Academia das Ciências de Lisboa BIBLIOTECA DE ALTOS ESTUDOSHISTÓRIA DAS MATEMÁTICAS EM PORTUGAL por Francisco Gomes Teixeira Lisboa 1934 Lições proferidas de 12 a 19 de Abril de 1932 2 INTRODUÇÃO Indicações bibliográficas As Matemáticas na Antiguidade e na Idade Média A entrada das Matemáticas na Península hispânica Programa dêste livro 1 2 10 16 PARTE PRIMEIRA Origem da cultura das Matemáticas em Portugal Primeiros vestígios Início da cultura das Matemáticas em Portugal por influência da Náutica Os cosmógrafos de D. João II Os continuadores de Zacuto e José Vizinho Nota final 17 18 22 26 29 PARTE SEGUNDA Historial da cultura das Matemáticas em Portugal no século XVI Estado de Portugal no século XVI Álvaro Tomaz e Gaspar Nicolas, aritméticos Pedro Nunes como cosmógrafo Pedro Nunes na Física A Cosmologia na obra de Pedro Nunes 31 31 33 46 48 i Pedro Nunes na Geometria Pedro Nunes na Álgebra Considerações gerais sobre os trabalhos de Pedro Nunes Vida de Pedro Nunes Astrónomos e cosmógrafos contemporâneos de Pedro Nunes 53 57 62 63 65 PARTE TERCEIRA A cultura das Matemáticas em Portugal nos séculos XVII e XVIII Período de decadência e suas causas Cultura da Matemática no período de decadência (1600-1772) O ressurgimento da cultura das Matemáticas em Portugal A sorte da Ciência e da Filosofia em Portugal depois da morte de D. José I Monteiro da Rocha Anastácio da Cunha 67 72 76 79 82 85 PARTE QUARTA A cultura das Matemáticas em Portugal na primeira metade do século XIX Estado político do país no referido período Analistas e geómetras Astrónomos Daniel Augusto da Silva Final 90 92 97 98 100 ii . publicado pelo Dr. por Francisco de Borja Garção Stockler. que é objecto do livro. vamos mencionar e analisar sucintamente os trabalhos publicados a este respeito anteriormente. É um subsídio valioso. 1 . como o seu título indica. E não é isto estranhável. porque são substituídas nele lendas. Luciano Pereira da Silva na obra monumental intitulada Colonização do Brasil pelos portugueses. organizada por Malheiro Dias para celebrar o quinto centenário da descoberta deste país. São estes os assuntos de que vamos ocupar-nos nesta Introdução. mas. que dirige o pensamento científico. Mencionarei também aqui os excelentes opúsculos sobre a história das Matemáticas puras e da Astronomia em Portugal publicado recentemente pelos Doutores Pedro José da Cunha e Francisco Miranda da Costa Lobo. Para o estudo desta última questão. que elas iluminam. por isso à história daquelas ciências juntaremos a história da Astronomia. temos hoje dois trabalhos importantes: L’Astronomie nautique en Portugal à l'occasion des grandes découvertes. de espaço a espaço. opúsculos que fazem parte de uma colecção de monografias sobre diversas manifestações da actividade portuguesa. O livro de Bensaúde é fundamental no estudo da história da Astronomia aplicada à Náutica lusa. para colocar o assunto especial. segue e continua magistralmente aquele autor nas suas indagações. livro publicado em l912 por Joaquim Bensaúde. O Dr. sob o ponto de vista bibliográfico. e um artigo sobre o modo de navegar dos nautas lusos nos séculos XV e XVI. e. As Matemáticas puras estão estreitamente ligadas à Cosmologia. publicado em 1819. na sua Memória. tradições e hipóteses por factos demonstrados. é muito resumido e é pouco profundo na apreciação de algumas das obras consideradas.O objecto deste livro é a história da cultura das Matemáticas em Portugal desde a fundação do Reino até meados do século XIX e das relações desta cultura com a evolução política do país. em Paris. livro que contém a história das referidas ciências desde a fundação do Reino até ao século XVIII. no quadro da história geral do pensamento matemático. Indicações bibliográficas O mais antigo escrito consagrado à história da cultura das ciências exactas pelos portugueses é o Ensaio Histórico sobre a origem e progressos das Matemáticas em Portugal. e a Filosofia. mas estas apreciações parecem resultar de leituras superficiais e não podem ser aceites sem o exame cuidadoso das obras a que se referem. É um trabalho interessante e bem escrito. o catálogo das obras de autores portugueses publicado pelo engenheiro Rodolfo Guimarães sob o título: Les Mathématiques en Portugal. Para se apreciar o estado dos estudos daquela história no momento em que este livro aparece. e. algumas noções da história da Física e da Filosofia. descreveremos em seguida a traços largos a evolução deste pensamento desde a antiguidade até ao desabrochar das referidas ciências em Portugal. Os títulos das obras são geralmente acompanhados neste catálogo de curtas notícias sobre os seus assuntos e algumas vezes ligeiras apreciações. Pereira da Silva. Além disso. e o seu assunto principal é seguido de notas eruditas que o valorizam. para a história da cultura das Matemáticas em Portugal. a parte que se refere às aplicações das Matemáticas à náutica é incompleta e algumas vezes inexacta. por não dispor o autor dos documentos que actualmente se conhecem sobre o assunto. apresentadas na Exposição ÍberoAmericana de Sevilha. porque é muito grande o número das obras e assuntos que o autor do livro teve de estudar para o compor. ciência que em Portugal representou um grande papel na náutica. que não mencionarei agora. Francisco de Castro Freire na ocasião da celebração do primeiro centenário da criação desta Faculdade. Contém este livro. além da descrição da vida da Faculdade durante o primeiro século da sua existência. Nas revistas científicas portuguesas encontram-se ainda muitos artigos sobre pontos especiais da mesma história. convém que consagre algumas palavras à descrição. As Matemáticas na Antiguidade e na Idade-Média A história das Matemáticas em Portugal está estreitamente ligada à história das Matemáticas na Espanha e ambas estão intimamente ligadas à história destas ciências entre os Gregos. a Para o estudo desenvolvido da história das Matemáticas entre os Gregos. tinham analisado os costumes e fundado a Moral. Quando o novo estudo que fiz dos assuntos considerados nela. pois. lacuna que procurarei preencher. a traços largos. estranhar que faça numerosas transcrições da obra mencionada. Farei neste livro esta reunião. onde fiz os elogios históricos de Pedro Nunes. os seus filósofos e sábios tinham analisado o mundo físico e fundado as ciências. 1 2 . Anastácio da Cunha e Daniel da Silva. na Histoire de l'Astronomie de Delambre. tinham analisado a linguagem e constituído a Gramática. mas que citarei quando o julgar oportuno. Eu próprio me ocupei da história das Matemáticas em Portugal num livro intitulado Panegíricos e Conferências. Antes pois de entrar nos assuntos especiais deste livro. tinham-se analisado a si próprios e fundado a Lógica e a Psicologia. de que é autor o sr. às letras e às artes as suas formas mais belas. publicada pelo Dr. Dou às doutrinas a disposição sistemática que o novo modo de as considerar determina. professor no Instituto Superior de Agronomia. Monteiro da Rocha. Também há numerosas referências à Matemática lusa em livros e artigos de sábios estrangeiros. refundidas de modo a formarem um todo harmónico. publicado em 1925 pela Academia das Ciências de Lisboa. este livro é como uma nova edição das passagens relativas à história das Matemáticas em Portugal dispersas pelo anterior. Fernando de Vasconcelos. alterar o modo de os expor seria fazer trabalho inútil. melhoro-as quanto posso e ajunto outras. e. mas não altero com nova redacção o que não é necessário alterar. em vez de nos apresentar as demonstrações do matemático português em linguagem analítica moderna.Convém ainda assinalar a Memória histórica da Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra. prefira mostrar-nos o seu próprio engenho. e. tinham aberto a filosofia das religiões. povo admirável que soube dar às ciências. Indianos e Árabes. ampliadas com novas doutrinas e melhoradas por novos estudos das matérias contidas no primitivo livro. sem todavia fazer a análise destes trabalhos. apresentando novas demonstrações suas das proposições inventadas por Nunes. Em suma. não é felizmente necessário em Portugal recorrer-se a livros estrangeiros. são larga e profundamente analisados os trabalhos astronómicos de Pedro Nunes. Não se deve. biografias resumidas dos professores que se tornaram notáveis pela publicação de trabalhos de mérito. que mais tarde se chamou Teodiceia. Ao terminar a civilização dos Helenos. intitulado História das Matemáticas na Antiguidade. do estado das referidas ciências na ocasião da sua introdução na Península hispânica e do modo como esta introdução se fez 1. Em particular. porque temos para isso em língua portuguesa um Manual excelente. Pena é que o grande astrónomo francês se desvie em algumas ocasiões do seu papel de historiador. Indianos e Árabes. São estes sábios ilustres as principais figuras da matemática portuguesa e a simples reunião dos quatro elogios quase equivale a uma história completa das Matemáticas em Portugal. não me levou a modificar o meu pensamento. ajuntando porém os resultados de estudos do assunto feitos depois da publicação daqueles elogios e entrando mais fundamente na análise dos métodos que aqueles matemáticos empregaram e das demonstrações com que estabeleceram os teoremas que descobriram. levados pela ambição de tudo explicar. a Geometria. as obras científicas e filosóficas que nos deixou. Notemos ainda que as doutrinas filosóficas de Platão e Aristóteles aparecem misturadas a assuntos de Teologia cristã nos estudos das escolas medievais. Enciclopedista inigualável. quando tinham os elementos necessários para o fazer. berço das artes. a Alma humana e Deus. 59. o segundo. Tarento. . Sistema que foi depois aperfeiçoado por Eudoxo e Aristóteles e na Idade-Média por Alpetrágio e que por fim caíu. e teve a visão do princípio das velocidades virtuais. a Mecânica e a Astronomia.. Por isso. pág. o pensamento e a arte aparecem admiravelmente unidos. Samos. cuja fundação constitui a mais sólida glória do povo helénico. pela essência. o Cosmos. com os seus idealismos. Alexandria. nas obras helénicas de filosofia. Como dissemos em outro lugar. e são ainda. o primeiro inventou o princípio da alavanca e o princípio do paralelogramo das forças. nos seus variados escritos. como nas suas estátuas. focos da ciência antiga. e nestas cogitações aplicaram a Matemática a iluminar o estudo do pensamento e o estudo da natureza. são grandiosas e belas como os templos famosos por ele levantados aos Deuses do paganismo». que aplicaram admiravelmente à constituição de ciência. 2 Panegíricos e Conferências. deu à humanidade. Siracusa. pela finura da arte e pelos primores de imaginação a Ilíada de tais ciências. que ainda hoje. Aristóteles assombrou o mundo com a vastidão e altura dos seus conhecimentos e engenho das suas indagações. Berço sagrado das letras. a tragédia e a ode. são nomes da geografia da Terra. em Platão o mais poeta dos filósofos e o mais sábio em Aristóteles. constituíram teorias hipotéticas. esboçou o mais antigo Sistema astronómico que nos legaram os sábios gregos. passados numerosos séculos. que tomou duas formas diversas. na Mecânica. superiormente representadas por Homero. com as suas aspirações a penetrar nos mistérios das causas primeiras do Universo. Em especial. deslumbrou o mundo com os seus maravilhosos templos. Atenas. aqueles palpitam de génio. que os sábios modernos tiveram algumas vezes de rejeitar. a Álgebra. estas falam. substituído por outros mais perfeitos. se pronunciam com a emoção que produz o que é sagrado. de ciência. legou-nos ele a Aritmética. os príncipes da filosofia antiga. sob formas diversas. Mileto. há beleza que deslumbra. engenho que encanta e grandeza que assombra. De facto. berço dourado da filosofia. constituindo a Escolástica. as formas mais sublimes da poesia. há vida. Em conclusão. em tudo o que em filosofia e ciência nos legou a velha Grécia.. Ésquilo e Píndaro. a Grécia criou com a epopeia. tinham posto a sonhadora Metafísica. mas nunca deixaram de admirar2. como presente opulento. Legaram-nos estes sábios e estes filósofos métodos rigorosos para o estudo do mundo interior e do mundo físico. seguindo na ciência dos astros um caminho aberto por Pitágoras.. a base em que assentou o que depois se escreveu sobre elas. com as suas hipóteses. são. uma entre os filósofos que se encostaram mais a Aristóteles. espiritualista subtil.coroar poeticamente o seu edifício filosófico. estátuas e esculturas. de literatura e de arte. quando os não tinham. No que respeita às Matemáticas. assombrou os homens com a eloquência de Demóstenes e abriu a história com Heródoto e Xenofonte. Platão e Aristóteles. associaram nas suas cogitações. e os trabalhos que sobre estas ciências nos deixou. outra entre os que seguiram principalmente Platão. 3 . Platão encantou-o com a sublimidade dos seus pensamentos.«o povo helénico deu arte à ciência e pensamento à arte. Descartes. aplicaram-na com engenho Hiparco. sob forma geométrica. apresentados sob o nome de definições. etc. na Idade-Média foi traduzida em latim e árabe e. e por isso fizeram-se novas edições da tradução de Brunelli em 1790. que proclamou a sua importância. 1852. segmentos de recta. com efeito. 1835. escrevendo à porta da sua Escola: aqui não entra quem não for geómetra. 1792. As últimas páginas do livro segundo dos Elementos do grande lógico de Alexandria contêm. A primeira destas edições foi a de Campano. Em Portugal. os teoremas necessários para a construção das raizes das equações do segundo grau definidas geomètricamente. em latim. a Geometria. Abriu-a Tales de Mileto. 1855 e 1862. Huygens. das doutrinas de Euclides. continuaram na Pitágoras e Platão. São muito raros os livros que têm sido tão espalhados em edições. continuando a sua obra. pôs Salomão um problema imenso que os Gregos começaram a estudar sistematicamente. criando a ciência dos números. edição usada pelo nosso Pedro Nunes. antes de prosseguir. Encanta o espírito recordar o que há de grande e belo nos teoremas. levou nas suas asas às alturas. É bem sabido que os antigos matemáticos gregos. a mãe que a criara. constituiram a Matemática sob forma geométrica. Nesta mesma obra aparece. hipóteses e teorias da ciência dos Helenos e é isto mesmo necessário a quem quiser apreciar como. Herão. obra admirada pelos matemáticos e filósofos de todos os países e de todos os tempos pela pureza do estilo geométrico e pela concisão luminosa da forma. Apolónio. fizeram-se dela numerosas edições em todas as línguas europeias. modelo lógico para todas as ciências físicas pelo rigor das demonstrações e pela maneira como são postas as bases da Geometria em conceitos fundamentais. a origem da Álgebra. tomando forma algarítmica e crescendo mais e mais. que conhecemos por meio de documentos antigos e de particularidades arquitectónicas dos monumentos que construiram. Pascal e Fermat. 4 . 1839. Herão e Ptolomeu. O livro de que nos estamos ocupando. para assim abrangerem nas suas teorias as grandezas comensuráveis. das doutrinas de Aristóteles. e portanto os números racionais e as grandezas incomensuráveis. considerando em vez de números. Enumeremos pois aqui as obras dos matemáticos e físicos helénicos que mais influência tiveram sobre a ciência dos povos que vieram depois. que a citou numerosas vezes nas suas obras. traduções e comentários como os Elementos de Geometria de Euclides. publicou Angelo Brunelli em 1768 uma tradução na nossa língua dos seis primeiros livros. Leibniz e Newton ligando assim o período áureo da ciência do passado ao famoso século XVII. se subiu das doutrinas dos gigantes da ciência antiga às dos gigantes da ciência moderna. Arquimedes. Esta Matemática empírica foi a alvorada da Matemática teórica que depois nasceu. tendo a noção de grandeza incomensurável. desenvolveu-a Eudoxo de Cnido. após a descoberta da imprensa. do undécimo e do duodécimo. das doutrinas de Hiparco e Ptolomeu às de Copérnico e Kepler. Na antiga Grécia foi esta obra comentada por Proclo. axiomas e postulados..Com as palavras célebres: Deus fez o Mundo por conta. foi outrora muito usado nas escolas portuguesas. pêso e medida. 1824. reunião sistemática das proposições sobre esta ciência que no seu tempo se conheciam e de outras que ele próprio inventou. Diofante e Papo. fizeram-na brilhar com esplendor Euclides. em voos soberbos. que depois. Arquimedes e Herão às de Galileu. Recordemos em primeiro lugar os Elementos de Geometria de Euclides. com a resolução das equações do segundo grau. Simplício. que a fundação da ciência dos números tinha sido preparada principalmente por sacerdotes do Egipto e da Caldeia com factos e regras aritméticas e com medidas geométricas e astronómicas. mas não tendo a noção correspondente de número irracional. É bom notar. o período áureo da ciência moderna. Foram estes os primeiros vagidos da Álgebra. Apolónio e Diofante às de Viète. publicada em 1482. e lhe serviram de fundamento. Para esta tradução serviu-se da versão latina de Frederico Comandino e fê-la seguir de algumas notas com que Roberto Sinson tinha ilustrado esta versão. sob o nome de Cálculo dos infinitamente pequenos. No estudo deste livro. Herão de Alexandria. mais tarde. 3 Veja-se no tomo VII das minhas Obras sobre Matemática a história destes problemas. em que deslumbrou o mundo o génio sublime de Newton. que percorreu nas suas Colecções Matemáticas quase todos os assuntos de Geometria e de Mecânica tratados pelos geómetras que o precederam. esquecida ou quase esquecida depois durante longos tempos. e ainda outros novos. deixando em todos vestígios do seu génio. Convém ainda lembrar aqui que. Eratóstenes. 5 . é necessário seguir a história da ciência até ao século XVII. ninguém na antiguidade subiu tão alto como Arquimedes e. a que deram o nome de Logística. com Descartes e Pascal. o primeiro numerosas vezes. quando Kepler descobriu o seu papel no estudo do Cosmos. que ficou clássico. este grande matemático relacionou a área e o volume da esfera com a área do seu círculo máximo e deu um método para calcular esta última área com a aproximação que se quiser. e conquistou depois foros de esplêndida nobreza. Notamse neste último livro uma relação entre os seis segmentos de três círculos máximos determinados por um quarto círculo máximo que os corte. As mesmas curvas tinham sido já consideradas por Menecmo. Foram os principais organizadores daquela Geometria: Teodósio. Recordemos também aqui Arquimedes. iluminou brilhantemente o firmamento das ciências exactas. determinando a grandeza da Terra por meio da medida do arco do meridiano compreendido entre Alexandria e Siena. alexandrino. que escreveu sobre o mesmo assunto e com o mesmo título um tratado mais profundo e original do que o daquele geómetra. aplicável às razões comensuráveis e por aproximações às razões incomensuráveis. que abrira a sua teoria e as aplicara à resolução do problema célebre das duas médias proporcionais. para os usos ordinários da vida. para depois encontrar alguém que o iguale. com as suas propriedades mais importantes e mais belas. renasceu no século XVII. e uma doutrina dos triângulos esféricos análoga à de Euclides sobre os triângulos planos. obra notável pela elegância do seu estilo geométrico e pelo modo desenvolvido como são nele estudadas estas curvas. que compôs sobre ela um tratado intitulado Esféricas. Continuando na enumeração das obras mais importantes dos matemáticos gregos. o fundador da Geometria infinitesimal. se ocupou com sucesso da solução de vários problemas de Geometria e de Mecânica prática por meio de instrumentos engenhosos da sua invenção. Teodósio e Menelau aparecem citados nas obras de Pedro Nunes. que abriu a Geodesia. uma arte de cálculo numérico. o criador da Estática dos fluídos. fundada no princípio da alavanca. e Menelau.Constituiram também os Gregos uma Geometria das figuras formadas na superfície da esfera por círculos máximos. mencionarei agora o Tratado das secções do cone de Apolónio de Perga. fundada no famoso princípio que ficou a glorificar o seu nome. Pitágoras e Platão abriram e Aristóteles continuou o estudo do imenso livro intitulado: Natureza. que. Cultivaram ainda os matemáticos gregos. na sua Dióptrica e nas suas Métricas. o maior geómetra da antiguidade. livro numericamente escrito e que a Matemática ensina a ler. Foram os principais continuadores da obre geométrica e mecânica de Euclides e Arquimedes. E foi o último grande geómetra das Escolas helénicas Papo. primeiramente. que ficou célebre sob a designação de Teorema de Menelau. no domínio da Geometria elementar. que inspirou mais tarde os inventores do método dos indivisíveis e foi o primeiro lampejo de um sol que depois. o criador da Estática dos corpos sólidos. Assim nasceu em berço dourado uma doutrina que. o segundo algumas vezes. sob novas formas. generalização do problema da duplicação do cubo3. análoga à Geometria das figuras formadas no plano por linhas rectas. e. atribuído aos Indianos. motivo da sua força. Foi um forte motivo para o seu progresso a mudança do sistema de numeração. mas mais simples e de aplicação mais fácil. Mais tarde a Logística começou a tomar forma científica com Diofante. com coeficientes racionais e procurou as soluções racionais destes problemas. a Álgebra algorítmica tem uma língua própria. a interpretação das soluções negativas das equações. a quem propõe em verso problemas desta ciência. mas separava as parcelas por um intervalo. talvez pela primeira vez. empregando demonstrações independentes de considerações geométricas e dos números especiais que considera. por exemplo. mesmo em maior grau do que os matemáticos Indianos. Bhaskara. com receio de que caísse. a língua da Álgebra evolucionou. o génio. Depois de Diofante. jóias de lógica e arte que ficaram clássicas e continuarão a sê-lo pelos 6 . Lilavati. que a personificou poèticamente em uma mulher formosa. se fixou definitivamente a equivalência entre operações numéricas e geométricas e se teve uma noção clara de número irracional. Ora. que solícita e rígida. Na Grécia. Com a sua obra. a subtracção e a relação de igualdade de expressões numéricas. a (Geometria era a verdadeira ciência. foi um grande progresso para aquela língua.A Logística era para eles uma arte terrena e humilde para as contas domésticas e do comércio e para uso do agrimensor e do arquitecto. Acabamos de inventariar as principais riquezas do espólio opulento dos helenos nos domínios das Matemáticas puras. porque as doutrinas do grande matemático eram só estabelecidas para as grandezas comensuráveis e. mas esta Álgebra não ficou ainda independente da Geometria. que na sua Aritmética resolveu engenhosamente problemas difíceis que o levaram a equações determinadas e indeterminadas. auxilia e dirige o pensamento. Tais sistemas representam um papel primordial na língua das Matemáticas e a substituïção do inexpressivo sistema helénico pelo engenhoso sistema de posição. a filha desprendeu-se da mãe e fugiu-lhe. Bramagupta e. Representaram os principais papéis na cultura da Álgebra entre os Indianos: Aryabhatta. e auxilia-o tanto mais quanto mais simples ela é. mas dirigia-a um como instinto vidente. no livro do último é dada. a Álgebra caminhava pela mão de sua mãe. até tomar a forma que hoje admiramos. A formação desta língua foi iniciada por Diofante. que representou por letras ou sinais a incógnita dos problemas e suas potências. Assim. tinham-no também os matemáticos gregos. verdadeira conversa da alma consigo mesmo. dando origem. abriu Diofante a Álgebra algorítmica. passando à Índia. para as estender às grandezas incomensuráveis era necessária ainda a demonstração pela Geometria dos resultados obtidos. de uma simplicidade expressiva surpreendente. a uma Álgebra inteiramente numérica. como acontece às línguas ordinárias. mas aqueles eram severos na lógica e por isso não desprendiam a quantidade discreta da quantidade contínua. que desde a expedição de Alexandre Magno estava aberta à ciência helénica. a não deixava correr. por fim. menos rigorosa do que a Álgebra geométrica dos Gregos. A autonomia da Álgebra só se realizou completamente quando nos tempos modernos. Na Índia. o que equivale a um sinal. Não empregava sinal algum para designar a soma. que ela resolve por meio de regras enunciadas também em verso Há nas obras destes dois últimos matemáticos ideias finas. e por isso não caíu. era um presente precioso feito pelos Deuses aos homens para estudo do Cosmos. Este instinto vidente. a Geometria. A linguagem fixa. ali se desenvolveu. A ciência aberta por Diofante. pela fixação de regras para as transformações das equações e pelo emprego do sistema de numeração mencionado. Olhavam com desdem para aquela arte. do primeiro e do segundo grau. com respeito religioso para esta ciência. que Delambre procurou distinguir. principal fundador da Astronomia científica. além de observações preciosas dos astros. hipóteses engenhosas no Sistema astronómico dos Orbes homocêntricos de Platão e de Eudoxo de Cnido4 e no sistema dos Orbes excêntricos de Ptolomeu. Sobre Trigonometria esférica. que foram depois aproveitadas. tomou nelas. Nos domínios das aplicações da Matemática pura à Astronomia. traduzida em árabe sob o título de Almagesto e mais tarde em latim. Nos seus mapas. e. quando nas suas obras teve de resolver triângulos esféricos oblíquos. para representar o movimento dos astros. apesar dos seus numerosos defeitos na colocação dos lugares da Terra. 235. na maior parte das vezes inexperientes. seguindo ainda Hiparco. o Sistema geométrico exposto na obra mencionada para representar os movimentos planetários. satisfazia de tal modo às observações e permetia prever com tanta aproximação os fenómenos celestes. faz-se primeiramente corresponder a uma zona da Terra a superfície de um tronco de cone tangente à esfera terrestre ao longo do paralelo que a divide ao meio e cuja generatriz seja igual ao comprimento do arco do meridiano compreendido entre os paralelos que a limitam. e que Hiparco o tinha aplicado. informações obtidas de viajantes. Devemos também recordar aqui que o mesmo Ptolomeu escreveu um precioso tratado de Geografia. que antes dele fora apenas esboçada. a corda em vez do seno e deu as propriedades das cordas correspondentes ao teorema de adição do seno e seus corolários e as regras para construir tábuas das cordas correspondentes a ângulos dados. A este respeito. obra onde o grande astrónomo de Alexandria reuniu os resultados das suas indagações sobre os movimentos dos astros e os que herdara dos astrónomos que o precederam. Como dissemos em outro lugar. Planificando depois este cone. 7 . Encontram-se no Almagesto algumas passagens importantes relativas às Trigonometrias plana e esférica. como fundamentos essenciais do grandioso edifício matemático levantado pelo génio de arquitectos célebres de todos os tempos. temos a carta triangular. Ajuntaremos ainda. para se conformar com as doutrinas da Física de Aristóteles. que o comentaram e em alguns pontos o continuaram. deu o mesmo astrónomo duas das regras hoje clássicas para a resolução dos triângulos rectângulos. empregou Ptolomeu os dois sistemas de representações chamados triangular e rectangular. Ptolomeu primeiramente adoptou-o e completou-o. até que o génio de Kepler descobriu as suas famosas leis dos movimentos planetários. A substituïção do seno à corda e a introdução das tangentes dos ângulos foi obra dos Árabes. para a determinação dos ângulos. pág. reduziu a resolução à de dois triângulos rectângulos. defeitos resultantes das dificuldades que teve o autor em conseguir informações exactas das distâncias daqueles lugares. legaram-nos os Gregos. que obteve por meio do teorema de Menelau. na sua Histoire de l'Astronomie. a respeito do mesmo livro. mas mais tarde substituiu-o pelo Sistema dos Orbes exposto no Almagesto. Ptolomeu. que. o que nele pertence a Ptolomeu do que este herdara de Hiparco. o fundador das ditas Trigonometrias. quase sempre sujeita a influência do seu estado de alma. que grandes serviços prestou aos geógrafos e navegadores medievais. que os levava a engrandecêlas ou a encurtá-las.séculos. em especial do grande Hiparco. que as avaliavam por simples estimativa. foi ela o código dos astrónomos durante cerca de quatorze séculos. em que os paralelos da Terra 4 Ver Panegíricos e Conferências. importa nos em especial mencionar aqui a famosa Sintaxe matemática. Convém notar que Apolónio de Perga tinha inventado o Sistema dos Epiciclos. No sistema triangular. Veremos adiante que o Almagesto foi profundamente estudado em Espanha por Afonso o Sábio e seus astrónomos e em Portugal por Pedro Nunes. e portanto sobre o corpo humano. primeiramente. que. Por isso estudavam a Astronomia e. dando aos astrónomos os meios pecuniários de que careciam para viver e trabalhar em assuntos sérios de ciência. mas empregou-o. 252). Deste modo a Medicina concorreu para que se estudasse a Astronomia. tirados dos aspectos do céu. O número dos crentes nos vaticínios da Astrologia era outrora tão grande e a fé neles tão viva. era a necessidade para os médicos de conhecer a prática da Astrologia. com o despontar da filosofia moderna. ao lado de obras consagradas às hervas e às drogas. aproveitou-o muitas vezes. Este sistema de cartas geográficas tinha já sido empregado por Marino de Tiro. que é pobre. e mesmo sobre o futuro das nações. mistura 8 .são representados por círculos com o vértice no ponto correspondente ao vértice do cone e os meridianos por linhas rectas que passam por aquele ponto. encontraremos exemplos notáveis de médicos a representar papel importante com seus trabalhos astronómicos nas navegações lusitanas. o tratado consagrado por Aristóteles àquela ciência. nas suas livrarias. Entrando agora no domínio da Física. 58 e pág. Nas lições consagradas à história das Matemáticas em Portugal. Este grande filósofo considerava os astros como potências inteligentes e incorruptíveis. Escreveu ainda Ptolomeu. sob o título de Sintaxe astrológica. um código de juízos para uso dos astrólogos. Resumindo o que a respeito da história da Astrologia dissemos nos nossos Panegíricos e Conferências (pág. onde tudo é corruptível. Ptolomeu notou os seus defeitos. faz-se. pelo grande papel que representou na cultura científica e filosófica medieval. chamada Astrologia. No sistema rectangular. vontade e sorte dos homens. em que os paralelos e os meridianos da Terra são representados por dois sistemas de rectas paralelas. a fim de apreciarem pelos astros o prognóstico das doenças e a ocasião de aplicarem os remédios. apesar de carecer de bases científicas. corresponder a uma zona da Terra a superfície de um cilindro recto que passe pelo paralelo que a divide ao meio e cuja generatriz seja igual ao comprimento do arco do meridiano compreendido entre os paralelos que a limitam. eram obrigados a estudá-la. Mencionamos aqui este livro. Estas ideias foram seguidas pelos filósofos peripatéticos e depois pelos filósofos escolásticos até que. a fim de terem fregueses e tirarem proveito material da sua profissão. que ainda hoje se notam. Planificando depois este cilindro. temos a carta rectangular. que poucos cultores poderia ter naqueles tempos sem o seu uso na clínica astrológica. por se conformarem com as doutrinas da Física de Aristóteles. anotou algumas passagens e traduziu do latim para português a Primeira parte. caíram com as doutrinas físicas do grande Stagirista. por não se conhecer então outro melhor. actuando sobre a Terra. atribuía aos astros não só influências físicas sobre a Terra. Também devo notar aqui que. mas a mãe não engeita a filha. estudando-as convenientemente. recordemos. Uma consequência da crença nas influências dos astros sobre os seres terrestres e na possibilidade de as prever. recordemos que o astrólogo. Pedro Nunes estudou profundamente o tratado de Geografia de Ptolomeu. Dizia a este respeito Kepler: a Astronomia tem uma filha muito louca. porque esta é rica e sustenta a mãe. que muitas vezes se tem confundido com o astrónomo. Mas destas ideias ficaram sempre vestígios. que mesmo os médicos que não acreditavam nestes vaticínios. As ideias e práticas astrológicas nasceram na Caldeia e de lá passaram ao Egito e à Grécia. mas ainda sobre o pensamento. onde foram fàcilmente aceites. entre nós. havia outras consagradas às práticas astrológicas. sendo as rectas do primeiro sistema perpendiculares às do segundo. produziam os diversos fenómenos que nela se observam. porque a Astrologia influiu consideràvelmente no progresso da Astronomia. das quais acabamos de mencionar as duas principais. submete-os a experiências convenientemente preparadas para ver como se passam. como vamos ver. com o auxílio da Matemática. proibindo nela o ensino da filosofia pagã. começou a declinar quando Alexandria passou ao domínio dos Romanos e terminou quando esta cidade caíu no poder dos exércitos árabes do Califa Omar. Extintas assim as Escolas de Alexandria e Atenas. aurora de uma ciência que se está a formar há mais de dois mil anos e que. Aristóteles mostrou neste livro ser um observador maravilhoso dos fenómenos naturais. Concorreu muito para a decadência daquela Escola a luta travada entre os Cristãos e os Pagãos da cidade. mas em breve surgiram entre os Árabes novos centros de estudo. mas as grandes obras em que foram expostas. e de paradoxos engenhosos.. subiu depois. O físico peripatético observava os fenómenos naturais. ficou como último refúgio da ciência helénica a Escola de Bizâncio. mas sim admiradas no Panteão das grandes produções da imaginação humana. Uma consequência desta luta foi a morte trágica de Hipatia. 9 . os fenómenos. feitas com perfeição sempre crescente. procurava hipóteses para os explicar. A Escola de Atenas. combateram-na e concorreram para o seu enfraquecimento. Esta Escola brilhou com esplendor durante o governo dos Lagides. relacionava-os qualitativamente.genial de conceitos finos e subtis. mede-os. não ficaram esquecidas na vala comum do Cemitério da história. em que estava encarnado o maior espírito de mulher de que fala a história antiga5. mas as observações de um só homem não poderiam bastar para se constituirem teorias seguras sobre fenómenos tão complexos e misteriosos. substituindo a observação e a experiência a hipóteses metafísicas. que brilhara explêndidamente com Platão e Aristóteles e adquirira um certo prestígio quando a de Alexandria decaía. as teorias vão sendo constantemente substituídas por outras que melhor satisfazem às observações e experiências. ligando geralmente as últimas e as anteriores algumas das suas ideias. É na experimentação e no emprego do cálculo matemático que está a força dos métodos modernos para o estudo da natureza e é no modo de preparar a experimentação e de constituir as teorias matemáticas dos fenómenos estudados que se revelam o engenho e a habilidade do físico. pág. Apagara-a no século VI o imperador Justiniano. das doutrinas de Cristo. relaciona-os numericamente e procura constituir teorias que os abranjam e os liguem. eloquente e sábia. depois que o Cristianismo aí se firmou. que desapareceram. e por isso uma grande parte das doutrinas expostas no seu livro caíram. na Física. 197. o físico moderno. luta que se tornou algumas vezes belicosa. que era dos sistemas filosóficos helenos o que mais se aproximava da filosofia dos padres cristãos. como aquele. 5 Pode ver-se a biografia desta mulher célebre nos nossos Panegíricos e Conferências. onde as obras científicas dos Gregos reapareceram com brilho. adoptando a filosofia de Platão. É que. os adoradores de Jesus odiaram-na. que ensinava filosofia na Escola. Apesar disso. o Almagesto de Ptolomeu e a Física de Aristóteles. As doutrinas físicas e astronómicas dos Helenos caíram diante das novas observações da natureza. a alturas que deslumbram. que ficaram. estava naqueles tempos já apagada. mulher formosa. além de observar. A maior parte dos matemáticos até agora mencionados pertenceram à famosa Escola de Alexandria ou a ela estiveram ligados. etc. os dois mais luminosos faróis da filosofia e da ciência antiga. A Escola ficou prêsa à antiga religião helénica e procurou aproximar-se nas doutrinas filosóficas que ensinava. vasta reunião de variadíssimos assuntos. que então começava a dominar e a quem a cultura científica era vivamente recomendada pelos livros do seu Profeta. substituíu a sanguinária civilização pagã da velha Roma. porque é muito própria para se ver quanto a ciência latina era inferior à ciência introduzida mais tarde pelos Árabes nas cidades da Bética. foi grande na arte política. expunham-se principalmente as doutrinas físicas de Aristóteles e o ensino delas era misturado ao ensino das doutrinas dos outros ramos da filosofia. varão notável pela imensa erudição manifestada na sua enciclopédia sobre a Origem das coisas. sob forma levantada. Foram primeiramente cultivadas pelos monges beneditinos. sem ser necessário frequentar escolas. inspirada na literatura helénica foi grande na arte da guerra. depois pelo sul. todas as ciências desapareceram completamente da parte invadida da Europa. no Império oriental. se fundiram. que. criaram-se escolas junto de algumas catedrais e fundaram-se universidades. ainda que muito frouxamente. quando os Romanos e os Bárbaros. Na história da sua cultura científica. depois senhores do império gótico das Espanhas. A entrada das Matemáticas na Península hispânica As ciências entraram na Península hispânica por duas vias: primeiro. sem fazer progredir sensivelmente os assuntos considerados nelas. com a invenção da imprensa. Com a queda do Império romano ocidental pelas invasões dos Bárbaros. distinguiu-se no século VI Santo Isidoro. mas continuaram a luzir.Foram principais herdeiros das obras de ciência e filosofia dos Helenos a mencionada Escola de Bizâncio. comentaram e continuaram. que as conservou como relíquias preciosas. Nas escolas em que se ensinavam as ciências. por influência do Cristianismo. 10 . começaram elas a despontar de novo nesta parte da Europa. foi grande na literatura. mas foi mediocre nas ciências exactas. pela influência directa dos Papas. foi um guia dos estudiosos até à introdução nas Espanhas da ciência mais alta bebida pelos Árabes nas fontes helénicas. além da Teologia. que juntaram a obrigação do estudo aos outros deveres impostos pela regra da sua Ordem. Não viam nestas ciências o que elas têm de belo sob o ponto de vista filosófico. e os Árabes. mas não aparece nome algum de sábio que tenha feito avançar as Matemáticas de um modo notável. trazidas pelos Árabes que invadiram as Espanhas. os quais as estudaram. Ordinàriamente o mestre lia ou explicava e o aluno ouvia e tomava apontamentos. principalmente as que eram aplicáveis à vida individual e colectiva ordinária. pelo norte. o ensino pelo livro a espalhar as doutrinas dos grandes mestres. onde se estudava. aparecem nomes de naturalistas ilustrados. Depois. viam sòmente o que têm de pràticamente útil as suas medidas e cálculos. Só no fim da Idade Média começou. Esta obra. limitaram-se a ensinar as doutrinas mais simples da Matemática grega. conquistador do povo grego. trazidas do Oriente principalmente por sacerdotes cristãos. Entre os homens ilustres que as receberam pela primeira via. O povo romano. Às mais célebres destas escolas concorriam numerosos estudantes de diversos países para ouvir os filósofos afamados. sob forma rudimentar. os vencidos e os vencedores. O ensino era oral. por acção e influência da igreja católica. Os seus cultores das Matemáticas. raça nova e forte. tudo o que é necessário para fazer sacerdotes regularmente cultos e das quais saíram alguns homens notáveis pela inteligência e sabedoria. espalhada pela Europa. Recordei aqui esta enciclopédia. com Boécio à frente. Mais tarde. estabelecendo novos estados e constituindo uma nova civilização de amor. Bispo de Sevilha. entre os quais estão compreendidos muitos que se referem aos rudimentos das ciências matemáticas. Pelo que respeita às Matemáticas. era música da razão. e a doutrina do astrónomo árabe Tabit. utilitária. natural de Sevilha. pelo sábio matemático espanhol sr. procurou a curva descrita por Mercúrio à roda do Sol.°—Mencionarei enfim Avempace e Averroes. pondo assim um problema que foi mais tarde resolvido por Kepler sobre o planeta Marte. Para obter a definição geométrica desta oval.°—Recordemos os aritméticos Bem-Albani. era glória do espírito humano.°—Alpetrágio.A ciência vinda das bandas de Bizâncio era seca. foi a sua doutrina sobre o movimento de trepidação dos equinócios. os maiores filósofos árabes medievais. por não se harmonizar com os postulados da Física peripatética. com indicação dos assuntos de que se ocuparam. que escreveu no século XV uma obra notável sobre Aritmética e Álgebra. da Lua e dos Planetas então conhecidos um Sistema de Orbes homocêntricos com a Terra diferente do que imaginara Eudoxo de Cnido. dando a relação entre os dois ângulos oblíquos e um lado oposto a um deles.°—Outro matemático notável da Espanha muçulmana foi Geber (Gabir ihn Aflak). que ligou o cálculo com o abaco ao cálculo com algarismos. de Toledo. que combateram vigorosamente a Astronomia ptolomaica. seria necessário comparar a linha gráfica obtida por Azarquiel com curvas hipotéticas. e que dá ao seu autor o direito a figurar como um precursor de Bradley na teoria da nutação do eixo da Terra. 4. que deu para representar os movimentos do Sol. que se aproximassem dela na forma. a ciência trazida pelos Árabes às Espanhas era filosófica e desinteressada. foram as suas doutrinas. que atribuiam aos equinócios um deslocamento em sentido constante. 11 . Mas. que substitui a antiga doutrina de Hiparco e Ptolomeu. Sistema que denota muito saber astronómico e notável engenho geométrico e que teve grande sucesso entre os Escolásticos medievais. então ainda não divulgada na Europa. e mais tarde por sábios cristãos e judeus em Toledo e Salamanca. depois de entrarem na nossa Península. Ora. Azarquiel teria provàvelmente experimentado a elipse. que lhes atribuía um movimento de avanço e retrocesso. em que há continuïdade no sentido do movimento daqueles pontos. posta ao serviço de assuntos geométricos. Os seus principais cultores na Espanha muçulmana foram enumerados. 2. por outra doutrina. etc. O resultado gráfico obtido pelo astrónomo árabe tem a forma de oval alongada. como bem disse Rico y Sinobas no seu comentário aos Libros del saber de Afonso X. caso que aquele geómetra não considerara . o que deu mais celebridade a este grande astrónomo. 5. Sevilha. Sanches Peres em uma excelente memória premiada e publicada pela Academia das Ciências de Madrid. Comentou o Almagesto dando demonstrações novas de alguns teoremas desta obra e continuou a doutrina de Ptolomeu sobre a resolução dos triângulos esféricos rectângulos. publicada no tratado De arte atque ratione navigandi. Granada. Dá um carácter notável à obra do célebre Matemático de Sevilha o papel que nela representa a Álgebra algorítmica. Alpetrágio é memorado com louvores em todos os escritos que apareceram desde o seu tempo sobre os sistemas cosmológicos dos antigos sábios helénicos. 3. que no século XI. cultivadas com sucesso primeiramente por sábios islamitas em Córdova. terrena. 1839). se conhecesse a obra de Apolónio sobre as secções do cone. e o nosso Pedro Nunes menciona e examina resultados de observações feitas pelo ilustre astrónomo árabe em uma notícia histórica e crítica sobre o tríplo movimento da oitava esfera do Sistema de Ptolomeu.°—Recordemos também Azarquiel ou Al-Zarkali. muito engenhosa. e Alkalradi. que foi traduzida em francês por Woepcke e publicada no tomo XII das Atti dell'Academia dei Nuovi Lincei (Roma. convenientemente escolhidas. Seja-me permitido recordar aqui os seguintes: 1. Este facto deve ser notado. apresentando depois os resultados obtidos com vestes novas. no caso de serem dados dois lados e o ângulo compreendido entre eles e se pedir o terceiro lado. tábuas e doutrinas astronómicas e trigonométricas influíram na ciência hispânica e depois na portuguesa. que escreveu um tratado de Álgebra em que são consideradas as equações do primeiro e do segundo grau e numerosos problemas. havia de fazer da ciência da extensão um ramo formoso da Análise matemática . com a capital em Córdova. o qual se tornou notável por trabalhos de Óptica. em Trigonometria esférica. outro. 12 . há poucos anos. É a invenção muito diferente da tradição em qualquer arte. Mencionarei também Alhazen. Este modo de ver é expressivamente apresentado por Pedro Nunes na passagem seguinte da sua Álgebra: Oh! que bom fora se os autores que escreveram nas ciências matemáticas nos deixassem escritas as suas invenções pelos mesmos discursos que fizeram até que as encontraram. Mais tarde. porque a eles foram beber doutrinas os nossos matemáticos. Então a Escola de ciências desta última cidade tornou-se rival da Escola célebre que Abul-Abbas tinha fundado em Bagdad quando. o oriental. para parecerem admiráveis. tratado que teve muita influência na divulgação das doutrinas algébricas dos Gregos e Indianos. As Matemáticas começaram a luzir na Espanha muçulmana depois da divisão do enorme império árabe fundado por Maomé e seus sucessores em dois: um. fez da capital do seu império um centro famoso de cultura intelectual. quando Abdurrahamam III. que mais tarde. de que adiante falaremos. cercando-se de sábios muçulmanos vindos de diversas terras. seguindo de progresso em progresso. Dos matemáticos árabes pertencentes ao império oriental. Foi o principal continuador de Ptolomeu em Astronomia e. foi o ponto de partida dos estudos do nosso Pedro Nunes sobre estes fenómenos. e no caso de serem dados os três lados e se pedirem os três ângulos. Pelo que respeita às Matemáticas. sem terem a franqueza de o dizer. E não como Aristóteles diz dos artífices que mostram na máquina que fizeram o que está de fora e escondem o artifício. um dos quais. nem penseis que aquelas tantas proposições de Euclides e Arquimedes foram todas achadas pela mesma via pela qual as trouxeram até nós. o que caracteriza a Matemática indiana é a audácia na Álgebra. transferira a sua capital de Damasco para aquela cidade. e cujas observações. relativo aos crepúsculos. mas foi também esboçada a aplicação da Álgebra à Geometria. regras que coincidem com as que correspondem ao chamado teorema fundamental da trigonometria esférica. uma bela edição em árabe e latim das obras deste astrónomo.Recordei aqui estes nomes de sábios islamitas. um dos matemáticos a quem se atribui o teorema dos quatro senos da Trigonometria esférica (o outro é Abul-Wafa) e a quem se deve o emprego do triângulo polar na resolução dos triângulos esféricos. para os apresentar sob forma geométrica indiscutível. mencionarei aqui primeiramente Albaténio que viveu na passagem do século IX para o século X e trabalhou em Bagdad. O Observatório Astronómico de Milão publicou. os nossos astrónomos e os nossos filósofos. nesta cidade foi não só estudada com sucesso a Astronomia. E mencionarei finalmente Nassir-Eddin. O que caracteriza a Matemática helénica é a sua pureza geométrica. com a capital em Bagdad. a Matemática árabe é caracterizada pela ligação das duas qualidades. tendo vencido e expulso a dinastia dos Omíadas do primitivo império árabe. a Escola de Córdova atingiu um alto grau de esplendor. sob o título de Opus astronomicum. É crível que os matemáticos gregos já tivessem feito aplicações daquela natureza nas suas indagações. deu regras para resolver os triângulos gerais. e Alkwarismi. que viveu na passagem do século X para o século Xl. o ocidental. convém notar que a ciência dos árabes não entrou na Europa só pela Espanha. que resolveu no século XVI a equação geral do terceiro grau. ficou esquecida por muito tempo. ampliadas e divulgadas por Frei Lucas de Burgo. 