Formas Estado

March 23, 2018 | Author: MiguelCelestinoChissaque | Category: Federation, Constitution, State (Polity), Monarchy, Decentralization


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Lições sumárias deCiência Política Por: Dr. António Salomão Chipanga, Mestrado em Ciências Jurídicas. AS FORMAS DE ESTADO Depois de termos tido aulas sobre os elementos constitutivos e funções do Estado é agora momento oportuno para identificarmos os vários tipos de formas de Estado. Formas de Estado é um conceito básico que se tem de ter em conta na configuração de cada Estado moderno de tipo ocidental e dos seus diversos elementos ou condições de existência, conforme nos ensina o Prof. Jorge Miranda, no Manual de Direito Constitucional, Tomo III, Relativo a Estrutura constitucional do Estado, 3.ª edição, 1996, fonte principal das matérias que hoje me proponho apresentar aos estudantes do curso. A forma de Estado confina-se à repartição vertical do poder político, ou seja, ao modo como o poder politico se acha distribuído em função do território estadual. Para o estudo do presente tema é relevante o elemento território e neste contexto a existência de um ou mais poderes, de um ou mais direitos aplicáveis sobre o povo do Estado, isto é, se no mesmo espaço territorial vigora uma ou duas Constituições. Trata-se pois de estudar “o modo pelo qual o Estado estrutura o seu poder em relação a outros poderes de igual natureza que com ele serão coordenáveis ou a ele ficarão eventualmente subordinados”1. É importante distinguir desde já outros conceitos de formas políticas similares que podem produzir um mau entendido, como são os casos de Tipos Históricos de Estado; formas de Governo; Sistemas de Governo e Regimes Políticos, que oportunamente teremos ocasião de estudarmos ainda neste curso. 1 Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Constitucional, Introdução à Teoria da Constituição, pag. 132 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula Então do que se entende de cada uma destes conceitos? Tipos Históricos de Estado são formas de organização política correspondentes a concepções gerais sobre o Estado, enquanto sociedade politicamente organizada. Formas de Estado tem a ver com as concepções e os quadros de relacionamento entre o poder, por um lado, e comunidade política, por outro. Deve ser sublinhado, como o faz o Prof. Jorge Miranda, que "o conceito de formas de Estado só se torna verdadeiramente operacional no interior de um mesmo tipo histórico de Estado. Em rigor, só interessa distinguir Estado unitário e Estado federal no âmbito do Estado moderno de tipo europeu e, especialmente a partir do despontar do constitucionalismo"2. Formas de Governo é a forma de uma comunidade política organizar o seu poder ou estabelecer a diferenciação entre governantes e governados. São exemplos de formas de Governos: a monarquia absoluta, o governo representativo liberal, o Governo Jacobino, o Governo Cesarista, a monarquia constitucionalista ou limitada, a democracia representativa, o Governo leninista e o Governo fascista; e Sistemas de Governo é o sistema de órgãos de função política, apenas se reporta à articulação e organização interna do Governo e aos poderes e estatutos dos governantes. Assim, temos as relações entre o Sistema parlamentar, Presidencial, Directorial, Semipresidencial, Representativo simples e Convencional. Regimes Políticos, são expressões, objectivações ou concretizações das diferentes constituições materiais. Diz respeito à forma como a comunidade organiza o poder em termos da relação existente entre o poder e o povo para dar resposta a problemas básicos como legitimidade, a participação dos cidadãos, a liberdade politica e a unidade ou divisão do poder. Exemplo: Estado Liberal, Estado Social do Direito, Estado Soviético, Estado Fascista, Estado Marxista, etc. 2 Manual …, vol. III, p. 254. 2 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula Na Constituição Moçambicana estes diversos conceitos que acabamos de tomar conhecimento deles estão contidos: No artigo 8, define-se a forma do Estado Moçambicano, como sendo Unitário, com respeito ao princípio da autonomia das autarquias locais, conforme dispõe o artigo 278. A forma de Governo é definido como sendo democrático e de justiça social, no artigo 1, cuja soberania é exercida pelas formas fixadas na Constituição, artigo 2, n.º 2 que são as seguintes: Ver artigo 73, 74, 78, 135, 133, 138, 139, 140, 141, 142, 262, 271 e 275, n.º 2 e 3, todos da Constituição da República de Moçambique de 2004. O sistema de Governo a nível nacional decorre dos poderes, das acções recíprocas e dos estatutos dos vários órgãos políticos de soberania – Presidente da República, artigo 146 a 167, Assembleia da República, artigo 168 a 199 e Conselho de Ministros, artigo 200 a 211, Tribunais, artigo 212 a 233, Conselho Constitucional, artigo 241 a 248. A nível local temos os artigos 141 e 142 e de 262 a 264 em relação ao poder local do Estado e de 271 a 281, para o poder local – Autarquias e artigo 118 relativo a autoridade tradicional. O regime político não só está explicitado através da conjugação de vários articulados que, quando interpretados exprimem o Estado de Direito Democrático, baseado na soberania popular, artigo 2, n.º 1, no respeito e na garantia da efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, artigo 204, n.º 1, alínea a), 161 e 236, no pluralismo político, artigo 74, 46, 48 n.º 1, 51 e 52, n.º 1 e na organização política democrática. De todos estes articulados, ao que nos exprime de forma directa e inequívoco é o artigo 3 da CRM, relativo ao Estado de Direito democrático. Feito este percurso importa agora entrarmos na nossa matéria do dia, Formas de Estado. 