum (U-238). p. as atenções de Stalin.Suâmi Abdalla-Santos e Peierls deixava claro. 493 Historien (Petrolina). em custo por libra. publicou o seu relatório final. Segundo Nikita Khruchtchev. restava agora aplicá-las na guerra. que era chefiado por Robert Oppenheimer. Jul/Dez 2013: 490-498. de um projeto de execução imediata. igualmente físsil. .000 toneladas de dinamite (20 kilotons). n. conseguiu a criação do Instituto de Urânio.Reação em cadeia O físico de Leningrado. só no dia seguinte ao da explosão de Hiroshima foi que Stalin encarregou o chefe de sua polícia secreta. Foram feitos sólidos investimentos para a construção da estrutura do Projeto Manhattan. 1994. localizado em Moscou. havia pedido recursos para construir um reator no fim da década de 30. mas com uma baixa prioridade de recursos. O artefato funcionou perfeitamente e gerou uma explosão equivalente a 20. ao passo que. havia produzido uma bomba de plutônio (Pu-239). Em julho de 1945. No comando do projeto estava o oficial militar Leslie Groves. p. Historien (Petrolina). A bomba "Trinity" serviu como teste. Quando um de seus alunos notou que este fluxo tinha cessado. Igor Kurchatov. O programa soviético começou poucos meses depois do Projeto Manhattan. Segundo Sanchez Ron (2000. a bomba de urânio era considerada uma realidade. em 16 de julho de 1945 a bomba Trinity foi detonada em um deserto no estado americano Novo México. que era um elemento alternativo ao U-235. O poder destrutivo da energia atômica havia sido confirmado.157). (JOHNSON. o que refletia a dúvida sobre a factibilidade da bomba. em pouco tempo os Estados Unidos já haviam ultrapassado a Inglaterra nas pesquisas para a construção da bomba. Kurchatov alertou seus superiores políticos (maio de 1942) e. uma vez que os cientistas não estavam completamente certos da eficácia do Pu-239 para a geração de uma reação em cadeia. p. Beria. eventualmente.342) Os Estados Unidos decidiram investir pesado no projeto nuclear após o ataque japonês em Pearl Harbor e a consequente declaração oficial de guerra. o laboratório de Los Álamos. em resposta à profusão de dados ocidentais publicados. ano 4. com absoluta prioridade sobre todos os outros no país. 9. A dúvida sobre a funcionalidade de uma bomba de plutônio já não existia mais. . forçando uma rendição imediata. Estas reuniões eram compostas por representantes do governo dos Estados Unidos. As projeções militares estimavam que uma invasão convencional ao Japão iria prolongar a guerra por mais dois anos e as baixas seriam elevadas. Kokura e Niigata. Jul/Dez 2013: 490-498. Dentro destas características. mas Kioto logo foi excluída dos planos por ter sido a antiga Capital Imperial e possuir inúmeros tesouros e monumentos de valor sentimental aos japoneses. Temia-se que a destruição de Kioto pudesse causar o efeito contrário ao esperado e motivar os japoneses a lutar até o fim (SANCHEZ RON. 9. entre eles o Secretário de Estado Henry Stimson. ano 4. 495 Historien (Petrolina).160-161).Suâmi Abdalla-Santos As reuniões que aconteceram entre abril e maio de 1945 selecionaram Hiroshima e Nagasaki como alvos principais dentre outras opções como Kioto. Hiroshima e Nagasaki. O objetivo principal do lançamento das bombas era o de causar o maior impacto possível na moral japonesa. Também estavam presentes autoridades militares como Leslie Groves e importantes cientistas como Robert Oppenheimer. estavam Kioto. Isso também era muito conveniente para observação dos resultados obtidos com as novas armas. para ambos os lados. mas que estivesse cercada de casas ou outras edificações. Para isso. A decisão de utilizar a bomba era considerada inevitável. foi acertado que o alvo deveria ser um ponto militar ou uma fábrica de armas. Yokohama. 2000. para que o tamanho da devastação pudesse ser visualizada pelos japoneses. n. p. chamada Little Boy. Assim. Historien (Petrolina). Cerca de 145.Reação em cadeia Um nêutron é lançado contra o núcleo de um elemento físsil. o famoso bombardeiro B-29. núcleo dividido núcleo dividido nêutron nêutron nêutron Figura 1 . que possuía potência equivalente a 13. gerando uma reação em cadeia. (ex. em 6 de agosto de 1945.000 pessoas morreram naquele dia. também não se poderia perder a oportunidade de testar os seus resultados. Fonte: Ilustração do autor Por se tratar de um projeto extremamente caro. . somando um total de 200. Jul/Dez 2013: 490-498. conhecido como Enola Gay. gerando energia e liberando mais nêutrons (dois ou três). chamada Fat Man. A bomba lançada sobre Hiroshima. ano 4. decretava a ruína de Hiroshima ao despejar a bomba Little Boy. n.Processo de fissão nuclear.000 nos anos seguintes por consequência dos efeitos da radiação.000 toneladas de dinamite (13 kilotons). era uma bomba de plutônio. 9. com um orçamento inicial de dois bilhões de dólares. era feita com urânio e a utilizada no bombardeio de Nagasaki. U-235 ou Pu-239) nêutron núcleo físsil O núcleo é dividido em dois. que irão colidir com outros núcleos físseis. p. 2000. todos os físicos e químicos alemães e britânicos juntos chegavam talvez a 8 mil pessoas. Jul/Dez 2013: 490-498. A União Soviética só conseguiu retomar o seu projeto nuclear em 1944. durante o período aqui citado. por meio de espiões (SANCHEZ RON. 504) 497 Historien (Petrolina).169).] (HOBSBAWM. 1995. Utilizando o sentido stricto sensu da palavra "século".. Segundo o historiador Eric J. que possuía a mesma potência da anterior. O sucesso do projeto soviético foi detectado pelos Estados Unidos. o imperador japonês anunciou publicamente o seu desejo por paz. o número de cientistas e engenheiros de fato empenhados em pesquisa e desenvolvimento experimental no mundo era estimado em cerca de 5 milhões [. Depois das explosões nucleares ocorridas nas cidades japonesas. Em 29 de agosto de 1949. Os termos foram aceitos no dia 14 de agosto e no dia 16 as tropas japonesas estavam oficialmente derrotadas. . 9. Em fins da década de 1980. varreu a cidade em uma onda de destruição que resultou na morte de 70. A bomba Fat Man. no que diz respeito ao contexto de produção científica. p. n.. podemos perceber uma imensa disparidade entre o seus anos iniciais e finais.000 pessoas. depois de reativar seus reatores que foram deslocados às pressas depois da invasão alemã. houve uma imensa geração de "mão-de-obra científica" ao passo que Em 1910. Hobsbawm. O serviço secreto soviético teve um papel importante. onde conseguiu extrair informações confidenciais inclusive do Projeto Manhattan.Suâmi Abdalla-Santos A vez de Nagasaki chegou três dias depois. que apelidaram a bomba de "Joe 1". Concluindo O século XX protagonizou inúmeros avanços da ciência e da engenharia. ano 4. o governo soviético deu prioridade máxima ao seu projeto nuclear. Os ataques renderam o efeito esperado: no dia seguinte ao ataque de Nagasaki. a União Soviética realiza seu primeiro teste de armamento atômico. Oxford: Oxford University Press. 2. Strategy in the Contemporary World.Reação em cadeia Esse elevado aumento de formação de cientistas possibilitou que outros países também pudessem investir em produção tecnológica. São Paulo: 1995. Madrid: 2000. A Era dos Extremos: O breve século XX 1914-1991. Malcolm. . El Siglo de la Ciência. São Paulo: Typographia Piratininga. ed. Historien (Petrolina). Tempos modernos: O mundo dos anos 20 aos 80. Eric. afastando grandes pesquisadores dos seus países de origem. et al. ano 4. n. J. uma vez que a Europa foi atormentada com duas guerras mundiais durante esse período. 9. Referências DAVIS. O centro das atividades científicas migrou para os Estados Unidos. Jul/Dez 2013: 490-498. 1994.Weapons of Mass Destruction. José. 2002. Alberto. JOHNSON. SANCHEZ RON. Paul. 2ª ed. In: BAYLIS. Taurus. HOBSBAWM. ed. 1. O que eu vi. GRAY. Rio de janeiro: Liberal. o que nós veremos. SANTOS-DUMONT. Colin. 1918. mas no fundo suas ações levam apenas a permanência do trabalhador como mero instrumento de obtenção de lucros por parte dos grandes empresários. Joeline Rodrigues de Sousa. n. Orientadora: Profª Ms. Historien (Petrolina). one realizes that the measures that industrialized countries have to maintain their hegemony over other countries and the policies established that there was no spread of socialist ideologies that "divest" the masses about the capitalist system that governs the global life. Desenvolvimento.chave: Educação. através das ações do Banco Mundial e das iniciativas de grandes empresários para se modificar o status de insegurança e pobreza em que se encontram os países em desenvolvimento. A partir da deturpação do conceito de educação o Banco Mundial justificou seus atos. Abstract: From the structural crisis of capital this article seeks to analyze what the true role of education in this context. se percebe quais as medidas que os países industrializados tomaram para manterem sua hegemonia sobre os demais países e as políticas estabelecidas para que não houvesse uma disseminação de ideologias socialistas que “alienassem” as massas a respeito do sistema capitalista que rege a vida mundial. Palavras. through the actions of the World Bank and the initiatives of big business to change the status of insecurity and poverty that are developing countries . Graduanda do curso de História/Licenciatura da Universidade Estadual do Ceará – UECE. E-mail: [email protected]. Capital.9. From the perversion of the concept of education the Bank justified their actions. Aprovado em 23/11/2013. but in the 1 2 Recebido em 10/10/2013. . ano 4.O PAPEL DA EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DA CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL1 Débora dos Santos Silva2 Resumo: A partir da crise estrutural do capital este artigo busca analisar qual o verdadeiro papel da educação dentro deste contexto. Jul/Dez 2013: 499-509. se percebe quais as medidas que os países industrializados tomaram para manterem sua hegemonia sobre os demais países e as políticas estabelecidas para que não houvesse uma disseminação de ideologias socialistas que “alienassem” as massas a respeito do sistema capitalista que regem a vida mundial. . Capital. matérias-primas. a dos proletários. Keywords: Education. ano 4. através das ações do Banco Mundial e de outras iniciativas dos grandes empresários para se modificar o status de insegurança e pobreza em que se encontram os países em desenvolvimento. Assim usando a educação como ferramenta de intervenção nos países em desenvolvimento o Banco Mundial conseguiu ditar quais seriam as diretrizes Historien (Petrolina). passaram a ver a educação como meio para se manterem a salvo de futuros obstáculos ao seu funcionamento.O papel da educação. Development. 9. n. Entende-se como capitalismo um modo de produção fundado na divisão da sociedade em duas classes essenciais: a dos proprietários dos meios de produção (terra. nem o capital que lhes permite trabalhar por sua própria conta. Jul/Dez 2013: 499-509.. porque eles não têm acesso direto aos meios de produção ou de subsistência.. máquinas e instrumentos de trabalho) .sejam eles indivíduos ou sociedades . que são obrigados a vender a sua força de trabalho. Os países desenvolvidos perceberam que para que a condição de subdesenvolvimento e a facilidade com que esses países têm de se deixarem levar por ideologias que se voltam contra o sistema capitalista vigente não ameaçassem o seu objetivo maior que é a obtenção de lucros. A partir da crise estrutural do capital este artigo busca analisar qual o verdadeiro papel da educação dentro deste contexto.que compram a força de trabalho para fazer funcionar as suas empresas. end their actions lead only residence of a worker as mere instruments of profittaking on the part of big business. n. O conceito de educação para o banco mundial e alguns organismos internacionais seria o processo de “internalização” pelos indivíduos da legitimidade da posição que lhes foi atribuída na hierarquia social. 4º maior concentração de capital pelas empresas monopolistas e oligopolistas graças a fusões entre elas. juntamente com suas expectativas “adequadas” e as formas de conduta “certas”. mais ou menos explicitamente estipuladas nesse terreno (MÉSZÁROS. Jul/Dez 2013: 499-509. 3º hipertrofia da esfera financeira gerada pela posição prioritária do capital financeiro para especulação na nova fase do processo de internacionalização. 501 Historien (Petrolina). Portanto percebem-se que o conceito de educação não foi levado a sério pelas políticas adotadas pelo Banco Mundial. 2º esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção resultante da incapacidade de responder a retração do consumo que se acentuava. 2008.44). 9. sendo que no fundo suas ações levam apenas a permanência do trabalhador com mero instrumento para obtenção de lucros por parte dos grandes empresários. . p. A crise estrutural do capital é concebida como a queda da taxa de lucro decorrente dos seguintes elementos: 1º queda da taxa de lucros causada pelo aumento do preço da força de trabalho que surge pós – 45 e pela intensificação das lutas sociais nos anos 60 reduzindo o nível de produtividade do capital.Débora dos Santos Silva educacionais que levariam o homem a se integrar ao sistema capitalista sem perceber a condição de servidão e pobreza que ele permaneceria. eles deturparam o sentido do termo educação para que seus atos fossem aceitos e justificados como sendo algo que levaria a educação a erradicar a pobreza e a insegurança dos países em desenvolvimento. 5º crise do estado capitalista e retração dos gastos públicos e sua transferência para o capital privado. ano 4. 25). Jul/Dez 2013: 499-509. 3Sua hegemonia como potencia econômica e a ausência de movimentos ideológicos que pudessem gerar problemas a ideologia dominante do capitalismo. ano 4. onde Mecnamara o presidente do banco na década de 60 mudou toda a forma de funcionamento desse organismo econômico que passou de políticas de assistência financeira para auxiliar os países em desenvolvimento a saírem da pobreza e da insegurança a políticas educacionais. A educação é o maior instrumento para o desenvolvimento econômico e social. deixando de fora desse processo de reorganização os países que não se encontravam no centro da economia capitalista. Em conjunto esses seis elementos manifestam o sentido destrutivo da lógica do capital presente na intensificação da lei da tendência decrescente do valor de uso das mercadorias. Para saírem dessa crise estrutural os países desenvolvidos resolveram recompor a divisão internacional do sistema capitalista através do aumento da competitividade e a concorrência inter-capital o que significa dizer o uso de novas tecnologias de gerenciamento da força de trabalho. n. Historien (Petrolina). liberação comercial e novas formas de domínio técno-científicos.O papel da educação. 9. Ela é central na estratégia do Banco Mundial para ajudar os países a reduzir a pobreza e promover níveis de vida para o crescimento sustentável e investimento no povo(LEHER... 1999. p. . quanto da incompatibilidade do sistema de metabolismo social do capital desmoronando o mecanismo de regulamentação que vigorou durante o pós-guerra. legando a eles a posição de subordinados e de aceitarem o aumento da jornada de trabalho e destruição da força de trabalho humana. a educação passou a ser o meio com que o Banco Mundial garantiria a segurança dos países em desenvolvimento3 auxiliando-os a erradicarem a pobreza. O Banco Mundial voltou suas políticas para a educação dentro deste contexto da crise estrutural do capital. dos mercados e da força de trabalho. 6º aumento das privatizações e flexibilização do processo produtivo. passa-se a ver a educação como saída para a crise estrutural do capital. o ensino fundamental passa a ser minimalista. que é gerar lucros aos grandes empresários. A partir dessa concepção a educação básica e o ensino superior vão ter suas diretrizes modificadas. e para que eles não tenham prejuízos devem-se criar meios para que os obstáculos que os impedem de gerar mais lucros sejam abolidos. 9. . o que interessa para o sistema é que a criança aprenda a ler. A educação torna-se um instrumento de alienação das massas para que continue submissa à ideologia do capital5 o trabalhador deve aceitar que sua educação o prepara apenas para ocupar um lugar no mercado de trabalho em que o que ele vai precisar é apenas saber a obedecer a uma ordem que o leva a repetir um movimento não necessitando de um pensamento critico. escrever. se tivesse feito escolhas corretas como ter estudado e se qualificado para atender as necessidades do mercado de trabalho ele não estaria em péssimas condições. aliada ao ensino fundamental o ensino superior deve apenas complementar mais uma etapa do processo de formação do operariado capacitando esse futuro Nesta nova era do capitalismo. Jul/Dez 2013: 499-509.Débora dos Santos Silva O Banco Mundial desenvolve essas políticas na área da educação porque seus dirigentes acreditam que: “as pessoas pobres do mundo devem ser ajudadas. subtrair.. dividir e multiplicar) essa é a base que ela vai precisar futuramente para se colocar no mercado de trabalho. devido às más escolhas que ele fez. na condição de capital tornou-se assunto de managers e não mais de educadores. n. ano 4. O sistema capitalista empurra para o homem a culpa do não desenvolvimento do seu país e da situação de pobreza em que se encontra. por isso.. e utilizar as quatro operações da matemática (somar. 