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Grant Morrison - Superdeuses
Grant Morrison - Superdeuses
March 29, 2018 | Author: Adriano de Souza | Category:
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SUPERDEUSES . SUPERDEUSES MUTANTES. JUSTICEIROS MASCARADOS E O SIGNIFICADO DE SER HUMANO NA ERA DOS SUPER-HERÓIS GRANT MORRISON Tradução ÉRICO ASSIS . ALIENÍGENAS. VIGILANTES. 2012. 12-08856 CDD-741. Coordenação editorial: Denise de C./Foundry Literary + Media. sem permissão por escrito. . Rua Dr. Super-heróis em quadrinhos : Artes 741. Preparação de originais: Ana Lúcia Mendes. Todos os direitos reservados. eletrônico ou mecânico. Rocha Delela e Roseli de S.5352 Índices para catálogo sistemático: 1. SP. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro. inclusive fotocópias. exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos de revistas.Título original: Supergods. A Editora Seoman não se responsabiliza por eventuais mudanças ocorridas nos endereços convencionais ou eletrônicos citados neste livro.editoraseoman. Super-heróis I. Não pode ser exportado para Portugal. 1a edição 2012. Usados com permissão. SP Fone: (11) 2066-9000 — Fax: (11) 2066-9008 E-mail: atendimento@editoraseoman. Copyright da edição brasileira © 2012 Editora Pensamento-Cultrix.5352 Seoman é um selo editorial da Pensamento-Cultrix. Todos os direitos reservados. — São Paulo : Seoman. Título. Mário Vicente.br http://www. Copyright © 2011 Supergods Ltd. gravações ou sistema de armazenamento em banco de dados. ISBN 978-85-98903-48-4 1. Grant Superdeuses / Grant Morrison .br que se reserva a propriedade literária desta tradução Foi feito o depósito legal. Texto de acordo com as novas regras ortográficas da língua portuguesa.com. Publicado mediante acordo com Supergods Ltd.com. tradução Érico Assis. Todas as imagens e personagens DC Comics são marca registrada e propriedade da DC Comics. Brasil) Morrison. Direitos de tradução para o Brasil adquiridos com exclusividade pela EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio. Diagramação: Fama Editoração Eletrônica. Histórias em quadrinhos 2. Ltda. Ferraz. Título original: Supergods. 368 — 04270-000 — São Paulo. Para Kristan. a superdeusa . . Vede. eu anuncio-vos o Super-homem: É ele esse raio! É ele esse delírio! — Friedrich Nietzsche. Assim falou Zaratustra . . ....... 221 CAPÍTULO 14: ZENITH...... 66 PARTE 2: A ERA DE PRATA......................................... 134 CAPÍTULO 10: XAMÃS DA MADISON AVENUE............... 17 CAPÍTULO 1: O DEUS SOL E O CAVALEIRO DAS TREVAS................................. 266 CAPÍTULO 16: IMAGEM VERSUS CONTEÚDO...................... 19 CAPÍTULO 2: FILHO DO RELÂMPAGO. 169 CAPÍTULO 11: NO DIA MAIS CLARO.................................................. 305 CAPÍTULO 18: A CHEGADA DE FLEX MENTALLO ... 307 9 ........................................................................................................................................................................................................................ 102 CAPÍTULO 7: O FAB FOUR E O NASCIMENTO DAS MARAVILHAS....................................................................................................... 46 CAPÍTULO 3: O SUPERGUERREIRO E A PRINCESA AMAZONA...................... 241 CAPÍTULO 15: THE HATEFUL DEAD....................... 205 CAPÍTULO 13: TERRÍVEL SIMETRIA.............................. 292 PARTE 4: A RENASCENÇA....................................... 171 CAPÍTULO 12: TEMIDOS E INCOMPREENDIDOS............................................................... 79 CAPÍTULO 5: SUPERMAN NO DIVÃ........................................................................... 81 CAPÍTULO 6: QUÍMICA E RELÂMPAGO..................................................................................................................................... 125 CAPÍTULO 9: TERRAS INFINITAS.............................. 56 CAPÍTULO 4: EXPLOSÃO E EXTINÇÃO.......... 110 CAPÍTULO 8: SUPERPOP..................................... 279 CAPÍTULO 17: KING MOB — MINHA VIDA DE SUPER-HERÓI........................................SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................... NA NOITE MAIS DENSA............ 145 PARTE 3: A ERA DAS TREVAS............. 11 PARTE 1: A ERA DE OURO....................... ....................................................................................... SUPERDEUS?.................................... 