GLOBALlZAÇÃO E MIGRAÇÃO norbert trenkle

March 30, 2018 | Author: mauralio | Category: Globalization, Capitalism, Economics, Human Migration, State (Polity)


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GLOBALlZAÇÃO E MIGRAÇÃO* Norbert Trenkle** "A tendência à criação do mercado mundial já é parte inerente do próprio conceito de capital".Karl Marx Passados cerca de 150 anos desta declaração, teria o capital alcançado a realização dos seus sonhos? Teria ele se tornado no final do século XX um capital realmente "global"? Ou a tão citada "globalização" não passa de uma nova palavra da moda para denominar o velho domínio do capital no mundo? O que significa "globalização" Devemos fazer distinção entre o conteúdo deste conceito de sua conotação ideológica e de seu uso. Num primeiro instante, a globalização chega a parecer algo atraente, algo como uma reconciliação, abrangendo todo o mundo sob o teto comum do mercado, parecendo proporcionar relações de vida igualitárias e melhores no mundo inteiro. Utilizado neste sentido no discurso neoliberal, o conceito encontra repercussão nas teorias de comunicação ingenuamente afirmativas. As teorias de comunicação celebram euforicamente a rede eletrônica mundial como a realização definitiva da visão democrática de igualdade, num patamar superior ao dos limites dos Estados Nacionais. Isto vai entrar em choque com o potencial simultâneo e ameaçador do conceito de globalização que tem servido no mundo inteiro para justificar a redução brutal dos níveis salariais, sociais e ambientais. Hoje em dia qualquer um (sindicatos, governos municipais ou federais) pode ser pressionado mediante o argumento de que é possível encontrar em alguma parte do mundo locais mais vantajosos para se produzir a custos mais baixos. Um poder de tal envergadura material não pode provir exclusivamente de um mero constructo ideológico. A globalização não é apenas uma invenção do neoliberalismo. Ao contrário, este conceito alude a uma dura realidade econômica, e esta nada tem a ver com as promessas dos fundamentalistas do mercado. Globalização, do ponto de vista econômico, é a generalização da valorização do capital, ou seja, é a produção de um mercado mundial enquanto referencial da concorrência. Embora o "mercado mundial" em si não seja nada de novo, ele ganhou novo impulso com o desenvolvimento das forças produtivas nas últimas duas décadas, possibilitando às apoiado no duplo fundamento da produção em massa e do consumo em massa e em conseqüência da rígida organização do trabalho ( o padrão tecnológico era a linha de montagem). Com o surgimento de novos meios de transporte e de comunicações mais rápidos e mais baratos. concorrem entre si pela acomodação dos setores de produção e da administração. Esta "nova divisão internacional do trabalho" transformou-se. Passava-se a dividir unidades empresariais inteiras em segmentos que eram transferidos para diversos locais. do planejamento da produção e da logística pela microeletrônica. podiam ser transferidas para outros locais. Só agora é possível perceber que a Europa. ainda durante o grande boom fordista. dependente de determinados espaços locais. pouco a pouco. Os Estados são assim obrigados a fazer concessões cada vez maiores a essas empresas. os setores financeiros das empresas agem de forma transnacional. numa organização de valorização do capital. pois o rebaixamento do padrão social e ecológico nas metrópoles do mercado mundial não . Enquanto "locais". orientada diretamente pelo mercado mundial enquanto referencial. a internacionalização dos mercados financeiros possibilitou. Este processo encontra-se apenas em estágio inicial. e com a simultânea revolução da produção. Nos anos 70. então. de maneira quase que ilimitada. Mesmo áreas funcionais até então localizadas nas centrais das empresas. todos os Estados neste processo tornaram-se joguetes nas mãos do mercado mundial. tornou-se inicialmente mais rentável a transferência do local de determinadas etapas e segmentos de produção mais intensivos de trabalho para regiões de níveis salariais mais baixos.empresas. por isso. A princípio. da administração ou da programação de softwares. Paralelamente. sofria a pressão que tinha sido exercida pela concorrência. isso mudou com grande velocidade. a transferência de lucros e a utilização impiedosa de quaisquer vantagens fiscais. por assim dizer. a produção era praticamente imóvel espacialmente e. livrar-se dos laços com determinados Estados Nacionais e organizar-se de forma a ultrapassar as fronteiras dos países. a um padrão médio do "bem-estar" capitalista. ou. que até então vinha externando abertamente ao "Terceiro