4 503 Historien (Petrolina). senão elas ficam zangadas. Assim o Banco Mundial começa a gerir as diretrizes da educação como novo capital4 dessa nova era em que vivemos. a educação. a pobreza pode gerar um clima desfavorável aos negócios”. Verifica-se ai que a pobreza dificulta o capitalismo em sua gênese. o principal capital é o intelectual e. ou seja. 5 As massas devem aceitar sua condição de seres propensos a submissão de um sistema em que o lucro define seu status e o lócus a ser ocupado na sociedade.. XXI o Banco Mundial camufla seu verdadeiro objetivo que é superar a crise estrutural do capital mantendo essa população pobre calma e controlada. n. . ou seja. mas como ser ativo e construtivo do processo de ensino e aprendizagem. e é em decorrência disso que os CFETs6 foram sendo transformados em IFCEs7 para que o jovem ao concluir o ensino médio faça sua profissionalização8 para que seja o mais rápido possível inserido no sistema capitalista. 8 Aquela que o mercado de trabalho (sistema capitalista) necessita no momento.. este por sua vez se apresenta não como mero receptáculo do conhecimento. 9. assim o mundo capitalista pode continuar seu caminho de acumulação de capital sem maiores riscos de crise.O papel da educação. Educar é mais que transmissão de conhecimento. ano 4. A rigor essas ações priorizam a manutenção da ordem econômica atual neoliberal. 6 7 Historien (Petrolina). melhoria das condições de vida e proteção do meio ambiente. é levar um individuo a observar e dialogar com o mundo que o cerca.. operário a assumir um cargo dentro de uma indústria. aumento da produtividade. é levar a consciência de que a realidade pode ser mudada e que tal mudança se concretiza á partir de sua Escola Técnica Federal. que leva ao desenvolvimento do homem. por meio dessa atmosfera ilusória de prosperidade e desenvolvimento gerada pela diminuição da pobreza. para obter êxito em sua empreitada o Banco Mundial adota a tática de estimular a competência. estados e municípios com os organismos internacionais para que se invista na educação básica nos países periféricos. Por educação entende-se como uma relação de troca entre o educador e o educando. Através de declarações e metas que reafirmam a educação como meio que possibilita o desenvolvimento e a participação de países emergentes nas sociedades e nas economias mundiais do séc. Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia. Jul/Dez 2013: 499-509. ONGs. levando a ambos a estar sempre num processo de formação conjunta. a eficácia e a produtividade da força de trabalho recomendando a parceria dos setores sociais. 9. critico e completo. n. ela pode internalizar nos indivíduos que é possível modificar a ordem social vigente com o capitalismo. 9A mudança que se busca na sociedade deve ser realizada levando-se em conta que o social é composto por três campos o cultural o político e o econômico. mas que deve ser elevada a seu sentido lato. mudança essa que deve se iniciar na sua própria experiência de vida. Para transpor a lógica do capital a educação deve modificar as praticas educacionais da sociedade em sua totalidade. ela pode romper com as amarras que o sistema capitalista prende a sociedade. na possibilidade de transformação da sua realidade. 10 505 Historien (Petrolina). ou seja. que pode haver uma alternativa a esse sistema e que a educação é um meio de construção de um ser objetivo. Ela deve ser vista como meio de mudança da lógica do capital. onde os lucros obtidos com o crescimento do país sejam divido equitativamente entre as classes sociais que o formam. lógico. ano 4. sua humanidade. a partir da reformulação do quadro social ao qual as praticas educativas estão inscritos para que haja uma mudança no sistema econômico global vigente é preciso transformar a consciência da sociedade9. ou seja. Jul/Dez 2013: 499-509. A lógica do capital estabelece aos homens que devem se deixar explorar sua força de trabalho sem nenhuma resistência por parte do trabalhador que aprende desde cedo que ele é destinado a serem submissos e explorados. e uma mudança efetiva deve se realizar nessas três esferas. ao invés de utilizar a internalização para legitimar a hegemonia hierárquica social do capital. A educação deve ser usada com meio de formação de sujeitos subjetivos e lógicos capazes de construir um pensamento critico a cerca da sua realidade resultando num sujeito agente de uma mudança. esclarecendo as massas que a dominação ideológica do capital deve ser abolida para que exista uma sociedade realmente justa. . A educação como instrumento que rompe com a lógica do capital10 deve utilizar suas técnicas de instrução para mostrar como o sistema capitalista age e funciona. a da formação do homem. É mostrar que a educação não pode ser dominada por seu sentido sirito: atender a classes dominantes.Débora dos Santos Silva atuação crítica e lógica. ou seja. também ai uma reforma radical.65. o que significa dizer que as regras que regem o comportamento social dos indivíduos podem ser modificadas estabelecendo-se entre eles através da educação o sentimento de igualdade e solidariedade existente entre os homens. n. porque ela pode mudar a ordem organizadora do capitalismo para outro sistema que levaria a transformação nas condições de existência da humanidade assim com de toda maneira de ser. Além de revelar que o ambiente físico escolar. A reformulação da ordem social é possível através da consciência da existência entre os seres sociais da automediação. cultural e social de um país. portanto é nesse ambiente da realidade vivida que se tem uma alternativa de romper com a lógica do capital. O papel da educação é soberano. temos de reivindicar uma educação plena para toda a vida. do autocontrole e da autorrealização alcançada por meio da liberdade substantiva e da igualdade. ela levaria a uma mutação do estado político existente resultando numa reestruturação ampla da sociedade. ano 4.. 2008. instaurando um sistema econômico político que rege a sociedade através da educação e do trabalho alcançando o desenvolvimento econômico e Historien (Petrolina).. . resultando na construção de uma consciência social que altera a forma como é vista a política e a economia.O papel da educação. p. para que seja possível colocar em perspectiva a sua parte formal. a sala de aula não é o único meio de obtenção do conhecimento.). Jul/Dez 2013: 499-509. em nossa experiência de vida. Através da universalização da educação e do trabalho como atividade humana autorrealizadora é possível se desvencilhar da lógica do capital e promover mudanças significativas nos aspectos político. A educação se efetiva como fator primordial da reforma da sociedade. 9. econômico. ou seja. o conhecimento é composto pelo que se aprende na escola e pelo que apreendemos em nossa realidade. a fim de instituir. tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar as condições objetivas de reprodução como para a automudança consciente dos indivíduos chamados a concretizar a criação de uma ordem social metabólica radicalmente diferente(MÉSZÁROS. a educação regida pelo propósito de ir além do capital pode alcançar êxito. As transformações propostas para a educação devem ser levadas a concretude. ensinar exige que o docente compreenda que a educação. . a sua realidade. compreendendo que podem através do conhecimento mudar a ordem vigente que os massacra e retira todos os direitos a condições básicas de sobrevivência e implantar um sistema que possa colocar todos os seres sociais dentro de uma conjuntura em que as diferenças sociais não se estabelecem nem muito menos se perpetuam. é uma forma de intervir no mundo. ano 4. ou seja. 9. 507 Historien (Petrolina).Débora dos Santos Silva social do país sem impor entre os indivíduos um constante sentimento de rivalidade e competitividade. Jul/Dez 2013: 499-509. o seu trabalho. deve-se colocar em prática a formação continuada dos professores. Pode-se mudar a ordem vigente do capital fazendo com que essas metas e declarações criadas para aumentar o poder do sistema capitalista sobre as massas. n. sem explorar exaustivamente os trabalhadores que são os responsáveis pela formação da riqueza de bens que serão partilhados pelo corpo social que o compõe. já que participam de uma coletividade e que por meio da educação constituem-se em sujeitos conscientes de seu papel na sociedade. o direito que o profissional da educação tem de buscar melhorar cada vez mais sua atuação através de programas de pós-graduação e especialização que garantirão uma formação cada vez mais completa ao professor que poderá desempenhar seu papel de educador. Todas essas modificações proposta no âmbito educacional não se realizarão se o profissional da educação não for subsidiado por meios que o possibilite transformar o ensino e por sua vez levar aos educandos a possibilidade de mudar a ordem social vigente. de mostrar aos alunos que é possível mudar a realidade. realmente atinjam o objetivo de elevar a educação a um nível de internalização dos indivíduos levando-os a perceber o papel que cada um compõe dentro da estrutura social a qual estão inscritos. Ensinar vai além da certeza de que está ajudando a formar sujeitos críticos conscientes. 135-153. Rômulo.O papel da educação. 29-34. Portanto através das observações feitas para construção desse artigo verifica-se que uma educação para além do capital é possível. ano 4. à reestruturação social. Jul/Dez 2013: 499-509. . ciente da crise estrutural do capitalismo. p. JIMENES. que compreende a luta de sua classe por melhorias na educação transformadora que é solidário com aqueles que se mobilizam para continuar as lutas contra essa ordem vigente do capital possibilitará a educação a consolidará uma nova ordem estrutural social livre da lógica do capital. Historien (Petrolina). Contra o pragmatismo e a favor da filosofia da práxis: uma coletânea de estudos classistas.. Ricardo. CARMO. a internalização de uma ideia de transmutação da ordem vigente e da autorrealização do individuo possibilitam a educação realizar seu papel transformador e construtor. o professor é uma das chaves para a realização dessa educação além do capital ele é o meio com que a educação chegará aos indivíduos sociais. PORFIRIO. Fortaleza: EdUECE. Susana. 9. In.. SOARES. Educação para todos: A política dos organismos internacionais. São Paulo. Hansilene. Referências ANTUNES. Boitempo editorial. basta que haja políticas educacionais voltadas para o horizonte que não é o capitalismo e sim um novo sistema que pode ser estabelecido a partir da consciência de que a educação aliada ao trabalho. p. que possui o domínio do conhecimento a ser repassado de forma critica e consciente ao educando e não de forma mecânica. Dimensões da crise estrutural do capital. In. consciência de uma nova forma de ser do individuo. Cristiane. 2005. 2007. A educação para além do capital existe aliada a modificação da consciência social dos indivíduos e do auxílio ao profissional da educação a desempenhar seu papel de formador de um ser critico e lógico a cerda da sua própria realidade. O educador consciente do seu papel como profissional da educação. n. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. p.org/portugues/mandel/1981/mes/capitalismo. 1999. A educação para além do capital.htm> Acesso em: 03/05/2013. . n. p. 2. ano 4. Jul/Dez 2013: 499-509. István. Ed.Débora dos Santos Silva LEHER.19-30. MENDEL. 1930. O Capitalismo. Enciclopédia Universal 1981. Um novo senhor da educação? A política educacional do Banco Mundial para a periferia do capitalismo. 2008.marxists. 9. Roberto. Nº03. São Paulo: Boitempo. Outubro – Revista do Instituto de Estudos Socialistas. 509 Historien (Petrolina). São Paulo. Disponível em: <http://www.23-77. Ernest. MÉSZÁROS. ano 4. n. 9.510 RESENHAS Historien (Petrolina). Jul/Dez 2013 . Não discordo. E-mail: fabriciops17@hotmail. ensina “Civilização Romana” na Universidade de Paris X Nanterre. é autora de Nos submundos da Antiguidade (1983). Nos submundos da antiguidade. n. Os grandes feitos. o mundo mediterrânico apresentado por eles excluiu e continua excluindo aquilo de mais humano – humano no sentido de natural. 3. Graduando em História na Universidade Estadual do Ceará (UECE). anônimos. historiadora francesa. o segundo César (1985). guerras.SALLES. a filosofia.ed. a não ser nas guerras: um passado feito por homens e mulheres comuns. revistas. Uma enorme quantidade de livros. Aprovado em 10/12/2013. onde não há conflitos cotidianos. vivendo vidas ordinárias. 9. Jul/Dez 2013: 511-523. no 1 Recebido em 07/10/2013. Catherine. há muito se sabe que a história – entendida aqui como o produto das relações entre os homens em sociedade – não é feita somente pelos grandes. Spartacus e a revolta dos gladiadores (1990). Além de suas numerosas contribuições a diversas obras sobre o mundo clássico romano. todos fazem parte da produção da vida representada pela História – produção de um saber acerca do passado vivido pelos homens em sociedade. o Direito. loucos. Esse livro vem romper com essa ideia de um passado ordenado pela razão. . escravos. pobres. instintivo – naquele período. 1987. é doutora em Letras e professora de Letras Clássicas. traduzido para vários idiomas. é uma escolha seletiva do que deve ou não ser lembrado: grandes homens. filmes faz questão de reforçar essa ideia.com 2 Historien (Petrolina). A mitologia grega e romana (2006). Mulheres. No entanto. São Paulo: Editora Brasiliense. Os povos do Mar Mediterrâneo são considerados os “fundadores” do mundo ocidental.1 Francisco Fabrício Pereira da Silva2 Catherine Salles. com interesse em História Urbana e Teoria da História. ano 4. Contudo. a racionalidade. Em outras palavras. Tibério. ela narra histórias e estórias que acabam por “costurar” a História dos grandes feitos. A partir da análise do texto pode-se inferir que a sua vinculação teórica está próximo da História Social. n. com uma animosidade especial por serem “vividas” de modo natural. Lançando luz sobre os becos. onde nem todos usufruíam de serviços básicos para a própria sobrevivência. há as 512 Historien (Petrolina). trabalha ou vagueia (RAMINELLI. Nota-se uma preocupação por parte da autora em dar uma explicação acerca da estrutura da cidade em ambas as partes. os marginais. Jul/Dez 2013: 511-523. Os lugares de mais difícil acesso são aqueles que comportam os excluídos. Na França. ano 4. por exemplo. O livro é dividido em duas partes. . 9. essa importância que a cidade tem para História se dá devido o fato de Paris – especialmente a Paris de Haussman do século XIX – ser o exemplo mais claro de como a urbanização age na mente da população que lá reside. pelo menos. A História feita pelos habitantes dos submundos. Essa característica não é única dos historiadores da chamada Escola dos Annales. a autora recria um passado que não se tornara História. parafraseando com uma expressão mesopotâmica que exprimia a vida daqueles que não seguiram as normas sociais da família como base da sociedade (BOTTÉRO. Voltando para o período antes de Cristo. essa narrativa sempre resulta em uma análise complexa sobre a vida dos ignorados da História. como esse fator vai influenciar no decorrer da narrativa. Homens e mulheres que ficaram de fora das decisões dos deuses. seria ousado vincular a autora à teoria da micro-história. o Satyricon de Petrônio. Na obra. influencia o seu trabalho. 2011).Francisco Fabrício Pereira da Silva entanto. as vielas e os locais de pior reputação no mundo antigo. Claro. Roma. Não obstante. percebe-se que a cidade possui uma função semelhante. Na primeira parte é abordada a Grécia. mesmo com esse tipo de construção da narrativa histórica. Por vezes prendendose a uma personagem e tomando-a como o fio da narrativa ou então um livro. do qual essa autora faz parte ou que. Um passado que “faltara ao seu destino”. aqueles que não fazem parte do seleto grupo de cidadãos de uma cidade contraditoriamente racional e estamentada. como. A cidade – estrutura física – há muito passou a ser considerada um fator importante na análise das sociedades. na segunda. 