Guia Dos Perplexos Maimonides 2

March 30, 2018 | Author: Marcvs Avrelivs Non Dvcor Dvco | Category: Universe, God, Aristotle, Creationism, Angel


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Parte0 Guia dos Perplexos Parte 2 M a im ô n id e s 0 G u ia dos P er plex o s Parte 2 T radução U ri L am P refácio J o s é L uiz G o ld fa rb LANDY II Título original: M oré Há-Nevuchim © da presente edição: Uri Lam e Landy Livraria Editora e Distribuidora Ltda. Tradução e Introdução: Uri Lam Preparação de originais: Sylm ara Beletti Capa: C am ila M esquita Coordenação editorial: V ilm a M aria da Silva Editor: Antonio D aniel Abreu Produção: Kleber Kohn .Editoração: ETCetera Editora de Livros e Revistas Ltda. Fones: (011) 3825-3504 / 3826-4945 Fax: (011) 3826-7770 [email protected] Direitos reservados para a língua portuguesa a LANDY Landy Livraria Editora e Distribuidora Ltda. Alameda Jaú, 1.791 — tel. efax: (11) 3081-4169 (tronco-chave) CEP 01420-002 —São Paulo, SP, Brasil [email protected] www.landy.com.br 2003 Ao J o sé Luiz Goldfarb. A toda a eq uipe da Landy. p ela feliz indicação da Editora Landy p a ra a p u b lica çã o desta obra. p elo m om ento inspirado em que m e sugeriu trabalhar com O Guia dos Perplexos. Finalm ente. p o r acreditar no projeto. . Prof. um agradecim ento especial à Nancy.Os m ais sinceros agradecim entos ao m eu orientador d e M estrado. q ue está tão orgulhosa quanto eu pela concretização deste trabalho cu ja im portância. pelo cuidado e sensibilidade na revisão epelas sugestões que tanto enriqueceram este trabalho. superou em m uitas vezes as nossas expectativas iniciais. em especial ao Daniel. à Vilma e à Sylmara. Luiz Paulo R ouanet. Dr. sabem os hoje. ...................... 3............................. 47 PROVAS FILOSÓFICAS PARA A EXISTÊNCIA.............................................................. 1) .................................... 2 a 1 2 ) ..................... A b raham lo sch u a H eschel: os Profetas com o m o d e lo ......... IN T R O D U Ç À O ..................:........................................................................................................................................ 13 15 25 25 26 27 28 31 35 40 43 A nálise da Parte 2 de O G uia dos P erp le x o s.................... P ossível contribuição de M ainiônides p a ra a filo so fia socia l con tem p orâ n ea .... O G U IA D O S P E R P L E X O S P arte 2 INTRODUÇÃO Y in te e seis proposições dos Peripatéticos para dem onstrar a existência............. Sobre a hipótese de A ristóteles acerca das causas dos m ovim entos das esferas celestes .......................................... 4.......... incorporeidade e unicidade da P rim eira C ausa (cap.................................................................................. Sobre a P rofecia (cap................................................ 65 69 71 ...................................................................................................................................... 13 a 3 1 ) ..................... unicidade e in corporeidade de D e u s ........................... O P ro feta com o m odelo de líder e crítico s o c ia l........................... Provas filosóficas para a existência.................................................. In tro d u ç ão ................. INCORPOREIDADE E UNICIDADE DA PRIMEIRA CAUSA 1................................... : 55 SOBRE AS ESFERAS CELESTES E AS INTELIGÊNCIAS PURAS OU SEPARADAS 2.... Os argum entos filo só fic o s......................................... As esferas celestes e as causas do seu m o v im en to ..................................... 32 a 4 8 ) ................... Sobre a ex istên cia das In teligên cias P uras ou Seres P uram ente E sp iritu a is......... Sobre a teoria da E ternidade do U niverso (cap...........................................................................................................Sumário P R E F Á C IO ................................ Sobre as Esferas Celestes e as Inteligências Puras ou Separadas (cap................ ..... 19.. 157 161 ........................ Refutação das quatro primeiras provas dos aristotélicos. mas não regulam o ato criativo que as produz................................................................... A teoria da Creatio ex nihilo é preferível à da Eternidade do Universo 137 141 As dificuldades de compreensão da Natureza e do movimento das esferas de acordo com a teoria de Aristóteles desaparecem diante da idéia do Universo criado por D e u s .................. A teoria da Creatio ex nihilo............ 8...... 121 18......................... mesmo que as provas baseadas na Bíblia sejam inconclusivas..........10 O GUIA DOS PERPLEXOS 5.................................... 119 17................. As dificuldades de compreensão da Natureza e do movimento das esferas de acordo com a teoria de Aristóteles desaparecem diante da idéia do Universo criado por D eus................................................... 125 Plano da Natureza............................................... 26......... A influência das esferas celestes sobre a Terra se manifesta de quatro modos d iferentes.................. Exame de uma passagem de Pirkê di-Rabi Eliezer com relação à Criação ..... 7... 14.................................................................. A Teoria da Creatio ex nihilo é preferível àquela da Eternidade do U niverso...................................... A teoria da Excentricidade preferível à dos Epiciclos.................................................................... Sobre a música das esferas celestes................... -A polivalência do termo Malách (A njo)............................... Concordância da teoria de A ristóteles com os ensinamentos da Bíblia........ 12...... Provas em favor da Creatio ex nihilo........................................................... mais provável que a da Eternidade do U niverso.............. 9.................. 151 25........ 145 23......................... A Teoria da Criação é adotada devido à sua superioridade própria...... Sobre a natureza da Influência (Emanação) Divina e a das esferas celestes............................ 20......... 129 Objeções à teoria da Eternidade do U niverso........................ 11................. 149 24................... 16....................................... Aristóteles não prova sua teoria..... ................ Refutam-se algumas falhas da teoria aristotélica................................ 21......................... Refutação dos três últimos métodos dos aristotélicos....................................................................................... O que se entende pelo term o Malách (Anjo) e suas acepções..... 105 111 115 15...... especialmente a de Inteligências Separadas.................................. 22............................................................................................................... 10....... Sete métodos por meio dos quais os filósofos buscaram provar a Eternidade do U n iverso ................................. 75 79 85 87 89 91 97 101 SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO 13................. Sobre o número de esferas celestes..... Três teorias diferentes sobre a origem do U niverso....... 6..................................................... A s Leis da Natureza se aplicam às coisas criadas............... S U M Á RI O II 27. A teo ria de um a fu tu ra d e stru ição do U n iv erso não faz p a rte da crença religiosa ensinada na B íb lia .................................................................. 165 28. O ensinamento bíblico está a favor da indestrutibilidade do Universo. A do utrin a de Salom ão - livro s sap ienciais a ele atrib uíd o s —com relação à E ternidade do U niverso e sua p e rm a n ê n c ia .......................... 167 E xplicação das frases bíblicas que im p licam a destruição dos Céus e da T e r r a ..................................................................................................................... 171 Interpretação filosófica de G ênesis 1 - 4 ........................................................ 183 29. 30. 31. A instituição do Shabát serve para ensinar a Teoria da Criação e para prom over o b em -estar do H o m em .................................................................. 193 SOBRE A PROFECIA 32. Três teorias a respeito da P ro fe c ia ................................................................... 195 199 33. A d ife ren ça en tre M o isés e os o utro s isra e lita s com resp eito à R evelação no M onte S in a i................................................................................... 34. 35. 36. 37. 38. 39. E xplicação de Ê xodo 23:20 ................................................................................ 203 A d iferen ça en tre M oisés e os o utros P ro fetas com resp eito aos m ilagres perpetrados p or e le s ............................................................................ 205 Sobre as faculdades m entais, físicas e m orais dos P ro fe ta s................. 209 A E m anação D ivina sobre as faculdades im aginativas e m entais do H om em através do Intelecto A tiv o ................................................................ 215 A coragem e a intuição atingem o grau m ais alto da perfeição nos Profetas ........................................................................................................................ 219 M oisés foi o P ro feta m ais ap ropriado para receb er e p ro m u lg ar a L ei Im utável. Os P rofetas que o sucederam apenas a ensinaram e ex p lic aram ................................................................................................................... 223 O teste da P rofecia V e rd a d e ira ......................................................................... 227 O que se entende p or V isão P rofética: os quatro m odos bíblico s Profetas receberam comunicação direta apenas em Sonhos ou Visões 231 235 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. Sobre as parábolas dos P ro fe ta s........................................................................ 239 Sobre os diferentes m odos através dos quais os Profetas recebem m ensagens d iv in a s ................................................................................................... 243 Os diverso s tipos de P ro fetas: onze grau s de P ro fecia ou de P ercep ção P rofética; seu estudo cm três grupos .................................... 245 As parábolas dos Profetas fazem parte das visões P ro fé tic a s............ 253 Sobre o estilo m etafórico dos escritos p ro fé tic o s.................................... 257 A B íb lia confere a D eus, com o P rim eira C ausa de todas as coisas, os fenôm enos diretam ente originados de causas n a tu ra is ................... 261 BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................... 265 Prefácio Em 1990, atuando então como editor, tive a oportunidade de con­ vidar Haroldo de Campos a escrever a quarta capa da edição brasileira de Os 613 Mandamentos de Maimônides. E o sábio poeta pontuou: “J. G u in sb u rg escreveu a respeito de M aim ô n id es: “ O m o vim en to fi­ lo só fico que se in icia co m A b raão ibn D au d e que exige um a sín tese o rgân ica, racio n al, en tre as do utrin as p erip atéricas e os textos e sc ritu ­ rais en co n tra na obra de M aim ô n id es a sua Su m a R ab ín ica. C o m isso torn ou-se ele o gran de lum in ar da escolásrica judaica da Id ad e M éd ia e, m ais ain da, p ela qu alid ad e filo só fica e rig o r de suas fo rm u laçõ es, que co n stitu em resp o stas clássicas aos p ro b lem as in telectu ais de seu tem ­ po, um dos m aio res p en sado res em Israel de todos os tem p o s.” (D o E stu do e da Oração, Col. Ju d aic a, V. 3, Ed. P ersp ectiva, 1968). M aim ô n id es, que o auto r d e d E strela da R edenção , F. R o sen zw eig, ch am a “ o gran d e teórico da R ev elação ” , in sp iro u -se em A ristó teles no seu em p en h o em m o strar a co m p atib ilid ad e da fé co m a razão. A tarefa assu m id a p ela teo lo gia ju d aica clássica, segun d o G. Sch o lem , na fo rm u lação de “an títeses ao p an teísm o e à teo lo gia m ític a ”, ou seja, em “p ro v ar que estão errad o s” ÇA M ística Judaica, C ol. E stud o s, Ed. P ersp ectiv a, 1972). E ste livro , S eferH á -M it^ votb (L ivro dos M an d a m en tos ou O s 613 M an dam en tos), co n fo rm e salien ta seu tradutor, G. N ah áíssi, “ co n stitu i a m elh o r in tro d u ção ao estudo da L ei M o sa ica” , (quarta cap a de O s 613 M an dam en tos , Ed. N o va Stella, 1990). As palavras de Haroldo de Campos antecipam-nos a dimensão do pensador que podemos agora conhecer em português na primorosa edição que aqui nos oferece a Editora Landy. Maimônides é sem dúvi­ da um dos pilares do pensamento judaico. Não há hoje escola judaica, religiosa, leiga, filosófica que não reflita o pensamento de Maimônides. O GUIA DOS PERPLEXOS Uri Lam, em sua brilhante pesquisa como mestrando, produziu uma tradução a um só tempo precisa e apaixonada da Segunda Parte —de três partes —de 0 Guia dos Perplexos, na qual segundo o exímio tradutor ‘Maimônides teve por meta estabelecer uma relação inteligível entre a sabedoria judaica e a filosofia clássica grega através de uma espécie de diálogo entre os discursos dos nossos Sábios, por um lado; e os de Aris­ tóteles (considerado por Maimônides “o Príncipe dos Filósofos”) e os Peripatéticos, por outro”. Fundir religião e ciência, filosofia e fé, um projeto medieval, de uma Idade Média que há quase um século deixa de aparecer-nos como um período de Trevas e cada vez mais apaixona o contemporâneo. Um período fecundo em que o Ocidente greco-latino aprende/dialoga com o Oriente árabe-hebraico. Em que culturas e geografias diversas exi­ gem um pensamento criativo e sintético. Nestas páginas vamos reconhecer questões que hoje sabemos te­ rem sido de vital importância nas determinações do contexto cultural em que se moldaram as origens da ciência moderna. Tomemos, para tomar apenas um caso emblemático, a discussão em torno da existên­ cia da música das esferas celestes. Maimônides tem de enfrentar-se, na defesa desta tese, com Aristóteles e com os Sábios de Israel. A mesma tese que viria a influenciar Kepler e o próprio Isaac Newton. A heran­ ça medieval incorporada à modernidade, de uma Idade Média redescoberta, torna-se mais e mais re-dimensionada principalmente nos es­ tudos da história da ciência. Conhecer mais a fundo esta erudita e importante contribuição filo­ sófica de Maimônides é um convite para re-visitarmos o século XII medieval, lançando ao mesmo tempo bases para compreendermos mais a fundo as origens da modernidade, sua ciência e sua tecnologia. As­ sim poderemos melhor reconhecer as luzes do futuro que novamente estão a exigir sínteses entre Ocidente e Oriente. Como o tradutor, o jovem corajoso e audacioso Uri Lam nos indica, é hora de estudarmos Maimônides. Setembro, 2003. J o sé L u iz G o ld fa rb * * Professor de História da Ciência da PUC-SP; Assessor de Gabinete, Secretaria de Estado da Cultura; curador do Prêmio Jabuti, CBL; Diretor Geral de Cultura, A Hebraica’. Introdução > i Há uma antiga expressão sobre Maimônides que afirma: “De Moisés a Moisés, nunca houve outro como Moisés”, A extensa obra de Maimô­ nides sempre foi alvo de grande interesse. Sua importância para o pen­ samento judaico pode ser comparada à de São Tomás de Aquino para a filosofia cristã católica. Além de exercer inúmeras atividades durante sua vida, principal­ mente médico da corte do Sultão Saladino no Egito, Maimônides foi também um importante teórico e construiu uma obra considerável, que abrange a teologia, a filosofia, a astronomia e a medicina. Todavia, três de suas obras merecem maior destaque: M ishnaiót , ou os múltiplos Comentários sobre a M ish n á M ish n ê Torá (Repetição da Lei), obra gigantesca que lhe ocupou doze anos de trabalho contínuo (1168-1180) e marcou época na história do pensamento judaico talmúdico, pois se trata de uma sistematizaçâo da vasta literatura talmúdica até então; e Dalalát al-Hairín (em árabe,) ou M oréH á-N evucbim (em hebraico), O Guia dos Perplexos (1180-1190) —escrito originalmente em árabe —tida como a obra de sua maturidade. Segundo Maeso,2 “o M oréHá-Nevuchim só admite comparação, quanto à grandiosidade, com a Suma Teológica e a Divina Comédia, cada uma em seu gênero, a cujos autores precedeu em um século ou mais, balizando assim, os três, a história da cultura como figuras máximas da Baixa Idade Média (sécu­ lo X II, Maimônides; século X III, São Tomás de Aquino; século X IV , Dante Aliguieri)”. 1 2 Mishná-. o Código da Lei Rabínica que constitui o cerne do Talmnd. Cf. Maeso in: Maimônides. Guia de Perpkjos, p. 13. Provavelmente escreveu seus tratados médicos nos últimos anos de vida. também conhecido como Rambám. um acrônimo for­ mado pelas iniciais de seu nome completo. Em 1148. Meir ibn Yossêf. muitos judeus fugiram para Lucena. acrescido do título de Ra­ bino . ' Almohades . cujas datas são impossíveis de preci­ sar. já então ameaçados pelas Cruzadas (cf. 5 . durante os séculos IX a XII. cidade espanhola considerada. em 30 de março de 1135. Seu pai era estudioso do Talmúd e foi discípulo do Rabino Yossêf ibn Migáts. A invasão dos Almoha­ des. exilaram-se em terras cristãs. em meio a lutas pelo poder. Com o fim do califado de Córdoba. na primeira metade do século XII.5 era então o chefe do Tribunal Rabínico de Córdoba e o mais importante mestre das tradições judai­ cas do local. uma cidade de judeus. Os judeus. da Academia Talmúdica de Lucena. na Babilônia. Córdoba era a cidade de sua família há oito gerações.n (filho). Lucena (Al-Yussana). a emigração ou a morte. após naufragarem em Córdoba e terem sido vendidos como escravos. Moshé (Moisés). — Os 613 Mandamentos. no sul da França. 15). seus últimos mestres. 2 Maimônides. Os séculos XI e XII foram o período de maior esplendor da Lucena judaica. constituíram uma séria ameaça aos cristãos e principalmente aos judeus. culminou com a conversão. na Andaluzia. expulsão ou morte de todos os não-muçulmanos. passou a ensinar a tradição talmúdica em Marbona. Nahaissi in: Maimônides. Em 1148 a Academia de Lucena foi fechada. 1990. em boa parte. M. be. O último rabi­ no de Lucena.IÓ O GUIA DOS PERPLEXOS Estas três obras maiores de Maimônides estão entremeadas crono­ logicamente com outras muitas. cujo reinado se estendeu da Síria ao Oceano Atlântico. os Almohades —sob a liderança de M ahadiibn 3 4 Andaluzia: também conhecida como AlAndalus^ ou Espanha Muçulmana. em hebraico). já então denominada “A Péro­ la de Sefarád” (Espanha judaica). quando atuou quase que exclusivamente como médico da cor­ te de Saladino. foram resgatados por seus correligionários. Com a decadência da Academia Talmúdica de Sura. in­ corporaram-se à comunidade judaica e transformaram a Andaluzia no centro espiritual do Judaísmo. p. cujo maior destaque foi a Academia Tal­ múdica sob o comando espiritual de Isaac ibn Gaj^yát.Rav (Mestre. no tempo da dominação dos Almohades* sobre a Península Ibérica. Os Almohades exigiam a conversão ao “Verdadeiro Islamismo”. Maimon —nasceu em Córdoba.3 Espanha.do árabe “Confessores da Unidade”: grupo muçulmano fundamentalista liderado por Abd ei Mumin. um sábado. Maimônides casou-se novamente com a irmã de um influente palaciano egípcio. Em 18 de abril de 1165. Egito). em 1151 a família Maimon foi forçada a deixar Córdoba. Maimônides pôde se dedicar aos estudos. Após um ano em estado depressivo. na mesma época escre­ veu. Dadas as condições. Neste ano faleceram: o pai de Maimônides. iniciado na Espanha ainda em 1158. casou-se com uma irm ã de Maimônides.6 até a toma­ da também desta cidade pelos Almohades. Em 1171 foi nomeado médico da corte de Saladino. Em 1158. Maimônides era especialista em Gastroenterologia e escre­ veu uma longa série de tratados médicos. voltada ao m ar M editerrâneo. A partir de então. abandonaram a Espanha. Ibn Almati. Maimônides recobrou a saúde física e emo­ cional. David. Durante sua adoles­ cência e juventude. Este. pois era sustentado por seu irmão mais velho. Maimônides e sua família passa­ ram por um período relativamente pacífico em Almeria. dando-lhes as opções de conversão ao Islamismo. o livro Conceitos de Lógica. a convite do Vizir Al-Fadel — cargo que desempenhou até sua morte e herdado por seu filho e des­ cendentes. Em 1160. o que desencadeou uma sangrenta perseguição contra judeus e cristãos. em árabe. Maimônides tinha trinta anos. Maimônides iniciou sua carreira literária com um tratado sobre o calendário judaico. depois de penosa travessia. . que se tornaria um dos mais importantes centros da Espanha muçulmana durante oito séculos. A Terra de Israel na época estava devastada pelas Cruzadas. Em 1168 terminou seu grande Tratado Sobre aM isbná. por sua vez. um dos secretários do rei. Seguiram então a Fustat (Velho Cairo. um próspero mercador de pérolas. a emigração ou a morte. especialmente no campo da 6 Almeria: província de posição estratégica. iniciaram novamente a vida de peregrinos por diversas cidades do sul da Espa­ nha. com a qual teve um filho de nome Abrahão. Almoraciti. Dedicou-se então à prática da Medicina para assegurar o sus­ tento da família e se tornou um dos médicos mais respeitados de todo o Egito.INTRODUÇÃO 17 Tamurt. Maimônides também abriu uma escola de Filosofia e se in­ corporou à Academia de Medicina. então Palestina. emigraram para a Terra de Israel. sucedido por Abd el Mumin —conquistaram a antiga capital do califado. Chega­ ram em Aco (Acre) no dia 16 de maio. seu irmão David —em um naufrágio durante uma via­ gem de negócios —e sua esposa. No século X os árabes fundaram sua capital. rumo ao Marrocos (norte da África). aos 23 anos. poderia possibilitar o acesso da razão aos segredos contidos na Bíblia e. Foi enterrado em Tiberíades. Ele não renuncia a nenhuma das tradições do pensamento judeu. para Alepo. nem tampouco alimenta a ilusão de poder “conciliar” a verdade bíblica e a verdade filosófica. Ele partiu. aliviar a “perplexida­ de” dos judeus eruditos diante das dificuldades na compreensão do texto bíblico. iniciada doze anos antes e. Segundo o estudioso Nahaissi. obteve de Maimônides a promessa de que este redigiria um tratado no qual responderia as suas dúvidas. encerrada em 1204. Maimônides escreveu uma carta a Shmuêl ibn Tibon. aos 69 anos. p. residente em Lunel (França). 1990. passou a escrever. na Síria. era res­ ponder aos anseios de Yossêf ibn Yehuda ibn Aknin. cm frente ao Estreito de Gibraltar. “a originalidade de Maimônides nesse tra­ balho foi a de estabelecer um diálogo entre o mosaísmo e a filosofia. Maimônides acreditava que. assim. o Dalalát al-Hairín —O Guia dos Perplexos — que terminaria em 1190. M. Em 1177 foi nomeado N aguíd (Presidente) da comunidade judaica do Egito. em setembro daquele ano. Para ele. que viera de Ceuta7 para Alexandria com o único intuito de se tornar seu discípulo. . Ao invés 7 8 Ceuta: cidade portuária localizada na costa mediterrânea do Marrocos. com 0 Guia dos Perplexos.i8 O GUIA DOS PERPLEXOS medicina preventiva. por outro. ao invés de se limitar à utilização de seus conhecimentos filosóficos para fazer a apologia do judaísmo. e a filosofia. Maimônides morreu em 13 de dezembro do mesmo ano. 27. ao escrever uma obra que abordasse a relação possível entre o texto bíblico e a tradição oral contida no Talmud. Israel. Espanha. após dois anos. o M ishné Torá. que. foi aprovada por Maimônides. iniciara a tradução do Dalalát al-Hairín para o hebraico. 3 O objetivo inicial de Maimônides. Os 613 Mandamentos. A tradução.8 Maimônides. Antes de sua partida. ao escrever O Guia dos Perplexos . Veja em Maimônides. aos 45 anos. Em 1199. por um lado. não visava o público em geral. mas sim os estudiosos das tradições judaicas. em árabe. Em 1180 terminou de escrever sua obra de maior fôlego. sob o título de M oré há-Nevuchím. por motivos ignorados. 9 Veja em Maimônides.. Maimônides não sabia grego. acredita-se ser ele o primeiro a introduzir naqueles tempos de Exílio”. afirma que “(. caracterização dos conceitos de Profeta c Profecia.. . Assim.. Ele tem a convicção de que o renascimento da compreensão mais elevada. por meio dos filósofos árabes muçulmanos —afinal de contas.9 Conforme o historiador Nachman Falbel. e declara que filosofia e religião são “(. teoria essa que. 4 0 Guia dos Perplexos consiste de uma introdução e três partes.. p. Maeso.. Segunda Parte: Defesa da Teoria da Criação em contraposição à Teo­ ria da Eternidade do Universo de Aristóteles e seus seguidores. segundo ele. e c essa perda que torna o Exílio tão trágico. Guia de Perplejos. mas sim ao círculo de estudiosos que se vêem desconcertados por certos problemas que aparentam contradi­ ção entre a religião e a filosofia ou simplesmente a razão natural (. por sua vez. 15.. análise do M aassê Merkavá.) a obra não é dirigida nem aos filósofos nem tampouco aos leigos de toda formação intelectual. do texto esotérico denominado Relato das Carruagens Divinas (Ezequiel 1). aliás. cujos temas centrais são os seguintes: Plimeira Parte: Exposição das idéias esotéricas (sodót—segredos) con­ tidas nos Livros dos Profetas. é o fato libertador que conduzirá ao aconteci­ mento messiânico. ou seja. é uma possessão original do judaísmo que havia se perdido durante o Exílio. Seu interesse em buscar a conciliação enffe filosofia e religião estaria em criar uma teologia judaica de alto nível e em demonstrar que a leitura dos textos bíblicos não deveria ser literal.) ambos os extremos que 0 Guia dos Perplexos se propõe a conciliar”. o acesso de Maimônides à filosofia grega somente teria sido possível de forma indireta. Terceira Parte: Exame e refutação do sistema e do método do Kalám — corrente filosófica de orientação islâmica.INTRODUÇÃO 19 disso.)”. de maneira a sobrepô-las. confronta as duas tradições. Maimônides se outorga a missão de guiar os estudiosos para o conhe­ cimento metafísico. segundo ele. os Peripatéticos. o qual. obtida graças à introdução da filosofia nos estudos religiosos. contudo. partidários da filosofia muçulmana do Kalám. Estabelecido este princípio. do seu ponto de vista. à primeira vista. e. apesar de este incluir a teoria da Eternidade do Universo. ao longo de oito séculos foram escritas muitas versões de 0 Guia dos Perplexos em diversas línguas. Maimônides. a filosofia islâmica dos Mutakálemim 10 pudesse parecer mais simpática às crenças judaicas. Parece que o autor adotou este arranjo pelas seguintes razões: primeiro pretendeu estabelecer o fato de que os antropomorfismos bíblicos não implicam corporeidade e que o Ser Divino mencionado pela Bíblia poderia. na Terceira Parte Maimônides trata de refutar o Kalám . expôs o que considerava ser. finalmente. na Segunda Parte discute. contemporâneo de 10 Mutakálemim. a verdadeira adoração a Deus. as propriedades da Primeira Causa e sua relação com o Universo.2. a fragilidade e as falácias desta filosofia e preferiu o sistema de Aristóteles. da Incorporeidade e da Unicidade. se opôs ao Kalám. citamos as principais: Hebraico: Há duas mais conhecidas —a de Shmuêl ibn Tibon. Uma vez estabelecida a possibilidade de exposição das passagens da Bíblia à razão.0 O GUIA DOS PERPLEXOS De acordo com esta estrutura e seu conteúdo. reali­ zada entre 1199 e 1204 e a de Yehudá al Harizí. o trabalho ao qual Maimônides se propôs termina com o sétimo capítulo da Terceira Par­ te. Onisciência e Providência. Tentações. Maimônides era um grande admirador da filosofia de Aristóteles. por dentro da Lei (Tora) e por dentro das narrativas bíblicas. a Forma na Natureza. Os capítulos que se seguem podem ser considerados um apêndice e tratam dos seguintes temas teológicos: a existência do Mal. a partir de um ponto de vista filosófico e em diálogo com 'a filosofia aristotéüca. ser considerado idêntico à Primeira Causa dos filósofos. 5 A partir do original escrito em árabe. Abaixo. contrária ao ensina­ mento fundamental da Bíblia. portanto. . O Kalám sustenta­ va a teoria da Existência de Deus. se bem que. demonstrando que os argumentos dele são ilógi­ cos e ilusórios. juntamente com a Creatio ex nihilo. Elias.INTRODUÇÃO 21 Shmuêl ibn Tibon. Traite de Théologie et de Philosophie. parM oise ben Maimoun. Idem. Segundo Friedlander. di Recanati (Yedídia ben Moshé). A mais conhecida. The Guideforthe Perplexed. na verdade uma re-tradução da versão francesa de Munk. pois a obra era conhecida de Alberto Magno e São Tomás de Aquino. sob o título U Guide dês Egarés.1 1 a versão de Shmuêl ibn Tibon é muito acurada. p. foi realizada por Juan Buxtorf Filho.12 Utüizou-se. A versão do primeiro. p. é considerada um calco do original. dit Maimonide. e tida como a melhor. USA: Dover Publications. p o r menos importante que pudesse parecer. 1956 [1904]. Este terminou a tradução para o idioma italiano (mas com letras hebraicas) em 1583. por isso mesmo. que a ditou ao irmão. 33. xxviii. Tradução de: Da/alât al-Hairín. Sua versão. Tatim: Imagina-se que já havia versões de 0 Guia dos Perplexos em latim no século XIII. M. foi auto­ rizada por ele. copiado por um certo Shmuêl ben Yitzchák. e não negligenciou nem mesmo. Considerada por muitos como a melhor já escrita em línguas modernas. Italiano: A primeira foi realizada por Amadeo M. realizada ainda durante a vida de Maimônides. era tida como obra rara até ser reimpressa em 1970. Em: Maimônides. uma ínfima parte. p. 32. Tradução por Moses Friedlander. ele sacrificou a elegânda de estilo pelo desejo consáente de reproduzir o trabalho do autor. favorecida até pelo fato de se tratar de duas lín­ guas semíticas antigas muito próximas. 2a edição. Suíça. Publicada originalmente entre 1856 e 1866. New York. . A edição mais antiga que se tem notícia da versão de Shmuêl ibn Tibon encontra-se na Biblioteca Nacional de Paris. Uma se­ gunda versão. com quem trocou cartas de orientação. 11 12 13 Maimônides.13 é referência para muitas tra­ duções posteriores. Guia de Perplejos. publicada em 1629 na Basiléia. Trata-se de um manuscrito de 1452. a versão de ibn Tibon.'Embora a versão de Yehudá al Harizí seja considerada mais sofisticada e elegante. a literalidade e o fato de ter sido autorizada pelo próprio Maimônides consagraram a versão de Shmuêl ibn Tibon. nessa tradução. 414p. Francês: Aquela que é considerada a melhor versão é a de Salomão Munk. Português: uma coletânea de O Guia dos Perplexos foi recentemente publicada pela Editora Sêfer em 2003. a Primei­ ra Parte por R. em Firenze. em Krotoschin. por um certo Pedro de Toledo entre 1419 e 1432. Esta tradução integral da Parte 2 de O Guia dos Perplexos. em Frankfurt A. 14 Em: Maimônides. Guia de Perplejos. em Viena. pouco conhecida. p.. é a pri­ meira traduzida diretamente do hebraico para a língua portuguesa. A versão completa e revisada. A terceira edição foi lançada em 2001. só viria a ser publicada em 1904. sob o título Guia de Perplejos. A primeira e terceira partes serão publicadas em breve pela Landy. . em 1839 e a Segunda Par­ te. E. por M. diretamente do árabe e com base na versão francesa de Munk. A Ter­ ceira Parte por Simon Scheyer.1 4 Espanhol: Há uma antiga tradução em espanhol. por José Suarez Lorenzo. Embora a contracapa do livro a considere a melhor versão de O Gaia dos Perplexos já escrita em inglês. Em 1994. Somente na segunda década do século XX surgiram outras versões espanholas (somente da Primeira Parte). sob o título Guida degli Smarriti. realizada por Leon Dujovne. Alemão: A obra foi traduzida parcialmente por três autores. Inglês: São duas as versões mais conhecidas. pela Editora Trotta. publicada agora pela Editora Landy. re-traduções da versão francesa de Munk: a mais conhecida sob o título Guia de los descarnados. A de M. Fürstenthal. M. The G uideforthe Perplexed. em três tomos. Maroni nos anos de 1870-1871. Friedlander. em 1838. A outra versão é a de Shlomo Pines e Leo Strauss. realizada a partir da versão hebraica de Yehuda al Harizí. cuja primeira edição data de 1936. em 1864. Stern. Maeso consideraa excessivamente literal.O GUIA DOS PERPLEXOS foi realizada por j. 33. A Primeira Parte foi originalmente publicada em 1881. Em 1955 foi publicada uma nova tradução. sob o patrocínio da Universidade de Chicago. a primeira edição da versão de David Gonzalo Maeso foi publicada na Espanha. como em half. Tradução do: Sidur Rinat Israel. optou-se por uma das metodologias atualmente em voga no Brasil. comparada ã ver­ são de Friedlander em inglês. ao invés de Hanevuchím. No final da palavra torna-se muda e nem sempre é transliterada. Consoante Shín —Sh. Quanto à transliteração dos caracteres hebraicos para a língua portuguesa. Consoante Tsádi—Ts. • • • • • Além destas regras. 1997 [1987].lD Assim. pronunciada de modo aspirado. Sidur Completo com Tradução e Transliteração. 707 p. substituise por “gue” e “gui”. “SS” quando esti­ ver entre vogais. 1.. em inglês. utilizamos a seguinte metodologia quanto à translitera­ ção de letras hebraicas para o português: • • Consoante Guímel —G. Consoante H ei —H.(prgl). Consoantes Sámech e Sín —“S” sempre que estiver no início da palavra. Por último foi feita a tradução definitiva a partir da versão em hebraico de Shmuêl ibn Tibon. pronunciadas de forma gutural. Perplexos para o português foi realizada to­ mando-se por base a versão de Maeso em espanhol. precedido ou seguido de consoante. Consoantes C báf e C bêt —CH. particular­ mente segundo o Sidur Completo com Tradução e Transliteração. Por exem­ plo. VII-VIII. respectivamente. 15 Em FRIDLIN. escreve-se Há-Nevucbim (dos Perplexos). como o “j” espanhol. pp. São Paulo: Sêfer. As consoantes K a f e K u f foram transliteradas pela letra K. Diante das vogais “e” e “i”. Consoante R êish —R pronunciada sempre como em “caro”. . que no hebraico vêm juntos. livro de orações judaicas publicado pela Editora Sêfer.INTRODUÇÃO 6 A tradução de 0 Guia dos. foi adotado também o uso de um hífen para dis­ criminar o artigo do substantivo. As seis últimas proposições tratam . e 4) L u ga r—a pas­ sagem de um lugar para outro é chamada de Movimento. tanto a causa quanto os acidentes são considerados finitos. A quarta proposição determina quatro categorias sujeitas à mudança: 1) Substância —mo­ dificada pela Gênese e Destruição . sempre atuante e único. A déáma. incorpóreas. somente existirá enquanto estas existirem —portanto. déáma quarta. por meio das quais Aristóteles e os filósofos aristotélicos posteriores provaram a existência de Deus —na linguagem filosófica. déáma sétima e décima oitava proposições falam sobre movimento e mudança. décima prim eira e déáma segunda proposições tratam das coisas abstratas. imutável. A déáma sexta proposição diferencia os seres incorpóreos li­ gados ao corpo —e. a Primeira Causa —e suas propriedades principais: o fato de ser incorpóreo. com destaque para a déáma quinta. 2) Q uantidade —sujeita a A umento ou Diminuição-. As três prim eiras proposições afirmam a impossibilidade da existência de magnitudes e séries de causa e efeito infinitas. que ressalta a ligação indissolúvel entre tempo e movi?nento. portanto. vinte e cinco proposições . a décima nona proposição afirma que uma coisa abstrata. déáma quinta. que não podem ser contados. dependente de certas causas. contados juntamente com estes —dos seres espirituais puros.INTRODUÇÃO 2-5 Análise da Parte 2 de O Guia dos Perplexos IN TRO D UÇÃO Maimônides enumera. é finita. O conceito de movimento é desenvolvido entre a q uinta e a nona proposição. ligadas à matéria. pois não estão ligados a um corpo. em princípio. São elas: a causa do objeto e os aciden­ tes que existem através do objeto. Por estarem ligados ao objeto e este ser finito. 3) Q ualidade —sujeita a Transformações'. A décima terceira. constante e de existência constante. 1) Os filósofos aristotélicos apresentam quatro argumentos para provar a existência. H á três possibilidades de existência-. que não é posta em movimento . que afirma que o Tempo e o Movimento são eternos. 1) Nada tem iníáo efim . pois além dos seres transitórios. Apesar disto. indivisível. incorporeidade e unicidade da Primeira Causa: Primeiro argumento filosófico : Deve haver um prim eiro agente motor que mova todas as coisas transitórias e lhes dê condições para receber Torma. propõe-se a aceitá-la provisoriamente. a estas. posição aristotélica da qual discorda. 2) Tudo tem iníáo efim-. Segundo argumento filosófico'. deve haver um ser imortal que seja a causa dos demais.2. então também o segundo elemento pode ser achado livre. caso contrário. Se dois elementos coexistem em um estado combi­ nado.6 O GUIA DOS PERPLEXOS da diferença entre um ser de existência necessária . e seres compostos de no mínimo dois elementos. antes de existirem de fato. não poderia ser reproduzido. se o Universo fosse totalmente destruído. uma vigésima sexta proposição. haverá ne­ cessariamente uma Primeira Causa. Somente uma possibilidade satisfaz esta condição. PR O V A S FILOSÓ FICAS P A R A A EXISTÊNCIA. É necessário um agente externo que fa ça o outro sair do estado de potência para o estado de movimento. sem ferir as proposições men­ cionadas anteriormente: que se trate de um ser incorpóreo e separado do Universo. Terceiro argumento filosófico'. No limite. mas não ser movido —a Primeira Causa. e um destes elementospode também ser achado livre. única. Sendo possível existir seres sozinhos. de acordo com o primeiro argumento. para posteriormente refutá-la e demonstrar sua própria teoria: somente Deus é eterno. têm uma causa exter­ na que lhes provoca a existência e. que não é conse­ qüência de nenhuma causa. constantes e de existência de fato. que são necessariamente materiais. incorpórea e atemporal: Deus. perma­ necem em estado de potência. INCORPOREIDADE E UNI CIDADE D A PR IM E IR A C A U S A (CAP. Maimônides então acrescenta. 3) A lgumas coisas têm e outras não têm iníáo efim . Quarto argumento filosófico-. é pos­ sível a existência de um que possa mover. A única possibilidade viável é a terceira. nenhum deles seria Deus de fato. Além destes. esta divisão harmoniza as várias. do qual a Terra é o centro. nenhum deles seria. pois. A vinculação ao tempo e o estado de potência são condições impossíveis para um Deus. animal e racional (huma­ no). logo. SOBRE A S ESFERAS CELESTES E A S INTELIGÊNCIAS PU R A S OU SE P A R A D A S (CAP. Como incorpóreo. Deus é incorpóreo. é vivo e orgânico. Portanto. relativos à unicidade de Deus: 1) “Não se pode imaginar a atuação de dois deuses que agem de forma alternada na formação do Universo”: não há razão para que um esteja agindo e o outro. Maimônides apresenta outros dois argumentos adi­ cionais. vegetal. redes de transmissão: a primeira transmissão de forças parte de Deus {Primeira Causa) e se distribui entre as quatro Inte­ ligências Separadas. . como já vimos. na hipótese de dois deuses. é um ser incorpóreo. Qualquer mudança na Terra é causada por uma seqüência constante de influências que fluem desde Deus. às quatro classes de seres: mineral. deveria haver então uma causa anterior que permitisse a um atuar e ao outro não. Quanto à incorporeidade de Deus.INTRODUÇÃO 2-7 por nenhum agente externo —logo. dos planetas. nunca poderia colocar outra coisa em movimento. daí para os quatro elementos terrenos (terra. 2) “Não se pode imaginar dois deuses amando juntos na formação do Universo”: para que houvesse esta união seria necessário uma causa anterior. esta jamais esteve em estado de potência. não satisfaz a condição de um ser corpóreo. logo. se assim fosse. Do mesmo modo. ter estado em um determinado momento em es­ tado de potência. Para ele. não. destas para as quatro esferas celestes. O Universo. enquan­ to todo corpo é necessariamente composto de ao menos duas partes — portanto. finalmente. passando por quatro esferas: dos astros fixos. então só poder ser Um. Esta transmissão de forças de um nível para outro é denominada Shéfa (Emanação ou Injluênád). do Sol e da Lua. 2 A 12 ) A teoria filosófica da Primeira Causa foi relacionada ao conceito judaico de Deus. Maimônides argumenta que Ele é uno. por outro lado. qual seja. não pode ser contado. água. ar e fogo) e destes. tampouco. Deus de fato. A divisão das esferas em quatro é tida como um insight de Maimônides. os seres que habitam as esfe­ ras celestes são eternos. 2) teoria platônica e teoria islâmica (dos mutakálemim)-. representado pela Primeira Causa (Deus). As esferas não contêm qualquer dos quatro elementos do mundo terreno. buscará com­ provar que a sua teoria é a mais provável. . E suficiente para ele demonstrar que a teoria da Criação é uma possibilidade. mencionados na Bíblia como malachím. Cada esfera tem o seu intelecto. dis­ corda de seu mestre: sustenta que tanto as esferas celestes quanto as Inteligências Separadas tiveram um início e passaram a existir a partir da vontade de Deus. Deus criou o Universo a partir do nada. Maimônides. totalmente diferente.2.O impulso para o movimento é dado pelo Intelecto. 3) teoria aristotêlica-. que permitem a elas se mover livremente. de acordo com Maimônides. Profetas. SOBRE A TEORIA D A ETERNIDADE DO UNIVERSO (CAP. a partir daí. elohím ou adoním. Os anjos. além de Inteligências Se­ paradas. A Inte­ ligência Separada que atua sobre o intelecto da esfera da Lua é denomina­ da Intelecto Ativo (Sêchel há-Poêl). por sua vez. também significa ideais. que con­ cebe uma idéia a partir do desejo de se assemelhar ao ideal. recebe a influência de uma determinada Inteligência Separada. e suas vontades tendem invariavelmente para aquilo que é bom e nobre. são seres incorpóreos. Segundo Aristóteles. são considerados idênticos às Inteligências Se­ paradas-. são tidas como um Quinto Elemento. En­ quanto as coisas na Terra são transitórias.8 O GUIA DOS PERPLEXOS Maimônides segue Aristóteles em sua descrição das esferas celes­ tes. As esferas são dotadas de Alma. Maimônides apresenta três teorias com respeito às origens do Uni­ verso. 13 A 3 1) Não interessa a Maimônides comprovar sua teoria nem desmontar a teoria de Aristóteles. Mas. tão viável quanto a teoria da Eternidade do Universo. as esferas celestes e as Inteligências Separadas existem de forma permanente e coexistem desde sempre com a Primeira Causa. se estiverem servindo ao propósito de Deus. a saber: 1) teoria bíblica judaica'. de um ponto de vista filosófico. o termo anjo contém diversos significados: assim. fiel à tradição judaica. Deus formou o Universo —que é transitório —de uma substância eterna. homens comuns e animais. que. Deus e o Universo são eternos e coexistentes. até mesmo os quatro elementos podem ser identificados como anjos em um dado contexto. 2) Se­ gundo Aristóteles. Logo. de acordo com as leis da Natureza. Aristóteles reforça sua teoria. assim como é um equívoco considerar o funcionamento do organismo de um feto a partir do funcionamento do organismo de uma pessoa já nascida.INTRODUÇÃO Na terceira teoria. o fato de ter havido um início determinado para o Universo não implica ne­ cessariamente que haverá um fim —esta é uma possibilidade que de­ pende exclusivamente da Vontade Divina. quanto aos últimos três métodos. A teoria da Criação não envolve a crença de que o Universo será destruído no futuro. aqui apresentados. é a causa de seres compostos. a Eternidade do Universo está fundada em pro­ priedades da Natureza e da Primeira Causa. Surpreendeu-se com Rabi Eliezer. Maimônides refuta os primeiros quatro métodos ao argu­ mentar que estes não levam em conta que as leis. não precisa necessariamente ter uma cau­ sa anterior. é impossível que um ser simples possa. Como Deus. não é necessário produzir uma mudança nos seres incorpóreos. sábio judeu que parece defender a teoria da Eternidade do Universo. refuta-os ao argumentar que as vontades e ações dos Seres Puramente Espirituais não estão sujeitas às mesmas leis que as dos seres terrenos: enquanto se necessita de uma alteração nos últimos ou na vontade do homem. De modo semelhante. ser a causa de seres compostos. que é um ser simples. e estas estão demonstradas em quatro e três métodos. Seguem-se dois de vários argumentos: 1) Ao admitir que a grande variedade de coisas no mundo terreno está ligada àquelas leis imutáveis que regulamentam a influên­ cia das esferas sobre estas mesmas coisas. a ponto de advertir seu discípulo para que não se equivocas­ se ao ler os Pirké (Capítulos) de Rabi Eliezer. O autor aderiu à teoria da Criação ao verificar que os argumentos contrários eram insustentáveis. segundo os aristotélicos. Como não segue as leis da Natureza. portanto. por meio das quais o Universo está regulamentado. respectivamente. não precisariam vigorar antes de o Uni­ verso existir. a variedade de esferas so­ mente pode ser explicada como resultado da Vontade Divina. Maimônides segue adiante e explica que não precisaria da autorida­ de da Bíblia para adotar a teoria da Criação. não é uma propriedade inerente ao Universo. . Deus é eterno. como é o caso do Universo. Além destes. mas o Universo é criado. consi­ derando o fato de existir uma crença popular geral na Eternidade do Universo. Ele não segue as leis da Natureza e. Segundo o Talmud. Teu Deus. mas não é a primeira parte deste. A imaginação e o desejo formam o par que influencia fortemente o aspecto físico do Homem. Ritach signi­ fica vento ou Sopro Divino (Espírito). água. A partir do sétimo dia. 17 “E lembrarás que servo foste na Terra do Egito. esta não faz parte do Universo criado nem coexiste com ele —deu início ao Universo. eles não sabiam o que era liberdade e bem-estar. em princí­ pio. a imaginação e o desejo. com mão forte e braço estendido. rúach e chóshech são polivalentes e. e que de lá te tirou YHVH Teu Deus.ll pois durante o período da escravidão no Egito. máim. e repousou no sétimo dia. a diversidade de seres foi criada sucessivamente. em especial no Talmud. porque em seis dias fez YHVH os Céus e a Terra. teu animal e teu peregrino que estiver em tuas cidades. respectivamente: o intelecto e o corpo. portanto te ordenou YHVH. Máim refere-se ou ao firmamento (Céus Inferiores) ou aos Céus Superiores. fica sujeita ao desejo. Não farás nenhuma obra . Enquan­ to é dada maior atenção à imaginação e ao desejo. que enfraquece e 16 “E o sétimo dia é Shabát para YHYH teu Deus. Deus descansou e o Universo passou a seguir as Leis da Natureza. o mar e tudo o que há neles.” (Êxodo 20:10-11). Após a Criação. Na história bíblica. os judeus devem guardar o Shabát por dois motivos: para se lembrarem da Cria­ ção do Universo (Êxodo 20:10-11). ar e fogo.1 6 e em comemoração à saída do Egito (Deuteronômio 5:15).” (Deuteronômio 5:15). Portanto abençoou YHVH o dia do S h a b á te santificou-o. e Chóshech pode ser ou escuri­ dão ou noite. A imaginação. Este dia — o S habát—foi abençoado e santificado. o Universo teve um início execu­ tado pela Primeira Causa. tua serva. 2) Os termos empregados têm mais do que um significado. As palavras érets.O GUIA DOS PERPLEXOS O relato da Criação no livro do Gênesis e demais textos judaicos. teu filho. significam respectivamente os quatro elementos: terra. bem como das di­ versas combinações entre luz e escuridão. tua filha. é explicado pelo autor segundo as duas regras seguintes: 1) Sua linguagem é simbólica. os casais — Adão e Eva. A rets é o Planeta Terra. Segundo Maimônides. o intelecto se enfraquece e o corpo se degrada.tu. . ao invés de ser guia­ da e controlada pela razão. sob influência do movimento das esferas celestes. para fazer o Dia do Shabát. em outras instâncias. teu servo. a serpente e Samael (Satã) —são metáforas que representam. depende da vontade de Deus para ser revelada a alguém. e intelec­ tual —racional. respectivamente. animal — instintiva. às três proprie­ dades do ser humano: vegetativa — vital. Inicia mencionando três opiniões correntes acerca da Profecia: 1) Segundo a visão popular . qualquer pessoa. 2) Segundo osfilósofos aristotélicos árabes. Abel (vegetal-vital) é eliminado por Caim (animalinstintiva). 3) Segundo a tradiçãojudaica. à capacidade intelectual de leitura racional da realidade. além de perfeição física. A verdade do texto bíblico só pode ser extraída a partir de uma interpretação correta de seus simbolismos. Maimônides define Profecia como uma Emanação que. 3 2 A 4 8 ) Nesta seção Maimônides trata das características dos Profetas e das Profecias. Abel e Set Maimônides encontra uma alusão. cumpridas as qua­ lificações físicas e morais. pode ser escolhida por Deus para se tornar Profeta. este é superado por Set (intelectual-racional) que sobrevive e forma a base da condição humana daí em diante. . retidão moral e estudo. O Profeta é diferenciado dos filósofos —que somente receberam esta influência sobre o seu intelecto —e dos políticos. para a faculdade imaginativa das pessoas qualificadas para a condição de Profetas. deste para a faculdade racional e daí. a Profecia. Maimônides considera o Profeta como al­ guém com capacidade maior do que o filósofo. adivi­ nhos e sonhadores —que somente tiveram a sua imaginação influenci­ ada pela emanação divina. transmitidas por Deus através dos anjos e re­ transmitidas em linguagem simbólica. pois acrescenta. a captação de idéias supra-sensíveis. finalmente. certamente será atingida através de muito estudo.INTRODUÇÃO 31 degrada o corpo. através da vontade de Deus. re­ lativas aos filhos de Adão e Eva. flui para o Intelecto Ativo. independente de suas qualificações morais ou físicas. segundo a terceira opinião apresentada. Nos três filhos . Fica claro que o fato de Maimônides considerar o texto bíblico como absolutamente verdadeiro não significa que faça dele uma leitura literal. SO BRE A PR O FE C IA (C A P .Caim. Em seguida são estabelecidas outras metáforas. a transmissão do conhecimento também não era sim­ bólica. através de sonhos ou de visões diurnas (com o corpo entorpecido). considera­ dos uma preparação para a condição de Profeta. percebiam parábolas transmitidas em so­ nhos proféticos.32 O GUIA DOS PERPLEXOS Tudo aquilo que evita ou dificulta o desenvolvimento mental. sem a inter­ mediação de um anjo. o Profeta transmitia as idéias puras que lhe chegavam à faculdade ra­ cional. ainda que temporários. morais e intelectuais. o termo não tem o mesmo significado aplicado. durante o sono. Em um estado extático de consciência. à capacidade de profetizar. grandes e relevantes. Classificou as Profecias em onze graus. bem como inspiradas para transmitir palavras de sabedo­ ria e beleza. certas da presença de Deus. como os ventos. des­ via a imaginação e prejudica a força física. impedindo o homem de atingir a condição de Profeta. mas explícita e direta. quanto com relação à freqüência. ao chamar Moisés de Profeta. fluíam para a imaginativa e finalmente eram reproduzidas em uma linguagem simbólica. que se man­ tinha consciente e com o corpo sob controle ao receber a emanação divina. por ou­ tro lado. a transmissão destas idéias era intermediada por um anjo. Geral­ mente. para socorrer os oprimidos e realizar ações boas. a alegria e a música favorecem esta condição. Maimônides também explica que os poderes dos Profetas não eram todos iguais: variavam tanto segundo suas condições físicas.ao décimo primeiro . O terceiro grupo abarca do oitavo . Para ele. Embora fosse considerada uma condição para o Profeta exibir ex­ celente preparo físico. Todos os Profetas recebiam as Profecias por meio dos anjos. O segundo grupo abrange do terceiro ao sétimo grau: os Profetas. tido como o mensageiro que levava a palavra de Deus aos Profetas. de modo que seria impossível compreendêlas corretamente sem que houvesse uma interpretação das mesmas. idade e hu­ mor. um animal ou até mesmo um fenômeno natural. divididos em três gru ­ pos. Este mensageiro tão especial podia aparecer nas formas mais diversas: como uma pessoa. A ansiedade e a depressão também são obstáculos. Maimônides enfatiza que. e as transmitiam de forma simbólica —à exceção de Moisés. adequando-as ao contexto e ao modo de pensar das pessoas. pois a recebia de forma pura. E formado por pessoas que possuíam uma coragem ímpar. Desta forma. no momento da Profecia o corpo era adormeci­ do com uma espécie de torpor. mas diretamente de Deus para sua faculdade racional. O prim eiro grupo é composto dos dois primeiros graus.aos demais Profetas —são tão somente homônimos. recebia as Profecias em Visão Profética. . no entanto. Moisés foi o único capaz de ouvir e entender as palavras ditas por Deus no Monte Sinai. Na ocasião. embora em estado de êxtase. as pessoas só ouviram claramente os dois primeiros mandamentos. considera um décimo segundo grau. que os ouvira. porém não entendera.principalmente Abrahão . acordado. para explicitar que Moisés. Em separado. pois profetizava em estado normal de cons­ ciência e não entrava em torpor físico. referen­ tes aos oito últimos mandamentos —o enunciado moral destes teve que ser retransmitido por Moisés ao restante do povo. como já mencionado. que defini­ am a questão da Existência e Unicidade de Deus. Nem sempre. de uma visão ou de um fato concreto.INTRODUÇÃO grau: o Profeta . os Profetas es­ clareceram que seus relatos eram frutos de um sonho. de caráter doutrinário. é considerado Profeta como os outros apenas por homonímia. ou seja. A teoria de que a linguagem metafórica é um elemento essencial na Profecia é apoiada pelo fato de que o discurso simbólico é predomi­ nante no discurso profético. .”18 Em 2004 completam-se oitocentos anos da morte de Maimônides. por sua forma e seus con­ ceitos reconhecidamente medievais. segundo a Tradi­ ção Oral ou Talmud. muitos o repelem antes mesmo de conhecerem-no. tornando seu pensamento irrelevante para o contexto 18 19 Declaração de Princípios (1988) —denominada Emêt Ve-Emuná.1 9 bem como o filósofo mais profundo que o Judaís­ mo já produziu. versado em legislação judaica (Halachá ). em Israel e ao redor do mundo.INTRODUÇÃO 35 Possível contribuição de Maimônides para a filosofia social contemporânea “A voz escatológica dominante hoje em dia é claramente re­ volucionária . muitas gerações referem-se ao mestre pelo título de sua grande obra —O Guia dos Perplexos. Será que Maimônides tem algo a nos dizer? (. no extre­ mo. triunfalismo. Após oito séculos. ele mesmo parece ser causador de perplexidade. Também estamos convencidos dos seus perigos: exclusivismo. Extraído do capítulo “The MessianicHope” (“A Esperança Messiânica”). Autoridade haláchica'.no Islã. “Verdade e Crença” —da corrente judaica Conservative Judaism. Nós entendemos os motivos que impelem estas comunidades a aderirem a programas des­ se tipo. de fato. Embora este título seja ainda muito popular. comrespeito ao fundamentalismo. algumas pessoas têm problemas em estudá-lo: por um lado. militarismo e até mesmo terrorismo. por outro. em grupos cristãos fundamentalistas e evangélicos americanos e entre certos grupos de judeus.. . ações políticas radicais e. alguns podem perguntar: “Conhecido como a maior autoridade haláchica.) Será que este retrospecto medieval e aristotélico não relega Maimônides inevitavelmente a nada mais do que uma impor­ tância histórica. Embora radicalmente enraizado nas tradições judaicas e um pro­ fundo conhecedor das leis rabínicas. um fundamentalista islâmico. no Brasil são praticamente inexistentes as obras que dis­ cutem esta possibilidade. & Kottek. S. Maimônides buscava harmonizálas à realidade dos judeus orientais de sua época. Moses Maimônides: Phjsician. onde passou boa parte de sua vida. Amado e respeitado por judeus e muçulma­ nos (que o chamavam de Abu Imran ou ibn Maimun). para que possamos verificar esta possível contribui­ ção.). 68.. particularmente quando se refere aos Profetas. Northvale.. Saladino também veio a se tornar. in Rosner. F. Sríentist and Philosopher. mesmo assim. Northvale. pode inspirar um modelo de crítica social do qual ainda podemos nos beneficiar nos tempos atuais? Para alguns. Infelizmente. Newjersey. possa ser de grande valia. EUA: Jason Aronson Inc. Maimônides. p. passando pelo Marrocos e Israel. S. Após migrar com sua família por muitas terras espanholas. Maimônides pode ter moldado sua visão crítica social ao lidar com dois mundos entrelaçados: o judaico e o islâmico. ao mesmo tempo em que teve a oportunidade de se tornar um erudito em filosofia judaica. é muito prová­ vel que uma releitura da obra de Maimônides. Newjersey. 21 . F. dada a geniali­ dade. Filho de uma família respeitada na comunidade judaica es­ panhola do século XII. EUA: Jason Aronson Inc. o “espírito de sua época”. 1993. Soffer. & Kottek. à luz dos tempos contemporâneos. profundidade e profusão de temas e argumentos. (org.). junto a seus súditos. Particularmente entendo que. S. (org. chegou finalmente ao Egito. segundo Soffer (1993). a filosofia de Maimônides teria sua contribuição unica­ mente voltada ao aspecto ético e. presa ao seu Zeitgeist.O GUIA DOS PERPLEXOS da ciência moderna e da filosofia?.”20 ou ainda: “Será que há mensa­ gens de relevância atual que possam ser obtidas dos escritos de um filósofo que viveu há oito séculos? Será que as repreensões anti-autori­ tárias de Maimônides fazem sentido para os nossos dias?”2 1 Será que 0 Guia dos Perplexos. sofreu “na pele” a perseguição dos fundamentalistas islâmicos almohades. Foi neste contexto 20 Rabinovitch . Inicialmente. incluído 0 Guia dos Per­ plexos. in Rosner. S. 1993. Scientist andPhilosopher. 