Henrique Del Nero - O Sítio Da Mente

March 24, 2018 | Author: Cássio Gomes de Oliveira | Category: Cerebrum, Human Brain, Mind, Science, Thought


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VERSÂO ELETRÔNICAH ENRIQUE S CHÜTZER D EL N ERO PENSAMENTO, EMOÇÃO E VONTADE NO CÉREBRO HUMANO collegium cognitio O SÍTIO DA MENTE O SÍTIO DA MENTE natureza selecionou, ao longo de milhões de anos, um PENSAMENTO, EMOÇÃO E VONTADE determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma NO CÉREBRO HUMANO série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. Muitos organismos possuem esse sistema especializado na recepção de informação, integração e execução motora, fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. Seu grau de complexidade, no entanto, vai aumentando de acordo com a escala animal. Assim, o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco, e, entre os mamíferos, o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais, um dos números mais gritantes é o de encefalização - medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. Isto mostra que, algumas vezes, “quantidade é qualidade”. sítio (1): S.m. 1. lugar que um objeto ocupa... 3. lugar, local, ponto... 4. lugar assinalado por acontecimento notável...6. O cérebro humano é, basicamente, formado por dois Bras. estabelecimento agrícolaconjuntos de pequena delavoura; células -fazendola. um manipula e processa informação, tal qual fosse um computador; o outro dá sítio (2): S.m. ato ousuporte efeito defísico sitiar; cerco. e sustento. Há na porção responsável pelo processamento, formada pelos neurônios, uma Novo Dicionário da Língua Portuguesa Aurélio Buarque de Holanda Ferreira à memória de meu pai pág. 3 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Prefácio e guia de leitura Para Lucia, Rafaela, Maria Luiza, Marcelo e Luiz Felipe SÍTIO DA MENTE Ciência é algo que muda todo o tempo. Desde a redação deste livro em 1996, houve novas descobertas sobre o cérebro. Sabe-se mais hoje sobre memória, sobre biologia molecular, genômica funcional, receptores, canais iônicos e mais uma lista de tópicos. Novas drogas não cessam de surgir, agora mais velozmente pelo uso de técnicas computacionais que auxiliam a desenhar moléculas mais ajustadas aos receptores cerebrais. Sabe-se mais hoje sobre o envelhecimento, o que pode nos próximos anos auxiliar no tratamento e diagnóstico de problemas como o declínio de memória na terceira idade. Não houve, no entanto, mudanças que justificassem alterar o texto original. Como pretende ser didático e dirigido ao leigo, embora não seja livro fácil, O Sitio da Mente persiste atual. Muitos enfoques meus mudaram desde então. Mais A doença mental, a ansiedade contemporânea, a nova economia e o modo como pessoas e nações lidam com valores éticos continuam a nos desafiar. Rever o texto seria trair seu desenho original. Novas idéias virão num livro em preparação. Não se justifica, no entanto, deixar que o Sítio se esgote. Creio que grande parte de sua informação e de suas previsões justificam sua reimpressão. Ao leitor, peço apenas que não se assuste com o tamanho. Entender minimamente do assunto, sem cair na literatura imensa e enganosa que sai todos os dias a respeito do tema, é tarefa difícil. Leia-o todo, ou em partes, mas não se deixe enganar. O cérebro é complicado; a mente também; o mundo, cada vez mais. Não existe modo de simplificá-los, senão traindo o leitor no afã de vender algo e não visando a formá-lo e fazê-lo pensar. Henrique Schützer Del Nero São Paulo, 21 de setembro de 2002 4 que o dado científico, mudei um pouco a maneira de encarar o papel do acaso no cérebro humano e como a complexidade do cérebro, da mente e do mundo se organizam em sistemas estáveis, porém sujeitos a variados tipos de turbulência. pág. Henrique Schützer Del Nero Nota Nota à versão eletrônica SÍTIO DA MENTE Parte I: FÔRMA CEREBRAL CÉREBROS Cap. 01 20 NEURÔNIOS Integração e decisão. Cap. 02 28 SINAPSE Receptores. Mensageiros. Sinapses alteradas e tratamento das disfunções mentais. Alterações específicas de passagem de informação na sinapse. Cap. 03 40 DEPARTAMENTOS CONCRETOS E VIRTUAIS Departamentos virtuais e comissões que examinam situações ambíguas. A mente como departamento virtual. Divisórias e compartimentos. Mais divisões nos departamentos concretos. Os grandes departamentos cerebrais. A integração de departamentos concretos e o lento surgimento da mente. Inteligência e formação Cap. 04 55 CIRCUITOS E SISTEMAS Cap. 05 77 CÓDIGOS E OSCILAÇÕES Neurônios e codificação. Neurônios artificiais e conectivos lógicos. Processamento temporal. O neurônio e a codificação temporal. Cap. 06 82 ORIGEM DE CÓDIGOS E TELAS Mente e computador: uma analogia. Sobre a origem das convenções que possibilitam sincronismo. Cap. 07 97 SINCRONISMO E FUNÇÃO VIRTUAL Cap. 08 111 pág. 5 Henrique Schützer Del Nero 15 INTRODUÇÃO Sumário 9 PREFÁCIO E GUIA DE LEITURA SÍTIO DA MENTE Cap. 09 119 CONSCIÊNCIA Inconsciente. Freud e o inconsciente. Consciência e evolução. Consciência e linguagem. Consciência: vontade, liberdade e moral. Consciência e terceirização. A consciência e a universalidade dos processos abstratos e virtuais. Consciência e crença. Consciência: supraconsciência e infraconsciência. Consciência e máquinas. Cap. 10 126 CIÊNCIA COGNITIVA E A NOVA MENTE A crise na concepção discreto-digital da mente. A crise da visão da mente como pensamento. A crise das regras. A crise dos símbolos. Símbolos arbitrários e dinâmicos. Símbolos e proposições. Símbolos e intencionalidade. A dinâmica cerebral e a relação entre símbolos e sinais. Investigação de objetos e relações cerebrais. A crise da completude e a dinâmica cerebral quântica. Acaso genuíno ou provisório? Sistemas e modelos híbridos. Outros hibridismos. Sistemas dinâmicos, bifurcações e osciladores. Um modelo de dinâmica cerebral clássica baseado em malhas de sincronismo. Cap. 11 164 DISFUNÇÃO MENTAL Opinião e conhecimento. Cap. 12 220 A MENTE ADOECE Sono. Motivação. Concentração. Memória. Apetite. Fadiga. Libido. Sintomas físicos. Pensamento. Percepção. Irritabilidade e impulsividade. Cap. 13 236 O PENSAMENTO E SEUS DISTÚRBIOS Psicoses. Cap. 14 243 Parte III: A MENTE ALTERADA pág. 6 Henrique Schützer Del Nero FUNÇÕES MENTAIS Subdivisão de funções. Sumário Parte II: FORMA E CONTEÚDO MENTAL SÍTIO DA MENTE Cap. 16 300 ATENÇÃO O sentido extra que corrobora discursos hipotéticos. Patologias da atenção. Atenção e reflexão. Cap. 17 321 LINGUAGEM De novo as proposições. Afasias. Dislexia. Cap. 18 325 PERCEPÇÃO E AÇÃO Percepção, ação e consciência. Anomalias da percepção e da motricidade. Cap. 19 341 MEMÓRIA Memória e traço. Outras classificações para tipos de memória. Memória e código; memória e interpretação. Cap. 20 360 PERSONALIDADE Personalidade e herança. Classificando personalidades. Psicopatia. Personalidade social e axioma coletivo. Cap. 21 376 O SONHO COMO FUNÇÃO Hermenêutica e psicoterapia. Cap. 22 399 23. CONSCIÊNCIA: CONTEÚDO, VIVÊNCIA E FUNÇÃO Cap. 23 410 PATOLOGIAS DA VONTADE Parte IV: A MENTE ORGANIZADA pág. 7 Henrique Schützer Del Nero 263 Sumário Cap. 15 A EMOÇÃO E SEUS DISTÚRBIOS Linguagem e estabilização de significados. Lesão e disfunção. O pensamento poderia ser um meio de redescrever as emoções e a vontade? Formação dinâmica de níveis da vida mental. Desregulagem emocional, afetiva e do humor. Depressões. Transtornos irritáveis e impulsivos. Depressões psicóticas. Depressões leves crônicas. Mania. Ansiedade, pânico, fobia e obsessões. SÍTIO DA MENTE SUCESSO, EXCLUSÃO E SOBREVIVÊNCIA A ciência e a satisfação do consumidor. Cap. 24 418 MERCADO, PODER CENTRAL E CÉREBRO HUMANO Auto-organização e pathos; heterorganização e ethos. Estabilidade e funcionalidade. Cap. 25 432 QUANDO A CULTURA SITIA A MENTE Imputabilidade e culpa. Base neuronal para a vontade. Sujeito público e privado. O lugar da ética. Cap. 26 445 A MENTE EDUCADA Computadores e Internet. Drogas. Alquimias mentirosas: a auto-ajuda e os novos métodos gerenciais. Histeria e costumes. Cap. 27 439 481 pág. 8 Henrique Schützer Del Nero CONCLUSÃO / BIBLIOGRAFIA Sumário Parte V: A MENTE SITIADA SÍTIO DA MENTE A empreitada era grande e não poderia ser feita sem que se escolhesse um modo de exposição. Escolhi a alternativa de dificuldade intermediária, coloquialidade, abrangência, didatismo e repetição enfática, omitindo tecnicalidades excessivas. A intenção foi tornar o texto algo mais próximo de uma exposição oral sobre os diversos temas. Todos os tópicos que me parecem relevantes para uma visão unificada do fenômeno do surgimento da mente a partir do cérebro humano foram inventariados. Mais que isso, tentei articulá-los sob a forma de um esboço de teoria da mente. Essa teoria, que chamarei de redescrição valorada de atos e percepções presumidos, procura mostrar que o cérebro é complexo e não careceria da mente para realizar inúmeras operações de percepção e de ação. Porém, a necessidade de valoração dos atos e percepções, sob a ótica de um discurso de responsabilidade, requereu que se criasse uma versão da ação e da percepção que unifica, através da linguagem e da memória, o fenômeno da consciência. Espraiadapelo mundo, essa consciência constitui a cultura, que retroage constantemente sobre cada um de nós. 9 A mente e a consciência, seu ponto máximo, são misto de cérebro e de cultura. Entender a articulação destes conceitos pode auxiliar numa naturalização de pág. Henrique Schützer Del Nero E ste livro nasceu de alguns episódios singulares. Primeiramente, da falta de texto em português que tivesse a abrangência necessária para introduzir o leitor não-especializado no complicado mundo da mente e de sua relação com o cérebro e a cultura. Segundo, da perplexidade com que nós, psiquiatras, olhamos um sem-número de idéias que são propaladas ainda hoje sobre distúrbios mentais, enganando as pessoas e subtraindo-lhes a oportunidade de corrigir pequenos desvios e reintegrar-se plenamente à vida privada e profissional. Não raramente, esse conjunto de opiniões ignorantes ou às vezes oportunistas sobre a mente leva o indivíduo a procurar tardiamente ajuda médica, o que, além de agravar o problema aumenta o risco de suicídios e agressões. Em terceiro e último lugar, da minha indignação como cidadão diante da perda rápida e progressiva da ética nas relações humanas, seguida de um desejo frenético de sucesso individual, abandonando-se as bandeiras solidárias e fraternas de outras épocas. Isso, ao contrário de ser simples direcionamento da sociedade e da educação, constitui afronta, na minha opinião, à função que a mente teve na evolução humana: o contato com o semelhante constituindo um grupo coeso, forte e preocupado com sua sobrevivência enquanto coletividade. O novo individualismo pode pa- recer boa ciência econômica, mas é, a meu ver, má compreensão da biologia que nos fez humanos e conscientes. Prefácio e guia de leitura PREFÁCIO E GUIA DE LEITURA os programas que gravou na sua trajetória existencial única e seu dever e subserviência para com o coletivo que o influencia. apesar de didática e acessível. No final do livro encontra-se um capítulo de Notas endereçadas ao leitor que deseje maior aprofundamento nas questões. O leitor poderá lê-la com maior pág. e para ele a regra dinâmica de convocação de cada elemento é mais importante que o elemento em si. para compreender a si mesmo na totalidade. Na Parte I. A noção de mente como comitê virtual.Forma e Conteúdo Mental. IV . Daí a possibilidade de reabilitação após lesões cerebrais. sua condição biológica inicial. gerando as fôrmas para que a mente se encaixe. Como há uma grande quantidade de conceitos ao longo do livro. precisa.Este livro está dividido em cinco partes gerais: I . e V . SÍTIO DA MENTE A Parte I é uma das mais técnicas do livro. Prefácio e guia de leitura certos discursos das ciências humanas e na culturalização de certos enfoques restritivos das ciências cerebrais. será uma das principais alegorias introduzidas na Parte I e constantemente usada ao longo do livro. está no cérebro. como o cerebelo. se o estilo cerebral de processamento tem divisões e circuitos mais ou menos claros. . examinar a história da espécie humana. o que fez pensar que o cérebro era um computador de um certo tipo. III . Henrique Schützer Del Nero Plano do livro e guia 10 O indivíduo. e sua posterior caracterização como aparato analógico que dispara códigos de barra e freqüências capazes de sincronizarem. Isto porque. Embora tenhamos um cérebro com divisões concretas. toda vez que se precisar voltar a algum ponto para reavivar algum item.A Mente Sitiada.Fôrma Cerebral. Portanto. misto de cérebro e história. o estilo mental é uma reunião em comitê. Também há no final do livro um Índice Remissivo. O leitor leigo que se inicia agora nas áreas envolvidas deve deixar para consultar essas notas numa etapa posterior. como se fosse um departamento virtual formado de funcionários recrutados de departamentos reais de uma empresa hipotética. a mente surge da reunião dinâmica em comitês de diferentes elementos cerebrais. sob pena de ferir o seu caráter introdutório. mostro como o processamento de sinais elétricos nas células cerebrais é capaz de gerar fôrmas onde vão se encaixar posteriormente as categorias mentais. Examino a concepção de um neurônio digital. em princípio sem lugar fixo.A Mente Alterada. sujeito privado e público. o que não é compatível com uma visão de departamento estanque. II . mas não deve ser confundida com estruturas estáticas. o lobo frontal ou o sistema límbico.A Mente Organizada. Seria impossível colocar seu conteúdo e forma no corpo do texto. deve-se procurar no índice a ocorrência daquele conceito. está em risco. Já nesta parte apresento a ciência cognitiva. pág. No final de cada capítulo haverá sempre um pequeno resumo das idéias mais importantes. O projeto era claro e visava. conferindo ao teólogo Hans Küng. reunido no início de 1997 em Davos. vivência e conteúdo. volto a analisar algumas das funções mentais que merecem destaque na organização de um esboço de teoria da mente: atenção. elege a ética como prioridade em tempos de globalização. A verdade. é que a mente não é só o pensamento. basta considerar um neurônio que dispara códigos de barra. nas últimas décadas. Suiça. apresento três funções mentais.SÍTIO DA MENTE Na Parte IV. mas já firmado há décadas nos centros estrangeiros. percebemos o quanto algumas idéias rotuladas genericamente de neoliberais podem colocar em xeque os cânones de uma socieda- 11 Henrique Schützer Del Nero Na Parte III. Também aqui há o relato de disfunções e exemplos de casos clínicos. fenômeno biológico e não imposição cultural. não se preocupando excessivamente com certas passagens e voltando a elas numa segunda leitura. foi caracterizar a mente como pensamento. tal fosse um computador como os atuais. porém. criando uma cultura de sucesso pessoal e de organização sem interferência do mercado. Para entendê-la. . convém ler as sínteses (resumos) dos capítulos anteriores. procurando nele a base da inteligência. sob a ótica da disfunção: pensamento. A concepção de um neurônio digital que dispara sins e nãos. a emoção e a vontade. emoção e vontade. entre outros. estudo interdisciplinar da mente. Isso pode auxiliar na compreensão de certas passagens em que se faz alusão a algum conceito ou exemplo já apresentado. Prefácio e guia de leitura rapidez numa primeira vez. Para concluir. linguagem. Em lugar de me ater apenas ao exame da função. embrionário no Brasil. O resultado não foi um fracasso. Para aquele que pretender ler o livro de maneira não-seqüencial. procuro mostrar que a mente. dialogando com outros através de freqüências variáveis. Na Parte II. Quando o Fórum Econômico Mundial. Um dos maiores erros dos modelos de mente e de sua base cerebral. entre outras coisas. em que se distinguem três instâncias conscientes básicas: função. fica claramente sepultada. Na Parte V. lançar as bases de uma ciência − a inteligência artificial − capaz de fazer máquinas aptas a processar pensamento inteligente. onde protagonizam a ação e outras funções básicas: o pensamento. esboço uma teoria da consciência. procuro motivar o leitor com alguns exemplos de disfunção específica e com o relato de alguns casos. ao se reconhecer cérebro e não base da ética. a redação de um documento que estabeleça algumas diretrizes a respeito. personalidade e sonho. mas também a emoção e a vontade − todos os três contracenando no grande palco da consciência. percepção e ação. memória. apresento a consciência como palco da vida mental. agora está nos bairros das grandes cidades. Os bons livros sobre a mente e sua análise interdisciplinar jamais são escritos por um só autor. Alfredo Maranca. Paulo Blinder.SÍTIO DA MENTE Agradeço a todos os que me apoiaram nesta empreitada. as ciências exatas porque a análise do código de recrutamento de unidades cerebrais em comitê e o modo como o impulso elétrico trafega pelo sistema nervoso são tópicos que requerem instrumental da física. especialista em termodinâmica e computação. Luiz Barreto de Souza. Entre esses colegas cabe citar José Roberto Piqueira. Há imperfeições originadas de uma característica básica da mente: discuti-la implica visitar três grandes áreas: as ciências humanas porque ali está a biografia de cada um e a análise do indivíduo inserido na cultura. porém. percebendo que algumas escolhas não são tão matéria de opinião quanto se imagina: podem ter no terreno biológico da mente um contraste que permita distinguir o que é certo e o que não é. que me acolheu no programa de doutorado em engenharia eletrônica na Escola Politécnica da USP e que. Se antes essa partição estava na geografia continental. as ciências biológicas porque o cérebro é o órgão que possibilitou que se pudesse pensar em algo como o processamento mental em um tecido físico. Urge repensar a mente e a sociedade. disciplinas necessárias à modelagem de fenômenos biológicos. ameaçada pela partição do mundo em regiões de modernidade e regiões de exclusão e miséria. especialista em filosofia da mente e inteligência artificial. Laszlo Kovács. O objetivo é informar e suscitar o debate. com sua paciência. didática e brilho. especialista em redes neurais. convidando o leitor a fazer um estudo muito mais aprofundado posteriormente. o que poderá resultar em futuras versões corrigidas e aperfeiçoadas. todos eles teriam que fazer uma colagem de seus conhecimentos. embora mais preciso. especialista em redes neurais. Nesse sentido o trabalho aqui deve apenas servir como um inventário horizontal de todos os temas importantes. da matemática e da computação para descrever e modelar. matemático e especialista em lógica fuzzy. me fez entender um pouco de matemática e física. Porém. particularmente a colegas que me sugeriram alterações. . seria menos coeso. Estou ciente de que uma empreitada como a deste livro é cheia de armadilhas. Seria trabalho para vários especialistas. Prefácio e guia de leitura de justa. Ético porque biológico e de preservação da espécie. João de Fernandes Teixeira. psiquiatra e amigo que foi dos primeiros a ter acesso 12 Henrique Schützer Del Nero Agradecimentos pág. para aquele que pretende ter apenas uma visão geral do tema. Mauro Bellesa. O resultado. jornalista e amigo que me tem auxiliado na revisão de inúmeros artigos para a mídia e que colaborou na revisão final do livro. A justiça é imperativo ético e biológico. Nestor Caticha. espero ter conseguido fornecer de maneira didática uma introdução. Agradeço à direção do Instituto de Estudos Avançados da USP que. tem-me auxiliado muito com outros textos que. e Idméa Siqueira. que me auxiliou de maneira substantiva para que pudesse concretizar este projeto. deixando. que me convidam regularmente para proferir palestras de orientação psicológica aos alunos. credite-se a ela cuidar com tanto zelo de meus filhos e apoiar-me tanto. é tarefa passível de críticas e cheia de imperfeições. que fez a preparação do texto. desde 1990. por vezes. ao Anglo Vestibulares. a Rodolfo Vanni que fez valiosa sugestão sobre a capa e a Andrade Depizol que fez valiosas sugestões na revisão. Rafaela. João Alberto e Ronaldo. Agradeço. e Dacio Antônio Castro. certamente de maior valor que a minha. Em 1994 estava num encontro científico nos Estados Unidos e comentei com algumas pessoas a dificuldade que enfrentamos para conseguir fazer vingar uma área interdisciplinar sobre a mente. que editorou este livro. a Maria Cristina Rosa de Almeida. que. Espero que um dia sejam capazes de entender que o que faço faço pelos quatro. o cérebro e a cultura. Lucia. finalmente. João. que estejam representadas pelas figuras de Emílio Gabriades e Nicolau Marmo. Maria Luiza e Marcelo. lingüista que opinou sobre uma versão preliminar. com sua revisão. . particularmente naquilo em que se interseccionam. Agradeço e peço perdão ainda a meus três filhos. um dos grandes físicos deste século. meus irmãos e meu cunhado merecem agradecimento. Yvonne. pela compreensão e infindáveis revisões e opiniões − sempre adequadas por tratar-se de colega psiquiatra. me tem dado a oportunidade de manter um grupo dedicado à ciência cognitiva. que hoje tem quase 90 anos e certamente é um dos grandes cientistas dessa área no século. Schrödinger diz em seu livro “O que é vida” de 1944: pág. pelas horas que não lhes pude dar. inserção SÍTIO DA MENTE departamental com cursos regulares de mestrado e doutorado na área. acabam tendo uma elegância e correção que não tinham inicialmente. Agradeço a Lucino Alves Filho. o pouco que sei devo muito à influência individual de cada um dos cinco. até que consigamos encontrar. porém. como no exterior. sugerindo inúmeras alterações que facilitassem a leitura. 13 Henrique Schützer Del Nero Também meus pais. Marisa. Prefácio e guia de leitura ao manuscrito. em segundo plano sua própria produção. Se algum dia puder dizer que houve valor em minha produção. Fazer um livro completo sobre a mente. virou-se para mim e me entregou a citação que reproduzo a seguir de texto de Ervin Schrödinger. Caçula de uma família que sempre cultivou o estudo. Muitas pessoas ali mereceriam palavra. Karl Pribram. Agradeço particularmente à minha mulher. embora não tenha podido revisar este livro. ” Prefácio e guia de leitura “Herdamos de nossos antepassados o desejo agudo pela unificação do conhecimento. senão que alguns de nós devem arriscar-se. tanto em abrangência quanto em profundidade. iniciando uma síntese de fatos e teorias. com seus quase 90 anos. XX de outubro de 2002 pág. Sentimos claramente que estamos apenas agora começando a adquirir material confiável para soldar todas as partes num todo único. das diferentes áreas de conhecimento nos últimos cem anos nos levou a um estranho dilema. Mas o crescimento.Creio que Pribram tem razão se. correndo o risco de serem tomados por tolos. a despeito de conhecerem muitas delas imperfeitamente e com domínio de segunda-mão e. 14 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Não vejo outra saída para esse dilema. para que não se perca para sempre nosso verdadeiro objetivo. mas. ainda carrega debaixo do braço um texto tão sintomático. . por outro lado. tendo orientado líderes de pesquisa e produzido no melhor ambiente científico do mundo. tornou-se quase impossível para uma única mente comandar mais que uma pequena parte especializada desse conhecimento. além do mais. São Paulo. apenas profetas do arcaico e ultrapassado. “Teóricos”. do conhecimento-produto. mudando o rosto do mundo e exigindo de qualquer um cada vez maior conhecimento de uma série de conceitos técnicos. As descobertas nos deram alto grau de controle sobre os processos naturais. Através dele. fornecendo “explicações” sobre o mundo da mente.porque parciais . porém. produtos de tecnologia atual e “conhecimento” arcaico. Consomem-se. beneficiando-se da ingenuidade com que pessoas. Introdução INTRODUÇÃO . continuamos atônitos com a coexistência de uma tecnologia de última geração na produção de bens de consumo e de um desconhecimento assustador. “Oh tempo! oh costumes!” dizia Cícero. Estranho não terem jamais assento ou platéia na comunidade científica nacional e internacional. de conceitos científicos básicos. os florais. cultores que são da “prática” e embevecidos com a ciência quando ela lhes fornece um telefone celular. ou pelo menos de suas contas bancárias . duendes e outras crendices e magias. particularmente no que tange à vida mental. Ao lado do computador. Aqueles que prescrevem o misticismo e a magia são. Além dos que pregam esse misticismo desenfreado.tanta gente os ouve e compra -. Claramente esses indivíduos preferem o fetiche da coisa pronta. o vendedor de opiniões triviais sob a égide de moderno e científico como best-seller e o cientista com os recursos parcos que sobram.A sociedade. empresas e até governos os tratam. os anjos. sob o rótulo de “científico”. há os aproveitadores que. propiciando avanço e bem-estar. é bem fruto desta época de incerteza e desvario. Esse temor reverencial que provocam pelo “sucesso” de suas teorias. por grande parte das pessoas. podem discutir a última “teoria” sobre vidas passadas ou falar um pouco de seu mundo alienado e facilmente manipulável. sobre o modo de dominá-la para o sucesso ou para o equilíbrio emocional. pág. vendem idéias parciais e erradas .sobre a mente. sobre sua programação. usados como fins. salvo nos congressos de vendas em que propalam a última técnica de otimização mental para vender mais produtos e sair-se bem na vida. aqueles que vendem opiniões e clichês sob o rótulo de ciência e de modernidade são ainda piores. estão os búzios. o tarô. no mais das vezes. quem sabe até da Internet. usado como meio. muitas vezes nutridos pela ignorância e não por má-fé ou busca de benefício pessoal. como de hábito. exclamam esses cidadãos médios ao se referirem à ciência pura. indiferenciadamente. 15 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero T ransformações científicas estonteantes aconteceram nestes últimos séculos. trata o guru como sábio. também implica acatar a bruxaria como explicação da complexidade mental. As relações humanas estão permeadas por valores de uma ciência que gera milhões de fatos novos a cada momento. O fluxo de informação é frenético e tem brutal efeito sobre a mente que o consome. Os grandes sistemas trabalhistas de proteção do indivíduo 16 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Esses dois paradoxos podem sitiar a mente. pág. Introdução Uma explicação geral e completa da mente e de sua relação com o cérebro e a cultura é a única maneira de tentar enfrentar essa época de ignorância e magia. tornando-nos afoitos e ansiosos numa época de novidades e grandes incertezas. . Nesse sentido. taxa de câmbio. Em se tratando de vida mental. é uma das únicas salvaguardas contra a tirania da desrazão. nega a ética nas relações entre seres biológicos e finalmente nega a razão. do pedagógico ao negocial. A velocidade das transformações atuais modifica padrões de vida e de trabalho. é inquestionável a necessidade de fornecer a cada pessoa um conjunto coerente de idéias. como a mente produz a cultura e como essa cultura retroage sobre nós. Primeiramente. A mente capaz de produzir a ciência e o avanço não é capaz de entender plenamente o processo de produção e de consumo. O impasse também se apresenta em outras áreas. do privado ao público. Se o progresso gerou avanço tecnológico. não entender que ética é um fato biológico pode nos fazer erigir uma sociedade em que o lucro e o individualismo se sobreponham à coesão como instrumento de força e sobrevivência. ainda que provisória e imperfeita. juros. emprego. inter-penetrando qualquer domínio − da família ao trabalho. não reconhecer o estado atual da ciência cerebral implica não aceitar o distúrbio mental e seu correto tratamen- to. A Constituição rígida e detalhista parece perder lugar para a decisão jurisprudencial. Em não se reconhecendo gerada no sítio cerebral. a mente nega a ciência. mas sobretudo porque a verdade científica. Também há que se falar da mente contaminada e sitiada por um meio que a afeta todo o tempo. gerou também alguns paradoxos. etc. Não apenas porque a verdade deve sempre prevalecer. A mente está em toda parte. contrapondo-lhe alguma razão e discernimento. não é capaz de concordar sobre o meio de regular oferta de moeda.Vamos trilhar um caminho que nos ensine como a célula cerebral produz a mente. Em segundo lugar. falar apenas do cérebro não será completo. nega o desvio e seu tratamento. Absolutamente não se pode pretender enfrentar alguns dos mais importantes dilemas contemporâneos sem uma visão integrada do que é a mente e de como surge no cérebro. A regulação predeterminada parece ceder lugar ao exame de caso. a apreensão. de bem-estar. continuamos a não saber com certeza como decidir diante de cenários complexos. dialoga em silêncio com sua base cerebral. o medo. miliares ou negociais.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Notas 1. a mente humana. econômicas e políticas. de calma. encontram-se todas sujeitas à interação de agentes mentais. (1996) O Mundo Assombrado pelos Demônios: a ciência vista como uma vela no escuro. a idéia fixa. o se 17 Se a mente é complexa. políticas ou econômicas. Cf. Esses exemplos todos mostram que. . fa- Quando aparecem os fantasmas que nos assolam nas noites mal dormidas − a insônia. jurídicas. aí então há a possibilidade de usar critérios biológicos para dirimir certas pendências privadas e também as sociológicas. reclamando que se dê a ela o remédio para a célula e não apenas o conselho para o ouvido. C. de ponderação e de outras tantas coisas. também o são seus produtos. de reciclagem. As relações humanas. Constitui problema interessante em filosofia da ciência a confrontação entre o verificacionismo e o refutacionismo. então. Quando essa complexidade progressiva não se assenta na hipótese primeira de um sujeito racional. de crença. Essa interação depende muito de processos de aprendizado. Introdução (welfare state) começam a inviabilizar as contas públicas. a par de um semnúmero de avanços científicos. significa unificar o discurso acerca da possível convergência de vários dilemas apontados e de soluções que brotam da constatação de que afinal seu denominador comum é a conjunção das mentes interagentes. a vontade firme que de repente enfraquece − a mente. o desânimo. o pânico. 2. pág. Se o primeiro pode fazer muita coisa ao confirmar previsões de uma teoria. São Paulo: Companhia das Letras. mas de uma razão baseada no sítio cerebral. de treinamento constante. a tristeza que estreita a visão. pessoais ou públicas. gerando ainda mais complexidade. invenção e juízo. criação. e cada vez mais se acredita num Estado mínimo com forte tendência a deixar que o indivíduo se socorra de corporações e de fundos privados para suas aposentadorias e seus planos de saúde. o desapontamento. sabendo de seu situar-se no cérebro. continua refém de múltiplas explicações e “teorias”. Sagan. Porém. complexa. Conhecê-la. A interferência reguladora nestes casos é possível e há uma série de teorias que têm feito por avançar nosso conhecimento a esse respeito. que coordena em última instância todo o processo de decisão. ainda. em lugar de um conjunto de truísmos afirmativos. -Sei que não vou por aí!". é muito mais um método de prescrição de por onde não se deve ir que uma substantivação de soluções já operacionais. as formas mentais sofrem profunda coação da linguagem e os conteúdos mentais sofrem coação da linguagem e da cultura. Henrique Schützer Del Nero diferença de um discurso sério sobre a mente quando. (1985) Antologia. não encontra na razão cerebral sua totalidade explicativa. Embora sejam todas as três oscilações e sincronização de assembléias neuronais. p. A agudeza dessa regra encontra-se também nos versos de José Régio: "Não sei por onde vou. do mesmo autor. K.(1994) Knowledge and the Mind-Body Problem: in defence of interaction. (1975) Conhecimento Objetivo. Porém. Cf. particularmente nos estágios iniciais préparadigmáticos. a respeito da temática geral do livro. se pretender usá-lo como afirmação da verdade da generalização. Não sei para onde vou. O verificacionismo pode. Mais ainda. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira. Cf. Nesse caso se "não-Q então não-P".. exibindo em seguida Q. São Paulo: Ed. O filósofo Karl Popper foi o grande responsável pela idéia de uma ciência que se pauta pelo estatuto refutatório de suas proposições. Itatiaia e Edusp.logo não-P" regra de inferência conhecida em lógica como Modus Tollens. cair na falácia de afirmação do conseqüente. Cf. Se todos os cisnes são brancos e encontro um cisne branco esse espécime em nada me serve para confirmar a sentença geral. a psiquiatria é mais que uma neurologia de função superior. Popper. Portanto a interface mental e suas formas desviadas restringe-se ao cérebro enquanto órgão que implementa códigos mentais. se oferecem regras de delimitação da patologia. Essa afirmação é evitada quando se acompanha "P implica Q" de um "não-Q". Cf. A ciência.18 SÍTIO DA MENTE 3. não-Q. Nota-se a . 50 do Cântico Negro.. O grande desafio é entender a articulação dos três pág. Introdução gundo é o único critério para fornecer situaçõeslimite e experimentos cruciais de desconfirmação de uma teoria ou pelo menos para delimitar seus limites de aplicação. porém. encontrandose na conjunção da natureza que se faz cultura e da cultura que se pode reconhecer natureza. K. Para iniciar o livro cabe usá-la como argumento forte contra a descerebralização da mente. Popper. estarei incorrendo na falácia de afirmação do conseqüente. As fôrmas cerebrais são preparadas de tal forma que se encaixem nelas as formas e conteúdos mentais. O método de procurar a refutação é o que garante cientificidade a uma generalização e estatuto lógico à forma subjacente: "P implica Q. J. Regio. Londres: Routledge. Essa noção de psiquiatria como neurologia de função superior é restritiva. ao afirmar que "P implica Q". a esse respeito Popper em obra citada na bibliografia e outras referências de filosofia da ciência e de lógica. . finalmente. tanto formas quanto conteúdos da mente-linguagem.pág. aquelas ligadas à formação de condicionamentos anômalos que carecem de recondicionamento comportamental. mais ainda. há aquelas que se situam na ordem dos significados. e que. 19 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Introdução níveis e. Pode-se dizer que há três níveis de patologias: as puramente ligadas às fôrmas cerebrais que requerem medicações para sua correção. circunscrever as patologias de cada um. são basicamente tratadas por terapias de base psicodinâmica com graus progressivos de interpretação de significados anômalos associados. em bora também careçam muitas vezes de medicação. Há na porção responsável pelo processamento. entre os mamíferos. uma pág. Isto mostra que. algumas vezes. Assim.1 Cérebros parte 1 . no entanto. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. “quantidade é qualidade”. ao longo de milhões de anos. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo1 cializado na recepção de informação. vai aumentando de acordo com a escala animal.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. tal qual fosse um computador. e.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. um dos números mais gritantes é o de encefalização . formado por dois conjuntos de células . Henrique Schützer Del Nero Fôrmas cerebrais cap. o outro dá suporte físico e sustento. integração e execução motora. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo.um manipula e processa informação. formada pelos neurônios. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. Cérebros collegium cognitio 20 O cérebro humano é. basicamente. Seu grau de complexidade. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. Tálamo 9. Lobo occipital 7. O ser humano apresenta uma proporção bastante maior de massa encefálica (cérebro) do que qualquer outro animal. no entanto. Hemisfério cerebral 3. 2 3 8 6 4 5 12 7 1 11 9 10 cap. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. formado por dois conjuntos de células . algumas vezes. Henrique Schützer Del Nero A natureza selecionou. Assim. integração e execução motora.SÍTIO DA MENTE Muitos organismos possuem esse sistema especializado na recepção de informação. e. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. vai aumentando de acordo com a escala animal. basicamente.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. tal qual fosse um computador. Ponte 8. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. ao longo de milhões de anos. uma Corte sagital de cabeça e pescoço através de Ressonância Nuclear Magnética pág.1 Cérebros CÉREBROS . fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. Há na porção responsável pelo processamento. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. Seu grau de complexidade. o outro dá suporte físico e sustento. um dos números mais gritantes é o de encefalização . Lobo frontal 4. Cavidade nasal 21 O cérebro humano é.um manipula e processa informação. Isto mostra que. Coluna vertebral 11. Medula 10. 1. formada pelos neurônios. entre os mamíferos. Hipófise 5. Língua 12. Cerebelo 2. “quantidade é qualidade”. Mesencéfalo 6. cap. Estas. colocando em marcha. quando se ouvirem sons típicos do predador. aposição de uma articulação). motoras e integradoras. chamadas sensoriais. Algumas áreas. é um tigre. deverão produzir uma outra. tração. pág. de maneira acelerada. a integração burocrática será imediata. captado pelo aparato sensorial e devidamente decodificado. Diante do perigo. vários movimentos. olfato. como o do ser humano. paladar. quando forem vistos pêlos e listas. é que respondem pela origem do que efetivamente nos interessa na constituição do produto chamado mente. são encarregadas de gerar movimentos.De maneira muito resumida. A resposta de fuga ou luta é o que caracteriza os sistemas nervosos mais primitivos. Um 22 As áreas cerebrais dividem-se. uma série de processos que permitam o escape. sejam externos (locomoção. força). audição e tato). Assim. Orquestram-se. assim. Henrique Schützer Del Nero Entre as áreas de processamento da informação sensorial e as áreas motoras. por exemplo o de um molusco marítimo. maior. em sensoriais. sejam internos (por exemplo. encontram-se as áreas de integração. agir sobre o corpo e sobre o ambiente (regular um órgão ou iniciar um movimento que pode ser das pernas ou dos lábios quando se fala) e. Quanto maior o número de departamentos em que esse documento tem de ser examinado. integrar a informação. chamado predador. Quanto mais simples a função que um sistema nervoso tem de desempenhar. mais fácil é coordenar circuitos de tal forma que entre o protocolo e a expedição tenham de ser seguidas instruções mínimas. maior é a etapa que separa o instante do protocolo da expedição final de um parecer. menor é a área de integração. Quando esses mecanismos não produzirem uma resposta motora do tipo fuga. A seleção natural privilegia os espécimes com sistemas nervosos capazes de detectar imediatamente sinais do predador-inimigo e de organizar uma fuga rápida. são encarregadas de processar informações que chegam através dos sentidos (visão. também defensiva: a luta. . muito complexas. Outras. quanto mais complexo. SÍTIO DA MENTE Imagine um animal cujo inimigo natural. finalmente. Quanto mais simples o sistema nervoso. “Fuga” será a ordem que as áreas sensoriais darão às áreas motoras.1 Cérebros divisão clara de funções. entre o receber e o despachar. pode-se dizer que há apenas essas três funções no tecido nervoso cerebral (constituído de neurônios): receber estímulo que vem do ambiente e do corpo (por exemplo. assim. A integração é uma espécie de burocracia saudável que cuida de examinar o recebimento de um documento e seu destino final. o controle de um órgão ou sistema interno). deve haver resposta motora instantânea. as áreas motoras. Também deve suscitar resposta de fuga ou luta. Porém. se algo sair errado. qual o objetivo e qual o plano de ação. desvia a circulação sanguínea para os músculos (retirando sangue da pele e dos órgãos de digestão. Se tigre (A). domá-lo.SÍTIO DA MENTE Pode-se retratar o que foi dito acima da seguinte maneira: se a uma dada situação A no ambiente tenho de dar uma resposta clara B. enterrar os mortos. pág. por exemplo). Sistemas nervosos rudimentares detectam e agem. exal- tar sua coragem e bravura. depende de linguagem. patas salientes. ponderação. O homem é lento e fraco para enfrentar certos animais. mas já não é tanto. drogas e inteligência. é um tigre!”. vender sua pele. dentes e garras a um tigre são processos de análise que competem às áreas sensoriais. A audição detecta variações sonoras. Pode-se armar-lhes emboscadas. há uma árvore logo à direita. profundidades. de sincronização. luminosidades. O olho apenas transmite a informação ambiental para áreas cerebrais de recepção sensorial. diante de um tigre. O mundo da natureza pede respostas rápidas de preservação da vida. então B. a fuga não é fácil.. A comunicação entre esse grupo de pessoas. de comando. estudá-lo. dentes afiados. a integração burocrática deve ser mínima. listas pelo corpo. Os mais complexos detectam sutilezas e agem com maior estoque de ações.1 Cérebros gato ameaçado eriça os pêlos.. colocá-lo no zoológico. não gere apenas fuga ou luta como alternativas. é preciso tomar partido da união de um grupo que saiba o que está fazendo. aumenta a tensão muscular. Essa área é a mente humana. associar pêlos. Porque a visão detecta listas. que mia de um jeito especial. de acordo. no circo. de regra para repartir o lucro. Tudo isso exige um aparato burocrático saudável que. comunicação e estipulação de metas e meios. A lógica da fuga ou luta dá lugar a uma série de estratégias para lidar com tigres. corre ou enfrenta o inimigo. alternativas. Parece simples. cap. Se A. que vai agora avaliar um sem-número de atitudes em relação aos tigres. Para isso. Caracterizar A como tigre é resultado de uma complexa operação de decodificação. ligar A a B. de obediência. lembrar seus erros. decisões. então o sistema nervoso deve apenas integrar. Ali é que deverão se dar 23 Henrique Schützer Del Nero Esse intermediário entre o ambiente detectado pelos sentidos e a ação motora de fuga ou luta passa a ser uma extensa área de integração. mas a lógica é semelhante. Pense: “Estou vendo algo que tem pêlos. prestar-lhes homenagem. enfrentá-los com armas. . então fuga (B). O tigre também é predador do ser humano. Portanto. podem-se fazer muitas coisas com um tigre: prendê-lo. pela esquerda. Não é o olho que analisa tudo isso. bigodes. etc. vem rápido em minha direção. mostra os dentes. Não há motivo para integrar excessivamente a informação. contabilizar o prejuízo e. Associar variações luminosas e transformá-las em pêlos. Além do mais. A informação deve necessariamente passar por alguns departamentos. 24 Imagine agora uma lebre ameçada por um tigre.Um sistema nervoso é um aparato que recebe e integra informações e que age sobre o meio ou sobre o corpo. então fuja (B). temos a complexidade anterior. Não. o animal pode ter uma resposta bem simples. a decisão e a ponderação de que “Se A é tigre. Neste caso. Quanto mais simples o objeto detectado (um choque) e mais simples a ação (retirar um tentáculo). pela esquerda. Cuidado. Podese pensar em “Se A. então B do tipo simples” (se choque. então B”. mais essencialmente simples são os sistemas. temos A (detectar o tigre) complexo e B (fugir) também complexo. fingir que vai enfrentar. Quando uma pessoa entra no mar e seu pé se choca com um molusco. tanto no plano sensorial como no plano motor. Mesmo para que haja a transformação de luminosidade em pêlos e garras e destes em um tigre. a harmonia. de articulações da lebre fugindo fazem da fuga um conjunto de ações motoras complexas. Henrique Schützer Del Nero A resposta pode também ser monótona ou criativa. A isso chama-se conexão “Se A. portanto. Se detectar envolve a análise de fatos sensoriais (variação luminosa + textura + cor = pêlos + bigodes + patas + listas = tigre) e se atuar envolve ações de fuga complexas (fugir pela direita. Se tigre (A). temos o conjunto de complexidades visto acima. com a idéia de que é simples ter um aparato sensorial e um motor e de que animais que não têm áreas de integração são totalmente estúpidos ou desinteressantes. então fujo de várias formas (B´s). Mas a detecção de um tigre é mais complexa que um choque. aquela que define múltiplas opções de ação a partir de uma determinada percepção do ambiente. A. neste caso. e o padrão de fuga de uma lebre obedece a um repertório de ações motoras de uma graça. é o choque e B é retirar o tentáculo. o conceito de área de integração é o de burocracia saudável. Definitivamente. como retirar o tentáculo. então retire o tentáculo). onde será examinada antes que se deflagre a fuga ou a luta. pular com graça e precisão no canto do muro). . A velocidade. rapidez e inventividade incríveis. é preciso haver alguma integração. então temos um sistema nervoso complexo. escolher por onde fugir também. pág. tocando-lhe um tentáculo. cap.1 Cérebros as análises e sínteses necessárias para que se constate ser um tigre o que se aproxima. acrescido de uma complexidade ainda maior que é a integração intermediária. por outro lado.1 Se. o jogo SÍTIO DA MENTE Voltando ao exemplo do ser humano que integra a informação. A análise de A é simples e o padrão de B é simples. não se pode dizer que o fato de detectar e fugir seja tarefa simples. Detectar o tigre envolve integrar várias informações sensoriais. de mansinho. rápido. porém com a variação. a associação da sensorialidade e da motricidade. C. A complexidade é uma propriedade que faz com que. fugir ou associar-se. inventar. 89. cap. arriscar. ponderar. Um exemplo é o da água que ferve. anos depois. uma burocracia enorme e necessária SÍTIO DA MENTE É o conjunto de ponderações intermediárias entre o perceber e o fazer que começa a produzir a mente humana. Quando a temperatura chega perto de 100 graus. treinar. D. por sobre o sistema nervoso complexo (aquele que analisa a complexidade do objeto e da ação) se assenta um analisador-integrador que pode gerar várias respostas diferentes. 39.. a cobiça. pág.). . está por trás do surgimento na vida animal de um tipo de sistema chamado mente. ao aprendizado e aos valores. que vai executar milhões de cálculos e dar milhões de pareceres antes que se decida por lutar. 90 graus e ainda temos água. às vezes D (se une a um grupo de pessoas).1 Cérebros luto de várias formas (C´s). coloco-o no circo (E´s)” e assim sucessivamente. Aumentamos para 36. à emoção. Não é possível gravar de antemão esses programas no sistema nervoso do animal. quando a associação é tal que não só a detecção e a ação são complexas. Um sistema nervoso complexo. gerando uma série de respostas motoras diferentes B´s (fugir pela direita. a cautela.. vá se obtendo. A 98 graus te- 25 Nesse sentido. que ensina. B. tem-se uma complexidade explosiva. pensar. saltos qualitativos. com mente. discutir. Colocamos uma chaleira com água no fogo e a esquentamos lentamente. teorizar. etc. à medida que se agregam quantidades. pela esquerda. variação e necessidade. em certos momentos. cuja função é a integração. Henrique Schützer Del Nero Um sistema nervoso simples apenas detecta A (choque) e gera a resposta motora B (retirar a perna).88. No momento em que tudo isso aparece entre a sensação e a ação. Ele deverá aprender. conceitualiza. à motivação. integra e gera a possibilidade de comportamentos motores A. 37. a renúncia. 38. Esse analisador é o que.A mente surge graças fundamentalmente a três processos evolutivos: complexidade. A 35 graus (Celsius) temos água. A se torna A´s. Um sistema nervoso complexo detecta A (luz + contraste = pêlos + patas) e conceitualiza (pêlos + patas = tigre). acontece um fenômeno interessante. Por isso. às vezes C (luta). são instâncias novas que intermediarão o processo gerando para A (tigre) às vezes B (foge). mas à detecção correspondem inúmeras ações diferentes sujeitas ao raciocínio. A memória que consulta casos anteriores e a linguagem que aprende na sala de aula. etc. despistando. em última instância. detecta. controlando cada grau de temperatura que sobe. monto uma equipe para capturá-lo (D´s). testar e assim por diante. a mente surge quando são muitas as opções criativas e inteligentes de se agir com os dados ambientais obtidos pela sensorialidade. A mente surge exatamente quando essa complexidade se assenta na área de integração. Isso significa que o sistema nervoso humano tem dez bilhões de unidades processadoras (neurônios) conversando por meio de alguns trilhões de conexões (sinapses). Quando o salto criou uma mente (sempre se estão criando protótipos para que a seleção opere). e é isso que está por trás da peculiaridade que aparece nesse sistema: a determinados acréscimos quantitativos (aumento da temperatura de 99 para 100 graus) correspondem saltos qualitativos com surgimento de novas propriedades (água líquida não move locomotiva. bigodes e tigres e subseqüente graça no fugir e no lutar. um neurônio a mais no processo de encefalização pode propiciar num certo instante um salto − como é um salto o que ocorre na passagem de água líquida para vapor −. como água líquida. pondera e escolhe entre milhões de alternativas. pelo fenômeno de “produção” da mente (processamento associativo) num sistema complexo. passamos para a detecção de luz. decide. Acrescentam-se neurônios e o cérebro se faz mente. Cada neurônio conversa com dez a cem mil outros nesse processo. Quanto mais neurônios a natureza foi colocando nos seres vivos. ensina. mas não pára por aí. a água vira vapor − uma mudança radical no panorama qualitativo. O sistema nervoso do ser humano é formado por neurônios. Estava mais apto para criar sobre o meio. aumentamos para 100 e.A encefalização responde. A complexidade permitiu que. pelo simples aumento de neurônios. 26 A água líquida é formada por bilhões de móleculas. Pensa. até finalmente chegarmos a um sistema que integra. Ao se lidar com um sistema complexo (e o sistema nervoso é). de repente. vapor move). o casamento e o medo de morrer. Do retirar o tentáculo após sentir o choque. para se pág. gerando a mente como capacidade do sistema para intermediar saudável e criativamente a informação que vem dos sentidos e se dirige para a motricidade. mas uma das formas mais características é através de sistemas com muitos componentes.1 Cérebros mos água. Não se trata apenas de água um pouco mais quente que antes. assim como o ser humano não é apenas um macaco um pouco mais inteligente. assim. a necessidade escolheu rapidamente este modelo como o do ser humano que chegaria até nós. se obtivessem saltos qualitativos com o surgimento de novas propriedades. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Cérebros. aumentamos para 99 e temos água. cap. Por que complexo? A complexidade pode manifestar-se de várias maneiras. não têm mente. A variação natural criou cérebros mais dotados para o processamento associativo. A complexidade começa. A necessidade de sobrevivência e de crescimento do ser humano elegeu esse sistema como o mais adequado para enfrentar os tigres e a inflação. Cada neurônio deve dialogar com outro para transmitir informações. funções e capacidades. avalia. tanto mais complexidade foise obtendo. Quantos? Dez bilhões. . o acréscimo de células é capaz de gerar saltos no comportamento do sistema. Sistemas nervosos simples costumam não fazer categorizações intraclasse. constituído por nervos espalhados pelo corpo.SÍTIO DA MENTE Cérebros são constituídos de bilhões de neurônios e trilhões de conexões (sinapses) entre eles. pág. costumam-se engendrar diferentes ações diante do perigo. por exemplo. Não estão presentes em qualquer animal inferior. para inventar. Por outro lado. às vezes. Notas 1. não constituindo conjuntos fixos de categorias. surge o processamento Cérebros são regiões especiais de sistemas nervosos. A e B costumam ser representantes de conjuntos de um único elemento. surge a categorização intraclasse. o que redunda em que A´s e B´s são todos os elementos dos conjuntos A e B. No ser humano. . Isso ocorre quando aquecemos água fervendo. Representam a diferenciação e crescimento de uma porção do sistema nervoso. A transição da água líquida para vapor é semelhante ao que ocorreu ao se acrescentar neurônios a um cérebro. a uma dada situação costuma corresponder uma única reação: fugir ou lutar. Talvez a inteligência apenas torne a fuga ou a luta mais complexa. para pensar e para se defender de maneira cada vez menos animal (fuga ou luta) e cada vez mais inteligente (casamento. mais dissimulada. periférico.1 Cérebros comunicar. distinguimos um sistema nervoso central constituído basicamente pelo cérebro e outro. Quando essa integração é muito complexa. menos limpa. Um grau a mais é capaz de fazê-la evaporar. Essas classificações admitem ainda cruzamento e superposição. menos natural e. com a complexidade. cap. sociedade. nação). No ser humano. surgiu a mente. Essa característica não é pré-gravada e depende de complicadas operações de intermediação entre os sentidos e a motricidade. porém. quando dizemos "Se A então B". 27 Cérebros são todos complexos. Embora em grande parte da escala animal já se encontrem sistemas nervosos. Quando se chegou a uma certa quantidade deles. Henrique Schützer Del Nero Síntese mental como um tipo especial de processamento cerebral. Assim. no organismo mais simples. de onde passará para o corpo ce-capítulo2 lular e daí para o axônio). Por meio dela é que a informação que trafegou por um neurônio (do dendrito para o corpo.2 Neurônios parte 1 . o axônio do neurônio 2 se liga a outro dendrito do neurônio 4 e o axônio do neurônio 3 se liga a outro dendrito do neurônio 4. A informação de cada dendrito do neurônio 4 vai até o corpo celular do neurônio 4. O mesmo ocorre com a informação que trafega pelo neurônio 2 e pelo 3. que é a informação que trafegará pelo axônio do neurônio 1 até a sinapse com o neurônio 4.SÍTIO DA MENTE Neurônios Suponha que tenhamos três informações trafegando pelos neurônios 1. o axônio do neurônio 1 se liga a um dendrito do neurônio 4. Essas informações devem ser transferidas para o neurônio 4. collegium cognitio 28 Ali se dá a passagem dessa informação do axônio 1 para o dendrito 4. Quando cada informação passa pelas respectivas sinapses e chega aos dendritos do neurônio 4. Quando chega ao final do axônio. O neurônio 1 recebe informações através de seus dendritos. 2 e 3. cap. Ali ocorre uma decisão pág. Esse espaço entre o axônio de um neurônio e o dendrito de outro chama-se sinapse. do corpo para o axônio) pode ser repassada para o neurônio seguinte (para seu dendrito. através de sinapses. deve ser transferida para o neurônio seguinte através de seu dendrito. Pois bem. tem-se a repetição do processo. Henrique Schützer Del Nero Fôrmas cerebrais trafega pelo neurônio do dendrito para o corpo e do corpo para o axônio. No corpo celular do neurônio 1 há uma “decisão”. sinápse entre os neurônios 1 e 4 NEURÔNIO 4 NEURÔNIO 1 dendrito rito dend o rit nd e d axônio nio 1 do neurô 2 nio axô o i ôn ax NEURÔNIO 2 nio 4 axô 3 sinápse entre os neurônios 3 e 4 sinápse entre os neurônios 2 e 4 NEURÔNIO 3 Fig. b) o corpo celular. Henrique Schützer Del Nero cap. que levam informação até o corpo celular. O número e a complexidade da estrutura de ligação entre eles é que caracterizam no ser humano o sistema que.1) O neurônio básico é constituído de três tipos de estruturas: a) os dendritos (normalmente vários). 3 e 4. A informação Fig. que.1 − Diferentes tipos de neurônios e respectivas estruturas básicas: dendritos. mostramos de maneira esquemática a ligação entre os neurônios 1. além de complexo. envia a decisão final adiante. (Fig.2 − Sinapses esquemáticas entre axônios de três neurônios e dendritos de um quarto neurônio. Graças à lógica de funcionamento do neurônio e de sua ligação com outros através das sinapses.1 Imagine então o que ocorre quando há dez bilhões dessas células arrumadas em uma arquitetura especial e alguns trilhões de conexões entre elas.2 Neurônios NEURÔNIOS . c) o axônio. que reúne a informação vinda dos dendritos. 29 Na Figura 2. 2. corpo celular e axônio pág. faz surgir o processamento mental. após a reunião de informação no corpo celular. a complexidade já se inicia no nível de cada unidade de processamento de informação nervosa.SÍTIO DA MENTE T odos os seres dotados de sistema nervoso têm neurônios e sinapses. que é a informação que trafegará pelo axônio do neurônio 1 até a sinapse com o neurônio 4. como todas as outras. será que podemos dizer que a informação que trafega por cada neurônio é do tipo pêlos. do corpo para o axônio) pode ser repassada para o neurônio seguinte (para seu dendrito. . Essas informações devem ser transferidas para o neurônio 4. Porém. dendrito 3 = listas.. um tigre? Poderíamos pensar. através de sinapses.2 30 Ali se dá a passagem dessa informação do axônio 1 para o dendrito 4. é como se tivéssemos cargas negativas dentro do neurônio e cargas positivas fora. E que todas essas informações. Dentro e fora do neurônio há cargas elétricas. de onde passará para o corpo celular e daí para o axônio). deve ser transferida para o neurônio seguinte através de seu dendrito.2 Neurônios trafega pelo neurônio do dendrito para o corpo e do corpo para o axônio. o axônio do neurônio 2 se liga a outro dendrito do neurônio 4 e o axônio do neurônio 3 se liga a outro dendrito do neurônio 4. É uma célula que recebe informação de outras e a manda para frente. mas suficiente para funcionar como carregador de informação. Como se dá a geração desse sinal elétrico? O neurônio é uma célula que. tem-se a repetição do processo. as coisas não são assim. Esse espaço entre o axônio de um neurônio e o dendrito de outro chama-se sinapse. patas. depois de ponderadas e analisadas no corpo celular. Infelizmente. 2 e 3. Por meio dela é que a informação que trafegou por um neurônio (do dendrito para o corpo. que cada neurônio faria o seguinte: dendrito 1 = pêlos. Henrique Schützer Del Nero Suponha que tenhamos três informações trafegando pelos neurônios 1. Quando cada informação passa pelas respectivas sinapses e chega aos dendritos do neurônio 4. separa-se do meio externo. 2 e 3 − sobre qual informação vai trafegar pelo axônio do neurônio 4 até um próximo dendrito. O mesmo ocorre com a informação que trafega pelo neurônio 2 e pelo 3. Para todos os efeitos. cap. partindo deste exemplo. No corpo celular do neurônio 1 há uma “decisão”. A informação de cada dendrito do neurônio 4 vai até o corpo celular do neurônio 4. Pois bem. dendrito 2 = patas. listas. seriam enviadas pelo axônio na forma da mensagem “é um tigre”. Quando chega ao final do axônio. O neurônio 1 recebe informações através de seus dendritos. Essa corrente elétrica − sob a forma de sinal elétrico − é muito baixa..O que trafega pelo neurônio é corrente elétrica (como é corrente elétrica o que transita no computador e se traduz na tela por palavras ou imagens). que tipo de informação trafega pelos neurônios? Lembrando o que vimos antes. o axônio do neurônio 1 se liga a um dendrito do neurônio 4. pág. numa espécie de sopa que banha qualquer tecido biológico. conjunta − resultante da reunião de informações vindas de 1. Ali ocorre uma decisão SÍTIO DA MENTE Sabemos que o neurônio é a unidade fundamental de construção do cérebro. conectando-se com cada um dos três dendritos (1. de cargas positivas e negativas. é como se o interior do neurônio estivesse negativo e o exterior.SÍTIO DA MENTE + + . que três informações chegam ao neurônio esquematizado. De maneira geral. fica negativo. 2 e 3) através de três sinapses. cap. Suponha. + . patas e listas.-- + + cargas positivas fora do neurônio + Esse processo.2 Neurônios O estado de repouso do neurônio é mostrado na Figura 3. 4). cargas negativas neurônio: dendritos + corpo celular + axônio Fig. .4 − Entrada de cargas positivas e saída de cargas negativas quando o neurônio é estimulado. São impul- pág. normalmente elétrico. olhando para a Figura 6.- 31 Fig. Vêm de outros três neurônios. ocorre na parede do neurônio a abertura de canais que faestímulo elétrico (choque) estímulo elétrico (choque) ---+++++++++++ fora -----------dentro +++ neurônio + - + + Fig. que estava negativo. positivo. ou troca.5 − Esquema de despolarização local. Essas informações não são pêlos. Henrique Schützer Del Nero zem com que as cargas positivas entrem e as negativas saiam (Fig.3 − Distribuição de cargas elétricas dentro e fora do neurônio quando este não está passando informação (estado de repouso). que cria uma região invertida em relação às outras. que estava positivo. Quando há um estímulo. 5). numa pequena região. fica positivo e o exterior. o interior do neurônio. dura um intervalo de tempo pequeno. Com isso. através de três de seus dendritos. mas suficiente para gerar uma corrente elétrica que vai viajar pelos dendritos até o corpo neuronal (Fig. entram cargas positivas. situados respectivamente na posição indicada dos dendritos 1. A foto também é traduzida 32 sos elétricos diferentes. cap. num certo local.SÍTIO DA MENTE --. patas e listas que vão trafegar pelos três dendritos. Henrique Schützer Del Nero Fig.6 − Três correntes vindas de três dendritos diferentes num mesmo neurônio. saem cargas negativas. que continua com o exterior positivo e o interior negativo. aperto os comandos para mudá-la de posição. num local determinado e com uma determinada intensidade (não necessariamente a mesma intensidade do estímulo anterior). elas têm três diferenças: pág. Esse fenômeno é suficiente para gerar três correntes elétricas em locais diferentes. um estímulo elétrico de uma certa força. com intensidades diferentes. 2 e 3. Nem é a foto da minha filha que transita pelo computador. 2) acontecem em três instantes diferentes (por exemplo. 3) acontecem com três intensidades diferentes. Um estímulo o excita num instante determinado (que pode ter uma pequena diferença de tempo em relação ao anterior). Cria-se uma descontinuidade com o restante do dendrito. gera uma inversão de cargas e cria uma corrente que se propa- Podemos perceber que. embora haja três correntes que vão viajar pelos três dendritos até o corpo celular. ga pelo dendrito 1. Esse estímulo abre os canais da membrana. Isso está claro. Ali esses três impulsos geram a inversão das cargas. mas uma corrente elétrica que traduz características da minha voz. não são pêlos. num certo instante. Nem é meu papel que trafega pelo fax. Vejo a foto na tela. porque sei que não é minha voz que é transmitida por uma linha telefônica. No dendrito 3 acontece o mesmo processo. mas uma tradução de cada claro e escuro sob a forma de correntes elétricas. No dendrito 1 ocorre.+++ ++++ impulso elétrico 2 --- den drit o1 ++ +++++ dendrito 2 impulso elétrico 3 o3 d rit end + ++ +++ --.2 Neurônios impulso elétrico 1 . O leitor pode concluir: “Está bem. No dendrito 2 verifica-se algo semelhante. Abrem-se os canais na parede do dendrito. com uma diferença de 1 milésimo de segundo cada uma).+ 1) acontecem em três locais diferentes. em instantes diferentes”. patas e listas. que são transformadas em ondas e enviadas pelo ar. O resultado do jogo é 3 x 2. Pode-se ainda estipular que quem ganha é quem tem menos força. Ou talvez somente possa ganhar quem acertou em cheio. Pode-se imaginar uma regra segundo a qual. Porém. a mãe e a corrente 3. desde que tenha acertado se ganhou o time A ou o B ou deu empate. 1 x 1 diz a mãe. em caso de dúvida. todos a favor. Está claro que o pai ganha. outras correntes são enviadas para a tela.Através de sinapses. Não é o ator que transita pelo ar até a televisão.2 Neurônios em várias correntes. devam ser computados os acertos ou erros passados. A mãe e o filho são a favor. bem como as operações de rotação que quero fazer. sejam codificadas sob a forma de três correntes diferentes. Portanto. 1 x 2 diz o filho. . em conjunto. O pai. Podem decidir comprar um carro. é possível efetuar a compra. nada impede que três características relevantes para identificar tigres. Henrique Schützer Del Nero Integração/decisão 33 O leitor está certo. O neurônio não é muito diferente. SÍTIO DA MENTE Esta descrição dá uma pálida noção dos tipos de reunião. Quem ganha? Parece que a mãe. 10. autoritário. Quando pronta a operação. que são retraduzidas pela tela numa seqüência de pontos de claro e escuro que faz aparecer o ator. É uma câmera que capta sua imagem e a traduz em correntes. Podem votar simplesmente dois a favor e um contra. cap.o pai 5. esmurra a mesa e exige que apenas a sua vontade seja acatada. os três. a mãe 3 e o filho 2 e. três estímulos em três dendritos diferentes e. todos contra. O pai diz 3 x 1. Podem ainda ter três posições diferentes acerca do resultado de um jogo de futebol: 3 x 2 diz o pai. no corpo celular onde haverá uma reunião para “discussão” e finalmente uma deliberação que seguirá para a frente. Ou quem mais se aproximou do resultado do jogo. o que ocorre quando as três correntes se encontram? Pode-se imaginar uma série de processos em jogo nessa reunião: imagine que a corrente 1 é o pai. por exemplo. a mãe. em locais diferentes. portanto. Sentam-se para decidir algo. Mas poderia ser diferente. Cada um coloca na mesa o quanto tem de dinheiro . do confronto de posições entre as três correntes pág. que chegou mais perto do empate. Podem também discutir a respeito de uma viagem. Acertará quem acertou mais vezes no passado. 3 x 2 e o filho. como o filho que deve ser incentivado. 2 e 3. que traduz a corrente de volta como a foto da minha filha. vindos de três neurônios diferentes começam a viajar pelos dendritos 1. O resultado final é 0 x 0. 3 x 0. A televisão capta a onda e a traduz em correntes. ponderam se com o total. Vão se encontrar. a corrente 2. o filho. pêlos. etc. em segundo. se é menor. pode ser (matéria com alguma controvérsia) que muitos neurônios não tenham limiar.3 . mais fechado. isto é. de uma só intensidade. Como veremos adiante. Por digital. o que valeria de fato seria o abrir ou não a porta (a corrente. ela fica fechada. a deliberação da reunião das três correntes seria passada para o axônio qualquer que fosse ela. sob a forma de potencial de ação. que os neurônios artificiais que não usam a “porta” não têm nada a ver com neurônios. entenda-se o que dissemos acima: só existem duas chances . Esta “porta” . aberto. 34 Presente nos neurônios humanos (entenda-se nos biológicos). Quando existem inúmeras chances. a corrente gerada é uma só. há aproximações possíveis entre o ter porta e o não ter. pareceria de menor importância todo o processo que descrevemos anteriormente. em primeiro lugar.4 Voltando ao ponto anterior. foi isso o que o ser humano copiou para construir computadores e programas capazes de simular a mente humana. a informação (sob a forma de corrente) não vai seguir adiante. a passagem pode ou não estar presente nos neurônios artificiais. Se o resultado não supera o limiar da porta. ocorrer ou não). aqueles que o ser humano tem construído para simular a mente humana. é igual a ou maior que um certo número. sob a forma de corrente. como mais aberto.Essa característica tem sido erroneamente interpretada na história do estudo do sistema nervoso. Não é bem assim.2 Neurônios que estarão na base de uma tomada de decisão sobre quem ganha ou qual deliberação deve prevalecer. fechado. Neste caso. porque. Quer dizer. Entender esse processo significa compreender uma das mais complexas formas de mecanismo decisório de que a natureza lançou mão para selecionar sistemas nervosos processadores de informação. a corrente simplesmente não existe. pág. No final das contas. Por sua causa. e é do tipo tudo ou nada. dizemos que o modelo é analógico. a porta deixa passar resultados de reunião que sejam iguais ou maiores que um certo número (limiar). O perigo consiste em considerar o neurônio de uma forma maniqueísta ou digital. Henrique Schützer Del Nero A partir da deliberação da reunião das três correntes (lembre-se de que podem ser cem mil). O leitor poderá dizer. Deixar passar significa gerar uma corrente de certa intensidade que vai trafegar pelo axônio até chegar à sinapse que o liga a um dendrito de outro neurônio. então.. cap. sai uma decisão que é apresentada a uma barreira que existe no início do axônio. SÍTIO DA MENTE A corrente gerada a partir da porta chama-se potencial de ação.chamada de limiar tem uma determinada norma: se o resultado. ela se abre. isto é. se da reunião sai um resultado que supera o limiar (que abre a porta).aberto ou fechado. tudo ou nada. a maneira de medir o potencial através de eletrodos implantados no neurônio. pode-se saber somente se a barra está ausente ou presente. sem meio-termo). Isso resolve o problema do analógico e do digital.7 − O potencial de ação é gerado de forma tudo ou nada no corpo celular após superar o limiar. 100 reais (barra presente) ou 10 reais (barra ausente). mas vários. teremos maior ou menor quantidade de potenciais de ação e com intervalos diferentes.5 . No entanto. assim. diferentes situações. Como o disparo do potencial de ação é tudo ou nada. Neste caso. Henrique Schützer Del Nero c ar). Imagine a seguinte informação sob a forma de barras: 35 Fig.. um potencial isolado. limiar 0 I (barra presente) ou . (barra ausente) -40 b -80 Mas é possível fazer outro código. Dependendo do resultado da reunião que se deu no corpo celular. há uma seqüência de potenciais de ação. pág. o que permite falar apenas de duas coisas: caro (barra presente) ou barato (barra ausente). um conjunto de potenciais codificando. em (c). podemos dizer que a problemática gerada por elas é facilmente contornável. veremos que essas concepções são equivocadas e aprenderemos um pouco das possibilidades de cada uma delas. uma corrente que tem forma e tamanho fixos (potencial de ação). onde sofre processo de integração. em (b). Observe: em (a). A porta se abre (se o resultado das correntes é igual ou maior que o limil a v1 v2 Imagine que você vai a um supermercado e tenta ver o preço de um produto através de um código de barras do seguinte tipo: +80 +40 Se tomarmos um potencial de ação. Podemos ver na Figura 7 que não é disparado apenas um potencial de ação. todas aquelas correntes de forma e tamanho variáveis tornam-se um potencial de ação sempre igual.2 Neurônios No decorrer do livro. Caminha até o corpo do neurônio. Voltemos ao limiar (porta) para entender o porquê da irrelevância. cap. é certo que estaremos diante de uma digitalização (ou está presente ou não. Dispara-se.SÍTIO DA MENTE A corrente no dendrito tem tamanho e forma variáveis (potencial local). por exemplo. com intervalo variável entre eles. De imediato.. após superar o limiar. tal qual um código de barras. de analógica. a freqüência em que ocorreram as barras. está entendido o processo que se passa no axônio. tem-se a digitalização. O neurônio. e o axônio.6 Todas têm a mesma altura (amplitude). bem como o cérebro. é erro comum na história do estudo da mente. Assim. o intervalo entre elas variou (isto é. usa o intervalo entre os potenciais para contar muito mais que o digital. são dadas várias informações com mais barras. como se cada uma fosse um potencial de ação. gerando uma resposta digital. Enquanto as correntes nos dendritos (potenciais locais) são variáveis. Se ultrapassar. pág. No caso de barra presente ou ausente. Toda ela é codificada sob a forma de correntes elétricas. onde a informação é integrada. No corpo celular há uma reunião entre essas correntes para discutir e chegar a uma deliberação final.2 Neurônios Síntese I I I I ou I I . Apesar de cada barra ser igual a outra. onde ocorre a “decisão” (integração). a de admitir múltiplos estados possíveis. o corpo celular. a informação cumpre todo o seu trajeto no neurônio. o caráter múltiplo (analógico) da informação é mantido graças às diferentes freqüências (intervalos) entre os potenciais de ação (barras).SÍTIO DA MENTE ou I I I I Aqui. gerará uma nova corrente (potencial de ação). Se o potencial de ação isoladamente parece codificar sob a forma digital. por onde a decisão é despachada. Embora este seja “tudo ou nada” (digital). outro 38. Trafegando até o final do axônio. Com a variação do intervalo entre as barras. outro 47 e outro 98. mas que admite diversos valores diferentes (analógico). assim. 36 Entendido o exemplo. o exemplo não seria diferente do anterior. A corrente que carrega a informação no sistema nervoso caminha. Um pode custar 100. por onde chega a informação. Mas o intervalo entre as quatro pode variar. dos vários dendritos até o corpo celular. a corrente transforma-se no potencial de ação. palavras e emoções. A informação no cérebro não é feita de imagens. Os neurônios têm três estruturas básicas: os dendritos. A característica de admitir apenas dois estados possíveis é chamada de digital. variou). o potencial de ação é só de dois tipos: presente ou ausente. Se a opção fosse quatro barras ou nenhuma. cria-se um código de preço que não é tudo ou nada. com as quatro barras podem-se indicar os preços de quatro produtos diferentes. não é um aparato digital. a quantidade de potenciais de ação. Henrique Schützer Del Nero I I ou I I I I cap. que variam de local. que deve ultrapassar uma barreira (limiar) existente no início do neurônio. umas depois das outras. Depois. tamanho e forma quando chegam às sinapses. Olhar para o neurônio como uma unidade que integra diferentes informações analógicas vindas dos dendritos. A complexidade de processamento já se dá no nível do neurônio isolado. lógica nebulosa (fuzzy-logic). Para facilidade de compreensão. o processo biofísico de membrana capaz de engendrar toda a complexidade de sinalização no cérebro humano. mínimos quadrados. V.2 Neurônios Notas . Cf. a obra de Prigogine. em determinadas condições. por flutuações de ponto de equilíbrio. procurando mostrar que. menos positivo. regra delta. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 1. mais a frente. (1996) "The Role of SpatioTemporal Dissipative Structures in the Physiopathology of Functional Syndromes in the Central Nervous System" in Coleção Documentos IEA-USP. e Hanke. Há mais de 20 tipos diferentes de mecanismos de decisão que se pode atribuir a neurônios nas redes neurais artificiais. a respeito de termodinâmica de não-equilíbrio. A noção de carga positiva e negativa aqui está sendo usada para facilitar a compreensão do leigo. como tanto o sódio quanto o potássio são íons positivos. 207-210. entre outros. “o vencedor leva tudo”. Koch. função radial média. às vezes. Pela natureza deste livro. bem como da migração dessas cargas através de processos ativos e passivos através da membrana é responsável. resultado da diferença de concentração relativa de cargas elétricas no interior e no exterior do neurônio. Não se sabe se o sistema nervoso humano integra de maneira tão variada a in- 37 2. A depressão alastrante é um exemplo desse fenômeno. Essa diferença é capaz de criar um dipolo que é. Esse dipolo. estipula-se que mais positivo é positivo e que menos positivo é negativo. Uma das figuras centrais deste livro.3. autores tratam esse fenômeno com idéias advindas da termodinâmica de não-equilíbrio (sistemas abertos. estruturas dissipativas). bem como o status do neurônio isolado como base do processamento complexo. está ratificada. W.385 p. basicamente. soma simples. a respeito de depressão alastrante e de outros fenômenos de autoorganização na biofísica do fluxo íonico na membrana. Fernandes de Lima. Cf. Assim. temos inferências possíveis. cap. C. algoritmo genético. bem como uma série de outros fenômenos "epileptóides" parciais no sistema nervoso central. Muitos pág. em artigo de 1997 de Christof Koch na revista Nature. usamos acima apenas descrições alegóricas do processo de decisão ou integração. o que há é que o ambiente em torno do neurônio está mais positivo e o interior do neurônio. autômatos celulares. Até recentemente se acreditava que a complexidade e o cerne do proces-samento surgissem da reunião de neurônios em assembléias. Cf. Série Ciência Cognitiva. De maneira mais técnica podem-se estipular ou descrever através de modelos formais ou matemáticos as situações apresentadas acima. gradiente descendente. Para o leitor mais exigente. máximos e mínimos. que enxerga no neurônio a fonte de complexidade e codificação através de freqüências variáveis de disparo de potenciais de ação (intervalo interespículas). (1997) "Computation and the Single Neuron" in Nature vol. pode ocorrer auto-organização de um determinado padrão e posterior migração dessa onda de despolarização para regiões cerebrais vizinhas. Isto é. quanto posição e instante são diferentes (além de duas outras diferenças não tratadas no âmbito deste livro. retratada por uma não-linearidade numa equação matemática. posteriormente. devidamente amortecidos pelas propriedades de cabo.e de que a taxa de decaimento da corrente ao longo do dendrito também é um ponto crítico porque sujeita a processos físicos de dispersão. bem como a "shunts" ou curto-circuitos no trajeto). aqui está uma das grandes “sacadas” da natureza e. Portanto. após integração.inicia-se um processo rápido que corresponde à "porta aberta". O potencial de ação considerado como digital faz perder a riqueza de informação analógica contida nos diferentes aportes dendríticos locais. Ali se darão os fenômenos de transdução de energia elétrica em quanta de neurotransmissores. 4. que. graças a esses mecanismos de bomba e ao isolamento do axônio pela bainha de mielina. Com isso surge uma diferença de potencial rápida e aguda chamada potencial de ação. até o terminal pré-sináptico do axônio. Embora explicada coloquialmente. está implícito o número diferente e enorme de possibilidades de regras de jogo que ordenam o sentar-se à mesa de três correntes diferentes. como é o modo mais contemporâneo. e finalmente integrados no corpo celular. A riqueza de modulação das seqüências de potenciais de ação. vamos apenas rememorar que os impulsos que deram origem às três correntes nos dendritos são de amplitude variável.hiperpolarizações . são fenômenos essencialmente analógicos. Para aqueles que quiserem ir um pouco mais a fundo noproblema. são digitalizados como potenciais de ação. em oposição ao potencial de ação. da chamada replicação do comportamento humano em máquinas . na verdade. não apenas disparo digital. progredirá intacto. mas bombas de membrana que incrementam o transporte seletivo de íons pela membrana. Considerando-se. Migram até o corpo celular e lá.2 Neurônios formação ou se perfaz apenas uma soma simples ou uma soma vetorial. a codificação analógica do potencial de ação em pulsos de freqüência variável. vindas de locais e em instantes diferentes. não mais simples migração de cargas pelo dipolo. além de terem localizadores no tempo e no espaço diferentes. . da mãe e do filho. tanto amplitude.limiar .SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 38 5. O leitor não deve se preocupar com esses nomes e técnicas acima. Uma vez atingido um determinado valor . que o exemplo de uma multiplicidade de modos de decisão captura a riqueza que está por trás da integração de potenciais locais vindos dos dendritos. embora não haja garantia de isomorfismo entre os algoritmos decisórios em redes neurais artificiais e neurônios reais. as correntes dendríticas ou potenciais locais. Seja no exemplo. é uma propriedade física de transiçãobrusca de fase. que são o fato de poderem ser correntes negativas . podemos imaginar que haja pág.a “inteligência artificial”. parece confirmar a necessidade de variados mecanismos de integração de informação no corpo celular.Limiar. seja na alusão que fazemos nesta nota. A geração do potencial de ação põe em marcha uma série de fenômenos iônicos ativos. de pesos diferentes. se houver limiar. cap. bastando entender o exemplo do pai. sem perda. Creio. Cf. Ito. nos quatros exemplos de código de barra. Fodor. M. e Tsukada. Fujii. cap. definindo-se bifurcações como condições necessárias e suficientes no nível do sinal para que se faça a projeção e identificação de "type".Theoretical Possibility of Spatio-temporal Coding in the Cortex" in Neural Networks. "Complex Dynamics and Bifurcations in Neurology" in Journal of Theoretical Biology (1989) 138 (pp. cf. Minha estratégia no livro será tentar erigir uma partição na esfera do mental. 6. tentarei mostrar que esse "type" funcional-mental pode ter projeção..J. A respeito da minha tentativa de redução via partição de funções mentais. Essa partição terá como grande alavanca a separação entre consciente e não-consciente. não de tipos como cadeiras ou gatos. Maranca."HippocampalLTPDepends on Spatio and Temporal Correlation of Inputs" na nota 4 do capítulo 10.39 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero pág.Cf. onde se encontram 4 "tokens" e apenas 1 "type").2 Neurônios um homeomorfismo entre a complexidade analógica da reunião de potenciais locais e a complexidade analógica dos múltiplos potenciais de ação. que há sempre um "token" cerebral codificando a informação mental. Essa tese. J. D. redução. 1-26). Sobre a moderna concepção de potencial de ação como codificador de propriedades e sobre sua capacidade de carregar informação no intervalo entre eles e não apenas na sua média de disparo (antiga concepção).. Definido o "type" mental consciente e nãoconsciente. mas de funções. 129-147). Entre ambas há um fenômeno digital no que diz respeito ao caráter tudo ou nada do potencial e a uma não-linearidade devida à presença de limiar. através de sua caracterização como controle voluntário ou automático. pp. Esse argumento é irrespondível. veremos importante análise desse mecanismo na gênese de memória (e também. (1995) "Dynamic Diseases in Neurology and Psychiatry" in Chaos 5 (1) (pp. K. Argumenta-se que todo processamento mental é processamento cerebral. No 8. pode-se supor. H.et.M. não implica dizer que haja projeção ou redução dos tipos mentais em tipos cerebrais. .Tsukada. J. Atenção porque nesta alegoria do código de barras está contida ainda uma das grandes temáticas da ciência cognitiva: há.. H. 1) Milton. Os argumentos em favor da irredutibilidade do mental ao cerebral encontram nessa distinção sua maior força. Ichinosse. Black. J. Harvard University Press (pp. 2) Milton.al. Mais a frente. 4 "tokens". (1975) TheLanguage of Thought. H. 13031350. N. Sobre a importância de bifurcações em neurologia e função cerebral cf. e Piqueira. e portanto. consulte Del Nero. Série Ciência Cognitiva. A.. al. 8-13). Esse artigo será essencial para entender que a regra de aprendizado e memória pode ser analógica e captável através de uma análise de intervalos inter-espículas. são quatro "types" ou tipos diferentes (como no caso de termos a seqüência bbbb. chamada de "token-identity". por exemplo.. 9. et. porém. de mapas cognitivos) no hipocampo. Aihara.. (1996) "Dynamical Cell Assembly Hypothesis . isto é. numa linguagem cerebral. Vol. valendo também para o caso de tentativas de redução de níveis de programa a níveis de hardware em computadores. As generalizações da esfera mental seriam não-projetáveis nos "types" cerebrais.. (1997) "Topological Computation and Voluntary Control: the possible role of the neocortex and the very aim of cognitive science" in Coleção Documentos IEA-USP. a respeito da crítica às tentativas de "type-reduction". No corpo celular do neurônio 1 há uma “decisão”. que é a informação que trafegará pelo axônio do neurônio 1 até a sinapse com o cap. o axônio do neurônio 2 se liga a outro dendrito do neurônio 4 e o axônio do neurônio 3 se liga a outro dendrito do neurônio 4. do corpo para o axônio) pode ser repassada para o neurônio seguinte (para seu dendrito. Por meio dela é que a informação que trafegou por um capítulo 3 neurônio (do dendrito para o corpo. Esse espaço entre o axônio de um neurônio e o dendrito de outro chama-se sinapse. 3 Sinapse parte 1 . deve ser transferida para o neurônio seguinte através de seu dendrito. Suponha que tenhamos três informações trafegando pelos neurônios 1. o axônio do neurônio 1 se liga a um dendrito do neurônio 4. Essas informações devem ser transferidas para o neurônio 4. através de sinapses. Quando chega ao final do axônio. O neurônio 1 recebe informações através de seus dendritos. Pois bem. 40 Henrique Schützer Del Nero Fôrmas cerebrais trafega pelo neurônio do dendrito para o corpo e do corpo para o axônio.SÍTIO DA MENTE Sinapse pág. 2 e 3. de onde passará para o corpo celular e daí para o axônio). A mente está situada no plano da catedral gótica. ferro e outras coisas. concreto. de que alguns princípios de edificação − como. a posição dos tijolos. Pelo fato de neurônios e sinapses serem elementos fundamentais desse tipo e estarem. que atentaria para tijolos. cap. Embora todos acabem opinando um pouco na área dos outros. Henrique Schützer Del Nero A próxima etapa para a compreensão do mecanismo de funcionamento do cérebro humano é o estudo da sinapse. A mente é resultado de uma complexa reunião de elementos fundamentais − o neurônio. chamar o decorador ou o arquiteto para opinar. Quando se pretende subtrair dos neurônios e das sinapses a função de unidades fundamentais na constituição da mente humana. diante de uma trinca na parede de um edifício. areia. portanto. nem por isso deixam de ser vitais para a compreensão do processo de surgimento da mente a partir do cérebro. Quando se chama o padre para isso e se desvaloriza o engenheiro. capazes de gerar arranjos construtivos diferentes. nem tirar do arquiteto a função de projetar a funcionalidade e beleza dos ambientes e da fachada. o neurotransmissor e o receptor −. por onde eles se comunicam. intervalo entre um neurônio e outro. a firmeza de certas vigas −. opinar sobre trincas na parede. a complexidade de construção de uma casinha de cachorro é uma e a de uma catedral gótica. as trincas são motivo de avaliação do engenheiro. Apesar de os elementos serem comuns. outra. que pode detectar ali uma mera acomodação dos tijolos e da massa ou uma falha estrutural capaz de pôr em risco todo o edifício. pode-se cometer o erro de. comete-se o mesmo erro que historicamente se tem cometido ao chamar o espírito e a alma para desempenhar o papel de mente humana. 3 Sinapse SINAPSE . dependendo do número e da combinação. o padre não pode. Podem-se construir diferentes edificações usando apenas tijolos. o tempo que o cimento demora para secar. tal como vimos na catedral. por exemplo. SÍTIO DA MENTE Está certo que não se deve chamar o engenheiro para opinar sobre a cor do tecido do sofá. pág. presentes até em animais bastante primitivos. contudo. cimento.Sua grandeza e pluralidade exigem a genialidade de um arquiteto que lhes confira funcionalidade e a de 41 Comecemos por uma comparação. porque reza a missa na catedral. Não. Não há dúvida. vidro e ferro. a sinapse. estão presentes tanto na pequena casinha quanto na catedral. o sinal elétrico chega ao final do axônio. que "carrega" a informação até o receptor (fechadura do neurônio 2). Pode. cap. Esse consenso é. que “carre- É de uma engenhosidade fantástica o modo como se dá essa transmissão. Seu fundamento. catedral gótica. transformando-se em sinal químico (por meio de um representante que é o neurotransmissor-carregador). O mecanismo se dá como se fosse uma chave que vai do neurônio 1 até uma fechadura do neurônio 2. onde ocorre novamente a transformação do sinal químico em sinal elétrico. O carro (informação) chega ao fim da estrada 1 (neurônio 1) e toma uma balsa. sob a Considere que o potencial de ação que carrega a informação “tigre” chegue ao final do axônio do neurônio 1. está no desenho arquitetônico e no arranjo concreto de unidades (fôrmas) que viabilizam fisicamente suas formas e conteúdos. enviado pelo axônio até o próximo neurônio. chegar ao outro lado. intervalo entre as estradas. reinstaurando ali a informação a ser transmitida (neurotransmissor) para atravessar o rio (sinapse). “patas” e “listas”. e a informação segue adiante. onde. A balsa que atravessa a sinapse consiste em substâncias químicas chamadas neurotrans-missores. sempre codificados sob a forma de potenciais locais e. Através dela. pode perfeitamente ser a reunião em culto.SÍTIO DA MENTE Imagine que haja duas estradas por onde trafegam veículos e. neurônio 2 neurônio 1 informação informação neurotransmissor SINAPSE receptor Fig. na estrada 2 (neurônio 2). pág.Sinapse (junção) entre dois neurônios 1 e 2. um rio largo. A utilização final da mente. A informação. O rio. isto é. reinstaurando ali a informação a ser transmitida. Suponha que um neurônio tenha de processar as informações “pêlos”. após deliberação. é preciso uma balsa para atravessá-lo. seja capaz de realizar o projeto arquitetônico. Vimos que cada uma dessas três informações pode caminhar por um dendrito. chega ao final do neurônio 1 e libera o neurotransmissor. Henrique Schützer Del Nero ga” a informação até o receptor (fechadura) do neurônio 2. abrindo-a. de posse dos elementos estruturais básicos.8 . separando-as. atingir o dendrito do neurônio seguinte. 8). séries de potenciaisde ação . assim. 3 Sinapse um engenheiro que. em seguida. abrindo-a. É preciso que essa informação seja transferida para 42 forma de corrente. é a sinapse. possibilitam um consenso: “tigre” (todos esses elementos. no entanto. . A informação sob a forma de corrente chega ao final do neurônio 1 e libera o neurotransmissor. O mecanismo se dá como se fosse uma chave que vai do neurônio 1 até uma fechadura do neurônio 2. isto é. e continuar viagem (Fig. reunindo-se no corpo celular.código de barras). então. Certo. como vimos antes. voltando a carregar a informação “tigre”. representado por uma série de potenciais de ação. 9) cap. caminha através da sinapse e se liga a um receptor no neurônio 2.SÍTIO DA MENTE Quando esse código de barras chega ao final do neurônio 1.9 . provoca a troca de cargas positivas de fora por cargas negativas de dentro. passa pelo intervalo entre os dois (sinapse) e liga-se a um receptor (fechadura)no neurônio 2 (normalmente em um de seus dendritos). o que.1 Essa informação trafega sob a forma de um impulso elétrico (potencial de ação) pelo axônio do neurônio 2. A seqüência é a seguinte: a informação − “tigre”. O processo propicia a formação de uma corrente elétrica que vai viajar pelo dendrito. Colocada a chave na fechadura. onde encontra duas outras informações. (Fig. (Lembre-se de que o processo decisório e o tipo de reunião podem ser de variados tipos. Contrata um mensageiro químico (neurotransmissor) que sai do neurônio 1. encontra os neurotransmissores (simbolizados por uma bolinha na Figura 8). vindas de dois outros dendritos: “malvado” ou “desdentado”. O receptor funciona como uma fechadura e o neurotransmissor. Dessa forma ocorre no dendrito o fenômeno local (potencial local) que propicia a formação de uma corrente elétrica que se propaga por ele.A ligação gera a abertura dos canais na parede do neurônio 2. onde talvez se processe a questão: “tigre malvado ou desdentado?” Como é que o tigre. no neurônio 1. (Fig. no nosso exemplo − chega ao final do neurônio 1 como impulso elétrico. como uma chave. chega-se à conclusão de que é tigre malvado. 10) pág. Esta. caminha pelo dendrito até o corpo do neurônio 2. Henrique Schützer Del Nero receptor (fechadura) se os canais na parede do neurônio 2. vai passar pela sinapse? .) As três informações − “tigre”. “malvado” e “desdentado” − sofrem a transformação de uma pergunta: tigre malvado ou tigre desdentado? Deliberando-se se tigre malvado ou desdentado. por sua vez. Essa substância sai do neurônio 1. 3 Sinapse o outro neurônio. permitindo que as cargas negativas saiam e as positivas entrem. abrem- neurotransmissor quimico (chave) canal na parede do neurônio SINAPSE ---+++ +++++++ ----- corrente (potencial de ação) (potencial local) axônio do neurônio 1 dendrito do neurônio 2 43 Fig. abrindo os canais de membrana e gerando a passagem de cargas elétricas que criam o potencial local.Ação do neurotransmissor (chave) no receptor (fechadura). SÍTIO DA MENTE pelos as pat RE TIG pulso im trico elé tigre + malvado + desdentado = tigre malvado ou desdentado do nta e esd d deter minada quantidade (o que é crítico) de neurotransmissores. Estes ligam-se a vários receptores no dendrito do neurônio 2. Depois de gerarem ali a corrente elétrica que voltará a carregar adiante a informação, desligam-se dos receptores e podem seguir duas rotas: a) voltam para o neurônio 1 para serem reaproveitados (recaptura) numa próxima comunicação; b) são destruídos por uma enzima. (Fig. 11). t lis Fig.10 − Processamento hipotético de informação entre dois neurônios, sendo que, o neurônio 1 recebe três "propriedades" de tigres, processa-as, chegando à conclusão de que se trata de um tigre. Conecta-se, então, com o neurônio 2 através de um dendrito. O neurônio 2, por sua vez, recebe outras duas informações: malvado e desdentado. A operação feita pelo neurônio 2 é de transformar tigre em duas sentenças: tigre malvado ou tigre desdentado? O processamento do neurônio 1 é uma conjunção de propriedades; o do 2, é uma disjunção (aplicação do conectivo "ou") sobre sentenças. 4 neurônio 2 neurônio 1 3 receptor 1 2 Receptores 44 Quando um impulso elétrico (no nosso caso, “tigre”) chega ao final do axônio do neurônio 1, recruta uma 1. Liberação do neurotransmissor (mensagem química). 2. Ligação com o receptor no neurônio 2. 3. Desligamento e recaptura pelo neurônio 1 para reaproveitamento. 4. Destruição do neurotransmissor por uma enzima. pág. Henrique Schützer Del Nero as pelos + patas + listas = tigre do malva RE TIG ulso p im ico r elét re o tig lvvaaddo ma cap. 3 Sinapse neurotransmissor (tigre = impulso quimico) SÍTIO DA MENTE canal 6 1 Mensageiros Quando o neurotransmissor se liga ao receptor2 do neurônio 2, coloca em marcha uma série de processos dentro do neurônio. Ativam-se mensageiros que executarão dois tipos de trabalhos: 1) ordenar que se abram os canais (passo 4, Fig. 12) para que ocorra a troca de cargas (condição para que surja a corrente); 2) ir até o núcleo celular, onde estão os genes (estruturas celulares que comandam toda a máquina de produção de proteínas do corpo), ativando uma parte deles para formar novos receptores da parede do neurônio (Fig. 12). - -+- + --5 2 3 mensageiro gene neurônio 1 neurotransmissor neurônio 2 1. Liberação de mensageiro-neurotransmissor pelo neurônio 1. 2. Ligação com o receptor na parede do neurônio 2. 3. Ativação de "mensageiro" dentro do neurônio 2. 4. Abertura pelo mensageiro de canais na parede do neurônio para que as cargas positivas entrem e as negativas saiam. 5. Influência do mensageiro sobre os genes do neurônio 2, particularmente aqueles que regulam a construção de receptores de parede. 6. Influência do gene sobre a forma e a quantidade de receptores da parede do neurônio. Fig.12 - Seqüência de eventos intracelulares no neurônio 2 após a ativação pelo neurotransmissor do neurônio 1. em que outra parte assume a função. Assim, é possível, ao longo da vida, ativar pedaços de um gene e deixar outros pedaços silenciosos. E é exatamente isso o que acontece pela influência do mensageiro dentro do neurônio. 45 Tem-se a impressão de que os genes, uma vez determinados quando da fecundação do óvulo pelo espermatozóide, estão definitivamente gravados, são fixos e imutáveis. Não é bem verdade. Nem todo conjunto de ordens que está nos genes é utilizado. Há épocas em que uma parte do gene funciona e épocas 4 pág. Henrique Schützer Del Nero ++++ - -++ cap. 3 Sinapse Esse processo, que garante que a informação não fique eternamente sendo transmitida e que libera a via para novas informações, está na base de uma série de disfunções mentais. Vamos voltar um pouco atrás e lembrar que a corrente elétrica que sinaliza, ou carrega, alguma informação no dendrito depende da posição, do instante e da intensidade. Assim, para que a informação “tigre” possa ser transmitida corretamente do neurônio 1 para o neurô-nio 2, é necessária uma perfeita orquestração de vários fenômenos: SÍTIO DA MENTE d) o potencial de ação, que carrega a informação “tigre”, deve encontrar um jeito de selecionar o número certo de substâncias (neuro- transmissores) para que estas saiam do neurônio 1, trafeguem pela si-napse e se liguem a receptores no neurônio 2; e) os receptores do neurônio 2 devem ser capazes de abrir canais na parede em quantidade e velocidade tais que a troca de cargas gerada estabeleça uma corrente elétrica que preserve as características da corrente no neurônio 1, que carrega a informação “tigre”. Vê-se que não é qualquer corrente, de qualquer intensidade, de qualquer forma e em qualquer instante que fará trafegar a informação “tigre”. Por quê? Porque no cérebro não há lugar para que um neurônio se dedique somente à palavra tigre. Se fosse assim, bastaria estimular o neurônio com qualquer corrente que ele mandaria a informação tigre em frente. 46 a) “tigre” é o resultado de uma reunião de três correntes no neurônio 1 que representam em cada dendrito “pêlos”, “patas” e “listas”; c) o potencial de ação (corrente no axônio) viaja pelo axônio do neurônio 1 até chegar ao final, onde há um buraco (sinapse) separando-o do neurônio 2; pág. Henrique Schützer Del Nero Dissemos que o neurotransmissor se encaixa no receptor como uma chave numa fechadura. Pela influência do mensageiro de dentro do neurônio, pode-se modificar um pouco a forma do receptor para que o encaixe se dê de maneira melhor. Isto é, pode-se mudar o formato das fechaduras nas quais se darão futuras ligações. Pode-se também mudar a quantidade de fechaduras (receptores). Mudando-se a quantidade, haverá menos ou mais locais de ligação para os neurotrans-missores que vêm do neurônio 1. b) após deliberar-se que pêlos, patas e listas constituem um tigre (o que ocorre no corpo celular do neurônio 1), passa-se pela porta (limiar) e forma-se uma série de impulsos elétricos (todos de igual tamanho, mas com intervalo variável - código de barras) chamada potencial de ação; cap. 3 Sinapse Os receptores da parede do neurônio, que são as fechaduras em que os neurotransmissores se encaixam, estão constantemente sendo trocados por novos. Tanto a quantidade desses receptores como seu formato estão sujeitos a ordens dos genes de cada neurônio, e essas ordens dependem, entre outras coisas, do tipo de influência exercida sobre eles pelo mensageiro. SÍTIO DA MENTE O aprendizado no ser humano se dá graças à modificação nos receptores (forma e quantidade), possibilitando o reforço de algumas conexões entre neurônios. À medida que passam informações por uma sinapse, a) aumentarão a afinidade e a quantidade de receptores na sinapse responsável pelo 4; b) diminuirão a quantidade e a afinidade dos receptores na sinapse responsável pelo 5. Esse modo de operação, isto é, o reforço de uma ligação entre dois neurônios (sinapse) através da alteração do funcionamento do gene que regula a forma e a quantidade de receptores na sinapse, é responsável pelos condicionamentos, pelas patologias psíquicas, pelas aversões, pelas fobias, por esquecimentos de fatos traumáticos, etc. O mecanismo é mais complicado, mas o princípio está suficientemente calcado na possibilidade de mudança da força que uma sinapse tem ao ligar um neurônio a outro. A base do aprendizado está aí. 47 Henrique Schützer Del Nero b) se os genes, por outro lado, diminuírem a quantidade de receptores e piorarem sua forma de encaixe nos neurotransmissores, a informação passará cada vez mais fraca e menos precisa naquela sinapse. Imagine que uma sinapse de uma criança coordene o evento 2 + 2 = 4. E outra coordene 2 +2 = 5. Toda vez que houver sucesso no 2 + 2 = 4, a sinapse que executa essa conjunção se reforçará e a que coordena 2 +2 = 5 se enfraquecerá. Esse reforço de uma sinapse e enfraquecimento de outra se dará através da influência do mensageiro sobre os genes que: pág. a) se os genes forem influenciados de forma a aumentar o número de receptores e melhorar sua forma (fechadura), a informação passará cada vez de maneira mais forte e precisa naquela sinapse; Os eventos que ocorrem no neurônio 2 sinalizam para que, através da influência nos genes do neurônio 2 (responsáveis pela formação de novos receptores), aconteça o seguinte no futuro: vão-se modificando o número de receptores e sua afinidade (forma da fechadura). Aquela informação fica cada vez mais forte e precisa ali. cap. 3 Sinapse Se houver uma variação na forma das fechaduras (receptores), o encaixe será melhor ou pior e, portanto, a corrente será diferente. O mesmo acontecerá se variar a quantidade de receptores. Um número determinado de neurotransmissores recrutados pelo potencial de ação do neurônio 1, que representa “tigre”, terá maior ou menor quantidade de locais para se ligar. Isso também mudará a corrente gerada pela abertura dos canais e, conseqüentemente, a informação “tigre” poderá ser: a) reforçada ou enfraquecida; b) fiel ou adulterada. A sinapse, meio de comunicação entre os neurônios, representa a um só tempo a conexão que possibilita o diálogo neuronal e a base da patologia cerebral e mental. Se para o leitor é interessante saber que a sinapse desarranjada pode estar por trás de uma disfunção como o tremor no mal de Parkinson, é urgente entender que também pode estar por trás do choro de uma pessoa deprimida que precisa de remédio, e não de conselhos. É preciso que a passagem do estímulo elétrico no neurônio 1, sua representação numa determinada quantidade de neurotransmissores e sua posterior conversão em corrente no neurônio 2 guardem relação. Se ocorrer qualquer problema, a informação tigre poderá chegar adulterada ao neurônio 2 (por exemplo, imagine que chegue tigro, trigo, tigr...). Neste caso, o que acontecerá? A comunicação será fonte de decisões erradas, ou insuficientes, ou enganadoras, etc. Claro que estes proces- 48 A conexão entre dois neurônios através da sinapse é um mecanismo extremamente fino. Qualquer desarranjo na quantidade de neurotransmissores e na forma e quantidade de receptores pode levar a quadros SÍTIO DA MENTE Imagine que a ligação do neurônio 1 com o neurônio 2 através da sinapse deve passar a informação “tigre”. Quando o impulso elétrico chega ao axônio, recruta neurotransmissores que vão atravessar a sinapse e se ligar a receptores. Esses receptores, dependendo da ligação, vão recrutar mensageiros, já dentro do neurônio 2, que ordenarão a abertura de canais na parede do neurônio para que ocorra a entrada de cargas positivas e a saída de cargas negativas. Essa inversão das cargas gerará uma corrente elétrica que deverá ser idêntica à do neurônio 1, de maneira que mande adiante a informação “tigre”. pág. Henrique Schützer Del Nero Sinapses alteradas e tratamento das disfunções mentais cerebrais e mentais. Cerebrais porque a sinapse é unidade de cérebros. Mentais porque, dependendo de como os neurônios dialogam, surgem mentes a partir do processamento cerebral. Portanto, nada mais natural que, se as sinapses estão descalibradas, apareçam sintomas neurológicos e também psiquiátricos. cap. 3 Sinapse Voltaremos a isso posteriormente, quando tivermos outros elementos para entender o processo. Por ora, é interessante saber que a sinapse e o mensageiro são pontos cruciais na intervenção medicamentosa sobre as disfunções mentais. Como grande parte das pessoas continua tentando tratar distúrbios cérebromentais apenas com palavras, examinemos a seguir a base da desregulagem nas sinapses e os modos de intervir sobre elas. SÍTIO DA MENTE Imagine como hipótese que tenhamos um neurônio 1 e a informação “tigre” sendo codificada. Suponha que para transmiti-la sejam necessárias três “bolinhas” de neurotransmissor e dois receptores no neurônio 2. “Tigre” passará do neurônio 1 para o neurônio 2 desde que haja perfeita orquestração desses eventos. A partir dessa hipótese, vejamos esquematicamente como poderíamos classificar certos problemas que costumam implicar patologias psiquiátricas. O exemplo é arbitrário, e também a classificação seguinte. Visa apenas a auxiliar o leitor para que entenda os grandes mecanismos de que se lança mão para medicar distúrbios mentais, atuando diretamente na sinapse, no neurotransmissor, no receptor, no mensageiro e no gene. 1. Alteração na forma do receptor Solução de médio prazo: obtendo-se a abertura, com o tempo, o mensageiro de dentro do neurônio 2 se encarregará de induzir a formação de receptores com a forma antiga. Situações mais freqüentes em que ocorre: depressões, ansiedade, pânico, fobias. Tratamento: medicamentos que aumentam o tempo de ligação do neurotransmissor ao receptor − antidepressivos. Esses antidepressivos normalmente agem de duas maneiras: ou bloqueiam a recaptura de neuro-transmissor pelo neurônio 1 (após ter sido utilizado) o que aumenta seu tempo de permanência na sinapse (passo 3 da Figura 11); ou bloqueiam a enzima que destrói o neurotransmissor, aumentando também sua permanência (passo 4 da Figura 11). 49 Descrição: neste caso, haveria na ligação entre os neurônios 1 e 2, responsáveis pela transmissão da informação “tigre”, três vesículas de neurotransmissor e dois receptores de forma alterada (o número está normal em ambos, porém a “fechadura” é deficiente). Solução de curto prazo: se o receptor é uma fechadura que dificulta o encaixe da chave (neurotransmissor), deve-se aumentar o tempo de permanência da chave na fechadura para possibilitar a abertura. pág. Henrique Schützer Del Nero Alterações específicas de passagem de informação na sinapse Conseqüência: normalmente a informação sofrerá deturpação ao passar pela sinapse. cap. 3 Sinapse sos são mais complicados, mas de forma geral podemos traduzir assim todo tipo de problema que pode ocorrer no neurônio e na sinapse.3 SÍTIO DA MENTE Descrição: neste caso, há um receptor em lugar de dois (o número de vesículas está normal). Conseqüência: a informação será deturpada na passagem. Solução de curto prazo: aumentar a permanência do neurotrans-missor na sinapse porque, se há menos fechaduras, deve-se dar mais tempo para as chaves agirem. Solução de médio prazo: esperar que, pela passagem normal, o neurônio 1 volte a produzir a quantidade correta de neurotransmissores (às vezes, o problema pode ser até nutricional). Situações mais freqüentes em que ocorre: talvez em certos distúrbios de personalidade, o que ainda não está comprovado. Tratamento: antidepressivos. Solução de médio prazo: se for possível manter a passagem de informação, os mensageiros induzirão o gene a produzir de volta a quantidade certa de receptores. Situações mais freqüentes em que ocorre: envelhecimento. Tratamento: antidepressivos. 3. Diminuição na quantidade de neurotransmissores Descrição: neste caso, há duas vesículas de neurotransmissor em lugar de três; os receptores estão em número e forma adequados. Conseqüência: passagem alterada de informação Descrição: neste caso, há quatro vesículas de neurotransmissor e forma normal dos receptores. Conseqüência: deturpação na passagem da informação por excitação excessiva (há mais vesículas do que devia haver). Solução de curto prazo: diminuir a quantidade de fechaduras disponíveis. Solução de médio prazo: esperar que o neurônio 1 volte a produzir o número certo de vesículas ou remover a causa externa que está por trás da superprodução. 50 Solução de curto prazo: aumentar o tempo de per- 4. Aumento na quantidade de neurotransmissores pág. Henrique Schützer Del Nero manência das vesículas na sinapse para compensar o menor número de chaves. cap. 3 Sinapse 2. Alteração na quantidade de receptores SÍTIO DA MENTE Tratamento: neurolépticos. O neuroléptico é uma droga que atua como um falso neurotrans-missor: ocupa um receptor, impedindo que este seja ocupado pelo neurotransmissor legítimo; porém, não ativa nenhum mensageiro no neurônio 2. Portanto, não induz a qualquer alteração na corrente ou nos genes. 5. Ausência de neurotransmissor específico Solução de curto prazo: colocar algum neuro-transmissor artificial que se ligue aos receptores e promova alguma alteração desejada. Muitos dos calmantes - particularmente os benzodiazepínicos - têm receptores específicos nos neurônios. Tanto as drogas para a dor quanto os ansiolíticos se dirigem a “fechaduras” já desenhadas de antemão para eles. Ligando-se nessas fechaduras, promovem diferentes modulações de corrente elétrica, o que acaba por levar ao efeito desejado. Ao contrário do que ingenuamente se pudesse pensar, esse fato não afirma que a natureza selecionou previamente fechaduras para uma droga como um calmante comercial. Indica, outrossim, que deve haver substâncias internas que são muito semelhantes estruturalmente a essas “chaves” artificiais. No caso de uma disfunção, essas substâncias estariam inoperantes; porém, os receptores-fechaduras para elas estariam ali. 6. Alteração no mensageiro do neurônio 2 Descrição: neste caso, há quantidade normal de neurotransmissores e quantidade e forma normais de receptores. Porém, o mensageiro no neurônio 2 está alterado. Situações mais freqüentes em que ocorre: ansiedades (quando do uso de calmantes), algumas insônias, casos de excitação espontânea dos neurônios em que se quer usar uma droga que diminua a corrente nos neurônios (por fechamento de canais de troca de cargas na parede). Conseqüências: embora haja neurotransmissores e receptores em quantidade adequada, a ligação torna-se deficiente porque as alterações que o processo deveria provocar no neurônio 2 ficam prejudicadas pelo mensageiro defeituoso. 51 Solução de médio prazo: aguardar que a situação que gerou o problema seja resolvida para que não se tenha de lançar mão do expediente acima. pág. Henrique Schützer Del Nero Descrição: neste caso, há ausência de neurotransmissor adequado para aquele receptor. Tratamento: calmantes (ansiolíticos). cap. 3 Sinapse Situações mais freqüentes: psicoses, agressividade e impulsividade. SÍTIO DA MENTE Situações mais freqüentes em que ocorre: algumas formas de depressão e mania. Tratamento: sais de lítio. O lítio é uma substância que pode ser indicada em alguns casos porque age no processo de ação do mensageiro no neurônio 2. Síntese Feita a ligação do neurotransmissor com o receptor, inicia-se um processo dentro do neurônio 2. Substâncias internas (mensageiros) vão agora operar a abertura de canais para a troca de íons e geração de corrente (potencial local), e também influenciar partes dos genes daquele neurônio, responsáveis pela produção (forma e quantidade) de receptores. Com isso, podem-se obter, no futuro, mudanças na conexão de modo que os encaixes fiquem cada vez mais perfeitos. Essa é uma das bases do aprendizado e de uma série de reforços comportamentais. Nesses dois níveis - receptor sináptico e mensageiro - estão dois pontos cruciais onde atuam as drogas que tratam as disfunções mentais. 52 Como há uma descontinuidade física entre o axônio de um neurônio e o dendrito do próximo (sinapse), para que se estabeleça a comunicação entre ambos, a informação − sob a forma de corrente elétrica, potencial de ação (no primeiro) e potencial local (no segundo) − deve sofrer uma tradução química, ultrapassando esse intervalo. Contratam-se para isso mensageiros químicos (neurotransmissores) que, saindo do neurônio 1, car- O processo de passagem pela sinapse envolve a transformação de informação sob a forma de corrente (potencial de ação) em informação sob a forma de mensageiro químico (neurotransmissor). A fidelidade da transmissão depende da ligação do neurotransmissor com os receptores do neurônio seguinte. Quanto melhor a conexão e maior o número de elementos, tanto mais fiel será a transmissão da mensagem. pág. Henrique Schützer Del Nero Solução de médio prazo: esperar que a passagem correta recoloque os processos de ação do mensageiro no lugar. regam a mensagem para o neurônio 2. Ali, conectamse a receptores num mecanismo de encaixe do tipo chave-fechadura. Esse encaixe induz a abertura de canais de parede no neurônio 2, por onde se dá a troca de cargas elétricas, gerando a corrente que recria a informação do neurônio 1. cap. 3 Sinapse Solução de curto prazo: usar alguma droga que interfira no mecanismo de ação do mensageiro. Nova Iorque: Scientific American Library. de longe. Nestler. Pode-se lançar a hipótese de que quadros com maior componente ansioso e reativo se beneficiam do mecanismo imediato de alteração de taxa de transmissão. Esse mensageiro não é apenas um. O exemplo visa a resgatar a operação de reunião de predicados e sua transformação posterior num mecanismo de reunião/decisão que no caso é a aplicação do conectivo "ou" a duas sentenças. de um ciclo-limite para um ponto assintoticamente estável. 3) Hyman. embora seja hipótese. o que desloca a topologia. American Psychiatric Press. Na verdade. Nestler. mas não o "software". A visão do texto é uma primeira aproximação didática que pode auxiliar o leitor nãoespecializado. descreve um processo de regulação de expressão gênica em função da experiência. como depressão. Veremos adiante a representação do neurônio como aparato "booleano" e sua interpretação como estrutura capaz de realizar a conexão lógica de sentenças. essa mudança na taxa de transmissão na fenda não é capaz de promover melhora. De maneira geral. S. Isso pode inclusive alterar a solução do sistema. ao contrário de suposições que entendessem o gene como estático e totalmente pré-gravado (a clonagem de um cérebro seria algo que transportaria o "hardware". Espera-se. x é M ou x é D". então x é M. Sua regulação mostra dois aspectos fundamentais: primeiramente. não há predicados interpretados na linguagem natural trafegando pelos dendritos e axônios. Em muitos distúrbios. O item concernente aos mecanismos de ação de drogas é muito mais complexo. 3 Sinapse Notas . por exemplo. N. enquanto as características mais estruturais.3. (1993) Molecules and Mental Illness. "Malvado" ou "desdendentado" poderiam ser quantificados sob a forma de: "Existe um x tal que. (1996) "Initiation and Adaptation: A Paradigm 53 2. resultado de modificações locais nas conexões entre os neurônios. costumam requerer o segundo mecanismo. Diga-se de passagem que não há ainda evidência inquestionável de que sejam esses os mecanismos envolvidos na melhora de quadros psiquiátricos com o uso de psicofármacos. se x é P. gerando uma terceira. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 1. (1986) Drugs and the Brain.. esse mecanismo é fundamental na psicofarmacologia. assim. 2) Snyder. S. por exemplo. Em segundo lugar. no entanto. S. (1993) The Molecular Foundations of Psychiatry. de maior consistência que outras. 4) Hyman. mas vários. E. de mudar a taxa de transmissão na fenda sináptica. cap. Essa propriedade é conhecida como "down-regulation". mediadas pelos genes mas não contidas no genótipo). um período de 3 a 5 semanas até que se alterem expressões gênicas responsáveis pela formação de receptores.. S. como vimos. Sugiro para uma visão mais aprofundada: 1) Barondes. o que muda o ganho de malha do sistema.I: Scientific American Library. o resultado imediato de uma droga pode se creditar à sua possibilidade pág." O mesmo valeria para o outro predicado e também para a construção da disjunção "Existe um x tal que. E. Basicamente são o AMP cíclico e a proteína C. faça uma varredura (scan) de sua estrutura e. www. (1997) "Modifiable Neuronal Connections: An Overview for Psychiatrists" in American Journal of Psychiatry 154:2. A foto mostra uma estrutura sináptica natural.com.com.com/nano.merkle. Reid.. chegando ao receptor. . o chamado desenho inteligente de drogas (por exemplo. Waltham. mais ou menos 50. sobre desenho inteligente de drogas cf. I. Myers. No futuro a droga poderá conter alguns artifícios computacionais tais que. 4) Jeffery. Nature Supplement to volume 384 Issue 6604 Novembro 1996 "Intelligent Drug Design". J.xerox.. Nesse tópico ainda podem ser citadas algumas áreas de fronteira: o uso de metodologia de rede neurais para desenho de drogas. 3 Sinapse for Understanding Psychotropic Drug Action" in American Journal of Psychiatry 153:2. sobre nanotecnologia (chips capazes de ter tamanhos da ordem de grandeza de estruturas como os neurônios) consulte a home-page (bibliografia atualizada e anúncio de encontros internacionais) de Ralph Merkle da Xerox Company. usando química combinatorial). Lawrence Erlbaum Associates (pp. M.. T.endereçoeletrônico: merkle@xerox. usando matéria-prima local. A bibliografia acerca de uso de redes neurais no desenho de drogas pode ser achada. e o advento de chips tão pequenos que possam constituir drogas que se autotransformam ao reconhecer o receptor in loco.001 milímetro).000 vezes menor que o que se está vendo (1m = 0. outra página da web: http:/ /nano. pág. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero cap. (1996) "Neural Networks in Drug Discovery" in International Neural Network Society 1996 Annual Meeting. Note as vesículas de neurotransmissor entre um neurônio e outro. 1155-1161).54 Sinapse real mostrada através de microscopia eletrônica. por exemplo. K. em Weinstein. acabe de polir seus encaixes para ligar-se adequadamente ao receptor. Essas informações devem ser transferidas para o neurônio 4. que é a informação que trafegará pelo axônio do neurônio 1 até a sinapse com o cap. 4 Departamentos concretos e virtuais parte 1 . do corpo para o axônio) pode ser repassada para o neurônio seguinte (para seu dendrito. de onde passará para o corpo celular e daí para o axônio). Por meio dela é que a informação que trafegou por um capítulo 4 neurônio (do dendrito para o corpo. o axônio do neurônio 1 se liga a um dendrito do neurônio 4. Pois bem.SÍTIO DA MENTE Departamentos concretos e virtuais pág. deve ser transferida para o neurônio seguinte através de seu dendrito. Quando chega ao final do axônio. 55 Henrique Schützer Del Nero Fôrmas cerebrais trafega pelo neurônio do dendrito para o corpo e do corpo para o axônio. No corpo celular do neurônio 1 há uma “decisão”. através de sinapses. 2 e 3. Esse espaço entre o axônio de um neurônio e o dendrito de outro chama-se sinapse. Suponha que tenhamos três informações trafegando pelos neurônios 1. O neurônio 1 recebe informações através de seus dendritos. o axônio do neurônio 2 se liga a outro dendrito do neurônio 4 e o axônio do neurônio 3 se liga a outro dendrito do neurônio 4. carimbado. Possivelmente se perderia especialização e aprofundamento. alguns problemas entram em jogo. 4 Departamentos concretos e virtuais DEPARTAMENTOS CONCRETO EVIRTUAIS Departamentos virtuais e comissões que examinam situações ambíguas . devemos identificar as unidades fundamentais nesse processamento . deve-se ter um outro modo de dividir seções. que traduzem informações em correntes elétricas. O modo de processamento depende dos neurônios. despacho −. Se uma 56 Através de complicada operação podem-se ter.e esse funcionamento propicia o aparecimento da mente -. o ferro e os vidros. Henrique Schützer Del Nero Q As operações complexas dependem de um cérebro que. Essa mente cheia de ideais. processando informação complexa o bastante para gerar a mente. Por meio da manipulação de impulsos elétricos. discutido e decidido. aos poucos vai agrupando-as. remorsos. imagens e lembranças resiste a aceitar que ambas as séries . o neurotransmissor e o mensageiro. de maneira a melhorar a competência ao manipular a informação. Um dos pontos que merece atenção ao se lidar com a idéia de várias seções é que se tem de dividir os ambientes de uma repartição pública para que se saiba para onde deve ir o documento a cada instante. a um só tempo. julgamento. Sabendo-se que em cada seção o modo de operação será parecido − avaliação. Primeiramente. pág. integrando-as em processos de decisão e mandando o produto em frente.sinais elétricos cerebrais e símbolos mentais .não passam de faces de uma mesma moeda. Vimos no capítulo anterior que os quatro elementos fundamentais para entender um cérebro são o neurônio. o cérebro pode traduzir o discurso sobre pessoas e coisas. cap.os tijolos. a sinapse. Suponha que em uma repartição pública todos fizessem a mesma coisa em um só ambiente.SÍTIO DA MENTE uando se procura compreender o modo como um cérebro funciona . depois de processar cada informação em seu devido lugar. sinais elétricos no plano cerebral e mente no plano introspectivo. É o que chamei anteriormente de burocracia saudável: quanto mais complicado o raciocínio entre a entrada e a saída do “documento”. o cimento. maior o número de seções pelas quais deverá passar para ser avaliado. 13).Imagine. 4 Departamentos concretos e virtuais seção se dedica a avaliar o custo de um projeto. Se cada bloco do diagrama da Figura 13 fosse um neurônio (na verdade.13 . Isso permite ganhar eficiência. Embora sua responsabilidade seja maior. Com o presidente não é muito diferente. é preciso colocar ali máquinas adequadas e livros especializados e dar treinamento específico ao pessoal. aumentando a responsabilidade nas decisões e. Fig. teríamos um siste- pág. 57 Pense agora no capítulo anterior. uma torre de unidades ou módulos que dá repostas sim ou não a perguntas específicas (Fig. Cada nível de decisão tem um papel bem determinado. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Numa empresa não é qualquer pedido. ele responde com base numa série de pareceres do tipo sim ou não. agora. A hierarquia garante instrumentos para dar respostas cada vez mais complexas. que a repassa para um supervisor e assim sucessivamente até chegar ao presidente. mas dar idéia de dois processos fundamentais: hierarquia e especialização (ou modularidade). baseada em seqüências de sins e nãos (também chamada de estrutura de dados. por vezes. A especialização faz com que cada módulo trate de informações específicas. devendo responder apenas sim ou não a uma pergunta técnica muito específica. . podendo-se confiar muito mais no tipo de respostas que dá.Estrutura hierárquica e modular de decisões do tipo sim ou não numa empresa hipotética (também chamada de estrutura de dados em computação). sua amplitude. compra ou questão que vai direto para a mesa do presidente. quando discutíamos o modo de funcionamento do neurônio. cap. vindos dos diversos departamentos. não pretende retratar em minúcias o processo de organização de uma empresa. Existe uma hierarquia para reconhecer a informação que está entrando e encaminhá-la ao departamento correto. Cuida dela primeiro um vendedor. é um conjunto deles). Essa torre decisória. em inteligência artificial e sistemas especialistas). então. sim ou não. Como vimos. como por exemplo um dedicado ao impacto ambiental de certos produtos. havia o problema das respostas do tipo aberto ou fechado após a deliberação no corpo do neurônio e a passagem da decisão para o axônio sob a forma de um potencial de ação. Uma solução possível para o problema seria a criação de novos departamentos na empresa. Em suma. Todos os itens do processo estão certos. Mais ainda. Portanto. que é basicamente analógico.freqüências do potencial?” Sim. imaginando que. Onde está o problema? Nova pesquisa entre os consumidores mostra que houve um boicote aos produtos vindos daquele país porque ali se emprega mão-de-obra infantil e quase escrava nas linhas de produção. que encalharam nas prateleiras e deram um prejuízo enorme. de cima para baixo e também para os lados. Porque os fatos estavam nos jornais e alguém poderia ter levantado a questão antes de se decidir pela compra. o sistema de perguntas muito rígidas e especializadas cometeu o erro de não fazer certas perguntas e de não dar espaço para que tivessem aparecido nuanças ou hesitações nas respostas (caso da resposta do tipo talvez). cap. alguns ingredientes deveriam ser adicionados: 58 Vários estudos são feitos pelo próprio presidente da empresa para avaliar onde ocorreu o erro. acompanhado de algumas considerações.Assumindo por ora que temos uma hierarquia e uma especialização. Os novos departamentos deveriam dialogar com os níveis da hierarquia antiga. também talvez. à empresa. permitindo que as respostas fossem.1 Mais à frente voltaremos a ela para mostrar algumas sutilezas que deitarão por terra esse argumento. Henrique Schützer Del Nero O leitor pode se perguntar: “Mas essa concepção digital. Apesar de útil. mas por ora vamos continuar trabalhando com a concepção digital do exemplo acima. o processamento digital é apenas uma simplificação do processamento cerebral. Os sindicatos de trabalhadores da indústria nacional de televisores fez uma campanha que conseguiu sensibilizar o público. após uma complicada operação da qual participaram todos os departamentos. pelo encalhe e pelo prejuízo? De ninguém e de todos. decidiu-se pela compra de cem mil televisores importados do país X. Os departamentos res- SÍTIO DA MENTE De quem é a culpa. como se o neurônio apenas tomasse decisões do tipo sim ou não. devemos nos perguntar que problemas podem ocorrer em estruturas como essa. . pág. 4 Departamentos concretos e virtuais ma nervoso ou um cérebro organizado dessa forma. Voltemos. assim. deveria haver uma maleabilidade tal que a decisão pudesse caminhar de baixo para cima. não havia sido posta de lado pelo exemplo do código de barras . ponderam corretamente a todas as perguntas. em vez de apenas sim ou não. convencendo-o de que não se deveriam comprar aqueles aparelhos. ao final. . pois. dois tipos de departamentos: fixos/digitais e móveis-virtuais-comitês/analógicos. como se o presidente chamasse alguns funcionários de outros departamentos para opinar conjuntamente. Entendido o exemplo. estamos prontos para transportá-lo para o cérebro humano. Nos casos de “talvez”. 4 Departamentos concretos e virtuais a) formação de novos departamentos.Fluxo misto de informação e decisão numa estrutura hipotética: digital. fazer os dois processos seguirem paralelamente e. convém. em outras. sim ou não. cheio de divisórias anatômicas (departamentos concretos). departamentos virtuais móveis para atuar em situações específicas. contudo. de baixo para cima. então. para situações especiais (por exemplo. ainda. mas no processamento analógico do “talvez”. (Fig. É preciso. baseado não na resposta digital. pág. formados por membros de dois ou mais departamentos já existentes. do tipo talvez. em algumas. criar uma série de comissões. tentando-se criar perguntas novas que tenham sido esquecidas ou omitidas antes. podemos imaginar que todas as instâncias passam a ser compartilhadas. conciliar os dois modos. Henrique Schützer Del Nero b) possibilidade de respostas do tipo talvez. de baixo. Uma série de questões devem ser decididas pelo modo antigo eoutras pelo novo. se não se sabe de antemão se o processamento de informação deve seguir o estilo antigo ou o novo. isto é. tornaria o processo lento e aumentaria o custo da empresa. Mais interessante ainda é que.14 . respectivamente. cap. “talvez”. Em algumas situações. Agrupam-se.SÍTIO DA MENTE c) possibilidade de fluxo de decisão em diversos sentidos. 14) 59 Fig. decidir se sim ou não comparando-se o resultado de ambos. A alternativa é. O custo de instalação de novos departamentos. deve-se começar de cima e em outras. e para o lento aparecimento de um departamento virtual (comitê) chamado mente. uma nova rodada de departamentos virtuais poderá ser feita. pelo digital e pelo analógico. analógica. nas duas direções. Se o resultado for “talvez”. casos de grande risco). deve-se processar “sim” ou “não” e. assembléias. cuja decisão é construída de baixo para cima a partir de respostas do tipo “sim” e “não” − pode ser traduzida por neurônios (ou grupos deles) que desempenham papel digital (lembrese. pode-se dizer que este é um modo de deixar que inúmeros “talvez” estejam contidos entre o sim e o não. o que levou à opção de recrutar membros dos departamentos tradicionais para desempenhar transitoriamente funções em departamentos virtuais. para posteriormente explorálo. mas sua freqüência (código de barras) introduz nuanças entre o sim e o não. Para certos efeitos. é preciso avaliar as coisas numa outra perspectiva que não simplesmente fugir. Porque a decisão de não fugir envolve uma série de ponderações. sem custo biológico (a espera de que surjam novas estruturas − departamentos concretos). Departamentos que. De modo sucinto. Não se deve pensar que a mente surge à toa.SÍTIO DA MENTE 1) Era preciso criar novos departamentos para cada nova variável que pudesse influir numa determinada decisão. comitês. num certo sentido. frente a uma determinada questão. 2) Considerando a possibilidade de que o “talvez” espelhava melhor certas condutas. tentando entendêlo à luz do que vimos no capítulo anterior acerca dos neurônios. Devido a certas pressões. Aí. o potencial de ação é sim ou não. Pelo menos nos primeiros momentos. É claro que ficar e tentar enfrentar o tigre. Mas fazer isso com departamentos concretos oneraria muito o custo da empresa (e provavelmente não seria tão eficiente). há elementos de novidade que fazem com que muitos fracassos ocorram antes que se detenha o conhecimento pleno de como enfrentar tigres sem ser comido por eles. formando transitória e dinamicamente departa- 60 Releia o início do livro e pense no animal diante de um tigre: fugir? Não. agora o “talvez” permite que se diga “fujo”. reúnem membros de dois ou mais departamentos concretos da empresa física (cérebro) para formar uma comissão ou um departamento transitório. é preciso deixar que os neurônios processem de modo analógico. é mais arriscado do que fugir. era preciso criar um tipo de estrutura especializada nesse tipo de resposta. é possível. é o caso da porta-limiar que deixa ou não o potencial de ação navegar pelo axônio). criar um diálogo entre departamentos. “luto” ou “exploro”. a empresa antiga − aquela de hierarquia rígida. pág. 4 Departamentos concretos e virtuais A mente como departamento virtual . No entanto. Isto é. Lembre-se de que os departamentos virtuais surgiram como resposta a dois tipos de pressões na empresa do nosso exemplo: zem respeito ao risco que aumenta. cap. em certas situações especiais. principalmente aquelas que di- Voltemos ao exemplo da empresa. Henrique Schützer Del Nero A mente. é aquilo que chamamos de departamentos virtuais. a antiga e a nova. Toda vez que um departamento responde talvez há uma infinidade de problemas envolvidos. poderá determinar que essa equipe constitua um departamento quase-concreto (ou virtual permanente). processarem variadas gamas de talvez (no código de freqüências do potencial de ação). Uma série de modalidades de processamento de “talvez” foram. Problemas novos têm. Imagine que o presidente da empresa do nosso exemplo implante um sistema de departamentos virtuais. o risco do talvez acabará por ser eliminado. Henrique Schützer Del Nero Onde ficam esses departamentos virtuais? Em toda parte e em parte alguma. ainda. do ponto de vista biológico. porque se constituem de elementos da empresa e dos seus departamentos físicos e. são remanejamentos transitórios ou. Neste caso. depois de vários testes. num sentido mais fino. por um tempo. adote os dois tipos de processo para tomar decisões. tanto que a forma “sim” ou “não” continua a existir. Se forem criados modos de coexistência do sim ou não e do talvez e se forem feitos inventários de todas as decisões em que o talvez agiu.SÍTIO DA MENTE A criação de departamentos virtuais é conseqüência do aparecimento de problemas novos que requerem soluções igualmente novas. uma característica suplementar: não existem especialistas para eles e. às vezes. o talvez é mais rico. se incorporando às soluções tradicionais e ortodoxas. o risco se dilui. 4 Departamentos concretos e virtuais mentos virtuais (comitês) ligados a certas necessidades. não teria sentido criar um departamento com especialistas em problemas desconhecidos. portanto. aos poucos. num sentido clássico. Como dissemos. Por outro lado. Pode-se retrucar dizendo que o talvez é um perigo porque insere ambigüidade no sistema. surgirá um talvez com experiência. Neste caso. Provavelmente foi isso o que ocorreu com uma vasta gama de departamentos virtuais no decorrer da história humana. poderá. transformandose em quase-certeza do tipo sim ou não. a empresa digital e a analógica. Porém. por 61 A novidade dos problemas e a complexidade já embutida no código de barras do neurônio permitem que coexistam. pode ser que. Por avaliação dos acertos históricos. cap. mas. Num certo sentido isso é verdade. todas as condições propícias para o surgimento desse tipo de departamento virtual é o fato de os neurônios. ao mesmo tempo.2 pág. a ortoxa e a heterodoxa. definir qual “equipe” virtual acertou mais vezes. por exemplo. permanentes (como um conselho) de seus membros. processarem sim ou não. Embora sem sala ou divisória − caso da inteligência. lado a lado. . embora mais complicado. Uma característica que permite que já existam. é mais ou menos sim. como se fosse uma sala com divisória clara. simplesmente não está em departamento concreto algum. do controle de hormônios. formando comissões. Toda vez. se reagruparam em comitês. . particularmente nas regiões neocorticais.SÍTIO DA MENTE Entender o processo de lenta reordenação dos departamentos concretos cerebrais. O cérebro é uma empresa mais ou menos rígida no que diz respeito ao processamento de funções básicas. para que se encaminhem decisões complexas e com alto teor de criatividade. pouco diz a respeito da mente. Nos departamentos concretos há variados tipos de organização em andares. com a evolução. mas não se confunde de maneira física com partes dele. Surgiu também graças a outros elementos: linguagem. baseado no talvez. A mente não surgiu apenas porque o sim/não virou talvez. etc. criando. é trilhar a lenta gênese do que chamamos de proces-samento mental. da respiração. Não é possível responder sim ou não de maneira linear. imprevisíveis e com uma lógica que requer sutilezas do tipo “talvez”. Surge da dinâmica de recrutamento de funcionários de departamentos concretos em comitês mais ou menos fixos. surgiram problemas novos. acréscimo neuronal. Há departamentos concretos que cuidam da defesa. começassem a forjar a mente. e outras. Por outro lado. Às vezes. 4 Departamentos concretos e virtuais exemplo −. Mais que isso. Por quê? Porque os elementos dos departamentos concretos. um livro que pág. mais ou menos não. e formação de sociedades. utiliza-se de um estilo analógico de processamento temporal de informação. a ambigüidade e a criação. Tem base no cérebro. interpenetram todas as decisões da empresa cérebro-mente. A mente está ali? Não. Henrique Schützer Del Nero Divisórias e compartimentos cap. a base para o surgimento da mente. que se procura na empresa concreta cérebro pelo departamento “mente” ou pela sala onde está a memória. Grande parte dos livros sobre ela acaba por citar estruturas cerebrais como o lobo frontal. usando-se para isso uma forma analógica de processamento. sem com isso resolver o impasse. Para enfrentar a novidade. assim. o sistema límbico. divisórias. contudo. utilizando-se da dinâmica ana-lógica. salas. 62 Um livro cheio de nomes de departamentos cerebrais assusta e não esclarece. embora interesse. No entanto. Falar dessa organização. foi preciso recrutar elementos que já estavam lotados em departamentos concretos de modo que. o pensamento ou a emoção não se consegue muito. c) pode se reunir em diferentes pontos de um prédio. Se as soluções são satisfatórias. do sim ao talvez. proclamando sandices do tipo: a mente é o neurônio. b) seus integrantes não são tão importantes quanto a lógica de seu recrutamento. a) não precisa de local fixo para a reunião. Não é espírito. ao envelhe- pág. O cérebro humano existe há alguns milhares de anos. que o sítio da mente é o cérebro não significa confundi-la com qualquer um dos departamentos cerebrais concretos. possibilitou uma forma de reunião nova e criativa. ou o lobo frontal. salvo se consideremos que o conselho de acionistas da empresa é espírito somente porque não tem data e local certos para se reunir. às vezes. Se começam a aparecer problemas semelhantes àquele já resolvido por um determinado conjunto. Não é. O cérebro. Apesar de muita gente já ter sido ludibriada pelo similar. inclusive fora dele. 63 A necessidade recruta certos departamentos e membros. essa mente pôde fluir pela sociedade e ser reproduzida em máquinas. A falta de local fixo. Surgiu a mente e. 4 Departamentos concretos e virtuais fale da dinâmica de recrutamento pode parecer distante do cérebro. porém. entre outras peculiaridades. ao operar a transformação do neurônio digital em analógico. . ou a sinapse. Esses comitês são fixos não por estarem situados no 3o ou 4o andar. tendo surgido lentamente a partir de problemas que se impunham e para os quais a estratégia de convocar departamentos virtuais mostrou-se boa. cap. Mas por serem sempre recrutados para certas funções a partir de uma lógica que ordena neurônio colunar ou similar. neurônio límbico ou similar. mais adiante. a substituição não só é adequada como. a regra sendo clara e o elenco bom. ou o córtex associativo. suscitou a impressão de que a mente fosse espírito. A reunião gera soluções. pode-se fazer com que aqueles elementos se transformem em departamento virtual permanente − um comitê com certas características que devem ser preservadas.3 Dos acertos de alguns desses departamentos formaram-se comitês quase fixos que permanecem operantes até os nossos dias. A mente humana (pelo menos como a concebemos) talvez há um pouco menos. Basta que se encontre a regra de formação daquela comissão e se convidem pessoas com características mais ou menos próximas de modo a manter a lógica da reunião. Nem por recrutarem o neurônio do córtex colunar ou do sistema límbico. prepara excelentes novidades. além de impedir que o indivíduo. Dizer. Henrique Schützer Del Nero no futuro esse conjunto pode ser chamado novamente.SÍTIO DA MENTE O comitê é uma forma de departamento que possui algumas peculiaridades: Ninguém é insubstituível no departamento virtual (aí está a base da reabilitação após certas lesões neurológicas). embora o mais freqüente fosse a soma simples. a mãe. 3 e o filho. nem carteira assinada. processava. do tipo talvez. nem rumos préestabelecidos. o departamento não pode ter divisória. sejam todos fundamen- SÍTIO DA MENTE A natureza preparou o ambiente para que aparecesse esse tipo de organização virtual. bastando que o 64 Embora departamentos concretos. capaz de dar soluções novas e criativas a problemas desconhecidos. conhecimento e técnica. se houvesse um sistema com um departamento concreto do tipo mental. O cérebro humano. O tipo de deliberação que se fazia no corpo do neurônio podia seguir diferentes tipos. acabe com os departamentos virtuais. condicionamentos). eles imediatamente ficam burros porque esses departamentos devem deliberar com base no sim ou não. o que também lhe conferia caráter ana-lógico. Mente é. propiciada basicamente pelo caráter analógico do potencial de ação. O mensageiro podia variar o formato e a quantidade de receptores. cap. Somando-se. . Quando se colocam divisórias e se assinam as carteiras de trabalho de especialistas em inteligência. esse departamento instantaneamente deixaria de ser mente. O potencial no dendrito era variável (tanto no formato como na intensidade. na codificação da informação). lembra-se? O pai tem 5. A lógica de reunião em comitês. seria conhecimento ou técnica. Henrique Schützer Del Nero A história evolutiva da mente é curiosa. 4 Departamentos concretos e virtuais cer ou sofrer certas lesões cerebrais. Não se precisou esperar milhões de anos até que uma mutação fizesse surgir um cérebro com um departamento concreto chamado mente. memória. A mente estava pronta para surgir. mensageiros e neurotransmissores. tais para uma série de funções. por natureza. mas já trazia escondido um código de barras na freqüência dos potenciais de ação (versão analógica do potencial de ação). uma regra de convocação e solução − regra dinâmica e código de convocação −.Outra característica indissociável da lógica do departamento vir tual é a inteligência. Do contrário. 2. constituído por neurônios. o que aumentava a conexão e a precisão entre dois neurônios (aprendizado. Inteligência é resolver algo para que não há ainda solução específica. obtêm-se 10. Mais interessante ainda é que. não são o elemento nodal de qualificação do que chamamos mente. sinapses. nem posto fixo. sim ou não (versão usual e digital do potencial de ação). Mas havia implícitos outros modos de reunião (decidir que norma deve otimizar uma reunião entre três contendores é matéria de inteligência) e de decisão diante de 5. hábitos. pág. como vimos. lógica digital de tipo sim ou não. aprendizado. nem hierarquia severa. Quando se trata de um tipo peculiar de decisão que envolve novidade. possibilitou que a mente já estivesse pronta para começar a acontecer no cérebro humano. 3 e 2. jamais estrutura estática que possa ser a priori desenhada para tratar do problema x ou y. criatividade. A mente humana é considerada sinônimo de sistema inteligente. pensamento ou inteligência. Num dado momento. Água líquida e água vapor são milhões de moléculas de água em estados diferentes. os neurônios fossem funcionários digitais (sim/não) e. capaz de. . fazer coexistirem departamentos concretos e virtuais. cap. não evaporou. mas agora com dois tipos de processo decisório. Ambas são água. despachando nos departamentos tradicionais. funcionários polivalentes e problemas novos às pencas. o número de funcionários cresceu de maneira a possibilitar uma transição de fase entre a antiga empresa (cérebro humano sem mente) e a nova empresa (cérebro humano com mente). do neurotrans-missor e do mensageiro uma complexidade que já estava ali. rem a existir os departamentos concretos para todas as situações triviais que exigissem grande rapidez de ação). criar e inventar. visível a olho nu. A lógica da reunião nos departamentos virtuais tomaria emprestada do neurônio.” Claro. porém. Essa transição pode ter se dado quando a empresa atingiu dez bilhões de funcionários ou alguns trilhões de vias de contato entre eles. Tenha em mente que a dinâmica de formação do mental se dá graças a um artifício de processamento dos sinais. As moléculas sempre estiveram aí. podendo dizer talvez . 65 O cérebro humano era essa empresa. justificar. O cérebro mente é água vapor que move a locomotiva inteligente. senhor. Às vezes. nas situações triviais. Mas a água líquida não é água vapor. decisão num só sentido e decisão em todos os sentidos.. a água evaporou. pág. já que havia uma empresa com malha rica de departamentos. são o mesmo cérebro estático. são mente inteligente e criadora. Henrique Schützer Del Nero A mente não precisava. o de departamentos concretos estanques e o de departamentos virtuais. ser um novo cérebro nem um novo departamento. num nível muito baixo. 4 Departamentos concretos e virtuais sistema se organizasse de forma a fazer coexistirem departamentos fixos/concretos e departamentos virtuais. dizendo sim ou não. Não tente achá-lo procurando na panela que fervia um instante atrás: evaporou e está em movimento frenético. nas situações complexas. São eles que estão o tempo todo ali. da sinapse.O leitor pode dizer: “Não.. para fazer com que. o cérebro é um bilhão de neurônios. a divisória sumiu. não são mente. assim. Às vezes. surgiram os departamentos virtuais e as decisões se tornaram analógicas (a par de continua- SÍTIO DA MENTE A empresa continuou na avenida tal. conversando em locais virtuais. Aí. uma conexão a mais e. como no exemplo da água a 99 graus. Na água líquida e no vapor. número tal − no cérebro humano −. hierarquia rígida e pulverizada. usando o talvez. tomassem assento em outros departamentos. há departamentos concretos que possibilitam que isso ocorra no ser humano e em nenhum outro animal. o digital e o analógico. aos poucos. um funcionário a mais. não movimenta uma locomotiva. são a mesma empresa. Mas são neurônios sempre. é possível construir mais coisas. intensidades. Que a razão última que faz surgirem os departamentos virtuais é um determinado padrão de funcionamento do neurônio (analógico e não digital). o tipo de mensagem que passa para o outro (escrita sob a forma de neurotransmissor) e as alterações internas que sofre em função do tempo (isto é. Mas por que chamar de A azul. A azul. A amarelo. AB. sabemos. vermelho. Lá estão os departamentos concretos e seus membros. lembre-se. A preto. o papel do mensageiro que vai mudando o perfil de seus receptores). E o leitor vai perceber que é nessas combinações Suponha um alfabeto constituído apenas por 4 letras: A. freqüências. Isto é. AD e BC são as combinações possíveis. mas muitos. SÍTIO DA MENTE Agora. O truque do cérebro humano é que ele não tem apenas um modo de ser dividido em departamentos concretos. embora A possa ser de quatro tipos. teria somente um tipo de funcionário. Henrique Schützer Del Nero Mais divisões nos departamentos concretos que reside outra parcela da mente. Mas precisamos saber mais sobre os departamentos concretos. Isto é. BD. à emoção. Uma empresa cérebro. B azul. B preto. locais e instantes diferentes que processam informações. Devemos construir seqüências dessas letras duas a duas. 4 Departamentos concretos e virtuais Olhando para o cérebro estático. imagine um alfabeto com mais elementos: A vermelho. B. Mas os choques são tão variados e com tantos formatos. Coloque-o para funcionar e. na profusão das formas elétricas que codificam o mundo. não fala nossa língua. dá choques. a cada instante de maneira nova. cimento. ao pensamento. conhecer as divisórias e departamentos que realmente estão localizados no 1o ou no 3o andar. CD. de certa forma continua sendo A. sobre os diversos tipos de divisórias que se podem colocar para que entendamos que combinações virtuais futuras podem aparecer. os departamentos vão se tornando novas unidades como se fossem novos tipos de tijolos. AC. no final. pág. surgirá. à vontade e. C e D. Definitivamente. cap. Evidentemente. freqüências. O funcionário é o neurônio e as três funções são a ligação com o outro (a sinapse). em primeiro lugar. à consciência. posições. para início de operação. que executaria três funções interessantes. identificar os departamentos concretos da empresa cérebro. amarelo e preto? Porque. na dinâmica neuronal. esses circuitos elétricos manipulam correntes elétricas. o comitê que dá forma à inteligência. Esse funcionário. vê-se uma face da moeda. sem repeti-las nem inverter sua posição (AB e BA são iguais). portas 66 Que todos os funcionários são neurônios.Entender a organização da mente é tarefa que implica. também sabemos. vidro e ferro. C azul e D.4 . A3 ou A4. Para dividir o cérebro. Cada sinapse. B. no departamento neurotransmissor. Neurônios. 3. B (tipo 1. pouco sobre a mente e mais assustam do que ensinam os que desejam somente entender como é possível fazer surgir mente a partir de um cérebro. 4) mensageiros. os diversos modos de definir os elementos fundamentais do cérebro humano: Os grandes departamentos cerebrais 2) sinapses: excitatórias. nomeamos quatro departamentos: neurônios. 