1997). A quantidade de pontos de exclamação utilizada por ela demonstra o quanto esse trabalho foi produtivo para ela. No mais. A questão sexual é outro ponto de análise que sua semelhança com o presente salta os olhos. pois. A tradução também revela algo de interessante. A distância temporal entre o presente e a antiguidade clássica não fora suficientemente eficaz para extinguir – e dificilmente será – atividades que ainda hoje choca quem as presencia. não por necessidade. entre outras coisas. os problemas populacionais e de urbanização são bastante semelhantes. . Jul/Dez 2013: 511-523. etc. a prostituição infantil. Alguns termos. não obstante. mas por puro fetiche. O tráfico de pessoas. Imperadores. ano 4. revela uma realidade que não é comum aos olhos daqueles que produzem o passado e daqueles que consomem esse passado.Resenha: Nos submundos da antiguidade diferenças geográficas entre Grécia e Roma. mulheres e filhas de Imperadores. membros da nobreza. A partir da análise visual do texto. grande parte dos frequentadores dos submundos. seja de forma direta ou indireta. são apenas “aportuguesados” e outros. nota-se que a própria autora mostra-se surpresa com muitas coisas apresentada por ela. cegamente. não são adaptados de forma correta – isso é uma possibilidade – e acabam transmitindo uma ideia de anacronismo.. mas ironicamente. tanto feminina quanto masculina. por vezes. 9. são aqueles cujas condições sociais não correspondem àquelas dos que compõem esses locais. quem o lê tem a impressão de estar lendo junto com a autora. n. como se pode inferir a partir da presente obra. os Historien (Petrolina). engrossam a clientela e até mesmo as integram. principalmente de crianças. cidades que tinham a função única de proporcionar prazer àqueles que a visitavam. uma realidade que parece ser cíclica – a “cidade dos excluídos” – que muitos afirmam severamente e até mesmo. talvez. todos aqueles que desprezam através das leis e normas sociais os que não são. se tratar de um mal da modernidade –. Trazendo a problemática para a atualidade – aliás. a impunidade daqueles que causam danos a outras pessoas sabendo que a sua condição social não permitirá punições ou mesmo só por vadiagem – tal como filmes de ficção científica de Stanley Kubrick –. que servem tanto para direcionar geograficamente o leitor com para demonstrar como a posição de cada cidade define a sua atuação e sua importância no mundo antigo. há as representações cartográficas. contém um número limitado de fontes. Pessoas vomitando. Observando-as. mas não consumado devido ao controle moral do período – e acabam por auxiliar os próprios estudos do período que. n. Desde utensílios até imagens produzidas somente para o fim de representação. quase que geometricamente na sua metade. mesmo sendo uma forma de ajudar o leitor. tal como retratos. diz respeito ao estilo artístico dos povos da antiguidade clássica. No entanto. Alguns nomes demasiadamente semelhantes acabam por confundir as demais tramas e acabam por exigir uma atenção maior ao leitor. tanto do período grego quanto do romano. com uma enxurrada de nomes de pessoas e lugares. aglomerados humanos. percebe-se que os estilos do desenho. . jogos de cottabe. reproduções de artefatos da época. mostram como a vida dada às luxurias da antiguidade tinham um lugar especial na mentalidade das pessoas do período. anônimas e conhecidas. A autora vai traçando as histórias de vida das personagens as mais variadas. pois. um imagem plana onde não há conflitos. Ainda relacionado com as imagens presentes na obra. gladiadores. devido à própria morfologia das línguas utilizadas na antiguidade clássica. o que. como. relacionado com as imagens do livro. Jul/Dez 2013: 511-523. “A ‘puta imperial’”. das formas geométricas relacionadas à figura humana e até as vestimentas. O livro ainda contém. ano 4. entre outras coisas revelam esse fascínio – às vezes desejado por muitos. Outro ponto que chama à atenção. tabernas. a representação através de mapas podem mascarar uma realidade de desordem. ilustrações. a cidade é perfeita. de certo modo. acaba se tornando um pouco cansativo. principalmente os banquetes. alguns chegam até a serem cômicos. apenas uma representação racional e estruturada da 514 Historien (Petrolina). 9. mostram como a cultura grega em quase toda a sua amplitude foi absorvida pelos romanos. como foi afirmado alhures. vista de cima. hetarias se preparando para festa.Francisco Fabrício Pereira da Silva demais termos não surpreendem tanto. por exemplo. ele é o responsável pelo a promoção do passado à história (CARDOSO. que apesar de todas as mudanças historiográficas ocorridas ao longo dos anos. 2012). pois. A própria decisão sobre quais fontes usar já revela muito sobre o trabalho do historiador. essas fontes podem revelar mais do que o próprio texto. 2001). ano 4. obras filosóficas que descrevem os hábitos de certos grupos relatados. um anexo contendo as cronologias grega e romana. Tucídides. mesmo que as suas participações sejam apenas em glossários e anexos. além de poeta). 9. Tal fato pode ser explicado pelo próprio grau cronológico de cada civilização. A partir da análise das próprias fontes citadas nas notas de rodapé. a figura do poder e os grandes homens não podem ser excluídos da análise histórica. constituída por retas e paralelas. nem todos os termos estão presentes nesse glossário. nas palavras da própria autora. a veracidade dos textos não pode ser considerada absoluta. no entanto. cabe ao historiador o papel de “juiz”. de certa forma. No final do livro há. já que os seus relatos revelam características mais completas sobre a realidade dos submundos do que os próprios livros de história. Historien (Petrolina). demonstrando. que também são utilizados como fonte (Heródoto.Resenha: Nos submundos da antiguidade realidade (SILVA FILHO.). entre outros. Nesse momento. como os textos de Plutarco. Além desses tipos de fontes. ou as obras de Cícero e Horácio (filósofo. Tito Lívio. locais geográficos)”. Racional no sentido da cidade ser estruturada a partir de uma visão racional do real. como a cidade de Alexandria. Como se sabe. a documentação sobre o período antigo ainda é o maior problema. . A metodologia utilizada pela a autora é a análise literária. o que pode comprometer um pouco a compreensão de certos trechos do livro. ainda. n. principalmente por conter em suas fontes obras literárias clássicas. como O banquete de Platão. Jul/Dez 2013: 511-523. De certa forma. nota-se que a autora pode ter tido uma maior dificuldade na análise grega do que na romana. “um repertório dos nomes próprios (personagens históricos. Há também um amplo glossário que contém termos utilizados na obra. no modelo tradicional data-nome. Plauto. não me aprofundarei na discussão. etc. mas como no presente trabalho não estão sendo discutidos os aspectos teórico-metodológicos da disciplina. há. Por fim. tal como as cidades modernas da atualidade. Petrônio. antes de mais nada. Jul/Dez 2013: 511-523. Mulheres e Crianças”. essa última atividade. A prostituição tinha uma função que ia além da mera busca pelo prazer. Atenas. a autora dá as características das três cidades das quais ela considera as mais importantes do mundo grego. A cidade mais importante é a de Atenas. Nesse primeiro momento. como uma medida de saúde pública. a distancia cronológica entre as duas civilizações ocasionou novas situações e problemas. 516 Historien (Petrolina). “A legislação de Solon sobre a prostituição se apresenta. Desde a compra e venda das crianças. que tinha uma estrutura desordenada. denominada “O Mundo Grego: Homens. . estas características se adaptam ao mundo social construído dentro da sociedade grega – que como toda e qualquer sociedade –.Francisco Fabrício Pereira da Silva A primeira parte do livro é dedicada em sua maior parte à questão do prazer físico no mundo grego. o que favorecia a criminalidade e a prostituição. destinada em primeiro lugar a preservar a pureza da raça. como foi afirmado antes. ano 4. No geral essa parte não é tão ampla quanto a segunda. o instinto sexual e a busca pelo prazer individual é a preocupação dos gregos. era regulamentada pelo Estado. e esta característica se aplica tanto aos gregos quanto aos romanos. pois. pois. havia leis rigorosas acerca de quem podia ou não se prostituir. “o berço da democracia”. No entanto. essas são as palavras da autora em relação ao tema. um mundo repleto de falhas. em Atenas – ao contrário do que acontecia em outros lugares onde ela era conhecida e até mesmo na atualidade – funcionava de forma “organizada”. que por seu turno cobrava os devidos tributos referentes à atividade. como fica bastante claro durante toda a obra. Na primeira parte do livro. claro. 9. a prostituição.”. passando por personagens “ilustres” desse submundo até a participação de camadas mais abastadas da sociedade grega no mundo dos prazeres mundanos. já que essa era a única forma de sobrevivência para boa parte da população de miseráveis que não tinham o título de cidadão. n. Corinto e Alexandria. algo que não passa de características instintivamente humanas. A prostituição é o fio condutor de toda atrama nesse primeiro momento da obra. os seus “patrões/proprietários” também faziam parte dos renegados da sociedade. quando lá desembarcavam logo procuravam as suas variadas atividades de distração. geralmente de 5 a 9 anos. e viam na prostituição um negócio rentável a tal ponto que levava algumas mães a se tornarem proxenetas das suas próprias filhas. eram de famílias ricas e influentes. Após apresentar o pano de fundo onde acontecem as histórias. ano 4. erastas e erômenos. Construída a partir de um plano geográfico racional. . onde havia as diversas atividades relacionadas ao prazer e às distrações do período. mesmo as prostitutas tendo certa função social e sendo regulamentadas para o trabalho. na maioria dos casos. homens de diversas partes de todo o mundo conhecido da época. aos olhos da sociedade elas eram mal vistas. cientes de que não iriam ser punidos. Tudo isso fazia dessa cidade “um lugar inteiramente à parte no mundo das cidades gregas”. devido a sua localização geográfica. Historien (Petrolina). Alexandria tinha uma espécie de “cidade-satélite” chamada Canope. às vezes era a única saída para muitas famílias que não tinham como sustentar essas crianças. o “amor grego” era privilégio apenas dos rapazes. O que surpreende é a idade com que elas são vendidas. 9. De dimensões descomunais para a época.Resenha: Nos submundos da antiguidade Não obstante. Como era o principal porto da Grécia. pois. a autora começa a descrever o real “submundo” grego. que. n. serviam apenas como objeto de desejos físicos. Havia também os casos de desordem pública causada por jovens delinquentes. tornara-se uma “cidade do prazer”. onde bairros eram delimitados de forma coerente. Jul/Dez 2013: 511-523. Alexandria já se mostrava uma representação da mudança de mentalidade da época. Além das prostitutas. Corinto era luxuria. não tanto quanto os lenos romanos. instintivos. os gregos acreditavam que o verdadeiro amor. ela rompia com aquilo que Atenas representava. O primeiro assunto tratado é a prostituição e a escolha das crianças que são vendidas para se tornarem prostitutas. A segunda cidade. até mesmo na sua subdivisão. e de fato não o foram. Corinto. porém. Alexandria representava a modernidade. Em relação aos prazeres. na época era algo extremamente comum. O que para nós é assustador. Estas eram bastante solicitadas. Algumas chegaram a se tornarem célebres no mundo antigo. Um representante dessa modalidade de prostituição era Timarco. ainda não fazia parte daquele mundo. ano 4. ora pela etiqueta dos bons costumes (COSTA. As pessoas bebiam muito. as flautistas. Como era comum na época. Um ponto bastante curioso nessa primeira parte diz respeito aos banquetes. . Geralmente por cair nas graças de algum político ou aristocrata de prestigio. SCHWARCZ. um jovem que logo cedo se entrega aos prazeres mundanos e todas as suas consequências. ele ajuda a autora a ir construindo a sua obra. pois. ou seja. ambos tiveram uma vida agitada e ambos usufruíram de todos os prazeres da antiguidade grega. Esse tipo de cerimônia era muito comum e 518 Historien (Petrolina). mais ela pedia e mais ela era obrigada a pedir. Jul/Dez 2013: 511-523. pois. Isso demonstra uma realidade paradoxal e contraditória. Caso semelhante pode ser percebido nos séculos XVI e XVII. 9. quanto mais se “apegava” à cortesã. havia também a prostituição masculina. Além das prostitutas mulheres.Francisco Fabrício Pereira da Silva Apesar do fatoda profissão ser malvista por grande parte da sociedade grega. onde uma burguesia moderna cada vez mais rica com o comércio queria integrar o mundo dos decadentes aristocratas de raízes medievais. que devido a sua beleza “divina” evitou até mesmo de ser julgada. gerando em alguns casos conflitos de maiores proporções. jogavam e se entregavam aos prazeres carnais. Ao lado de Neera. n. que por seu turno os aceitavam. Isso ocorria de acordo com a beleza física da cortesã. exercitavam a mente de forma excepcional. mesmo o integrando como qualquer outra. O que tinha de original é que durante essas cerimônias eles “filosofavam”. 1998). comiam. algumas prostitutas conseguiam destaque social. como a hetaira Laís ou Frinéia. mas faziam questão de deixar clara a distinção existente entre essas duas classes. passa a ser mais aceita na sociedade ao mesmo tempo em que há uma resistência à sua presença por ela ser prostituta. sempre a base de álcool. O que se conclui a partir da leitura é que esses banquetes eram – anacronismos a parte – verdadeiras orgias. os mesmos eternizados pelos filósofos clássicos. havia uma preocupação em deixar claro que mesmo ela sendo rica. ora por títulos de nobreza. a cortesã que adquire um status maior devido aos seus lucros. tanto com homens quanto com mulheres. Muita gente para pouco espaço. o que geralmente acontecia. . O Estado romano Historien (Petrolina). O seu gigantismo era algo descomunal. A cidade era mal concebida. As enchentes. Jul/Dez 2013: 511-523. Como foi afirmado antes. Inevitavelmente esse aspecto iria acarretar em diversos problemas hoje considerados “problemas de cidade grande”. dos belos atributos físicos. Um dos primeiros temas abordados em relação a Roma são as catástrofes naturais. Um dos que mais chamam a atenção é o da distribuição de alimentos. n. Tudo isso gerou uma imigração desordenada para a parte central da cidade. quando a autora fala sobre Roma que os temas se alargam de forma impressionante. A cidade de Roma foi o “mundo inteiro” da Antiguidade. como a própria Neera. Porém. os problemas foram surgindo. além. Assim como qualquer outro mortal. Quando ela não consegue um bom casamento para mantê-la – as cortesãs tinham um alto custo de vida. Além disso. como foi afirmado alhures. É na segunda parte. onde os problemas são maiores do que na Grécia. sejam elas musicais ou artísticas – não desconsiderando a música como uma forma artística –.Resenha: Nos submundos da antiguidade muito lucrativo para quem “agenciava” as cortesãs. Uma cidade com dimensões continentais. era solicitada uma grande quantidade de mulheres e todas apresentavam habilidades. a única saída para ela conseguir manter um padrão de vida alto era ela mesma se tornar proxeneta. Os problemas de Roma são os mais variados. Há. geralmente eram as suas próprias filhas que eram inseridas no mundo da prostituição. um verdadeiro “submundo” em Roma. Muitos tiravam proveito dessa característica para garantir a sua sobrevivência. essa primeira parte está relacionada mais às questões sexuais. Nesses casos. ano 4. nesse caso. muitas viviam desde cedo em um “mundo de luxo e ostentação” –. claro. 9. Como a cidade não tinha a menor estrutura para suportar tal carga populacional. muitos eram os escravos e os miseráveis que viviam na cidade sem a mínima condição de sobrevivência ou amparo do Estado. as epidemias e a fome. a cortesã também estava sujeita às ações do tempo. essa diferença também é resultado da distância cronológica entre Grécia e Roma. essa era a realidade da cidade de Roma. pois. Alguns problemas semelhantes à Grécia são relatados pela autora. na maioria das vezes. Pode-se considerar isso também uma forma de dominação e demonstração de poder por parte do Estado. Marcas na roupa. Jul/Dez 2013: 511-523. 