As grandes ideias da Atenas democráticaDepois das guerras médicas, o pensamento politico grego atravessa um período de desenvolvimento extraordinário, condicionado em grande parte pelas transformações económicas e sociais que se operam na Grécia continental, e particularmente em Atenas. A cidade vai construindo uma estrutura politica democrática, é ela que domina o movimento dos ideais. A democracia É o estado politico que prevalece em Atenas no séc. V. Péricles. Péricles (século V a.C., de + ou – 495-430 a.C.) foi um nobre ateniense, homem inteligente e sábio, que abrilhantou a apreciada figura do estadista culto, moderado e cívico através da sua defesa da democracia (ainda hoje o “século de Péricles” é conhecido como o período áureo da democracia ateniense). Qual o regime político ideal? Quem deve ser governante? Em benefício de quem se deve governar? Quais as vantagens e inconvenientes respectivos do governo de um só homem (monarquia, ditadura) e do governo do povo (república, democracia)? Na sua apologia pela democracia, Péricles defendia um modelo de democracia directa, e caracteriza o regime vigente em Atenas como um regime em que o Estado era administrado no interesse do povo e não das minorias. Deste modo, este pensador entende que as regras principais da democracia seriam a igualdade e a liberdade: igualdade, na medida em que as leis asseguravam a todos um tratamento por igual, e, no que dizia respeito à vida pública, cada um obtinha uma igual consideração em função dos seus méritos e valores pessoais (e não em valor da classe social a que se pertence); a liberdade, seria um princípio fundamental, uma vez que estimulava a participação da opinião pública, mesmo nos debates que envolvessem as grandes questões do Estado (pois Péricles entendia que as grandes questões só tinham a ganhar com a livre discussão e argumentação das opiniões). Deste modo, facilmente se conclui que todo o seu discurso fica indelevelmente marcado pela apologia do equilíbrio, da tolerância e moderação da acção política, demonstrando particular atenção pelas leis sociais, e defendendo a possibilidade dos mais pobres saírem da sua débil situação através do trabalho. Durante o tempo que governou Atenas (mediante 15 eleições sucessivas para o cargo de estratego), Péricles privilegiou a qualidade de vida (o desporto, a cultura, os espectáculos, enfim os “costumes de Atenas” ), exacerbou a prosperidade económica da cidade (bem como a sua abertura ao exterior), além de elogiar os que morriam como heróis em defesa da Pátria, exortando aos vivos para que saibam honrar o exemplo dos que pereceram no cumprimento do dever, bem como as “as instituições políticas” de Atenas. A democracia ateniense apresentava, contudo, algumas imperfeições e limitações. Caracterizava-se por ser uma democracia directa e não representativa, na qual somente participavam os cidadãos de Atenas, ou seja, os indivíduos que eram filhos de pai e mãe atenienses, com mais de 21 anos de idade, e com serviço militar cumprido. As mulheres não possuíam poderes/direitos cívicos nem jurídicos, não podiam possuir propriedades e eralhes vedado o ensino. No entanto, respeitava a liberdade de opinião, a liberdade de entrar e sair do país e outras liberdades essenciais, e conferia aos cidadãos o direito de participação no debate das grandes questões de interesse geral. Facilmente se constata que Atenas era palco de uma sociedade esclavagista, na qual os metecos (os cidadãos estrangeiros, como veio a ser o caso de Aristóteles, por exemplo) eram obrigados a cumprir determinados deveres, como pagar impostos e cumprir serviço militar, além de não poderem participar da vida política da cidade. Pontos essenciais: Péricles elogia a democracia e a sua superioridade sobre os restantes regimes políticos; a afirmação dos princípios básicos da igualdade, da liberdade e da participação cívica na vida pública; a apologia do debate público das grandes questões do Estado; a defesa da tolerância, do equilíbrio e da moderação na acção política; a atenção particular concedida às leis sociais de protecção dos pobres e a concepção da possibilidade de “sair da pobreza pelo trabalho”; a impotante dada à cultura, o desporto, os espectáculos e divertimentos públicos); a referência, à prosperidade económica da cidade e à sua abertura do exterior; a ideia de que qualquer país, mesmo democrático, carece de poderio militar para conseguir defender-se com êxito dos seus inimigos; a defesa inteligente da ideia de uma sociedade democrática (aberta, tolerante, organizada civilmente e respeitadora do indivíduo), em contrato permanente com o modelo oposto de uma sociedade totalitária (fechada, intolerante, militarizada e colectivista); e, enfim, o elogio dos que aceitam morrer pela Pátria e a exortação aos vivos para que saibam honrar o exemplo dos que tombaram no cumprimento do dever. Xenofonte Xenofonte (séculos V e IV a.C., + ou – 430-350 a.C.), terá nascido provavelmente no último ano em que Péricles viveu. Foi discípulo de Sócrates. Homem de espírito irrequieto e de carácter guerreiro, combateu por mais de uma vez ao serviço de Esparta (regime com o qual se identificava) contra Atenas (regime ao qual se opunha). Daqui emerge outro importante ponto de distinção entre Péricles e Xenofonte: se o primeiro surge como defensor da democracia ateniense e apologista de valores como a paz, a igualdade e a liberdade, o segundo, ao invés, vai-se identificar mais com a ditadura vigente em Esparta, elogiando o poder militar e o uso da força, mostrando-se favorável a um líder forte e autoritário (governo de um só, governo de autoridade, militar, personalizado num chefe). Xenofonte perfilava-se como amante da guerra e via nas principais regras da democracia ateniense (igualdade e liberdade) os grandes inimigos de um Estado que deveria ser forte e rigoroso, presidido por um líder carismático e autoritário, ou seja, uma sociedade fechada e um regime ditatorial (tal como Esperta), sendo esse o objeto de uma das suas principais obras A República dos Lacedemónios. Para Xenofonte, as leis de Esparta seriam impostas não apenas como normas de origem humana, mas como preceitos de emanação divina: Licurgo não legislou sem primeiro de dirigir a Delfos para perguntar aos deuses se não seria bom para Esparta obedecer às leis que ele tinha feito. Para Xenofonte, a política é o conhecimento do que é preciso saber (e do que é preciso ser) para governar bem um país. A política é uma arte. No entender deste defensor da ditadura, só os mais capazes e audazes estariam habilitados assumir e exercer o poder. Para ele, o líder seria dotado de uma aptidão/autoridade natural, que o caracteriza e o distingue, levando os outros a respeitá-lo e segui-lo. O chefe ou líder político, deveria ser um homem culto, de inegável conhecimento, que soubesse persuadir os que o rodeiam através do seu carisma, que soubesse incutir respeito e obediência através do seu carácter forte e autoritário. Enfim, não bastam ao chefe os conhecimentos e o dom da palavra, é também necessário o estudo das paixões humanas. Assim sendo, Xenofonte entende ainda que o poder é a “faculdade de mandar e de se fazer obedecer”, considerando estas como as qualidades inatas do chefe, a sua apetência natural. Em jeito de síntese, pode considerar-se que o líder surge perspetivado num sentido psicológico e não num sentido jurídico, tendo em vista que, o poder não resultaria das leis, mas da mentalidade, da motivação, das atitudes e acções de determinados homens. O poder é, para Xenofonte, a “faculdade de mandar e a capacidade de se fazer obedecer”. São as qualidades do chefe, a sua aptidão natural, geram um ascendente psicológico sobre os súbditos e os levam à aceitação da autoridade e ao acatamento das ordens dadas pelo chefe. Aquilo que interessa fundamentalmente aos governantes não é a legitimidade do cargo, mas a eficácia demonstrada no exercício do poder (embora enfatize que este nunca deve ser posto em prática com o mero objectivo do interesse pessoal de quem o exerce, porque deve ser aplicado ao serviço da prosperidade de todos). Ou seja, para Xenofonte o que importa, nos governantes é a legitimidade da investidura no cargo (ou “legitimidade de título”), mas a eficácia no demonstrada no exercício do poder (ou “legitimidade de exercício”). É pelo exercício do poder que este se torna bom e útil, mesmo quando na sua origem tenha estado um acto ilegítimo. Platão Embora tenha nascido em Atenas, Platão (séculos V e IV a.C., de 429-347 a.C.), de família nobre, descendia pelo lado materno de Sólon, um dos fundadores da democracia ateniense. Apresentou forte simpatia por Esparta, nomeadamente por ter presenciado o julgamento e assistido à morte de Sócrates, considerado por ele como “o melhor e mais sábio dos homens”. Impulsionado pelo sentimento de revolta, começou a desprezar Atenas e foi viver para Esparta. A obra de longe mais importante de Platão é a Politeia, usualmente traduzida por A República. Platão foi o primeiro grande pensador a avançar com o modelo daquilo que seria, no seu entender, uma sociedade ideal, atacando aqueles que considera serem os grandes males da sociedade do seu tempo - a família e a propriedade privada. A Política é, pois, para Platão, a arte de governar os homens com o seu consentimento Nenhum dos regimes existentes, nem doutrinas, satisfaziam Platão. Para ele, a democracia era ao reino dos sofistas, que, em lugar de esclarecerem o povo se limitavam a estudar-lhe o comportamento e a transformar em valores morais os seus apetites. A primeira tentativa de mudança, por parte de platão, consistiu em transformar em ciência a moral e a politica, que assentam num alicece comum, o bem, que não é diferente do verdadeiro; em subtrair a politica ao empirismo, para a ligar a valores eternos que não sejam perturbados pelas flutuações do devir. Segundo Platão o melhor governo é o da sabedoria, da razão, da inteligência. O governo ideal é o filósofo: toda a sua obra está marcada pela defesa constante e vigorosa da entrega do poder ao Rei-Filósofo, isto é, ao rei que saiba tornar-se filósofo, ou ao filósofo que consiga vir a ser rei. O poder, para Platão deve pertencer àqueles que sabem, aos mais instruídos pelas ciências, nomeadamente pela Política e pela Filosofia. Platão considera que os políticos não podem ser moderados nem violentos. Os moderados gostam de viver tranquilamente, são pacíficos em sua casa e querem sê-lo também perante as potências estrangeiras: são incapazes de combater, ficam à mercê de quem os atacar. Os violentos também não servem, porque sendo belicosos empurram o país para a guerra: suscitam inimigos e arruinam a Pátria, ou arrastam-na para a submissão ao estrangeiro. O político ideal é, assim, o Rei-Filósofo, tão firme que não violento. Para Platão, a Justiça deixa da ser uma virtude individual para ser um atributo do Estado ideal – O Estado justo, a sociedade justa, um Estado que seja uno, em vez de Estado dividido em dois grupos inimigos – o dos pobres e o dos ricos. Platão, com um conceito inteiramente novo de Justiça, que nada a ver tem a ver com a equidade nas relações particulares dos indivíduos entre si, mas sim com a correcta ordenação do Estado. Pela Justiça, o Estado impõe aos indivíduos a profissão e os cargos que devem desempenhar, e não deixa ninguém sair do lugar que lhe compete no sistema do conjunto. A Cidade Ideal de Platão assentava a sua teoria no estabelecimento de um paralelo entre a alma individual e a Cidade: esta deverá ser estrutura como aquela o é. Ora – diz o filósofo – a alma humana tem 3 partes: a primeira é a parte racional e corresponde ao plano das ideias; a segunda é a parte irascível, que compreende os impulsos e afetos do ser humano; e a terceira é a parte sensual, que integra as necessidades elementares do homem. A cade uma destas partes corresponde uma virtude ou qualidade principal: À primeira, a sabedoria; À segunda, a coragem; à terceira, o desejo; a submissão da segunda terceira à razão consiste na temperança; por fim a justiça é o ordenamento das outras e para que os magistrados tivessem uma ideia mais precisa das suas reais capacidades. para que as crianças experimentassem novas emoções. tendo em vista a integração nas três classes sociais avançadas pelo filósofo. para que do resultado dessas uniões emergisse um conjunto de pessoas dotadas de melhores características. e complete-lhe governar a Cidade.pois entendia que o património individual tornava as pessoas egoístas (“nenhum deles possuirá quaisquer bens próprios. de forma a que se estudasse o desenvolvimento das aptidões naturais das mesmas. posto que a Cidade é como “um homem em ponto grande” (concepção antropomórfica do Estado). Outro aspecto fundamental no pensamento platónico foi a importância dada à educação. e seriam entregues a amas. e compete-lhe garantir a defesa e a segurança da Cidade. Para tal. numa sociedade que deveria direccionar os seus elementos num objectivo comum. seriam abandonadas e deixadas à sua sorte ou ocultadas. e que seria. descurando assim a preocupação com o bem geral da cidade – do casamento e da família tradicionalmente concebida. .”). a não ser coisa de primeira necessidade. Propôs a abolição da propriedade privada (só para a classe dos guardas e. e compete-lhe assegurar o sustento material da Cidade. em que não possa entrar quem quiser. e mais tarde estaria prevista nova fase. a mesmo estrutura tripartida.3. . mais um passo em frente no objectivo da sociedade ideal. deve actuar segundo a coragem..a classe dos lavradores e artífices em geral (trabalhadores) corresponde à parte sensual da alma. engenhosamente determinado pelos mesmos. tendo em vista uma espécie de “aprimoramento da raça”. e. por fazer com que se preocupassem primeiramente com aquilo que lhes pertencia. mas que incidisse sobre as artes militares e as ciências. Ele propunha que as crianças fossem retiradas às mães aquando do seu nascimento. Ora bem: a Cidade deverá ter. eventualmente para a dos magistrados) . por conseguinte. deve actuar segundo a razão. deve actuar segundo o desejo. estariam previstas fases de ginástica e de música. evitando assim o egoísmo das sociedades multifacetadas.a classe dos guardas (militares) corresponde à parte irascível da alma. . segundo Platão. As uniões teriam por base um sorteio organizado pelos governantes/magistrados. seriam os magistrados a ficar encarregues de escolher as fábulas para serem lidas pelas amas às crianças. Assim.nenhum terá habitação ou depósito algum. ou sabedoria. Platão defendia um modelo educativo que privilegiasse um acompanhamento dedicado e constante às crianças. As crianças que nascessem deformadas ou fora do esquema por ele proposto. Ao longo da sua infância.. Tornou-se favorável à igualdade entre os sexos. em determinadas alturas. haverá na Cidade ideal 3 classes: .a classe dos magistrados (governantes) corresponde à parte racional da alma. o governante ideal está acima da lei.oligarquia . a de colocar a sabedoria ao serviço do governo da cidade). possuir a Razão e a Sabedoria necessárias para o governo da cidade. cuja principal função consistia em assegurar os bens e o sustento da cidade). Para ele. embora apreciasse pouco a democracia. todavia. ou uma tirania (e neste caso o poder absoluto assentava num só homem de cariz violento. no entender de Platão. não por hereditariedade. aquilo que ele designava como a sofiocracia. noutras palavras “o governo de uma só pessoa com o máximo de conhecimento” na arte de governar. a sofiocracia seria.um modelo democrático. aca-bando por se instalar o predomínio da força sobre a sabedoria). Deste modo.monarquia . no seu todo.Estaria então estabelecido que aos 30 anos aqueles que fossem os melhores de entre os guerreiros seriam educados com base na arte do diálogo e da filosofia. Nalgumas. A teoria dos metais seria um dos critérios para seleccionar os cidadãos para as classes propostas por Platão. e. a dos magistrados/governantes. logicamente. . à qual as outras duas estariam subordinadas (a função dos governantes seria. e não só pode como deve ignorá-la ou . O filósofo projecta 5 modelos: . Platão concebeu três moldes de classes sociais.podia ser uma sofiocracia (descrita como a forma de Governo da Cidade Ideal. tendo por base a célebre “teoria dos metais”. esse metal seria o ferro ou o bronze. pertencendo tais elementos à classe mais importante. triunfaria. com vista à magistratura que seria atingida aos 50 anos de idade após serem superadas todas as provas. quanto a ele. finalmente. assente na sabedoria e exercida pelo Rei-filósofo). ou podia ser também uma plutocracia (descrita como o governo de uma minoria de ricos. noutras pessoas seria a prata. e desprovido das luzes da filosofia). é melhor que a tirania – pois o governo da multidão é incapaz de gerar um grande mal -. A democracia. o governo da sabedoria. mas é pior que a monarquia soficrática – pois o governo da multidão é incapaz de gerar um grande bem. e nesse caso a pessoa estaria destinada a pertencer à classe dos artesãos/artífices (seriam os trabalhadores. pois entendia que as grandes massas e multidões são incapazes de. voltados para os seus interesses pessoais). segundo a qual cada pessoa possui na sua alma um metal colocado por Deus. Outro grande contributo de Platão para a História das Ideias Políticas prendese com a sua tipologia das formas de Governo. mas pelo sistema educacional imposto pelos magistrados que faria sobressair as inclinações naturais de cada um. e pertenceriam portanto à classe dos guardas/militares (cuja função seria a proteger e defender a cidade).podia ser uma timocracia (e nesse caso o poder estaria assente na classe dos guardas. Entrego a um Rei-Filósofo. e o melhor de entre os filósofos seria considerado o “Rei-filósofo”. esse “metal” seria apurado. teríamos um restrito grupo de pessoas cuja alma seria caracterizada pelo ouro. Platão considera que a melhor forma de governo é a monarquia sofiocrática (a cargo do Rei-Filósofo) e que a pior é a tirania. . Aristóteles é partidário do bom senso. mas antes o governo de um homem sobre os demais homens. naturalmente. no seu célebre tratado sobre a Política profere que “o homem é. é necessário que o governo e as leis do país sejam orientadas para a consecução do bem. devido às suas vicissitudes. pois. da virtude. dando esta lugar à democracia e o governo democrático. um animal político”. O homem feliz será aquele que for capaz de dedicar a melhor parte da sua vida à contemplação filosófica das verdades eternas. culminaria numa tirania.afastá-la sempre que. mas sim o bom cidadão. um Estado ético. no pensamento político grego. de 384-322 a. Aristóteles. o interesse superior da colectividade assim o exija: o estadista deve forçar os cidadãos a ir contra o disposto nos seus códigos e tradições se. à virtude (suprema) do homem de bem. portanto. no seu critério. um fenómeno moral e religioso. como o Estado é a comunidade perfeita.C. para a sua Cidade ideal. e deve ser. A política está. Para ele. Platão não quer o governo das leis. mas sem desprezar por outro lado a vida activa. O Estado não é. orientado para a felicidade por um Estado ético e tutelar. na medida em que evoluiriam consoante as circunstâncias. ainda mais. No entender de Platão as formas de governo não são imutáveis. e se possível. ao serviço da moral: as leis devem conduzir à virtude do bom cidadão. apenas um fenómeno político ou jurídico: o Estado é. naMacedónia. por isso ficará a ser conhecido como o Estagirita. Este bem é a realização de uma vida boa ou feliz (“eudaimonia”): é a prossecução da felicidade entendida num sentido ético (a felicidade como soma de virtudes). da moderação – isto é. A tirania seria uma espécie de culminar esta espécie de ciclo governamental. porque é “feito para viver em sociedade”. em suma: “é através das leis que nós podemos tornar-nos bons”. assente numa quantidade moderada de bens materiais e de saúde. um certo regresso a Péricles e aos ideais e valores da democracia ateniense. o ideal a atingir não é a Cidade justa. o cidadão justo.. que se iniciaria com a sofiocracia. Com Aristóteles há. isso for melhor do que acatar as leis. em sentido grego. em contraste com a orientação favorável a Esparta que detetámos em Xenofonte e em Platão. Aristóteles critica o modelo da unicidade da Cidade de Platão.C. Aristóteles diz em Política que “todas as Cidades são uma espécie de associação” e que “todas as associações não se formam senão em vista de algum bem” e. IV a. o seu bem é o bem supremo. Aristóteles Aristóteles nasce (séc. do equilíbrio. Mas para que os homens se tornem bons. portanto. o cidadão virtuoso. passaria para a timocracia e posteriormente à oligarquia. Ele dá inclusivamente como assente uma espécie de ciclo (A sucessão cíclica das formas de governo) em termos governamentais. Platão preconiza. um regime geral de relações entre governantes e governados assente no comando autoritário dos primeiros e na obediência cega dos segundos. dando origem a novo ciclo que se iniciaria novamente com a sofiocracia. defendendo a superioridade do pluralismo social e político (a Cidade ao tornar-se mais una e .) na cidade de Estagira. no interesse deles. a melhor espécie de sociedade política. subjectivo e arbitrário. o Estagirita apresenta uma classificação de regimes políticos agrupados em regimes sãos (monarquia. O fundamento é de que “nada inspira menos interesse (ao Homem) do que uma coisa cuja posse é comum a grande número de pessoas. Para ele a regra geral é a do respeito pela lei. incapazes de se submeter a qualquer poder legítimo (desobediência aos magistrados). ou que um filho diga: meu pai”. Outro conjunto de consequências da teoria de Platão era a generalização dos laços familiares (ou seja. ao invés daqueles que apenas só tendem para o benefício particular de alguns. aniquilando a Cidade. Aristóteles defende o primado da lei sobre a vontade dos homens. Ou seja. inexistentes) e que provocaria “assassinatos. pois quando “uns têm riquezas imensas e os outros não têm nada. “os cidadãos de condição média não empregam violências nem intrigas. pois “a lei é a razão sem o apetite”. Defende que os que pertencem à classe média integram-se mais harmoniosamente numa sociedade equilibrada e sã. Aristóteles conclui que a sociedade civil mais perfeita é aquela em que a condição média é mais numerosa e poderosa que as outras duas (ou pelo menos mais poderosa que cada uma das outras). neste sistema. ao passo que o poder pessoal é o domínio das paixões incontroláveis. sobre as classes sociais. daí resulta sempre ou a pior das democracias. O Estagirita argumenta que pela comunhão de bens mais problemas sociais advêm. Aristóteles defende a família ao exprimir a sua repugnância (moral e social) por esse tipo de sociedade onde será praticamente “impossível que um pai diga: meu filho. pois a melhor forma de governo. defende o predomínio das classes médias. a dos sistemas das leis. principalmente pelo sentimento de satisfação de que uma coisa nos pertence como coisa própria. pois. Assim. aristocracia e a república) e regimes degenerados (tirania. ou uma tirania insuportável”. incapazes de comandar (os mais pobres). “o primado da lei é preferível ao governo livre de qualquer cidadão”. porque não ambicionam as magistraturas”. toda a possibilidade de atender às circunstâncias particulares de cada caso: será essa a tarefa dos órgãos executores da lei. E. bem como a possível banalização de relações promíscuas tais como o incesto. não sabem senão exercer uma autoridade despótica”. é aque for constituída. que deve pressupor uma pluralidade. do capricho e da discricionariedade dos homens. oligarquia e . rixas e injúrias”. por delegação dela e dentro dos limites por ela definidos. em maioria. não sabem senão mostrar uma submissão servil. ou uma oligarquia desenfreada. Aristóteles defende a propriedade privada. e aqueles (os mais ricos). acima da vontade.ao ser reconduzida o mais possível à unicidade. Aristóteles. a da observância da legalidade. pelo facto de existirem “mais frequentemente dissensões entre aqueles que possuem coisas em comum do que entre aqueles cujas fortunas são distintas e separadas”. pois a violência (dos mais abastados) e a intriga (dos mais pobres) são duas fontes iniquidades. Assim. porquanto se dá uma grande importância ao que nos pertence”. o regime legítimo ou “bom” é aquele que tem por fim o bem comum e que é conforme à justiça. objetivas e impessoais. acabará por ser reduzida a uma família e esta a um indivíduo. “De maneira que estes. assim. por cidadãos das classes médias. Para Aristóteles. Há. III e II a. exercido no interesse de todos os cidadãos) de carácter misto. Para Aristóteles a melhor forma de governo seria uma república (governo assente no poder do grande número.democracia: . tais como educação e vestuário acessível a todos) e apoiada no predomínio das classes médias.O governo de um pequeno número de homens. a tirania – monarquia governada no interesse exclusivo do monarca. chama-se aristocracia. passaria para a aristocracia.em relação à realeza. . a oligarquia – dirigida unicamente no interesse dos pobres. . O motivo da obscuridade e o padrão renascentista da história toma a Europa ocidental e a secularização diferente dos estados nacionais como foco da .Quando a multidão governa no sentido do interesse geral. CAPÍTULO 3 MONARQUIA HELENÍSTICA § 1 Helenismo e Idade das Trevas Apesar do esforço grandioso. da qual deduz depois como consequências as suas outras observações e propostas. o processo dos sécs. e a teoria do regime misto como forma de governo ideal. a democracia – somente no interesse dos pobres. .Entre as monarquias. contendo alguns elementos de oligarquia (muitas instituições oligárquicas. de seguida a democracia e resultaria na república mista que resultará tanto melhor quanto se apoiar mais na classe média. . chamase república. Tal como Platão. ou de vários. tais como as magistraturas por eleição) e de democracia (muitas coisas populares. é mal conhecido. a defesa da família. dá-se o nome de realeza aquela que tem por fim o interesse geral. oligarquia. C. da propriedade privada e do pluralismo essencial. a crítica directa da Cidade Ideal de Platão e. porque eles o exercem para o maior bem do Estado e de todos os membros da sociedade. Aristóteles também emitiu a sua teoria sobre a sucessão cíclica das formas de governo: começaria na monarquia (o governo dos antigos). portanto. Os governos que constituem desvio ou degenerações são: . mas não de um só. tirania.em relação à aristocracia. a defesa do primado da lei sobre a vontade dos homens.em relação à república. a classificação dos regimes políticos sãos e degenerados. a análise das classes sociais e o papel preponderante reconhecido às classes médias. Pontos essenciais: Os principais contributos de Aristóteles para a História das Ideias Políticas são: a apresentação de uma concepção acerca da natureza humana. Poetas e filósofos podem criar reis. Trata-se de um novo fenómeno histórico. Assim há mais que uma idade das trevas sempre que precede lutas internas pelo poder ou que se segue o desgaste das liberdades constitucionais que desgastou a comunidade até sociedade de massas. Acerca das origens orientais ou helénicas do culto real ambos os lados têm razão. Os séculos helenísticos são idade das trevas porquanto vista do passado grego a polis atingiu a canalha urbana e olhando para o futuro a ansiedade espiritual de uma nova alma produz o fenómeno dos Deuses-reis. A tragédia do pensamento socrático mostrava que povo não renovava o cosmion político.. O filosofo salvador em comunicação com céus salva a polis. Os filósofos interpretados como racionalizadores da polis lutavam afinal com agonia da polis e fornecem alternativas. O culto do governante foi adoptado na Síria não na Macedónia. o primeiro rei-deus é Ptolomeu II do Egipto e sua irmã Arsinoé em 270 a. depois embora heroizações e divinizações em vida existissem na Grécia. 13 e ss. através da divina ideia que enche a alma. Politica 1284. helénica e romana. Idade das Trevas é designação de período entre Antiguidade e renascença. Incapacidade de analisar período que não é fiel a estereótipo de sociedade política que evolui para democracia constitucional. Mas é certo que Hellas não produziu deuses-reis antes do contacto com o Oriente. § 3 A Lei Animada A instituição era nova.) O culto dos Ptolomeus não se confundia com o dos Faraós. A nova teoria política lida com rei e governação não com povo e constituição. E se família produzir superioridade seria família real a fornecer os reis da nação Política 1288 a 1. ele é a lei animada. A diáspora helénica criara reinos de população mista. Os gregos tinham faculdades teopoéticas antes de Alexandre. 10 e ss. Até ao povo que ele tem de assimilar. Uma alma pode criar símbolos da profundidade que personalidade consciente rejeitaria.8 1. Impossível criar estados nacionais na Ásia. O rei pode divinizar-se por desejo sincero de súbditos ou porque irreligiosidade generalizada já não se importa de ter um rei por Deus. Onde a família eminente dos Aqueménidas exercia a função real. Os novos reis diádocos são macedónios.história e como eixo e daí trabalha para o presente e põe no passado a Antiguidade Clássica. Organização política não poderia ter base popular durante séculos mas teria de provir de dinastias e governantes. § 2 Monarquia Divina A controvérsia acerca do sentido efetivo do culto dos reis deuses. cínico resolve-se aceitando que ambos os lados têm razão.Platão procurava o homem que combinasse espírito e poder para salvar Hellas. emanação de poderes . Homens de virtude eminente são a sua lei. Aristóteles considera a possibilidade de que um homem seja tão superior a outro em virtude a todos os outros que seria injusto submetê-los a regra constitucional.C. Desta doutrina vem a teoria helenística do nomos empsychos criando o cosmion político dos poderes da sua divina personalidade. Alexandre transferiu o problema para a área Mediterrâneo.15. o desejo antigo. sincero ou não. referencia às instituições persas. Talvez as ideias orientais fossem conhecidas dos filósofos helenísticos." Erwin Goodenough salientou o paralelo entre universo e o estado. o cosmos e o cosmion. donde resulta a obediência. Babilónia marcava Heraclito. § 4 Diotógenes Os fragmentos de Diotógenes. feita como é de uma harmonia de muitos elementos distintos é uma imitação da ordem e da harmonia do mundo enquanto o rei tem governo absoluto é ele próprio Lei Animada foi metamorfoseado em divindade pelos homens. Para Ecphantus o rei tem a mesma comunhão com os súbditos como deus tem para com o universo e as coisas que lhe pertencem. a ordem teria de vir do poder do governante como harmonizador do povo. O rei adquire majestade se a conduta for divina. § 6 Os reis salvadores A doença da alma diagnosticada por Platão era profunda demais para ser curada por uma alma poderosa. Fragmentos de Ecphantus explicam os títulos reais dos reis helenísticos: Soter salvador Euergetes bemfeitor Epiphanes Semelhante a Deus até que O logos que se fez carne e habitou entre nós João IUI. Contemplar o rei afeta a alma daqueles que o veem não menos que o som da flauta ou a harmonia. E. O estatuo político da ideia é imperfeito. § 5 Ecfanto Elabora a fórmula de Diotógenes. O seu logos fortalece os corruptos cura os doentes. Se ele quer viver vida perfeita tem de ser auto-suficiente. Orientalismo latente da Grécia. a comunidade anárquica de homens sábios adquire articulação interna que ajuda os indivíduos a encontrar o seu caminho. afasta o esquecimento e faz a memória viver. ."O rei tem a mesma relação à polis que Deus para com o mundo e a cidade está na mesma relação ao mundo que o rei está para Deus! Porque a cidade-estado. entre Deus e o Rei. O rei tem de ser tão auto-suficiente e semelhante a Deus quanto possível para transferir esse bem para a natureza humana. Homens diferentes realizam finalidades diferentes e o rei torna-se o modelo exemplar para que outros modelem suas vidas. Sucederá a comunidade perfeita sem aplicação de força: "Oh se fosse possível eliminar da natureza humana qualquer necessidade de obediência". previsto em Opis situação mantida durante um milénio de ordem imperial. A cosmopolis aberta.de Ahuramazda para o rei e o caso de Aquenaton. Este era o problema da evolução da legalidade externa da acção para estado de coisas em que seres humanos actuem por imposição motivo de moralidade. 