Mundo" os custos do seu sucesso no mercado mundial. como por exemplo partes da pesquisa e do desenvolvimento. Contudo. de forma inédita. o fato de que os Estados ocidentais estejam sendo atropelados atualmente por uma dinâmica de desenvolvimento que eles próprios desencadearam não significa absolutamente que a globalização leve a um ajuste das relações de vida no mundo todo. relegando a segundo plano todas as suas atividades políticoeconômicas. Após a Segunda Guerra Mundial. sob critérios baseados nos custos. obrigando-a a cortes sensíveis no sistema social. aumentam as discrepâncias entre as regiões perdedoras e ganhadoras do mercado mundial. E tudo isso somente às custas de uma dependência quase que total das exportações para os países ocidentais. enquanto a grande parte restante do país ia empobrecendo e grande maioria da população experimentava as conseqüências negativas da destruição de seus modos de vida. mantém-se a tendência da polarização regional. Baixava o padrão de vida da população ainda mais (importações de mercadorias necessárias ao consumo encarecem em demasia) e levava ao mesmo tempo à liquidação da substância industrial e infra-estrutural e à extinção dos . Porém. inerente ao capitalismo. Isso diz respeito.vem sendo acompanhado de maneira alguma por uma elevação geral do padrão de vida nas outras regiões concorrentes. segundo a teoria da dependência. Entretanto. A industrialização concentrava-se (provavelmente excetuados os países denominados de "Pequenos Tigres") e continuaria a concentrarse em poucas áreas. A respeito do primeiro ponto Somente alguns poucos países do Terceiro Mundo e parte do antigo Bloco Oriental obtiveram ganho relativo com o deslocamento dos processos de produção e das funções das empresas. As tentativas iniciais de estruturas coerentes de economias nacionais foram praticamente destruídas. agrava-se internamente a polarização regional e social nas nações ocidentais industrializadas. econômica e social na forma de uma espiral decrescente. este dumping da taxa cambial exigiu um alto preço. com enclaves. os muros da política econômica e comercial dos Estados Nacionais. Ao contrário. vai agravando-se cada vez mais aquele processo que já foi analisado pelos anos 60 e 70. em conseqüência da crise. Dessa feita. Este instrumento foi largamente utilizado por vários países da Ásia e da Europa Oriental que mantinham uma certa capacidade de concorrência no mercado mundial através da permanente subvalorização de suas moedas. após uma longa fase em que o problema parecia ter sido "solucionado". Este processo tendeu a agravarse mais ainda porque foram derrubados quase que integralmente. Isto acontece de duas maneiras: em primeiro lugar. principalmente. sob a denominação de marginalização. nem mesmo esses países conseguiram realizar uma modernização à maneira dos países ocidentais na totalidade de seus territórios. Em segundo lugar. Empresas orientadas para a satisfação da demanda de consumo do mercado interno foram atingidas pelos ventos cortantes do mercado mundial. Como única proteção mencionável frente à pressão da concorrência global restou o instrumento da taxa cambial. das dívidas e da queda do assim chamado "socialismo real". à relação entre os países do Sudeste Asiático e os EUA. sob a égide do capital agora globalizado. Através da supervalorização artificial da moeda seria possível atrair o capital especulativo para o país. Caso eles rejeitem a aceitar essas regras e não reduzam os impostos. porque a "notícia" perde rapidamente o seu caráter exótico e aterrorizante.As calamidades famélicas e os processos bélicos de autodestruição nem merecem ocupar um pequeno espaço no noticiário televisivo noturno. enfraquecendo a sua estabilidade territorial e social interna. gastos sociais e custos .recursos naturais daqueles países. Somente exclusões extremamente graves. é a liquidação do referencial das economias nacionais da valorização do capital. vem sendo acompanhada por uma crescente concentração da valorização do capital na assim chamada tríade (Estados Unidos. portanto. do sul do Saara. mas serve também para grandes partes da Ásia. Europa e Sudeste Asiático) e alguns pontos de apoio ligados ao oceano da miséria mundial. adotada por vários países latino-americanos. superando as fronteiras mais débeis. Quanto mais organizados ficam os capitais. como se tivesse a espada de Dâmocles sobre esses países. Mas a pauperização absoluta se dá também nas próprias metrópoles. Esse é o caso da África. A respeito do segundo ponto A globalização. e. maquiar passageiramente os balanços monetários e reciclar as dívidas externas. entre eles a Argentina. ainda assim por