3 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula A divisão fundamental entre Estados Simples ou Unitários e Estados Compostos ou Complexos As formas de Estado que vamos estudar podem ser: Simples ou Unitário em que há um só poder político para todo o território nacional ou Composto, Complexo ou Estado federal, formado por outros vários Estados, entretanto, não soberanos. O Estado unitário é prova ou expressão de homogeneidade nacional e social, de continuidade histórica, de contiguidade geográfica; e o Estado composto por sua vez, uma resultante de heterogeneidade, descontinuidade e descontiguidade. Vezes há em que conforme nos ensina o Prof. Jorge Miranda3 o Estado unitário pode traduzir o desejo de fazer a unidade de regiões ou povos díspares através da centralização, caso da Tanganyka e Ilhas de Zanzibar que ao se unir nasceu actualmente a República Unida da Tanzania, desde o dia 26 de Abril de 1964, data em que a República da Tanganyika, parte continental e a parte adjacente ou marítima a Ilha de Unguja, (Hoje Zanzibar), os dois Estados se unificaram e formaram uma só Nação e um só Estado, a República Unida da Tanzânia, com capital Dodoma; e o Estado federal representar um processo de melhor organização de um grande País homogéneo e neste caso pode-nos surgir o Federalismo por motivos geográficos, caso do Canadá, Brasil e Austrália. Federalismo por motivo multinacional, caso da Rússia ex-URSS; por motivos linguísticos, caso da Índia; por motivos tribais ou étnicos temos a Nigéria. Há ainda Estados Federados que assim são desde a sua origem, caso dos Estados Unidos da América e Austrália. Estados federados por tradição temos a Alemanha e no meio de todos estes temos aqueles Estados que hoje assumem a forma de Estados federados por imitação são o México, Brasil e Venezuela e por necessidade temos a Índia. Para o professor Jorge Miranda, os critérios de distinção são:  Unidade ou pluralidade de poderes políticos (ou de poderes soberanos na ordem interna), ou seja, de ordenamentos jurídicos originários ou de Constituições;  Unidade ou pluralidade dos sistemas de funções e órgãos do Estado; 3 Manual de Direito Constitucional, Tomo III, pag. 275. 4 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula  Unidade ou pluralidade de centros de decisão política fundamental. E, para o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, ao se referir a mesma matéria afirma que a distinção deve ser feita com base na "… existência de um ou mais poderes políticos no mesmo Estado (sendo que, em qualquer caso, só um deles é soberano)"4. Para este ilustre docente o critério que está, assim, na base da distinção é o do "… modo de o Estado dispor o seu poder em face de outros poderes de igual natureza (em termos de coordenação) e quanto ao povo e ao território (que ficam sujeitos a um ou a mais de um poder político) " 5. É de ter, além disso, em consideração que a escolha de uma determinada forma de Estado é o resultado da conjugação de factores de natureza técnica e política. Nos segundos, avultam pressupostos de variada natureza: históricos, geográficos, nacionais, culturais, étnicos, sociais, económicos e ideológicos - sobre a questão v. Jorge Miranda, Manual …, vol. III, pp. 275278. O factor político é determinado por pressupostos históricos como seja o modo como o Estado se constituiu ou expandiu; Os pressupostos geográficos são também determinantes, a título de exemplo, podemos citar o afastamento entre as parcelas do mesmo Estado; Nos pressupostos nacionais, temos como elementos determinantes os valores culturais e étnicos, dentre estes a língua, a raça, os sentimentos, tradições, usos e costumes – diferenças substanciais entre os cidadãos, o povo; Nos pressupostos sociais e económicos hão-de existir interesses a defender ou disfunções sociais e económicas a atender; Finalmente, temos pressupostos ideológicos em que pode haver ideias filosóficas de centralização ou descentralização e movimentos partidários ou não, favoráveis ou desfavoráveis, citamos o caso de Manuel Pereira Delegado político em Sofala do Partido Renamo que foi citado pelos órgãos de comunicação social a defender a separação do País a partir do Rio Save e as posições políticas de Carlos Reis, presidente de um Partido Político que 4 5 Marcelo Rebelo de Sousa, Ciência …, p. 80. Manual …, vol. III, p. 254. 5 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula durante a campanha eleitoral nas eleições presidenciais de 2004, defendeu o federalismo como sendo a melhor forma de Estado Moçambicano para acabar com a pobreza absoluta. 13.1. O Estado unitário. O Estado unitário centralizado e o Estado unitário descentralizado ou regional I - O ESTADO UNITÁRIO No Estado simples ou unitário encontramos o modelo de partida para o estudo das formas de Estado e nele deve ser feita a distinção entre Estado unitário centralizado e Estado unitário descentralizado ou regional. Pois o Estado unitário pode compreender vários modelos, que se reconduzem ao maior ou menor (ou mesmo nulo) grau de descentralização administrativa e política, sem que todavia deixe de existir um único centro de poder, um só ordenamento jurídico e apenas uma Constituição. No Estado unitário centralizado, há unidade de poder político, o que significa que existe apenas um poder político estadual, um único ordenamento jurídico e uma Constituição para todo o território nacional, como é o caso da República de Moçambique, conforme o artigo 8 e 6, ambos, da CRM, enquanto que no Estado unitário descentralizado ou regional, não obstante haver um poder político estadual, um único ordenamento jurídico e uma Constituição para todo o território nacional, pressupõe pois, ainda a existência do fenómeno de descentralização política, legislativa e institucional com um estatuto jurídico próprio, a todas ou a alguns espaços territoriais, o que lhe torna próximo do Estado composto ou complexo. A descentralização política distingue-se da descentralização administrativa, fenómeno por meio do qual opera-se uma transferência de poderes para as entidades territoriais locais, que passam a ter competências e funções próprias, podendo as populações residentes nos respectivos territórios escolher livremente quem são os seus legítimos representantes nos órgãos do exercício do poder. Trata-se de um modelo de repartição do poder político geralmente acolhida pela maioria dos Estados, quer de âmbito territorial – através de municípios, aos quais se confere uma autonomia que consiste no poder regulamentar, conforme o artigo 278 e vide ainda o artigo 271 e seguintes, da CRM, relativamente ao caso moçambicano, quer de 6 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula âmbito institucional ou funcional – através de associações, fundações, institutos ou outras entidades públicas, vide artigo 78 e 52, ambos da CRM. A descentralização administrativa no Estado unitário pode incluir as províncias, distritos ou postos administrativos, tudo depende do grau da descentralização administrativa que for definido para o nível territorial, vide os artigos 7 n.˚ 2 e 3 e ainda o artigo 273, n.