14. Os reis diádocos são elevados ao poder pela fortuna pessoal em tempos desordenados: o seu problema pessoal é idêntico ao de qualquer pessoa. supremo realismo. pitagórico da uma fórmula . Persa o velho Platão e o símbolo do sol é oriental. O conceito de autarcia reduziu-se até à esfera individual. 20). 43-58. Contudo. Platão e Aristóteles. (deisidaimonia). Apresenta Demétrio de Faleros a advertir da inconstância da fortuna após a vitória macedónia sobre a Pérsia. Em segundo lugar. dispunha da teoria clássica das formas de governo.C. sentimento subjectivo dos protagonistas e facto objectivo que determina o rumo da história. não.o regime misto que combinava os três tipos de regime . Os equilíbrios mútuos predestinavam a vitória de Roma. o estado será bom: senão. também um dia. Políbio sabe que as secções do célebre livro VI que tratam da tripoliteia (VI. Após a vitória de Pidna. Os ritos funerais impressionam o povo. A aristocracia romana parece ter mais sentido de dever cívico do que os adversários. por que razão Políbio insiste no modelo do regime misto para compreender a evolução política de Roma cuja semelhança com a Grécia é superficial? A sua justificação é de que os argumentos dos clássicos. 5. 20 e XXXVII. Visava organizar a humanidade numa só cidade com uma exemplaridade imperial que se transmitiu à posteridade. (XXXIX. perante as ruínas do maior inimigo que Roma jamais tivera. declinar. são complexos. Políbio reconhecia nela a força objectiva que determina a forma da história e o sentimento subjectivo do conquistador que recua perante a possibilidade de. Ao considerar que a fortuna criava um campo unitário de inteligibilidade para os movimentos históricos a que assistia.Políbio sustenta que a decadência de cada elemento seria contrabalançada pela presença do outro. Os romanos nunca dão nada em troca. que reaparece no sec. Se estes são as verdadeiras causas da sucesso romano. E finalmente o temor reverencial religioso do povo romano. em particular no período 220-168 a. O orbis terrarum tornara-se em unidade geopolítica a ser disputada por todos os contendores. o cônsul Paulo Emílio lembra ao senado os reveses da fortuna.O ESTOICISMO E POLÍBIO A experiência imperial encontrou em Políbio o autor capaz de interpretar as novas movimentações políticas. E na hora da conquista de Cartago. o imperium crescera à custa de populações que perdiam a . Se as vidas privadas forem virtuosas. [1] Políbio apercebeu-se que Roma era uma nação diferente das outras. 3-18) têm pouca importância para descrever a realidade política de Roma. As causas reais surgem nos caps. mostra que Roma não passou pela desintegração cultural que afectou a Grécia e manteve a integridade de um povo rural lançado à conquista do mundo. Os cônsules de Roma seriam o elemento monárquico. o senado o aristocrático e os comícios tribunícios o democrático. um tópico recorrente da ciência política. A honestidade nos cargos públicos distingue Roma de Cartago. A grande força que domina os acontecimentos históricos é a fortuna.2). Políbio apela ao “senso comum” (koine epinoia) A sua grandeza reside em conceber a força e a fraqueza da ideia imperial: Roma representava a ordem definitiva da humanidade e não uma organização de poder entre outras. As duas causas da condição (systasis) de um estado são costumes e leis. que estabeleceu a grandeza de Roma. Cipião Emiliano derrama lágrimas ao antecipar o dia inevitável em que Roma sofreria idêntico destino.XVIII com Montesquieu e na constituição dos EUA. Apoiado na doutrina de Dicearco de Messina que aplicara a Esparta o modelo da “tripoliteia” . Para descrever a causa desse triunfo crescente. e apenas têm sentido pleno para os que a conceberam (VI. tal como outros romanos do seu tempo. Superioridade porque a força romana impediu os Gregos de caírem no caos e na barbárie. o indivíduo dotado da clareza do orador e do advogado. que descreve a cidade -modelo e termina com o sonho de Er de um mundo mais justo . aos Escolásticos até aos criadores do moderno direito natural racionalista. do filósofo.. estamos perante um autor que é claro nas fórmulas mas não no conteúdo do que pensa. Passa pelo “cicerone” perfeito de muitos dos termos constantes no pensamento político ocidental. originado por Sócrates. aos costumes tradicionais do seu país e dos antepassados” (Rep. 3). tal como lembrará Maquiavel ao teorizar a fortuna secunda et adversa. afectava as suas cidades e instituições que “flutuavam”. apenas sonhada por outros. . Finalmente. Para o jurista romano. Cipião Emiliano é o porta-voz do diálogo porque “acrescentou o saber estrangeiro. em particular no capítulo da cidadania.individualidade. portugueses. Mas ao compararmos os diálogos vemos que para além de a República de Cícero tratar do estado ideal e terminar com o famoso sonho de Cipião de que a ideia de virtude deveria guiar o estadista. Platão e os demais filósofos gregos eram apenas teóricos que expuseram com pouco sucesso um sistema ideal de governo. do teórico ou do visionário da vida da cidade. pelo menos até que lhe venham bater à porta. cego para os dramas da história à sua volta. A justificação da posição ciceroniana é o sucesso: o sucesso colectivo de Roma e o sucesso pessoal do homem novo na política. afirma Cícero que a instabilidade de um povo de navegadores. . Numa passagem de sabor amargo para nós. irrompera a ideia de Caesar. de certo modo. um dos autores mais citados no Ocidente desde os padres da Igreja. também Cícero escreveu uma “República” e as “Leis”. o homem cuja força pessoal consegue dominar os poderes erráticos e moldá-los num todo. Para definir o estado ideal basta descrever a constituição da república. O ideal de Cícero é o do cidadão romano que se obriga a seguir os preceitos da autoridade. Cícero sente um misto de superioridade e de ressentimento perante a Grécia. 4). III.pouco mais existe de comum. o triunfador do “senso comum”. refira-se apenas a tradução que fez fortuna de politeia por res publica. como eram os gregos.C. A “Grécia cativa cativou os captores” como escreveu Horácio. Mas a mesma fortuna que impusera este "destino manifesto" poderia liquidá-lo.I a. a pax romana. O termo latino é tanto tradução como traição ao grego porque res é oriundo do direito civil. II. A nova ordem. Em imitação de Platão. instáveis (Rep. estendia a sua mão férrea sobre os povos. CÍCERO As ideias gregas sobre cidadania estavam à disposição dos juristas romanos constituindo um património rico de que Cícero é porta-voz no sec. Cícero é. Neste sentido. tem a importância do “opinion-maker” e não do cientista. ressentimento porque a submissão esconde a maior perfeição da civilização vencida. Os juristas romanos são muito superiores aos gregos e o imperium romano cresceu e estabilizou-se até ocupar a cosmopolis.em paralelo com a Politeia platónica. E este porta-voz é significativo porque. Contudo. governantes e filósofos da Antiguidade Clássica.C. e Rep. Escreveu o tratado De . Define a cidade como a aglomeração humana na qual existe consentimento na lei. relacionada com a res populi. A verdadeira lei . (Rep. A aplicação às instituições públicas do conceito de res. O laço da ordem justa é constituído por natureza. não é necessário inquirir das condições de existência do que é uma boa comunidade política. a república romana foi substituída pelo império. O povo não é só uma multidão mas uma assembleia que se junta para consentir numa ordem justa e com interesses comuns (Rep. Os problemas políticos devem ser tratados no quadro da legalidade existente.desse consenso cuja qualidade tem de ser avaliada. logos e nomos (ratio e lex) que emana do todo para todos os homens e que determina a igualdade. diuturnidade.C. O estoicismo inicial insistia no que hoje foi secularizado como “globalização”. Se já existe o povo e o governo imperiais. cada homem tem duas pertenças e duas cidadanias: a do seu nascimento e a cosmopolis.. O governo de Roma é a res publica. Marco Túlio Cícero será cruelmente assassinado por estar nas listas de Marco António de homens a abater e será entregue por Octávio Augusto. desaparece o conteúdo. C. o que designa por vinculum juris . Enquanto Cícero fundava o mito da autonomia do Direito e da concepção estritamente jurídica da cidadania.é o último produto dos processos que originam um povo. 25). Enquanto a forma de Roma continua.é recta ratio consonante com a natureza. III. 25. II e I a. I. Afirmar que o verdadeiro governo só é possível por consenso dos governados é uma ideia vazia de origem ciceroniana e que nada afirma sobre o conteúdo . os problemas políticos tendem a ser reduzidos a problemas de ordem jurídica. e liquidado por um cliente que defendera numa causa. Ao insistir na ideia do Direito como independente de pressupostos. A lei adquire majestade.2).. ou seja na existência de um espírito. abre um precedente para numerosas teorias centradas no direito como base da sociedade política.). O drama da história batia-lhe fatalmente à porta. 22). o futuro César.o laço jurídico que constitui a comunidade . Cícero transformará esta fórmula estóica na fórmula de que um homem tem duas cidadanias. Na realidade. e finalidades.justo ou injusto . Cícero Cícero nasceu em Roma (séc. Roma tornou-se o modelo de futuros impérios que concedem a cidadania a troco da submissão.vera lex . chama o cidadão ao dever pela sua autoridade e impede a prática do mal pela sua proibição. O império adquire a qualidade de ser divino. Cícero diminui a definição da cidadania. do sec II a. III. torna-se fonte de especulações infindas sobre a soberania popular (Rep. Esta concepção legalista tornou-se um factor decisivo na história das ideias.As opiniões de Cícero. Foi um dos maiores juristas. alimentavam-se da corrente do estoicismo. II. Ao tornar a ordem legal da comunidade no elemento decisivo da política sem mais questionamento sobre a sua origem natureza. oriundo do direito civil.I. difundida em todos. representativas do seu tempo. 31). Uma vez estabilizado o quadro constitucional. de 106-43 a. Em consequência desta igual participação na razão divina. a terra natal e Roma (Leis.. eterna e imutável. presente no círculo dos Cipiões através de personalidades como Panécio de Rodes e Políbio.. pois. a ideia de um Estado mundial e de uma cidadania universal. Ora a função do magistrado é representar o povo. a noção de devoção permanente ao dever e do controle de si mesmo. para que haja lucidez e conhecimento no tratamento dos negócios públicos.Republica. sustentar a dignidade e a . No tratado De Republica. se o governo lhes pertencer. pois consegue através das leis e do poder de comando que exerce obrigar todo um povo a fazer aquilo que os filósofos só conseguiriam a um pequeno número de pessoas. a multidão – com os seus apetites. a aristocracia. a aristocracia. separadamente. segundo Cícero. Cícero defende o dever de participação política. provém do exemplo dado pelos governantes. principalmente no governo da cidade. tem vários inconvenientes: a monarquia porque se presta a toda a espécie de abusos e basta o abuso de um só rei para que o povo comece a detestar o próprio regime monárquico. os quais defendem que: a ideia de que o princípio do mundo e da realidade é a razão (logos). Donde vem o sentimento do dever? De onde nasceu a religião? Qual a origem do direito das gentes ou do direito civil? Tudo isto. Cícero também teorizou formas de Governo como a monarquia ou realeza (poder atribuído apenas a uma pessoa). que considera ser o primeiro dos deveres que a moral social impõe aos homens. de um líder. exercê-lo apenas no seu interesse. a existência de um deus único cuja relação com os homens é igual ou semelhante à de um pai para com os seus filhos. quanto à democracia. porque cada uma destas formas de governo. Segundo Cícero tudo isto tem de ser combinado. O político é. ela é para Cícero. a democracia. para que haja o princípio popular de liberdade e justiça para o povo. aristocracia (poder atribuído a vários) e democracia (poder atribuído à totalidade do povo). a sua cegueira. Defende que é natural que os homens participem na vida política pois na natreza uma grande necessidade de “agir”. uma vez que tende a ser o governo dos ricos. pelos homens de Estado. Escreve num período importante da história de Roma. para que haja uma afirmação de poder. mais importante que o filósofo e que o moralista. e finalmente a ideia de uma lei ou direito natural de origem divina. o pior de todos os regimes: quando entregue a si própria. ao invés de oligarquia + democracia). Para Cícero a melhor forma de governo seria a combinação das três formas: a monarquia. Cícero é um dos mais representantes do estoicismo. Cícero acrescenta a Aristóteles a ideia de um poder executivo num homem que mande (monarquia + aristocracia + democracia. com vista à “salvação comum” e que o homem deve procurar a virtude e só a possui quando a aplicar. É influenciado por Platão e Aristóteles. quando este já vai ser substituído pelo Império. os seus abusos de poder – é o pior de todos os tiranos. a noção de igualdade fundamental entre os homens como membros de uma mesma família. Cícero defende a necessidade de um magistrado fundamental. o período final da República. o governo de pessoas que pelo seu nível de vida estão muito afastadas das necessidades do povo e procurarão. apresentou a ideia da incarnação humana de Deus claramente diferenciada da visão puramente celeste da divindade no judaísmo. o Estado. como se sabe.honra do país.” Ou seja. assente num mandamento considerado tão importante como o amor a Deus – o do amor ao próximo. contraposta à noção plural e imanente dos deuses do paganismo. . De notar ainda o seu permanente combate à tirania. nenhuma diferença de natureza existe entre eles. nem podem dispensar ninguém da obediência aos seus preceitos. Dos principais aspectos inovadores do Cristianismo: . essa ordem natural é descoberta pela razão humana. constante e sempre eterna. Cícero sublinha a necessidade do magistrado obedecer às leis: o magistrado está abaixo das leis. No que respeita à dimensão vertical. Cícero defende a existência de uma Humanidade e da dignidade do ser humano. criticada em nome de uma lei superior objectiva e não com fundamento em qualquer subjectivismo. e portanto a igualdade de direitos. o Cristianismo veio trazer uma nova concepção da divindade. conforme à natureza. respeitar os direitos de cada um.Em segundo lugar. e proíbe-nos o mal desviando-nos dele. não podem alterar essa lei. eternos e invariáveis. para Cícero o Direito Natural engloba a ideia que: existe uma natureza. porque é governante. Esta lei conduz-nos imperiosamente a fazer o que devemos. A IDADE MÉDIA Breve referência ao Cristianismo O Cristianismo começa muito antes de a Idade Média principiar: começa no tempo do Império Romano. que é a recta razão. o direito positivo. essencialmente uma revolução religiosa. todos são filhos do mesmo Deus. e que estes têm de acatar sob pena de desrespeitarem a própria natureza humana. o Cristianismo veio proclamar. Todos os homens são iguais. uma ordem natural. a chamada dimensão horizontal – que incide no plano das relações dos homens uns com os outros. com todas as suas forças. mas são inegáveis as suas implicações morais. sociais e políticas. À dimensão vertical do Cristianismo – referente ao plano das relações do Homem com Deus – acresce uma outra dimensão. unitária e transcendente. presente em todos os homens. Cícero teoriza o Direito Natural a que se refere no tratato De Republica: “uma lei verdadeira. embora esteja acima dos governados. e preconizou a substituição do dever de justiça pelo dever de caridade. O Cristianismo é. a igualdade de todos os seres humanos do ponto de vista jurídico. Jesus Cristo nasce sob o principado de César Augusto. e cumprir as obrigações confiadas à sua lealdade. dela resulta um direito natural. foi a noção de humanidade como noção nova. princípio superior – como a condenação da escravatura. a natureza inviolável da pessoa humana. que foi criado por Deus. os governos.Em primeiro lugar. a liberdade . equivalente à globalidade do género humano. que impõe direitos e deveres aos homens. os principais imperativos decorrentes do direito natural são universais. exectuar as leis. e pela mesma ordem de razões. verdadeiro bem. O homem medieval é submetido a um dualismo de poderes e jurisdições – a Deus o que é de Deus. é mau e concorre para a Cidade Terrena.Em terceiro lugar. Santo Agostinho Nasce em Tagaste. . A vida presente é uma luta. como não há paz sem Deus. e a cidade terrena. os homens esforçam-se por alcançar a paz mas. não possa ser considerado a priori como bom ou mau: tudo vai dos que o governam. mas sobretudo como função posta ao serviço do bem comum. na Cidade Terrena. na Numídia (Norte de África) e vive entre 354-430 (séc. ou Civitas Diaboli. as funçoes da autoridade e. Nesta obra. a César o que é de César. uma concepção particular sobre a natureza humana. verdadeira justiça. a sociedade e o poder. IV e V). Só na Cidade Celeste há verdadeira paz. mesmo. a noção de Estado. Daí que o Etado. Com o Cristianismo os aspectos do familiar. enfim. Ambas estão em luta permanente. um combate quotidiano: só na vida futura haverá paz autêntica e duradoira. a paz. procuram alcançar a . Uma é a cidade do bem. comunidade dos homens que vivem segundo o espírito e buscam a Justiça. surge com os primeiros doutrinadores cristãos uma concepção inteiramente nova do poder político – a partir de agora entenderseá que todo o poder vem de Deus – quer quanto ao sentido do seu exercício – o poder passará a ser visto não como um direito próprio dos governantes ou como pura autoridade do Estado sobre os cidadãos. deu origem à problemática das relações entre a Igreja e o Estado. a De Civitate Dei ou Cidade de Deus. da qual resultam para o seu titular mais deveres do que direitos.e os direitos do homem.Por último. um neo-platónico. em si mesmo. e ambas disputam a posse do mundo. do moral e do religioso passam para a esfera de competência da Igreja. . contra apenas uma aparência de paz. as relações entre a Igreja e o Estado. A sua inspiração mais forte foi sem dúvida a de Platão: muitos o consideram. As duas Cidades Santo Agostinho considera haver duas Cidades – a cidade celeste ou Civitas Dei. O pensamento político de Santo Agostinho Não haverá um nexo de causalidade evidente entre a generalização do Cristianismo e a decadência do poderio de Roma? É neste pano de fundo que Santo Agostinho se empenha em redigir uma das suas maiores obras. etc. Se o Estado é governado por homens que praticam o bem e amam a Deus. e menos privilégios do que responsabilidades. conjunto dos homens que vivem segundo a carne a para satisfação dos seus prazeres. ficando para o Estado apenas o político. a garantia do direito à vida. se o governam aqueles que praticam o mal e ignoram ou hostilizam Deus. a criação de uma Igreja universal incumbida de defender e propagar a fé cristã. uma contra a outra. é bom e trabalha para a cidade celeste. outra a cidade do mal. a limitação do poder político. são tratados vários problemas de relevo – a distinção entre as duas cidades. por igual. e não é longo o tempo que se passa na vida terrena. Noção de Estado Da conceção pessimista acerca do Homem e da natureza humana. como não há bem sem Deus. através do sistema jurídica. Considera o bispo de Hipona (ou Santo Agostinho) que os primeiros homens (Adão e Eva) foram criados como seres bons. encontram apaenas a aparência de bem. é um pecador. Concepção sobre a natureza humana Santo Agostinho apresenta-nos uma visão profundamente pessimista acerca da natureza humana. O Homem é. Mas pela desobediência (pecado original) afastaram-se de Deus e foram punidos para sempre: tornaram-se infelizes e cheios de defeitos: o Homem transformou-se num pecador. ou de dirigentes tirânicos. como não há justiça sem Deus. obediência. considera que o Estado é um instrumento ordenado por Deus: é mesmo “um dom de Deus aos homens”. Daí resultam 2 consequências: A primeira é que o dever de obediência é absoluto: não há limitações ao Poder dos governantes. as injustiças. e tentam alcançar o bem mas. a arrogância. encontram apenas uma aparência de justiça. que permite amar a Deus sobre todas as coisas e preparar o ingresso futuro na Cidade de Deus. os crimes. E não deve dar grande importância à possível existência de maus governantes. é uma ordem de coacção. A segunda consiste em que os homens não podem distinguir entre bons e maus governantes. a vontade de dominar os outros e a tendência para procurar o bem próprio com desprezo do bem dos outros. As suas características principais passaram a ser o egoísmo. perfeitos. mas manter sempre a liberdade interior.justiça mas. não há espaço para justificação da desobediência ou para quaisquer formas de resistência dos governados. Numa palavra: o Estado deve ser duro e repressivo. não tem a ver com o Bem e com a Justiça. A Cidade de Deus é uma ordem de amor. O que interessa não é ser bem governado. um ser irreversivelmente marcado pelo pecado. o cidadão deve aceitar passivamente a autoridade do Poder. por conseguinte. O Estado é pois uma ordem exterior e coerciva (a paz e a segurança terrenas devem ser asseguradas através da coacção e punição. o Estado. há-de resultar como consequência lógica uma concepção repressiva do Estado: se o Homem é mau para o seu semelhante. o Estado deve servir essencialmente para prevenir e reprimir os erros. mas apenas com a paz e a segurança possíveis na Cidade Terrena. O Estado – ao contrário do que defendi Aristóteles – não deve procurar (porque é impossível) tornar os homens bons e virtuosos: apenas deve tentar fazer reinar uma certa paz e segurança exteriores nas relações sociais entre os homens. no interior da Cidade Terrena. porque o que sobretudo interessa é a vida eterna. assim. O dever de obediência ao Poder político Santo Agostinho entende que todo o poder vem de Deus e. com todas as qualidades e sem defeitos. entre formas de governo justas e injustas (como fazia Aristóteles): a todos se deve. o Direito). . uma verdadeira escola de civismo. mas uma função.O officium consulendi faz ressaltar a posição do chefe como conselheiro do seu povo. O poder não é uma propriedade pessoal.O primeiro foi a doutrina de Santo Agostinho favorável à intervenção do Estado contra as seitas heréticas.A paz A principal finalidade a prosseguir no uso do poder é.O officium imperandi é o primeiro de todos: consiste na função de comando e é o mais importante e o mais difícil dos deveres do chefe. providere (prover) e consulare (aconselhar). As funções da autoridade Santo Agostinho analisa as 3 funçoes em que se desdobra a autoridade: imperare (comandar). com os erros e insuficiências que inevitavelmente o caracterizam. que traduzem 3 funções ou officia: o officium imperandi. Nasceu assim o já referido “agostinianismo político”. São Tomás de Aquino .O officium providendi é a segunda das funções do governante: consiste em prever as necessidades do país e em prover à sua satisfação. Santo Agostinho manteve-se na posição tradicional do Cristianismo primitivo. o officium providendi. ou a doutrina da supremacia da Igreja sobre o Estado: . a preservação da paz. e aceitando as definições da verdade religiosa dadas por esta -. E especificava mesmo que a Igreja. um serviço. Mas houve dois factores que formariam o “agostinianismo político”. A Igreja devia ser. São estes os deveres do chefe. cidadãos bons e virtuosos. Santo Agostinho considera então que “a paz é o supremo bem da Cidade” e que existe uma “aspiração universal em direcção à paz”. A necessidade de o Estado se submeter à religião e caminhar para Deus. É certo que nem aquela correspondia à Igreja. como elemento da Cidade Celeste. A Igreja e o Estado Santo Agostinho tinha ideias claras sobre a matéria: os poderes eclesiástico e civil são distintos e independentes. não há dúvida de que contribuiu poderosamente para acentuar a ideia de subordinação do Estado à Igreja. Cada um move-se na sua esfera própria de jurisdição e actua por sua conta. . A época medieval Capítulo 7. oferecendo-lhe.O segundo factor foi a própria concepção da Cidade de Deus. por amor da concórdia civil. . nem esta ao Estado. e o officium consulendi. . O governante deve não apenas comandar e prover. mas também aconselhar – e deve fazê-lo com espírito fraterno. deve aceitar o Estado tal como ele é. só sendo responsável perante Deus. ia provocar o desvio de interpretação que nela estava implícito. na pessoa dos seus fiéis. Toda e qualquer ingerência de um nos domínios reservados do outro é inconveniente e perigosa. como algo de intrinsecamente superior à Cidade Terrena. na medida em que defender ser dever o Estado punir com as suas leis os hereger – funcionando assim na prática como “braço secular” da Igreja. assim. para Santo Agostinho. . e do mundo para Deus através do desiderium naturale: A origem desta combinação deve-se ao sentimento que fez de Tomás um santo: a experiência da identidade entre a verdade de Deus e a realidade do mundo. Ao invés do intelectual averroista. o trabalho intelectual que é a manifestação do intelecto divino. que a descrição ordenada do mundo resultará num sistema que descreve a verdade de Deus: que cada ser tem a sua razão e sentido na hierarquia da criação divina.A obra de São Tomás de Aquino (1225-1274) absorveu-o literalmente .morreu exausto antes de perfazer 50 anos . A grande receptividade poderia ter originado uma enciclopédia. "A ordem das coisas na verdade é a ordem das coisas no ser". Afirmar que foi um grande pensador sistemático é uma meia-verdade. Ontologicamente. a filosofia é a superior porque contempla a finalidade do universo.37). Sabia aplicar a sua mente imperial à multiplicidade de assuntos que o atraíam e distinguia-se por ter uma personalidade rica em sensibilidade. O intelectual sabe mais que o homem comum mas este não é um vilis homo. c. ou seja Deus. No termo veritas fundem-se três sentidos: a fé revelada pela incarnação (João. que cumpre a finalidade da existência ordenando-se ao fim último que é Deus. Através da vida intelectual o homem aproxima-se da divindade. São Tomás de Aquino concebe a filosofia como arte de ordenar as coisas para um fim. A finalidade da filosofia é o bem do intelecto. que é a verdade. o leigo sabe através da revelação de Deus em Cristo. A frase também se aplica ao homem individual. Tudo o que o filósofo sabe através da actividade do intelecto. magnanimidade. a auto-manifestação da Deus na criação. e apresenta os conteúdos do mundo a Ele ordenados. 18. o uso do intelecto revela a verdade de Deus manifesta no mundo. Tomás dignifica a autoridade intelectual porque o intelecto humano é a ratio da existência humana criada por Deus. energia intelectual e espírito sublime. b. Ora Deus é Intelecto. Mas as duas faculdades combinaram-se num sistema que assinala o impulso dinâmico de Deus para o mundo através da causalidade criadora.e absorveu-o existencialmente porque foi a expressão de uma vida ao serviço da investigação e ordenamento dos problemas da sua época. Entre todas as artes. O intelectual cristão O melhor dos auto-retratos do Santo surge nos capítulos de abertura da Summa Contra Gentiles. ao qual se aplica o termo idiota ou então rudis homo com o duplo sentido de leigo cristão e leigo no saber. Fé e razão Fé e razão não entram em conflito porque o intelecto humano veicula a marca do intelecto divino. a tarefa do pensamento significa a orientação da mente para Deus. Praticamente. Deus não decepciona o intelecto com resultados que . Esta frase da Summa Contra Gentiles significa que o intelecto divino está impresso na estrutura do mundo. Metodologicamente. A exclusiva vontade de ordenamento poderia produzir um sistema que fosse mais notável pela coerência do que pela captação da realidade. o intelecto humano veicula a marca do intelecto divino. A manifestação sobrenatural da Verdade em Cristo ao homem comum identifica-se à manifestação natural da verdade no sabedor. a revolta contra a razão clama insensatamente por uma nova espiritualidade qualquer. Propaganda intelectual A mesma vontade de harmonia é patente na síntese tomista dos problemas suscitados por Fiora. e. deixando para a fé revelada verdades inacessíveis à razão. d. mas a que Tomás deu a melhor formulação e solução possível no seu tempo. contudo. na época. As raízes da dinâmica internacional da civilização ocidental residem no tomismo cuja força duradoura resulta da harmonia das operações intelectuais com a espiritualidade Cristã. tal como os pagãos nos estádios da lei segundo S. é um Cristo que expande o Seu reino através da propaganda intelectual. Paulo.contradigam a fé revelada. O intelecto pode errar mas consegue alcançar verdades como a existência de Deus. Mas o seu Cristo não é apenas para os pobres em espírito e em bens. As hierarquias . Esta magnífica harmonização de fé e razão influenciou decisivamente o destino da ciência no mundo ocidental. fundando a pretensão que a civilização ocidental é racionalmente obrigatória para a humanidade. perde validade a pretensão de validade da razão autónoma e a razão fica enigmática. A parte natural fica livre para ser integrada num sistema de conhecimento humano sob a autoridade da razão. se ficassem entregues a si mesmas. com os maometanos. Este dinamismo teórico separa as esferas da teologia natural e sobrenatural.Tomás pertence a uma Ordem mendicante que louva o esforço missionário e pregador. A esfera sobrenatural está removida do debate intelectual e pertence à revelação e às decisões dogmáticas da Igreja. S. tais como o carácter trinitário da divindade. é preciso apelar à autoridade do intelecto. O seu sentimento de valor intelectual não é inferior ao de um Sigério de Brabante como se depreende da descrição da filosofia como arte ordenadora e da justaposição do filósofo em que se manifesta a verdade natural com o Cristo que é a verdade incarnada espiritualmente. A orientação transcendental do intelecto torna-se uma expressão legítima do homem natural e não uma rival intramundana da fé. O retrato do Santo que emerge da sua metafísica é o do descobridor de uma síntese das forças intramundanas que poderiam destruir o cristianismo. O intelecto não é uma autoridade independente. E o intelecto que produz resultados cristãos torna-se o instrumento da propaganda intercivilizacional.Francisco e pelos Espirituais franciscanos. Tal pretensão sobreviveu à perda de conexão com a espiritualidade cristã e tornou-se agressiva na Idade da razão secular. A Summa Contra Gentiles foi escrita para que as missões dominicanas em Espanha enfrentassem a influência intelectual muçulmana. O avanço da compreensão empírica e intelectual do mundo requer uma permanente redefinição da separação entre verdade sobrenatural e natural. Tomás afirma no Proemium que é possível argumentar com os Judeus com base no Antigo Testamento. Quando se esquecem estas raízes. S. mas é um sentimento de valor temperado pela espiritualidade que aceita a revelação. resultado tanto mais admirável quanto. problema difícil para a Igreja e para os intelectuais. a evolução da ciência estava nas mãos de clérigos e as célebres Condenações de 1277 ainda consideravam heréticas algumas teses tomistas. E sempre que declina o ímpeto Cristão do intelecto. e com heréticos com base no novo Testamento. abraça todo os conteúdos naturais do mundo e do intelecto humano e da sociedade. A sua filosofia da história contempla a expansão da Cristandade em todo o orbe através das actividades de missionação.4). A Igreja é uma instituição que ministra sacramentos.qq.ii. e conforme a presença da graça do Espírito.4 ). art. crescem múltiplos poderes políticos com estrutura natural imanente e o poder espiritual está a tornar-se a super-estrutura espiritual da multidão de civitates. Esta evocação permaneceu uma componente do imperialismo no período do estado nacional. Para ele. Reaparece no sec. Tomás não escreveu um tratado sobre a Igreja. Já quanto ao poder espiritual. ii.como fez Grabmann . reaparece no sec. Mas o seu sentido histórico permitiu-lhe exprimir a vontade imperial da civilização cristã. O retrato do príncipe em De Regimine Principum . Neste sentido. A era de Cristo diversifica-se conforme o espaço. Talvez tenham razão os que o acusam de não possuir uma filosofia da história.