13 . O pensamento mencionado de Pedro Nunes tem sido repetido por autores modernos. e que depois os apresentava vestidos de roupagens geométricas. E foi assim que procederam. para inventar os seus teoremas. principalmente pelo aritmético português Gaspar Nícolau. como vimos. e está confirmado por uma carta dirigida pelo grande geómetra de Siracusa a Eratóstenes encontrada em 1907 por Heiberg. sem admitir que empregava métodos aritméticos. como opulentos despojos. arrastaram os agarenos até às suas terras de África. Depois declinaram. os clarões que emitiam afrouxaram. nas quais os geómetras helenos recorriam ao chamado método de exaustão. Quando ainda estava sob o domínio muçulmano. Os seus faróis de alta cultura tinham-se apagado e os seus sábios tinham desaparecido. A obra — Liber Abaci — do célebre matemático. de áreas de superfícies planas e curvas e de determinações de centros de gravidade. no século XV. Deixaram porém. e depois. por fim desapareceram. com os aumentos preciosos que eles próprios lhe tinham feito. raça activa e inteligente. depois por Marco Aurel. em Constantinopla. e teve o seu observatório Azarquiel. que expôs. e enfim por Pedro Nunes. não levaram estes consigo a ciência que tinham introduzido nas Espanhas. que se ocupou de alguns problemas estudados por Frei Lucas. De facto. de Pisa. as teorias algébricas do célebre matemático italiano e fez conhecer as de Tartáglia sobre a equação do terceiro grau. Em tudo isto representaram um grande papel os Judeus. primeiramente. para os firmar. se tornara. depois. tornaram-se luz crepúscular. que entrara nas Espanhas após a invasão dos Mouros. quando o império árabe ocidental subiu ao auge do seu poderio e grandeza. e tiveram um progresso notável com Tartáglia. aos vencedores a herança científica que tinham recebido dos Helenos. Agora. um centro prestigioso de divulgação da ciência heleno-árabe e. As escolas andaluzas de ciência atingiram o auge do seu esplendor. entrou também pela Itália. para satisfazer às exigências de rigor dos matemáticos do seu tempo. e que. Nesta cidade viveu. que ensinou doutrinas do mesmo Frei Lucas. o mais alto centro medieval de investigação astronómica. e crê-se que nela compôs as famosas tábuas astronómicas conhecidas pela designação de Tábuas de Toledo. voltando a ser capital de um estado cristão. onde no século XIII a Álgebra heleno-indiana foi introduzida por Leonardo Fibonacci. para descobrir os teoremas. já Toledo era um centro notável de cultura. Quando os cristãos. que encobriam os meios de os achar. e não se podem explicar os triunfos que obteve na resolução de questões relativas à medida de volumes de sólidos. no século XI. Arquimedes é assombroso em questões difíceis desta natureza. alemão domiciliado em Espanha. o célebre astrónomo árabe há pouco mencionado. como veremos.Estas palavras aplicam-se em especial às questões em que intervêm quantidades indefinidamente decrescentes. antes de prosseguir. que a estudara entre os Árabes em viagens pelo Mediterrâneo. no mesmo século XVI. empregavam longas demonstrações por absurdo. depois de lutas violentas e tenazes. os matemáticos Indianos. aqui se fixou e aqui estabeleceu os seus lares. de um modo amplo. ávida de possuir uma pátria. todas estas riquezas se vinham reunindo no interposto de Toledo desde o ano em que a soberba capital da velha Gotia. É interessante notar que esta influência da ciência italiana sobre a ciência lusa se estendeu nos mesmos tempos às literaturas dos dois países. A notícia dos trabalhos destes matemáticos insignes foi espalhada na nossa Península. mas as suas doutrinas foram mais tarde. e foram uma das bases principais dos progressos que ela teve nos séculos seguintes. fez traduzir alguns tratados árabes importantes que convinha estudar. são minuciosamente descritos e estudados os instrumentos astronómicos. com a sua tolerância de filósofo. As Tábuas Afonsinas e os Libros del saber de Astronomia constituem o monumento mais importante que sobre esta ciência nos legou a Idade-Média. São todos homens inteligentes e cultos. Os matemáticos não precisavam de tais esferas e. É belo imaginar o filho de Fernando-o-Santo. a produzir a trepidação. que está a publicar. que no seu culto vêm sob três aspectos diversos. no meio deles. Nestas obras são melhoradas as Tábuas para o conhecimento dos lugares dos astros na esfera celeste. Foi esta a forma mais perfeita que a doutrina do movimento da linha dos equinócios tomou antes de Bradley e isto explica o sucesso das Tábuas do rei Afonso Para dar a esta doutrina uma forma compatível com a Física peripatética. a oitava Esfera ptolomaica. sim. A esta lista podemos juntar as de Pedro Nunes. Deu uma importância especial às Tábuas mencionadas a circunstância de na sua edição latina ser considerado o movimento da linha dos equinócios como resultante do movimento de precessão segundo Ptolomeu e do movimento de trepidação segundo Azarquiel. a produzir a precessão dos equinócios. a produzir os dois movimentos dos equinócios. a Esfera das Estrelas. e. Raimundo. o Sábio. que no seu tratado De arte atque rationale navigandi e nas suas Annotationes à teoria dos Planetas 14 . cercado de seguidores de três religiões diferentes. cristãos. Não é necessário. a estudar e a admirar com eles nas maravilhas da obra da criação a grandeza suprema de um Deus. que mandou traduzir por João de Luna e Gerardo de Cremona algumas obras mais importantes dos Gregos e dos Árabes.Na mesma cidade. Encontra-se em particular neste volume da obra do sr. e pelos seus colaboradores na organização e calculo das chamadas Tábuas Afonsinas e na redacção dos Libros del saber de Astronomia com que aquele monarca enriqueceu esta ciência. geralmente. são dados preceitos aos artistas para construir e aperfeiçoar estes instrumentos e aos astrónomos para bem os empregar e são considerados numerosos problemas postos nos tempos anteriores desde a mais alta antiguidade e apresentados outros novos. não falam delas: falam. Assim. E. e à roda do qual gira o eixo da Eclíptica. judeus e maometanos. o monarca castelhano. o movimento à roda do eixo da Eclíptica. ainda na mesma cidade. com a cabeça coroada do duplo diadema de filósofo e de rei. traduções que espalhadas por cópias e mais tarde pela imprensa. depois de passar ao domínio de Castela. do movimento triplo da Oitava Esfera. Para realizar o seu grande plano de reorganização completa das tábuas e doutrinas astronómicas. é o génio que os dirige e a vontade que os manda. fazendo assim do seu Paço uma verdadeira Academia de ciências astronómicas e uma Oficina-escola ao serviço das mesmas ciências. Foram eles desenvolvidamente analisados por Rico y Sinobas no seu notável comentário a estes trabalhos e o distinto historiador espanhol D. chamou Afonso X à sua corte os astrónomos mais afamados do seu tempo. aparece na obra dos astrónomos de Toledo dotada de três movimentos: o movimento diurno à roda do eixo do Mundo. e mandou construir por artistas escolhidos os instrumentos até esses tempos usados para a observação do céu. introduziram mais tarde os Escolásticos duas novas esferas sem astros. concorreram notàvelmente para o progresso das doutrinas a que são consagradas. Não nos deteremos mais tempo a falar dos trabalhos da Escola astronómica de Toledo. Francisco Vera consagrou-lhe um longo e interessante capítulo do segundo volume da História da Matemática em Espanha. tiveram as ciências e a filosofia um protector no Arcebispo D. e o movimento muito lento à roda de uma outra recta que passa também pelo centro da Terra. foi depois a Astronomia cultivada com brilho por Afonso X. Vera uma lista de referências instrutivas de astrónomos ilustres às Tábuas afonsinas. Manuel I. com a sua vida errante. Sistema que ele e os seus colaboradores foram obrigados a complicar mais. Mais tarde Kepler deu-lhe razão. até à reforma astronómica de Kepler. como veremos. Por isso. mas não foi para eles que o rei Afonso as mandou compor. demos. Convém agora que. ao lado das Tábuas afonsinas. levaram-nas como presente aos países onde foram procurar um asilo. dos Regiomontanos. para fixarem as datas das festas. como programa do livro. consagrando algumas palavras ao papel. dos Judeus da Espanha no progresso da Astronomia. dos Tycho-Brahe e dos Kepler. os astrónomos judeus da Península Hispânica anteriores ao século XVI pouco mais fizeram do que aperfeiçoar as tábuas e as regras para a determinação das posições dos astros e para o cômputo do tempo. onde continua a brilhar como recordação de um grande passado. que em Portugal se sentiu mais tarde. via alto de mais para se ocupar com superstições e quimeras astrológicas ou com hipóteses arbitrárias e aspirava ao conhecimento dos segredos do Universo. quando mais tarde foram expulsos da Espanha por Isabel-a-Católica e de Portugal por D. o complete. A Escola astronómica de Toledo deu grande honra à Espanha e foi precursora da Escola brilhante que se formou mais tarde na Alemanha. Mas. Isto significa que ao seu espírito de filósofo repugnava aceitar. como em outro lugar veremos. Diz uma tradição ou lenda que Afonso X se queixava de Deus por ter complicado muito a Máquina do Mundo. e outro lhe fez com a fundação de uma cadeira de Astronomia na Universidade de Salamanca. o complexo Sistema matemático inventado por Ptolomeu para explicar os movimentos dos astros. que era naqueles tempos o primeiro centro de estudos da Espanha cristã. sob o ponto de vista geral. associando no cálculo das Tábuas astronómicas o movimento de precessão segundo Ptolomeu ao movimento de trepidação segundo Azarquiel. uma nova pátria de empréstimo. se ocupou de algumas passagens das referidas Tábuas. a Escola dos Purbachios. para que se pudessem comparar. como um complemento da doutrina do Almagesto de Ptolomeu sobre o movimento dos astros. e com o fim utilitário. Na passagem dos Helenos para os Árabes perdera a cultura científica no seu espírito filosófico e mais perdeu na passagem dos Árabes para os Judeus. dizendo que ele não conhecia os trabalhos de Albaténio. indispensáveis a quem quisesse continuar a obra dos astrónomos gregos e árabes. espalharam aquelas riquezas e as que tinham recebido dos Árabes por toda a nossa Península. 15 . Esta afirmação é falsa. antes de terminar este assunto. O espírito deste monarca. Segundo diz o nosso Pedro Nunes no capítulo IV do tratado De arte atque rationale navigandi. até à Provença.de Purbachio. Estes cultivaram a princípio a Astronomia quase sòmente com o fim religioso. É certo que houve quem pretendesse apoucar a obra de Afonso X. para a aplicarem à Medicina. que chamava para si os sábios e repelia os astrólogos e escolásticos do seu tempo. levaram-nas. que passou para a história. as Tábuas de Ptolomeu e de Albaténio. As Tábuas afonsinas foram muito empregadas pelos astrólogos para os seus vaticínios. um resumo das doutrinas que vão ser expostas nas páginas seguintes. por não estarem ainda traduzidas em latim. como correspondendo a obra divina. Com a composição das suas Tábuas e dos Libros del saber de Astronomia prestou Afonso X um grande serviço à nossa Península. e. banindo da ciência o Sistema ptolomaico. As Tábuas afonsinas aparecem sempre nos trabalhos dos astrónomos posteriores à sua composição. existia no seu tempo na Biblioteca de Alcalá de Henares um manuscrito onde se encontravam. entregues das riquezas que legou a Escola de Toledo. Programa deste livro Ao terminar esta Introdução. sem procurarem penetrar nos mistérios da mecânica dos céus. além dos Pirenéus. Poinsot. Então. Abriu este período Daniel da Silva. em que começou o período actual. principia no reinado de D.A história das Matemáticas em Portugal pode ser dividida em cinco períodos6. com a mais sublime das descobertas que até hoje pôde fazer o espírito humano. que Kepler e Galileu fizeram as suas famosas descobertas físico-matemáticas. No quarto período entrou no nosso país a ciência dos sábios estrangeiros do século XVII e dos seus continuadores do século XVIII. No primeiro período. 16 . Mas de tão intensos clarões. começou nos tempos que se seguiram às campanhas da liberdade. transformou a velha Astronomia em um ramo maravilhoso da Mecânica racional. que vai até aos fins do século XVI. com a reorganização dos estudos na Universidade de Coimbra pelo Marquês de Pombal e com a fundação da Academia das Ciências de Lisboa. e foi ainda no mesmo período que Newton. o período moderno. nos meados do século XIX. O terceiro período da história das Matemáticas em Portugal coincide com o período de maior brilho da ciência europeia.. pág. entre os quais se eleva gloriosa a grande figura de Pedro Nunes. descobriram novos métodos para penetrar nos mistérios dos números e com eles abriram nas Matemáticas novos caminhos. que coincide com os tempos áureos do povo luso. Jacobi e de outros gigantes da ciência. e vai continuando no nosso tempo. O quinto período. entre perigos e dificuldades sem conta. fazendo de Lisboa a raínha gloriosa dos mares. Chasles. toda a nossa cultura matemática girou à roda de uma idea fundamental: preparar os elementos científicos necessários para as grandes navegações no mar alto. Cauchy. que vai até meados do século XVIII. 158. estenderam teorias antigas e construíram teorias novas. o de pobreza. O primeiro o período de formação. Começa então o segundo período. Foram estes sábios que. que o abriram. João II. Neste período entraram em Portugal as doutrinas de Poncelet. Foi neste período que Viète fundou a Álgebra moderna. e depois deles alguns dos seus discípulos e continuadores. Ocuparam-se desta preparação sábios de Portugal e da Espanha. Abel. o príncipe dos matemáticos da Península Ibérica. Na lista dos matemáticos ilustres que tivemos neste período. não podendo resolver com os métodos herdados dos grandes geómetras dos séculos anteriores os novos problemas que se lhes apresentaram. aplicando a Astronomia à Náutica. deram aos nossos pilotos as luzes necessárias para conduzir as naus por mares misteriosos. que Descartes e Fermat inventaram a Geometria analítica. que. 6 Ver Panegíricos e Conferências. Gauss. nem um ténue lampejo parece ter atravessado nesses tempos as fronteiras de Portugal. brilham principalmente Monteiro da Rocha e Anastácio da Cunha. A estes períodos seguiu-se outro. o período de brilho. começou o quarto período.João I e vai até à morte de D. que estenderemos até meados do século XIX. até às praias desconhecidas do Brasil e até às águas longínquas do Pacífico. que Newton e Leibniz inventaram o cálculo dos infinitamente pequenos. que será o último geómetra considerado na nossa rápida viagem pela história das Matemáticas em Portugal. Dos serviços da instrução não tiveram que ocupar-se. como neste país. Pelo que respeita à Astronomia. a modesta ciência dos latinos do oriente. faziam-se pelos meios herdados dos Romanos pelos povos latinos. Em Portugal. Dinis em Lisboa a primeira Universidade portuguesa.Origem da cultura das Matemáticas em Portugal Primeiros vestígios A cultura das Matemáticas começou em Portugal mais tarde do que na Espanha e. e ainda à defesa da autoridade real contra prelados e nobres ávidos de poderio e riquezas. conquistado palmo a palmo aos mouros desde o Minho ao Algarve. primeiramente à formação do seu reino. com as doutrinas da Aritmética e Geometria que no seu estudo outrora se aplicavam. que se espalharam por toda a Península. os únicos vestígios. mas em 1535 estava ainda tão pouco divulgado na Península. no período que vai do século XII ao século XV. Em Coimbra houvera. com efeito. em uma obra sobre a arte de navegar. impresso em Leiria em 1496. usada no Almanach perpetuum do judeu espanhol Abraão Zacuto. em alguns mosteiros e em universidades do estado que ele próprio dirigia. anteriores ao século XV. introduzida pelos Árabes na Península Ibérica. em especial. então organizados. documento algum que se refira à cultura de tais ciências no nosso país antes do século XV. que Francisco Faleiro. quando muito. são os monumentos em pedra. judeu português. fundou D. a posse de algumas noções. o ramo daquelas ciências que primeiro foi regularmente cultivado. de Geometria e de Mecânica. parece não ter sido empregada em Portugal antes do mencionado século. por motivo do ódio da Cristandade aos seguidores de Maomé. Não conhecemos. Nas terras da Espanha cristã vizinhas da Espanha muçulmana apareceu este sistema de numeração certamente mais cedo. trazidos por astrólogos judeus. que revelam nos arquitectos que os projectaram e levantaram. e depois à organização deste reino e sua defesa das ambições dos Estados vizinhos. A numeração indiana. e depois nos Regulamentos para as navegações. uma escola episcopal. Já dissemos que desde séculos estavam tais serviços em todos os países cristãos a cargo do clero. então construídos. de que aquelas escolas tinham sido precursoras e em cuja fundação intervieram prelados e monges. fundada por D. Nos fins dele foi. 17 . Paterno. Para contar. que parecem indicar alguns conhecimentos matemáticos. foi a Astronomia. que a dava em escolas anexas a algumas catedrais. isto é. a ciência dos árabes levou tempo a infiltrar-se naqueles países. Ensinava-se nestes institutos. a coroar tudo isto. e por fim. entendeu dever consagrar algumas páginas ao ensino da numeração indiana. Durante a dinastia afonsina. antes da fundação da monarquia portuguesa. depois os Cónegos regrantes de Santo Agostinho fundaram outra no seu Mosteiro de Santa Cruz. Os monarcas desta dinastia dedicaram toda a sua atenção e actividade. e provavelmente as operações numéricas necessárias para os usos ordinários da vida. é natural que pelo menos alguns rudimentos desta ciência tenham atravessado nos referidos tempos a fronteira que separa Portugal da Espanha. impressa neste ano em Sevilha. usava-se a numeração romana. talvez empíricas. não houve em Portugal cultura científica propriamente dita. de que em breve falaremos. eram ensinadas as Humanidades. longe da corte. ora em Lisboa. dirigia a preparação das expedições que de lá partiam por ordem sua a explorar os segredos dos mares7. longe da costa. trocou o nome primitivo pelo de Jaime (sinónimo de Jácome) e ausentou-se da ilha. legou à seguinte um povo viril e patriota. Ora. por meio da ciência astronómica. Naquele Promontório sagrado. o Navegador. para completar o 7 Panegíricos e Conferências. Dinis. com o auxílio de um genovês muito perito na arte de navegar. Dinis organizou. Existia naqueles tempos na Catalunha e nas Baleares uma navegação comercial considerável e. enfim. penetraram audazmente para sul e poente no Oceano misterioso a descobrir terras para o seu Rei e a conquistar almas para o seu Deus. que. para a auxiliar. que deixou de si memória deplorável. escrito pelos Lusos. preparou-se a sua ciência. e começou quando D. Logo no começo das suas explorações das praias ocidentais de África. como veremos. o grande filho do Mestre de Aviz. com períodos de brilho e outros de decadência. ora em Coimbra. Fernando e torpezas de Leonor Teles. Mais tarde foram-lhe agregadas cadeiras de diversas ciências. Ainda se não conhecera no país suficientemente a utilidade dele. uma armada. Henrique. a indicação do lugar onde se estava. O que a este respeito maior número de probabilidades reúne. um povo que se amotinou contra as fraquezas de D. para orientar as naus no mar-alto. era muito perito na fabricação de bússolas e no traçado de cartas de marear. A primeira dinastia terminou por um monarca pusilânime. estudava as obras astronómicas e geográficas de Cláudio Ptolomeu e. seu neto. Henrique. Assim foram os portugueses levados à prática da arte náutica. o Direito canônico e a Medicina. no seu princípio. fundou a célebre estação naval de Sagres. pela primeira vez. E por isso que na história das navegações portuguesas. é o judeu Jafuda Cresques. ao poema da descoberta da América por Colombo. das terras de Santa Cruz. Em conclusão. Não se pôde ainda saber com segurança qual deles veio a Portugal auxiliar D. e depois as descobertas das ilhas do Ocidente africano. durante a dinastia afonsina formou-se e organizou-se Portugal. para a defesa dos portos do reino das incursões dos piratas da Mauritânia. sugestionadora de heroísmos. apelidado o Judeu das Bússolas. as Leis. pág. nasceu a sua Universidade nasceu a sua marinha. a fim de preparar esses marinheiros e pilotos que. mas. subiu depois a uma grandeza que foi o assombro do mundo. prólogo. quase isolado do Mundo. Assim. enquanto a Espanha tinha na Universidade de Salamanca uma cadeira de Astronomia. associada à ciência. prólogo ao poema da descoberta. Henrique a necessidade de se internarem no mar. apesar disso. de tempos a tempos. Pelo que respeita às Matemáticas. um povo que aclamou com entusiasmo e defendeu com heroísmo o Mestre de Aviz. segundo o célebre cronista João de Barros. era necessário pedir aos astros. pelos nossos navegadores. conheceuse mais tarde e então entraram elas aqui por via de Toledo e Salamanca. não dotou a Universidade portuguesa com cadeira alguma destinada ao ensino daquelas ciências. convertendo-se ao Cristianismo. Início da cultura das Matemáticas em Portugal por influência da Náutica A história da cultura das Matemáticas em Portugal está estreitamente ligada. um povo que. havia em Maiorca cartógrafos afamados.Na nossa primeira Universidade. foi ela em Portugal a mãe de todo o ensino superior. 5. que mais tarde. Era de facto cedo para criar um tal ensino. cujo carácter se vinha formando desde os tempos de Afonso Henriques. procurar ventos favoráveis às suas derrotas. havia de ser a base da sua glória nos mares. aparecem como primeiros troféus as descobertas da Madeira e dos Açores. à história da Náutica. 18 . auxiliado pelo catalão Jácome de Maiorca. para ir. reconheceram os pilotos de D. que fundara Afonso X. D. que viveu naquela ilha até 1394 e depois. O mesmo rei D. dirigido por chefes enérgicos e animados por altos ideais. animados por uma fé viva em Deus e na Pátria. e. destinada a defender aquela navegação e os portos do país dos ataques dos piratas da Mauritânia. pois que girava à roda do que na Astronomia era aplicável à Náutica. da sua coragem e da posição geográfica que ocupava. Com efeito. intitulado Origines des plans des Indes (Paris 1929) 19 . o velho mundo recebeu com pasmo a notícia de que uma armada lusa abordara às praias de Calecute. que o levara a Ceuta e a Tânger. havia uma certa cultura da Aritmética. a Escola cristã de Toledo e a Escola nascente portuguesa.papel da Estação de Sagres. com os problemas que lhes propuseram e com os novos aspectos que lhes apresentaram dos fenómenos da natureza. como anteriormente dissemos. D. o do infante lusitano era utilitário. na segunda. Para isso. O ideal do rei castelhano era puramente filosófico. era preciso ir aniquilar na Índia o seu comércio com a Europa. circundando a África. Na primeira Escola. Henrique de criar uma escola onde se ensinasse a Astronomia com as doutrinas de Aritmética e Geometria de que aquela ciência depende. como ciências autónomas. por motivo da viveza da sua fé religiosa. e de cair desastradamente em Tânger. Foram estas paixões que o levaram primeiramente a Marrocos. esta cultura era ainda mais reduzida. porque o ódio ao Islão. quando D. Devemos notar aqui que. para aí combater a raça odiada. depois de se cobrir de glória com seu Pai e seu irmão D. para dirigir as naus. Existia naqueles tempos em Portugal. Henrique começou a ocupar-se da náutica. uma Universidade. que não pudera resgatar sem sacrificar a glória da tomada de Ceuta. de marinheiros experientes e valorosos. O ideal que inspirou D. No modo de cultivar as Matemáticas. que criaram aquele espírito. como já dissemos. os nautas afastavam-se pouco da costa e. o santo prisioneiro de Fez. que começara a ser organizada. fixavam a posição do navio pelo rumo (isto é pelo ângulo constante 8 Veja-se a este respeito o importante opúsculo de Joaquim Bensaúde. que os ameaçava a ambos. ainda no século em que viveu. que estava instalada em Lisboa e fora fundada por D. mas não havia ainda nela cadeira alguma destinada ao ensino das Matemáticas. Na alma do Infante português ardiam duas paixões que a dominavam: o amor a Cristo e a Portugal. era necessário ir ali por mar. Fernando. se avivara com a derrota sofrida nesta última cidade e porque certamente tinha sempre na mente. D. quando o faziam. e dispunha também. e depois a Sagres. Henrique fundou uma. à procura de passagem para os mares do Oriente8. precisava D. havia diferenças essenciais entre a Escola muçulmana de Córdova e Sevilha. a atormentá-lo. a lembrança pungente dos sofrimentos de seu irmão D. Dinis. D. que lhes dava as rendas de que precisavam para manter os seus temíveis exércitos. os muçulmanos ameaçavam a Europa por oriente e sul e. O espírito científico nasceu entre os Lusos mais tarde e subiu alto. como veremos. Não conseguiu levar aquelas naus a esses mares. Era uma empresa audaz. Ora nenhum povo estava em condições mais favoráveis para realizar este feito heróico do que o luso. Faltou-lhe tempo. na terceira. mas o Infante tinha têmpera de herói e confiava no heroísmo da gente lusa. Dinis. Henrique. Mas. Henrique na fundação da Escola portuguesa de ciência astronómica é bem diferente do que animara Afonso X na fundação da Escola de Toledo. toda a cultura matemática girava à roda da sua aplicação à Astronomia. Duarte em Ceuta. para aí preparar as navegações que haviam de levar os portugueses a combatê-la na Ásia. onde os aspirantes a pilotos aprendiam o que a respeito destas ciências precisavam conhecer. para destruir a fonte do seu poder. Nos tempos anteriores à fundação da Estação de Sagres. o estudo das Matemáticas sob o ponto de vista puramente teórico. da Álgebra e da Geometria. o ódio ao Islão. no tempo de D. possuía já Portugal uma considerável navegação costeira e uma importante marinha de guerra. Só no século XVI começou em Portugal. Henrique não podia deixar de acolher com agrado tal plano. quis ir bater os muçulmanos nas longínquas paragens da Índia e ordenou que as suas naus navegassem para o sul. mas foram as navegações. Em cada um destes dois meios de regular o movimento do navio. começando a internar-se no Oceano. Mais tarde empregaram-se para o mesmo fim os rumos e as latitudes. do método que as deduz da altura meridiana da Estrela polar. que os que vinham depois aproveitavam. Marino não adoptara para base da sua carta o Equador. Alcançara a glória de ser o génio criador e o primeiro organizador das navegações maravilhosas dos Lusos e. Este modo de determinar as latitudes era conhecido desde a antiguidade. Nas cartas de Marino. e tirando por este ponto as rectas correspondentes às direcções dos raios da Rosa dos Ventos no lugar da esfera que representa. os pilotos colhiam estes elementos. em que os meridianos e os paralelos da esfera são representados por dois sistemas de rectas paralelas equidistantes. com a sua energia inteligente e pertinaz e com a sua fé sugestionadora. referidas a uma escala arbitrariamente escolhida. fizera dos seus marinheiros heróis. onde os lugares eram representados por pontos. Suprimindo neste gráfico de latitudes e longitudes as rectas que representam os meridianos (ou considerando-as apenas como indicadoras do rumo norte-sul). no mar da Guiné. a bússola e a carta náutica se podem dirigir com segurança os navios no mar). usadas por Ptolomeu. de recorrer aos astros. adoptara o Paralelo de Rodes. Tinha gasto tudo na preparação das expedições e tinha ainda gasto nelas as rendas da Ordem de Cristo. Morreu solteiro e pobre. reconhecido. marcando nele um ponto correspondente a um lugar especial da esfera. venerou e glorificou sempre a sua memória e o seu nome figura aureolado nas páginas da Epopeia dos Lusíadas. dois números determinam a sua posição no mar relativamente ao lugar de onde partiu. altura que mediu por meio de um quadrante graduado. relativamente a uma recta que corresponde ao Equador (ou a um Paralelo fundamental). porque existia um exemplar desta obra na biblioteca da corte. Henrique desde a ocasião em que. É natural que tenha sido empregado pelos pilotos de D. Tinha dado a Portugal. Nas viagens novas. uma das quais corresponde ao comprimento do arco do meridiano do lugar considerado compreendido entre este lugar e o Equador (ou entre o lugar e o Paralelo fundamental) e a outra ao comprimento do arco do Equador (ou do arco do Paralelo fundamental) compreendido entre o Meridiano do lugar e o Meridiano principal. que se tome para origem dos rumos.formado pela direcção do seu movimento com os meridianos que ia cortando) e pelas distâncias percorridas. no qual cada lugar 20 . São estes os antigos portulanos. precisaram. Henrique morreu em 1460. assim como o instrumento com que Diogo Gomes observou a estrela mencionada. os rumos pelas direcções dos segmentos da recta que ligam aqueles lugares e as distâncias pelos comprimentos destes segmentos. referidas à mesma escala. com o seu coração. Para uso das navegações por distâncias e rumos. o que sabemos é que já tinha sido indicado por Afonso-o-Sábio no seu Libro de las Partidas (onde diz que com o astrolábio. sendo as rectas de um dos sistemas perpendiculares às do outro. e estavam assinalados nos Libros del saber de Afonso-o-Sábio. para se orientar. de que era Grão-Mestre. Portugal. modificando-se porém aquelas cartas do modo que vamos ver. que era menos prático e não era apropriado à navegação no mar alto. referidos a uma escala arbitràriamente escolhida. D. que foi empregado por Diogo Gomes em 1642. todos os seus esforços e todos os seus haveres. Não sabemos em que época o segundo modo de navegar substituiu o antigo. que o Infante certamente conhecia. tinham-se primitivamente construído cartas náuticas. e assim foi-se levado a recorrer às cartas rectangulares de Marino de Tiro. para determinar as latitudes. que estava fora da parte da Terra que então se julgava habitável. cada lugar da esfera é representado no plano. e que este célebre navegador se serviu. Mas estas cartas não serviam para a navegação por latitudes e rumos. obtém-se o gráfico de latitudes e rumos empregado nas navegações dos séculos XV e XVI sob a designação de carta náutica ou carta hidrográfica. por duas coordenadas. o qual diz que a vira na Cartuxa de Val de Cristo. quando já começara o período de brilho das navegações portuguesas. dá notícia de uma carta de latitudes e rumos construída em 1413 pelo cartógrafo maiorquino Matias de Vila Destes. faz sempre a rota com os meridianos ângulos iguais. entre eles. Henrique. na menção que este escritor faz de lugares registados na carta. publicada recentemente. Para explicar este facto. Tanto o historiador português como o historiador espanhol encontraram a notícia da referida carta num livro de notícias sobre alguns conventos da Espanha. sem embargo que no processo do caminho mudem os horizontes e as alturas. quando veio auxiliá-lo em Sagres. e então já este sistema de cartas seria certamente conhecido em Sagres. e depois nunca mais se soube dela. com o fim de fazer passar a carta por mais antiga do que realmente era. Mas o distinto escritor espanhol D. de estar referida ao Paralelo de Lisboa. António Vera. Vera atribui-o a lapso do Padre Vilanova. Entre as cartas planas rectangulares célebres do século XV. de tal modo que. no seu Ensaio histórico. só é possível aproximadamente. porque repartimos as agulhas que. longitudes e rumos. Tem-se afirmado que D. figura também a que o italiano Toscanelli remeteu em 1474 a um cónego da Sé de Lisboa. A sobreposição deste gráfico de latitudes e rumos ao gráfico de latitudes e longitudes de Marino. só apareceu em 1439. Ora. mas infelizmente isto não é possível. o certo é que aos portugueses cabe a honra de serem os primeiros a empregá-lo com regularidade nas navegações e de aperfeiçoarem as cartas registando nelas novos lugares da Terra. foi roubada pelos franceses quando invadiram a Península. e portanto anterior à fundação da Estação de Sagres. por serem os ditos meridianos representados por linhas direitas e equidistantes. Depois acrescenta: 21 . formam de dentro e de fora ângulos iguais. Poderia pois ter sido este sistema de cartas indicado ao Infante por Jácome de Maiorca. de modo a obter uma carta de latitudes. segundo disseram mais tarde os monges do mosteiro mencionado. que em 1413 ainda não tinham sido descobertas. enquanto que Stokler o atribui a falsificação cometida pelo desenhador. que com a terceira linha. onde aquele sistema é desenvolvidamente analisado. nos representam o horizonte. em trinta e duas partes iguais e podemos governar a uma parte destas quanto espaço queremos. do mesmo sistema. em todo o lugar. o nosso Garção Stockler tinha já falado desta carta. porque. melhorando a colocação de pontos que nela representam lugares já registados. assim como o caminho que fazemos. que representa o universo. Para se resolver difinitivamente a questão. o fez reviver para uso da náutica. assim mesmo na carta. que tem a singularidade. no século XVI pôde Pedro Nunes escrever no seu Tratado em defensam da carta de marear as palavras seguintes: As nossas cartas são muito diferentes das que usaram os antigos. inclui as ilhas de Cabo Verde. que é aquela por que se faz o caminho.da esfera é representado pelo ponto de intersecção da recta correspondente ao seu paralelo com o que representa o seu rumo relativamente à Origem dos rumos na esfera. Assim foram. E. escrito pelo Padre Joaquim Vilanova. progredindo as navegações com as cartas e as cartas com as navegações. a de Gabriel Valseca. forma com os novos meridianos igual ângulo ao com que partimos. como adiante veremos. seria necessário examiná-la. em 1819. Qualquer que seja porém a origem da introdução em Portugal deste sistema de representação da esfera. para nós notável. perto de Segorbe. Por outra parte. etc. conhecendo o sistema de Marino para a representação da esfera por meio do Tratado de Geografia de Ptolomeu. na sua Historia de la Matematica en España. E esta é a razão por que foi necessário na carta os rumos de norte-sul e quaisquer outros do mesmo nome serem linhas direitas equidistantes. Outra carta maiorquina célebre. e considerara-a como falsificada na data pelo motivo que vamos dizer. Zacuto veio pala Lisboa. D. onde eram expostos numerosos assuntos de Astronomia e onde era dada uma colecção de tábuas astronómicas. Ora. no qual suprimiram todas as peças que não eram necessárias para aquela medida. médicoastrólogo da armada de Pedro Álvares Cabral. que compreendia as que são necessárias para determinar as declinações do Sol em cada ano. muito empregado pelos Árabes para diversos fins e minuciosamente descrito na mencionada obra do Rei castelhano. É interessante notar aqui que o Almanach perpetuum foi um dos quatro primeiros livros publicados em Portugal depois da invenção da imprensa e o primeiro no que respeita às Matemáticas. Como obteve José Vizinho a tábua de declinações do Sol de que depende a aplicação do referido método? Provàvelmente por meio de Abraão Zacuto. 22 . como é esta carta. que fora seu mestre. Este Almanach foi depois a origem de todas as tábuas de declinação do Sol que os pilotos levavam nas naus. e então publicou em Leiria. e a que fez Mestre João. sob o título de Almanach perpetuum celestium motuum. Mais tarde.Não se pode fazer de linhas curvas um planisfério que tão conforme seja ao nosso modo de viajar. que existe na Biblioteca Pública de Évora. os quais aconselharam para esse fim a observação da altura do Sol na sua passagem pelo meridiano do lugar e o emprego de um método exposto nos Libros del saber de Astronomia de Afonso X. cosmógrafo e médico de D. um exemplar que existe na Biblioteca de Augsburgo. relações que tiveram como consequência ficarem os seus nomes gloriosamente ligados na história da Náutica lusitana. Voltaremos a falar das cartas náuticas. e a tradução em castelhano dos Cânones (regras para o seu uso). em 1492. e por isso Joaquim Bensaúde fez reproduzir em 1915. em 1500. quando nos ocuparmos das obras de Pedro Nunes. João II. ficaram especialmente assinaladas a que fez Vasco da Gama na ilha de Santa Helena. Os Cosmógrafos de D. os astros e a bússola puderam dizer à nau a direcção em que devia seguir para levar o nauta ao porto do seu destino. Este método determina a latitude. professor em Salamanca. a sua colecção de tábuas com explicações para as usar traduzidas em latim por José Vizinho. É um livro hoje raro. De facto. os astrolábios luxuosos e complicados descritos nos Libros del Saber foram reduzidos a um humilde instrumento de madeira. Vê-se pelo que acabamos de dizer. mas por meio deste humilde instrumento. quanto foram estreitas as relações entre o astrónomo espanhol e o cosmógrafo português. fez à Guiné em 1485. cerca do ano de 1477. na ocasião de esta armada aportar a terras de Santa Cruz. em uma viagem que. Zacuto tinha composto em língua hebraica. onde ocupou o cargo de cosmógrafo do Rei. instrumento de origem grega. em 1496. Entre as aplicações que depois se fizeram dele. Para medir a altura dos astros. quando é conhecida aquela altura e a declinação do Sol no dia da observação. com mais precisão e desenvolvimento. foi aplicado na náutica lusitana pela primeira vez pelo judeu José Vizinho. Assim. João II Não sendo o modo de orientação das naus por meio da estrela polar aplicável quando os portugueses quiseram navegar para além do Equador. e poderia por isso obter uma cópia das tábuas de que precisava. aconselharam os mesmos cosmógrafos o astrolábio. José Vizinho tinha relações com Zacuto. O método para a determinação das latitudes de que acabamos de falar. para o experimentar. quando aí abordou na sua primeira viagem a Índia. na Alemanha. uma obra com o título de Composição Magna. João II encarregou os seus cosmógrafos de procurar uma solução para o problema da determinação da latitude em qualquer lugar do globo terrestre. pela fotogravura. para as que se referem a outro período qualquer do mesmo número de anos. Como a declinação do Sol varia lentamente de ano para ano. Os regulamentos das antigas navegações portuguesas foram reunidos em um livro intitulado Regimento do astrolábio. onde se dão regras para se passar das tábuas de declinação do Sol referidas ao período de quatro anos que vai de 1473 a 1476. Contêm ainda os dois livros um pequeno tratado da esfera celeste para instrução dos pilotos e uma carta dirigida pelo sábio geógrafo alemão Monetário a D. As doutrinas das duas edições do Regimento do astrolábio foram aperfeiçoadas depois por alguns cosmógrafos. como suplemento a uma notícia sobre Zacuto. e por isso Joaquim Bensaúde as incluiu na sua magnífica colecção de reproduções fac-similadas de obras preciosas relativas àquelas navegações. escritas neste Almanaque. O exemplar de Munique contém no fim uma tábua de declinações do Sol para um ano bissexto. expressas em graus e minutos. e Pedro Nunes mostrou que. professor na Universidade de Salamanca. encontrado por Luciano Cordeiro na Biblioteca Pública de Évora. As duas mencionadas edições do Regimento do astrolábio foram publicadas no século XVI. ordenado por D. com aproximação cada vez menor. as tábuas de declinação do primeiro Regimento continuavam a servir para alguns anos e as do segundo para alguns períodos de quatro anos. Compôs este judeu tábuas astronómicas. Contêm ambos os exemplares as regras para a determinação das latitudes por meio das passagens meridianas do Sol e por meio da Estrela polar. lista que no Regimento de Munique se estende até ao Equador e no de Évora até terras da Ásia. pertencentes a duas edições diferentes: um. que compuseram novos Regimentos náuticos. dos principais lugares por onde os nossos primeiros navegadores passaram. mais antigo. carta que nada diz sobre prática da navegação e que certamente ali foi colocada para levantar o espírito dos marinheiros. para um período de quatro anos que vão de um bissexto ao seguinte. um tratado de Astronomia e um tratado sobre instrumentos para a observação dos astros. são documentos preciosos para a história das navegações portuguesas. fazendo-lhes saber quanto as navegações portuguesas eram admiradas no estrangeiro e as esperanças que nelas se tinham. 23 . o astrónomo judeu Jehuda Iben Verga. das regras dadas nos primitivos para determinar as latitudes por meio da Estrela polar. foi recentemente publicado na Revista da Academia das Ciências de Madrid por Cantera Burgos. Os dois livros de que acabamos de falar. e outro. expressas em graus. calculadas por meio do referido Almanaque. até que eram substituídas por outras. que nasceu em Lisboa em 1447 e depois se retirou para a Espanha. mais completo e mais perfeito. além disto. Convém por fim notar que um dos inspiradores de Zacuto na composição desta obra foi. o exemplar de Évora contém uma tábua das declinações do Sol. mas outras tinham já sido decerto compostas para as viagens realizadas nos fins do século XV. notável pela abundância de informações e rigor da crítica. e que o manuscrito desta tradução. uma tábua para o cálculo das distâncias percorridas e dos desvios em longitude no movimento do navio por cada rumo da Rosa dos ventos e uma lista de latitudes. preciosa para aqueles tempos. as regras para conhecer as horas da noite por meio da Ursa menor e para conhecer as horas das marés. existente na Biblioteca desta Universidade. João II. do qual se conhecem dois exemplares. O segundo exemplar encerra. encontrado por Joaquim Bensaúde na Biblioteca Nacional de Munique. João II.E ajuntarei ainda que a Compilação Magna de Zacuto foi traduzida em castelhano por João de Salaya. que talvez não tenham sido divulgadas para conservar o segredo das nossas navegações. só são exactas as duas que se referem às suas passagens pelo meridiano do lugar da observação. segundo ele diz. tábuas que foram calculadas por meio do Almanach de Zacuto. O primeiro era inculto e não foi atendido. Parece que Behaim era apenas um fidalgo ilustrado que. Dizia Renan que a civilização do povo helénico apareceu como um milagre na história do Mundo. códice que foi depois reproduzido em Portugal por Valentim Fernandes. que. levou de Portugal para o seu país ciência geográfica. a sua origem é portuguesa. Ao terminar estas considerações. fruto de narrativas que lhe fez Diogo Gomes. Martin Behaim. subindo mais em audácia. porque os dois astrónomos adoptaram para valor da obliquidade da Eclíptica números diferentes: ora. Alguns historiadores têm atribuído um papel essencial na fundação da Astronomia náutica a um fidalgo alemão. Gaspar Correia. constituíram um império mais vasto do que todos aqueles que até então se tinham visto. realizar o glorioso feito da circumnavegação do Mundo! Aqueles livros devem ser sagrados para os portugueses. Dois dos nossos escritores quinhentistas. e. em vez de nos trazer ciência astronómica. até aos meados do século XVI. nas Décadas. dilatando mais as suas conquistas do que o herói macedónico. e descobrir neles numerosas terras. Joaquim Bensaúde. para o poderem aplicar. o segundo a Behaim. sem lograr imitá-los. com tão modestos Regimentos e com humildes astrolábios de madeira. as tábuas do Sol de Regiomontano e Zacuto diferem entre si. Pequeno em extensão como a Grécia. que o geógrafo inglês Ravenstein tinha já anteriormente combatido. berço de heróis. que se encontra em Nuremberg. seguindo para ocidente. Afirmam eles que Behaim ensinou aos portugueses o método para determinar as latitudes pela observação da altura meridiana do Sol e que. nas Lendas da Índia. trouxe de Nuremberg as tábuas astronómicas do seu mestre. As listas de latitudes que encerram são documentos historicamente preciosos e são ainda troféus de glória a recordar terras inexploradas das costas da África. O primeiro atribuiu-o a Zacuto. com a qual compôs uma carta esférica representativa do mundo então conhecido. Infelizmente. Esta versão sobre a origem do saber dos Lusos em Astronomia náutica foi divulgada pelos alemães com certo orgulho. Ficou pois assente a segunda versão. descobrir as Américas. e um códice. o segundo era douto e foi ouvido. e João de Barros. mas não conseguira extinguir. onde Alexandre Magno tinha levado por terra os seus exércitos. circundando a África. e. escrito em latim. não ficámos em cultura científica atrás dos outros povos que foram beber a sua ciência nas fontes heleno-árabes. porque fazem evocar a memória dos primitivos conhecimentos em ciência da navegação dos nossos avós. 24 . e. Com efeito. puderam marinheiros audazes percorrer a vastidão dos mares. navegar até à Índia. as tábuas de declinação do Sol dadas no Regimento do astrolábio estão em desacordo com as tábuas das Efemérides do primeiro e harmonizam com as tábuas do Almanaque do segundo. que em longa viagem pelos oceanos navegaram até à Índia. que no tempo de D. ao começar o século XIX. falaram das origens daquele saber. e. do emprego das tábuas de Zacuto aparecem sinais evidentes nas duas edições do Regimento do astrolábio encontradas em Munique e Évora. da América e da Ásia banhadas por mares que as nossas caravelas percorreram em viagem triunfal. Portugal foi. Enquanto que nem um único vestígio aparece do uso das tábuas de Regiomontano na Náutica portuguesa. na filosofia e na ciência. Este conceito pode aplicar-se à gente Lusa. João II veio a Lisboa e que se dizia discípulo do célebre Regiomontano. e fixar rotas para ir de praia a praia. mas não foi por eles inventada. o ter terminado completamente com a lenda da intervenção da ciência germânica na náutica lusitana. Podemos porém acrescentar que. como ela.Encanta observar que. é justo acrescentar que se deve ao mencionado historiador da fundação da Astronomia náutica. a nossa gente só pôde seguir os mestres daquele povo. a pena ilustrada de Garção Stockler fortaleceu no seu Ensaio histórico e a pena poderosa de Humboldt espalhou por todo o mundo. Mas recentemente tudo isto mudou. aventureiros por interesse. diz Pedro Nunes. o mesmo valor. É um erro. Têm sido os antigos portugueses algumas vezes considerados como simples aventureiros audazes. para se ir de praia a praia. legou ao seu sucessor. D. a trazer à Europa produtos da Índia em navios mal construídos. a Astronomia náutica é obra ibérica e a sua origem está nos Regimentos das navegações portuguesas. evitando assim conflitos entre estes dois países. que são as cousas de que os cosmógrafos hão-de andar apercebidos. não precisou de receber de além Reno luz reflectida por meio de Regiomontano e Behaim. e legou-lhe ainda os planos das grandes viagens que depois se fizeram. Assim como na terra há estradas para ir de lugar a lugar. Este grande monarca. muitos dos quais naufragaram. Joao II. herdeiro afortunado de tudo isto. pertinácia inexcedível.Em conclusão. como veremos. mas partiam os seus mareantes mui ensinados e providos de instrumentos e regras de Astrologia e Geometria. que Ptolomeu tinha obtido por meio de medidas feitas por viajantes em terra. determinados pelas correntes marítimas e pelo regime de ventos. Resultou da colaboração de Zacuto com José Vizinho e é uma aplicação das doutrinas de origem greco-árabe contidas na obra de Afonso X. Antes de passarem aos mares do oriente estudaram o regime dos ventos no Atlântico e navegaram nele. mas por mar. A ciência daquele grande geómetra e astrónomo só influíu na ciência portuguesa no século XVI. obra dos seus cosmógrafos. porque nas suas obras bebeu Pedro Nunes alguns dos seus conhecimentos. além desta ciência. Para fazer sobressair a importância desta coincidência. Manuel. Portugal recebeu luz directa desta Escola. Depois é que apareceram mercadores ambiciosos. como vimos. segundo diz Ptolomeu no primeiro livro da sua Geografia». o grande cosmógrafo diz que os Portugueses não foram àquele Cabo por terra. marinheiros experimentados para as executar e capitães valentes para assegurar o domínio dos portugueses nas terras que descobrissem. aumentou a herança. «navegando 9 Veja-se a este respeito uma notável conferência de Gago Coutinho reproduzida no livro intitulado Terceiro Jubileu da Academia das Ciências de Lisboa. que fechou com chave de ouro o primeiro ramo de uma dinastia que com chave de ouro fora aberta. Ora. Quando morreu D. Todas as expedições lusas desde o seu início em Sagres até ao século XVI foram sàbiamente organizadas e correctamente executadas. mas infelizmente os seus sucessores não puderam conservá-la. 25 . prejudiciais à civilização do Mundo. que regulava a divisão entre Portugal e Castela novas terras que se descobrissem. A Escola astronómica de Toledo foi um foco de luz que iluminou a nossa Península inteira e foi ainda ao longe iluminar a Alemanha. chamado pelos antigos Aromata. O povo luso revelou nas suas prodigiosas navegações coragem heróica. o Tratado de Tordesilhas. estava fundada a ciência da navegação pelos astros e estava mesmo já experimentada. excessivamente carregados e rotineiramente dirigidos. menciona Pedro Nunes no Tratado em defensam da carta de marear o facto de as cartas das nossas navegações darem para valor da diferença de longitude entre as Canárias e o Cabo Gardafui. Coimbra. segundo o que mais convinha em cada ocasião9. Os navegadores que iam primeiro informavam os que iam mais tarde das observações que tinham feito e de que estes podiam aproveitar-se. A confirmar a arte e ciência com que navegavam os Portugueses. também no mar há caminhos. ora perto ora longe da costa. «Não iam a acertar. oitenta e três graus. inteligência viva e notável saber técnico para construir e manobrar as naus e para as dirigir nos mares pela bússola e pelos astros. 1931. os nautas portugueses foram os primeiros a estudar estes caminhos no que respeita ao Atlântico. e de terras descobertas pelos seus pilotos. Como eco da sua passagem por Túnis. em obras que foram recentemente publicadas. Dissemos. passou Zacuto a ser astrólogo de D. Manuel. Agora. para não sairem da pátria adoptiva. Deixou em Portugal uma filha.com tamanhos rodeios como se fazem em tão comprido caminho como é o da Índia. Depois da morte de D. onde nascera. que a Astrologia judiciária prestou grandes serviços à ciência dos astros. 