˚ 4. O que está em causa é a função administrativa do Estado que por um lado pode ser atribuída a órgãos do Estado, dando origem ao fenómeno da desconcentração administrativa ou a descentralização administrativa, conforme se estabelece nos artigos 140, 141 e 145, tendo em conta o disposto nos artigos 262, 264 e 263, todos da CRM, e por outro é atribuição de poderes do Estado a entidades públicas distintas do Estado que se situam ao nível local, concretamente, as autarquias locais, fundações, associações ou outras entidades públicas, conforme já nos referimos. Em relação a desconcentração6 da administração pública, vide os artigos 140, 262, 263 e 264 e quanto a descentralização administrativa para entidades distintas do Estado - autarquias, os artigos 271 e seguintes, todos da CRM. Nesta descentralização não há lugar a transferência do poder legislativo fenómeno que só ocorre em Estado Unitário regional ou autónoma cujo acto traduz-se na faculdade de os órgãos locais com o poder transferido, poderem aprovar leis e possuírem ampla autonomia institucional, o que quer dizer que ao nível local, os órgãos que representam os órgãos do poder político central têm a possibilidade de criar o Direito, o que lhes permite constituir entidades políticas e administrativas próprias. No caso vertente, de Moçambique, o regime constitucional quanto a forma é de Estado unitário centralizado, conforme os artigos 138 e 139, cabendo aos órgãos locais do Estado, a representação do Estado e execução da política governamental do Estado definido pelos órgãos centrais do poder políticos, os previstos no artigo 133, podendo estes confiar aos órgãos locais parte das suas competências, conforme se prevê no artigo 140. Este conceito difere do conceito de descentralização, pois na desconcentração há repartição de competências pelos diversos graus da hierarquia no interior de cada pessoa colectiva pública. Na descentralização há unicidade ou pluralidade de pessoas colectivas públicas – Prof. Diogo Freitas de Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra, 1992, pag. 659. 7 6 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula Aos órgãos locais do Estado, cabe-lhes o previsto nos artigos 141, 262, 263 e 264. Qualquer alteração ao regime previsto no plano constitucional, implica necessariamente uma revisão constitucional, sem prejuízo do disposto no artigo 292, última parte da alínea a) do n.˚ 1, com consequências previstas no seu n.˚2, conforme for a matéria objecto de revisão. Concluindo, “O que caracteriza o Estado centralizado é o facto de nenhuma das (colectividades que compõem, geográficas designadamente) poderem fazer valer um direito próprio para regular aquilo que lhes diz respeito” 7. Constitucionalmente temos a consagração destes princípios nos artigos 140 e 141, ambos da CRM e todas as formas de que se manifesta o pluralismo jurídico tal como vem definido nos artigos 4, 214 e 223, n.º 2, todos da CRM e administrativo se acha subordinado a uma organização e ordenamento político comum, conforme se consagra no artigo 2, n.° 4, da CRM – princípio da superioridade formal e material da Constituição da República. A descentralização política é "… sempre a nível territorial: são províncias ou regiões que se tornam politicamente autónomas por os seus órgãos desempenharem funções políticas, participarem ao lado dos órgãos estaduais, no exercício de alguns poderes ou competências de carácter legislativo ou governativo"8. O Estado unitário com descentralização política possui uma organização política que obedece a um esquema regional que suporta a repartição de poderes políticos pelos órgãos políticos que constitui centros de decisão local. Quando o Estado Unitário encontra-se politicamente descentralizado, isto é, organizado em regiões autónomas, o que quer dizer dividido em províncias com faculdades legislativas e executivas, como sucede na Africa de Sul, na Espanha, na Itália, em Portugal, na Finlândia, na Dinamarca e em outros Estados, o Estado Unitário confunde-se com o Estado Federal, como mais adiante iremos ver, pois cada um dos Estados federados tem poder político Ricardo Leite Pinto, José de Matos Correia e Fernando Roboredo Seara, Ciência Política Direito Constitucional – Introdução à Teoria Geral do Estado, Livraria Republicana Oeiras, 2000, pag. 203. 8 Manual …, vol. III, p. 258. 7 8 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula próprio: uma Constituição geral do Estado federal e uma Constituição do estado federado. O território é formado pela soma dos Estados federados. Nos casos de autonomia regional, - os territórios ou as províncias abrangidas possuem autonomia político-administrativa regulada no estatuto próprio de cada uma das regiões, com a indicação taxativa dos órgãos do poder local, suas atribuições e competências, são os casos dos territórios ultramarinos, na vigência da Constituição política de 10 de Abril de 1933, nos seus artigos 134.º e 148.º a 155.º; Lei orgânica do Ultramar Português, Lei n.º 2119, de 24 de Junho de 1963, Lei n.º 5/72, de 23 de Junho, que promulga as bases sobre a revisão da lei orgânica do ultramar, em que para o caso do território de Moçambique, temos o Decreto n.º 545/72, de 22 de Dezembro9, que estabelece os órgãos do exercício do poder, nomeadamente o Governador Geral com função de representação, executiva e legislativa, o Conselho de Governo, os Secretários provinciais, a Assembleia Legislativa, a Junta Consultiva provincial, os serviços administrativos e a administração local. As regiões politicamente descentralizadas ou regiões autónomas dos Estados Unitários apresentam-se com as seguintes características: 1. Não possuem poder constituinte nem participam na elaboração ou na revisão da Constituição da República; 2. Regem-se por estatuto jurídico próprio conferido pela Constituição ou pelos órgãos centrais do Estado aprovado pelo órgão legislativo competente; 3. Podem aprovarem normas jurídicas de interesse específico do seu respectivo território com valor de lei, no quadro das competências e limites fixados no Estatuto da região; 4. Gozam de autonomia política que pode ser maior ou menor, conforme os casos; 5. Não detêm a soberania do território da sua área de jurisdição No Estado Moçambicano é importante notar que não temos descentralização política, pelo menos no plano constitucional de forma expressa. Vide os artigos 8, 2 n.º 4, 138, 139, 140, 141, 145, 143, 142, 262 e segs. 9 Publicado no Boletim Oficial n.º 152, de 30 de Dezembro de 1972, I Suplemento. 