é significativo que a falta de ênfase tomista se deva à época de interregno em que vive: o Sacrum Imperium está a desaparecer.A abordagem tomista da relação entre os dois poderes é mais ampla que a franciscana. O trabalho da filosofia não se esgota em especulaçãos aprioristas. organizada numa pluralidade de comunidades. reaparece na Inglaterra Elizabetina. quaestio 106. caso estiverem a considerar a história política. A Summa Theologica tem uma parte volumosa sobre governo temporal (ST I.Imperialismo Ocidental A adaptabilidade de Tomás às exigências da realidade histórica é patente no modo como distribui as tónicas espirituais e políticas do seu tempo. A vida sob a lei nova é a mais perfeita que se pode conceber. o tempo e as pessoas. XVI em Espanha com Francisco de Vitória. na hierarquia de poderes. f. Evangelium Aeternum . O Evangelium foi todo anunciado ao universo de uma só vez.mostra a impressão causada por Frederico II e a importância de que se reveste o fundador e governante de uma comunidade. sendo necessária a pregação até que a Igreja se estabeleça em todas as nações.desenvolvido com o aparato da Política de Aristóteles . Condena como insensata a ideia de um terceiro reino do Espírito -stultissimum est dicere quod Evangelium Christi non sit Evangelium regni (ST. intelectual e espiritualmente. I.90-114) mas não explicita uma doutrina da Igreja e menos ainda do Direito Canónico. A verdade de Deus manifesta-se num mundo cheio de dinamismo das forças históricas. XVII em combinação com o imperialismo comercial de Grócio. a relação entre fé e razão é uma harmonização de forças históricas. Contudo. e reaparece nas lutas subsequentes por impérios coloniais que impliquem uma ideia providencial do domínio do Ocidente sobre o resto do mundo O espírito histórico Se por teoria entendermos a ordenação sistemática de uma problemática nãohistórica. Sendo possível apresentar uma doutrina tomista da Igreja . a posição é muito semelhante à franciscana. A forma das Questões da Summa Theologica é . tem o primado sobre o temporal. Tomás vive entre duas épocas: morreu a unidade medieval do Império mas ainda não nasceu o mundo dos estados nacionais. Tomás representa a vontade de domínio imperial do homem maduro.(ST I-II 106 4 ad. deve recrear num sistema a unidade do mundo historicamente concreto. Tomás não era um teórico. Em vez de simbolizar o cumprimento da história cristã por uma nova descida do Espírito numa irmandade elitista. C. a monarquia é o regime que mais se aproxima do governo do mundo por Des. Por exemplo.ideal para executar esta tarefa porque permite organizar o material num enquadramento estável e oferece oportunidades de descer ao detalhe histórico em notas polémicas que precedem e prosseguem o corpo da quaestio. Tomás traduz polis por civitas. porque em todas elas os governos actuam justamente. como todas as artes. porque nelas os governos actuam injustamente – tudo sempre em relação ao bem comum. as suas preferências vão para um regime misto. Regimes políticos Assim. porém. Todo este suspense em relação ao tipo de organização política contemplada mostra que a teoria tomista do governo não é suficientemente geral para captar os elementos de todas as formas políticas nem suficientemente específica para se aplicar a uma unidade política concreta. . Tomás de Aquino distigue entre o regime melhor “em teroria” e “na prática”: teoricamente. o que é também um argumento no sentido da monarquia. Quanto ao regime ideal. a oligarquia e a democracia. com a maldição da teoria política ocidental .a maldição de não sabermos exactamente o que os nossos símbolos significam. mas também por gens. digressões excessivas. S. regnum.Do ponto de vista filosófico. o regime ideal é para ele a Monarquia. provintia. todos se põem de acordo e atingem a unidade. após as necessárias deliberações.Do ponto de vista teológico. é melhor o governo de um só do que o . e condena as outras 3. Tomás de Aquino. S. S. Reconhece que qualquer das 3 primeiras formas é legítima. Portanto. repete que há 3 formas justas de governo: a monarquia. Gens e regnum são organizações políticas muito diversas. Tomás de Aquino prefere a monarquia por 4 ordens de razões: . A sendo que a sua adopção posterior é um exercício humanista com escassa relevância para os novos problemas políticos. a arte de governar. As categorias aristótelicas reportam-se evidentemente à polis helénica dos secs. e 3 formas desviadas ou injustas: a tirania. VI a IV a. Provintia provém do vocabulário imperial romano. Ora na natureza tudo vem da unidade e tudo regressa à unidade. Este sistema muito pouco rígido é o símbolo perfeito de uma mente que não é apriorista nem empirista e que exprime um indivíduo que experimenta a sua harmonia com a manifestação de Deus no mundo histórico. E ainda hoje não ultrapassámos a vagueza humanística que atribui validade geral às categorias intermédias resultantes da recepção de Aristóteles. que é também o governo de um só. a aristocracia e a república. pela primeira vez desde a recepção de Aristóteles. Política Na apresentação da política tomista topamos. por vezes. deve imitar a natureza: a sociedade política deve seguir o modelo da natureza. o governo de vários ou de muitos nunca se torna eficaz senão quando.Do ponto de vista prático. e da forma de governo que Cristo pretendeu para a sua Igreja . §2. praticamente. A Summa não é um tratado sistemático: contém transições frequentemente obscuras ou omissas e. por razões práticas. e esta é pior do que a democracia. Pelo contrário. . é necessário associar à responsabilidade do governo não só as elites. . enfim. E tudo isso acontece porque “não há lei” e portanto nada é seguro. pelos seus conhecimentos.Sexto. . Em regra. . Assim. o tirano divide para reinar. é bom que um bom governo seja unido e forte. assegurar uma boa gestão dos negócios públicos. O pior regime: a tirania Para S. assim também o governo por um tirano é a pior forma de governo: . o passado mostra que os países sem rei sempre viveram na discórdia e sempre andaram à deriva. o que torna um regime injusto é o facto de serem prosseguidos os interesses pessoais do governante em detrimento do bem-estar da comunidade. a aristocracia permitirá contribuir com a superioridade do mérito para a boa administração. o tirano é forte perante os seus súbditos. de todas as formas injustas de governo. servindo a tirania para satisfazer apenas os interesses de um homem só. as monarquia garantirá a unidade e a eficácia do poder.Segundo.de muitos.Primeiro. seguindo aqui bastante o pensamente de Aristóteles e de Cícero. . -Do ponto de vista histórico. a democracia é a mais tolerável. Mas.Terceiro. é aí que se fica mais longe (mais longe ainda do que na oligarquia) da satisfação dos interesses de todos. Ninguém se sente livre ou seguro. todo o povo. pelos seus méritos. pela sua inteligência. que primeiro têm de procurar entre si alcançar um consenso.Sétimo. Por isso. e a tirania é a pior. Assim. Tomás de Aquino é uma monarquia temperada por elementos de aristocracia e por elementos de república. a tirania gera o medo dos cidadãos perante o poder. . toda a população. o tirano semeia a discórdia entre os seus súbditos. o regime misto preconizado por S. florescem em justiça e vivem felizes na abundância das riquezas. Como vive permanentemente no receio de uma revolta. Assim. e em consequência de tudo isto. capazes de. Ora.Quarto. mas fraco perante os seus inimigos. mas é mau que um mau governo seja forte e unido. é mais nocivo que um poder produtor de mal seja unido do que dividido. mas também. um poder que seja unido é mais eficiente do que outro que seja dividido. a tirania é pior do que a oligarquia. as cidades e países governados por um rei gozam de paz. e a república assegurará a participação dos cidadãos no governo do país. como designadamente na história de Roma. Tomás de Aquino tal como o governo por um rei é o melhor regime. o tirano não consegue normalmente assegurar um país forte perantes os inimigos exteriores. a tirania não há apaenas satisfação de interesses pessoais do tirano em prejuízo dos interesses do povo e do país: há também opressão dos súbditos. acrescenta que o regime ideal não deve ser uma monarquia pura. . Por consequência. no tocante às decisões fundamentais sobre a vida colectiva.Quinto. da mesma forma que é melhor um poder produtor de bem ser unido. tudo é incerto. Para ele. S. Tomás de Aquino distingue duas hipóteses: a de a comunidade ter o direito de escolher o seu rei. a resignação perante a tirania. Por isso o remédio contra os males da tirania deve assentar mais nas mãos da autoridade pública do que no juízo privado dos indivíduos. pondera ele. Mas o bem-estar da comunidade política não é apenas espiritual. . ou seja. isto é. o remédio contra a tirania consiste em apelar para o poder superior a fim de que este corrija ou deponha o tirano. que é por exemplo o de uma colónia dependente de um poder alheio. à sua força directiva. Este é pois o principal dever dos príncipes cristãos.S. E explica que. em vez do direito à desobediência e à insurreição. basicamente. aos seus comandos. não difere em modo nenhum de uma besta. Tomás conclui que a comunidade que tem o direito de eleger o rei tem também o direito de o depor. se o soberano não está sujeito à lei humana no segundo aspecto. nem é diferente ser sujeito a um tirano ou ser sujeito a um animal selvagem.prover os lugares públicos. da ordem e da estabilidade sobre a visão mais liberal da garantia dos direitos individuais. . de uma posição bastante tímida. no entanto o soberano está sujeito às leis no seu primeiro aspecto. como se vê. Tomás admite o direito de desobediência do povo cristão em relação ao seu rei – é o de este ser declarado pela Igreja como herético. Na verdade. “Governar é guiar aquilo que é governado para o seu fim”: ora o fim das sociedades humanas é proporcionar uma “vida virtuosa” a todos os indivíduos segundo a lei de Deus. seria perigoso que os induzidos a tomar a iniciativa particular de atentar contra a vida dos governantes. Tomás de Aquino estabelece o paralelo entre o rei e Deus “pois o rei faz no seu reino o que Deus faz no universo”. cismático ou excomungado. e a de esse direito pertencer a uma autoridade superior. Tomás de Aquino conclui que o tirano. reprimir a violência e fazer justiça. . No segundo caso. Esta conceção apregoa. S.proporcionar aos mais necessitados meios de subsistência. Tomás de Aquino não aconselha o tiranicídio. o da coacção – pois é o próprio soberano que dispõe da força pública e esta não pode ser usada contra ele -.defender o reino contra os seus inimigos. Os deveres do príncipe cristão Como deve comportar-se um verdadeiro príncipe cristão? S. os deveres do príncipe cristão são múltiplos: . tem de ser também material.prevenir os crimes. dois aspectos – a sua “força directiva” e a sua “força coactiva”. . o assassinato do tirano. ou “suficiência de bens corporais” Deve o príncipe obediência às suas próprias leis? S. Trata-se.garantir a paz e a unidade do país. Neste campo. mesmo tiranos. . na lei humana. Remédios contra a tirania S. No primeiro caso. dominado cegamente pelas paixões e incapaz de actuar segundo a razão. Tomás distingue então. S. em que prevalece a defesa conservadora da autoridade. Ao longo da obra sucedem-se referências ao “divino Aristóteles”. Aristóteles abordava a polis centenária como forma política inquestionada. Marsílio utiliza civitas ou regnum. Tomás de Aquino considerava a função governativa tão difícil e pesada que nenhuma recompensa terrena – nem a riqueza.Os primórdios do desenvolvimento constitucional germânico A interferência papal após a eleição de Luís IV como imperador (1313-1347) constituiu a ocasião para ajustar as relações entre o papado e o império. e pontifício em particular. O tópico central é a existência do Estado secular através dos esforços do monarca com a ajuda de peritos legistas e financeiros. §2. e a evolução constitucional alemã tomou a forma de uma federação de príncipes que durou até fundação do II Reich em 1870. nem a glória – poderia ser retribuição suficiente para os príncipes dela incumbidos: só a vida eterna os poderá recompensar. Esta actuação substituiu a velha ordem política gelasiana de equilíbrio entre os dois poderes. O Defensor Pacis No meio da torrente de literatura partidária que o conflito então produziu. a comunidade territorial nacional. Ora a comunidade política secular de Marsílio corresponde ao novo tipo de organização política que se está a separar do império. e a Bula de Ouro de 1357 regulamentou as eleições imperiais segundo fórmulas que permaneceram até 1806. Marsílio de Pádua §1. A segunda é a maior e contém a polémica contra o poder sacerdotal em geral. a Dieta de Frankfurt declarou os eleitores competentes para escolher o imperador. descrita por Lanband como uma república aristocrática de príncipes sob a presidência do imperador. Reduz os poderes coercitivos do sacerdócio a uma subdivisão da política secular. e centrava-se nos problemas da eudaimonia como portadores do significado da vida humana e da arete como a atitude adequada do cidadão.S. A relação com Aristóteles O tratado está organizado em três partes designadas Dictiones. de há muito que se reconheceu que o Defensor Pacis emerge como o primeiro tratado que evoca a ideia da organização secular do Estado. Enquanto a Política de Aristóteles é a derradeira palavra de uma polis moribunda. o Defensor Pacis é a primeira palavra do Estado secular: não aborda a concepção da eudaimonia e da arete. nem na ética nem na antropologia. A Dictio Tertia é uma curta enumeração de quarenta e duas regras que resumem o argumento das partes precedentes. Em 1338 a Kurverein de Rense declarou válida a eleição do imperador sem confirmação papal. e reduzindo o clero a uma . do mesmo modo radical que o De Eclesiastica Potestate de EgÌdio Romano evoca o supremo poder papal. A Dictio Prima expõe os princípios donde são derivadas as regras da Dictio Secunda. §3. regulando os grupos sociais do reino em devida proporção. A recusa pontifícia em reconhecer Luís IV despertou o sentimento nacional dos príncipes alemães que se movimentaram para obter a independência constitucional do imperador perante do papa. nem a honra. Mas em vez da polis como a communitas perfecta. 11 na contagem actual) que o populus ou civium universitas ou a sua parte socialmente relevante (pars valentior) é o legislator ou primeira e propriamente causa efectiva da lei através da sua escolha ou vontade expressa (per sermonem) numa assembleia geral dos cidadãos. mas antes se localiza na comunidade intramundana. (III. I.3) e cada parte deve estar ordenada. a parte melhor deve dominar a pior. no Policraticus que constrói o poder governamental intramundano como representativo de uma comunidade particular. Política. Aristóteles conclui que. 3: “Definimos conforme a verdade e a opinião de Aristóteles em Política II. A civitas tem uma natureza animal (I. está o poder constituinte do povo que se reúne em assembleia.posição subalterna no corpo político. incluindo a legislativa. a analogia aparece no contexto das revoluções causadas pela desproporção de ricos ou de pobres. ou seja. o governante deriva a sua autoridade dos membros que deve regular. Marsílio é o primeiro pensador político do Ocidente a enfrentar o problema de que por detrás da constituição. a pars principans. A fonte tem que estar no todo que antecede os partes. quer confiem a feitura da lei a uma ou mais pessoas que não podem evidentemente ser o próprio legislator mas que actuam para um fim . a teoria marsiliana da cidade como organismo está artificialmente associada à Política de Aristóteles. exercem a sua autoridade representativa. Mas em Política 1302b.6 (II. sim. Se a autoridade do governante não provém de Deus. Analogia orgânica O Defensor Pacis começa por comparar a communitas perfecta a um animal saudável. §5. comandando ou determinando que algo seja ou não feito acerca das acções civis dos homens mediante castigo temporal ou punição.3. Em Política 1254b após comparar a estrutura da polis à relação entre alma e corpo de um ser vivo em que a alma é parte dominante. Diz a mais famosa passagem do Defensor Pacis. O problema de autoridade intramundana representativa. quer a supramencionada universitas civium ou a sua parte socialmente relevante se tornem a lei. Os antecedentes da teoria estão. O legislador A analogia orgânica ajuda a evocar a comunidade como um todo mas não ajuda a resolver o problema da autoridade representativa. A fonte de que a governante deriva autoridade é o legislator. Este legislador (o nomothetes de Aristóteles) é o agente intramundano que autoriza a ordem constitucional sob a qual o governante exerce as suas funções. também na cidade. Marsílio retoma esta imagem da entidade política para passar à solução do problema de como um indivíduo ou grupo dominantes. A analogia orgânica era usada por Salisbury para evidenciar a estrutura interna da comunidade. Quando digo ‘valentior pars’ significo relevante pela quantidade bem como pela qualidade das pessoas na comunidade para a qual a lei é dada. remetendo para Aristóteles.12. A solução encontrada é perfeita para o tempo. 1254b e 1302b. O título adverte que o estabelecimento da paz e da tranquilidade será obtido pela subordinação do sacerdote ao poder secular monopolista. De titulo huius libri) §4. assim será.2. O direito é uma doutrina sobre o justo e útil e seus opostas em assuntos civis e donde se derivam regras coercivas sancionadas por penas e recompensas. como abrangendo todos os membros da comunidade que causam perturbações caso fossem negligenciados. na medida em que também visa instaurar uma unidade política intramundana. neste caso a geração eterna como princípio definitivo de organização política.3 e 4). de modo a que o espaço limitado seja suficiente para processo de eterna geração.12.13 do Defensor Pacis. é genuinamente medieval porquanto mantém os equilíbrios da sociedade estratificada. capitães e legistas. §9 A pluralidade de Estados em guerra Marsílio condena a organização política da humanidade sob um só governante por motivos complexos (I. artesãos e mercadores. Mas nem Marsílio se interessava pela força espiritual destes movimentos nem nele existe traço do homem cristão livre e espiritualmente amadurecido definido por São Tomás de Aquino. A finalidade só é idêntica à teoria do governo popular. Uma vez mais se nota um argumento averroista. É esta a intenção de Aristóteles na Política e de Marsílio no cap. criando a autoridade de um todo da comunidade anterior às partes. Poderia defender uma teoria do governo democrático popular. (I. linguísticas e culturais. aspecto tanto mais de salientar quanto Marsílio não precisava conceber nestes termos o todo da comunidade. A primeira versão do texto define valentior como consideratae quantitate. Por isso Marsílio distingue os indocti (I. Reconhece a possibilidade de uma ciência do justo e do injusto mas . mesmo que a expensas da paz entre os estados. Em suma.~ Tudo depende do significado dos termos pars valentior e universitas civium. mas adianta que parece intenção da natureza moderar por guerras e epidemias a propagação do homem. Os membros pobres da comunidade são relevantes devido ao número.10).17. Uma paz munida. O elemento populista no Defensor apenas resulta da descrição da estrutura institucional das comunas. da classe superior de sacerdotes. usei a tradução de Max Weber.13. O legislator é afinal a sociedade medieval estratificada. É inaceitável que universitas signifique o eleitorado no sentido moderno e pars valentior a maioria. Este equilíbrio entre a iniciativa dos poucos que são educados e o apoio da massa dos indocti reflecte a estrutura das comunas italianas da época e vale genericamente para a sociedade medieval tardia. os que possuem mais carácter. §10 O Direito Marsílio apenas aceita o sentido do termo lei relevante para o Estado secular. e a edição emendada acrescenta et qualitate. As forças sociais que favoreciam este desenvolvimento existiam na Itália e em cidades do norte da Europa. a teoria do legislator é a primeira construção consistente da unidade política intramundana.10. educação e propriedade são-no devido à qualidade.definido num tempo definido e de acordo com a autoridade que lhes foi conferida pelo legislator” (I. Como parte prevalecente ou dominante não é esclarecedor.9) camponeses.3). Louva a existência de uma pluralidade de Estados correspondendo a diferenças regionais. 2º livro A IDADE MODERNA O espírito do Renascimento e a política A partir de meados do século XV.5). dá-se uma atenuação muito forte do espírito religioso global e envolvente que marcou a Idade Média. e uma clara acentuação do humanismo e dos valores profanos. uma “seita” entre outras e a verdadeira religião.3). a organização hierárquica da Igreja deve ser abolida. O cristianismo é. após a exposição da primeira parte. a existência do castigo eterno não permite atribuir poder aos sacerdotes. é fácil adivinhar as relações entre Igreja e poder secular. num quadro geral de restauração da cultura greco-romana e dos traços característicos da . como se o leitor da época não os conhecesse sobejamente. não é juiz nem rei em que os sacerdotes se possam apoiar. só a escritura deve ser acreditada. que dá inicio á chamada Idade Moderna. sendo a sua interpretação função de Concílio Geral da Igreja. Não procura reconciliar razão e fé: o significado da vida boa é assunto de filósofos. com um certo resvalar para o paganismo. Conhece-se os seus aspectos fundamentais Por um lado. Esta suposição parece confirmar-se quando diz que a religião incute um sagrado terror das penas infernais para fortalecer a conduta moral dos homens vulgares (I. Marsílio é averroísta: reconhece a verdade da fé mas trata os conteúdos com indiferença. Marsílio utiliza mesmo a expressão averroísta de que Cristo perdoa “usque ad extremum cuiusque periodum”. (I. entra-se numa nova fase da história da Europa – a fase do Renascimento. sendo Aristóteles guia nesta matéria.6. a actuação da Igreja deve ter a permissão de leis seculares. A potestas coactiva domina todas estas teorizações de que está ausente o direito natural. E Marsílio chega ao ponto de resumir os artigos da fé cristã.10. A partir destes princípios. A verdadeira cognitio do justo não origina uma lei. simultaneamente. leigos e sacerdotes pelos governantes seculares.4.5) mas uma falsa cognitio pode ser lei desde que dotada de sanção (I. o argumento contra o poder do sacerdócio na segunda parte é um anti-clímax. A Igreja está submetida à autoridade do supremo legislador que ordena a vida do homem para a felicidade mundana (II.não aceita um direito natural. Cristo é um “médico” que informa e prognostica sobre as vias mundanas que conduzem à salvação ou à danação. As questões sobre a vida eterna não permitem consenso e situam-se para além de razão (I.4 e 5). Mas o cristianismo é uma religião de um outro mundo que não se deve institucionalizar numa Igreja com potestas coactiva sobre seus membros. O clero deve responder em tribunais seculares. aceitando a teoria de que existem ciclos sucessivos da humanidade. §11 Cristandade e Igreja Embora seja o objetivo principal do livro.11). a preeminência do papa tem razões apenas históricas e não espirituais. Os delegados do Concílio devem ser escolhidos na comunidade dos fiéis.10. age como alguém para quem o cristianismo fosse numa curiosidade intelectual. os Tudors em Inglaterra e o absolutismo real em França. com inevitáveis implicações politicas Tomás Moro Moro interroga-se se valerá a pena servir um monarca e conclui que é dever do homem experiente beneficiar o público com o seu conselho. ou seja. e ao fortalecimento do poder real. A generalização e abertura do comércio. as ciências naturais. Tudo o que é humano passa a ser mais importante do que o divino.cerca de um século depois do seu inicio – que se produz esse grande terramoto da historia europeia que é a Reforma protestante. . económico e social. a ciência náutica. também contribui poderosamente para acentuar a necessidade do reforço de um poder real centralizado. A tal ponto ascendera o poder intelectual do humanista que o poder espiritual definido pela ordem medieval se tornara quantidade negligenciável. Por último. o homem que entregou a propriedade aos amigos e à família.Antiguidade Clássica. Ao intelectual secularizado pouco mais resta que o destino de Hitlodeu. É neste período. incarnação de um paradigma. e da ruptura com a Idade Média. que nascem as grandes Monarquias europeias: os Reis Católicos em Espanha. eclesiásticos e municipais. a república carece de filósofos que não enjeitem aconselhar os governantes. E assiste-se á ascensão do absolutismo real: o monarca desliga-se cada vez de vínculos de carácter religioso. dá-se a centralização do poder real e a afirmação do Estado soberano. o fim do feudalismo : acaba a pulverização dos poderes senhoriais. com efeito. para se guiar sobretudo por motivações puramente politicas. Mas ao contrário do que se poderia esperar não se trata propriamente do dever platónico. de pouco servirá aconselhar os ignorantes porque "todos os lugares estão igualmente distantes do caminho para o céu". Uma delas será nada mais nada menos que o inicio do capitalismo moderno. Por outro lado. cumpre chamar a atenção para que é durante esta fase . Começam a afirmar-se as nacionalidades: passa-se da Cidade –Estado para o Estado – Nação. a astronomia. pela “razão de Estado “. Noutro plano. com as maiores consequências do ponto de vista cultural. tudo vai conhecer um surto enorme. no plano político e administrativo. tarefa de cunho universal e planetário. orientação da existência para um bem supremo. nem do dever Cristão. Em Portugal encarna integralmente o reforço do poder real e o despreendimento de limites morais.79 e ss. assiste-se á afirmação da supremacia do poder civil sobre as autoridades religiosas. corporativos. em que os portugueses desempenham papel primordial. seguida da Contra – reforma católica – acontecimentos que dividem a Europa cristã em países católicos e protestantes. que deixa de ser puramente local e requer controle e protecção de âmbito nacional. (boni viri officium p. É. dão-se os Descobrimentos. E com os Descobrimentos vem o progresso das técnicas e da mentalidade científica: a cartografia.) Para ser feliz. essa está ausente. prostituição. A religião é privatizada. Igreja e estado. § 3. Na perspectiva da filosofia. O livro I da Utopia descreve a Inglaterra de então: vadios. Mas reduzem a religião oficial a um mínimo de dogmas: existência de Deus. Até que ponto esta razoável proposta de senso comum é antifilosófica ? Serve muito bem para quem precisa de uma dose de estupefaciente intelectual para adormecer os escrúpulos. jogo. Os utópicos condescendem em ter sectários religiosos que são celibatários e trabalhadores. Moro mostra que perdeu o equilíbrio entre fé e razão. Embora a sua sabedoria assente obviamente na tradição Cristã. na Utopia. perdeu boa parte da turbulência da presença divina. desejo de . A mesma posição reaparecerá em Locke que aceita um teismo com rituais mas sem teologia e que tolera todas as crenças desde que se mantenham privadas e não exijam reconhecimento público. são considerados opostos na utopia. pelo menos é possível fazêlas menos más". Serve para criticar os males do tempo e permite indicar pequenas reformas. imortalidade da alma. O dogma mínimo é aceite em nome da paz pública. Sendo a Utopia um diálogo. O Cristão cujo destino é a beatitude transforma-se no Hitlodeu. como se observa na passagem final da obra mas não é uma proposta séria de realidade alternativa. a verdadeira alternativa. surge apenas a resignação do viajante apátrida. privilégios e exploração do trabalho alheio. a meio caminho entre a atitude do cristianismo e a revolução social. muito mais maleável e persuasiva e que se resume na fórmula "se não for possível tornar as coisas boas. o espírito é uma autoridade radical situada para além das circunstâncias. Mas quando esperaríamos ver surgir a posição radicalmente espiritual. pedintes e ladrões: leis cruéis e degradação de costumes. o caçador apátrida de ideais. Orgulho e propriedade O ideal é um instrumento de crítica social.Moro censura a philosophia scholastica cujo bizarro sermo insolens é demasiado abstracto para ser útil nas circunstâncias da vida real e louva a philosophia civilior. A soberba é o mal da época. o mesmo argumento do Grande Inquisidor do romance Os Irmãos Karamazov