434 CAPÍTULOS 26: ESTRELA...................................................... 465 AGRADECIMENTOS............................................................................................ 332 CAPÍTULO 20: RESPEITE A AUTHORITY...... SUPER-HERÓI. A JUSTIÇA E O ESTILO DE VIDA AMERICANO?................................................................. 394 CAPÍTULO 23: O DIA EM QUE O MAL VENCEU.......... 477 10 ................ LENDA................................................................... 472 CRÉDITOS DAS ILUSTRAÇÕES...CAPÍTULO 19: QUE GRAÇA TÊM A VERDADE............. 426 CAPÍTULO 25: ALÉM DO HORIZONTE DE EVENTOS................................. 446 EPÍLOGO: FALOU E DISSE....... 367 CAPÍTULO 22: NOVA MARVEL 11 DE SETEMBRO............... 470 LEITURAS SUGERIDAS............................................................................................................................................................................ 352 CAPÍTULO 21: HOLLYWOOD SENTE CHEIRO DE SANGUE.................... 412 CAPÍTULO 24: HOMENS DE FERRO E INCRÍVEIS.......... 476 ÍNDICE REMISSIVO............... À noite. Avançando alguns quilômetros na estrada sinuosa fica o lugar em que meu pai foi preso durante as marchas de protesto contra a energia nuclear nos anos 1960. aquele inquilino de capote. sempre a Bomba. fica o RNAD Coulport. Um dia. da classe operária. Já me disseram que ali. matando tudo e todos. o reflexo invertido das docas de submarinos parece um punho vermelho e blindado. E a Bomba. que trocou a baioneta pelo emblema da Campanha pelo Desarmamento Nuclear e virou um “Espião da Paz” no Comitê dos 100. Seus menestréis bastardos eram os folkies existencialistas sombrios a choramingar elegias intelectualizadas sobre a “Chuva In11 . atravessando uma plácida extensão de água. está armazenado poder de fogo suficiente para aniquilar cinquenta vezes a população humana do nosso planeta. cara feia e presença. em bunkers subterrâneos.INTRODUÇÃO A CERCA DE SEIS QUILÔMETROS da minha casa na Escócia. Ele era veterano da Segunda Guerra. pode ser a nossa salvação — mas até lá. lar dos submarinos nucleares armados com mísseis Trident das forças armadas do Reino Unido. parece uma extravagância. ironicamente. quando a Terra for emboscada no Hiperespaço por 50 Terras Gêmeas Malévolas. tremulando numa bandeira feita de ondas. esse poderio megadestrutivo. que podia explodir a qualquer minuto. O mundo da minha infância já era tomado pelas siglas e códigos da Guerra Fria. talvez emblemática dessa hipersimulação acelerada e digital que se tornou a nossa vida. esperando o julgamento de um dedo esquelético e a extinção de toda a vida na Terra. Barefoot in the Head (“A Cabeça Descalça”). Frank Lloyd Wright e o LSD. “A Rose for Ecclesiastes” (“Uma Rosa para Eclesiastes”). Robôs oprimidos por almas arrastavam-se por florestas fluorescentes ou transpunham passarelas móveis de aço das cidades projetadas por Le Corbusier. semiderretida. As ilustrações vinham dos zines samizdat antibelicistas que meu pai trazia para casa das livrarias politizadas da High Street. Eram típicas desses manifestos pacifistas passionais as ilustrações toscas que mostravam como o mundo ficaria após um vivaz intercâmbio de mísseis termonucleares. E aí os super-heróis chegaram como uma chuva do outro lado do Atlântico. The Silver Locusts (“O Gafanhoto de Prata”).clemente” e “O Dia Final” enquanto eu tremia no meu canto. Assim como visões do Céu e do Inferno num tríptico medieval. montando um cavalo em carne viva. a devastação pós-atômica das revistas do meu pai ficavam lado a lado com os panoramas exóticos e trissolares que ornavam as capas dos adorados livrinhos de ficção científica da minha mãe. de cerca de 200 metros. obliterados. sob o céu perolado de mundos alienígenas impossíveis. Janelas de bolso para a futuridade resplandecente. Eu já tinha escolhido meu lado. muito melhor. retorcidos diante dos horizontes em chamas da devastação urbana bombardeada e enegrecida. Na televisão. as imagens dos astronautas pioneiros competiam com as cenas desoladas de Hiroshima e do Vietnã: era ou tudo ou nada. The Man Who Fell to Earth (“O Homem que Caiu na Terra”). mas a tensão da Guerra Fria entre Apocalipse e Utopia estava ficando quase insuportável. Flowers