26 . onde foi procurar nos islamitas de Damasco a tolerância religiosa que não encontrara entre os cristãos da Ibéria . e vai à aventura como o Ashavero da lenda. e Francisco Faleiro. que. e depois de Portugal. e acrescenta depois. O certo é que foi cosmógrafo deste monarca e que colaborou com os cosmógrafos portugueses. casada com Pedro Anes. onde nasceu. doou mais tarde algumas terras. iluminando-os com a sua ciência astronómica na preparação das navegações lusitanas. lastimamos que o seu autor não nos tenha deixado o registo da série de medidas que fez para chegar à coincidência inesperada que mencionámos. aproveitou estes serviços a náutica portuguesa porque o Almanach perpetuum de Zacuto não teria sido talvez composto se não aproveitasse aos astrólogos. como os cristãos tinham adorado. ora havendo vista da terra e muitas vezes não a vendo e lançados tanto ao mar como convém para passar o Cabo da Boa Esperança e poderem tornar a cobrar o norte». procurar a paz aonde Jeová o levar. não querendo ser apóstata nem hipócrita. João II. João III. chamado por D. e passando tantas tormentas e diversidade de tempos. No caso actual. Expulso primeiramente da Espanha. lá foi seguindo na sua peregrinação até Túnis e depois até à Síria. ora para a outra. que ora os lançam para uma parte. nas catacumbas o seu Jesus. com ampliações e melhoramentos. em um livro impresso em 1535 em língua castelhana. Muitos destes infelizes. que o encarregou de compor o horoscópio da viagem de Vasco da Gama à Índia. quando esta viagem estava em preparação. ocuparam se com sucesso da arte e da ciência de navegar Duarte Pacheco Pereira e João de Lisboa. deixou a Península. ficou a notícia. De nada lhe valeram os serviços que fizera às nossas navegações com as suas tábuas e com o seu ensino. Um destes foi Zacuto. reparando a ingratidão de seu pai. abjuraram. Vamos aqui reproduzir. antes de continuar esta doutrina é justo que consagremos uma recordação a esse hebreu sem pátria que se chamou Zacuto. a nova pátria que adoptara. o que a respeito destes portugueses célebres escrevemos nos nossos Panegíricos e Conferências. nas crenças e na desdita. quando o referido monarca mandou expulsar do seu reino os judeus que não abjurassem da sua fé religiosa. Aceitando esta conclusão. em conclusão: «as navegações de Portugal são as mais certas e melhor fundadas do que nenhumas outras». porque teve de sair de Portugal com os seus irmãos na raça. Os outros partiram e foram os mais felizes. Os continuadores de Zacuto e José Vizinho na obra de aplicação da Astronomia à Náutica Depois de Zacuto e José Vizinho. também em segredo. mas continuaram a adorar em segredo o seu Jeová. Comove pensar na grandeza de alma e na viveza de fé deste judeu célebre. dada pelo notável astrónomo italiano Ricci de que ali se encontrou com o célebre hebreu e dele recebeu lições. a quem D. João II. quando falámos da Sintaxe astrológica de Ptolomeu. mas a sua demora neste cargo não foi longa. dando aos astrónomos os meios de que careciam para viver. Há quem diga que este astrónomo veio para Portugal quando os judeus foram expulsos da Espanha e há também quem afirme que viera antes disso. Negociou hàbilmente o tratado de Tordesilhas. é uma colecção notável de escritos relativos a vários assuntos de ciência e arte de navegar. as observações que fez sobre o regime das marés. Na parte desta obra relativa aos Regimentos náuticos. entre a ilha de Santa Maria e a ponta da ilha de S. Na edição do Regulamento do astrolábio existente na Biblioteca de Munique. situadas na direcção do diâmetro do prato da bússola que passava pelo zero da escala. Deixou-nos num livro notável. Este marinheiro cosmógrafo merece figurar na história da Geografia física como autor da primeira série de observações regulares para o estudo da distribuïção sobre a superfície da Terra das linhas de igual declinação magnética. livre do escolasticismo então dominante. a valentia do guerreiro e o ânimo do nauta. Esta obra só foi divulgada pela imprensa em 1903. mostrando que esta linha passa nos Açores. formado por três regras. por cima da ilha de S. Para realizar as suas observações de declinação magnética. obra já por nós citada. Na parte da obra de João de Lisboa relativa aos regimentos náuticos. Ora. nas ilhas de Cabo Verde. atravessou o Atlântico em missão secreta que lhe confiou D. anteriormente citado. João II e foi um dos heróis das conquistas da Índia celebrados por Camões. sob o título de Livro da marinharia. entre os quais assinalaremos um que se refere aos seus estudos sobre a declinação da agulha magnética e outro que se refere ao emprego na náutica da constelação do Cruzeiro do Sul. os roteiros das viagens que realizou. Nos astrolábios então usados o quadrante em que se 27 . Duarte Pacheco. que se podem desdobrar em seis considerando separadamente os casos em que o Sol está ao norte ou ao sul do Equador. Para o aplicar basta conhecer os dias do equinócio. alvores de uma filosofia científica. a sagacidade do diplomata. Miguel. A agulha magnética marcava-lhe então a declinação pedida. apropriada aos novos horizontes abertos nas ciências pelas navegações por novos mares e pelas observações de novos fenómenos do mundo. navegando nos mares equatoriais. estudo que abriu com a determinação da linha de declinação nula (a que chamou meridiano vero). conceitos de sã filosofia sobre o estudo da natureza. O Dr. O manuscrito que Duarte Pacheco deixou do Esmeraldo só foi divulgado pela imprensa em 1892. Foi por isso levado a organizar um novo regimento para a solução do problema mencionado. teve algumas vezes dificuldade em destinguir se estava ao norte ou ao sul da referida linha. e entre o Cabo da Boa Esperança e o Cabo Frio. Ines de Castro. foi adoptado pelo autor da edição do Regimento do astrolábio existente na Biblioteca de Évora. publicada na História da Colonização do Brasil de Malheiro Dias. Vicente. cujas funções variadas exerceu. que devemos aqui assinalar. João de Lisboa foi ao mesmo tempo insigne como cosmógrafo e como marinheiro.Duarte Pacheco era descendente de Diogo Pacheco. correspondendo quatro ao caso cm que o observador está ao norte do Equador e quatro ao caso em que está ao sul desta linha. e. Estavam nele associados o alto espírito do filósofo. Este novo regimento. Luciano Pereira da Silva consagrou a este livro e ao autor uma notícia notável. que fosse independente da situação do observador a norte ou a sul do Equador. Nos mares austrais empregava um processo análogo. A obra que nos legou. e foi uma das maiores figuras da Epopeia marítima lusitana. que foram o seu observatório. com a descrição dos regulamentos de navegação de que fez uso. Para fazer as observações enfiava a Estrela polar pelas duas fendas na ocasião da sua passagem pelo meridiano. espalhados por todo o livro. recorrendo às Estrelas da constelação do Cruzeiro do Sul. vêem-se oito regras para aquela determinação. intitulado Esmeraldo de situ orbis. explorou as costas da Guiné. nota-se uma modificação importante nas regras para a determinação das latitudes por meio da observação da altura do Sol ao meio dia. um dos assassinos de D. empregava um aparelho rudimentar. Pensou e escreveu nas naus em que navegou. que se reduzia a uma bússola em cuja caixa estavam abertas duas fendas verticais estreitas. as coordenadas geográficas que mediu. nota-se uma modificação importante nas regras para a determinação das latitudes pela observação da altura meridiana do Sol que devemos também aqui mencionar. Colocando este instrumento de modo que o fio de arame fique no meridiano do lugar. E contém finalmente as indicações habitualmente dadas nos Regimentos de navegação daqueles tempos. e que foi depois Director da Escola Náutica de Sevilha. Entre as doutrinas novas que encerra. nos outros capítulos são descritas a Esfera celeste e os seus movimentos de um modo elementar e simples. quer no domínio animal e vegetal. de Vénus sobre os fleumáticos e de outras quimeras bebidas na Sintaxe astrológica de Ptolomeu. no tempo em que foi escrita. e quimeras astrológicas em que Faleiro parece acreditar. A Segunda Parte do livro é mais importante do que a primeira e serviram-lhe em parte de modelo. quando este se retirou para a Espanha. estava muito enraizada no espírito do povo inculto e mesmo de muitas pessoas cultas a crença na influência dos astros sobre o que se passa na Terra. com seu irmão Rui. acompanhou Fernão de Magalhães. o livro tem duas partes: a primeira consagrada à descrição da esfera celeste. quer no domínio físico. Não há que estranhar. que se coloca horizontalmente. Nos quatro capítulos da Primeira Parte são expostas fantasias de Física peripatética. É que. a uma agulha magnetizada que se move à roda do centro do prato e a um fio de arame tendo a forma de semi-círculo com diâmetro igual ao do prato. e dispostas de modo que as partes correspondentes à origem da divisão e a cento e oitenta fiquem no diâmetro horizontal e na direcção norte-sul. as tábuas de declinação do Sol para quatro anos sucessivos e outras quatro tábuas de distâncias do Sol ao Polo para os mesmos anos. mas os assuntos comuns são nela melhor expostos do que naqueles Regimentos. observando as alturas do Sol com um instrumento assim graduado e orientado. que se coloca verticalmente e de modo que a sua projecção sobre o prato passe pelo seu centro e pela origem da sua divisão. admitidas naqueles tempos. com a indicação do rumo a seguir para navegar de qualquer delas para as outras e com a indicação do regime das marés na foz de alguns rios. O instrumento a que acabámos de nos referir. João de Lisboa propôs fazer-se aquela medida em meio limbo do instrumento dividido em cento e oitenta partes iguais. Francisco Faleiro era um judeu. apropriado aos pilotos. mais perfeito do que o de João de Lisboa há pouco mencionado. mas Faleiro ficou atrás do célebre monge inglês. aproveitáveis no cálculo das latitudes pelas novas regras que apresentou. notam-se uma colecção de preceitos práticos para dirigir os navios no mar e a descrição e uso de um instrumento para determinar a declinação da agulha magnética. onde publicou em língua castelhana uma obra intitulada Tratado de la esfera y del arte de marear. tinham sido sumos sacerdotes de tais crenças Aristóteles e Ptolomeu. natural da Covilhã. 28 . reduz-se a um prato circular graduado. Ora. a segunda ao estudo da arte de navegar. Mostrou que. Como o título indica.lia a medida das alturas estava dividido em graus e a origem da divisão estava no diâmetro que se colocava horizontalmente. que. para a compor. os Regimentos das navegações portuguesas de que anteriormente falámos. Surpreende ver nesta obra de ciência duas páginas consagradas à Astrologia. onde se fala da influência de Saturno sobre os melancólicos. a sua sombra ao meio dia é uma recta que faz com a direcção da agulha um ângulo igual a declinação magnética. o regimento da determinação das latitudes por meio deste astro se reduz a duas regras muito simples. Serviu de modelo a esta parte do livro o tratado De sphera de Sacrobosco. Contém ainda o Livro da Marinharia uma longa lista de terras. árabes e judeus. Observaram-se novos fenómenos físicos e novas formas de fenómenos conhecidos. João. Estes métodos e aqueles instrumentos encontravam-se nas obras dos geómetras e astrónomos gregos. D. «as grandes viagens do século XV e XVI tiveram sobre as ciências influência notável. No primeiro período da historia das Matemáticas em Portugal. Henrique e D. de que brevemente nos ocuparemos. Convém assinalar também neste lugar o Reportório dos tempos de Valentim Fernandes. A Astronomia. Contém este livro. preso pela intensidade do seu amor às ciências. e procurava desvendar mistérios do Cosmos. O monarca e o infante português pediam ao astrolábio que lhes ensinasse a navegar na amplidão dos oceanos. Estes olhavam para os mares tenebrosos e procuravam penetrar nos seus segredos. e por isso Joaquim Bensaúde o fez reproduzir pela fotogravura na sua Collection de documents para a história das navegações portuguesas.Este livro de Faleiro é muito raro. sendo a primeira de 1518. informações interessantes sobre a história das divisões do tempo e os regulamentos que os pilotos precisavam conhecer para navegar. Os regulamentos náuticos desta edição foram extraídos da edição do Regimento do astrolábio existente em Évora e as tábuas de declinação do Sol que se encontram nele. fazem lembrar Afonso X de Castela entre os seus astrónomos em Toledo. mas aumentada. patriotas e cristãos fervorosos. Mas. empregaram instrumentos e métodos antigos que fizeram reviver e frutificar. além de informações úteis ao clero para fixar os dias das festas móveis. Traçou-se nas linhas gerais o mapa da Terra. tradução em português de um livro. o período da sua formação. tirados dos Regimentos náuticos anteriormente mencionados. Os seus autores. Viram-se no Céu novas constelações e na Terra novas raças. Notou-se o regime das mares em vários portos. práticos insignes. Mas entre aqueles grandes portugueses e o sábio monarca castelhano há diferenças essenciais. Henrique e D. novos animais. A edição de 1563 foi reproduzida pela fotogravura na Collection de documents para a historia das navegações portuguesas publicada por Joaquim Bensaúde e forma o tomo sétimo desta preciosa colecção. procuraram tirar delas proveito para a dilatação dos domínios de Portugal e da cristandade. para o infinito. Com a agulha de marear estudou-se o magnetismo terrestre. foram extraídas do Almanaque de Zacuto pelo aritmético Gaspar Nicolas. teve na Náutica uma aplicação sã e digna. Henrique entre os pilotos de Sagres e D. que acabámos de considerar. Teve este livro onze edições. 29 . Afonso olhava para o alto. principalmente nas obras de Ptolomeu e nos Libros del saber de Astronomia de Afonso X. D. novas plantas e novas formas de vida». trabalhando para Portugal e para a Cristandade. o Infante D. Afonso X quase se esqueceu do seu reino. Como dissemos em outro lugar. com o mesmo título. simplificando os instrumentos e traduzindo os métodos com grande acerto em preceitos práticos. ao agricultor sobre as épocas para as sementeiras. Nota final Não há nas obras e regulamentos náuticos mencionados nas páginas anteriores invenções de Matemática que a história desta ciência tenha de registar. que na Idade-Média se aplicava só à indústria astrológica. no meio dos seus cosmógrafos. e aos astrólogos para os diversos fins da sua indústria. melhorada e adaptada pelo tradutor às conveniências do nosso país. João trabalharam também para as ciências. escrito em castelhano por André Ly de Saragoça. João II . Observaram-se as correntes marítimas. o rei espanhol pedia-lhe que lhe ensinasse o caminho que os astros seguem nos seus complexos movimentos na imensidade dos céus. Com estas observações começaram os Portugueses a estender o estudo da Natureza para além dos limites a que o tinham levado os Helenos e os Árabes com observações feitas sòmente no velho mundo. 30 . Sebastião. Abriu o período D. a Providência. a Terra para eles da Promissão. João III. deu-lhe cronistas insignes. mas que. depois de manchado de sangue na Mauritânia. Este terrível desastre feriu mortalmente Portugal. cometeu o erro nefasto de introduzir em Portugal e proteger a sinistra instituição do Santo Ofício. que lhe deu a glória de um povo de heróis. caíram no domínio do ambicioso Filipe II de Castela. É ele um povo de eleição cujos marinheiros navegaram em frágeis caravelas. apesar dos defeitos que cobre. quanto mais se estendia. Henrique. pelo seu espírito intolerante. Não aconteceu o mesmo no segundo. Aparece logo a abri-lo um aritmético insigne. A semente espalhada pelos seus antecessores do século XV germinara e está produzindo frutos maduros que aqueles estão colhendo. 31 . ou talvez mal aconselhado. que conservou e mesmo aumentou os domínios que herdou de seu pai. vícios e erros que começaram a manifestar-se no reinado de D. Sebastião. pretendendo ajuntar aos seus domínios e aos domínios da cristandade as terras da Mauritânia. Nenhum país o excede em fama e poderio. O manto dos seus reis. por isso aquele manto. que fechou funebremente a dinastia que auspiciosamente abrira D. aumentaram no reinado de D. monarca venturoso e vaidoso. mais e maiores vícios e erros cobria. deu-lhe também heróis do pensamento: deu-lhe Camões. que lhe havia de dar no futuro a honra de um povo colonizador. o Homero das suas glórias. E assim sucumbiu miseramente uma nação que menos de um século antes subira a uma glória épica que fora o assombro do mundo. João I. até à Índia. Veio depois D. sagradas para os Portugueses. com a sua febre de heroísmos. deu-lhe cosmógrafos eminentes. a cuja agonia assistiu um velho decrépito. período que coincide com o século XVI. não lhe deu somente heróis na navegação e na guerra. Demais. para narrar os feitos na terra e no mar dos seus soldados e marinheiros e. Manuel. sucumbiu com o exército português nos areais malditos de Alcácer-Quibir. deslumbra todo o mundo então conhecido. habilmente dirigidas. João III e continuaram a aumentar no reinado de D. Eis o cenário histórico em que vai passar-se o segundo período da história da cultura das Matemáticas em Portugal. que teve a ventura de ver partir e regressar os heróis que primeiro aportaram à Índia e pôde ter a vaidade de ser o chefe supremo de tal gente. e até ao Brasil. aritméticos No primeiro período da história das Matemáticas em Portugal não apareceu cultor algum destas ciências que se ocupasse de assuntos diferentes da sua aplicação à náutica. É que o manto real. está este país no auge da sua glória. Manuel. Seguiu-se D. Álvaro Tomaz e Gaspar Nicolas. Depois as terras de Afonso Henriques. como presente apropriado ao seu papel nos Oceanos. o Cardeal D. que organizaram a ciência da navegação do seu tempo e prepararam a ciência da navegação do futuro. generosa para este povo. transformou-se em sudário da dinastia e do reino. em que vamos entrar. Álvaro Tomaz. que.História da cultura das Matemáticas em Portugal no século XVI Estado de Portugal no século XVI No segundo período da História da cultura das Matemáticas em Portugal. Alguns destes problemas são de utilidade na vida. sem teorias. entre os quais assinalaremos o seguinte: em qualquer movimento variado de um ponto. considera-se como constante a velocidade do movimento durante cada intervalo e consideram-se as velocidades correspondentes aos diversos intervalos como ligadas por uma lei. a Biblioteca Nacional de Lisboa possui um exemplar recentemente adquirido. e. que certamente prestou bons serviços no século XVI. e é ao ilustre professor da Universidade de Madrid Rey-Pastor que devemos a notícia dele. para extrair as raízes quadradas dos números inteiros e para somar progressões. aplicado ao movimento variado. No modo de estudar estas questões. segundo se vê em um excelente trabalho de Marcolongo sobre Leonardo de Vinci. outros são interessantes curiosidades numéricas. a regra de falsa posição. divide-se o tempo em intervalos em progressão geométrica. onde este célebre geómetra estudara o movimento do ponto por meio da representação sobre um plano da relação entre a velocidade e o tempo relativamente a dois eixos de coordenadas. se não podiam somar naqueles tempos. dá um resultado que se tem atribuído a Galileu. Dá-lhe um interesse especial a circunstância 32 . e ali ficou a ensinar. mas que. muito claro e simples na exposição das doutrinas. pelo que diz no prefácio. bebida em um excelente livro que em 1926 consagrou à historia dos matemáticos espanhóis do século XVI. No livro do matemático português. O livro de Álvaro Tomaz é ainda notável pela habilidade com que o autor soma nele algumas séries numéricas e pelo engenho com que determina limites para o valor de outras que. A intervenção das séries nas questões de cinemática estudadas no livro considerado explica-se do modo seguinte. e ainda de outras que ainda agora se não sabe somar. subtrair. Ocupou-se Álvaro Tomaz no livro mencionado do movimento do ponto sobre o plano e a sua doutrina a este respeito está estreitamente ligada à que fora dada por Oresme. O livro de Álvaro Tomaz é muito raro.É este matemático autor de uma obra intitulada Liber de triplice motu. Seguem-se depois numerosos problemas de que o autor dá as soluções. empregando para isso a regra de três. O movimento uniformemente variado corresponde ao caso de velocidades em progressão aritmética. e foi publicado pela primeira vez em 1519 e o seu autor chamava-se Gaspar Nícolas. sabe-se que nasceu em Lisboa e que foi professor em um colégio da capital da França. Diz-se que era natural de Guimarães. Esta obra foi comentada no século XIV por Biagio de Parma e era muito conhecida nos tempos de Álvaro Tomaz. compreendida entre a maior e a menor velocidade do primeiro ponto. publicado em Paris em l509. Percorrendo-o com atenção. Ainda há bem poucos anos era completamente desconhecido em Portugal. nota-se que o livro mencionado é um excelente manual de Aritmética prática. segundo creio. Abre este tratado por alguns capítulos sobre as regras para somar. fora dado antes pelo mencionado matemático Oresme e reproduzido em um manuscrito daquele célebre pintor e sábio. no século XIII. fez os seus estudos em França. no tratado De latitudinibus formarum. a teoria de Oresme é estudada por um método aritméticogeométrico engenhoso e dão-se nele teoremas notáveis. O livro mais antigo consagrado em Portugal à Aritmética tem por título Tratado da pratica Darismetica. a linha descrita poderia ser percorrida no mesmo tempo por outro ponto com velocidade constante. provavelmente saiu cedo de Portugal. Não nos foi possível obter qualquer informação biográfica a respeito do autor. teorema que. multiplicar e dividir números inteiros e fraccionários. etc. A soma dos espaços percorridos pelo ponto durante os diversos intervalos é uma série com lei determinada que o autor do livro estuda para diversas hipóteses daquela lei. por dependerem de logaritmos. indica as soluções e verifica-as. as doutrinas de Frei Lucas para a resolução das equações do primeiro e do segundo grau. Bento Fernandes. livro que contém. Outro escritor dos mesmos tempos que se ocupou de assuntos matemáticos estranhos à náutica foi D. Estudou em França. Gaspar Nícolas não deduz no seu tratado as soluções dos problemas que considera. 1541. possuído pela Faculdade de Ciências do Porto. Vasco da Gama o caminho marítimo da Índia e Pedro Álvares Cabral o Brasil. sem alterar a ordem cronológica. porque. Os livros de Frei Lucas de Burgo e de Gaspar Nícolas inspiraram outro aritmético português. para a fazer conhecer em Portugal. e. interrompida para poder apresentar alguns aritméticos. Não devemos todavia esquecer que no período em que vamos entrar. já então divulgadas na Espanha por Marco Aurel. que ficaram inéditos. Entra em cena Pedro Nunes e. para uso dos mercadores. teve outras em 1530. depois de voltar a Portugal. Pedro Nunes apareceu na cena do mundo no alvorecer da civilização moderna. Francisco de Melo. É pena que o mesmo aritmético não tenha extraído da obra de Frei Lucas a parte relativa à Álgebra. Bispo de Goa. teve o país vizinho em Frei João de Ortega um aritmético ilustre. enuncia-os. Na Espanha. e principalmente Pedro Nunes. sendo assim talvez o primeiro a fazer notar na nossa Península o célebre matemático italiano que depois Marco Aurel. como ele próprio diz. Rey-Pastor no seu já mencionado livro sobre os matemáticos espanhóis do século XVI. compôs comentários em latim às doutrinas de Óptica atribuídas a Euclides e ao tratado De incidentibus in humidis de Arquimedes. O livro de que acabamos de falar. Seria interessante comparar com eles os do aritmético português.de o autor do livro ter recolhido alguns problemas considerados nas obras de Frei Lucas de Burgo. por não ter podido obter os tratados daqueles autores. como o de Nícolas. a hegemonia das Matemáticas na Península ibérica vai passar da Espanha para Portugal. Pedro Nunes como cosmógrafo Voltemos à história da Astronomia náutica. ensinando as suas teorias algébricas. Poucos anos antes de nascer. Este tratado representa pois um grande progresso sobre o de Nícolas. da qual se conhece apenas um exemplar. tinham sido publicados os tratados de Aritmética de Ciruelo. quando Portugal estava no período do seu máximo esplendor. onde foi discípulo de Brissot. No ano em que nasceu. tinha Cristóvão Colombo descoberto a América. 33 . com ele. mas não me foi possível fazê-lo. sem dizer o modo como as obteve. além disso. foi muito lido em Portugal no século em que foi escrito e nos seguintes. Como dissemos nos Panegíricos e Conferências. em Portugal. publicado em 1555. 1502 fez Vasco da Gama a sua segunda viagem à Índia. cujo valor foi assinalado com elogio pelo sr. engrandeceram. 1679 e 1716. Estava em plena juventude quando se realizou a primeira circunnavegação do mundo. e. na Espanha. na composição do seu Tratado da arte d'Arismetica. antes de aparecer em Portugal o livro de Gaspar Nícolas. Frei João de Ortega e Siliceo. 1613. 1573. que não contém estas últimas doutrinas. 1594. as regras necessárias para executar as operações numéricas e para resolver os problemas que apareciam naqueles tempos no exercício do comércio. além da edição de 1519. não emprega a arte algébrica. como já dissemos. mas estava em plena actividade a exploração das riquezas das terras por eles descobertas. Era nessa ocasião Bacharel em Medicina pela Universidade portuguesa. em que os seus soldados se batiam heroicamente com os árabes. e que não há região que nem por quente nem por fria se deixe de habitar. em 1529 foi chamado a desempenhar as funções de Cosmógrafo do Reino. E fizeram o mar tão chão que não há quem hoje ouse dizer que achasse novamente alguma pequena ilha. alguns baixos ou sequer algum penedo que por nossas navegações não seja já descoberto». então instalada em Lisboa. perdendo a Estrela do Norte e tornando-a a cobrar. fundando no Brasil as primeiras colónias que Portugal teve na América. ao abrir o século XVI. Estava-se no tempo em que Portugal. para cumprir os deveres do seu cargo. para consolidar e utilizar os seus domínios no Oriente. a oriente e ocidente tinha sido visitada por nautas lusos e o tormentoso Cabo da Boa Esperança era já o monumento levantado na história a glória de Bartolomeu Dias. Os portugueses ousáram cometer o grande mar Oceano. então cheia de quimeras astrológicas. E que. que primeiro o tinha descoberto e nas águas do seu mar perdera a vida. de cem anos a esta parte. Começava-se também na mesma época a prestar atenção ao comércio e navegação do Brasil. o mar da Etiópia. novos povos. o que mais é. . com o alto pensamento que tais palavras exprimem. por aqueles que interessavam especialmente à Náutica». Tiraram-nos muitas ignorâncias e mostraram-nos ser a terra maior do que o mar.«Foi pois educado a ouvir falar das glórias lusitanas e isto não podia deixar de influir para lhe levantar o espírito. tinham terminado as grandes descobertas geográficas dos portugueses. em que entre Lisboa e Calecute navegavam numerosas naus. descobrindo e passando o temeroso Cabo da Boa Esperança. novos mares. Este hino caloroso à gloria dos portugueses foi ouvido por Camões. mais maravilhosas. que traziam a Lisboa as riquezas do Levante. Como dissemos. A colonização da África começou mais tarde e dá também honra aos Portugueses. nem o descompassado frio da extrema parte do sul. novas terras. que nem a grande quentura da torrada zona. novo céu e novas Estrelas. tão nomeado. começando. toda a costa do então misterioso continente. mas abandonou logo aquela ciência. O que era nesses tempos o império português no oriente di-lo eloquentemente o grande cosmógrafo em uma das suas obras: «Não há dúvida que as navegações deste reino. compôs a grandiosa epopeia dos feitos da gente lusa na terra e no mar. «De facto. lhes pôde estorvar que. E perderam-lhe tanto o medo. e. Descobriram novas ilhas. do que até os santos duvidavam. a grande Trapobana e as ilhas mais orientais. 34 . e haver antípodas. e tinha visitado em romaria de estudo a Universidade de Salamanca. fazendo desta cidade a rainha dos mares e o centro do comércio do mundo». Passaram o rio Ganges. deu os passos iniciais para a formação do nosso extenso império do Ocidente. cuja civilização havia de ser mais tarde. que pretendiam conservar nas suas mãos o comércio da Índia. procurava espalhar feitorias e missões religiosas pelos lugares mais apropriados para aquele fim. também no livro mencionado. Foi com efeito nos primeiros anos depois que Pedro Nunes começou a exercer as funções de cosmógrafo que Martim Afonso de Sousa. honra de um povo de colonizadores. em um mesmo clima e a igual distância do Equador há homens brancos e pretos e de mui diferentes qualidades. com que os antigos escritores nos ameaçavam. são as maiores. Entraram por ele sem nenhum receio. que. que era naqueles tempos o Santuário da ciência hispânica. que não poderiam satisfazer o seu espírito são. puderam chegar à Índia. e talvez mesmo para fixar a direcção em que havia de exercer a sua actividade científica. que era por natureza bem dotado. de mais altas e mais discretas conjecturas que as de nenhuma outra gente do mundo. como as conquistas da Índia foram glória de um povo de heróis. para se entregar completamente aos estudos de assuntos sólidos de Matemática e Física. da Arábia e da Pérsia. Mas.quando foi nomeado Cosmógrafo do Reino. e por isso muito apropriada aos médicos-astrólogos e aos pilotos.° Tratado de algumas duvidas da navegação. por ser útil aos pilotos as passagens que estes precisavam conhecer. Já dissemos que João de Sacrobosco tinha composto em latim no século XIII um tratado De sphera. insuficiente sob o ponto de vista matemático. cuja redacção aproveitaram. que por ser hoje muito raro e procurado.º Tratado da Esfera. na sua tradução deste livro não cite o nome do autor e também que o não tenham citado os cosmógrafos portugueses que dele tinham extraído resumos. por ter sido muito divulgado em numerosas edições.° Teoria do movimento do Sol e da Lua. Cap. sob o ponto de vista descritivo. Ptolomeu faz das suas zonas em grupos correspondentes a meia hora e a um quarto de hora de diferença da duração do maior dia do ano nos paralelos que limitam cada uma. mas cujo pensamento era de Ptolomeu. também já mencionado. clara e elementar. Ora.Passemos agora a considerar as obras em que Pedro Nunes se ocupou da ciência e arte de navegar. Cap. Nota em que o nosso matemático revelou pela primeira vez originalidade de espírito e habilidade no emprego dos métodos sintéticos dos geómetras helénicos. foi incluído por Joaquim Bensaúde na sua colecção de documentos foto-gravados para a história das navegações marítimas. Purbachio e Ptolomeu. Para cumprir os deveres do seu cargo. era uma exposição de doutrinas desta ciência. tinham já sido publicadas em tradução portuguesa nas edições do Regimento do astrolabio anteriormente mencionadas e no livro sobre náutica de Francisco Faleiro. 5. Pedro Nunes deu forma matemática geral a esta doutrina e obteve assim o teorema seguinte: 35 . 2. Certamente consideravam a obra do célebre monge como simples modelo clássico. Estas sete zonas são as que na Geografia antiga se chamavam climas e a observação que a respeito da variação da sua largura faz Sacrobosco poderia ter sido sugerida pela divisão que. assás espalhado. mas muito simples. Este livro ainda muito usado no século XVI em toda a Europa como texto de iniciação para o estudo da Cosmografia. como dissemos. 4. no Almagesto (Parte II. demonstrando e generalizando uma observação de Sacrobosco sobre climas. em 1537. 3. livro. VI) e no Tratado de Geografia (Parte I. Entre as Notas juntas por Nunes ao Tratado da esfera há uma. Por ser útil aos astrólogos teve muita aceitação. que foi traduzida em latim por Elia Vineto e junta a algumas edições da obra de Sacrobosco que se publicaram depois. começou o nosso cosmógrafo por publicar. Sacrobosco reduziu a doutrina de Ptolomeu considerando sòmente a parte da Terra que no seu tempo se julgava habitável e nela sete zonas tais que a diferença da duração do dia no maior dia do ano era de meia hora e verificou numericamente que a altura destas zonas diminui quando se aproximam do Polo. Pode estranhar-se que o nosso cosmógrafo.° Tratado de Geografia de Ptolomeu. Pedro Nunes traduziu-a toda e enriqueceu-a com Notas que a valorizaram muito. Os três primeiros tratados são traduções do latim em português de obras de Sacrobosco.° Tratado em defensam da carta de marear. Ptolomeu. e. um livro precioso com os artigos seguintes: 1. inspirada principalmente pelos livros de Ptolomeu e de alguns astrónomos árabes. X) tinha dividido a parte da Esfera terrestre compreendida entre o Equador e o Círculo polar ártico em zonas tais que nos paralelos que limitam cada zona a diferença de duração do maior dia do ano é de meia hora para as mais próximas do Polo e de um quarto de hora para as outras (procurando com esta distinção evitar zonas excessivamente largas nas vizinhanças do Equador e outras excessivamente estreitas na vizinhança do Círculo polar) e tinha determinado as latitudes dos paralelos que limitam cada zona. Também pelo mesmo motivo no segundo dos tratados mencionados não citou Purbachio. Os títulos destes escritos são: 1. Convém. Na Nota consagrada ao teorema de que acabamos de falar. antes da morte de Nunes. isto é. uma construção gráfica e um método mecânico para determinar a duração de um qualquer dia do ano em um lugar dado da Terra. se escreveram sobre a ciência e arte da navegação. que aquela demonstração constitui um exemplo interessante de síntese geométrica. pelo contrário. no último vê-se o sábio a divulgar as suas investigações entre os homens cultos de todos os países que se interessavam por aquelas doutrinas. nos Analemma. porque é obtido por considerações planimétricas feitas sobre uma figura que está situada no plano do meridiano e sobre outra que está situada no plano de um paralelo e é rebatida sobre aquele plano. Nos trabalhos primeiramente escritos vê-se o cosmógrafo a ensinar doutrinas de náutica aos pilotos portugueses. Nos primeiros tratados revelam-se os primeiros alvores do espírito científico do grande cosmógrafo. no último mostra-se este espírito em todo o seu brilho a constituir a ciência da navegação do seu tempo e a preparar a do futuro. oferecendo assim um exemplo interessante de um método clássico de Geometria descritiva moderna. sendo traduzida em estilo moderno. e que. já mencionado. Nós pensamos. Tudo isto merece ser notado. é o mais importante deles e mesmo talvez dos que. demonstrou ainda o nosso cosmógrafo uma regra geométrica. Diz o autor destes escritos no segundo deles que nenhuma regra que tenha fundamento na parte especulativa ou técnica pode ser bem praticada e entendida sem notícia daqueles princípios em que se funda. quando a zona se aproxima do Polo correspondente da Terra. referindo-se na sua História da Astronomia à Nota que acabamos de assinalar.° Tratado sobre certas duvidas da navegação. Algumas das doutrinas expostas neste tratado são a reprodução das que tinha dado nos outros dois. Vejamos agora as questões principais estudadas nos três livros. o tratado De arte atque ratione navigandi . A exposição destes princípios. diz que a demonstração de Pedro Nunes do teorema mencionado não merece ser conservada e substitui-a por uma prova trigonométrica. situados do mesmo lado do Equador. e por alguns Geómetras árabes. O último. mas aquelas são apresentadas sob forma mais científica. porque de outra sorte os que dela usassem fàcilmente se enganariam. é o objecto dos tratados cujos títulos acabamos de mencionar. não é mais complexa do que a de Delambre. Na navegação daquele tempo obrigava-se o navio a seguir na superfície do mar uma trajectória tal que o ângulo da direcção do movimento com o meridiano se conservasse constante. também já mencionado. Por isso escreveu os primeiros em português e o último em latim. A esta curva dava-se então o nome de linha do rumo e dá-se hoje o nome de loxodromia.° Tratado em defensam da carta de marear. com sabor helénico. observar que este método dos rebatimentos tinha já sido empregado em outras questões por Ptolomeu. 36 . Passemos a considerar os escritos em que Pedro Nunes se ocupou especialmente da ciência e arte da navegação. todavia.A zona compreendida entre dois paralelos terrestres.° De arte atque ratione navigandi. pelo que respeita a Náutica. Delambre. 3. 2. tais que a diferença das durações de um mesmo dia qualquer nestes paralelos tenha um valor arbitràriamente dado diminui em largura. outras são nele estudadas pela primeira vez. A direcção do meridiano era dada aproximadamente pela agulha magnética da bússola. Julgavam os pilotos e estava mesmo escrito na Arte de marear de Faleiro que as linhas de rumo coincidem com círculos máximos da Esfera terrestre. Ora, Pedro Nunes mostrou que as linhas de rumo são geralmente espirais esféricas que dão um número infinito de voltas à roda dos Polos da Terra e que as únicas linhas de rumo circulares são os meridianos e os paralelos, que correspondem evidentemente aos ângulos de rumo de zero e de noventa graus. E ajuntou ainda, colocando-se no ponto de vista histórico, que a não coincidência em geral das linhas de rumo com círculos da Esfera terrestre tinha já sido notada por Ptolomeu, apoiando-se para isso em duas passagens do Tratado de Geografia do grande astrónomo de Alexandria. Na primeira destas passagens, o autor delas, para obter a menor distância, isto é, a distância por círculo máximo entre Corura e Palura, na Índia, abate à distância medida, navegando entre as duas cidades, a têrça parte desta distância, para a corrigir dos rodeios do navio, isto é, segundo Pedro Nunes, do excesso do comprimento do arco da linha de rumo sobre o arco do círculo máximo cujo comprimento se procurava; na segunda passagem, o mesmo astrónomo, querendo obter o comprimento do arco do paralelo compreendido entre Chersoneso e Zabas, terras situadas na mesma latitude, não faz correcção alguma ao resultado da medida, por serem, diz Nunes, todos os paralelos linhas de rumo. Esta explicação das referidas passagens é interessante e não improvável, mas a primeira passagem é tão vaga, que não podemos ter a certeza de que tal explicação represente o pensamento de Ptolomeu. Mas se o grande astrónomo alexandrino pensou na natureza da curva de rumo, o seu alto espírito geométrico não a confundiu com círculos. O que podemos dizer com segurança é que Pedro Nunes trouxe a dita curva do campo da náutica empírica, em que era para os pilotos apenas a rota descrita pelo navio dirigido pela bússola, para o campo da Geometria para onde é a curva descrita por um ponto que corta os meridianos da esfera sob um ângulo constante, que mostrou que não é geralmente circular e que abriu a sua teoria. Os cosmógrafos portugueses que o precederam, conheciam um processo para determinar a diferença das longitudes de dois pontos da curva com uma aproximação tanto maior quanto menor fosse a sua distância; e, por meio de aplicações deste processo a arcos parciais em que decompunham um arco dado da curva, obtinham a diferença de longitudes dos pontos que o limitam com aproximação tão grande quanto queriam. Este processo equivale ao emprego da equação da curva. Esta equação, obtida mais tarde por Leibniz, depende de logaritmos, algoritmo desconhecido no tempo de Nunes, e a vantagem que teria o emprego desta equação sobre o método usado nas nossas antigas navegações para resolver o problema considerado, seria o de reduzir o cálculo numérico que exige ao cálculo por logaritmos. E acrescentemos ainda que os cosmógrafos mencionados conheciam ainda um modo de obter o comprimento dos arcos da linha de rumo com aproximação tão grande quanto se queira. Para se aplicarem estas doutrinas à navegação, continham os regulamentos mencionados na Primeira Parte deste livro duas tábuas numéricas que davam, uma a diferença de longitudes de dois lugares da curva percorrida pelo navio correspondentes à diferença de um grau em latitude, a outra o comprimento deste arco. Ora, Pedro Nunes refez, na segunda das obras mencionadas, estas tábuas, melhorando-as e inventou um instrumento, a que chamou compasso e que adiante descreveremos, para medir a razão do arco do paralelo terrestre correspondente a uma latitude dada para o raio da Terra, razão que é necessário conhecer para se aplicar a primeira tábua. Esclareceremos numa Nota, no fim deste volume, o que acabamos de dizer sobre a linha de rumo, empregando o simbolismo algébrico. Convém assinalar aqui, ao terminar esta doutrina, o facto que levou Pedro Nunes a considerar a linha de rumo, facto notado por ele próprio no Tratado sobre certas duvidas da navegação. 37 Martim Afonso de Sousa, fundador das primeiras colónias que Portugal teve no Brasil, querendo, na sua volta da América, vir do Rio da Prata a Lisboa, tomou e conservou o rumo de leste, julgando que assim seguiria o círculo máximo perpendicular ao meridiano do lugar da partida e que iria encontrar o Equador num dos pontos em que aquele círculo o cortava. Notou porém com surpresa, passados alguns dias, que, em vez de se aproximar do Equador, ia seguindo o paralelo do lugar da partida. O motivo do erro do navegador está em admitir que as linhas de rumo coincidem com os círculos máximos da esfera terrestre e o motivo de seguir o paralelo do lugar de partida está na coincidência dos paralelos com as linhas de rumo correspondentes ao ângulo de 90.°. São estas as explicações que Nunes deu do facto narrado. Voltou Pedro Nunes a ocupar se da linha de rumo no segundo dos livros mencionados a propósito da sua representação nas cartas náuticas, como veremos, mas só no terceiro tratado se deteve a estudá-la, apresentando nele algumas propriedades expressas por desigualdades, relativas à variação do comprimento dos seus arcos com as longitudes e latitudes das extremidades, e ocupando-se da sua forma, do seu uso na náutica, do modo de as traçar na esfera, etc. No tratado De arte atque ratione navigandi, apresentou Pedro Nunes um modo de navegar por arcos de círculo, representável matemàticamente, do qual a navegação pela linha de rumo é um caso limite. Apesar deste método não ter interesse prático, julgamos dever apresentá-lo aqui, por motivos que depois se verão. Um caso particular tinha já sido considerado pelo seu autor no Tratado de certas duvidas na navegação para explicar o modo de navegar por um paralelo da Terra. Supõe o autor que o navio segue uma linha formada por uma série de arcos de círculos máximos tais que os ângulos que fazem com os meridianos nas primeiras extremidades sejam iguais e tais que sejam também iguais, mas de grandeza diferente da daqueles, os ângulos que fazem os mesmos arcos com os meridianos nas segundas extremidades. A curva de rumo é o limite para que tende aquela linha, quando a diferença dos ângulos nas duas extremidades tende para zero. Para se apreciar este método, diz o autor, convém notar que um navio não segue no mar rigorosamente uma linha de rumo, porque a agulha magnética vai fazendo pequenos desvios sucessivos para um e outro lado, que o marinheiro que maneja o leme, vai corrigindo. Segue uma série de arcos de círculos máximos que formam uma linha quebrada que se aproxima tanto mais da curva do rumo, quanto menores são aqueles desvios. Nunes, para tratar a questão matemàticamente, supõe todos os desvios iguais e no mesmo sentido. Por cálculos simples, que não exporemos aqui, mas que serão apresentados em Nota no fim deste livro, mostra-se que, se um navio parte de um lugar com rumo dado e vai seguindo uma série de arcos de círculo nas condições mencionadas, podem determinar-se pela Trigonometria esférica as coordenadas geográficas das posições que vai ocupando e os comprimentos dos arcos percorridos. O nosso cosmógrafo dá-nos pois assim um novo modo de navegar, bem determinado, em que o nauta segue próximo da linha de rumo, quando a distância percorrida não é grande. Este método foi considerado como inexacto por Simão Stevin e esta apreciação foi reproduzida por Montucla na sua Histoire des Mathématiques e depois em Portugal por Garção Stockler, no seu Ensaio histórico, e Rodolfo Guimaráes, no artigo que, a respeito de Nunes, publicou nos Anais científicos da Academia Politécnica do Porto. Nós pensamos que as censuras do célebre 38 geómetra de Bruges não são aplicáveis à doutrina de Pedro Nunes e que esta doutrina é exacta; o que aquele matemático poderia dizer é que não é prática. Vejamos o que diz Stevin. Este geómetra aplica a doutrina de Nunes ao cálculo do comprimento do arco de uma linha de rumo que parte do Equador com um ângulo de 45º e que termina cerca de 10° abaixo do Polo e, comparando o número assim obtido com o que dá outro método, especial para este caso por ele imaginado, conclui que o número obtido pelo método do matemático português dá o comprimento procurado com aproximação insuficiente. Ora, isto não mostra que a doutrina de Pedro Nunes é falsa, mas sim que não é suficientemente aproximada para arcos tão grandes. Indo mais longe do que Stevin, Stockler diz que certas equações que Nunes empregou, são incompatíveis com outras tiradas da equação leibniteziana da curva de rumo (ver a Nota no fim do livro). Isto é exacto, mas estas últimas equações e as de Nunes correspondem a questões diversas. As equações de Nunes correspondem a linhas formadas por séries de arcos de círculo convenientemente escolhidos, de que as linhas de rumo são limites, e as outras correspondem a estas últimas linhas. Ajuntemos que Stevin propôs, para substituir a doutrina de Nunes, uma outra doutrina que não difere essencialmente da que fora já empregada no século XV pelos pilotos portugueses e se encontra no Regimento do astrolábio, mencionado na Parte Primeira deste livro, como se verá nas Notas. Ajuntemos ainda que esta doutrina é aplicada por Stevin de um modo que não convém. Em quanto que na aplicação dela os nautas portugueses fazem depender o cálculo das longitudes do valor das latitudes, que se obtinham fàcilmente por meio do astrolábio, Stevin, invertendo o problema, faz depender o cálculo das latitudes do valor das longitudes, que, antes da invenção dos cronómetros, não eram fáceis de medir. Pedro Nunes iludiu-se em quanto ao valor da sua doutrina como meio prático de resolver o problema da navegação pela linha de rumo. Qual foi o motivo desta ilusão? Vamos tentar explicá-lo. Como dissemos, empregava-se na náutica para resolver este problema um método que equivale a considerar a curva de rumo como um polígono de lados tão pequenos quanto se queira. Ora, provàvelmente o nosso matemático, notando que às linhas rectas do plano correspondem na esfera círculos máximos, entendeu que, substituindo aquele polígono por uma linha composta de arcos destes círculos dispostos do modo que apresentou, se aproximava mais da linha de rumo do que por meio daquele polígono. Mas deu-se o contrário porque enquanto que o polígono tem os seus vértices sobre a curva, os vértices da linha que substitui a esta curva estão fora dela. Abriu pois apenas uma teoria que não teve seguimento porque a descoberta por Leibniz, por meio da antiga teoria da curva, da sua equação esférica, expressa por logaritmos, tornou a nova doutrina inútil. Ocupou-se também Pedro Nunes nas obras consagradas à náutica da navegação por círculo máximo, dando a relação que deve ligar a latitude com o rumo em cada ponto deste círculo e dando uma regra prática para se obter o efeito desejado por meio de observações das latitudes tão frequentes quanto seja possível. As regras que actualmente se empregam neste problema de navegação, isto é, na ciência da navegação ortodrómica, coincidem com as dadas por Pedro 39 que é a planificação do cilindro. representando-a assim como cilíndrica. fazendo todos os paralelos iguais e. com o acrescento da representação dos rumos. conservar os ângulos que estas linhas fazem com os meridianos. As linhas de rumo da zona são então substituídas no cilindro por hélices. porque a carta lhes não dava todas as informações de que careciam para dirigir as naus com segurança. Por não se lembrar disto. sendo as de um sistema perpendiculares as do outro. nota-se a imprecisão que ordinàriamente acompanha a explicação de doutrinas imperfeitas. ao ler-se a defesa que dele fez Pedro Nunes. O nosso matemático pôs nestes tratados nitidamente as condições a que estas cartas devem satisfazer. onde deu conselhos aos pilotos para a usarem bem e a defendeu de censuras que alguns lhe faziam. e por isso os pilotos tinham dificuldade em o aplicar. ainda que de um modo não completamente satisfatório no Tratado em defensam da carta de marear e no tratado De arte atque ratione navigandi. e. Para remediar estes defeitos. segundo o grau de aproximação com que se queira representá-la. mas os livros que se ocupam delas não mencionam o nome de quem primeiro estudou o dito problema10. o paralelo médio da zona e dando à zona uma altura maior ou menor. descoberta de que Nunes esteve bem perto. Recomenda depois que se reúnam todas estas cartas parciais em um livro. Com a doutrina da linha de rumo está estreitamente ligada a da carta náutica. Como os meridianos e os paralelos são linhas de rumo. deixou ao cartógrafo flamengo Gerardo Mercator a honra da descoberta da carta rectangular reduzida. recomenda que se substitua a carta geral da Terra por uma série de cartas de zonas. e. da qual já falámos na Primeira Parte deste livro. adoptada nas navegações portuguesas. Esta carta tinha com efeito dois graves defeitos: 1. para serem um instrumento matemático aplicável à determinação do rumo a seguir de um lugar a outro. censuras em que algumas vezes tinham razão. quando se estende fora dos limites em que a aproximação é suficiente. O matemático português parou aqui. de que Pedro Nunes se ocupou com muito desenvolvimento. o nosso cosmógrafo. resulta em particular destas condições que aqueles círculos devem ser representados nas cartas por dois sistemas de rectas paralelas. a que correspondem na carta. Não se lembrou de reunir todas as cartas parciais em uma carta única e dar a todas a mesma largura. O sistema de cartas planas primitivo era imperfeito. continua 10 Veja-se no fim deste volume uma Nota. Com efeito. esta carta satisfaz aproximadamente às condições gerais indicadas por Nunes.° deformava excessivamente a superfície da Terra.Nunes.° não eram nela representadas por linhas rectas as curvas de rumo. linhas rectas. quando representa uma zona da Terra de pequena altura. 2. imitando o que tinham feito outrora Marino de Tiro e Ptolomeu para os mapas de regiões terrestres. 