207. Tornou-se médico do Sultão Saladino e. Moses Maimônides: Pbjsician. analisaremos o contexto histórico e geográfico em que viveu o Rambám. p. Por outro lado. o dia do descanso. Pois bem. a partir do conceito de Imitatio Dei —imitar as qualidades de Deus que. No primeiro exemplo.INTRODUÇÃO 37 que escreveu 0 Guia dos Perplexos-. as culturas domi­ nantes da época. segundo a tradição bíblica judaica. ao mesmo tempo em que se desdobrou para manter a liberdade religiosa e de identidade judaica. A analogia às regras que regulamentam a circulação das pes­ soas judias praticantes nos grandes centros urbanos dos dias atuais é direta: caso Maimônides estivesse vivo. a fim de garantir a sobre­ vivência de sua identidade coletiva. Maimônides tinha um profundo senso da necessidade de se man­ ter as leis básicas que regiam o povo judeu. também. após a morte de sua primeira esposa. por entre as avenidas demasiado largas das grandes metrópoles modernas? Seria permitido. um dos secretários do rei) na cultura islâmica. possuía clareza quanto à necessidade de adaptá-las de acordo com a época e o local em que viviam estes judeus. denominado Yom Shabát. como um modelo de convivência dig­ no de ser estudado nos dias atuais. após ter trabalhado na criação do Universo por seis dias. Este talento para lidar com a cultura dominante e ser respeitado como líder de uma minoria já serve. por si mesmo. des­ cansou no sétimo. imposto pelo Sultão Saladino. para judeus que viviam não somente de acordo com as leis e costumes judaicos. uma vez que eram demasiado largos e esse era um precedente necessário em benefício das pessoas que por lá moravam. em que uma relação deste tipo parece pouco provável em diversas partes do planeta. será que ele consideraria proi­ bido viajar de automóvel no Shabát. mas influenciados também pelo Islamismo e pelo pensamento clássico grego. embrenhado tanto por motivos pro­ fissionais quanto familiares (lembremo-nos que Maimônides casou-se em 1165. em meio a um rigoroso controle de comportamentos e de pensamentos. podemos citar a posição de Maimônides a respeito da possibilidade ou não de se navegar pelos rios Tigre e Eufrates em pleno Shabát e quanto à questão da conver­ são ao Judaísmo. segundo as leis judaicas. deve ter exercitado como nunca sua capacidade de amar como um respeitado líder da comunidade judaica do Egito. Ibn Almati. Maimônides determinou que os judeus poderiam viajar pelos rios Tigre e Eufrates no Shabát. com a irmã de um influente palaciano egípcio. . Como exemplos. Pode-se dizer que Maimônides convi­ veu bem com a corte islâmica. Todavia. o Shabát precisa ser absolutamente respeitado como um dia em que se deve descansar e não produzir qualquer forma de energia. se um homem vive com uma mulher não-judia. de ordem teológica. “confun­ dido e envolvido pelo sofrimento inerente”. uma apolo­ gia à ressurreição dos mortos —sob pressão. mas sem a necessidade de se aprofundar demais neles. Segundo Soffer (1993). mesmo que mais tarde ela se converta. devemos assumir que continuará a viver com ela. um caminho de justiça e misericórdia. fica claro que Maimônides prioriza o bem-estar social às leis. Segundo Soffer (1993). Ao ignorar o dogma da ressurreição —enquanto este aponta. por meio da crídca racional. para a idéia de imortalidade — Maimônides reforçou as suspeitas .38 O GUIA DOS PERPLEXOS viajar de avião. está proibida de casar-se com um judeu. ou seja. em benefício da vida das pessoas no contexto das épocas e lugares em que vivem. Maimôni­ des precisou lidar com uma situação dramática de intolerância que afe­ tou sua vida e refletiu-se em seus escritos. Em outras palavras. há uma certa controvérsia sobre se Maimônides tinha. Em seguida. em defesa de sua própria sobrevivência. Maimônides determinou. em julho de 1191. uma boa relação com a corte islâmica de Saladino ou se foi coagido a assumir determinadas posições. a unicidade de Deus e a proibição da idolatria. que “em nossa época [século XII]. após ouvir o desejo expresso do candidato ou candidata de se identificar com o povo judeu. O candidato deve tornar-se ciente dos princípios básicos do Judaísmo. de acordo com o Talmud. Maimônides escreveu. dadas as largas distâncias entre cidades ou mesmo continentes? O segundo exemplo diz respeito às precondiçÕes para que uma pes­ soa se converta ao Judaísmo. Segundo ele. ele é informado de alguns mandamentos mais ou menos importantes. neste caso. se ele não desposá-la. estas regulamentações mostram um Maimônides que. no Shabát. O renomado rabino hu­ manista Abraham Joschua Heschel (1907-1972) escreveu a respeito deste assunto em sua biografia de Maimônides: “Judeus chassidim (piedosos) anti-filosóficos e muçulmanos acusaram O Guia \dos Perple­ xos] de desviar as pessoas para a perversidade. Por outro lado. Por isso. Também em seu M ishnê Torá (. tomadas por alguns como pétreas. uma posição que pode­ ria levar a efeitos sérios dentro desta área de religião reacionária. por suas razões.Issurê Biá 14:1). relativiza a literalidade de antigas leis. defende que o tribunal rabínico deveria aceitar “imediatamente” uma conversão. seu Tratado sobre a Ressurreição. Nes­ tes casos. deve casar-se com ela de acordo com a le i”. de fato. através do uso da razão como um antídoto ao autoritarismo e ao fundamentaüsmo. pois mais importante do que isso é colocálo em um “bom caminho”. in Rosner.23 Segundo o rabino Weitman (1994. S. & Kot­ tek. Neugroschel. conseguindo o feito de ser admirado tanto por judeus quanto por muçulmanos. S. p. A. por haver expressado “pontos de vista independentes”. Tratado sobre a Ressurreição. Ele afirma que Maimônides já havia escrito brevemente sobre o tema da ressurreição em seus livros Comentário da M ishná e M ishnê Torá. defender a ressurreição futura vinculada à condição de imortalidade do ser humano —o que iria contra sua convicção de que somente Deus é Eterno e Imortal —seria. (org. an Enemy o f Authoritarianism”. Todavia. & Kottek. p. e o fez com maestria. segundo alguns.. Nova York: Farrar Satraus Giroux.). 23.: cap. 1982. F.). pouco antes de Maimônides es­ crever seu Tratado sobre a Ressurreição .24 • De qualquer modo —quer tenha escrito este tratado convicto do tema da ressurreição.10). F. Scientist and Philosopher.. 120. nota do cap. o Mundo Vindou­ ro. bem como a população árabe egípcia. Para Maimônides. S. J. com as almas rein­ vestidas nos corpos. Sidur Completo com Tradução e Transliteração. (iorg. 23. p. 25 Soffer.. num mundo isento de matéria”. esta versão é desmentida no prefácio à edição brasileira do Tratado sobre a Ressurreição. Moses Maimônides: Physician. 22 . 1997. cujo décimo terceiro princípio é: “Eu creio com fé completa que haverá a ressurreição dos mortos quando for do agrado do Criador (.)”. 23 in Fridlin. 211. “Maimônides. As leis religiosas são feitas não por indivíduos. quer tenha escrito sob coação —Maimônides sabia muito bem da importância de manter boas relações com o poder dominante. Traduzido para o inglês por J. haverá um outro estágio final.). “Maimônides: A Biography”. mas pelo julgamento em concerto de muitas gerações de pensadores”. a única forma de permanecer vivo naquela sociedade.) Maimônides sustenta que. acreditava com fervor no dogma da ressurreição. 269. A. A crença na ressurreição é asseverada também em seus famosos “Treze Princípios da Fé Judaica”. p.22 Conta-se também que. Moses Maimônides: Plysician. A medida deste modelo de tolerância nas relações sociais pode se encontrar na seguinte frase atri­ buída a Maimônides: “Deixe que o ignorante caia no erro de que qual­ quer homem é responsável pelo estabelecimento de uma grande ver­ dade. um árabe místico de nome Suhraawardi fora morto a mando de Saladino. “(. (org. Saladino. após a ressurreição. S. de autoria do rabino David Weitman (1994). in\ Rosner. Scientist and Philosopher. 24 in Maimônides.INTRODUÇÃO 39 contra ele”.25 Heschel.. exclusivamente para as mesmas. J. alguns profetizavam somente uma vez na vida. tornam-se autoridades. uma pessoa justa e piedosa. Porém. a crítica social e o antídoto de Maimônides frente ao autoritarismo de um indivíduo ou grupo. então. pois a sua imaginação. na visão de Maimônides. Muito menos podem ser vistos como pretensos Profetas os políticos. inspi­ rados por uma voz ou visão recebida através de sonhos. seja intelectual. havia profetas e profe­ tas. O PROFETA CO M O MODELO DE LÍDER E CR ÍT ICO SO CIAL No capítulo 32 de 0 Guia dos Perplexos. No outro 26 Idem .40 O GUIA DOS PERPLEXOS Em outra crítica mordaz ao poder constituído. a qualidade e a freqüência de suas profe­ cias variavam de acordo com a maior ou menor excelência daqueles atributos. p. Portanto. Assim. a emanação divina que lhe proporcionaria o dom da profecia. Mas não necessaria­ mente um homem ou mulher justos e piedosos se tornarão profetas. Maimônides descreve a “doença dos intelectuais”: “Se eles são aplaudidos. não é acompa­ nhada de inteligência e probidade moral na mesma proporção. cresce sua popularidade. Tampouco é suficiente ser um filósofo dotado de grande sabedoria e discernimento racional. porém. reli­ gioso ou político. os adivinhos e os charla­ tões. . Dito isto. bem como foram escolhidos por Deus para exer­ cerem suas atividades. irrepreensível do ponto de vista moral e um erudito do ponto de vista intelectual. obrigatoriamente. Nin­ guém se opõe a eles e. tanto em sua época como nos dias atuais. constitui. Além disso. de uma hora para outra. pensam que conhecem todos os ramos do conhecimento e. ao mesmo tempo. Maimônides defende seu con­ ceito de Profeta: um “candidato a Profeta” deveria ser fisicamente apto. se lhe falta capacidade de traduzir seu pensa­ mento em uma linguagem acessível ao povo. não é qualquer um que pode se denominar Profeta: deve ser. ainda tomando por foco a pessoa.26 Esta noção de que a verdade é construída por muitas pessoas. Todos põssuíam qualidades morais. 212. é aí que sua doença se agrava na mesma proporção”. de acordo com a época e o lugar e de forma dinâmica. com seu intelecto e com a sua imaginação. ao longo de muitas gerações. deveria ser escolhido por Deus para que se capacitasse a receber. intelectuais e imaginativas para realizarem profecias. Interpretation and S ocial Critirísm. Moisés.E. USA: Harvard University Press. M assachusscts. rei de Israel. porém. como escravos. os motivos ficam um tanto obscuros. No último caso. 96p. em meio à opulência das fortalezas egípcias. 1987. Cambridge.C e D.C. designado por Deus para destruir a população de Nínive. diga-se a bem da verdade —nem o perdão de Deus foram suficientes para Jonas. penosa e nem sempre reconhecida. Ao contrário. A. No primeiro caso a crítica era mais contundente. enquanto os pobres. ora para os povos estrangeiros. o poder do Faraó do Egito que.INTRODUÇÃO 41 extremo. quer na simbólica passagem de três dias 27 28 Walzer. juizes e sacerdotes.28.E. o maior dos profetas (segundo Maimônides). ou que se conhe­ ce muito pouco. O motivo. ao atacar fortemente a riqueza desmesurada do reino de Jeroboão II. como não poderia deixar de ser quando se faz a crítica social de uma estru­ tura política ou de uma realidade que se desconhece. porque recebeu a informação de que eram pessoas perversas.C. Também foi o mais inteligente. Foi o caso do Profeta Jonas. Moisés ousou até mesmo en­ frentar e criticar o “poder constituído desde sempre” de Deus em di­ versos momentos. entre os anos de 785 e 746 A. .27 os Profetas —considera­ dos por ele os mais antigos exemplos de crítico social —voltavam-se ora para os hebreus. segundo a tradição bíblica.C. entre a “Terra da Escravidão” e a “Terra da Liber­ dade”.C. os trabalhadores e os agricultores estavam cada vez em condições mais miseráveis. Aqui. após tê-lo feito correr um alto risco de morrer. nem o arrependimento daquela popu­ lação por suas transgressões —desconhecidas de Jonas. o profeta ficou muito contrariado com Deus por isso. era o mesmo: a crítica ao modo de vida vigente de seus governantes. M. Correspondem respectivamente a A. o que mostra que a caminhada de um crítico social pode ser longa. seu próprio povo. (Era Comum) são notações encontradas em todos os textos judaicos. quer em meio a uma tem­ pestade na viagem a Nínive. O conteúdo das profecias variava também de acordo com o grupo ao qual os profetas se dirigiam. (Antes da Era Comum) e E. haja vista ter questionado e enfrentado. gerações e gerações de judeus e de outros povos. por ocasião da conhecida caminhada de quarenta anospelo deserto. Para o importante pensador contem­ porâneo norte-americano Michael Walzer. pois os profetas sabiam para quem estavam falan­ do e a quem estavam criticando —como é o caso do profeta Amós. mantinha. justo e crítico social que já houve na história do povo judeu. foi o único a ser inspirado por Deus de forma consciente e sem intermedi­ ários. Tais leis baseavam-se. Não há como exportar “valores justos” de uma sociedade para outra que os desconhece. E porque faz isso em nome de valores reconheci­ dos e que são parte daquela mesma sociedade”. A crítica. após o aban­ dono da escravidão no Egito.. .30 No máximo. quebrar o Pacto da Aliança. na so­ lidariedade e em relações justas entre as pessoas. pode-se compreender que a crítica social pressupõe o conhe­ cimento do que é uma condição social justa. devem ser feitas as devidas adaptações referentes às questões contextuais já expostas acima. cit. a exemplo da mensagem dos profetas..)”. temporal e local. até mesmo Deus recuou da decisão de acabar com a cidade. re­ conhecimento dos erros e a lembrança dos valores comuns a todo um j povo. que poderiam ser evitadas em caso de arrependimento. depois de tanto sofrimento pessoal. são críticas sociais. Em ambos os casos. as práticas rituais de uma dada sociedade. Segundo Walzer.29 Logo. a fim de que ele “não perdesse a viagem” — não se sabe se mudou sua opinião após a repreensão divina. segundo Walzer. ela só poderia ser total­ mente compreendida dentro d<e um determinado contexto cultural. p. p. pode ser universal. tomando-se o profeta como exemplo de críti­ co social. Este arrependimento era freqüentemente exigido dos mais ricos \ e privilegiados. estabelecido entre Deus e o Povo de Israel e confirmado com o recebimento das Leis no Monte Sinai. Nas palavras de Walzer. não era pelo fato de os ricos viverem com fartura.. segundo os valores e a cultura de uma dada sociedade. sobretudo. “cada nação tem sua própria profecia. para Jonas deveria ser destruída mesmo assim. 89. as profecias de Amós. tanto quanto sua própria história (. uma crítica social pode ser semelhante em lugares diferentes. tem a mesma raiz que a palavra “retorno” (teshuvá ) —pressupõe conhecer para onde e para o quê se pretende voltar. 94. as convenções. para os profetas. Ibid. Em outras palavras. ainda que a população de Nínive se redimisse.42 O GUIA DOS PERPLEXOS dentro de um peixe. e caso venha a se considerar a possibilidade de utilizá-la. “pois desafiam os líderes. era comum aos profetas preverem grandes desgraças. Deixar os mais necessitados de lado era. Parece que. em hebraico. 29 30 op. graças às condições econômicas e políticas que goza­ vam. O conceito de “arrependi­ mento” —que. portanto. seria um erro considerar que uma crítica social. mas porque esta existia em detrimento das condições dos mais pobres. Afinal. adotou o partido 31 32 33 in Leone. todavia. em especial da população negra nor­ te-americana.. Heschel assumiu o papel de rabino militante de causas huma­ nitárias. Nos anos 50 e 60 do sé­ culo XX. em seu livro ^4 imagem divina e o p ó da terra —da crítica da modernidade na obra do pensador A. Heschel — a visão deste huma­ nista do pós-Segunda Guerra Mundial a respeito da figura do Profeta. p. 43. o profeta “está profundamente ligado ao seu tem­ po. Al Imagem Divina e o Pó da Terra . pela liberdade dos judeus na antiga União Soviética e contra a Guerra do Vietnã. Mas o profe­ ta não denuncia somente as injustiças sociais nem apenas prevê des­ graças. Heschel era um homem com um pé em cada mundo: em um deles. Leone descreve. Ibid. a veracidade das posições de Walzer quanto ao caráter particular da profecia como crítica social. inclusive na dimensão emocional desse encontro. Idem. . O “apelo profético hescheliano” manifestou-se também “pela militância política e social a favor do diálogo inter-religioso. por meio do encontro com a divindade. participando geralmente de forma ‘crítica’ de sua sociedade. 31.) sendo o profeta um perso­ nagem dotado de um tipo especial de sensibilidade ao sentido da exis­ tência humana”. p. sen­ tindo. Como Maimônides.3 1 Para ele. ao tomar o profeta como modelo —tanto em suas qualidades pessoais quanto na sua sensibilidade para captar criticamente a realidade na qual está inserido —“Heschel assume para si o encargo de levar o ‘apelo profético bíblico’ de reverência à pessoa humana considerada como imagem divina”. é um homem de seu tempo. A. políticas e sociais.. dadas as suas qualidades morais e intelectuais. J.32 Segundo Leone (2002).INTRODUÇAO A B R A H A M JO SC H U A H E SC H E L : OS PR O FE T A S C O M O M O D ELO O pensador e estudante de rabinato brasileiro Alexandre G. a sociedade norte-americana —pela qual lutou. pelos campos de ativismo e de crítica social es­ colhidos por Heschel. 32. sen­ sibilizado pelo patbos (sofrimento) do seu povo através de sua conexão com Deus. Segundo Heschel.”33 Pode-se perceber. sensível tan­ to às suas mazelas e mesquinharias quanto à possibilidade de realização plena de sua semente de imagem divina (. p. “a mensagem bíblica é endereçada ao ser humano.. dos direitos civis. tal como para Maimônides e Walzer. a dor de sua época”. o profeta. conectado local e historicamente com o povo a quem se dirige. criticou a guerra do Vietnã. o que Heschel tinha a ver com os judeus da antiga União Soviética? Como podia compreender ou criticar a realidade em que viviam? A identidade cultural. tanto segundo o próprio Maimônides quanto segun­ do pensadores contemporâneos.O GUIA DOS PERPLEXOS de Martin Luther King em defesa dos negros. Walzer e mais recentemente Leone (2002). Aparen­ temente. a figura do profeta como um modelo de liderança moral e intelectualmente digna. já justi­ fica um estudo mais detalhado de O Guia dos Perplexos. histórica e religiosa criava as bases sobre as quais ele era capaz de compreender o sofrimento do seu povo em terras tão distantes e lutar por eles. profissional e politicamente. no outro. . contra a discriminação violenta naquele país. como Heschel. como um modo particular de resgate de uma importante fonte de reflexão a respeito da crítica e da justiça social. bem como da vasta obra filosófica de Maimônides. entre tantos outros. Soffer. lutava pelo direito dos judeus de saírem da então União Soviética. Rabinovitch. Portanto. onde .como tantas outras populações religiosas —não tinham liberdade de expres­ são e eram discriminados social. 0 G u ia dos P er plex o s Parte 2 . impronunciável (NT). no entanto. não é uma força conectada a um ser material e que Ele é Um —foram totalmente estabelecidas e sua correção está acima de qualquer dúvida.qual seja. Segunda proposição: A coexistência de um número infinito de magnitudes finitas é impossível.. Aristóteles e os Peripatéticos que o seguiram prova­ ram cada uma destas proposições. Deus de sempre” .2 Vinte e cinco das proposições que são utilizadas para a prova da existência de Deus —ou dos argumentos que demonstram que Deus é incorpóreo. Há.) em nome de YHVH. Primeira proposição: A existência de uma magnitude infinita é impossível. Em Gênesis 21:33: “E plantou [Abrahão] uma tamargucira (arbusto) em BeerShéva. U N IC ID A D E E IN C O RPO RE ID A D E DE DEUS “(.. estare­ mos claramente em condições de demonstrar nossa própria teoria. mas iremos admiti-la por ora. cujo nome é. segundo a tradição judaica. e lá invocou em nome de YHVH. aquela que afirma a Eternidade do Universo — . pois. (Maimônides) .1 Deus de sempre”.Introdução V IN T E E SE IS PRO PO SIÇÕ E S DOS P E R IP A T E T IC O S P A R A DE­ M O N S T R A R A E X IST Ê N C IA . ao agir assim. outra proposição que nós não aceitamos . 1 2 YHVH —Tetragrama Imprommàávek refere-se a Deus. quando o barco se move. corpóreo. conseqüentemente.O GUIA DOS PERPLEXOS Terceira proposição : A existência de um número infinito de causas e efei­ tos é impossível. Sexta proposição : O movimento de uma coisa é ora essencial. d) lu g a r . devido à força aplicada sobre ela naquela direção. como. Se. ainda que não sejam magnitudes. aquilo que é indivisível não pode se mover e. movese quando a própria coisa muda de lugar. b) quantidade —mudanças quanto à quantidade são o Aumento ou a Diminuição'. c) q ualidade —mudanças nas qualidades das coisas são Transformações'. uma Inteligência fosse a causa de uma segunda. a segunda a causa de uma terceira. a terceira a causa de uma quarta e assim por diante. Sétima proposição'. quando a própria coisa se move. é incorpóreo. Este último tipo de movimento é semelhante ao acidental. O movimento de uma pedra para cima. as séries não poderiam continuar ad infinitum. por exemplo. tudo o que se move é divisível e. Q uarta proposição : Quatro categorias estão sujeitas à mudança: a) substância —mudanças que afetam a substância de uma coisa são chamadas Gênese e Destruição'. por conseguinte. O termo “movimento” é aplicado para mudança de lugar. divisíveis. espera-se do prego que também se mova do mesmo modo. é uma instância de movimento causado por uma força externa. Porém. ao mesmo tempo.Mudança de lugar é chamada de Movimento. Afirma-se que o acidente de uma coisa. Coisas mutáveis são. O movimen­ to de um prego em um barco pode servir para ilustrar o movimento causado pela participação de uma coisa no movimento de outra coisa. ora aciden­ tal. mas é também usado no sentido geral de todo tipo de mudança. É o mesmo caso com tudo o que é composto de muitas partes. Todo movimento implica uma mudança e transição da Potência ao Ato. ou é devido a uma força externa ou devido à participação de uma coisa no movimento de outra coisa. pois. . todas as suas partes movem-se do mesmo modo. Por­ tanto. Uma instância do movimento essencial pode ser encontrada na translação de algo de um lugar para outro. sua cor negra. Quinta proposição'. por exemplo. Décima segunda proposição: Uma força que ocupa todas as partes de um corpo é finita. há algumas que não podem ser divididas de modo algum. por exemplo. Nona proposição: Uma coisa corpórea que coloca outra coisa corpórea em movimento só pode fazer isto ao se colocar em movimento no momento em que faz a outra coisa se movimentar. trata-se de uma força existindo em um corpo. como é o caso dos acidentes ou ser a causa da existência do objeto. como a alma e o intelecto. porque o próprio objeto é finito. é precedida por uma aproximação do agente transformador ao objeto a ser transformado. como. há algumas que participam na divisão daquele objeto e são. Décima proposição: Uma coisa da qual se afirma que está em um corpo deve satisfazer uma das duas condições seguintes: existir através desse objeto. desde que este seja circular. na ordem natural dos diversos tipos. Décima quarta proposição: A locomoção é. Todo aquele que se move por acidente necessaria­ mente tem de descansar.INTRODUÇÃO Oitava proposição'. Portanto. O crescimento e a diminuição também são impossí­ veis sem prévio nascimento e corrupção. sua propriedade essencial. Décima quinta proposição: O tempo é um acidente que acompanha e é inerente ao movimento. de tal modo que nunca um é encontrado sem . Por outro lado. o primeiro e o principal movimento. por sua vez. o movimento acidental não pode continuar perpe­ tuamente. como por exemplo. Em ambos os casos. acidentalmente divisíveis. Décima terceira proposição: Nenhum dos vários tipos de mudança pode ser contínuo —exceto o movimento de um lugar para outro. entre as coisas que formam os elementos essenciais de um obje­ to. as cores e as demais qualidades distribuídas em todas as suas partes. portanto. porque não se move por sua própria ini­ ciativa. Décima primeira proposição: Entre as coisas que existem através de um objeto material. a forma física. Isto porque a geração e a destruição são precedidas por uma transformação que. 50 O GUIA DOS PERPLEXOS o outro. não pode se mover do modo como se movia antes. por exemplo. Esta circunstância levou à crença de que o corpo de um animal se move sem a ajuda de um agente do movimento. Décima sétima proposição: Quando um objeto se move. mas sempre 110 de existên­ cia necessária. Por outro lado. Tudo o que passa da potência ao ato é levado a isso por algum agente externo. então. ser descrito como a causa da transição da potên­ cia ao ato (e não como uma força situada dentro do corpo). exceto quando consideradas as causas e os efeitos. Portanto. Seres vivos possuem em si mesmos. simultaneamente. As coisas que não se movem não têm relação com o tempo. como é dito em geral. No en­ tanto. está oculto e imperceptível aos sentidos. quando o ser vivo morre e o agente do movimento —a alma — perde o corpo —isto é. tudo aquilo que é incorpóreo somente pode ser enumerado quando se trata de forças situadas em um corpo. Décima sexta proposição-. como no caso de uma pedra colocada em movimento por uma mão. não podem ser contados. a coisa movida — . o que provocou a remoção do obstáculo poderia. quando nós afirmamos. quando in­ cluso no objeto movido. o agente do movimento e o objeto movido. em um certo momento. com respeito à coisa em movimento. ser contadas conjuntamente com as subs­ tâncias ou objetos nos quais eles existam. Sendo assim. que este é o seu pró­ prio agente de movimento ou. Preste atenção nisso. seres espirituais puros. O agente do movimento. que não são nem corpóreos nem forças situadas em objetos corpóreos. o corpo permanece por algum tempo na mesma condição anterior e. . O movimento somente é possível no tempo. seja de dentro. A razão é que se aquele agente existisse na própria coisa e nenhum obstáculo impedisse a transição. se enquanto a própria coisa contivesse um agente. sem dúvida. houvesse algum obstáculo e. queremos dizer que a força que realmente põe o corpo em movimento existe no próprio corpo. Décima oitava proposição-. e a idéia de tempo não pode ser concebida senão em conexão com o movimento. deve haver algum agente que o mova: seja de fora. todavia. quando o corpo de um ser vivo se move. as muitas forças devem. que este se move por sua própria iniciativa. o obstáculo fosse removido. a coisa jamais teria estado em estado de potência. qualquer causa que seja. Vigésima segunda proposição-. sem exceção. para existir. Vigésima terceira proposição : Tudo o que existe em potência. devida à sua própria essência. A força que assim prepara a substância de um determinado ser individual é chamada de Primeiro Motor. Todo aquele que é de existência necessária não pode ter. Vigésima quarta proposição-.INTRODUÇÃO 51 Décima nona proposição-. Mas isto já foi suficientemente explicado. Os acidentes atribuídos aos objetos materiais são: quantidade. pode não existir de fato em um dado momento. do agente do movimento e da coisa movida. Uma coisa que deve sua existência a certas cau­ sas tem somente nelas a possibilidade de existência. portanto. Uma coisa composta de dois elementos tem necessariamente esta composição como a causa de sua existência pre­ sente. Objetos materiais são sempre compostos por dois elementos ao menos e são. e cuja essên­ cia inclua um certo estado de possibilidade. uma força que coloque a substância em movimento e. pois o estado de possibilidade está sempre conectado à matéria. e a opinião de Aristóteles pode ser expressa . permita predispô-la a receber uma certa forma. sujeitos a acidentes. Vigésima proposição-. Esta não existe se as causas não existem. ou seja. Vigésimaprimeiraproposição-. Toda substância composta consiste de maté­ ria e forma e requer um agente para a sua existência. a coisa existirá. Aqui a necessidade leva à investigação das propriedades do movi­ mento. Tudo o que é algo em potência é necessaria­ mente material. Sua existência não é. então. forma geométrica e posição. se deixaram de existir ou se houve uma mudança na relação que permite a sua existência como uma conseqüência neces­ sária daquelas causas. Os dois elementos formadores de todos os corpos são: substância e forma. Vigésima quinta proposição-. esta depende da existência e da combinação destes dois componentes parciais. pois somente se estas causas existirem. na verdade. um corpo com movimento constante. Aristóteles. ora diferente.O GUIA DOS PERPLEXOS na seguinte proposição: ^4 matéria não se move p o r sua própria iniàativa — uma importante proposição que levou à investigação do Primeiro Mo­ tor (o primeiro agente de movimento). remonta à intenção de obter as várias coisas que originam aquela locomoção: uma mudança no estado de saúde. que é o Quinto Elemento. ou de axiomas ou teoremas com pratica­ mente a mesma força. apenas com o propósito de demonstrar nossa teoria. porque o seu movi­ mento não pode ser gerado nem destruído. Por esta razão. neste trabalho. . minha intenção não é copiar os livros dos filósofos ou explicar problemas difíceis. foram estabelecidas através de provas conclusivas. mas sim­ plesmente mencionar aquelas proposições que estão mais proximamente ligadas ao nosso assunto e são necessárias ao nosso propósito. O Tempo e o Movimento são eternos. De acordo com essa proposição. ele sustenta que o Céu não está submetido à gênese ou à destruição. As proposições acima. ora do mesmo tipo. por hipótese. Já destaquei que. no entanto. Cada uma dessas três causas coloca o ser vivo em movimento e cada uma delas é produzida por vários tipos de movimento. afirma que tudo o que é cria­ do deve. dessa forma. ter existido em estado potencial. alguma imagem ou uma nova idéia que possa produzir um desejo de buscar aquilo que conduza ao seu bem-estar ou de evitar o que lhe contraria. Aristóteles é compelido a assu­ mir que existe. Outras re­ querem muitos argumentos e proposições. cons­ tantes e têm existência de fato. assim como foi explicado por mim. antes de sua criação de fato. Aristóteles sustenta que ela é verdadeira e também mais aceitável do que qualquer outra teoria. A crença de que a locomoção do animal não é precedida de outro movimento não é verdade. sem­ pre em ato. Todas elas. em parte na Física (no livro Acroasis) e seus comentários e em parte no livro da Metafísica e seus comentários. após ter repousado. Destas vinte e cinco proposições apresentadas. No momento nós vamos admiti-la. algumas podem ser verificadas por meio de pouca reflexão e da aplicação de algumas pro­ posições passíveis de provas. é preciso acrescentar mais uma: a que enun­ cia que o universo é eterno. pois a causa para que o animal se mova. A proposição é a seguinte: Vigésima sexta proposição'. Também defende que todo movimento deve ser precedido de outro movimento. na opinião deles. irei agora tentar explicar o que pode ser inferido delas. Aristóteles se esforça constantemente em confirmar esta proposi­ ção. mas esta repete o movimento no seu caminho um número infinito de ve­ zes. como tampouco expor nossas dúvidas a respeito. por­ tanto. assim como ficou demonstrado pela décima terceira proposição. Isto somente pode ocorrer quando o movimento é circular. Eles assumem esta impossibilidade como um axioma. ele busca confirmar sua pro­ posição —a coisa que se move é finita e o seu caminho é finito. Eu desejo simplesmente mencionar aquelas pro­ posições de que iremos precisar para provar os três princípios expos­ tos acima. . No entanto. Eu. Nós não temos a intenção de explicar aqui as provas fornecidas por Aristóteles. impossível. portanto. mas elas podem suceder umas às outras infinitamente. os Mutakálemim tentam provar que a proposição não pode ser verdadeira. Pareceu-lhe ser a proposição mais provável e aceitável. penso que aquela proposição é admissível. totalmente estabelecida. Deduz-se. como os Mutakálemim dizem. mas não é demonstrativa como os comentaristas de Aristóteles afirmam. mas eu acredito que ele não considerou suas provas conclusivas. de fato. é impossível conceber como um núme­ ro infinito de coisas poderia vir a existir mesmo de forma sucessiva. nem. seus seguidores e os comentaristas de seus livros defendem que a pro­ posição não contém somente uma prova corroborável. nem enunciar nossas opiniões sobre a Criação do Universo. Por outro lado. citado e admitido estas proposições. que um número infinito de coisas não pode coexistir. no entanto. mas demons­ trativa e que foi. por outro lado. assim como. Havendo.INTRODUÇÃO Por inferências a partir dessa afirmativa. por sua forma. comum a quatro categorias (quarta proposi­ ção). sendo o termo mudança. e toda locomo­ ção acaba sendo um efeito indireto do movimento desta esfera. uma pedra é colocada em movimento por um bastão. Esta é. a mão. os nervos. e é conectado com aquela força através de uma corrente de movimentos intermediários. pelos músculos. a causa motivacional imediata. os tendões. que é o primeiro de uma série de tipos de movimentos {décima quarta proposição). o bas­ tão. A causa do movimento deste agente é encontrada na exis­ tência de outro motor. por exemplo. o de jogar uma pedra . ^4 Esfera Celeste (ou o Quinto Elemento) possui o movimento de locomoção. pelos tendões. e então pára. em um senso geral. pelos nervos. O movimento do Quinto Elemento é a fonte de toda força que move e prepara qualquer substância na terra para sua combinação com uma determinada forma. indubitavelmente. de sua espécie ou diferente. pela mão de um homem. Acredita­ mos que ela pode continuar até o Quinto Elemento. os músculos.Provas filosóficas para a existência. mas a ação desta causa imediata ocorre de acordo com um certo projeto. pelo calor natural do corpo e o calor do corpo. Esta série de mudanças não é infinita ( terceira proposição). por exemplo. incorporeidade e unicidade da Primeira Causa C A P ÍT U LO 1 OS AR G U M E N T O S FILOSÓFICOS Primeiro argumento filosófico : De acordo com a vigésima quinta proposição. deve existir um agente de movimento que move a substância de todas as coisas transitórias existentes e que deu a elas as condições para rece­ ber Forma. 3) uma força espalhada por toda a esfera. Se incorpóreo. 2) um ser incorpóreo. produzir um movimento infinito. O movimento do ar que causa o vento é feito do movimento da esfera celeste. que por ora admitimos. como é o caso do calor do fogo. como será explicado. sendo corpóreo. Isto é contrário à segunda proposição. de modo que cada parte dela inclua uma parte da força. será colocado em movimento por um sétimo elemento. atingindo-a com um bastão. deve ser mostrado que a causa última de toda gênese e destruição pode ser traçada pelo movimento da esfera. conse­ qüentemente. pois um objeto incorpóreo só pode ser descrito como residindo fora de um determinado corpo metaforicamente. Na segunda condição. igualmente. somente pode ser descrito como separado desta. 1) um corpo exterior à esfera.O GUIA DOS PERPLEXOS no buraco. não pode ser dito que o agente está fora da esfera. O primeiro caso. para fechar a fenda. desde que cada parte da esfera contenha parte da força (décima primeira proposição)-. deve se mover ao colocar outro obje­ to em movimento (nonaproposição). um destes quatro casos-. Mas o movimento da esfera deve. conseqüen­ temente. O agente que coloca a esfera em movimento deve ser. como é a alma e o intelecto (décima e déáma p ri­ meira proposições). 4) ou uma força indivisível (dentro da esfera). se o motor está fora da esfera. sua força será igualmente fini­ ta (décima segunda proposição). No primeiro caso. este deve ser corpóreo ou incorpóreo. Deduz-se daí que um número infinito de corpos iria ser necessário antes que a esfera pudesse ser posta em movimento. . pode ser demonstrado que a causa última de toda geração e destruição pode ser traçada até o movimento da esfera celeste.décima sétima proposição ) que resida fora da esfera ou dentro dela. se o agente reside dentro da esfera. ser movido por um agente (. a fim de que não penetre ali o vento que sopra. a última não poderá. Do mesmo modo. O agente de movimento. Sendo a esfera corporal e ne­ cessariamente finita [primeiraproposição). que supõe um agente de movimento da esfera como um corpo exterior a ela. como afirmamos na vigésima sexta proposição . separado desta esfera. que também deve se mover. De forma semelhante. ou uma força indivisível. 0 terceiro caso —o motor da esfera é uma força difundida por toda a esfera —é do mesmo modo impossível. deve ser ou uma força distribuída ao longo de toda a esfera. Assim que este sexto elemento igual­ mente se mover ao transmitir movimento a outro corpo. é impossível. um terceiro caso é impossível. o Primeiro Motor teria um movimento acidental {sexta proposição). Quando o homem (apre­ sento como exemplo) é movido por sua alma —que é sua forma — para subir a um aposento superior.3 no entanto. Con­ seqüentemente. acerca da eternidade do Universo. No entanto. situado em tal complexo. . o que aconteceria se este produzisse movimen­ to por iniciativa própria. par­ ticipa acidentalmente disso. portanto. enquanto a alma —a causa realmente eficiente do movimento — . M aim ô­ nides combate mais adiante (Maeso). Pois. não se movem continuamente. seu movimento é acidental e necessariamente se encaminha para um fim {oitava proposição ). Então. ainda que cada um te­ nha um elemento motivacional indivisível. 0 quarto caso é igualmente impossível —a esfera é posta em movi­ mento por uma força indivisível. ainda que indivisível. se encontra presente. não poderia se movimentar ad injinitum. A ação é causada pelo desejo do agra­ dável. o Primeiro Motor. o movimento daquele suposto Primeiro Motor deve obedecer a alguma causa que não faz parte das coisas compostas por dois elementos. o agente de movimento e o objeto movido. por aversão àquilo que é desagradável. O que se segue deve servir como uma ilus­ tração da natureza do movimento acidental. Os seres vivos. 3 No sentido de antagonista. não haverá movimento. cuja opinião. seu corpo se move diretamente. que resida dentro da esfera assim como a alma reside no corpo humano.PROVAS FILOSÓFICAS. na falta desta causa. Ao contrário. as coisas às quais a ação está ligada são separadas do motor. Se o motor da esfera celeste fosse desse tipo. o princípio do movimento. Porque esta força. e o movimento acidental da alma é descontinuado. Se esta causa. o que se move acidentalmente deve descansar {oitavaproposição ). a causa do movimento infinito. o corpo. Se fosse esse o caso. sustenta que as esferas se movimentam continuamente ad infinitim . Isso porque seu motor não move constantemente. não precisamente adversário: refere-se a Aristóteles. por si só. pelo deslocamento do corpo do centro da casa até o aposento superior. por alguma imagem ou por uma idéia —quando o ser móvel tem a capacidade de concebê-la. Quando alguma destas causas está presente então o motor ama. não pode ser. portanto quando algo é posto em movi­ mento também descansa. colocará o outro elemento em movimento. de opinião oposta. ou seja. Nosso oponente. vai descansar. a alma também muda de lugar. posto em movimento por este impulso. nenhum dos dois poderia existir. portanto. Três dos nossos postulados estão. o resultado da argumentação acima é o se­ guinte: 1) a esfera celeste não pode se mover ad infinitum por iniciativa própria. de qualquer forma que fosse. . separado daquela coisa. Fica. 2) o Primeiro Motor não é corpóreo nem uma força residindo em um corpo. não pode ser. Este Primeiro Motor da esfera celeste é Deus (Ben­ dito seja o Seu Nome!). sem o outro. quanto à existência do vinagre com mel e do mel sozinho. imutável. Segundo argumento filosófico: Os filósofos empregam outro argumen­ to. de acordo com a divisão acima. A hipótese de que existam dois deuses é inadmissível. Conseqüentemente. Logo após expor esta proposição. corporal nem residir em um corpo. ou seja. como por exemplo a matéria e a forma. e isto é de fato possível (décima terceira proposição). 3) é Um. o ou­ tro elemento também pode ter uma existência separada. portanto. pois seres absolutamente incorpóreos não podem ser contados (décima sexta p r o ­ posição). deve ser indivisível e imutável (sétima e quinta proposições). Pois se a natureza dos dois elementos fosse tal que eles apenas pudessem existir em conjunto. Concluímos. então. não pode se mover por inici­ ativa própria ou por acidente. a causa eficiente do movimento da esfera deveria ser. Assim. então o outro deve igualmente existir por si mesmo. se este é eterno e contínuo. provados pelos princi­ pais filósofos.-baseado na seguinte proposição de Aristóteles: “Caso se tenha uma coisa composta de dois elementos. demonstrado que a causa eficiente do movimento da esfera celeste. pois. pertinente ao segundo caso . e um deles sabe-se que existe por si mesmo. pois o movimento não pode ser predicado a Ele. e sua existência independe do tempo. que também o vinagre existe sozinho”. exceto por suas causas e efeitos. A relação de tempo não é aplicável a Deus (décima quinta proposição). de modo al­ gum. o fato de um dos elementos ter uma existência separada prova que os dois elementos não estão indissoluvelmente ligados. separado daquele composto.5» O GUIA DOS PERPLEXOS Se assim fosse. um ser incorpóreo e separado da esfera. O segundo também é inadmissível. Mas como nós vemos as coisas existirem e perce­ bemos a nós mesmos como seres existentes.. sua existência ou inexistência seria igualmente possível. os objetos põem outras coisas em movimento e. têm existência temporária. 3) algumas têm e outras não têm início e fim. é o último membro da série. todas as coisas seriam destruídas. então. mas sua existência seria necessária devido a uma força externa.encontramos muitos objetos compostos de um m otor e de um motum. posteriormente. Mas também vemos uma coisa que é movida. pois percebemos claramente objetos que vêm a existir e são subseqüentemente destruí­ dos. o qual. Aquela força seria. sem que ela mesma mova algo. deve existir também um ser eterno que não é sujeito à destruição e cuja existência seja real. o ser que possui existência . porque não haveria ser algum para produzir qualquer coisa. ao mesmo tempo em que fazem isto. Argumentou-se. em­ bora este o tenha formulado de uma forma diferente. Isto está claro em todos os elementos intermediários de uma série de coisas em movimento. devido às suas próprias propriedades. e então nada poderia existir. ao mesmo tempo. Sua argumenta­ ção é a seguinte: não há dúvida que muitas coisas existem de fato. eles mesmos são postos em movimento por outras coisas. que a existência deste ser é neces­ sária. é indivi­ sível. nada existiria (se todos os seres fossem transitórios). seja com relação a si mesmo ou a uma força externa. pois se tudo tivesse somente uma existência temporária.PROVAS FILOSÓFICAS. ou seja. 2) todas elas têm início e fim. Aristóteles continua: “. deveriam caminhar para um fim. quais sejam.” Terceiro argumento filosófico : Extraído das palavras de Aristóteles. Conseqüentemente. Em suma. um m otor deve existir sem ser. Somente pode haver três possibilidades: 1) nenhuma destas coisas tem início e fim. Todas as coisas. um motum. aquelas percebidas pelos sentidos. e aquilo que representa toda uma classe de coisas é necessariamente perma­ nente. ou seja. e este é o Primeiro Motor.. portanto. Conseqüentemente. não sendo sujeito ao movimento. indubitavelmente. incorpóreo e independente do tempo. O primeiro caso é evidentemente inadmissível. não somente possível. como foi exposto no argumento anterior. concluímos o seguinte: desde que há seres que. passam ao ato. um agente separado dela (décima oitava proposição). Não faria diferença se imaginássemos dois seres com propriedades semelhantes ou distintas. qualquer pluralidade (vigésima primeiraproposição ). mas em todo caso há. Fica agora claro que deve haver um ser com exis­ tência absolutamente independente. um cuja existência não pode ser atribuída a nenhuma causa externa e que não admite elementos dife­ rentes. ou seja. se. Q uarto argumento filosófico: Este também é um conhecido argumento filosófico. sejam elas transitó­ rias ou permanentes. E sabido que estamos constantemente vendo coisas que. Pode ser facilmente demonstrada a impossibilidade de que a exis­ tência absolutamente independente não pode ser atribuída a dois se­ res. Poderia se explicar de múltiplas ma­ neiras que a existência independente não pode se conciliar com o prin­ cípio do dualismo por uma série de motivos. que é o único mem­ bro de sua espécie e nunca depende de causa alguma. comum a ambos. Depois disso. a da existência independente. deve ser. e que um ser assim não inclui. nem discussão ou rejeição. Do que se conclui que não pode ser um corpo. Este ser. Ele não pode ser corpóreo nem uma força residindo em um corpo. ela mesma. ne­ nhum deles seria absolutamente independente devido a sua essência. a existência absolutamente independente seria uma propriedade adicionada à substância de ambos. que o agente também passou da potência para o ato. da potência. existe uma coisa que é o efeito de uma causa eterna e. Assim. portanto. E uma demonstração cuja correção não admite dúvida. A razão para tudo isso está. nem uma força residindo em um corpo (vigési­ ma segunda proposição). para a transição de uma coisa. exceto por aqueles que não têm conhecimento do método demonstrativo. eterna. Este ser é Deus. portan­ to. não tem nada em comum com os outros seres.6o O GUIA DOS PERPLEXOS absoluta (décima nona proposição). mas somente devido a uma certa propriedade. de modo algum. outrossim. Ele foi primeiro potencial. porque não poderia ser amante devido a alguns . cuja existência seja absolutamente independente e também a fonte da existência de todas as coisas. na absoluta simplicidade no nível mais alto de perfeição da essência deste ser. demonstrada a obrigatorie­ dade de haver um ser. pois. Está claro. como defende Aristóteles. sobretudo. nós diremos que qualquer coisa cuja existência é independente não deve sua existência a alguma causa (décima proposição ). Pois se fosse este o caso. Fica. por qualquer um destes métodos. pelo fato de serem deuses. é Deus. ambos consisdriam de elementos diferentes. O mesmo pode ser argumentado com respeito ao agente antes mencionado. que cria a relação ou remove o obstáculo. nós podería­ mos. Desde que Ele seja incorpóreo. nós devemos finalmente chegar a uma causa da transição de um objeto de um estado de potência àquele de ato. O elemento diferenciador poderia. um agente é novamente necessário para remover o obstáculo ou criar a relação. Tornou-se um agente amante assim que a relação tornou-se amai.PROVAS FILOSÓFICAS. há outro método correto para provar a Incorporeida­ de e a Unicidade de Deus: se houvesse dois deuses. Estabelecido isto. mas deve ser espiritual (vigésima quar­ ta proposição ). Outraprova da unicidade de Deus-. e outro elemento pelo qual seriam diferenciados um do outro e exisdriam como dois deuses. provar: a existência de Deus. Além disso. E o ser imaterial que nunca inclui possibilidade. não existiria de forma alguma (vigésima terceira propo­ sição)-. Mesmo que admitíssemos a Eternidade do Universo. caso o elemento diferenciador estivesse somente em um deles e fosse diferente do elemento comum a ambos. em ambos. cujas partes estão interligadas. que Ele é Um e Incorpóreo e não reside como uma força em um corpo. Tem sido demonstrado que o Universo inteiro é um corpo orgânico. na formação de outra parte deste corpo orgânico. e nenhum dos dois poderia ser a Primeira Causa ou teriam existência absolutamente independente. então o ser não poderia ter independência absoluta. que seja constante e não admita potência de qualquer tipo. e que as influências das esferas acima impregnam toda a substância terrestre e a prepara para suas formas. segue-se que Ele é Um {déci­ ma sexta proposição ). como tem sido demonstrado. mas existe em ato por sua própria essência. obstáculos contidos nele ou devido à falta de uma certa relação entre ele e o objeto de sua ação. a existência de ambos dependeria de certas causas (décima nona proposição) ou. ser diferente da propriedade comum aos dois —neste caso. esta não pode ser corpórea. é impossível considerar que uma deidade esteja engajada na formação de uma parte e outra deidade. cujas partes estão tão estreitamente . Esta série de causas não pode seguir ad infinitum . pois se a sua essência incluísse alguma possibili­ dade de existência. seria obrigatório que possuíssem algo em comum. Seja qual for o caso. Po­ rém. Nada existe de potencial na essência desta causa. como tampouco é a causa imediata de tal ação —mas a união é a causa imediata. deve haver então outra causa (entre estas deidades) que (por um certo tempo) permita a uma agir e não permita à outra. conjuntamente. não fará diferença se assumirmos que a Primeira Causa produziu o Universo pela Creatio ex nihilo ou se o Universo coexistiu com a Primeira Causa. assim como no primeiro caso. se. é absurdo. Então fica claro como po­ demos provar. sempre que uma determinada ação só pode se realizar por um conjunto de forças. tudo sendo feito somente pelas duas juntas.O GUIA DOS PERPLEXOS interligadas. Enfim. have­ ria na essência de cada uma das duas uma possibilidade (de existência). ela é indubitavelmente Deus. nenhuma destas forças age por iniciativa própria. se isto tam­ bém consiste de um número de forças separadas. Cada uma das duas passaria da potência ao ato. Com efeito. a outra pudesse também estar ativa. Já se demonstrou que a ação do Absoluto não pode se dar devido a uma causa (externa). Pois bem. Uma dualidade não pode ser imaginada desta forma. quando sua atuação estivesse conectada a ele. quer uma deidade esteja ativa por um tempo e a outra por outro tempo. supor que ambas. operam sempre em tudo quanto se realiza no Universo. remonta a um e ao mesmo todo orgânico. Esta diferença não poderia ser causada pelo tempo. do fato de que este Universo é um todo. uma causa é neces­ sária para a combinação destas forças. Outro argumento para estabelecer a incorporeidade de Deus: 1) todo corpo é composto de matéria e forma (vigésima segunda p r o ­ posição)-. E assim se chegará necessariamente a um ser único. A primeira alternativa é absurda por vários motivos: se. E se há esta causa. de maneira que ambas necessitariam de um agente para esta transição. pois o tem­ po é imutável e o objeto da ação. a Unicidade de Deus. Além disso. . for impossível para uma deidade agir enquanto a outra está trabalhando. ao atuar. do mesmo modo. quer ambas atuem simultaneamente. de maneira que uma não atue sem a outra. não haveria razão por que uma poderia agir e a outra não. A união é também um ato que pressupõe uma causa que leve a esta união. no tempo em que uma deidade esteja ativa. por outro lado. que é um todo. Porém. causa da existên­ cia do Universo. •2) toda composição destes dois elementos requer um agente para efetuar a combinação. cada uma das duas se incluiria dentro do tempo. No entanto. pois um corpo só pode ser definido como um corpo determinado quando o elemento dife­ renciador é acrescido ao substratum corpóreo e deve. assim. . já ficou demonstrado que o Absoluto nunca admite dualismo. Portanto. portanto. iremos expor nosso próprio método. Como con­ seqüência. como havíamos prometido. indubitavelmente sujeito a acidentes. Agora que já discutimos estas provas. Logo. seja porque tudo o que é corpóreo é divisível ou porque é uma composição.PROVAS FILOSÓFICAS. Um corpo é. incluir dois elementos. pode ser logicamente dividido em dois elementos. não pode ser uma unicidade. é evidente que um corpo é divisível e tem dimensões. a esfera celeste. de acordo com as proposi­ ções precedentes. desta forma. Veja claramente que a existência de Deus —ser necessário. pois tudo quanto existe após a inexistência pressupõe um agente. conforme expusemos no terceiro argumento filosófico 4 (sobre a existência de Deus) e. ou eterno. como dissemos. como afirma o opo­ nente. é Deus (Bendito seja o Seu nome!). que o agente deste movimento perdurável não é um corpo. provado que Ele é um e incorpóreo . mesmo sem qualquer referência à teo­ ria da Criação ou à Eternidade do Universo. com movimento perpé­ tuo e eterno. tem que ser necessariamente transitório. nem força em um corpo. se esta esfera não cessou nem cessará de se mover. Fica. assim como o movimento. segue-se necessariamente. Se as esferas são transitórias. . carente de causa e cuja existência está por si isenta de toda possibilidade —demons­ tra-se com provas diretas e certas. Todavia. também. em 4 Vide capítulo 1 (NT). sendo absurdo considerar que a coisa gerou a si mesma. pois a demonstração de sua unicidade e incorporeidade é comprovada.Sobre as Esferas Celestes e as Inteligências Puras ou Separadas CA P ÍT U LO 2 SOBRE A EXISTÊNCIA D A S INTELIGÊNCIAS PU R A S OU SERES PURAM ENTE ESPIRITUAIS Este Quinto 'Elemento. seja o mundo Creatio ex nihilo a partir da inexistência ou não. então Deus é o seu Criador. ou seja. pela introdução deste Tratado. já que os livros sobre esses assuntos são suficientes e. Terminado este assun­ to.66 O GUIA DOS PERPLEXOS nossa descrição subseqüente dos métodos dos filósofos em provar a incorporeidade e unicidade de Deus. à existência dos anjos. esclarecer os pontos obscuros da Bíblia e expor explicitamente o verdadeiro sentido de seus fundamentos. quando me referir à existên­ cia e ao número de Inteligências Separadas ou das esferas. não pense que eu abrigue o propósito de investigar acerca de algum ponto filosófico. antes de tudo. Tampouco foi minha intenção resumir e compendiar a disposição das esferas celestes ou dar a conhecer o seu número. dado que nossas provas mais sólidas a esse respeito somente serão válidas e claras depois de bem entendida a teoria da existência das Inteligências Separadas e de apresentadas suas provas. voltarei ã prometida argumentação sobre a Creatio ex nihilo. Minha única intenção é trazer à memória o que possa elucidar certas obscuridades da Lei. en­ cobertos à inteligência do povo. que seu objetivo aponta para a explanação do delato da Criação — M aassêBereshít (Gênesis 1 a 3) e do delato da Carruagem Divina — M aassêM erkavá (Ezequiel 1) e.' para que algumas dificuldades sobre o conhecimento deste assunto desapareçam. aqui. ou demonstrar o que já está demonstrado. para a elucidação de questões a respeito da Profecia 5 A Lei: refere-se à Torá ou à Palavra de Deus descrita na Bíblia. ou então ao sentido da Manifestação Divina ou coisas seme­ lhantes. o que eu poderia acrescentar não valeria mais do que o já dito. Observação prelim inar: É importante saber que não é meu propósito neste Tratado ocupar-me das ciências naturais. pois estas matérias têm sido expostas em nu­ merosos livros e a maior parte comprovada. Você já sabe. nem elucidar as ques­ tões da metafísica. também. segundo certos sistemas. tanto dos capítulos anteriores quanto dos posteriores. mostrare­ mos os segredos de todo este tema. . de modo a demonstrar explicitamente sua concordância com os princípios de nossa religião. segundo a tradição judaica (NT). Mas. Por isso. Parece-me conveniente completar as teorias dos filósofos expondo suas provas acerca da existência das Inteligências Separadas. bem como às causas de seus movimentos ou ao verdadeiro conceito da matéria e da forma. se não o foram em alguma dessas matérias. Meu objetivo no presente Tratado é aquele indi­ cado na Introdução. Refiro-me. voltaremos ao tema que começa­ mos a tratar. um assunto relacionado à Matemática. Sempre que. ou apresentado simplesmente como o mais prová­ vel ou. seja na Metafísica. ainda. eu abordar a explicação de um ponto já demonstrado. A partir desta observação prévia. com respeito a sua interpretação esotérica. menciono. . e do conhecimento de Deus. Por isso. seja nas Ciências Naturais. explico e demonstro o ponto em questão como útil para a compreensão dos relatos da Carruagem Divina ou da Criação ou para a exposição de algum princípio relacionado à Profecia ou à crença em quaisquer das verdades ensinadas na Bíblia. em um capítulo. saiba que este ponto é a chave imprescindível para se compreender algum aspecto dos Livros dos Profetas.SOBRE AS ESFERAS CELESTES. . entre as opiniões que podem ser enunciadas. Por este motivo exporei as ditas te­ orias e provas. parece ser o mesmo que menciona Casiri com o título De rerum creatorum principiis e cuja tradução árabe se encontra no manuscrito árabe DCCXCIC de El Escoriai.1. como afirma Alexandre (de Afrodisia) no livro intitu­ lado ^4 Origem do Universo.6 Inclui máximas idênticas àquelas ensinadas na Bíblia. 242” (Munk). sobretudo segundo as interpretações midráshicas genuínas mais famosas. Ainda que se tratem de hipóteses indemonstráveis. p.SOBRE AS ESFERAS CELESTES. Hisp. são.. 6p C A P ÍT U LO 3 SOBRE A HIPÓTESE DE ARISTÓ TELES A C E R C A D A S C A U S A S DOS M O VIM EN TO S D A S ESFERAS CELESTES A teoria formulada por Aristóteles acerca das causas dos movimentos das esferas celestes levou-o a assumir a existência das Inteligências Separadas. selecionando as coincidentes com a Torá e com a dou­ trina dos nossos Sábios. Vide Casiri. . não obstante. Bibliotheca ar. conforme demonstrarei. não conservado em grego. 1. as menos ex­ postas a dúvida. 6 “O tratado de Alexandre de Afrodisia. uma alma. 72 (Maeso). entendo 7 Vide Primeira Parte. Pois aquilo que possui tal impulsão natural somente é movido pelo princípio que possui em si mesmo quando se encontra fora de seu lugar e tende a voltar a ele. para cima. isto seja consi­ derado ininteligível. passa a descansar. para baixo. Seria absurdo considerar que o princípio do movi­ mento circular das esferas fosse semelhante ao movimento retilíneo de uma pedra. trata-se de uma alma como a do homem. há aqueles para quem. Não obstante. pois todo ser animado se põe em movimento por instinto ou pela ra%ão.7 No entanto. de tal maneira que fosse uma propriedade natural e não uma alma. com toda segu­ rança. aqui.SOBRE AS ESFERAS CELESTES. 