for Algernon (“Flores para Algernon”). Se o artista conseguisse encontrar espaço em sua composição para um Ceifador macabro. Os criadores desses panoramas asquerosos nunca deixavam passar a oportunidade de retratar esqueletos despedaçados. a Bomba Atômica ou a Nave Espacial. num prisma de luz deslum12 . semeando mísseis como sementes na linha do horizonte irregular. Os títulos vinham da poesia surrealista: The Day It Rained Forever (“O Dia em que Choveu para Sempre”). elas vinham com amazonas androides em monoquínis cromados que perseguiam homens espaciais em ilhas desertas. mais sábios. Bruce Banner. contudo. para botar fogo na imaginação e mudar as vidas de garotos como eu. era uma Ideia Melhor. um emblema tão bem projetado de nossos eus mais inspirados. Com um senso aguçado de irônica simetria. À sombra de aniquiladores cósmicos como o Homem de Antimatéria (Anti-matter Man) ou Galactus.brante em seus macacões heráldicos. Mais Forte. mais gentis. A primeira loja de quadrinhos do Reino Unido — a Yankee Book Store — abriu em Paisley. cujos mísseis ameaçavam a minha existência. Meu próprio mundo já parecia melhor. Superman podia caminhar na superfície do Sol e mal ficar bronzeado. imunes à 13 . As aventuras do Hulk estavam apenas começando naquelas frágeis horas após o teste da Bomba Gama que explodiu na cara de seu alter ego. poucos anos depois da guerra. Assim como os primeiros discos de R&B e rock’n’roll aportavam em Liverpool para inspirar a geração Mersey da música. só precisava que ele fosse mais real que a Ideia da Bomba responsável por atormentar meus sonhos. Eu tinha encontrado a entrada para um universo paralelo escondido dentro do meu. mulheres e nobres monstros vestiam bandeiras e surgiam das sombras para tornar o mundo um lugar melhor. Nelas. a todo-poderosa Bomba parecia provinciana. a Bomba era uma Ideia. Antes de ser uma Bomba. Com Superman e seus colegas super-heróis. mais fortes. Os super-heróis gargalhavam diante da Bomba Atômica. que minha Ideia da Bomba nem podia com ele. trazendo novas maneiras de ver e ouvir e pensar sobre tudo. os seres humanos modernos haviam dado corpo a ideias invulneráveis a qualquer dano. Eu começava a compreender algo que me daria poder sobre meus temores. os quadrinhos chegavam como lastro junto à tripulação dos EUA. Não é que eu precisasse que Superman fosse “real”. um lugar onde dramas que se alastravam por décadas e por galáxias eram encenados na segunda dimensão das páginas de papel jornal. Não precisava ter me preocupado: Superman é tão produto da infatigável imaginação humana. os quadrinhos dos EUA atingiram o oeste escocês graças ao complexo militar-industrial. Mais Rápida. homens. pertinho de Glasgow. Superman. onde nasceu a estampa Paisley. Lanterna Verde. Homem-Aranha. em algum lugar. Por que os super-heróis se tornaram tão populares? Por que agora? Em certo sentido. é com felicidade e certo orgulho que assisti à rendição desarmada e atual da cultura mainstream à colonização implacável dos rincões geeks. Eu me uni a uma geração de roteiristas e artistas. nos quadrinhos. a arte ficou mais sofisticada e o super-herói começou a ter vida nova em revistas que eram filosóficas. portanto. Batman. as histórias ficaram mais inteligentes. O baixo custo de produção (caneta e tinta rendem cenas que custariam milhões de dólares e horas na frente do computador para chegarem a uma tela de cinema) e o ritmo de publicação veloz garantem que. pós-modernas e loucamente pretensiosas. Já faz bastante tempo que estou a par do escopo dos quadrinhos e das grandes ideias e emoções que eles podem transmitir. quando estavam saindo os reconhecidos marcos da ficção super-heroística O Cavaleiro das Trevas e Watchmen e as possibilidades pareciam ilimitadas. Assim. sempre vencer. nenhuma técnica narrativa é experimental demais. descobriu que. que viam nos moribundos universos de heróis o potencial para criar obras de expressão. Homem de Ferro. assim como os chimpanzés. uma época de inovações radicais e avanços técnicos. apesar dos pesares. a maioria vinda da classe operária britânica. adultas e desafiadoras. que poderiam recarregar a casca seca do conceito do super-herói de nova relevância e vitalidade. valha quase tudo. projetadas para passar a perna em diabólicos criminosos. X-Men.desconstrução. os super-heróis deixam tudo mais divertido. nenhuma