9 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula O legislador constituinte de 2004, consubstanciando e manifestando expressamente este princípio de ordem jurídico-constitucional da descentralização de âmbito administrativo, portanto, sem descentralização politica, no artigo 141 n.º 2, da Constituição da República de Moçambique consagra o seguinte: “O Governo Provincial é o órgão encarregue de garantir a execução, ao nível da Província, da política governamental e exerce a tutela administrativa sobre as autarquias locais, nos termos da lei.” Neste preceito constitucional está expresso de forma clara e inequívoca a descentralização da administração pública, vide os artigos 140, 262, 263 e 264 que se traduz na desconcentração administrativa das competências dos órgãos centrais do Estado para os seus órgãos locais. Porém, o mesmo legislador, no preceito seguinte, não obstante reconhecer que o Governo provincial é um órgão encarregue de garantir a execução da política governamental vem consagrar nos termos do artigo 142, n.º 2, al. b), em relação a Assembleia provincial, o seguinte “Às assembleias provinciais compete, nomeadamente: aprovar o programa do Governo Provincial,...”. Ora, o acto de aprovar pressupõe a existência de poder político-legislativo para o titular que fica habilitado ao poder de aprovar ou de rejeitar. Assim sendo e por hipótese uma Assembleia Provincial no uso das suas competências constitucionais, decide rejeitar a proposta do programa do Governo Provincial, que efeito jurídico terá tal deliberação em face do artigo 141, n.° 1 e 2, da CRM, nos termos da qual “1. O representante do Governo a nível da Província é o Governador Provincial. 2. O Governo Provincial é o órgão encarregue de garantir a execução, ao nível da Província, da política governamental e exerce a tutela administrativa sobre as autarquias locais, nos termos da lei“. A decisão politica da Assembleia é legítima e legal, quando entendido que o órgão que tem o poder de decidir deve agir com a plena liberdade no quadro do exercício das suas competências. Tendo em conta que a norma de direito é de âmbito constitucional há que recorrer as regras de interpretação das normas jurídicas constitucionais. Neste sentido importa tecer algumas do domínio das lições do Direito Constitucional geral sobre a interpretação das normas constitucionais. 10 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula A realização da Constituição significa tornar eficazes as normas constitucionais que a consubstancia, cabendo, em particular, aos órgãos do Estado e comunidade política, em geral, aplicar e fazer aplicar as normas constitucionais. A aplicação de qualquer norma jurídica pressupõe compreender, investigar a norma constitucional, realizando desse modo um exercício de interpretação constitucional que tem em vista determinar o sentido da norma constitucional, de modo a obter a regra de direito que é o seu espírito, que se deve aplicar no caso concreto, quer dizer, com a interpretação o intérprete atribui um significado a um ou vários símbolos linguísticos com objectivo de extrair uma regra normativa de direito com a qual irá aplicar num dado problema constitucional. Interpretar a Constituição é ainda realizar a Constituição, no sentido de que materializamos as suas disposições normativas, uma vez entendido o seu conteúdo intelectual, ou seja, o seu espírito. A Constituição deve ser aprendida, como um todo, na busca de uma unidade e harmonia de sentido. Por isso, deve ser considerado na sua globalidade e a procurar-se sempre a sua harmonia onde se acha haver espaços de tensão entre as suas normas. As normas constitucionais não são isoladas ou dispersas, mas sim integradas num sistema interno unitário de normas e princípios. Cada uma das disposições constitucionais está integrado noutro e assenta no valor e dignidade constitucional, cujo sentido exprime-se pela força normativa da norma constitucional, dai justificar-se o princípio da Concordância prática ou harmonização. Este princípio assente num critério de proporcionalidade e está intimamente ligado aos princípios da unidade e do efeito integrador. É um princípio que impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício de uns a favor de outros. 11 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula Por conseguinte, neste critério está subjacente a conciliação e a hierarquização dos valores inerentes aos princípios constitucionais e o exercício visa sanar situações ou fenómenos de contradições de princípios muitas vezes presentes nas Constituições compromissórias. A CRM de 2004, é uma lei fundamental de compromisso que resulta de várias negociações e concessões entre as bancadas parlamentares que compunham a Assembleia da República na Legislatura de 2004: Partido Frelimo e a Coligação Renamo-União Eleitoral. O texto constitucional que finalmente em 16 de Novembro de 2004 foi por unanimidade aprovado foi o melhor possível no contexto político que envolveu a sua preparação e concepção. Retomando o nosso tema importa recordar que Moçambique, na vigência da Constituição da República de 1975, experimentou um modelo que se parece com a descentralização política aos territórios provinciais. Trata-se dos casos de nomeação para os lugares de Governadores Provinciais de altos dirigentes do Partido Frelimo que integravam a direcção do Partido. Estes dirigentes exerciam as funções com a qualificação de Ministros-residentes ou de Dirigentes da Província. Esta situação ocorreu em algumas províncias como seja Cabo Delgado, Nampula, Zambézia, Sofala e Gaza, por razoes sócio-politico específico. Os referidos dirigentes desempenhavam funções eminentemente políticas, como se a província possuísse por excelência uma descentralização política. Em nosso entender, a actuação política que tiveram não se fundava na Constituição da República Popular de Moçambique, em vigor que só previa a figura de Governador Provincial e que sobre a matéria era omissa, mas decorria do acto de nomeação pelo Presidente da República e na qualidade do titular do cargo de Ministro-Residente ou de dirigente. No caso da Constituição da República de Moçambique de 2004, a matéria tem enquadramento constitucional, só abrindo espaço para a descentralização administrativa em relação as autarquias locais. 