71 CAPÍTULO 4 AS ESFERAS CELESTES E AS CAUSAS DO SEU MOVIMENTO A simples reflexão evidencia que a esfera celeste está dotada de alma. do asno ou do touro. Não é este o sentido. e é. Assim que chega lá. dentro de sua órbita. e não é porque está dota­ da de alma que tem de se mover assim. ou do fogo. . mas sim que sua locomoção indica que ela possui em si. a esfera celeste move-se em círculos. indubitavel­ mente. à primeira vista. um princípio por meio do qual se move. cap. ou seja rechaçado de pronto. imaginando que quando consideramos as esferas como dotadas de alma. Por instinto. não impor­ tando se o agente motor é externo. pela qual possa se mover. Fica claro. não ne­ cessita de movimento. Este ideal é somente no sentido estrito da palavra. como. de Aristóteles. é o movi­ mento mais simples de um corpo e não permite nenhuma mudança na essência da esfera nem nos resultados benéficos de seu movimento. já que o ponto para o qual converge é o da partida. ao chegar a sua meta. que nem a alma. sedento. Você mesmo reconhecerá que concebe muitas coisas pelas quais pode­ ria se mover e. Segue-se daqui. são suficientes para originar o movimento se não hou­ ver o desejo pelo objeto. desta forma. todo aquele que possui intelecto. Todavia. . então a esfera celeste é um ser dotado de intelecto. Pois bem. portanto. é Deus (Bendito seja!). pois as esferas desejam se tornar semelhantes ao com­ preendido por elas como ideal. permaneceria em re­ pouso. ao se mover para buscar ou para evitar algo. dado que o animal é impulsionado. O GUIA DOS PERPLEXOS como a tendência ao conveniente ou a fuga ao repulsivo. por si só. fonte das idéias. se uma idéia somen­ te é factível em seres dotados de intelecto. A ação circu­ lar de uma esfera somente pode se efetuar em virtude de uma idéia determinante para que se mova assim. esta é a única ação de seres corpóreos que pode ser perpétua. isto é impossível. dado que esta. ocorre­ ria necessariamente que. mas constante na produção de tudo o que é bom. que a esfera celeste possui desejo por um ideal tal como ela o compreende e que este ideal. Além disso. realiza isso por obra da mera representação mental. Para a esfera. por meio do qual con­ ceba uma idéia. por exemplo. porque sua ação é o movimento circular e nada mais. nem o intelecto. fonte do movimento. Não faz diferença se o motivo realmente existe ou se é fruto de sua imaginação. dirige-se ao local onde está a água. a esfera celeste não se move porque seu propósito é fugir do prejudicial ou aproximar-se do benéfico. quando o animal foge do calor solar e. pelo qual anseia. pela repulsa ao nocivo e tendência ao conveniente. E neste sentido que se afirma que Deus move as esferas celestes. caso seu movimento tivesse tal objetivo. não se move de modo algum até que não lhe sobrevenha um desejo impulsivo em direção ao objeto representa­ do.72. como corpo. sem dúvida. portanto. não sujeito à mudança ou alteração de qualquer tipo. Isto já foi exposto na Metafísica . posto que. o movimento resultaria inútil. Somente então se mobiliza para a consecução do planejado. e uma alma. Pois bem. sem jamais poder alcançá-lo. a fonte do intelecto deve ser Inteligência Pura. investigou o tema poste­ riormente e descobriu. ele afirma somente que são tantas quantas são as esferas. voltemos ao tema. Aristóteles disse que. o número de ideais seria igualmente de cinqüenta. precisava-se de uma esfera em separado. Há no total nove esferas: a esfera circundante universal. A relação deste com os elementos e seus componentes é análoga à das . sua declinação e os lugares de seu nascimen­ to e ocaso.SOBRE AS ESFERAS CELESTES. vistos no círculo do horizonte. ainda que algumas delas contenham numerosas órbitas. Nem Aristóteles nem qual­ quer outro pensador decidiu se o número destes ideais é dez ou cem. se isso fosse verdade. o caso da mudança na longitude de um astro. cuja existên­ cia está demonstrada pela transição. faz o cofre passar da forma potencial à existência. porque contaram as esferas que têm astros e a esfera cir­ cundante. ao traba­ lhar na madeira. por inferência. Portanto. naturalmente. neste caso. Em seu tempo os conhecimentos matemáticos eram escassos e. como alguns de seus contemporâneos sustentavam que o número de esferas era cinqüenta. mas diferem entre si em velocidade e direção. logo. Aristóteles. Pois bem. pois ignoravam que a inclinação de uma só esfera origina muitos movimentos visíveis. Mas como este não é nosso objetivo no momento. todavia. Ele argumenta que o ideal compreendido por uma esfera que completa seu circuito em um dia é diferente. do de outra esfera que efetua seu circuito completo em trinta anos. e o desejo é a causa de seu movimento individual. a dos astros fixos e as dos sete planetas. e é esta forma na mente do artífice que. por parte do nosso intelecto. o ideal coloca a esfera em movimento. para cada movimento. Com efeito. mas sim porque tem em sua men­ te a forma do cofre. Daí con­ clui categoricamente que existem tantos ideais quantas são as esferas e que cada esfera tem um desejo por aquele ideal. o artífice não fabrica um cofre por ser um artífice. E o que transmite forma à matéria deve ser forma pura. Acreditava-se que. de fato. o Intelecto Ativo. fonte de sua existên­ cia. Pois tudo quanto passa da potência ao ato neces­ sita de um agente externo do mesmo tipo. como. Os filósofos modernos têm afirmado que as Inteligências Separa­ das são dez. que as esferas são muitas e que todas se movimentam em círculos. da potência ao ato. ao chegar a estes resultados. Nove Inteligências Separadas correspondem às nove esferas e a Décima Inteligência é o Intelecto Ativo. e pela mesma transição no caso das formas de todos os seres transitórios. imperfeitos. por exemplo. capazes de compreender totalmente os princípios de suas existências. e estes formam o elemento intermediador entre Ele e este mundo material. este é posto em ação através do movimento das esferas. e que. Nos capítulos seguintes vou expor quanto os ensinamentos da Bí­ blia estão em harmonia com estes pontos de vista e o quanto deles diferem. Aristóteles depois inferiu o que já foi explicado: Deus não ama por contato direto. o último na série de Seres Puramente Espirituais. Pois bem. e seus argumentos a res­ peito têm sido expostos. Assim. e assim sucessivamente. conseqüentemente. originados na Inteligência Separada correspondente a cada esfera ce­ leste. formar uma idéia dela e se movimentar no sen­ tido de se tornar semelhante a ela. cada uma na sua vez. segundo ele (Aristóteles). dois elementos e. . que é a propriedade de ser um agente de movimento de uma esfera. Cada uma das Dez Inteligências inclui. pelas Inteligências Separadas. que é o agente de movimento da primeira esfera. A Inteligência que mobili­ zou a segunda esfera tem como causa e princípio a Primeira Inteligên­ cia. que Deus criou a Primeira Inteligência. como os Seres Puramente Espirituais não diferem em sua essência. Em suma. de maneira que a inteligência que põe em movimento a esfera mais próxima à Terra é a fonte e a origem do Intelecto Ativo. deduz-se. pois há um ele­ mento comum a todas as Inteligências. A série de corpos materiais começa. e estas. da mesma forma. e suas ações por influência direta são. existem Seres Puramente Espirituais (Inteligências Separadas) incorpóreos. de forma semelhante. nem são de modo algum suscetíveis de numeração quanto a sua diversidade. a causa do movimento das esferas. ele acredita que: as esferas são seres dotados de alma e intelecto. outro ser deve ser a Primeira Causa. nas obras da Escola Aristotéüca. cuja existência é derivada de Deus. pela esfera superior e termina pelos elementos e seus componentes. Esta é a teoria e a opinião de Aristóteles. quando Ele destrói tudo pelo fogo. portanto. E o nosso intelec­ to em ação —originado no Intelecto Ativo e que nos permite compre­ endê-lo —encontra paralelo nos intelectos de cada uma das esferas. que estão em volta Dele. A Inteligên­ cia que move a esfera superior não é o Ser Absoluto. Estas são idênticas aos anjos.74 O GUIA DOS PERPLEXOS Inteligências Separadas junto às respectivas esferas. conseqüentemente. e há outro elemento pelo qual cada uma é distinta das demais. possibilita à esfera compreender a sua Inteligência Separada. enquanto podem sê-lo. isto é. sem palavras de lábios ou lín­ gua. Louvando-o e Elogiando-o em alto grau: “Os Céus declaram a Glória de Deus” (Salmo 19:2). louvando a Deus e anunciando Suas maravilhas. quando usados juntos. capazes de compreender as coisas. não são ouvidas suas vozes” (Salmo 19:4). Em outras palavras.SOBRE AS ESFERAS CELESTES. mas são as idéias que formam o verdadeiro louvor. A razão pela qual ele dá expressão a estas idéias está no seu desejo em comunicá-las aos outros ou de se . o que as esferas fazem de fato. referem-se a seres dotados de inteligência. mas sim —como asseguram os filósofos —dotados de vida. pode ser inferido melhor das palavras: “Não há fala e não há palavras. corpos inanimados como o fogo e a terra. e não o que o Homem pensa sobre elas. é isto o que o Salmista realmente quer dizer ao descrever a própria ação celeste. obedientes a seu Senhor. pois os verbos higníd (declarar) e sipêr (narrar). É um grande erro pensar que esta é somente uma figura de linguagem. em hebraico. Quando o ser humano louva a Deus com palavras pronuncia­ das. descreve apenas as idéias que ele concebeu. Não são. está claro e manifesto que se refere a elas mesmas. CAPÍTULO 5 CONCORDÂNCIA DA TEORIA DE ARISTÓTELES COM OS ENSINAMENTOS DA BÍBLIA A Bíblia sustenta a teoria de que as esferas celestes são dotadas de alma e intelecto. como acreditam os ignorantes. Assim. a propósito das seguintes pas­ sagens: “E os exércitos dos Céus se prostram ante Ti” (Neemias 9:6) e “Em um único clamor os astros da manhã e os aplausos de todos os filhos de Deus” (Jó 38:7).. como se dissesse: ‘Eu e os Céus fomos criados junta­ mente. nossos Sábios se expressam assim: “As palavras'Tôhu e Vôhu significam lamentava-se e chorava . Isto foi. Aqui. não vejo necessidade de explicação nem de prova. está de acordo com as palavras de nossos profetas. Bênção da Lua: Bircát Há-Levaná (NT).1 0 e que estas compreendem e têm conhecimento das coisas que as influenciam. A opinião de Aristóteles. a Terra se lamentava e chorava por sua má sorte. O que quer dizer: Deus mostrou que os astros existem para serem os intermediários no governo de Suas cri­ aturas.O GUIA DOS PERPLEXOS certificar de que foi ele mesmo quem as concebeu. E m BereshitKabá. portanto. por meio deste comentário. teólogos ou Sábios. Os filósofos concordaram posterior­ mente com o fato de que este mundo inferior é governado por influ­ ências que emanam das esferas celestes. va-Vôhu” —“E a Terra estava va^ja e sem form a” (Gê­ nesis 1:2). conforme expusemos. 64.8 Somente pessoas ignorantes ou obstinadas poderiam recusar-se a admitir esta prova obtida da Bíblia. não para serem objetos de adoração por parte do Homem. .) que separou YHVH Teu Deus a eles. e no entanto os seres acima vivem para sempre e nós somos mortais’”.. de que as esferas são capazes de com­ preensão e concepção. deixado bem claro na passagem: “E para governar (Limshól) de dia e de noite” (Gênesis 1:18). De acordo com a opinião dos nossos Sábios.” (Salmo 4:5). e silenciem. cap. Considere tão somente a forma que eles deram à benção recitada ao se ver a Lua Nova9 e as idéias recorrentes nas orações e comentários midráshicos. Nossos Sábios. 72. indicam sua crença de que as esferas são seres dotados de alma e não de matéria inanimada como os elementos. Por isso é dito a este respeito: “Reflitam em seus corações quando estiverem em seus leitos. Esta teoria tam­ bém é encontrada na Bíblia: [os astros —todo o exército dos Céus] “(. para todos os povos sob os Céus” (Deuteronômio 4:19). cap. o sentido do termo 8 9 10 Vide Primeira Parte. Vide Primeira Parte. sobre a passagem: “ Ve-háA ret ^ haitáüòYm. SOBRE AS ESFERAS CELESTES. se tom -à im os governar n o seu sentido próprio. é uma idéia complementar à de oferecer lu ^ e trevas — estas últimas. Acrescen­ taremos outro capítulo a este assunto. tal como é esclarecido nas palavras: “separar a luz das trevas” (Gênesis 1:18). É impossível supor que quem governa algo seja ignorante das coisas que governa. Governo ('Memsbalá) refere-se ao poder que as esferas possuem de go­ vernar a Terra. causas diretas da geração e da destruição. . mas a frase Hlohê há-TLlohím (Juiz dos Juizes) refere-se ao Deus dos anjos e. cap. vosso Deus”. incluindo mestres e servos. ao Deus das esferas e dos astros. onde o fato é freqüentemente mencionado. pois estes estão em um nível inferior ao dos corpos celesdais. ESPECIALMENTE A DE INTELIGÊNCIAS SEPARADAS Com respeito à existência dos anjos. 79 CAPÍTULO 6 O QUE SE ENTENDE PELO TERMO MALÁCH (ANJO) E SUAS ACEPÇÕES. pois não seria elogio ou honra a Deus fazê-lo superior por meio de uma pedra. não se referem a juizes humanos ou mestres. 2. Quando está escrito: “Eu sou YHVH. portanto. Aplica-se metaforicamente aos anjos e também a Deus. muito menos se referem à Humanidade em geral. é desnecessário citar provas da Bíblia. ou a objetos de pedra e madeira adorados por alguns como deuses. como Juiz acima dos anjos. que são os senhores de todas as demais criaturas corpóreas. Estas frases. O termo TLlohím significa Jui\esn como em: “A causa de ambas as partes deve ser leva­ da diante dos ju iz es” (Exodo 22:8). Os nomes Hlohím (Juizes) tA doním (Se­ nhores). madeira ou pedaço de metal. o pronome vosso se refere a toda a Humanidade. em A donê há-Adoním (Senhor dos Se­ nhores).SOBRE AS ESFERAS CELESTES. nestas frases. não 11 Vide Primeira Parte. . O GUIA DOS PERPLEXOS admitem outra interpretação além desta: Deus é o Juiz dos Juizes, isto é, o Senhor dos anjos e o Senhor das esferas celestes. Já dedicamos anteriormente um capítulo para demonstrar que os anjos são incorpóreos, com o que também concorda Aristóteles. Há apenas uma diferença nos nomes empregados: ele denomina Inteligên­ cias Separadas ao que nós chamamos Anjos, Sua teoria é a de que as Inteligências Separadas são seres intermediários entre a Primeira Causa e as coisas existentes, e produzem o movimento das esferas, de cujo movimento depende a existência de todas as coisas. Esta é a visão também encontrada em toda a Bíblia, na qual toda ação de Deus é descrita como tendo sido realizada por Malacbím (Anjos). Mas anjo sig­ nifica mensageiro. Portanto, todo aquele que é imbuído de uma certa missão é um anjo. Mesmo os movimentos do animal irracional são, às vezes, semelhantes à ação de um anjo, quando estes movimentos ser­ vem ao propósito de Deus, que nele pôs uma força executora de tal movimento. Por exemplo, quando Daniel afirma: “Meu Deus enviou o seu anjo, que fechou a boca dos leões, e não me atacaram” (Daniel 6:22). Outro exemplo está nos movimentos do asno de Bilám, descri­ tos como causados por um anjo. Até mesmo os elementos recebem igualmente a denominação de malachím (anjos ou mensageiros), como acon­ tece em: “Que faz Seus anjos (malacháv) os ventos, Seus ministros o fogo flamejante” (Salmo 104:4). Não há dúvidas de que a palavra anjo é usada como: 1) um mensageiro entre os homens, por exemplo: “E Enviou Jacob anjos/mensageiros ('malachímj à sua frente” (Gênesis 32:4); 2) um Profeta, por exemplo: “Subiu o anjo/Profeta de YHVH de Guilgál a Bochínf' (Juizes 2:1), “e enviou um anjo/Profeta (malách), e nos tirou do Egito” (Números 20:16); 3) ideais percebidos pelos Profetas em visões proféticas; 4) faculdades anímicas nos homens, conforme explicaremos mais adiante. Quando afirmamos que a Bíblia ensina que Deus governa este mundo por meio dos anjos, queremos dizer que estes anjos são idênti­ cos às Inteligências Separadas. Em algumas passagens, utiliza-se o plural em referência a Deus, como em: “Façamos o Homem à Nossa Ima­ gem” (Gênesis 1:26), ou “Vamos, desçamos e confundamos ali a sua língua” (Gênesis 11:7). Nossos Sábios explicam isso do seguinte modo: SOBRE AS ESFERAS CELESTES. Deus não faz nada antes de contemplara Família Superior. A expressão contemplar é surpreendente, pois é a mesma utilizada por Platão ao dizer que “Deus contemplou o Mundo das Idéias, e então produziu os seres existentes”. Em certas passagens nossos Sábios declaram de forma decidida: “Deus não faz nada sem consultar a Família Superior” (a palavra fam ília significa exêráto em grego). Sobre as palavras: “o que Eles já fizeram” (Eclesiastes 2:12), o seguinte comentário é feito no Talmúd, no Beresblt Rxibá e no Midrásb Kohélet-. “Não se diz ‘O que Ele tem feito’, mas sim ‘o que Eles têm feito’”, do que se conclui que Ele e Seu tribunal deliberam com respeito a cada um dos membros da hu­ manidade antes de colocar a cada um deles no seu lugar, conforme se diz: “Ele, teu pai, te assumiu, Ele te fez e te preparou” (Deuteronômio 32:6). O Bereshít Rabá explica que, onde quer que o termo e (Deus) ocorra na Bíblia, entenda-se E le e Seu tribunal. Em todos estes textos não se insinua que Ele fale, delibere, exa­ mine ou consulte com o propósito de se servir da opinião alheia, como acreditam os ignorantes. Como Deus poderia ser ajudado por aqueles a quem Ele criou! Tudo isto somente mostra que todas as partes do Universo, mesmo os membros do Reino Animal em sua forma atual, foram feitos por meio dos anjos, já que forças naturais e anjos são idênticos. Quão ruim e injuriosa é a cegueira da ignorância! Se você diz a uma destas pessoas, que afirma pertencer aos Sábios de Israel, que Deus envia Seu anjo para formar o feto no útero da mu­ lher, ele ficará satisfeito com o resultado, acreditará e até considerará como uma manifestação do Poder e Sabedoria Divina. Ao mesmo tempo, ele acredita que o anjo consiste de fogo ardente e que seu tamanho se iguala a um terço do universo inteiro e considera isto possível, como um milagre divino. Mas diga-lhe que Deus pôs no sêmen uma força formativa que modela e estrutura os membros de uma espécie, e que esta força é chamada de anjo , ou que esta força é o resultado da influência do Intelecto A tivo e este é um anjo e o Príncipe do Mundo, de quem tanto falam nossos Sábios, ele não acreditará, porque é incapaz de compreender o sentido dessa autêntica grandeza e poderio das forças criativas, amando em um corpo sem serem per­ cebidas pelos sentidos. Os Sábios já esclareceram, para quem é inteli­ gente, que cada uma das forças que residem em um corpo são forças ativas no Universo —são anjos. A teoria de que cada força ama somente de um determinado modo é expressa no Bereshít Rabá (cap. 1), em que lemos: “Um anjo não faz O GUIA DOS PERPLEXOS duas coisas, e dois anjos não fazem uma”. Esta é exatamente a proprie­ dade destas forças. Podemos encontrar a confirmação de que as forças naturais e psíquicas de um indivíduo denominam-se anjos, como fre­ qüentemente dizem nossos Sábios, originalmente no Bereshít Rabá (cap. 78): “Todos os dias Deus cria uma legião de anjos; eles cantam para Ele e desaparecem”. Quando, em objeção a esta posição, outras posi­ ções afirmam que os anjos são eternos —e, com efeito, reiteradamente tem-se explicado que eles vivem permanentemente —a resposta é que uns são permanentes e outros, perecíveis. E esta é a realidade, pois as forças individuais são transitórias, enquanto as das espécies correspon­ dentes são permanentes e imperecíveis. Novamente, lemos (em BereshitRabá, cap. 85), referindo-se à relação entre Judá e Tamar: “Rabi Yochanán disse que Judá quis prosseguir (sem ver Tamar), mas Deus colocou diante dele um anjo da cobiça, quer dizer, da disposição libidi­ nosa, para apresentar-se a ele”. Esta disposição humana é chamada aqui de anjo. Do mesmo modo, encontramos freqüentemente a frase: “um anjo designado para isto ou aquilo”. No Midrásb Kohélet (sobre Eclesiastes 10:7)1 2 está escrito: “Enquanto o homem dorme, sua alma conversa com o anjo, e este com o querubim”. O leitor inteligente encontrará aqui uma afirmação clara de que a faculdade imaginativa também se chama anjo e o intelecto, querubim. Quão belo isto deve parecer para aqueles que entendem e quão absurdo para os ignorantes! Já fizemos constar que as formas com as quais os anjos aparecem fazem parte da Visão Profética. Alguns Profetas vêem os anjos como se fossem seres humanos, por exemplo: “E eis que três homens (anashím ) estavam parados à sua frente” (Gênesis 18:2). Outros percebem um anjo como um ser temeroso e terrível, como em: “E o seu aspecto era como o aspecto de um anjo (malách) de Deus muito terrível” (Juizes 13:6). Outros, ainda, os vêem como fogo, por exemplo: “Apareceu-lhe o anjo (malách) de YHVH em uma chama de fogo” (Êxodo 3:2). Em Bereshit Rabá (cap.l), há o seguinte comentário: “A Abrahão, cujo po­ der profético era fantástico, os anjos apareceram na forma de homens; para Lot, cujo poder era deficiente, apareceram como anjos”. Há aqui um princípio importante da Profecia que será melhor discutido quan­ do tratarmos do tema (cap. 32). Em outra passagem do Bereshit Rabá 12 Eclesiastes 10:7: “Vi escravos sobre cavalos e príncipes caminhando como escravos sobre a nação” (NT). SOBRE AS ESFERAS CELESTES. (;ibid..) se afirma: “Antes de os anjos cumprirem suas missões, eram chamados homens; depois de realizadas, eram anjos”. Considere como eles dizem claramente que o termo anjo não significa mais do que uma determinada ação, e que toda aparição de um anjo é parte de uma visão Profética, dependendo da capacidade da pessoa que o percebe. Naquilo que Aristóteles deixou dito sobre o particular, tampouco há algo contraditório com a Bíblia. A grande diferença entre ele e nós é que ele acredita que todas estas coisas são eternas, coexistentes com a Primeira Causa como seu agente necessário, e nós acreditamos que elas tiveram um início, que Deus criou as Inteligências Separadas e deu às esferas celestes a capacidade de buscarem ser como elas. Ao criar as Inteligênúas e as esferas, Ele as dotou de capacidade para governar. Neste ponto discordamos dele. No decurso deste Tratado iremos tratar de sua teoria, bem como da teoria da Creatio ex nihilo, ensinada na Bíblia. SOBRE AS ESFERAS CELESTES. C A P ÍT U L O 7 A POLIVALÊNCIA DO TERMO M ALÁCH (ANJO) Já foi explicado que o termo Malácb é um termo polivalente que com­ preende as Inteligências Separadas, as esferas e os elementos, pois todos eles executam o Comando Divino. Mas não pense que as In­ teligências e as esferas são como outras forças que residem nos corpos e que atuam segundo as leis da natureza, inconscientes do que fazem. As Inteligências Separadas e as esferas são conscientes de suas ações e escolhem por livre arbítrio os objetos de sua in­ fluência, embora não do mesmo modo como nós exercemos o livre arbítrio e o governo sobre outras coisas que dizem respeito somen­ te a seres temporários. Adotei esta teoria devido a algumas passagens na Bíblia. Quando um anjo diz a Lot: “porque não poderei fazer nada (...)” (Gênesis 19:22) e, ao liberá-lo, o anjo diz: “Veja, atenderei a teu pedido” (Gê­ nesis 19:21). Novamente: “Guarda-te diante dele e escuta sua voz, não te rebeles contra ele, porque não perdoará vossos delitos, por­ que Meu Nome está nele.” (Êxodo 23:21). Todas estas passagens demonstram que os anjos são conscientes do que fazem e têm livre arbítrio na esfera da ação confiada a eles, assim como nós temos livre arbítrio em nossa cidade, de acordo com o poder entregue a nós em toda a nossa existência. A diferença é que o que fazemos é o O GUIA DOS PERPLEXOS mais baixo estágio de excelência, e nossa influência e o que fazemos são precedidos da ausência de ação. Já com as Inteligências e esferas ocorre sempre o que é bom; nelas está contido o que é bom e perfei­ to, como será mostrado adiante, e têm sido continuamente ativas desde o início. SOBRE AS ESFERAS CELESTES. C A P ÍT U LO 8 SOBRE A MÚSICA DAS ESFERAS CELESTES Uma das antigas opiniões, muito difundida entre os filósofos e as pessoas em geral, é a de que o movimento das esferas celestes origina sons formidáveis e violentos. Eles observaram como pequenos obje­ tos produziam, por meio de um movimento rápido, um ruído alto, estrépito e retumbante, e concluíram que este deve ser o caso, em um nível muito mais alto, dos corpos solar, lunar e estelar, dado seu ta­ manho e velocidade. Os Pitagóricos acreditavam que estes corpos emitem sons harmoniosos e que, mesmo altos, mantêm as mesmas proporções entre eles que as notas musicais mantêm entre si. Expli­ caram também o motivo pelo qual não ouvimos estes sons tão fortes e tremendos. Esta crença também se espalhou por nossa nação. Nos­ sos Sábios descrevem a grandeza do som produzido pelo Sol no ci­ clo diário de sua órbita. A mesma descrição é dada para todos os corpos celestes. Aristóteles, no entanto, rejeita esta idéia e sustenta que eles não produzem sons. Esta opinião pode ser encontrada no livro Os Céus e o Mundo (De Coeló). Não se deve achar estranho que Aristóteles discorde aqui da opinião dos nossos Sábios. A teoria da Música das Esferas está ligada à teoria do movimento dos astros fi­ xos em uma esfera, e nossos Sábios, nesta questão astronômica, aban­ donaram sua própria teoria em favor da teoria de outros. Logo, é O GUIA DOS PERPLEXOS confirmada a afirmação de que os Sábios das outras nações venceram os Sábios de Israel. . pois todos tratam os problemas especulativos de acordo com os resultados de seus próprios estudos e aceitam o que lhes é estabelecido através de demonstração. E verdade que nossos Sábios abandonaram a sua pró­ pria teoria. todas as órbitas nas quais os astros se movem. e aqueles que atualmente contam nove esferas consideram que uma esfera com várias órbitas é uma. de acordo com as palavras da Bíblia: “Pertencem a YHVH Teu Deus os Céus e os Céus dos Céus. Por isso.” (Deuteronômio 10:14). Há discrepância de opini­ ões entre os antigos astrônomos se as duas esferas de Vênus e Mercú­ rio estão acima ou abaixo do Sol. desta maneira.SOBRE AS ESFERAS CELESTES. pois não está demonstrada a posição destas duas esferas. o arranjo das esferas seria mais razoável. segundo é notó­ rio para quem tem conhecimento de Astronomia. Eles calcu­ lam todas as esferas com os astros. é considerada por eles como a segunda. com três planetas acima e três abaixo. Mais recentemente. Por isso. pois acreditava que. ou seja. como uma. afirmando que se encontram abaixo do Sol. não deve­ mos rejeitar a opinião daqueles que assumem a existência de duas esfe­ ras. e a Esfera Circundante. na qual não há astros. eles susten­ tam que há duas esferas. uma explanação necessária para a compreensão do nosso ponto de vista sobre este assunto. Apresentarei. alguns estudiosos . A opinião de todos os antigos era a de que elas estavam acima do Sol. depois veio Ptolomeu. O Sol estaria no meio. CAPÍTULO 9 SOBRE O NÚMERO DE ESFERAS CELESTES Já lhe expusemos que o número das esferas não foi determinado no tempo de Aristóteles. aqui. Veja bem. contavam cinco esferas: a da Lua. na qual não há astro algum. segundo alguns princípios deixados por Ptolomeu. chamados de figuras pelos antigos em seus famosos tra­ balhos —são quatro: a esfera dos astros fixos. uma esfera vazia. . com cujo filho me relacionei. Agora vou descrevê-la e explicá-la. a da Lua e. necessariamente por cima dela. que examinou a questão e formulou alguns argumentos —que dele copiamos —sobre a improbabilidade de Vênus e Mercúrio estarem acima do Sol.O GUIA DOS PERPLEXOS andaluzes13 concluíram. astros. a do Sol. de Sevilha. todos os antigos situ­ avam Vênus e Mercúrio acima do Sol e. de um de seus discípulos recebi aulas. sem astro algum. por causa de uma idéia que nenhum dos filósofos esclareceu e à qual fui levado por diversas declarações dos filósofos e dos nossos Sábios. por este motivo. a do Sol. 13 Nova referência de M aimônides a sua terra natal. Conseqüentemente. a dos outros cinco planetas. Este número é muito importante para mim. a dos cinco planetas. por cima de todas. a dos astros fixos e a esfera que a tudo circunda. As pro­ vas oferecidas por Abu Bakr mostram somente a improbabilidade. o que demonstra que estava muito atento ao movimento cultural em A ndaluzia nesta época (Maeso). escreveu um livro famoso sobre o tema. Em suma. de qualquer forma. indubitavelmente a mais próxima de nós. que Vênus e Mercúrio se encontravam acima do Sol. não a impossibilidade. Chabir ibn Aflá. o número de esferas que c o n t e m figuras —ou seja. como também o excelente filósofo Abu Bakr ibn Al-Saíg. 10). O termo Ma^ál. Por este motivo. Este fato também é percebido com referência a diversas forças em um único organismo. pois todo o Universo é como um único organis­ mo. em que se afirma: “Enquanto u m M «^ / completa sua órbita em trinta dias. o indivíduo está sob a influência de­ terminada de um astro específico dirigido a cada espécie em particu­ lar. Embora as influências das esferas se estendam sobre todos os seres. Temos afirmado isso reiteradamente e do mesmo modo nossos Sábios dizem : “Não há abai­ xo nem a mais insignificante erva sem o seu M a^ál (Astro) que a im ­ pulsiona e a ordena crescer. pois está dito: ‘J á aprendeu as leis dos Céus. conforme já dissemos. como pode ser inferido da seguinte passagem no inicio do Beresbít Kabá (cap. é usado também para todo astro.S O BR E AS ESFERAS CELESTES. Portanto. C A P ÍT U LO 1 0 A INFLUÊNCIA DAS ESFERAS CELESTES SOBRE A TERRA SE MANIFESTA DE QUATRO MODOS DIFERENTES E conhecido e difundido em todas as obras filosóficas sobre a Ordem do Universo que o regime no mundo sublunar dos seres transitórios depende das forças procedentes das esferas. indi­ ca-se claramente nesta passagem que todo ser individual no mundo tem seu astro correspondente. os filósofos falam da influência peculiar da Lua sobre o elemento particular da água. se estas policiam a Terra?”’ (Jó 38:33). outro completa em trinta anos”. Este . literal­ mente uma constelação do Zodíaco. é uma hipótese que se encontra já em alguns autores antigos. o fogo. ou seja. como já expusemos. Ocorreu-me que as quatro esferas que contêm astros exercem in­ fluência sobre todos os seres terrestres que vêm a existir e. nos escritos que nos restam de A ris­ tóteles. que colocam a terra em movimento. Além disso. A or­ dem do Universo. Isto é tão claro que não precisa de mais explicações. de fato. os seguintes elementos essenciais da esfera: 14 “O que o autor declara aqui. a água é posta em movimento pela esfera lunar. de acordo com o crescimento e a diminuição da Lua. que se movem em cursos variados e diferen­ tes. a saber. Assim. as causas do movimento de cada esfera são quatro. quatro propriedades principais das quais os seres terrestres derivam. com retrocessos. a respeito do influxo da Lua não somente sobre os mares. a causa do movi­ mento e das mudanças daquele elemento. mas cada uma das quatro esfe­ ras é fonte exclusiva das propriedades de apenas um dos quatro ele­ mentos. portanto. progressos e paradas. pela esfera solar. A influência particular que os astros fixos exercem sobre a terra está implícita na declaração dos nossos Sábios de que o número das espécies de plantas corres­ ponde ao das individualidades incluídas no termo geral astros. quatro elementos postos em movimento por elas e.14 A influência dos raios solares sobre o fogo pode ser facilmente verifica­ da pelo aquecimento ou resfriamento da Terra. também. contrações e expansões.” (Munk). e a esfera dos outros astros. . isto é. pela esfe­ ra dos outros planetas. Razão pela qual. são a causa da existência dos mesmos. o ar. apenas se faz alguma alusão ao fluxo e refluxo do mar. pode ser assumida da seguinte forma: quatro esferas. talvez devido ao movimento lento dos astros fixos. os astros fixos. também pela subida e descida das marés conforme o avanço ou o retorno da Lua. a terra se movimente tão lenta­ mente e se combine com os outros elementos. Sem dúvida. mas também sobre o caudal dos rios. a partir de seus movimentos.92 O GUIA DOS PERPLEXOS caso é comprovado pelo aumento e diminuição da água dos mares e rios. de acordo com a apro­ ximação ou o afastamento solar. como é claro a quem já tenha observado este fenômeno. e se torna. sua ascensão e descenso nos diversos quadrantes de sua órbita. e então produzem as vári­ as formas de ar com suas freqüentes m udanças. desde que isto não consista no temor de algo que seja injurioso. implica a necessidade de uma forma circular. sua alma. Veja. e a continuidade do movimento só é possível quando o movi­ mento é circular. que as esferas possuam intelecto e. as propriedades particulares das plantas (vegetativas). A necessidade de um movimento contínuo. através do qual a esfera é capaz de formar idéias. seu intelecto. preservar perpetuamente as espécies e os indivíduos de cada espécie por um certo tempo. da qual as esferas desejam se aproximar. em primeiro lugar. depois. As esferas devem ter uma alma. que a esfera deseja imitar. repetido constante­ mente no mesmo local.SOBRE AS ESFERAS CELESTES. da qual se diz que é sábia para governar o Universo. mesmo que se repita freqüen­ temente . como foi demonstrado no lugar apropria­ do. Estas são as quatro causas do movimento das esferas celestes. preocupar-se em . a saber: 1) Produzir coisas. a explicação para o que eu disse é a seguinte: a esfera não poderia estar continuamente em movimento se não tivesse esta forma peculiar. o intelecto. pois somente seres animados podem se mover livremente. A formação desta noção exige. não pode ser contínuo.ou no desejo de algo que seja agradável. a Inteligência Separada. Um exame destas forças nos mostra que elas possuem duas fun­ ções. as faculdades animais (anímicas). passará necessariamente por um momento de descanso. deve ser encontrada na noção for­ mada pelas esferas de um determinado ser e no desejo de se aproximar deste ser. 1) 2) 3) 4) seu formato esférico. 2) Perpetuá-las. Ou seja. O movimento retilíneo. que exista algo correspondente àquela noção . Estas são também as funções da Natureza. pois. quando um corpo se movimenta sucessivamente em duas direções opostas. Deve haver uma causa para o movimento e. Em seguida temos as quatro principais forças derivadas diretamente das esferas: 1) 2) 3) 4) a natureza dos minerais. e faculdades nutritivas como fonte de sua existência temporal e preservação. Trata-se da passagem: “(. (NT) . é cumprido. veja ^4 A. (Maeso). mas todos os escritos e todos os Midrashím expressam unanimemente que os anjos. utilizada por Ezequiel (Ezequiel 1:7). A Natureza cria faculdades formativas. G abriel. ocupavam quatro ter­ ços do Universo. que são a causa de todas as mu­ danças no Universo. os quatro anjos.1 7 são ter­ mos em certa medida homônimos. e a sola dos seus pés —como a sola do pé de um bezerro. alinhados. Em conformidade com este outro texto: “E o seu tamanho era como dois sextos” (Daniel 10:6).94 O GUIA DOS PERPLEXOS planejar a produção de seres vivos e se preocupar também com a sua preservação e perpetuação. eram so­ mente quatro. Sábio) Tan’huma (NT). Uriel e Rafael. “ Vide.. dois que subiam e dois que desciam. 1977). que é a origem daqueles dois tipos de faculdade por meio da mediação das esferas celestes. P irk ê (Capítulos) de Rav E liézer.” (Munk). O número quatro é estranho e merecedor de nossa atenção. ao descrever a seguinte visão metafórica: “Quatro carruagens saem do meio de duas montanhas. um degrau da escada.ngelologia na L iteratura R abínica e Sefaradí. assim como a frase “cobre polido”. era equivalente a quatro terços do Universo. 15 16 17 M idrásh Tan’huma : Comentário talmúdico de Rav (Mestre. No M/í/m^Ta^huma1 5 se diz: “Quantos degraus tinha a Escada dejacob? — Q uatro”.) e eis uma escada apoiada sobre a Terra” (Gênesis 28:12). como não há cobre polido”. em que se afir­ ma que o Trono de Deus está circundado por quatro legiões de arcanjos: M iguel.16 Em al­ guns escritos se pode ler: “Quantos degraus havia na escada? —Sete”. Em todos os Midrashím se constata que havia quatro legiões de anjos. por C. portanto.. e as monta­ nhas são montanhas de cobre” (Zacarias 6:1). Sobre este tem a em geral. Ezequiel 1:7: “E seus pés —pé reto. A palavra cobre aqui empregada. o que será discutido mais adiante. Daí se inferiu que a extensão da escada. Estes quatro anjos —os dois que subiram e os dois que desceram—ocuparam. afirmação repetida com freqüência. acrescenta a explicação: “Eis quatro ventos dos Céus saindo para se apresentar diante do Se­ nhor de toda a Terra” (Zacarias 6:5). Rabino. por exemplo. 4. Deve ser por meio da Natureza que o Desejo Divino. que são a causa da produção de seres vivos. Zacarias. pois o tamanho de um anjo na visão Profética era igual a um terço do Universo. cap. na visão Profética. Gonzalo Rubio (Barcelona. vistos por Jacob subindo e descendo a escada. em sua totalidade.1 8 A Criação. consiste de três partes: 1) as Inteligências Puras. sujeitos a mudanças constantes. Pense nisso e reflita bem sobre tudo o que eu lhe disse. salvando-se do mar da ignorância e elevando-se para mais próximo dos seres superiores. aqueles que despertarem do sonho do es­ quecimento. Precisam apenas parar de se movimentar e. 18 M aimônides refere-se aqui à sua grande obra de sistematização das leis judai­ cas. 10). isto está totalmente claro. Quanto à afirmação dos nossos Sábios de que um anjo é igual a um terço do Universo ou. o M ishnê Torá (NT). Mas aqueles que preferirem nadar nas águas da sua ignorância —e “você descerá muito baixo” (Deuteronôrnio 28:43) —não precisam cansar o corpo nem o coração. então. 3) a matéria-prima ou os corpos sob as esferas celestes. nós já o explicamos em nossa grande obra sobre a Santa Lei. nas palavras do Bereshít Rabá (cap. ou anjos. Desta forma irão entender os ditos obscuros dos Profetas aqueles que desejarem entendê-los. que o anjo é uma terça parte do mundo. . descerão segundo a lei da natureza. 2) os corpos das esferas celestes.SOBRE AS ESFERAS CELESTES. pensará que a forma e o número das esferas são fatos comprovados. Quando então percebemos que todo o movimento dos astros fixos ocorre de maneira uniforme e na mesma direção. sem a menor diferença. assumida por Ptolomeu. retarda­ mento ou mudança. como por exemplo. Ele também buscará uma hipótese que exigirá o movimento mais simples e o menor número de esferas. O astrônomo não pára a fim de pensar nisso.SOBRE AS ESFERAS CELESTES. embora inclua temas que podem ser provados. concluímos que estão todos . Por esta razão. com respeito às questões astronômicas trata­ das. Irá. sem aceleração. portanto. preferir uma hipó­ tese que explique todo o fenômeno dos astros por meio de três esferas a outra que requeira quatro esferas. CA P ÍT U L O 1 1 A TEORIA EPICICLOS DA EXCENTRICIDADE PREFERÍVEL À DOS Deve-se levar em conta. dado que a finalidade desta ciência é simplesmente formular uma hipótese que leve a um movimento circular e uniforme dos astros. optamos pela Teoria da Excentricidade e rejeitamos a Teoria dos Epiciclos. Este não é o caso. Mas ainda não se decidiu se a esfera solar é excêntrica ou contém um epiciclo giratório. pois nem é isso o que busca a ciência astronômica. e cujo resultado esteja de acordo com a observa­ ção. tratando-se da órbi­ ta do Sol. que se um simples matemático as lê e compreende. a comprovação da inclinação indubitável da órbita solar até o Equador. como você já sabe. trans­ mitem forças e benefícios sobre os seres do mundo transitório. que consistem da mes­ ma matéria. qualquer que seja). Assim como as cinco esferas dos planetas.O GUIA DOS PERPLEXOS em uma mesma esfera. os corpos celestes e as forças naturais são chamados de Exércitos de Deus. . nem o seu substrato sofre qualquer mudança. cada um. a sua própria esfera. a saber: a) as Inteligências Separadas. em suma. um certo número de Inteligências Separadas deve ser admitido. e. dotados de formas permanen­ tes (as formas destes corpos não se transferem de um subs­ trato a outro. c) todos os seres terrestres transitórios. sem nos preocuparmos em fixar o número das Inteli­ gências e das esferas celestes. Devemos acrescentar que a parte que beneficia a outra do modo descrito não tem. Se esta teoria for aceita. Todavia. não obstante. dividir as influências que podemos perceber no Universo de acordo com o cará­ ter geral destas. pois. as numero­ sas esferas que estas contêm são tomadas por nós como uma só. Nenhuma pessoa inteligente poderia admitir esta possibilidade. melhores e mais nobres existi­ riam pelo bem das coisas inferiores. se fosse este o caso. Parte daquilo que é Bom e da Lu% outorgada às Inteligências Separadas é comunicada às esfe­ ras celestes que. somente a pro­ dução daquele benefício. É possível que os astros tenham. quando. tem sido provar que: 1) Toda a Criação está dividida em três partes. levaria ao para­ doxo de que as coisas mais elevadas. 2) O governo emana do Criador e é recebido pelas Inteligências Separadas conforme o seu tipo. como uma só esfera. b) os corpos das esferas celestes. na realidade. pois as Inteligências Separadas. ainda poderíamos justificar a contagem das esferas dos astros fixos coletivamente. como objetivo de sua existência. con­ forme o afirmado na Bíblia: “Há número para suas divisões milita­ res?” (Jó 25:3). o objetivo deve ser mais importante do que os significados utilizados para definilo. com um centro em separado. igual ao dos astros. de posse da abundância por elas extraída. mesmo assim. Nosso objetivo. Nos­ so propósito em adotar este número é. suas es­ pécies não podem ser numeradas e. movam-se na mesma direção. o nível mais baixo dos Seres Espirituais Puros. Da mesma forma. Uma pessoa pode possuir riqueza suficiente para suas próprias necessidades e nada lhe sobrar para beneficiar al­ guém. de acordo com o Targum 1 9 —a versão aramaica de Yonatán ben Uziel: “E eles andam pelos caminhos das nações”. dota estas primeiras de força para dar existência a outros. os (quatro) elementos recebem certas propriedades de cada esfera e. Após esta última. O Salmista. deplorando a imitação das ações de ou­ tras nações. tornamo-nos ignorantes. que nos aperfeiçoou: “Somente um povo sábio e prudente é esta grande nação” (Deuteronômio 4:6). e ainda doar parte de suas propriedades a outros. conforme foi declarado pelo Altíssimo por meio de Moi­ sés. ao dar existência às Inteligências Separadas.SOBRE AS ESFERAS CELESTES. e assim sucessivamente até o Intelecto Ativo. Do mesmo modo. Nós nos mistu­ ramos a outras nações. diz: “E se misturaram às nações e aprenderam seus atos” (Salmo 106:35). sem que tenha condições de co­ municar esta perfeição a outro ser. pois. Assim. Já mencionamos que estas teorias não se opõem ao que foi ensina­ do pelos nossos Profetas ou pelos nossos Sábios. a ação criativa do Altíssi­ mo. Pela produção de outras Inteligências. e o conheci­ mento de seus prudentes se eclipsará” (Isaías 29:14). até mesmo enriquecê-las bastante. Assim. segue-se o mundo transitório. uma sucessão de geração e destruição é produzida. ou seja. ao nos habituarmos às opiniões 19 Targum: tradução do texto b íb lico do hebraico p ara o aram aico (NT). ou é tão perfeita que é capaz de aperfeiçoar outro ser. . a matéria e tudo o que é composto dela. Mas quando os malvados bárba­ ros aniquilaram nossas boas qualidades. aprendemos as suas opiniões e seguimos seus caminhos e atos. cada Inteligência dá existência a uma das esferas celestes. quando pronunciaram a punição por nos­ sos pecados: “E se perderá a sabedoria de seus Sábios. ou pode ter riqueza suficiente para beneficiar também a outras pessoas. Isto foi previsto pelos Profetas. e declara: “E com os filhos dos estrangeiros pactuaram” (Isaías 2:6) ou. Isaías se queixa de que os israelitas adotaram as opiniões de seus vizinhos. Nossa nação é sábia e perfeita. 99 A natureza da influência que uma parte da Criação exerce sobre a outra deve ser explicada da seguinte forma: uma coisa de certo modo perfeita ou é perfeita em si mesma. que é a esfera da Lua. da mais elevada à mais baixa. então. destruíram nossa ciência e literatura e assassinaram nossos Sábios. inclinamo-nos a considerar estas opiniões filosóficas como estranhas à nossa religião.100 O GUIA DOS PERPLEXOS das pessoas ignorantes em Filosofia. depois disso. Mas. não é assim. . Dado que temos falado repetidamente da influência que emana de Deus e das Inteligências Separadas. do mesmo modo que as pessoas não-educadas consideram-nas estranhas às suas pró­ prias concepções. discutirei a teoria da Criação. passaremos agora a explicar qual é o significado verdadeiro desta influência e. na verdade. deve existir para sua produção. uma causa eficiente. faltaria uma determinada relação entre causa e produto. se fosse incorpórea. e assim por diante. Já foi exposto na Física que um corpo que ame sobre outro corpo deve estar em contato direto com este ou. Tudo isso está de acordo com os ensinamentos das Ciências Na­ turais. não é uma causa eficiente devido a sua corporeidade. devido a sua forma. a substância não estaria suficientemente prepa­ rada. indiretamente. Se corpórea. se a causa fosse corpórea. A série de causas para um determinado produto deve necessariamente ser concluída com a Vrimeira Causa. ou. porém. Falarei sobre isto depois. que não existia anteriormente. mas sim por ser um corpo individual. que é a verdadeira causa daquele produto e cuja existência não depende de nenhuma outra causa. Não pretendemos discutir isto aqui.SOBRE AS ESFERAS CELESTES. ou seja. não adinfinitum. A causa eficiente imediata de uma coisa pode ser também e novamente de outras causas. através da . posto que a causa sempre existiu? A resposta é que. Ignoraremos por ora a questão se consideramos a Eternidade do Universo ou a Creatio ex nihilo. Surge então a questão: por que esta coisa foi produzida agora e não muito antes. 101 C A P ÍT U L O 1 2 SOBRE A NATUREZA DA INFLUÊNCIA (EMANAÇÃO) DIVINA E A DAS ESFERAS CELESTES E evidente que sempre que uma coisa é produzida. A causa eficiente imediata pode ser tanto corpórea quanto incorpórea. Analogamente. Os pró­ ximos poderão servir para ilustrar o seguinte: todas as combinações de elementos estão sujeitas a aumento ou redução. ou deu a ela uma determinada substância. pois aquela que produz forma deve ter. assim deve exis­ tir uma força que produza as diversas formas. Logo. quando um corpo se aproxima ou se separa de outro. com as formas é diferente: elas não se modificam gradualmente e. A causa efi­ ciente que produz a forma é indivisível. assim como nem um corpo poderia se aproximar ou se afastar . como ficou demonstrado anteriormente. foi criada agora: ou algum fogo foi produzido ou a distância entre o fogo e o objeto foi modificada. A comprovação deste teorema também foi exposta em capítulos anteriores. O GUIA DOS PERPLEXOS mediação de outros corpos. pois é do mesmo tipo que a coisa produzida.102. no entanto. deve ser. mas dizem respeito somente à forma das coisas. Assim. assim como o fogo não aquece a qualquer alcance. um corpo que está sendo aquecido está em contato com o fogo. Esta combinação somente prepara a matéria para receber uma determinada forma. não pode se aproximar de um corpo ou afastar-se dele. então. uma forma abstrata. a causa para o seu aquecimento. por exemplo. O magneto não exer­ ce esta atração a qualquer distância. Quando o ar não é mais afetado pelo fogo que está sob um pedaço de cera. portanto. Há. do mesmo modo. de uma causa eficiente. não resultam da combinação de elementos corpóreos. A ação deste agente incorpóreo independe de uma determinada relação com o produto corpóreo. ele mesmo. Estas precisam. a última não derrete. uma forma abstrata. fica quente. mas na proporção em que o ar entre o fogo e o objeto seja afetado pelo primeiro. descobrimos as causas de todas as mudanças do Universo como alterações na combinação dos elemen­ tos que atuam sobre os outros. não aquecido previ­ amente. Esta causa é incorpórea. No entanto. E o mesmo caso do magnetismo. ou o ar que envolve o corpo está sendo aquecido pelo fogo e transmitiu o calor ao corpo: a causa imediata do aquecimento deste corpo é a substância corpórea do ar aquecido. conseqüentemente. mudanças que não estão ligadas à combinação de elementos. Quando um objeto. e esta mudança ocorre gradualmente. A pedra-ímã atrai o ferro à distância por meio de uma certa força transmitida ao ar que envolve o ferro. ela mesma. conclui-se que este agente que produziu uma determinada forma. aparecem e desaparecem instantaneamente e. são imóveis. A causa criada nesse momento é a relação alte­ rada entre ambos. Sendo incorpóreo. produziu um determinado efeito. Igualmente. São denominadas influências ou emanações. ele recebe o efeito desta ação contínua. a uma determinada distância e em um deter­ minado lado. está agora firmemente estabeleci­ da. ou Vorma. Em todos estes casos nós queremos apenas dizer que um Ser Incorpóreo. imaginamos. os seres in­ corpóreos. a existência de ações de Seres Pura­ mente Espirituais. ao receberem força e distribuí-la aos outros. a água é aspergida para todos os lados e molha continuamente tanto os lugares vizinhos quanto os distantes. pois não há relação de distância entre seres corpóreos e incorpóreos. sem um local determinado para receber ou gastar seu con­ teúdo. Portanto. de um agente incorpóreo. Este ato espalha água em todas as direções. ações possíveis somente quan­ do o agente está próximo. acredi­ tam que Ele comanda os anjos e estes cumprem os atos mediante aproximação ou contato direto —assim como quando nós produzimos algo. O termo influência é considerado aplicável ao Criador devido à similaridade entre Suas ações e aquelas da aspersão de água. ao estudarem que Deus é incorpóreo ou que Ele não se aproxima do objeto da Sua ação. Por isso é tão difícil formar uma idéia desta ação quanto formar uma idéia do próprio ser incorpó­ reo. do mesmo modo. Estas pessoas então imaginam que os anjos também são corpos. não estão lim i­ tados a um lugar. Sua ação é constante e. Estas ações independem de contato ou de uma determinada dis­ tância. A razão pela qual a ação não ocorreu antes deve ser vista com base no fato de que a substância não estava prepa­ rada para a atuação da forma abstrata. denominada Shéfa (influência ou emana­ ção). sempre que um objeto está suficientemente preparado. já que não pode ser encontrado qualquer termo que possa descrevê-la de forma precisa. de acordo com suas formas. pessoas que. cuja ação denominamos influência. afirmamos que o Universo foi criado por Influência Divina e que todas as mudanças no Universo emanam Dele. . por analogia com a semelhança da aspersão de água. Há. Esta analogia é o melhor caminho para descrever a ação de um ser incorpóreo. em todos os casos de mudança que não se originem da mera combinação de elementos. portanto. Sendo Deus incorpóreo e tudo aquilo que é obra Dele é causa eficiente. prepara a substância para receber a ação de um ser incorpóreo.SOBRE AS ESFERAS CELESTES. Do mesmo modo se diz que Ele é a causa da Sabedoria que emana de Si mesmo e se dirige aos Profetas. distância ou tempo particulares. Fica claro que a ação recíproca exercida pelos corpos. Assim como imaginamos somente corpos ou forças residindo em corpos. Entenda bem isso. ou seja. Este não é o tema deste capítulo. a Influência Divina que dá Vida ou Existência —pois Vida e Existência são indubitavelmente idênticas. . expressam exatamente o que afirmamos: por meio da influência do Intelecto Ativo que emana de Deus. a Influência Divina que fornece a Existência. “Em Tua luz veremos luz” (Salmo 36:10). e que a ação é feita desta forma. mesmo que estas sejam corpóreas —e os astros. tornamo-nos sábios e assim so­ mos guiados e postos em condições de compreender o Intelecto Ativo. que a Bíblia aplica a noção de influência a Deus. conforme se coloquem mais ou menos distantes do centro da ação ou a uma distância definida uns dos outros. Mas o termo também se aplica às forças das esferas celestes em seus efeitos sobre a Terra. compare: “Abandonaram-me as fontes de águas vi­ vas” (Jeremias 2:13). atuam somente a determinadas distâncias. de letras e som. As pa­ lavras finais deste Salmo. E aqui nos referimos à influênáa das esferas. o que é. Quanto ao mencionado por nós. ou seja. ou seja. Mais adiante se diz: “Porque Contigo está a fonte da Vida” (Salmo 36:10).104 ° GUIA DOS PERPLEXOS Há aqueles que acreditam que Deus comanda uma ação com palavras que consistem. semelhante a uma má inclinação. como as nossas. na verda­ de. Pois todos os nossos defeitos de expressão ou de caráter se devem à ação direta ou indireta da imagina­ ção. sendo corpóreos. Tudo isso é puro processo imaginativo. ou seja. a Deus e às Inteligências Separadas (ou Anjos). Esta cir­ cunstância levou à Astrologia. em que pretendemos explicar o termo influênáa assim como é aplicado a seres incorpóreos. de um acidente sobre as coisas que se movem. um dos acidentes criados —tais como a 1 M oshé Rabêmt . indubitavelmente. Afirmamos que Deus existe antes da Criação do Universo. nem esferas celestes. elas mesmas. que passaram da inexistência à existência.Moisés Nosso Mestre: modo pelo qual os judeus costumeiramente se referem a Moisés. de acor­ do com a nossa consideração. por Sua vontade e desejo. e mais nada. isto é. seres criados. sào três as teorias que discutem se o Universo é eterno ou não: Primeira Teoria: Aqueles que seguem a Lei de M oshé Kabênir susten­ tam que o Universo inteiro. Mesmo o tempo pertence às coisas criadas. Utilizamos o termo para significar algo análogo ou seme­ lhante ao tempo. em hebraico (NT). neste caso. E as coisas de cujo movimento o tempo depende são. pois o tempo depende do movimento. não queremos dizer tempo no seu sentido concreto. Acreditamos tam­ bém que Ele existe por um espaço de tempo infinito antes da Criação do Universo.Sobre a teoria da Eternidade do Universo CAPÍTULO 13 TRÊS TEORIAS DIFERENTES SOBRE A ORIGEM DO UNIVERSO Entre aqueles que acreditam na existência de Deus. nem anjos. nem o quanto nelas existi­ ria. . No início somente Deus havia. pois este é. tais como são. mas. foi por Ele trazido à existência a partir da nào-existência. um acidente e. à exceção de Deus. Ele então produziu do nada todas as coisas existentes. embora o verbo existir implique a noção de tempo. que. Por esta razão. e homens como Galeno ficaram tão perplexos acerca deste assunto que questionaram se o tempo é real ou não. não é uma propriedade fixa. Esta é a primeira teoria e é. mas um acidente ligado ao movimento. Além disso. pelo fato de o tempo pertencer às coisas criadas. há acidentes ligados a outros acidentes. Então terá que admitir que algo (junto a Deus) existiu antes da Criação do Universo. Vamos expor aqui uma idéia que. a mais importante depois do princípio da Uni­ cidade de Deus. Consideramos o tempo uma coisa criada: vem à existência assim como os demais acidentes e as substâncias que formam os substratos para os acidentes. Avraham A vinu (o Patri­ arca Abrahão)2 foi o primeiro a ensinar isto depois de tê-la estabelecido 2 A vraham A vinu: A brahão N osso Pai. destes é muito difícil formar uma noção correta. . principalmente quando o acidente que forma o subs­ trato para outro acidente não é constante. Veja bem: este argumento serve para quem não compreende sua incapaci­ dade de refutar as fortes objeções levantadas contra a teoria da Creatio ex nihilo. a inclinação ou a curvatura de uma linha. um princípio funda­ mental da Lei de Moisés. Ambas as difi­ culdades estão presentes na noção de tempo: ele é um acidente do mo­ vimento. será compelido a aceitar a teoria da Eternidade do Universo —pelo fato de o tempo se tratar de um acidente que requeira um substrato. são facilmente compreendidos e formam-se noções corretas a respeito deles. Esta é a fonte da ignorância acerca da natureza do tempo. Muitos cientistas não sabem realmente o que é o tempo. é um acidente do objeto movido. como o brilho da cor. ainda que marginal à nossa aborda­ gem.10 6 O GUIA DOS PERPLEXOS negrura ou a brancura —não é uma qualidade. poderá ser útil no decurso de nossa discussão. Ao contrário. indubitavelmente. posição à qual é seu dever se opor. Acidentes que estão diretamente ligados a corpos materiais.Trata-se do modo como os judeus costumeiramente se referem ao Patriarca Abrahão em hebraico (NT). Não siga nenhuma outra teoria. A razão para esta dúvida pode ser encontrada no fato de o tem­ po ser um acidente de um acidente. Isto deve ser claro para quem compreendeu o que Aris­ tóteles afirmou sobre o tempo e sua real existência. não se pode dizer que Deus produziu o Universo no iníáo. como as cores e os sabores. Se você admitir a existência do tempo antes da Criação. sua condição verdadeira e essencial é não permanecer no mesmo estado nem por dois momentos consecutivos. No en­ tanto. mas variável. por sua vez. Ele então proclamou: “Em nome de YHVH. O processo de gênese e destruição é. é impos­ sível que um objeto consistente de matéria e forma pudesse ser produ­ zido quando a matéria era absolutamente inexistente ou que pudesse ser destruído de tal modo que a matéria passasse a não existir mais. embora não possam ser reduzidos a nada. para o forjador. pois eles consideram isto uma das impossibilidades. acreditam que não é um defeito no Ser Supremo a nãocriação de coisas impossíveis. duas propriedades opostas. não pode ser modificada. cap. 15 (Maeso). A substância está para Deus assim como a argila está para o ceramista ou o ferro. ou se transformar em corpo. E declarou publicamente esta crença ao dizer: “Criador dos Céus e da Terra” (Gênesis 14:22). entre os seres vivos: são produzidos de uma mesma substância existente e são novamente reduzidos à mesma parte da subs­ tância. não defendem que a existência desta substância seja equivalente à de Deus. de tal forma que nem Deus possa existir sem ela. o mesmo que em qualquer ser terrestre. ou coisas igualmente inviáveis. Dizer que Deus pode produzir uma coisa do nada ou reduzir uma coisa a nada é. esta permanece existindo. que vieram à existência —mas não do nada —e podem deixar de existir.