40 . para poder representar o papel de instrumento matemático na determinação a seguir pelo navio de um lugar a outro. referidos a várias origens. para o que bastaria empregar no traçado relativo a cada zona uma escala especial convenientemente escolhida. O nosso matemático. Estas condições são: representar por linhas rectas as linhas de rumo. tomando em cada zona para base da superfície cilíndrica que a substitui. e algumas vezes ele próprio mais a atacou do que defendeu. prestou grandes serviços nas navegações dos séculos XV e XVI. exceptuando os meridianos e os paralelos. aprovando a escolha ocupou-se largamente dela em um dos escritos mencionados. Está neste caso a carta chamada quadrada. A-pesar porém dos seus defeitos a velha carta. com que se resolveu definitivamente o problema da carta náutica. onde são dadas a relação e a regra mencionadas. de um lado e do outro do Equador. Mas este remédio tem ainda um grave inconveniente: não dá as ligações entre os lugares das diversas zonas. são pouquíssimas as que têm sido assinaladas e muitas delas estão perdidas. como resultado dos seus estudos. Pelo contrário. ajuntaremos. dá notícia de algumas perdidas que ficaram registradas na história da náutica. como se verá em uma das Notas da presente obra. compara as que convém que sejam comparadas. onde este assunto é estudado com desenvolvimento e documentação abundante. onde mostrou também. biógrafa os cartógrafos que compuseram as principais (os Reineis. etc. mas dispensa-nos deste trabalho a publicação recente de um precioso livro de Armando Cortesão. que o sr. ou são genuinamente portuguesas. terminada esta notícia dos trabalhos de Pedro Nunes sobre as cartas náuticas. Quem conhece a história das navegações dos Lusos supõe que nos arquivos portugueses e estrangeiros devem existir muitas cartas náuticas do século XV. rectificado. Ora. Engana-se. devo observar que Pedro Nunes foi quem primeiro empregou o sistema de representação planimétrica da superfície da esfera atribuída a Sanson e conhecido pela designação de carta de Flamesteed. a sua latitude. Neste sistema de representação da Terra. Vaz Dourado. que neste sistema os meridianos da Terra são representados por curvas que gozam da propriedade que define as curvas actualmente chamadas linhas dos senos. Cortesão actualiza e ordena as indagações daquele ilustre fundador da história da cartografia portuguesa e avança muito no caminho que ele abriu. que representam o Equador e o Primeiro Meridiano. onde justificaremos matemàticamente o que acabamos de dizer. também rectificado. Voltaremos a ocupar-nos da carta náutica em uma Nota no fim deste livro. são numerosas as cartas que se conhecem do século XVI. antes de terminar. ou feitas sobre dados portugueses». aqueles números variam com a 41 . Os números que figuram nestas regras tinham sido obtidos por observações feitas em Lisboa e os cosmógrafos julgavam que eram aplicáveis a todos os lugares. regras a que já nos referimos. classifica-as. recordando o Visconde de Santarém. a cada lugar corresponde no plano um ponto cujas coordenadas são o arco que mede no paralelo do lugar. os Homens. com as suas considerações sobre ele. Antes de terminar esta doutrina das cartas náuticas. seria oportuno falar dos cartógrafos mais notáveis do século XVI. preparou a descoberta de Mercator.ainda a servir como registo empírico de rumos e latitudes relativos a lugares pertencentes a caminhos directamente percorridos pelos pilotos. quando a Estrela polar está fora do meridiano do lugar da observação. a latitude do lugar da observação. O erudito autor do livro mencionado enumera as cartas anteriores ao século XVII. Agora. indirectamente. intitulado Cartografia e cartógrafos dos séculos XV e XVI. Começou por examinar as oito regras dadas no Regimento do astrolábio para se obter por meio da altura da Estrela polar em oito das suas posições à roda do Polo. É justo acrescentar que Nunes pôs nitidamente o problema da carta e que. Ora Nunes mostrou no tratado De arte atque ratione navigandi que. O problema da determinação das latitudes. a sua longitude e o arco que mede no meridiano. E agora.) e nota. referidas a dois eixos rectangulares. Mais tarde Flamesteed reinventou este sistema de carta e aplicou-o aos mapas geográficos. este modo de representação foi indicado por Nunes no Tratado em defensam da carta de marear. não podia deixar de chamar a atenção de Pedro Nunes. sendo fundamental na aplicação da Astronomia à Náutica. «que a quase totalidade das cartas daqueles tempos. Fizemos notar este facto no nosso Elogio histórico do nosso geómetra publicado nos Panegíricos e Conferências. examina as que merecem ser examinadas. a partir do círculo vertical traçado na esfera. Este azímute era obtido por meio de um instrumento de sombra. modificando para isso o modo de graduar o limbo do astrolábio. mas menos simples do que as que dera João de Lisboa. um arco igual ao azímute do Sol. foram publicados no Tratado em defensam da carta de marear e no tratado De arte atque ratione navigandi. que dispensa o conhecimento da declinação magnética no lugar da observação e um terceiro método para as determinar por meio de três observações dos mesmos elementos em três posições. Os métodos dados por Pedro Nunes para determinar as latitudes por meio das alturas extrameridianas do Sol. que passa pelo ponto que corresponde ao zénite. mas infelizmente não dão na prática resultados suficientemente aproximados. que os experimentou nas suas viagens no Mar das Índias e 42 . Deu. Para determinar depois a latitude do lugar da observação. finalmente. um arco igual à altura do Sol. por motivo de dificuldades da sua aplicação. onde estão descritos um círculo máximo. Resolve a questão muito engenhosamente por meio de um traçado gráfico feito sobre uma esfera. Estas últimas correspondem. obtinha-se o azímute relativo ao meridiano astronómico. a que acabamos de nos referir. e. Os arcos que os unem ao ponto que representa aquele zénite podem ser medidos pelo círculo graduado móvel. a um modo de graduar o limbo do astrolábio que nunca foi adoptado. em duas posições do Sol. um meio de determinar as latitudes por observações da altura e azímute do Sol em qualquer hora do dia. os dois pontos em que corta o círculo nela traçado que passa pelo zénite. que o instrumento também dava. referido ao meridiano magnético. Um destes arcos representa o complemento da latitude do lugar. no centro do qual estava um estilete vertical. fazendo as notificações correspondentes nas regras para das observações deduzir as latitudes. Simplificou as regras dadas no mencionado Regimento para a determinação das latitudes por meio da observação da altura meridiana do Sol. e corrigindo-o depois da declinação magnética. como já dissemos. e a uma agulha magnética colocada em uma cavidade do prato. obteve outras de aplicação mais simples do que as que tinham dado José Vizinho e Duarte Pacheco. uma circunferência sobre a esfera. que dispensa o conhecimento da declinação magnética e da declinação do Sol no dia das observações. São todos teòricamente exactos e muito interessantes. e por isso manda abandonar as regras correspondentes às observações extrameridianas da referida Estrela e recorrer sòmente às observações das suas passagens pelo meridiano. dado pela agulha. medida pelo astrolábio. Tomando sobre o círculo que representa o horizonte. aperfeiçoamento do que dera Francisco Faleiro. e outro. determinam os pontos correspondentes aos Polos da Terra. obtémse um ponto cuja distância por círculo máximo aos polos deve ser igual ao complemento da declinação do Sol no dia da observação. Para a escolha em cada caso. levando o anel à extremidade deste arco e marcando por meio dele no círculo vertical que passa por este ponto. A sua insuficiência na prática foi reconhecida por D. não recorre o nosso cosmógrafo a cálculos numéricos. circular e graduada. deste arco. Tomava para origem da graduação o ponto mais alto deste limbo e punha a nonagésima divisão no seu braço horizontal. ajustar sobre a esfera um anel graduado que gire à roda dos pontos que representam o zénite e o nadir.latitude deste lugar. dividida ao meio pelo diâmetro que passa pela origem da divisão. Deu ainda Pedro Nunes outro método para determinar as latitudes por meio de observações da altura e do azímute. Tomando pois um compasso de pontas curvas e traçando com uma abertura igual ao arco da esfera que representa este complemento da declinação. traçado que determina os pontos da esfera que correspondem aos Polos da Terra. medindo assim directamente distâncias zenitais do Sol em vez de alturas. que representa o horizonte. Determinava-se por meio deste instrumento primeiramente o azímute do Sol relativamente ao meridiano magnético. Basta para isso. João de Castro. instrumento que se reduzia a um prato horizontal quadrado. deu Nunes um Regimento. em que considera as diversas posições relativas do Sol e do observador. não graduado. empregando para isso instrumentos que. Tábuas para determinar as longitudes do Sol para todos os dias do ano 1473 e para os três anos seguintes e regras para destas Tábuas tirar as que convêm a outro ano qualquer. Mais tarde. D. por meio do instrumento de sombra de Pedro Nunes. como já dissemos. e assim subiu se. como Duarte Pacheco. Primeiro Roteiro da Costa da Índia desde Goa a Diu. ràpidamente feita. mas na queda salvou-se o engenho do insigne teórico. João de Castro que a declinação magnética e a longitude dos lugares não estão ligadas pela simples relação de proporcionalidade que admitiam João de Lisboa e Rui Faleiro. João de Castro fez dele. para os usos da náutica. ao partir de Lisboa lhe foram oferecidos pelo Infante D. um navegador notável e um grande capitão. Roteiro de Lisboa até Suez publicado em 1833. na aplicação dos métodos mencionados. puderam empregar-se nesta questão os ângulos horários do Sol que estes instrumentos determinam. um cosmógrafo insigne. em três relatórios publicados pela primeira vez no século XIX. João de Castro foi o maior dos discípulos de Pedro Nunes e foi. e encontra-se ainda outra Tábua. como já dissemos. Neste Almanach encontram-se. que primeiro dotou a Astronomia com um método para determinar as latitudes por observações extra-meridianas do Sol. depois da invenção dos cronómetros. Por meio das suas observações mostrou ainda D. até ao método actualmente usado para determinar as latitudes por meio de observações extra-meridianas do Sol. Os métodos de Nunes caíram diante das observações deste grande navegador. sob os títulos: Roteiro de Lisboa à Índia publicado em 1882. Vimos anteriormente que estas Tábuas são indispensáveis para o cálculo das latitudes por meio da observação da altura do Sol e dissemos que nas navegações portuguesas se construíam por meio do Almanach de Zacuto. continuando assim as observações da mesma natureza que tinham sido feitas por João de Lisboa. São três obras importantes para a história da Geografia. A esta causa de erro juntavam-se. Os resultados das suas observações foram apresentadas por ele próprio. com um aparelho rudimentar. irmão de Francisco Faleiro. É estranhável que o nosso cosmógrafo não tenha notado que. só são apropriados os métodos que dão a latitude por meio de uma única observação. seu condiscípulo nas lições dadas por Pedro Nunes no Paço real. evitando-se assim os erros provenientes dos movimentos de oscilação e avanço do navio e de um avanço durante as observações. Luiz. semelhante a uma das Tábuas afonsinas. aproveitando os progressos da Trigonometria esférica.no Mar Vermelho. Camões glorificou-o no seu poema e Jacinto Freire de Andrade descreveu a sua vida em linguagem clássica e estilo conceituoso e brilhante. em vez dos seus azímutes. Manuel. que dá o valor das declinações dos astros 43 . erros cuja importância só pode ser conhecida depois das aplicações que D. os defeitos de construção e de funcionamento do instrumento empregado para passar das observações para o valor das latitudes. As observações de declinação magnética feitas por estes dois navegadores formam a primeira contribuïção notável ao problema da distribuïção geográfica das linhas de igual declinação. filho de D. Nas suas viagens fez o célebre Vice-Rei da Índia numerosas observações de declinação magnética e ainda de desvios da agulha devidos a curvas locais. publicado em 1843. É interessante o capítulo que no tratado De arte atque ratione navigandi Pedro Nunes consagrou às Tábuas de declinação do Sol. tinha dado as Tábuas de longitudes para os anos de 1537 à 1540. o seu engenho manifestar-se na invenção de instrumentos astronómicos e de métodos gráficos ou mecânicos para a resolução de diversos problemas numéricos. em vez de noventa. a obliquidade da Eclíptica. Eu penso. os astrónomos de Bagdad. medindo o arco do meridiano compreendido entre os trópicos. Pelo que respeita à variação da linha dos equinócios. No século XVI já estes números não convinham e Pedro Nunes adoptou o número 23° 30' empregado por Regiomontano nas suas Efemérides. A invenção do Nónio foi sugerida a Pedro Nunes por uma passagem do Almagesto pela qual se vê que os antigos astrónomos. o seu instrumento de sombras para a medida da altura do Sol e o seu compasso. Também infelizmente o nosso matemático não fala nas suas obras dos cosmógrafos portugueses do século XV. É muito interessante. 11 Representando por x a obliquidade da Eclíptica. conhecida entre nós pelo nome de Nónio. obtiveram o número 23° 33'. é igual a 23° 51’20’’ 11. que talvez Pedro Nunes tenha tido receio de afrontar o fanatismo dos cristãos do seu tempo.correspondentes às suas longitudes contadas de grau a grau. já mencionado. x=(22/83)90° = 23° 51’ 20’’ 44 . da intervenção da ciência germânica na náutica portuguesa. aceitou Pedro Nunes a doutrina dos astrónomos de Toledo. Descreveremos nas Notas juntas a este livro o seu anel graduado. que foi adoptado por Zacuto e pelos cosmógrafos portugueses anteriores a Pedro Nunes. seguindo Eratostenes e Hiparco. No Tratado em defensam da carta de marear. medindo-a de novo cuidadosamente. e portanto que metade daquele arco. e muitas vezes. É estranhável que nesta matéria se não faça menção do Almanach de Zacuto. a análise que o nosso douto matemático faz dos trabalhos relativos a esta questão escritos desde o tempo de Ptolomeu. É estranhável que Zacuto não tenha adoptado o número 23°32' 30". que goza da propriedade notável de bastar dividir os seu quadrantes em quarenta e cinco partes iguais. Talvez se refira ao célebre hebreu proscrito uma passagem da obra a que nos estamos referindo. Aqui vamos sòmente considerar a peça que juntou ao astrolábio náutico com o fim de medir fracções do grau. isto é. mais tarde. adoptara para a obliquidade da Eclíptica o número 23°51’ e que. que no seu tempo estava mais próximo do verdadeiro do que o número que preferiu. supondo a obliquidade da Eclíptica igual a 23° 33'. mencionando um judeu que fora recentemente expulso de Portugal como rèprobo do verdadeiro Deus. por outra correspondente à obliquidade da Eclíptica de 23°30’. sob o ponto de vista histórico-crítico. na qual se fala de um varão deligentíssimo (vir deligentissimus) na correcção dos tempos sem lhe mencionar o nome. demorando-se principalmente no comentário dos que se devem aos astrónomos de Afonso X. temos 2x/360 = 11/83. acharam que este arco está para a circunferência como 11 para 83. para o cálculo dos senos com aproximação suficiente para os usos da náutica. Convém observar que Ptolomeu. Pedro Nunes substituíu a Tábua das declinações de Zacuto. com o sr. que correu durante séculos. que tão útil fora às navegações portuguesas. vê-se. segundo a qual esta linha tem ao mesmo tempo o movimento de precessão de Ptolomeu e o movimento de trepidação de Azarquiel. Ora. Joaquim Bensaúde. Percorrendo as obras de Pedro Nunes. empregado nas Tábuas afonsinas. apesar de elogiar algumas vezes o que até ao seu tempo se tinha feito em Portugal no que respeita à ciência e arte de navegar. nos anos 829 e 830 depois de Cristo. e por isso tem responsabilidade na lenda. para obter o valor dos ângulos que determina. expressos em graus. mas não diz que foi ele quem encontrou a fracção 11/83 da circunferência. 87. Ptolomeu fala da obliquidade da Eclíptica no Almagesto (pág. e que Rodolfo Guimarães transcreveu no Instituto de Coimbra (tomo XLIX. expôs o nosso geómetra. faremos aqui algumas observações. Este opúsculo é muito raro. 1881. que em um livro publicado em 1631. Explicar uma invenção feita é muito diferente de inventar. tomo III). uma Nota do Ensaio histórico de Garção Stockler. É instrutiva. determinou o movimento do arco auxiliar. mas como uma reconstituïção do método que julga ter sido empregado por Ptolomeu para aquela medida. entre 47°40' e 47°45'. . sendo as divisões contadas a partir do raio que passa pela origem da divisão da circunferência que determina os graus. Pedro Nunes não considera a sua doutrina sobre a medida dos ângulos como invenção própria.Para se explicar como se obteve para valor do ângulo medido a fracção 11/83 da circunferência. Pode ver-se nos Anais da Academia Politécnica do Porto (1916. com a qual se desloca. . ligando-o à alidade do astrolábio. A respeito da passagem do tratado De arte atque ratione navigandi em que Pedro Nunes se referiu à invenção do seu instrumento. Mas esta passagem não se faz com tanta evidência que tire aos aperfeiçoamentos destes últimos o seu mérito. e que outra solução. O instrumento de Nunes foi notàvelmente simplificado e tornado prático pelo Padre Cristóvão Clávio. dividido em 61 partes iguais e abrangendo um arco de 60 graus do limbo do astrolábio12. que o seu quadrante estava dividido em 83 partes iguais e que a linha de fé da alidade do instrumento passava pela divisão 44. Dá o modo de obter este ângulo e diz que o seu valor está compreendido entre 47+2/3 e 47+3/4 do grau. simples e prática. publicado no Jornal de Ciências Matemáticas (Coimbra. discípulo do matemático português. Destas duas invenções resultou o instrumento actualmente conhecido pelo nome de nónio ou vernier. . O que podemos dar como certo é que Pedro Nunes. 89. sem fixar o número delas. foi depois dada por Clávio e Vernier e que ao primeiro destes matemáticos pertence a idea essencial desta solução. o seguinte modo de obter o valor dos ângulos por meio do astrolábio. 1902). e depois por Vernier. na qual este matemático indica um modo de passar do instrumento de Nunes para o de Clávio e Vernier. 13 45 . Depois acrescenta que a esta condição satisfaz o valor 11/83 da circunferência obtida por Eratóstenes (que chama Archusiano) e Híparco (que chama Abrachis). que no seu Astrolabium livro publicado em 1593. Diz ainda que o limbo do instrumento deve ser dividido em graus e cada grau em partes do grau. 88. pôs o problema da avaliação das fracções do grau nas medições feitas com o astrolábio e deu a primeira solução dele. isto é. Mede-se depois o ângulo dado pela circunferência que dá o seu valor com maior aproximação. 9 da edição de 1515). tomo XI) uma notícia bastante desenvolvida de um exemplar que se encontra na Biblioteca Nacional de Paris. respectivamente. partes iguais. admitiu Nunes que no astrolábio empregado estava traçada uma circunferência concêntrica com aquela em que eram medidos os graus. a este respeito. A nos parece-nos que uma hipótese possível para explicar os números obtidos para o 12 Pode ver-se a passagem do Astrolabium em que Clávio deu a sua doutrina em um artigo de Breusing. Tracemos no instrumento 44 circunferências concêntricas com a que mede os graus e dividamos o quadrante de cada uma em. Explicada assim a passagem considerada do Almagesto. sob o título de Construction du quadrant noveau 13. substituíu as 44 circunferências de Nunes por um arco auxiliar de uma única. como consequência dela. para valor do arco do meridiano compreendido entre os trópicos. fazendo acompanhar a referida passagem da tradução do latim para português. inspirado por Ptolomeu. E mesmo não é crível que Clávio e Vernier seguissem caminho tão longo para chegar a uma invenção que se lhes apresentou de uma maneira bem simples. notara que aquela doutrina era exposta pelo grande filósofo de um modo obscuro e defeituoso. Nem é històricamente justa a designação de nónio. Tem-se discutido muito se ao instrumento actualmente empregado para medir as sub-divisões do grau se deve dar o nome de nónio ou o de vernier. e a isto é consagrado o capítulo mencionado. Delambre notou na Histoire de l'Astronomie. Felizmente a invenção do matemático português levou à de Clávio e depois ao precioso instrumento de Vernier. modificando-a de modo a harmonizá-la com os números dados por Ptolomeu para limites entre os quais está o valor do arco de círculo máximo compreendido entre os trópicos. Diz ele que. que são aproximadamente iguais a 11/83. atendendo ao facto de Ptolomeu falar da divisão do limbo do astrolábio em partes de grau. em vez de dizer. e então figurariam na história o do nosso matemático com o nome de sub-divisor de Nunes e o actual com o nome de sub-divisor de Clávio e Vernier. considera a questão e sem mencionar o nosso matemático. Agora vem outra questão: como encontraram Eratóstenes e Híparco o número 11/83 ? Segundo Pedro Nunes. mas este astrónomo renunciou em breve ao seu emprego por não lhe reconhecer utilidade prática. O caso actual é um deles. Não se trata neste capítulo de um trabalho de mecânica no sentido moderno. Quem lhe chama nónio não diz a verdade. com Delambre. Pedro Nunes na Física Fecha o tratado De arte atque ratione navigandi um capítulo em que Pedro Nunes se ocupa do movimento dos barcos a remos. os instrumentos astronómicos que existiam na Universidade de Coimbra foram fundidos no período de decadência científica que se seguiu à morte de Nunes para se aplicar o seu metal na construção de uma grade. teria sido obtido. Mais tarde. nem a de vernier. mas de comparar. Além disso. Delambre. impelido pelos remos. o deslocamento do barco ao dos remos. como alavancas. Nós. além das descrições dos 46 . O único exemplar deste instrumento de que há notícia foi mandado construir por Tycho-Brahe. que este valor está compreendido entre 47+2/3 e 47+5/6 da circunferência. apresenta outra explicação. A mim não me agrada nem a primeira nem a segunda designação. como dissemos. Não sabemos se Pedro Nunes fez construir o seu instrumento. quem lhe chama vernier não é justo. Esta observação levou-o a procurar esclarecê-la e corrigi-la. porque estes nomes não podem separar-se na invenção deste sub-divisor. legando todavia à ciência moderna. em diversas circunstâncias. Eu preferiria chamar aos instrumentos considerados sub-divisores dos ângulos. Com efeito. por levar muitas vezes a ideas falsas a respeito das invenções. Não se pretende determinar o lugar que o barco vai ocupando em cada instante. por meio de um círculo cujo quadrante estava dividido em 83 partes iguais. com o exame de uma série de casos. e portanto entre os números 11/(83+1/13) e (11+1/26)/(83+1/13) . Diz que por meio do instrumento se achou que o ângulo considerado está compreendido entre 47+2/3 e 47+5/6 do grau. quando ensinava aos seus discípulos a Mecânica de Aristóteles. aceitamos a opinião de Delambre. a dificuldade na escolha do círculo que se deve empregar para medir cada ângulo. Segundo uma tradição colhida por Stockler. Poderia também cada grau estar dividido em seis partes de 10º cada uma e calcular as meias divisões por aritmética. na sua Histoire de l'Astronomie. trata-se de um trabalho de geometria do movimento. A Física de Aristóteles caíu no que respeita às teorias com os progressos dos meios de observação e experimentação.valor do arco compreendido entre os trópicos é que cada grau do instrumento estava dividido em doze divisões de 5' cada uma e assim obteria que o valor do ângulo considerado está entre 47° mais oito divisões do grau e 47º mais nove divisões do grau. que não cita estes autores e o atribui a Ptolomeu. considero o uso de designar nas ciências um objecto com o nome de um homem como inconveniente para a sua história. diremos que está compreendido entre 47+2/3 e 47+3/4 da circunferência e que (47+3/4)/360 se pode considerar como igual a 11/83 com um erro inferior a 13/(831440). ibros del saber de Afonso X e do Almanach perpetuum de Zacuto». Assim. mas segundo diz o Dr. e ao físico português mencionado cabe a honra de ser um dos primeiros se não o primeiro. reduzindo-os assim a uma síntese hipotética. vamos agora aproveitar esta ocasião. É uma hipótese que ilumina os assuntos e por isso ficou.Comentarii Collegii Conimbricensis Societatis Jesus. Newton. publicada no fim do século XVI. a respeito da cultura da Física de Aristóteles em Portugal. Foi esta Física. sabe-se que foi composto pelo Padre Manuel de Góis homem muito erudito. onde são explicadas de um modo profundo as doutrinas do grande Estagirita e seus comentadores sobre esta ciência. pelo qual se prevêem e calculam os seus movimentos e concorda com as observações. porque com a feição descritiva. Entra nos moldes da Física dos Peripatéticos o livro intitulado De occultis propietatibus. a obra intitulada . um precursor de Newton. pagando assim a ciência náutica lusitana à ciência astronómica espanhola os serviços que recebera desta por meio dos I. mas esta hipótese é cómoda para a exposição dela. Não é indicado nesta obra o nome do autor. Agora. em que o autor se ocupa de diversos fenómenos naturais e pretende explicá-los por atracções. mas não desapareceu completamente. no livro admirável que consagrou à Filosofia natural. Mencionaremos finalmente aqui. a consagrar algumas palavras aos principais Peripatéticos portugueses que se ocuparam desta ciência. 47 . Não se pode porém dizer.fenómenos algumas ideas engenhosas. que entrou na Companhia em 1560 e morreu em 1593. A história da Matemática e a história da Física estão tão ligadas que convém algumas vezes passar em digressão da primeira para a segunda. São prelúdios do que mais tarde se chamou atracção universal. com o seu livro. Para a doutrina newtoniana não é necessária a hipótese da atracção. É um livro interessante e sábio. na sua estrutura filosófica. João de Castro termina a História da fundação em Portugal da Astronomia náutica. Lopes Praça no livro que consagrou à história da Filosofia em Portugal. publicado em 1540 por António Luiz. como afirmam alguns escritores portugueses. que o nosso físico foi. ao terminar esta análise das Obras consagradas por Pedro Nunes à arte e ciência da navegação. Com a sua queda. Newton não afirmou que a matéria atrai a matéria segundo as leis que descobriu. esquema que poderá no futuro ser substituído por outro mais perfeito. que com os nossos aprenderam. extraídas dos nossos Panegíricos e Conferências: «Com Pedro Nunes e com o seu discípulo D. se o estudo dos fenómenos levar a isso. que a apresentou. não fez hipóteses. As doutrinas especiais deste ramo da Astronomia geral nasceram neste país e foram depois divulgadas na Espanha pelos marinheiros e cosmógrafos que do nosso país passaram ao serviço daquele e pelos cosmógrafos espanhóis Enciso e Medina. disse que tudo se passa como se a matéria atraísse a matéria. o interesse do comentário de Nunes diminuiu. que agora se pode admirar na história das ciências. um genial paradoxo. professor de Filosofia na Universidade de Coimbra. repitamos as palavras seguintes. constitui uma útil introdução físico-geométrica ao estudo da doutrina a que se refere. em que fomos levados a falar de um ponto da história da Física peripatética em Portugal. fez ciência positiva: deu um esquema matemático do Mundo dos astros. que ficou célebre como a mais importante obra consagrada à exposição daquele Sistema. sem o alterar essencialmente sob o ponto de vista matemático. a continuar em Astronomia náutica a obra de Zacuto e José Vizinho e a preparar a Astronomia náutica do futuro. Admitia que todas estas esferas estão situadas no interior do Orbe das Estrelas e que este Orbe está situado no interior de um Orbe motor sem astros. Dissemos na Introdução deste livro que Ptolomeu. e que o movimento resultante dessa combinação é transmitido por ela à outra esfera contigua. que se combina com o movimento recebido de uma das contíguas. deu depois o seu autor uma forma física. principiando pelo trabalho que consagrou à representação geométrica dada por Ptolomeu da Máquina do Mundo.dos seus movimentos de modo que os deslocamentos que resultam para os astros concordem com aproximação suficiente com as que dão as observações directas. foram expostos com grande clareza e sàbiamente ampliados por Purbáchio na obra intitulada Theoriae novae planetarum. como era natural em questão tão complexa. Admitia ainda que cada esfera está contigua a duas outras e tem um movimento próprio. representou as órbitas descritas pelo Sol. seguindo uma idea de Apolónio e generalizando uma doutrina de Híparco. Lua e Planetas. a estudar os segredos das matemáticas puras e os mistérios do mundo físico. o último dos grandes comentadores das doutrinas do Almagesto.Para este pagamento concorreu com a principal contribuição Francisco Faleiro. Nestes aperfeiçoamentos representaram grande papel os astrónomos de Toledo e por fim Purbáchio e Pedro Nunes. nos seus movimentos de translação aparente à roda da Terra. procurando afiná-la com as observações. substituída na sua parte física pela de Copérnico e na sua estrutura geométrica pela de Kepler. A determinação do raio de cada esfera e . e foi necessário que outros astrónomos que vieram depois. isto é. Determinando convenientemente os centros. primeiro herdeiro em Portugal da ciência dos Gregos e Árabes. umas concêntricas outras excêntricas com a Terra. por curvas geradas por um ponto da circunferência de um círculo móvel. obra que Pedro Nunes enriqueceu com notas importantes em um livro intitulado In Theoricas Planetarum Georgii Purbachii Annotationes. Mas. obteve o grande astrónomo helénico para os seus deslocamentos valores que se aproximavam suficientemente dos movimentos que davam as observações feitas pelos meios então usados. notas que esclarecem ou rectificam alguns pontos do livro do sábio alemão e constituem um comentário precioso à obra do grande astrónomo de Alexandria. Mas. etc. por epiciclos. a aperfeiçoassem constante e demoradamente. à medida que se faziam com mais exactidão. a máquina matemática não saiu perfeita das mãos do inventor. menos de um século depois. vamos agora vê-lo. substituindo os círculos por esferas. a obra de Ptolomeu desapareceu para sempre do campo da ciência e passou ao Panteão da história. que por sua vez descreve a circunferência de um terceiro círculo. umas com astro outras sem astro. cujo centro descreve a circunferência de outro círculo. o Sistema de Ptolomeu e os acrescentos e aperfeiçoamentos que lhe juntaram os astrónomos de Afonso X. de que anteriormente falámos. publicando em língua castelhana o precioso tratado da esfera e da arte de marear. 48 . e com ela passaram também à história a obra de Purbáchio e o comentário de Pedro Nunes. Admitia finalmente que o Orbe sem astros dava a todo o sistema o movimento de rotação diurna e o Orbe das Estrelas produzia o movimento de precessão dos equinócios. A Cosmologia na obra de Pedro Nunes Acabamos de falar de Pedro Nunes como cosmógrafo. concêntrico ou excêntrico à Terra. puramente geométrico. é uma questão difícil que o grande inventor do Sistema realizou com engenho admirável. De facto. os raios e as velocidades dos movimentos dos círculos que entram no sistema correspondente a cada um daqueles astros. como matemático-filósofo. A este sistema astronómico. mas foram-no complicando e desfeiando as modificações e acrescentos que foi necessário fazer lhe à medida que se avançava na observação dos astros. o arco do epiciclo compreendido entre o auge médio e auge verdadeiro. passaram as doutrinas de Copérnico do campo de meras hipóteses geométricas para o campo das verdades demonstradas. Pedro Nunes não foi pois hostil à innovação coperniana. com os estudos do grande matemático Toscano. a obra dos seus comentadores perdeu muito deste interesse. que soam como um hino de gratidão à Astronomia pelos serviços que prestara à gente lusa. deixando. iluminando as doutrinas complexas dos movimentos do Sol. onde fez renascer o Sistema heliocêntrico do Mundo adoptado outrora por alguns astrónomos da Escola de Pitágoras e por Aristarco de Samos. não é possível ser examinado em curto tempo. dando-lhe uma forma matemática semelhante à do Sistema ptolomaico. da Lua e dos Planetas conhecidos no seu tempo e a doutrina do triplo movimento que. problema que se reduz à determinação do ponto de uma circunferência do qual se vê sob ângulo máximo um segmento dado de um diâmetro também dado. como método geométrico para determinar o movimento dos Planetas e prever os fenómenos. Sob o ponto de vista matemático. como dissemos. porque. que se refere à passagem do Sol à voz de Josué. Encantado da sua beleza. Camões glorificou esta obra sublime. O mencionado comentário de Pedro Nunes às doutrinas astronómicas de Purbachio e Ptolomeu é muito sábio. Este refere-se no seu tratado De arte atque ratione navigandi à obra do grande astrónomo polaco. vendo o melindre das suas doutrinas sob 49 . naqueles tempos literalmente interpretada. não sentiram só admiração pela simplicidade das leis dos movimentos planetários. os astrónomos. sentiram também alívio. O nosso matemático tinha diante de si a Inquisição. Delambre considerou as Annotationes de Nunes como o mais cuidadoso e mais instrutivo de todos os comentários feitos à obra de Purbachio. Diremos pois apenas que Pedro Nunes mostrou nas Annotationes grande erudição e profundeza de vistas. diz ele. ainda que a obra de Ptolomeu conserve todo o seu interesse histórico. O Sistema ptolomaico tinha na origem simplicidade e beleza. Copérnico. quando mais tarde o referido Sistema foi substituído pelo Sistema elíptico. em estâncias muito engenhosas da sua grandiosa epopeia. Deixando porém o campo astronómico e colocando-nos no campo matemático. para o harmonizar com o resultado daquela observação. no movimento deste astro. a fim de se verificar se o Sistema heliocêntrico pode determinar as posições dos astros com mais exactidão e simplicidade do que o Sistema geocêntrico. descrevendo algumas das ideas do grande astrónomo helénico sobre a Mecânica do Mundo. que não lhe permitiria contrariar a passagem do Velho Testamento. Refiro-me à anotação à teoria da Lua em que se procura o ponto em que é máximo. Aquela obra foi publicada no tempo de Pedro Nunes e é interessante notar a atitude que diante dela tomou o nosso geómetra. exprime o desejo de que se construam Tábuas apropriadas à nova doutrina. Demais. o Almagesto de Ptolomeu deve ser olhado na história com a veneração que despertam as ruínas dos velhos monumentos da antiga Grécia. O primeiro golpe no Sistema de Ptolomeu foi dado. segundo os astrónomos de Toledo. por Copérnico no seu tratado De revolutionibus orbium celestium. isto é. uma destas anotações merece menção especial. Física que caíu no século XVII e só então. esta questão aos filósofos. à sua palavra foi vedado transmiti-lo. Se o seu pensamento foi mais longe no favor ao novo Sistema. Este problema era muito difícil para a ciência daqueles tempos e Pedro Nunes resolveu-o geomètricamente com engenho admirável. que dominava a Mecânica dos astros. No século XVI era clássica a Física de Aristóteles. Ser-lhe-ia porém favorável ? Não o sabemos. mas não se pronuncia sobre a verdade ou falsidade do novo Sistema. então se atribuía à esfera das Estrelas. O valor do Sistema heliocêntrico sob o ponto de vista físico fê-lo sobressair mais tarde Galileu. a teoria ptolomaica é doutrina morta e por isso. por ser obra genial. mas não nos deteremos na sua análise. Assim. escrito quando o Sistema de Ptolomeu tinha já atingido grande complicação.Como dissemos nos Panegíricos e Conferências. transformação de coordenadas astronómicas. Vamos aqui reproduzir o que de essencial a respeito dela dissemos nos Panegíricos e Conferências. célebre astrónomo árabe. Para resolver esta questão emprega o método planimétrico de Ptolomeu. determinação do tempo pelas observações da altura e azímute do Sol e das Estrelas. é igual ao tempo que o Sol leva a descer até 18° abaixo do horizonte. Continuando a considerar as obras consagradas por Pedro Nunes à Cosmologia. o problema que tem por objecto determinar a duração dos crepúsculos para um lugar dado da Terra e uma posição dada do Sol. que já antes empregara na determinação da duração do dia e da noite.este ponto de vista. Alhazen. no fim do século XVII pelos dois irmãos João e Jacob Bernoulli. 50 . se o Sol está também ao norte do Equador. publicado pela primeira vez em 1541 e depois reproduzido na edição de 1566 do tratado De arte atque ratione navigandi. tem sido considerado com razão pelos matemáticos que o têm analisado como a mais bela e a mais original das obras de Pedro Nunes. Para as duas primeiras questões inspirou-se nos trabalhos de Ptolomeu e dos astrónomos árabes. isto é. Esta reconstrução foi junta pelo nosso geómetra ao seu livro e é. Na sua obra. a duração dos crepúsculos aumenta com esta declinação e diminui quando aquela latitude aumenta. para um lugar ao norte do Equador. uma introdução física ao trabalho matemático por ele elaborado. Procura depois como varia a duração do crepúsculo com a latitude do lugar e a declinação do Sol e mostra que. considera no problema de transformação de coordenadas referidas à Eclíptica. tinha escrito um tratado sobre a explicação e representação geométrica do fenómeno crepuscular que Gerardo de Cremona vertera em latim. O mesmo acontece quando o lugar está ao Sul do Equador. Este tratado. que não conheciam o trabalho de Pedro Nunes e que consideravam o problema como muito difícil. e no problema recíproco. voando alto resolve este outro problema: determinar o dia de crepúsculo mínimo para um lugar dado da Terra e a duração deste crepúsculo . dizendo mesmo João Bernoulli que muitas vezes pensara nele antes de o poder resolver. tinha-as apresentado como simples teoria matemática e Nunes seguiu-lhe o exemplo. por assim dizer. Por fim. segundo observações feitas por diversos astrónomos. do qual depende a altura a que sobem aqueles vapores e estas poeiras. mais tarde. vamos agora ocupar-nos do seu tratado De crepusculis. mas esta tradução é tão imperfeita que Pedro Nunes teve grande dificuldade (diz ele) em interpretar e reconstruir o pensamento do autor do tratado. o geómetra português começa por expor algumas doutrinas de Astronomia esférica de que tem necessidade para o seu fim: duração do dia e da noite. etc. seis casos distintos com seis figuras diferentes. Sempre rigoroso. Este problema do crepúsculo mínimo foi estudado de novo. distinções que hoje se evitam pela chamada regra dos sinais. Sabe-se desde a antiguidade que o fenómeno dos crepúsculos da manhã e da tarde é devido à reflexão da luz do Sol sobre os vapores e poeiras suspensos no ar e que a sua duração varia por isso com o estado atmosférico. Existe todavia para esta duração um valor médio que. Depois estuda e resolve o problema essencial do tratado. e que a declinações iguais de um lado e de outro do Equador correspondem no referido lugar crepúsculos também iguais. onde teve de dar voltas com que não contava. depois. passando à teoria do mínimo crepúsculo. que sabia aplicar com grande mestria. quando se dispunha para isso somente de meios elementares ? É que o matemático suíço empregou na solução o método diferencial actualmente clássico e viu-se assim enredado em cálculos de que teve dificuldade em sair. tinha o nosso matemático na cabeça uma massa considerável de regras bebidas em matemáticos gregos e árabes e em alguns autores contemporâneos. mas como ele próprio diz no prefácio do livro. emprega métodos trigonométricos. para suprir a sua falta. A declinação do Sol no dia do fenómeno foi determinada por Bernoulli por meio de uma relação trigonométrica muito simples em que figuram a declinação do Sol no dia do fenómeno e a latitude do lugar e por Pedro Nunes por duas relações em que figuram a duração do fenómeno e o azímute do Sol no horizonte. declinação da estrela e sua altura) e se pede um ângulo (ângulo horário). tenha tido dificuldade em resolver um problema que já fora resolvido mais de um século antes. de precisão e de generalidade. métodos planimétricos de Geometria pura. deformou bastante a doutrina de Nunes. por meio da variação do ângulo horário de uma estrela. A regra que empregou para resolver este triângulo equivale à fórmula que para este caso da resolução dos triângulos se dá actualmente na trigonometria esférica. na segunda. deu ainda o matemático português um modo de medir directamente a duração dos crepúsculos. regra de que voltaremos a falar. a exposição do eminente matemático francês é um excelente comentário ao tratado do grande matemático português. na sua Histoire de l'Astronomie. cuja declinação seja conhecida e cuja altura se mede. 51 . Colocando se no ponto de vista prático. no modo de empregar tais métodos. que analisou com profundeza. A solução deste geómetra é pois incompleta. e reduziu algumas delas à forma moderna. Como se explica que um grande matemático. Ptolomeu e Geber. A análise matemática é uma maravilha de simplicidade expressiva de linguagem. como dissemos. Sob este ponto de vista. em especial na parte relativa ao mínimo crepúsculo. Delambre. com simbolismo algébrico.A solução de João Bernoulli na parte que se refere à determinação dos dias em que a duração do crepúsculo é mínima. emquanto que Bernoulli chegou lá por estrada real. Ambos procuraram aqueles dias pelo valor que neles toma a declinação do Sol. o tratado De crepusculis e o elogiou com calor pelas invenções que encerra. é idêntica à de Pedro Nunes. O resultado final do problema é simples e Pedro Nunes descobriu engenhosamente um atalho que aí conduz. Além disso. Foi assim levado à resolução de um triângulo esférico em que são dados três lados (complemento da latitude do lugar. mas. uma o dia do mínimo crepúsculo e a outra a duração do fenómeno. No tempo de Pedro Nunes ainda não tinha sido inventada. afasta-se algumas vezes de Menelau. quem observar o modo como tais doutrinas foram por aquele matemático tratadas no século XVIII. Começou por vestir com vestes trigonométricas algumas das doutrinas que Nunes estudara por métodos planimétricos. Mas. mas esta generalidade desorienta algumas vezes os matemáticos que a ela recorrem para obter a solução de questões particulares de Geometria. mas não deixa de recorrer a Euclides e Teodósio. enquanto que Nunes determinou o dia de crepúsculo mínimo e a grandeza deste crepúsculo. como era Bernoulli. Este modo de medir a duração dos crepúsculos foi aplicado pelo autor em Lisboa no dia 1 de Outubro de 1541 Na primeira parte do seu tratado emprega Pedro Nunes. relações que determinam. melhor poderá avaliar o engenho de quem com muito menor preparação as inventou no século XVI. Bernoulli limitou-se a determinar aquele dia. considerou a exposição das doutrinas deste tratado como prolixas e as demonstrações como excessivamente longas. certamente para não alongar a sua exposição e a tornar mais fàcilmente inteligível as pessoas preparadas com a cultura moderna e não habituadas à leitura das obras anteriores ao uso das Matemáticas do simbolismo algébrico. Dissemos algures que às belezas do Mundo físico. tratou logo de uma questão desta natureza na Nota sobre climas. Devemos ajuntar que Pedro Nunes foi um dos matemáticos que primeiro estudaram. e as soluções que deles deu são obras primas de engenho e arte. o triângulo considerado está no caso chamado em Trigonometria duvidoso e a cada rumo correspondem então um ou dois ângulos horários. Pedro Nunes foi o poeta das Matemáticas que descobriu as suas harmonias numéricas. correspondem no Mundo das Matemáticas harmonias numéricas que são o encanto da razão. Antes de continuar. No hemisfério austral o mesmo fenómeno dá se em circunstâncias semelhantes. e que ninguém. ou. a variação das funções. sobre o planisfério geométrico. Este facto foi deduzido por Pedro Nunes da consideração do triângulo esférico formado pelo meridiano do lugar e pelo círculo vertical e pelo círculo meridiano que passam pelo Sol. antes dele. Ao começar a sua carreira científica. Ora. Nunes procura distinguir os dois casos e chega à conclusão de que. ocupou-se de outras. foi a variação de uma quantidade que depende de outra. algumas questões pertencentes ao domínio das Matemáticas. questões de máximos e mínimos. sobre o modo de construir um globo para uso da navegação e sobre a doutrina da proporcionalidade. aparecem. Eu penso que o nosso matemático inutilizou os quatro primeiros depois de incluir as suas doutrinas no tratado De arte atque ratione navigandi e que certamente os capítulos que consagrou à doutrina da proporcionalidade na sua Álgebra são a reprodução da doutrina que continha o último tratado. antes da invenção do Cálculo diferencial. conhecidas hoje pelo nome de teoria das funções. subiu a problemas desta natureza e de tanta dificuldade. encanto dos sentidos. e o Sol está a norte do zénite do lugar. junta ao Tratado da Esfera. façamos aqui. Estes tratados não chegaram até ao nosso tempo. que tinha composto tratados sobre triângulos esféricos. a sua declinação e a latitude do lugar. Terminarei o que julgo dever expor aqui sobre os trabalhos de Pedro Nunes em Cosmologia. por métodos geométricos especiais. mas as suas doutrinas não se perderam. o movimento da sombra de um estilete vertical muda duas vezes de sentido no mesmo dia. como em parêntesis. uma observação. assinalando o facto interessante seguinte. um assunto que prendeu muitas vezes a sua atenção. Este conceito é aplicável aos crepúsculos. nas duas obras de Pedro Nunes que acabamos de considerar. Com efeito. Supondo dados o rumo do Sol. o segundo caso só se dá quando o lugar da observação esta entre o Equador e o Trópico de Câncer. mencionados já por nos neste livro. quando um lugar está situado entre o Equador e o trópico de Câncer e o Sol está ao norte do zénite do lugar. sobre o astrolábio. Diz Pedro Nunes no fim do tratado que acabamos de considerar. Nos outros casos nunca retrograda. por ele apresentado no Tratado em defensam da carta de marear: No hemisfério boreal da Terra. no tratado De arte atque ratione navigandi. Pertencem à mesma doutrina o problema do mínimo crepúsculo e o problema do máximo arco de epiciclo compreendido entre o auge médio e o auge verdadeiro no movimento da Lua. Associadas a questões de Cosmologia. como se diz actualmente. e. Excelentes poetas têm descrito com brilho os seus variados aspectos. no hemisfério boreal. 52 . e por isso vamos examinar o substratum matemático delas. Sabe-se por uma passagem das suas obras que o nosso matemático escreveu um tratado de Trigonometria esférica antes de conhecer os livros consagrados por Regiomontano e Geber a este assunto. um dos quais se rebatia sobre o outro. simplifica-as a ambas. do matemático alemão mencionado é exposto de um modo magistral e completo aquele assunto. como consequência disto. antes que da Alemanha nos mandassem à Espanha os livros de Geber e Monte Régio. Não julgou porém necessário publicar o seu trabalho. diz ele. Nas numerosas ocasiões em que empregou o último. 45). para resolver os problemas da Geometria da esfera. como se lê no segundo Livro dos reis (na Bíblia) que tornou a sombra atrás dez graus em sinal de saúde de Ezechias». regra que é uma consequência imediata da proposição célebre de Menelau sobre o quadrilátero esférico. mas podemos reconstruí-lo por meio de numerosas passagens das suas obras em que é aplicada a Trigonometria. já nesta obra mencionado. teve talvez em vista fazer notar que com essa doutrina não pretendia contrariar a referida passagem do Velho Testamento. O nosso matemático aplicou-os ambos muito hàbilmente. O manuscrito de Pedro Nunes perdeu-se. No Capítulo XX do tratado De arte atque ratione navigandi é considerado por Pedro Nunes o caso da resolução do triângulo esférico geral em que são dados dois lados e o ângulo compreendido e se procura o terceiro lado e vem isto a propósito do problema geográfico em que se pede o valor da distância por círculo máximo entre dois lugares da Terra de latitudes e longitudes dadas. mencionando-a. longe da zona onde a retrogradação da sombra se dá. salvo por potência divina. certamente porque no tratado De triangulis omnimodis Libri quinque. o segundo é o da Trigonometria esférica. Nunes apresenta a solução de Verner e a que dera Regiomontano nas suas Tabulae primi notis (1514. depois ajuntou: «nas regiões que estão entre o círculo de Cancro e o norte seria isto (a retrogradação) impossível. que na mesma matéria falam.Então o rumo do Sol. «(parece coisa de admiração)». e nos ajuntaremos que é belo ver Nunes. Foi isto o que disse o astrónomo. e. divulgada pelo matemático persa Nassir-Eddin. Comecemos pela Trigonometria esférica. diz ele. muda de valor e torna a retomá-lo. Talvez esta passagem da Bíblia tenha levado o nosso matemático a estudar o fenómeno que acabámos de considerar e. tinha Ptolomeu empregado dois métodos diferentes: um deles reduzia o problema a construções planimétricas feitas sobre dois planos. usou principalmente das regras relativas aos triângulos rectângulos conhecidos pelos trabalhos de Ptolomeu e da regra dos quatro senos. e depois de lidos não rompi o que tinha escrito». Esta contribuïção começou naturalmente naquelas obras. Recordemos que. descobrir por meios teóricos um fenómeno que os nautas que tinham viajado naquela zona não haviam ainda assinalado ! Pedro Nunes na Geometria Demos por terminada a nossa análise das obras de Pedro Nunes sobre Astronomia e sobre a aplicação desta ciência à Náutica e passamos a considerar a sua contribuïção para o progresso das Matemáticas puras. e termina por expor por métodos planimétricos uma terceira que equivale ao teorema fundamental da Trigonometria esférica actual. esclarece-as. e de tarde repete se o mesmo facto. na sua variação desde o nascer do astro até ao meio-dia. prop. 53 . Diz com efeito no Tratado da Esfera: «Escrevi a Geometria dos triângulos esféricos largamente. completa sob o ponto de vista lógico a primeira. Este fenómeno. publicado pela primeira vez em 1533. a sombra do estilete anteriormente mencionado começa pela manhã a avançar e depois retrograda até tomar ao meio-dia uma posição próxima da que tinha pela manhã e depois repete-se o fenómeno ate ao pôr do Sol. e a regra dada pelo célebre astrónomo árabe para o resolver é equivalente ao mencionado teorema fundamental da Trigonometria esférica. Com efeito. a sua altura e a sua declinação.°—Determinar a hora. tinha sido já considerado por Albaténio (a propósito dos problemas que tem por objecto determinar o azímute ou o ângulo horário do Sol quando são dados a altura e a declinação deste astro e a latitude do lugar de observação). em vez de o determinar por meio do co-seno. a sua declinação e a latitude do lugar da observação. para este teorema. No tratado De crepusculis. O terceiro problema já tinha sido considerado por Regiomontano. como se pode ver no texto e nas notas da edição latina. a sua altura e a sua declinação. e o mesmo acontece no inverno no hemisfério austral.°—Quando o zénite do lugar da observação do Sol está de um lado e o astro do outro do Equador. Entre os triângulos esféricos resolvidos por Pedro Nunes são numerosos os que estão no caso chamado duvidoso e em todos o autor estudou com cuidado a existência de uma ou duas soluções e. quando se conhecem a sua declinação e a latitude do lugar da observação) a resolução de outro triângulo esférico geral em que são dados os três lados e se procura o valor de um ângulo. resulta da doutrina de Pedro Nunes. como da solução de Pedro Nunes.°—Determinar a latitude de um lugar. no 54 . o azímute do Sol e o ângulo horário tornam-se iguais duas vezes no dia. 2.A demonstração que. e a regra que dá para o resolver é equivalente à regra actualmente clássica. quando se conhecem o azímute do Sol. 3. quando se conhecem o azímute do Sol. Mas o caso da resolução do triângulo esférico a que acabamos de nos referir. e isto dá-se quando a altura do Sol é igual ao valor da sua declinação nesse dia. quando se conhecem o azímute do Sol. com a diferença de determinar este ângulo por meio do seu seno verso. já mencionada. das suas obras publicadas. a escolha da que se deve aproveitar. já aqui se deu noticia. levaram-no às consequências seguintes: 1. o azímute e a altura do Sol tomam duas vezes o mesmo valor em cada dois lugares do hemisfério septentrional. 4. tem o interesse especial de ser uma aplicação do método planimétrico dado por Ptolomeu para estudar as questões de Geometria da esfera. Das soluções dadas por Pedro Nunes do segundo e quarto problemas e suas consequências. vem (a propósito do problema que tem por objecto determinar o ângulo horário do Sol.°—Determinar o azímute do Sol. quando há duas. em 1903. 