12 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula II - O ESTADO UNITÁRIO CLÁSSICO E O ESTADO UNITÁRIO DESCENTRALIZADO OU REGIONAL10 As experiências de regionalismo político são recentes e remontam à Constituição espanhola de 1931 e à italiana de 1947. O Estado unitário regional tem na sua base uma situação de descentralização política que se traduz na atribuição a entidades infraestaduais de "… poderes ou funções de natureza política, relativas à definição do interesse público ou a tomada de decisões políticas (designadamente, de decisões legislativas)11. Segundo o Prof. Jorge Miranda 12 existem várias categorias de Estados regionais: i) Estado regional integral - aquele em que "… todo o território se divide em regiões autónomas" e Estado regional parcial - aquele em que o território não está todo dividido em regiões autónomas e em que "… encontram-se regiões politicamente autónomas e regiões ou circunscrições só com descentralização administrativa, verificando-se pois, diversidade de condições jurídico-políticas de região para região"; ii) Estado regional homogéneo - aquele em que "… a organização das regiões é, senão uniforme, idêntica (a mesma no essencial para todos) e Estado regional heterogéneo - aquele em que a organização das regiões "… pode ser diferenciada ou haver regiões de estatuto comum e regiões de estatuto especial"; iii) Estado com regiões de fins gerais - aqueles em que "… as regiões são constituídas para a prossecução de interesses (e, em princípio, de todos os interesses) específicos das pessoas ou das populações de certas áreas geográficas" e Estado com regiões de fins especiais - aqueles em que "… a descentralização política regional é moldada em razão de algum ou alguns interesses específicos (v.g., interesses culturais) e é, porventura, mesmo a partir da comunidade desses interesses que se recortam os territórios regionais". 10 Fernando Loureiro Bastos, Ciência Politica. guia de estudo, Lisboa, 1999. Manual …, vol. III, p. 176. 12 Manual …, vol. III, p. 260. 11 13 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula Distinguir a descentralização política ou político-administrativa que está na base do fenómeno do regionalismo de: - descentralização - que consiste em existirem "… diferentes órgãos do Estado por que se dividem funções e competências, a diferente nível hierárquico ou não, e de âmbito central ou local"13; - descentralização administrativa - que designa o fenómeno de atribuição de poderes ou funções de natureza administrativa a entidades infraestaduais, tendentes à satisfação quotidiana de necessidades colectivas14; - regionalização - que se traduz "… em desconcentração regional e, sobretudo, na criação de autarquias supramunicipais para fins de coordenação de actividades, de utilização de serviços em comum, de planeamento, de participação, de fomento cultural e económico" 15; - autonomia política - que é um "… conceito empírico destinado a descrever algo de situado entre a não autonomia territorial e o estatuto de Estado independente ou entre a não autonomia territorial e a integração em Estado independente, em igualdade com quaisquer outras comunidades que deste façam parte"16; - federalismo. Manual …, vol. III, p. 175. Manual …, vol. III, p. 174 e 176. 15 Jorge Miranda, Manual …, vol. III, p. 262. 16 Jorge Miranda, Manual …, vol. III, pp. 262 e 263. 13 14 14 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula Deve ser sublinhado que a descentralização pode ser administrativa ou política e que não existem formas de descentralização jurisdicional, na medida em que a função jurisdicional é sempre atribuída a tribunais que são considerados órgãos do Estado. 13.2. O Estado complexo. A união real. As federações. As modalidades contemporâneas de associação de Estados: as organizações supranacionais I - O ESTADO COMPLEXO O Estado complexo – Estado Federado são denominados de Estado composto porque congregam vários poderes políticos: um soberano – o do Estado Federal - e vários dependentes – os dos Estados Federados. O Estado Composto é uma fórmula de compromisso, em que se acham presentes elementos do Estado unitário e elementos diferenciadores e recorrendo as lições do Prof. Marcello Caetano17 “Estado Federal é um Estado complexo, formado por outros estados, de tal modo que o poder fica dividido entre a autoridade federal, que em certas matérias é independente dos estados federados, e as autoridades estaduais que por sua vez noutras matérias decidem sem qualquer dependência do estado federal. Cada cidadão fica assim, sujeito a dois governos, simultaneamente, conforme as matérias: ao governo do seu Estado e ao governo da União (ou Estado Federal). Cada um dos territórios parcelares, com o seu povo e poder político próprio, forma um Estado federado. O Território formado pela adição dos vários territórios, o povo resultante da junção dos vários povos e o poder político superior instituído por vontade dos poderes próprios dos territórios parcelares, é que constituem o Estado federal.” Cada um dos Estados federados possuem um poder político próprio, que traduz a autoridade política resultante da vontade do seu povo traduzida na Constituição Federal e na Constituição do Estado Federado, sendo o único laço jurídico o da nacionalidade que é comum. A forma de Estado federal é pois definido na Lei fundamental – a Constituição da República e resulta da vontade do poder constituinte. Manual de Ciência Politica e Direito Constitucional, Tomo I, Coimbra, 1996, pag. 134 e seguintes. 17 15 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula Para Maria Manuela Magalhães Silva Dora Resende Alves18 “Estado Federal é a reunião permanente de vários Estados, que embora possuam todos os atributos de Estado não gozam de personalidade jurídica internacional.” Origem histórica de Estado Composto O Estado Federal tem a sua origem histórica nos Estados Unidos, onde pela primeira vez surgiu, com a Confederação entre os treze Estados soberanos19 emergentes da Declaração da Independência de 4 de Julho de 1776, por virtude da qual as trezes colónias ficaram Estados soberanos e até fins de 1776 todos os trezes estados tinham a sua constituição. A confederação dos trezes Estados independentes tanto da Inglaterra como entre si, surge em consequência da guerra destes Estados contra a sua expotência colonizadora, o Reino Unido e tinha como finalidade unir os esforços conjuntos e potenciar-se militarmente na guerra que travava contra a sua potencia colonial. Na confederação foi criada a estrutura confederal comum como seja: conselho de ministros dos negócios estrangeiros, denominado Congresso que com o decurso do tempo mostrou-se ineficaz, pois não conseguia responder as questões da vida económica, social e financeiro dos Estados integrantes e não possuía um poder executivo comum nem um tribunal comum. O aperfeiçoamento da união voluntária para o figurino actual que admite a existência de Estados federados e uma autoridade central é feito em 1781, ano em que foram ratificados os “Articles of Confederation” pela Convenção de Filadélfia, aprovados em 1778. Os artigos da Confederação dos trezes Estados Unidos foi revista em Maio de 1787, e da revisão foi assinada a Convenção de Filadélfia de 1787, dando origem a Constituição formal do Estado Federado baptizado com o nome de Estados Unidos da América (EUA). Noções de Direito Constitucional e Ciência Politica, Editora Rei dos Livros, 2000, pag. 344. Ex-colónias britânicas, formadas em condições politicas, económicas e sociais diversas e por gente de espírito, confissão religiosa e interesses também diferentes. 