reviravolta é forçada demais. Os últimos vinte anos testemunharam obras surpreendentes e inovadoras criadas por dezenas de talentos distintos e extravagantes. Nenhuma ideia é bizarra demais. criados para enfrentar o Mal puro e. Comecei minha carreira profissional de roteirista no mercado de quadrinhos dos EUA em meados dos anos 1980. Tédio no chá das cinco? Adicione uns chimpanzés e o mo14 . assim como as oportunidades para a liberdade criativa. Nomes que já foram xiboletes arcanos agora estão à frente de campanhas de marketing global. de algum modo. é simples: alguém. mento vira uma bagunça inesquecível. e parecem obscurecer as espirais reluzentes de nosso imaginário coletivo. até Batman entrar em cena. no final das contas. como aqueles nas capas das revistas antibomba do meu pai. como sempre. ameaçados por vilões exóticos que confabulam em cavernas e lares subterrâneos. Será que uma cultura faminta por imagens de otimismo de seu próprio futuro voltou-se para a fonte primária em busca de modelos utópicos? Pode o super-herói de capa e colante ser a melhor representação atual daquilo que todos nós podemos nos tornar. que não há nada mais a esperar fora a subida das águas e a extinção em massa.. estamos sendo inexoravelmente sugados para a Realidade dos Quadrinhos. Anjos da Morte assomam-se. e restam poucos segundos para salvar o mundo. que os recursos naturais estão acabando. todo político se revelará mentiroso. fazendo greve de fome. Mais um assassinato misterioso? Acrescente super-heróis e surge um novo gênero. e aí ficamos com olhar de reprovação quando elas reagem se vestindo de preto. Já aceitamos que. cadavéricos. se nos sentirmos merecedores de um amanhã em que as grandes virtudes serão 15 . Thriller policial urbano? Já vi todos. Tire os olhos das páginas ou das telas e você será perdoado se achar que eles chegaram ao consciente coletivo. se entupindo de porcarias ou se matando. como tendem a chegar a qualquer outro lugar. mais cedo ou mais tarde. assim como esperamos que a lindíssima supermodelo seja uma infeliz neurótica e bulímica. espionados pelas ubíquas câmeras de segurança.. em resposta ao SOS desesperado de um mundo em crise. como alcoólatra pervertido ou deprimido suicida. se cortando. Super-heróis temperam qualquer prato. Já enxergamos por trás das ilusões que sustentaram nossas fantasias e sabemos por amarga vivência que nosso querido comediante será desmascarado. tarado ou imbecil. falido. Falamos para nossas crianças que elas são ratos presos num mundo condenado. Mas há muito mais acontecendo sob a superfície do nosso gosto pelas estripulias desses personagens de vestes absurdas e que nunca vão nos desapontar. tão espantoso quanto provocante. presas de Deuses do Medo obscuros e monumentais. Traumatizados pelas cenas de guerras e desastres. assolado por criminosos. Fique pronto para tirar seu disfarce. não se envergonham do otimismo e não têm medo do escuro. engraçada e provocante. profunda. de forma criativa. eles nos ajudam a enfrentar e resolver até as crises existenciais mais profundas. É hora de salvar o mundo. 16 . que deixa a desejar em lideranças espirituais confiáveis. Estão o mais distante possível do realismo social. Eles existem para resolver problemas de todo tipo e sempre podemos contar com eles para salvar o dia. científica e racional. prepare-se para sussurrar a palavra mágica e invocar o trovão. Quando são bons. Devíamos ouvir o que eles têm a dizer. nossos desejos mais profundos e nossas maiores aspirações. de onde vieram e como podem nos ajudar a mudar a maneira como pensamos sobre nós mesmos. as histórias de super-herói falam mais alto e com mais força frente a nossos grandes medos. mas as melhores histórias de super-herói lidam diretamente com elementos míticos da experiência humana com os quais todos nós podemos fazer paralelo.fortes o bastante para superar os impulsos destrutivos que tentam desfazer o projeto humano? Vivemos nas histórias que contamos. Elas não têm medo de trazer esperança. nosso ambiente e o multiverso de possibilidades que nos cerca. Numa cultura secular. Superdeuses é seu guia definitivo para o mundo dos super-heróis — o que eles são. PARTE 1 A ERA DE OURO 17 . . mas. poderiam estar à mostra e 19 . Desde o princípio. bons e maus. como lista de ditames morais para crianças seculares de uma era racional. para manter em