poucos dias. A estratégia oposta. com conseqüências catastróficas (como por exemplo o México nos fins de 1984). da América Latina e para o antigo Bloco Oriental (especialmente para a antiga URSS) . Muito pelo contrário. A força propulsora disso. como já foi mencionado. como o caso da África Central. fazendo com que os Estados e regiões ocidentais tornem-se cada vez mais variáveis e dependentes do jogo brutal da concorrência transnacional. Além disso. não era menos catastrófica. paira permanentemente o perigo de um crash nas bolsas de valores e nas finanças. e o público gosta de ser "entretido" de uma outra maneira. isso se dá hoje de forma diferente. o México e desde o Plano Real também o Brasil. arrasta a economia à bancarrota. Se antigamente estes governos podiam estabelecer as condições gerais da produção de mercado em seus mercados internos. em função dos altos juros e das importações barateadas. é que podem chamar a atenção dos meios de comunicação. transformam-se em potencialidades de controle e de regulamentação dos governos nacionais. Isso significa que não é possível detectar muito a respeito de uma possível felicidade humana mundial por causa das bênçãos da economia mundial globalizada. Mas essa cosmética estatística eleva o custo de vida a índices assustadores. Cada vez mais regiões estão sendo quase que completamente excluídas do ciclo capitalista de valorização e são relegadas a um estado agonizante e miserável sem precedentes. quanto a isso. são atingidos imediatamente pela penalidade de retirada do capital. É claro que nessa jogada apenas poucos locais podem sair vitoriosos. Nesse palco entram em cena fenômenos como a marginalização e a pauperização absoluta que. Além do mais. Sendo assim. e por isso os salários vêm sendo nesta área paulatinamente reduzidos. e a produtividade continua a crescer1. por muito tempo. desregulamentados e informatizados. Característico para essa crise socioeconômica nas metrópoles é que. Como se sabe. Muito pelo contrário. os Estados e as regiões em geral nunca podem avaliar muito bem. e é isso que o capitalismo necessita estruturalmente. o crescimento permanente da massa de valor. isso sem levar em consideração que um crescimento mais acelerado seria um suicídio ecológico. não se pode esperar isso. porque sempre haverá aqueles que perdem relativamente menos. Isso faz com que se acentue a miséria em massa em nível mundial. Essa espiral para baixo só poderia ser interrompida através de uma nova fase de acumulação capitalista integrando. Dessa maneira. foram sintomas característicos do "subdesenvolvimento". expandiram-se os setores terceirizados. nesses últimos dez a quinze anos. somos os próprios elementos da movimentação dessa crise. não oferecem nenhuma saída para a crise fundamental do sistema capitalista mundial. Sob as condições de alta tecnologia microeletrônica. esse processo se deu com . Obviamente. por isso a ampliação estrutural dos raios de atração dos capitais aumentou consideravelmente o seu poder de negociação. A produção intensiva de trabalho precisa relacionar-se com o nível geral de produtividade. o neoliberalismo e a globalização. a racionalização por um lado e a redução dos salários e benefícios sociais por outro reduzem sistematicamente o poder de compra necessário para o consumo de uma crescente produção. e não resolve as contradições econômicas do capitalismo. as empresas se aproveitam dessa constelação de uma forma vergonhosa e pressionam para obter a redução de exigências. a força de trabalho nas áreas centrais altamente produtivas das empresas no mercado mundial. mesmo onde não esteja planejada nenhuma transferência de áreas de produção ou onde a transferência dificilmente acontecerá. do qual somos todos reféns. nem mesmo uma enorme aceleração econômica criaria mais empregos para assalariados. também aí. Analisando do ponto de vista econômico. A mera redução dos salários em áreas subprodutivas não cria valor complementar. diversamente de todas as belas promessas dos ideólogos da economia de mercado.com restrições ambientais. Mas. e não teriam tanto sucesso. em massa. Em geral tratase de uma corrida de perdedores que mal continuam. a pressão sobre os sistemas sociais e os assalariados e as extorsões das empresas poderiam ser reduzidas. pois um único emprego nos setores do mercado mundial necessita hoje investimentos entre trezentos mil e um milhão de dólares. mais intensidade nos Estados Unidos. Migração no mundo globalizado Quais são as consequências destes processos para o fenômeno das migrações? Primeiramente. pobreza. ou seja. onde o acesso aos pobres é interditado. através do trabalho árduo. a miséria