2. considerados no Tratado em defensam da carta de marear: 1. mas Pedro Nunes faz uma observação justa ao que a respeito dele escrevera o célebre astrónomo alemão. Regiomontano já dera três soluções deste problema no tratado De triangulis e da regra correspondente à última passa-se imediatamente. As soluções do primeiro e terceiro. sob o título de Opus astronomicum. quando se conhecem as horas. a altura do Sol e a sua declinação. para a fórmula empregada actualmente para o resolver. Estão neste caso os problemas seguintes. pelo Observatório de Milão.º—Em cada dia do estio.°—Determinar a hora. como se verá quando nos ocuparmos do seu livro de Álgebra. pág. Vejamos outro caso da resolução dos triângulos esféricos considerado por Pedro Nunes. Mas o único escrito que consagrou especialmente a este ramo das Matemáticas foi um tratado intitulado De erratis Orontii Finei. foi um dos aspirantes à glória de resolver. regras numéricas. o problema pode ter duas soluções. muitos problemas astronómicos que estão neste caso e. trigonométricas. ao terminar este assunto. emquanto que Regiomontano. equivale a recorrer a quatro elementos do triângulo para obter o ângulo considerado. a que lhe convém. não podendo resolvê-los por meio da 14 Panegíricos e Conferências. 55 . como já dissemos. as duas soluções e como que substituiu ao problema outro que só tem com o proposto o parentesco de ter dois dados comuns. como vimos. fundadas neste erro. consideram o triângulo esférico como determinado quando se dão três elementos mesmo que dois deles sejam um lado e o ângulo oposto. 40. Falemos agora dos trabalhos de Pedro Nunes sobre Geometria pura. já considerado neste livro. entre as duas soluções. dos astrónomos citados. 119) que. Estudou. pág. Viète começou a aplicar-lhe o cálculo algébrico. Com o tratado de Regiomontano e com os aperfeiçoamentos de Pedro Nunes. As doutrinas da Geometria plana e esférica aparecem espalhadas por todos os seus escritos e neles manifesta habilidade e algumas vezes engenho no seu emprego e ao mesmo tempo conhecimento profundo e extenso das obras clássicas dos mestres da velha Grécia e seus principais continuadores. ora isto. manda Regiomontano recorrer à latitude do lugar.. duplicação do cubo e quadratura do círculo. em problemas de determinação de latitudes. e com ele Ziegler e Apiano. rejeitou. o principal fundador da Geometria da esfera. Menelau. Só pôde subir mais quando depois. Pedro Nunes foi mais longe. e Copérnico. em um problema astronómico desta natureza. no século XVII. Pedro Nunes notou no seu tratado De arte atque ratione navigandi o erro do célebre geómetra grego e a falta de generalidade das doutrinas. Regiomontano foi quem primeiro notou (De triangulis. para o resolver. diz Nunes. O problema astronómico da determinação das latitudes por meio da observação do azímute e altura do Sol. mas não deu. no caso de entre os lados de um triângulo esférico que se pretende resolver estar um lado e o ângulo oposto. obteve a solução por meio de construção gráfica feita sobre uma esfera que fizemos conhecer quando nos ocupamos do problema astronómico mencionado. publicado em 1546 14. professor no Colégio de França. Pedro Nunes ocupou-se dele. etc. por meio da régua e do compasso. procurando continuar e aperfeiçoar o que sobre esta Trigonometria escreveu Regiomontano no tratado mencionado. acrescentemos que o nosso matemático se ocupou também com sucesso de diversas questões de Trigonometria plana. a Trigonometria esférica subiu à maior altura que pôde elevar-se por meios puramente geométricos. Agora. equivale ao problema trigonométrico da resolução de um triângulo esférico de que são dados dois lados e o ângulo oposto a um deles e se pede o valor do terceiro lado. Dissemos que foi Regiomontano quem primeiro notou o caso duvidoso da Trigonometria esférica. procurou determinar. Notemos a este respeito que os maiores geómetras da antiga Grécia se ocuparam destes problemas e deram deles soluções muito sábias mas que. em cada um deles. Orôncio Fineo. em algumas passagens do tratado De revolutionibus.caso de o problema trigonométrico admitir duas soluções e se pretender escolher a que convém ao problema astronómico. os três famosos problemas da Geometria elementar: trissecção do ângulo. 1533. Pretendeu ainda Orôncio Fineo na sua obra resolver algumas questões importantes de Astronomia. Este passo difícil deu-o o grande matemático alemão Lindemann. mas nenhum matemático experimentado procurava já fazê-lo. os progressos feitos pela Álgebra depois dos trabalhos de Abel e Galois permitiram resolver esta questão no caso dos dois primeiros problemas e levaram assim Wantzel a demonstrar a impossibilidade de os resolver por meio da régua e do compasso. E que. aniquilando-lhe o trabalho. transformaram-se os problemas mencionados noutros de Análise matemática. 56 . Ora. do grande matemático francês Hermite. o ensino das Matemáticas naquela cidade não estava mais levantado do que na Península Ibérica. Apesar do que acabamos de dizer. reduzindo-os à resolução de equações do terceiro grau. era necessário para isso mostrar que não pode haver combinação de rectas e círculos em número qualquer que dê por determinações sucessivas de pontos de intersecção. Com efeito. a questão era mais difícil. Morreu quando terminou esta publicação e por isso não continuou a apresentar novas exposições das suas quimeras. mas Pedro Nunes mostrou-lhe que foi na resolução delas tão infeliz como fora nas de Geometria. O livro de Pedro Nunes de que acabamos de falar ràpidamente. consideraram como muito provável a impossibilidade de uma solução desta natureza. um ponto final que divida em três partes iguais o arco da circunferência que mede um ângulo dado. sem resultados originais. cujos erros foram assinalados por um seu compatriota. No tempo em que viveu Orôncio Fineo. verdadeiro milagre de génio. Era ainda necessário mostrar que o número que exprime a razão da circunferência para o diâmetro não pode ser raiz de equação algébrica. Pode-se estranhar que em uma alta Escola de Paris ensinasse um professor de tão pouco mérito. por uma antítese surpreendente. não estava ainda demonstrada a impossibilidade de resolver os problemas mencionados pelos métodos da Geometria elementar. nem um segmento de recta que seja lado de um cubo de volume duplo de outro cubo dado. mas a sua leitura é instrutiva e atesta mais uma vez a grande erudição do autor nos assuntos de Geometria pura dos Helenos e a habilidade com que os manejava. Todavia este professor publicou depois nova edição da sua obra com outras soluções dos mesmos problemas.Geometria elementar. inspirando-se em uma invenção. Assim. naquele tempo. nem lado de quadrado cuja área seja igual à de um círculo de raio dado. os métodos de Geometria pura eram impotentes para demonstrar esta impossibilidade. por meio sòmente do traçado de rectas e círculos. Para o problema da quadratura do círculo. com a fundação da Geometria analítica. é de simples crítica. no caso dos dois primeiros. isto é. Mas. 15 Para um estudo desenvolvido da história dos três problemas mencionados. Os métodos de Geometria pura são muito particulares para se resolverem por eles questões tão complexas. há hoje ainda quem procure a imortalidade pretendendo resolver alguns dos problemas mencionados e se queixe da humanidade por não os atender e não lhes dar a glória a que julgam ter direito 15. Ora. Pedro Nunes no seu escrito põe em evidência os erros em que caíu o professor parisiense. no caso do último. e assim a demonstração da impossibilidade da sua solução por meios elementares reduziu-se à demonstração da impossibilidade de resolver tais equações por meio de raízes quadradas de expressões do segundo grau. e a uma equação transcendente. veja-se uma memória extensa que publicámos a este respeito no volume VII das nossas Obras sobre Matemática. foi necessário subir ao cume de uma montanha escarpada do mundo dos números para se poder resolver uma questão que humildemente aparecera no seu sopé mais de dois mil anos antes. levando o geómetra a propriedades das figuras. publicando-a em língua castelhana ? Não se sabe e não vale a pena apresentar hipóteses. Assim os dois saberes. já considerados nesta obra. para designar nas equações a incógnita. em vez de fórmulas. e são uma mistura de leis do cálculo e de factos aritméticos. a notação ce (censo).Pedro Nunes na Álgebra Ocupemo-nos agora do Libro de Algebra en Arithmetica y Geometria. mas com certas anotações que abreviam a exposição das doutrinas. obras que analisou muito judiciosamente e às quais fez algumas vezes justas censuras e outras vezes louvores e interessantes comentários. conheciam e mencionaram nos seus livros a obra de Frei Lucas. demonstradas por meio da Geometria elementar. As obras de Frei Lucas. para designar a 57 . a Aritmética e a Geometria. Convém recordar aqui. nas obras mais importantes dos algebristas anteriores ao seu tempo. Aurel e Antich Rocha. mas tinha sido composta em português trinta anos antes como o autor diz no prefacio. de Pedro Nunes. dos Indianos e dos Árabes. empregavam aqueles autores a notação co (coisa). a Álgebra dos Árabes entrou na Itália por meio de Leonardo de Pisa. para designar a sua segunda potência. mas a Aritmética ajuda em compensação a Geometria. Assim. que se pode traduzir livremente nos termos seguintes: «É nobreza da Geometria servir a provar as contas da Aritmética. porque assim o livro ficou a figurar simultaneamente na história da Matemática portuguesa e na da Matemática espanhola. Cardan e Tartaglia que mencionamos. especialmente na Summa de Arithmetica de Frei Lucas de Burgo. Dissemos na Introdução. Pedro Nunes recebeu os seus conhecimentos desta ciência pela via heleno-árabe directa e por via de Itália. como dissemos também na Introdução. O livro de Nunes foi publicado em língua castelhana em 1567. na Practica Arithmeticae de Cardan e na Algebra de Tartaglia. Geométrica nos fundamentos. Siliceo. a última obra que publicou. Esta união das duas ciências foi notada nos Libros del saber de Afonso X. onde se lê uma passagem escrita em língua castelhana primitiva. e que o editor poderia ter imposto a condição de ser impresso em língua espanhola. empregando para isso linhas. Frei João de Ortega. quando Nunes escreveu o seu livro. para compor o seu livro. ajudam-se reciprocamente». de Gaspar Nícolas e Bento Fernandes. Que motivo levaria o nosso matemático a oferecer esta jóia científica à Espanha. inspirando-se. que foi introduzida por eles na Espanha e foi ali aplicada à resolução de questões pertencentes ao domínio da Geometria. tomou ali uma forma regular e ali subiu até à resolução geral das equações gerais do terceiro e do quarto grau. Nicolas. Bento Fernandes e Aurel. e na Espanha (segundo a Historia de los Matematicos españoles del seculo XVI de Rey Pastor) os tratados de Ciruelo. para ser ali mais fàcilmente acolhido. que em Portugal tinham sido publicados os tratados. postos em linguagem ordinária ou técnica. Três destes autores. A memória de Nunes ganhou com esta tradução. com regras. que os Árabes associaram a Álgebra dos Helenos à Álgebra dos Indianos e formaram assim uma Álgebra numérica na forma. foram inspiradas pela ciência dos Gregos. Entretanto. a respeito do Estado da Aritmética e da Álgebra na Península Ibérica. Notemos apenas a este respeito que o livro foi publicado na Flandres que naqueles tempos estava em poder dos castelhanos. o cálculo literal moderno. A segunda fase durou séculos e a sua língua foi como vagido de criança. correspondentes a um mesmo problema. Podemos. como é natural. como todos os matemáticos quinhentistas. empregou letras para representar as operações soma. acrescentar que nenhum 58 . entre os Gregos. sujeitos a leis que as caracterizam. Por isso mais tarde Viète. empregou a letra R. Ora. a doutrinas extensas e a hipóteses largas. como são as que se referem a radicais. sem alteração desta índole. a métodos gerais fecundos. colocou-se no ponto de vista aritmético. além disso. que elas determinam. até que. começou a falar a sua língua actual. depois entre os Árabes e os Indianos na Idade Média e por fim entre os Latinos na Idade Média e na Renascença. podem ser reduzidas por meio destas leis a outras. etc. como os algebristas italianos. a doutrina de Viète é o cálculo algébrico sob forma literal e simbólica com fórmulas curtas e por isso prática. que permite substituir longas regras e demonstrações por fórmulas curtas sucessivas. mais e mais. As Matemáticas começaram. os sinais hoje usados para representar as operações de adição e subtracção. a sua língua foi a da Geometria. e como este. que deslumbram quem as estuda. subiram com Viète. limitou-se a empregá-las como meio de abreviar a linguagem e não pôde por isso abrir a Álgebra moderna. a fase numérica e a fase literal. como aquele. em que se vêem claramente as relações que ligam as incógnitas aos dados da questão em todo o andamento do cálculo. A doutrina de Frei Lucas é virtualmente um cálculo algébrico rudimentar que tem o inconveniente de dar expressões longas. na Antiguidade. Newton. a notação cu (cubo). considerando. no que respeita à doutrina das equações. empregou. Aproveitou-o Viète e deu assim à Álgebra a sua forma técnica actual. subtracção e extracção da raiz. Pedro Nunes empregou as notações de Frei Lucas e. Frei Lucas ou não conheceu ou não notou o meio precioso empregado por Jordano para abreviar a exposição das doutrinas. que representam números dados ou procurados. etc. a língua hoje chamada sincopada. a notação nu (número). porém. Empregou também letras para designar números arbitrários. A Álgebra passou assim por três fases: a fase geométrica. que para ele é a essência da Álgebra. Mas.terceira. As equações que ligam os números dados e os desconhecidos. e pôde. para designar o têrmo independente da incógnita. e no século seguinte. sòmente equações com coeficientes da incógnita numérica. no século XVII. já mencionadas. em cada uma das quais figuram as letras que representam as quantidades dadas e uma só das letras que representam as quantidades procuradas. etc. em vez de considerar equações com coeficientes literais. Pedro Nunes estava preso pela tradição. criar no seu Isagoge. preso à Álgebra heleno-árabe. Descartes. com estas simplificações. proporções. de Frei Lucas. Mas as notações dos matemáticos italianos têm o inconveniente de dar relações extensas e não expressivas à simples vista. Antes de Frei Lucas escrever a sua Summa já tinha sido publicada no século XIII a obra De numeris datis. mas sòmente em questões em que a Álgebra é simples generalização da Aritmética. mas este célebre matemático. Para representar a incógnita de uma equação e as suas potências empregou as notações. No século XVI começou a falar uma língua rudimentar. pelo estudo de questões particulares e foram-se depois desenvolvendo lentamente. como dissemos. os números arbitrários por letras. Na primeira fase.. Para designar igualdades não empregou sinal algum. em que Jordano Nemorario representava. seguindo na via aberta por Jordano Nemorario e Rudolff. a subtracção pela letra m (abreviação de minus menor) e. tomando a forma literal. aos métodos primitivos e a doutrinas particulares e deixou na Álgebra aos matemáticos do século seguinte generalizações de que esteve bem perto. como arte de transformação de operações definidas por combinações de letras. Assim designou a soma pela letra p abreviação de plus (mais). letras do alfabeto para designar os números. para designar as raízes. Entre os problemas de que se ocupa. faremos a comparação destas construções. Frei Lucas e Cardan. Da tutela da ciência da extensão só a ciência pura dos números se libertou mais tarde. inventadas por ele próprio. mas Pedro Nunes dá soluções novas. há alguns que conduzem a equações do primeiro grau a duas ou três incógnitas. no fim deste volume. Muitos destes problemas tinham já sido considerados por Regiomontano. Esta coisa era a noção de número negativo. Pode-se dizer que na simplicidade e rigor da exposição das doutrinas da Álgebra não foi igualado por geómetra algum do século XVI. expressas nesta linguagem e demonstradas geomètricamente. como os matemáticos helenos. O nosso matemático sentia que havia alguma coisa na Álgebra que não tinha correspondente nem na Aritmética nem na Geometria. dão um tratado de Álgebra elementar com a forma actual. Pedro Nunes recorre à Geometria. mas acrescentou que não sabia explicar o motivo disto. que resolve muito hàbilmente. conservando as palavras. procurando a simplicidade nunca lhe sacrificou o rigor. Diz ele: 59 . sem a introdução de notações especiais para cada incógnita. A propósito destes problemas. depois de Descartes fixar a correspondência entre as operações numéricas e geométricas e de se dar no século XIX uma noção aritmética clara de número irracional e uma teoria puramente aritmética destes números. mal se pode edificar ciência nos discípulos». mas inexplicável. rigorosa nos raciocínios. por ele repelida. mas é perfeita na forma. sobre as operações relativas a monómios. Assim abre o seu livro com as regras para a resolução das equações do segundo grau. quando se encontrou. Deve todavia notar-se que admitiu no seu livro. por meio de artifícios em que revela grande habilidade. no que respeita ao cálculo. as notações usadas pelas notações actuais. original em algumas demonstrações e nos métodos empregados para a resolução de numerosos problemas que encerra. como dissemos na Introdução. que só começou a esclarecer-se mais tarde. no século XVII. mas ainda a outras novas. Esteve tão perto desta Álgebra que basta substituir no seu livro. para tal número. que a raiz quadrada de uma expressão algébrica tem em Álgebra dois valores com sinais contrários. mas sim a questões puramente numéricas ou geométricas. Não se encontram na Álgebra do nosso matemático invenções fundamentais. mas na sua obra atingiu esta linguagem a sua máxima perfeição. para se obter uma Álgebra moderna. e só presa à Geometria no que respeita às demonstrações. mais simples ou mais rigorosas do que as dos autores mencionados. como facto inegável. Muitos dos problemas que considerou referem-se à Geometria dos triângulos e quadriláteros. «Sem fundamento. uma correspondência em Geometria. Este cuidado com o rigor levou-o a não admitir as quantidades negativas como soluções dos problemas. que se apresentava na ciência daqueles tempos de um modo muito obscuro. Estes problemas não se referem a questões concretas de prática ordinária.matemático quinhentista se aproximou tanto como Pedro Nunes da Álgebra moderna. E. Para esta demonstração recorre não só às construções dadas por Euclides. É bem sabido que a eliminação de que depende a solução destes problemas. que. mas não a sabia explicar. O nosso matemático ficou preso às demonstrações geométricas e à linguagem sincopada. e só se esclareceu completamente no século XIX. para demonstrar as suas proposições e o rigor das suas demonstrações faz ver a influência exercida no seu espírito pela leitura dos clássicos da antiga Grécia. não tomou forma técnica regular antes dos trabalhos de Viète. é notável o modo como assinala o papel da Álgebra na solução de questões geométricas. sobre as transformações das equações com denominadores ou radicais. ficando muito atrás dos Indianos. Em uma Nota. clara e metódica na exposição. e sobre a redução ao segundo grau de algumas equações de grau superior. segundo regras fixas. as aceitaram e interpretaram. para as reduzir à forma inteira. sendo modificadas no sentido há pouco indicado. As doutrinas de Nunes sobre a resolução das equações do primeiro e do segundo grau. diz ele. se procuram os valores destes lados. Estranha-se a longa e complexa demonstração geométrica do teorema de Herão depois de Nunes conhecer uma demonstração simples. na sua Summa de Geometria. que o problema depende de uma equação do segundo grau que se pode obter e resolver por meio da Álgebra Geométrica euclideana. II. algumas vezes mesmo ininteligível. Em uma Nota. Vemos algumas vezes não poder um grande matemático resolver uma questão por meios geométricos e resolvê-la por Álgebra. A última parte desta passagem precisa de ser explicada. De maneira que quem sabe por Álgebra sabe cientificamente. e substitui-a por outra puramente geométrica. A teoria da proporcionalidade liga a Aritmética e a Geometria e por isso Pedro Nunes lhe deu largo espaço no seu livro. no tratado De triangulis (liv. dizendo que não o pôde resolver por meios puramente geométricos. 437. recorreram à Álgebra numérica de Frei Lucas. posto que seja prática. Entre as aplicações da Álgebra à Trigonometria dadas por Pedro Nunes no seu livro encontra-se uma demonstração do teorema clássico. ainda até hoje não feita. recorre à Álgebra. convém aqui observar. devido a Herão de Alexandria. lastima em um artigo publicado nos Anais da Academia Politécnica do Porto (vol. mas que nem Regiomontano nem Pedro Nunes o souberam estudar por este meio. dadas a base e a altura de um triângulo e a razão dos outros lados. o que é coisa de admiração» . Esta teoria foi sistematicamente exposta por Euclides nos livros V e VII dos Elementos. matemático belga. mas certamente o nosso matemático só teve em vista mostrar como se pode dar clareza e rigor à demonstração geométrica de Frei Lucas. demasiadamente longa.«Quem opera por Álgebra vai fazendo discursos demonstrativos. vêm porém nela as operações seguindo as demonstrações. a qual. mas irrepreensível sob o ponto de vista lógico. III 1908). A demonstração primitiva de Herão16 é muito mais simples do que a que de Pedro Nunes e a deste é fundada. em outra proposição segundo a qual a área do triângulo é igual a metade do produto do perímetro pelo raio do círculo inscrito. para o resolver. uma prova deste teorema. das soluções dadas por Regiomontano e Pedro Nunes dos problemas de que ambos se ocuparam. faremos a comparação. o que opera por outras regras não entende logo a razão da obra que vai construindo. no fim deste volume. Ora. como a do célebre geómetra grego. 16 Pode ver-se esta demonstração na História das Matemáticas na Antiguidade. Lucas de Burgo tinha dado. que determina a área do triângulo em função dos seus lados. Porém. sendo a mesma Álgebra tirada da Geometria. pretendendo resolver o problema em que. que Nunes censura. que abrange a doutrina da proporcionalidade das grandezas comensuráveis e das grandezas incomensuráveis. O autor a quem Pedro Nunes se refere é Regiomontano. Devemos acrescentar que dos problemas 34 e 53 da obra de Nunes resulta outra demonstração simples da referida fórmula de Herão. Concorre muito para a grande extensão desta última demonstração a abundância de pormenores dispensáveis a quem esta familiarizado com a geometria helénica. a este respeito. Por isso. prop. Encobrindo o artifício não se produz ciência e por este motivo convém mais esta arte da Álgebra. e neste a doutrina da proporcionalidade das grandezas expressas por números racionais. 60 . considerando naquele a doutrina da proporcionalidade geral das grandezas inventadas por Eudoxo de Cnido. que foi sàbiamente analisada por Bosmans no artigo mencionado. que. representando para isso os dados da questão por números. por ser muito obscura. de Fernando de Vasconcelos p. não ter podido fazê-la. O Padre Bosmans. 12). ª do livro III dos Elementos. II. onde Euclides se ocupa da tangente à circunferência. 2. do que a este respeito se tinha escrito antes do seu tempo. discutindo as ideas sobre tal assunto de Campano. 61 . inventadas em épocas diferentes. que. Depois faz uma exposição históricocrítica. Heath. estuda profundamente a doutrina de Euclides. fundando-se na segunda definição de razão dada por Euclides. Ver: T. diz o matemático inglês Morgan. t. se a conhecesse. sem excluir as grandezas incomensuráveis.º A razão entre duas grandezas.º As grandezas têm entre si razão. o que dá origem a repetições desnecessárias. é um respeito recíproco de uma para a outra. ou igual. diz: «Proporcionalidade é a comparação que há entre duas quantidades da mesma natureza quando são comparadas na quantidade. que comentou com profundeza a obra de Euclides18. Analisando estas definições. e que a segunda tem em vista separar da doutrina da proporcionalidade as grandezas infinitas e infinitamente pequenas. Tem-se estranhado que Euclides separe completamente a doutrina da proporcionalidade geométrica da doutrina da proporcionalidade numérica.Pedro Nunes. Chamaremos quantidades da mesma natureza quando são tais que a menor multiplicada pode exceder a maior». A este respeito. chamando proporção. tomada certo número de vezes. O ponto fundamental mais delicado da doutrina geral está nas definições de razão e proporcionalidade de grandezas. Explica-se este facto pela sua intenção de conservar na exposição das referidas doutrinas. passagem que certamente teria citado e aproveitado. mostra que aquele ângulo não pode formar razão com um ângulo finito e por isso não lhe é aplicável a doutrina de proporcionalidade. Coimbra. 1862. pode vencer a grandeza maior. Cardan e Jordano Nemorario. levou a considerar-se como possível ser o ângulo desta recta com a circunferência diferente de zero. Peletier. o que na tradução portuguesa dos Elementos se chama razão. emquanto uma é maior ou menor do que a outra. pág. E acrescentemos ainda que ao ler a interessante notícia que sobre ele deu Cantor no seu Geschichte der Mathematik se sente pesar por não ter tido o grande historiador das Matemáticas conhecimento da referida passagem da Álgebra do matemático português. Pedro Nunes. 116. que são do mesmo género. Pedro Nunes não faz esta separação. 17 18 Elementos de Euclides. Euclides dá as definições seguintes. na obra considerada. este modo de ver a doutrina tinha sido adoptado por Pedro Nunes. a feição que a tradição lhes impunha. muito interessante. Notaremos de passagem que esta segunda definição coincide com a proposição que actualmente se chama postulado de Arquimedes. cuja segunda explica e completa a primeira 17: 1. esclarece-a em muitos pontos e acompanha-a de observações históricas e críticas de muito interesse. L. é interessante comparar as definições de razão de duas grandezas adoptadas por Euclides e Nunes. com proveito de economia de pensamento e de clareza para quem as estuda. quando a grandeza menor. Ora. que a primeira definição exprime que as grandezas comparadas são de natureza tal que uma pode ser múltipla da outra. Está ligada a estas definições e é exposta de um modo muito interessante por Pedro Nunes a questão seguinte: O estudo da proposição 16. Acrescentemos que o debate sobre a natureza deste ângulo só terminou quando se teve a noção clara de infinitamente pequeno como limite de uma quantidade essencialmente variável. sem as ligar na exposição. Depois acrescenta: «Linhas infinitas não tem proporção com linhas finitas». The thirteen Books of Euclid's Elements. que faz intervir o ângulo mencionado na sua teoria da balança. Ora. Vamos agora resumir. Convém notar que a esta definição corresponde em Aritmética a noção de igualdade na teoria dos números irracionais de Dedekind. Na apresentação das doutrinas 62 . é a de proporcionalidade de quatro grandezas ou igualdade de duas razões. Pedro Nunes adopta a definição de Euclides. a nossa opinião a respeito do valor do célebre matemático. que anteriormente tinha estudado. Entre os grandes matemáticos que separam Stifel e Cardan de Viète brilha no primeiro lugar. Nenhum contemporâneo o excedeu em rigor. e. na elegância e feliz escolha do algoritmo. Nunes foi um deles. principalmente de Ptolomeu. Considerações gerais sobre os trabalhos de Pedro Nunes Temos terminado a nossa análise das obras de Pedro Nunes. em outras o pedagogo experimentado. publicadas. pretendendo divulgar esta notável descoberta na Península Ibérica. porque o novo estudo que fizemos das suas obras. fez-se na Itália a descoberta da resolução da equação geral do terceiro grau. O tratado de Álgebra que acabamos de analisar tem sido objecto de muitas menções. uma na Biblioteca Matemática (Leipzig. depois o astrónomo e o cosmógrafo. quando este período terminou. elogiou-o calorosamente e comparou-o com outros tratados notáveis da mesma ciência publicados no século XVI. «Nunes foi um dos algebristas eminentes do século XVI. mais simples do que as do grande matemático grego. O livro excelente que acabamos de considerar foi de pouco proveito para a ciência portuguesa. vem na Álgebra do nosso matemático uma série de teoremas de Euclides. Depois de Pedro Nunes compor a sua obra e antes de a publicar. Depois destas definições. e notícias rápidas e de duas apreciações desenvolvidas e profundas do Padre Bosmans. Neste capítulo analisa a regra dada por Tartáglia (chamada ordinàriamente regra de Cardan) para a resolução daquela equação e dá exemplos em que por meio desta regra se chega a soluções racionais. como conclusão do que expusemos. Vê-se em muitas o lógico consumado. 1907-1908) e a outra nos Anais da Academia Politécnica do Porto. Admira-se noutras o seu engenho e habilidade como matemático e a sua sagacidade como crítico. Só Maurolico o igualou na abstracção e generalidade do raciocínio. São notáveis as palavras com que fechou o segundo artigo: «Viète teve precursores. reproduzindo o que dissemos dele no Elogio Histórico publicado nos nossos Panegíricos e Conferências. O ilustre autor destes artigos analisou cuidadosamente aquele tratado.Outra definição fundamental na doutrina que estamos considerando. nota-se em frequentes passagens o seu extenso e profundo conhecimento dos trabalhos matemáticos e astronómicos dos Gregos. É uma glória de Portugal». logo o geómetra. indicou-a no último capítulo da sua Álgebra e comentou-a com profundeza. Apresenta também no mesmo capítulo algumas equações com raiz racional que não se pode obter directamente pela regra mencionada. com demonstrações novas. «Percorrendo aquelas obras. não nos levou a alterar as conclusões a que nos tinha levado o primeiro. Quando apareceu já começava o período de decadência da cultura das Matemáticas cm Portugal. de cujas obras foi um dos grandes comentadores. Judeus e Árabes. Tartáglia não tinha conseguido encontrar exemplo algum nestas condições. Nada modificaremos. para preparar o presente livro. O nosso matemático. Agora admiramos o aritmético. já dominava a Álgebra de Viète e a de Frei Lucas passara ao Panteão da história. já aqui citado. regras correspondentes à maior parte das formulas que hoje a enriquecem e não estava ainda vulgarizado o uso das tangentes trigonométricas. procuravam sòmente demonstrar as regras e teoremas. no seu estudo das obras de Ptolomeu. parando onde pararam e deixando a sábios que vieram depois a honra de descobertas de que esteve próximo e que talvez teria feito. que. João de Castro. Contentou-se geralmente com soluções puramente teóricas em problemas técnicos e a ideia inicial das suas invenções nasceu mais vezes da leitura de obras clássicas do que da observação de factos exteriores. Para o avaliar temos de ler a sua obra com olhos de matemáticos do seu tempo. se continuasse a pensar nos assuntos a que estas descobertas se referem. «Nas questões que tinham sido estudadas antes de ele as considerar. prendeu-se com demasiado respeito. O último é. mas foi uma luz que iluminou os práticos. O seu espírito de teórico eminente voava mais à vontade nas doutrinas de ciência pura do que nos assuntos em que a prática representa um papel essencial. Portugal teve neste século a hegemonia das Matemáticas na nossa Península. mas porque Pedro Nunes por si só vale por muitos. são. próprio dos tempos em que viveu. Pedro Nunes. tanto pelo método directo como pelo método dos rebatimentos de Ptolomeu. não subiu até à criação de métodos gerais de investigação.é em geral claro. algumas vezes difuso. Ao contrário dos geómetras gregos. e sempre interessante. no enunciado das regras é preciso. algumas de muita dificuldade. tanto auxílio dá à inteligência e tanta luz dá aos raciocínios. etc. que são jóias preciosas com defeitos de lapidagem. Não devemos censurá-lo por isso. pormenores excessivos que os desfeiam. sem fazer conhecer os modos como as tinham obtido. a este respeito. Mas estas imperfeições não abalam essencialmente o mérito científico destes livros. que tanta economia e precisão dá à linguagem. 1915). não porque tivesse muitos cultores destas ciências. os mais abundantes em informações sobre a sua vida. «Nas doutrinas relativas à Náutica não foi um prático. à Geometria e à Cosmologia são mais perfeitas do que aquelas. mas comentou com profundeza teorias clássicas no seu tempo e aplicou com sagacidade e engenho métodos conhecidos à resolução de questões postas por ele próprio ou por sábios que o precederam. o 63 . VII. a atestar o génio de quem as imaginou. «Nos livros que consagrou a assuntos náuticos encontram-se obscuridades e faltas de precisão que os prejudicam. nenhum outro matemático português ou espanhol o igualou». Assim as invenções da linha do rumo e do nónio tiveram origem. entre os escritos até agora consagrados ao nosso matemático. ao mesmo tempo que demonstra. «Como matemático teórico. «O século XVI pode ser chamado na história da Matemática ibérica o século de Pedro Nunes. 1806) e a Notícia sobre Pedro Nunes de Rodolfo Guimarãáis. ensina a investigar. na exposição dos assuntos. Na exposição destas doutrinas era algumas vezes prolixo e confuso. procurando mais explicar as suas doutrinas do que continuá-las. publicada nos Anais da Academia Politécnica do Porto (t. Vida de Pedro Nunes O Ensaio histórico de Garção Stockler. As obras consagradas à Álgebra. pelo menos. temos de atender a que a Trigonometria não dispunha ainda do formalismo algébrico. Nos variados ramos da referida ciência de que tratou. como o foram Duarte Pacheco e D. a fim de ser entendida uma dificuldade pelos leitores pouco preparados. doutrinas para fins de prática da navegação que os não realizam de um modo satisfatório. o Elogio histórico publicado por António Ribeiro dos Santos nas Memórias de Literatura da Academia das Ciências de Lisboa (t. «Não possuía ainda aquela ciência. X. como vimos. à autoridade dos mestres. «A sua principal força nas doutrinas de Astronomia pura e a sua aplicação à Náutica estava em parte na facilidade com que manejava a Trigonometria esférica. a fazer investigações para honra do espírito humano e proveito da humanidade. e criou D. talvez tenha ouvido também as lições do Padre João Silíceo. um tratado de Aritmética. Henrique e foi também mais tarde encarregado de ensinar D. para se aperfeiçoar nas doutrinas que aprendeu na Universidade de Lisboa. Já dissemos que nasceu em 1502 e que em 1529 foi nomeado cosmógrafo do Reino. Em 1531 foi convidado por D. Zacuto exerceu a astrologia. não sabemos se os outros astrónomos mencionados a exerceram também. Como testemunho de gratidão pelos serviços ao país e à Corte. em 1544. para a aplicar à clínica astrológica. Mais tarde. que fez as observações astronómicas na viagem de Pedro Álvares Cabral ao Brasil. publicado nos Panegíricos e Conferências: «A vida de Pedro Nunes não foi como a de muitos sábios que se isolam nos seus gabinetes de estudo.mais rico e também o é em informações bibliográficas preciosas. sim. pelo que respeita a apreciações dos seus trabalhos. Mas. Dissemos que Pedro Nunes era médico pela Universidade de Lisboa. Luiz e D. É provável que tenha ouvido Sancho de Salaya. depois de D. concederam-lhe os monarcas portugueses pensões. cargo que exerceu até 1562. fez exame de Licenciatura em Medicina na Universidade de Lisboa e nos anos seguintes ensinou nesta Universidade Filosofia. o qual estudara as Matemáticas em Paris. permita-se-me que transcreva aqui as palavras com que fechei o Elogio histórico do grande matemático. todo o seu talento e toda a sua actividade. que naquele tempo era também ali mestre de Ciências naturais. O nosso biografado pertencia à raça judaica e era natural de Alcácer-do-Sal. etc. a de um patriota. João III ter transferido a Universidade para Coimbra e reorganizado os ensinos. e nesta cidade fora depois professor destas ciências e publicara. Nas obras de Pedro Nunes. Por isso se recrutavam geralmente entre eles os astrónomos para dirigir os trabalhos náuticos. Agora. Sebastião. como já dissemos. no qual foi investido em 1547. E. Lógica e Estatística. que eram grandes. João III para ele o lugar de Cosmógrafo-mor do Reino. 64 . Mestre Filipe. que deu a Portugal todo o seu saber. e alguns dos lentes muis insignes em Medicina e Filosofia. Assim eram médicos Zacuto e José Vizinho. João III para mestre de seus irmãos D. o primeiro professor de Astronomia da Universidade de Lisboa e Mestre João. ano em que foi jubilado. São estas as suas próprias palavras. que era então Lente de Astronomia. sem pensar nos cuidados materiais da vida. aperfeiçoando regimentos náuticos. em 1514. ao terminar esta biografia. mas é para qualificar os seus prognósticos sobre a vida e a sorte dos homens como quimeras e como superstições felizmente quasi extintas. Moral. os primeiros organizadores dos Regimentos das navegações portuguesas. ensinando pilotos e reis. que lhe permitiram entregar-se completamente à ciência. e escrevendo livros para uso dos mareantes. Não sabemos quais foram os mestres que nesta cidade ouvira. No mesmo ano em que foi nomeado cosmógrafo. depois de ter ido visitar em romaria de estudo a então muito célebre Universidade de Salamanca. são todos insuficientes. Os médicos daqueles tempos estudavam a Astronomia. foi. preparando cartas marítimas. foi nomeado professor de Matemática e Astronomia deste instituto. só se fala da Astrologia na introdução ao tratado De Crepusculis. e acabou quando ele decaiu. em II de Agosto de 1579. os heróis do mar. D. «Quase ao mesmo tempo emmudeceu a lira de Camões e parou a pena de João de Barros. que lhe sucedeu no cargo de cosmógrafo do reino. «Foi precisamente quando Portugal entrava na agonia. o segundo. Vamos agora consagrar algumas palavras a Frei Nicolau Coelho. que o substituiu algumas vezes na regência da sua cadeira. ensinou aos pilotos meios para navegar longe da terra sem se perderem na amplidão dos oceanos. «Todos estes grandes homens formam um quadro harmónico. em estilo que encanta pelo singeleza e elegância. à cosmografia e à exposição de todas as regras para o cômputo dos tempos e para os usos da náutica. traçou com mão de mestre. radiante de glória e beleza. Sebastião. o cronista da Índia. o sábio. 1585). André de Avelar escreveu. passando ao domínio de Castela». etc. coberto de embarcações de variadas formas e grandeza. os heróis do pensamento. Astrónomos e cosmógrafos contemporâneos de Pedro Nunes O maior dos cosmógrafos contemporâneos de Pedro Nunes foi D. Dos três mencionados no último grupo. que começara a desenvolver-se nos tempos felizes da Dinastia de Aviz. ao cômputo dos tempos. 65 . João de Castro. que Pedro Nunes desapareceu para sempre da cena do Mundo. teve a sorte feliz de assistir ao apogeu da grandeza lusitana. mortalmente ferida. etc. É um livro semelhante ao de Valentim Fernandes.. nem dos cálculos do Cosmógrafo. intitulado Cronologia dos tempos (Coimbra. de quem já falámos. As principais formam três grupos: o primeiro composto por Vasco da Gama. João de Barros. D. etc. Frei Nicolau Coelho deixou um livro. Nasceu quando este poderio crescia dia a dia no tempo do Rei Venturoso. Pedro Álvares Cabral. quando Portugal subiu ao máximo poderio. Escreveu ainda um volume consagrado a doutrinas da esfera celeste sob o título Sphaerae utriusque. olhava orgulhosa das colinas em que assenta para as águas do seu rio. até desaparecer como nação. sob o título de Cronografia ou Reportório dos tempos (Coimbra.«A trajectória da sua vida assemelha-se à curva representativa do poderio português no século em que viveu. Afonso de Albuquerque. João de Castro. o historiador. 1554). o poeta. pouco depois da lúgubre derrota de D. um livro consagrado à descrição da esfera celeste. a André de Avelar. que lhe sucedeu no cargo de professor na Universidade de Coimbra e a Manuel de Figueiredo. celebrou estes feitos na mais grandiosa das Epopeias. quando Lisboa. a descarregar as riquezas vindas do Levante e do Poente. «Terminou então o período áureo da Matemática portuguesa. Os do segundo grupo. Fernão de Magalhães. o génio sublime do terceiro. Francisco de Almeida. o segundo formado por Duarte Pacheco. 1593). de que já aqui falamos. consagrado. Luiz de Camões. Tabella ad sphaerae hujus mundi faciliorem enucleationem (Coimbra. começou a declinar quando aquele poderio começava a decair no tempo do Rei Piedoso. asseguraram a obra dos do primeiro. hoje muito raro. a narração dos feitos gloriosos realizados pelos portugueses nos mares e nas terras por eles encontradas.. como o seu título indica. os do terceiro grupo concorreram por modos diversos para um mesmo fim: perpetuar pelos séculos dos séculos a memória do saber e dos grandes feitos dos navegadores e dos guerreiros lusitanos.. nos areais de Alcácer-Quibir no tempo do Rei Desejado. os conquistadores. atingira o seu máximo esplendor. «Teve Portugal no seu tempo grandes figuras em todas as manifestações da actividade humana. o terceiro formado por Pedro Nunes. nem das crónicas do Historiador. morreu quando a nacionalidade portuguesa caiu. o primeiro. os heróis das conquistas. A providência levou-os a todos quando a Pátria já não precisava dos cantos do Poeta. e o de André de Avelar. ao qual juntou alguns roteiros de grandes viagens dos portugueses. que as deformam e desfeiam. André de Avelar era filho de cristãos novos e estudou em Valladolid e Salamanca. No fim da vida. foi denunciado à Inquisição e condenado a cárcere perpétuo. servimo-nos da edição de 1602 do primeiro e da edição de 1603 do segundo. por exemplo. com perto de oitenta anos. Avelar só apresentou os dois que as determinam por observações da Estrela nas passagens pelo meridiano. de todos os Reportórios dos tempos que se publicaram em Portugal nos séculos XVI e XVII só merecem figurar na história da Matemática em Portugal o de Valentim Fernandes. a este respeito. que as outras são falsas19. que tenhamos de assinalar. que o autor atendeu na sua composição às doutrinas expostas por Pedro Nunes nos seus livros. 19 Para comparar os Reportórios dos tempos de Avelar e Manuel de Figueiredo. para determinar as latitudes por meio da Estrela polar. a fonte dos outros. dizendo. rico em factos interessantes e instrutivos. emquanto que Manuel de Figueiredo. Analisando estas obras. fica um livro erudito. Nós pensamos que. Abstraindo do que nele há de metafísico e astrológico. que foi o primitivo. Notemos. São obras escritas em gabinetes de estudo por autores que nem tinham o espírito filosófico de Pedro Nunes. com fantasias de física peripatética e com abundantes quimeras astrológicas.Manuel de Figueiredo escreveu um tratado de Hidrografia (Lisboa. nem a finura de senso prático que possuíam os primitivos cosmógrafos lusitanos. como Nunes. apresentou no seu Reportório os oito modos de fazer o cálculo que se liam nos primitivos Regimentos das navegações portuguesas. 1608). 66 . para instrução dos pilotos. em diversas passagens de alguns destes escritos. as doutrinas científicas vêm misturadas em amálgama incongruente com textos do Velho Testamento. e escreveu ainda um reportório dos tempos semelhante ao de André de Avelar mas menos interessante e mais imperfeito do que o deste. que o valorizaram. Assim. e sàbiamente organizado. Além disso. vê se que não há nelas pontos de vista originais. monarcas quinhentistas portugueses. na alma da maioria dos Portugueses daqueles tempos estavam. enumerando-as. Esta decadência coincidiu com a decadência geral do país e as suas causas vinham actuando de longe. Agora. obrigando assim numerosos membros de uma raça que naqueles tempos as cultivavam com mais sucesso a abandonar os seus lares e a ir estabelecer outros em terras onde caridosamente os acolhessem. pelo menos latentes. Concorreu principalmente para a decadência da cultura científica em Portugal o êxodo dos Judeus no tempo de D. principalmente de D. a fé começou a tornar-se fanatismo ou hipocrisia. No século XV. João I. Apesar de tudo isto. com o abatimento produzido pelas riquezas vindas do Levante e do Poente e com os erros funestos do segundo ramo da Dinastia de Avis. entrando no assunto especial deste livro. no século XVI. Saíram então de Portugal os mais dignos. a esperança e a coragem sustentara-os nas suas derrotas difíceis e perigosas por estes mares. Manuel I. temperado na adversidade. a esperança e coragem começaram a transformar-se em misérias e desesperos. Portugal estava sob o domínio de Castela e o povo português dormia e sonhava nas glórias do seu passado. João III. Aos períodos de formação e de brilho da história das Matemáticas em Portugal. virtudes dos antepassados que aclamaram D. e a ciência e a filosofia começaram a emmudecer e a escravizar-se. Foi o que sucedeu em 1640. os que não abjuraram das crenças de seus avós. a ciência guiara-os como farol para se não perderem na sua imensa vastidão. sigamos esta cultura na sua continuação neste século e notemos as influências que tiveram na depreciação daquela herança os erros do. que estava então instalada em Lisboa. levantando-se enérgico e patriota. mas ao mesmo tempo prejudicou gravemente todas as ciências. vejamos o estado da herança em cultura matemática que o século XVI legou ao século XVII. a fé levara os Lusos à exploração dos mistérios dos mares. Depois. e espalharam-se por diversos países. expulsou o estrangeiro das terras dos seus Avós. onde alguns se tornaram ilustres ou foram troncos de descendentes ilustres. mandando sair do reino os seguidores de Moisés que não quisessem converter-se à fé cristã. ano em que. Uma delas era o amor a Pátria.A cultura das Matemáticas em Portugal nos séculos XVII e XVIII Período de decadência e suas causas Ao abrir o século XVII. seguiu-se um período de decadência que se estendeu até à fundação de uma Faculdade de Matemática na Universidade de Coimbra em 1772. criando uma cadeira de Astronomia na Universidade Portuguesa. mas estava apenas adormecido e despertava quando a viam em perigo. Este monarca protegeu as Matemáticas. 67 . como vamos ver. respectivamente considerados na Primeira e na Segunda Parte deste livro. que algumas vezes parecia extinto. para saber se cumpriam o seu juramento de fidelidade à lei de Cristo. porque o grande conciliador S. mas a intolerância da Inquisição contrariava a liberdade de pensamento. mas na Ibéria. como arauto. como outrora na velha Roma muitos cristãos tinham ardido nas fogueiras acesas pelo paganismo por serem fiéis às doutrinas de Jesus. O homem precisa de ciência que Ihe ilumine a mente. com as suas prisões. eram espreitados por aquele Tribunal. foram vítimas da intolerância do terrível Tribunal. para não correr o risco de tornar a entrar nos cárceres da mesma. que passou pelas prisões daquele Tribunal e foi por ele condenado a abjurar do que dissera em algumas passagens. de que precisa o filósofo. Recordemos aqui. que. com as suas torturas. que contrariava a passagem do Velho Testamento que se refere à paragem do Sol à voz de Josué. em que se entendia que a Ciência deve subordinar-se à Teologia. 