absoluto SEGREDO o CÓDIGO DO SUPERMAN e aceitar todos os princípios da boa cidadania. o credo dos Super-Homens da América era um bom começo. Com um relâmpago. a centelha de inspiração divina botou fogo no papel-jornal e o super-herói nasceu numa explosão de ação e cor.CAPÍTULO 1 O DEUS SOL E O CAVALEIRO DAS TREVAS CHAMANDO TODOS OS JOVENS AMERICANOS DE SANGUE QUENTE: Este é um certificado de que: (escreva aqui seu nome e endereço) foi devidamente selecionado como MEMBRO desta organização ao proferir o juramento de que realizará tudo que é possível para incrementar sua FORÇA e CORAGEM. e auxiliar na causa da JUSTIÇA. sobre a qual nossos mundos interno e externo. o ur-deus e seu gêmeo malvado apresentaram o mundo através de uma moldura pela qual nossos impulsos. nosso presente e nosso futuro. PODE NÃO SER os Dez Mandamentos. poderiam ser personificados numa batalha em uma tela bidimensional de proporções épicas. Essa é a história da fundação de uma nova crença e de como ela conquistou o mundo. os bancos foram à falência. mas ainda assim humano. Nenhum tinha a centelha de originalidade que os editores estavam procurando. e de repente esse formato encontrou seu conteúdo definidor. Com a chegada do primeiro supervilão global de verdade. pessoas perderam o emprego e o lar e. após várias tentativas infrutíferas de vender Superman como tira de jornal. ela veio das fileiras dos descamisados: dois jovens de Cleveland. mudaram-se para moradias miseráveis ajuntadas de última hora. em casos extremos. mas primeiro teriam que abrir o caminho para chegar ao nosso imaginário coletivo. Quatro anos depois. tímidos. Nos EUA. não ainda a divindade pop que viria a ser. que estavam ativando a máquina de escrever e a prancha de desenho para libertar um poder maior do que bombas. dar forma a um ideal que com mínimo esforço duraria mais do que Hitler e seus sonhos de um Reich de Mil Anos.. O Superman foi o primeiro a chegar dessas novas criaturas.ser explorados. quatro-olhos e fãs de ficção científica. TRANSPOR UM PRÉDIO DE VINTE ANDARES. onde o ambicioso chanceler Adolf Hitler declarara-se ditador da Alemanha após eleição triunfante cinco anos antes. invocado ao papel e tinta em 1938 — nove anos depois da queda de Wall Street provocar uma catastrófica depressão mundial. Siegel e Shuster enfim descobriram como adaptar o ritmo e construção das histórias para tirar total vantagem das possibilidades do novo formato da revista em quadrinhos. Jerry Siegel e Joseph Shuster passaram sete anos improvisando com a ideia do Superman antes de ela ficar pronta para tomar o mundo. criativos. ERGUER PESOS EXTRAORDINÁRIOS. CORRER MAIS RÁPIDO QUE UM TREM. o palco estava armado para a resposta da imaginação do Mundo Livre. A primeira tentativa deles de fazer uma história em quadrinhos resultou num conto de ficção científica distópico baseado em um déspota telepata... Eles vieram nos salvar do abismo existencial.. O modelo de 1938 tinha o poder de “DAR SALTOS DE DUZENTOS METROS. Quando surgiu a réplica. Também ouvia-se o ribombar da Europa. O Superman que surgiu na capa de Action Comics no 1 era apenas um semideus. que resolvia as injustiças nas ruas da amargura. 20 . A segunda tentativa tinha um mocinho grande. forte... A imagem da capa que introduziu o mundo a esse personagem marcante tinha uma virtude particular e incomparável: mostrava algo que nunca havia sido visto. Siegel e Shuster tiveram o cuidado de situar suas aventuras numa cidade contemporânea. Isso viria depois. O fundo amarelo vivo com uma coroa denteada de vermelho — as cores do Superman — sugeria uma explosão de puro poder a ilumi- 21 . esse Superman não voava. Na juventude. de um caçador matando um carro descontrolado. HÉRCULES EM FORÇA. ao mesmo tempo futurista e primitiva. Também não podia fazer a órbita da Terra à velocidade da luz nem parar o fluxo do tempo. Parecia uma pintura rupestre esperando para ser descoberta nas paredes de uma estação de metrô daqui a dez mil anos — uma imagem poderosa. recorrendo a longos saltos. era quase crível. num mundo ficcional assombrado pelas injustiças conhecidas até demais no mundo real. NÊMESIS DOS MALFEITORES”. muito parecida com Nova York.NADA ALÉM DE UMA BALA EXPLOSIVA PODE ATRAVESSAR SUA PELE!” Embora fosse “GÊNIO EM INTELECTO. ele arremessa o veículo contra um afloramento rochoso convenientemente disposto no