Filosofia e Teoria Geral Do Direito (Parte 1)

March 24, 2018 | Author: João Paulo Mansur | Category: Natural Law, Ideologies, Logic, Max Weber, Master's Degree


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FILOSOFIA E TEORIA GERALDO DIREITO ESTUDOS EM HOMENAGEM A TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR POR SEU SEPTUAGÉSIMO ANIVERSÁRIO Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 1 17/5/2011, 17:46 “A QUARTIER LATIN teve o mérito de dar início a uma nova fase, na apresentação gráfica dos livros jurídicos, quebrando a frieza das capas neutras e trocando-as por edições artísticas. Seu pioneirismo impactou de tal forma o setor, que inúmeras Editoras seguiram seu modelo.” IVES GANDRA DA SILVA MARTINS Editora Quartier Latin do Brasil Empresa Brasileira, fundada em 20 de novembro de 2001 Rua Santo Amaro, 316 - CEP 01315-000 Vendas: Fone (11) 3101-5780 Email: [email protected] Site: www.quartierlatin.art.br Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 2 17/5/2011, 17:46 Organização JOÃO MAURÍCIO ADEODATO EDUARDO C. B. BITTAR FILOSOFIA E TEORIA GERAL DO DIREITO ESTUDOS EM HOMENAGEM A TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR POR SEU SEPTUAGÉSIMO ANIVERSÁRIO Editora Quartier Latin do Brasil São Paulo, outono de 2011 [email protected] www.quartierlatin.art.br Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 3 17/5/2011, 17:46 EDITORA QUARTIER LATIN DO BRASIL Rua Santo Amaro, 316 - Centro - São Paulo Contato: [email protected] www.quartierlatin.art.br Coordenação editorial: Vinicius Vieira Diagramação: Thaís Fernanda S. L. Silva Revisão gramatical: Capa: ADEODATO, João Maurício; BITTAR, Eduardo C. B. (org.) – Filosofia e Teoria Geral Do Direito: estudos em homenagem a Tercio Sampaio Ferraz Junior por seu septuagésimo aniversário – São Paulo: Quartier Latin, 2010. ISBN 85-76741. Processo Civil. I. Título Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: Processo Civil TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos do Código Penal), com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais). Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 4 17/5/2011, 17:46 SUMÁRIO Co-autores .............................................................................................. Apresentação ........................................................................................... 11 19 TRANSCRIÇÃO DA DEFESA DA TESE DE TITULARIDADE DO PROF. D R. TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR., NA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE S ÃO PAULO, 25 PROF. MIGUEL REALE, PROF. MACHADO PAUPÉRIO, PROF. PAULINO JACQUES, PROF. MATA MACHADO, PROF. GOFFREDO DA SILVA A PRODUÇÃO DO INDIVÍDUO NA DIALÉTICA DAS RELAÇÕES SOCIAIS, 91 ALAÔR CAFFÉ ALVES EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL, 107 ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR O DIREITO SUBJETIVO COMO IMAGEM: DA INVISIBILIZAÇÃO DOS PARADOXOS NA TEORIA DOS SISTEMAS À INTERAÇÃO E ÀS SITUAÇÕES COMUNICATIVAS NA PRAGMÁTICA NORMATIVO-COMUNICACIONAL DE TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR., 139 ALEXANDRE DA MAIA ESTADO, DIREITO E DINHEIRO: TÉCNICAS DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO, 169 ALYSSON LEANDRO MASCARO DE UMA RACIONALIDADE A OUTRA: PARA ONDE VAI O DIREITO CIVIL?, 179 ANDRÉ-JEAN ARNAUD VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION, 201 ANTONIO ANSELMO MARTINO TECNOLOGIAS JURÍDICAS COMO RACIONALIDADE: ANOTAÇÕES PARA DISCUSSÃO DA RELAÇÃO ENTRE RAZÃO E DIREITO NA OBRA DE TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR., 243 CARLOS EDUARDO BATALHA Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 5 17/5/2011, 17:46 SOBRE UMA AMIZADE, 263 CELSO LAFER ESTÉTICA, DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA DA DIVERSIDADE À SOCIEDADE, DA SOCIEDADE PLURALISTA À E STÉTICA, 285 EDUARDO C. B. BITTAR VARIAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE EQUIDADE, 321 ELZA ANTONIA PEREIRA CUNHA BOITEUX O “PRINCÍPIO” DA LEGALIDADE E AS DUAS LEGALIDADES: PAVANA PARA DOIS ACÓRDÃOS DO STF, 347 EROS ROBERTO GRAU PODER DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA E O “PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO CONTRÁRIO”, 361 EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI VISÕES DISTINTAS DO FENÔMENO JURÍDICO, 375 FÁBIO KONDER COMPARATO O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO: UM “VOL D’OISEAU” SOBRE O PASSADO E ALGUMAS PERSPECTIVAS PARA O FUTURO, 397 FÁBIO NUSDEO O PROBLEMA DAS GRANDES DICOTOMIAS: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO PRAGMATISMO FILOSÓFICO DE DEWEY ACERCA DO MÉTODO CIENTÍFICO E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS, MORAIS E J URÍDICAS. UMA HOMENAGEM AO PROFESSOR TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR., 431 GEORGE BROWNE REGO A CONCORRÊNCIA LIVRE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988, 449 GILBERTO BERCOVICI & JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 6 17/5/2011, 17:46 A CRIATIVIDADE COMO DIMENSÃO DO HUMANO E O JULGAMENTO COMO OBRA DE ARTE – NOTAS SOBRE O BELO E O JUSTO EM TERCIO FERRAZ JR., 469 GRAZIELA BACCHI HORA DOGMÁTICA JURÍDICA, NÃO VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS, 485 GUILHERME ASSIS DE ALMEIDA DA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA À NOVA VULGATA METODOLÓGICA DO DIREITO PÚBLICO: O ITINERÁRIO DE UMA CONTINGÊNCIA HISTÓRICA, 497 GUSTAVO JUST DA COSTA E SILVA ATIVIDADE SEM NEGÓCIO JURÍDICO FUNDANTE E A FORMAÇÃO PROGRESSIVA DOS CONTRATOS, 519 GUSTAVO TEPEDINO DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL E COISA JULGADA NAS RELAÇÕES TRIBUTÁRIAS CONTINUATIVAS , 531 HELENO TAVEIRA TORRES O DILEMA DE ALICE: O SENTIDO DAS PALAVRAS EM ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS E EM ATRAVÉS DO ESPELHO, 565 JEANNETTE ANTONIOS MAMAN O PARADOXO ENTRE A RETÓRICA DO PATERNALISMO E O PRAGMATISMO DE UMA ÉTICA DA TOLERÂNCIA DIANTE DO PROBLEMA DA TORTURA – UM DIÁLOGO COM TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR., 573 JOÃO MAURÍCIO ADEODATO O DIREITO À LIBERDADE DE COMUNICAÇÃO E A DISCRIONARIEDADE REGULATÓRIA, 599 JOAQUIM FALCÃO ENSAIOS CLÍNICOS – PONDERAÇÕES ÉTICO-JURÍDICAS, 619 JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 7 17/5/2011, 17:46 A VERDADE COMO CORRESPONDÊNCIA ENTRE ENUNCIADOS JURÍDICOS, 651 JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES DA APLICAÇÃO DIRETA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916, COM O OBJETIVO DE ASSEGURAR A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA POSSE – ANÁLISE DOS § 4º E 5º, DO ART. 1.228 DO CÓDIGO CIVIL VIGENTE, 663 JOSÉ MANUEL DE ARRUDA ALVIM NETO DIREITO E LITERATURA, LINGUAGEM, 703 JUDITH MARTINS-COSTA AINDA A QUESTÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA DOGMÁTICA JURÍDICA: UM TRIBUTO HERMENÊUTICO A TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., 719 LENIO LUIZ STRECK SEMIÓTICA E PRAGMÁTICA EM TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., 755 LEONEL SEVERO ROCHA ENSINAR COMO ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS, 773 LÍDIA REIS DE ALMEIDA PRADO O DESAFIO DA LIBERDADE. ARGUMENTOS E SENTENÇAS: CONFISSÕES TORMENTOSAS, 793 LUIS ALBERTO WARAT ABUSO DE PODER E VIOLÊNCIA NÃO RAZOÁVEL: ANÁLISE DO FILME TROPA DE E LITE , 815 MARA REGINA DE OLIVEIRA DE GUERREIRO RAMOS A TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR.: O SISTEMA ORGANIZACIONAL, O ESTADO AUTOCRÁTICO E A AGULHA IMANTADA DO DIREITO, 851 MARIA GARCIA Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 8 17/5/2011, 17:46 SI PUÒ ACCETTARE SOLO IN PARTE LA TEORIA DI KELSEN? DIALOGO CON LUIS MARTÍNEZ ROLDÁN, 867 MARIO G. LOSANO RESERVA DE LEI E PODER REGULAMENTAR DAS AGÊNCIAS REGULADORAS, 885 MIGUEL REALE JÚNIOR PENSAMENTO JURÍDICO E ANTILÓGICA EM ANTIFONTE – CONTRIBUIÇÃO GREGA À CONSTRUÇÃO DA DOGMÁTICA JURÍDICA, 897 NUNO M. M. S. COELHO DIREITO E LIBERDADE: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DE UMA ABORDAGEM ATENTA À HISTORICIDADE DOS CONCEITOS, 917 ORLANDO VILLAS BÔAS FILHO LA TEORÍA KELSENIANA DE LA INTERPRETACIÓN Y ALGUNAS CRÍTICAS ACTUALES, 943 OSCAR SARLO RETÓRICA ANALÍTICA E DIREITO, 965 OTTMAR BALLWEG TEORIA HERMENÊUTICA – O MOVIMENTO DO “GIRO-LINGUÍSTICO” E A SUPERAÇÃO DOS MÉTODOS CIENTÍFICOS TRADICIONAIS, 975 PAULO DE BARROS CARVALHO AS BASES PRINCIPIOLÓGICAS DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO, 991 PAULO BONAVIDES CONCEITO DE S ISTEMA, C ONTEXTO INTERNACIONAL E PÓS -M ODERNIDADE , 999 PAULO BORBA CASELLA Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 9 17/5/2011, 17:46 REGRAS, PRINCÍPIOS E PONDERAÇÃO NA PRAGMÁTICA DO DIREITO DE TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR., 1025 RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA COMO LEVAR RONALD DWORKIN A SÉRIO OU COMO FOTOGRAFAR UM PORCOESPINHO EM MOVIMENTO, 1037 RONALDO PORTO MACEDO JR. QUANDO HISTORIADORES ADVOGAM. USO PARTIDÁRIO DO PASSADO NA HISTÓRIA DE PEDRO TAQUES, 1049 SAMUEL RODRIGUES BARBOSA INTERPRETAÇÃO DA LEI E DE PRECEDENTES – CIVIL LAW E COMMON LAW, 1061 TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER A BOLA DO JOGO: UMA METÁFORA “PERFORMATIVA” PARA O “DESAFIO” DA PRAGMÁTICA DA NORMA JURÍDICA, 1075 TORQUATO CASTRO JR. BIOÉTICA, BIOPODER E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, 1089 VICENTE DE PAULO BARRETTO MODERNIZATION OR GLOBALIZATION OF THE LEGAL ORDER? LAW AS NORMATIVE STRUCTURE AND UNITY OF PRIMARY AND SECONDARY SOCIAL SYSTEMS, 1109 WERNER KRAWIETZ ABSCHIED VON HUMBOLDT? DEUTSCHE RECHTSWISSENSCHAFT UND JURISTENAUSBILDUNG IN ZEITEN DER UNIVERSITÄTSREFORM, 1139 WOLF PAUL Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 10 17/5/2011, 17:46 Universidade Federal de Pernambuco ALYSSON MASCARO NASCIMENTO Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor Adjunto da Faculdade de Direito do Recife. Coordenador da Faculdade de Direito da FACAMP ALBERTO DO AMARAL JUNIOR Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Diretor de Pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique. Professor Associado da Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:46 .CO-AUTORES ALAÔR CAFFÉ ALVES Professor Associado Aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pesquisador de Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ALEXANDRE DA MAIA Mestre e Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da UFPE. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie ANDRÉ JEAN-ARNAUD Professor da Université Paris X. França ANTONIO ANSELMO MARTINO Professor Titular da Universidade de Pisa. Itália CARLOS EDUARDO BATALHA Professor Titular da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.p65 11 17/5/2011. Presidente da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo EDUARDO C. Professor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo FÁBIO KONDER COMPARATO Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 17:46 . B.p65 12 17/5/2011. Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra FÁBIO NUSDEO Doutor em Economia e em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo. Pesquisadora de Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico EROS ROBERTO GRAU Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo GEORGE BROWNE REGO Professor Titular Aposentado da Universidade Federal de Pernambuco. Estados Unidos Filosofia e Teoria Geral do Direito.CELSO LAFER Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Filosofia da Educação pela Universidade de Tulane. Pesquisador de Produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ELZA PEREIRA CUNHA BOITEUX Professora Doutora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. BITTAR Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI Doutor em Direito Tributário pela PUC de São Paulo. GILBERTO BERCOVICI Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Procuradora da Assembléia Legislativa de Pernambuco GUILHERME ASSIS DE ALMEIDA Doutor pelo Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito. Universidade Federal de Pernambuco. Procurador da Fazenda Nacional GUSTAVO TEPEDINO Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro JEANNETTE ANTONIOS MAMAN Mestre e Doutora pelo Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 17:46 . Suíça. Pesquisador 1-A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico JOAQUIM FALCÃO Doutor em Educação pela Universidade de Genebra. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie GRAZIELA BACCHI HORA Professora Doutora de Filosofia do Direito da Faculdade Damas da Instrução Cristã do Recife. Rio de Janeiro Filosofia e Teoria Geral do Direito. Professora Doutora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo JOÃO MAURÍCIO ADEODATO Professor Titular da Faculdade de Direito do Recife. Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo GUSTAVO JUST DA COSTA E SILVA Professor Adjunto da Faculdade de Direito do Recife. Universidade Federal de Pernambuco. Diretor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas.p65 13 17/5/2011. Universidade Federal de Pernambuco. Advogado JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professora Doutora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Filosofia e Teoria Geral do Direito. Advogado JOSÉ MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito do Recife. 17:46 . Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico LÍDIA REIS DE ALMEIDA PRADO Mestre pela Universidade de São Paulo e Doutora pela PUC de São Paulo. Procurador de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul LEONEL SEVERO ROCHA Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade do Vale dos Sinos.JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO Professor Catedrático Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Livre-Docente pela Universidade de São Paulo LENIO LUIZ STRECK Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade do Vale dos Sinos. Professor Emérito da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo JUDITH MARTINS-COSTA Professora Adjunta Aposentada na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.p65 14 17/5/2011. p65 15 17/5/2011. Professora Assistente Doutora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIA GARCIA Professora da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. LOSANO Professore Emerito di Filosofia Del Diritto e di Introduzione all´Informatica Giuridica presso La Facoltà di Giurisprudenza. S. Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo NUNO M.LUIZ ALBERTO WARAT Professor Titular Aposentado da Universidade de Brasília. Università del Piemonte Orientale. Doutor em Direito pela Universidade de Buenos Aires MARA REGINA DE OLIVEIRA Professora Assistente Doutora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Livre-Docente pela Universidade de São Paulo ORLANDO VILLAS BÔAS FILHO Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 17:46 . COELHO Professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie OSCAR SARLO Catedrático de la Facultad de Derecho de la Universidad de la Republica de Uruguay Filosofia e Teoria Geral do Direito. Italia MIGUEL REALE JUNIOR Doutor e Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. M. Diretora Geral do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional MARIO G. Presidente Emérito do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional PAULO BORBA CASELLA Doutor e Livre-Docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Procurador da Fazenda Nacional RONALDO PORTO MACEDO JUNIOR Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo SAMUEL RODRIGUES BARBOSA Doutor pelo Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP. Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA Mestre pela Universidade de Harvard.p65 16 17/5/2011. 17:46 . Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual Filosofia e Teoria Geral do Direito. Doutor pela Universidade de Frankfurt. Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER Livre-Docente pela PUC-SP.OTMAR BALLWEG Professor Emérito da Johannes Gutenberg Universität – Mainz PAULO DE BARROS CARVALHO Professor Titular Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PAULO BONAVIDES Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade do Ceará. Estônia WOLF PAUL Professor Titular da Universität Johann Wolfgang Goethe de Frankfurt. 17:46 . Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNESA WERNER KRAWIETZ Professor Emérito da Universidade de Tartu.TORQUATO CASTRO JUNIOR Doutor pela PUC de São Paulo. Professor Honoris Causa da Universidade Federal do Ceará Filosofia e Teoria Geral do Direito. Professor Adjunto da Faculdade de Direito do Recife – UFPE VICENTE DE PAULO BARRETTO Professor da Faculdade de Direito da UERJ.p65 17 17/5/2011. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 18 17/5/2011. 17:46 . Organizar uma obra em homenagem a Tercio Sampaio Ferraz Junior não é tarefa simples. dentro e fora das zetéticas. para representar o caráter singular de sua carreira como professor e jurista. simpatizantes. o conteúdo da obra tangencia temas os mais variados. quando se considera o conjunto dos reflexos que a obra de Tercio provoca na construção do vocabulário jurídico nacional. obrigatoriamente teria grande extensão. bem como na afirmação da reflexão como um imperativo para a ciência do Filosofia e Teoria Geral do Direito. composto de defesas e acusações. Não poderia ser de outra forma. segundo a perspectiva temporal de cada discurso: o deliberativo. Filosofia e Teoria Geral do Direito. desde a formulação da proposta da obra e o contato com os autores.p65 19 17/5/2011. que a obra. o forense e o epidítico. que se descobrem dentro e fora das disciplinas dogmáticas. pensamos poder contemplar matizes teóricos e visões sobre o direito as mais diferentes. Mas a retórica epidítica ou panegírica concentra-se no presente. 17:46 . serve para louvar e é adequada a discursos como aquele que caracteriza esta apresentação e a oportunidade desta obra que ora vem a público. discípulos. Isso porque o quilate do homenageado não somente dificulta os esforços de todos os autores aqui reunidos – desde o labor hermenêutico para decifrar sua obra. Sob o título conferido ao livro. é apropriada ao discurso político e dela fazem parte o conselho e a persuasão. A retórica forense dirige-se ao passado e o orador procura mostrar ao auditório que os acontecimentos se deram segundo sua versão e com as consequências que a eles atribui. admiradores. com muitos convidados nacionais e estrangeiros. na medida em que o próprio homenageado desperta simpatias as mais diversificadas. São tantos os amigos. influenciando não poucos campos do saber jurídico. até as tentativas pessoais de honrá-lo por meio de palavras – mas também exige muito dos coordenadores do trabalho. Daí que a empreitada de organização deste Festschrift envolveu dois anos de trabalho.APRESENTAÇÃO Na tradição aristotélica podem-se identificar três formas diferentes de retórica na chamada teoria da estase. sua inteligência arguta e originalidade ímpar. até os últimos ajustes de edição e uniformização metodológica e linguística da obra. para abordar e prestigiar sua genuína contribuição jusfilosófica ao pensamento brasileiro. Por isso. Aristóteles pensava no discurso dos tribunais. A retórica deliberativa tem o tempo futuro por horizonte e o orador procura convencer o auditório a tomar esta ou aquela decisão. procurando um pensamento próprio. para os quais tem sido decisiva a contribuição do homenageado. mediante um ritual redivivo entre gerações. a partir de si. de solidão intelectual proveitosa. Sua contribuição é. 17:46 . para atestar. O fruto desse processo é a transmissão da chama filosófica que une a muitos e torna possível uma ciranda virtuosa de trocas intelectuais. pois os problemas constituem o patrimônio comum do pensamento filosófico e jurídico. privilegiando os problemas como sempre quis seu outro mestre Theodor Viehweg. em sintonia com os ensinamentos de Miguel Reale e Goffredo Telles Junior. Tercio soube construir uma extraordinária biografia. mas com grande habilidade analítica. Além dessas peculiaridades incomuns de seu ethos exemplar. De caráter generoso. *** Filosofia e Teoria Geral do Direito. a despeito dos mais difíceis conflitos de que está repleta a vida acadêmica. Sim. irreversível. aqui espelhadas na ágora virtual que se tornou este livro. a tarefa tornou-se quase um munus para seus co-organizadores. o Professor exibe uma vasta produção técnica. de alma aberta. da Universidade Johannes Gutenberg de Mainz. de jeito tímido. Como professor e orientador. seus mestres na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. cara a todos os cultores da ciência do direito. O poder de unir as pessoas não se conquista pela força.p65 20 17/5/2011. desejando ou não. enfileirada ao lado de outros poucos nomes do pensamento jurídico nacional. acabou por criar. sempre soube deixar seus alunos livres para suas próprias incursões filosóficas. nunca foi repetidor de ideias e escolas alheias estrangeiras. que soube administrar como ninguém. espalhada ao longo de décadas. E é assim que esta obra nasce e é trazida a público.direito no país. Como todo pensador de envergadura. nesse sentido. mas sempre filtrou todas as influências advindas de suas leituras preferidas mediante uma visão original e criativa sobre o direito. como também irreversíveis são os efeitos da cadência que. mas sim pela auctoritas de quem premia o mérito em seu entorno e é capaz de gerar adesão ao longo de anos de trabalho. sintonizada com a vanguarda das discussões em todo o mundo. Nesse sentido. já que as soluções são sempre divergentes e todo grande pensador critica os demais e apresenta sua própria teoria – daí a importância dos problemas. a importância que a Filosofia e a Teoria Geral do Direito têm para a construção de arquétipos e modelos teóricos dentro do âmbito do direito. prestando concurso para o doutorado. na qual me matriculei. às vezes. tornei-me seu orientando de doutorado. depois de muita leitura de Weber. como um antídoto para o ceticismo que se instalara em meu espírito e sobre cuja obra escrevi minha tese de doutorado. 17:46 . no primeiro ano da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. sua tese de titularidade. Lembro-me de uma conversa sobre qual seria o marco teórico de minha tese. mas foi Ballweg meu mestre em Mainz e continuador da orientação de Tercio no sentido da retórica jurídica que desde então constitui minha linha de pesquisa. longas e repletas de estudantes. Luhmann: “professor. de quem Tercio havia sido aluno e depois tradutor. Encontrei afinidade imediata com o pensamento de Tercio e fiquei impressionado pela leitura. antes da publicação. Fui aprovado na seleção no mesmo ano de 1980 e. recém chegado da Alemanha e encarregado da disciplina Sociologia do Direito.p65 21 17/5/2011. como bolsista da Fundação Alexander von Humboldt. quando lhe perguntei. Eram aulas matinais.Um depoimento pessoal do contato acadêmico e de amizade com Tercio Sampaio Ferraz Junior da parte dos organizadores deixa perceber a forte impressão que o mestre causava. Ainda conheci e estive por algumas vezes com o Professor Viehweg. com quem continuo me correspondendo. já tendo sido aluno. de Função Social da Dogmática Jurídica. parodiando Silvio Romero. apesar das grandes preleções do Filosofia e Teoria Geral do Direito. sendo que. Uma das principais razões para isso era o jovem professor Tercio Ferraz. sob orientação de Miguel Reale. Meu anfitrião era o Professor Ottmar Ballweg. João Maurício: antes de terminar o mestrado. não existe um autor contemporâneo que acredite na legitimidade do direito”? Ele sorriu e disse sem titubear: “Hannah Arendt”. em abril de 1988. e ainda causa em seus discípulos. Kelsen. no grupo comandado pelo Professor Tercio. na mesma universidade alemã na qual ele estudara: a Johannes Gutenberg de Mainz. Eduardo Bittar: conheci Tercio Sampaio Ferraz Junior através de seu magnífico curso de Introdução ao estudo do direito. sucessor de Theodor Viehweg na cátedra de filosofia do direito. que apoia minhas pesquisas até hoje. havia debates e bibliografia de excelente nível e “um surto de novas ideias”. A continuidade dos contatos com Tercio Ferraz e sua recomendação me fizeram aportar. O Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade de São Paulo vivia ótimos momentos. já tinha decidido tentar continuar os estudos no Largo de São Francisco. Havia um entusiasmo único pela pesquisa. pois todos prestavam a máxima atenção e pareciam querer sorver tudo o que estivesse à disposição. apesar de seu pouco tempo.mestre. no início do ano de 2005. o novo vocabulário que Tercio Sampaio introduzia na linguagem jurídica. para se revelar. com as necessárias adaptações e modificações. em que pese a complexidade e profundidade das aulas. após estágio em Lyon-Paris. pela leitura dos novos. pela carreira docente. culminando na conquista do título. caminhando de vento em popa. sob sua supervisão. Ele já era uma figura eminente no cenário jurídico nacional e ocupava cargos importantes no governo. ao encontro de um mestre. Assim fui levado a me dedicar à filosofia do direito logo no primeiro semestre do curso. Filosofia e Teoria Geral do Direito. no deslumbre de sua descoberta. onde pude entrar em contato com os estudos da Sémiotique juridique. Era o processo de redemocratização do país. e foi aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Podia ser. por meio da constitucionalização do direito privado. em cuja implantação Tercio Sampaio foi pioneiro. algo que se revelou quando assumimos um projeto de Iniciação Científica junto ao Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito. agora em grande voga nos meios acadêmicos. completando propensão que já vinha se acumulando no estudo ginasial. seguia a trilha dos estudos de linguagem iniciados por Tercio. às vezes. 17:46 . Esse trabalho converteu-se em meu projeto de mestrado e depois de doutorado. no sentido de atrair toda uma geração de minha época à iniciação científica. que eram carreadas em seu raciocínio. pouco compreendíamos do que se falava. Dela fazia parte. Com a posterior orientação de Sergio Adorno.p65 22 17/5/2011. pela mudança das metodologias. como um vetor. pela expansão do ensino jurídico. e ouvia-se muito falar em filosofia da linguagem. pois iniciava a temporada de modificação do estudo do direito. A Faculdade vivia anos dourados. no ensino superior. Daí. alcancei maior intimidade com textos de difícil leitura. na França. que eram as premissas para uma atividade de pesquisa junto com o professor Tercio Sampaio Ferraz Junior. na escalada da renovação da doutrina do direito. difícil acompanhar suas aulas. O projeto se intitulava Semiótica do discurso normativo. mas não se escutava o menor ruído em sala de aula. A dificuldade dos estudantes era grande em se adequar a um vocabulário tão elevado e a complexas redes de significação filosófica. o que nunca impossibilitou sua disponibilidade para os estudantes. o despertar intelectual que a abordagem zetética vai fazer. entusiasmados pelo seu grande carisma e sua presença em sala. com seu integral apoio. um registro que pereniza não somente a reverência aos títulos. em pessoa e em vida.Neste percurso. que conferiu à orientação grande liberdade criativa. sobretudo. e sempre será. A gratidão de quem estudou sob a sua supervisão é. como não poderia deixar de ser. entre eles e o homenageado. ao ser humano que se homenageia. sem nunca descurar de incitar ao rigor e à precisão. que deve ser grifada pelo protagonismo de uma justa retribuição que o mundo acadêmico lhe dedica. 31 de março de 2011. nessas inúmeras empreitadas do difícil universo das letras jurídicas. o amor pela docência é algo que. Os organizadores têm como consenso pleno o espírito que atravessou a comunhão de ideias e a relação filosófica. podem testemunhar pessoalmente sobre essa vida de dedicação acadêmica séria e profícua. científica e de amizade construída durante anos a fio. saudável e profícua. BITTAR Professor Associado da Faculdade de Direito da USP – São Paulo Filosofia e Teoria Geral do Direito. JOÃO MAURÍCIO ADEODATO Professor Titular da Faculdade de Direito do Recife – UFPE – Recife EDUARDO C. e inicia os seus trabalhos didáticos. pude comprovar como Tercio é um professor de grande magnetismo. quando não se apaga. 