9. aceitando a sua incapacidade de controle social. porém. O termo pergraecari. poucos são aqueles 520 Historien (Petrolina). saqueiam-no. . utilizase de artifícios para que os próprios indivíduos. Tudo isso é “justificado” pelo papel social tanto dos que cometem os crimes quanto por quem é vítima.Francisco Fabrício Pereira da Silva era quem distribuía comida para os miseráveis da cidade. Uma característica interessante da civilização romana é a diferenciação social através de marcas visíveis. essa distribuição passou a ter critérios mais rigorosos. eles invadem o Grande Circo exigindo a distribuição de comida e sugerem até mesmo a distribuição de carne humana! Roma assimilou muito da cultura grega. Muitos imigrantes famintos tentavam se passar por romanos. Além disso. o resultado é uma grande confusão. sequestram as moças que mais lhe agradam. invasões e brigas por prostitutas são as mais comuns. não é regulamentada e grande parte das prostitutas apresentam características moribundas devido à fome e as péssimas condições de vida. Jovens invadem lupanares. A autora narra um episódio onde. e isso inclui também o gosto pelo prazer mundano. e. uma vez que só que podia ter esse direito eram os cidadãos romanos. porém. Desordem. representa como era a relação com esses costumes gregos voltados para o prazer. por falta de alimento para todos os famintos. mantenham as relações sociais controladas. espancam o leno até a morte. que diferentemente da Grécia. n. a dimensão da ação dos romanos mostra-se mais cruel. os lenos são os “patrões”. Em Roma. os lupanares são os locais onde há a prostituição. Isso mostra como o Estado. pois. não com as mesmas características. o que aumentou o rigor na distribuição. que mesmo em toda a sua incompetência. O policiamento nesses casos é ineficiente. as cores das vestimentas. ano 4. mostra-se presente através dos seus cidadãos. os banquetes gregos também são recriados em Roma. ou “viver à grega”. o corte do cabelo e até mesmo “coleiras” – estas utilizadas para identificar escravos fugidos. Os romanos se reúnem apenas para comer e beber até passarem mal. de acordo com a sua classe. mas como a população aumentou de forma desordenada. a autora mostra como os prazeres mundanos eram desejados por todos. Pedintes. o imperador proxeneta”. Para os eleitores era dada uma espórtula. que era uma “cesta contendo uma refeição”. mas também a adrenalina da vadiagem.Resenha: Nos submundos da antiguidade responsáveis por manter a ordem da cidade. Muitas das disputas política atingem o âmbito social. Novamente. principalmente à noite. 9. os problemas também assim se tornam. Em uma parte chamada de “O cônsul arrieiro. Nesse trabalho percebe-se um esforço em esclarecer as características do mundo antigo em todas as suas dimensões. quase todos os “problemas de cidade grande” presente nas grandes metrópoles da atualidade. Nos Submundos da Antiguidade é um livro excepcional. Havia todos os tipos de atividades marginais possíveis. E não só o prazer. bêbados vagando nas ruas e causando confusões. as manobras políticas do período se estendem à “compra de votos”. o senador gladiador. Jul/Dez 2013: 511-523. o gênese da compra de votos. tendo. A maioria dos integrantes desses grupos eram pessoas excluídas pela sociedade romana e jogadas nos submundos do crime. quando aqueles que precisam se esconder de dia saem às ruas. Grupos armados e de (o)pressão são formados por políticos poderosos. . Mas as mazelas sociais eram bastante variadas na cidade de Roma. mostrando. que se passara por baderneiro convencido que ninguém o reconheceria. a mutilação como característica principal. Porém a autora cita rituais de feitiçaria que chamam à atenção por ocorrerem de forma frequente e também por envolverem assassinatos de crianças. lança luz sobre onde só há escuridão. mas a autora sempre tenta trazem algo de novo onde parece ser algo repetido. Fatos curiosos também estão presentes na obra. a grande quantidade de nomes Historien (Petrolina). atividade tão comum hoje em dia. geralmente. charlatães que se aproveitam da fé dos ingênuos e os próprios ladrões noturnos. ano 4. Em certos momentos o livro torna-se repetitivo e cansativo. pois. o que acaba por ocasionar uma grande violência. como é o caso do Imperador Nero. Como as relações sociais em Roma são mais complexas. n. “A violência se torna política” como afirma a autora. assim. independentemente do lugar social. Todos buscam o prazer. por parte dos políticos. Além disso. “Como ser nobre no Brasil”. . esse último exemplo citado. muito importante: teria a História falhado em sua tarefa de magistra vitae e/ou os homens estão fadados a viver em ciclos por toda a eternidade? Eu queria muito ser capaz de responder essa pergunta. n. um monarca nos trópicos. Por se tratar de uma obra de História Antiga. tráfico de pessoas e orgias ainda chocam muitas pessoas. No começo eram os deuses. 9. não há como fechar os olhos para isso. ano 4. 2ª. Essa leitura não é indicada para todos os públicos. como. mas a autora não é culpada pela morfologia dos idiomas antigos! Há também o caráter anedótico da obra.Francisco Fabrício Pereira da Silva próprios acaba por dificultar a compreensão de algumas partes do livro. BURKE. mas do mundo e alguns temas. 2011. Lilia Moritz. o leitor perceberá que se trata de uma realidade brutal que ainda hoje assola a maior parte das cidades. Algumas coisas vêm acontecendo e se repetindo há séculos. A Escola dos Annales (1929-1989): A revolução francesa da historiografia. 2012.ed. que logrou em crer que ninguém o reconheceria nas ruas à noite. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. “História e conhecimento: uma abordagem epistemológica”. 522 Historien (Petrolina). mas muito ainda tem que ser pensado e estudado para que o passado não seja apenas um quadro inanimado e a vida uma realidade imutável. SCHWARCZ. Ciro Flamarion. São Paulo: Companhia das Letras. Pedro II. Novos domínios da História. Ângela Marques da. por exemplo. o de Nero. 1998. O seu conteúdo é denso. Isso levanta um questionamento. Lilia Moritz. 2ª ed. VAINFAS. como prostituição infantil. Ronaldo (Orgs. 2012. BIBLIOGRAFIA AUXILIAR: BOTTÉRO. mas ao analisar. seus temas podem parecer distantes. Tudo faz parte da realidade humana. Peter. Jul/Dez 2013: 511-523. Rio de Janeiro: Elsevier. In: CARDOSO. Jean. COSTA. mas que na realidade todos sabiam que era ele quem fazia as badernas. CARDOSO. As barbas do Imperador: D. Ciro Flamarion. In: SCHWARCZ. não só do Brasil. São Paulo: Editora da Unesp. a meu ver.). In: CARDOSO. José Carlos. Antônio Luiz Macedo e. Domínios da História: Ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Editora Campus. SILVA FILHO. Ronald. _______. Jul/Dez 2013: 511-523. Rio de Janeiro: Editora FGV. História & Teoria. Rio de Janeiro: Editora FGV. 2003. Ronaldo (Orgs. 2010. Ciro Flamarion. “História Urbana”. 9. REIS. VAINFAS. Secretaria da Cultura e Desporto do Ceará. ano 4. 1997. n.). Fortaleza: Museu do Ceará. Fortaleza: Imagens da cidade. . Historien (Petrolina). 2001.Resenha: Nos submundos da antiguidade RAMINELLI. Desafio historiográfico. (SILVA. São Paulo: Companhia das Letras. Jul/Dez 2013: 524-533. ano 4. documentos policiais. o historiador e cientista social. em revistas de difícil acesso ao grande público. Nessas primeiras linhas de Negociação e conflito. Aprovado em 16/11/2013. Eduardo Silva. . obra publicada em primeira impressão em 1989. 9. 2009. O enredo é a sua resistência permanente a ser um mero objeto nas malhas do sistema. Graduando em História na modalidade Bacharelado pela UFRN.com 2 Historien (Petrolina). . João J. REIS. Eduardo. Negociação e Conflito: a Resistência Negra no Brasil Escravista. A obra encontra-se estruturada em seis capítulos – os três primeiros escritos por Silva e os três últimos por Reis – antecedidos por uma introdução e seguidos por um apêndice. João J. atas de câmaras e outras fontes relativas ao século XIX presentes em arquivos públicos.com 3 Licenciada em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: lilapessoa@hotmail. em que documentos utilizados como base nas análises são apresentados na íntegra para a consulta do leitor. tendo sido revistos e reformulados para atender ao objetivo temático que a obra proporciona: entender que havia espaços de conflitos e 1 Recebido em 10/10/2013. como cartas de senhores. ed. REIS. João José Reis. explicitam o eixo temático a ser trabalhado ao logo dos capítulos que se seguirão: o escravo é o personagem principal de sua própria história. É importante salientar que os capítulos presentes no livro são na realidade artigos publicados pelos autores. Eduardo. E-mail: arthur-fabricio@hotmail. Para a realização do trabalho foram usadas diversas fontes primárias.SILVA. Licenciado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. ofícios do governo. n. É a história de homens e mulheres vivendo os seus limites. cuja apresentação faremos abaixo. 2009: 7). 3. . e o igualmente historiador. Graduanda em História na modalidade Bacharelado pela UFRN. tendo como enfoque sua resistência contínua a ser tratado apenas como um objeto da sociedade.1 Arthur Rodrigues Fabrício2 Liliane Tereza Pessoa Cunha3 O personagem principal deste livro é o escravo. É autor ainda de diversos artigos. uma das principais referências da historiografia brasileira atual. Antropologia e História Cultural da escravidão no Brasil. . Um dos autores de Negociação e Conflito. 9. 1823 . O alufá Rufino: tráfico.Arthur Fabrício/Liliane Cunha negociações no sistema escravista. liberdade e candomblé na Bahia do século XIX (2008). Jul/Dez 2013: 524-533. é atualmente Professor Titular do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia. mestre (1977) e doutor (1982) em História pela University of Minnesota. incentivando a pesquisa e servindo como espaço de debate privilegiado para seus membros. Membro Honorário Estrangeiro Vitalício da American Historical Association. publicado em 2010 em parceria com Marcus de Carvalho e Flávio dos Santos Gomes. com destaque para Rebelião escrava no Brasil: a historia do levante dos malês (1986). recebeu o Prêmio Jabuti de Melhor Obra na categoria Ensaio em 1992 e o Prêmio Haring da American Historical Association em 1997. no Rio de Janeiro. um sacerdote africano: escravidão. instituição que se constitui como 525 Historien (Petrolina). o historiador Eduardo Silva.c. Em 2004 e 2010. e seu livro mais recente. O outro autor da obra tratada. 1853). o historiador e cientista social João José Reis. capítulos de livros e obras completas. É atualmente Sócio Titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). bem como sobre a resistência escrava e movimentos sociais no Brasil do século XIX. É. onde desenvolve pesquisa nas áreas História Social. n. deixando de lado visões clássicas que entendiam o escravo como objeto de opressão contínua ou como heróis incontestáveis. Participou em diversos momentos como membro do Comitê Assessor de História do CNPq. Domingos Sodré. bem como de outras instituições nacionais e internacionais de renome. instituição federal da qual é Pesquisador de nível 1A. ainda. membro da Real Academia de la História (Espanha). da Academia Nacional de la Historia (Argentina). é mestre (1979) em História pela Universidade Federal Fluminense e doutor (1992) em História pela University College London. respectivamente. seu livro lançado em 1991. É pesquisador atuante desde 1976 da Fundação Casa de Rui Barbosa. A morte é uma festa. bem como a coleção e preservação de documentos e artefatos. instituição americana que promove estudos históricos. foi homenageado com a Comenda do Mérito Científico do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Grã Cruz. ano 4. escravidão e liberdade no Atlântico negro (c. Resenha: Negociação e conflito importante espaço de trabalho com pesquisa. consulta de livros e documentos. 1997: 88-89). É nesse campo da História que Eduardo Silva e João José Reis constroem toda a obra. os autores dialogam com nomes consagrados da academia. Nessa linha. que a problemática comum a trabalhos da área gira em torno da constituição de atores sociais enquanto sujeitos históricos. em Negociação e Conflito. tendo em vista os objetos de estudo. econômica ou cultural. deparando-se com necessidades burocráticas que obrigavam os programas de PósGraduação a explicitar suas áreas de concentração. na apresentação dos autores. entendendo que “toda a História que hoje se escreve é de algum modo uma História Social – mesmo que direcionada para as dimensões política. Jul/Dez 2013: 524-533. No que se refere aos debates desenvolvidos na obra em questão. de forma primária. autores e conceitos comumente utilizados por pesquisadores inseridos em tal campo. Hebe Castro. (BARROS. em capítulo dedicado a História Social. ambos possuem como área principal de pesquisa a História Social. o historiador José D’Assunção Barros. Como tratado acima. em temas ligados a escravidão. Reis e Silva. social e cultural. Nesse sentido. afirma que a academia brasileira. com uma ala da historiografia brasileira que enxerga o escravo a partir de uma tradição dicotômica a que a obra pretende se opor: o escravo como oprimido ou o escravo como herói. visam compreender o escravo como agentes ativos de sua própria história. Pensando na atuação do próprio campo da História Social. costumeiramente entendidos como construções de práticas discursivas. . VAINFAS. João José Reis e Eduardo Silva dialogam. Prince of the People: the Life and Times of a Brazilian Free Man of Colour (1997) e seu mais recente. como Barões e escravidão (1984). As camélias do Leblon e a abolição da escravatura: uma investigação de história cultural (2003). As queixas do povo (1988). É autor de diversos livros. n. optou pelo sentido mais abrangente do termo. desde a década de 1970. 9. tendo como proposta a preservação da memória nacional. classes populares e pósabolição. Atua. tendo como ênfase maior o período que compreende a transição do Brasil Império para a República. como Raimundo Nina Historien (Petrolina). cultura negra. Silva desenvolve pesquisa nas áreas de história política. ainda. (CARDOSO. reafirma em Domínios da História (1997). a historiadora especialista em escravidão. 2004: 115-116). ano 4. a influência de Schwartz na formação acadêmica de Reis é evidenciada no debate que o último estabelece com seu orientador: na área. como. Stuart Schwartz. ano 4. Escravo ou camponês? (1987). é importante realçar a posição do historiador norteamericano. em sua obra. será caracterizado pelo acesso a terra. que em muitos casos temiam pela vida e proteção dos seus entes queridos. como separados . vendo os conflitos abrirem portas para as negociações. Jul/Dez 2013: 524-533. . na University of Minnesota. em sua obra Os africanos no Brasil (1932). e Jacob Gorender. Casa-grande & Senzala (1933). A partir da proposta dos autores.que a historiografia brasileira não possui forte tradição.Arthur Fabrício/Liliane Cunha Rodrigues. partindo do ponto de vista dos próprios escravos. De forma clara. capazes de modificar as próprias estruturas do sistema escravista. bem como as estratégias de fugas desses escravos. que pensam os conceitos de negociação e conflito – que tanto aparecem juntos. além de certo grau 527 Historien (Petrolina). que atuou como orientador tanto de mestrado. dos mesmos com sujeitos participantes e ativos de seus próprios destinos. com seu O escravismo colonial (1978). estimula o debate em nível de Brasil de um conceito que. Gilberto Freyre. 9.como ponto de partida para a negação dos escravos como agentes ativos de sua própria história. um dos autores utilizados na discussão é o historiador Ciro Flamarion S. como de doutorado. cedida pelo senhor. para o mesmo. a Brecha Camponesa. Schwartz publicou um capítulo no livro The hispanic american historical review (1977). Nesse sentido. De forma adicional. ao seu favor. intitulado “Resistance and Accomodation in 18th Century Brazil: the Slaves’ View of Slavery”. de João José Reis. com o clássico. O capítulo estabelece paradigmas iniciais para que os autores discutam a importância de se pensar as resistências e acomodações dos escravos. Cardoso que. Robert Slenes. a partir de outro autor referenciado e utilizado consideravelmente. Para tratar de conceitos como Brecha camponesa . por exemplo. Reis e Silva trabalham com ideias relativas à existência de famílias escravas bem constituídas e mantidas no seio da sociedade escravocrata.cuja importância é debatida melhor no segundo capítulo da obra . uma economia de subsistência baseada em trabalho predominantemente familiar. n. Reis e Silva demonstram exemplificações de espaços de negociações que “funcionaram”. para os autores. Dessa forma. é indispensável a retomada da ideia central da obra: os escravos não teriam sido vítimas e/ou heróis durante todo o tempo. dois deles são fundamentais para entender a proposta do livro. n. o escravo que negocia”. . SILVA. 2009: 7). 9. que possui forma destacada nos capítulos através de estudos de caso. haviam espaços sociais construídos tanto de barganhas quanto de conflitos. Essa dificuldade reflete-se na metodologia primária empregada: por falta de quantidade. passa-se a utilizar como arma principal a análise qualitativa. (REIS.” (REIS. eles transitariam. Ainda para Reis. 2009: 107). torna-se necessário salientar que. não com a que desejam. O segundo conceito fundamental é o de classe. O primeiro deles. com certa freqüência. ao seu próprio senhor. SILVA. “ a identidade étnica foi em grande parte uma elaboração local de materiais culturais velhos e novos. 2009: 107). ser| construído. que aponta Historien (Petrolina). SILVA. por exemplo. Apesar da riqueza conceitual que a obra contém. é visto como o laço que “conseguiu unir escravos e libertos africanos no cotidiano e na rebelião. a dificuldade de encontrar fontes relativas ao escravo como ator principal de sua história acaba por forçar os historiadores da área a trabalharem com as fontes que possuem. Para Eduardo Silva. “Entre Zumbi e Pai João.” (REIS.Resenha: Negociação e conflito de autonomia que possibilitaria ao escravo. ano 4. apesar da escravidão ser um dos temas mais dinâmicos da historiografia brasileira. 