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO por meio de pesquisa especulativa. é a seguinte: é impossível que Deus produza tudo do nada ou que reduza tudo a nada. ainda. Aqueles que sustentam esta visão assumem também que os Céus são transitórios. Os filó­ sofos. de acordo com a opinião destes filósofos. Deus pode fazer com isto o que lhe agrade: ora forma Céus e Terra. Deus de Sempre” (Gênesis 21:33). segundo eles. Segunda Teoria: A teoria de todos os filósofos. Os Céus são transitórios do mesmo modo que os indivíduos. qualquer outra coisa. não há defeito na grandeza de Deus por Ele ser incapaz de produzir uma coisa do nada. o mesmo que afirmar que Ele poderia levar uma substância a ter.3 do mesmo modo que. No entanto. ora. . simultaneamente. por esta razão. no caso dos Céus. 3 Veja Terceira Parte. Conseqüentemen­ te. produzir um quadrado cuja diagonal fosse igual a um de seus lados. admitem que uma determinada substância coexiste com Deus pela Eternidade. nem ela sem Deus. pois a natureza do que é impossível é constante — independe da ação de um agente e. pois Deus é a causa de sua existência. ou. Em outras palavras. cujas opiniões e traba­ lhos nos são conhecidos. ou de criar outro ser semelhante a Ele. portanto. são produto do Caos. O mundo sublunar. em sua obra Física (Acroasis). os Céus são transitórios. assim como os adeptos da segunda teoria. Esta visão é tratada também em seu livro Timaeus. toda esta orga­ nização. tanto lá em cima quanto aqui embaixo.)” (Munk). E a de Aristóteles. Também Platão sustenta a mesma opinião. nunca foi diferente e nunca se modificará: os Céus. Terceira Teoria'. mas não do nada. Aristóteles considera impossível admitir que Deus mude Sua Vontade ou conceba um novo desejo. como todo complexo sublunar. seus discípulos e comentaristas. mas também a do movimento e do tempo. que Platão acredita no mesmo que nós. e que os Céus. que o mundo. sem dúvida. Esta nota de M unk se prolonga em um total de 76 linhas (Maeso). teve um princípio. e nada é produzido fora das leis ou do curso normal da Natureza. Ele afir­ ma que o Universo.. que. de forma equi­ vocada. Aristóteles argumenta. seria como 4 “Como se pode ver. têm sido sempre assim. Platão acredita que os Céus foram formados de algo. que inclui os elementos transi­ tórios. permanentes e não possuem princípio nem fim. que Deus produziu este Universo em sua totalidade por Sua Vontade. a diferença entre Platão e Aristóteles é a seguinte: este admite não somente a eternidade da m atéria. A opinião de Platão tem sido interpretada neste sentido geralm ente pe­ los árabes e os escolásticos (. Aristóteles conta. porque a matéria-prima é eterna e simplesmente se combina sucessivamente de diferentes formas. Portanto. de acordo com Platão. é discordante da nossa crença. enquanto que Platão. que são um elemento permanente do Universo e não estão sujeitos à gênese nem à destruição. tal como é. cujas opi­ niões e princípios é desnecessário discutirmos aqui. Ele ainda diz —embora não nestes termos —que considera impossível para Deus modificar Sua Vontade ou conceber um novo desejo.4 Esta é a segunda teoria.O GUIA DOS PERPLEXOS Os adeptos desta teoria se subdividem em várias escolas. mas o que menci­ onei é comum a todos eles. To­ davia. Enquanto sustenta­ mos que os Céus são criados do Nada Absoluto. tem sido sempre o mesmo.. nunca é perturbada ou interrompida. outra é assumida. quan­ do uma forma é removida. que um corpo não pode ser produzido sem uma substância corpórea. por conseguinte. acredita. ainda aceitando a eternidade da matéria e do Caos. Sua opinião. não obstante. o movimento e o tempo tiveram um prin­ cípio. de acordo com M aim ônides. . O tempo e o movimento são eternos. Somente pessoas superficiais e descuidadas admitem. em sua totalidade. ele vai mais longe e defende que o Céu é indestrutível. Assim. . de acordo com a visão de Aristóteles. ao mesmo tempo em que acreditam na Eternida­ de do Universo. Mas seria desnecessário mencionar as opiniões daqueles que não reconhecem a existência de Deus. já que a existência de Deus já ficou demonstrada. conclui-se que este Universo tem sido sempre o mesmo desde o passado e será o mesmo eternamente. Esta é a teoria de Epicuro e sua escola.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO 109 acreditar que Ele é inexistente ou que Sua Essência é mutável. foi estabeleci­ da por meio de demonstração. porém acreditam que o estado de existência das coisas é resultado da combi­ nação acidental e separação dos elementos e que o Universo não tem um Legislador ou Governador. Esta é uma mostra completa das opiniões daqueles que consideram que a existência de Deus. pois. Conse­ qüentemente. a Primeira Causa do Universo. adotam aquela teoria. e de filósofos semelhantes. enquanto alguns pensa­ dores ainda consideram isto uma verdade estabelecida. enquanto a sua teoria é construída sobre uma base comprovadamente insustentável. segundo Alexandre (de Afrodisia). Descritas estas diferentes concepções. Seria supérfluo repetir seus pontos de vista. E igualmente inútil corroborar a cor­ reção dos seguidores da segunda teoria quando afirmam que os Céus são transitórios. é indiferente para nós se acreditam que os Céus são transitórios e que somente sua substância é eterna ou que os Céus são tidos como indestrutíveis. mostraremos como Aris­ tóteles provou sua teoria e o que o induziu a adotá-la. Aqueles que seguem a Lei de Moisés e do Patriar­ ca Abrahão —e todos aqueles que partilham de teorias semelhantes — assumem que nada é eterno exceto Deus e a teoria da Creatio ex nihilo não inclui qualquer coisa que seja impossível. em cada capítulo. apontarei os métodos a que recorriam. ou seja. as palavras dos filósofos. isto acontecerá em um nível muito mais elevado do que seria se comparado a todos os outros oponentes de nossos princípios fundamentais. é desnecessário que cite textualmente. basta resumir suas concepções. Agora passarei a descrever os métodos dos filósofos: 'Primeiro Método : Segundo Aristóteles. Pois se o movimento tivesse um início. pois a tran­ sição da potência ao ato e da inexistência à existência sempre implicam 5 Na Primeira Parte do livro (NT). conseqüentemente. que lhe escrevi este Tratado unicamente porque conheço sua formação e. No entanto.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO III CA P ÍT U L O 1 4 SETE MÉTODOS POR MEIO DOS QUAIS OS FILÓSOFOS BUSCA­ RAM PROVAR A ETERNIDADE DO UNIVERSO Não necessito repetir. o movimento por excelência. em cada passagem. Caso nossas objeções ou dúvidas com respeito a qualquer coisa forem bem fundamentadas. assim como fiz em relação às teorias dosMutakálemim? Não abordarei a opinião de qualquer outro filósofo. o movimento é eterno. . en­ tão já teria havido algum movimento anterior quando surgiu. além da de Aristóteles. pois suas teorias são as únicas merecedoras de consi­ deração. também não têm início.12 O GUIA DOS PERPLEXOS movimento. se esta. Pois. Este é um forte argumento a favor da Eternidade do Universo. Os aristotélicos. Aristóteles prova a Eternidade do Universo. teria vindo à existência a partir de outra substância. se impossível. indestrutíveis e. Alguns dos mais recentes pensado­ res M utakâlemim imaginaram que poderiam resolver a dificuldade ao afirmar que a possibilidade está com o agente. não passou a existir a partir de outra substância. Eles argumentam: quando o Universo ainda não exis­ tia. Q uarto Método: ^4 produção corrente de algo éprecedida. no tempo. A mudança corrente de algo é. empregaram este método para demonstrar a Eternida­ de do Universo. assim. Não há movi­ mento exceto no tempo. pois pas­ sar a existir é nada mais do que receber uma Forma. por Primeira Substância nós entendemos uma substância sem forma. do mesmo modo. o Universo sempre existiu. atinge-se a Eternidade do Universo. Mas. no tempo. senão haveria uma série ad infmitum. a questão que se levanta é: qual é o substrato desta possibilidade? Porque deveria necessariamente existir algo que fosse o substrato desta possibilidade. deve ser eterno. porque está relacionado e ligado ao movimento. este movimento anterior. precedida. Terceiro Método: ^4 substância das esferas não contém elementos opostos. como ficou demonstrado. Dessa forma. seria posteriormente dotada de uma forma. e o tempo somente pode ser percebido através do movimento. Assim. Segundo Método-. causa do movimento se­ guinte. A partir daí Aristóteles conclui pela eterni­ dade do movimento circular das esferas. Tudo o que é destruído deve a sua destruição aos elementos con­ trários que contém. As esferas não contêm elementos opostos. se possível. Logo. pois o movimento circular não possui direções opostas como acontece no movimento retilíneo. De confor­ midade com este mesmo princípio. Mas esta objeção não tem qualquer força. Aristóteles sustenta que o tempo é eterno . Primeira Substância comum aos quatro elementos é eter­ na. pois há duas possibilidades distintas. pelo fato de serem indestrutíveis. A. as coisas sem início são indestrutíveis e as coisas indestrutíveis não têm início. sua existência era possível. para que tivesse um início. assume a seguinte máxima: tudo o que tem um início é destrutível e tudo o que é destrutível teve um início. o Universo nunca existiria. e não com a produção. p o r sua possibilidade. então não deve ter início nem fim. p o r sua possibilidade. conclui-se que o Universo é eterno. Aristóteles. Com base neste argumento. quais sejam: . São. em tempos mais recentes. Sc era neces­ sária. necessária ou impossível. portan­ to. portanto. Em termos se­ melhantes. Aristóteles freqüentemente louva a Deus quando afirma que a Natureza é sábia e nada ocorre em vão. Como Deus não é sujeito a acidentes que permitam mudanças em Sua Vontade e não é afetado por obstáculos e impedimentos que venham a aparecer ou desaparecer. Estes são os principais métodos. Ele deve ter sido um agente potencial que teria passado da potência ao ato —já que a potência é simplesmente uma possibilidade e requer um agente para realizá-la. da mesma forma.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO 1) a coisa criada teve a possibilidade de ser produzida antes do seu nascimento. Todos os argumentos a favor da Eternidade do Universo funda­ mentam-se nos métodos acima e poderiam se reduzir a um ou a outro . por filósofos posteriores a ele. deve ser permanente. argumentam. baseados nas propriedades do Universo. Ele está sempre ativo. através dos quais Aristóteles prova a Eternidade do Univer­ so. duas possibilidades — uma. imagi­ nar que Deus seja ativo em um momento e inativo em outro. por outro lado. desta forma. São fundamentados nas noções formadas de Deus e derivados da Filosofia de Aristóteles. antes de tê-lo feito realmente. Ao con­ trário. Mas há também outros métodos para prová-la. Sexto M étodo : Um agente é ativo em um momento e inativo em outro. fonte de grandes dúvidas e qualquer pessoa inteligente deve examiná-lo com a intenção de refutá-lo. Alguns deles utilizaram-se dos seguin­ tes argumentos: Q uinto M étodo : Se Deus produziu o Universo do nada. é impossível. as favoráveis. mas é idêntica a ela. de a subs­ tância receber determinada forma e a outra. bem como de expor o seu caráter. permitem que seja criado o desejo. Os filósofos então afirmam que este Universo existente é tão perfeito que não pode ser melhorado e. para determina­ da ação. 2) o agente teve a possibilidade de produzir. de acordo com as circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis que porventura surjam. Sétimo M étodo : As ações de Deus são perfeitas. porém ela faz tudo da forma a mais perfeita possível. antes de ser um agente de fato. Há. pois é resultado da Sabedoria Divina. que não somente é sempre presente em Sua essência. por­ tanto. Elas jamais podem ser defeituosas ou conter algo de inútil ou supérfluo. de o agente realizar uma determinada ação. que não havia anteriormente. As circunstâncias desfavoráveis causam o aban­ dono de uma ação pretendida. do mesmo modo como Sua existência é constante. Este argumento é. ao pensarem que estes são eternos. Oitavo M étodo : Este método está baseado na circunstância de que a teoria implica uma crença muito comum a todos os povos e épocas — universal portanto —que parece expressar um fato real e não simples­ mente uma hipótese. Desde que admitamos o início da existência das coisas após sua nãoexistência. sem produzir ou criar nada. Considerando a existência infinita de Deus. seria o mesmo que afirmar que Ele iniciou a Criação ontem. Aqueles que defendem a Eternidade do Universo consideram ambas as posições igualmente improváveis. A seguinte objeção é também levantada contra a Creatio ex nihilo: Como Deus poderia ficar inativo.O GUIA DOS PERPLEXOS deles. ao atribuírem os Céus a Deus. por exemplo. . é indiferente se milhares de séculos passaram-se desde o início ou apenas um curto espaço de tempo. no pas­ sado infinito? Como poderia passar o longo período infinito prece­ dente ã Criação sem produzir nada. de forma a reforçar os resultados de sua especulação filosófica por meio do senso comum. expressam sua crença de que os Céus são indestrutí­ veis. que Deus criou anteriormente tantos mundos sucessivos quanto a mais longín­ qua esfera poderia conter grãos de mostarda e que cada um destes mundos existiria por muitos anos. Muitos outros argumentos do mesmo tipo são empregados por Aristóteles ao tratar este tema. como se a Criação do Universo acontecera ontem? Mesmo que você dissesse. declaram-nos como sendo a habita­ ção de Deus e dos Seres Espirituais ou Anjos. Por isso. Aristóteles afirma que todas as pessoas acredi­ tam evidentemente na permanência e na estabilidade dos Céus e. de acordo com Alexandre. questionáveis. Pois bem. Mas. Consideram errado discordar de Aristóteles ou pensar que ele ignorava ou se equivocava em alguma coisa. que sustenta que o movimento é transitório. afirmam que ele provou a Eterni­ dade do Universo. de acordo com a mesma autoridade. os Céus são. mostrarei que o próprio Aristóteles não pretendeu haver provado a Eternidade do Universo. Por este motivo. Ele diz em sua obra Física ÇAcroasis) (8. Estas eram. e a maioria daqueles que acreditam que são filóso­ fos seguem-no cegamente neste ponto e aceitam todos os seus argu­ mentos como provas conclusivas e absolutas. . após ele mesmo nos ensinar as regras da lógica e os meios pelos quais os argumentos podem ser refutados ou confirmados. A razão pela qual expus este tema foi a seguinte: filósofos mais recentes. se­ gundo sua concepção.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO CA P ÍT U L O 1 5 ARISTÓTELES NÃO PROVA SUA TEORIA Neste capítulo pretendo mostrar que Aristóteles estava bem ciente de que não provara a Eternidade do Universo e não se equivocara a este respeito. no mínimo. partindo do ponto de vista deles. Ele sabia que não poderia provar sua teoria e que seus argu­ mentos e provas eram apenas aparentes e plausíveis. exceto Platão. discípulos de Aristóteles. 1): “Todos os físicos anteriores a nós acreditaram que o movimento é eterno. transitórios”. cap. igualmente. Aristóteles não poderia considerá-las conclusi­ vas. Exposto o problema. segue citando os pontos de vista daqueles que defendem que os Céus tiveram um início. assim como admitiria se estes fossem a seu favor. seria inaceitável. no livro Os Céus e o Mundo . nossa teoria seria mais plausível e aceitável aos grandes pensadores. mas . nem apontar a loucura e a posição absurda de seus oponentes. seria feito um apelo retórico à imparcialidade com relação aos oponentes a fim de reforçar sua teoria? Certamente que não. Sobretudo quando. qual deve­ ria ser recebida mais ou menos favoravelmente? E as verdades passí­ veis de demonstração? Ou. Investiguemos a natureza dos Céus e vejamos se é ou não produto de algo. Deve admitir a corre­ ção dos argumentos do seu oponente. Aquele que deseja ser justo não deve se mostrar hostil ao seu oponente. nos seguintes termos: Se assim procedêssemos. nossas palavras seriam recebidas de forma menos favorável. apresenta sua teoria sobre a Eternidade do Universo do se­ guinte modo. Agora eu lhe pergunto. Será que Aristóteles ignora­ va a diferença entre argumento e prova? Entre as opiniões. Pois se colocásse­ mos nossa opinião e nossos argumentos sem mencionar os dos nos­ sos oponentes. a menos que os argu­ mentos dos oponentes fossem totalmente refutados? Devemos tam­ bém levar em consideração que Aristóteles descreve sua teoria como sua opinião e suas provas. que Aristóteles.O GUIA DOS PERPLEXOS se Aristóteles tivesse provas conclusivas para sua teoria. Nós descobriremos. homem inteligente: poderemos reclamar dele depois dessa afirmação tão franca? Ou alguém pode imaginar que uma prova real possa ser dada para a Eternidade do Universo? Ou pode Aristóteles ou qualquer outro acreditar que um teorema. uma vez estabelecida a prova. melhor. como propomos. mesmo que totalmente demonstrado. não ganha força nem certeza devido ao consentimento de todos os cientistas. como argumentos. os ar­ gumentos dos nossos oponentes são ouvidos antes. Pois uma verdade. Este é o conteúdo das palavras de Aristóteles. posteriormente. tanto os que sustentavam que a especula­ ção filosófica leva à convicção de que os Céus são transitórios. se houvesse uma prova real. Aristóteles desejava tão somente mostrar que sua teoria era melhor que as dos seus oponentes. deve ser simpático com ele e aceitar pronta­ mente toda verdade contida em suas palavras. nem perde pela discordância geral. não conside­ raria necessário reforçá-la citando as considerações dos físicos prece­ dentes. e não há fundamento sobre o qual ela possa ser construída. Con­ cordo com ele que os caminhos para se provar sua teoria têm seus portões fechados diante de nós. que considera esta teoria ainda passível de dúvida. Nisso ele está indubitavelmente certo. São palavras textuais de Aristóteles. mas são indestrutíveis ou. deve ter influenciado até mesmo os filó­ sofos que desejavam afirmar que Aristóteles demonstrou sua teoria fundamentado em provas. pois só foi descoberto após a sua morte! Estou convicto de que a afirmação de Aristóteles sobre a Eternidade do Universo —a causa dos diversos movimentos das esferas e da ordem das Inteligências —não pode ser corroborada e Aristóteles nunca pretendeu provar estas coisas. refutada ou equilibrada se­ gundo os métodos citados neste capítulo. já que estes não empregam qualquer método filosófico capaz de ins­ truir somente às poucas pessoas intelectualmente bem preparadas. mas simplesmente comunicam a verdade tal como é recebida por meio da Inspiração Divina. A interpretação oferecida por Abu Nasr (Al Farabi) é bem conhecida. Suas palavras sobre este tema são bem conheci­ das. é claro e demonstrável que os Céus são eternos.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO II7 nunca foram totalmente inexistentes. Ele nega que Aristóteles tenha qualquer dúvida acerca da Eternidade do Universo e é muito severo com Galeno. quanto os que defendiam que os Céus tiveram um início. mas tudo o que está envolvido pelos Céus é transitório. tanto quanto uma prova pode ser obtida da natureza das coisas existentes. . ainda que nada conheçam de filo­ sofia. porque sua teoria se mostra mais próxima da verdade do que as de seus adversários. Talvez eles realmente acreditem nisso. A Paixão. Ele declara: “Há coisas sobre as quais somos incapazes de racioci­ nar ou que consideramos muito difíceis para nós. da qual se desconhece qualquer prova. Eles rejeitam as palavras dos Profetas. Nos próximos capítulos demonstraremos a teoria da Criação se­ gundo os ensinamentos da Bíblia. aceitam a teoria da Eternidade do Universo apoiando-se na au­ toridade de filósofos famosos. argu­ mentando que o próprio Aristóteles não estava ciente disso. que exerce grande influência em todas as seitas. Nós sustentamos que nenhuma teoria pode ser estabelecida. Nós dis­ cordamos dele. Somente mencionamos estas coisas porque sabemos que a maioria daqueles que se consideram sábios. Dizer por que estas coisas têm uma determinada propriedade é tão difícil quanto decidir se o Universo é eterno ou não”. aqueles que apoiavam qualquer um dos outros pontos de vista mencionados por ele. Se­ gundo Abu Nasr. ainda. conforme será explicado. em seguida. nossa crença na própria proposição fica aba­ lada.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO CA P ÍT U L O 1 6 A TEORIA DA CREATIO EX N IH ILO . que acreditam haver demonstrado a Creatio ex nihilo. Assim como as provas de Aristóteles e seus seguidores para a Eternidade do Universo. e todos aqueles argumentos filosóficos que aparentemente reprovam nosso ponto de vista apre­ sentam pontos fracos que os tornam vulneráveis e os ataques de seus . enfraquecerá m i­ nha crença e me levará a duvidar dela. ou que uma de duas soluções possíveis do problema seja aceita como autoridade. como será expli­ cado. pois quando compreendemos a falácia de uma prova. e o fato de uma de­ terminada proposição haver sido provada através de argumentos di­ aléticos nunca me levará a aceitá-la. Os métodos estabelecidos pelos M u­ takálemim em prol da Creatio ex nihilo já foram por mim descritos e os seus pontos fracos expostos. não contém nada impossível. E preferível que. minha consideração a res­ peito desta matéria e. eles são. Pretendo mostrar que a teoria da Criação. MAIS PROVÁVEL QUE A DA ETERNIDADE DO UNIVERSO Apresentar-lhe-ei. considerando métodos dialéticos como provas. na minha opinião. conforme ensinada na Bíblia. Ao contrário. sustentá-la-ei por meio da argu­ mentação —não com argumentos como os dos M utakálemim . sendo esta indemonstrável. inconclusivos e sujeitos a fortes objeções. no presente capítulo. seja recebida como uma máxima. Não me enganarei. mostrarei que há razões muito mais fortes para a rejeição da teoria dos nossos oponentes. aceito a última. como será mostrado no de­ correr deste Tratado. insustentáveis. a crença na Profecia é consistente até mesmo com a crença na Eternidade do Universo. Passarei a expor agora o método por meio do qual as provas dadas a favor da Eternidade do Universo podem ser refutadas. que a teoria da Criação é mais aceitável do que a da Eternida­ de do Universo e que. por raciocínio filo­ sófico. tratarei de demonstrar. Estando eu convencido da correção do meu método. Quando estabelecer a pos­ sibilidade da nossa teoria. .0 O GUIA DOS PERPLEXOS defensores. e considerando possíveis qualquer uma das duas teo­ rias —a da Eternidade do Universo e a da Criação — .12. apoiado na autoridade da Profecia. mesmo que ela inclua pontos abertos à crítica. que pode ensinar coisas além do alcance da filosofia especulativa. Pois. quando foi encontrado pelo sêmen masculino e começou a se desenvolver. praticamente im­ possível inferir. Mesmo que a substância de uma coisa já existisse e tivesse somente mudado sua for­ ma. qual era o estado dela no momento do início do processo. que passou a existir por meio do processo de gêne­ se e desenvolvimento. Tampouco. tomemos o exemplo do óvulo humano quando se encontra no sangue feminino. partindo do mesmo esta­ do. . As propriedades do sê­ men. sua natureza difere daquela que lhe era própria ao se efetuar a concepção. já totalmente desenvolvido. Assim. Se você se equivocar a respeito e se empenhar em provar a natureza de algo em estado de potência baseado nas propriedades agora efetivamente existentes.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO 121 C A P ÍT U L O 1 7 AS LEIS DA NATUREZA SE APLICAM ÀS COISAS CRIADAS. tem propriedades diferentes daquelas que possuía no início da transição da potência à realidade. Nesse momento. a própria coisa. naquele momento. É. são diferentes daquelas do ser vivo após o seu nascimento. ou seja. pode-se saber qual era a sua condição anterior. ou mesmo antes disso. com base na natureza que uma coisa possui após passar por todos os estágios do seu desenvolvimento. ficará muito confuso. portanto. REFUTA­ ÇÃO DAS QUATRO PRIMEIRAS PROVAS DOS ARISTOTÉLICOS Tudo o que é produzido nasce a partir da inexistência. rejeitará verdades evidentes e admitirá falsas opiniões. ainda contido em seus vasos. ao concluir sua transformação. MAS NÃO REGULAM O ATO CRIATIVO QUE AS PRODUZ. Como. ainda. por sua vez. que este homem. O órfao naturalmente perguntará: E este indivíduo. pois. Como eu acreditaria que aquele homem viveu por meses sem esta função? Suponha que. comia e bebia? Respirava pelo nariz e pela boca? Excretava alguma coisa?” A resposta será: Não. por um motivo maior. em poucos dias. ou seja. mas tem vida. per­ gunte a alguém como um homem nasce e se desenvolve.2. que um indivíduo nascido perfeito foi cuidado por sua mãe durante poucos meses e que. Suponha.vinu. No entanto. poderia alguém ficar durante meses sem comer nem beber? Qualquer um que. que nunca viu uma mulher. Porque nós. acreditamos que o mundo foi produzido de uma determinada maneira e criado em uma determinada seqüência. morreria. sofreria dores terríveis e a morte chegaria em poucos dias. dentro de um corpo. tornar-se inteligente e adquirir conhecimento. um buraco se formasse na barriga de uma pessoa —seria fatal. Caso alguém não comesse nem bebesse. tendo se alimentado. Diria: “Se qualquer um de nós fosse privado de respirar por um breve tempo. no ventre de uma mulher. até que chega a um certo estágio de desenvolvimento. temos que acreditar que o umbigo do feto ficou aberto! Como o feto não abre os olhos. nem mesmo um animal fêmea.vrahamA. Indu­ bitavelmente ele se recusaria a acreditar e se apressaria em demonstrar a impossibilidade de todas essas coisas. até crescer. no exemplo apresentado. . este morreria instantaneamente ao chegar ao estômago e. ele é muito pequeno. vivo. Quando está no ventre. e permanecer vivo e em movimento? Se alguém devorasse um pássaro vivo. Se os filósofos considerassem este exemplo e refletissem sobre ele. quando ela mor­ reu. sem dúvida alguma. e então receba a seguinte resposta: “O homem inicia sua existência no ventre de uma pessoa de nossa espécie. por acidente. que tem uma determinada forma. quando estava dentro do ventre. descobririam que representa exatamente a disputa entre Aristóteles e nós. move-se. nem estira suas pernas. o seu pai levou-o para viver sozinho em uma ilha deserta. movendo-se e crescendo. não evacuasse. morreria e cairia inerte. nem estende suas mãos. os seguidores de M oshé Kabênu e d ty4.12. Os aristotélicos. baseando-se no ser totalmente de­ senvolvido. Como imaginar que alguém possa permanecer durante meses dentro de um saco. alimenta-se e cresce pouco a pouco. quando chegasse no baixo ventre. como você acredita que seus membros estejam inteiros e em perfeito estado?” Este tipo de raciocínio leva à conclusão de que o ho­ mem não pode nascer e se desenvolver do modo descrito. O GUIA DOS PERPLEXOS Suponha. Ele então deixa o ventre e conti­ nua a crescer até que esteja em condições de ser notado por você. e este saco. Nós admitimos a existência des­ tas propriedades. todas as coisas se formam a partir dela e são novamente redu­ zidas a ela quando deixam de existir. baseando-se nas coisas transitórias. não imaginaríamos. não concebemos a idéia de que esta rotação tenha jamais faltado. Isto é verdade. Assim. Esta lei se aplica ao Universo tal como existe no presente. que ele estaria sujeito. Volto agora ao nosso tema —a descrição das principais provas de Aristóteles —demonstrando que nada provam contra nós. nada percebido por meio . como movimentos individuais. Nós não sustenta­ mos que a matéria-prima foi produzida do mesmo modo como o ho­ mem é produzido do ovo. ao observarmos a rotação do corpo esférico na presente existên­ cia. e ele está certo. pois ela foi criada do nada e. como existem no presente. E Eles somente possuem força demonstrativa contra aqueles que susten­ tam que a natureza das coisas. Sua gênese não é igual à das coisas produzidas a partir dela. que afirma­ mos que Deus. tenta provar sua premissa. nem que possa ser destruída da mesma maneira como o homem é reduzido a pó. Se considerarmos o movimen­ to como este que existe no momento. em sua tota­ lidade. totalmente desenvolvido. Sustentamos. nem a sua destruição. mostra que a matériaprima não poderia ser produzida. e que Ele foi a causa do desenvolvimento até o estado presente. desde então. Pois a matéria-prima não existe sem forma e ela é a fonte de toda a gênese e destruição. Mas acreditamos que Deus criou-a do nada e que. No entanto.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO opõem-se a nós argumentando com provas baseadas na existência do ser de fato. ou seja. Empregamos o mesmo argumento em relação à lei que preconiza que a potência precede todas as gêneses correntes. Mas esta não é a minha opinião. ela tem suas próprias propriedades. Aris­ tóteles declara que a matéria-prima é eterna e. Ele poderia reduzi-la a absolutamente nada. que estas propri­ edades vieram à existência a partir da absoluta inexistência. levou o Universo inteiro à existência. quando tudo o que é gerado origina-se de alguma outra coisa. levando-se em conta que. De um certo modo Aristóteles estava correto ao conside­ rar que o movimento circular não tem começo. Portanto. ainda. à gênese e à destruição. do nada absoluto. os argumentos deles não se constituem em objeções à nossa teoria. provam a Criação. mas afirmamos que em nada se parecem com o ser no momento em que foi gerado. Aristóteles funda­ menta algumas de suas provas no fato de o movimento não estar sujeito à gênese ou à destruição. O mesmo argumento se aplica ao movimento. se agradasse ao Criador. Nós não consideramos impossível a opinião daqueles que afirmam que os Céus foram produzidos antes da Terra ou o contrário. baseados na noção concebida de Deus. Aristóteles —quero dizer. que não questionamos. em um estado po­ tencial. porque é uma grande muralha construída em torno da Lei. então. terão que recorrer à noção de Deus formada pela nossa mente. nem. destrutíveis devido à presença dos elementos opostos em seu interior. capaz de resistir contra tudo o que for atirado contra ela. já que sustentamos que suas proprie­ dades. indestrutíveis). E não se refuta esta possibilidade por meio de argumen­ tos baseados na natureza do Universo presente. Quanto a provar a impossibilidade da Creatio ex nihilo.4 ° GUIA d o s p e r p l e x o s de nossos sentidos ou compreendido por nossa mente é capaz de pro­ var que algo criado do nada esteve. e as veias. quando plenamente desenvolvidas. que certas espécies de animais exis­ tiam e outras. seus seguidores —talvez nos perguntasse como sabemos que o Universo foi criado e quais as outras forças. atuaram na sua Criação. Todavia. mas tão somente a sua possibilidade. Novamente. O princípio desenvolvido a seguir deve ser bem compreendido. que os Céus já existiam sem os astros ou. Em suma. os aristotélicos podem não obter qualquer apoio da natureza do Universo e. antes dos ossos. nada têm a ver com as propriedades existentes antes de seu aperfeiçoamento. admitimos sua correção. tal como existem no presente. com respeito à teoria de que os Céus não contêm opostos (e são. demonstrare­ mos então a sua superioridade.1 2 . O cora­ ção evidentemente aparece antes dos testículos. ne­ nhuma das partes essenciais à sua existência está faltando. Na verdade. se a descrição bíblica da Criação for tomada literalmente. quando o animal está plenamente desenvolvido. ainda. Suas provas incluem os três métodos ante­ riormente citados por mim. segundo nosso plano. anteriormente. pois não desejamos provar a Criação. No próximo capítulo apresentarei os pontos fracos destes argumentos e mostrarei que nada provam absolutamente. por fim. não há necessidade disso. que sejam como as plantas e os animais. Quando estabelecermos a possibilidade da nossa teoria. mas não que os Céus foram formados como o cavalo ou o jumento. como será mostrado quando tratarmos deste tema. além das existentes no presente. portanto. não. pode não se considerá-la no sentido literal. Esta obser­ vação não é supérflua. Pois o estado de todo o Universo quando veio à existência é comparável àquele dos animais quando nasceram. nada provam a respeito de sua Criação? Respondemos que. . as propri­ edades das coisas. 6A refutação deste argumento é muito fácil. isto já foi plenamente comprovado. caso Ela tenha produzido algo somente em um determinado tempo. Como os corpos materiais são assim considerados. assume-se que houve uma transição da potência ao ato com a própria Deidade. não agia e. sequer uma transição da potência ao ato.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO C A P ÍT U L O 1 8 REFUTAÇÃO DOS ARISTOTÉLICOS TRÊS ÚLTIMOS MÉTODOS DOS No primeiro método criado pelos filósofos. aplicar-lhe o argumento acima. que é o elemento que contém a possibilidade (de mudança) de forma. Isto não implica qualquer mudança para o próprio ser incorpóreo. durante um certo tempo. 14. agora age é porque indubitavelmente pos­ suía algo em potência que ora se tornou corrente. Mas aquilo que é incorpóreo e imaterial não admite coisa alguma que seja simplesmente possível. . e a transição somen­ te foi efetuada por meio de algum agente externo. Não cabe. em virtude de sua forma. Quinto método (Maeso). Ele se aplica somente a corpos compostos de substância. Tudo o que ele contém existe sempre. O Intelecto Ativo pode ser ilustrativo 6 Veja cap. Se um corpo deste tipo. portanto. nem é impossível a um ser deste tipo atuar em um momento e não atuar em outro. um ser incorpóreo. O que nós inferimos —e estamos certos em inferir —é que o Intelecto Ativo nem é um corpo nem uma força residente em um corpo. Respondo que não é nossa intenção expücar a razão por que Deus criou neste ou naquele momento. uma falácia. ele não diz que o Intelecto Ativo é mutável ou que passa do estado de potência para o de ato. quando a ação se interrompe. jamais. Ele praticamente afirma o se­ guinte: “É um fato evidente que o Intelecto Ativo não age continua­ mente. após um período de inatividade. muda e os obstácld&s- . como indicou Abu Nasr (Al Farabi) em seu tratado Sobre o Intelecto. no entanto. O segundo método empregado para provar a Eternidade do Univer­ so é baseado na teoria de que tudo demanda. Desde que acreditemos que Deus não é um corpo mate­ rial nem uma força residente em um corpo. se o fizéssemos. talvez. mas apenas às vezes”. provoque uma mudança no próprio Criador. O Intelecto Ativo age sempre que as substâncias suficientemente preparadas estão presentes e. que nosso argumento é. um Ser Puramente Espiritual. pois não se relaciona a nada contido no próprio Inte­ lecto Ativo.O GUIA DOS PERPLEXOS dessa questão: de acordo com Aristóteles e sua escola. Porém. ele às vezes não atua. na ausência de substâncias suficientemente prepa­ radas para a sua ação. que exista um agente causador da transição da potência ao ato. não devemos assumir que a Criação. embora em um momento produza algo não produzido antes. é porque faltam estas substâncias e não porque aconteceu qualquer mudança no Intelecto. Não declaramos isso e. relação ou comparação entre seres corpóreos e incorpóreos. ora não. nem no momento da ação nem no da abstenção. Por isso. nem fazer um paralelo com o Intelecto Ativo. a conclusão seria falaciosa. Somente por homonímia que o termo ação é utilizado com referência às formas re­ sidentes nos corpos e também se refere aos Seres Puramente Espiri­ tuais. Atua de modo intermitente e. o Intelecto Ati­ vo. Deste modo refuta­ mos a forte objeção levantada por aqueles que defendem a Eternidade do Universo. até determinado pon­ to. que é necessária no caso de forças ligadas aos corpos. Pode-se objetar. qualquer que seja a causa de não atuar sem­ pre. afir­ mando que Deus atua em uma hora e não em outra. ora atua. do mesmo modo intermitente que age o Intelecto Ativo. E. ainda. A circunstância na qual um Ser Puramente Espiritual não atua em um momento e atua em outro não necessita de uma transição da potência ao ato. não há. não afirmaremos que o Intelecto Ativo passou da potência ao ato que permita uma possibilidade de mudança ou. com o aumento do calor ou do frio. Este caso é válido somente quando as causas das ações são externas. tendo-os. nunca poderia haver comparações entre a vontade de Deus e a do ser humano. como não dispor dos materiais necessários ou. Se esta vontade pertence a um ser material. necessariamente interrompe estas ações em um momento ou outro. é imutável. porém. que­ rer a ação em um momento e não em outro não implica mudança?” Responderemos que a verdadeira essência da vontade de um ser é simplesmente a faculdade de conceber um desejo em uma hora e não concebê-lo em outra. o ser dotado desta vontade não precisará atuar continuamente. mas não deseja mais construíla. pois não sente necessidade de um refúgio. porém. Na falta total de obstáculos. quando as circunstâncias se alteram.SO BR E A T E O R IA DA E T E R N ID A D E DO U N IV ER SO não estão preenchidos com a essência de Deus. então ela não depende da existência de circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis. que as circunstâncias modificam sua vontade. tem o material e os instrumentos. pois. ain­ da. Isto era tudo o que desejávamos estabelecer. então passa a desejar construir uma casa. demonstramos que o fato de um ser agir em uma hora e não agirem outra não envolve uma mudança em seu próprio ser. quando encontra obstáculos. Alguém pode perguntar: “Admitindo que isto esteja correto. Esta obje­ ção está refutada e nossa teoria não foi abalada por ela. mas não a constrói por causa de alguns obstáculos. Está claro. e a vontade. No entanto. que independe de causas externas. Está claro agora que o termo vontade é utilizado de forma homônima para a vontade humana e a vontade de Deus. Assim. para ele. não existe qualquer motivo que o obrigasse a atuar. dotado de livre arbítrio e que realiza determinados atos para com outro ser. pois sua ação segue sim­ plesmente a vontade. na ausência de obstáculos. . Do mes­ mo modo. nem requer uma causa externa. e o fato de desejar uma coisa em um dia e outra diferente em outro dia não implica uma mu­ dança na essência deste ser. não estar preparado caso falte os instrumentos apropriados ou. A nossa difícil e profunda refutação a esta proposição. ela se dirige a um objetivo externo e muda de acordo com os obstáculos e circunstâncias. ele é obrigado a procurar refúgio. não é levada adiante. devido a determinados obstáculos ou mudanças. Por exemplo: al­ guém deseja ter uma casa. é a seguinte: todo ser. Mas a vontade de um Ser Puramente Espiritual. quando a ação não tem outro objetivo senão o de satisfazer a vonta­ de. item. 7 Veja Terceira Parte. mostrarei nos ca­ pítulos seguintes que ela é preferível à do ponto de vista dos filósofos e exporei os absurdos concernentes à teoria de Aristóteles. e que estes. Assim como ignoramos porque a Sabedoria de Deus produziu nove esferas nem mais nem menos . segundo a opinião dos filósofos. Estes fatos somente provam que os Céus nos inspiram a acreditar na existência das Inteligências Separa­ das. 69. do que aquela fornecida pelos Céus. cap. en­ quanto um pouco tempo antes ele não existia. nem da aparente concordância dos textos bíblicos com esta crença. 13 e 17. Sua Vontade é idêntica à Sua Sabedoria e todos os Seus Atributos são uma e a mesma coisa. ou seja. mas como a Essência desta Sabedoria é eterna. tal como acreditamos. Demonstrada a nossa teoria. e que esta não é impossível como afirmam os defensores da Eternidade do Universo. esta objeção à nossa teoria cai por terra.ou porque Ele fixou o número e a medida dos astros exatamente como são. Mas também. os Céus evidenciam a existência de um Ser que os colo­ ca em movimento e este Ser não é nem um corpo material nem uma força residente em um corpo.O GUIA DOS PERPLEXOS O terceiro método empregado para provar a Eternidade do Universo é este: quando a Sabedoria de Deus decide produzir algo. levou o Universo a existir. levam-nos a acreditar na existência de Deus.7 Portan­ to. também não podemos entender porque Sua Sabedoria. Prim eira Parte. cap. Sua Providência. por sua vez. Este argumento é muito fraco. (Maeso) . o que resulta da Sua Sabedoria também deve ser eterno. quando descreviam os Céus como a habitação dos anjos e de Deus. desde que. nem do fato citado por Aristóteles acerca do consenso geral dos povos antigos. segundo a nossa opinião (de que Deus não tem atributos). Não há evidências da teoria da Eternidade do Universo. pois Ele os coloca em movimento e os governa. em um dado momento. Tudo é conforme a sua Sabedoria Eterna e Constante. ideais e anjos. mas ignoramos os caminhos e métodos desta Sabedoria. é produzido. Explicaremos e demonstraremos que não há melhor evidência da exis­ tência de um Criador. isto é. como já mencionamos. pois se este fosse o caso. Para isso é necessário que o todo. Também é dito que o Universo não é resultado de projeto. é evidente que tudo quan­ to existe é resultado de um projeto e não somente de uma necessida­ de. Meu propósito neste capítulo é lhe explanar. nada muda de forma alguma a sua essência e uma mu­ dança deste tipo é impossível em qualquer ser existente. causa e efeito.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO CAPÍTULO 19 PLANO DA NATUREZA. pois Ele. Mas nem todo projeto está sujeito a mudanças. segundo nossa opinião. e este efeito é necessário. por que ou como ele existe de um modo particular. como expli­ caremos. Por outro lado. por meio de . exis­ tam de modos particulares. Uno e Incorpóreo —do mesmo modo não há como quesdonar sobre o Universo inteiro. pois sua natureza é imutável. mudança ou desejo. que planejou tudo. Conclui-se que a natureza de tudo perma­ nece constante. ele não existiria antes de o projeto ser concebido. pode modificá-lo quando muda Seu projeto. deduz-se claramente que o Universo é inseparável de Deus. Assim como não se explica porque ou como Deus existe de determinado modo —ou seja. há coisas que são impossíveis de alterar. pois é impossível não existirem ou serem diferentes do que de fato são. PROVAS EM FAVOR DA C REATI O EX NIHILO. Ele é a causa e o Universo é o efeito. REFUTAM-SE ALGUMAS FALHAS DA TEORIA ARISTOTÉLICA Do sistema de Aristóteles e de quantos professam a Eternidade do Universo. se combinam. a substância se transforma nos elementos a partir dos quais todas as coisas são formadas. Pois a substância comum.8 Estabelecerei este princípio somente quando necessário e apenas por meio de proposições filosóficas baseadas na natureza das coisas. seguirei com a discussão do nosso tema de um ponto de vista aristotéüco. cap. Os Mutakálemim estabeleceram o Princípio da Determinação mediante suas proposições. Não se deve pensar que eles compreende­ ram o princípio do mesmo modo que nós. do frio. em princípio. indubitavel­ mente. quando se trata de uma planta ser vermelha e não branca ou doce e não amarga. mediante estas quatro formas. mas sim que. quaisquer das suas proposições que tentei explicar e que pretendiam estabelecer o princípio da Seleção Divina. 73. da umidade 8 Veja na Primeira Parte . eles não distinguem entre seleção . que lhes deu o formato geométrico peculiar e não uma forma triangular ou quadrilátera. então. A composição dos elementos ocorre do seguinte modo: primeiro são misturados como conseqü­ ência do movimento das esferas celestes e. o objetivo era o mesmo e abordaram os temas de que vou tratar. Por que então as espécies das coisas variam? Por que os indivíduos dentro de cada espécie são diferentes uns dos outros? Aristotélicos-. Estes pressu­ postos são aceitos por aqueles que defendem a Eternidade do Univer­ so. ainda. quando refletiram sobre a Seleção Divina. admitir a existência de átomos ou a criação sucessiva de acidentes. cada forma foi dotada de duas qualidades e. ignorar a natureza existente das coisas. Então. ou. deve haver uma causa exter­ na que dote esta matéria parcialmente de uma propriedade e parcial­ mente de outra. Porque a substância das coisas formadas daquela subs­ tância varia. . Assentada esta proposição. Mas antes de iniciar meu argumento apresentarei os seguintes fatos: a Ma­ téria é comum a diferentes coisas. recebeu quatro formas. Nós: Você provou que todas as coisas no mundo sublunar têm uma substância comum. e determinação . que o Universo nos dá evidências de um projeto. como no caso dos Céus. enumeradas anteriormente. na forma de um diálogo. No entanto. No entanto. ou deve haver tantas causas diferentes quantas são diferentes as formas da matéria comum a todas as coisas. não cairei no erro dos M utaká­ lemim-. A causa da variação depende da gradação do calor.130 O GUIA DOS PERPLEXOS argumentos muito próximos à demonstração. Sendo retilíneo o movimento dos elementos e circular o das esferas. Quando. mais à frente. inferimos que as substâncias são diferentes. ou vice-versa. tornando-se terra. por sua vez. . ou seja. Esta inferência é apoiada pelas Ciências Naturais. mais sólida e menos luminosa ela é. o que preparou a Primeira Substância para que uma parte recebesse a forma de fogo. aproximando-se da natureza daquela esfera. são novamente preparadas para receberem novas for­ mas e. tanto em relação à qualidade quan­ to à quantidade. E certo e claro para qualquer um que conheça corretamen­ te a verdade. e não deseja se enganar. Nós: A substância da esfera circundante. mais densa. A diferença de localização determi­ nou as diferentes formas. as coisas são dispostas de modos variados a fim de receberem diferentes formas. como foi demonstrado pelos filósofos modernos. a parte mais próxima da esfera circundante tornou-se mais rarefeita e com movimento mais suave. e os indivíduos da espécie variam de acordo com esta relação. pois os diferentes lugares prepararam a mesma substância de formas diferen­ tes. e recebeu por meio desta preparação a forma de fogo.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO e secura dos elementos que formam as partes constituintes das coi­ sas. as quais. A substância é diferente e as formas são diferen­ tes. assim. você. é a mes­ ma daquela dos elementos? Aristotélicos: Não. Por meio destas diferentes combinações. leitor deste Tratado. O termo corpo é utilizado de modo homônimo para os corpos de baixo e os dos Céus. Nós: Dado que a combinação de elementos prepara e permite às substâncias receberem diferentes formas. É necessariamente assim. outra a de terra. Quanto mais longe a substância está da esfera circundante. os Céus. Cada forma genérica encontra uma grande esfera em sua substância. pois seria absurdo negar que cada parte da subs­ tância está em um determinado lugar ou afirmar que a superfície é idêntica ao centro. e as intermediárias entre elas recebessem as formas de água e a de ar. se há uma substância comum a todas? O que fez a substância da terra mais apropriada para a forma de terra e a do fogo para o fogo? Aristotélicos: O fator determinante é a diferença de posições. Tudo isso está demonstrado. sucessivamente. em direção ao centro. Escute agora. o mesmo princípio serve para a formação da água e do ar. predispôs a substância a receber dife­ rentes formas. Aristóteles demonstrou que a diferença de formas torna-se evidente pela diferença das ações. ou seja. isto é. Tudo isto está plenamente explicado pelas Ciências Naturais. resultado das leis da Natureza e não do projeto de um Ser que o idealiza como quer. ou da determinação de um Ser que decide como lhe agrada. concluiremos que suas formas são diferentes. Ainda que ele não mencione explicitamente a objeção. e pode-se afirmar que tudo ocorre em virtude do movimento e das influências das esferas celestes.nem isso é possível —empenhado em encontrar o motivo pelo qual a esfe­ ra se move do Leste e não do Oeste. pois uma se move de Leste para Oeste e a outra. Esforça-se para indicar as causas de tudo isso com o objetivo de nos mostrar que o todo ordenado é resultado das leis da Natureza. Entretanto. umas se movem para cima. Podemos perguntar para Aristóteles: dado que todas as esferas têm matéria idêntica e cada qual tem uma forma particular. pois tudo quanto nos expõe com respeito ao mundo terre­ no está de acordo com os fatos. assim como mostrou a natureza das coisas do mundo terreno. além de Deus? Devo chamar sua atenção para a profundidade e a perspicácia extraordinária de Aristóteles quando esta questão o perturbou. outras para baixo. Portanto. segundo ele. não demonstra claramen­ te a relação causai. nem explica o fenômeno de modo sistemático . a relação entre causa e efeito é claramente demonstrada. Ele se esforçou muito para lidar com esta objeção por meio de argumen­ tos que. Mais adiante tenta mostrar porque há esferas para cada um dos sete planetas. no entanto. depreende-se de suas palavras o desejo de nos apresentar sistematicamente a existência das esferas. Ele não foi bem sucedido em seu objetivo. aprendemos que há quatro elementos. diferem entre si. e que as substâncias que se movem na mesma direção têm velocidades diferentes. Por argumentação análoga segue-se necessariamente que todas as esferas celestes cons­ tam da mesma matéria. enquanto há uma só esfera para o número enorme de astros fixos. mas. Assim. não corroboraram os fatos. quem então determinou e predispôs estas esferas a receberem formas diferentes? Há por trás das esferas algum ser capaz de determinar isto. no tocante à forma. de Oeste para Leste. Mas seu argumento não se sustenta. ele considera como causa destas diferenças suas posições distintas em relação à Esfera Circundante. quando trata das propriedades das esferas. seus movimentos diferem também em velocidade. Pelo fato de algumas esferas se moverem mais rapidamente e outras mais lentamente.O GUIA DOS PERPLEXOS mostrarmos que as substâncias com movimento retilíneo diferem quan­ to às suas direções. Tudo é. porque todas elas se movem de modo circular. conhecimento e opinião”. Portanto. mas ao nosso zelo no estudo da filosofia. Qualquer um que ouça isto deverá se regozi­ jar e ficar satisfeito.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO 133 como a hipótese das leis naturais demandaria. em relação às esferas. em outro caso. Mas agora explicarei as palavras “segundo nossa capaci­ dade. Ao dizer “nossa opi­ nião”. observamos o inverso. que a existência de cada uma destas coisas se deve a uma determinada causa e não a uma possibilidade. ao atribuir em sua obra Metafísica uma Inteligência Separada para cada esfera ce­ leste. a saber. Em suma. nos dias de Aristóteles. inscritas na passagem citada. observamos que uma esfera dotada de movimento mais rápido se coloca atrás de uma esfera mais lenta e. São suas palavras literais. entenda-se nossa incapacidade para descobrir as causas de todas estas coisas. Dedi­ carei um capítulo especial deste Tratado a eles. A expressão “nosso conhe­ cimento” indica o conhecimento daquilo que é claramente e geralmente aceito. enquanto as demais esferas se movem com maior . Por nossa capacidade. Mais adiante demonstrarei que ele nada conse­ gue com isto. E evidente que reconhecia a insuficiência de sua teoria. Em um terceiro caso. uma atrás da outra. e assim o fez. pois não as vi esclarecidas por nenhum dos comentaristas. que é nosso dever analisar e discutir de acordo com a nossa capacidade. pois quando examinamos questões elevadas e transcendentais nos esforçamos para oferecer uma solução apropriada. Mas nada deverá ser atribuído à presunção e ao orgulho. por isso prefaciou suas pesquisas assim: Queremos agora investigar detidamente duas questões. pois dá uma excelente razão para o fato de a esfera dos astros fixos se mover lentamente. Ele somente quis traçar as causas para algumas delas. sabedoria e opinião. Há também outros fenômenos que vão fortemente contra a hipótese de que tudo é regulado pelas leis da Natureza. Penso que o objetivo de Aristóteles. ele se refere ao princípio de que tudo é resultado das leis natu­ rais ou à teoria da Eternidade do Universo. há duas esferas com velocidades iguais. era o de assumir a existência de algo capaz de determinar o curso peculiar de cada esfera. os movimentos das esferas não eram tão bem conhecidos como são atualmente. com certeza Aristóteles sabia da fraqueza de seus argu­ mentos ao traçar e descrever a causa de todas estas coisas. que parece ainda mais fraca quando nos lembramos que a Astronomia não estava plenamente desenvolvida e que. por menor que seja. mas sim dos seus movimentos. teria sido excelente. Eu não diria que a diferença é pequena. mas a velocidade destas esferas seria praticamente a mesma que a da nona esfera. entre suas substâncias e formas”. com três tipos diferentes de formas. 2) Corpos que estão sempre em movimento. como os astros. Já Abu Nasr (Al Farabi). Afirmamos que existe um Ser que determina a direção e a veloci­ dade do movimento de cada esfera —ainda que ignoremos o modo como a Sabedoria deste Ser deu. Há um fenômeno ligado às esferas celestes que mostra claramente a existência de uma determinação voluntária. afirmou que: “Entre as esferas e os astros existe uma diferença: as esferas são transparentes. 3) Corpos ora em movimento. Mais grave ainda é a seguinte objeção: há esferas abaixo da oitava esfera que se movem do Leste para o Oeste. sua propriedade pecu­ liar. A Astronomia. a saber: 1) Corpos que nunca se movem por vontade própria. à época de Aristóteles.O GUIA DOS PERPLEXOS velocidade. A razão disto é que há uma diferença. còmo já disse. maior é a sua velocidade. não estava tão desenvol­ vida como hoje. quanto mais afastada se encontra uma esfera da oitava. esta regra não parece boa a nenhum dos casos. A variedade daqueles movimentos seria explicada do mesmo modo que a variedade de elementos. a cada esfera. mas não é este o caso. por sua posição relativa ao centro e à superfície. qual seja. cada esfera de cima deveria ser mais rápida que aquela abaixo dela. tudo isso é facilmente explica­ do. Este fenômeno é a existência dos astros. ora em repouso. Segundo a nossa teoria da Criação. em seus comentários sobre a Física (Acroasis) de Aristóteles. porque o seu movimento ocorre em direção oposta (do da Esfera Circundante). . pois não o deduzo da transparência das esferas. Afirma posteriormente que. Se Aristóteles fosse capaz de explicar a diversidade de movimen­ tos nas esferas e de mostrar que estão de acordo com suas respecti­ vas posições. Ele não pode ser explica­ do de outra forma a não ser assumindo que algum ser o projetou. como os elementos. como as esferas. O fato de se encontrarem as esfe­ ras constantemente em movimento e os astros estarem sempre fixos demonstra que a substância dos astros é diferente da substância das esferas. mas enorme. os astros são opa­ cos. Porém. Estas são suas palavras textuais. como já expli­ quei. Estou con­ vencido de que há três tipos diferentes de substâncias. De acordo com esta regra. Como. e a única questão é esta: qual é a causa deste projeto? A resposta é que tudo foi feito com um propósito deter­ minado. por que um astro em particular ocupa um lugar e não outro? É muito difícil responder a estas questões e a outras se­ melhantes. suas dimensões. há um grande espaço vazio.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO Pergunto agora: o que juntou estas duas matérias —entre as quais há. enquanto. sem a existência de um projeto. uma pequena diferença —e quem preparou estes corpos para esta união? Em suma. em determinado local há um grupo de dez aglomerados. dois corpos diferentes se unissem um ao outro de modo a se fixarem em um determinado lugar. Abrahão refletiu sobre os astros. Encontro a melhor prova para o projeto do Universo nos diferen­ tes movimentos das esferas celestes e na posição fixa dos astros nas esferas. seria estranho que. como sustenta Aristóte­ les. as quantida­ des e os movimentos de suas diversas esferas carecem de objetivo e são produtos do acaso? Não há dúvida de que todas estas coisas são necessárias e seguem um determinado projeto. se assumirmos que tudo emana de Deus como resultado necessário de determinadas leis permanentes. que não conhecemos. mas nada foi feito em vão ou por acaso. . O que determinou que aquela pequena parte tenha dez astros e esta outra. Assim. Mas se admitimos que tudo isso é resultado de um projeto. mas por um propósito determinado. nenhum? E. E sabido que as veias e nervos de um cão ou de um asno não são produto do acaso. nem são suas proporções pura casualidade. um desce em direção reta e outro se enrola sobre si. na minha opinião. uma diversidade extrema ou. é extremamente im­ provável que sejam o resultado necessário das leis naturais. Todos são esféricos. em outro lugar. outros pequenos. Abrahão possuía grandes conhecim entos astronômicos e todos os reis do O riente e do Ocidente o consultavam (Maeso). uns grandes. um nervo se ramifica e outro não. Por este motivo você descobrirá que os Profetas utilizaram os astros e as esferas como provas da existência necessária da Divindade. tampou­ co uma veia é grossa e a outra é fina por acaso. há dois as­ tros aparentemente a uma distância de um cúbito um do outro. É ainda mais difícil explicar a existência de muitos astros na oitava esfera. portanto. uma pessoa inteligente imaginaria que as posições desses astros. e sabemos que tudo isto deve ser assim como é. nada há de estranho ou improvável. que não combinasse com um de­ les. Da mesma forma. sendo o cor­ po da esfera uniforme.9 Isaías (40:26) 9 Segundo o Talmud . conforme o juízo de Abu Nasr. como é sabido. pois a variedade de coisas no mundo terreno. cap. 70: “Ele que cavalga nos Céus” (Deuteronômio 33:26). como se sabe. usa a frase por nós explicada na Primeira Parte. como foi demonstrado por Aristóteles. retornamos ao nosso ponto de partida e declaramos que todas as esferas estão constituídas por uma só e idêntica matéria. então se deve concluir que [o Universo] foi criado a partir de sua inexistência ou a Creatio ex nihilo não é a explicação adequada e foi o Ser quem determinou que tudo fosse sempre assim? Alguns que acreditam na Eternidade do Universo defendem a últi­ ma consideração. Abrahão O chama de: “Deus dos Céus” (Gênesis 24:7). Mas quem determinou a variedade de esferas e astros. Devemos então afirmar que a natureza e essência de cada esfera necessita ter seu movimento em determinada direção e de uma determinada maneira. como conseqü­ ência do seu desejo em se aproximar de sua Inteligência. embora sua substância seja uma e a mesma. e ou­ tra até o Oeste? Você acredita que esta Inteligência se encontra no Leste e a outra no Oeste? E por que uma se movimenta com grande velocidade e a outra lentamente? Esta diferença não tem relação com as distâncias entre elas. 51:15). expondo o procedente a esse respeito. . senão a Vontade de Deus? Dizer que foram as Inteligências Separadas é totalmente inútil. A com­ provação acerca dos Céus é convincente. o Leste. pois elas são incorpóreas e não têm relação direta com as esferas. Então por que uma esfera faz o movimento de atração até sua Inteligência Separada. Temos então que exa­ minar duas questões: 1) E ou não necessário admitir que a variedade das coisas no Uni­ verso é resultado de um Projeto e não de leis fixas da Natureza? 