17:46 . pois. forte e grande. Recife e São Paulo. bem como os colaboradores da obra. *** É assim que os organizadores. Esta obra torna-se. e que continue a ser longa. Nos entusiasmamos ao verificar que muitas décadas depois.p65 23 17/5/2011. inclusive por terem sido diretamente alunos e terem podido desfrutar da oportunidade única de privar de seu convívio direto. sempre. B. se mantém firme por toda uma longa vida. mas. Tercio continua a se animar a cada vez que entra em uma sala de aula. p65 24 17/5/2011. 17:46 .Filosofia e Teoria Geral do Direito. p65 25 17/5/2011. Paulino Jacques Prof. Miguel Reale (Presidente) Prof. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:46 .TRANSCRIÇÃO DA DEFESA DA TESE DE TITULARIDADE DO PROF. Machado Paupério Prof. TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. Goffredo da Silva Telles 1 Transcrição realizada por Jaqueline Santa Brígida Sena. DR.. Mata Machado Prof. NA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO1 BANCA EXAMINADORA: Prof. doutoranda em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo. citado na página 44. V. mas. que ao tratar de dogmática teve necessariamente que tratar de Direito natural? Talvez nos explique a questão Hans Welsel.p65 26 17/5/2011. Admira-nos. p. por que não se fixa em Suarez. Miguel Reale. que se constrói a partir de premissas cuja validade repousa na sua generalidade racional. na página 41. nessa página 44. será que o Direito natural racional? É o de Puferndorf? Essa é a grande pergunta que eu faria a V. de Renard. como exemplo por excelência da maior contribuição do chamado jus naturalismo moderno ao Direito privado europeu. ‘a ligação entre as teorias de Direito natural. De propósito usou-se a expressão racional. Puferdorf. São palavras de V. de Stammley.Sª. Eu quero crer que Hans Welsel teve sua influência sobre o candidato ao dar essa preferência e essa exclusividade a Puferndorf. as hipotéticas de Pufendorf. que ao invés de trazer à colação São Tomás e os grandes autores da escola do Direito natural racional tomistas ou não-tomistas. agradece a presença dos professores examinadores e passa a palavra para o Prof. deve conhecer tão bem quanto nós o jusnaturalismo cristão.Sª. usa a expressão racional. aliás. tenta aperfeiçoá-lo ao dar-lhe uma qualidade de sistema. E não a expressão racionalista. por conseguinte. e que dá especial ênfase a Pufendorf como vulto predominante do Direito natural moderno. “Ao falar sobre o Direito natural. Por que se deu natural ênfase a determinado autor da escola de Direito natural racionalista? Sobre a variabilidade de algumas normas de Direito natural.Sª. Disse na página 47. 17:46 . porque Filosofia e Teoria Geral do Direito. fundado na autoridade dos textos romanos. portanto. ele passa à análise do mérito da tese apresentada. por exemplo.Iniciados os trabalhos. Machado Paupério. presidente da banca. quando se diz ‘o Direito conquista uma dignidade metodológica especial’. 44? Diz-se. também chamado de Direito racional’. Só pode ser. Após tecer considerações a respeito dos aspectos formais (gramaticais) e metodológicos gerais do texto. que realizou a primeira arguição. nos apresenta o autor da tese. Dr.. o Prof. Sei que o candidato está ligado em sua formação cultural a Alexandre Correa e. por que São Tomás não figurou sequer bibliografia do trabalho. porque se insiste só em Pufendorf. e também mais abaixo que ‘exemplo típico dessa sistemática jurídica encontramos em Pufendorf ”. que se refere ao Direito natural preceptivo e donativo. ou no Direito natural de conteúdo variável ou progressivo. que na teoria do Direito natural quebra-se o procedimento dogmático. Sobre o conceito de ideologia. nota 66. Gostaria de receber uma maior explicação sobre a afirmação feita na p. ao que eu entendi. Na página 50. num capítulo de um livro meu. Sendo os programas partidários elaborados com o fim de alcançar o poder. diz V. assim. envolvendo atitude valorativo. Aliás. Eu concordo que a soberania seja um conceito histórico.. abrange dois livros fundamentais sobre a matéria. da página 63. A nota 67. reflexivas e instáveis.Sª. aliás alude a isso. o valor. disse que o ‘jusnaturalismo baseava toda sua força na crença ilimitada na razão humana’. Gostaria de saber quais são os interesses que os valores manifestam? Não são os valores morais. V. É verdade que tal valorização se desacredita e se conspurca estabelecendo a ideologia condições de variabilidade dos valores segundo as próprias necessidades e possibilidades da ação.Sª. É essa a concepção de V. ou melhor. de certo modo.Sª. por exemplo. valores chegam a ser considerados etc. 188: ‘enquanto os valores são expressões abertas. a ideologia não deixa de ser. A ideologia perverte. um conceito de ordem axiológica.na página 48. por objeto imediato. o candidato não poderia ter esquecido a obra específica de Nelson de Souza Sampaio. frequentemente. em que eu trato da filosofia e da ideologia.p65 27 17/5/2011. 62. passam enquanto meios Filosofia e Teoria Geral do Direito. também não esclarece melhor o assunto. prostitui-o. E eu desejaria uma explicitação maior de V. fala-se na reconstrução racional do Direito e como exemplo cita-se Puferndorf. 184.Sª.”.Sª. p. “’manifestando interesses. A ideologia. Na p. os próprios valores. A bibliografia citada na p.. mas a nossa obrigação é dialética. a negação dos próprios interesses materiais? É uma pergunta que eu faço a V. E o jusnaturalismo tomasiano? Também baseava toda sua força na crença ilimitada da razão humana? Gostaria de uma explicação sobre a afirmação da p. vai defender-se brilhantemente. 62. ao lado das obras de Karl Mannhein e Werner Maihofer. parece concordar o candidato. como os partidos políticos podem desenvolver a perversão dos valores dominantes através da inversão. a valoração ideológica é rígida e limitada”. de que o conceito de soberania é historicamente variável. “Ideologia e Ciência Política”. 17:46 .. 187-188. Luhmann viu com muita agudeza essa face da ideologia. que tem embora. sobre esse assunto. na política. Certamente V. eu digo em certo trecho “apesar de tudo.Sª. mostrando. sempre Pufendorf. é uma perversão do valor. mas não alude a outros que trataram da racionalização do conceito. dos fins e dos meios. como se diz na p.Sª.) Professor Machado Paupério.Sª. Não alcançamos bem o espírito do que está dito na p. Ou devemos lutar com todas as nossas forças pela desideologização do Direito que realmente é tanto menos Direito quanto mais envolvido pelas ideologias. de acordo com o que está escrito a p. contudo. numa banca em que concorro a uma dignidade acadêmica nesta faculdade. eu me sinto feliz por tê-lo aqui pela segunda vez. ordem constitucional”. como as que afirmam o primado universal da ordem e da justiça enquanto valor social. mas até que ponto o bem-comum é uma expressão vazia? V. É este o pensamento do candidato? Na p.p65 28 17/5/2011. Mas não ficou muito explícito o pensamento de V.Sª. pelos interesses do poder. ordem legal. sejam eles políticos ou econômicos? Obrigado. poderá brilhantemente completar sua linha de pensamento. 192 parece admitir-se como ideologia vigente o sentido monogâmico da família. ou seja. porém.Sª. 190. (Presidente) Com a palavra o candidato. pergunta-se se atualmente a dogmática jurídica não tende. 194. Eu perguntaria: é valor ou ideologia a liberdade no sentido liberal? É filosofia ou ideologia a democracia liberal? V. No fundo. É muito importante porque já estamos no final da tese. a constituir um pensamento que pouco a pouco se libera da ideologia. por exemplo. Os valores por acaso presentes para se tornarem instrumentos políticos pervertem-se e invertem-se muitas vezes. Na p. 17:46 . são inspiradas em considerações que tem seu fundamento em avaliações ideológicas. 189: “assim. também poderá responder brilhantemente. porque sabia desde o início quando vi seu nome Filosofia e Teoria Geral do Direito. ou tirar vantagem de sua própria transgressão. (TSF Jr. porque o mínimo ideológico de antemão posto fora de questionamento teria sido dogmatizado de modo tecnicamente perfeito. 188. a teoria jurídica libertar-se-ia então da reflexão ideológica. à guisa de conclusão. a ideologia para o candidato está me parecendo realmente que é uma perversão do valor. Então. Pelo visto. 193.a subordinar-se a esse fim. máximas do tipo ninguém deve permitir obter-se proveito de sua própria fraude. ‘no uso de expressões abertas e vazias como bemcomum. A teoria jurídica libertar-se-ia da reflexão ideológica não porque se teria tornada ideologicamente neutra. Ademais. Seriam essas máximas inspiradas em avaliações ideológicas? Fala-se na p. todo Direito é ideologia! Caímos no relativismo? É a pergunta que eu faço a V. (Machado Paupério) Isso acontece com a revisão muitas vezes. porque aquilo não é problema de revisão. faz e eu teria que fazer uma menção. de Direito natural. com coisas desse tipo. onde constato mais um vez o seu empenho de gritar e ao mesmo tempo persistir no caráter valorativo do Direito num sentido muito especial que é o sentido de uma tradição cultural que o ocidente seguiu dez mil anos ou mais. De fato. Era um neologismo que a ciência lógica poderia absorver com certa facilidade. sobretudo no que diz respeito à sua reflexão em termos de axiologia. que pudesse me mostrar depois. Isso realmente foi intencional. Pediria a V. a lógica propedêutica de Paulo Hassen. tem razão V. É um tipo de relação. há outros até. que diz respeito a neologismos.Sª. cita especificamente dois deles. algumas delas que atingem perfeitamente pontos cruciais da tese e fico satisfeito de ver que V. Eu vi essa palavra nos livros no original e isso é uma tradução pessoal. Pois bem. usa essa expressão diádica para expressar a relação a dois. chegou a esses pontos. alguns que eu mesmo não poderia me perdoar.Sª. revelaria. porque eu vivo corrigindo até mesmo os meus alunos. separar o sujeito do verbo. Isso ficou patente para mim no correr da sua argüição e principalmente nesse final. V. e passar rapidamente sobre os aspectos da forma e chegar mais depressa aos aspectos do conteúdo. eu me restrinjo a eles pelo tempo: completude e diádico.) Me parece muito importante comentar uma observação que V. e nem de cochilo na hora de redigir o texto. que de fato pela enumeração de alguns deles eu reconheço que alguns são mesmo cochilos. Isso foi intencional e não um cochilo nem de revisão e nem de nada. eu usei alguns neologismos. (TSF Jr. por isso usei essa expressão. Sinto-me agora obrigado a responder a algumas das questões. que teve o trabalho de colecionar todos os cochilos. Há a relação monádica e ele usa a expressão diádica ou de vários lugares. Filosofia e Teoria Geral do Direito.Exa.relacionado para a banca que teria um argüição tirada em padrões que a sua obra. Me permita seguir o conselho de V. Por exemplo.Exa. Que eu não tenho muita certeza se essa expressão tem sido usada em livros de lógica. sobretudo no que diz respeito à noção de valor. Eu poderia ter colocado aqui relação de vários lugares.Exa. 17:46 . Como por exemplo. Quanto à palavra diádico.Sª. de fato é uma expressão nova.p65 29 17/5/2011. eu confesso a Vexa. na técnica alemã não se coloca o nome da editora. mas é que não houve tempo. Quanto a todas as outras observações. Por hábito eu venho seguindo isso – meu primeiro doutoramento foi feito na Alemanha . 41 eu dou como exemplo típico dessa sistemática jurídica.e muitas das minhas notas estão assim. separação do sujeito e verbo. quanto ao índice onomástico e remissivo é uma desculpa. (TSF Jr. dou ênfase a Pufendorf. Foi um problema mais de tempo realmente. Aliás. alguns com editora outros sem..) Gostaria eu de ter feito isso. então. 17:46 . 41 e daí até a p. e os livros eu nem tenho mais. eu já tinha sido chamado atenção das próprias editoras porque eu não coloco seus nomes – é claro que isso é um interesse da editora. ou o sistema seria irracional. a respeito de galicismos. apenas o ano e o lugar da publicação. esta já tem uma entrada mais larga em todas as línguas européias que mais ou menos eu conheço. e para não ficar num meio a meio. Mas eu tive uma formação de muitos anos na Alemanha e nos livros alemães não se coloca o nome da editora. a lógica mostra que isso é impossível. no mundo do Direito. me parece também um neologismo que poderia ser aceito. VExa. porque na p. quando trata da questão. A respeito do Direito natural. seguir ao demais temas. A expressão completude também é uma expressão da lógica que foi transportada inclusive para o mundo jurídico para a discussão do tema lacuna. como V. eu sei. que me aprecem cruciais. me pergunta inicialmente. Então. Vamos. então. por gentileza. se for possível. Começamos aqui na p. que perdoe esses cochilos.p65 30 17/5/2011. pode resolver todos os teoremas e todos os problemas que se lhe apresentam. Machado Paupério) Encarece a impressão. Quanto à técnica metodológica. portanto.Exa. que eu reconheço que é um neologismo. resolvi optar. e V. É uma opção por razões existenciais inclusive.Exa. apontou perfeitamente. pois foram livros compulsados na Alemanha. (Prof. tem razão. e essa expressão é completude é trazida para a linguagem jurídica quando discutimos. peço-lhe. 50. Quanto ao nome da editora. A linguagem é da lógica e significa o sistema que é completo e que. de alguma maneira. E provavelmente vou continuar assim até o fim da minha vida.. pontuação. Porque essa ênfase num autor Filosofia e Teoria Geral do Direito. Essa expressão já se encontra em autores brasileiros.Quanto à expressão completude. uso indevido da palavra êxito. o problema das lacunas no Direito e do caráter completo ou não do sistema jurídico. por exemplo o professor Lourival Vilanova. por assim dizer. e os caracteres da escola se ressaltam. por sua vez. porque quando eu uso a palavra racional estou me referindo ao jusnaturalismo que aparece nos Filosofia e Teoria Geral do Direito.jusracionalista. (TSF Jr. por exemplo. quanto ao fundamento do Direito natural em Pufendorf. ao invés de dizer racionalista diz racional. e dentro dessa escala. Quanto ao Direito natural. confesso. Lendo o próprio Pufendorf – leitura que fiz há muitos anos. Então. mostrando que esse fundamento na razão humana. que o antecede. são gênios. nos revela o que eu estou tentando manifestar. num seminário na Alemanha... Daí a escolha de Pufendorf. É claro que eu sou obrigado vez ou outra a mencionar até mesmo o conteúdo e algumas discussões relativas a ele. Pufendorf é interessante do ponto de vista técnico estritamente formal. Porque ele fica preso a certos ditames da Escola. mas exatamente por isso ele foi alguém que seguiu. Grocius ou Hobbes. Eu acho que Leibniz tinha razão quando dizia que ele era um homem de vôos baixos. Como discípulo de Alexandre Correa... e como gênios. por assim dizer. 17:46 . na leitura do próprio Pufendorf. Vsa. em que eu tentei inclusive dar uma outra interpretação. aquilo que eu estou tentando pôr em relevo que é justamente o caráter sistemático da produção do Direito. por exemplo. está ligado à vontade divina. e por isso mesmo que ele é interessante. também. as ordens formais da escola e se ateve ao seu formalismo. ao pé da letra.p65 31 17/5/2011.. porque não é esse o seu objetivo. num homem como este. porque não Suarez? Pelos mesmos motivos apresentados. E com isso. Eu reconheço que ele não é provavelmente um grande filósofo do Direito. O Pufendorf. não poderia ter feito essa ligeira confusão. Isso são elementos acessórios dentro dessa tese. que é produto da escola. porque também era gênio. eu preferi o autor menor. e não a outro. porque a vontade divina não volta atrás. não é gênio. (Machado Paulério) Mas Vsa faz referência ao jusnaturalismo racional. Há quem diga que ele atribui fundamento na razão e na vontade divina.) Creio que seja um problema de terminologia. possuem certa liberdade diante das estreitezas de uma Escola. que é controvertido. na leitura da obra de Welzel me impressionou a forma como ele trata Pufendorf. Agora porque Santo Tomas não figura na bibliografia sobre o Direito natural? Nesse ponto em que eu estou tratando do jusnaturalismo racionalista desse séculos. em Pufendorf. um estratagema importante que se estabelece. nem tanto pelo seu conteúdo. Quanto a ele. E me impressionou outra coisa.. principalmente o que me interessou mais foi chamar a atenção para a sistemática do desdobramento do raciocínio. por assim dizer. que seria talvez nos perguntarmos em que medida a palavra razão não seria o Direito da razoabilidade. por assim dizer. É uma bibliografia indicativa. Uma indagação que eu não ousaria fazer nessa tese. principalmente porque vai pouco a pouco retirando o caráter ético. chegou à irredutibilidade do Direito àquilo. à própria razão cartesiana. o tema do Direito natural. nesse sentido é evidente que eu nunca atribuiria a Santo Tomas crença ilimitada na razão humana. aqui nesse passo. isto é. toda a bibliografia é acessória. que eu reconheço que tem diferenças marcantes. E não estou me referindo ao Direito natural medieval. V. E quando eu tomo a expressão razão é nesse sentido neutro. o Direito da razão. é claro que eu não estou interessado e não estava interessado. no seu esforço de análise combinatória.p65 32 17/5/2011. Bem. Leibniz. nem ao antigo. mas às vezes eu tenho a minha duvida se o Direito da razão. mais sutil.séculos XVII e XVIII principalmente. em estudar o conceito Filosofia e Teoria Geral do Direito. encontrei uma bibliografia pequena. nos seus trabalhos de lógica jurídica. A circunscrição do capítulo me parece que evitaria esta dúvida. 62. no que diz respeito à noção de soberania. Eu estava pensando nisso. A mesma coisa aqui no que diz respeito ao conceito de soberania. Eu quero com isso mostrar que o Direito natural jusnaturalista desses séculos a que eu me refiro de algum modo abandona a tradição medieval. E como aqui há menção a datas e nomes e épocas. porque seria uma tese de per si. Quanto à p. particularmente. Então. veja-se Puferndorf. Em todo caso. que é o tema da função social da dogmática jurídica e em relação ao qual. 17:46 . que foi mencionado há pouco. menciona a inexistência de uma bibliografia mais abrangente. Por exemplo. E a expressão que está sendo traduzida com o adjetivo racional é a palavra razão. se nós pudermos chamar assim.Exa. não seria o Direito da razoabilidade. que depois de um enorme esforço para reduzir o Direito natural à razão. para mostrar ao leitor no que eu estava pensando quando mencionava o tema. confesso que eu tive uma dificuldade com essa tese no que diz respeito ao próprio tema. embora eu reconheça que a distinção entre Direito natural racional e Direito natural racionalista possa ser feito quando não há menção a datas e nem a nomes. inclusive talvez uma outra distinção. Por exemplo. eu tenho a impressão que racional é sempre no sentido do racionalismo e não no Direito racional em geral. e não é. eu. porque ele nunca chegou a ser um Direito da razão no sentido cartesiano da expressão. de utilização imediata na tese. Eu estou traduzindo o Vernunftrecht. a expressão racional quando está colocada aqui refere-se aos séculos XVII e XVIII. para ficarmos num ponto eqüidistantes. de modo algum. menciono Hart apenas como uma indicação. esse é um risco que está imanente à noção de soberania – e esse é talvez um dos maiores riscos da sociedade moderna. a derrubada do governante pode significar a preservação da nação e. Colocarmos a soberania na nação e não no rei faz com que se abra uma perspectiva de argumentação com que se possa lutar contra o Rex. Mas não estou esgotando. ao meu ver. que o despotismo de um homem é muito mais perigoso que o despotismo da nação. 17:46 . Nós criamos condições de argumentação e aí está o teste de racionalização. O que eu estava pensando aqui era principalmente na passagem da soberania vinculada a uma entidade concreta para uma forma de soberania vinculada a uma entidade mais abstrata. naturalmente.p65 33 17/5/2011. o que eu estava pensando era que o conceito de soberania era um dos termos centrais. Nesse caso. sem que a noção de soberania seja abalada. a nação. Aqui a bibliografia apenas tem a virtude da limitação do texto. no sentido de mostrar aquilo em que eu estava pensando. nesse passo. cresce. nem falando tudo sobre esse assunto. eu estava me referindo muito mais à racionalização social. Digamos assim. a sua derrubada pode significar a derrubada do sistema. sem evidentemente nenhuma intenção de citar os autores mais importantes sequer. Machado Paupério) Mas a soberania da nação pode tornar-se tão ilimitada quanto a soberania do Estado. (Prof.de soberania. Isto era apenas um elemento dentro desta visão. O processo de racionalização ao qual V. e se refere a um modo pelo qual a soberania pode ser afirmada sem que ela se torne um alvo perigoso quando ela é atacada de tal modo que a quebra no ponto culminante poderia significar a quebra do sistema. no século XIX. a nenhuma discussão de natureza lógica. nós resolvemos Filosofia e Teoria Geral do Direito.Exa se refere na sua indagação. quando nós substituímos o Rex pela nação. para entender o pensamento dogmático tal como ele surge. (TSF Jr. Por exemplo. ao meu ver. Dentro do espírito da tese. Quando ela se concentra na nação. esse conceito de racionalização não está vinculado. Esse é o ponto de racionalização mais importante que ocorre na passagem para o século XIX.) Bom. por conseguinte. Agora. essa possibilidade. que aparece dentro de uma perspectiva weberiana ou do próprio Luhmann que é citado também. da soberania. Sobre o assunto da racionalização e da soberania. no sentido de mostrar que eu estava pensando nesses autores quando escrevia sobre isto. Quando ela se concentra numa figura mais concreta como o Rex. A história nos mostra muitas vezes isso. A bibliografia sobre cada tema ser exemplificativa. interesse. (trecho inaudível). escolha. não entrei num problema de ontologia. não haveria uma certa contradição entre os valores morais e os interesses materiais? Eu aceito perfeitamente que muitas vezes os valores morais podem contrariar interesses materiais. Soberania jogada na nação cria a possibilidade de domínio da burocracia. Ora. 17:46 . com todos os riscos imanente a ela. Tentei manter aqui o método que orienta toda a tese que é descritivo. Hoje essa soberania ligada nessa entidade abstrata nos absorve e nós não temos contra quem lutar. intencionalmente. tanto que na passagem do século XVIII para o século XIX nós já notamos isso.. até certo ponto. Aliás. do conceito absolutista por um conceito mais relativista? (TSF Jr. É perfeitamente possível isso.. A racionalização gera outros problemas em cadeia e é isso o que gera no homem possibilidade de transformação. mas vão manifestar outros interesses. é intencional essa distância. por exemplo. quais os interesses que os valores manifestam? Não são os valorais morais. Machado Paupério) Mas a racionalização não incluirá a queda do absolutismo. A minha colocação aqui não exclui essa possibilidade. É mais fácil lutar contra um homem do que lutar contra fios invisíveis que nos seguram aqui e ali pelo pagamento de uma taxa e coisas desse tipo. eu não esqueci apenas o Prof. esqueci de muita gente. intelectuais. não me pus no lugar do axiólogo. 184. eu. em qualquer valor eu tenho a manifestação de alguns interesses mas não de todos. de trazer a discussão para um grau de abstração que me permitisse uma análise. evidentemente pode haver certas contradições entre certos interesses e certos valores. percebemos que as posições mais relativas tomam corpo a partir do século XIX. Isto é. Assim. descritiva do problema. Sem tomar partido a respeito do relativismo ou do absolutismo. não assumi uma posição de axiologia. ideologia. certos valores morais vão contradizer certos interesses materiais. E a posição que eu adoto está baseada num plano abstrato para permitir condições de análise. (Machado Paupério) Bom. na própria definição de valor. portanto. Na p. mas às vezes criamos um outro muito pior. Nelson de Souza Sampaio.um problema. esse é o problema que nós enfrentamos no mundo moderno. Quanto ao conceito de ideologia.. mas no Brasil é uma obra fundamental. Nem todo valor manifesta todos os interesses. Filosofia e Teoria Geral do Direito.. (Prof. portanto. O valor é sempre opção. aqui.) De certa maneira sim. Mesmo porque eu pensei nesse problema e tive o cuidado.p65 34 17/5/2011. diminuir essa instabilidade semântica. Note que eu tentei ao máximo usar esses termos. respondendo a outra observação. teria pouca utilidade ao homem. fazem afirmações genéricas.p65 35 17/5/2011. como ideologia.Exa. Mas quando a sociedade cresce em complexidade e a instabilidade dos valores se revela aguda. não estou usando essa palavra no sentido ético da expressão. de modo não apaixonado. Em outras palavras. A bibliografia não é completa com respeito a nenhum desses temas marginais dentro da tese. tentei ver na ideologia uma importância pulsional. reflexivas e instáveis. Aqui é que ocorre uma instabilidade semântica do valor.) De fato. mas são instáveis no sentido de um semântica concreta. e digo algumas coisas que ele não chega a dizer e que me parecem pertinentes. e a palavra liberdade no Filosofia e Teoria Geral do Direito. E não só os valores. em relação a ele. porque se ele fosse fixo e rígido. essa possibilidade de abarcar todas as situações e nelas de servir de guia. Nesse sentido. isto é. Em sociedades mais estáveis. V. O problema é definir o que é o justo ou o injusto concreto. menos instável. Aqui eu estou. pouco complexas a ideologia tem menos importância. V. Acho que isso é relativamente pacífico – apenas alguns autores da linha nitzcheana diriam o contrario. é claro que ideologia é uma perversão. eu mencionei apenas o valor. Nesse sentido ela perverte realmente. Ela é uma perversão no sentido funcional e não no sentido ético. e tem tanto maior importância quanto mais complexa a sociedade e se exigem soluções rápidas.Exa. por assim. ele resolveria pouco. mas no sentido usado pelo próprio Luhmann. justamente. dificilmente em termos de universalidade vamos encontrar ninguém contra o valor Justiça. A função da ideologia é. Daí a importância da ideologia. Eu tive a impressão na argüição que V. no sentido liberal.Exa pergunta: liberdade no sentido liberal é valor ou ideologia? Eu tomaria liberdade. a ideologia cresce. Porque eu utilizei o temo instável? Refiro-me a uma instabilidade de natureza semântica. Os valores são semanticamente instáveis. era apenas exemplificativa. dizer. A ideologia é mais fechada.(TSF Jr. ela retira do valor a sua maior qualidade que é a universalidade de certa maneira. no pensamento de Luhmann. É possível trabalhar com valor sem que a ideologia se imiscua muito aí dentro. mas no sentido metafórico. em parte eu avanço um pouquinho. permite que cheguemos ao concreto de maneira mais rápida. me pergunta porque os valores são expressões abertas. como se vê bem no início da tese. valores e ideologia. em parte. 17:46 . achou estranha a expressão “instáveis”. A afirmação universal da Justiça pode ser feita com tranqüilidade. porque ela é muito mais do que o liberalismo diz. no sentido do bem comum. Isto é. uma múmia. Quem assegura força. no bom sentido da palavra. o que vale dizer. como V. oriunda da revolução francesa. Já que o século XIX caracterizou-se. Bom. importará na própria crise. é um método histórico comparado para trabalhos desta envergadura. já saberia mais ou menos para onde se encaminharia o meu pensamento depois do que eu falei a respeito de ideologia. mas acho que VSa. Então. Um Direito sem ideologia. é a alma. Mas. como sabe V.Exa. Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr. Professor Machado Paupério. Quanto ao método adotado por V. pela condição individual. escolheu um dos temas mais palpitantes dos dias que vivemos. será coisa semelhante. 17:46 . Li o trabalho de V. nesse particular eu louvo sem medidas a escolha do tema de V. Quanto à dogmática. Por isso nesse particular também louvo VExa. vigor. senão na derrocada da civilização por excesso de pragmatismo e ausência de ideologia..p65 36 17/5/2011. Um corpo humano sem alma é um cadáver. me parece perfeitamente adequado.Exa. a meu ver. na maior atenção e simpatia. vida. vivência ao Direito é a dogmática. Toda atividade do estado ou social deve dirigir-se no sentido da sociabilidade. A linguagem já foi apontada magistralmente pelo meu eminente colega e amigo. Para onde vamos? Ninguém com segurança poderá responder. nos sabemos que ela constitui como que o cerne da árvore jurídica.Exa. só interessa o que é útil imediatamente e isso será sem dúvida se assim continuarmos a crise fatal da dogmática. acentuou muito bem na parte final da sua tese. Isso será um perigo. (Miguel Reale) Com a palavra o Professor Paulino Jacques Sr. Nos dias em que vivemos em que parece que um materialismo pragmático invade e pretende dominar a civilização. que escolheu um dos fenômenos mais importantes dos dias enigmáticos em que vivemos. o que já é uma perversão ideológica da liberdade. se não for um cadáver. há de se caracterizar pela função comunitária. já possui vários significados.Exa. repito. E o século XXI.sentido liberal. Filosofia e Teoria Geral do Direito. que é uma das características do nosso século. É como o corpo humano.Sa. quem lhe dá ânimo. faltou o relativismo.. Daí porque ela é fundamental. uma proteção quase fanática do individuo.Exa. função social. se é que posso aventurar algo a respeito. a ausência de eidétida e de ideologia adequada no conteúdo do Direito.. que é também catedrático de língua portuguesa. com maior respeito que merece o eminente colega e amigo. V. como acentuou o eminente Professor Machado Paupério. no decurso da minha argüição. podemos dizer que Aristóteles considerava o Direito como um fenômeno ético-político. pelo que li e sei. embora não relacionados diretamente com o tema fundamental do seu trabalho. na vida em comunidade. onde pode admitir-se uma certa liberdade de linguagem. 17:46 . Acho que não é má inspiração. Filosofia e Teoria Geral do Direito. VExa. é atual. que embora não estejam diretamente vinculadas ao seu tema. de o príncipe eterno dos filósofos – e realmente me parece que o é. a mim me parece que isso não diminui em nada o valor real do seu trabalho. meu prezado amigo. esqueceu de citar. de aprofundar e ampliar suas observações de modo a dar ao trabalho o maior realce imaginável. está perfeitamente atualizado. sem dúvida. Mas a mim me parece que uma tese de cátedra não impede um candidato como VExa.. que VExa precisasse o seu pensamento a respeito em um tema fundamental do Direito nos dias em que vivemos. em que posam pesar os seus defeitos – mas ninguém é perfeito. por assim dizer. que já Aristóteles. de agir. vou me deter apenas em duas questões. E que isto não é o tema essencial de VExa.eu lembraria que VExa. 86. fez um trabalho acadêmico. Acho que as fontes de que VExa. cita livros. Esta organizando a Pólis. escreveu seu trabalho. Quanto ao mérito. inspirado. Isto é bastante louvável. fala da relação que existe entre Direito e política. mas. repito. se valeu são válidas. Então. Nas páginas 84. Lembro a VExa. sério. de real valor. 177 e 180. mas vigoroso. embora como que dominado. nem um poema. a quem Augusto Comte denominou. Basta dizer que VExa. mesmo já falou. ela. no seu Organon. e aquela determinando a conduta dos homens dentro dessa cidade. terei oportunidade de referir alguns trabalhos que VExa. Então. revelando que VExa. estamos hoje falando dele ainda –. Os alemães. ou. as artes e os saberes em geral coloca o Direito como saber de ação. E VExa. só Deus o é – estiveram sempre na vanguarda do pensamento social. nesse particular.p65 37 17/5/2011. certa vez. do ano de 1978. do ano que VExa. não escreveu um romance. como o Sr. ao classificar as ciências. pela filosofia jurídica alemã. a política da boa conduta no meio social.. de qualquer forma poderiam torná-lo mais vigoroso – não digo compreensível. Mas VExa entendeu não fazer tais considerações. sem dúvida. entre a ética e a política. No que diz respeito à bibliografia. Mas nada impedia. em língua alemã. entre outras. tinha condições para fazer isso. isto é. Mais tarde vamos ver. no famoso livro “Introdução às ciências do espírito”. que é Germano Kirschman. Isto em 1847. H2O também é água em toda parte. o presidente dessa comissão observou que seu trabalho constaria dos anais. Daí ao meu ver. na China de Mao Tse tung.E Aristóteles foi repetido até Kant. Rui. Isto em 1883. e que poderia dar mais brilho ao seu trabalho. que organiza. estrutura a sociedade. levantouse e num dos seus mais belos e profundos discursos disse. E é um fenômeno político para ele. precedeu seu trabalho de uma longa introdução política. na expressão Filosofia e Teoria Geral do Direito. Não política partidária. então. que pressupõe todos os demais tipos de conhecimento. em 1847. Era um fenômeno estritamente político e não havia como fugir disso. E. 17:46 . responsabilidade. A obra dele data de 1789. que está lá no ponto culminante de todos os saberes. Nem o de justiça. Depois. como também não citou Bentham. e por isso o Direito não era uma ciência exata.p65 38 17/5/2011. que foi Dilthey. “dois e dois são quatro”. Depois que terminou o seu trabalho. numa conferencia que pronunciou em Berlin. na acepção aristotélica do trabalho. entre outras coisas. Ele fazia parte da quarta comissão. que apresentou trabalho sobre a conversão dos navios mercantes em navios de guerra. Vamos encontrar. Ele. solidariedade. Diz ele que o Direito é um saber não só de síntese. uma ciência positiva.. autoridade.. não cita. como todos sabem. que variava nos paralelos e meridianos e dentro do tempo. com verdades universais. demonstrando o desvalor do Direito como ciência. considerado um dos fundadores do utilitarismo. Mas liberdade aqui não é o mesmo conceito da União Soviética ou do Reino Unido. com verdades não universais. pois ele entendia que era uma política ordenatória. mas que política e Direito estavam tão intimamente ligados que. mas ressaltou que era vedada qualquer manifestação de ordem política na conferência. na metade do século XIX um filósofo que o Sr. coloca o Direito no vértice das pirâmides de todos os saberes. quando dizia que Direito é uma ciência política. aceito a posição de Kirschamn. é claro. como também um tipo de conhecimento de vértice. mas singulares. por volta de 1883. nós podemos lembrar a atuação de nosso insigne Rui Barbosa. Aqui. durante dezoito séculos. um livro do mestre alemão. acima de paralelos e meridianos e do próprio tempo. na União Soviética. que foi Jeremias Bentham. no Reino Unido. como a matemática ou física. O Direito seria uma espécie de capítulo da política. da arte de organizar o Estado. no fim do século XIX. repetindo Aristóteles nesse particular – considerando o Direito uma ciência política – um filósofo inglês. historiador e filósofo. Já depois podemos lembrar. na conferencia de Haia de 1907. em Ética a Nicômaco. ou não. Assim. faço essa referência para lembrar que Rui.Exa. uma nova concepção do Direito natural. não era possível levantar uma muralha entre Direito e política. postulados teoréticos todos os anseios da política como ciência e arte de organizar o Estado e estabelecer a conduta dos homens e assegurar o bem-comum. pode-se dizer que o Direito serve à política. pois reduz a normas. que seria a concepção do Direito natural variável. tal a interferência entre ambos. Os clássicos romanos como Cícero. demonstrarei a VExa. que é a questão do Direito natural. mas sei que daria mais brilho ao seu trabalho se tivesse definido melhor o seu pensamento com relação ao Direito e a política. capítulo VII. que abordou o tema da dogmática. e não seja relacionado com o objeto da sua tese. e Direito Legal.p65 39 17/5/2011. já pressentia com seu gênio a interferência da política no Direito. e o Direito? Na segunda parte da minha argüição. constantemente por uma ideia universal.Exa. de acordo com as novas condições e exigências sociais. assegura a sobrevivência do Direito legal. E dá a entender que esse Direito natural que é permanente. mas jurisconsulto. Para resumir. em que Aristóteles faz uma distinção bem clara entre Direito Natural. agora. O jusnaturalismo. estabelecido pelos homens. Repito. 17:46 . vou revisar um tema que me parece palpitante. Embora isso pareça paradoxal. e não for animado. E perguntou ele. E é isso que eu gostaria que V. V. denominado de neojusnaturalismo. embora já tenha sido focado pelo Professor Machado Paupério.Exa.. não pode esquecer que o seu conteúdo poderá ser esvaziado se contiver apenas elementos positivos.Exa. mas não cita o livro V. é claro. grande orador. na concepção comteana. dado pela Natureza. em nossos dias. Filosofia e Teoria Geral do Direito. por assim dizer. mas daria a ele mais vigor e brilho. na sua concepção. numa imagem muito bonita: haverá debaixo do sol algo mais político que a soberania? Então. mutável de acordo com os efeitos e as circunstâncias da comunidade. mutatis mutandis. grande mestre do Direito internacional. que V. influenciado. que não é. cita. Aristóteles foi repetido por muitos séculos.dele. fizesse quando responder essa argüição em sua primeira parte. apesar de não ser filósofo. entende que haja. Novamente volto a Aristóteles. o príncipe eterno dos filósofos. normas objetivas de direto. um relacionamento estreito e fecundo – ou infecundo – da política como ciência e arte. gostaria que me respondesse se V. que é imutável. sei que esse não é o tema central de V. repito. daqui a um minuto.Exa. então. ele é um produto da natureza. V. Ele admitia um contrato originário. não pode ignorar nem deixar de acompanhar o desenvolvimento histórico. que escreveu em 1960 a obra O Direito fundado na ética. e sabe a distinção clássica kantiana entre Direito inato e Direito adquirido. o Direito deveria apoiar-se na ética. e ainda antes Francisco de Vitório. Pufendorf. Prof. embora não os cite. Vê-se.Papiniano. Os escolásticos. Não era ele um contratualista. para que o Direito natural constantemente impregnasse. também Suarez. fazem essa distinção vamos dizer aristotélica entre Direito natural e Direito legal. Mas. entre outros. Porque o homem é um animal natural também. Daí se origina essa Filosofia e Teoria Geral do Direito. há juristas filósofos alemães – que o Sr. terminou com Kant. Como pretender rebelar-se contra as forças naturais ou ignorá-las? Isso importará em rebelar-se contra si mesmo. como Lemberg. Kant admite um contrato natural. que seria o Direito natural. em que ele se manifesta. Machado Paupério –. não um contrato social tipo Rousseau.Exa. Nenhum pensamento social pode escapar às injunções do momento histórico. fazem essa distinção entre Direito natural e Direito legal. no seu Tratado sobre as Lei de Deus. em obra bastante conhecida. e Kant sobre o qual me deterei daqui um minuto. então. mais tarde os racionalistas naturistas se assim posso dizer. tendo à frente Grocius. um dos precursores do racionalismo kantiano –. conhece os princípios metafísicos da ciência do Direito. 17:46 . é a obra-prima da natureza criada por Deus. que ele introduz aí o elemento ético. Hobbes. Direito natural fundado na natureza e fonte de todo o Direito. ele era um racionalista – considerado um dos fundadores do racionalismo moderno. essa concepção muda. Mas a influencia Aristotélica. Locke e Rousseuau. não poderá fugir às injunções da natureza. Ulpiano e Paulo. Tomasius – insigne filósofo alemão. não cita –. Vou prosseguir na exposição demonstrando que houve também essa distinção entre Direito natural e Direito legal na escola contratualista. entre outros. seria o Direito legal de Aristóteles. que é um monumento. À primeira vista poderia parecer absurdo. Esse pensamento perdurou até o fim do século XVIII. realmente. Os escolásticos referem. de naturismo ou naturalidade o Direito humano. No século XIV. mas não é. sobretudo São Tomás – muito bem referido pelo eminente colega e amigo. digamos assim. O primeiro nasce com o próprio homem. que eu considero um dos pontos culminantes da sabedoria jurídico-filosófica alemã. o segundo. Pois bem. um sábio. imperativo. é claro. como VSa sabe.p65 40 17/5/2011. Ele mostra que o Direito natural deve sempre constituir o cerne do Direito positivo. O trabalho de V. Em todos os temas. sem que haja necessariamente um crescimento. ou evolutivo. fazendo uma argüição que me lembra um pouco as argüições tal como são feitas na Alemanha. não posso dizer mais. por assim dizer. A tese é um motivo para o professor escolher temas e indagar os candidatos a respeito desses temas. são fundamentais.Exa. mesmo reconhece. De fato. não são temas precípuos da tese.Exa. neojunaturalistas chamamos de Direito natural de conteúdo variável. Com terminou o tempo. ela foi feita no correr da sua argüição. é gratificante tê-lo aqui.concepção atual que nós. nascem outras concepções. mas diagonal. já fez as suas observações. diferenciável.p65 41 17/5/2011. É um tema diagonal porque a atravessa de ponta a ponta. eu lamento muito. terminou o tempo. Professor. V. eu tenho a impressão que eu poderia deixá-las de lado no que dizem respeito à linguagem. Eu não tenho um capítulo específico de Direito e política. nada.. Bom. ele está por detrás. Quanto às observações iniciais..Exa. dissesse se aceita ou não o Direito natural de conteúdo variável? É isso que eu gostaria que V. bem reconhece não é fácil de ser estabelecida. presidente. sobre o primeiro tema: a relação entre Direito e política. nem isso é um tema que vai crescendo no correr da tese. e eu me sinto gratificantemente provocado por essa oportunidade. ou do seu objeto. Quando falamos nessa relação. terminou o tempo? (Miguel Reale) Sim. respondendo a segunda parte. que eu conhecia apenas pelos textos de quando eu começava os meus estudos de Direito. A relação.Exa. E dessa. terminou o tempo.Exa. (Paulino Jacques) Bom. como V.Exa. com uma bibliografia exaustiva com respeito a todos os temas paralelos que entram na tese. e eu me penitencio novamente. mas gostaria que V. os dois temas levantados por V. 17:46 . O tema é tratado dentro da tese de uma forma que eu diria não linear. Como V. Tem a palavra o candidato Sr. Sr. No que diz respeito a bibliografia. nos leva a grandes considerações.Exa. ou o que seja. fez. seria necessário que se esclarecesse se estamos tomando a palavra Direito no sentido da ciência. Foi exatamente o que V. pois não tive a oportunidade de fazer um trabalho abarcante ou abrangente de todos os temas. respondesse. Mormente a partir de um pressuposto de natureza metódica e que se refere aos dois pares da expressão Direito e política. mas estão dentro dela inevitavelmente. o Filosofia e Teoria Geral do Direito..Exa. distinguindo-se os dois planos. Aliás. mas que são diferentes. e a própria vida política. já na introdução da tese. interfere na dogmática jurídica. Direito e política. Isto é analisado subsequentemente dentro do paradigma dos glosadores. evidentemente temos de fazer a distinção: Direito como fenômeno ético político em que sentido? De objeto ou de conhecimento? No que diz respeito ao Direito como fenômeno ético-político. e o que fato me chamou atenção era que a escolha dos jurisconsultos era senatorial. como por exemplo no que diz respeito ao pensamento romano. inclusive o último capítulo toca no problema do Estado de Direito trazendo à tona de novo esta relação a tela. nesses dois sentidos. no correr da tese. nesse sentido. onde que chamo atenção para esse fenômeno. ou Direito como objeto. então. através da ligação das teorias de Direito natural racionalista e o conceito de revolução. isso não era por acaso. que é a dogmática jurídica e sua função social. Os dois enfoques dessa relação.mesmo vale para a política. Mas. Tendo em vista o tema da tese. estão na sua argüição. Isso tinha uma relação primordial entre Direito como dogmática jurídica ou pensamento jurídico. que se coloca entre a ética e a política. em que eu tentei mostrar esse aspecto. de fato. em termos de conhecimento. os dois sentidos se relacionam à dogmática. a ligação entre a ciência política e a própria dogmática jurídica. eu diria que há uma Filosofia e Teoria Geral do Direito. a influência da própria atividade política no pensamento dogmático. de como a política. Eu. eu acho que eu deveria distinguir os dois planos. ou melhor. Quanto ao outro aspecto. Direito como ciência. mas a primeira me pareceu preponderar.p65 42 17/5/2011. na sua indagação. que estão inter-relacionados. o Direito como um fenômeno ético-político. e as próprias revoluções que se fizeram – e que mostram a relação íntima entre Direito e política. e citando o exemplo aristotélico. 17:46 . depois isso se retoma no período do jusnaturalismo racionalista. tentei excluir aqui o Direito romano como objeto. mesmo porque ali se coloca a posição metodológica e ali se reconhece essa influência. quando se pergunta qual a relação que está por detrás. eu tenho a impressão que foi a outra relação que lhe chamou mais atenção. Isso já é afirmado na introdução da tese. inclusive. isso eu tentei mostrar de maneira diagonal. isso então vai sendo explicitado através da parte histórica. que fala do Direito como saber ligação à ação. entre a doutrina jurídica e a atividade política. isto é. sobretudo pela sua referencia a Aristóteles. Portanto. Aqui. E isso se prolonga até final da tese. mas o pensamento romano tem uma ligação íntima com a vida política. ela e extremamente concreta. por exemplo. até mesmo o amor transformado em instrumento social. aos que não eram gregos. Então a relação entre Direito e comunidade é ligeiramente modificada. A sociedade não é mais identifica pura e simplesmente à Pólis.certa evolução na ciência ocidental no que diz respeito ao fenômeno social. já começa a ser proeminentemente um sentido ético. Portanto. a reflexão sobre a sociedade naquela época está muito ligada ao fenômeno da Pólis. e V. Digamos que toda filosofia social da antiguidade – eu não posso usar a expressão ciência social –. uma outra concepção da cidade medieval há uma comunidade muito maior do que aquela que existia na Grécia e que tem um sentido universal diferente da anterior. A partir da idade media. dentro da sociedade. Isso representava um processo de separação em relação à barbárie. ela não se vincula tanto àquela Pólis que representava um processo de separação em relação à barbárie. A linguagem aristotélica e platônica também estão ligadas a isso. pois o Direito se acha intimamente ligada à vida na Pólis. isto ocorre pelo alargamento dessa Pólis. cujo fundamento será de origem teológica. mas essa Pólis tem um outro tipo de fundamento. A liberdade do cidadão. quando ela podia ser afirmada com uma certa segurança. Nesta comunidade. o papel do Direito vai sofrer modificações. Primeiro. O aspecto ético e a ética ligada ao pensa- Filosofia e Teoria Geral do Direito. muito estreita na antiguidade. que liga indelevelmente o Direito à política. Podemos aqui falar em civitas. nós começamos a notar algumas ligeiras transformações. Em Roma isto persevera. em que certas distinções básicas como essa aristotélica. mas na civitas Dei. e política nesse sentido é intensa. isto é. estava intimamente ligado à essa vida na Pólis e àquelas características que faziam da comunidade grega uma Pólis. portanto. aos selvagens. em Aristóteles. por uma série de instrumentos que a Pólis trazia e transformava em instrumentos sociais. tem razão. a concepção em substância legada à Pólis. a possibilidade de regulação. no sentido antigo. a Pólis era realmente um instrumento de vida social. Portanto. portanto. da sociedade civil. portanto. vão sendo transformadas progressivamente e de maneira que torna muito mais difícil do que ela era ao tempo de Aristóteles. e não político. aos outros. Mas a concepção medieval da sociedade é ligeiramente diferente. A Idade Media não é mais a Grécia. que poderíamos ainda chamar de Pólis. Observamos. O Direito era algo aí proeminente. 17:46 . a relação entre Direito e Pólis.Exa. de racionalização da vida social. A amizade transformada em instrumento social. para o grego. Nós temos ainda em substância a Pólis grega.p65 43 17/5/2011. p65 44 17/5/2011. paulatinamente. essa distancia que vamos observar. e depois separa-se da própria ética. a partir da idade média. o problema da proteção do indivíduo contra o Estado. porque me permite perceber um início de distanciamento entre Direito e política. mas agora se torna um problema agudo. Primeiro. na fortaleza.mento divino começam a tomar conta do Direito. toda a linguagem da ciência social daquela época está ainda impregnada disso. O século XIX é um século de contradições. mas já começa a aparecer outros termos. por exemplo. onde o Direito está ligado à ética e à política sofre transformações. por assim dizer. 17:46 . onde todos esses elementos interagem. A ligação do Direito à economia começa a preponderar nesse período. há uma outra transformação no meu ver importante que recoloca esta acentuada distancia ou diferenciação do Direito da política e até da ética. Não que não tenha sido antes. No presente momento. Já a partir do renascimento. eu diria que nós chegamos a uma situação que a complexidade social nos exige. isto é. a tese inicial de Aristóteles. As comunidades são muito maiores. separase da política. da ciência do Direito. Temos a nação – já no sentido renascentistas. Ele ainda está preso nas qualidades do indivíduo. A relação da ciência jurídica e da ciência jurídica se torna uma relação até certo ponto não mais amistosa. onde se procura ver a sociedade não mais como Pólis ou civitas Dei. O crescimento das declarações de Direitos individuais. Essas transformações estão novamente ligadas a uma concepção diversa da sociedade. isto é. Pois bem. uma Filosofia e Teoria Geral do Direito. Essa distancia prepara a secularização posterior do Direito. aparece a sociedade no sentido burguês. aos poucos. Na medida em que a ética é mais universal. ainda se fala nas virtudes do indivíduo. o próprio vocabulário das ciências sociais se transforma. assumindo a função de um instrumento da política. na amizade. no decorrer dos séculos. e é isso que vai fazer da relação entre Direito e política um grande problema. vai provocar uma separação entre Direito e política de tal maneira que o Direito vai. Então. Isto vai provocar uma série de – me permita usar a palavra – perversões do próprio Direito. que cresceu. há uma ligeira transformação aqui. mas extremamente importante. distancia essa que vai se acentuar com o advento das guerras religiosas. há uma progressiva distancia entre Direito e política. ligada à revelação cristã. mas se começa a ver a sociedade numa concepção ligada ao burgo. É um século difícil. Essa secularização vai ter uma importante interferência na relação Direito e política. A sociedade passa a adquirir a conotação de sociedade econômica e isso atinge mais uma vez as relações entre Direito e política. Nesse termos. resumisse a sua resposta. Não que eu esteja sublinhando.) Certo. ou uma ciência política ou se quiser uma ciência dialética. embora não precisemos aceitar nem sublinhar. em separar a ciência do Direito da política. um segundo. que são difíceis de serem apreendidas porque se revelam de modo intrincado. (Paulino Jacques) Eu pediria a V. aqui é o contrario. sem gema e clara. de tão esvaziado de outros elementos sociais.progressiva capacidade de diferenciação conceitual que me permita ver essas progressivas transformações. para uma observação. a oportunidade de demonstrar a profundidade e a extensão de seu talento.) Muito obrigado.Exa. onde é que nós chegamos? Qual a relação entre Direito e política? (Paulino Jacques) Agora. Nesse intricando em que ele se vê.Exa. falou em Kelsen. o empenho de um autor como Kelsen. podemos entender. hoje. Mas como V. que o jurista percebe uma gama de relações entre o Direito. a política. sem Filosofia e Teoria Geral do Direito. está me pedindo. a religião. mas também as diferenciações internas da relação entre Direito e política. E casca não é nada. a história. porque elas se separaram. mas eu lembro de um contemporâneo dele. pode ser perigosa. (TSF Jr. se assim posso dizer.) A afirmação de V. que disse num de seus magníficos trabalhos. um grande mestre.Exa. é isso que eu quero dizer. confirma tudo aquilo que eu estou dizendo. quase como esforço último. que o Direito de Kelsen é um Direito sem Direito. se considera o Direito como ciência exata. por excelência.p65 45 17/5/2011. (TSF Jr. nesses termos. Bom. O Direito é um objeto complexo exatamente por isso. Minha tese é uma tese não kelseniana. Seria a casca. a sociologia. Seria como que um ovo de galinha. Lidholz. a dogmática jurídica não é essa ciência exata.Exa. 17:46 . Uma resposta assim. como a matemática e a física. (TSF Jr. eu lhe diria isso: repetindo o que está na tese. de ficar só com a casca. A sociedade se tornou de tal modo complexa. Chegou-se a um autor que chega justamente a esse extremo. V. ele tenta ver a ciência do Direito ali dentro. um paradoxo. eu gostaria que V. com verdades que variam com os paralelos e meridianos dentro do tempo. onde chegamos a uma separação radical. Apenas citei o exemplo dele como uma tendência.Exa. Somente isso. mas ao mesmo tempo se tornaram intricadas. dada de maneira brilhante sem dúvida. como a economia.Exa. a ética. (Paulino Jacques) A minha argüição teve um objetivo único: dar a V. sem uma argumentação precedente. Pois bem. que vivemos numa sociedade que. do Direito natural de conteúdo variável.. E agora eu chego ao final do meu pensamento. por assim dizer. que estudou na Alemanha sabe que lá há uma espécie de renascimento do Direito natural. cartesiana. Machado Paupério. mas o discípulo tentou salvar o mestre por essa perspectiva. É claro que existe aqui uma outra dúvida que é saber se a dogmática jurídica resume toda a ciência do Direito. no seu livro “Introdução axiológica do Direito”. Eu não posso afirmar com exatidão. mas não entenderam o que ele dizia. difíceis de serem traduzidas a um denominador comum. mas notamos. A partir da segunda metade do século XX. Nós vivemos numa outra sociedade. mas. onde eu chamo atenção para esse dado. e nos faz uma classificação enorme de fazermos uma diferenciação entre os diversos conceitos. Inclusive. Isso eu acho extremamente bom e necessário.dúvida. o Direito se transforma no seu processo cognitivo. Quanto a isso. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Isso é um outro problema. 