concentra-se nos centros metropolitanos cuja infraestrutura não pode mais suportar. que se criasse um "imposto para mendigos". Como sempre. a migração internacional cresceu fortemente. Los Angeles pode ser considerada hoje praticamente uma metrópole do "Terceiro Mundo". Sob o regime de globalização e do neoliberalismo. podemos realmente dizer que as condições de vida se igualam em todo o mundo em conseqüência da globalização: o "Terceiro Mundo" entra estruturalmente nas metrópoles. refletindo claramente as desigualdades socioeconômicas existentes.Em Hamburgo um político liberal até propôs. Não acontece uma homogeneização regular "para baixo". Desta feita. no processo da autodestruição capitalista global as velhas desigualdades se desdobram. tende a acelerar-se bastante nos próximos anos. continua a acontecer porque as condições de vida no campo pioram cada vez mais. porque nas metrópoles do mercado mundial ainda existe um componente econômico-social importante que pode ser aproveitado. A Europa encontra-se ainda numa fase inicial desse processo que. Assim. Países do Terceiro Mundo e do antigo . Muitas vezes a renda mal garante a sobrevivência. apesar do aumento do número de regiões e de grupos populacionais que podem ser considerados perdedores absolutos no mundo inteiro. miséria social e opressão fazem com que as pessoas procurem regiões e cidades nas quais a situação econômica prometa ao menos certas chances para uma vida melhor. e em muitos casos nem isso. podemos constatar que a polarização regional e social crescente continua a criar grandes potenciais de migração. Certamente não podemos esquecer que não há uma eliminação das diferenças de relações de vida e renda. Mesmo assim. Aí também. com esse intuito. apesar de não ter o mesmo ritmo de dez ou quinze anos atrás. cresce na Europa o número de empregados ilegais em um segundo "mercado de trabalho". a migração para as cidades. Ao mesmo tempo. menores contingentes de migrantes internos nos países do Terceiro Mundo conseguem conquistar. uma geladeira e talvez uma lavadoura de roupas. mas essas chances são cada vez menores. Concomitantemente. ao que tudo indica. os mais privilegiados se sentem obrigados a retirar-se para bairros protegidos por vigilâncias e são construídos cada vez mais Shoppings Centers. crescendo mais e mais o número de dependentes de drogas e mendigos entre os que são expulsos dos centros urbanos para a periferia. um mínimo e modesto bemestar: uma casinha. não seria de bom grado aos adoradores do mercado. A retirada das fronteiras internas no mercado europeu vem sendo acompanhada por um fechamento das mesmas para o exterior.Bloco Oriental menos atingidos pela crise mantêm-se ainda como destinos relativamente atraentes para pessoas dos países vizinhos empobrecidos: bangladeshis migram para a Índia. Se há quinze ou vinte anos ainda tinham pelo menos alguma chance de se integrar no mercado formal e de "subir" na escala social. Além do mais. Tudo isso não pode dar a impressão de que não exista algo como neoliberalismo e globalização só porque alguns defensores dessas tendências não obedecem à "doutrina pura". . sob a pressão da concorrência do mercado mundial. em número cada vez maior. portanto. Em nível estatal. pois são. a rejeição de imigrantes. vivendo na ilegalidade. não se desenvolve nesses países. Isso expressa apenas desigualdades de poder. bolivianos para o Brasil. Infelizmente. o cotidiano e violento racismo reflete-se nas crescentes tendências ao fechamento de fronteiras. são utilizados com o propósito de reduzir ainda mais os salários dos "nativos". descarregar a maior parte de suas cargas no hemisfério sul. Nos países de imigração eles são os grupos de nível mais baixo do mercado de trabalho desregulamentado. Não é por nenhuma casualidade que o Acordo de "Schengen". migram para os centros ocidentais do mercado mundial em busca de emprego. não está obtendo sucesso a tentativa de frear realmente as migrações. russos para a Polônia. dita a rejeição completa de refugiados. que regula a introdução da unidade monetária européia. eles enfrentam uma exploração brutal e extrema. pois eles são banidos do uso da lei. por certo. o que. Neoliberalismo interno. A difícil e frequentemente insuportável situação socioeconômica dos migrantes internacionais está sendo reiterada por uma difícil situação política e ideológica nos países industriais e ocidentais. Se fossem integrados legalmente. nenhum movimento adverso à socialização capitalista e suas impertinências. Os imigrantes contribuem para aumentar a desregulamentação e o exercício de pressão sobre os beneficios sociais e os salários. num mesmo movimento geral "para baixo". etc. migrantes ilegais e. A mesma coisa acontece com aqueles que. Os neoliberais se comprazem com isso. e perante os países do 1erceiro Mundo pode existir. hoje não lhes resta outra coisa que integrar-se ao "setor informal" e submeter-se a trabalhar por baixíssimos salários. em condições empregatícias totalmente inseguras. A ilegalidade contribui apenas para piorar a situação dos migrantes. Ao contrário. sem direitos a exigir. que permitem aos países ocidentais. sem que possam defender-se da exploração extremada. paralelamente à formação de blocos comerciais. está sendo creditada aos estrangeiros a culpa dessa situação. Sem dúvida. em geral. assim como em todo o mundo. ser-lhe-iam garantidas condições mínimas de nível de vida. e. ) . Bad Honnef. O Banco Mundial fala de 100 milhões de pessoas. ibid. Mas. ( cf Asit Datta: Causas de fuga no mundo.Também isso deve ser visto em estreita relação com a globalização. da falta de água e outras "catástrofes naturais" (em geral provocadas socialmente ). portanto. Não se trata. não podemos limitar o nosso olhar à migração clássica do trabalho. Com a perda dos fundamentos econômicos nacionais e com a crescente polarização regional. e que algumas delas rejeitam o pagamento de impostos aos governos centrais (um exemplo são as zonas de booms econômicos na China Meridional). tais como a pobreza. apesar de se tratar de uma história específica da "modernização tardia e recuperadora" na forma do "socialismo realmente existente" ( cf Ernst Lohoff: "Der dritte Weg in den Bürgerkrieg" / "A terceira via à guerra civil". Tendências e movimentos separatistas e regionalistas existem em quase todo o mundo e continuam a ganhar força na medida em que progride o despenhamento socioeconômico. Indicador forte é o fato de que em muitos países de grande extensão territorial algumas regiões e cidades mais ricas estão começando a impedir a entrada de migrantes internos. a Cruz Vermelha Internacional fala de 500 milhões de refugiados ambientais que precisam abandonar as suas terras por causa da erosão dos solos. 1996). da desertificação. Friburgo. In: Blätter des iz3w. em 1975 "apenas" 21 (v Datta. mesmo sem uma certeza dos índices. Outro complexo de causas migratórias é o crescente número de guerras e guerras civis. muitas vezes acompanhadas pela decadência dos Estados Nacionais existentes (em 1993 foram registradas no mundo 53 guerras e guerras civis. A generalização do mercado mundial produz ou acentua ainda outras causas da migração que eu gostaria de citar rapidamente. Os dados estatísticos se chocam ao tentar distinguir as outras causas de migração. 1995). obrigando que mais pessoas sejam expulsas de suas terras. terá maior importância. em especial na África. Mas também o desmoronamento da Iugoslávia e os conflitos na antiga União Soviética devem ser entendidos frente a este pano de fundo. A globalização é. fica muito clara a dimensão do problema que no futuro. a guerra e a opressão. da "superação e supressão do Estado" no sentido . 203. por certo. porém.Ao falarmos de globalização e migração. Na verdade. Por um lado constatamos a destruição crescente das condições naturais de vida. É óbvio que isto assume as formas mais extremas onde a integração estatal-nacional sempre foi precária. no mundo todo a coesão estatal se tornou frágil porque os governos não estão mais sendo capazes de criar a coerência necessária para intervir regulativamente nos processos econômicos e sociais. ela põe em questão a própria existência dos Estados Nacionais. mais do que a continuação da separação econômica e política do mundo em "primeiro" e "segundo mundo" e uma volta à miséria absoluta nos países centrais. não poderiam ser consideradas como trabalho escravo no sentido mais fiel ao conceito). O Ocidente ainda fecha os seus olhos perante este processo secular. Também formas de trabalho aparentemente não capitalistas. De um lado haveria a plena participação na riqueza capitalista e nos direitos da cidadania. excluindo os refugiados. podem ser analisadas de forma correta a partir do conceito de exclusão. de criminalidade cotidiana e poder mafioso. Segundo. por sua vez. Segundo Martins.marxiano. procuram se refugiar. à medida que transforma os bens produzidos e o trabalho gasto em mercadoria e dinheiro. e no fundo não passariam de outra coisa do que formas de uma exploração extremamente acentuada (portanto. melhor dizendo. em sua grande maioria. . Estes. como bem demonstrou o caso Ruanda/Burundi/Zaire. que formam o pano de fundo dos movimentos migratórios contemporâneos. mas da desagregação bárbara em forma de guerras civis. José de Souza Martins pôs em questão no