2. etc. onde havia A. De maneira geral. mensageiros e neurotransmissores. etc. tais como os lobos cerebrais. além da riqueza de codificação do neurônio e da sinapse. Para certos fins. A linguagem corrente (essa que estamos usando para nos comunicar através deste livro) ficará para um pouco mais adiante. dizendo que é constituído de células que codificam informação: os neurônios. Estas. agora. 2. Numa classificação mais detalhada. 2. O mensageiro também pode ser diverso. de três tipos. há três. serotonina. aceticolina. Henrique Schützer Del Nero Para todos os efeitos. 3). neurotransmissores e mensageiros. 3). Que tal colocar algumas divisórias a mais? Cada neurônio poderá ser de três tipos. na nossa empresa apenas quatro letras para escrever coisas. 4) e D. mas. 67 1) neurônios: sensoriais. essa é a lógica concreta sobre a qual a codificação analógica pode se debruçar durante o recrutamento dos departamentos virtuais. motores. Há também circuitos que privilegiam certos neurotransmissores. de quatro tipos. Percebese que. pág. então. Então. para o nível deste exemplo. sinapses. Para outros. há ainda uma fonte suplementar de codificação. A2. sinapses. Dentro de cada departamento há funcionários distintos. o sistema límbico. Vejamos. inibitórias e moduladoras. integradores. Cada neurotransmissor. podemos usar uma divisória única. C (tipo 1. temos. . É como se houvesse duas maneiras de dividir os departamentos concretos do cérebro: grupos de neurônios formando estruturas visíveis a olho nu. 3)neurotransmissores: dopamina. Grupos de neurônios formam módulos concretos mais ou menos especializados em certas funções. consideramos o fato de ser A ou B. cap. 4 Departamentos concretos e virtuais abertas ou fechadas. C. contam apenas algo sobre o cérebro. No departamento sinapse. D temos agora A (tipo 1.SÍTIO DA MENTE Há outras divisões que podem interessar. e assim por diante. no entanto. noradrenalina. consideramos A1. ficará sendo do tipo único. quatro. 68 Fig. formado por outros tantos módulos responsáveis pelas emoções e afetos. o que também inclui a parte automática. As estruturas importantes seguintes constituem o sistema límbico. o sistema nervoso humano é constituído por medula.15 − Grandes "departamentos" cerebrais: divisão macroscópica. especializados em certas funções. O cerebelo é uma estrutura que controla basicamente a coordenação dos movimentos automáticos (por exemplo.SÍTIO DA MENTE No diencéfalo situa-se o tálamo. dor. do pensamento. cap. Henrique Schützer Del Nero De forma simplificada. visão. frontal. audição) e mandam informação para os músculos (responsáveis pela fala. diencéfalo e hemisférios cerebrais (Fig. equilibrar-se num muro). hipocampo e amígdala (estes últimos. e também sobre a produção de hormônios. pela locomoção) e para os órgãos. o que permite que saiamos correndo após uma ordem do cérebro. um dos grandes relés (filtros) de informação que chega ao córtex e estrutura. ou sobre o funcionamento intestinal. pág. gânglios da base. im- portantes para o processamento de emoções). Para o nosso propósito. há controle do sistema sobre o músculo da perna. como veremos adiante. parietal. ponte e cerebelo. não-consciente. . Assim. da fala. chamados circuitos. onde parecem ocorrer as sincronizações vitais para o surgimento da consciência e da atenção. 4 Departamentos concretos e virtuais sinapses e neurotransmissores criando outros departamentos. mesencéfalo. occipital e temporal). etc. etc. tato. Da medula passamos ao bulbo e à ponte. gustação. que têm como função principal o controle da respiração e do ritmo cardíaco. A medula é uma das grandes vias (juntamente com algumas outras que vão direto ao cérebro) que trazem informação do corpo e de parte dos sentidos (olfato. bastaria saber que os hemisférios cerebrais se dividem em córtex cerebral (com os respectivos lobos. 15). sofre a confrontação com conteúdos emocionais ligados a ela e. A informação vai. pode ser replicado em máquinas e em tantos meios de suporte quantos forem capazes de preservar-lhe a lógica de recrutamento e conexão de elementos. então. a imagem. o pensamento. 4 Departamentos concretos e virtuais No córtex cerebral. consciente ou não.onde são feitas as primeiras decodificações (claro/escuro. Acrescentemos os circuitos que resultam da combinação de tipos de neurônios. a intuição. .A integração de departamentos concretos e o lento surgimento da mente Quando alguém diz estar vendo uma caneta diante de si. responde-se que a impressão visual vinda do meio externo sai da retina. mas é um conjunto de funções que. passa para as áreas motoras ligadas à coordenação dos movimentos. rugoso/ liso)5 . perto/longe. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Em linhas gerais. mente? Está no cérebro. finalmente. bem entendido. estão as funções mais ligadas ao pensamento e à inteligência. sinapses e neurotransmissores e teremos a malha de departamentos concretos.e segue para áreas associativas que lentamente constituem um objeto pleno. a vontade. Onde está a Se uma pessoa pergunta sobre a visão de um objeto. a emoção. o que se pode falar de divisórias mais ou menos fixas (no sentido de grupos especializados de neurônios) está retratado acima. Entre suas funções estão a consciência. a memória. o aprendizado. sabemos que a imagem da caneta saiu da retina. Não se pode fazer um departamento para a visão. cap. metas e novidades. Ali processam-se decodificações e classificações. vão sumindo os departamentos delimitados por divisórias e surgindo comitês ou departamentos virtuais em seu lugar. Cada sentido tem uma área de recepção no córtex. o que parece estar ligado à sua capacidade de gerar planos. no ser humano. tem um desenvolvimento bem pronunciado. Onde estão essas funções no cérebro? À medida que certas tarefas se tornam mais complexas. a criatividade. O resto será departamento virtual e processamento analógico que recruta diferentes módulos e funcionários. pág. À medida que a informação 69 A mente humana surge de um cérebro constituído por neurônios e por ligações entre eles. colocando-se divisórias em todas as áreas envolvidas entre a entrada do estímulo visual e a consciência visual do objeto. foi para o lobo occipital e dali trafegou por uma série de circuitos (diferentes departamentos) até se constituir na consciência de que se está vendo uma caneta. O lobo frontal. para as áreas associativas. onde encontramos a divisão em lobos. dirige-se às áreas visuais no córtex occipital . os elementos processantes vão se sobrepondo. Há uma operação mental em curso. função que não tem representante inicial nos departamentos concretos sensoriais? Por isso. do pensamento. Um mesmo grupo de neurônios (ou um mesmo funcionário. os dois podem se cruzar. Também o cálculo seguiria percurso parecido. fortemente ligado à história individual de reforços positivos e negativos guardada pela memória. Se isso ocorre com a visão e o olfato. pág. o processamento final acaba por variar de pessoa para pessoa em função de um colorido emocional e valorativo. tendendo a ser virtual por natureza. com o tempo (e são apenas alguns milésimos de segundo) essa informação visual acaba sendo tratada em áreas que se superpõem. às vezes. tende-se a resolver qualquer questão em departamento virtual. que relatava “ver a música”. pensamento. onde sofrem uma espécie de tratamento emocional. reflexão e consciência crítica. com divisórias fixas tanto para a seqüência visual como para a seqüência olfativa (do estímulo de um cheiro à consciência daquele cheiro). . Para os estágios iniciais de processamento de informação no cérebro. Apenas as seqüências iniciais de um processo de percepção seguem caminhos com divisórias mais claras (isto é. Após um processamento inicial em departamentos mais específicos. Não tente colocar divisórias claras tais que as somas fiquem num departamento e as subtrações em outro. Do lobo occipital viaja para regiões subcorticais e daí para certas áreas do córtex. Parece ser isso o que subjaz à descrição de alguns gênios. Quanto mais próximas da consciência. Porém. como Mozart. então. superpondose. o pensamento é tão vital na caracterização da mente. no exemplo da empresa) pode ser usado em duas funções diferentes. Imagine uma informação visual e um cálculo. Nas áreas de associação. há uma certa compartimentalização.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 70 Pense numa conta de 2 + 2 chegando ao resultado 4. com áreas de processamento sensorial. Imagine que se queira fazer um departamento para a visão e outro para o olfato. Se nas primeiras etapas de processamento a região do cérebro é mais ou menos específica e exclusiva. o que significa dizer que ocorre virtualização do módulo antes concreto. Cálculos terão departamentos virtuais mais ou menos comuns. Ali acaba por se reunir a maior parte das comissões. com departamentos mais concretos e com processamento digital). 4 Departamentos concretos e virtuais chega às áreas associativas. como todas as informações passam pelo sistema límbico. que vai se perdendo à medida que progridem a complexidade e a associação intermódulos. indo parar no córtex associativo. mais se embaralham as unidades processantes recrutadas em comitê. cap. o que dizer. Essa última etapa parece estar intimamente ligada às habilidades mais profundas do ser humano: raciocínio. e assim sucessivamente). Os fatos cruciais da mente humana . complexo. a criatividade. a capacidade de refletir. portanto. mas arregimentando representantes para formar comissões (um representante do lobo temporal ou equivalente. Vivendo num sistema rico. haja apenas processo de escolha funcional e reunião virtual. cap. Tem de selecionar um modo de criar comissões para isso. explorá-los. estudá-los e fazer deles enfeite para colocar na sala. a memória. Se o animal resolve domar tigres. as intuições . É como se a empresa fosse. pois a natureza não pode prevê-las nem selecionar para elas departamentos fixos com divisórias claras. mais um do sistema límbico. já que nem todas as conexões são usadas o tempo todo. aprende rapidamente como ele é e como fugir dele. já que esses fatos mentais são fruto da reunião de unidades vindas de diferentes departamentos concretos.como a consciência crítica. como uma grande malha. onde a informação é processada. pág. a informação precisa: SÍTIO DA MENTE A complexidade dos problemas enfrentados pelo ser humano requer uma lógica de remanejamento dinâmico. O representante não precisa ser sempre o mesmo. de acordo com a necessidade e a peculiaridade 71 1) passar primeiramente pelo departamento concreto específico. pode-se considerar que grande parte da atividade cerebral complexa (justamente a que é mental) se dá em departamentos virtuais.Em geral. as emoções. incompatível com problemas claros e históricos. A partir do momento em que são criadas. . Cuidado com a afirmação de que o hemisfério direito processa informação espacial e o esquerdo. para que seja processada em todas as etapas.costumam ser processados numa região em que não há divisórias bem marcadas e iguais para todos. o pensamento. o ser humano não pode resolver grande parte de seus novos problemas através dos departamentos tradicionais. constituída apenas de departamentos virtuais. num certo sentido. o sonho. em constante mutação e produzindo alteração constante nesse meio. ou que o lobo frontal é o centro da ética e assim por diante. Embora não se precise chegar a esse extremo. em vez de divisórias bem marcadas. Um animal ou nasce conhecendo seu inimigo ou. Henrique Schützer Del Nero Alguns cientistas supõem que o cérebro humano seja uma rede totalmente conectada. 2) tomar variadas rotas. É isso o que faz com que. 4 Departamentos concretos e virtuais A idéia de organização em compartimentos no cérebro humano deve ser vista com cautela. não ao acaso. apenas deve vir das regiões certas. o aprendizado e a transmissão dele. informação lógica. é preciso criar um sistema que vá gerenciando essas novidades. então. a linguagem. crítica. Para ir do 72 É o caso de Einstein. um pouco rali no deserto. dirigindo seu carro através do deserto. o controle da respiração) ocorre mais ou menos dessa maneira. . cap. que tirou da cartola uma nova teoria acerca da natureza arrumando os conceitos de um jeito que ninguém havia pensado antes. como pensamento. lendo-a e estudando-a. formar uma comissão virtual no seu cérebro parecida com aquela que se formou na cabeça de Einstein quando a elaborou. Onde se atolava. O processamento cerebral dos animais e de algumas por ções não-mentais do ser humano (por exemplo. agora se encontra o único local de passagem. como se constituíssem um conselho de empresa (isto é válido para as funções superiores. simplesmente moldadas para que o indivíduo escape de atolar. em seguida. Como a teoria foi bem-sucedida. Os departamentos concretos são mapas com ruas e avenidas − circuitos preferenciais. Inteligência e formação dinâmica de comitês O córtex cerebral funciona mais ou menos assim: é um pouco mapa de cidade com ruas e avenidas. Mas não é. Se dão certo. criaram-se os instrumentos de transmissão de conhecimento necessários para que um estudante pudesse. as coisas se passam dinamicamente. essas comissões servem para estabelecer a regra dinâmica do “talvez” (código de barras) e não do “sim” ou “não”. que você vai correr no rali Paris-Dacar. avenidas. pontos de referência. O que você procura ali são ruas. mas todas elas incluem ruas bem definidas. ponto A ao ponto B. Onde havia uma duna. não se pode passar onde não haja rua. memória. Os departamentos virtuais são resultado de uma dinâmica que vai mudando as coisas a todo momento e que deve ser descoberta pelo piloto experiente − estradas múltiplas no deserto. etc. O bom piloto conhece truques para avaliar a situação a cada instante e criar uma saída.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Imagine. bairros. vontade). agora não há. a falta de ruas faria com que qualquer um conseguisse vencer. Se fosse totalmente ao acaso. juízo. ficam mais ou menos vitalícias. pág. Aprende o truque. há algumas alternativas. Imagine que você está estudando um mapa de sua cidade. não o trajeto. 4 Departamentos concretos e virtuais do sistema. Claro que há bons e maus pilotos. Dirigir um carro nessa cidade requer um estudo do mapa para que se veja o caminho a seguir. Não pergunte a um bom piloto que trajeto deve ser seguido: não há mapa de ruas e avenidas. Não se pode entrar na contramão. tende a avaliar cenários complexos em que a dinâ- O neurônio está habilitado a dar respostas digitais através do caráter sim ou não do potencial de ação. Henrique Schützer Del Nero Síntese mica analógica do talvez espelha melhor seu parecer. Também está apto a dar respostas analógicas através da freqüência dos potenciais. A mente lida basicamente com situações novas e que exigem aprendizado. Isto é a inteligência. tendem a ter departamentos rígidos para sua solução. e sim dinâmica calcada no processo e estilo analógico de reunião (via código de barras). o que é certo agora pode não ser dentro de instantes. A inteligência. SÍTIO DA MENTE Procurar a mente em regiões específicas do cérebro é estéril porque sua lógica de aparecimento está calcada no recrutamento dinâmico de unidades que processam o talvez em comissões virtuais. baseadas na lógica digital do sim ou não. pág. O piloto inteligente sabe que não é fazer sempre 73 Não cabe criar departamentos concretos para problemas complexos que requerem o “talvez” como resposta. não necessariamente em local específico e com membros vitalícios. para certos fins. Às vezes. As rotas são inúmeras. e previamente conhecidos. é construção contínua de rotas em locais em que não há caminho único e imutável. problemas novos tendem a requerer improvisação. temos departamentos concretos processando rotinas bem conhecidas. . O bom piloto descobre truques para não atolar. Assim. com afirmações de que esta ou aquela função mental está localizada num ou noutro ponto do cérebro. principal atributo da mente humana. mas na regra de convocação. embora não tenha mapa das ruas.A grande dificuldade de compreensão da mente e de seu sítio cerebral advém de uma peculiaridade de processamento: enquanto problemas claros. a regra dinâmica de seleção de membros em comitês é o que propicia respostas adequadas para cada situação. temos a reorganização de departamentos concretos em comissões que podem usar o talvez como resposta. É nisto que parece consistir grande parte das doenças ou distúrbios mentais. inteligência e hesitação. Cuidado. Um departamento virtual que não se repete nos membros. Daí a capacidade de improvisação e criação. Para problemas complexos. cap. Em lugar de dar respostas rápidas e precisas. Virtual aqui não significa imaterial ou evanescente. 4 Departamentos concretos e virtuais A mente é preferencialmente uma rota que surge no deserto. mesmo o bom piloto atola porque a dinâmica com que o deserto muda é mais forte que seus truques e habilidades inteligentes. Como numa corrida no deserto. Em lugar de casuísmo ou indeterminação. portanto. Grande parte do nosso conhecimento e aprendizado 3. (1981) Brainstorms: Philosophical Essays on Mind and Psychology. A estrutura hierárquica e modular se chama estrutura de dados. atolando poucas vezes e repetindo o truque de condução. Henrique Schützer Del Nero Notas se dá dessa forma. Londres: Penguim Books. migramos para situações estáveis em que há uma regra clara de procedimento e. uma explicação do porquê de se agir dessa maneira e não de outra. porque creio que. Um cérebro poderia perfeitamente ser uma estrutura desse tipo. capazes agora de classificar com rapidez as ambiguidades e também as situações similares ao exemplo aprendido. D. com o tempo. devido à complexidade. a respeito da chamada "estrutura de dados" (data structures) e sua qualificação como processamento mental digital Dennett. (pp. Ao contrário. . com o tempo. o que é desinteressante. mas parece que o processamento é analógico e não digital. MIT Press. na maioria das vezes. grande parte dos programas que simulam a mente tenderão a se utilizar desse padrão. Esse é o grande desafio deste livro: mos trar todos os estilos de processamento e como o cérebro é visto hoje em dia.109-126. (1976). Os conceitos de processamento dinâmico e de formação de comitê não são compatíveis com as noções que conhecemos hoje de gran des divisões macroscópicas (por exemplo dizer que a emoção está no sistema límbico ou que a linguagem está na área de Broca) nem são compatíveis com subdivisões outras do tipo hodologia (circuitaria) neural ou sistema dopaminérgico x adre- 74 2.SÍTIO DA MENTE 1. J. Pode-se dizer que iniciamos o aprendizado num cenário de energia com muitos pontos de mínima local. Uma tese muito interessante no sentido da formação da mente a partir de elementos de interação social. 4 Departamentos concretos e virtuais o mesmo trajeto que o impede de atolar. Pode realizar. somos capazes de perfilar alguns poucos atratores. cria caminhos novos a partir do contexto. desde que equipada com um cérebro adequado. republicado em (1990) The Origin of Consciousness in the Breakdown of the Bicameral Mind.) 4. Deve ficar claro ao leitor mais exigente que existe uma infindável superposição de níveis na organização cerebral. pág. tarefas extremamente ricas. por alguns anos ou décadas ainda. pode ser encontrada em Jaynes. De toda forma. Após tentativas e erros. não a rota. cap. Cf. deveremos aprender bem o processamento digital. cap. (1995) Scale in Conscious Experience: Is the Brain Too Important To Be Left to Specialists to Study. Também uma certa concepção de neuropsicologia clássica baseada em correlações de lesões e disfunções precisa ser combatida. Pribram. no nível de biofísica de membrana e fluxo de íons. 1993. D. porque. Lawrence Erlbaum Associates (pp.133-154).. J. M. se por um lado . Todos esses textos se referem à migração dinâmica de áreas sensoriais primárias. não faz senão esclarecer regiões preferenciais de processamento de certas funções (o que chamo de uma comissão se reunir. M. Lin. O leitor deve notar a complexidade do problema. no 2o ou 3o andar) sem. a respeito dos trabalhos sobre dinâmica em áreas sensoriais primárias. preferencialmente. 3) Nicolelis. M. Porém.. na feliz expressão de Miguel Nicolelis. J. havendo dinâmica que faz campos receptivos migrarem enquanto se executa a tarefa. nem no nível das áreas primárias há um localizacionismo tão estrito.. implica fazer certos recortes e estabelecer certos níveis para a ocorrência de nosso vocabulário. nem a estruturas tão grandes quanto muitos apregoam por aí (a mente é o lado direito ou o lobo frontal). Woodward. explicar a gênese da função devido a um certo estilo de processamento. Cf. (1993) " Periphereal Block of Ascending Cutaneous Information Induces Immediate Spatio-Temporal Changes in Thalamic Networks" in Nature 361: 533536. Também certas propriedades de campo na análise do sinal elétrico e de processamento em células antes tidas apenas como suporte (como é o caso das células da glia) podem estar envolvidos numa retaguarda concreta à formação das dinâmicas de sinalização temporal. 4 Departamentos concretos e virtuais nérgico. auxilia no prognóstico e diagnóstico de inúmeros quadros. Ora. vale a dicotomia departamento concreto x departamento virtual.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 75 5.."Beyond Single Unit Recording: Characterizing Neural Information in Networks of Simultaneously Recorded Neurons" in King. C. no entanto. subjaz a isso uma complexidade estrutural concreta que deve. 1993. Essa tese tem por objetivo fazer face a uma nova voga de pensamento que procura estabalecer uma "nova frenologia" ou localizacionismo. "Distributed Processing of Somatic Information by Networks of Thalamic Cells Induces TimeDependent Shifts of their Receptive Fields" in Proceedings of the National Academy of Sciences 90: 2212-2216. Chapin. et. Para uma visão de tamanho médio do cérebro. Nicolelis. não é tão essencial que se chegue nem à análise de campos formados por fluxo iônico. 2) Nicolelis. Para recepção da informação visual temos um de- pág. J. no entanto. possibilitar que se ajustem freqüências determinadas e codificação temporal.. K. al.. se há a possibilidade de se formar um recrutamento dinâmico no espaço de sinais elétricos. particularmente no processo de detecção de movimento pelas vibrissas do rato: 1) Chapin. Ciência. Dentro desse departamento há módulos. etc. cor. 76 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero cap. ou conjuntos de funcionários. Percebe-se. . movimento lateral. 4 Departamentos concretos e virtuais partamento concreto situado no lobo occipital. assim. especializados em diferentes tarefas visuais: detectar claro/escuro. que o cérebro é uma máquina infernal que reúne departamentos concretos em abundância incomensurável e a eles acresce os departamentos virtuais no plano do processamento temporal da informação.pág. um manipula e processa informação. entre os mamíferos. Isto mostra que. Assim.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. Há na porção responsável pelo processamento. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. e. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 5 cializado na recepção de informação. basicamente. um dos números mais gritantes é o de encefalização . o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. Henrique Schützer Del Nero Fôrmas cerebrais cap. “quantidade é qualidade”. ao longo de milhões de anos. Circuitos e sistemas collegium cognitio 77 O cérebro humano é. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. vai aumentando de acordo com a escala animal. o outro dá suporte físico e sustento. uma pág. algumas vezes. tal qual fosse um computador. formada pelos neurônios. Seu grau de complexidade. formado por dois conjuntos de células .SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. no entanto.5 Circuitos e sistemas parte 1 . integração e execução motora. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. Tela no sentido estrito são as individuais. agora. A posição do sistema. a impressão de ser uma tela única. um termostato que deve ser acionado para regular a temperatura de uma sala em 23 graus. a de ligar o ar quente. Se a temperatura estiver acima de 23.5 Circuitos e sistemas CIRCUITOS E SISTEMAS . a sala. A imagem da grande tela é coerente. As individuais não. Henrique Schützer Del Nero C ertamente você já viu montagens em que várias telas de televisão são colocadas lado a lado. São um todo constituído de partes. Temos também um sistema espacial com partes distintas. abstração multifacetada do processo de reunião e decomposição da imagem. Se a temperatura estiver abaixo de 23. Tela no sentido amplo. ar quente ou frio. temos um sistema que pode executar ações opostas. cada uma delas exibindo parte de um programa. embora coerente. elementos distintos porque temos sensores e campainha. SÍTIO DA MENTE São várias as maneiras de se montar um circuito/ sistema para desempenhar alguma função. A analógica permite que o todo espelhe a reordenação funcional das partes. A lógica digital permite que se construam telas pequenas. assim. de meio para uma imagem coerente. pág. O sistema termostato mais ar condicionado é cons-tituído de partes que jogam tanto ar quente como ar frio no ambiente. Neste caso. Imagine que se vai montar um alarme. O cérebro fornece partes concretas e a mente as reordena em diferentes funções específicas. arranjadas de uma certa maneira no tempo e no espaço. Esse efeito é obtido através de um software que separa a imagem inicial em tantos fragmentos quantas forem as unidades que compõem a grande tela.espacial porque temos um local que detecta e outro que toca. é virtual. temos um arranjo espacial da informação com dois elementos distintos . Aqui. em que atuam duas lógicas: uma confere concretude física a cada uma das partes e a outra confere funcionalidade ao todo. determinadas pelo estado do ambiente. mas que co- 78 Circuitos e sistemas são constituídos de partes idênticas ou diferentes. que toca um alarme indicando o local que está pegando fogo. é a grande.Imagine. a grande. Esses sensores disparam um sinal que trafega por um fio ou por ondas de rádio e estimula uma central. A tela gigante dá. ele executa a função de esfriar o ambiente. executa outra função. cap. As pequenas telas são concretas. pois são parte do todo. depende da interação com o ambiente. ligando o ar frio. Eis uma primeira idéia de sistema ou de circuito. Colocam-se sensores para detectar fogo na garagem de um prédio. o absorverá. o inverso da resistência total é a soma do inverso das resistências individuais. Colocadas em série. estôma- Uma peculiaridade dos sistemas e circuitos é que. Isso é vital quando calculamos a corrente nos dois tipos de arranjo das partes . Dependendo da freqüência de uma onda. pág. Colocá-las em série ou em paralelo modifica radicalmente as propriedades do todo.Sistemas e circuitos são arranjos de partes que desempenham funções específicas. a estação B. é necessário examinar a situação externa que coordena sua resposta de esquentar ou esfriar. intestino. por exemplo. Para a freqüência A. examinar arquivos. Imagine várias resistências de chuveiro. . go. Pensando. pode haver dois circuitos que realizam a ação A e B conjuntamente com a ação C. Colocadas em paralelo. contudo. que é uma característica medida no tempo. temos a estação A conectada. dependendo de seu arranjo. e em seu metabolismo de digestão. Imagine que um rádio seja construído de forma a detectar ondas que oscilam no tempo. para que se possa detectar a estação A ou B. etc. pode-se dizer que a função da boca é recepcionar e mastigar o alimento e a do intestino. O sistema “rádio” é dotado de partes espacialmente distribuídas. regulado pela insulina vinda do pâncreas. Cada circuito tem uma função específica e. eliminando os detritos. absorvê-los. O estudo do cérebro humano é ainda mais complicado que esses exemplos. numa substância específica. As enzimas da saliva quebrarão o alimento (carboidrato) e o intestino. para entendê-lo. reguladas por um terceiro órgão. esôfago. muitas vezes. haverá partes do processo que se darão na boca e outras no intestino. etc. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Um rádio é um sistema que opera com partes que detectam variações temporais de ondas. capazes de desempenhar funções diversas de acordo com a variação de uma informação no tempo: as ondas e sua freqüência. a resistência total é a soma das resistências individuais. Não é qualquer arranjo de departamentos concretos ou virtuais que dá a mesma resposta. mudam de comportamento. uma vez que. o macarrão. cap. cada uma dessa partes tem outros sistemas e circuitos divididos em partes e com funções específicas. é preciso ter um aparato detector de freqüência.em série e em paralelo. gravar na memória um documento. há um canal de comunicação aberto. Porém. O sistema digestivo é constituído de partes anatômicas: boca. Essas ondas podem ter freqüências variadas. Para certos efeitos. Neste caso.5 Circuitos e sistemas meça a ficar mais complicado. detectar falhas. Para a freqüência B. Para cada função há um arranjo do grande sistema em subsistemas que se reorganizam para desempenhar funções específicas. Seu computador é dotado de circuitos específicos para operar diversas de suas funções: por exemplo. Há caminhos diversos por onde trafega a 79 Pense no corpo humano. Conhecer o funcionamento do cérebro depende. O mesmo sistema terá um comportamento diferente em cada caso. De lá a informação trafega até o lobo occipital. A comunicação entre os neurônios pode se dar através de um código do tipo tudo ou nada ou de um código de freqüências (código de barras). 6. 8. Henrique Schützer Del Nero resultado de bilhões de moléculas de H2O juntas. De maneira muito simplificada. Um objeto impressiona a retina. pág. Os neurônios se agrupam de variadas maneiras em circuitos e sistemas. As propriedades que surgem da disposição em sistemas podem ser entendidas pela diposição espacial 80 Quando se olha para uma molécula de água. têm importância crucial no aparecimento de determinados tipos de deliberações. do domínio de alguns conceitos que podem ser facilmente guardados: cap.SÍTIO DA MENTE Veja o exemplo de um circuito cerebral muito geral. portanto. bem como a ordem de acontecimento dos fatos e sua distribuição ao longo do tempo. Chama-se isso de propriedades emergentes. não tem sentido dizer que é líquida ou sólida. esse seria um circuito de processamento de informação visual. 3. Para certos fins. onde se processam contraste. claro e escuro. 1.5 Circuitos e sistemas informação. como departamento virtual. 2. O arranjo espacial. o código tudo ou nada (aberto ou fechado) funciona como departamento concreto e o código de barras. 4. e isso pode mudar o seu destino. porém. Os neurotransmissores podem ser de vários tipos. suas propriedades individuais e o funcionamento final do circuito/sistema serão afetados pelo tempo e pela disposição das partes. Pense que determinada decisão na empresa do nosso exemplo tem seis meses para ser estudada e outra seis horas. Essa informação será ainda reenviada para vários pontos pelos quais passou por um processo de contínua retroalimentação. 5. para o tálamo e deste para certas regiões do córtex cerebral. que vai atualizando e aperfeiçoando a imagem. conjunto de neurônios situados no fundo do olho. Os neurônios codificam informação e a transferem para outros através de sinapses. . textura. A água. A ordem dos módulos. Os neurotransmissores são a substância que carrega informação de um neurônio a outro na sinapse. terá a propriedade de ser líquida ou sólida. 7. Dali segue para o sistema límbico. O neurônio carrega informação sob a forma de corrente elétrica. para entender as respostas do sistema. de acordo com a ótica sob a qual são examinados. Portanto. no arranjo físico das partes se encontram as coações aos diferentes modos e finalidades de funcionamento. . O analógico propicia o surgimento de novos arranjos das partes. Um circuito especifica em sua arquitetura arranjos funcionais dinâmicos. ter claro que não há sistema dissociado do meio em que está colocado. no tempo. o neurotransmissor. Chama-se isso de emergência.assembléias) e por certas propriedades temporais (lembre-se do exemplo do rádio).5 Circuitos e sistemas dos neurônios (ou de grupamentos deles . Entender esse código e suas referências é o processo último de ligação do cérebro com a mente e com o mundo.SÍTIO DA MENTE 10. os mensageiros. de modo que as fôrmas nas quais se depositarão as funções mentais estejam prontas. em sistemas pode fazer surgir novas e diferentes propriedades. Estudar o cérebro significa entender o neurônio. das informações elétricas que transitam entre assembléias de neurônios. Cérebros são sistemas que realizam funções diversas. Síntese 81 A noção de circuito e sistema é fundamental para entender propriedades cerebrais e mentais. Uma estrutura de vigas e pilares de um prédio jamais poderá ser uma ponte. seu arranjo pág. a sinapse. somente compreenderemos algumas das ações do cérebro sobre o meio se compreendermos as ações desse meio sobre o cérebro. os circuitos/sistemas e o resultado do processamento. Henrique Schützer Del Nero 9. devemos ainda. os receptores. Se algumas propriedades surgem de uma parte. Como no exemplo do termostato. A informação no cérebro está cifrada numa linguagem especial. O arranjo digital determina certas propriedades. cap. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. Há na porção responsável pelo processamento. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. tal qual fosse um computador.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. vai aumentando de acordo com a escala animal. formada pelos neurônios. ao longo de milhões de anos. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso.6 Código e ocilaçõess parte 1 .um manipula e processa informação. Assim. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 6 cializado na recepção de informação. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. formado por dois conjuntos de células .medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. o outro dá suporte físico e sustento. entre os mamíferos. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. um dos números mais gritantes é o de encefalização . uma pág. e. no entanto. algumas vezes. integração e execução motora. Henrique Schützer Del Nero Fôrmas cerebrais cap. Seu grau de complexidade. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. Códigos e ocilações collegium cognitio 82 O cérebro humano é. Isto mostra que. basicamente. “quantidade é qualidade”. Mas o que são códigos em última análise? Todos nós nos lembramos da brincadeira infantil da “língua do p”. d) o neurônio capaz de codificar conjunções especiais de a e b.6 Código e ocilaçõess CÓDIGOS E OCILAÇÕES . Normalmente. O presidente. Henrique Schützer Del Nero O grande impasse no atual estágio científico do estudo do cérebro e da mente é saber que código de comunicação é utilizado pelos neurônios para representar o mundo externo. transitando cifrado pela empresa. Pronto. é uma regra que liga uma informação não codificada a outra codificada (ou a um símbolo). Na “língua do p”. acrescentando algo. não dá o livro a ninguém. que troca a consoante por p. seja nos departamentos concretos. c) o neurônio capaz de codificar a e b. a palavra “casa”. no caso digital. b) o digital capaz de codificar a conexão entre objetos (conectivos). vira “capasapa” (“ca” + “pa” + “sa”+ “pa”). por exemplo. Códigos são instrumentos convencionais e arbitrários em que trocamos a informação real por outra ou a modificamos. e em grupos. real e hipotético no lento processo de forja das categorias mentais. é um código. O código é esse e as reuniões deliberativas dentro do cérebro. Mostraremos agora: a) o digital capaz de codificar objetos.SÍTIO DA MENTE Imagine que uma empresa deva tomar suas decisões de maneira sigilosa para que algum concorrente não roube informações. no caso analógico. nenhum integrante da reunião sabe o código e fala normalmente numa câmara totalmente fechada. empresa rival não entendesse nada do que estivesse sendo dito. Acrescenta-se à sílaba falada uma nova sílaba. cap. A empresa pode passar a codificar suas reuniões. Esse modo de apresentar o problema mostrará dois grandes estilos de modelagem da mente: a mente como 83 Um indivíduo poderia chegar à reunião em sua empresa de posse de um livrinho com todas as substituições de letras ou de palavras e falar somente na língua codificada.potenciais de ação isolados. muito preocupado. A informação que trafega pelo cérebro humano está toda ela em códigos de barra . ocorrem usando essas convenções. seja nos virtuais. Ao contrário. interno. O produto é codificado. pág. a menos que tivesse acesso ao livro ou tentasse (o que é possível) decifrar o código. Isso faria com que um espião da Imagine que tenhamos algumas peculiaridades a mais no processo. digitalmente.6 Código e ocilaçõess programa (software) e a mente como rede neural.1 Numa outra versão. "então”. Através deles e de suas 84 Ambos os casos são relativamente desinteressantes. ambas são falsas. embora o primeiro responda pelo surgimento da concepção científica segundo a qual o cérebro teria para cada fato do mundo um representante próprio. se tivermos três neurônios. poderíamos simplesmente codificar objetos tais que. outro representando “Pedro quer tomar café” e o último representando a conjunção “Pedro quer ir ao cinema e quer tomar café”. . “ou”. Na codificação de objetos. falsa e vice-versa. poderemos codificar. a tabela de possibilidade de verdade e falsidade de cada uma das três sentenças. “não”. Cada um dos dois é uma sentença acerca de Pedro. por exemplo. Um neurônio que codificasse gatos seria responsável por disparar potenciais quando aparecessem gatos no campo visual. Imagine o caso A lógica nos fornece basicamente alguns conectivos como “e”.) Portanto. quanto maior o número de potenciais. Pedro quer ir ao cinema Pedro quer quer tomar café sim (1) sim (1) não (0) não (0) sim (1) não (0) sim (1) não(0) Pedro quer ir ao cinema e quer tomar café sim (1) não (0) não(0) não (0) Caso interessante é aquele em que o digital serve para ligar sentenças através de conectivos. os três primeiros silenciosos e o último gerando um potencial de ação. isto é. dado um objeto. há apenas uma relação entre algo e o disparo neuronal. das duas primeiras e da conjunção através do conectivo “e” de ambas. uma é verdadeira e a outra. A letra A poderia ser codificada como 0001. Quatro neurônios. estariam codificando essa letra. um representando a sentença “Pedro quer ir ao cinema”. Podem ser falsas ou verdadeiras. maior a “confiança” do neurônio de ser aquele objeto um gato. a conjunção de ambas sob a forma “Pedro quer ir ao cinema e quer tomar um café” obedece a uma tabela que mostra como lidar com sentenças resultantes da união através de “e” quando: ambas são verdadeiras. pág. Henrique Schützer Del Nero Neurõnios e codificação de “Pedro quer tomar café” e “Pedro quer ir ao cinema”. (Seria o caso do painel do alarme que acende para cada área afetada. Além disso. houvesse uma seqüência de 0 e 1 que o codificasse.SÍTIO DA MENTE Os neurônios são capazes de codificar objetos. bem como a conjunção entre eles. cap. Ao chegar ao corpo do neurônio. Mais ainda. cap. “então”e outros (dificilmente traduzíveis em linguagem corrente e que arbitrariamente são forjados em linguagens artificiais . no 0 ou 1. um pouco mais complicado. as tabelas de verdade dos conectivos lógicos. na verdade. Isto porque qualquer estímulo maior ou igual a 2 que chegue ao corpo de um neurônio que tenha limiar 2 disparará um potencial de ação. “ou”. Vemos isto esquematicamente na Figura 17. Assim como qualquer estímulo que chegue abaixo de 2 não disparará potencial de ação algum. Henrique Schützer Del Nero Veja que bastam três neurônios para realizar os conectivos “e”. reforçam-se certas ligações e atenuam-se outras. o que dispara um potencial de ação. . 16).Três neurônios codificando através de potenciais de ação. O esquema da Figura 16 é. um raciocínio. (Lembre-se. Esse impulso é multiplicado pelo peso da sinapse (a intensidade da ligação).85 Fig. dá a impressão que há uma convenção no disparo ou não.2 SÍTIO DA MENTE Imagine que um impulso de valor 1 chega a uma sinapse. é pela calibragem dos pesos da conexão e dos limiares que se pode deduzir o comportamento do terceiro neurônio. podemos codificar sentenças e conexões entre elas. Da maneira como é mostrado. Logo. sim ou não. O truque aqui é fazer com que o limiar do neurônio de cima somente admita disparar quando a soma for igual a 2 ou mais.e é isto o que está na base do aprendizado. do ponto de vista lógico. que pode variar com a experiência . abertos ou fechados. pág.) Suponha que nosso impulso de valor 1 chegue a uma sinapse de valor 2.6 Código e ocilaçõess tabelas de verdade. o impulso que agora trafega pelo dendrito é de 1 x 2 = 2. 1 multiplicado por 2 é igual a 2.16 .Fig. encontra um limiar de 2. podemos construir as cadeias de inferência que mostram ser válido ou não. De fato. Isto é. onde se decide se supera ou não o limiar para disparo do potencial de ação. Por ora. 19) que descreve a conjunção de “Pedro quer tomar um café” e “Pedro quer ir ao cinema”. 0). a porta se abre e temos 1 em vez de 0 (caso da porta fechada). sairá um sim (potencial de ação. quando exerce apenas a função de filtro).SÍTIO DA MENTE Numa situação mais complicada teríamos (Fig. como o resultado supera o limiar do neurônio (no caso +1). O leitor atento poderá se perguntar onde está o código de barras.Dois impulsos de valores diferentes. Assim. onde vão reunir-se. o potencial de ação é disparado. disparando um potencial de ação. logo = 2 x 3). vamos considerar que a reunião desses potenciais seja sempre do tipo soma (embora. que é multiplicado pela força da sinapse. já que os tipos de processo de decisão variam em função do valor de cada potencial). ao corpo do neurônio chega um valor de -2 (resultado de um impulso de valor 1 que chegou a uma sinapse de valor -2. 1) ou um não (ausência de potencial de ação.18 . 86 Fig.Impulso de valor 1. logo = 1 x -2) e outro de valor 6 (resultado de um impulso de valor 2 que chegou a uma sinapse de valor +3. multiplicado pelo peso sináptico de valor Pelo exemplo anterior. Voltaremos a ele mais adiante. percebe-se que cada impulso chega a um dendrito com um certo valor. Para efeito de simplicidade. do processo acima descrito. pág.3 Esta pode ser negativa ou positiva (lembre-se. inibitória ou simplesmente moduladora. .18).6 Código e ocilaçõess Fig. excitatória. necessariamente não seja uma soma. Henrique Schützer Del Nero 2. Feita a soma (6 + (-2) = 4). Todos os potenciais locais resultantes da interação com cada dendrito trafegam até o corpo do neurônio. Vejamos como fica o esquema para o “e” (Fig. que atinge o limiar 2 do neurônio esquemático. ocorrendo em dois dendritos e sendo posteriormente integrados no corpo celular.17 . cap. como mostramos em capítulo anterior. procure fixar o conceito de que. nítida distância entre o nível do programa. codificando objetos e relações de objetos através de conectivos. Chega 1 de um lado e 1 de outro ao neurônio final. À esquerda. O modo como isso se processa foi mostrado acima. “não” e “implica”. Logo. e o nível físico. 1 + 1 = 2 que supera o limiar (+2). Nesta concepção. então”.6 Código e ocilaçõess Tabela do conectivo e A B AeB 1 1 1 1 0 0 0 1 0 0 0 0 . onde estão os códigos aberto ou fechado. Henrique Schützer Del Nero Imagine agora se entrar 1 e 1 (em cada uma das duas entradas). Passa para o neurônio de cima.Fig. as sentenças e as ligações lógicas entre elas. sai o potencial de ação. (Veremos mais adiante que apenas o chamado “ou exclusivo” não funciona aqui. como “e”. 0 e 1. Há. No entanto. pág. 87 Este esquema simples permite realizar muitos conectivos. Lá acontece 1 x 1 = 1 e 1 x 1 = 1. há um conectivo cuja tabela requer mais neurônios.19 − Três neurônios codificando o conectivo lógico "e". sim ou não. principalmente com o “implica” ou “se.. Supera o limiar 1. que motivou um complicada guinada na história dos modelos mentais. operando em trin- SÍTIO DA MENTE Computadores possuem conexões abertas ou fechadas (digitais). o “ou exclusivo”. temos 1 x +1 = 1. À direita. Creditada ao trabalho de McCulloch e Pitts. e o programa é escrito de forma que essas conexões simbolizem os objetos. onde estão sentenças e conexões.) Talvez por isso tenha levado à concepção de que os neurônios seriam responsáveis pela execução de conexões lógicas. “ou”. Supera o limiar 1. base de uma série de ordens ou regras com que programamos computadores. A mente seria um programa e o cérebro. que traduzem digitalmente as operações. temos 1 x +1 = 1.. cap. um meio físico digital de realização de tabelas de verdade. cas (para o conectivo “ou exclusivo” há que se ter um neurônio a mais) e fazendo do cérebro algo muito semelhante a um computador digital. porém. 0 e 0). tal teoria ficou conhecida como “neurônio de McCulloch-Pitts”. o neurônio seria uma máquina que instancia 0 e 1. Podemos fazer muita coisa com os conectivos. Para todos os outros casos não acontece isso (para entrada 1 e 0. Uma primeira versão postulava que a mente era um programa (software) de computador e o cérebro. como a mente não é feita somente de regras lógicas. se Pedro tem um bolo.6 Código e ocilaçõess Neurônios artificiais artificiais e conectivos lógicos . Imagine que se dissesse : “Pedro tem um livro ou Pedro tem uma televisão”. O problema deixou. Conhecer a mente seria conhecer as regras do programa e as leis lógicas de conexão entre as sentenças. contudo. à questão dos três neurônios e da realização de um conectivo como o “ou exclusivo”. nem é programa. agora. como a tabela de verdade do conectivo lógico “ou exclusivo”. surgiram as redes neurais baseadas em neurônios artificiais. cap. Os três neurônios mostrados anteriormente deram suporte a esta idéia por serem capazes. ele não come o bolo e. a placa (hardware). domiciliando-se na própria noção de Toda essa problemática desembocaria num terceiro tipo de modelo que considera o neurônio um aparato analógico capaz de codificar através da freqüência e do intervalo de potenciais. Há um tipo de “ou ” (chamado “ou exclusivo”) que tem uma tabela diferente do “ou convencional”. Ambas não podem ser verdadeiras porque. então.Mas. Para tornar isso possível. Henrique Schützer Del Nero A história dos modelos de mente e de sua relação com o cérebro conheceu diferentes etapas. tal qual um computador digital. Porém. Essa é a diferença entre o “ou convencional ” e o “ou exclusivo”. SÍTIO DA MENTE Voltemos. Não há incompatibilidade se as duas sentenças forem verdadeiras. foi necessário um refinamento: a inserção de um neurônio a mais numa camada intermediária das redes. de residir no fato de as redes neurais realizarem os conectivos lógicos todos. A conjunção através do “ou” entre ambas também é verdadeira. se come o bolo. Processamento temporal Problemas importantes não são resolvidos pelos três neurônios. nas quais não havia programa. Neste caso. Elas não eram. a conjunção das duas sentenças verdadeiras através do “ou ” é falsa. pág. digital e de lógico que estava no bojo da formulação. “Pedro tem um bolo ou Pedro come o bolo” é diferente. não tem o bolo. capazes de resolver certos problemas. Compare as duas tabelas de verdade: 88 Vai daí que a concepção da mente como programa tornou-se compatível com uma rede neural de base que realizasse os conectivos tradicionais e também o “ou exclusivo”. de instanciar as tabelas de verdade dos conectivos lógicos. pág. Tente agora. o que acontecerá? Fazendo as contas. Ao neurônio 89 Veja na Figura 20 como é resolvido o problema do “ou exclusivo”. e isso representou um empecilho enorme na história do desenvolvimento das redes neurais (as primeiras redes. como é o caso do “ou exclusivo”. Fig. Como temos 1 + 1 = 2. no neurônio 1. 1 multiplica +1. usando apenas três neurônios. que toda classe de funções que envolvem separabilidade linear é resolvida. com camadas ocultas.5. indo para o neurônio 3. indo para o neurônio 3. É através de arquiteturas análogas. entra 1. Henrique Schützer Del Nero cap.SÍTIO DA MENTE “ou exclusivo” A B A ou (exclusivo)B V V F V F V F V V F F F A tabela do “ou” tradicional tem as três primeiras linhas verdadeiras (para o caso de A ou B). eram semelhantes à arquitetura de três neurônios). percéptrons. Ao neurônio 3 chega 1 do neurônio 1 e 1 do neurônio 2. não seria possível realizar algumas funções (de maneira ampla. Já a do “ou exclusivo” tem de diferente a primeira linha. como vimos na Figura 19. que é multiplicado por +1.6 Código e ocilaçõess “ou convencional” A B A ou (convencional)B V V V V F V F V V F F F . 1 no neurônio 1 e 1 no neurônio 2. No neurônio 2.20 . Sem o neurônio intermediário (camada oculta). calibrar limiares de modo a instanciar a tabela de verdade do “ou exclusivo”.Como quatro neurônios implementam o conectivo lógico "ou exclusivo". O limiar do neurônio 3 é 1.5. Não há meio de fazê-lo. se tivermos a entrada de dois valores ver-dadeiros. as funções que envolvessem separabilidade linear). o 2 passa pelo limiar 1. No caso da Figura 20. isto é. o que os transforma em instrumentos capazes de fazer praticamente qualquer coisa em termos de cálculo. 1 e 0 ou 0 e 1 chegam ao neurônio 4 e são assim integrados: 1 x 1 + 1 x 0 = 1. o valor -2 não passa. tendo por trás “neurônios” digitais. Assim. se entrar com 1 e 1. do pensamento). Como o limiar do neurônio 4 é 0. não passa nada porque não chega a exceder o 0. três para a maioria deles. pode instanciar todos os conectivos lógicos. “implica” (se. então). quatro para o “ou exclusivo”. A integração é então 2 x (2) + 1 + 1= -2 . 1 do neurônio 1. não sairá nada. e) há certos problemas (de separabilidade linear) que podem ser resolvidos por quatro neurônios. quatro) pode realizar em termos de codificação e manipulação lógica. são ferramentas poderosas para construir raciocínios (inferências necessárias que estão na base dos argumentos. os neurônios podem realizar as funções de codificar Verdadeiro ou Falso. Como o limiar do neurônio 3 é 1. ele não deixa passar nada. Se entrar como 1 e 0 (ou com 0 e 1)? 1 x 1 e 0 x 1 (ambos chegando ao neurônio 3). Se construirmos redes de neurônios como as mostradas nas figuras. por exemplo. etc. pág. temos uma porta que.a) por meio de sinapses.5 do limiar do neurônio 4. 1 do neurônio 2 e 2 do neurônio 3. da razão.5.6 Código e ocilaçõess 4 chegam. 0 e 0. no final das contas.5. deixa passar ou não 90 c) os conectivos “e”. A base dos computadores está explicada. faz passar para a frente o potencial de ação. No caso de 0 e 0. Henrique Schützer Del Nero Vê-se dessa maneira que: d) esses conectivos podem também ser realizados por conjuntos de neurônios. até mesmo o “ou exclusivo”..A ou B. estamos imaginando um computador que implemente conectivos lógicos.. ao mesmo tempo. SÍTIO DA MENTE O mais importante aqui é mostrar quanto um sistema simples de três neurônios (às vezes. “ou”. no caso de 1 e 0. de reunião e decisão no corpo neuronal e de potenciais de ação (acima do limiar da porta do axônio). sendo maior que 0. 1 ou 0. . 0 e 1. b) é possível codificar objetos (no caso de letras. 0001 seria um A e assim por diante) ou codificar operações lógicas sobre sentenças: Pedro vai ao cinema “ou” Pedro come goiabada . que. poderemos realizar operações digitais complexas que simularão a mente humana. O neurônio e a codificação temporal Quando se colocam pesos nas sinapses e integração no corpo neuronal e há ainda um limiar.5. cap. dotado de camada intermediária. O neurônio digital. Quando falamos de funções digitais. as que chamamos de departamentos concretos com divisórias claras. não.5). Ele passa a transmitir várias nuanças através do código temporal. e o digital (sim ou não) e o não-mental. o neurônio não é mais apenas uma porta por onde passa ou não uma informação.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero II III I IIII I I I No exemplo acima. respondendo como um sim ou não. Essas sutilezas correspondem a dizer que entre o potencial de ação passar ou não passar. que quer dizer a mesma coisa) aumenta brutalmente quando podemos usar o digital e o analógico. temos variação de intervalo entre os potenciais e também variação de quantidade. No sentido analógico (código de barras). do outro. Não é um aparato que apenas responde sim ou não. Isso significa apenas que vai haver um potencial de ação e pronto? No sentido digital. ma amplitude (isto é. Essa série de potenciais fará um código no tempo: cap. Essa porta está aberta ou fechada. Porém.5 ou de 5 ser maior que 0. freqüência e quantidade. como 1 ou 0.5 não faça com que passe apenas um potencial de ação nos dois casos. Ao contrário do que ocorria no caso do limiar e do potencial de ação. O cérebro deve usar esses mecanismos para grande parte de suas funções. sim. Se uma soma no corpo neuronal der 5 e outra der 8. entre a porta estar aberta ou fechada. Sabemos. Vimos atrás que o potencial de ação tem sempre a mes- IIIII pág. onde o código é “talvez”.6 Código e ocilaçõess um potencial de ação. a freqüência. há um sem-número de estados de porta entreaberta. se o potencial de ação é tudo ou nada (sim ou não). “sim ou não” (departamento concreto). O código analógico faz agora do neurônio uma máquina mais polivalente. Não há uma relação estrita entre o analógico (talvez) e o mental. Essas duas grandezas. no entanto. tentando entender o que o limiar tem a ver com o código de barras. o reponsável pela criação de diferentes departamentos virtuais. “talvez” (departamento virtual). através da quantidade de potenciais de ação. É o código que utiliza essa grandeza temporal. capaz de desempenhar várias funções nos departamentos virtuais. o neurônio analógico. . que o poder de cálculo (ou de computação. para finalizar. o mesmo tamanho). Claro que afirmar que a mente nasce da capacidade de formar departamentos virtuais baseando-se somente na capacidade analógica (“talvez”) dos neurônios é ir ao extremo. talvez o limiar 0.5. existe uma série de potenciais de ação que podem surgir após a superação do limiar (o que será diferente no caso de 8 ser maior que 0. 91 Imagine que de uma decisão no corpo neuronal resultou 8 e que o limiar é de 0. Vejamos agora. criam no tempo um código que pode (como o código de barras) transmitir informação. de um lado. Já vimos todo o poder do neurônio digital. caso 2. etc. 21): . dois potenciais mais espaçados (codificando pelo número de potenciais um mesmo objeto. além de uma distância temporal que também permite fazer diferenciações.Potenciais de ação vistos sob a forma de oscilações: caso 1. No caso de uma letra. temos mais potenciais de ação. b =00011. em outras partes do sistema. Porém. Uma oscilação é aquilo a que você assiste no pêndulo de um relógio de cuco. solta. No caso 2. o que está em jogo é a noção de 92 Claro que são diferentes. deve-se saber que há uma espécie de oscilação que responde pela geração dos códigos de barras (Fig. é sempre uma oscilação. temos apenas uma onda (um potencial de ação). portanto. b) freqüências semelhantes. no caso 3. O caso 1 é o que responde pela tradução digital (é um 1 e não um 0). e assim por diante.No caso 1. É fundamental entender que o potencial de ação. mas separados no tempo. temos dois potenciais de ação. cap. mais distantes. máquinas que geram oscilações. No caso 2 e SÍTIO DA MENTE Neurônios são. Henrique Schützer Del Nero Fig. sejam os potenciais locais na árvore dendrítica ou o potencial de ação no axônio. Quando medimos a freqüência dos potenciais de ação. um potencial. ou numa mola esticada que. No caso 2 e no 3. dois potenciais. que poderiam sintonizar como se fosse um rádio. caso 3. diferentes objetos se considerado o intervalo diferente entre eles). é como se traduzíssemos estes três casos da seguinte forma: I II II a) códigos que utilizem aquela freqüência. Podemos definir a freqüência com que o pêndulo faz um trajeto completo. os dois potenciais são mais próximos. podemos codificar: a = I b = II c = I I Este seria o caso análogo ao da codificação digital de letras. isolado ou em grupos. procuramos duas coisas: pág. porém.6 Código e ocilaçõess Quando se fala em realizar esse processo. por exemplo a = 00001. no caso 3. Quando damos o exemplo do código de barras.21 . começa a ir e vir. no caso do rádio. Outro neurônio que seja capaz de sintonizar aquela freqüência entra em contato com ele. que desempenhavam suas tarefas rotineiras de dizer sim ou não no departamento concreto. codificando-a numa freqüência. Seria como se. como uma onda de uma transmissora de rádio. b) como máquina digital o cérebro faria operações como se fosse um computador desses usados nos dias de hoje. através do código virtual. A solução do problema é a sintonização dessas diversas freqüências. 22).22 . é possível aumentar a capacidade de codificar. ou frações de segundos. Quando o sistema manda um código de barras. é possível colocar em sintonia departamentos diversos. cujas partes são percebidas por pág. . afinar seus instrumentos e comparar memórias.a) como máquina digital o cérebro pode codificar em seqüências de 0 e 1 inúmeras coisas. c) através do código de barras (analógico). o que está mandando é basicamente uma mensagem. de modo a resolver um problema (Fig. Se você entendeu esses passos. Um segundo funcionário dá outra. Essa noção de sincronização ou de afinamento (como a de uma orquestra que afina seus instrumentos) é uma das mais poderosas formas de integrar neurônios.Diferença da relação digital e da analógica entre dois neurônios. ou grupos deles. Um funcionário dá uma opinião. codificando-a numa freqüência diferente. saiba que está habilitado a entender que: cap. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero O código de barras permite que diversos grupamentos de neurônios (assembléias) entrem em sincronia (se sintonizem). produziu uma sincronização entre dois neurônios. e fazê-los agir cooperativamente por alguns segundos. diversos funcionários. reunir esforços distantes e finalmente gerar a consciência de um objeto. não apenas transmitiu um sim ou um não 93 Fig. para tentar chegar a um acordo sobre uma certa modalidade de talvez que pudesse servir de denominador comum. entrassem em contato. d) através da sintonização da freqüência das barras. durante alguns instantes.6 Código e ocilaçõess sincronizar numa determinada freqüência. mas sim quanto tempo e com que intervalo. de instanciar o conectivo lógico “ou exclusivo”. Inserir o tempo como fonte de codificação é um dos grandes achados da evolução para aumentar exponencialmente a capacidade de processamento do cérebro. como veremos mais adiante. então. inicialmente. Daí. então. cap. através da sintonização na mesma freqüência. Porém. Henrique Schützer Del Nero Síntese − da camada oculta −. capazes de instanciar todos os conectivos. Temos. dois códigos: o digital e o analógico.6 Código e ocilaçõess neurônios em pontos diferentes do cérebro. Lançando mão de conjuntos de potenciais de ação. O segundo extrai da variação do intervalo temporal entre os potenciais uma nova fonte de codificação. porque não importa apenas estar aberto ou fechado. faria do analógico a fonte temporal de representação. O neurônio constituiria a base da instanciação do digital simples (objetos). sem precisar com isso pagar o preço de separar o programa do nível físico. A idéia de que haja uma codificação local (placecoding) ou doutrina da célula única (também conhecida como "neurônio da vovó") deve-se basicamente a Barlow. Notas As redes neurais foram uma tentativa de romper a barreira da concepção de mente baseada em regras lógicas. pág. . as partes podem ser percebidas na mente como se fossem uma só coisa. Hubel e Wiesel. O primeiro codifica objetos e conexões lógicas entre eles. passaram a resolver os problemas de separabilidade linear. Mountcastle. Quando se estuda o cérebro e sua relação com a mente.SÍTIO DA MENTE e) a freqüência recruta o tempo como fonte de codificação. o grande desafio é desvendar o código que os neurônios utilizam para representar objetos e relações entre objetos. Não eram capazes. Nessa forma de encarar a codificação haveria uma célula 94 A concepção digital nos fornece duas maneiras de entender a codificação: a primeira associa um neurônio a um objeto. com o recurso do neurônio extra 1. do digital lógico (sentenças e conexão lógica entre elas) e ainda de uma terceira via de codificação: o código de barras. os termos código e processamento temporais. Foram desacreditadas como modelo até que. As redes neurais seriam. a codificação temporal genuína não seria nem uma nem outra. a segunda associa conjuntos de neurônios (três ou quatro) a conectivos lógicos. Wiesel. em que o intervalo entre os potenciais de ação cria diferentes tipos para posterior manipulação. W. seguir a maneira mais clássica de apresentar o problema usando três neurônios para os conectivos tradicionais e pág. nas áreas primárias e secundárias. na verdade poderíamos ter apenas um neurônio processando esses conectivos e três codificando aqueles em que haja problemas de separabilidade linear .6 Código e ocilaçõess . Nas áreas de associação o que impera é a codificação realmente temporal. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero ína codificação temporal. essa forma de codificação elemento a elemento se perde totalmente à medida que se progride para as áreas de associação.95 2. (pp. enquanto para medir os intervalos . V. Sobre codificação temporal propriamente dita consulte todos os outros textos citados ao longo do livro. D. cap. Porém. De uma certa forma a codificação de freqüências seria apenas um grau de maior ou menor certeza da presença do objeto. (1972) "Single Units and Sensatioperceptual Psychology?" in Perception. não importando o intervalo entre eles. pp.aplicamos uma estatística de 2a ordem. Cf. H. que em 1943 propõem o neurônio como instanciador de conectivos lógicos. etc. convexos. 20. Para se calcular a média aplicamos uma estatística de 1a ordem. Embora haja. (pp. 195. ela é usada como medida de fidelidade. T.. no entanto. (1943) "A Logical Calculus of the Idea Immanent in Nervous Activity" in Bulletin of Mathematical Biophysics 5: (pp. Veja que isso não tor na a codificação na freqüência desinteressante. Essas células especializadas na deteção desses elementos primitivos disparariam potenciais de ação em maior número e com maior freqüência tanto maior fosse a tipicidade do objeto apresentado.caso do "ou exclusivo". 371-394). Cf. Pelo contrário. 3) Mountcastle. a respeito da doutrina da célula única ou da codificação local: 1) Hubel. Prefiro. Essa é a genu- . grande quantidade de assembléias com características do tipo deteção de um primitivo e freqüência como medida de fidelidade. (1968) "Receptive Fields and Functional Architecture of Monkey Striate Cortex" in Journal of Physiology. 215-243. 1. 115-133). alfabetos visuais feitos de objetos côncavos. 408-434). movimentos. W.que estariam aptas a reconhecer certos objetos ou aspectos primitivos de objetos: linhas horizontais.ou um conjunto delas . a freqüência medida nesses casos é apenas a média de potenciais de ação disparados. Essa é uma maneira de apresentar o trabalho fundamental de McCulloch and Pitts. 2) Barlow. mais ou menos no espírito da explicação dada no corpo do texto. Como observam alguns autores.código de barras (intervalos interespículas) . e Pitts. McCulloch. (1957) "Modality and Topographic Properties of Single Neurons of Cat´s Somatic Sensory Cortex" in Journal of Neurophysiology. 771).274. 60-78). Esses circuitos entre o tálamo e o córtex são os mais importantes para a geração de consciência e controle da atenção. 96 Circuitos tálamo-corticais exibindo. 4.1996 (pp. Hebb. Destexhe. xi-xix e pp. (1949) The Organization of Behavior. vol.. Steriade. por exemplo. Essa idéia de variação de peso da conexão sináptica deve-se basicamente a Donald Hebb e ficou conhecida posteriormente. "Control of Spatiotemporal Coherence of a Thalamic Oscillation by Corticothalamic Feedback" in Science.6 Código e ocilaçõess quatro para o "ou exclusivo" e outros. T. D. endossando mecanismos de aprendizado.: Wiley.. desde que os limiares e pesos sinápticos sejam corretamente calibrados.I. Henrique Schützer Del Nero cap. N. D. (introdução e capítulo 4 pp. na porção de cima. Contreras.SÍTIO DA MENTE 3. . M. sincronização. Sejnowski. Cf. Cf.771-774) (figura modificada da p. como sinapse hebbiana.4 pág. na porção debaixo. note com as ondas dessincronizam. a respeito dessa sincronização. 7 Origens de códigos e telas parte 1 . Origens de códigos e telas collegium cognitio 97 O cérebro humano é. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. no entanto. basicamente.um manipula e processa informação. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 7 cializado na recepção de informação. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. um dos números mais gritantes é o de encefalização . ao longo de milhões de anos. e. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. algumas vezes. formado por dois conjuntos de células . Assim. Isto mostra que.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. integração e execução motora. tal qual fosse um computador. uma pág. entre os mamíferos. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. formada pelos neurônios. Seu grau de complexidade. Henrique Schützer Del Nero Fôrmas cerebrais cap. Há na porção responsável pelo processamento. “quantidade é qualidade”. vai aumentando de acordo com a escala animal. o outro dá suporte físico e sustento. 23). mostrando-se presente apenas nas enxaquecas. órgão mole e cinzento. Durante essa reunião. de mesas. mente e cérebro. esses dois mundos. cap. ódio. O cérebro. Mesmo se fecharmos os olhos. cauteloso.7 Origens de códigos e telas ORIGENS DE CÓDIGOS E TELAS . O problema do código está justamente nessa peculiaridade: enquanto a mente parece por demais intuitiva e familiar. etc. sentam-se. de raciocínios construídos com palavras.23 − Reunião de funcionários numa sala sendo codificada sob a forma de oscilações (códigos de barra). começamos a falar da mente humana sem fazer referência a nenhuma dessas coisas. de pessoas. dese SÍTIO DA MENTE nham. sinapses. odores. de cadeiras. O presidente. sem um código de transposição. No entanto. Henrique Schützer Del Nero A mente humana é uma espécie de palco onde são encenados todos os fatos da vida. seriam inconciliáveis. cheirar. desejo. sensações corporais (por exemplo. sentir. A mente é cheia de objetos do mundo.Fig. continuaremos a ver. mensageiros. sons. as pessoas falam palavras em linguagem corrente. se a cadeira é confortável ou não). Em vez disso. de emoções e planos. Definitivamente. o cérebro parece distante. Paulo. de palavras escritas ou faladas.1 pág. tudo será transformado. por uma supermáquina de 98 As pessoas estão acostumadas a viver num mundo de imagens. Pois imagine que esse é o código escolhido por uma empresa para cifrar tudo o que ocorre numa determinada reunião. de emoções que são medo. rancor. levantam-se. De repente. detivemo-nos até aqui apenas em sinais elétricos. João. No exemplo abaixo. imagens. quer que tudo seja codificado. o que sai como relatório final de tudo o que se passou ali é uma infinidade de códigos de barra que traduzem (codificam) todas as informações (Fig. suponha que João e Paulo sentem-se à mesa para discutir um determinado assunto da empresa. não intuitivo. a deliberação final. etc. palavras. tempestade de potenciais elétricos. pensar e representar um mundo mental. portas (limiares). seria código para ninguém botar defeito. Essas oscilações.7 Origens de códigos e telas codificação de cenas. olhando apenas para a mensagem codificada. ruído puro.visão. distante da forma e dos conteúdos mentais? O cientista sabe que ali estão todos os códigos de barras que traduzem as experiências do indivíduo (Fig. a supermáquina é um cérebro artificial capaz de traduzir cada pedaço de informação para o mesmo código de barras que um cérebro humano usaria ao assistir à reunião. Se a máquina do cientista maluco conseguisse cifrar a reunião em código de barras neuronal. decodificada. não sabemos como o cérebro traduz cada pequena parcela do mundo para códigos de barras. não há pessoa neste mundo que possa. Nos dias de hoje. A máquina comprada pela empresa por enquanto não existe. Portanto. Henrique Schützer Del Nero Inventada por um cientista genial e recém-adquirida pela empresa. É exatamente isso o que fazemos: percebemos o mundo através de nossos órgãos sensoriais . tato .Menina no mundo sendo codificada em código de barras no cérebro e posteriormente. Se. audição. 24). de eletroencefalo-gramas (EEG) e de outros métodos que captam atividade elétrica e vemos apenas uma série infindável de oscilações em freqüências diferentes. injetássemos a mensagem codificada da reunião no cérebro de qualquer um de nós. Não sabemos ainda que códigos de barras traduzem cada pedaço das cenas do mundo.24 . extrair o conteúdo da reunião.e codificamos todas as informações em códigos de barras que vão trafegar pelos neurônios. O que está ali: uma tempestade elétrica.SÍTIO DA MENTE Por ora. o único jeito de pág. quando sincronizadas. é que fazem aparecer no palco da mente as cenas como as percebemos. paladar. . olfato. para que apareça a menina na mente. decodificá-lo seria enxertando-o num cérebro. Mas qualquer cérebro faz isso. Olhamos para a atividade cerebral através de eletrodos enxertados nos neurônios.2 Fig. num lance de ficção científica. em código de barras (que vimos anteriormente serem oscilações). ela apareceria exata em nossa mente. 99 Existe um código que traduz as cenas do mundo (externo e interno) em oscilações neuronais (código de barras). cap. Só existem códigos de barras (oscilações em diferentes freqüências) em toda parte (Fig. O cérebro codifica a informação do mundo e depois a decodifica para que ela apareça de modo compreensível na mente. Mas a mente está no cérebro e ela própria também é código de barras. fazem o papel de um espião da empresa concorrente que olha o código de barras que a máquina maluca gerou para codificar a reunião. nem no cérebro. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A mente humana é uma espécie de aparato que permitiu que códigos de barras no mundo (oscilações) e códigos de barras no cérebro (oscilações) adotassem um denominador comum que é uma menina visual. não 100 Fig. cérebro que codifica e linguagem que os traduz e interpreta. sem passar pela confusão do código de barras. Como entender isso. passamos a correlacioná-la com outra classe de oscilações: a linguagem (Fig. 26). Porém. Estabelecida essa primeira sintonia entre a estação de rádio-mundo e o aparelho de rádio receptor-cérebro. . cap.26 − Três ordens de eventos oscilatórios: mundo que é codificado. uma menina escrita.Fig. Acham que aquilo não quer dizer nada e desistem. pág. nem na mente. então? Volte para a Figura 24. À medida que nos desenvolvemos desde crianças. decodificadas pela mente. 25). uma menina falada. etc. codificadas através de outras oscilações e.7 Origens de códigos e telas Muitas pessoas. vamos aprendendo a correlacionar bjetos do mundo (oscilações) com objetos do cérebro (oscilações). Um animal e uma criança pequena têm apenas reações de tentativa de sincronização das oscilações do mundo e das oscilações de seus cérebros. no mundo não existem meninas. finalmente. Ao contrário.25 − O mundo é feito de oscilações captadas pelo cérebro. A impressão que dá é a de que a menina no mundo é idêntica à menina na mente e que a primeira se transforma na segunda diretamente. quando observam a atividade elétrica do cérebro num eletroencefalograma. por exemplo. da língua. criando aos poucos uma unidade nos objetos percebidos que não existe no mundo. À medida que diferentes modalidades sensoriais e também simbólicas (linguagens) de falar de um “objeto” do mundo foram sendo criadas. etc. mulher. Sua navegação não pressupõe uma tela mental. cheiro de Fig. que se foram estabelecendo relações entre oscilações do mundo e oscilações do cérebro. Fica difícil dizer se há mente num animal ou se há mente num bebê muito pequeno. O que há são oscilações luminosas. 101 O processo de integração formou mulheres. que se parece com a unidade síncrona dos módulos cerebrais que forjaram a mente. Aos poucos. nomes escritos e falados de mulher na mente. que é apenas um departamento virtual que sincroniza (sintoniza) todas as oscilações (ou códigos de barras) concernentes a um dado objeto.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Não é a mente que copia o mundo. Se conseguirem sincronizar mundo e cérebro. É isso o que acontece com um morcego. parece ter uma unidade. agora na mente. unificadas. cap. surgirá um potencial incrível.3 . mas certamente chamá-la “mulher” é uma disposição arbitrária. permitindo que se executem variadas operações concretas ou imaginárias. sonoras. 27). tais como acreditamos perceber com nossa mente. É o mundo. da arte. fragmentado em oscilações. Imagine. A imagem e o cheiro de uma mulher parecem fatos do mundo e no mundo.4 pág. entre si. mas apenas o acoplamento sincronizado de mensagens sonoras do ambiente e do seu radar nos ouvidos. agora. da tradição. da literatura. A sincronização de eventos cerebrais e ambientais seria responsável pela recepção. primeiramente elas se sincronizaram com o cére-bro e depois entraram em sintonia dentro dele. que é retransmitida através do ensino. pela unidade da percepção. que se guia através de oscilações vibratórias captadas pelos ouvidos. aparece uma onda de sintonia entre as oscilações cerebrais que. A sincronização de diferentes oscilações cerebrais (cada uma processando uma parte do objeto externo). Esse objeto. constituem a mente (Fig.27 − Esquema completo de oscilações ambientais e oscilações cerebrais. externas ou internas.7 Origens de códigos e telas há objetos no mundo. de modo a constituir uma imagem mental do mundo. A integração da menina através de departamentos virtuais advém. De modo geral. é constantemente usada para reinterpretar o mundo. o que significa criar uma oscilação sintonizada. ao inspecionarmos nosso interior. Como o cérebro humano tem diante de si um arsenal incrível de instâncias e de descrições lingüísticas da menina. cria cada vez mais Mente e computador: Uma analogia pág. etc. Nascida do departamento virtual que unifica as oscilações. pedaços de informação do mundo. raiz de todo o processo. sua posição. A unidade resultante da sincronização. . descrições dos objetos. Cada estímulo desses chega a nós como um código de barras. A oscilação. contudo. redescrevendo-o através da linguagem e da ação. a grafia. mas a imagem mental rica e interconectada através dos departamentos virtuais que se torna mais forte. e não nossa mente que se parece com o mundo. O cérebro aprende a captar essa oscilação. a mente tem a capacidade de tomar essa imagem una e transmiti-la através da linguagem oral ou escrita. Qualquer pessoa que já teve a oportunidade de usar um computador tem diante de si: um monitor. cap. estudá-la. parece estranha à mente − parte do cérebro capaz de formar departamentos virtuais e acoplar. e um modem. criar símbolos com ela. também os animais são capazes de criar imagens mentais parciais (parciais porque não dotadas de linguagem). parece que temos imagens do mundo e não oscilações neuronais. que se incorporam a eles. não é a oscilação fragmentada. de início externa (exossincronismo) e posterior mente inter na (endossincronismo). cantá-la em prosa e verso. onde há uma placa-mãe (há um processador central e winchesters para memórias). SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Por integrarem oscilações ambientais.Finalmente. um gabinete. processando cada módulo da menina em um departamento concreto da empresa-cérebro. Com o tempo (tanto o tempo da evolução do ser humano como o da evolução do indivíduo). a imagem una que faz dela no palco da mente acaba sendo muito mais rica. que liga o computador à linha telefônica. Essa capacidade parece ser o passo inicial para a formação da mente. seu nome. de uma segunda capacidade do cérebro: a de sintonizar as instâncias internas da menina numa imagem única no palco mental. Por isso é o mundo que se parece cada vez mais com nossa mente (ou com o processo de que lança mão para surgir). por sintonia. a placa do computador executa todas as fun- 102 A mente se volta para o mundo.7 Origens de códigos e telas Cada instância de um objeto é uma oscilação: a imagem da menina. Por isso. fazer arte a partir dela. seu cheiro. olhares. para escrever a letra A. mas gravo 0001 na placa do computador. o monitor mostra os cenários de trabalho e o modem permite a recepção e transmissão de dados através da linha telefônica. etc. vai tendo contato com o mundo. os objetos vão estabelecendo sincronismos perceptivos com seu cérebro. Não seria nada fácil. e o monitor. aos poucos. Imagine um bebê. apareça “A” na tela e seja gravado 0001 no hardware. vai sendo inserido na comunidade de seres agentes e falantes de um mundo recortado de acordo com suas mentes e sua linguagem. O modem recebe o 0001. Ao chegar ao outro lado da linha. combinada) e transmite-o. envelopes. o do programa (software). portanto. vejo A na tela. Imagine que. Sua mente adquire assim a cara do mundo? Não. adquire a cara do mundo que as mentes de nossos antepassados forjaram. também resultante do sincronismo de partes de objetos percebidos. pág. o código transmitido é decodificado. cap. tesourinhas. tituindo a mensagem em outro computador. ele não se lembra de nada do que se passa em sua mente. rosa e vermelho é constituído na mente do bebê como se essa mente fosse uma tela de computador que apresenta objetos coloridos. como ondas de rádio). digitando-se “A” no teclado. que vai aparecer na tela como A. Se escrevo A no teclado. que reflete o resultado da interação do programa com a placa. os seguintes níveis: o físico. O software é um conjunto de instruções que pode modificar algumas áreas do hardware (abrir ou fechar portas. vai se amoldando de acordo com o mundo que lhe está sendo apresentado. estipulada. A unidade interna. recortados em lixeiras. você precisasse digitar 0001 no teclado e visse escrito 0001 na tela. Esse mundo de cadeiras. tornando os comandos intuitivos. como foi visto no exemplo do neurônio) de maneira a fazê-lo funcionar de acordo com essas instruções. Há . Do outro lado da linha. . a de apresentar um “ambiente amigável” na tela. A imagem no monitor é programada para que se pareça ao máximo com o mundo do usuário. O hardware é um aparato físico que contém determinadas rotas de tráfego para correntes elétricas. Porém. Entre elas. outro modem decodifica a mensagem e transforma-a em 0001.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 103 O modem é um instrumento físico que transforma mensagens do computador em códigos que podem ser transmitidos pela linha telefônica (ou por outro meio.7 Origens de códigos e telas ções através de circuitos. Num primeiro momento. É por isso que os programas são elaborados de maneira a permitir que. arbitrária. O que acontece então? À medida que o bebê cresce. da placa (hardware). constituído de oscilações que lhe entram pelos órgãos sensoriais. transforma-o numa linguagem codificada pré-acertada entre as redes de comunicação (isto é. recons- Há uma série de processos análogos no aparecimento da mente no cérebro humano. . pedindo a substituição do monitor. a mente é apenas resultado de operações de software e hardware que estão por trás dela. não há grande prejuízo em confundir a tela com a mente. o equívoco torna-se explosivo. Joga o computador fora? Não. Nas situações triviais. e reescrevê-lo.7 Origens de códigos e telas Isso equivale a levar para casa um computador novo. cuidado: a mente da maneira como se nos apresenta é apenas monitor. não adianta. é o hardware que apresenta falhas e precisa ter um circuito consertado ou substituído. você chama o técnico e mostra o defeito. colocá-la de castigo. então“ (lembre-se do “se.. as imagens borradas. sacudi-la. embora queiramos alisar a tela. balançado. podendo com isso até mesmo ser eficaz dar um conselho para o monitor.. quando há certos problemas. de números. Pergunta ao técnico o que é aquilo e ele responde estar verificando. o papel não encesta na lixeira. para descobrir o que está apagado. De repente. Raramente é o monitor que precisa ser trocado. Se o problema for na placa (hardware). nas situações patológicas. Ali um circuito funcionando mal é substituído ou soldado. o único jeito de solucioná-lo será agindo diretamente sobre ela. Por vezes.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A confusão sobre o sítio da mente e o modo como ela 104 Pensar sobre a origem cerebral da mente é fundamental na hora de investigar a disfunção mental. Este é o papel típico das chamadas psicoterapias. Embora a aparência do mundo seja a que nos acostumamos a ver na tela do computador e no palco da mente. Para vários efeitos é a tela. afagar-lhe o ego ou esfregar-lhe um paninho na cara. será preciso analisá-lo. e a tela volta a mostrar tudo bonito como antes.. Se o problema for no software (que não está na tela). Você vê mensagens do tipo “se. no nível dos programas. A mente é a tela? É e não é. O técnico olha para você e começa a digitar comandos estranhos no teclado. de lixeiras e papel picado um mundo igualzinho ao nosso. mas seqüências de símbolos. O hardware-cérebro e o software-experiência que cada um gravou em suas vidas é que estarão por trás de nossos problemas e de nossa própria existência. Quando ela ocorre. então“ visto nos conectivos lógicos).. de gente correndo. de instruções. faltando ou entrando em conflito. é o software que tem um defeito e precisa ser reescrito. numa linguagem desconhecida. O que você faz? Mexe no monitor e tenta sacudir a lixeira? Não adianta. Mas imagine que surge um problema e que a tela fica turva. Não acha e procura dentro do gabinete. e é bom que seja. Por vezes. Este é o caso típico em que se usam meios (remédios) que interajam com o nível físico íntimo cerebral. coloridas. se há alguma instrução errada. ligá-lo na tomada e ver na tela . implorar-lhe que funcione.toda feita de imagens bem definidas. resultado de operações. Portanto. pág. aparecem na tela não mais lixeiras e letras do alfabeto. etc. porque isso deve servir para muita coisa. cap. desses com programas amigáveis. arte.7 Origens de códigos e telas surge pode levar a freqüentes mal-entendidos e à ignorância a respeito da forma de lidar com cada nível e compartimento do sistema. mas aquele que possuímos.SÍTIO DA MENTE Resta o problema do modem e seu análogo com a linguagem. apareça. se no fundo não há mesas e cadeiras. saberá que a continuidade que se vê numa mesa esconde uma descontinuidade no ní- 105 Na história da humanidade. produz um 0001 no cérebro como a letra A de maneira que o receptor. falada. Mas onde estariam e como seriam os objetos reais do mundo. faça uma oscilação dentro de si análoga ao nosso 0001. por exemplo). a linguagem). pág. cores e príncipes? Claro que há objetos reais no mundo. capaz de gerar linguagem escrita. em sistemas de símbolos (entre estes. Se você descer à intimidade da matéria. Henrique Schützer Del Nero Sobre a origem das convenções que possibilitam sincronismo cap.28 − A linguagem como órgão interno cerebral (como se fosse um "modem") e convenção externa usados para a comunicação humana. ao ouvir a letra A. ciência. é infinitamente mais sofisticado. A convenção é fundamental para entendermos uma oscilação interna que. a fim de possibilitar que nos comuniquemos via linguagem (via modem). Nascemos com um modem dentro do cérebro. a uniformidade capaz de provocar os mesmos estados internos (os mesmos códigos de barras) diante de um símbolo arbitrário-convencional-compartilhado (a palavra. A maior parte dos animais tem sistema de comunicação. . só não sabemos se eles têm a forma com que nossa mente os vê ou se têm outras formas. A cultura e o passado de milhares de anos do ser humano garantem que haja estabilidade entre todas essas séries de eventos e que Fig. os diversos sistemas culturais uniformizaram de maneira mais ou menos explícita convenções que permitiram que o meio externo comunicasse exatamente os mesmos códigos de barras internos (Fig. 28). . claro que com o bom-senso de dar uma espiada na tela também. graças à experiência. Aquela que nasce do neurônio e forja. o sociólogo. Neste caso. O conjunto de processos pelos quais a TV capta ondas. funciona mal ou é motivo de pesquisa. É a mente processo e estrutura. A TV inteira é o cérebro. recriando na tela a imagem e a voz do ator. A parcela visível e familiar da mente equivale à tela da TV. Por vezes. que as transformará em ondas. o físico. etc. pág. onde sua televisão decodificará as oscilações.SÍTIO DA MENTE Imagine que um ator “real” está sendo filmado no estúdio de uma telenovela (Fig. à adaptação. ao uso da linguagem. Então. durante milhares de anos. sobre a mensagem. que as mandará para sua casa.29 − Eventos intermediando a transmissão de uma cena num estúdio e sua captação por um aparelho de televisão. é a parte cerebral dedicada a produzir a mente. o engenheiro. o objeto para onde vamos olhar depende do enfoque. As codificações sucessivas desse processo podem ilustrar a estabilização da conexão de objetos no mundo e objetos na mente.7 Origens de códigos e telas vel atômico e assim sucessivamente. Sua imagem e voz serão transformados em oscilações elétricas na filmadora. mas de uma maneira menos intuitiva. É mente também. gem na tela. o biológo olham para a mentecircuito (como se olhássemos para dentro da TV). o jurista olham para a mente-tela tecendo considerações sobre o ator. através do código de 106 A tela é a parte intuitiva e amigável da mente. 29). que irão para o satélite. Henrique Schützer Del Nero cap. O médico. o matemático. Todos nascemos e morremos olhando para essa tela. transformando-as em ima- Fig. O psicólogo. por que vemos mesas no mundo e no nosso palco mental? Porque esse modo de ver foi se fixando. o humanista. o antropólogo. sobre o enredo. Onde estão o ator e os códigos que transformam sua imagem num análogo seu na minha TV? Estão perdidos no passado da espécie humana. A história evolutiva da espécie humana garante que haja estabilidade e norma no encaixe das formas e conteúdos fornecidos pela cultura e introjetados para a mente nas fôrmas preparadas pelo cérebro. O cérebro prepara as fôrmas onde se encaixam as funções e conteúdos mentais. Demoraram milhares. Parte de nossa mente é uma tela que retrata esses objetos. apenas sua aparência. resultado de um processo que se dá no cérebro. Para que um documento trafegue por satélites. é um processo de codificação temporal e de recrutamento de comitês que se dá no cérebro de cada um de nós e que se serve da história da espécie para garantir a estabilidade de certos passos convencionais. Quando a mente pergunta pelo seus limites. como querem visionários e enganadores. pág. transformados em oscilações. é totalmente estranha. A mente pode ser vista de diferentes maneiras: como conteúdo. é o todo da mente é engano fatal. porém.5 . A mente. um determinado tipo de reunião. estabelecendo co- 107 Há objetos à nossa frente o tempo todo. que resulta de um processo de codificação que está por trás dela e do qual participam o cérebro e os códigos. como processo que se desenvolve através do recrutamento dinâmico de comitês via sincronização.7 Origens de códigos e telas barras. além de tela amigável. esse modo de ver o mundo. uma convenção que permite transmitir e captar as ondas que carregam a imagem do ator. é o que suporta raciocínios voluntaristas e mágicos acerca dos “poderes mentais”. Henrique Schützer Del Nero Síntese cap. há o ator. Está no órgão responsável pelo processo de execução de fôrmas e na história que garante uniformidade àquilo que os códigos têm de dinâmico e arbitrário. a resposta não está na tela. Normalmente. cabos de comunicação.SÍTIO DA MENTE Mas há um código. E mais. O modo como os vemos na tela da mente está comprometido com a história do ser humano e com o modo como enfrentou o meio e a linguagem. Esta é. basta que a consideremos uma tela de computador e a utilizemos com as ferramentas intuitivas. talvez milhões de anos para garantir que “objetos reais”. os valores e a condição humana. fossem decodificados como oscilações e aparecessem como cópias quase perfeitas desses objetos na nossa mente ou tela. os pensamentos. parece-se com o mundo. Para uma série de atuações. Uma boa forma de entender o quanto há de lei física. Pensar que a tela. de arranjo funcional e de estipulação arbitrária no processamento cérebro-mental é pensar no caso das telecomunicações. Poderá ser encontrado em qualquer manual de ciência cognitiva e também na obra citada do autor na bibliografia final. em que pese não compreender a língua. Algumas são físicas propriamente ditas. gravadas na nossa experiência biográfica. outras são programas com suas leis próprias.1. se colocássemos num quarto fechado uma pessoa que não sabe chinês e que apenas tem. de um arranjo estável num nível superior através dos valores médios da sociedade em que vivemos e. finalmente. Searle. Responderia como se compreendesse chinês. diz que o computador é apenas um manipulador de regras (sintaxe) e que não tem compreensão genuína (semântica). outras são estipulações convencionais que permitem a comunicação entre dois aparatos físicos.6 cap. que são as funções mentais. Há uma série de passos para que se estabeleça a relação de comunicação entre dois caixas-eletrônicos. etc. à sua disposição. níveis de operação em rede. 108 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Notas pág. de uma convenção oculta que está depositada na história da espécie humana através de milhares de anos que permite garantir que a representação interna de cada fato mental é quase-equivalente ao uso de uma expressão da linguagem que o comunica para os outros seres humanos. seria capaz de responder adequadamente qualquer pergunta formulada em chinês que fosse depositada no quarto. níveis de enlace. em dois locais diferentes do mundo possam ser cotejadas e conferidas. níveis de realização de máquinas virtuais. Esse exemplo é uma variante do exemplo do quarto chinês de John Searle. de um arranjo particular de comitês específicos de cada um de nós. existe uma operação de transformação de seus comandos em uma tela fácil de ser compreendida (normalmente até conversam com o cliente pedindo que aperte essa ou aquela tecla). com esse exemplo. Existe um nível físico do caixa-eletrônico enquanto máquina.7 Origens de códigos e telas municação entre dois simples caixas-eletrônicos existem diferentes níveis de operação. que são as vivências individuais. existe uma transformação das operações do nível físico em sinais de comunicação que vão estabelecer contato com outro caixa-eletrônico. caixas com símbolos chineses e um livro sobre como manipular esses símbolos. mas na verdade seria apenas capaz de manipular regras e símbolos. Nessa operação de comunicação pode haver níveis de sincronização de tempo para que as duas mensagens. De maneira sucinta diz que. que é o cérebro. de um arranjo estável de formação de comitês. A estabilização de convenções comunicativas ao longo da história da espécie humana (filogênese) e durante o desenvolvimento de cada indivíduo até a maturação de seu cérebro e mente (ontogênese) depende de um aparato físico especial. essa pessoa. . estabelecer-se-iam as correspondências mentais adequadas. Poder-se-ia retrucar dizendo que os códigos de barra variam de pessoa para pessoa e mesmo. na terminologia kantiana e que gerou posteriormente um movimento de kantismo biológico). Programs of the Brain e outros na nota do capítulo 15. imaginando existir uma equivalência da estrutura que descreve a oscilação e a estrutura dos a prioris cerebrais que servem de base para a formação da mente. (pp. cap. são capazes de entender significados. dado o fato de termos passado pelo mesmo treinamento ontogenético e filogenético. computadores digitais porque. Cf.4. como defino a estrutura matemática que descreve uma oscilação que descreve um objeto cerebral. O exemplo da figura no corpo do texto é o de uma sala fechada que codifica em códigos de barra. 2. A superação do problema da manipulação sintática se daria. defino um alfabeto de tipos ("types") funcionais (voluntário/automático) que pode ser universal para os seres humanos. da idéia deste trabalho. através da sincronização entre mundo. A esse respeito cf. em complexidade. Posteriormente há um cérebro a decodificar-lhe a informação. O indivíduo teria habilidades pré- 109 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 3. Essa hipótese é radical e discutível. numa mesma pessoa. como veremos mais à frente. de momento para momento. A estrutura matemática geral (uma equação diferencial ordinária ou uma classe delas) seria o que garante a tese forte de que. pelo recurso ao analógico. Esses programas pré-gravados não são apenas formas (a prioris analíticos). pág. Essa tese é bastante discutível. Claro está que haveria outras formulações para o problema que escapariam. num primeiro momento. A sincronização externa é parente da idéia de affordances de Gibson e ressonância posterior. Brains and Science. mas contêm informação descritiva relevante (a prioris sintéticos. segundo ele. sobre o do quarto chinês Searle. Young. numa cadeia de ressonâncias dinâmicas e adaptativas. A variação que tem feito muitos suporem que não há identidade alguma de tipo ("type-identity") poderia ser variação de parâmetros e de soluções no espaço de estados. cérebro e mente. mas também. Harvard University Press. Z. injetando aquele código de barras em qualquer um de nós. 28-41) . Assume-se que haja identidade entre fatos e oscilações que os representam. A concepção de sincronização exter na (exossincronismo) e posteriormente interna (endosincronismo) pode remeter o leitor a dois corpos teóricos distintos. além da manipulação sintática. (1984) Minds. J. Entre elas cite-se o fato de que já nascemos com alguns programas pré-gravados que nos habilitam a ter uma pequena parcela de mente préinstalada.7 Origens de códigos e telas Cérebros e mentes não são. Isso é verdade: porém. o mito da caverna de Platão. no entanto. cf. pode nos servir muito de figura de discussão. (1996) 3a edição Computer Networks.73. 5. 1985. Boston: Houghton Mifflin. dos objetos reais.7 Origens de códigos e telas vias (affordances) de estabelecer sincronia com os fatos do mundo. O significado na formulação deste livro advém. cap. (1972) Synchronization System in Communication and Control. sobre sincronização de redes: 1) Lindsey. (Devo a José Roberto Piqueira a relação entre mente e modelo OSI). tanto na história do ser humano (filogênese) quanto na história de cada um de nós (ontogênese). não de uma propriedade ideal.W. não triângulos. W. Devo grande parte da alegoria desse exemplo baseado em telecomunicações a conversas com José Roberto Piqueira. Cf. comum nas telecomunicações. A possibilidade de que essa ordem seja atingida pelo treino admite uma ordem pré-estabelecida que torna possível a convergência e sincronização das múltiplas redes conectadas. Prentice Hall. pág. desde o nível físico. Cf. de máquina virtual até os momentos em que se prescrevem certas convenções seguidas pelos usuários dessas redes. N. J. aqui entendida no sentido amplo de tender a zero a diferença de suas trajetórias. O modelo OSI de comunicação de dados admite 7 camadas. 3) sobre modelo OSI. segundo o qual vemos. No 10. Num certo sentido esse exemplo recria. mas da convergência dinâmica de múltiplos osciladores que lentamente tendem a sincronizar. A noção de sincronização interna é de inspiração nas idéias atuais de sincronismo de assembléias neuronais. Esse exemplo. apenas as sombras que a luz projeta na parede da caverna. No exemplo do estúdio há que se considerar ainda toda a gama de conjunções entre necessidade e convenção que está envolvida num processo de transmissão de dados. . a respeito de exossincronismo Gibson. Nesse sentido haveria um platonismo que garante a existência das formas ideais. mas estruturas matemáticas que estabelecem a sincronização. (1979) The Ecological Approach to Visual Perception. em versão high-tech. de enlace. Tanenbaum.110 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 6. :"Network Synchronization" in Proceedings of the IEEE vol. A.:Prentice Hall.J. 2) L yndsey. algumas vezes.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. uma pág. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. entre os mamíferos. Há na porção responsável pelo processamento. formado por dois conjuntos de células . Henrique Schützer Del Nero Fôrmas cerebrais cap. Seu grau de complexidade. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. ao longo de milhões de anos. “quantidade é qualidade”.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. Sincronismo e função virtual collegium cognitio 111 O cérebro humano é. vai aumentando de acordo com a escala animal. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. um dos números mais gritantes é o de encefalização . e. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 8 cializado na recepção de informação. integração e execução motora. no entanto. Isto mostra que. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. formada pelos neurônios.8 Sincronismo e função virtual parte 1 . tal qual fosse um computador. basicamente. Assim.um manipula e processa informação. o outro dá suporte físico e sustento. um elemento da memória. Algumas. devidamente excitadas por um impulso − potenciais locais. por exemplo. executam uma operação ou um processamento. Há centros neuronais responsáveis pelo controle do ritmo respiratório. A mente não é o produto de qualquer operação cerebral. Os produtos de um processo se agrupam em caixas específicas. A função memória é mental. Controlar a respiração é um produto não mental. potenciais de ação. Essa operação não tem. 112 Imagine o exemplo da empresa. arfante). Aquelas que dizem respeito a comprar vão para uma caixa. Chegam inúmeras propostas de compra e outras de venda. dependendo da estipulação.8 Sincronismo e função virtual SINCRONISMO E FUNÇÃO VIRTUAL . seja analógica) é responsável por um determinado produto. embora possa haver interação entre elas. ela será enviada a um departamento concreto − no caso. Cada caixa dessas corresponde a uma função cerebral.1 cap. o da percepção para a caixa percepção e assim por diante. para o departamento de compra ou para o departamento de venda. A operação do tipo “sim ou não” é um caso extremo da operação do tipo “talvez”: o digital é uma simplificação do analógico. Controlar a memória é um produto mental. Cada tipo de produto é reunido numa caixa específica: o elemento de memória vai para a caixa memória. Cada proposta é uma unidade. para um departamento virtual. por exemplo. a função respiração (no caso. códigos de barras −. tal qual uma placa de computador. um elemento da percepção. No cérebro há unidades − grupamentos ou assembléias de neurônios − que. outras não. pág. etc. cada uma das quais é uma função. em caso de dúvida. estímulos elétricos (carregando informação) e processamento surge um produto. qualquer relevância para a mente. Decisões finais são produtos que podemos agrupar em classes. recebendo papéis que devem ser corretamente endereçados. Algumas funções são mentais. Dessa trinca formada por neurônios (unidades). o caminho percorrido nos departamentos concretos ou virtuais e a decisão final. Desse proces-samento sai um parecer que inclui a proposta. onde vão se realizar operações do tipo “sim ou não” e outras do tipo “talvez”. Reconhecida a natureza dessa unidade. Henrique Schützer Del Nero O cérebro é uma fôrma. Esse produto pode ser. aquelas que dizem respeito a vender vão para outra. embora possa ser afetada por estados mentais (imagine o caso de uma pessoa ansiosa que respira involuntariamente de maneira muito rápida.SÍTIO DA MENTE Todo tipo de operação no cérebro (seja digital. nem de longe. serão também chamadas de funções mentais. controle da respiração) não. ) ou um cérebro. Novamente. mas na queimadura −. órgão físico. Basta. ou no caso do ansioso que visita pela quinta vez no mesmo dia o pronto-socorro com uma dispnéia suspirosa. Sem a fôrma não há encaixe da forma e muito menos harmonia de conteúdos. Sempre que encontramos um grupamento de neurônios num animal dizemos que ele tem um sistema nervoso. que tenham complexidade tal que seus departamentos concretos sejam também capazes de organizar comitês de acordo com uma lógica e um código mentais. Juntas. Para outros. . no caso da lagosta e mesmo do ser humano − não no flerte. o cérebro. etc. uma gama de estímulos e uma gama de processamentos. As oscilações e o sincronismo preparam fôrmas. a menos 113 Todas as funções mentais são funções cerebrais. o controle é não mental. estados mentais. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Cérebros são fôrmas onde se encaixam as formas e os conteúdos mentais. agrupados em classes. salvo no caso do ator que se finge arfante para representar expectativa. Para alguns. Tudo isso seria a função “retirar a pata” ou função motora ligada à defesa. dizemos ter aparecido um sistema nervoso central (em oposição ao sistema nervoso periférico. pode decidir. nervos. mas jamais sentir. Entre a lagosta e a moça há várias diferenças. como as lagostas. Essa confusão é o que subjaz às diversas classificações da mente. Você já imaginou se sua mente tivesse de estar ciente de tudo o que seu cérebro está controlando a cada momento?2 cap. Trata-se de um processamento cerebral não necessariamente mental. Isso acontece até em animais de escala muito distante da nossa. frente ao estímulo recebido pela pata que é tocada. Os produtos. O que costuma estar por trás de muitas delas é a tentativa de mostrar que. são conteúdos que. um processamento e um produto.8 Sincronismo e função virtual Dizer que a mente é isto ou aquilo carrega um certo grau de convenção. No caso da lagosta. uma região do “cérebro”. mas nem todas as funções cerebrais são mentais.O controle do nível de oxigênio no sangue também é regulado pelo cérebro. pode até pensar. constituem funções ou formas mentais. A função como um todo é o controle central da respiração (porque há outros mecanismos não centrais de controle da respiração). uma ordem de correção para o sistema. Uma moça que delicadamente retira a mão de um jovem que a assedia executa uma função cerebral nítida de recusa ou dissimulação mental. não seria uma função mental. geram um produto: retirar a pata. sistemas físicos como cérebros e computadores podem pensar. ter fé e decidir. Retirar a pata. no caso. pág. para isso. Quando uma parte desses neurônios se desenvolve numa região específica. Essas funções são cerebrais. a despeito de parecer inusitado. sentir. mas jamais julgar eticamente. nem sempre também mentais. (Perceba que as funções se agrupam em hierarquias). que no homem é representado pela medula. há um circuito especializado de neurônios que. processa informação de forma que o produto seja uma mensagem para retirá-la. Há um estímulo. Para certos fins. nesse sentido. o cérebro pode seguir o processamento digital e. A mente humana deve ter surgido da imensa capacidade de grupamentos de neurônios se sincronizarem em diferentes partes do cérebro. unificando informação dispersa e setorial num objeto complexo e de contexto rico. mas é preciso. mais quente ela fica. para entender. O fato de que há um subconjunto de funções mentais no conjunto de funções cerebrais ajuda a entender que a mente não é necessariamente prerrogativa do ser humano. Porém. SÍTIO DA MENTE A mente foi surgindo à medida que se estreitava a convivência entre a antiga empresa (aquela que toma decisões rápidas. pág. em conjuntos de potenciais de ação numa determinada freqüência (intervalo entre eles) foi o elemento decisivo na forja da mente. em oscilações. Entra sim em A. por isso seguiria sim para o B. no departamento concreto abaixo . de valor 1. a porção mental dos animais é minúscula em relação à nossa. Quanto mais unidades de temperatura são colocadas na água líquida. Esse salto qualitativo é importante para compreender alguns processos no cérebro humano. ou departamento virtual. Pela ligação tradicional. como exemplificado.C conectado com D -. recrutar os departamentos virtuais. Examinando os valores (como 114 Dissemos nos primeiros capítulos que a codificação em barras. Os processos não se excluem. até que. sai sim. A poderia conectar-se com B e C conectar-se com D (haveria divisórias nessas ligações). contudo. Assim. Porém. assim. entra sim em D. Note. do tipo “sim ou não”) e a nova empresa (aquela que decide nos departamentos virtuais através do “talvez”. para outros. cap. qual-quer dupla de neurônios que se sincronize através de códigos de barras está usando o estilo mental. que houve variação de valor no processo.85 seria sim.Vejamos como isso ocorre (Fig.85 de sim. a seqüência digital é: entra não em C. Isso varia de espécie para espécie − um macaco tem muito mais mente. 30). o 0. entra sim em B. mais próximos estamos do surgimento da mente. Isso deve ser verdade. Imagine apenas quatro unidades de processamento. Como o departamento concreto é do tipo “sim ou não”. que uma lagosta.8 Sincronismo e função virtual que se lhes agregue. sai sim. evapora. Henrique Schützer Del Nero Devemos. sai sim. consciência. de repente. que se atente para o exemplo da água em ebulição. Quanto maior o número de unidades processantes capazes de se sintonizar. sugerindo que o outro veja nisto uma recusa. de escalas entre o sim e o não). delimitar as funções mentais. sai sim. . propósito e outros atributos mentais. num certo sentido. É como se o sim da entrada. maior a quantidade de funções cerebrais que são funções mentais. Quanto mais evoluído o animal. Imagine a quantidade de neurônios recrutados para executar a função de ler e compreender um texto ou para retirar graciosamente a mão. tivesse se enfraquecido na passagem pelo departamento A e saído apenas 0. Cuidado. dois funcionários responderam sim. B e C. As funções mentais seriam aquelas que ocorrem entre partes não necessariamente bem delimitadas pelas divisórias (na verdade. A e D. para outros. A sincroniza D e C sincroniza B. Se forço meu funcionário a responder sim ou não. após uma reunião.8 Sincronismo e função virtual não são legítimos 0 ou 1). através do exame da freqüência de cada um deles. o que numa lógica de “talvez” deve gerar interessantes recombinações.99 e para 0.Imagine que. Porém.56). números próximos de 1 são interpretados como 1 e números próximos de 0 são interpretados como 0. Parece que a mente se serviu desse segundo caminho para enriquecer seu processo de aprendizado. C e D. Trata-se de um mecanismo hipotético de coexistência entre o processamento digital e o analógico. quando se deve tender para o sim e quando se deve tender para o não. porém com grau de confiança 0. deve haver ou- pág. criação.30 − Para situações triviais. temos a ligação digital do módulo A com o módulo B e do módulo C com o módulo D. temos A e B. O produto mental. O exemplo é simplificado e didático. Essa relação virtual ocorre graças a um meio de captar as nuanças entre o 0 e o 1 e agrupar unidades de acordo com sincronismo (ou sintonia) e não taxativamente através de 0 ou 1. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero No que diz respeito ao processamento. O analógico seria uma condição para o surgimento da mente. seria o resultado (e isso contém forte dose de especulação) do analógico somado à sincronização. Porém. Há várias maneiras de estabelecer. é possível entender que o digital é uma aproximação do analógico. Neste caso. que sintoniza esses valores. poderemos. dois outros responderam sim com grau de confiança pleno. classificado em função mental. 115 Fig. temos valores cruzados. porque pressionados. por aproximação.51. etc. Pode-se deduzir que esses dois pares têm visões diferentes do sim.51. para certos processamentos. tenho meios de responder sim para 0. há uma sutileza: para todos os efeitos. mas percebe-se que. toma outro. uma resposta segue um curso e a outra. cap. Por quê? Porque estamos aqui definindo um estilo de processamento. Mas isso é somente parte da história. reagrupá-los. porque nem sempre o valor é apenas uma reta dividida exatamente ao meio. Isso permite que A estabeleça uma relação virtual com D (ambos têm 0.85) e B estabeleça uma relação virtual com C (ambos têm 0. . paralelamente. Se quisermos descobrir novas relações entre os módulos. seriam. cap. do que a imagem mental de um indivíduo pensando numa zebra. assim. foram recrutando certas unidades para preferencialmente sintonizar em certas freqüências e realizar certas operações mentais. . há milhares de anos. num cérebro hipotético. Se nossos antepassados. Quer dizer. Desse processamento podem surgir regiões de sintonia em certas freqüências.31 − Modo didático de apresentar a coexistência entre departamento concreto-digital e virtual-analógico. mais dinâmicas e virtuais do que as nitidamente cerebrais (departamentos concretos). processamento digital-cerebral concomitante a processamento analógico-mental. Do ponto de vista biológico. para efeito de interpretação. Isto é fato se observarmos que o controle motor sobre um dedo da mão é mais fácil de seguir. intracelulares. porém. de valor adaptativo inegável e que não convém questionar.8 Sincronismo e função virtual tras divisórias em níveis microscópicos. ressante porque o processo decisório caminha mais rápido. comandar um dedo seria mais “cerebral” e mais concreto do que pensar na imagem de um animal. Henrique Schützer Del Nero Fig.Os departamentos virtuais podem ser mais ou menos fixos. Essa estruturação é inte- SÍTIO DA MENTE Teríamos. Efetivamente. talvez ela seja responsável por funções mais básicas. A mente estaria assim para o cérebro como a arquitetura está de uma certa forma para a engenharia. com produtos mentais e funções mentais. Essas. é bem possível que nós tendamos a usar a mesma estratégia − o departamento virtual tenderá a ser parecido. só há departamentos cerebrais em níveis diferentes. em coro. etc. pág. O primeiro seria uma "função cerebral" e o segundo.). Para situações absoluta- 116 Suponha que. 31). mas que são capazes de entrar em sincronia se submetidas a determinados estímulos (Fig. estejam designados alguns caminhos ou circuitos (ou departamentos concretos) por onde a passagem de informação é obrigatória e do tipo digital. é como se num certo nível tivéssemos uma disposição física das partes e uma arranjo funcional-arquitetônico do todo. uma "função mental". em termos de departamentos concretos. podem realizar processamentos mais complexos em que os níveis de ambigüidade e novidade requerem operações mentais ou conscientes. As regiões que realizariam processamento mental. assim. . através de códigos analógicos. a mente é um modo de agrupar partes para que a interpretação do processo resultante pareça una. cabe descobrir que formas e conteúdos devem preenchê-las. estaremos habilitados. criando. Henrique Schützer Del Nero Portanto.8 Sincronismo e função virtual mente novas. Essas formas e conteúdos são em grande parte herança da cultura e da linguagem. SÍTIO DA MENTE a) essa mente é forma e conteúdo que se encaixa nas fôrmas preparadas pelo cérebro. que parecem derivar de um estilo analógico de processamento entre unidades neuronais e cuja localização física em departamentos concretos é de reconhecimento bastante difícil. desde que garantida a estabilidade no uso de convenções. o estudo da mente passa pelo estudo das funções mentais. fôrmas onde se depositarão as formas e os conteúdos mentais. Isso possibilitará fazer interessantes programas computacionais mas que em nada Algumas das implicações fundamentais desse processo são: pág. Melhor é olhar para padrões que se repetem no tempo e para ondas de sintonia entre regiões cerebrais a fim de fixar as áreas preferenciais de ocorrência da função x ou y.Síntese Na primeira parte deste livro. b) como no exemplo das várias televisões. de forte apelo lógico. Como a forma mental que adotarei na próxima parte está fortemente calcada na consciência e como parece estar bastante ligada ao processo de sincronização entre populações neurais. embora a tela grande seja apenas uma abstração. Tornaramse possíveis pela ação contínua de cérebros sobre o meio e deste sobre eles. a possibilidade de combinar módulos diferentes através das freqüências deve servir ao aprendizado. a construir máquinas que tenham mente e interajam 117 Definindo-se codificações. c) como a mente se serve de um componente físico de sincronização para preparar as fôrmas do mental. d) descobertas as fôrmas. à criação e à inventividade. cap. fortemente calcada na história evolutiva do ser humano. acredito que uma codificação analógica no plano das freqüências de disparo de potenciais capta a transformação do cérebro físico em mente virtual. − na minha opinião − estarão simulando a mente. examinamos as condições para que o cérebro reorganize seus módulos concretos. as leis de ligação entre fôrmas e as leis de ligação entre formas. pode-se optar pelo digital. as formas e os conteúdos. 2. Cuidado aqui. para efeito de simplicidade.8 Sincronismo e função virtual em sociedades como a nossa. pág. cabe examinar apenas o valor 0 e o 1 (digital). o que não impede que a mente possa executá-la. . as coisas são espinhosas. estamos dizendo que a situação descrita não é. como a mente é um subconjunto do cerebral. o que nos permitirá unificar dois processos terapêuticos situados em planos diversos: a psicoterapia e a psico-farmacologia. basicamente. cap. então. porque temos sistemas discretos e sistemas contínuos.SÍTIO DA MENTE Notas 118 1. Henrique Schützer Del Nero e) provisoriamente. porque. para situações mais complicadas caberia examinar todas as nuanças entre 0 e 1 (analógico). mas. para situações mais grosseiras. quando falamos em mente. temos condições de forjar uma ciência robusta da disfunção mental. percebê-la ou estar ciente do que está sendo executado. Também mais adiante falaremos de cérebro como implementando o digital e mente. Na verdade a situação é mais complicada. aí incluídos todos os jeitos de estar entreaberta. No mais das vezes. para variar. Queremos apenas dizer que. uma porta com todos os estados que vão desde o aberto até o fechado. uma função mental. porque não pretendemos dizer que o analógico é um subconjunto do digital. isso é uma simplificação. pode-se conceber uma porta com dois estados: aberta ou fechada ou. o analógico. Assim. formado por dois conjuntos de células . ao longo de milhões de anos. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 9 cializado na recepção de informação. no entanto. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. Henrique Schützer Del Nero Fôrma e contúdo mental cap. o outro dá suporte físico e sustento. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. basicamente. algumas vezes. vai aumentando de acordo com a escala animal. formada pelos neurônios. Seu grau de complexidade. tal qual fosse um computador. integração e execução motora. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. um dos números mais gritantes é o de encefalização . Há na porção responsável pelo processamento. “quantidade é qualidade”.um manipula e processa informação.9 Funções mentais parte 2 . entre os mamíferos. uma pág. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. Isto mostra que. e.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. Funções mentais collegium cognitio 119 O cérebro humano é. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. um átomo de consciência. podem ser terceirizados. Não deixam de ser departamento concreto enxertado. do tipo cerebral. segundo a explicação da parte I. consultoria). dão origem a representações que constituem uma das bases da consciência. Este exemplo é crucial para que entendamos algumas peculiaridades da cultura e dos meios de que dispomos para recrutar conteúdos mentais em departamentos terceirizados − escolas. algumas funções mentais estão no mundo e não no cérebro também no caso de departamentos concretos. podemos terceirizar funções através de próteses auditivas artificiais.SÍTIO DA MENTE Imagine que a limpeza de nossa empresa passe a ser feita por uma empresa externa. bibliotecas. ou comitê. Cumpre salientar que. a sede da empresa responsável pelo serviço está em outro lugar. básicos ou dispendiosos demais (pareceres. maximizando ou recuperando uma função cerebral. sintonizando freqüências. Henrique Schützer Del Nero A presentar as funções mentais depende de escolha de método e de sistema conceitual. pág. 120 O processamento digital (sim ou não) seria. etc. Quando os módulos cerebrais conseguem estabelecer códigos “talvez”. o conjunto das funções mentais conscientes ou funções mentais capazes de se tornar conscientes − é a base da mente. adoto a sincronização de módulos cerebrais como o mecanismo responsável pela formação dos chamados departamentos virtuais. em determinadas formas de conceituação. como a audição. Por considerar a consciência a grande característica da mente humana. Problemas difíceis e ambíguos requerem progressiva virtualização. A consciência − isto é. A idéia de que a sincronização de módulos esteja por trás da consciência é uma das tônicas da ciência cerebral contemporânea. Eis o esquema conceitual que estamos utilizando para estabelecer a ponte entre o cérebro-fôrma e as formas e os conteúdos mentais. desde que haja código capaz de estabelecer contato com a mente terceirizada. pelo mecanismo de recrutamento já criaria. Problemas claros e básicos têm departamentos concretos dedicados a resolvê-los.9 Funções mentais FUNÇÕES MENTAIS . cap. A simples formação de um departamento virtual. em nosso modelo. entendidas primariamente como formas e conteúdos conscientes. Alguns deles. Embora os funcionários contratados venham até a nossa empresa para limpá-la. da vontade e da linguagem. Ou seja. da invenção. dependendo do resultado da negociação de um acordo de paz. o que nos ameaça ou surpreende não é o perigo real e imediato. . mas graus diversos de certo. Nem toda informação precisa estar previamente gravada. porém. hipóteses. negociações diplomáticas ou outras formas de pressão) depende de consciência. de maneira a estabelecer departamentos terceirizados no mundo. cap. exigem soluções variadas. A pressão biológica realizou algo semelhante. é possível que o país A alie-se ao país B para invadir o país C. prescindindo de experiência direta. reduzindose custos. já que pode ser transmitida de maneiras diversas. da cultura escrita e oral é justamente retirar do cérebro certos departamentos que podem ser “terceirizados”. na ciência e na tecnologia. através dela. Esses cenários dependem da capacidade de representação consciente de cenários possíveis e da habilidade de pensar em cada um deles. Para que tudo isso ocorra é preciso que haja uma separação entre atitudes voluntárias e atitudes involuntárias ou automáticas. A mente permite estabelecer relações tais entre o cérebro e o mundo que delas resultem departamentos concretos e até virtuais fora do corpo. Uma das funções do aprendizado. uma das funções básicas da mente é estabelecer relações com o mundo. possibilitando que haja sincronização de módulos antes devotados ao processamento de sim e não e. ao mesmo tempo. Portanto. Suponha que alguém lhe diga que. de agir voluntariamente e de comunicar estados. Pense na função da escrita. ao mesmo tempo. mas escolher cenários de ação sobre o meio. é preciso que haja um ato de vontade. pág. podemos sobreviver sem sabê-lo e. Falamos no início deste trabalho de tigres ameaçadores. e sim algo transmitido através da linguagem. em grande parte.SÍTIO DA MENTE Há processos que. do sim ou não. Não há o certo e o errado. Por trás dessa ameaça. Tomar partido de uma decisão ou de outra não implica abandonar ou enfrentar o tigre (caso do tigre.9 Funções mentais O que significa terceirizar? Significa retirar uma função da estrutura da empresa de modo que não ocupe lugar de departamento concreto e possa ser recrutada à medida que haja necessidade. Muitas vezes. Mais ainda: a possibilidade de reversão da situação (por meio de manifestações públicas. temos meios de aprender e automatizar a escrita de tal forma que se torne departamento concreto (ou virtual permanente) no cérebro. porque nossa interação com o mundo se dá. alocados na cultura. decisões e argumen- 121 Henrique Schützer Del Nero A mente também se confunde com a linguagem. Não nascemos sabendo escrever. tornando-se complexos. da fuga ou luta). operar com propósito e vontade. há um esquema muito mais complexo do que o aparecimento à nossa frente de um tigre que coloca em marcha nossos temores. Contudo.9 Funções mentais tos. emoção. pág. formula heurísticas (soluções gerais aproximadas) sobre cenários com graus variados de incerteza (Fig. sem sua operação voluntária sobre si mesma e sobre o mundo e sem a linguagem. sombreados. que são blocos de atividade consciente. processando talvez. depende de uma capacidade voluntária de transmitir conhecimento e de uma vontade que recrute tais departamentos quando necessário. 32). cap. . mais que símbolos simples. livros. servissem de base para a constituição de "átomos" de consciência. devidamente formatada pela linguagem. As operações mentais seriam aquelas que. a linguagem e a vontade constituem avanços que permitem a operação humana em contextos opacos e situações ambíguas de talvez. E. De uma certa maneira. em conjunção com a vontade. todos os quatro ocorrendo no palco da consciência. na medida em que possibilita existirem departamentos virtuais permanentes ou transitórios. em lugar de sim ou não. A linguagem é capaz de estabelecer um elo com o mundo natural e com o cultural. Essa capacidade de duplo processamento estaria na raiz do surgimento da mente. a vontade. pensamento. A consciência. representações são cenários sobre os quais nos debruçamos com graus variados de incerteza. sem o instrumento da unificação dessas sintonias no todo da consciência. também a construção de departamentos concretos e virtuais no mundo − escolas. Veja na Figura 32 os módulos horizontais processando sim ou não − o que chamamos de operação cerebral − e os módulos diagonais. A manipulação dessas representações-cenários através de regras lógicas ou de outros modos de relação é um dos cernes da vida mental que. ideologia e justiça −. pode surgir em qualquer ponto da escala animal em que haja uma codificação de freqüências. o que chamamos de processamento mental. departamento virtual. é que faz com que a mente adquira seu estatuto pleno de ação sobre o mun- 122 Fig. resultando da sincronização de grupos de neurônios.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A idéia de representação como base das operações mentais é fundamental. Se a mente é. memória e linguagem. num certo sentido. como vimos anteriormente. que sincronizam na freqüência. não há como imaginá-la complexa e bem desenvolvida em outros animais que não o ser humano. A consciência. o pensamento e a emoção.32 .A mente como resultado da interação entre a linguagem. 9 Funções mentais do. . Todo processo mental é um processo cerebral. 123 Por serem extremamente funcionais e úteis. linguagem desenvolvida (e com ela a ordem lógica do pensamento) e operações de vontade sobre o mundo. onde os departamentos repousam “terceirizados” para serem recrutados na medida da necessidade e da circunstância.33 − Subdivisão de funções.SÍTIO DA MENTE Há diversos meios de se classificar funções mentais. Adotaremos aqui o esquematizado na Figura 33. surgindo por sincronização de módulos neuronais. pág. Fig. Henrique Schützer Del Nero Subdivsão de funções cap. Os animais não têm. que se divide em duas parcelas: um mundo natural sobre o qual agimos. a mente completa porque. tendo uma dúvida.a consciência é o pano de fundo da vida mental. sai à procura de um livro ou revista que trate do assunto. as funções mentais talvez sejam departamentos virtuais com tal estabilidade que passam a ter rotinas próprias. Todo o processo mental é cerebral. locais preferenciais de reunião e membros quase vitalícios. que transformamos e do qual nos defendemos. um mundo cultural. todo o processo mental é consciente ou passível de tornar-se consciente. projeta-a em sua mente. encontra-o e volta para casa a fim de estudarlhe o conteúdo. mas nem todo Para ser entendida. falta-lhes consciência plena. a mente carece não apenas de um estilo mental de processamento cerebral. mas também da capacidade de esse estilo mental fazer uso da consciência e de outras funções mentais para agir sobre o mundo. segundo minha hipótese. logo. extraindo dele departamentos ali alocados pela cultura. Esse processo lembra um pouco um indivíduo que. embora possuam a capacidade de forjar sincronizações ou processamento mental em seus cérebros. a linguagem. o pensamento. a emoção e a vontade. ou podem vir a ser. da percepção. ou se 124 Síntese pág. é igual a consciência (ou aquilo que pode se tornar consciente). percepção. distinguindo-se entre eles o pensamento.9 Funções mentais processo cerebral é mental. Dizer que a consciência está por trás da concepção de mente significa que: A mente surge de um estilo mental de processamento. nesse sentido. motricidade. Assim. O juízo. Todos são conscientes ou passíveis de se tornar conscientes. pensamento. A atenção não passa de consciência iluminada. a personalidade e o sonho entram em cena quando se agrega um sistema de normas de convívio social. de protagonistas principais. facho de luz que ilumina o palco mental. Isso suporta inicialmente a formação de módulos de consciência (por sintonização de padrões) e posteriormente enseja a formação da linguagem. Processos mentais se caracterizam pela recombinação sincronizada de módulos neuronais. que serve de ensaio para encenações futuras ou de pesadelo pelos fracassos passados. Presume-se que a sincronização de módulos pela freqüência crie átomos de consciência. ciência. . situação em que o sistema deve assumir um valor. a linguagem. a mente surge de um estilo cerebral de processamento (do digital vamos para o analógico). a atenção. afetos ou emoções. vontade. a memória. a percepção. uma roupagem e finalmente uma recombinação quase-aleatória (sonho). a memória. podem agir sobre o mundo. a percepção e a motricidade (ação motora). a vontade.SÍTIO DA MENTE Mente. juízo e sonhos. Entre as várias modalidades da mente (funções mentais). a personalidade e o sonho. distinguimos: atenção. Henrique Schützer Del Nero A consciência serve de palco. memória. de modo que. b) as funções acima expostas são departamentos da consciência. manipulados pela vontade e pela linguagem. criando e recepcionando partes “mentais” da cultura (soma de produtos de outras mentes ao longo da história). personalidade. dos afetos. de modos de encenação e transmissão de conteúdos. na verdade. da vontade (através das quais se opera sobre o mundo e se forja a cultura). parece estar certo para o caso da consciência). da personalidade e do juízo. linguagem. a motricidade. o juízo. cap. do pensamento. a emoção. da memória. Átomos de cons- a) a mente surge pelo estilo de computação via sintonização (o que. 125 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Deve-se distinguir a mente-processo. pelo pensamento e pela linguagem. . cap. se é capaz de. a mente-função e a mente-conteúdo. surge graças ao processamento analógico.9 Funções mentais tem uma vontade consciente. quando se trata de uma “vontade não consciente”. A mente-processo. Seus conteúdos são os objetos que povoam nossa introspecção. percebê-la na consciência (esclareceremos este ponto mais adiante). Sua função parece estar ligada ao processamento de contextos opacos e de decisão ambígua.pág. ou. enquanto consciência como suporte. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. o outro dá suporte físico e sustento. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 10 cializado na recepção de informação.um manipula e processa informação. “quantidade é qualidade”. tal qual fosse um computador. Assim. Seu grau de complexidade. basicamente. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. um dos números mais gritantes é o de encefalização . integração e execução motora. Há na porção responsável pelo processamento. Isto mostra que. vai aumentando de acordo com a escala animal.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. algumas vezes. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. e. uma pág. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. Henrique Schützer Del Nero Fôrma e contúdo mental cap. entre os mamíferos. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo.10 Consciência parte 2 . no entanto. formado por dois conjuntos de células . ao longo de milhões de anos. Consciência collegium cognitio 126 O cérebro humano é. formada pelos neurônios. pág.. Quando alguém diz estar consciente de uma coisa. etc. Como palco da vida mental. retruca o outro. que o grau de organização que se obteve no cérebro humano é único na biologia. É certo. Ao contrário de falarmos de um desejo não consciente. vontade. interno. emoção) poderão ser os papéis (pai. a consciência é dúplice: reúne.10 Consciência CONSCIÊNCIA .conscientes passíveis de se tornar conscientes”. falamos de um desejo que.. no plano subjetivo. representando-o plenamente e exercendo sobre ele poder de discriminação quanto aos desdobramentos possíveis. mãe. é um produto do cérebro (enquanto conteúdo) e uma função (enquanto forma). Tem a capacidade de colar pedaços de informação 127 Feche os olhos por um instante e. “Talvez.) e seus produtos (conteúdos). desligando-se da percepção do mundo. contudo. que reúne em departamentos virtuais unidades. unidade que desconhece a fusão oculta de fragmentos de representação neuronal. Seu surgimento está vinculado a um estilo analógico de processamento de informação (código de barras. empregada. no plano cerebral. pergunta alguém.”. Henrique Schützer Del Nero A consciência. “Ah. verdadeiro nó do mundo.” Quando falo que ”agora percebo que. Outras funções mentais (pensamento. concreto e abstrato. os atores que a cada apre- sentação atualizarão argumento e interpretação. Sua idéia se confunde com a própria idéia de conhecimento. Lembra-se do palhaço de sua festa de aniversário de cinco anos? E do nome do presidente da república? Todos esses fatos precisam de um palco para representar seus papéis de protagonistas da vida mental . portanto. O processo pelo qual é engendrada depende basicamente da sincronização momentânea de populações de neurônios que representam diferentes aspectos do mundo externo. pense numa menina tomando sorvete ou num centauro.a consciência. as oscilações sincronizadas. assembléias ou módulos de diversos departamentos cerebrais concretos. que não haja consciência em outros animais. agora percebo que devo ter agido assim porque desejava ter aquele lugar. embora no momento da ação não estivesse acessível. estou trazendo ao palco da consciência protagonistas ocultos que chamamos de “processos não. quer dizer que tem conhecimento dela. juízo. Não se pode dizer. sincronização).SÍTIO DA MENTE “Você agiu assim porque desejava o lugar na empresa?”. Conhecer é estar consciente de algo. mas não tinha consciência disso”. pode posteriormente ser resgatado no palco consciente imediato. exibindo. cap. O indivíduo fica olhando para o problema. Suas qualidades . resolve-o. fazendo desaparecer as marcas de reunião num todo coerente e aparentemente uno. não tem cor.10 Consciência (cada unidade correspondendo a um grupamento que dispara oscilações sob a forma de códigos de barras). Mas.Pergunte a uma pessoa como faz determinada coisa. há produtos . de repente. não espacial. graças à sincronização momentânea e à defasagem temporal . Não ocupa lugar no espaço. O indivíduo.subjetiva. sempre conscientes. Pergunte-lhe como o resolveu. holista. não tem a forma de um cubo ou quadrado. em diferentes níveis é bem verdade. ela não sabe explicar prontamente como executa aquela ação (o produto está provisoriamente fora da consciência).que não estão e jamais estarão na consciência (embora a consciência preveja a força desejada).1 Não fosse a mente doente objeto concreto. tenta outra e. por definição.no caso. SÍTIO DA MENTE Produtos mentais (conteúdos) podem ser conscientes ou não-cons-cientes. mnêmica. por exemplo. se parar um pouco tentando explicar. não espacial.2 pág. movido por ira e vingança. vai conseguir trazer à consciência grande parte das etapas do processo. o controle de velocidade e de contração dos músculos do braço . Às vezes. não valeria tentar demolir pelo menos parte desse edifício aparentemente impenetrável à linguagem e ao método científico. o controle de torque dos músculos do braço quando se aplica um murro em alguém. Produtos não-conscientes podem ser total ou parcialmente não-conscientes.Um caso interessante de controle consciente e ao mesmo tempo totalmente não-consciente diz respeito a certas 128 Uma mente que adoece. Henrique Schützer Del Nero A consciência parece atemporal.mecanismo análogo à sucessão de fotogramas que criam a ilusão de movimento e continuidade. Ele não sabe responder ou não tem consciência de como o fez. capaz de gerar vontade. . cansada de tertúlias retóricas. Inconsciênte cap. Peça-lhe que descreva o processo. A distinção entre processo. objeto de compreensão vedado às ciências físicas e biológicas. conferindo-lhe estatuto de fenômeno humano. conteúdo e função pode delimitar as porções do mental e da consciência que devem ser tratadas por este ou aquele método.parecem ter sido suficientes por milênios para distanciá-la do cérebro físico. qualitativa. Entre os absolutamente não-conscientes inclua. Isso costuma acontecer no caso da solução de problemas. acaba por ter consciência da maioria das etapas. tenta uma coisa. emergente e intencional . falando baixinho e descrevendo o que está pensando. Funções mentais são. não pode deixar de ter pelo menos parte de seus fundamentos no plano da ciência natural. Embora seja mental o processo e a função como um todo. d) o processo 2 é às vezes não-consciente. através A partir desse exemplo pode-se entender a diferença 129 e) o processo 3 é às vezes não-consciente. por definição. pág.SÍTIO DA MENTE cap. absolutamente não-consciente. ter. mas há porção dela ligada à fome e a seus desvios que é fortemente mental). é sempre consciente (não podemos garantir que o processo 1 não colabore também para a formação do padrão que redundará no processo 4). Fig. porque pode parecer função eminentemente cerebral. O processamento analógico instauraria o primeiro passo para a forja do mental. a mente e a consciência. mas também passível de se tornar consciente. 3 e 4 são mentais. uma das ligações desse processo com a consciência é o disparo da sensação de fome. de sintonia via freqüência. 34). c) os processos 2. todos os três ocorrendo em diferentes planos de processamento cerebral. Você não tem a menor consciência disso nem consegue.34 . Há centros cerebrais que controlam o nível de glicose no sangue (cuidado. b) o processo 1 é exclusivamente cerebral.10 Consciência funções básicas do organismo. a salivação ou o desejo por um prato de macarrão. f) o processo 4 é a soma dos processos 2 e 3. 3 e 4 . Henrique Schützer Del Nero O que está exemplificado na Figura 34 é que: . e. a) todos os processos . Estas são formas de fazer aparecer na tela ou no palco da consciência objetos ou elementos mentais que traduzem determinados processamentos cerebrais com vistas a regular o funcionamento do organismo (Fig. O cérebro manipularia digitalmente a informação. 2. isto é. passível de se tornar consciente. A sincronização de unidades processando analogicamente serviria de base para a consciência.são cerebrais.1. Porém. se tentar. mas.Relação hipotética entre o cérebro. cap. no caso da função memória. Ou seja. a localização passa a ser quase errática. e consciente absoluto. teríamos uma atividade puramente mental. que é a consciência por excelência. 3 e 4 sem que para isso tivesse havido a estimulação do neurônio sensível ao nível de glicose (processo 1). que costuma acontecer em algum lugar do 2o ao 4o andar da empresa. basicamente virtual. 1 é um departamento concreto e 2. Algumas das funções e alguns dos produtos que a fundamentam podem ser um pouco mais bem mapeados no cérebro. o nível de glicose apontando para uma necessidade real de alimento para nutrir o organismo. debruçando-se sobre si ou sobre objetos da cultura. Outras soluções dependem de exames individualizados e constantes. A consciência e. parece ser um desses departamentos totalmente virtuais. mas ha- SÍTIO DA MENTE O processo explicado na Figura 34 é interessante porque contempla etapas vitais nos processos cérebro-mentais. Não há departamento concreto. Aqui. capaz de se tornar consciente. o controle sobre a ação são parciais e obnubilados. Normalmente. 3 e 4 são processos cerebrais. Uma pessoa poderia por alguma razão acionar o módulo 2 sem ter acionado o módulo 1.130 Consciência é. 2 e 3 parecem ter capacidade de ser virtuais mais estáveis e 4 é absolutamente virtual. É o caso em que se tem a sensação de fome sem a ocorrência do evento 1. no sentido de passível de se tornar consciente ou já consciente. dependendo basicamente de circunstância e tarefa desempenhada. o que aparece na consciência é o resultado da interação entre diversos módulos passíveis de se tornar conscientes.4 No caso de um produto memória. Parece ser esse o mecanismo que está em jogo todas as vezes que a mente se desgarra da sua função de controle das variáveis do organismo. determinada. O prato de um incrível cozinheiro (fato externo e cultural) poderia alimentar os processos 2. 1. Distúrbios alimentares. sobretudo. O mesmo pode acontecer com os processos 3 e 4. dos hipocampos e dos disparos de potenciais de ação especiais. O processo 4. pela importância da sinapse. Certas comissões (departamentos virtuais) tornam-se tão úteis que passam a se reunir constantemente (o que significaria tornar-se departamento virtual permanente). É como se se dissesse: a memória é um departamento virtual mais estável. que pode ser dividido em não-consciente. alguns psiquiátricos como a bulimia e a fome por ansiedade.5 pág. Assim. 2. parecem estar ligados a processos mentais no sentido 2 e 3. . isto é. Henrique Schützer Del Nero Lembre-se de que falamos dessa classificação (virtual mais ou menos permanente) em outros pontos do livro.10 Consciência entre o processo cerebral exclusivo (impossível de chegar à consciência ou de ser por ela controlado) e o processo mental. nesse sentido. O processamento cerebral que os embasa pode mudar de uma experiência para outra. Porém.3 veria uma região preferencial. 3 e 4 são progressivamente virtuais. come-se pela gula ou pela consideração ao companheiro de mesa. 3 e 4 (processos mentais). o que por vezes causa problemas. coloco-o num altar.10 Consciência A cultura.SÍTIO DA MENTE Ao criarem departamentos virtuais para processar certos tipos de decisões. mas o domestico. cap. pág. pode defla-grar estados cerebrais que se descolam das necessidades biológicas primárias do organismo. que pode haver desregulagem no nível dos processos 2. A obesidade é um fato fortemente cultural que não necessariamente obedece ao descontrole do organismo (hormônios. que a mente acaba por ter a cara do mundo ou o mundo a cara da mente como nós a concebemos ou a experimentamos. os organismos permitiram que. como departamento mental terceirizado. embora sejam exclusivamente cerebrais. Os próximos capítulos terão a “cara do mundo”. Se a fome pode ser disparada tanto pela monitorização cuidadosa dos níveis de glicose no sangue (processo 1. De um lado. 3 e 4 que.ocorrência numa cadeia decisória do tipo “talvez”. absolutamente não-consciente) quanto pela atividade espontânea ou induzida dos mó-dulos 2. sem que para isso tenha havido atividade do elemento 1. têm grande parte de sua sintomatologia brotando no palco da consciência. protagonista no palco da consciência.satisfação de necessidades biológicas . mas sim a níveis mentais de resposta ao alimento. como naquele exemplo em que víamos um ator sendo filmado num estúdio (Fig.). tornando o cérebro refém de razões que ultrapassam a mera necessidade concreta imediata. etc. “mentalizando” progressivamente o cérebro que os embasava. etc. é fundamental. a fome deixa de ser item de sobrevivência para se tornar fato misto: natural e cultural. Em vez de comer porque a glicose está baixa ou não comer porque está alta. . 3 e 4. Henrique Schützer Del Nero vivência e reprodução. concomitantemente. passa a desempenhar no ser humano um papel imediato . mostra que a mente pode ter uma dinâmica própria. As perturbações psiquiátricas são em larga escala assim explicadas.) são absolutamente dependentes da superação do nível básico de satisfação da necessidade física e da luta pela sobre- O exame da possibilidade de conexões entre os processos 2. independente da satisfação imediata das necessidades físicas do organismo. uma vez que se supõe que não sejam físicas ou cerebrais. 29). essa virtualização se espraiasse para além do cérebro físico através da comunicação (da qual a linguagem falada é apenas um item). Na medida em que se torna elemento mental. Isso não quer dizer que não sejam cerebrais.e um papel mediato . Quer dizer apenas. De outro. Processos virtuais que processam sincronizações via 131 Cadeias decisórias do tipo “talvez” (lembre-se: não corro ou enfrento o tigre. exploro-o num circo. em alguns casos. Não é certo que não haja um processo do tipo 1 por trás disso tudo − no caso do nosso candidato a síndico. são entendidos de maneira neutra sem alusão a mecanismos de repressão ou de colapso de memória de trabalho. poderiam estar em jogo? Certamente não parecem ser níveis de glicose.10 Consciência código de barras podem ser estimulados diretamente sem o concurso de processos concretos. somos síndico de prédio e dirigimos carro de luxo. 3 e 4. Se. O indivíduo que almeja o posto de síndico no seu prédio. por um lado. dizemos que os processos cerebrais são totalmente inconscientes. porém. exclusivamente não-conscientes. neste livro os processos nãoconscientes. cerebrais. no sentido do processo 1.Freud e o inconsciênte 132 A teoria de Freud impressionou de tal forma nosso cotidiano que acabamos por elaborar uma série de pág. raciocínios errôneos acerca do que se entende por nãoconsciente. Podemos dirigi-lo para onde quisermos. Talvez tenha mudado alguma coisa para que tudo permanecesse inalterado. dizemos que os processos mentais são conscientes ou podem vir a ser conscientes. Segundo a doutrina psicanalítica. um problema de poder e dominação de território. Esses fatos continuariam. o que resulta novamente da capacidade de estabelecer uma sucessão de sincronizações de processos do tipo 2. Parece claro. lutando para ser eleito na próxima reunião. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A mente tem. porém mentais. produzindo comportamentos anormais ou estranhos. . não vem ao caso. Percebe-se que a motivação dos dois tipos de nãoconsciente aqui apresentados é diferente. Agora. orquestra uma série de atores no seu palco consciente. Que motivações “cerebrais”. Antes. por outro. a exercer determinado papel sobre a consciência. no entanto. Se a motivação que leva certo fato mental a situar-se fora da consciência é de origem repressiva ou apenas uma economia do sistema. O grau de dificuldade de trazer algo à consciência pode perfeitamente ser explicado por uma hipótese teórica concernente à censura ou por outra que apenas diz que a quantidade de memória de trabalho está toda ocupada naquele momento. tentávamos dominar uma área e fazíamos a corte para as fêmeas. Porém. impossibilitando com isso que se traga o fato mental ao plano da consciência. Ambas seriam hipóteses que devem ser conferidas no interior de suas respectivas teorias. que a motivação por trás de um truque para resolver uma charada (caso da solução de um problema) é diferente de um impulso homossexual traduzido em quadro paranóide na consciência (caso da hipótese psicanalí- cap. uma dinâmica própria através do pensamento. existiria uma motivação que nos faria esquecer certos fatos indesejáveis. gravado em nossa herança animal. ao contrário. nem os estudado. mais tarde. não estudam animais. porém oculto. Não teríamos também. na Figura 34. Animais não têm zoológicos. de totalmente inconsciente ou cerebral exclusivo. fuja. de maneira alguma.10 Consciência tica para o surgimento das paranóias). e com ela a consciência. mas elas não fazem com que a teoria aqui apresentada. Os processos que consideramos aqui estritamente não-conscientes (cerebrais exclusivos) seriam de ordem puramente fisiológica. Imagine que tivéssemos nascido com a seguinte instrução: se vir um tigre. criando análogos artificiais que a imitam. pré-programar todas as reações.6 pág. Nesse sentido. Trata-se de uma capacidade de processar informação pelo cérebro que se justapõe às habilidades previamente gravadas. pode ser entendida de acordo com uma máxima que explica a dinâmica evolutiva: o acaso vai criando variações e a necessidade de se adaptar ao meio ambiente vai selecionando as mais bem-sucedidas. A mente é. pelo menos.