2009: 107). a partir das ideias de Marx. focado primariamente por Reis e Silva na Bahia e no Rio de Janeiro. como se fizeram acreditar diversos estudiosos da historiografia clássica. ao lado das violências corriqueiras do sistema escravista. com bastante frequência em zonas intermediárias de indefinição entre essas duas posições. Sendo assim. É com base nesta ideia que o primeiro capítulo da obra. todos eles reinventados sob a experiência da escravidão. se estabelece a própria existência do termo aplicado a realidade dos escravos apresentada na obra. Ao tratar da opção metodológica utilizada pelos autores em seus capítulos. que será debatido no último capítulo. Jul/Dez 2013: 524-533. materiais trazidos e materiais aqui encontrados. SILVA. o conceito de identidade étnica. (REIS. vender seus produtos. Hobsbawn e Thompson. tendo em vista o diálogo conduzido por José Reis.gerando renda revertida em moeda ou benefícios. Tendo em vista as considerações apresentadas anteriormente. ano 4. enquanto os primeiros tentavam resistir. das fugas e das insurreições. Para Silva. Ainda sobre essa disputa. 2009: 29). a existência desse espaço econômico próprio do escravo é tradicionalmente negligenciada pela historiografia brasileira. 2009: 31). esses espaços de diálogo entre o senhor e os negociantes. Antonio Barros de Castro. eram através de negociações que os escravos lutavam pelo seu direito a cultuar sua religião livremente. (REIS.Arthur Fabrício/Liliane Cunha as já apresentadas dificuldades de pesquisa com a temática. Eduardo Silva afirma que “o sistema escravista – como qualquer outro – não poderia. que ajudasse na sua subsistência e constituísse uma forma de renda. que apenas o interpreta como uma indicação da extensão da liberdade dos senhores .deixando de lado o valor que possui nesse contexto de negociações escravo-senhor. num mecanismo de manutenção da ordem escravista . SILVA. a liberdade podia ser alcançada fora da proposta da violência. gerava em muitos casos. SILVA. 9. Dessa forma. SILVA. a prática da brecha camponesa teria surgido do choque entre senhores e escravos: os últimos buscando construir um espaço próprio. exigindo como solução para a retomada dos trabalhos a ampliação da brecha camponesa. como exemplificado por Silva no caso do engenho de Santana de Ilhéus.” (REIS. viabilizar-se apenas pela força. em detrimento da quantidade de homens livres. evidentemente. contando com casos em que elementos como a criatividade. n.que consistiria. e a ter o direito de possuir uma terra só sua. Apesar da função ideológica restritiva desse “pequeno direito de propriedade”. que visava manter o escravo na fazenda sob a ilusão de autonomia e relativa liberdade. . cedendo ante as reivindicações ou aos próprios interesses econômicos. dentre tantas funções. 2009: 14) Ainda para o autor. a expressiva presença de escravos na população territorial do século XIX seria utilizada como arma principal nessas negociações e sabedorias políticas: “o temor da violência” da grande quantidade de escravos. É partindo dessa situação de negociação entre senhores e escravos que se estabelece a chamada brecha camponesa. Jul/Dez 2013: 524-533. (REIS. 529 Historien (Petrolina). cabia aos negociadores a manutenção e ampliação desse direito. a obter folgas nos finais de semanas. a inteligência e o azar deram conta de satisfazer as condições necessárias à liberdade. onde os escravos realizaram uma “greve”. Para um dos autores trabalhados na obra. cuja função ideológica constitui o eixo central do segundo capítulo da obra. mesmo os suicídios seriam considerados. No entanto. “Fugas. um “meio de libertação”. o autor distingue em seu texto dois tipos de fugas: fugas-reivindicatórias e fugas-rompimento. José Reis afirma que. crioulos e brancos pobres livres. buscam vias legais de negociar com aquelas instituições repressivas. constituindo uma instituição exemplar para a realização de um estudo de caso mais aprimorado. mostrando que os negros não se intimidam. João José Reis apresenta uma perspectiva de crescente interesse da historiografia nacional pela temática: novas questões são levantadas em relação às resistências físicas. Para o autor. n. (REIS. O capítulo se desenvolve a partir do ataque ao candomblé. diárias ou mesmo socioculturais. SILVA. os negros buscavam a afirmação de seu direito de expressão – de tocar. na cidade da Bahia. SILVA. mesmo para o mais acomodado dos escravos e o mais terrível dos senhores. dançar. O autor demonstra como o candomblé ganha espaço nas negociações. 2009: 8). poucos escravos conseguiram efetivamente “escapar”. Jul/Dez 2013: 524-533. com destinos a quilombos ou não. Pelo contrário. não pode ser banalizada: é um ato extremo e sua simples possibilidade marca os limites da dominação. 2009: 63) Tendo em vista esses espaços criados para a negociação. 9.Resenha: Negociação e conflito No terceiro capítulo. Para Silva. como insurgência. causado prejuízos e estabelecendo uma afronta à posição hegemônica dos senhores. Eduardo Silva expande os limites da negociação além do apresentado no capítulo anterior: a materialidade dá lugar à defesa por uma vida espiritual e lúdica autônoma (REIS. na realidade. contudo. ano 4. Nesse sentido. sejam elas individuais ou coletivas. então: A fuga. cantar e brincar em homenagem a seus deuses – sem serem constantemente reprimidos. Reis entende que a unidade básica de resistência ao sistema escravista teria sido as fugas. intitulado “Nas malhas do poder escravista: a invasão do candomblé do Accú”. a despeito dos exageros comuns. A Historien (Petrolina). tendo em seus feitos. No quarto capítulo da obra. como aquele realizado pela polícia em meados de 1829. garantindo-lhes espaço para negociação no conflito. . aliando-se com libertos. Para o autor. Revoltas e Quilombos: os limites da negociação”. No entanto. não pretendendo um rompimento radical com o sistema. os homens-livres pobres. durante o próprio conflito. (MATTOS. como reflexo de construções ideológicas da elite. “Levante dos Malês: uma interpretação política”. que ameaçavam os pequenos direitos conquistados pelos escravos. Jul/Dez 2013: 524-533. 2004: 128).presente naquela situação. ano 4. ou por outras questões relativas à sobrevivência dentro do complexo negociação/resistência. que possuiriam direitos e dignidade. tais fugas podiam acontecer como reflexo de quebras de acordo. apresentados por João José Reis. os libertos e as camadas mais baixas da população se revoltassem quanto a sua condição. O desenrolar do texto se detém na análise das atitudes de negros. homens livres e escravos diante dos acontecimentos. (REIS. ou quebras de costumes. a despeito da construção da época que entendia que as classes mais baixas não teriam direito a felicidade ou liberdade. intitulado “O jogo duro do Dois de Julho: o ‘Partido Negro’ na independência da Bahia”. 9. como Reis aponta. tomando as rédeas de seu destino e passando a agir com consciência de grupo. SILVA. n. que provocavam fortes reações coletivas. em espécies de “greves” por melhores condições. 2009: 63).Arthur Fabrício/Liliane Cunha primeira consistiria. Ambas resultariam na abertura de novos processos de negociações e conflitos dentro do sistema. ou buscado a subversão da ordem escravista. tem como enfoque as lutas pela Independência na Bahia. . O medo dessa elite. discutindo as reações e os medos de uma elite branca à existência de um terceiro partido – além do partido dos brasileiros e do partido dos portugueses . Ainda para João José Reis. abandonando aquele espaço opressor e visando novas alternativas de subsistência. SILVA. O segundo tipo de fuga teria clara intenção de rompimento total com o sistema escravista. chegando até o momento do Dois de Julho de 1823. sendo assim. O capítulo cinco. presente no capítulo seis. O outro estudo de caso. o sistema escravista fazia parte da totalidade da ordem dessa sociedade. teriam negociado participação no movimento de Independência. (REIS. O autor enxerga a elaboração desse terceiro partido. no século XIX. pois a última estaria submetida à necessidade de ter propriedades físicas e. pardos. cada qual a sua maneira. tornavam-se propriedades de outros. Os últimos dois capítulos da obra constituem os principais estudos de caso do livro. Reis afirma seu objetivo 531 Historien (Petrolina). “O Partido Negro”. não é apenas imaginário: esses grupos. 2009: 63). Dessa forma. que temiam que os negros. o que Reis denomina de “paradigma ideológico”. tem como objetivo demonstrar o escravo como agente político. por não possuírem liberdade. Jul/Dez 2013: 524-533. Gilberto Freyre e Jacob Gorender. História e teoria social. discutindo as relações entre esses elementos – classe. A Brecha Camponesa no Sistema Escravista. C.Resenha: Negociação e conflito como sendo às políticas do conflito. que reúne discussões valiosas sobre tal temática tão pouco explorada na academia brasileira. 1979. R. S. conseguia romper barreiras sociais aparentemente intransponíveis. O Campo da História – Especialidades e Abordagens. Agricultura. F. a obra Negociação e Conflito. Apesar disso. (Org. Os conflitos levados à frente pelos escravos. lutas religiosas e lutas étnicas. novos e importantes elementos ao estudo da escravidão na História do Brasil imperial. Domínios da História.). que as discussões presentes em Negociação e Conflito ultrapassem as fronteiras do núcleo acadêmico a que a obra acabou restrita. C. tão veiculada por grandes nomes da historiografia brasileira de vanguarda. S. apresenta de forma clara e bastante didática. CARDOSO. abrindo espaços para negociar sua condição. 1997. uma nova perspectiva. em grande quantidade. em seu dia-a-dia. CARDOSO. Petrópolis: Vozes. que vai de encontro à clássica visão dual do escravo como heroi e/ou oprimido. (Org. Escravidão e Capitalismo. livros didáticos e professores do ensino básico continuam repassando para o grande público os mesmos valores e significados agregados {s definições “cl|ssicas”. religião e etnia – neste contexto. F. . BURKE. 2004. Para João José Reis e Eduardo Silva. e entendendo que na rebelião de 1835 houve lutas de classe. À guisa de conclusão. ou ao menos. trazendo ao debate. VAINFAS. 9. Historien (Petrolina). n. 2002.). Petrópolis: Vozes. teve em sua época de lançamento. Referências BARROS. ano 4. São Paulo: Unesp. grande repercussão. a obra. em grande medida. receios nas classes superiores que temiam os negros. Peter. o escravo. eram a porta de entrada para que essa negociação ocorresse. buscando uma vida melhor para si e sua família. A partir de tais considerações. gerando medos. como Nina Rodrigues. José D’Assunção. Rio de Janeiro: CAMPUS. É preciso. deixando um pouco de lado as negociações. João José.br/1969687480215585> Acesso em: 25 de setembro de 2011.O escravismo colonial. 2008. . 533 Historien (Petrolina). Resenha sobre a obra Negociação e Conflito: a Resistência Negra no Brasil Escravista. Silva:http://lattes. REIS. n. Ilmar Rohloff de. Disponível em: <Lattes J. Gilberto. João José.2. Domingos Sodré.br/2009_2/r02. ano 4. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. Disponível em:<Lattes E. SLENES.cnpq. José Carlos. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record. REIS. O Tempo Saquarema. escravocrata e híbrida. Robert. Casa-Grande & Senzala. século XIX. Eduardo. As identidades do Brasil 1: de Varnhagen a FHC. 1978. Características gerais da colonização portuguesa do Brasil: formação de uma sociedade agrária. 2002. 1999. Robert. GORENDER.Arthur Fabrício/Liliane Cunha FREYRE. São Paulo: Companhia das letras. São Paulo: Companhia das letras. Reis: http://lattes. Senhores e Subalternos no Oeste Paulista. REIS.São Paulo: Ática.pdf> Acesso em: 25 de setembro de 2011. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. um sacerdote africano: escravidão.ufba. 2004. 1997. Ed.Brasil Sudeste. In: Luiz Felipe de Alencastro. liberdade e candomblé na Bahia do século XIX. SILVA. 2007.cnpq. Jul/Dez 2013: 524-533. Disponível em: <http://www.br/4134250494877150> Acesso em: 24 de novembro de 2013 às 18h. Jacob. História da vida privada.v. 9. São Paulo: Editora Hucitec. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava. 5. 1989. São Paulo: Companhia das Letras. Rio de Janeiro: Editora FGV. SLENES. MATTOS.revistahistoria. titular da cadeira de historiografia antiga e moderna da École de Hautes Études de Sciences Sociales (EHESS . com erudição singular. Evidência da História: o que os historiadores veem. o referido autor produziu o conceito de "regimes de historicidade"4. ainda neste campo. bastante difundido desde então. Com tese sobre a escrita do outro a partir de Heródoto 3. o autor discute brevemente os "regimes de historicidade". p. Paris: Gallimard. ano 4. 4 Na obra ora resenhada.HARTOG. tornando-se uma das problemáticas a serem abordadas pelos historiadores. 2011. 2011. 3 Le Miroir d'Hérodote. sendo um dos responsáveis por trazer ao centro do debate historiográfico a questão do tempo. que é fundamental para o trabalho do historiador. Mestrando em História Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Jul/Dez 2013: 534-542. Belo Horizonte: Autêntica Editora. além de membro-fundador da Association des Historiens da França. é um nome central nos debates da historiografia atual. reconhecendo que atualmente eles possuem um lugar privilegiado nas reflexões historiográficas. Hartog é estudioso da escrita da história na antiguidade e das formas históricas de temporalização. 2002. Essai sur la représentation de l'autre . 201). 9. n. Présentisme et expériences du temps. membro do Centre Louis Gernet de Recherches Comparées sur les Sociétés Anciennes e Centre de Recherche Historique. Aprovado em 19/11/2013. François. pois reconhece-se que há diversos modos de temporalidades. exatamente porque "nossas relações com ele deixaram de ser evidentes" (HARTOG. . historiador francês. 2 Historien (Petrolina). Membro do Leitorado Antiguo – grupo de ensino.1 Luiz Henrique Bonifacio Cordeiro2 Os debates sobre o fazer histórico são perenes desde que à historiografia foram impostos métodos para dar-lhe o rigor que uma disciplina séria deve possuir. 1 Recebido em 07/10/2013. Paris: Le seuil. 1980. A obra em que Hartog detém-se a esse debate é: Régimes d'historicité. extensão e pesquisa da UPE.Campus Mata Norte. mas muitas vezes é negligenciada ou pouco refletida.França). François Hartog. Licenciado em História pela Universidade de Pernambuco . desenvolve pesquisa acerca do caráter político das comédias de Aristófanes. a partir de Heródoto. a escrita ou o escritor). trata de questões chave para o trabalho do historiador. mostrando que a história é filosófica. que rebuscam sempre a questão da memória. o tipo de escrita que se impõe aos documentos e quem deve se impor (o documento. Os gregos são inventores do historiador mais do que da própria história. revelando-lhe os segredos da memória. 535 Historien (Petrolina). p. como as formas de escrever a história. Evidência da História: o que os historiadores veem. que dá voz ao aedo. . incessantemente. evidentia (como pensar o fato) e evidence (testemunho. nunca será completa. imiscui-se com seu conhecimento. 5 Deusa grega da memória. É também com os gregos que o historiador filosofa sobre seu fazer. n. unindo o que em Homero é representado por energeia (a visão do fato). Hartog afirma que a evidência.Luiz Henrique Bonifácio Cordeiro O livro ora resenhado. a importância do tempo. Todavia. a fonte). No século IV a. Hartog afirma que a relação do historiador com a História é como a do aedo com Minemosyne 5. todavia. Ainda na parte introdutória. O historiador. 9.. historiador e filósofo 'trocam figurinhas'. Jul/Dez 2013: 534-542. publicado originalmente na França em 2005 e traduzido para o Brasil em 2011. pelo foco narrativo e pelo ato de identificar-se no texto. escrita e instituição. A primeira parte do livro apresenta e discute como foi vista e feita a história na antiguidade greco-romana. isto é. sem formulação de regras para a produção. o 'como se dá' a visão do fato. Refletir sobre o estatuto da evidência na História é refletir sobre a própria História. fazem com que essa torne-se a história moralizante. ano 4. ação para o bem da História. 