2) Supondo que tudo isso seja resultado de um Projeto. pode ser explicada como obra das influências das esferas ou como resulta­ do da variedade na posição da substância em relação às esferas. Aristóteles expressou claramente sua opinião. Assim. 10:12.136 O GUIA DOS PERPLEXOS exorta-nos a aprender com eles sobre a existência de Deus: “Levante ao alto vosso olhos e veja: Quem criou estas coisas?”. Jeremias [cha­ ma Deus] de “O Criador dos Céus” (Jeremias 32:17. o Príncipe dos Profetas. O que faz a natureza de uma porção ser diferente da outra? Por que uma esfera tem um desejo que produz um movimento diferente da­ quele produzido pelo desejo de outra esfera? Isto deve ser realizado por um agente apto a determinar estas coisas. e Moisés. Nos capítulos seguintes abordarei estas duas ques­ tões. Tudo isto está claro. tanto em relação à sua essência. o calor do fogo ou a tendência de uma pedra à queda são propriedades constantes. como o Universo. mas todos os produtos da Natureza rea­ parecem ou constantemente ou freqüentemente. permanecem constantes e são imutáveis. na sua totalidade. bem como a rotação e o m ovi­ mento das esferas. pode ser considerado resultado do acaso? Logo. assim como a forma e o modo de vida dos indivíduos em cada espécie. com tudo o que encerram. na maioria dos casos. quanto ao seu lugar. Eis aqui a objeção que Aristóteles levanta contra um dos antigos filósofos que admiti­ ram que o Universo é fruto do acaso e passou a existir por si mesmo. sem causa alguma: Alguns assumem que os Céus e todo o Universo passaram a existir espontaneamente. Eles . Esta opinião implica um grande absurdo. Por exemplo. como já foi explicado. Se as partes do Universo não são acidentais. que produziu a variedade de coisas e estabeleceu a organização atual. são os mesmos. a existência do Universo não é casual. Quanto aos Céus. Mas no mundo terreno encontramos tanto coisas constantes quanto coisas que reaparecem freqüentemente (embora não constantemente).SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO IJJ CAPÍTULO 20 OBJECÕES À TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO Aristóteles demonstra que nada na Natureza se origina por acaso e formula sua hipótese nestes termos: o acaso não reaparece continua­ mente nem freqüentemente. sem dúvida não acredita que. assumida por Aristóteles. Eles não admitem que tudo possa ter se criado ao acaso. é também impossível conciliar estas duas teorias: a da origem espontânea das coisas com a da Criação pelo desejo e vontade de um Criador. o mundo seja obra de uma fatalidade cega e que tenha surgido de uma causa que opera sem consciência de sua obra. Somente aqueles que não compreendem suas palavras atribuem estas idéias a Aristóteles. Ele usa o termo necessário aqui com o mesmo sentido de quando afirmamos que o inteligível necessariamente deriva do intelec­ to. rejeitou-a fortemente. ao contrário. Por outro lado. o qual é agente do inteligível10. o calor. sem a ação de qual­ quer causa ao contrário do que acontece com as plantas e os animais. com pro­ priedades próprias. do fogo ou a luz. do mesmo modo como a som­ bra se origina do corpo. Mas não penso que. Esta é a opinião e a argumentação de Aris­ tóteles. da qual deriva tudo o que existe. não quer dizer que a existência do Universo é necessariamente produto de um Criador. então. não são acidentais. são exatamente como são. Mesmo Aristóteles sustenta que a 10 “Aristóteles. pois é impossível que a série continue até o infinito. Pois a existência necessária. ainda. Deus é a causa do inteligível. ou seja. Ele. entre todos os corpos. da Primeira Causa. mas de uma determinada semente da qual somente uma oliveira é produzida e de um determinado sêmen do qual somente um ser humano se desenvolve. divinos e que passaram a existir espontaneamente. . ainda que considere a existência do mundo como um a coisa ne­ cessária. mas sim que. e para a segunda. A série de causas termina com a Primeira Causa. Aristóteles examinou esta teoria e. há uma causa que justifica esta condição e. do Sol. por isso. como o corpo que origina a sombra. é necessariam ente pensado e compreendido pelo intelecto” (Munk). contudo. pois são essenci­ ais . Como é impossível conciliar dois opostos. a razão ou o que for . para tudo que não é produto do trabalho. Fica patente que Aristóteles argumenta e prova que todos estes seres não existem por mero acaso. o qual. isto é. afir­ mam que os Céus e os corpos celestes são. enquanto isso. segundo ele. seja esta a Natureza. para esta causa há outra causa. a rejeição da origem espontâ­ nea das coisas implica a admissão do Projeto e da Vontade. que o produz e.138 O GUIA DOS PERPLEXOS admitem que animais e plantas não surgiram nem nasceram por aca­ so. de uma semente ou sêmen. por esta causa. mas por uma causa determinada. uma terceira e assim por diante. deve ser compreendida no sentido de que. há uma determinada causa. satisfeita e se compraz com aquilo que necessàriamente se origina dela. A noção de projeto e determinação se aplica somente às coisas que ainda não existem. abordarei as opiniões destes filósofos modernos. os olhos e as mãos de um homem não são resultados de seu projeto. segundo este projeto. ou se. não é devido a sua própria determinação que ele adquiriu estas propriedades e é capaz de realizar certas ações. e determina­ ção. quando há apenas a possibilidade de existirem ou não. acreditando que não entram em conflito com a teoria da Eterni­ dade do Universo. Não sei se os modernos aristotélicos entende­ ram as implicações das palavras de Aristóteles de que a existência do Universo pressupõe alguma causa.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO Primeira Causa é o intelecto mais elevado e mais perfeito. e é impossível que Seu desejo fosse diferente. Ele ainda afirma que a Primeira Causa é agradecida. satisfeito. pois não há nada em comum com um projeto. A partir do exposto. Por exemplo: um homem está agradecido. na forma de um projeto. Apesar disso. tem prazer em ser dotado de olhos e mãos e é impossível que desejasse outra coisa. em oposição a ele. admitiram os conceitos de projeto e determi­ nação. . Mas não chamaremos isso de Projeto. do mesmo modo a relação entre Ele e Sua obra difere da existente entre nós e nossas obras. projeta e determina sua existência e forma. partidários da Eternidade do Universo. por eles. pois em todo agente. Ele é sempre um agente atuante. Admitem ainda que uma mudança em Sua ação ou vontade é impossível. mas .SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO CAPÍTULO 2 1 A TEORIA DA CREATIO EX NIHILO É PREFERÍVEL À DA ETERNIDADE DO UNIVERSO Alguns filósofos modernos. pelo fato de que isto é exa­ tamente assim em tudo o que nós produzimos. defendem a idéia de que Deus produz o Universo e que Ele. por Sua Vontade. há momentos de inatividade e. Mas com relação a Deus não há momentos de inatividade ou de po­ tencialidade em nenhum sentido. a teoria de que isto ocorreu em um momento determinado e admitem que sempre foi assim e sempre será. ou seja. O motivo pelo qual não podemos imaginar um agente a não ser que exista precedente ao re­ sultado de sua ação é explicado. como nós. no entanto. E assim como há uma diferença abismai entre Sua essência e a nossa. Eles apli­ cam o mesmo argumento à vontade e determinação. quer. projeta ou determina. em virtude disso. somos somente agentes em potência. pois não há dis­ tinção entre dizer: Ele atua. Rejeitam. Fica então claro que estes filósofos abandonaram o termo resultado necessário. tornamo-nos agentes ao agirmos. Ele não se coloca antes da Sua obra. Nós dizemos. e esta. seleção e determinação de Deus. por exemplo. a Terceira. que o Universo é resultado da ação e determinação de Deus. segundo o ponto de vista de Aristóteles. umas sem as outras. O mesmo se afirma do concer­ nente às esferas e à matéria-prima. Entendido isto. Do mesmo modo como. queremos explicar que o Universo não é o resultado necessário da existência de Deus. explicarei exatamente o que Aristóteles quer dizer com resultado necessá­ rio'. este não é o nosso conceito de Projeto. No entanto. a qual resumimos no capítulo 4. segundo a teoria de M oshé Rabênu. que o Universo é resultado da Primeira Causa e deve ser eterno. da terceira. o nascer do Sol produz o dia sem que necessariamente o preceda. em seguida lhe explanarei. ao mesmo tem­ po. fica claro que ele não pretende afirmar que uma coisa preexistiu e que dela tenha se originado a segunda como seu resultado necessário. dado que estas coisas não antece­ dem umas às outras. que o Universo é resultado da ação. Mas é a mesma coisa se dis­ sermos. e que as esferas são o resultado necessário da existência das Inteligênáas Separadas. significando que a Primeira Inteligência é a causa da existência da segunda. ou se aquela variedade se deve a um agente determinante. na ordem das passagens relacionadas a isso. segundo ele. Por isso. e a Segunda Inteligência é resul­ tado da existência da Primeira. porque eu prefiro a teoria da Creatio ex nihilo.I/J-A O GUIA DOS PERPLEXOS mantiveram a sua teoria. nem existem. No último caso. é somente uma causa eficiente que deve necessariamente produzir aquela variedade e seu efeito. compreenderemos facilmente quão absurdo é dizer que o Universo está para Deus assim como o efeito está para a causa eficiente e considerar. pois ele nega que um destes seres teve um início. sem dúvida alguma. assim como o efeito é o resultado necessário da causa eficiente. Procuraram talvez usar uma expressão me­ lhor ou remover um termo questionável. Antes de discutir isto. Por resultado necessário expressa simplesmente a relação causai. da Segunda e assim por diante. segundo estes filósofos. Exposto o tema. mas sempre foi as­ sim e sempre será. admitida pela variedade de propriedades percebidas nos seres celestes. que o resultado necessário das qualidades . e assim sucessiva­ mente até a última das Inteligências. o efeito não pode ser separado de sua causa. co­ nhecida e estudada por você. assim como a causa é eterna ou. Quando Aristóteles declara que a Primeira Inteligência resulta ne­ cessariamente da existência de Deus. a menos que esta mude totalmente ou em parte. discutiremos se a causa. por meio de argumentos filosóficos li­ vres de qualquer falácia. como acreditamos. vontade. projeto. nem que estas últimas sejam resultado necessá­ rio das quatro primeiras qualidades. Nos capítulos seguintes. a porosidade e a solidez. a da Creatio ex nihilo. tudo além daquele Ser é resultado necessário deste. porosidade e solidez e qualidades similares. afirma que uma porção é resultado de outra e continua a série até a Primeira Causa —assim denominada por ele —ou Primeiro Intelecto. ambos significam a mesma coisa.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO 143 primárias são a aspereza e a maciez. Exatamente deste modo que o termo resultado necessário é usado por Aristóteles quando. dureza e moleza. a dureza e a moleza. inexistente anteriormente. . com uma diferença: para Aristóteles. exporei as minhas provas a favor da supe­ rioridade da nossa teoria. não o de agente e seu produto. se preferir este termo. pois a relação entre os dois tipos de qualidade é o de causalidade. Para nós. Também é impossível que exista um corpo que. umidade e secura sejam as causas da aspereza e maciez. passou a existir de­ vido a Sua Vontade. para nós. careça das segundas. possuindo as primeiras. de modo que o Universo. ao se referir ao Universo como um todo. aquele Ser criou o Universo como um todo com projeto e vontade. pois ninguém duvida que calor. como já mencionei. frio. enquanto que. acidentes não são produzidos aleatoriamente por acidentes. há alguma relação de causa e efeito. Por exemplo. Se­ gundo este axioma. Uma coisa composta de matéria e forma produz determinadas coi­ sas de acordo com a sua matéria e outras de acordo com a sua forma. enquanto um com­ posto pode produzir tantas coisas quantos forem os elementos sim­ ples nele contidos. Aristóteles sustenta que a emanação direta de Deus deve ser uma Inteligência Simples. Segunda proposição : Uma coisa não é produzida aleatoriamente por outras coisas. qualidade não é ca­ paz de originar quantidade ou vice-versa. não mais do que isso. . aquece mediante o calor e seca em virtude desta secu­ ra. Terceira proposição : Um agente único que age com projeto e vontade. e não somente por força das leis da Natureza. é capaz de produzir diferentes objetos. Uma forma não se origina da matéria nem vice-versa.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO CAPÍTULO 22 A S DIFICULDADES DE COM PREENSÃO D A N AT U R EZA E DO M O V IM E N TO D A S ESFERAS DE A C O R D O CO M A TEO RIA DE ARISTÓ TELES D ESAPARECEM DIANTE D A IDEIA DO U N IVE R ­ SO C R IA D O POR DEUS Umaproposição aceita por Aristóteles e por todos os filósofos é que uma coisa simples somente produz outra coisa simples. se tanto matéria quanto forma consistirem de vários elementos. Portanto. o fogo contém duas qualidades calor e secura — . o Primeiro Intelecto é. maior a multiplicidade do seu composto. paten­ te que esta emanação não pode ocorrer por força das leis da Nature­ za. um composto somente deriva de um composto? Deve haver. faço a seguinte ques­ tão: Aristóteles sustenta que a Primeira Inteligência é a causa da Se­ gunda e esta. Além disso.O GUIA DOS PERPLEXOS Q uarta proposição-. a substância e a forma da esfera e ainda a substância e a forma do astro fixo naquela esfera —se. 19). Fica. um elemento. do qual deriva o cor­ po da esfera e outro elemento. quanto mais as Inteligências se afastam (do Prim eiro Intelecto). pois. portanto. até milhares de graus. Um todo. que contém duas substân­ cias e duas formas — quais sejam. portanto. devido ao gran­ de número de objetos compreensíveis pelas Inteligências. do qual deriva o corpo do astro. então como um elemento simples produziria a esfera. carne. do modo como se compreende —era composta de dois elementos —produz a próxima Inteligência por meio de um elemento e uma esfera por meio do outro. permanece a questão: por meio de qual lei da Natureza as esferas celestes emanaram das Inteligências? Que rela­ ção existe entre seres materiais e imateriais? Ainda supondo que acei­ temos que cada esfera tenha emanado de uma Inteligência na forma enunciada. veias e nervos são mais simples que a mão ou o pé. Mas. Tudo isto está claro e não precisa de maior explicação. é sabido que todo corpo tem sua própria matéria e sua própria forma. simples. Já mencionamos isto (cap. . mas é possível que os astros luminosos não tenham a mesma substância que os astros não-luminosos. como defende Aristóteles. e assim por diante. é mais um composto do que um objeto cujos diferentes elemen­ tos estão inteiramente combinados. que a Inteligência. Como uma forma composta de coisas exis­ tentes viria de um Intelecto deste tipo segundo as leis fixas da Natu­ reza. veias e nervos. não podemos afir­ mar que esta diferença é resultado de determinadas leis da Natureza. Agora. como sustenta Aristóteles? Concordamos com ele quando afir­ ma que. da terceira. Exemplo: ossos. Nem a diferença de movimento das esferas segue a ordem destas posições e. integrado por vários elementos justa­ postos. de acordo com as leis da Natureza. se admitirmos uma série desse tipo. sem dúvida alguma. A partir da apresentação destas proposições. ainda que se admita isto. que são uma combinação de ossos. Isto seria necessário mesmo que a substância de todos os astros fosse a mesma. carne. Ele nem pode tentar fazer isto e é totalmente impossível. todas estas dificul­ dades desaparecem. se não se admite que cada uma delas tem a sua substância peculiar e se. segundo Sua Sabedoria incompreensível. nas propriedades das esferas celestes. para isto. de modo a se unir sucessivamente a cada um dos astros. as formas e os acidentes trocariam de lugar. Por que. Essa é uma teoria que. por outro lado. quando usado para as esferas ou para os astros. Elas surgem quando consideramos todo o Uni­ verso não como resultado do Livre Arbítrio. mas como resultado das leis fixas da Natureza. não poderia. como ocorre com as coisas na Terra? Simples­ mente porque suas substâncias são aptas a tais mudanças? Se a subs­ tância de todas as esferas é a mesma. mas é aplicado para os dois casos como homôni­ mos. o movimento peculiar de cada esfera não é devido ao caráter especial de sua substância. isto não au­ mentaria Sua perfeição. o que os distingue uns dos outros? As formas? Ou os acidentes? Qualquer que seja o caso. por que razão a forma desta esfera não combina com a substância de outra. Assim. razão ou argumento suficiente.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO Há. segundo ela. outra circunstância oposta às leis da Natureza. não tem o mesmo significado que ao ser usado para as coisas terrestres. . diferente de todos os demais seres. poderia até diminuí-la. para Ele. o movimento circular é comum a todas as esferas e por que a posição fixa dos astros em suas respectivas esferas é comum a todos os astros? Se admitirmos o projeto e determinação de um Criador. e. Isto mostra que o termo substância . pois. desde que sua subs­ tância (sendo a mesma) admita essas combinações (com qualquer uma das formas ou acidentes). contrariando todos os prin­ cípios. Se a substância de todas as esferas é a mesma. ao contrário. não está em harmonia com a ordem existente das coisas e não oferece. Deus. se todos os astros têm a mesma substância. Caso Ele pudesse. por que então uma determinada forma permaneceria constantemente unida a uma determinada substância? Novamente. desejar qualquer mu­ dança na ordem existente das coisas. está em tal relação com o Universo que nada pode mudar. por um lado. implica muitas e grandes improbabilidades. cuja perfeição em todos os níveis é reconhecida por toda pessoa inteligente. Isto indica também que qualquer um dos corpos das esferas tem sua forma peculiar de existência. se Ele dese­ jasse aumentar a asa de uma mosca ou reduzir o número de pernas de um verme. segundo alguns pontos de vista. Segundo Aristóteles. então. que deseja mantê-las ou defendê-las. devem ser propostas as duas hipóteses mais opostas. pois todos quantos seguiram Aristóteles acreditaram que suas opiniões eram. as menos sujeitas a dúvida. considero necessário esclarecer algo sobre o tema. Enumeramos as objeções levantadas contra cada ponto de vista e mostramos como a teoria da Eternidade do Universo é sujeita a for­ tes objeções. a fim de ressal­ tar as dúvidas Inerentes a cada uma delas e aceitar a mais verossímil. Sustento que a teoria de Aristóteles é absolutamente correta com respeito às coisas que existem entre a esfe­ ra lunar e o centro da Terra. nem afirmativamente nem negativamente. por isso. o que a leva a ignorar fatos claros. promovem idéias que to­ das as nações consideram como evidentemente corrompidas e causa a propagação de pontos de vista que não podem ser comprovados.O GUIA DOS PERPLEXOS Ainda que certos críticos parciais me reprovem. Somente um ignorante rejeita isso —ou uma pessoa com opiniões preconcebidas. quando uma coisa não é suscetível de demonstração. de longe. É o que fazemos. . Talvez me perguntem porque enumerei todas as dúvidas que pos­ sam existir contra a teoria de Aristóteles. Alexandre acrescenta que esta regra se aplica a todas aquelas opi­ niões de Aristóteles na M etafísica que não são demonstráveis. Ao mencionar o método de teste das duas teorias por meio das objeções erguidas contra elas.vraham A vinu e M oshé Rabênu. com algumas exceções. de expor os resultados das minhas pesquisas. assim como em algumas das suas teorias metafísicas —estas incluem enormes improbabilidades. Alexandre deixou bem claro que. Acrescentamos que a teoria da Criação foi de­ fendida por A. por mais pobres que sejam as minhas capacidades. mas nossa atitude diante deste filósofo é aquela que seus seguidores nos induzem a adotar. considerando mi­ nha opinião acerca da teoria de Aristóteles conseqüência de uma com­ preensão insuficiente ou oposição intencional. não deixarei. E possível refutar uma teo­ ria por meio de dúvidas ou estabelecer uma teoria contrária a ela? Certamente não. sendo mais apta a corromper as noções a respeito de Deus (do que outras). em um nível mais extenso no que se refere à ordem das Inteligências. Com efeito. Mas o que Aristóteles expõe da esfera lunar para cima é. con­ vencidos de que a questão —se os Céus são eternos ou não —não pode ser demonstrada. simples ima­ ginação e opinião. Mas. No entanto. Se você está predisposto a aceitar uma delas.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO CAPÍTULO 23 A TEORIA DA CREATIO EX NIHILO É PREFERÍVEL ÀQUELA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO Ao comparar as dúvidas levantadas contra uma opinião àquelas con­ trárias à sua. Terceiro: Ser moralmente bom. seja devido a sua educação ou a um interesse qualquer. Se uma pessoa é voluptuosa ou pas­ sional e. ao perder as rédeas. . nas questões semelhantes às consideradas. não se deve considerar o número de objeções. Pois aquilo que pode ser demonstrado não deve ser rejeitado. para decidir a favor da menos questionável. ignorar costumes e seguir somente a sua razão. será capaz de decidir a questão se esti­ ver livre de paixões. para isso. mas o nível de improbabilidade e de desvio dos fatos reais (apontados pelas objeções). para estar apto a entender a Natureza e suas objeções. Em certas ocasiões. não im­ porta o quanto esteja inclinado a fazê-lo. você estará apto a debater (devido à sua inclinação). os quais você obterá por meio do estudo da Matemática e da familiarização com a Lógica. está cego demais para enxergar a verdade. Segundo: Adquirir um bom conhecimento de Ciências Naturais. determinados requisitos devem ser preenchidos: Primeiro : Levar em conta a sua capacidade mental e seus talentos naturais. pois uma só objeção pode ter mais peso do que mil outras. A comparação somente será proveitosa para quem conceda paridade às duas hipóteses opostas. permite que a sua raiva passe dos limites. contrária aos prin­ cípios fundamentais da nossa religião. e que estes estão sujeitos a leis fixas e podem ser compreendidos quan­ do sua ordem e inter-relações são observadas. N aquele tempo.150 O GUIA DOS PERPLEXOS não importa se esta atitude faz parte de sua natureza ou é um hábito. citado por M aeso). Seus habitantes são denominados sabeanos. em seus principais trabalhos. empregou. que corresponde hoje. Veja cap. Não se admire porque eu apresento. nesta discussão. ela resvalará.newadvent. em 12/11/2002). 115b. Sheba colonizou a E tiópia há aproxima­ damente três mil anos. A respeito disso podemos muito bem afirmar: Será que a nossa Lei Perfeita não é tão boa quanto os mexericos deles}1 1 Se ele sustenta o seu ponto de vista citan­ do lendas do Povo de Sabá. uma questão histórica como apoio à teoria da Criação. por meio de objeções levantadas. Chamo-lhe a atenção para que não se deixe seduzir. em parte. Segundo algumas passagens do Gênesis e das Primeiras Crônicas. caiu sob controle islâmico e perdeu a sua identidade (fonte: site http://www.org/cathen/13285c. So­ mente uma prova demonstrativa seria capaz de fazer você abandonar a teoria da Criação. a Rainha de Sabá fez sua famosa visita ao Rei Salomão. balan­ ce sua crença na teoria da Criação e facilmente lhe desoriente. à região do Iêmen.htm . Explicarei isso agora.12 por que não apoiaríamos nossos pontos de vista naquilo que Moisés e Abrahão declararam e naquilo que se segue de suas palavras? Prometi anteriormente descrever. Sheba. tropeçará pelo caminho e seguirá a teoria que estiver de acordo com as suas inclinações. Sempre suspeite da própria razão e aceite a teoria ensinada pelos dois Profetas [Abrahão e Moisés] que são o pilar da ordem existente nas relações sociais e religiosas da Humanidade. em um capítulo à parte. e daria seu assentimento a here­ sias acerca de Deus. Você então adotaria a teoria [da Eternidade do Universo]. porque é pos­ sível que qualquer dia alguém. pois o maior dos filósofos. mas esta prova não existe na Natureza. com o surgimento de M aomé. era descendente de Abrahão. Situada ao longo da rota comercial entre a ín d ia e a África. Em 572 tornou-se um a província persa e. recursos históri­ cos para defender sua teoria da Eternidade do Universo. 11 12 13 Veja no Talmud da Babilônia. Aristóteles. Segundo outras passagens. (Friedlander. era o ancestral do Povo de Sabá. tataraneto de Noé. Baba Batra. Foi conquistada pela Etiópia em 525. .1 3 as for­ tes objeções que ocorrem àquele que pensa que a sabedoria humana entende totalmente a natureza das esferas celestes e seus movimentos. 19 (Maeso). Sabá ou Shéba: nome bíblico de um a região do sul da A rábia. Sheba era conhecida como uma região muito próspera. todavia. a Oeste. que viveu em Alexandria. E lim itada pelo M ar M editerrâneo. o que estudou e aprendeu. por algum tempo. 15 . M aimônides se dirige particularm ente ao seu discípulo. sob a. no A lm agesto^ mas não houve tempo para lhe ini­ ciar em ponderações ulteriores. em he­ braico) é o título da tradução árabe (ano 827) do livro de Astronom ia de Ptolom eu (século II E. situada no noroeste do continente africano. A lm agesto (S êfer há-M aguestê . ao Sul. Rav Y ossef ibn Aknin.) . Atualm ente compreende a Argélia. e supõe a Terra como o centro ao redor do qual giram os demais corpos celestes. países localizados no extremo oeste do mundo árabe. e Deserto da Líbia. Ptolom eu expõe o sistem a geocêntrico que leva o seu nome.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO CAPÍTULO 2 4 AS DIFICULDADES DE COMPREENSÃO DA NATUREZA E DO MOVIMENTO DAS ESFERAS DE ACORDO COM A TEORIA DE ARISTÓTELES DESAPARECEM DIANTE DA IDEIA DO UNIVER­ SO CRIADO POR DEUS Você já conhece. astrônomo. minha orientação. dedi­ cando-se a estudos astronômicos (NT). em Astronomia. ao N orte. Neste capítulo. a Tunísia e o M arrocos. Oceano Atlântico.1 5 14 A lm agesto : Mais conhecido como Sjntaxis.C. Sabemos que este em igrou do M agreb (região de aproxima­ damente 4 mil km 2. Estabeleceu-se depois na cidade de Alepo (localizada na atual Síria). esteve com M aimônides e residiu na antiga cidade do Cairo. Esta hipótese perdurou por toda a Idade M édia e foi substituída pelo sistema heliocêntrico de Copérnico (1473-1543) (Maeso). E m A lmagesto. m atem ático e geógrafo. Deserto do Saara. ao Leste).astrólogo. o epiciclo giraria e mudaria completamente de lugar. ocorrer ao redor de algo fixo. mas. pois há um princípio fundamental quanto à ordem do Universo de que os movimentos são somente três: a p a r ­ tir do centro. pois seus centros estão aparentemente dentro da esfera lunar. Soube que Abu Bakr descobriu um sistema em que não há epici­ clos.p a ra o centro e ao redor do centro. de duas hipóteses: aceitarmos os epiciclos. dependem. tal como se admite nas esferas da Lua e dos Cinco Planetas: rodando sobre certa esfera. mas não ao redor do centro da esfera que o carrega. Parece-me que uma esfera ex­ cêntrica não se move em torno do centro do Universo. nem em direção ao centro e nem ao redor dele. mas ao redor de um ponto imaginário distante do centro e. portanto. em seu Tratado sobre Astronomia. Este arranjo produziria necessaria­ mente um movimento de rotação. Explicá-las-ei aqui: 1) E absurdo admitir que a revolução de um ciclo não tenha o Universo como centro. Mas um epiciclo não se move a partir do centro. Ao lado desta impossibilidade. No entanto. Não soube disso pelos seus pupilos. Mas agora vou lhe mostrar que ambas as hipóteses são irregulares e total­ mente contrárias aos resultados das Ciências Naturais. Mesmo que a esfera estivesse situada na região do fogo ou do ar. 2) Segundo aquilo que Aristóteles explica nas Ciências Naturais. as esferas não se moveriam ao redor de um ponto . ou uma combinação de ambos. Esta é a razão pela qual a Terra permanece estacionária. ou as esferas excêntricas. primeiro. ele não ganharia muito com isso. rejeitou a existência de epiciclos.O GUIA DOS PERPLEXOS A teoria de que as esferas celestes se movem regularmente e que os cursos reconhecidos dos astros estão em harmonia com a observação. pois a excentricidade é completamente contrária aos princípios assinalados por Aristóteles. em torno de um ponto que não é fixo. Levaremos em conta. Mas o epiciclo se moveria ao redor de um centro não-estacionário. Aristóteles considera impossí­ vel que qualquer coisa nas esferas mude de lugar. como você sabe. mesmo que fosse verdade. Abu Bakr ibn Al-Sa’ig. ou seja. Um ignorante em Astronomia pensaria que o movimento das esferas excêntricas poderia. um epiciclo. é absolutamente necessário algo fixo ao redor do qual se efetue o movi­ mento. Por isso. demons­ trando que a teoria dos epiciclos implica diversas noções absurdas. mas não se excluíam as esferas excêntricas. ainda assim. ele menciona outras. A mesma medida foi utilizada. No entanto. e a excentricidade de cada esfera não está determinada por unidades proporcionais às suas pró­ prias magnitudes. a teoria estabeleci­ da de que não há vácuo. a saber. contudo. enquanto a maior está parada. e que elas estão interligadas por todos os lados. Se este for o caso. além daquele que passa pelos dois centros. pois onde se localizariam os centros destas substâncias intermediárias? Seus movimentos se­ riam também peculiares? Thabit ibn Kurra16 expôs isto em um tratado. na Astronomia. Você compreenderá isto quando considerar as distâncias e magnitudes conhecidas de cada esfera e de cada astro. há substâncias diferentes daquelas que compõem estas esferas. fora da esfera lunar e abaixo da superfície da esfera de Mercúrio. quando a maior se move. O centro para o circuito de Marte —quero dizer. Todavia. na mesma proporção em que esta última gira ao redor de qual­ quer outro eixo. como tudo isso parece im ­ provável segundo as leis das Ciências Naturais. junto com a maior. expressos em relação ao semidiâmetro terres­ tre. E ainda mais improvável e questionável assumir que há duas esfe­ ras. é uma afirmativa muito duvidosa. nem ao redor do mesmo centro ou do mesmo eixo. cada uma tem seu movimento peculiar. enquanto o centro de Saturno localiza-se entre as esferas de Marte e Júpiter. As esfe­ ras externa e interna não se movem do mesmo modo. a menor não pode ficar parada e deve se mover. ficou claro que o ponto ao redor do qual o Sol se move está. O centro de Júpiter se encontra eqüidistante. Daí a necessidade de se admitir que. sem dúvida alguma. Os estudiosos mo­ dernos calcularam a quantidade exata de excentricidade em relação ao semidiâmetro da Terra e comprovaram os resultados. Mas devo lhe mostrar que os módulos das excentricidades foram descritos. de tal forma que a menor se move. Há uma medida uniforme para todos. no Almagesto. de alguma forma. entre cada duas esferas. Considere. em ambas as esferas. o movi­ mento da esfera maior fará com que a menor se mova do mesmo jeito e ao redor do mesmo centro. não é o que acontece. uma dentro da outra. Conseqüentemente. mas seus centros são diferentes. . bem como a teoria da excentricidade das esferas.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO estável. temos esta proposição que pode ser comprovada. para descrever todas as distân­ cias e magnitudes. Assim. Segue-se necessariamente que. o centro da esfera excêntrica de Marte — está fora da esfera de Mercúrio e dentro da esfera de Vênus. entre as esferas de Vênus e Mercúrio. o de lhe ensinar.dcs. Quando examiná-las. cuja Introductiorium adsáentiamjudirialem astronomia foi publicada somente em 1473 E. Mas você compreenderá isso quando conhecer a medida do diâmetro de cada esfera e a extensão de sua excentricidade em rela­ ção ao semidiâmetro da Terra. porque não queria des­ viá-lo do meu objetivo principal. pois nunca soube que alguém tivesse se interessado por esta questão. dialeto aramaico ocidental falado na Mesopotâmia. confir­ mará minhas palavras. Se alguém considera o que expusemos aqui do mesmo modo como considera coisas produzidas com ponderações artificiais e sutilezas rebuscadas. que idolatravam os astros e produziram muitos bons astrônomos e matemáticos.C. foi um dos reformadores do sistema ptolomaico e um dos descobridores do conceito de Estática (NT. considerará improvável.O GUIA DOS PERPLEXOS demonstrando que devemos admitir uma substância de uma forma esférica intermediária entre uma esfera e outra. Na Astronomia.uk/~history/Mathematicians/Thabit. Além disso. à exceção do exposto sobre a posição dos centros das esferas excêntricas. sob a proteção do Califa Al-Mutadid. segundo os fatos que Alchabitius17 esta­ beleceu em seu tratado sobre distâncias. Thabit era fluente em grego. Você deve ter notado que Ptolomeu já apontara esta dificuldade.ac. 17 Abdilazi Alchabitius: astrólogo e astrônomo árabe medieval.st-and. quando disse literalmente: Ninguém acredita que estes princípios e outros semelhantes sejam improváveis. Após ter abandonado Harrán. Porém.html. Não lhe expliquei tudo isso quando você acompanhou minhas aulas. Era membro da seita dos Sabianos. e também em árabe e siríaco.) nasceu na Mesopotâmia (atual Turquia) e faleceu em Bagdá (no atual Iraque). Foi tradutor e revisor de traduções de muitas obras gregas para o árabe. já lhe expliquei de viva voz que é impossível imaginar seres materiais sob estas condi­ ções. devido à influência da cultura grega. a partir de pesquisa em http://www-gap. .C. Já lhe indiquei as passagens nas quais pode comprovar tudo o que lhe disse. tornou-se o astrônomo da corte de Bagdá. 16 Thabit ibn Kurra (826-901 E. em 22/11/2002). Quanto à inclinação e obliqüidade relativas às latitudes de Vênus e Mercúrio. (NT). foi um brilhante pesquisador e fez muitas descobertas importan­ tes no campo da Matemática. não é certo comparar coisas humanas a coisas divinas. acusado de heresia devido às suas filosofias liberais. tanto do centro do Universo quanto do seu pró­ prio centro. questiona se Aristóteles teve conhecimento da excentricidade do Sol e se calou sobre isso. se está de acordo com a nossa consideração ou adequada ao que é perceptível pela visão. em que se preconiza que o movimento dos astros seja circular e uniforme. Direi em termos poéticos: “Os Céus são Céus para YHVH. pois a ciência não era perfeita naquela época. ainda. duração e extensão dos eclipses. os cálculos realizados segundo estas hipóteses estão per­ feitamente corretos. se estivesse convencido de sua correção. neste caso. ou movimento. está certa ou não e. senão admitindo uma das duas hipóteses. O certo é que [Aristóteles] a ignorava e jamais ouvira falar dela. ou ambas? A dificuldade fica mais explícita quando vemos que. ou seja. das grandes dificuldades que advêm de tudo isso.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO Previna-se. se oporia forte­ mente a ela e. Se o que Aristóteles afirma nas Ciências Naturais é certo. pois. somente Deus conhece a verdadeira natureza dos Céus. Já lhe expliquei de viva voz que estas dificuldades não cabem ao astrônomo. ao acatar o que Ptolomeu explica com respeito ao epiciclo da Lua e a sua inclinação até um ponto exterior. ocorre ao redor de um ponto que não seja fixo? Estas são as grandes dificuldades. como são explicados os diversos cursos dos astros? Como é pos­ sível assumir uma rotação uniforme perfeita e que responda aos fenô­ menos visíveis. salvo alguns cálculos matemáticos. e a sua veracidade é comprovada pelo mais apu­ rado cálculo do tempo. pois não é sua função ilustrar-nos a respeito da proprieda­ de das esferas. Você sabe que Abu Bakr ibn Al Sa’ig. Se soubesse de sua existência. quer a realidade seja ou não assim. Com respeito ao mundo celeste. preocupando-se unicamente com a resultante da inclinação. e a Terra deu para os seres humanos” (Salmo 115:16). pois viu que o efeito da excentricidade era idêntico ao da inclinação. mas sim sugerir se uma teoria. ficaria cons­ trangido quanto a tudo o que discorreu sobre o tema. como podemos conciliar a aparente retroação de um astro com seus outros movimentos? Como a rotação. está de acordo com a inferência lógica —em que conhecemos a relação causai entre um fenômeno e outro. o Homem tudo ignora. Além disso. sempre baseados nestas hipóteses. não há epici­ clos nem esferas excêntricas e tudo gira ao redor da Terra! Mas. percebemos como a ciência pode investigá-la e a ordenação da Natureza é clara e inteligível. Repetirei o mencionado anteriormente (cap. . 22): a teoria de Aristóteles. falando da Física. sem admitir a existência dos epiciclos. referente ao mundo terreno. e desconheço se alguma destas teorias foi estabelecida por demonstração. (Números 12:8).O GUIA DOS PERPLEXOS sua essência. Entretanto. sem a posse dos meios para nos aproximarmos de­ las. . da existência Daquele que os coloca em movimento. ignorância ou uma espécie de loucura fatigar nossas mentes com questões que estão fora do nosso alcance. 18 M aimônides se refere aqui aos Profetas (NT). de fato. contida nos Céus. esta é a casa que lhe pertence. É. Devemos nos contentar com aquilo que está ao nosso alcance e abandonarmos o que não pode ser alcançado pela inferência lógica. na qual foi colocado e da qual ele mesmo faz parte. para mim. É por isso que os fatos de que necessitamos para provar a existência dos seres celestiais nos são inacessíveis. As faculdades humanas são muito deficientes para com­ preender até mesmo a prova geral. movimentos e causas. Quem sabe outro encontre uma demonstração que evidencie a verdade do que. parece obscuro. Ele deu ao Homem o poder de conhecer as coisas sob os Céus. Os Céus estão muito longe de nós. ex­ pressa nestas palavras: “Boca a boca falarei com ele”. aqui é o mundo do Homem. conforme aconselha aqueles dotados de grande influência divina.1 8 isto é tudo o que posso explanar sobre este tema. tanto por sua localização quanto por sua natureza. forma. Demonstro constrangimento nestes temas devido ao meu grande amor à verdade. todavia. rejeitamos a idéia da corporeidade de Deus. Duas razões nos movem a proceder assim: 1) A Incorporeidade de Deus foi demonstrada. Poderíamos. já que as passagens que afirmam a Criação não são mais numerosas do que as alusões à corporeidade de Deus. Mas a Eternidade do Universo não foi demonstrada. nem é difícil ou impossível encontrar para estas uma interpretação conve­ niente —poderíamos explicá-la da mesma maneira que fizemos com respeito à Incorporeidade de Deus. e certamente muito produtivo. se a aceitássemos. em seu sentido literal. Talvez fosse até muito mais fácil.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO CAPÍTULO 2 5 A TEORIA DA CRIAÇÃO É ADOTADA DEVIDO À SUA SUPERIO­ RIDADE PRÓPRIA. ao invés disso. MESMO QUE AS PROVAS BASEADAS NA BÍ­ BLIA SEJAM INCONCLUSIVAS Não rejeitamos a Eternidade do Universo porque os textos bíblicos confirmam a Criação. podem e devem. mas. explicar os antropomorfismos da Bíblia. mostrar os textos bíblicos que visariam estabelecer a Eternidade do Universo. contêm premissas passíveis de se refutar por demonstração. Um simples ar­ gumento a favor de uma determinada teoria não é razão suficiente para rejeitar o sentido literal de um texto bíblico e explicá-lo de modo figurado. Aquelas passagens bíblicas que. então. quando uma teoria oposta poderia ser sustentada por um argumento equivalente. . ser interpretadas. todos os milagres são possíveis. mas ad­ mite a possibilidade. segundo a qual os Céus também são transitórios — . desmentir todos os milagres e sinais. seria se opor necessariamente à base de nossa reli­ gião. Os Batinies (os Metafóricos) muçulmanos fizeram isso e chegaram a conclusões absurdas. Caso se pergunte: “Por que Deus inspirou uma determinada pessoa e não ou­ tra? Por que Deus revelou a Lei a uma certa pessoa e em uma época específica? Por que permitiu algumas coisas e proibiu outras? Por que mostrou por meio de um Profeta determinados milagres particulares? Qual é o propósito dessas leis? Por que Ele não fez os mandamentos e proibições como parte da nossa natureza. e assim como nós não compreendemos porque Sua Vontade ou Sua Sabedoria decidiu esta forma e este momento peculiares. Admitir a Eternidade do Universo tal como ensina Aristóteles. rejeitar todas as esperanças e temores derivados da Bíblia. De todo modo. nem ela. Ele criou o Universo segundo a Sua Vontade. também não podemos compreender . a Bíblia ensina a Incorporeidade de Deus. se era Seu objetivo que vi­ vêssemos segundo estas leis?” Respondamos a todas estas questões: Ele quis assim ou Sua Sabedo­ ria decidiu assim. muitas expressões seriam encontradas na Bíblia e em ou­ tros escritos que a confirmariam e a sustentariam. Preferimos interpretar os textos bíblicos em seu sentido literal e afirmar que estes nos ensinam uma verdade que não pode ser comprovada. em um determinado momento e de uma determinada forma. pois esta teoria não implica a rejeição de milagres. Os milagres são evidências da correção do nosso ponto de vista. ou seja. Admitida a Criação do Universo. Como não há provas suficientes para nos convencer. e se desvanecem todas as dificuldades. que a Natore 2 a não muda e que não existe nada sobrenatural.O GUIA DOS PERPLEXOS 2) Nossa crença na Incorporeidade de Deus não contraria nenhum princípio fundamental de nossa religião. Demonstramos que não é este o caso. que todo no Univer­ so é resultado de leis fixas. Somente os ignorantes acreditam que isto contraria os ensinamentos bíblicos. bem como a Profecia. Mas não necessita­ mos deste expediente. nem a outra precisam consideradas. porque esta teoria ainda não foi demonstrada. Se o texto bíblico fosse explicado de acordo com esta teoria. nem desmente nenhum texto dos Profetas. não nos oporíamos aos princípios fundamentais de nos­ sa religião. caso se admitisse a Eternidade do Universo conforme a segunda das teorias que expusemos —a de Platão. ao con­ trário. a menos que se pretenda interpretar os milagres de modo figurado. todo o ensinamento da Bíblia seria rejeitado. É por estas várias razões que as mentes mais nobres despende­ ram e ainda despenderão seus dias pesquisando sobre esta matéria. de cuja correção nenhuma pessoa inteligente duvida. lhe expus tudo sobre esta questão. por outro lado. todos os argumentos dos filósofos contra nós perdem o valor. Mas se admitirmos que o Universo tem a sua forma atual como resultado de leis fixas. e seriamos obrigados a seguir outras opiniões. Logo. Aristóteles tivesse uma prova para sua teoria. pois se a teoria da Criação do Universo for comprovada. implicando a negação e a rejeição dos textos bíblicos. Se. que somente poderiam ser respondidas de forma equivocada. nem que seja tão somente segundo a hipótese de Platão. Com isso. Preste atenção nisso. rejeitamos a teoria da Eternidade do Universo por falta de provas. . então surge a neces­ sidade das questões acima.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO porque Sua Vontade ou Sabedoria determinou quaisquer das coisas men­ cionadas nas questões precedentes. conforme está dito: “Envolvido em luz como um manto. o Grande. li uma passagem tão estranha como jamais lera entre os seguidores da Lei de Moisés. segundo o dito: “Disse à neve: Seja terra” Qó 37:6). Capítulos de Rabi Eliézet (NT). ele pergunta de onde os Céus e a Terra foram criados? O que ele obtém com a resposta? Poderíamos 19 Pirkê di-RabiElie^er. surpreso. por esta razão. . De onde foi criada a Terra? Ele tomou da neve sob o seu Trono de Glória e a espa­ lhou. Eu. Estes são os termos da passagem em questão. per­ gunto: em que acreditava este Sábio? Será que ele pensava que nada pode ser produzido do nada e que as coisas foram formadas a partir de uma substância? Será que.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO CAPITULO 26 EXAME DE UMA PASSAGEM DE PIRICE DI-RAB1 ELIEZERl< ) COM RELAÇÃO À CRIAÇÃO Nos celebrados Capítulos de Rubi Elie^er. estendeu-a como um manto e assim os Céus se estendem con­ tinuamente. Refiro-me à seguinte passagem: De onde foram criados os Céus? Ele tomou parte da luz de Sua vesti­ menta. estendendo os Céus como uma cortina” (Salmo 104:2). intitulados Pirkê diRabi Elie\er. uma superior e outra inferior. não menciona a criação do Trono. esta passagem confunde sobremaneira as noções de qual­ quer pessoa inteligente e religiosa. A criação do Trono de Glória é mencionada por nossos Sábios de uma forma estranha. o queo me levou a interpretar as palavras “E sob Seus pés como obra de construção de safira (.. ao menos segundo a teoria de Platão. Eles dizem que este Trono foi forjado antes da Criação do Universo. como pertencen­ te a Deus: a lu ^ da Sua vestimenta-. Como algo seria criado de um simples atributo? Mais estranho ainda é sua expressão da lu% da Sua vestimenta. pois. entre as quais figura o Trono de Glória .)” (Êxodo 24:10) no sentido de que os nobres do Povo de Israel compreenderam. Este é um tema importante e não devemos menosprezar a opinião dos maiores Sábios de Israel a respeito. Sou incapaz de explicá-la a conten­ to e tão somente a recordei para que você não seja induzido a erro por isso. Mas este é um texto bastante suscetível a interpretação metafórica. pela sua posição superior. distante do Seu esplendor e luz —a substância terrestre. então a pala­ vra trono expressaria um atributo de Deus e não algo criado. Há duas substâncias diferentes: uma é descrita. a Eter­ nidade do Trono é descrita expressamente: “Tu. a natureza da matéria-prima terrestre. Rabi Eliézer reproduziu isto e esclareceu que existem duas matérias. como já lhe expliquei. de geração em geração” (Lamentações 5:19). pois implicaria admitir a Eternidade do Universo. Agora.. devem ser rejeitadas. Isto indica que a brancura sob o trono significa a substância terrestre. Uma coisa importante que Rabi Eliézer nos ensinou aqui é que a substância dos Céus é diferente daquela da Terra. em visão Profé­ tica.l6 l O GUIA DOS PERPLEXOS lhe perguntar: De onde vem a luz que forma a Sua vestimenta? E a neve sob o seu Trono de Glória? E o próprio Trono de Glória? Se as ex­ pressões /«£ da Sua vestimenta e Trono de Glória significam algo eterno. portanto —é descrita como a neve sob o seu Trono de Glória. se Rabi Eliézer admitisse que o Trono era eterno. e que não há substância comum entre elas.20 A Bíblia. Y H V H . do hebraico para o aramaico (NT). Onkelos: tradutor e intérprete da Bíblia. . segundo Onkelos. para sempre sentarás em Teu Trono. Em suma. e a outra. salvo nas palavras de David: “Y H V H nos Céus preparou Seu Trono” (Salmo 103:19).” (Munk).21 o pronome da frase Seus p és refere-se ao Trono. No entanto. no entanto. dado que se trata de um ponto 20 21 “Os antigos rabinos enumeram sete coisas criadas antes da Criação do Mundo. No Bereshit Rabá (cap. Ob­ serve como o Sábio concluiu.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO importante na explicação da existência do Universo e um dos segredos da Lei. e tudo o que ele con­ tém. por outro lado. Preste atenção nisso. a inferioridade da substância terrestre e sua posição. Além dessas coisas prece­ dentes. ele ainda explica. de forma engenhosa. têm outra matéria. 12) se lê: “Rabi Eliézer afirma: as coisas dos Céus foram criadas nos Céus. a superioridade da substân­ cia celeste e sua proximidade de Deus e. . que todas as coisas da Terra têm uma substância comum e os Céus. diferente daquela. na Terra”. As coisas da Terra. em seus Capítulos. não se aplica neste caso. como um princípio de nossa fé. Depende da Sua vontade. segundo o nosso ponto de vista. o fundamento de toda religião. se fo i gerado. Assumimos que o Universo continuará a existir para sempre. ensinada na Bíblia. Segundo nossa teoria. perecível. disso não se deduz que Deus deve destruir o Universo após tê-lo criado do nada. não consideramos. A lei que cau­ sou a existência de um ser a partir da inexistência é também a causa da sua existência transitória. segundo estas mesmas leis. é possível que o conserve perpetuamente e lhe outorgue uma . Não defendemos que o Universo pas­ sou a existir do mesmo modo que as demais coisas da Natureza. que o Universo será novamente reduzido a nada. Portanto. Dependerá da Sua vontade ou do decreto da Sua Sabedoria destruí-lo ou conservá-lo. como resultado das leis naturais. Todavia. necessariamente. assim como a inexistência anterior prova que a natureza de uma coisa não necessita de uma existência permanente. a existência ou inexistência das coisas depende tão somente da vontade de Deus e não das leis fixas. perecerá? Este axioma. Talvez você pergunte: Não fo i demonstrado que tudo quanto nasce éperecível e. pois tudo o que deve sua existência à ação das leis naturais é. No entanto. portanto.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO CAPÍTULO 2 7 A TEORIA DE UMA FUTURA DESTRUIÇÃO DO UNIVERSO NÃO FAZ PARTE DA CRENÇA RELIGIOSA ENSINADA NA BÍBLIA Já lhe expus que a crença na Criação do Universo é. que nosso autor atribui a im ortalidade som en­ te às almas dos justos. Nenhum Profeta nem Sábio disse que o Trono da Glória será destruído ou aniquilado. Demonstrarei o contrário. de que há prazeres físicos no Paraíso. com certeza. com o intuito de verificar se eles afirmam que o mundo chegará.” (Munk).que usou a expressão figurada. aos que nesta vida chegaram ao grau de intelecto adquirido. Se. Sua fé. pois confiam no E s­ critor . O povo. ao fim ou não. Mas nós devemos lhes explicar que a crença na destruição não está necessariamente relacio­ nada à crença na Criação. indicariam a sua destruição sem dúvida alguma de­ vem ser entendidas no sentido figurado. Nisso eles acreditarão. a razão nos leva à conclusão de que a destruição do Universo não é uma certeza. seus corpos gozarão também de eterna felici­ dade. ou seja. como será demonstrado. estão condenadas à destrui­ ção. eles têm liberdade para assim pensar. esquadrinhá-las”). que foram criadas. Aquelas passagens que. . ou daqueles que não buscaram neste mundo a perfeição pela virtude ou pela ciência. acredita que este ensinamento foi dado e que todo o Mundo será destruído. Acreditamos que as almas dos piedosos. em outro lugar. enquanto as almas dos ímpios. Esta questão deve ser examinada à luz das palavras dos Profetas e dos Sábios. Alusão a Provérbios 25:2 (“A Glória de Deus é encobrir as coi­ sas. Em suma. as passagens bíblicas falam da sua perpetuidade. Você sabe que os Sábios nunca disse­ ram que o Trono da Glória perecerá. 22 “Já se tem visto. e a honra do rei. que os antigos rabinos aplicam aos segredos contidos no primeiro capítulo do Gênesis (Maeso). Esta noção é semelhante à conhecida crença de determinadas pessoas.22 Conforme as teorias daqueles que se prendem ao senti­ do literal dos Midrashím . Muitas passagens na Bíblia falam da existência permanente do Universo. os seguidores do sentido literal da Bíblia rejeitam nosso ponto de vista e assumem que a destruição final do Universo é parte de sua fé. cujas palavras eles tomaram lite­ ralmente. no entanto.1 66 O GUIA DOS PERPLEXOS permanência semelhante à Dele. no sentido literal. são imortais. ao contrário. não será prejudicada por isso. todavia admitem que é algo criado. em geral. no final das contas. que reque­ rem interpretação. neste ponto. Quero dizer que neste livro.COM RELAÇÃO À ETERNI­ DADE DO UNIVERSO E SUA PERMANÊNCIA Muitos de nossos correligionários pensaram que o Rei Salomão acre­ ditava na Eternidade do Universo.LIVROS SAPIENCIAIS A ELE ATRIBUÍDOS . A DOUTRINA DE SALOMÃO . nem se encontra absolutamente qual­ quer passagem que leve explicitamente a esta teoria. Como pode­ mos supor que qualquer um que adote a Lei de M osbé Rabênu aceitaria aquela teoria? Se alguém suspeitasse que Salomão. no tocante à Eternidade do Universo.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO CAPÍTULO 28 O ENSINAMENTO BÍBLICO ESTÁ A FAVOR DA INDESTRUTIBILIDADE DO UNIVERSO. assim como foi reprimido por se casar com mulheres estrangeiras e por outras coisas? O que me induziu a refletir sobre isto foram as afirmações dos Sábios: Eles quise­ ram suprimir o livro de Kobélel (Eclesiastes). tivesse se desviado das Leis de Moisés (Deus nos livre!). pois suas palavras podem levar ao ceticismo. Assim é. pelo fato de ser ensinada neste livro. uma doutrina verdadeira. se tomado literalmente. Mas. sem dúvida. e. No entanto. há conceitos estranhos aos ditados pela Lei. Isto é muito estranho. apa­ recem algumas passagens que implicam a indestrutibilidade do Uni­ verso. . não há versículo algum que a afirme. por que a maioria dos Profetas e Sábios aceitaria isso? E como não haveria oposição ou recriminação por ele sustentar esta opinião. ou as fontes das propriedades dos Céus e da Terra. as Leis. Do mesmo modo esclarecem que as palavras de Deus. deu-lhes um estatuto e não passará” (Salmo 148:1-6). geração vai e a Terra para sempre (le-Olám ) permanece”. Ele declara. além dos de Salomão. pois ele ensina: Ele ordenou eforam criados. apesar de terem sido criadas: “Tudo . “(. que usa o termo Olám vaêd. o Universo e o que ele encerra.). como em ád Olám. Se deixarem de reger estas Leis diante de Mim. embora possuam um início.O GUIA DOS PERPLEXOS algumas pessoas inferiram erroneamente que o autor acreditava na Eternidade do Universo. Ele afirmou: “Louva a YHVH desde os Céus (. o que significa que as leis ditadas por Ele jamais se alterarão. portanto. têm menos força que as palavras de David. concluiriam que também Deus teria perm a­ nência limitada. mencionadas pelo Salmista anteriormente. [O Profeta] jerem ias expressa-se desta forma: “Assim falou Deus: Dei o Sol para a luz dos seus dias.. significam que seus dias estão fixados. Devemos ter em mente que Olám somente significa sempre quando combinado com ad. como em Olám váêd . O texto referente à indestrutibilidade do Universo declara: “Geração vem.) porque Ele orde­ nou e foram criados. a perpetuidade e a imutabilidade de suas leis e de todos os seres celes­ tes. Prosseguindo a investigação. David também expôs em outras passagens a incorruptibilidade dos Céus. Não faz diferença se vem em se­ guida. ou na frente.) em todos os dias da Terra” (Gênesis 8:22). As pala­ vras de Salomão. também a descendência de Israel cessará de ser uma nação diante de Mim por todos os dias.” (Jeremias 31:34-35). tam­ pouco. a perpetuidade... Porque se a expressão Olám vaêd não significasse. estas afirmações serão confirmadas em outros textos. dado o que a Bíblia afirma acerca de sua perpetuida­ de: “YHVH reinará para todo o sempre (lê-Olám vaêd)” (Êxodo 15:18 e Salmo 10:16). que estes decretos nunca serão removidos.. Aqueles que discordam de mim com respeito à distinção acima (entre a indestrutibilidade e a Eterni­ dade do Universo) são induzidos a explicar o termo lê-Olám como o tempo fixado para a existência da Terra. oráculo de YHVH.. Mas eu queria saber o que se entende por estas palavras de David: “Estabeleceu a Terra sobre suas fundações. perdurarão com suas propriedades para sempre. a Lua e os astros para a luz da noite (. que somente contêm o termo lê-Olám . a saber. para que não se movesse para todo o sempre ( lê-Olám vaêa) ” (Salmo 104:5). E os ergueu para todo o sempre. Ele também afirmou que estas obras de Deus.. (Eclesiastes 1:4). Quando afirma “a isto nada a acrescen­ tar. o maior dos Sábios: “A Rocha:23 Perfeitas são Suas obras” (Deuteronômio 32:4). e o que foi. E Deus requisitou o que é seguido” (Eclesiastes 3:15). a saber. que significa rocha. a isto nada a acrescentar. ou seja. como se explanará em alguns capítulos do presente Tratado. Em seguida. como se quisesse descrever o propósito das exceções nas leis da Natureza ou justificar suas mudanças. É impossível que qualquer coisa que existe pudesse modificá-las. As obras de Deus. . que todas as suas obras. está incluindo a razão da perpetuidade. Declara neste versículo que o mundo é obra de Deus e é permanente. Elas significam que Ele deseja a perpetuidade do Universo e que cada pequena parte está encadeada a outra pequena parte. e disso nada a piorar” (Eclesiastes 3:14). 23 A Rocba\ a palavra hebraica Tsúr. permanecem necessari­ amente tais como são para sempre. é uma das form as utiliza­ das na Bíblia para se referir a Deus (NT). as suas criaturas. será. suas palavras são “O que será já é. Salomão. Tudo quan­ to Deus decreta para e por aquelas criaturas é inteiramente justo e conforme o ditame de Sua Sabedoria. declara: E D eusfempara que o vejam defrente. e qualquer acréscimo seria supérfluo ou desnecessário. É como dizer que as coisas mudam para suprir aquilo que se espera ou para se livrar daquilo que é supérfluo.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO quanto faz Deus é para sempre. Ao final deste versículo. e disso nada a piorar”. Sua vontade era afirmar: “Que se renovem as maravilhas”. sendo perfei­ tas. O fato de que as obras de Deus são perfeitas e não admitem adição nem subtração já foi mencionado por Moisés. são absolutamente perfei­ tas. sem possibilidade de adição ou subtração. nesta fala. significam exatamente o contrário. Exatamente o mesmo acontece com o leitor leigo dos Profe­ tas. sabemos sem dúvida que ela fala. Todavia. na verdade. como disse um dos Profetas: “E será para vocês toda a Profecia como palavras de um livro selado” (Tsaías 29:11). vocábu­ los que no idioma do falante têm determinado sentido e. em nossa lín­ gua. enquanto. Em outras passagens entende o oposto ou o inverso daquilo que o Profeta quis dizer. se interpretarmos as palavras no sentido que assumem em nossa língua. mas não sabemos o que suas palavras significam.24 pensa que o hebreu recusa alguma coisa. como 24 Avá\ se escrita com as letras hebraicas Alef.