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A mente. Pode haver coincidências. tenha relação com Freud e seus seguidores. Grande parte das conexões do cérebro humano estão abertas para programação posterior. nem feito roupas da moda com sua pele. O que chamamos de não-consciente não é. O não-consciente em nossa formulação carece de sistematização sintática e semântica enquanto que o não-consciente da psicanálise é essencialmente lingüístico. permitindo que haja um aprendizado e uma organização posteriores. . assim considerados) da noção de uma mente desgarrada do corpo. do ponto de vista evolutivo. Porém. poderíamos pensar em sistemas não-conscientes de luta pelo poder. Consciência e evolução cap. quando o indivíduo estiver em ação. mente significa capacidade de aprendizado e de coexistência de 133 Outra consideração vital diz respeito ao tipo de processo que chamamos. Nunca teríamos domesticado tigres. pois. sinônimo de uma versão popularizada da doutrina psicanalítica. Não convém. fortemente dependente de aprendizado. Na noção de inconsciente da teoria freudiana. achado politicamente incorreto fazer roupa de pele de tigre. assim. A necessidade de modificações que possibilitem a adaptação a contextos mutantes está na base da pressão natural para que organismos capazes de aprender estejam mais bem adaptados. defensores (ou. Voltemos ao exemplo da glicose. inteiramente baseada num sítio cerebral para a mente humana. Não há dúvida que o nível de glicose não é elemento capaz de vir à consciência em qualquer formulação (psicanalítica ou não). Mesmo no caso da eleição do síndico. parte de suas implicações pode vir à consciência sob a forma de sensação de fome ou desejo ardente por um prato de macarrão. haveria no inconsciente elementos mentais impossíveis de serem trazidos à consciência (noção de reprimido primário). nem fazem roupas com tecidos sintéticos que imitam suas peles. fujo talvez). inibir a informação prévia. o que se terá formado em sua mente é um conceito de cão que se serviu da experiência perceptual e de uma série de correções e explicações mediadas pela linguagem dos 134 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Quando fechamos os olhos e pensamos numa zebra não estamos necessariamente criando um análogo mental perfeito da zebra. explica porque não se trata exatamente de uma réplica da realidade o que aparece na nossa consciência quando imaginamos ou pensamos de olhos fechados. Imagine que você é uma criança e está aprendendo o que são cães. o domine para estudo. Essa capacidade é importante. Olhará para diversos tipos de cães e terá a correção dos adultos para a nomeação: isto é um cão. como no caso da fome ou do medo do tigre. Por vezes. pág. etc.Essa propriedade fundamental da consciência de representar conceitos que não são exatamente idênticos ao mundo confunde-se com a linguagem . separados em pedaços (isto é fundamental para desenhos animados e para caricaturas). mas. 3 e 4. argumentarão os processos 2. em parte perceptual (isto é. fique e o domestique”. Está gravado que é para correr. Nesses casos. e portanto na consciência. A mente significou um aporte de capacidade de aprendizado em situações que precisariam estar programadas. “Não. Consciência e linguagem cap. observaremos um fato importante. “Não. Se não tivéssemos desenvolvido a capacidade de aprender. essas situações estão pré-gravadas. Ao final. Aprenderá instâncias de cães: vivos e mortos. ordenará o processo 1 da Figura 34. fujo não. aconselharão os processos 2. às vezes. “Coma”. do exame dos tipos de objetos que estão sob a nomeação de cada um deles e de explicações sobre o que significam. dirá o processo 1. mas esta não é a única informação sobre tigres que está no seu sistema. desenhados. não nos adaptaríamos a um ambiente em mutação. Porém. advindo de nossa história de percepções de zebras) e em parte lingüístico (advindo de nossa história de nomeações de zebras). se nos lembrarmos do exemplo da glicose e da fome. mas um conceito de zebra. faça regime porque você quer ser modelo profissional”. a mente pode. às vezes. em geral. não teríamos superado a barreira animal para criar um ambiente cultural. 3 e 4. . “Fuja”. dentro de certos limites.10 Consciência programas pré-gravados com programas gravados posteriormente. você saia correndo dele e. Isso possibilita que. entrar em conflito com a própria ordem que vem dos níveis pré-instalados. Se não tivéssemos desenvolvido a capacidade de raciocinar levando em conta o talvez (fujo sim. Volte ao exemplo do tigre e veja que você tem de inibir seu medo do tigre para não sair correndo. mas de uma forma conceitual do mundo.a forma como aprendemos os conceitos vem. às vezes. porque implica não apenas manipular um talvez. Tal representação na mente. Henrique Schützer Del Nero Pense no caso da zebra. mas SÍTIO DA MENTE As noções de aprendizado. liberdade e moral A relação entre a mente e a vontade. de decidir se uma pessoa tinha conhecimento ou não do que estava fazendo.” Se um dia perguntou a lguém o que era uma zebra. explica por que a mente dos animais não dotados de linguagem (e são todos. seu povoamento com atores mentais. porque o conceito de zebra é de um ente natural. o que veremos a seguir. . Não se disse quantas listas tem de ter. e a linguagem fará parte do processo. mas um cão que foi se formando em sua mente graças a uma série de exames do conceito de cão. precisamos de uma linguagem precisa ao forjar conceitos. constituído não apenas de casas e roupas. nem quem são todos os passageiros do processo. Você viu zebras e teve sua percepção confirmada quando falava: “Isto é uma zebra. Para que possamos ter uma representação consciente de zebras. Por quê? Simplesmente porque você guardou um conceito que reúne possivelmente um cavalo e listas. Mais ainda. mas o conceito de democracia. mundo artificial (cultura). não.A formação da consciência. escolas.10 Consciência adultos. o cão que você representa de olhos fechados na consciência (como no caso da zebra) não é exatamente um cão do mundo percebido pelos olhos. depende da experiência e da sua qualificação e correção através da linguagem. na minha opinião. Esse mundo criado deve ser transmitido. de importância vital no direito. também de instituições. a liberdade e a moral é. obteve como resposta: “Parece um cavalo listado”. e principalmente de democracia. Fechando os olhos.7 Qualquer 135 O ser humano é o único animal que transforma radicalmente seu meio. Tentando contar-lhe as listas. isto é. você é capaz de imaginar uma zebra. livros. Cuidado. não importa quantas. Não sabemos dizer exatamente qual o ponto de partida. exceto o ser humano) é tão primitiva. Provavelmente isso explica o porquê de termos uma vida mental tão desenvolvida e uma sensação de que o mundo psíquico é nossa consciência e não nosso cérebro. cap. também não teremos uma consciência rica o suficiente para incorporar conceitos. pág. etc. Por isso. Se não tivermos uma linguagem rica o suficiente para nos comunicarmos. o ponto central de todo o processo mental. Consciência: vontade. mundo em mutação. não consegue. linguagem e consciência acabam por se entrecruzar. criando um mundo artificial para viver. A palavra “consciência” apareceu na Grécia quando se colocou a questão. mas apenas que é listado. Mas podemos formular hipóteses a respeito. as ações e os valores morais e éticos. Porém. Se esses conceitos são ou não compatíveis com o cérebro humano. à linguagem. Antes de se descrever a lei da gravidade. cap. mentar um filho estiver presente. Isso caracteriza o que chamo de departamento menos concreto e mais virtual. Henrique Schützer Del Nero A idéia de que somos capazes de examinar as implicações antecipadas de nossos atos (capacidade de planejamento. o estado de necessidade de ali- SÍTIO DA MENTE A avaliação moral está intimamente ligada a esse problema. havendo. de decidir livremente ou por exercício voluntário está na base da vivência consciente pessoal e pública. as hipóteses. A consciência é a mais “virtual” das funções mentais: não há um neurônio ou uma região cerebral específica para ela. vamos examinar posteriormente. Ao olhar o acusado. e capacidade de avaliar as conseqüências dos seus atos. se o termo “consciência” surge da necessidade de exame das condições internas de avaliação do sujeito de uma ação é porque essa característica está firmemente ligada ao conceito. mas a capacidade de fazer incidir sobre o palco mental os protagonistas. isso servirá de atenuante. capacidade de agir por vontade própria. Através do processamento exaustivo de informações e do agrupamento de módulos que. porém. o cérebro cria em nossa mente a oportunidade de termos consciência. um valor agregado a cada uma das hipóteses em jogo. representação antecipada. a noção “tinha liberdade de agir diferentemente” ficará de certa forma prejudicada. Roubar um banco por necessidade terá um colorido moral que roubar uma viúva para comprar caviar não tem. onde aquele algo está protagonizando um papel. portanto. 136 Suponha que alguém roube um banco e vá a julgamento. constituem os “departamentos virtuais”. vontade e moral.está intimamente associada ao aprendizado. à noção de liberdade. quero dizer que tem: acesso privado a seu palco mental. se era capaz de decidir livremente. de agir por vontade própria. Em ambos os casos o que mais importa não é o ato. Quando digo que uma pessoa tem consciência de algo. liberdade de pensar e escolher. sejam penais. Ou. corpos soltos não levitavam. Isso não significa que não houvesse consciência antes do surgimento da palavra. conteúdo e vivência . julgamento das implicações de cada hipótese). sejam civis. Raras lesões localizadas conseguem abolir a consciência. aquele que julga vai examinar se tinha compreensão do que estava fazendo.A consciência . processo. pelo menos.função. pág. caíam do mesmo jeito. nem suas circunstâncias de contorno. passa pela idéia de que seja capaz de “ter consciência” deles. . A lesão em uma via nervosa resulta em uma mão paralisada.10 Consciência avaliação da responsabilidade de alguém perante seus atos. Se. ligados por sincronismo. Isso explica o porquê de não haver perda de memória durante o processo de perda de neurônios (o que ocorre durante toda a vida). Jamais encontraremos todas. Nas redes neurais é comum citar a representação distribuída nos pesos de conexão entre os neurônios como uma característica semelhante ao cérebro humano. e) formar departamentos virtuais para processar decisões novas. c) aprender. claro está que o processamento do “talvez” será feito em departamentos virtuais. d) transmitir conhecimento. Se metade do cérebro explodir. brotando quando essa quantidade passasse por um ponto crítico de transição de fase. 137 Henrique Schützer Del Nero a) adaptar-se ao mundo dinâmico. muitas das funções mentais poderão ser abolidas. O grau progressivo de especialização dos cérebros ao longo da escala evolutiva vai tornando a mente cada vez mais complexa.10 Consciência Lembrando que a mente significa um estágio evolutivo nas empresas biológicas. como também encontraremos sucedâneos de consciência numa série de objetos e relações culturais. pág. . capaz de: cap. como vimos no caso da água líquida e da água vapor. Podemos encontrar algumas das funções de “a” a “f” em outros animais. Isso mostra que as funções mentais tendem a ter largas áreas de representação. Muito menos se pode dizer qual é o local da consciência. em transformação. Também explica em parte o processo de virtualização dos departamentos. f) formar departamentos virtuais terceirizados que funcionem como departamentos auxiliares na execução de determinadas tarefas complexas. porém. A consciência não poderia surgir do processamento local de informação digital sob a forma de manipulação lógica porque careceria da sucessiva distribuição do processo de sincronização. Se uma bomba explodir no 3o andar de uma empresa. Essa noção de representação espraiada costuma ser chamada de representação distribuída. A linguagem é fundamental para entender que não só não encontraremos todas. mas dificilmente destruirá a comissão que se reúne mensalmente para estudar investimentos. responsável por recrutar cada vez maior quantidade de neurônios.SÍTIO DA MENTE b) instanciar decisões do tipo complexo (talvez). poderá destruir o departamento de cobrança. Não pense. aquele é o centro da linguagem e assim por diante. a mais pulverizada das funções mentais. que essas funções se localizem de maneira tão específica que se possa dizer: este é o centro da emoção. de suas idéias e dos fóruns externos que as corrigem. moldam e censuram. assim. em cada um de nós enquanto sujeitos. de transformar o meio ambiente. O fato de a consciência poder. através da comunicação e de uma noção de “sincronização cultural”. Henrique Schützer Del Nero A capacidade de comunicação por meio de símbolos. pág.Todo o processo de forja da mente adveio da capaci- 138 SÍTIO DA MENTE Fig. Há. de seus desejos e da expectativa que os outros têm deles. o primado do "código mental" sobre a "matéria cerebral".35 − O indivíduo é forjado à custa de processo de sincronização cerebral que lhe prepara a consciência individual. É um misto de sua história pessoal e da história de seus antepassados. pela comunicação com a mente de outros indivíduos surgem "fenômenos conscientes" coletivos que retroagem sobre o indivíduo. cap. O departamento virtual não é apenas a porção da mente que processa o “talvez”. de seus circundantes atuais. ao contrário dessa idéia afirmar qualquer "imaterialidade" ou "espiritualidade" de uma porção do mental. estabelecer “sintonia” através de “neurônios virtuais” com outros cérebros e com outros bancos de dados (cultura) amplifica brutalmente a capacidade do sistema de processar informação. Este ultrapassa os limites do cérebro individual e. de construir um ambiente artificial e de criar objetos culturais inseriram elementos ricos no processo mentalconsciente. mas também sua interação com outros departamentos recrutados de fora (a tradição cultural) e a interação com outras cabeças pensantes. 35). O indivíduo que surge dessa mente está na interface da mente privada e da pública. por meio da linguagem. a capacidade infinita da linguagem.10 Consciência Consciência e terceirização . Como veremos adiante. Porém. a capacidade de aprender. afirma. permite que a mente de cada um tenha departamentos terceirizados na mente dos outros e nos objetos da cultura (Fig. outrossim. um misto de mente cerebral e de mente virtual absoluta. não vê galáxias. e. ainda que se venham com tentativas de ensinar macacos . aliada ao fato de que estamos submersos num mundo 139 O cérebro humano foi ao mesmo tempo um salto e uma ponte. Mais ainda. ameaças e grupamentos não exatamente sociais. foi também ponte porque veio acompanhado da linguagem. tornando-se capaz de fazer algumas coisas novas. Não tenha dúvida de que um macaco não vê galáxias mesmo que olhe num telescópio. embora processe graus de virtualização através do talvez e seja capaz de aprender algumas coisas. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero a) seu cérebro. houve um momento em que o cérebro deu um salto qualitativo. a capacidade que demonstram não chega perto da de uma criança de 2 ou 3 anos de idade). vê somente o mundo natural. A mente é. de inibir o processamento do sim ou não e de chegar aos contextos opacos do talvez. uma comunicação e remodelar o próprio conceito de mundo natural. com a qual se pôde realizar uma série de transformações no meio natural. pág. Talvez esta última etapa do processo. cap. um salto do tipo explicado no exemplo da temperatura de fervura da água. povoado de comida. mas apenas um borrão luminoso. embora não exclusiva do ser humano. criando uma cultura e uma nova forma de interação criativa. A mente do animal é pouco desenvolvida porque: . não teríamos tantos neurônios a mais do que os macacos que justificassem quantitativamente tantas diferenças. assim.8 Se você entender que acréscimos muito pequenos podem provocar uma mudança de fase. re- Se o cérebro foi um salto graças à quantidade de neurônios e ao processamento analógico. fazendo de cada cérebro um novo neurônio numa grande mente que não pertence a cérebro algum (cuidado porque há aqui uma forte dose de alegoria e figuração). afinal. A consciência pode se amplificar pela comunicação e retroagir sobre o nível dos neurônios.10 Consciência dade do cérebro de processar aprendizado. reprodução. uma propriedade emergente da interação de neurônios que pode ser ampliada através da linguagem. adveio da sua capacidade de criar uma cultura. c) não forma cultura e não se comunica de maneira sistemática através da linguagem (comunica-se com alguns códigos muito pobres.b) quando olha no telescópio.tão próximos de nós em matéria cerebral a falar e escrever. presentou um passo decisivo para a consciência. abandonará a idéia simplista de que. Durante o processo de encefalização (aumento do número de neurônios). recrutando idéias esotéricas para explicar a transição da mente animal para a humana. Galáxias são parte de um mundo natural absolutamente “informado” pela cultura. A capacidade de transformar o digital em analógico. Mas. tenha feito com que não tivéssemos intuitivamente a noção de quão cerebral é o sítio da mente. É falsa quando se pensa que a mente é um espírito que não obedece às leis do cérebro. o digital torna-se analógico. pág. É verdadeira quando se entende que há um processo. Isto é. Não há um cérebro ali entre o indivíduo. Mas existe um processo de manipulação da informação. sim. De maneira indireta.Olhando para um indivíduo. pode ser replicada em outros meios físicos de suporte: máquinas e sociedade. não é porque. cap. à maneira de departamento virtual). o comunicacional rígido torna-se linguagem. Um é o modo de processar informação.como no exemplo da água que entra em fervura quando se aumenta a temperatura de 99 para 100 graus -. o conjunto dos atores que povoam o palco da consciência se beneficia de dois processos cerebrais. o outro indivíduo e um objeto cultural. É como se tivéssemos a SÍTIO DA MENTE Há cérebro por trás da mente do indivíduo e de seu interlocutor. Paradoxo aparente. de transição de fase . que pode ser da mesma natureza daquele que o cérebro usou para fazer a mente surgir da interação entre os neurônios. A consciência e a universalidade dos processos abstratos e virtuais formação de um novo cérebro com três “neurônios”: o indivíduo. mas não em outro. . e passa a se comportar globalmente de uma nova maneira: o cerebral torna-se mental. como também há cérebro por trás dos objetos culturais.10 Consciência que parece mental. Essa interação pode estabelecer novas classes de sincronização (ou processamento. Há uma forma de “mente” que surge da interação entre indivíduos dotados de mente. percebe-se assim que a mente é cérebro porque é nele que surgiu e é nele que até o momento encontra expressão. como vimos. Assim. o outro e um objeto da cultura. bem como da interação do indivíduo com cada objeto da cultura. nem adoece quando este adoece. de que o cérebro lançou mão para fazer com que a informação se tranformasse em mente. O outro é a capacidade de estabelecer relações lingüísticas com outros cérebros. a noção de uma mente que se descola do cérebro é verdadeira num certo sentido. retire seu cérebro e sua vida mental irá embora. que trafega entre os três. enquanto processo e codificação. perguntamos se sua mente está em seu cérebro. que pode ocorrer novamente na interação entre indivíduos ou entre indivíduos e produtos culturais. que carregam em sua simbologia determinada gama de informações mentais e que só puderam surgir quando se passou a manipular infor- 140 Henrique Schützer Del Nero Uma determinada quantidade de neurônios chega a um ponto de mudança qualitativa. como boa ciência. através da decodificação. assim. por sua vez. pedra angular na compreensão da lógica do mental. os retraduz numa nova folha de papel. remetendo-os ao mundo das formas ideais . Não se preocupe se o carrinho que desce uma ladeira inclinada tem atrito ou não. Liberta porque nossa interação pode. porém. mas apogeu da razão. A cultura também não tem mente na medida em que não tem cérebro. A mensagem é o que está por trás da folha e dos caracteres e pode ser capturada por um processo (no caso do fax.10 Consciência mação ambiental de forma mental. pág. superiores.código puro. É sobretudo a ênfase num estilo inteligente de codificação. enquanto processo. públicos e objetivos. depois de ler a mensagem. como a mensagem de fax no que tem de essencial não carece do envio do papel. é mais que analógico. 141 Suponha que se queira transmitir uma mensagem por fax. a noção científica de processo. desde que se entenda a noção de processo mental e de código que prescinde do objeto físico. mas com a noção de triângulo. no âmbito de uma ciência do mental. como linha telefônica e fax. que são enviados pela linha telefônica ou pelo satélite para outra máquina que. servindo-se dele apenas como meio para realizar-se. não mais parentes do espírito. pode instanciar o mental pela posse do código.departamento e recrutamento -. adoece com ele. através da cultura e da linguagem. pode ser replicada em máquinas e também em meios que sejam capazes de preservar-lhe a razão codificante. Finja que não tem. que antes entendeu o mundo e agora pretende entender-se. Aprisiona porque devolve a mente para o cérebro. enquanto processo. Não precisa por isso estar confinada em nossa cabeça. Isso liberta e aprisiona. O que trafega é a possibilidade de ser codificável através de um processo. criar diferentes níveis mentais.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Reinstaura-se. Pensar cientificamente é descolar-se do objeto concreto e colocar ênfase no processo geral. Esta. Esse objeto papel escrito não precisa trafegar pela linha telefônica. Por isso é universal e. enquanto objeto. transforma-a em códigos. . A mente . Enquanto objeto cerebral. desmaterializa objetos e casos. Coloca-se a folha de papel com a mensagem escrita na máquina. e não só de objeto. A mente é uma forma que o cérebro descobriu de processar informação. cap. interpretação e uso do tempo como eixo suplementar na representação dos objetos mentais. A mente pode ser então colocada fora do cérebro. etéreos pela natureza do método científico. único meio até hoje conhecido de processar códigos de forma mental. O conceito de virtual . Não se preocupe com o triângulo que estiver à sua frente. está confinada exclusivamente no cérebro humano. pode adoecer onde quer que sua natureza funcional esteja sitiada. a digitalização) que guarde a chave da recriação posterior do objeto. Henrique Schützer Del Nero Há um aparato que dirige nossas atitudes. o saber. pág. Pedro crê (conclusão por inferência). O objeto é o mesmo. Pedro se ajoelhou (fato). mas apenas processam sinais elétricos.9 b) mentes são a resultante da interação analógica entre cérebros e mundos em transformação (tanto o natural como o cultural) devidamente moldados pela linguagem. Por quê? Porque crê em Deus”. no outro. há dois elementos em jogo: a crença e alguma coisa. Pedro é um indivíduo na medida em que comunga numa consciência coletiva e numa mente coletiva informada pela linguagem. Esse fato gerou uma série de argumentos na história do pensamento distinguindo a mente da matéria (do cérebro). 142 a) em primeiro lugar. Quando digo que temo essa mesma coisa. nem intencionam. Acreditava-se que a matéria não teria capacidade de representar objetos e de se dirigir a eles com modos internos diversos. Isso não quer dizer que neurônios creiam nem que crenças sejam digitais ou analógicas.10 Consciência Consciência e crença . faço apenas um recorte lingüístico de atos cerebrais que se amoldam a essa explicação. pode tanto ser objeto da interpretação acima como pode internalizar essa interpretação. cérebros não crêem. Quando formulo a seqüência “Pedro se ajoelhou no altar. uma teoria intuitiva da vida mental. em seguida: “Paulo teme marcianos”. Logo. etc. o temor. E. há também dois elementos: o temor e alguma coisa. é a crença. marcianos. cap. o que está em jogo é um pouco mais complicado. Tudo são planos de recorte e interpretação de objetos. Pessoas que se ajoelham crêem em Deus (hipótese da teoria intuitiva).SÍTIO DA MENTE Quando digo que creio em alguma coisa. que supõe que haja uma determinada gama de modos de relação mental com os objetos. o temor. Veja no exemplo que precisei da noção de pessoa ou de indivíduo. o desejo. a intenção. chamados intencionais. Suponha que digo: “Paulo crê em marcianos”. porém o modo mental é diferente: num caso. Temer e crer são muito diferentes. c) mentes crêem porque já são o resultado de processos cerebrais interpretados lingüisticamente na consciência de cada um e na consciência coletiva. Esses modos. Logo. Na verdade. são a crença. nem desejam. Mas aquilo em que se crê ou que se teme pode ser a mesma coisa. A confusão me parece advir da superposição entre objeto/processo/função e sistemas escolhidos para descrevê-los: d) processos cerebrais apenas criam condições de disposição para se comportar da maneira x ou y. e a sincronização estabelece. 143 A consciência. Com o passar do tempo. juntamente com a explosão qualitativa do acréscimo de neurônios no sistema. Portanto. por pressões adaptativas. aliado à possibilidade de transformação do meio. surgindo. cuidado. . onde quer que haja dois ou três reunidos em seu código. o cérebro processaria informação pré-gravada de maneira digital (departamento concreto). então. a consciência individual se parece cada vez mais. reinserir no domínio da ciência a natureza do processo. respondendo sim ou não a determinada solicitação (é o processo 1 na Figura 35). via comunicação. novas sincronizações. Vai daí que a “mente” se espraia por vários nós do mundo. todavia. a noção de mente virtual pode. porque esse vocabulário pode ser apenas a nomeação. Se isso foi explorado intuitiva e misticamente como paranormalidade ou como esoterismo. dar-se-ia a evolução da máquina cérebro (por acúmulo de neurônios chegando à transição de fase). Este mecanismo gera. É a generalidade e a abstração do processo que estão na ordem do chamado processamento mental. como palco da função e dos atores mentais. sincronização. sejam indivíduos e elementos culturais. num sistema de descrição posteriormente internalizada. é preparada pela sincronização de oscilações que abandonam a manipulação digital. processando códigos de freqüência. faz surgir novas formas de processamento analógico de informação. e deve. de disposições cerebrais subjacentes. que. transformar o meio e criar objetos culturais. as habilidades de: pág. Falar de neurônios e sincronismo parece subtrair dele seu vocabulário histórico. um fenômeno de comunicação complexa. mesmo no seu panorama subjetivo. Nesse mundo coletivo há pactos e crenças. departamento virtual). b) comunicar-se com outros cérebros de maneira efetiva e criativa. Essa consciência nasce da oscilação ordenada e da ação e retroação de fatos mentais sobre o mundo. No entanto.a) processar também analogicamente (código de barras. uma nova mente que ultrapassa os limites do corpo físico. Num primeiro momento.10 Consciência O problema da crença e de outros tantos operadores mentais é que estes supõem uma consciência por trás deles. com o mundo lingüístico e público que a formatou e cada vez menos com uma vivência subjetiva simples. sejam apenas indivíduos. cap. não necessariamente a presença de um cérebro. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Consciência: supraconsciência e infraconsciência O mundo agora é a fonte dos códigos. Como vimos no exemplo das galáxias. O processo 4.). crescimento. resultaria da reunião de 2 e 3 através de sincronizações e o processo 5 é uma etapa posterior de forja do indivíduo graças à conjunção entre mente subjetiva e objetiva. Tanto 2 e 3 como 5 não são imediatamente conscientes. 2 e 3 através do desenvolvimento. pág. etc. a “consciência” propriamente dita. não somos apenas manipuladores de impressões sensoriais (o que o macaco conseguiria ver no telescópio). 35): cap. correspondendo no cérebro (Fig. 3 e 4 com outros indivíduos e com bibliotecas. Por 144 O mundo natural. temos uma reunião do tipo mente virtual. É trazido à consciência através da sincronização de 2 ou 3 com 5 ou de 4 com 5. estabeleça uma ligação “mental” de aprendizado. muda de natureza. lousas. sob a influência da mente huma- a) amadurecer os circuitos neurais 1. periódicos. mundo pessoal e mundo social e cultural. Os processos 2. 3 e 5 podem ser trazidos à consciência (e. de modo que o nível 4.10 Consciência Essas duas classes de habilidades criariam um departamento virtual. que é um modo de processar informação (processamentos ligados ao talvez. situações em que muitos cenários são possíveis e defensáveis. Os objetos mentais .10 . na. Não sabe o que olhar. De certa forma. através da comunicação. reúne todas as mentes e suas heranças culturais. passíveis de ser trazidos à consciência. com outros cérebros ou com objetos culturais. 35) aos processos 2 e 3. (processo 5).SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero b) ser capaz de representar conscientemente (processo 4) o conceito. Toda vez que estabelecemos contato. O único processo consciente imediato é o 4. que resulta da sincronização de 2 e 3 . são mentais).podem estabelecer com nossos processos mentais um processo análogo àquele que se passa no cérebro para produzir fatos mentais. portanto. etc. em contato com esses outros pontos de processamento de informação. A “sincronização” ou o estabelecimento de códigos análogos de intermediação entre meus fatos mentais e os de outros (ou aqueles gravados nos objetos culturais) produz uma nova mente que paira acima de nossos cérebros.tanto o processamento mental de outros indivíduos como as obras culturais (resultado da operação de cérebros ou de outros processos mentais) . aprendizado e treinamento. c) ser capaz de estabelecer ligações comunicacionais entre os processos 2. sintonia. Aprender a “ver” átomos implica (Fig. mas manipulamos conceitos que são explicados em disciplinas específicas. em princípio. Os processo 5 é aquele que pode ser recrutado através da comunicação com outros cérebros e com objetos da cultura. Peça para uma criança olhar um átomo. A consciência de seu filho. Chega uma pessoa atrasada e pergunta o que está se passando. 3 e 4. portanto. Você tem então de lhe ensinar uma gama enorme de conceitos. Para além de sua vivência imediata. viajar até outro extremo do mundo e se preocupar com o filho que está em férias e não telefonou às 18h. Não é preciso recrutar quadro a quadro para reter o contexto na memória. não entende.10 Consciência isso. a peça recria o mito do enfrentamento do perigo e da sedução. Com um pouco de trabalho podemos reconstruir seqüências através da memória. você passa a responder “conscientemente”: “Na verdade. encarnado na figura ambígua do agente familiar. você vê a cena em que a menina pergunta ao lobo por que tem um nariz tão grande. enquanto palco. tem de mandá-lo ler e assim por diante. e ainda a capacidade de recrutamento de processos 2 e 3 (como a memória imediata e a transcrição do contexto). É capaz de se antecipar e imaginar a seqüência dos acontecimentos. nitidamente edipiano. recruta memóri- 145 Imagine a peça Chapeuzinho Vermelho sendo encenada. Você imediatamente recruta sua memória e faz uma síntese dos quadros anteriores. do pensamento e da linguagem narrativa. seu outro filho lhe pergunta qual a moral da peça. chamamos 5 de supraconsciente e 2 e 3 de infraconscientes. É capaz ainda de acessar a informação anterior e descrevê-la com o uso da linguagem. Feche os olhos e você se lembrará da cor do vestido da protagonista. desatenta. Para isso. atônito. 3 e 5. Num determinado momento.. aloca naquele exato momento a imagem. sugerido metaforicamente. quando imediata. cap. A consciência é capaz de estar imediatamente ligada à cena (ou às vezes. reúne uma massa enorme de conhecimentos. É capaz de formular pág.SÍTIO DA MENTE A consciência imediata é aquela que se constitui do palco e dos personagens em cena. Sua consciência mobiliza o nível 5 de processamento através da leitura de um artigo de jornal que critica a peça. vivenciado ou discutido. Diante da pergunta de seu filho. Você tenta fazer uma interpretação do que está além da peça. A consciência (processo 4) é somente um palco e uma unidade que cola partes de processamentos do tipo 2. Henrique Schützer Del Nero hipóteses. Voltando para casa.” Seu filho.A consciência. uma boca tão grande. antes de você sair para a peça). em constante mutação. o som e a integração numa tela que permite sua apreensão imediata. capaz por ora de estabelecer os níveis 2. precisará daqui para frente acessar o nível 5 e sofisticar uma série de mecanismos para que um dia possa entender as informações contidas em sua explicação. . Mas vai além disso. A consciência é aqui o processo 4.. da discussão com um especialista em teatro ou de tudo o que está estocado em sua memória porque já lido. A consciência está. de que.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Essa noção de indivíduo. Enquanto palco. Isso poderia ser apenas o resultado da produção de sincronizações neuronais (um processamento mental do tipo 4). Enquanto peça em plena atividade.embora a sensação subjetiva de unidade. uma montagem diferente. Na sociedade repressiva de molde 146 No esquema da Figura 35. narrativas coerentes. um conjunto de atores diferente. percebe-se que a noção de indivíduo toma parte do palco consciente objetivo e parte do palco consciente subjetivo. de sujeito. Essa noção de si não muda. um contexto diferente. uma performance diferente. privada e pública. Mas se trata. numa sociedade totalitária e repressiva tenderá a ser diferente da vivência numa sociedade democrática e com liberdade de expressão. através da linguagem. pensamento. é uma seqüência de fatos que recrutam memórias imediatas e conjecturas futuras. na verdade. tendo no presente apenas um elo da cadeia. base de toda a relação humana. quer pelo exame das circunstâncias supracons-cientes. depende. de uma caracterização formada pela mente virtual. . quer pelo exame das circunstâncias infraconscientes (o que pode até passar pelo lado oculto das motivações e dos desejos). política e econômica. fazem dela um palco que recebe a cada vez uma peça diferente. explícita ou implicitamente. pág. diante de um mundo que lhe é externo). social. Os processos de aquisição de conhecimento. através da linguagem. liberdade. embora seu A consciência tem o papel de fazê-lo estar ciente todo o tempo. vontade. Uma das funções básicas da consciência é a constante alocação da posição do indivíduo perante um mundo que lhe é externo (um eu interno. os conceitos por ela manipulados e o concurso da memória. seu tempo passe e sua mente abarque cada vez mais conteúdos diferentes (encenações diversas e montagens diversas). de um misto do processo 4 com o processo 5 . da imaginação e das hipóteses para que ela possa construir. Considerar a consciência suporte da vida mental é importante desde que distingamos os fatos agora presentes. possa ser uma propriedade de abstração do sistema nervoso. primeiro plano da operação mental (processo 4) deve agregar-se uma vivência objetiva. linguagem e conhecimentos prévios e outros passíveis de serem adquiridos. se incorporam à consciência. a correta caracterização do indivíduo como centro de decisão. portanto. cap. a despeito do fluxo de cenas e de enfoques. cultural e lingüisticamente moldada. uma leitura diferente do tema. livre arbítrio e responsabilidade depende de construções do mundo cultural que. a despeito da diversidade. cuidado com esta última afirmação. À vivência subjetiva.10 Consciência as. A vivência de indivíduo. corpo mude. Porém. você é sempre você mesmo. é apenas a sincronização de módulos virtuais infra e supraconscientes. disparidade. uma vez que isso colocaria em xeque algumas das noções atadas à noção de sujeito. pág. como se mente fosse uma coisa e cérebro outra. a consciência individual pode florescer porque ameaçada em seu brio. A noção de sujeito e de personalidade que estão por trás da mente talvez sejam os traços essenciais da função biológica que ela desempenha. fortemente moldada pela cultura e pelas relações interpessoais. Na sociedade livre. . Ao mesmo tempo. pela busca do ideal comum. no poder da vontade. forja no cerebral sua unidade na diversidade. o direito. é organizada através de diferentes instituições. também a coletiva pode florescer. Essa noção está no âmbito da consciência subjetiva e de sua vivência de unidade na a) a mente ter sido tratada e entendida como se estivesse disso-ciada do cérebro. também ocorre o mesmo. a moral. e) não haver interesse em explicar a mente em termos puramente mecânicos. embora errônea. As leis. esquecê-las ou evitá-las. do pensamento e das boas idéias. porém ignorante. concreção de ideais fugazes de solidariedade sob a forma de caridade focal e assistencialismo.10 Consciência antigo. a consciência individual é a internalização de um ideal médio de comportamento ditado pela mídia e a coletiva é desideologizada. a consciência individual é pobre. ainda que reunida em segredo. os costumes. sujeito da ação e do pensamento. porém igorante e formatada pela propaganda e pelos modismos. espelho da tradição coletiva. Henrique Schützer Del Nero A mente. como se o mundo fosse vontade pura. Na sociedade moderna. as trocas. naquilo que tem de genérico e de princípio de embasamento. como a de que é livre e capaz de agir por determinação de sua vontade. d) vários determinantes das ações se situarem muito mais no plano das expectativas externas do que no preenchimento e exame das condições internas.SÍTIO DA MENTE b) os fatos mentais se parecerem tanto com o mundo e este mundo e estes fatos se parecerem tão pouco com o cérebro. tornando-nos aptos a sobreviver. livre. o que levaria a reprimi-las. Eis o porquê de: cap. 147 O tipo de sociedade criada para enfrentar os desafios naturais. Na sociedade repressiva de molde ditatorial.a noção de indivíduo. com ares de liberdade e identidade. como se querer fosse poder. f) haver uma ênfase absoluta. sofre a coação e a formatação dos elementos da consciência objetiva. c) várias vivências incompatíveis da consciência subjetiva entrarem em conflito com a consciência objetiva. a ética. mas se molda pela cultura para formar o produto final . as relações econômicas são todas dependentes da noção de sujeito-agente. disfuncional. 35) um forte aliado. Henrique Schützer Del Nero abstração do processamento e não ao objeto. Isso. natural e cultural. cap. com arsenal variado de estratégias (fuga ou luta inclusas). mas sobretudo a possibilidade de não se reagir instintivamente às situações (fugir ou lutar). mas não suficiente. liberta-a do discurso falso. A importância dessas considerações situa-se principalmente no exame das situações negativas e não das positivas. Essa virtualização. deve-se dar a elas o devido peso e limites. O abandono da digitalização da resposta cria a possibilidade de se tratarem problemas. Essa consciência é virtual por definição e guarda com o cérebro apenas a identidade da abstração e do código. Por contextos complexos não se entenda apenas a trajetória de escape do animal diante um predador (já vimos anteriormente que isso é um problema complexo num certo nível). tornou a consciência um fato misto. portanto. por todos os pontos onde havia mais cérebros em contato.10 Consciência Se os animais têm. enganoso e. graus incipientes de vida mental e são capazes de processamento analógico.SÍTIO DA MENTE a) o processamento analógico é apenas uma condição necessária. então: . ao contrário de aprisionar a mente no cérebro. a liberdade e a responsabilidade precisam ser preservadas por constituírem figuras protagonizadas pela consciência objetiva. como querem alguns. mas se pode dizer aquilo que não pode fazer. Entender a exata dimensão dessa abstração significa estar atento à origem cerebral do processo. Mas temos de aceitar que o fato de a mente se encontrar desgarrada do cérebro tem na consciência objetiva (processamento 5 da Fig. o que remete ao estudo das disfunções mentais. Não se pode dizer tudo o que uma mente pode fazer pelo exame de sua gênese cerebral. basicamente ligada à O grande dilema da reintegração da mente no seu sítio cerebral é manter intocado o estoque de objetos lícitos e funcionais por ela criados no domínio da consciência objetiva. Se isso traz todas as ciências para a base cerebral. e também seus produtos. pois. uma vez que a consciência subjetiva tem no cérebro fatores limitantes. b) entre as outras condições estão a linguagem e a manipulação de contextos cada vez mais complexos. É preciso. para o processo de forja do departamento virtual. Se a vontade. antes resolvidos através da fuga ou luta. distinguir meio pág. as mentes esparramaram-se. nem por isso faz do cérebro a razão que fundamenta e explica todo e qualquer saber. místico. 148 Nascidas de um estilo cerebral de processar informação. embora não confinando no cérebro sua totalidade explicativa. cerebral e imaterial. porque isso significa confundir a mente processo com a mente objeto. Situando-a no cérebro ou em algum órgão do corpo. é o único meio que codifica informação física tornando-a mental. Consciência e máquinas Duas são as razões que permeiam qualquer projeto “mecanicista” para a mente. O processo é basicamente uma noção de computação. porque mostra quando a noção de patologia mental é cerebral e quando é de comunicação e de processos abstratos de codificação e manipulação de entidades. que se multipliquem as substâncias. de cálculo. em qualquer área do conhecimento.10 Consciência e conteúdo/forma da mensagem. mas a mente processo está ali e também em toda a parte. seduz como a ciência mais madura e que mais longe chegou no entendimento dos fenômenos naturais. a segunda. Como não convém. cap. a uma central telefônica e assim sucessivamente. falar de matéria e de espírito insere complicações terríveis na estrutura do mundo. sujeito às mesmas leis dos corpos físicos. particularmente do cérebro.b) em segundo lugar. a mecânica de Newton praticamente dominou a cena. podendo ser replicada em máquinas (desde que estas refaçam toda a peregrinação dos níveis de 1 a 4 e do 5 também). A mente objeto se confina no cérebro. Não cabe perguntar se a imaterialidade da mente nos processos 5 é análoga à de qualquer espiritualidade. desde Galileu e Newton. b) até o século XIX. Estudá-la significa trilhar os mesmos caminhos de qualquer outro estudo científico da natureza. plicações mecânicas para a mente. O cérebro é especial porque. A primeira é a necessidade de manter a natureza unificada. Depois. A mente como fenômeno biológico é uma propriedade do corpo vivo. porque a mente não é apenas propriedade de cérebros. que torna o problema interessante por duas razões: . sendo o mecanicismo o ideal científico por excelência. Houve momento em que ela foi comparada a um sistema complexo de chafarizes e fontes. Mas sim que. ao permitir que 149 Não é de hoje que se supõe que possa haver algo de máquina na tarefa dos cérebros de gerar funções. Henrique Schützer Del Nero a) em primeiro lugar. Ao longo da história sempre houve quem propusesse ex- SÍTIO DA MENTE Quando falamos em explicação mecânica. Isso não quer dizer que estamos negando a existência dos valores espirituais. sempre houve quem desejasse dar-lhe o estatuto de objeto natural. pág. entendamse duas coisas: a) a física. até o momento. explicar a base das patologias mentais. sabendo ser válido ou não o processo. Logo. ou um reino da natureza e um reino da cultura. Isso está na base do pensamento e do raciocínio. bem como que se verificasse a verdade e a falsidade das sentenças. As tabelas de verdade e as regras de manipulação de sentenças permitiam que se construíssem argumentos válidos e nãoválidos. A mente seria o pensamento e o pensamento. Argumentos são válidos ou não. Pare um pouco e se pergunte o que você faz quando digo: “Todos os homens são mortais. A grande capacidade da mente é examinar a natureza de verdade ou falsidade de sentenças e de validade ou não de certos argumentos. pág.11 cap. Poder-se-ia dizer que isso não tem importância e que “qualquer pessoa sabe que há o espírito e a matéria”. recolocando-a na natureza. A noção de energia . na verdade o que estou fazendo é articular ambos os conceitos. a noção de mente como cálculo ou computação tinha tudo para vingar. Se um argumento é válido.aqui não cabe examinar suas diferenças) e criar meios de deduzi-las de outras. mostrado a estrutura das proposições que expressam um pensamento completo.resgataria a noção de espírito. uma computação sobre sentenças ou seqüências de símbolos.10 Consciência haja um reino da natureza e um reino do espírito. chafarizes e tantas outras -. Os mais sofisticados dão até um argumento interessante: nem matéria há porque a noção física de matéria foi se evaporando à medida que se descobriram divisões para o átomo (antes unidade fundamental da matéria). estamos abandonando a estrutura única dos fenômenos. Essas divisões colocaram em xeque a noção de matéria porque abaixo de um certo nível não se encontravam mais pacotes de matéria. mas pacotes de energia. .” Paulo pode 150 Neste século a computação permitiu que se visse o cérebro como um aparato que calcula (sentido da palavra computar) sobre cadeias de símbolos. Paulo é homem. Não teria sentido falar de matéria nem de espírito.” Você verifica a verdade da sentença geral “Todos os homens são mortais”.unidade de tudo . a verdade da sentença particular “Paulo é homem” e infere que a conclusão é exatamente “Paulo é mortal”. Quando monto um raciocínio ou pensamento. Se é possível construir sentenças (ou proposições . Um careca matou um gato. Ao contrário das figuras mecanicistas anteriores . dando-lhe inclusive ares científicos. A história da mente reserva a cada momento uma idéia que tenta resgatá-la desse domínio espiritual.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A lógica do século XIX (a lógica matemática) já havia Veja o argumento: “Paulo é careca. então é possível construir seqüências de raciocínios ou de pensamento. Cuidado com esses conceitos. Logo. Sentenças são verdadeiras ou falsas.centrais telefônicas. a verdade da conclusão segue-se da verdade das hipóteses. Paulo é mortal. Paulo matou um gato. uma máquina com engrenagens em diversas posições. Henrique Schützer Del Nero a) reconhecer uma proposição ou não (veja a diferença entre “Paulo é careca”. “Marcianos verdejam alegre porta”. b) tudo o que pode ser computado 151 Esse esquema é uma forma simplificada de apresentar as coisas. A capacidade de inferir.SÍTIO DA MENTE b) reconhecer a verdade ou a falsidade de uma sentença ou proposição. abstratas ou reais. Se a sentença for verdadeira. Como vimos de maneira sucinta em outros capítulos. sobre sua verdade e falsidade e sobre regras de construção de argumentos válidos ou não acresçamse alguns outros desenvolvimentos posteriores: a) tudo o que pode ser dito (e portanto pensado) pode ser transformado numa sentença lógica (tese de Quine). 1 ou 0) presta-se a ser replicada em qualquer aparato físico que possa funcionar com portas lógicas . a conclusão segue delas). pára numa porta fechada. um careca pode ter matado um gato e Paulo também pode ter matado um gato. pág. A reboque da lógica. executarem as funções acima. a) a estrutura digital dos valores de verdade (verdadeiro ou falso. se for falsa. assim. b) o aparato pode ser um complicado sistema de vasos comuni-cantes com água. codificando sim ou não). A lógica seria assim uma ciência das inferências necessárias ou o arcabouço do pensamento inteligente. c) reconhecer a validade ou não de um argumento (articulação de um conjunto de sentenças tais que. A terceira é uma não-sentença ou não-proposição). porém o argumento acima é não-válido. A primeira é uma sentença verdadeira. Isso é possível graças a dois artifícios: cap. ter capacidade de: . um circuito eletrônico ou um cérebro (lembre-se do potencial de ação. Na verdade. Imagine uma máquina que manipule uma sentença. suportam cadeias de dedução lógica (similares a argumentos válidos e sentenças verdadeiras ou falsas).abertas ou fechadas.10 Consciência ser careca. A essa propriedade da lógica de falar sobre sentenças. portanto. um prédio cheio de portas abertas e fechadas. podendo ser computado através de funções recursivas (tese de Chuch). A segunda é uma sentença falsa. “Paulo é marciano”. surge uma forma de fazer máquinas. as tabelas de verdade permitem que se computem através de 0 e 1 vários conectivos lógicos e. de saber válidas ou nãoválidas as inferências e de examinar a verdade ou a falsidade de sentenças está na base da concepção de uma mente que é computação. Pensar seria. pela validade e pela estrutura dedutiva posso inferir e provar uma série de coisas. se as premissas são verdadeiras. independentemente da verdade ou da falsidade de suas sentenças. segue em frente através de uma porta aberta. Logo. poderia a máquina enganar o indivíduo. se há um sistema biológico (o cérebro) capaz de pensar. lançou-se o principal modelo psicológico deste século: a mente é pensamento. A lógica é a ciência do pensamento. Pode ser considerada como a idéia da qual derivam todos os computadores. no caso os computadores. pág. Se se colocasse um ser humano conversando com um computador através de uma interface que não permitisse reconhecer o interlocutor. Henrique Schützer Del Nero Com as idéias acima. ças e de suas cadeias de ligação (cadeias de inferência) poderiam ser executados por ela. A singeleza dessa explicação capta um computador ideal. Essa capacidade. isso seria possível e provaria a capacidade da máquina de pensar. uma máquina de Turing é uma “máquina capaz de pensar”. da qual derivam todos os computadores. a máquina de Turing seria capaz de processar todas as sentenças lógicas que descrevessem pensamentos completos e fossem traduzidas da maneira correta. cap. mover a fita para a direita ou para a esquerda. antes confinada na mente humana. etc. isto é.). serão mais cedo ou mais tarde capazes de fazê-lo. impulsiona a idéia de que pensar é computar e de que. fazendo-o crer tratar-se de uma pessoa e não de uma máquina? Segundo a versão de Turing. de fato. O que faltaria às máquinas para que pudessem pensar seria apenas o desenvolvimento de: a) arquiteturas computacionais mais poderosas (me- 152 Como construção for mal que capta toda a potencialidade da computação.A máquina de Turing é uma idéia abstrata. Todos os raciocínios possíveis de elaboração por meio dessas senten- SÍTIO DA MENTE Se nos anos 30 Alan Turing mostra o poder de sua máquina abstrata. Tudo o que pode ser dito e pensado pode ser traduzido em sentenças lógicas.10 Consciência através dessas funções recursivas pode ser computado por uma máquina de Turing. perfurar. são capazes de enganar uma pessoa por um bom tempo. Todas as conexões entre sentenças lógicas capazes de criar cadeias de inferência podem ser realizadas fisicamente por uma máquina de Turing. nos anos 50 os computadores reais tornam-se capazes de provar teoremas matemáticos. Em princípio. . a capacidade infinita de memória (pelo menos). também as máquinas. Ideal porque qualquer computador real não terá a fita infinita. O fato de estar sendo apresentado um 0 ou um 1 determina seu procedimento no instante seguinte (apagar.12 O teste de Turing mostraria a capacidade mental de sua máquina. Quem conhece esses programas rodados em computadores reais sabe que. é uma máquina dotada de uma fita infinita com gravações sucessivas de 0 e 1. looping. Henrique Schützer Del Nero computacional da mente . com o passar do tempo. mas em regularidades (padrões). também situações em que não há como decidir pela verdade ou falsidade de uma proposição. Porém. pág. d) a mente não se reduziria ao pensamento. oscilações e sincronismo. a máquina não é capaz de decidir para onde ir e fica rodando em falso . Uma máquina dotada de potencial de processamento análogo ao do cérebro e munida do programa certo poderá pensar. Se o processo parece ser a progressiva virtualização dos departamentos cerebrais através de códigos analógicos.13 Síntese A consciência é o grande atributo da mente. portanto.que. capacidade de processamento-velocidade).10 Consciência mória. lança as bases da nova visão da mente: cap. . a replicação de pensamento inteligente em máquinas não se mostrou tão fácil por várias razões: a) o pensamento é uma propriedade do cérebro humano. existindo regra. surgindo no final dos anos 50 com a prova de teoremas por computadores. b) o pensamento é feito de computação de símbolos. c) haveria problemas de parada nas máquinas pensantes (situações em que. o conteúdo é 153 Vamos. Entre suas características devem-se distinguir o processo que a engendra.SÍTIO DA MENTE b) programas que captassem a estrutura das sentenças que estão por trás do pensamento. a vivência de conteúdos e sua função evolutiva. o que redunda em parada da máquina). b) há situações em que o pensamento não computa baseado em regras. sendo na verdade pensamento e algumas funções a mais.a chamada ciência cognitiva . a) muitas das sentenças lógicas e das regras de conexão que estão por trás do pensamento são não-conscientes (o sujeito não tem consciência de todo o processo). examinar os problemas que constituem a base da idéia da ciência mecanicista e c) o cérebro é um hardware e a mente é um software. 2... Nesse artigo clássico está uma das mais detalhadas descrições dos possíveis atributos que diferenciam o mental do físico . entre eles o que apresento neste livro. stricto e lato sensu. em que a velocidade de apresentação dos fotogramas cria a ilusão de movimento. não se prevê a força desejada em termos quantitativos. Cf. H. University of Minnesota Press. Sua função biológica pode. mnêmico x não-mnêmico. e também será uma ciência da consciência. 370-497). Haveria assim um processo mental na relação do sujeito com os fatos culturais. Uma ciência da mente será computacional. moral. intencional x não-intencional. enquanto processo de codificação. Notas pág.10 Consciência fortemente moldado pela linguagem e pelas categorias de senso comum. permite que se entenda que. cap. forja o ser público e pode ser estudada como fenômeno natural e processo formal. é cerebral até o momento. Pode ser. . poderá ser replicada em máquinas. Theories and the Mind-Body Problem. visto que são muitos os seus paradigmas. Enquanto objeto. Henrique Schützer Del Nero A unidade da experiência consciente pode ser perfeitamente explicada pela defasagem temporal dos módulos de processamento. desvendado seu código e seu processo. capaz de propósitos x mecânico. o trabalho clássico Herbert Feigl: "The Mental and the Physical" em Feigl. de uma natural e de outra cultural. qualitativo x quantitativo. Na verdade. Essa é a ciência cognitiva ou as ciências cognitivas. Scriven. se a mente por ora é privilégio do cérebro. costumes. A representação consciente se dá sobre qualidades não-captáveis 154 A distinção entre consciência enquanto objeto psicológico concreto e enquanto processo abstrato que a engendra permite que se reinstaure o ideal científico do conceito puro. a unidade do eu e da vivência pode dever-se às janelas de tempo que unificam porções multifacetadas da vida mental. Enquanto processo. emergente x composicional.subjetivo (privado) x objetivo (público). A inteligibilidade da cultura. holístico x atomístico. base de uma forma privada e outra pública. M. G.SÍTIO DA MENTE 1. (pp. pelo concurso da vontade e da liberdade. Maxwell. (ed) (1958) Minnesota Studies in the Phlosophy of Science vol II: Concepts. Como num filme. não-espacial x espacial. mas sim uma delimitação qualitativa de muita ou pouca força. redescrever ações e percepções de maneira a conferir-lhes estatuto de responsabilidade. bem como a base de conhecimento extra-cerebral situado nas bibliotecas. interpenetra com seus códigos o mundo da cultura. por exemplo.. Saito. 9. para certos intervalos de potenciais. sucedâneo da memória volátil dos computadores. colorindo-as posteriormente). Kato. forjando com isso memória. Cf. a esse respeito qualquer tratado de neurofisiologia apontado na bibliografia. J. não há como excluir a presença de alguma contaminação de processos de tipo 1. no entanto. (1996) "Hippocampal LTP Depends on Spatial and Temporal Correlation of Inputs" in Neural Networks.. a circunstâncias "mentais" e conscientes de estilo de processamento. A atividade elétrica é acessada pelo EEG (eletroencefalograma) e a imagem da atividade pelo PET (tomografia por emissão de pósitron . M. Uma responsividade anômala de células cerebrais a ní- 155 4. No. A intenção se dá sobre qualidades.capaz de detectar áreas de maior funcionamento cerebral e.Oxford University Press. H. particularmente de navegação no ambiente. Remete-a. Também têm função de criar mapas cognitivos. Cf. 1357-1365). Isto é. Além do mais. cap. H. A hipótese de que não haja processo 1 em jogo não torna a doença psiquiátrica menos cerebral. não é apenas a repetição de uma certa media de potenciais gerando uma potencialização de longo termo. Recentemente provou-se que também a pág. Esses fenômenos. . enquanto o processo automático calibra quantidades genéricas e subprodutos parciais que regulam cada articulação e cada contração muscular durante um soco. Tanto a imagem de atividade neuronal durante a representação consciente de um objeto (por exemplo o prato de macarrão) como a atividade elétrica embasante mudam com cada ocorrência do prato de macarrão. memória está ligada a processos freqüenciais: neurônios do hipocampo somente estabelecem a sincronização adequada. Vol.10 Consciência por métodos quantitativos e sim por "cenários" mais ou menos nebulosos em que se descrevem qualidades como "muita" ou "pouca força". T. Cf. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 3. Aihara.8 (pp. (ed) (1991) Brain and Space. portanto. são vitais para se entender algumas peculiaridades da formação de memórias. Isso ficará mais claro quando examinarmos técnicas de acesso ao cérebro..5. a respeito dessa última afirmação Tsukada. Esses circuitos hipocampais de sincronização têm papel fundamental na memória de curto termo. chamados de long-termpotentiation (LTP) e long-term-depression (LTD). mas sobretudo essa repetição em certas freqüências inter-espículas de potencial de ação (que é o que estou chamando de código de barras). a respeito de mapas cognitivos e hipocampo (a alcunha genérica é de cognição ambiental) Paillard. responsáveis pela função naquele instante. Pela repetição e modulação podem-se obter potenciais de ação mais ou menos pronunciados em amplitude. continuaria intocada enquanto neurodinâmica responsável pela ratificação ou inibição de planos motores e sensoriais que apresentam ambigüidade. em nenhum momento. os mecanismos psíquicos descritos. parafraseada num mecanismo de controle dinâmico de planos não-convergentes (no sentido de sistemas complexos que não encontram atrator para seu fluxo de soluções) ou não-completos (no sentido gödeliano). Era um neurologista e parte de sua obra inicial é uma tentativa de colocar no cérebro humano a dinâmica dos fatos psíquicos anormais. Nesse caso. A Primeira Tópica é consistente com algumas teorias aqui apresentadas. Isso ficará claro ao longo do livro. O Freud da Segunda Tópica é aquele que estabelece uma clivagem entre o cérebro e a mente. e com o uso que fizeram dela seus seguidores. bastante aproveitável na estrutura dos argumentos que estou defendendo. ou segunda teoria do psiquismo.156 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero pág. apenas o fator 1 é cerebral porque impossível de emergir na consciência. Freud jamais pretendeu que sua teoria se desgarrasse do cérebro. querendo dizer lugar dos conceitos ou de onde se extraem as premissas da argumentação) Freud propõe a divisão do psiquismo em três porções: inconsciente. Essa clivagem não é. sobretudo. . uma negação de seu sítio cerebral. embora a carga de significado por trás das operações inconscientes e pré-conscientes e. todo crítico desavisado da doutrina freudiana cap. A teoria de Freud poderia ser dividida em duas etapas claras. O que ocorre é que. Nesse caso.10 Consciência veis de glicose pode ser um dos pilares que sustentam a aparente natureza puramente mental de uma bulimia. Na Segunda Tópica. a psicanálise implicou numa visão de mente desgarrada do cérebro. a mente se tornou cada vez mais estrangeira ao cérebro humano. pré-consciente e consciente. Por isso tomamos o cuidado de separar as duas posições e falamos que. ego e superego. me parecem diferentes. O Freud da Primeira Tópica e do Projeto seria compatível com uma visão energética do cérebro. Atenção: a teoria desse livro centra na dinâmica o processo de controle no cérebro. Nessa Primeira Tópica. Não exclui o fato de que no futuro podemos ter cada vez maior conhecimento de mecanismos subcelulares que são responsáveis parcialmente por distúrbios de nível mental. o que occorreria é que a psiquiatria. 6. mas apenas uma hipótese de que as leis da mente são emergentes em relação à leis cerebrais. Isso pode salvaguardar a morada da vontade e da liberdade enquanto mecanismo de controle. Nesse sentido. de uma certa forma. no desenvolvimento posterior de sua obra. (o termo vem do grego topói. Não há dúvida da dificuldade do assunto. chegando ao cúmu- lo de se pensar em termos puramente psicanalíticos (de motivações inconscientes situadas na história do indivíduo) para explicar a gênese das doenças mentais. Freud divide em três outras entidades: id. como também torna determinística a evolução do sistema. segundo. J. Qualquer mínima alteração desse valor. Não há qualquer contra-senso numa teoria usar memória de trabalho e outra usar repressão como mecanismos possíveis.J. Cf. são elementos que devem ser verificados à luz da teoria. pela Editora Imago do Projeto de uma Psicologia de Sigmund Freud (1995).268 (pp. Se o leitor pensar num pêndulo perceberá que. J. Um mínimo acréscimo quantitativo no valor desse parâmetro resulta em modificação dramática na topologia do espaço de estados (fluxo de soluções). quando ocorrem numa teoria. Quando se chega no valor zero o pêndulo não pára jamais. R.. A posição defendida neste livro seria parcialmente compatível com a Primeira Tópica. Vernant. sua formulação definitiva. O que se mede em ciência é a verossimilhança. Livraria Martins Fontes Editora. altera dramaticamente o comportamento do sistema Cf.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 157 8. sobre função não-linear e encefalização. Embora o conceito venha da Idade Média. (1983) Vocabulário da Psicanálise. a noção de mente enquanto programa e cérebro enquanto hardware é totalmente compatível com a Segunda Tópica. encontra em Brentano. A isso se chama de valor de bifurcação no espaço de parâmetros. a respeito da obra de Freud as Obras Completas traduzidas para o português pela editora Imago. Cf. Termos teóricos. previsibilidade e explicabilidade da teoria. a respeito de termos psicanalíticos o excelente dicionário de termos: Laplanche. Por isso se chama o valor zero do parâmetro atrito de valor de bifurcação. o pêndulo tenderá a parar.. com atrito. a excelente tradução e notas de Osmyr Faria Gabbi Jr.) mento do número de neurônios no cérebro dos animais. Finlay. (1981) Mythe e tragédie en Grèce ancienne. Vidal-Naquet.10 Consciência deveria prestar atenção a dois fatos: primeiramente. cap. refutabilidade. para cima ou para baixo. 43-74. (1995) "Linked Regularities in the Development and Evolution of Mammalian Brains" in Science Vol. sejam eles "quark" ou "fase anal". . Cf. nunca isoladamente.. pode-se discordar da explicação de uma teoria. mas não da observabilidade (ou empiricidade) de alguns de seus conceitos. A diferença crucial entre o men- pág. maior ou menor. Cf. Isso é perfeitamente compatível com a idéia de uma transição abrupta de fase quando se chega a um certo acréscimo quantitativo. no século XIX. Há uma dinâmica não-linear que descreve o cresci- 9. Mesmo para um atrito muito próximo de zero o pêndulo tenderá a parar. Pontalis. A intencionalidade foi considerada como a "marca do mental".1578-1583). Chama a atenção que a existência de uma descrição através de sistema não-linear não somente explica o salto qualitativo através da passagem por uma valor de bifurcação de parâmetro. 7. B. Darlington. (pp. Paris: François Maspero. P. Passaram a distinguir claramente as ciências da natureza .ambos têm cadeira como objeto intencional e modos mentais-intencionais diversos. crença. b) tratar esses objetos através de modos mentais diversos: temer a cadeira é diferente de desejar a cadeira . no que diz respeito ao modo como relacionam os objetos. d) que a generalização na linguagem fisicalista não tenha objetos cujas características descritas na linguagem sejam seqüências não-enumeráveis do tipo a ou b ou c (moeda pode ser latão. que veriam neles uma identificação com seus estados internos. b) carece de estrutura intencional.e as ciências da cultura . existentes ou não. Mais ainda: a lógica dos operadores intencionais é diferente das descrições simples: "O atual rei da França é François Miterrand" é proposição mas é falsa. mantêm cap. Mesmo a tentativa de transformar a mente em software é compatível com essa formulação.uma generalização típica das ciências econômicas que diga algo a respeito de "moeda" não encontra tradução numa formulação geral fisicalista. de modo intencional (desejo. no sentido de traduzível. de representação no sentido intencional e de estrutura pro-posicional da linguagem que descreve esses objetos. proposicional para expressar-se.158 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero pág. sobre os quais aquelas se debruçam. Definitivamente o conceito de intenciona-lidade está atado ao conceito de consciência. para que se garanta a redução de uma lei mental a uma lei física é necessário que: a) todos os princípios-ponte de conexão sejam também leis. c) a capacidade de representação da mente humana não é explicável. por qualquer linguagem fisicalista . porque não há redução possível das leis do software às leis do hardware. intenção. ouro.compreensíveis porque contendo análogos da mente.10 Consciência tal e o físico seria devida ao fato de que o mental é capaz de: a) ter consciência de objetos existentes e inexistentes (cadeiras e centauros. etc. por exemplo). portanto: a) carece de estrutura . temor. b) que o domínio de explicação seja igual ou maior. embora dêem um passo na direção da redução. Ora. são não-enumeráveis os objetos físicos que serviriam de "moeda". e assim sucessivamente). No caso das representações mentais é preciso ver que representação pode ser entendida apenas como substituição de um objeto por outro. de mente nãoredutível ao mundo físico.explicáveis através de uma estrutura teórica científica . O mental entendido como representação é intencional por natureza e. A representa B. Intencionalidade e o binômio explicação x compreensão são duas faces da clivagem radical que chega aos nossos dias entre o mental e o físico. portanto. "Paulo crê que o atual rei da França seja François Miterrand" pode perfeitamente ser verdadeira. Moeda depende de crença e. c) que se preserve algum grau de sinonímia entre termos da antiga teoria e da nova. platina ou papel.) e de objetos. As redes neurais. Essa distinção entre o mental e o físico guindada pela noção de intencionalidade abriu outra grande vala no século passado. J. Série Ciência Cognitiva. A noção de departamento mental terceirizado se assemelha à reunião de elementos de mundos 1 e pág. cap. Não conheço tradução em português. A tentativa desse livro caminha no sentido de formular uma hipótese geral sobre a qual possa haver redução de funções. para uma bibliografia bastante extensa. por exemplo infarto ou doença de Chagas. o automático. Dilthey. Madri: Alianza Universidad. a partição do voluntário e do automático. (ed) (1960) Realism and the Background of Phenomenology.símbolos ou subsímbolos. Coleção Documentos IEAUSP. a respeito de intencionalidade: Brentano. W.. Del Nero. Chamo essa forma de redução de "redução sindrômica de tipo" porque os tipos (ao contrário dos tokens) reduzidos seriam funções e não entidades ou teorias. empresto a noção médica de "síndrome": conjuntos de sinais e sintomas que designam novos conjuntos que são compatíveis com diferentes doenças específicas. Cf. Sobre teoria da redução. Conhecê-las. 2) Chisholm. Franz (1874) Psychologie vom empirischen Standpunkt. Série Ciência Cognitiva. quando o indivíduo está deitado). Uma insuficiência cardiaca congestiva (ICC) é uma síndrome caracterizada pelos seguintes sintomas e sinais: taquicardia. cf. Sobre o binômio explicação x compreensão e a separação entre ciências da natureza e da cultura. através das bifurcações. (1992) "Redução e Emergência". H. cf.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 159 10. (tradução espanhola do original alemão). Por isso. tam um determinado objeto simples ou complexo. Leipzig. O controle voluntário e o automático seriam "síndromes-funções" que se detetam através de valores de bifurcação e instabilidade estrutural no plano dos sinais cerebrais que represen- . R. H. hepatomegalia e edema de membros inferiores.sinais e sintomas . D. Sobre intencionalidade há vários trabalhos interessantes: 1) Searle. Maranca. (1987) Intentionality : an essay in the philosophy of mind. Há diversas atualizações em inglês. Del Nero. MIT Press (com uma tentativa de desfazer o caráter irredutível da intenção. J.e não definições estritas. não à maneira da neuro-psicologia que relaciona funções/disfunções e lesões. (1980) Introducción a las Ciencias del Espíritu. 3) Dennett. Cambridge University Press. Podem causá-la diferentes doenças.. cf. Coleção Documentos IEA-USP. significa criar-lhes uma plêiade de predicados . dispnéia (principalmente noturna. A. Illinois: Glencoe. (1987) The Intentional Stance.10 Consciência intocado o estatuto mental puro desses mesmo objetos . o sonho e a psicose. mas calcando na sinalização cerebral um princípio suficiente para fazer. (1997) "Topological Computation and Voluntary Control". As quatro grandes funções na redução sindrômica de tipo são o controle voluntário. Sobre a redução sindrômica de tipo. transformando-a em interpretação de um modo de agir ou de uma disposição do sistema). Piqueira. c) tudo que há (no sentido de ter existência) pode ser expresso como elemento que substitui uma variável quantificada de uma sentença lógica (Quine). 1) Popper. dos instrumentos. (pp 247-257). C. P.. da música. K. (Observação: do ponto de vista histórico. (1975) Conhecimento Objetivo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. Cf. artísticos e tecnológicos) e sistemas teóricos (problemas científicos e argumentos crítcos). W. O mundo 2 é constituído pelos estados de consciência: conhecimento subjetivo e experiências de percepção. Greenfield. a tese de Quine é muito posterior ao desenvolvimento de Turing. disposições intencionais. O mundo 3 é constituído pelo conhecimento no sentido objetivo: herança cultural codificada em substratos materiais (filosóficos. biológicos: estrutura e ação de todos os seres vivos. o pensamento seria constituído de objetos que são expressos em sentenças quantificadas e estas podem gerar cadeias de infe-rência lógica através de leis lógicas ou sucedâneos das leis do pensamento.W (1974) La relatividad ontologica y otros ensayos. Berlim: Springer International (p. K. Logo. M. 2) Popper.J. dos livros. (1978) Lógica e Filosofia da Linguagem. (1980) O Desenvolvimento da Lógica. (ed) (1987) Mindwaves. op. a partir de determinadas sentenças. sonhos e imaginação criativa. Church e outros. "How Could Consciousness Arise from the Computations of the Brain?" in Blakemore. de tal forma que não haja identificação exclusiva entre a mente e o cérebro humano. emoções.ontologia como sendo a propriedade de substituir uma variável quantificada numa sentença lógica. é tão importante sua qualificação de existência de algo . Kneale. e também uma série de regras de inferência capazes de criar cadeias válidas. ou similares. G. Oxford: Basil Blackwell.). argumento e valor: Frege. que optei cap. artefatos: subtratos materiais da criatividade humana. literários. função. Eccles. podem ser verdadeiras ou falsas. memórias.359 e ss. S. Sobre a existência de objetos e a quantificação de expressões: Quine. Popper distingue um mundo 1 povoado por estados e objetos físicos: inorgânicos: matéria e energia do cosmos. . científicos. Sobre a tese de Church-Turing: Johnson-Laird. cérebros humanos. Esse parágrafo contém enormes simplificações. a respeito de inúmeros problemas de lógica: Kneale. cit. teológicos. históricos. Sobre proposições. pensamento.10 Consciência 3 de Karl Popper. Madri: Editorial Tecnos. b) a lógica matemática prepara noções como as de função. (1981) The Self and its Brain. d) tudo que pode ser dito numa sentença quantificada pode ser computado por uma máquina de Turing (tese Church-Turing). São Paulo: Cultrix e Edusp. Cf.160 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero pág. das obras de arte. porém. 11. argumento e valor. das máquinas. Esse processo pode perfeitamente ser replicado em máquinas de Turing. portanto.. É preciso entender que: a) proposições são sentenças bem construídas que. Sistemas desse tipo seriam capazes de gerar sentenças no seu interior não sendo. Ou. (p. Na apresentação de Gödel. O problema da parada diante de certas situações e a natureza indecidível de certas proposições formais apontadas por Gödel são similares. O novo símbolo pode ser o mesmo do anterior. há uma mudança de estado da unidade que vai influenciar a geração do símbolo seguinte.161 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero pág. 12. N. indecidibilidade e incompletude de certos sistemas formais. E. de maneira geral. no entanto.I. A. sistemas impossibilitados de capturar uma porção significativa da matemática. linguagens similares à assembler. Essa impossibilidade mostra uma limitação fundamental do método axiomático. transmitindo informação da unidade de controle para a fita e vice-versa.1379 e ss). Fischer. cada qual podendo estocar um símbolo de um conjunto finito de símbolos possíveis e c) uma "cabeça" de leitura e escrita que se move ao longo da fita.: Van Nostrand Reinhold. A respeito de máquina de Turing. Fornecer um oráculo para a máquina de Turing (gerador aleatório de números).) . Reilly. recorrer a um nível superior (meta-nível) ou asseverar a natureza não-algorítmica do processo (tese de Penrose) são soluções relacionadas ao proble- cap. usando para isso um número finito de axiomas. isso geraria um problema que requer um nível superior para ser resolvido. O problema da parada da máquina de Turing está intimamente ligado a alguns teoremas de Gödel que mostram a inconsistência. ficar no mesmo quadrado da fita ou reentrar no estado anterior. Inventada por Alan Turing em 1936. ou um metanível. O programa de uma máquina de Turing define sua ação para as várias combinações possíveis de estados e símbolos. é um aparato computacional abstrato.. Certos estados e símbolos podem induzir a máquina a parar (conhecido como problema da parada da máquina de Turing). A máquina computa através de uma seqüência de passos discretos. Consiste de a) uma unidade de controle que pode assumir qualquer elemento de um conjunto finito de estados possíveis. À medida que escreve um símbolo.10 Consciência por inclui-la como uma das teses fundamentais no processo de transposição do mental-cerebral para o mental-computacional. bem como é permitido. P. Vai daí que falaremos de parada da máquina de Turing e de incompletude e indecidibilidade mais ou menos como um mesmo problema. b) uma fita dividida em quadrados. capazes de decidir sobre sua verdade ou falsidade. Seu comportamento num dado instante é completamente determinado pelo símbolo que está sendo lido pela cabeça de leitura e pelo estado da unidade de controle. A noção de máquina de Turing é crucial e bastante difícil. etc. in Ralston. cf. (1993) Encyclopedia of Computer Science. num dado passo. Esses programas po- dem ser apresentados em diferentes formatos: diagramas de transição de estado. pode-se dizer que o “hardware” é um departamento concreto e que o "software" é um departamento virtual. C. J. quanto o dualismo de essências. De maneira sucinta. 259-276). in Ralston. (1950) "Computing Machinery and Intelligence" in Mind. "Mentes. J. (p. S.. a mente é um programa. (ed) (1987) Mindwaves. A noção de “hardware” e de “software” já foi vista. (1937) "On computable numbers.1404-1405). 2. não é necessário que seja um cérebro que rode o programa mente. De uma maneira esquemática. a respeito de parada da máquina de Turing: Goldstine. (1970) El Teorema de Gödel. Barcelona: Tusquets Editores. "Mind. Por isso o cérebro e a mente teriam apenas. porém com ênfase também nos aspectos de significado e articulação cap. o “hardware” é a máquina (processador. é tão perigoso. 59. Esse tipo de dissociação é conhecido como monismo de essencias (cérebro e mente seriam da mesma substância). mas dualismo de predicados (as propriedades da mente seriam nãoredutíveis ou explicáveis pelas propriedades do cérebro). como o da múltipla instancia-bilidade: um mesmo programa pode ser rodado em diferentes arquieturas. logo. Essa dissociação é chamada de funcional. Embora essa noção esteja na base da inteligência artificial simbólica. Penrose. Sobre o trabalho original de Turing cf. deixa muito pouco aparelhado um projeto de uma psicopatologia de base cerebral. mitigado pela aparência una de substância mas amplificado pela noção de emergência funcionalista e dualismo de predicados. o trabalho clássico de Lucas.69 e ss). uma identidade de token e não uma identidade de type. do ponto de vista epis-têmico. b) pode ser reprogramado. 42.162 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero pág. Cf. memória) e o “sofware” (programa) é um conjunto de instruções que operam a máquina. Sobre o problema da parada. Soc. 13. A. op. Esse tipo de dualismo. O "software" enquanto departamento virtual tem as seguintes propriedades: a) não se reduz à máquina. A noção de pensamento enquanto computação é basicamente uma noção abstrata ou de departamento virtual. a respeito de Gödel e sua relação com a máquina de Turing. leis lógicas). E. Ainda mais. Oxford: Blackwell. 1) Turing. seja ela um cérebro ou um computador pensante. (pp. . c) não precisa se sujeitar às leis físicas do cérebro ou do computador para ter suas leis próprias (no caso. cria uma dissociação indesejada entre leis mentais (ou software) e as leis cerebrais. (1984) Controversia sobre mentes y maquinas. A. Machines and Mathematics" in Blakemore. A. London Mat. existindo muitos argumentos em seu favor. 2) Turing. Cf. E. sobre Gödel e sobre a formulação de uma teoria não-algorítmica da consciência cf.10 Consciência ma da parada. J.cit. (p.. with an application to the Entscheidungsproblem" in Proc. Reilly. Madri: Editorial Tecnos.. Máquinas y Gödel" in Anderson. A. como já vimos em outra nota. Também confira a respeito do problema de Gödel: Nagel. Greenfield. R. Newman. 10 Consciência das formas e dos conteúdos mentais (que é a tese central deste livro).Language and Reality. (ed) (1980) Readings in the Philosophy of Psychology. Philosophical Papers vol 2. (1988) Representation and Reality. Cambridge University Press. Harvard University Press. 163 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero cap. .1. H. 3) Lycan. H. a respeito de funcionalismo. vols. 2) Putnam. N. (ed) (1990) Mind and Cognition: A Reader. Oxford: Blakwell.2. (1975) Mind. 4) Block. MIT Press.pág. Cf. entre outros: 1) Putnam. W. formado por dois conjuntos de células . o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. integração e execução motora. algumas vezes. Seu grau de complexidade. basicamente.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. vai aumentando de acordo com a escala animal. tal qual fosse um computador. o outro dá suporte físico e sustento. Assim. um dos números mais gritantes é o de encefalização . formada pelos neurônios. “quantidade é qualidade”.um manipula e processa informação. Há na porção responsável pelo processamento. Henrique Schützer Del Nero Fôrma e contúdo mental cap. uma pág. ao longo de milhões de anos.11 Ciência cogniva e a nova mente parte 2 . o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. no entanto. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. Ciência cognitiva e a nova mente collegium cognitio 164 O cérebro humano é. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 11 cializado na recepção de informação. e. Isto mostra que. entre os mamíferos. cap. exi- bir uma certa expressão facial. etc. sendo por vezes o determinante da ação. nem se tenho a mesma noção ou conceito acerca de ansiedade que ela. constituirse em obstáculo à seqüência da leitura.SÍTIO DA MENTE No início do século XX. além de suscitar críticas. O que se supõe no behaviorismo é que todo comportamento pode ser treinado. mais acessível e com exemplos de patologias mentais. objetivamente determinado. tentou-se. pág. Falava-se então de comportamento e não de mente. o esquecimento dos fenômenos mentais e cerebrais que embasavam o comportamento acabou por colocá-lo em xeque.1 eliminar a subjetividade da psicologia. os trabalhos de Turing mostravam a possível natureza computacional dos processos de pensamento. mudar a cor da pele. em lugar de julgar a ansiedade (variável oculta. Antes objeto da filosofia. Não deverá. condicionado e. Nos anos 50. O leitor poderá lê-lo mais superficialmente ou ler apenas a síntese no final. mental). abandonando o 165 Imagine que olho para uma pessoa e lhe pergunto se está ansiosa. apresenta diferentes correntes e tendências desde então. O behaviorismo foi bastante longe na sofisticação de seus métodos de condicionamento. de posse de estímulos e respostas comportamentais. não importando o que se passasse no seu interior. Esta e o cérebro eram tratados como caixas-pretas. como a psiquiatria. a história da psicologia e de algumas disciplinas afins. Numa segunda leitura ficará clara a importância da malha conceitual aqui contida. procurando fazer dela uma ciência exata nos moldes das outras ciências naturais. contudo.11 Ciência cogniva e a nova mente CIÊNCIA COGNITIVA E A NOVA MENTE* . Nos anos 30. adquire estatuto de ciência específica com a consolidação da psicologia no século XIX. bastou que se construíssem programas computacionais capazes de provar teoremas matemáticos2 para que. Henrique Schützer Del Nero D iferentes fases marcam a história do estudo da mente. A mente não podia ser apenas um elo no processo. estaria examinando seu correlatos comportamentais. uma vez que nem todo comportamento podia ser explicado por simples exposição e condicionamento. contudo. e em alguns casos da teologia. Nesse caso. reduzir a ansiedade a uma série de variáveis físicas passíveis de exame. como eriçar os pêlos. O próximo capítulo voltará ao estilo anterior. arregalar os olhos. No entanto. Posso. Porém. O que era publicamente observável e testável − o comportamento − tornava-se o objeto de uma psicologia científica. pela corrente chamada com-portamentalismo ou behaviorismo. * Este capítulo poderá apresentar algumas dificuldades ao leitor menos familiarizado com a ciência cognitiva. Não há como verificar se a sentença “Estou ansioso” é verdadeira ou não. retira-a do cérebro humano. órgão do processamento de pensamento em sistemas biológicos. a psicologia. porque através da lógica e da teoria do conhecimento cuida do processo de geração de conhecimento e da consistência de teorias. porque estuda os processos de geração. 1. por um lado. a filosofia. Se. a inteligência artificial. essa ciência recoloca a mente no seu sítio cerebral. vários nós do conhecimento . de preferência o pensamento inteligente. colo- 166 A ciência cognitiva. se inaugurasse uma nova disciplina. ao eleger a computação como processo abstrato de geração de cadeias de raciocínio. 4. 6. dando ênfase aos seguintes aspectos: . mas também um gerador de representações que determina comportamentos antes de ser por eles determinada. chamada ciência cognitiva. porque estudam o cérebro. os processos computacionais). ainda que parcialmente. por outro lado.11 Ciência cogniva e a nova mente pressuposto behaviorista de uma mente intermediária passiva. A nova mente surgida com a ciência cognitiva enfatiza os processos abstratos de geração de conhecimento e de pensamento (no caso. a antropologia. elemento característico e fundamental do ser humano). 4) a mente opera submersa num sistema de significação e linguagem que faz com que seus elementos sejam símbolos e suas regras de pensamentos. porque estuda o fenômeno humano em seu surgimento num contexto e cultura determinados. 5. 3) a mente é não apenas um elemento no processo de mediação entre estímulos e respostas. reúne as seguintes disciplinas no seu projeto de modelar a mente: 2. ou uma nova teoria geral da mente.SÍTIO DA MENTE 2) a mente deve ser estudada por especialistas híbridos (aqueles que dominam. cap. concretos ou abstratos de criação de máquinas pensantes. porque estuda os processos artificiais. 5) a mente é o pensamento. a manipulação lógico-computacional desses símbolos.interdisciplinaridade). porque estuda a dinâmica de regras e de símbolos mentais. Henrique Schützer Del Nero 1) a mente deve ser estudada por especialistas de diversas áreas (multidisciplinaridade). 3. a lingüística. que nasce com forte apelo computacional. aprendizado e compreensão da linguagem (como vimos. pág. as neurociências. Mas a mente não é apenas pensamento. possibilita. ao se conhecer a regra abstrata (computacional). mostra que o processo computacional que gera conhecimento pode ser realizado por cérebros e por máquinas. o que não deve ser confundido com a tese central deste livro com forte ênfase no processamento analógico. o seu sítio cerebral de realização). b) de outro.Ao enfatizar os processos de pensamento. os protagonistas. a ciência cognitiva tomou apenas a terça parte da mente (as outras duas seriam a emoção e a vontade) e por isso se chamou cognitiva ou estudo da cognição. estava à cata de uma verdadeira ciência da vida mental. Há uma infinidade de definições para ela. Ao mesmo tempo.11 Ciência cogniva e a nova mente cando-a nas máquinas (e quem sabe. Inaugura uma nova visão porque: a) de um lado. Isto é. Henrique Schützer Del Nero A colocação das máquinas via processo computacional tem um duplo efeito: a) enfatiza a natureza material do processo mental (no caso da mente humana. cap. a concepção digital é predominante. de uma ciência que pudesse descobrir quais são as regras de processamento do 167 A ciência cognitiva concebe a mente como departamento concreto do cérebro humano. Cognição pode significar conhecimento. Optamos por uma em que a consciência seria o palco e as funções mentais. no caso de nossa formulação. destaca a necessidade de estudar a mente através do concurso de várias disciplinas e não de uma só. (Até os anos 70. ao conceber um implementador digital. que se repliquem processos mentais em máquinas digitais. A ciência cognitiva dos primeiros dias.) SÍTIO DA MENTE Do ponto de vista histórico. A concepção digital e lógica do pensamento e de sua realização em máquinas de Turing (abstratas) ou em computadores concretos teve grande impulso nos anos seguintes. usando-se conexões entre elas e verificando-se a verdade de sentenças e a validade de argumentos. em outros processos de interação. aquela dos anos 50 é um programa fortemente embasado na idéia de que pensar é computar. além de afirmar categoricamente a dependência cerebral da mente humana. afetivo e conativo. Esse modo de computar através de regras discretas e claras (algoritmos) sobre símbolos e cadeias de símbolos. é preciso prestar atenção ao fato de que uma concepção aceita para a mente é a de que esta supõe três modalidades diversas de processos: o pensamento. . consciência e também pensamento (modo cognitivo). como no exemplo que demos de dois indivíduos ou de um indivíduo e um objeto cultural). Isso é bom porque.3 pág. Ou modo de processamento cognitivo. a emoção e a vontade. podem-se montar réplicas pensantes que não terão cérebros como o nosso. desde que corretamente programadas. torna-a virtual porque processo abstrato que pode também ser realizado pelas máquinas. b)mostra que. artificial). etc. de implicação. 2. b) há regras discretas de manipulação (conscientes ou não). Vamos nos debruçar sobre quatro crises que considero fundamentais: 1.). Essa inteli- pág. Essa tendência se chamou inteligência artificial simbólica (IAS). cap. Tal computação. Entendê-las é fundamental para reconhecer os desdobramentos e as tendências atuais da modelagem interdisciplinar da mente.SÍTIO DA MENTE A idéia. a crise da mente como pensamento. As crises que espreitavam a concepção logicista e digital da mente eram muitas. a crise da completude. 1 ou 0. tornaria o pensamento uma abstração genérica levada a cabo no ser humano (pelo cérebro) e em outras máquinas também. Tudo o que pudesse ser dito poderia ser traduzido em uma sentença lógica e esta computada através de regras lógicas. 3. baseada em regras e com apenas dois valores de verdade (verdadeiro ou falso). tendo nos seus modelos a inteligência artificial simbólica e procurando fazer a mente se confundir com o pensamento. Lembre-se de que a lógica (pelo menos a mais usada até então) era uma lógica em que sentenças admitiam apenas dois valores de verdade. o que me leva a propor uma alternativa analógica de modelo para a mente. Henrique Schützer Del Nero gência artificial seria simbólica porque: a) a mente manipula símbolos. d) esse processo pode ser todo ele replicado num computador (por isso. 4. como vimos na primeira parte deste livro. c) essas regras podem ser transformadas em passos computacionais (algoritmos). era a de que a mente deveria ser considerada apenas na sua terça parte relativa ao pensamento (particularmente a forma inteligente do pensamento). Por trás das quatro há uma crise genérica que chamo de crise na concepção discreto-digital da mente. então em voga. desde que replicada a operação. a verdade sobre seu funcionamento está na codificação analógica (freqüência de potenciais de ação e intervalo entre eles). Por quê? Porque haveria símbolos mentais (os blocos de representação lingüística de que a mente lança mão para se construir) e regras de manipulação desses símbolos (de conjunção. de negação. podendo ser realizada por computadores (máquinas abstratas ou concretas). operação lógica discreta (algorítmica). 168 A ciência cognitiva caminharia num leito inter-disciplinar durante muitos anos. a crise dos símbolos. a crise das regras. .11 Ciência cogniva e a nova mente pensamento (análogas às leis da lógica) e os símbolos da mente (normalmente submersos no sistema lingüístico em que operamos). Porém. verdadeiro ou falso. embora os neurônios possam ser considerados processadores digitais. construindo inferências válidas (pensamento) através de símbolos-sentenças e de sua conexão lógica. instâncias parciais da noção abstrata de máquina computacional. nem menos complexidade. Aos detra-tores dessa concepção. o mesmo que possibilita que máquinas os manipulem.é a de que a mente humana é um processo computacional. a idéia de espírito não deve substituir a natureza cerebral da A mente computacional torna-se virtual na medida em que o processo que possibilita que cérebros manipulem símbolos é. com apelo à separação entre o nível do programa (software . em princípio. pág. pois o computador de que falamos é a máquina de Turing. mas tentar explicar o máximo de fenômenos com um mínimo de categorias.mente) e o nível do implemento físico (hardware . forjando uma superdisciplina 169 Como disse antes. Ockham4 advertia que não se devem multiplicar as substâncias. Entre eles. resta dizer: por ora. A idéia que domina o século XX . com o advento da ciência cognitiva . mistério ou grandeza num órgão que processa.particularmente a partir da sua segunda metade. da razão e do sentimento e que não precisa emprestar da natureza divina sua substância não material. que insistem que computadores são capazes apenas de algumas operações mentais. na acepção científica. forma abstrata que inspira os computadores reais. Henrique Schützer Del Nero As crises enfrentadas pela concepção discreto-digital-lógica da ciência cognitiva não jogaram a inteligência artificial simbólica por terra. Com isso. cap. Não há menos riqueza. dado que tanto cérebros como computadores utilizam a mesma regra algorítmica. com bilhões de neurônios. A crise da visão da mente como pensamento A natureza não faz por via complexa o que pode fazer de maneira simples. os sistemas baseados em regras.11 Ciência cogniva e a nova mente A crise na concepção discreto digital da mente . Pelo contrário. mente humana. o segredo da pessoa. digital e discreta para a manipulação de sentenças. Se a noção de mente computacional dominou esta última metade de século. o de que a mente humana depende do cérebro para funcionar e o de que lesões e disfunções cerebrais costumam provocar distúrbios mentais. prescreve Galileu no início da ciência moderna. Antes.cérebro) continuam a ser feitos e há muitos defensores dessa idéia até os dias de hoje. em diferentes épocas da história do estudo da mente aparecem tentativas de explicála através do apelo a algum processo físico.SÍTIO DA MENTE 1. A idéia de uma mente espiritual é incompatível com uma série de achados. mas exemplifica um processo de quantificação de entes e sua conversão numa sentença lógica quantificada). Por quê? Pelas seguintes razões: a) a lógica fornece. logo. análoga ao pensamento. notas 11 e 12 do cap. e) deduções seriam formas de raciocínio em que as conclusões estão todas nas premissas ou hipóteses (Homens são mortais.11 Ciência cogniva e a nova mente . a mente seria digital (dois valores de verdade) e discreta (baseada em regras claras. Também é emoção (ou afetividade ou sensação) e vontade (ou conação). g) abduções seriam os processos de geração de entidades novas. traço forte e exclusivamente humano. logo. SÍTIO DA MENTE f) induções seriam generalizações a partir do exame de muitas circunstâncias particulares (o sol se levanta todos os dias. descritível num sistema de tempo discreto). j) a tese de Quine (cf. algoritmos. através de sua sentenças. amanhã o sol se levantará). Sócrates é homem. algumas crises nessa concepção levaram à ampliação ou ao redirecionamento de seus alicerces conceituais. Sócrates é mortal). mas não é só pensamento ou cognição.a ciência cognitiva .que cuida de desvendar os segredos da mente. De preferência. cap. Para os proponentes da concepção computacional. 170 c) a manipulação de sentenças lógicas gera raciocínios válidos. como aliás acontece em qualquer ramo do conhecimento. h) a inteligência. ao pensamento inteligente. dessas revisões diz respeito a considerar todos os processos mentais como processos de pensamento. a noção de pensamento completo. memória. é definir o objeto com que se está lidando. d) a inteligência seria a capacidade de manipular sentenças de modo a fazer deduções. induções e abduções. b) a emoção é item bem mais difícil de definir e modelar. e talvez mais importante. criação. etc. A mente é pensamento. . representação. pág. i) os formalismos que embasariam as regras de manipulação de símbolos já estavam prontos na lógica (particularmente no chamado cálculo de predicados). Também é intencionalidade. Henrique Schützer Del Nero A primeira. seria a capacidade de pensar e de fazer as corretas manipulações lógicas dos símbolos-representações.O grande problema ao se lidar com a mente.10) garantia que tudo o que pudesse ser dito poderia ser transformado numa sentença lógica (eesa tese é posterior. de criação e inventividade. das alegorias mecânicas para a mente. finalmente. Em primeiro lugar. n) a arquitetura von Neumann (por volta de 1945) torna-se o paradigma de arquitetura computacional real: programa armazenado (instruções e dados são conjuntamente armazenados) e contador de programa (registro que é usado para indicar a a próxima instrução a ser seguida) 5.36 − Três níveis nos computadores. como. tinham capacidade de processamento por demais limitada). sabemos que a mente não é apenas pensamento. consciência.6 Essa visão tinha e tem muita importância e continua sendo usada. Nem todo pensamento é consciente. da delimitação do problema a ser resolvido. p) surgia assim a mais poderosa alegoria da história Fig. criava a possibilidade de controlar a operação da máquina e também começava a desenvolver linguagens aptas a reproduzir pensamentos inteligentes (como provar teoremas). seguidos de três níveis no cérebromente e. das regras de manipulação simbólica necessárias para construir a cadeia de inferências que resolva o problema (Fig.os computadores .11 Ciência cogniva e a nova mente k) a tese de Church garantia que qualquer procedimento que pode ser explicitamente descrito pode ser computado através de funções recursivas. nem toda consciência é pensamento. e o nível do algoritmo. 36). segundo a qual o cérebro é uma máquina real (um hardware) que implementa um programa (software). . isto é. que é a mente. baseada na lógica. l) a tese de Turing garantia que haveria uma máquina capaz de computar os problemas computáveis através de funções recursivas (máquina de Turing). pág. dividida em dois planos distintos: o nível da computação. mas também uma série de outras coisas. cap. por exemplo.SÍTIO DA MENTE o) a programação dos computadores. além de mastodônticos.ganhavam com a microeletrônica poderoso aliado para se tornarem mais rápidas e mais compactas (os poucos computadores construídos antes dessa era. Uma sensação não é pensamento e nem por isso deixa de ser 171 Henrique Schützer Del Nero m) as máquinas reais que imitavam as máquinas de Turing . isto é. três níveis intuitivos para o usuário de computadores. A teoria da decisão descritiva deve-se. inicia uma conferência dizendo: “Estamos aqui para encerrar a reunião”). Isso mostra que entre a decisão normativa (aquela baseada num sistema mais sólido e. a idéia de que o pensamento inteligente é o que caracteriza a mente é extremamente pretensiosa. é justamente a de ser capaz de. Essas duas concepções . O indivíduo. b) caixa de banco e ativista social. Talvez a operação mental inteligente tenha razões que a própria razão desconheça. devido à imagem da foto. é tomar decisões em ambientes complexos. é consciente (caso comum da pessoa que. aos trabalhos de Kahnemann. Mostre a uma pessoa uma fotografia de uma moça com uma fita amarrada na testa e roupas indianas (típica de hippie dos anos 60) e pergunte-lhe se se trata de uma: a) caixa de banco. d) yuppie e administradora de grandes fortunas. Sabe-se que a teoria da decisão segue dois grandes eixos: o normativo (que prescreve como deveriam ser as decisões) e o descritivo (que descreve como são realmente as decisões tomadas por nós. que a alternativa certa é a b).7 cap.emperraram parte das investigações sobre processos mentais. A teoria da decisão normativa deve muito de seu desenvolvimento a von Neumann e Morgenstern. em certos contextos). às vezes. portanto. Várias são certas. viola esse conceito e arrisca a alternativa b). mas não cabe aqui entrar nessa discussão. Uma das grandes peculiaridades do ser humano. Tversky e Slovic.de que a mente é pensamento e de que é inteligente . Alguns pesquisadores se defenderam das críticas dizendo que era preciso primeiramente pesquisar a parte mais obje- 172 Como vimos anteriormente. entre outros. Tanto nosso pensamento quanto. todo fato consciente. Chama a atenção o quanto violamos certos conceitos de probabilidades. nossa inteligência violam regras racionais. O indivíduo dirá. etc. A alternativa a) traz apenas um predicado (caixa de banco). potencialmente mais inteligente) e a que realmente ocorre (a descriti-va) pode haver uma diferença enorme. c) enfermeira e cantora lírica. Um ato falho contém semanticamente um pensamento ou proposição e. porém. portanto. reúne probabilidades. Henrique Schützer Del Nero Em segundo lugar. . muito cansada. por vezes. na sua produção mental. Neste trabalho. é proposicional e. humanos. teoria dos jogos. por vezes. Há ainda uma corrente na ciência atual que advoga a presença de pensamento sem linguagem. Baseada em árvores decisórias. não. pensar inteligentemente. nem por isso. ou passível de ser trazido à consciência.11 Ciência cogniva e a nova mente consciente ou mental. no entanto.SÍTIO DA MENTE A teoria de probabilidades garante que é mais difícil acertar dois predicados do que um. às vezes. Pensar. o que define o ambiente complexo é a ausência de uma só solução ou de uma solução certa. está submerso na linguagem. pág. há algumas mais certas que outras. sem pestanejar. . A mente deveria ser considerada em sua tripla faceta. emoção e vontade.que precisem de processos totalmente não-conscientes para serem executadas. Se algo é consciente. Embora certos processos jamais venham à consciência. pág. cap. o sonho. a compreensão. assim.conscientes.11 Ciência cogniva e a nova mente tiva da mente (isto é. mas isso não impede que elas estejam na base da leitura e da compreensão. são importantes tanto para entender as lesões cerebrais e suas correlações com a disfunção mental. atenção e vontade 173 Fig. Isso seria possível se não houvesse uma certa interdependência entre os módulos. Processo mental seria. a descoberta.Em segundo lugar. SÍTIO DA MENTE Em primeiro lugar. agregando-se ainda a todos esses processos a noção primária de consciência (o palco do mental). no entanto. pode haver funções mentais .como a fala. Não mencionar o problema da consciência como base do mental. O fato de um pensamento ser consciente ou não também o torna diferente. testes e confrontações que não se aplicariam a pensamentos exclusivamente não. a memória. ou passível de ser trazido à consciência. Podemos não ter consciência de certas operações de separação de letras por contraste luminoso. etc. o fato de existir interdependência dos processos mentais faz com que haja pelo menos uma via de comunicação entre eles. a escrita. a motivação. o pensamento) para depois ampliar a investigação para outros domínios. a atenção. traz alguns problemas. . a imaginação. Processos absolutamente não-conscientes seriam descartados da mente. pode sofrer correções. Henrique Schützer Del Nero O módulo pensamento é fortemente coagido e influenciado pelo módulo das emoções e da vontade. Isso. isto é. Mas sabemos que fatores de humor. tornou esse primeiro momento da mente computacional (ou mente cognitiva) uma visão parcial do processo (Fig. como sede dos processos de pensamento. Não se está dizendo que um indivíduo motivado pensa que 2 + 2 são 4 e que um desmotivado pensa que são 5. bem como omitir a emoção e a vontade. sensação (emoção) e vontade. a percepção. 37). 37 − Divisão da mente em pensamento. aquele que é consciente ou passível de ser trazido à consciência (não-consciente parcial). quanto para montar uma máquina capaz de processamento mental. mente como pensamento inteligente subtraiu do objeto partes essenciais . A teoria que se desenvolveu graças à manipulação de sentenças e de símbolos e através de regras (concepção discreto-digital) estava apta a captar apenas algumas operações sintáticas da linguagem. apesar de insuficiente. De outro. a idéia de uma manipulação computacional. quer de sensação. pág. Henrique Schützer Del Nero Estudar a mente reduzida ao pensamento não foi suficiente para entender suas inter-relações críticas. simbólicas de regras sobre símbolos. do sentimento e da consciência não se deveria à sua natureza distinta da manipulação digital discreta. quer de vontade. As falhas de tal empreitada ficaram claras. algorítmica.11 Ciência cogniva e a nova mente afetam o desempenho do pensamento. no sentido de uma teoria da decisão normativa. havia que se prestar atenção aos processos ditos conscientes ou não. lógicas. Conseguiram-se fazer computadores que provavam teoremas matemáticos e que jogavam bem xadrez. mas apenas a uma primeira escolha do pensamento como objeto de estudo. a omissão da vontade. a de cerne do processo. Mais ainda. mas não se conseguiu fazê-los atingir os graus de compreensão de situações de locomoção e interação lingüística que uma criança de 4 a 5 anos atinge.O que vingou na história da ciência cognitiva foi justamente a segunda alternativa. a escolha do pensamento seria um passo imprescindível para simplificar o objeto de estudo.emoção. baseada em regras de representações-símbolos. b) ou a vontade. Isso será visto com vagar no item relativo às disfunções mentais. começando a apresentar problemas nas partes semântica e pragmática (responsáveis pela capacidade de compreender significados e metáforas cerne da comunicação humana). vontade e consciência -. lógica. havia que se prestar atenção ao fato de que nem todo pensamento é inteligente. o obstáculo de princípio: a interdependência dos processos derrogaria parte do que se supôs ser a natureza do pensar. objeto primordial de estudo da psiquiatria. roubando-lhe ainda a possibilidade de sintetizar um conceito que atendesse à sobrevivência e não ao cálculo. o sentimento e a consciência são também manipulações discreto-digitais. incorporaria o processo que está por trás também do sentimento. embora se defendessem seus proponentes argumentando que: a) ou tudo é pensamento e o pensamento é simbólico. Restava. Neste caso. De um lado. . da vontade e da consciência. isto é. cap. Se na conta sim- 174 Insistiu-se em atribuir ao pensamento a condição de cerne do mental e à manipulação digital de símbolos. não tendo cabimento desacoplar o indissociável. manipulado pelas regras. digital. tanto em sua direção quanto em seus conteúdos. Havia que se prestar atenção às outras formas de processo mental. porém. Finalmente. A concepção de SÍTIO DA MENTE A mente cognição não captava um todo. que responde sim ou não. vontade e consciência - Embora esteja de acordo com a concepção abstrata e virtual da mente. enquanto a mente é uma operação sobre talvez. Aceita-se o cérebro como arquitetura digital. este livro defende a hipótese analógica de sincronização. e a idéia de uma mente computacional. através de provas matemáticas. que pode estar no cérebro.pensamento. hardwares de arquiteturas diferentes).SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Devido a suas propriedades gramaticais complexas. guiado pela concepção do neurônio. cap. teria. mostra-se. faz do cérebro humano apenas um dos tipos de máquina que a implementa (ou dá suporte físico ao programa mente). pág. visto ser ele apenas um dos possíveis meios físicos de expressão do mental. por outro. emoção. que opera com regras lógicas e símbolos. um desdobramento difícil de ser aceito. Quando se distinguem um nível de programa (software) e um nível de implemento (hardware). tal formulação gera um passageiro incômodo: o estudo do cérebro torna-se desnecessário. expressa em muitos lugares como concepção sentencial da mente. Se. nas máquinas ou em outras formas de comunicação. por um lado. por outro. no cálculo de cenários complexos o pensamento é um híbrido. persiste viva e desenvolvendo seus trabalhos. embora pela didática deste livro tente-se mostrar que a concepção digital é estanque porque processa apenas sim e não. as coisas não são tão simples. Muitos sistemas especialistas (aqueles que tentam reproduzir como profissionais experientes tomam decisões) também se fundamentam nessa concepão. a linguagem é ainda hoje muito melhor manipulada pelos sistemas discreto-digitais baseados em regras do que por quaisquer outros modelos. . pode ser reduzido a um conjunto de sentenças. que um mesmo programa pode ser rodado em diferentes máquinas (isto é. Que o digam os temperamentos apocalípticos ou os otimistas empedernidos. Os defensores da concepção discreto-digital dizem que tudo . cuja manipulação se daria de forma lógica através de certas regras. porém. garante novamente a condição virtual da mente digital. Portanto. carregando em seu bojo a motivação expressa e a oculta. Isso (chamado de problema da múltipla instanciabilidade) tem um impacto brutal: se. Essa idéia. 175 Essas defesas todas são cabíveis. é preciso entender que não há um erro claro na concepção digital.11 Ciência cogniva e a nova mente ples não ocorre superposição de vontade e de emoção. alicerce de muita pesquisa e sustentáculo de grande parte dos modelos lingüísticos de manipulação mental. por um lado. e também com a idéia de que esta pode ser implantada numa máquina. mas à custa de colocá-lo na prateleira junto de um sem-número de outras arquiteturas digitais. No limite. a mente será código puro e o cérebro. embora ortodoxamente serial. 2. memórias e.Se a crise da mente cognitiva somente geraria desconfianças lá pelos anos 80. Não há local cerebral que lembre um processador central. software e hardware. seguido de um série de insucessos que o projeto discreto-digital sofreu na realização plena de mentes em máquinas (acreditava-se que até 1970 muito seria conseguido em matéria de capacidade mental dos computadores. A crise das regras pág. distinguindo o nível do programa e o do implemento. o que de fato não ocorreu). dividido em processador central. Uma arquitetura que. supor que a mente que brota desse projeto também carregue suas falácias e crises potenciais. Portanto. ao distinguir bastante bem processador e memórias fixas. É lícito. cérebro e mente. a da mente enquanto manipulação de regras teria início no final da década de 50. em paralelo. cap. abriu caminho para concepções rivais. Ora. e suas operações seguirem o princípio discreto-digital.11 Ciência cogniva e a nova mente O chauvinismo não é biológico. Fortemente conectadas. As redes neurais são arquiteturas radicalmente diferentes das anteriores . o computador. com clara distinção entre programa e implemento. pode ser também processada em arquiteturas paralelas. Estas são não seriais. Podem-se ter vários processadores operando de maneira cooperativa. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Se a mente digital paga o preço de ser apenas programa. o discreto em oposição ao contínuo e o programa explícito em oposição ao programa implícito é que são as verdadeiras dicotomias dos modelos. também o paga por ter na arquitetura do tipo von Neumann seu paradigma artificial. utilizam a noção de aprendizado e trei- 176 Tudo isso. Antes de examinar essas idéias. mas nem por isso deixam de ser discreto-digitais e baseadas em regras. nem as memórias são alocadas em endereços fixos como acontece nos computadores. atente para o fato de que se podem encontrar afirmações de que a crise do modelo serial levou a uma concepção de mente processada fortemente em paralelo.cujo paradigma é do tipo von Neumann -. a mente discreto-digital. atingindo a maturidade plena na de 70. inspiradas num modo hipotético de como os neurônios manipulam informação. não encontra qualquer elo de contato com o cérebro natural. portanto. sobretudo. não encontra qualquer similaridade com o processamento humano cérebro-mental. apenas meio que a realiza. O serial e o paralelo não se opõem na medida em que o digital em oposição ao analógico. . Mas a concepção discreto-digital e a manipulação de símbolos produzindo cadeias de pensamento paga o preço de criar uma mente cuja natureza de código puro se situa no plano da programação (software). SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A noção de processamento por rede neural inaugurou um modelo rival para a mente computacional. cap. Uma infinidade de neurônios são conectados através de sinapses. disparando ou não um sinal para a frente (no caso de um neurônio digital com limiar) ou disparando sinais de qualquer intensidade. A suposição anterior de que houvesse um processamento baseado em regras de manipulação de símbolos-representações cedeu lugar a outro conceito: em vez de existirem regras de inspiração lógica a sustentar as operações mentais. passaram a processar tudo. positiva ou negativa. Abandonouse. Isso é analógico. é um conjunto de neurônios artificiais que Os dois neurônios artificiais mostrados na Figura 38 são idênticos. Cada neurônio tem um valor de ativação e cada sinapse que chega até ele tem uma força. 177 Uma rede neural. partem da concepção de alteração no peso da conexão sináptica (também chamada de regra hebbiana. percorre toda a circunferência mostrando os minutos). forjando a mente pela justaposição inferencial de cadeias lógicas (leis do pensamento). .11 Ciência cogniva e a nova mente namento como regra de processamento. não necessariamente a concepção discreto-digital da mente. quando. aperfeiçoadas através de unidades intermediárias ocultas. pela inteligência artificial conexionista (IAC). a idéia de uma mente que executa passos algorítmicos discretos (como a máquina de Turing). de axônios que disparam um potencial de ação). genericamente. Por isso. enquanto o analógico.9 pág. de conexão. Abandonaram-se as regras. com o conexionismo. não tendo porta. já visto. a incapacidade de processar problemas linearmente separáveis). resultante da estimulação do peso e do valor do neurônio (caso de disparo analógico). Infelizmente. inteligência artificial simbólica. a saída é o número resultante. O neurônio artificial analógico dispara a quantidade resultante da conta feita. Isto faz com que varie de um número mínimo a um número máximo (em linguagem formal costuma-se dizer que a saída vai de -m a +m. há padrões e regularidades. Intuitivamente: um relógio digital somente marca um número para cada hora. com a única diferença que o digital tem uma porta (limiar) e dispara um sinal sim ou não de amplitude constante (como no caso.A concepção baseada em regras. de ponteiros. dinâmica e estatisticamente treináveis. com as redes neurais. A combinação das inúmeras sinapses que estimulam o neurônio é integrada. ao contrário de uma máquina de Turing. ficaram relativamente esquecidas até os anos 70. as primeiras redes neurais (percéptrons) não eram capazes de realizar algumas funções (já vimos antes o problema do “ou exclusivo” ou. foi substituída. em homenagem a Donald Hebb8) através da estimulação positiva ou negativa dessa conexão (isso já foi visto quando estudamos os neurônios). assim.). multiplicado. Considere -3 + 4 = +1. por superá-lo (já que é maior do que +1). inspirados no funcionamento de neurônios reais (exceção feita aos moduladores. ou estímulos.. +3 x -1 = -3 e +2 x +2 = +4. Logo. mensageiros. pág. que no caso é +5.11 Ciência cogniva e a nova mente entradas. nos neurônios reais) com um certo valor (veja que. dependendo do que se imagine ser uma integração entre os sinais . são multiplicadas pelo peso da sinapse ou da conexão (no caso acima. As 178 Henrique Schützer Del Nero Fig. no caso digital. os valores são +3 para a entrada 1 e +2 para a entrada 2). o próprio número +5 seguirá adiante. Este +1 é multiplicado pelo estado atual do neurônio.SÍTIO DA MENTE No neurônio artificial usado nas redes neurais. cap. então.. respectivamente) e. no caso analógico) ou vetores. A rede neural se utiliza desses dois tipos de neurônios artificiais. no neurônio analógico. irá para frente como +1. mas sim à simples evolução e processamento de números (0 ou 1. na figura. etc. . Porém.38 − Dois tipos de neurônios artificiais usados nas redes: o primeiro com saída digital e o segundo com saída analógica. A intensa conexão de elementos desse tipo dá origem a diferentes comportamentos em função do ajuste dos pesos sinápticos ou pesos das conexões. O +5 resultante terá dois caminhos: no neurônio digital. e -m a +m.lembre-se dos mecanismos decisórios). a diferença fundamental nas redes neurais advém do fato de o processamento não estar ligado à realização de tabelas de verdade e manipulação de conectivos lógicos (que estariam reproduzindo as regras lógicas). etc. etc. cada sinapse tem um valor: -1 inibitória e +2 excitatória. +1 x + 5 = +5 (poderia ser somado. como no caso anterior). somadas (poderiam ser multiplicadas. Abandonar ou não o digital depende da presença ou não do limiar. divididas. que fazem sinapse com os dendritos. será confrontado com o valor do limiar e. dividido. Temos. distinguem-se entradas (equivalentes aos axônios. mando a rede corrigi-los (para isso cada rede tem uma técnica de calcular entre o desejado e o obtido e enviar um número de correção para seus pesos sinápticos. Após o treinamento. ambos desligados (saída 0 e 0). Ocorre o processamento. Cada resposta para uma dada entrada é comparada com um objetivo. Se não. Numa primeira fase. Alimenta-se cada neurônio da entrada (no caso. Concluído o aprendizado. 39). a rede é capaz de processar não apenas o sinal típico como também suas instâncias mais próximas. fruto da conectividade.39 − Exemplo esquemático de uma rede neural com três camadas de neurônios artificiais. Colocam-se inúmeros neurônios artificiais conectados (Fig. cap. A fase de treinamento é uma fase de aprendizado. Se são analógicos. Cada uma das unidades é um neurônio. Há duas etapas no desenho e uso de uma rede neural. têm-se valores diversos em cada um deles. O número resultante seria diferente. É justamente isso o que acontece numa rede neural durante seu treinamento para reconhecer padrões e detectar regularidades. Se os neurônios na saída são digitais. gerando outros números ou vetores na saída.Imagine que uma rede neural deva ser treinada para reconhecer a fotografia de minha mãe. apenas um ligado e outro desligado (saída 1 e 0). são dois) com números ou vetores. imagine que se mudasse o número de cada sinapse. mandando-se a rede corrigir os seus valores. podem-se ter: ambos ligados (saída 1 e pág. faz-se o treinamento.10 . que são então modificados). Após o treinamento (repetidas apresentações do exemplo e correção da saída dada pela rede). verifico se se aproxima da fotografia. A rede recebe uma entrada (um vetor) e produz uma saída (outro vetor). que é comparada com a saída que seria a certa. Calcula-se o erro e a rede ajusta então seus pesos de conexão para ver se consegue aproximar a sua saída da saída certa. Cada flecha pode ser positiva (excitatória) ou negativa (inibitória). os pesos estarão todos ajustados para reconhecer um dado fenômeno. Coloco a fotografia na entrada (o que é feito criando-se uma codificação de luminosidade para os pontos da foto) e vejo o que sai. Toda vez que sai um conjunto de valores.11 Ciência cogniva e a nova mente 1). Henrique Schützer Del Nero Fig. a rede 179 SÍTIO DA MENTE No exemplo da Figura 38. Essa bacia toda agora corresponde a um padrão. capaz de. criar nele separações desconhecidas. dependendo do tipo de “professor” que a orienta na fase de treinamento (pode ser externo ou interno) e do tipo de estratégia que se usa para corrigir seus pesos sinápticos em função da comparação entre o desejado e o obtido (podem ser várias as estratégias). Se colocar fotografias de minha mãe mais velha. pela sucessiva exposição a um espaço amostral. o que significa que o erro (resultado da comparação entre o obtido e o desejado) tenderá a zero. etc. capazes de. Tudo isso graças ao ajuste de pesos e à conectividade. É exatamente isso o que fazemos quando reconhecemos padrões.Fig. treinando a rede para fazer a diferenciação. pedaços de foto. Após o treinamento. pág. há apenas um ponto de mínima para a bolinha correr. Num primeiro instante.caso das redes sem professor) alguém corrigindo os palpites da rede. pode haver (nem sempre há . em pedaços. . A rede neural vai aos poucos analisando o sinal de entrada e encontrando nele um padrão. Henrique Schützer Del Nero A rede neural é capaz de aprender através de exemplos (tal qual nós. Não fosse isso não entenderíamos caricaturas. pelas sucessivas interações e correções.). mais moça. aos poucos. aproximar-se da solução para o problema. 40). 180 Qual a regra lógica que está por trás desse processamento? Nenhuma. humanos). é capaz de classificar tanto a situação protótipo como todas as outras.12 Tendo aprendido. até que ela aprenda a fazer a distinção (Fig. a rede será capaz de “reconstruílas”. cap.11 Dispõe de vários meios para isso. A partir do momento em que o encontra. Encontrar o padrão significa percorrer um espaço homogêneo que não diz nada. normalmente descritível através de funções compostas. temos inicialmente vários pontos de mínima local onde a bolinha pode parar. adquire tal capacidade de generalização que reconhece não apenas a situação típica (a fotografia em que foi treinada) como também situações afins (fotos parecidas. reconhecendo o padrão “minha mãe” em todas as formas possíveis de apresentá-la.11 Ciência cogniva e a nova mente está pronta para reconhecer perfeitamente a fotografia de minha mãe. Num submarino em que se precisa diferenciar minas de rochas.40 − Definida uma distribuição de energia numa rede neural. SÍTIO DA MENTE A rede neural é um sistema complexo de cálculos repetidos e ajustes. envia-se um sonar e vai-se. criando nele heterogeneidades aptas a separar o joio do trigo. não-lógico no sentido de baseado em regras ou conectivos e leis de inferência (como era a IAS). de lado. que interpretam os vetores de entrada e saída). Não há processador central. de manipulação de conectivos e de ta- belas de verdade. mas não mais sob a forma de regras lógicas. Os cérebros e as redes neurais não a perdem tão facilmente porque ela está distribuída no peso das conexões e sujeita à mudança pelo aprendizado. Representam grande parte dos modelos tanto da mente biológica como da mente artificial nos dias de hoje. As arquiteturas simbólicas.14 embora isso não as diferencie das arquiteturas simbólicas cooperativas maciçamente paralelas. nem endereço fixo de memórias. e não de regras.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 181 As arquiteturas conexionistas constituem um segundo tipo de máquinas que imitam cérebros na forja da mente. cria-se um atrator (ou bacia de atração) que faz com que objetos deixados em cada ponto escorreguem para o centro (tecnicamente. com metade do rosto coberto por um véu) e classificá-las igualmente como minha mãe. faria das redes neurais algo mais próximo do estilo cerebral.13 que compõem suas entradas e saídas (isto é. Esse tipo de processamento de regularidades estatísticas. pág. Não está sujeita a regras lógicas. o que significa que a rede não classifica nada. na fase de treinamento. dando lugar a uma representação do problema no peso das conexões. mas que é dinâmico no todo. O programa (software) não existe. Têm processamento paralelo e não serial. Colocam em crise a concepção discreto-digital naquilo em que esta se assemelha ao processamento lógico das regras. moça. É uma regra dinâmica de aprendizado e ajuste de conexões sinápticas. Isso descreve a capacidade do sistema de pegar tanto a fotografia protótipo como suas partes menos típicas (minha mãe velha. Também a capacidade de aprendizado e de generalização lembram a mente humana. se tivessem um endereço destruído. . Após o treinamento. convergem para um atrator ou para uma solução). cap. simplesmente perderiam a informação. muitos são os pontos em que a bolinha pode parar. de vestido.11 Ciência cogniva e a nova mente A Figura 40 mostra que. Podem aprender e perdem suavemente a capacidade de classificar com a destruição de alguns de seus neurônios. um estilo de processamento que pode ser digital ou analógico na conexão de cada neurônio. A destruição de alguns neurônios (que é o que acontece nos cérebros com a velhice) não elimina a capacidade de generalizar. Abolem a separação entre o nível do programa e o nível da implementação. embora ainda se servindo de símbolos ou de pedaços de símbolos subsímbolos . O mental continua presente na forma da representação simbólica. Tal função é uma forma de dividir padrões de acordo com certas propriedades estatísticas do sinal de entrada. não em regras discreto-lógicas e algorítmicas. Tanto o hardware como o software somem. Reproduzem um estilo cerebral de computar a mente baseado no cálculo. a relação da IAC é cerebral. reside a fonte da próxima crise que examinaremos. pode-se procurar a mente nas relações. pode-se falar de uma crise da noção de símbolo. Henrique Schützer Del Nero Distinguindo-se objetos e relações entre eles. um número) torna-se uma outra seqüência (num alfabeto binário. distanciando-se do cérebro pela adesão ao software como paradigma. cap. a reboque da crítica. têm um denominador comum. evanescendo a mente enquanto programa.. deixando aberto esse campo para as arquiteturas simbólicas. Porém. Porém. representante de uma outra entidade. Para ser digitalizado. os vetores de entrada e de saída são interpretados como símbolos. acordam quanto ao objeto − símbolos. Se a relação da IAS é lógica. O símbolo arbitrário. mas também objetos. como já vimos anteriormente. cada símbolo (por exemplo. é aparentemente simples. quando na verdade são conjuntos de números. o A noção de manipulação de regras pode ser questionada. Símbolos se-riam blocos que constituem a representação do conhecimento na mente. visto que essa capacidade muda com o aprendizado e a experiência. Conclui-se que o que se representa na mente não é uma seqüência fixa de 0 e 1 para qualquer símbolo. São alimentadas por símbolos (ou subsímbolos) e dão saída a símbolos mentais. A mente como aparato processador de informação deve digitalizar cada porção desta para repre-sentá-la. na qual não mais apenas relações estão em jogo. o número 8 viraria 1000 e o número 10 viraria 1010). . o que prepara terreno para uma nova classe de modelos.3. contudo. Daí a possibilidade de. Diferindo no estilo de relação. Portanto. criar-se outra gama de modelos (cerebralistas baseados em dinâmica cerebral). pág. é noção intuitiva e isenta de discussão. Qual a relação entre símbolos mentais e sinais cerebrais? símbolo de que fala a ciência cognitiva desde seu início não é somente representante arbitrário. captando também outras dimensões. A crise dos símbolos SÍTIO DA MENTE Simbolos arbitrários e dinâmicos A postulação de que o conhecimento está suficientemente situado (independência funcional) na mente faz com que dois conceitos se interpenetrem: a noção de símbolo e a de representação. antepondo-se-lhe alternativa baseada em regularidades. Ambas. O cérebro só manipula números sob a forma de sinais elétricos. Posso encontrar modos de codificar um 182 A idéia de símbolos e de uma mente que os manipula através de regras de inferência. planificação. etc. criando com isso − como se fosse um programa de computador − cadeias de raciocínio. Aqui.11 Ciência cogniva e a nova mente Não são boas para processar a linguagem natural. Já os símbolos são entidades mentais e lingüísticas. sejam baseadas em regras (IAS) ou em regularidades (IAC). O símbolo como representante arbitrário é objeto digital que substitui um número. o 8 ou o 10. 1 ou 2. mas como um único símbolo.símbolos -. e símbolos mutáveis. porém. mais experiente. ambos têm a capacidade de antecipar a mesma quantidade de lances (o que advém da limitação de suas memórias de trabalho. claramente identificado com a idéia de proposição. é capaz. rápido e funcional (conhecimento e habilidade). cap. vejamos agora uma terceira categoria de símbolos. Símbolos e proposições Um outro significado de símbolo. Dinamicamente recortamos chapas . do número de cabines vagas para símbolos.15 O bom jogador. Portanto. de condensar em cenários o que o mau jogador observa apenas puntualmente. Pode-se entender essa situação falando-se dos jogadores de xadrez. meros representantes de outros objetos.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Se vimos até aqui símbolos arbitrários. . construímos todo o tempo blocos de representação de conhecimento (símbolos) sobre os quais as regras ou as regularidades devem operar. minha capacidade de manipulação vai estar em constante mudança. nem suas transformações em alfabetos binários estanques. Essa informação tomou um espaço na memória (preencheu uma cabine). Ao contrário. de maneira cada vez mais própria (inteligência e aprendizado) para a obtenção de um todo mais elegante. pág.16 que critica a idéia behaviorista de que todo comportamento é resultado de um condicionamento. Na verdade. ao contrário. 183 Imagine que. dor pense: “Se eu mover a torre para cá. advém da obra de Chomsky. Até bem pouco tempo atrás acreditavase que a diferença entre o bom e o mau jogador estivesse na quantidade de lances que seriam capazes de antecipar. normalmente 7). forçarei a troca de damas em alguns lances”. olhando para um tabuleiro. por exemplo. não havendo regra fixa que imponha como o número 8 ou 10 devam ser representados em minha mente. O símbolo como porção mutável que preenche locais da memória de trabalho é mais complexo. O bom jogador poderia antecipar as conseqüências de 5 a 7 lances e o jogador fraco. recortes inúmeros que ocupam cabines da memória de trabalho. isto é. fará um raciocínio do tipo: “Se eu ameaçar o flanco do rei. o mau joga- Não manipulamos símbolos fixos tais como existem no mundo.11 Ciência cogniva e a nova mente número de telefone inteiro sem usar o alfabeto binário. O bom jogador. Há diferentes formatos e dimensões para essa noção de símbolo sobre os quais se debruçariam as leis do pensamento (IAS) ou as regularidades do cérebro artificial (IAC). mas embutindo muito mais desdobramentos. o outro poderá mover o peão para lá”. Essa informação tomaria um espaço semelhante na memória de trabalho. Pode ser um número inteiro de telefone ou uma estratégia completa para se tomar uma cidade. Entidades dinâmicas. mostrando que caminhos seguir para otimizar o processo de corte. rapidez e elegância. criando seqüências cognitivas inteligentes. claro. a linguagem se compõe de uma seqüência finita de símbolos e de uma seqüência finita de regras gramaticais que. desde que bem construídas. compreensíveis aos seres lingüisticamente competentes. capacitando à invenção de novos cortes. não dependente de condicionamento e exposição.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 184 Imagine que os símbolos pré-estocados sejam placas de madeira de diversos tamanhos e espessuras e que o aprendizado e a experiência sejam modos de cortar peças individuais cada vez mais sólidas. também chamada de símbolo. Os símbolos estariam em parte já estocados na nossa mente ao nascer (ou programados no software).o primeiro. criando assim condicionamentos. é porque somos portadores de “símbolos” e regras inatas que não dependem de vivência. como também podem ser apenas alcunha geral da capacidade de reconhecer proposições. . o que dependeria da inteligência. do aprendizado e. funcionais e econômicas para cada problema (o que variaria também de acordo com a necessidade). sofrendo posteriormente mutações pelo processo de aprendizado. Por isso.11 Ciência cogniva e a nova mente Os behavioristas acreditavam que o aprendizado decorresse da exposição do indivíduo a um certo objeto e que a correta manipulação deste pudesse ser gratificada ou punida. juntas.) No entanto. treinamento ou aprendizado e muito menos de condicionamento. O célebre ditado “com quantos paus se faz uma canoa” teria seu equivalente em “com quantos símbolos se faz um pensamento”. Essa competência é inata. Tanto a mente como o computador (devidamente programados com regras profundas) teriam a capacidade de manipular símbolos através de regras. dependentes de reordenações orquestradas por princípios que constituem propriedades a priori da mente e não só da experiência posterior. Aprendizado e inteligência seriam assim facetas complementares do processo . se mesmo não sendo expostos e condicionados a todas as sentenças da língua. com menos emendas. Ou seja. Os cortes dependeriam do tipo de objeto a ser construído e da experiência de fazer objetos cada vez melhores. os símbolos podem ser recortes de cenários ou regras heurísticas. somos capazes de entender todas as suas sentenças. Cada peça cortada seria um símbolo reordenado (símbolos dinâmicos em mutação. como no caso dos vários modos de simbolizar o jogo de xadrez). cap. maior economia. As chapas de diversos tamanhos e espessuras seriam os símbolos prégravados na nossa mente. (Não vamos aqui tratar da diferença entre condicionamento clássico e operante. da limitação física dos tipos de chapa pág. a segunda. Carregamos de maneira inata a habilidade de reconhecer o caráter proposicional de algo (ser ou não ser uma sentença bem construída). isto é. a essência do mental está na capacidade de simbolizar e manipular símbolos. geram infinitas sentenças bem construídas. intenção. Regras fixas seriam um tipo de encaixe (através de bordas e pinos lógicos). por vezes. conceito que relaciona modos mentais diversos a objetos intencionais. etc. tanto símbolos quanto objetos intencionais e modos intencionais dependem de uma linguagem para que se possa descrevê-los fez com que houvesse uma confusão entre esses dois conceitos.) e. Uma outra ordem de problemas que se costuma agregar à história da noção de símbolo é sua relação com a intencionalidade. . que significam coisas distintas. Símbolos e intencionalidade cap. “Paulo deseja deixar o quarto” e “Paulo teme deixar o quarto” têm “deixar o quarto” como objeto. Para um mesmo objeto − por exemplo. Na história da noção de símbolo e de mente como computação (manipulação lógica de regras sobre símbolos). Porém. desejo e temor −. “deixar o quarto” −. o modo mental pode mudar-lhe completamente o significado. condições previamente gravadas e reagrupamentos dinâmicos dependentes de aprendizado. Também o fato de que. dividindo-as em 50 pedaços (o que faria com que 10 símbolos prévios fossem usados. um novato pegaria 10 placas de madeira.11 Ciência cogniva e a nova mente de madeira disponíveis (símbolos prévios) e dos tipos de corte possíveis (problema computacional tendendo. pág. de simbolizar (criar e manipular representações) e de exibir intencionalidade. regularidades. Isto é. crença. b) objetos dinâmicos que espelham cenários ou heurísticas. assim.SÍTIO DA MENTE O modo de encaixar as peças varia. Desejo. Henrique Schützer Del Nero Para construir uma peça. c) capacidade de reconhecer o caráter proposicional ou bem construído de uma sentença lingüística. por vezes tomados como quase sinônimos. modos intencionais (crenças. Já um indivíduo experiente poderia usar 7 placas divididas em 30 pedaços (gastando. No exemplo que demos an- 185 Símbolos podem ser então: a) representantes convencionais. a números muito grandes). 30 símbolos prévios e ainda economizando 3 peças). gerando 50 símbolos dinâmicos novos). mas dois modos mentais diversos − no caso. seria possível construir objetos cognitivos encaixando-os (ou relacionando-os) por meio de regras lógicas (IAS) ou de regularidades (IAC). Símbolos constituiriam uma espécie de conceito híbrido que reuniria. Fala-se de uma mente capaz de manipular símbolos. de um lado. temor são modos mentais de se relacionar com esses objetos. um outro tipo (através do polimento e colagem de certas bordas e superfícies). desejos. de outro. uma última noção costuma acompanhar os símbolos: a intencionalidade. de posse de símbolos prévios e de símbolos dinâmicos reordenados (o que já é uma forma de relação). há uma forte tendência de se associar símbolo a representação e intencionalidade. d) como intencionalidade ou capacidade de agregar modos mentais diversos a objetos de representação. a formulação descrita contempla grande parte das diversas acepções correntes. de um tipo especial. Nesta acepção. Temos aqui uma versão de cognição como símbolo pré-gravado.17 Reordenados dinamicamente pela inteligência. cap. recortadas para construir objetos. um conjunto prévio de símbolos). c) como proposições ou capacidade de serem descritos por uma sentença lingüística bem construída da linguagem (onde a gramática prévia e inata seria também. Fala-se numa mente capaz de manipular símbolos. seria em princípio descritível por uma expressão da linguagem (sob a forma de uma sentença bem construída ou proposição). carregando consigo a noção de inten-cionalidade.11 Ciência cogniva e a nova mente teriormente. equipando o cérebro com símbolos primitivos. não vinculado a uma só regra de conexão). A madeira seria. os símbolos aparecem como o conjunto resultante de placas de madeira de tamanhos e espessuras diversos. depois de cortado. uma habilidade prévia para a linguagem. intencional ou não. seriam cortados de maneiras variadas (operações cognitivas inteligentes de reordenação). Feitos de chapas intencionais (crenças. no sentido trivial de representantes convencionais de algo. b) como recorte dinâmico de heurísticas que preenchem vacâncias da memória de trabalho. seria descritível por uma expressão lingüística. desejos. Embora cheia de armadilhas. por exemplo adviriam de conexões lógicas (IAS) entre os blocos ou de conexões dinâmicas (redes neurais . o conceito está impregnado de um apriorismo genético ou inato exclusivo do cérebro hu- 186 Haveria. entre os quais os capazes de exibir intencionalidade seriam os mais marcantes.o pensamento.IAC). As relações capazes de forjar grandes objetos cognitivos .SÍTIO DA MENTE Símbolos são blocos mentais sobre os quais se debruçam regras ou regularidades. . intencionalidade inclusa e inteligência reordenadora posterior na forja de novos símbolos. pág. esses símbolos primitivos dariam origem a novos símbolos (descrevê-los seria função das proposições). de uma certa maneira. prévio ou reordenado. um modo de agrupar pedaços de objeto com vistas ao todo da ação inteligente sobre o mundo. mudariam com o aprendizado e a inteligência porque averia múltiplos modos de se cortar as placas. principalmente advindas dos modos como os diversos autores usaram e usam a noção de símbolo. Cada pedaço. nem sempre bem explicadas em cada modelo de mente. isto é. por sua vez. Henrique Schützer Del Nero que constitui o cérebro humano. e cada pedaço. definidos de quatro formas diferentes: a) como representação convencional. (Essa reordenação inteligente por vezes é chamada de heurística. portanto. temores) e de uma matéria que por ora se confunde com o tecido biológico Embora muitos aceitem que a mente manipula símbolos. de sua submersão num sistema de linguagem (que os habilita a serem descritos sob a forma proposicional). Tanto a inteligência artificial simbólica como a conexionista apostaram na noção de relação entre objetos (que 187 A dinâmica cerebral e a relação entre símbolos e sinais SÍTIO DA MENTE Há. cap. por exemplo. . rização dos objetos.11 Ciência cogniva e a nova mente mano. com o cérebro? Este ponto é fundamental. Porém. defrontando-se. do lado da caracte- Duas questões devem ser levantadas ao se pensar na mente e na sua relação com o cérebro: Qual a relação das regras e regularidades com o cérebro? Qual a relação dos objetos mentais. pode-se supor que estes sejam símbolos. podese supor que sejam regras (IAS) ou regularidades (IAC) que manipulam símbolos. O problema da computação discreto-digital reside em dois planos. Henrique Schützer Del Nero Os modelos de mente e de sua relação com o cérebro costumam examinar as condições de conexão e de relação entre símbolos. então. A visão da mente como um computador do tipo máquina de Turing supõe que haja símbolos (os objetos) e regras (as relações). podendo levar a noção de símbolo a uma crise ou revisão. e de sua submersão num sistema capaz de reordená-los inteligentemente (que os habilita a constituir raciocínio e pensamento). Do lado das relações entre objetos. com todos os sentidos e implicações desse conceito. A visão da mente como uma rede neural supõe que haja símbolos (os objetos) e regularidades e padrões entre eles (as relações). dessa maneira.). de uma intencionalidade também específica e de uma regra dinâmica de reordenação inteligente: símbolos novos e inovadores formados por recortes mentais inteligentes de peças de símbolos intencionais prévios. seja cérebro). crenças. por ora entendidos como símbolos. advindos de um ou de vários neurônios. visto que os símbolos dependem: do conjunto de predisposições do sistema (seja computador.Questionar a relação desses símbolos (mentais e lingüísticos por excelência) com os sinais cerebrais (digitais ou analógicos). ou mover o dedo indicador) Outro modo freqüente é o da neuropsicologia que procura relacionar símbolos mentais com lesões focais no cérebro. etc. pág. Praticamente não há modelo de como os símbolos emergem no cérebro. uma complicada noção em jogo quando se pensa tanto nos tipos de objetos que a mente manipula como no tipo de ligações entre esses objetos. de sua submersão num sistema intencional (capacidade de representar desejos. senão pelas representações sensorias e motoras (perceber a cor vermelha e linhas horizontais. é tarefa para uma nova classe de modelos. simbolistas e cerebralistas. conectam símbolos dinâmicos. não necessariamente um processamento analógico. as relações. mostramos dois grandes enfoques possíveis para a relação da mente com o cérebro . Ambas. Os simbolistas são divididos em IAS e IAC. portanto. para isso. Os cerebralistas serão divididos posteriormente em dinâmica cerebral clássica (DCC) e dinâmica cerebral quântica (DCQ). que a noção de símbolo enquanto objeto mental pudesse sofrer crises conceituais. Era previsível. regularidades. E também que surgisse um terceiro tipo de abordagem da relação entre mente e cérebro.são constituídos por padrões cerebrais. as relações podem ser do tipo regras lógicas ou do tipo padrões/regularidades. Usaram. noutra. cerebralistas. Henrique Schützer Del Nero cap. mas certamente um processamento complexo baseado em aprendizado. também. no entanto. .11 Ciência cogniva e a nova mente podem ser símbolos ou subsímbolos) para desvendar a mente. Fig.símbolos . Numa seriam regras lógicas. regras (IAS) ou regularidades (IAC). objetos sobre os quais se debruçariam as relações do tipo regras ou regularidades. Mas nenhuma delas tocou na emergência dos símbolos no cérebro humano. e as relações entre objetos. voltado de maneira mais radical para a dinâmica cerebral de geração da mente. treinamento e busca de regularidades e padrões.41 − Duas classes de modelos quanto à relação entre objetos: simbolistas. mutáveis com o aprendizado e a experiência e submersos na linguagem e na intencionalidade. 188 Como vimos anteriormente.SÍTIO DA MENTE No esquema da Figura 41. pág. As redes neurais foram uma primeira tentativa de superar o fosso entre a mente e o cérebro (fosso que continuava a existir quando as regras eram lógicas). nos quais os objetos . nos quais os objetos são símbolos e. objetos de transformações inteligentes. A essa caracterização de intencionalidade e proposicionalidade chamamos de 189 Nos modelos cerebralistas do tipo dinâmica cerebral clássica . Claro que não se esclarece a natureza proposional. Em lugar de se lançar mão de regras lógicas e digitais e de regularidades obtidas em redes neurais artificiais. Isso é plausível porque. . Vê-se na Figura 41 (em oposição aos modelos de IAS e IAC que considero primitivamente mentais) que o objeto é cerebral. mas primitivamente mental. enquanto símbolos. assim como se fez com as regras lógicas ao transformá-las em regularidades. cronização (regularidades/padrões). portanto. O artifício para tratar dessa questão passa a ser radi-calmente diferente dos modelos simbolistas.Intencionalidade e capacidade proposicional são meios de descrever em linguagem mentalista e teorias melhor aparelhadas certas disposições do sistema nervoso de agir como se exibisse linguagem e intencionalidade essenciais. Henrique Schützer Del Nero Objetos mentais.modelo adotado nesse livro -. e a relação. advindos de potenciais locais e de potenciais de ação. tornando-se o resultado de padrões de oscilação de neurônios (códigos de barras. portanto. Uma tentativa genuína de unificação de discursos e uma teoria completa devem. neural por sin- SÍTIO DA MENTE Se a mente é a consciência. palco do mental. então a sincronização e a oscilação . da mente e da intencio-nalidade. não só no que tange às relações mas também aos objetos. fixa-se uma norma única de base neural para descrever objetos e relações. pág. são tratados matematicamente de modo a captar regularidades tanto na representação dos objetos quanto na relação entre eles. a idéia de sincronização e de freqüências compatibiliza-se com achados acerca da gênese da consciência. Tanto o objeto quanto a relação estão definidos numa linguagem cerebral.será de sincronização. os símbolos são oscilações e as relações entre eles. o que redunda em manter o cérebro e a mente dissociados.11 Ciência cogniva e a nova mente Fortemente dependentes da linguagem. sincronizações. não apenas questionar o processo de relação entre objetos como também definir cerebralmente que objetos são esses que servem de base para a mente. de fluxo de sangue e de metabolismo de substâncias. Por mais que se tente. no sentido de freqüências de disparo neuronal (padrões coletivos). ao aproximá-los do cérebro. apresentam muitos problemas de tradução (e. Esse cérebro emite sinais que. porém.oscilações . é preciso aproximar os símbolos da dinâmica cerebral. Os símbolos devem deixar de ser digitalizados e envoltos pela linguagem.podem ligar objetos e relações do plano cerebral ao mental. de conexão) em linguagem cerebral.conceitos cerebrais . os símbolos constituem conceito rico. cap. não se encontra similar cerebral para eles. freqüências). olha-se para o cérebro em ação. Para que se faça a ruptura definitiva. além de trazer o estilo de processamento mental para mais perto do cérebro. A relação entre os símbolos . nem intencional dos símbolos. Cada nível tem uma linguagem e um sistema teórico melhor aparelhados para descrevê-lo. A linguagem. de consumo de oxigênio. podese começar a mapear objetos dinâmicos (nossos antigos símbolos) e relações dinâmicas. vêem-se regras no lugar de regularidades. de fluxo sangüíneo). por trás de cuja desordem ou até aparente aleatoriedade (caos) pode haver. pelo concurso da linguagem. isto é qualificada exteriormente e não interiormente − auto-derivada − como se fosse propriedade específica de cérebros. das bifurcações. proposições. Essa estrutura. Podem-se captar imagens dinâmicas através de ressonâncias nucleares magnéticas funcionais (RNMf) e de tomografias por emissão de pósitron (PET scan). Mas esse outro modo de olhar e modelar o cérebro-mente (modelos cerebralistas). uma ordem oculta e determinada por estruturas. Fundamentalmente. sempre exigirá que certas explicações sejam dadas nos modelos simbolistas. A matemática e a física entram agora no lugar da lógica para aparelhar a análise desses sinais e dessas imagens.SÍTIO DA MENTE O fazer científico requer que se delineiem planos e hierarquia. permite que se associem objetos e relações a determinadas distribuições de freqüências. no entanto. pág. Subindo-se um pouco na hierarquia. . Apresentam.18 cap. é uma das ferramentas que se utiliza para encontrar a estrutura matemática que se esconde sob a bagunça de sinais e padrões caóticos cheios de ruído.11 Ciência cogniva e a nova mente hetero-derivada. as oscilações e o sincronismo transmutam-se em intenções. A relação do cérebro com a mente é problema de diálogo intraníveis. bem como certas peculiaridades qualitativo-topológicas. pode-se dizer que há no cérebro oscilações e sincronização. No plano dos símbolos. uma estrutura interna que os torna muitas vezes previsíveis. Pode-se captar atividade elétrica através de eletroencefalogramas (EEG) e de magnetoencefalogramas (MEG). seja captando imagens de funcionamento (através da detecção de padrões metabólicos. A teoria do caos. principal artífice da mente. Henrique Schützer Del Nero Investigação de objetos e relações cerebrais Alguns sistemas são complexos e sujeitos a intervalos de comportamento muito irregular e caótico. Seja captando sinais elétricos. interníveis e também inter e intralinguagens que descrevem cada plano. etc. através de regras ou regularidades. encontram-se regularidades em lugar de sincronização. baseado numa dinâmica de oscilações e sincronização (no caso dos modelos cerebralistas 190 Os métodos de investigação empírica dos fenômenos que subja-zem às oscilações (símbolos) e à sincronização (relações) são diversos. Um pouco mais acima. como mostra a teoria qualitativa de sistemas dinâmicos. Talvez não. constitui a concepção que mais chega perto da verdadeira natureza do sistema nervoso. Talvez a dinâmica cerebral seja no futuro o modo de ver na intimidade os processos descritos pela IAC e pela IAS. Cortada a madeira. O pensamento. Mas se oferece um paradigma de ligação entre eventos cerebrais e mentais. caos e ruído absolutos. quer na constituição de seus objetos. identificando padrões de ordem. por regularidades (IAC). e o terceiro. Ambos os processos .SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A dinâmica cerebral é formal. Em outro plano. parece estar aí a razão que embasa o surgimento da mente no cérebro e que permite que se replique o processo em máquinas. e sincronizações e consciência. devem ser modelados através de regularidades. do cérebro e de uma definição plausível de como o padrão analógico faz a mente emergir. Sabemos que as placas de diversos tamanhos e espessuras são dadas previamente no sistema. no caso da IAS. no caso da dinâmica cerebral clássica. constituindo símbolos. como também o surgimento de símbolos é complexo. ainda está distante de poder operar em larga escala na solução de problemas para os quais a concepção discreto-digital já tem soluções aceitáveis. cap. não apenas as relações entre objetos é função complexa a ser investigada. não sendo necessariamente modelos práticos. pág. Não confundir o problema prático da modelagem com o problema básico do paradigma de unificação é crucial. No exemplo da marcenaria. Para efeito prático. Do ponto de vis- 191 A concepção central deste livro repousa nessa maneira de enxergar o problema (modelos cerebralistas. no caso da IAC. O primeiro se dá por regras (IAS). sica). Essa dinâmica é um modo de analisar sinais e imagens do cérebro. há três etapas para se entender o funcionamento mental. é com elas que se terá de construir instrumentos. há três modos de encaixe. para tratar de problemas específicos. padrões estáveis em sistemas complexos após treinamento. Porém. o raciocínio e os planos seriam decorrentes do objeto pronto: cadeias de inferências lógicas. e na sincronização de subobjetos (ou objetos primários). Modelos de dinâmica cerebral visam ao espectro doutrinário da relação entre o cérebro e a mente. na sincronização de objetos. Em função disso. De qualquer forma. Cortar a madeira em peças − um processo sofisticado e sujeito ao aprendizado e à experiência − constitui os objetos primários (partes).11 Ciência cogniva e a nova mente clássicos). matematizável. Nela. quer em suas relações. . o segundo.estão calcados na dinâmica analógica dos neurônios. no presente momento.a forja de padrões simbólicos e a relação entre eles . em particular aqueles que chamamos de dinâmica cerebral clás- Não se resolvem com esse modelo vários problemas da mente já submersa num sistema ligüístico-simbólico. estabelecendo relações. por um tipo peculiar de sincronização entre as partes anteriormente cortadas (modelos cerebralistas clássicos). de freqüência e de sincronização no que parece ser desordem. certos problemas devem ser modelados através de regras. no entanto. . pág. Algumas formulações para sua superação: 192 A noção de que a mente e o computador manipulariam símbolos através de regras remonta. Isso significa que muitas questões tornamse insolúveis através de passos computacionais. Ou seja. mas o da verossimilhança e da proximidade entre a mente e o cérebro com o menor número de barreiras entre os dois. SÍTIO DA MENTE De maneira geral. Esses sistemas são feitos de conjuntos de regras e a idéia de computação nada mais é do que fazer com que as regras se apliquem a símbolos. Isso gera algumas limitações extremamente interessantes em nosso exame das acepções da mente e da sua relação com o cérebro. o modelo quântico é uma formulação complexa que advém da crise do modelo discreto-digital em termos de completude. da incompletude). As principais razões que estão por trás desse problema são descritas pelo lógico Kurt Gödel (nota 12 do cap. à idéia geral da máquina de Turing. A crise da completude e a dinâmica cerebral quântica O problema é absolutamente radical na medida em que a consciência é capaz de reconhecer como verdadeiras (como é capaz de exibir o que chamamos de intuição matemática) sentenças que não podem ser provadas pela computação mental (sujeita ao problema da parada. os sistemas que conhecemos são. aquela que fará surgir uma dinâmica cerebral quântica. questões muito precisas e tão simples como calcular uma soma que podem gerar uma parada na máquina de Turing que as está computando.11 Ciência cogniva e a nova mente ta do direcionamento da pesquisa teórica e da reflexão sobre como a mente surge do cérebro.o da dinâ-mica cerebral clássica. em paradigma tanto para máquinas quanto para mentes (concepção do neurônio como aparato discreto-digital). como vimos. Ao contrário do modelo que proponho neste livro . não é o pressuposto da eficácia que deve imperar. incorporam sentenças verdadeiras que não podem provar.4. Há. devemos examinar uma última crise na noção discreto-digital. como na máquina de Turing. O problema da incompletude e da parada é mais uma causa da crise da concepção discreto-digital da mente (esse problema não se aplica aos modelos analó-gicos. cap. incompletos. que mostra que há proposições verdadeiras que não podem ser provadas através da computação de regras escritas num certo programa (isto num sistema axiomático).e que surge em resposta à crise dos símbolos. esta seria capaz de computar qualquer sistema de sentenças e regras. Henrique Schützer Del Nero Antes de avançarmos. 