17:46 . XII ou III ou IV a.p65 46 17/5/2011. estamos sentindo uma espécie de retomada. A sociedade ocidental.Exa. Não é a retomada do século XVII. antes de seu falecimento. Eu conheço esse renascimento na Alemanha. que ele sempre jusnaturalista. foi se encaminhando para essa progressiva separação do Direito da política. Trata-se de outro tema de muita discussão. da sociedade de forma geral até culminar nessa forma kelseniana do ‘ovo sem a gema e sem a clara’. que nós estamos vivendo. a ciência do Direito tende a se reaproximar da ciência social de modo geral. até a primeira metade desse século. não há dúvida. sem dúvida. Permita-me agora passar ao problema do Direito natural. até mesmo em função da guerra. Isto está dito e afirmado no fim da minha tese.) Certo.C. (TSF Jr. nos tenta fornecer uma orientação para o problema. conheço até autores que foram discípulos dele e que tentam demonstrar que ele não era relativista como lhe atribuíram. a respeito especificamente de Radbruch. A dogmática jurídica sem dúvida não é essa ciência. citado pelo Prof. por conta do tempo. o grande mestre da valoração. uma espécie de Direito justo. teria feito declarações no sentido de aceitar mais ou menos a teoria de Stammler. Tanto que um pensador contemporâneo. que seria o ideal stammleriano.. como disse V. (Paulino Jacques) V. Vamos dizer assim.Exa. Conhecemos obras divergentes. Radbruch. É uma tese controvertida. sem dúvida. da religião. assim. Bom. o Direito natural entra aqui não como objeto. mais do que propriamente em problemas de conteúdo. Digamos. de todos os outros Direitos positivos.) Sim. porque o tempo está acabando. A segunda é de que ele é a fonte de todo o Direito. Não há autor que negue isso. a questão sobre se ele tem um conteúdo variável é secundária. eu preferiria assumir uma variante da posição de Stammler. eu estava explicando que o problema da invariabilidade do Direito natural está localizado muito mais em certos pressupostos teóricos. A primeira é de ordem formal.. e esse é o ponto mais importante – porque o conteúdo variável é quase que afirmado secularmente. Nesse sentido. Eu não entrei na assunto. (Paulino Jacques) Mas eu lembro a V. Nesse ponto de vista. afirmou que Direito não era como fogo que ardia do mesmo modo na Grécia e na Pérsia. em certas premissas teóricas. eu sei. e voltando à posição que V. o Direito natural não é assim tão imutável. Mas deixando de lado esse autor e o caráter da imutabilidade. o que é reforçado na Retórica. Nesse sentido. há primeiro uma afirmação do Direito natural como diferente do Direito legal.Exa.Exa.. aqui nós temos de diferenciar de novo as distintas perspectivas. se existe um Direito natural de conteúdo variável isso significa. por exemplo. (TSF Jr. nós notamos que a noção de Direito na physis não é exatamente isso. 17:46 . no livro X. Entra aqui a noção de acaso. uma premissa teórica universal de todos os autores jusnaturalistas é a sua posição superior. me pediu. E depois vem a pergunta: aceita o Direito natural de conteúdo variável? Bom. A ideia de que a invariabilidade do Direito natural. assumir uma posição como de Stammler. (Paulino Jacques) Como a fonte de todo o Direito positivo. isso é universal. de minha parte. A natureza ali a que ele se refere. Eu diria que ela está ligada principalmente nos pressupostos Teóricos da doutrina. Essas duas premissas estão em Filosofia e Teoria Geral do Direito.Mas eu vejo que na sua exposição. ele é hierarquicamente superior. como se costuma dizer. porque eu não estudo o Direito natural mas o seu papel dentro da dogmática jurídica. do ponto de vista da tese. É de extrema importância histórica. que vai propiciar inclusive todo o desenvolvimento do Direito. certa vez. Por exemplo. ou seja. (TSF Jr. que Aristóteles...) Essa é a segunda premissa.p65 47 17/5/2011. mas a própria noção de Direito natural em Aristóteles não é assim tão imutável. A grande questão está em saber onde estaria sua invariabilidade. um tempo atrás.) Sim.. singular. inclusive.todos os autores de Direito natural. com razão. O problema é saber se a sociedade ainda vai ter força de reassumir esses princípio.Exa.p65 48 17/5/2011. esta dúvida que V.. se não for um paradoxo (risos). (Paulino Jacques) Se é que não é um paradoxo. nesse sentido de técnica. o Direito natural garantirá o bem da dogmática.) Sim. que me disse que estava na Universidade de Paris esperando o dia que teologia seria transformada em ciência das coisas divinas ou qualquer coisa assim. Eu reconheço que é muito difícil tomarmos uma posição quanto uma universalidade em relação a isso A própria noção de natureza é uma noção controvertida. Agora. evidentemente. Na última página de seu trabalho. de um princípio deontológico que possa animá-la e dar-lhe cada vez mais vigor. universal. que é a teologia. Lembro-me de um professor. Então ao meu ver. A dogmática como está. imediatismo. demonstra. é saber se existem outros problemas universais no plano do Direito objeto. o receio da crise que a dogmática vai sofrer no resto desse século e no século seguinte. por isso. Filosofia e Teoria Geral do Direito.Exa. um segundinho por favor. Aqui eu tenho algo que entre os jusnaturalistas é. de fato. utilitarismo. Inclusive.. perecerá a ordem jurídica e será o fim da civilização. Não é simples reduzirmos isso a uma unidade. Perfeito. cada vez mais dominada pelo pragmatismo. um princípio ordenador do bem comum. É a dissolução de certos princípios fundamentais. levanta é uma dúvida crucial. a própria tese minha era no sentido de mostrar o risco que corre a dogmática de desaparecer inclusive como forma de pensamento típica. se assim pode-se dizer. Eu digo exatamente. A dissolução da família. E aqui nós cairíamos em dificuldades muito grandes. porque não é problema saber se a própria dogmática pode restaurar a dignidade do Direito natural dentro dela. Outro problema. pois o que percebemos na sociedade moderna é o contrário. por exemplo. por falta de Direito natural. Nós vimos isso acontecer com outra importantíssima forma de dogmática. (TSF Jr. (Paulino Jacques) V. na teoria.Exa. na medida em que ela preenche uma função social. E com ela. (TSF jr. (Paulino Jacques) É como que uma universalidade. inclusive. uma universalidade singular. 17:46 . nós vamos perceber essa dificuldade na obra de Stammler. pode mesmo perecer. V. estabelece a chamada anti-lei. que é de Hannah Arendt. com D maiúsculo. 17:46 . e coloca o problema da tirania e da ação despótica. Estaria o candidato voltado para o passado? Creio que não. Aqui eu menciono outro livro que VExa. E o Direito é muito mal situado dentro desse livro. sobretudo porque esperava que o Sr. sob o nome de dogmática jurídica. Mas ele tem uma desvantagem: ele é distante da práxis. o problema da Pólis. tem um aspecto integrador. Entre o passado e o Futuro – eu já não sei se nós estamos. usa com muita inteligência. Hannah Arendt cita frase famosa de Platão. confessa uma declarada crise da dogmática jurídica em relação às exigências sociais. O Prof. (Miguel Reale) Com a palavra o Professor Edgar Mata Machado (Agradecimentos à banca) Professor Tercio. políticas e econômicas de nosso tempo. voltados para o futuro. eu.Sem dúvida é um fato e o grande problema é como responder a isso.p65 49 17/5/2011. Mas confesso que me assustei um pouco com o título. e esse é o grande dilema do jurista moderno. E aqui eu encontro uma espécie de arqueologia do Direito. O Direito natural tem uma vantagem: tem um grau de conceptualidade abstrata que lhe permite abarcar diversos instrumentos. li sua tese com o maior interesse. portanto. Tercio dogmática jurídica significa ciência do Direito – e aqui já temos uma primeira objeção. Só me repus desse susto quando li o final da primeira página. aliás eu preferia dizer “o Direito é soberano sobre todas as outras ciências” – porque Filosofia e Teoria Geral do Direito. Tercio usa com muita inteligência o famoso livro de Foucault em que ele faz uma chamada arqueologia das ciências humanas. no sentido de que a lei é soberana sobre todas as coisas. ou melhor. porque o autor da tese. Eu prefiro chamar a ciência do Direito só e simplesmente de Direito. ao me deparar com a questão da dogmática. logo à página 03. Não me surpreendo também porque o Professor coloca como matéria fundamental da função da dogmática jurídica o problema do domínio político. coloca muito bem desde as primeiras páginas quando se refere às relações entre teoria e práxis e pergunta: como legitimar o domínio político? Nesse mesmo livros dessa autora. como da atividade dos juristas que vão aos poucos sendo substituídos por tecnocratas que eventualmente conhecem Direito. Isso não me surpreende. Nesse livro. Isso reativou a minha esperança de encontrar no seu livro os elementos de utilização não só do Direito como ciência. Pois eu me perguntava se para o Prof. colocasse o problema da função do Direito na transformação da sociedade. mas que na maior parte dos casos conhece. Qual a função que a ciência jurídica toma na sociedade? Aqui eu diria que a pergunta seria: qual a função que o Direito assume ou pode assumir na sociedade atual. na leitura do livro. que se chamava Jurisprudência. de ver sua ciência chamada de Jurisprudência – agora eu já passei para o passado – até mesmo com aquela modéstia dos romanos. Algumas. Nesse livro. as traduções do inglês traduzem Law por Direito.p65 50 17/5/2011. e os governantes os escravos da lei”. vejo bem quais são os problemas que ele coloca. que é perfeitamente legítima. E eu sou alguém que gostaria.em geral. identifique dogmática jurídica com ciência jurídica. mas apesar da grande área que V. “a lei é o déspota dos governantes. lembra que a ligação entre ciência e atividade estatal. do Direito. Alfred Sauvy. O galo. Está falando na ciência em geral ou na nossa ciência. como a sociedade acaba por influir na elaboração da ciência. Mas nesse capítulo. ainda. 17:46 . se vai transformando na avestruz que esconde a cabeça debaixo da areia para não ver a realidade. em que diz “esta panorama” e não “história” da dogmática jurídica. quando V. O galo que é o símbolo da França. que a viam como um convite ao conhecimento da realidade para estabelecer uma ciência do justo e Filosofia e Teoria Geral do Direito. como sistema de governo é algo inexistente antes de passar algum tempo. Todo o seu capítulo primeiro é dedicado às origens do pensamento dogmático. Eu sei que V. de caráter considerável. diz ele. Hannah Arendt lembra a frase de Platão. ‘Le coq. Ainda há pouco o famoso economista que é também entendido de Direito. dedica às origens do pensamento dogmático.Exa. l’autruche et le bouc émissaire’. Essa notinha eu tomei um pouco. eu gostaria de lembrar que há uma falta de vinculo entre a práxis da jurisprudência romana e a teoria. em relação a p. é o Estado.Exa. as quais deixam de parecer como processo de formação da vontade para assumir a forma de uma tecnocracia – que como forma. 16 do seu livro. Eu não creio que na leitura de sua tese que VExa. E o bode expiatório. na ciência do Direito? Diz que essa relação serve de mascaramento para relações de domínio. eu respeito o ponto de vista de V. Essa função despótica é uma função de casa. tem essa resposta. publicou um livro sob a situação da França. e aqueles que estão sob os domínios do déspota são os escravos. assim ao sair de casa.Exa. Eu teria muitas observações a fazer.Exa. o ato as vezes militar. Prossigo. no final. talvez. o avestruz e o bode expiatório.. o ato de grandeza. força. É interessante a segunda pergunta. Aqui eu lhe dou a oportunidade de continuar se colocando de forma brilhante frente às objeções que lhe são feitas. cuja importância é inegável. É claro que depois de cada área. a meu ver.do injusto. entre a ética e Direito. então faz assim uma boa colocação. me parece um pouco infiel em relação a esse autor. de que dogmática jurídica é o nome da ciência do Direito. porque ele fez uma retomada de contato entre o problema que já foi debatido aqui. não vou empregar a palavra etapa. Gosto dessa referencia que o V. Depois de sustentar. mas a cada estágio da sua tese.p65 51 17/5/2011. bastante viva da chamada escola do Direito natural e das gentes. o Direito da civitas. V.Exa. também. Enfim. Por que Leibniz não aparece nesse breve panorama que o Sr. é que ele está na linha leibniziana. Por exemplo. a gente espera que se fala dessa tal função social da dogmática jurídica. Realmente afirmar que para Pufendorf a vontade divina dava origem. ou tentar convencer. na época Direito civil.Exa. Aí a justiça aparece dialeticamente. nas páginas 34 e 35. donde o Direito é chamado positivo. Eu quero guardar a forma tradicional de argüição e perguntar à VExa. terá oportunidade de corrigir. as normas de conduta do homem decorreriam de três fontes: das luzes da razão – e aí sim entra o racionalismo jurídico. do ponto de vista axiológico. fez das teorizações de Direito? E Wolf tem uma importância muito grande no final século XVIII. não menciona a Jurisprudência com esse título. para esse autor. e eu lamento muito.Exa. 17:46 . Ele atribuía o Direito a função de organizar a convivência humana de forma a tor- Filosofia e Teoria Geral do Direito. seria o fundamento do Direito natural. VExa. estuda teoria jurídica na era moderna – aliás. depois a vontade do soberano. Então. acho que há algumas impropriedades que V. faz a Wolf. Isso aparece muito bem no seu livro quando VExa. o que eu faço em relação a esse problema é lamentar que o estudo do Direito se transformou quase que só no estudo dogmático. Para Pufendorf. agora já na página 34. bastante ampla. que ao meu ver nem era natural e nem era gente. ou afirmar. o Direito natural tenha fundamento na vontade divina. Não. quem sabe. se dogmática está no princípio da negação da proibição ou se está no postulado da proibição da negação. como objeto do Direito e como a destinação do Direito. sobre Pufendorf. aqui foi bom que não pusestes a dogmática jurídica –. mas gostaria de lembrar. atribui que. e da revelação divina viriam os preceitos religiosas. ao mesmo tempo. da Pólis. no exame técnico dos textos legais. Nesse mesmo capítulo. mas ao mesmo tempo. e ele se deteve exclusivamente no chamando jus strictum.Exa. problemas tão sérios que talvez não coubessem numa argüição tão modesta como a que estamos fazendo. E aqui. fez a cisão entre o mundo moral e o jurídico. na verdade. Mas e a declaração de 1948? E os pactos sucessivos.p65 52 17/5/2011. e é o grande filósofo do século XVIII..”. Mas é há uma ausência que me parece difícil de explicar. o Direito natural do iluminismo. E a influencia de Kant é tão grande na ciência do Direito – com D maiúsculo e VExa. da falta de fixação da verdadeira posição de Wolf.Exa. e dai o Sr. às vezes se refere ao Direito como engenharia social. Uma beleza a teoria de Wolf. Não há duvida de que também do ponto de vista sistemático. Mas repare. ele seria o chamado jus latum. leito de Aristóteles. e de uma colocação não muito fiel de Pufendorf. ele preencheu esse século.Exa. não quis fazer história. V. então há realmente a separação. por exemplo..Exa. com D maiúsculo. o Direito em sentido genérico. e isso o reduz a certo tipo de engenharia social. depois de Kant.nar a pessoa humana a mais perfeita possível. E daí. “nesses termos. iria para os neokantianos. não há duvida de que a expressão sistemática é bem característica do pensamento wolfiano. V. eu falei da ausência de Leibniz. porque ele. pois Kant daria a V. mas não há duvida de que mesmo nesse panorama é preciso encontrar aquilo que é fundamental. V. de 1789. em Foucault. ficou fora Kant. quis apenas dar um panorama. coloca engenharia com “e” minúsculo. em Kant. ou então o que assusta mais a gente. o Direito estrito.Exa. E ao Direito natural Kant oferecia uma pequena margem. me desculpe estar falando assim. V. Mas eu entendo o seu ponto de vista. Mas olhe. É simplesmente a de Kant. eu quero lembrar também ausência da Declaração dos Direitos do Homem.Exa. sendo assim titular de Direito internacional. mas é que V. que viveu entre 1724 e 1804. na página 63. Mas ele deveria entrar aqui. o jus equivocum. à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. como se o antijurídico fosse aquilo que pudesse tornar o ser imperfeito. uma fundamentação muito precisa do problema da dogmática como positivação do Direito. que aparece assim na p. está ainda pensando um pouco. fazendo um jogo entre o passado e o presente. faz uma referência vaguíssima. 50. porque não se trata de curso de engenharia nem da cadeira de engenharia. se é não cita. Filosofia e Teoria Geral do Direito. que são expressão de Direito? E a criação da Corte Sul-americana para a qual o indivíduo como pessoa pode apelar. 17:46 . há o problema da codificação. considera que a positivação do Direito gerou a dogmática jurídica. uma referencia discreta a Kelsen. Mas existe por falta nossas dos juristas. Será que somente durante este século é que na área alemã – isso eu vou aprender com V. assinala que isso marca a dogmática jurídica de tal modo que há hoje uma necessidade constante de rever o pensamento dogmático.Exa. como V. Mas se V. E a referência a ele talvez seja até imprópria. brigar com Foucault que fazendo arqueologia das ciências humanas mal se refere ao Direito. V. página 75. eu gostaria de lembrar-lhe que ao lado da positivação. considera que a ciência do Direito é a dogmática jurídica. de exegese. assim.Exa. o Direito desaparecer e passa a ser uma dependência das ciências humanas.Exa. p. 79. e não apenas o jurista ho- Filosofia e Teoria Geral do Direito. quando que fala da dúvida a respeito do futuro da dogmática. diz. Quando o jurista. Isso é horrível. tem formação alemã e sabe que durante todo o século XIX houve uma disputa entre Savigny e Thibaut. o primeiro contra a codificação e o segundo a favor da codificação do Direito privado. e ao mesmo tempo uma critica a uma certa legislação que há por aí. deu tão pouca importância à Escola da Exegese. – será que se deu mais atenção ao aspecto dogmático do Direito. quando referindo-se à oposição entre a norma e a realidade. mas às vezes eu me perguntava – não que fosse uma falta no seu panorama – mas porque V. ou como um de seus aspectos. Na p.. e que me parece um termo bastante feliz. é outra falha. essa dúvida então é sobre o Direito? Há que talvez exista. escola francesa que marca tão profundamente o nosso Direito civil. de decidibilidade. V. 202. por falta de conhecimento de conhecimento daquilo que nos devemos chamar Direito como ciência.Exa. 17:46 . vai dizer isso com muito mais ênfase no final da tese. ou dentro dela.Exa.Exa.p65 53 17/5/2011. Mas assim como V. eu fui continuando a leitura de seu livro e sempre que possível eu colocava “sim.Exa. e daí é que ele tirou toda a posição normativista. por exemplo. Estou inteiramente de acordo com V. fala de pandectismo e de Kelsen.Olhe. colocaria Kelsen na linha de Savigny? De Von Ihering? É uma indagação também que faço que pode ter eventualmente o caráter de crítica. Kelsen – não me compete falar – está na linha neokantina e sua grande contribuição vem no sentido de que ele deu de costas à critica da razão pratica para entrar na critica da razão pura. sim”. V. Eu vejo pelas suas obras que V.Exa. que só se vai fazer em 1900. A dogmática na atualidade.Exa. aliás. de decisão. Aqui eu encontro. Quando é o Direito é a ciência humana por excelência.Exa. sim. que. segundo a qual o Direito propriamente desaparece. dos temas e autores Filosofia e Teoria Geral do Direito.. um jurista que se liga ao social. era provável que as omissões surgissem.p65 54 17/5/2011. pacífica e humana convivência entre os homens. agora que eu já fiz referencia a essa dúvida da dogmática jurídica. isto é.mem de ciência. as omissões seriam mais graves. Agora eu fui advertido de que meu tempo terminou. eu teria que concordar com V. Permita-me. Evidentemente que se se tratasse de uma história. muitas das quais V. compondo minha banca de concurso. me puxou o tapete. presidente. Mas também por aquilo que V. página a página. que atua na comunidade inclusive defendendo seus pontos de vista. V. começa a preocupar-se com aquilo que o Direito deve representar para uma justa.) Senhor Professor Mata Machado. A sua argüição. dizendo que eu insisto que se trata de um panorama e não de uma história. que foi também mencionado em sua argüição largamente. as omissões surgem. isto é.Exa. já me tirou o argumento. provavelmente por motivo de tempo. Daí o sentido do panorama. e até de natureza pessoa.. quase que totalmente. ou que está no MP. portanto. um tipo de jurista que se encaixa naquilo que ficou na cena de fundo da sua arguição. ficou principalmente na parte do panorama. (Miguel Reale) Com a palavra o candidato. mas simplesmente levantar alguns aspectos que me chamam atenção tendo em vista aquilo sobre o que eu quero discorrer. também. é com grande satisfação que o vejo. especialmente em relação a Kant. mas apenas panorama. argutamente. Não sendo historia.Exa. (TSF Jr. levantando algumas duvidas cruciais. mas eu guio por certos interesses práticos da tese. não estou tão preocupado em fazer um levantamento histórico da origem da dogmática. que conheci primeiramente através de seus livros e de sua tese de concurso. Mesmo sendo história. Isto me causa uma profunda impressão e é com grande alegria que eu o vejo nessa banca. A escolha. Não só pelos seus dotes intelectuais. a ponto de ser conduzido a um supremo sacrifício de natureza política.Exa. mas também o jurista que está na magistratura. 17:46 . a função social da dogmática. eu pediria que se libertasse do pessimismo e do dogmatismo. cuja erudição e profundidade me impressionaram bastante. Nas características e funções básica da dogmática. não que isso retire a gravidade tratando-se de panorama.Exa. e é cerrada porque vai ponto a ponto.. representa. p65 55 17/5/2011. evidentemente – eu não digo isso. Logo no começo. no lugar de história. Também não me preocupo na tese em definir o que seja ciência do Direito. se refere a esse problema.Exa. mas deixo em aberto a questão – eu não digo que a dogmática jurídica seja uma ciência. Se V. quase que me tirou das mãos. talvez.Exa. Aliás isso vai ser tratado depois. dogmática e pensamento tecnológico. sua influencia recíproca tendo em vista o problema da dogmática jurídica. eu me refiro de fato à ciência em geral. Dogmática é ciência do Direito? Várias vezes isso foi repetido na sua argüição. porque isso já seria então um tema subsequente e de larga discussão e que eu não me atrevi a adentrar nessa tese.Exa. quando eu procuro falar na relação entre a entre a ciência e a vida social. cujo tema era a dogmática jurídica e não a ciência do Direito. especificamente citada por V. porque não houve pesquisa história. me pedisse que eu lhe dissesse isso.. A sua primeira pergunta. A ciência é uma dessas formas institucionais de conhecimento. É aqui que eu discuti o problema do caráter cientifico ou não da dogmática. assim. Além do mais. coloca o grande problema teórico da tese. do chamado conhecimento vulgar. evidentemente. Na medida em que ela é institucionalizada.é ditada por esse ponto de vista metódico dentro do trabalho. que a dogmática jurídica é um pensamento tecnológico e não científico. Só quer isso me daria uma tese de história de Direito. Além do problema da função social. mas que acho importante repeti-lo de alguma maneira. mas isso não revela em mim nenhum historiador do Direito. Eu lastimo que eu não tenha tido tempo de fazer uma pesquisa histórica. especificamente no capítulo segundo. E está dito e eu não vou repetir a V.Exa. antes de entrar no aspecto do panorama histórico. Isso é um argumento que V. Eu não identifico a dogmática jurídica com a ciência do Direito. de propósito deixado indefinido. ela se separa. Mas aqui na página16. por isso insisti em colocar um panorama. que não é institucionalizado. existe um problema aqui sério e toda a argüição de V. Não tem reconhecimento do tipo que tem a ciência. no título primeiro. para que pudesse abarcar diversas formas institucionais de conhecimento. 17:46 .Exa. evidentemente aí ciência está sendo tomado num sentido muito lato. como isso merecesse. eu Filosofia e Teoria Geral do Direito. e quando eu particularizo a relação entre a ciência e a sociedade. não é história. Eu apenas procurei informações em alguns autores. que leu a tese. por incúria própria. disse que gostaria que a ciência do Direito se chamasse de novo Jurisprudência no sentido romano. que se revelaria no panorama. de um modelo estrutural (Kelsen) para um modelo funcionalístico. mas com os aspectos dos fundamentos.Exa. nesse sentido. Por exemplo. quando reclama – e eu também reclamo – que a ciência do Direito venha sendo já a um bom tempo confundida com a sua dogmática.Exa. A ciência do Direito. Essa confusão que é ditada inclusive por razões sociais. a ciência do Direito está localizada em outros pontos da teoria jurídica.Exa. eu tentei uma síntese apertada e assim mesmo ele ficou longo. se refere à multiplicação de exemplos em que esse vínculo se tornasse mais explícito. essa consciência está na prática no ensino do Direito. E depois porque não se utilizaria a expressão jurisprudência – V. mas não se confunde com ela. foi deixando o pensamento correr a respeito dos temas que foram ventilados.. fez algumas menções ao pensamento de Hannah Arendt. a mudança progressiva da ciência do Direito. 17:46 . dentro das políticas das universidades da Alemanha certos problemas. essa predileção dos doutorandos causa certa animosidade lá. Quanto à falta de vinculo. Hoje em dia nós notamos uma certa revolta contra isto.p65 56 17/5/2011. pois a culpa. E se bem entendo. e eu lhe dou alguns exemplos práticos e não apenas teóricos. creio que V. Platão. da base da própria dogmática – o que causa muitas vezes. está no jurista que faz sua própria dogmática um palmo diante disto. o panorama histórico ficou muito longo tendo em vista o meu propósito.Exa. na teoria geral do Direito. mas é um lugar onde eu pude ver isso.Exa. pois estive muito tempo lá estudando –. V. como disse V. O último livro que eu li de Norberto Bobbio coloca nitidamente isso. A multiplicação dos exemplos o deixaria ainda mais longo e criaria uma desproporção em relação ao Filosofia e Teoria Geral do Direito.Exa. Inclusive. Apesar disso. tive impressão que V. que ele diz que está em elaboração. sua primeira objeção se coloca no que diz respeito a uma falta de vinculo entre a práxis e a própria teoria. Bom. Mas de um ponto de vista prático – perdoe-me se é um testemunho da Alemanha. eu dou razão a V. tem evidentemente relações com a dogmática jurídica. De fato. do apertamento do jurista dentro de certas cadeias de dentro das quais ele não consegue mais sair. nós notamos por parte dos doutorandos uma preocupação muito grande não com a dogmática jurídica.diria que a ciência jurídica não se identifica com a dogmática jurídica. Entretanto. um problema de revisão. era uma arte teorética. Isto é. É princípio da proibição da negação.bojo da tese. e para esta eu tentei chamar a atenção do leitor. Quanto a Pufendorf. ciência nesse sentido. Na sua interpretação de Pufendorf. há uma troca na frase inclusive. mas da prudência. se bem que ele levanta um problema a respeito disso. V. notícia. muito abrangente das dificuldades que teve Pufendorf em afirmar Filosofia e Teoria Geral do Direito. que ficou truncada. Evidentemente. que não era uma ciência no sentido da episteme grega. voltada para a práxis. reafirmada inclusive por um homem como Wieacker. e eu me penitencio. realmente. na sua interpretação de Pufendorf.p65 57 17/5/2011. É exatamente o contrario do que está dito aqui. 34. eu reconheço que a tese de que o Direito natural se funda nas luzes da razão. Na p. princípio da negação dos pontos de partida da série argumentativa. É o princípio da não negação dos pontos de partida. mas aqui foi um problema de equilíbrio da tese e eu já me sentir apertado diante de um panorama histórico abarcando dois milênios. que é em termos de cultura. faltou a explicação. A ligação entre o jurisconsulto e o seu papel dentro da sociedade romana.Exa. Pois bem. agora me chamou atenção para isso. O que me mostrou que o fundamento do Direito em Pufendorf pode ser uma questão teórica que mereceria uma discussão mais detalhada. aquela que tinha por base a inspetio. Assim. as vezes até chamada de ciência. talvez. Proibição do que? Se bem que o que se segue permite que o leitor faça esse acréscimo. Aqui. tentei mostrar que havia uma vinculação que era até mais importante do que essa vinculação que poderia ser observada nesse dia-a-dia da práxis. que é Walther. eu confesso. Isto. talvez isso ajudasse a explicitar o próprio pensamento. fala-se no princípio da negação da proibição. Vontade ou razão é a dúvida levantada por Wieacker. portanto. mas ciência no sentido da techné teorética dos gregos. A vinculação da jurisprudência como o Direito em Roma. eu tentei mostrar isso – em poucas linhas é verdade – como uma práxis mais ampla nesse sentido cultural. e não da episteme e. ela tinha uma função primordial dentro da cultura romana. examinando essa discussão que outro alemão que tem uma obra inteira dedicada a Pufendorf. e não princípio da negação da proibição. e o nome está aí. o que se queria dizer aqui era no sentido da impossibilidade de se recusar os pontos de partida. ele nos lembra que tal autor ficou com um pé no voluntarismo e sem saber como sairia dessa dubiedade. foi um erro de revisão. 