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO CAPÍTULO 29 EXPLICAÇÃO DAS FRASES BÍBLICAS QUE IMPLICAM A DES­ TRUIÇÃO DOS CÉUS E DA TERRA Quando ouvimos uma pessoa falando uma língua incompreensível para nós. . Além disso. Como um homem árabe que. V ête Hê. que não entende algumas palavras em absoluto. significa “desejo” (NT). conforme disse outro Profe­ ta: “E inverteram as palavras do Deus Vivo” (Jeremias 23:36). imaginamos que o falante as utilizou no sentido por nós conhecido. mais grave é perceber. Leve em consideração que cada Profeta emprega sua linguagem peculiar. ouvindo um homem hebreu falar: Atvá. ele diz que está agradecido e satisfeito. referindo-se à ruína de uma pessoa. em menor grau. serve-se de expressões tais como: os astros caíram. Em relação a um estado de cólera contra eles. Quando se refere à queda de um povo ou à destruição de uma grande nação. fe%. o S ol obscureceu. suas derrotas e todo o mal que atinge a quem. ele descreveu do seguinte modo a queda e o fim dos seus domínios. (NT). em vez de um povo de um. Assim também os Pro­ fetas.. disse. Quando descrevem a prosperidade de uma nação afir­ mam que A. E novamente: “Aos Céus estremecerei.. usam as palavras: saiu. lu%do S ol e da Tua aumentou. trovejou. atribuem a Deus estados de cólera e de extrema indignação contra eles e quanto à prosperidade de uma nação. cuja destruição prevêem.. escure­ cerá o Sol ao nascer e a Lua não fará brilhar sua luz” (Isaías 13:10). a Terra ficou devastada e treme. Isaías. atribuem-na à satisfação e ao prazer de Deus.. Algumas vezes os Profetas usam o termo Humanidade. você deve entender a linguagem metafó­ rica freqüentemente utilizada por Isaías (a paz esteja com ele) e. (NT). fe^ retum bara sua vo% etc. por outros Profetas. Nabucodonosor :em hebraico. O Profeta Sofonias2^ afirmou no mesmo sentido: “Exterminarei o Homem da face da Terra (. Tsefánia. Por exemplo. a propósito daquele que foi vítima de uma gran­ de desgraça. como também: man­ dou. nação ou estado. N evuchadnétsar. os Céus se moveram . e outras afirmações semelhantes. e outras que exporei. Saiba bem disso! Depois de falar sobre a linguagem dos Profetas em geral. vai ruindo pela espada do vencedor: “Pois os astros dos Céus e seus luzeiros não darão suas luzes. determinado lugar. 7'ugiu. e tremerá a Terra desde o seu 25 26 27 Sofonias: em hebraico. ao falar da destruição de Israel. derrotado. demons­ trarei sua exatidão e comprovação. Senaqueribe: em hebraico. afirma: “E afastou YHVH o Homem” (Isaías 6:12). e metáforas similares. Um novo Céu e uma nova Terra foram criados.i7 ± O GUIA DOS PERPLEXOS se fosse sua própria língua. operou. . (NT). Entre os árabes se diz: Os Céus viraram sobre sua Terra. Quando Isaías (A paz esteja sobre ele!) recebeu a missão divina de profetizar a destruição do Império Babilônico e as mortes de Senaqueribe26 e de Nabucodonosor2. baixou. (que surgiu depois da queda de Senaqueribe).) e empunharei minha mão sobre Yehudá” (Sofonias 1:3-4). A partir desta introdução. ao par que sua revelação Profética particular lhe faz expressar assim a quem a entende. Sancheriv. . piorará Israel... ki arubót mimaróm niftachú. Não acredito que exista alguém tão estúpido. em migalhas se esmigalhará a terra. va-irashú mosdêi Arets! Roa hitroaá há-Arets. Toda a terra lhes pareceu por demais estreita e os Céus viraram-se sobre eles. “Os adoradores da Lua” —afirma — 28 Note-se nesta passagem bíblica. cambaleante. cambaleará a terra como um bêbado (. haveria uma mudança na natureza dos astros dos Céus ou na luz do Sol e da Lua. ficando atônitos e confusos. quando Isaías descreve como Deus puni­ rá Senaqueribe. Pois tudo isso é a descrição de uma nação que foi derrotada. ou..diante da indignação de YHVH dos Exércitos.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO 17 3 lugar . ao começar sua descrição sobre a situação extre­ ma de prostração e servidão a que Israel ficaria reduzido no tempo do malvado Senaqueribe.)”. desmoronará Israel. porque reinará YHVH dos Exércitos (. nôa tanúa érets ka-shikór (.. Yonatán ben U ^ iêl (A paz esteja sobre ele!) interpretou estas pala­ vras acertadamente: quando ocorrer a Senaqueribe o que lhe está re­ servado em Jerusalém. que a Terra sairia do seu centro. Isaías expressa-se assim: Medo e cova. e no dia do furor de sua ira” (Isaías 13:13). cego e preso ao sentido literal das metáforas e expressões retóricas a ponto de achar que. anuncia metaforicamente: “E se rubori­ zará a Lua e se envergonhará o Sol.)” (NT). quando este se apoderaria “de todas as cidades fortificadas d eju d á” (Isaías 36:1) e o povo ficaria cativo e derrotado. amargo. seus habitantes sem dúvida alguma consideraram toda luz escurecida e todo doce. acumulando-se sobre este todos os desastres por obra de Senaqueribe. habitante de Israel! E será daquele que ouvir da voz do medo que cairá na cova e aquele que subir do meio da cova se enredará na rede. além do conteúdo do texto.. m ót hitm oietã Arets. porque cachoeiras se abrirão do alto e tre­ merão os fundamentos de Israel! Pior. p ó r hitporerá érets. e toda a Terra de Israel pereceria sob sua mão.)2S (Isaías 24:17-20).. vê-há-olê mitóch há-páchat ilachêd bapách . ioshêv há-Arets! Vê-haiá há-nás m i-kól háp á ch a d ipól el h á-páchat. possivelm ente para reforçar a intensidade do que é dito e que buscou-se reproduzir em parte na tradução: “ P á ch a d 'vz-pácbat va-fách alêicha. Do mesmo modo. saberão os idólatras dos astros que é obra de Deus. sua forma na utilização de palavras com sonoridade próxim a. e rede sobre ti. com a queda do Império da Babilônia. a destruição de seu domínio orgulhoso sobre Jerusa­ lém e sua redução à desgraça. Ao final desta passagem. ainda. porque o espírito da visão. e a luz do Sol será sétupla como a luz de sete dias. morador dejerusalém . ao mesmo tempo perturba-se. porque assim como.. pois nunca o país desfru­ tou de tanta prosperidade e júbilo geral como naqueles dias. causada pelo malvado Senaqueribe. e todo o seu exército cairá como caem as folhas da videira e como as folhas da figueira. o número sete denota multiplicidade. algo que não seja metáfora destinada a fazer entender que seu reino será aniquilado. ele faz referência aos sete dias da dedicação ao Templo. da mes­ ma forma ela aumentaria para o vencedor. o espírito torna-se mais claro. Por isso se diz que o auge e a felicidade de Israel serão como naqueles dias. realizada nos tempos de Salomão. na alegria. porque. pela grande angústia e tristeza da alma. os comentaristas explicaram que significa a abun­ dância. devido à abun­ dância de vapores. porque o reino de Deus se revelará Em seguida. Quando descreve a ruína do maldoso Edom.174 O GUIA DOS PERPLEXOS “se enrubescerào. declara: “Seus mortos ficarão abandonados. a prosperidade do reino sob Ezequias. Porque se encharcou nos Céus a Minha espada. É como se . os que se prostram diante do Sol se verão humilha­ dos. e os Céus serão enrolados como um livro. Na minha opinião.. seus olhos se obscurecem e de­ saparece o brilho de sua vista. entre os hebreus. no dia em que fechará Y H V H a ferida de seu povo e curará a chaga de seus açoites” (Isaías 30:19-26). acrescenta ao final da passagem: “E será a luz da Lua como a luz do Sol. o homem parece sentir a luz mais luminosa do que antes. Sempre que sobrevem. ao dilatar-se a alma. chorar não chorará (. Aqueles que têm olhos para ver devem reparar se há. a fertilidade e o cultivo de suas terras. e se dissolverão todas as milícias dos Céus. a luz desapareceria. substituída pela escuridão. quando Isaías descreve a tranqüilidade que Israel des­ frutará a partir da morte de Senaqueribe. uma grande desgraça.. Ao contrário. afirma por metáfo­ ras que a luz do Sol e da Lua ficarão mais fortes.)” (Isaías 30:19). eis que desce­ rá sobre Edom (. nesses tex­ tos. algo obscuro ou que induza a pensar que esteja descrevendo al­ gum fenômeno que realmente acontecerá nos Céus. e derre­ terão montanhas pelo sangue deles. seus cadáveres exalarão um odor fétido.)” (Isaías 34:3-5). para o vencido.. debilita-se e se reduz . que lhes será retirada a proteção divina e que a sua boa sorte e a dignidade de seus maiorais se desvanecerão com presteza e rapidez. Depois de explicar “Porque o povo em Sion. A sua intenção é afirmar que levantará o povo de sua prostração. a alguma pessoa. Quanto à expressão como a lu ^ de sete dias. . hiperbolicamente. em sua linguagem.” (Isaías 51:3-6). sua estabilidade e permanência. refere-se sempre ao reino de um monarca. em seguida expressa-se assim: “Eu colocarei Minhas palavras em toa boca e à sombra de minha mão te esconderei. para quem compreende o sentido destas palavras. meu povo (. Deste modo. a terra se consumirá como uma roupa gasta e seus habitantes como as moscas morrerão —e Minha salvação para todo o sempre será e Minha justiça não terá fim. como cai a folha da videira. perecerão rapidamente. ao estender os Céus e fundar a Terra. etc. declara metaforica­ mente: “Veja como estes Céus se desvanecem e morrem aqueles que o habitam. desaparecerão do mesmo modo que uma roupa gasta.. E ao iniciar as conso­ lações declarando: “Eu. dos povos e reis que com ele se relacionavam. saiu Minha salvação (.)”. ou seja. se compadecerá de to­ das as suas ruínas (.. Céus e Terra. “Le­ vantem aos Céus vossos olhos e olhem para a terra embaixo! Porque os Céus se dissiparão como fumaça.sem refletir sobre o que o antece­ de.. assim como nos relatou as suas origens. como se fosse um mundo especialmente dele. Em suma. e a vitória com o auxílio de Deus e de ninguém mais. sobre o que se segue a ele e nem sobre o seu contexto —como se fosse um relato por meio do qual a Bíblia quisesse nos anunciar os últimos dias dos Céus. cairão rapidamente. porque o povo e até pessoas tão reputadas quanto eminentes explicam este versículo . No início desta passagem afir­ mou: “Porque se compadecerá YHVH de Sion. Quando relata a restauração do Reino de Israel. Isaías emprega constantemente metáforas em sua linguagem. Mas a necessidade nos compeliu a isso. “Prestem atenção em Mim. afirma: “Que os montes sejam retirados” (Isaías 54:10).)”. Para fixar a perma­ nência da realeza de Israel e seu afastamento dos famosos potentados.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO comparasse as pessoas aos astros que. acrescenta: “Não se porá mais o Teu Sol (. diluir-se-ão como a fumaça e seus monumentos visíveis. altos e afasta­ dos das mudanças.)”..)” (Isaías 60:20). Está muitíssimo claro e nem precisa se mencionar e muito menos se estender a respeito disso em um Tratado como este.. por serem fixos. tão fkmes quanto o solo. ao prenunciar Isaías a Israel a destruição de Senaqueri­ be.. eram fir­ mes como os Céus.. “Próxima a Minha justiça se aproxima. Do mesmo . Com respeito à perpetuidade do Reino do Messias e à indestrutibilidade da monarquia de Israel. afirma que Deus renovará Céus e Terra porque. como é sabido. E como se dissesse que aqueles que se espalharam por toda a Terra e que. Eu sou o Vosso Consolador” (Isaías 51:12). e dizer a Sion: Tu és Meu povo!” (Isaías 51:16). mas vocês recebem ajuda”. e já não recordará o passado nem virá mais ao coração. gozo. pois serão esque­ cidas as primeiras angústias.. Acrescenta. para vocês.. para Jerusalém. Em seguida. ao descobrir as circunstâncias e pormenores do Exílio.)” (Isaías 65:15-19). demais (.... porque aqui vou criar novos Céus e uma nova Terra. Lem­ bra-se logo como merecemos o acúmulo de males sobrevindos por não darmos ouvidos à verdade: “Deixei-me consultar pelos que não me interrogavam (.)” (Isaías 64:8).nossos inimigos têm humi­ lhado Teu Santuário (..)” (Isaías 63:7). senão que se regozijará ern gozo e alegria eterna do que Eu vou criar. de um esta­ do de gozo e de alegria constantes.. em seguida.Amen.. significa “acreditarei”. exprime-se por metáforas: “Eu criarei outros Céus e outra Terra. conta como o inimigo nos subjugou: “. note a ordenação das idéias e compre­ enda os versículos correspondentes: “Da misericórdia de YHVH lem­ brarei.... será abençoado por Deus —Amen. estas sumirão dos meus olhos.)” (Isaías 63:9).29 e o que jurar na Terra deverá jurar por Deus . os amais cairão em. Depois explica. E será Jerusalém minha alegria (. bem como a restauração do poderio e o desaparecimento de toda dor.. porque é aqui que vou criar. alegria e para meu povo.O GUIA DOS PERPLEXOS modo. ameaça com o castigo àqueles que não foram oprimidos: “Eis aqui o que meus servos comerão.)” (Isaías 65:1) e. ao longo de sua fala: “Entendo por ‘Eu criarei’ a instauração. e vós tereis fome (. intercede por nós pedindo: “Não te irrites. os louvores de YHVH (. A seguir. Ao abordar esta passagem..)” (Isaías 65:8). Mais adian­ te. finalmente.. . nestes termos: “E os resgatou e os apoiou por todos os dias da Antiguidade (. A partir disto... no lugar desta dor e aflição.)” (Isaías 65:13).. primeiro descreve as bondades de Deus (Exaltado SejaS) para conosco. Também é considerado um acrônimo da expressão hebraica JElM élech tieem á n — E m Deus A creditaremos (NT).)” (Isaías 63:10). esquecimento e sua memória será apagada”. Ela será objeto de bênção sobre a Terra e escapará das vicissitudes passadas: “E para seus servos será chamado por outro nome: Todo aquele que abençoar na Terra. Deus promete o perdão e misericórdia nestes termos: “Assim disse YHVH: Como quando há sumo em um cacho (.)” (Isaías 63:18). 29 A mem em tradução literal. e depois relata nossa rebelião: “Mas eles se rebela­ ram e entristeceram seu Santo Espírito (.. YHVH.. que as crenças desta nação se retifica­ rão.. e não se recordarão mais dos pesares anteriores”. Escurecerei a Terra em pleno dia e Inverterei suas solenidades (. pois foram absorvidos por outra nação. por causa das pre­ varicações de nossos antepassados.. gozo”. e esclarece imediatamente: Porque é aqui que vou criar. logo em seguida. em seu relato da destruição de Samária. afirma: “Trarei o Sol ao Meio-Dia. todos os astros que brilham nos Céus. narrando a ruína do reino do Egito e a queda do Faraó por obra de Nabucodonosor. que a estirpe continua. mas o nome se extingue. afirma: “Vi a Terra. Joel. filho de Petuel' referindo-se à praga de gafanhotos que sobreveio em seu tempo.. às vezes. e os astros extinguirão seu brilho!” (Joel 2:10). declara: “Ao apagar tua luz. O Sol e a Lua se obscurecerão. Cobriremos o Sol com nuvens e a Lua não resplandecerá. tive que examinar todas. graças à qual nós temos um nome especial. e se fundirão os montes (. há aí uma alusão à perpetuida­ de da Lei.. subsistirão para sempre . A meu ver.porque a fé em Deus e a alegria que disto advém são duas circunstâncias que jamais cessam ou se alteram naqueles que a conseguiram — também a sua des­ cendência e seu nome perdurarão. Assim. .. Porque ocorre. ao descrever a destruição de Jerusalém. a propósito da destruição de Samária. E^equiel. ele afirma: “E aqui que vou criar novos Céus e uma nova Terra. assim se expressa: “Diante deles tremerá a terra. elas ocorrem do mesmo modo nos textos de outros Profetas: Jeremias. você encontra numerosos povos que indubitavelmente descendem da semente da Pérsia ou da Grécia e.)” (Miquéias 1:3-4). todavia. porque. para Jerusalém.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO Aqui você tem a elucidação de toda esta matéria.)” (Amós 8:9-10). e eis que era vazio e confusão (.. e cobrirei de trevas tua terra. irei vesti-los de luto por ti. Como estas metáforas são freqüentes em Isaías. velarei os Céus e obscurecerei seus astros. A determinação é a seguinte: “Por­ que assim como os Céus novos e a Terra nova que Eu criarei permane­ cerão diante de Mim —disse YHVH — assim permanecerão suas sementes e seus nomes” (Isaías 66:22). alegria e para meu povo. descerá e caminhará sobre os cumes da Terra. A mós. recorre às conheci­ das expressões retóricas: ‘Tois eis que YHVH sairá de seu lugar. disse o Senhor. Miquéias. que prometi que se difundirão sobre a terra.)” (Jeremias 4:23). trovejarão os Céus. acrescenta: as­ sim como estas circunstâncias da fé e da alegria inerente. Após este preâmbulo.. porém. não são conhecidos por um nome especial. YH VH ” (Ezequiel 32:7-8). . ó Deus.)” (Juizes 5:4). abalou-se e estremeceu a terra” (Salmos 77:17-19).htm .org/cathen/06628a.)” (Salmos 18:9). se isto não lhe agrada. chamado de Gig pelos gregos ou de Gu-gu em inscrições assírias (fonte: site http://www. posto que nosso apoio está em Sua ajuda (Exaltado seja!).newadvent. Na referência à submersão dos egípcios.. Outros acreditam que Gog teria sido o rei de Lídia. . Segundo alguns escri­ tores. YHVH.. a respeito do aniquilamento do reino dos Persas e dos Medos: “Farei tremer os Céus e a terra e o mar e o seco. Até os abismos fremiram (. acende-se Tua ira contra os rios?” (Habacuc 3:8). ora nestes termos: “Fizeste estremecer a terra e a fendeste.. ainda que trema a terra. Como estas.. elas Te viram e tremeram.) Propagou-se o som do Teu trovão.)” (Ageu 2:6-7). e. “Acaso. nos dias do Rei M essias. ainda que 30 Gog. afirma: “Povo salvo por YHVH” (Deuteronômio 33:29) e proclama: “Por isso nós temos que temer [a Deus]. Gog é uma designação geral utilizada por Ezequiel para designar os po­ vos inim igos de Israel.. Com respeito às palavras de Joel: “E farei prodígios nos Céus e na Terra: sangue e fogo e colunas de fumaça! E o Sol se converterá em trevas e a Lua em sangue. “de Suas narinas subiu uma fumaça (. relâmpagos ilum i­ naram o mundo. ainda. encontramos: “Asa águas Te perceberam. para nos avisar que não devemos temer quando os povos são destruídos até sua aniquilação. Compare aquelas de que não me lembrei com estas que recordei. por­ que no monte de Sion e em jerusalém será a Salvação (. ainda que se movam os montes na enseada do mar” (Salmo 46:3)..1 78 O GUIA DOS PERPLEXOS A geu declara. antes que venha o grande e terrível dia de YHVH. ao lado de outro —M agog — mencionado muitas vezes nos capítulos 38 e 39 do Livro de Ezequiel. nome de um suposto reino. E todo aquele que invocar o nome de YHVH será salvo. e estremecerei todas as nações (... Os Salmos de David descrevem a expedição de Joáb contra Arám. há muitas passagens. a debilidade anterior e o rebaixamento desta nação. restaura esta brecha antes que desmorone” (Salmos 60:4). como os israelitas foram derrotados e postos em fuga. Igualmente no cântico de Débora há a referência: “A terra tremeu (. talvez à des­ crição de G og 1 0 diante de Jerusalém ..)” (Joel 3:3-5). Analo­ gamente.. e não em nossa luta e em nossa força. Para que agora saiam vitoriosos. em 13/11/2002). eu estaria inclinado a acreditar que se referem ao desastre de Sena­ queribe diante de Jerusalém ou. O que você encontrará. até quem tome as palavras Céus novos e Terra nova no sentido erroneamente admitido. O nosso objetivo está claro. reconhece. a devastação do fogo e o eclipse de todos os astros. em uma passagem que você . Neste extremo. já que as palavras e durante um milênio ficará devastado indicam. Ao contrário. no tocante aos milagres. de qualquer tipo que seja. e assim se deduz o argumento destas palavras: Não se fa% nada de novo sob o Sol. Não pense que isto contradiz o que expliquei. nem implicaram outra natureza. que o tempo perdura. como o princípio básico de que todos os Sábios da M ishnát do Talmud deduzem seus argumentos. por si mes­ mas. pois é possível que se queira sugerir que o estado físico necessário para produzir as circunstâncias prometidas é subjacente aos Seis Dias da Criação. declarou: “Grande é o dia de YHVH. não obstante. Certamente os Sábios exprimiram-se. j á estão lá e subsistem . pois ainda que estes afirmem que o mundo durará seis mil anos e que será devastado durante um milênio. foi unicamente como precaução com relação aos milagres. que mesmo os Céus e a Terra que serão criados nofuturo. Esta é minha opinião e o que entendo como aquilo em que se deve acreditar. sobremaneira terrível. é que a expressão: “Não se faz nada de novo sob o Sol” (Eclesiastes 1:9) significa que não será produzida renovação alguma. trata-se de uma opinião individu­ al e uma maneira pessoal de ver as coisas. nem por causa alguma . sem inter­ venção de causa natural. carece de fundamen­ to nos textos proféticos ou dos Sábios. Assim. mas sim que. referindo-se ao dia em que os gafa­ nhotos sobrevieram contra eles. A destruição deste mundo ou a mu­ dança do seu estado amai. a água em sangue e a mão pura e honrada em esbranquiçada. o que é verdade. mas sim subsistem . Joel. pois ainda que a vara tenha se transformado em serpente. Talvez você questione por que se chama o dia do desastre de Senaqueribe de o grande e terrível dia de YHVH. segundo nossa explicação? Você sabe que qualquer dia em que aconte­ ça uma vitória ou uma grande calamidade é chamado de o grande e terrível dia de YHVH. Se eu lhe disse que nada alterará sua natureza de maneira que per­ dure neste estado.. ou de qualquer outro. pois está dito: subsistem diante de Mim. como afirmam os Sábios (Benditas sejam suas memórias!): 0 Mundo anda como de costume. em termos surpreendentes. Além disso. Não subsistirão . quem poderá suportá-lo?” (Joel 2:11). estes fenômenos e outros semelhantes não foram duradouros. isso não significa que todo ser existente retornará ao nada. constantemente.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO esta passagem cite unicamente a grande mortandade. de certo modo. bendito seja. Misael e Azarias. Dir-se-ia que considerava. e nada se modificará de forma alguma. E analogamente nos demais casos. depois de estabelecida a natureza. salvo em detalhes ou talvez por um milagre. pois afirmam que. admitindo que o Universo é eterno e que perdurará com a natureza que Ele (Exaltado Seja!) queira. exceto quando os egípcios foram submersos. Já lhe adverti a respeito do verdadeiro sentido desta passagem. marcado em sua natureza desde as suas origens. isso realmente demonstra a grandeza de visão do au­ tor desta passagem. que na natureza da água se fundamentava a sua continuidade e fluidez. de 31 M idrásh Kohélet-. reduzi-lo a nada ou. o mar recobrou seu estado ordi­ nário. O assunto. em antecipar o que Deus lhe revelou quanto ao momento dos milagres. Comentário de Eclesiastes (NT). afirmou: O Santíssimo fixou condições. e Eu mando em todo o seu exército (Isaías 45:12)”.. Somente neste caso. na natureza.” (Exodo 14:27). pois. mas sim a tudo o que foi criado nos Seis Dias da Criação. não somente ao mar. ainda. filho de Eleazar. ainda que Ele (Exaltado Seja!) tenha o poder de transformar totalmente o Universo. Sendo assim. A passagem tem o seguinte teor: Rabi Yonatán disse: 0 Santíssimo. ou seja. que achava difícil a possibilidade de se transfor­ mar uma natureza física a partir da obra da Criação ou de advir outra aspiração. Eu ordenei ao mar para se dividir. segundo se indica: “Minhas mãos estenderam os Céus. por exemplo. então. . ao fogo para não causar danos a Ananias. impôs condições ao m ar para que se rendesse diante dos israelitas.O GUIA DOS PERPLEXOS poderá ler no Bereshit Rabá e no Midrásh Kohélet?x A idéia é de que os milagres se fundamentam. A marca do Profeta con­ siste. fica esclarecido e a doutrina elucidada. conforme está escrito: “ao despontar o dia. nelas imprimiu também a possibilidade de todos os milagres que ocorrerão no momento certo. a água deveria se dividir. Rabi Jeremias. pois. com sua chancela particu­ lar. aos leões para não machucarem Daniel. quando Deus (Exaltado Seja!) criou este mundo e pôs nele estas disposições físicas. ao peixe para vomitar Jonas”. sempre de cima para bai­ xo. con­ cordamos parcialmente com a teoria de Aristóteles. e que tudo isso é para evitar a necessidade de admitir a inovação de qualquer coisa. O certo é evitar examiná-los através da simples imaginação. já dissemos que isso somente pode ser classificado segundo a h e i da Necessidade e a necessi­ dade implica uma heresia com relação a Deus. Neste ponto de nossa consideração. Sua Sabedoria exigiu que desse existência à Criação no momento de sua realização e que aquilo que foi criado não fosse aniquilado. convencidos de que a perfeição se baseia na verbosidade e prolixidade da expressão. outros porme­ nores nos são desconhecidos e pertencem ao futuro. já que estes textos. O certo é meditar com determinada inteli­ gência. já que o primeiro objetivo do presente Tratado era esclare­ cer o que fosse possível sobre o Relato da Criação e o Relato da Carruagem Divina. e proceder como estes pobres predicadores e comen­ taristas que pensam que a ciência consiste no conhecimento semântico das palavras. e a honra do rei. Mas anteciparemos duas proposições gerais. Esta é a nossa consideração e o princípio fundamental da nossa Lei. exceto nestes detalhes que a Ele cabe mudar. neste caso. posto que.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO l8l eliminar algumas destas disposições naturais. a honra de Deus encobrirá a coisd’?2 Foi dito isso (no Midrásh) ao final do relato do Sexto Dia. induzem a uma grande confusão de idéias e acarretam opiniões ruins sobre a Lei de Deus ou a clara negação e heresia acerca dos fundamen­ tos da Lei. na Torá. esquadrinhá-las”. o universo teve um início e nada existia no Início. porém. . estima que. Aristóteles. Proclama-se expressamente: “Desde o princípio do livro (Gênesis) até aqui. nem os Sábios teriam recomendado tanto sigilo e circunspeção diante do povo. ninguém que te­ nha alcançado esta matéria deve divulgá-la. como expus reiteradamente em meu Comentário àM ishná. 32 Alusão a Provérbios 25:2: “A Glória de Deus é encobrir as coisas. Não obstante. como o povo imagina. nem sua natureza modifica­ da. os homens de ciência não seriam tão reservados a respeito. inseriremos um capítulo com diversas observações atinentes aos textos do M aassê Bereshít (0 Relato da Criação). Pois bem. No entanto. o Uni­ verso é também eterno e não foi criado. vazia de ciência. Uma delas é a seguinte: tudo quanto é lembrado no Relato da Criação. depois de se impor o estudo das ciências demonstrativas e a investigação dos mistérios proféticos. assim como é permanente e imperecível. ao pé da letra. que os antigos rabinos aplicam aos mistérios contidos no primeiro capítulo do Gênesis (Maeso). por outro lado. conforme expusemos. senão Deus. não deve ser interpretado em seu sentido literal. a seu sentido pri­ mário. Mas. a difundi-la entre os demais. assim como algumas observações e indicações. a declaração de Zacarias (6:1): “Os montes eram de cobre”. mas são empregados por alguma relação semântica. àquele que tenha logrado alguma per­ feição. conforme explicarei. Por este motivo. e outras expressões similares. em suas locuções. em hebraico moderno. deverá dizer algo a respeito. Com base nessas duas proposições. .). por exemplo. encontram-se nas ponderações de nossos Mestres (Benditas sejam suas memórias!). esclarecido o que dissemos. deve se limitar a meras alusões. Reguei E gu el (pata de bezerro) (Ezequiel 1:7). como está proibido de ser explícito. como explanaremos nos capítulos referentes à Profecia. embora mescladas com as palavras de outros e com temas diferentes. seja por sua própria especulação. sempre me limito ao que constitui o fundo básico da questão. Assim.. nos capítulos referentes à Profecia.. de termos com múltiplos significados e vocábulos que não correspondem. reservando o resto àqueles que sejam dignos do que lhes seja ensinado. segue o capítulo prometido. o termo Chashmál33 (Ezequiel 1:4). necessariamente. A segunda proposição é: os Profetas. no Relato da Carruagem Divina. significa eletricidade (NT). em sua intenção. pois. como se pode deduzir pela sua semelhança com Shokéd aní (sou perseverante) (. Todavia. 33 Chashmál. em se tratando destes mistérios. seja pela doutrinação de algum mestre. a expressão M akêlShakêd (bastão de amêndoa/perseverante) dever ser interpretada com o sentido de perseverante. todo Sábio um tanto conhecedor destes mistéri­ os. Estas. conforme temos indicado.O GUIA DOS PERPLEXOS Fica. ser­ vem-se. você per­ ceberá que. como o preceito divino obriga. A expressão o início é empregada para designar sua função no ser ao qual se refere o conjuntamente com ele. como em: “Em princípio (Techilái) fala de YHVH a Oséias” (Oséias 1:2). Pois bem. por exemplo. por exem­ plo. e o que desig­ na o iníáo é Keshít. portan­ to: No início criou Deus os Superiores (Céus) e os Inferiores (Terra) cujo significado está de acordo com a Criação do Mundo.início). por isso se afirmou: Be-Reshít (Gênesis 1:1). nesta acepção.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO CAPÍTULO 30 INTERPRETAÇÃO FILOSÓFICA DE GÊNESIS 1-4 Você deve considerar a diferença existente entre os termos Techilá (o princípio) e Be-reshít (No. em que a partícula Be tem o sentido de no. O termo que. sem que se pressuponha que seja a causa do que vem depois. Assim. em outras designa simplesmente a anterioridade no tempo. Cicrano. A verdadeira tradução deste versículo é. que Fulano foi em princípio quem habitou tal casa e. ainda que não lhe preceda no tempo. às vezes. Dizemos. Quanto ao que . O termo o princípio também se aplica. por sua posição. mas não se diz que Fulano é a causa de Cicrano habitar a casa. em hebraico. derivado de Rósh (cabeça). depois. dado que o tempo pertence ao conjunto das coisas criadas. afirma-se que o coração é o início do animal —o elemento é o iníáo daquilo que é a base. o Universo não foi criado por algo que o precedesse no tempo. que é o iníáo do animal. indica o princípio é Techilá. Considerar dessa forma é ater-se ao sentido lite­ ral. o que os induziu a professar essa teoria foi en­ contrar. mais inaceitável do que a primeira. diz Rabi Yehudá ben Shimón. pois depende do movimento da esfera celeste. conforme o texto: “Chamei-os. Esta seria. mas foi criado. coisa a que todo aquele que respeita a Lei deve ser contra. semelhante à de Rabi Eliezer: De onde foram criados os Céus (. a opinião de Aristóteles. no texto bíblico. a menos que (por Deus!) quisessem sustentar que a divisão do tempo existiu antes da criação do Sol. se ainda não existia esfera que girasse. desprezando o fato de que. depois. declaram que tem a acepção de com .)? Em suma. Você já conhece a afirmação explícita de que os Céus e a Terra foram cria­ dos ao mesmo tempo. na minha opinião. cada mundo tem uma duração de seis mil anos. conclui-se então.O GUIA DOS PERPLEXOS você encontrará escrito. Esta passagem é. conforme já lhe expus. que os Sábios. mas já lhe será esclarecida a solução daquilo que. não se deve levar em conta opiniões particulares em tais referências. Já lhe ensinei que o princípio fundamental de toda a Bíblia é que Deus criou o Universo do nada. seguidos de um sétimo milênio de Caos..34 Esta segunda opinião é. deste modo. . nem Sol. tudo quanto está contido nela. com relação à existência do tempo antes da Criação do Universo. com o que se poderia medir o Primeiro Dia ? A Bíblia usa o termo Primeiro Dia . verá que é extremamente obscu­ ro. em numerosas passagens. Assim. que a divisão do tempo já existia anteriormente.. os termos Dia Primeiro (Gênesis 1:5) e Dia Segundo (Gênesis 1:8). tudo foi criado simultaneamente e. cria-se um novo mundo (Maeso). depois do qual. tudo o que neles há e com a Terra. era nebuloso. e a própria esfera também foi criada. as coisas foram se diferenciando gradualmente umas das outras. Há-Kadósh Barúch Hú (O Santíssimo. significando assim que Ele criou. Sem dúvida. bendito seja) havia criado e destruído mundos. por certos Sábios. Rabi Abahu deduz que Deus. o qual pensa que não cabe conceber um início para o tempo. com respeito à partícula ét em é t háShamáim vê-ét há-Arets —“ [com] os Céus e [com] a Terra” (Gênesis 1:1). junto e com os Céus. que o tempo não preexistiu. Você compreenderá que o difícil é conceber a exis­ tência do tempo antes da existência do Sol. todavia. pois. o que é incon­ gruente. Mas isso eqüivaleria a admitir a Eternidade do Universo. Convém saber. e logo aparece­ ram” (Isaías 48:13). para eles. 34 Segundo alguns talmudistas (baseando-se em B ereshít R abá 83). e as trevas cobriam a face do abismo. um dos quatro elementos. mas o espírito de Deus (. ou seja. Lem­ brando: érets (terra). Os Sá­ bios formularam. explicada a intenção desta explanação.os quatro elementos . e. érets —terra. designa o fogo fundamental. Chama-se a tudo de Terra e. é emprega­ do na forma A rets e. Isso fica. indubi­ tavelmente verdadeira. Este. Aplica-se comumente A rets — Terra —a tudo o que há sob a esfera lunar. Assim.. não se engane. lhe devorará um fogo não aceso (pelo homem)” (Jó 20:26).SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO 18 5 Compararam-No ao lavrador que semeou a terra ao mesmo tempo com diversas sementes. geral.afirma­ mos que o termo érets é o primeiro mencionado depois dos Céus. na forma Erets. outras. deve-se saber que érets (terra) é um termo de múltiplos significados. A designação para fogo fundamental. o Segundo e o Terceiro Dias. Demonstra-o este texto: “E a Terra {Arets) estava confusa e vazia. de três. . já que lhe era difícil compreender como foram mensurados o Primeiro. mas simplesmente transpa­ rente. desvanece-se a dúvida que induziu o Rabi Yehudá ben Shimon à sua afirmação.. De acordo com esta concepção. Daquilo que é necessário conhecer . quan­ do o termo é comum a ambas. veríamos todo o ar flamejando à noite. acrescenta-se: “Quando ouvistes sua voz em meio às trevas” (Deuteronômio 5:20-23). utilizando-se este termo. E em outro lugar: “Toda sorte de trevas lhe está reservada. especialmente. em seguida. Com sentido mais amplo. entre os segredos. pois sempre que você encontrar E Deus chamou a isto assim. Tanto que ao afirmar: E ao seco Deus chamou terra. de dois. esta ten a é somente terra. depois de se declarar: “E do meio do fogo tens ouvido suas palavras” (Deuteronômio 4:36). máim (água). Fica.u% criada no Primeiro Dia. mas não foram suspensos até o Quarto Dia”. Se fosse luminoso. o último deles. Quanto a este último termo. e ainda outras. um juízo explícito acerca da L. Entre outras coisas necessárias.)” (Gênesis 1:2). claro. apesar de se ter realizado a sementeira ao mesmo tempo. é um grande segredo. portanto. com sentido particular. das quais umas brotaram ao cabo de um dia. por­ tanto. Por isso interpretei o primeiro versículo como: No iníáo criou Deus os Superiores e os Inferiores. assim o vocábulo érets indica pela primeira vez o mundo inferior. acrescenta-se: “E ao seco chamou Deus terra {érets)” (Gênesis 1:10). rúach (sopro) e chóshech (trevas/fogo). no Bereshit Rabá . refere-se ao que não é luminoso. segundo a Torá: “Os astros foram criados no Primeiro Dia. a saber: os quatro elementos. o objetivo é separar determinada idéia de outra. Assim. A primeira vez em que se emprega a palavra chóshech para indicar escuridão (Gênesis 1:2) é diferente da segunda.). colocam-se indubitavel­ mente acima do ar. em que se estabelece a distinção de forma. os Céus também são chamados de firmamento. destaca o uso associado do nome. não são as dos mares. ou seja. unido à água. mas sim a parte situada sob o ar. graças à forma física que a revestiu. não se diferença na localização. No entanto. Quanto à razão da expressão R úach Elohím (o So­ pro/Espírito de Deus). que se distinguiu por meio de determinada forma. so­ bre ela.. O próprio firmamento foi formado de água. a água. pois a locali­ zação do ar “sobre a superfície das águas” (Gênesis 1:2) se dá porque as trevas. fica claro que as águas. isto também fica esclarecido. e as outras são cha­ madas de águas simples. além de muitas outras passagens.)” (Gênesis 1:7). Por isso: “Veio um sopro de YH VH ” (Números 11:31). e não se trata dos mesmos Céus anteriormente citados na frase: “os Céus e a Terra” (Gênesis 1:1). é certo se afirmar: m erachéfet (movimenta-se). conforme lhe expliquei. o significado é de que elas se dissociaram umas das outras por meio de uma diferenciação física. conforme expusemos. fez-se uma coisa à parte. nas palavras “separando águas de águas (.)” (Gênesis 1:7) é análoga à outra: “E Deus separou a luz das trevas” (Gênesis 1:4). Assim. Convém então saber que. A expres­ são “Chamou Deus ao firmamento Céus”(Gênesis 1:8). situadas sobre a fa ce do abismo (ibid . “Enviaste teu sopro” (Êxodo 15:10). Daquilo que primeiramente havia sido designado com o nome de águas. a passagem “Estabeleceu separação entre as águas que estavam debaixo do firmamento (. e a sua natureza é a mesma. como em: “E os colocou no fir­ mamento dos Céus” (Gênesis 1:17).. que são as águas autênticas..O GUIA DOS PERPLEXOS Sua enumeração corresponde às suas posições naturais: a terra. das quais o texto afirma: “E à agregação das águas chamou mares” (Gênesis 1:10). “E YHVH fez dar volta ao sopro” (Êxodo 10:19). primeiramente designadas pela expressão “sobre a superfície das águas” (Gênesis 1:2). e o fogo. segundo dizem os Sábios: “a gota (ou grupo de gotas) do meio se consolidou”. dando a entender que firmamento não se identifica com Céus. Por homonímia. Não é assim como nós denominamos. e as outras águas foram dotadas de formas distintas. pela forma. o que se explica e se diferencia na afirmação: “E às trevas chamou noite” (Gênesis 1:5). . o que é corroborado pelas pala­ vras “sob o firmamento dos Céus” (Gênesis 1:20). e o movimento é sempre atribuído a Deus. por cima do ar. o ar. Logo.. seja acima ou abai­ xo. a partir desse versículo. Rabi Akiva afirmou: “Quando virem pedras de már­ more puro não digam: Agua! Agua!. Como. Isto se aplica necessariamente a quem também imagi­ na que este firmamento e o que há sobre ele estão por cima dos Céus. como disseram os Sábios (Benditas sejam suas memórias!): “Quatro entraram no Paraíso (. pois foi declarado: “ no firmamento dos Céus”. que posteriormente se distinguiu em suas três formas: uma constituiu os mares-. Na minha opinião. no início. neste caso. pois. e não há vazio no Universo.. nem água sobre o ar. não sendo esta água defato. segundo o método interpretativo do Derásh. a respeito do Segundo Dia. e preste atenção em tudo o que foi dito sobre este assunto. e não “sobre o firma­ mento dos Céus. Você já conhece a esse respeito o afirmado pelos Sábios (Benditas sejam suas memó­ rias!). é coisa inexistente. Você também deve saber e considerar a razão pela qual não se declarou. porque está escrito: Não habitará em minha casa o que cometa fraude’ (Salmo 101:7). Portanto. Neste assunto. que estava bom. porque a intenção era de que isto fosse parte dos segre­ dos selados.)”. pois.. ofirmamento e a terceira se colocou sobre este. Mas o firmamento e o que se coloca acima dele. caso se tome ao pé da letra e de um modo superficial. afirma-se “que estava bom. então. como você vê. perpetua-se e chega ao seu estado definitivo. o que se pode entender desta passagem. posto que não há nada entre nós e os Céus inferiores senão os elementos. es­ tão. Com efeito. se a examinou com toda a exatidão e compreen­ deu todo o demonstrado (por Aristóteles) no livro Sobre Meteorologia. mas estão fixos dentro das esferas. O mais provável é que a cnação das águas não havia sido concluída.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO 1 87 Está claro. o significado desta afirmação fica extremamente obscuro. revelando todo o seu conteúdo. se você é dos que pensam. como acredita o povo. totalmente fora da Terra (os Céus). denominados de águas. inacessíveis ao povo. a razão está perfeitamente clara: sempre que se menciona algu­ ma das obras da Criação. está manifesto que. poderia se afirmar so­ bre isso que estava bom ? O sentido destas palavras é que o objeto em . o Sol e a Lua não estão sobre a superfície das esferas. outra. seguiu-se um método diferente para indicar alguns segredos: designar pelo nome de água o situado sobre o firmamento. Reflita. seria ainda mais impossível e inexeqüível. tam­ bém. envoltos em obscuridade. existiu uma matéria comum chamada água. Por outro lado. que todos os astros. pois. portanto. cuja existência se prolonga. caso se interprete em seu sentido esotérico e segundo o que realmente se quis expressar. sem se afastar um ponto. de maneira que a frase “E vapor aquoso que subiu da terra” (Gênesis 2:6) alude a uma circunstância anterior. tudo fica imobilizado? O texto bíblico. segundo a explicação formulada pelos Sábios. a primeira é a causa geradora de todos os fenômenos superiores. é preciso saber. Entenda isso! Preste atenção. já explicada. tudo isso foi concebido em sua perfeição quantitativa. As trevas são pro­ priedade natural de todos os seres da Terra. que precedeu a ordem: “Faça brotar da terra erva verde” (Gênesis 1:11). não é com relação à subsistência do Universo que não se diz que estava bom . 35 36 Veja cap. como está escrito. antes que tivesse na terra” (Gênesis 2:5). de uma causa externa. dos animais e. portanto. com sua forma perfeita e suas mais belas quali­ dades. Rosh Hashaná 11. Mas se aquilo cujo sentido genuíno deve per­ manecer encoberto e sua essência não se fazer visível tal como é. Em Talmud. no relato da Criação. Deus só fez brotar da terra as ervas e as árvores depois de ter feito chover sobre ela. A resultante disso consiste de duas exalações-. devido ao calor e ao frio que provocam. Outrossim. porque é uma chave importante. qual a utilidade de se contar aos homens? Só para poder declarar que está bom ? Devo lhe dar ainda outra explicação: como isto constitui parte importante da Criação.35 são a luz e as trevas. 10 (Maeso). foram criadas em sua inteligênáa. do ser humano. mas sim por uma necessidade compulsó­ ria de que a terra ficasse descoberta. depois das atividades das esferas celestes. bem explícito. os elementos se mesclam e sua combinação varia por obra da luz e das trevas. leitor. a tradução de Onqelos “E um vapor havia surgido da terra” resul­ ta do contexto: “E toda erva do campo. e a luz lhes vem como um acidente. Fique bastante atento também a isso. e a segunda gera respectivamente a composição dos vegetais. da expres­ são: “A mais bela de todas as terras” (Ezequiel 20:6). E o que indica o termo lê-tsivionám (na beleza deles).O GUIA DOS PERPLEXOS questão é de utilidade óbvia e evidente para a existência e prolonga­ mento deste Universo. Por este mo­ tivo. Você já sabe. finalmente. Está. segue a mesma ordem. quando falta a luz. foram criadas em sua bele^a^ ou seja. Em virtude do movimento da esfera celeste. que: Todas as obras da Criaçãoforam criadas em seu tamanho próprio. que'as causas principais da geração e corrupção . entre eles a chu­ va e os minerais. . Você não percebe que. pois. como explicamos. Conseqüentemente não se pode ver nenhuma in­ congruência nestas coisas. eram um. Além disso. nem serei prolixo em seu desenvolvimento. afir­ mam os Sábios. Todos os Sábios concordam que estes fatos aconteceram no Sexto Dia. porque do Homem (Isb) foi tomada” (Ibid. e absolutamente nada mudou depois dos Seis Dias da Criação. Deus tomou a metade (Eva) e deu-a à outra (Adão) como companhei­ ra. despertando sua atenção para elas da mesma forma como eles (Benditas sejam suas memórias!) desperta­ ram a nossa. Assim.)” (NT). . e o texto acrescenta: “no outro lado da morada (. apre­ sentando tudo isso como acontecimentos posteriores à presença de Adão no Jardim do Éden. a Êts Biná (Arvore do Conhecimento) e o episódio da serpente. após falar da Criação do Homem nos Seis Dias da Criação. As palavras achátmi-tsalotáiv (Gênesis 2:21) significam: “uma de suas costelas”. Então. ao mesmo tempo. é dessa forma que se deve interpretar a expressão uma de suas costelas. Menciona-se a Êts Chaím (Arvore da Vida). o relato é finalizado nestes termos: “Assim foram acabados os Céus e a Terra e todo o seu cortejo” (Gênesis 2:1). dizem que Adão e Eva foram criados juntos.. ao dividir este ser. de interpretação lúcida a seus destinatá­ rios e de notável precisão. tomadas de diversos lugares. abre-se um novo capítulo sobre como Eva foi formada de Adão.. que tenho que lhe expor. Por este motivo não me estenderei em sua exposição. a fim de não descobrir um segredo?1 Para um homem como você.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO Outra das coisas sobre as quais você deve meditar atentamente é que.. Targúm . como foi dito: “Osso dos meus ossos e carne de minha carne” (Gênesis 2:23). para reforçar ainda mais sua união. porque. unidos ombro a ombro e.tradução para o aramaico (NT).) e. os Sábios disseram outras coisas. quanto a este assunto em particular. Veja como ficou claro que Adão e Eva eram dois em algumas coisas e. afirman­ do: “e os criou Macho e Fêmea” (Gênesis 1:27). Leve em conta que as palavras subseqüentes dos ditos Sábios são de suma perfeição. bastará citá-las com certa ordem e rápida indicação. que o Targúnf^ traduz por “lado do Tabernáculo”. e virão a ser os 37 38 Referência a Provérbios 11:13: “Vem o mentiroso e descobre o segredo (.)” (Êxodo 26:20).. não havia ainda uma natureza estável. Assim. foi declarado: “E se juntará à sua mulher. confirmando deste modo sua união ao designá-los com um só nome: “Mulher (Isbk). a Isaac. ao despertar as paixões. Isto também está claro. está louco ? (. domina Eva pelo calcanhar. bendito seja — divertia-se com o camelo e seu cavaleiro”. deste modo. asseguram que Samael se dirigiu ao Patriarca Abrahão e lhe disse: “O quê! Vovô. o Sacrifício de Isaac (Akedá ). afirma-se: “O cavaleiro ia sobre a serpente.O GUIA DOS PERPLEXOS dois uma só carne” (Gênesis 2:24-25). Outra questão que você deve conhecer. Você dirá que. cujo nome era Samael.39 nome aplicado a Satã. Todavia. e a serpente o levou à perdição. prejudica o Homem. Neste assunto. do tamanho de um camelo.)”. às nações que estavam ausentes do Mon­ te Sinai —a contaminação permaneceu.. 39 40 41 42 Em Capítulos de Rabi E lie\er (Maimônides). cujo sentido literal se torna ex­ tremamente absurdo. mais surpreenden­ te é a ligação entre a serpente e Eva —o destino de uma está na outra: são a cabeça e o calcanhar. os israelitas. por intermédio desta. que a serpente não teve nenhuma rela­ ção com Adão. também a descendência do Homem. e que foi esclarecida no Midrásh. era montada pelo ca­ valeiro que seduziu Eva. a contaminação terminou. Ao comparecer o Povo de Israel ao Monte Sinai. Quanta é a ignorância daqueles que não compreendem que. pois. em muitas passagens.40 Não há dúvida. que Samael é Satã. a serpente. da mesma forma. assim como o de Nachásh (Serpente). ao receberem uma Lei m oral que dominou suas paixões. em tudo isto há uma idéia determinada! Aí você tem explicado. Ela conversou e tratou unicamente com Eva e. afirmam que Satã pretendia tentar o Patriarca Abrahão para que não consentisse em sacrificar Isaac e. A enorme inimizade surgiu tão somente entre a ser­ pente e Eva e entre a descendência de uma e de outra —que é. por sua vez. O sentido desta passagem parece ser o seguinte: a faculdade imaginativa. e Deus —o Santíssimo. tem um sentido. os povos que não têm um a lei moral continuariam sujeitos ao domínio das paixões (Munk). mas cuja sábia metáfora e congruência com a reali­ dade você irá admirar quando se aprofundar perfeitamente nos capítulos do presente Tratado. necessariamente.41 de forma que Eva a domina pela cabeça e a serpente. nem falou com ele. Em Gênesis 3:15 (Maimônides). é a seguinte: Ao se aproximar a Serpente de Eva — dizem —contaminou-a. mas. Este nome.42 Reflita também sobre isso. para que não obedecesse a seu pai. Em B ereshit R abá (Maimônides).. sem dúvida. Outra das passagens surpreendentes. Você deve notar. Ao contar como foi a sedução de Eva. ficaram protegidos. sobreveio o dano a Adão. . “criado à imagem de D eus”. entre os seres que nascem e perecem. 43 44 45 Em B ereshit Rabá. 44 o que é verdade. totalmente explicitado. Finalmente. o que nos ensina que as línguas são convencionadas.. Ambos pereceram. Abel. Por esse termo. Fica. Não menos digna de se conhecer é a seguinte passagem: “E YHVH Deus tomou o homem” —ou seja. entende-se seu madeiramento ereto. cujas explicações você deve conhecer: “Quanto à Arvore do Conhecimento. deu-lhe descanso. Caim representa a fa­ culdade das artes práticas . O silêncio que o autor guarda sobre seu verda­ deiro pensamento tem dado lugar a diversas explicações: os comentaristas con­ cordam geralm ente em ver. Não se entende. e não naturais. . único entre os m en­ cionados filhos de Adão que se assemelhava ao pai. de quinhentos anos de idade. os símbolos de diferentes faculdades da alma racional. a inteligência . Em Bereshit Rabá. porque foi Caim quem matou Abel no campo (Gênesis 4:8). cap. mas sim que elevou a qualidade de seu ser. nos três filhos de Adão nomeados no texto bíblico. refere-se à grossura de seu tronco e não à extensão de suas folhagens. a saber: Bará (criar). como adverte o autor na Primeira Parte. e esta expressão comple­ mentar foi acrescentada para valorizar o sentido da explicação e lhe dar maior clareza. embora o agressor tenha sido trata­ do com piedade. A bel e Set. Mais um ponto em que você deve refletir é o acerto com que foram designados Caim e A bel . e as alegori­ as encerradas no texto bíblico. A ssá (fazer). pois a natureza do existente assim o requer. Tudo isto já ficou claramente demonstrado. Esta é outra questão. 7". ou seja.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO Outra passagem que você deve entender é a seguinte: ^4 Á rvore da Vida alcança quinhentos anos de idade. aqui resumida: O autor se lim ita a propor à meditação do discípulo o sentido dos nomes de Caim.4 5 Outrossim.43 Esta idade.)” (Gênesis 2:20). você deve meditar sobre os quatro termos empregados para a relação entre Deus e os Céus. a reflexão e Set. e todas as águas da Criação se derramam sobre ela . nem a revelará jamais”. mas sim seu tronco. elevou-o —“e o colocou no jardim do Éden” (Gênesis 2:15). e situou-o em determinado estado. a seguinte passagem merece sua atenção: “E chamou o Homem nomes (. pois. (Maeso). esclareceram. que Ele lhe tomou de um lugar e situou-o em outro.. o Santíssimo não a revelou a ninguém. e somente a Set se outorgou uma existência longeva: “Deu-me YHVH outro descendente” (Gênesis 4:25). por este texto. como se pensava. “Veja nota explicativa de Munk. 0 objeto destas afirmações —explicam — não é sua folhagem. o que implicaria uma matéria preexistente. ou seja. Entenda bem isso. correspondem às suas raízes. não o são no sentido de domínio.. bastam para o propósito do presente Tratado e para quem se interessar por ele. 46 47 Bará: criar. “Estendas os Céus” (Salmo 104:2). Ele é Elohím (Deus). por exemplo: “Deus criou os Céus e a Terra” (Gênesis 1:1). “Ele que formou os montes” (Amós 4:13) significa que for­ ma sua figura.. Caso os designe com o verbo Kaná (possuir). empregam-se os verbos Bará e Assá. 'Livro: criar. significa produzir do nada. dado que estes também são acidentes.47 não se apresenta esta acepção. Por isso se afirmou: “Ele queform ou a l u porque esta é um acidente. . “(. Assá:fa%er. os verbos são. Estas lições. O verbo em hebraico citado no texto corresponde à sua raiz. juntamente com o que já foi dito e o que se dirá sobre o tema. Quando se afirma: Deus dos Céus e Senhor do Universo. citados no texto. ou a outros acidentes. Liknót.O GUIA DOS PERPLEXOS Kaná (possuir)46 e ÊL (Deus). e eles —os Céus — os governados. “Minha destra estendeu os Céus” (Isaías 48:13). Quanto ao verbo Yatsár (formar). os Céus e a Terra. Ele (Exaltado Seja!) os domina. ou seja. O Senhor (Êxodo 23:17. Pois bem. Foi dito. 34:23). é em relação à Sua perfeição (Exaltado seja!) e à destes elementos. Elohím se refere a Sua qualidade (Exaltado Seja!). na nossa opinião. Yatsár.)” (Gênesis 2:7-9). “Deus do Universo” (Gênesis 21:33). posto que Ele é Deus. em seu ser e em relação a eles. por isso acredito que se aplica à estruturação e à configuração. Laassóí:fa^ere. simplesmente. a seus caracteres físicos.) Possuidor de Céus e Terra” (Gê­ nesis 14:19 e 22).. Há-Adón. o mesmo em “Modelou YHVH Deus (. e os Céus não o são. Quanto às expressões: “A Lua e os astros que Tu estabelecestes” (Salmo 8:4). Kaná: adquirir. Mas.) Ao tempo de fazer YHVH Deus a Terra e os Céus” (Gênesis 2:4). Os verbos em hebraico. possuir (NT). “(. No infinitivo. Também se usa A ssá (fazer) aplicado às formas específicas que lhe foram dadas.. respectivamente. Por este motivo Lhe chamam de “O Dono de toda a Terra” (Josué 3:11-13) ou. formar. dado que não há senhor sem que exista possessão .. No infinitivo é L/daisér (NT). o que governa. estão todas incluídas no verbo A ssá (fazer). referindo-se a estas entidades que abarcam o conjunto do Uni­ verso. assim como o dono a seus servos. a saber. “Deus dos Céus e Deus da Terra” (Gênesis 24:3). emprega-se o verbo Bará (criar) que.. pois esta é a significação de Konê (possuidor). . a fim de que o princípio da Criação do Mundo seja estabelecido e universalizado. pois a proibição à idolatria vem depois de assentada a Unicidade. Você já sabe. 48 Shabát —Sábado: segundo a tradição judaica.SOBRE A TEORIA DA ETERNIDADE DO UNIVERSO CAPÍTULO 31 A INSTITUIÇÃO DO SHABÁT SERVE PARA ENSINAR A TEORIA DA CRIAÇÃO E PARA PROMOVER O BEM-ESTAR DO HOMEM Talvez você já conheça a razão por que a Lei do Shabát 48 é tão severa.. e se perguntassem a causa. com o descanso de todos os homens no mesmo dia.)” (Êxodo 20:11). por minhas palavras. Deriva do verbo hebraico Lashévet— sentar ou descansar. entre a multidão. dia em que Deus descansou da obra que realizou. o Sétimo Dia da Criação. a resposta seria: “Porque em seis dias fez Deus (. A Lei do Shabát ocupa o terceiro lugar em importância. A Lei do Shabát refere-se às normas contidas no Talmúd quanto ao modo como se deve guardar este feriado semanal (NT). . que as idéias não se fixam se não são acompanhadas de ações que as sustentem. para sempre. a ponto de sua transgressão ser punida com a morte por apedrejamento até o Profeta dos Profetas (Moisés) matou por ela. divulguem e perpetuem. depois da existência de Deus e da negação do dualismo. Por isto a Lei nos apresenta a exaltação desse dia. O termo também é utilizado. No primeiro Decálogo (Êxodo 20). ensina-nos sobre a existência de Deus. de imediato e pela mais elevada reflexão. assim se justifica a glorificação do Shabát (Sábado): “Porque em seis dias fez Deus (. De certo modo... a Criação do Mundo.. para ser cum pri­ da pelas pessoas (NT). de forma sistemática.50 com duas con­ seqüências diferentes. e também é o nome de uma das principais obras de Maimônides. é um favor que serve tanto para confirmar uma consideração especulativa. o conteúdo do Talniúd (NT). e segundo.194 O GUIA DOS PERPLEXOS Mas são dadas a esta M itsvám duas causas distintas. por ser uma espécie de rememoraçâo de todo o relato bíblico. nem na hora em que quiséssemos e nem podíamos descansar. recordar-nos de Sua benignidade. outorgando-nos o descanso “do sofrimento do Egi­ to” (Exodo 6:6-7).)” (Exodo 20:11). quinto livro da Torá (Pentateuco) é conhecido também como a Segunda Torá ou a Outra Torá. cujo propósito é justamente a organizar. onde não trabalhávamos por nossa vontade. E nos foi ordenado o descanso e o repouso para unir ambas as coisas: primeiro. que. como homônimo. M ishnê Torá: o Deuteronômio. enquanto que no M ishnêT ora’1 (Deuteronômio 5:15) adver­ te-se: “Recorda-te de que escravo foste na Terra do Egito (. a imposição da Lei do Shabát. Recuperar: tradução contextualizada para a palavra T ik un—conserto (NT). ordenando-nos que a observemos. preceito ou ordem divina... para denominar o Talmud . quanto para recuperar52 o bem-estar físico. e a causa para isso é “porque em seis dias (. . a crença em um conhecimento verdadeiro. 49 50 51 52 M itsvá: segundo a tradição judaica. A prim eira versão do D ecálogo encontra-se no livro do Exodo e a segunda. qual seja. Isto é verdade! A conseqüência resultante do primeiro versículo é a honra e a exaltação deste dia. é conseqüência de outra causa —a de quefom os escra­ vos no Egito.)”