10). assim. em grande parte. o que constitui mais um ponto a seu favor). assim chamada por utilizar ferramentas da mecânica clássica para tratar o espaço de sinais cerebrais (oscilações e tipos de sincronização) . Em princípio. constituindo-se. 20 matemático inglês que lhe deu o arcabouço lógico-matemático. Parece. Para os limites deste livro basta a explicação acima. Qual é o sistema na natureza que é não-algo- A tese está toda aí. tal concepção faria da consciência e da comunicação com a mente terceirizada as fontes de solução de problemas desse tipo.19 . além de não estarem relacionados com a consciência no ser humano.11 Ciência cogniva e a nova mente 1) a mente seria formada de múltiplos sistemas e a cada vez que um apresentasse problemas de parada ou de incompletude. e sim de uma dinâmica quântica. De outro lado. que computa símbolos através de regras. Assim. um pouco forçada porque há outros fenômenos quânticos em vários pontos da natureza e nem por isso supomos haver consciência neles. trata-se de uma área muito estudada e que representa 193 Essa idéia pode ser resumida da seguinte forma: se um sistema é capaz de gerar proposições insolúveis que sabemos serem verdadeiras ou falsas. ser não computacional significa ser não-algorítmica (processo discreto através do qual definimos as regras claras de direção para o sistema. rítmico? Uma situação específica da física quântica. a base fundamental da mente seria uma dinâmica. Logo. Além disso. Porém. De qualquer forma. então a consciência é não computacional. pequisadores do cérebro. surgem também nos animais que não acreditamos capazes de reconhecer se são verdadeiras sentenças insolúveis. descobriram fenômenos quânticos no nível dos microtúbulos neuronais (estruturas existentes no interior dos neurônios). e nesse sentido falamos de uma dinâmica cerebral. então nossa consciência tem algo que esse sistema não tem. mas de uma visão do cérebro como máquina quântica. supostamente discreto-digital. outro (o nível acima) os resolveria. como Stuart Hameroff. então ela é não-algorítmica. Se a consciência faz algo que os sistemas computacionais não fazem (devido à parada e à incompletude). não mais no sentido de aplicação de certos modelos analógicos à análise de sinais e imagens. a base da consciência e da mente em geral deve estar em algum processo quântico que se passa no cérebro. Os microtúbulos estariam presentes em neurônios que. Henrique Schützer Del Nero 2) outra saída seria o apelo à solução individualizada de casos especiais. no caso uma máquina de Turing). formulada basicamente por Roger Penrose. pág. a física quântica requer um série de outras condições presentes que não parecem estar contempladas no processamento de sinais no córtex cerebral. O istema é uma versão de mente. cap.SÍTIO DA MENTE 3) a terceira solução é a mais complicada e relaciona-se com a idéia de dinâmica cerebral. aos meus olhos. base da consciência. Se computar símbolos através de regras é a base da mente e se a consciência é capaz de fazer algo que a mente não faz. mas não mais de uma dinâmica da física clássica. a mecânica estatística. seja talvez provisório. se concede terreno ao acaso. . embora exiba aparentemente desordem e acaso. Henrique Schützer Del Nero Podemos agora completar nosso quadro de dinâmicas cerebrais. estão aqueles que supõem que haja fenômeno quântico por trás da consciência e outros que simplesmente usam a matemática da física quântica para analisar sinais e imagens (Fig. rompe com as regras e com os símbolos. está a concepção de processamento analógico via sincronizações. Isto é. A concepção de uma mente baseda em regras não faz apelo ao acaso. Há uma ordem determinista forte ou mitigada que subjaz ao sistema nervoso. A dinâmica cerebral clássica segue por esse caminho. Nos clássicos. oculta. O acaso na dinâmica cerebral clássica é provisório. na verdade. parente da ignorância. na dinâmica cerebral encontramos sistemas clássicos e quânticos. É bem verdade que sua tranformação em redes neurais concede terreno ao acaso. chamo-a de dinâmica cerebral clássica e nela situo toda minha argumentação. SÍTIO DA MENTE Como uma última consideração acerca dos vários modelos. às vezes. Por isso.A teoria de sistemas dinâmicos.21 Acaso genuíno ou provisório ? cap. Havendo problemas também com a noção de símbolo. uma estrutura de ordem. que defendemos neste trabalho. pág. usa a teoria de sistemas dinâmicos.11 Ciência cogniva e a nova mente uma guinada para a dinâmica cerebral advinda de uma crise da concepção discreto-digital. 194 Fig. condição teórica da busca de leis de funcionamento cérebro-mental e também base de uma psicopatologia científica. o acaso. Nesse sentido usa. Porém. se não conheço todas as variáveis e parâmetros de um sistema. deve-se falar do acaso. portanto. somente o faz por incapacidade de conhecer totalmente um sistema. às vezes. as bifurcações e a noção de caos são absolutamente compatíveis com um universo que. Nos quânticos. Se na concepção da manipulação de sím-bolos encontrávamos regras (IAS) e regularidades (IAC). vou formular uma aproximação capaz de tratá-lo. mas de uma variedade compatível com o determinismo: podemos não conhecer todas as variáveis e. 42).42 − Dois tipos de modelos cerebralistas: a) dinâmica cerebral clássica (DCC) e b) dinâmica cerebral quântica (DCQ). cap. que não há necessariamente sinonímia entre simbólico/serial e neural/paralelo. que pode supor relações por regras ou por regularidades. contudo. a percepção e os sentidos − teriam um estilo de processamento do tipo rede neural (IAC). que pode supor relações clássicas ou quânticas. Essa é a interpretação mais aceita para a mecânica quântica. ora com regularidades (IAS + IAC). a quântica. teremos de imaginar que não há determinação clara para nossos pensamentos e que a vontade não passa de “pulo do acaso”. Não haverá liberdade para além da determinação e da estrutura do sistema. é uma concepção compatibilista que postula que certos processos cerebrais primários − por exemplo. ou mais explicitamente às formulações que a ciência cognitiva trouxe neste século para o problema da relação da SÍTIO DA MENTE Chamaremos de sistemas híbridos todos aqueles que reúnam as posições anteriores ou que. desconhecimento. Se o acaso for essencial. Haverá direção na razão. Vimos. mas que o faz ora com regras. uma série de visões da mente se superpõem às anteriores. alguns conceitos podem juntar-se a essas quatro grandes correntes. Um argumento a favor dessa proposição advém do fato de que usualmente as redes neurais processam em paralelo. Na verdade. enquanto as arquiteturas simbólicas computam em série. Nos atuais estágios de pesquisa. devemos falar rapidamente de algumas áreas que não foram citadas. e o dos cerebralistas. parte integrante do sistema mental e da consciência. de qualquer forma. o acaso será apenas ignorância. Não se constituem território novo que devesse gerar uma nova classificação. há dois grandes meios de se ver a mente: o dos simbolistas. . mente com o cérebro. embora apresentando algumas diferenças. Bastam as quatro anteriores: simbolistas (de regras e de regularidades) e cerebralistas (clássicos e quânticos).Sistemas e modelos híbridos O sistema híbrido por excelência é aquele que manipula símbolos. pensarmos num sistema que é clássico. possam ser classificáveis nos quatro níveis propostos. 195 Para terminar esse item dedicado à cognição.11 Ciência cogniva e a nova mente A última forma de dinâmica cerebral. insere o acaso genuíno no cerne do processo. E isso terá importância crucial na última parte deste livro. Mas. Henrique Schützer Del Nero De modo sucinto. no entanto. ao contrário. A mente analógica é cerebralista e clássica. pág. mas a vontade não nos poderá levar aonde queira. Chegando. Se. quando formos tratar de alguns dos impasses da mente na cultura atual. seria preciso apelar a regras para que se pudessem captar certas propriedades dos sistemas. à consciência e às manipulações lingüísticas. Caso da Figura 45 ampliado.Módulos mentais com processamento interno de tipo rede neural (IAC). em que a mente seria dividida em módulos especializados. isto é. Entre os módulos o processamento se daria no estilo da inteligência artificial simbólica (IAS). Henrique Schützer Del Nero Uma arquitetura híbrida muito mais plausível seria constituída de três partes. perceberá que essa idéia não escapa da visão simbolista. A sincronização seria o evento cerebral que estaria por trás de um 196 Em princípio. Entre símbolos haveria uma relação do tipo rede neural. tanto a rede neural como a computação com regras seriam duas abstrações que se superporiam progressivamente a padrões estabelecidos de sincronização entre populações de neurônios. Entre módulos haveria uma relação do tipo inteligência artificial simbólica. 43). como aparece na Figura 44.11 Ciência cogniva e a nova mente De qualquer forma. cap. baseada em regras lógicas Aqui. tem-se perseguido um modelo híbrido. 22 que chegou a propor um modelo de mente modular e de gramática para o mental (linguagem do pensamento) (Fig. O processamento seria do tipo regularidades dentro dos módulos e do tipo regras entre os módulos. . essa concepção compatibilizaria o cérebro e a mente.43 . Fig. Porém. Dentro do módulo mental haveria a constituição de símbolos através da dinâmica cerebral clássica.44 . misto de rede neural e manipulação por regras. juntando os pontos bons dos dois modelos. os símbolos estão ali e não há explicação para sua geração pelo cérebro.SÍTIO DA MENTE Fig. se o leitor olhar para o nosso quadro. Um dos grandes defensores dessa idéia é Jerry Fodor. pág. Trataremos brevemente desses métodos porque podem estar encaixados em uma das quatro grandes correntes. lógicas que operem com contagens de indivíduos do tipo “alguns”. embora tudo esteja construído de modo a enfatizar o primeiro e mais fundamental passo da cadeia que é o processamento cerebral analógico. como na rede neural. da mente e de sua replicação em sistemas artificiais. ainda. Algoritmo genético pág. É possível fazer uma série de alterações nela e usar as novas formas para simular e entender a mente.SÍTIO DA MENTE Essa arquitetura híbrida incorporaria três das grandes classificações da mente. “a maioria” (e não “ todos” ou “ algum” ou “nenhum”). não análogas às redes neurais. Henrique Schützer Del Nero Outros hibridismos lógica clássica. . como se fossem animais sujeitos à seleção natural. então: lógicas paraconsistentes. a chamada Uma outra forma de criar regras de conexão entre objetos é estabelecer uma regra de competição entre hipóteses. O macrossímbolo formado teria relação do tipo regra lógica com outro macrossímbolo. lógicas probabilísticas e lógicas nãomonotônicas. Lógicas 2. acoplamse a algum modelo já conhecido (mais comumente. Os elementos num algoritmo genético sofreriam reprodução e mutação. não é a única. “é provável que”. A regra seria de adaptação e sobrevivência e a organização iria surgindo da interação com o problema. não havendo nem regulação prévia nem treinamento. às redes neurais) no afã de aperfeiçoá-lo. criando formas que competem sob a lógica da seleção neutra. Algumas ferramentas têm sido utilizadas na compreensão do cérebro. A lógica exposta no paradigma simbólico. Criam-se. Na verdade. embora implementáveis através delas. “muitos”. Há lógicas. Chamamos de outros hibridismos pelo fato de que às vezes surgem como explicação isolada. uma norma aleatória de produção de muta- 197 1.11 Ciência cogniva e a nova mente primeiro símbolo que a rede neural relacionaria através de suas regularidades. em que a regra de conexão também tem penetração parcial (isto é. Trata-se de lógicas nebulosas (fuzzy). como em qualquer fenômeno genético e natural. cap. porém. no mais das vezes. apesar de apresentarem peculiaridades que fazem do modelo resultante um híbrido. lógicas que tenham mais de dois valores de verdade (além do 1. ela exemplifica a posição deste livro. Há. 0) ou que tenham operadores do tipo “é possível que”. deixando de lado apenas a dinâmica cerebral quântica. há uma possibilidade de relação não estrita). usadas para resolver relações que não estão bem determinadas pelas regras. de caos no cérebro ou de caos na literatura. 3. o que faz supor que o nexo de causalidade entre os eventos não existe. No fundo. essa área tem sido chamada de ciência da complexidade. de geometrias.SÍTIO DA MENTE De modo geral. estou mais perto da noção de comportamento quântico do que quando falo de uma “empresa quântica”.24 cap. portanto determinista. com o uso sem aspas da noção de turbulência no mercado de capitais. nesses casos. cujo estudo requer o apelo a uma série de áreas de interface formal. Assim. estudar um conjunto de palavras ditas por um indivíduo numa determinada situação com uma ferramenta física ou matemática. No córtex motor a distribuição de influências de n neurônios sobre um seguinte é gaussiana. podemos encontrar um trabalho que trata da mente de um investidor e que analisa a dinâmica do mercado de capitais de risco através do uso de formalismos da teoria de turbulência dos fluidos. de topologia. Com o uso de instrumentos sofisticados físico-matemáticos. Quando me refiro ao comportamento quântico de um elétron. de sólitons.Teorias matemáticas e físicas apenas como instrumento.25 5. Às vezes.11 Ciência cogniva e a nova mente ções e uma seleção através da necessidade que escolhe a forma mais apta. No córtex associativo essa distribuição é de tipo Poisson. Podemos. pág. Porém. Sistemas especialistas Embora não constituam exatamente uma classificação 198 Henrique Schützer Del Nero Podemos usar uma infinidade de teorias matemáticas e físicas para analisar qualquer porção da mente ou do cérebro. É muito importante que o leitor saiba distinguir dois planos fundamentais em ciência. Grandes avanços podem surgir desse estilo de análise do sistema nervoso central. Nesses casos. Quando se mostra um certo comportamento “turbulento” no mercado de capitais. Às vezes. embora tenham diferenças extremas. a ciência é toda feita dessas abstrações e alegorias. estamos usando um método Vários métodos têm revivido o estudo de dinâmica de sinais. Cuidado. procurando alguma regularidade ali. estamos falando de um método que descreve a essência de um processo. Quase todas essas ferramentas partem da pressuposição de que tanto o cérebro como a mente são sistemas complexos. de caos. etc. O mesmo vale para sinais e imagens cerebrais. por exemplo. que tem nexo de causalidade com o disparo do neurônio seguinte. pode-se perceber uma flutuação na distribuição. São alegorias ou abstrações de método e assim devem ser entendidas. de turbulência.23 . estáse mostrando apenas que o formalismo que trata turbulências em fluidos é genérico e universal o bastante para se aplicar a outros sistemas complexos. de álgebras de operadores. temos a aplicação de teoria de campo. algumas estão mais próximas e outras mais distantes da concepção que as gerou. supostamente aleatória. de wavelets. 2 cap. em princípio. esses sistemas merecem ser comentados. Não tanto para saber se a mente opera dessa ou daquela maneira. Uma das grandes tarefas da modelagem da mente tem sido prever como as pessoas aprendem e como especialistas resolvem problemas específicos que novatos resolveriam de maneira diferente. Mede-se − em bits. o outro. menos informação contém. no caso de Shanon. partindo do estudo do estilo de pensar e de decidir de especialistas. porque muito confundida com a noção de informação-conteúdo. que regra usou. Há dois modos de medir a informação do ponto de vista matemático. às vezes. e por isso coloca esse item aqui. usando-se como professor um indivíduo que nem sempre sabe dizer 6. Um deles se serve da física clássica (mais especificamente da termodinâmica). Nesse caso. como todos sabem. trafegue por um canal e chegue ao receptor. às vezes também se perverte nesse meio. e em outras escalas. há um risco que. estará na base de todo o processo computacional. portanto. pode não ser captado por regras. mas para construir um sistema artificial que opere o mais próximo possível de uma mente inteligente e especialista. Tem. do formalismo da quântica.SÍTIO DA MENTE A noção de informação é uma abstração matemática. seja ele baseado em regras ou não. No entanto. mas que foi bem-sucedido nos empréstimos que deu na vida. Surgiu com Shannon27 e com Gabor28. A informação. O que é interessante. uma medida de probabilidade de acontecimentos. . O sistema resultante será a conjunção de algumas regras e de alguns padrões ou regularidades (híbrido de IAS e IAC). Henrique Schützer Del Nero O sistema especialista consiste numa arquitetura artificial que. 7. Esse risco é quantificado através do treinamento de uma rede neural. Os bancos podem ter várias regras para isso. Teoria da informação pág. usa-se uma conexão de tipo regularidade ou se faz apelo a outras lógicas. que faz parte da história do estudo da mente. Cibernética A ciência cognitiva agrega à cibernética a concepção 199 Um sistema especialista interessante é aquele que analisa os riscos de concessão de empréstimos bancários. mas. Tanto mais provável um fato. no caso de Gabor − determinada probabilidade de que uma mensagem seja escolhida numa fonte. é que muitas vezes o especialista não segue uma regra nem se consegue descobrir nenhuma regra por trás de suas atitudes.11 Ciência cogniva e a nova mente à parte. além de fazer dela excelente metáfora para o cérebro. monta um conjunto de regras que simulam seu comportamento em certas situações. uma generalidade que a torna necessária nos computadores e nas telecomunicações. o que significa que o sistema especialista pode ser um aparato artificial que lança mão de uma série de artifícios já citados tanto nos quatro grandes modelos quanto nos híbridos. daqueles que estão próximos. que seriam uma forma de explicar a biofísica de processos de organização nos seres vivos. é um modelo físicomatemático de descrever alguns fenômenos que exibem transições de fase. quando trabalha com a locomoção. Como exemplo prático podemos citar o funcionamento de uma colônia de robôs sem um controle central e na qual os robôs aprendem a cooperar entre si. Deve-se a Prigogine 30 o grande impulso aos trabalhos nessa área. em particular. flutuações de energia em sistemas termodinamicamente abertos e longe do equilíbrio que. Isso pode servir de paradigma. O exemplo clássico é o Jogo da Vida. em outro momento. gerariam novas formas de organização − auto-organização devido à ausência de agente externo que a gere e coordene. sujeitos a trocas de energia com o meio e distantes de seu ponto de equilíbrio.29 . a teoria das catástrofes. manutenção da vida e morte.32 200 Trata-se do estudo de sistemas complexos. de alças de alimentação positiva e negativa desse controle. podendo aparecer formas de cooperação entre os autômatos. bem como o foi. Os autômatos celulares são formas autônomas regidas por regras determinadas. O comportamento emergente é semelhante aos seus análogos naturais. Termodinâmica de não-equilíbrio das trocas de íons entre os meios extra e intracelular cap. a ciência mental está fazendo uma neocibernética e.31 10. Colocando-se grãos de areia numa pilha há um determinado momento que um único grão gera uma avalanche. tanto para casos de reações químicas que passem a exibir padrões regulares. Essa disciplina dos anos 50 é uma das grandes contribuições para o estudo dos fenômenos biológicos e artificiais de controle. Deve ser citado aqui pela importância que o trabalho de Per Bak conquistou nos ultimos anos. Autômatos celulares pág. a interação entre eles resulta em comportamentos bastante complexos. como se fossem um bando de animais ou uma colônia de células de um tecido. A noção ampliada de controle voltará ao debate na parte final deste livro. Apesar de os autômatos possuírem regras bastante simples de funcionamento. de processo de controle no tempo.11 Ciência cogniva e a nova mente de mente. Criticalidade auto-organizada A criticalidade auto-organizada. mas que são afetadas por estados de outros autômatos. através das noções de órgão controlador. no qual os autômatos possuem regras de nascimento. na medida em que lida com processos no tempo sujeitos a certa forma de controle. quanto para explicar como mentes surgem da auto-organização de elementos cerebrais no nível biofísico das membranas e 9.SÍTIO DA MENTE Pode-se até mesmo dizer que. por uma mínima perturbação. quando investiga a mente. remete-se a seus conceitos biológico-matemáticos. Henrique Schützer Del Nero 8. esse modelo propõe que. Argumenta que a classe de equações diferenciais que tem solução é pequena. O paradigma é de auto-organização. Cinergética . Darwinismo neural Área bastante nova que. embora se possam citar alguns tópicos que dão o colorido multidisciplinar e inovador da empreitada: construção de robôs reais. também modelos de computação em nível celular. é sucessora ampliada da inteligência artificial. O autor propõe uma forma de redução horizontal. Do ponto de vista filosófico. mais que aprender. selecionaria rapidamente grupamentos de neurônios mais aptos a enfrentar determinados problemas.34 13. o surgimento de novas formas estáveis de organização. Não existe um paradigma unificador na área. A vida artificial procura sintetizar conhecimentos biológicos oferecendo modelos matemáticos que possam auxiliar na compreensão de fenômenos como desenvolvimento. Henrique Schützer Del Nero Cinergética é o nome de um movimento que basicamente aplica noções matemáticas e particularmente de caos. embora descrevendo diferentes fenômenos. Essa maneira de encarar o problema mostrando uma estrutura matemática básica que descreve diferentes sistemas tem outras formulações mais contemporâneas chamadas de universalidade. de uma certa forma. utilizando-se para isso do AMP cíclico. isto é. que aprendem submersos num ambiente natural. podendo estar presente tanto numa lei que descreva o crescimento de células quanto noutra que descreva um fenômeno econômico de oferta de moeda e taxa de inflação. A formulação de Edelman é elegante e vem acompanhada de alguns modelos computacionais. pela dinâmica do sistema. de teorias que.11 Ciência cogniva e a nova mente 11. de teorias de campo. procura trazer para a arena experimental uma série de questões antes consideradas “óbvias” por princípio ou por experiências de pensamento. 36 201 Proposto por Gerald Edelman. podem ser perfeitamente identificados com uma busca por unidade entre seres biológicos e réplicas digitais ou analógicas.35 cap. ao estudo do cérebro. Teoria geral dos sistemas A toria geral dos sistemas foi formulada por von Bertalanffy.33 lações de neurônios que competem entre si para resolver os problemas que se impõem pela circunstância. sem supervisão externa e sem instância controladora. O cérebro. interação e constituição de sociedade e cultura. Vida artificial pág. podem ter a mesma estrutura matemática de solução. há. há uma seleção natural entre popu- 14. descrevendo um processo no qual. adaptando-se dinâmicamente às transformações do meio e da microssociedade em que vivem. na verdade.SÍTIO DA MENTE 12. isto é. a elasticidade pode mudar. por exemplo − influenciam o comportamento do sistema ao longo do tempo. grandezas físicas que variam com o tempo (variáveis).11 Ciência cogniva e a nova mente Sistemas dinâmicos. em sua descrição matemática. São incontáveis os artigos que apontam caos nos mais diferentes fenômenos. seja a geração de palavras num texto literário.SÍTIO DA MENTE Basicamente. porque a ciência faz modelos de modelos. as diferentes condi- A descoberta de caos em sistemas determinísticos e clássicos é fundamental. regidos por uma lei descrita sob a forma de uma equação matemática que prescreve o comportamento do sistema dadas as condições iniciais e os parâmetros). o que não ocorre nos nãolineares). Pode haver caos nos modelos matemáticos que descrevem modelos de cérebro (cuidado. podem. com o tempo. bifurcações e oscilações . que se diferenciam dos lineares por não obedecerem ao princípio de superposição (nos sistemas lineares é possível dizer que f(a) + f(b) = f(a + b). cap. considera-se a variável de distensão algo que varia numa escala pequena de tempo. seja a secreção de hormônios. podem apresentar sensibilidade às condições iniciais. de um modelo de 202 Pense numa mola sendo puxada. ções iniciais − a força que se aplica e o estado de distensão da mola naquele momento. diante de mínimas variações nas condições iniciais. Henrique Schützer Del Nero A inserção de um tópico acerca dos sistemas dinâmicos visa a fornecer uma explicação um pouco mais detalhada do ferramental físico-matemático que uso neste livro para construir a hipótese teórica de formação da consciência a partir da sincronização de populações de neurônios. tendo revolucionado o cenário científico e também a visão leiga dos fenômenos. Existe uma equação que descreve a relação entre a força aplicada na mola e sua distensão ou compressão. Por isso. se entende por caos nos sistemas físicos clássicos (isto é. Metáforas são bem-vindas desde que corretamente situadas. A elasticidade da mola é um parâmetro que deve ocorrer naquela equação. Perceba que. regidos pela física clássica) e deterministas (isto é. sistema dinâmico é todo sistema que tem. em geral. Chama-se o fenômeno de variação de certas grandezas de dinâmica rápida e a variação dos parâmetros de dinâmica lenta. Essa sensibilidade é o que. exibir comportamento radicalmente diferente. de tanto puxar e comprimir uma mola. pág. Uma mola menos elástica precisará de uma força maior para ser distendida. embora possa também sofrer variações. Os sistemas não-lineares. seja a bolsa de valores. A elasticidade é um parâmetro. permanecendo fixo por muito mais tempo. Definido um sistema dinâmico. modelos do cérebro e de sua relação com a mente. o mesmo comportamento qualitativo. embora ligeiramente diferentes. com o passar do tempo suas trajetórias podem se tornar absolutamente diferentes. no limite. dizer que. A equação que descreve o comportamento do pêndulo é não-linear e. fará com que o pêndulo pare em maior ou menor tempo. Caos é. Isto é. sujeita à sensibilidade das condições iniciais. Tome-se um valor de atrito positivo e agregue-se a ele um número de valor muito baixo. o sistema continuará a se comportar qualitativamente da mesma maneira. Se. Em ambos os casos. ao lado da noção de caos.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Se o atrito no caso do pêndulo for positivo. gerando por isso um poderoso artifício conceitual de análise: quando se vê desordem em algum plano. Igualmente se o atrito fosse negativo (o que no caso do pêndulo simples é apenas um exercício de imaginação) o pêndulo tenderia a lentamente aumentar o valor da oscilação. Mas há um conceito extra que pode ser fundamental − o conceito de bifurcação. maior ou menor. o pêndulo parará. do ponto de vista quantitativo. com o tempo o pêndulo tenderá a parar. A situação muda no 203 Alguns outros conceitos devem ser aprendidos para que. porque o ar opõe resistência à oscilação −. tenhamos algumas outras capazes de permitir o entendimento de certos Voltemos a um exemplo básico. além da possibilidade de que esse mesmo fenômeno exiba comportamentos ricos e diferentes para condições extremamente próximas. pode perfeitamente ser o caso de existir uma estrutura de ordem por trás dessa desordem. todos eles geram. metaforicamente. portanto. Se o atrito sobre o pêndulo for positivo − que é o caso mais real.11 Ciência cogniva e a nova mente cérebro formulamos um modelo matemático que descreve certas propriedades do anterior). cap. qualquer valor. como na evolução do índice da bolsa de valores ou na evolução do potencial de ação sob a forma de código de barras. o pêndulo oscilará para sempre. . Isso é válido também para o caso do atrito negativo. Sensibilidade às condições iniciais seria. para muitos autores. Se o atrito for zero. dadas as condições iniciais quase idênticas de dois gêmeos univitelinos. como uma gangorra que vai ganhando altura). um número pequeno é somado a um valor negativo de atrito ou subtraído dele. embora possa haver atrito grande ou pequeno. sensibilidade às condições iniciais. Não tem sentido usar literalmente a palavra “caos” como se se estivesse dizendo que o cérebro é uma desordem. Caos significa uma maneira de enxergar sistemas físicos atribuindo ao acaso um estatuto de ignorância provisória acerca de todas as variáveis e parâmetros que descrevem um fenômeno. pág. Imagine um pêndulo que oscila durante o tempo. Ordem por trás do aparentemente aleatório é a grande razão de se investir pesadamente na procura de caos determinístico onde parece haver apenas ruído e acaso. chamamos esse valor do parâmetro (nessse caso o valor zero de atrito) de valor de bifurcação. O caos que pode surgir de uma cascata de bifurcações é. jamais à variação quantitativa que ocorre sempre que mudo. a partir da equação e de seus valores. respectivamente. Ora. Mínimas perturbações num valor de parâmetro no regime caótico não mudarão sua característica caótica. surge a instabilidade estrutural. mesmo que um número ínfimo seja somado ou subtraído ao valor zero. mas acima ou abaixo.11 Ciência cogniva e a nova mente caso de atrito zero. pois há vários tipos delas) é responsável pela geração de duas soluções. pág. de 4 para 8 e assim sucessivamente. falamos em valores ordinários de parâmetro. acima ou abaixo. sendo por isso previsível seu comportamento. Para esse valor o pêndulo oscila para sempre. acréscimo de oscilação até o infinito (casos de atrito negativo) e oscilação harmoniosa e perene. isto é. Isso não implica que haja uma encruzilhada. cap. auto-sustentada. No caso do valor de bifurcação. em geral. mesmo que valor muito pequeno. Essa cascata de bifurcações é uma das rotas de um sistema para o caos. no caso de não-variação no comportamento qualitativo do sistema diante de uma mínima perturbação. no valor do parâmetro. ainda que minimamente. abaixo de zero. gera uma multiplicação dos períodos. Preste atenção num conceito final: se para valores ordinários o sistema exibe estabilidade estrutural. Um sistema como o do pêndulo. nas regiões de valores ordinários de parâmetro exibe a propriedade chamada de estabilidade estrutural. com alternativas voluntárias. estável estruturalmente. devido à mínima perturbação para cima ou para baixo. há uma brusca mudança de comportamento qualitativo. diz-se que o sistema exibe instabilidade estrutural (conceitos − instabilidade e estabilidade estrutural − relativos. Temos. ao longo de muito tempo o pêndulo tenderá a parar. no caso de bifurcação no valor de um parâmetro. três comportamentos qualitativos diversos para o parâmetro atrito: decréscimo de oscilação até parar (casos de atrito positivo). tenderá a aumentar a excursão do pêndulo. O sistema vinha oscilando com um período e naquele valor de parâmetro duplica esse período. Para certas condições iniciais pode-se ter uma seqüência de bifurcações e com isso produzir um número imenso de pontos que o sistema visita no espaço de soluções. um valor de parâmetro).SÍTIO DA MENTE Uma seqüência de bifurcações. novamente um valor muito pequeno. de 2 para 4. embora o formato da solução (chamada atrator) mude ligeiramente. Acima do zero. no caso de atrito igual a zero. então. à variação ou não de comportamento qualitativo. a bifurcação (de um certo tipo. . 204 Henrique Schützer Del Nero Um sistema físico pode passar por valores de bifurcação. Como no valor zero no caso do pêndulo (em outros sistema podem ser outros os valores de bifurcação) há uma mudança qualitativa de comportamento do sistema. A inteligência artificial simbólica procurou reunir sob a idéia de regra lógica a conexão entre esses símbolos. defino a conciência como valor e redescrição. Diante da impossibilidade de traduzir radicalmente símbolos mentais em sinais cerebrais.11 Ciência cogniva e a nova mente Com os conceitos de sistemas determinístico e clássico. como “As máquinas são capazes de ter consciência?” Definido o binômio voluntário e automático como base da primeira divisão cerebral do sinal. A inteligência artificial conexionista. como surgem do processamento dos sinais cerebrais? SÍTIO DA MENTE Adoto a segunda estratégia. mas para efeito de modelo simples. exista um e um só modo de oscilação de neurônios capaz de carregar a informação “gato sorrindo” (sinal cerebral). tentou. com muitas freqüências. caos e bifurcação e estabilidade estrutural. Garanto com isso que a tese da oscilação e do sincronismo (muito em voga para explicar a consciência) não é apenas um delírio teórico. não haverá código estrito que garanta que. . a grande pergunta sempre será: e os símbolos mentais. classificando a mente como consciência e fundamentando a partir da oscilação e sincronização de neurônios. embora se insista em perguntar coisas ainda mais complicadas. relacionar símbolos de uma maneira que se parecesse com o modo cerebral. pode-se: a) abandonar a tentativa de encontrar um eixo que una a mente ao cérebro (salvo esse eixo seja tão frágil quanto a tese de que cérebros são meios físicos como hardwares capazes de rodar um software chamado mente). de tal sorte a sa- 205 A mente é normalmente descrita sob a forma de símbolos mentais. A partir da definição de mente como consciência. caracterizo o controle voluntário sobre a ação como uma das marcas da consciência. caso em que teríamos um perfeito encaixe entre os símbolos e os códigos de barra que os representam. dado um gato sorrindo na mente (símbolo). pág. podemos lançar algumas hipóteses sobre o cérebro e sua relação com a mente.Se tentarmos explicar qual é o equivalente cerebral de um gato sorrindo em nossa mente. dispara potenciais de ação em intervalos variados e. ou b) tentar renomear os símbolos mentais de tal sorte que tenham alguma possibilidade de tradução em linguagem cerebral. Jamais se pensou em construir máquinas que exibissem a alternância de controle voluntário e automático. Henrique Schützer Del Nero O modelo que proponho está baseado na suposição de que um neurônio. Porém. portanto. Em oposição a esse controle voluntário há o chamado controle automático. ou uma assembléia deles. por outro lado. tanto a constituição de objetos mentais quanto de relações. pelo exame das regularidades. cap. Essa variação de freqüência é uma fonte de codificação que lança mão do tempo como eixo suplementar para caracterizar os objetos (símbolos) e as relações. Quando não houvesse estabilidade na equação não-linear que descreve aquela oscilação. se “guiar um automóvel” é um conjunto de oscilações e sincronizações de grupos neuronais capazes de perceber. deveriam ser manipulados através da consciência. . instabilidade estrutural e caos. para os valores de bifurcação de parâmetro. integrar e agir adequadamente. porque essa pergunta se dá antes de toda e qualquer operação de consciência. qualificando-os através de uma simplificação testável empiricamente. Um objeto complexo como “guiar um carro” teria. pode exibir sensibilidade às condições iniciais. Tudo o que fosse estável estruturalmente com respeito a guiar um carro seria processado no modo automático. por exemplo. que representa um mesmo objeto (dirigir um carro no modo voluntário ou no automático. com câmbio automático ou manual. por exemplo). pág. de uma redescrição valorada do problema (ou de uma nova oscilação. nas variações de valores ordinários as formas quantitativas que diferenciam o ato de guiar um carro de tal tipo ou de outro. teríamos uma fonte de qualificação da função a ser desempenhada. as características necessárias e suficientes para endereçar seu processamento para o voluntário ou para o automático (etapa anterior à consciência). provisoriamente. Se com isso não explicamos qual é a norma de ligação estrita entre o gato mental e o sinal 206 Henrique Schützer Del Nero Separar o mental em duas classes apenas de eventos. o voluntário ou o automático. Essa equação. que é uma versão da anterior). situações novas e aprendizado inclusos. resultado. sendo não-linear. Imagine que. Tudo que exibisse instabilidade estrutural. aqueles em que a variação se faz acompanhar de mudança qualitativa.11 Ciência cogniva e a nova mente ber que algo deve ser processado pelo modo voluntário e consciente (departamentos virtuais mais próximos do lobo frontal) ou pelo modo automático e não-consciente (departamentos virtuais mais próximos do cerebelo). podemos lançar mão da seguinte hipótese: talvez a maneira como o cérebro reconhece num sinal. bem como valores de bifurcação de parâmetros. de valor de bifurcação ou valor ordinário. A mente. como veremos adiante. na equação que descreve aquele sinal.SÍTIO DA MENTE A bifurcação no espaço dos sinais elétricos cerebrais seria um eixo que delimita a primeira grande separação entre os departamentos virtuais mentais: o consciente e o não-consciente. Porém. cap. conscientes e não-conscientes. existe uma equação que descreve todos os modos possíveis de dirigir carros. não seria povoada de gatos e de processos de memória ou atenção. assim. Seria apenas o resultado da pergunta no nível cerebral: há estabilidade estrutural ou não neste sinal? Atenção. sendo por isso uma condição de possibilidade para o surgimento ou não da consciência. é a primeira maneira de gerar símbolos mentais (aqui entendidos como duas grandes unidades que distinguem grosseiramente o processo mental − consciente ou não-consciente). recrutar-se-ia o modo consciente. seja justamente a presença ou não de estabilidade estrutural. calcada na consciência. definir algum modelo básico que simule as idéias apresentadas. a segunda poderá sincronizar com esse erro ou entrar em caos. Um modelo de dinâmica cerebral clássica baseado em malhas de sincronização 207 Resta. Proponho. máquinas que se utilizem dessa partição de funções. para um critério cerebral de decisão. Henrique Schützer Del Nero com uma fase interna de tal sorte que a malha sincronize ou não com a entrada. pelo modo consciente. A primeira malha é grosseiramente responsável pelo modo automático e a segunda. porém. pelo menos trazemos a operação mental básica.45 − Modelo teórico de um "átomo" de consciência. A primeira malha recebe um estímulo sob a forma de uma fase. envia para a segunda um erro diferente de zero. pág. . A primeira receberia o sinal externo (uma sensação ou um comando vindo de outra parte do sistema gerador de uma ação)(Fig. que se acoplem duas malhas de sincronismo de fase. como experiência teórica. Se capaz de zerar o erro e sincronizar. capturando-a e mantendo-se sintonizados. A redução (ou tradução completa) da mente ao cérebro não seria possível para conteúdos mentais. Nesse caso.SÍTIO DA MENTE Uma malha de sincronismo seria ligada a outra. mas seria possível para a primeira grande classificação da mente enquanto consciência ou não. como não existe nos computadores ligando o software e o hardware). Parece difícil. não estimula a segunda malha. 45). Quando incapaz de sincronizar. A malha de sincronismo é um aparato capaz de detectar uma fase (resultado da integração das freqüências) externa e compará-la Fig. O caos na segunda malha seria uma forma de modelar distúrbios mentais. baseando no sinal o critério de separação de tipo de processamento a ser seguido. mas está na base do mecanismo pelo qual muitos rádios procuram acompanhar a fase de uma emissora. no futuro. poderão começar a exibir embriões de consciência. Creio que. baseado na estabilidade ou não da equação que descreve o sinal elétrico que carrega a informação a ser processada. cap.11 Ciência cogniva e a nova mente cerebral (regra que creio não existir em princípio. Os conceitos e o exemplo dados servem apenas para assentar a idéia de que sistemas dinâmicos podem ser interessantes para analisar sinais cerebrais e para mostrar que. gerando a necessidade de uma terceira malha que processe o erro que a segunda envia. grosso modo. essa primeira malha recruta uma segunda que seria. Toda vez que essa fase externa pudesse ser devidamente capturada pela malha. nos limites deste livro. é uma bifurcação de ponto de equilíbrio). Quando. Projeto interdisciplinar. pode nortear a pesquisa e a compreensão do indivíduo quanto ao mecanismo de ação de drogas que agem no nível quantitativo cerebral. ocorre uma bifurcação na primeira malha. a possibilidade de determinismo. surge como 208 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Não teria sentido. . dentro de certos limites. exatamente resultado da incapacidade de zerar da primeira malha. o que resulta em enviar para a segunda malha uma fase que vai alimentá-la. de tal sorte que o erro tenda a zero. no entanto. No caso de não surgir sincronização na segunda malha com o erro vindo da primeira.11 Ciência cogniva e a nova mente Essa primeira malha teria uma fase própria e uma capacidade. Poderá também não sincronizar. apresentarmos os modelos matemáticos da hipótese geral e do modelo simplificado. gerando consciência). A primeira malha responde grosseiramente pelo modo cerebral automático.37 pág. o erro gerado pela comparação entre a fase externa e a interna seria zero. não alimenta a segunda malha quando é zero. de sincronizar com a fase externa apresentada. subjacente. Essa segunda malha poderá agora sincronizar com o erro que a alimenta. gerando uma solução para o problema.Síntese A ciência cognitiva é a grande teoria da mente deste final de século. Mais ainda. O recrutamento da segunda malha poderia explicar a sincronização de módulos automáticos e módulos “conscientes” (como parece ocorrer no caso da sincronização do tálamo com o córtex ou do hipocampo com o córtex. no caso específico desse modelo. Isso significa que a primeira deu conta de resolver o problema. O erro é uma fase que resulta da comparação entre as fases. poderíamos lançar a hipótese de que esses estados degradados da segunda malha (caos em lugar de sincronização) fossem modelos de patologias mentais. Dada uma bifurcação (que. por trás da aparente aleatoriedade do sinal. pode haver ordem e regra no recrutamento da primeira função metal precípua: a consciência. Para situações anormais de funcionamento mental devese modificar suavemente um parâmetro cerebral − aspecto quantitativo − para lograr alterações qualitativas (ou topológicas) no plano mental. No modelo simplificado. o erro não consegue ser zerado. cap. ocorrendo caos. o processamento consciente. ainda que caótico. Henrique Schützer Del Nero Como essas regras não dão conta das relações e como há forte aspecto de aprendizado e de detecção de padrões no comportamento humano. . genericamente chamados de cerebralistas. estipula inicialmente que o pensamento inteligente deve ser o cerne da vida mental. Há modelos de dinâmica cerebral quântica que surgem de uma complicada tentativa de superar o problema da parada e da incompletude em sistemas digitais.Os símbolos seriam. há ainda alguns outros hibridismos de que se lança mão na tentativa de mode- 209 Embora grande parte dos modelos em ciência cognitiva se enquadre em um dos dois tipos acima. Pensar seria. pág. Neles. Porém. Para isso. Além dos dois grandes blocos de modelos simbolistas (IAS e IAC) e cerebralistas (DCC e DCQ). podem ser treinadas para desempenhar funções interessantes. senão parcialmente. A mente se confunde com um programa de computador. computam regularidades. pelas múltiplas conexões e pelo ajuste de peso entre elas. A consciência seria não-algorítmica e sua base física seriam fenômenos quânticos no nível de microtúbulos cerebrais. São as redes neurais ou inteligência artificial conexionista (IAC). desejo. cap. sincronização entre elas (no caso da versão clássica). Por haver uma nítida relação entre símbolos e processamento discreto-digital e por termos elegido a consciência como palco da vida mental (consciência que parece surgir através da sincronização de populações neurais). manipular representações − símbolos através de regras lógicas. como crença. O impasse da concepção discreto-digital seria desfeito pela concepção analógica de populações de neurônios. enquanto o cérebro se confunde com suas partes físicas (placa). a noção de símbolo que usam é forte mente mental. deve ser chamada de clássica. c) proposições (ou sentenças bem construídas). tais SÍTIO DA MENTE Tantos significados devem mostrar que manter símbolos como objetos que são manipulados por regras (IAS) ou por regularidades (IAC) não resolve. surgem modelos rivais que.). utilizam-se de arquiteturas de neurônios artificiais que. Símbolos podem ser entendidos como: a) representantes.11 Ciência cogniva e a nova mente reação ao behaviorismo. a dinâmica cerebral que propomos. por utilizar ferramentas de física clássica. Resgatando a noção de mente. d) intencionalidade (capacidade de manipular objetos com modos mentais diversos. etc. o problema da relação entre cérebro e mente. b) blocos dinâmicos que mudam com o aprendizado. assim. Esse modo de modelar a mente é chamado de inteligência artificial simbólica (IAS) e procura as regras que relacionam os objetos mentais. em lugar de relações baseadas em regras. então. lançamos uma nova classe de modelos. procuramos trazer tanto objetos quanto relações para o plano neural. oscilações e as relações. Os vários sentidos de símbolo enquanto objetos mentais suscitam confusão na leitura de qualquer texto e na compreensão de modelos. temor. baseada em oscilações e sincronismo. também o livro posterior dos autores: Newell. Brasília: Editora UnB (pp. são eticamente danosos à espécie humana. 347. M. Gardner. Del Nero. chamou-se de "Logic Theory Machine". Apresentado no Simpósio de Teoria da Informação em 1956. 28). Skinner. por seu compromisso estrutural com o determinismo. A. Editora Cultrix e Edusp. O mais comum é associar IAS e IAC. a respeito dessa prescrição. Editora Abril (pp. L.109-153). H. Elegemos a teoria de bifurcações e caos como a principal. Nova Iorque: Basic Books (p.(1982) Sobre o Behaviorismo. Cf.11 Ciência cogniva e a nova mente lar a mente. a esse respeito. pág. Há ordem por trás do aparentemente desordenado.SÍTIO DA MENTE Nas próximas partes veremos que são dois os objetivos por trás dessa escolha: investigar as bases de uma psiquiatria de molde científico e investigar a natureza de certos comportamentos que. conhecida como "a navalha de Ockham". Barcelona: Ediciones Peninsula (pp. Simon. Alighieri. Cf. (1972) Human Problem Solving. Cf. (1985) The Mind´s New Science: A History of the Cognitive Revolution. O programa capaz de provar um teorema matemático é de autoria de Allen Newell e Herbert Simon. P. Cf. Para algumas considerações acerca da falência dessa corrente. cf. Penguim Books (p. Uma teoria determinista da mente e de sua relação com o cérebro pode nos fornecer alicerce para atingir esses dois objetivos. Ryle. G. segundo a qual se devem eliminar as categorias desnecessárias: William of Ockham (filósofo da Idade Média que viveu aproximadamente entre 1285 e 1349) in Aquino. Outros hibridismos são citados por representarem tentativas de associar várias áreas de conhecimento no afã de modelar cérebro e mente. Englewood Cliffs: Prentice Hall. 61 e ss). Cf. Neurais" in Abrantes. Scot e Ockham (1985) Os Pensadores. O acaso poderá ser provisório. a respeito da distinção entre pensamento (modo cognitivo). B. 147-169). Cf. (org. (1963) The Concept of Mind. cap. Geymonat. Notas 3. sensação (modo emocional) e vontade (modo conativo). A análise do sinal elétrico que gera o símbolo carece de ferramentas matemáticas. "Do Behaviorismo às Redes 2. H. embora possíveis. (1986) Galileo Galilei. a respeito do princípio de simplicidade de Galileu em sua obra Il Saggiatore.412). a respeito de Galileu e o nascimento da ciência 210 1. . sobre o behaviorismo.. 4.) (1993) Epistemologia e Cognição. Henrique Schützer Del Nero O enfoque deste livro é a dinâmica cerebral clássica. nunca absoluto. Cf. New Haven: Yale University Press. A noção de algoritmo deve ser precisamente entendida: "por algoritmo entenda-se um procedimento mecânico-matemático completo que é bem definido na operação e que pode ser aplicado automaticamente sem decisões adicionais. D. deve-se inicialmente a Donald Hebb (cf. (1958) The Computer and the Brain. M. (p. Marr. alterando. Cf. Cf. O. O nível da implementação física (hardware) diz respeito a como essa representação e algoritmo podem ser fisicamente realizados. (1982) Vision. von Neumann. quando for parâmetro de bifurcação. também o trabalho do próprio autor. o nível da representação e do algoritmo se referem a como essa teoria computacional pode ser implementada. sobre teoria da decisão descritiva. Slovic. D. Resnik. Cf.: W.260). (1973) Études d´Histoire de la Pensée Scientifique. Minneapolis: Univeristy of Minnesota Pres. cap.140-146). Koyré.cit. pág. J.24 e ss). O nível da computação basicamente se refere ao objetivo da computação e à lógica que deve ser utilizada para alcançá-lo. juízos ou decisões aleatórias" in Johnson-Laird op. (1948) op.Freeman and Co.SÍTIO DA MENTE 8. cit. Cambridge Univeristy Press.I. (ed) (1982) Judgment under uncertainty: Heuristics and biases. J. Cf. Um dos mais interessantes trabalhos que lança a distinção clara entre nível da computação.. N. Cf. A idéia de que sinapses alterem seus pesos de conexão. cf. A alteração de peso sináptico. Hebb. 7. nesses casos. J. .167-274). Sobre arquitetura von Neumann. P. D. Morgenstern.H.11 Ciência cogniva e a nova mente moderna. A. nível do algoritmo e nível da realização física é de David Marr. pelo reforço e aprendizado.. (1944) Theory of Games and Economic Behavior. Kahneman. a respeito da teoria da decisão. MIT Press (pp. Como vimos. Especificamente sobre teoria da decisão normativa. A. A noção de codificação temporal genuína não é compatível com a sinapse hebbiana porque o código está nos intervalos inter-espículas (estatística de 2a ordem) e não na taxa média de disparo (estatística de 1a ordem). Henrique Schützer Del Nero 5. Essa noção de sinapse hebbiana está intimamente ligada à concepção de assembléias de neurônios que respondem com maior ou menor fidedignidade a um estímulo (place-coding). Princenton University Press. nesses casos a idéia é que a codificação temporal expresse apenas uma maior ou menor representividade do estímulo em relação à área que está em atividade. Haugenland. (1987) Choices: An Introduction to Decision Theory. Cf. (p.. (1987) Artificial Intelligence: The Very Idea. devem-se consultar algumas indicações. Tversky. nota 3 do capítulo 6). particularmente no que tange à representação da entrada e da saída e o algoritmo responsável pela mediação entre ambas. Paris: Gallimard (pp. é responsável apenas pela mudança de ganho de malha do sistema. a topologia no espaço de 211 6. von Neumann. Repare que no caso de dois neurônios de entrada e um de saída a rede pode processar também conectivos lógicos.11 Ciência cogniva e a nova mente soluções. visto no início deste livro. não é mais verdade. No disparo de vários potenciais de ação com intervalos diferentes entre si há. mas na ausência de programa separado do nível de processamento. se houvesse somente uma freqüência no conjunto de potenciais de ação não haveria medida de intervalo entre eles que se poderia captar por uma estatística de 2a ordem. Harvard University Press. As simbólicas não seriam capazes de aprender. a arquitetura ACT* de John Anderson in Anderson. então. mas pela freqüência de potenciais e intervalo entre eles (código de barras. porque a sincronização na freqüência ou na fase não exige que haja apenas uma freqüência em jogo. Num primeiro momento isso foi considerado uma diferença essencial entre as arquiteturas simbólicas e as conexionistas. J. 212 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 10. Para mecanismos de memória e outras modulações devem-se considerar ainda fatores de variação intra-espícula tais como LTP e LTD. então. A diferença de uma rede neural em relação a uma arquitetura digital de tipo simbólica. o potencial de ação não variava de tamanho. Cuidado: nesse caso é analógico porque varia de m a +m. cap. não reside apenas no processamento digital (a rede neural perfaz tanto o digital quanto o analógico). Veremos mais adiante que se podem definir intervalos de freqüências para que haja a sincronização nesse intervalo onde estão presentes muitas freqüências.11. na verdade. não se tratando de um simples 0 ou 1. embora aceite sua importância enquanto parâmetro numa equação diferencial não-linear que descreve a dinâmica da assembléia neuronal. Além do mais. Cf. etc). estando todas as regras ali pré-fixadas. obtido não pelo tamanho do potencial (como neste caso). 9. o que invalidaria o argumento do código de barras e faria o modelo voltar para a média de disparos. porque também as arquiteturas simbólicas são capazes de aprender (chamados sistemas de produção). uma série de freqüências. a ausência de um processador central que controle os passos da rede e a presença de dados e memórias distribuídos pelas conexões e não estocados em endereços fixos. de um tempo para cá. O carater analógico era. pág. (1983) The Architecture of Cognition. Essa maneira de enxergar o problema é fracamente compatível com a sinapse hebbiana. Isso. . No caso do neurônio real. Isso é fundamental. que medem a prototipicidade do estímulo face à pré-programação daquele campo receptivo. a respeito de arquiteturas simbólicas capazes de aprender. Fazendo-se uma trans-formação de Fourrier pode-se colocar num histograma a distribuição dessas freqüências todas. Para uma crítica ao conexionismo.T (1992) The Computational Brain. cap. havendo um algoritmo de organização interna. Smolensky. Há. porque só se poderia parti-lo até onde as proposições captassem a sua descrição. cf. uma propriedade de uma sala de estar (símbolo) como a de ter móveis (subsímbolo). (ed) The Handbook of Brain Theory and Neural Networks. sobre subsímbolo. Sobre tipos de redes (26 são citados) e aplicações mais freqüentes. Sobre a figura 40 onde se descreve o método de criar uma bacia de atração num cenário de minimização local (a global é normalmente impossível) de energia. na comunidade de redes neurais. se são proposições. também. 1-74. Um pedaço de símbolo. Essa classificação é fundamental para que não se façam confusões entre rede neural e auto-organização (caso em que não há supervisão externa) e. 13. J. MIT Press (p. A classificação acima pode ser encontrada em Chuchland. Fodor. Sejnowski. Entre os supervisionados externos distinguem-se os não-monitorizados (não-internos) e os monitorizados (internos).43 de Arbib. Essa noção de subsímbolo aparece num trabalho de Smolensky e creio ser criticável. Embora a maior parte delas utilize processamento paralelo e pág. a auto-organziação está também em xeque pelo fato de haver uma norma que organiza a desorganização. portanto. o símbolo e o subsímbolo ainda são entidades mentais interpretadas e interpretáveis na linguagem ordinária e. . cf. M. Z. a tabela 1 na p. P. Cf. Cuidado. distantes do modo cerebral de forja de objetos e relações.11 Ciência cogniva e a nova mente 12. a meu ver. quem afirme que se poderia partir um subsímbolo até um limite inimaginável. Entre os não-supervisionados (não-externos) distinguem-se os monitorizados (internos) e não-monitorizados (não-internos). cf. meu argumento é que. O fato de ser maior ou menor. porque também o processamento paralelo não é sinônimo de rede neural. é sua capacidade de ser descrito através de uma proposição. consistiria em outro problema. (1988) "On the proper treatment of connectionism" in Behavioral and Brain Sciences 11. O que define um símbolo.. ao caso particular em que.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 213 14. Os modos de retroação (feedback) sobre a rede podem ser divididos em supervisionados (externos) e não-supervisionados (não-externos). ainda é um símbolo. (1988) "Connec-tionism and Cognitive Architecture: a critical analysis" in Cognition 28: 3-72. J. Isso me parece errado. todo ou parte. Ora. predicado de predicado ou não. (1982) "Neural networks and physical systems with emergent collective computational capabilities" in Proceedings of the National Academy of Sciences 79: 2554-2558. P. o trabalho clássico: Hopfield. MIT Press. Há diversas classificações para o tipo de supervisão e para o tipo de algoritmo que corrige pesos minimizando o erro. A dinâmica cerebral que proporei ao longo do livro tenta superar esse impasse.98).e Pylyshyn. Brain and Science. cap. No seres humanos parece haver um número mais ou menos preciso que descreve a capacidade de armazenar símbolos (de qualquer tamanho) na memória de trabalho. A contribuição incial de Chomsky está em "Three Models of Language" 214 15. Miller. como o programa de um computador. op. pág. que é o analógico. A crítica que empreende ao behaviorismo (nos primórdios da ciência cognitiva) advém da incapacidade de se condicionar uma pessoa para reconhecer todas as proposições bem-construídas da língua. Esse número de "cabines" disponíveis parece ser da ordem de 7 (mais ou menos 2).11 Ciência cogniva e a nova mente distribuido. (1984) Minds. Da forma como apresenta o argumento.41). Também o processamento serial não é exclusivo das arquiteturas simbólicas. no caso. Não explica que propriedades seriam essas e que forma existiria de replicá-las. 16. que nos habilita a fazê-lo independentemente de exposição. John Searle critica a noção de mente como computação (no sentido de IAS) porque. processando cooperativamente. a mente. Plus or Minus Two: Some Limits on Our Capacity for Processing Information" in Psychological Review 63: 81-97. A memória de trabalho teria uma capacidade finita.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 17. J. Concordo com a crítica à noção de manipulação sintática destituída de semântica. Se somos capazes de reconhecê-las deve haver um sistema a priori. op. Outro trabalho de Chomsky com versões mais completas de suas idéias: Chomsky.29). (1956) "The Magical Number Seven. cit. Tanto intencionalidade quanto semântica são propriedades do cérebro humano (exclusivas. em Teoria da Informação de 11/11/ 1956 no Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT) (cf. p. seria apenas capaz de manipular regras sintáticas. se devidamente abstraídas através do código correto. é fundamental. G. pode sofrer a crítica de um chauvinismo cerebralista. Cf. podendo haver arquietura digital com vários processadores em paralelo. N. e com outras implicações explicadas ao longo do livro. as redes semânticas podem utilizar processamento serial. A obra de Noam Chomsky é vastíssima. como se fosse a memória RAM de um computador comum. como vimos. Cf. de compreensão do que se está processando. Embora Searle não seja um dualista. George Miller. a citação em Gardner. Flammarion. H. afirma que compreensão e semântica são propriedades do tecido cerebral. isto é. até o presente momento) ao gerar mentes e. artificiais e quiçá também na interação cultural (onde já estão presentes). Cf. (p. . A noção de intencionalidade e de capacidade de manipulação semântica. sob o comando de um programa. poderão ser replicadas em outros meios físicos. cit. Searle.(1985) Règles et Représentations. uma capacidade inata para a linguagem. Quando zero. temos uma lenta degradação da trajetória de tipo centro convergindo para um ponto assintoticamente estável. R. e de forma auto-sustentada. No limite. Para valores muito baixos de atrito positivo. Cf. and biological account of conscious processes. bifurcações do tipo "flip" em que o sistema. por exemplo. (pp. temos uma série de trajetórias do tipo centro no espaço de estados. Pribram.215 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero pág.J. Cf. como no caso do pêndulo. Lawrence Erlbaum Ass. 253-267). a deteção de bifurcações depende de uma estimativa da estrutura que descreve o sistema. quando passa pelo valor de bifurcação. Eldefrawy. Nova Iorque: Oxford University Press. a respeito de estrutura omniconectada (quase toda conectada): Miller. estabilidade estrutural e topologias. para valores ordinários. Embora afirmar que a uma bifurcação pode corresponder a um chaveamento no nível mental (no caso da hipótese deste livro. N. o que é bastante difícil. isto é. Essa guinada topológica é responsável pela alteração qualitativa do comportamento das soluções do sistema. começa a oscilar em período 2.. "Are Neural Spike Trains Deterministically Chaotic or Stochastic Processes?" in Pribram. Uma sucessão dessas bifurcações é uma das rotas para . M. Fahrat. o caos (duplicação sucessiva de período). psychological.. M. cit. não teria relação estrita com bifurcação e estabilidade estrutural.. Lin. bifurcações. "A Bifurcation Model of Neuronal Spike Train Patterns: A Nonlinear Dynamic System Approach" (pp. 396- cap. passar do automático para o voluntário) seja uma hipótese. Cf. Há uma bifurcação de ponto de equilíbrio. (1981) Meaning and Purpose in the Intact Brain: A philosophical. b) segundo. K. há conceitos precisos concernentes a caos. K. (ed) (1994) Origins:Brain and Self Organization.. A existência de um valor de bifurcação no espaço de parâmetros enseja uma mudança brusca na estrutura do espaço de estados. Como se verá mais adiante. oscila em período 1 e.. o cérebro se comporta como estrutura quase toda conectada. que muda radicalmente de comportamento topológico na vizinhança do valor zero para o atrito. King . em princípio verificável. a respeito de caos e bifurcações no cérebro: 1) Xie. indefinidamente. o comportamento das soluções tende ao infinito. S.K. devem-se colocar alguns reparos na sua testabilidade: a) em primeiro lugar deve haver muito mais bifurcações no sistema que alterações discretas de estado (consciente e não-consciente). dadas as múltiplas conexões deste com os outros. Pribram. na mesma obra. Bifurcações podem ser de vários tipos. Caos. Há ainda. (ed) op. Analisar sinais elétricos codificados em conjuntos de freqüências pode nos possibilitar enxergar situações de estabilidade estrutural (valor ordinário de parâmetros) e instabilidade estrutural (valor de bifurcação).11 Ciência cogniva e a nova mente 18. Para mínimos valores negativos de atrito. para quaisquer condições iniciais o pêndulo oscila harmoniosamente. em princípio. No 1. ainda assim. blema. M. Yang.). o sistema que gerou não pode provar isso.11 Ciência cogniva e a nova mente 433). de maneira similar. Quando um sistema gera uma sentença que não se pode provar ser verdadeira ou não (alguns sistemas não teriam esse problema e há relações disso com a consistência.. (1995) "Preserving Chaos: Control Strategies to Preserve Complex Dynamics with Potential Relevance to Biological Disorders" in Physical Review E. et. recursividade. Sobre algumas aplicações de teoria do caos em biologia. cf. pode-se. 6.299-331). A concepção de que a mente pudesse ter lançado mão desse artifício para provar certas coisas é defensável. J.A idéia é simples. C. J. Martinez. Isso se chama de resolver na metalinguagem um problema da linguagem ou de resolver num meta-nível um problema do nível que está exibindo indecidibilidade e parada. ocorre parada nas etapas computacionais que estão computando esse problema.. por exemplo Engel. (1992) "Temporal Coding in the Visual Cortex: new vistas on integration in the nervous system" in Trends in Neuroscience. "Noise and the Neurosciences: A Long History. cf. K. et. ser resolvidas pelo apelo à comunicação e à consciência (enquanto redescrição).. porém. a respeito de teoria do caos o excelente livro FiedlerFerrara. não são problemas complexos que estão no seio dessa discussão. . (pp. ao mesmo tempo. Aquele leitor que imagina que a existência de Deus é um desses problemas insolúveis e que o apelo ao texto bíblico serviria de metanível não terá entendido a natureza do problema. na mesma obra. 216-226). al. Pakdaman.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Uma outra classe de considerações é uma especulação: talvez o cérebro seja uma máquina analógica e a mente que dele brota seja descrita. O problema da parada e da completue se- 216 19. cf. etc. O. Stiber. vol. são problemas bem delimitados. Tais porções poderiam.Sobre os artigos seminais que deram origem à hipótese de sincronizações subjazendo à consciência. Cf. W. Pois bem. "Tutorial on Neurobiology: from single neurons to brain chaos" in International Journal of Bifurcation and Chaos. apela-se para um sistema em outro nível. 102-110). 51. Vilbert. imaginar que a classe de computações que nosso cérebro realiza para forjar a nossa mente (e que não percebemos no palco consciente) contém porções indecidíveis. Segundo. com muita propriedade. 15. 2. Vol. cap. vol. (1994) Caos: uma introdução. São Paulo: Editora Edgard Blücher. Cf.W. também a importante contribuição de Walter Freeman sobre caos no sistema olfatório: Freeman. No 3 (1992). em que se resolveria o pro- pág. A questão fundamental é que sabemos que uma sentença é verdadeira e. No.. através de linguagens que recrutam concepções discreto-digitais e algorítmicas. talvez. (pp. Ou. a Recent Revival and Some Theory" (pp. al. então. Cintra do Prado. N. Finalmente. A. J. por exemplo 1) Kohonen. A. mas inerente a um recorte discreto-digital algorítmico que se faz dele. sobre os quais se debruçariam as regras. Cf. Admite. J. Sua concepção de módulos para a mente é essencialmente proposicional. Holoyak K. defecções que surgem do estilo de análise de tipo "sistema formal baseado em algoritmos". (1987) The Modularity of Mind. MIT Press. 2) Murray. (ed) (1996) Toward a Science of Consciousness. (ed) (1996) Learning as Self-Organization. Se o analógico representa um caso que resolve o problema da parada. 2) Hameroff. em lugar da anterior. Nesse caso. Addison Wesley Publishing. K. creio escapar dos limites desse trabalho. Talvez essa idéia seja apenas pauta para discussões futuras. Scott. A.. (1993) Mathematical Biology. J. 2) Holland. Thagard. R. a esse respeito Fodor. Não seria uma limitação inerente ao cérebro. Learning and Discovery. J. assim. Springer- 217 21. "Automatic Formation of Wavelet . K. Lawrence Erlbaum Associates. Oxford University Press. Cambridge: MIT Press. Cf. (1994) Shadows of the Mind: a Search for the Missing Science of Consciousness. entre eles Newton da Costa.and Gabor Type Filters in Adaptative Subspace SOM" in Pribram. Cf. cap. P. a respeito de algoritmo genético. (1995) Hidden Order: How Adaptation Builds Complexity. (1992) Adaptation in Natural and Artifcial Systems. S. Cf a respeito da tese da não-algoritmicidade do processamento consciente: 1) Penrose. A solução do problema da parada através de máquinas analógicas tem sido proposta por alguns lógicos. Jerry Fodor supõe que para processar o pensamento deve haver uma estrutura profunda de objetos e relações . Lawrence Erlbaum Associates (pp. SÍTIO DA MENTE 22. que é analógico. (1989) Induction: Processes of Inference. . O leitor deverá estar atento porque há uma área de neurodinâmica quântica. que dentro de cada módulo possa haver processamento de tipo associacionista. tocando em pontos extremos da matemática e da lógica que não sou de julgar. que chamaria de essencialista. Karl Pribram se utiliza de um ferramental matemático de física quântica e de teoria da informação de Gabor para analisar sua hipótese holonômica de cérebro. de tipo rede neural. 3) Holland. 24 . pág.. (1991) Brain and Perception: Holonomy and Structure in Figural Processing. R. Cf. Pribram. 223-232).. prefiro chamar de dinâmica quântica instrumentalista.uma linguagem do pensamento. diferente dessa hipótese de não-algoritmicidade e microtúbulos..11 Ciência cogniva e a nova mente riam. J. Nisbett.. T. a obra de seu idealizador:1) Holland. MIT Press. King. no entanto. Henrique Schützer Del Nero 20.23. J. MIT Press. Kaszniak. Plenum Press . 2) Wong. P. Bialek. University of Illinois Press. R. Cf. F. (1991) Introduction to Brain Topography. R. sobre cibernética: 1) Wiener. pág. 5) Rieke. Oscilações e sincronismo de populações neurais podem cumprir as seguintes funções (o que se pode depreender através de uma leitura extremamente cuidadosa desses diferentes trabalhos): a) podem ser o meio de criar relógios internos de marcação de janelas temporais. 93. (1970) Introdução à Cibernética. 2) Ashby. Amsterdam: Elsevier.. Farr. Cf. M.. potencial evocado. (1948) Cybernetics. (ed) (1992) Induced Rythms in the Brain. São Paulo: Editora da Unesp. 218 Henrique Schützer Del Nero 26. B. T. (ed) (1988) The Nature of Expertise. Barcelona: Turquets Editores. 429-441. 29. fundamentais para a marcação da percepção e para a unificação dos processamentos modulares discretos. D. Cf. C. Glaser. E. Warland. a respeito de sistemas especialistas.. c) podem funcionar como mecanismo de memória. Boston: Birkhäuser. Cabe citar aqui obras que revivem o ideal de primeira metade do século de tentar localizar padrões fundamentais na dinâmica de sinal elétrico cerebral (EEG e outras técnicas similares. M. Weaver. C. MIT Press. 25. 3) Abeles.. W.. traduzido e editado em espanhol (1985) Cibernetica: o el Control y Comunicacion en Animales y Maquinas.. Cambridge University Press. Oxford University Press. T. (1997) Spikes: Exploring the Neural Code. 3) Para uma visão da ciência cognitiva como continuação da cibernética. A.. 1) Nunez. São Paulo: Editora Perspectiva. Lütkenhöner. Cf. Gabor. N. d) podem servir de substrato para a consciência. or Control and Communication in the Animal and the Machine. J. Shannon. Dupuy..NATO ASI Series. R. Chi. D. cf. Cf. (1996) Nas Origens das Ciências Cognitivas. brain mapping. (ed) (1993) Oscillatory Event-Related Brain Dynamics. tais como MEG. e) podem servir de meio para a sincronização de expectativas oscilatórias corticais e determinados "candidatos" subcorticais (mecanismo de atenção). M (1991) Corticonics: Neural Circuits of the Cerebral Cortex. Elbert.). 4) Pantev. Plenum Press. (1949) republicado em (1963) The Mathematical Theory of Communication.11 Ciência cogniva e a nova mente Verlag. Bullock. etc. b) podem funcionar como portas ou pontes de acesso da informação dos relês talâmicos para o córtex associativo. 4) Aertsen. van Steveninck. P.SÍTIO DA MENTE 27. (1995) Neocortical Dynamics and Human EEG Rhytms. Lawrence Erlbaum Associates. (ed) Brain Theory: Spatio-Temporal Aspects of Brain Function. 28. cap. 3) Basar. . por exemplo. (1946) "Theory of Communication" in Journal of the Institute of Electrical Engineers.. W. H. No. Maranca. a respeito de vida artificial.: Marder.11 Ciência cogniva e a nova mente 30. vol. (1973) Théorie Générale des Systemes.. A. M. especificamente a respeito de computação usando meca- pág. Cf. . Springer-Verlag New York Inc. 37. Prigogine. Cf. Stadler. Cf. Edelman. I. Cf. H. 1) Bertalanffy. 219 36. 384. Agredeço ao matemático Paulo Blinder por sugestões nesse tópico. (1980) From Being to Becoming: Time and Complexity in the Physical Sciences. Cf. Dobb´s Jounal (Fevereiro 1993). (1997) op. 32. Cf. P. (pp. particularmente o AMP cíclico. Henrique Schützer Del Nero 33. 2) Bertalanffy. B. Nova Iorque: Basic Books. (1996) Artificial Life: an overview. "Cellular Automata for Solving Mazes" in Cognitive Computing: Dr. L. cit.I. (1997) Computação topológica e controle voluntário em arquiteturas naturais e artificiais. G. a respeito desse modelo 1) Del Nero.. 2) Del Nero. (1996) "Computing with cyclic AMP" in Nature vol. Cf. Freeman and Company. sobre criticalidade auto-organizada. E. Haken. H. cap.113-114). Cf.SÍTIO DA MENTE nismos intracelulares. Langton.. Piqueira. Cf. (no prelo). MIT Press. 34. Nova Iorque: W. Berlim: Springer-Verlag. H. (1950) "An Outline of General System Theory" in The British Journal for the Philosophy of Science. Bak. (1987) Neural Darwinism: The Theory of Neuronal Group Selection. L. 31. Nova Iorque: Copernicus. (ed) (1990) Synergetics of Cognition. Nayfeh. 35. C. 2. J. Paris: Dunod. (1996) How Nature Works: the science of selforganized criticality. entre os mamíferos. uma pág. Isto mostra que. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. um dos números mais gritantes é o de encefalização . tal qual fosse um computador. Seu grau de complexidade. Há na porção responsável pelo processamento.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. “quantidade é qualidade”. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. Disfunção mental collegium cognitio 220 O cérebro humano é. ao longo de milhões de anos. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. formada pelos neurônios.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou.12 Disfunção mental parte 3 . basicamente. vai aumentando de acordo com a escala animal. e. Henrique Schützer Del Nero A mente alterada cap. formado por dois conjuntos de células . o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. integração e execução motora. Assim. no entanto.um manipula e processa informação. o outro dá suporte físico e sustento. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 12 cializado na recepção de informação. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. algumas vezes. Absurdo tão grande quanto presumir que. são parte de nossa relação com o mundo. A sinapse é justamente um dos locais de desregulagem no cérebro humano. não se sujeitando. Pode-se pressupor que.SÍTIO DA MENTE de receptores no neurônio. A idéia de que o tráfego de informação tem papel fundamental na desregulagem da mente não é nova e. um diabético não seja doente. mudando a forma e a quantidade O diabetes resulta da conjunção de um evento externo (ingestão de glicose) e da falta de um hormônio interno (insulina) que deveria processá-lo. às limitações de qualquer sistema físico. Embora externa. quando ela adoece. assim como os eventos que marcam nossa vida mental. a experiência não guarde relação com fenômenos cerebrais patológicos. de certa forma. Por quê? Simplesmente porque se tem a impressão de que a mente está dissociada do corpo. Acompanhamos também a complicada operação de liberação de neurotransmissores. por um lado. cap. por ser a glicose uma substância externa. não seria tão grave o erro. porém. Se. Mas. por outro. conta o quanto a experiência vivida influencia o resultado final de nossa vida mental. pelo fato de originar-se no mundo externo e real. situada no cérebro. pode desregular. devemos dar atenção especial ao problema. Eis uma das razões deste livro: tratar da fundamentação de uma mente que. uma série de considerações que devem ser feitas com respeito ao papel dessa experiência na gênese dos distúrbios da mente. Henrique Schützer Del Nero O que melhor representa nossa perplexidade diante da mente e de seu sítio cerebral é o problema da doença. portanto. Os fatores que levam a alterações são basicamente dois: o tráfego de informações e algumas fragilidades dos receptores (geneticamente predeterminadas).1 pág. Há. pode-se viver com uma noção de mente desgarrada do cérebro. a incorreta caracterização da causa pode custar a vida. A aceitação de que isso constitui fenômeno normal é pequena. de ligação destes aos receptores e de convocação de mensageiros para que ajam nos genes. Já vimos nos primeiros capítulos que a sinapse constitui o ponto de transmissão de impulsos de um neurônio a outro. dor inclusive.12 Disfunção mental DISFUNÇÃO MENTAL . 221 Não fosse tão comum a disfunção mental. a glicose é condição para o sustento do organismo. na medida em que tais alterações são extremamente freqüentes (há estatística que indica que 50% das pessoas precisaram ou precisarão de um psiquiatra pelo menos uma vez em suas vidas). pode-se pensar em providências diferentes. mas sim que há algo “quebrado”que deve ser “engessado”. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Há indivíduos com quadros ansiosos claros. estariam se sentindo bem. A seleção natural foi. ao contrário. como se fosse exclusivamente vivencial ou exclusivamente cerebral. esse mesmo sistema gerou um potencial de novidade. se tivessem mais dinheiro. num primeiro momento. de desempenho e também de disfunção tremendos. exceto o ser humano. embora caricaturizada. cap. qual a sua causa. Essa situação. portanto. Os animais. vivem em seu meio natural. é rotineira. Ainda que resultante do par agente externo e estado interno. recobrada a função. Agora os domesticamos. o ortopedista recomendasse ao primeiro mais cuidado com telhados e ao segundo mais cuidado com as relações familiares. Não importa. Antes fugíamos de tigres. sem experimentar grandes mudanças.. ao criar departamentos virtuais para processar informação ambígua. Num segundo momento. em vez de engessar-lhes as pernas.O mesmo ocorre com a patologia mental. os estudamos. por exemplo. É preciso. tentando fazê-la enxergar as possíveis razões do seu desconforto. Só que é exatamente nessa situação que o indivíduo mais precisa de insulina. segundo eles.. Ela resulta da crença na mente onipotente. que dizem que. Quase sempre é um evento existencial externo que deflagra uma disfunção cérebro-mental. após ingerir quantidade excessiva de glicose (evento externo). No entanto. um que caiu do telhado e outro que levou um chute do cunhado. Contra-senso tão evidente quanto imaginar que. uma desregulagem não pode ser tratada de maneira unilateral. medicar seu cérebro se o problema está no bolso. o mecanismo interno. portanto. a possibilidade de que venha a titubear. medicar e só após a recuperação parcial iniciar alguma forma de psicoterapia. os exploramos. que desconsidera por completo sua base cerebral e. em parte. aos poucos. Nós. durante milhares de anos. Não tem sentido. pág.12 Disfunção mental A idéia de que eventos externos sejam. portanto. forjando um cérebro cada vez mais apto a realizar operações complexas. transformamos quase 222 Outra suposição freqüente diante do mau funcionamento mental é a de que seu tratamento deve variar de acordo com a causa externa desencadeante. Conversar precocemente − através de alguma forma de psicoterapia − com uma pessoa que apresenta distúrbio mental. . equivaleria a entregar-se a longas digressões acerca dos perigos de telhados ou do incômodo de cunhados enquanto os pacientes se contorcessem de dor. para reduzir uma fratura no perônio de dois pacientes. determinantes de disfunções mentais não exclui. não acha por isso ser necessária dose suplementar de insulina (evento de correção interno). constituindo um dos principais fatores de ameaça à vida mental. na maioria das vezes. Esse raciocínio é semelhante ao do diabético que. reclamando remédios para a sinapse e não conselhos para o ouvido. de tristezas. de sinapses e de mensageiros. certamente não teríamos tantas desregulagens mentais. Cobra-se deste cérebro o desempenho de um carro de corrida e. O departamento virtual arrisca. mas mostrando a origem do equívoco de se pensar que a mente tudo pode e que não há um cérebro a impor-lhe limitações. O problema não é tão simples quanto parece. Enquanto palco. deve abordar esse aspecto. Quer-se apagar um arquivo? Basta dar um clique e lá vai o arquivo para o cesto de lixo. mas sim de pessoas. o do ser humano. de ambições e.Pensamento e vontade parecem fatos triviais de nossa vida mental. como a ciência cognitiva. adoece. personagens e peças. cria e. Porém. de mesas. a constância e a pouca manutenção de um carro de passeio. pág. um carro de corrida tem de sofrer ajustes constantes para se adaptar a cada situação nova. às vezes. Não se trata apenas de uma questão de escolha − aceitar ou não a base cerebral do psiquismo. Compare a diferença da mente de um macaco que procura bananas há centenas de séculos com a de uma pessoa que vê outra pisar na Lua. . ao mesmo tempo. Mas. Qualquer ciência da mente. cap. Se procurássemos bananas. Podem muito quando manipulam apenas objetos de representação mental. Por isso. surgiu uma nova fonte de despesas na empresa cérebro: a disfunção. Mais: temos a impressão de que tudo podem. Fomos treinados. de pensamento e de vontade. todas elas telas com imagens intuitivas e amigáveis. achamos que todos os fatos do mundo têm a cara de nossas mentes e não a cara do código que usamos para descrevê-los. para que nossa mente tivesse a cara da mente de nossos semelhantes. O risco aumenta na medida em que se vai mais longe e mais rápido. parece-se com o mundo intuitivo. não de forma dogmática. Se o programa é amigável. algum ônus deve ter-se associado a isso. de decisões. quando esses objetos tornam-se ações concretas sobre o mundo e sobre 223 O cérebro de qualquer animal é um engenho fantástico. sobretudo. Suas funções estão ali determinadas há milhares de anos. SÍTIO DA MENTE Parte da mente é como a tela do computador que usamos em nossa casa. Esperar que não precisemos jamais de manutenção e ajuste na máquina faz parte da ignorância. teme. Se a natureza nos aparelhou para lidar criativamente com situações novas todos os dias. Esperar que alcancemos marcas de tempo incríveis faz parte da corrida adaptativa contra a extinção. A imagem que vemos na tela (e também a imagem que vemos no palco mental da consciência) é fácil de ser compreendida. Henrique Schützer Del Nero Simultaneamente à possibilidade de processar infomação de maneira analógica nos departamentos virtuais. uma máquina ainda mais veloz. O departamento concreto é cauteloso e pré-gravado. cuidando de fugir de tigres. A mente humana também. a mente perfila imagens de um mundo que não parece feito de potenciais de ação. quando crianças.12 Disfunção mental diariamente o ambiente circundante. é o oposto o que ocorre: “Estou bem e por isso penso coisas boas”. A mentecódigo condiz com a criatividade e com muitas situações de auto-superação. embora a mente tenha base cerebral. simplesmente porque no câncer a mente continua a operar de maneira mais ou menos íntegra. então. mesmo em casos de doença. Na depressão. as leis naturais impõem limites a ambos. sinalizando fome. não adoece jamais e supõe que pode curar-se sozinha por uma ato de vontade ou “pensamento positivo”. em que há uma máquina. inventa. Seja no caso da mente humana. Ao contrário de uma empresa estanque. porque o cérebro já está preparado para implantá-la.12 Disfunção mental si. somos duas empresas: cérebro e mente. para criar coisas novas. recriando-se na cultura e tornando-se passível de ser replicada em máquinas. A mente surge praticamente ao nascermos. Um indivíduo com câncer pode se beneficiar de sua imensa vontade de superar a doença. iludese. “Penso coisas boas e fico bem” é o que muitos supõem ser operação mental legítima. como a mente é a afetada.2 . nem por isso deixou de exigir um meio físico de suporte. seja no caso da mente artificial.224 A abstração do código não é espírito porque código não presume ausência de limites. a própria vontade. é preciso dotá-la de departamentos virtuais (mente). Não se está negando que. que o pensamento pense e que a emoção sinta se são eles que estão doentes? cap. Vontade e pensamento não podem transformar em realidade aquilo que afronta as leis da física. não se supera. a crença pág. a vontade desempenhe certo papel. A confusão entre a natureza virtual do código e a natureza concreta do meio físico é que leva à suposição equivocada de uma mente exclusivamente espiritual ou cerebral. havendo um cérebro por trás. Eles serão formados à imagem e semelhança da cultura tão logo sejamos expostos ao mundo dos outros seres humanos. espírito sim. A vontadecódigo é limitada. Não é espiritual porque abstração e codificação não são sinônimos de espírito. A mente-espírito não cria. É por isso que. ensinar. a vontade-espírito é mágica. sempre existirá um meio físico possibilitando o desenrolar do código abstrato. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Se a mente se desgarrou do cérebro na sua capacidade abstrata de codificar. particularmente quando há alguma disfunção mental conco-mitante. mas tem limites e adoece. Como se pode. o pensamento ou a emoção estarão disfuncionantes. incluindo aquela que rege o funcionamento cerebral. Uma é cheia de rotinas que não precisam de muita invenção para funcionar. Esquecem-se de que.) Mas. esperar que a vontade queira. não é unicamente cerebral porque o cérebro é apenas um dos meios que podem dar suporte à expressão do código mental. aprender. Mas não é tão importante quanto se imagina que seja. em que há um cérebro por trás. (Não há por que modificar a maneira como um cérebro metaboliza glicose. Um indivíduo com depressão também? Não. A idéia de controle mental é veiculada por uma série de pressupostos médios da cultura circundante. cap.12 Disfunção mental média cultural confere a ela uma vontade ilimitada e um poder extraordinário de se autocorrigir. vontade e conhecimento. revisar uma série de cânones comportamentais? pág. Para aqueles que querem crer na divindade. pelo seu conhecimento infinito. . ria que em nada se parece com nossa mente. embora cheio de poder. ainda que estranhas à nossa compreensão. particularmente o pensamento. está sujeito a limitações) e sua identificação com alguma forma de divindade. decide e quer. Haverá como manter a mente sujeita ao cérebro sem precisar. criados à sua imagem e semelhança. pela sua onisciência. julga.A concepção de uma mente que tudo pode. se deus é espírito. ao mesmo tempo. jamais de contraposição ao conhecimento. pois razões cerebrais o haviam obrigado a cometer o crime. a negação de seu sítio cerebral (ali há um órgão físico que. devem ser motivo de silêncio e fé. o ato do indivíduo seria inimputável. mas. que. quebra-se um dos pilares do direito: a idéia de liberdade e de conhecimento para agir de maneira diversa. julgamos que nossa mente também o é. onipresença e onipotência deus torna-se a mente levada ao limite extremo. lança-se mão de uma forma acessória: a noção de um deus cheio de poder. que não poderia ter agido de outra maneira. Imagine que um homicida pudesse alegar. mesmo nas situações em que a correção entra em conflito com as leis cerebrais subjacentes. A idéia de termos sido criados à sua imagem e semelhança − provavelmente. nem tem vontade e pensamento como nós os concebemos. As propriedades da mente (assim como as pessoas a imaginam). estando apenas parcialmente ligada ao corpo através do cérebro. Suas razões. pois. deus pode ser uma alego- Suponha que amarrem um indivíduo e injetem-lhe à força uma substância alucinógena. diante de um júri. Soltam-no em se- 225 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Construímos um sistema moral. nas condições conhecidas de direito e moral. E. Quando esse controle falha. Nada mais natural. tudo sente e tudo pensa carrega. ético e jurídico baseado na idéia de uma consciência que sabe. pela sua bondade incomensurável. são todas recriadas e amplificadas na concepção de deus: pela sua vontade suprema. ao mesmo tempo. Ao se provar que razões cerebrais podem determinar uma ação. a vontade. É um raciocínio neurológico complicado. o sentimento e a memória. sem com isso perder a racionalidade. fruto do temor de que a limitação cerebral empobreça a vida porque perece como coisa física e não vai além do que as leis físicas determinam − gera problemas na medida em que faz supor que somos formas parciais de uma vontade e de um pensamento ilimitados. suponhamos ser formas degradadas dessa mente. atemporal. a média das pessoas entende que a vontade e a escolha são sempre livres e possíveis. ficou bom em seguida. especialistas em estruturas. somos culpados. somos inocentes. Simplesmente porque não era ele que estava de posse de suas faculdades mentais de conhecimento e de escolha. Quando se lança mão de uma explicação do tipo: “Esfreguei um pano na tela do computador com defeito e funcionou”. através da substituição de uma peça. Será condenado? Não. Quantas pessoas agindo de maneira idêntica a nosso paciente rebelde obtiveram melhora? Tantas quantas se teriam curado por obra do acaso.Imagine que um grande estádio de futebol esteja com as colunas aparentemente danificadas. está-se negando a racionalidade. Ora. Nenhum deles afirmou que aquele estádio iria desabar. Um mês depois. está tão distante da biologia e da física que é praticamente impossível convencer a média das pessoas de seu sítio cerebral e. os casos em que fosse feito o reparo adequado. pág. o engenheiro entrega um parecer cheio de argumentos afirman- 226 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero O argumento irracional insiste. se a droga é externa. parente dos deuses. a porcentagem das correções decorrentes de se esfregar um pano na tela e a daquelas devidas ao acaso seriam semelhantes. se interna. Entre mil estádios nessas condições. uma mente coagida por um cérebro tem igualmente “drogas” internas (neurotransmissores) que a impulsionam. Interessante contradição: na concepção corrente. estuda o problema e recomenda a interdição. se pegássemos mil casos de arquivos que não encaixam na lixeira ou telas embaçadas. não sendo interditados quando deveriam ter sido. diante do risco de explosão de uma caldeira chama um engenheiro especialista em termodinâmica para um parecer. contrariando a ordem médica. bem menos que aquelas que obedeceram às ordens médicas. teriam porcentagem de sucesso próxima de 100%. Ou seja.12 Disfunção mental guida. Era tido como incapacitado e irrecuperável. Era a droga que o tinha envenenado. Condena-se aquele que pode ter sido coagido por drogas cerebrais internas e inocenta-se o que foi envenado por via externa. há perto de uns 50 que. correndo o risco de desabar com 100 mil pessoas dentro. rouba. Funcionar. portanto. mente e tudo o mais. geralmente é acidental. Isso prova que o parecer dos engenheiros estava errado? Não. Sem as cordas e a seringa do exemplo acima. O absurdo dessa visão está na desconsideração estatística: não se avaliam casos isolados. de suas limitações físicas. e ele mata. Ao contrário. descrevendo situações em que alguém. fez todo tipo de esforço quando deveria ter descansado e curou-se. nesses casos. da moral e do direito. . cap. porque nossa mente deve ter controle sobre o cérebro que a sustenta. mas populações. o cérebro que cria a mente deve estar sujeito a ela. Uma equipe de engenheiros. jamais desabaram. O diretor de uma fábrica. Essa mente contraditória. ou seja. O que isso quer dizer? Apenas que. por exemplo. “O vigia noturno também disse que não ia explodir”. interdisciplinar da mente humana. c) como as máquinas podem superar e substituir algumas de nossas capacidades. . 46). se funcionar. seja ela a engenharia ou a medicina. aposta-se no estádio que não desaba ou na opinião do vigia. apesar da semelhança superficial.Fig. Porque nela os deuses são espelhos plenos e todo-poderosos de nossa mente. portanto. mas estão submersas em um sistema de valores e justificativas tão diferentes que são radicalmente opostas. que prega que a mente tudo pode. visa a preencher as lacunas do conhecimento no que concerne ao modo como processamos informação. Todo estudo SÍTIO DA MENTE Vejamos de maneira esquemática os dois modos (Fig. Ao fazer isso.46 − A nova mente incorpora o sítio cerebral à antiga visão. proclama o irracional. que postula que a mente pode muito. que afirma que a Terra (mente) é o centro fixo em torno do qual gira o Sol (cérebro). apesar do parecer contrário dos especialistas. Henrique Schützer Del Nero A concepção de mente que as pessoas têm é exatamente essa. mas dentro dos limites a ela impostos pelo cérebro. Quando se aposta no estádio que não desaba. Embora se diga que adoece. Podem parecer idênticas.12 Disfunção mental do que não há risco de explosão. enfim. E mais. sai-se por aí desacreditando a ciência. situar o presente debate acerca do modo novo e do modo antigo de enxergar a mente. posteriormente. e a moderna. e) como tratar e prevenir tais disfunções. dos maus espíritos e do mau pensamento. d) como são as disfunções cerebrais e mentais. impondo-lhes limites da estrutura que processa a informação mental. como se o “não explodir” do engenheiro e do vigia fossem a mesma frase. b) como aumentar seu rendimento pelo aprendizado e pela educação. antítese de deus. Porque nela. 227 A discussão sobre a patologia mental envolve duas perspectivas: a antiga. é criticado por outro que afirma que não havia necessidade de ter feito gasto tão expressivo com o parecer. O diretor. mais ainda. Por que idade de trevas? Porque nela impera o geocentrismo. do pensamento e da sensação. está-se regredindo a uma idade de trevas. remodela alguns conceitos da antiga visão. Compreendendo como se dá esse processamento podemos entender melhor: a) os limites da mente humana. Porque nela a doença mental é patologia da vontade. a disfunção da mente é possessão do diabo. incluindo a ciência cognitiva. cap. A questão aqui é. pág. convenção externa e arbitrária. se acerta em alguns casos. não acredita num sítio cerebral a determinar os atos voluntários. seria possível salvar uma pessoa do julgamento incorreto. alguma forma de castigo. Voltando à casa. Ao se pensar assim. que os encarna. o magistrado que propõe uma visão antiga depara-se com a depressão 228 Embora errada. Essa deificação do mental mantém. cap. vontade absoluta. essa concepção também carrega consigo um dano potencial. valor de ponderação para a vida em sociedade. juízes inclusive. chamado de “a mente arcaica” na Figura 46. um discurso pseudodiligente. acerta-se muitas vezes na imputação de culpa àquele que poderia ter agido de outra forma. d) tem em deus sua forma absoluta (pensamento absoluto. parece ser melhor apostar em idéias que façam os dez acreditarem que estão longe de deus ou dos bons pensamentos. nem a moral uma conquista do cérebro animal.12 Disfunção mental O modo antigo de enxergar a mente. parece garantir a manutenção da ordem jurídica e social entre os seres humanos. ignorante e passivo no que tange aos atos e à moral. condição de delimitação dos atos que devem ser julgados à luz de uma vontade que pode corrigir-se e de outra que não pode fazer frente às determinações cerebrais subjacentes. A média das pessoas. Nesse caso. essa visão arcaica da mente não deixa de ter alguma funcionalidade. . a endossar seus erros. Isso é bom para a sociedade. como qualquer teoria errada. porque as idéias são mais novas e menos intuitivas. poder absoluto). incompatível com a do sítio cerebral. Porém. Por quê? Simplesmente porque perante deus e o direito parece haver ideais atingíveis pelo exercício da vontade e da liberdade. Ao se propor uma nova visão da mente. se de cada dez pessoas que se con- Lançar mão de outras idéias (“a nova mente”) pode resultar em um número menor de acertos. abrindo espaço para que as outras nove − talvez erradas no plano puramente mental ou comportamental − se escusassem. pág. b) é de outra substância que não a física. a visão arcaica da mente protege o pacto social. prescreve direta ou indiretamente que ela: a) está de uma maneira ou de outra descolada do cérebro.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero De certa forma. bem como nosso horror às limitações. Atos não são. passível de trangressão silenciosa. Acerta-se em nove. chamada divindade. a doença. Essa visão. sob a forma intuitiva. por supostas razões cerebrais. nessa visão arcaica. duzem mal uma está doente e as outras nove apenas equivocadas. não atitude concreta rumo à cura. há que se fornecer uma base física para a liberdade. que requer apelo e oração. Quando inatingíveis. os transferimos para uma entidade abstrata. Atos são prolongamento da vontade de deus. erra-se em um. reflexão racional. Por quê? Pelo fato estatístico de que. c) é capaz de escolher através da vontade. a moral. como educar as pessoas para que. É a mesma coisa que mandar o atleta com o joelho machucado correr mais rápido do que nunca. Com a mente acontece exatamente isso. conseguirá apenas agravar o problema. que supere limites. com o pensamento e a vontade. Pelo contrário. Mas imagine que o atleta esteja com uma lesão no A nova ciência do mental afirma que: a) a mente é um processo cerebral. Saberá agora distinguir o que pode e o que não pode ser corrigido e coibido pela vontade? . como no caso dos 50 estádios que não desabam. Isso é válido? Sim. O treinador o estimula para que se esforce na superação de seus limites. nesse momento. e costuma resultar em motivação e interesse. o organismo agüentará os dois esforços. E o que é pior. Não percebemos tam-pouco quão freqüentes elas são. nem qual é o modo de tratá-las. pela simples suposição que nove entre dez casos aparentemente semelhantes responderão adequadamente à repressão e à censura. não percebemos que também tem suas lesões. deixando com isso um totalmente injustiçado. Se a sorte ajudar. agora é hora de fazê-lo repousar para que possa. salvo naquilo em que entrem diretamente em choque com o conhecimento atual acerca do cérebro. jurídica e espiritual do ser humano. estejam. b) se conseguirmos abstrair os có- 229 Se não se conhecem os limites para a mente humana. Como não há uma teoria substituta para a vontade e para as práticas espirituais. Ao tentar superar qualquer marca. regenerando o joelho enquanto corre. Não adianta exigir.12 Disfunção mental de um filho ou a crise de pânico de um subordinado. Os outros 950 atletas ficarão lesados para sempre.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A situação é parecida com a de um atleta que treina para uma corrida. O indivíduo chora e mandamos que engula o choro. Pensa absurdos e mandamos que tenha os pés no chão. cap. Imagina tragédias e mandamos que visualize flores. pág. quem sabe. muita gente sairá por aí alardeando que a melhor maneira de consertar joelho lesado é mandar correr. não se pode condená-las. ao mesmo tempo. Sofre e mandamos que ria. sem se tornarem conformistas-passivas. ou mesmo ao tentar correr nessa situação. Apontar limites teóricos para a ação cerebral não deve redundar em perdoar a passividade e a preguiça. voltar a competir. cientes dos limites reais de suas mentes? É provável que possamos fazer muita coisa que não imaginamos poder. Não quer sair da cama e mandamos que supere a inércia. Porque somos filhos de uma tradição que olha para ela como se fosse independente do cérebro. A nova mente não impede que se mantenham quase intocadas as estruturas social. o problema. Mas também não há lugar para exigir-se de alguém aquilo que não pode fazer. joelho. Exigimos que a mente se conserte sozinha ou que enfrente. nos costumes. dentro. porém. pág. agir-se-á como se a vontade fosse plena. Afinal. d) não é possível. poderemos obter mente em outros meios físicos − nas máquinas. um novo direito. a liberdade e a ação voluntária do ser humano. na produção econômica e até mesmo no Há que se preservar os usos e costumes e também adotar certa parcimônia na remodelação precoce de noções como vontade e liberdade. na produção intelectual. a menos que entre em conflito com o que já conhecemos da operação cerebral. . nem com as leis físicas que regem o cérebro. uma nova sociologia. nem o ansioso de conselhos. não cabe exigir que vá ao limite ou que opere em condições normais. Essa nova concepção preserva a cultura. quando essas visões estabelecerem confronto direto com o que sabemos que a mente não pode fazer. e sim como objeto de uma ciência que lhe estuda as bases cerebrais.12 Disfunção mental Henrique Schützer Del Nero digos implantados pelo cérebro para forjá-la. saber que a mente se desregula com certa facilidade. instrumentos de que a natureza lançou mão ao criar os cérebros. Na vigência de dúvida. uma nova ética. não se tratará o problema da vontade como matéria de opinião. agora informadas pelo substrato cerebral. a ruptura e a revisão de conceitos deverá ser imediata. tais como a moral. as regularidades ou as sincronizações que estão por trás dos fenômenos mais complexos da vida mental. a reboque da concepção e do estudo da nova mente. o dever. de certos limites e baseada não num sopro divino que nos dá esses poderes. a invenção e a razão. definir esses limites. mas na operação cerebral complexa que os sustenta. uma nova moral. nas relações entre pessoas e entre pessoas e objetos culturais. No futuro. Para as situações triviais. f) uma vez desregulada. na religião e na idéia da divindade. são todos produtos de uma lógica natural. para adaptar-se ao meio e sobreviver às ameaças. desde que não entrem em choque com diagnósticos médicos de anomalia mental. Há uma lógica biológica na ética. uma nova administração e talvez até uma nova religião. por ora. uma solução conciliatória entre a tradição (ou ignorância provisória) e a nova época. Aquilo que não sabemos explicar com as novas ferramentas lógicas e formais deve-se manter inalterado. uma nova educação. nem o disléxico de castigos. O deprimido não precisa de deus. poderemos conhecer as regras. uma nova economia. de posse dos códigos certos.Cabe. uma nova arte. no entanto. Mas. por ora. na moral. particularmente o do ser humano. e) é possível. Esse futuro nos reserva. nem o obses- 230 SÍTIO DA MENTE culto. g) a vontade e o pensamento podem ser usadas como armas de superação pessoal. cap. excluída a patologia mental. c) a mente pode ter limites incríveis em virtude da capacidade de estabelecer sincronizações entre módulos concretos. O que as distingue − biologia e cristianismo − é como e por que propõem solidariedade e fraternidade. surge uma nova psiquiatria. nem como substituir a alegoria do amor ao próximo por um análogo biológico-mecânico. o preguiçoso de correção. nem o sacerdote no de pedir mais fé ao fiel. mas inserida no diaa-dia de todos aqueles que entendem os conceitos bási- 231 Opinião e conhecimento Admitir o sítio cerebral da mente é. com ares biológicos. Isso. antigas idéias cristãs. pág. processamento de informação no nível das sinapses e dos circuitos cerebrais (ordem das intervenções calcadas no conhecimento científico.SÍTIO DA MENTE Como distinguir quando a mente precisa apenas das correções usuais da cultura e da tradição (ordem das intervenções calcadas provisoriamente na opinião) e quando precisa de remédio que reinstaure o limite correto do Concomitantemente com uma nova visão do mental. O fato de duas teorias proporem numa determinada situação a mesma conduta não as torna idênticas. não mais confinada nos hospícios e tratada como tabu. colocar limites para a ação humana e procurar as regras de sua condução. Como em qualquer fase de transição científica e também cultural e social. o altruísta de louvor. regras que digam como se dão os processos de correção e de incorreção de comportamento. por ora. Aqui. Henrique Schützer Del Nero O ignorante precisa de instrução. o egoísta de limite. Muito menos. o que significa que dividir a renda e pensar na miséria e na dor do semelhante não são simplesmente questão de opinião. muitas vezes auxiliadas por drogas. nem o professor no de ensinar o aluno. Nessas patologias. Não temos. nem o pai no de educar o filho. cap. ao contrário de problema para o técnico. o abnegado de prêmio. discutíveis apenas entre técnicos habilitados)? Sem conhecer a articulação dos fatos cerebrais que geram a mente não se pode intervir em cada porção com exatidão e instrumentos adequados. admite-se a confrontação de opiniões. é problema de cada um nas situações mais corriqueiras. há uma base biológica para certos comportamentos solidários. como defenderei ao longo deste livro. o solidário de culto. a nova ciência da mente não pode substituir o juiz no papel de julgar o delito. ainda que pareça. Todos precisam de terapias específicas.12 Disfunção mental sivo de reprovação. há um saber científico que prescreve o que fazer e o que não fazer. a um só tempo. questão de reviver. como aparentemente não há matéria científica em jogo. o tímido de ousadia. Porém. . na medida em que saber quando recorrer à ciência e quando exercer o direito de opinião é matéria pré-técnica. nem o chefe no de exigir desempenho do funcionário. mas não engendrou um sistema racional de detecção da disfunção. erra. ao ostracismo e à culpa muita gente cujo delito único foi ter um cérebro a coordenar suas mentes. pois desconfio estar aí a força que se opõe à mudança de paradigma para a vida mental e para seu sítio cerebral. devido à sua queda de produtividade e às suas constantes visitas a médicos clínicos com queixas somáticas vagas. o que redundou em condenar ao exílio. Agiu certo pela via errada em várias situações. Analisando o quadro exclusivamente por uma ótica material. Quando um amigo convida outro para sair e estimula-o a superar o medo e enfrentar a nova turma. Quando o chefe pede mais empenho a seus vendedores para que se conquiste um novo nicho de mercado. Não se computam aqui os outros bilhões de dólares gerados pela indústria de tratamentos alternativos. quando censura o deprimido. Por isso. A antiga teoria se beneficiou do potencial criativo da mente. acerta. acerta. a despeito de estar com um quadro de pânico. Além da culpa indevida. Quando o padre pede a seus fiéis que sejam mais amorosos com o próximo. acerta. Quando uma mulher pede ao marido que seja mais atencioso e dialogue mais com ela. fazendo uso da antiga teoria. a antiga visão da mente leva a perdas gigantescas de recursos materiais. acerta. erra. A disfunção mental deixa de ser estigma. Calcula-se que se percam 50 bilhões de dólares por ano nos EUA somente com pacientes deprimidos. engula o choro e pense em coisas boas. seitas pseudo-religiosas e artimanhas similares de que se servem os ignorantes e inescrupulosos para oferecer alívio aos doentes. quando aceita em público um passe ou um pé de co- cap. quando exige que o ansioso programe seu cérebro para não suar nas mãos ao cumprimentar um comprador. Quando o professor dá uma nota baixa para o aluno preguiçoso. afirmando que está assim por possessão demoníaca ou por ter-se afastado de deus. Quando um pai pede ao filho que leia mais e se instrua. erra. acerta. quando insiste para que o outro saia da cama. Quando um candidato procura exercer a diplomacia não ferindo suscetibilidades.232 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero pág.12 Disfunção mental cos de operação cerebral. quando pede auxílio a uma vidente para saber se pode ou não viajar de avião. transformando-se na evidência de que um órgão tão complexo quanto o cérebro e um produto tão rico quanto a mente constituem fenômenos delicados e com enorme potencial de desvio. quando pune o desatento vítima de uma disfunção cerebral. erra. Quando um governante apela ao amor abstrato pela pátria para obter a coesão da população. erra. acerta. acerta. . acerta. quando diz que sua falta de motivação e concentração causados por um quadro ansioso vem das más companhias. creio que esses dois universos devem ser confrontados. erra. quando supõe que sua perda de libido devido a uma depressão se deva à paixão por outra ou por cansaço do casamento. O limite entre o normal e o patológico é tênue. erra. a criação e a doença caminham bem próximas uma da outra. pág. Quando se advogam métodos de emancipação e auto-ajuda supondo que revertam para o bem coletivo. cap. levantando em certo sentido uma pauta para se discutir a mente neste final de milênio.O limite de atuação da mente será dado. De modo geral. Tendo examinado. acerta-se. Quando um ministro responsável pela moeda solicita que se pesquisem preços boicotando aumentos abusivos. procure outra via de solução para o problema. aja de acordo com sua intuição. pela presença ou não de disfunção mental. acerta. Talvez jamais seja. quando se impede uma transfusão de sangue porque ofende deus. está-se entrando em choque com teorias químicas e farmacológicas muito mais sólidas.12 Disfunção mental elho para afastar mau olhado. por outro. erra. Mas nem por isso devemos pensar que o funcionamento mental se resume à retórica desta ou daquela pseudoteoria. entífica existente? Se suas idéias se dirigem a um indivíduo que está com o cérebro e a mente afinados. dada a complexidade dos processos. A antiga teoria não será por ora abandonada. quando se manda pensar coisas boas para “programar” o cérebro. Quando o jornal declara sua imparcialidade e divulga todas as correntes de opinião. siga em frente. quando se propõem técnicas de superação dos limites humanos e biológicos com o fito do sucesso. . erra. Talvez jamais tenhamos uma regra mecânica que indique como escrever a Divina Comédia. quando tenta. tendo apenas o cuidado de examinar se sua proposta não colide com alguma teoria científica mais consistente. se a mente a que se dirigem as idéias está ajustada e se as idéias não violam teorias científicas bem estruturadas. negar a realidade. portanto. pela ilusão. Por exemplo: quando se usa a homeopatia. de um lado. Parcimônia e bom senso científicos nas situações cotidianas são atitudes racionais que podem evitar muitos transtornos. está-se indo de encontro à neurociência que absolutamente não reconhece tal prática como válida. 233 Pergunte-se sempre. Também erra quando dá o mesmo valor a um congresso sobre os últimos avanços da biologia molecular no tratamento dos problemas de memória e a um simpósio de medicina alternativa baseada na anatomia dos chacras. etc. pela observação das limitações biológicas e naturais de qualquer fenômeno e. está-se contrariando uma teoria científica que prescreve o procedimento naquele instante. quando coloca lado a lado o prognóstico do especialista e a previsão da vidente. erra. Cabe a todos estarem atentos ao que as teorias científicas dizem a cada época a respeito de uma série de fenômenos. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A lista é imensa. diante da dúvida quanto à aplicação de qualquer idéia sobre funcionamento mental: a) a mente do indivíduo ou a minha estão saudáveis? b) minhas idéias vão de encontro a alguma teoria ci- É bom acautelar-se diante de teorias que pretendem fazer de nós super-homens. acerta. Do contrário. erra-se. com o cenário cotidiano. Os sinais e sintomas de que vamos tratar adiante são como luzes de advertência na tela que mostram quando se deve tentar resolver o defeito sozinho. . etc. Por sorte. é pouco razoável. comparando o engenheiro e a vizinha. Detecta-se a disfunção mental através de uma vasta gama de sinais e sintomas. Não basta listar sinais e sintomas num panfleto que se distribui de porta em porta. exemplifica-se. por azar. Síntese cap. da dedicação.SÍTIO DA MENTE A especificidade das funções mentais.. dada a natureza da forja do mental. é subproduto imediato de qualquer teoria da mente. uma vez conhecidas. Não percebendo a natureza diversa dos discursos. Por sorte. a plêiade de quadros com que podemos nos deparar. Sabe-se que a opinião pode ser dada quando não vai de encontro a 234 Henrique Schützer Del Nero Imagine que voltamos ao exemplo do computador que passa a exibir um problema na tela. Ouvir o parecer de especialistas e supor que são apenas opiniões a mais. e portanto das anomalias mais ou menos específicas. situado no plano da ignorância e do preconceito. o médico e o curandeiro. através do estudo. Quando tentamos resolver o problema sozinhos e quando chamamos o técnico? O problema da disfunção mental.12 Disfunção mental embora falha. indicam que ela está titubeando. levou-me a optar por mostrar uma série delas acompanhadas de disfunções potenciais. antes de assunto para médicos. Toda vez que fornecemos a alguém os corretos instrumentos de conhecimento suas decisões tendem a ser racionais e criativas. a ciência ainda é a melhor maneira de falar consistentemente de certos domínios de conhecimento. da perseverança. e quando se deve chamar o técnico para que corrija uma instrução ou troque uma peça. São sinais e sintomas que qualquer um pode ver. a mente aparelhou-nos com luzes de alerta que. é relativamente fácil corrigir essas disfunções. pois funcionam como luzes de um painel acessível ao nosso olho interior e também ao olhar dos que nos rodeiam. Entender a articulação entre o cérebro e a mente permite que se enxerguem as possibilidades de se agir por opinião ou de se recrutar parecer técnico. o leigo pensará que o boletim da Organização Mundial da Saúde tem o mesmo peso do folder colorido distribuído pela vidente da esquina. muita vez elas não são diagnosticadas precocemente ou jamais se aceita tratá-las. pág. Além de ressaltar a praticidade de idéias que pareceriam filosóficas ou científicas. cap.3). Cf.. Ed. notícia de o Estado de São Paulo em 01/09/95 "Hospital obtém liminar contra paciente que recusa tratamento" de autoria de Happy Carvalho: "Rio: .. cf. Filkenstein. cf. V. a respeito de limitações à vontade irracional. nem tampouco aceitar que se vendam por aí idéias falsas. N. 2) sobre as perdas americanas apenas com custos indiretos. por exemplo. E... conhecimento é outra. requer bem mais que o saber ingênuo que se apregoa em muitos púlpitos.3-14).A paciente S. empresas e locais de trabalho.1-18).Notas 235 1..R de 28 anos. Porém. SÍTIO DA MENTE 2) Cf. recusa atendimento médico. Berndt. Dimenstein.12 Disfunção mental uma mente alterada. da 1a Vara Cível da Defensoria Pública. asilo e hospital" no jornal Folha de São Paulo de 26/09/95 (p. "O custo invisível das doenças no trabalho" em Revista Exame. Grande parte das ilusões que se vendem hoje em dia sob o rótulo de tratamentos para a mente encontra ouvidos porque não se educam e instruem as pessoas com uma teoria séria da vida mental. G. ela não quer passar por sessões de hemodiálise. escolas. de sua função e desvio. S. Deve estar claro que uma ciência da mente.B. ou simplesmente truísmos. 28/02/96 (pp. "Depressão tira funcionário do trabalho" em Folha de São Paulo 15/09/96 (p. condizente com o estágio atual do conhecimento científico acerca do cérebro. Será que alguém que está perto de suicidar-se ou de pág. 86-87).moveu uma ação judicial. preservar o direito irrestrito de opinião não significa aceitar a tirania da ignorância. . Ora. Apesar de sofrer de problemas renais crônicos. para que o tratamento seja mantido independente da vontade da paciente" (grifo meu). A vontade pode ser contrariada diante da irrazoabilidade e irracionalidade auto ou heterodestrutiva.. 4) Russo. a respeito desses números estatísticos: 1) Gentil Filho. nem entra em choque com teorias científicas que prescrevem o oposto. "A ignorância faz mal para a cabeça" no jornal Folha de São Paulo de 19/05/96 (p.. desdenhando da ordem das coisas que são temática de opinião ou de fé. sob a aura de ciência. Henrique Schützer Del Nero Não há nenhuma intenção de exercer uma tirania do conhecimento. P. a patologia psiquiátrica é o ponto limite dessa situação. Opinião é uma coisa. internada há 17 dias no Hospital. Greenberg. resultantes da queda de produtividade devida a depressões. A diretora do hospital. 3) Sobre programas americanos de alerta à população sobre doenças mentais e o modo de conduzir-se diante delas. cuja liminar foi concedida esta semana pelo juiz Ruyz Athayde Alcântara de Carvalho. Abril. "Manicômio. pág. embora muita gente faça vistas grossas para situações semelhantes em atitude ignorante e preconceituosa face ao cérebro. . recusar o tratamento.12 Disfunção mental agredir a outrem pode. aludindo para isso qualquer opinião e contrapondo-se ao atual estágio de conhecimento médico a esse respeito? Claro que não. 236 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero cap. pelo exercício da vontade. à mente e à psiquiatria. um manipula e processa informação. formado por dois conjuntos de células . integração e execução motora. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 13 cializado na recepção de informação. uma pág. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. Assim. algumas vezes. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. formada pelos neurônios. vai aumentando de acordo com a escala animal. entre os mamíferos. A mente adoece collegium cognitio 236 O cérebro humano é. tal qual fosse um computador. Há na porção responsável pelo processamento. no entanto. Seu grau de complexidade. “quantidade é qualidade”. Isto mostra que. o outro dá suporte físico e sustento. um dos números mais gritantes é o de encefalização . O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. basicamente. ao longo de milhões de anos. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. Henrique Schützer Del Nero A mente alterada cap. e.13 A mente adoece parte 3 .SÍTIO DA MENTE natureza selecionou.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. 13 A mente adoece A MENTE ADOECE . porém. devemos fazer uma ressalva: estaremos tratando exclusivamente da mente humana. seja em máquinas (e. etc. as características do sistema fazem com que a anormalidade apareça de um jeito na máquina mecânica e de outro na máquina elétrica. sincronizações. vontade e sonho são alguns desses protagonistas. cap. atenção. código analógico. afetividade.SÍTIO DA MENTE Vamos recordar alguns pontos. desde que se respeitem suas peculiaridades de código (no caso. O que é genérico sempre ocorrerá. quem sabe. Toda vez que surgem. por exemplo. será possível construí-la em outros meios físicos. que interpenetra as relações entre os seres hu- manos e destes com objetos culturais). Essa é sua razão abstrata. e por escolha didática conjugaremos a descrição da função com a da disfunção. haveria certamente um equívoco no texto que prejudicaria muito a compreensão do que é específico do cérebro humano e do que é genérico. se se conseguir imitar o código que o cérebro utiliza para gerar a mente. Como a mente surge no cérebro humano e mantém com ele uma relação determinada. indicam que há um problema na operação da máquina 237 Antes de falarmos de cada um deles. A função mental no cérebro humano admite uma coleção desses “encavalamentos”. seja em seres humanos. juízo. e também as disfunções a ela associadas. O que é específico não ocorre obrigatoriamente nas desregulagens mentais em outras máquinas. Isso porque há certas luzes de alerta (sinais e sintomas) que se acendem no caso de sua desregulagem. Memória. sonho. personalidade. humor. pág. até na chamada mente virtual. dividem-se arbitrariamente os protagonistas e papéis da peça que se desenrola no palco consciente.). pensamento. enquanto a parte abstrata independe de qualquer sistema específico para ser implantada. E porque existem disfunções completas que não necessariamente ocorreriam em qualquer mente (no caso do princípio abstrato aplicado a máquinas − teoria geral dos processos mentais e seus meios de suporte físico). Henrique Schützer Del Nero Q uando se estuda a função mental. Embora se pudesse omitir esse detalhe. Imagine uma mesma operação em máquinas diferentes: datilografar numa máquina de escrever mecânica e numa elétrica. Um datilógrafo muito rápido e batendo com força em duas ou ou mais teclas ao mesmo tempo pode causar um encavalamento na máquina mecânica e uma pane na elétrica. A porção que está atada ao cérebro depende de certos desenhos do sistema (mente humana). O datilógrafo e o erro são idênticos. cap. Principalmente porque antes. Agora. Não necessariamente apareceriam num sistema mente-máquina. angustiado (forma mais séria). por exemplo). na mente antiga. pág. se um indivíduo que costuma dormir de 7 a 8 horas passa a dormir 5 horas. deve ser contínuo.13 A mente adoece mente-cérebro. as classes de sinais e sintomas que costumam apontar para disfunções mentais no cérebro humano. aperto no peito. e assim por diante. acordando por vezes sonolento (forma mais branda). eram tidas como possessão.Sono Essas três formas − demorar para adormecer. olhos secos. Se tem despertar precoce. mais um sinal. sem interrupções. passam a ser apenas caprichos sinápticos. o normal de sono na população varia de 6 a 9 horas por noite. muitas dessas patologias. isso já é um sinal. sinal ainda mais forte. ou poucas horas (menos de 6). ocorra distúrbio de sono. crítica. Por representar um padrão cíclico no ser humano. é a insônia terminal: o indivíduo pega no sono. paralelamente. humor. uma vez que. No cérebro humano. disposição. dorme ininterruptamente o número habitual de horas. A terceira forma é aquela em que o indivíduo praticamente não chega a dormir. assim como a alterações do pensamento. o sono se presta a indicar precocemente muitas das É raro haver perturbação mental sem que. Assim. por vezes sobressaltado. os chamados short sleepers. compreendido o conteúdo deste livro. Vejamos. Se demora a pegar no sono. mas. depois. Claro que não é ape- 238 SÍTIO DA MENTE Pelo fato de grande parte dessas disfunções poder ser facilmente diagnosticada e tratada. e também suas manifestações. esse número diminui ou aumenta. Exceção feita às pessoas que têm necessidade natural de dormir muitas horas (mais de 9. acorda uma ou mais vezes durante a noite e volta ou não a dormir. desregulagens da mente. desde que para isso se abandone a visão antiga da mente. De modo geral. A segunda forma. intermediária. conjuntos de sinais e sintomas que demonstram que a mente está desregulando. acordar durante a noite e dificilmente dormir − devem ser comparadas também com o total de horas dormidas. nas desregulagens mentais. estão basicamente ligados a ciclos rítmicos e marca-dores de sincronização (caso do sono). Henrique Schützer Del Nero Esses encavalamentos são síndromes e patologias. . A forma menos grave de anomalia de sono é a insônia inicial: o indivíduo demora bastante a pegar no sono. acreditamos que qualquer obra geral sobre funcionamento mental deva conter uma parte dedicada a elas. os chamados long sleepers. a seguir. etc. A perda de capacidade de concentração. pág. a comparação do estado atual com o estado anterior. isto é. que só não será válida no caso de problemas crônicos. A atenção voluntária − aquela responsável pela capacidade de focar um certo objeto ou assunto − diminui. em que pode fazer anos que o sono está perturbado. constituem indicativos de desregulagem. Por trás de muito diagnóstico de falta de vitaminas ou de alimentação está um sinal de advertência de tipo motivacional. porque dissemos que certos sintomas dependem do tipo de máquina que está rodando a mente. sobretudo de fatos recentes. enquanto que a atenção espontânea − aquela responsável por detectar quaisquer sinais ambientais − aumenta. levando o indivíduo a distrair-se com facilidade e também irritar-se com freqüência devido à intrusão de estímulos externos e alheios ao problema em foco. se existe dúvida quanto à desregulagem de base. por este exemplo. Motivação Memória Afora os distúrbios específicos. Cuidado.13 A mente adoece nas a insônia que indicará uma disfunção. Em geral. Concentração cap. 239 Outro ponto que evidencia a existência de desregulagem é a alteração na motivação. Por vezes. Henrique Schützer Del Nero O leitor percebe. dificilmente se enquadrará num padrão normal. uma investigação a respeito do padrão de sono poderá auxiliar no diagnóstico. a distração excessiva. a des-motivação é física. Pode se tratar de simples problema ansioso que dificulta a fixação da atenção. a concentração tenda a se romper ou decair. gerando queixas de fraqueza e cansaço fáceis.SÍTIO DA MENTE É comum que. Não acredito que um computador que tivesse um programa do tipo mente tivesse insônia quando este desregulasse. a pessoa com disfunção mental apresentará perda ou excesso (exagero) de motivação. por vezes dispersando-se do foco do problema. mas ainda assim costuma se fazer acompanhar de uma queixa do indivíduo quanto à perda de capacidade de memorização. De modo geral o padrão médio é o que mais interessa. nos casos de disfunção mental. . a atenção que se volta para os objetos ao redor. mas. incapaz de se fixar num ponto. a perda de memória freqüentemente sinaliza a existência de algum distúrbio mental. a alteração constitui sintoma potencial de desregulagem. e ainda prejudicando o paciente. Sintomas físicos Os chamados sintomas vagos − dores estranhas. a perda ou o excesso de apetite. bem como o aumento ou excesso de libido (impulso sexual) podem indicar problema na esfera mental (mais uma vez. cap. desde que excluídas outras causas. também podem apontar para problemas mentais. também a sexualidade está relacionada a quadros de desregulagem mental. sem que com isso se ataque a origem do problema. de maneira súbita. etc. a queixa de memória no adulto jovem. novamente. De modo geral. cabeça oca. Henrique Schützer Del Nero Apetite víduo na média dos últimos tempos) afigura-se como sinal de distúrbio da mente (aqui. A perda ou diminuição. no período de um mês. − costumam sinalizar desregulagem mental. normalmente após visita a um clínico. formigamentos. Acompanhada de ganho ou perda de peso ao redor de três a quatro quilos. álcool. descartados outros problemas orgânicos). batedeira no peito (taquicardia). Grande parte dos problemas psiquiátricos são tratados erroneamente por clínicos gerais com técnicas mais intuitivas. Fadiga SÍTIO DA MENTE De modo bastante geral.13 A mente adoece porém. não decorrentes de regime de engorda ou emagrecimento. tonturas. diarréias. . porque há distúrbios de memória específicos das degenerações cerebrais senis e alguns outros devidos ao uso de drogas.Excluídas outras causas orgânicas. 240 A presença de fadiga ou de disposição acima do normal (normal aqui entendido como o habitual do indi- Libido pág. Cumpre salientar que os chamados tônicos para a memória ou quaisquer programas verbais de otimização dessa função costumam não passar de engodos. excluídas outras causas orgânicas). etc. aponta na direção de distúrbio de atenção e não de distúrbio mnêmico específico. sem a concomitância de outros fatores patológicos. constipações. vertigens. mas a justificação que se dá a ela. com “sacadas” um pouco excessivas. como ver coisas. É interessante que a comunidade científica nessa época ficou meio dividida quanto ao caráter charlatão do acusado. Percepção A idéia de que pessoas de pavio curto ou extremamente mal-humoradas são assim por temperamento em geral é equivocada. ou às vezes representações internas com conteúdo sensorial. explosividade e impulsividade excessivas alertam para a presença de problema mental. costumam estar entre os mais graves sintomas ou sinais de disfunção mental. sejam premonições. ouvir vozes. com percepções abruptas quanto ao significado das coisas. de alguma maneira. bem como não ter dúvidas acerca de si. Como não o temos. a razão é uma constante. se a natureza tivesse de selecionar o atributo da premonição Irritabilidade e impulsividade pág. numa 241 As alterações perceptuais. Alguém que afirma ser perseguido pode de fato estar sendo perseguido. Henrique Schützer Del Nero A presença de pensamentos inusitados. O primeiro caso de condenação de alguém pelo exercício desse tipo de “poder de previsão” ocorre no século passado na Inglaterra. todos nós o teríamos. Antes de se supor que sejam mensagens com qualquer conteúdo extra-sensorial. pense-se no caso da desregulagem cérebromental. Síntese Apresentamos uma lista de sinais e sintomas que indicam mau funcionamento mental. místicos em demasia. é muito mais comum que se trate de histrionismo. Isto é.SÍTIO DA MENTE Lembre-se de que o que caracteriza a anomalia não é tanto a verdade ou falsidade de uma sentença. É comum que se pense que essas visões. impressão ou vigarice. São. estranhos. constituem indício forte de patologia mental. não tentar justificar o inusitado de sua afirmação.1 cap. Definitivamente. porém. com idéia de conexão inexplicável entre as coisas.13 A mente adoece Pensamentos . Irritabilidade. mesmo entre os cientistas. o que mostra que nem sempre. pode ser manifestação de alteração mental. exclusivos do cérebro humano. como mais apto para a vida social e mental. Trata-se de peculiaridades da mente no sistema cérebro humano. Ghostbusters" in Scientific American. R. porém.Notas 1. a respeito desse processo. cap. Milner. outubro de 1996 (pp. . 242 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Nos próximos capítulos. Cf. (1996) "Charles Darwin and Associates. abstrata e implantável tanto em cérebros como em máquinas. que abordam funções e disfunções.13 A mente adoece teoria geral da mente.72-77). quando agrupadas e com duração de algumas semanas. as desregulagens não necessariamente apareceriam nas últimas. pág. conhecido como "Sladev Trial". Não têm grande valor quando tomadas isoladamente. serão enfocados alguns eixos básicos da psiquiatria que podem auxiliar na obtenção daquilo que dissemos ser uma pista de que a mente não está de posse de todos os seus instrumentos de ação. apontam quase certamente para patologias mentais. formado por dois conjuntos de células .um manipula e processa informação. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. Seu grau de complexidade. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. tal qual fosse um computador. ao longo de milhões de anos. integração e execução motora. entre os mamíferos. Há na porção responsável pelo processamento. no entanto. Assim. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. e.14 O pensamento e seus distúrbios parte 3 . Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 14 cializado na recepção de informação. 0 pensamento e seus distúrbios collegium cognitio 243 O cérebro humano é. formada pelos neurônios.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. uma pág. “quantidade é qualidade”. basicamente. um dos números mais gritantes é o de encefalização . fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. vai aumentando de acordo com a escala animal. algumas vezes. Henrique Schützer Del Nero A mente alterada cap. o outro dá suporte físico e sustento.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. Isto mostra que. Isso mostra que o hemisfério direito não só processou a informação como a integrou num contexto coerente. O processo pode ser consciente ou não. Representa. o termo cognição. particularmente de uma área chamada neocórtex. O paciente relata não ter consciência de nenhuma imagem. que se liga ao hemisfério direito através de uma rede de fibras conhecida como corpo caloso. no hemisfério direito de um paciente que sofreu a remoção do corpo caloso. Ele conta uma em que estão presentes. o entrelaçamento de ambos seja inevitável. como vimos. então. dá um todo coerente a elas. O pensamento é função mental ímpar no ser humano. embora. que conte uma história qualquer que lhe venha à cabeça. de modo que as imagens somente cheguem ao hemisfério direito. é ele que se pretende explicar e modelar. Em alguns pacientes. Além disso. ao lado da linguagem. quase sem exceção. uma das grandes conquistas do cérebro humano na escala evolutiva. a meu ver. o que indica a possibilidade de processamento de pensamento e raciocínio sem consciência. mesmo os primatas não-humanos teriam formas apenas rudimentares de pensamento.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Muito se tem dito sobre o hemisfério esquerdo ser responsável por pensamentos analíticos e o direito. Pede-se-lhe. Na maioria das pessoas. é preciso fazer cirurgias que removam a conexão entre os dois hemisférios. Se fizermos incidir informação visual. O pensamento sem palavras normalmente é pobre.1 pág. A idéia de que pode ocorrer sem linguagem é defendida por muitos pesquisadores. Não por acaso. devido principalmente à presença de tumores ou quadros epilépticos intratáveis. Certas técnicas permitem fazer incidir informação em cada hemisfério cerebral isoladamente. os elementos das fotografias. pomar e celeiros. Se são fotografias de galinhas. conta a história de uma fazenda e de algum acontecimento ali ocorrido. passamos a ter duas unidades processando pensamento independentemente. A gênese dos comportamentos voluntários e a planificação e elaboração de estratégias de ação são papéis importantes dos lobos frontais. 244 O pensamento surge graças à evolução do tecido cerebral. a função consciente está relacionada ao processamento no hemisfério esquerdo.14 O pensamento e seus distúrbios O PENSAMENTO E SEUS DISTÚRBIOS . Coloca-se uma série de fotografias no seu campo visual específico. Até onde podemos inferir. Nesses casos. ocorrerá processamento de pensamento sem consciência. cap. Processado através de imagens. parece mera manipulação de conceitos lingüísticos ocultos. Daí. na primeira concepção da ciência cognitiva. por exemplo. A idéia é questionável. Quando chega a 99 graus. é apenas parte da explicação a respeito da gênese de cadeias de raciocínio. humanos. apresenta algumas falhas. costumam repentinamente brotar na consciência soluções para ele. uma vez que nós. de boa qua- lidade e essencialmente conceitual. como já vimos em outras passagens deste livro. como vimos. Ao contrário de significar burrice. Só que está absolutamente fora do nosso controle. quando alimentamos o sistema com uma teia rica de relações sobre um problema. Esse processo costuma ocorrer abaixo do limiar de consciência. mas. A idéia de computar ou de calcular está de acordo com o que o cérebro faz para processar símbolos. ambas totalmente desprovidas de qualquer fundamento científico. mas de regularidades. As intuições nada mais seriam do que a emergência na consciência de um padrão estimulado por um aporte rico de relações. processamos o pensamento e a tomada de decisões com critérios talvez não-inteligentes. . de técnicas baseadas em educação contínua. que coloca o pensamento como um encadeamento de símbolos através de regras. Porém. o que motiva a busca por condições de definição e operação da inteligência. Se há um componente genético e imutável na inteligência. e não há técnica conhecida que faça o raciocínio migrar de um ponto a outro. deve-se estar atento: tal otimização não se dá através de técnicas de sucesso rápido que se vendem de porta em porta. isso aponta na direção de um processo diverso daquele prescrito na chamada teoria normativa da decisão. basta aumentar em um grau a temperatura para provocar uma mudança radical no comporta- 245 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A concepção digital da mente. Esse projeto. Por isso. muitas vezes esse cálculo não se faz à custa de regras. No entanto. O pensamento é considerado inteligente ou não. por exemplo. também há uma enorme contribuição do meio e uma vasta capacidade de otimizar pela educação os processos racionais. O leitor deve se lembrar do exemplo da água que vira vapor. cap.14 O pensamento e seus distúrbios por pensamentos espaciais. A inteligência tem profundo compromisso com o pensamento. Mais genericamente ainda. Aprender sobre a mente é também desenvolvê-la.A inteligência pode ser definida como a capacidade de estabelecer e testar a maior quantidade possível de relações entre os módulos. Mais discutível ainda é o uso que se tem feito de-la. na medida em que se trata de conceito difícil e angular na tomada de posição acerca de um sem-número de impasses cotidianos. descartando as desinteressantes. bem como com a educação e com a instrução. sim. novamente. pág. É certo que há algum grau de especialização no processamento de linguagem e de raciocínio matemático e espacial. parece resultar da sincronização sucessiva de módulos neuronais que processam partes da informação. que inclui de afirmações do tipo “pensar com o lado direito do cérebro” à aplicação de técnicas que estimulariam tal capacidade. estabelecendo-se o tempo todo. Todo o processo de aporte calórico até que a água líquida ferva tornando-se vapor está abaixo da consciência. Como qualquer sistema físico. pode colocar o sistema na transição de fase. . até uma noite de sono.Como principal atributo da mente humana. no entanto. o sistema se organiza de uma nova maneira. quer em sistemas físicos. de início titubeantes. A inteligência. as “sacadas ”. como capacidade de estabelecer e testar relações. Isso explica a intuição e o domínio. não é apenas uma propriedade do pensamento. Temos uma série de relações (sincronizações).14 O pensamento e seus distúrbios mento do sistema. no caso da água sendo aquecida ou esfriada: água sólida (gelo). água líquida e água vapor. que representam um aumento na “temperatura” do processamento cerebral. cap. o cérebro possui a propriedade de dar saltos. quer em sistemas como o cerebral. para certos intervalos de energia. com o treino se tornam adestradas.2 emergência de um novo padrão. e é isso o que emerge na consciência. uma nova gestalt. Por isso. a “temperatura” aproxima-se tanto do ponto de transição que qualquer evento. que o todo é mais do que a soma das partes. pág. temos a impressão de que o conhecimento. de fazer as chamadas transições de fase (ou de alterar a topologia do conjunto de soluções do sistema através da passagem por um valor de bifurcação no espaço de parâmetros) para certos valores de energia. Em determinados momentos. a “heureca”. É como se percebesse somente três estados fundamentais. Isso está presente em muitos fenômenos naturais e também no modo como formamos todos a partir da justaposição de blocos (ou símbolos) ou no modo como realizamos abordagens qualitativas novas a partir do acréscimo de quantidades. quer em sistemas sociais. progridem em saltos. Henrique Schützer Del Nero A consciência parece ser a depositária apenas das soluções que o pensamento engendra abaixo dela. Simplesmente. É justamente isso o que está exemplificado na soma de 100 partes de temperatura: se até 99 graus tenho água aquecida. de certas habilidades que. O mesmo ocorre com a intuição. o que existe é uma imensa interação de elementos e um fluxo de informação ou energia que vai “aquecendo” o sistema até que ele dê um salto.4 No cérebro. as intuições. Embora esteja na moda um determinado conceito de inteligência emoci- 246 Diz-se. um novo todo que é o vapor. com relação aos fenômenos mentais − graças a uma doutrina chamada gestalt 3−. Não há nada de místico ou de espiritual nisso. É nesse instante que a solução para o problema. no nível mental de processamento). tenho a SÍTIO DA MENTE Tanto a teoria da complexidade como a teoria do caos têm muito a nos ensinar sobre esses comportamentos. o pensamento é o primeiro objeto de imitação para quem pretende construir máquinas capazes de exibir comportamento mental. a 100 graus. brota na consciência (isto é. através do aprendizado. um salto. mas de garantir o equilíbrio entre os sistemas. Nem sempre. no seu direcionamento e nas estratégias de compensação das partes mais fracas é de importância fundamental. isto é. uma visual. do novato para o especialista. Não se trata apenas de reforçar aquilo que o indivíduo sabe fazer bem. mas vários tipos de inteligência. o raciocínio transita do particular para o geral. segundo o qual é inteligente aquele indivíduo que. Em vez disso. Contudo. artes plásticas). Se. tornálo menos adaptado e principalmente mais deslocado (o que redundará em menor equilíbrio emocional). cap. 247 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero O papel da educação na detecção dos tipos de inteligência.14 O pensamento e seus distúrbios onal. adquirindo confiança também naquelas em que não está tão bem instrumentado pela inteligência específica. devem-se criar condições para que ele possa exercer outras atividades (poesia. da parte para o todo. Normalmente. Claro que o indivíduo tenderá a apresentar melhor desempenho nos domínios em que tenha maior aptidão específica. aquele que faz bem uma coisa tende a fazer bem outras. a inteligência deixa de ser apenas “resolver com facilidade um problema de matemática”. não aparelhá-lo nas outras formas de raciocínio poderá. o bom escultor. Entendida como modo de estabelecer relações sincrônicas entre módulos cerebrais. Haveria uma inteligência discursiva. etc. mas. literatura. e podemos incorrer em erros graves quando avaliamos quocientes específicos como o matemático ou o espacial. emoção e vontade. de vontade e de motivação que terão enorme relevância no desempenho final do sistema (nos comportamentos). No tocante à inteligência. Qualquer abordagem do cérebro humano sempre deverá levar em conta a harmonia entre pensamento. o bom músico. além de raciocinar bem. Não apenas a inteligência tradicional é uma medida relativamente falha do processo de pensamento como também está submetida a fatores emocionais. Sem pressão ou comparação com outros mais bem-dotados nesta ou naquela área e também sem esperar que o indivíduo de alta inteligência matemática se torne um exímio poeta. ou. Essa posição talvez contrarie muitas das concepções em voga. esse fenômeno ocorre. genericamente. Não teria sentido qualificar de inteligente o gênio matemático e de burro o bom artista plástico. ele não traz grandes novidades. Não é uma questão de medir quociente intelectual ou emocional. diz-se hoje em dia que temos não um. . testando formas novas e efetivas de abordagem. etc. é preciso não direcioná-lo apenas para o cálculo ou para a geometria. os chamados testes de QI (quociente intelectual) hoje sem muita credibilidade dando lugar a novas técnicas de abordagem neuropsicológica. pág. uma ética. Muitas vezes ocorre uma superposição de habilidades. redação. é capaz de dominar suas emoções. na nova época que se aproxima. do concreto para o abstrato. uma sensível. sobretudo.O pensamento segue uma direção sistemática e seqüencial. porém. de criar meios de aparelhá-lo naquelas áreas em que tende a não se sair tão bem. psicoses são formas de anomalia do pensamento. plausibilidade. assim como a intoxicação por substâncias internas ou externas. Daí. Também infecções. uma febre pode levar a um quadro delirante. há a ativação de bases de dados prévios que. enquanto que o processamento de informação de baixo nível. Essas todas são funções da crítica e do juízo. formas indissociáveis da razão. O que ocorre nesses casos é uma alteração na conexão dos neurônios. seria feito em módulos de processamento paralelo de tipo rede neural (IAC). quer nos recepto- 248 A crítica é uma propriedade do pensamento. coerência.5 Julgar e criticar seriam. sob a ação de filtros do sistema de atenção e supervisão. melhor captáveis por sistemas de regras (IAS). medindo a razoabilidade de certas concatenações de blocos. deve-se incentivar o pensamento por analogias. etc.