de Dostoievsky. A ideia do Corpo Místico de Cristo desapareceu totalmente. bebida. sanção no além e governo da providência. Onde os irá encontrar ? Moro é suficientemente cristão para saber que os ideais apenas existem em nenhures. Se o horizonte de secularização fecha o horizonte da experiência humana em sociedade. corrupção da Corte. cresce a desordem e o social-absolutismo substitui a relativização Cristã do valor do mundo. como articulação de uma ordem que culmina na vida espiritual e na orientação da consciência para o ens realisssimum. A vida espiritual. Conformar-se com a imperfeição é um antídoto para o perfeccionista mas pode também tornar-se em atitude de condescendência para com a perversão. Moro parece estar a perder de vista que há ocasiões em que as verdades abstractas são indispensáveis para pôr cobro à confusão de ordem moral e intelectual. Ora ao recusar o significado da filosofia como dimensão intelectual da vida do espírito. Ratio e Religio. A vida espiritual tornou-se assunto privado e a ordem temporal tornou-se sociedade secularizada. sobrenatural e natural. os princípios ordenadores da conduta humana. separam-se ratio e religio. Moro não se contenta evidentemente em apresentar o seu argumento algo oportunista e pouco espiritual. São ao mesmo tempo ascetas e hedonistas e a sua felicidade pagã não é manchada pela angústia Cristã. Aliás. De nada serviria o individualismo possessivo. mas não crê que a propriedade e a riqueza sejam males em si mesmo. do orgulho. A expectativa Cristã de salvação num novo mundo é substituída pela teleologia da perfeição intramundana. mas de facto estamos nas antípodas do platonismo. Moro ainda não acredita que a descrição . e ao prejuízo acrescentam o injúria quando decretam leis iguais para todos. Ora os utópicos encontraram instituições para eliminar estes males. jurídicas e políticas. E para eliminar a soberba satisfaz-se com a medida institucional da abolição da propriedade privada. No conteúdo parece a solução de Platão na República. "com soluções pragmáticas seria possível criar uma ordem tão perfeita que ninguém mais precisaria de ser bom". semelhante ao de Thomas Hobbes. abandono dos velhos e dos doentes. E. é a eliminação da soberba. A sociedade em que se vive é uma conspiratio divitum na qual os ricos fingem representar o interesse da comunidade. Mas Moro não é propriamente um socialista pois sabe que o dinheiro destrói ou dá esplendor conforme o uso. O seu objectivo principal. XVI. mas apenas a graça divina que poderia eliminar a soberba. os expedientes institucionais substituem a ordem substantiva da alma. Odeiam a metafísica mas estimam a contemplação e as artes úteis. Abusam dos que possuem e exploram os que não têm haveres. exagero do fisco. Mas aqui a bondade das instituições parece substituir a bondade humana. Comem em refeitórios comuns. ausência de obrigações sociais. A razão prática deixa de participar e de se orientar pela razão divina (liberdade) e converte-se num conjunto de regras (ideais normativos e valores) axiologicamente desligadas da realidade histórica. A Utopia é realmente uma comunidade pois nela nada é privado. Moro transmitiu com dignidade a ideia da existência moderada dos utópicos mas conhecia suficientemente a alegria do mundo para saber que a existência ideal seria uma grande "chatice". O jogo sério da Utopia degenera em impotência espiritual. São essencialmente hedonistas mas buscam o prazer mediante a razão. O ideal e os valores adquirem uma suprema importância na acção porquanto parecem ser a via para a estabilidade social. não eram os recursos institucionais. A soberba é o tronco comum de que todos estes males são os ramos e de que a propriedade privada é a raiz. A ordem espiritual é substituída pelo ideal social. E sobretudo aboliram a propriedade privada. Ajudam o próximo através do bom governo da colectividade. Critica o abuso da riqueza e a irresponsabilidade. o instrumento com que a soberba se instala e satisfaz a sede de prestígio e de poder. como se pode sequer falar de comunidade se cada um apenas procura o seu bem privado ? Uma comunidade sem vícios nem soberba nem propriedade privada seria a contra-ideia à opor às sociedades degradadas do Outono da Idade Média e do início da crise do séc.S. existindo uma classe de sábios dedicada a tais actividades.conquistas e maquinações guerreiras. Aliás Moro não acreditava na solução da utopia. Assistimos assim à transformação de uma escatologia Cristã numa nova escatologia que não é ainda revolucionária. A resposta mais evidente que se esperaria de um Cristão seria a reforma da Igreja.Eliot. do amor sui. a futura solução política e social originada nos países anglosaxónicos e que exalta a aquisitividade. como escreveu T. Quebra com a tradição greco-latina clássica. nem perante o Cosmos. NICOLAU MAQUIAVEL A originalidade de «O Príncipe» de MAQUIAVEL está em que ele quebra completamente com a tradição do pensamento político que o procedeu: quebra com a tradição de PLATÃO. 5) Quem está contra o idealista está errado. além de omitir referencias á lei natural. sem dúvida. E quebra com a tradição medieval cristã. O seu valor na História das Ideias Politicas é imenso. O utópico leva a cabo guerras justas e pratica a violência com boa consciência. Apocalypse der deutschen Seele. são pelagianos que acreditam mesmo no ideal e pensam que tudo se vai compor e que acabará por surgir uma solução. c) Os inocentes úteis. O inimigo não tem o direito a coexistir com o idealista. Hans Urs von Balthasar descreveu o ideal como uma decomposição do cristianismo. Marx. á sua maneira. E esse ideal que segundo Moro existe em nenhures. MAQUIAVEL é assim um inovador e. São possíveis várias atitudes ideológicas: a) O activista ou Paracleto místico pretende abolir a soberba. bem ao contrário. 4) O ideal santifica os meios necessários para a sua realização. Locke. 6) A tragédia do conflito é eliminada da história. e quebra com a tradição medieval cristã. b) O proponente de um estado-Leviatã quer moderar a cupidez e a estupidez individuais. na medida em que. Hobbes. não se preocupando minimamente com a existência de leis eternas e universais ou com qualquer referencia ao direito natural. na medida em que não situa o Estado perante o Mundo. é um manual com recomendações sobre a arte e governar. casos de Comte. de ARISTÓTELES. ignora as limitações morais dos governantes.da sociedade ideal se possa converter numa tentativa de mudança irrealista da natureza humana. e seesporadicamente fala na religião não é para lhe subordinar a politica mas. um revolucionário ele é. ainda não pensa numa revolução que modificaria o homem de modo a fazer desaparecer do mundo o problema do mal. Prometheus. Hamilton. Só a civilização do idealista é boa. para afirmar que a religião é útil ao Estado porque ajuda a convencer os povos a obedecer às leis. e de CÍCERO. 3) Se a perversão lhe preencher a mente. «o primeiro analista moderno do poder » «O Príncipe» não é um livro teórico. na sociedade e na história.8) A defesa dos valores próprios obriga a praticar brutalidades em nome da dignidade. As consequências da adopção do ideal como critério absoluto de justiça da acção e como moralização da conduta pública são inexoráveis: 1) O possuidor de um ideal perde consciência da sua soberba e pleonexia. o idealista perde o sentido da culpa porque o ideal é um absoluto moral. 2) A soberba é canalizada para a formação do ideal. aconselha muitas vezes a prática de actos imorais. 7) O ideal é contra a pluralidade de civilizações na história. pelos . nunca fala em Deus. e também na medida em que opta pelo realismo Politico contra o idealismo ético. Fourier. os compagnons de route. Madison. tornar-se-á com o tempo o ideal das ideologias que renunciam à ordem na consciência. o que há é umas mais convenientes do que outras. não há formas de governo ilegítimo. Pois é justamente nesta época que MAQUIAVEL utiliza pela primeira vez a palavra «Estado» no sentido actual de comunidade política soberana na ordem interna e na ordem internacional. Os gregos falavam antes em pólis e os romanos em republica. Não importa se os príncipes usam ou não a crueldade: o que conta é se a crueldade foi bem usada e teve êxito. quantas espécies de principados existem. Um outro aspecto bastante curioso da classificação de MAQUIAVEL é o de que. ou sãs e degeneradas. em «República» e «Monarquia»: a monarquia é governada pela vontade de um só indivíduo (soberano singular). é mau aquele que não chega a possuir o poder ou eu o perde em pouco tempo. O Estado é. Classificação dos regimes políticos. é o «absolutismo principesco». não há política juízos éticos: o único critério é o do êxito político. Para ele.MAQUIAVEL. é o poder real. ele vai tratar sobretudo das monarquias. o poder real conseguiu monopolizar o emprego da força pública ao serviço do bem comum: nasceu o Estado moderno. a república é dirigida por uma vontade colectiva – seja de poucos. como se adquirem. Em «O Príncipe». pois. Isto não quer dizer. é claro. apresenta pela primeira vez uma classificação bipartida e que. – Se é certo que MAQUIAVEL não distingue entre formas de governo sãs e degeneradas. Para ele não tem sentido distinguir entre rei e tirano: o príncipe é bom ou mau. É a época do Renascimento. MAQUIAVEL não faz juízos morais. todavia. o Estado monárquico: é o principado. o Florentino não distingue entre formas de governo boas e más. Bom é o príncipe capaz de conquistar o poder e de o manter por muitos anos. afirmando claramente que o seu objectivo fundamental é determinar qual é a essência dos principados. como hoje diríamos. . É classificação em «Repúblicas» e «Principados» ou. A noção de Estado. extinguiu-se o feudalismo. Para MAQUIAVEL todos os regimes políticos são legítimos. o Estado no Renascimento é um conceito que ainda se não destacou dos próprios homens que o governam. nunca mais será abandonada até aos nossos dias. na base do critério que ele adopta. mas em função de êxito político. A melhor forma de governo. que ele não . França ou Inglaterra. exemplos de repúblicas eram as cidades de Florença. contrariamente a ARISTÓTELES e a S. – MAQUIAVEL é o primeiro autor a utilizar a palavra «Estado» com o sentido que ela assume actualmente. Mas. ou foi mal usada e fracassou. TOMÁS DE AQUINO. Exemplos de monarquias eram os reinos de Espanha. seja de muitos (soberano colectivo). não em função de critérios éticos. ou principados. como se mantêm e porque se perdem. e também pela desfaçatez com que ousou revelar na sua crueza a maldade eu os homens usam uns para com os outros na actividade politica. conforme as circunstâncias. terminou a Idade Média. Génova ou Veneza. nasceram os primeiros Estados nacionais.caminhos novos que abriu á análise dos mecanismos do poder. MAQUIAVEL. a Itália foi invadida por franceses. Mas MAQUIAVEL não se limita a observar e a classificar a realidade. e em relação a outras disciplinas do pensamento. Assim. é necessário um príncipe. no campo da politica concebida como um capitulo de Ética . MAQUIAVEL considerava que niso tinha grandes culpas o Papado e que este era um grande obstáculo à unidade italiana. como se viu. a monarquia depressa se transforma de electiva em hereditária e. Prefere-a por se tratar de um «governo livre». E também porque. não pela bondade ou maldade das suas acções. MAQUIAVEL entende que os políticos são julgados. E o medo mais cedo ou mais tarde. como os seus antecessores haviam feito na época medieval. E para isso MAQUIAVEL retorna ao ponto central da sua obra: para que a Itália seja unida e forte. MAQUIAVEL prefere a República. que construa um Estado forte e que possua um exercito nacional. armada e despadrada”. Do ódio nasce o medo. Durante a vida de MAQUIAVEL. do governo que melhor defende a liberdade. MAQUIAVEL procura descobrir «as leis da política» Nacionalismo MAQUIAVEL foi um nacionalista. e nenhuma das cidades tinha força para se lhes opor. Fá-lo.afirme as suas preferências. espanhóis. e demasiado forte para a tolerar. ao egoísmo e a toda a espécie de prazeres. a qual se caracteriza pela instabilidade. que detenha o poder. A política como ciência. o que tornava a Itália constantemente sujeita a invasões estrangeiras. reivindica a autonomia do fenómeno politico – bem como a autonomia do estudo da politica – em relação a outros fenómenos sociais. Tal autonomia da política é afirmada e defendida pelo Secretário Florentino sobretudo em relação á moral. mas pelo êxito ou pelo fracasso da sua luta pelo poder. afirmando mesmo: “amo a minha Pátria mais do que a minha alma”. Em princípio. surge com frequência o fenómeno dos filhos que degeneram dos seus pais. Nesse tempo. mostrando que o resultado final – conquistar e manter o poder – é a única coisa que conta em política. Quando chama a atenção para que é um erro propor como meios de conservação dos Estados métodos que serão instrumentos da sua destruição. e como regra geral. nesta. ou quando considera ser falso dizer que um príncipe pode manter o poder pela justiça e pela boa fé porque os factos provam o contrário. e que se entregam ao luxo. não havia em Itália um Estado nacional e unificado. segundo ele. Então MAQUIAVEL torna-se o arauto de uma “Itália unida. pois era demasiado fraco para a assegurar. . MAQUIAVEL está na realidade a situar-se como precursor da ciência politica moderna – e não mais. havia apenas cidades-estados num contexto geral de pulverização politica. suíços e alemães. por critérios de conveniência política e não por critérios morais. isto é. conduz sempre á tirania. a Monarquia tem diversos inconvenientes de peso: na verdade. os príncipes atraem sobre si o ódio geral. do crime. o mal. MAQUIAVEL surge-nos com a grande estatura de um politólogo. um príncipe que deseje manter o Estado é frequentemente forçado a praticar o mal. para fins políticos. conquistar e manter o Estado. sob pena de não terem êxito e de a sua acção politica redundar em fracasso. um homem que se bateu por uma causa que havia de triunfar. serão por todos considerados como honrosos e louvados. vai mais longe.Segundo. se seguidas. da má é. o príncipe deve entregar a outros a execução das tarefas impopulares. se esse fim for atingido pelo Príncipe. Em segundo lugar. da violência. conforme o que lhe for mais útil. Lutero chegou a atingir um quase monopólio das casas editoras alemãs ocupadas em imprimir os seus sermões. Imprensa e Audiência A Reforma foi o primeiro grande movimento social a contar para a sua propagação com um novo meio técnico: a palavra escrita. aspecto em que atinge a sua maior dimensão: delimita e purifica o objecto e o método da ciência política. e não se limita a explicá-la e a classificá-la. consiste em praticar um erro político. ainda que ilegítimos. não se limita a descrever o mal que os governantes fazem: ele não só os não critica como vai mais longe e. MAQUIAVEL. panfletos. não consiste em cometer um crime. As três principais dimensões da sua obra: · Em primeiro lugar. sendo nas acções dos príncipes apenas se atende ao fim a alcançar. baseia a análise no estudo da realidade. as cartas e a tradução da Bíblia. E. a absolvição dos comportamentos eticamente reprováveis dos governantes por terem em vista os interesses superiores da colectividade. um cultor da ciência política. mais vale a um príncipe ser temido do que ser amado. o príncipe deve usar da boa fé ou da má fé. a “razão de Estado”. Para MAQUIAVEL. ainda. E propõe-se ensinar todos os príncipes deste mundo a proceder dessa forma. · Em segundo lugar. numa atitude sem precedentes. MAQUIAVEL aparece-nos como um nacionalista italiano. MAQUIAVEL. procurando formular certas leis da política. e conceder ele próprio os favores ou benefícios. a adopção de uma moral diferente para julgar a acção política. à ruína. Aproveitando as circunstâncias do extraordinário desenvolvimento da imprensa desde meados do século XV e que aumentou o número de obras em circulação de algumas dezenas de milhares de manuscritos para alguns milhões de livros e panfletos. Assim. · A terceira dimensão é a do que ficou a ser conhecido por “maquiavelismo”. advoga e recomenda o uso do mal. muito antes da unificação da Itália. e outras que parecem vícios resultam em maior segurança e bem-estar do príncipe. não é preciso ter todas as qualidades. ou seja. algumas coisas que parecem virtudes levariam. o príncipe deve ser cruel quando necessário. etc. todos os meios que ele tiver usado. a Reforma é alimentada por um novo e grande . o que é preciso é parecer tê-las. MARTINHO LUTERO § 1 O meio social. e que portanto viu certo e viu longe. público de professores e alunos. Entre 1385 (Heidelberg) e 1502 (Wittenberg) são fundadas na Alemanha 15 novas universidades. Em Wittenberg junta-se o trio formado por Lutero, Melanchton e Carlstadt. Ao serem nomeados professores, o primeiro tem menos de 30 anos, o segundo tem 21 anos (1518). No século XV, apenas em Espanha houve um surto paralelo de energia cultural, estando as 7 universidades então fundadas dependentes da Inquisição, fundada em 1478, da Coroa (Concordata de 1482) e da Ordem Dominicana. Estes novos meios de comunicação social criaram um mundo de escritores e leitores, de livros e debates literários com grande rapidez e coesão na disseminação das ideias. A mensagem e os problemas agitados não eram novos e o estado da Igreja não era mais grave que no cativeiro de Avinhão. Só que as instituições, as questões teóricas e os acontecimentos eram agora avaliados por um crivo mais apertado e numa situação cada vez mais explosiva. E o monge de Wittenberg será o epicentro da Reforma, esse vasto movimento da consciência europeia que começa com actos e não com doutrinas e cujo curso é em grande parte determinado pela interacção entre a situação histórica a personalidade de um homem. A construção do conceito de soberania: BODIN JEAN BONDIN nasceu em 1530 em Angers, França e morreu em Laon em 1596, quando tinha 66 anos de idade. BODIN fez os seus primeiros estudos no Convento das Carmelitas em Angers, de onde saiu aos 15 anos para estudar Filosofia em Paris. Aos 18, decidiu seguir as tradições do avô e foi estudar Direito para a Universidade de Toulouse. Em 1566 publica a sua primeira obra de grande fôlego o “Método para um fácil conhecimento da história”. O ambiente político em França é de profunda crise, fraqueza da Monarquia, lutas religiosas entre católicos e protestantes, guerra civil. JEAN BODIN adere a uma “ terceira via” o partido dos Políticos, que preconiza a tolerância religiosa e o fortalecimento sólido do poder real, com o monarca colocado fora e acima das disputas de religião. Em 1576, publica a principal obra da sua vida, “os Seis Livros da Republica”. Publica ainda varias obras, sobretudo de carácter filosófico, mas que já nada acrescentam à enorme fama que ganhou antes, e que lhe permite passar à história como o construtor de um conceito fundamental da Ciência Politica e do Direito Publico, o conceito de soberania. A Republica, ou o Estado BODIN começa por definir no seu livro o que é a Republica, ou seja, como diríamos hoje, o Estado. Em primeiro lugar, o Estado é o governo recto, isto é, um poder político que deve ser subordinado à moral, à justiça e ao Direito natural. É um domínio exercido sobre os homens livres e que portanto se contrapõe à noção de tirania e de governo tirânico, que BODIN condena veementemente. E critica ARISTOTELES, que propunha como finalidade do Estado “viver bem e com felicidade”, uma vez que o Estado deve visar mais alto “a contemplação das coisas naturais, humanas e divinas”. Em segundo lugar, o Estado é um governo que incide sobre várias famílias. E este ponto é importante, porque para BODIN, ao contrário da tradição grega, nomeadamente de ARISTOTELES, o elemento fundamental da pólis, da Republica, não é o indivíduo mas sim a família. Em terceiro lugar, BODIN chama a atenção para que a Republica tem a ver com o governo daquilo que é comum às famílias. E, portanto, significa o reconhecimento de que só o que é público compete ao Estado: ao Estado não compete intervir naquilo que pertence à esfera privada das pessoas; nomeadamente não compete ao Estado intervir na vida da família, e no seu esteio material, que é a propriedade. A propriedade e a família são, assim, dois limites ao poder soberano. Um conceito novo: a soberania A soberania é a ideia nova que BODIN traz para a história do pensamento politico, precisamente num altura, o século XVI, em que desponta o Estado moderno, o Estado-nação, o Estado soberano. Não é por acaso que é no século XVI que surgem, pela mão de MAQUIAVEL de BODIN respectivamente, o conceito de Estado e o conceito de soberania; é porque é justamente no século XVI que nasce o Estado moderno europeu, que é um Estado soberano. Para BODIN, a soberania é, o grande facto de unidade e coesão do Estado. Segundo ele, a soberania traduz-se num poder absoluto e perpetuo de uma Republica. Assim sendo, em primeiro lugar, a soberania é um poder, isto é, a faculdade de impor aos outros um comando a que eles ficam a deve obediência; em segundo ligar, a soberania é um poder perpétuo, isto é, que não pode ser limitado no tempo; em terceiro lugar, a soberania é um poder absoluto, isto é, que não está sujeito a condições ou encargos posto por outrem, que não recebe ordens ou instruções de ninguém, e que não é responsável perante nenhum outro poder. Quais os seu atributos? Na concepção apresentada por JEAN BODIN, podemos dizer que são os seguintes: · A soberania é una e indivisível, o que significa que não pode ser dividida por dois governantes, ou por vários órgãos, ou por muitos. Tem de estar todas nas mãos do Rei. Era a reacção viva e frontal contra a pulverização do poder político característica da Idade Média, ou seja, contra o feudalismo. · A soberania é própria e não delegada, o que significa que pertence por direito próprio ao Rei, e não provem de eleição pelo Povo ou de nomeação pelo Papa ou pelo Imperador; · A soberania é irrevogável, o que significa um principio de estabilidade politica, à luz do qual o povo não tem o direito de retirar ao seu soberano o poder politico que este possui por direito próprio; · A soberania é suprema na ordem interna, no sentido de que representa um poder que não tem nem pode admitir outro poder com quem tenha de partilhar a autoridade do Estado. · A soberania é independente na ordem internacional, o que significa que o Estado-nação não depende de nenhum poder supranacional, como o Para ou o Imperador, e só se considera vinculado pelas normas de direito internacional resultantes de tratados livremente celebrados ou de costumes voluntariamente aceites. Assim sendo, a soberania segundo, JEAN BODIN, é uma força imponente e majestosa, colocada ao serviço do Estado moderno e do Rei que o personifica e governa. Conteúdo da soberania Sendo a soberania um poder de comandar e de se fazer obedecer, quais as faculdade, ou poderes parcelares, que se contem nela? BODIN considera que o primeiro poder em que a soberania consiste, é o poder legislativo, isto é, o poder de livremente fazer leis e revogá-las. Daqui se conclui que o poder de legislar não pode ser compartilhado com as Cortes ou com os Parlamentos: isso faria destes órgãos o verdadeiro soberano. Por outro lado, a lei passa a prevalecer sobre o costume: porque a lei vem do monarca e o costume vem do povo; ora, para BODIN, o soberano não é o povo, mas o Rei. Por isso as suas leis prevalecem sobre quaisquer costumes. Para além do poder de legislar, outros poderes ou faculdade integram o conceito de soberania, a saber: o poder declarar a guerra e fazer a paz, o poder de instituir cargos públicos e prove-los, o poder de julgar em última instancia, o poder de lançar impostos ou taxas, etc. Mas todos estes poderes são, para BODIN, secundários, uma vez que todos eles estão compreendidos no poder de fazer leis e revogá-las. O problema da origem do poder em BODIN. BODIN aparece-nos defensor, de uma teoria dupla sobre a origem do poder: uma teoria contratualista quanto às primeiras sociedades humanas que se constituíram pacificamente em Estados, e uma teoria do primado da violência quanto às Republicas formadas por absorção de outras em resultado de uma guerra. Esta ideia da soberania como poder uno e indivisível, encabeçado no Rei, que assim detêm nas mãos a totalidade dos poderes do Estado, legislativo, executivo e judicial, iria caracterizar a realidade politica durante todo o período do absolutismo, mas seria fortemente contestada, me menos de duzentos anos, pelos teóricos libérias, defensores da separação de poderes. BODIN foi, no século XVI, em plena época da anarquia e insegurança, o interprete privilegiado da aspiração maior, que era constituir um poder forte e concentrado; veremos mais tarde que LOCKE E MONTESQUIEU foram, no século XVIII, os defensores lúcidos e oportunos da necessidade de, num Estado forte e numa nação em paz, dividir os poderes do Estado para melhor garantir os direitos dos indivíduos. Qual a melhor forma de Estado, para BODIN? A melhor forma de Estado para BODIN, é a Monarquia. Em primeiro lugar, “o principal atributo da Republica, que é o direito de soberania, só existe e se conserva na monarquia: pois numa Republica só um pode ser soberano: se são dois, três ou muitos, nenhum é soberano”. Em segundo lugar, há “actos que só podem ser realizados por uma única pessoa, tais como conduzir um exército, e outras coisas semelhantes”. Em terceiro lugar, é preciso não dar ouvido aos que querem que sejam os súbditos a ditar a lei ao monarca, este é que tem de ditar a lei aos súbditos. O contrario “significar a ruína não só das monarquias, mas também dos próprios súbditos”. Com efeito, cumpre ter presente esta máxima da sabedoria universal: “ há na verdade uma grande diferença entre aconselhar e comandar: o conselho de várias boas cabeças pode ser melhor que o de uma só: mas para resolver, decidir e mandar, uma só fá-lo-á sempre melhor que muitas”. A Monarquia, hereditária e masculina, é, assim, a melhor forma de Estado preferida por BODIN. Conclusão: Assim sendo, BODIN apresenta, a ideia de uma soberania absoluta centrada no Rei, desligando a Coroa de quaisquer vínculos ao feudalismo, ao papado ou ao império, BODIN é efectivamente um “moderno”, imbuído do espírito do Renascimento, contemporâneo e co-fundador do Estado-nação que surge na Europa do Século XVI. Em, BODIN não há Constituição, nem direitos do homem, nem principio da legalidade, nem separação dos poderes, nem controlo judicial dos actos do poder. O que há é o reforço drástico da autoridade do monarca, órgão supremo e independente, perante quem os súbditos apenas devem respeito e obediência. Não se vislumbra, pois, qualquer prenúncio de liberalismo ou de Estado de Direito. O princípio de tolerância A tolerância consiste na compreensão de que, no cerne de todas as religiões históricas, se encontra a "verdadeira religião". A transmissão da verdade religiosa é ameaçada pelos homens indiferentes, os porceaux, e pelos homens sensibilizados pelo espírito mas que se inclinam para maus espíritos, os demonomaníacos. Em De la Démonomanie des Sorciers Bodin trata dos vários tipos de inimigos da ordem espiritual, um vasto leque de opositores: bruxas que praticam rituais pagãos, gente que acredita em amuletos, católicos crédulos que cultivam superstições, cortesãos que praticam artes mágicas, literatos e filósofos que reanimam as ciências ocultas, intelectuais esclarecidos que negam o fenómeno espiritual. Um critério muito simples permite-lhe avaliar as posições deficientes. A descrença de que existe o mal é sintoma de insensibilidade ao bem. "Quando um magistrado troça da feitiçaria a presunção deve ser de que ele próprio é um feiticeiro". Este diagnóstico incide sobre o novo fenómeno da corrosão do ego pelo amor sui, um fenómeno de massas que crescerá na modernidade. Na mesma linha, Pascal irá analisar a psicologia do indivíduo obcecado e Hobbes desenvolverá uma teoria da política na qual o demonomaníaco, ou possesso de si próprio, é o tipo humano normal. A ideia de um universo cooperativo ligado por elos de conversão é troçada por pensadores políticos "esclarecidos". E a tolerância do indiferentismo permite que as forças dos "demonomaníacos" se apropriem da sociedade. Há contudo um defeito na posição de Bodin: defende a aplicação da pena capital aos malfeitores com o argumento de que a pena não é exercida para infligir sofrimento mas como expiação da comunidade perante a ira de Deus. Há resíduos de superstição nesta solução dos problemas espirituais pela violência. Não segue a restrição platónica nem a resignação kierkegaardiana de que "um homem sózinho não pode ajudar uma idade, nem salvá-la; apenas pode mostrar que ela vai morrer". A crise do séc. XVI-XVII não podia ser resolvida com a caça às bruxas, tal como a degenerescência do liberalismo em totalitarismo não pode ser impedida pela polícia. Os intérpretes modernos acusam Bodin de não responder a questões convencionais sobre fins do governo e consentimento dos governados. De facto, não estava muito interessado nas teorias contratuais posteriormente surgidas de que os homens têm evidentes vantagens em se associarem do direito romano.emanação . Por influência de árabes como Avicena e do seu filósofo judeu favorito.a determinar o desdobramento da hierarquia em graus sucessivos. até aos actos concretos dos cidadãos e a integração do direito consuetudinário na ordem uniforme do estado. salientando a soberania como competência jurídica. senão à sua espada". Embora o princípe seja o legislador supremo está limitado pela lei natural e pela lei divina. em certos casos de abuso da lei positiva. único verdadeiro soberano que confere o poder. As teorias de contrato e consentimento são importantes para a ciência política constitucional mas não respondem à questão fundamental: por que razão a existência humana toma a forma da sociedade política ? A resposta de Bodin é de ordem cosmológica. dos estamentos de França. magistrados e cidadãos têm. os costumes. o direito e o dever de desobediência. o Maimónides no Guia dos Perplexos. sendo o único sobrevivente da razia dos direitos particulares. tem corolários evidentes.