14) é claro ao defender que a evidência do historiador é aquela que busca o 'por que'. é lembrado que a falta de cientificidade dos antigos está no fato deles não refletirem sobre a evidência da qual tratavam. C. a produção historiográfica passa por uma revisão filosófica feita pelos próprios historiadores. observando uma íntima relação entre memória. Hartog (2011. que tem a ver com a narrativa do historiador. Hartog relaciona o que questiona nessa primeira parte à segunda. promovendo uma visão dos acontecimentos como instrumento para conhecê-los melhor. ação importante para a historiografia antiga. transforma-se em figura subjetiva. a 'mestra da vida'. além de permitir compreender escolhas. Igualmente. exatamente pela sua confusão com o tempo. ampla. Historien (Petrolina). O tempo do qual ela se serve só recentemente passou a ser visto como vetor para o progresso e é o princípio organizador dos objetos de que trata a história. Ir em direção aos primórdios é formular escolhas. não se pode desvalorizar a boa articulação das palavras. que tenta se perpetuar. Hartog (2011. suas relações efetivas foram complexas. imortalizando-a. Jul/Dez 2013: 534-542. Contrapondo-se a essa imortalidade e a esse poder da memória. de saída. as que controlam ou agem a partir de uma escolha sobre a situação. A história é produzida através de narrativas. pois as lembranças nem sempre são justapostas. ao tentar ser "senhor da imortalidade" (da memória). a importância da palavra não deve ser negligenciada ao se observar as sociedades grega e romana. consequentemente. saindo da vida 'selvagem'. A evidência.Resenha: Evidência da história Na relação história-memória. ano 4. é como uma busca das origens. esboçar rupturas. contudo.. paradoxalmente. mas enquanto há as falas que vêm depois da ação. há. . mutáveis e conflitantes". pode ser relativa. Entretanto. Contra Heródoto. ele conclui que a eloquência busca a paz. Por isso. complexa. o tempo faz parte de uma relação problemática com a memória e com o indivíduo. n.. A busca da memória. mas floresce em meio a distúrbios. a cidade romana só se formou. o historiador visa a dar uma sobrevida a sua obra e. p. 26) denomina "cultura da memória" à relação entre História e Memória. Tucídides defendia que a memória seria sempre falível. 9. pois os oradores e sua eloquência foram fundamentais nessas sociedades e é a partir dessa importância que a história ocidental começou a ser escrita. graças à força da palavra. Hartog afirma que. intrínseca à vida humana. isto é. um projeto comum. Hartog considera a história como um processo. como o orador. então. para Cícero. sendo fundamental ao processo da história. a si. Além disso. Nessa relação entre fala e ação a palavra política foi de fundamental importância nas cidades antigas. o autor afirma que "se a história e a memória tiveram. estando imiscuído à evidência do historiador. o historiador é o novo Heródoto. que já não existe de fato.. o histor esclarece a verdade para que se saiba viver com ela. A história trata. No entanto. é preciso reconstituí-lo. por isso. como oráculo. Em Tucídides. Esse presente utiliza-se do passado. Com a investigação. por isso um sentido 'melancólico' da história. mas aquele que dá seu parecer. o passado é naturalmente um passado constituído por fragmentos escolhidos" (Ibid. Para Tucídides é preciso imprimir uma rigorosa crítica. estando ligado ao verbo historien (investigar) como o policial. que reconstitui. Hartog se apropria dos posicionamentos tucidideanos valorizando que. pode-se afirmar que o historiador é passível de narrativas. dá à história o status de independente. estando ligado ao verbo semainein (revelar). Ao contrário do que a priori possa parecer. pessoalmente. que é uma montagem. p. por fim. ao se afastar dos poetas que miram exclusivamente ao passado. ano 4. como uma autópsia à medida que impõe uma crítica ao testemunho da fonte e apresenta. o histor é tomado por testemunha. Tucídides impõe à história um status de verdade. O histor faz a autópsia do fato. nesse sentido. historien e semainein se complementam na prática historiográfica. opsis (a vista) vale mais do que akoe (o ouvido). aquilo que 537 Historien (Petrolina). Na etimologia da palavra e do fazer História. para refletir sobre suas próprias incertezas. por isso. não aquele que viu diretamente. passível de ocorrências. em Tucídides. mais inclinado a Heródoto. 9. n. em prol de um conhecimento claro e distinto: "Não só o que vi. A história funciona. A narrativa. p. falha ao querer revelar o que acha que deve ser revelado. que também recorre à historie (procedimento de investigação). 61) apresenta a etimologia dessa independência. em suma. nunca age para evitar a catástrofe. por olhar a partir do presente. Em um segundo sentido. que. de um fato morto. o historiador parte do e para o presente. um 'parecer'. que sempre busca saber por que aconteceu. afastando-se do projeto promovido por Heródoto. aparece depois. e Hartog (Ibidem. o resultado será sempre diferente do ocorrido: será sempre uma recriação. . segundo aquele. não é possível captar o tempo como ocorreu.Luiz Henrique Bonifácio Cordeiro A escrita da história é como a eloquência do orador. Jul/Dez 2013: 534-542. "Convocado como modelo. 69). historiador do século II a. p. a sunopsis. segundo Hartog (Ibid. Heródoto e Tucídides não rompem com a tradição de apresentar dois polos antagônicos dos indivíduos de que tratam ao impor sua autópsia. que em Heródoto são recebidos a partir da imaginação. estreia uma nova fase por não se limitar a investigar (historien) ou a revelar (semainein). em Tucídides são testemunhas passíveis de questionamento.. 79).. mas localizados em autores chave da 6 Evidência nos Tempos Modernos.C. Historien (Petrolina). com justa medida. A segunda parte do livro 6 é. . já que foi com esse que. não pretende apresentar categorias ou justiçamentos. p. ele se tornou historiador porque já não podia ser um homem de ação". ficou o título de pai da história. pelo fato de que. p. enquanto Políbio. O histor que em Heródoto é revelador. em Tucídides se porta como "avalista em um litígio" (Ibidem. Ele defendia. mas a condição de que essas visões (tanto a minha quanto as outras) resistam a uma rigorosa crítica" (HARTOG. ou seja. impondo universalidade e dinamicidade ao trabalho da história. 9. de abranger em um só golpe de vista". mas o movimento e o momento da movimentação. na verdade. O maior destaque ressaltado pelos historiadores romanos foi então as transformações em prol de um conhecimento verossímil. "que não houvesse separação entre fazer a história e fazer história. ao buscar causas e mostrar-se presente. os indícios encontrados. ano 4. segundo Hartog (Ibid. A prática historiográfica. Sobre esse impasse entre os posicionamentos contrastantes entre os historiadores gregos. provavelmente. p. 84).Resenha: Evidência da história outros dizem ter visto. Jul/Dez 2013: 534-542. Políbio inaugura. uma continuação dos debates e temas empreendidos na primeira. 2011. "capacidade de ver em conjunto. 107). n. p. 81). com Políbio. tendo boa receptividade em seu tempo.. É com Políbio que abre-se o caminho para os historiadores romanos.. esse autor passa a unir a ação à palavra. representando um Mediterrâneo globalizado. apesar de ter sido com o outro que a história passou a exercer uma crítica. Hartog afirma que "impunha-se a existência de Tucídides para que Heródoto pudesse aparecer como mentor" (Ibid. 103). que passam a valorizar a retórica e o acontecimento. Hartog responde que não enxergam atuação de seu tempo em tudo o que produz 8. defende que se feche os olhos ao presente. 2011. p. 161) reconhece que todos pretendem estabelecer continuidade O olhar do historiador e a voz da história. Buscando o passado. 151).. desfalecido por si só.. "evoca-se o fluxo das coisas". [. Jul/Dez 2013: 534-542. Hartog (Ibid. 159) afirma que "[. Outro regime de visibilidade do XIX aparece como uma "ilusão". discordando ou não deles. p. por gerar fundamental preocupação com a vida e dar importância à morte para que essa preocupação prevaleça: a história é. p. Aos que são pessimistas e consideram a história idealista e presa ao mundo das ideias. 143-161. não se afastando seu presente da produção e por portarem-se como decifradores desse presente. mas. que luta para impor uma 'história-ciência'. onde Hartog afirma que desde a antiguidade até o século XIX houve vários regimes historiográficos em consequência dos diversos posicionamentos dos historiadores. 7 8 539 Historien (Petrolina). para não cair na visibilidade iludida. ele não deixa de depender de um pressuposto de método: o historiador . Michelet e Coulanges. mas gradativa.é aquele que.] ao opor um visível ilusório a um real que se deve aprender a ver. . que a visibilidade real na história não é imediata.Luiz Henrique Bonifácio Cordeiro historiografia do XIX e do XX. n... "encontra os fatos" e consegue "vê-los" ou vê as coisas como elas são".. nesse sentido.. a partir de Fustel de Coulanges. 148).. p. transformam-se em vozes para a história. Ao contrapor Thierry. Hartog (Ibid.]. a história visa a refletir sobre a vida. Esse autor visa a ver os fatos e. no entanto. 149). onde os arquivos são mortos. p. entre o visível e o invisível. um exercício fúnebre que prima pela vida. Hartog faz referência direta ao teórico francês do XIX Augustin Thierry (Ibid. p. nas palavras de Hartog (HARTOG.em nome de sua competência . 9 O teórico responsável pela ideia de história que vai de encontro à de Thierry é Jules Michelet (Ibid. que acreditavam produzir veridicamente por incluírem-se em sua observação. é o que ele chama de "visibilidade invisível" 9. 9.. ano 4. O primeiro capítulo 7 inicia-se com uma observação arqueológica do olhar do historiador. No entanto. a partir do olhar do historiador. Nosso autor salienta. . ao desbravar o "mistério do tempo". que trabalha com o tempo das estruturas. é em Paul Ricoeur. no entanto. 2011. é recente. p. 10 Historien (Petrolina). 183).]". p. daí. e reconhecer que o acontecimento é como uma "variável da intriga": "com funções diversas. com o "olhar distanciado" do estruturalismo. Ricoeur. Jul/Dez 2013: 534-542. a intencionalidade de fazer emergir uma observação da ação humana no tempo. 176). que valorizam a complexidade da vida humana. dialogando com a linguística e a etnologia. 177).. no entanto. como ao indivíduo e ao acontecimento. Hartog reconhece que ela teve vários sentidos ao longo da trajetória da história como conhecimento.]" (Ibid. A discussão sobre sua epistemologia.] o "realismo" é plural. que há reflexão profunda acerca da relação entre a narrativa e a história. que acontecimento e narrativa são inerentes um ao outro. "reatar o fio da tradição" (MICHELET apud HARTOG. p. além de ser responsável por recolocar o historiador no trabalho que produz. 2011. ao valorizar o social e o global: "sob seu microscópio. conclui que "seria impossível existir história sem um vínculo. A narrativa se configura como aspecto intrínseco ao saber histórico ao voltar à tona por nunca ter desaparecido. foi possível ao historiador dar passos mais largos. ele pertence a todos os níveis [. Entende-se. o que lhe permite a afirmação de que "[. e a visão não se limita a ser uma questão de ótica [. Nesse sentido. independente de como seja essa observação. com Lucien Febvre e Fernand Braudel. com a narrativa". os Annales abandonam a narrativa em prol do contrário do que era cultivado naquela história metódica do XIX.Resenha: Evidência da história para a história em sua complexidade de real 10. entre outros. nesse sentido. Hartog afirma que o que mudou foram as maneiras de usá-la. por mais tênue que fosse. o historiador Literalmente. p. Hartog afirma que os objetos da história podem ser observados de fora dela. n. legível" (Ibid. parafraseando Ricoeur (Ibid. Há. 9. 161)... Seria mais sensato falar em "eclipse da narrativa". p. o acontecimento deixa de ser "visível". Já depois de bem consolidada a história social dos Annales 11.. Ao discutir o lugar da narrativa. Esse posicionamento é ratificado pelos Annales. ano 4. 11 Para Hartog. e o deixa devido ao social. devido a questionamentos centrais: o que faço? o que vejo? como faço? Com olhar em perspectiva sobre a evidência... segundo Hartog (HARTOG. A partir de Claude Lévi-Strauss.. que quer significar um elo entre passado e presente. 175). que se contrapunha à narrativa.. . . no entanto. e sobretudo ele só é capaz de começar a tornar-se historiador ao manter-se à distância da testemunha". Em terceiro lugar. p. 2011. onde tende-se a acreditar que a testemunha não mente. a partir daí. 191). talvez mais ou menos importantes – ele dá o exemplo das vítimas do Holocausto. Teria a testemunha alguma autoridade? Ela é importante para o estabelecimento de uma tradição. que diríamos aqui os inauguradores da escrita da história foram considerados uma espécie de testemunha enquanto pesquisadores.. tende-se a ouvir as singularidades. 203) afirma: "a testemunha não é um historiador. em caso de necessidade. Jul/Dez 2013: 534-542. Primeiramente. sobre esta última observação. é necessário interrogá-la. Com firmeza. fazendo. e o historiador – se ele pode ser. . a "impossibilidade do testemunho" (Ibid. Hartog faz-nos ver que há testemunhas diversas. Testemunha-se o que já não se pode ver e uma testemunha é apenas um dos caminhos possíveis a se seguir. fazer a autópsia. paradoxalmente. o imediatismo e o sucesso da testemunha fazem com que se amplie a noção do que vem ela a ser. uma testemunha – não deve assumir tal função. Se no início do livro os historiadores gregos. reconhece que vivemos em um período em que a "economia midiática" gera o "imperativo do ao vivo" (HARTOG. Refletir sobre a testemunha e sobre o testemunho é refletir sobre o que vê ou sobre o que escreve o historiador. para que se produza reflexão e posicionamento também neste aspecto. Hartog faz observações sem pretender encerrar o debate. o lugar reservado à testemunha é colocado em xeque. ano 4. 9. p. Hartog (Ibid. p. entendendo-a como a fonte. Propõe-se um retorno à testemunha. mais e menos experientes. um aprofundamento epistemológico da discussão sobre a própria história. Hartog afirma que há um espaço entre o que foi e o que poderia ter sido um acontecimento.Luiz Henrique Bonifácio Cordeiro forneceu "uma arquitetura lógica a desenvolvimentos históricos que podem ser imprevisíveis. p. Em segundo lugar. na parte final. tal como o historiador grego. 211). ou entendê-la como um auctor (fiador) 541 Historien (Petrolina). Sobre a condição da testemunha na escrita da história hoje. 209). sem nunca serem arbitrários" (Ibid. n. o que permite afirmar que a testemunha permite uma reconstituição e não uma reconstrução.. contudo. 228). pois o historiador não deve se portar como absoluto. que depende do testemunho. nasce a dúvida entre o que seria autêntico e o que seria real ou verdadeiro. Jul/Dez 2013: 534-542. 12 Historien (Petrolina). 229-251.. O que não se pode é calar o historiador perante a testemunha. ano 4. p. Hartog propõe que se valorize mais os arquivos com os quais se trabalha e se lhes compreenda mais a fundo. 9. questão premente do XX. 227). nem deixar ser 'absolutizado' pelo objeto. O próprio ato de 'julgar' é tema de reflexão. entendida como o momento de reflexões variadas de que é objeto a própria história.Resenha: Evidência da história latino. para que se possa julgá-los como convém na prática historiográfica. Reconhece-se a "questão da urgência a dar testemunho e da transmissão" (Ibid. O "paradigma do vestígio". com a narrativa. A crise atual. que por sua vez deve possuir credibilidade e que está ligado à memória e à sua tradição. p. n. .. faz Hartog mobilizar mais uma vez Ricoeur. Outra observação: "a testemunha de hoje em dia é uma vítima ou o descendente de uma vítima" (Ibid. é tida por Hartog como um momento de transformações 12. Essas são questões do último capítulo: Conjuntura do final de século: a evidência em questão? p. cristianismo e helenismo (2007) e Jesus de Nazaré: uma outra história (2006). a partir de 1 2 Recebido em 10/10/2013.br Historien (Petrolina). 2012. Cavalcanti 2 André Leonardo Chevitarese e Pedro Paulo Funari André Chevitarese e Pedro Paulo Funari são pesquisadores que têm voltado os seus estudos para as experiências religiosas no mundo antigo e sua recepção ao longo da história. Rio de Janeiro. Questões e debates metodológicos (2011). Publicações relevantes: “Há. ano 4. a maior parte dos estudos em torno desta questão permaneceu no campo da teologia. n. Entre as principais publicações de André Leonardo Chevitarese estão: Cristianismos. Das principais obras de Pedro Paulo Funari podemos citar: Os Manuscritos do Mar Morto (2012) e Identidades Fluidas no Judaísmo Antigo e no Cristianismo Primitivo (2010). Judaísmo. Estudo este que apresenta uma larga trajetória no cenário mundial. Volume 11) da Revista Jesus Histórico. Fazendo leituras de como a oralidade e a escrita se fundem e ampliam a complexidade destas experiências religiosas. Kliné. ainda fazem uma projeção de sua pesquisa no imaginário popular cristão brasileiro. a complexidade e o dinamismo em que se dão as relações de alteridade: o “nós” e o “eles”. André Leonardo e FUNARI. portanto. O livro tem como proposta introduzir e refletir sobre a busca pelo Jesus histórico e o desdobramento do movimento em torno desta figura. aceito para publicação na próxima edição (Ano VI.CHEVITARESE. Uma brevíssima introdução. Jul/Dez 2013: 543-548. mas um só corpo”: uma breve análise sobre o programa paulino de Reino de Deus. 9. Pedro Paulo A. E-mail: julianajubcmt@yahoo. Graduanda em história pela UFRJ.com. No entanto. Jesus Histórico. Os autores. Aprovado em 25/11/2013. Repensando os aspectos multiculturais.1 Juliana B. . muitos membros. Os autores aproveitam este ponto para abrir uma discussão sobre memória. (b) Como conhecer o Jesus histórico: a preocupação neste eixo é a apresentação da documentação para se acessar a vida da personagem Jesus de Nazaré. os impactos no estudo histórico da personagem a partir do advento do Iluminismo no século XVIII. 