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Psicoses Genericamente. seqüenciais e. portanto. as sim. da tese de uma saída de processamento complexo cerebral que se candidata à manipulação pela estruturas ditas mentais. mente manipuladora de regras). por tentativa e erro. mas também sua submersão num contexto de argumentos e cenários discursivos. por descoberta. Costumam se manifestar num sem-número de quadros. devem-se estimular e manter os sistemas de pensamento seqüencial (de acordo com a concepção digital da mente. Um rim ou um fígado funcionando mal podem gerar perturbações do pensamento. Na minha opinião não teria sentido dissociar pensamento de crítica e de juízo. tumores. sensorial. Esse modelo é uma variante. Isso tenderá a ativar o processamento da empresa através de seus dois tipos de departamento. da crítica ou do juízo. etc. contudo. Há um paradigma mais ou menos cristalizado de que as porções ligadas ao pensamento seriam algorítmicas. por outro. por similaridades.14 O pensamento e seus distúrbios por um lado. álcool e remédios para emagrecer. o concreto-digital e o virtual-analógico. quer nas sinapses. mas também a critérios de validade. deixam a informação passar para o nível das estruturas de processamento psicológico propriamente dito. pág. uma vez que não são apenas as construções de sentenças lingüísticas (ou passíveis de serem traduzidas sob a forma proposicional) que respondem pelo pensamento. em certo sentido. Por vezes. cap. que absolutamente não são apenas susceptíveis a avaliações de verdade ou falsidade. A concepção de Norman e Shallice propõe até um modelo de módulos em que há uma entrada de informação pelas estruturas sensório-perceptuais. . por devaneio. embora na prática tendam a sofrer contaminação de outras funções. por experiência. drogas. deve lembrar-se das comissões e dos funcionários que são regularmente recrutados para certos fins. mar. é preciso atuar em circuitos neuronais mais ou menos específicos. roçar. fornecem. . muitas vezes a função volta ao normal. Quem supõe que tais circuitos sejam vias ligadas exclusivamente ao pensamento.Anomalias do pensamento podem aparecer de várias formas. no entanto.14 O pensamento e seus distúrbios res.. comumente as que usam o neurotransmissor dopamina. cap... você viu a vaquinha do anúncio de chocolate. o pensamento capta apenas uma relação fonética − de palavras. o leite fica escuro. memória e agilidade de raciocínio. Em muitos deles.. mudando-se radicalmente tanto seu processamento seqüencial lógico como o código de oscilações (código de barras) do grupamento de neurônios. por vezes. de desorganização cognitiva: perda de vitalidade intelectual. Exceção a isso são os quadros em que há lesão nos neurônios ou produção crônica de receptores anômalos. madas psicoses esquizofrênicas. a redução da febre. Por vezes. como eu gosto de leite. com café. acompanhada. ou seja. Com isso. quer nos mensageiros. Mas isso não faz da dopamina sinônimo de pensamento. real ou imaginária). Mas também há outras. Um indivíduo diz. costumam-se usar drogas que se ligam aos receptores de dopamina.” Aqui. reduz-se o trânsito desta de um ponto a outro.” Nota-se uma associação de blocos por semelhança com o conceito de vaca. essa semelhança é apenas pelo som das palavras: “Vim ficar. Não há dúvida de que determinadas vias neurais. mas não se impressione. principalmente subcorticais). quadros para os comitês que deliberam assuntos da razão.. um dos poucos tópicos de péssimo prognóstico em doenças mentais. a eliminação da infecção ou a resolução da insuficiência hepática. chamadas demências de Alzheimer e de Pick (tipo de demência semelhante ao Alzheimeir.. vi uma vaca. Parar para e paradeiro e nadar nadador e nadamente. nadar.. Na maioria das vezes. Parece ser esse o caso nas cha- SÍTIO DA MENTE No envelhecimento.. por exemplo: “Estava andando numa área rural. é necessária apenas a remoção da causa de base. portanto.. porém afetando áreas mais específicas.. pág. impedindo que o neuro-transmissor aja. com grande constância. As doenças que mais freqüentemente geram o envelhecimento são as alterações na irrigação sanguínea dos neurônios (arterioesclerose). Nos quadros de aceleração (anomalia primária do hu- 249 Removida a causa geradora da desorganização neural (interna ou externa. sílabas ou rimas... ah. ocorre degeneração de neurônios e de conexões. Henrique Schützer Del Nero Nas psicoses.. ocupam as fechaduras dos neurônios por onde passaria informação. couro de vaca tem cheiro forte. nem das vias que a utilizam departamentos cerebrais exclusivos do pensar.. Há casos em que um pensamento rápido demais tende a estabelecer conexões de superfície entre os conceitos e as palavras. Atuam como falsas chaves e. Medicado com um antidepressivo. SÍTIO DA MENTE Uma paciente me diz que “o pensamento tem a propriedade de atingir o frescor. Novamente aqui. dita pelo pintor Miró. angústia. não é desorganizada. não são verdes. como “Abaixo o Mediterrâneo”. em dois dias passa a não ver mais as conexões. Não apenas não tem sentido como a paciente tende a fazer uma leitura concreta dos conceitos abstratos. responde. diz um esquizofrênico. Uma frase como a transcrita acima. Quer dizer. Retirado o remédio. ruína. que começa a usar o pensamento para forçar uma lógica que não existe. que sua empresa está melhor. a aceleração toca numa estrutura profunda − nesse caso de origem afetiva ou de alteração de humor − . A sentença não tem sentido. Já as associações de profundidade tendem a remeter a estruturas mais complexas. mas a própria estrutura das palavras. é sinal de distúrbio. O conceito não se esgota no exame da frase isolada. podem aparecer associações de superfície. A desorganização pode atingir o nível do conteúdo ou o nível da construção. também primariamente circunscrita à esfera do humor. portanto. que surgiram muitas oportunidades de negócio. nem refrescantes. Telefona-me dizendo que não há mais crise. dita por uma pessoa comprometida. Vai daí que se deve investigar o contexto em que ocorre. não é somente a estrutura das sentenças e dos conceitos que se perturba. O paciente começa a criar neologismos para descrever suas idéias. Na lentificação depressiva. “Descolamento descolante acompativelmente com o pensar”. Uma frase surrealista. Pensamentos são abstratos. Pergunto-lhe se está normal. aparecem outros vícios de pensamento. Uma moça que entra na minha sala me lembra de alguém que me deu um bom conselho acerca de investimentos.” O pensamento pode desregular-se por completo tanto em sua estrutura superficial quanto profunda. A crítica pode ou não estar preservada. e 250 Neste caso. que as idéias são verdes como um jardim. sem retornar ao quadro depressivo anterior. “Vejo conexões e coincidências em tudo. ainda tem juízo. “Digamos que estou paranormal”. temos diferentes planos de distúrbios. creio que está um pouco exagerado e talvez anormal”. mas de todo um quadro clínico. O paciente mencionado prossegue: “Embora esse estado seja bom. que há um refrescante momento em que uma idéia parece uma bala de menta”. Henrique Schützer Del Nero Um indivíduo deprimido me procura queixando-se de tristeza. passa rapidamente a um quadro de aceleração. é alegórica.14 O pensamento e seus distúrbios mor que contamina a função pensamento).Nos casos mais sérios. crítica e consciência de que o estado paranormal guarda algo de anormal. pág. A confusão com o uso metafórico da linguagem pode levar o leigo a crer que esse grau de desorganização é de extrema inteligência. . Quero a solução para um problema. vejo um anúncio num outdoor e lá está ela. cap. . a sistematicidade do pensamento está preservada. mas chamei outras pessoas para garantir que não estava. verificando-se somente uma concatenação anormal.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A função precípua do pensar parece ser a capacidade de convencer e de provar. pág. Tolo de você. Sabe. pode “Estava andando por uma alameda quando percebi que havia uma pessoa que queria meu mal no emprego. passa a considerar o interlocutor também um agente perseguidor na sua estrutura delirante. ainda que haja um vício de realidade ou de crítica. dizendo: “Olhe. dam mensagens e percebo essa conspiração quando vejo o jornal na televisão. dirigindo-se a mim e sinto que podem captar meus pensamentos através de antenas parabólicas e de tomadas de luz.. Tentamos ligar para o departamento de aeronáutica. você procuraria alguém. O pensamento desorganizado. O paciente reluta em fornecer dados que corroborem suas afirmações delirantes (como ser objeto de um complô planetário). Suponha que você estivesse num sítio. respondendo monossilabicamente que aquilo é simplesmente óbvio. Eu.. O locutor fala pensando em mim. Aí está um dos pontos fundamentais do delírio sistematizado: não há crítica. há pessoas que não desejam o sucesso alheio. nem tentativa de persuasão ou de verossimilhança. Acho até que há uma conspiração contra mim. Sei que man- 251 Uma paciente descreve para mim a seguinte cena: Nesta narrativa delirante.” cap. uma expresão facial característica − humor delirante − que denota o estado interno. tão bizarras quanto rabdujiks. e não apenas o de externarse em palavras. aconteceu uma coisa que não sei explicar direito. Se o indivíduo é questionado sobre como descobriu ou como pode provar o que diz. Ah. Todos viram uma luz que podia ser um avião ou um satélite. . além de existir.14 O pensamento e seus distúrbios os termos começam a ser fragmentados. que não é capaz de ver”. organizada por meus colegas e também por uma forma de vida que há no universo. inusitada. Talvez estivesse sonhando. acordasse no meio da noite e visse uma nave espacial pousar no seu jardim. apenas mexe a cabeça com um ar de: “Eu sei. noto que todos se viram para mim quando chego e que falam de mim pelas costas. criando-se novas palavras. por exemplo. claro que esse fato não foi divulgado por não haver interesse das partes envolvidas. recém-descoberta pela NASA. também chamado de delírio hebefrênico. Não sei. embora o mais freqüente seja apenas a prefixação ou sufixação de vocábulos conhecidos. O que você faria? Iria aos jornais contar que viu marcianos? Claro que não. contrapõe-se a uma estrutura de delírio altamente sistematizada e internamente coerente.. O delírio sistematizado − normalmente chamado delírio paranóide − não viola a estrutura gramatical e o raciocínio é bem construído. Quando muito indagado pelas razões e verossimilhança de seu discurso. normalmente. Há ditadores e serviços de informação para isso. muitas vezes. mas falsas. uma insuspeitada conspiração universal contra si. uma sentença só pode ser verdadeira ou falsa. estão no cérebro e na mente. impedindo o tráfego excessivo de informação por aquele circuito.6 Claro que ninguém dirá “acho que tenho cinco dedos na mão”. relaciona-se à capacidade do indivíduo de criar um sistema verossímil de argumentação e de provas para suas idéias. Henrique Schützer Del Nero Um pensamento se caracteriza como delirante não apenas quando fala de coisas inusitadas. Sejam esses símbolos palavras e sentenças. sem se preocupar em construir contraprovas. conceitos lógico-filosóficos. prevalece na sua análise o critério da validade e não o da verdade.Os distúrbios do pensamento costumam afetar variados níveis de construção de símbolos e de suas relações. das sentenças. e. Mas. o produto final será anormal sempre que qualquer das etapas estiver prejudicada. dos raciocínios e do discurso como um todo. Um pensamento cheio de sentenças bem construídas. regularidades ou sincronizações. Pode haver problemas na formação das palavras. pág. não crendo enfaticamente em tudo o que diz ou pensa. mesmo nos casos mais brandos. a única forma de corrigi-los é através dos chamados neurotransmissores falsos que se ligam ao receptor de dopamina. Sempre que se enuncia uma opinião precedida de “acho que”. Afinal. da plausibilidade e da consistência do pensamento. porém. advindo da validade. O critério de disfunção. não necessariamente verdadeiro. Embora muita coisa seja possível. Em lugar de decorar meia dúzia de frases de efeito sobre administração racional do cotidiano extraídas de um manual qualquer. Esses níveis podem se desregular por uma diversidade enorme de causas. sejam relações estabelecidas por regras lógicas. tome cuidado. 252 O indivíduo normal tende a duvidar do inusitado. faltará um contexto de verificação e de refutação. se você for falar de SÍTIO DA MENTE Pode-se dizer que estes são termos difíceis. está-se colocando uma dúvida subliminar. não é preciso fazer alusão a extra-terrestres. duvido que por marcianos. e também quando os perdemos. cap. A violação está muito mais ligada à validade dos argumentos e à coerência discursiva do que à verdade das sentenças isoladas.14 O pensamento e seus distúrbios ter se tratado de uma alucinação coletiva. Como o pensamento é. No entanto. mas sobretudo quando faz conexões bizarras. ainda que o encadeamento das sentenças possa estar bem construído. mas houve algo de estranho ali. pois. manifestando-se diariamente quando usamos a razão e o bom senso. argumentos de refutação e dúvida. um encadeamento argumentativo de sentenças.” . existe muita gente que é perseguida. de certa forma. seria muito mais proveitoso aprender conceitos como validade e consistência para adestrar a razão. porém. fala de um mundo possível. o indivíduo sustenta que não tem dinheiro para nada e que está falido. por vezes. Fala-se. aqui. do delírio de falência dos órgãos. 253 No delírio de ruína. aparece uma desconfiança patológica em relação a outra pessoa. aos remédios − em geral. normalmente o cônjuge. do delírio de grandeza. No delírio de falência de órgãos. a infidelidade continua. Uma mãe me perguntou se um tapa na cabeça poderia causar um tumor cerebral. A despeito de possuir milhões de dólares em um banco. bloqueadores de ação da dopamina conjugados com maximizadores de ação da nora-drenalina e serotonina. É o caso do delírio de ruína ou de ciúme. comum nos quadros depressivos. Algumas lesões em áreas cerebrais específicas dão a sensação de que o pensamento. ao ser indagado se A maioria desses quadros reage positivamente. Já no caso de deficiências intelectuais. pág. Henrique Schützer Del Nero Muitos quadros primariamente não circunscritos ao pensamento podem levar à sua alteração secundária. comum em quadros maníacos. vítima de uma depressão. Após a medicação. Seu filho morrera há 20 anos de tumor cerebral.” cap. Outro indivíduo me confessou uma culpa incurável por não ter feito nada para evitar a guerra do Vietnã. e. de pensamentos pobres. na depressão extrema. sem vivência real. de maneira às vezes rápida e definitiva. 30 anos após ela tê-lo repreendido com um tapa na cabeça. o indivíduo começa lentamente a readquirir a crítica. etc. responde: “É. supõe que o dinheiro será desviado. questionando o por quê.SÍTIO DA MENTE No delírio de culpa.” No delírio de ciúme. excessivamente concretos. o indivíduo. respondeu: “Poderia e deveria ter tentado marcar uma audiência com o presidente dos Estados Unidos ou fazer um acampamento na frente da Casa Branca. vendo-se conexões corroborantes em toda parte. trocado. o indivíduo sente-se responsável por fatos absolutamente bizarros. Não é raro que epilepsias nos lobos temporais originem delírios ou idéias de conteúdo místico (este era o caso de Dostoiévski). parece que ela (ou ele) resolveu dar um tempo com o namorado. Respondi que não. Quando lhe perguntei o que poderia ter feito.14 O pensamento e seus distúrbios Algumas alterações elétricas no cérebro também podem suscitar certos tipos de pensamentos. chega a tal limite que não apresenta mais humor deprimido. não tem relação com a realidade. há dificuldade de aprendizado e tendência à impulsividade. embora absolutamente correto. mas apenas o pensamento delirante de que seus órgãos estão podres ou de que foram retirados e tudo dentro dele são apenas dejetos. . talvez decorrentes da parca capacidade de abstração. mas acho que meu problema é renal. abre a pasta a cada 30 segundos para ver se não esqueceu seus documentos pessoais. Centra suas preocupações em si. Nesses quadros. o indivíduo pensa ininterruptamente numa pendência. Podem aparecer sugestões de acidentes trágicos.14 O pensamento e seus distúrbios Outra forma comum de anomalia é a ruminação excessiva. bem apessoado. desinfeta o pão que vai comer. Mesmo não querendo. algumas vezes. O indivíduo confere 50 vezes se fechou uma porta. Passei por uma porta de onde pude vê-lo. de suicídio. pesquisou tudo sobre próstata. aguardava-me na sala de espera do consultório. é sintoma de distúrbio ansioso. Acredita-se que 10% das pessoas que procuram serviços médicos nos EUA sofram de formas mais ou menos intensas de hipocondria. Jamais se dá por satisfeito com um diagnóstico e dificilmente aceita que quase tudo em matéria de saúde é questão de probabilidade e não de certeza. pode ter se deslocado para a representação potencial de doença. se não faço. É um quadro ligeiramente mais difícil de tratar. Nos quadros depressivos. A avidez com que devorava o livro era maior do que se fosse literatura erótica. O ansioso costuma pensar exaustivamente na mesma coisa. continua a ser invadido pelo pensamento. respondeu com aparente descaso: “Perdi o emprego e não tenho reserva alguma. sou invadido por um desconforto 254 Um paciente jovem. o que dá bem conta do caráter involuntário de muitas idéias. requer alguma abordagem psicoterapêutica. cara de interesse e prazer. sem conseguir abortar a intrusividade da idéia. Indagado se acredita que aquilo é necessário. O caso dos pensamentos hipocondríacos é exemplar.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero O paciente do livro de bulas me disse temer que seu rim não estivesse bem. Prestei atenção e vi que tinha descoberto um livro médico que contém De maneira geral. cap. olhar fixo. responde: “Sei que é absurdo. Em muitos indivíduos. o hipocondríaco perde a crença nas instituições e nos profissionais. todas as bulas de remédios no mercado. pois. Consultou a biblioteca médica do lar.” O caso dos pensamentos obsessivos aproxima-se da condição do delírio. além de remédios. A sugestionabilidade é intensa. . este sim digno de apreensão. surgem idéias recorrentes de morte e. mas. mostrando baixa capacidade de perceber o quanto um outro tópico. Em geral. Estava refestelado no sofá. a idéia fixa relaciona-se a doenças já existentes ou por se desenvolver no organismo. Questionado a respeito de acontecimentos recentes. Ainda que não possa mais resolver nada. sem que para isso concorram eventos mais concretos do que uma viagem de automóvel ou uma sirene de ambulância. pág. nota-se prazer em falar de assuntos médicos e mesmo em investigá-los. torna-se. desinfetou o carro. O paciente deprimido. não há na verdade independência total entre os módulos mentais. Jamais acredita no motivo e no conteúdo da idéia obsessiva. podem ser brandas. objetos e situações. Meses mais tarde. o paciente já não reconhecia ninguém e não dizia coisa com coisa. Por obra de condições orgânicas propícias. . quando deprimido. representando apenas uma maior inventividade. pois a não-realização de rituais absurdos desencadeia intenso mal-estar. físico até. Elas constam de uma série infindável de fantasias e comportamentos acerca de objetos eróticos. ais com a mulher cessaram. particularmente no lobo frontal. Todos acabam por influenciar uns aos outros.14 O pensamento e seus distúrbios extremo. degeneração. Uma paciente que tinha seu holerite entregue todos os meses por um funcionário homossexual desinfetava o papel com álcool antes de pegá-lo. Muitas delas podem vir a reboque de quadros ansiosos e depressivos. ainda que não apresente patologia primária do pensamento. seus impulsos sumiram e ele retomou o padrão heterossexual habitual. danificando toda a pintura da lataria. Basicamente aferíveis quanto ao grau. antes de uma relação sexual extremamente inusitada e fora de seus padrões. − pode manifestar uma sexualidade exagerada. tamanho seu medo da transmissão de doenças. pág. ciência cognitiva). Embora a primeira concepção de modelagem da mente tenha se atido ao pensamento (daí. desfazem-se quando se trata a causa de base. a emoção e a vontade. jamais havia sido senão pessoa tímida e ligeiramente metódica. É o caso de um indivíduo de 80 anos que costumava abordar garotas e rapazes oferecendo-lhes recompensa em troca de favores sexuais. Antes precisava chamála de vagabunda e manter relações com ela como se estivesse com uma prostituta. estratagemas. cheias de fantasias. Outro paciente. mas age como se acreditasse. temos ainda as chamadas perversões sexuais. relatou que suas excessivas fantasias sexu- Um paciente com distúrbios no lobo frontal − tumores. correspondendo a patologias do pensamento. Além dos quadros acima. Foi assim a vida toda? Não. ele ainda era capaz de ter ereções pronunciadas. tinha intensos desejos homossexuais. O exame cerebral mostrou deterioração demencial extrema. À medida que se foi medicando a depressão.” Este é o ponto que o diferencia da vítima do delírio. Invariavelmente não sobrava holerite. Veio a meu consultório depois que a filha o viu mantendo relações com uma cachorra. embora floridas no que diz respeito ao objeto sexual. Nestes casos. depois de ter sua ansiedade medicada. Certa vez. além de te- 255 Um paciente ansioso.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Ética e decoro entrecruzam a racionalidade. cap. ou intensas. etc. sem que haja nada que sugira serem melhores ou piores do que outras. representa apenas uma hipótese levantada e possivelmente não aceita. Não precisamos testá-las concretamente porque o sistema descarta grande parte delas. perguntando se no fundo gostaria de eliminar a esposa. normalidade e aceleração. No caso do ansioso. ao entrar no cérebro. O que brota na consciência é a melhor hipótese. Ao mesmo tempo. Cada idéia que aporta no cérebro normalmente suscita uma sincronização com todas os significados ligados a ela. ganharia tanto”. me procura preocupado.14 O pensamento e seus distúrbios meroso. Os medicamentos alteram as quantidades de transmissão no nível das sinapses. Tratase de um avanço evolutivo que propicia o aprendizado e a criatividade. No dia seguinte. mas O fato de nossa mente testar todas as hipóteses permite explicar alguns fenômenos. significados objetivos ou vivenciados (cadeira remete a sentar e também remete à cadeira de balanço da avó). voltando para casa. se no plano cerebral o que ocorre são acréscimos quantitativos de energia. . pág. sente culpa. o conceito “seguro” suscita uma associação exaustiva com todos os seus significados correlatos. esposa. ansioso. só pensa em desgraças. Defende com unhas e dentes a morte como solução e sua capacidade de ver as coisas como realmente são. pelo passado. Somos. Algumas. na verdade. volta a ter idéias e sentimentos normais. tem medo extremo de oenças. no plano da consciência o que aparece são apenas as situações globais: água gelo. Portanto. O que acontece é que. como no caso da água fervendo. Apenas podem estar num degrau energético semelhante a uma intuição ou à água fervendo. máquinas que computam todas as hipóteses abaixo da consciência. aparentemente prescindindo do célebre processo de tentativa e erro. cap. Isso tem implicações claras. brotam na consciência.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Talvez não passe de engano supor que sejamos racionais e que dispensemos o processo de tentativa e erro. às vezes irracional. inquieto e preocupado ao limite com o futuro. Um indivíduo que faz um seguro de vida para si e para a 256 Chama a atenção a capacidade humana de estabelecer cenários hipotéticos e de julgar seus desdobramentos. testando mentalmente cada hipótese. é invadido por uma idéia do tipo: “Se ela morresse ou se eu a matasse. pode surgir na consciência algo que adquiriu estado de transição de fase − como a água líquida que vira vapor. Tomar essas idéias como pistas ou desejos escondidos pode ser fatal. água líquida e água vapor ou depressão. as constantes intuições de acidentes não surgem porque ele realmente preveja “alguma coisa” que está para acontecer. Depois de algumas semanas e alguns comprimidos. por meio de sincronizações que costumam se dar abaixo da percepção consciente. o resultado dessa ação é o que emerge na consciência. Ao contrário de significar desejo reprimido. Porém. por peculiaridades de energia. a mais aceita ou a mais trivial. de vez em quando. por que condenar uma pessoa que aja bem e que diga que. prontas para evaporar. que o excesso de atenção a um conceito somente aumenta sua energia. cada vez que ocorresse uma transição. Assim. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Percebe-se por aí o absurdo de imputar culpa a alguém pelo simples fato de pensar algo. Há. Se não pecarmos em pensamento. O pensamento está distante das minúcias que estamos enumerando. Segundo alguns. Grande parte dos pecados fica abaixo do limiar da consciência e. pensamento reprimido. pág. Elege-se Se o pensamento é instrumento de decisão e inferência e se a consciência se preocupa apenas com a transição de fase. o que fazer quando há uma cascata dessas transições? Explico: a teoria de bifurcações e caos mostra que uma transição de fase pode equivaler a uma bifurcação. Não há. O conteúdo e o objetivo de uma ação poderiam ser medidos por seu grau de associação a uma transição de fase. a hipótese instantânea da morte da mulher não expressa desejo oculto. pois não interessa gastar memória. porque em confronto com normas aceitas de conduta. A moral repressiva deveria saber. ambas as proposições não se excluem. porque não interessa gastar cabines de memória de trabalho com rotinas bem adestradas. No caso do cauteloso indivíduo que faz um seguro de vida. Tudo o que representa apenas transferência quantitativa de calor tende a ficar de fora da consciência. construções gramaticais e um sem-número de andaimes da razão.7 . A idéia de que pecamos em atos e em pensamentos é absolutamente nãocientífica. razões de economia energética. por isso. Mas há 257 O pecado é um conjunto de hipóteses que devem ser descartadas por entrarem em conflito com normas morais e costumes. emergiria um sinal na consciência. mas sobretudo cautela e energia depositadas na hipótese de morte (por que faria seguro se não estivesse de alguma forma valorizando a hipótese em questão?).14 O pensamento e seus distúrbios porque as hipóteses concernentes a acidentes estão permanentemente a 99 graus (como no caso da água) na sua consciência. Embora constituam planos distintos. em grande parte. como o sabe qualquer adulto de bom senso. pode-se inculcar culpa nos outros pelo desconhecimento de como o sistema nervoso processa hipóteses. contudo.Pense numa discussão ou numa exposição. Veremos a seguir por que essa hipótese é compatível com a necessidade de soluções para além do indivíduo. abaixo da consciência. situando-se. há também porções de pensamento não-consciente. jamais seremos virtuosos em comportamento. cap. razões repressivas estariam por trás da parcela do pensamento vedada à consciência. vê um pecado insinuar-se em sua mente. um objetivo sem se atentar para palavras específicas. não preocupa o seguidor fiel do texto bíblico. levando-o para perto do ponto de ebulição. sim. Porém. segundo outros. finalmente. de duas vêm quatro. através de uma transição de fase. reinstaura a ordem. Conhecendo o modo como a informação é processada. ainda que existam “mistérios” que não saibamos explicar. a consciência aparece. de qualquer maneira. resolve a pane. não há. o modo incipiente e mágico com que tratam a mente aproxima-os de uma idade arcaica. Em segundo lugar. devemos fornecer o máximo de ligações relevantes para que o sistema. mas delimita os domínios do discurso a: aquele que diz respeito a opiniões. pressentindo também sua morte e a de entes queridos. cabe salientar alguns aspectos. aquele que diz respeito ao conhecimento específico. como mecanismo que supera a parada ou as sucessivas bifurcações. pág. Isso não faz da ciência a única fonte de verdade. passase. não deve pensar qualquer coisa.14 O pensamento e seus distúrbios sistemas complexos que podem gerar cascatas de bifurcações. Quando estas não surgem. mas.258 A respeito das premonições. É aí que entra o contato com outras consciências. e desta à consciência coletiva. que deve ser discutido com a linguagem adequada e com o ferramental técnico necessário nos fóruns especializados. O mesmo se dá da individual para a coletiva. apesar de eclética. Em primeiro lugar. possa estabelecer as conexões. ou estatelaria deprimido ou tentaria mudar o futuro. e assim até o caos. cap. Embora haja valor cultural nos cultos. . Também no caso da parada da máquina de Turing e da incompletude de certos sistemas. que deve ser plural e livre. Ora. qual seria o interesse biológico em engendrar um ser que conhecesse o A nova mente. poderia ser entendido como artifício que elimina a ambigüidade. até o momento. as sincronizações críticas que esbocem soluções. descobrirá que há erros graves em determinadas proposições não-científicas. a consciência precisaria de uma nova consciência para resolver a bifurcação. nem que os explique. pois. futuro? Ele poderia prever uma série de coisas. do ponto de vista dinâmico. mas precisamos tomar cuidado com o potencial danoso que nasce. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Tanto no caso das regras como no das sincronizações. É óbvio que não devemos fechar os olhos diante de realidades desconhecidas. um futuro que pode ser mudado já não é mais futuro e sim mera hipótese. Se pensar de modo sistemático. aquele que diz respeito a questões de fé. De uma vêm duas. elegendo a cultura como local de convergência de soluções ambíguas. da convivência de uma teoria de última geração sobre a AIDS e com um terreiro de macumba. qualquer evidência científica que confirme os fenômenos paranormais. para a consciência individual. da telepatia e de outros poderes paranormais. Neste caso. o recurso à consciência individual. por exemplo. não por vias paranormais. abaixo da consciência. e. que também deve ser livre. mas através da sociabilidade e da comunicação. mas que não têm nexo de implicação. de 259 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Em princípio. explodia e chegava a se atracar com os familiares. as coisas estavam complicadas e pedimos aos espíritos que mandassem um médico. a grande violação em termos de pensamento é a chamada percepção delirante. não se admitindo que por um ato de vontade alguém construa um prédio sem seguir normas técnicas ou que se recuse. já idoso. se há liberdade de ação mental na primeira e na última. inconformado. É principalmente o discurso. como falso neuro-transmissor). direcionado pelo objetivo e pela coerência de propósito. misto de pensamento. os indivíduos que se dizem envolvidos com fatos paranormais são crédulos. Mediquei-a com antidepressivos e um inibidor de impulsos (que atua na dopamina. a receber uma transfusão de sangue. ficou absolutamente controlada.” O que há de tão errado aqui? Simplesmente. em tom de dúvida: “Mas é um médico tão mocinho!” “Não se preocupe. que vinham se arrastando por três décadas. O discurso da consciência. é o cerne do mental. já é psiquiatra há três encarnações”. O pensamento é sobretudo global. Durante uma dessas brigas. enganadores ou sofrem de leve distúrbio mental. há a reunião de duas sentenças bem construídas. tratei de uma senhora que sofria de um distúrbio impulsivo de fundo depressivo. A ciência de hoje absolutamente não aceita ou prefere não discutir fenômenos que impliquem ação a distância como telepatia. cap.” O homem se viu perplexo. etc. Pensar sem consciência é executar alguma rotina cerebral. por motivos religiosos. Logo depois de me formar psiquiatra.14 O pensamento e seus distúrbios O indivíduo de posse da razão tenderá a identificar claramente as três categorias. Boa pessoa. paranormalidade. pág. disse o líder. a evaporação da idéia ou da sensação no palco da consciência são os grandes fatos da mente e de sua relação com o cérebro. vontade e emoção. oxida o pensamento. Nela. não cabendo discutir conhecimento com quem não está de posse dos instrumentos para entendê-lo. por exemplo: “Vi um gato e percebi que eu ia morrer. entendendo que. mas assentiu. a cascata de bifurcações. O marido. uma conexão de significado e uma implicação que não existem. com as idéias oxidadas. procurou o líder espírita que vinha cuidando dela há anos: “E então. A transição de fase. como é que o senhor me explica isso? Minha mulher está boa e foi um médico que a curou.Um paciente com alteração crônica do pensamento me dizia: “Estou estressado. não seus tratamentos. Na maioria das vezes. Em questão de semanas. É a camada de ozônio. arriscou ainda uma última pergunta. Já de saída. . As órbitas cerebrais não fazem uma revolução completa. na segunda há uma regra de conhecimento a ser seguida. o que há é uma estrutura que prescinde da consciência. dando-se por satisfeito. Aquém do discurso. E eles mandaram um dos bons.” O líder espírita. como. me chamaram. respondeu sem se abalar: “Pois é. telecinese. A vontade e a liberdade nesses casos fica bastante reduzida. uma vez que inúmeras funções são executadas abaixo da percepção consciente. ou secundárias. dizem-me freqüen-temente. mas porque consciente e mental. Para uma operação de cálculo matemático não parece haver dependência extrema entre fatores emocionais e volitivos. quando é o pensamen- SÍTIO DA MENTE Aquilo que brota na consciência é apenas uma parcela do processo racional. podem parecer pre-monições ou sinais de alerta. isto é. cenas e idéias que. se apresenta nítida nobreza em relação às outras funções. etc. Nessa situação. Ninguém é culpado de pensar. sob a forma de pensamento completo. Um pensamento resgatado na sua condição de objeto de influência das emoções e submerso num discurso amplo poderá engendrar a cognição plena. Há um desvio na órbita. neste caso. o rosto. “Pensar. pág. por exemplo) ou extracerebrais (infecções. aí incluídas a crítica e o juízo. mas sentir. particularmente o inteligente.Síntese O pensamento. constitui também o processo mais aceito como realizável por uma máquina. parte desse processo. Também o fato de se inculcar culpa em alguém que pensa coisas más é estranho ao funcionamento cerebral. se não forem entendidas como transições de fase num sistema complexo. até admito que um computador possa. uma propriedade desse todo. Por vezes. há aparições espontâneas de intuições. não porque inteligente ou racional. os gestos. por algumas razões. Ansiosos e deprimidos apresentam essa tendência.” . decorrentes de um sem-número de outros distúrbios primários mentais e também intra (tumores. motivação oculta ou desejo reprimido. porque o cérebro examina todas as hipóteses interligadas a um conceito. No entanto. aí também considerados os atos corporais. Param antes. genericamente chamadas de psicoses. Porém. é o principal foco da modelagem mental. sob a forma de idéia. o que não significa. to a função afetada. emergem na consciência. cap. sejam otimistas ou 260 Há uma série de anomalias do pensamento. por exemplo). a cabeça cai para um lado. Henrique Schützer Del Nero O que nos garante. Porém. então. na decisão complexa e na elaboração de cenários. jamais”. A anomalia é. a tontura é o descolamento e o fruir de transcendências. necessariamente. Podem ser primárias.14 O pensamento e seus distúrbios 360 graus. o departamento virtual pensamento (cognitivo) recruta quase que somente funcionários de departamentos concretos mais especializados em pensar. a patologia e não uma metáfora proposital? O contexto e o discurso como um todo. ou todo ele. 6. influenciam e direcionam o pensamento. The Brain. Santa Fé Institute Studies in the Sciences of Complexity. Springer Verlag. (ed) (1995) The Mind. apesar de ligado à razão. .Cf. Essa concepção já foi vista em capítulos anteriores. J. que podem apresentar estabilidade e instabilidade estruturais e são. (p. Eccles. junho de 1995.. Addison-Wesley. pág. vol. 4. O pensamento é muito mais um todo verossímil. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Notas enquanto que o processamento nas regiões ordinárias de parâmetros. do humor. J. J. numa região de bifurcação no espaço de parâmetros. (1981) The Self and its Brain. Marks. Cf. Singer. Essa hipótese está de acordo com o modelo que proponho de processamento cerebral de tipo estável estruturalmente e de recrutamento de consciência quando há a necessidade de eliminar a ambigüidade em algo. cap. deste ou daquele processo que. é incumbência estritamente "cerebral" não-consciente. and Complex Adaptive Systems. K.1. ou sobre alterações qualitativo. emoção e vontade. K. também. Cf. a escolha de palavras e a flexão verbal durante um discurso ou conversa). (1981) Commissurotomy. Sobre gestalt. Consciousness and the Unity of Mind.313 e ss). e é o que fazem certas idéias vendidas hoje em dia. C. Nesse caso não precisaríamos necessariamente da distinção digital e analógica para fazer a diferenciação. não no sentido logicista da IAS. No. vários casos psiquiátricos demonstram que. Cf. discretos e digitais. coerente e válido do que uma soma simples de sentenças verdadeiras ou falsas. Popper.topológicas.74-79. do afeto e de outros subprodutos aqui chamados genericamente de emoção. por exemplo um artigo acessível e ilustrativo Horgan. ainda uma forma mais densa: Morowitz. por exemplo Kokfa. 261 2.. Embora se possa exagerar no papel da emoção na modulação do pensamento. sobretudo naquilo que tem de discurso e não de módulos de verdade justapostos. uma vez que há sistemas de tempo discreto. Daí a maior ênfase no cenário e nas condições de contorno do que no exame isolado desta ou daquela sentença. ex. mas no sentido de serem algoritmizáveis. o concurso da emoção. ao mesmo tempo. jamais brota na consciência (por exemplo. pp. MIT Press. cf. p. (1995) "From Complexity to Perplexity" in Scientific American. (1975) Princípios de Psicologia da Gestalt.14 O pensamento e seus distúrbios pessimistas. São Paulo: Editora Cultrix e Edusp. H.272. equações de diferenças. ou fora da transição de fase. 3. ocorre forte entrecruzamento de pensamento. a esse respeito. Diz que a mente computa sobre transições de fase. cap. Esse ponto pode aparecer no local em que havia uma palavra de significado ameaçador ou no local em que havia uma palavra neutra ou positiva. O tempo de reação de aperto do botão no paciente ansioso é muito menor nas situações em que o ponto aparece no local em que estavam palavras ameaçadoras.14 O pensamento e seus distúrbios 5. C. (1986) "Discrimination of Threat Cues without Awareness in Anxiety States". as atuais formulações. (1988) From Neuropsychology to Mental Structure. Mexico: Fondo de Cultura Economica. simples. 131-138). 6. Apresentam-se pares de palavras numa tela para que o paciente leia em voz baixa. etc. Cf. O fazer científico. 497-512). 23. MacLeod. B (1983) "Allocation of Attention According to Informativeness in Visual Recognition". ainda uma ampliação desse teste aludindo à hipótese de que os ansiosos tenham esquemas prévios que privegiam processamento negativo. ainda. a respeito de ceticismo. Cf. (pp.. T. Navon.C. (pp. deixando aberto o caminho para que novas teorias venham substituir. prescrevem os céticos que se deve suspender o juizo último sobre a verdade ou falsidade das coisas.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 262 7. Como se pode provar a equivalência dos argumentos a favor e contra algo (equipolência). de maneira geral. (1983) La Historia del Escepticismo Desde Erasmo Hasta Spinoza. afirma algo. Shallice. As teorias da verdade pragmáticas afirmam que há verdade provisória num determinado contexto e até que essa verdade (ou teoria) seja substituída por outra de maior abrangência. 95. Behavior Research and Therapy. Margalit. 35(a). O cético. 328-352).. a esse respeito. Popkin.. (1985) "Selective Processing of Threat Cues in Anxiety States". D. Mathews. A computação exaustiva de hipóteses e a emergência na consciência de significados negativos está bem documentada num experimento psicológico pág. A. Mathews. 563-569) e. ao contrário de se entregar ao imobilismo pela ausência de verdade última. prescreve que se devem seguir os usos e costumes. Journal of Abnormal Psychology. devidamente ancorado num "parece que" que. Essa prescrição do "acho que" ou "parece que" remonta à escola dos céticos gregos (pirronismo). (pp. aparece um ponto na tela. R. Em seguida. ao contrário de expressar hesitação. MacLeod. Cambridge University Press (pp. é uma afirmação hiperbólica da verdade pragmática. A. . Cf. Cf. guiando-se apenas pelo que parece (fenômeno). Quarterly Journal of Experimental Psychology. pela dinâmica da descoberta. O paciente deve apertar um botão o mais rápido possível. assim que avistar o ponto. medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. e. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. tal qual fosse um computador. algumas vezes. Há na porção responsável pelo processamento. Isto mostra que. Henrique Schützer Del Nero Fôrma e contúdo mental cap. no entanto. Assim. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. basicamente. ao longo de milhões de anos.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. vai aumentando de acordo com a escala animal. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural.um manipula e processa informação. o outro dá suporte físico e sustento. A emoção e seus distúrbios collegium cognitio 263 O cérebro humano é. formado por dois conjuntos de células . Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 15 cializado na recepção de informação. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. Seu grau de complexidade.15 A emoção e seus distúrbios parte 3 . formada pelos neurônios. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. um dos números mais gritantes é o de encefalização . “quantidade é qualidade”. uma pág. entre os mamíferos. integração e execução motora. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. porque modela a razão. ter pesadelos − e interpenetra a personalidade e o temperamento. optar-se por deixá-los nus ou pintá-los de dourado. −. motivo central da última parte deste livro. fixa ou dispersa a atenção. A emoção pode alterar as idéias. . como afetividade − característica de estabelecer ressonância (empatia) com pessoas e objetos. o bom e o fraterno não são apenas operações de raciocínio. Há vários significados para ela. êxtase. Ambivalentemente. Por não se confudir com o pensamento e a vontade. Nela ocorrem basicamente três grandes classes de eventos: o pensamento.Um indivíduo no palco da consciência diz: “Tenho fome”. Confundir a mente com o pensamento é roubar dela o exame da consciência e também as condições circundantes emocionais e volitivas. confere à frase um colorido sombrio. Vestido de preto. Ambos têm um papel no contexto e certas falas. faz sonhar − às vezes. são traços primitivamente biológicos. etc. obnubila ou exalta a vontade. A ética. tópico complexo porque compreende eventualmente uma série de departamentos cerebrais. Pode-se vesti-los de preto ou de branco. como sensação − dor. Nu. eufórico. porque ligada a departamentos mais primitivos do cérebro humano. irritável.15 A emoção e seus distúrbios Henrique Schützer Del Nero Suponha que as idéias e os pensamentos sejam um ator e uma atriz que representam uma peça no palco da consciência. Vestido de branco. A consciência é o palco das funções mentais. a emoção seria as vestes de cada um dos personagens. pode expressar depojamento minimalista ou desejo carnal. −. sugere ironia. os dois outros grandes eixos de partição do mental. a emoção pode ser qualificada também como humor. e distante deles. Vestido de smoking. dá a impressão de fome e miséria. em presta-lhe um sentido espiritual de querer pão para o espírito. castas e sociedade. pág. certamente é a racionalidade informada pela emoção. a emoção e a vontade. Entenda-se: se as idéias e os pensamentos são personagens e falas (script). Reconhecer o justo. etc. Vestido com farrapos. afeto e sensação. vestindo-as com um elemento novo que pode ou não mudar-lhes o senti- 264 SÍTIO DA MENTE cap. Podemos entendê-la como humor − deprimido. A emoção colore ou adultera as idéias. está próxima dos outros animais. A EMOÇÃO E SEUS DISTÚRBIOS U m dos itens esquecidos por alguns modelos de mente é a emoção. laços que associam solidariamente os semelhantes em grupos. Olhos mortos. mas apenas às expressões que externa através da linguagem e do corpo. Em outra experiência. mas ganha uma nova conotação de acordo com a roupa que se lhe coloca.No bebê já existe um aparato biológico pronto para gravar as men-sagens de prazer e desprazer. de preferência. Chora e balbucia. humanos inclusive. Dificilmente dirá que sim. por meio de certos truques. . Num experimento mais complexo. a palavra comunica. um dos grandes artífices da mobilização coletiva através da emoção. pois remete a uma experiência direta de prazer e gosto. mas também com colorações afetivas. “Tenho fome” não deixa de ter significado enquanto idéia ou pensamento. traduz em palavras e gestos um estado interno não verdadeiro. Não se tem acesso ao palco da consciência do outro. cap. Ênfase ou ilusão? Eis a questão. pode se tornar linguagem. com o tempo. ser apenas representação. se se começa a elogiar as alunas sempre que estão vestindo roupa vermelha (e o elogio não é pela roupa. Claro que a linguagem é uma tentativa de fazer com que as emoções também sejam fatos mentais descritíveis através de pensamentos verbais. mas por outro motivo qualquer). tenho sede e não bebi da fonte da juventude. pág. fala mansa e titubeante são sinais corporais e comportamentais da emoção no palco da consciência. utilizados para condicionar animais. A tristeza se reflete no rosto e na postura. de andar para a direita. ao explicar algo complicado. retratadas sob a forma de um pensamento em que as palavras procuram retratar estados emocionais. quase todas passam a usar roupas vermelhas mais freqüentemente. Há experiências sérias mostrando que. O mentiroso e o dissimulador atuam como se estivessem tristes. Em princípio temos aqui os dois elementos básicos constitutivos do alfabeto emocional: prazer e desprazer. Travestida de emoção teatral. toda vez que um professor anda para o lado direito da classe obtém dos alunos aprovação (gargalhadas e murmúrios) para seus ensinamentos. O ator perfeito. todas. colocamse eletrodos em alguns músculos da mão. usa esse instrumento para provocar o engano e incitar a adesão. Pergunte-lhe se gosta de castigos físicos. de posse das ferramentas adequadas. A resposta é fácil. Alguém pode declarar: “Ironicamente. sem nenhuma consciência. tenho fome e não posso comer. de maneira que sempre que o indivíduo mova determinado mús- 265 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Portanto. isso tudo me angustia. no entanto. cresce muito a tendência do professor. pálpebras baixas. Talvez seja essa uma das propriedades ambíguas da mente: a capacidade de ludibriar não só com palavras. Pergunte a uma pessoa se gosta ou não de morangos. contudo. a emoção é apenas uma roupagem que.” A sentença mistura emoções e idéias. Com o tempo.15 A emoção e seus distúrbios do. tremula a voz e exclama: “Não me deixem só!” O político. às vezes iludindo. Podem. numa escola. às vezes enfatizando. dorso curvado. adequando-se à seqüência prazerosa (o mesmo acontecendo para comportamentos que evitam seqüências desagradáveis). Uma criança não sabe descrever suas emoções em termos de tipos e tonalidades. pág. simplesmente não desenvolverá aquele padrão de comportamento. portanto. entre outros. Suponha que primitivamente haja uma peça com poucos personagens e falas relativamente sim- A redefinição analógica da emoção não é intuitiva. aquele músculo começa a se contrair muito mais vezes espontaneamente. nem desejo carnal. e não sabemos se reais ou se reconstruções lingüísticas induzidas pelo aprendizado. Há o bom e o mau. o que dá prazer e o que dá desprazer. ou seja. ples.15 A emoção e seus distúrbios culo toque-se uma seqüência menos estridente de sons (quando move os outros músculos a seqüência é diferente. Portanto. Com o tempo. . Um indivíduo que deseja e teme um encontro vivencia uma mistura de prazer e desprazer não mais descritível de acordo com uma lógica simples de adesão e aversão. A cultura humana insere uma série de cenários novos que admitem nuanças tais que os sentimentos e as emoções ultrapassam os graus simples e primitivos. A renúncia pode ser desprazer imediato com o fito de conquista futura. A roupagem emocional será. nem ansiedade. Henrique Schützer Del Nero O controle voluntário ou consciente não existe nesses casos. semitons que não se esgotam no maniqueísmo digital do prazer ou não. Por vezes. nem desprezo. originalmente desejo e aversão. nem apreensão. prazer e desprazer. emoções ambíguas entram em jogo. não sente angústia. Pergunte a alguém se sente prazer em seguir estritamente as normas morais. Redefinir a emoção. O que dá prazer também causa temor e o que causa temor também oferece recompensas. digital. é elemento fundamental na nossa relação com o mundo. nem agonia. Se o indivíduo estiver ciente do experimento e dos truques. são afetos exclusivamente humanos.SÍTIO DA MENTE Volte ao exemplo da peça de teatro no palco da consciência. nem êxtase. deseja-se o que é arriscado e abre-se mão do que dá satisfação. Com a progressiva complexidade das peças. Esse seria o ambiente natural a que é exposto um animal qualquer. o que protege e o que ataca. Estes. entendida como alfabeto básico de prazer e desprazer. Porém. cap. porém sempre estridente). a emoção. O frio na barriga de excitação e medo é uma espécie de talvez que jamais será captado pela lógica do sim ou não. Um cão tem estados mentais do tipo prazer e desprazer. está presente em praticamente toda a escala animal. Sabe no 266 As partes cerebrais que processam emoções são mais primitivas e já se desenvolveram em animais inferiores ao ser humano. As emoções no ser humano dão colorido analógico. nem automática. é tornar o digital analógico. Ao contrário do pensamento e da linguagem. vivenciará apenas uma sensação de desconforto. estabelecendo uma significação específica para aquela sensação e descrevendo os sinais e sintomas que a acompanham. seja ela pensamento. Há quem argumente não se tra- 267 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Pense numa criança e em sua progressiva capacidade de descrever a ansiedade.A mente. etc. . Isto é. um medo leve misturado com um desejo tênue. emoção ou vontade. Não são mais roupa preta ou branca nos personagens do palco da consciência. requer o recrutamento de departamentos concretos (que. o que depende de: a) haver candidatos adequados nos departamentos concretos. se ansiosa. a criança irá adquirindo capacidade cada vez maior de expressar que está sentindo ansiedade. Esses conceitos devem ser aprendidos através de introspecções. o bom e o mau também são digitais. Essas emoções complexas são semitons agregados a idéias. em padrões analógicos que varrem o espectro entre o bom e o mau. O único alfabeto legitimamente digital é o do prazer e desprazer. Porém. 1 pág. do treinamento e do contato com outros seres humanos. o vazio. a mente passa a demandar um aparato analógico que forme tantos departamentos virtuais quantos conceitos se tenham para expressar emoções. Conseguir enunciar os atributos de uma emoção como a angústia. d) haver manipulação lingüística que auxilie na forma de recrutamento. seriam dois: prazer e desprazer) e o reagrupamento destes em departamentos virtuais (ansiedade. c) haver interação com outros seres já dotados de mente. angústia. A introjeção ou interiorização do significado é a parte dependente de contexto na formação dos conteúdos mentais. sim ou não? De maneira similar. Um pessoa mais versada na linguagem culta pode dizer que há uma hesitação ansiosa.15 A emoção e seus distúrbios máximo dizer se gosta ou não. inicialmente.). vai sofisticando seu aparato de definição. há apenas departamentos concretos que respondem à indagação: prazer. na medida em que se relativizam os tipos emocio-nais − que deixam de ser meramente prazer e desprazer. Num primeiro momento. a náusea diante da ausência de sentido das coisas. o caráter enfadonho e morno de uma relação é fruto do adestramento da capacidade de descrever o antes digital em padrões sutis e intermediários. À medida que os circundantes passem a indagar-lhe o que sente. cap. da definição de qualificações lingüísticas. saia curta. b) haver submersão num contexto rico e complexo. ou seja. Com o tempo. cinto verdelimão e brinco na orelha. pela interação com outros seres. Imagine que seja preciso estabelecer a diferença entre ansiedade e angústia. São idéias vestidas de preto e branco. Vejamos um exemplo disso no tocante às emoções. Quando um adolescente declara estar “de bode” expressa um estado complexo. assumindo cada qual significado próprio −. cap. distingue-se uma da outra pelo objeto que as provocam. fome. Aí. a emoção é primitiva em todos os seus semi-tons. frio na barriga. O virtual e o analógico. uma pendência. etc. de modo geral. só que independentemente de qualquer situação ou contexto pendente. palpitação cardíaca. No entanto. graus variados de desprazer. a criança sente. a comissão virtual que se reúne no caso de uma seria algo diferente da que se reúne no caso de outra. a consciência opera na faixa do que é ambíguo e analógico. O mesmo vale para a angústia. base do mental. pela interação e pela linguagem. Assim. a verdade é que as emoções constituem uma roupagem fundamental que qualifica e modula nossa vida mental. dade de qualificar altera a qualidade do próprio sentir? No primeiro caso. qualificando e nomeando estados intermediários. às vezes à custa de inflacionar o sistema com graus variados de bom e mau. a mente distingue variada gama de estados intermediários. A descrição de uma emoção orgânica e sintética diante de um quadro abstrato não significa senão uma trucagem lingüística. tais como aperto no tórax ou na boca do estômago. Também o angustiado manifesta apreensão ou desconforto. nó na garganta. Abaixo dela. pág. carência. Será que sente angústia mas não é ainda capaz de qualificá-la? Ou será que a incapaci- Quando experimenta um desprazer do tipo desproteção. a ansiedade e o medo? Sejam todas as sensações primárias. etc. Porém. o ansioso seria aquele que sente apreensão ou desconforto em relação a determinado fato que está por acontecer. Somente com a emergência da consciência e da qualificação lingüística dos estados é que começa a discriminar conceitos. vinculado a sensações desagradáveis. sim. 268 Sabemos que a criança manipula pobremente os conceitos emocionais. basta a qualificação preordenada e digital. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Em última análise.2 .Ao tratarmos especificamente das emoções. perda de auto-estima. O cérebro já está preparado para dizer sim e não diante do prazer.15 A emoção e seus distúrbios tar de discriminação legítima (o tema é intrigante. No segundo. por economia. podemos cogitar quanto o aparato lingüístico adultera ou modela nossa percepção delas. o que realmente legitima a diferenciação entre angústia e ansiedade? É certo que ambas nascem de um mesmo departamento concreto. até porque uma série de sinais correlatos aparecem na definição de ambas. na verdade. pois há línguas que não fazem certas distinções). a biologia fornece um léxico digital − prazer e des-prazer − sobre o qual a linguagem opera. sejam apenas o prazer e o desprazer entidades básicas redefinidas e reordenadas em departamentos virtuais pela experiência. terá a sensação de que o desconforto é carência. constiuem um refinamento do que o digital antes delimitava. humilhação. Por isso. orgulho ferido. do mesmo modo que a mente como um todo é cérebro e não é porque é código. esses elementos básicos vão assumindo formas já levemente modificadas. via mecanismos de aprendizado e de recrutamento de participantes. colocamos tipos de prazeres e de desprazeres porque certamente já existe alfabeto prévio que distingue uns de outros ou que os torna mais suscetíveis de condicionamento. pode-se assegurar. Linguagem e estabilização de significados A garantia de que a sua angústia e a minha sejam as mesmas é fundamental. Se antes o sistema era capaz de classificar emoções em prazerosas e desagradáveis. ao longo dos primeiros meses de vida. . analógicas. mas pode ser abstraída e reim-plantada em outro meio físico qualquer. cap. de emoções como ansiedade e angústia. com o aprendizado da linguagem. pág. num dado instante. Ou seja. Talvez o alfabeto inicial seja constituído apenas de dois departamentos concretos: prazer e desprazer. desde que se preserve o código. que a classe das suas angústias é análoga à das minhas.47 − Diversos departamentos concretos e modulares de processamento de prazer e desprazer. a sua comissão cerebral corresponda exatamente à minha. Henrique Schützer Del Nero Na figura anterior.SÍTIO DA MENTE Fig. Mas. consegue agora formar pequenas comissões virtuais. com o treinamento e com a imitação.15 A emoção e seus distúrbios nasce no cérebro. lingüisticamente convocadas. Embora não se tenha certeza de que. Daí a separação em mais de dois departamentos concretos. através de alguns reforços positivos e negativos. isto é cerebral e não é. A garantia vem da esta- 269 O quadro da Figura 47 conta-nos apenas que os departamentos virtual-mentais são reordenações de departamentos concreto-digitais. aptos a fornecer quadros para a formação posterior de comissões virtuais. Num certo sentido. aptas a distinguir ansiedade de angústia. seja a minha uma forma mais típica. seja a sua angústia uma forma menos típica. Portanto. dinâmico. No caso analógico. cap. Portanto. por exemplo. Nela costuma haver um representante mais legítimo. A analógica. como. protótipo. de sua experiência e do meio em que ocorreu o treinamento do seu uso. através de condições necessárias e suficientes . c) equivalência de dinâmica de aprendizado através da estabilização dinâmica de conceitos ao longo da história da espécie humana e do indivíduo. 48). Fig. relacionado com a história do conceito.3 . a utilização do termo e sua inserção na bacia dinâmica daquele conceito estabelecerão a equivalência en- pág. isto é. a sincronização e a dinâmica de formação dos conceitos garan- Percebe-se pelo quadro da Figura 48 que a concepção discreto-digital exigiria que toda angústia fosse perfeitamente definida. a angústia de Paulo e a angústia de João. Mas a mente se forma como departamento virtual. de modo que coubesse num departamento concreto.15 A emoção e seus distúrbios bilidade de definição da linguagem e do modo de treinamento sociolingüístico do conceito nos indivíduos (Fig. a noção discreto-digital é que reclama conceitos claros e precisos. Henrique Schützer Del Nero tem que cada um deles seja uma bacia de atração.e regras claras.48 − Duas concepções para os conceitos. ainda que num determinado instante dois indivíduos descrevam duas angústias não exatamente idênticas. é dinâmica e depende de treinamento. e os outros tendem a convergir para ele num cenário de minimização de energia. ambas escorregarão para o fundo do atrator.SÍTIO DA MENTE A superação do fosso entre os protagonistas sociais pode ser feita pela garantia de: a) equivalência estrita entre as comissões virtuais cerebrais (como se pudéssemos dizer que o estado elétrico de seu cérebro quando pensa em um gato é idêntico ao meu estado cerebral quando penso no mesmo gato). e não um departamento digital em que se deve ter definição estrita e precisa. Há nela uma certa dificuldade de aceitar a idéia de versões degradadas de conceitos. 270 Curiosamente. A digital é estrita e depende de definição precisa. A mente analógica deste livro se utiliza da terceira garantia. b) definição precisa de conceitos. Que departamento sofrerá com isso? Aquele que está no 1o andar. A partir daí. Lesão e disfunção pág. com o passar do tempo e com a experiência. . entendida como ferramenta que forja as categorias mentais e os departamentos abstratos e virtuais. apesar de imperfeita. solicitando poucos exames neurológicos. passará a saber como fazê-lo. a linguagem passa a definir e formar conceitos de emoções. aprendizado e interação. ou seja.e os conceitos emocionais prestam-se a isso melhor que quaisquer outros -. E o que é pior. como a parte que é capaz de ser captada em exames neurológicos (quase todos os departamentos concretos podem ser captados nesses exames. revela os seguintes equívocos: a) as pessoas encaram o cérebro apenas como departamento concreto. as emoções e o pensamento serão mais pobres porque aparentados da forma digital primitiva. porém. não lapidados pela linguagem e pelo significado. Há. será insuficiente para tanto.15 A emoção e seus distúrbios tre ambas. garante uma certa estabilidade para os conceitos. b) ignoram que a linguagem. Peça a um indivíduo que relate uma experiência de física num laboratório. embora no nível de mebrana e de fluxo de íons através de canais haja igualmente departamentos muito mais difíceis de captar através de exames rotineiros). As lesões cerebrais podem atingir tanto os departamentos concretos como os virtuais. O que varia de um caso a outro são os tipos de lesões e os mecanismos que as produzem. Se não houver treino. O mesmo se dá com a linguagem quando instada a descrever pensamentos e emoções. porque de certa forma aparelha a linguagem com um mecanismo para superar o subjetivismo e designar estados internos que são os departamentos abstratos. o que é imprescindível para que possa ser usada como instrumento de precisão diagnóstica. cap. está apto a entender os dois tipos de patologia básica do cérebro. torna-se capaz de retraçar a objetividade que diagnostica o mau funcionamento dos departamentos virtuais. Depois de aprender as teorias e de se acostumar com o jargão da área. Isso é fundamental.Se o leitor entendeu os mecanismos de formação de conceitos . alguns tópicos a considerar: 271 Embora inicialmente desaparelhada para descrever emoções. Ele não saberá nem por onde começar. Voltemos à nossa empresa. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A queixa de muitos pacientes de que os psiquiatras fazem diagnósticos com base na conversa. Imagine que se joga uma bomba no 1o andar. nem por isso a empresa deixará de com- SÍTIO DA MENTE As situações acima dão bem conta do que se passa nos desarranjos cerebrais. prar. talvez a empresa tenha dificuldade de treinar uma nova equipe para aquela função. parecido com o orginal. A segunda é feita de outros tipos e seus tijolos são chips. os não-específicos. uma intoxicação ou uma falha nos receptores e neurotransmissores. Mas. um cisto. Uma bomba que explode departamentos concretos. deverá ser recrutada. pág. chips. semelhante à anterior. Primordial para se entender a inter-relação de pensamentos. etc. a distinção entre lesões é tarefa que depende da definição de onde elas ocorrem. isso se traduziria como uma avaria nas divisórias e paredes do departamento concreto. As lesões físicas atingem sempre algum departamento (concreto ou virtual) da empre- 272 Essas considerações são fundamentais na medida em que mostram todos os tipos de anomalia que podem ocorrer nos cérebros. por acaso. É possível que a explosão tenha des-truído ou danificado apenas as paredes e divisórias.). uma nova comissão. será preciso recomeçar do zero diante de problemas complexos. d) a bomba pode ter explodido justamente num departamento cuja função fosse guardar os códigos de formação de departamentos virtuais (códigos de recrutamento. deixando quase todos os funcionários intactos. Se o departamento de compras for danificado. No nosso exemplo. de substituição. Os distúrbios específicos são aqueles em que o departamento de compras (ou qualquer outro departamento concreto ou virtual) é lesado. Isso vale tanto para a empresa cérebro como para a empresa máquina que produza mente. uma comissão virtual ali reunida naquele instante ou uma sala em que costuma se reunir um comitê virtual (há equipamentos específicos para as reuniões). se a explosão afetar um local onde se guardavam códigos de recrutamento. às vezes. dever-se-á construir um outro. rompe células. Se um departamento virtual for atingido.15 A emoção e seus distúrbios a) a bomba jogada no 1o andar pode ser de vários tipos. poderia ser um tumor. E. A primeira é feita de certo tipo de divisória e seus tijolos são células. Isso porque a explosão no 1o andar pode ter atingido. cap. às vezes. No cérebro. aqueles em que não apenas o departamento de compras é lesado. devemos investigar quantos funcionários ali presentes foram mortos ou se tornaram incapacitados. Henrique Schützer Del Nero b) supondo que a bomba tenha explodido num departamento.c) é preciso verificar quanto uma bomba pode interferir num departamento virtual. Se o local de reunião desse departamento virtual é que for demolido. uma infecção.4 . se a bomba lesar todos os funcionários do departamento. emoções e outras funções mentais. um derrame. mas também a capacidade de executar a operação de compra. As emoções são parte integrante do cérebro humano. Será parcial. enquanto as “lesões virtuais” afetam o produto ou a função (mente). O pensamento poderia ser um meiode redescrever as emoções e a vontade? pág. não é totalmente impossível criar máquinas 273 No entanto. deveremos investigar se somente as divisórias ou também os funcionários saíram lesados. ficarão prejudicadas tanto as atividades digitais do departamento como algumas comissões virtuais que se reuniam ali ou que utilizavam seus funcionários. há um modo de torná-las pseudopensamentos: “Tenho uma apreensão que me inibe a vontade de ser. em princípio. Constituem departamento concreto que. Não basta somente uma idéia. virtual total e virtual parcial) apresentam possibilidades diferentes de correção. mas sim o produto mente que está naquele instante disfuncional tanto em cérebros como em máquinas. Estas últimas podem ser totalmente virtuais ou apenas parcialmente virtuais. Às vezes.15 A emoção e seus distúrbios sa (cérebro ou máquina). Se a lesão tiver uma certa magnitude. não atingindo nenhum departamento ou empresa. Grande parte da confusão das pessoas acerca da natureza imaterial da mente ou da gênese “emocional” dos distúrbios mentais e intelectuais advém da insuficiente compreensão desses níveis. o que importa é a disposição física da sala (imagine que aquele fosse o único departamento concreto cuja disposição física permitisse reuniões do tipo arena ou conferência). . sendo então considerada uma má comissão ou uma má estratégia.5 cap. no palco da consciência. de determinada maneira. podem ser retraduzidas em sentenças lingüísticas. quando atingir um mecanismo de seleção de participantes para aquela comissão. ou total. será preciso descobrir se não se tratava de uma sala usada para reuniões de algum departamento virtual que se servia dos equipamentos ali existentes. É preciso também saber com que roupas essa idéia se veste. e a expressa sob a forma de um pensamento. um personagem. No primeiro caso. Se as emoções. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Se um departamento concreto for afetado. nos habilita à interação com o meio. Logo. Observe que é no último caso que a lesão se dá no nível virtual absoluto. A lesão virtual completa é aquela em que determinada comissão esgota sua capacidade de resolver certos problemas. quando atingir uma comissão em reunião.” Esta sentença expressa uma emoção. Todas as três (concreta. a lesão poderá ocorrer no departamento virtual. advindo da submersão na comunidade social e lingüística. Difícil será garantir que as emoções retraduzidas pela linguagem tenham condições de substituir as emoções humanas. internas e acessíveis apenas ao sujeito que as sente.15 A emoção e seus distúrbios pensantes que usem pensamentos e pseudopensamentos (emoções retraduzidas em sentenças) como símbolos de manipulação.No afã de se descobrir o que caracterizava o produto mente. Não é só treinar a navegação do robô no espaço − item difícil de modelar −. fazer uma tabela de equivalência para os graus sucessivos de abstração mental. há um critério dinâmico de formação de bacias de atração. cap. lançou-se a idéia de que era o pensamento. Numa concepção de linguagem precisa em que o significado é dado por definições estritas. Contudo. mas também treinar sua navegação na esfera dos significados mais obscuros da linguagem e da comunicação que motiva essa aposta científica. para isso. se aparelhadas com um significado dinâmico das expressões. posturas corporais que auxiliam na significação. 274 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Fazemos uso de expressões para descrever nossas emoções. robôs que passam pelas mais variadas fases da adaptação ao meio. entender de que forma criamos empresas-máquinas para produzir mentes (algo diferente de simples programação lógico-digital) e qual o papel da emoção na gênese e na alteração do pensamento. As máquinas seriam. de olhares tristes e de coluna curvada. Essa possibilidade é fundamental porque nos permite. assim. ao lado das sentenças. é isso o que acontece com o ser humano e há quem suponha que o único meio de reproduzir mente em máquinas é fazê-las interagir desde a “infância” com um ambiente real. tentando-se construir réplicas artificiais capazes de manipular símbolos através de regras lógicas (modelos de inteligência artificial simbólica). De certa forma. numa concepção em que o significado é o conjunto de situações treinadas por um participante da linguagem que aprendeu quando usar um termo. então. mas que poderiam perfeitamente ser replicadas se muníssemos máquinas de caretas. . capazes de manipular pseudopensamentos (ou emoções traduzidas em sentenças). Mais tarde. pág. Constroem-se. Podemos. A garantia de que utilizamos corretamente um termo advém do treinamento e das múltiplas aparições daquele termo em situações concretas. devidamente corrigidas pela comunidade de usuários da linguagem. a um só tempo. pelo simples fato de que não temos tais definições precisas para elas. Não importa aqui que tenham emoções genuínas ou apenas meios de expressá-las adequadamente sob a forma de sentenças. Temos. construíram-se réplicas que manipulavam símbolos através de regularidades (modelos de inteligência artificial conexionista ou redes neurais artificiais). não há como assegurar que as sentenças expressem objetivamente as emoções. possam ocorrer em sentenças que expressam símbolos. Entender isso é básico porque: a interdependência dos setores cognitivo (pensamento). cap. “cadeiras” e “angústia”. bastando reencontrar a codificação dinâmica. mas formados a partir da interação de departamentos concretos com a linguagem e o meio cultural. não é necessário ter exatamente vontade e emoção.a) nem as máquinas precisam de emoções e vontade para produzir mentes. por exemplo. a legitimidade das sentenças que descrevem emoções e nos capacita a compreender por que a gênese das disfunções mentais em seres humanos tem forte componente emocional. a neurologia se ocupa mais freqüentemente dos departamentos cerebrais concretos. Isso também explica por que os mé- 275 b) nem os seres humanos podem compreender a mente sem compreender a gênese dinâmica dos conceitos e Voltando à nossa empresa. Por isso. c) o quadro de funcionários de um departamento virtual. enquanto a psiquiatria se concentra nos departamentos virtuais (há quem prefira chamá-la de neurologia da função superior. b) o quadro de funcionários daquele departamento. é necessário entender também a formação dinâmica (via sincronização) de símbolos. o papel da vontade e da emoção é fundamental para explicar a mente e o pensamento. tornando os antigos modos de pensar de uma comissão virtual irremediavelmente ultrapassados. que um fato novo tenha modificado radicalmente os hábitos dos consumidores. Nas máquinas. É ela que nos garante. uma vez que eles não são dados pela linguagem. é lícito provisoriamente supor que as entidades lingüísticas. pág. imagine que uma forma qualquer de lesão (a bomba) altere: a) as paredes de um departamento concreto. é mais difícil pensar numa bomba).15 A emoção e seus distúrbios Porém. por ora. ou de neuropsiquiatria). e) o resultado das deliberações de um certo tipo de comissão (só que. conativo (vontade) e afetivo (emoções). para entender a disfunção mental em humanos e algumas limitações dos modelos artificiais de mente existentes hoje em dia. como “gatos”. A seqüência acima mostra que há diferentes graus e maneiras de se afetar departamentos concretos e virtuais. neste caso. a gênese dos símbolos é tarefa mental complexa. Assim. Em geral. No entanto. A procura inicial seria então pelos mecanismos de ligação entre esses símbolos. Henrique Schützer Del Nero Na empresa cérebro. é mais fácil corrigir um problema ocorrido num departamento virtual. . SÍTIO DA MENTE Suponha. d) o modo de convocação desses funcionários. do que num departamento concreto. O importante é garantir o modo dinâmico como as sentenças que descrevem a emoção e a vontade se formam. onde se requer que se remendem divisórias reais (lembre-se de que não há regeneração de neurônios − divisórias − no cérebro humano). bem estabelecidos para enfrentar digitalmente situações conhecidas há milhares de anos. comportando anomalias mais ou menos claras. Uma ciência da mente deve distinguir esses três níveis. pensamento. a quantidade inumerável de sen-tenças bem construídas. Henrique Schützer Del Nero são departamentos virtuais quase fixos. na esfera da emoção. . a impossibilida- 276 SÍTIO DA MENTE De posse do conhecimento atual. etc. explica cabalmente por que alguns problemas confinamse na empresa-cérebro (por peculiaridades do meio físico). contrapondo-se à noção de dever. uma das principais peculiaridades do sistema mental é sua capacidade de criar uma dinâmica de seleção dentro da empresa que se forma.15 A emoção e seus distúrbios todos estáticos (tomografia. mas trazem à luz modos de construir e operar uma empresa-máquina (no que diz respeito ao modo dinâmico de formação de símbolos. ressonância nuclear magnética. outros na empresa-máquina (por outra sorte de peculiaridades do meio físico) e outros ainda no produto mente (por problemas básicos aos dois no que tange à codificação). cap. Nesse recorte.) avaliam bem os departamentos cerebrais concretos. pela eliminação progressiva do querer como fonte de comportamento. seja em cérebros. b) problemas de departamentos virtuais são específicos da empresa-cérebro. mapeamento cerebral ou brain mapping. a emoção e a vontade A infinidade de modos de pensar. Porém. pode-se dizer de maneira esque-mática que: a) problemas de paredes e divisórias são específicos da empresa-cérebro. a “tomada de decisão sob risco”. c) problemas do produto mente são comuns a quaisquer instâncias de mente. Finalmente. Nascemos aparelhados com uma pequena gama de departamentos concretos. Isso explica o processo contínuo de degraus de concretude e de virtualização que caracteriza as empresas geradoras do produto mente. função básica da mente. pela superação do binômio simples prazer/desprazer. é grau ulterior de virtualização. Rapidamente. magnetoencefalograma.Há uma progressiva virtualização nas funções mentais. e assim sucessivamente. e novos departamentos virtuais são criados a partir deles. eletroencefalogramas de vários tipos. em máquinas ou em meio de contato entre agentes mentais (patologias de comunicação e patologias culturais). enquanto os métodos dinâmicos (PET tomografia por emissão de pósitrons. se o pensamento. etc. Esses departamentos funcionam agora como departamentos quase concretos. alguns departamentos virtuais são gerados por pressão ambiental: na esfera do pensamento. pág. emoção e vontade quase constituem departamentos concretos em face da comissão encarregada de tomar decisões. recrutando elementos dos três anteriores. na esfera da vontade. pelo aprendizado das relações causais e da linguagem. Assim. entre eles os símbolos emocionais e os volitivos).) captam melhor os departamentos virtuais. quer pela experiência. um elemento de um departamento concreto po-de desempenhar outra função num departamento virtual.15 A emoção e seus distúrbios de de se formular uma teoria científica definitiva e final. se está em fase de estudo de problemas novos. aversão. a idéia de identidade (eu sou um 277 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A dinâmica de formação da mente obedece à possibilidade de recombinação analógica dos elementos processantes (cada vez mais virtuais. Porém. que. por sua vez. Formação dinâmica de níveis da vida mental cap. codificando informação através de oscilações e sincronismo) e de alteração do estilo de conexão entre as partes através de mudanças sinápticas e de mensageiros (dentro do neurônio). todos esses aspectos da mente devem-se à gramática ou às regras (via sincronização) de formação de novos departamentos virtuais e de concretização de departamentos virtuais já bem-sucedidos. aprendizado e formulação de hipóteses acerca do futuro. no caso do cérebro humano. neurônios e assembléias deles) podem estar em diferentes planos. dor e bemestar estarão o tempo todo. Mais ainda. os elementos de recompensa. exercendo papel fundamental na escolha de soluções. sem cair no extremos. O que talvez mais chame a atenção nesse processo é que os elementos (no caso. responsabilizando-se em cada nível por uma função. o papel da emoção é agregar-se aos juízos. O reordena-mento dos elementos em comissões e a formação dinâmica de novos conceitos. isto é. Como todas essas perguntas se interpenetram. Cumpre-nos buscá-las ativamente. refinando a ação e a percepção. Cada situação passa por um crivo digital do tipo: verdadeiro ou falso (no plano das idéias e pensamentos). Se uma comissão é bem-sucedida numa tarefa. privilegia-se sua resposta analógica. Tanto menos burilada. pode funcionar como “concreto” para um terceiro nível de virtualização. O cérebro oferece uma capacidade imensa e ociosa de distinguir sutilezas. Assim. O neurônio está sempre disparando potenciais de ação do tipo tudo ou nada e códigos de barras. No limite. certo ou errado (no plano dos valores éticos). particularmente diante de contextos complexos (é mais raro que haja essa superposição para saber se 2 + 2 são 4 ou não). quer pela maturação do sistema nervoso. válido ou não-válido (no plano dos argumentos). contexto. privilegia-se sua resposta digital. no caso das emoções. essa mente não é idêntica em cada um de nós. experiência.Para certos fins. menos capaz de distinguir nuanças. é difícil imaginar que não haja um forte componente emocional no pensamento e vice-versa. é prazer ou não. acabam por forjar a mente. pág. agradável ou desagradável (no plano da emoção). . Nascemos com tendências mentais sob a forma de um vocabulário primitivo que. Os modos de usar essas duas informações irão se rearrumando pela pressão. Chama-se João da Silva para participar dele. é departamento virtual único porque representa a soma de todas as lembranças daquele indivíduo em especial. um departamento virtual para tratar daquela informação ambígua (prazer do leite e desprazer da cólica). depressão e êxtase estético não são idênticos. a pequena empresa (no caso. É um elemento crítico quer no proces-samento de desprazer. Essas novas comissões terão sua história biológica num lado. perde a família e o emprego. Novo departamento virtual deve ser cri- A identidade tem um pé na ciência e outro no caso isolado. um bebê) sofre uma violenta cólica intestinal após mamar. em depressões. desenhado para cuidar de uma depressão. Resolvido o problema. apesar de queimar o esôfago (desprazer). às vezes milhões deles). quer. Ou seja. cap. de sua estabilização e de sua candidatura a fornecedor de elementos para um novo departamento virtual. João da Silva está ligado a um departamento concreto. quer em binômios (prazer/desprazer). bate na mulher. Sua atuação em cada um deles varia de acordo com sua função digital (nos concretos) ou analógica (nos virtuais). são milhares. vem uma sensação gostosa de embriaguez (prazer). O resultado da deliberação do departamento virtual “depressão ”. porque agora o binômio é ligeiramente diferente do anterior. Com o tempo.6 . o indivíduo toma um porre. que incorporará neurônios processadores de idéias e de vontades. nem pode prescindir deles como fornecedores de quadros para participar das novas comissões. Há uma norma de convocação destes macroconceitos cognitivos. Em questão de semanas. Toma-se agora um copo de pinga e. Ao nascer. conativos e afetivos que não se pode reduzir à lógica estanque de departamentos concretos. por- pág. embora tenha João como elemento crítico (por pertencer a tantos outros departamentos). em diferentes departamentos concretos e virtuais. e esteve. imeditamante. O fato de João da Silva ter a história que tem nos vários departamentos acabará por pesar no estilo de deliberação que sairá dali. finalmente. João está. Imagine o caso de João da Silva. esse departamento torna-se concreto para lidar com ambigüidades alimentares.15 A emoção e seus distúrbios sujeito). Lá está João da Silva. caindo deprimido na ca-ma. Lá está João da Silva no novo departamento virtual. um neurônio (na verdade. Há somente ciência da regra dinâmica de formação dos departamentos virtuais. na história. não há ciência geral do que é vivenciado por cada indivíduo porque o processo é único. Cria-se. Vai daí que certas peculiaridades da mente são inabordáveis por uma teoria geral. embora departamento concreto (ou se é ou não se é) no que tange à capacidade de ser uma só pessoa em meio ao fluxo ininterrupto de informações. anos depois. responsável pela sinalização de desprazer. ado.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 278 Se aversão e prazer são departamentos concretos. dependerá de uma nova auto-organização dinâmica. é muito comum que coexistam distúrbios de varias funções. numa psicose um quadro de pânico. cap. praticamente todo o sistema fornecerá quadros para comitês virtuais de existência rápida ou duradoura. etc. pág. certo/errado ou bom/mau. e não da área do pensamento. para certos efeitos. cada uma delas atuando em certos setores cognitivos ou conativos (que. Por um lado. Também por essas razões existem. seriam comparáveis aos circuitos e aos tipos de neurotransmissor). Não seria única na medida em que certos elementos que participam dos comitês têm sua história mais ligada a determinados setores do que a outros. Por outro. acabe-se muitas vezes usando um coquetel de drogas. 2) A abordagem diagnóstica serve-se bastante da linguagem e da interação com o indivíduo para descobrir e tratar o problema. e não de outras. não se reduz a binômios como prazer/desprazer. para situações cada vez mais complexas − e a operação global da mente é uma delas −. tomando-se como exemplo a formação de um departamento virtual que tem como elemento-chave João da Silva. para corrigir determinados distúrbios − embora. O significado dessas disfunções.7 . ainda que.15 A emoção e seus distúrbios que recrutam elementos físicos de departamentos concretos. pela natureza dinâmica e progressiva dos comitês virtuais e de seu mal funcionamento. portanto. não faz sentido dizer que existe um distúrbio específico desta ou daquela função. tenhamos nessas formas primitivas elementos críticos de correção. as disfunções mentais contam com a participação de quase todos os elementos. numa esquizofrenia arborescência de pensamentos. pelos mesmos motivos apontados para a gênese dos conceitos lingüísticos. no caso cerebral. percebe-se que a correção e o entendimento daquele departamento passarão necessariamente pela maior ênfase na figura de João da Silva (um neurônio afetivo. sar de menos aceitas. havendo. porque é esta que formata as comissões virtuais progressivas. decisão e atuação. contaminação extrema de vários departamentos e funcionários. e sua história cultural-pessoal e lingüística no outro.1) Embora cada quadro de disfunção mental apresente uma certa classe de sinais e sintomas preferenciais. Cada disfunção terá sua classe preferencial de drogas e terapias. Henrique Schützer Del Nero Em última análise.8 Seria única na medida em que há afecções maiores ou menores de comitês virtuais muito amplos. numa depressão pode-se ter um delírio. neurônio originário de departamentos emocionais ligados à aversão. hipóteses sobre a gênese única das patologias mentais. ou que o pensamento é autônomo em relação às outras funções mentais. 279 Isso será crucial na compreensão da escolha de certas drogas. Assim. da vontade ou da memória). ape- SÍTIO DA MENTE Por serem complexas. portanto. O pensamento se desorganiza. pela pluralidade analógica. Sente-se incapaz de enfrentar qualquer desafio. uma via de solução através de sincronizações desconhecidas. secos. Há um aperto no peito. ainda escuro. . ou vice-versa. fornecendo. O choro irrompe. Escrever um livro pode ser um ato afetivo até mais nobre do que amamentar mecanicamente um filho numa loja de shopping center. como o desprazer não capta a dimensão de uma ansiedade ou de uma depressão. evolução de conceitos sociolingüísticos que estão na base da formação de grupos. capaz de resolver uma série de impasses. Em toda escala animal temos algum mecanismo de apreciação afetiva de determinados eventos. uma impossibilidade de virar para o lado e voltar a dormir. Em geral. Henrique Schützer Del Nero 4) O papel da emoção na base dos distúrbios mentais deve-se ao fato de que a mente não foi forjada para pensar e sim para interagir. clãs. servindo sempre ao propósito principal de interação de indivíduos. 280 6) A maneira de resolver esse impasse é dotar a máquina de pseudopensamentos que descrevam emoções. uma sensação de desconforto na cama. no entanto. de repente. no entanto. o papel diagnóstico e terapêutico da segunda é inquestionável). Usa a linguagem como meio dinâmico. Corre para o banheiro e evacua em jato. provoca medo. Preferia morrer. sociedades e estados.15 A emoção e seus distúrbios 3) Dependendo do nível da disfunção. Uma dor no peito suscita o medo de um enfarte. A idéia de sair da cama. será pouco mental na medida em que sua função precípua é o pensamento e não a interação afetiva (ligações sólidas com vistas à reprodução e à defesa). mas. ainda assim. serão necessários mais remédios e menos psicoterapia. Desregulagem emocional. Diarréia incontrolável. famílias. cap.5) Uma máquina que não tenha essa função poderá resolver teoremas. a angústia se instala na boca do estômago. Cinco horas da manhã. O pensamento é uma construção posterior do cérebro humano. pensa cuidadosamente num modo de se matar que não provoque escândalo nem perda da cobertura do seguro. afetiva e do humor Um indivíduo subitamente acorda mais cedo que o normal. Aliás. a psicoterapia é um processo de requalificação de conceitos forjados durante a história de cada um de nós. Raramente se precisará de um só dos dois (pelo próprio mecanismo de formação de conceitos via aprendizado e linguagem. Os olhos se abrem. pág. Ou fazê-la passar pelo cuidadoso treinamento e SÍTIO DA MENTE 7) A simples procriação não capta a dimensão da afetividade na mente humana. Um prato mais condimentado e sofisticado. Também de ruína intelectual. Assiste a uma cena emotiva e começa a chorar. Há uma série de indícios que sugerem infidelidade. A cabeça parece oca. A vista embaça. titubeia e tem dificuldade de chegar ao resultado. abre a porta da cozinha.281 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero pág. perdida no ambiente. Sua obra não vale nada. Quando a mulher desce e o vê naquele estado. geléia. pão. Chega-lhe um suco. Não tem sido bom pai para aquela criança! Não tem transmitido a ela o sentido da vida. Ouve-se a sirene de uma ambulância na rua. Dá uns gritos. Angustiado. não é capaz de fazer qualquer coisa boa. aparecem pequenos pontos luminosos no cenário. elegante e vaidoso. Uma sensação de ruína material invade-lhe a mente. O coração acelera. está presente. reação explosiva que absolutamente não é de sua natureza. Subitamente começa a sentir um medo indescritível. feita de algodão. dolorosa. Há uma reunião importante. da remuneração mensal satisfatória e dos cinco livros que escreveu. Com a voz embargada. Não pára quieto. com qualquer pequena coisa. Sobrevém uma sensação de desmaio. andando de uma lado para o outro. as mãos formigam. a barriga dói. Levanta-se da privada. Algazarra. o ar falta. Lê mas não entende. Será que escorregou no banheiro e quebrou a cabeça?” A empregada pede dinheiro para pagar o encanador. É diferente de qualquer outra tristeza que jamais tenha sentido. Um de seus livros é sobre matemática avançada! A memória está prejudicada. “Será alguém de minha família?”. Também pudera. O raciocínio também. Coloca um pedaço de pão na boca e quase vomita. Desce para o café. hesita. Qualquer coisa provoca o pranto fácil. leu várias linhas e não se lembra. Seus movimentos parecem mais lentos. Uma irremediável culpa invade a mente. subitamente se torna infiel. mas não consegue se concentrar. E a criança no quarto ao lado. o pensamento não pára e não se desvia da morte e da destruição. nem pensar. Uma sensação de tristeza esquisita. As crianças descem para o café. celebrados como preciosidades. cabelo desalinhado. Irrita-se com o barulho. Quando vai fazer a conta. Tenta ler o jornal.15 A emoção e seus distúrbios rumina idéias e não consegue fugir dos temas negativos. pede o café. incapaz de focalizar um objeto específico. pensa. barba por fazer. Às vezes é dominado por uma inquietude extrema. A fala é rouca e débil. de adiantamento. da casa própria. O suor frio toma conta das mãos e dos pés. como se fossem diminutos vagalumes. pergunta-lhe se não vai trabalhar. a cabeça gira. Os barulhos desviam sua atenção. “Minha filha está dormindo no vizinho. Apesar do carro importado na garagem. Tinha dado 50% . Não tem vontade nem de se barbear nem de tomar banho. ainda bebê de oito meses. Tem uma sensação de náusea e inapetência. Quando vê. Ele. ainda dormindo. sente-se agora incapaz de pagar até mesmo a conta da padaria. O olhar é morto. Detalhe: sempre foi o melhor aluno de matemática do colégio e da universidade. assim como seus processos mentais. que sempre cedo já descia de terno. chocolate quente. iogurte. a garganta sufoca. as costas encurvadas. A mulher. Uma sensação repentina de desespero e ansiedade dá cap. Devem estar errados. Deve ser inveja. batimento cardíaco. Acaba tomando. O remédio. Há momentos menos ruins. Não só atuou nos neurotransmissores como alterou a dinâmica de formação dos receptores.SÍTIO DA MENTE pág. Planeja. Mal adormece. no início do dia. bebidas alcoólicas. Devem ter sido trocados! Toma vitaminas. Estava apenas com a máquina desregulada por certas formas de 282 coisa. aparentemente desconhecido na medicina. O fato de que os exames estão normais não convence. agora com detalhes. retoma a vida normal. Roteiro de ruína e personagens ameaçadores. apesar dos efeitos colaterais. no final da tarde. Agora há crítica do quadro. Em vão. cedendo lugar a sócios menos capacitados. Vinte dias depois está recuperado. Fecha o escritório. procuram um padre que o abençoa. Reluta em aceitar que se trata de uma desregulagem mental e que precisa de remédios que atuem nas sinapses. Acorda de sobressalto. foi socorrido e tratado. Há perda de peso acentuada. Nada de anormal. de que está prestes a morrer. O sono é absolutamente irregular. Cisma então que precisa mudar da casa onde mora. colocou em ordem um série de conexões entre os neurônios. Sobra uma sensação de cansaço profundo. Rezam juntos. Nem ereção. Depois. com certeza a causa do seu “estresse” emocional. Coloca a casa à venda. absolutamente todas as funções fisiológicas (pulso. Acaba fazendo uma péssimo negócio. Um amigo é chamado e diz que o caso é falta de fé. O desejo sexual é zero. Uma sensação de falência dos órgãos. é examinado pelo clínico de plantão. pressão. senão as manifestações de um quadro de ansiedade aguda. Toma um calmante. é levado pela conversa do outro. As pessoas da vizinhança sabem demais de sua vida. talvez um encosto. Lentamente vão-se desenvolvendo idéias de doença oculta. Volta para casa e dorme um pouco. sangue e urina) estão normais. ainda não entregue ao comprador. Acha que nada pode resolver seus problemas. O álcool ajuda por algumas horas. Providencialmente alguém traz um psiquiatra à sua casa. Culpa uma série de episódios do passado pelo seu infortúnio. Ao sentar-se à mesa de negociação com um comprador. As idéias de ruína se foram. pouco antes de cometer um desatino.15 A emoção e seus distúrbios a impressão de que algo terrível vai acontecer. O quadro continua igual. como dar fim à vida. vai a um centro tentar afastar os maus espíritos. Henrique Schützer Del Nero Nosso protagonista sofreu uma violenta crise de depressão. as sensações voltam ainda mais intensas. Não adianta. Não era portador de nenhuma maldição ou loucura. passa a crise. compra um sítio. Todas. Além do mais. Por sorte. Quem sabe ali haja alguma . Levado para o hospital próximo. Com o dinheiro arrecadado. caso raro. cap. começa a sonhar. temperatura. Finalmente. mais de dois quilos em poucos dias. Passam-se os dias e o quadro não melhora. Tratando-se continuamente com remédios e discutindo seus problemas com o médico. com algumas oscilações. os gastos são imensos. Pretende abandonar a vida da cidade grande. e momentos insuportáveis. nem fantasias. as bulimias. mais comumente. Também é comum as pessoas dizerem que. passando despercebidas. as ansiedades. não se trata de distúrbio cérebro-mental. .15 A emoção e seus distúrbios mau funcionamento em algum ponto da empresacérebro. Diagnostica um impasse do nosso tempo quanto ao reconhecimento e à aceitação da disfunção mental e do sítio cerebral. Também não começam de repente. as fobias. as impulsividades e as distimias (depressões leves crônicas). Errado: o fator externo age agredindo ainda mais um sistema que 283 A depressão retratada acima é rara. Muitos quadros não têm sequer 20% dos sintomas mostrados. As pessoas em volta. pág. o desemprego. a influência externa exerce papel fundamental na sua gênese. Ao contrário de constituir um caso a mais na fantástica onda de relatos médicos. No entanto. A depressão pode ocorrer sem um fator desencadeante. as manias. as anorexias. semanas.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Depressões Existe uma enorme variedade de quadros depressivos − de um leve estado de desmotivação e perda de rendimento ao embotamento generalizado e mesmo a psicose (alteração grave do pensamento. o pânico. meses. mas vão-se instalando lentamente ao longo de dias. esse é um caso exemplar. dependendo da classificação que se use). por haver uma causa externa − por exemplo. com delírios). acendendo o pavio da bomba. cap. e muitas vezes o próprio indivíduo afetado. do humor. sem uma situação objetiva que frustre ou atemorize o indivíduo. Estas últimas talvez sejam as mais difíceis de se diagnosticar e. deixam para sempre uma poeira na mente do indivíduo. pensam que é traço de personalidade ou sinal dos tempos. as dificuldades financeiras −. Formam uma extensa lista de quadros definidos sob o rótulo de doenças afetivas. responsável tanto pela grandeza da mente como por muitas de suas desregulagens. anos. os transtornos irritáveis. Aí estão as depressões. não há concomitância de tantos sinais e sintomas. a gama de pessoas afetadas por ela é tão grande que se pode até pensar tratar-se de uma resposta mais ou menos “natural” do cérebro a determinadas situações. Descrita como foi. farei um apanhado breve dos distúrbios que costumam ser classificados como afetivos (ou das emoções. nem 20% de sua intensidade. Apesar de haver uma predisposição genética marcante para a depressão. serve de guia para uma série de fenômenos que refletem a desregulagem mental. Pela natureza deste livro. dos afetos. Na maioria das vezes. as obsessões e compulsões. a libido. um nível de vida de classe média alta. depois. diminuído. embora a ame muito”. Agora. Sinto uma angústia tremenda e uma dificuldade indescritível de sair da cama e enfrentar os problemas. Boca seca. “Acalma”. Voltou a tentar achar saídas. devido a algumas mudanças na economia do país. Não nos damos bem.” Peço-lhe que volte à dose anterior. Já tem até um plano. fala inaudível. confessa. explica. Digo-lhe que tentarei fazer voltar o dia em que a colocava no colo e lhe con-tava pág. “E não me queira mal. Impossível fazê-lo entender que muitas mudanças econômicas penalizam setores inteiros sem que haja qualquer noção de valor pessoal em jogo. cabisbaixo. olhos inchados. é nesse momento que se torna ainda mais necessário regular as variáveis cerebrais. mas por sorte acaba tomando a dose certa. depois de arrumar tudo para minha esposa. Resiste à idéia de que esteja doente. mas o sono. piora parcial do quadro nos primeiros dias. duvida. cap. alega que o direito à morte é inalienável. Portanto. o apetite. mas quer estar certo de que parecerá morte natural para garantir à mulher a indenização da companhia de seguros. “Minha filha é um problema. embora não fosse. Conta-me que.15 A emoção e seus distúrbios já tem determinadas propensões a adoecer. começa a abandonar a idéia de morte e me solicita que converse com sua família. No primeiro contato. “Diminuí por conta própria a dosagem”. um bloqueador de noradrenalina e serotonina. “Durmo umas três horas e aí acordo”. Deixou sua antiga casa. não retira dinheiro nem para cobrir o aluguel. Com argumentos sofisticados de pessoa instruída e lida. sequer tem dinheiro para o remédio ou o almoço. até bem pouco tempo atrás.” A concentração está péssima. a zero. está em vias de fechar as três pequenas empresas que lhe haviam garantido. Por vezes. “Dificilmente volto a dormir. . Mais ainda. O sono ainda não está normalizado e o abuso do álcool persiste. A cara mudou. Começa um longo discurso sobre seu fracasso. Queixa-se dos efeitos colaterais.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 284 Tempos depois regressa ao consultório. pessoa que abusasse de álcool. Um paciente me procura no consultório dizendo estar à beira do suicídio. mas trazido por uma amiga que desconfiou de alguns comportamentos seus. mostra-se choroso. aos 60 anos de idade. mas mesmo tendo readquirido a capacidade de trabalhar. um bloqueador de recaptura de serotonina e. responde. instalando-se provisoriamente num pequeno apartamento. Hesita. Não vem por livre e espontânea vontade. Sentese fracassado. alega ter direito sobre sua vida. Pôs à venda todos os móveis. Três semanas depois de retornar à dose certa. Convenço-o a tomar uma medicação: num primeiro momento. antes disso. Pretende aca- bar com a vida. a concentração e a motivação estão bem melhores. Pergunto-lhe sobre o sono. continuo com o firme propósito de ir embora. avalia. Pergunto-lhe sobre o remédio. Ainda não tem nada de concreto nas mãos. Tem abusado da bebida. Num ano. para o Exército da Salvação. quando falamos de alma e espírito. Podemos parecer sacerdotes. Porém. concluiu ela.” . o choro não é mais o elemento fundamental. do pensamento e da emoção. porque esses já são. traços biológicos notáveis. já péssima. bem como o apelo às soluções mágicas. Uma paciente costumava passar bem de maio a dezembro. retruquei: “Isso é coisa de religiosos. “Você é um pouco padre. infelizmente. respondi. A credulidade aumenta. encontrou um bruxo 285 Certa vez uma paciente me dizia.” Já sentindo de novo a batina abanar. claro que não em hospitais aparelhados e decentes como os que servem à população. uma desconfiança generalizada e uma insegurança que beiram o absurdo. Entender o cérebro e a mente são outros quinhentos”. subtraindo com isso grande parcela da razão pensante. no recato da mente solitária. Quando não se consegue entender a riqueza do comportamento neuronal.A depressão ansiosa é. desde que devidamente entendidos. “Para isso não é preciso fazer curso superior. Definitivamente. similar à descrita no início. Há uma ética biológica que. pág. moral e biológico de atendimento. mas somos só médicos. a psiquiatria parece ter algo de religião. Parava os remédios e na volta. Quando falamos do que está por trás da grandeza da mente humana e de suas anomalias. tem sido esquecida por profetas da prece com finalidade pessoal. Não é necessário falar de uma ética religiosa solidária. procurava todo tipo de terapia e métodos alternativos. Henrique Schützer Del Nero De fato.” “Como você é duro e insensível em certas horas”. uma razão e uma vontade que aplaque a diferença indevida entre as pessoas. sempre inventava alguma coisa nova acerca de seu quadro. Eu não cuido da alma. estamos sendo sensíveis. mormente quando essa diferença se externa como acesso ou não ao alívio da dor. diante da dor. Entre SÍTIO DA MENTE Engraçado que. A prece é a introspecção mental que procura. Os predicados que a religião empresta do espírito. empresta-se da religião a figura da bondade e do amor ao próximo. Há um quadro de repetição de idéias. justificou. Ajudar os outros é obrigação de qualquer um. que pretendia estudar psicologia. Durante as viagens. Em janeiro viajava por um mês com a recomendação de continuar os remédios. de certa forma. um dos sítios da mente é não se perceber que não lhe reduz a grandeza o fato de ser gerada por um cérebro e não por uma entidade que não temos a menor idéia de como explicar ou tratar. “Gosto muito de ajudar os outros”. cap. nós os pesquisamos e achamos na natureza. após melhorar de um quadro depressivo ansioso. Ela insistiu: “Mas eu acho tão bonito ser médico de almas como você. cuido do cérebro. Não há médico que. embrutecidos e materialistas. Chora e me abraça. sabia? Obrigado. não tenha aberto mão de honorários para cumprir seu dever jurídico. somos duros.15 A emoção e seus distúrbios histórias de fadas. Também os primatas o fazem. no seu sangue. depois de quinze dias de medicação. Como de hábito. que estamos todo o tempo gerando. entre as muitas hipóteses de resposta.SÍTIO DA MENTE Transtornos irritáveis e impulsivos Uma das formas leves mais interessantes. “Ele é assim mesmo. Segundo o médico. estava normal. No outro ano. Dei-lhe novamente apenas o antidepressivo comprado em farmácia e recomendado por qualquer psiquiatra que conheça um pouco do que se faz nos dias de hoje. A pessoa apresenta o chamada pavio curto. fez testes complexos de função cerebral. até fisicamente. Há drogas antiimpulsivas que simplesmente “encompridam o pavio”. Prescreveu-lhe vitaminas (outra área com alguma massa de informação científica. demonstra equívoco ou alguma leviandade se usado como instrumento de diagnóstico clínico. Voltou em fim de abril e passou bem o resto do ano. Voltou em maio e. Pode-se dizer que qualquer coisa que nos afeta. os antidepressivos que costumava tomar. não se tornou médica de almas. melhorou duas semanas depois e continua bem até hoje. impulsivos e explosivos. topou com um centro que aplicava uma técnica baseada em “radiestesia radiônica”. a ira. método que tem sido reavivado em pesquisa. etc. Podem ser compulsões pelo jogo. a violência verbal e/ou físi- pág. faltavam componentes. às vezes. dizem os que rodeiam o paciente. comuns e menos diagnosticadas de distúrbio afetivo são os quadros irritáveis. torna-se violenta verbalmente. como comprovava o exame cerebral: “Está vendo está área toda azul? É sua depressão. Sem vitaminas e com cada . mas ainda distante da operacionalização e da eficácia que se exigem da aplicação clínica) e. mapeamentos ainda inconclusivos na clínica médica (embora possam ser usados em pesquisas). pelas compras. cap. como de modo geral o é qualquer tratamento desses transtornos. escondidos na fórmula. Algumas variantes da impulsividade não são necessariamente motoras. É azul”. Voltou ao meu consultório porque não podia mais pagar o preço das fórmulas. Dedica-se agora a reuniões de um grupo que diz manter contato com extraterrestres. Melhorou um pouco. Henrique Schützer Del Nero vez menos remédios. explode à toa. provoca a explosão. mas não o suficiente. disse-lhe o tera-peuta. Agem em certas assembléias neuronais que atuariam selecionando estratégias de conduta. vitaminas. por ora. Na última vez. 286 O tratamento é fácil.15 A emoção e seus distúrbios que afastava as doenças dando um grito primal. Pudera. a dose de antidepressivo estava errada. desde criança não leva desaforo pra casa!”. A característica que chama a atenção nesses quadros é a possibilidade de serem considerados traços de personalidade. Que eu saiba. por informação. mas que. fazendo uso de mapeamento cerebral por eletroencefalografia (brain mapping). Cortou pedaços de cabelo e mandou analisálos nos Estados Unidos. quer através de mecanismos pré-conscientes. o paciente tinha plena noção de que se excedia. salvou o casamento. Quando não tem febre. Muitas vezes. o mesmo antitérmico (usado como analgésico. mesmo não conseguindo controlar-se. É curioso que. Às vezes. o paciente se arrepende minutos depois. mas. cap. Quando uma pessoa tem febre e toma um antitérmico. o jovem se alterava e explodia. . sua temperatura volta ao normal. embora tire um deprimido da depressão. era somente uma alteração ver bal: gritos e ofensas.SÍTIO DA MENTE Isto significa que. impensada seja mais rápida do que qualquer outra. tapas em sopeiras e até algumas “sacudidas” na mulher. de modo geral. irritável. Uma gotinha de anti-impulsivo diminui a irritabilidade do explosivo. apesar de haver um sem-número de outras temáticas psíquicas a serem discutidas e melhoradas. passou apenas a ofender e gritar. procuroume certa feita dizendo que a esposa já não o agüentava mais. Em outras ocasiões. casado havia alguns anos. por exemplo) não faz com que sua temperatura baixe ainda mais. pág. Um paciente. passou a não mais agredir fisicamente a mulher. com três gotas. mas não deixa um indivíduo normal sem impulsos. socos em paredes. quer através da avaliação consciente. Às vezes. como no caso da febre. A depressão e outros tipos de desregulagem podem alterar este jogo de forças. Nesse caso. o modo próprio de ser. e assim sucessivamente. A medicação tende a estabilizar o comportamento. se a pessoa está com dor de cabeça e toma as mesmas 30 gotas. A resposta é não. estas hipóteses são abandonadas. do juízo. O relacionamento era bom. fazendo com que a reação agressiva. com duas gotas. o sistema apresenta índices máximos e mínimos que 287 Henrique Schützer Del Nero Alguns pacientes perguntam-me se essas medicações não adulterariam o que realmente se é. Trata-se de uma propriedade dos sistemas de regulação do organismo. 30 gotas de remédio diminuem a temperatura a 36. a temperatura não cai a 33 graus. sequer tem crítica absoluta do quanto se excedeu. Assim também. fazendo-o voltar ao normal. Medicado com bloqueadores de recaptura de adrenalina e com um neuroléptico em gotas apresentou a seguinte evolução: com uma gota ao deitar. exceto em casos menos freqüentes. Normalmente. Numa febre de 39 graus. a violência se tornava física: malas que voavam pela janela.5 graus. o problema que exigiu dele o bom senso de ouvir que se tratava de uma desregulagem foi resolvido em questão de semanas e atuando-se exclusivamente no balanço de circuitos cerebrais responsáveis pela geração de agressão e pela inibição e ponderação.15 A emoção e seus distúrbios ca. um antidepressivo prescrito para um indivíduo normal não vai torná-lo eufórico. da ponderação. embora ainda batesse em objetos e usasse palavras ásperas. mas diante de qualquer impasse. da cautela e da prudência. de qualquer pequena briga. Se não houver um excesso a ser retirado. não haverá atuação naquela função. a personalidade. uma patológica. ao não se reconhecer seu sítio cerebral nem sua similaridade com 288 As depressões psicóticas são bem mais raras. É praticamente impossível que um remédio altere uma personalidade. A personalidade como um todo é um grande ponto de equilíbrio. embora se possa usar também uma medicação antipsicótica por um período breve para que ceda mais rapidamente a estrutura delirante (ou deliróide. . Essas formas não-primárias de delírio motivados por distúrbio do humor (depressão) costumam ser chamados em algumas escolas de pensamento psiquiátrico de delírios catatímicos. a culpa e o ciúme excessivos tendem a desencadear idéias bizarras e comportamentos anormais. pela tolerância dos outros. cap. quando apesar de sentir o olhar alheio o paciente tem crítica da anomalia daquela sensação ou idéia). resultante de diversos outros. Não raro. pág. de culpa e de doença. também aparecem os chamados delírios de ciúme. pelo uso de uma medicação. pela ignorância e pelo tabu diante dos distúrbios mentais. por vezes. tem-se expressado de uma forma ou de outra. a preocupação com doenças e morte. O problema do distúrbio mental é que. a medicação não provoca modificações profundas.O leitor pode entender nessa situação o que chamamos anteriormente de afecção secundária do pensamento (a causa primária é do humor). que passa a prevalecer sobre aquela que. Ao contrário de constituir sinais de prudência e vigilância saudáveis. essas manifestações ficam circunscritas a uns poucos momentos. uma personalidade equilibrada não é modificada. que percebem suas deficiências. é possível restabelecer-se a personalidade propriamente dita. É curioso que. e. a menos que esteja fora do normal. Essa exacerbação da chamada auto-referência não ca- SÍTIO DA MENTE Nas formas psicóticas de fundo depressivo (isto é. que cochicham a seu respeito. Vai daí que. sim. o paciente se sente objeto de atenção excessiva dos outros (ligeira auto-referência). Portanto. Em geral. salvo efeitos colaterais indesejáveis e mal-estar. Se estes pontos estão em equilíbrio. o paciente pode demorar anos para procurar ajuda. Toda vez que se desrespeitam os pontos de harmonia do sistema nervoso a medicação tende a reequilibrá-los. a medicação antidepressiva é suficiente para reequilibrar o indivíduo. mas se caracterizam por uma supervalorização da visão dos outros sobre si. Henrique Schützer Del Nero Depressões psicóticas racteriza necessariamente um distúrbio do pensamento. achando que todos olham para ele.15 A emoção e seus distúrbios não estão sujeitos a alterações. “empoeirada” muitas vezes por algum transtorno crônico. com uma depresão ou alteração primária do humor a gerar-lhes). Comumente. A rapidez intelectual normalmente cede lugar a uma in- O leitor deve-se lembrar de que por muito tempo admirou-se a beleza do teto da Capela Sistina. das responsabilidades. que Michelangelo teria pintado em tom pastel. de intolerância. deve-se sempre estar atento às depressões leves crônicas (distimias). 20 anos. O êxito profissional declina. carreiras inicialmente meteóricas estagnam aparentemente sem motivo. ou se aceita passivamente o que é leve. que podem se instalar lentamente ou resultarem de recuperações parciais (quase totais) de crises de médio porte não tratadas (ou incorretamente tratada). uma pequena irritabilidade ou uma tendência a ficar mais quieto e sério. A distimia também é assim. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Depressões leves crônicas teligência mais comedida. geralmente crônico. Não raro desenvolvem-se pequenas manias de organização. Ao contrário de se perceber tratar-se de alguma anomalia. O chamado mau humor muitas vezes tem aí sua origem. de visão de mundo. Basta voltar a dormir. a distimia funciona como poeira sobre uma obra de arte. As cores eram fortes e vivas. num dos trabalhos de limpeza e restauração. O falante não fica mais quieto.15 A emoção e seus distúrbios qualquer outro sintoma físico. . Quando se pergunta o que teria ocorrido ao moço brincalhão. sobrevindo uma queda substancial de capacidade profissional e de ganho material ao longo de 10. descobriu-se que o tom pastel não era senão sujeira. como no caso de um quadro paranóide com ameça de agressão a algum inocente (também impedindo a correção pela falta de tratamento neutro e sem preconceitos). idade e responsabilidade não têm por que gerar alteração de personalidade. então. como no caso de uma ansiedade leve (e normalmente fácil de corrigir) ou se estigmatiza o que é forte. Aparece. nem o bem-sucedido empreendedor mais cauteloso.Falando-se de quadros leves. uma pessoa que teve um quadro depressivo muito doloroso contenta-se com qualquer melhora. nem o alegre mais triste. costuma-se ouvir: “É o peso da idade. o espírito empreendedor dá lugar a um conservadorismo amedrontado. Há alguns anos. Com freqüência. A personalidade que emer- 289 A depressão leve normalmente se caracteriza pelo empalidecimento ou pela exacerbação das funções normais. ter alguma produtividade e não pensar tanto em coisas negativas que já acha estar curada. amedrontado e empobrecido. Por constituir problema leve.” Errado. extrovertido e falante que se tornou um adulto circunspecto e com pouco senso de humor. Pior ainda. um sem-número de outras explicações são recrutadas. pág. cap. o bom humor cede lugar à arrogância e à agressividade fácil.Outro paciente me liga no meio da noite. É fundamental perceber isso porque nosso cérebro e nossa personalidade não são campo de provas de críticos de arte. um otimismo irresponsável. O erotismo é exagerado. as palavras costumam se suceder em cadei- Um paciente internado. pergunto-lhe. muitas vezes considerados obras do azar ou de “encostos”. durante o passeio externo matinal. Os 50 mil mensais virão da empresa de propaganda que vou montar.” Detalhe: o paciente não trabalhava havia 30 anos naquele setor. No entanto. O sono é desnecessário. Pode aparecer a irritabilidade. Uma senhora fica nua no velório do sogro (“Era uma homenagem. e o país passava por uma recessão incrível. Espero. com uma entrada de 100 mil e oito prestações de 50 mil. acelerado. A grandiloqüência dos planos e das idéias denota ausência de crítica. 100 mil é o que vou ganhar no concurso x (cujo resultado será divulgado em duas semanas e que tem milhões de participantes). fazendo muitos contatos e abrin- 290 Contrariando sua acepção corrente. Pergunto-lhe como pretende pagar essa oferta. A filha entra no escritório do pai nua e fazendo trejeitos vulgares. já no primeiro mês. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Mania as de associação superficiais. Tudo é um sinal. A fala é rápida. tecnicamente o termo “mania” é usado para definir um distúrbio oposto à depressão. A atenção é quase nula. assim como se apreciam tons pastel. Ainda que se possa “gostar” de uma pessoa empoeirada. “Totalmente. a desregulagem crônica. tendo idéias. “Ora. não é real. visita uma casa à venda no bairro da clínica psiquiátrica. No quadro maníaco. A autoconfiança é extrema. Toca a campainha e faz uma proposta de compra. pág. Muito mais comum do que se imagina. intelectuais e pessoais. . caracterizado por humor expansivo. não raro. há outros sinais e sintomas depressivos que impedem a plena realização das funções mentais. estar faturando uns 100 mil líquidos. uma crença cega nas boas intenções alheias. cap. Passa-se a noite toda trabalhando.15 A emoção e seus distúrbios ge em-poeirada não necessariamente é feia e indesejável. Basta se tratar o distúrbio de base. essa forma de depressão é seguramente uma das razões para inexplicáveis insucessos profissionais. “Você melhorou?”. chegando até mesmo ao delírio de grandeza (caso em que o pensamento já apresenta incursão psicótica). e as cores reais aparecem. exaltado. estou vendo muitas chances profissionais. uma coincidência que comunica algo. Seriam 500 mil reais parcelados.”). As associações são gratuitas. como a cor pastel da Capela também não o era. Tira-se a roupa à toa. Há uma felicidade indes-critível. por vezes descabido. modulando cer- Ansiedade. atingindo todos os seus pontos. quando não há crises de mania ou de depressão. a pele fica pálida e fria. A recuperação. Essa reação é possibilitada por uma descarga de neurotransmissores que age sobre o cérebro e sobre todo o corpo. a digestão pára. Interessante é que esses quadros de aceleração do humor em uma doença clássica alternam-se com quadros de depressão. há três dias. depois de me convidar para sair com algumas mulheres. nesses casos. costumam esboçar. Creio que nos últimos dias revertia situação”. Em que consiste a sua lógica? Basicamente em providenciar maior aporte de sangue aos sistemas necessários para desencadeá-la. Muitas vezes. Vejo coincidências em tudo. fobias e obsessões pág. insisto. obtém-se a estabilização do humor.9 Os animais superiores. desnecessários naquele momento. Você não acha que estou um pouco melhor do que devia?”. questiona.15 A emoção e seus distúrbios do várias frentes de trabalho. na maioria dos casos. essa reação pode ser: a) exacerbada. salvo o controle periódico de certos sintomas e da dosagem de certos medicamentos. está uma das reações mais comuns na escala animal: a ansiedade. pânico. que atua no nível dos mensageiros dentro do neurônio. havia dispensado o último funcionário por falta de serviço. a chamada reação de fuga ou luta. cap. diante do perigo. Assim. Essa chuva de adrenalina na corrente sanüínea orquestra a defesa do organismo. Ainda existe alguma crítica a respeito do eventual estado alterado. Embora normal. é absoluta. embora a vivência seja prazerosa. deixando de lado os outros. todos os fatos parecem ter algo a me dizer das perspectivas futuras.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Entre os distúrbios do humor e da esfera afetiva. Aqui temos o início de um quadro maníaco. sem qualquer limitação. durmo duas horas. a respiração se aprofunda e se intensifica. como que se esquecendo de que sua empresa. antes chamada de psicose circular. responde. é feita à base de neurolépticos. mas ela retrata de maneira exemplar a possibilidade de certas desregulagens transitarem entre máximos e mínimos que vão desde a euforia (acima do humor normal) à depressão (abaixo do humor normal). É a chamada psicose maníaco-depressiva (PMD). “Passo a noite trabalhando. . “E as idéias estão melhores?”. o ritmo cardíaco aumenta. b) independente de perigo real e imediato. A medicação. particularmente os mamíferos. os pêlos se eriçam. c) cronica- 291 Não necessariamente todo deprimido tem uma PMD. com um sal natural: o carbonato de lítio. tas respostas gênicas ligadas à produção e à forma dos receptores. e o paciente retorna à vida normal. Ontem tive uma ereção como não tinha desde os 17 anos. não só o rendimento intelectual diminui no ansioso. usam-se apenas alguns remédios sintomáticos (ansiolíticos) e algumas técnicas comportamentais de descondicionamento. é na sociedade que vamos encontrar os análogos ameaçadores − em vez de predadores que provocam reação de fuga ou luta. como tende a ocorrer uma ampla gama de sintomas físico-corporais: sudorese. Ou seja. formigamento nas mãos e nos pés. A ansiedade pode ser considerada uma resposta fisiológica normal às ameaças ambientais. Todos eles podem acompanhar quadros de descarga crônica ou aguda de adrenalina na corrente sanguínea. a se expor). A ansiedade crônica caracteriza tipos de personalidade que não têm parada. SÍTIO DA MENTE Descargas agudas comumente caracterizam quadros rápidos e de sintomatologia variada. acrescida das seguintes peculiaridades: a) acontece diante de inimigos não mais necessariamente reais e biológicos. usando-se antidepressivos (o que mostra 292 O fato de ser exacerbada faz com que desregule uma série de fun-ções mentais e orgânicas. de garganta fechada. têm como substrato uma situação cerebral de reação de fuga ou luta desproporcional e desregulada. erupções na pele. evitação e malestar diante de uma série de situações e lugares. Henrique Schützer Del Nero As alternativas acima espelham o que se passa com o ser humano. que aparecem como antevisão de perigo. por razões financeiras. de estômago embrulhado. claustrofobia (a lugares fechados). as chamadas fobias ou aversões comportamentais a certas situações. d) instantaneamente exacerbada sem motivo aparente.15 A emoção e seus distúrbios mente exacerbada. pág. de tontura. com intensa vivência de morte iminente (quadro de pânico). os quadros fóbicos podem surgir sob a forma de aversão. b) costuma ser exacerbada. Por vezes. agora-fobia (a lugares abertos). palidez. que vêem risco em todo canto. dificuldade de ereção. às vezes não relacionada com o fator desencadeante da crise. que se agitam diante de tudo. cap. morais e econômicas (ameaças subreptícias e crônicas). que estão constantemente preocupadas com o futuro. Todos já tivemos reações desse tipo quando levamos um susto ou passamos por um grande perigo. Há a fobia social (horror a contatos. lugares e contextos. que não sabem esperar. é necessário reequilibrar certos circuitos cerebrais. ainda que tenhamos nosso passado biológico no ambiente natural. que se atemorizam com quaisquer pendências e cobranças. desenvolva uma fobia a gerentes de banco. pressões sociais. Normalmente.10 Em outros casos. etc. . Mas. Ao contrário. de falta de ar. etc. de vertigem. taquicardia. obstipação. sensação de desmaio. como a exposição progressiva à situação geradora da fobia. diarréia. a falar em público. dor de cabeça. O indivíduo pode desenvolver medos específicos. Assim.Todas esses distúrbios têm tratamento relativamente fácil. não é que um ansioso. a acrofobia (a lugares altos). . a ansiedade costuma retratar bem os conflitos gerados quando o cérebro se faz mente. a biologia se faz cultura. cap. não exclui a necessidade. a palavra “estresse” é das mais características do nosso tempo. o apetite compulsivo e o ideal de magreza esquelética deixam de ser questão de vontade ou de hábito para se tornarem legítimas patologias mentais. tornando-se instantânea. como nas fobias. sejam concretos.15 A emoção e seus distúrbios claramente a inadequação do termo “antidepressivo”. é grande hoje o número de distúrbios alimentares entre os quadros ansiosos e afetivos mistos. a ansiedade às vezes se condensa. A comida exerce. o que. entre as grandes causas de desregulagem mental induzida. a carreira se faz concorrência. a comida se faz banquete. como no pânico.Na nossa época. em muitos casos. o remédio deixará de trazer alívio e operar a regulagem necessária. sejam virtuais. Assim. bem como devido a fatores sociológicos. não se lograria com uma simples conversa ou o apelo leigo à força da mente. como no exemplo da insulina para o diabético. mesmo havendo nos quadros ansiosos chance de se equilibrar o sistema nervoso sem o uso de remédios. de se estudarem as razões ansiosas que fazem com que uma meta financeira não atingida se transforme numa ameaça tão assustadora quanto um tigre rosnando na porta. torne difícil para o leigo entender do que se trata). pág. Mede-se uma ansiedade profissional pela globalização da economia e pelo alto índice de desemprego. Não raramente precisamos medicar certos circuitos cerebrais para obter alguma resposta nessas situações. Isso. a obesidade. como o dinheiro e o sexo. Mas mede-se também uma ansiedade corporal pela alta taxa de doenças sem causa aparente e pela queda da qualidade e do rendimento profissionais. nem por isso. no entanto. embora sua substituição por bloqueador de recaptura de noradrenalina/serotonina. e exigindo tratamento tão urgente quanto em qualquer outra situação de desequilíbrio. Henrique Schützer Del Nero É importante observar que. não significando senão uma generalidade que mede todo tipo de desconforto da civilização. 293 Não sem motivo. ou reativa e insensata. a concorrência se faz perda potencial de valores éticos. ao lado dos tóxicos e do álcool. Também a busca mórbida do corpo perfeito leva ao uso de remédios que agem sobre o cérebro para diminuir o apetite e que estão. SÍTIO DA MENTE Devido a predisposições cerebrais. o transporte se faz status. uma função simbólica extrema. Genérica em muitas de suas formas. são eles que mais rápida e eficazmente solucionam grande parte do problema. no caso de uma anorexia ou de uma bulimina nervosa (comer compulsivo seguido de vômitos). o trabalho se faz carreira. Embora se localizem eventos externos ameaçadores. Aqui se enquadra a pessoa que tem todo um ritual de banhos e de deposição de roupas em escalas hierárquicas de maior ou menor contaminação. há uma tendência reverberante de se confirmar se a porta está fechada. no segundo. Apagava laborioso o papel. Como o indivíduo era fumante. porque a medicação que resolve esses casos é a mesma que atua nos distúrbios depressivos e ansiosos. semblante inalterado. não é. já deitada. As temáticas obsessivas preferenciais são a higiene e a dúvida. higiene. Tempos depois. estava na casa de um paciente. pág. que aciona o botão do elevador com um lápis. porque o paciente tem crítica do absurdo da idéia. chegando ao extremo das práticas rituais. de intolerância a erros normalmente vem acompanhada de uma maior ou menor sistematicidade diante das coisas.15 A emoção e seus distúrbios Uma das formas mais bizarras de distúrbio emocional é a chamada doença obsessivo-compulsiva (DOC). se o bico do fogão não vaza gás. de dúvida. Ainda que a concatenação formal da idéia obsessiva tenha muito de distúrbio grave do pensamento e do juízo. ir ao banheiro. limpeza e ordem (como medir a caída do cobertor de cada lado da cama para se assegurar de que há simetria) não são ainda obsessões plenas. respondeu. precisa se levantar. com um pincel de pintor de parede. se não seguir o ritual. padecerá de um mal-estar físico brutal. São traços.Uma paciente. Certa vez. No primeiro caso. sem pestanejar. apontou o bocal para o cinzeiro. atingir o ideal da assepsia plena. que espalha pela casa caixas de lenço de papel ou rolos de toalha para usá-los toda vez que for pegar algo. Aqui temos um tópico ao qual voltaremos oportuna- 294 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero É importante observar que esses ideais de perfeição. Embora absurda. não realizá-la provoca um desconforto físico tremendo e uma sensação de que algo ruim acontecerá. que corta o pão com luvas de borracha. sugou barulhentamente as cinzas e continuou a conversar como se nada tivesse acontecido. Segundo. Primeiro. o que se almeja é eliminar o risco da contaminação. será dominada pela sensação de que o avião em que viajará no dia seguinte cairá. . ligar a luz três vezes e voltar para a cama. A mania de contaminação. ligou-o. os farelos de borracha que entravam pelas frestas da escrivaninha. A doença obsessiva instala-se de fato no momento em que alguma idéia se impõe e a necessidade de realizá-la torna-se compulsiva. perguntei o que significava aquilo: “Detesto cheiro de cinzas”. O paciente sofrendo desse mal apresenta uma propensão exacerbada para a sistematicidade e a organização excessiva. o indivíduo pegou um aspirador de pó que estava ao lado de sua cadeira. Se não o fizer. Bati a cinza de meu cigarro num cinzeiro. vi o mesmo paciente escrevendo a lápis em sua mesa de trabalho. etc. cap. Ato contínuo. retirando cuidadosamente. Percebe o absurdo desse ato e não acredita semanticamente na sua necessidade. Mas. SÍTIO DA MENTE As máquinas poderão simular a mente na medida em que se garanta a tradução radical de conceitos emocionais e volitivos em expressões do pensamento. unido à capacidade inata para 295 É importante notar que os conceitos emocionais são forjados à custa da experiência e da submersão lingüística.Os distúrbios emocionais são seguramente os mais comuns e mais facilmente tratáveis. porém. No entanto. A dinâmica analógica é justamente a que permite que conceitos como angústia e ansiedade possam indicar nuanças que aversão ou desprazer não captavam. Porém. e aí reside a dupla face do mental. Entre eles estão as depressões e a ansiedade. As condições de possibilidade de algo ser introjetado. Poder-se-ia perguntar se a crítica verbal seria suficiente para caracterizar a integridade do juízo ou se os atos deveriam estar de acordo com as críticas verbais. O debate é amplo. São as duas coisas. mas agiria como se não estivesse. Notas 1. há que se notar a presença de dois elementos distintos: não é apenas uma tábula rasa em que a linguagem e a interação escrevem suas categorias. Neste caso. pág. afecções que debilitam funções mentais. Fingiria que está normal lingüisticamente. Isso onera o sistema na forja de conceitos às vezes excessivos. bem como o estilo de processamento do cérebro humano. isso requererá que se faça uma cuidadosa investigação sobre como os conceitos são formados dinamicamente na mente humana e transpostos para a consciência. para a descrição de cenários complexos e sobretudo para a consciência. a predisposição prévia para isso.15 A emoção e seus distúrbios mente. são fundamentais. A idéia de introjeção de significados é antiga. Henrique Schützer Del Nero Síntese Cumpre perguntar se esses conceitos. o obsessivo poderia ser considerado um dissimulador no que concerne às idéias. . A reordenação de departamentos ocorre porque o vocabulário primitivo (prazer e desprazer) é insuficiente e digital. nem é um a priori sintético (no sentido kantiano) que define os semitons da introspecção e de sua redescrição lingüística. cap. são construções cerebrais naturais ou produtos da linguagem e da cultura. principalmente os que descrevem emoções sob a forma de pensamento. J.E. porque nessas culturas pode haver qualidades agregadas que fazem subdiferenciações) e em outras há uma proliferação barroca da nomeação de coisas que são indistinguíveis. a respeito do trabalho citado acerca de percepção em culturas diferentes: 1)Rosch. em algumas culturas deve haver subutilização da capacidade de discriminação perceptual (ou não. 2. talvez seja barroquismo lingüístico. Parece-me que grande parte das chamadas qualidades psíquicas e vivências são desdobramentos da linguagem primitiva do prazer e do desprazer e que. E. K (1990). K. Lloyd. (1973) "Natural Categories". cap. Não é platônica a idéia. L'avenir est ouvert.296 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero pág. nesse segundo momento. (1978) Programs of the Brain. . O culturalismo dessa hipótese sofreu uma derrota fragorosa com os trabalhos de Eleanor Rosch: a despeito de existir um número maior ou menor de vocábulos para cores em cada língua. . porque não se ativa uma "lembrança" já existente de significados. Oxford University Press. na sua maior parte. nem esses são garantidos por uma definição estrita. A introjeção se dará. Sabe-se que há algumas disposições prévias sintéticas no cérebro humano como algumas ordens claras de fuga ou de reação diante de estímulos. por exemplo. Cf. Paris: Flammarion. (ed) (1978) Cognition and Categorization. Muitos gostariam de dizer que os vo- cábulos variam de cultura para cultura e que nossa percepção é formatada por essa submersão cultural. Cf. graças ao artifício da estabilização dinâmica do significado. Cf. Lawrence Erlbaum. 2) Young. que algumas culturas têm apenas poucos nomes para cores e que as línguas ocidentais têm inúmeros. fornecem os elementos a priori para a submersão futura na comunidade dos falantes..15 A emoção e seus distúrbios a linguagem. a capacidade cerebral de discriminação é exatamente a mesma e em número finito. Ao contrário. Portanto. (1987) Philosophy and the Brain. J. os significados introjetados se utilizarão do a priori cerebral para impor-lhe significados dinâmicos treinados durante a história da comunicação da espécie (filogênese) e do indivíduo submerso num contexto comunicacional (ontogêse). Popper. Talvez a diferenciação entre angústia e ansiedade seja de tipo cerebral compartimentalizavel. não são apenas barroquismos lingüísticos. encontrando solo cerebral apto para diferenciá-las. Oxford University Press. a respeito de etologia e particularmente a obra de Konrad Lorenz: Lorenz. a respeito de sintéticos cerebrais a priori e da possibilidade de um a priori biológico ao gosto kantiano: 1) Young. B. O problema da discriminação de vocábulos e da base cerebral para essa discriminação é um tema fascinante. Cognitive Psychology 4:328-350. Argumentariam. fortemente identificado com uma certa corrente da etologia. 2) Rosch. Prefiro a visão de um kantismo biológico. o lo que él llamó de paráfrasis. É questão de tempo descobrir o substrato íntimo cerebral de um semnúmero de disfunções ditas psíquicas. de maneira mais ou menos efetiva: cf. Medin. Cf..96 e ss): "El paso de Bentham fue el reconocimiento de la definición contextual. por exemplo) e menos típicos (uma galinha. nesse sentido. ni siquiera especificar una palavra o frase sinónima. (1981) Categories and Concepts. Harvard University Press. E. lo único que necesitamos es mostrar. D. Ora. Quando focais e em certos níveis. cómo traducir todas las sentencias completas en las que deva usarse el término". É fascinante. Editorial Tecnos (pp. Cf. pode-se pensar em próteses. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero esgotamento de ocorrências em sentenças) em Quine. D. E. Advirtió que para explicar un término no necesitamos especificarle un objeto al que hacer referencia. na concepção dinâmica há condições só parcialmente conhecidas (muito provavelmente baseadas em regularidades e não em regras) tais que. por cualesquiera medios. transmitida por um ou mais genes. sobre próteses visuais (olho pág. 2) Smith. essa concepção é dinâmica. (1984) "Concepts and Concept Formation". Lesões concretas tendem a ser dificilmente tratáveis por reabilitação. Annual Review of Psychology 35:113-138. W. por exemplo. num certo sentido. A idéia que defendo é que tanto conceitos quanto significados advêm de razões dinâmicas baseadas em regularidades e não de regras estritas e digitais. A teoria do significado de Bentham (que utilizo em minha argumentação) afirma que "significado de um termo é a soma de todos os significados que esse termo gera nas sentenças bem construídas em que é substituído"..4. e não estática como se o significado fosse ente único e passível de apreensão por uma definição baseada numa regra simples. Hoje em dia se aceita que mesmo aquelas patologias supostamente puramente psíquicas têm alguma falha estrutural nas paredes e divisórias. Smith. todo o tipo de prótese e de adaptação que se faz hoje em dia. 297 5. a respeito da concepção clássica e prototípica dos conceitos 1) Medin. A distinção entre teoria clássica dos conceitos e teoria prototípica é a seguinte: enquanto que na clássica há uma condição de definição precisa para um indivíduo pertencer a um conceito (x é ave se e somente se. condições necessárias e suficientes para a definição de algo.. cap. por exemplo). (1979) "Naturalization de la Epistemologia" in Relatividad Ontologica y otros ensayos. sobre a noção de definição contextual ou teoria das ficções de Bentham (redescrição de significado pelo . salvo haja um espaço de alocação daquela função em outro departamento..15 A emoção e seus distúrbios 3.). para o conceito ave há representantes mais específicos (um pardal. Um dos temas mais práticos que decorrem dessa definição de tipos de lesão seria o problema da reabilitação. sobre controle de computadores em lesados tetraplégicos.o conjunto de soluções atratoras dinâmicas que o pág. cap. Porém. particularmente Rudolf Carnap. Embora o Positivismo Lógico e. Quase toda generalização sob a forma de uma lei científica admite um grau de abstração e idealização. creio ser totalmente impossível existir uma ciência do vivenciado biograficamente. Knapp. senão pelas suas porções delimitantes. número inteiro da revista IEEE Spectrum Maio 1996. aquelas coagidas por uma bacia dinâmica de significados possíveis. . 6. Outubro de 1996. que paradoxalmente seria acessível de imediato ao sujeito. Nesse sentido. esse sujeito seria também uma construção teórica que nos remeteria à única instância empírica real. A reconstrução quase-científica do dado biográfico somente é possível no espaço qualitativo em geral. Porém. O termo gene é nãoobservável. no caso da mente. na sua estrutura interna . De uma certa maneira o que se está dizendo é que o departamento virtual. e a uma estrutura racional prévia . jamais no exame do caso isolado. Afinal. Ao contrário de inserir um relativismo e uma impossibilidade de uma ciência do vivenciado.a retina .SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 298 7. é preciso se perguntar se a ciência também não faz uso de certas aproximações para tratar os problemas concretos. nesse sentido. Porém. jamais se pode reduzir o termo concreto aos princípios operacionais e às sentenças empíricas que descrevem o processo de observação e verificação das sentenças em que ocorre o termo teórico. isto é. O mental seria uma forma de termo teórico. o projeto não logrou êxito.lembre-se de que o olho. B "Controlling Computers with Neural Signals" in Scientific American. viabilizando-se sua verificação e testabilidade através de uma série de critérios operacionais. por exemplo. H. Lusted. cf.15 A emoção e seus distúrbios artificial . Porém. presenciando-se já nos anos posteriores uma revitalização da metafísica e de seu papel na estrutra das teorias científicas. o vivenciado.já é uma parte do cérebro. ainda que com cores diferentes.. tenham tentado eliminar os termos teóricos no início do século. distinguem-se a eficácia e a refutabilidade nesses casos que fazem com que as abstrações da física possam ser corrigidas com bem mais eficiência que as abstrações da psicologia. particularmente aquela que diz respeito ao indivíduo isolado e histórico. tem o mesmo estatuto dos termos teóricos na ciência e na teoria do conhecimento. é preciso estar atento à possibilidade de que esse vivenciado seja um barroquismo da circunstância. porque as células ali instaladas são neurônios) Toward the Artificial Eye. as formas funcionais e disfuncionais seguem um mesmo grande eixo de coação científica legiforme. purgando a ciência de qualquer metafísica (aqui entendida apenas como alusão a termos nãoempíricos). and Depression: Toward a Unified Hypothesis of Cortico-striato-pallidothalamic Function". conceito caro a uma ciência cognitiva de inspiração na inteligência artificial simbólica. sobre a revitalização da metafísica na estrutura das teoria científicas. a respeito de dinâmica de teorias do ponto de vista da sociologia da ciência.9. Kuhn. 197-245. The Behavioral and Brain Sciences 5. vale lembrar que a teoria dos esquemas não supõe penetração consciente. K. passível de várias críticas. Swerdlow. como o anterior. a respeito do Positivismo Lógico. G. como o behaviorismo.(1982) "Précis of the neuropsychology of anxiety: an enquiry into the functions of the septo-hippocampal system". W. Sellars. Como há significados dinâmicos por trás de grande parte deles. (1982) A Estrutura das Revoluções Científicas. tanto do ponto de vista da estrutura das teorias. Cf. J. Londres: Routledge and Kegan Paul. manipulação voluntária e simples descondicionamento por reforço de novas ligações. Gray. T. Ainda que se pudesse dizer que estão tentando modificar "esquemas" internos. Pode-se dizer. São Paulo: Ed. quanto da visão de sistema nervoso que propõem. sucedâneos mais ou menos específicos das terapias comportamentais de inspiração behaviorista e que. creio. (1987) "Dopamine. The Behavioral and Brain Sciences 10. Cf. Perspectiva. como os atuais critérios diagnósticos (DSM IV). embora sem desacreditar de sua eficácia. as chamadas terapias cognitivas. Nova Iorque: The Guilford Press. trabalho extremamente interessante sobre ansiedade. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 8. J.15 A emoção e seus distúrbios cérebro admite. a respeito de terapia cognitiva: Dobson. a esse respeito. 299 10. embora tese bastante atacável. relativamente simplistas do ponto de vista da articulação teórica que as embasa. que essas terapias são. pág. de maneira mais ou menos geral. Cf. (1950) Introduzione al Positivismo Logico. Cf. Mania. Cuidado porque essas terapias são chamadas nos dias de hoje de "terapia cognitiva". Weiberg. cap. (ed) (1988) Handbook of Cognitive-Behavioral Therapies. 469-534. Koob. que a ciência cognitiva é muito mais condizente com terapias de base hermenêutica (fortemente calcadas na possibilidade de associações anômalas de significado pela natureza dinâmica de sua formação no contexto do processamento cerebral). Schizophrenia. N. Cf. . não captam senão uma parte do processo de ligação das entradas e saídas do sistema. embora sem negar a validade de técnicas de dessensibilização de afecções não-semânticas (comportamentais). embora não haja correlato direto de seus métodos com a malha conceitual aqui apresentada como ciência cognitiva. Giulio Einaudi editore. embora. Cf. (1968) reimpresso em (1986) Science and Methaphysics: Variations on Kantian Themes.. Patologias da vontade collegium cognitio 300 O cérebro humano é. entre os mamíferos. formado por dois conjuntos de células . uma pág. formada pelos neurônios. integração e execução motora. tal qual fosse um computador. algumas vezes.16 Patologias da vontade parte 3 . Há na porção responsável pelo processamento. o outro dá suporte físico e sustento. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. Assim. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. vai aumentando de acordo com a escala animal. no entanto. Henrique Schützer Del Nero Fôrma e contúdo mental cap.um manipula e processa informação. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. Seu grau de complexidade. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. basicamente.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 16 cializado na recepção de informação.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. ao longo de milhões de anos. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. Isto mostra que. e. “quantidade é qualidade”. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. um dos números mais gritantes é o de encefalização . pág. estas seriam para deus. Neste caso. As estruturas responsáveis no cérebro humano (considerando-se aqui. sua vontade só pode escolher dentro de certos limites. não aceitar as limitações cerebrais para a mente implicaria na expulsão de outro paraíso: o da sanidade e da ponderação. a expulsão de Adão do Paraíso se dá justamente quando. As outras. Resiste-se à natureza cerebral da mente porque a idéia de espírito ou alma harmoniza-se mais com a noção de vontade e de livre escolha. advém do sítio cerebral da mente: deus prescreveria na alegoria do Gênesis que há matérias de escolha e matérias de aceitação tácita. mas.1 cap.16 Patologias da vontade PATOLOGIAS DA VONTADE . talvez mais radical. isto estaria representado na proibição de que se provasse da árvore do bem e do mal. Pretender escolher quando não há condições de fazê-lo seria violar uma regra básica da vida e do conhecimento. O ser humano pretendia ser deus. Henrique Schützer Del Nero A vontade é um dos pontos cruciais da mente humana. “de boas intenções o inferno está cheio”. Como sabemos disso? Pelo fato de uma série de alterações nesse local estarem associadas a anomalias. Na concepção poética do Gênesis. As outras não são questão de escolha simples. Supõe-se que sejamos livres para agir e escolher caminhos. Daí a concepção de uma mente “mecânica” e material parecer absurda. à opinião e à vontade e há matérias sujeitas ao conhecimento. o que nos é imposto quer por um deus que está acima de nós. quer por uma lei natural que estabelece o que nosso cérebro pode ou não pode fazer. Vê-se aqui a ambigüidade de certas mensagens teológicas: pretende-se que o ser humano tenha liberdade para escolher o bom caminho. delimita-se o campo das escolhas possíveis. porque. Estranho.2 301 Uma outra forma de encarar a passagem bíblica.SÍTIO DA MENTE Há limites para a vontade e para a liberdade. isto se refletiria na seguinte distinção: há matérias sujeitas ao debate. assumindo a posição de sujeito de escolha e elevando-se da condição de criatura à de criador. como explicamos antes. A vontade tem limites. não haver identidade estrita entre estrutura cerebral e função mental) pela geração de vontade. Sobre ela se ergue todo o edifício da sociedade. ao mesmo tempo. Numa das concepções contemporâneas possíveis. por um ato de liberdade e vontade. As primeiras devem ser mantidas como prerrogativas inerentes a cada um de nós. particularmente. nas interpretações teológicas do livro do Gênesis. Como diz o ditado popular. ele come do fruto proibido. planos e intenções estão alojadas. numa área do neocórtex: o lobo frontal. 16 Patologias da vontade Os seres humanos são capazes de controlar ações de modo voluntário e de modo automático. portanto. consciência e controle voluntário. Henrique Schützer Del Nero Imagine que você esteja aprendendo a dirigir um carro. Isto é. Num primeiro momento. ainda restaria a cada um a possibilidade de. Logo após a confirmação de que havia um forte componente genético no alcoolismo. o faz com muita atenção. um grupo de alcoólatras recorreu à Suprema Corte norte-americana. Com o tempo adquire destreza. baseados nas pesquisas recentes. atento. O que se sabe com certeza é que. ter abandonado o vício. Por outro. cap.3 e.” “Mas como saber quais os limites para a vontade?”