17:46 . Eu me penitencio da falta disso. esse era o sentido da expressão. Ela era um conhecimento. Mas o pensamento sistemático identificado com cientificidade toma conta da cultura européia jus- Filosofia e Teoria Geral do Direito. Ele teve um longo debate com os teólogos luteranos de sua época. inclusive. No momento da escolha.Exa. e não foi fácil enfrentar. em Roma aparece ligeiramente. mas percebemos aí uma tentativa de ligar as duas teses. nos seus livros. 17:46 . Walther sim. a vontade divina. no meu texto. ema firmar se o Direito tinha por fundamento a razão ou a vontade divina. na Idade media não se usa essa expressão com esse sentido – só começa a aparecer lá pelo século XVI. Esta difusão. a tomar certas posições que não deixam claro se o fundamento estava nas luzes da razão ou na vontade divina.as suas teorias em termos de dificuldades práticas. Relendo um trabalho como o de Túlio Ascarelli sobre Leibniz. mas Wolf? Aqui de novo o problema da estratégia da escolha do pensador tendo vista aquilo que eu estava querendo ressaltar. de tal maneira que ele foi obrigado a. esse trecho de Pufendorf onde fica a dúvida. Ele colocou todos os princípios ao tentar dar à dogmática jurídica romana um sentido sistemático. sabe que nem sempre esse tema foi escolar. Ele não chega a entrar em detalhes sobre a relação dessa vontade divina com a própria razão. No prefácio de seu livro ele toca nesses problemas e dá uma solução que de certa forma responde aos seus opositores.p65 58 17/5/2011. na Grécia nunca foi. da noção de sistema como um tema escolar – V. lá pela teoria da música. mais do que os outros que estão citados aqui. mas. com o brilhantismo que lhe é peculiar. tentaram expulsá-lo da Universidade por conta dessa oposição. o que reflete numa certa indecisão no seu pensamento. por ser uma vontade racional se determina para todo o sempre e não muda mais. inclusive. Que me faz perceber que Wieacker não chegou a esse ponto. deixa evidente a contribuição de Leibniz e diz claramente que no seu tempo esse autor torneou a dogmática jurídica tal como ela foi desenvolvida depois no século XIX. Por que não aparece Leibniz? Aqui novamente eu recorro ao problema do panorama. Entretanto – e essa é a curiosa saída que ele dá –. Isso o marca pessoalmente. que era o que defendiam os teólogos que. Razão ou vontade divina? Por isso eu menciono. em que ele tenta conciliar as coisas – ele queria voltar para a Alemanha – e diz que o Direito tem por fundamento as luzes da razão. De fato ele é um pensador extremamente importante. mas então por que eu não citei Leibniz. que. tem por fundamento também a vontade divina. e tenta mostrar a dubiedade do conceito. eu queria ressaltar a difusão que sofre o pensamento sistemático por todas as correntes da época. Bom. Ele teve até que sair da Alemanha porque não conseguia resistir ao ataque desses teólogos. principalmente sobre a oposição entre o pensamento sistemático e o problemático. naquele momento. tem nesse texto uma influencia menor ou é mencionado apenas quase que an passant. a interpretação de dogmas me pareceu fundamental.tamente na época da Wolf. mas como no século XVIII eu estava preso. Admito isso. e graças a ele o pensamento sistemático se difundiu e não graças a Leibniz. no século XIX me pareceu extremamente importante pinçar o aspecto histórico. Kant ficou de fora. por isso Kant ficou de fora. o homem que todos liam. mas não insisti sobre ela. e de um papel tecnicizado. pois talvez eu fosse levar muito longe aqui. tendo em vista esse problema específico. E a escola da exegese também não entrou mais aprofundadamente pelo mesmo motivo. De fato. que é a sua grande contribuição para a estruturação da ciên- Filosofia e Teoria Geral do Direito. pinçar contribuições que me pareceram básicas para a formação do pensamento dogmático. nem a Kant. V. Talvez ele não seja um filósofo tão importante quando Leibniz. por isso. da sistematicidade. em relação à escola histórica. que eu tentei no panorama levantar. porque ali a ciência do Direito cai se transformando ainda mais num pensamento tecnológico – ainda não posso falar em dogmática jurídica. como também a referência à Declaração Universal de Direitos. o Direito romano eu pincei a prudência. Ela até aparece. no período do jusnaturalismo racionalista eu pincei a sistematicidade e o seu caráter técnico.p65 59 17/5/2011. à intenção de ressaltar a ideia de sistema para a ciência do Direito. que é fundamental para a ideia de positivação. mas na época ele era o padrão. concedo a VExa a observação muito bem feita de que a visão fundamental de mundo jurídico em Kant vai ter uma repercussão ampla no século XIX. Porque essa escola. minha ideia era sublinhar essa noção de sistema e. Por isso. Mas não foi só por isso. o caráter exegético.. Não nego isso. Então. mas a teoria jurídica que desemboca no século XIX começa a assumir já esse caráter tecnológico. que antecedem em muito a especulação que houve depois. não foi o pensamento que espalhou a sistematicidade para o pensamento da época. Eu reconheço que Kant tem contribuições sobre esse tema. Perfeitamente. do pensamento medieval. 17:46 . inclusive em termos de ciência do Direito. daí a escolha de Christian Wolf e não de Leibniz ou Kant. O século XIX era um mundo a estudar. muito mais. embora eu reconheça que ele teve importância já no século XIX. nos séculos XIX e XX. Note.Exa. Isso teve um papel importante tendo em vista o esforço de organização da tese. e porque ele foi uma espécie de papa da filosofia de sua época. coisas admiráveis. Mas. a partir da problemática que eu vou estudar no século XX.p65 60 17/5/2011. Existem coisas duvidosas na vida gente. no meu subconsciente. Mas acho importante que se tenha Kelsen como um ponto de partida ara sabermos contra o que estamos lutando. Eu gostaria de não ser. Ela ficou na preocupação com a sistematização e isso está afirmado aqui. eu já estar meio cansado de Kelsen. de uma certa tristeza. para que o otimismo não seja apático. embora eu não o seja. mas o tom da tese. Ao lado da positivação. e essa teoria. faltou apenas um tema. onde ficou a codificação. diz V. traz um travo de uma certa amargura. Esse estudo é preliminar e tem que ser pessimista. digo mesmo que ele. Kelsen aparece discretamente. eu confesso. A cátedra que constituiu o centro principal Filosofia e Teoria Geral do Direito. não se deve esquecer que esse concurso é para substituí-lo no exercício da cátedra que durante tantos anos ocupou com tanta proeficiência e sabedoria. que seria o papel da dogmática nos mundo de hoje. justamente para mostrar suas limitações. Talvez não tenha entrado aqui pelo fato de. (Goffredo da Silva Telles) Muito obrigado. mas não foi só por isso.. a quem carinhosamente saúdo nesse instante. Bom. absolutamente. me aconselha a não ser tão pessimista. porque depois ela aparece na dogmática. me interessa secundariamente. Kelsen é um metadogmático.Exa. Mas eu acho que uma janela está aberta ali no fim.cia do Direito. pela lembrança manifestada neste momento. cuja importância não se nega. V. ao da sistematização e é aqui que entra a questão da codificação. Realmente este concurso é para mim sumamente emocionante. 17:46 . é pessimista sim. Tem a palavra o examinador. Eu não me preocupei em analisar nenhum autor daquilo que Norberto Bobbio chamaria de metajurisprudência ou no caso específico metadogmático. (Miguel Reale) Professor Goffredo da Silva Telles. Estou neste momento largando a minha casa. Professor Miguel Reale. bastante. Daí a importância no texto que tem a escola histórica em relação à escola da exegese. Por isso ela tem esse tom. no meu espírito. Ele está interessado muito mais em propor uma teoria da ciência do Direito. entre outras coisas. Eu sou um professor que por insistir nos cursos de pós-graduação em se estudar Kelsen. e que é até mesmo paradoxal. Eu tenho estudado Kelsen com afinco.Exa. O fenômeno da positivação está ligado. que é um elemento muito importante na formação do pensamento dogmático do século XIX. sou chamado de kelseniano pelos meus alunos. Exa. o que está escrito na página 95.de minha vida de professor.. as quais. tem de dogmática. a meu ver. Uma deturpação do Direito. impede o dialogo com a lei. não vou me estender demasiadamente. que acabamos formando em nosso espírito uma definição que não corresponde com a realidade simples do que este objeto é. V. Vejo uma deturpação completa dos conceitos fundamentais da teoria geral do Direito. desde o tempo que V. a ritualização leva os sujeitos a se colocar no destino de se colocar sob o controle dos juristas. completei 39 anos de docência. entretanto. os juristas nada compreendem do repertório neobarroco das ciências humanas. Este é um fenômeno que acontece com uma certa freqüência no nossos estudos. Realmente. Realmente a leitura de seu livro nos leva a convicção de que V.Exa era meu aluno. talvez não tenha parado o suficiente para meditar sobre o que a dogmática efetivamente é.Exa. 168: o trabalho do juristas.p65 61 17/5/2011.Exa. que diz tudo e dá as respostas. O Direito existe justamente com a finalidade de obscurecer a verdade social. V. entro. não se interessam pelos textos incompreensíveis e inatingíveis. paradoxalmente. Diz V. O Direito deve permanecer inacessível enquanto instrumento voltado para a manutenção da ordem.Exa. que trabalhou comigo nos seminários desta casa. afinal. eu leio logo no início do capítulo quarto.Exa..Exa. manejados pelos glosadores juristas. apresentou com uma argüição repassada também de tristeza. p. do texto que sabe tudo. do próprio conceito de dogmática. dada sua função. seja ela qual for. 17:46 . Neste mês de março. é o capítulo relativo ao princípio da inegabilidade dos pontos de partida. Foi. o jurista faz a lei falar.Exa. iniciar as minhas observações sobre a tese que V. por sua vez. que esse princí- Filosofia e Teoria Geral do Direito. Devo. Professor Tercio. que eu o vejo neste momento disputando esta láurea acadêmica. dentro da nossa velha academia do Largo São Francisco. o que aconteceu com a ideia que V. E adiante. Eu vejo as seguintes afirmações. Sr. porque a sua tese me revela um aspecto novo. Eu vejo por exemplo. diz que a famosa vontade do legislador não tem estritamente nenhum caráter. portanto. a seguinte citação que V. Neste mês de março. Prof. no meu quadragésimo ano de docência e é com imensa satisfação. Tercio. entra-se assim num universo do silêncio. Nos deixamos empolgar de tal maneira por um determinado objeto. Eu que o conheço a tantos anos. agora se revela aos meus olhos como um inimigo da dogmática. faz de Pierre Legendre. candidato. que não pode ser negado como Direito vigente. a meu ver. Mas a dogmática não discute a legitimidade desses pontos de partida. vai me permitir essa expansão de sinceridade –. porque pode ser feita para determinada circunstâncias e essas circunstâncias mudam e a norma permanece. é dogma a norma cuja vigência e. porque a norma jurídica está vigente e é por isso que ela. na ciência do Direito. O dogma em religião é uma asserção aceita como verdade e que não pode ser discutida. é um dos papeis do jurista discutir a legitimidade do dogma. alteradas. quando ele precisa decidir os conflitos. 92. a meu ver. confrontadas com a realidade social. bem sabe V. O que V. combate. uma confusão em torno da expressão dogma. o jurista não deve ser dogmático nesse sentido. Esta ciência. porque ele está vigente. Realmente. E a meu ver. funda-se. no Direito. E na p. o jurista não pode ser dogmático nesse sentido. aceitar a dogmática jurídica. na inegabilidade da existência dos pontos de partida. constitui o princípio fundamental da dogmática jurídica. e a mudança existe uma nova interpretação da norma jurídica e tudo isso pertence à dogmática jurídica. mas simplesmente por ser vigente. 17:46 . evolui na sua conceituação.Exa. Eu quero dizer que existe aqui uma deturpação completa das ideias. Mas a dogmática jurídica é a ciência da utilização do Direito vigente. modificadas sob a pressão da realidade social. é o dogmatismo jurídico. Existe na sua tese. No Direito. portanto. que é também o princípio da proibição da negação. é considerada um dogma. não pensa que o dogma. Não por ser uma verdade indiscutível. Existe aqui. isto sim. Porque a dogmática não se funda.p65 62 17/5/2011.Exa. Ele há de partir da norma jurídica. em absoluto. cuja existência não pode ser negada. O que ele não pode discutir é a vigência do dogma.pio. O jurista pode discutir o dogma e sua legitimidade. sua afirmação me parece completamente contraria à verdade. Eu tenho a certeza que V. pois na utilização da dogmática jurídica. de aceitar verdades que não possam ser discutidas.. uma confusão permanente entre dogmática jurídica e dogmatismo jurídico. ao meu ver – e V. o dogma tem outro sentido. não é simples. não é aceitar a tese do dogmatismo jurídico. V.Exa. frequentemente a norma muda de sentido. sujeita a critica. tem as conotações do dogma religioso.Exa. há uma distinção clara entre essas expressões.Exa. e o faz constantemente. Mas isto. e por isso ele é considerado dogma para o jurista. a inegabilidade da vigência das normas jurídicas. na inegabilidade dos pontos de partida. diz que é preciso esclarecer que os juristas há mais de um século Filosofia e Teoria Geral do Direito. a primeira é absolutamente técnica e definida. e a firmação dele de que os pontos de partida dos juristas são determinadas situações reais e não conceitos abstratos e gerais. O que eu verifico é exatamente o contrário e. E Phillip Heck. o construído é empírico. que se opõe ao Direito do estado. curiosamente. que repudia a santificação do vetusto. que são livres. E John Dewey. que é exatamente o mundo próprio do jurista. e podem ser discutidas. realidades que para Gény são os dados. E afirma a necessidade da adaptação permanente do Direito às permanências sociais. que defendem o ponto de vista oposto àquele exposto por V. são os princípios básicos da realidade social. Filosofia e Teoria Geral do Direito. É necessário julgar segundo o Direito vivo. da sociedade. onde é que fica Ihering. E a escola americana da jurisprudência sociológica. E Kantorowicz? Onde está Kantorowicz? Que nos diz ser inaceitável a jurisprudência dos conceitos. como ele diz. E Gény acrescenta: o construído deve ser orientado pelo sentimento de justiça. Onde está Gény? Com a sua idéia de dado. Pois bem. Benjamin Cardozo? Segundo essa escola o principio norteador do Direito e do jurista é sempre o mesmo: chegar à justiça e ao bem estar social. com Oliver Holmes. diz ele.. reconhece. que diz os juristas que tendem a atribuir maior importância às questões dogmáticas que às zetéticas. eu não vejo na sua tese os escritores exponenciais. colhe. realidades morais. E Joaquim Dualde? Onde está? Que nos ensina que a interpretação da lei implica antes de mais nada a descoberta dos sentimentos que existes na sociedade e que produzem a elaboração da lei. diz ele. há de se fundar no sentimento da comunidade. o Direito estatal.p65 63 17/5/2011. Mas e Ihering. econômicas. 17:46 . O Direito. e as dogmáticas são as que giram em torno de dogmas imutáveis. Então ele se refere ao empirismo do construído.tendem a atribuir maior importância às questões dogmáticas que às zetéticas. O fim do Direito é conseguir solução para tais é célebre a sua afirmação: o fim é o criador de todo o Direito. De maneira que nada de dogmatismo no pensamento dos juristas! E Eugen Ehrlich? Que nos diz que o Direito da sociedade é o Direito vivo. posto. que o jurista não cria. da escola alemã da jurisprudência dos interesses? Que dizia que os mandamentos jurídicos são oriundos da necessidades práticas da vida. que é a espuma na superfície das águas. mas que ele observa. são as realidades normativas que o juiz encontra em determinado grupo social.Exa. porque é fundado nesses dados sociais. Que reergueu meu ânimo! Há uma concepção de dogmática que contrasta com a tristonha e pessimista concepção de V. A tese de V.. Na página seguinte. que é a lógica do homem. O fato na sua doutrina é um dos elementos fundamentais para o surgimento do Direito. pensa que é a dogmática. V. grandes juristas são contra os dogmas. escreve. a mim me constrange um pouco uma definição nesses termos. que segundo ele é a lógica do jurista. que fui tempos atrás professor de lógica.Exa. que são expoentes da jurisprudência.Exa. não são juristas? Esses que eu acabo de citar? Entretanto V. que. onde é que está? Com sua teoria do fato. E eu encontro passagens curiosas em sua tese. – permita-me que eu diga – é uma tese ingênua e de certa forma pretensiosa.Exa. V.E a escola do realismo jurídico norte-americano? Todos afirmando que é influem alijar os disfarces e descobrir os fatores reais que existem na sociedade e que incluem na elaboração e interpretação das normas jurídicas. Devo dizer a VExa. valor e norma. A mim. estão contra qualquer dogmatismo.. caí numa tamanha depressão. para a consecução das soluções mis razoáveis. Tudo isto não está na sua tese. E Miguel Reale. precisamente. Eu perguntaria a V. enfim. do razoável.Exa ignora todos esses juristas pensadores e nos quer fazer crer que a dogmática é aquilo que V.Exa.p65 64 17/5/2011. que tem uma lógica que é sua. afirma é que a sociedade é um sistema estruturado de ações e exclui o homem..Exa. mas que exclui do sistema o homem.Exa. E onde está Recaséns Siches? Que nos vem com sua teoria da lógica do humano. porque V. sobre os fatos sociais. A sociedade é um sistema social. que na madrugada de hoje.Exa. todos esses nomes. dos problemas humanos. o homem Filosofia e Teoria Geral do Direito. estão debruçados sobre a realidade da vida. Páginas 100 e 101. antes de sair eu fui ler Miguel Reale.. O homem concreto que analiticamente passa a fazer parte do seu mundo circundante. Então o que V. Mas. 17:46 . depois de reler mais uma vez as passagens mais importantes de seu livro. é o que V. Mas. afirma que a sociedade é como um sistema estruturado de ações significativamente relacionado. os juristas. nos diz que é preciso reconhecer que os juristas há mais de um século tendem a atribuir maior importância às questões dogmáticas do que as zetéticas. E diz pouco adiante. diz que a sociedade é um sistema social.Exa...Exa. basta falar em interações e imediatamente temos uma ideia da origem da palavra. aquilo que V. que veio da física mecânica. Jamais se compreenderão as mensagens trocadas entre o núcleo da célula e o citoplasma se nós não admitirmos o ácido nucléico existente no núcleo da célula. as interações são as relações entre corpos. quer dar ênfase às interações. em troca de mensagem. Uma estrutura indispensável pela estabilização de expectativas nas interações. e essas interações significam dentro dos respectivos campos humanos. o que transita do núcleo para o citoplasma. Mas é assim também no mundo social.Exa exclui da sociedade o homem. Por que? Porque o homem é o que é pelas influências que ele exerce sobre os outros homens e pelas influências que ele recebe dos outros homens. Essa expressão “interações” é uma expressão emprestada. trocas de mensagens. Realmente.p65 65 17/5/2011. Pois bem. E V. Pois bem. o Direito é visto então como uma estrutura que define os limites e os interesses da sociedade. para as ciências humanas e. chama de mundo circundante não é outra coisa senão aquilo que os físicos e os biólogos chamam de campo. De maneira que o homem não será ele mesmo se não for o conjunto das suas inter-relações e inter-ações. E no mundo social. isto é assim no mundo celular. V. Pólo emissor e pólo receptor. para o Direito. É impossível separar o homem de seu campo. No Direito. Pois bem. É exatamente isso.Exa. passou para a biologia. isso não significa que ele seja uma parte dela.Exa. É evidente. 17:46 . é feita de homens! Eu entendo o que V. e depois esse ácido nucléico que transita para o citoplasma levando a mensagem para o relacionamento dos aminoácidos e dos peptídeos que vão formar as proteínas. as interações se partem em campos. Não há interação sem corpo que se relacione. fala em mensagem. mas não será o homem o que há de principal na sociedade? A sociedade não existirá para o homem? Ou será que o homem é um elemento circunstancial dentro da sociedade? A sociedade existe para o homem. como é impossível separar uma micro partícula do seu respectivo campo. Homem e seu campo são duas realidades incindíveis. quer dizer. Todo corpo é corpo e campo.precisa da sociedade para viver. desde o mundo físico até o mundo humano. não há interação sem homens que se relacionem uns com os outros.Exa. agora. Não existe nenhuma mensagem Filosofia e Teoria Geral do Direito. mas trocas de mensagens entre o quê? A sociedade não pode ser uma troca de mensagens sem os pólos. Todas os corpos são os corpos e os campos. Em todos os mundos. entre as pessoas. sim. àquelas que tem mais chances de não serem desiludidas’. Professor Tercio. diz que Direito é nome que damos a expectativas normativas.que não seja a mensagem de alguém para alguém. Aliás. respeitando o sentido das palavras.Exa. Porque nenhuma expectativa tem ilusões. diz que ‘Direito é o nome que damos às expectativas normativas de comportamento generalizadas congruentemente em relação a instituições e a identificações de sentido’. O Direito não pode ser expectativa por um motivo muito simples: a expectativa é um fenômeno psicológico. Poderá o Direito regular a produção dos efeitos esperados. O ser humano tem uma expectativa e o objeto dessa expectativa não se realiza.p65 66 17/5/2011. V.Exa. O Direito não pode ser expectativas. 103 por exemplo. A sua definição é mal redigida. totalmente impossível que o Direito seja expectativa. de maneira que excluir o homem me parece excluir o que há de principal na sociedade humana. mas não é a expectativa que é desiludida. tem que selecionar expectativas e possibilidades de interação apegando-se.Exa.Exa. É o ser humano que é desiludido.Exa. até aí muito bem. V. V. 17:46 . V.Exª. Quem tem ilusões é o ser humano! O ser humano é que tem ilusão e ele pode ser desiludido. e eu estou procurando ser o mais simples possível. V. Mas dizer que o Direito é a própria expectativa? Eu gostaria que V.Exa. então vem a desilusão. não respeita muito mesmo o sentido das palavras. O conceito está falso. ao interagir. Então. sim isso está certo. p. nos diz que ‘o ser humano. é que é impossível. me desculpe a simplicidade da minha argüição. A pessoa humana é que tem expectativas. diz que o Direito é o nome que damos a expectativas normativas. mas o Direito não pode ser área. E essa expressão expec- Filosofia e Teoria Geral do Direito. Muito bem.Exa. dissesse como é que o Direito pode ser a própria expectativa. Agora. Na primeira linha de sua tese está escrito: ‘O Direito é uma área tradicional’. que é extraordinariamente complexo no seu livro. não pode ser alterado esse sentido de um modo arbitrário! O homem tem expectativas. Mas não é possível! A palavra expectativa tem sentido próprio. 116. em geral. é o homem que tem expectativa. não há possibilidade nenhuma de uma expectativa ser desiludida. não é o Direito que tem expectativas. V. noção de Direito.Exa. Regular a produção dos efeitos esperados. Na p. é mal conceituada. Como pode o Direito ter expectativas? O Direito não tem expectativa. pertencer a uma área. E há outras impropriedades insanáveis na sua tese. É uma definição que falsifica o conceito de Direito. Como pode o Direito ser área? Pode estar dentro de uma área. O que eu quero dizer a V. V. que minha decisão de me tornar professor. mas não podem ser desiludidas. Podem não ser cumpridas. quanto à noção de sociedade e o papel do ser humano aí dentro. me dissesse em que onde.Exa. V. 17:46 . a Introdução à Filosofia. geralmente entendida como complexo de normas. Permita-me começar com Pierre Legendre. está dito que as instituições são conjunto de normas.p65 67 17/5/2011. Vejo que V.tativas desiludidas é frequentemente repetida. Não preciso lhe dizer. a ater-me a esse tipo de argüição que de fato coloca o candidato em verdadeira dificuldade.Exa. E inclusive usa a citação do Pierre Legendre para confirmar isso. não posso mencionar todas as imperfeições que encontrei. foi resultado de uma motivação imediata que eu percebi logo no primeiro ano de sua cadeira. Eu queria que V. A citação de Pierre Legendre evidentemente é colocada ali – e aliás eu digo isso na tese – apenas para nos Filosofia e Teoria Geral do Direito. Professor Tercio. (TSF Jr. todas as felicidades. segundo juristas como Santi Romano. quanto ao próprio conceito de dogmática. no sentido quase cívico da palavra. nos diz que instituição. Primeiro.) Professor Goffredo da Silva Telles. Aliás. V. de estudar essa disciplina. me dissesse onde que isso se encontra. Sei que isso diminui em nada a admiração que eu tenho por V.Exa. na sucessão para a sua cátedra de Introdução. como por exemplo. uma argüição que me deixa profundamente feliz. por estar aqui prestando este concurso e desejo a V. (Presidente) Com a palavra o candidato. V. Eu o felicito. Acho que são basicamente as duas questões centrais. me parece que foi esta a primeira questão. As normas também não podem ser desiludidas. A respeito da dogmática. A sua tese é cheia de imperfeições. Me permita dividir as respostas em grupos. Eu gostaria que V. a da página 108.Exa.Exa. me disse inicialmente que há aqui uma deturpação do próprio conceito de dogmática que é confundido com dogmatismo. inclusive. de fato. porque já lhe disse muitas vezes. nas obras desses autores.Exa.Exa. Professor Tercio. Depois. eu não preciso dizer da minha alegria de vê-lo em examinando aqui nesta faculdade. me faz agora. Eu estou apenas enumerando aqui porque é meu dever de examinador. chega a empregar a expressão normas desiludidas.Exa. Me sinto constrangido. que vai diretamente a alguns temas básicos e que não permite ao candidato procurar saídas fora das próprias perguntas. Porque ela é uma argüição cerrada. nesse momento. Mas quanto à definição mesma de dogmática. Mas eu não me coloco contra. Coloco aquela posição para ver como é que alguém que está estudando a dogmática de fora – ele é um homem ligado à psicanálise. V. Não que eu esteja sublinhando a posição dele. todos esses autores que V.Exa. Não que eu esteja sublinhando e aceitando a posição dele. Miguel Reale. Cícero. Ele não é dogmático. Minha intenção era me colocar nem contra. e tirar algumas ilações a respeito disto. me diz que há uma série de autores Ihering. logo no começo da tese. não me coloco como inimigo da dogmática. Dewey. eu tive uma intenção – talvez frustrada da forma como escrevi. quanto a Legendre não estou sublinhando nem aceitando. Por exemplo. Quando a jurisprudência dos interesses. apenas o cito para que daí surjam certas reflexões. a sua conceptualidade.chamar a atenção para um problema. Pode ser isso que apareça na leitura e numa interpretação do leitor. mas ela insiste que essa conceptualidade não pode ser base única do conhecimento dogmático. por exemplo. 