9. Neste sentido. ano 4. menos relacionadas com o aspecto religioso. tema em questão passou a demandar novas preocupações. n. um homem: neste ponto os autores indicam a importância de se estudar o Jesus histórico. todas as reflexões sobre o referido assunto estavam direcionadas ao campo da crença. Criando-se assim. Pode-se agrupá-los em quatro categorias: evangelhos (tendo destaque para os relatos da vida de Jesus).Neotestamentária: fruto da construção de memória sobre o movimento que se desdobrou pós-Jesus. livro ‘histórico’. camadas e camadas de questões e reflexões destas comunidades que registraram escritos sobre Jesus e seu movimento. E. Evidenciando o impacto da personagem e de seu movimento no pensamento ocidental. a proposta do livro é apresentar o que se sabe e as discussões sobre a vida de Jesus.Arqueológica: contribui para reconstruir e confirmar alguns personagens e circunstâncias mencionadas na documentação neotestamentária. epístolas ou cartas e profético. Os autores dividem essa documentação em três blocos: . consequentemente. A presente obra está fragmentada em nove capítulos que podem ser agrupados em quatro eixos temáticos: (a) Jesus. E mais do que Historien (Petrolina).Resenha: Jesus Histórico denominações confessionais de cunho cristão. . Por isto é importante à reflexão destes relatos que são escritos muito a posteriori aos eventos. Bem como. A partir de então. Iniciava-se a busca pela historicidade deste personagem de grande importância para o mundo ocidental. relembra e interpola. Afirmando que memória é um elemento que esquece. Seriam os vinte sete livros que conformam o chamado Novo Testamento. Com o advento da modernidade e tendo como arcabouço o Iluminismo. Jul/Dez 2013: 543-548. . Os milagres se inserem neste mesmo contexto. 9. Gamla e Jodefat: aldeias judaicas do tempo de Jesus. A inscrição do prefeito Pôncio Pilatos. são úteis para ampliar os estudos sobre a mesma. Onde Jesus ora é apresentado nestas construções como um curandeiro ora como um homem divino. Jul/Dez 2013: 543-548. Um exemplo apresentado é com relação à concepção de Jesus pelo Espírito Santo que não é presente na comunidade marcana. O movimento de Jesus deriva-se do movimento de Batista. Os autores nos trazem uma informação interessantíssima. .Juliana B.Outras fontes literárias: Flávio Josefo e Evangelho de Tomé estão entre elas. ministério de Jesus. 2. Massada e Qumram e a resistência judaica à ocupação romana. Pode-se citar: 1. esta documentação contribui para a percepção de que este movimento já nasce pluralizado. milagres e crucificação. O autor fala que sobre a infância de Jesus são construções a posteriori numa busca de grupos cristãos em dar respostas a indivíduos de fora destes grupos. Estas fontes contribuem para uma maior dimensão deste movimento. movimento Batista e Jesus. ano 4. principalmente no que diz respeito às diferentes tradições que se conformam. n. Este bloco refere-se a toda e qualquer documentação que fale sobre a personagem ou o seu movimento e que não pertença à documentação neotestamentária. . Estes movimentos com caráter messiânicos foram próprios do período. o contexto de instabilidade político-social na Palestina contribuía para o mesmo. mas está nas comunidades mateana e lucana. Dado que. Sobre o movimento de Batista e Jesus e o ministério de Jesus. Ao contrário do que possa se pensar num primeiro momento. Ou melhor. 545 Historien (Petrolina). 3. Possibilitando perceber e questionar aspectos que muitas das vezes se encontram limitados pela fonte escrita. Cavalcanti isso. (c) A vida de Jesus: Chevitarese e Funari apresentam alguns dados sobre os principais eventos da vida de Jesus: infância. 2. ao propor um ‘retrato’ do Jesus da história. Entre os principais autores temos: Reimarus. Exclusão do material evangélico que não preenchia o paradigma. A busca pelo Jesus da história só havia obtido resultados negativos. 2. mais do que promover esta separação. Em outras palavras. 3. Estas biografias vão acabar por acarretar uma visão cética e de não possibilidade da personagem enquanto campo de pesquisa. Estas biografias. Schweitzer alerta para a ausência de estudos sobre o elemento escatológico (Jesus se revela Historien (Petrolina). Ernest Renan. Evoca o interesse pelo estudo até mesmo para responder demandas de estudiosos do campo religioso que ao produzirem evangelhos harmônicos deixavam explícito o interesse pela vida de Jesus. E é nesse contexto que em finais do século XVIII emergem as primeiras biografias sobre Jesus. “Portava vestes por demais modernas” (CHEVITARESE. um autor. inauguram a primeira busca pelo Jesus Histórico. Exatidão e relevância históricas não são mutuamente excludentes. ano 4. FUNARI: 2012: 45). Tudo pode ser interpretado a partir de um paradigma consistente. Jul/Dez 2013: 543-548. O Iluminismo. 3. Schweitzer.Resenha: Jesus Histórico (d) A busca pelo Jesus Histórico: a preocupação é apresentar o elemento divisor de águas no estudo sobre o Jesus Histórico. Suas críticas resumem-se em três aspectos: 1. . Jesus fora atualizado pelos pesquisadores. um evento que marca no pensamento ocidental a dissociação entre Estado e religião. n. Este elemento divisor será o advento do Iluminismo. Reflexão de uma reflexão não oriunda dos Evangelhos. segundo os autores. E seguiam as seguintes lógicas: 1. verifica que a personagem Jesus e o seu movimento estava muito vinculado aos discursos contemporâneos e que o estudo de Jesus (em níveis metodológicos) era impossível e que a níveis teológicos era desnecessário. 9. E os pesquisadores falharam neste sentido. próprio desta fase. John Crossan aparece como o grande divulgador do grupo Jesus Seminar. 2. o homem”. Jul/Dez 2013: 543-548. The Jesus Seminar tinham inicialmente a intenção de examinar cada fragmento das tradições atreladas a Jesus. 2. Sobre o contexto de Segunda Guerra Mundial e toda a teologia nazista que pregava o sentimento antijudaico. Com o tempo o trabalho passou abarcar o estudo sobre as atitudes e ações atribuídas a Jesus. . 3. Esforço em determinar o que Jesus teria dito. Käseman defendeu que o estudo sobre Jesus histórico passava a gozar de bases metodológicas.Juliana B. Sendo uma retomada. na repetição de palavras. Norman Perrin: seu trabalho abarca os ensinamentos e linguagem de Jesus. 9. Sua base teórico-metodológica consiste em três níveis: a. na recorrência de fórmulas orais sempre repetidas). Entre os principais autores desta fase temos: 1. Busca-se pelos verdadeiros atos de Jesus. ano 4. Schweitzer acaba por afirmar que o estudo sobre Jesus deveria ser deixado de lado. por intermédio de um ‘inventário das tradições sobre Jesus (idade da fonte e número de atestações independentes para a tradição). em certo sentido. Cavalcanti como um profeta anunciando que o fim dos tempos estava próximo e que o Reino de Deus estava por vir) e sobre o papel da oralidade (estaria presente nas frases curtas. n. O campo toma novos rumos com o professor Käseman. 547 Historien (Petrolina). as preocupações dos primeiros grandes estudos sobre o Jesus histórico. A partir de então se instaura a chamada Segunda onda ou fase pela busca do Jesus Histórico. Sua crucificação é interpretada como resultado da oposição feita por Jesus às autoridades político-religiosas. A terceira onda inicia-se com o The Jesus Seminar (ou Seminário de Jesus). Sendo divida em três momentos: 1. tendo como objetivo a descrição do contexto político-histórico em que o personagem se insere. Microcósmico: tratamento da documentação literária. Culmina com a publicação do livro “Jesus. Günther Bornkamm: estava preocupado em estabelecer as motivações ou autoconhecimento de Jesus. Ao concluir que Jesus seria uma figura estranha e enigmática. . estes eixos têm como ponto norteador reflexões sobre o estudo do Jesus Histórico e o seu movimento. Jul/Dez 2013: 543-548. Historien (Petrolina). são apresentadas as novas tendências no campo de pesquisa. Macrocósmico: análise do movimento de Jesus na perspectiva da antropologia cultural e social. n. Estas tendências são marcadas por três grandes eixos: 1. O fato de apresentar todas as fases ou momentos deste estudo culminando no momento atual não torna a obra apenas relevante por ser um material que introduz e sintetiza muito bem os principais eixos de estudo. Mesocósmico: reconstrução do tempo e espaço em que Jesus viveu. os autores abrem uma discussão sobre o que fomentou os estudos e o que possibilitou que a personagem Jesus e seu movimento se tornassem linha de pesquisa em ambientes laicos. 3. 9. 2.Resenha: Jesus Histórico b. Por fim. Marcado pelo interesse de se ter uma compreensão racional de Jesus: Bento XVI. c. ano 4. Para isto. Assim. Buscando reconstruir a dinâmica e a estrutura social do mundo em que Jesus viveu. Mas sua relevância se encontra também por ser um material produzido por pesquisadores brasileiros que traz consigo reflexões sobre experiências plurais no movimento de Jesus. Caráter judaico de Jesus e emprego crescente da documentação arqueológica: Charlesworth. Caráter social de Jesus: Hosley. ano 4. n. 9. Jul/Dez 2013 .549 ENTREVISTA Historien (Petrolina). com 2 Agradeço a Janilly Santos de Carvalho por fazer a transcrição da entrevista. Licenciado em História pela Universidade de Pernambuco – Campus Petrolina. Rafael Cruz: Gostaria de iniciar pedindo que o senhor falasse um pouco da sua formação acadêmica e por que esse interesse em trabalhar com a prática do Ensino de História. 1 Historien (Petrolina). Dimensionar os papéis do professor enquanto pesquisador e mediador de conhecimento vêm sido visto com preocupação e interesse. que naquela época era Mestrando em História pela Universidade Federal da Bahia.oliveira. Foi.cruz@gmail. Mestre (1998) e Doutor (2003) em Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona. porém. Carlos Augusto: Bom. desenvolvi um trabalho sobre Ensino de História e História Local. ano 4. para as disciplinas de Metodologia do Ensino de História. na Especialização que eu comecei a discutir as questões relativas ao Ensino de História e a Formação de Professores. Carlos Augusto Lima Ferreira para conversarmos2 sobre a realidade atual na formação do professor de História e os desafios e as novas possibilidades na prática docente em História. Carlos Augusto é Licenciado em História (1985) e Especialista em Metodologia e Didática do Ensino Superior (1992) pela Universidade Católica do Salvador. e para discutir sobre essa realidade convidamos o Prof. .CONVERSANDO SOBRE ENSINO DE HISTÓRIA – ENTREVISTA COM CARLOS AUGUSTO LIMA FERREIRA Rafael de Oliveira Cruz1 As reflexões sobre a prática de Ensino e formação de professores de História têm sido pauta de inúmeros debates entre pesquisadores brasileiros. eu sou formado em História pela Universidade Católica do Salvador e tenho Especialização em Metodologia do Ensino Superior. 9. n. E-mail: rafael. depois esse interesse foi cada vez mais se fortalecendo na medida em que eu fui me deslocando da disciplina que eu trabalhava. O Prof. Prof. tenho Mestrado e Doutorado em Educação com uma discussão sobre Ensino de História e as Novas Tecnologias na Universidade Autônoma de Barcelona. E daí. e Didática. Professor da Rede Estadual da Bahia. Estágio Supervisionado I e II. Atualmente é Professor Adjunto da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) onde coordena o Grupo de Estudos e Pesquisa em Ensino de História – GEPENH. que era História da Bahia. Jul/Dez 2013: 550-558. Agora. inclusive com nota quatro e que é uma nota máxima para programas de mestrado. o da Universidade Estadual de Londrina e recentemente a UNIRIO. que. mas devemos ter hoje entre sessenta e quatro a setenta cursos de PósGraduação no Brasil. mas na grande maioria esmagadora dos docentes que fazem parte desse Mestrado em rede. e neste momento. eu vejo com muito bons olhos a introdução dos Mestrados Profissionais. procurava dar um recorte da Didática Geral pra pensá-la no Ensino de História e isso foi crescendo. o primeiro que tivemos no Brasil. crescendo e resolvi no Mestrado. discutem o Ensino de História. faz com que os 551 Historien (Petrolina). o quanto está distante da discussão nos Programas de Pós-Graduação em História as questões ligadas ao Ensino de História. todavia. n. a pesquisa sobre o Ensino de Historia tem nos cursos de Pós-Graduação? CA: Olha. O Programa de Mestrado Profissional em História foi aprovado em rede e é capitaneado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com o que. Para não dizer que ela é imperceptível do ponto de vista do conjunto de Pós-Graduações em História que existem no Brasil. RC: Como o senhor avalia o espaço que a investigação. principalmente porque ele vai ser direcionado pra os professores da rede. Jul/Dez 2013: 550-558. Eu acho que não deveria ser dessa forma. trabalhar com o Ensino de História. que isso não fechasse as portas nos programas dos Mestrados Acadêmicos e dos Doutorados Acadêmicos. objeto de reflexão dentro da história e isso lamentavelmente não acontece. mas que ela se ampliava pra todas as licenciaturas. Então foi isso que me fascinou e fascina até hoje. dentro da História. . e já vai um longo tempo. que são: na Universidade Federal da Paraíba. trabalhando na área do Ensino de Historia. porque eu quero crer que o debate acerca do Ensino de História deve ser também. Mas já que isso ainda não é possível. são professores oriundos dos Programas de Historia. se não me falha a memória. 9. destes apenas três programas. desculpe. com Mestrados Profissionais em Historia. acho que é mais uma prova de que essa discussão deveria estar dentro do Ensino. Ainda que fosse nessa perspectiva. Agora é interessante notar que ele vai ser um Programa sobre Ensino de Historia. Será que também não abre a possibilidade pra um debate sobre Ensino? CA: Eu acho que é um Programa de extrema importância e esperança para a área do Ensino de História.Rafael de Oliveira Cruz Didática especifica para o curso de Pedagogia. são privilegiadas nos Programas de Educação. mas já que a CAPES começa a incentivar e incentivar com muita força os Mestrados Profissionais na área de Ensino e o de História foi aprovado (recentemente). E que não deveria ser. ano 4. RC: Recentemente fala-se muito da criação de Programas de Pós-Graduação. Eu não saberia te precisar. a temática nos cursos de Pós-Graduação é extremamente restrita. sim. Eu acho que isso mostra o quanto está distante da formação do professor. por conta de um olhar enviesado de todos nós que fazemos o curso de História. que efetivamente descuidada formação de professores. nós tínhamos exatamente o pensamento de fazê-lo com que fosse aberto uma área de possibilidade de que essa discussão saísse da área de Educação e efetivamente fosse pra área de História. tanto eu. eu tenho uma orientanda (Dulcinea Coutinho Barros) que discute Ensino de Historia não em Educação. já temos algumas pessoas interessadas em discutir o Ensino de História dentro do Programa de Pós-Graduação em História.. Portanto. Eu acho isso um tanto quanto ruim. isso inclusive para o aluno é ruim porque ele potencialmente não vê possibilidade de discutir Ensino de História no contexto da formação de História.. é por conta exatamente da questão que claramente dicotomiza ensino e pesquisa. Ele é um problema generalizado. mas em História. 9. mas que tem uma cara absolutamente bacharelesca. o Professor José Augusto Ramos da Luz. porque você termina dicotomizando a formação. Então. n. que somos líderes do grupo de pesquisa. temos um grupo de estudantes e de professores de História que dialogam no grupo de pesquisa e isso foi bem vindo tanto na graduação quanto no Mestrado. Historien (Petrolina). quanto o outro colega. ano 4. como é que o senhor avalia que é construída a formação do professor de Historia dentro da academia. é um curso de Licenciatura em História. discutindo dentro da Historia as questões pertinentes ao Ensino de História. é o primeiro trabalho que está sendo realizado no Programa de Mestrado em História da UEFS. não. . CA: É o GEPENH que visa discutir e pesquisar o ensino de história e formação de professores. ou seja. De que forma a academia pensa a formação do professor? Ou ainda é um curso que são basicamente voltados para uma formação de pesquisa histórica? CA: Apesar de termos avançado muito na questão do Ensino de História esta ainda é uma questão subalternizada nos cursos de Formação de Professores de História. Jul/Dez 2013: 550-558. RC: E a partir desse momento então. RC: O senhor pode falar um pouco sobre ele e sobre o que ele tem pesquisado? CA: Quando nós criamos esse grupo. Então ele é um grupo de pesquisa ligado ao Departamento de Educação. mas ligado também à subárea do Ensino de História. Eu vou te dar como exemplo o meu curso: nós somos um curso de Licenciatura em História.. E do ponto de vista do debate sobre Ensino de História. O que eu acho que é extremamente louvável. um grupo de pesquisa que trabalha com ensino de história. Se esse debate ainda permanece. Carlos Augusto Ferreira Lima (UEFS) professores da rede tenham a possibilidade de ingressar no stricto sensu. E isso não é um problema único e exclusivo do curso de história da UEFS.Entrevista – Prof. RC: O Senhor mantém lá na Universidade Estadual de Feira de Santana.. Inclusive. o que motivou uma posição muito interessante do GT de Ensino de História e Educação da ANPUH. solicitando Graduação. Entendeu? Eu não faço separação. que 553 Historien (Petrolina). Porque o professor é um sujeito que reflete. 