simpósio este conceito. Acredito que não se trata apenas de um mero jogo de palavras. e explica de maneira racista-culturalista as guerras na África como expressão de "imaturidade" deste continente. deveriam ser analisadas como parte do sistema. existiriam apenas graus diferenciados de "inclusão". como conseqüência disso. Mas. indagar sobre a questão da saída do fascínio desse poder. Eles agem segundo o velho lema cínico: combater os pobres e não combater a pobreza. Desta forma. que é fortemente usado pelas pastorais sociais da Igreja do Brasil. questionando se este poder realmente é tão poderoso e tão estável como aparece na era da globalização e do neoliberalismo. sem querer. Frente a estes fatos. abaixo do nível de pobreza. Contribuem. a simples e precária inclusão. e. É verdade que as causas das fugas e das migrações forçadas não podem ser eliminadas pela abertura das fronteiras dos centros do mercado mundial. como o trabalho escravo. para a ampliação dos conflitos. de outro. assim. para combater estas causas. a grande lamentação dos Estados ocidentais sobre a enorme imigração é uma grande mentira. o capitalismo tem uma capacidade extraordinária para submeter as diversas formas de produção e reprodução não diretamente capitalistas e integrá-las ao seu circuito de valorização. nos países vizinhos ou em regiões mais pacíficas dos seus países. são os Estados ocidentais que menos contribuem. mas de esclarecer duas questões fundamentais: a primeira questão é em função do poder do sistema capitalista. Sua tese central é que não existem excluídos "porque desde já todos os homens são parte do sistema capitalista". e lançou a oportunidade para uma viva discussão. inclusive a Pastoral dos Migrantes e outras organizações sociais. O "grito dos excluídos" 2 Finalmente eu gostaria de questionar se a marginalização e a pauperização. A primeira diferença está no fato de que o carvoeiro é obrigado estrutural e permanentemente a vender a sua força de trabalho por um preço muito abaixo do seu valor. No caso do trabalho escravo. um sujeito mutilado no mundo da mercadoria. Ao tratar. sendo protegidos por uma base de direitos de cidadania. Ele é. Refugiados de Ruanda . com seu salário. de dois tipos de vendedores de mercadoria. Neste sentido. pois para isso precisaria. Tudo isso é totalmente correto. que não participa das possibilidades de uma emancipação individual que esse status e essa forma de existência têm como princípio. e compará-lo.cogitar sobre a potencialidade das perspectivas de emancipação da coerção destrutiva do mercado e da forma mercadoria. O que significa isso? Eu gostaria de tomar como exemplo o trabalhador especializado da Europa Central. Ambos (mesmo que de modos diferentes) contribuem para a acumulação do capital e do lucro. Precisamos ir um pouco mais longe para poder responder a estas questões. O que ela significa? Do ponto de vista abstrato da valorização do capital.não se encontram fora do sistema se livrando da morte por falta de alimentos enquanto a ONU envia-lhes esses meios de subsistência. portanto. chega a ser ainda mais grave. No decorrer de sua expansão histórica. ambos são iguais. em princípio. o capitalismo subjugou o mundo inteiro e está presente até mesmo nas regiões onde a miséria é gritante e não contribui em nada com a valorização do capital. Os homens escravizados são sujeitos no mundo da mercadoria apenas porque. integrado capitalisticamente. a força de trabalho é fundamentalmente diferente.que não salvaram nada além da vida e que foram destituídos do básico para sua reprodução . Concordo com a perspectiva de Martins no sentido de que hoje não existe mais nenhum modo de vida autônomo isolado do sistema mundial capitalista. extremamente explorado. . como seres livres e igualitários que se movimentam. pode apenas comprar os alimentos básicos para si e sua família ( ou que os recebe em espécie) está excluído dessa liberdade de escolha. Ambos vivem aparentemente em dois mundos sociais separados por uma muralha intransponível. um alemão ou um francês. o que tem sua expressão no fato de ele não poder reproduzir-se fisicamente e psiquicamente de uma maneira adequada. a um carvoeiro brasileiro. de uma maneira soberana na esfera do mercado. alijadas do status completo como proprietário de mercadorias. Disso resulta que ele não pode movimentar-se livremente no mundo total das mercadorias e do mercado. Quem. de uma determinada quantidade de dinheiro. não há realmente exclusão e nenhum excluído. De dentro do mundo total do mercado podemos falar que um número crescente de pessoas estão excluídas. mas não diz nada sobre os mecanismos internos da exclusão e da socialização