17:46 . Ele apenas aprecia a dogmática e tenta descrevê-la e apresentá-la. é contra uma interpretação da dogmática e não contra a própria dogmática. nem a favor. Mas ambas trabalham com conceitos. em diversos momentos. Portanto. Não que a jurisprudência dos interesses negue a conceptualidade da dogmática. imprópria ou não muito clara – eu tive a intenção de mostrar que toda a disputa moderna – moderna eu digo desde o século XIX – em torno da dogmática jurídica jamais foi. citou. É verdade que eu chamo a atenção. para algumas características do pensamento dogmático.Exa. A dogmática jurídica é uma disciplina que trabalha ao nível conceitual. mas a citação de Legendre tem a virtude de nos chamar a atenção para um problema. Apenas isso. jamais foi uma luta contra a dogmática. Eu próprio.p65 68 17/5/2011. mas contra uma certa interpretação da dogmática. Prof. nos diversos autores. todos esses autores no correr de dois séculos vêm continuamente defendendo posições que desconfirmam uma afirmação aqui Filosofia e Teoria Geral do Direito. e muitos outros. Essa é a primeira observação. Isso está dito expressamente no meu texto. Aqui está um ponto de divergência entre a jurisprudência dos conceitos e a jurisprudência dos interesses. O meu trabalho é metadogmático. Segunda observação. Mas não era a minha intenção. a minha posição perante a dogmática. Aí está o ponto divergente entre ambas. Pelo menos essa não foi a minha intenção. por exemplo. se volta contra a dogmática dos conceitos. na tese. Ainda em relação a este debate. que está estudando o fenômeno do poder burocratizado – como é que esse homem está vendo o papel do jurista. a meu ver. Distingamos.p65 69 17/5/2011. de que os juristas há mais de um século tem dado preferência às questões dogmáticas e não às chamadas aqui de zetéticas. também. e vi a banca se rebelar contra isso e dizer que isso foge da disciplina. no texto citado. a dogmática como fundada no princípio da inegabilidade dos pontos de partida. isto sim. Mas. eu sei inclusive que esta é a opinião do senso comum. Nós podemos chamar essa metajurisprudência. justificar isso. Eu não disse que a dogmática se confunde com dogmatismo. ele tem. Ihering. nos cursos jurídicos. Eu não quis de modo nenhum dizer que a dogmática se funda na inegabilidade dos pontos de partida. não é a esse tipo de trabalho. inclusive. Os livros do Professor Reale são livros não de dogmática – claro. neste momento. trabalhos de dogmática – mas os livros onde ele discute a ciência do Direito e onde ele tem uma posição não conceptualista. Eu já assisti aqui a exames de dogmática jurídica do Direito penal com teses não muito dogmáticas nesse sentido. Isso mostra uma certa tendência no nosso século. me permita. está fazendo metajurisprudência. que era isso. evidentemente. não se discute aquilo que eu chamo aqui de dogmática. o que Norberto Bobbio chama de jurisprudência e metajurisprudência. Dando aulas na pós-graduação aqui da faculdade eu ouvi de alunos meus objeções desse tipo. Naqueles que desenvolveram a dogmática. o que está escrito é que a Filosofia e Teoria Geral do Direito. quanto ao meu conceito de dogmática. e teses onde o aspecto zetético era considerado. 96. e que está logo abaixo da citação lembrada. é muito provável que eu não tenha sido suficientemente claro aqui e eu me penitencio por causa disso.feita. se quisermos. mas cresce terrivelmente. E quando eu falo dos juristas aqui. nos trabalhos recentes de Norberto Bobbio. para fazer esta distinção. aqui. metadogmática. Eu não tentei na tese. Recasens Siches na sua obra sobre a “Lógica do Razoável” está fazendo metajuridprudência. Ao contrario. na p. de maneira alguma. enfim. mas mostrar isso – me permita usar as suas palavras – com certa tristeza. Esses. no sentido da jurisprudência dos conceitos. e esses tradicionalmente têm dado predileção às questões dogmáticas em relação às questões zetéticas. Como a dogmática cresce nesse sentido. Aqui eu faria uma distinção e me apoio. o que eu quero dizer. metadogmática de teoria geral do Direito. metadogmática. esses têm dado. o que. eu estou pensando naqueles dogmáticos. 17:46 . com certa tristeza. Que revelavam uma concepção de dogmática em termos de senso comum. Agora. basta ver um fenômeno contemporâneo que é a especialização na dogmática que sofrem os cursos jurídicos. A esses que eu estou me referindo. não é a isso que eu estou me referindo quando falo de dogmática. Em realidade. distorcidamente. ao contrário. E eu digo este aqui falando de um paradoxo – paradoxo tendo em vista o senso comum. porque aqui eu reconheço.p65 70 17/5/2011. é uma libertação. faz com que alguém na sociedade – e esse alguém é o jurista dogmático – crie uma certa possibilidade de desvincular aquilo que a sociedade exige como vinculação. Ela liberta o homem. e é nesse sentido que eu falo em dogmática e não em dogmatismo. mas dogmática não consiste em aceitar os dogmas nesses termos de dogmatismo. a revolução. uma função positiva da dogmática. nesse sentido que V. porque ao libertar. não é uma prisão para o espírito. justamente lembrou. é também uma libertação de dogmas. um aspecto extremamente importante. 17:46 . perfeitamente. ao contrário. a dogmática permite ao homem uma abertura nos dogmas. não se funda no princípio da inegabilidade. A dogmática não tem por função afirmar o dogma. e isso está dito com todas as letras. A dogmática jurídica. A função social da dogmática não consiste no princípio da inegabilidade do pontos de partida.Exa me disse na sua argumentação que a dogmática é a ciência da utilização do Direito vigente. uma libertação dos dogmas. Essa é uma das funções sociais que me parece primordiais da dogmática jurídica. nesse sentido. E no Direito nós encontramos uma libertação desse tipo. Nós não podemos negar a existência dos dogmas. e aqui eu entro num problema de juízo de valor. A discussão do dogma. E aqui me pareceu um aspecto positivo da dogmática . A minha posição difere da de Pierre Legendre. Talvez ele dissesse: não o jurista dogmático com essa sua libertação está enganando o outro. controlada. na realidade ele esconde. apenas depende dele. ela tem por função discuti-lo. A rebeldia. altamente positiva – evidentemente aqui eu estou fazendo um juízo de valor. Eu Filosofia e Teoria Geral do Direito. V. apenas depende dele. dogmática não é dogmatismo. aqui. ele mascara.função da dogmática não consiste no princípio da inegabilidade dos pontos de parte. Isto é. que não se confunde com o dogmatismo. e é isso que eu digo diversas vezes. O jurista. a sua vigência. Isso é um problema de juízo de valor. e essa é uma das funções da dogmática tendo em vista o papel do Direito dentro da sociedade. permite de certa maneira que o Direito adquira uma certa flexibilidade maior. Ao contrario. isto é.e ao invés de pessimista eu fui aqui extremamente otimista. apenas depende dele. mas controlada. com toda a aparelhagem que o conhecimento dogmático constrói é que dá essa liberdade. ao contrário do que se pensa – e quando eu digo ao contrario do que se pensa eu estou pensando em dogmatismo –. não posso esquecer que um autor como Pierre Legendre talvez não julgasse isso altamente positivo. A sociedade põe dogmas.Exa. portanto. é claro que não estou me referindo a eles quando estou discutindo aqui. o jurista retoma aquelas incertezas e as amplia. portanto. não estou me referindo aos meta-dogmáticos. está ligada por exemplo à diferença que se pode fazer entre questões finitas e infinitas. podemos dizer de certa forma paradoxal. evidentemente. se não há a necessidade de ter um dogma. uma descrença no pensamento dog- Filosofia e Teoria Geral do Direito. Nesse sentido. mas de fato. As questões zetéticas são livres porque elas podem trocar os pontos de partida. apesar disso. que dogmática é diferente de dogmatismo. só que eu acho que não fui claro – pois eu nem toquei na palavra dogmatismo e isso deixa a possibilidade de interpretarmos de maneira divergente. tentando separar. As premissas questões zetéticas são abertas. no sentido de que elas sejam livres e as dogmáticas sejam presas. aqui. A diferença entre zetética e dogmática. ele amplia as incertezas. é oposto o que eu estou dizendo aqui. eu não posso alargar indefinidamente o campo de ação se não eu perco as condições da ação. As questões zetéticas em oposição às dogmáticas não são abertas. Bem. e isso é inegável. os nomes citados por Vexa.não estou simplesmente explicando o que eu disse. O jurista. o que eu digo aqui é que embora o pensamento dogmático dependa de pontos de partida do Direito vigente. Por exemplo. esse é um dos princípios da dogmática. Quais incertezas? Justamente aquelas incertezas que na sociedade foram aparentemente eliminadas pelo dogma estatal ou seja lá por qual outro dogma. embora seja chamado de dogmático no sentido de dogmatista. mas estou me referindo aos dogmáticos mesmo. Desse modo. não se pode excluí-lo. mas interpreta sua própria vinculação ao mostrar o vinculante o sempre exige interpretação. Não é nesse sentido. Ou seja. Ora. aqui. eu tento chamar atenção. ali onde o dogma aparentemente elimina a incerteza. porque o dogma sempre surge diante de uma incerteza. vamos chamá-los assim. o trabalho da dogmática jurídica positiva é justamente esse. A minha concepção é pessimista? Digamos assim que em termos de dogmática não é um pessimismo radical. Só que de maneira diferente das outras ciências. ele retoma aquelas incertezas. que a dogmática deriva da vinculação social a sua própria liberdade. eu poderia ler os textos onde isso está dito. a dogmática – e a citação inclusive é do Professor Miguel Reale – não se exaure na interpretação do estabelecido.p65 71 17/5/2011. na realidade ele é um homem de liberação. onde a zetética tem outra presença. 17:46 . As infinitas são as zetéticas e as finitas são as dogmáticas. eu já disse isso. no fundo a dogmática trabalha com incertezas. E são finitas porque estão à serviço da ação e. não é que eu seja pessimistas. atira o homem para o futuro. porque há uma ânsia de futuro.p65 72 17/5/2011. Como é que eu vou responder a essa exigência que vem do futuro. Ele também apresenta essa interrogação. Ao contrario. é tudo isso que faz com que o pensamento humano se atire para o futuro. Pois bem. Portanto. Quanto ao problema de sociedade.mático. 17:46 . em outro plano é verdade. temos a sensação de que o futuro já está aqui. uma delas é essa – que aliás é fundamental – a dependência dos pontos de partida. quanto à noção de sociedade em que o homem concreto está excluído. Filosofia e Teoria Geral do Direito. nós queremos saber sempre o que vai acontecer. E aqui eu não me coloquei pessimistamente. para o presente e para o futuro? É aqui que o pensamento dogmático sofre uma série de ingerências e ele tem dificuldade de responder a isso. pela sua complexidade crescente. Realmente. eu esperava de VExa. mas apenas dependência deles. Não fundamento. O que eu disse simplesmente é que a dogmática tem certas características. uma interrogação que nós também encontramos no fim da minha tese. Sentimos que as coisas vão se esboroando à nossa volta. Bom. eu parto de algo que foi posto. Não se pode trocar o Direito vigente. parece. eu tinha certeza de que ela haveria de provocar uma reação. Aqui nesse momento eu vejo uma função positiva na dogmática. É essa mudança que dá a ideia de que o Estado não é mais guardião. mas de certo modo também é assim. Nós estamos vivendo numa sociedade que. Nunca vivemos numa sociedade com tantas incertezas. uma crítica desse tipo. não crença nos pontos de partida. que fazia esse mesmo tipo de indagação em reação à política. mas a complexidade da sociedade moderna mostra que nós estamos vivendo o futuro com uma intensidade violenta. não absoluta consistência nos pontos de partida. mas é aqui que eu levanto uma interrogação no fim da tese. no trabalho de Norberto Bobbio que eu citei há pouco. Se ela é um pensamento voltado para o passado como é que ela vai se haver com isto? Esta dúvida é coloca em termos completamente diferentes. é um pensamento que tem um direcionamento temporal do passado para o futuro. para o presente e para o passado. É claro que esse é um fenômeno comum a muitas sociedades. Fico satisfeito de tê-la ouvido. de que ele é planejador. isso quanto à concepção de dogmática de modo geral. Diante disso. apenas coloquei uma dúvida a respeito da subsistência da dogmática. Essa insegurança gerada por uma sociedade que parece perder as suas balizas. e não do passado. quando me refiro a Gramsci. a noção de sistema social é gênero do qual faz parte a sociedade. com o fenômeno global que envolve o homem. O conceito. observável empiricamente. como conceito último.Exa. em primeiro lugar. fala perfeitamente de acordo com a tradição – aliás. porque o conceito de sociedade que está exposto aqui não é um conceito empírico. a sociedade. Parece. A política é um outro sistema social. não é o único. sociedade é espécie. V. Em segundo lugar. (Goffredo) Mas como. por isso. eu não estou tentando descrever um fato. a política como outro sistema. trata-se de um pressuposto de natureza metodológica.. permita-me explicar – eu realmente não pude desenvolver isso na tese porque era um outro campo. a religião é um outro sistema social e assim por diante. É o homem concreto. Daí a possibilidade de um dizer ‘a sociedade é um sistema social’. Vale dizer. em primeiro lugar. um terrível equívoco cometido. a política é dentro da sociedade. estou criando um conceito operacional como espaço de trabalho.. a religião como um terceiro. (TSF Jr. estranhou porque eu falei que a sociedade é um sistema social. (TSF Jr.) Em termos do concreto. A sociedade é um sistema social. Esse conceito da identificação da sociedade com o todo. sem estar cometendo aqui. Bom. a identificação da sociedade com a pólis é o gérmen de tudo isso.p65 73 17/5/2011. que é a concepção da Teoria dos Sistemas.. Acontece que. Então. Essa identificação é que permite identifica o social. admitamos. que eu preciso explicar. não deu tempo de explicar tudo isso. Não é o homem que é excluído da sociedade. não é empírico e nesse sentido ele exclui o homem concreto. o sistema social é o gênero. fala a partir de uma outra concepção em que a sociedade é chamado o sistema abarcante. Eu tenho a sociedade como um sistema. Daí a possibilidade de dizer que o homem é um ser político.A respeito disso. a sociedade é um dos sistemas sociais e. V. 17:46 . Filosofia e Teoria Geral do Direito. eu digo isso. a religião é dentro da sociedade. é uma herança que nos vem desde os gregos. e assim por diante. nesta concepção que vem da Teoria dos Sistemas. é um conceito analítico.) Sim. (Goffredo) A sociedade é espécie de sistema social? (TSF Jr. isto é. que esse conceito que eu apresento não é o conceito da tradição..) Sim. nessa concepção. nessa concepção. Por que? Primeiro. VExa.Exa. isto é. sim. (Goffredo) É um conceito que foge do social. logicamente. em termos de amizade. A complexidade social. o homem concreto até “atrapalha” por assim dizer. O que eu quis dizer apenas é que aquilo que eu estou chamando de sociedade é aquele intrincado relacionamento entre papéis. no bom indivíduo. Isso permanece. estrutura. Repare. Agora. Quando eu disse que o homem concreto está fora da sociedade. ele é até um problema para a sociedade. a arte do governo moderno. Mas isso não significa que ele não tenha nada a ver com a sociedade. em Maquiavel. de uma teoria social clássica são muito ligados ao indivíduo como membro de uma sociedade. isto pode ser base para uma visão até humanista diferente. Os conceitos. mesmo para os analíticos. Veja. embora analiticamente eu esteja fazendo essa distinção. explode esse indivíduo. porque eu me recuso aqui a confundir o homem concreto com o seu papel. Agora. o homem concreto como um problema a resolver. entretanto. enxerga o homem como um problema para a sociedade. e essa perda ocorre pela própria complexidade dos fenômenos. aspectos conceituais com os quais Aristóteles trabalha. entre funções. analiticamente. o que é importante para essa concepção de sociedade são os papéis que o homem representa ali dentro. ele o está nesses termos analíticos. e o próprio homem perante esse intrincado não se confunde com ele. referencias a virtudes pessoais do indivíduo. No fim do século passado nós notamos uma transformação do conceito de sociedade em que ela perde pouco a pouco essa característica de um conceito abrangente. em razão dessas funções e desses papéis.p65 74 17/5/2011. papel. tão imbuída na tecnocracia realmente vê o homem concreto como um problema. E isto eu acho péssimo ao nível da arte de governar. em termos de tendência. por exemplo. em Hobbes. Mas se nós olharmos desse ângulo. em termos de amor. eu ousaria dizer que infelizmente. aqui. enquanto instrumento para a análise do fenômeno isso dá inclusive a possibilidade de Filosofia e Teoria Geral do Direito. são as funções que ele exerce. se eu trabalho com um conceito abrangente de sociedade é relativamente fácil fazê-lo dentro de uma estrutura fenomênica relativamente simples. Então ali vemos conceitos na teoria social grega baseada na amizade. a partir do século XX. entre tendências. com sua função. Essa é a visão do tecnocrata via economia. por exemplo. ser sofista. Isso é praticamente explodido dentro da sociologia moderna e aí começam a aparecer outros conceitos muito mais abstratos – função.Esta concepção da sociedade identificada com a Pólis é perfeitamente possível e ela foi mantida até o fim do século passado eu diria – embora Hobbes já tenha uma noção ligeiramente diferente disso. E com tristeza e pessimistamente. Eu não quero. Nós vemos que a própria linguagem da sociologia moderna não é mais uma linguagem que se refere a esse homem concreto. 17:46 . que é quando termina a mentalidade Filosofia e Teoria Geral do Direito. Verifico que não se trata de um trabalho improvisado. mas ao mesmo tempo reconhece que de fato. É difícil excluir o homem. não apenas os pontos de divergência mas aqueles que na realidade me pareciam ou lacunas inexplicáveis ou contradições internas. embora eu não queira transformar esse ponto de vista numa ontologia da sociedade. Não obstante isso.Exa. E realmente. acho que não há mais tempo. faço uma observação quanto à deficiência de exposição num ponto básico. como era natural. Aqui houve uma opção metodológica.. Li e examinei sua tese com crescente interesse. razão pela qual VSa. Eles estão exatamente fazendo isso. à medida que ia lendo. Por exemplo. o que ela denuncia é quando as conseqüências disso passam para a prática. tudo bem.. em que o cosmos é a grande sociedade da qual a sociedade humana é uma parte. Agora. a ciência trabalha assim. ou o advento da Primeira Grande Guerra. Em nenhuma ciência como o Direito a perspectiva histórica é fundamental. eu escolhi um ponto de vista. denuncia.p65 75 17/5/2011.Exa. Do ponto de vista da ciência. estão excluindo não do ponto de vista teórico. de estudos continuados sobre a matéria. eu noto aqui um problema que me impressionou. E isso tudo que V. mas do ponto de vista prático. risco de vermelho e aceito fundamentalmente.compreender aquilo que os tecnocratas estão fazendo na prática. e a concepção da sociedade está incluída nessas questões levantadas por ele. enquanto nós estamos apenas nele. não posso colocar uma crítica externa. mas o resultado de longa meditação. porque a influência dele mudou a concepção do mundo. Na análise de uma tese.) Não sei se ainda é possível responder. o homem. como é difícil excluir o elétron do átomo. (TSF Jr. e não propriamente de história do conceito de dogmática. (Goffredo) É muito curioso que V. uma cientista social como Hannah Arendt tem uma visão extraordinária disso. o que naturalmente leva desde logo ao reconhecimento de seus méritos. porque ela percebe isso. diz contradiz toda essa física cósmica. a dogmática até o século XIX. Argüição de Miguel Reale Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr. Porém. ou seja. mas devo colocar-me na posição de quem redige o próprio trabalho. ia anotando. Em primeiro lugar. isso eu sublinho. 17:46 . É que Vsa. dedica 38 páginas à dogmática chamada moderna. fez um estudo que chamou de panorama. expõe essa doutrina toda como se Bergson não existisse. viveu intensa e concretamente o problema da objetivação foi Hegel. da objetivação positiva do Direito. A sua resposta. de ideologia. de uma sociedade que não deixa mais os fatos correrem de per si. Por outro lado. se houve um autor. palavra que a todo instante VSa. A nova dogmática leva a um problema de estrutura. fala o tempo todo em encobertamento.do século XIX.. é onde a positividade do Direito aparece de forma mais clara e mais nítida. Há aí um contraste deveras impressionante. destinadas à ocultação do domínio. como espero ter tempo para analisá-lo mais profundamente. Toda dogmática do século XIX era vinculada ao indivíduo e. traz em seu livro. Vsa. E dedica depois. parece que há certo desequilíbrio. eu noto uma falta de referência à Hegel. esta idéia permanente de ver o Direito e as normas jurídicas como estruturas ou modelos destinadas a ocultar algo. Quanto ao pessimismo que cerca toda a sua tese. infelizmente.p65 76 17/5/2011. De certa maneira. Sem que isto envolvesse adesão à sua posição. do Estado planejador. Mas isso não se encontra. Então. 17:46 . o que não se justifica. Vsa. em acobertação. como foi dito por Schultz. Pessimismo esse que está vinculado a um conceito. ao meu ver superado. por conseguinte. Ora. Mas. que no século passado. mesmo na parte relativa à dogmática moderna. E daí a sua pergunta. Esta sua visão do Direito e da dogmática é quase que defensiva. quando o seu tema se situa todo ele na dogmática atual. muito intimamente ao problema da positivação. E o grande problema com o qual se defronta a ciência do Direito é justamente da construção de uma nova dogmática correspondente à situação atual do mundo. em violentação. o problema da dogmática do Estado intervencionista. em camuflagem. nas páginas posteriores. e que poderíamos ver. à dogmática contemporânea atual apenas 04 páginas e meia. Mas ao meu ver. porque o problema do poder ocupa um ponto muito importante no desenrolar do seu trabalho. tinha como personagem principal o indivíduo e a autonomia da vontade. diante do enfoque de seu trabalho. talvez. reconhece que a dogmática é uma exigência. mas que de antemão estabelece um ideia de planejamento. Portanto a dogmática foi vinculada. de maneira que me causou estranheza ter sido posto Hegel entre parênteses. poderia ser no sentido de que o livro tratará incidentemente nesse assunto na atualidade. A todo instante no seu trabalho eu vejo esta afirmação. antes de fazer observações de ordem particular. a dogmática resulta de uma maneira inexorável da estrutura mesma da Filosofia e Teoria Geral do Direito. por Vsa. propriamente dita. não posso deixar de concordar com o Professor Goffredo da Silva Telles num ponto. não é mais uma arquitetônica. VSa.experiência jurídica. 125. declara a dogmática é uma ‘arquitetônica de modelos’. sob o aspecto moderno. cita Bobbio. Ou melhor. nesse sentido. Então é da própria relatividade da experiência jurídica o aparecimento de um complexo de normas cuja vigência é dada como pressuposta para que possa haver uma determinada ordem social. O Sr. em determinado momento. ainda. a respeito do que entende por ideologia. Eu diria para sintetizar que quem viu o núcleo do problema dogmático foi Radbruch. ‘um corpo de doutrinas e teorias’. 124. Por conseguinte. 161. a dogmática não é mera técnica. converte-se em dogmática. então aqui já é uma teoria. E aí eu já estou certo que. e. quando afirmou que não podendo ser reconhecido por todos o que é o justo. o pensamento dogmático é um ‘pensamento tecnológico específico’. diz que a dogmática é uma ‘teoria para a obtenção do controle de decisões’. mas Bobbio não faz senão repetir. 162.p65 77 17/5/2011. E. Prevalece no contexto de seu trabalho a ideia nuclear de que o pensamento dogmático é tecnológico e. assume uma posição dogmática. Vsa. na mesma página. o que o leva. Eu não posso compreender teoria desvinculada do elemento pesquisa. Eu lembraria os seguintes pontos fundamentais: à p. Então. no entanto. eu noto aqui a falta de uma referência no trabalho. 17:46 . verificamos que a dogmática já é um ‘espectro de teorias’. por conseguinte. A teoria de Vsa. mas antes era uma tecnologia. olha para o problema dominada por uma visão de ideologia até muito vaga. E esse é um ponto que me parece obscuro. um veículo. Para mim a dogmática não é senão aquele momento final em que o processo científico do Direito converte-se em processo normativo objetivo com todos os processos tecnológicos complementares. À p. a teoria fundamental de Ravá sobre a relação entre dogmática e técnica. sobretudo quando se contrapõe estudo dogmático a pesquisa como tal. Vsa. À p. dá um sentido mais estrito da dogmática que passa a ser um ‘veículo para proporcionar uma congruência social estável”. das mais fundamentais. uma teoria da técnica. é a outra forma pela qual se fala em pesquisa. Eu compreendo a dificuldade que teve Filosofia e Teoria Geral do Direito. “Il diritto come norma técnica”. A teoria é a expressão mesma da especulação. a nos deixar com certa perplexidade. por dogmática jurídica. alguém deve dizer o que é o jurídico. aí já aparece a dogmática como tecnologia. para VSa. E é sobre este ângulo que a ciência do Direito. Não é mais uma teoria. que é de Adolfo Ravá. Então já passa a ser um instrumento. À p. o problema que me aprece fundamental é olhar essa questão sem ver nisso sempre uma intencionalidade de perverter o fato social. essa lacuna histórica nos deixa um ponto a observar.p65 78 17/5/2011. não se podia. teoria. Eu cheguei até mesmo a antecipar uma resposta possível dada a insegurança que eu noto na colocação desse problema. é a conscientização da essencialidade daquilo que é positivo. O próprio Hegel estava perplexo. Desde os primórdios da vida jurídica. mas o Direito brasileiro recebeu influência direta de uma tradição latina. Então. opte pela explicação de que não tinha por objetivo definir. 17:46 . sentindo a passagem. Ora. Ele transpõe o problema para uma outra forma de consideração da questão. está muito vinculada à evolução do pensamento francês e. de maneira alguma. graças a uma série de fatores. e ninguém mais do que Hegel contribuiu para isto. ter esquecido Hegel nesse ponto fundamental da positividade. sobretudo. técnica e tecnologia. eu gostaria que me explicasse as correlações que existem entre esses 3 problemas que não ficaram bem claros. concomitantemente. e a presença de Hegel está em todo pensamento posterior. entre dogmática. No fim do século XIX. com ampla repercussão na dogmática jurídica brasileira. italiano. Outro assunto que me deixou de certa maneira surpreso foi o problema da positivação. VSa. nesse ponto. não há Direito sem positivação. olhando o assunto sobre vários ângulos. e todo o Direito brasileiro em termos de dogmática processual. pois. constitucional. Eu tive a impressão – é possível que seja um equívoco do leitor – que VSa.Vsa. O que o caracteriza esse século é o contrario. para mostrar que a positividade é da essência do Direito. surge a dogmática como um estudo autônomo e que vai se desenvolvendo com os pandectistas e assim por diante. ocorre a consciência da positivação e. para citar apenas um exemplo. Então. É assim que. no seu livro. Até que chegamos à nova dogmática. Filosofia e Teoria Geral do Direito. olhou o ângulo da tradição alemã. vincula excessivamente. Não é no século XIX que esse fenômeno ocorre. a partir de uma obra clássica que não poderia ter sido olvidada por um homem da sua estatura cultural. o Direito se positiva. Há muitos hegelianos posteriores. Posso dizer que a dogmática contemporânea começa a partir dessa colocação do problema e que vai dar no desenvolvimento de todos os estudos dogmáticos. de Direito privado. toda a compreensão marxistas. dada a complexidade do assunto. positivação e dogmática. preferiu apresentar diversas perspectivas. A não ser que o Sr. do ponto de vista cronológico. que é a obra de Vittorio Scialoja. na redação deste trabalho em função de várias circunstâncias que não vem ao caso analisar. O que a distingue da dogmática anterior é não ser ela analítica. traz uma bela contribuição à análise dos instrumentos da dogmática analítica. como uma afirmação doutrinária contemporânea. 