(République p. sucedem-se as ordenações dos magistrados. a soberania é definida a p. p. O príncipe nacional adquire o monopólio do poder jurídico. magistrados e súbditos. surge" o poder absoluto nada é mais do que o poder de derrogar a lei civil". o feidh é a contrapartida espiritual da Berith como base contratual para as sociedades nacionais. embora rebelião e tiranicídio sejam proibidos. Bodin elaborou cuidadosamente uma hierarquia de pessoas e de formas jurídicas. Esta é a declaração de independência do estado nacional. após Deus. lei do príncipe. Para Bodin. o Qual pode dispensar o mediador. E Bodin tem boas razões para não insistir na efectiva separação entre a delegação da lei que emana de Deus para o príncipe. Em contraste com a teoria medieval da autoridade difusa. A soberania consiste na existência de um corpo político único e indivisível (la république une et indivisible de 1789) e apenas responsável perante Deus. Na edição latina de 1591. a teoria do poder soberano exprime a contingência do governo. Ainda na ed.politicamente e em se obrigarem a obedecer à autoridade instituída. utiliza a noção de feidh . a clausura jurídica não é acompanhada de fechamento económico nem espiritual.331).154 "É soberano o que nada deve. seguem-se o príncipe. A teoria da soberania hierárquica exprime a estrutura governamental como parte da estrutura estática do cosmos. A autoridade do príncipe torna-se independente do imperador. livre de restrições legais (legibus solutus) o que reforça a noção de hierarquia pessoal. lei natural e lei divina. . a p. a soberania é definida como "o absoluto e perpétuo poder da República". a mecânica do seu crescimento e o seu declínio histórico. A partir de Deus. A partir da base. ao príncipe ou aos estats. Na edição francesa de 1576. Podemos observar como se tornam mais inteligíveis as definições de soberania nas várias edições da République. que são os actos privados. Outras definições de soberania salientam o problema do poder das armas:1576. Mas o novo estado-nação ainda vive no universalismo cristão. Bodin combina a concepção oriental de que os graus inferiores dependem exclusivamente dos superiores devido a delegação emanada de Deus. surge aqui a delegação da jurisdição desde o topo da hierarquia jurídica. à nobreza. o grande contributo de Bodin. o magistrados e os cidadãos privados.150. do papa.123 como "Majestade é o poder supremo sobre cidadãos e súbditos. com a noção ocidental da relação directa de cada grau a Deus. . Como tal. Esta pirâmide jurídica nacional. de 1576. Afasta-se assim as teorias de governo misto e considera-se posterior a alocação do poder ao povo. a Universidade de Oxford. Jurídicamente. e frequentou depois. na harmonia do universo e enfim no retorno à nossa relação e origem em Deus. a partir dos 15 anos. ano do seu regresso a Londres. Eis a base de uma ordem estável. Como realista contemplativo. Na base do corpo político nacional estão os grupos familiares com os cabeças de família. O soberano tem de atender ao carácter nacional climaticamente determinado. tem de contentar a comunidade de proprietários. orgulha-se com a actuação dos estamentos. equilíbrio entre formas legais e aplicação da força. nos corpos celestes. árabe e judaica. As instituições históricas como os três estamentos de França devem ser preservadas. vida e família serão preservadas. Os fundamentos contratuais de um Estado forte: HOBBES THOMAS HOBBES. Um pensador tem de aceitar este mistério sem o profanar. o jovem HOBBES foi educado por um tio bastante mais evoluído. A partir dele será possível ascender para a contemplação e a fruitio Dei. O reconhecimento da força como o factor decisivo na existência do governo não afecta a questão da ordem legítima. Filho de um pastor anglicano apagado e pouco culto. É. em 1588. o “Leviathan”. A estabilidade exige que não se interfira na base jurídica e económica da monarquia hereditária. na causalidade natural. praticamente. histórica e filosófica. . costumes sociais e instituições e tem de dar continuidade à estrutura constitucional e base financeira do governo. nasceu em Wesport. E o fim último do governo seria viabilizar a visão da presença divina nas coisas humanas. que lhe ensinou o grego e o latim. O seu temperamento contemplativo permitiu-lhe contemplar a república como parte da estrutura do universo. Masmesbury. Bodin efectua uma separação entre poder existencial e ordem legítima. enriquecendo-a com o influxo da especulação helenística. precisamente em Paris e já com mais de 50 anos de idade. se comparada com a submissão à ordem. publicado em 1651. é o mistério derradeiro da política. que HOBBES redige uma vasta bibliografia cientifica. A liberdade do cidadão é a fruição pacífica dos seus bens e a segurança de que a sua honra. A finalidade do governo é a transformação da sociedade nacional numa analogia cósmica. Bodin continuou a tradição de Platão e Aristóteles. A finalidade da sociedade nacional bem ordenada é a posse e protecção da propriedade doméstica. não tenta legitimar a força. Por motivos idênticos Bodin considera que a soberania régia não é infringida pelo facto de o consentimento do Parlamento inglês ser necessário para que o rei de Inglaterra cobre impostos. da qual se destaca. Tal amplidão de finalidades em pensadores políticos é rara e o estilo pesado e quase proibitivo de Bodin em nada o ajuda. A consciência nacional expressa pelo corpo místico da nação na sua realidade histórica é outro limite à soberania. A formalidade jurídica do consentimento do povo é de escassa importância.e a fundação do governo no facto bruto da força. A nação é a substância do cosmion político. o rei pode fazer o que quer. de nacionalidade inglesa. Que a força amoral se possa combinar com a moralidade dos fins para o estabelecimento de um cosmion que se encaixa na ordem superior cósmica de Deus. a sua grande obra prima. A substância do governo é o êxito do equilíbrio entre comando soberano e obediência popular. O cosmion dá a base existencial estável aos fins da vida humana. “o poder de um homem. à guerra civil. como o poder instrumental. por exemplo. suplantas ou repelir o outro”. Há. Para o homem conseguir isso. são bens escassos. nem a noção de que o Estado é uma realidade que se impõe ao homem sem que este tenha uma palavra a dizer sobre o assunto. HOBBES. por exemplo. porque esta solução é melhor para eles. o ser humano é essencialmente egoísta: move-se pela procura . à anarquia. a reputação. “o desejo perpetuo e sem descanso de mais e mais poder” conduz fatalmente os homens à competição uns com os outros. isto é. Ideia geral Considerado. procura sim. O período de turbulência e conflito armado que antecede a morte do rei e que se lhe segue mais reforça ainda o sentimento de horror que HOBBES nutria em relação à desordem. demonstrar que é por um acto racional e voluntario que os homens optam por viver em sociedade e por obedecer ao Estado. a Monarquia absoluta dos séculos XVII E XVIII. ou menos má. a boa sorte. ao lado de outros homens. como um grande pensador e como um dos mais vigorosos e originais filósofos da política. de poder. HOBBES procura. em “estado de natureza”. pois. pois. as faculdades do corpo e do espírito. mesmo que seja apenas para ter a certeza de que não ficará pior. descreve o que se passaria se os homens optassem por viver em anarquia ou. tanto como MAQUIAVEL e ainda mais do que BODIN. uma necessidade de cada homem querer sempre mais e melhor. mas garantir para sempre uma forma de satisfazer os desejos futuros (…) de forma a assegurar uma vida feliz”. as amizades. HOBBES. conduz os homens à rivalidade. como o poder politico. a ideia de que a vida em sociedade é natural.Dois anos antes deste regresso. pelas honras. tanto é poder o poder natural. a reforçar. nem a doutrina de que o poder político vem de Deus e os súbditos lhe devem obediência por mandato divino. HOBBES. etc. tem notícia da decapitação de CARLOS I (1649). o objecto do desejo humano não é “gozar uma vez apenas e por um instante. porque tanto as riquezas. por muitos. segundo ele. que não podem pertencer a todos plenamente. HOBBES. Pois. para ele. pelo governo. como as honras. precisa. O “estado de natureza”: uma concepção pessimista acerca da natureza humana: Para HOBBES. em geral. Contanto que o Estado seja forte e garanta a paz e a segurança. “a competição pelariqueza. Fazem-no. um Estado sem leis e sem governo. submeter. a riqueza. do que seria a vida em anarquia ou em guerra civil.ou seja. O materialismo naturalista de HOBBES Segundo HOBBES. justificar um poder absoluto. e a sua firma determinação de construir uma teoria política capaz de dar uma base racional a um Estado forte. ainda exilado em França. ainda que não necessariamente o de um Rei hereditário. Assim. como ele diz. são os seus Maios presentes de alcançar no futuro o que se lhe afigurar como bom”. à inimizade e à guerra: porque o meio de um competidor satisfazer o seu desejo é matar. HOBBES formula um pensamento que facilmente se pode qualificar como autoritário e tendente. Para isso. não aceita da tradição clássica. O pensamento político de HOBBES. Aqui aparece pela primeira vez o homem a viver em sociedade. “ nesta guerra de todos os homens contra todos os homens. Como é que esse sentimento condiciona a acção do homem no “estado de natureza”? Segundo HOBBES. a desconfiança.”. não em solidão. segundo a sua razão. solitária. sem Estado se sem autoridade. nem utilização das riquezas que podem ser importadas pelo mar. servir para “preservar a sua vida contra os seus inimigos”. Esta. no “estado de natureza” é “a liberdade que cada homem tem de usar o seu poder como ele mesmo quiser. verifica-se um medo e um risco permanente de morte violenta. segundo HOBBES. onde não há um poder comum. eles estarem naquela condição a que chamamos de guerra. num “estado de natureza” caracterizado pela guerra de todos contra todos. a terceira. é a concepção que HOBBES tem da natureza humana. só pertence a cada homem aquilo de que ele puder apossar-se. tem de procurar aumentar sempre mais e mais o seu poder. pobre. justo ou injusto. a vaidade. a sua própria vida. HOBBES. penosa. E remata. nem convivência. e consequentemente não existe agricultura. escreve ele. isto é. no “estado de natureza”. não há injustiça (…). segunda. “ a primeira torna os homens agressivos para o ganho. E o que é pior de tudo. o panorama desolador do homem entre a si próprio. que na natureza humana existem três principais caudas de conflito: primeira a competição. A justiça e a injustiça não são faculdades do corpo ou do espírito. não há lei. o principal motivo das suas acções é. e só pelo tempo por que o puder manter. em riqueza. são qualidades que se relacionam com o homem em sociedade. e onde não há lei. é então. nem navegação. nem artes e letras. E a vida do homem. e a terceira. a segunda. para preservar a sua própria natureza. HOBBES. para a defesa. Sendo isto assim. “ É manifesto. segundo. para a reputação”. o medo da morte. e essa é uma guerra de todos contra todos”. a fim de não deixar piorar a sua condição. As noções de certo ou errado. embrutecida e curta”. há também esta consequência: é que nada pode ser injusto. nem conhecimento da face da terra. Descreve ainda: também é uma consequência da mesma condição (o “estado de natureza”) que ai não há propriedade. de fazer tudo o que. enquanto este direito natural de todos os homens a todas as . O “estado de natureza”: o medo da morte a primeira lei da Natureza A maior paixão do homem a sua sensação mais forte. todo o homem tem o direito e o dever. nem distinção entre o meu e o teu. não há lugar para as actividades produtivas.da sua felicidade. Concluindo. O “estado de natureza”: a guerra generalizada entre os homens HOBBES não duvida um só instante do que aconteceria se os homens vivessem em “estado de natureza”. Eis as próprias palavras do filosofo inglês: “numa tal condição. que durante o tempo em que os homens viverem sem um poder comum que os mantenha a todos em respeito. o principal direito natural de cada um desde logo. E. Este será. porque os seus frutos são incertos. nem domínio. nem contagem do tempo. do que seja bom para si e. não têm ali qualquer lugar. honras ou autoridade. Segue-se dai que a obrigação dos súbditos tem a ver com a manutenção da paz e da segurança. E explica: “ a única maneira de erigir um tal Poder comum (…) é os homens conferirem todo o seu poder e força a um Homem. fazer a guerra e defender a vida por todos s meios ao seu alcance. HOBBES. a uma so vontade. Pois. ao seu direito a todas as coisas. considera então que os homens só se obrigam perante o Soberano no âmbito dos fins que os determinam a formar o Estado. a escolha da forma de governo desejada (monarquia ou republica). a autorização da pratica dos actos necessários para atingir os fins tidos em vista. uma pessoa colectiva. para garantir a paz e a segurança. tanto no plano externo como no plano interno. Como se vê. que possa reduzir todas as vontade. por ultimo. vê no “contrato social” a fonte de diversos efeitos: a união dos homens num Estado. ao menos em parte. o dever de procurar a paz e de a manter. HOBBES. mas da sua liberdade. pela maioria das vozes. perante uma alternativa fundamental: procurar a paz. A primeira lei da Natureza impunha. coloca o homem. o contrato social. a ideia de “representação”. quer contra o . o direito de se governarem a si próprios e o direito de defenderem pela força a sua vida e os seus bens.coisas se mantiver. O “estado de natureza”: a necessidade da paz e a segunda lei da natureza. um século depois. enquanto ela não existir. A passagem do “estado de natureza”ao “estado de sociedade”: o contrato social. o Estado serve sobretudo para garantir a paz e a segurança dos indivíduos. o Estado não tem fins ilimitados: ele é uma criação humana com tarefas bem precisas e bem delimitadas. HOBBES. HOBBES. e para dirigir as suas acções para o bem comum”. a renuncia de todos eles a uma parte do seu direito de se governarem e respectiva transferência para o Soberano. que para sair da guerra que caracteriza o “estado de natureza1. isto é. e encontrar a paz que só é garantida pelo “estado de sociedade”. E portanto. pois. mas não com a auto-conservaçao do indivíduo: esta não faz parte da obrigação dos súbditos. não pode haver segurança para nenhum homem”. os homens para passar do “estado de natureza” ao “estado de sociedade”? HOBBES. ou a uma assembleia de homens. para ele. se alguém a ele renunciasse. responde que: “ é necessário instituir um Poder comum. no “estado de natureza”. E agora. para mentelos em respeito. HOBBES conclui. mas. para HOBBES o Estado nasce de um contrato pelo qual os homens alienam a favor do Soberano direitos seus e. a constituição do conjunto como uma unidade personificada. Mas então o que hão-de-fazer. o Direito à vida é inalienável e. a instituição deste e dos respectivos poderes. à sua liberdade e o transfiram para um Poder comum a todos garanta a paz e a segurança. É o que ROUSSEAU chamará. começa abrir caminho para a ideia do Estado como criação voluntaria dos homens através de um contrato. é necessário que os homens renunciem. e. O segundo limite do Estado: a actividade privada dos cidadãos Em HOBBES. Por outras palavras. em especial. tal acto seria nulo. . sob pena de não ser um verdadeiro soberano e com risco de graves dissensões no reino. Sendo assim. é o próprio Soberano e funções que. publicado em 1762. isto é. ao passo que as industrias. A partir dai. nem justiça. o importante é que o Poder seja exercido por um só homem. Analise das várias formas de governo Para HOBBES. a soberania não pode ser dividida nem partilhada: pois. nem qualquer limitação perante os súbditos. quer contra as desordens e perturbações internas. no exercício da sua liberdade. ou então haverá dois soberanos. por acto expresso ou tácito da sua vontade. actividades produtivas. tem o direito e o dever de escolher quem lhe há-de suceder. no plano político. é uma tarefa dos cidadãos. que conserva sempre a faculdade de retirar ou redistribuir a terra de forma diferente daquela por que inicialmente a distribuiu. pois. se houver partilha. não segue necessariamente a linha hereditária. e não comporta qualquer partilha com o Parlamento. igualdade e soberania do povo presente na obra “O Contrato Social”.inimigo externo. No “ estado de natureza” não há garantia da propriedade. Portanto. cuja validade não pode ser contestada.nem pela violação dos direitos fundamentais do cidadão. Mas. Rousseau propunha uma vida familiar com simplicidade. Para ele o grande mal dos tempos modernos era a civilização burguesa. e não no sentido dinástico que se tornou tradicional na Europa medieval e moderna. com hábitos de luxo e de criação de desejos artificiais. caberá à lei determinar outras funções acessórias que devam pertencer ao Estado. e no “estado de sociedade”. Rousseau era contrário ao luxo e à vida material. mas não é totalitário. mas tudo o resto competirá à actividade privada dos indivíduos. é uma soma manifestada pela maioria dos indivíduos numa sociedade”. Não pretende absorver na esfera da acção pública todas as iniciativas e instituições privadas. tratase da Monarquia no sentido grego originário. Pois para HOBBES. inteiramente positivista: no “estado de natureza” não há Direito. para ele o “Estado é convencional. não deriva da graça de Deus mas de um “contrato social” subscrito pelo Povo. Para ele. Para ele. JEAN JACQUES ROUSSEAU (1712-1778) As ideias filosóficas e políticas de Jean Jacques Rousseau podem ser identificadas na sua principal obra “O Contrato Social”. e no “estado de sociedade” só é Direito aquele que é produzido pelo Estado através da lei. resulta da vontade geral. HOBBES manifesta claramente a sua preferência pela Monarquia. não que esse poder seja considerado como recebido de Deus ou seja transmitido por via hereditária. em HOBBES o governo de um só homem. A ideia fundamental de HOBBES é que a defesa nacional e a segurança são tarefasdo Estado. quem tiver a última palavra é que será soberano. nem pelo confronto com normas de valor superior. tal como para BODIN. a distribuição inicial das terras pelos súbditos é um poder do Soberano. O Estado hobbesiano é autoritário. nem protecção da divisão entre “o meu” e o “teu”. o governo de um só homem. aliás dotado de plenospoderes. o que dividira não apenas o poder mas o próprio Estado. A concepção que HOBBES tem do Direito é. uma sociedade baseada na justiça. é devido a razões sociais e politicas que nada têm que ver com a natureza das coisas. Refere-se a uma época primitiva em que o homem vivia feliz. A época do estado de natureza terminou devido o progresso da civilização. num estado intermédio entre o estado de natureza e a sociedade estabelecida. nem um contrato entre os indivíduos e o soberano. ROUSSEAU condena o . Para LOCKE. a autoridade e o Estado mediante um contrato. depende estreitamente da igualdade. portanto. a propriedade privada. subordinação dos interesses particulares à vontade geral. É obedecendo às leis que o homem realiza a sua liberdade. Portanto. se o homem é infeliz. para manter a ordem e evitar maiores desigualdades. mas ROUSSEAU considera que a soberania do povo é a mais segura garantia dos direitos individuais. reino da virtude numa nação de cidadãos. cada indivíduo une-se a todos. os homens criaram a sociedade política. Foi a sociedade que o tornou escravo e mau. a liberdade só pode ser realizada pelo soberano. O contrato. A soberania não se delega. Pelo pacto social. segundo ROUSSEAU. segundo ROUSSEAU. No tocante ao estado de natureza. qualquer que ele seja. (TOUCHARD) Pois. soberania absoluta e indissolúvel da vontade geral. Mas é na sociedade nascente que o homem é mais feliz. a divisão do trabalho. nem é um contrato entre indivíduos (como em HOBBES). criando diferenças irremediáveis entre os ricos e pobres. a liberdade é um bem que protegemos. Só na cidade e pela cidade o indivíduo é livre. mas um estado de dispersão e de isolamento.o governo é uma instituição que promove o bem comum e só é suportável enquanto justo. a liberdade é a obediência às leis. dado que todos os associados têm direitos iguais no seio da comunidade. O estado de natureza para ROUSSEAU nem é uma guerra geral nem uma vida sociável. O soberano A soberania tem quatro caracteres: · É inalienável. tudo é de todos. Unidade do corpo social. Neste estado de natureza o homem é concerteza bom. a liberdade é consciência de uma particularidade. O contrato social garante simultaneamente a igualdade. O contrato é feito com a comunidade. este tem direito de substituí-lo. E não correspondendo os anseios populares do povo. isto é. Rousseau explica que não há propriedade. LOCKE associa liberdade e propriedade. o indivíduo tem a liberdade de fazer um contrato. podendo um homem usufruir uma terra apenas para plantar o necessário para subsistência. segundo Rousseau. A liberdade segundo ROUSSEAU é. para ROUSSEAU é em primeiro lugar solidariedade. ROUSEAU liberdade e igualdade. muito diferente da liberdade segundo LOCKE. para ROUSSEAU uma possibilidade que realizamos. Em vez de ser ameaçada pelo soberano. Esse contrato cede ao Estado parte de seus direitos naturais. Para LOCKE. Para LOCKE. O Contrato social O Contrato Social é inspirado pela paixão da unidade. e a liberdade que. poderosos e fracos. aos corpos intermédios. de frugalidade e de virtude. exercem em modificar. que têm um valor religioso e que são o refelxo de uma ordem transcendente. Depois de ter seguido um caminho tão diferente de MONTESQUIEU. e o governo. em termos absolutos.governo representativo e a monarquia à inglesa. os governos são os depositários do poder. limitar e retomar quando lhe aprouver. que lhe merece uma viva crítica. que as instituições nada são sem os costumes e considera que é necessário primeiramente que se diligencie formar cidadãos. isto é. uma comissão. O governo No sistema de ROUSSEAU. ROUSSEAU passa em revista três tipos de governo: · A monarquia. porque não é bom que aquele que faz as leis as execute. As leis devem ser pouco numerosas. no fundo. · É indivisível. · É infalível. por um ideal comum de civismo. em emprego no qual. pela simples razão de o ser. pela religião. a confusão do poder executivo e do poder legislativo. que pode ser hereditária ou electiva. não corre o risco de ser arbitrário. A principal função do soberano é fazer as leis. às fracções no Estado. que é necessário associar estreitamente poder civil e poder religioso. O governo é só o “ministro do soberano”. · É absoluta:” o pacto social dá ao corpo político um poder absoluto sobre todos os seus”. nem que o corpo do povo desvie a sua atenção dos objectivos gerais para a prestar aos interesses particulares. a democracia. realmente. pensa como HOBBES. é um simples agente de execução. . o seu objecto deve ser geral. “ o soberano. grupo de homens particulares que as executam. ROUSSEAU. para trair a soberania. A religião parecelhe efectivamente o meio mais eficaz de realizar esta unidade social de que ele sempre teve a nostalgia. como MONTESQUIEU. ROUSSEAU não está longe de concluir como ele: · Que a forma dos governos deve depender das situações locais e que é absurdo querer em toda a parte impor uma única solução. finalmente. ROUSSEAU abstém-se. RROUSSEAU distingue o soberano. O grande problema para ROUSSEAU consiste em assegurar a solidariedade do corpo social. de recomendar esta ou aquela forma de governo. ROUSSEAU pensa. é sempre o que deve ser”. ROUSSEAU é hostil à separação dos poderes. para ROUSSEAU. o governo apenas desempenha um papel subordinado. povo em corpo que estabelece as leis. · Que o problema do governo é secundário e que o governo tem a tendência para degenerar. simples funcionários do soberano. · Finalmente. ROUSSEAU exalta a religião do cidadão. Este tipo de governo é praticamente irrealizável e aliás apresentará perigos. · A aristocracia. Quanto ao governo. na terminologia de ROUSSEAU. Mas este absolutismo da vontade geral. Religião No Contrato Social. Pela educação. mas por si não têm. de patriotismo. em determinar todas as influências que se exercem em relação às leis. a religião. duas formas bem distintas de república: . etc. · Racionalismo – se o MONTESQUIEU recusa todo o fatalismo. ou deveria ser. Relações necessárias. teórico da separação dos poderes. e nem o clima. a santidade do contrato social e das leis”. o que o faz agir: passa em revista três tipos de governo: O governo republicano – “ é aquele em que o povo em corpo. divulgador da Constituição inglesa. um MONTESQUIEU próximo de LOCKE. todavia duvidoso que MONTESQUIEU nela tenha expressado o essencial do seu pensamento político. Método de MONTESQUIEU – Principais características · Sentido da diversidade – o primeiro movimento da inteligência para MONTESQUIEU consiste em perceber as distinções. uma das mais conhecidas teorias de MONTESQUIEU. os costumes. MONTESQUIEU distingue a natureza de cada governo. Existem. · Determinismo – MONTESQUIEU pensa que as coisas têm uma natureza: “ as leis. o seu método não descai no empirismo. mas estas leis são complexas. o comércio. A história é inteligível. bastam para explicar a situação de um pais. previdente e provisora. mas os homens podem fazê-la. com a da separação dos poderes.ROUSSEAU distingue a sua religião civil das religiões antigas e do catolicismo romano. portanto. tem o poder soberano”. Ele tem da lei uma alta ideia. segundo os países. ou somente uma parte do povo. É. (TOUCHARD) MONTESQUIEU Montesquieu (1689-1755). A teria dos governos A teoria dos governos. Relações com a constituição de cada governo. ela é. inteligente. o que o faz ser. mas não relações suficientes: as leis têm as suas leis. diz ele. “ em grande parte consiste em conhecer as graduais diferenciações das coisas”. benfeitora. igualmente baniu do Estado todo aquele que não aceite os dogmas da religião civil. e os seu princípio. Mas se ROUSSEAU baniu a intolerância. Distingue os governos segundo as épocas. portanto. “o bom senso”. pela qual se abre “O Espírito das Leis” é. no significado mais extenso. o clima. adepto do perfeito liberalismo. nem a Constituição. Ele apenas admite um pequeno número de dogmas positivos “ a existência da Divindade poderosa. o seu método deriva de uma análise sociológica. são as relações necessárias que derivam da natureza das coisas”. MONTESQUIEU empenha-se. nem os costumes. provavelmente. a encarnação da razão. · Relativismo – a lei é para MONTESQUIEU um sistema de relações: “o espírito das leis” consiste nas diversas relações que as leis podem ter com diversas coisas”. Um único dogma negativo: a intolerância. outras tantas forças que impedem o poder de descambar no despotismo. isto é. e descentralização e a moral são para ele outros tantos contrapesos. que de resto não existia no regime inglês Kant A única obra directamente politica de KANT (1724-1804) é o seu Projecto de Paz Perpétua (1795). ao imperativo moral categórico. A república democrática – é o povo em corpo. sem leis e sem regras. é uma república à antiga. Transforma a teoria do contrato social de ROUSSEAU. Para KANT. o conjunto dos cidadãos reunidos que exercem o poder soberano. frágil. A república democrática para MONTESQUIEU. O saber é apenas o domínio do conhecimento. O governo moderado MONTESQUIEU parece menos preocupado com a forma dos governos do que com as instituições. A Separação dos poderes MONTESQUIEU. Para constituir os postulados da sua moral e da sua metafísica. O governo despótico – é o único tipo de governo que MONTESQUIEU condena formalmente. É da sua natureza que um só governe segundo o seu capricho. contenta-se com afirmar que o poder executivo. que sucede a um estado de natureza: não se trata já de uma espécie de hipótese histórica. austera. Mas a monarquia não se confunde com o despotismo. no seu conjunto. limitada a pequenas cidades cujos cidadãos se podem reunirnuma praça pública. DE ROUSSEAU principalmente. O monarca governa segundoas leis fundamentais que se exercem graças a poderes intermediários. mas ele não sonha com preconizar entre os três poderes uma separação rigorosa. do idealismo transcendental e moral de KANT que a sua reflexão sobre a política e sobre a história adquire sentido e tem lugar. não há saber absoluto do real em si. O governo monárquico – é de sua natureza que um só governe. menos preocupado com as instituições do que os costumes. . recorre à “forma pura” do dever. A teoria política de MONTESQUIEU é uma teoria dos contrapesos: a separação dos poderes. Estes poderes são “ os canais médios por onde circula o poder”. os corpos intermédios. o poder legislativo e o poder judiciário não devem encontrar-se nas mesmas mãos. a acção é o domínio da moral. KANT esta penetrado de MONTESQUIEU. Filosofia de KANT É. A MONTESQUIEU vai buscar a ideia da separação e do equilíbrio dos três poderes. Fontes e Origens Alem dos escritores da antiguidade. A república aristocrática – o poder soberano pertence a um certo numero de pessoas. É esta defesa que é o fim de toda a política. A razão prática não é de modo algum para KANT uma razão oportunista. Tal como Descartes. Dignos. o de ajudar os homens a estabelecer os seus direitos. transcreve a própria formula da Declaração dos Direitos de 1789. do criticismo filosófico . O ideal de KANT é o “politico moralista”. da razão aplicada ao mundo da acção) impõem-se como absolutos relativamente aos quais nenhuma transgressão éadmissível. o mundo das realidades politicas e sociais) dominado pelo reinado dos fins. A autonomia de cada um deles implica a sua dignidade. e não democrata. no seu pensamento deparam-se-nos apenas postulados que derivam do imperativo moral e proíbem que o soberano (isto é. Politica e moral. Não se trata aqui. Como ROUSSEAU. porque pessoas políticas razoáveis. A moral é sempre o juiz inapelável da política. mesmo quando estes permitiriam abreviar o caminho que conduz aos fins. mas bem de um esforço prático da parte da filosofia. Os direitos do homem são: a liberdade como homem. portanto.mas e uma “ideia da razão” que constitui o fundamento legitimo da autoridade publica. a republica. A única forma politica que corresponde a este fim é a forma republicana. cujo carácter é absoluto e rígido. os elementos de uma doutrina democrática: KANT é republicano. As consequências políticas da filosofia geral A universalidade da moral implica a igualdade de todos os indivíduos na sua qualidade de sujeitos morais. KANT só reconhece um mérito à sua filosofia. A defesa e o respeito destes direitos inalienáveis são o fundamento de toda a ordem política legítima. O direito a ser cidadão. deriva da ideia Kantiana de autonomia davontade e do reinado dos fins e. por outro lado. isto é. Emmanuel Kant . que. e não o maquiavélico. O preceito moral contido nos fins não pode em caso algum ser subordinado aos meios. de uma teoria aplicada só à investigação da verdade em si. A ideia da igualdade fundamental dos homens e a teoria da vontade geral não são já.fundador. dai resulta que este mundo só pode ser regido por um estado de direito em que a politica deve estar numa subordinação absoluta a respeito da moral. que implica como únicos mecanismosconcretos o sistema representativo e a separação dos poderes. A política fundada no Direito KANT definiu o Direito: “ o conjunto das condições pelas quais o livre-arbitrio de um pode harmonizar-se com o de outro segundo uma lei geral da liberdade” Definição. Os preceitos da razão prática (isto é. e não afelicidade e a satisfação dos cidadãos. Sendo o mundo moral (e. por outro lado. a igualdade como sujeito perante uma mesma Lei moral. o direito de todos aqueles que não estão num estatuto de dependência (que exclui criados e operários) a acharem-se num estado de igual fraternidade perante uma lei comum. e não o povo no sentido de ROUSSEAU) possa decretar uma decisão que não poderá ser tomada por cada sujeito moral. em final do século XVIII. estes sujeitos merecem a liberdade política. como em ROUSSEAU. Na Crítica da Razão Pura (1781). para ele. Mas isso implica admitir