. rápida e nãoconsciente. Descobre-se vida em Marte. por isso. há limites para isso. concluí. o que pode a vontade fazer? Ou a vontade também é cere- 302 Uma paciente certa vez me indagava a esse respeito: “Você defende que fiquemos passivos e não tentemos nos superar?” “Não”. que eram doentes incuráveis ou irrecuperáveis e que. Quando se atinge um certo grau de automatismo e destreza. tornando a ação automática. Ao se eleger o controle voluntário como conceito representante da vontade. o sangue vai para as áreas posteriores (no cerebelo). então. O automático é rápido e não se tem consciência de sua operação. consciente. por 4 votos a 3. ligado ao aprendizado e ao início da realização de uma tarefa. deve ousar. por um lado a mente pode fazer muitas coisas SÍTIO DA MENTE Alguns anos atrás houve um momento crucial na história dos fatos sociológicos que dizem respeito ao modo como enxergamos a mente. mereciam ser tratados como tal. “o que estou dizendo é que. pág. respondi. aprendizado. . Quando há novidade. por que. solicitando aposentadoria por invalidez. Alegaram. não por acaso área nobre e nova na escala evolutiva. A corte decidiu. lenta e voluntariamente. “É difícil definir esses limites no atual estágio de conhecimento cerebral. alegando que. se há determinação cerebral para algo. a vontade não pode consertála”. não pode ter limitações? Esse veredicto mostra bem como a mente é vista e como o problema da vontade e da liberdade são encarados ainda hoje. negar o pedido. desvenda-se a física da matéria e a mente continua sitiada pela ignorância de seu sítio cerebral.Se a vontade tem uma região cerebral preferencial de processa-mento. insistiu ela. pisa-se na Lua. pelo exercício da vontade. o fluxo sanguíneo se dirige preferencialmente para as áreas frontais do cérebro. embora houvesse fortes motivações orgânicas para o alcoolismo. se alguém tem algum grau de desregulagem mental. O modo voluntário é lento. pode-se medir o fluxo sanguíneo cerebral (principalmente através de tomografia por emissão de pósitrons − PET scan) durante a execução de tarefas. Embora os desdobramentos aparentemente sejam os mesmos. cap. O processamento mental seria uma redescrição do plano de ação complexa engendrada abaixo da consciência. hipótese em que mesmo a determinação sub-jacente nada conta. talvez seja fortemente influenciada por uma espécie de sincretismo entre a primeira e a segunda − caso em que a vontade seria algo que paira sobre o cérebro.303 A tese deste livro adota a terceira hipótese. . entendeu a corte americana que há margem de manobra para a ação voluntária. c) é uma propriedade que emerge da complexidade cerebral quando esta gera a mente.4 Esse dualismo de propriedades dá margem a um equívoco ao permitir que a vontadeemergência seja quase similar à vontade-espírito. sendo uma vivência que se agrega a alguma instância de controle sobre a ação e a percepção. as implicações de uma e de outra são radicalmente diversas.mental. Creio que a vontade é uma sensação que acompanha a sincronização de módulos que processam informação cerebral complexa e de outros que a redescrevem sob a forma lingüístico. um plano de ação. funções mentais. A vontade e a liberdade não seriam. uma vontade que paira sobre o mundo físico é de uma natureza que não sabemos explicar. embora compatível com a terceira hipótese. tendo suas razões próprias não determinadas por ele. assim. O dualismo de propriedades. visto estar determinada por um órgão físico. Desconfio que a decisão da corte americana. ou está acima do cérebro. o que redunda em configurar seus limites de atuação. adota uma posição de aceitação da irredutibilidade das propriedades emergentes às propriedades das partes inferiores que se reúnem formando um sistema. Nesse processo há uma ação presumida. embora com monismo de essências. tindo qualquer argumento a endossar-lhe o poder.16 Patologias da vontade bralmente determinada. embora haja predisposição genética. responsáveis pela geração de planos motores e interpretações sensoriais. mas sim vivências agregadas à possibilidade de controle das porções cerebrais superiores − mentais − sobre as porções inferiores. ou seja de que a vontade opera cerebralmente dentro de certos limites −. b) é uma ilusão. tendo a função de resolver impasses − a corroboração ou o abortamento da ação planificada no nível complexo seriam acompanhados da sensação de atitude voluntária e livre. permi- SÍTIO DA MENTE Poderia se argumentar que a emergência de uma propriedade − no caso a vontade − é tão inexplicável quanto sua caracterização como fenômeno espiritual. pág. e a sua ambigüidade gera a necessidade de uma instância de processamento superior. Uma vontade emergente do processamento cerebral ainda é física. Espero que a decisão da corte tenha partido da primeira hipótese. Henrique Schützer Del Nero A vontade pode ser considerada através de três enfoques: a) é ilimitada e não sofre a coação cerebral. mas. para instanciar funções mentais. Assim. mas apenas de sentenças que as descrevessem. Pois bem. de usar drogas ou de assaltar a geladeira? O problema do impulso e de sua base anômala deve ser bem entendido para que se possa designar quais são as patologias da vontade e seus limites em condições não patológicas. pág.SÍTIO DA MENTE 2) a vontade que se crê capaz de enfrentar o conhecimento. essa questão torna-se vital quando se trata do problema da vontade e de suas patologias. porque surge juntamente com a linguagem no cérebro humano. contra a sua vontade. cap. pela força da vontade. retratando perfeitamente seu significado. poderia parar de fumar. Henrique Schützer Del Nero 1) a vontade que se crê ilimitada − porque propriedade do espírito − é a primeira grande patologia. é lícito supor que de uma certa maneira toda patologia mental é uma patologia da vontade. é também irrazoável. é fácil entender que aquilo que se designa como ato de vontade vai muito além do que se poderia esperar de um ato de “vontade cerebral”. constituindo outra defecção patológica volitiva (basta ver na nota 2 do capítulo 12 o caso em que uma ordem judicial determinou a uma doente.16 Patologias da vontade Há então três instâncias de patologias da vontade: . O leitor deve se lembrar de que dissemos no capítulo anterior que. diferenciando-se fortemente como departamento virtual situado preferencialmente na região frontal (área do neocórtex). os sistemas artificiais não careceriam de emoções e de vontade. a vontade que afirmam capaz de deter o vício não parece ser 304 Voltando ao problema da decisão da corte norte-americana. O que há é uma designação de atitudes e pensamentos através de conceitos. pensemos até que ponto a vontade poderia agir sobre a disposição cerebral genética ou adquirida (por consolidação de hábitos e condicionamentos). diante de um comportamento ou de uma cadeia de idéias. (Como apontei no caso da decisão da corte norte-americana. ao contrário. como é marca do mental e como muitos distúrbios mentais se fazem acompanhar de anomalia frontal. se grande parte dos significados da linguagem tem um forte componente cultural e se a cultura tradicional supõe que a mente esteja desgarrada do cérebro. Até que ponto alguém. que se submetesse à diálise). Mas. Considero difícil existir no cérebro humano um sistema neuronal específico (no sentido de departamento concreto) responsável pela implantação da vontade ou da liberdade. 3) a vontade é de uma certa forma a marca da mente. tomando-o por matéria de escolha e opinião. não no sentido de que essa vontade possa superar o estado patológico. os chamamos de ato livre ou de ato de vontade. mostrando a limitação de controle interno do sujeito sobre o processamento cerebral anômalo. por que não conseguimos enxergar as coações orgânicas como fatores atenuantes ou de isenção de culpa? Será que os alcoólatras que pediram o benefício à corte tinham mesmo uma nesga de liberdade para agir de outra forma? Encontramos aqui. ao contrário. a despeito de não poder mexer nos seus genes e no seu passado. Quando um indiví- 305 Se o direito qualifica certas situações como estado de necessidade. O exame da vontade e de sua base neural está diretamente ligado à nossa concepção dos limites da ação humana. teria uma brecha de vontade e de liberdade para escolher? Creio que não. Toda ação sobre a qual não se tem controle seria. O indivíduo. deixou de beber”. a sensação de ato voluntário e livre.) . A liberdade e a vontade seriam apenas uma parcela das chamadas ações livres e voluntárias. Isto é. o sujeito poderia ter agido diferentemente. reduzindo a gravidade ou descaracterizando o delito. Por quê? Simplesmente porque. subrepticiamente insere a noção de controle sobre a ação. não tem margem para operações voluntárias sobre a cor de seus olhos. salvo se considerarmos que a herança multigênica determina diferentes soluções possíveis para problemas comportamentais. porém. suscitando. sobre as quais o controle superior pode agir. ato contínuo. Há. Vontade e liberdade são conceitos por demais contaminados pelas visões culturais que se tem deles. Ora. quando a herança é determinada por um conjunto de genes e de circunstâncias vivenciais posteriores − como é o caso de grande parte das funções mentais? O indivíduo. mas aparentemente uma prerrogativa que emerge de algo que está acima do processamento cerebral subjacente. O que ocorre. quer pelo sujeito da ação. Henrique Schützer Del Nero ólatra. novamente. quer por seus juízes. apenas retratatada verbalmente como objeto de vontade. supõe-se. se havia controle. uma série de argumentos não-científicos e pouco relevantes estatisticamente. a questão da linguagem. como é o caso da determinação de cor dos olhos. pág. cap. com genética idêntica. ciência de caso isolado ou de números compatíveis com o acaso simplesmente não é ciência. do gênero “um indivíduo alco- Toda ação sobre a qual se tem controle poderia ser chamada de ação livre ou produto da vontade. situação de compulsão. embora a neurociência raramente se arvore em descrever o sítio cerebral de ambas (liberdade e vontade). no máximo. Não acredito que haja sistemas que os relacionem necessária e suficientemente a mecanismos cerebrais determinados. reaparecendo.16 Patologias da vontade uma força cerebral que se antepõe a outra.SÍTIO DA MENTE Imagine a situação de herança genética vinculada a apenas um gene. não podendo alterá-la senão por meio de lentes de contato. elemento que pode redefinir em base neural esses dois conceitos tão atados à visão cultural da mente. neste ponto. a caracterização de certas ações controláveis e de outras não. É tolo supor que. Lembre-se do exemplo da pessoa drogada contra sua vontade. Este. um gordo que não controla sua ingestão de comida também tem “substâncias” internas. seja pelo estudo de suas condições cerebrais. essa “vontade” é apenas a tradução intelectual de um conceito. vitamina. Embora todos afirmem a vontade de emagrecer. que lhe transmitiram uma determinada carga genética. seja pelo seu relato. Pois bem. e a droga não vem por seringas. e à noite ataca a geladeira com uma incorrigível “vontade” ou compulsão por carboidratos. porque substâncias estranhas eclipsaram sua vontade e sua consciência. Será vontade se houver controle. ou fazendo o regime da moda (sopão. que o impedem de agir de outra maneira. Caracterizar cerebralmente o que se entende por controle é difícil. mas pelo próprio corpo e pela desarmonia de certos circuitos cerebrais. embora suponham. mas sim de uma pseudovontade traduzida no conceito verbal-lingüístico. pág. preso por raptores. A diferença é que seus raptores foram seus pais. O gordo que pode ser chamado de pessoa de pouca força de vontade não é qualquer um que tenha falhado num regime. Até “mentaliza” (que bobagem!) que quer emagrecer. shakes e toda a parafernália que se renova a cada dia para eclipsar o problema). Passa o dia todo a pão e água. apenas se tem certeza do uso descritivo de sucedâneos lingüísticos de vontade. no final das contas. é culpado. será compulsão. do contrário. Esse é exatamente o caso dos distúrbios alimentares. comete os piores crimes. neurotransmissores. Essa pessoa é um desses gordos de pouca força de vontade e de pouca fé? Alguns talvez sejam. mas somente aquele que seguramente tivesse controle sobre seus atos. não se estaria falando de vontade genuína. não consegue. no entanto. Um clérico. num deslize verbal. É culpado? Óbvio que não. mas. recebe injeção de quantidade incrível de drogas alucinógenas. que podem. Nos casos em que mostrasse não ter controle. Solto. . outros não. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Imagine que uma pessoa com determinado perfil metabólico (para não falar de casos muito mais graves e complicados) diga ter vontade de emagrecer.16 Patologias da vontade duo relata que teve vontade (ou não) de fazer algo. esses pacientes possam corrigir seus males. abortar o comportamento alimentar anômalo. pela vontade. não há garantia de que tenha mesmo havido (ou não) a intenção. comprovadamente condições cerebrais (e não simplesmente verbais ou imputações externas) de controle sobre a ação. cap. pela força da vontade. entre eles a bulimia e a anorexia nervosa. dos mais bonzinhos e mansos do mundo.Atos voluntários e livres são aqueles em que há 306 Seria interessante examinar as possibilidades de controle que o sujeito tem sobre determinados atos. anos depois de sua execração em praça pública. aquela em que há controle. Enquanto não formos capazes de fornecer limites cerebrais para os atos voluntários de modo a instrumentalizar as instituições na tarefa de julgar. baseia-se mais num equívoco lingüístico-cultural do que numa hipótese de base neural. os costumes ou a lei deve ou não ser encarado como uma patologia da vontade? pág. Estava convencido de que poderia ter agido diferentemente. ilimitada. deveremos pelo menos advertir quanto ao equívoco de se supor que a vontade e a liberdade sejam ilimitadas. Mostra-se inequivocamente que. descobre-se. a qualificação de ambas. a possibilidade de que não haja vontade genuína em jogo é imensa. no tribunal. cap.Ter vontade não necessariamente qualifica o crime ou a patologia (desde que se entenda a diferença entre vontade cultural e vontade cerebral). aquela em que há apenas a descrição lingüística de um ato de vontade. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Não sabemos até que ponto um indivíduo tem ou não controle de sua ação. desaparelharia uma estrutura de julgamento social e jurídico baseada numa noção arcaica de mente. Mesmo o réu confesso pode ser vítima da imagem que tem de si. No entanto. o indivíduo não tem nem vontade. navegam numa presunção verbal de vontade que. . a outra remete à pseudovontade. Por outro lado. tendo de confessar. nos casos de patologia mental. dadas certas condições dos circuitos cerebrais. Expressa com sinceridade e contrição seu ato de desobediência. isso não tem valor algum. O indivíduo. que poderia ter sido medicado ou tratado. tas. Ou seja.16 Patologias da vontade Uma nova concepção de vontade deveria emergir do reconhecimento da mente como função cerebral. há um disparo irrefreável do comportamento comedor de tor- O problema das patologias da vontade tem. como no caso de passar uma flanela na tela do computador para corrigir um defeito da máquina. sua culpa e seu arrependimento. duas grandes vertentes: uma diz respeito à qualificação da vontade genuína. que lhe foi inculcada desde a infância. nem liberdade intactas. então. foi julgado pela sua transgressão. que não tinha controle de seus atos. acusado e acusadores. é muito diferente do que pode ser uma vontade cerebralmente determinada. mesmo parecendo agir de forma intencional e livre. Já praticar um ato em flagrante transgressão de uma norma ou 307 Imagine que. Quando fala de como poderia ter agido é guiado por uma concepção errada de mente. um gordo chore e confesse que poderia ter deixado de comer aquela torta de morangos. a presunção de sua presença. Podemos afirmar apenas que. como nos tribunais da Inquisição. Ambos. Seu discurso é tão ignorante quanto a acusação. Isso talvez reduzisse a pena e a culpa de muita gente injustamente acusada. Aqui. Porém. E passa também pela qualificação ética: o fato de alguém ter vontade de infringir o direito alheio. num determinado momento. no dolo. o indivíduo revela não saber o que aconteceu por ter sido invadido por uma compulsão. Uma noção cerebral da vontade é um dos pontos crí- 308 Os conceitos de vontade e de liberdade devem ser totalmente revistos numa concepção cerebral da pág. assim. reportando-se à imensa massa de evidências vinda dos tribunais. A própria descrição do caso é difícil porque. no trabalho e na escola. Neste caso. no entanto. não importa a qualificação de voluntário ou não. além de doente. pseudovoluntários. o indivíduo. argumentarei dizendo: às vezes. cap. ao mesmo tempo em que declara ter agido por vontade. Ao leitor que se indignar com esses exemplos. isso pode servir de atenuante. mente. ou se passa a fundar a trangressão não na vontade. o tribunal de que falo. apesar de requerer tratamento e encarceramento. na intenção e no controle. senão que há uma compulsão destrutiva que. esse júri e esse juiz implacáveis não estão na instituição jurídica. . SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Não precisamos ir longe a ponto de pensar no indivíduo aberrante que. mas sabemos quando não pode. Se antes supúnhamos que os atos podiam ser julgados como voluntários ou involuntários. os atos voluntários são. Não creio que a vontade tenha. ou se passa a desqualificálos como dolosos.De modo geral. Se se pretende manter o julgamento da vontade com base na tradição. tem de ouvir a cantilena ignorante sobre a suposta vontade que deveria recrutar para resolver seus males. agora talvez sejamos forçados a crer que. não admite julgamento dentro dos limites de um ato realizado sob circunstâncias normais de controle. em grande parte. Para situações em que há flagrante dano à sociedade. Isso indica a necessidade de se prevenir e corrigir precocemente qualquer mau funcionamento cerebral. conflito entre uma neurobiologia que explicasse os determinantes cerebrais dos atos e um sistema social e jurídico que punisse o desvio daquilo que é considerado e aceito como suporte do bem comum. aqui. Não haveria. para outras. muito a dizer. declara ter tido vontade de atear fogo num casal de velhos. na verdade. E atentese para o fato de que condições anormais não precisam ser o extremo da psicose ou do retardo. que pelo menos se garanta que o sujeito tenha condições cerebrais ideais de operação. podem perfeitamente ser ansiedade ou depressão. embora haja atenuantes para uma vontade que não se expressa devido à presença de patologia mental leve. Lá. no afã de mostrar que não há tanta distância assim entre a nova mente e a antiga.16 Patologias da vontade valor aceito caracteriza uma patologia da vontade. mas sim no seu potencial destrutivo do interesse comum. não sabemos quando uma pessoa pode controlar seus atos. por não ter sido ela capaz de se inibir diante do conhecimento de sua natureza incompatível com certos valores. mas na casa. SÍTIO DA MENTE Na próxima parte deste livro − A Mente Organizada − , trato de alguns eixos sobre os quais se podem alocar outras funções mentais. Se a consciência é o pano de fundo, o pensamento, a emoção e a vontade seriam os protagonistas principais de uma visão do mental. Síntese A requalificação da vontade com base cerebral parece contraditória. Não é. Passa, porém, pelo exame de algumas peculiaridades: a) nem toda vontade expressa verbalmente como tal é vontade neural; b) como a 309 Em A Mente Organizada veremos: a atenção (sucedâneo neuro-biológico da consciência), função não contaminada durante todo o trajeto da mente informada pela cultura; a linguagem, obra máxima da biologia e exclusiva do ser humano; a memória, função ambivalente porque, mesmo estando presente em toda es- Toda patologia mental é de uma maneira ou de outra uma patologia da vontade. Grande parte delas envolve os lobos frontais, responsáveis pela ação voluntária e fornecedores de quadros para as comissões que forjam o mental. pág. Henrique Schützer Del Nero cala animal, no homem encontra reformatação absoluta, uma vez que não é só traço, mas também corpo vivo que norteia a identidade do indivíduo e da sociedade; a personalidade, conjunto de tipos de funções que assume contornos novos, permitindo a psicopatia no nível individual e a ideologia no nível coletivo; o sonho, passageiro também ambivalente porque situado nas entranhas do processo cerebral e, ao mesmo tempo, cifrado na seguinte ordem ambivalente de razões: de um lado, consciência desacoplada do meio e, de outro, possível mensageiro do reprimido; e, finalmente, a consciência, não mais sob a forma de descrição, mas organizando a plêiade de funções mentais (esboça-se uma teoria para ela). cap.16 Patologias da vontade ticos na reordenação da cultura e dos costumes com base numa nova concepção de mente. Não apenas a tradição estará ameaçada como todo o conjunto de soluções dinâmicas processadas por comissões virtuais nos últimos 25 séculos deverá ser revisto, a menos que se prefira, por razões de estado, manter a ignorância como base do julgamento do que se entende por ato voluntário ou não. Num projeto menos ambicioso, talvez convenha rever os limites da vontade e também seu grau de afecção nas doenças mentais, quando se faz anômala e, ao mesmo tempo, mais do que nunca necessária para auxiliar a droga e o médico. Daí se dizer que sempre haverá algum grau de afecção da vontade na patologia mental individual. Talvez também na coletiva, mais sutil, mas ainda assim fundamental para a distinção entre realismo e utopia. Notas 1. Cf a esse respeito Gênesis 1-5 pp. 33-40 Bíblia de Jerusalém. Edições Paulinas. 310 2. Cf. a esse respeito, por exemplo, Passingham, R. (1993) The Frontal Lobes and Voluntary Action. Oxford: Oxford University Press. Cf. a respeito da relação entre lobo frontal (particularmente córtex pré-frontal) e origem comum das psicoses: Müller, H. (1985) "Prefrontal Cortex Dysfunction as a Common Factor in Psychoses". Acta Psychiatrica Scandinava 71: 431-440. 4. Já falamos, em outra nota, sobre token-reduction e type-reduction (Cf. a esse respeito a nota 6 do capítulo 2). A impossibilidade de fazer uma tradução radical do vocabulário mental em vocabulário cerebral (caso da redução de termos) ou de fazer uma redução de teorias mentais a teorias cerebrais (caso da redução de teorias) gera problemas terríveis: por um lado, aceita-se que o dualismo de essência é falso, mas por outro lado tem-se que aceitar que há uma classificação cruzada entre as séries de predicados - os mentais e os cerebrais (cross-classification). A escola que aceita preferencialmente a hipótese de token-reduction é a da inteligência artificial simbólica. Como o software também está dissociado do hardware, tendo suas próprias leis, então nada mais normal que imaginar a mente também emergindo do cérebro. Cada pág. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A vontade de que falamos na linguagem é ilimitada, parente dos deuses, embora limitada pela alegoria divina. A vontade cerebral é um vetor que se soma a outros, resultando daí comportamentos que podem ser imputados cientificamente como voluntários ou não. 3. O fluxo sanguíneo, medido através de um PET scan, é frontal enquanto o sujeito está aprendendo. À medida que vai adquirindo destreza, o fluxo sanguíneo vai migrando para as áreas cerebrais posteriores. Esse seria um excelente critério de contraste para um experimento em que se testassem, de um lado as bifurcações no plano dos sinais e, de outro, a frontalização do fluxo (modo voluntário) e sua posterior cerebelização (modo automático) Cf. a respeito do trabalho com PET scan: Posner, M. "Seeing the Mind" in Science, vol. 262, 1993 (pp. 673-674). cap.16 Patologias da vontade vontade é sobretudo um problema de controle, devemos não só estudar as razões que levam à emergência da sensação de vontade e de liberdade na consciência, mas também entender por que mecanismos se inibem ou se ratificam certos planos. pág. 311 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero cap.16 Patologias da vontade fato mental seria um fato cerebral, mas não haveria equivalência de tipos ou categorias mentais e cerebrais, ou de leis mentais e cerebrais. Esse dualismo de predicados é perigoso porque reinsere a idéia de que algo não se explica no nível inferior. A vontade emergente seria, assim, tão não-cerebral quanto a vontade espírito. Por outro lado, é fato que não há possibilidade de empreender uma redução genuína e radical, fato que está apontado em Jerry Fodor no 1o capítulo de seu The Language of Thought. O argumento é tão irrebatível que um dos melhores artigos sobre redução não consegue propor solução para o problema da impossibilidade de redução do mental ao físico. (Cf. Hooker, C. 1981. "Towards a General Theory of Reduction" in Dialogue vol.XX, 1-3).Tem-se, então, duas soluções para o problema: ou se aceita que o mental emerge e com ele a vontade, impondo limitações de contorno à sua operação, pelo fato de ser implementado pelo cérebro (o que não garante que outros meios físicos tivessem essas mesmas limitações), ou, pelo menos no que diz respeito à vontade, considera-se o truque: a vontade é uma vivência que se agrega a um modo de controle da esfera superior cerebral (responsável pelo processamento mental) sobre a esfera cerebral inferior. A vontade não seria, assim, um ente, mas uma vivência agregada ao controle e à possibilidade de inibição ou ratificação de planos motores e sensoriais gerados abaixo da consciência. SÍTIO DA MENTE natureza selecionou, ao longo de milhões de anos, um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 17 cializado na recepção de informação, integração e execução motora, fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. Seu grau de complexidade, no entanto, vai aumentando de acordo com a escala animal. Assim, o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco, e, entre os mamíferos, o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais, um dos números mais gritantes é o de encefalização - medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. Isto mostra que, algumas vezes, “quantidade é qualidade”. Atenção collegium cognitio 312 O cérebro humano é, basicamente, formado por dois conjuntos de células - um manipula e processa informação, tal qual fosse um computador; o outro dá suporte físico e sustento. Há na porção responsável pelo processamento, formada pelos neurônios, uma pág. Henrique Schützer Del Nero A mente organizada cap.17 Atenção parte 4 O córtex cerebral está todo o tempo emitindo um “facho de luz” na direção da informação que chega da periferia (isto é, dos sentidos, do mundo). Essa informação costuma ter no tálamo e no hipocampo sua via final de representação. O córtex emite, então, “fachos de luz” (na verdade são oscilações procurando outras ondas de oscilação para sincronizar) sobre vários contextos possíveis representados no tálamo e no hipocampo. A atenção poderia ser assim descrita: devido à prévia expectativa, interesse, motivação e perigo, certos contextos são escolhidos e não outros. Dos vários objetos que podem chegar à consciência, e chegam de uma maneira mais ou menos viva, apenas alguns se tornam foco de atenção. Quando um par se estabelece, resultado de uma expectativa cortical e de uma presença confirmada em 313 Um determinado nível de alerta é fundamental para que haja condição de se pensar em atenção. Este nível, também considerado vigília plena, é o que mantém o cérebro em constante preparo para desempenhar suas funções, recrutando para seu funcionamento uma complexa orquestração de subsistemas que vão desde o tronco cerebral até o córtex (basicamente chamado de sistema reticular ascedente). Pela natureza da atenção, percebe-se que não é fenômeno exclusivamente humano, estando presente em praticamente todo o reino animal. O estar desperto depende SÍTIO DA MENTE tanto de um processo de tonificação de diversos departamentos cerebrais, quanto de um determinado mecanismo cortical responsável pela seleção de objetos de atenção e interesse. Há, então, dois mecanismos em jogo: o ascendente, que mantém o sistema apto a oferecer os candidatos à atenção, e o cortical, que os seleciona, tal fosse foco móvel sobre protagonistas no palco. pág. Henrique Schützer Del Nero A atenção é uma das funções mais críticas do cérebro humano. Também é função mental, por vezes tida como única possibilidade de reconciliação entre os achados cerebrais e o fenômeno da consciência, algo capaz de substituí-la, purgando a contaminação cultural do conceito e mantendo apenas aquilo que pode ser neurologicamente pesquisado. Atenção e consciência, porém, não são sinônimos e também não são faces mais neurológica e mais filosófica, respectivamente, de um mesmo fenômeno. A atenção é mais primitiva e, portanto, presente em qualquer animal. Nem por isso deixa de ter importância dupla: enquanto função cérebro-mental pode adoecer; enquanto alegoria coletiva pode desviar. cap.17 Atenção ATENÇÃO As hipóteses corticais dirigem o organismo, através 314 Essa forma de atuação faz com que, a par do uso das comissões virtuais, também se use um modo em que a informação transita tanto de baixo para cima, quanto de cima para baixo. A presidência (ou, no cérebro, o córtex) evita com isso que informações preciosas possam ser desprezadas em etapas mais baixas da hierarquia porque o pessoal menos qualificado não foi capaz de perceber sua importância. pág. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Vamos voltar à empresa hipotética e entender como isso funciona. O antigo modo de encarar o cérebro estava fundamentado na idéia de que a informação entrava pela periferia e depois de sucessivas análises chegava aos departamentos centrais. Isso mudou, e a nova concepção é a seguinte: o córtex envia uma “expectativa”, uma teoria, um “ponto de vista”, e a periferia é recrutada para completar ou não aquela hipótese. É como se a presidência da empresa, em lugar de esperar que as informações cheguem pelos departamentos concretos mais baixos, transitando por todas as vias corriqueiras, para só então se manifestar, passe a conferir, todo o tempo, quais informações estão sendo processadas nos departamentos de entrada, focalizando de maneira rápida naqueles que parecem relevantes para a confirmação de alguma posição. O córtex envia mensageiros à cata de corroboração para suas hipóteses; poder-se-ia atribuir essa função à consciência, mas para situações rotineiras cabe à atenção substituí-la na tarefa. A atenção faz o papel de serviço paralelo à consciência, cuidando do exame e da confirmação de certas hipóteses, sem que a consciência tenha senão uma participação periférica no processo. Lembra um pouco aquela situação de filme em que o político que não quer sujar as mãos instrui de maneira vaga um emissário: “Você sabe o que fazer.” Jamais diz para matar alguém. O emissário sabe que hipóteses deve privilegiar e que outras descartar, trazendo ao chefe apenas o resultado pronto ou as discrepâncias. Isso é interessante porque pode iluminar um ponto de distinção entre atenção e consciência: a primeira, presente em qualquer animal, segue rotinas gerais; a segunda cria essas rotinas. Se no animal está pré-gravado o que deve ser foco de atenção, não há motivo para sobrepor consciência; no ser humano a consciência reparametriza todo o tempo os novos objetivos, fazendo agora da atenção mero instrumento de execução. O animal pode ter apenas atenção, na medida em que o contexto a ser enfocado é imutável; a consciência que comanda a atenção no animal inferior é sua história biológica e sua posição de sobrevivência; no ser humano, em cada cabeça pode haver uma sentença, fato que traz a consciência da história da espécie para a história pessoal. cap.17 Atenção uma região subcortical, ocorre a sincronização. Essa sincronização é responsável pela maior nitidez do objeto na consciência e pelo recrutamento de esforços generalizados para se dedicar a ele. As teorias geradas no córtex são tão fortes que o sis- 315 A atenção é, de uma certa forma, um mecanismo que faz os dois caminhos. Tanto determinadas informações, pela sua relevância ou perigo, são imediatamente transferidas para a presidência (imagine uma notícia SÍTIO DA MENTE Esses conceitos suscitam algumas reflexões acerca do cérebro humano: a) o cérebro está constantemente monitorando o meio ambiente; b) não é o meio que formata o cérebro, mas o cérebro que tem idéias e teorias e as confirma ou refuta com testes de campo; c) quanto mais treinada for a área central (o córtex), melhor monitoramento das informações será feito e melhor compreensão da natureza dessas informações haverá; d) a atenção dependerá de interesse e motivação (quer dizer, quando a presidência detecta uma oportunidade real vinda de um departamento inferior, quase paralisa uma série de operações rotineiras, recrutando funcionários de praticamente todos os departamentos concretos para se sentar em uma comissão virtual e analisar o fato); e) como há expectativas prévias sendo constantemente geradas pelas áreas centrais (córtex), o papel da periferia é confirmar ou refutar a hipótese; f) a consciência está para a atenção numa relação de hierarquia − mais sofisticada, elege prioridades que a atenção executa. pág. Henrique Schützer Del Nero Na empresa-cérebro, portanto, temos os seguintes mecanismos responsáveis pela tramitação de informação: a) de baixo para cima, via departamentos concretos, sem decisão final da presidência (mais tradicional); b) de baixo para cima, via departamentos concretos, com decisão final da presidência; c) de baixo para cima, via departamentos concretos, com parecer da presidência para que se nomeiem departamentos virtuais e decisão via departamentos virtuais e/ou presidência; d) de cima para baixo, via departamentos concretos e via departamentos virtuais, com decisão final dos departamentos e/ou presidência; e) de cima para baixo, através de encomenda de pesquisas de mercado, pesquisas de campo, utilizando as vias acima. ou situação de perigo enquanto se faz uma tarefa ou mesmo enquanto se dorme − é bom perceber isso porque, se toca uma sirene de incêndio enquanto se está dormindo ou se uma criança chora, o sono é interrompido), quanto ela também se incumbe de estar todo o tempo vasculhando o que está chegando, de tal sorte a focalizar a atenção naquilo que pode interessar. cap.17 Atenção da sensorialidade e das ações motoras, tal fosse veículo de confirmação e refutação. É como se a própria presidência estivesse todo o tempo interferindo na função dos departamentos mais baixos, por onde entrariam várias informações novas e oportunidades vitais (lembre-se de que no cérebro não há possibilidade de se dirigir diretamente à presidência, sendo preciso sempre seguir o caminho físico da periferia para o centro, ou dos departamentos tradicionais de entrada para o topo da hierarquia). SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A necessidade de coerência também explica, de uma certa forma, o porquê de um estado de desconforto 316 Portanto, ao lado da geração de hipóteses constantes, o córtex tem, juntamente com o resto do sistema, uma necessidade de coerência e de unidade. A coerência e a unidade são responsáveis pela geração de teorias sobre o mundo e sobre o estado atual do organismo. Os sentidos têm, assim, o papel de confirmar ou desconfir mar essas hipóteses. Quando estão Um quadro interessante exemplifica a idéia de um córtex que confirma hipóteses. Um indivíduo que tem sua retina destruída e uma perda de visão instantânea pode entrar num quadro psicótico em que insiste continuar enxergando. Perguntado sobre o que está vendo, começa a fabular uma cena. Nega peremptoriamente a cegueira, embora esteja absolutamente cego. O córtex, tendo necessidade de fechar uma teoria coerente, simplesmente elimina a informação de que perdeu um sentido (neste caso a visão) e continua a processar suas teorias como se aquele sentido não estivesse ausente. Isso explica, de uma certa maneira, certos tipos de estado psicótico e algumas peculiaridades que serão descritas mais à frente sobre o sonho. pág. Esse tópico corresponde a um dos mecanismos mais interessantes do sistema nervoso, merecendo explicação. Quando se amputa um braço, o indivíduo continua por muito tempo sentindo o braço. É a chamada dor do membro fantasma. Isso se deve ao fato de que o córtex está todo o tempo mandando mensagens confirmando a presença do membro. Como supõe que o membro está lá, dificilmente se desconfirma sua presença. Ao mínimo sinal de presença dele (as terminações nervosas do coto continuam a mandar informação), fecha-se uma história de que o membro continua presente. Com a visão acontece algo parecido: embora haja um ponto cego na nossa retina (onde não há células capazes de detectar luz), não aparece um ponto cego na nossa visão consciente. O sistema se encarrega de preencher aquele ponto cego com uma hipótese de unidade.1 desacoplados, ou funcionam mal, podem gerar um funcionamento autônomo das teorias corticais, situação em que o indivíduo fabula sobre algo e não tem condições de verificar-lhe a verdade ou falsidade. (Veremos adiante que na verdade o córtex é como que um candidato sem votos; pode ter plataforma, mas não tem assento no real. Desespera-se com a falta de compreensão e começa a fabular conspirações, até que desorganiza o discurso. O sonho é uma consciência não corrigida e prestigiada pela sensorialidade. Embora se mantenha intacta em alguns momentos, tende a desestruturar-se.) cap.17 Atenção tema tem baixíssima tolerância à falta de coerência. Por vezes, se não forem dadas respostas claras de sim ou não pela periferia (pelas pesquisas de campo), o córtex iniciará uma fantasia ou fabulação. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Quando se chama uma vidente, o que se está fazendo é procurar alguém que conte uma história irreal com o fito de fechar a coerência que está faltando. Faz-se isso, no entanto, com prejuízo de toda a lógica da empresa e de sua constante busca de excelência, qualidade, transparência e honestidade. Cedo ou tarde os frutos dessa história mal contada, que serviu apenas para aplacar a falta de consenso naquele instante, vão aparecer e provocar perdas. 317 O presidente da empresa, diante de um dilema am- Se não há resposta para um impasse dessa ordem − hipótese- discurso − , jogar os dados será infinitamente mais racional que consultar a vidente. Configura-se na aposta uma solução para problemas terríveis como a parada da máquina de Turing (o único problema é que para resolver a parada da máquina precisaríamos de dados tão perfeitos que não trouxessem determinismo escondido por trás de sua suposta aleatoriedade). pág. Também no cérebro o que acontece diante de histórias que dizem respeito a fatos que não fecham, que não têm coerência, que não são confirmados ou desconfirmados pelos sentidos, é a instalação de um estado ansioso generalizado. Essa ansiedade pode gerar, na continuação, um comportamento irracional de busca de soluções apaziguadoras. A fabulação na ausência de confirmação de hipóteses sensoriais é parente da ansiedade e da mitomania que não encontra corroboração para hipóteses mais complexas. A hipótese sobre a visão é uma sentença isolada que precisa ser verificada ou refutada. A hipótese mais ampla é um discurso, tendo de ser confirmado não mais pelo exame da verdade, mas da consistência ou do poder. Geramos hipóteses amplas no mundo córtico-mental e saímos à cata de confirmação: a aceitação coletiva, o aplauso, costuma substituir, no nível da hipótese-discurso, o papel dos sentidos no nível da hipótese-sensorialidade. plo, do tipo que acabei de chamar de hipótese-discurso, também chamado de cenário, onde não há uma solução certa e outra errada, mas ambas defensáveis, joga os dados para decidir ou consulta uma vidente. (Imagine que há uma pendência sobre diminuir a atividade da empresa a quase zero para não gerar mais prejuízo ou elevar o investimento às alturas, tentando, com economia de escala, baixar custo e ganhar mercado.) cap.17 Atenção que se instala diante da incerteza. Suponha que a empresa esteja pressionada por resultados e que, diante de uma oportunidade surgida, não se consegue chegar a um determinado consenso. As comissões virtuais começam a gerar intrigas e a tentar fazer jogos de pressão para fazer valer suas opiniões. Isso leva a um lento processo de deterioração do espírito e do clima da empresa. é o grande salto para qualquer um de nós. Pelo contrário. tanto mais serão elas que ganharão a confiança como portadoras de uma coerência de que o sistema precisa. Cria contra-argumentos e contraprovas. Não procura explicação em ritos mágicos. Cria modelos simplificados e testa pedaços da teoria. 318 Hipóteses corticais mal educadas essas que procuram confirmação na irracionalidade. a plausibilidade e a consistência da hipótese. pág. de espíritos e perispíritos. como se aquilo estivesse de fato sendo testado (são os chamados experimentos de pensamento). gerou tanto conhecimento para nos fornecer produtos de alta tecnologia que deixamos de ter que saber qualquer coisa − a nós agora é dado gozar o mundo da tecnologia de parque de diversões. nem ao mundo. então. um fruto comum de quaisquer histórias que não fecham. A tecnologia pode ter criado um paradoxo: gerou tanto conforto que deixamos de ter emprego. melhor seria jogar dados. e realiza o teste.SÍTIO DA MENTE Toda vez que estamos tentando prever o futuro. deixemos os duendes ou os anjos resolverem o problema. melhor ainda. Quanto mais estranhas e fantasiosas. não se confirmam nem se refutam nos sentidos ou no mundo. não temos o apelo aos sentidos. . nem gera ansiedade. cria uma série de artifícios para que sua teoria possa ter uma parcela verificável ou. de hipóteses e teorias que. Cria experimentos imaginários nos quais a razão deve investigar os desdobramentos. O sentido extra que corrobora discursos hipotéticos cap. conservando o acaso com sua aura de mistério e não o travestindo de ilusão qualitativa (a quantitativa não existe. uma vez que a eficácia da irracionalidade é baixa). refutável. quando preocupados. de outros mundos. Henrique Schützer Del Nero A solução através da vidente retrata fielmente o que ocorre hoje em dia − época tão cheia de incertezas gerando ansiedade que apela às explicações mais mirabolantes. das teorias e hipóteses científicas. Finalmente.17 Atenção Entender que a mente representa um discurso mais amplo que a mera sensorialidade ou motricidade animal e que a confirmação e refutação de suas hipóteses carece de exame de variáveis. Nesse momento é que o cérebro humano exibe uma de suas maiores capacidades. E quando não se podem confirmar ou refutar teorias pelos sentidos ou pelo exame direto de situações do mundo? Esse é o caso dos cenários futuros. ou quando estamos formulando teorias e hipóteses científicas. Ao se jogar os dados. mostra-se com rigor que se entendeu a natureza da indecisão. não mais veritativas mas também de coerência e plausibilidade. na medida em que aquilo diz respeito a um fato futuro ou a um conhecimento ainda não estabelecido. por exemplo o comportamento da população diante de uma determinada medida econômica. geradas no córtex. falando de vidas passadas. A ansiedade é. gera uma espécie de sentido extra que verifica a coerência. A grande prejudicada passa a ser a memória. não mais é coerência que verifica. Se.3 pág. Como dissemos anteriormente. territorialidade mantida. etc. Pascal já advertia que sonhamos que o que fosse justo fosse forte. por um lado. O indivíduo relata estar com dificuldade de concentração e contaminação excessiva do ambiente. é o forte. Córtex violentado. A criança tende a não focalizar certas tarefas. o fato de que a atenção focaliza um determinado objeto de interesse ou de importância e recruta uma série de áreas para trabalhar em cima daquele problema exemplifica alguns dos desdobramentos dos problemas de atenção.A atenção é. infelizmente vieram os poderosos e a desrazão e acabamos assistindo ao inverso: o que é forte se tornou. Mas a que preço?2 . não é mais o justo que vence. dispersiva. então é preciso que o sentido extra seja substituído pela propaganda e pelo poder. É o que se chama de perda ou diminuição da atenção voluntária e aumento da atenção espontânea. Ambas se completam e confundem. podem estar associados a problemas de atenção. uma função com forte apelo a roubar um pouco da cena da consciência. é pesquisa de opinião. bem como certos casos de excitação excessiva. Não haveria sentido em existir palco se não houvesse luz. Embora o diagnóstico e o tratamento sejam tarefas relativamente técnicas. Cada um destes quadros merece cuidado e é importante que se esteja imbuído de uma concepção cerebral da mente. cap. justo. Representa também uma função que pode estar desregulada em situações primárias (patologias primárias da atenção) ou em decorrência de grande parte das desregulagens mentais. Henrique Schützer Del Nero Patologias da atenção fância e na primeira idade escolar. ansiedades e outros transtornos do humor costumam aparecer falhas de atenção. A capaci- 319 A atenção está primariamente afetada em alguns quadros que se manifestam preponderantemente na in- SÍTIO DA MENTE Distúrbios de leitura. a consciência é o palco. de sua potencial desregulagem. quase invariavelmente. assim. a atenção é o facho de luz que ressalta pedaços da cena. para que não se façam experiências intuitivas nem se apliquem métodos de uma pedagogia discutível para sanar distúrbios mentais. fora do âmbito deste livro. ter mau aproveitamento.17 Atenção Quando essa razão que deveria nortear a mente falha. Nas depressões. é preciso estar atento ao fato de que não é com castigos ou permissividade que se tratam tais episódios. nem luz se não houvesse palco. a ser irritável. Imagine que uma criança está aprendendo o que é uma cadeira. estejam ocorrendo problemas de má adaptação ou de falta de estímulo adequado. no entanto. Por outro lado. não exclui a possibilidade de que. bastando que se percebam alguns de seus traços e que se procure ajuda especializada. nesses casos. um ensino muito linear. Dizem-lhe que uma cadeira é algo que serve para sentar. mais tarde. pág. tanto mais fácil será para a atenção encontrar um meio de sincronizar expectativas corticais e aportes sensoriais. cap. Toda vez que um objeto se apresenta de maneira muito rasa e com poucas correlações. 320 Uma classe de aula muito hierárquica (é preciso lembrar do exemplo do poder dado anteriormente). as hipóteses geradas pelo córtex sob o rótulo cadeira encontrarão um sem-número de elementos vindos da periferia para sincronizar e despertar interesse. tem o potencial de gerar problemas de motivação. uma falta de correlação e significação para as mínimas coisas e finalmente a falta de estímulo à opinião crítica e a uma certa rebeldia tendem a criar problemas de motivação e interesse que desembocam em distúrbios de atenção. bem como o recrutamento de bancos de memória e manipulação intelectual dos dados. A pessoa que executa rotinas de SÍTIO DA MENTE Como há um claro fenômeno de teste do córtex sobre as informações que vêm da periferia. Isso. Antes de se estabelecerem complicadas hipóteses acerca de dificuldades pessoais. um trabalho muito repetitivo. . Henrique Schützer Del Nero O tratamento pode envolver uma variada gama de exames e o uso de diferentes remédios. quanto mais hipóteses for capaz de gerar. Na maior parte das vezes é sanável. seu ambiente familiar. se o mecanismo de atenção é dependente de interesse e motivação. Isso fala em favor da geração de um contexto de relações rico e intrigante. Grande parte dos problemas relatados como falta de memória ou desempenho intelectual fraco está relacionada com distúrbios primários ou secundários da atenção. explicações sobre o contexto de vida da pessoa. que podem voar em fábulas. seu passado.17 Atenção dade de retenção diminui. não chega a se fixar porque simplesmente faltam elementos para se reconhecerem as correlações significativas no campo sensorial ou. de teste mais direto e de eficácia mais comprovada. se ensinarem que cadeiras são feitas de vários materiais. que servem para a vovó sentar e contar histórias. A atenção. Toda vez que seu córtex gerar hipóteses sobre cadeiras vai procurar apenas “sentar” na periferia como elemento de atenção. de várias formas. maneira passiva é uma espécie de desatento cortical: trai a mente naquilo que tem de melhor − a criação contínua de cenários novos e de hipóteses. é preciso verificar se há alguma explicação cerebral mais simples. no campo do sentido extra que verifica discursos e cenários. de tal sorte a não inibir o funcionamento normal desses departamentos. gerarão imenso poder de criatividade. variado e horizontal do córtex. b) também cabe a essa mesma presidência manter sua capacidade de cada vez melhor discriminar novas oportunidades. pág.17 Atenção Dessa maneira. é um fato que. principalmente. Em se conseguindo manter acesa a atenção. não há como negar que. Isso se faz. o pensamento. elementos de ressonância e sincronização possíveis.SÍTIO DA MENTE Se você pensar no caso de nossa empresa. da elaboração de hipóteses internas (o que não deixa de ser uma atenção que focaliza aquele sentido extra que o cérebro humano tem. e isso se faria nesse caso através do aparelhamento múltiplo. Outras. de busca de relações múltiplas para cada tema. Por outro lado. o resultado a médio prazo pode ser bastante significativo. na nossa empresa isso equivaleria ao presidente que percorre os departamentos à cata de informações. 321 Henrique Schützer Del Nero O papel da reflexão. O estudo e o trabalho deverão ser alimentados ao máximo de significados paralelos. a capacidade de criar). nos aportes sensoriais. assim a reflexão. . elogios ou com tirania. de uma atenção flutuante. mas que ao mesmo tempo não o faz de maneira acintosa. Aquelas teorias que apenas encontrem aí uma atenção provisória serão descartadas pela sua pouca valia. iluminando todo o tempo candidatos a confirmar hipóteses centrais. A atenção. Atenção e reflexão cap. também há um enorme despreparo na tarefa de mobilizar atenção e interesse. Isso não se faz apenas com recompensas materiais. pode-se dizer que tanto mais atenção se recruta quanto mais amplo se faz o escopo de significação de cada objeto. se há uma gama de afecções primárias e secundárias da atenção que merecem tratamento com remédios de maneira que seja possível voltar ao normal. essa atenção deve ficar suspensa. verá que três atitudes são vitais e complementares: a) de um lado cumpre à presidência procurar em cada departamento concreto sinais que atestem que uma informação relevante ou uma grande oportunidade está chegando. De maneira simplificada. nesses casos. Isso reaviva o processo de procura de respostas relevantes no mundo. ausentar-se um pouco da sensorialidade e do mundo e debruçar-se sobre si. no entanto. tem grande importância na consolidação de certas teorias corticais. o estudo e a informação cruzada e horizontal somente a farão ter cada vez mais condições de perceber um traço análogo a um grande negócio quando este surgir num dos departamentos concretos. aparelhando o córtex com uma teia tão rica que suas teorias encontrem todo o tempo. c) a chamada atenção flutuante é uma espécie de atitude que mostra que por vezes devemos deixar o sistema semialimentado pela sensorialidade e ao mesmo tempo em condições de operar outras funções. por vezes. não deixará jamais de estar funcionando. . pode-se imaginar que a ansiedade é positiva porque demonstra uma mobilização rumo às pistas ambientais. Essas deverão ser diagnosticadas e tratadas sem que se faça apelo a explicações estapafúrdias. embora a afecção primária seja em um ponto ou em outro. uma ligada aos sentidos (e portanto ao mundo). a pressa e o desgaste tendem a bloquear mecanismos de recrutamento neuronal que são fundamentais para a consolidação do pensamento. finalmente. Se. a pouca ênfase na elaboração de cenários hipotéticos. fornecem a chave para corrigir de maneira adequada problemas de atenção que não tenham desregulagens neuronais na sua base. através da atenção. tenderá a não fazer nada ou a fazer grandes besteiras com essa informação. do treinamento e da educação dos indivíduos cria um experimentalismo rudimentar. no entanto. o excessivo pragmatismo e concretude das idéias em voga. Por outro lado. Henrique Schützer Del Nero Grandes inteligências e grandes conquistas são menos questão de capacidade de processamento e mais capacidade de estar apto a extrair pistas relevantes de cada processo. reverberantes e monótonas. pág. criando-se uma série de recompensas para que o indivíduo fique “ligado”. do juízo e da memória. Assim. portanto. às novas oportunidades que se escondem a cada passo.17 Atenção Essas três formas de atenção. não há como negar que há uma oposição entre informação e conhecimento. a informação serve apenas para estimular. de um lado. 322 Há quem defenda que o distúrbio nas desregulagens do humor seja primariamente da atenção. Por outro lado. por outro lado. uma espécie de síntese de ambas. Mas. corrigir a rota de seu discurso e de suas condutas. usando toda a informação ambiental para. os pontos adequados em que as teorias estão certas ou não. é uma ênfase na atenção como se fosse mecanismo primário. para o que não existe teoria prévia cortical). As chamadas pessoas dotadas de grande sensibilidade ou de capacidade de “descobrir coisas” têm na verdade uma atenção de rastreamento imensa. se ficar atento a algo que não sabe ver (isto é. enfocando todo e qualquer traço ambiental como relevante. outra ligada à reflexão e ao acúmulo de informação teórica e intercontextual e. na depressão haveria uma incapacidade de correção ambiental de certas idéias que tendem a se tornar ruminantes. cap. de maneira rápida. SÍTIO DA MENTE Somos uma civilização banhada por informações e constituída de pessoas desatentas porque ansiosas e porque despreparadas para gerar hipóteses corticais que apenas se sirvam das pistas ambientais no intuito de corroborar ou refutar nossas teorias. Enquanto o conhecimento depende basicamente da geração de teias conceituais no córtex. o fato de estar desregulada na maioria das patologias mentais mostra o quanto temos uma série de fenômenos inter-relacionados nessas síndromes. O problema da ansiedade é contraditório em relação à atenção. Enquanto que na euforia maníaca a atenção está exacerbada e.O que se vê. o olfato. dos senti- SÍTIO DA MENTE As hipóteses. Henrique Schützer Del Nero A atenção. a atenção executa pequenas rotinas.17 Atenção A atenção procura somente no mundo. A hipótese discurso. ou o que o valha. Não são mais os sentidos que respondem sim ou não a uma sentença simples. Desse jeito. dos. essa teoria não requer consciência porque imutável e gravada na história da espécie. podem ser simples ou complexas. espertalhões. Portanto. b) porque deixou de ser busca ativa de confirmação de hipóteses de conhecimento para ser consumo de versões impingidas pela propaganda e pelo mercado. Focaliza aquelas que são relevantes para uma teoria prévia. de achados. justamente porque tratam de mundos possíveis e não do mundo concreto de agora. . Agora anda à espreita de oportunidades. através do exame da validade e não da verdade. informações. mormente agora com o endeusamento de uma visão de mercado. Se a consciência investiga grandes cenários. 323 A atenção é uma função importante na relação do cérebro com a mente. o paladar. quando nos tornamos civilizados. no entanto. Nas patologias mentais de base cerebral há nítido comprometimento da atenção. prontos para abocanhar um negócio. É a coerência. ou no mercado. ou na satisfação do consumidor uma prova para suas teorias. Para alguns seria a consciência purgada de vocabulário filosófico. A hipótese sensorial busca confirmação nos sentidos. No ser humano varia em cada cabeça. pág. mas dificilmente aptos para gerar interesse. O fazer teorias que não digam respeito imediato ao mundo. podese dizer que a atenção está em xeque: a) porque se tornou esperteza. de “tacadas ”. que não é mais a visão. busca confirmação em um sentido extra. a consciência gera a hipótese geral e a atenção vai à cata de corroboração e refutação. a consistência e a plausibilidade de certos modelos. Nos animais. Para isso aportam-lhe. motivação e empreendimento genuínos.Síntese Os impasses podem ser resolvidos pelo jogar dados. É a razão que estabelece plausibilidade para discursos. deixa de ser atenção e passa a ser um par de olhos arregalados. Não é. deixou de ser um atributo neuronal que vasculha o alimento e evita o perigo. Distúrbios da atenção podem ser qualificados tanto do ponto de vista neuronal quanto mental. Nos distúrbios mais gerais. complexa. a percepção de indeterminação de certas respostas é o momento máximo da razão. é pouco estimulado. e o mesmo acontece com o sentido extra. em vez de consultar a vidente. cap. fez-se com que o que é forte fosse justo". fazer com que o que é justo seja forte. 324 Henrique Schützer Del Nero 1. cap. porque a força contradisse a justiça. pois. Devo algumas dessas idéias a uma conferência de Miguel Nicolelis. assim. Editora Abril . Cf. não podendo fazer com que o que é justo fosse forte. A justiça sem a força é impotente. e. Assim. a respeito das bases cerebrais da dislexia e da leitura de modo geral: Galburda.17 Atenção Notas . e o que é forte seja justo. reunir a justiça e a força. Cf. Albert (ed) (1989) From Reading to Neurons. Pascal. É necessário que o que é mais forte seja seguido. e sem disputa. A justiça sem a força será contestada. a força sem a justiça será acusada. não se pôde dar a força à justiça. É preciso. dizendo que esta era injusta. A justiça é sujeita a disputas: a força é muito reconhecível. p.SÍTIO DA MENTE 2. e que ela é que era justa. porque há sempre maus. 3. a força sem a justiça é tirânica. MIT Press. força .113 Artigo IV. pág. dessa forma. e.É justo que o que é justo seja seguido.A justiça e razão dos efeitosparágrafo 298: "Justiça. Blaise em Os Pensadores. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. Há na porção responsável pelo processamento. formada pelos neurônios. tal qual fosse um computador.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo.18 Linguagem parte 4 . uma pág. integração e execução motora. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. “quantidade é qualidade”. Seu grau de complexidade. vai aumentando de acordo com a escala animal. entre os mamíferos. no entanto. algumas vezes. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. Assim.um manipula e processa informação. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. basicamente. Henrique Schützer Del Nero A mente organizada cap. Isto mostra que.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. ao longo de milhões de anos. um dos números mais gritantes é o de encefalização . o outro dá suporte físico e sustento. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 18 cializado na recepção de informação. Linguagem collegium cognitio 325 O cérebro humano é. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. e. formado por dois conjuntos de células . o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. próprias dos cenários complexos. O sistema evolui bruscamente devido a propriedades que não estão na lógica da exposição ao ambiente dos falantes. Henrique Schützer Del Nero A linguagem é função específica do cérebro humano. o que. depois. passa a gerar cadeias e a flexionar tempos verbais. mas sim no amadurecimento dos circuitos cerebrais. ao contrário de inflacionar a comunicação. condição de apreensão de estruturas de tempo e de lugar não intuitivas. também começa a manipular fantasias.1 Entre suas características.18 Linguagem LINGUAGEM . “Papai dá bola nenê“: este último conjunto de palavras já é uma sentença completa. mas também o resultado da compreensão máxima da comunicação: pode-se falar significa- 326 Uma criança começa a falar. estruturas lexicais (palavras) e significados transitórios e mutáveis. Lembre-se do exemplo da água a 99 graus e a 100 graus. Observe que investigar agora sentenças completas constituídas de uma ou duas palavras. balbucia palavras isoladas. verdadeiras ou falsas − que a faz fenômeno biológico novo e universal para o animal humano. a formar pequenos grupos de duas ou três. de repente. isso. cap. permite que se captem sutilezas. não só é parte da beleza da infância. Passa. chama a atenção a capacidade de produzir infinitas sentenças a partir de um conjunto finito de regras e símbolos. Num salto. não manipula sentenças. apenas confundiria a compreensão. como “Cheguei!” ou “Sou Paulo”. pág. SÍTIO DA MENTE Um exemplo simples é a seqüência “Papai”. Embora possa haver variação extrema na porção superficial da linguagem. Dizer coisas “de mentirinha”. começa a formar frases completas. uma palavra. não existindo nos outros animais. sentenças. demonstra aptidão para distinguir a sentença significativa. duas palavras. Na superfície distinguem-se outras classes de regras gramaticais.Há um corpo fixo e profundo de regras de geração das cadeias significativas. “Papai bola nenê”. “Papai bola”. Não é codificação estanque: pode-se dizer uma mesma coisa de variadas maneiras. porém falsa. da sentença verdadeira. três palavras e. do ponto de vista lingüístico. embora se localizem neles traços rudimentares de códigos de comunicação. Inicialmente. esboços de sentenças. embora rudimentar. a partir da transição de fase. mas blocos quase concretos. até um certo momento. em idade mais ou menos fixa. é a profunda − sobretudo devido à capacidade que esta tem de gerar sentenças significativas. A criança. rapidamente se torna virtual. poderá andar por diferentes caminhos e com diferentes motoristas (esses são as línguas. bem como sem empurrão. 327 O cérebro humano está aparelhado previamente para receber uma determinada quantidade de fatos lingüísticos por exposição (o caso da criança que está exposta à comunidade humana) e em seguida começar a construir sentenças por iniciativa própria. não há deslocamento possível. Nasce desligado. departamento concreto. novas regras. sem estradas. A linguagem é um tipo de estrutura que aparelhou o cérebro humano ao longo da evolução. tal fosse um tipo de motor que não se encontra em nenhum outro animal. Agora funcionando. mas a estrutura profunda já ativada será capaz de habilitá-lo para a comunicação rica de estados internos. basicamente. gerando sentenças. é uma área cerebral. Essa barra de ferro não evapora quando se chega a uma temperatura de 100 graus. Coloca-se o carro em movimento através de vários empurrões (exposição à linguagem). Esse “motor” específico para a linguagem. Sem o motor específico para a linguagem.SÍTIO DA MENTE A linguagem é um conjunto de peças que se articulam e que dependem. O departamento concreto prévio no cérebro pág. Esse estímulo dinâmico do ambiente sobre o departamento concreto estabelece quase instantaneamente um departamento virtual que trás do concreto a capacidade de operação de regras profundas. . tornando-se virtual pela manipulação de significados dinâmicos e pela manipulação de aspectos contextuais da comunicação. motoristas e estradas possíveis. a verdade. cap. Além disso. Há um departamento concreto prévio que ao. engasgando palavras e subitamente passa a funcionar plenamente. entrar em operação. finalmente. os significados dinâmicos e o adestramento das regras superficiais de linguagem). de um sistema que tenha a capacidade de reagir à exposição ao meio lingüístico. Henrique Schützer Del Nero As crianças são capazes de aprender a gerar sentenças e de compreender determinadas regras gramaticais sem que sejam ensinadas a elas regras profundas. A partir de então continuará exposto. recrutando inúmeras outras áreas cerebrais não específicas para a linguagem. motoristas e roteiros não há significado na linguagem enquanto instrumento mental. aprendendo novos vocábulos. O motor começa a “querer” pegar. no entanto. Imagine que no exemplo de água a 100 graus tivéssemos uma barra de ferro. sabe-se hoje. Também o macaco − outro sistema − não começa a falar após a exposição adequada à linguagem. o significado é uma coisa.18 Linguagem tivamente de verdades e mentiras. de pensamentos bem articulados. não há linearidade entre a exposição à comunidade dos falantes e a geração de cadeias cada vez mais complexas de sentenças e. que só entra em funcionamento graças ao estímulo ambiental − pelos “trancos” de palavras. outra. embora estejam localizadas em algum ponto concreto. mais compatíveis com um deslocamento de SÍTIO DA MENTE A linguagem é uma função do cérebro humano que. Do ponto de vista de sua estrutura.2 Neste capítulo vamos nos deter na linguagem propriamente dita. A comunicação.Há. Imagine que falo a palavra “porco” num açougue ou num campo de futebol. significarão mensagens diferentes. pode ter lesões mais recuperáveis ou não (isto é. tendo já instalada uma equipe de técnicos exímios em fazer contas de somar e subtrair. no qual se define uma linguagem verbal. uma acepção mais ampla: a comunicação é um todo do qual a linguagem é apenas uma parte.18 Linguagem está localizado principalmente nas áreas de Broca e Wernicke. 328 Isso explica: a) por que a linguagem. “justiça” e “centauros” (semântica). em que pese ser fortemente dinâmica. corporal. “mesas”. . para freqüentar todas as comissões que são formadas para resolver problemas direta ou indiretamente ligados às operações algébricas. esse departamento está basicamente situado nas áreas de Wernicke e Broca). No dia da inauguração. envolve regiões preferencialmente aptas para ela e uma dinâmica de interação com fatos lingüísticos externos que acabam por fazer com que a sua operação plena seja departamento virtual. chamado pragmática. cap. a despeito de departamento virtual. do ponto de vista de sua história cerebral. é composta de um conjunto de regras de construção de sentenças (sintaxe) e de um conjunto de significados. tem certas operações que recrutam maior número de funcionários de departamentos concretos previamente selecionados para aquilo. etc. função para outros departamentos virtuais ou não). esses gênios da soma e subtração estão todos situados no departamento que fica no 3o andar da empresa (no caso do cérebro. como qualquer outra função mental. mas também uma linguagem gestual. a semiótica é a que estuda a comunicação lato sensu. porque quando ocorrem lesões nessas áreas. “átomos”. departamento virtual. como veremos mais adiante. embora muito do que se diga possa ter alguma tradução em termos semióticos. apresenta-se como fenômeno mais amplo. O presidente percebe a necessidade de recrutálos freqüentemente. Eles passam a andar por diferentes locais da empresa. Se a lingüística é a ciência que estuda a linguagem. interpretações e objetos capazes de ter existência real ou imaginária − por exemplo. começam a aparecer problemas que envolvem soma e subtração. costumam surgir déficits lingüísticos específicos − as afasias −. Em cada local. pág. portanto. d) por que a linguagem. c) por que certas lesões no cérebro costumam afetar departamentos virtuais. mais ou menos fixo. capacidade de estabelecer uma dinâmica de signos. Há ainda um fator de contexto que influencia na compreensão de certas expressões lingüísticas. b) por que. Henrique Schützer Del Nero Imagine que uma empresa seja inaugurada. Inaugurada. é dinâmica e. ainda. graças à interpretação contextual. evocando mentalmente algo (“isso é angústia”). A proposição é um símbolo que resulta da boa construção. fazem parte de uma teoria embutida do conhecimento ou de uma epistemologia escondida na operação intelectual da mente em formação (teoria mental intuitiva).4 De novo as proposições Há na linguagem. evocar a “imagem mental de maçã”. “gene”. Se. mas será bem menos trivial no caso de termos científicos como Uma criança aprenderia o significado de maçã e fada. Esse processo possibilita que. Quando digo “isto é uma maçã” (tecnicamente se chama ostensão apontar um objeto e agregar-lhe um nome para que daí surja a compreensão do significado do termo). a linguagem parece constituída por maçãs e centauros. conforme as regras. na mente dos interlocutores. Essa transmissão do conceito de maçã faz parte das características de cognoscibilidade de maçãs (epistemologia). Adquirimos a faculdade de. meio cavalo) e finalmente no caso de termos como “estado”. Indagada sobre sua existência real. através do significado (semântica). através do significado. Ainda. que toda vez que se use o termo retorne o objeto.3 . pretendo unificar uma operação que me garanta.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero As condições de descrição da existência mental de ambas. embora não sua verdade ou falsidade. na ausência de uma maçã. como vimos quando falamos de uma das noções de símbolo. responderia. uma determinada unidade fundamental chamada proposição. aparentemente. sendo capaz de. garantir a existência mental delas. pág. cap. fadas e genes. Tanto os símbolos quanto as regras são finitos. que maçãs são frutas e existem. e de sua posterior reclassificação em real e imaginária. de seqüências de outros símbolos. maçã e fada. se garanta a existência de maçãs (ontologia). de termos que designam seres imaginários como “centauro” (meio homem. a partir de uma certa idade. ou. no futuro. verdadeiras ou falsas. mais adiante. é possível ensinar a conhecer maçãs ou falar delas. apontando uma maçã. e fadas “são de mentirinha”. A interpretação de cada símbolo e de cada sentença é domínio da semântica. Graças ao contato com maçãs. mas há infinitas sentenças bem construídas a partir deles. através de uma série de procedimentos. Com o tempo. sob a forma de seu significado. na 329 Isso pode parecer trivial quando se trata de maçãs. um conjunto finito de símbolos e de regras e um conjunto infinito de sentenças bem construídas. A linguagem seria. ouviria histórias que falam em ambas.18 Linguagem Há regras de geração de sentenças a partir de determinados símbolos que garantem sua boa construção. aprendemos a usar corretamente o termo “maçã”. assim. (Quem já fez um programa de computador sabe que a simples omissão de um sinal pode fazê-lo não funcionar. de outro lado. . ou não. dizendo respeito. Contém um mundo possível. nem falsa. podendo tornar-se verdadeiras para aquele domínio. Ela se torna capaz de reconhecer características necessárias para que algo seja uma proposição. Isto é verdade quando articulamos algumas afirmações proposicionais acerca de fatos desconhecidos e que merecem teste. portanto. diriam respeito a “mundos possíveis” na concepção do filósofo Alexius Meinong. Henrique Schützer Del Nero Uma proposição pode ser falsa ou verdadeira. na medida em que pode justificar uma série de condições para se tornar verdadeira.“A monarquia é a solução para o país”. nãoproposição. quando se tratar de proposições. Com relação às duas proposições. A ciência. “Paulo é muçulmano” é proposição e é falsa (Paulo não é muçulmano). outra é reconhecer. que não depende da inspeção do mundo. Mesmo que não dissessem respeito ao mundo real. cap.) das palavras para as sentenças. quais são verdadeiras e quais são falsas. fornecendo-lhes certas condições operacionais e delimitação clara. saber se algo é uma maçã ou não. Constatar que algo é uma sentença é radicalmente diferente de reconhecer se uma sentença é verdadeira ou falsa. embora seja dependente de um estágio de exposição (o tranco no motor de que falávamos). no mais das vezes. no futuro. os cenários. por detrás de cada símbolo-palavra há um conceito que. Ainda que seja falsa hoje. as hipóteses.18 Linguagem verdade. “Paulo é careca” é proposição e é verdadeira (Paulo é de fato careca). porque bem construídas. “Paulo verde idéia roseja arboreamente” não é proposição. A terceira. podemos verificar se há correspondência com o mundo (com a realidade) ou não. as sentenças metafísicas (“É mais fácil um camelo passar no buraco de uma agulha que um rico entrar no reino dos céus. Reconhecer o caráter proposicional de uma seqüência de símbolos é uma propriedade prévia do cérebro. pode estar expressando uma hipótese de um sociólogo acerca do futuro. Verificar se uma proposição é verdadeira o que acontece na criança quando passa SÍTIO DA MENTE Há quem defenda que as proposições falsas.”) são proposições potencialmente falsas. precisa de uma proposição ou de um conjunto delas (isto está simplificado. O mundo onde têm existência garantida não é o de outras dimensões ou ga- 330 Há duas operações básicas ligadas às proposições: uma é reconhecer se algo é. Esta sentença é uma proposição. uma proposição. ou investimento. não é nem verdadeira. têm um estatuto hierárquico superior ao das não-proposições. pág. retratando simplesmente uma operação defeituosa de construção ou ordenamento dos símbolos. valendo. para explicar o significado. através da qualificação de verdadeiras ou falsas. a mundos possíveis. para o caso dos substantivos). proposições provisoriamente não-verdadeiras. A patologia. pág. por perceber que potencialmente se trata de uma proposição falsa.”). não está exatamente em dizer que algo é verdadeiro quando se supõe seja falso. com critérios digitais − “É verdade e ponto final” − em lugar de apelar para o talvez analógico − “Creio que pode ser. embora não tenham necessariamente contrapartida no mundo real de agora. apenas verossímeis ou fortes. Verossímeis (porque justas) quando falam de igualdade. porque são agentes de comunicação e discussão. o sentido que as verifica − sentido extra que verifica discursos de que falamos anteriormente − não é a visão ou o tato. generalizações científicas ou de conhecimento (“A igualdade social é a única saída para a sobrevivência da espécie humana” ou “O desaparecimento dos Estados nacionais com a formação de blocos como o europeu é impossível. validade. em algumas situações sociais e políticas. Os sentidos se equipam para verificar se as proposições são falsas ou verdadeiras. como pensamento. coerência e plausibilidade. a despeito de serem potencialmente falsas. . cap. procura justificar sua visão. é analógica de tipo talvez. se equipa para manipular hipóteses. A mente. mas também como emoção. estaria. vontade e consciência. ao contrário. coordenada pela linguagem. Um indivíduo diz: “Há uma conspiração contra mim”. Espera-se dele que tenha crítica tal que seja capaz de desconfiar da afirmação.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A mente é um local onde a linguagem consegue algum grau de existência para suas proposições falsas. por exemplo. embora não esteja certo”. ou disfunção mental. admitindo a hipótese de estar enganada. pode-se suspeitar da existência de uma determinada hierarquia. tanto na atenção quanto na consciência. Mais uma razão para crer que o mental se serve do analógico na forja de suas potencialidades plenas. aquela que examina as proposições-discurso. Dificilmente se tornarão verdadeiras dado o contexto complexo em que ocorrem. fortes (embora injustas) quando. com base na coerência. De posse desses conceitos. se utilizam do arbítrio para executar reformas institucionais. na forma como se tratam proposições potencialmente falsas. Se a lógica de verificação de verdade ou falsidade de uma proposição é digital. 331 Essas proposições sobre fatos hipotéticos. mas a consistência. cruzar informações.18 Linguagem láxias. A pessoa normal. utilizando-se de uma proposição que pode ser falsa ou verdadeira. têm existência na mente que as entende e manipula. mas áreas cerebrais que garantem sua condição de proposição. Pense no que ocorre nas disfunções mentais expressas pela linguagem (lembre-se de que a linguagem é praticamente 90% do nosso acesso à função mental). como a ”lógica” patológica da implicação: “Quando o sinal abriu. e possivelmente aquela que deriva de algum departamento concreto exclusivo do ser humano. perspicante” (aqui vemos não só uma seqüência não proposicional. chama-se prosopagnosia). da argumentação e da dúvida. como também o uso de neologismos patológicos). essa idéia ocorreu quando o sinal abriu. A implicação de uma para a outra.SÍTIO DA MENTE a) não conseguir verificar a verdade de uma proposição (“Este rosto é o meu”: o indivíduo não conseguiria perceber seu rosto como sendo o seu − esse quadro. já ligadas à formação de departamentos virtuais. Bem. cap. Henrique Schützer Del Nero A disfunção mental está fortemente vinculada à linguagem. Deus nos abençoa no sábado” (desorganização no plano da relação entre proposições no discurso) − e finalmente na própria proposição − “Judas trair Deus pai de nós volta. mas há uma pessoa que me segue há uma semana. d) não ser possível separar proposições de não-proposições. então.” Nesse caso usou de justificação. serão responsáveis pela capacidade de 332 c) não perceber que certas seqüências de proposições ferem regras de coerência do discurso. c) capacidade de reconhecer proposições falsas.. Isso se chama de percepção delirante.”). sintoma grave de distúrbio mental. No caso anormal. b) não ter condição de falar de proposições potencialmente falsas com dúvida.18 Linguagem Poder-se-ia dizer. é a capacidade de distinguir proposições de não-proposições. vendo coisas. tem-se a crença na implicação. . coincidentemente.5 pág.” Abrir o sinal pode ser verdadeiro. A operação primitiva da linguagem. e tomei as seguintes providências. resultante de lesão cerebral em departamento concreto. d) capacidade de expressar proposições tidas como falsas sob o manto da justificação. independentemente da verdade das sentenças isoladas. argumentação (“Sei que pode parecer absurdo. primeiramente na relação entre os blocos proposicionais − ”A água quente é salgada. em grau crescente de gravidade: percebi que havia uma conspiração contra mim. como também o fato de perceber que há uma conspiração contra si. que há normalidade ou equilíbrio quando se tem: a) a capacidade de distinguir proposições de não-proposições. O indivíduo normal poderia dizer que foi casual a conexão: “Claro que não foi o abrir do sinal que me fez perceber isso. Operações mentais posteriores. porém. claro que pensei que podia estar louco. São sinais de disfunção. Sei que vocês não estão cientes disso e não perceberam porque ela se esconde quando outros olham. justificação. A fala se desorganiza. não tem sentido. mas é um fato que. b) capacidade de reconhecer proposições verdadeiras.. quais devem ser abandonadas. A mente normal não teria dificuldade no exame do caráter proposicional. cap. ignorância e pouca reflexão). porém o caráter de verdade ou falsidade é digital. Não costumamos ter dúvida quanto ao expresso na frase “Esta rosa é vermelha”. de macaco ou de pássaro − teria evoluído nos últimos milhares de anos. cada cérebro − de homem. Porém. de atribuição de verdade. pode haver confusão quando se fala de verificação de verdade ou falsidade de uma sentença (etapa já virtual de processamento analógico) com o caráter maniqueísta. já dependente dos departamentos virtuais. bem como as realizações de macacos e de pássaros têm se mantido mais ou menos 333 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Inteligência não parece ser atributo fortemente conectado aos sentidos. “Fui uma princesa medieval há três vidas” merece abandono. através de complexos raciocínios. demostra o quanto foi decisiva na evolução. Cuidado. no entanto. com a confusão: a verificação de verdade ou falsidade é etapa de processamento analógico. cérebros permanecem mais ou menos estáticos. portanto. de tipo sim ou não. Ausente em outros animais. Explicando: a distinção entre uma proposição e uma não-proposição é cerebral inata. a mente inteligente agregaria à capacidade de distinguir proposições de não-proposições a capacidade de distinguir. Seu ponto máximo de declínio se daria quando passasse a lançar mão de não-proposições no seu contato com o mundo. pragmaticamente verdadeira.) A mente anormal teria. Se cérebros evoluíssem simplesmente pela dinâmica de cada empresa. digital no sentido de não ser mais ou menos verdadeiro. . pragmaticamente falsa. pág. A dificuldade aparece quando consideramos sentenças mais complexas: “O cérebro é o responsável pelo comportamento ético” (plausível. dentre proposições potencialmente falsas. De um lado está absolutamente bem definida como departamento concreto cerebral do ser humano. portanto digital no sentido de básica.A linguagem é fenômeno inato e adquirido. Porém. A qualificação de verdadeira ou falsa de uma proposição e de coerente ou não de um discurso é uma operação posterior. nem por isso o processamento que executa esse cálculo é digital-cerebral de tipo departamento concreto.6 mas que exige estudo e complicada trama conceitual) e “A mente é uma fração das muitas vidas vividas em outras encarnações” (implausível.18 Linguagem identificar quais proposições são verdadeiras e quais são falsas. mas exige apenas um pouco de credulidade. um forte comprometimento: não conseguiria ver a verdade de certas proposições verdadeiras nem justificar e argumentar quando entende serem verdadeiras proposições tidas como falsas. Se “2 + 2 = 4” é sentença verdadeira. (“A computação química é a solução para o problema dos chips atuais” merece exame. quais merecem exame detalhado e. porque dotada de regras. condição de discriminação. com pouca relação com o mundo físico ou biológico. validade. de verdade pragmática. pela sua dinâmica. e da mente. Alguns críticos da concepção cerebralista da mente vêem na linguagem. no entanto. cap. eficácia e justiça. etc. através da inteligência e dos modelos. mais à frente. de consistência. à comunicação e à plasticidade (capacidade de gravar diferentes programas) do sistema nervoso central. portanto. Não é de se estranhar. Esse fenômeno se deve à porção adquirida da linguagem (nos seus conteúdos) e à porção inata (na possibilidade de construir infinitas sentenças) e. a hipótese de que. assim.) pareçam domínio das ciências humanas. Isso é parcialmente verdadeiro na medida em 334 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A arte da argumentação. pág. juntamente com os discursos. um “hardware” e a mente um “software” construído por regras.18 Linguagem as mesmas nesse mesmo período. Doutrinas econômicas rivais podem parecer matéria de opinião. objetos únicos − as teorias − que podem ser submetidas à verificação. adequação e plausibilidade. sociologia. capaz de dinamicamente polir e encaixar partes do processo. dificilmente podem ser objeto de generalização sob a forma de leis científicas. Porém. mas que serão formuladas com o avanço do conhecimento). que praticamente todos os fenômenos ocorridos do indivíduo mental para cima (psicologia. nas leis cérebro-mentais e na biologia evolutiva. O cérebro seria.Em que pese haver um série de componentes contingenciais e culturais numa porção de superfície da linguagem. refutação e testes de consistência. seres humanos. Essa condição de contorno ficará clara quando defender. Nós. do trabalhar com proposições supostamente falsas e dar-lhes. de maneira mais ampla. Os conteúdos discursivos são domínio das ciências humanas e. dependerá novamente do cérebro. podem ter. coerência. mudamos a cada dia. justamente a impossibilidade de enxergar no cérebro senão um instanciador dessas regras. um significado de verossimilhança. as formas que possibilitam o surgimento desses conteúdos são absolutamente dependentes da existência do departamento concreto linguagem e de desenvolvimentos dinâmico-analógicos posteriores do cérebro-mente. . economia. sua estrutura formal profunda repousa na capacidade prévia do departamento concreto selecionado no ser humano para gerar proposições a partir de símbolos primitivos e de regras. embora no nível cérebro-mental possa haver um critério que as diferencie quanto à verdade. algumas posições tratadas como matéria de opinião no plano das ciências humanas. construindo. capaz de agregar-lhes método e linguagens (algumas formais). Há então um elemento estrutural na linguagem capaz de permitir que alguns contornos dos discursos das ciências humanas sejam delimitados através do exame de leis cérebro-mentais (leis que ainda não existem. 18 Linguagem que tanto o cérebro. São. grande número de distúrbios lingüísticos. Condutas gerais. em parte. que não conhecemos exatamente e que devem se confundir com complexas operações das áreas devotadas à linguagem no cérebro humano. que o exemplo dado de um departamento inicialmente concreto e logo em seguida virtual explica. Quem pretender entender gíria terá que estar junto com jovens e com uma comunidade que use aquele termo para captar as regularidades e não as regras que definem o uso e o significado do termo. . são ainda mais difíceis de ser definidos através de regras simples. Porém. a pergunta acerca do significado de conceitos e de expressões estará na dependência da exposição a exemplos e submersão no universo dos seres habilitados a usá-los. não deixa de ter o digital como um caso particular. pág. não são elas as responsáveis pela formação da proposição. b) a capacidade de geração e articulação dos discursos. mas cumpre mostrar. cap. salvo algumas poucas palavras − aquelas aprendidas por inspeção direta −. quanto a gênese de cadeias se dá por símbolos e a gênese de significados conceituais e contextuais se dá por dinâmicas de regularidades. para qualquer pessoa como construir determinadas sentenças e ela responderá com algumas regras. o principal só será captado após uma submersão nos hábitos daquela cultura. de uma maneira clara. outras regras profundas. particularmente em áreas de linguagem (Broca e Wernicke). Pergunte a alguém como é ser fino e cortês em diferentes culturas e. usado por um leigo. Somos seres submersos em regularidades. Prejudicam-se assim: a) a capacidade de recepção dos discursos. Alguns merecem maior atenção. Pergunte. através do processamento analógico. então. Com os termos científicos esse problema é ainda mais crucial: o termo “depressão”. e vamos analisá-los em seguida. A idéia de que regras possam substituir a complexa operação cerebral na constituição dinâmica da proposição e do significado é parcial e insuficiente. esquemas de ação. Embora as lesões sejam mais es- 335 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero As patologias da linguagem são inúmeras. costumam gerar deficiências. c) a capacidade de compreensão dos discursos. o despachar e o integrar cada informação no cérebro. praticamente não tem sinonímia com “depressão” no sentido médico.Afasias Certas lesões cerebrais. embora se dêem algumas pistas sob a forma de regras. na verdade. Essa divisão de afasias (existem muitras outras) é extremamente elucidativa porque mostra a diferença entre o receber. Se re- gras superficiais há. apenas reforça a tese de que os departamentos virtuais têm intenso recrutamento de elementos vindos de pontos específicos. bem como dificuldades fonéticas. poderia ser entendida metaforicamente como uma espécie de “membro fantasma na linguagem”. A afasia de integração seria aquela em que há prejuízo de uma série de etapas de manipulação da informação. ou a uma espécie de demência. Assim. o sistema somente funciona em harmonia quando todas as portas estão operando. embora não tenhamos necessariamente que usar o canal expressivo ou receptivo da linguagem. embora a periferia sensorial ou motora possa ser apenas porta de entrada ou de saída do significado. sintáticas. no entanto. ressaltar que as lesões acontecem em pontos específicos. O diagnóstico não será feito jamais sem que se unam o aspecto mental − no caso. morfológicas. A afasia receptiva prejudica a compreensão da linguagem. Importa. mesmo em lesões periféricas. Isto prova que. pág. embora sem dificuldade para entender a palavra falada e com desenvolvimento intelectual normal. também pode-se retreinar uma série de funções. O discurso de uma pessoa com um tumor cerebral em lobo temporal (onde estão áreas de linguagem) poderá produzir uma perda de expressividade. A perda de capacidade intelectual. Os graus dessa afecção são vários. O termo afasia se presta a um uso muito amplo quando entendido como distúrbio na integração de certas funções mentais com nítida afecção cerebral subjacente. testes de aferição anatômica e funcional (ressonância nuclear magnética e PET scan − ou qualquer outra medida de função dinâmica cerebral). a motora. dentro de certos limites que estão exatamente definidos pela profundidade e extensão das lesões. o discuros do paciente − e o aspecto cerebral − normalmente. diretividade. Isto é. Isso. agudeza e inteligência no discurso. não há um critério tal que permita dizer que tal lesão (no lugar x) resulta tal deficiência (na função y). Podem ser dificuldades de alocação de certas memórias específicas. Importa salientar que até há alguns anos se consi- 336 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Um dado importante é que. cap. . sua articulação. semânticas e pragmáticas.18 Linguagem pecíficas. se por um lado há lesão e deficiência. reconvocar outras comissões.Dislexia Crianças podem apresentar dificuldade de leitura. ao contrário de mostrar que há departamento concreto. seu uso deficiente (que acontece em afasias) leva progressivamente a uma deterioração na manipulação mental do significado. O tópico é extenso e não poderíamos nos alongar. 7 SÍTIO DA MENTE A linguagem é um dos grandes artífices da mente e da cultura. Se carrega consigo a capacidade potencial de reconhecer a natureza proposicional de uma seqüência de símbolos. do estímulo visual e de outras estruturas envolvidas na compreensão da palavra lida. O exame da natureza proposicional ou não de uma seqüência não deve ser confundido com sua natureza verdadeira ou falsa. oscilações) numa certa região cerebral. e desde que a indicação de cada um. Henrique Schützer Del Nero Têm-se conseguido alguns resultados interessantes adotando uma variação na freqüência com que as ondas sincronizadas chegam a certos pontos cerebrais. em situação normal. torna-se virtual pela exposição ao meio. significados e discursos. deitar 20 anos no divã. desde que não se queira que um faça o papel do outro. Não é feita apenas na linguagem ordinária corrente. Nesses casos a boa construção não é apenas da sentença. quando tentarei mostrar a compatibilidade entre as drogas e a linguagem no tratamento das desregulagens. os problemas de linguagem são vários e já foram tratados em outros pontos. o problema parece estar ligado a uma dessincronização de eventos (códigos de bar ra. deixar a criança sem diagnóstico ou tratála com certas pedagogias truculentas (do tipo daquelas que recomendavam tapas na mão de canhotos). mas também através de outras como a lógica e a matemática.Nas desregulagens mentais propriamente ditas. Não dizem respeito a fatos concretos e verdadeiros. sem que para isso se tenha que culpar os pais. modelos e teorias carecem de um sentido extra que examine sua verossimilhança. Não é o caso de falar que teorias são verdadeiras pág. 337 O critério de verdade de uma teoria ou de um discurso se baseia em complicada operação intelectual. seja adequada. Dizem respeito a fatos possíveis e. Há uma anomalia anatômica que justificaria uma má integração. devem merecer cuidadoso exame para sabermos se são também plausíveis. portanto. ou de ambos. via sincronização. mas também do discurso.18 Linguagem derava este problema de fundo fortemente “psicológico”. Síntese cap. posteriormente deverá equipar-se para manipular regras superficiais da gramática. . Se não há problema com a verdade de sentenças que falam de objetos ins-pecionáveis diretamente − “isto é uma rosa ” − ocorrem dificuldades com sentenças que falam de hipóteses. Embora ainda exista alguma evidência nesse sentido. na recuperação dos indivíduos (psicoterapias baseadas na linguagem) será discutido em um próximo capítulo. O papel dessa linguagem. Discurso. Inicialmente departamento concreto exclusivo do cérebro humano. porteriormente. 338 3. e Marler. Cf. (1960) Word and Object. (1984): The Biology of Evolution and Language. o excelente livro de Alston. C. Sobre semiótica cf. A tese de que todos os significados pudessem ter sua gênese inicial na sensorialidade e na ostensão é empirista. São Paulo: Editora Cultrix. "Nada está no intelecto sem que antes tenha estado nos sentidos" é a máxima dessa corrente. a respeito Quine. "Language and Animal Communication: Parallels and Contrasts" in Roitblat. 341-382). (1994) The Language Instinct. cf. cf. Bloomington: Indiana University Press. Henrique Schützer Del Nero Notas acquaintance) é extremamente complexo. P. 2) Pinker. sabemos que aprendemos inicialmente por referência a objetos que nos são apontados. cf. O problema do conhecimento e da geração de significados por inspeção direta (knowledge by pág. com o racionalismo. H. MIT Press. para que possam ser corretamente manipulados pela linguagem. "salvo pelo próprio intelecto". É mais plausível dizer que alguém sofre de insônia porque seus centros cerebrais estão . P. embora se tenha agregado. ainda a respeito de filosofia da linguagem.(1984) Semiótica e Filosofia.18 Linguagem ou falsas. Sobre a comparação entre humanos e não-humanos em relação à linguagem. Os feixes de idéias de David Hume que surgiriam a partir da sensorialidade não são capazes de explicar o todo do pensamento e da linguagem. P. Porém. Cambridge: Harvard University Press. Eco. A tese dos empiristas é exatamente a via inversa do Positivismo Lógico de Rudolf Carnap que tentou purgar a ciência dos termos teóricos. 2. C. (1976) A Theory of Semiotics.SÍTIO DA MENTE 1. sensoriais ou observacionais. Evans. W. a obra monumental de Charles Sanders Peirce: Collected Papers of Charles Sanders Peirce editados por Charles Hartshorne e Paul Weiss. Textos escolhidos podem ser encontrados em Peirce. Nova Iorque: W. MIT Press (pp. há uma série de fatos lingüistícos que não podem ser explicados pela gênese da experiência direta através de ostensão. tranduzindo-os radicalmente a termos empíricos. 1) Lieberman. Sobre o surgimento de linguagem no cérebro humano. J. De uma certa maneira. (1977) Filosofia da Lin- cap. S. e Meyer. A designação de um objeto por ostensão não é capaz de capturar-lhe nuanças que carecem de uma estrutura inata e apriorista (que na minha opinião é o cérebro humano). Cf. "Isto é uma cadeira" teria a propriedade de iniciar o falante no conjunto de categorias ou conceitos subsumidos por "cadeira". Para as fontes. (ed) (1995) Comparative Approaches to Cognitive Science. U. Morrow and Co. que isto se presta apenas a confundir e relativizar uma situação tão grave. pode-se citar o caso da física clássica. literatura. Alexandre Koyré mostra que a física intuitiva é a física do ímpeto. (1983) From Folk Psychology to Cognitive Science: the case against belief. advém da educação precoce .contra-intuitiva . (org. no que concerne a mente. olhando para o céu. De modo geral há uma corrente que postula que há uma relação entre poesia. ainda a respeito do debate sobre apriorismo e empirismo na linguagem. Rio de Janeiro: Zahar Editores. Théories de l'apprentissage: Le débat entre Jean Piaget e Noam Chomsky. (1973) Études d´histoire de la pensée scientifique. Creio que há planos tão diversos em jogo. Cf. Paris: Ed. 4. Cf. MIT Press. Paris Gallimard (pp. A psicologia intuitiva. desde que explicitamente convencionados como tais. du Seuil. não garante qualquer relação com realidade e verdade. com o impulso. cap. julgamos que a Terra está parada. o desejo do movimento). Cuidado. O leitor deverá tomar cuidado.o cérebro humano. persiste situando-a como fenômeno nãofísico. O fato de supormos que a física clássica seja intuitiva. etc. se a teoria intuitiva erraria no caso da física clássica. A. grega e antro-pomórfica (a pedra se move porque transfiro para ela. é fato aceito por praticamente toda a comunidade científica e filosófica que estuda cérebro e mente. capaz de ter crenças e vontade. . quando.6. Stich. a respeito de folk-psychology. estão de fora desta análise. Todos os seus usos poéticos e metafóricos. A nãogarantia de verdade na teoria intuitiva advém de uma série de limitações.a que somos submetidos desde a infân- cia.) (1979) Théories du langage. pág. a respeito de teoria física intuitiva e clássica Koyré. fantasia e doença mental. Ora. A noção de pragmaticamente verdadeira ou falsa é uma maneira de tratar a verdade. e não a física heliocêntrica de Galileu e Newton. porque todas as considerações acerca da linguagem estão aqui circunscritas ao indivíduo que usa a linguagem com o fim de comunicar idéias e situações. 167-228). em que a verda- 339 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 5. M. Entre elas. embora intuitiva. A intencionalidade. trocando-a pela física antiga. o erro ainda persiste em se tratando da mente.18 Linguagem guagem. Cf. A existência de uma teoria mental intuitiva (folkpsychology) não explicitamente escrita. é o elemento central da teoria intuitiva: construímos explicações sobre o comportamento dos outros com base nos operadores intencionais ("Fulano fez isso porque crê naquilo outro"). S. mas subjacente à vida cotidiana. Esses últimos são apenas qualificações lingüísticas para atos e disposições de um corpo físico . porque essa teoria. numa determinada interpretação. Palmarini. R. 66-69).18 Linguagem de última ou essencial não existe. MIT Press. . como a da verdade essencial e a da verdade formal. entre outros. G. et. Deve-se a James e Peirce. "Abnormal Processing of Visual Motion in Dyslexia Revealed by Functional Brain Imaging" in Nature vol 382. cap.pág. Há outras teorias da verdade. mas apenas aproximações momentâneas dela. especificamente sobre dislexia. A. (pp.. Eden. Cf. (ed) (1989) From Reading to Neurons. Cf. (1992) Theories of Truth. 1996. 340 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 7. ainda. Kirkham. MIT Press. a respeito de afasia e dislexia: Galaburda. Cf. al. ao longo de milhões de anos.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. tal qual fosse um computador. integração e execução motora. formado por dois conjuntos de células . no entanto. algumas vezes. uma pág.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. Percepção e ação collegium cognitio 341 O cérebro humano é. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. entre os mamíferos. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. “quantidade é qualidade”. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 19 cializado na recepção de informação. Há na porção responsável pelo processamento. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. um dos números mais gritantes é o de encefalização . e. Henrique Schützer Del Nero A mente organizada cap. Isto mostra que. formada pelos neurônios. o outro dá suporte físico e sustento.um manipula e processa informação. Assim. Seu grau de complexidade. vai aumentando de acordo com a escala animal. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. basicamente.19 Percepçaõ e ação parte 4 . de decisão e de ação. sua fala é motora. Grande parte do problema da comunicação humana advém de uma assimetria entre os falantes: eu sou uma mente que procura expressar em palavras e em atos minhas motivações (ou dissimulá-las) enquanto que o outro é um aparato receptor. prestidigitação enganosa ou ciência do amanhã.)1 Na outra pessoa. cap. A empresa-cérebro comportaria. As três confundem-se de tal maneira que há muito da mente na geração de expectativas sensoriais e de planos motores. só podemos ver a ação ou a motricidade. a rigidez estática é motora (por ausência de atividade e hipertonia muscular). o que significa motricidade e percepção. Há um potencial de equívoco neste canal assimétrico de comunicação. a musicalidade e a ênfase da voz são motoras. por um instante. Será que o que não podemos acessar conscientemente nos bastidores da complexa operação cerebral é também mente? Não. (Há quem defenda que a mais difícil dualidade da condição humana não é aquela da relação da mente com o cérebro. somente se tem acesso à porção consciente da mente (ou passível de tornar-se consciente). fundamentais para o entendimento da mente e de sua aparição no cérebro humano. E assim mesmo. tanto faz chamála de mental ou de cerebral. a expressão corporal é motora. o olhar é motor (o que lhe confere expressividade é uma determinada gama de movimentos não perceptíveis).SÍTIO DA MENTE Imagine. Nossa empresa precisa de portas de entrada para todo e qualquer documento e de portas de saída para suas deliberações. Sensação e motricidade ou percepção e ação são as vias de chegada e de saída. decodifica minhas palavras e gestos. pág. o semblante é motor. se a operação é inacessível à introspecção. ao contrário do que possa parecer. mas sim aquela da relação do eu-mente com o outro-corpo. do sonho e da elaboração do futuro. assim. do devaneio. senão à sua própria. su-ponho. Henrique Schützer Del Nero A atividade motora e a sensorial são. Sem elas a mente faz parte do imaginário. bem como o sorriso 342 O problema da ação é fundamental. que. nosso interlocutor. Uma pessoa jamais tem acesso a qualquer coisa que se chame mente. criando uma imagem interna do significado da comunicação. as nossas conexões reais com o mundo. por- que não se ganha nada ao afirmar que a mente é uma operação complexa levada a cabo pelo cérebro.19 Percepçaõ e ação PERCEPÇÃO E AÇÃO . um corpo. as vias de chegada. A mente não é apenas um intermediário entre a percepção e a ação. o gesto é motor. na verdade o que pensamos ser esse acesso privilegiado de cada um à sua própria mente não passa pág.343 Num certo momento da história recente (início do século XX) tentou-se − através do chamado positivismo lógico ou Círculo de Viena − eliminar todo o apelo a entidades não-observáveis (não passíveis de teste sensorial e objetivo e de uso de uma linguagem pública de confronto). SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A única coisa objetiva neste mundo é a ação. Muito poucos aceitam haver mente por trás das ações de um robô. e assim sucessivamente. linguagem pública verbal ou corporal. Essa linguagem pública é o meio de se testarem e refutarem opiniões e teorias. teste e objetividade. o delito é motor. por trás dos atos motores do gato ou do cão. é ato advindo dos músculos corporais. A mente deixou de existir. testo e comprovo minha afirmação. ação final do sistema que realiza alguma tarefa. Tudo. no semblante que contrai de modo suave dezenas de músculos. quer produzindo sinais físicos. quer gesticulando. Há o cérebro e a mente. Esse paradoxo tem dois encaminhamentos. quer falando. acaba por ter no produto final motor sua expressão. pelo menos complexa. cap. exibindo em seguida a melhora motora: na linguagem que fala agora de outra maneira.19 Percepçaõ e ação e o choro. que pretende expressar nosso mundo mental interno. pouco confiável no que diz respeito ao contato público e ao uso de linguagens precisas de comunicação. A mente isolada em cada um de nós seria. na solidão de sua introspecção e sem a interferência dos outros. fundamental e objetivo é justamente aquela porção motora e comportamental de nossas mentes. Respondo que não acredito. porque sabemos que a maior parte dos discursos relevantes diz respeito a fatos não diretamente observáveis. Primeiro. Foi em vão essa tentativa. não há dúvida de que a mente é. tem acesso direto à sua mente. assim. Há mais entre o estímulo sensorial e a resposta motora do que se imagina. Imagine que uma pessoa diz ter um gato com três patas no quintal. A mente é uma eminência parda que se infere esteja por detrás desses atos. Quando afirmo que uma determinada droga age em tal função mental. a dúvida está dirimida. são na verdade os maestros de qualquer operação. Segundo. Comportamento observável nada mais é que motricidade. Pronto. não há sentido em esperar que somente o que é observável seja confiável. passando a ser apenas o comportamento (vertente positivista na psicologia chamada behaviorismo). Porém. Cada um de nós. no final das contas. inacessível. Passível de inferências. Curioso paradoxo: o que é público. de uma certa forma. Poucos supõem existir mente. e a pessoa me convida a ir até o quintal observar o gato. o grito é motor. que mais do que meros intermediários da informação que vem do mundo e para ele volta. no corpo que age de outra forma. . Não há como testá-la senão observando a ação-comportamento. a seu modo. de hipóteses. “Ver com meus próprios olhos” é uma expressão popular que retrata este estatuto intersubjetivo de comunicação. Um modo de olhar muda o sentido e a confiabilidade de uma frase e de uma atitude. seres públicos que se fingem privados e não privados que tentam. eles são comunicativos. cap. tal tivesse controle absoluto sobre si. comunicar o que há dentro de cada um. A ação motora é a via final de todas as operações mentais. é extensão da média de opiniões do público a que nos submetemos. Tudo isso é mente. porém. conjuntos de fatos interpretáveis à luz da linguagem sem que tenhamos consciência desses fatos. porém a maioria deles é mental. Podemos comunicar. Embora não se tenha a menor idéia de uma série de atos e percepções. pois ocorrem abaixo da consciência. Se por um lado não se consegue reduzir a mente ao comportamento. a mente que percebemos em nós. não queremos aceitar que o cérebro adoeceu. fica patente o quanto incorporamos o discurso da cultura e não a percepção do nosso corpo: apesar de percebermos o choro fácil. Tudo isso é coordenado pelo cérebro e faz parte do imenso arsenal de fatos que subjazem à comunicação humana. as noites insones e a falta de concentração. na esfera pública. é o único elemento confiável da cadeia.19 Percepçaõ e ação de uma ilusão criada à custa do aprendizado e da linguagem. No caso da aceitação da patologia mental. enquanto esfera objetiva e pública. Lembre-se do exemplo: supor que a mente é feita apenas da tela do computador e que não tenha circuitos por trás. contradições pequenas dentro da complexidade da comunicação interpessoal. A mente não é senão prefiguração da ação e da percepção. adquirindo mente graças às fôrmas prévias. o sistema precisa verificar todas as hipóteses para escolher uma para agir. pág. ela é moldada nos seus conteúdos à imagem e semelhança do mundo circundante. a despeito de não-intencionais. . cheia de idéias. também a mente sem esse comportamento não tem razão de ser. concepção inversa à que diz haver pecado por atos e pensamentos. através dos atos. Não há mente sem obras motoras. emoções e vontades e um produto final que é sua expressão motora pública. O ato. Somos só cérebro ao nascer. nesse sentido. como já vimos. não cabendo imputar-lhe culpa por pensar ou desejar.Está aí circunscrita a separação entre pensamento e ato motor. Henrique Schützer Del Nero Seríamos. Grande parte do poder de algumas pessoas de se sair 344 A esfera da ação (e portanto a esfera da motricidade) é mental. Porém. Uma mesma sentença dita em tons de voz variados tem diferentes conotações. Por isso. embora não se desgarre da mente que o sustenta e esta não possa ser totalmente explicada por ele. Nem todo ato é consciente. O sorriso que nega e o tapa que confessa a paixão são SÍTIO DA MENTE Somos ao mesmo tempo uma mente rica. Se pudéssemos explicar o todo da mente pelos atos e comportamentos o behaviorismo teria vingado como teoria psicológica definitiva. consciente ou não. supondo privada. Pense em todas as combinações possíveis dessa interação e em todos os potenciais acertos e equívocos que podem gerar. mas apenas às porções inteligíveis de seus comportamentos. ação e consciência Uma teoria da mente deve explicar os seguintes fatos: a) aparentemente. Por outro lado. . Dois sujeitos são capazes de: a) produzir fatos mentais conscientes e não-conscientes. Cada uma produz palavras. porque são uma expressão do que pensamos.Percepção. sentimos ou desejamos. conscientes ou não. Cuidado.19 Percepçaõ e ação bem numa série de relacionamentos repousa na capacidade de perceber os atos motores do outro que atestam. Alguém. c) ações não-conscientes. embora sem consciência. a mente surge como uma inibição à ação e uma seleção-amplificação da percepção. comunicamos uma série de informações que não percebemos e sobre as quais não temos controle consciente. b) 345 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Por definição. as ações são parte da consciência. De maneira geral. ainda que muitos deles ainda não tivessem explicação ou compreensão. como vimos atrás. porque a inteligibilidade pode confundir-se com a consciência. O fato. b) perceber. Assim. para onde se deve encaminhar o discurso. d) percepções conscientes. cada uma delas tem acesso apenas à parcela consciente da comunicação. através de ações. O sujeito que observa de fora não tem acesso a qualquer estado mental dos sujeitos que estão conversando. essa percepção pode ser consciente ou não. Imagine duas pessoas conversando. c) perceber e julgar conscientemente porções da ação alheia. d) perceber e julgar não-conscientemente porções da ação alheia. todos os atos seriam inteligíveis. que não é exatamente expressa. mas não são sinônimos. ainda. são também parte da não-consciência porque. b) ações conscientes. Assim se dá também com o outro. aquela que se dá no plano da inteligibilidade.3 pág. Um observador é capaz de: a) perceber conscientemente os atos inteligíveis que ocorrem entre os dois sujeitos conversando.2 cap. de que devemos conhecer as vontades do sujeito é relativo. e) percepções não-conscientes. outros atos entre ambos. inteligibilidade seria a qualidade daquilo que é passível de ser compreendido ou explicado. Grande parte da vida mental se dá nos seguintes planos: a) fatos mentais internos. Temos acesso apenas a uma parcela da comunicação. b) agir através de sua motricidade veiculando parte dos fatos conscientes (modulando o que se transmite ou não) e também veiculando parte dos fatos nãoconscientes. Há uma série de fatos motores entre elas. etc. pode dizer ou pensar ter vontade de algo e agir como se não tivesse. mesmo que não-conscientes. de uma maneira bastante confiável. e vice-versa. certa ou errada. gestos e entonações no discurso. pág. Grandes espor- 346 Nestes dois casos precisamos de aparatos capazes de integrar e balancear as informações sensoriais e. cotejando-as com estados prévios (com expectativas prévias) do cérebro. de maneira geral. gerar (ou inibir) ações. dado um determinado estímulo. o conhecimento e nosso poder de captar sinais ambientais (lembre-se do exemplo do maestro que. mais podemos designar circuitos tais que. Um bailarino não pensa em nenhum dos movimentos que vai executar em detalhe. entre as duas. como também há atos motores que. Não só há pensamentos. embora nãoconscientes. Para isso precisaríamos de muito pouca integração intermediando o estímulo e a resposta e.19 Percepçaõ e ação embora nossa ação e nossa percepção sejam muito amplas. têm outro aspecto na porção não-consciente. uma ligada às ações motoras e. Mas o sujeito da ação tem consciência de apenas uma parcela dessa mente. Podemos. Um indivíduo de excelente performance motora pouco faz em termos mentais para que haja graça e precisão em seus atos. pelo treinamento. podemos amplificar. apenas deseja fazer a cesta ou passar a bola. c) a inteligibilidade das ações pode ser muito maior do que imaginamos. apenas parte delas é consciente. qual seria a função desses atos motores na explicação da mente e por que escapam à consciência? À medida que adquirimos mente. vontades e emoções que podem escapar ao campo da consciência. precisaríamos pouco da mente. desde que tenhamos o devido instrumento para qualificar as ações conscientes. Quanto mais triviais as operações. Henrique Schützer Del Nero Vamos explicar estas três afirmações. dizer que há três grandes porções nos cérebros: uma ligada aos estímulos sensoriais (do mundo exterior e do corpo). tenhamos uma certa resposta. o aprendizado. Porém. ainda que se mostrem de uma forma na consciência. a porção de integração e processamento. também podemos adestrar uma série de funções. mais temos que decidir entre estímulos que admitem variadas respostas. mas apenas num todo. linguagem e comunicação. ou. as não-conscientes e aquelas que. a ação motora é silenciosa na mente. Na verdade. pelo menos. Mais ainda: não só o ambiente modela o comportamento. cap. portanto. percebe melhor as nuanças dos instrumentos). embora cheios de significado. mediário. comparado ao noviço em música. . Isso explica a lenta formação da mente como processo inter- SÍTIO DA MENTE Então. Também um esportista não pensa em cada músculo que deve ser contraído para que haja perfeição ao arremessar a bola. pouco faz do ponto de vista consciente. quanto mais complexo o meio. mas o próprio cérebro passa a ter uma função ativa sobre o meio.Do ponto de vista da ação motora. Assim. Ao contrário. podemos treinar movimentos até que se tornem tremendamente perfeitos. não são perceptíveis ou explicáveis por ela. se pensarem num ato motor (pelo menos durante sua execução). não seriam movimento.4 Poderíamos citar algumas hipóteses para explicar a função da motricidade na vida mental: a) a motricidade é o oposto da mente. temos ainda uma variada gama de ações não-perceptíveis e nãovoluntárias. embora haja grande massa de informações dispersas sobre o tema. Pois bem. complexas e conscientes. isto é. em: cap. Isso seria compatível com uma antiga observação de que existem algumas crianças mais motoras e outras mais cerebrinas. é hoje considerado atuante nas funções mentais. como no caso de controles finos de músculos. aceleração. que o papel da motricidade (e de uma certa forma também da percepção) numa teoria da mente seria descrita de forma a distinguir três ordens de ações: reflexas. o que está em jogo aqui é a possibilidade de que a mente seja uma espécie de função que aparece quando temos de abortar. 347 Como as ações motoras acontecem quase que totalmente fora do campo de consciência. bem como um grande trapaceiro. . não conseguirão quase nada na prática. também no adulto. Porém. tensão. b) a motricidade é uma porção não elaborada da mente.SÍTIO DA MENTE primitiva da mente (não formatada pela cultura). selecionar e modular as ações motoras. Todas as hipóteses poderiam ser defendidas. Henrique Schützer Del Nero Conhecer as nuanças dessas ações pode fazer de uma pessoa um tremendo negociador. Creio. treinadas e passíveis de serem objeto de decisão são “mentais” no sentido de não estarem pré-gravadas em todos os indivíduos da pág. a) ações reflexas: já selecionadas antes do nascimento e durante os primeiros dias de vida. O cerebelo. que comunicam muito. etc. O que falta é o esboço de uma teoria que explique por que temos uma parcela tão grande de ações motoras não-conscientes. Por ora. c) a motricidade é a porção As ações motoras seriam descritas. b) ações motoras não-conscientes: grande parte do controle da ação motora seria não-consciente e impossível de se tornar consciente. antes tido apenas como controlador motor.19 Percepçaõ e ação tistas e bailarinos contam que. c) ações motoras conscientes: na verdade seriam análogos motores. enquanto o pensamento é sua faceta mais nova. d) a motricidade é um análogo de mente primitiva. pouco se conhece a esse respeito. representam mecanismos rápidos e universais de proteção. no entanto. poderíamos dizer que todas as ações aprendidas. um contendor. inibir. a despeito de uma primeira oposição entre ação motora e ação mental. mas idéia de movimento e assim por diante. Nesses casos substitui-se a ação motora pela ação mental. assim. É fruto de um balanceamento de aprendizado. às vezes inconsistente com essas mesmas ações. O resto se passa no automático. e é formado pela linguagem e pelas suas regras superficiais e profundas. o desejo de iniciar a dança. o desejo de falar fino. seres ligados à ação e não à reflexão. Não há necessidade de consciência para que se processem ações complexas. com menor quantidade de consciência. cap. será reprimido por meio de alguma outra ação). etc.b) a mente somente teria função de intermediar a ação. essas ações requerem uma justificativa. Absolutamente não há regra geral para explicá-la. Essa é a parcela consciente da ação. guma ação sua: se agir em desacordo. uma razão. de valor e de motivos. uma série de pistas da razão processante interna. da história de treinamento e aprendizado de cada um. a despeito de ausência de intenção ou consciência. Toda vez que processamos ações complexas estamos informando. Henrique Schützer Del Nero a) somos. Se um ato motor reflexo é algo que acontece sempre. um discurso que as explique. um ato não-consciente motor é algo que varia de indivíduo para indivíduo. portanto. quanto também no modo de realização. Essa razão é uma regularidade e. para nichos artificiais). assim. pág. d) grande parte da mente continua a processar a informação tal fosse em ambiente natural e. de alguns de seus traços gerais. portanto. É o desejo de encestar a bola. através de atos motores. Porém. é: . não é descrita através de regras. vai lentamente se sobrepondo à intermediação neural e estatística (regularidades) uma redescrição parcial através de discursos de justificação. em todos os indivíduos de uma espécie. SÍTIO DA MENTE Parece que mantemos ligado o canal de comunicação não-consciente porque isso caracteriza a nossa mente e o nosso processamento básico de informação conflitante. Dependem. c) há uma supervalorização da mente à medida que nos afastamos do meio natural (e vamos para as cidades. A parcela consciente é apenas uma pequena idéia do movimento. O que parece estar em jogo quando se avalia quanto os atos motores comunicam. Esse discurso é apenas uma parcela das ações motoras.19 Percepçaõ e ação espécie. que se 348 e) a ação no ser humano se torna responsável e passível de ser chamada a justificar-se (não há macaco que seja chamado pelos companheiros para justificar ou explicar al- f) a parcela da ação que é consciente é apenas aquela que é passível de ser chamada a explicar-se quanto aos motivos. Assim. tanto na adoção ou não de certo comportamento. no final das contas. de treinamento e de avaliação de várias situações conflitantes. das circunstâncias. É uma rede neural que tem pesos de conexão e componentes diferentes em cada um dos seres humanos. um discurso sobre a ação e a percepção. normas. definida como intermediário complexo entre o estímulo e a resposta. da ação e da percepção. pág. está presente em qualquer animal. d) com a progressiva culturalização do ser humano. treinadas para um discurso de regras lógicas passível de justificar-se e defender-se. emoção. justificações e responsabilidade.SÍTIO DA MENTE a) cérebros de outros animais também aprendem e desenvolvem mecanismos complexos de intermediação entre estímulos sensoriais e ações motoras. uma parte explicável (justificável. do que propriamente como aparato de processamento complexo. cap. defensável). Pode inibir ou ratificar as ações motoras complexas cerebrais. a formação de um análogo da ação. e) esse plano engloba. mas alternativa valorada. é preciso traduzir as regularidades neurais do plano das ações aprendidas. que envolve valores.49). inibindo aquelas ações que violem determinados valores e ratificando as aceitáveis. Henrique Schützer Del Nero aquela parcela dos atos que esteja sujeito à redescrição através das regras lógico-lingüísticas e que seja passível de inibição ou ratificação (Fig.49 − A mente é apresentada como redescrição dos atos cerebrais complexos. que é a consciência. em graus crescentes de complexidade. então. c) grande parte das razões internas e intermediárias aparecem sob alguma forma na ação motora. Surge muito mais a reboque da justificação da ação e da aposta em certos cenários que requeiram responsabilidade. etc. Minha hipótese é que haja o seguinte cortejo de acontecimentos: . Por ser redescrição.19 Percepçaõ e ação transmuta em seus diversos análogos mental-lingüísticos: pensamento. b) a mente. 349 f) esse discurso capta. não é cópia. vontade. somente terá possibilidade de ser considerado ato mental (no sentido de consciência) Fig. Henrique Schützer Del Nero a) o cérebro vem ao mundo com um estoque de reflexos pré-gravados. da seguinte forma: . Uma vontade ou um pensamento conscientes que não são capazes de inibir ou ratificar a ação e a percepção são proposições (porque bem construídas). Infiel porque não é símile. mas são falsas. processa a relação entre os símbolos através de regularidades. de obediência e de responsabilidade. a consciência é uma representação da mente com a finalidade sociológica da adequação e da obediência. A relação entre a mente neural e a consciência lógico-lingüística se dá sob a forma de sincronização e memórias. Tudo se passa. então. cap. As proposições conscientes verdadeiras são aquelas que descrevem a capacidade da consciência de inibir ou ratificar um determinado curso da ação motora e da percepção sensorial. Pode. é apenas uma pseudo-representação lingüística. nem sempre compatíveis com uma biologia que 350 d) aparece. precisa aprender novas ações. A consciência processa a relação entre os símbolos através de regras. Esse aprendizado com base na experiência se utiliza do modo neural de relação entre objetos (do tipo redes neurais).5 pág. Uma empresa cuida da ação. c) diante do surgimento de normas de contato. assim. calcado nas regras de ligação entre símbolos (também eles mutáveis e sujeitos à influência do aprendizado. processando a percepção e a ação em situação complexa com a finalidade biológica da adaptação. uma nova complexidade que não é mais da ação ou da percepção. A mente. bem como ser capaz de inibir ações e percepções reflexas. mas apenas proposição falsa. novas percepções. assim. não caracterizando fato cerebral. assim. é preciso criar uma redescrição em símbolos e regras da ação e da percepção tal que se possa defendê-la ou justificá-la. Essa nova redescrição é consciente ou passível de se tornar consciente. inibir ou ratificar toda ação ou percepção inferiores. então. enquanto aparato complexo.b) diante do ambiente complexo. para que possa haver defesa dessa ação. distorcida porque submetida ao imperativo do valor e da adequação. A consciência seria. que se crie uma nova forma de discurso sobre a ação e a percepção. Sua função é criar um discurso sobre a ação e a percepção baseado no valor destas. assim. outra cria inventários da ação. fortemente baseado em regularidades. inteligência e valor). mas versão. mas do valor da ação e da percepção redescritas. imputáveis.19 Percepçaõ e ação Seríamos. de convívio. Essa complexidade exige SÍTIO DA MENTE Se a mente é uma representação do mundo. Quando não pode. Não são. uma espécie de dupla personalidade. não cópias. uma espécie de representação distorcida da ação e da percepção. A mente. Dessa forma. Um suicídio por uma causa civil ou por uma idéia é um fato aparentemente contrabiológico. que clama pela sobrevivência. pelo exame do valor da ação redescrita.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 351 Fig. A consciência civil pode inibir a fome em ato de protesto. . de se antepor à razão animal. inibindo circuitos de autodefesa. Não haveria necessidade de consciência se não fosse o estilo de interação que a linguagem e a sociedade requerem. Isso se faz pela linguagem e pelas normas. é preciso que cada indivíduo crie um análogo da ação e da percepção capazes de. por oposição ao processamento reflexo. percebe-se que a mente (enquanto complexidade cerebral aprendida e moldável) é um conjunto de operações complexas que integram a sensorialidade e a ação. enquanto código e inteligibilidade. cap. se realiza na consciência e é passível de ocorrer em outros meios: máquinas e sociedade. A Figura 50 mostra os patamares hierarquizados dos quais somos constituídos. a formação de uma sociedade exige que os indivíduos passem a ser constituintes de um novo organismo que deve sobreviver. após redescrição. assim como a convicção do papel religioso pode inibir o imperativo da reprodução e perpetuação gênica pela castidade. A lógica da sobrevivência do grupo social exige agora que se inibam e regulem alguns comportamentos individuais. À medida que aparecem as normas e o valor.19 Percepçaõ e ação reclama deliberações imediatas. Somente é eficaz quando capaz de inibir ou ratificar o nível inferior. e a partir de então dois níveis plenamente mentais: o da consciência individual e o da mente coletiva. o nível das operações complexas que podem por sua vez inibir o nível das ações reflexas. Essa integração se dá sob a forma de regularidades fortemente dependentes de treinamento e circunstância. propriamente dita. pág. isto é. serem valorados. Nelas não é apenas o conjunto das ações individuais visando à sobrevivência que é objetivado. A representação consciente é capaz. Esse análogo é a consci- ência. mas o conjunto coeso do grupo que se supõe mais adaptado.50 − Hierarquia de surgimento de processamento complexo. ou a mente. Nesse sentido. éticos e jurídicos daquele grupo. c) como o mental consciente é uma reinterpretação. ordem. porém. o consciente coletivo distorce. para desempenhar o papel de catalizador de relações em cenários complexos). de alguma forma. portanto. mais o ser natural se torna dever social. o consciente individual fala antes do coletivo).19 Percepçaõ e ação O esquema da Figura 50 explicaria: .SÍTIO DA MENTE b) o fato de que cada passagem de nível implica numa interpretação e. e) quanto mais ascendemos. na situação de perigo imediato. Isso confunde em lugar de esclarecer. não é nem a matéria cerebral nem a errônea natureza espiritual. mais o discurso do conhecimento se torna discurso de poder. é um código e uma interpretação. num outro plano. Substância única. dos argumentos e dos valores digitais de verdade. o discurso se desinveste de seu caráter de conhecimento e se torna opinião: quanto mais alto na hierarquia. abstração de seu meio físico de suporte e ênfase na sua característica de inteligibilidade. há um estreitamento de significação para se adaptar aos símbolos e regras da linguagem (semânticas e sintáticas) e aos imperativos morais. poderemos ter al- 352 d) quanto mais progredimos de baixo para cima. pelo concurso da linguagem. o mental fala antes do consciente. paradoxalmente. o consciente pode criar interpretações valoradas de fatos parciais e ligeiramente distorcidos do mental não-consciente (e isso se deve ao fato de que essa via precisa se adequar a certas coações da linguagem). é a natureza dos códigos e sua decodificação possível. g) para compensar isso. cap. Henrique Schützer Del Nero a) o fato de. mais se perdem os elos de causalidade e mais se acentuam os elos de significado. Porém. A isso chamo de monismo dos códigos ou de monismo criptográfico. as hierarquias responderem de baixo para cima (o reflexo fala antes do mental. pág.). É cerebral porque ali está sua gênese e sustentação. os modos individuais de consciência (e isso se deve a imperativos de poder. etc. h) como o ápice da hirarquia é não-cerebral (consciência coletiva) e como a base é cerebral. de fatos mentais que operam com regularidades. mais se encarcera o domínio do discurso na rigidez das sentenças. f) quanto mais caminhamos de baixo para cima. Se pensarmos na nossa empresa. presume-se que a mente (que está na interface entre o individual e o coletivo) não é cerebral. através da linguagem. numa ligeira distorção: o mental (complexo) pode criar variações desconhecidas dos limites normais para a espécie. mais analógico se torna o processamento (como vimos. a consciência (mente propriamente dita) é atividade burocrática. quanto a justificativa dos atos passados usam esses relatórios. A mente. Treinam-se. no que diz respeito à responsabilidade da empresa. Porém. assim. À medida que a empresa começa a operar dessa maneira. inicia-se um lento processo de adesão às regras do mercado. os novos rumos do público consumidor. funcionários e departamentos para fazê-lo. etc. soluções cada vez mais criativas e inovadoras. A empresa não transforma nada. apenas realiza a operação de ligar a uma dada entrada outra dada saída. Grosso modo. São. no entanto. se o cérebro é uma fábrica capaz de produzir um fantástico produto chamado comportamento (mente no sentido de operação cerebral complexa). de uma certa forma. . com o progressivo engajamento no mercado aparece a necessidade de fazer relatórios de todos os processos de dentro da empresa para que ela possa se defender de alguma acusação. mas também têm limitações inerentes à linguagem que usam. Tanto os cenários futuros. via departamentos concretos ou virtuais. se baseiam nestes relatórios. novas legislações. Além disso. é apenas o processo complexo de buscar. Esses relatórios são. A decisão consciente pode. Esses relatórios é que fornecem material para a consciência.19 Percepçaõ e ação gumas idéias a partir do processo descrito no diagrama anterior. então. a presidência é direcionada. a parte industrial é o cérebro e a parte consciente 353 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Uma outra imagem que pode ser usada é a de que. Com o tempo. assim. por coações mais ou menos explícitas. mudando-lhe algumas especificações. por uma pesquisa de mercado em que se avaliam a imagem da empresa. como também a consciência pode interferir nos processos de produção real. que de uma certa maneira espelham grande parte do pro- cesso real.Atenção: essa atividade burocrática é cheia de departamentos e a fábrica é cheia de máquinas. percebe-se que há a necessidade de processar um pouco a informação que entra porque as saídas podem ser muitas. a tarefa da presidência e dessas comissões de consciência. cap. como interpretações do processo mental em curso em outras comissões. e sofrendo determinadas coações do meio consumidor. Imagine que inicialmente a empresa se limite a repassar o que entra para a saída de acordo com uma regra prévia. elaborados enquanto se executam as tarefas mentais. Nele há uma determinada responsabilidade pelo produto diante dos consumidores. Não confunda o estilo de divisão em departamentos concretos da parte burocrática da empresa com a divisão de funções na parte industrial (ou na planta) da fábrica. estando todo o tempo monitorando o produto. então. As deliberações da presidência. a parte burocrática é a mente complexa. pág. inibir ou ratificar processos nos níveis inferiores. Tanto esse nível do mercado pode moldar. outros funcionários e comissões que os elaboram. Muitos fenômenos são independentes. Empresa só com escritório e sem produto e fábrica não capta a realidade da interação cérebro-mente-sociedade. é preciso que se entenda que cada nível tem algumas dinâmicas próprias. pág. nem por isso deixa de existir uma razão que interpenetra a hierarquia. Quando pensamos em hierarquias. ela deixa de ter relação com o cérebro. de uma certa forma. um estilo de gerenciamento da produção de ações e de percepções. porque no limite a mente é código. etc). porém. . Henrique Schützer Del Nero Nessa perspectiva. 354 Porém. Toda vez que há uma migração para as vias de redescrição valorada dos fenômenos (através da linguagem) no campo da consciência. na ação ou na percepção.19 Percepçaõ e ação − mente propriamente dita − é o conjunto de determinantes macro e microeconômicos da gestão (bem como das influências pessoais. entender que por vezes há atividades desacopladas ou ligeiramente estanques: uma festa de aniversário no departamento de compras mobiliza um série de fatos na estrutura gerencial e não tem relação com a parte industrial. Embora seja difícil perceber qual razão é essa. e não de discurso de opinião e de poder. seu enfoque é neurológico. a mente e a consciência são. para entender a codificação genérica de qualquer fato mental consiste no entendimento de como cérebros codificam mentes e mentes codificam consciência. Modulam e coordenam estes dois. e assim sucessivamente. (e portanto é possível fazê-la aparecer nas máquinas e em outros fenômenos cul- SÍTIO DA MENTE A única fonte de discurso de conhecimento. cap. ou quase. não tente explicar todo comportamento social em termos individuais. de que. turais). certamente não se deve pensar que.Convém avisar aqueles que hoje se encantam com o estudo de técnicas gerenciais válidas para qualquer produto. sociais. através disso. continuam as atividades gerenciais. ou desregulagem. pode-se. Por isso. é preciso conhecer a fundo as etapas do processo de manufatura do produto cérebro. Visto isso. nem todo comportamento individual em termos neuronais. tem como resultado final uma alteração no produto: isto é. se há uma certa independência dos níveis. quando esta afecção se resume aos níveis apenas de reflexo ou de processamento não-consciente (mental porque complexo e passível de ser moldado pelo aprendizado). para entender o gerenciamento da empresa mente. Até o momento somente conhecemos um aparato físico − o cérebro − que manipula um código especial − a mente. Mais ainda. Porém. poderíamos dizer que toda afecção. a afecção é psiquiátrica. nem todo comportamento neuronal em termos de herança biológica. Às vezes há uma greve dos operários e se interrompe a produção de fatos motores e sensoriais. b) ocorre um escape na interpretação consciente de fenômenos motores e perceptuais. auditiva. De maneira geral são eles a marca fundamental da desregulagem mental-psiquiátrica pura sem afecção pág. Normalmente agressivos e explosivos. Se o distúrbio atinge principalmente a via que segue do consciente para o mental-complexo. tendem a sofrer de um retardo da ação corretiva e inibidora da consciência. recomendam-se terapias de adequação comportamental e reeducação. Os pacientes costumam reagir bem a medicamentos que competem com os receptores dopaminérgicos dos neurônios de alguns circuitos cerebrais. c) ocorre uma anomalia na gênese e planificação de atos motores pelo nível consciente. e a segunda o canal de tradução do fato neural complexo em proposições). O caso b) é exemplificado pelas alucinações de qualquer natureza (visual. paralelamente. o problema tende a requerer “terapias” políticas. De uma certa forma há também mau funcionamento das partes mentais complexas e da interpretação posterior. .19 Percepçaõ e ação Se concorrem fortemente elementos essencialmente da alça que vai do mental-complexo para o consciente. SÍTIO DA MENTE O caso a) é exemplificado pelas anomalias de controle do impulso. cap. de uma certa forma. etc). os distúrbios mentais são. Se o distúrbio ocorre na alça que vai da consciência coletiva para a individual. a primeira a sede do mental. o distúrbio precisa. não se é capaz de rotular determinado fenômeno como fantasia ou engano. ideológicas e até mesmo desestabilização de certas ordens estabelecidas. de abordagens através da linguagem (psicoterapias). Muitos dos distúrbios do lobo frontal costumam estar relacionados com esta anomalia de tipo c). Se o distúrbio afeta a alça dirigida da consciência individual à consciência coletiva. O caso c) é mais difícil de retratar porque envolve uma série de planificações conscientes e geração de metas.Dessa forma há algo de perceptual e motor nas pato- 355 Como toda redescrição ou interpretação. o distúrbio tende a ser endógeno. Nessas situações interpreta-se como estando no campo perceptual um objeto que de fato não está (pode ser até mesmo um discurso completo. distúrbios da consciência e da linguagem (porque seriam. ou tende a ser tratado através de drogas. como vozes que dizem coisas ou que têm tom imperativo). Henrique Schützer Del Nero Anomalias da percepção e da motricidade logias mentais quando: a) ocorre um escape motor ou sensorial sem a devida correção consciente. em que há explosividade e comportamentos imotivados. Ocorre uma falha no processo consciente. de impressões e de fantasmas. se há. de regras e de lógica). assim. como se fosse teoria que busca plausibilidade e coerência. particular e biográfico. ficando as regularidades que espelham o processamento neural complexo perdidas no nível de baixo e aparecendo escondidas nos comportamentos e nas ações motoras − os enganos aparentemente sem intenção. porque complexo. a interpretação do fato infra-consciente através da interação lingüística faz papel semelhante à construção de te- orias científicas. simplesmente. como poderia agora descortinar-lhe a estrutura? Porque a linguagem não é apenas a coação isolada da proposição. como na ciência. Então. ganho pela valoração e pela possibilidade de inibição ou ratificação. a porção do discurso não devidamente capturada pela linguagem intencional-consciente. e outros fenômenos denominados parapráxis. por um lado. O discurso consciente é excessivamente contaminado de pensamento (portanto de linguagem.19 Percepçaõ e ação primária de regiões neurais não-conscientes. de uma certa forma. . hipótese. Assim. É interessante notar que. mas com uma hipótese geral do fato individual. Vemos no campo da consciência. Refazer o possível trajeto de um objeto relativamente anômalo pode reconstruirlhe a razão embasante. uma série de nuvens de sentimentos (difíceis de descrever).A observação destes fenômenos intencionais mas ocultos (se é que se pode falar de uma vontade nãoconsciente) tende a explicar grande parte das razões ou regularidades silenciosas à consciência ou que nela brotam apenas como intuições vagas. cap. pág. os lapsos. o que subjaz às nossas decisões resultantes de processamento complexo pode passar dissimulado nos atos. de intuições (difíceis de explicar). Seria absolutamente impossível inventariar todos estes casos aqui. Chegamos a um aparente contra-senso: se a linguagem poderia ser insuficiente para redescrever um objeto complexo. Pelo exame do discurso. mas. coerente e válido. no entanto. o que ocorre na interpretação consciente é uma perda de informação. A boa psicoterapia é. De uma certa forma as intuições têm muito dos vestígios − que emergem na consciência − de algo que se dá de maneira complexa no plano neural-complexo. vítimas do estilo neural 356 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero O discurso que transita na consciência é mais lingüístico-lógico e calcado em regras. apenas o rótulo de plausível. São eles as parcelas que não conseguem ser descritas pela linguagem e pelas regras. não tendo sentido agregar às suas asserções o rótulo de verdadeiro. mas ainda assim brotam. Por vezes é desconsiderada por não ter compromisso com uma ciência geral da vida mental. há também perda de alguns elementos. mas o todo consistente e inter-relacionado do discurso. sem que o sujeito tenha consciência ou controle disso. aí repousa a possibilidade de a interação psicoterapêutica acessar o reprimido-censurado ou. possibilitando o acesso às motivações profundas. Embora seja criatura frágil em uma série de quesitos (força. assim. São apenas peculiaridades de cada departamento. 357 b) sempre há quem queira. quando falamos de ação e percepção. uma consciência acessória que pode redescrever o redescrito (o que é trazido pelo paciente). É preciso ter cuidado. muito a dizer desde que se ache a linguagem certa e o sistema adequado de abordagem. velocidade. com uma linguagem linear e típica da consciência. muitas vezes sem maior valor explicativo. O preceito da plausibilidade. na verdade. A percepção visa à escolha de parceiros para a cópula ou para a formação de grupos. portanto. tendo. tende a abandonar. a segunda é irracional. que. Também o fato de que há fenômenos inexplicáveis em cada nível deve ser entendido como processamento autônomo. portanto. ou supervalorizar. . concreto ou virtual. no seu dever de justificação. dotado de mente e de consciência. sonhos inclusive. também certas idéias e intuições não têm nada que ver com o mundo ou com a realidade. sua percepção visa ao reconhecimento do inimigo e à busca de alimento. explicar estes fenômenos através SÍTIO DA MENTE Enquanto a primeira atitude é saudável e enriquecedora. A ação visa ao estabelecimento de alianças com o grupo para que se possa defender de uma série de intempéries. Henrique Schützer Del Nero A consciência. pág. cap. com a interpretação de qualquer ocorrência bizarra. Sua ação visa à manutenção de sua linhagem genética e à sua defesa. Da mesma forma que temos uma festa de aniversário no departamento de pessoal e o sabor do bolo comido não tem nada que ver com a linha de montagem. O analista é. ainda assim é feito para interagir. devemos estar atentos a duas coisas: a) esses atos podem ser resíduos não encarcerados pela linguagem de processamento neural de experiências. Por trás deles pode haver censura ou apenas pane nos filtros que transferem informação do módulo complexo para o consciente. Escolher entre uma e outra é tarefa da razão e da coerência. Saliente-se então que. O ser humano tem uma mente-consciência que se junta à mente-complexidade. que nada comunicam acerca do processo mental como um todo. coerência e uma certa dose de ceticismo devem estar todo o tempo norteando esse processo. quando excessivamente despreparada.Se no plano da observação dos comportamentos vemos uma série de atos não-conscientes. os vestígios do processamento neural subjacente. chamam a atenção pela constância. estamos falando de um organismo que.19 Percepçaõ e ação de processamento de regularidades experienciais e significativas numa ordem de redescrição através da interpretação. de um apelo mágico e irracional a entidade ocultas. quando excessivamente lógica. Nesse caso usam-se remédios. na ausência de objeto externo próprio. mas para aceitar. A anomalia motora pode aparecer tanto nas paralisias de fundo “emocional ”. sitia-se a espécie e a labuta natural que nos dotou de um meio de formação de elos sociais. como de hábito. inibe ou corrobora a versão que lhe chega do processamento complexo. Não o fizeram por meio de mera cópia. a percepção tende. então. pela comunicação. Nesse sentido.19 Percepçaõ e ação tempo de dependência da mãe) pode. não é mais anomalia da percepção. Se mente for entendida como processamento complexo e não previamente programado. corrigindo-lhes a rota. não para gerar. porém.SÍTIO DA MENTE Ação e percepção são as portas de comunicação da mente com o mundo. odores. quando não inibida pela consciência. tanto mais se sobe rumo à consciência. Quando disfuncionante em níveis primários. imagens. através do filtro da linguagem e da memória. a criar a sensação de sua presença. que envolvem conceitos perceptuais. . Além de dirimir dúvidas. então animais têm graus progressivos de vida mental. um misto de fato cerebral e uma forte 358 A consciência seria. Há. pelo concurso da linguagem e da formação de sociedades. não para perceber. solucionar (através da retirada de ambigüidades que impeçam a solução trivial ou a convergência da solu- Os distúrbios da motricidade e percepção podem ser inúmeros. a consciência se tornou uma versão valorada e significativa da ação e da percepção. mas sim do juízo e da coerência no discurso. pode representar alteração do processamento complexo ou da consciência valorativa. a ação e a percepção. Presentes nos animais. interpreta-as. Quando essa mente se encanta consigo. de tal sorte que à ação presumida ou à percepção presumida viesse a se juntar um discurso consciente. deve-se estar atento à possibilidade de pensamentos anômalos utilizarem-se de objetos perceptuais. uma redescrição valorada do que o processamento complexo gerou como ação ou percepção possíveis. pág. Nesses casos. como também nas anomalias de controle do impulso. estabelecer grupos coesos e solidários. gerando sucesso a qualquer preço. tiveram de criar redescrições de si próprias. Henrique Schützer Del Nero Síntese ção para um atrator) aquilo que não pudesse ser suficientemente processado no nível complexo. Pode-se alucinar com vozes. mas para inibir. tornamse complexas à medida que nos aproximamos do ser humano. criando com eles um discurso delirante que se parece com a alucinação. cap. Daí sua característica de ser “livre ”. Porém. já complexas. mas sim. Em vez de ser mera cópia delas. A violência. Da mesma forma “Eu posso ou quero ir a Marte”. mas uma série de promessas irrealizáveis) é pseudodiscurso. Madri: Alianza Editorial. 2) Ito. (1972) “Content and Consciousness and Mind-Body Problem" in The Journal of Philosophy vol. al. (pp. Oxford University Press (pp. (ed) (1993) Brain Mechanisms of Perception and Memory: from neuron to behavior. Não se pode compreender a trajetória de uma pedra que cai pela força da gravidade. ainda que dentro de certos limites. 1996. K. acabando por engendrar uma burocracia autônoma.SÍTIO DA MENTE Notas 2.LXIX.19 Percepçaõ e ação herança biográfica e cultural. a mente que já era complexa torna-se consciência para justificar seus atos e percepções. Cf. 482-483). Explicar 4. porque temos uma mente que também é capaz de sentir algo semelhante. Grande parte do discurso do poder e da religião ( não no tocante a uma fé sem objeto. não mais diretamente ligada ao mundo dos sentidos e da motricidade. M. pode-se explicá-la. A diferença entre compreender e explicar está na base de uma divisão aparentemente irreconciliável entre a mente e o cérebro. a respeito das funções cognitivas do cerebelo 1) Barinaga. A idéia de que haja uma inteligibilidade mental não acessível imediatamente à consciência. Compreender significa estabelecer uma relação de semelhança e empatia. T. proferido por um político mentiroso: “Eu quero o seu bem. Cf. associada à assimetria dos sujeitos da comunicação é o que garante. Henrique Schützer Del Nero 1. Imagine o discurso. M. 5. G.: "How Does the Cerebellum Facilitate Thought?" in Ono. Por isso. .” É falso porque infringe a ação. pág. et. eficácia às chamadas psicoterapias de base hermenêutica (interpretação/decodificação + enriquecimento de conexões analógicas no encaminhamento da compreensão de conceitos e solução de problemas). (1980) Explicación y Comprensión. A diferença entre compreensão e explicação é fundamental aqui.: "The Cerebellum: Movement Coordinator or much more?" in Science vol 272. ou entre a cultura e a natureza. number 18 significa estabelecer uma rede conceitual capaz de prever e refutar certos desdobramentos do elemento explicado. 359 3. mas voltada para si através da reflexão. a respeito von Wright. porque cheio de proposições falsas. Gunderson.651-658). cap. Pode-se compreender o relato de alguém que diz sentir medo de morrer. basicamente. Isto mostra que. tal qual fosse um computador. no entanto. vai aumentando de acordo com a escala animal. Memória collegium cognitio 360 O cérebro humano é. algumas vezes. integração e execução motora. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. uma pág. Assim. Seu grau de complexidade.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. Há na porção responsável pelo processamento. ao longo de milhões de anos.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. entre os mamíferos. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural.um manipula e processa informação. e. Henrique Schützer Del Nero A mente organizada cap. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. um dos números mais gritantes é o de encefalização . formada pelos neurônios.20 Memória parte 4 . o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 20 cializado na recepção de informação. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. o outro dá suporte físico e sustento. “quantidade é qualidade”. formado por dois conjuntos de células . a memória está essencialmente ligada à mudança de determinados padrões face à experiência.20 Memória MEMÓRIA . mas não é só o traço. no presente. O que é a memória? O traço na árvore. Essa definição e esses mecanismos são tão amplos que praticamente tornam o conceito aplicável a qualquer domínio. Fala-se desde memória no sistema imunológico (as células de defesa se lembrariam de agentes agressores já conhecidos) até memória cultural (um conjunto de fatos preservados que caracterizam a identidade histórica).Enquanto fato biológico. quaisquer pedaços da cena da marca na árvore e eventos posteriores são candidatos a ser interpretados como partes de um processo retratado genericamente pelo conceito de memória. A pegada deixaria informação para que. é um dos elementos essenciais para se entender a vida mental. pág. se pudesse saber algo do passado: o fato de SÍTIO DA MENTE alguém ter pisado naquele lugar. natural ou artificial. Tempos depois você passa por ali e. interpreta o código como veículo da seguinte informação: o último e o primeiro devem ser apertados três vezes. Portanto. presente ou passado. Nesse contexto entra o código. inferir algo que se situa no passado. Não é necessária muita coisa para falar de seus mecanismos: basta que uma proteína altere sua configuração para se poder dizer que há uma marca da experiência e. Passo numa árvore e deixo escrito: 909090. de uma certa maneira. uma pegada no chão é memória: mecanismo pelo qual se pode. o código que relaciona 9 a Z e O a A ou a interpretação posterior? Tudo. É um mensageiro do tempo. é sobretudo sua inteligibilidade. vendo aquilo. Um fóssil é memória na medida em que permite a retirada de uma variada gama de conclusões acerca do passado. No cérebro humano. Imagine que eu e você temos um código para certas situações. volta para casa e aperta a última letra do alfabeto de seu computador.. apareço do outro lado da linha telefônica. Da mesma forma. ao lado da consciência e da linguagem. São muitos os sentidos e as instâncias do conceito. Henrique Schützer Del Nero D iferentes formas de memória estão presentes no domínio da natureza e da cultura. 