17:46 . Em toda ordem jurídica concebida de maneira plural ou unitária chega-se sempre a um ponto de partida a respeito do qual não se ponde senão partir em um trabalho de exegese. Ao conceito de soberania estão ligados dois caracteres. O importante é que a dogmática critica não precisa. Essa é uma questão que me parece fundamental. que é o trabalho dogmático no sentido técnico da expressão. o caráter de ser originário ou de ser absoluto. cuidando como eu cuido de uma maneira muito especial da teoria política e da ciência do Estado. por exemplo. vem até os nossos dias. portanto. É exatamente essa concepção de soberania. Ora.Eu noto no seu trabalho. ocupa um papel muito grande o problema do poder. eu não creio que nenhum grande teórico do Estado contemporâneo apresente o problema dessa forma. A teoria gradativa da soberania. embora haja referencia a autores brasileiros. Originário. traz me parece inteiramente superado. Para Kelsen é a apenas a imediatidade do poder em relação à comunidade internacional. Eu quase que levei isso como um descuido. mas isso não significa dizer que ela não enfrenta problemas. e VSa. de Kelsen. portanto. de construção. em geral. Mas a ideia de absoluto então é incrível e não se pode admitir. de maneira que não de pode de forma alguma colocar a questão dessa forma. “Em geral”. e com muita razão. pouca vivência da experiência jurídica brasileira. do que o conceito de soberania. ela não é problemática. nada mais de derivado da comunitas gentium. uma de critica e outra de esclarecimento de quem fala a respeito da maneira como se interpretou o meu próprio pensamento. E o pior é que VSa. E aqui vou fazer duas observações. sistematização. disse que. para um Kelsen. o que se compreende até certo ponto. o conceito de soberania que o Sr.p65 79 17/5/2011. Com toda franqueza. se pensa assim. ao contrário. a que eu me refiro. nem tampouco absoluto. Outra observação que eu tenho que fazer é que no seu trabalho. por exemplo. Ela não é um problema acessório no seu trabalho. É sobre a ideia de soberania. Nem tampouco originário. É uma categoria história desde que foi estabelecida por Jellinek. que permite que a dogmática seja crítica. O conceito de soberania é um conceito relativo e todo mundo reconhece isso. para tanto. ser Filosofia e Teoria Geral do Direito. Deixemos de lado a teoria escalonada das normas. um conceito derivado e não originário. jamais o poder fica encapsulado de maneira plena na estrutura objetiva do dogma jurídico. uma dialética entre poder e Direito e não essa castração do poder. na página 170. procura estabelecer. Toda vez que o legislador opta por um caminho. em termos de arbítrio ou força. ao mesmo tempo. uma dogmática crítica. mas o coloca como problemas. Então há. Como se. que VSa. Ora.p65 80 17/5/2011. no entanto. Quem lê o que está escrito nessa página tem a impressão de que eu seria levado assim numa ilusão de que o Direito seria capaz de absorver em si o poder e destruir tudo aquilo que no poder pudesse existir como ameaça à estrutura. O arbítrio estaria castrado. sempre distintos e complementares. uma interferência do poder a todo instante. ou um fenômeno esvaziado em termos de poder de estado. naquilo que eu chamo jurisfação do poder. aquilo que se mantém distinto e complementar não é subsumido nem dissolvido no outro. pois. no meu pensamento ao contrario.cética e nem pessimista. ele está desprezando uma série de outros caminhos válidos e possíveis. que é a ambigüidade da relação poder-Direito. é essa a posição usada por Vsa. como uma expressão bem clara. o poder se mantivesse como um fenômeno perigoso e isolado dele. Filosofia e Teoria Geral do Direito. E aqui eu venho a reivindicar uma posição completamente diferente daquela. que. que é natural à vida jurídica. portanto. porque toda norma jurídica envolve uma opção entre valorações diversas. Essa que é a divergência que existe. pois Vsa. deixa de convertê-los em problemas. que às vezes atrapalha na colocação de certos problemas –. Eu acho que se pode fazer um realismo crítico – e eu não me refiro aqui ao meu sobrenome. que toma os pontos de partida como vigentes. Há uma certa ambigüidade no Direito. em mais de uma passagem. aí. sem uma parcela de arbítrio. ficou aqui. e há a citação feita da minha obra embaixo. um possa ser reduzido ao outro. Então. O jurista não pode deixar de partir de certos pressupostos normativos e não pode. digamos assim. Há. na nossa posição. mantendo-se. Há essa ambigüidade na experiência jurídica. dá a impressão de que na teoria da objetivação. sem um arbítrio. disse que há polaridade de dois fatores quando o conceito de um é essencial à plena determinação conceitual do outro sem que. ou seja. nascido o Direito. 17:46 . pode ser que eu tenha interpretado erroneamente a sua interpretação a respeito do meu pensamento. ele seria emasculado. objetiva. E parece que fica caro. de poder. cita esse meu estudo em pluralismo e liberdade em que eu digo que Direito e poder são fatores polares. e toda a teoria que eu desenvolvo da chamada norma concreta está exatamente na tese de que é impossível normatividade e normativação. Ora. pelo menos. mas para todas as expressões de objetivação normativa. então uma das características da dogmática jurídica contemporânea e que vem marcar a sua função social é o seu caráter pluralista. E numa concepção plural da vida jurídica . Mas. tem essa concepção pluralista da vida jurídica e não estatalista -.e eu sei que Vsa. Ele tem que passar ao momento normativo da juridicidade. Como disse com razão um jurista contemporâneo que VSa. Há uma preocupação de estabelecer certos pressupostos e princípios que serão válidos para o advogado e que vão nortear a obra do juiz. fala nos modelos.Sa. O legislador não pode ficar eternamente numa posição zetética. de mero pesquisador. ele tem que decidir. de maneira espontânea. dá muita importância – e ao meu ver com razão – ao problema da decidibilidade. refere-se muito às fontes e. sem a referencia ao poder judiciário. veio mostrar que o Direito se realiza. Fiat lux”. cita. precisasse a todo instante bater às portas do foro.Desejo ainda observar que Vsa. Inegavelmente que o Direito não pode deixar de decidir. de vez em quando. Então há uma funcionalidade da dogmática contemporânea o que é natural numa sociedade em movimento. umas das características da dogmática contemporânea – eu não vi esse ponto focalizado no seu trabalho e ele é importante exatamente em termos de função social da dogmática – é de ser uma dogmática feita para um Direito que espontaneamente se realiza independentemente de intervenção da coação. se o recurso à sanção. em transformação. enquanto que a dogmática jurídica contemporânea está procurando mostrar que a ciência do Direito não existe só para o foro. em certo momento. Então a decisão é fundamental. há duas maneiras de decidir. é um especialista. A sociologia jurídica. faz referencia e que tem me ocupado de maneira especial nos últimos anos. mesmo fora do âmbito estatal. Mas. é a angulação forense da ciência jurídica e da dogmática jurídica. que é Giuseppe Lumia. É uma dogmática que é feita não apenas pelo Direito do estado. de que Vsa. Ai de nós se o Direito. para se a realizar. Podemos dizer que o foro é o hospital do Direito. “o Direito deve dizer. que é o problema dos modelos no Direito. Ora. Vsa. em grande parte. escreveu uma tese que tem um enfoque forense – essa é uma observação aqui que eu gostaria de ver esclarecida. a grande mudança no pensamento contemporâneo está não em substi- Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:46 . V. para lá vai o Direito doente e não aquele que espontaneamente se realiza. Quê então se haveria de analisar? Quais as características que a dogmática contemporânea apresenta? Assim é que surge um problema a que Vsa.p65 81 17/5/2011. ) Alguns argumentos de V. na minha intenção. e não de uma dogmática parada. a norma contratual. Que de fato isso não aparece depois no texto que se segue. a respeito da nova formulação da norma. a norma legal. dogmática contemporânea só ganhou quatro páginas. O pandectismo comungava com a Escola da Exegese. Aí surgiria toda uma nova visão a respeito da dinâmica do Direito e de uma exigência dos chamados modelos abertos. Pois. Não se pode vinculá-lo ao pandectismo. São observações que em nada diminuem a amplitude de sua pesquisa e. a norma particular. isso não Filosofia e Teoria Geral do Direito. E na dogmática contemporânea. já se adiantou a elas. voltada para o passado. me colocam em verdadeira dificuldade.Exa. No momento em que eu entendo norma apenas como norma legislativa. Até no âmbito do Direito penal há os que pretendem entrar com a amplitude dos modelos abertos. V. o que eu pensei foi o seguinte: as características da dogmática contemporânea vão ser explicitadas no que se segue. Uma nova dogmática há.Exa. de novas estruturas sociais no seu evoluir. me puxou o tapete. quando há uma nova conceituação da norma. É um Direito em visão de futuro. e pode. E nesse ponto Kelsen trouxe uma inovação. ele o fez de uma maneira ampla. como na obra de Hart. Mata Machado. quanto ao primado do Direito estatal. a dogmática fica presa à mens legis. Para Kelsen. a norma da sentença.p65 82 17/5/2011. que é prospectiva. Algumas respostas que eu poderia dar. para ele. Eu vou tentar sugerir alguns pontos de apoio para uma outra argumentação. que era retrospectiva. o Direito é a norma. para atender a determinadas hipóteses dessa ciência. E como o Prof. por uma compreensão dinâmica do modelo. (TSF Jr. mas em completar a teoria das fontes. que era um Direito estatalista por excelência.tuir. visava à intenção do legislador e à origem da norma. E de fato. no máximo. Eu fui levado apenas pelo desejo de pôr em realce aspectos de seu trabalho. sobretudo. eu notei uma falta de vivência da teoria inglesa. que apareceu num dado ângulo da ciência jurídica. Esses modelos jurídicos vão se alargando para todo o campo do Direito. porque esse é um ponto fundamental. então não vou me adiantar ou me prolongar aqui. de Hart e de seus continuadores. à mens legislatoris. chegar à mens legis. essa teoria se dá em virtude da mutabilidade incessante da vida contemporânea. A teoria dos Standards jurídicos. O que importa numa tese é ser algo que brota de si mesmo através da própria pesquisa. o Direito não era a lei. 17:46 . Realmente. e muito embora Kelsen tenha feito a identificação Direito e Estado. a originalidade de seu pensamento. Nós falamos de ideologia nesse sentido de ocultação. a partir do capítulo quarto. de fato começa a preponderar o sentido de ideologia como ocultação. em razão da limitação do tema. Mata Machado reclamou uma referência a Kant. a vontade de entrar nesse assunto e discutir um pouco mais profundamente a noção de história no século XIX. é que àquelas quatro páginas não se segue muito ais em termos de doutrina a respeito da própria dogmática. quanto eu tento mostrar as funções positivas da dogmática no Direito. aceito profundamente. aqui tomada apenas no sentido de mascaração. aí não é o conceito de ocultação. falamos também no sentido de preenchimento de certas funções sociais. Mas fica assinalada essa observação de que eu não pude atender a todo esses desejos de expansão que a tese tem. dentro da sociedade. às vezes Filosofia e Teoria Geral do Direito. De fato. cessam essas referencias. Dalí para a diante o que se discute é o próprio pensamento dogmático e o seu exercício. E no texto que se segue depois do panorama. a me conter e fazer apenas algumas menções. eu fui obrigado. Há a partir desse capítulo uma certa inversão na perspectiva. Quanto ao pessimismo. então dá a impressão de que. eu tenho consciência e digo isso no próprio texto. e não nego inclusive que senti em certos momentos. que ficou assim um pouco nebulosa. principalmente quando entrei no problema da história. em nenhum momento eu afirmei que existe continuamente uma espécie de intencionalidade de perverter o fato social. não intencionalmente.p65 83 17/5/2011. às interpretações sobre dogmática. eu estou menos interessado naquilo que se pode dizer sobre a dogmática. Herbert. reclama.Exa. Acontece que a partir de capítulo terceiro. como o Prof. me levaria a Marx. de perversão. Isto pode acontecer. Mas antes. no entanto. mas naquilo que a dogmática faz.aparece nos seguintes termos: é que no texto histórico eu necessariamente fiz muita referencia à metadogmática. que V. 17:46 . isto é. que a noção de ideologia é complexa. a Savigny. de uma referência a Hegel. não se pode negar. onde ela tem uma importância primordial difícil de ser cortada. V. no século XX acaba a referência histórica. quando eu começo a tratar da dogmática hoje. nós falamos também no sentido de participação da ideia na formação do social. liga à concepção de ideologia. ocultamento. a Scheling. Há várias formas de se tratar ideologia. Por isso. com razão. eu não dediquei a atenção que o assunto requereria. eu aceito esse tipo de reclamação. Vale dizer.Exa. Reconheço que isto mereceria uma atenção maior. infelizmente. No fim da tese. de fato. A noção de história me levaria a Hegel. portanto não apenas o papel de ocultação da ideologia. como a lógica do razoável por exemplo. pensamento tecnológico. Há autores que procuram enfatizar a função didática da dogmática. que os conceitos da dogmática são exatamente para trazer o nãopositivo para dentro do positivo. A dogmática está ligada ao pensamento conceitual.Exa. Deixar o conceito de dogmática no plano mais abstrato possível permitia revelar aspectos até mesmo contraditórios dentro dela. dada uma posição rigorosa de dogmática. eu não tentei organizar o trabalho de maneira a fornecer uma conceituação de dogmática. embora não se reduza a ela. Isto é. a ordenamento. etc. teoria. São opiniões opostas. V. dentro do pensamento dogmático. o que é hoje posto em questão. isto é. Mas não foi essa a minha intenção em termos de generalização. Arquitetônica de modelos. me chama atenção com razão para os vários sentidos que vão sendo atribuídos à dogmática jurídica. coisas que eu queria analisar teriam ficado de fora. mas eu cito no trabalho uma pesquisa sobre dogmática feita por um autor alemão. Está ligada à sistema. Logo no começo da tese. por exemplo. coisa que eu não poderia fazer se eu a definisse rigorosamente. onde ele nos aponta uma infinidade de definições de dogmática. eu não tive propriamente o cuidado de fazer eu próprio uma pesquisa desse tipo. inclusive o desacordo dos juristas a respeito do que seja a própria dogmática.até de uma maneira subconsciente. porque não se enquadrariam a essa definição. veículo.p65 84 17/5/2011. eu faço uma advertência justamente par ao fato de que essa tese tem ligações com a noção clássica de sociologia do conhecimento. embora existam outros autores que tentam mostrar exatamente o contrário. mas procurei caracterizá-la da forma mais abstrata possível justamente para criar condições de apanhar uma série de fenômenos. Eu diria a V. Por exemplo. que essa tomada de posição foi proposital. eu não quero me apegar ao problema da sociologia do conhecimento clássico. Logo no começo se diz aqui que há uma intenção de verificar a interação ciência-sociedade. de economia de trabalho para Filosofia e Teoria Geral do Direito. Em alguns autores.Exa. onde a noção de ideologia exerça mais essa função de ocultação. está ligada a rigor lógico. Está ligada à sua vinculação ao Direito positivo. ele diz que nessas definições encontramos elementos difíceis de serem trazidos a uma unidade. 17:46 . embora eu não negue isso. à ordem. A menos que se refira a outra lógica. a dogmática exercendo a função de proporcionar uma espécie de alivio. Nós podemos através de uma consciência ideológica perverter o fato social. portanto. Aliás. Vale dizer. O homem agia naturalmente na medida em que dispendia esta physis. Pois bem. que a dogmática depende do princípio da inegabilidade dos pontos de partida diz pouco concretamente. e as últimas à Filosofia e Teoria Geral do Direito. em que a dogmática aparece como tecnologia e não como técnica. Entre a técnica nos vemos as artes poiéticas.o juiz. como o saber da própria práxis.. de techné. que não se identifica propriamente o a técnica no sentido moderno da palavra. perceber vários aspectos nos quais. A arte passa a ser um sistema das regras para controle da experiência. Nós sabemos que aquilo que os gregos chamavam de techné estava ligado. Isso me levou a concluir que era muito difícil adotar uma definição de dogmática e que se eu o fizesse. por exemplo. ou como um agrupamento didático de teorias. a partir daí. Dizer. técnica. Ou a dogmática aparecendo como teoria. mas a thyché representava interrupções e isso fazia com que ele aprendesse através do contato com a natureza. uma forma de combinatória para a solução de problemas da decidibilidade. e finalmente a facultas. como essa arte aprendida. isso se manifesta. aqui talvez tenha sido um exagero a utilização metafórica. às vezes como câmbio de automóvel (risos).) Sim. (Miguel Reale) Ou como câmbio de automóvel. isso está dito claramente. Às vezes aparecendo como veículo. teoria. de experiência. me pede uma explicação entre dogmática. Daí dogmática aparecer como arquitetônica. por exemplo. por exemplo. Dei a definição mais geral possível para não me fixar a uma definição que me aprisionasse. O que eu tentei fazer foi me colocar dentro dessa noção de techné. (TSF Jr. a memória dessa experiência. De fato. à physis. na forma de empiria. As primeiras estavam ligadas à posição. Mas estava ligado também ao acaso. tecnologia. A Retórica clássica nos fala na doutrina como o estabelecimento dessas regras.. as segundas ao exercício. as artes práticas e as artes teorética. Da arte naquele sentido que foi desenvolvido pela Retórica e também depois em Roma. 17:46 . na concepção clássica grega. a disciplina como o aprendizado dessas regras e a ciência no sentido de sabedoria. V. Qual seria a relação disto? Eu fui buscar as motivações para essa distinção. A propósito. de alguma maneira. A thyché que representava interrupções dentro da natureza.Exa. mas me permite. no dizer de Aristóteles. a thyché dentro da physis. correria o risco de deixar de fora diversos elementos. é que leva a techné. aristotélica. à natureza.p65 85 17/5/2011. Pois bem. para o juiz ou para o ensino da Universidade. Mas inclusive como pensamento tecnológico. a utilização de diversos modelos. . Essa inversão é um dos resultados da consciência da positivação. onde o problema da avaliação é fundamental. o de que no século XIX o que ocorre é a consciência da positivação. a crença da preponderação do passado em relação ao presente e ao futuro.p65 86 17/5/2011. Sei que essas classificações são perigosas porque envolvem uma série de argumentos e definições que deveriam ser mais precisadas mas é impossível trazê-las todas. Em nenhum momento eu afirmo ou desejo afirmar que a positivação seja algo apenas do século XIX. Nessa tese eu acrescentei alguma coisa em relação à outra tese. 17:46 . O fenômeno da positivação é algo ligado ao fenômeno jurídico. Não há uma necessidade de se justificar a mutabilidade. tendo em vista justamente essa objeção.expectação. por ocasião da defesa da minha tese de livre-docência. mas tendo em vista a crítica. por exemplo. ela passa a ser pressuposto da argumentação. qual seja. que se localiza numa consciência perante o Direito. No século XIX sente-se uma inversão disso. a mutabilidade do Direito tem que ser argumentada. mas acho que ainda não fui claro no que eu quis dizer. o que caracteriza a posição do homem comum perante o Direito é. é curiosa esta objeção de que não há Direito sem positivação. Eu diria que aquilo que eu estou chamando no texto de técnica. não muito claramente. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Era exatamente para isso que eu desejava chamar a atenção.. talvez. me pediu um esclarecimento a respeito desse sentido de técnica e tecnologia. justamente como VExa. Portanto. (Miguel Reale) Por isso o fenômeno não é o da positivação. Diante do crescimento do fenômeno da positivação. Quis chamar a atenção – talvez eu não tenho conseguido – exatamente para esse problema do qual me falou VExa. E quando eu falo de dogmática como tecnologia se trataria da chamada arte teorética. Eu me lembro já ter enfrentado essa questão. quanto à questão da positivação. chamou atenção. que é um fenômeno comum ou do Direito em todas as épocas. tomamos consciência de que o Direito é mutável. Pois bem. a atividade forense ou a atividade do legislador. corresponde àquilo que na antiguidade se classificaria como uma arte poiética ou arte prática. ao espectare. mas o da consciência da positivação. Apenas para situar o pensamento VExa. com a positivação. por assim dizer.. Eu coloquei o problema da consciência da positivação tentando chamar a atenção para um dado específico. em que o Professor Lourival Vilanova dizia exatamente nesses termos “a positivação não é um fenômeno do século XIX” dizia ele. Sobre o conceito que eu usei na p. Bom.Exa. O que eu não expliquei numa nota e deveria ter explicado é que a vinculação que eu estou fazendo é exatamente oposta. justamente. critica. a pesquisa foi limitada aqui. Há trabalhos importantes que não estão sequer citados na tese. mas apenas mencionar o problema. a minha intenção era não de afirmar que a soberania se identifica com o fundamento de si própria. eu não saberia saber daqui senão recorrendo à limitações. É claro que a citação. que é a outra. que nem é originário nem é absoluto. originária e absoluta.Exa. isso foi uma contingência da elaboração do trabalho. mais uma vez. É claro.(TSF Jr. e novamente eu me penitencio. essa concepção de poder. realmente. que depois da tese impressa fui lendo mais e fui descobrindo novas e novas coisas e fui sentindo um grande pesar de vê-las à minha frente sem poder me utilizar mais daquilo. quanto ao problema bibliográfico. E longe de mim fazer isto. A mudança de atitude perante implica uma mudança de consciência. Não foi uma afirmação definitória isso aqui. O que eu quis dizer é que VExa. E confesso. mas não em termos de definição. Talvez eu devesse ter sido mais explícito aqui. de fato. é exatamente o oposto o que eu quis dizer. E não só trabalhos recentes. 72. eu me penitencio pois é um defeito que se encontra na tese. Então “ver Miguel Reale” é ver Miguel Reale a respeito dessa critica e não a respeito dessa concepção de poder criticada. também aqui a minha intenção não foi fazer uma discussão técnica a respeito do assunto. eu nem quis fazer essa afirmação. Eu quis dizer que o conceito de soberania está coligado com esses caracteres. em alguns compêndios de professores de Teoria Geral do Estado. Quanto à noção de poder. Mas. tal como está. que não levam em conta a concepção de poder que aparece no seu livro de Teoria Geral do Estado. dá a impressão que V. que eu fui relendo. Filosofia e Teoria Geral do Direito. portanto a tomada de consciência da positivação.) Certo. 17:46 . Infelizmente. mas daí já estava posto. e eu me penitencio por isso. mas trabalhos antigos. por exemplo. isto é. É essa a posição que encontramos. com humildade. ainda que nós não tenhamos hoje essa concepção. faltou uma nota para que isso ficasse mais claro.p65 87 17/5/2011. Está coligado em termos de problema. Quanto ao conceito de soberania. teve. eu acho que eu fui profundamente infeliz na citação que eu faço de V. de que eu estou vinculando o que está escrito aqui com o seu pensamento. eu reconheço isto. mas uma afirmação problemática. nem que a soberania se identifica com o caráter originário necessariamente e nem com o caráter absoluto do poder. Acho que isso é importante aqui. Mas eu apenas acentuei essa dogmática da óptica do juiz descritivamente. onde eu menciono a posição do Hart e a própria posição do Professor Celso Lafer. e é por isso que surge o dilema (Miguel Reale) Mas é que Hart parte de um conceito totalmente superado e faz uma crítica que já está anacrônica. é difícil de nós desvendarmos. sim. 17:46 . O que eu digo aqui é que esse rompimento ainda não ocorreu totalmente. de propósito. Mas mostram também outra coisa: que o dilema da soberania foi estudado por ele porque o conceito de soberania originariamente nunca se libertou totalmente dessa conceituação. como se refere o Professor Ascarelli. com esses conceito. o Direito não existe só para o foro! (TSF Jr. mas eu tenho a impressão que. O Sr. e isso teria de ser rompido. O enfoque forense. A coligação da noção de soberania. mostram que eu sou consciente disso.. (Miguel Reale) Estou satisfeito. e aqui eu acho que os velhos anacronismos parecem voltar. Posso aceitar que esteja anacrônica. dentro do ensino jurídico. Filosofia e Teoria Geral do Direito. me fez um outro questionamento aqui.) Mas eu não nego isso. quer continuar? (TSF Jr. para mostrar um dos empecilhos para o desenvolvimento da dogmática no mundo contemporâneo.. (TSF Jr.. infelizmente.A nota seguinte.) Bom. Inclusive a citação se faz justamente numa tentativa de romper com isso. Essa seria uma saída para a dogmática jurídica. vamos encontrar uma série de previsões do pensamento dogmático que estão atrelados a essa óptica de juiz que nos foi dada pelo século XIX. (Miguel Reale) Ah.. anacronicamente. que eu acho que merecia uma resposta.) Realmente esse enfoque está acentuado na tese. mas isso parece que volta. por exemplo. e foi para isso que eu quis chamar atenção. ela sobrevive ainda me muitas discussões. por exemplo..Exa. quando se fala por exemplo do papel do Direito internacional.p65 88 17/5/2011. de modo algum eu nego isso! O que eu tentei mostrar é que. (TSF Jr. (Miguel Reale) Mas é que a dogmática contemporânea toda está lutando contra isso. O problema do anacronismo da ciência do Direito.) A noção de soberania a que ele se refere pode estar eventualmente anacrônica. V.. isso sim uma característica do pandectismo. (Miguel Reale) Entre os pandectistas e Kelsen. do século XIX.) Sim.. é claro.. 17:46 . Filosofia e Teoria Geral do Direito. Eu quis apenas chamar atenção para o problema do sistema. que foram seus mestres na verdade. Kelsen se identifica aqui mais à exigência de sistematização da ciência jurídico... temos de levar em conta a escola de Jellinek e seus continuadores.. Eu não tive em nenhum momento essa intenção. há diferenças..p65 89 17/5/2011. não ignora que exista toda a histórica tecnológica de Jellinek.. (TSF Jr. Vsa. (TSF Jr.) Perfeito.Me restaria apenas falar de Kelsen e sua identificação com o contratualismo ou com o pandectismo. perfeito. (Miguel Reale) Entre os pandectistas e Kelsen.. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 90 17/5/2011. 17:46 . p65 91 17/5/2011. 17:46 .A PRODUÇÃO DO INDIVÍDUO NA DIALÉTICA DAS RELAÇÕES SOCIAIS Alaôr Caffé Alves Professor Associado Faculdade de Direito da USP Faculdades de Campinas – FACAMP Filosofia e Teoria Geral do Direito. nele. isso está claro. caracterizados pelas relações sociais. 17:46 .p65 92 17/5/2011. como produto de relações sociais. como algo que a integra e a polariza para constituí-la. podemos nos encontrar. Assim. é também momento de um processo que aponta essencialmente para um horizonte de totalidades que lhe conferem plenitude de sentido. Toda experiência sobre questões políticas. exatamente por ser função da realidade do Estado.92 . para a apreensão de sua efetiva realidade. Entretanto. agentes perpetradores daquela idéia astuciosa. Isso significa que toda experiência imediata reclama sua integração nesse contexto de experiência passada reconstruída – não arbitrariamente. fundada naquela experiência passada. esses homens. a experiência imediata do político é apenas um ponto de contato que exige. com a posição idealista pela qual o Estado é uma idéia ética a ser realizada em função da qual o mundo fático dos homens concretos. realizam. não vemos o Estado como tal. os objetivos impostos pela totalidade abstrata do Estado. A expressão mais viva dessa doutrina formula-se no âmbito do idealismo alemão do início do século XIX. a superação da presença atual pela construção de experiências possíveis orientadas para a transformação do real e integradas pela reconstrução de experiências passadas. uma finalidade. passa a ter realidade efetiva apenas enquanto sejam. Neste passo. pelo lado oposto. Tendo ou não consciência disso. fica subordinado ao ideal mistificado. Vertendo nossa atenção para o campo da experiência imediata. com a exclusão do passado e do possível. desse modo. ao contrário. nessa concepção. ele é. a totalidade do real. o Estado não aparece como algo subordinado à sociedade. através de suas ações individuais. condena-nos a permanecer na superfície dos fatos a não penetrar e ultrapassar a opacidade fática das coisas. a partir de “fora”. O real concreto. um horizonte para onde caminha e deve se encaminhar a sociedade. então. a uma abstração que toma a si a tarefa de compor e realizar o mundo tal como o vemos e experimentamos na sua complexidade e singularidade viva. como ordem racional de liberdade. com Hegel à frente. não vicejada pelas relações integradoras da práxis social. os homens concretos. sempre em nível da ação social contínua e da representação teórico-prática correspondente. perfazendo. convém frisar novamente que a totalidade do real político não se consubstancia a partir da idéia abstrata que temos dele. Prosseguindo nessa ordem de idéias. o Estado se destaca Filosofia e Teoria Geral do Direito.A PRODUÇÃO DO INDIVÍDUO NA DIALÉTICA DAS RELAÇÕES SOCIAIS A experiência pontual e fragmentada do momento. mas segundo as leis que lhe são imanentes – e de experiência futura possível. W. para Hegel. 