capitalista. ou seja. como condição mínima. porém. como caso extremo. são formalmente regulamentadas e asseguradas por uma rede de normas jurídicas e acordos tarifários. tem o seu apoio institucional através de um sistema social e de saúde que funcione. Eu tomei como exemplo o carvoeiro brasileiro. As pessoas se definem positivamente na sua dupla função de compradores e vendedores de mercadorias. em síntese. este status. permanentemente. pelo menos até hoje em dia. Isso se mostra de maneira mais brutal quando esses escravos são "despedidos" e não dispõem sequer de um punhado de arroz ou feijão. pode ser denominado como sujeitos livres e igualitários no mundo da mercadoria. contrapondo-o ao vendedor ocidental da mercadoria força de trabalho. Este carvoeiro poderia ser chamado de sujeito paradoxal e monetarizado sem . o que significa que "o patrão" não tem com eles nenhuma responsabilidade pessoal. Eles são o que. mas de existir uma diferença qualitativa. Em quinto lugar. seu status social mais elevado não se reduz ao fato de ele receber um salário mais elevado do que o carvoeiro brasileiro. Em terceiro lugar. Isto se expressa de várias formas. Ele é reconhecido socialmente enquanto proprietário. mesmo que por um determinado tempo ou. mesmo precariamente. Analisando o outro ponto. Tem a dupla função de vendedor (da mercadoria força de trabalho) e comprador ( dos bens de consumo). não possa vender a sua força de trabalho. para que os homens possam adequar a sua mercadoria. financiadas por dinheiro público. Esse sistema oferece uma segurança básica em relação às oscilações e crises do mercado. das representações sociais e de direitos políticos. econômica e social e possa movimentar-se como sujeito consumidor e livre. descrito de uma forma típica e ideal. os assalariados estão equipados com um grande número de direitos políticos e civis garantidos por um sistema jurídico em bom funcionamento. a força de trabalho. é possuidor dos mesmos direitos que os outros. enquanto tais. podem ser "liberados" a qualquer hora. Em quarto lugar. A sua morte famélica tem o mesmo significado que a exclusão absoluta do sistema capitalista. Em segundo lugar. adaptando-se às condições de concorrência do mercado. o de um trabalhador especializado europeu ou em geral um assalariado das "metrópoles" ocidentais do mercado mundial.diversamente dos escravos clássicos. como sujeito soberano no mundo das mercadorias. tudo isto está acompanhado pela constituição de uma consciência correspondente. Isto protege os assalariados de dependências pessoais e garante a sua soberania e a sua liberdade de decisão enquanto proprietários de mercadoria. é criada a condição através de instituições de educação. sempre ao último nível das exigências da produtividade. Primeiro: as condições de venda da mercadoria força de trabalho. Garante que uma pessoa não seja excluída da participação política. Definem-se como sujeitos soberanos no mundo do mercado e participam ainda. pauperizadas e sem direitos. conforme esboçado acima. de um número cada vez menor de pessoas para manter a maquinaria de valorização capitalista em funcionamento. Porém. Frente a esse panorama. a valorização dos grupos sociais operários inferiores foi conquistada com o intuito de virem a se tornar vendedores igualitários de força de trabalho. lutar para que eles sejam sujeitos plenamente reconhecidos no mundo da mercadoria. Cada vez mais as pessoas estão sendo excluídas do sistema no sentido absoluto. mas como resultado de longas lutas sociais. a reivindicação de uma reinclusão dos excluídos parece cair . mas invertido. e nem pode participar dos direitos mais elementares de cidadania. Estas características não podem ser esperadas de pessoas mantidas em dependência pessoal. O sistema expulsa cada vez mais pessoas das suas áreas centrais. Queria alertar para que as pessoas não se percam em ilusões. O processo de expansão e de integração de forças de trabalho qualificadas não foi apenas freado. Ou em outras palavras: apesar de ele se encontrar na forma de sujeito no mundo da mercadoria. Obviamente. Mas no nível contemporâneo permanentemente crescente do desenvolvimento das forças produtivas precisa-se. não de uma forma automática. porque elas não estão sendo utilizadas sequer como força de trabalho extremamente explorada. Também na Europa. sem formação. não tem como aparecer nem enquanto vendedor soberano nem como comprador no mercado de trabalho e de bens de consumo. impedindo-as assim de manter o status como proprietários livres e iguais de mercadorias. Parece óbvio lutar pela inclusão dos "excluídos". Isto é. iniciativa própria e automotivação no sentido