que parece ser um deserto. Sua postura abjeta demonstra sua submissão lamuriante ao macho-alfa supremo. a edição (no 1) e o preço (10 cents). um homem de terno azul corre para fugir do enquadramento. seu rosto. segurando a cabeça como em O Grito de Edvard Munch. Em quaisquer outras mãos que não as do Superman. Seria supérfluo. O homem é capturado em movimento. vestindo um colante azul e vermelho. Voltando à capa: veja esse homem de cabelos negros. igualmente aterrorizado. Fora o vuush art déco que era o logo da Action Comics. sem esforço. indo da esquerda para a direita sobre a linha do horizonte do desenho. um homem levado aos rincões da sanidade diante do que acaba de testemunhar. Com as duas mãos. Superman esteve sempre em movimento. Imagine a chamada publicitária: “o suntuoso acabamento em branco dos pneus: você andando sobre chantili” e os carros em preto-e-branco. usando um conservador terno marrom. O claríssimo emblema no seu peito continha um S (goles sobre um campo. saindo 22 . pode ser visto correndo para o norte em relação ao oeste do primeiro. Sobre sua cabeça. a data (junho de 1938). equilibrando-se sobre os dedos do pé esquerdo. sem paletó. desde o princípio. No canto esquerdo inferior. a capa esvoaçante atrás de si. outro homem. quase alçando voo ao erguer sobre a cabeça. Não há quarto homem: seu lugar no canto inferior direito é tomado por um pneu borda branca que salta após ter sido arrancado do eixo. mãos e joelhos no chão. não há texto nem menção ao nome Superman. como costumam dizer na sociedade heráldica).nar o céu. O que um herói fazia contava bem mais do que suas palavras e. o pneu também faz de tudo para fugir do destruidor e seus músculos. Um terceiro. granulados pelo filme. um carro verde-oliva. olhando para os pés do vândalo super-humano. Assim como os bandidos de olhos esbugalhados. em sucessão acachapante. agacha-se. a caranga verde daquela capa inaugural estaria gabando-se com orgulho da superioridade tecnológica dos EUA e das maravilhas da produção em massa. A mensagem era sucinta: ação era o que importava. um cartum do terror existencial inarticulado. O Superman original era uma reação humanista e audaciosa aos temores do período da Grande Depressão. emborcando tanques ou fazendo supino com guindastes. do T. enquanto a tocante obra-prima cinematográfica de Charles Chaplin. Superman sugeria outra possibilidade: a imagem de um amanhã decididamente humano. do homem autêntico. representante da força superior do homem diante da máquina. Ele tornava explícitas as fantasias de poder e industrialidade que mantinham o camaradinha marchando em direção a mais uma paisagem esmaecida ao pôr do sol. No vodu haitiano. do avanço científico desregrado e da industrialização sem alma. Superman tinha a força de cinquenta homens e era invulnerável. a favor dos pobres. com o mesmo ódio ardente da injustiça e dos valentões. Tempos Modernos. a encruzilhada é a porta de entrada do loa * Figura do folclore norte-americano. mecanizado. em vez de charme e malícia. Veríamos essa primeira versão fazendo trens gigantes pararem nos trilhos. Voltando à capa mais uma vez. como qualquer salvador nascido num estábulo. Não é de surpreender que tenha sido um sucesso entre a classe oprimida. O X subliminar sugere o desconhecido e intrigante. Se as perspectivas distópicas da época previam um mundo desumanizado. Ele era o vagabundo de Carlitos. Mas já era agosto de 1938. mestre dos quatro elementos e dos pontos cardeais. Superman reescreveu o folclore de John Henry* e sua fútil batalha contra o martelo a vapor. que não podia ser esquecido em meio ao rumor implacável do chão de fábrica. perceba como a composição se baseia num X mal escondido. articulava em pantomima o grito silencioso do camaradinha. Ele está no centro da bússola.das esteiras automatizadas da Ford. As linhas de produção estavam dispensando operários em todo o mundo industrial. Superman deixava claro seu posicionamento: era um herói do povo.) 23 . que entregava o espetáculo do individualismo triunfante exercendo sua soberania sobre as forças implacáveis da opressão industrial. Ele era decididamente lowbrow. e é exatamente isso que Superman era quando Action Comics no 1 foi publicada: o enigma encapuzado no olho da tempestade da Pop Art. mas. que dá estrutura sólida e apelo gráfico ao desenho. para lhe dar um final