que o Absoluto é uma idéia vazia? Que não existe o incondicionado? Os Fundamentos da Metafísica dos Costumes (1785) e a Crítica da Razão Prática (1788) propõem uma resposta a essas questões. da prática .decorre do fato de que ele soube levar em conta. ele funda o estatuto das ciências modernas. Ora.e dos fins últimos do homem influir duradouramente no pensamento político moderno.elas são relativas à estrutura universal do Espírito humano. tanto pelas perspectivas metodológicas que abriu como pelos resultados que permitiu adquirir. O Absoluto não é e não poderia ser algo dado: existe apenas pelo ato de uma vontade que o afirma e na medida em que o afirma. deve-se renunciar de uma vez por todas ao sonho do Saber absoluto. Na mesma ótica. desse modo. é preciso postular . ao mesmo tempo. a universalidade e anecessidade) das fórmulas do matemático e dos enunciados do físico. sua obra interessa à reflexão sobre o Estado e sua organização de uma dupla maneira: diretamente. na medida em que sua concepção filosófica do conhecimento e do saber. Portanto. são inverificáveis rigorosamente. Se se quer compreender a existência humana e a irreprimível inclinação pelo Absoluto que é testemunhada pela persistência da ilusão metafísica e da vida moral cotidiana. na medida em que suas análises que incidem sobre a moral. Kant desenvolve uma teoria do conhecimento que estabelece a objetividade (ou seja. na influência de Kant em trabalhos tão diversos como os de Léon Bourgeois e Max Weber . que constrói discursos coerentes . o direito e a história definem conceitos que têm implicação política.que pode ser visto. já que . de rigor e originalidade surpreendentes. a única realidade que uma tal vontade pode pôr como incondicionada é o Sujeito moral. entre outros exemplos. por outro lado. mas essa só pode ser estabelecida por meio da experimentação.e contraditórios entre si -. por um lado.termo que significa. o progresso das ciências na era clássica e osefeitos culturais e morais da transformação das sociedades. indireta c talvez mais profundamente. a ação que institui a ordem da moralidade . Todavia. os costumes. os quais.não escreveu um Tratado de política..por definição . Kant denuncia as pretensões da metafísica. não podendo ser relacionados com a experiência possível. A importância desse segundo aspecto . Mas nega a essas últimas o direito de se constituírem em saber capaz de enunciar as propriedades do Ser-em-si. num reino de fins tornado possível pela autonomia da vontade. leis que 'excluam qualquer referência a um conteúdo qualquer." Esse imperativo categórico está no coração da reflexão kantiana sobre a "moral aplicada" sobre o direito e a história. jamais inteiramente realizada. A única consideração à qual um sujeito livre pode se submeter refere-se à instituição da comunidade dos sujeitos livres. anule-se o elemento da sujeição. "Atua sempre de tal modo que sejas o legislador e sujeito.no interior e acima da natureza submetida ao determinismo . quer se trate do prazer sensual. um tal sujeito tem de querer obedecer apenas a leis formais. como sujeito que dá leis a si mesmo 'que dependem apenas dele. que sujeita as partes contratantes a um compromisso empírico. ou seja. ao mesmo tempo em que pertence ao mundo natural e. como uma tarefa infinita. O que é a Ilustração?. A Idéia de uma história universal do ponto de vista cosmopolita ( 1784) concretiza essa perspectiva. Nessa moralização e nessa racionalização da ordem empírica das sociedades. pode corresponder à exigência moral: é preciso e basta que o compromisso seja tão exatamente recíproco e equilibrado que. e de exigir a arbitragem da Razão. Num texto que data de 1784. vontade livre. capaz de escapar da ordem natural e de se constituir' precisamente como Sujeito autônomo. A Metafísica dos Costumes (1797) analisa as condições em que um contrato privado. da utilidade social.a constante e preciosa exigência de liberdade. de um lado e do outro. o mesmo não sucede se se considera a espécie humana em seu devir.que o homem é vontade livre. É no seio dessa história universal que Kant crê possível definir o alcance da teoria moral por ele elaborada: essa atua como uma Idéia. Se é extremamente difícil a um indivíduo fazer triunfar a lei moral cá embaixo. Kant mostra como o imperativo prático impõe a cada um o dever de discutir publicamente sobre qual': quer obediência imposta pela ordem empírica do Estado. porém sempre existente . da Religião e da opinião pública. Kant vê o meio de introduzir a finalidade humana no tecido do determinismo. do amor de Deus ou da consciência do "dever cumprido". é submetido ao determinismo mais estrito. constituindo uma espécie de sobre natureza que afirma . Para escapar do determinismo. como tal. ou seja. que agrupe as elites européias e se esforce por estendê-la . Hegel situa-se na linha direta do pensamento kantiano. e essa é exposta como sistema acabado na Ciência da lógica. mas também projeto político formulado já pelos teóricos do direito da pessoa. E. Volta à ilusão metafísica? Decerto. para além das diferenças de raças e de nações. dez anos depois. com uma apoteose. esforçou-se por pensar o Estado soberano como modo de organização ao mesmo tempo necessário e legítimo da existência social.embora suas análises sejam posteriores à Revolução Francesa . contanto que se saiba reconhecer na realidade presente marcada pelas revoluções americana e francesa e pela constituição do modelo de Estado napoleônico . ligado a certos espíritos nascidos da Revolução Francesa.é porque ele conclui. W . Política e filosofia A compreensão da teoria do Estado exposta no texto de 1821 apressadamente qualificada de . O que aparece é que. Quanto ao problema político. Hegel se põe como objetivo garantir a passagem da filosofia à ciência filosófica. enquanto Kant transfere para as vontades livres a tarefa nunca terminada de atualizar o Absoluto. dos conflitos naturais que opõem os grupos entre si.para além do quadro empírico dos Estados Nação e das novas sujeições que eles segregam .exposto nos Princípios da filosofia do direito (1821) .assegure a todos os indivíduos a possibilidade da autonomia. ou seja. iniciado com Marsílio de Pádua e os legalistas. quando da publicação da Fenomenologia do espírito. A história universal: o Estado racional A obra de G. o movimento que.é um momento do desenvolvimento do Saber filosófico. Desde 1806. Kant retoma aqui o projeto nascido no século XVIII de uma "sociedade dos espíritos". F. já que considera que o Saber sobre a política . impõe-se progressivamente a necessidade racional de uma paz universal e oe uma sociedade de nações que permitam aos indivíduos "serem legisladores e sujeitos num reino de fins". o filósofo de Berlim reitera a perspectiva aristotélica. Qualquer que seja nossa opinião sobre esse julgamento e sua validade. Hegel julga que "os tempos são propícios" à conclusão e à realização da ambição metafísica. Assim. o projeto de instituir uma sociedade que . se analisamos Hegel nesse ponto .o começo do fim da história.como "tarefa infinita" ao conjunto da humanidade.e insistente. com a diferença decisiva de que não recusa de nenhum modo a idéia do Saber Absoluto. Prosseguindo seu objetivo de construir uma "filosofia popular". o pensamento político de Hegel é realista: quando Platão constrói a Cidade ideal não faz mais do que confessar a incapacidade em que se encontra a Cidade real para superar suas contradições.se re-encontra. o retorno do cidadão à sua própria subjetividade. até de rea cionária. Ora. o conceito .a quem freqüentemente se atribui a invenção do pretenso método dialético . a vontade de liberdade e de racional idade do homem.No segundo momento. na Filosofia do direito. Ora. esse estatuto da cidadania e do Estado é o da época contemporânea. o qual se interroga sobre o fundamento do exercício do direito abstrato e descobre que ele é a origem do mesmo. a não ser no plano ideal. em sua imediaticidade. na Filosofia. na mediação de sua participação na família. tanto quanto possível. . inicialmente. o sujeito moral experimentando sua fragilidade . examina a sucessão dos Povos que encarnaram. Hegel . a apreensão dos traços característicos da filosofia da história que ele elaborou precisamente como realização e superação do projeto metafísico. por um lado.substância imutável . na Filosofia do direito. O que o Saber filosófico pode fazer é mostrar como o Estado deve ser conhecido. exige um retorno até o sujeito cognoscente.monarquista. "apoIítico". o Estado objeto da pesquisa . .supõe o conhecimento da técnica de exposição elaborada por Hegel. e. que o realiza. . a contingência dessa realidade.dos metafísicos clássicos pelo Devir do qual a humanidade é o sujeito. em si: assim. Todavia.na ótica hegeliana . por exemplo. em suas manifestações empíricas. alimentada por uma informação considerável. . é o produto de um passado que a fez ser o que é. como instituição judiciária que visa à eqüidade c.No terceiro momento. de absolutista.é especificado: sua filosofia da história.Essa se impõe.exteriorizase num ato que constitui o real. · No que se refere à exposição.não deixa de repetir que não existe outro método além do "movimento da própria coisa".pune os delitos e os crimes. em sua época.reconhecendo sua abstração . seu caráter puramente fenomênico. Como se vê. por numerosos comentadores que acreditam seguir as pegadas de Marx . quanto aos diversos teóricos do direito . a fim de facilitar a assimilação do novo e poupar assim aos homens. que forma uma representação ou um conceito que tem a função de inteligibilidade. ou seja. da atividade profissional e das exigências políticas que essas implicam. essa não nasceu do nada: é um resultado. com os meios que lhes eram dados e com suas invenções singulares. por outro. as extremas violências. reconhecendo-se doravante como ser cuja existência se efetiva no e pelo Estado. como cidadão. A novidade profunda do hegelianismo é substituir o Ser . esse devir . como realidade fenomênica independente.apresenta-se ao cidadão "ingênuo". o laço de sangue .é assegurada pelo princípio que a governa: a busca do lucro máximo e a concorrência.forma.sua força de progresso qualitativo e quantitativo . oposições entre as diversas profissões. consumo . .que. Todavia. Sociedade civil e Estado Como o Estado moderno deve ser conhecido? A maneira "imediata" de ser da existência coletiva é afamília. antagonismos entre os ricos e os pobres. da posse dos filhos. cada um em seu tempo.. beneficiando a "civilização material" da coletividade e estimulando sua energia. Essa: imediaticidade é abolida e ultrapassada no trabalho social. Propriedade que assegura a subsistência e a progenitura constituem o substrato da existência social. Todavia. em alemão .não parecem ser suficientes. sua realidade está no patrimônio. Essa se manifesta como fato "biológico" . a inadequação dos direitos positivos em uso e a vontade histórica ainda pouco enraizada de substituí-los por novos direitos.a conquista de mercados estrangeiros e a colonização . A manutenção das contradições é inelutável: rivalidades entre indivíduos no interior de uma mesma profissão. Hegel não pensa que a auto-regulação do mercado (com a qual contava Adam Smith) desempenhe um papel. um sistema. Esses antagonismos podem atingir um tal grau que ponham em perigo a unidade da coletividade. no sentido estrito. que engendra uma vontade constante de melhoria."sociedade burguesa". o que assegura a sobrevivência natural. Leitor de John Locke e dos chamados economistas clássicos. As soluções que a sociedade civil -realiza graças a seu próprio movimento . Esse é o princípio necessário que garante a unidade da coletividade: a potência plena que emana de suas . quer se trate da propriedade. eles testemunham. ou. simplesmente para os pobres. que ele designa com a expressão Sociedade Civil .de produção. Desse modo. no sentido de que cada um dos seus elementos remete a todos os outros. Hegel ana lisa as atividades profissionais ligadas à divisão do trabalho como elementos constituintes de um domínio próprio. . A sociedade civil em seu tríplice aspecto .e como relações afetivas. distribuição. significa também.. deve-se reconhecer a significação e o alcance da soberania do Estado.natural. para uma coletividade territorial dada. é preciso notar. A dinâmica dessa totalidade . o Estado hegeliano é uma monarquia onde o monarca está submetido às mesmas leis que todos os outros cidadãos e onde o governo de fato pertence a uma administração racional e técnica que se supõe ser competente e devotada à coletividade. é preciso que ele seja efetivamente encarnado por governos que dispõem da força da Razão. Todavia. torna-se necessário que seja conhecida (e "praticada") em função de sua essência. depositário empírico da soberania. segundo Hegel. ao absolutismo real (que reinava na Prússia) à democracia representativa e às combinações entre essas formas. ou da vontade popular que designa seu representante. o qual. Ora. governantes e governados não sabem o que ele é. ou do direito senhorial de conquista e de uma relação de tipo protetor/protegido. Para que o Estado seja tal. o teórico genial que tentou mascarar as . não é o que ocorre. para que ela atue em função do que é. Desconhecem que a capacidade de arbitragem só pode pertencer à Razão em ato.decisões e a sacralidade (laica) das leis que ele edita transformam-no no árbitro dos conflitos da Sociedade Civil e no senhor das operações diante das ameaças que provêm do exterior. que existe apenas como projeto. depositária do interesse universal do todo social. Essa soberania é. Compreendem-no como urna força coercitiva que resulta ou da Providência Divina. Para reduzir as coisas às suas dimensões empíricas. ou seja. como o supunham Alexandre Kojeve e Eric Weil? Não será. a superação de todas as contradições e o reino da transparência. que é o fim da História. Hege opõe o Estado onde o poder executivo. seja designado por via hereditária. de resto. Ao direito divino. que se delineia sobre o pano de fundo do saber racional: Pouco importa que o monarca. Hegel descreveu em sua essência o Estado moderno até nossos dias. por definição. já que a realidade do poder pertence ao corpo de funcionários. será por eles discutido com os representantes dos 'interesses profissionais nas câmaras consultivas a fim de fazer com que universalidade e particularidade convirjam tanto quanto possível. Esses têm como missão impor um programa de interesse universal racionalmente calculado. da qual deve surgir o Estado mundial. A implantação de um regime. Hegel prevê uma sequência de conflitos internacionais de extrema violência. Embora a necessidade da história tenha produzido o Estado como princípio de unidade. Razão e Liberdade: a particularidade em que os Estados ainda se encontram imersos. antes. subsiste um obstáculo importante à essa plena realização que reconciliaria. como o queria Kant. onde a autoridade administrativa e legislativa é exercidas por funcionários recrutados em função apenas de sua competência. deveria permitir a cada um realizar-se como cidadão livre.' Entretanto. na falta de critérios precisos. uma idéia certamente já presente nos pensadores do século XVIII e em Hegel.enquanto representação política que implica o fato de que as populações que constituem uma sociedade no mesmo território reconhecem-se como pertencentes essencialmente a um poder soberano que emana delas e que as expressa -. ou como um ato desastroso que nenhuma reação conseguirá jamais corrigir inteiramente. o imaginário político. mas que irá doravante desempenhar um papel decisivo. surgido certamente com a Restauração Inglesa de 1690. quaisquer que sejam suas diversidades e novidades. quem. graças . onde as segundas intenções políticas raramente estão ausentes. poderá jamais afirmar que uma Nação se constituiu para sempre? De qualquer modo. As revoluções americana e francesa: doutrinários. Sobre a "data de nascimento" dessa realidade nos diversos países. o Estado-Nação constitui o quadro obrigatório da existência social: ele é arealidade política por excelência. há numerosas discussões (e. partidários e adversários As discussões relativas ao momento de emergência do Estado-Nação cruzamse em parte com as que tratam da importância dessas duas séries de eventos. é preciso voltar atrás e interrogar essa experiência e os textos partidários. o que é certo é que o Estado-Nação . programáticos ou críticos dos que participaram dos eventos. discussões confusas). ela é objeto de debates históricos. a ponto de caracterizar toda a política moderna e contemporânea: a de nação. Ela se alimenta em particular. tende a considerar "1789" ou como o ano I da era da liberdade. As páginas anteriores mostraram que a idéia do Estado como potência soberana no mundo terreno encontra sua origem na Europa Medieval. 1. Para captar mais precisamente o devir dessa forma de Estado no decorrer do século XIX e analisar as tomadas de posição e as concepções do poder que ela suscitou. em torno da qual sc organizam os atos históricos. Afirma-se prazerosamente que a República é a forma normal de acesso à independência de uma colônia que reivindica sua emancipação nessa época. o episódio 1789-1794 seria tal tão-somente na medida em que permitiu. E esse Estado-Nação é ainda hoje a trama do mundo político.contradições da sociedade burguesa. desde 1790. como o julgava Marx? O que é certo é que ele é o pensador mais rigoroso e mais profundo dessa forma histórica que é o Estado-Nação A doutrina política de Hegel aparece como a teoria rigorosa do Estado em sua acepção moderna. De resto. em função dessas opções. Essa visão simplificadora é aparentemente enriquecida pela ótica à qual a submete o marxismo: decisivo. Doravante. Uma idéia se impõe. quando ela é ainda "realista"). Quanto à primeira identificação da nação nesse ou naquele território. afirma-se fortemente com a Revolução Americana de 1776 e com a Revolução Francesa (e. para essa. da experiência histórica fornecida pela Revolução Francesa e pelo Império Napoleônico que dela derivou. que os colonos não têm nenhuma representação na Assembléia que decide sobre seus problemas.Embora liderada por políticos realistas.Nos momentos de seu desenvolvimento. é importante sob múltiplos aspectos: -. ela legitima a secessão que realiza remetendo-se a princípios políticos aplicados pelo Reino Unido c sublinhando. forças que. . Se é verdade que a sociedade do fim do Antigo Regime e a da Restauração se assemelham em numerosos pontos. radicalizadas. classe última. na Declaração de Independência (1776) e na Declaração dos Direitos (1787). Entretanto. enunciaram a doutrina dos Direitos do Homem e empreenderam um combate do qual dificilmente se pode negar que teve efeitos originais a partir de então. o desenvolvimento do capitalismo e a formação do proletariado. Dirigida contra a coroa inglesa.como se o Estado fosse o "criador" da Nação -. devidos aos atos e aos pensamentos dos homens. que levou à fundação da República dos Estados Unidos. para se justificar. seria conveniente que pensadores políticos e historiadores recordassem não apenas a complexidade e a diversidade das vontades e das forças que intervieram durante a década revolucionária. em particular a da "insurreição sagrada". ela vale-se prazerosamenle. ela não deixa de insistir sobre o papel motor das instituições na instauração da sociedade nova . supondo-se um desenvolvimento próprio das instituições. mais forte e mais profundo do que os abalos frequentemente infelizes ou criminosos. das noções assimiladas da doutrina dos direitos naturais de John Locke. querendo prevenir-se contra essas abstrações que são os "começos absolutos". essa recordação é frequentemente ligada a considerações que têm por efeito minimizar o alcance histórico e ideal das ações empreendidas e dos textos produzidos nos anos 90.após Tocqueville . Significação da revolução na América do Norte A rebelião dos colonos de origem britânica. . isso se deu precisamente porque houve restauração e essa .ao acesso ao poder da burguesia. qualquer que seja o modo pelo qual se julguem esses efeitos.tal como muitos aspetos da política do Diretório. as "viradas da história" e as "etapas necessárias". . se terminasse por subscrever uma espécie de "quietismo histórico". em particular. do Consulado e do Império – teve como objetivo se contrapor às forças de liberdade postas em movimento desde o Renascimento.a profunda continuidade que une as sociedades francesas pré e pós-revolucionárias. . Diante dessas reduções. A. E tudo se passa como se. destinada a realizar o fim da história mediante a instauração do comunismo. mas também . assim como. a aliança entre as preocupações a curto prazo e o desejo de fundar uma potência de tipo novo. Sua brochura O que é o Terceiro Estado? (publicada em janeiro de 1789) teve . no interior. pelo menos até a queda de Robespierre. A imagem da Nação está fortemente implantada na representação coletiva. menos como expressão da vontade popular do que como um jogo devidamente controlado de instituições representativas. de legitimar seus atos políticos e de proclamar as razões de seu empenho. E. definem os contornos de uma espécie de nacionalismo institucional. Uma primeira tomada de posição significativa é a de Sieyes (1748-1836). apresenta-se como detentora do segredo das liberdades. do Diretório e artesão do golpe de Estado que abriu a Bonaparte o caminho do poder. por trás dessa vontade de demonstração. ela constitui ao mesmo tempo um modelo e um exemplo na luta contra uma sujeição ilegítima. É contra esse pano de fundo que irão se apoiar as forças políticas que. no exterior. entre os poderes locais e a autoridade federal. esboça-se o projeto de uma mobilização universal contra os senhores que oprimem injustamente os povos. Poucos regimes. A "boa consciência" dos insurrectos de 1776. a sociedade francesa é rica e numerosa. tiveram como esse uma tal preocupação de legitimar sua ação e de anunciar a "boa nova". do direito de usufruir sua propriedade e os frutos do seu trabalho. e a ação centralizadora da monarquia contribuiu bastante para reforçar tal imagem. de escolher as instituições e os magistrados que lhe convenham. concebe a democracia. É significativo que. seus pontos de vista ao mesmo tempo egoisticamente utilitários e idealistas. A despeito das carências da política monárquica e da pobreza endêmica de uma parte da população. para além da definição dos programas e do enunciado dos textos legislativos. e. . expansionista e segura de si.Enquanto tal. por ocasião da reunião dos Estados Gerais do Reino. que. A publicidade das idéias é considerada como uma arma contra o inimigo declarado: a tirania. em julho de 1789. membro da Assembléia Constituinte. mais ainda que os colonos da América. para a coletividade. A revolução na França: a nação contra a tirania A situação é bem diferente na França. provocarão os primeiros grandes abalos. desempenhará um papel capital no desencadeamento das insurreições que levarão as colônias espanholas e portuguesas da América do Sul à independência. travada em nome da igualdade natural. para cada um. da liberdade de empresa e. Ela influirá nos atos iniciais da Revolução Francesa. os promotores do movimento tivessem tido. entre os costumes da vida rural e os desejos de entrar no concerto do mundo industrial nascente. da Convenção. que doravante será característico da República norte-americana.esforçando-se por manter constantemente o equilíbrio entre a tradição puritana e a novidade republicana. A indubitável realidade na qual Sieyes se baseia é a Nação: ela é um dado anterior a qualquer ato político ou legislativo. com efeito. mais geralmente. Trata-se. O exercício da soberania nacional passa pela implantação de uma Constituição que defina os órgãos da legislação e do governo. emanam todos os poderes. sem a representação intelectual dessa entidade que é a Nação. de designar o ser de razão em torno do qual se organiza o combate pela liberdade e pela igualdade e contra o arbítrio e os privilégios. Devem ser afastadas todas as tentações da democracia direta.é a parte viva do reino. não conseguem pertencer ao todo. a encarnação do povo no corpo do Rei é substituída pela representação na Nação nos corpos instituídos. Da Nação. que agrupa a imensa maioria da população que . caso em que lhe deve obediência. iguais.se quer ser eficaz . para ele. Mas a Nação não poderia reinar como tal. independentes. É mesmo conveniente que se desconfie do mandato particular. essa é autônoma com relação àquele. Num e noutro caso. é feita de indivíduos. que limita o poder do deputado às prescrições dadas pelos mandantes. o poder constituinte .deve obedecer a um princípio: o da representação. os indivíduos são impotentes e incapazes de resistir às operações de sujeição tentadas por bandidos e charlatães. Sem essa vontade. trata-se de fazer prevalecer uma vontade. Aspectos dos juízos contemporâneos sobre a Revolução na França . diferentes uns dos outros. É nesse sentido que a Nação é soberana. livres. com o fim de constituir o poder nacional.uma influência determinante nos primeiros momentos do pensamento revolucionário. que só se realiza na medida em que liga sua vontade à dos outros membros do conjunto. os que não querem renunciar a tais privilégios. sua metafísica é pobre e só intervém na medida em que justifica o ponto de vista político adotado. a plenitude dos direitos naturais. . e também um convite a eliminar a coletividade. que ela é una e indivisível. a não ser politicamente. Todo indivíduo é um cidadão potencial. Em suma. mas unidos por necessidades comuns à natureza humana e pela vontade. de viverem em conjunto. é nessa condição que ele pode participar utilmente da elaboração da vontade nacional. "O Terceiro Estado é tudo": a abolição dos privilégios é um convite aos que. do Terceiro Estado. e suas concepções da instituição republicana marcaram profundamente a redação das Constituições e dos códigos da República e do Império. Ora. Sieyès não se embaraça nem com a história nem com a sociologia. as autoridades judiciárias que realizarão e garantirão a liberdade e a igualdade dos cidadãos e. por seu nascimento. Sieyès é um liberal (mostra-se profundamente apegado à salvaguarda das liberdades individuais em face da autoridade governamental) que desconfia da democracia. que levam à desordem e à impotência. O Estado emana da Nação e a representa.com exclusão dos privilegiados . O ser real da Nação é o Terceiro Estado. A boa representação é a que concede um mandato geral ao eleito. como a sua vontade de legiferar de uma vez por todas. que não depende de nós e que só podemos apreender com referência à tradição. Ele o condena por ser o fruto da Razão abstrata dos filósofos. em ação de retorno. Esse membro do Parlamento britânico. infra. A atitude de Edmund Burke (1729-1797) se destaca pela sua firmeza. e o inglês Thomas Paine (eleito deputado à Convenção). Decerto. pouco tempo depois. reações nacionais. A) e Hegel. lentamente forjada pelos ancestrais e graças às nossas próprias vicissitudes. Todavia. Colocando como objetivo o estabelecimento da liberdade e da igualdade universais.o conhecimento que os homens têm da natureza é função de suas experiências. cap. que condenam o empreendimento revolucionário sem apelação. 2. e porque ele se ligou a pessoas e não a princípios. III. Fichte (cf. que só pode engendrar desordem e violência. as regras às quais devemos nos dobrar são as da . Mas é precisamente forte o sentimento que temos de que há uma realidade. isso ocorre porque ele aprendeu no curso dos séculos a implantar instituições diversificadas. na Alemanha. em vez de reivindicar a liberdade em geral. Na opinião dele. aristocrata irlandês liberal. que garantem as liberdades compatíveis com a ordem e a obediência. se excetuarmos Kant (cf.Os dois primeiros anos da Revolução foram saudados com entusiasmo pela grande maioria da intelligentzia européia conquistada para as idéias da Idade das Luzes. Uma Constituição "fabricada" pela reflexão é inoperante: o contrato sobre o qual se funda uma organização social sólida e equilibrada instaurou-se progressivamente por uma lenta maturação. supra. que defendeu os direitos dos católicos da Irlanda e legitimou a insurreição dos 'colonos da América. a idéia de natureza sobre a qual Burke se apóia carece de clareza: dela fazem parte tanto considerações teológicas -depende da incompreensível Providência Divina como referências empíricas . no curso da qual se revelaram os benefícios do bom senso c da virtude e do uso bem regrado da liberdade. a hostilidade: o nacionalismo pregado pela República suscita. cap. Burke denuncia com vigor as pretensões centralizadoras da Constituinte. das quais a evolução de Fichte é um sugestivo testemunho. os patriotas franceses voltam as costas para a natureza. Se o povo inglês é hoje um povo livre constata Burke -. que leva a recusar como ineptos e perigosos os projetos que procedem por decreto e que especulam com uma meta física da humanidade. II). esse entusiasmo não durou muito: as vitórias militares do exército francês e o Terror provocaram um recuo geral e. publicou já em 1790 suas Reflexões sobre a Revolução na França. moral legada pela tradição. a qual. lugar comum do pensamento britânico desse período. a obra de Burke testemunha uma visão aguda da falha que seu caráter doutrinário representou para a Revolução Francesa. Mas foi durante esse período que a Nação passou a ser tomada como tema de análise e de reflexão. não é coisa de que qualquer um possa se ocupar: o tempo e a experiência segregam em cada época uma aristocracia que sabe calcular a política conveniente ao bem-estar da coletividade. expresso nas obras literárias e nos sentimentos e movimentos populares. o que pertence à concepção política e o que resulta do espírito da época. Do nacionalismo filantrópico à ideologia conservadora da Nação A orientação característica do pensamento de Michelet reaparece. Jeremias Bentham (1748-1822) não tardará a elaborar uma teoria da pena e da instituição carcerária. capo X). Os textos que a tomam como objeto pretendendo teorizá-la -são eles mesmos muito disparatados no que se refere aos tipos de provas a que aludem: Hyppolite Taine.. instaura em nome da segurança de todos e do respeito às liberdades privadas de cada um uma técnica de vigilância generalizada. A despeito dessa sabedoria um tanto ou quanto limitada. não é tão metafísico quanto Fichte? E a história de Treitschke não é tão romântica quanto a de Michelet? As concepções aqui evocadas visam a mostrar a diversidade e a importância do tema do nacionalismo. tanto os contestários quanto os conformistas. nela. sob diversas formas. Na mesma ótica. quanto ao governo.. O nacionalismo na Europa A ideologia nacionalista. Pois o conservadorismo do moralista se alia sem dificuldades aparentes com o sentido do útil. como Michel Foucault mostrou (cf. que se quer positivo. e que foi erigida em argumento destinado a justificar um tipo de poder. É difícil distinguir. que alimenta tanto os partidários quanto os detratores da Revolução. infra. nas . é bem anterior ao século XIX. decerto. Ela explícita uma crítica bem mais pertinente do que a pesada teoria da história providencialísta administrada por Joseph de Maistre (1753-1821) em suas Considerações sobre' a França (1796). tanto os arautosda liberdade quanto os nostálgicos da autoridade. ou do que as estranhas Considerações sobre a Revoluções (1797) de Chateaubriand (1768-1848). divididas entre as fidelidades monarquistas de seu autor e a atração que sente pela idéia da liberdade! 