68 . e de religião que lhe adoce o coração. glória do sacerdócio. o que diziam e o que pensavam. Diz uma lenda que o grande físico. glória da Companhia de Jesus. como nota. defendendo o Sistema astronómico de Copérnico. pela extinção nela do judaismo.E pur si muove (e contudo move-se). que durante cerca de duzentos anos perturbou em Portugal todas as actividades e com elas o progresso geral do país. A primeira tentativa fundamentada para aquela separação fê-la Galileu. A este respeito ajuntemos. O grande condenado não poderia pronunciar tais palavras. com as suas fogueiras. mas pronunciou-as em nome dele a ciência triunfante. como exemplo.A esta causa da decadência da filosofia e das ciências em Portugal está ligada outra: a introdução no país por D. com os seus autos de fé. consideradas pelos inquisidores como heréticas. homens sábios. foi uma mistura de tragédia dolorosa e de baixa comédia. Os Judeus que se converteram real ou aparentemente ao Cristianismo na ocasião da expulsão dos seus irmãos na raça. prendeu-o. Muitos morreram queimados nas fogueiras sinistras daquela instituïção por fidelidade à Religião de Moisés. os chamados cristãos novos. o castigo de Galileu seria talvez mais duro. Depois. Tomaz de Aquino tinha dado remédio para tais casos. o Padre António Vieira. julgou-o e condenouo a abjurar das suas ideas sobre o movimento de rotação da Terra. que por fim conciliaram-se a Religião e a Ciência. no século XVIII. não eram escutados e as Inquisições continuavam sempre na sua carreira lúgubre de perseguições e crimes. a deter a sua pena douta e fecunda e a calar a sua voz protentosa. Entraram neste caminho infernal o poder civil e o poder eclesiástico. exclamou . a grande Enciclopédia francesa. varões beneméritos da Pátria e mesmo varões beneméritos da Religião cristã. sugestionados talvez pelo ideal da unidade religiosa na Península Ibérica. com os seus fanatismos. A Inquisição romana ouviu-o. Aquela separação começaram a realizá-la filósofos do século XVII e proclamou-a. Esta instituição. procurava saber o que faziam. com as suas denúncias. instituïção. João III do Tribunal do Santo Ofício. Se o facto que acabamos de narrar se desse em Portugal. das suas obras. e a paz do coração de que precisa o crente. glória de Portugal. de modo que entre elas só podem dar-se conflitos sanáveis. considerando a interpretação da Bíblia sagrada como susceptível de progresso indefinido. que via os Judeus representar um papel preponderante na vida social e económica daqueles tempos. longe de Roma. Homens bons. valeu-lhe um Breve de Clemente X que o isentava da jurisdição dela. depois de abjurar. porém. o mesmo naqueles tempos. Hoje os domínios da filosofia religiosa e da filosofia científica estão separadas. com os seus roubos. não era. Os Pontífices Romanos reprovavam os excessos das Inquisições e em Itália eram ouvidos. e entrou nele também o povo. onde dera provas de alto valor. Demoramo-nos a falar do Tribunal do Santo Ofício.Antes de D. Manuel começou por proteger eficazmente esta cultura. continuando sempre no seu plano. Francisco Xavier. estreita o Reino de Cristo. ainda agora procuram espalhá-los por toda a parte. receando talvez que pela escola entrasse no país o vírus herético que lavrava pelo norte da Europa. que fora recentemente fundada. a educação da juventude. não introduziram no país as descobertas que no campo da ciência e da filosofia se iam fazendo fora dele. Mas a Inquisição não fez menos dano à Religião católica do que à Ciência. Esta Companhia tomou para si. Os frades menores de S. presos às velhas doutrinas dos Peripatéticos e dos escolásticos medievais. e chamando à regência das cadeiras professores notáveis pelo talento e sabedoria. que vamos ver. desde a sua fundação. porque esta instituïção representou o papel primordial na depressão do pensamento português no período histórico que estamos a considerar. os cristãos novos tornaram-se medrosos e deixaram de manifestar o seu pensamento científico ou filosófico. o clero. terra mais apropriada à meditação e ao estudo. João III as Estrelas do céu alumiavam lindamente as caravelas que iam pelos oceanos à descoberta de novas terras e à conquista de almas para o Deus dos cristãos. os filhos de Santo Inácio tomaram sobre si o encargo de ensinar principalmente pela escola. as fogueiras dos autos de fé acesas pelo fanatismo alumiavam simultaneamente a corte. com as suas vistas largas. João III pediu ao fundador alguns missionários para irem evangelizar na Índia. porque a intolerância. Porém. um dos quais foi o grande S. quase todos escolhidos pelo próprio Gouveia. D. anos depois. Mas em breve prejudicou ele próprio a sua obra. dilata-o. João III surgiu outro motivo para a decadência da cultura científica em Portugal. o número de membros da Ordem era ja tão grande que puderam fundar em Portugal colégios e o seu prestigio na corte subiu tão depressa que aquele monarca lhes concedeu. O sucessor de D. não olhavam para o futuro. todo o ensino universitário e depois toda a instrução nacional. Eram doutos e sabiam ensinar e ensinavam bem. entregou o ensino universitário e depois todo o ensino nacional à Companhia de Jesus. com as suas curtas vistas. não ensinavam a progredir. como uma das suas principais missões. de Geometria e de Astronomia e as doutrinas filosóficas e físicas de Aristóteles. a Portugal. os nobres e o povo. Demais. depois dele. mas Santo Inácio só lhe pôde mandar dois. reunidos em praças de Lisboa a observar a agonia de hebreus condenados por serem fiéis à lei moisaica. e alguns dos seus mestres compuseram bons manuais para o ensino daquelas ciências e outros comentaram sàbiamente estas doutrinas. que chamou da França. ainda em vida do mesmo monarca. Pouco tempo depois da fundação desta Ordem. e está nisto o seu principal papel e o principal motivo da sua força. o que principalmente 69 . Ainda no tempo de D. Francisco ensinavam pelo exemplo. Por isso começaram logo a estabelecer colégios em diversos lugares do velho Mundo e nas novas terras descobertas por portugueses e espanhóis e. Ensinava-se naqueles colégios e na Universidade (mencionando sòmente o que convém aqui notar) elementos de Aritmética. a tolerância. porque. transferindo a Universidade portuguesa de Lisboa para Coimbra. Por isso. Domingos ensinavam pelo púlpito. mas desprovidos de originalidade de espírito e fundamentalmente conservadores. com o auxílio do grande pedagogista André de Gouveia. os frades prègadores de S. melhorando a sua organização. mas só ensinavam a conhecer as obras do passado. como dissemos. receando cair na alçada do monstruoso Tribunal. e em Portugal continuava se ainda preso às doutrinas físicas e astronómicas de Aristóteles. como se ameaçassem a própria igreja católica. Na China. dos deslumbramentos de luz ! Tinha-se talvez receio de que a fé científica enfraquecesse a fé religiosa. O interesse da mesma Companhia pela Física.os preocupava era a defesa do catolicismo contra as heresias e a divulgação da civilização cristã pelas terras de além-mar. 1799) encontram-se numerosas observações de eclipses do Sol e da Lua feitas em Pequim pelo Padre André Rodrigues e nas Philosophical Transactions of the Royal Society of London (t. levantaram-na e firmaram-na. Não se houviram cá nem os ruídos da queda das velhas doutrinas. convencidos certamente de que estavam apenas diante de uma crise das doutrinas escolásticas. Ptolomeu e Alpetrágio. Porto. Com a expulsão da Península hispânica dos seguidores de Moisés e de Maomé tinha-se estabelecido nela a unidade religiosa e receiava-se talvez que. em Lisboa. Mas. sob o título de Planetário lusitano. fizeram alguns jesuítas portugueses observações astronómicas que conquistaram para eles a estima dos próprios imperadores20. diante de uma vaga destruidora que passaria. 1925. com a introdução das novas ideas filosóficas. Jesuítas portugueses astrónomos na China. da verdade. onde a Astronomia tinha tradições e era muito apreciada. efemérides que se referem aos anos que vão desde 1757 até 1760. 70 . II. Parece que se tinha medo da ciência. não sòmente porque esta ciência tinha conquistado foros de nobreza pela elevação do seu objecto e pelas aplicações que tinha na Náutica. pelo padre Eusébio da Veiga das primeiras efemérides astronómicas organizadas em Portugal. nem os ecos dos aplausos aos triunfos dos que vieram substituir as que caíram. e continuaram a ensinar as velhas doutrinas astronómicas e físicas dos antigos mestres. os Jesuítas portugueses ficaram como estonteados diante das novas ciências que as substituíram. de que anteriormente falámos. 20 Ver: Francisco Rodrigues. Por isso os fulgores da ciência e da filosofia de além dos Pirinéus só começaram a chegar a Portugal quando no século XVIII o Marquês de Pombal reformou amplamente os estudos portugueses. revelou-se principalmente pela publicação. depois que no século XVII a Astronomia e a Física helénicas caíram. em vez de enfraquecer a crença cristã. depois de tomar a direcção superior da instrução em Portugal. 1831) encontram-se observações dos Satélites de Júpiter feitas na mesma cidade pelo Padre André Pereira. separando os domínios da ciência e da religião e modificando a interpretação. Além disso. Convém aqui observar que a Companhia de Jesus. Em Portugal era naturalmente este o principal papel da sua instituïção e fez ela grandes serviços ao nosso país e também a ela própria. concorreram alguns dos seus membros para o progresso das ciências físicas e naturais com trabalhos notáveis nelas elaborados. Já Galiléu tinha feito os seus descobrimentos em Física e já Kepler tinha achado as leis dos movimentos planetários. mostrou interessar-se pelo ensino da Astronomia e da Física. Nas Memórias da Academia das Ciências de Lisboa (t. Mas aquelas novas ideas filosóficas entraram e. Revelou-se aquele interesse pela criação de uma cadeira para o ensino desta ciência no seu Colégio de Santo Antão. espalhada a Ordem por terras cientìficamente inexploradas. viessem as heresias que lavravam além dos Pirinéus perturbar a paz religiosa. como já dissemos. pela publicação de alguns livros a ela consagrados por sábios da Ordem e pela publicação. mas também pelas vantagens que poderiam tirar do seu conhecimento os missionários que a Ordem espalhasse por terras de Além-mar. O seu interesse pela Astronomia era natural. no fim do século XVI da obra intitulada Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Jesus. XXXVII. de algumas passagens dos livros sagrados. Com tal descrédito perdeu muito a Astronomia. que a Astrologia asfixiara. e já começava a despontar nas escolas portuguesas a aurora da nova filosofia científica. 71 . O monopólio do ensino português pela Companhia de Jesus acabou quando o Marquês de Pombal reformou os estudos. um dos amparos da Astronomia.É certo que a igreja católica favoreceu sempre directamente e por meio das suas congregações religiosas a cultura científica e filosófica. Filipe II fundou uma Academia de Matemática em Madrid com o fim de preparar oficiais para o seu exército. João V. Com este declinar da navegação decaíu também a cultura matemática em Portugal. que ràpidamente crescia desde o começo das grandes navegações e pela justa reprovação pela igreja católica dos vaticínios que se referissem à alma. um grande golpe. mas com isto não se obtiveram frutos melhores. mas antes disso já recebera. no reinado de D. mas lucrou a Medicina. além disso. com a defesa do vasto império pontifício romano contra as reformas heréticas que o ameaçavam na sua unidade dogmática e com a dilatação daquele império por terras de além-mar. No reinado de D. mas no fim do século XVII. que assim quase se tornaram inúteis. isto é. lhe consagram longos capítulos. e com ela as Matemáticas. que acabaram por se tornar ridículas. separando a da experimentação e da observação. E como. com a queda da Física peripatética. que no reinado anterior tinha atingido a sua máxima grandeza. os pilotos deixaram de procurar o ensino e os conselhos dos cosmógrafos. mas os Jesuítas do passado só se preocupavam geralmente com o fim para que tinha sido instituída a Ordem. Por isso foi extinta e o ensino dela entregue aos jesuítas do colégio de Santo Isidro. em livros já aqui mencionados. Factos semelhantes se passaram na Espanha. Nos colégios actuais da Companhia de Jesus são os assuntos científicos cultivados com sucesso e ensinados com proficiência. por lhe faltar o estímulo que deu origem e impulso a esta cultura. em que aquela ciência se deve fundar. a arte de navegar se foi tornando cada vez mais rotineira. procurando somente evitar que prejudique o que há de essencial nas suas doutrinas. Eram para a Companhia de Jesus os pronúncios de acontecimentos que se aproximavam e mais tarde haviam de arrastar a Escolástica e os seus mestres em Portugal. pelo progresso do espírito crítico-científico. porque se dera a outras congregações religiosas a faculdade de preparar alunos para a entrada na Universidade e tinha já sido este ensino analisado e vivamente censurado pelo Padre Luiz Verney em um livro notável sobre o Verdadeiro método de ensinar. declinou ràpidamente a crença nos vaticínios astrológicos. Outro facto que concorreu para a decadência da cultura matemática em Portugal foi o descrédito em que dia a dia ia caindo a indústria astrológica. Vejamos um último facto que concorreu para a decadência da cultura matemática em Portugal. . mas os Jesuítas de Coimbra não seguiram no ensino os progressos desta cultura. Sebastião começaram a manifestar-se os primeiros sinais de decadência da navegação portuguesa. e esta decadência continuou primeiramente com lentidão e depois ràpidamente. mas esta escola nada contribuíu para o progresso desta ciência naquele país. No fim do século XVI estava ainda tão viva a Astrologia que Manuel de Figueiredo e André de Avelar. que deu origem a vivas discussões. para a levar a quimeras. continua a mover-se em virtude da velocidade adquirida. e a Península Ibérica fora a alma da Europa no período brilhante das grandes navegações. esmagava-a a descomunidade do seu império. não sentia atracção nem mesmo tinha aptidão para as ciências que exigem pensar profundo. foram ainda publicados outros livros sobre estes mesmos assuntos. independentemente das aplicações. podemos juntar outro aplicável a diversas formas de actividade nacional. Depois no século XVII. estacionou e outros países da Europa passaram-lhe adiante. impelido por uma força. Por isso não pôde resistir aos efeitos da depressão moral produzida pelas riquezas que vieram do Oriente e do esmagamento produzido pelo excesso de poderio. asfixiava-a o poder absoluto de monarcas incompetentes. e esta velocidade vai depois diminuindo em virtude das resistências que encontra. estava abatida e desmoralizada pelo excesso de riquezas vindas das suas colónias. como veremos. Nas colectividades. Assim Portugal. limitando a cultura das ciências matemáticas ao que era necessário para estes fins. O ensino da arte de navegar estava tanto nas tradições nacionais que nunca se interrompeu completamente. Dissemos a este respeito no discurso inaugural do Congresso do Porto das Associações Espanhola e Portuguesa para o Progresso das Ciências: Nos voos da ciência que se realizaram no século XVII. Depois que os estudos universitários foram reformados no século XVIII. é que se fez sentir mais a decadência. os dois povos puderam continuar com energia e pertinácia a obra colossal da colonização da América. Assim como o sólido. O futuro mostrou que não é assim. Distinguiram-se então no seu ensino Luiz Serrão Pimentel e seu filho Manuel Pimentel. 72 . neste declinar. as energias que restaram ao povo luso continuaram a ser aplicadas por tradição e necessidade à exploração e defesa dos vastos territórios que conservaram na América. depois de ter preparado a civilização moderna. mas o nível que atingiu neste período foi bem inferior àquele a que subiu no período anterior. apareceram. assim também o impulso dado à cultura da Astronomia e sua aplicação à Náutica antes da morte de Pedro Nunes continuou depois a exercer a sua acção.A estes motivos especiais para a decadência da cultura científica portuguesa. como no homem isolado. De facto. como no declinar do que é sublime há sempre alguma coisa de grande. Mas. abrasados todos por fanatismo religioso e um deles ainda por fanatismo guerreiro. tracemos agora a história desta cultura durante o período em que esta decadência se manteve. Por isso esta raça perdera a fé no seu futuro e adormecera sobre os louros colhidos. apesar de tudo isto. aos períodos de agitação seguem-se outros de adormecimento e torpor. muitos portugueses a cultivar com sucesso as Matemáticas. A raça lusa estava cansada por uma actividade desmedida sustentada durante quase dois séculos. cosmógrafos-mores do reino que publicaram a este respeito obras de algum interesse Na cultura das Matemáticas consideradas sob o ponto de vista filosófico. Vimos anteriormente que foram consagrados à Astronomia e à Náutica os últimos trabalhos publicados em Portugal no século XVI. Cultura da Matemática no período de decadência (1600-1772) Expostos os motivos da decadência da cultura matemática em Portugal que se seguiu à morte de Pedro Nunes. Poderá haver quem afirme que a raça lusa. nem às influências sectaristas que por diversos modos a assaltaram. isto é. não representaram papel importante nem espanhóis nem portugueses. quando a força deixa de actuar. guerreira e aventureira. mas esta acção foi dia a dia enfraquecendo. depois do ressurgimento da nossa cultura científica pela reforma dos ensinos universitários. No ensino da Geometria das cónicas e da Mecânica aplicam-se métodos analítico-geométricos elementares. Uma das coisas que mais impressiona o homem douto que lança olhar atento sobre o Universo. a Geometria de Euclides. apareceram em Portugal alguns escritos sobre Aritmética. se não subiram mais alto.Pertencia à Universidade fazê-las progredir. Por isso. No período de pobreza cientifica a que nos estamos referindo. os que se ocupam das ciências começam a estudá-las pelo que têm de útil. para se iniciar o estudo das Matemáticas. a Geometria das cónicas e a Mecânica com muitas aplicações à Artilharia. João IV. sob o título de Novo curso de Matemática para uso dos oficiais de Engenharia e Artilharia. mas só os homens de génio as podem encontrar e só os homens doutos convenientemente preparados as podem compreender. porque também eles não procuraram aproveitar mestres que criassem o amor às ciências e chamassem ao estudo dos seus progressos as pessoas que quisessem conhecê-las. Revelam porém tais trabalhos nos portugueses daqueles tempos atracção para o estudo das Matemáticas e que. Uma conclusão que se pode tirar deste facto é que a ciência dos números deve ser a mais bela das ciências para o homem cultivar. não se pode gozar a Música da razão sem a conhecer profundamente. são indispensáveis incentivos económicos. Ora em Portugal estes impulsos davam-nos a Náutica e a Medicina astrológica. Neste livro são consideradas a Álgebra. Ora a missão do bom mestre é faze-las compreender e admirar. a sua aplicação a Náutica e à Astrologia. Diremos de passagem que. Perdidos. Pelo contrario conservou fechada durante intervalos que somam cerca de noventa anos a cadeira destinada a tais ciências. Geometria elementar e Astronomia. extintos estes impulsos. ainda no tempo de D. por isso. é o papel que nele representam os números. os dois principais incentivos para o estudo das Matemáticas no nosso país. como veremos. sem originalidade apreciável. Dormem nas estantes das bibliotecas. para esta aplicação. publicou Manuel de Sousa em 1764. sem a intervenção da Geometria analítica. Foram com efeito criadas. para se começar o estudo das Matemáticas são necessários impulsos de ordem económica. e não serei eu quem os irá acordar. foi necessário esperar que nascessem outros. pròpriamente dita. emquanto que a música dos sentidos se pode gozar sem saber tocar. uma tradução em português do tratado publicado em França por Bélidor para os mesmos usos. Diz um matemático notável que a Matemática é a Música da razão. Para uso das Escolas mencionadas. mas são apenas trabalhos didáticos. Como dissemos noutro lugar. Como 73 . mas não inteiramente. e que não concorreram para se introduzir as descobertas dos grandes matemáticos europeus. O conceito é feliz. Isto desculpa um pouco os Jesuítas de as terem deixado ao abandono na Universidade de Coimbra. nem do cálculo dos infinitamente pequenos. como vimos. mais ou menos bem compostos. Mas estas modestas Academias e Escolas de ensino elementar nada concorreram para o progresso das ciências. foi por falta de preparação conveniente. repito. E tem-nas de facto. E no estudo do Mundo físico que as Matemáticas tiveram sempre as suas mais belas aplicações. Começa geralmente este estudo na juventude para se obter uma posição social que dê meios para viver e continua-se depois com interesse quando se pode avaliar o que neles há de engenhoso. mas. uma Academia de Artilharia e uma Academia de Fortificação e foram depois estabelecidas em alguns regimentos Escolas com o mesmo fim. e ela nada fez para isso. e por isso foi sempre aquele estudo a principal origem dos progressos daquelas ciências. nasceu depois outro com a aplicação delas à arte da guerra. porque deve ter belezas subjectivas correspondentes às harmonias que se observam no Cosmos. e apaixonam-se por elas quando sobem assaz alto para abranger o que têm de sublime. principiam a amá-las quando compreendem o que têm de belo. Foram porem precursoras de outros institutos mais altos que se fundaram mais tarde para os mesmos fins no século XVIII. o médico Jacob de Castro Sarmento. um povo que nos séculos anteriores marchara à frente da civilização mundial. J. por Sousa Pinto. publicado por Stockler no t. J. A Astronomia e a Arte náutica devem-lhe um trabalho importante sobre instrumentos de reflexão. Tomara medo ao progresso! Este abatimento da instrução em Portugal deu-se em todas as ciências e obrigou alguns espíritos de eleição. que foi muito elogiado no tempo em que apareceu21. quando precisa para os seus estudos de resolver questões numérica. Partiu e não voltou o médico Ribeiro Sanches. que viveu em Inglaterra. Por isso as ciências físicas e as ciências matemáticas caminham juntas. a Natureza é um livro numericamente escrito que a Matemática ensinou a ler. a linguagem escolhida da Matemática auxilia o físico. 1. Ali compôs em português um comentário à teoria de Newton sobre as marés. onde foi clínico da imperatriz Catarina. e. em compensação. ultra-conservador em política. a fugir de um meio tão pobre em cultura e a ir buscá-la além dos Pirenéus. Estava-se preso a Aristóteles e considerava-se a Física como assunto fechado pelo grande filósofo. fixando-o. e por isso estão fora do programa desta obra. e escreviam-se sobre elas monumentos de erudição artificial e subtil em fólios tão pesados como as doutrinas que encerram. Porto. de Barros e Vasconcelos: Observations et explications de quelques phénomènes vus dans le passage de Mercure audevant du Soleil observé a l'Hotel de Cluny. tornara-se. foi membro do Colégio dos Cirurgiões de Londres e subiu até sócio da Sociedade Real da mesma cidade. está todo nos fenómenos luminosos que Soares de Barros estudou durante as observações. com o louvável 21 22 Veja-se: A vida e a obra de João Jacinto de Magalhães. Partiu e não voltou João Jacinto de Magalháis. Os mais distintos partiram e infelizmente ou nunca voltaram ou voltaram tarde. I das suas Obras (Lisboa. em religião e em ciência. 1931. t. E. apesar da importância que tiveram porque o seu interesse. Assim.já dissemos. cuja fama voou até à Corte dos Czares da Rússia. Acrescentemos que o nosso astrónomo fez os seus estudos na Inglaterra e França e neste último país viveu muitos anos. o motivo do seu sucesso. mas voltou tarde. fornece-lhe temas que o levam a estudar os domínios da sua ciência e a abrir e explorar domínios novos. Partiu e não voltou. que esta alta instituïção científica o admitiu no número dos seus sócios22. a países onde as ciências floresciam. Paris 1753 74 . A Matemática é ao mesmo tempo uma lógica maravilhosa que dirige o pensamento no estudo das harmonias do Mundo físico e uma língua luminosa de símbolos que exprime e fixa aquele pensamento. trabalhando com o notável astrónomo De Lisle. não se procurava penetrar nos mistérios do Mundo físico e por isso também se não penetrou nos segredos do Mundo dos números. Era professor na Universidade de Évora e saíu de Portugal a fugir à Inquisição. Pode consultar-se a este respeito o Elogio de Soares de Barros. assim como a linguagem comum auxilia o raciocínio. nos tempos a que nos estamos referindo. O físico recorre ao matemático. Liam-se. que revelou aptidões tão notáveis para a Astronomia física nas observações que fez da passagem do Mercúrio diante do Sol em 6 de Maio de 1753 e em trabalhos sobre os satélites de Júpiter. assim também e mesmo com mais força. 1805). reliam-se e comentavam-se as suas obras e as dos Peripatéticos e Escolásticos que o seguiam. que se distinguiu nos assuntos da Física experimental de um modo tão notável que as maiores Academias da Europa lhe abriram as suas portas e os maiores sábios do seu tempo procuraram as suas relações. ávidos de sabedoria. voam juntas. Partiu e voltou. por defeito de educação. le 6 Mai 1753 et leur application pour la perfection de l’astronomie. publicados em 1755 nas Memórias da Academia de Berlim. à Paris. Mas em Portugal. Soares de Barros. progridem juntas. Não nos deteremos a analisar estes trabalhos. Acabou assim a longa noite que. Os matemáticos do século XVIII encontraram diante de si vastos domínios do Mundo dos números abertos pelo génio prodigioso de Newton. neste país ensinou e voltou depois a Portugal. Mas os efeitos perniciosos da escravidão em que se tinha vivido. Manuel de Azevedo Fortes. etc. os frutos que pendiam nos ramos mais baixos da árvore e era preciso trepar a ela para aumentar a colheita. de Euler. continuou a constituição da Dinâmica. que escreveu um livro notável sobre aplicações da Matemática à Engenharia. reinventou o Cálculo dos infinitamente pequenos sob forma mais subjectiva. de Mac-Laurin. outro homem de génio. por falta de preparação. e por isso foram menos felizes. José Monteiro da Rocha e José Anastácio da Cunha. abriu. Neste século. começaram a ser encaminhados para cá. sob forma mecânica de Cálculo das fluxões. Os matemáticos do século XVIII tiveram a boa sorte de colher os primeiros frutos da exploração destes domínios riquíssimos. dos Bernoullis e de D'Alembert. mas deixaram ainda muito que colher aos que vieram depois. que apareceu como uma maravilha na história da filosofia natural. o mesmo autor ajuntou à sua sã doutrina física um prefácio com doutrinas de ciência astrológica. Partiu. Encontraram já colhidos os frutos mais fáceis de colher. com a descoberta maravilhosa da lei da atracção da matéria. 75 . Já dissemos o que foi para as ciências o século XVII: século de linces que viam fundo e de águias que voavam alto. Apareceram então. os imensos domínios da Análise dos infinitamente pequenos. a teoria geral das curvas algébricas. na Holanda e na Inglaterra com um esplendor que só teve semelhante nos tempos áureos da velha Hélada. na Itália. abriu a dou trina das séries com a descoberta dos desenvolvimentos do bimónio. e os irmãos João e Jacob Bernoulli continuavam e aplicavam as doutrinas daqueles afamados geómetras. em 1772. com o estudo das curvas de terceira ordem. Este incomparável geómetra e físico continuou com sucesso a obra algébrica de Viète e Descartes. viu se obrigado a ir buscá-los a um país estrangeiro. Os matemáticos portugueses chegaram mais tarde. quando o Marquês de Pombal quis obter professores para o ensino das Matemáticas que fundou em Lisboa em 1761. Mas. agora começam a aparecer na sua literatura citações de Galiléu. Newton e Leibniz. sobre chagas.fim de fazer conhecer em Portugal a doutrina do grande fundador da Mecânica Celeste. Lagrange e Laplace. Descartes. dois portugueses de muito mérito. Leibniz. subiu à constituição da Mecânica dos Mundos. e. Portugal esteve vivendo em escravidão profunda que só começou a dissipar-se quando começou a produzir os seus efeitos a reforma da Universidade de 1772. da exponencial. do seno. século em que as ciências brilharam na França. estudou em França e Itália. A nossa pobreza científica era naqueles tempos tão grande que.. sobre fluxos de sangue. começara nos fins do século XVI e raiou para ela a aurora de um novo período luminoso. Felizmente não aconteceu o mesmo quando mais tarde. continuaram a fazer-se sentir pelo motivo que vamos expor. por uma contradição que surpreende. em que se fala da influência da Lua sobre as fúrias dos maníacos. na Alemanha. Então começam a aparecer na cultura da Matemática em Portugal a Álgebra moderna. como por milagre. a Geometria analítica e o Cálculo dos infinitamente pequenos. iniciada principalmente por Galiléu. para a Matemática portuguesa. Emquanto isto se passava na Inglaterra. fez progredir a Óptica e a Acústica. ensinando-se as novas doutrinas e habilitando os alunos a continuá-las. abriu. na Alemanha. reformou a Universidade de Coimbra e estabeleceu nela o ensino daquelas ciências em Faculdade autónoma. Então os maravilhosos mananciais que nas Matemáticas se tinham descoberto além dos Pirenéus. século das grandes generalizações e das hipóteses fecundas. etc. que se encarregaram deste ensino juntamente com dois italianos ilustres. teve o culto Ministro cuidado especial com a instrução. e então o rei e o povo. a agricultura e a indústria definhavam. uma nação arruïnada. Inquisidor. ajuntemos ainda que este período coincidiu com um período de lutas. um decrépito. lançou o seu olhar para a Universidade de Coimbra. Depois para se valorizarem os estudos. De oito monarcas que acabamos de mencionar só um. levantando-a assim a alturas a que nunca antes subira. preso a um sonhar constante na grandeza da igreja nacional. José ter subido ao poder. Pelo que respeita a instrução. começaram os empregos públicos a ser dados a quem tinha preparação científica para bem os desempenhar. organizado e disciplinado. O erário estava vazio e o povo empobrecido. unidos em um anelo comum de independência..Agora. o seu período de pobreza. só raros momentos de atenção prestara à cultura científica do seu reino. reformou as faculdades existentes e criou duas novas. Henrique. João IV. Quem fez este milagre? O Grande Ministro. legou ao seu sucessor. Assim. o período do seu resurgimento. tão ligado à reforma pombalina da Universidade de Coimbra. depois Pedro II. subiu ao trono português D. D. Manuel. se manteve cerca de dois séculos. Eis. Depois da tragédia de Alcácer-Quibir. José uma nação arruinada. O resurgimento da cultura das Matemáticas em Portugal pela reforma da Universidade de Coimbra Entremos no quarto período da história da cultura da Matemática em Portugal. e o país começou a prosperar. . cujas causas tinham começado a sua acção nos tempos de D. subindo mais. começou por fundar em Lisboa um colégio destinado a ensinar as ciências aos nobres que se destinassem ao serviço militar. Isto dá-nos o motivo por que a decadência das ciências. ocupou de novo o trono de Afonso Henriques um monarca português. que legou ao seu sucessor D. Sebastião José de Carvalho. José I. Governaram depois as terras de nossos avós três monarcas estrangeiros. convencido de que ela é a base primordial de todo o sólido progresso social. que definhava. O comércio. com o segundo ganhou pouco. Só beneficiava uma classe. Os reinados de Afonso VI e Pedro II foram de política baixa. Portugal estava próspero. um louco. João V. 76 . como já dissemos. o de João V de política de vaidade. D. reduzida a uma instituição quase inútil. e por fim D. colégio a que já nos referimos. Na sua formidável obra de organização do país. indecisões e desditas da nossa Pátria. que convém deternos algum tempo a falar desta reforma. ao terminar esta notícia sobre o terceiro período da história da Matemática em Portugal. Com a revolução de 1640. Mas isto era pouco. um imoral. que a explicam. Seguiu-se no trono Afonso VI. O campo de visão do Ministro era largo e. monarca faustuoso e pródigo. em termos breves. depois Conde de Oeiras e mais tarde Marquês de Pombal. Com o primeiro nada ganhou a ciência. D. um fanático. uma sombra. bateram-se gloriosamente pela emancipação da Pátria e venceram. a navegação. João V. destinadas ao ensino das ciências matemáticas e físicas. Lavrava a desorganização em todas as manifestações da actividade nacional. O faustuoso monarca pouco deixara de útil e muito deixara de estéril. o que foi politicamente Portugal no período que estamos a considerar. João IV. ocupou bem o trono de Afonso Henriques. a segurança era pequena em todo o país e a indisciplina lavrava perigosamente por todo ele.. D. com as suas loucas despesas. três reis castelhanos. Mas poucos anos depois de D. sobre os seus conceitos mais subtis. É uma Dissertação notável sobre o ensino das ciências. em sessão soleníssima realizada na Sala dos Actos Grandes. Encontram-se nelas notas profundas sobre a estrutura destas ciências sobre a sua divisão em ramos harmònicamente ligados. a mencionada reforma. que esclareçam as doutrinas ensinadas e os preparem para as aplicações que no futuro tenham de fazer delas. e onde se dão conselhos preciosos aos alunos e preceitos salutares aos mestres. concorda de um modo tão notável com as ideas modernas. Este volume é o manuscrito do Estatuto com que o Marquês de Pombal dotou aquela Universidade e que ele próprio levou a Coimbra quando ali foi inaugurar. pág. considerando principalmente os artigos que se referem às ciências matemáticas e físicas. de passagem. A respeito desta recomendação do Estatuto pombalino. Depois foi o conteúdo daquele volume impresso. como o são ordinàriamente os documentos desta natureza. primorosa no fundo e na forma. escrita em linguagem vernácula e elegante. Por este meio dá-se vida às teorias e eleva-se o espírito. tivemos sempre o cuidado de acompanhar. Criam-se pela primeira vez prémios para estimular os alunos na luta contra as dificuldades das ciências e instituem-se honras. obrigando a apresentar aos candidatos a estas profissões diploma de formatura. Não é23 este Estatuto um simples código de preceitos a seguir nas diversas faculdades universitárias.Para se avaliar esta reforma. determinando que os mestres obriguem os alunos a numerosos exercícios. cada doutrina da respectiva história. sobre o seu papel no estudo do Mundo físico. e por isso vamos falar deste documento célebre na História da Pedagogia. O que a este respeito diz. Nas universidades portuguesas não existe cadeira alguma com este destino. nos cursos que professámos durante mais de meio século nas Universidades de Coimbra e Porto. obrigando-o a olhar para o alto. é um monumento de sã pedagogia e elevada filosofia. onde todas as disposições são nitidamente explicadas e justificadas. mas nos. para os génios. da Filosofia e da Ciência portuguesa. ricamente encadernado e metido em luxuosa saca de prata. sobre a importância que têm para a educação do espírito. Recordarei aqui. escolas de investigação matemática. que hoje há em algumas universidades europeias cadeiras especiais para o ensino da história das ciências. Recomenda o mesmo Estatuto que à educação teórica se junte a educação pratica. com remunerações correspondentes. pág. a fim de se vulgarizarem as suas disposições. 98. e ainda que proponham aos mais distintos questões próprias para desenvolver a faculdade de inventar em alguns que a natureza tenha dotado de imaginação mais viva. quanto possível. que parece escrito por um sábio dos nossos dias. Para atrair os alunos reservam-se-lhes profissões em que apliquem o que aprenderam. que tantos serviços prestam nas universidades onde foram até hoje criados. e notámos quanto isto interessava aos alunos. Quem visita o Arquivo da Universidade de Coimbra vê nele um grosso volume escrito com excelente caligrafia. 77 . sobre os princípios gerais que lhes servem de fundamento. Aconselha-se aos professores e discípulos que associem ao ensino e ao estudo das ciências o da sua história. para os doutores que se tornem notáveis por publicações de trabalhos de valor. Na parte deste documento que se refere às Faculdades de Matemática e Filosofia há disposições muito notáveis tendentes a atrair os alunos para o estudo das ciências que elas ministram e para regular este estudo. etc. convém observar que nele está a indicação dos Seminários matemáticos modernos. o documento melhor que se possue é o Estatuto então elaborado. 92-93. 23 24 Panegíricos e Conferências. O Estatuto com que o Marquês de Pombal dotou a Universidade de Coimbra é um monumento que tem perto de dois séculos e todavia parece moderno. Panegíricos e Conferências. São muito notáveis as passagens do mesmo Estatuto consagradas a Filosofia das Matemáticas 24. pretendeu sistematizar as suas doutrinas. Desde a entrega dos ensinos universitários à Companhia de Jesus. O Estatuto pombalino expulsou-a das cadeiras que lhe não pertenciam. Para o ensino da Geometria adoptaram-se os Elementos de Euclides. verter para português ou latim alguns livros usados em França. com o seu Verdadeiro método de ensinar. e para uso dos estudantes de Mecânica traduziu o mesmo professor. era ainda necessário pôr nas mãos dos discípulos livros apropriados a completar o que ouviram. a obra consagrada a esta ciência pelo padre francês Marie (tradução de que foram publicadas edições em 1775. só conseguiu diminuir o sentimento desta religião e levar a Teologia a um formalismo seco. mas inspirou os autores dos outros capítulos. com isto. e por isso continuaram-se a usar como compêndios durante muitos anos livros franceses. que haviam já sido traduzidos em português por Angelo Brunelli. da mente com a fé. Antes da criação da Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra. Assim. Princípios Matemáticos. o domínio da ciência do domínio da religião. porque a língua francesa estava então pouco divulgada em Portugal. para ter livros de texto. 1801 e 1818). Na cadeira de Astronomia adoptou se o tratado de Lalande. depois de se organizar. e por isso se observa nas suas disposições perfeita unidade. que vivia nesse tempo em Franca. Os teólogos modernos separam a filosofia do natural da filosofia do sobrenatural. evitando assim nas almas dos crentes conflitos do cérebro com o coração. que não só compôs os capítulos que se referem às Faculdades de Matemática e Filosofia. 78 . porque os livros que tinham sido publicados cm Portugal sobre esta ciência. sendo a última em 1826. Em Geometria analítica e Cálculo dos infinitamente pequenos nada se tinha publicado em língua portuguesa. dogmático e estéril. foi um útil conselheiro. as obras de Álgebra publicadas no nosso país estavam todas escritas no estilo anterior à reforma de Viète. não bastavam as prelecções dos mestres.O seu principal autor foi Monteiro da Rocha. Mas este livro era pouco próprio para o ensino elementar. sob o título de Tratado de Mecânica. a Escolástica dominava em todas as cadeiras. Verney. A primeira obra consagrada à Geometria analítica e Cálculo infinitesimal de autor português foi a de Anastácio da Cunha e tem por título. Ribeiro Sanches. mas. Consideremos agora o Estatuto pombalino sob o ponto de vista filosófico. unindo em todo perfeito a Filosofia de Aristóteles e a religião cristã. à Geometria. escritos para uso da Náutica. foi um precursor a este respeito de Monteiro da Rocha. Para o ensino ser eficaz. o tratado de Aritmética de Bezout foi traduzido por Monteiro da Rocha em português em 1773 e esta tradução foi reimpressa diversas vezes. Adiante a analisaremos cuidadosamente. Foi por isso necessário. Bossut (1775). 1793. para a cadeira de Álgebra e Cálculo infinitesimal traduziu Monteiro da Rocha do francês para português os Élements d’Analyse mathématique de Bezout (tradução de que foram publicadas edições em 1774. A Igreja Católica. traduziu Nogueira da Gama em 1798 a bela obra de Lagrange: Théorie des fonctions analytiques e a interessante obra de Carnot: Méthaphysique du Calul infinitésimal. Para uso dos alunos que quisessem aperfeiçoar os seus conhecimentos em Análise matemática. 1785 e 1812) e o Tratado de Hidrodinâmica de. à Mecânica e à Astronomia. A Faculdade de Matemática fundada pelo Marquês de Pombal tinha quatro cadeiras respectivamente consagradas à Álgebra e Cálculo infinitesimal. Os alunos iam completar os seus estudos das ciências físicas e naturais na Faculdade de Filosofia também então criada. não satisfaziam ao programa da cadeira. subtil. as ciências náuticas e militares de que carecem os oficiais da armada e a parte indispensável das ciências auxiliares para o estudo daquelas. quando além dos Pirenéus se tinha já substituído na Física. era agora inadmissível. o Marquês de Pombal foi deposto do poder por D. Coimbra. Joaquim de Carvalho. quando nos centros cultos do estrangeiro já brilhavam com esplendor o espiritualismo de Descartes e seus discípulos e o positivismo de Galileu e Francisco Bacon. a Faculdade de Teologia. mais ou menos arbitràriamente postas. ensinavam-se. 79 . passara depois a florescer noutros países. A arte naval. sintetizando-a em hipóteses fecundas. José. que com o Marquês colaborara e com ele aprendera. Com a reforma da Universidade de Coimbra. ao qual fora confiada a composição da parte do Estatuto universitário consagrada a esta Faculdade. quando além dos Pirenéus se vinham substituindo nesta ciência as hipóteses estéreis. quando a Ciência estava cheia de hipóteses. A sorte da Ciência e da Filosofia em Portugal depois da morte de D. Foram elas a Academia Real de Marinha e a Academia Real dos Guarda marinhas. que foi depois completada com a criação de escolas técnicas e com a fundação da Academia das Ciências de Lisboa. então reorganizada pelo douto Bispo de Coimbra D. depois dos estudos e descobertas feitas depois da Renascença.Os escolásticos de Coimbra estavam ainda na fase medieval. em pleno regime absoluto. passaram a iluminar com a sua filosofia. deram-se em Portugal. mas a sua obra era tão forte que subsistiu e foi mesmo em alguns pontos continuada. como monumento de erudição e subtileza. classificado pelo Dr. em curso de três anos. quando corria o século XVIII. A primeira destas escolas preparava para a carreira naval e ainda para diversas carreiras militares e civis e ensinavam-se nela. ficou a sua filosofia racional e a análise profunda do pensamento humano. com influência no pensamento de Descartes25 foi a última grande manifestação da Escolástica medieval. a sua moral e a sua sociologia cristãs. A Náutica estava tanto nas tradições nacionais que as duas primeiras escolas técnicas criadas tinham o estudo da navegação nos seus programas. Ora. em 1777. autoridade nestes assuntos. das suas medidas e das suas relações. 1932. onde. José I Morto D. especialmente as da Águia de Aquino. livre de prisões teológicas. 25 Sessão inaugural do Instituto de Altos Estudos. antes da sua decadência política. a ciência do modo como os fenómenos se passam. A subordinação da Ciência à Teologia. também em curso de três anos. Por isso separaramse-lhes os estudos por diferentes Faculdades. mais elementar e mais especial. com os seus progressos. Foi seu fundador Martinho de Melo. começou a filosofia moderna a iluminar. O comentário dos conimbricenses à obra de Aristóteles. Francisco de Lemos. de que acabo de me ocupar. e as obras dos mais notáveis escolásticos. à filosofia das causas dos fenómenos e dedução lógica dos seus efeitos. as Matemáticas puras e aplicadas e a arte de navegar. Maria I. Está neste caso a sua reforma dos estudos. as Faculdades destinadas ao ensino das ciências em que a observação e as experiências representam um papel essencial. obra já aqui mais de uma vez mencionada. que não era estranhável na Idade Média. apresentara aos matemáticos novos problemas. com a reforma dos estudos da Universidade portuguesa em 1772. Na outra. que em Portugal se manteve até meados do século XVIII. os primeiros passos para a separação dos domínios da ciência e da religião e para a futura libertação política do país. suprimida nelas a parte científica que caira com o desabar da Física de Aristóteles e dos Sistemas astronómicos de velha Hélada. Das doutrinas do genial Enciclopedista de Stagira. que dominara toda a filosofia durante cerca de vinte séculos e que fora um como profeta em três religiões diversas. que tivera em Portugal uma situação privilegiada. Publicaram-se ainda neste século XVIII dois volumes da colecção de Memórias da Academia das Ciências de Lisboa onde se encontram escritos notáveis sobre diversos assuntos de Matemáticas puras e aplicadas e. Foi um belo acto de tolerância o da Academia das Ciências de Lisboa admitindo nesses tempos no seu seio como 80 . encorajando assim e favorecendo as investigações científicas. Anastácio da Cunha que. porque se chegara mais tarde. Os efeitos benéficos da reforma da Universidade e da criação desta Academia fizeram-se sentir depressa. para que não viesse perturbar o sono do país. pela Inquisição. que criando uma ciência portuguesa. mas não se ia tão atrasado como era de esperar em quem chegara tão tarde. como dissemos. as fronteiras de Portugal eram como uma barreira fiscal proteccionista fechada ao progresso europeu. continuando o que dissemos a este respeito quando falámos do Estatuto pombalino. Penetraram assim em Portugal as ideas filosóficas dos redactores da célebre Enciclopédia francesa do século XVIII. que ilustrara o seu espírito em meios de alta cultura do estrangeiro e lhe inspirou. artilharia e desenho. Na Universidade criou-se um curso de Hidrodinâmica. Laplace etc. mas já não foi possível evitar o contrabando. depois quis se novamente cerrá-la. D'Alembert. Ainda no mesmo século publicou Anastácio da Cunha a obra Princípios matemáticos. um de Astronomia esférica e outro de Astronomia newtoniana. consagremos algumas palavras à história do pensamento em Portugal no século a que nos estamos referindo. Maria I foi fundada em 1779 a Academia das Ciências de Lisboa. 1795). Em um facto porém se sentiu na Universidade a falta do Marquês de Pombal.que eram estudados principalmente na primeira das escolas mencionadas. Mac-Laurin. Lagrange. e no estudo das Matemáticas puras subiu-se até ao ponto de se poderem estudar os assuntos neste último curso pelo famoso tratado de Mecânica Celeste de Laplace. ideas que tinham sido combatidas com rancor além dos Pirenéus por católicos intolerantes e cuja entrada no nosso país se pretendia evitar. de que adiante falaremos. livro que ainda hoje pode ser lido com proveito. a fundação da Academia das Ciências de Lisboa. Antes do governo do Marquês de Pombal. directamente calculadas. tornou necessária a existência de uma alta corporação que julgasse do mérito dos trabalhos que produzisse e publicasse os que o tivessem. continuação da Mecânica dos sólidos. organizou-se o Observatório Astronómico de modo a servir simultaneamente para o ensino dos alunos e para indagações científicas. Pouco tempo depois. iniquamente condenado. sob os auspícios desta Academia publicou-se um livro de João Ferreira Cangalhas. e tão fechada que era quase impossível o contrabando filosófico. Também no reinado de D. Subindo agora mais alto. sem o intermédio das que eram publicadas por outros países. criou-se ainda em Lisboa em 1790 uma Academia real de fortificação. já em Portugal se ensinavam doutrinas de Newton. À sua Faculdade de Matemática foi roubado. porque os emigrados políticos o faziam e o fez o próprio tio da Raínha.. fundaram-se as Efemérides astronómicas. A fundação desta Academia foi uma consequência da reforma pombalina dos estudos universitários. desdobrou-se a cadeira de Astronomia em dois cursos. nunca mais lhe foi restituído. Ia-se nas Matemáticas atrás dos outros países. intitulado Opúsculos de Aritmética Universal (Lisboa. onde eram também estudadas as doutrinas matemáticas da balística a que leva à arte do artilheiro. onde o autor se ocupa de numerosas questões relativas à teoria dos números primos e de Análise indeterminada do primeiro e do segundo grau. Euler. e sobre elas se escreviam memórias. Duque de Lafões. Para instruir os oficiais dos exércitos de terra. por influência de seu tio o Duque de Lafões. a honra de ter fixado o. Tem-se atribuído à Filosofia responsabilidade nos desastres produzidos pelas revoluções que nos séculos XVIII e XIX se deram em diversos países. a segunda foi algumas vezes feroz e deu os sucessos de 1793 em França. direitos do povo. o grande D'Alembert. falando dos matemáticos que floresceram no referido período. mas que reviveu com o advento ao trono de D. como em todos os outros países europeus. uma filosófica e outra política. permitiu que se lhe abrissem as portas do Instituto de Bolonha. para a implantação do regime liberal. a graves perturbações sociais. da Revolução francesa. apesar de serem combatidas pelo Governo. Homens ilustres nas ciências ou nas letras foram perseguidos ou tiveram de fugir do país para evitar perseguições. Postas estas ideas gerais sobre a história do pensamento científico e filosófico durante o período que vai desde a reforma pombalina dos estudos até ao fim do século XVIII. Não há nada mais injusto. digamos de passagem. independentemente de quem a proclama e do modo como a proclamam. botânicos eminentes. Deu origem a esta última a miséria em que o povo vivia no meio do conforto e mesmo luxo das classes privilegiadas. A Filosofia representa a verdade. que então estava subordinado à sua autoridade... Alguns outros que dividiram os seus trabalhos por este século XVIII e pelo século XIX serão considerados na secção seguinte desta obra para não fragmentarmos o que temos de dizer sobre eles. e Anastácio da Cunha. os privilégios desapareceram. Esta revolução foi uma mistura de duas revoluções. por meio do feroz intendente da polícia Pina Manique e pela Inquisição. nova encarnação do espírito fanático de D. sim. entremos agora no objecto especial deste livro. À Filosofia cabe. que coincidiram. porque tinha a protegê-lo a verdadeira filosofia. Então as revoluções estalaram. foi o vulcão que irrompeu quando as leis naturais o determinaram. que se tinha imortalizado com a resolução de altos e difíceis problemas de Mecânica Celeste e com a redacção do maravilhoso discurso filosófico-científico que abre a referida Enciclopédia. que. que o Marquês de Pombal enfraquecera. Recordemos o Padre Correia da Serra e o Doutor Avelar Brotero. Com as novas ideas filosóficas transpuseram também as fronteiras portuguesas as ideas políticas. representante da razão. os governos absolutos desabaram. diferentes na origem. deslumbrado pela glória do celebre matemático e filósofo francês. e falou ao povo que trabalhava e sofria e falou às classes privilegiadas e estas classes não a atenderam. que mais tarde deram aqui origem. À Filosofia cabe a honra de combater a faculdade absurda de os monarcas poderem dispor livremente da vida e dos bens dos seus súbditos. O povo venceu. fixaramse os direitos e deveres dos monarcas. A primeira tinha em vista emancipar o pensamento filosófico do pensamento religioso e só foi violenta quando a Inquisição interveio. nos fins e na forma. E mais belo foi ainda. Em Portugal as ideas de libertação do pensamento e de libertação política conquistaram adeptos entre as classes doutas. Maria 1. que tiveram de emigrar. João III. o acto de tolerância do Pontífice Bento XIV. que se não sacrificariam se os privilegiados da sorte tivessem escutado os rugidos do vulcão.sócio correspondente o maior dos enciclopedistas. 