feliz. (N. que acreditamos ser gângsteres fugitivos. Baseado apenas em sua primeira aparição. o esquema em X permitiu a Shuster dispor vários elementos em rotação para destacar a figura central. pedaços de carro e cores muito fortes. podiam do mesmo modo ser transeuntes comuns correndo de um brutamontes sorridente num traje de apresentação do balé russo. Mas há mais uma inovação a notar. Os leitores de 1938 não tinham a menor ideia do que estava acontecendo. o extravagante musculoso poderia ser amigo ou inimigo. elas formam um segundo arranjo em espiral que arrasta nosso olho por uma montanha russa perceptiva. Ganesha. e a única maneira de responder a esse amontoado de perguntas era lendo a revista. Faz todo sentido que Superman habite o mesmo nexo.(ou espírito) Legba. Quando o mundo chega ao Superman. outra manifestação do “deus” conhecido como Mercúrio. Não havia dúvida de que tinha algo a ver com ação. Legba é um porteiro que protege as fronteiras entre os mundos humano e divino. dipostas segundo o braço firme do X. 24 . Como base de composição. Há pessoas se movimentando cheias de expressões faciais. Toth. nem armas para identificar os fugitivos como qualquer coisa além de espectadores inocentes. Os homens. Assim como esses outros. nem ternos baratos. mas o primeiro vislumbre de Superman foi propositadamente confuso. Odin ou Ogma. nem sombras ameaçadoras. A imagem de capa é um instantâneo do clímax de uma história que ainda não vimos. outro truque esperto que nos serve de isca. impelindo nossa mente a perguntar: Por que este homem que corre está com tanto medo? Como aquele carro foi parar lá? Por que ele está sendo jogado contra uma pedra? O que o homem de joelhos está olhando? Com o que sabemos do Superman hoje. podemos presumir que os homens assustados e fugindo devem ser gângsteres ou algo do tipo. ele está no fim de uma aventura que já perdemos! Somente lendo a história poderemos colocar a imagem no contexto. mas. Não há cédulas de dinheiro saindo de sacolas com cifrões. A única solução é ser carregado pelo fluxo de alta velocidade de sua capa vermelha esvoaçante. Quando o mordomo do governador recusa-se a abrir a porta para o estranho bem apessoado de colante. O recordatório dizia: “UMA FIGURA INCANSÁVEL CORRE NOITE ADENTRO. Já estamos envolvidos na narrativa à velocidade Superman.Aquela primeira aventura do Superman. sempre um passo atrás dele. avançando de punho cerrado. CADA SEGUNDO CONTA.. Superman põe a porta abaixo. sem título. “SOLTE ESSE BRINQUEDO”. avisa Superman. Siegel jogou longe as estruturas narrativas convencionais e literalmente partiu para o que interessa num audacioso primeiro quadro que reorganizava o arco convencional ação-história de forma acachapante. corre pelas escadas com o mordomo gritando atrás dele e arranca uma porta de aço das dobradiças para chegar ao aterrorizado (e claramente maníaco por segurança) servidor público lá dentro. Ain25 . recobrou os sentidos o suficiente para apanhar uma pistola. ofegantes. embora o comportamento rude de Superman nos diga que ela não deve ser flor que se cheire — a não ser que. Essa abertura virtuosa em dinâmica por si só já valeria os dez cents do bolso de qualquer leitor sedento por fantasia durante a Grande Depressão. já chegamos à “mansão do Governador” e Superman está correndo pelo gramado. deixada sob uma árvore. falando por cima do ombro com a loira amarrada em primeiro plano. ATRASAR-SE SIGNIFICA PERDER UMA VIDA INOCENTE”�. Mas Siegel e Shuster estavam só começando.” Não sabemos quem é a garota. os mais intensos de cada cena. como se tivéssemos supersentidos. No segundo quadro. que repicam sem qualquer prejuízo de seu peito vigoroso e monogramado. enquanto isso. vigorosa e flagrante de ameaça quanto o próprio Superman. acompanhando uma imagem do Superman de Joe Shuster saltando no ar com uma mulher loira amarrada e amordaçada debaixo do braço. como a capa parece dizer. A imagem é tão confiante. a estrela da história seja o vilão. O mordomo.. Precisamos focar nos elementos mais significativos. abria explosivamente num instante congelado de ação frenética. “FIQUE À VONTADE! NÃO TENHO TEMPO A PERDER. O mordomo atira. apenas para descobrir que o herói musculoso é imune a balas. uma ou duas vezes. Mas Clark era mais que a fantasia nerd definitiva. Clark Kent é o que o fez perdurar. perfeito. quando uma dica por telefone o faz sair atrás de um caso de pretensa violência doméstica.da tinham um golpe de mestre na manga. Os meninos acharam um filão primordial. Clark. diante do que o valentão desmaia e deixa que Superman volte a sua identidade Kent antes de a polícia chegar. chefe e problemas com as garotas. Como tanto Siegel quanto Shuster haviam aprendido. o elemento transcendente na equação Superman. e berra: “VOCÊ NÃO ESTÁ ENFRENTANDO UMA MULHER AGORA!”