18 19 16 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula Ao abrigo da Constituição dos Estados Unidos de 1787, os Estados integrados conservam a sua autonomia mas de livre vontade, atribuem certos poderes de soberania aos órgãos da União ou Federação por eles formada. Nasceu assim, acima dos Estados federados, um novo Estado, que é o Estado Federal20, ao qual compete exclusivamente manter as relações internacionais, bem como definir a política de defesa de toda a federação e através dos tribunais federais controlam a conformidade entre as Constituições e as leis dos Estados Federados em relação à Constituição do Estado Federal com recurso para o Supremo Tribunal Federal21. Tal como vimos na génese dos Estados Federados Americanos, os Estados Federados auto constituem-se, isto é, elaboram a sua própria Constituição, mas esta tem de respeitar a Constituição do Estado Federal. No Caso americano respeitou a Declaração da Independência de 4 de Julho de 1776. Nos Estados Federados, os habitantes têm de respeitar, não só as leis desse Estado, como as leis federais que abrangem todo o território nacional. Resumindo, na estrutura interna do Estado Federal existe uma pluralidade de poderes políticos e de constituições quanto é o número de Estados Federados, entre os quais um é o superior, o correspondente ao Estado Federal, a quem os restantes Estados – Estados Federados se subordinam e respeitam as leis do Estado Federado. O Estado complexo apresenta-nos a seguinte característica: poder constituinte dos Estados Federados que se traduz na emanação das suas próprias constituições e na participação do Estado na elaboração e modificação da constituição federal, através de representantes próprios. Os representantes podem ser designados através de diferentes processos, pelo corpo eleitoral ou pelos órgãos do Estado Federado e o seu número pode ser idêntico para todos os Estados ou de acordo com a população. Importa referir que no Estado composto deve ser feita a distinção entre união real e federação. 20 21 Idem Marcello Caetano, pag. 71. Idem Maria Manuela, pag. 345 17 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula Vejamos em seguida cada um dos Estados para identificarmos as suas principais diferenças. II - A UNIÃO REAL Na União Real, estamos em presença de uma associação ou união de Estados, que dá lugar à criação de um novo Estado, na qual alguns dos órgãos dos Estados associados passam a ser comuns. Existe uma estrutura de poderes políticos conjuntos ou comuns que se traduzem na fusão ou na colocação em comum de alguns dos órgãos dos Estados Federados, fica a haver ao lado ou em paralelo aos órgãos específicos de cada Estado Federado, um ou mais órgãos comuns (pelo menos, o Chefe do Estado) com os respectivos serviços de apoio e execução22. A União Real ocorre quando dois ou mais Estados Monárquicos decidem voluntariamente, unirem-se, mantendo contudo a sua autonomia política, mas adoptam uma Constituição que seja comum, um só monarca que nos negócios internacionais e nos demais expressos na lei representa o conjunto e através de órgãos comuns imprime uma direcção politica, a favor da União. Os órgãos comuns criados ao abrigo da União não afastam os órgãos de cada um dos Estados integrantes da união. São exemplos da União Real, O Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, Portugal e Brasil em 1815 a 1822, a Suécia e Noruega em 1819, dissolvida em 1905 e a Áustria e a Hungria de 1867 a 1918. A União real distingue-se da união pessoal, que é a situação em que o Chefe do Estado é comum a dois Estados "… embora somente a título pessoal e não orgânico; o que é comum é o titular do órgão e não o próprio órgão"23. Neste tipo de união os respectivos países continuam completamente distintos, sem Constituição ou órgãos comuns. A União entre ambos é casual e ocorre em virtude das leis de sucessão, de que resulta a designação do mesmo monarca. 22 23 Jorge Miranda, Manual …, vol. III, p. 265. Jorge Miranda, Manual …, vol. III, p. 266. 18 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula Exemplo de união pessoal: Portugal e Espanha de 1580 a 1640 e a Austrália e o Reino Unido da Grã-Bretanha que tem em comum ao Chefe de Estado a Rainha. A união pessoal não é um Estado composto, quando muito, uma associação de Estados. A União Real é regulada por uma Constituição ou por outro acto jurídico específico. III - AS FEDERAÇÕES Na Federação existe uma estrutura de fusão de poderes políticos das entidades componentes e distinto dos do poder Federal. Verifica-se uma sobreposição dos poderes: poder novo que se situa acima dos poderes políticos dos Estados nelas integrantes, os Estados Federados e o poder subordinado dos Estados Federados. Tanto num caso como noutro, a sua base de organização é geográfica ou territorial. Na federação ou na união real regista-se uma associação ou união de Estados dando origem a um novo Estado que vai os englobar ou integrar os Estados. Entre os dois tipos de Estado Complexo, a diferença está em que na Federação se criam órgãos completamente distintos dos órgãos-membros e todo um sistema jurídico politico-constitucional novo, enquanto que na união real se aproveitam alguns dos órgãos dos Estados-membros elevandoos a comuns. A estrutura federativa é de sobreposição, a da união real é de fusão ou de comunidade institucional. É curioso notar que no seio dos Estados compostos existem sempre Estados unitários. Os Estados componentes são, em geral, Estados unitários, mesmo o Estado federado em si é um Estado unitário se termos em conta que na sua respectiva estrutura interna, o seu poder é uno, isto é, único. O Federalismo é uma espécie de separação de poderes de âmbito territorial, o mesmo se pode dizer em relação ao regionalismo. 