..) e por isso YHVH Teu Deus te manda guardar o Shabát”. no Livro de Deuteronômio (NT). como está escrito: “Pois abençoou YHVH o dia do Shabát e o santificou” (Exodo 20:11). Mas. Sobre a Profecia CAPÍTULO 32 TRÊS TEORIAS A RESPEITO DA PROFECIA As opiniões das pessoas sobre a Profecia se assemelham às considera­ ções sobre a Eternidade ou a Criação do Universo. Quero dizer com isto que, assim como entre aqueles que acreditam firmemente na exis­ tência de Deus há três teorias sobre a origem e a criação do Universo, como explicamos, do mesmo modo as opiniões que circulam com respeito à Profecia são três. Não me ocuparei da teoria de Epicuro,1 porque se não crê na existência de Deus, menos crédito ainda dará à Profecia. Meu propósito é somente me referir às posições sobre a Pro­ fecia daqueles que acreditam em Deus. Primeira Opinião: É pertinente àquelas pessoas pagãs que admitem a Profecia, o que coincide com a de certos setores dentro do povo de nossa religião. Deus (Exaltado Seja!), dizem, elege a quem lhe agrada entre os homens, faz dele Profeta e lhe confere uma missão. Não há 1 Epicuro (341-270 A .E.C.): filósofo grego nascido em Samos, favorável ao atomismo, doutrina desenvolvida originalm ente por Leucipo e Demócrito. O de­ sejo precisa ser controlado, para que a serenidade nos ajude a suportar a dor. A vida se torna agradável com o sábio raciocínio, que investiga a causa. Por ser um defensor do prazer, quiseram fazer de Epicuro e dos Epicuristas de­ fensores da volúpia, mas o próprio se declara contra isso ao afirm ar que o prazer não é sensual (fonte: http://www.consciencia.org/antiga/epicuro.shtml, 14 de novembro de 2002). O GUIA DOS PERPLEXOS diferença, segundo eles, se este é sábio ou ignorante, velho ou jovem. Todavia, é condição que seja homem de bem e de bons costumes, pois ninguém até agora afirmou, que Deus tenha outorgado o dom proféti­ co a um homem perverso, a menos que, antes, o tenha transformado em um homem bom. Segunda Opinião: E a dos filósofos.2 A Profecia implica certa perfei­ ção na natureza da pessoa, mas nenhum homem pode alcançá-la senão por meio do estudo, transformando em ato o que está em potência ,3 salvo apareça um obstáculo proveniente do temperamento ou de alguma causa exterior —como ocorre em toda perfeição possível em determi­ nada espécie, mas não de maneira uniforme para todos os indivíduos desta espécie, até sua conclusão e último grau. E se para que esta per­ feição se realize é necessário algo que só pode ser produzido por um agente, logo este agente deve existir. De acordo com esta concepção, é impossível que um ignorante chegue a Profeta ou que um homem durma sem ser Profeta e acorde Profeta, como alguém que descobris­ se algo. A realidade, então, é que se um homem íntegro, perfeito em suas qualidades racionais e proprietário de faculdade imaginativa em seu grau mais perfeito se preparar na forma que se lhe dirá, necessari­ amente chegará a Profeta, por se tratar de uma perfeição que possuí­ mos naturalmente. Segundo esta perspectiva, é impossível que um indi­ víduo apto e devidamente preparado para a Profecia não consiga ser Profeta, assim como é impossível que um homem de temperamento saudável e nutrido de excelente alimento não gere um ser de sangue bom e características compatíveis com essas. Terceira Opinião: Pertence à Nossa Lei e é fundamento de nossa reli­ gião. É idêntica à opinião filosófica, exceto em um ponto: nós acredi­ tamos que o indivíduo, ainda que seja apto e tenha se preparado para a Profecia, pode, todavia, não chegar a ser Profeta, pois isso depende da Vontade Divina. No meu parecer, é exatamente igual ao que acontece 2 “Neste caso, o autor se refere aos filósofos aristotélicos árabes, que conside­ ram o dom de Profecia como o mais alto grau do desenvolvimento das facul­ dades racionais e morais da alma, aonde o homem chega tanto pelo estudo como pela purificação espiritual, desligando-se completamente das coisas des­ te mundo e preparando-se, assim, para a união mais íntima com o Intelecto Ativo, que faz passar ao ato as faculdades que nossa alma possui em potência.” (Munk, in Maeso). 3 Veja Primeira Parte, cap. 14, Segunda Causa (Maeso). SOBRE A PROFECIA 197 em todos os milagres, e no mesmo grau. É natural que qualquer ho­ mem apto e preparado, por sua educação e estudo, possa ser Profeta, se lhe for recusado, está, nesse caso, impossibilitado de mover sua mão, como ocorreu ao Rei Jeroboão (I Reis 13:4), ou ao exército do rei de Aram (Síria), em busca de Eliseu (II Reis 6:18), Quanto ao nosso princípio fundamental —é preciso se preparar e se aperfeiçoar nas qualidades morais e racionais - , ele é expresso (pe­ los Sábios) nestas palavras: “A Profecia somente se dá no homem sá­ bio, corajoso e rico”. Já explanamos, em nossa obra Comentário à M ish­ ná e em nosso grande compêndio M ishnê Torá, que os discípulos dos Profetas se ocupavam constantemente dessa preparação. Não obstan­ te, pode ocorrer, a quem se preparou, não chegar a Profeta devido a algum impedimento, como pode ser comprovado no caso de Baruch ben Neria, seguidor de Jeremias, o qual lhe ensinou e preparou, contu­ do, seu desejo de ser Profeta não lhe foi satisfeito, conforme ele mes­ mo confessa: “Canso-me de gemer e não tenho repouso” (Jeremias 45:3). Então lhe foi respondido por intermédio daquele: “Assim lhe dirás: Isto disse YHVH (...) Tu pedes para ti grandes coisas. Não as solicites” (Jeremias 45:4-5). Certamente é possível se afirmar que a intenção foi declarar, com isto, que a Profecia era demasiada grandeza para Baruch, assim como na passagem: “E tampouco seus Profetas recebem visão de YHVH” (Lamentações 2:9), poderia ser entendido que a razão para isso era o fato de se encontrar no Exílio, como expli­ caremos. Mas citamos muitos textos, tanto bíblicos quanto dos Sábios, em que unanimemente se insiste neste princípio fundamental: Deus faz Profeta a quem e quando quer, contanto que seja um homem deci­ didamente íntegro e sábio. Aos ignorantes, parece uma coisa tão im­ possível que Deus constitua algum deles Profeta quanto seria para um asno ou para uma rã. Este é o nosso princípio: o treinamento e o aperfeiçoamento são indispensáveis, e somente aí se fundamenta a p o s­ sibilidade, desde que venha unida à Vontade Divina, Que o seguinte texto não lhe induza a erro: “Antes que te formas­ se no ventre te conheci, antes que tu saísses do seio materno te con­ sagrei” (Jeremias 1:5), pois este é o caso de todo Profeta: o que o estimula é a necessidade advinda de uma predisposição natural, como será exposto. Quanto às palavras “Eu sou um jovem (náar)” (Jeremias 1:6), você já sabe que José, o Tsadík (o Justo), que tinha trinta anos, é qualificado assim no texto hebraico. E o mesmo foi dito, inclusive, de Josué, beirando os sessenta anos - por ocasião do Bezerro de Ouro : O GUIA DOS PERPLEXOS “Ojovem \náai\ Josué, filho de Nun (Yehoshúa ben Nún ) não se afastava da tenda” (Êxodo 33:11). Moisés tinha, na época, oitenta e um anos e chegou aos cento e vinte. Deduz-se, portanto, que a idade de Josué era então, ao menos, de cinqüenta e sete anos e, apesar disso, era chamado de Náarí Tampouco você irá se deixar ofuscar pelo dito nas promessas divi­ nas, por exemplo: “Derramarei meu espírito sobre toda carne, e profe­ tizarão vossos filhos e vossas filhas” (Joel 2:28), pois isto se explica ao se revelar o caráter da Profecia, nestes termos: “Vossos anciãos terão sonhos, e vossos moços verão visões” (Ibid .). Com efeito, todo aquele que prediz algo secreto, ora através da magia ou da adivinhação, ora por um pensamento justo, é chamado de Profeta-, por este motivo eram chamados assim “os Profetas de Baál” e “os Profetas de Asherá”. Você não vê como Deus (Exaltado Seja!) disse: “Se alçará no meio de ti um Profeta ou um sonhador” (Deuteronômio 13:2)? Quanto à cena do Monte Sinai, ainda que todos contemplaram, por meio de milagre, o Grande Fogo e ouviram os estrondos terríveis e re­ tumbantes, não chegaram, todavia, à categoria de Profetas, senão aqueles que estavam em condições para isso e, mesmo assim, em graus dife­ rentes. Isso já pode ser constatado na seguinte passagem: “Sobe a YHVH tu e Aarão, Nadáv e Avíhu, com setenta dos anciãos de Israel” (Êxodo 24:1). Ele (Moisés, a Paz esteja com ele!) ocupa o grau supremo, con­ forme o declarado: “Somente Moisés se aproximará de YHVH, mas eles não se aproximarão” (Êxodo 24:2). Aarão segue abaixo dele; Na­ dáv e Avíhu, abaixo deste; os setenta anciãos, abaixo deles e, em grau inferior a estes, os demais, conforme o seu nível de perfeição. Um texto dos Sábios afirma: “Moisés —uma parte em si mesmo; e Aarão outra parte em si mesmo”. Já que ocasionalmente falamos da cena do Monte Sinai, daremos, em capítulo à parte, os esclarecimentos que os textos bíblicos —bem examinados —e a exposição dos Sábios nos oferecem a respeito. na cena do Monte Sinai. Portanto. E deste modo: “Moisés falava. e também: “E ouvistes bem uma voz de palavras. Na M echiltá 4 se afir­ ma expressamente que ele lhes repetiu cada mandamento tal como havia ouvido. e as pessoas perceberam aquela voz. mas sim somente uma voz” (Deuteronô­ mio 4:12). mas não vistes figura alguma. mas não se disse: “vocês ouviram as palavras”. Dela se disse: “Quando ouvistes sua voz” (Deute­ ronômio 5:20-23). pois a Palavra se dirigiu unicamente a este. nem tudo o que valia para Moisés valia para todo [o povo de] Israel.)” (Êxodo 19:9). Outra passagem da Torá esclarece: “Para que o povo veja que Eu falo contigo (. 4 Mechiltá de Êxodo: texto talmúdico (NT).. sem dis­ tinguir as palavras. e ele (A Paz esteja com ele!) desceu ao pé da montanha para comunicar às pessoas o que havia ouvido..SOBRE A PROFECIA 199 CAPÍTULO 33 A DIFERENÇA ENTRE MOISÉS E OS OUTROS ISRAELITAS COM RESPEITO À REVELAÇÃO NO MONTE SINAI Para mim está claro que. para trazer-lhes a palavra de YHVH” (Deuteronômio 5:5). O texto da Torá diz: “Eu estava então entre YFIVH e vocês. Por isso se emprega a segunda pessoa do singular no Decálogo. . e YHVH lhe respondia através do trovão” (Êxodo 19:19). o que demonstra que a locução se dirigia a ele. estes dois princí­ pios não são conhecidos unicamente por meio da Profecia. pronunciando distinta­ mente as palavras que escutaram. relativo ao Shabát [Sábado]” (Munk).200 O GUIA DOS PERPLEXOS sempre que há referência a palavras ouvidas.. Os Sábios (Bendita seja sua memó­ ria!) se basearam. nas palavras: “Uma vez falou Deus e duas lições escutei” (Salmo 62:12) e no princípio do Midrásh Cha^ita em que se destaca que aqueles não ouviram outra fala emanada Dele (Exaltado Seja!). ocorreram. do mesmo modo.. Nosso Deus nos fez ver (.) Aproxima-te e escuta (. não das inteligíveis . morrer? (. Estes dois princípios —refiro-me à existência de Deus e Sua unicidade —são exeqüíveis à especulação humana e todo o cognoscível por demonstração o é do mesmo modo ao Profeta ou a quem quer que seja. o pânico e as suas exclamações: “E me dissestes: YHVH.)” (Deuteronômio 4:35).) Por que. a saber: “EU [Deus]” e “Não será para você”. “Note-se que o Quarto Mandamento do Decálogo hebreu-bíblico corresponde ao Terceiro Mandamento cristão (Maeso). p. há outra afirmativa formulada em numerosos lugares nas M idrashót e também no Talmud . coisas puramente tradicionais. Todavia. e quem as ouvia e transmitia era Moisés. na Torá: “Com fala forte. sem nenhuma preferência... de acor­ do com o seguinte texto da Torá: “A ti se te fizeram ver para que conhecesses(. entende-se ^4 Vo%. o terror... Logo após ter ouvido a primeira fala. pois. e não poderiam ser objeto de um silogismo demonstra­ tivo. ex. e não foi este quem as transmitiu ao povo. inclusive... o Quarto Mandamento. Portanto. o Bem e o Mal. ao afirmar isto. em sua própria linguagem. Este é o sentido do texto bíblico e de muitas afirmações dos Sábios.)” 5 “Os oito mandamentos restantes são concernentes a coisas que não são do domínio da inteligência. que se encontram entre as opiniões prováveis e são. como é. Refere-se às virtudes e aos vícios. pertencem à categoria das opiniões prováveis e admitidas por tradição. que permitem inter­ pretar que as palavras chegaram a eles da mesma forma como a M oshé Rabênu (A Paz esteja sobre ele!). Quanto aos mandamentos restantes. os textos bíblicos e as afirmações dos Sábios deixam entrever como inadmissível que todo Israel tenha ouvido aquela cena a não ser apenas como uma 1 '/o% uma ve^ e esta é a Vo^ que atingiu Moi­ sés e todo Israel: “EU (Deus)” e “Não será para você”. e não acrescentou mais” (Deuteronômio 5:19 ou 22).5 Seja como for. como afirmado. “ouviram da boca da Onipotência”. . como se conta. repetida por Moisés ao povo. Esta percepção e suas circunstânci­ as são reais. Então o mais ilustre dos mortais avançou pela segunda vez. e do mesmo modo: “E YHVH pronunciou todas estas palavras” (Êxodo 20:1). Assim. etc. porque nem houve antes nem haverá no futuro nada comparável. as denominadas fa la s e relâmpagos (Êxodo 19:16). Assim Onqelos (A Paz esteja sobre ele!) marcou a distinção que indicamos. através da qual foi comunica­ da a Palavra Divina —somente foi percebida uma vez. ele as traduz assim: “Não se nos fale da parte de Deus”. Eles contemplavam o fogo e ouviam as pala­ vras. em todas as passagens em que se encontra: “E YHVH Falou a Moisés dizendo”. aprendeu todas estas coisas maravi­ lhosas e notáveis da boca de Rabi Eliezer e Rabi Josué. trata-se do som da trombeta.SOBRE A PROFECIA 201 (Deuteronômio 5:21-24 e 24-27). . a Fala C iiada6. por exemplo em Êxodo 20:15. quero dizer. por sua mediação. as dirigidas pelos israelitas a Moisés: “E que não nos fale Deus” (Êxodo 20:16-19). Observe que o grau de percepção de Israel a respeito não era igual ao de M oshé Rabênu (A Paz esteja sobre ele!). desceu ao pé da montanha e lhes retransmitiu. Devo insistir com você sobre este segredo e lhe rei­ terar que isto é tradicionalmente admitido em nossa nação e conheci­ do de seus Sábios. entenderam os dois primeiros Mandamentos. Sábios de Israel por excelência. Exalaram sua alma ao ouvi-la e. Por outro lado. Que todos saibam e lembrem-se! Porque é impossível se aprofun­ dar na cena do M onte Sinai —um dos fundamentos da Bíblia —mais a fundo do que o exposto por eles. E sempre que se faz referência às várias fa la s que se ouviam. como afirma textualmente a Torá e a exposição dos Sábios nos lugares que lhe indi­ quei. Mas a palavra do Eterno —quero dizer. em meio àquele espetáculo grandioso. que soavam como o trovão e o toque imponente da trombeta. do raio. Saibam! 6 Veja Primeira Parte. A partir dela. 46 (Maeso). Onqelos traduz (literalmente): YHJ^H Falou. cap. Você já sabe que ele. como é dito expressamente. recebeu os mandamentos restantes um a um. e se explica o motivo: “porque ele leva Meu Nome” (Êxodo 23:21). Assim.. um Profeta....)” (Êxodo 23:21). Deus nos proíbe de desobedecer a este anjo. o anjo não se fez visível a esta. para que não se sentisse repreendida. nem lhe fez alguma prescrição ou proibição direta. e também: “A quem não escutar as palavras que ele dirá em Meu Nome (. Por conseguinte. de maneira a não se rebelar contra ele. T udo isso foi so m ente p ara lh es ch am ar a aten ção : este esp etáculo g ran d io so que tem sido co ntem plado . “Eis que Eu mandarei um anjo diante de d (. ordem dirigida indubitavelmente à multidão.. cuja palavra nos transmitirá o Profeta. a cena do M on te S in a i não é algo que p erd u rará en tre vocês. N ão h averá n ad a sem elh an te no .SOBRE A PROFECIA 2. a quem um anjo se manifestaria e lhe falaria.)”. é explicado no MishnêTorá [Deuteronômio] 23:18 quando Deus falou a Moisés na cena do Monte Sinai-.)” (Êxodo 23:20). a saber.. o sentido deste texio é que Deus (Exaltado Seja!) preveniu ao povo de Israel que have­ ria. comunicando-lhe ordens e interdições..)” (Deute­ ronômio 18:19). Prova disso é o que se disse deste anjo: “Acata-lhe e ouça sua voz (. entre eles. Porém.0'3 CAPÍTULO 34 E X P L IC A Ç Ã O DE ÊXODO 2 3 :2 0 O sentido do texto da Torá. como se afirma em Deuteronômio 18:15: “A ele ouvirás”. “Um Profeta levan­ tarei para eles (.. Saibam! . a saber: a qualquer Profeta. exceto M oshé Rabênu. tornará disponível a sua terra natal e lhes indicará o que é preciso empreender ou evitar.2. Aí está também o princípio fundamental que insisto em lhe expli­ car. chegava-lhe a Profecia pelas mãos de um anjo. como há agora sobre o Tabernáculo Eterno. Um anjo que Eu enviarei aos seus Profetas conquistará por vocês as suas cidades.04 ° GUIA d o s p e r p l e x o s futuro. nem fogo ou nuvem permanentes. mas sim maior. o termo Profeta somente se refere a Moisés e aos outros por homonímia. O motivo: para mim. Quanto à Profecia de M oshé Rabênu.SOBRE A PROFECIA 2. o que se aplica também às suas maravilhas e às maravilhas dos outros. Ele superou a todos os que vieram antes. não direi uma só palavra. Devo esclarecer que todo quanto tenho dito acerca da Profecia nos capítulos deste Tratado se refere unicamente à qualidade Profética de todos os Profetas anteriores e posteriores a Moisés. de que sua Profecia era diferente da de todos os seus predecessores. Não há necessidade de se voltar ao assunto nem interessa ao propósito deste Tratado. transmiti minha consideração e desco­ bertas a respeito disso no Comentário à M ishná e no M ishnéTorá. Com respeito à diferença entre sua Profecia e a de . tomada da Lei... pois suas demonstrações não são da mesma categoria que as dos demais Profetas. A prova. aparece nas seguintes palavras: “Eu me mostrei a Abrahão (. Essa passagem nos ensina que a percepção de Moi­ sés não foi como a dos Patriarcas.) e meu nome YHVH não fiz conhecido para eles” (Exodo 6:3). nem explicitamente nem por alusão.05 CAPÍTULO 3 5 A DIFERENÇA ENTRE MOISÉS E OS OUTROS PROFETAS COM RESPEITO AOS MILAGRES PERPETRADOS POR ELES Já esclareci a todas as pessoas as quatro diferenças entre a Profecia de Moisés e a dos demais Profetas. seus servidores e seu país” (Deuteronômio 34:1012) —como também na presença de todo o povo de Israel. em hebraico) nestes termos: “Anda e conta-me todas estas grandes coisas que Eliseu reaüzou. perceba que todas as maravilhas realizadas por eles. E assim são os prodígios dos demais Profetas.) aos olhos de todo Israel” (Deuteronômio 34:1012). Busca extrair da Bíblia. Em seguida acrescentam-se os prodígios efetuados diante de seus ini­ migos —“o Faraó. em Israel..2.. como as demonstrações dos Profetas Elias e Eliseu. Fica. seus adep­ tos: “aos olhos de todo o Povo de Israel”. “Reino de Sacerdotes e Nação Santa” (Êxodo 19:6 e Números 16:3). de que não haverá outro comparável a ele.)” e Guiezi disse: “Meu Senhor Rei! Esta é a mulher e este é seu filho. ao contexto (NT). anteriormente.. Quanto à diferença entre seus milagres e os de todos os Profetas em geral. está dito por parte àa. posto que não diz “a todo Israel”.A. portanto. E então se confirma a história verda­ deira. uma fábula ou um provérbio que sirvam ao momento. nem quem realize o mesmo que ele.. uma lenda.. como as maravilhas que fez Moisés: “Não há possibilidade de surgir —foi dito —Profeta (. diante de admirado­ res ou desconfiados. que Eliseu ressus­ citou” (II Reis 8:4-5). “entre eles YHVH” (Números 16:3) e com maior motivo entre as de­ mais nações. Profeta semelhante a Moisés.. Observe como o Rei de Israel inquire a respeito e solicita informação de Guiezi (Guecha^i. Veja também que o milagre de Elias no Monte Carmel foi testemunha­ do por poucas pessoas. eram contadas para uns poucos entre as pessoas. de quem a Bíblia declara que jamais surgirá um Profeta que realize maravilhas publicamente. coisa que nunca havia ocorrido a qualquer Profeta anterior a ele. e enquanto estava contando (.gadá.) nem quanto às maravi­ lhas e portentos (. Não se equivoque quanto ao que foi dito para Josué a propósito da luz do Sol mantida naquelas horas: “E disse aos olhos de Israel” (Josué 10:12). ou para eles. à exceção de M oshé Rabênu. Quando afirmei. que conheceu YHVH face a face” (Deuteronômio 34:10). Aqui se unem as duas coisas: que não aparecerá jamais quem al­ cance a mesma percepção que ele. de forma criativa e menos rigorosa que as regras da Halachá. uma história de moral.06 O GUIA DOS PERPLEXOS seus sucessores. . um consolo. forma de interpretação que compõe o Talmud e tem como foco o texto bíblico.1 “Não há possibilidade de surgir. como no caso de Moisés. patente que sua percepção diferia das de quantos haveriam de sucedê-lo em Israel. que o sol se 7 Agadá'. Este era o propósito do presente capítulo. somente atingido por Moisés. em Josué 10:13.SOBRE A PROFECIA 2 . refiro-me aos Profetas que não atingiram o nível máximo. dado que tamím quer dizer “completo”. entenderá que quando eu falo. sobre Pro­ fecia e os diferentes níveis de Profecia.0 7 mantinha naquelas horas. como: “o dia mais longo possível”. nos capítulos seguintes. E preciso compreender a distinção das Profecias e milagres de Moisés e entender que a grandeza de sua percepção Profética era idên­ tica à sua capacidade de produzir milagres. e é como se dissesse que aquele dia em Guivón fora tão longo quanto são os dias de verão naquela região. explico a expressão ke-ióm tamím (um dia intei­ ro). Se você então acreditar que somos incapazes de compreender totalmente a natureza de sua gran­ deza. . . da excelência de sua proporção e maior pureza de sua matéria. Contudo. ainda que sem poder lhe reduzir à máxima constituição factível. Você já sabe que a excelência destas faculdades corporais —entre as quais figura a faculdade imaginativa — depende da melhor compleição possível do órgão em que se funda­ menta esta faculdade. FÍSICAS E MORAIS DOS PROFETAS Saiba que. quero dizer. sem que a elas se junte a máxima perfeição possível da faculdade ima­ ginativa em sua formação inicial. de início sobre a faculdade racional e daí para a faculdade imaginativa. da ma­ téria de que é formado. não é acessível pelo mero aperfeiçoamento na filosofia nem pela melhora na conduta. Com efeito. na realidade. e este estado é a culminação da faculdade imaginativa. Mas se esta deficiência pro­ vém de sua desproporção. Você conhece tudo isso perfeitamente e não há por que insistir em explicações. posição ou substância. não existe remédio viável. Ela se constitui no mais alto grau do homem e o ápice da percepção exeqüível à sua espécie. ao alcance de qualquer homem. no máximo.SOBRE A PROFECIA 209 CAPÍTULO 3 6 SOBRE AS FACULDADES MENTAIS. ser conservado em um certo grau de sanidade pelo regime adequado. por mais perfeitas e belas que possam ser. a Profecia é uma emanação de Deus (Exaltado Seja!) através do Intelecto Ativo. É algo cuja perda torna-se irreparável e seu defeito é insubstituível mediante um regime. o órgão cuja complei­ ção é originalmente defeituosa poderá. Aqui Deus nos conta qual é a verdadeira essência da Profecia: uma perfeição ad­ quirida em um Sonho ou através de uma Visão. Estas são as duas partes —a saber. dado que se trata do mesmo fruto. cuja substância cerebral.. Do mesmo modo. antes de sua maturação. mas que caiu precocemente. exceto pela sua insuficiência e por não alcançar sua perfeição. conhecida de todos. é o objeto da imaginação durante o sonho. A faculdade imaginativa adquire uma tal eficiência em sua atividade que vê a coisa como se tivesse vindo de fora e a apreende como se fosse através dos órgãos dos sentidos físicos. como será explicado. nestes termos: O sonho é ofru to imaturo da Profecia. o Eterno.. principalmente a ori­ gem dela —pela pureza da sua matéria e da compleição particular de 8 Veja na Segunda Parte.8 Sabe-se que aqui­ lo do que o Homem se ocupa em estado de vigília. Seria supérfluo acrescentar exemplos e in­ sistir. Visão e Sonho — de todos os graus de Profecia.2. e ao que tende o seu desejo. em visão. deixando de lado os textos da Torá? Por exem­ plo: “(. que a perfeição do homem é tantas ou quantas vezes a do cavalo. servindo-se de seus sentidos. a ele Me faço conhecer ou no sonho falo com ele” (Números 12:6). para mais ou para menos. E sua mais alta e nobre atividade se realiza quando os sentidos cessam suas funções: então sobrevêm uma espécie de inspiração .10 O GUIA DOS PERPLEXOS Assim. Mas por que ensiná-lo com as palavras dos Sábios (Benditas sejam suas memórias!). de conformi­ dade com sua preparação. Eu. dado que é Coisa notória. cap. A mesma idéia foi sublinhada no BereshitRabá.) Se houver profeta entre vós. compa­ ração excelente. deve-se recordar que se trata aqui de um indivíduo humano. 41 (Maeso). que é a causa dos sonhos verdadeiros e da Profecia —entre os quais não há diferença específica. por exemplo. Você conhece o que os Sábios afirmaram inúmeras vezes: “O sonho é 1/60 partes da Profecia” ( T alm udBerachót 57). Sem dúvi­ da. . a atividade da faculdade imaginativa durante o sono é idêntica à atividade no mo­ mento da Profecia. como no caso da percepção dos sentidos. conforme a sua disposição. não cabe proporção entre duas coisas especificamente distintas. A partir destes preâmbulos. mas de intensidade somente. saiba que as operações da faculdade imaginativa são as de conservar a lembrança das coisas sensíveis e combiná-las. conforme a característica específica de sua natureza: reproduzir. quando o Intelecto Ativo se derrama sobre ela. nem seria correto dizer. contra a qual nin­ guém objeta. outros. às feras. do qual Aristóteles afirmou expressamente na Etica —e com muita razão —que este senti­ do é uma desgraça para o Homem. a visão —ainda que corporais. as quais o homem íntegro e retraído não presta atenção. . conforme a perfeição especulativa deste sujeito —fosse dado perceber coisas divinas. Precisaria. maravilhosas. um deleite para o ser humano como tal. Quanto aos demais praze­ res sensuais —como o olfato. Por outro lado. assim como os irracionais. Por conseguinte. qual não seja para se preservar de seu possível dano. sem desajustes em sua compleição por obra de outro órgão. Temos nos estendido com certa proüxidade à margem de nosso tema. que o pensamento e o desejo deste indivíduo estivessem desligados de ambições vãs —quero dizer. ocupado somente do conhecimento de Deus. Seria preciso. sem outra finalidade. se tiver algo a ver com elas. ou para obter eventuais proveitos que possam lhe conceder. dado que. assim como os costumes humanos puros e equânimes. com freqüência. e que seu pensamento e desejo estivessem desembaraçados de tudo o que é animal. e a ciência que lhe seria exeqüível somente se polarizaria em opiniões verdadeiras e normas de conduta.SOBRE A PROFECIA 211 cada uma de suas partes. os Sábios se ocupam dos prazeres de um deter­ minado sentido. em quantidade e posição —foi feita de forma sumamente bem proporcional. então. em suma. voltadas à melhora dos seres huma­ nos nas relações uns com os outros. dado que o possuímos unicamente em razão de nossa animalidade. a audição. bebida. logo se surpreendendo por não alcançarem o grau de Profetas. este indivíduo teria adquirido conhecimento e sabedoria para passar da potência ao ato e estaria de posse de uma inteligência humana perfeita e cabal. o de­ sejo de Eternidade. que seu pensamento se orientasse sempre para as coisas nobres. Mas veria as pessoas de acordo com seus respectivos interesses: uns certa­ mente semelhantes às bestas do campo. não veria mais do que Deus e Seus anjos. deste modo. segundo o mesmo Aristóteles expõe. a saber: a busca dos prazeres inerentes à comi­ da. às vezes. convencidos de que a Profecia é algo inerente à condição humana. do engrandecimento dele pelo povo e de ser hon­ rado continuamente por ele e suas obras. se a um indivíduo. tal como descrito —com a imaginação em alto grau e em plena atividade. mas era necessário. o sentido do tato. e todas as suas inclinações ten­ deriam ao conhecimento deste mundo e aprofundamento de seus mis­ térios e causas. da contemplação de Suas obras e do que se deve acreditar a esse respeito. e derramando-se sobre ela o Intelecto Ativo. sem que haja nele nada de especificamente humano. coabitação. não deixa de haver neles. sem dúvida.9 até que morreu toda a Geração do Deserfo. mas também com uma notícia ruim: acovardaram-se perante os povos que lá viviam e atemorizaram o restante do povo (NT). a faculdade imaginativa em nada interferia em sua Profecia. có­ lera ou de outras paixões semelhantes. somente entraram em Israel aqueles nasci­ dos no deserto. em seu caso. Des­ te modo. entende-se o que os Sábios afirmam: “A Profecia não advém durante a tristeza e a depressão”. após ter sido libertado por Moisés da escravidão no Egito. pois não carregavam a cultura e o medo adquiridos durante os anos de escravidão (NT). a 9 10 Quando o povo de Israel. ou se fortalece em outro. em diferentes níveis. Do mesmo modo você observará que certos Profetas. em momentos de tristeza. como temos dito reiteradamente. Geração do Deserto: refere-se aos integrantes do Povo de Israel que foram escra­ vos no Egito. perderam esta capacidade devido a al­ gum acontecimento e não puderam continuar. . debili­ ta-se ou se deteriora em um dado momento. perceberá que os Profetas. e os níveis da faculdade Profética variam de acor­ do com essas diferenças. seguiu em sua caminhada pelo deserto.112 O GUIA DOS PERPLEXOS Descrevemos três tipos de perfeição: perfeição da faculdade racional por meio do estudo. no pensamento. Moisés não profe­ tizava através de metáforas. de todos os prazeres corporais e do apaziguamento do desejo de grandezas vãs e ruins. Segundo a Tradição. após profe­ tizarem durante algum tempo. e a faculdade imaginativa é sem dúvida uma faculdade corpórea. pois. não conseguem profetizar. Esta foi. Os homens sábios possuem estas qualidades. Ainda que. porque sua mente estava absorvi­ da pela perda de seu filho José. assim como o Patriarca Jacob se viu privado de Profecia durante seu luto. O mesmo ocorreu a Moisés (A Paz esteja sobre ele) a quem a Profecia não veio como antes. espiões — príncipes representan­ tes das tribos que formavam o povo — foram enviados para verificar como era a Terra Prometida por Deus a Israel. já que o Intelecto Ativo se derramava sobre ele sem interven­ ção daquela.10 por­ que se encontrava envolvida pela enormidade de seus crimes. ao modo dos demais Profetas —conforme se exporá. como se sabe. Voltaram com uma boa notícia: que da­ quela terra “emanava o leite e o mel”. Você bem sabe que toda faculdade corpórea se enfraquece. depois do episódio dos espiões. Por este motivo. da faculdade imaginativa em sua constituição natural e da faculdade moral derivada do banimento. dado que este capítulo não é o lugar próprio para isso. SOBRE A PROFECIA XV. e seus Profetas não recebem visão de YH VH ” (Lamentações 2:9). . causa essencial e imediata do por quê cessou a Profecia no tempo do Exílio. posto que não há motivo maior de abatimento ou tristeza do que ser um servo comprado. segundo o costume: “Vinda do Messias — rapidamente se revelará!” —como nos foi prometido (Joel 3:1). e nada poderfa^ er contra isso. Isto é certo e manifesta é a causa. como também: “Seu rei e seus ministros estão entre as nações. escravizado por ignorantes pervertidos que misturam a fala verdadeira e corajosa a toda a devassidão das bes­ tas. e é o que se quer dizer com: “Navegarão pedindo a palavra de YHVH e não encon­ trarão” (Amós 8:12). porque o instrumento da Profecia foi suspenso. não há Lei. E este é também o motivo da volta da Profecia para nós. Esta ameaça pesa sobre nós. e que marca a vantagem de nossas inteligências. Ao contrário. que a incapacite para a recepção — esta é a casta dos sábios especulativos. se esta emanação se difunde conjuntamente sobre ambas as faculdades.SOBRE A PROFECIA 2. saiba que se tal emanação do Intelecto A tivo se derrama unicamente sobre a faculdade racional. como ficou demonstrado. então é a casta dos Profetas.I5 CAPÍTULO 3 7 A EMANAÇÃO DIVINA SOBRE AS FACULDADES IMAGINATI­ VAS E MENTAIS DO HOMEM ATRAVÉS DO INTELECTO ATIVO Cumpre-me chamar sua atenção sobre a natureza essencial desta ema­ nação divina projetada sobre nós. como explicado por nós e também por alguns filósofos. pode também significar o aperfeiçoamento para outros. excluindo-se a imaginativa — seja por insuficiência da emanação. Enfim. a racional e a imaginativa. seja por defeito da faculdade ima­ ginativa em sua formação inicial. se a emanação recai exclusivamente sobre a . além de aperfeiçoá-la. O mesmo ocorre em relação a todos os seres. enquanto pode atingir outra pessoa em tal medida que. por meio da qual pensamos. enquanto há outros com capacidade somente para cuidarem de si próprios e não do próximo. exatamente na mesma propor­ ção que sua condição intelectual. entre os quais alguns têm perfeição suficiente para governar ou­ tros. Esta influência pode atingir uma pessoa em uma pequena medida. e esta última foi criada originalmente em toda a sua perfeição. Portanto. Cada uma das duas primeiras se subdivide em duas partes. legisladores. por meio de artifícios estranhos e ar­ tes ocultas. sonhos e agitações se­ melhantes às aparições Proféticas. carente de tudo. em outras palavras. convencidos de que adquiriram conhecimento sem estudo. há duas situações: aquilo que se derrama sobre a faculdade racional do sujeito é suficiente para fazer dele um homem estudioso e intelectual. a elaborar obras e ensinar. seja por razão de sua formação inicial ou por falta de estudo. até encontrar aque­ le que pode se aperfeiçoar através desta 'Emanação. . que alguns desta terceira casta. adivinhos. Tudo isso acontece devido ao predomínio da faculdade ima­ ginativa. têm visões maravilhosas. Com respeito à primeira casta. conforme explicamos em alguns capítu­ los do presente Tratado (cap. os livros não seriam escritos. teremos a casta dos gover­ nantes. ser capaz de transmiti-la a outros. todos incultos. não passou ao ato. carente de gosto e capacidade para isso. algo que os obrigue a se interessar pelas pessoas. ao extremo de acreditarem que são Profetas. daquela. sem propensão a instruir aos demais nem a compor obras. junto com o enfraquecimento da racional. sem intervenção da racional. O mesmo ocorre com a segunda casta: é pos­ sível que recebam da Profecia o que aperfeiçoe os Profetas e é possível que venha. dotado de conheci­ mentos e critérios. a qual. no entanto. inclusive em estado de vigília. Você deve verificar. embaralhando de um modo surpreendente o verdadeiro com o ilusório. na natureza de seu intelecto. sem.O GUIA DOS PERPLEXOS faculdade imaginativa. É evidente que. instruindo-os e emanando sobre eles sua própria perfeição. e a daqueles que recebem a Influência em tal medida que é suficiente para o seu próprio aperfeiçoamento e para o de outros. existe o ato de emanar continuamente e irradiar suces­ sivamente esta emanação de um indivíduo a outro. E notório que nestas três castas há numerosas gradações. assim. 11). Porque o sábio não escreve nada para si mesmo com a finalidade de se doutrinar no que já sabe. regozijando-se muito de tais visões quiméricas. agoureiros e donos de sonhos verda­ deiros. ou pode ser influenciado o bastante para se sentir estimulado. quais sejam: a daqueles que recebem a Influência apenas na medida da necessidade para o seu próprio aperfeiçoamento. introduzindo grandes confusões em assuntos de ampla transcendência dentro da especula­ ção. a dos Sábios. de modo positivo. nem os Profetas teriam imbuído os homens do conhecimen­ to da verdade. Também os milagreiros. sem esta perfeição a mais. mas sim porque. porém. pertencem a esta terceira casta. encontramos Profetas que pregaram aos homens até morrer. Conheça isso! . E eu disse: ‘Não me recordarei Dele. e me cansei de suportá-lo —mas não posso’” (Jeremias 20:8-9). movidos por esta ins­ piração divina que não lhes deixava descansar nem repousar. não voltarei a falar em Seu nome. sentia-se tentado a inter­ romper sua missão Profética e não chamá-los à verdade. aceitem estes ou não. é dentro de mim como fogo abrasador. E disse assim: “E todo o dia a palavra de YH VH é áspera e motivo de zombaria para mim. e até pas­ saram por grandes males. YH VH . Por isso. E esse o motivo de Jeremias (A paz esteja sobre ele) proclamar que.SOBRE A PROFECIA A natureza dessa matéria obriga. por eles re­ chaçada. mas isto se mostrava impossível. encerrado dentro de meus os­ sos. como conseqüência do menosprezo por par­ te dos rebeldes e incrédulos de seu tempo. inclusive com o risco de ser ferido por eles. a quem recebeu esta emanação a mais. fa­ lou —quem não profetizará?” (Amós 3:8). O mesmo sentido encerra outro texto profético: “ O Senhor. a comunicá-la necessariamente aos homens. E encontrará. numa dada situação. Analogamente. E necessário que. exista certa predisposição na complei­ ção. mas varia para mais ou para menos. entre as forças da alma. aquela em quem a imaginação e .SOBRE A PROFECIA 1IÇ CAPÍTULO 3 8 A CORAGEM E A INTUIÇÃO ATINGEM O GRAU MAIS ALTO DA PERFEIÇÃO NOS PROFETAS É preciso saber que todo homem possui necessariamente a faculdade da coragem. entre as pessoas. o que a faculdade repulsiva é entre as forças naturais. segundo determinado crité­ rio. Lembramos da nossa própria juventude. e diminuirá devido ao exercício escasso. desde a formação inicial. e semelhante faculdade é. ao passo que outro teme e treme quando uma mulher grita com ele. e que essa faculdade seja estimulada. A faculda­ de da coragem varia em intensidade ou debilidade. caso siga um critério diferente. sem a qual não se sentiria impulsionado mentalmente a evitar o que lhe possa prejudicar. assim como ocorre nas demais faculdades. Isso pode ser comprovado pelo fato de que há quem se lança contra um leão. você observará que Fulano falou e agiu de determinada maneira com respeito a Cicrano. de maneira que a força aflore. enquanto outro foge de um rato. especialmente nas coisas às quais se dispende maior atenção e reflexão. que há diferentes níveis de energia entre os jovens. há quem irrompa contra um exército para lhe combater. Assim. a faculdade intuitiva se dá em todos os homens. 17-18). também nisto. vê-se a todos (A paz esteja com eles!) dotados de grande coragem. ainda que. ou perto disso. em virtude desta faculdade de intuição. Este estado é variável entre esses homens. existam diferentes graus entre eles. E preciso saber que os Profetas Autênticos concebem idéias que re­ sultam de premissas que a razão humana. sem medo nem temor. dado que. Como se dis­ se a Jeremias: “Não temas diante deles (.) eis que aqui te ponho.2 . muito fortes e. pois é produto de uma série de numero­ sas circunstâncias: anteriores. a faculdade imaginativa se aperfeiçoa até .. não é capaz de contar. Igualmente. necessariamen­ te.)” (Jeremias 1:8. desde hoje. o intelecto recorre a todas estas circunstâncias e deduz as conclusões em tempo tão curto que parecem instantâneas. quando o intelecto ativo se derrama sobre eles. mas indispensável. o Intelecto A tivo derrama-se verdadeiramente sobre ela e a conver­ te em ato. a conhecer a realidade das coisas e lograr sua percep­ ção. certos homens prognosticam eventos futuros importantes. Suas causas são muitas. diante de um grande rei. Como. Esta verdade deve ser admitida por todo aquele que aspira a um juízo imparcial. pela faculdade racional a emanação advém à faculda­ de imaginativa. predizem sem demora o futuro. até chegar. posteriores e amais. em virtude do extraordinário desenvol­ vimento de suas faculdades intuitivas. como se a houvesse alcançado através de proposições especulati­ vas... Assim. como cidade fortificada (. pois também as coisas atestam e provam umas às ou­ tras.2 . para libertar uma nação da escravidão por ele imposta. Esta mesma inspiração —que se difunde sobre a imaginação e a aperfeiçoa até o ponto em que sua ação chega a predizer o futuro e percebê-lo como se fosse resultado dos sentidos. Por isso. de forma que é até possível que imagine algo como real e isto ocorra conforme imaginou. Ambos os dotes —coragem e intuição —devem ser. como quando contam coisas que o homem. somente através da razão ou da simples imaginação. exeqüível à imaginação por intermédio destes —aquilata também a operação da faculdade racional. como você sabe. Assim.. al­ cançam uma pujança extraordinária. somente com seu cajado. então. por meio desta. de fato. Isto se aplica forçosamente à faculdade racional. E deste modo a Ezequiel: “Não os temas nem tenhas medo de suas palavras” (Eze­ quiel 2:6). não poderia com­ preender.0 O GUIA DOS PERPLEXOS a intuição são muito fortes e certas. Mas. por si só. até aquele grau que você já co­ nhece : quando um homem é capaz de se apresentar de forma corajosa. somente por que se lhe havia dito: “Porque Estarei contigo” (Exodo 3:12). é usada para se referir a “Profeta” —N a ví (NT). em companhia apenas deste animal. Este é. . Também isto você precisa e deve saber. os vestígios de pensamentos desconexos que restaram lhes parecem um novo pensamento e algo vindo de fora. o terreno mais perigoso.SOBRE A PROFECIA 111 o ponto de representar coisas não percebidas anteriormente pelos sen­ tidos. juntamente com todo o que há em sua imaginação. em hebraico. acredita que acaba de entrar em casa com este animal — o que não é verdade! Ao contrário. Se dissertei a respeito dos Profetas A utênticos foi para diferenciá-los das pessoas da terceira casta. não se deve outorgar crédito àqueles que não tenham uma facul­ dade racional perfeita ou que não tenham alcançado alto nível especu­ lativo. ou seja. entre todos. entre aqueles que se consideravam sábios! Por esse motivo. e este é o Pro­ feta autêntico. que não possuem pensamento claro nem sabedoria. se o mesmo nível de perfeição é atingido pelo intelecto e este não pode compreender as coisas a não ser pelo modo convencional. en­ contram-se pessoas cujos pensamentos conceberam em seus sonhos. mas acredita que a visão acontecida durante o sono nada mais é do que a consideração que fizeram ou que ouviram no estado de vigília. é que o verdadeiro Profeta é aquele que tem um coração sábio. é utilizada a mesma palavra para este verbo que. através de premissas. Eu as compararia a um ho­ mem que. 11 “E venhamos”: curiosamente. conclusão e inferência? Esta é a verda­ deira característica da Profecia e das disciplinas às quais a Profecia deve estar totalmente voltada. O que expressa o texto: “E venhamos1 1 a ter um cora­ ção sábio” (Salmo 90:12). e quantos aqui morre­ ram. Tal­ vez o que atinja estas pessoas sejam vestígios de pensamentos que se tornaram quimeras. E à medida que esqueceram essas coisas imaginadas e esses sonhos. exceto um somente. havendo tido em sua casa mil animais e tendo sido todos retirados. mas somente imaginação e pensamentos desconexos. este é aquele que não saiu. Por isso. aquele homem. pois somente quem a logrou é capaz de extrair conhecimentos ulteriores quando o Intelecto Divino se infunde sobre ele. . Dessa forma. como os patriarcas Sem. por si só. Eis aqui a explicação.2. desde Adão até Moisés (A Paz esteja sobre ele!). Isto é coisa que não se encontrará em 12 Kabalá-. aqui. jamais al­ gum disse a um grupo de homens: “Deus me enviou a vocês e orde­ nou que lhes dissessem isso ou aquilo. Noé.% CAPÍTULO 39 M O ISÉ S FOI O P R O FE T A M A IS A P R O P R IA D O P A R A R E C E B E R E P R O M U L G A R A LEI IM U T Á V E L . Por isso.SOBRE A PROFECIA 2. Matusalém e Enoque.12 E um fato que. conhecermos a sua ver­ dade e demonstrarmos em que a Profecia de M oshé Kabênu se distin­ gue da dos demais. entre todos os Profetas que precederam a M oshé JLabênu. é nossa crença que nunca houve nem haverá alguma outra Lei senão a de Moisés. obriganos ã leitura da Bíblia. proíbe-os de fazer tal ou qual coisa e os prescreve esta outra”. Não houve. no sentido estrito de tradição passada de geração em geração. conforme expresso nos Livros dos Profetas e transmitido pela Kabalá (Tradição). OS P R O FE T A S Q U E O SU C ED E ­ R A M A P E N A S A E N S IN A R A M E E X P L IC A R A M Após explicarmos o bastante sobre Profecia. algo semelhante em nenhum Profeta conhecido. Éver. é princípio fundamental de nossa Lei que jamais haverá outro. e não no conhecido sentido esotérico (NT). afirmamos que esta percepção. Se uma mesma medida implica a máxima igualdade possível de uma espécie. Assim.. Levi. Assim foi antes de Moisés. por­ que quando uma coisa se apresenta como a mais perfeita de sua espé­ cie. . porque todos eram Profetas que instruíam as pessoas por meio de comentaristas. por meio de provas especulativas. “(.. E quem recebeu uma emanação maior.. a seus filhos e servos —circuncidou-os. mas não conclamou ou­ tros.2 .)” (Deuteronômio 30:12). mas nunca se afirmava: “Disse-me YHVH: Fala aos descendentes de Fulano”. O mesmo ocorre com esta Lei.. ora por falta. a fazerem o mesmo.)” (Gênesis 18:19). qualquer outra da mesma espécie pode. “a Academia de Matusalém”. qualquer outro ser dessa espécie que se desviasse dessa medida pecaria por ex­ cesso ou por falta. mas jamais lhes disse: “Deus me enviou até vocês e me mandou ou proibiu (isto ou aquilo)”. não se deve idolatrar as formas celestes. ameaçando aqueles que se mostram rebeldes e formulando promessas aos que se esforcem em segui-la. pois. “o [tribunal] de Matusalém”. como explicamos.4 ° GUIA d o s p e r p l e x o s qualquer escrito da Torá e não haverá sobre isso qualquer história ver­ dadeira. Tsadikim (Justos) significa iguais ou eqüitativos. nota-se que os Sábios.)” (Deuteronômio 29:28). resultar inferior em perfeição —ora por excesso.. Do mesmo modo.)” (Deuteronômio 5:21). referem-se a: “o tribunal de Ever”. com relação aos Profetas anteriores a Moisés.. Acreditamos que sempre será assim. con­ vidando-os a observar a Lei de Moisés. Abrahão ensinava as pessoas. nem coisa alguma criada. por meio de um apelo profético.) Neste dia vimos que Deus fala com o homem (. Com respeito a todos os Profe­ tas posteriores a Moisés. conforme o afirmado: “Não está nos Céus (. reunia os homens e os dirigia pelo caminho do estudo e na direção reta à verdade por ele recebida. Quanto a este. para sempre (. atraindo-os com belas palavras e benevolên­ cia. como Abrahão. já se sabe o que foi dito dele e o que o povo disse dele “(. como sabe..2 . quando muito. estes patriarcas receberam a Pro­ fecia divina. Inculcava isto nos homens. professores e guias. E assim deve ser. Está claro que somente se cumpria uma mitsvá (mandamento): Isaac. ainda que. declarada igual (eqüitativa.) a nós e a nossos filhos. ao se dizer: “estatutos e mandamentos justos” (Deutero­ nômio 4:8). Quando lhe foi ordenada a circuncisão —a ele.. Jacob. justa). que no mundo há somente um Deus e Ele criou tudo quanto existe fora dele.. Kehát e Amram fazem um apelo semelhante aos homens.. já se sabe como se expressam em todas as suas relações com os homens: apresentam-se como predicadores. Fixe-se no texto bíblico: “Porque o conheci (.. portanto. demonstrando-lhes.. Porém..)” (Deuteronômio 10:12). a facilidade ou dificuldade da Lei com base na paixão do homem malvado. todo homem vicioso considera uma carga pesada a restrição ao mal com que se compraz. externo a ela — como os governantes nacionais. agindo assim. Quando nos referimos. seus man­ damentos são fáceis. neste Tratado. Denomi­ nemos somente a esta Lei de L ei Divina. as leis dos gregos e as loucuras dos Sabianos e seus semelhantes —é obra de políticos. avaliá-la conforme a conduta do homem ínte­ gro. bem como do movi­ mento prático. sim. Todo o resto. causadoras de angústias. Daí a declaração: “Qual é a coisa que pede YHVH. como conseqüência de sua depravação mo­ ral. Pois bem. não de Profetas. como ocorre na prática dos ermitões nas montanhas. Também não há vício que conduza à voracidade ou à leviandade. para estes. como já expliquei diversas vezes. teu Deus. a sua igualdade e sabedoria tornar-se-ão totalmente claras para você. violentos e despóticos. pois a finalidade da Lei é de que todos sejam como este. como é o caso das prescrições dos povos andgos. Tudo isto se refere aos íntegros. incorre em um erro de julgamento. assim como. para os dominados por pai­ xões não nobres. na verdade. de ti? (. o pior é a repressão à sua conduta de entrega desen­ freada à lascívia. Eu demonstrarei que. e também: “Porventura sou Eu para Israel um deserto? (. Não se deve medir.SOBRE A PROFECIA São práticas (espirituais) em que não há carência nem excesso. o mais difícil e nocivo é considerar que haja um juiz que evite o despotismo. pois.)” (Jeremias 2:31)... Assim. portanto. por isso: “A Lei de YHVH é perfeita” (Salmos 19:8). que se privam da carne e do vinho e de diversas necessidades do corpo. quanto aos ímpios. para as pessoas íntegras. aos motivos passíveis de se alegar para as M itsvót (Mandamentos). atraem para si o castigo da Lei. . que minam a perfeição do homem em sua conduta e nos estudos. quem acredita que esta imponha car­ gas grandes e pesadas.. vil e de costumes corrompi­ dos. mas deve-se. . Devido à complexidade da nossa espécie —pois. pois cada uma das formas naturais tem seus acidentes peculiares que a acompanham. à parte da matéria. na humana. como também nos acidentes anexos à forma. como você sabe. enquanto . Assim.SOBRE A PROFECIA Q_±J CAPÍTULO 4 0 O TESTE DA PROFECIA VERDADEIRA Proclama-se claramente que o ser humano é político1 3 por natureza. a diferença individual em cada uma delas é pouco definida. Uma variação tão grande entre indivíduos não ocorre em qualquer outra espécie animal —ao contrário. como tampouco se vêem rostos iguais. poderia ocorrer o caso de um indivíduo tão impiedoso que degolasse seu filhinho no 13 Político: em hebraico. foi traduzido como ser social (NT). mediní. e esta condição lhe impõe viver em comunidade. cuja reunião em comunidade não representa uma necessida­ de. Nas versões respectivamente em língua inglesa e espanhola. é possível se encontrar duas pessoas tão distintas em qualidades morais que se diria que pertencem a espécies diferentes. A causa se fundamenta na exis­ tência de diferentes seres complexos que origina uma distinção nas matérias. é a última —seus indivíduos apresentam diferenças tão pronunciadas que não se encontrarão dois concordantes em um costume qualquer. não é como os demais animais. por sua própria índole. Portanto. como os Profetas e os legisla­ dores.8 O GUIA DOS PERPLEXOS auge da cólera. alega ser o autor de tais obras. sem dúvida. Por isso insisto que a Lei. enquanto outro. E há pessoas que presunçosamente se atribuíram a capacidade da Profecia e anunciaram coisas que. ou porque. conforme um mesmo modelo. ou seja. suprindo o escasso e moderando o excessivo E que ele possa prescrever ações e normas éticas obrigatórias a todos.22. que arrebata algo inventado por outro. posto que a natureza humana implica esta variedade de indivíduos e a natureza política lhe é inerente. o mesmo se aplica à maioria das eventuais características. o que igualmente ocorre com algumas obras de sábios e obras de conhecimentos diversos. por sua sensibilidade delicada. cuja existência pré-ordenou. Pois há pessoas que.ben Keneána (I Reis 22:11-24). por ambição. de modo que a variedade natural fique atenuada mediante uma grande harmonia convencionada e a sociedade se mantenha em ordem. aficcionadas por determinada perfeição que lhes pareça excelente. Alguns foram inspirados com teorias de legislação. buscam convencer as pessoas de que recebe­ ram estas coisas por meio de Revelação e não porque as tomaram de outro. outros possuem o poder de impor o cumprimento da lei pres­ crita por eles. segue-se que é absolutamente impossível que a sociedade seja perfeita sem um guia que coordene os esforços individuais. mas não a eles. quando este indivíduo invejoso e preguiço­ so. não é total­ mente estranha à questão natural. ainda que não seja natural . como é o caso de Chananía ben Azur (Jeremias 28:1-5). para conservar a nossa espécie. como é o caso de Tsidkiá. cuja autoria atribui a si próprio. fruto de Inspiração D ivina . que proclamaram haver rece­ bido uma Profecia e declararam coisas que jamais foram profetiza­ das. Ela vem da Sabedoria Divina que. Quando acei­ tam uma parte e deixam a outra é porque lhes é mais conveniente. foram ditas por Deus. ainda que conscientes de que carecem totalmente dela — como quando se observa alguém se pavoneando com um poema alheio. fez com que seus indivíduos tivessem uma faculdade de governar. sentem prazer e se empenham para que as pessoas as imaginem dotadas da mesma. se im­ pressionaria diante da idéia de matar um mosquito ou um réptil. O mesmo acontece com esta perfeição Profética: encontra­ mos sujeitos pretensamente Profetas. . tornando-a realidade: são os reis que adotam as leis dos legisladores e legisladores cujo desejo é ser Profetas e aceitam total ou parcialmente os ensinamentos dos Profetas. sejam sãs ou mórbidas senão que. divinos. apro­ priando-se delas com petulância. à daqueles que têm somente a perfeição da faculdade imaginativa. e seu autor pertence. ou um sujeito que se vangloria destas revelações e roubou-as de outros. ao dirigir suas intenções no sentido de inculcar princípi­ os verdadeiros acerca da Divindade e dos Anjos. para que conheça toda a realidade em sua condição autêntica. ou seja. para esclarecer a verdade aos que a buscam: que não se desviem . O melhor critério será sua re­ pulsa e desprezo aos prazeres físicos: é a primeira atitude nos homens de ciência. Ainda lhe faltará verificar se quem a proclama é um homem ínte­ gro. seu único objetivo seja quanto às relações dos homens entre si e a conseqüência de certa felicidade presumível. Conseqüentemente. você saberá que este governo é puramente legislativo. Como compro­ vação se impõe um exame da sua integridade: pesquisar e conhecer suas atividades e observar sua conduta. não há necessidade de argumentação alguma. com o propósito de fazer o homem sábio. ou seja. assim como também da fé. ainda que seja manifesto e bastante cla­ ro. então você saberá que este é um governo que emana de Deus e que esta Lei é divina. Quanto às leis cujos autores declara­ ram expressamente como produtos de sua reflexão. se são resultados de reflexão. pelo contrário. caso ocorra o caso de um governo cuja única finalidade e propósito do autor que calculou seus efeitos não seja outra senão ordenar o Estado e seus assuntos. pois. à terceira casta. para que nada fique na penumbra. nem parar para pensar raci­ onalmente. Isso tudo Deus transmitiu através da Profecia. quanto mais dos Profetas! Particularmente com relação àqueles prazeres dos sentidos que. a quem a verdade lhe foi revelada por Profecia. como lembrou Aristóteles. consti­ tuem-se em vergonha para nós.SOBRE A PROFECIA 22Ç) Eu lhe explicarei tudo isso. evitar a injustiça e a violência . de acordo com o legislador —segundo este pressuposto. há os parcialmente legislativos e parcialmente plagiados. Quero somente lhe informar acerca dos regimes alega­ dos como proféticos.sem insistir para nada em coisas teóricas. nem se preocupar com opiniões. pois há os verdadeiramente proféticos. os da Lei Divina e os emanados dos homens que usurpam as palavras dos Profetas. como fica dito. inteligente e cordial. e que você tenha um critério para distinguir entre os regimes de leis convencionadas. não neces­ sitam de prova. digo. Caso se trate de um governo cujas disposições todas apontam para a melhora dos interesses materiais acima mencionados. porque fizeram iniqüidades em Israel. Estude isso com vontade! 14 Maimônides se utiliza de um jogo de palavras em hebraico. como explica claramente Jeremias: “E será motivada neles uma maldição sobre todo o Exílio de Judá na Babilônia. até que Deus os desmascarou e foram queimados pelo Rei da Babilônia. procla­ mando mensagens reveladas a outros. que se outorgaram a Profecia e atraíram seguidores. ao colocar lado a lado duas palavras foneticamente idênticas — Ló Itú [desviem]. Eu sei e o atesto —Oráculo de YHVH” (Jeremias 29:22-23). ve-ló Itú [errem] — cuja única diferença é a troca da letra hebraica Táv da primeira pela letra he­ braica Têt na segunda (NT). e se entregaram à lascívia a pon­ to de cometerem adultério com as mulheres de seus amigos e partidá­ rios. aos quais o Rei da Babilônia queimou no fogo. qual seja: Faça em seu nome YH VH o mesmo que com Sedequias e com Acab. . cometeram adultério com as mulheres de seus próxi­ mos e falaram palavras em Meu nome que eram mentiras.O GUIA DOS PERPLEXOS e não errem .14Faz bem ver Sedequias (Tsidquiá ben Maássêià) e Acab (Acháv ben Koláiã). que não os ordenei dizer. conhecida sob a deno­ minação de M arêN eviá (Visão Profética). 37:1 e 40:1. fiquei desmaiado e sem vigor. como em Números 12:6: “Eu me revelei a ele em Visão”. Cena). Minhas forças me deixaram. 16 Refere-se a Abrão. como se afirma de Daniel nestas palavras: “E vi esta grande Visão. pois foi antes de ter se selado o pacto entre ele e Deus.SOBRE A PROFECIA CAPÍTULO 41 O QUE SE ENTENDE POR VISÁO PROFÉTICA: OS QUATRO MO­ DOS BÍBLICOS Desnecessário explicar o que é o Sonho. a Visão é um estado de agitação e terror que se apodera do Profeta. depois disso. e. . a Profecia se inicia com uma visão Profética: há uma agitação e emoção intensas. quando foi acrescentada uma letra Hê ao seu nome.” E prossegue: “Caí com o rosto em terra. a cor do meu rosto fugiu. como ocorreu a Abrão16 antes da Profecia: 15 Veja II Reis 3:15. a Profecia segue adiante. devido a toda a atividade da faculdade imaginativa. Ezequiel 1:3 e 3:22. e não Abrahão. adormecido. de tal maneira que esta se aperfeiçoa e entra em atividade. em que os sentidos se paralisam e a emanação se derrama sobre a faculdade racional. transliterada como hã (NT). quando o anjo lhe fala e lhe faz levantar. e dela para a imaginativa.” (Daniel 10:8-9). também chamada na Bíblia de Yad YHVH (Mão de Deus) e M acha^ê 15 (Drama. Depois. Quanto à Visão. é no estado de Visão Profética. As vezes. sem escla­ recer se foi um Sonho ou Visão..)” (Gênesis 8:15). Terceiro Modo: Sem se referir de modo algum a um anjo.)” (Gênesis 31:11). na visão (..)” (Gênesis 22:15). Temos.... Os Sábios também escreveram sobre isso nestes termos: “C E disse-lhe YHVH (...)” (Gênesis 22:11)..” (Números 12:6). “E chamou Y H V H um anjo dos Céus a Abrahão. pela segunda vez (. pois ele confia no que já é conhecido —só há Profecia por uma destas duas maneiras: “Em Visão Eu me revelarei a ele.. o Profeta atribui a palavra a Deus (Exaltado Seja!) que teria se dirigido a ele em Pessoa.. é feito de quatro modos: Primeiro Modo: Quando o Profeta afirma taxativamente que a pala­ vra veio de um anjo em Sonho ou em Visão. sem dú­ vida....) um sono pesado caiu sobre Abrão (.) manifestou-se a palavra de Y H V H a Abrão.. como exemplo do Terceiro Modo.)” (Gênesis 15:13).. sem esclarecer se foi por mediação de um anjo ou de um sonho. Saiba que... O relato sobre a missão que cabe aos Profetas....) manifestou-se a palavra de YHVH a Abrão na visão (. embora tenha sido através de um anjo.)” (Gênesis 15:1). cabe citar os se­ guintes exemplos: “E disse Deus a Jacob: ‘Levanta-te... de acordo com o que é contado nos Livros dos Profetas.. Para o Ouarto Modo.. “E falou Deus a Noé (. isto ocorreu em um Sonho ou em uma Visão Profética.... “E disse-lhe Deus: Teu nome é Jacob (. a seguinte passagem: “(. Com respeito ao Segundo Modo.)” (Números 22:9-12). e por Sonho Lhe falarei. Segundo Modo: Quando o Profeta narra as palavras do anjo. mencionamos: “E disse-me um anjo de Deus no sonho (.” (Gê­ nesis 35:10).)” (Gênesis 46:2).. mas menciona que esta palavra veio a ele em Visão ou Sonho.) (Gênesis 15:1) e no final: “(.23 2 - O GUIA DOS PERPLEXOS “(. dizem que receberam-na de um anjo ou que Deus se comunicou com eles...)’ (Gênesis 25:23) através de um anjo {(Talmud — Bereshit Rabá). fiando-se no conhecido e esta­ belecido: que nenhuma Profecia nem Revelação ocorre senão em So­ nho ou Visão e por intermédio de um anjo. encontramos as seguintes: . Como exemplo do Primeiro Modo.. “E chamou-o Y H V H um anjo dos Céus e disse (..).)” (Gênesis 15:12) e: “E disse a Abrão (. sobe a Bet-El (. “E falou Deus a Israel em visões da noite (.)” (Gênesis 35:1).” Perceba que todas as vezes que a Bíblia relata que Deus ou um anjo falou com uma pessoa. quando os Profetas falam do fato de terem recebido uma Profecia. Q uarto Modo: Quando o Profeta assegura simplesmente que Deus lhe falou ou lhe ordenou: Faça isto ou Diga isto. “ E veio Deus a Bilám (. Este fulano não re­ cebeu qualquer visão que não fosse por intermediação de um Profeta. o Arameu. “Foi-me dirigida a palavra de Y H VH . no sonho da noite (. neste caso não há Profecia em absoluto. e não falou para estes dois: E Deus se revelou”. Labão e Abiméleq. somente se indica que lhe chegou um aviso da parte de Deus. respectivamente: “E veio (a palavra de) Deus a Abiméleq. assim como entre as palavras “em um sonho noturno” e “em visão noturna”.)” (Gênesis 20:3). e igualmente com respeito a Labão: “E veio Deus a Labão..)” (Gênesis 46:2).. “E disse YHVH a Gideão (Guidón ) ” (Juizes 7:2).)” (Gênesis 20:11). o Patriarca Abrahão afirmou de sua cidade e seu reino: “(. Também se afirmou: “YHVH falou a Fulano”. “Foi sobre mim a Mão de Y H V H ” (Ezequiel 37:1 e 40:1).. Contudo.. no sonho noturno. Tudo o que se apresenta em cada um destes quatro modos é Profe­ cia. Por isso. e sobre Abiméleq (Avimêlech ). nem esta pessoa é um Profeta. de um e de outro....SOBRE A PROFECIA “E disse YH VH a Abrão (..)” (Gênesis 31:3).... Pois bem. e para Labão e Abiméleq: “Deus veio (... e quem a emite é um Profeta. pois se afirma de Jacob: “E falou Deus a Israel em visões da noite (. conforme está escrito: “E disse-lhe YHVH (. E Deus lhe respondeu. Com efeito. o Arameu.. do mesmo modo suscita. Con­ sidere. como nesta passagem: “(.. se disse.. “A palavra de YH VH chegara” (II Samuel 24:11 e I Reis 18:1).) E foi consultar a YHVH (... “E lhe dirigiu YH VH a sua palavra” (I Reis 19:9). certas coisas que deseja rea­ lizar... “Começou o falar YH VH a Oséias” (Oséi­ as 1:2)..)” (Gênesis 25:22).)” (Gênesis 25:23).) talvez não haja temor de Deus neste lugar (. Veja isso! Reflita sobre a diferença entre “Veio Deus” e “Falou Deus”. era um malvado completo. apesar de ser um homem bom para o seu povo. “E disse YH VH a Josué” (Josué 3:7). e nos adverte seguidamente que aconteceu por meio de um sonho. E assim geralmente se expressam os Profetas: “Disse-me YH VH ” (Isaías 8:1)... portanto. estas possibilidades: caso seja verdade que Ever é o . adorador de práticas gentias. dizendo” (Ezequiel 24:1). Onkelos traduz: “E veio palavra da parte de YH VH . “E disse YH VH a Jacob: Volta à terra de teus pais (. quando se diz: “Deus veio a Fulano em sonho noturno”. Não duvidamos que Labão ÇLaván). e se esclarece: “na Academia de Ever”.)” (Gênesis 12:1).)” (Gênesis 31:24).)” (Gênesis 20:3). assim como Deus põe em movimento uma determinada pessoa para salvar a outra ou para destruí-la. Há muitos exemplos deste teor.) em sonho da noite (.. no sonho da noite (. “Foi palavra de Y H V H ” (Ezequiel 1:3). 2-34 ° g u ia d o s p e rp le x o s malách {anjo ou mensageiro ). em qualquer lugar onde haja uma mensagem atribuída simplesmente a Deus. chamado tantas vezes de anjo pelo Profeta. aplicável a todos os Profetas. . ou talvez o objetivo seja esclarecer que. entenda-se através de um anjo . como será explicado. como explicamos. se indica o anjo que veio a Éver naquela Profecia. SOBRE A PROFECIA CAPÍTULO 4 2 PROFETAS RECEBERAM COMUNICAÇÃO DIRETA APENAS EM SONHOS OU VISÕES Como já explicamos. tenha-se ou não declarado isto expressamente. O autor desta interpretação assegura que . ao interpretar a seguinte passagem da Torá: “ E apareceu-lhe YHVH junto a Elonê [planícies de] Mamrê (. sempre que se menciona a aparição de um anjo e uma mensagem sua. trata-se de uma Visão ou de um Sonho Profético. Pouco importa se al­ guém afirmou que notou que era um anjo imediatamente ou que este lhe pareceu primeiramente um ser humano e depois comprovou-se que se tratava de um anjo. Rav Chiá Há-Gadol (Rabi Chiá. desde o princípio. Este é um princípio sumamente importante. que. esclare­ cendo que Abrão primeiramente viu três pessoas. você averiguar que quem foi visto e falou era um anjo. Eles lhe falaram e ele lhes respondeu. e correu. ora o Profeta percebe Deus falando com ele. como veremos. O maior dos maiores. professado pelos Sá­ bios. Em ambos os casos. O Grande). acreditará por certo que. Sempre. era uma Visão ou Sonho. ao final.. afirma que. e depois verifica que este era um anjo. informa-se de maneira sucinta que Deus apareceu a Abrão e então passa-se a explicar em qual forma Ele surgiu.inicialmente.)” (Gênesis 18:1). e ora é um anjo.. ou melhor: ele ouve sem ver quem lhe fala ou contempla um ser humano que lhe dirige a palavra. ao final. se tenho achado graça em teus olhos.)..)” (Juizes 2:1-4). afirma-se taxativamente (Números 22:32) que “E disse-lhe o anjo de Y H V H (... Igualmente..236 O GUIA DOS PERPLEXOS as palavras de Abrão: “ (.). os Sábios afir­ mam que o anjo de Deus em questão é Pinchas. rogo-te que não passes longe de teu servo” (Gênesis 18:3) guardam uma referência ao que Abrão. quando se diz: “(. O mesmo ocorre na história de Abrahão. o anjo /enviado de Y H V H . em Visão Profética. todo o ocorrido com Bilám no caminho (Números 22:22 e ss. posto que. “Subiu um anjo de Y H V H do Guilgál (. Já esclarecemos que o termo malách. Esta luta e o diálogo se desenvolvem em Visão Profética.. “Então Ageu.. que “Deus lhe apare­ ceu (.. Do mesmo modo. em seguida.) e encontraram-no anjos de Deus” (Gênesis 32:2).. Analogamente. foi em Visão Profética .)” (Gênesis 32:35). “E ficou Jacob só (. . na história de Jacob.. como nos textos seguin­ tes: “(. a propósito da visão de Josué: “Alçou os olhos e viu que estava um homem diante dele” (Josué 5:13).) e enviou um anjo e nos tirou do Egito” (Números 20:16). dada a conti­ nuação claramente especificada: “Sou um ministro do exército de Y H V H ” (Josué 5:14-15).) Meu Senhor.. em que se declara no princípio. como pode se constatar na frase: “Falou ao maior entre eles”1'.)”.)” e. e narra-se o ocorrido desde então até que se encontra­ ram. e que o Profeta também é chamado de anjo.)” (Gênesis 32:25). como anjo... afirma-se claramente que era um anjo. conta-se que enviou mensageiros a Esaú e.. afirma-se: “(. ao final (Gênesis 32:29 e ss. ao descer sobre ele a Divina Majestade... é polivalente. nestes termos: “E Pinchas quem.) e lutou um homem com ele (. com respeito a Juizes 2:1-4. Pois bem. resumidamente.. trata-se igualmente de uma Profecia.. com respeito ajacob. Gênesis R abá 128. “Mas eles fizeram escárnio dos anjos/ mensageiros de 17 Talmud. juntamente com o dito pela jumenta. depois de fazer isto e aquilo. porque é o se­ gredo entre os segredos. assemelhava-se a um anjo de Deus”. disse a um dos homens. acredito que se trata de Visão Profética. falou a mando de Y H V H ” (Ageu 1:13). explica-se como isto sucedeu. porque aí se trata des­ tes mesmos anjos de Deus. também que. posto que...) e quando o anjo de Y H V H disse estas palavras a todos os filhos de Israel (.. E preciso compreender e se aprofundar nisto. Ocorre-me. de quem se disse em princípio: “saíram-lhe ao encontro anjos de Deus”.. e designa uma situa­ ção externa à pessoa. trata-se de um anjo.. não era profetisa. em que se afirma: “E encontrou-o um homem. mas é precisamente esta multiplicidade de significados que resolve a maioria das dificuldades atinentes à Torá. Das referências citadas. Perceba que o texto: “E achou-a o anjo de YHVH sobre a fonte (. tenha claro que Hagár. 32.19 pois a palavra que perce­ beram ou que chegou a seu conhecimento era algo parecido com a Bát K ó l (Eco). Segundo todas as Midrashót. nem Manué (Manôach) e sua mulher eram Profetas (Juizes 13:2 e ss. 18 19 Veja supra.. Deste modo. de que falam os Sábios com freqüência. separe o que permanece do que não foi mencionado. e eis que [José] estava perdido no campo (. Assim como quando Daniel disse: “E aquele homem. a Egípcia.)” (Gênesis 16:7) é similar àquele sobre José. e 21:17..). Idem.SOBRE A PROFECIA 237 Deus” (II Crônicas 36:16). 3a opinião (Maeso). cap. Veja Gênesis 17:7 e s.) em visão. tudo isso sucede em Visão Profética. Juizes 12:3-11 (Maeso). O que induz a erro a respeito disso é o múltiplo uso do termo. Do declarado anteriormente acerca da necessidade de preparação para a Profecia18 e sobre o uso multifacetado do termo malách.. a quem antes vi na visão voando rapidamen­ te.)” (Gênesis 37:15). segundo se depre­ ende de Números 12:6: “(... a ele Me faço conhecer ou no sonho falo com ele”. . Gabriel. chegou a mim como a hora das orações vespertinas” (Daniel 9:21). . O mesmo se encontra no livro de Daniel..SOBRE A PROFECIA CAPÍTULO 4 3 SOBRE AS PARÁBOLAS DOS PROFETAS Já expusemos. seguida da explicação desta mesma visão. e a razão para isso é que há ocasiões em que o Profeta percebe uma coisa nesta forma. após a apresentação de algumas parábolas: “O anjo que falava comi­ go veio e me despertou como a um homem que desperta de seu sonho. como aparece claramente em Zacarias. Ele me falou e . E o que se denomina “um sonho interpretado dentro de um sonho”. e me disse: O que vês? (. De modo semelhante. pergunta ao anjo. em obras anteriores [em M isbnê Torá\. quando “Daniel teve um sonho e viu visões de sua cabeça enquanto estava em sua cama” (Da­ niel 7:1) e. que os Profetas às vezes se expressam por parábolas. que lhe revela o sentido nesta mesma visão: “Aproximei-me de um dos assistentes e lhe pedi que me dissesse a verdade acerca de todo isso.).)” (Zacarias 4:1-2). algumas parábolas Proféticas se esclare­ cem na própria Visão Profética. Em outros casos aprendemos o significado do sonho depois de acordarmos do mes­ mo. E como alguém que tem um sonho. Então a parábola é explicada (Zacarias 4:6 e ss. nele imagina que está acordado e relata um sonho a outro. após o relato de todas as parábolas e seu incômodo por ignorar o significado das mesmas. o qual lhe explica o sentido —mas foi todo um sonho. como é o caso dos cajados que Zacarias tomou em Visão Profética (Zacarias 11:7 e ss. Daniel. como M arê de “Raá” (ver). nas parábolas Proféti­ cas há muitas cujo sentido não se explica na visão Profética. em que uma das acepções leva a outra. Do mesmo modo. se a ordem das mesmas for alterada. Deve-se saber que. Depois de afirmar que havia sido um sonho. os animais observados por Daniel (Daniel 7 e 8). um “cesto (de frutas) de verão”. de modo que não existe diferença entre Mará. . Isto está claro. enroladas em vol­ ta de um cilindro de madeira. é mais surpreendente quando se presta atenção a um determinado termo cujas letras correspondem a outro. se bem que o Profeta reconheça a intenção ao despertar. mas so­ mente os dois caminhos indicados pela Torá: “(. o que é uma das características da parábola. assim como os Profetas vêem coisas que. que guarda um relato específico (NT).) em visão. por sua etimologia ou pelo uso polivalente do nome. já que acrescenta: “pois eu persistirei (shokêd) (. de vara nem de amêndoa. para exemplificar certas idéias. os cavalos e as montanhas de Zacarias (Zacarias 6:1-7). sua intenção é uma dedução do uso múltiplo do termo Shakêd . do mesmo modo eles vêem coisas que tendem a explicar por uma palavra que lembra.4 0 O GUIA DOS PERPLEXOS me declarou a interpretação” (Daniel 7:16). a designação do objeto percebido. visto por Amós (Amós 7:7). aparecem-lhes como parábolas —como as luminárias (Zacarias 4:2). quando Amós vê Klúv Káits. Aqui não há um terceiro caminho. a ele Me faço conhecer ou no sonho falo com ele” (Números 12:6). até certo ponto. portanto. porque Cha^ón deriva da raiz verbal Cha^á.. chamou a este de Visão porque. como será explicado.. é para deduzir a medida do tempo. embora haja graus. em apresen­ tar uma coisa designada por um termo polivalente. de modo que a ação da faculdade imaginativa consiste. porquanto afirma: “e veio o fim (k êts )” (Amós 8:2). Todavia. depois daquela tida anteriormente” (Daniel 8:1). como nas parábolas de 20 Meguilá (hebraico): livro formado por folhas de pergaminho. Por isso acres­ centa: “Eu. quando Jeremias afirma ver M aquêl Shakêd. Macha^ê e Cha^ón. um anjo lhe explicou em sonho profético.. uma “vara de amên­ doa”. Não obstante. conforme ele assegurou.). tive uma Visão. Não se trata. ainda que não exista entre ambos nenhuma relação etimológica ou semântica em comum. o muro construído no nível. Assim.2 . a panela fervendo vista por Jeremias (1:13) e outras pará­ bolas semelhantes — ..)” (Jeremias 1:11-12). a M eguihr 0 de Ezequiel (Ezequiel 2:9). 22 Merkavá: Maimônides se refere ao Relato da Carruagem . Nesta parábola insinuase que a nação. igualmente. quando. . a letra Bêt (B) é a mesma que a denominada 1 Vêt (V). Deus a propiciava e a amava. depois ela mudou de atitude. de tal modo que Ele também experimentou o mesmo com respeito a ela e trocou seus chefes para destruidores.. ao empunhar os dois caja­ dos para pastorear o gado. conseqüentemente. tais como Jeroboão e Menashê. em uma Visão Profética. dando a um o nome de N ôam (Graça ou Favor) e a outro o de Chovlím (Destruidores). se as examinar bem em cada lugar.)” (Deuteronômio 26:17) “E YHVH te separou hoje para ser para Ele um povo amado (. de acordo com essa perspec­ tiva. outras palavras de diversas passagens lhe parecerão cristalinas . relaciona-se à idéia de aversão e de abominação que encerra a parábola: “Então tomei aversão ao rebanho. éguel (bezerro) e chashmál (eletricidade). segundo se declara: “A YH VH glorificaste hoje (. Com este método descobrem-se coisas muito estranhas —que tam­ bém são segredos —empregadas na M erk aváf1 com as palavras Nechóshet (cobre).. e também suas almas se enfastiaram ('b a ch a lá )2 1 de mim” (Zacarias 11:8). kelál (geral). 21 Em b a ch alá . que eram renitentes à Lei e a Deus.. com o acréscimo. no início..23 Graças a esta advertência. e. de característica esotéri­ ca (NT). de um ponto no meio da letra (NT). até sentir aversão pela obediência a Deus. com respeito a Chovlím. na primeira. e ela se regozijava e tinha prazer em Obedecê-lo. tinha a graça de Deus e era Ele quem a guiava e dirigia. Vêit (V) e Lámed (L).)” (Deuteronômio 26:18).SOBRE A PROFECIA Z4 I Zacarias. Depois se deduz. quando a nação era conduzida e regida por Moisés e os Profetas que o sucederam.Porém. réguel (pé ou pata). Mas este sentido não pode ser derivado de Chovlím senão mediante a transposição das letras (da raiz da palavra) Chêt (Ch). Este é o sentido etimológico. porque Chovlím se relaciona com M echablím Kramím (Destruidores de Vinhas) (Cânticos 2:15). 23 Em Ezequiel 1. depois de. ele acredita contemplar a Deus (Exaltado Seja!).)” (Zacarias 4:5).) disse-me aquele homem: Homem! (. como disse Daniel (Daniel 8:13): “Ouvi uma voz de homem que me gritava no meio de Ulai”. dizer: “Esteve sobre mim a mão de YFIVH” (Ezequiel 40:1).... conforme explanado reiteradamente. Em certas ocasiões.. que dizia: A quem enviarei e quem irá de nossa parte?” (Isaías 6: 8). caso muito comum.)” (Gênesis 31:11). “E então me respondeu: Não sabes o que é isso? E o anjo que me falava contestou (.. no início. como em Ezequiel: “E um homem de aspecto como de cobre (. em Visão Profética . Elifaz: “E no silêncio ouvi . o Profeta percebe às vezes uma parábola. como nas seguintes passagens: “E disse-me um anjo de Deus (.)” (Ezequiel 40:3-4). dirigidas a ele. Outras vezes ouve um anjo lhe falar. Há também certos casos em que o Profeta não nota em sua Visão Profética figura alguma.SOBRE A PROFECIA 2-43 CAPÍTULO 4 4 SOBRE OS DIFERENTES MODOS ATRAVÉS DOS QUAIS OS PRO­ FETAS RECEBEM MENSAGENS DIVINAS A Profecia somente será por Visão ou Sonho . “Então ouvi falar a um dos justos” (Daniel 8:13)... Diremos agora que. como já explicamos mui­ tas vezes e nunca deixaremos de insistir. Isto é tão freqüente que sobram exemplos. como quando disse Isaías: “E ouvi a voz do Eterno. mas somente ouve palavras. Há ocasiões em que o Profeta dirige-se a um ser humano que lhe fala. quando se sente inspirado.. significa que não tivera ante­ riormente alguma inspiração Profética. apresentadas a ele em termos enérgicos. de maneira que nada estranho se faz ostensivo. justificada pelos textos. Depois. a ele Me faço conhecer (. a Y H V H . é do seguinte teor: Samuel não havia profetizado anteriormente e também não sabia que assim era a Profecia.. mas de haver testemunhado.. A intenção é indicar o desconhecimento do Profeta. são. pois não se trata de haver alcançado a Visão Profética [diretamente] por aquele que lhe falou. acreditou que quem o chamara por três vezes consecutivas fora E liH á-C ohên (o Sacerdote Eli). posto que se diz de quem pro­ fetiza: “(.. pois ainda não se lhe havia sido revelada a palavra de Y H V H ” (I Samuel 3:7). pois se têm estes sonhos muitas vezes. Além da precedente exposição sobre a divisão. já que este segredo. Conheça isso! . e se esclarece a razão disso baseava-se no fato de que o Profeta Samuel ignorava que a palavra de Deus se manifestava aos Profetas desta forma. e iniciado sua Profecia da seguinte forma: “E escutei a quem me falava”.244 ° GUIA d o s p e r p l e x o s uma voz” (Jó 4:16) e também Ezequiel: “E escutei o que me falava” (Ezequiel 2:2). ouvidas pelo Profeta em Visão Profética . demonstrarei que as palavras. não lhe fora revela­ do. a Bíblia explica. ao ser chamado por Deus (Exaltado Seja!) em um momento de Inspiração Profética. Assim é explicado: “Samuel não conhecia. É possível comprovar isso claramente na história do Profeta Samuel. Há ocasiões em que as palavras apreendidas na Visão Profética se assemelham à fala corrente e familiar. o estranho fenômeno. Quan­ do se afirma que não conhecia a Y H V H .)” (Números 12:6).) em visão. todavia. do modo como se manifestava a palavra de Deus. todavia. segundo afirma. A interpretação deste versículo. atendo-se ao sentido. que. como aquele que sonha ter ouvido um forte trovão ou visto um terremoto ou um raio. pois não lhe fora revelado. ocasionalmente.. por sua imaginação. e quem alcançou um não figura. Caso você leia nos Livros dos Profetas que um Profeta recebeu inspiração conforme um dos graus citados. sem interrupção —ao con­ trário. os dois primeiros não são mais do que passos até ela. com referência a ele. procede enu­ merar seus graus. de grau inferior ao da primeira. e depois se declara. é possível que este Profeta. por isso. que lhe ocorreu uma revelação sob a forma de outro grau. em outra.4 5 CAPÍTULO 4 5 OS DIVERSOS TIPOS DE PROFETAS: ONZE GRAUS DE PROFECIA OU DE PERCEPÇÃO PROFÉTICA. tenha logo. . con­ forme a especulação exigida e o exposto em nossa Lei. Ao contrário. SEU ESTUDO EM TRÊS GRUPOS Esclarecido anteriormente o verdadeiro conceito da Profecia. após profetizar em determinado momento.SOBRE A PROFECIA 2 . entre os Profetas anteriormente mencionados. assim como o Profeta não exerce seu ministério durante toda a vida. após uma inspiração configurada segundo alguns dos graus que vou enumerar. em outro momento. isto não implica que quem ocupe um grau qualquer já seja um Profeta. uma inspiração distinta. Ainda que eu os denomine graus da Proferia . Se em certas ocasi­ ões se lhe intitula Profeta. a inspiração Proféti­ ca o abandona em outros —também pode ocorrer que o faça em deter­ minada circunstância conforme um grau superior e depois. é somente devido à generalização e por se colocar muito próximo dos Profetas. Não se engane a propósito destes graus. Com efeito. em consonância com estes dois princípios. Particularmente.)” (I Crô­ nicas 12:18). desde que alcançou a maturidade. algo que o impulsione e lhe convide a amar. Como se disse de Jeremias. Este foi o grau alcançado por todos os Juizes de Israel. Conclusão idêntica é aplicável a todos. e assim foi com todos os M eshicbê Jsraêl (Grandes Líderes de Israel). e outras expressões análogas. como também pode se conservar em um grau inferior até cessar por completo sua inspiração.O GUIA DOS PERPLEXOS de acordo com um grau inferior ao primeiro. “o Espírito de YHVH o tenha revestido”. é constatado em alguns Juizes e Reis: “O espírito de YHVH foi sobre Jefté (Juizes 11:29). dentro de si mesmo. incitando-o e animando-o para uma ação boa. movido pelo Santíssimo para ajudar David: “Então Amassá. posto que o sopro profético necessariamente abandona todos os Profetas mais ou menos antes de sua morte. estava com ele e o livrava da opressão” (Juizes 2:18). E ainda: “E apoderou-se o Espírito de YHVH de Saul quando este ouviu-lhe as palavras” (I Samuel 11:6).. sem razão aparente. shalom (aqui estamos)!(. libertar a sociedade dos malvados.. se revestiu do Espírito de YHVH e exclamou: A ti David e a teu povo. É possível também que não alcance tal grau eminente mais do que uma única vez na sua vida e depois seja privado dele. daquele que fica neste estado. filho de Ishái. da seguinte forma: “Quando a palavra de YHVH foi cessada na boca de Jeremias (. . que era o chefe dos trinta oficiais. Igualmente de Amassá. Por isso se sentiu impulsio­ nado a matar o egípcio e a rechaçar os dois adversários24. 24 Provavelmente os dois escravos hebreus que discutiam entre si quando Moisés se aproximou (NT). De Sansão se disse: “Apoderou-se dele o espírito de YHVH” (Juizes 14:19).. salvar um grande homem virtuoso ou derramar o bem so­ bre uma multidão de pessoas. Após estas palavras iniciais. em termos gerais: “Quando YHVH lhe suscitava um juiz. de tal maneira que o sujeito sinta. È o que se chama “o Espírito de YHVH” e se diz. dos quais se afirmou.. “o Espírito de YHVH descansa sobre ele” ou que “YHVH está com ele”. Considere que este tipo de força jamais faltou a M oshé Kabênu. que “o Espírito de YHVH tenha se apossado dele”. grande e relevante.)” (Esdras 1:1). e com respeito a David: “Estas são as últimas palavras de David” (II Samuel 23:1). passo aos graus nestes termos: Vrimeiro Grau: O passo inicial para a Profecia é quando uma ajuda divina acompanha o indivíduo. por exemplo. E essa força era tão pujante nele que mesmo quando fugiu. SOBRE A PROFECIA 247 presa do temor. Diz-se. daí em diante... pela virtude do Espírito de Deus. nem se sentiu capaz de sufocá-lo. Diz-se isso somente de quem realizou um bem enorme. conforme se afirmou: “(. mas tão somente encorajava a pessoa que o pos­ suía a agir. Crônicas e os restan­ tes Chetuvím (Escritos ou Hagiógrafos). Por obra deste. como o atingido por José na casa do egípcio. teste­ munhou uma injustiça. David compôs os Salmos e Salo­ mão. Tudo isso em estado de vigília. os Provérbios. o Eclesiastes e o Cântico dos Cânticos. estrangeiro e amedrontado. e. Jó. ao chegar a Midián. salvou-as (. Profetas. Do mes­ mo modo foram escritos os livros de Daniel. quando os senti­ dos funcionam como de costume. O mesmo Espírito de Y H V H jamais inspirou a alguma dessas pessoas. mencionadas acima. que o Espirito de YHVH o acompanha. Segundo Grau : E aquele em que um indivíduo sente como se algo houvesse se infiltrado nele e houvesse uma força nova. como está escrito: “E desde aquele momento. disse 25 Refere-se ao episódio de josé na casa de Potifar —im portante oficial na corte do Faraó e chefe dos tabachim (responsáveis pela cozinha) —quando passou de escravo a ministro da corte egípcia (NT). o Urso e o Filisteu. a falar sobre determinado assunto. razão pela qual são denominados Chetuvím . . por isso se arrojou com valentia contra o Leão. referindo-se a este.23 origem dos importantes suces­ sos acontecidos em seguida. tampouco poder-se-ia afirmar de qualquer um..) e levantou-se Moisés. uma comunidade ou alguém a ele condu­ zido. por isso. mas sim a socorrer o oprimi­ do —quer fosse uma pessoa. louvores divinos. Igualmente. não pôde reprimir seu ímpeto. significando que são “Es­ critos pelo Espírito do Santíssimo”. veio sobre David o Espírito de Y H V H ” (I Samuel 16:13). como é notório.. Afirma-se expressamente: 0 Eivro de E ster fo i ditado pelo Espírito do Santíssimo. ou o objetivo que se esperava dele. conselhos edificantes ou discursos relativos ao regime político ou a questões divinas. uma força semelhante se ra­ dicava em David depois que f o i tintado com o óleo da unção . de tal homem. que o impulsi­ ona a falar de tal maneira que profira palavras de sabedoria. que YHVH esteja com de ou que tenha conseguido seu in­ tento em virtude da Presença Divina. Assim como nem todos aqueles que tiveram um sonho verdadeiro são. assistido pelo auxílio divino para alcançar algum objetivo (como enri­ quecer ou lograr um propósito pessoal). que fa la pelo Espírito do Santíssimo. Não o encorajava a fazer tudo.)” (Exodo 2:17). filho de Zacarias. “ter falado o Deus de Jacob. puseram-se a profetizar e não cessa­ vam” (Números 11:25).4 8 O GUIA DOS PERPLEXOS David: “O Espírito de YHVH fala por mim. .. e o mesmo de Eldál e Medád (Números 11:26). disse: Assim fala YH VH (. ou seja. Ahias o Silonita (A chiá háShiloni) e seus amigos. quando se disse de Salomão: 26 Urím e Tumírn-. Deles se afirma: “E quando sobre eles pousou o Espírito [de YHVH]. Analogamente. do qual se conta: “Foi o Espírito de YH VH sobre Azarias. e Ele fala pelo Espírito do San­ tíssimo”. e suas palavras estão sobre a minha língua” (II Samuel 23:2). e disse: Ouvi. pois aqueles — refiro-me aos primeiros —somente falavam e proferiam seus ditos por obra do Espírito de YHVH. Além deste. filho do sacerdote Choiadá que. seja Natán ou outro. Salomão e Daniel pertencem a esta classe e não alcan­ çam a de Isaías. e neste sentido ele proclama de si mesmo: “Oráculo daquele que ouve os ditos de YHVH (. de quantos se assinale. e tu. do qual se disse nas Crônicas: “Sobre ele veio o Espírito de YHVH no meio da Assembléia.2 . enquanto era bom. filho de Choiadá. Jeremias. equivalentes afalava pelo Espírito de YHVH.. Josafát: Assim disse YHVH (. Quanto às palavras de David. Igualmente. apresentando-se ante o povo. ou nesta outra: “E YHVH disse a Salomão: Pois que assim tens amado e fizeste rota Minha Aliança” (I Reis 11:11). filho de Oded..)” (II Crônicas 15:1-2).)” (II Crônicas 24:20). Todo Judá.)” (Gênesis 25: 23). e se apresen­ tou diante de Gaza (. o que significa que foi Ele quem o fez proferir estas palavras. é o indicam estas palavras: “E pôs YHVH a palavra na boca de Bilám (. analogamente...)” (II Crônicas 20:14-15). jogo de pedras oracular (NT).)” (Números 24:4). pois dele se disse: “O Espírito de YHVH desceu sobre Zacarias. e vós. que indubitavel­ mente encerra uma ameaça dirigida por Ele. Quanto a Bilám. deve-se entender no sentido de que Ele lhe fizera promessas por mediação de um Profeta.. o que aconteceu aos S etenta A nciãos é pertinente à mesma categoria. por mediação de Ahías o Silonita ou outro Profeta.)” (Números 23:5). o Profeta Natán. o Sacerdote. a Rocha de Israel me tem dito” (II Samuel 23:3). assim como Zacarias. Azarias. todo Sumo Sacerdote consultado mediante os Urím e Tumíffr6 pertence a este grau. os moradores de Jerusa­ lém.. assim como nesta passagem: “E disse-lhe YHVH (.. Assim.. E assim.. pertencia a esta categoria. Também aqui se inscreve Jahziel. E importante adver­ tir que David.. como afirmam os Sábios: “A Divina Majestade descansa sobre Ele.. filho de Oded. ... porque ainda que. e constitui o segundo grau. mesmo nesta espécie de visão Profética de Daniel e Salomão. mesmo depois de receber as instruções que lhe foram confiadas: “Então o mistério foi revelado a Daniel em Visão noturna” (Daniel 2: 19).. “E as visões de minha mente me perturbaram” (Daniel 7:15).. E disse Jacob a José: “Deus Todo-Poderoso apareceu-me em Luz. concordou-se.) Eu olhava durante a minha Visão noturna (... como se lhe havia aparecido em Guivón ” (I Reis 9:2). in­ cluir o Livro de Daniel entre os Escritos e não entre os Profetas. e lhe disse (. e não entendi nada” (Daniel 8:17). em sonhos. na visão.. nem como nas Profecias de Isaías e Jeremias.. não disse que foi um sonho. e desta forma se manifesta: “Estava assombrado pela visão. Na verdade. a cada um deles. a respeito de Salomão. a revelação acontecera por meio de um sonho. mas um sonho que permitiria conhecer a verdade de certas coisas. não como: “(. como expressou o Patriarca Jacob. porque aqueles que têm uma inspiração Profética em um Sonho. eles não a consideraram como Profecia de fato.)” (Gênesis 48:3). ao despertar de seu sonho profético. jamais o chamam de Sonho depois que a Profecia chegou a eles desta forma. não é Profecia perfeita. no relato concernente a Salomão. Por esse motivo. Assim. embora tenham visto um anjo no sonho. nela mesma ha­ via a indicação de que se tratava de uma Profecia e de que lhes ocorre­ ra uma revelação.... enquanto que. Por isso devo advertir que.) no sonho falo com ele” (Números 12:6)...) mani­ festou-se a palavra de YH VH a Abrão.SOBRE A PROFECIA X4Ç se lhe apareceu em Guivón durante a noite.)” (Gênesis 28:16). E um grau inferior àquele designado por: “(. na terra de Canaã (.)” (I Reis 3:5).)” (Gênesis 15:1) ou: “Deus falou a Israel em Visão noturna” (I Reis 46:2). quan­ do ficara claro de que se tratava de um sonho. De modo semelhante. no segundo relato... que. “YHVH . Indubitavelmente se trata de um grau inferior àqueles dos quais se afirmou: “(. mas sim afirmou claramente: “Certamen­ te YH VH está neste lugar (. Por outro lado. observa-se Daniel explicar que ti­ vera sonhos e. apesar de neles haver visto um anjo —cujas palavras ouviu —chamou-os de sonhos. assim se disse: “Apareceu YHVH pela segunda vez a Salomão.. a descrição é: “Despertou Salomão e era um sonho”. declarando que se tratava de uma Profecia.) no sonho falo com ele” (Números 12:6). dizendo (. eles não têm dúvidas de que se trata de uma Profecia. o qual se inscreve na categoria dos que falam pelo Espírito de YHVH.. em nosso credo. Depois se declara: “Em seguida escre­ veu o sonho (. verifica-se ao final: “Despertou Salomão de seu sonho” (I Reis 3:15) e.)” (Da­ niel 7:1-2). segundo se afirma: “E disse-me um anjo de Deus no sonho (. segundo se afirma em uma das Profecias de Ezequiel: “Disse-me aquele homem: Homem (. . porque estas parábolas fo­ ram Visões diurnas. neste mesmo sonho profético. dizen­ do: Este não será teu herdeiro (. como sucedeu a Samuel em sua primeira Profecia. como ocorre na maioria das Profeci­ as de Zacarias. Salmos e os livros de Ruth e de Ester. neste Tratado. está o sonho profético. Terceiro Grair.2 7 Q uarto Grau: Nesta categoria são classificados os sonhos proféticos em que se percebem palavras claras e distintas. caso mais freqüente nos Profetas. E quando um anjo lhe fala em sonho. sem ver quem as profere. Quinto Grau : Neste caso. é lhe explicado o sentido encerrado na parábola.. Nono Grair. Sétimo Grau : Nesta categoria.)” (Gênesis 31:11). há uma revelação em visão Profética e se percebem parábolas. conforme se explicou... com todas as condições já ditas para a autêntica Profecia e. uma pessoa que lhe fala. como em Isaías: “Vi Y H V H (. filho de Imla (Micháiu ben Imlá): “Vi Y H V H ” (I Reis 22:19. com Abrahão na visão entre os animais destroçados (Gênesis 15).. Sexto Grair.250 O GUIA DOS PERPLEXOS na classificação dos Chetuvím não se estabelece diferença entre Provér­ bios.)” (Isaías 6:1-8). Oitavo Grau : Neste caso. como relatado com respeito a Abrahão: “E eis que foi a palavra de Y H V H a ele. àquele que sonha. conforme especifi­ camente explicado acima.. em que parece. na Visão Profética. II Crônicas 18:18). todos eles escritos pc r mediação do Espírito do Santíssimo e incluídos na deno­ minação genérica de Profetas... em Jericó. por exemplo. 27 Veja supra .)” (Ezequiel 40:4).)” que dizia: “A quem enviarei? (. É também quando o Profeta percebe uma parábola em sonho.. Quando se ouvem as palavras em Visão. cap. que Deus lhe fala. uma pessoa lhe fala em sonho. Daniel. 43 (Maeso). e no texto de Mi­ quéias. E o que acontece.. Décimo Grau : Acontece quando é vista.. Eclesiastes. como ocorreu a Abrahão na planície de Mamré e a Josué.)”” (Gênesis 15:4). É o dos que logo proclamam: Foi-me dirigida a palavra de YHVH ou se servem de expressões similares. o qual. transformando-se em um sonho. na Visão. como na referência tão reiterada de Números 12:6. que provavelmente se tratava daquilo que fora ouvido em Sonho que. a palavra situa-se exclusivamente em Sonho e na Visão. em princípio.. em um sentido literal. Portanto.)” (Gênesis 15:12). Não obstante. ainda que seja somente uma pessoa quem lhe fala. poder-se-ia admitir que toda visão que se refere a palavras ouvidas não seria. Julgo que este é o grau mais eminente alcançado pelos Profetas. Quando encontrei escritos proféticos a respeito disso e ficou claro que se referiam à Visão. que todo Profeta somente ouve . O supremo e mais perfeito grau. é aquele em que o Profeta é inspirado por uma Visão. desde que se desconte a perfeição das qualidades mentais do sujeito. e faça-se a devida exceção a M oshé Kabênu (A Paz esteja sobre ele!).51 Décimo Primeiro Grau : Quando. Talvez você levante a seguinte objeção: “Você conta.) um sono pesado caiu sobre Abrão (. como pode ser assim. como expusemos a propósito do texto: “(.) em Visão. Assim. faz com que o Profeta imagine que é Deus mesmo quem lhe fala. os graus de Profecia seriam oito.. em termos gerais.. diferente da Visão. indiquei. o que se expressa por eláv etvadá (a ele Me faço conhecer) que é a forma reflexiva da raiz do verbo Yadá (conhecer). como é o caso de Isaías e Miquéias. Porém. pois depois passa a um torpor. conforme o estabelecido. quaisquer que fos­ sem elas. como esclarecemos. E é isto que o texto citado sugere. entre os graus da Profecia. a ação e a emanação do intelecto. percebe-se um anjo lhe falando. aquele em que o Profeta pode ouvir palavras dirigidas a ele por Deus. a ele Me faço conhecer ou no sonho falo com ele” (Números 12:6). ouça-se a pala­ vra de Deus. conforme aconteceu a Abrahão no momento do sa­ crifício de Isaac. na Visão Profética. somente se percebi­ am parábolas ou comunicações de ordem intelectual. enquanto que. se admitimos.. é o torpor da Profecia. sempre que se ouviam palavras. mas a expressão não indica que.SOBRE A PROFECIA 2. asseguram os Sábios. uma Visão. com mensagens de coisas específicas. em Visão Profética. efetivamente. em uma nota... tratava-se de um sonho. não temos visto nada semelhante nos demais Profetas. pois a potencialidade da faculdade imaginativa não alcança este ponto. de acordo com esta interpretação. na Visão Profética. Portanto. segundo testemunho dos Livros Sagrados. semelhantes às obtidas através da especulação. o Profeta escute a palavra de Deus . Quanto à possibilidade de que. parece-me inverossímil. Por isso a Torá esclarece: “(. segundo expusemos. pontuando o sentido das expressões “boca a boca”... neste caso.)’ (Números 12:8)?” É preciso saber que efetivamente é assim. sobre a Kapóret (propiciatório).)” (Exodo 33:11) e outras. do qual está escrito: ‘Boca a boca Falei com Ele (.2_52_ O GUIA DOS PERPLEXOS a palavra de Deus através de um anjo. 28 Propiciatório: Lâmina de ouro com que os hebreus cobriam a Arca da Aliança. Já explicamos em minha obra M ishnê Torá as diferenças desta Profecia. à exceção de Moshé Rabênu (Que a Pa? esteja sobre ele!)... “(. pois.) como fala um homem com seu com­ panheiro (. o que atuacomo intermediário é a faculdade imaginativa.. enquanto M oshé Rabênu a escutava sem a mediação da faculdade imaginativa. posto que somente em sonho profético o Profeta ouve a pa­ lavra de Deus que lhe fala.. Entenda isso! E não é necessá­ rio repetir o que já foi dito.28 “entre os dois Querubins” (Exodo 25:22). . Assim. Algumas des­ tas parábolas simplesmente relatam coisas (sem noção de que fazem parte de uma visão). perguntas e respostas. Com isto quero dizer que. ações são realizadas —se o estilo da parábola pede isso —coisas são feitas pelo Profeta e nos inter­ valos entre uma ação e outra determinadas viagens são feitas de um lugar a outro. No entanto. tudo isso aconteceu através dos sentidos e não em Visão Profética. o Profeta declara: “E YHVH me disse”. como se sabe que ocorre nas Visões Proféticas. sem necessidade de mencionar que fora um sonho. nasceu-lhe um filho. pode-se ter uma visão de todos os relatos do mesmo tipo. o povo pensa que tais ações. a partir de uma só propriedade dos relatos dos Profetas. e é desnecessário repetir toda vez isso.SOBRE A PROFECIA 253 CAPÍTULO 46 A S P A R Á B O L A S DOS PPvOFETAS F A Z E M P A R T E D A S V ISÕ E S P R O F É T IC A S A partir de um único indivíduo é possível se ter uma idéia completa de toda uma espécie e conhecer as propriedades de cada indivíduo desta espécie. A partir desta informação prévia. . ao qual colocou tal nome e se encontrava em determinada situação ou circunstâncias. nas pará­ bolas Proféticas são vistos certos objetos. Mas todas estas coisas fazem parte apenas do processo de uma Visão Profética . você entenderá que uma pessoa pode sonhar algumas vezes que viajou a tal país. viagens. Do mesmo modo. casou-se e residiu lá. não são reais aos sentidos físicos. . ele real­ mente a executara. e me disse: Homem.. também foi uma Visão Divina. e na mesma visão Profética se imprime: .) feche-se depois sobre teu costa­ do esquerdo (.. segundo consta. Nada mais distante de Deus do que fazer. trata-se pura e simplesmente das Visões Divinas. Na verdade. como aconteceu a Abrão: “(. dizendo (.9).) manifestou-se a palavra de YHVH a Abrão.. do mesmo modo. objeto de riso para os tolos. nes­ tes termos: “ (. localizado no Monte do Templo.4.. e foi em Visão. Assim como compreendeu. sendo sacerdote..254 ° g u ia d o s p e rp le x o s Lembro-lhe de um exemplo.) toma também trigo. que se lhe ordenava perfurar o muro. sobre o qual não há equívoco.. Está claro e fora de todo erro possível o que disse Ezequiel: “Estava em minha casa. e acrescentaria que fizera efetivamente a perfuração. E Ezequiel lembrou-se da Visão pela qual foi intro­ duzido em Jerusalém.)” (Gênesis 15:1).) O Espírito me levantou entre a terra e os Céus. e acres­ centarei outros da mesma espécie.) e fê-lo sair (.)” (Ezequiel 4:1. Até porque isso implicaria uma ordem de desobediência da Lei. nas VisÕesDivinas. Perfurei-o e apare­ ceu uma porta” (Ezequiel 8:7-8). fora-lhe ordenado perfurar o muro.. O mesmo ocorre com Abrahão. por cada lado da barba e do cabelo..)” (Gênesis 15:5). cevada (. apesar de se encon­ trar na Babilônia.. em seguida. e também quando se lhe ordena: “E utilize-a como navalha de barbeiro para fazer-te cabelos e barba” (Ezequiel 5:1). na visão. quando Deus lhe disse: “Toma uma barra de argila (... se tornaria transgressor duplamente. Do mesmo modo. —como ele próprio men­ ciona nestas mesmas Visões Divinas —entrou pelo buraco e viu o que viu. tudo isso em Visão Profética . todo isso em Visão Profé­ tica. ele relataria que. e estavam diante de mim os anciãos de Judá (. a fim de penetrar por ele e con­ templar o que ah se operava e. vi um bura­ co no muro. isso corrobora claramente a tese de que tudo se passou em Visões Divinas. quando afirmou: “Levantei-me e saí a campo” (Ezequiel 3:23). Na pas­ sagem: “E descansei no meio da planície” (Ezequiel 37:1). não mencionados. desnudo e descalço” (Isaías 20:3).. se fosse assim.. Mas todo isso se passou em Visão Profética. dos Profetas. motivo de escárnio ou de serem acusados de realizar atos insa­ nos. e me levou a Jerusalém em Visões Divinas” (Ezequiel 8:13). parecia-lhe que realizava atos que lhe foram ordenados. pois. trata-se de Visões Proféticas. expressando-se assim: “E olhando. Somente os que têm uma mente débil acreditam que em todas estas passagens em que o Profeta conta que fora intimado a fazer tal coisa. Do mes­ mo modo. dos quais você poderá deduzir ou­ tros mais. quando se afirma: “Como andava Isaías.. perfure o muro.. meu servo. a não ser que se nos aplique o seguinte: “E toda Revela­ ção é para vós como palavras de livro selado” (Isaías 29:11). foi-lhe dito. O mesmo digo da intima­ ção a Jeremias. como pode perceber. que lhes foram impostos. como já expuse­ mos. levantou-se. pois. Conse­ qüentemente. Desta forma. Tudo isso ocorreu em sonho. pode estar certo de que esta se realizou em Visão Profética. e então se lhe dizia: conta as estrelas. é Visão Profética.. sempre que se afirma que. sentou-se.SOBRE A PROFECIA 2-55 “E fê-lo sair e disse: Olha para os Céus. De forma análoga. . e assim o fez. o que disse Zacarias: “Fiz-me. certamente dos mais pobres. mdo isso lhe aparecia em Visão Profética. olhou. Outrossim. não há razão para pensar que qualquer detalhe se concretizou em realidade. entrou ou disse. a aceitação deste. mas em Sonho Profético. Tudo isro são parábolas em Visão Profética . seguramente. saiu. a saber: o salário reclamado com suavidade. ao cabo de muito tempo. parece-me que. citados anteriormente. tudo Isso se sucede em Visão Profética. até ver o céu. pastor do rebanho da matança. Se averi­ guar que tal ação encaixa em uma parábola. eu não o cha­ maria. mas situado entre os personagens de categoria inferior. intimando-lhe a fazê-lo. e conta as estrelas (. semelhante aos de Labão e de Abimeieque. que ninguém pode ignorar. Escondeu-o e. baixou. salvo quem confunda o possível com o impossível. Inclusive no caso de ações descritas como de longa duração e que se refiram a determinadas épocas. de um modo absoluto. você poderá considerar algo não menciona­ do: tudo pertence à mesma espécie e método. em tal Visão. arrojado no tesouro (Zacarias 11:12-13). foi buscá-lo e o encontrou putrefato e desfei­ to.)” (Gêne­ sis 15:5). nem vira o Eufrates. não havendo alcançado Gideão a categoria de Profeta. uma vez constatado que são simples pará­ bolas. Este é o relato. posto que Jeremias não saiu da Terra de Israel à Babilônia. de Visão Profética. tudo isso sucede em Visão Profética e. no caso de Gideão. e o que se segue. pelo fato de que. E evidente que na Visão Profética sentia-se transportado para fora donde se encontrava. subiu. ficou. viajou. a de esconder o “cinturão” no Eufrates. como poderia fazer milagres? Seu maior mérito foi figurar entre os juizes de Israel. pergun­ tou. e tomei dois cajados” (Zacarias 11:7). o rexro de Oséias: “Toma por mulher uma prostituta e engen­ dra filhos da prostituição” (Oséias 1:2). e todo o relato do nascimento dos filhos e os nomes Este e Este. Contudo. certos indivíduos e lugares específicos. Isto é algo indubitável. Do que deixo exposto.. o dinheiro con­ tado. foi interrogado. o relato do novelo de lã e outros foram em Visão Profética . sem reparar que se trata de uma metáfora. porque o leito é a cama. dado que às vezes elas apa­ recem nos Livros dos Profetas. que a maioria dos Profetas se expressa por meio de parábolas. um leito de ferro (. Igualmente se diz: “(.. não pertence a este grupo o que a Torá afirma sobre Og: “(.. ou seja. Se as tomasse literalmente. Os Sábios já advertiram: ^4 Torá fa la uma linguagem aproximada .. e... segundo sua acepção origi­ nal.)” (Amós 2:9). com expressões hiperbólicas e exageradas... porque o instrumento para isto é a faculdade imaginativa..)” (Deuteronômio 1:28). sem sombra de dúvida.) cuja altura se iguala à dos cedros (. Deste modo..S OI S R E A PROFECIA 2-57 CAPÍTULO 4 7 SOBRE O ESTILO METAFÓRICO DOS ESCRITOS PROFÉTICOS Fica patente e manifesto.. em vez de contidas e exatas. hipérboles e alguns exageros. assim como em Cântico dos Cânticos 1:16: .) Eis que seu leito. importa saber algo sobre as metáforas.)” (Deuteronômio 3:11). utiliza a hipérbole. Na hipérbole se inscreve esta lo­ cução: “Porque o pássaro dos Céus leva a notícia” (Eclesiastes 10:20). isto daria lugar a absur­ dos.) as cidades são grandes e fortificadas até os Céus (. sem se dar conta de que se trata de uma hipérbole ou um exagero. Estilo semelhante se encontra com freqüência na linguagem de todos os Profetas.. para demonstrar. eles destacam acertadamente estas expressões: “(. Sem dúvida. ou se compre­ endidas no sentido superficial das palavras.. A expres­ são Os codos de um homem considera a medida cubital corrente —entre o comum dos mortais. para dar a chuva á tua terra (. da mão ao cotovelo (NT). Não cabe outra explicação. sem dificuldade de interpretação. Assim. interpretado da seguinte forma por Yonatán ben Uziel: A té os governantes se regozijaram p o r ti. a não ser a pessoa citada. por exemplo: “Montanhas e planícies irromperão em gritos de júbilo ante vós. afirmo que nenhum ser viveu tantos dias. o que. uma das modalidades da metáfora. os opulentos. segundo a proporção habitual. Do mesmo 29 Codo: unidade de medida baseada em meio braço.29 a estatura de quem se deita sobre ela..)” (Isaías 14:18). nada colocará em dúvida que estas palavras: “Abrirá YHVH para ti Seu bom tesouro. mas outras não. Pois bem. mas sim que a expressão é usada por meio de associação. Dizia-se que a estatura de Og era o dobro de uma pessoa normal e mais um pouco. se o comprimento de uma cama é de nove codos.O GUIA DOS PERPLEXOS “Nossa cama está cheia de vitalidade”. Esta estranha característica de determinado indivíduo tinha moti­ vos diversos: sua dieta ou seus hábitos. Quanto ao que está escrito na Bíblia referente à idade de certas pessoas... e não segundo a de Og —já que normalmente todo indivíduo tem os membros proporcionais. não há cama que corresponda à medida de qualquer pessoa —porque não é uma roupa que a veste —mas a cama será sempre do tamanho do indivíduo que nela dorme: o costume conhecido é normalmente um terço a mais que a medida da sua altura. de qualquer forma. . e choveu sobre eles o Maná” (Salmos 78:23-24). Por conseguinte. ninguém imaginará que haja portões e portas nos Céus. os Céus. Algmas são claras e patentes. expresso na forma de metáfo­ ra. enquanto as demais viveram a quantidade normal de dias natu­ rais.)” (Deuteronômio 28:12) encerram uma metáfora. como também a expressão “manteiga das vacas e leite de ovelhas” (Deuteronômio 32:14). metá­ fora evidente. Estas metáforas são extremamente numerosas nos Livros dos Profetas: umas são óbvias até para o povo. será de uns seis codos ou pouco mais. sob o critério de semelhança. ou talvez fosse um milagre que guiou sua conduta.. como em: “Até os ciprestes se alegraram de ti (. não deixa de ser absurdo. e todas as árvores do campo baterão palmas” (Isaías 55:12). O mesmo se aplica para as seguintes: “Abriu as portas dos Céus. dado que Deus não tem um tesouro que contenha a chuva. Igualmente se impõe uma grande atenção com respeito à metáfora. separe e distinga detalhadamente as coisas. Quanto ao que não foi cita­ do. por hipérbole ou. pois a causa deste mal está justamente na ignorância do que explica­ mos. como são as circunstâncias de corporeidade. suas crenças lhe parecerão razoáveis. “ (. rogo. de que Deus não criou.. Tudo isso pertence à mesma categoria. assim.SOBRE A PROFECIA 2$g modo devem ser entendidos os seguintes textos: “Abriram-se os Céus” (Ezequiel 1:1).. pois somente a verdade é prazerosa a Ele (Exaltado Seja!). se devidamente entendidos. embora tenhamos tratado disso de modo geral. afastadas da verdade. conforme está dito: “Suas idéias são verdadeiras para sempre” (Salmo 119:144). e certas idéias corrompidas.) riscá-lo-ei do Meu livro” (Êxodo 32:33). atributos e paixões. a admitir em Deus uma deficiência. como se cogita popular­ mente. Os pre­ ceitos da Lei são verdade cabal. . Por meio destas considerações. sem se notar que aí existe uma metáfora. por metáfora. Assim. que falo a Verdade” (Isaías 45:19). aquilo que se deve in­ terpretar exatamente segundo o teor da acepção literal. “(.. risca-me. que você tome por Lei. e compreenderá o que está relatado por pa­ rábola. aos mistérios da Lei e. do Teu livro. classifique conforme o descrito neste capítulo. assim como a mentira Lhe é odiosa. Estas coisas pertencem. ou então a considerar os discursos dos Profetas como mentira. será fácil conhecer seus por­ menores depois do que já foi dito. Tudo isso deve ser entendido pela aproximação por semelhança e não como se Deus ti­ vesse um livro em que escrevesse e apagasse. bem ordenadas e gratas a Deus.. e também: “Eu sou YHVH. algumas das quais impelem à irreligião. Não se confundam idéias e pensamentos de maneira que admita opini­ ões inaceitáveis. “Sejam apagados do Livro da Vida” (Salmo 69:29).) e se não. ainda. que escreveste!” (Êxodo 32:32). você descartará o conceito de algumas pessoas. conforme explica­ mos. todas as Profecias se lhe mostrarão claras e patentes. às vezes os Profetas omitem. ou até mesmo se a causa é pro­ vocada pela vontade de um animal qualquer. C O M O P R IM E IR A C A U S A DE T O ­ D A S A S C O IS A S . por escolha —entendendo-se por escolha a causa que se renova: a escolha do Homem. OS FEN Ô M EN O S D IR E T A M E N T E O R IG IN A D O S DE C A U S A S N A T U R A IS E absolutamente evidente que toda coisa criada tem necessariamente uma causa próxima que a tenha provocado. além da atenção geral que se deve pres­ tar aos capítulos deste Tratado. ouça o que explanarei no pre­ sente capítulo e perceba bem. por sua vez. a von­ tade e escolha de Deus. todas as causas intermediárias. tem outra. em seu estilo. Esta. afirma-se.SOBRE A PROFECIA CAPÍTULO 4 8 A BÍBLIA CO N FERE A D EUS. A partir dessa observação preliminar. todas estas causas são atribuídas a Deus nos Livros dos Profetas E. por acaso. até chegar à Primeira Causa de todas as coisas. ordenou ou disse-o. O assunto que abordarei é o seguinte: Saiba que todas as causas próximas que originam o fato. Por esta razão. afirmando que Ele (Exaltado Seja!) a reali­ zou. pois já falamos sobre isto —assim como ou­ tros entre os que buscam a verdade —e esta é a opinião de todos os nossos teólogos. Tudo isto se sabe. atribuindo a força pessoal criadora a Deus. ou seja. sejam elas naturais. . deste fato. que a atividade de Deus o realizou. em seus discursos. . que se derrete quando o ar está quente. e também chamei os meus valen­ tes para a Minha ira” (Isaías 13:3).. e da chuva que cai: “E ainda mandarei às nuvens que não chovam sobre ela (. e as águas dos mares. vontade e escolha. de acordo com isso.. José. Sobre o José.So­ bre aquilo cuja causa se encontra nas escolhas do Homem —como a guerra que um povo promove contra outro ou um indivíduo que se dispõe a prejudicar outro. do peixe. dado que foi Deus quem moveu o desejo de um determinado animal irracional.1Ô2. . Citarei exemplos. o justo. enviar —e este é o ponto sobre o qual quis chamar sua atenção no presente capítulo. falar. declara-se: “Mandou o rei que o soltassem” (Salmos 105:20). 30 Arbk gafanhotos. Significa que foi Deus quem nele provocou a vontade. Profeta ou lhe enviou a faculdade da Profecia. como a neve.)” (Isaías 5:6). e disse: “A uma nação impiedosa os enviarei” (Isaías 10:6). a partir dos quais você assimilará aquilo que não foi explicitado. Com efeito. afirma-se: “E mandarei contra Babel estrangeiros que se espa­ lhem por lá” (Jeremias 51:2). agitadas quando o vento sopra. “Ele mandou surgir um furacão e encrespou as ondas” (Salmos 107:25)..) vós não me enviastes aqui. Falando de coisas naturais que constantemente seguem seu curso. A propósito do que seria a causa da vontade dos animais e a moti­ vação das suas necessidades. quando Deus aconselha uma mulher para que o alimente. Dos governos da Pérsia e dos Medos sobre os Caldeus. lê-se: “Pois YHVH lhe falou: Amaldiçoe David” (II Samuel 16:10). libertado da prisão. ordenar. diz a ele: “Já ordenei a uma mulher viúva para que o mantenha” (I Reis 17:9). chamar. está escrito: “Manda Tua palavra e as derreta” (Salmos 147:18). assim como foi Ele quem fez com que o animal racional fosse dotado de instinto. não que fez. O GUIA DOS PERPLEXOS Para todas estas coisas são empregados os verbos di^er. Traduzido nas versões inglesa e espanhola por “lagostas” (NT). o que provocou estas causas: a ordem de Deus de que assim fosse ou porque Ele disse que seria assim. senão Deus” (Gênesis 45:8). inclusive injuriando-o —citemos o declarado sobre o governo do maldoso Nabucodonosor e seus exércitos: “Eu ordenei o Meu exército consagrado. segundo o estabelecido. No episódio de Shimí ben Guerá. Na história do Profeta Elias. lemos: “Falou YHVH ao peixe” (Jonas 2:11). No episó­ dio dos gafanhotos30 que apareceram nos dias de Joel (Yoêl ben Petuêl). o justo. é obrigatório que se diga. esclarece a seus irmãos: “(. Para M unk. ao que tudo indica. enviar. E passaremos para outros assuntos. e a sua mão repartiu a terra com uma corda” (Isaías 34:17). Assim.o S efer há-N evuá (O Livro da Profecia). na terceira e última parte deste livro. E esta é a conclusão do que pretendi abordar sobre a Profecia. o sentido é totalmente idêntico e claro. com a ajuda de Deus.. em relação às feras que penetraram na Terra de Edom. Tudo o que concerne a este assunto deverá lhe ser transmitido neste Tratado. aplique-o em todos os pontos do seu inte­ resse e serão eliminados muitos absurdos. Com base nesse conhecimento. Na história de David e Jônatas (Yonatán) foi dito: “Vai. a verdade dos fatos aqui descritos.. ordenar.) e seja a mulher do filho de teu senhor como falou Y H V H ” (Gênesis 24:51). Parece-me. mencionemos o caso de Rebeca: “ (. . E quanto aos fatos casuais.3 1 31 Com isso M aimônides dá por encerrada a Parte 2 de O Guia dos Perplexos e anuncia. e dos quais se poderia crer que estivessem longe da verdade.SOBRE A PROFECIA 263 afirma-se também: “Pois é forte o executor de suas palavras” (Joel 2:11). o início de novas reflexões sobre outros assuntos. no entanto. enviar e chamar. que ele aqui somente indica o encerram ento das reflexões acerca da Profecia e da Criação do Universo em contraposição ao conceito aristotélico de Eternidade do Universo e do Tempo —com o objetivo de dar início a um a nova discussão na Parte 3 (NT). En­ tão. e na de José: “E mandou-me Deus adiante de vós (. porque Y H V H lhe enviou” (I Samuel 20:22). de total acaso. acidentais ou por vontade — todas se eqüivalem por meio das cinco expressões seguintes: ordenar .falar. ele estava se referindo a esta obra no final da Segunda Parte. quando esta foi devastada por Senaqueribe: “e Ele lhes lançou o desti­ no. sejam causas reais. di^er. Sabe-se também que M aimônides havia iniciado outra obra voltada para o tema da Profecia . Ainda que não se tenha empregado nenhum dos termos di^er. que fique bem claro: de acordo com o relatado sobre a circuns­ tância das causas —independente de como estas ocorreram. ser-lhe-á esclarecida.. suas parábolas e formas de expressão.. Outrossim.)” (Gênesis 45:7). M isbn á: E ssência do Ju d a ísm o M ishnáico. JOHNSON. 1959.: M arisa M urray. BROWNE. J. 96p. B’NAI B’RITH. T rad. T rad. LEONE. 683p. in A ristóteles. São Paulo: Sêfer. COHEN. [1962] 2001.) T rad . 1996. M . 687p. H eb raico —P ortuguês. São P aulo : H u m an itas — FFLCH/USP & FAPESP. H istória dos Ju deu s.: R ab in o M eir M atzliah M elam ed . FALK. R io de jan eiro : D o c u ­ m en tário . 1973. [1923] 1974. T ítu lo o rigin al: I ch u n d Du.: N eid e T erezin h a M o ­ rais T om ei e E sth er H an dler. São Paulo: P ersp ectiva. L. [1946] 1967. 396p. M arly D ro ge. .Bibliografia ARISTÓTELES. 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Título original: Dalalát al-Plairín. por um lado.Pela prim eira vez o público leitor de língua portuguesa tem acesso à tradução. autorizada pelo próprio Maimônides e considerada um calco do original. que in a u g u ra o projeto de publicação in teg ral das três partes desta que é considerada um a das obras m edievais que mais influenciaram o pensam ento m undial. cada um a em seu gênero. foi a base p ara a trad u ção . N esta p a rte . . E scrita originalm ente em árabe. do hebraico. com parada em im p o rtân c ia à Suma T eológica de São Tomás de Aquino e à D ivina Comédia de Dante. de 0 Guia dos Perplexos (P arte 2 ). a transposição para o hebraico por Shmuêl ibn Tibon. u m breve relato da vida e obra de M aim ônides e um a ap re­ sentação da obra. de 0 Guia dos Perplexos (P arte 2 ) de M aim ônides. o que certam ente contribui para enriquecer a leitura desse grande clássico. por outro. E sta tradução tra z um a in tro d u ção . M aim ônides teve p o r m eta esta­ belecer um a relação inteligível en tre a sabedoria judaica e a filosofia clássica grega através de um a espécie de diálogo entre os discursos dos Sábios de Israel. para o português. T rata-se de um a tradução “ao mesmo tempo precisa e a p aix o n ad a”. um dos pilares do pensamento judaico em todos os tem ­ pos. e os de Aristóteles e dos Peripatéticos. integral e inédita. tam bém conhecido como R am bám . teólogo. .M A I M Ô N I D E S (1135-120 4 ). Tal é o reconhecim ento da sua im portância para o pensam ento judaico em todos os tempos. há 800 anos. Maimônides é mais conhecido por seu 0 Guia dos Perplexos . que sobre ele costum a-se dizer: “De Moisés a Moisés. m édico. escritor e líder da com unidade judaica no Egito — em todas estas atividades foi um verdadeiro mestre. filósofos e pessoas interessadas na compreensão do papel do ser hum ano e de Deus no mundo. obra que. nasceu na Espanha. Em bora o M ishnè Torá tenha sido a sua obra de m aior fôlego. vem influenciando gerações após gerações de teólogos. viveu boa parte de sua vida no Egito e foi sepultado em Israel. nunca houve outro como Moisés”. Filósofo. Como a fala de Moisés. E confirma o antigo dito: de Moisés a Moisés.com. Â razão é simples: a obra. E um clássico que não envelhece. denso e envolvente. \ \ 1 I www. nunca houve outro como Moisés. viveu na Espanha e no Egito há oito séculos.br . Desde a Idade Média até a atualidade. é íntegro. Como os discursos dosprofetas. pode inspirar um modelo depostura social que sirva de exemplo para os nossos dias. gerações após geraçõesjamais deixam de citar O Guia dos Perplexos. fala direto ao coração do homem. quando se refere aos Profetas. além de trazer mensagens de relevância atual.muitos o maior e mais influente filósofo que ojudaísmo já produziu.landy. á ética e á integridade do homem. 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