9. para trabalhar com a formação de novos professores de História.. de que efetivamente ela estava em um curso de Licenciatura e como é que amanhã ela ia se deparar com esse desafio em sala de aula. n. já que se acreditava que o licenciado não estava preparado para a pesquisa. Jul/Dez 2013: 550-558. inclusive.Rafael de Oliveira Cruz Como se o professor fosse incapaz de ser um sujeito que pensa.. sendo pautada pelos alunos. por exemplo. ao invés de ser repensado. e inclusive isso tem um legado negativo. os departamentos de história bloqueiam qualquer possibilidade. Não seria o momento de a academia repensar também em seu corpo docente e como é que eles vão lidar com a formação de professores? CA: Sem dúvidas se constitui um equívoco essa postura. porque nesta hora. o outro ensina. a porta àquele profissional que buscou a qualificação em Ensino de História nos programas de Educação.. ano 4. E creio que esse debate está longe de terminar. Ela nunca foi preparada pra pensar essa temática como uma potencial fonte de pesquisa e investigação no campo do Ensino de História também. que vê na discussão sobre o Ensino da Historia um objeto de reflexão. que pesquisa. porque cada vez mais isso. de pesquisa. E eu não gosto. senão vejamos: Alguns cursos de História têm feito concurso pra área de Ensino de História. esse Doutor em Historia que só fez o Bacharelado. não. E depois. fechando. Eu acho que isso é algo duro. O professor pesquisa. E ela disse que não tinha se dado conta. que pensa e que produz conhecimento. Mestrado e Doutorado em Historia. Eu recomendaria que as pessoas acessassem o site da ANPUH Brasil para conhecer o documento RC: E também não seria o caso de a própria academia repensar. durante muito tempo se focou em um curso de Bacharelado e o curso de Licenciatura separado e normalmente eram os cursos de bacharelado em que o formado. você [entrevistador] está em um Programa de História. o bacharel em História que prosseguia fazendo Mestrado e Doutorado. Então. Ainda ontem eu perguntava pra uma aluna minha que está trabalhando com uma discussão sobre religião. portanto. Por quê? Porque ela nunca foi preparada. por exemplo. e olhe que é dentro do curso de Licenciatura. . por exemplo.. por que termina se fechando as possibilidades aos sujeitos que não conseguiram fazer a pesquisa de ensino em história nos programas de História e foram buscar isso nos programas de Pós Graduação em Educação e ficam impossibilitados de fazerem os concursos. Eu acho que isso é um olhar enviesado para a questão. de trabalhar na perspectiva em que um pesquisa. como é que ela ia trabalhar com a temática na sala de aula. Esse ano tivemos três casos emblemáticos sobre essa questão. um objeto. eu acho que isso está ligado a um equívoco e uma perspectiva absolutamente bacharelesca que nós temos nos cursos. e não sabia como fazer. o professor pensa e também ensina. ele só se acirra. retorna para academia como professor. Por exemplo. ela é voltada pra o Segundo Ciclo do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio. A academia tem muito o discurso da interdisciplinaridade. Eu tenho um colega que fez Mestrado e Doutorado na UFBA e o debate dele foi sobre História da Educação. sejam incorporados aos Programas. hoje de Fundamental I. Carlos Augusto Ferreira Lima (UEFS) não existe a mínima possibilidade de haver discussão sobre Ensino de Historia. que pelo menos nos mobiliza a entender essas novas possibilidades. como por exemplo. 9. não conseguirá. R:Uma coisa que a gente percebe é a ausência muito do debate. e que em certa medida o Ministério coloca essa discussão pra mobilizar um debate nacional acerca disso. Filosofia e Sociologia. por conta da ausência de pessoas que pesquisavam e faziam esse debate dentro do Programa de Historia. E nesse sentido. esse é um debate que está começando a ser realizado. há uma omissão no debate? Como o senhor avalia isso? P: Olha. por exemplo. pelo menos instiga o debate. mas ficou durante muito tempo sem orientação. a Universidade Federal da Bahia e as novas universidades que estão nascendo aqui na Bahia. o que eu lamento!Porque pela importância que tem deveria estar trazendo pra dentro do Programa esse debate. mas as nossas atitudes são absolutamente disciplinares. Mas a academia não se manifestou. até porque não conheço o documento que está sendo produzido pelo Ministério. as disciplinas História. R:Recentemente. mas acho que o debate é pertinente na medida em que nos força a repensar os modelos de ensino que a gente tem. sermos provocados pelo Ministério. n. Como eu já disse. Até porque. Porque. eu não tenho opinião formada. seja debatido e. Geografia. mas. e não em um conceito geral de Ciências Humanas. E eu não vou dizer que há uma recusa dos programas. é salutar. Jul/Dez 2013: 550-558. a perspectiva que está posta. seriam agrupadas em Ciências Humanas e suas Tecnologias. . ano 4. Eu acho que vai ser um bom debate. Inclusive alguns gestores. Como se debater hoje o Ensino Historien (Petrolina). a formação do professor de História. por conseguinte. é a perspectiva interdisciplinar. é sobre o Ensino de Historia nas series iniciais. Para o senhor. tinham colocado que algumas dificuldades de se promover essa mudança seriam porque os professores são formados em áreas especificas. antigamente chamado de Primário. Quem quiser fazer Ensino de história no Programa de História na UFBA. boa vontade também não se há para que esse tema seja refletido. tem que ir para a Faculdade de Educação. estão discutindo as suas formações pelo viés da interdisciplinaridade. com os bacharelados interdisciplinares que consideram a dimensão das Ciências Humanas.Entrevista – Prof. mas vejo com bons olhos um debate sobre a questão. até porque. que é território exclusivo dos formados em Pedagogia. E nós estamos falando de um Programa de História que tem Mestrado e Doutorado qualificado na região Norte e Nordeste. não uma formação pra o Ensino. o Ministério da Educação propôs a ideia de reunir as disciplinas a partir de Núcleos Comuns. e eu lhe confesso que eu não tenho nenhuma opinião formada sobre isso. Rafael de Oliveira Cruz de Historia dentro dessas séries iniciais e até algumas políticas públicas. um grupo de trabalho sobre Ensino de História nas séries iniciais. por conta de que os pedagogos não têm uma formação pra lidar com as especificidades. Há hoje um conjunto de sujeitos que trabalham com o Ensino de História e Novas Tecnologias. que aconteceu no mês de outubro. mas também não depender exclusivamente da tecnologia em sala de aula e não se fazer refém dela. eu acho que a gente não vai poder se ausentar do debate. como as tecnologias podem ser um auxílio. é umas pesquisadoras dessa área. para ela. no momento da construção do ensino-aprendizagem? P: Essa é uma discussão que inclusive começa a se fortalecer na área da História. mas ainda é preciso também preparar o terreno. inclusive a professora Sandra Regina Ferreira de Oliveira. teve vida. e eu vejo com muito bons olhos. com a Língua Portuguesa. . ano 4. P: É. isso é área de pesquisa da Pedagogia. não é? e novamente nos coloca um desafio na medida em que a gente tem que se posicionar. Um grande desafio. porque alguns professores possuem resistência. E a gente não vai poder se ausentar dessa discussão. inclusive ela coordenou no último Encontro Nacional de Pesquisadores em Ensino de História. Se você já não tem em quatro anos. que retirou a disciplina de historia do currículo das séries iniciais. cuja tese gira em torno dessa discussão. buscar também trabalhar nas séries iniciais. ele está muito próximo a acontecer e eu acho que já tem trabalhos que começam a surgir com muita consistência nessa área. porque não é em seis meses que você tem uma boa preparação. a minha tese de doutorado foi sobre Ensino de História e Novas Tecnologias. como por exemplo. e dessa forma. porque nossa contribuição nesta formação é por demais sentida. Eu diria a você que é um desafio que está posto. só que naquele momento. na Universidade Federal de Sergipe. porque a produção acerca dessa discussão é muito pequena e também porque isso não é área de pesquisa do Ensino de História. o Ensino de História nas séries iniciais. é porque isso já uma discussão que começa a tomar conta da área dos pesquisadores do ensino da historia. por exemplo. isso é uma questão política. eu me deparei com uma realidade 555 Historien (Petrolina). com a Matemática. muito se fala hoje é sobre inserção das novas tecnologias. com a Geografia. ou seja. com a História. Tem um grupo no Paraná. Jul/Dez 2013: 550-558. do estado de São Paulo. n. Eu co-oriento uma professora no Doutorado em Educação. se esse grupo lá. em algum momento.Eu tenho uma colega do Departamento de Educação que diz com muita propriedade que um dos problemas da educação brasileira (entre tantos outros)está na base.. da Universidade Estadual de Londrina.. 9. Eu estou convencido de que a gente vai ter que. na Universidade Federal da Bahia. eu inclusive. debater sobre isso em algum momento se posicionar sobre isso e mais. até mesmo em trazer essas novas tecnologias. Como repensar. R:Dentro da prática docente. Ora. inclusive no universo escolar os nossos alunos respiram tecnologia. . essa dificuldade nossa de dialogar com as outras áreas do conhecimento. E isso é fundamental. n. ela passou a ser formação de professores. Ontem mesmo eu escrevi para o pessoal do Rio Grande do Sul. Carlos Augusto Ferreira Lima (UEFS) muito dura. Quando também o historiador deve ser um sujeito que reflita sobre mapa. Vejo uma exitosa retomada e que existe uma movimentação no Brasil de pesquisadores com trabalhos na área de Ensino de História voltado para as Novas Tecnologias. sem dúvida. como o senhor falou e volta na escola a repetir essa “disciplinaridade”. que trabalha com Novas Tecnologias e Ensino de História. Dilton Maynard. e a gente não se dá conta disso. a tecnologia por si só não faz uma melhor aula. e a rapidez das informações vai fazer com que dialoguemos com as outras áreas do conhecimento. Jul/Dez 2013: 550-558. até mesmo há uma dificuldade de diálogo entre o profissional de História com as outras áreas de Ciências Humanas. Volta e meia o professor de História não consegue até mesmo lidar com o aluno na técnica de mapas e cartografia. Então. já que estando na academia a gente faz essa “disciplinaridade”. Eu acho que isso é uma questão que logo. na medida em que entendamos que o mundo hoje exige a interdisciplinaridade. não é? Principalmente na Educação básica. que inclusive vai fazer a palestra final da ANPUH de Pernambuco sobre Ensino de História e Internet eu poderia ficar aqui enumerando vários grupos e pessoas que estão dialogando e pesquisando sobre o tema. eu acho que a tendência é se dissipar.De novas tecnologias. que dirá para as novas tecnologias. O que inclusive me fez mudar o foco da tese. porém.Entrevista – Prof. logo a gente supera. 9. pois o historiador não pode abrir mão de se apropriar dessa questão porque ela está presente no mundo. que devamos refletir sobre o impacto e o papel dessa tecnologia no ensino e não se submeter a elas. Quero ressaltar. na Federal de Sergipe com o Prof. ano 4. A tecnologia por si só não demanda uma relação com o sujeito. Tem um grupo de pesquisa na Federal de Uberlândia. RC: E aí nesse momento também se repensar a interdisciplinaridade em sala de aula. o estudante pensa que é Geografia. que depois de cinco ou seis encontros nacionais (não me lembro ao certo) veio a desaparecer. sobre território. É difícil? É! Mas não é impossível. que acabou de publicar um livro muito interessante sobre Jogos e Ensino de História. A tecnologia por si só não faz o melhor ensino. Você tem que ter uma intermediação. que foi deparar-me com uma constatação: se o professor não estava bem formado para as discussões das questões historiográficas e de ensino. Ainda que eu entendesse que as novas tecnologias naquele momento já era uma discussão que começava a se fortalecer notadamente no campo da Educação. Historien (Petrolina). da Federal. Depois da primeira tentativa de consolidar a Associação Brasileira de História e Computação. CA: Até porque essa questão de pensar o mapa. ou quando a gente pensa o mapa. e essa intermediação é papel do professor. É o ideal! Eu acredito que o professor(a) pode sim efetivar a sua ida aos programas de pós graduação. que é a questão de identidade com o curso. n. que não pense as fontes. também possa fazer um Mestrado. Jul/Dez 2013: 550-558. Assim. basta. até incentivar que o profissional que esta na Educação Básica. Desde que o stricto sensu que ele faça. ano 4. que mudemos a perspectiva dos currículos que estão postos e construídos de forma a privilegiar muito mais a investigação do que a docência. 557 Historien (Petrolina). eu acho que a tendência é permanecer. tanto o campo da historiografia quanto o campo do ensino. sobre ensino e a necessidade de demonstrar que o professor também é um pesquisador e que o que a pesquisa tem que ser levada pra sala de aula também? CA: Primeiro devemos acabar com essa questão da dicotomia que ainda é tão presente nas formações de professores de História. retorne pra Educação Básica. que comecemos a repensar essas relações. Não sei se é ideal.Rafael de Oliveira Cruz RC: Como o senhor avalia a perspectiva hoje da formação dos professores e quais as necessidades do debate que precisam ser pautadas com mais urgência nesse momento. por ser a carreira que sempre o encantou se constitui minoria. pra está se discutindo sobre formação. que não pense toda essa dimensão historiográfica no campo de ensino. que vai pensar. para isso. mas pelo menos pensar uma formação onde o ensino e pesquisa fazem parte do mesmo curso. estaremos superando essa dimensão. e ao superá-las. Doutorado. são a pauta do dia. Agora. não podemos falar de um sujeito que não pesquise. Enquanto não superarmos essa dicotomia. RC: E nessa questão da formação. também. O que não dá é que pensemos uma relação hierárquica com a universidade e o stricto sensu virando as costas pra educação básica. Esse é um outro problema que não estamos tratando. não seja objeto de reflexão dos cursos de Pós-Graduação de História. e se mantenha na Educação Básica. mesmo no curso de Licenciatura. que vai pesquisar. que a temática ensino de história e formação de professores. e mais. para isso. Mas não dá mais para falarmos num professor que não é pesquisador. . vai ser problemático no momento de atuação profissional. E pra ele também há possibilidades dentro da Educação Básica. Se entendermos que o estudante que estamos formando é um sujeito que vai refletir. tenha conexão com a Educação Básica. E olha que aliado a esse ainda temos um problema com o conjunto de sujeitos que adentram ao curso de História. Os estudantes que adentram ao curso de História por opção primeira. Mas eu creio que estas questões que apontei e que. ao meu ver. termos uma formação que sempre quisemos. é preciso que a mudemos o nosso fazer. CA: Há isso é fundamental! Principalmente quando o professor depois de adentrar ao curso stricto sensu e concluí-lo. contribuiremos decisivamente pra formarmos melhores professores(as). 9. vamos poder superar. E na medida em que não se tem identidade com aquilo que se faz. Prof. . Carlos Augusto Ferreira Lima (UEFS) RC: Bom.Entrevista – Prof. Historien (Petrolina). queria agradecer muito por o senhor ter tido essa disponibilidade de conversar com a gente. Carlos Augusto. 9. n. Jul/Dez 2013: 550-558. CA: Eu que agradeço. ano 4. E espero que essa discussão que travamos aqui. possa contribuir com os leitores e pelo menos provocar outros tantos. Documents Similar To HISTORIEN - Revista Acadêmica. Ano 4 n. 9Skip carouselcarousel previouscarousel nextbOM TEXTOManual de PracticasCronica Da Capitania de Sao Jorge Dos IlheusATHENAS Valido Pre ProjetoRevolução Industrial.pdf01-13Nação e Consciência Nacional. 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