19 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula Em conformidade, para o Prof. Jorge Miranda24, o Estado federal ou federação é baseado numa dualidade25: - por um lado, "… numa estrutura de sobreposição, a qual recobre os poderes políticos locais (isto é, dos Estados federados), de modo a cada cidadão ficar simultaneamente sujeito a duas Constituições a federal e a do Estado federado a que pertence - e ser destinatário de actos provenientes de dois aparelhos de órgãos legislativos, governativos, administrativos e jurisdicionais"; - e, por outro lado, "… numa estrutura de participação, em que o poder político central surge como resultante da agregação dos poderes políticos locais, independentemente do modo de formação: donde a terminologia clássica de Estado de Estados". A federação tem na sua origem uma constituição federal, resultante do exercício de um poder constituinte autónomo, "… que contém o fundamento da validade e de eficácia do ordenamento jurídico federativo; e é ele que define a competência das competências …" 26. Das características da sobreposição e da participação decorrem, segundo o Prof. Jorge Miranda 27, os seguintes princípios directivos: 1º Dualidade de soberanias - a de cada um dos Estados federados e a do Estado federal, tendo cada um deles a sua Constituição (e Constituição emanada de um poder constituinte originário, exercido em nome próprio), bem como o correspondente sistema de funções e órgãos (legislativos, governativos, administrativos e jurisdicionais); 2º Participação dos Estados federados na formação e na modificação da Constituição federal, seja a título constitutivo, seja a título de veto colectivo, seja por via representativa, seja por referendos parciais; 3º Garantia (a nível de Constituição federal) da existência e dos direitos dos Estados federados; 4º Intervenção institucionalizada dos Estados federados na formação da vontade política e legislativa federal, através de órgãos federais Manual …, vol. III, pp. 268 e 269. Lições do Prof. Fernando Loureiro Bastos, Ciência Politica. Guia de estudo, pag. 146 26 Manual …, vol. III, p. 270. 27 Manual …, vol. III, pp. 270 e 271. 24 25 20 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula com adequada apresentação dos Estados (senados ou conselhos federais, os primeiros com titulares eleitos e os segundos com titulares delegados dos Governos locais); 5º Igualdade jurídica dos Estados federados, traduzida em igualdade de direitos dos seus cidadãos, em reconhecimento do valor dos actos jurídicos neles celebrados e em participação por igual (ou em base proporcional) nos órgãos federais ou em alguns deles; 6º Limitação das atribuições federais, o que deriva da ideia de agregação dos Estados como hipótese explicativa da federação e possui o sentido (inverso do da descentralização política e administrativa) de que todas as matérias não reservadas ao Estado federal incumbem ou podem incumbir aos Estados federados. Tendo em consideração estas características, os Estados federais devem ser divididos em perfeitos, quando as reúnem a todas (como os Estados Unidas da América ou a Suiça), e imperfeitos, na situação oposta. Em termos de relação das várias ordens jurídicas federadas e federal, existe uma supremacia, qualificada pelo Prof. Jorge Miranda 28 como de supracoordenação, e que traduz-se em: - "os princípios básicos do regime, tal como constam da Constituição federal, impõem-se às Constituições dos Estados federados …"; - "são órgãos federais, designadamente jurisdicionais, que decidem da validade das normas federais e estaduais (inclusive, das normas das Constituições estaduais) e de eventuais conflitos de competência"; - "o Estado federal pode adoptar medidas coercitivas para impor o seu Direito aos órgãos dos Estados federados". Deve ser, no entanto, sublinhado que "o poder constituinte federal tem como limite absoluto o respeito do conteúdo essencial das soberanias locais e à federação incumbe garantir o exercício efectivo da autoridade dos Estados federados"29. 28 29 Manual …, vol. III, p. 273. Manual …, vol. III, p. 274. 21 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula No que respeita à repartição de matérias entre o Estado federal e os Estados federados deve-se distinguir entre: - a repartição horizontal ou material existente no federalismo clássico (Estados Unidos da América e Suiça) em que o "… dualismo de soberania envolve um dualismo legislativo e executivo (o Estado federal faz e executa as suas leis, e o mesmo fazem os Estados federados)"30; - a repartição vertical existente no federalismo cooperativo (Alemanha) em que o "Estado federal legisla ou define as bases gerais da legislação e os Estados federados executam ou desenvolvem as bases gerais"31. Distinguir federação de confederação que é uma associação de Estados em que os Estados participantes limitam a sua soberania em determinadas matérias em resultado de um tratado internacional com esse objectivo. Nestes termos, "do pacto confederativo resulta uma entidade a se, com órgãos próprios (pelo menos, uma assembleia ou dieta confederal). Não chega a emergir um novo poder político ou mesmo uma autoridade supraestadual com competência genérica"32. Os Estados intervenientes da Confederação, isto é, da associação voluntária dos Estados que resulta de uma acordo ou tratado entre os Estados soberanos, cada uma deles conserva a sua soberania. Na associação dos Estados cada um deles compromete-se a realizar em comum certas tarefas ou a subordinar a sua acção em determinados sectores a uma política uniforme adoptada pela confederação. Exemplos de confederação: os cantões suíços até 1848, os Estados Unidos da América entre 1781 e 1787, os Estados da Confederação do Reno de 1806, da Confederação Germânica de 1815 ou da Confederação da Alemanha do Norte de 1866 e os Estados da Comunidade de Estados Independentes, que foi criada em 1991 no seguimento da dissolução da União Soviética. Sobre as confederações v. Marques Guedes, Ciência …, pp. 65-67. Manual …, vol. III, p. 274. Manual …, vol. III, p. 274. 32 Manual …, vol. III, p. 268. 