361 Seria bastante fácil defini-la como qualquer marca estrutural que carrega consigo uma codificação do evento tal que permita a atualização deste no futuro. três vezes. no instante futuro. depois a primeira. e. cap. portanto.. a marca deixada. ZAZAZA. um elo futuro de reconhecimento do passado. que certas séries matemáticas tenham memória. De uma certa forma tem a possibilidade de incrementar a efetividade de ligação entre dois neurônios. Essa.20 Memória Essa característica permite que circuitos elétricos se comportem como memória. Em seguida. o código e o intérprete. na sua amplitude (tamanho dos mesmos)1 e na efetividade com que o potencial se transmite para a célula seguinte. então. neuromoduladores. fato que deve 362 O cérebro humano utiliza uma série de alterações estruturais para gerar traços de memória. podem ser considerados como fechaduras. que certos eventos sejam memória. observa-se Outros elementos que devem estar relacionados à memória no cérebro humano são os moduladores de ação sináptica (hormônios. ao contrário do que muitos apregoam.Memória e traço A alteração de amplitude é um dos mecanismos mais rápidos de processar memória. O processo é tão geral e amplo que permitiu desde a construção de computadores até a forja de uma identidade cultural. Henrique Schützer Del Nero Todos os traços − como a marca na árvore − são inteligíveis. Essas alterações podem se dar na freqüência dos potenciais de ação. cap. como vimos. Produzem-se mais ou menos receptores e com formas variadas. porque implicam mexer nos genes de dentro do neurônio (via mensageiros) para que se altere o “mix” de produção. fenômenos de mais longo prazo. também algumas “substâncias” internas podem amplificá-la e gerar eventos que colaborem nas alterações de estrutura que subjazem a ela. depende basicamente de que se empreendam alterações nos receptores do segundo neurônio. pode perfeitamente sinalizar como memória imediata. aquela que diz respeito à efetividade da conexão entre dois neurônios. dificilmente há remédio para a memória. Contudo. dessa maneira. . A terceira alteração. Vamos. etc). Da mesma forma que algumas drogas apagam ou prejudicam a memória (como o álcool). As alterações de receptor são. pág. desde que haja um receptor hábil para decodificá-los. Aumentando-se a quantidade de fechaduras e a facilidade de encaixe das chaves (neurotransmissores) aumenta-se a eficácia da ligação. embora aparentemente ligada à codificação. examinar as três etapas cruciais do processo: o traço. SÍTIO DA MENTE Esses receptores. a alteração de freqüência de conexão (código de barras). etc. na verdade.20 Memória ser ressaltado sempre. A primeira. arrumando. pág. da saudade de coisas antigas. para fixar definitivamente a informação. Além disso. funcional mas não suficiente. cap. etc. São as lembranças desse tipo (também chamadas “memórias antigas”) que povoam a vida mental das pessoas idosas. Por outro lado. Se não for dado um comando de salvamento para que elas sejam gravadas no lugar adequado. é aquela quase perenemente gravada. . humor. Assim como não há muita informação numa pegada na areia.2 Entender a relação entre a memória de curto e a de longo termo é vital para a compreensão de algumas peculiaridades do cérebro humano. ou logo após desligarmos. diz a interpretação psicologista apressada. A memória de longo termo. Menos capazes de gravar fatos novos na modalidade curto termo. Se não se der um comando de salvar (“save”). também uma simples alteração de receptor ou de conexão entre neurônios não é suficiente para ser chamada de memória. Se o computador for desligado antes de se salvar o arquivo. simplesmente aquilo vai embora. corrigindo. Os diferentes tipos de traço e os locais envolvidos no cérebro são responsáveis por variadas subfunções mnêmicas: por exemplo. Se demoramos um pouco. mas simplesmente recrutam as memórias mais bem gravadas e distribuídas. distúrbios secundários motivados por alterações na atenção. O texto. os mais velhos evocam constantemente o passado remoto (longo termo).SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero O leitor deve estar familiarizado com computadores. ou ainda na força da conexão sináptica entre os neurônios são como “pegadas” que deixam informação para posterior reconhecimento. vão-se escrevendo coisas na tela. Ao contrário do que Esses conceitos vão nos ajudar a entender uma série 363 Cuidado para não pensar que a memória é um ente já intrepretado. ele desaparece da consciência. ou se acabar a luz (tremendo azar). adeus trabalho. eles não são vítimas da melancolia. enquanto somente na tela. Quando se está trabalhando num editor de texto. recrutável a qualquer instante. está numa forma chamada memória de trabalho ou memória RAM do computador. basicamente. Importante: não seria possível salvar diretamente no local seguro (a não ser que se estivessem fazendo cópias de arquivos já prontos). Ela é capaz de armazenar provisoriamente as informações. a memória de trabalho (RAM) é apenas um intermediário necessário. é a que se usa quando vamos fazer uma ligação telefônica e guardamos o número de cabeça. o trabalho não é gravado no disco rígido ou no disquete. ao contrário. grande parte de seus distúrbios são. como já foi dito. por exemplo. Alterações na freqüência ou na amplitude do potencial de ação. há uma memória de curto termo e uma de longo termo. Quando pergunto a um indivíduo o que fez ontem à noite. idem. É ali que se dá a capacidade de guardar um número de telefone enquanto se está discando. O primeiro provocará problemas sérios de adaptação porque vivemos de usar memórias constantemente estocadas (por exemplo. bem como nos mecanismos de busca dos antigos. pág. Enquanto no computador cada informação está num endereço (ou local) preciso. e alguns internos. entram no cérebro. tal fosse a tela e a memória RAM do computador. estou pedindo que tenha consciência de um fato passado. há uma distinção fundamental entre a memória humana e a memória do computador. porém. cap. Estando distribuídas. uso de algumas drogas (como os calmantes) e de tóxicos. isso não ocorre. Passado algum tempo. Os fatos externos. o circuito do hipocampo. concomitantemente. Quando não gravamos os fatos recentes. por decorrência. etc. No cérebro.). mormente na idade avançada. a consciência do episódio e sua memória. ficando alojados por algum tempo na memória de trabalho (ou de curto termo) situada principalmente no hipocampo. é mais sensível ao envelhecimento. como se tivesse sido gravada no disco rígido de um computador. o indivíduo ao tentar fazer um troco não se lembra de quanto lhe foi dado). porque o indivíduo não terá acesso a informações im- 364 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Isso tudo chama a atenção pelo grau de entrelaçamento e dependência da memória e das outras funções mentais. O segundo. é fato que nos dias de hoje quase todo mundo entende de computadores.É raro haver perda de memória antiga. Ao não se conseguir reavivar uma lembrança. Perdemos milhares de neurônios todos os dias. pela ação do interesse. Tornou-se mais fixa. atenção. e nem por isso se perdem as lembranças antigas e bem fixadas. somente com lesões amplas ou perdas maciças de substância cerebral elas se perderiam. degeneração de hipocampo (por doenças vasculares. Porém. perderemos uma série de arquivos. reforço. particularmente a consciência. Se lesarmos o disco do computador. o que está no hipocampo não é enviado de maneira correta para os arquivos definitivos. ainda que seja uma lesão minúscula. ao contrário. Além de ocorrer com freqüência no idoso. isso também se faz presente em casos de intoxicação alcoólica.20 Memória de coisas (embora cérebros sejam muito mais antigos que computadores. Articulam-se. de mentes). ocorre um “salvamento”. Ao contrário. mas continua desconhecendo qualquer coisa fundamental acerca de cérebro e. gravando-se a informação de maneira distribuída em vários pontos do cérebro (longo termo). pode haver problema na gravação de fatos novos. temos um problema no mecanismo de “salvamento”. importância. a memória humana de longo termo está bastante distribuída pelo cérebro. ferem-se dois pilares da vida mental: continuidade e unidade. que se comporta como porta de entrada. . pode romper a própria identidade.20 Memória prescindíveis na sua orientação e no reconhecimento de sua identidade − são indissociáveis. Passado algum tempo. cap. pensou ou ouviu. num determinado momento. cada um continua sempre sentindo a unidade de pessoa. dores agudas. Nos quadros emocionais extremos o indivíduo age normalmente. ficou dias numa UTI entre a vida e a morte. Como não conseguisse colocação em sua área de trabalho (se não me falha a memória. Um outro “eu” assume o controle do comportamento. Não tinha muita lembrança dos episódios da crise.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Esse tipo de evento pode aparecer em situações de dor intensa. Isso ocorre nos quadros dissociativos (também chamadas de psicoses histéricas) e em grau menor em variados estresses emocionais. a perda total de lembrança e o comportamento em total desacordo com os padrões representam graus extremos. Conversava com as visitas como se estivesse dentro da normalidade. embora com ar de autômato. acidentes. A mãe não arredou pé da sala de espera. apresentava quadro emocional exacerbado com componente de confusão e desorganização do pensamento. mesmo num sofá improvisado. para fins de funcionalidade. acabou por aceitar emprego no necrotério. etc. . o fato de estar gravado e o de ser passível de resgate − gravar mas não resgatar pode trazer quase tantos problemas quanto não estar presente. finalmente. não se lembra de nada. pág. e da mutação do corpo. contou-me. malgrado a diversidade de sua história. Quando o quadro remitiu. A mãe jamais teve lembrança de grande parte do episódio. pude perguntar o que se passara. O filho. perturbar a navegação no tempo e no espaço (“não sei que caminho fiz para vir até aqui. podem aparecer alterações da vivência do “eu” com dificuldade de integrar o passado num todo único que corresponda à identidade. A perda de lembrança dos detalhes é o mais comum. era sorveteiro). do que falou. A despeito do fluxo do tempo. Antes. A criança acabou por se recuperar. em um episódio de intensa dor emocional. Perguntei-lhe se não se sentia mal com seu novo emprego. Em algumas situações primárias ou secundárias de distúrbio. nem em que mês estamos”) e. Tinha de levar os corpos por um túnel subterrâneo que liga alguns prédios contíguos (realmente um lugar tétrico). Tinha sido trazido pela polícia por estar violando túmulos num cemitério próximo. embora visivelmente cansada e prostrada. Indagado algum tempo depois sobre o que se passou. Respondeu. ainda pequeno. engendrando comportamentos potencialmente patológicos. Iniciado o tratamento. Certa vez. teve esse tipo de comportamento. desenvolveu o quadro. tinha ficado desempregado por muito tempo. perdas. atendi um paciente no hospital da universidade. dormindo ali 365 A perda de memória pode. com Uma paciente. Perguntam-me quem é o presidente da república e sei responder. Algumas outras distinções clássicas para tipos de memória são: explícita x implícita/ procedimento x declaração/ semântica x episódica. valorando-os.SÍTIO DA MENTE Se a consciência é palco onde se desenrola a ação mental. a memória é a protagonista por excelência. possa se tornar mente consciente. em seu processo de contínua atualização. na verdade. fica claro que há três características para ela. ao contrário da memória semântica. outras se lembram pág. os processos complexos que se passam abaixo dela. embora sem consciência de uma série de etapas do processo. seja de curto. Claro que ligava. seja de longo termo. Chama a atenção o fato de não sabermos se a afecção é primária da memória. etc. que a formatam e atualizam de tal sorte que a mente. A consciência-estado diz respeito às sensações experimentadas num dado instante: o gosto da maçã. acabarão por afetá-la. A memória explícita é aquela que me permite saber que sei. Henrique Schützer Del Nero Outras classificações para tipos de memória cap. Finalmente. Nem sempre é consciente e pode não ser descrita por regras (como resolver uma equação do segundo grau) ou por regularidades (como rebater uma bola no jogo de tênis). nem ligo. 366 A memória episódica diz respeito a fatos contextuais e biográficos. por exemplo. A memória de procedimento é um saber como fazer. Posso perguntar a uma pessoa qual é o teorema de Pitágoras: algumas pessoas se lembram da fórmula (semântica). uma atualização de memórias num fluxo único. a identidade e uma certa coerência para o curso do tempo. normalmente sob a forma de proposições ou imagens. a consciência-função redescreve.20 Memória uma indiferença sintomática: − Não. a dor aguda e pulsátil. “Juan Carlos é o atual rei da Espanha” seria um exemplo. Sem ela não há a menor possibilidade de roteiro e crítica. algo que me permite. saber andar de bicicleta. um saber operacionalizar soluções. ou uma desorganização generalizada das funções mentais. A memória declarativa é aquela que estoca fatos. Dela dependem a estrutura única do “eu”. . A consciência enquanto processo é. Quaisquer anomalias que interfiram com a memória. que diz respeito a conceitos. A memória implícita é uma faceta normalmente não-consciente (pelo menos após treinamento e aprendizado). tanto que acabou por desenvolver um quadro de psicose dissociativa. memória inclusa. Quando falamos em consciência. complexidade cerebral. necessita da memória e da linguagem. de uma maneira ou de outra. Ainda que em versões mais simples. com uma paralisia histérica. da roupa que usava (episódica). Se as amnésias decor-rentes são processos reprimidos pela ação de alguma função coercitiva ou protetora é difícil afirmar. É normal nesses doentes uma história de violência e abandono na infân- 367 Existe uma tendência de unidade. extremamente sujeitas às interpretações simplistas que a descaracterizam no seu escopo de validade potencial (um discurso sistemático sobre conteúdos biográficos e funções mentais). de tal sorte que muita informação conflitante tende a ser abortada ou a não preencher condições para ser estocada. Digo que pode existir. outras vezes. é a múltipla personalidade. Trazida a lembrança à consciência. Quando se aplica um crivo científico à psicanálise. repressão ou não. Portanto. Qualquer um desses tipos de memória pode apresentar distúrbios. versão psicanalítica dos distúrbios de memória. dificilmente padronizáveis objetivamente e. de semântica com episódica. deixa sinais em alguma narrativa. outras vezes. a no- É fato também que certos esquecimentos são fortemente propositais e obedecem a uma lógica de se poupar o sistema de agressões. havendo situações em que há problemas na articulação de explícita com implícita. Uma paciente de Freud. Henrique Schützer Del Nero As três classificações acima. ção de “não gravado” ou “não acessível” pode ser revista e interpretada como: gravado. cessou a paralisia. coerência e proteção no sistema nervoso. Quanto a esquecer aquilo que incomoda. é fato que. Um quadro limite. teve um pensamento imediato de que ficaria com o cunhado para si. reprimido ou não. porque nem podemos afirmar sua constância. e desenvolveu a paralisia. da cara do professor. cap. porém de difícil recuperação plena. nem padronizar sua remoção. quando sua irmã morreu.SÍTIO DA MENTE A investigação dos distúrbios mnêmicos e do comprometimento ulterior de outras funções mentais precisa ser feita levando em conta aspectos minuciosos que não podem ser descritos apenas sob o rótulo geral de memória. . porém. relata no transcorrer da terapia que. Esqueceu-se da idéia. verifica-se que ela é muito mais um conjunto de idéias ricas e interessantes. se não tão amplo e genérico como poderiam pretender os teóricos do século passado.20 Memória da aula em que isso foi dado. de procedimental com declarativa. não são excludentes uma em relação à outra. o que é pior. estando na base de muitos comportamentos anômalos. esse mecanismo repressivo/defensivo pode existir. pág. que já penetrou na cultura popular. é certo que muitas vezes esse episódio esquecido. o mecanismo de fato existe. afecção primária ou não de memória. Cindem-se o comportamento. um leão. as bolinhas tenderão a passar mais vezes pelas canaletas mais largas. A idéia mais aceita é que ocorre alteração na conexão dos neurônios − freqüência. SÍTIO DA MENTE A alteração estrutural da conexão neuronal é capaz de servir como memória. sendo posteriormente resgatada e trazendo consigo a lembrança. Ao contrário de uma canaleta ser um tigre e uma bolinha. é como se cada caixa com canaletas e bolinhas representasse um objeto. ou um conjunto de circuitos reunidos em comitês. Isso é uma modificação estrutural que leva a uma mudança no comportamento global. a maioria deles é representada através de comissões dentro do sistema. mas apenas sinais. Henrique Schützer Del Nero Memória e código. Há relato de diferentes padrões de imagem cerebral durante a vigência de cada uma das personalidades.20 Memória cia. b) o fato de que aparecer diferentes padrões de imagem (captados por um PET scan) não é privilégio desses casos. mas é quase uma constante no mecanismo virtual de reunião dos comitês mentais dentro do ambiente cerebral. Modificações no comportamento global da caixa seriam modificações no objeto que ela representa. cap. Embora rico o tema. as memórias. No momento não sabemos exatamente como é que a memória é codificada no cérebro. Se aumento a largura de certas canaletas e diminuo a de outras. Esse é o mecanismo por excelência de que lança mão o cérebro para fixar lembranças. e a destes em subtipos chamados de memória se apresentam como um problema não resolvido. . nem toda marca física é memória. que retrataria todos os fatos relacionados a leão (com o fim 368 Se toda memória é uma marca física. Codificação e interpretação. Para entender isso imagine que tenho um brinquedo com bolinhas que devem correr por diversas canaletas. Exceção feita a certos objetos da percepção que têm departamentos concretos (as caixas. deve-se tomar cuidado com: a) a dificuldade inerente ao próprio conceito de personalidade múltipla. força de conexão − e isso se reflete no comportamento global do circuito. memória e interpretação a transmutação dos conceitos em sinais. são na verdade o nó górdio de toda a relação entre entidades mentais e cerebrais. as regras.Não é qualquer traço ou código que está apto a ser memória. como se fossem departamentos concretos que ora estão num local da empresa e ora estão em outro)3 . a moral. O problema do código e o da interpretação são cruciais. no exemplo anterior) mais ou menos bem delimitados (e até eles têm algo de departamento virtual. pág. amplitude. Vamos ver como poderia ser feita a representação de “leão” num cérebro. “Leão” seria um circuito. etapas da formação de memórias. Como não há tigres e casas no cérebro. b) cada conexão não só é memória. Fato notável é que nossas memórias têm um traço além de seu conteúdo. mas tem certas peculiaridades: a) cada módulo não é um departamento concreto. há conteúdos que podem estar esquecidos ou não e marcas que indicam que o arquivo está lá. Posso saber que sei algo.20 Memória de formar o conceito de leão). como também aumento de representação do conceito. mas é o que deve estar por trás de um trocadilho rápido. significativa e aparentemente insuspeitada. c) tenho condições de aferir se uma dada ligação é vivida. estabelecer relações com outros micromódulos alheios. em outros níveis. mas também. luminosidade.). pág. Refinar um conceito é operar dentro do módulo. de uma conexão rica. etc. leão da Metro. de certa forma. contorno. cada grupo de neurônios vai aos poucos codificando o que ele representa (o que vai depender de uma série de fatores dentro do módulo. etc. e sobretudo entre partes de módulos. leão de chácara. A conexão não prevista entre módulos. aprendida. mas que me esqueci. Parece difícil? É. etc. algumas ligações seriam reforçadas. Henrique Schützer Del Nero Num primeiro momento. profundidade. A diferença entre dizer que não sabe e dizer que sabe mas não se lembra é justamente o fato de que. um conjunto de neurônios (módulos) associaria a visão de um leão (do primeiro leão de minha vida) com a palavra leão (que estaria noutro conjunto de neurônios).) já é um mecanismo que depende de experiência. 369 Uma vez que essa conexão dentro do módulo para formar microconceitos (o leão visto é o resultado de uma operação de conjunção de vários elementos visuais. cap. da Metro. cor. também eles dependentes de memórias) e as conexões com outros módulos. imaginada. . Com o tempo. como textura. mas virtual.). b) cada módulo contém inúmeros outros possíveis no seu interior. Toda vez que se estabelecesse uma nova conexão. como aquele que representa mamífero. Essa série de conexões depende de memória. análogas porque o mecanismo que aumenta a conexão entre propriedades tanto pode estar por trás de memorizar quanto de representar um conceito. é o que refina o processo de descoberta e invenção. na memória. a associaria a outros conjuntos de neurônios. de tal sorte que se possa refinar o conceito e suas relações com outros. etc.SÍTIO DA MENTE Memória e representação são. Isso tanto pode fazer parte de ligações com outros módulos como também pode ser alguma peculiaridade no código de ligação (como pôr um dígito a mais no código para que significasse vivido ou aprendido. teremos: a) operações dentro dos módulos e entre os módulos (intra e intermodulares). memória e capacidade de delimitação. No caso de leão e das sucessivas instâncias e qualificações de leão (de pelúcia. O processo de representação e de classificação depende dessas relações intra e intermodulares (módulos são conectados através de feixes nervosos). mudando as conexões. o caminho preferencial por um lugar ou por outro e o disparo de neurônios numa ou noutra freqüência.51 − Conjuntos de neurônios disparando em diferentes freqüências o que no esquema corresponde a letras diferentes.20 Memória É como se na tela do computador e. Poder-se-ia responder rapidamente se um arquivo está gravado ou não. essa concepção encontra um problema: perguntamo-nos por um conteúdo. para recortar ou salientar apenas alguns aspectos da informação. Mando um quadro como o da Figura 51. ficasse sempre uma lista de fatos gravados na memória. Isso dissocia comissão e local no plano da identificação estrita. ou departamento concreto? Se estimularmos certas áreas do córtex (o que pode ser feito durante cirurgias cerebrais sem anestesia geral). porém. no cérebro. enquanto a interpretação garante que certas formas e conteúdos mentais se encaixem nelas. Isso falaria a favor de um mecanismo de departamento concreto (porque com local determinado)? Creio que não. Uso dois gabaritos. é virtual. Porém. A lógica da comissão permite lançar a hipótese de que se tocou com o eletrodo um local em que se reunia uma comissão. Porém. que já apontamos em outros pontos deste livro.Fig. estaremos desvendando. e assim por diante. O código é. prepara as fôrmas. Num cérebro há marcas (por alteração de ligação entre neurônios) e correntes. pág. cap. ao mesmo tempo. Ao sabermos como é que os departamentos virtuais codificam a informação que devem representar. Isto é. em uma consciência plena e de trabalho. fatos sobre representação e sobre memória. por meio de gabaritos (ou máscaras). Este. comissão. encerra grande parte da perplexidade que ainda temos diante da relação das formas mentais com as fôrmas cerebrais. 370 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Imagine que vou mandar uma mensagem para uma pessoa. . A articulação entre o conteúdo e o nome do arquivo. Conseguir abri-lo na tela seria outro problema. portanto. o indivíduo relatará a evocação de certas imagens ou recordações. afastando a ingenuidade. ou máscaras. o cérebro. nem sempre é único e o mesmo. não pelo nome de um arquivo. essa memória. ou o conceito resgatável pela operação de lembrar. ela própria. de crer em determinadas afirmações como: a memória está no hipocampo. a vontade no lobo frontal. O problema da interpretação está ligado a recortes feitos no cérebro. Os seus “buracos ” são outra. A interpretação do que seja o bloco é uma. tem-se ali a representação de um objeto.SÍTIO DA MENTE A constituição de cada quadrado é mais ou menos fixada de antemão pelo organismo (no caso de representar fatos já esperados e importantes na adaptação do organismo) ou então é constituída. O tamanho do gabarito é uma informação. sociedade. que se forma sob a influência de contextos de aprendizado. A informação a ser decodificada virá. no plano cerebral. Henrique Schützer Del Nero ção). . social e natural em que se vive. que são fôrmas para a mente. Cada gabarito se encaixa. dos gabaritos.20 Memória Nessa figura pode-se ter idéia de um mecanismo de representação e memória no cérebro humano. quer para relações. assim. ou encaixáveis. pelas relações com os outros e pela submersão na linguagem. embora a mente seja capaz de realizar a operação de encaixar gabaritos (e isso é a interpreta- A delimitação do bloco (também ele algo que envolve relação entre microobjetos internos) e suas freqüências dependeria de memória e de objeto de representação. através de seus buracos. Embora didática. pág. fornecidos pelo meio. As fôrmas cerebrais seriam preparadas nos blocos e nas relações entre eles. e ainda de gabaritos que se estendem a outros blocos e também podem ser interpretados como um mecanismo de sincronização. ajustando sincronizações. A garantia de estrita equivalência nasceria da lenta história de adaptação de cérebros e indivíduos a um meio de comunicação. de tal sorte que os gabaritos nem fossem necessários. Constituído o bloco. Nesse processo entram mecanismos de memória. As letras que aparecem são os conteúdos mentais. pela experiência. cap. esse fato é fortemente dependente do meio cultural. então. nas formas mentais. quer para conceitos. Haveria um paralelismo entre as fôrmas cerebrais e as formas e os conteúdos mentais. amplitude. Há no cérebro blocos e freqüências. algo que permite falar em linguagem mental de objetos e relações que têm. cultura. porque é possível variar as freqüências de cada neurônio (cada letra é um neurônio disparando numa freqüência). O cérebro prepara os blocos. A interpretação é. O fato estritamente cerebral é a geração de blocos. com o tempo. a alteração de freqüências dentro dos blocos (fato de memórias). blocos e relações equivalentes. história pes- 371 Portanto. ajustando freqüências. alterando as freqüências no que diz respeito à conexão. etc. Isso é o que subjaz à preparação das fôrmas. pela cultura. Os gabaritos são. a idéia do gabarito para gerar a interpretação. A experiência pode mudar o bloco. aos poucos. cap. a interpretação. através de freqüências. a palavra. ambos oscilações e sincronização de módulos que geram conjuntos de potenciais de ação.20 Memória soal. pág.Fig. o código (freqüências e contornos do bloco) e as sincronizações intrabloco e interblocos são os mecanismos responsáveis por representar. partes de módulos em novos blocos inteligentes. Na verdade essas duas “retas” seriam o fluxo de soluções das equações que descrevem o processamento cerebral e o mental. O processo de interpretação da marca e do código e de sincronização deles numa linguagem mental pode ser entendido como uma harmonia pré-estabelecida ou como uma lenta convergência de duas retas: a cerebral e a mental. gere os “gabaritos” invisíveis. o significado e tudo quanto diga respeito ao que chamamos de linguagem e mente são oscilações e sincronização entre módulos dinâmicos. o código (geração de freqüências e sua correlação com objetos internos ou externos) e a interpretação disto (via sincronização) fazem parte de um mecanismo que pode estar encerrado no cérebro.). com conseqüente alteração na freqüência). Veja na Figura 52 que as letras desaparecem e que o que se tem são freqüências e sincronização: foi por isso que dissemos que os gabaritos se tornam invisíveis.52 − A alteração rápida de freqüências e a sincronização entre regiões faria com que se prescindisse de "gabaritos" para interpretar informações no interior de cada bloco. com o tempo estas freqüências se associaram a objetos. depois houve sua alteração. e finalmente a sincronização como mecanismo de interpretação de informações em cada bloco e nas relações entre blocos. etc. No cérebro. Henrique Schützer Del Nero Dessa forma se entenderia como a marca (alteração estrutural na ligação. não é necessária se houver um mecanismo que. a rota de conexão. 372 Se num primeiro momento podemos ter sido apenas um cérebro e suas freqüências (primórdios do ser humano enquanto espécie). Isso permitiu que se amplificasse a capacidade de representação e a possibilidade de recombinação de módulos e de SÍTIO DA MENTE O traço (que no final das contas muda a freqüência. memorizar e localizar. criando-se memórias. aprender. . Síntese A memória está presente em todo processo que gere uma marca física em algo e sua posterior interpretação por alguém. Isso é importante porque. Henrique Schützer Del Nero O problema fundamental. O gabarito que estabelece correlação entre fôrma e forma é dado. . Preparada a fôrma. Como se fosse um bloco. mudar de comportamento. de amplitude e freqüência e de conexão sináptica entre neurônios). as representam e manipulam centralmente sua procura. resgatando-lhe o conteúdo original. porque a simples mudança de freqüência e sincronização já cria contornos invisíveis. sua característica de ser interpretável e cognoscível torna-a indissociável da consciência. querem. uma teoria da mente. o código e a intrepretação re- SÍTIO DA MENTE O cérebro prepara fôrmas para que ali se depositem as funções mentais. mais que uma teoria da memória. pela mudança de freqüências e sincronização. cap. a idéia de máscara é virtual. Sabemos que muito provavelmente não têm nada que ver com a forma como computadores alocam memórias. se o cérebro é computador. No entanto.20 Memória As intimidades maiores destes processos são ainda hoje totalmente desconhecidas. Por isso. é que a memória sem a consciência é fenômeno que se estende por toda a parte. se investe de prerrogativas que não se esgotam no indivíduo. nem na 373 Se no cérebro a marca é a alteração de sinalização entre neurônios (através de alteração de potenciais de ação. a harmonia entre o mental e o cerebral não passa de harmonia entre dois planos do cerebral. que são interpretações relevantes à luz das categorias mentais. como também pela lenta história da espécie humana no forjar o encaixe perfeito. embora passíveis de abstração porque códigos. aquela responsável pela consciência privada e pública. não é do tipo que conhecemos nos dias de hoje. Pelo concurso da linguagem. a ordem superior. cada conceito poderia. tanto pela harmonia pré-estabelecida entre os fatos mentais (e portanto lingüísticos) e os fatos cerebrais. e isso será tratado no esboço de uma teoria da consciência. só tem sentido falar do código e da interpretação como elementos do processo de formação de memórias relacionando-os com a representação e a consciência. sobre ela se depositam gabaritos ou máscaras. Prepará-las é tarefa de reforço de conexões e representação. pág. No ser humano. Como fatos lingüísticos e sociais são cérebro também no que concerne ao meio que os implanta. Se isso altera pH ou se gera proteínas. Cuidado. mas seria a mesma coisa que dizer que porque há sempre bombeiros em lugares que pegam fogo os bombeiros são causa de incêndios. Isso é verdade. Sem memória. Pode haver. e o cerebral complexo e focado no indivíduo e o cerebral consciente focado na história da espécie humana. Há. a memória seria uma proteína ou um cristal. pág. Ora. etc. Pesquisadores teriam achado uma relação significativa entre nível de acidez e inteligência. seja através de memória gravada nas nossas instituições. proteínas. mas com estimulação repetida pode haver geração de uma potencialização de longo termo (LTP-long term potentiation) que tem amplitude maior que os outros. porque talvez aqui haja o mesmo equívoco de um recente artigo que declarava existir relação entre o pH (medida de acidez de uma substância) e a inteligência. Comentários como o do pH são “erros básicos que merecem comentários ácidos”. duas ordens: o cerebral e o mental. então. nem a cerebral da espécie e a cerebral do indivíduo. A base do processo (e não o modo íntimo do procedimento) é uma alteração estrutural na conexão. é outro problema.bem como a alteração de pH na inteligência. Mesmo no caso das áreas sensoriais primárias há mapas de representação. seja através de memória gravada em nosso corpo. para muitos. (Agradeço a William Power SÍTIO DA MENTE 2. Isto é.20 Memória sociedade de hoje. Henrique Schützer Del Nero Notas por correção a esse respeito. O leitor poderá voltar aos primeiros capítulos e lembrar-se de que falei que o potencial de ação é de tamanho fixo. cérebro concreto e operação complexa de cada um de nós desde o nascimento. bem como a respeito de erro sobre circuito de processamento visual).são todos fatos que poderiam fazer parte de uma imensa orquestração em que o produto final é inteligência.3. cap. Há alguns anos esteve em moda uma série de hipóteses sobre “substâncias “ de memória. mas estes mapas se deslocam de lugar com o tempo (donde até as representações mais básicas no cérebro têm uma 374 1. está associado à consolidação da memória. embora seja matéria sujeita a debate se a potenciação altera a amplitude ou apenas a força da conexão sináptica. Este evento. pois resultam da própria história da espécie. essa história não teria como estabilizar a ordem cerebral e a mental. . a memória ou qualquer outra função mental. cristais. habilitada para a linguagem e para a formação de sociedade. Daí sua capacidade de se encaixar na ordem inferior. a presença de certas substâncias. para a memória . 20 Memória codificação no tempo e não somente no espaço). que se move lentamente com o tempo! Isso faz com que seja perda de tempo procurar por local ou departamento fixo. Na nossa figura de explicação.pág. até mesmo no caso das projeções sensoriais mais básicas . mesmo nestes casos há um departamento concreto do tipo Torre de Pisa.ex.p. 375 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero cap. . deteção de fatos ambientais. formada pelos neurônios. vai aumentando de acordo com a escala animal.21 Personalidade parte 4 . Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. no entanto.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. formado por dois conjuntos de células .medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. Henrique Schützer Del Nero A mente organizada cap. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. Há na porção responsável pelo processamento. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. e. “quantidade é qualidade”. um dos números mais gritantes é o de encefalização . Isto mostra que. basicamente. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. Personalidade collegium cognitio 376 O cérebro humano é.um manipula e processa informação. algumas vezes. tal qual fosse um computador. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. ao longo de milhões de anos. Assim. o outro dá suporte físico e sustento. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. Seu grau de complexidade. entre os mamíferos. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 21 cializado na recepção de informação. uma pág. integração e execução motora. d) problemas histórico-biográficos. percebe-se que o conceito de Isso complica bastante as coisas e. Cada modelo é uma personalidade. sintomas e 377 c) patologias orgânicas intra ou extra-cerebrais podem levar a uma alteração da “personalidade” que não necessariamente seria de se rotular como expressão de um modelo da fábrica cérebro (assim. Um coração disparado pode ser paixão ou infarto. Mas há. as considerações sobre personalidade e sua base cérebral terão como pano de fundo dois as-pectos básicos: a questão da confusão entre patologia leve e personali-dade e a questão da chamada personalidade insensível ou amoral. atestam uma doença. portanto. Claro que. b) problemas endógenos crônicos. Uma febre pode ser gripe ou câncer. Um olhar triste. cap. Um corpo gordo pode ser desleixo ou desnutrição. veremos algumas peculiaridades no que diz respeito ao seu produto. Pelas três razões acima. a personalidade desenvolvida por um epiléptico não é exatamente caracterizável como sendo modelo saído da fábrica). pág. isoladamente.21 Personalidade PERSONALIDADE . reside justamente na distinção entre 5 grandes classes de problemas: a) problemas endógenos (de fundo orgânico ou simplesmente tratáveis com remédios) agudos. manipulação ou depressão. talvez não tenha sentido começar a estabelecer uma série de sinais. O cérebro humano não é exceção a essa regra. “modelo” de mente. como faz uma indústria automobilística. por exemplo. Em medicina raramente temos sintomas que. também confunde o diagnóstico sobre a personalidade. Henrique Schützer Del Nero a) certas desregulagens mentais podem perfeitamente mascarar conclusões acerca da personalidade. portanto. como disse acima. Há vários modelos de mente. Um dos grandes problemas da psiquiatria e. É comum que uma empresa apresente seu produto em diferentes modelos. a mente. ou pelo menos na sua amplificação/expressão. vulgo personalidade.SÍTIO DA MENTE V oltando à nossa empresa-cérebro. e) problemas de personalidade. c) problemas contextuais. Seria muito fácil se não houvesse superposição de sintomas e de sinais nas 5 classes acima. da aferição das desregulagens mentais e de seu encaminhamento. O conceito não é fácil porque há uma série de fatores que se interpõem: b) o papel da experiência anterior na gênese de certas características. não seria totalmente preciso e envolveria muitas variáveis. racionais e emocionais. Não é exatamente uma função que é normal e outra não. Era depressão leve crônica. pragmáticos e essencialistas. tornou-se calada e séria de 15 anos para cá. sabemos que alguns grupos são extremamente conservadores. Extrovertidos e introvertidos. mas relativamente fácil. Há tratados inteiros sobre o problema e. emoção e vontade. menos. SÍTIO DA MENTE Personalidades são. mas por uma propriedade que emerge do todo. Isso quer dizer que qualquer tristeza ou seriedade é depressão? Se pouco intensa e duradoura. outros extremamente atirados. seria então rotulada como depressão crônica? Claro que não.O problema do distúrbio agudo é fundamental. Não se avalia uma personalidade por um traço mental específico. se assim pretendêssemos estar dizendo algo como: um tipo de personalidade é mais propenso ao pensamento e outro. interpretações diferentes de um mesmo roteiro. . Pode-se dizer que se a empresa-cérebro se encarrega de produzir pensamento. a questão da personalidade está diretamente ligada a um certo aspecto final do funcionamento do todo. memória. percepção. ousados e inovadores. uma peculiaridade do cérebro no que diz respeito à formação da mente. são algumas das classificações possíveis. Por tratar-se de alteração marcante no tempo e no espaço. concretos e abstratos. antes alegre. cap. Salvo por aqueles − muitos. este tipo de traço geral que indica certos estilos de atuação dos departamentos concretos e virtuais de uma empresa-cérebro específica. pág. ou que pelo menos obedecem a certas grandes classes de tipos. Lembre-se do exemplo da pessoa que. como vimos nos 5 eixos acima. há uma grande chance de ser percebido como evento anormal. Se voltarmos ao exemplo da empresa.21 Personalidade características que pudessem diagnosticar tipos de personalidade. que tenderá a ter certos comportamentos previsíveis diante de certas situações. Henrique Schützer Del Nero Qualquer abordagem do problema da personalidade requer que se tenha em mente que não há muito sentido em mudanças bruscas de estilo ou de modelo de comportamento. falantes e calados. Todo mundo sabe que as pessoas são diferentes. juízo. assim. mesmo que façamos a nomeação de comissões virtuais. dor ou feridas pelo corpo não é doença e não merece ser tratada. diga-se de passagem − que mesmo diante do problema agudo tendem a reagir supondo que qualquer coisa que não causa febre. Não era personalidade. pode haver grande confusão de sintomas de um lado ao outro. de maneira geral. 378 A personalidade é. humor. Caracterizá-la como mais isso ou mais aquilo seria pouco proveitoso. aprendizado. bemhumorados e mal-humorados. Por princípio. e também consciência. há estilos diferentes de produzi-los. cerebrinos e motores. Personalidade e herança SÍTIO DA MENTE Há o carro compacto, de cor vermelha e com opcionais de luxo; temos ao lado um carro grande, de cor branca, sem opcionais, adaptado para ser ambulância, ou preto, tipo perua, adaptado para carro funerário. São todos carros da mesma empresa, de modelos diferentes, de 2 ou 4 portas, perua ou coupê, cores diferentes e opcionais diversos. Afora alguma blague, o exemplo dá bem conta da dificuldade de se classificar personalidade. Como os opcionais e cores variam conforme os modelos, posso ter uma séria confusão. Às vezes o compacto é de luxo e o “carrão” é táxi. O alfabeto primitivo que define as grandes disposições de personalidade parece ser ligado a 4 grandes comportamentos. Isso não é uma hipótese, mas uma constatação em ratos, após fazer-se uma purificação gênica de tal sorte a obter o máximo de expressão de um tipo e de outro.1 Em ratos alguns experimentos mostram a preponderância de 4 características como sendo básicas para uma definição da personalidade: a) potencial social (luta por ser líder); b) evitamento de perigo (baixa tendência de correr riscos); c) tradi- 379 Há uma série de evidências de que a personalidade é determinada por herança multigênica. Quer dizer, ao contrário da cor dos olhos (herança de um só gene), seriam vários os genes que se misturariam para dar o Se pensarmos na empresa, isso quer dizer que, na verdade, temos: a) produção de carros (tipo de produto); b) diferentes modelos; c) cada modelo com cores e painéis diversos; d) o uso de cada carro em muito determina juízos e impressões a seu respeito. pág. Henrique Schützer Del Nero Se personalidade é ato (comportamento) mais auto-descrição (vinda da introspecção e da descrição lingüística de como se é), então pelo menos a segunda parte deverá ficar reservada para esta ressalva pertinente à consciência. Isso terá importância ainda na caracterização de um dos quadros mais complexos de distúrbio de personalidade: a anomia (ausência de normas) ou amoralidade. desenho final do modelo personalidade. cap.21 Personalidade Já foi visto que sistemas complexos fazem aparecer características no todo que não se esgotam pela análise do comportamento das partes. Portanto, está sob suspeita um tipo de afirmação de que alguém é mais “pensamento” enquanto outro é mais “emoção”. Aceitaremos provisoriamente que se diga, no máximo, que o que aparece dá a impressão de haver predomínio da emoção sobre a razão, etc. Isso é fundamental porque, embora tenhamos em mente que a emoção e o pensamento podem rivalizar, na concepção deste livro há determinados análogos de emoção (isto é, emoção traduzida em pensamento) nas operações da consciência. SÍTIO DA MENTE A despeito de podermos definir a personalidade como algo que tem forte componente hereditário, e isso explicaria a hipótese dos traços fundamentais acima relatados e sua possibilidade de purificação, a semelhança de personalidade entre gêmeos univitelinos é de 50% e em bivitelinos é de 25%. Isso quer dizer que, embora tenhamos grande correlação gênica, essa não atinge os 100% (caso dos gêmeos univitelinos), a despeito de seu meio de criação ser o mesmo. Isso mostra o quanto a hereditariedade e, portanto, como vimos, a distribuição de circuitos neurais e de receptores nas sinapses têm importância crucial no desenvolvimento de relações sociais; porém, elas não se esgotam nessa mesma hereditariedade (pode variar de algo em torno de 20 a 50%, sendo o restante devido ao meio). Um lagostim tem tendência de liderança e outro tem tendência à submissão ou ao evitamento de perigo. A genética de distribuição de 380 O argumento de que univitelinos têm 50% porque são criados juntos esbarra em duas evidências que mostram o quão fundamental é a genética: a) os bivitelinos têm 25%, embora crescendo no mesmo meio (isto é, genéticas bem parecidas, mas não idênticas, fazem o papel do meio ser de no máximo 25%); b) os univitelinos tendem a ter correlação de personalidade próxima dos 50%, mesmo quando separados e cria- O traço de liderança é básico, encontrado em toda escala animal, fundamental para um determinado tipo de hierarquia dos grupamentos. Lagostins já exibem relação de dominador e dominado. Devido a uma distribuição de sinapses e receptores de serotonina, vemos lagostins isoladas respondendo, com uma determinada intensidade, à estimulação das pinças: quando tocada, a pinça é retirada. Isso se processa através de um circuito neuronal relativamente simples.4 Se o lagostim está sozinho, esse comportamento de retirada tende a ser de uma amplitude (digamos 5). Quando retiramos lagostins do isolamento e os colocamos juntos, em meia hora estabelece-se um comportamento social: os que têm características de dominador não mais retiram a pinça quando encostam no outro (ao contrário, deixam-na acintosamente) e os dominados passam a retirar a pinça com mais intensidade que antes (mais que 5), quando tocam no dominador. pág. Henrique Schützer Del Nero Essas quatro características podem ser medidas através de alguns comportamentos e, além do mais, podem ser amplificadas pela purificação gênica de tal sorte que, ao fim do processo, praticamente apenas uma das quatro persista na população. Na verdade, na população não submetida à purificação, a personalidade seria uma mistura das quatro facetas acima descritas. dos em ambientes totalmente diversos.3 cap.21 Personalidade cionalismo (seguir regras e autoridade); d) sentimento de bem-estar.2 Se a personalidade é um modelo (sendo a mente um carro que sai da empresa cérebro), haverá ainda muito por fazer, e isso será tarefa do meio e da biografia, até que se cristalize a personalidade de cada um. Podemos definir alguns grandes eixos, sempre respeitando pequenas diferenças naqueles que serão classificados aqui ou ali. Finalmente, deve-se ter em 381 A última forma de primitivo de personalidade, a busca do prazer (hedonismo), é também defensável na medida em que vemos pessoas para quem um determinado componente de imediatismo sensorial parece predominar sobre qualquer outra coisa. A sensualidade desmedida, a SÍTIO DA MENTE Vamos, então, fixar alguns pontos no que concerne à personalidade. Em primeiro lugar há nelas forte componente hereditário, embora se possam creditar ao meio posterior influências enormes. Em segundo lugar há uma série de combinações de elementos fundamentais e de tendências, tal que no final o que temos parece um show room de concessionária de automóvel: o modelo barato emperiquitado e o caro em promoção sem nenhum acessório. Além do mais, há a cor, o uso e o contexto. Se carro preto pode significar enterro, também significa autoridade ou distinção. O verde abacate é cafona na decada de 70 e vira, porque metalizado, última geração vinda da Itália na década de 90. Personalidade de padrão básico único, essa somente vemos em ratos geneticamente purificados. Nos seres humanos, o que temos é combinação em proporções diversas de unidades fundamentais. pág. Henrique Schützer Del Nero O traço de evitar riscos é bastante marcante também. Percebe-se cedo a criança que teme situações novas e é tímida em excesso, enquanto outra é atirada, às vezes até um pouco inconseqüente. O tradicionalismo, seguindo regras e acreditando demais em instituições, é nitidamente um modelo básico. Chamo a atenção do leitor para o fato de existir forte componente genético neste comportamento, que não é apenas produto de um meio repressivo e vitoriano. Há pessoas que adoram regras, disciplina, hierarquia severa e outras tantas derivações. Libere-se um conservador e podem aparecer coisas incríveis! O “certinho” e o reacionário são, muito mais que fenômenos somente políticos e econômicos, um determinado perfil de personalidade. Até mesmo o namoro com o autoritarismo, com as ditaduras e com a repressão policial escandalosa são traços genéticos ou pelo menos fortemente vinculados a uma personalidade básica. supervalorização da moda, do orgasmo, a renúncia ao estudo, o afugentamento da dor e o amor pelos sentidos retratam um pouco esse modelo básico. cap.21 Personalidade receptores e, portanto, de modelo de comportamento ou personalidade, estaria pré-gravada, manifestando-se em apenas meia hora de convívio (imagine o que acontece com casamentos durante 30 anos!). SÍTIO DA MENTE Proponho classificar os elementos primitivos que compõem a personalidade e seus respectivos eixos: a) quanto à ação: ativos ou passivos; b) quanto à sensação: sensíveis ou resistentes; c) quanto à valoração: imediatos ou mediatos. O porquê de adotar essa classificação advém da própria formulação deste livro. Definiriam-se operações mentais complexas no que concerne à gênese da ação e da percepção; às duas agrega-se, posteriomente, a consciência, local de valoração e intrepretação dos cenários que emergem do plano complexo. Se resumíssemos, então, o cérebro a três funções, teríamos ações, percepções (ou sensações) e consciência enquanto valoração da ação e da percepção. Essas três grandes categorias seriam resposáveis pela gênese da complexidade comportamental e também por uma ética que não se manifesta de forma tão evidente nos animais. Quanto à valoração, tendemos a encontrar os imediatos e os mediatos: se os imediatos tendem a valorizar fins instantâneos, lucro fácil, recompensa mensurável, abastança e paridade, os mediatos tendem a valorizar elementos futuros, regras gerais, comportamentos morais e de dever. Se o imediato é pouco moral é porque sua ética é cambiante, variando de momento para momento, o mediato oferece, por vezes, a outra face, odeia fazer justiça com as próprias mãos, entregando a função às entidades abstratas − Estado incluso − que respondem pela ordem supra-individual. O imediato tende a fazer julgamentos pontuais e locais, enquanto que o mediato tende sempre a erigir 382 Esses três eixos definiriam as características básicas: o ativo tenderia a explorar o meio e a estabelecer relações de descoberta e criação. O passivo tenderia a, no máxi- Os sensíveis seriam aqueles que tendem a super-valorizar as sensações físicas: tanto podem ser hedonistas (aqueles que só buscam o prazer) quanto hipocondríacos. Os resistentes teriam baixa estimulação pelo ambiente, tenderiam a pouco valorizar elementos ambientais/perceptuais: aqui se reúnem o indivíduo que, quase enfartando, vai jogar tênis porque supõe que está com gases, e o tipo que não acha que o menino de pé no chão no farol de trânsito seja problema social, mas sim “culpa dos pais, que devem ser vagabundos”, justifica-se. pág. Henrique Schützer Del Nero Classificando personalidades mo, usufruir do avanço do outro, embora sempre preferindo a constância. A inquietude costuma ser traço do ativo, enquanto que a astenia (ou “ser devagar”) tende a ser traço do passivo. cap.21 Personalidade mente que há uma distinção entre a personalidade de uma pessoa e as patologias que podem mascarar sutilezas de diagnóstico, quer da excentricidade, quer da anomalia. SÍTIO DA MENTE A personalidade de cada um seria um ponto desse espaço que reúne um pouco de cada um dos três componentes. A opção pelo esquema se deve ao plano geral em que situo o problema da mente como balanço entre ação, sensação e valoração. Como todo esquema de personalidade, o truque consiste em definir, à luz da tabela, o que seria a característica de um tipo ou de outro: assim, pode haver um indivíduo que é líder com forte sensibilidade, forte senso de mediatismo e ativo (dificilmente o passivo vira líder). No entanto, é fundamental diferenciar esse líder de outro que pode ser imediato e resistente, o que, no mais das vezes, resulta em tiranos populistas. 383 Fig.53 − Três eixos definidores de classificação hipotética de personalidade. Importante notar que no esquema acima estamos privilegiando um modo de olhar o sistema nervoso. Há muitos outros. O papel da experiência será examinado posteriormente. O problema apontado no início deste tópico acerca das possibilidades de confusão entre distúrbio endógeno crônico, contexto, personalidade e biografia se torna essencial. De modo geral não se dê por satisfeito com mudanças de personalidade: alguém que, tendo sido de um jeito, de repente ou lentamente foi mudando. Isso deve ser especialmente válido para os casos de pessoas que, pág. Henrique Schützer Del Nero Na Figura 53 proponho que uma classificação possível (há muitas) para os constituintes básicos da personalidade sejam três eixos que varrem o espaço (determinam-se três dimensões). cap.21 Personalidade dos fatos particulares alguma generalização, seja ela sobre o ser, seja ela sobre o dever (Fig. 53). A avaliação das chamadas psicopatias ou distúrbios de personalidade é bastante complicada. Até que ponto estamos diante de uma personalidade anormal ou de um distúrbio endógeno crônico? Por vezes um distúrbio mental atípico pode simular psicopatias. A caracterização dessa ou daquela perturbação de personalidade coloca o psiquiatra na condição de árbitro da conjunção entre natureza e cultura, apontando prontamente os desvios que fogem da norma. Antes de atividade meramente técnica, o psiquiatra é ungi- 384 Uma série de conceitos que procuram caracterizar neuroses como ego-distônicas e psicopatias como egosintônicas (no caso de a neurose representar um corpo estranho ao eu e a psicopatia, um corpo em harmonia) caem numa excessiva verborragia, por vezes pouco fundamentada em termos da base cerebral da mente e de seus desvios. Isso acaba por se retratar na classificação da patologia mental e, particularmente, na condição de diagnóstico da chamada psicopatia. Por quê? Simplesmente porque a psicopatia tem, via de regra, mau prognóstico em termos de tratamento. pág. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Psicopatia Por outro lado, é fato que certas tentativas assépticas de se destituir a psiquiatria e a psicopatologia de teoria (DSM III e IV)5 acabaram por fazer da psicopatologia um conjunto parcial e pobre de sinais e sintomas. Se antes a psiquiatria podia ser criticada por seu excessivo culturalismo, hermenêutica e influência psicanalítica, agora pode ser criticada por uma crença simplista numa base biológica para o comportamento, sem que haja teoria e articulação conceitual dessa estrutura biológica (cérebro), da linguagem, da relação interpessoal e do fenômeno único da biografia do indivíduo concreto em situação. Se antes os psiquiatras podiam parecer homens cultos, porém menos eficientes, agora correm o risco de ser apenas técnicos sem noção de todo para entender o fenômeno humano, quer na situação normal, quer na desviada (o que redunda em insuficiência para diagnosticar os casos atípicos de interface entre patologias). cap.21 Personalidade inicialmente alegres, tornaram-se mais sérias, tristes e recolhidas. Pelo menos o que caracteriza o modo de ser de uma pessoa, com pequenas variações, deve manter-se ao longo da vida. Como regra prática, basta enfatizar que se a personalidade tende a ser relativamente fixa, o distúrbio − como é o exemplo de uma depressão leve crônica − costuma ter um início relativamente claro no passado. Patologia se trata, personalidade praticamente não. Por isso a importância do tópico que trata de suas anomalias. Há toda uma ideologia e uma visão do mundo por trás dessa posição. Claro que, embora desconhecendo grande parte dos fundamentos, a visão de suspensão de juízo do psiquiatra é politicamente correta − mas é social e politicamente alienada. 385 Ao fugir da arena da avaliação da personalidade como patológica, o fazemos deixando ao sabor das opiniões o julgamento do comportamento. Não raro é das mãos dos psicopatas que brotam as maiores violações de pactos de vida social e de civilização. Assim, antes que o leitor possa pensar que a disfunção mental é causa comum de delito ou crime, ao contrário, é a psicopatia que parece estar na raiz de grande parte dos chamados comportamentos de quebra de regra social. O problema, do ponto de vista de uma teoria da mente, natural e artificial, situa-se numa característica dos sistemas. Em princípio, o lobo frontal é responsável por uma série de planos. Aparentemente ali se situa um elo importante para a atividade ética (departamento virtual quase estável, fornecedor de quadros para comissões posteriores, comitês de comitês). Alguns casos de lesão das regiões frontais resultaram em distúrbios de valor moral. O indivíduo se torna insensível, não reage a riscos, não parece ressoar diante dos contactos humanos. pág. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero O diagnóstico da psicopatia é, assim, um dos momentos-limite dessa atuação. Porque não é mais simplesmente rotular uma personalidade. É afirmar o caráter patológico de um modelo quando, em princípio, não podemos afirmar que haja “patologia” em modelos. Se são muitos os distúrbios de personalidade, havendo autores que listam mais de 10, sendo todos eles vasos comunicantes diferenciados apenas pela predominância de alguns traços, é a chamada personalidade amoral, fria e insensível que merece nossa atenção nesse instante. Praticamente todos os outros diagnósticos são problemáticos e difíceis, particularmente no distinguir grandes gêneros − por exemplo, distinguir uma depressão endógena de uma neurose depressiva e de uma personalidade depressiva. Mas o diagnóstico do psicopata frio e insensível, amoral, está ainda presente entre nós e também em qualquer tabela diagnóstica. Reconhecê-lo, não entre os piores criminosos de antecendente brutal, mas no seio da comunidade, pode ser fundamental, uma vez que são, a meu ver, grande parte dos pseudolíderes que acabam por afundar valores e relações humanas, sociais e econômicas. cap.21 Personalidade do com um poder secular de julgamento sobre o normal e o patológico. Se isso não deve suscitar desvios, desmandos e excessos, também não deve atirar a disciplina numa ascese ignorante, desengajada e com uma visão pobre do fenômeno biológico. Afinal, são os psiquiatras que, em última instância, deveriam estar habilitados a antever comportamentos que, inadequados, podem ou devem ser corrigidos. Suponha que uma empresa produza um modelo de carro que esteja totalmente em desacordo com regras firmadas por algum órgão de controle. Não haverá mercado oficial para esse modelo, não porque bom ou mau. Simplesmente porque a trinca modelo-mercado-fiscalização não funciona. Claro que nos casos do psicopata amoral tenderíamos a pensar em algo mais nobre que o mercado e a fiscalização. Por razões advindas da própria variabilidade e adaptação, somos obrigados a dizer que certos modos, ou modelos men- 386 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Lembre-se: o acaso cria a variação e a necessidade cria a seleção. Essa é a máxima que descreve o binômio acaso/necessidade na teoria da evolução. Não há propriamente um valor agregado a qualquer função ou conteúdo biológico. Portanto, a amoralidade não necessariamente é má ou patológica. A sua resistência ao tratamento − diria até que não existe tratamento − faz com que tenhamos algumas dúvidas quanto ao seu caráter realmente patológico. pág. O amoral é um diagnóstico limite em psiquiatria; mormente quando não podemos exatamente afirmar se aquilo é ou não uma doença, na medida em que é um modelo. Teríamos que ter uma teoria da conduta e uma teoria da moral para que pudéssemos afirmar que suas ações são desviadas. Mas, de uma certa for- ma, não há cabimento em falar de essências plenas e atemporais em qualquer fenômeno biológico. Não tem sentido falar que uma determinada variação é boa ou má. Tudo que há no organismo é um algo para um determinado ambiente. Metabolizar oxigênio não é o único meio de respirar. Dentro em breve uma mutação que produzisse uma respiração via monóxido de carbono tornaria os habitantes das grandes cidades mais adaptados. cap.21 Personalidade O psicopata insensível tende a ser estranho no contato. Ligeiramente sedutor, revela rapidamente uma faceta de total desengajamento da relação. Da mesma forma que adere, abandona sem a menor justificação. Impulsivo ou desinteressado, costuma, de vez em quando, ter reações imprevistas. Agride, rouba, mata, tortura, maltrata. Após o fato, quando questionado sobre as razões, não tem bons motivos, ou simplesmente diz que não sabe por quê. Não costuma ter remorso, nem convence nas suas desculpas ou no seu afeto falso. Tenta seduzir através do choro ou do argumento. Tudo soa pobre e sem valor. O ato não tem valor, nem positivo, nem negativo; por isso, de vez em quando, faz algum absurdo. As razões, também não as tem. Não se inflama, não justifica com veemência. Não se arrepende. Até na dor, no remorso e na culpa é de uma superficialidade total. Pode ter impulso por drogas, álcool e alimentos. Durante anos tenta-se de tudo e nada se consegue. Um belo dia passa a fazer regime. Perfeito. Não tem muita justificação nem para os atos certos que faz. É superficial e com uma sensibilidade para atos e relações que parece falsa, premeditada, interesseira e vazia. SÍTIO DA MENTE Qualquer fato mental é um fato primeiramente biológico e, portanto, foi a variabilidade que dotou o ser humano de linguagem e de interatividade capazes de estabelecer sociedade. Essa sociedade passou pela construção de determinados pactos de convívio e de valor. Esse valor lentamente foi sendo introjetado pela educação religiosa, política, civil, etc. Aquele indivíduo que não tem capacidade de agregar valor ou sentimento aos seus atos está em desacordo com o meio que conhecemos hoje e que exerce sobre o indivíduo a sua pressão seletiva. O mecanismo de eliminação na sociedade humana pode não ser a não-sobrevivência, e sim, a não-pertinência a um grupo. É fato que o psicopata puro, legítimo, tem dificuldade de participar até de grupos de marginais. Porque incapaz de agregar valor e regra às suas condutas, não sabe respeitar códigos e, portanto, mesmo o código dos imorais lhe é estranho. Se pensarmos numa teoria biológica da moral e de sua gênese (ou pelo menos apogeu) na espécie humana, a consciência, estrutura de reverberação valorada de atos e percepções, deve estar alterada no amoral. Sua mente seria apenas aquela parte que processa informação complexa; sua consciência seria apenas a parcela que resolve o que o processamento cerebral infraconsciente não encontra como solução para casos triviais; a legítima consciência, plena, privada e também pública, essa seria defectiva no amoral. 387 Lembre-se: é muito diferente falar de imoral e de amoral. O primeiro tem códigos de conduta, embora estranhos à norma moral média; o segundo não os tem, dissimulando por algum tempo com pseudo- Não há nada mais humano que a figura que Dostoievsky retrata em “Crime e Castigo”. O criminoso (embora não incriminado) expia sua culpa até que, prestes a enlouquecer, se entrega. Nagisa Oshima retoma o tema em seu filme “O Império da Paixão”. Remorso ou culpa, antes poderosos aliados da valoração dos atos pretéritos, porque mal utilizados pela moral repressiva burra, tornaram-se alvo da liberação moderna dos costumes. Com a liberdade bem-vinda, liberados do falso moralismo, somos agora vítimas de guinada oposta: a perda de ética na relação, ou sua relativização, pode ferir cânones adaptativos. pág. Henrique Schützer Del Nero adesões. O psicopata imita valores, mas não os incorpora. Veste-os, mas não se convence deles. De um dia para o outro pode tirar esse verniz de valor, incorrendo em delito franco. Porém, novamente, o conceito de delito aqui apresentado pode ser muito mais abrangente que os tipos penais. cap.21 Personalidade tais, têm menor funcionalidade adaptativa. Mas essa funcionalidade adaptativa será relativa a um meio, a uma sociedade. Mude-se a sociedade e o modelo pode se tornar adaptado. Isso me causa perplexidade, e é o fator de sítio da mente que examinarei na última parte deste livro. Assim são certos cultos. valor. A consciência (pelo menos uma parte dela) foi surgindo. Os amorais são irrecuperáveis porque são cérebro. numa espécie de ritual de ignorância e inconseqüência que deve ser discutido. ainda não-consciente. Esse meio não os eliminou porque os nossos mecanismos de seleção e adaptação são um pouco diferentes dos da natureza pura. depositária média das partes que a constituem e também dos valores da tradição. condescendência. de hierarquias do mediato. quando fala do julgamento de Eichmann. é sinal de má adapta- Deve-se estar atento porque uma mente desgarrada de sua condição cerebral não diagnostica depressão. se vê incapaz de julgar-lhes com o crivo da espécie e não com a atenuante da biografia. estruturas embrionárias no animal. um discurso da ação e um discurso do valor. para enfrentar a justificação de atitudes com valor implícito. pág. A seu ver. nem é capaz de integrar intelectual. Talvez uma teoria de final de século nos explique que neurologicamente não é exatamente uma falha do pensamento. criminoso de guerra. mas da integração. ou do formato da personalidade social. mas variação. O psicopata falha no discurso do valor porque não estabelece as ligações de sincronização entre ato e redescrição valorada de ato. ção.SÍTIO DA MENTE Isso significa um novo sítio para a mente quando. assim. não a trata. e pior. emocional e volitivamente a estética. tal fossem apenas reflexos da história pessoal. em Jerusalém. Tudo depende do contexto. 388 A sincronia entre ato e valor seria. da crítica ou da razão. Damos-lhe poder. não vê no amoral a variação que destrói.21 Personalidade A mente foi projetada para resolver problemas complexos. Pensa em ambas. assim. a transgressão mental seria uma falha do pensamento. Henrique Schützer Del Nero Hanna Arendt. . do ponto de vista biológico e social. cap. modelo que não chegou ainda a satisfazer as demandas do meio. ao mesmo tempo são irrecuperáveis porque talvez nem sejam doença. Criou-se. quem sabe no futuro se torne fator de supremacia. fama e dinheiro. Por vezes incensamos o psicopata leve. plenas no ser humano e regulamentadas no ser social. também certas plataformas políticas. procura explicar a superficialidade com que o acusado se porta diante do tribunal como a “ banalidade do mal”. de ato e valor. Por ora. Isso diz respeito a altruísmo. e portanto. matéria viva. anomalia leve com remédio definido e variação sem conserto. que nos engana e afronta com sua hipocrisia. aos poucos. compaixão. assolada por aqueles que não têm valor. a ética e a funcionalidade dos atos perante o semelhante. pode ser anomalia de parâmetros. certas denominações que subtraem dinheiro do ingênuo. é variação que carece de um meio para adaptar-se. deficiente no psicopata. No plano da descrição cerebral de sinais. servirá durante alguns anos a um jovem estudante. Tão pequena. espelhados e com convexidade do tipo “bolha”. O motor vê sua carburação modificada para um tipo turbinado. exceto o do motorista que tem uma manta japonesa de massagem dos chacras. Os bancos ainda têm o plástico original para a proteção do estofamento. tal fosse um bólido de corrida. Também o fato de aquele primeiro carro estar todo enfeitado não é fato eterno. enquanto que no outro é parcial e de ferro. Imagine um carro de porte pequeno saído da agência de automóveis.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Julgar personalidade e sua base biológica é difícil. Zeloso e imitador de padrões da época.21 Personalidade revivência de fantasmas deste século − nazismo e racismo. o gravador terá tantas caixas acústicas que o porta-malas será eliminado. ficando o carro a 7 cm do chão. Parado num sinal. Os pneus são trocados por talas largas e rodas de titânio. não presenciou o que se fazia nos anos 70. criando-se ali uma mega-caixa de ressonância. A personalidade poderia ser entendida como uma determinada gama de especificações do modelo do carro seguida de uma série de penduricalhos que se vão colocando no decorrer da vida.6 cap. A cor marrom não tem um penduricalho. diferentes apenas na cor e em alguns acessórios (têm pequenas diferenças por serem de anos diferentes. O ronco é ensurdecedor devido a uma caixa de amplificação de som do escapamento. a personalidade daquele carro pode agora ser comparada com a do modelo similar de um funcionário de banco que manteve originais todos os acessórios. se não há grande variação no 389 Aquele que ri do exemplo não deve ter memória ou A personalidade é mais ou menos isso. pintá-lo de outra cor e deixá-lo com o motorista. o jovem estudante pode retirar todos os acessórios. os retrovisores são retráteis e acompanham a linha do pára-brisa no modelo mais novo e no mais antigo são de tipo convencional). pág. corre o jovem a colocar um aparelho de som potente no carro. Depois de alguns anos. São dois modelos idênticos. Alguns tomam tanto lugar com os auto-falantes que nem lugar para estepe há. Para não dizer malas! Os vidros serão rapidamente trocados. também: num deles o pára-choque é envolvente e de fibra. A supensão será rebaixada. Temos uma forma básica de modelo que pode então ser recheada de acessórios. Vermelho tomate. A direção deve ser substituída por um padrão que lembre o de carros de corrida. . Tão potente. parece um ovo! Os bancos originais são substituídos por outros de couro com encosto de cabeça especiais. mas é fato que. Pretos. Somente um plástico no vidro: “Deus é vida”. e ainda se faz em muitos lugares. que passa a usá-lo para levar comida aos porcos no sítio. Todos os fatos mentais são de uma certa forma assim. a desvia para o mau uso de suas aptidões. Não é qualquer um que serve. O fato de variar não permite. caçambas. com a ciência no curso de sua história. ser entendida como uma espécie de cortina de fumaça. já a razão da mente. Isso dá bem conta de limites e coações básicas na estrutura do modelo. preparando-lhe novamente fôrmas. Personalidade social e axioma coletivo cap. assim como na consciência. Ou o meio a endossa. cor. Essa complexidade é. O grande detalhe é que o externo tem a capacidade de se tornar igualmente interno. no entanto. em parte. bem como certos bagageiros. Obviamente a paróquia quer algo mais sóbrio e funcional. Por isso o fator sitiante do meio. de parametrizá-las. Imagine que um pároco compra o carro envenenado do jovem. então. Procurará novos acessórios. pág. acessórios. certas rodas não servirão naquele modelo. Na personalidade. da ação ao dever. repisando a trajetória que vai do cerebral ao mental. mas a mente propriamente dita surge quando nos tornamos conscientes de uma parcela dessa complexidade de atuação e percepção do meio. enfim. são verdades provisórias. Provavelmente os outros 75% se devem aos acessórios. grande complexidade. Isso tem acontecido. de uma certa forma. de maneira geral. que se faça qualquer adaptação. usos. ou educa. Teorias não são verdades últimas. nos fatos mentais. o modo como lidamos com nossas mentes e a colocamos em exposição no mundo varia brutalmente. serão fatos posteriores. etc. do privado ao público. Ao meio. é um meio de estabilizar decisões. Nem tudo é possível. uso. Qualquer definição de personalidade é uma forma de caracterizar os aspectos essenciais do modelo. quando a mente deixa de servir à sua vocação primária. . Naquilo que é essencial ou genético podemos ter algo da ordem de 25% responsáveis pelo modelo básico.SÍTIO DA MENTE Há.21 Personalidade modo como cada um de nós percebe a cor vermelha ou a torre de televisão. Quando deixamos de processar respostas monótonas diante do meio e passamos a eleger muitas operações possíveis para as mesmas entradas. Os penduricalhos. passamos a requerer uma forte dose de complexidade de processamento e julgamento. etc. A personalidade. Mesmo no mais puro e preciso domínio da matemática há uma série de axiomas e primitivos a partir 390 Henrique Schützer Del Nero A personalidade pode. Assim. apenas aqueles que são compatíveis com aquele modelo original. Como? Vamos lembrar-nos das teorias científicas e do problema da verdade como um todo. Há um nítido componente arbitrário em qualquer ramo do conhecimento. de roupagem externa do ser. é difícil dizer se o que vem antes é o individual ou o coletivo. não são capazes de fazer certas coisas: correr a mais de 200 km/hora. Henrique Schützer Del Nero A geometria pode partir de axiomas em que retas paralelas não se encontram (geometria euclidiana) ou pode admitir o contrário (geometrias nãoeuclidianas). Portanto. de uma certa maneira. um desses sistemas para situações complexas. arbitrário e contingente de suporte para as interpretações complexas. Esse problema. A ideologia. Personalidade pode ser medida como um estilo de reação diante de certos fatos existenciais complexos. Isso. de paradoxos existenciais. carroceria. etc). usará de primitivos neurológicos (é o caso da discriminação de objetos. é guindada por uma sustentação da personalidade. manter a aderência em situações x ou y. Imagine que para certos fatos é preciso medir o desempenho e o estilo de ação dos dois carros descritos páginas atrás. e o significado da ação. de ações motoras.) e dois terços depen- 391 Essa “teoria”. etc. de posições sociais. existem no plano individual e no social. o valor. a propaganda e a “espiritualidade” são fortes candidatos a eixos por onde transitam os modelos de personalidade social. Se para situações mais triviais essa axiomática pode estar fundada em primitivos de ação e de percepção. internos e externos. andar na lama tal fossem jipe. é o resultado do balanceamento de fatos mentais e de estilos de processamento. políticas. a moda. a justificação. há de haver um conjunto axiomático. se fácil e circunscrito à percepção ou à ação. Esse conjunto de axiomas. Assim. . etc. o que está em jogo é a escolha de uma certa gama de primitivos axiomáticos que sustentem a construção analítica da interpretação e da ação. que é basicamente o resultado do processamento mental que atualiza a cada momento uma expectativa em relação ao futuro. assim. de pontos de referência arbitrários. talvez um terço de base genética (chassi. para situações complexas esses primitivos são o conjunto de andaimes de personalidade que sustentam uma visão do mundo e de si. da reflexão e da percepção passarão por um crivo de construção de “teorias” sobre o mundo e sobre os fatos. de usos. São duas concepções axiomáticas que fundam uma série de derivações e interpretações bastante precisas.). cap. Embora diferentes. Dê-me um problema que deva ser interpretado pela mente.21 Personalidade dos quais se constroem derivações. Tanto no plano individual quanto no social há axiomas que norteiam as possíveis soluções de convergência. Embora bastante diferentes nos penduricalhos. A soma constitui uma personalidade.SÍTIO DA MENTE A personalidade seria. de reações e de limitações. No caso de ações complexas. pág. uma interpretação do passado e uma valoração do presente. têm uma série de atuações comuns. econômicas. Pode haver sistemas de axiomas rivais. indução. análise) está certa ou não. no contexto do conhecimento. Imposto. no entanto. explícita ou implicitamente. pág. ou subliminar na educação SÍTIO DA MENTE Os axiomas seriam. isso se situa em algo que está para além ou aquém do contexto. Com uma sutil diferença: na personalidade social. Lembre-se de que esse panorama é inquestionável. vemos recriado. cap. Talvez o exame do sítio cerebral da mente. Todas elas são úteis para fins específicos. o resto se torna necessário. crédula ou crítica. lógico. discordar dos axiomas ou questioná-los. modificações e usos). Henrique Schützer Del Nero Esse conjunto deve servir diante dos problemas ambientais como uma primeira matriz de valoração e de colocação do problema. Se aceitos. Isso sugere que a quantidade de fatos e a complexidade de caminhos pode seguir muitas e diferentes vias. São rivais e deve-se exercer sobre elas opção voluntária ou não. e propaganda. Na matemática posso dizer com precisão se uma determinada derivação (dedução. o resto estará em condições de ser avaliado como certo ou errado. Não posso. somos bastante diferentes. sustentação para a decisão e para a elaboração de inferências. o axioma. assim. possa auxiliar na escolha de melhores sistemas axiomáticos 392 Esse além ou aquém é uma gama de informação axiomática que sustenta as operações decisórias. Tanto na ciência quanto na política pode haver algo de arbitrário que antecede o lógico e racional. mais ou menos certos.21 Personalidade dentes do meio (cor. ciente da mente-cérebro ou ignorante. para fatos mais complexos. e normalmente está. da percepção e da moral. acessórios. São pragmaticamente verdadeiras em função de certas aplicações.Um exemplo provisório desta formulação é minha hipótese de que há proposições inquestionáveis de base que servem para uma interpretação posterior da ação. segue-se da má escolha da porção axiomática. se há em meio à complexidade e à pluralidade de ações alguns denominadores previsíveis. agora personalidade social. Podem estar na base de alguns matizes de personalidade social. que envolvem interação. Se para fatos perceptuais e motores somos bastante iguais. não é o acaso que gera a variação. Porém. . é a força que a impõe. o binômio evolutivo acaso/necessidade ou variação/seleção. Se isto é verdade para tantos domínios. de sua condição de predicado adaptativo. Os fatos que se seguem são mais ou menos precisos. Essa força pode ser explícita na censura e na repressão. O raciocínio pode estar perfeito. Tome-se aquele que tomar o acaso que cria variabilidade na natureza como análogo do forte que impõe o tom da lógica social. como a geometria de Euclides e as não-clássicas. valoração e conduta. meridiano. m) o prazer é um dos elementos da realização X o dever é um dos elementos da realização. corremos o risco de paralisar a ação. Suponha que. valores e sensações. f) o dever deve ser modulado pelo prazer X o prazer deve ser modulado pelo dever. perceber e valorar em situação complexa. e) o perdão é absolutamente essencial na relação humana X a punição é absolutamente essencial na relação humana. De maneira geral. percepções e valorações da parcela pública e social de nossas mentes. creio. não necessariamente espelhando duas colunas rivais. a percepção e o juízo. c) a preocupação com as futuras gerações é fundamental X a preocupação com a atual geração é fundamental.SÍTIO DA MENTE i) a liberdade tem limites X a liberdade só é liberdade quando ilimitada. respostas. muitos são os paradoxos e as situações antagônicas na vida e na ação. Agir. quando a mente tem sua máxima expressão. à saúde e à educação básica X apenas os que se esforçam e são capazes devem ter acesso a isso. pág. mas rivais em si (é tarefa de cada um escolher em cada item sua posição axiomática). Vejamos algumas delas: . cap. 393 h) a liberdade individual é o bem maior X a igualdade de oportunidades é o bem maior. Esse conjunto de afirmações. n) ser é fundamental X ter é fundamental. devo estabelecer um conjunto de axiomas que dirigirão minha geração de raciocínios. p) os fins justificam os meios X os meios definem os fins. Sem pontos de partida. inferências. é difícil.21 Personalidade que sustentem as deliberações advindas dessas personalidades sociais. g) a oferta de moeda inflaciona X a estrutura complexa da economia inflaciona (sendo a moeda apenas um dos elementos). a) todo ser humano deveria ter acesso garantido ao alimento. tem servido de axioma donde derivam várias ações. o) a verdade é fundamental X a eficácia é fundamental. b) a preocupação com o semelhante é fundamental X a preocupação consigo e com os parentes próximos − linha direta − é fundamental. Henrique Schützer Del Nero d) nem todo ato errado é proposital X todo ato deve ser entendido como proposital. se devo agir em situação humana complexa. O que decorre a partir de então pode ser avaliado como lógico ou não. Há acaso na formação de novos traços pela obra das mutações. pág. bem como as ações e reflexões. a meu ver. valoração universal. O acaso. suas instâncias de aparição e. no processo de seleção. há algo de arbitrário que antecede a derivação mais ou menos rígida. certo ou errado. podem se tornar necessários no plano da mente cerebral. de axiomas. de valores. Sobre elas pode-se construir cadeias de raciocínio mais ou menos rígidas e precisas. Henrique Schützer Del Nero A ciência tem procurado a relação entre os símbolos mentais. As escolhas prévias. parece que há algo de inquestio- SÍTIO DA MENTE Toda a articulação de hipóteses e teorias segue. A verdade é sempre pragmática. vimos que a natureza desses mesmos símbolos tem de ser elucidada.Essa constante alternância entre o acaso que cria a variação e a necessidade que cria a seleção inspira quase todos os ramos do conhecimento e de sua atuação. são arbitrárias. As teorias são sempre provisórias. cap. . é inquestionável e intratável. O acaso cria os axiomas e as formas de personalidade. antes de qualquer apelo às relações decorrentes deles: regras. Definitivamente. Também a mente social tem relações análogas. são necessidade passível de exame. A necessidade cria os raciocínios e os argumentos. procurar-lhes os símbolos. Em toda formulação. da reflexão e do julgamento. adaptado ou não. como proponho. Na teoria da evolução. há necessidade pela conjunção desse novo traço e sua adaptação ao meio. Sobre essas novas características se debruçará o meio ambiente. é benéfico em muitas situações. 394 O acaso cria a variabilidade e a necessidade cria a seleção. Uma característica nova será selecionada com relação a um determinado contexto. é a parte variável e casual do conhecimento. A adaptação ao meio é sempre provisória. mesmo na matemática mais precisa. de método. regularidades ou sincronização. impossíveis de discussão. as mutações nos genes vão criando pequenas ou grandes variações nos seres.21 Personalidade A personalidade é um misto de hereditariedade (norma posta) e jurisprudência (resultado médio das coisas concretas já julgadas/aprendidas) que define o patamar axiomático da ação. Essa cadeias de raciocínio são a parte sujeita à razão e à inteligibilidade. seu compromisso com a adaptação da espécie e não do indivíduo. nem há. nável nas disposições axiomáticas do conhecimento. se arbitrários porque convenções no plano da mente sem corpo. confronto e debate. a ordem ambivalente do acaso e necessidade. selecionando a melhor adaptada. pode auxiliar na discriminação dos axiomas da personalidade social. Não há uma direção universal no processo de mutação. fonte de variação. Por ser um axioma. As melhores técnicas de tratamento envolvem pro- A personalidade é externa porque muito mais moldada pelo meio que pela hereditariedade. Ela. também é externa na medida em que é fortemente moldada. tomando o cuidado de escolher os melhores axiomas e construir suas melhores derivações. O individual porque levará ao colapso do coletivo. para além da genética. pelo meio e pela história. do ponto de vista individual.21 Personalidade A personalidade amoral. pode ser derivação ou lei numa outra ciência. na forma. que não percamos. esses dois axiomas. bem como grande parte da mente. um conjunto pouco acessível de regras e regularidades. Se. a amplificação da pouca ética nas condutas. Há algo de arbitrário em todo o processo de racionalidade. do ponto de vista coletivo. ambos são ameçadores. Pense no círculo vicioso que vai se intalando com esses dois fatos: ética decrescente e individualismo. Como conteúdo é um discurso em parte herdado e em parte aprendido pelo convívio com os outros. me parecem levar a um impasse. Socializar e educar são maneiras de aplicar a necessidade sob a forma de imposição. Defendo que aquilo que é axioma no nível social. Incorpora-se lentamente ao mundo interior uma visão de mundo que inicialmente é externa. A biologia evolutiva deve nortear as escolhas de axiomas porque a ética é fator de equilíbrio para a formação de grupos sólidos e o individualismo é absolutamente danoso em matéria de perpetuação da espécie. cap. uma ênfase no individualismo e na realização privada. podem ser apenas acaso que cria suas variações. . Se temos que conviver com uma razão que não pode atingir o grau supremo de atuação. salvo em situações específicas em que a luta pela sobrevivência é isolada e egoísta. A ética e a solidariedade entre as pessoas são axioma que preservam a espécie humana. a amoralidade e o individualismo a colocam em estado de sítio. ao menos. tendo que se conformar com algumas escolhas arbitrárias. não teremos como fazer frente a duas variações que têm povoado nosso meio: do ponto de vista individual. no plano individual. político e econômico. pág. se é interna no sentido de patamar a partir do qual se darão os raciocínios. e alguns conjuntos de axiomas da personalidade coletiva. O coletivo porque simplesmente corrobora e formata os novos indivíduos. um individual e outro coletivo. do ponto de vista coletivo. Se entendermos que há arbitrariedade e aleatoriedade no processo de escolha ou geração dos axiomas. o ideal de salvaguardar a espécie no momento dessas escolhas. Assim. cessos de ressocialização e submersão numa nova ordem de pactos e limites para os comportamentos.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 395 Do ponto de vista psiquiátrico. é. a correção de distúrbios de personalidade deve ser entendida com cautela. embora se deva ter em mente que a variabilidade dos modelos é grande e que dentro de cada modelo há uma série de adaptações (cores. Henrique Schützer Del Nero classificada. Isso tem importância para que possamos estabelecer uma hipótese acerca das personalidades com forte componente amoral. Se parecem ser totalmente não-funcionais para o convívio social. baseada em três características: quanto à ação. mediato ou imediato. A mente. e isso está contemplado na percela de acaso que cria variabilidade. é um diagnóstico-limite da psiquiatria. No ser humano são muitas as suas formas e também os eixos em que é O valor.7 Adoto uma classificação. aparece aqui como sucedâneo da consciência. culturais e políticos da personalidade. não é mais o natural. Isso é teoria evolutiva pura. acorde com o fio condutor do livro. Por pouco tempo. pág. Se a variação pode criar aberrações. O amoral.SÍTIO DA MENTE Isso faz com que tenhamos um dever de escolher a sociedade que tornará um tipo ou outro de personalidade adaptado. corre-se o risco de fazer do amoral o grande sucesso de amanhã.21 Personalidade Dessa maneira pode-se falar em determinantes sociais. etc. uma vez que estamos diante de algo que pode ser apenas variação. no plano individual. quanto à percepção (ou sensação) e quanto ao valor. modelo de mente. nem por isso podem ser colocadas como variabilidade indevida ou errada de princípio. há que pensar no meio que vai torná-lo adaptado ou não. o amoral seja o super-homem do futuro. Síntese Portanto. para a sociedade como entendemos até hoje. pelo menos em sua parcela fundamental. . no entanto. Espero que não se deixe caminhar a personalidade social de tal sorte que suas escolhas axiomáticas preparem terreno para que. cap. mas o social. falando de modelos de mente. tradicionalismo. a necessidade é que cria a adaptação. espiritual e instrumento de sucesso individual pode se deixar seduzir por variedades leve- 396 A personalidade é uma função complexa. se o psicopata pode ser variação. acessórios e usos) que podem tornar enormes a complexidade e a margem de correção. entendida como sem limite. Dependendo da sociedade que tomarmos como base média de onde partem as atuações individuais. Talvez limite porque obriga à revisão da própria noção de anormal. variedade individual de personalidade considerada patológica. e se há algo de axiomático e arbitrário no pólo casual do processo. Esse meio. Transita por eixos básicos que nos animais podem claramente ser liderança. para algumas considerações sobre classificação e psicopatologia.. 7. esses 25% devem ser os alicerces.41). e de muita valia para muitas situações. do meio e da propaganda na forja de grande parte dos chamados elementos acessórios da personalidade. DSM é sigla de Manual Estatístico Diagnóstico para doenças mentais que pretende uniformizar os procedimentos diagnósticos para esses transtornos. Cf. 366 pág.R. terá no elogio da relativização da ética a perda de sentido para o público e para o privado. Nesse caso os outros 75% seriam devido ao meio. Quem supõe que esses exemplos são absurdos e jocosos em excesso não avalia o papel da moda. O mesmo que se faz para estudar qualquer fenômeno hereditário. SÍTIO DA MENTE 4. Mais ainda. Scientific American Library (pg.D (1996) “The Effect of Social Experience on Serotonergic Modulation on the Escape Circuit of Crayfish” in Science vol 271 p. cf. uma vez que fatores 5. vãose obtendo linhagens genéticas puras. se a personalidade é uma edificação. Uma afirmação conservadora diria que pelo menos 25% da herança são seguramente devidos à genética. Fricke. É impossível construir um viaduto com os alicerces (estrutura) de um prédio de 20 andares. não sabemos se há linearidade nos 25% primeiros e nos 75% restantes. Ambos perecerão: a personalidade individual de tipo amoral e a sociedade que lhe preparou o banquete: a espécie entrará em colapso. Embora louvável. se entendida como predicado adaptativo da espécie que fundou e permitiu a reunião. Barondes. Henrique Schützer Del Nero Notas de 25% são bastante grandes. Essa consideração pode ser fundamental para todos aqueles que costumam proclamar sandices estatísticas sem compreender certas limitações que esses métodos carregam. carece de embasamento no que diz respeito ao panorama teórico. 3. Cf. ao longo de algumas gerações. 1) 397 2.S. (1993) Molecules and Mental Illness. . e Edwards.1.21 Personalidade mente psicopáticas. talvez extinção. 6. Porém. O método de purificação de característica genética lança mão de um artifício que seria impossível em humanos. Dá para entender. então. Costumo dizer que. Fazem-se determinados cruzamentos de purificação e. Sobre personalidade. como o problema da personalidade é complexo.S. cap. Yeh. 398 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero cap. Mestre Jou.pág. São Paulo: Ed.) . M.tem por objetivo apenas testar aspectos da teoria geral sobre a mente. Nova Iorque: Basic Books.. 2) Cooper. A. (1978) Psicopatologia Clínica. K. Essas referências são fundamentais para que se conheçam os outros tipos de distúrbio de personalidade que não foram tratados no capítulo.21 Personalidade Schneider.. sensação e valor . (ed) (1986) The Personality Disorders and Neuroses. (A teoria de personalidade dos três eixos . Sacks.ação. A. Frances. um manipula e processa informação. formada pelos neurônios. Seu grau de complexidade.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. “quantidade é qualidade”. Há na porção responsável pelo processamento. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. Henrique Schützer Del Nero A mente organizada cap. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. entre os mamíferos. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 22 cializado na recepção de informação. tal qual fosse um computador. vai aumentando de acordo com a escala animal. basicamente. ao longo de milhões de anos. Isto mostra que. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal.22 O sonho como função parte 4 . Assim. um dos números mais gritantes é o de encefalização . uma pág. formado por dois conjuntos de células . o outro dá suporte físico e sustento. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. no entanto. e. integração e execução motora. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. O sonho como função collegium cognitio 399 O cérebro humano é. algumas vezes. o sonho é uma forma interessante de consciência que nos permite fazer algumas aferições sobre o modo de funcionamento do cérebro humano e sua relação com o meio externo. sonho e revelação. etc. O domínio público é aquele em que o discurso e os objetos são aferíveis e experimentáveis por qualquer um. ou público x privado. Henrique Schützer Del Nero A última função mental que devemos examinar é o sonho. pág. o sonho pode ter importância crucial no exame da mente. mas com o cuidado de duvidar de qualquer teoria que afirme com certeza a relação entre sonho e mente. o que quer dizer subjetivo. Não há sonho. É subjetivo para qualquer outra pessoa porque apenas descrito pelo sujeito que sonha. movimentos oculares). controle. se a consciência é seu principal elemento. outra objetiva que é o estado de 400 O sonho é extremamente interessante porque associa elementos de consciência com ausência de ação motora. Sua importância decorre do fato de que. Posso acessar o sonho por duas vias: uma subjetiva. palco como defini. O sono REM é objetivamente avaliável pelo traçado do EEG e também por outros registros (atividade muscular. que é seu relato. É objetivo para o sujeito. Isso não impede que se opine. até os dias de hoje. que endosse a visão do sonho como instrumento diagnóstico. Não se animem. Ao contrário do que algumas correntes científicas defendem. refiro-me a um objeto público. sonho e premonição. Por isso.O sono tem diferentes fases. Quando falo da cadeira que tenho em minha mente (ou em minha consciência) estou falando de algo a que somente eu tenho acesso. apontando na direção de uma. Essa faceta pode ser contraposta a um aspecto objetivo: costuma ocorrer numa fase do sono chamada de REM (ou de movimentos oculares rápidos). É na chamada fase REM que ocorre a maioria dos sonhos (podem acontecer.22 O sonho como função O SONHO COMO FUNÇÃO . raramente. cap. Ele pode ser entendido por uma vertente objetiva e por outra subjetiva. Quando digo “esta cadeira”. vontade e forte incoerência na narrativa. há na história do pensamento uma dicotomia extremamente complicada: objetivo x subjetivo. porém. objetivos. aqueles que vêem nele o mensageiro do inconsciente: não há evidência. dado imediato ou diretamente acessível. que compreendem diferentes traçados eletroencefalográficos (EEG). O sonho é objetivo para o sujeito. em outras fases). SÍTIO DA MENTE A noção de objetividade é pública. que se gerem hipóteses sobre mecanismos. como não há vida mental. degradado pela má memorização. o sonhar é estranho. Quando acordados durante outras fases do sono. percepção do ambiente e capacidade intencional de valorar cenários complexos. Raramente tem. quando sonha. Há sonhos lineares. 401 O sujeito que sonha é apenas uma percela da predicação do sujeito da vigília. liberdade.SÍTIO DA MENTE a) o sonho objetivo para o sujeito (subjetivo no sentido público) enquanto sonha. quer como argumento que nos levará a forjar uma hipótese: a consciência cerebral do animal pode. quer como instrumento biológico. A coerência também costuma estar ausente. se caracteriza como sujeito apenas pela sua posição diante do objeto sonhado (“ sou um sujeito perante o sonho” ). Há três modos... Durante a experiência propriamente dita. a vivência de sujeito está bastante comprometida: não se tem controle sobre o sonho (às vezes há um pouco) e não se tem a firme sensação de ser o sujeito que se é (o sujeito acordado não é o sujeito quando sonha).mas parece. . se assemelhar à nossa consciência onírica. coerência cognitiva.. porque o relato do sonho não é o sonho. c) o sono REM. no máximo. depende da vigília. ação. onde não apenas a estrutura e o desencadeamento das coisas não faz sentido. mas sua lembrança (devidamente deturpada pelo fato de haver má memorização nos sonhos − devido ao estilo de processamento de memória de curto termo e à ausência quase total de “salvamento” para memórias de longo termo). vontade. O sujeito. fase do sono objetiva publicamente em que há alterações no EEG e em outros registros objetivos da atividade cerebral e corporal.. nisso reside a função do sonho. como também outras imagens mentais. Lembre-se da impossibilidade de discriminação de propriedades de imagens mentais − é impossível contar o número de listas da zebra imaginada. normalmente narrativas fáceis. não estando presentes os outros elementos que caracterizam plenamente “ser um sujeito” − controle. b) o sonho descrito pelo sujeito. Ainda assim é sujeito parcial e consciência parcial. ratificando ou inibindo-os. da sociedade e da capacidade de valoração das ações complexas. Na verdade a situação é mais complicada. cap. se despertarmos pessoas durante essa fase. O relato se dá na vigília. consciência plena. pelas lacunas e pelas descrições meio forçadas (“não tenho muita certeza. então. quase que invariavelmente descreverão estar sonhando.22 O sonho como função sono REM.”). de encarar o sonhar: pág. Há outros desordenados. contornos nítidos. dificilmente relatam experiências oníricas. Durante sua ocorrência. Henrique Schützer Del Nero O sonho experienciado pelo sujeito se dá durante o sono. a Sabe-se que há ocorrência de sonhos em fase REM de sono porque. o maior trator do mundo e tomou conta de tudo. horas a fio no computador. dilatação normal da madeira..Uma pessoa estava enterrada na areia. Minha concepção acerca das terapias mentais baseadas em interação verbal é essa. processo de geração de hipóteses e discursos.. houve também assentimento. ambos. nem suspeita. Embora não houvesse percepção clara.. luzes que se tornam estruturas paralelas divergentes e estalos no assoalho. a elas se agregava o estalo do assoalho. pode possibilitar a discussão acerca dos estados mentais de uma pessoa. Procuro com a mão minha mulher. tal fosse um delirante. o processo de reordenação e classificação em novas categorias fornece aos cen- 402 Quando eu escrevia este livro.. dizendo: “eu sei que há.Mas isso não põe por terra a possibilidade de que a mensagem tenha algo que ver com experiências prévias. tam a vivência alucinatória de uma casa prestes a ruir. excitado pelos vestígios do dia. Abaixo da horta. protegendo-lhe o corpo. até o momento.Não conheço a senhora. Isso põe por terra. temores. Eram luzes paralelas que divergiam numa estranha deformação.22 O sonho como função como também há alterações de indivíduo e de lugar: “ Havia uma casa de fazenda. o curso do sonho.. mas no meu sonho era minha tia fulana de tal. aparecendo uma série de escaras. os tipos humanos no sonho são parametrizados pelos tipos e tamanhos de letras usados no programa do computador. idéias. houve assentimento. que na verdade era minha casa de praia. cap. Ainda que não se possa afirmar categoricamente uma série de relações − justamente pelos aspectos dinâmicos e pessoais ligados à sua formação − . Acordo assustado.. susci- SÍTIO DA MENTE Cientificamente. que no sonho era a tia fulana. etc. mutilada. Interpretar um sonho. tentando evitar que caia no fosso prestes a se abrir no meio do quarto. quando se sugeriu a relação entre o “tomou conta de tudo” e o medo de metástases. imperceptíveis à consciência e narrativa oníricas. somente jamais se achou”). Outra noite. mais de uma vez. pág. Uma pequena luz que aponta a hora no despertador digital me invadiu. Uma senhora de cabelos longos dizia algo. afirmações categóricas sobre sua condição de intérprete e mensageiro do inconsciente (em ciência não é permitido balançar a cabeça. dormia pouco. ..” Esse sonho descreve alterações de lugar: a casa de tal lugar que está em outro lugar.Chegou um trator. havia um barranco e para lá do barranco estava o mar. quando sugerida a relação entre o corpo mutilado do sonho e a sensação proveniente da operação.. nenhum experimento feito até hoje mostrou relação significativa entre conteúdos oníricos e alguma mensagem específica. de pessoa: uma pessoa que não conhecia. Henrique Schützer Del Nero Este sonho foi relatado logo após uma cirurgia de extirpação de tumor. outra às lides intelectuais. (Não tinha parado para analisar. Henrique Schützer Del Nero Por que não me foi imediatamente óbvia a associação? Isso costuma ocorrer e. De fato. Esses elementos juntos nos serão vitais para entender algumas das hipóteses que emergem de sua análise como fenômeno mental e sua relação com o cérebro. dividido entre o trabalho de consultório e a produção de uma tese acadêmica. b) padrão de EEG muito semelhante ao estado de vigília. Era como se tivesse sonhado estar dividido entre o amor por Margaret Thatcher e por Simone de Beauvoir. Os outros. Nesse sentido o processo é uma reconstrução de elos possíveis. pela mão da interpretação. de tal sorte a fornecer ao outro novas maneiras de classificar objetos e relações. sem que haja controle voluntário de percepção e de motricidade ou memorização eficiente. subjetivos. antes de ser devido à repressão ou censura. e) consciência e vivência que lembram situações de vigília. ponderar novas e insuspeitadas relações que resolvam impasses. relatei apenas a ocorrência das duas senhoras. pela consciência e pensamento. c) ausência parcial de controle voluntário. .) “Parece que você estava dividido entre dinheiro e cultura” disse ela. parecendo “reais”. Acordei e contei para minha mulher. consciência e atividade(s) mental(is) normais. Parece bizarro porque o que relatei para ela e para mim mesmo não foi a qualificação de fulana ligada a dinheiro e beltrana ligada à cultura. pode agora. é problema de memória e tipo de processamento cerebral. de pesquisa e de geração de teorias e hipóteses.SÍTIO DA MENTE Certa vez tive um sonho com duas mulheres: uma era pessoa ligada às lides financeiras. Dividido entre dois senhores − no sonho. O processo não deixa de ter componente didático. Pela descrição. d) ausência parcial de crítica e coerência. pág. duas senhoras − devia decidir o que privilegiar − o trabalho melhor remunerado ou o acadêmico. Claro que no sonho não apareceram essas duas conotações. mas a verdade é que não me fazia muito sentido a eventual mensagem desse sonho. apreensões e hipóteses. na época estava sobrecarregado. isto é. de tal maneira que se o interlocutor se encontra ilhado em encruzilhadas afetivas e subcorticais. cap. depreende-se ser o sonho um estado1 403 Os fatos a) e b) são objetivos.22 O sonho como função tros superiores (córtex associativo) nova teia de relações. O sonho é um recrutamento na consciência de imagens conceituais que dizem respeito a fatos vividos. Durante a fase REM do sono há: a) desligamento de atividade sensorial e motora. então a consciência (pelo menos parte dela) é função que depende exclusivamente da porção cerebral envolvida no sonho. pág. seja pela ação. que a forma desta atividade elétrica é o que define o objeto a ser codificado e também a sua manipulação. salvo se imaginássemos que não temos nem consciência nem vida mental. então a atividade elétrica é também semelhante. se a consciência no sonho é degradada. a despeito de estarem desligadas as vias sensorias e motoras. a percepção e valoração. estas sim recrutáveis das imagens perceptuais e motoras. .3 Mas se o engajamento é responsável pela coerência. e se a consciência. e) unidade plena da sensação de ser o sujeito da ação/cena. verossimilhança e verdade são funções do acoplamento da consciência com o meio. a consciência cerebral engajada com o meio. fora do contato com o meio. se definimos a consciência como a principal função mental. Controle. ainda que de forma degradada. antes de função exclusiva do cérebro autônomo. seja pelo valor. Também o controle voluntário. então o cérebro é suficiente para gerá-la. desde os primeiros capítulos deste livro. seja pela percepção. b) coerência. capacidade de memória. a despeito de estarem desligadas as vias motoras e sensoriais. 404 Porém. de reforços. cap. Se a consciência é algo que emerge durante o sono. Vimos. de unidade subjetiva do “eu”. para gerar os itens a). coerência. Porém. parece necessário o contato com o meio através da ação e da percepção. Poderíamos dizer que o sonho é a consciência cerebral autônoma e a vigília. Também seria a geração de memória de longo termo. d) capacidade de crítica/ juízo. mas cerebrais engajadas na relação do cérebro com a ação. memória de longo termo. o palco onde ocorrem as outras funções. c) e d) listados acima. seus circuitos principais e as funções que. embora atribuídas a ela. crítica/ juízo e sensação plena de ser o sujeito da cena dependeriam da ligação motora e sensorial com o mundo. aparece no sonho. Portanto. ainda que degradada. então o cérebro sem o meio é suficiente para gerar consciência e vida mental. então a geração de plausibilidade. b). mas apenas memórias.22 O sonho como função mental fantástico para pensarmos algumas de nossas idéias sobre a mente e sua relação com o cérebro e o mundo. Isso tem importância porque houve quem pensasse ser a mente apenas uma folha em branco em que a experiência escrevia suas marcas. c) capacidade de Se a consciência pode acontecer. Pelos itens listados podemos perceber que.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Isso pode mostrar os limites da consciência. os aspectos ausentes em relação à consciência da vigília são: a) controle. não são puramente cerebrais-autônomas. se o EEG é praticamente igual no estado de vigília e no sono REM. seria função do cérebro em contexto. o meio é fundamental para a vontade. de uma certa maneira. O sonho é. juízos. o meio é fundamental para ela. um elemento fundamental que mostra a gênese cerebral autônoma de consciência. f) a fixação de memórias é plena na vigília e parca no sonho. o meio é fundamental para a manutenção da coerência. b) os estados psicóticos podem ser encarados como análogos do sonho. um elemento que corrige. Henrique Schützer Del Nero a) o cérebro é órgão ativo e não passivo. uma pista para entender alguns estados de alteração mental (particularmente as psicoses). é puramente cerebral. o exame das condições de consciência no sonho pode me ajudar a elaborar duas hipóteses fundamentais: pág. logo. A 405 b) o meio ambiente é apenas um reforçador de teorias. assim. SÍTIO DA MENTE Poder-se-ia inferir que. o palco onde se desenvolvem as outras funções. que também está presente no sonho). Se mantivermos a noção de que a consciência é a principal função mental. cap. d) o controle voluntário é pleno na vigília e raro no sonho. gerando todo o tempo planos e ações (o que estaria endossado pelo estado de consciência do sonho). em sua faceta autônoma. pode-se dizer que são fundamentais para a plena atividade consciente (aquela que ocorre na vigília). verifica e refuta hipóteses geradas pelo cérebro − portanto. assim. o pleno funcionamento dos circuitos de acesso à memória e de gravação dependem do meio. então. O estudo do funcionamento cerebral no sonho e de seu correlato com a vigília normal pode ser. controle e unidade do “eu” estão deficientes.22 O sonho como função Isso tem importância crucial no nosso esquema porque. Por serem ou não dependentes do meio. A psicose seria. as únicas funções mentais que parecem deficientes no sonho são a memória e o controle voluntário. Por outro lado. e) a noção de unidade do “eu” é plena na vigília e rara no sonho. mas insuficiente. uma espécie de estado onírico em que memórias. uma série de funções ou de faculdades mentais são muito mais dependentes da ação e da percepção do meio do que se poderia supor. .a) a consciência plena depende de memória e de controle voluntário (além da vivência subjetiva de consciência. Logo. logo. seremos levados a corroborar algumas das hipóteses mais modernas sobre cérebros: c) a coerência discursiva é plena na vigília (exceção feita às psicoses) e parcial no sonho. tanto a ação motora quanto a sensorial seriam apenas instrumentos de correção de planos gerados centralmente. embora mantidos os contactos motores e sensoriais com o meio. logo. a consciência. se unidade do “eu” e coerência discursiva são conceitos mais complexos. logo. mas energeticamente irregulares. a vontade e a unidade do “eu” pareciam não depender. ficariam duas questões fundamentais. Do acima dito. Henrique Schützer Del Nero O cérebro seria. táteis. para esclarecer o problema. no nível de blocos de discurso e não apenas de unidades proposicionais de discurso. poesia concreta é não-proposicional. Sonhos são fascinantes. Em sendo verdadeiro que dependem. posso imaginar uma nova função para o meio. a não ser que haja uma estrutura proposicional oculta (ou metaproposicional). uma vez que o problema da consciência é fundamental na discussão sobre a nossa mente. Para a moderna ciência cerebral. nos casos extremos. . o nãoproposicional seria apenas aleatoriedade neural (disparo de assembléias ao acaso. afinal. mas não as verifica porque está desacoplada do meio. do controle e da unidade do “eu”. Também a linguagem permite um grau de sofisticação e aprofundamento no exame dos seus conteúdos e funções. podemos inferir que estão tendo sonhos visuais.22 O sonho como função ausência do meio no sonho pode explicar a ruptura da memória. pág. no ser humano adquirem especial significado. SÍTIO DA MENTE 2) O fato de a psicose tomar não-proposições como comunicativas poderia ser um problema em outro setor. Porém. cap.4 Pela atividade de órgãos sensoriais e outros parâmetros. para a sociedade. Para certas hipóteses de redes neurais sua função seria apagar más memórias. tendendo a tomar proposições falsas como verdadeiras e. No caso. também um nível metaproposicional seria requerido.5 Não psicanaliticamente. Mas se a memória talvez dependa do reforço ambiental. não-proposições como comunicativas. 406 c) a psicose gera proposições e não-proposições. etc. podese indagar se os sonhos desorganizados são proposições ou não (embora não esteja em questão se são verdadeiras ou falsas pelo desacoplamento com o meio ambiente). b) a consciência onírica gera proposições e não-proposições. na forja da vontade (ou pelo menos do controle voluntário) e na unidade do “eu”. comunica e é não-psicótica. como se fossem departamentos fazendo treinamentos). assim.a) a consciência plena gera proposições e verifica se são verdadeiras ou falsas. Porém. sua principal função seria fixar memórias guardadas da vigília. capaz de gerar proposições e o meio seria encarregado de verificá-las. Diria que uma hipótese de trabalho seria a seguinte: 1) O sonho proposicional mereceria interpretação. Animais sonham e podemos inferir por aspectos objetivos que conteúdos estão sendo sonhados. Mais ainda. estruturas quantificadas e predicadas tais que permitam sua substituição pelos termos da linguagem. dependendo de variáveis cerebrais autônomas. vontade e unidade da pessoa são fundamentais. Se uma fôrma define o encaixe. vontade e liberdade. A mente fornece formas. permite que defendamos uma concepção compatibilista quanto aos tratamentos das disfunções mentais. uma forma define um análogo desse encaixe no plano das regras lingüísticas. memória. cap. então Sócrates é mortal ”. Se o cérebro fornece moldes através de sincronização de módulos. já interpretados. formas mentais são basicamente sentenças quantificadas gerais de relação de entidades e de predicados. Assim. embora haja importância em todos os pólos. Henrique Schützer Del Nero Hermenêutica e psicoterapia conteúdos mentais. SÍTIO DA MENTE O cérebro produz o molde y através de sincronizações. temos “Existe Sócrates. S = homem e P = mortal. cabendo ao meio apenas corrigi-la. vale mencionar o fato de que a relação entre consciência. afinal entre a 407 O sonho mostra que a consciência tem muitos de seus predicados ligados ao ambiente. O cérebro produz o sonho. então x é P ” é uma forma mental que se encaixa na fôrma cerebral. O cérebro fornece fôrmas onde se encaixam formas e O cérebro fornece fôrmas. Alterações de formas mentais costumam requerer ambos os tratamentos. A sentença quantificada do tipo “Existe um x. Conteúdos são os candidatos a substituir essas variáveis quantificadas. tal que se Sócrates é homem. uma hipótese para a consciência. Cada um pode supor cadeias de interpretação que são dinamicamente definidas pela interação do cérebro com o meio ou pela correta substituição dos termos nas sentenças significativas. Há diferentes níveis de conteúdos mentais. O sonho nos comprova a tese de que.Estudar conceitualmente o sonho nos descortina. S e P são conteúdos mentais (símbolos). pág. . para x = Sócrates. de ações e percepções sobre o meio. Alterações primárias das fôrmas cerebrais precisam de medicação. Elementos que substituem x. tal que se x é S . no modelo deste livro. são o resultado da operação de um palco consciente corrigido pela sensorialidade e pelos testes motores. quem gera a consciência é o cérebro. antes de atributos internos.22 O sonho como função De qualquer forma. a realidade o enquadra. Controle. gerando proposições. baseadas em reclassificação e busca de interpretações. mormente nas situações complexas. embora degradada. "Commentary of Dreaming and Wakefulness" in Neuroscience vol. A vontade. tal qual concebemos. É assim um poderoso instrumento para entender funções mentais e sua relação com o cérebro.. etc. R. Aquela ligada ao cérebro não é capaz de produzir coerência. Aí entram as psicoterapias. 2) Winson. Alterações de conteúdo e. "The Meaning of Dreams" in Scientific pág. Cf. O leitor não deve se espantar com essa hipótese. Como exibe consciência. . É muito importante que fique absolutamente claro este aspecto. enquanto que a psicose exibiria uma forma robusta. 521-535). Henrique Schützer Del Nero Síntese Notas cap. Sonhos e psicoses seriam formas caóticas. D. não ocultas pela repressão. 44. J. Mais ainda. controle e vontade. O sonho seria uma forma bastante instável de caos.O sonho nos interessa de maneira fundamental. (pp. Há dois modos de ver a importância do sonho: um é o das teorias psicanalíticas que pretendem ver no sonho material que retrata profundezas do inconsciente. entre eles Rodolfo Llinás. mas obscuras à inteligibilidade cortical. 408 2.. resultantes de uma cascata de bifurcações (a bifurcação isolada é condição para o chaveamento da informação do modo automático para o voluntárioconsciente). por exemplo 1) Llinás. estando o organismo desacoplado do meio. de correta alocação de entidades e seus predicados. 1991.22 O sonho como função fôrma e a forma há uma relação de quase-identidade. deve ser a tradução de uma vivência numa sentença. material reprimido. Alguns dos maiores neurobiólogos da atualidade. outra é apenas ligada ao fato de que o sonho é um estado degradado de consciência. sobretudo. SÍTIO DA MENTE 1. requerem também retreinamento de conexões dinâmicas que aparelhem o sistema na forja de significados. a defendem com bastante consistência. Paré. na redução sindrômica o sonho é um dos 4 grandes tipos a serem reduzidos a uma dinâmica cerebral. mas que tem uma série de dados que nos podem ajudar a elucidar suas formas e funções. então suponho que a consciência tem uma parte fortemente ligada ao cérebro e outra ao meio. No 3. e Valle. "O cérebro tem um ponto de vista". (pp. Palmer. 1983. pp. ou algoritmos de remoção de memórias espúrias. Cf. A função seria retificar bacias de atração adquiridas durante a fase de aprendizado. J.4. estudo de sua função e das disfunções análogas. Cf. . Há interessantes trabalhos sobre redes neurais que “sonham”. F. Alguns trabalhos interessantes a esse respeito têm sido feitos no laboratório de Cesar Timo-Iaria. C. 158-159. pode-se arriscar dizendo que o sonho é consciência conservativa ou autônoma e a vigília é consciência forçada ou dissipativa. seriam eliminadas as memórias espúrias. a respeito de sonhos em redes neurais. (1995) "On the functional role of consciousness" in Ciência e Cultura. Hopfield. G. 3) Crick. 1983. "The function of Dream Sleep" in Nature vol.22 O sonho como função American novembro de 1990 (pp. Uma das máximas de Llinás é de que o sonho é a consciência sem a correção dos sentidos. vol. 409 5. A. Levado aos extremos. Mitchison. 42-48).. Feinstein.. Para aqueles que têm um pouco mais de familiaridade com certos sistemas complexos. 304. 304. R. o processo (unlearning algorithms) removeria todas as memórias. Não quero dizer com isso que o sonho pudesse eliminar a memória. diz Llinás. TimoIaria. Com isso. A consciência seria um sistema autônomo que se utiliza do meio apenas como fator de correção para suas "hipóteses corticais". D. cap.. "Unlearning has a Stabilizing Effect in Collective Memories" in Nature vol. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 3. particularmente em física.111-114). 47 (4). mas é interessante tópico para o pág. entre os mamíferos. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. no entanto. ao longo de milhões de anos. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. formado por dois conjuntos de células .um manipula e processa informação.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. e. um dos números mais gritantes é o de encefalização . basicamente. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. formada pelos neurônios. Assim. vai aumentando de acordo com a escala animal. Há na porção responsável pelo processamento. Henrique Schützer Del Nero A mente organizada cap. uma pág. Seu grau de complexidade. “quantidade é qualidade”. tal qual fosse um computador.23 Consciência: Conteúdo. vivência e função parte 4 . algumas vezes. vivência e função collegium cognitio 410 O cérebro humano é. integração e execução motora. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 23 cializado na recepção de informação.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. Isto mostra que. Consciência: Conteúdo. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. o outro dá suporte físico e sustento. livre ou coagido. Com o tempo. de intérprete da ação presumida. sem que para isso tenhamos consciência do que se 411 O cérebro paciente virou cérebro agente. não eram mais apenas os atos e as percepções que significavam algo. aprendizado e mecanismo decisório de solução de problemas baseado em memórias e riscos. passamos a requerer cérebros cada vez mais complexos. Agindo sobre o meio através da comunicação. Aparecem em formas de vida muito inferiores ao ser humano que já esboçam graus de controle sobre a ação e sobre a percepção. Esses estágios de reunião acabaram por embrionar sociedades. de sua redes-crição valorada com finalidade de justificação. Porém. A consciência serviria. VIVÊNCIA E FUNÇÃO . Mentes capazes de processamento complexo e de formas degradadas ou parciais de consciência (como a consciência no sonho) se viram obrigadas a criar uma consciência complexa. Se a mente for encarada como processamento complexo. mas sobretudo a sua justificação. A justificação. pág. Essas soci- edades foram aos poucos criando normas de convívio. então podemos considerar que há mente em animais menos complexos que o ser humano. cap. Essa consciência não era mais complexidade de ação. criou estágios de reunião cada vez mais avançados. as razões de um ato.23 Consciência: Conteúdo. Ação presumida porque o processamento cerebral complexo criaria inicialmente planos de ação e planos de percepção. então. como também pode haver consciência. mais rudimentar e parcial − tal ocorre no sonho. Mas era complexidade de moni-torização sobre a ação. convertem-se em ato ou alimentam outros processos. Se esses planos não apresentam conflito ou ambigüidade. calculando vários tipos de ação sobre o meio.SÍTIO DA MENTE Quando deixamos de ser totalmente pré-programados e passamos a incorporar memórias e aprendizado. Henrique Schützer Del Nero C érebros são comuns na escala animal. seu caráter voluntário ou intencional. o cérebro humano incorporou dois mecanismos fundamentais: a linguagem e certas áreas (neocórtex) que talvez sejam capazes de replicar ações e percepções planificadas. de conduta e centraram o problema da responsabilidade de cada um no par ação/percepção e respectiva justificação. ou presumidas. vivência e função CONCIÊNCIA: CONTEÚDO. com o tempo. passaram a constituir uma parte fundamental do juízo das ações. porque. d) a sincronização da ação e da redescrição valorada da ação será a consciência-sensação (ou conteúdo). Graças ao neocórtex há espaço de sobra para que se possa trabalhar com ações e percepções presumidas e suas redescrições conscientes valoradas e formatadas pela linguagem e memória. e investida de forte valoração. se a ação é complexa. uma interpretação formatada pela linguagem (afinal é a linguagem que será usada para acusar e para defender). no ser humano a consciência plena surgiria porque: cap. vivência e função passa. g) desta forma tanto a consciência cerebral passaria a ser o mais cultural dos fenômenos biológicos. Porém. É versão filtrada pela linguagem. não se passa ao ato. dever de justificação. sua redescrição valorada seria outra oscilação e haveria uma sincronização de ambas). então. f) se a consciência é forma valorada que serve à socialização. mas apresenta-se a ambigüidade para julgamento da consciência. pág. surgir em qualquer ponto da escala animal. não é cópia. a consciência se encarregaria agora de recriar a ação passada ou de projetar a ação futura com vistas a identificar nelas os elementos de defesa no tribunal da responsabilidade. Seria tão fundamental quanto em nós o sonho é fundamental para a vida mental. neocórtex (particularmente frontal) e sincronização (a ação complexa é uma oscilação. O contexto da justificação é parcial em relação às ações passadas e futuras. . A consciência parcial poderia. controle. Henrique Schützer Del Nero Se toda ação é complexa. do primeiro esboço de ação ou percepção (que chamo de presumidos). c) os análogos valorados da ação serão os conteúdos de consciência. repressão) de atividade inferiores. formada de linguagem. então. a) a linguagem cria aos poucos um padrão de convívio social cheio de normas de dever e de justificação. Não é réplica.SÍTIO DA MENTE b) o neocórtex é capaz de criar um análogo valorado da ação.23 Consciência: Conteúdo. pelas memórias. no entanto. devem estar presentes na consciência em caso de necessidade. Essa representação. como a 412 A consciência plena (humana) seria. Porém. inibição (coação. então também nos graus supracerebrais haverá alguma forma de consciência. Muito da ação foge à consciência e também à percepção. não há como recriá-la na perfeição. e) a consciência terá condições de inibir ou ratificar certas ações futuras e de refletir sobre ações passadas. estes sim. os elementos lingüísticos de descrição da ação e da percepção (proposições e discursos). Quando ambíguos. da moda. retroage sobre o cérebro e o faz engendrar consciência plena (consciência onírica mais coerência. da política. etc. pág. também sincroniza com a sociedade (reunião de indivíduos e fatos mentais. sincronização (forma de codificação do mental). Quando o meio vira sociedade. que coordena determinadas ações de ambos. as dinâmicas. memória. Os fatos sociais. mais opiniões. e sincroniza (inibindo ou ratificando. dever/valor e linguagem. etc. da religião. através da linguagem. dos heróis. cap. que retroage sobre o cérebro pedindo por consciência. Como é código mental. noção de sujeito. como um resultado da ação cerebral (lingüística e comunicacionalmente habilitada) sobre o meio. A consciência plena cria um análogo valorado da ação. o complexo. que exerce seu papel físico através da pena e virtual através da ideologia. Quanto menos regras. vontade.). da educação. Henrique Schützer Del Nero Na Figura 54 podemos ver que a consciência individual teria aparecido graças a quatro elementos: neocórtex (mais ou menos responsável pelo surgimento da consciência como redescrição valorada da ação/percepção). se necessário) com a ação. Distinguem-se os seguintes níveis − o reflexo. memória. de um lado há no nível social uma profusão de regras. A consciência surge aos poucos na história da espécie humana. Por isso. vivência e função sociedade em algumas de suas facetas seria o mais natural dos fenômenos culturais (Fig. e de outro parece haver uma profusão de opiniões. são progressivamente cada vez mais complexos. da censura.54 − Dois indivíduos reunidos em sociedade.SÍTIO DA MENTE A linguagem cria a comunicação. . 413 Fig. etc. dos costumes.).54). valores. o consciente individual e finalmente o “consciente-compartilhado ou coletivo”.23 Consciência: Conteúdo. assim. onde A* é redescrição ligüística de A. g) consciência plena é função e sensação (parte que aparece no sonho). em t +1 a redescrição da ação. O reino do dever pode ultrapassar seu aspecto positivo e contingente para voltar a fundar-se na ordem cerebral humana que o engendrou. pág. é preciso olhar para o código mental que o cérebro inventou. O fenômeno recruta grande parte do cérebro para ocorrer porque (Fig. porque ali está. Isso é fundamental porque o instrumento de escolha da ética. fenômeno que surge da pressão da sociedade pela ação e pela justificação ou versão da ação. da sociedade. enquanto departamento virtual e não concreto. . significa é redescrição lingüística de é.23 Consciência: Conteúdo. etc. ter uma base evolutiva e biológica. mesmo para poder avaliá-los como bons ou maus. ao longo da evolução do ser humano. juntamente com a história evolutiva. Não há lugar para uma opinião qualquer. A consciência plena (e a meu ver a mente como eu a entendo) é. e) A* significa B* é um conteúdo da consciência. mesmo para entender os códigos da cultura e da sociedade. cap.) per- 414 A procura pelo código deve-nos fazer debruçar sobre o cérebro no presente e ao longo de sua história evolutiva (biologia comparada inter e intra-espécies). Henrique Schützer Del Nero Quer dizer. a) há que gerar ações e percepções complexas (A é B).SÍTIO DA MENTE c) há que criar redescrições valoradas da ação (A* significa B*). h) a consciência varre grande parte do córtex. B* é redescrição lingüística de B. deve haver um fundamento natural e biológico numa série desses fatos. f) (A é B) sincronizado (A* significa B*) é a função valorada ou a consciência plena (inibitória ou excitatória − vulgo vontade − da consciência). uma vez que estabelece ação em três tempos e em três locais: em t a ação. de interpretação. vivência e função Se o nascimento de todo fato social é. e deve. a norma para decidir o que é bom ou mau. d) há que sincronizar (e aí aparece o valor) A é B e A* significa B*. Há uma ética natural e talvez alguns aspectos biológicos que podem auxiliar na concepção do direito e da economia. O reino da opinião pode ser contido pelo apelo biológico.56): b) há que gerar ações lingüísticas (geração de proposições). dos costumes e das relações econômicas pode. em t+ 2 a sincronização de memórias de t e de t+1. o mecanismo cerebral parafraseado pela linguagem. 1 Também o fato de que o crucial numa teoria da mente. é o código (de recrutamento. quando social. pág.2 nais no cérebro real se dá através dessas sincronizações − esse é o gabarito real. o A** é redescrição via linguagem (ou comunicação) de A*. Os costumes e os olhares exercerão papel. Também a propaganda e outros meios. na sociedade e nas relações humanas. Esses módulos passaram a representar o meio e as ações possíveis sobre ele. Henrique Schützer Del Nero A ordem redescrita nessa consciência mais ampla não é mais o do A é B . ao longo de sua história evolutiva (filogênese). nem do A* significa B*. o B** é redescrição de B*. moral e jurídica. Porém. mundo. Mais ainda. Aí está a articulação entre cérebro. retroagiu sobre os cérebros. Por isso a mente que dentro do cérebro é apenas gabarito de sincronizações parece ao indivíduo gabarito de linguagem e de sociedade. a ação será parafraseada em estruturas de consciência normativa. código puro que reúne os indiví- 415 O cérebro continua a ser somente oscilação (freqüências). a progressiva submersão do indivíduo na sociedade e na linguagem faz com que. Ali. sociedade e cultura na geração de uma impressão interna que se parece com o mundo. mas a do A** deve ser B**.23 Consciência: Conteúdo. A importância disso é investigar até que ponto os padrões ditos livres e avançados de conduta apontam na direção da preservação da espécie. social e lingüístico internalizado. lentamente. Isso faz com que. que investiga essa mente descerebralizada. o cérebro humano. Esse meio. o deve ser é redescrição de significa. que parece melhor descrita pela linguagem das ciências do espírito mas que. Novamente. cap. lançar algumas bases de uma naturalização da cultura ou de uma culturalização da natureza cerebral e mental. Na verdade esses gabaritos não são reais. vá aparecendo uma tela onde se vêem apenas gabaritos lingüístico-sociais e simbólicos. O recorte destes si- SÍTIO DA MENTE Essa mente é a cara do mundo. Tanto a sincronização de freqüências para criar objetos. Esses gabaritos que recortam códigos e freqüências parecem com a forma como a linguagem descreve o mundo. foi criando códigos e oscilações que correspondiam ao ambiente e à progressiva estrutura da ação motora e intelectual sobre ele. é apenas oscilação e gabarito virtual através de sincronizações dinâmicas.Assim. impingindo-lhes normas de redescrição valorada da ação através da linguagem. Podemos. quanto para criar ações ou redescrições consiste apenas em sinais elétricos. agora cada um deles neurônio de um novo cérebro social. . vivência e função mite ver o quanto de “mental” na forma de código inteligível há na cultura. essa estratégia abre a última parte deste livro. com isso. possamos afirmar que há uma nova mente que surge da ação entre os seres individuais. são apenas o mundo mental externo. com as devidas ressalvas e cuidados metodológicos. na base. o que é bom para educar pessoas sobre patologias e sua correção. Mas o que seria a consciência? Uma redescrição de ações presumidas que devem ser confirmadas ou abortadas. protagonistas do teatro social. há uma ordem paralela que percebemos como mental. O que emerge na consciência é um conteúdo que é a ação pendente valorada e traduzida lingüisticamente.23 Consciência: Conteúdo. também não está produzindo fatos sociais. ratificando ou abortando planos. Quando ambíguas e conflitantes. Essa é a consciência-função. inibindo ou ratificando. As ações complexas. pág. então. Apresentam-se. que já sitia a mente porque a desconhece em seu sítio cerebral. cultural. necessitariam dela. e a possibilidade de criar sincronização de múltiplos módulos cerebrais (essa não exclusiva do ser humano). porém. Ou o mental se torna sinônimo de cerebral. ou então é preciso distingui-los. aquela ação. A consciência terá a função de valorar. Se as ações são complexas no nível cerebral. essas ações devidamente formatadas pela linguagem e pelas memórias.SÍTIO DA MENTE Síntese Uma teoria da consciência poderia ter o seguinte esboço. econômico e político. portanto. Essa seria uma esfera de ação e retroação do indivíduo situado numa cultura e interagindo mentalmente com o semelhante. quan- As situações ambíguas no plano da consciência individual poderiam ser novos elementos que se apresentam à consciência pública para que se tente dirimir dúvidas. bem como com os objetos culturais. vivência e função duos. A sincronização da ação presumida e da ação redescrita na consciência gerará a vivência de consciência (consciência-sensação) por intenso recrutamento de unidades neuronais (a vivência brota a partir de uma transição de fase do sistema − é tal a quantidade de elementos necessários para a operação que praticamente o sistema todo está representado naquela reunião virtual e. essa representatividade espraiada e quase plena gera a sensação de auto-inspeção). a linguagem. e também as percepções. . A complexidade e a multiplicidade de cenários geraram múltiplas soluções. o dever e o valor sociais. econômicos e culturais que podem colocar em risco nossa sobrevivência como espécie? do triviais não recrutariam consciência. muitas vezes essas 416 A seleção dotou o ser humano de quatro elementos que podem ter sido fundamentais para a emergência do que chamamos de estilo mental de processamento cerebral: uma porção a mais de córtex. Henrique Schützer Del Nero Será que este fim de século. cap. Serve para unificar o discurso das ciências naturais e das ciências humanas. porque há um misto de codificação no tempo e codificação analógica no espaço contíguo. . Deve-se usar este conceito com cuidado e com a mais estrita observação dos cânones de consistência do discurso científico. gerando no caso proposições indecidíveis). deste para o coletivo. Quando se ratifica ou inibe um plano inicialmente não-consciente tem-se a sensação (com tradução discursiva proposicional) de que se agiu livremente ou por vontade. porque a noção de consciência coletiva e de sincronização sem cérebros por trás é alegórica.23 Consciência: Conteúdo. poderá suscitar conclusão que ouvi certa vez a respeito: “Até que enfim o senhor disse que a ciência concorda com o meu massagista e professor de ioga”. cap. t+1 e t+2. pode ser incompleto o sistema formal que as descreve. Na verdade. Nesse caso recorre-se. apenas o corrobora ou inibe. mesmo porque seria também uma hipótese. Não vou preocupar-me em explicar. a consciência pode abortar ou ratificar planos e versões que nascem da parte cerebral complexa. vivência e função soluções não são estáveis ou podem até não existir (ou numa linguagem já vista. como também não o é a liberdade. Cuidado.Notas 417 1. como é possível que haja eventos e sincronizações em t. pág. mas deve despertar atenção para a imensa gama de besteiras que pode endossar. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A vontade não é uma propriedade da consciência. Porém. Do contrário. o problema da sincronização é também uma aproximação. O único erro é que a vontade não gera um plano. ao plano superior: do cerebral ao consciente. com a finalidade de estabilizar o sistema. 2. uma pág. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. Henrique Schützer Del Nero A mente sitiada cap. entre os mamíferos. vai aumentando de acordo com a escala animal. “quantidade é qualidade”. Assim. tal qual fosse um computador. e. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 24 cializado na recepção de informação. formada pelos neurônios. Sucesso. formado por dois conjuntos de células . O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. no entanto. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. ao longo de milhões de anos. algumas vezes. um dos números mais gritantes é o de encefalização . exclusão e sobrevivência parte 5 . exclusão e sobrevivência collegium cognitio 418 O cérebro humano é. o outro dá suporte físico e sustento. basicamente.um manipula e processa informação.24 Sucesso. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. integração e execução motora. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. Seu grau de complexidade. Há na porção responsável pelo processamento. Isto mostra que.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. talvez de forma semelhante ao estado de consciência de nossos sonhos − foi incorporando a função de monitorar. É um código que permite a formação dinâmica de objetos (símbolos). pág.24 Sucesso. condição de emancipa- ção civil e penal. A consciência se investe. capacidade inata para a comunicação (produção de linguagem) e progressiva capacidade1 do neocórtex de representação neuronal de fatos e redescrição destes. relações entre símbolos (ações e percepções) e a valoração lingüisticamente mediada de planos de ações e percepções (consciência). Também é código que faz surgir uma dinâmica mental em toda reunião humana. depois do meio sobre o cérebro e. antes. que requerem não apenas ações. mas esfera social pública e social privada 419 Com o passar da história do cérebro humano foramse criando estágios de cultura (mimética. Mas também é código que possibilita sua replicação em máquinas. Essa mente-consciência. Inicialmente externa. finalmente. pela ação do meio externo sobre o meio interno. é parente das condições cerebrais de sincronização sucessiva de atos/percepções e valores e também da cultura e da sociedade. Henrique Schützer Del Nero O fascínio e a ignorância provocados pela mente humana advêm de sua natureza complexa e de sua relação com o cérebro e com a cultura. exclusão e sobrevivência SUCESSO. Essa lenta interação entre o cérebro humano e o meio foi criando a mente. fenômeno de consciência que replica. pela história da espécie humana (filogênese) e introjeta-se em cada um durante o desenvolvimento do cérebro e do indivíduo-sujeito-pessoa (ontogênese). introjeta-se pela lenta ascensão à idade adulta. assim. não mais mundo físico e mundo cerebral. EXCLUSÃO E SOBREVIVÊNCIA . mas também justificativas plausíveis para elas.2 Essa progressiva complexificação da sociedade foi requerendo que surgisse um sistema de deveres e penas que orientasse e regulasse a conduta dos participantes. inicialmente uma formação embrionária − possível de existir em outros animais. de um discurso internalizado de normas e razões. A consciência. Introjetou-se. Nasce no cérebro humano por artifício de sua complexidade biológica. que surge inicialmente pela ação do cérebro sobre o meio. mítica e teórica).SÍTIO DA MENTE Essa consciência. cerne e palco de nossa vida mental. em toda interação com os objetos da cultura. cap. regular e valorar ações e percepções. a ordem pactuada da sociedade. É cérebro porque sempre foi. no indivíduo. Mas a mente não é só cérebro e nem só cultura. seria fator de progresso e revolução passar a encarar a mente como função cerebral. Antes de problema menor. . de busca de “qualidade total”. razão desta última parte do livro. mas cerebral no código − então. Converter em matéria de escolha o que pode ser matéria de conhecimento é fundar um plu- 420 Não há nada mais desesperador que ver gente insistindo em tratar distúrbios mentais como se fosse coisa normal. só gera dor e humilhação. usufruindo de todo o conforto que a tecnologia nos oferece. O segundo grande perigo. cap. como também gera perda de produtividade e competitividade. falta de “vergonha na cara”. Henrique Schützer Del Nero Entre os motivos de risco para sua função biológica estão o não-reconhecimento de sua natureza cerebral (seu sítio cerebral) e também o não-reconhecimento de sua condição biológica de sustentação. rica e criativa. Quando a mente se percebe cérebro e toda a cultura também − em que pese esta ser não-cerebral na substância. Se no final do século pretendemos ser modernos. de simples escolha ou opinião. Isto não Num mundo em que se fala tanto de otimização de processos. passa a ser coagida pela classe de conhecimentos que descrevem o que é adaptativo e fundamental para a sobrevivência. exclusão e sobrevivência (consciência). pág. por um mecanismo perverso.24 Sucesso. merecendo reflexão e debate. falta de força de vontade. quando não diagnosticada e tratada. Rouba-se. acaba tendo sérios problemas. assim. etc. corrigindo a tempo suas anomalias. ao contrário de livre para produzir opiniões. rouba da mente sua possibilidade de plena expressão. A mente. colocando-a em risco como função cerebral de adaptação do ser humano ao seu meio cambiante. é mais sutil ainda. a possibilidade de cada um encontrar a plena expressão de seu potencial. Esses problemas todos sitiam a mente. a história evolutiva e a adaptação passam a servir como elementos de discriminação para as ações mentais boas e más.SÍTIO DA MENTE O primeiro grande perigo reside na negação de que a mente. Grande parte do insucesso que se teima em creditar às mazelas do espírito tem fundo nas mazelas da mera disfunção cerebral. pode adoecer. Se o reconhecimento da condição cerebral da mente é fator imediato para a percepção e encaminhamento de anomalias (e isso não é pouco). como qualquer função advinda de um órgão do corpo. de enxugamento de estruturas. mas ao mesmo tempo sujeita à doença e motivo de terapêutica medicamentosa há muito conhecida. também a mente deve saber reconhecerse delicada. a disfunção mental. fase. sem preconceito e ignorância. também é fator imediato para a percepção dos limites da produção humana e de seu direcionamento biologicamente fundado. parece confirmar essa hipótese. supostamente democrático. a mente sitiada continua a apostar na liberdade de opinião. econômicas e políticas. diga-se de passagem. também a economia. pág. já há 20 anos sem solução. Porque não somos capazes de distinguir opiniões de conhecimento nos assuntos da mente e da cultura. nas relações sociais e na distribuição das riquezas. perdido no mar após um desastre de helicóptero. trazendo os três para sua base de sustentação − a mente e seu cérebro − pode haver um discurso de conhecimento que auxilie na escolha entre as alternativas a ou b. O consenso superficial. agindo contra a natureza. exclusão e sobrevivência ralismo pseudo-democrático e burro. aplicamos um discurso elíptico. Porém. sem perceber. tempos antes. Não é de estranhar que um desses ministros. Triste imagem: navios quase modernos da marinha nacional sendo guiados pela vidente em busca do corpo desaparecido. Mas não.Se ao final deste século vemos surgir uma “consciência” ecológica que não passa da organização social e política de uma percepção de base natural. o direito e a política poderiam passar pelo mesmo crivo. fundamentado no cor reto pressuposto de respeito à opinião e ao consenso democrático.24 Sucesso. cap. Nesses três planos poderse-ia entender legítima a escolha da diretriz a ou b. outro dia corria para pedir o telefone de uma vidente que estava num festejo. Aquele que sentado à frente de uma mesa exclui com uma penada um terço da massa laboriosa do processo social está. . o governo brasileiro contratou os serviços de uma vidente ou paranormal para tentar achar o corpo do político Ulysses Guimarães. bem preparado. pode acobertar uma tirania da ignorância. porque isso redundaria na necessidade de sua extinção. Também. pode auxiliar nas discussões de opções sociais. Qual o fundamento biológico de se deixar profissionais competentes e bem formados à míngua porque o mercado não pode absorvê-los? Será que o avanço na produtividade justifica a criação de tal massa de excluídos? Não podem ser chamados de não-adaptados. mas em nítido conflito com razões biológicas fundantes. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A mente. levando consigo também as matérias que não deveriam estar sujeitas à liberdade de expressão por razões técnicas e biológicas. mas que deve sua gênese ao fato biológico. reconhecida como função que interpenetra o social e o cultural. O desemprego estrutural. A lógica da seleção na- 421 O segundo grande risco ocorre quando não percebemos existir um fundamento biológico na moral. Respeitar as tolices que se dizem sobre a mente não é politicamente correto − é inconseqüente. Henrique Schützer Del Nero comunhão entre os seres humanos.SÍTIO DA MENTE A mente que se percebe originada do cérebro e a consciência que se percebe originada de uma sociedade não podem pensar que qualquer atitude social é justificada pelo consenso ou pelo mercado. Hoje em dia não há mais país central e país periférico. Sem esse conceito não há física moderna. já banido pela vitória neoliberal!). acende uma vela para deus e outra para o diabo. exercendo altruísmo genuíno e se dedica a uma batalha intestina de eliminação do empregado (dizem ser simples corte de “gorduras” que oneram a produção). usando mal aquilo que a biologia lhe deu. Sem ingenuidade. parafraseada nas relações sociais e econômicas. reaviva um mercado selvagem onde o próximo vira concorrente. . Há bairros e zonas de ocupação recriando no espaço urbano a antiga dicotomia de regiões ricas e pobres. mas não se aplica a extinção conseqüente. exclusão e sobrevivência tural. O mais forte é eliminado pela violência crescente. O mais fraco. deslocamse rapidamente para o seio da cidade. parece-me existir uma razão teórico-científica tão forte para defender determinadas atitudes perante a espécie humana quanto para defender a curvatura do espaço da física de Einstein. O rosto da cidade moderna é am- 422 A mente. Convoque-se um plebiscito para saber se o altruísmo e a compaixão têm sólidos argumentos biológicos. onde é espiritualizada uma ética que deve ser biológica. dominadoras e dominadas. separando os países centrais dos periféricos. Metade dos votantes acerta a resposta. Tal fosse a questão do espaço curvo. pág. tranformando-a em exclusão social. responde que cada um deve cuidar de si.24 Sucesso. pelo ressentimento das massas alijadas do processo produtivo. ao se pensar espírito. Considera-se o insucesso máadaptação. Convoque-se um plebiscito para julgar se o espaço é curvo. de busca incessante do lucro. vejamos até que ponto a mente foi selecionada para o sucesso pessoal ou para servir à espécie. que são as legítimas fontes de endosso da necessidade de Quando a razão deixa de formular políticas públicas. A outra metade. burra e caricata. é parcial. Saindo da igreja. perece na favela ou nas filas de assistência ou recolocação profissional. antes territoriais. Ignorante do sítio cerebral. engendra uma mistificação das razões biológicas. Os guetos de pobreza contrastam com os condomínios ricos. medrosa por causa do perigo vermelho (por sorte. As fronteiras da miséria e da fartura. Os que optarem pelo não perderão feio. mas pela razão errada. fere sua função. Religiosos empedernidos pensam ser a resposta um mandamento de deus. cap. alijado do mundo competitivo. desempregados. eliminado que é pelo seqüestro. essa visão tem alguns pontos a seu favor: 423 Como vimos no caso da personalidade. Hoje em dia parece ter havido uma vitória de um conjunto de axiomas: modo de produção não-estatal. ideologias. pág. Personalidades e consciências seriam. . como também não é interessante reduzir a mente ao cérebro. também não se deve esquecer que alguns contornos programáticos podem ser delineados pela história biológica da mente e da sociedade. etc. questionamento do intervencionismo estatal.24 Sucesso. supõe-se. abertura dos mercados para o mundo (globalização) através da formação de grandes conglomerados comerciais. massa ignara que põe o conjunto em risco. propriedade privada x propriedade pública. forte ênfase na educação básica e na saúde (pelo menos como consenso verbal). garantiria sua perpetuação genética. postulados a partir dos quais SÍTIO DA MENTE Pode-se então imaginá-las como conjuntos de fundamentos arbitrários pelos quais se norteiam a ação e a reflexão sociais. o que se pode é esperar uma lógica da dedução a partir destes elementos arbitrários (dedução lógica a partir de uma base pactuada). assim. exclusão e sobrevivência bíguo porque faz coexistirem padrões de vida de civilização moderna e plena e outros de exclusão feudal. Do ponto de vista do conhecimento (e não da mera opção. pela bala perdida ou pelo assalto seguido de assassinato no farol de trânsito. axiomas ou postulados são inquestionáveis. pode não haver tempo. deu-lhe os meios de sucesso. Se isto é verdade do ponto de vista individual. fundamos as inferências sobre a percepção e a ação. mercado como fator regulador por auto-organização. modernização x emprego. porque não me parece interessante reduzir a sociedade à mente. progressista x conservador. estado assistencialista x estado mínimo. A economia assim pensada poderia supor dicotomias de personalidade: economia centralizada x livre iniciativa. que. opinião ou imposição). há um denominador comum que permeia o conhecimento: os fundamentos. Se a natureza. também o é do ponto de vista coletivo: as personalidades sociais seriam.Parece-me que uma teoria completa da mente humana e de sua relação com o cérebro acabará por naturalizar algumas das chamadas ciências humanas. formação de quadros para o emprego e necessidade de se manter a inflação domada e as contas públicas equacionadas para que o crescimento se encarregue de gerar os dividendos do progresso. Se isso não é verdade completa. subempregados. O bem-sucedido se coloca à frente de um grande império. Henrique Schützer Del Nero Duas classes convivem nessa cidade: a dos bem-selecionados pela cultura desinformada e a dos excluídos. inflação x crescimento. ênfase na propriedade privada. assim. cap. ou pelo menos amplificação de for- 424 b) há um contingente planetário de seres humanos miseráveis excluídos do processo de crescimento. pelo menos. se têm a virtude de equacionar alguns problemas. ou então deve-se eliminá-los. ineficiência e corrupção. selecionada para maximizar a união entre os elementos da sociedade. dois problemas nessa concepção: O que isso tem que ver com a mente humana e com a elaboração de uma teoria sobre ela? Temo que a mente. A peste que antes era infecção agora é “vírus” de computador. incorporando-os ao mercado e remodelando as idéias que os excluem. Antes de a solidariedade ser apenas uma visão oposta. a espécie humana está desafiando a lógica natural: ou se incorporam os desempregados ao mercado e à sociedade. Claro que ninguém pretenderia defender a eliminação (ou pelo menos muito pouca gente. dirigismo. . parece-me fundada num pressuposto biológico. em alguns pontos assistidos por mecanismos de securidade que podem estar em risco com o imperativo de corte de despesas públicas e de intervenção estatal. neo-nazistas. onerando pela intermediação. fora de moda. gerando um paradoxo perverso de acumulação e concentração em face do crescimento. então a alternativa é diminuir o conceito de menos apto. Pode haver risco. ou então sob a forma de desempregados crônicos. cap. Se o mercado reinventou um mecanismo de seleção natural. Henrique Schützer Del Nero Do ponto de vista contrário.SÍTIO DA MENTE b) assistimos à falência de um dirigismo e de uma burocracia que. uma vez que ressurgem os discursos radicais. esqueceu-se de imitar a biologia de modo total: a eliminação e morte que ocorrem no mundo natural se tornaram exclusão social. a) a distribuição de renda quase nunca segue o aumento da renda nacional.3 Se a biologia nos ensina que os menos aptos serão eliminados pela força da necessidade. exclusão e sobrevivência a) há uma experiência histórica que aponta no sentido de ser esse modelo o que melhores condições gerou para aqueles países centrais que o aplicaram e também para algumas potências emergentes (sudeste asiático). pode-se dizer que há. pág. sectários.24 Sucesso. ressentidos e psicopatas no mundo contemporâneo) desses proscritos modernos. fazendo o elogio da individualidade e do sucesso pessoal e abandonando qualquer vocação solidária. se antes distantes dos países centrais. pode estar desgarrando-se de sua função biológica. subvertem liberdades individuais e encarecem a intermediação entre produtor e comprador. agora começam a invadi-los em fluxos migratórios oficiais ou clandestinos. Sem eliminar os excluídos. cap. exclusão e sobrevivência mas anômalas de conduta mental. se 425 Se um mecanismo é capaz de gerar tanta perda de integridade do indivíduo e de seu grupamento geneticamente próximo (família). pág.Se os discursos parecem ser avaliados na arena das ciências humanas. b) pulverização do poder em formas não-governamentais de representação. ou então perecerá pela assimetria de seus membros. seria tempo − ao perceber a lenta história biológica de formação de sociedade e de formação da consciência e da mente individuais − de repensar a função da biologia evolutiva como instrumento de ponderação sobre os axiomas. e outro despojado do tipo ambulância. se a ideologia é a personalidade do corpo social. sem determinadas facetas estruturais de intervenção e regulação. Não há exatamente semelhança entre o modelo de carro rebuscado. o modelo liberal de redução do estado. As personalidades são variadas e resultado da combinação de um conjunto de eixos. vemos países em que há mecanismos extremamente sofisticados de proteção ao desempregado. quando não se percebe que os discursos sociais são um prolongamento de nossa adaptação ao meio. cheio de acessórios. quando não se percebe que a sociedade humana é uma forma de ambiente que exerce papel de seleção. assistência médica. fazendo da ideologia um motivo de credo e não de ciência. esse mecanismo é perverso biologicamente. o meio poderá gerar dois mostrengos: a) acumulação e segregação extremas. ou este corpo se apressa por engendrar uniformidade e equilíbrio. justificados por uma ética de concorrência e sobrevivência. As atuações econômicas e políticas também. enquanto que em outros ainda existe uma forma arcaica e selvagem de não-atendimento às camadas menos favorecidas (seguridade social. . de eliminação dos gastos sociais. sob a forma de parentes que. quando o que está em jogo é um problema biológico de adaptação e seleção. desempregados. creches públicas). Assim. sob a forma de assalto. pode pecar ao não perceber que. quando não se percebe que a variabilidade cria uma diferença e que cabe ao meio criar-lhe a necessidade responsável pela boa adaptação. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A mente está sitiada quando privilegia um discurso de opinião e de doutrinas rivais. farão disseminar a desunião e a revolta dentro das famílias. Aqueles que defendem uma ordem inquestionável nos axiomas. de privatização desenfreada de setores de infraestrutura. acabam por não perceber que. nas quais a burocracia e o desvio de antes se tornariam legítimos (e não transgressões). sob a forma de mendicância. Assim. quando não percebe que não importa quanto avanço se alcance se a multidão acabará por tocar à nossa porta. seguro-desemprego.24 Sucesso. Porém. em que pese não se reduzirem muitas vezes gastos militares e com socorro ao capital. Creio que. aulas de computação. mesmo com a melhor formação do mundo (graduação. não apenas à vitória representativa ou à luta sangrenta. dentes saudáveis). exclusão e sobrevivência parece axiomático defender a maior ou menor participação do Estado na economia. Seria forçado dizer que a biologia redimiu certas concepções socialistas. o uso de elementos biológicos pode ajudar a discriminar sem paixões o melhor ou pior conjunto de fundamentos e hipóteses. ou currais. tal fossem presa e predador. pós-graduação. aquilo que parece ser axioma no plano social e político pode encontrar.Não quero com isso dizer que há uma moral política e uma doutrina econômica fundadas exclusiva e suficientemente na natureza evolutiva do ser humano. talvez seja forçoso. no nível inferior da hierarquia − na história biológica da espécie − condição de se tornar argumento e derivação. Henrique Schützer Del Nero Lembre-se de que no capítulo sobre personalidade falei que não há justificativa biológica exata para supor o psicopata amoral como doente. Porém. já resignados. Isto é. pág. Pode ser apenas uma variação que está à espera de uma sociedade em que se torne o paradigma de adaptação. Como ensinar-lhes valores coletivos. portanto. têm pouca probabilidade (pelo menos do ponto de vista genético) de ter psicopatas na sua prole. em que pese muitas vezes demagógico.24 Sucesso. há uma chance de que se encontre entre os 20% cronicamente desempregados? cap. se não tomarmos cuidado. colocando-se os oponentes em campos rivais. . esta sociedade estará em vias de se forjar para o próximo milênio. como garantir o mesmo discurso de um presidente de empresa diante do conselho de acionistas? Nem de bricadeira caberia uma proposta de manter um lucro negativo no atendimento com telefonia de uma população pobre do sertão. se a própria noção de coletivo estará sob a forma de uma meia dúzia de repartições públicas (Estado mínimo) e o resto estará nas mãos de conglomerados transnacionais que pouco pensam em especificidades regionais e humanas? Se um político tende a honesta ou desonestamente aludir ao bem comum e ao atendimento aos pobres. Esse discurso. sujeitos ao debate e à prova racional. eleitorais. está na essência do compromisso dos representantes públicos com suas bases. Os que não são psicopatas amorais e. constatarmos que. devem estar atentos para o fato de que alguns dos valores que supomos universais hoje se tornarão inaplicáveis no mundo que estamos preparando para amanhã. SÍTIO DA MENTE Como vamos aconselhá-los sobre o casamento? Será que não vamos aceitar que a delação se torne um valor? Imagine que delatando o colega que cola nas provas o estudante terá chance de passar um rival para trás. Digo que o modo de produção capitalista e a exaltação de um mercado que regula a economia seriam defensá- 426 O que será do filho de um de nós quando. cursos de línguas. seria bom aproveitar o embalo e perceber que. não a ciência em sua atitude racional perante o desconhecido. as revoluções científicas são feitas contra um determinado paradigma e. enquanto a nova teoria. Se tivéssemos tido uma comissão de departamento de vendas a julgar os dois produtos.A ciência e a satisfação do consumidor Eleger o mercado como órgão invisível regulador da 427 A idéia de um mercado soberano infringe um dos cânones da ciência. lá pelo século XVII. exclusão e sobrevivência veis se houvesse mecanismo de eliminação dos menos adaptados. A tecnologia para o consumidor. não teríamos saído do lugar. portanto. Deve estar na funcionalidade deste ou daquele discurso com uma visão de médio e longo prazo da adaptação do ser humano a essa sociedade que vai se desenhando. teriam ficado bastante mais satisfeitos com a eliminação daqueles produtos novos. Em não havendo. ainda falhava em alguns deles. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A preocupação ecológica é bandeira ambígua do nosso tempo: a camada de excluídos pode nos eliminar e inviabilizar muito mais rapidamente que a camada de ozônio. fetiche consumista. coerência e completude. Os consumidores. muito mais adequada na sua época para certos cálculos. como sabemos há muito tempo. Pelo contrário. não foi graças ao mercado que aplaudiu um produto e torceu o nariz para outro. . pág. Cuidado. e a mente também. pretendendo determinar a pesquisa científica. heliocêntrica. entre outros a Igreja. torna-se requisito primeiro. Fosse o mercado o senhor das decisões sobre a ciência e estaría mos até hoje com a mecânica geocêntrica. o produto. geram incompreensão do consumidor. A idéia de que o sucesso define a estrutura de produção é pérfida e pode estar criando o elogio da ignorância e do atraso por detrás de um manto de sucesso do produto. que somente ama a tecnologia. creio que a biologia pode apontar-nos um conjunto de discursos rivais em que o peso não deve estar apenas na experiência de baixar a inflação ou de fazer carros em menos tempo e com menos empregados. também a sociedade é um prolongamento da biologia. cap. Antes de deixar a camada de ozônio de lado. em lugar de ser subproduto determinado pela ciência. Se a mente humana criou maravilhas científicas nos últimos 500 anos.24 Sucesso. se há um planeta que nos fornece energia. A verificação de uma teoria − ou de seu sucesso − depende de mecanismos primários em qualquer ramo da ciência para se analisar sua consistência. alimento e ar para respirar. geocentrismo e heliocentrismo. porque a lógica parcial de consumidor e de sua satisfação não mudou de lá para cá. satisfação. esse alguém ignora o que sabemos sobre a gênese cerebral de mentes e sobre a gênese mental de sociedades. nos momentos de crise ou transição.24 Sucesso. Não há globalização. ou satisfação. . o meio sempre foi restrito ao domínio de locomoção do indivíduo.4 Pelo mercado regulam-se as trocas. quanto na segunda − democracia representativa − há um mesmo vício oculto no eleger a verificação e a satisfação como critérios norteadores de ações. verificação. aperfeiçoando-se as instituições. Tanto na primeira situação. populista ou demagógica. como o diretor de vendas. políticos. tende a fixar ali sua residência e gerar prole. por outro lado. evitar medidas antipáticas. passando a flanar com o impossível e com o demagógico. no entanto. seja ela mística. olhamos para o modo como o mercado se organizou para melhorar as condições de produção de certos bens e para otimizar as trocas nacionais e internacionais. portanto. mas planetárias/globais −. a par de boas ações e de um saudável policiamento e controle de sua atividade. nem avião no modo como o meio opera a seleção do mais apto. direi que erra com menos freqüência que os políticos ou que os economistas. Quando colocamos uma idéia de maior ou menor aptidão de certos produtos. sociais e econômicos é de ordem diversa do discurso da biologia. ou representação simples. unanimidade podem ser um eclipse racional coletivo. vemos ainda dois problemas que afrontam a história da biologia e. renovam-se os líderes. Se um animal é bem adaptado a um meio. A seleção natural é mecanismo local. Se.SÍTIO DA MENTE Para situações mais ou menos estáveis o mecanismo de verificação. pág. A impor- 428 Se alguém pretender retrucar dizendo que a ciência erra. Henrique Schützer Del Nero voto como instrumento de satisfação do consumidor costuma. é claro que aquele primeiro tenderá a desaparecer. ou de certos indivíduos submetidos às variáveis ambientais − não mais locais. otimizando a produção. um chato importar um animal melhor. pelo voto. A consciência que retroage sobre o cérebro é a mesma que deve agora resolver o problema do desemprego e da pobreza. como este pelo qual estamos passando. A mente humana. creio que infringimos mecanismos de seleção e adaptação. olha para o Em primeiro lugar. adora comprar uma utopia. nem telefone. um desconhecimento arriscado do que é boa ciência. acostumada que está a não se enxergar como fenômeno natural que nasce do cérebro. Rende mais votos mentir sobre uma série de variáveis. O político que. cap. a história da adaptação de variedades biológicas ao meio. Se alguém pretender dizer que o domínio dos discursos humanos. exclusão e sobrevivência boa escolha e do bom caminho me parece ser um atraso na concepção de dinâmica das teorias científicas e do conhecimento. Quando. pode ser bom. voluntarista. quando seu mundo social deixa de ser mundo da espécie humana e passa a ser mundo de títulos e de propriedades. dessa mente sitiada porque lhe aumentam brutalmente as pato- 429 Estamos brincando de fazer seleção natural intraproduto e não interprodutos. funções e perversões. pág. em seus conteúdos. tendendo a ocorrer ao longo de muitas gerações. é biológica? O acaso cria a variação e o mercado cria a seleção. a idéia de produto com excelência máxima é também não-biológica. a idéia de aperfeiçoar cada vez mais os mecanismos que nos trouxeram adaptados até aqui não parece ser biológica. Essa crítica. no entanto. das mentes e das sociedades? cap. vale perguntar: será que essa gente não podia olhar um pouco mais a fundo para a história evolutiva da espécie.5 Esta última parte do livro trata. SÍTIO DA MENTE Uma última ordem de considerações é que a propriedade privada. Simplesmente são melhores ou piores para um determinado meio. dos cérebros. sem globalização e telefone. patologias comunicacionais. Porém. deveriam ser substituídos por carroças. as heranças e o mecanismo de acumulação tendem a criar uma multidão de excluídos que passarão (e já o são) a ser evitados nos casamentos. Variações não são boas ou más. se o capital procura o capital para realizar fusões. . Pode soar biológica. exclusão e sobrevivência tação de produtos e a globalização de mecanismos de seleção sobre o mais adaptado são mecanismos que precisariam ser pensados à luz da biologia que nos criou e trouxe até aqui. Quem disse que leões receberam o ISO 9000 de melhor espécie? Quem disse que montar um nenê com robô industrial. do vemos que o efeito colateral é excluir globalmente grande parte da população humana. e talvez já tenha acontecido até aqui. o produto não muda. não me parece ser de médio prazo. eventualmente. Henrique Schützer Del Nero Em segundo lugar. não por carros montados por robôs. esse comércio viciado do genoma acabará por mudar a feição da espécie. a idéia de adaptação não é “qualidade total”. se carros não apresentassem adaptação. Quase vale dizer que.Ninguém pode dizer que haja algum elemento de valor eterno no mecanismo de seleção/adaptação. nem ser o melhor. A biologia parece endossar isso. então. a genética tenderá a se empobrecer porque a suposta eugenia tenderá a concentrar aptidões específicas e. também mundo da doutrina do mercado e da aceitação passiva e cínica do desemprego e da mortalidade infantil. O que acaba acontecendo é que. mas quan- A mente está em risco.24 Sucesso. simplesmente perece ou vinga. com 40% menos empregados e com melhor relação custo/lucro. Assim. Além do mais. B. Não por acaso. exclusão e sobrevivência logias (ansiedade por exemplo) e. a mente que forja o social poderá distinguir no plano dos dicursos de opinião alguns argumentos em favor de uma corrente ou de outra. ao mesmo tempo. a tese sobre os três estágios de evolução da mente humana em Donald. Cf. Harvard University Press. Ao perceber-se cerebral. na nota 8 do capítulo 10. entendida como código evanescente. embora o mercado consumidor prefira consumir pseudoteorias. SÍTIO DA MENTE 2. não importa o meio físico de sustentação do agressor. Finlay. antes infecção. agora é toda a parafernália moderna que gera seus similares patológicos. cit. o que talvez explique porque pequenos acréscimos no plano quantitativo geram comportamento qualitativo dramaticamente diferente.Verificar uma teoria. encontram resistências e se não as enfrentassem não teria havido progresso. Essa relação de encefalização progressiva segue uma dinâmica não-linear. as doenças da modernidade vão emprestar nomes daquilo que antes foi obra das agressões biológicas. 1.M.24 Sucesso.R. (1991) Origins of the Modern Mind: Three stages in the evolution of culture and cognition. . A teoria da mente deve ser cerebral. Não reconhecer a necessidade de resgate da massa humana excluída do progresso constitui ameaça à espécie. e Darlington. Essa lógica do mercado é paráfrase de um verificacionismo que se mostrou falacioso em lógica da 430 A idéia de que a satisfação pode ser critério de avaliação de teorias é um arremedo de biologia evolutiva. de cultura e de economia que estamos deixando vingar às portas do próximo século. Cf. sua função adaptativa me parece fadada a ser questionada pelo próprio modelo de sociedade. excluia. op. Interessante porque se a peste. Ao contrário de serem populares. mas sim sua inteligibilidade destrutiva. pág. Afinal nosso cérebro não é tão maior que o do macaco e produz fatos mentais de uma sofisticação impensável no parente próximo. 4. Para uma mente. Henrique Schützer Del Nero Síntese Notas cap. Talvez não haja tanta impropriedade em se chamar de vírus um programa que adultera outros. satisfazer o consumidor e legitimar-se somente pelo voto são todas situações de ignorância acerca do mecanismo de geração de idéias novas. 3. 431 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 5. pp. Poverty and Intellectual Development" in Scientific American Fev. exclusão e sobrevivência ciência. 1996. Se digo que A (por exemplo uma teoria) implica B (por exemplo um produto dela).pág. apontando para um número de 195 milhões de crianças desnutridas no mundo e suas afecções intelectuais (como digo. Faz tempo sabemos que a boa ciência se faz pela cadeia A implica B. e Pollitt. o excelente trabalho sobre desnutrição. E. Popper.24 Sucesso. não B (ou B é falso). 26-31 cap. Cf. Cf. São Paulo: Editora Cultrix . (1972) A Lógica da Descoberta Científica. J. ideologia e neurociência também podem se confundir) Brown. então A é verdadeiro. K. Isso se chama refutacionismo. "Malnutrition. logo não A (A é falso). se B é verdadeiro. cometo o que se conhece como "falácia de afirmação do conseqüente". Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 25 cializado na recepção de informação. o outro dá suporte físico e sustento. Henrique Schützer Del Nero A mente sitiada cap. ao longo de milhões de anos. formado por dois conjuntos de células . formada pelos neurônios. “quantidade é qualidade”. Há na porção responsável pelo processamento. vai aumentando de acordo com a escala animal.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou.25 Mercado. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. Mercado. poder central e cérebro humano collegium cognitio 432 O cérebro humano é. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. entre os mamíferos. tal qual fosse um computador. Isto mostra que. no entanto. poder central e c´rebro humano parte 5 . Assim. algumas vezes. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. e. Seu grau de complexidade. uma pág. integração e execução motora. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. basicamente.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. um dos números mais gritantes é o de encefalização .um manipula e processa informação. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. O meio que selecionou o cérebro é o mesmo há milhares de anos. nem por isso está legitimada a crença de que a auto-organização do mercado é mecanismo endossado pela biologia. lançando mão de um con- ceito e aplicando-o generalizadamente. sem que haja um supervisor central. Porém. então o princípio pode. Henrique Schützer Del Nero U m dos conceitos mais usados nos dias de hoje. mentais.25 Mercado. enquanto a moda. sem as devidas adaptações. Foram “importados” como metáforas para justificar conceitos psicológicos e sociológicos. aplicar-se em qualquer nível. instrução ou controle de algum agente. A ponte é rápida e inconseqüente − como todo modismo −. nem socialização. Se o cérebro pode exibir auto-organização. tranformando-os em ideologia. PODER CENTRAL E CÉREBRO HUMANO . a despeito de não haver qualquer controlador central. há. respectivamente. pág. é o de auto e hetero-organização. com a dinâmica do sistema.Auto-organização1 e informação2 são conceitos surgidos para descrever propriedades de certas reações químicas (relógios biológicos) e de telecomunicações. SÍTIO DA MENTE Sustenta-se que. Se há auto-organização num certo nível cerebral. a fachada-fetiche que se presta a torná-los justificação presumida de um conjunto de opiniões ou políticas. poder central e c´rebro humano MERCADO. Um dos melhores caminhos para se fazer pseudociência é importar afoitamente conceitos. as ideologias e as pressões econômico-políticas mudam com muito maior velocidade. Se é para usar metáforas biológicas 433 Metáforas são bem-vindas desde que sejam entendidas como elementos hipotéticos de inspiração. cap. sem preservar-lhes a estrutura conceitual − essencial para fazer deles conhecimento −. sobretudo. embora com alguma ligeireza e desconhecimento profundo. se é verdade que cérebros exibem auto-organização em relação a suas funções superiores. se a biologia mostra a riqueza da emergência de padrões de ordem em sistemas não-regulados por agente externo (portanto auto-organizados). tomando-lhes apenas a estrutura superficial. nem por isso podemos rapidamente eleger o mercado como elemento de auto-organização de sociedades e de grupamentos sociais e econômicos. Importar sem o devido cuidado e. a noção mostra que. de sistemas termodinamicamente longe do equilíbrio. e deve. Não fosse assim não haveria educação. uma capacidade de organização explicada pela estrutura físico-matemática de seus elementos e não pela vontade. também há intervenção reguladora. Inicialmente emprestada de certos ramos complexos. Portanto. na economia provém da interferência estatal direta ou sob a forma de regulamentação. ser hetero-organização. imprevisível do sistema para certos valores de seus parâmetros (por exemplo o valor da taxa de juros num sistema econômico ou a dose de antidepressivo num quadro de pânico). de modelo a modelo. é que há uma dinâmica de auto-organização envolvida. cap. podem dirigir suas reservas para moedas fortes e ativos (imóveis. visa a 434 O paradoxo fundamental que advém do conhecimento que se tem no momento acerca dos sistemas complexos. forçosamente. fonte de criatividade e de incerteza. Numa corrida às compras cai a poupança.). a auto-organização terá que. presença de um elemento externo que pode ser um governo autoritário e centralizador (o que é indesejável) ou. ao mesmo tempo gera comportamento SÍTIO DA MENTE Imagine que. Porém. Quando temos um meio cambiante de ano a ano. pág. sob a forma de leis. desestabiliza-se o sistema e ocorre uma majoração predatória e defensiva dos preços. no caso do aumento da taxa de juros. poder central e c´rebro humano para endossar este ou aquele sistema de idéias. Outros diriam que isso corresponde a uma transição de fase. etc. se podemos fazer previsões quanto ao comportamento da inflação diante do aumento da taxa de juros (normalmente cai a inflação). instituições fortes (não necessariamente governamentais) e valores coletivos. mas nem por isso redunda em boa adaptação. isto é. pode haver uma sinalização de desequilíbrio incontrolável nas contas públicas. Auto-organização pode ser sinônimo de livre-mercado. A partir de uma determinada taxa pode haver desconfiança dos agentes econômicos e. o que somente é obtido com a interferência reguladora externa. No cérebro esta interferência externa provém da educação e da socialização.25 Mercado. agora mercado. então deve-se fazer corretamente a leitura de equivalência de níveis e protagonistas. Essa dinâmica garante ordem a despeito da ausência de controle central. Por exemplo. Essa imprevisibilidade é também. saído da macroeconomia. cérebro e mente inclusos. Henrique Schützer Del Nero O que pode ser auto-organizado é um padrão que oscila durante milhares de anos até que se estabiliza. Seleção natural não é análogo de seleção do mais apto socialmente. como no caso da água a quase 100 graus que subitamente muda de comportamento. Do ponto de vista da complexidade isto é explicado como sendo uma região de comportamento não-previsível do sistema. não pode mais selecionar nada. Os analistas podem arriscar explicações para esse fenômeno. então. esse meio.O exemplo acima. ao contrário de aceitar comprar títulos públicos. um conjunto de princípios relativamente fixos que definem axiomática ou ideologicamente as ações. com o governo tomando dinheiro para financiar o déficit. paradoxalmente. . para certas situações um aumento na taxa pode levar ao efeito oposto ou pelo menos a um efeito imprevisível. Henrique Schützer Del Nero A idéia de auto-organização. Pois bem. comportamentos anômalos onde determinadas previsões se tornam simplesmente impossíveis. porém. deixando para um mercado soberano o papel de regulação e de organização. para outros valores desses mesmos parâmetros podem ocorrer caos ou turbulência. Porém. mas. a ansiedade. Se auto-organização e complexidade são paradigma de variação e inventividade. o papel de hetero-organização. imprevisibilidade e surgimento de comportamentos estranhos. O caos pode ser fonte de variabilidade. Se o acaso. cap. A inflação alta com crescimento zero (estagflação) é o melhor exemplo desse tipo. que igualmente carecem de intervenção externa e não simplesmente auto-regulação. ao mesmo tempo. a doença obsessivo-compulsiva são alguns dos exemplos de auto-organização e de estabilidade em certas regiões anômalas (estabilidade porque não duram uns poucos segundos. pela auto-organização. seja possível corrigi-los. o que se aprende com os sistemas complexos é que. A psicose.Em cérebros há estados estáveis (porque não duram alguns segundos. desde o mais simples organismo até o nosso cérebro. pode servir de forte argumento no afã de tornar mínimo o Estado e quase ausente sua intervenção reguladora. para certas situações. ou a auto-organização. como imprevisível. torna o controle e a antecipação praticamente impossíveis. isto é. o que torna o sistema interessante. prolongando-se por meses e anos a fio). moda hoje para analisar sistemas complexos. sem que exerçamos. se para certos valores de parâmetros há uma auto-organização interessante. podemos ver surgir um monstro com vida e estabilidade suficientes que não se possa mais controlar. . anos) em que o sistema está nitidamente disfuncional e ao mesmo tempo. a necessida- 435 A noção de caos num sistema complexo não é sinônimo de caos na linguagem corrente. Esses sistemas estão presentes em toda a natureza. poder central e c´rebro humano mostrar o efeito paradoxal dos sistemas complexos. de- SÍTIO DA MENTE O argumento que uso neste sentido é simples: tanto cérebros quanto o mercado são capazes de auto-organização. Na economia sabemos que há outros estados estáveis análogos advindos da auto-organização. cria a variação.25 Mercado. quando se visitarem regiões de estabilidade disfuncional. econômicos e políticos. a dinâmica da auto-organização e complexidade pode ser ótima fonte de variação. não é capaz de se autocorrigir. mas meses. também são sinônimos de. pág. vem-se manter os instrumentos de interferência externa (hetero-organização) para que. Porém. também estão presentes nos sistemas sociais. através da educação sobre o indivíduo e da intervenção sobre o mercado. Cérebro e mercado são passíveis de uma analogia advinda da biologia evolutiva. a depressão. de tal forma que não se conceba uma dinâmica de paixões sem que ao mesmo tempo se conceba um dinâmica de deveres. anomalia estável. No plano social. A tese central deste livro é: a mente é uma ordem de fenômenos que ocorre no cérebro humano devido à sua necessidade de socialização. ethos coletivo corrigindo-lhe os desvios.3 Essa figura deve servir de base para uma reflexão acerca da natureza dos sistemas complexos. A complexidade e o acaso criam a variação. político e econômico o mesmo esquema deve ser copiado − o pathos criando a organização complexa e um Tanto para cérebros quanto para a sociedade há uma dinâmica rica que cria a variação. a hetero-organização cria a seleção. hetero-organização. Isso será a base de uma ética coletiva que permeie as relações humanas e seja fortemente calcada nos preceitos da biologia evolutiva. transformando-se numa ética pessoal de ratificação e valoração das ações. O ethos. seleciona o que é bom ou não. cap. mercado e outros tantos sistemas complexos. que faz com que ao pathos da criatividade siga-se o ethos da responsabilidade e do dever coletivo. a necessidade. Quando há uma desregulagem. através do prêmio e da sanção. muitos nãoprevisíveis.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Até os anos 50. O ethos é a base para a formação da mente individual. a par de uma brecha enorme para individualidade e criação. Se a variabilidade de estados possíveis. que chamo de ethos e que é parente da ética individual e coletiva. do aprendizado e. se não agregarmos uma dinâmica externa de correção e controle. o cérebro e seu produto mente possam se desenvolver dentro dos limites desejados. O modo como conduzimos o desenvolvimento da mente humana é todo baseado em regulações: agimos regulando o cérebro através da educação. Há uma preocupação de se manterem mecanismos de correção de rumo para que. . durando mais de algumas semanas (normalmente 4-8 semanas) procuramos intervir no cérebro através de drogas que reinstaurem os parâmetros adequados de comunicação entre os neurônios. Porém. os estados possíveis. finalmente. Chamo-a de dinâmica de pathos. é parente da criatividade e da invenção. não há como evitar que a anomalia se torne estável e duradoura. A variabilidade e inventividade seriam parentes da complexidade de cérebros. que na biologia é responsável pela seleção. ao contrário de ser uma imposição arbitrária externa. poder central e c´rebro humano de. está calcado no desenho do sistema humano.25 Mercado. pág. não há como garantir que o resultado seja funcional. quando não havia ainda muitas dro- 436 A Figura 55 mostra essas duas ordens com exemplos esquemáticos. paralelamente. Ao não impor-lhe uma norma externa e necessária. também é parente da anomalia e da disfunção. 25 Mercado. poder central e c´rebro humano Fig. 437 Henrique Schützer Del Nero cap.SÍTIO DA MENTE pág.O pathos como índice dos estados possíveis do sistema auto-organizado e o ethos como elemento corretor. . de seleção de estados possíveis. hetero-organizado.55. desejáveis e funcionais. valores éticos sendo abandonados e um individualismo desenfreado minando os valores de coesão e compaixão para com o semelhante? bilidade. não tem qualquer compromisso com o bom e o mau estados. evitando a pílula que exibe a propriedade emergente de ser abortiva. em dose alta explode). Os sistemas complexos simplesmente visitam diferentes regiões de comportamento. poder central e c´rebro humano gas psiquiátricas. hetero-organização e Ethos 438 A noção de auto-organização é paradoxal em se tratando de uma série de fenômenos. uma vontade e uma ciência que dirijam os rumos do sistema. mormente quando vemos alguns indicadores preocupantes de desemprego estrutural. o remédio (a despeito de outras terapias então existentes) era deixar o sistema se reorganizar ou se regular. e isso constitui uma visão da psiquiatria como um ethos no plano do indivíduo − qual será o “remédio ” que usaremos − para intervir nos pathos coletivos de agora. dada a estabilidade do novo estado. embora seja desenhada para tratar de gastrite. Também há que regular até que ponto a abóbora que alimenta milhões de pessoas não tem certos elementos químicos que os farão ter câncer dentro de mais ou menos 10 anos. com maior ou menor esta- Deve existir uma mente que os escolha e controle. Às vezes explodem. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Se as drogas possibilitaram a intervenção hetero-organizada sobre o cérebro disfuncionante. às vezes geram belas figuras na tela do computador (fractais). às vezes exibem propriedades insuspeitáveis (a nitroglicerina em dose baixa alivia a angina. Se não temos um gerenciador central. Nem há culpa ou acepção de bom e mau numa abóbora que. Claro que não há sistema que tenha compromisso com uma ação ou outra. responsabilidade e valor são pág. de certo ou errado nos estados visitados. Em suma. nascendo dez vezes maior que o normal por auto-organização. se autoorganização é uma propriedade interessante exibida por sistemas complexos. Mas cuidado: tanto a regulagem posterior diante da anomalia é difícil quanto é pouco provável que. bom ou mau. .25 Mercado. Compromisso.Auto-organização e pathos. cap. estado normal ou patológico. também não temos quaisquer acepções de bom e mau. como uma reação entre alguns elementos químicos. também é perigosa na medida em que o sistema não tem qualquer compromisso com um estado ou com outro. por um desses sistemas. o sistema se dirija ao normal anterior. Uma reação de um explosivo não gera culpa ou remorso no sistema. alimenta dez crianças. Nenhum desses sistemas complexos tem a menor noção do que seja certo e errado. Um sistema complexo. que não exibem a chamada auto-organização e que. Um rádio de pilha não exibe complexidade − ou funciona ou não funciona. mas no conhecimento e na razão.25 Mercado. ser um instrumento de cura ou um instrumento de destruição. . e de alguma consciência coletiva. pág. a idéia de que haja uma soberania na noção de auto-organização e que se deva deixar ao sabor da organização invisível qualquer processo pode redundar em aberrações funcionais. não havendo terceira hipótese. Mas no caso de um mercado que organiza toda e qualquer instituição. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Estabilidade e funcionalidade dio fosse complexo. Porém. Simplesmente o rádio não teria nenhum compromisso com os estados. talvez não fosse possível distinguir entre o mau funcionamento e certos estados novos surgidos da auto-organização. Definitivamente não parece que certas posições políticas e econômicas sejam simplesmente uma questão de opinião ou de adesão através de voto ou de satisfação do consumidor-eleitor. Um rádio de pilha serve para receber ondas de rádio e transmitir música e notícias. Ao se ler certas doutrinas sociais. através de uma série de métodos antes usados para fabricar sabonete. coisa que é relativamente evidente nos sistemas não-complexos. Nesse caso. como demosntra o controle de propriedades emergentes e auto-organizadas de substâncias radioativas. ao mesmo tempo. Se o mesmo rá- Portanto. poder central e c´rebro humano predicados da ordem do ethos. agora pode com pequenas alterações fabricar armas radioativas está usando auto-organização e complexidade para um fim que não o inicialmente proposto. se há um ethos individual baseado na biologia cerebral. corre-se o perigo de não estarem tão claros os processos bons e os maus.439 No caso dos sistemas não-complexos. políticas e econômicas sob a ótica da biologia evolutiva pode-se-lhes criar um novo critério de decisão não baseado na propaganda ou opinião. cap. Uma máquina complexa capaz de exibir estados diversos pode. podemos claramente qualificar o que é bom funcionamento e o que é mau funcionamento. também deve haver um ethos coletivo baseado em algum sucedâneo biológico. não visitam estados estáveis imprevisíveis de funcionamento. versão analógica valorada dos múltiplos sistemas econômicos e políticos aparentemente rivais no plano das opiniões. há uma certa dose de facilidade para se decidir que a substância que facilmente se reorganiza de sabonete em bomba nuclear deve ser proibida e controlada. como qualquer sistema não tem. portanto. nem haveria clara distinção de finalidade e de função. Uma empresa que descobre aos poucos que. da consciência individual enquanto versão analógica valorada da complexidade cerebral. os seguintes fenômenos: a) a complexidade cria a variabilidade e a estabilida- 440 Nessa instância não há que haver ética nem julgamento de valor. há enorme quantidade de estados interessantes. porém. . Porém. ou estados funcionais e estados disfuncionais. se educamos o cérebro e a mente. A necessidade deve orientar a escolha. em psiquiatria e neurologia. Não há ética na natureza que seleciona o mais forte e nem no mercado implacável que atira ao ostracismo uma marca. bem como parentes dos ciclos de crescimento e de estagnação. A auto-organização é capaz de criar a variabilidade. Porém. alguns são desejáveis e outros não. se corrigimos a anomalia mental. pág. poder central e c´rebro humano Se a complexidade e a auto-organização são parentes da estabilidade de fenômenos como o desemprego estrutural. Mas se a intervenção necessária é o que organiza e valora o que é bom ou mau. a falta de controle e a nova época de idolatria da autoorganização criam. Henrique Schützer Del Nero Quando a auto-organização e a complexidade geram a anomalia no cérebro. entre eles. Também pode internacionalizar a produção. não teremos condição de vislumbrar progresso ou retrocesso. estamos supondo que haja estados bons e maus. Bem-vinda a não intervenção em certas etapas do processo. o que cria progresso e invenção. O mercado que. Voltando à Figura 55. Também pode criar um mapa da riqueza e da miséria. im- A complexidade pode ensinar a montar carros em duas horas sem operários e apenas com robôs. Bem-vinda a variabilidade trazida pela complexidade. De uma certa forma temos aqui um paradoxo que sitia a mente. nesses casos extrema e estável. na medida em que estamos corrigindo. Deve haver um princípio hetero-organizante. O não-intervencionismo.SÍTIO DA MENTE Essas situações todas podem gerar progresso na medida em que criam variabilidade. como aliás não seria de supor que haja ética num sistema auto-organizado. do cérebro e da sociedade repousam todos na mesma situação de sistemas complexos. organiza seus preços não tem uma ética. particularmente. fazendo com que cada fábrica seja um centro de produção de partes. também é fato que não necessariamente a boa solução está apenas na condição de estabilidade do sistema. cap. É o que fazemos todo o tempo em medicina e. O paradoxo da mente. através da complexidade suas demandas. também os estados autoorganizados de complexidades sociais e econômicas devem ser corrigidos. nunca de um produto completo. cumpre rapidamente corrigila. a um só tempo. uma carreira ou um velho sábio.25 Mercado. putando o bom e o mau a partir de uma determinada axiomatização ou ideologia. que discrimine estados disfuncionais. isto é regulador. pág. A mente está sitiada quando deixa de ser geradora de políticas públicas e econômicas. ou éticos e aéticos).25 Mercado. vimos que há estados estáveis funcionais e disfuncionais. o mercado. for aquela que concentra riqueza. porque assim manda o figurino dos novos gladiadores à cata de ascensão social. d) com o tempo. isto é. se o poder absoluto central tiraniza e subtrai a liberdade individual. Se. . pode criar um vetor de tirania aética sobre o indivíduo e uma mutação constante de seus valores para. tudo aquilo que é estável é bom e o que não é estável é mau. Se num dado momento é bom mentir e enganar o semelhante. no entanto. então a nova mente deve agora rapidamente se reorganizar para seguir o que se tornou estável e bem-sucedido pela mão invisível do mercado. também ele. agora seguir o que manda a complexidade (mas o indivíduo e a empresa devem seguir o outro sistema complexo autoorganizado − o do mercado livre − que dita as novas regras. antes coletiva e representativa. salvo se complexo for confundido com coletivo. ótimo. Henrique Schützer Del Nero b) o não-adaptado deve. enquanto complexos. neste final de século para a mente é que. antes representação de anseios e de va- Quando o consumidor é apenas o comprador exi- 441 f) aquele para quem a sociedade deve trabalhar agora trabalha para ela. é agora complexidade à cata de auto-organização. responder às exigências do mercado e do consumidor.SÍTIO DA MENTE c) a não-intervenção propicia uma espécie de perda de valor funcional ético dos atos e dos produtos. seja agora apenas mercado. então. cap. complexidade e auto-organização sem ética qualquer. passam a se subordinar a essa nova ordem. passando a ser passiva e adaptada ao imperativo do mercado e da auto-organização. a auto-organização que iguala e emancipa a todos. que de coletivo não tem nada. poder central e c´rebro humano de julga o ser bom ou mau do sistema. baseada no mercado e no sucesso pessoal. e) mentes e cérebros. a sociedade e a economia formatam um novo conjunto de valores ou de preceitos de conduta. rapidamente. sendo também eles sistemas complexos). e de leis que visem ao bem comum. lores. O paradoxo que vejo. Se fosse critério de funcionalidade. A sociedade. para que apenas o sucesso seja critério de estabilidade de decisão (ora. também uma autoorganização sem controle. Aquele que deve gerar o valor da sociedade na verdade consome e se conforma ao novo paradigma gerado pelos bem-sucedidos. exclui dois terços da humanidade e desemprega 20 a 30 por cento da força adulta produtiva. então talvez a sociedade. perde-se a visão de que a daptação é de uma espécie e não de um indivíduo. no ser normal. a autoorganização. porque esse vetor que seleciona é um meio natural fortemente estável. privada e pública. o cônjuge. o colega (o amigo é conceito antigo).4 então a mente não mais gera valores perenes. ele deveria estar policiado e excluído. à mente restará mudar rapidamente. antes determinante da função. cap. em princípio.25 Mercado. Se auto-organização segue a lógica dos estados possíveis (pathos). só o farão adquirir contornos de liderança quando. embora rica. Se a consciência privada 442 A mente está em perigo quando o sistema usa a noção de auto-organização e de complexidade de maneira incompleta. do bote econômico. somente tirarão o bem-estar almejado e. Isso é similar à biologia evolutiva. criando indivíduos ambíguos ou então ressaltando a virtude do amoral. Nesse microssistema onde o mercado pode suscitar auto-organização há que haver heteroorganização ética. poder central e c´rebro humano gente que reclama por mercadoria bem feita e barata. depressão e patologias individuais que. Deixa de ser mente estável porque o valor moral. disfuncionais. há que haver um mecanismo hetero-organizado de imputação e correção sobre o nível anterior (ethos). tal que o pressuposto de estabilidade da espécie esteja salvaguardado. . pode ensejar estados estáveis. aptos a serem selecionados. isso é bom. Henrique Schützer Del Nero A mente-cérebro forjada para a reunião e para a comunicação se isola na medida em que dissimula e espreita a oportunidade da emboscada. portanto. podendo até se tornar obsoleta. mudando rapidamente para satisfazer as novas exigências de seus consumidores. Usando-a para criar variabilidade e deixando que apenas a estabilidade diga se é bom ou não. os maus usos que se faz da relação entre o cérebro e a sociedade: de um lado. amplificação de ansiedade. psicopata amoral. pág.Quando a auto-organização e a complexidade visitarem estados estáveis em que ética e solidariedade deixem de ser produtos da moda. no SÍTIO DA MENTE São dois. A consciência. Mude-se o consumidor e a ética muda. valores. na qual a dinâmica do acaso cria estados ricos. Segundo. Isso sitia porque desestabiliza tradições. agora é determinado como produto. Mas a necessidade que opera a seleção é da ordem externa do ethos. não é senão instrumento de hetero-organização das ações complexas que se passam no cérebro. supondo que a mente é instrumento de sobrevivência individual. Quando esse consumidor agora é o chefe. estamos caminhando para possíveis estados de perversão social. porém. Se na escolha de uma espécie não há direção de bom ou mau. por outro lado a transposição desse meio para a figura do mercado como instrumento de seleção perverte o processo. portanto. na consciência coletiva essa mesma redescrição deve agora seguir pressupostos de tradição. deve ser bom. Complexidade e auto-organização são capazes de criar variabilidade. Esse é o resultado de incensar toda e qualquer atitude de sucesso pessoal a despeito de infração ética. num certo plano sucedâneo da ética individual e coletiva. . Na economia. mas não prescinde de um controle externo sobre seus estados estáveis disfuncionais. Pelo sucesso se teria jogado fora a teoria heliocêntrica. segundo. Algo se torna estável. Do pág. A auto-organização como fonte de variação é boa. patologias como a depressão seriam exemplos de auto-organização que gera estados estáveis e disfuncionais. pelo sucesso se mantém um sem-número de cânones em flagrante desacordo com o bem coletivo. os estados novos e imprevisíveis que se criarem poderão ser funcionais ou disfuncionais. avesso ao pacto e à reunião. Isso me parece estar ocorrendo com a ética que deveria permear ações individuais e coletivas.Se o cérebro carece da correção da educação e da 443 A noção de auto-organização é uma das modas importadas dos sistemas físicos para explicar e justificar certas posições político-econômicas. Após ter sucesso. a lógica do mais forte criará uma guerrilha urbana que jogará por terra toda a conquista da modernidade. Mas sabemos que a estabilidade pode ser disfuncional e que o sucesso pode ser um mau critério de verificação de algo. a estagflação seria exemplo semelhante. cap. dois serão os efeitos da confusão: primeiro. nem é bom método de avaliação da correção de sistemas teóricos e complexos. relativizando-lhe as transgressões e o dano de seu exemplo para os outros.25 Mercado. poder central e c´rebro humano surge pela redescrição valorada de ações e percepções presumidas. a estabilidade do sistema parece ser indicativo de sucesso. Essa interferência externa é imprescindível para que os estados imprevisíveis estáveis não se tornem monstros incontroláveis. como paradigma de homem da nova era. vê-se muitas vezes o indivíduo como vitorioso. porém. tomando autoorganização como paradigma. estabilidade e valor moral. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Síntese ponto de vista cerebral. Do contrário. sem que paralelamente haja intervenção reguladora externa. Porém. Por isso corrigem-se cérebros pela educação e mercados pela regulação. nem sempre é tão fácil notar a disfuncionalidade de certos estados novos e estáveis. filtradas pela linguagem e pela memória. O sucesso de certas idéias e políticas atuais pode ser um mau critério para atribuir-lhes funcionalidade. visto que nem o sucesso é da ordem do ethos. Ao se defender a auto-organização como paradigma único. poderemos eleger o amoral. (1963) The Mathematical Theory of Communication.”. pág. Cf.I. etc.: Bantam Books.eu . uma psicose são estados também provenientes de auto-organização do sistema. podendo até durar para sempre. I.25 Mercado. um bem-sucedido americano prescreve: “Se quiser um amigo. um quadro ansioso. and Weaver. fantasmagorias. Cf. poder central e c´rebro humano cultura e se a mente individual parece surgir graças a um balanceamento entre variação e seleção. nessas situações fenômenos de alucinação. Uma 4.C. cap. University of Illinois Press. desses voltados para organização de empresas. quando então percebemos que estávamos ainda “meio sonhando”. por exemplo. sensações estranhas. às vezes.SÍTIO DA MENTE 1. Esses são os chamados estados anômalos não estáveis porque duram pouquíssimo tempo. O leitor que não entendeu a noção de estabilidade ou não de um estado deve pensar no caso de certos fenômenos que ocorrem quando se está pegando no sono ou se está acordando. mas que exibem uma estabilidade que dura muito tempo..N. (1984) Order Out of Chaos. arrume um cachorro. medos horríveis. nem a comprar seu livro. . então todos esses elementos devem ser respeitados na discussão de uma ética coletiva e de uma nova consciência social. em não se tomando as medidas cabíveis. Por um lapso de segundo temos. tenho dois. acaso e necessidade. Prigogine.. 2. paralisias. Em recente trabalho. paixão e dever.W. Duram frações de segundo. Lamento não fornecer a fonte porque não me prestei a recortar tal artigo. Shannon. Henrique Schützer Del Nero Notas depressão. 444 3. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. formada pelos neurônios. entre os mamíferos. Há na porção responsável pelo processamento. tal qual fosse um computador. o outro dá suporte físico e sustento. Henrique Schützer Del Nero A mente sitiada cap.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. uma pág. basicamente. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 26 cializado na recepção de informação. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. Assim. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais. fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. e. algumas vezes. formado por dois conjuntos de células . um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. ao longo de milhões de anos. Quando a cultura sitia a mente collegium cognitio 445 O cérebro humano é. vai aumentando de acordo com a escala animal. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. Isto mostra que. “quantidade é qualidade”.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. no entanto.um manipula e processa informação. Seu grau de complexidade. integração e execução motora. um dos números mais gritantes é o de encefalização .26 Quando a cultura sitia a mente parte 5 . Creio que em certas situações o critério de decisão para dirimir impasses. das ciências humanas. da cultura. e derivado de dedução e argumentação no nível inferior. 446 A proposta.26 Quando a cultura sitia a mente QUANDO A CULTURA SITIA A MENTE . pode ser o exame de condições biológico-evolutivas. mas urge tornar a desigualdade motivo de conhecimento. credulidade ou sandice. aparentemente axiomáticos no nível da cultura. insanidade. Entre a perda da fluência. Se o discurso científico e biológico sobre a mente e a sociedade pode se tornar mais denso e formal. fundando uma nova sociedade biologicamente solidária e fraterna. é fazer um apanhado rápido de várias situações que podem sitiar a mente humana. então. com sinapses e neurônios. então. Não é minha intenção reduzir os fenômenos humanos à biologia. e a busca de fundamento denso que possa dar um basta na proliferação de “saberes” que nos têm paralisado na solução dos problemas da fome. ficarei com o segundo. na vida pública e na vida privada. o que elimina o recurso à força. que tal arriscar dizendo que a cultura deve. Nesse caso a escolha de certas posições supostamente arbitrárias e aparentemente indiscutí- cap. o que talvez a retire da condição de objeto de escolha.SÍTIO DA MENTE veis no plano cultural. matéria de opinião e crença. matéria de conhecimento. então. jurídicas. social e político pode ser matéria também de conhecimento. desvaloradas e pág. porque supostamente baseada em opinião. morais − e também nos costumes. fato que tornaria o axioma arbitrário no nível superior e. Henrique Schützer Del Nero A longo do livro examinei o grande problema que resta por resolver neste final de século: a mente humana e sua relação com o cérebro. portanto. subtituindo-a por uma razão de matiz biológico. sociais. portanto. ter um pouco da cara do cérebro? Isso terá repercussão sobre inúmeras instituições humanas − culturais. às vezes enganosa. tendo sido por séculos motivo de estudo das chamadas ciências humanas) e na verdade é cérebro. pobreza e desigualdade. Disse que a mente tem a cara do mundo (ou que o mundo tem a cara da mente) e que ao mesmo tempo ambos parecem não ter a menor semelhança com um cérebro que dispara potenciais elétricos. Pode parecer pretensão. Sitiar porque pressionam erradamente. econômicas. o discurso meramente cultural pode roubar-lhes argumentos preciosos muito além de uma retórica de persuasão. ou de chaga intocável da condição humana. portanto. políticas. porque exigem dela adaptações impossíveis ou. Se tem a cara do mundo (e. Adoecer.Portanto. portanto. meio de expressão e educação das mentes individuais e da personalidade coletiva. voltando ao leito das ciências naturais. Ao contrário de ser a ética mercadoria fora de moda que vai ficar no passado ou. parece haver sinais nítidos de esgarçamento do tecido social. adoecer porque alguns dos elementos que parecem pluralizar a sociedade não são senão formas frívolas e superficiais SÍTIO DA MENTE Os painéis que se seguem abrem debate acerca dos eventuais motivos de sítio para a mente humana no próximo século. . pode-se incorrer aqui num projeto de prestidigitação apocalíptica. assim. jurídico e moral. visa apenas a colocar um basta na concepção atrasada acerca da disfunção mental. a mente se vê ameaçada em algumas de suas funções. político. também seu alicerce baseado na coesão social deve suscitar. porque. há um embrião ético já nos mamíferos superiores que poderia fazer a moral deixar de ser tema das ciências humanas. reforçar o discurso da responsabilidade e da decência como necessários para a sobrevivência. parece ser ela uma das principais conquistas animais. econômico. 447 Há dois grandes motivos de sítio da mente.1 de expressão de individualidade. como complemento da mente que não se esgota no cérebro mas se espraia pela cultura e pela sociedade. a par do avanço. como dito anteriormente. A vantagem seria. então. Isso. Henrique Schützer Del Nero A par da característica egoísta do gene. pág. correndo. no mínimo. maior risco de adoecer. em que pese ser defendida como competitividade. porque exerce sobre ela pressão desmedida e irracional. Além da mente cerebral. submersa num contexto social. apontar ambigüidades pode ser uma forma de lançar pautas para discussão e reflexão.26 Quando a cultura sitia a mente antiéticas. O segundo ocorre na medida em que. na mentira de certos discursos demagógicos.Em primeiro lugar o não-reconhecimento de seu sítio cerebral e. adoecer porque o valor e a ética parecem estar na contramão de uma série de novas estruturas de funcionamento do mundo social. ao contrário de cercear as outras disciplinas. cultural e econômico que se criou graças a ela ao longo da história do ser humano. enfim. de sua condição de objeto de estudo das ciências biológicas e não das humanas. uma reação de posicionamento de cada um. Adoecer porque o meio muda rapidamente. pensemos um pouco sobre o futuro e sobre as ameaças que nos rondam desde que a mente passou a ser instrumento de emancipação do indivíduo e não liame entre os protagonistas de uma sociedade biologicamente determinada. cap. Por outro lado. mostrando o quanto a atual perda de valores conspira contra todos nós. de tal forma que mais se assemelha ao mundo que ao cérebro. Como em todo esforço de antecipação e de geração de hipóteses. ou pelo menos para os chamados atos voluntários e conscientes.Vamos deter-nos um pouco nesse problema. enfrenta-se fatalmente a questão: será que é possível haver vontade e liberdade de ação numa estrutura física ou esses dois conceitos não passam de ilusões? Imagine que alguém dissesse conhecer o estado de todos os neurônios e suas descargas elétricas num dado momento. saberíamos se este ou aquele comportamento foi voluntário ou não. emprestada ao ser humano na sua dimensão de criatura. ou deixa de evitar. corre-se o risco de avançar no que tange à compreensão do fenômeno mental. ele o cérebro. cap. pelas seguintes razões: 448 A vontade parece ser algo que emana de um espírito. sabe-se haver base neural para ela. pelo menos para alguns valores de parâmetros não há como prever-se os comportamentos futuros. parente da vontade de deus. As figuras do dolo e da culpa. prevendo com isso a ação futura2 (já vimos que isso seria impossível porque. A idéia de uma consciência prévia. dizer que se tivéssemos uma imagem cerebral de PET scan de um indivíduo quando age. imprudência ou imperícia. salvo trate-se de negligência. enxergando-lhe de início algumas das mais profundas ambigüidades que consigo imaginar. Se automático e não-consciente. casual. Estariam descartadas tanto a vontade quanto a liberdade. por leis estritamente determinísticas). o episódio involuntário. Porém.26 Quando a cultura sitia a mente Imputabilidade e culpa . se o cérebro é sistema complexo. Henrique Schützer Del Nero Há diversas roupagens para o problema da responsabilidade. no entanto. assumem diversos trajes e cumpre rever estes conceitos à luz de uma nova ciência da mente. Se voluntário e consciente. deixa de ter relevância. certas condições. A primeira razão é jocosa. veríamos fluxo sangüíneo preferencialmente nas áreas cerebrais frontais. veríamos este fluxo nas áreas posteriores cerebrais. Poder-se-ia SÍTIO DA MENTE Duas razões me impedem de propor tal critério: dificuldades técnicas para manter pessoas conectadas todo o tempo a PET scans e dificuldades conceituais do critério. Por outro lado. De uma certa forma toda a nossa relação com as pessoas se baseia nessa questão. no direito. visto que o agente prepara. pág. não se alude apenas à involuntariedade. Quando se elabora uma teoria cerebral da mente. Do contrário. mas permanecer atrasado no que concerne à regulação da atividade mental expressa em atos passíveis de sanção. A segunda merece comentário. de uma premeditação e de um entendimento faz supor que haja intenção num ato. No caso de negligência. em que pese estar regido. mas também à possibilidade de ocorrer um determinado fato. visto existir determinação física estrita nos atos? Creio que não. . uma vez que conhecemos os absurdos do behaviorismo. Ou bem há um mecanismo cerebral que garanta uma peculiaridade tal à vontade. quando dizemos que não houve intenção estamos dizendo que não há culpa. seria imperativo adotar uma forma de direito que imputasse atos.4 Creio que o preço a se pagar seria alto. se não muda radicalmente a expressão da vontade enquanto fato. porque ambas são coagidas pelo cérebro. sendo ambas apenas ilusões. A ambigüidade que pretendo tratar diz respeito ao seguinte: se aceito o sítio cerebral para a mente devo aceitar. Isto é. e de maneira mais distante com o bem coletivo e com a ordem. deve haver algum correlato neuronal (base da função que desempenha e não de sua vivência) para a vontade e para a sensação de liberdade. ao aceitar que alguém.26 Quando a cultura sitia a mente a) em primeiro lugar a vontade e a liberdade são conceitos que ocorrem com bastante intensidade em nossa mente (claro que nossa mente é misto cérebro.Se não houvesse base neuronal para a liberdade e a vontade. que liberdade e vontade são conceitos que descrevem processos cerebrais. mas simplesmente diria que este está ou não de acordo com a norma posta. misto mundo. em segundo lugar. cap. à liberdade e à consciência (ou compreensão) que se mantenham os julgamentos nos moldes atuais. muda-lhe o rosto enquanto evento gerador subjacente. ou então deve-se rever a própria noção de intenção. Henrique Schützer Del Nero b) as pessoas que tentam associar vontade e liberdade com acaso e desconhecimento (casos em que haveria fenômeno quântico no cérebro − acaso genuíno − ou em que haveria acaso parcial pelo desconhecimento de todas as variáveis em jogo − acaso relativo) não me parece fazer justiça à força dos conceitos: primeiramente. em princípio não me agrada a idéia de que algo está num sistema biológico sem função ou como engano. comprometome com a compatibilização aparentemente tortuosa entre determinação física e liberdade. a despeito de cerebralmente determinado. portanto. Um direito positivo não examinaria a condição anterior ao crime (ou ao delito). embora a falta de intenção seja tão cerebral quanto a liberdade. voluntária ou não. proponho uma solução compatibilizadora que. Porém. e 449 Portanto. e não intenções ou compreensão. SÍTIO DA MENTE Parece-me que o direito diria que o fato de haver determinação física invalida a liberdade de agir e a imputação. pág. uma liberdade que fosse correlato mental de ignorância não seria liberdade. sendo difícil dizer qual a base neural da experiência mental de vontade). devemos encontrar uma razão para a vontade e a liberdade que permita embasá-las cerebralmente e manter a estrutura de imputação tal qual a conhecemos.3 Por outro lado. ato contínuo. não me parece que o que está por trás da vontade e da liberdade do indivíduo seja a correlação com um acontecimento quântico em seu cérebro. tem liberdade de escolha. Para além dos delitos e das penas. regulada não apenas pelo instrumento jurisdicional. resguardavam as noções sociais. a atividade basicamente reflexa em que a uma determinada estimulação corresponde uma única reação. redesenhar um direito baseado apenas na correção do desvio comportamental (uma espécie de padronização arbitrária de condutas). Pois bem. mas pela tradução das etapas que medeiam a forja da mente: o reflexo se torna complexo e este se torna consciência individual. O direito. para a vontade livre. mas de uma justiça biológica. é complexa e a jurisprudência que avalia casos especiais deve nutrir-se de um exame das condições de operação valorada e cognoscitiva do agente biológico do delito. embora em desacordo com a base cerebral da mente. por conseguinte. onde se pode examinar a pluralidade de motivos. versão valorada de atos e percepções ambíguas. ocorreu. voluntária ou livre? Até algum tempo atrás minha interpretação de tal fenômeno era que a liberdade e a vontade seriam enganos conscientes que. 450 Diria que há três instâncias no cérebro humano. Não houvesse base neural para a vontade. vejamos qual é uma explicação neural para a consciência e. ao aceitar a determinação física para os atos. Isso seria prova de que a vontade e a liberdade que emergem na consciência são apenas posteriores a uma atividade preparatória do cérebro que nada tem de consciente. Talvez com isso se alterem alguns julgamentos críticos e paradigmáticos. uma forte onda cerebral nas regiões frontais do cérebro. acabando por tocar na tela. Henrique Schützer Del Nero Base neural para a vontade cap. teríamos que. Há um célebre experimento em que se manda um indivíduo apontar um facho de luz numa tela quando tiver vontade. A condição processual. em lugar de julgar criminosos. 300 milissegundos antes. guiando-se pelo exame das circunstâncias cerebrais subjacentes a qualquer ato.26 Quando a cultura sitia a mente podemos imaginar que julgar comportamentos criminosos. . te- pág. voltando à base natural não de uma justiça ideal. poderia colocar em xeque grande parte do avanço do direito subjetivo nos últimos trezentos anos. jurídicas e teológicas de liberdade e de vontade.SÍTIO DA MENTE O leitor há de se lembrar da tão repisada noção de sincronização de populações de neurônios como base universal do código e da operação mentais. Quando diz ter tido vontade de apontar. Quando tenho situações mais complicadas. esse novo direito poderá educar a mente coletiva. revistas as noções de consciência e de vontade de base neural. Primeiro.Um direito baseado numa base neural para a vontade pode refinar seus instrumentos de sanção e prevenção.5 Hoje tenho uma visão diferente. pode cumprir seu papel histórico de imputação e também mitigar seu aspecto positivo. O facho fica girando e quando o sujeito aponta mede-se a atividade cerebral. A inexorabilidade da pena deve ser reflexa. mas também pede que elas sejam justificadas. então teremos de conviver com duas séries paralelas − o nível do processamento cerebral e o nível do processamento mental. A vontade e a liberdade não surgem da planificação de um ato. . Não há necessidade de mente para que o cérebro opere em regime de extrema complexidade. ter-se-ia uma sensação de consciência e mais. da história e da memória. que julgo ser a base da consciência.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero plexo. Cria-se. então. 451 Na Figura 56 descreve-se a seguinte hipótese: há na ação externa o resultado de dois processos: um com- Fig. no afã de criar uma versão da ação.56 − A consciência é posterior à gênese do plano do ato. que é a redescrição consciente dessa ação.26 Quando a cultura sitia a mente nho um sistema complexo que deve ponderar acerca de múltiplas possibilidades de ação.56).consciente. mas de sua ratificação ou inibição enquanto ação possível ou desejável. um terceiro mecanismo. Essa recriação é muito rápida e tem condições de inibir ou ratificar planos engendrados na esfera não-consciente (assim como o complexo inibe a ação reflexa). outro que é o recrutamento de um monitor da ação presumida (do potencial de uma ação). A partir de uma dada estimulação (que pode ser externa ou interna) há uma série de ações possíveis. função complexa não. o que serviria de base neural para o que chamamos de vontade livre (Fig. cap. em que certas ações e percepções (ainda presumidas ou em fase de exame) são reinterpretadas à luz da linguagem. que desenha cenários de ação (devido a estímulos ambientais e ao recrutamento de memórias). não-consciente. A sociedade que constituímos reclama não apenas por ações. Toda vez que se inibisse ou um esquema de ação ou de percepção. se teria uma sensação de dar consecução à ação ou de abortá-la. Aí reside a complexidade de operação cerebral. porém se fizermos necessária a superveniência de uma nova ordem complexa − a mente −. pág. A consciência seria feita de três elementos: função. não mais de parentesco divino. processo e vivência. assim. misto de cérebro. Quando as duas ordens (a da ação presumida e a da consciência como ação redescrita) sincronizam. Presumidas porque o processamento complexo está todo o tempo engendrando planos de ação e planos de percepção. que se podem manter as formas atuais de imputação. Pela redescrição valorada (processo) através de sincronizações estabeleço um análogo (conteúdo) da ação e da percepção. SÍTIO DA MENTE Com isso espero mostrar que há uma base cerebral para a sensação de vontade e de liberdade. uma explicação para a consciência e para a vontade. uma vez que talvez possamos resgatar um direito natural. seguem o curso direto. À vivência consciente do análogo se somará a vivência da inibição ou da ratificação. a um só tempo. Ao contrário de meros conceitos da linguagem corrente. Quando ambíguas. o que deve suscitar transição de fase no sistema. Sujeito público e privado O sujeito.Esse análogo será capaz de gerar um comportamento Talvez muita gente não se importe com o ser ou não cerebral. atenuante e agravante para os crimes (e também para certas situações civis. é interessante equipar o direito com uma vontade e uma liberdade de base neural. tem uma feição pública e outra privada. há a vivência da vontade e quando a ação é abolida. Tem-se. sem concurso consciente. temos a vivência da prudência ou da liberdade de escolher como agir. de inibição ou ratificação. mente e mundo. O sujeito privado é a 452 A sincronização entre processo complexo e processo consciente gera a vivência consciente pelo recrutamento de inúmeras regiões cerebrais. Esta deve ser suficiente para gerar o conteúdo de vontade e de liberdade. tanto as ações quanto as percepções presumidas.26 Quando a cultura sitia a mente Quando ocorre a redescrição consciente. cap. temos que o conteúdo é consciente. pela razão básica desse livro. Isso garante. há a mobilização de tantas áreas cerebrais que se dispara a vivência da consciência (lembre-se da água a 99 graus) e também a possibilidade de ratificar ou abortar o esquema da ação. responsabilidade. cria-se-lhes através da sincronização um análogo consciente. . como contratos) e também que o critério de examinar a justificação e a descrição lingüística das motivações de uma ação são totalmente cerebrais. Henrique Schützer Del Nero Quando se ratifica. mas creio que. A função da consciência é monitorar valorativamente a ação e a percepção presumidas. pág. haveria substrato neuronal para elas. Quando triviais. mas de base biológica. os gestos. dríaco coletivo. os locais freqüentados são condições de definição de uma feição pública do sujeito. tal fosse o camaleão que troca de cor de pele para se confundir com a folhagem e não ser devorado pelo predador. Muitos de nós. . dos costumes. o sujeito − invenção ou amplificação do ocidente. o que é mente privada. o embusteiro. digo que essa situação é adaptada. guiados pela moda e pela expectativa alheia. Que por educação ou por dissimulação não coloca para fora o seu interior. é uma subversão que faz o público determinador do privado. particularmente pós-estado moderno − é pouco desenvolvido. O vestuário. Sem entrar no mérito. esboçam uma faceta curiosa: são sujeitos públicos. passa a ser mera sensação corpórea. na nossa atual.26 Quando a cultura sitia a mente mente individual.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Na sociedade antiga. Porém. no íntimo de seu recato. apenas atualização interna do que querem o modismo e o olhar alheio. manietado pela moda e pela alienação. hoje em dia. sendo o plano do privado apenas projeção e internalização do anseio médio público. mas é determinada pelo coletivo massificado. porque os outros estados internos não são reflexão e espaço de construção de hipóteses. pág. A conduta não é mais o resultado da elaboração interna. massificado pela mediocridade 453 A degradação do sujeito privado nos dias de hoje constitui sítio para a mente porque não há mais consciência do panorama privado. Aquela que por vezes não externa o que pensa. Hipocondríaco porque o plano da mente privada é apenas espaço de queixas corpóreas (uma das funções da mente no monitorar o corpo). ao permitir a dissimulação. Comportamento porque não é necessário dizer nada para que se passe uma impressão. ficando o estado interno como pseudo-sujeito privado. se associarmos liberdade e participação política − características da sociedade atual − com sujeito privado alienado. está exercendo uma faceta de adaptação. O sujeito público é um misto de comportamento e de idéias. os adornos. sobretudo na forma de uma astúcia necessária com os centros de poder. o falso. alienada e manietada. Embora compatível com sociedades extremamente rígidas. A feição privada por vezes acoberta o dissimulador. Isso seria pueril e muito provavelmente a mente. e também com sociedades justas e fraternas. o privado. introjeção passiva da moda. coletivo. mas apenas a internalização dos anseios coletivos. A dissimulação consciente é adaptativa. torna o indivíduo privado uma extensão manipulável de um público fundado no poder e não na reunião. como disse Mauro Santayana. nem valor. empobrecido culturalmente. da política. conservadoras e imutáveis. evanescente. O sujeito privado. tornou-se uma espécie de hipocon- Essa nova conduta. de acesso único. cap. nem consistência. Não diria que a mente está sitiada porque não externa todo o tempo seus estados internos. pobre e pouco desenvolvido. Feche os olhos e perceba. constância e hierarquia são mercadorias fora de moda e sua inventividade e capacidade são incapazes de gerar projetos pessoais decentes e criativos. assim. assim quem sabe somente mate os outros nas colisões que provoca por excesso de velocidade. somente o dinheiro. que de conservadora e imutável nas sociedades tradicionais passa a espaço de liberdade de expressão e de respeito à pluralidade de gostos e opiniões. por pensar pouco. não pode encontrar aí estado estável. Exime-se por ter poucas idéias. pensa que pensa. ao contrário. com duas sofisticadas armas subliminares: semeia a ignorância e dita os comportamentos através de modas e tendências. Não exerce sobre ela função controladora explícita. acossado. por ler pouco. Muda com a velocidade da nova coleção de moda européia.O cérebro. exclama em alto e bom som. veste-se da maneira ditada pela “moda” atual: ternos de três botões para os adultos. mas não procura saber as plataformas do candidato e muito menos a orientação ideológica do partido. é agora o algoz da mente privada. Amaldiçoa seu bom carro tão logo sai o novo modelo com frisos cromados de outra cor. por escrever pouco. mas renega qualquer interferência do estado em sua vida privada. “O muro de Berlim caiu”. embora nossa tradição nesse esporte seja menor. tem “opiniões”. dos governantes e também dos maus serviços públicos. frontais e dorsais (ótimo. então teremos conjunção preocupante. A mente desse pseudo-sujeito contemporâneo é pobre. julga a ideologia e o conflito direita-esquerda superados. Esse indivíduo moderno é mente privada pobre e sujeito público medíocre porque exposto a uma sociedade em que tradição. descrê dos regimes. abuso de álcool e drogas). Namora com o autoritarismo e com a ditadura. seu dever e direito de cidadão contribuindo para a falência do sistema representativo e da própria idéia de democracia. Opera. por meditar pouco. Usa boné de time de basquete americano. e assim por diante. O candi- dato é um produto que é escolhido na gôndola do supermercado ou na vitrine do shopping-center. Queixa-se dos impostos. . imprudência. Vota quando obrigado. neo-grunge para os adolescentes (sempre com elementos disfarçados e casuais de grifes caríssimas) e anos 60 revisitados para as mulheres. não respeita a cultura.26 Quando a cultura sitia a mente de certos meios de comunicação e entretenimento. cap. Por quê? Porque. como vimos ao longo deste 454 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero O indivíduo caminha para uma inversão de papéis. Esse indivíduo deseja. pág. Aliás. Não crê que haja um espaço de manifestação pública salvo em seus encontros frenéticos na casa noturna ou na vernissage de recém-adeptos ao mundo das artes. sem ter sequer a sofisticação de ler Fukuyama6 para endossar um pouco suas sandices políticas. faróis ovais e não mais quadrados e airbags laterais. é arrogante na sala de aula. A mente pública. Exalta a intervenção absoluta no plano político. Exerce. O técnico tem que ser sofisticado para poder consertar um aparelho. para elaborar a liberdade e para manipular os conceitos que se lhe aportam com rapidez imensa. A idéia de revolução e o desejo de transformar o mundo deram lugar a um consumismo frenético de produtos de tecnologia mais sofisticada. mas na verdade a abolição da censura e a massificação de meios provisórios de comunicação e de educação mais subjuga que liberta. véspera da passagem de século e de milênio. Quando deixa de ser agente do processo de construção do ser coletivo. mas o contrário. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Se a mente não está preparada. do lado dos jovens assistiu-se a um encurtamento brutal da infância e a um alongamento insuportável da adolescência. De uma só penada consegue-se desvalorizar o trabalho. O sentimento de solidariedade se dirigiu para árvores e baleias. A idéia de êxito pessoal tomou o lugar de preocupações com a sociedade como um todo. Se isso faz uma economia andar. substituindose o circuito ou o aparelho como um todo. Paradoxalmente essa tecnologia sofisticada cria uma desvalorização do trabalho. a manutenção. . no plano privado. cap. não é o meio que determina o cérebro-mente. Caíram as últimas bandeiras românticas e utópicas de igualdade. deixa de ser livre para ser apenas tela onde se impressionam os fotogramas do videoclip e do filme de 30 segundos anunciando uma nova calça de brim ou um movimento incrível de consciência ecológica. deixando o semelhante à mingua. deixa de ser agente para ser paciente de um processo coletivo burro e alienado. preferindo-se nesse caso simplesmente jogá-los fora − aparelho e técnico. travestidamente. Salvemos as árvores e as baleias para que os mendigos e os excluídos possam ter vez no próximo capítulo. Se do lado dos adultos houve uma regressão no que diz respeito à sexualidade devido ao temor da Aids.Nesses últimos anos assistiu-se a uma liberalização enorme nos costumes. devidamente amparado em uma sólida estrutura privada. A dialética da polarização cedeu lugar a um consenso (entre outros o de Washington)7 estéril e desengajado. O pág. de liberdade. O sexo e o flerte com carícias pode ser rápido e sem compro- 455 Os anos 80 e 90. A aceitação da conduta imoral para lograr certos fins passou a ser vista com olhar pragmático em lugar de provocar repulsa. Em vez de folha em branco em que antes a experiência e agora a moda e a propaganda escrevem suas categorias o cérebro é o forjador primeiro de uma visão de mundo. Não se conserta nada. culta e equilibrada.26 Quando a cultura sitia a mente livro. parecem ter acabado por solidificar a alienação e o individualismo. também sitia porque aliena e descompromete. coletivo passou a ser lugar apenas do congestionamento de trânsito e do perigo dos assaltos à luz do dia. Isso se chama. exacerbando o simples jogar fora e comprar um novo. mas não consegue cobrar de acordo com o valor do que faz. instáveis-disfuncionais e estáveis-disfuncionais. se isso é chamado de contraditório − e acho que não é por acaso8 − também uma série de ações humanas neste final de século se legitimam como tais: há que estabelecer o contraditório. A relação entre os três primeiros chamei de pathos e a relação entre esses três. Também o compromisso perante a sociedade e a responsabilidade parecem cada vez mais distantes. A velocidade e a facilidade com que se pode expô-la a um leque de diversões rouba-lhe o tempo do crescimento. instáveisfuncionais. para falar em termos de energia como nas primeiras partes deste livro. Mas com essa forma de comportamento não haverá jamais decisão superveniente senão aquela que brotar do mercado (deu certo. Faz hoje campanha para um e amanhã para outro de partido oposto. A mente privada. culpado ou inocente. e o quarto é o que chamei de ethos. do acusante e do acusado. possa o juiz decidir. muitos são os estados estáveis-funcionais e não apenas um. viu?) ou da estabilização do comportamento amoral como norma da nova era. estabelecidas as duas versões. o que dá uma margem de criação e inventividade ao sistema. cap. lida. Não há que temer: levou-se a idéia de ética para um plano de estabelecimento do contraditório. 456 Henrique Schützer Del Nero O lugar da ética pág. No direito a função do advogado é defender seu cliente. para que. Os estados instáveis não me preocupam excessivamente porque. Porém. não se podendo cobrar-lhes moralidade ou atribuir-lhes imoralidade. Dessa forma. Pois bem. deixando de ser centro de determinação de políticas pessoais para ser apenas órgão repassador de políticas − ou propagandas − públicas. particularmente o primeiro. viu? vendeu bem. Isso é o que garante plasticidade e riqueza aos sistemas complexos. Por quê? Porque há um acaso que cria variabilidade. não tem mais lugar.SÍTIO DA MENTE Na Figura 55 apontei quatro estados possíveis para um sistema complexo. mas a liberdade alienada e manietada pela propaganda pode não ser tão menos nociva. Pode haver muitas soluções estáveis e funcionais. educada. dei- xando para alguma instância superveniente julgar. viu? elegeu-se.26 Quando a cultura sitia a mente misso. Rapidamente se expõe ao mercado que decide o que deverá consumir. o preço que se paga por isso é a existência também de inúmeros estados estáveis-disfuncionais. Foram derrubados os Estados absolutistas e as ditaduras. com tempo para a reflexão e para a fantasia. Muda-se o publicitário que faz a imagem de um candidato com toda a facilidade. para seguir a máxima de Darwin. . Com o agravante de que algumas ditaduras tinham compromisso moral com certas idéias e o mercado e a propaganda são amorais por definição. Estáveis-funcionais. portanto. O acaso cria a variabilidade e a necessidade cria a seleção. fobias. neste momento histórico. das drogas e das idéias que reinstaura o domínio adequado. é o que chamo de Se o pathos é da ordem das coisas que se criam e se inventam no seio da auto-organização de cérebros. Esse ethos empresta raiz à palavra “ética”. as flutuações incontroláveis. sendo cabível analisá-las mais sob a ótica da paixão e da emoção que pela ótica da razão. Quando o sistema auto-organizado. mentes e sociedades. pág. visita estados estáveis-disfuncionais. vetor que os desloque da condição de estabilidade disfuncional para a restauração da estabilidade funcional. Os termos são emprestados do termo grego e de uma certa forma podem se confundir com a noção de afecção criadora e potencialmente patológica (pathos) e com intervenção decisória e racional (ethos). dominado pelo que chamo de dinâmica do pathos. Artefato biológico notável. porque seguem a dinâmica natural do sistema. estáveis. assim. antes de mera auto-organização de tecidos sociais. ao contrário.As primeiras foram cuidadosamente examinadas na maior parte deste livro. A ordem da necessidade e da seleção não é auto-orga- 457 Toda ordem de relações auto-organizadas. há um vetor de necessidade que escolhe e seleciona. sem a interferência no sistema complexo.26 Quando a cultura sitia a mente esses estados tendem a migrar para outros. um processamento complexo e. é não perceber que. e mesmo os instáveisdisfuncionais. são parentes do acaso que cria a variação. Essa dicotomia entre acaso e necessidade é central na teoria evolutiva e também no modo como devemos enxergar as dinâmicas mentais privadas e públicas neste final de século. O cérebro humano. progresso. ao escolher entre várias alternativas. na sua fantástica variabilidade. ansiedades. cria. cap. aprendizado e um sem-número de outras facetas nossas conhecidas. A patologia do ser público. relação de pathos. há que impor-lhes.) e de patologia do ser público. Um dos grandes motivos de sítio da mente e. Há. do ser humano. um estado de intervenção da razão. econômicos. políticos. um processamento consciente-mental. ainda mais. Porém. também é parente da patologia e da disfunção. psicoses. exerce uma função necessária chamada ethos. é também cerebral (e portanto biológica e natural) na sua base e fundamento. jurídicos e morais. Essa. etc. há que impor-lhes um vetor de seleção. Aí entra o papel da necessidade. também visita regiões estáveis de patologia do ser privado (depressões. enquanto de pathos deriva a palavra “patologia”. cria variabilidade todo o tempo e graças a isso há invenção. além do processamento reflexo (que nem é tão reflexo e nem tão simples como pode parecer). SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Se os estados funcionais. pelo uso de agentes externos. se auto-organização cria variabilidade. . afeta a sociedade como um todo. Aí está o que chamo de ethos no plano dos sistemas complexos e de ética no plano de cérebros. mas sim hetero-organizada. qual deve seguir em frente.SÍTIO DA MENTE No plano da concepção antiga. aquela que ocorre na mente pública e. que a interferência passa a ser vista com olhar enviesado. sem cooperação e atenção à decência. as condutas que estão acima de qualquer indivíduo isolado mas coordenam a média das atitudes coletivas de cada um de nós. de cima para baixo. dois outros elementos fazem parte desta heteroorganização. depressão e perversão moral. do todo para a parte. atendimento aos mais fracos. Isso cria pessoas que cedo concorrem pelo mais simples bocado de bolo e que fatalmente perdem a noção de ser humano no que diz respeito à comunhão e à troca. seja no sinal de trânsito. Isso cria ansiedade. ou interferência reguladora ou necessária: o uso dos fármacos que corrigem a anomalia da mente privada (primeiro grande sítio da mente) e o uso de certos conceitos que devem nortear a escolha das formas estáveis no plano público. deve também sofrer esse exame da razão e da condição de estar ou não de acordo com os princípios da evolução e seleção naturais. . que a vitória financeira se tornou critério de bom e de mau. como citava em outro ponto. seja na corrupção que. igualdade. Além disso. de nada adianta esse sucesso porque cria efeitos colaterais fatais: a) de um lado desmerece a mente como medida de todas as coisas: o sucesso é externo e não interno. Não perceber que o mercado se tornou soberano. de sucesso e de vantagem. imputando-lhes. não é um indivíduo que está em risco. irracionais e aéticas. Há um primeiro esboço de ética quando se submete a paixão ao exame da razão. é a razão que verifica. É de fora para dentro. mas a espécie toda.26 Quando a cultura sitia a mente nizada. Sitia porque a coloca à deriva dos agentes externos e das auto-organizações que sobre ela exercem papel. o crivo da necessidade. b) de outro lado coloca em risco o bem-sucedido porque torna-se vítima fácil dos excluídos. sitia a mente. Há tirania num panorama externo que impõe suas normas. Henrique Schützer Del Nero Portanto. Porém. cabe a um outro plano de interferência regular os bons e os maus estados. Se o acaso cria uma série de organizações e variações. e assim por diante. portanto. Animais não são apenas estoques de genes isolados lutando pela sobrevivência. entre as múltiplas instâncias emocionais.9 cap. 458 Defendo que a terceira forma de organização estável. no seqüestro. pág. são requisitos evolutivos. São também uma espécie toda à cata de reconhecimento. os valores. antes de invenção cultural ou teológica. da razão e da adaptação natural. A ética. mentes e sociedade. ainda que sejam estáveis (isto advém da ordem da auto-organização e do acaso criador). duendes. a um progressivo modismo e consumo de mercadoria de alta tecnologia sem que com isso se mude a visão que o homem comum tem da ciência. Não sitiará quando. atraso e outras coisas que tais. antes de produzir a célula foto-elétrica que aciona a descarga no mictório do aeroporto. mentes e sociedade. nem por isso alguém defenderia que isso é normal). 11 pág. lento. assim. pensa no ser humano e na natureza. Consumir preservativos eletrônicos. 10 porque. construindo lentamente uma razão que explique cérebros.Portanto. Outro é a possibilidade de que se tome o estável por funcional. voltando ao leito da comunidade biológica. da paciência da pesquisa. sabe-se que a perda de certos mínimos de padrão ético redunda em perda de produtividade e de acumulação de riqueza. progressivo e sólido). se divide entre o moderno para consumir e o arcaico para viver e pensar. sabe-se que a falta de educação ética. em primeiro lugar. sitiada. fazendo com isso confusão tremenda e nociva: nem tudo que é freqüente é normal (pode ser que fosse freqüente matar pessoas em tais circunstâncias em tais épocas. aproveitando-se de sua suposta pluralidade de personalidades. 459 Assiste-se. cria um potencial psicopático social que acaba por sitiar a cidade e as intituições. tão grande é o medo de contratar ou pactuar algo com alguém. fizer o elogio da menos funcional delas − a amoral e individualista. a cultura pode sitiar a mente. há dois efeitos da perda de uma ética que deveria regular nossa escolha de sistemas estáveis.26 Quando a cultura sitia a mente instalada. globalização. é um sinal de mente que. tende a onerá-lo sob a forma de conluios. rindo da razão. na medida em que. A idéia de que há um desemprego tecnológico e uma exclusão de grande parte da humanidade de um processo de competição. enquanto se descrê do estudo. comungando com bruxas. palcos de investimento e de confiança dos agentes econômicos. propinas ou nas pesadas somas que paga a advogados para resguardar seus interesses. . Henrique Schützer Del Nero Quer dizer. reengenharia. extasiado pelo fato de conterem chip que toca música. procurando afas- SÍTIO DA MENTE A crise dos valores morais acaba por afetar a própria pujança econômica porque. Um é a progressiva ansiedade e o potencial descontrole daqueles que participam dessa corrida pelo sucesso (que em nada parece lembrar o engrandecimento pessoal. desde a família e a escola. cap. me parece retratar bem a confusão entre estado estável (parece bastante estável) e nem por isso normal. perceber o coletivo como meio de amplificar e viabilizar o bemestar de todos. tar-se do discurso emocional e arcaico. A ciência. Digo normal do ponto de vista da espécie humana e de sua viabilidade futura. em segundo lugar. quando há Os processos de ratificação ou inibição é que me parecem ser os análogos da vontade e da liberdade. Quando esses planos são triviais (ou numa linguagem mais técnica. parente dos deuses. Cascatas de bifurcações levam ao caos. SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero A vontade e a liberdade podem. Também fará surgir uma correção de parâmetros no plano infraconsciente tal que no futuro um problema análogo possa ser resolvido sem apelo à consciência.Se para intervalos normais (parâmetros ordinários) a decisão calcada na suposição de uma vontade livre e soberana. talvez de instabilidade estrutural. eclipsar a razão que as julga. Quando algo impede que o processamento cerebral infraconsciente seja capaz de agir ou perceber algo. minha hipótese é que o cérebro esteja todo o tempo forjando planos de ação e de percepção. pág. cap. Desse processo surgirá a ratificação ou inibição do plano motor ou sensorial. Porém. Não somos livres para querer porque as ações que suscitarão vivência de vontade e liberdade estão todo o tempo sendo planificadas abaixo da consciência. Esse conteúdo sincroniza com o conteúdo anterior (infraconsciente) gerando a vivência de consciência. O sinal deve sofrer um estreitamento tal que se converta em proposição. 460 A vontade pode parecer quimera.26 Quando a cultura sitia a mente Síntese . em outros casos. Uma vontade de base neural é condição para a forja de um novo direito em muito igual ao atual nas regiões de estabilidade estrutural. Essa redescrição deve ser filtrada pela linguagem e pelas memórias. nas regiões de instabilidade estrutural e valor de bifurcação de parâmetros exibem imprevisibilidade no que tange ao estado futuro. Os sistemas complexos (aqui descritos como sistemas dinâmicos não-lineares) são um bom análogo explicativo. Para regiões chamadas de valores ordinários de parâmetros e de estabilidade estrutural comportamse de maneira previsível. Essa conversão gera um conteúdo que é o problema não resolvido na instância infraconsciente devidamente filtrado pela linguagem. diferenciá-las é fundamental. Somos livres no entanto para ratificar ou inibir cenários hipotéticos de ação ou percepção que nos brotam na consciência. dado que o sistema que a realiza é determinístico e mecânico. Claro que há dois modos de coagir um indivíduo: reprimi-lo através do filtro ou educá-lo para que cada vez mais o sistema infra-consciente não encontre solução automática nas ações e percepções potencialmente danosas ao ethos. solução atratora para esse nível de processamento) não há a necessidade de recrutar a consciência (ou a mente lato sensu). não muda muito o que seria feito no caso de uma vontade de base neural. porém algo diverso nas regiões de bifurcação. então cria-se uma redescrição desse plano motor ou sensorial nas regiões neocorticais. se entendidas como sopro divino. haveria para certas situações imprevisibilidade (isto é o chamado caos determinístico). Mill). a paráfrase acima visa a provocar. A educação lenta e o reforço dos valores garante que a um só tempo se enriqueça a teia de conexões infraconscientes. S. proveniente de caso fortuito ou força maior. inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou 461 Henrique Schützer Del Nero Notas pág. Laplace errava em três vertentes ao dizer isso: a primeira. é que a noção de determinismo causal evoluiu em fisica clássica para outras modalidades de causa e de fenômenos emergentes (isto já está descrito em J. 28. essa moral repressiva de tipo vitoriano somente fez amplificar uma série de distúrbios mentais. o que resultará gerar ausência de solução atratora toda vez que se incorrer em potencial afronta a uma norma de ethos. parágrafo 1o: “É isento de pena o agente que. Para as situações-limite um esboço de teoria neural da vontade pode modificar alguns dos julgamentos que fazemos acerca do caráter intencional e delituoso dos atos e percepções. poderíamos prever qualquer ato subseqüente daquele indivíduo. uma vez que. cap. Mais ainda. Sobre moralidade em animais. nem por isso se garantiria que não se concretizasse em ato. (1979) O gene egoísta. é que posteriormente descobriu-se que. se tivesse a posição e a velocidade de todos os corpos do universo. era. uma vez recrutada. SÍTIO DA MENTE 3. mesmo em sistemas determinísticos estritos como o da época. por embriaguez completa. Isso ficou conhecido como o "céu de Laplace" porque não há condição de conhecer todas essas posições e velocidades. art.1.26 Quando a cultura sitia a mente A antiga noção de educação pretendia talvez exercer controle sobre o filtro: a transgressão não chegaria à consciência. particularmente em macacos. Sobre genes egoístas leia Dawkin. Essa formulação é semelhante à proposta por Laplace quando diz que. R. Em todo caso. leia de Waal (1996) Good Natured: The Origins of Right and Wrong in Humans and Other Animals . ao tempo da ação ou da omissão. poderíamos pensar que conhecidos seus estados e locais (o que é tão impossível quanto o céu de Laplace). mantendo-se o filtro da consciência tão amplo quanto possível.Harvard University Press. Editora Itatiaia e Edusp. . está ligado à possibilidade de existir acaso genuíno (e não apenas desconhecimento de todos os fatores) na natureza . o terceiro erro.esse é o caso da mecânica quântica. a despeito de propriedades emergentes de neurônios. o segundo erro. para que. Código Penal Brasileiro. faria qualquer previsão. possa exercer o papel de ratificação ou inibição da melhor maneira. 2. cap. em havendo substância capaz de alterar o agente de forma tal que não possa agir diferentemente. no caso da ausência de consciência. prestar atenção pág. e para “se B. que a noção de direito positivo caminha nessa direção. creio que a noção de imputação de que se utilizam os juristas positivistas (Cf. Não haveria imputação sem crime. em não havendo vontade. "Time of Conscious Intention to Act in Relation to Onset of Cerebral Activity (readiness-potential). possibilita que se possa ter conseqüente verdadeiro a partir de antecedente falso.H. pode-se pensar que. Pois bem. ou que não compreenda a natureza de seu ato. Del Nero. no caso do dolo. como também a feita anteriormente para a consciência. isto é. ainda assim pode. então A” tenho a chamada condição suficiente). Penso que o problema da discussão da base neuronal da vontade. constituiria isenção de culpa e de pena. Libet. é vital para que se mantenha a noção de redução de pena e de isenção da mesma. . ou de compreensão. porém pode se construir algo tal que. O leitor deverá. haver sanção. no entanto.” A meu ver. Cf.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 462 5. 4. Creio. de uma certa forma. Não posso imaginar um direito ilhado numa norma posta antiquada e muito menos sujeito ao caráter de "positivo" de uma lei que tramita no Congresso visando a fechar os hospitais psiquiátricos. Ou. Quanto a minha idéia anterior de que a liberdade e a vontade não passavam de uma ilusão com finalidade adaptativa (fortemente influencida pela consistência ainda irrefutável do artigo citado acima). então B” tenho a chamada condição necessária. organizando relações de antecedente e conseqüente. dito de outra forma. aqui está a idéia de que. (1992) "O problema da mente na ciência cognitiva" in Coleção Documentos IEAUSP. B et. Martins Fontes) é parente da lógica que. se tenha um conseqüente verdadeiro. Essa manipulação de conceitos visa apenas a mostrar que a idéia de uma norma positiva é absolutamente aceitável. The Unconscious Initiation of a Freely Voluntary Act" in Brain 106 (1983). uma vez que. bem como a escolha dessas normas positivas (no caso supremo a constituição) devam ser guiadas por alguns conceitos de moderna teoria cerebral e de constituição do sujeito. bem como ambos verdadeiros e ambos falsos). pode-se construir uma relação lógica tal que o que está proibido é apenas que o antecedente seja verdadeiro e o conseqüente falso (podendo haver antecedente falso e conseqüente verdadeiro. a idéia de uma ausência de vontade. está afastada a pena. embora as derivações que se fazem a partir dela . se tenho uma relação de implicação entre o fato A e B (quando para “se A.26 Quando a cultura sitia a mente de determinar-se de acordo com esse entendimento. Hans Kelsen Teoria Pura do Direito. cf. em havendo crime. de um antecedente falso. al.instâncias processuais e também avaliação de mérito -. é o que os termos querem dizer. redução de gastos públicos. Após a queda do muro de Berlim e do império soviético. distinguindo-o do que chamaria de mau ou pseudoprocesso (como procurei distinguir o bom e o mau discurso).SÍTIO DA MENTE 8.26 Quando a cultura sitia a mente que justamente a teoria da vontade que proponho é compatível com esse achado neurológico. enquanto dialética e antagonismo. O socialismo. contraditórios. seriam funções da consciência. Editora Unesp. Parece haver confusão simples entre contrário e contraditório. o “welfare-state” e as sociais-democracias européias de hoje em dia. que visa somente a embaralhar a mente do julgador e caricaturizar a idéia da justiça e do direito. privatizações rápidas. a idéia de contraditório seria apenas a de contradizer. não se pode falar de um mesmo capitalismo quando se comparam a Inglaterra de século XIX. cf. Norberto Bobbio (1995) Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política. Isto é. . Não percebem alguns desses que o próprio capitalismo vem mudando pela pressão de idéias socialistas. Free Press. Cf. seguidas de uma forte sensação de controle. A planificação seria não-voluntária e não-consciente. qualquer. ou presumida como prefiro chamar. cf. é letra morta. Em suas versões posteriores já inicia a inclusão da ênfase na educação e no aspecto social como fatores também importantes. Pelo menos em lógica. pág. cap. Contrário poderia dar a idéia de estabelecer equilíbrio entre os opostos. Não creio que seja tão acidental a confusão entre o direito de defesa que estabelece o contrário possibilitando a decisão pelo equilíbrio. Sobre o novo sentido do binômio direitaesquerda. O liberalismo triunfou. economia de mercado com livre concorrência. 6. Contraditório alude a inconsistente. Robert Kurz (1992) O Colapso da Modernização: da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial. A ratificação e a inibição da ação planejada. Nas suas primeiras versões faz apelo essencialmente monetarista. etc. 463 Henrique Schützer Del Nero 7. terminou. No direito. Francis Fukuyama (1992) The End of History and The Last Man. os liberais crêem que a história. Consenso de Washington é documento contendo prescrições neoliberais para políticas de ajuste em países que queiram se inserir na economia global. mas o uso livre de que lanço mão acima visa apenas a aclarar e discernir o que chamaria de bom processo. Para uma crítica severa da concepção de vitória do neoliberalismos sobre outras formas de organização. e o processo de criação de argumentos inconsistentes. Editora Paz e Terra. De modo geral o livro de Fukuyama defende uma idéia de vitória das idéias liberais sobre qualquer outra forma de organização do estado e da produção. pág. pode-se estabelecer relação linear: quer dizer. famílias e comunidadades para padrões éticos básicos têm diminuído sensivelmente a violência e a repetência. 464 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 10. Algumas experiências em escolas primárias americanas.11. Relatório de organismo internacional mostra que. cap. retirando intermediários legais excessivos e hesitações atemorizadas contrárias ao espírito do empreendedor. Peter Smith. quanto mais se confia mais rápido é o contrato e o cumprimento. e também a obra citada em outro ponto de Frans de Waal (1996) sobre a ética nos animais. Cf: John Dewey (1951) The influence of Darwinism on Philosophy. . mobilizando crianças.26 Quando a cultura sitia a mente 9. medido o grau de confiança no semelhante e nível de riqueza. um manipula e processa informação. entre os mamíferos. tal qual fosse um computador. um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. no entanto. formado por dois conjuntos de células . e. Assim. o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco. vai aumentando de acordo com a escala animal. o outro dá suporte físico e sustento. o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. A mente educada collegium cognitio 465 O cérebro humano é. integração e execução motora. Isto mostra que. Há na porção responsável pelo processamento.SÍTIO DA MENTE natureza selecionou. formada pelos neurônios. “quantidade é qualidade”. algumas vezes. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. Henrique Schützer Del Nero A mente sitiada cap. um dos números mais gritantes é o de encefalização . fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. ao longo de milhões de anos. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais.medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. basicamente.27 A mente educada parte 5 . uma pág. Seu grau de complexidade. Muitos organismos possuem esse sistema especapítulo 27 cializado na recepção de informação. A educação é a grande arma para executar correções sobre o cérebro-mente. lógica e fundamentos de eletrônica. Por isso a seleção nos dotou de um sistema moldável e programável. A específica pode ser necessária até em menor espaço de tempo. o computador velozmente vai adquirindo a possibilidade de substituir o ser humano nas tarefas em que há regras bem definidas. Esses dois elementos devem mudar brutalmente nossa vi- SÍTIO DA MENTE são no tocante às diversas pedagogias. continuada ao longo de todas as etapas da vida. horizontal. variando da matemática ao teatro. deve haver forte ênfase no estudo conceitual geral. isso hoje é uma piada. cap. A carga horária deve ser aumentada e os professores devem ser pág.27 A mente educada A MENTE EDUCADA .) com um novo que desenvolva rapidamente a interface entre as disciplinas (zonas opacas de intersecção que devem demorar muito para serem executadas por computadores). do esporte ao uso intensivo de computadores. Plena. cumpre estimular o filho ou o aluno a realizar as mais diferentes tarefas. no consultório. quanto no coletivo. é preciso conjugar o antigo modo de transmissão de conhecimento (aulas expositivas. tanto na casa. etc. o paradigma que deve nortear políticas privadas e públicas de constituição do ser humano pleno é a educação. como dissemos anteriormente. Primeiramente. é preciso estimular o gosto pela descoberta e pelo prazer no estudo. Para isso. seja no aspecto prático de manipulação de programas. sobretudo. Se antes era possível imaginar que um indivíduo saíndo do 2o grau ou da escola profissionalizante ou da universidade podia passar o resto da vida sem estudar. Em segundo lugar. Além da transmissão de conhecimento específico. seja no aspecto teórico de aprendizado sobre linguagens. matérias clássicas. Seguramente a cada cinco anos deverá haver reciclagem geral. Henrique Schützer Del Nero U m dos problemas cruciais ligados ao desenvolvimento dos chamados sistemas auto-organizados é a possibilidade de ao mesmo tempo se organizarem em estados estáveis funcionais e disfuncionais. sem facilidades para resolver exercícios já feitos em aula. quanto na escola. Para isso.466 Algumas considerações superficiais são necessárias a respeito de formas e meios ligados à educação: em primeiro lugar. fortemente embasada em ética e responsabilidade e. Tanto no plano individual. a par das disciplinas tradicionais. na empresa. do estudo da língua à leitura diária de jornais. surgem áreas novas que misturam as antigas e um pouco a mais. segundo. o pathos cria a variabilidade e o ethos cria a seleção. Sem isso. com atividades absolutamente livres. quando impossível manter avaliação de todos os alunos. solução de problemas. tradicional e calcado em hierarquia. de tal forma a beneficiar o aluno de duas formas de ver as coisas: uma vertical e tradicional. particularmente nos primeiros anos de formação (1o e 2o graus). praticamente todos não habilitados para esses diagnósticos. Mas cuidado: não sabemos ainda o suficiente para derrogar o antigo ensino. às vezes pouco éticos. e aqueles que. Esses quadros costumam atrapalhar bastante na escolaridade e devemos estar aptos.1 . avaliação rigorosa. deva-se orientar pais. mormente se for de nível básico? lectual. Portanto. É preciso pensar seriamente em duas questões a esse respeito: a) por que as crianças e jovens não gostam de estudar?. ainda em idade precoce. pais e professores. estamos num momento em que o amor pelo estudo e o dever de executar bem as tarefas tornam-se imperativo moral e não mais exigência curricular ou familiar. estamos caminhando para uma separação terrível do mundo: aqueles que naturalmente desejam estudar e progredir. para desculpar seu passado e para empreender seus negócios. cabe mesclar o ensino antigo com o novo. podem desenvolver quadros neurológicos e psiquiátricos importantes. acabam por estimular subterfúgios. a disciplina. a diagnosticá-los e encaminhá-los às instâncias certas de tratamento. cabe a ela ter as condições adequadas de desenvolvimento e aprendizado. memorização. embora. Valores éticos gerais de convívio e respeito ao semelhante devem ser ensinados. um sistema em que entregamos nossos filhos para serem educados por professores.Um último fator de sítio da mente é o fato de que as crianças. outra horizontal e participativa. As salas de aula não devem jamais passar de 20 alunos. para que possam discernir entre o mau aluno e o aluno defici- 467 Ambigüidades como essas são fatores de sítio para a mente humana. pág. disciplina. Como a nova ciência do cérebro já conhece alguns elementos do processo de aprendizado. Devese mesclar a aula expositiva. mas ao mesmo tempo quase nenhum de nós sonha com a carreira de professor para um filho. se ideal perene. formando uma elite inte- SÍTIO DA MENTE A ridicularização do bom aluno. cap. seminários em que a figura do professor deve apenas orientar e jamais impor ou dogmatizar. de estilo antigo. Além de descobrir-se cérebro. b) por que construímos. cabe ouvi-la. a afirmação de que a escola só ensina “teoria” e que “na prática a coisa é outra” são verdadeiras chagas para uma sociedade que pretende emancipar-se. repisados e integrados com a família e a comunidade local. disciplinas tradicionais e reprovação.27 A mente educada extremamente bem formados. não estudando. professores e psicólogos escolares. Henrique Schützer Del Nero Mais do que nunca. pelo menos em alguns países. raciocínio. o rigor na avaliação. Nesses casos somente os especialistas podem diagnosticar. inquietante pela ausência de correção e regulamentação. à medida que possibilita a troca de informações em tempo real e por preço baixo. mesmo no interior do sertão. Desde a máquina em si. não há biblioteca em qualquer lugar o pathos é positivo. sendo nesse caso um ethos defensável porque igualitário. pode-se acessar o maior banco de dados do mundo (há algo em torno de trinta milhões de home pages na WEB (World Wide Web)2 ou o correio eletrônico. estáse tornando quase popular nestes anos 90. Verdadeiro caleidoscópio pós-moderno. no caso de certos países. há elementos no pathos da rede.000 dólares!). através das chamadas redes. no entanto. poderosa ferramenta. permitindo democratização de acesso à informação.SÍTIO DA MENTE Computadores e Internet A rede. confundida no atual pluralismo desenfreado com censura (carência da hetero-organização ou dinâmica do ethos). febre atual. pág. ambigüidades como uma linha telefônica custar 4. . e particularmente o uso de redes de computadores − internas (intranets) e externas (internet) −. deixando de aplicar seus corretivos inócuos para a patologia e brutalmente danosos para o aluno. cap. ansioso. Na esfera científica é revolucionário seu papel. Com computadores e conexões telefônicas pode-se fazer de qualquer lugar. um ponto de busca e de pesquisa. à pesquisa. As home pages. bem como nas empresas delineia novos tipos de gestão (intranets). não substitui uma boa biblioteca e a pesquisa feita nesse meio. ou nos modos como se expressa. entre as quais a Internet é a mais ampla. que podem causar apreensão. Há quem veja no correio o grande instrumento da rede. são uma espécie de supermercado de informação. que recria na forma high-tech o ideal da enciclopédia francesa.27 A mente educada ente. Henrique Schützer Del Nero Quanto ao uso de computadores. válidas em todo o espectro da idéia de educação. fácil de acessar (desde que superadas. A Internet tende a ser barata. bem como uma interessante e inquietante pulverização dos meios tradicionais de controle. Como. de tipo videoclip. no entanto. Porém. Interessante pela criatividade dos estados possíveis (dinâmica do pathos). cabe fazer aqui algumas ponderações vitais. até a sua comunicação via linha telefônica com outros computadores. devem ser vistas com um pouco mais de cuidado. Embora reúnam muito mais virtudes que defeitos. Um deles é a rapidez de acesso e a possibilidade de 468 É certo que o computador revolucionou nossa vida. Essa comunicação. Pelo preço de uma ligação telefônica local e mais uma taxa paga a um provedor de acesso. a rede pode amplificar e institucionalizar um conhecimento sem base e sem direção. pode. cap. Lembre-se de que grande parte da ética. cooptar interessados em fazer ressurgir o nazismo. Lembre-se de que o cérebro-mente está todo o tempo tentando fazer uma síntese unitária da informação que lhe chega dispersa. pela exposição a contextos diversos e pouco sintetizáveis.SÍTIO DA MENTE Outro problema diz respeito à possibilidade de a rede conter qualquer tipo de informação e de permitir a reunião de qualquer grupo de interesse sem grande possibilidade de controle. não é demais imaginar que surjam patologias ansiosas. A possibilidade de reunião virtual pode colocar alguns problemas sérios na medida em que a mente. Se esssa informação é em quantidade enorme e muito rápida. na solidão e privacidade de seu escritório. também é fator de perigo quando um indivíduo psicopata. antes recluso e envergonhado. A exposição à informação dispersa e veloz pode amplificar quadros ansiosos na medida em que a solidificação de memória e a formação de unidades de contexto é quase impossível. pode criar pseudoculturas. Cuidado porque num tempo em que o cinema de três horas deu lugar ao filme de propaganda de 30 segundos e o tratado de 500 páginas deu lugar ao xerox do resumo de notas de aula. quando o livro per- Um outro problema que diz respeito ao uso do computador e das redes é a amplificação de elementos de isolamento.3 Isso é nefasto e pode resultar em uma espécie de modismo do meio usado (o que está acontecendo agora). sem nítido elemento conceitual que possa digerir e organizar a informação.27 A mente educada “navegar” sem direção. Quando deixamos de ser corpo presente para ser apenas palavra transmutada em caracteres na tela estamos amplificando uma função. pode-se desenhar uma mente algo diferente com a evanescência digital das fronteiras. travestidos de comunicação. Se a mente foi forjada para estar ligada a um corpo. executando suas potencialidades em função de variáveis de tempo de procura e de necessidade de deslocamento. encontra agora a possibilidade de soprar virtualmente pelo mundo. idiot-savants. da cidadania e da democracia sur- pág. que subvertem a tradicional ligação da mente com o espaço e com o tempo. como se fosse chique navegar pela rede. Se isso é revolucionário quando imaginamos o menino do sertão que pode trocar informação com outras pessoas do mundo acerca de um determinado interesse. forjada para estar acompanhada de um corpo físico. 469 A pesquisa sem direção. . além da ignorância travestida de modernidade. Nossa comunicação foi selecionada para ser essencialmente corporal e também lingüística. mas estamos também amputando a forma biológica de comunicação. Henrique Schützer Del Nero manece embolorado na estante da sala sem jamais ser consultado e lido. Pas- 470 O uso do computador pode se tornar obsessão e estereotipia. com os filhos dele é que os seus vão brincar e finalmente é ele que você tentará convencer quando. uma vez que não se precisa morar nos grandes centros urbanos para trabalhar. etc. ótimo. pode ser disfuncional. esse pseudo-cosmopolitismo chique e blasé deve ter importantes conseqüências numa ética e numa política que suponham participação comunitária. um novo restaurante exótico. Porém. de identidade física com a comunidade e de fomento de elementos de controle ético e político. Isso foi a base do desenvolvimento da democracia americana. pode redundar em novas concepções de uma mente coletiva que. mais parecido com você e acorde com seus interesses. . de outro parece ter conspirado contra a idéia de propriedade. um concerto de música. embora estável. amplifica e protege a fobia social e um pedantismo de não procurar encontrar no vizinho virtude que valha. o isolamento do contacto via rede. etc. 4 Essa negação da identidade com o lugar.27 A mente educada gem pela reunião física em pequenas comunidades de interesse e convívio. letrado. Não creio que seja pouco. de bairro. com a comunidade. a reunião dominical na igreja. morador das grandes cidades. perceber que há uma mobilização necessária. quando cada pessoa pode ter em sua casa um pequeno escritório e prestar serviços. mudando não só de emprego como de cidade. moderno.O computador é arma fundamental nessa virada de século. tornando o indivíduo móvel pelo país. sem que se exponha o corpo físico. quando essa reunião se faz pela virtualização do corpo físico. em campanha por um partido. de quarteirão. Por outro lado. Pode mudar o perfil do emprego. com as comunidades de bairro. Com o advento da mobilidade de emprego. fez de sua casa um marco de passagem. cap. houve uma progressiva perda de identidadade de cidade. diminuindo custos sociais do emprego e também melhorando a qualidade de vida. Se o correspondente do outro lado do mundo parece melhor porque mais SÍTIO DA MENTE Toda temática global é vital porque ressalta o caráter do ser humano enquanto espécie. a idéia de uma empresa virtual e pulverizada retira dela algo de seu compromisso com a sociedade. Além disso. o que. Mas é com o vizinho que você vai conversar para encetar um abaixo-assinado contra a prefeitura. sempre em trânsito para uma vernissage. nem toda temática que merece reunião é global. Henrique Schützer Del Nero Como diz Christopher Lasch em seu último livro a esse respeito: o indivíduo de elite. pág. se de um lado criou um pseudocosmopolitismo chique. Não teria sentido conclamar um sueco para fazer coro contra os políticos que desviam dinheiro destinado ao Nordeste seco do Brasil. os conselhos de escola. tem dois efeitos curiosos: de um lado. Isso faz de cada indivíduo um autônomo. Outro elemento que diz respeito ao uso dos computadores é a sórdida faceta consumista que apresentam. O computador é meio. conhecimento e educação.SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Não seja antigo. A cultura que antes podia ser julgada pelo desempenho numa olimpíada de conhecimento pode dar lugar a uma competição do tipo “qual é o maior?”. mas lembre-se de que a mente continua a mesma e não há uma revolução do lado de fora se não houver algo proporcional do lado de dentro. é apenas para joguinho de guerra nas estrelas e pouso de avião supersônico. alienado. sem ter mudado em um milímetro seu compromisso moral com a cultura. cap. creio que isso é um argumento estapafúrdio. papel. A cada ano surge modelo mais veloz e os programas. Nesse sentido podemos. ou se fala no celular o dia todo para ocupar o tempo livre no trânsito. no espaço físico da empresa. agora relacionados com os modelos de modem. Isso. forçando o indivíduo a um consumismo frenético e supostamente engajado). cérebro e biblioteca. se tem orgasmos com a compra de um novo microondas. quando se comparam a velocidade do processador e a capacidade de memória. rapidamente substituídas pelo computador. mas apenas para manter a roda de produção e consumo andando. espécie de modismo no que antes era lápis. ponto. Se for entendido como algo que se acrescenta ao tradicional no afã de propiciar aprendizado. cultura e emancipação. que não estão produzindo velocidade e memória para auxiliar o engrandecimento da pessoa. Mas deixa de ser a reunião. ótimo. sob a aparente imagem de trabalho. então o computador será mais um item nesse fetichismo ansioso. pág. cria ansiedade inovadora. de pessoas que se identificam com seu nome e com sua tradição. Do contrário você será uma das muitas ignorâncias sólidas que andam pelo mundo.27 A mente educada sa a ser apenas algo que presta serviço bom e barato. reclamam por novas máquinas. criar um novo modismo e consumismo alienados. tela e capacidade de memória. e consuma tudo que puder de computadores e redes. frívolo e consumista. Quando se vai ver que uso se faz de toda essa velocidade e memória (a cada seis meses há algo mais rápido no mercado e os programas são atualizados. ao contrário de ser fichário de toda uma área de conhecimento. gabolas do objeto que têm em suas mesas. o que trairia o raciocínio. . estará sitiada por uma forma de passividade diante dos grandes grupos. estudo e educação. Se alguém vai de cima para baixo com um aspirador. preparando-se para estados estáveis eventualmente disfuncionais que podem emergir dessa nova cara do mundo. é eletrodoméstico fantástico. cuidadosamente escolhidos e desenvolvidos. tador digital. 471 Quanto ao fato de ser a mente analógica e o compu- A mente que não entender essas idéias. além de criar consumo (o que talvez seja bom). A época em que vivemos está cheia de armadilhas conceituais. Se já se fala em remédios inteligentes. é uma total desinformação quanto ao perigo das drogas. circulação. Não há qualquer relação entre um fármaco que visa a reestabelecer o equilíbrio perdido e uma droga que induz um estado artificial e contranatural.SÍTIO DA MENTE Os fármacos usados para regular estados cerebrais anômalos são prescritos e controlados por técnicos qualificados para isso. a maconha. no cérebro. De duas uma: ou não se usam ambos. Henrique Schützer Del Nero Uma das formas de estado estável-disfuncional a que assistimos hoje em dia no comportamento das pessoas. deixamos interrogada a possibilidade de ser um simples cigarro de maconha o causador ou amplificador de um quadro ansioso. para não dizer as pesadas (e para não incluir na lista os danosos remédios para emagracer − anorexígenos). A maconha. capazes de reconhecer peculiaridades de receptores acabando de se formar no local (como se fosse um terno alinhavado que acaba de se ajustar no receptor). uma droga que relaxa e provoca uma “viagem” não faz senão introduzir a mentira nos sentidos e nas idéias. etc. depressivo. A permissividade com que se encara tal uso faz com que boa parte dos jovens de hoje (pelo menos com uso esporádico) sitie a mente por ignorância e desinformação. Quando fazemos diagnósticos de grande parte dos distúrbios psiquiátricos.27 A mente educada Drogas . não afeta significativamente o cérebro no que tange ao comportamento e à mente. de manipulação genética para evitar determinadas doenças crônicas. cap. até mesmo a mais branda das drogas. A mente está sitiada quando não percebe que as chamadas drogas leves. Se um antidepressivo recoloca parâmetros sinápticos tais que o indivíduo volte a ser exatamente o que sempre foi. pode ser veneno para o cérebro-mente. Se houver. ocorre em paralelo um histeria 472 A despeito da desinformação. coração. o conhecimento. mas são terríveis para o cérebro-mente. embora muito menos nociva que o fumo para esses órgãos e sistemas. ou se usam ambos. pág. Ouvem-se frases ignorantes do tipo: remédios para o cérebro são tão drogas quanto as outras. podem fazer pouco mal para o organismo. psicótico. particularmente das novas gerações. perguntamos se há ou não uso de droga nos 6 meses anteriores ao quadro. A sandice de tal raciocínio é absoluta. Abrir a brecha para tal discurso é nocivo na medida em que relativiza a opinião técnica. em detrimento da mera opinião ou preconceito. pode causar danos irreversíveis Embora o fumo possa fazer muito mais mal para o pulmão. Não há sentido algum em colocar-se o leigo a opinar sobre matéria sobre a qual não entende porque não estudou. Aceitar a irresponsabilidade pseudocientífica como “saber” pode ser tão aético quanto roubar dinheiro público. pág. antigos na compreensão do papel da ciência na forja do conhecimento. Aliás. não entende. ajudar um indivíduo. Quando se diz que a carne vermelha é indutora de comportamento violento. carece de sentido usar vitaminas para além das doses capazes de ser absorvidas pelo organismo. Deixar os jovens pensarem que a droga é questão de opção ou liberdade não emancipa ninguém. está baseado numa ciência milenar vinda do Oriente que não é divulgada nos milhares de periódicos científicos sérios porque há interesses econômicos em jogo. e muito. a mesma leitura. Porém. Quiçá. Claro que o consumo de certos alimentos e uma vida regrada podem. nutrição.Alquimias mentirosas: a auto-ajuda e os novos métodos gerenciais Os manuais de auto-ajuda sitiam uma concepção séria e científica sobre cérebros. mesmo informado quanto à universalidade de certos dilemas humanos. no entanto. Esse discurso não tende a ser popular. não entende patavina de biologia e muito menos de sistema nervoso. fisiologia. etc. se for ritual para a meditação) e se alimenta e se conduz com remédios como se vivesse há 20 séculos. também é pouco racional apostar no poder curativo de drogas cuja concentração não atinge os mínimos valores compatíveis com a química do organismo (homeopatia). Quando me disserem.27 A mente educada naturalista que em nada tem fundamento. terei de retrucar. há nítido estertor de ignorância e crendice. Normalmente partem de uma falsa afirmação: de que 473 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero Assumir discursos ambivalentes. Assim. senta-se na cadeira em posição de flor de lótus (nada contra.” Se alguém disser que os judeus tinham uma sabedoria moral profunda e que há 20 séculos já conheciam grande parte dos problemas morais do ser humano. Os discursos contraditórios não são complementares. quando se diz que carne vermelha tem mais gordura que as carnes brancas há ciência. Para mim fez tão bem. Ah! para minha amiga também. mentes e sociedade. é irracional aludir ao poder saudável de comidas do tipo A ou B por razões que contrariam toda a bioquímica. modernos no uso da tecnologia. . A mesma pessoa que usa o jato mais moderno. graças a uma explicação estapafúrdia de tipo ortomolecular. com o cuidadoso exame do sítio cerebral da mente possa ser banido. ouvindo a sabedoria de um guru que. Muita gente pode ler isto e dizer : “Coitado. cap. é o fator mais arriscado que nos aflige nos dias de hoje. ou ao menos mitigado. que o não comer carne de porco de 20 séculos atrás tem. deverei concordar. nos dias de hoje.5 Há 100 anos morria-se de infecção. finalmente. acidentes e coincidências estatísticas. prometem pela força dos pensamentos certos resgatar a tranqüilidade. O que chama a atenção é a quantidade de alusões que fazem estes autores e autoras ao cérebro. como pensar com o lado direito e esquerdo. compra um manual que manda que troque de motorista. Praticamente nenhum deles está autorizado a falar de cérebro. porque o pensamento é um produto do cérebro e não o contrário. a par do novo. No caso b) são ainda mais danosos porque atacam problemas secundários quando o problema primário não tem nada que ver com eles. aludem ao cérebro como que procurando dar ares de ciência às bobagens que falam. aceita esse discurso antigo e mentiroso de gente que vive de ludibriar os outros ou a si mesmo. pág. através de bons pensamentos.). direcionar seu bem-estar (isso para não dizer aqueles que propõem técnicas em que o pensamento pode chamar o sucesso. Porém. Acreditar nas besteiras que falam sobre o cérebro. não é um manual que vai ensiná-la a pensar coisas boas.27 A mente educada uma pessoa que não esteja bem pode. etc. compra livro especializado que enumera as vantagens em lavar e polir o carro. SÍTIO DA MENTE Claro está que as pessoas preferem crer que estão pensando de maneira errada ou que há um encosto contra elas. A tolice deste princípio é a seguinte: se alguém já está bem. a riqueza. Se há maus pensamentos. cada vez mais acessíveis. uma série de truísmos. Não procede. dirigir as idéias para o lugar cere- 474 Esses manuais de auto-ajuda lembram um indivíduo que: a) tendo um carro que precisa apenas de mais cuidado e polimento. de cor. Tanto na auto-ajuda quanto nos novos métodos gerenciais.A mente está sitiada quando. a não ser que o leitor aceite que uma parteira opere um tumor cerebral em um filho seu. quando a pessoa está com algum distúrbio. b) tendo um carro cujo motor está desregulado. cap. de uniforme. de caminho. em lugar de olhar para um universo complexo. não será a intervenção sobre o pensamento que resgatará o bom funcionamento cerebral. o controle mental sobre o bom funcionamento de seus neurônios parece ultrapassar os limites razoáveis. então que não prometa curar nada nem regular o que está desregulado. Por outro lado. de estofamento. O controle sobre si. no que tange a certas condutas. Henrique Schützer Del Nero Esse tipo de discurso apela para uma vontade arcaica do ser humano de ser um pouco deus e de ter controle sobre si. etc. sempre será prerrogativa do indivíduo. Se visa apenas a transmitir-lhe princípios bons de conduta. No caso a) apenas se proferiu. do progresso e da tecnologia. de difícil compreensão e cheio de peculiaridades. . sob o manto pseudotécnico (normalmente pesquise se esses indivíduos têm algum assento em fóruns científicos e intelectuais sérios). Também parece que a idéia de que se tenham atingido certos patamares é contrária à ansiedade da acumulação. Portanto, quando se experimentam patamares rígidos é preciso apelar à pseudociência, à magia, para se tentar galgar aquilo que o mundo físico já começa a negar. Inventam-se, assim, me- 475 Claro que um cientista sério não vai até uma empresa falar de cromoterapia, de musicoterapia, de regressão a vidas passadas e muito menos de cérebro, agora dividido em quatro partes.6 Vai falar do pouco que sabemos sobre cérebros (embora muito); vai ser cauteloso com métodos de motivação que simplesmente torturam o indivíduo, etc. Vai falar que gran- SÍTIO DA MENTE Parece que o capitalismo, ao promover o indivíduo de sucesso a despeito de ser um impostor científico, aloca mecanismo de equilíbrio concorrencial. Consumindo-se aquelas idéias, nenhuma empresa poderá jamais atingir qualidade total, o que a tornaria um perigo para as concorrentes (o que seria apenas questão de tempo, visto que não há nada menos sujeito a monopólio que a razão e o conhecimento honesto). É preciso, acima de tudo, criar junto à excelência de certos processos um pouco de técnicas e idéias grotescas (um pouco de pão para o mercado e um pouco de circo para o funcionário). pág. Henrique Schützer Del Nero Se há apenas um conjunto de opiniões, por que não colocá-las sob a forma de “que tal se você tentasse...?” Por que falar do cérebro? Se são apenas opiniões não aceitas e ridicularizadas pela comunidade científica, por que usá-las? Diga-se apenas um solene “acho” e vão em frente. Mas as pessoas pedem para ser enganadas. Pedem que se travista o discurso de opinião e oportunidade com roupas que pareçam científicas. Isso lhes dá conforto. Claro, nem poderia haver ciência séria. A ciência quase sem exceção é pesada, impenetrável e sem respostas mágicas. Esses vendedores de ilusões, bem pagos, o que lhes dá o aval do sucesso, são uma chaga que prolifera em todo o mundo e colocam a mente em xeque por não saber o que consumir e o que estudar a seu respeito e a respeito do conjunto de mentes que formam sua família ou sua empresa. de parte do que se está vendendo como novo, seja a reengenharia, seja a inteligência emocional, sejam as múltiplas inteligências, não passa de truísmo, de coisa antiga, vestida com roupa nova e com ares de magia e ciência para vender livros, palestras e consultorias. Será execrado, tido como conservador e incapaz de se abrir para outras idéias (a despeito de ler pelo menos 15 revistas especializadas internacionais). Creio que além da ignorância e da credulidade há outros fatores por trás desses discursos. cap.27 A mente educada bral certo, é na verdade confiar suas vidas e suas mentes a arrivistas, curiosos e sobretudo enganadores quanto ao que a ciência sabe e o que não sabe nos dias de hoje sobre o cérebro. SÍTIO DA MENTE Lembre-se: um indivíduo com depressão pode ler um livro de auto-ajuda e uma empresa em dificuldade pode aplicar cromoterapia em sua equipe seguida de reengenharia total em seus quadros. Ambos podem superar a crise: usar preto em dia de enterro não faz com que preto cause a morte. Confundir a relação de contigüidade temporal (a cromoterapia precedeu a recuperação da motivação dos funcionários) com relação causal (a cromoterapia foi a causa da recuperação da motivação dos funcionários) é seguramente um dos pesadelos da humanidade, amplificado nos tempos atuais pela quantidade de arivistas de plantão que se servem da má capacitação cognitiva dos consumidores para ludibriá-los com supostas curas quando na verdade oferecem apenas emplastros. A reflexão sobre a ambigüidade humana não é nova. A gênese da histeria está ligada ao fato de o indivíduo assumir um papel contrário ou em desacordo com o eu. Essa parece ser uma máxima que permeia as civilizações na medida em que há um elemento de confronto entre a natureza e a cultura, entre o querer ser e o dever ser. Uma ética natural teria, por decorrência, a possibilidade de minimizar esses conflitos, uma vez que tanto a ordem do desejo quanto a ordem do dever estariam inscrita em nossa condição biológica. Porém, o grande impasse reside no fato de que cada vez mais estamos caminhando para uma valorização do indivíduo, de sua liberdade, de seu direito, o que é bom, sem no entanto fazer com que este indivíduo tenha incorporado um discurso de dever claro e sólido. Ao garantir-se o direito de cidadania ao discurso individual, às suas preferências, mas sem dar a esse mesmo indivíduo uma estrutura interna sólida e culta, temos uma espécie de desejo à solta, sem as amarras de antes. 476 Isso desestabiliza porque não há cerceamento externo nem policiamento interno. Opina-se sobre tudo sem medo e quem quer que tente reprovar o mau aluno ou apontar as idéias erradas é tachado de cen- pág. Henrique Schützer Del Nero O leitor há de dizer que funcionam. Algumas estatísticas mostram que não há diferença entre empresas que adotaram técnicas mirabolantes e outras que seguiram o bom-senso no tratar crises e coisas que tais. Um número não muito diferente se saiu bem dos dois lados. Os do bom-senso não foram escrever livros. Os das técnicas revolucionárias saíram por aí alardeando o sucesso. Histeria e costumes cap.27 A mente educada tas irreais, para que se mantenha aceso o desejo de superação. A banalidade com que se fazem as coisas hoje em dia caracteriza o que chamaria de perda de referência ética. Se 20% dos atos aéticos são cometidos por indivíduos desprovidos de ética e se 20% outros são nítidas reações, conscientes ou não, contra algo ou alguém, deve haver 60% restantes que são apenas uma forma de desejo que não mede conseqüências, de expressão de caráter minimalista e muito mais inconseqüente que mau. Portanto, quando se discute o imperativo ético há que resgatar-se a idéia da banalidade do mal de Hannah Arendt quando supõe que os psicopatas agem da ma- 477 Se a lógica do capitalismo exige que se consuma cada vez mais e com cada vez maior velocidade, também é fato que a liberdade individual e os direitos de expressão do cidadão não são um solo apenas para fazer deles consumidores livres para correr às lojas à cata do último must. Há que se ter em mente que se a moda tem algo de garantidor da individualidade, em que pese sua aparente frivolidade,7 também há limites para sua atuação. Se é um comprimento de SÍTIO DA MENTE A garantia de que não nos tornemos histéricos desejantes do último lançamento de computador, sem que tenhamos uso claro para ele, usando óculos de marca italiana que antes execrávamos em nossos avós, e assim por diante, é associarmos à liberdade, ao respeito e à opinião como valores máximos, uma formação sólida de valores, conhecimento, mundo interior, atividade racional e estrutura clara de deveres. pág. Henrique Schützer Del Nero Assim, tanto família, quanto casamento, costumes, se vêem acossados na medida em que se deu direito de livre escolha e de livre pensar, mas não se colocou um pensar nos indivíduos, e sim um simples agir por impulso guiado por tendências, coleções, meios de informação rápida e “formadores de opinião”. A manipulação do indivíduo através da massificação é um dos fatores de empobrecimento da vida mental que, aliado à falta de ética nas relações, têm feito ressurgir o fundamentalismo religioso. O sujeito com um mínimo de percepção da realidade acaba por se desencantar e procura a verdade mais fácil (não fumar, não beber, não comer carne vermelha, etc.) infelizmente, no mais das vezes, também irracional. vestido, comida japonesa, gravata fina, gel no cabelo, saia de pele de onça sintética, vá lá. Mas se a moda dita também um comportamento estereotipado de coleção e de ano para ano, então a liberdade individual está em xeque, porque manipulada, e o desejo alienado, travestido de liberdade. cap.27 A mente educada sor ou reacionário. O que deveria ser a superação das amarras da censura e da tradição para converter-se em pluralidade pensante tornou-se, graças à moda e à propaganda, uma espécie de desejo endossado pelas liberdades civis. SÍTIO DA MENTE A frieza e o tédio com que vivem os chamados yuppies está bem tratada no livro de Tom Wolfe “A Fogueira das Vaidades”. Não há muito sentido em mais nada, apenas numa sucessão frenética de atos impensados ou pensados apenas no eixo da acumulação e do sucesso pessoal. Síntese Há nitidamente um descompasso nas elites que, de repente, nos seus pensamentos monótonos e frívolos é provinciana a despeito de viajar freneticamente. Sua cultura de aeroporto não tem feito senão sitiar a mente humana, que além de cérebro é estômago vazio e pés descalços. Afastar a má-compreensão sobre a mente e sobre sua razão cerebral embasante, seu potencial de desvio e o uso que os ignorantes e inescrupulosos fazem disso é fundamental para que redesenhemos uma nova consciência. Uma ciência da mente é cerebral e também deve ser 478 A mente humana, cerebral e complexa, certamente está sitiada quando sua arquitetura deixa de ser a funcionalidade, harmonia e vanguarda. Reformam-se apenas as fachadas dos prédios, como se vivêssemos numa época de cenários e não de edificações. Essa cultura e essa arquitetura de cenário, prolongamentos de uma mente de cenário também, devem ser revistas rapidamente. Do contrário, o avanço do próximo milênio pode O papel da educação é fundamental em qualquer projeto de modificação de comportamentos individuais e coletivos. Se isso parece trivial, não o é na medida que devemos entender que primeiramente se estão alimentando conexões que garantam que as ambigüidades serão transferidas do plano automático para o consciente. Além disso, garante-se que a educação não será apenas vertical, mas fortemente pluralista e horizontal; mais ainda, ela deverá conter todo o tempo apelo ao primado da ética como base da formação da mente, não por normatização externa, mas por alusão ao caráter biológico dessa ética. pág. Henrique Schützer Del Nero se fazer acompanhar de terríveis problemas com nossas mentes, com nossas instituições e com nossa adaptação enquanto espécie. cap.27 A mente educada neira x ou y porque não pensam. Creio que a autora está errada quanto aos psicopatas, no caso os criminosos de guerra nazistas, mas acerta em cheio no caso dos 60% de que falo, que são as formas pouco morais de conduta que se vêem hoje em dia, muito mais por incapacidade de pensar, de refletir, de raciocinar, de examinar conseqüências, etc. 1. Cf. 1) Lickona, T. (1991) Educating for Character: how our schools can teach respect and responsibility. Bantam Books. 2) Bruer, J. (1995) Schools for Thought. MIT Press. 3) McGilly, K. (ed) 1995 Classroom Lessons: integrating Cognitive Theory and classroom practice. MIT Press. 4) Hirsch, E. (1996) The Schools we Need: why we don´t have them. Doubleday. 5) Bruer, J. (1996) The Culture of Education. Harvard University Press. 6) Wilson, K., Daviss, B. (1994) Redesigning Education. Henry Holt and Co. 4. Cf. C.Lasch (1995) The Revolt of the Elites and the Betrayal of Democracy. Nova Iorque: W.W.Norton Co. 5. Segundo meu amigo Paulo Blinder, matemático e estudante de rabinato, essa observação seria válida para todas as pessoas que não os judeus. Estes seriam, segundo Maimonides em Mishnê Torá, Hilchot Melachim (cap. 9 e 10) os sete mandamentos para os descendentes de Noé: 1. Proibição de adorar falsas divindades. 2. Blasfêmia. 3. Assassinato. 4. Incesto e Adultério. 5. Roubo. 6. Comer carne de animais vivos (e outras expressões de crueldade). 7. Obrigação de estabelecer leis e tri- 479 2. Quando se falar de Internet há que distinguir dois usos diversos: as páginas (home page) da chamada WEB que dispõem de imagens, som, textos, em suma, dos chamados recursos de multimídia (tal SÍTIO DA MENTE 3. Expressão francesa antiga que denota o indivíduo que detém uma infinidade de informação pontual sem articulação entre elas, sem conhecimento genuíno. pág. Henrique Schützer Del Nero Notas fosse um CD ROM) e o correio eletrônico (electronic mail ou abreviadamente e.mail), que é usado para trocar velozes mensagens a custo praticamente zero, e também para realizar conferências com outras pessoas em qualquer parte por preço insignificante. A importância da Internet é inegável, embora seu potencial de mau uso seja enorme. Cf. um interessante artigo a esse respeito Huang, M., Alessi, N. "The Internet and the Future of Psychiatry" in American Journal of Psychiatry 153:7, 1996, (pp. 861-869). cap.27 A mente educada uma exaltação do caráter ético que subjaz ao aparecimento da linguagem e da sociedade. Sem entendermos que a mente é feita para interagir e manter coesa a espécie não iremos a lugar algum, ainda que para isso façamos uma ciência cognitiva tecnológica de construção de robôs que jogam xadrez com os miseráveis de pés no chão. 7. Cf. Gilles Lipovetsky (1991) O Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. Companhia das Letras. pág. 480 SÍTIO DA MENTE Henrique Schützer Del Nero 6. Confira a esse respeito um livro de sucesso nos EUA que já trata o cérebro não mais pelo prisma de direito e esquerdo dos antigos manuais de ajuda empresarial; agora são quatro as partes. Cuidado que com o tempo serão tantas que você terá de treinar tiro ao alvo para mirar as idéias nos locais certos. Cf. Ned Herrmann (1996) The whole Brain Business Book: unlocking the power of whole brain thinking in organizations and individuals. McGraw Hill cap.27 A mente educada bunais de justiça. A campanha para a divulgação desse texto (Campanha Rebbe de Lubavitch), citado e fornecido por Paulo Blinder, é de Rabbi Menachem Mendel Schneerson ZTK''L. SÍTIO DA MENTE Muitos organismos possuem esse sistema especializado na recepção de informação, integração e execução motora, fruto de uma bem-sucedida estratégia natural. Seu grau de complexidade, no entanto, vai aumentando de acordo com a escala animal. Assim, o sistema nervoso de um mamífero é mais sofisticado que o de um molusco, e, entre os mamíferos, o sistema nervoso humano é de longe o mais complexo. Quando se faz a clássica comparação do homem com outros animais, um dos números mais gritantes é o de encefalização - medida de crescimento do cérebro em relação ao corpo. O ser humano apresen-ta uma proporção bastante maior de massa ence-fálica (cérebro) do que qualquer outro animal. Isto mostra que, algumas vezes, “quantidade é qualidade”. collegium cognitio 481 O cérebro humano é, basicamente, formado por dois conjuntos de células - um manipula e processa informação, tal qual fosse um computador; o outro dá suporte físico e sustento. Há na porção responsável pelo processamento, formada pelos neurônios, uma pág. Henrique Schützer Del Nero natureza selecionou, ao longo de milhões de anos, um determinado tipo de estrutura capaz de controlar uma série de funções internas e externas do organismo: o sistema nervoso. Conclusão Conclusão SÍTIO DA MENTE Escrevi um livro que é uma tentativa de prevenção contra a não previsão do futuro. Se de um lado gasto 4/5 expondo como a mente emerge no cérebro humano, por outro lado, aponto no último quinto de que forma pode, essa mesma mente, ver-se sitiada por uma série de falsas pressuposições que ainda norteiam a nossa época. Vejo uma semelhança brutal entre o atual posicionamento Liberta porque a verdade científica é sempre mais ampla, a ponto de propiciar avanço. Liberta também porque talvez permita que dois fatos inaugurem nossa nova conduta: uma aceitação mais racional das limitações, potencialidades e disfunções mentais; e um critério de integração e igualdade entre os seres humanos que não o baseado na concepção política a ou b, ou na concepção moral c ou d. Uma concepção que coloca lado a lado a luta individual pela sobrevivência e a celebração de um ideal universal e biológico de solidariedade humana. Todas as áreas, sem exceção, deverão nutrir-se dessa nova concepção quando ser e dever ser, natureza e moral, deixarem de ser antagonismos gerados pela natureza e pela cultura, para serem, ao mesmo tempo, forças 482 Situar a mente no cérebro humano tem, a meu ver, duas implicações básicas: prevenir e atuar sobre o distúrbio mental leve, cada vez mais freqüente; e entender uma dinâmica social, política, econômica e pessoal em que o dever não é mais imposição da cultura, mas uma propriedade biológica da consciência. Equilibrados, desejo e dever, há caminho para a eliminação da histeria social. Mantida a antiga concepção, de desejo em oposição a dever, continuaremos a ver ambigüidades brotando e liberdade endossando barbárie. das pessoas acerca da mente e a sociedade na época de Galileu. Oferece-se, de uma lado, cientificamente, uma versão sobre as coisas. De outro lado, o poder, a ignorância e a manipulação insistem em manter a antiga visão das coisas. Se antes era o Sol que devia mudar, a Terra que devia converter-se em apenas mais um planeta e não centro de um universo de dimensão reduzida, agora é a mente que não mais faz o mundo girar em torno dela, mas gira em torno do cérebro. Isso, ao contrário de aprisionar e empobrecer, liberta. pág. Henrique Schützer Del Nero E m artigo de 13 de outubro de 1996 no jornal “O Estado de São Paulo”, o economista Paul Krugman, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), adverte que a previsão do futuro é complexa mesmo para os fundadores da socioeconomia não-linear (no caso, ele). Conclusão CONCLUSÃO Termino citando uma passagem da peça de Bertold Brecht “Vida de Galileu”.7 Galileu discute com o cardeal Barberini acerca da nova teoria. Num certo instante ocorre o seguinte diálogo: Notas 1. A citação é da tradução brasileira de Bertold Brecht (1991) Teatro Completo vol.6. Vida de Galileu. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra. Um comentário de meu bom revisor e amigo Anderson Andrade Depizol complementa: "Quod non fecerunt barbari, fecerunt Barberini." (O que os bárbaros não fizeram, fizeram os Barberini.) Na época em que Galileu foi julgado pela Inquisição, o papa também era um Barberini (Urbano VIII). 483 BARBERINI: “O senhor está bem certo, meu caro Galileu, de que vocês astrônomos não estão querendo simplesmente tornar mais confortável sua astronomia? Vocês pensam em círculos ou elipses, em velocidades uniformes, movimentos simples que estão de acordo com o seu cérebro. Mas se aprouvesse a Deus que as estrelas andassem assim (Dese- SÍTIO DA MENTE GALILEU: Eminência, se Deus construísse o mundo assim (repete o movimento de Barberini), Ele construiria o nosso cérebro assim também (repete o mesmo movimento) de modo que reconheceríamos esse mesmo movimento como o mais simples. Eu acredito na razão. pág. Henrique Schützer Del Nero Acima de tudo, antes de descrer do sentimento e da vontade, a nova era deve ser um exercício de racionalidade que domina e aplaina a emoção; racionalidade que introduz a salvaguarda para que o crescimento seja pleno e não apenas cronológico; racionalidade que coloca a ciência a serviço da transformação do ser humano, e não a faz apenas ferramenta geradora de tecnologia de bem-estar. Ainda que possamos pensar que abandonar a visão espiritual da mente é negar uma série de dogmas − e não necessariamente é −, creio que o ser humano não se tornará nem menor, nem menos belo pelo simples reconhecimento de sua natureza biológica. Ainda que haja vozes tentando impedir o avanço, é preciso que se dividam as correntes e as opiniões para que enfrentemos o futuro com as armas certas. nha no ar um trajeto muito enredado, com velocidade irregular), o que sobraria dos seus cálculos? Conclusão que se equilibram na mente biológica do ser humano. 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