. Ele joga o brutamontes contra a parede. Nós todos já nos sentimos desajeitados ou incompreendidos. na vida. quebrando o gesso. talvez mais. mas Superman era secretamente outra pessoa. que personifica apenas nossos melhores atos e ânimos —. o quatro-olhos. alguém com emprego. somos apresentados a Clark Kent — o homem por trás do S —. havia garotas que preferiam guerreiros heroicos aos magrelos que só sabiam escrever ou desenhar figurinhas bonitinhas. qualquer um podia identificar-se com ele. Quando achamos já entender o conceito do incrível Superman. maltratado. Clark era a alma. após testemunhar a prodigiosa força e determinação do Homem de Aço. e a figura determinante do ménage à trois que fascinaria leitores por décadas a fio chegava num quadro de 26 . Agamenon e Perseu eram heróis do instante em que saltavam da cama até o fim do louco dia de batalhas. Siegel criara a maior das figuras de identificação com o leitor: incompreendido. Assim como todo mundo suspeita da existência de um Superman interior — um eu angelical. a caminho do serviço. o nerd. a pacata sombra do confiante Homem de Aço. privado de respeito apesar de seus óbvios talentos como homem das notícias no jornal Planeta Diário da cidade de Metrópolis. Com Clark. Ele encontra o valentão ameaçando sua vítima com um cinto amarrado no punho grosso. Hércules sempre era Hércules. Kent. a duras penas. o néscio. embora quem chegue ao local seja Superman. há algo de Clark em todos nós. Agora na página 5. Havia mais uma pedra fundamental a ser assentada no molde de Superman. A página 3 introduzia o repórter do Planeta Diário. treze páginas após uma abertura de tirar o fôlego. sem hesitar. AGORA VOU LHE CONTAR. mas as histórias tornam difícil discordar dela depois que Kent forja desculpas cada vez mais elaboradas para esconder sua verdadeira identidade. sua rival na corrida pelos furos. mas Lois. Cada nova revelação fazia tanto a história particular como o conceito como um todo parecerem ainda mais empolgantes.. uma persona que era tão o inverso de seu verdadeiro eu Superman que dispensaria qualquer bisbilhoteiro e lhe permitiria provar da vida normal. Kent consegue dar meio passo de dança desequilibrado. solta um tapão em Matson e o manda cair fora. nosso herói havia apreendido nada menos que cinco infratores e ainda sobrara tempo para extirpar a corrupção no Senado dos Estados Unidos.apresentação estranhamente diminuído. 27 . Ele havia criado um disfarce completo.. Dava ao mundo o primeiro super-herói. ela dirige seu desprezo desmoralizador ao pacífico e indigno Kent na calçada: “VOCÊ ME PERGUNTOU MAIS CEDO POR QUE EU O EVITO. No encontro. Clark treme como vara verde. era duro acreditar que Lois o tivesse em tão baixa estima... gângster com aparência de gorila. Clark reclamava de enjoos e dores de cabeça toda vez que seus ouvidos hipersensíveis captavam um alerta da polícia e o Superman se fazia necessário. mas em poucos instantes ele e Lois são ameaçados por Butch Matson. Enquanto o táxi dela vai embora. Isso oferecia à mídia uma inovação em personagens que podia chamar de sua. Como justificativa para esse subterfúgio. Treze páginas — mau sinal para os vilões dos oprimidos. se soubessem quem ele era. ele fazia referências constantes e lúgubres aos inimigos do submundo que poderiam atingi-lo por meio de seus entes queridos. De volta ao escritório. LOIS?” Suas primeiras palavras definiram-na para sempre: “ACHO QUE VOU LHE DAR UMA CHANCE. Kent introduzia-nos à descolada Lois Lane. Quando a primeira história do Superman chegou ao fim. PRA VARIAR”. Considerando que Clark era um repórter de destaque na cobertura policial para um jornal de respeito e tinha um bom apartamento no centro. PORQUE VOCÊ É UM COVARDE MEDROSO E INSUPORTÁVEL”. com as palavras “O Q-QUE ACHA DE — Hà — SAIRMOS ESTA NOITE.
Report "Grant Morrison - Superdeuses"
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