2 . Essa situação favorece o desenvolvimento . porém cada vez mais consciente de sua força.como uma primeira etapa no sentido da fraternidade universal dos povos da Europa. os ancestrais) e da moral do sacrifício.nações submetidas a dominação estrangeira. urna psicologia dos agentes da .no qual intervêm freqüentem ente considerações religiosas e sociais . tal corrente apela para a Razão e para as virtudes clássicas. os movimentos eslavos que rejeitam ao mesmo tempo a submissão aos Habsburgos ou à Sublime Porta e a tutela do Tzar. Acrescentam-se a isso os riscos de guerra constituídos pelos empreendimentos de libertação efetuados pelas nações européias ainda mantidas em estado de dependência. O representante francês mais típico desse estado de espírito é Hyppolite Taine (1828-1893).em particular na França. Taine felicita um crítico por ter compreendido que sua história é. de nacionalismo.de um outro tipo. os eventos europeus dos anos 1848-1849. e. Esse nacionalismo é reacionário . que inevitavelmente os opõem uns aos outros. Sua análise das Origens da França contemporânea (18751893) pretende estar a serviço da ciência: considera os atos dos homens como' produtos de um estrito determinismo. e cujos pontos de vista internacionalistas se afirmam. mas também na Alemanha e no Reino Unido . Todavia. o fracasso das revoluções democráticas e "nacionalitárias". dominante nessa segunda metade do século XIX. que era uma combatente pela unidade da Itália liberta do jugo austríaco.e. de fato. envolvidos em crises econômicas. nascido do desenvolvimento da ordem industrial e das reivindicações de uma numerosa classe operária. que conduziria a excessos. deplora o infeliz episódio da Revolução. confirmam o duplo conflito que ameaça o equilíbrio europeu fundado na Santa Aliança dos Estados: conflito interno nos países "avançados". demodo mais geral. que interrompeu o curso normal da evolução. que apela para os valores da tradição (a família. todos os que se inspiram nas Declarações de 1787 e 1789 e no princípio da soberania nacional entendida como soberania do povo. na França. para conservar o que existe e para denunciar a anarquia que resultaria de qualquer mudança que não fosse cuidadosamente controlada. da renúncia e da obediência. miserável. f: esse mesmo sentimento .em A Santa Aliança dos Povos (1849) . Giuseppe Mazzini (1805-1872).que guia os patriotas poloneses e húngaros. concebe essa luta . desconfiando do romantismo. e conflito entre os Estados mais poderosos.na sentido etimológico . por exemplo. a terra. Essa exaltação da Nação corno substância da vida coletiva inscreve-se facilmente na corrente de pensamento positivista e evolucionista. Taine explica . as crenças. entre outras coisas. Munido desse método. delineia-se aqui: uma imagem que irá encantar a direita. Renan também compartilha com Taine uma profunda aversão pela massa e por todas as políticas que apelam para a democracia direta.o meio: as tradições.a raça: ou seja. o conjunto das circunstâncias que desencadeiam a ação.. doravante. origens e opções – como uma elite depositária da essência superior da Nação: ela é . Se o determinismo que regula as questões humanas não é aparente. e estabelece. historiador de bela erudição. as instituições que modelam Os indivíduos. erige em leis deduções abstratas operadas a partir de coleta de exemplos. .no sentido estrito do termo .o momento: isto é.e pede o seu reerguimento. Uma outra imagem da pátria.por sua cultura.história. Com Taine. a uma investigação fisiológica e química. a Nação se imobiliza numa rede de determinações. Todavia. o sufrágio universal e a espontaneidade popular. isso ocorre porque as causas que nelas interferem são complexas. sua pregação moral se organiza em torno do tema A Nação como princípio espiritual (discurso de 1882). mentor algumas vezes solene. cuja sobrevivência e expansão devem ser o objetivo de todas as vontades. é prevenir-se contra a "demência" que viria perturbar essa rede de causas e efeitos. a ciência positiva tomou o lugar outrora ocupado pela religião. . ele retira ensinamentos políticos.. O importante. que existem caracteres nacionais. portanto. Renan teme a decadência da França . e especifica que a investigação psicológica se reduz. Como Taine. Nessa perspectiva. Renan ama os matizes e não se recusa a modificar seus pontos de vista. no mesmo espírito. Essa direita se considera . é possível distribuí-Ias em três elementos: . O primeiro e mais seguro é que o governo é um problema de saber e que é preciso estabelecer um sistema que permita às elites competentes calcular boas decisões e implantar uma educação da população que a previna contra a tirania de um só e contra a tirania de todos. eclético tanto no que se refere aos objetos quanto aos modos de argumentação. e é ela que ilumina a moral. Essa mesma preocupação do cálculo adaptado às circunstâncias que lhe faz temer a potência centralizadora do Estado. Todavia.cuja derrota de 1870 seria um sintoma . Inteiramente oposta é a atitude desse outro mestre da República conservadora que foi Ernest Renan (1823-1892): ensaísta. os hábitos mentais. tem em comum com Taine a idéia de que. Dessa psicologia histórica determinista. então. por seu turno.a Revolução corno produto de agitadores de cérebro doentio. de Barres a Maurras e aos herdeiros da "Action Française". o conjunto de caracteres biológicos transmitidos hereditariamente. como alma do território. PUF. na literatura. grosso modo. versão nitidamente mais pessimista. como Estado liberal: o liberalismo político é sua filosofia dominante. o país. Podem-se distinguir. para tomarmos o exemplo mais significativo. O caso Dreyfus (1894-1895) irá permitir que ela se afirme como racista. que reclamam o "direito de subjugara minoria" (Mélanzes. na política. Uma versão mais ou menos otimista.. tanto sobre a autoridade que pretendesse governar pelo despotismo quanto sobre as massas. As concepções liberais dominantes pretendem resolver principalmente a "questão política". mas a evitar o excesso de despotismo que um tal advento corre o risco de promover. por conseguinte. na filosofia. na ordem interna. decerto. Jean Touchard. o Estado-Nação se constitui mais ou menos por toda parte. A. entendida essencialmente como o problema das relações entre o indivíduo e o Estado. as tendências numa mesma época e num mesmo país" (d. 1959). por liberdade entendo o triunfo da individualidade. considera o advento democrático como inelutável e tenta preconizar métodos destinados.xenófoba e radicalmente antidemocrática. A outra. Benjamin Constant: o liberalismo contra a democracia É impossível afirmar de modo mais preciso que o indivíduo é" o princípio primeiro e que é preciso defendê-lo duplamente: "Defendi durante quarenta anos o mesmo princípio: liberdade em tudo. na religião. ilustrar do modo mais exemplar essa segunda versão. na indústria. é o caso da solução buscada por Benjamin Constant (1767-1830). enfraquecendo a autoridade do Estado e impedindo o advento da democracia de massa. condenando num mesmo opróbrio o bárbaro estrangeiro e o povo ignorante. considera que a aplicação de certas "receitas" institucionais pode subtrair o indivíduo do despotismo. Histoire des idées politiques. é preciso encontrar os mecanismos institucionais destinados a impedir esse duplo perigo. pode-se perceber a presença de uma dupla preocupação essencial: o indivíduo deve ser protegido. ao mesmo tempo. 2. e. " . dois tipos de solução. Qualquer que seja a diversidade dessas doutrinas "de acordo com a época. não a impedir. O liberalismo político No século XIX. contra o Estado e contra as massas. 1829). coube a Alexis de Tocqueville (1805-1859). seja simplesmente para passar seus dias e horas do modo mais conforme a suas inclinações e fantasias. que a autoridade é mais ou menos obrigada a levar em consideração" (ibid. a questão política moderna é colocada menos em termos de legitimidade do que em termos de exercício da autoridade. é o direito que cada um tem de influir na administração do governo. se se quer. o direito de ser submetido apenas às leis. seja para professorar o culto que ele e seus associados preferirem. os atos. em examinar as contas. inclusive de abusar da mesma.. . para um antigo. monárquica ou de outro tipo. Os modernos só podem sentir aversão por essa concepção.. de dispor da propriedade. como uma cláusula de estilo. seja para discutir seus interesses. É o direito que tem cada um de emitir sua opinião.. várias partes da soberania inteira. nem morto. mas de modo direto.ser livre "é. De . legítima para os antigos. em votar leis. Mas. seja pela nomeação de todos ou de alguns funcionários. concorda Constant. seja mediante representações. mas inútil e perigosa para os modernos. Finalmente. admitiam como compatível com essa liberdade coletiva a completa sujeição do indivíduo à autoridade do conjunto.da liberdade.o povo é soberano? Sim.]. em deliberar na praça pública sobre a guerra e a paz. mais indivíduos. em pronunciar sentenças. O objetivo dos modernos é a segurança nas fruições privadas. a gestão dos magistrados [. demandas. iludidos pela "eterna metafísica do Contrato social”. em firmar tratados de aliança com os estrangeiros. de escolher sua Indústria e de exercê-la. para cada um.]" (Sobre a liberdade dos antigos em comparação com a dos modernos.[de modo que]. ao mesmo tempo em que era isso que os antigos chamavam de liberdade. Desse modo. entre os antigos. Benjamin Constant insiste nessa oposição decisiva: · O objetivo dos antigos era a partilha do poder social entre todos os cidadãos de uma mesma pátria. Pouco importa ao indivíduo que se afirme que a soberania é popular. já que para um moderno . de um ou. Era isso que eles chamavam de liberdade. 1819).. o indivíduo . e eles chamam de liberdade as garantias concedidas pelas instituições a essas fruições.). de não poder ser nem preso. de ir e vir sem para isso obter permissão e sem prestar contas de seus motivos ou movimentos. · Pois a liberdade.quase sempre soberano nas questões públicas – é escravo em todas as suas relações privadas [. nem maltratado de nenhum modo em decorrência da vontade arbitrária. consistia em "exercer coletivamente. É o direito que tem cada um de se reunir a outros indivíduos. só é soberano aparentemente. pois "os cidadãos possuem direitos individuais independentes de qualquer autoridade social ou política. O triunfo da individualidade marcha paralelamente ao enfraquecimento da autoridade estatal. Os indivíduos pobres cuidam eles próprios de seus problemas. assim como nos demais. contanto que deixasse a cada um o direito de preferir os atalhos"). Popular ou não. cujo Contrato social é o mais terrível "auxiliar de todos os gêneros de despotismo". aquele em que repousa a confiança de Constant. pelas afeições. e toda autoridade que viola esses direitos torna-se ilegítima". aos olhos de Benjamin Constant. pela independência dos indivíduos. Temos aqui a história das nações antigas e das nações modernas. que deseja que seus fruições privadas têm mais valor para ela. Benjamin Constant se bate pela liberdade de imprensa com ardor ("os censores estão para o pensamento como os espiões para a inocência"). pois esse lazer é indispensável para a aquisição das luzes. as mudanças operadas pelos séculos. desde que a autoridade do Estado seja limitada. "no ponto onde começam a independência e a existência individual. No domínio econômico e social. É Locke contra Rousseau. evidentemente. não implica nenhum mandato imperativo. e reclama a tolerância em matéria de religião ("a religião é como os grandes caminhos: gostaria que o Estado os mantivesse. Ela deve pôr sobre todos esses objetos uma mão mais prudente e mais leve".. mesmo nos Estados mais livres." Sistema que.fato. pára a jurisdição da soberania". Prolongando as considerações de Sieyès. exercida em todos os domínios com reserva: "Os progressos da civilização. os ricos contratam intendentes."entre os modernos. é evidente que só a . E essa aparência lhe basta. Um tal sistema implica logicamente. Será preciso encontrar ainda um sistema que permita combinar essas características da liberdade com as da soberania popular? O melhor sistema. e que "o assentimento da maioria não basta absolutamente em todos os casos para legitimar os seus atos". a única soberania legítima é uma soberania limitada: pois "nenhuma autoridade sobre a terra é ilimitada". a condenação de qualquer forma de sufrágio universal: o sufrágio deve ser restrito. Ora. mas que repousa numa procuração dada "em branco" a um certo número de homens "pela massa do povo". o indivíduo independente em sua vida privada. ele ignora que. é o sistema representativo: "O sistema representativo não é mais do que uma organização com cuja ajuda uma nação encarrega alguns indivíduos de fazer o que ela mesma não quer fazer. Benjamin Constant desenvolve uma ingênua astúcia: a condição necessária para o exercício político é o fazer. impõem à autoridade um respeito cada vez maior pelos hábitos.. o príncipe é "um ser à parte. admiti-Ios a título de hipótese. encarregam-se disso. Benjamin Constant segue Montesquieu. ´ Vamos. ou da teoria do conhecimento (Max Raphael. mas acrescenta uma contribuição original: o poder do rei não tem por que governar. e isso porque ora se trata de elaborar nada menos do que uma nova concepção global do mundo. ou da ciência da sociedade (Antonio Gramsci). democrata e dialético aberto. os ministros. O monarca constitucional é um "poder neutro". senhor finalmente de seu instrumento época e em suas circunstâncias políticas. Pois o que espanta.na condição comum.propriedade assegura esse lazer: "somente a propriedade torna os homens capazes do exercício dos direitos políticos Resta assegurar a distribuição de poderes no vértice. O Marxismo de Marx e Ellgels O tema que Lenin recolheu de Friedrich Engels. portanto. e. para a luta revolucionária do movimento operário. romântico. é ao mesmo tempo a diversidade dos temas tratados. Remi Lefebvre).. para outros. o equívoco profundo do projeto de conjunto. que bsse pensamento tendo extraído a quintessência desses três elementos . segundo o qual o pensamento de . Tentou-se muitas vezes unificar esses textos e esse projeto sob o signo ou de uma ontologia científica (a ortodoxia stalinista. ora mais modestamente . por QUlrO. economista. e que não pode jamais entrar . com o objetivo de extrair .e um Mau adulto para uns. a todas a paixões que essa condição faz nascer e a todas aquelas que a perspectiva de nela se encontrar alimenta incessantemente no caso dós agentes investidos de um poder momentâneo".soube integrá-Ios num conjunto coerente. como o faz Lenin. introduzir uma "periodização'" entre um Jovein Marx . por conseguinte. ou da moral (Maximilien Rubel). ills~guro . da sociedade e do homem. pretendeu-se.Marx possui três fontes (a filosofia alemã. garantia dos limites da soberania. seguindo o próprio Engels). para outros. contanto que: não se infira dele. quando lemos as milharesde páginas de textos redigidos por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Mas á diversidade e o equívoco dos textos resistem a tais circunstâncias. Com efeito. poder ativo. ou da economia política (Karl Kautsky). que só tem como interesse a manutenção da ordem e a manutenção da liberdade. fIlósofo. superior às diversidades de opinião.de contribuir. através de pesquisas teóricas. positivista e já Jogmático. ou da ciência da história (Louis Althusser). por um lado. 2 . não é falso. inacessível. e.e não ainda "marxista" . a economia polílica inglesa e o socialismo francês). e.para uns. dos níveis de intervenção e das técnicas de argumentação. tal como ele a concebe. assenhoreou-se do poder de Estado para manter sua exploração econômica e sua dominação política. Dessa análise. Sob esse aspecto. e de que as decisões de tais camadas. servem para o fortalecimento do poder delas. mas o que o constitui é o fato de . ocupam nela um lugar preponderante. isso decorre do fato de que ele não levou absolutamente em consideração a dinâmica dessa sociedade.livremente da análise dos textos os temas principais 90 pensamento de Marx e Engels. etc. Da crítica do Estado burguês à. pela consciência. Hege1 não viu que. -. na vida econômica . compreendendo a sociedade civil como domínio da luta pelo lucro e apresentando a propriedade e o trabalho como dados inelutáveis do processo histórico. a dinâmica da sociedade civil. em consequência disso. tanto na Prússia como na França c no Reino Unido. Sob esse aspecto. Se o hegelianismo não conseguiu explicar a sociedade moderna.pela religião. os últimos discípulos liberais de Hegel foram expulsos das universidades. a Ideologia alemã e as Teses sobre Ft!lIerbach (\845-1846) marcam um novo progresso: pode-se definir o homem de múltiplas maneiras . Ele "esqueceu-se" do fato de que as camadas politicamente dirigentes.é fundamental. Hegel não fez mais do que hipostasiar uma situação de fato: a situação de sociedades onde a minoria da população. O realismo de Hegel o levou a apresentar como necessidade da Idéia lJ que não é senão um momento da história e a congelar essa no estágio da dominação burguesa. A. prometendo para o futuro a satisfação universal como resultado da "mundialização" do Estado assim concebido. o que se' passa na sociedade civil ou seja. Instituindo o Estado-funcionário como instância suprema de decisão e como Razão em ato. definição do ponto de vista materialista Quando. longe de estarem separadas da sociedade civil. o jovem Marx extrai igualmente uma consequência metodológica decisiva. pela linguagem. a burguesia industrial e mercantil e os proprietários fundiários. independentemente do fato desse pensamento formar ou não um sistema. condena industriais e proprietários fundiários a buscarem o lucro máximo e a exercerem uma violência incessantemente crescente sobre trabalhadores das cidades e dos campos. pretensamente tomadas em função do interesse geral. Frederico Guilherme IV subiu ao trono da Prússia. em 1840. A importância que Marx confere aos dinamismos materiais das sociedades. Desde 184b. ligada ao desejo de ir além das teorias abstratas do Estado. o encontro com Engels .' Somente no interior desse contexto é que aparecem claramente a significação das idéias. conhecido pelo nome de materialismo dialético. Marx e Engels entraram em contato com os movimentos revolucionários parisienses: . mas que jamais se preocupou com problemas de ontologia geral. ele se documenta sobre a situação do proletariado das cidades e dos campos e sobre as lutas que essa classe empreende para combater a miséria e a sujeição às quais está reduzida.\'. De ambos esses pontos de vista. quando se tenta tornar inteligível uma sociedade dada e suas transformações. na Natureza. e que nele se encontram resolvidos ideal mente os conflitos terrestres que dilaceram as sociedades reais.e a leitura do seu livro A situação das classes trabalhadoras na Inglaterra (1845) foram eventos capitais. as teorias políticas. é bem posterior. particularmente em A essência do cris-o tiallismo (\840).desaprovou seu amigo Engels quando esse resolveu escrever a Dialética da natureza (1873-1883). Mas ele não soube ir suficientemente longe: não apenas a religião. meios ideais para resolver idealmente as contradições terrenas. do Pensamento. mas elas são .industrial de formação . da História. a dominação sócio-política que nela se exerce e os mecanismos que essa dominação utiliza. a filosofia. e.. leva-o a tomar duas direções: por um lado. as relações econômicas que nela se estabelecem. e que a construção do sistema global do Ser. é preciso deixar claro que nenhum texto de Marx expõe uma doutrinafilosófica materialista. que forja materialmente seu mundo a partir do dado natural. por outro.ele ser o único animal que produz e reproduz suas condições de existência.produtos dessas contradições. empenha-se em pôr em evidência os mecanismos econômicos que governam a sociedade atual e que estão na origem das crises e dos conflitos que a abalam. devem-se analisar as condições materiais de existência dessa sociedade. O filósofo alemão Ludwig Feuerbach (\804-1872) compreendera bem isso quando. que ele realmente não .em sells conteúdos . a ideologia em geral são. São respostas a tais contradições. em suas tornla. mo:>lrou que o universo religioso não é mais do que a transposição imaginária do universo profano. da arte e do Homem. Para encerrarmos esse tema. Desse modo. Nem por isso deixa de ser no essencial . radicalizar sua ação e organizar dois congressos sucessivos.foi substituído peta fórmula: "proletários de todos os países."os Centros de Correspondência Comunista" -. associação que agrupava os exilados políticos e os operários alemães da Europa Ocidental. ao mesmo tempo. que publicaram em 1848 sob o título de Manifesto do Partido Comunista. cujo centro era em Londres. Esse texto representa umcompromisso entre diversas tendências. Também se manifesta nele o equívoco que será levado até o fim pelo que já é o marxismo de Marx e Engels. Essa Liga decidiu.ou seja. O slogan da Liga dos Justos "todos os homens são irmãos" . unam-se".a luta de classes é o motor da história. Reencontram-se nele os temas da luta de classes e da missão do proletariado. . que reunisse todas as forças da Europa decididas a pÔr fim à exploração burguesa. adquiriram a convicção de que a classe operária é a ponta de lança da revolução que se tornara indispensável por causa da incapacidade do poder burguês de controlar as forças tecnológicas e sociais que pusera em movimento. acreditavam em poder deduzir das hesitações e dos fracassos do movimento sindical inglês (o trade-unionismo) e da divisão dos grupos revolucionários na Europa Continental a ideia de que é indispensável forjar uma teoria geral da revolução fundada na análise da situação económico-política. tendo como objetivo a fundação de uma Liga Comunista. A fim de aumentar sua audiência. Mas. cuja função seria a de pôr em contato os diversos grupos europeus que trabalhavam pela emancipação do proletariado e de. Um exemplo permite medir a dimensão desse equívoco.sses". em 1847.ficaram dececionados com os intelectuais e interessados pelas formações operárias nascentes. a partir dos textos e das discussões que emergiram do Congresso. Desse modo. em suas duas primeiras partes a expressão do pensamento de seus dois autores. um manifesto. agir no sentido de uma revolução democrática e abolir a propriedade privada. transmitir aos operários em luta informações sobre os combates travados em outros países. e são especificadas as noções constitutivas do materialismo histórico. Decidiram fundar em Bruxelas um organismo . Depois de uma breve preliminar. Marx e Engels foram encarregados pela Liga de redigir.l Esse enunciado pode ser entendido de duas maneiras: . o Manifesto afirma: "A história de toda sociedade até nossos dias foi a história da luta de cla. aderiram à Liga dos Justos. o princípio ontológico explicativo do devir das sociedades. . decerto. e esse conjunto define um modo de produção. amplamente desenvolvida por Engels mais tarde. durante certo tempo. "Não é a consciência dos homens que determina sua existência. que passa por etapas sucessivas. . é sua existência qUe determina sua consciência" (ibid. O princípio de explicação. O modo de produção domina em geral o desenvolvimento da vida social. politica e intelectual. eventos a partir desse ponto de vista. o enorme abalo que se produz então na base material. ao contrário. . é o sujeito da história. A história poderá registrar. necessárias. cujo elemento motor é a dinâmica das forças produtivas. De certo modo. é exposta por Marx no Prefácio a Contribuição à crítica da economia política (1859).) A crise anunciadora de uma revolução aparece quando as relações sociais (e as formas jurídicas e políticas que a sustentam) reveIam-se um entrave ao florescimento das forças produtivas. um modo de produção é dominante. e serviu como Legitimação para as diversas dogmáticas desenvolvidas no século XX sob o nome de marxismo. o devir possui. é legítimo abordar o estudo de toda sociedade e de toda configuração de. Sobre essa base. Em cada época. mas a concepção de conjunto é a mesma: há um devir uno de uma humanidade una.que é evidentemente a dominante no Manifesto -. Ela considera toda sociedade como formada por uma base (ou infra-estrutura) econômica. e por Hegel e Augusto Com te. mas. "relações determinadas. ela fortaleceu a ideia de que o materialismo de Marx constitui uma doutrina.a análise do presente europeu e o exame do passado de outros tipos de sociedade permitem afirmar que a luta que opõe opressores e oprimidos é o conceito-chave graças ao qual pode-se tornar intelegíveis esse presente e esse passado. "eleva-se" um edifício jurídico e político. a fim de saber se e como a luta de classes opera nos mesmos. na História Universal. e que. por conseguinte. o materialismo histórico é a aplicação técnica de uma filosofia da história pressuposta. "com o rigor das ciências naturais". ela perceberá também seu efeito nas superestruturas ideológicas: "Os homens . ao qual correspondem formas determinadas da consciência social. um sentido e cada etapa é um momento de um progresso que deve levar a um fim da história. independentes da vontade desses homens". cada um desses momentos é marcado pela ação de uma classe progressista ou revolucionária que. da natureza similar à desenvolvida antes por Bossuet. Essa perspectiva. é diferente. que determinam as relações sociais estabelecidas entre os homens.Segundo a primeira leitura . a sociedade comunista integralmente transparente.uma espécie de' fim que é. a humanidade sempre se propõe apenas problemas que pode resolver" Assim. burgueses e proletários se enfrentam diretamente. cinicamente. em 1885 e em 1894. segundo Santo Agostinho. esses textos fervilhantes de reflexões incomparáveis sobre os problemas económicos. Marx viu o que ela implica de esquematismo e de elementos apenas supostos. tal como para Santo Agostinho e para Hegel. já que não pode "se emancipar sem emancipar a humanidade inteira". Exerce a sedução que decorre das visões totalizantes. ao que parece. ou a reconciliação definitiva no seio do Estado mundial. . Por isso. segundo Hegel. com suas etapas dramáticas. seu sujeito encarnado. A conceção é grandiosa. a teoria da civilização mercantil que se encontra na Seção I de O Capital. que deve desembocar em algo . A burguesia capitalista. corresponde na filosofia da história materialista . que é a classe radical. criou seu próprio coveiro: o proletariado operário. A partir do momento em que. Aos momentos de plenitude. pequenos camponeses. E. antes de mais nada. corresponde uma classe que toma cada vez mais claramente consciência da causa de sua miséria e do objetivo a que deve visar sua potência: a abolição da sociedade de classe. Todavia. sem classe e sem Estado. o capitalismo é o primeiro modo de produção a ter provocado uma simplificação da luta de classes:nele. numa sociedade. a mudança do modo de produção e seu efeito político – não tem lugar "antes que relações superiores de produção se manifestem. quando morreu. a Ressurreição da Carne. força avançada de todos os explorados. que decorre de suas propriedades empíricas. Como o sublinha o Manifesto. assalariados de todos os tipos. antes que as condições materiais de sua existência se tenham desenvolvido no próprio ser o da' velha sociedade. seus conflitos. iremos reter aqui apenas o que serve para esclarecer a concepção política de Marx. eles foram publicados por Engels." A transformação revolucionária -ou seja.tomam consciência do conflito (entre as forças produtivas e as relações de produção) e o levam até o fim. . qu~ põe fim à história. no momento 3 Marx. ao mesmo tempo. uma plena realização. O ' trabalho social tem como finalidade a produção de bens: esses se ca-' racterizam pelo fato de possuir um valor de uso. A uma exploração científica. o sujeito último. que foi sujeito da história e classe revolucionária. onde cada um receberá "segundo suas necessidades". deixou em manuscrito os Livros II e lU. respectivamente. há um curso da história. o benetício que os proprietários dos meios de produção retiram dessa extorsão. enquanto a outra parte . e de lucro. Portanto.desenvolve uma teoria dos mecanismos do capitalismo e de suas crises. cuja troca compreendida desse modo . o salário de um dia de trabalho equivale às mercadorias que permitem ao trabalhador reconstruir sua força de trabalho e manter sua família. E isso com o objetivo de aumentar sempre esse último: os Grundrisse descrevem essa sociedade na qual. quando é introduzida nesse circuito. mobilização cada vez mais ampla de massas trabalhadoras arregimentadas na produção. O próprio da civilização capitalista é levar a seu paroxismo a sociedade mercantil e organizar a totalidade da vida social segundo o princípio da produção de mercadorias. a tal quantidade de tecido.re'alizam-se trocas de bens. mas sim dinheiro-mercadoriadinheiro. tudo se reduz a dinheiro: lucros (sob a dupla forma do lucro industrial e comercial e da renda fundiária) e salários. de maisvalia (ou valor excedente). Marx . aparece um termo abstrato . passa logo a ser o equivalente geral graças ao qual a troca entre as' mercadorias se generaliza.nos Grundrisse c ao longo dos três livros de O Capital .produz sempre mais dinheiro. a quantidade de valor extorquido. .que a segunda quantidade de dinheiro é superior à primeira? A habilidade do vendedor ou as flutuações dos preços do merc~do não poderiam ser tomadas como explicação de um fenômeno tão generalizado como a acumulação do capital.comum às duas realidades trocadas . construção de instrumentos de produção cada vez mais aperfeiçoados. corresponde tal quantidade de trigo: esse termo mede o valor de troca. Todavia. é preciso examinar de mais perto a teoria clássica do salário: Adam Smith viu corretamente que o trabalho é uma mercadoria que se compra. A civilização mercantil pode ser definida como a civilização na qual a moeda se torna o principal termo da troca: não mais o ciclo mercadoria-dinheiro-mercadoria.em função do qual. O dinheiro acumulado em capital permite essa extensão paroxística: extração descontrolada de matériasprimas. "mundialização" do campo de ação do capital.