81 . e de ter lembrado aos que o dirigem deveres esquecidos. que o Tribunal do Santo Oficio arrastou da sua cadeira de professor na Universidade à prisão de um convento. À Filosofia cabe a honra de combater as desigualdades de uma sociedade cheia de privilégios para as classes altas e de durezas para as classes populares. Para isto foi necessário sacrificar muitas vidas. que este mal conhecia. Olbers e Monteiro da Rocha Monteiro da Rocha e Olbers devem pois figurar juntos na história da Astronomia. Depois da descoberta da lei da atracção universal. que se tornou clássico. Vamos reproduzir aqui a parte essencial desta conferência. Outra Memória importante de Monteiro da Rocha que julgamos dever considerar aqui. A primeira memória que escreveu é consagrada à determinação das órbitas parabólicas dos cometas. Séjour e Lalande. os mais usados nesse tempo. mas estes métodos. colocando-se no ponto de vista geométrico. Memória que tinha sido apresentada à Academia das Ciências de Lisboa em 1782. Duarte Leite em um artigo que a respeito do trabalho do astrónomo português publicou nos Anais científicos da Academia Politécnica do Porto (t. Empregavam-se no século XVIII. Outros métodos mais exactos foram depois dados por Euler. este processo. mas não tão tarde que o não pudesse enriquecer com trabalhos preciosos. com algumas modificações de espaço a espaço. Tinha 48 anos de idade quando apresentou o primeiro. Lambert e Lagrange em memórias extremamente notáveis. continuaram a estudar os movimentos dos astros por meio de observações regularmente continuadas. pouco tempo depois da sua fundação. Monteiro da Rocha começou tarde a escrever trabalhos de investigação matemática. e foi apresentada à Academia das Ciências de Lisboa em 1782. sendo aliás modelos de elegância analítica e de interesse teórico. mas conduzem a resultados insuficientemente aproximados. Esta coincidência dos métodos empregados pelos dois astrónomos foi notada pelo Prof. Chegou por isso tarde às alturas deste Mundo. alguns astrónomos. X). antes de aparecer a de Olbers. mas cuja publicação tinha sido retardada até 1799. Satélites e Cometas. o qual deu dois métodos geométricos para o resolver. ocuparam se da dedução por meio da Análise matemática das consequências da aplicação da lei de gravitação aos diversos Planetas. publicada depois nos nossos Panegíricos e Conferências. outros. como sendo os primeiros inventores de um método prático para a determinação das órbitas parabólicas dos cometas.Monteiro da Rocha Monteiro da Rocha foi objecto de uma conferência que pronunciámos há anos na Academia das Ciências de Lisboa. e. Gastara muito tempo primeiramente em estudos teológicos e depois na organização dos estudos universitários e na tradução de livros para uso dos alunos da nova Faculdade de Matemática. e tivera ele próprio de procurar os caminhos. Os métodos de Lahire. que são obras primas de invenção. Ajuntemos que o astrónomo português fez aplicação do seu método ao Cometa de Halley. teorema empregado por Lambert. Academia de que ele foi um dos primitivos membros. como vamos ver. munido apenas de pequenos roteiros. estavam no último caso. ano em que saíu o primeiro volume da colecção de Memórias desta Academia. colocando-se no ponto de vista mecânico. Lacaille. Monteiro da Rocha está no primeiro do grupo de astrónomos a que acabamos nos referir: foi um astrónomo prático. Ora. não difere essencialmente daquele que encerra a Memória de Monteiro da Rocha. além disso. entrara no Mundo dos números sem guia. 82 . para esta predição métodos gráficos fáceis que davam os tempos dos contactos do Sol e da Lua em um lugar dado da terra com um erro inferior a um minuto e métodos analíticos que davam estes tempos com um erro inferior a um segundo. são astronòmicamente imperfeitos por motivo da dificuldade de suas aplicações. O primeiro processo prático que se deu para resolver o dito problema foi publicado em 1787 por Olbers. onde se mostra também que os dois métodos estão ligados ao de Lambert pelo belo teorema descoberto por Euler em 17447 que liga o tempo empregado pelo astro a descrever um arco de parábola ao comprimento da sua corda e aos vectores dos pontos extremos. é consagrada principalmente à predição dos eclipses do Sol. É bem sabido que o primeiro geómetra que se ocupou deste problema foi Newton. Rodrigo Ribeiro de Sousa Pinto. são notáveis não só pelo valor das memórias que nele publicou o nosso astrónomo. diz que as fórmulas de Monteiro da Rocha são mais simples do que as de Séjour e que o astrónomo português. problema de utilidade industrial proposto por Kepler na sua Estereometria. que tem de comum com o tonel não só as secções mencionadas. Outro trabalho notável sobre matemáticas puras de Monteiro da Rocha é o que tem por título Aditamento à regra de Fontaine para resolver por aproximação problemas que se reduzem às 83 . publicado em 1808 em língua francesa por Manuel Pedro de Melo em um volume intitulado Mémoires sur l’Astronomie pratique. e notas do tradutor. substitui-se-lhe um sólido de revolução geomètricamente definido aproximadamente igual em volume. nas questões desta natureza. que foi Director do Observatório Astronómico de Coimbra. Mas o método dado pelo astrónomo português é mais simples do que o do astrónomo francês. e da circunstância de referir o Sol e a Lua ao Equador. e esta simplicidade resulta do modo como aquele considerou as paralaxes.O método de Séjour. o mais analítico e o que conduz a resultados mais aproximados. mas ainda duas novas secções equidistantes daquelas. que analisou o trabalho de Monteiro da Rocha e o comparou ao de Séjour em uma longa notícia que deu daquele na Connaissance des temps para 1807. Do mesmo modo. não basta reconhecê-lo teòricamente. Em todos o sólido que substitui o tonel tem de comum com ele as secções extremas e a secção média. a melhor é uma que o Padre Pesenas publicou nas «Memórias da Academia das Ciências de Paris». Nos cinco primeiros volumes daquelas Efemérides encontram-se alguns outros trabalhos de Monteiro da Rocha de muito interesse para a prática desta ciência. para facilitar a sua aplicação. Delambre. foi o ponto de partida das investigações de Monteiro da Rocha. mas menos simples. que as fórmulas dadas por Monteiro da Rocha são as mais simples e as mais elegantes de todas as que conhecia. é necessário ainda tê-lo aplicado. O primeiro daqueles trabalhos é consagrado ao problema de medição do volume do líquido contido em um tonel. Ora um sábio português. A solução que assim obtém é mais aproximada do que as que tinham sido dadas anteriormente. em um opúsculo sobre o cálculo destas Efemérides. obteve os mesmos resultados por caminhos muito mais curtos. como disse Delambre. cheio ou não. tanto no caso de se querer medir a capacidade total do tonel como a de uma parte dele. Acrescentaremos porém ainda que Monteiro da Rocha foi o fundador destas Efemérides que têm continuado a ser publicadas até agora e que os volumes que apareceram no seu tempo. correspondentes a 1804 e 1807 e foi depois reunido a outros trabalhos astronómicos do mesmo autor. para julgar do valor de um método. emquanto que Séjour refere um destes astros ao Equador e o outro à Eclíptica. julgou dever calcular uma Tábua que a torna muito prática. Este problema só pode ser resolvido por aproximação e. como também por conterem algumas Tábuas de muita utilidade. diz. que aplicou durante muitos anos o método de Monteiro da Rocha ou cálculo das eclipses que figuram nas Efemérides publicadas por este Observatório. muito bem feitos. Mas. sem o despejar. de que acabamos de falar. Esta substituição tem sido feita de vários modos que Monteiro da Rocha enumera e examina. foi publicado pelo astrónomo em Suplementos aos volumes das Efemérides do Observatório Astronómico da Universidade de Coimbra. Dr. Por isso Monteiro da Rocha. O trabalho de Monteiro da Rocha. Os trabalhos puramente matemáticos de Monteiro da Rocha são menos importantes do que os seus trabalhos astronómicos. que não vinham então nas publicações análogas dos outros países. entre as soluções que se deram dele antes de Monteiro da Rocha o considerar. O nosso matemático emprega um novo sólido. aplicando o seu método aos eclipses considerados pelo astrónomo francês. Não os mencionaremos aqui para não fatigar. O tonel pode ser considerado como um sólido de revolução indifinível geomètricamente e para medir a sua capacidade. a uma memória que. O seu talento tinha principalmente uma feição prática. mas. aldea situada entre Douro e Minho. para a solução do problema considerado. na qual entrou no Brasil. Esta observação aplica-se a uma memória do Dr. Temos terminado a descrição e crítica das principais obras de Monteiro da Rocha. É uma memória cheia de doutrina sã sobre a convergência das expressões em que intervém o infinito. numa ocasião em que as casas que a Companhia possuía naquela cidade brasileira. e pertenceu à Companhia de Jesus. com outros membros da mesma ordem. Respondeu-lhe indirectamente Monteiro da Rocha. «Cada vez que tinha de resolver uma questão. A Análise e a Geometria auxiliam-se mutua mente. meditava-a profundamente até encontrar a solução mais fácil e levava o seu estudo até aos últimos promenores numéricos. Coelho da Maia obteve. ocupouse do problema das órbitas parabólicas dos cometas e deu a primeira solução pratica deste problema. em compensação. Ora Anastácio da Cunha deu duas demonstrações geométricas muito simples desta fórmula e censurou a Academia das Ciências não sòmente por ter posto a concurso uma questão tão simples. por meio de cálculos aterradores. Não mencionaremos aqui esta memória pelo que vale. 1. voando. levou Monteiro da Rocha a compor aquela de que acabamos de falar. a fórmula de Fontaine mencionada. compôs sobre o mesmo assunto outra digna de prémio. como entre parêntesis. mas que abandonou em 1759. O tema ficou assim bem defendido. Monteiro da Rocha nasceu em 1734 em Canavezes. mas por motivo de uma polémica a que deu origem. 1797) sob o título de Método de aproximação de Fontaine. cheios de desenvolvimentos em série desprovidos de rigor. Convém consagrar aqui algumas palavras. ocupou-se da medida dos tonéis e deu uma solução que excede em aproximação e não é inferior em simplicidade à melhor das que tinham sido dadas anteriormente. reproduzindo o que a este respeito dissemos nos nossos Panegíricos e Conferências: «Monteiro da Rocha não concorreu de um modo eficaz para o progresso do Mundo dos números. Foi publicado em 1797 no volume II das Memórias da Academia das Ciências de Lisboa. Neste trabalho revelou o nosso matemático mais uma vez a finura do seu espírito e a sua habilidade prática dando um modo notável de avaliar a convergência da fórmula de Fontaine. que foi premiada pela Academia das Ciências de Lisboa e publicada nas suas colecções (t. professor na Universidade de Coimbra. Estudou-a. que chega a surpreender por ser escrita nos tempos em que se tratavam tais questões com pouco cuidado e que pode ainda hoje ser lida com proveito. mas não a corporação que premiou a Memória. Assim. na Baía. Monteiro da Rocha que teve pois responsabilidade em ver premiada uma memória que o não merecia. Não criou teorias. mais convergentes do que a de Fontaine. Terminada a análise dos escritos científicos de Monteiro da Rocha. Coelho da Maia. ocupou se do problema da predição dos eclipses e deu um método mais fácil para o resolver do que os outros processos empregados no seu tempo. foram cercadas por forças militares. ocupou-se da regra de quadratura de Fontaine e deu pela primeira vez as condições para se aplicar com confiança». pela extensão. vamos agora dizer algumas palavras sobre a sua vida. mas há questões do domínio desta última ciência em que o matemático se lança inconsideràvelmente nas asas da primeira e. mas nada acrescentou de notável a respeito da sua convergência. apesar do seu pequeno mérito. autor do tema posto a concurso na memória anteriormcnte considerada. mas também por ter premiado uma memória tão medíocre. defendendo o tema proposto o qual exigia o estudo das condições de convergência da fórmula.quadraturas. como dissemos. resolveu problemas mais ou menos difíceis. esclarecendo-o com exemplos bem escolhidos e tirando da sua doutrina novas regras. consagremos algumas palavras à apreciação geral da sua obra científica. procura encontrar por fórmulas complicadas resultados a que esta leva por caminho simples. em 1752. porque o autor dela não estudara suficientemente esta parte difícil da questão. 84 . jovens como ele. ano em que se jubilou. muito apreciados no seu tempo. que escreveu uns Recreios filosóficos. Não sabemos como aprendeu as Matemáticas. chamou-o a colaborar na reforma da Universidade. Bispo de Coimbra. Espanha e França assentou praça no Regimento de Artilharia do Porto. Anastácio da Cunha Anastácio da Cunha tem sido apreciado de modos diferentes pelos matemáticos que têm falado dos seus trabalhos científicos. Anastácio da Cunha tinha convivido durante a sua residência em Valença com alguns oficiais estrangeiros protestantes muito ilustrados. Foi um grande exemplo de actividade intensa. Em 1762. em 1819. em 1773. Anos depois. o que é indispensável para bem se julgar a sua obra. na ocasião da guerra entre Portugal. vamos dar uma breve notícia sobre as condições em que viveu. como ele era. larga e fecunda. provàvelmente estudou a Aritmética. Mais tarde. Na composição do Estatuto da Universidade revelou-se como um grande organizador. onde foi educado. seguidos de cinco anos de deportação em Évora. foi vilmente denunciado ao Tribunal do Santo Ofício como livre pensador. deixam depressa atrás os seus professores e continuam sós no seu caminho. quando reformou a Universidade de Coimbra. informado do seu valor por D. que regeu com muito brilho até I de Julho de 1781 em que. Espusemos os resultados deste estudo em uma conferência que pronunciamos em 1925 no Congresso de Coimbra das Associações Espanhola e Portuguesa para o Progresso das Ciências. antes disso. resolvemos há anos fazer um estudo cuidadoso dos escritos que deixou. no ensino naquela Universidade revelou-se como um grande professor. nas observações e cálculos astronómicos revelou-se como astrónomo insigne e nas memórias que publicou revelou-se como sábio de elevado mérito. Os homens de talento invulgar. perto de Lisboa. onde recebeu a sua instrução em Matemática. tendo o grande estadista deixado o governo da nação.O seu talento revelou-se primeiramente na frequência da cadeira de Filosofia no Colégio da Baía e depois na frequência das cadeiras de Direito Canónico da Universidade de Coimbra. adquiriu rapidamente conhecimentos extensos sobre assuntos elevados desta ciência. Exerceu o ensino até 1804. o Marquês de Pombal. outros apoucando-os. e morreu em Ribamar. Anastácio da Cunha nasceu em Lisboa em 1744 e foi educado no Convento dos Padres do Oratório de Nossa Senhora das Necessidades. uns louvando-os com calor. comunicando esta resolução ao Reitor em duas cartas muito honrosas para o nomeado e ordenando que se lhe conferisse o grau de Doutor com as formalidades do estilo Foi-lhe nessa ocasião distribuída a cadeira de Geometria. quando esta reforma foi posta em execução foi encarregado da regência da cadeira de Mecânica. a Geometria elementar e os princípios de Astronomia no Colégio da Baía. . nomeou-o professor da Faculdade de Matemática desta Universidade. fazendo-se admirar pelo talento e pela facilidade com que por si mesmo. o Marquês de Pombal. Por isso o referido Tribunal condenou-o a três anos de reclusão no mosteiro em que fora educado. onde teve por mestre o Padre Teodoro de Almeida. fundando a sentença em factos que a Igreja Católica de hoje. Para formar sobre ele o nosso juízo. que tinham enfraquecido a sua primitiva fé religiosa. e depois continuou a caminhar sem mestre no estudo dos outros ramos daquelas ciências e no aperfeiçoamento dos conhecimentos que recebera naquele Colégio. Francisco de Lemos. aos dezoito anos de idade. não condena. e. sem auxílio de mestre. 85 .Mas. então aquartelado em Valença. tendo conhecimento dos seus méritos. com a sua tolerância ilustrada. resultados que vamos aqui resumir. os métodos sintéticos dos antigos matemáticos gregos. a pensar. foi-lhe perdoada uma parte delas. como faziam ordinàriamente os antigos geómetras helenos. reduzindo algumas vezes a demonstração à forma de simples verificação. ao qual o nosso geómetra assistiu vestido de hábito ridículo de penitente e com uma vela de cera amarela na mão. Nota-se também que o autor emprega ordinàriamente. passando pela Teoria das equações. mas contendo todas as peças silogísticas necessárias para lhes dar rigor. enumera-as primeiro e demonstra-as depois pelos meios mais curtos. Quando se percorre pela primeira vez este livro. no pequeno espaço de trezentas páginas. nota-se com surpresa que o autor. em geral. pela originalidade da exposição. lògicamentc. as proposições. com demonstrações. temos de nos colocar no ponto de vista filosófico. para averiguar se merece ficar registado. dando à exposição um aspecto de desordem. temos a impressão de que o autor propôs a si mesmo o problema de expor as matérias de um curso regular de Matemáticas puras lògicamente e no mínimo espaço. pelas Trigonometria plana e esférica. Por motivo do seu bom comportamento. o chamou para director deste estabelecimento. como é de esperar. a escrever e a ensinar. a demonstrar proposições obtidas por outra arte. quer trate de questões relativas a números. limita-se. mas. no dia seguinte àquele em que emendara as últimas provas dos seus Princípios matemáticos. impressos no intervalo de 1782 a 1787 são o único livro que Anastácio deixou acabado e é por ele que temos de avaliar o poder do seu espírito. Nesta desordem aparente há um certo encanto. Não chegou porém o infeliz matemático a cumprir completamente as penas a que fora condenado. abatida por tantos desgostos. Os Princípios matemáticos. mas na qual as proposições estão lògicamente encadeadas. quanto o permitia o estado precário da sua saúde. Jorge. curtas. Foi escrito para uso dos alunos do Colégio de S. deter-nos-íamos um pouco na critica deste método. Ao examinar esta disposição das doutrinas. No primeiro exame da mesma obra.Esta sentença foi lida em Auto de fé celebrado em 11 de Outubro de 1778 na Igreja do Palácio da Inquisição. quer trate das questões relativas a linhas. para que se possa conhecer o motivo dos defeitos de redacção do livro que acabamos de mencionar. evitando repetições e tratando 86 . mas não é como livro didático que temos de o considerar. sobe desde as primeiras noções da Aritmética e da Geometria até aos famosos problemas de máximos e mínimos considerados por João Bernoulli e Euler e para os quais Lagrange inventou o Cálculo das variações. um interesse especial. sem procurar saber como foram ou como poderiam ser descobertas. e para que estes defeitos sejam desculpados. porque não lhe foram restituídos os bens que lhe tinham sido confiscados e não foi reintegrado no lugar de professor da Universidade de Coimbra. tendo fundado a Real Casa Pia do Castelo de S. pela Geometria analítica e pelo Cálculo diferencial e integral Estudando-o depois detidamente. que. Se tivessemos de considerar esta obra sob o ponto de vista pedagógico. de modo que cada uma tem anteriormente aquelas de que depende. na História da Matemática em Portugal. e com ele o nome do autor. pela Análise algébrica. sem atender à sua divisão em ramos. Diogo de Pina Manique. Valeu-lhe nesta situação aflitiva o Intendente de Polícia. conservando-nos no ponto de vista em que nos colocámos. Nesta casa passou os últimos anos da sua vida. pela variação dos assuntos e meios de os tratar. Isto só teria vantagem no tempo em que foi publicado Para o avaliar hoje. vê-se também com surpresa que o nosso geómetra misturou as doutrinas de que trata. Não deduz. e nesta casa faleceu em I de Janeiro de 1787. só diremos que o autor conseguiu assim dar-lhe. Mas ficou em completa pobreza. Não ensina a investigar. Começamos por falar da vida atribulada de Anastácio da Cunha. Jorge. destinado ao ensino dos órfãos. nota-se que este largo espaço é percorrido. É com este critério que vamos examinálo. Feitas estas considerações gerais passemos a analisar sucintamente o modo como são expostas algumas das doutrinas que a obra encerra. quer seja elementar. inferior à unidade. que foi mais tarde apresentado por Cauchy. para julgar da convergência de cada série dada. a série é convergente». Mas devo assinalar uma aplicação que faz desta fórmula no desenvolvimento do seno da soma de dois arcos. Esta doutrina equivale ao teorema hoje clássico: «se a razão de dois termos consecutivos de uma série tende para um limite. Nas páginas que consagra à primeira teoria. Na parte do livro consagrada à Análise ha duas questões de que vou ocupar-me com alguma demora. manda comparar os seus termos com os desta progressão. que parece ter começado a compor nesta ocasião. Eram os Elementos de Geometria de Euclides adoptados como livro de texto para o estudo desta ciência na Universidade de Coimbra. A sua demonstração da fórmula de Taylor tem o vício das que tinham sido apresentadas antes dele e não difere delas essencialmente. Anastácio da Cunha não enuncia este teorema. Esta doutrina era exposta no século XVIII de um modo mal fundamentado. quando a ordem deles tende para o infinito. como o de Anastácio da Cunha. É bem sábido que só mais tarde deu Lagrange a primeira demonstração rigorosa por meio da consideração do resto da série. modificando demonstrações e ligações de teoremas. com o fim de abreviar e simplificar a exposição das doutrinas ou de aperfeiçoar ainda em alguns pontos a sua estrutura lógica. mas a sua doutrina resolve a questão da convergência da série proposta nos mesmos casos em que o teorema enunciado a resolve. Depois. no lugar em que dispunha de meios para mais ràpidamente a estudar. porque é nelas que melhor se revela a finura de espírito do autor: quero referir-me ao capítulo em que trata da teoria das séries e da teoria dos números irracionais. que não podia satisfazer um espírito. quer não. que imediatamente aplica à progressão geométrica decrescente. A esta doutrina das séries está ligada a dos números irracionais representados por potências de expoente fraccionário ou irracional. educado no culto do rigor do grande geómetra lógico de Alexandria. quando Anastácio da Cunha ali ensinou e foram o molde dos livros que consagrou a esta ciência nos seus Princípios matemáticos. que tinha sido obtida no século anterior por Newton pelos meios imperfeitos da Álgebra do seu 87 .cada doutrina. Na teoria do desenvolvimento das funções em série foi menos feliz. Mas como constituir uma doutrina geral e rigorosa das potências ? Conseguiu-o com um golpe de audácia para o seu tempo: definiu os números irracionais que têm a mencionada origem por meio da série exponencial de base qualquer. Daremos alguns exemplos destas modificações em uma nota no fim deste livro. começa Anastácio da Cunha por tratar das séries de termos positivos. sem alterar o que nele há de fundamental. que o leva a demonstrar simultâneamente e no pequeno espaço de uma página os teoremas da soma do seno e do coseno e os desenvolvimentos em série inteira destas funções. e dá de um modo preciso e exacto o critério para a sua convergência. molde que alterou em muitos pontos. Esta doutrina é depois aplicada pelo nosso matemático em diversos lugares da sua obra para demonstrar a convergência de algumas séries que emprega. que constitui a parte mais notável da obra do nosso matemático. preso à tradição grega. não quis empregar. Anastácio da Cunha é no século XVIII um dos precursores dos geómetras que no século XIX realizaram esta obra considerável da organização lógica dos novos domínios que se tinham aberto no Mundo dos números e os seus trabalhos e o seu nome devem figurar na história brilhante desta organização. 2.° A regra dos sinais na multiplicação. implicitamente usado por Euclides na sua teoria da proporcionalidade e explicitamente enunciado por Pedro Nunes na exposição que fez da mesma doutrina na sua Álgebra. Os postulados da Geometria racional e da Mecânica racional são limites dos postulados de Geometria física e de Mecânica física. entre eles: 1. um antigo discípulo publicou um manuscrito encontrado entre os seus papéis. onde se apresentam algumas ideas sobre as noções fundamentais desta ciência tão próximas das que actualmente se adoptam. Os Princípios matemáticos são a única obra que Anastácio da Cunha deixou impressa. demonstrada mais tarde por Cauchy. intitulado Ensaio sobre os princípios da Mecânica. 3. para reduzir a doutrina do nosso geómetra à forma moderna. Os matemáticos do século XVIII. preocupados em fazer frutificar e aumentar a grande herança legada pelos geómetras do século anterior. notando. com a análise crítica das doutrinas dos seus antecessores. fundada em postulados determinados. tornar explícitas algumas condições incluídas nas demonstrações e dar à intuïção geométrica um papel menos intenso. demonstrou que os números assim definidos gozam das propriedades fundamentais das potências dos números inteiros. não como uma lei natural. mas foi estendida à Geometria. e. Estava reservado aos matemáticos do século XIX a volta a esta tradição. Menos elogios merecem as passagens da obra consagradas à teoria geral das equações. Bastaria introduzir na exposição a palavra limite. Ao terminar esta análise do livro de Anastácio da Cunha.° A propriedade das funções contínuas de passar por zero quando mudam de sinal.tempo. notarei que Monteiro da Rocha censurou Anastácio da Cunha por ter colocado esta proposição entre os postulados da Álgebra. É de notar que este conceito é análogo ao de Poincaré sobre os postulados da Geometria. quebrando a tradição da forma rigorosa dos raciocínios dos geómetras gregos. 88 . de modo a precisar rigorosamente as condições para a aplicação de cada teorema obtido. e o nome do seu autor merece figurar na sua história entre os precursores dos analistas que mais tarde se ocuparam deles. empregando operações sobre séries.º Aquele a que actualmente se dá o nome de postulado de Arquimedes. o princípio da independência da acção das forças. Acabamos de analisar a obra matemática de Anastácio da Cunha e por esta análise vê-se que o seu autor foi principalmente um lógico distinto. que lastimamos não ter escrito obra desenvolvida sobre tal assunto. mas como uma hipótese. em outros termos. desenvolvendo para isso as grandes invenções por estes feitas. Notaremos neste Ensaio a separação da Mecânica geométrica. que é pobre e desordenadamente exposta. ou. A respeito deste último postulado. da Mecânica física. Depois da sua morte. Esta doutrina de Anastácio da Cunha abre de um modo notável as doutrinas modernas sobre os números irracionais. nota-se que os princípios tão subtis desta doutrina são estabelecidos com um rigor que não se encontra nos outros livros empregados no século XVIII para o seu estudo. e que a idea de separar a Mecânica física da Mecânica racional não é só hoje adoptada. não prestaram atenção à parte lógica das suas demonstrações. na Geometria e na Análise. mas é certo que no tempo em que viveram não se tinha dado ainda uma teoria lógica assaz clara dos números negativos. Na parte dos Princípios matemáticos consagrados à Análise e à Geometria dos infinitamente pequenos. que Anastácio da Cunha. direi enfim que o autor procurou apresentar explicitamente os postulados em que se funda. e a concepção do paralelogramo das forças. e ao seu temperamento nervoso e volúvel. Isto só teria importância se quisessemos analisar esta obra sob o ponto de vista pedagógico. Não poderia ser. 89 . que a sua obra é irrepreensível sob o ponto de vista lógico. Não falaremos aqui nem das obscuridades nem dos defeitos de redacção e disposição das doutrinas que se encontram em alguns lugares dos Princípios matemáticos. Estes defeitos serão certamente desculpados por quem atender as circunstancias em que o autor passou a sua vida agitada. A revisão lógica destes assuntos foi obra de muitos matemáticos eminentes do século XIX ao matemático português cabe a honra de ter sido um dos que primeiro se ocuparam dela. a respeito de todos os assuntos fundamentais considerados na obra do nosso geómetra. pelo que acabamos de dizer. que o levava a não se demorar no aperfeiçoamento da redacção dos assuntos. sob aquele ponto de vista. Não seria possível a um só homem escrever no século XVIII uma obra perfeita.Não se julgue. que mais tarde se havia de chamar Lord Wellington e a quem a sorte destinava um papel primordial no seguimento da Epopeia napoleónica. mas mal armada e desorganizada. a nossa situação na política internacional era muito perigosa para nós e a primeira consequência disto foi. a fim de conservar. que teve como resultado final a perda de Olivença. general prudente. que. de privações. e este grito correu de terra a terra desde a fronteira espanhola até às praias do mar. de actos de bravura. pelo menos nominalmente. Nestas circunstâncias. diante da ameaça do bloqueio continental. valentes. semelhante a bramido de fera. Em 1808 começaram para o povo português dias mais duros. que. porque Napoleão se julgava destinado a ser o senhor da Europa. Seguiu-se uma luta curta entre o exército britânico e as tropas de Junot. Esta massa formidável de gente patriota e valente. depois de atravessar a Espanha. ao abrir o século. sagaz e sabedor. encarnação do lendário Marte. a soberania. O nosso país hesitou e procedeu de modo que não agradou ao déspota. Os camponeses portugueses que se tinham levantado por todo o país contra o exército invasor eram patriotas. Mas isto não bastaria. e a Espanha.A cultura das Matemáticas em Portugal na primeira metade do século XIX Estado político do pais no referido período Ao abrir o século XIX estava no auge da sua glória Napoleão Bonaparte. ou loucura de quem se julga omnipotente. porque no dia anterior se tinha retirado para o Brasil. foram-lhes dadas por instrutores ingleses. A notícia da entrada de Junot em Portugal estendeu-se rapidamente pelo país. capazes de árduos trabalhos. arrastara na sua esplêndida órbita todas as nações que cercam a França. o qual mandou marchar para Lisboa um exército francês comandado pelo general Junot. acordou alvoraçado e soltou um grito de guerra. a guerra do nosso pais contra a França e Espanha coligadas. foram obrigadas a render-se e a sair por mar a caminho da França. não podia combater em batalhas campais contra os exércitos aguerridos da França. que mais tarde se haviam de transformar em honras de glória. Formaram-se então guerrilhas populares. mas. bem preparados 90 . ora aquela instrução e esta disciplina. faltava lhes a instrução e a disciplina militar. em quem estava ainda encarnada a alma heróica dos antigos Lusos. penetrou em Portugal sem resistência e por fim entrou na capital. Valeu-nos neste momento a Inglaterra. por uma série de vitórias brilhantes. exceptuando a Inglaterra. exército que. que. acordara também e mandara a Portugal um exército. porque mantinha sempre os seus sonhos de iberismo. para serem bons soldados. O génio altivo de Bonaparte. como velha aliada. que hostilizaram fortemente as guarnições militares que o general francês espalhara pelo país. Comandava este exército Artur Wellesley. sofredores. que não conhecia limites ao seu poder. depois de alguns revezes. Pretendiam dominar em Portugal a Inglaterra. onde já não encontrou a Corte portuguesa. aonde não podia levar os seus exércitos. de vencer econòmicamente a Gran-Bretanha. e então o povo português. teve o sonho grandioso. a França. que acabava de desembarcar em Vagos. aniquilando-lhe o comércio por meio de um bloqueio continental. e impôs a Portugal fechar os portos aos seus navios. por motivos políticos. A última invasão das tropas francesas foi a mais importante. uma pobreza que desconsola. teve a glória de o perseguir na própria França e de o bater em Tolosa. foi substituída pelo infante D. D. Comandava-a Massena. o Anjo da Vitória. mas depois veio a decadência cientifica. Subiu depois ao trono português D. que penetrou pela Galiza. Terminadas as guerras napoleónicas. a que nos referimos. foi obrigado a dar ao seu país uma constituïção. impediu que os estadistas que passaram pelo poder durante este período se ocupassem em melhorar a instrução nacional. Maria II. Miguel. Isabel Maria. Mais tarde. que tiveram para brilhante epílogo a vitória dos constitucionais em Almoster em 1834. onde lhe caíram as asas de Anjo. Veio primeiramente o exército comandado pelo Marechal Soult. E estas invasões não se fizeram esperar muito tempo. vê-se nos primeiros volumes riqueza de trabalhos que satisfaz. Ao mesmo tempo D. pois que. que só terminou quando terminaram as agitações que a causaram. que encontrou muito mudado. convenientemente preparado para repelir futuras invasões de tropas napoleónicas. irmão de D. e pôde-se assim formar em pouco tempo o exército anglo-luso. As Memórias da Academia das Ciências de Lisboa revelam bem esta decadência. para governar o reino como regente durante a menoridade dela. até aos meados do século XIX. Não correu pois propícia à cultura científica em Portugal a primeira metade do século XIX e houve mesmo neste intervalo dois períodos inteiramente impróprios para esta cultura: o período das invasões dos exércitos de Bonaparte e o período das campanhas para a conquista da liberdade. Também o estado de agitação do país durante a primeira metade do século XIX. D. Pedro concedeu a Portugal uma constituïção liberal. que é desnecessário aqui apresentar. Pedro e noivo da nova raínha. que depois. o maior dos Marechais de Napoleão. João morreu. que não podia ocupar dois tronos. em 1820. foi obrigado a retirar disperso para Espanha por veredas escondidas das montanhas. mistura bem equilibrada de serenos soldados britânicos e de bravos soldados portugueses. abdicou dos seus direitos à coroa de Portugal em sua filha D. quando D. como rescaldo de grande incêndio. O impulso dado pelo Marquês de Pombal no século XVIII à instrução pública portuguesa com a reforma dos estudos fora porém tão enérgico. Entretanto o Brasil. perseguiu-o na Espanha. caminhou até ao Porto. Além disso a publicação destas Memórias esteve interrompida desde 1800 até 1814. emquanto viveram os sábios educados naquele século. mas. em que começou um longo período de paz bem desejada e bem merecida. proclamou a sua independência sob o cetro imperial de D.para isso. repelido por soldados portugueses. Maria e nomeou. sua irmã D. Miguel. a aumentar de volume a volume. Pedro. as ideas políticas tinham avançado tanto no sentido liberal que. filho primogénito do monarca português. preparando assim o acto final da Epopeia napoleónica. Seguiram-se seis anos de horrores em que as vítimas foram os liberais. e depois. que continuou a exercer a sua acção benéfica nos primeiros anos do século XIX. mas a agitação política continuou. onde o venceu em Vitória. percorrendo-as. O exército anglo-luso expulsou-o de Portugal. traíu o juramento de fidelidade à constituïção e à raínha e perseguiu ferozmente os liberais. cuja civilização tinha progredido muito com a permanência durante alguns anos da Corte portuguesa no Rio de Janeiro. 91 . Pedro. Miguel e D. constituïção que ele próprio em breve rasgou por influência nefasta sobre o seu espírito débil da Raínha D. logo que tomou posse do governo. Pedro. Durante a sua permanência no Brasil. regressou D. e os algozes os absolutistas e fecharam este período dois anos de lutas militares entre os exércitos de D. como ele lhe chamava. Carlota Joaquina. João VI a Portugal. Terminadas as campanhas da liberdade, pretenderam os vencedores reformar a instrução no sentido democrático, mas passaram o tempo em discussões estéreis e em reformas efémeras e só perto dos meados do século se conseguiu fazer a este respeito alguma coisa de sólido. Extinguiram-se então a Academia de fortificação e as duas Academias de náutica fundadas no tempo de D. Maria I e criaram-se, para as substituir, em Lisboa, a Escola Politécnica, a Escola do Exército e a Escola Naval, com organizações mais perfeitas e estudos mais desenvolvidos do que os dos institutos suprimidos. Na Escola Politécnica preparavam-se os alunos com os conhecimentos matemáticos e físicos de que precisavam para os estudos da Engenharia civil e da Arte militar, que se faziam na Escola do Exército. Nos mesmos tempos transformou-se uma Academia elementar de comércio e marinha, destinada a preparar negociantes e pilotos, em uma Academia Politécnica, que tinha por principal missão preparar engenheiros civis. Na Universidade de Coimbra, onde, no que respeita às Matemáticas, os programas se vinham alargando e levantando desde a reforma pombalina, continuaram a alargar-se e a levantar-se, desdobrando cadeiras, passando algumas doutrinas mais elementares para os liceus, criados no período considerado, prolongando a duração da formatura de quatro a cinco anos e substituindo os livros de texto primitivamente empregados por outros mais desenvolvidos e mais modernos. A nacionalização do ensino, pelo emprego de livros de texto compostos por professores portugueses só começou a realizar-se na segunda metade do século XIX. No período que vai desde o começo do século XIX até ao nosso tempo, foram publicados em Portugal numerosos escritos sobre ciências matemáticas, mas são poucos os que merecem ficar assinalados na sua história. A maior parte deles só têm interesse didático, e, entre os que não estão neste caso, há muitos que são erróneos ou simples imitações de trabalhos estrangeiros. Pode-se ver a lista completa destes escritos no Catálogo de Rodolfo Guimarães citado na nossa Introdução ao presente livro. Vamos mencionar os que têm algum interesse cientifico, limitando-nos aos que foram compostos por autores anteriores ao meado do século XIX. Já dissemos algures que a Matemática é um Mundo de números com planaltos, colinas e montanhas. É fácil caminhar naquelas planuras e colinas, mas ha nele altos montes a cujos cumes só podem subir os montanheses experimentados e ha píncaros escarpados a que só podem subir as águias do pensamento. Ora tais águias não apareceram no período que vamos considerar, mas apareceram homens inteligentes e sábios, dotados de mais ou menos engenho, uns enamorados dos encantos da arte sintética dos Euclides, dos Newton e dos Huyghens, . . ., outros da elegância de estilo analítico dos Euler, dos Lagrange, e dos Gauss, ..., a estudar as descobertas dos grandes geómetras de diversos tempos, para as explicar ou generalizar, ou para tirar delas proveito para fins determinados. É da obra destes sábios portugueses que vamos agora ocupar-nos, começando pelos que apareceram nos fins do século XVIII, discípulos ou continuadores de Monteiro da Rocha e Anastácio da Cunha. Analistas e Geómetras Recordemos primeiramente Garção Stockler, que foi aluno da Universidade de Coimbra, depois professor na Academia Real de Marinha e Secretário da Academia das Ciências de Lisboa. Stockler foi ao mesmo tempo historiador dentro das Matemáticas e cultor hábil da Análise. Como historiador legou-nos o Ensaio histórico das Matemáticas em Portugal, já por nós aqui apreciado, e escreveu com brilho literário e elevado conceito científico os elogios históricos do ilustre astrónomo português Soares de Barros e do grande geómetra francês D'Alembert, que foi, como já dissemos, sócio correspondente da nossa Academia de Ciências, elogio em que este grande homem e magistralmente apreciado como matemático e como filósofo. 92 Como analista, legou-nos Stockler, além de dois trabalhos didáticos sobre a doutrina dos limites e dos infinitamente pequenos, cuidadosamente redigidos sob o ponto de vista lógico, quatro memórias publicadas nas colecções da Academia das Ciências de Lisboa, nas quais se nota muita sabedoria e notável engenho, mas falta de rigor no emprego das séries. Mas este defeito não é estranhável, porque a doutrina deste algorítmo estava ainda no seu tempo em estado muito vago e o mesmo defeito se encontra em escritos de grandes geómetras estrangeiros do mesmo tempo. O que acabo de dizer aplica-se em especial à memória que em 1797 publicou nas referidas colecções: Sobre os verdadeiros princíipios do cálculo das fluxões. Nesta memória procura o autor primeiramente explicar o que a respeito destes princípios escreveu Newton e depois procura dar uma solução geral do problema da determinação das fluxões, ou, como hoje se diz, das derivadas das funções. Mas, nesta segunda parte, a sua doutrina não é rigorosa. Parte, com efeito, da possibilidade de as funções de uma variável poderem ser sempre desenvolvidas em série convergente ordenada segundo as potências desta variável, sem a demonstrar, e depois faz depender o problema da derivação de cada função especial do problema do seu desenvolvimento em série. Notarei que esta doutrina é semelhante no modo de ser tratada e na falta de rigor à que foi apresentada por Lagrange na sua célebre Théorie des functions analytiques, publicada no mesmo ano, 1797, em que apareceu a memória de Stockler, obra que por isso o nosso matemático não conhecia. Em ambos os trabalhos as derivadas de cada função aparecem como coeficientes do seu desenvolvimento em série ordenada segundo as potências do aumento da variável, sem se demonstrar primeiramente a possibilidade de um tal desenvolvimento. Convém todavia notar que a memória de Stockler é muito inferior à obra de Lagrange, onde se admira muita doutrina sã e, além disso, a beleza de forma e elegância de cálculo que este grande geómetra sabia dar aos seus escritos. Convém ainda recordar aqui que a doutrina dos desenvolvimentos das funções em série ordenada segundo as potências inteiras e positivas da variável só começou a ter rigor quando Lagrange, no seu Calcul des fonctions, entrou em consideração com o resto da série. Ajuntemos que a memória de Stockler foi atacada, ora bem, ora mal, na Monthly Review, de Edimburgo, e que, ora bem, ora mal, respondeu Stockler em um opúsculo publicado em 1800 sob o título de Lettre à Mr. le Rédacteur des Monthly Review. Outro trabalho notável de Stockler tem por título Memória sobre funções simétricas e produtos infinitos (Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, t. II, 1799). Começa o autor por dar uma demonstração das fórmulas que na Álgebra ligam os coeficientes de uma equação algébrica às somas das potências de igual grau das suas raízes, fórmulas que tinham sido dadas sem demonstração por Newton na sua Arithmetica Universalis. Esta demonstração, em que intervêm séries, é semelhante na essência, mas menos simples no cálculo, à que dera Lagrange no seu Traité de la résolution des équations numériques, livro que fora publicado em primeira edição no ano anterior e que certamente Stockler não conhecia. Depois o nosso matemático aplica as fórmulas mencionadas à transformação de produtos infinitos em séries e à transformação de séries em outras mais apropriadas ao cálculo numérico. Esta memória pertence a uma espécie de literatura matemática formalista, em parte empírica e em parte lógica que foi principalmente cultivada no século XVIII e no primeiro quartel do século XIX, na qual literatura as leis e regras relativas a somas ou produtos de um número finito de termos ou factores são estendidas sem demonstração aos casos em que este número é infinito. É interessante notar que, apesar da falta de rigor lógico, estas doutrinas levaram os matemáticos a resultados admiráveis na Física e na Mecânica dos astros. Recordemos que, com séries cuja convergência não demonstraram, conseguiram grandes geómetras dos séculos mencionados chegar à previsão de fenómenos celestes e que a comparação dos números obtidos 93 por meio delas com os dados pelas observações directas dos fenómenos, mostrou que eram eficazes para o seu fim. A parte da Matemática a que nos estamos referindo, só começou a ter rigor perfeito, como já dissemos, depois dos trabalhos de revisão lógica dos princípios da Análise feitos no século XIX; mas, apesar disto, os métodos anteriores são ainda hoje aproveitados nas questões de aplicação em que a doutrina é vaga ou a lei dos termos das séries empregadas desconhecida. É bem de notar que a doutrina da segunda das memórias de Stockler mencionadas, está, no que respeita à lógica, em condições diversas da primeira, porque nesta as séries intervinham para a demonstração de uma teoria fundamental e naquela aparecem com o fim de obter resultados numéricos que estão sujeitos a verificação. As séries podem ser empregadas sem grandes cuidados, pelo que respeita a convergência, como instrumentos de indagação, mas nunca como instrumentos de demonstração. A segunda memória de Stockler está no primeiro caso, a outra no segundo. Observemos finalmente que, sem a audácia no emprego das séries, a Matemática estaria ainda hoje muito atrasada no que respeita às aplicações. Dissemos anteriormente que nas demonstrações dadas por Lagrange e Stockler das fórmulas de Newton que ligam as somas das potências das raízes das equações algébricas aos seus coeficientes intervêm as séries. Esta doutrina sai assim fora da Álgebra, aparecendo vestida de roupagens elegantes, mas emprestadas. E todavia não é isto necessário. Com efeito, João Evangelista Torriani, professor na Academia Real de Marinha deu, em 1812, no tomo III das Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, uma demonstração das referidas fórmulas que tem a qualidade importante de ser puramente algébrica. Este mesmo distinto algebrista analisou profundamente e desfez a doutrina de Wronski relativa à resolução geral das equações algébricas em um trabalho premiado pela Academia mencionada e publicado na sua colecção de Memórias (t. VI, 1819). Ocupemo-nos agora dos trabalhos de Manuel Pedro de Melo, discípulo de Anastácio da Cunha em Lisboa e depois de Monteiro da Rocha na Universidade de Coimbra e por fim professor da Faculdade de Matemática desta Universidade. Residiu algum tempo em Paris, onde teve relações com Delambre e onde publicou uma edição em francês dos principais trabalhos astronómicos de Monteiro da Rocha com anotações que esclarecem alguns pontos. O mais notável escrito que temos de Pedro de Melo é uma Memória sobre binomiais publicada nas colecções da Academia das Ciências de Lisboa (t. IV, 1815). Nesta Memória o autor começa por apresentar numerosas relações entre os coeficientes do desenvolvimento newtoniano do binómio; depois relaciona as factoriais de Vandermonde e Arbogast, isto é, os produtos de factores equidiferentes com aqueles coeficientes; e por fim, como consequência destas relações deduz muitas propriedades das factoriais e, em especial, a fórmula conhecida pelo nome de binómio das factoriais que Kramp tinha obtido por meio de uma indução imperfeita. A Memória de que acabamos de falar é digna de ser notada. Não há nela talvez fórmulas novas; mas há a unificação de duas doutrinas que se expunham por modos independentes, tornando-se uma corolário de outra. O matemático português de que estamos a falar teve a honra de ver premiado um dos seus trabalhos, consagrado à composição das forças, pela Academia das Ciências de Copenhague com uma medalha de ouro em concurso por ela aberto. Infelizmente este trabalho perdeu-se por um concurso de circunstâncias impressionantes: o manuscrito foi destruído por um incêndio que 94 mas estão ambos em erro. premiada e publicada pela Academia das Ciências de Lisboa (Memórias da Academia das Ciências de Lisboa. seguindo uma indicação de Brocard. Valente do Couto. publicada em 1812 nas Memórias da Academia das Ciências de Lisboa (t. porque o trabalho de Olivier foi publicado em 1826 no Jornal de Crelle e o de Margiochi fora já publicado antes. Comecemos por mencionar uma Memória importante sobre métodos de aproximação em Trigonometria plana e em Trigonometria esférica. É bem sabido que em muitas questões de Astronomia e Geodesia se substituem os triângulos pequenos por triângulos planos. publicou nas Memórias da Academia das Ciências de Lisboa (t. III. no seu Catálogo. 18l4). Não devemos também deixar de recordar aqui Mateus Valente do Couto. Lastimando este facto. A conclusão é exacta. Da doutrina porém de Margiochi. leis que indica e que hoje se chamam propriedades combinatórias. 1821) um trabalho sobre a resolução geral das equações algébricas. a demonstração verdadeira foi encontrada mais tarde pelo génio de Abel. O modo como Margiochi estuda estas duas questões não difere essencialmente da que empregara Anastácio da Cunha e é estranhável que o não cite. em 1821. t. No que respeita às séries. Secretário daquela Academia. Francisco Simões Margiochi. como nesta síntese não cabem as equações de grau superior ao quarto. o autor considera as operações algébricas como combinações de letras. atribui a Luiz Olivier o ter dado pela primeira vez aquela forma das raízes e este método. anteriormente aqui analisados: quero referir-me à doutrina das séries e à doutrina geral das potências. conclue que estas equações não podem ser resolvidas algebricamente. é necessário conhecer o limite do erro que resulta dela para cada elemento desconhecido do triângulo dado. VII. porque há nela doutrinas que têm relações com doutrinas dos Princípios matemáticos de Anastácio da Cunha. de que vamos agora ocupar-nos. Para esta substituição ser aproveitada com confiança. recorrem ambos como 95 . disse-me há anos o ilustre matemático Zeuthen. publicada nas Memórias da Academia das Ciências de Lisboa (t. Agora vamos falar dos que consagrou àquelas ciências. Seguindo o caminho aberto por Lagrange na célebre Memória que consagrou às equações algébricas. apresentam ambos os mesmos teoremas. porque. 1814). Com efeito. com as mesmas demonstrações e as mesmas lacunas. em que pretende mostrar que as equações de grau superior ao quarto não são solúveis por meio de radicais. fica de aproveitável uma forma das raízes que o levou a um método uniforme para a resolução das equações dos quatro primeiros graus. No que respeita às potências. Deve-se ainda a Valente do Couto uma dissertação filosófica notável sobre a génese das operações em Aritmética e Álgebra. na sua Memória. Rodolfo Guimarães. professor na Academia Real de Marinha. mais tarde citaremos alguns dos que consagrou a esta. III. sob o título de Fundamentos da Algoritmia que devo aqui mencionar. que a Memória perdida era certamente notável. III). mais fáceis de resolver. que podem representar números ou objectos.devorou a biblioteca daquela Academia na ocasião do bombardeamento da cidade por navios da Grã-Bretanha e a cópia que o autor conservava em Coimbra foi destruída por outro incêndio que devorou a casa que habitava. digna de ser lida ainda no nosso tempo. mas a demonstração é defeituosa. Existe outra memória de Margiochi. sujeitos a certas leis que as caracterizam. por uma acta desta corporação se via que tinham sido muitos os concorrentes ao prémio proposto. Ora. considera os diversos casos de resolução dos triângulos esféricos e dá fórmulas e Tábuas para em cada caso se calcular o grau de aproximação com que se obtêm os elementos procurados. Margiochi reune em síntese geral as doutrinas relativas às quatro dos quatro primeiros graus e. que foi professor na Academia Real de Marinha. e deixou trabalhos importantes sobre Matemáticas puras e sobre Astronomia. Há mesmo nela doutrina muito próxima das ideas modernas no que respeita ao assunto a que é consagrada. À Memória de que acabamos de falar juntou outra Francisco de Paula Travassos. mas sim de analogias. Este método apareceu a Dantas Pereira como consequência de um estudo sobre o círculo dos valores numéricos de um polinómio inteiro. como fèz notar o falecido professor da Universidadc do Porto Dr. professor na Academia dos Guarda Marinhas. 96 . Pelo que respeita à Mecânica. notou a analogia entre as potencias e as diferenças de qualquer ordem das funções. manejada como a Álgebra ordinária. evita longos cálculos em vários assuntos em que intervêm estes símbolos. estudam as propriedades destas operações que são independentes da função e formam assim uma Álgebra simbólica que. Os autores consideram seis símbolos. entre outros trabalhos. É justo mencionar também aqui José Maria Dantas Pereira. 