30 31 22 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula Em síntese, Confederação consiste em um grupo de Estados soberanos voluntariamente criarem uma união entre Estados e nesta união haver órgãos com competências próprias delegados pelos Estados integrados. Assim as competências delegadas deixam de ser exercidas pelos Estados delegantes ou estes ficam com poderes limitados em relação as matérias delegadas. IV - A MODALIDADE CONTEMPORÂNEA DE ASSOCIAÇÃO DE ESTADOS: AS ORGANIZAÇÕES SUPRANACIONAIS33 Uma modalidade contemporânea de associação de Estado é a das organizações supranacionais, cujo exemplo paradigmático são as Comunidade Europeias. As organizações supranacionais têm, segundo os Profs. Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros34, as seguintes características: - "possuem uma estrutura jurídico-política de tipo estadual, que se traduz sobretudo num sistema de separação e repartição de poderes que revela analogias com o sistema estadual, e que leva, designadamente à existência de um poder legislativo, com competência para aprovar actos legislativos, portanto, normas gerais e abstractas, obrigatórias para os Estados e para a sua ordem interna, e de um Poder Judicial, de jurisdição obrigatória"; - "em algum ou alguns dos seus órgãos deliberativos, com competência legislativa ou executiva, os respectivos titulares exercem as suas funções em nome próprio e com independência em relação aos Estados, e, portanto, não podem ser vistos como representantes dos Estados ou dos seus Governos"; - "nesses órgãos deliberativos o sistema de votação é, em regra, o da maioria, porque já não se trata de exprimir uma vontade estadual, que salvaguarde interesses específicos de cada Estado, mas de revelar uma vontade internacional, melhor, uma vontade integrada, que vise prosseguir interesses da comunidade, superiores, portanto, aos interesses estaduais"; - "os órgãos da Organização têm competência para aprovar actos com conteúdo legislativo, regulamentar e administrativo que, mais do que obrigatórios para os Estados (como se disse), são directa e 33 34 Idem Fernando L. Bastos, pag. 149. Manual de Direito Internacional Público, p. 424. 23 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula imediatamente aplicáveis na sua ordem interna (é a característica da aplicabilidade directa ou da imediatividade)"; - "como corolário da característica acabada de referir, os sujeitos do Direito interno dos Estados membros, e não apenas os Estados, têm acesso directo aos tribunais da Organização". No Direito Constitucional conhece-se Estados subordinados a um outro na ordem interna, que lhe é superior, por exemplo o Estado federado e no Direito Internacional Público situação de um Estado que aceita a orientação política alheia, que são os chamados Estados semi-soberanos, que podem ser Estado vassalo, Estado protegido, Estado membro de uma confederação, Estado exíguo e Estado neutralizado. Para o conhecimento e posterior aprofundamento em sede própria, adiantamos nestes sumários a classificação do Prof. Doutor André Gonçalves Pereira e Fausto Quadros35. Estados Soberanos – são aqueles que possuem a “plenitude da personalidade jurídica internacional”. Estados semi-soberanos – aqueles em que se situam numa categoria intermédia em que entram os “Estados com capacidade internacional limitada”. São eles: a) Estado Vassalo é hoje uma figura histórica. Tem personalidade internacional, mas está ligado ao Estado suserano pelo vínculo feudal, o que implica que o exercício de alguma competência internacional36 dependa da autorização do suserano. Por outro lado o Estado vassalo paga um tributo ao suserano. b) Estado protegido consiste numa relação jurídica que se estabelece, por via de tratado, entre dois Estados, pela qual um deles, o Estado “protector”, se compromete a proteger outro, o Estado “protegido”, em princípio contra a agressão ou outras violações do direito internacional. O Estado protector assumirá por força deste acordo no todo ou em parte, as relações internacionais do Estado protegido e em alguns aspectos a política interna. c) Estado membro de uma Confederação – é o caso em “que, embora a Confederação tenha, por via de regra, personalidade jurídica, também os Estados membros a conservam, e continuam a de Direito Internacional Público 3.ª edic., 1997, pp. 347 e segs. O direito de guerra ou alguns actos de importância política 35Curso 36 24 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula agir na esfera internacional, excepto quanto às matérias que delegaram aos órgãos da Confederação”; d) Estado exíguo. Na verdade não são Estados. Trata-se de comunidades políticas que, pela sua diminuta extensão territorial e escassa população não estão em condições de exercer plenamente a soberania; e) Estado neutralizado - É o Estado cujo estatuto jurídico internacional comporta a proibição de participar em qualquer conflito armado, excepto em legitima defesa. O Estado neutralizado por via de tratado ou acto e reconhecimento (unilateral) abdica de vários atributos de capacidade jurídica internacional. Bibliografia consultada: Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo III, Coimbra, 1996; Marcello Caetano, Manual de Ciência Politica e Direito Constitucional, Tomo I, Coimbra, 1996; Fernando Loureiro Bastos, Ciência Politica. guia de estudo, de Lisboa, 1999. Maria Manuela Magalhães Silva Dora Resende Alves, Noções de Direito Constitucional e Ciência Politica, Editora Rei dos Livros, 2000; Ricardo Leite Pinto, José de Matos Correia e Fernando Roboredo Seara, Ciência Política Direito Constitucional – Introdução à Teoria Geral do Estado, Livraria Republicana Oeiras, 2000, António José Fernandes, Introdução à Ciência Politica. Teorias, métodos e temáticas, Porto, 1995; Marcelo Rebelo de Sousa, Ciência Politica. Conteúdos e métodos, Coimbra, 1989. Marcelo Rebelo de Sousa, Direito Constitucional, Introdução à Teoria da Constituição; 25 Dr. António Salomão Chipanga, Assistente Universitário da Faculdade de Direito da UEM e do Instituto Superior de Ciência e Tecnologias de Moçambique (ISCTEM) – Disciplina de Ciência Política, Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, Sumários da Aula Armando Marques Guedes, Ciência Política. II – Teoria Geral do Estado, Lisboa, 1982 Jorge Reis Novais, Tópicos Tópicos de Ciência Politica e Direito Constitucional Guineense, Lisboa, 1996; André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, Manual de Direito Internacional Público, 3.ª edic., 1997; Diogo Freitas de Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra, 1992. 26
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