é "doada" ao capitalista pelo trabalhador. Marx chama de trabalho excedente essa parte não paga. somente uma parte do trabalho dispendido é paga pelo salário assim calculado. na jornada de trabalho efetuada. A moeda. no qual a segunda quantidade de dinheiro é superior à primeira. finalmente. conserva-se o seguinte enigma: por .que também produz valor . A partir dessa análise essencial. Mas não viu que. A Comuna de 1870 falhou porque não foi suficientemente radical. distinção que remonta à Crítica do Programa de Gotha e Erfurt. Em O Estado e a Revolução. de cada um conforme a sua capacidade. Os erros repetidos das explicações e das tácticas comunistas acerca do falhanço do milénio como passo necessário e inevitável para o respectivo advento. a séculos segundo Lenine) enquanto a fase imediata é de pósrevolução. Lenine acentua os aspectos violentos do Comunismo. não percebeu a acção militar e teve hesitações. § 1.Politicamente. baseando-se no Anti-Dühring. Depois vem luta de classes e . Esta fórmula de Enfantin em1831. é parafraseada por Louis Blanc em 1839 e depois usada por Marx. acabaram por cair no ridículo após a 1ª Grande Guerra. retira dessa teoria um ensinamento decisivo: a luta da classe operária só pode ter como objetivo a supressão dessa extorsão e a instituição de uma sociedade na qual os produtores seriam senhores de sua produção e organizariam seu trabalho de tal modo que o fim da atividade de trabalho não seria a troca . mas o uso. Comunismo O descaminho que levou à revolução comunista apresentou-se como regresso ao verdadeiro Marx. Na fase superior. a fruição empírica. Lenine perante Kautsky tem a mesma atitude de Marx perante os sindicalistas ingleses. Reconquistava-se assim a tensão revolucionária ao nível da acção no reino da necessidade. O contexto táctico da distinção reforça a visão de que o comunismo final é remoto (está a décadas de distância segundo Marx. sendo estigmatizadas por Karl Kraus como o tic-tac dos tác-ticos marxistas. da página famosa da Crítica da Economia Politica. através do reconhecimento de que a revolução socialista ainda não produziu o verdadeiro reino comunista. o trabalho já não será meio de vida mas sim a maior necessidade da vida (Lebenbedürfnis). como se vê no discurso de Genebra em 1908. A insurreição russa de 1905 mostra que a lição fôra aprendida e os Sovietes de trabalhadores e de soldados indicavam a actuação correcta . Lenine faz curta biografia de Marx e depois expôe o Materialismo Filosófico. demonstrando assim como lidar concretamente com o problema da revolução. Pretende uma élite partidária. A URSS é uma união de repúblicas socialistas guiadas pelo partido comunista em direcção a um Estado perfeito. tentou influenciar moralmente em vez de matar. Com as lições ainda frescas da revolução falhada de 1905. não expropriou os expropriadores. a cada um conforme a sua necessidade”.6 O movimento marxista. A visão marxiana aparece em parte na obra de Lenine e nas fórmulas da Constituição Soviética de 1936. quer a concentração do poder e despreza as massas que podem ser compradas mediante vantagens. 1917 Lenine usou-a de modo que se tornou um dos ícones semânticos do comunismo russo.simples meio -. 1875. foi indulgente para com inimigos. O princípio então será. na dialéctica em Engels e Feuerbach e na concepção materialista da história. o comunismo incipiente compensará o trabalho de acordo com a respectiva qualidade e quantidade.7 Triunfo político do marxismo Num artigo de Enciclopédia de1914. § 1. Mas pelo menos lutou. Na fase original da revolução. Após 1890 surgem radicais que já não aceitam o reformismo evolucionista. rejeita a cooperação democrática. Mas Marx abole o problema filosófico da realidade precisamente antes de praticar a inversão. iluministas e anarquistas. Hegel debate se a realidade empírica é apenas um fluxo ou se tem uma ordem. Para Hegel a ideia não é o demiurgo do real.1 Dialética invertida . em todo o universo. Dialética é um movimento inteligível das ideias. Considera que na forma mistificada hegeliana. § 2. E a relevância doutrinária de Estaline consiste em ter encontrado um substituto para o milénio . Os filósofos têm o hábito de questionar a realidade. Hegel interpretava a história dialecticamente por considerar o logos incarnado na história. se poderia ser num só país.1843 que compreendia o problema da realidade mas que preferia ignorá-lo. afirma Marx que “o meu método dialéctico nos seus fundamentos não só difere do dos hegelianos mas é o seu oposto directo”. Ao compreender criticamente o que existe positivamente. vinte anos. (Cf. A injecção de patriotismo no comunismo russo é um apocalipse substituto para massas que não podem viver em permanente tensão revolucionária. Como após o triunfo russo não surgiu o Pentecostes da liberdade. notas à secção 262 de CFDH). O jogo da táctica servia para os dirigentes mas o comum não o entendia. quer na mente quer noutros domínio do ser ou. socialismo e táctica. e o Estado não desaparecia. Não há uma só palavra sobre o “reino da liberdade” e as suas precárias realizações. também implica a compreensão da sua negação e desaparecimento. não inverte a dialéctica: recusa-se sim. tem de discernir entre a fonte de ordem e os elementos que nela não cabem. a dialéctica é glorificação do que existe. Passaram dez. declarava-se um discípulo do grande pensador contra os autores medíocres que o tratavam como um “cão morto”. considerado como de pés para o ar. no sentido de “real” significar o fluxo de realidade empírica que contém elementos que não revelam a ideia.doutrina económica. A intenção marxiana de inverter (umstülpen ) Hegel. como filósofo. se deveria ser expandida no mundo. Na 1ª ed. Lenine e os leninistas recuperaram a tensão revolucionária no domínio da necessidade mas perderam-na ao nível da liberdade. a teorizar. A formulação da questão A dialética da matéria é uma inversão consciente da dialética hegeliana da ideia. Mas a tática do descaminho não desaparece só porque uma paragem táctica foi oferecida às massas. No Prefácio à 2ª ed.a pátria do socialismo. de O Capital. se estaria segura enquanto não fosse mundial. se apenas o seu começo. Na forma racional marxiana “explica a forma do devir no fluxo do movimento”.etc. Sob a designação mais respeitável de “materialismo histórico” ou mesmo “interpretação económica da história e da política” é correntemente aceite e surpreende que o diletantismo filosófico de tais teorias não abale a sua influência maciça. Deste modo. A passagem do tempo obrigava-os a considerarem cada vez mais os acontecimentos históricos como passos tácticos. Trinta anos antes mostrara na Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. e corresponde a processos semelhantes praticados por sofistas. quanto tempo levaria o Estado a desaparecer. 1873. assenta numa incompreensão da dialéctica. surgiu a inquietação. então. Criticara então a concepção hegeliana por não estar à altura de conceito de realidade. A dialéctica da Ideia é a sua resposta a este problema. Em vez de deixar a essência . Após 1917 continuou a debater-se se aquela era mesmo a grande revolução. 3 Especulação pseudológica Então que faz Marx ? Para referirmos a sua “teorização” efectuada com uma linguagem não-teórica. pela mesma razão. as dificuldades deste género são ultrapassáveis pelo simples esquecimento. E Engels louva Hegel que se ocupou da ordem inteligível da história mas aponta-lhhe a contradição entre a lei dinâmica da história e a insistência de que já existe o Inbegriff . Do mesmo modo se explica a incompreensão do problema de Hegel por parte de Marx como-se-fosse deliberada. Não inverteu Hegel porque o material não é a realidade de Hegel nem o seu ideal é a ideia de Hegel. não deixam a realidade em paz nem se conformam que a ordem seja produto do real. Reteve a visão de Hegel de que a história é a realização do reino da liberdade. Que a incarnação do logos seja substitida pela máquina a vapor é . A inversão marxiana é a transformação pseudológica da especulação de Hegel. O marxiano apresenta o filósofo como uma criança da escola que ainda acredita na conclusividade dos sistemas metafísicos. Mas então o marxismo não seria também um dia ultrapassável ? Na confusão em que Engels se move. A realidade hegeliana do desdobramento da ideia é abolida e fica só a realidade empírica como se fosse uma Ideia. Censura a tentativa de interpretar a história como desdobramento de uma ideia que alcançou conclusão no presente. Pelo contrário. A máquina a vapor é a promessa da “verdadeira liberdade humana”. não deve ser usado. Mas para Engels apenas a realidade empírica tem significado como desdobramento da ideia mas sem a conclusão. portanto. A confusão entre realidade empírica e a realidade da Ideia arrasta a dialéctica da ideia para a realidade empírica. extraem-na para sujeito. Hegel compreendeu que a liberdade é a intuição da necessidade. E a liberdade progride com as descobertas tecnológicas. Mas Engels engana-se redondamente ao argumentar que o processo da história. Se quissesse dizer a verdade. Marx estava a atacar a filosofia. “die Prädicate selbst zu Subjekten gemacht”. Engels reconhece que Hegel descobriu que o decurso da história é a realização da liberdade. § 2. não encontra conclusão natural mediante a descoberta de uma verdade absoluta. sem encontrar o problema da metafísica da ideia. um eterno fluxo de Heraclito. Marx era um pouco mais sofisticado.). o total da verdade absoluta. a falácia da gnose histórica: o decurso empírico da história não deve ser interpretado como o desdobramento da Ideia. A vulgata materialista afirma que tudo é disfarce de interesses materiais (económicos. Reconhece. Arrasta-se o significado da ideia para a realidade.como predicado da realidade existente. de facto. a história não é fechada mas permanece processo transcendental. podemos falar de especulação pseudológica. uma teoria aparente apresentada como teoria genuína e que supôe uma filosofia genuína do logos que pode ser pervertida. portanto. Engels deveria afirmar que o fim-da-história imanentista não pára a historia e. por natureza. etc. A liberdade da vontade é apenas a capacidade de tomar decisões baseadas em conhecimentos (Sachkentnnis). Mais do que censurar Hegel.“A necessidade é cega apenas enquanto não compreendida”. políticos. Cem páginas adiante. Os filósofos. esse seria o único modo possível de encontrar uma conclusão para o decurso empírico da história. A falácia desta gnose consiste na imanentização da verdade transcendental. E Lenine. a gnose hegeliana é traduzida em especulação pseudológica. geistigen Vorstellungen.bem um sintoma da indisciplina intelectual de Engels. 2. lembra as posições de Littré. Surgem ainda passagens sobre “ideologia”. utiliza um meio linguístico especial.1 sobre a tecnologia. A fórmula de que a liberdade consiste no domínio do homem sobre a natureza e sobre si próprio. 3 )E finalmente. Há um salto revolucionário para a natureza revolucionada do homem. Apesar de ter dissolvido a existência humana. estabelecendo a realidade empírica como objecto de investigação. Só fica o conhecimento do mundo exterior. Marx só fornece a fórmula de que a consciência é condicionada pela existência. É a destruição da substância humana. foi o homem que fez a história do homem. na qual se conjugam várias tendências da desintegração ocidental. 2) Que tais fenómenos podem ser considerados a partir de uma base da existência. não a substância. Não existe outra ética absoluta a não ser o sistema proletário. burguês moderna e da moralidade proletária. Engels ocupa-se da moral cristãfeudal. A tecnologia revela o comportamento do homem perante a natureza e portanto as concepções mentais. que delas provêm. a matéria. A gnose de Marx-Engels difere da de Hegel apenas por afastar um pouco o fim-da-história. Seria preciso explicar: 1)A natureza dos fenómenos culturais. 1. como afirma Vico. seria aqui necessária uma filosofia da cultura. que se baseia mais em Engels do que em Marx. Um dos defeitos do naturwissenschaftenlichen . Mill e de outros intelectuais positivistas e liberais que são fontes de Engels. não é verdade. KPO pp. do que ir pelo caminho oposto e desenvolver as formas tornadas celestiais.“verhimmelten Formen” fora da relação com a vida. A história dos elementos produtivos é mais relevante e mais fácil que a história das plantas e dos animais de Darwin porque. para abarcar a curta etapa da revolução. louva aquele no artigo de Enciclopédia em1914 sobre Os Ensinamentos de Marx por transformar a coisa-em-si em coisa-para-nós. Como só a forma da conclusão intelectual é de Hegel. o intelecto programático torna-se o portador do movimento. A inversão surge numa terceira fase em que o resultado das duas primeiras operações é construido como uma interpretação dos reinos do ser a partir da base da hierarquia ontológica. Elimina-se o bios theoretikos. Dentro do novo meio de expressão. Para analisar esta tarefa de Marx. tema maior daEndgültigkeit como sistema moral de sobreviver no fim. a destruição logofóbica dos problemas filosóficos. Se isso significa que o conteúdo da cultura mais não é senão luta pelo domínio da esfera económica. será livre. veja-se a nota 89 de O Capital. Em relação à base do fundo da existência. É também mais fácil encontrar o cerne terreno das religiões. 3. por exemplo. nada se inverte. o que é esta base da existência. As revoluções começam na esfera económica e arrastam a superestrutura.lv e ss. Há bastante espaço entre as capas do livro para desenvolver esta especulação pseudológica. Quem conhecer o problema do propósito que causa indecisão.4 Inversão Vimos de que modo o ataque anti-filosófico marxiano. § 2. 31: é preciso um princípio. Marx estava interessado na filosofia pós-aristotélica de Demócrito e Epicuro porque sentia-a. A soberania da consciência e a revolta anti-teística de Marx volve-se. A atitude de revolta efectua-se historicamente mediante a incarnação do logos no mundo.1 A génese do socialismo gnóstico O ponto de partida para o movimento do pensamento de Marx parece ser a posição gnóstica herdada de Hegel. por meio da acção revolucionária. Na verdade. e logo verão o que acontece. Esta semi-contemplação não é muito edificante. A definição da figura histórica como pessoa cujas acções se conformam a movimento da ideia não é receita para se tornar uma figura histórica. Marx era um paráclito sectário no mais puro estilo medieval. A confissão de Prometeus “Numa palavra. Uma vez concretizada a autoconsciência. p. Os deuses são forma real apenas na imaginação e apenas demonstram a existência da auto-consciência humana. A Dissertação de 1840-41 abre o prefácio com um ataque a Plutarco que ousa criticar Epicuro. A forma geral das provas é esta: “Como o mundo está mal organizado. Isto apenas significa que Deus só existe para quem o mundo é irrazoável. contra os sistemas de Aristóteles e de Hegel: de tal modo explicam o mundo que interrompem qualquer avanço ulterior da filosofia. Na prova ontológica. em paralelo com a situação pós-hegeliana. Esta perversão da gnose activa surge com Marx. à experiência de fé. Deus tem de existir”. quando se atinge o impasse de Hegel e a especulação filosófica se encontra “concretizada”. um homem no qual o logos se incarnara e através de cuja acção a humanidade se tornaria o . O desdobramento da Ideia não era acção humana.Materialismus é excluir o processo histórico. mais uma falácia de Marx. E são estas as ideias que abalam o mundo ? § 3. A “necessidade” apontada por Marx era apenas um sintoma da sua revolta demoníaca contra Deus. Sendo impossível o aperfeiçoamento. o ser que é dado é a auto-consciência humana. A cultura religiosa da Idade Média seria da “era da irrazão realizada”. não concebia regressar à irrazão da fé. Levem papel-moeda para onde ele não é aceite. Donde a revolta contra a religião como esfera que reconhece um realissimum para além da consciência. depois. o que um realista espiritual deve fazer. ou é irrazoável. Para Hegel o logos estava incarnado na realidade e poderia ser descoberto pela reflexão do filósofo. O movimento do intelecto na consciência do ser empírico é a fonte maior de conhecimento. os sucessores devem virar-se para a prática filosófica e para a crítica da situação. a crítica radical do mundo e a instauração de novos deuses. Quaisquer demonstrações são logicamente inválidas. é abandonar a gnose e regressar às experiências originais da ordem. O contexto desta afirmação é o debate sobre a existência de Deus. pessoalmente. As religiões têm motivos económicos. Marx sumaria o argumento afirmando que a “irrazão é a existência de Deus”. odeio todos os deuses” é a sentença lançada contra os que se recusam a reconhecer a autoconsciência humana (das menschliche Selbstbewußtsein ) como a suprema divindade. Marx critica pois a história psicologizante que se reduz aos motivos terrenos das religiões. como se lê no Anti-Dühring. A gnose era contemplativa. apenas poderia avançar para a liquidação da filosofia. A mente teórica deve virar-se como vontade para a realidade mundana que existe independente dela. A contradição na base mundana tem de ser compreendida e revolucionada. É esse o facto da auto-alienação religiosa. o espectro de Deus deve ser abatido. mas uma ideia movendose dialecticamente dentro do mundo. Em termos de tradição filosófica. Agora. As circunstâncias apenas podem mudar através da acção humana. Marx leva a cabo o fechamento hermético ou clausura do fluxo de existência prática contra todos os desvios e contemplações e condena tentativas de produzir a mudança social mediante a educação. O “mundo” é o fluxo concreto de história. . A “prática“ de Marx pode mudar o “mundo” porque o mundo é compreeendido como fluxo de existência. A autotransformação é a “prática revolucionária” (3).1. Não existe outro destino senão o social. o logos intramundano é proclamado contra a ordem espiritual do mundo. (Tese 4). A realidade deve ser concebida como actividade humana sensorial (1). Afinal o indivíduo mais não é senão a totalidade das relações sociais. (11. Mas se invertermos parcialmente a ordem. Não concebeu o espírito como um transcendental que desce para o homem.8. um verdadeiro dicionário de conceitos marxianos. A prática tem relevância (es kommt darauf an).receptáculo do logos tal como Comte.3. A pneumopatologia de Marx consiste nesta auto-divinização e auto-salvação do homem. Ademais apenas se pode agir no mundo e não mudá-lo. A vida não tem dimensão pessoal nem dimensão contemplativa. A vida social é essencialmente prática (Tese 8). A grande revolução trará o grande homem. Todos os mistérios que poderiam induzir o misticismo em teoria. e Feuerbach reduziu o mundo religioso à base mundana. A sua auto-consciência divina é o fermento da história. A intenção de incorporar na prática uma atitude só é possível em contemplação. A ideia de um sujeito de conhecimento e de moral distinto de objetos de conhecimento e acção moral deve ser abolida e o sujeito concebido como objeccional. Para Feuerbach. O logos não é uma ordem espiritual.10) compreendemos a especulação . É o meio social que nos confere crenças (Tese 7). Marx critica Feuerbach que dissolveu psicológicamente a religião como construção ilusória do homem mas ainda deixou o homem como entidade individual. mas como a verdadeira essência do homem que se revela.2 Teses sobre Feuerbach Após o estudo do cerne do pensamento de Marx vejamos a Crítica das Teses de Feuerbach. Claro que a função do bios theoretikos é interpretar o mundo e ninguém sério sustenta que a contemplação é um substituto da prática. no qual a ideia se move concretamente. O verdadeiro homem deve ser emancipado das cadeias. e a actividade humana como actividadde objeccional. por exemplo. Mas falta saber por qual razão a base mundana se separa de si própria e se fixa um céu. a prática revolucionária é definida como fluxo existencial em que o sujeito é objectificado e o objecto subjectivado. Mas repare-se que “interpretação” e “mudança” não equivalem a “teoria” e “prática” de Aristóteles. Esta praxis pseudológica é atingida se nos lançarmos ao fluxo.7. Na Tese 6 mostra-se insatisfeito com a dissolução de Feuerbach. § 3. Deus é a essência do homem. Aponta-se o conflito entre filosofia e não-filosofia na tese 11: “os filósofos só interpretaram o mundo. seguimos o curso da pseudo-lógica. encontram a sua solução racional na prática humana.4. trata-se agora de o mudar”. Se estudadas na sua sequência de 1 a 11.6.9. Homo homini Deus. de um espectro que paira sobre a Europa. A libertação da propriedade seria o último acto deste drama. depois pescador. A associação universal de proletários à escala mundial pode quebrar o poder da estrutura actual económica e desenvolver a energia e carácter necessários para a revolução.6 Comunismo em bruto e comunismo verdadeiro A essencialidade do homem na natureza torna a busca de uma essência além da natureza como inessencialidade do ser alienante divino. Como não está limitado (borniert ) por um tipo especial de propriedade. § 3. O socialismo é a auto-consciência positiva da realidade humana sem a mediação da negação religiosa. pp. 3. nada acrescenta às ideias já expostas. Mas é uma obra-prima de retórica.7 Manifesto Comunista. que só deve a existência a si próprio. § 3. A comunidade ultrapassará a divisão de trabalho e cada um poderá subsumir as forças produtivas e desenvolver plenamente as faculdades humanas.3.114-116). O socialismo ou verdadeiro comunismo. Deixará de ser preciso o ateismo como negação de Deus enquanto condição de posicionamento da existência do homem. Onde começa a grande corrente de ser ? Marx proibe essa pergunta! Tais abstracções não têm sentido. (Manuscritos 1844.wahre Kommunismus. é o objectivo da história. Marx queria reter o sistema industrial e abolir a especialização humana. as características do futuro homem socialista estão estreitamente relacionadas com o sistema industrial de produção. Como documento de propaganda. é uma mudança na natureza do homem. ou o homem socialista. não é uma reforma institucional. 1844 pp. é o regresso do homem a si mesmo como ser social. O Manifesto realiza a naturalização do homem e a humanização da natureza. No preâmbulo. Consistirá na apropriação da totalidade das forças produtivas e terá carácter universal. A revolução é necessária para que o homem ganhe autodeterminação e assegure a sua existência.5 O homem socialista Que espera Marx da revolução comunista ? Por estranho que pareça. O novo homem deveria ser um dia poeta. Trata-se um processo mundial. pode subsumir a propriedade em todos. Só é independente o ser que se sustenta pelos seus próprios pés. O homem que não pôe questões é o homem socialista. na comunização dos bens e das mulheres. Ser tudo de todas as maneiras sem ter de ser nada. Este reconhecimento obriga o novo mundo dos comunistas a . o autor fixa a escala do seu pronunciamento. É movido pela inveja e é uma manifestação de selvajeria. o ser-por-si da natureza vai contra todas as experiências tangíveis (Handgreiftlichkeiten ) da vida prática. E embora a ideia de criação esteja enraizada na mente humana. O comunismo em bruto (roher Kommunismus) pretende a propriedade privada geral e o nivelamento social. noutro dia operário. O proletário é o instrumento ideal desta revolução. É um naturalismo humanístico com a solução do conflito entre o homem e a natureza (Ms. que cria a sua própria vida. Sozialismus. O indivíduo total.) O comunismo é uma contra-ideia que visa ultrapassar um estado histórico. etc.125 e ss. Depois o trabalho será transformado em auto-realização. O que os adversários chamam expropriação apenas transforma a situação actual em princípio de ordem pública. porém. O mesmo tipo de argumento é depois aplicado às críticas contra a abolição do casamento burguês. fazendo recordar o orgulho absurdo de Condorcet. derrubar a burguesia. Os burgueses ideólogos juntam-se aos operários. a literatura mundial. criou a produção cosmopolita. E então ? Quase ninguém a possui ! E se os capitalistas a perderem será expropriação ? Não. são seus objectivos formar o proletariado em classe. No começo. a interdependência das nações. sem propriedade nem nacionalidade. o directório irá dar uma “mãozinha”: a arma é o proletariado como classe extra-social. pirâmides e aquedutos. a ditadura do proletariado. Se o capital fôr convertido em propriedade social apenas perde o seu carácter de classe. É o dogma fundamental do partido comunista. A visão da sociedade moderna é ainda mais simplista e maniqueista. religião e verdades eternas. Os comunistas querem abolir propriedade privada. até se conseguir a sua realização plena. A primeira secção desenvolve a perspectiva histórica do comunismo. A história é luta de classes. São a expressão das relações actuais de poder na luta de classes. É a chamada fórmula da vanguarda: os comunistas são a secção mais resoluta dos trabalhadores. As teses comunistas não são pedidos programáticos para mudar a situação. a opressão generaliza-se.clarificarem as suas oposições ao velho mundo reaccionário. Fez milagres maiores que as catedrais. fez o campo depender da cidade. Com a indústria. As ideias comunistas não resultam deste ou daquele reformador (Weltbesserer ). O esplendor da burguesia é. Fornecem a intuição da ordem que está por vir. Como a história não marcha por si. Primeiro. nacionalidade. As teses do comunismo elevam a marcha da história à consciência. há apenas indivíduos que lutam contra a opressão local. Condorcet está presente nesta ideia de um directório que conduz a humanidade. Surgem os renegados de classe devido à desintegração social. porque o capital é poder social. pois refere apenas a burguesia e o proletariado. descapitalizar a burguesia. resulta da actividade comum. o bárbaro do civilizado. Através de . A burguesia nasceu dos servos da Idade Média para conquistar o mundo. Aqui surgem ideias novas sobre a condução do processo político. O resto da secção lida com a exposição e defesa dos objectivos finais do comunismo. revelam a situação e sugerem tendências inerentes ao processo. é preciso centralizar os instrumentos de produção. Os comunistas não são um partido em oposição a outros partidos operários mas representam o todo. aumentar a produção. As associações de operários terão vitórias e derrotas. A conquista do poder será um processo prolongado. conquistar o poder político. O seu papel revolucionário na história foi destruir as idílicas relações patriarcais e feudais. com o que se atinge a época de Marx e Engels. o Oriental do Ocidental. Não têm que estabelecer princípios próprios distintos do movimento proletário. A segunda secção do Manifesto lida com a relação entre proletários e comunistas. transitório porque será ela substituida pelo proletariado em várias fases da luta. organizar a classe proletária. A proletarização crescente da sociedade lança grupos educados no proletariado. na marcha para o reino da liberdade. O que os distingue não é um programa próprio mas o nível universal da sua prática. pelo contrário. Marx louva a burguesia em termos que jamais burguês algum utilizou. a violência de massas deve ser organizada:“Os pedidos dos trabalhadores devem ser sempre guiados pelas concessões e medidas dos democratas”. “Será possível negar Deus e manter a razão ?“ destrói a ordem da alma. a relação do homem com a natureza e a uma filosofia desta relação. Virá então a livre associação em que a liberdade de cada um é condição para liberdade do outro. É a situação da Frente Popular. do juro. A incapacidade espiritual aliada à vontade mundana de poder provoca o misticismo revolucionário. ou seja. §3. Marx indicara que o principal problema não era a conquista imediata do poder mas a aliança com os grupos democráticos que o tinham alcançado. O resultado seria o comunismo bruto. Todos os meios serão bons para manter a excitação das massas. mas a sua liquidação.9 Conclusão Na raiz da ideia marxiana está uma doença espiritual. “Proletários nada tendes as perder senão as cadeias. Rejeita as tensões da existência que apontam para o mistério da criação. A proibição das questões metafísicas acerca do fundamento do ser.8 Tácticas Em 1850. É o único pensador de estatura do século XIX que tentou criar uma filosofia do trabalho humano e uma análise crítica da sociedade industrial. A sua obra principal Das Kapital não é realmente uma teoria económica como as de Smith. Ricardo. O Manifesto termina com o célebre apelo. no Discurso à Liga Comunista. Quer ver o mundo na perspectiva da coincidentia oppositorum. é talvez o melhor feitiço jamais criado por quem queria ser divino. Uni-vos” § 3. Por outro lado. As Teses sobre Feuerbach mostram que o homem marxiano não quer ser uma criatura. Cria um fluxo de existência em que os opostos se transformam uns nos outros. Os comunistas não estão interessados em mudanças na propriedade privada mas na sua abolição. É interesse dos comunistas fazerem a revolução permanente para que a pequena burguesia não fique contente com ganhos iniciais. Na sua construção da história. É sim uma crítica da economia política. até que fosse possível traí-los após vitória futura. O sistema industrial está permanentemente ameaçado por impasses. o poder público perderá o seu carácter político por deixar de ser instrumento de classe. da acumulação de capital. Cento e cinquenta anos após Marx é duvidoso que qualquer escola de teoria económica tenha suficientemente desenvolvido este ponto. O diagnóstico é bom. Está cheia de defeitos nas teorias do valor. a posição de Deus. depois repetida em 1930 e no pós-guerra. a revolta gnóstica de quem se fecha à realidade transcendente. ou seja. Temos de levar a sério este dado para compreender a força e a consistência intelectual desta revolta anti-teista. uma tentativa de revelar os supostos nos conceitos da teoria económica e assim chegar ao centro da questão.intervenções despóticas na propriedade. Mill. o trabalho. promessas ao proletariado e ameaças à burguesia. inutilizava qualquer debate acerca da liberdade humana. não lhes interessam reformas da sociedade velha. Marx concebeu o desenvolvimento das formas económicas numa humanidade . por revoluções adiadas e pela subida do nível de vida. Mas a par desta impotência espiritual há a vitalidade de um intelecto que desenvolve uma especulação fechada. Marx compreendeu que o crescimento gigantesco das instituições económicas num poder de influência determinante da vida de cada pessoa. O mundo fechado em que os sujeitos são objectos e os objectos actividades. a tentação de a tornar socialmente preponderante por pressão económica e por violência. A mudança da natureza humana através da experiência da revolução é um estéril misticismo intramundano. Podemos chamar “magia” à trasladação da vontade de poder do domínio dos fenómenos para o da substância ou à tentativa de operar nesta como se fosse o domínio dos fenómenos. para a sua auto-actividade. De facto. são empiricamente irrealizáveis. A tendência para estreitar o campo da experiência humana à area da razão utilitária e pragmática. o desenvolvimento ocorre em sociedades históricas com vida espiritual. fazem parte de um processo cultural que visa operar a substância humana através de uma vontade planeadora pragmática. Mas o sonho de criar o super-homem que sucederá à criatura divina.abstracta com um apêndice de ideologias. . a tentação de a tornar a preocupação exclusiva do homem. a ideia do indivíduo total que se apropria das faculdades do sistema industrial.