1799). Leibniz notou a analogia entre as potências e diferenciais na fórmula que dá a derivada de qualquer ordem do produto de funções. trabalho que merece atenção porque nele se encontra um método para a resolução das equações numéricas do qual não difere essencialmente o que deu mais tarde. em 1819. semelhante ao de Valente do Couto. que foi publicada em 1814 nas colecções da Academia das Ciências de Lisboa (t. etc. há pouco mencionado. mas os resultados a que tal cálculo conduz não são nela estabelecidos com a clareza que deve ter uma boa demonstração. II. Encontra-se neste mesmo trabalho um estudo interessante sobre as operações algébricas consideradas sob o ponto de vista combinatório. mas a exposição de Anastácio da Cunha é mais perfeita.definição a série da exponencial de Newton. que representam respectivamente: o valor que toma uma função quando às variáveis se dão aumentos determinados. o único tratado de interesse que se publicou em Portugal no período a que nos estamos referindo. já aqui mencionado. III). que muito esclarece a doutrina daquela. Inspiraram-lhes esta Memória trabalhos de Leibniz. a operação inversa da anterior. publicado nas Memórias da Academia das Ciências de Lisboa (t. Margiochi e Valente do Couto. publicaram conjuntamente uma Memória com o título de Cálculo das notações. a diferencial da função e o seu integral. Luiz Woodhouse em uma comunicação apresentada no Congresso das Associações Portuguesa e Espanhola para o Progresso das Ciências. que. a diferença entre os dois estados da função. mas tratado de um modo mais abstracto. obtiveram por meios simples resultados que pelos métodos ordinários exigem longos desenvolvimentos. Ajuntemos que Margiochi pretende demonstrar a fórmula de Newton directamente para o caso das potências de expoente inteiro como meio de sugerir a definição de expoente qualquer. Todavia. mas Lorgna mostrou que a não tinha. seguindo na mesma via. sob o título de Ensaio sobre as brachistochronas. seguindo ideas metafísicas de Wronsky. correspondentes a valores inteiros da variável. por meio de adições de series aritméticas. o matemático suíço Horner nas Phylosofical Transactions de Londres. tem por autor Francisco de Paula Travassos. Lagrange e Laplace sobre certas questões desta natureza. aplicando-o a diversas questões. é fundamentalmente falsa. e apareceu em 1799 nas Memórias da Academia das Ciências de Lisboa. a operação inversa desta. pretendendo criar um cálculo simbólico desta natureza com força de demonstração. Os dois matemáticos de que acabo de falar. Margiochi e Valente do Couto pretendem remediar os defeitos da doutrina de Laplace na exposição sistemática do cálculo das operações feito na Memória mencionada. Lagrange. sem contudo levar à convicção de que não se trata de um modo de demonstração. deixou um intitulado Reflexões sobre certas somações dos termos das séries aritméticas aplicadas às soluções de diversas questões algébricas. mas a prova que pretende dar. Laplace quis ir mais longe. astrónomo da expedição de Pedro Álvares Cabral. recordaremos as que se referem à determinação das suas coordenadas. e aprovado pela Academia de Ciências de Paris26. atingira o seu esplendor com Pedro Nunes e rejuvenescera com Monteiro da Rocha. e nenhum deles subiu ao estudo de problemas cosmológicos difíceis ou de questões altas de Mecânica dos Mundos. Os trabalhos astronómicos foram inaugurados no Brasil pelos portugueses antes de este país se separar da nação-mãe. outros prestou a Academia de Ciências de Lisboa à mesma ciência com a publicação de Efemérides para uso das navegações. Paula Travassos aplica-lhe o método de Lagrange. figuram em maioria os astrónomos. onde o autor apresenta um novo método para o cálculo das distâncias lunares. Não admira. para assim dizer. João III.º Um opúsculo de Francisco de Paula Travassos intitulado Método da redução nas distâncias observadas no cálculo das longitudes (Coimbra. cujos resultados foram publicadas no volume III das Memórias da referida Academia. A sua cultura começara em Sagres com o Infante Navegador. o prelúdio da cultura astronómica realizada mais tarde. 97 . É bom recordar aqui que a primeira determinação da latitude desta cidade tinha sido feita por Mestre João. que não conhecia o opúsculo de Travassos. Mas os trabalhos dos astrónomos deste período referem-se geralmente a questões de índole técnica: composição de Tábuas numéricas úteis. 1823) sobre os princípios em que se deve fundar qualquer método de calcular a longitude geográfica de um lugar tendo em atenção a figura da Terra e sobre a influência do erro que pode cometer-se nos ângulos horários do Sol e da Lua quando se não atende à figura da Terra. a Astronomia tinha entre nós tradições fortemente enraízadas. As observações do astrónomo português 26 Ver um artigo do Dr. Jorge. entre as observações que nele fez. conjuntamente com uma notícia histórica muito interessante sobre os trabalhos realizados anteriormente por astrónomos nacionais e estrangeiros no Colégio de Jesuítas de Santo Antão e no Colégio dos Nobres para determinar aquelas coordenadas. Pedro II. As observações de Sanches Dorta são. e com a fundação de um observatório no Castelo de S. Os únicos trabalhos de astrónomos portugueses posteriores a Monteiro da Rocha que oferecem algum interesse sob o ponto de vista científico são os seguintes: 1. VIII.É bem sabido que o problema da curva de mais breve descida foi considerado pela primeira vez pelos irmãos João e Jacob Bernoulli. além de numerosas observações meteorológicas muitas observações de alturas do Sol e de eclipses dos satélites de Júpiter com o fim de determinar as coordenadas geográficas do Rio de Janeiro. que mais tarde foi reinventado pelo astrónomo inglês Wils Brown. pelo Observatório Astronómico fundado pelo Imperador D. teve maior número de discípulos e continuadores distintos do que aquele tivera. antes de aparecerem as da Universidade de Coimbra. que. Astrónomos Na lista dos sábios que em Portugal se ocuparam das Matemáticas no período que estamos a considerar. 2. etc. medidas de coordenadas geográficas. R. vivendo em tempos de maior prosperidade nacional do que os que se seguiram ao da morte do grande cosmógrafo de D. e. Inaugurou-os Bento Sanches Dorta. que lhe aplicou o seu método das variações. depois da separação. V do Instituto de Coimbra. Entre os astrónomos que trabalharam neste observatório distinguiu-se Custódio Gomes Vilas-Boas. supondo que o corpo é atraído por forças quaisquer e acaba por mostrar a falsidade de duas proposições dadas por Euler no seu tratado de Mecânica. depois por Leibniz e Euler e por fim por Lagrange. observações de fenómenos. 1805). de Sousa Pinto publicado no t.º Duas Memórias importantes publicadas por Mateus Valente do Couto nas colecções da Academia das Ciências de Lisboa (t. Além dos serviços feitos à Astronomia com a publicação de trabalhos sobre esta ciência que lhe foram apresentados.. que residiu muitos anos naquela colónia portuguesa e ali fez nos anos de 1781 a 1788. Este distinto astrónomo publicou nos volumes correspondentes a 1843. ano em que entrou para o professorado da Escola Naval. professor na Escola Naval e sócio de mérito da Academia das Ciências de Lisboa.considerado foram publicadas nos tomos I e III das Memórias da Academia das Ciências de Lisboa (1797 e 1812). por binários de forças iguais. filho de um dos Matemáticos chamados de Itália a Portugal pelo Marquês de Pombal. Por dever de sucessão no título de sócio de mérito da Academia das Ciências de Lisboa. quando organizou os estudos. Começou-se com efeito em 1784 a fazer a triangulação do reino. e com isto fecharemos este livro. ciência afim da Astronomia. etc. empregando para isso uma representação geométrica nova destes grupos de forças. Foi Oficial de Marinha. as fórmulas que se empregaram. acompanhado tudo de uma critica judiciosa. que escreveu os seus principais trabalhos nos meados do século XIX. realizada na sua sala nobre. no seu belo tratado de Estática. Francisco António Ciera. A sua actividade científica. Estes trabalhos principiaram com bastante desenvolvimento. que foi grande. manejando-os com suma habilidade. substituiu os momentos das forças.. foram inventadas por Monteiro da Rocha. será o último matemático de que aqui falaremos. os ângulos e bases que se mediram. paralelas e de direcções opostas (couples). Esta série de memórias constitui uma história muito bem feita da Geodesia em Portugal. uma série de trabalhos notáveis consagrados à referida triangulação. teoria que o nosso geómetra simplificou em muitos pontos. Vamos falar destas Memórias. etc. trabalho de que foi encarregado o Dr. pronunciamos o seu Elogio histórico em 1916 em sessão solene desta Academia. das Memórias da Academia das Ciências de Lisboa. Aqui vamos resumir o que de mais essencial dissemos sobre a vida e escritos do ilustre geómetra português no Elogio mencionado. É bem sabido que Poinsot. As réguas empregadas nesta triangulação para medir as bases. Elogio que foi publicado nas Memórias daquela corporação e transcrita nos nossos Panegíricos e Conferências. A Memória que primeiro compôs tem por título Da transformação e redução dos binários de forças. e em especial na parte relativa a decomposição dos binários em outros colocados em planos coordenados oblíquos. mas foram depois interrompidos durante anos e só recomeçaram com regularidade nos meados do século XIX sob a direcção hábil do Dr. Bacharel em Matemática pela Universidade de Coimbra. Entremeou desde essa ocasião o cumprimento dos seus deveres de professor com o estudo dos clássicos das Matemáticas e com profundas meditações. 1848. e que deste modo conseguiu simplificar e iluminar a maior parte das teorias da Mecânica. Daniel Augusto da Silva nasceu em Lisboa em 16 de Maio de 1814. Algumas vezes ocupa-se naqueles trabalhos com inteligência notável dos métodos do eminente matemático francês. empregados antes dele pelos geómetras como meios subsidiários para deduzir as condições de equilíbrio dos corpos. Daniel Augusto da Silva Daniel Augusto da Silva.. É à teoria dos binários que é consagrada a Memória de Daniel a que nos estamos referindo. No reinado de D. outras vezes serve-se destes métodos para indagações próprias. cujos frutos foram três Memórias notáveis que apresentou à Academia das Ciências de Lisboa no intervalo de 1850 a 1852. começou em 1845. onde são indicados os triângulos que se consideram. Filipe Folque . O principal inspirador de Daniel da Silva nestes primeiros trabalhos foi Poinsot e creio poder afirmar que o geómetra português se revela neles como um continuador digno do eminente matemático francês. Maria I começou a cultivar-se em Portugal a Geodesia. 98 . e assim terminaremos o quarto dos períodos em que dividimos a história das Matemáticas em Portugal. ambos o expuseram em estilo sóbrio. Podemos resumir a história da Astática nos termos seguintes: Möbius ocupou-se dela. sem conhecer esta Memória. Em conclusão o capítulo de Mecânica chamado Astática é principalmente obra portuguesa. onde entrou neste mesmo ano como sócio correspondente. Darboux e Daniel foi cuidadosamente feita por Fernando de Vasconcelos em uma Memória notável publicada no tomo VII dos Anais da Academia Politécnica do Porto. A comparação dos trabalhos de Möbius. Vinte e cinco anos depois da publicação da Memória do nosso matemático. mas limitou-se a abri-la e Minding enriqueceu-a com um teorema notável. publicada em 1837. foi confirmado pelos autores que. à Academia das Ciências de Paris e em um trabalho publicado em 1877 nas Memórias da Sociedade de Ciências Físicas e Naturais de Bordéus. em 1876. organizou-o de um modo completo. ocupou-se da mesma questão em uma comunicação feita. mas as proposições que deu estão contidas quase todas na Memória do geómetra português. No primeiro trabalho há apenas demonstrações novas de doutrinas conhecidas. foi publicado em 1851 e abriu ao autor as portas desta casa. Quero referir-me à determinação da orientação das forças de um sistema a que corresponde o seu equilíbrio. quando estas forças giram à roda dos seus pontos de aplicação. a qual tem hoje aplicações notáveis em algumas questões de Física. depois do geómetra português. Daniel da Silva deu a proposição que deve substituir a proposição fundamental de Möbius e organizou-o completamente. A teoria importante a que é consagrado este trabalho. Darboux. mas errou em uma proposição fundamental. porque é falsa e na Memória de Daniel encontra-se a que deve substituí-la. Apresentado à Academia das Ciências de Lisboa. Os métodos usados por Daniel e Darboux para estudar a Astática são diferentes. Este último enunciado. ambos estudaram o assunto com profundeza. e determina as diversas circunstâncias notáveis que acompanham esta mudança de orientação das mesmas forças. Möbius abriu-o. constitui actualmente um capítulo de Mecânica racional a que se dá o nome de Astática. predominando na Memória do geómetra português os primeiros. Nesta bela e importante Memória. a qual encerra ainda outros resultados interessantes que não vêm nem no trabalho de Möbius nem no de Darboux. na de Darboux os segundos. Daniel da Silva chegou a um resultado diferente. publicado no tomo XV do Jornal de Crelle. deve estar em equilíbrio em todas as outras orientações. na sua Estática. o segundo constitui um estudo cheio de originalidade e profundeza de uma questão que a si mesmo propusera. mostra ele como variam os efeitos das forças aplicadas a um corpo. conservando-se porém constantes os ângulos que fazem entre si. Ambos empregaram simultâneamente meios geométricos e analíticos.O segundo trabalho composto por Daniel da Silva tem por título Memória sobre a rotação das forças em torno dos pontos de aplicação. Há no trabalho de Möbius uma proposição fundamental que devemos fazer notar. Este trabalho é muito mais importante do que aquele de que primeiro falámos. A terceira das Memórias de Daniel da Silva anteriormente mencionadas tem por título Propriedades gerais e resolução das congruências binómias. Möbius julgava que todo o sistema de forças que está em equilíbrio em quatro orientações diferentes. e foi apresentada à Academia das 99 . Minding. mostrando que há em geral quatro posições de equilíbrio e só quatro. e. A impressão que produziu no espírito do nosso geómetra a circunstância de se encontrar na invenção de uma teoria importante com dois matemáticos eminentes estrangeiros exprimiu ele de um modo comovedor em uma carta que me dirigiu em 1877 e que se pode ler nos nossos Panegíricos e Conferências. que deve substituir o de Möbius. se ocuparam deste assunto. Daniel da Silva sem conhecer aqueles trabalhos estudou o mesmo assunto. penetrando nele profundamente. claro e elegante. em que o autor se revelou pela primeira vez como matemático de grande valor. como a Memória sobre Mecânica há pouco mencionada. interessantes investigações sobre propriedades e cálculo das raízes modulares. publicou na Revista de Física.Ciências de Lisboa em 1852. 100 . Gauss e Poinsot. É interessante compará-los e. Actuária e Física. onde ficou a ocupar um lugar distinto. O autor apresenta com efeito nela demonstrações novas das fórmulas dadas por Euler e Poinsot para determinar o número de números primos com um número dado que lhe são inferiores. Depois de os escrever. Lagrange. que o seu nome merece figurar na lista dos que a fundaram. no século XIX. A este respeito o autor conhecia os trabalhos de Euler. Está neste caso Monteiro da Rocha. Quem leu este livro notou de certo que nesta história sobressaem quatro nomes: Pedro Nunes. e Daniel da Silva. e o seu nome passou à história da ciência portuguesa. uma fórmula nova para determinar a soma daqueles números. foi o da resolução das congruências binómias. Pertencem à alta Aritmética os assuntos estudados pelo nosso matemático nesta Memória. a este respeito. injustamente esquecida durante cerca de meio século. Apresentou então a Academia das Ciências de Lisboa uma Memória intitulada De várias fórmulas novas de Geometria analítica relativas aos eixos de coordenadas oblíquas e Notas sobre diversas questões de Geometria. uma grave doença impediu-o de continuar a trabalhar. e foi também quem primeiro fez o estudo geral das congruências binómias. Foi com efeito Daniel da Silva quem primeiro deu um método para resolver os sistemas de congruências lineares. Está neste caso Anastácio da Cunha. Matemática e Ciências Naturais de Pavia. a demonstração directa de uma fórmula de Gauss. Esta Memória importante ficou. em 1903. Viveu em luta pertinaz com aquela doença que o não deixava entregar-se quanto queria a ciência da sua predilecção. do que brilhara nos trabalhos anteriores no manejo dos métodos da Geometria pura. Mais tarde melhorou um pouco e pôde continuar as suas indagações científicas. que só em 1861 se ocupou deste assunto. Contém ainda a mesma Memória outros resultados notáveis relativos à alta teoria dos números. no século XVIII. O principal assunto que considerou. e enriqueceu-a com resultados tão importantes e gerais. teoria pertencente simultâneamente ao domínio da alta Aritmética e da alta Álgebra. vamos reproduzir aqui o que dissemos nos nossos Panegíricos e Conferências: Alguns matemáticos empregam todos os seus esforços na exploração de novas regiões do Mundo dos números ou no estudo daquelas que outros anteriormente abriram. Mecânica. honra que tem sido indevidamente atribuída ao distinto aritmético inglês Smith. mas teve de descer a assuntos mais modestos. etc. uma generalização de um teorema célebre de Fermat e Euler. Outros matemáticos procuram segurar lògicamente domínios anteriormente explorados. a sua alma desapareceu da cena do mundo. em todas as quais há alguma coisa de original. um matemático italiano de muito mérito. até que em 6 de Outubro de 1878. Monteiro da Rocha e Anastácio da Cunha. Acabamos de falar dos principais trabalhos de Daniel da Silva. É um trabalho sobre a teoria dos números em que o autor não brilha menos no manejo do cálculo. Legendre. Outros vão principalmente buscar ao Mundo dos números os elementos de que carecem para estudar o Mundo físico. Está neste caso Daniel da Silva. a que este grande geómetra chegou por um caminho indirecto e que julgava difícil obter por meios directos. Final Está terminado o nosso programa: expor a história da cultura das Matemáticas em Portugal desde a origem até ao meio do século XIX. Alasia. no século XVI. uma apreciação dela muito desenvolvida e muito bem feita. até que. a par de grandes defeitos há ideias finas para o seu tempo sobre a exposição rigorosa das doutrinas então clássicas. o seu talento tinha principalmente uma feição prática. FIM 101 . o espírito de Pedro Nunes. e foi lã buscar os elementos para resolver os problemas propostos à Astronomia pela Náutica do seu tempo e para resolver diversas questões da Física Celeste. e deu-lhes também as suas belas investigações sobre as congruências binómias. poeta das Matemáticas. Daniel da Silva. livro onde. Anastácio da Cunha deu-lhe os Princípios Matemáticos. Monteiro da Rocha. Monteiro da Rocha não concorreu para o progresso do Mundo dos números. Está neste caso Pedro Nunes. Daniel da Silva deu ao Mundo dos números a sua Astática. foi aí procurar simultâneamente o belo e o útil.. que ficou célebre entre as obras consagradas a esta disciplina que fazem a passagem da Ciência helénica para a Ciência moderna.Outros enfim contribuem com os seus trabalhos ao mesmo tempo para o progresso do estudo do Mundo físico e do Mundo dos números. Pedro Nunes deu àquele Mundo a sua Álgebra. sem se importar com as aplicações deste capítulo da Mecânica racional. um realista. foi procurar nelas o que têm de útil. foi procurar nestas ciências o que têm de belo. que outros fizeram depois. resolveu com habilidade notável problemas geométricos e astronómicos mais ou menos difíceis. inspirado ao mesmo tempo pelas teorias da ciência grega e pelas necessidades das navegações portuguesas. não criou teorias. 102 . e. Esta obra de Pedro Nunes está actualmente a ser objecto de pormenorizada análise por Anabela Simões Ramos. João Filipe Queiró Departamento de Matemática . que redigiu em espanhol.Universidade de Coimbra. Jaime Carvalho e Silva. por autores nacionais e estrangeiros. a construção de polígonos regulares (todas questões só completamente esclarecidas no século XIX) e mesmo a determinação da longitude. Basileia. após a transferência definitiva desta para Coimbra. as rotas seguidas quando se mantém constante o ângulo com a agulha magnética não são geodésicas (arcos de círculos máximos) e compreendeu a sua verdadeira natureza: com excepção de casos triviais (os meridianos e os paralelos) em que são circulares. concluindo-se com alguns comentários sobre a nossa historiografia da Matemática. a quadratura do círculo. 1546. Pedro Nunes enuncia duas propriedades desejáveis para os mapas: a de preservação de ângulos. tem-se observado um interesse crescente pelo estudo da História da Matemática em Portugal. Destacamos a seguir algumas obras de Pedro Nunes: 1) Numa sucessão de estudos. 1537). o primeiro ocupante da nova cadeira de Matemática da Universidade. Os seus livros têm sido analisados e comentados. 1. e devem continuar a merecer. a atenção dos matemáticos portugueses interessados nestas questões.APÊNDICE Algumas notas Sobre a História da Matemática em Portugal António Leal Duarte. Esse interesse traduziu-se na realização de alguns colóquios temáticos. que tem reunido com periodicidade aproximadamente anual (a 7(a) reunião teve lugar em Coimbra em Novembro de 1995). Desta obra se ocupou longamente um especialista na história da Álgebra quinhentista. destaca-se em primeiríssimo plano a figura de Pedro Nunes (1502-1578). e aliás em toda a História da Matemática portuguesa. Estes requisitos são exactamente o que tornou o grande mapa do mundo de Mercator (1569) tão útil na navegação. A Matemática em Portugal antes de 1772 (João Filipe Queiró) Neste período. culminando no De arte atque ratione navigandi (Opera. as linhas de rumo são curvas em espiral que se aproximam dos pólos dando um número infinito de voltas em redor deles. O assunto central é a resolução de equações. o Tratado em defensam da carta de marear (Lisboa. é hoje possível ter uma ideia da importância e do significado da obra do grande matemático português. Portugal (texto da conferencia a apresentar no Encontro HEM 96 de Braga) Nos últimos oito a dez anos. e a representação de linhas de rumo por linhas rectas. Nesses trabalhos o matemático francês expunha "soluções" para vários problemas clássicos. na publicação de trabalhos de índole vária e sobretudo na criação de um Seminário Nacional de História da Matemática. Basileia 1592) contém uma lista de severas correcções de Pedro Nunes a dois trabalhos do matemático francês Oronce Fine (1494-1555). Nesta conferência procede-se a um brevíssimo sumário dos três grandes períodos em que se pode dividir a História da Matemática em Portugal. com ênfase em pontos que têm merecido. Bosmans. H. e na sequência do entusiasmo que acompanhou as comemorações do 200° aniversário da morte de José Anastácio da Cunha. esclareceu que as linhas de rumo isto é. 3) Uma das obras maiores de Pedro Nunes é o Libro de Algebra en Arithmetica y Geometria (Antuérpia. incluindo a duplicação do cubo. 1566). sem prejuízo da necessidade de estudos e investigações adicionais. 1567). 2) A obra De erratis Orontii Finæi (Coimbra. Pedro Nunes. Num dos estudos em que tratou das linhas de rumo. Uma eventual inspiração de Mercator em Pedro Nunes permanece matéria de controvérsia. na sequência de uma pergunta de Martim Afonso de Sousa regressado de uma viagem ao Brasil. sobretudo do 1° grau ao 3°. muitas vezes anonimamente. para quem as exigências de precisão e rigor são uma constante. Gomes Teixeira faz interessantes observações comparativas dos métodos usados pelo português e pelos irmãos suíços. João V de elaborar o mapa do grande Estado 103 . determinou a data e a duração do crepúsculo mínimo para cada lugar no globo. Capassi partiu em 1729 para o Brasil com outro professor jesuíta. em particular italianos e alemães. por vezes públicas. são os nomes de Grienberger (mais tarde sucessor de Clavius no Colégio Romano). Dignos de registo. Além de Santo Antão e da Universidade de Évora. Pedro Nunes foi cosmógrafo-mor do Reino a partir de 1547. II. 1542. estando a série interrompida há quase 40 anos. Geometria. o professor de Coimbra Joaquim de Carvalho. Aritmética. um caso único. vol. e merece bem uma reanálise moderna (há um estudo muito recente de Carlos Vilar). entrando e fluindo. etc. muito resumido e incompleto. 1943). agora em resposta a uma pergunta do príncipe D. Estancel. aliás não só em Portugal como em toda a Península Ibérica. já se vê). e os raciocínios com letras são independentes de considerações geométricas. Traço distintivo são a abstracção e generalidade com que são tratadas as teorias e apresentados os problemas. incluindo o aplauso de Tycho Brahe e as citações que dela faz Clavius. diz J. Este problema ocupou os irmãos Bernoulli século e meio mais tarde. “Obras de Pedro Nunes”. é interessante referir as querelas que teve com contemporâneos. 1573) analisou Pedro Nunes. Henrique o futuro Cardeal-Rei . um cargo criado nessa data. Para além da Matemática aplicada à navegação. tiveram os jesuítas aulas de Matemática. nomeadamente "práticos". A Academia das Ciências de Lisboa iniciou nos anos 40 um notável projecto de publicação das Obras de Pedro Nunes. "a extensão do crepúsculo em diferentes climas". diz Joaquim de Carvalho que ela "logrou a consagração inerente às explicações científicas. pública. Importante obra de transição antes de Viète (Bosmans diz de Pedro Nunes que foi "um dos algebristas mais eminentes do século XVI"). aí se estudava Astronomia. Os dois últimos estão associados à criação do Observatório Astronómico do Colégio de Santo Antão. Teve traduções em latim e francês. Diogo Soares. No Colégio jesuíta de Santo Antão. Stafford. Madrid. (A este respeito. Lisboa. náutica e cartografia. em 2002. Pela primeira vez aparecem demonstrações algébricas gerais rigorosas. Borri (que na primeira metade do século XVII divulgou entre nós as manchas solares e Galileu). Rey Pastor (Los matemáticos españoles del siglo XVI. Entre outros resultados. Uma das obrigações do cosmógrafo-mor era uma aula diária de Matemática (aplicada à náutica. em que são frequentes as suas defesas altivas da superioridade do saber científico. funcionou desde fins do século XVI até ao século XVIII uma Aula de Esfera. Deixamos a seguir um apontamento. 1926). vieram muitos professores estrangeiros. no caudal dos conhecimentos exactos que constituem património da Humanidade" (Anotações ao De Crepusculis. O cargo foi abolido em 1779 para dar lugar à Academia Real de Marinha. Capassi e Carbone. São estudadas as operações com polinómios.) O matemático português foi. neste século e no seguinte. 4) No livro De Crepusculis (Lisboa. em vários colégios. Para ajudar a assegurar esse serviço. Pedro Nunes é o nosso primeiro exemplo de cientista "puro". por exemplo a tempo do 5(o) centenário do nascimento de Pedro Nunes. sobre outras actividades matemáticas em Portugal nos séculos XVI a XVIII. Basileia. nomeadamente em Coimbra. Dos seis volumes previstos. em Lisboa. Esta apreciação é adequada também ao Libro de Algebra e. na verdade. alguns com trabalhos de astronomia. que ficaram manuscritas. Coimbra. Seria uma pena que a publicação não fosse completada. em cumprimento do encargo dado pelo Rei D. "Fuera de una y otra nación [Portugal e Espanha] vivió espiritualmente". a toda a obra matemática de Pedro Nunes. Pedro Nunes adopta a notação literal. 1571. Ao mencionar as repercussões da obra na Europa. o Libro de Algebra foi muito conhecido e citado na Europa (entre outros por Wallis). que chegou a ter frequência apreciável. O De Crepusculis foi por vários comentadores considerado a obra-prima de Pedro Nunes. foram publicados quatro. praticamente desde a morte do seu grande impulsionador. surgem vários portugueses interessados nas modernas tendências científicas. engenheiro. A elaboração de mapas é aliás uma das vertentes principais da actividade matemática neste período. vaga há muito tempo. Manuel de Campos e Inácio Monteiro. efemérides astronómicas. Desta breve resenha o que ressalta é a feição prática. A consulta da lista dos trabalhos matemáticos redigidos em Portugal ou por portugueses neste período revela um panorama análogo. Já o jesuíta suíço João König. para elaborar um mapa de Portugal. Quanto à situação geral do País. astrónomo muitos anos em Paris. Londres. Os seus reflexos na nossa vida matemática (ou falta dela) decorrem basicamente do facto de que os grandes progressos científicos da época estiveram em geral associados a propostas filosóficas contra as quais as autoridades políticas e religiosas nacionais estavam em prevenção constante. o que produzia uma explícita atitude de recusa genérica da novidade na instrução. e ao não cultivo da Matemática "Pura" poderá ser associada a necessidade frequente de recrutar professores estrangeiros para assegurar o ensino. Teodoro de Almeida. Manuel de Azevedo Fortes. com a sua Recreação Philosophica. Na primeira metade do século XVIII. Também em Santo Antão se deu atenção a estes tópicos. estudam-se matérias vistas como correspondendo a necessidades concretas imediatas do País. recebem impulso os estudos de Matemática aplicada às actividades militares. José Soares de Barros e Vasconcelos. aritmética aplicada a actividades financeiras. os nomes de Jacob de Castro Sarmento (com uma newtoniana Theorica verdadeira das marés. Em Dezembro de 1770 é nomeada a Junta da Providência Literária. de Resina Rodrigues e Ana Isabel Rosendo). desde 1537 definitivamente instalada na cidade de Coimbra. mesmo da Matemática elementar. Aí se observa que as Ciências em geral e a Matemática em particular tinham atingido na Universidade um nível muito baixo. Todos estes autores merecem análises modernas (só o último deles foi estudado em trabalhos recentes. Parece inequívoco que. Dentro e fora do país. astrónomo em Lisboa.transatlântico. por cá não haver quem o fizesse. 1737). por ordem do Governo. O quadro mental e cultural português no período em causa está suficientemente documentado e estudado e não é necessário recordá-lo aqui. 2. que apresenta o seu relatório em Agosto de 1771 no "Compêndio Histórico do Estado da Universidade". Pormenor a reter é o de que muitas destas obras existem apenas em manuscrito. que ela sugere sobre o estudo da Matemática em Portugal neste período. Data desta altura a criação da Aula de Fortificação e Arquitectura Militar. Com o patrocínio do Estado ou nas escolas da Companhia de Jesus. Ocorrem. a Matemática portuguesa não acompanhou nem tomou parte nos grandes avanços da época. menos ainda é preciso evocá-la como pano de fundo para tudo o resto. têm interesse os estudos de Matemática aplicada à artilharia em unidades e academias militares. e os jesuítas Eusébio da Veiga. Muito mais tarde. cometas). ou aplicada. da Congregação do Oratório. nas nossas escolas. entre outros. atlas e cartas (incluindo plantas de fortalezas). A partir de meados do século XVII. entretanto. com a guerra da independência. autor de uma Logica racional. 1744). chamado em 1682 para ocupar a cadeira de Matemática da Universidade de Coimbra. multiplicam-se os sinais de uma mudança de ambiente. geometria aplicada à fortificação. de tal modo que nos 60 anos anteriores à Reforma a única cadeira de Matemática de toda a Universidade não 104 . abandonou o ensino quatro anos depois. Nota-se uma clara predominância de obras dedicadas a temas dentro do que se poderá chamar Matemática Aplicada: náutica. no século XVIII. representa a maior alteração qualitativa e quantitativa do panorama da matemática em tão curto espaço de tempo alguma vez empreendida em Portugal. Interessante é a frequência de registos de observações astronómicas (eclipses lunares. geometrica e analytica (Lisboa. A Matemática em Portugal de 1772 a 1910 (Jaime Carvalho e Silva) A Reforma em 1772 da Universidade. no período que nos vem interessando. onde pretendia fornecer bases rigorosas a toda a Matemática da época. que Ellas não somente e em rigor.. (. o engenho. com um rigor notável. desde 1807. mas outros tornaramse professores das diversas Academias Militares e das Academias Politécnicas de Lisboa e do Porto. e a sagacidade do Homem. "Principios Mathematicos".. que escreveu um tratado. 1832-1833 e 1833-1834 (outras instabilidades políticas posteriores também se reflectiram na 105 . Para se ter uma ideia melhor da amplitude desta formação. que trabalhou em Métodos Numéricos e Astronomia. que viria a ser bispo de Pequim e aí membro do muito importante Tribunal da Matemática. assim na exactidão luminosa do seu Método. e Navegação. a definição de série convergente. muitos professores foram forçados a abandonar o seu lugar. que façam às cadeiras das suas respectivas Faculdades. Um dos principais impactos da criação da Faculdade de Matemática foi na formação de especialistas em Matemática. José I. Uma das primeiras pessoas a doutorar-se depois da Reforma de 1772 foi Frei Alexandre de Gouveia. redactor dos Estatutos e primeiro Director da Faculdade de Matemática. aí se encontra pela primeira vez. a publicação de textos de matemática foi muito dificultada e a instabilidade política não foi propícia. o grande motor de todas as transformações. pelo que é de salientar o aspecto multiplicador que teve a criação da Faculdade de Matemática em Coimbra. Os alunos acorreram em pouco número. nos Estatutos da Universidade aprovados em Outubro de 1772 com grande pompa e solenidade e na presença do Ministro do Rei D. Infelizmente o impacto não foi tanto quanto o idealizou o Marquês de Pombal ou Monteiro da Rocha. merecem menção especial pelos trabalhos originais que produziram: José Monteiro da Rocha. 1831-1832. que directa ou indirectamente apartarem ou dissuadirem a alguem dos estudos mathematicos. data do fim da guerra civil.. e a de diferencial de uma função. ou com propriedade merecem o nome de Sciencias. o Marquês de Pombal. mortos outros.) não serão por mim attendidos em opposição alguma. a definição da função exponencial a partir da sua série de potências. e ornamento da Universidade." E são mesmo indicadas penas para quem diminuir a importância dos estudos matemáticos: "Todos aquelles. Muitos dos bacharéis e licenciados chegaram também a professores dessas escolas. e José Anastácio da Cunha. 1828-1829. Nesse documento a Matemática era considerada ". exilados uns. de formação essencialmente autodidacta.sciência importante ao bem comum do Reino.tinha tido titular. até 1834." Não admira assim que. chegando mesmo a Universidade a estar fechada nos anos lectivos de 1810-1811. A Matemática é colocada numa posição muito elevada nesses Estatutos: "Têm as Mathematicas uma perfeição tão indisputável entre todos os conhecimentos naturais. foi pouco lido e não parece ter influenciado grandemente o desenvolvimento da matemática. mas também são as que tem acreditado singularmente a força. eis o quadro dos doutoramentos em Matemática na Universidade de Coimbra até ao fim do século XIX: Muitos dos doutorados ficaram professores da Faculdade de Matemática. como na sublime e admiravel especulação das suas doutrinas. toda a actividade científica foi grandemente reduzida. apesar de ter tido duas edições em língua francesa. Infelizmente o seu livro. data do início das Invasões Francesas. sejam criadas duas novas Faculdades: a de Matemática e a de Filosofia (Natural)." Para a nova Faculdade de Matemática são contratados dois professores italianos e dois portugueses: estes. A Universidade e a Academia das Ciências retomaram a sua actividade. tendo estado ainda fechada em 1846-1847. progresso e perfeição das sciências naturais". tio da Rainha D. Até meados do século XIX. Contudo tal intenção nunca passou do papel e os contactos com matemáticos estrangeiros eram muito limitados. não é vã nem estéril. mas frequentes vezes matemáticos portugueses desenvolviam métodos que eram mais tarde redescobertos por outros.funcionamento da Universidade. não sem algumas dificuldades. Maria I. por iniciativa de Francisco Gomes Teixeira. embora só a partir de 1797 começassem a aparecer os primeiros trabalhos de Matemática. Anastácio da Cunha. dando uma real divulgação aos trabalhos portugueses. que recolheu recensões 106 . Só depois do fim da guerra civil foi possível avançar com novas Reformas ao nível educativo. A Faculdade de Matemática e a Faculdade de Filosofia da Reforma Pombalina dariam origem à Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra. fundada em Lisboa em 1799 pelo Duque de Lafões. Contudo. o primeiro livro de texto original português que teve real impacto internacional foi o "Curso de Analyse Infinitesimal" em três volumes (1887-1892) de Francisco Gomes Teixeira. A maioria dos trabalhos de Matemática publicados em Portugal nos fins do século XVIII e princípios do século XIX devem-se à Academia das Ciências. Foram feitas várias traduções. em 1886. assim como noutros períodos mais curtos). É verdade que em Portugal eram recebidas as melhores publicações da Europa culta. "equivalente ao serviço de regência da cadeira". até aos fins do século XVIII e depois nos primeiros anos do século XIX até que as perturbações políticas. onde se preconizava a criação da "Congregação geral das sciências para o adiantamento. revelando que a matemática portuguesa estava a par da matemática produzida na época. A investigação científica estava contemplada nos Estatutos de 1772. onde se encontram muitos trabalhos de interesse. as principais publicações de matemática foram praticamente as das Memórias da Academia das Ciências. tendo também muitos artigos de matemáticos estrangeiros sido por este meio publicados em Portugal. embora seja curta". sendo o primeiro justamente de José Monteiro da Rocha sobre o problema de Kepler da medição de pipas e tonéis. Os Estatutos de 1772 determinavam que se editassem livros para cada uma das cadeiras. é que se desenvolveram verdadeiramente as relações dos matemáticos portugueses com os seus colegas europeus. não é de todo falha de interesse. desde o seu renascimento após a reforma da Universidade de Coimbra em 1772. com três escolas portuguesas a formar matemáticos e de algum modo a competir em brio entre si. mas muito poucos originais foram produzidos. Estavam assim criadas as condições para um salto qualitativo do desenvolvimento da matemática em Portugal. Como afirma Luís Woodhouse na conferência de abertura da Secção de Ciências Matemáticas do Congresso conjunto das Associações Portuguesa e Espanhola para o Progresso das Ciências que se realizou em Coimbra em 1925. Esbocemos ainda um breve panorama das publicações matemáticas em Portugal. acabaram por desagregar e dispersar os elementos vitais da sciência matemática portuguesa. Apesar da oposição da Universidade. em 1837 foram fundadas as Academias Politécnicas de Lisboa e do Porto que em 1911 dariam origem às Faculdades de Ciências das também então criadas Universidades de Lisboa e do Porto. que fosse atribuída uma "remuneração pecuniária" aos professores encarregados da composição dos compêndios. "esta quadra da história dos conhecimentos matemáticos em Portugal. Só a partir de 1857 começaram a ser obrigatoriamente publicadas na Universidade as dissertações de doutoramento. A Academia iniciou a publicação das suas Memórias em 1787. O professor Luis da Costa e Almeida propôs mesmo ao Conselho Superior de Instrução Pública. profundas e constantes. Esta Academia teve uma actividade considerável até sofrer também o impacto das Invasões Francesas e da Guerra civil. como aconteceu com Monteiro da Rocha. Garção Stockler. Só com o lançamento do Jornal de Sciencias Matematicas e Astronomicas em 1877. Dantas Pereira ou Daniel da Silva. entre outras. que só virá a ser criado em 1929 com o nome de Junta de Educação Nacional. demitidos da Função Pública e obrigados a exilar-se fora do País. mas será já no séc. Ruy Luís Gomes e Hugo Ribeiro). de Álgebra (uma iniciada por A. nomeadamente na reformulação dos programas do ensino secundário. Infelizmente esta actividade foi em grande parte suspensa. XX é a quebra deste isolamento. 3. A Matemática em Portugal desde 1910 (António Leal Duarte) Ao examinarmos a actividade matemática em Portugal até aos finais do séc. XIX com Gomes Teixeira. Essa quebra inicia-se nos finais do séc. 4. apesar de publicados em revistas portuguesas e por vezes escritos em Português. Ao contrário. XIX. terá. Os anos quarenta vão ser extremamente férteis no que diz respeito à actividade matemática graças a uma nova geração de matemáticos (entre os quais se contam Aniceto Monteiro. pois muitos dos seus principais animadores foram. por motivos políticos.extremamente favoráveis no Bulletin des Sciences Mathématiques e no Bulletin of the American Mathematical Society. com excepção de Pedro Nunes. XX que outros matemáticos portugueses começam a ser conhecidos no estrangeiro e a publicar os seus trabalhos nalgumas das melhores revistas estrangeiras da especialidade. Refirase por exemplo A. Com as reformas educativas. vê-se que há exactamente quatro obras de alguma dimensão que se podem considerar "Histórias da Matemática em Portugal": 107 . introduziu em Portugal muitas noções de análise avançada. talvez mais importante do que este aumento do número de Escolas seja a tentativa de criação. Nos anos trinta deste século assiste-se a uma modernização do ensino com a publicação de novos compêndios. em 1923. a missão de enviar bolseiros para o estrangeiro. quer como investigador e formador de uma nova geração de Matemáticos. que foi adoptado durante muitos anos na Universidade e na Academia Politécnica do Porto. de facto. algumas das quais eram contribuições originais do próprio Gomes Teixeira. por Vicente Gonçalves e. essa comunidade e a sua actividade são praticamente desconhecidas no estrangeiro. Este organismo. Sebastião e Silva. pelo Ministro da Instrução Pública. Actualmente existem em Portugal várias escolas de matemática de craveira internacional. a principal característica que se nos apresenta é a do isolamento em que a comunidade matemática portuguesa quase sempre viveu. Mas. Este livro. António Sérgio. Se se procurar. são criadas duas novas Universidades e são criados ou reformulados outros institutos superiores. Vicente Gonçalves (cujos trabalhos. Tiago de Oliveira). de que se destacam as de Análise Funcional e Equações Diferenciais (iniciada por J. por A. Sebastião e Silva). levadas a cabo pelos governos republicanos. Mira Fernandes (com vários trabalhos sobre Geometria Diferencial e Cálculo Tensorial publicados em revistas italianas) e J. A historiografia da Matemática em Portugal (João Filipe Queiró) Justifica-se neste momento uma reflexão sobre os rumos que os estudos de História da Matemática poderiam ou deveriam tomar no nosso país. de um organismo especificamente encarregado da investigação científica. Nos anos cinquenta e sessenta devemos referir a acção de J. se tornam conhecidos fora de Portugal). quer também como pedagogo. Também na década de sessenta o ensino universitário passa por uma grande actualização de planos de estudo com a introdução de novas disciplinas (como a Topologia). no caso da Análise. É a esta geração que se deve a criação da Sociedade Portuguesa de Matemática e da conceituada revista de investigação Portugaliae Mathematica. Almeida Costa. no caso da Álgebra. o qual pode ser considerado o introdutor da Álgebra Moderna em Portugal. Almeida Costa e outra iniciada por Luís de Albuquerque) e de Estatística (fundada por J. a primeira característica que a actividade matemática nos apresenta durante o séc. Francisco de Borja Garção Stockler. E é significativo porque as "Histórias" existentes de alguma forma fixam um paradigma. chegando quase a transcrever partes do livro anterior. É a visão das Luzes. uma maneira de ver as coisas. digamos assim. no caso o nosso passado matemático. e esse período é hoje estudado e analisado como qualquer outro na História de Portugal. por exemplo. 108 . por seu lado. parece hoje esgotada. temo-nos visto reduzidos à repetição sem fim dos mesmos pontos de vista. 1819 Les Mathématiques en Portugal . Esta visão é reflectida exactamente no Ensaio de Stockler. que são basicamente as indicadas. que. a mesma visão. que influencia qualquer leitor que tente obter informação sobre o assunto. além de Gomes Teixeira. A visão atrás descrita. dedica grande parte da sua História à análise aprofundada de quatro grandes figuras. Rodolfo Guimarães retoma ponto por ponto. e cada um a seu modo foi importante contribuição para os estudos de História da Matemática no nosso país. Muito natural e compreensivelmente. até ao fim do século XIX. Fique desde já claro que todos os quatro textos citados são de grande valor. Quanto a Stockler. depois um período de decadência que dura 200 anos. Rodolfo Guimarães e Gomes Teixeira (o texto de Ribeiro dos Santos é um pouco marginal nesta questão) reflectem uma visão que se poderia chamar "antiquada" da História de Portugal. 1934 Atente-se nas datas. Quanto a Gomes Teixeira. 1900-1909 História das Matemáticas em Portugal . Neste momento é apropriado ter as ideias claras e propor o que pomposamente se poderia chamar uma "mudança de paradigma". que em Portugal esteve ligado ao florescimento da arte. recorde-se. e essa visão tende a obscurecer certos períodos e a distorcer a abordagem ao nosso passado. O que se vai dizer a seguir não pretende menorizar estas personalidades e as suas obras. e nessa leitura é praticamente um axioma que os dois séculos anteriores a Pombal foram uma época de trevas. em que se destaca Pedro Nunes. entre os poucos nomes relevantes. É significativo que nos últimos 60 anos não haja uma única tentativa de síntese neste terreno. a distância aumentou em relação à época da Inquisição e da influência dos jesuítas na sociedade portuguesa. Pedro Nunes. 1812 Ensaio histórico sobre a origem e progressos das Matemáticas em Portugal . de intolerância e de ignorância. A visão em causa é a visão. da cultura e da ciência que acompanhou a era dos Descobrimentos. Quase 100 anos depois da publicação do Ensaio de Stockler. ou publicados em Portugal. é de 1819. depois de uma nota histórica. ou nas conquistas . sem nova informação.Francisco Gomes Teixeira. sem prejuízo do grande valor e importância de autores como Stockler.Memorias históricas sobre alguns matemáticos portugueses. até à Reforma Pombalina da Universidade de Coimbra. do liberalismo. Em particular. Portugal tem na Matemática um período de esplendor no século XVI. na nota histórica com que se inicia a sua obra. Gomes Teixeira. e remetendo-nos permanentemente às mesmas fontes. em que aparecem figuras importantes como José Anastácio da Cunha. de obscurantismo. e o seu Ensaio foi obra marcante. tem como objectivo listar todos os textos matemáticos de autores portugueses. O estudo da História Geral do nosso país evoluiu muito do século passado até hoje.António Ribeiro dos Santos. foi um pioneiro. Ora bem. A verdade é que os livros de Garção Stockler. da influência da Revolução Francesa. O negrume é ainda maior quando se pensa no Humanismo de meados do século XVI. Mas na História da Matemática não se saiu do sítio! A visão geral continua a mesma. os de Vicente Gonçalves e Luís de Albuquerque). Rodolfo Guimarães. "dominante" da História geral de Portugal no século XIX.Rodolfo Guimarães. redutora. mas a visão geral é ainda a mesma. Guimarães e Teixeira. não imita nem transcreve. e estrangeiros domiciliados em Portugal. Monteiro da Rocha e Daniel da Silva. Anastácio da Cunha. Como os estudos sobre autores particulares e pontos de pormenor são raros (devem citar-se. esta visão tem uma leitura quase "de combate" sobre o passado recente. teve isso ligação essencial com o esforço dos Descobrimentos. Tudo isto dentro da consciência perfeita de que a História da Matemática em Portugal tem que ser uma História de fontes primárias. em 1772. com total abandono da repetição acrítica de fontes secundárias. e também do século XIX. em 1578. terá Pedro Nunes sido o expoente de uma plêiade. em particular a matemáticos portugueses. programa de edição (ou reedição) das mais significativas. Estudo da recepção em Portugal dos grandes avanços matemáticos dos séculos XVII e XVIII. ou tratou-se de uma singularidade absoluta? . Quem sabe se dentro de alguns anos que nunca poderão ser poucos não se estará em condições de escrever uma nova História da Matemática em Portugal? 109 .Mantiveram-se os matemáticos portugueses no século XIX minimamente actualizados em relação à Matemática europeia? Termine-se com o óbvio. 2) Prioridade àquilo que se costuma chamar "História positiva": listagem de autores e obras (estendendo e completando o extraordinário trabalho de Rodolfo Guimarães). e a Reforma Pombalina. que sugere queda de alguma (ainda que pouca) altura? Por outras palavras. de matemáticos quinhentistas. estudo das teses de Coimbra e das comunicações e memórias da Academia das Ciências de Lisboa. que poderiam servir de baliza e orientação neste esforço. Exemplos (entre outras possíveis): . de algumas hipóteses. será adequado o uso da expressão "decadência". localização de obras impressas e em manuscrito e sua microfilmagem. Estudo dessas obras.A confirmar-se um panorama de grande pobreza na nossa Matemática no período 15781772. mais ou menos numerosa. as necessidades concretas resultantes do contacto com os territórios de destino e respectivas populações? . e que ela cabe a matemáticos. Temos de acreditar que esta é uma tarefa que vale a pena. longos períodos e muitos autores permanecerão em obscuridade na História da Matemática em Portugal.irremediavelmente datada e. A continuar assim.Se sim. pior. 3) Estudo. com base no material recolhido. Quanto ao século XIX. Nada disto será feito se não houver ninguém que o faça. anestesiante. Estes são os períodos que menos atenção têm recebido e surgem quase envolvidos numa aura de mistério.Existiu ou não ênfase quase exclusiva na "Matemática Aplicada" em Portugal nos séculos XVI a XVIII? . Para tal mudança adiantam-se como possíveis as seguintes linhas: 1) Prioridade ao estudo do período que medeia entre a morte de Pedro Nunes. a rotina das grandes viagens oceânicas.