da lógica da valorização. não há como negar que a maioria das pessoas do Terceiro Mundo não possui o status de sujeitos livres e iguais no mundo da mercadoria. pois uma tal luta só obterá êxito em momentos de prosperidade econômica do mercado. no sentido de um mecanismo estrutural de exclusão interna no sistema mundial de mercadorias. à medida que também nas metrópoles capitalistas essas pessoas estão cada vez mais entregues sem proteção à concorrência do mercado sob a pressão da crise. isto é. existem as formas mais variadas e intermediárias de transição entre os dois pólos extremos. O "grito dos excluídos" me parece transferir essa mensagem pelo menos de maneira implícita. Mesmo assim. têm que morrer de fome. Neste sentido eles são realmente excluídos.direito e sem dinheiro. O permanentemente crescente nível de força produtiva exigiu e exige dos indivíduos uma crescente flexibilidade. essas lutas obtiveram êxito somente no sentido de seguir as forças da dinâmica interna do sistema porque a emancipação dos trabalhadores como mônades monetarizados modernos e individualizados era condição estrutural para o desenvolvimento do capitalismo. isto é. mobilidade. Nesse sentido. máquinas. mas a satisfação. e para o ano de 1998 está prevista uma redução de mais de 6 . já que não resta nenhuma perspectiva emancipatória. a empresa Siemens. a maior empregadora privada na Alemanha (203 mil empregados). que por sua vez podem fomentar a troca entre si. criando pouco a pouco um setor autônomo e posto na rede de uma economia orientada pelas necessidades. apesar de saber que o abastecimento de alimentos é elementar. Isso não vale apenas para o Terceiro Mundo. Não penso apenas numa produção agrícola. Porém os primeiros passos podem ser feitos desde já. será de importância capital desenvolver novas formas de cooperação global "de baixo para cima". matérias primas. O primeiro passo é uma questão de consciência. Teria o mesmo significado que uma saída autoconsciente da coesão destrutiva do sistema do mercado e da produção de mercadorias. dinheiro e mercado. Para dar um exemplo. Isto não significa retirar do Estado as responsabilidades ou desistir de reivindicações políticas. Mas. Os meios de produção e os recursos necessários (prédios. Entende-se por si que uma tal saída não se realizaria de uma hora para outra. apresentar receitas. afirmou ter conseguido um recorde de lucros para o ano de 1995/1996. mas apontar um horizonte que precisa ser meditado face à crise fundamental do sistema capitalista globalizado. 1. para o mercado mundial. Ao mesmo tempo. Não pretendo aqui. no início. apesar de ser necessário um relacionamento específico com as formas da crise e das condições sociais. Estes passos poderiam constar da construção de novas estruturas cooperativas de reprodução que não visassem a produção para o mercado. seriam bastante limitados.no vazio. mas. a Igreja e as ONGs. também. o conceito de exclusão ganharia um novo conteúdo. como a busca de caminhos que saiam das formas de coação: mercadoria. Isto também implicaria no papel importante da luta pelo solo e pela terra. das necessidades dos cooperativistas participantes. um tal setor orientado pelas necessidades certamente ficará ainda um bom tempo dependente de fluxos monetários e materiais. É necessário realizar uma mudança de perspectiva que leve a sério a possibilidade de uma auto-exclusão emancipatória. mas a passos lentos. precisam ser conquistados. É o momento de abandonar a fixação no sistema da produção de mercadorias capitalistas enquanto única forma possível de socialização moderna. que ultrapassem o "trabalho tradicional de solidariedade". Além disso. em primeiro plano. existem possibilidades de uma construção de cooperativas de produção e consumo. Também nesse sentido podem ser aproveitados os Estados. absolutamente. Nesse sentido. como também os espaços livres jurídicos. para o centro do mercado mundial. foi reduzido a doze mil o índice de empregos nos últimos três anos. pois o alcance e as possibilidades de produção. etc.). que podem prestar esse apoio. nas cidades. Traduzido do alemão por Heinz Dieter Heidemann.clix. Nürnberg/Erlangen. ** Grupo Krisis. Paulo. de 18 a 21 de Novembro de 1996. Ele retoma a discussão que foi realizada em torno do conceito de exclusão. Este item foi reformulado após o simpósio. por ocasião do evento. ou seja. realizado em S.pt/obeco . 2. lnstitut für kritische Sozialwissenschaften. Http://planeta.mil empregos. o crescimento da empresa elimina empregos. * Comunicação apresentada durante o simpósio O Fenómeno Migratório no Limiar do Terceiro Milénio.
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