246. Os homens concretos são os verdadeiros fautores da vida política e da História. é o racional em si e para si: esta unidade substancial é um fim próprio absoluto. HEGEL.93 como idéia hipostasiada em relação à sociedade onde os interesses estão em conflito. “o Estado é a realidade em ato da Idéia moral objetiva. Se.. que se conhece e se pensa. F. “O Estado. de outro. clara para si mesma. não elidimos o risco de interpretar o processo político como decorrente de manifestação da natureza humana ou da mera vontade dos indivíduos. Princípios da Filosofía do Direito. 17:46 . Cf. das idéias. HEGEL. op. Para uma crítica do idealismo objetivo de Hegel a respeito do Estado. se atendermos apenas a essa fórmula. p.p65 93 17/5/2011. Referimo-nos aos homens. Assim. podemos recair numa abstração do indivíduo. 2ª ed. Mas aos homens dentro de suas relações sociais específicas e históricas. eles é que fazem a História e não uma entidade abstrata transcendental. W. Para escapar dessa linha mistificadora do Estado. como uma ordem racional na qual os conflitos de interesse encontram sua harmonização e síntese. imóvel. assim. e assim este último fim possui um direito soberano perante os indivíduos que. “A concepção de história de Hegel pressupõe um espírito absoluto ou abstrato.ALAÔR CAFFÉ ALVES . a se desenvolver de maneira tal 1 2 Cf. K.. isto é. Buenos Aires: Claridad. o espírito como vontade substancial revelada. afastamos a idéia de que o processo histórico-político é o resultado da intervenção de alguma entidade transcendente. têm o seu mais elevado dever”2. prescindindo de sua base histórica e social. § 257. Colocar no lugar do homem individual concreto a “idéia” ou o “espírito objetivo”. e realiza o que sabe e porque sabe”1. tornando possível a liberdade que transcende de modo dialético a mera necessidade. F. G. nele a liberdade obtém o seu valor supremo. como movimento autônomo da consciência. cit. G. Guimarães Editores. p. cumpre considerar o verdadeiro lugar onde se consubstancia o fundamento político da sociedade. § 258. de caráter supra-humano. como realidade em ato da vontade substancial. Crítica de la Filosofía del Estado de Hegel. Entretanto. por serem membros do Estado. e pressupor de maneira idealista que tal processo se explicaria sem o homem real. ver MARX. Filosofia e Teoria Geral do Direito. realidade que esta vontade adquire na consciência particular de si enquanto universalizada. cuja evolução demarca o próprio sentido do processo histórico-político. 247. consignando nele a origem absoluta daquele processo. Lisboa. 1973. de um lado. O Estado é proposto. A PRODUÇÃO DO INDIVÍDUO NA DIALÉTICA DAS RELAÇÕES SOCIAIS que a humanidade não é mais do que uma massa que lhe serve de suporte mais ou menos conscientemente. Lisboa: Presença. como se neles fosse possível encontrar o fundamento último do processo histórico-político. Filosofia e Teoria Geral do Direito. um espírito acima e além do homem real”3. propósitos. isto é. A concepção do individualismo possessivo é que nos induz. É como se tivéssemos a essência humana inserida completamente em cada ser humano individual. Hegel introduz a operação de uma História especulativa.p65 94 17/5/2011. aqueles fatores subjetivos. leva-nos também aos caminhos da metafísica e do idealismo condenáveis.94 . A sociedade política. Porém. por sua vez. possuindo uma natureza essencial plena. Esses fatores subjetivos devem ser explicados. reservada aos iniciados. também precisam ser explicitados em razão dos fatores objetivos da sociedade. As intenções. por outro lado. como processos autônomos e independentes do meio social onde têm lugar. motivos. desse modo. precisamente. daquilo que deve ser explicado em seus fundamentos de origem. MARX. Karl Marx diz que “os homens fazem sua própria história. p. A Sagrada Família. posteriormente. não indicamos senão outra possível vertente do idealismo que reduz a explicação das iniciativas políticas tão só às intenções. suas intenções. Este ponto merece ainda maior elucidação. através de um contrato social. expectativas. em sua referência tópica visível aos olhos do corpo e atomicamente considerado. 17:46 . a considerar que o indivíduo é a origem e fundamento da vida social. como ponto de partida para o exame da realidade do Estado. são eles que existem para formarem. Dentro do quadro da história empírica (objetiva). o Estado. e ENGELS. A história da humanidade passa a ser a história do espírito abstrato da humanidade. passa a ser explicada a partir desses indivíduos atomizados. por si mesmos. ao apontar para o indivíduo abstrato. motivos e vontades. os elementos subjetivos fazem parte. Na realidade. compreensível por todos. dentro de uma perspectiva humanista igualmente abstrata. objetivos ou idéias de tais indivíduos. pela inserção e determinações objetivas do âmbito social onde ocorrem. a sociedade política. especialmente no tocante ao processo histórico em que se concretiza a sociedade política. os motivos e a vontade não existem de modo gratuito. F. Considerando-o. nessa concepção. Em “O 18 Brumario”. 128. 1974. erroneamente. porem não 3 Cf. primeiramente. K. Se 4 Cf. O 18 Brumário d e Luís Bonaparte. Já sublinhamos. as formas existentes da consciência social. Não devemos esquecer de que as manifestações fenomênicas visíveis da sociedade política fazem parte também de sua própria essência estrutural. 1978. cultural e histórico. não se pode levar a sério que os homens a realizam independentemente de quais sejam as condições existentes. à margem da intervenção ativa e voluntária dos homens. Desse modo. são. Neste ponto. Isto quer dizer que as condições subjetivas. e necessariamente. sob circunstâncias escolhidas por eles mesmos. por isso mesmo.p65 95 17/5/2011. Entretanto. etc.ALAÔR CAFFÉ ALVES . a ordem jurídica. em outro lugar. MARX. a consciência e a vontade. compreendem. para nossa análise do Estado. são o modo de expressão sem o qual o próprio Estado não poderia se legitimar. Rio de Janeiro: Paz e Terra. em razão do contexto econômico-social. por outro. político. na perspectiva dialética pela qual se deve entender que as circunstâncias condicionantes da ação histórica não são algo dado “por fora” dos próprios agentes sociais. manifestação da autonomia da vontade de seus agentes. 17:46 . os homens não se propõem em cada situação histórica a um fim indeterminado qualquer. cumpre-nos ainda enfatizar o resgate que procuramos fazer a respeito de como se deve entender. que existem e lhes são legadas pelo passado”4. também fazem parte. Filosofia e Teoria Geral do Direito. cultural e ideológico em que estão imersos. de caráter econômico-social. mas também a expressão de determinações sociais objetivas. A grande questão se coloca portanto. mediante as leis e atos de autoridade. 17. a organização das forças sociais. elas não perfazem coisas ou entidades alheias aos homens. Karl. Nem mesmo é admissível que haja recíproca influência entre circunstâncias dadas e atividade humana. Escolhem os objetivos que a própria situação lhes possibilita e condiciona. se por um lado não se pode sustentar que as circunstâncias sejam o sujeito motor da História. os prejuízos da consideração mecanicista das relações que se interpõem de forma abstrata entre termos pré-existentes. a um só tempo. A vontade do Estado. sem raízes nas determinações sociais do passado. das circunstâncias histórico-objetivas da sociedade.95 a fazem por seu livre arbítrio. senão sob aquelas circunstâncias com que se encontram diretamente. o complexo das relações subjacentes às suas manifestações exteriores. p. isso seria admitir uma relação de exterioridade entre tais elementos. as condições técnicas de manipulação dos meios de produção. não há igualmente uma determinação direta daquelas formas subjetivas por parte de fatores externos que possam exprimir circunstancias objetivas independentes da ação dos próprios homens. ao admitir que a atuação dos homens está inteiramente determinada pelas circunstâncias anteriores. como termos exteriores um ao outro. vontade ou intenção possíveis à margem das circunstâncias determinantes. apontam para análise das circunstâncias econômicas.p65 96 17/5/2011. 17:46 . se atentarmos para a perspectiva do humanismo individualista.96 . Por outro lado. Se não existem consciência. Neste caso. como se estes fossem termos pré-existentes conectados por uma relação que lhes é estranha e contingente. uma vontade indeterminada ou uma intenção pura. não há exterioridade entre sujeito e objeto. visto que passamos a considerar a relação entre sujeito e objeto. então o prejuízo antes apontado se faz gravemente presente. equivalendo de certo modo a afirmar que estes estão plenamente determinados pelas condições objetivas do processo histórico. Na verdade. um é pelo outro.A PRODUÇÃO DO INDIVÍDUO NA DIALÉTICA DAS RELAÇÕES SOCIAIS não houver a consideração histórica e dialética dos termos aparentes. Há sim uma relação dialética. não lograremos alcançar as relações orgânicas subjacentes à realidade da sociedade política. não se confundindo numa identidade abstrata. em nome da irredutibilidade da práxis. não podendo existir separadamente. vemo-nos envolvidos pela perspectiva do determinismo mecanicista resultante igualmente da linha metodológica que aponta para a exterioridade dos termos considerados como existentes independentemente das relações que os unem. Assim. onde. sob pena de se considerar o processo histórico dirigido por forças estranhas aos agentes sociais. somos conduzidos a negar sua participação consciente no movimento da História segundo fins propostos pela vontade autônoma dos agentes sociais. políticas e ideológicas determinantes que de certo modo explicam sua origem. Porém. em que. isso quer dizer que tais circunstâncias não se personalizam “por fora” da própria práxis. essas circunstâncias implicam necessariamente as condições subjetivas que envolvem as formas de consciência. o que concorre para bloquear toda tendência a explicar o processo histórico a partir de uma consciência abstrata. Por essa ponderação se pode verificar que o acontecimento histórico integra-se mediante dois momentos orgânica e dialeticamente interdependen- Filosofia e Teoria Geral do Direito. contraditória. se entende que vontade. por não terem em si mesmas uma razão de ser. O conteúdo da consciência e a intencionalidade da vontade. consciência e intenção dos homens não estão inteiramente determinadas pelas circunstâncias dadas. mas com a práxis. a própria realidade unitária pela qual tais momentos ganham sua especificidade e concretude. a situação dada é ‘mais’ do que uma situação dada e um servo da gleba é ‘mais’ que mera parte da situação.ALAÔR CAFFÉ ALVES . Tais circunstâncias são a condição e o pressuposto do agir. México: Grijalbo. As circunstâncias não existem sem os homens. Karel. Prosseguindo na linha do exemplo. através de uma aplicação metodológica puramente analítica. Karel Kosik exprime essa dialética afirmando que “o homem supera (transcende) originariamente a situação não com a sua consciência. nem se transforma em função dos significados que atribuo aos meus planos. na concepção dialética. É como a relação entre forma e fundo. Dialéctica de lo Concreto. Nem mesmo se pode afirmar que são complementares. Assim. confere àquelas circunstâncias um sentido determinado. onde cada aspecto mantém sua identidade em razão da oposição mesma. de caráter lógico-formal e abstrata. as intenções e os projetos ideais. o homem inscreve significado no mundo e cria a estrutura significativa do próprio mundo”. Na verdade. ao mesmo tempo. se apresenta como tal pela identidade de cada aspecto. Os homens agem dentro da situação dada e na ação prática conferem um significado à situação”5. mediatamente. esses momentos integram uma realidade unitária. Neste ponto acreditamos estar em condições de retomar a questão a respeito de se indivíduos concretos são ou não os elementos fundantes da realidade 5 Cf. Por isso é que os homens fazem parte da situação dada.p65 97 17/5/2011. A tentativa de compreender esses momentos fora da relação dialética implica destruir. ele lhe atribui o significado de prisão. entretanto. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:46 . através da sua atividade. na revolta ou na insurreição camponesa. por seu turno. isto é. A situação dada e o homem são os elementos constitutivos da práxis que é a condição fundamental de qualquer transcendência da situação. o agir. 259. visto que isso demandaria compreendê-los ainda na perspectiva do dualismo em que os termos se põem de forma autônoma. não existe forma sem fundo nem fundo sem forma. e.97 tes: o da situação histórico-social e o da intervenção dos que nela atuam. KOSIK. Kosik agrega: “para um servo da gleba a ‘situação dada’ é imediatamente condição natural de vida. nem estes existem sem aquelas. no âmago dessa situação. e esta. a transformam continuamente mediante a práxis criadora. p. Mas com o seu agir. A realidade não é um sistema dos meus significados. ainda profundamente condenável do ponto de vista dialético. não por ato de sua consciência e vontade. a identidade só existe em função da nãoidentidade. 1967. a situação histórica e as relações sociais que o configuram. sem exceção. Novamente se apresenta aqui nossa rejeição ao dualismo metafísico que considera os termos independentemente da existência da relação que os integra e caracteriza. Assim. tais relações se perfazem “em” e “através” dos indivíduos humanos.p65 98 17/5/2011. fora das relações em razão das quais transcorre sua existência? Se a organização social não se reduz a uma simples soma de práticas inter-individuais. ao indivíduo humano. enquanto tal. Para uma correta abordagem desse ponto. no estrito sentido da interdependência mútua.A PRODUÇÃO DO INDIVÍDUO NA DIALÉTICA DAS RELAÇÕES SOCIAIS política: É bom recordar que essa questão se coloca para o efeito imediato de elidir a concepção de caráter idealista. por paradoxal que pareça. segundo a qual o processo históricopolítico deflui de uma idéia hipostasiada. isto é. Por essa razão. então. sendo os “conjuntos supra-individuais” meras abstrações. perfazendo cada um a condição de existência dos outros. o indivíduo enquanto tal. não pode ser a expressão material de uma essência plena inserida em cada ser humano. Ao nos afastarmos da idéia metafísica de uma entidade supra-individual como base da realidade política. não existem sujeitos individuais concretos antes das relações sociais pelas quais ganham sua própria determinação.98 . é a seguinte: é possível compreender os indivíduos à margem das relações sociais. O indivíduo. sujeito este que se manifesta igualmente no nível de nossa experiência imediata: essa concepção parte da idéia de que o único concreto é o indivíduo. que emprestaria sentido e realidade à ação concreta dos homens. com independência das condições histórico-sociais aonde os sujeitos individuais con- Filosofia e Teoria Geral do Direito. A questão que se coloca. Eles são socialmente interdependentes. autônoma. é preciso considerar a maneira pela qual se deve enfocar o conceito de indivíduo enquanto sujeito da ação social. exatamente porque sua caracterização não decorre de uma singular “natureza” que por si só o especifique como indivíduo personalizado e autônomo. Assim. só pode ser considerado como uma instância abstrata. O ser humano é antes um produto resultante de relações materiais entre eles. indivíduos humanos e suas relações sociais não constituem duas realidades separadas. supra-individual. 17:46 . Esse fato induz à inevitável consideração de que não existe uma essência da individualidade que permaneça idêntica a si mesma. a tendência é buscar essa base no sujeito individual. Eles produzem bens e os trocam entre si. não é indiferente. não podendo aqueles serem abstraídos das relações sociais que lhes dão realidade e significado. Assim. o indivíduo abstratamente considerado e autônomo não se presta como ponto de partida. Filosofia e Teoria Geral do Direito. as relações sociais existentes em determinada situação histórica. 17:46 .ALAÔR CAFFÉ ALVES . entretanto. no plano das práticas sociais. também não podem deixar de ser uma síntese de múltiplas determinações provenientes delas. demarcando-lhes forma entificada ou coisificada independente dos agentes sociais. Isso seria como fundar o processo histórico na subjetividade heróica dos indivíduos. intenções. expectativas e ações. seu fundamento.99 cretamente se conformam. das relações no plano da sociedade política. somente se tornam inteligíveis mediante a análise das relações sociais historicamente determinadas. encarnam. É preciso de muita cautela neste terreno para não resvalar nas falácias quer do objetivismo absoluto das relações sociais. não as relações sociais. contudo. não se configura em uma instância meramente subjetiva e singular. o equacionamento de fatores objetivos que tenha como base a teoria pura das motivações e propósitos da ação. Se os indivíduos não podem se reduzir às relações sociais. notar que tal consideração não deve levar à tendência de substituir o indivíduo humano. não se inscrevendo em uma pura vontade incondicionada. A questão se coloca em torno da identificação do ponto de partida em razão do qual se pode buscar uma interpretação inteligível dos fatos histórico-sociais e. no nível da explicação do processo histórico-político. Parece-nos que.p65 99 17/5/2011. como também o que somos. alheia e oposta ao conjunto das relações sociais em que os sujeitos humanos produzem seus bens e realizam o escambo universal. pelas relações sociais. misteriosa e ininteligível. É indispensável. Mas. Isso porque essas atividades. através das manifestações específicas de consciência. se as ocorrências sociais têm seu início necessariamente nas atividades humanas. A localização social não afeta apenas nossa conduta. elas próprias. à explicitação plena desse processo. Os que agem são os indivíduos concretos. Vale dizer que a caracterização da individualidade. vontade. não se encontra apenas nestas últimas. Isso seria novamente produto do dualismo metafísico já denunciado. indutora dos acontecimentos históricos “por fora” das próprias relações sociais. Daí porque os motivos da ação social. transformando os indivíduos em meros instrumentos de entidades abstratas. por conseqüência. ela afeta também nosso próprio ser. conquanto sejam humanas e concretas. quer do subjetivismo do indivíduo concreto possuidor de uma vontade incondicionada e transcendente. visto ser inadequado. A sociedade determina não só o que fazemos. definidas segundo as atividades produtivas econômico-políticas e ideológico-culturais. que condiciona. na mente dos agentes produtivos. a tecitura material das relações de sociais de produção. por exemplo. a exigência intencional de obter lucros. É por essa razão que do indivíduo isolado não cabe extrair uma essência humana solitária. é essa estrutura social. esta não é algo abstrato imanente a cada indivíduo isoladamente considerado.A PRODUÇÃO DO INDIVÍDUO NA DIALÉTICA DAS RELAÇÕES SOCIAIS Certamente. objetivando obter lucro para viabilizar a acumulação do capital. já na economia do capitalismo industrial. No sistema medieval. mesmo em uma conexão intersubjetiva intensa. essas intenções são determinadas pelas relações objetivas em que se inserem e. ao contrário. Assim. É uma ilusão o agente decidir dispor de seus bens produtivos simplesmente porque queira fazê-lo. Em outras palavras. pois. baseada no valor de uso dos produtos. mas se alicerça em conexões sociais objetivas. de forma autêntica. por si sós. Não é a mera intenção de obter vantagens lucrativas que determina o caráter de uma sociedade socialmente estruturada para a acumulação do capital. onde predominam os valores de troca das mercadorias. suas intenções lucrativas não provem autônoma e originariamente deles. a vontade. Essas relações diferenciadas de produção da vida material da sociedade dão o fundamento inteligível para a compreensão das iniciativas subjetivas que dinamizam o processo econômico e histórico-político no interior da práxis social. determinada historicamente segundo um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas. segundo os níveis de desenvolvimento econômico alcançados em processos históricos definidos. a consciência. seus bens fatalmente se esfumaçarão no ar. o processo histórico-político não se fundamenta na mera soma de ações individuais. serão inevitavelmente tragados pela fúria do sistema. Mas. não explicam.100 . a essência do homem se exprime. se não as seguirem. independente e transcendental. se não o fizer de conformidade com o sistema de mercado. os motivos da produção se definem pela necessidade de acumulação do capital. certamente darão com os burros n’água. Na verdade. observamos que os motivos de produção econômica são calcados diretamente na satisfação das necessidades por meio da economia artesanal. pautadas na autonomia das vontades e intenções particulares. ao contrário. como conjunto de relações sociais Filosofia e Teoria Geral do Direito. Se os agentes de produção não endereçarem adequadamente seus bens produtivos nessa linha de interesses.p65 100 17/5/2011. conforme sua vontade livre. fecundada pela dinâmica de mercado. 17:46 . mas. as expectativas e as intenções dos agentes sociais. modelados em função das condições singulares da formação econômicosocial em que estão integrados. 85. incluindo suas condições de vida. A distinção entre o indivíduo “natural” e o indivíduo “social” deve ser aqui destacada para se evitar os prejuízos do reducionismo metafísico. em oposição à concepção concreta do homem em sua relação sociais – como membro de uma determinada sociedade. e à base de propriedades que cabem a todos os homens – em contraste. na verdade. Adam. por conseqüência. constituído só à base de propriedades biológicas gerais. Filosofia e Teoria Geral do Direito.ALAÔR CAFFÉ ALVES . Um homem. à cultura etc. ele é criador e criatura ao mesmo tempo. 17:46 . Nesse sentido. Assim. “o homem. é o resultado do processo criado por ele mesmo.101 definidas pela força material de suas necessidades recíprocas. em relação ao grupo social. constituídos por e ao mesmo tempo constituintes da posição que ocupam. O ser humano não é criado por um ato arbitrário transcendente. Por essa razão. ele é. Isso significa que é tarefa inútil procurar propriedades humanas à margem do curso do processo histórico e das relações sociais. em qualquer momento histórico. 1967. 6 Cf. O Marxismo e o Indivíduo. não como vínculos externos e contingentes relativamente aos sujeitos individuais. neste plano não se pode descobrir o indivíduo em geral. numa determinada etapa da evolução histórica. os indivíduos se caracterizam pelas relações sociais concretas que eles mesmos integram com sua práxis social. no processo histórico-social em que transcorre sua vida real. como se fosse um exemplar dá essência humana. eles não são simples entes “naturais”. um homem ‘em geral’. são seres sociais. em cada sociedade encontraremos somente indivíduos determinados. um produto de certa forma mutável nas diversas etapas da evolução da sociedade. por isso. em sua história social. SCHAFF. é um produto histórico. compreendidas estas. conforme pertença a uma ou outra das classes e camadas da mesma sociedade. de trabalho. de exploração e de luta. por exemplo.”6 . O ser humano é produto histórico dessas relações sociais. de classe social. indiferente às condições e circunstâncias concretas que especificam cada momento ou período histórico. com outros mamíferos – fica reduzido a um ‘homem abstrato’. p.p65 101 17/5/2011. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. como pertencente a uma determinada classe e com um lugar determinado na divisão social do trabalho. além de ser um produto da evolução biológica das espécies. mas como conexões indispensáveis para a determinação da própria individualidade. o criador de si mesmo. Não há um ser humano fora de relações sociais. de certo modo. manifestada por seus esforços e ação prática. portanto. quanto da visão empirista que busca em cada indivíduo.A PRODUÇÃO DO INDIVÍDUO NA DIALÉTICA DAS RELAÇÕES SOCIAIS Vê-se. refoge tanto da perspectiva generalista. Esse fim é que permite a ordenação racional necessária da prática histórica. igual para todos os tempos. Eles formam um só conjunto unitário e dialético. em suas intenções e aspirações. e o fato de que no processo histórico se observam resultados não desejados por ninguém. Eles realizam seus interesses. com a concepção heróica da História. os indivíduos não passam de meros instrumentos de uma razão astuciosa. em que não existem os indivíduos humanos senão “em” e “através” do ser social que eles integram e não existe o ser social senão formado pelos indivíduos humanos nele integrados. na história universal. Por certo esta concepção providencialista colide diretamente. Em ambos os casos há prejuízo para a compreensão do processo real. a dinâmica que preside o processo é decorrente de seu caráter unitário e dialético. pela qual se compreende o homem como um ser incluído em um estatuto indiferenciado. É nessa linha que Hegel concebe um “sentido” que se tornou racional em virtude de um fim último que transcende a ação dos homens concretos. entretanto.102 . Há. que não se pode conceber o ser humano de um lado e a sociedade de outro. convém apontar para a assimetria entre os fins propostos pelos indivíduos no processo históricopolítico e o que realmente ocorre. A nosso ver. algo diferente daquilo que eles projetaram se produz. por conseguinte. com isso produzem outra coisa que estava implícita nesses interesses mas que não estava na consciência. uma contradição entre a intenção de realizar determinados objetivos por parte dos sujeitos históricos. uma unidade de contrários. e nisto está a sua virtude.p65 102 17/5/2011. para completar essa ordem de idéias. nem na intenção daqueles indivíduos. Essa concepção. conferindo sentido ao caos aparente das ações individuais isoladas. Hegel já havia consignado que mediante as ações dos indivíduos humanos. cujos elementos constituintes são mutuamente determinantes Filosofia e Teoria Geral do Direito. abstrato e universal. a qual postula serem a intenção consciente e o fim desejado por certos homens privilegiados as determinantes da direção do processo histórico. Finalmente. a representação do fundamento último do processo histórico-social. 17:46 . Nessa perspectiva. de um fim último para o qual não contribuíram conscientemente. Lógica. de certo modo regulares. Entretanto. que perfazem o real humano. Linguagem. 4ª ed. Peter. de certo modo. para cuja constituição e dinâmica ele mesmo contribui essencialmente com o próprio ser. com a própria ação circunstanciada na práxis social. Petrópolis: Vozes. Sociedade e Economia: leituras marxistas. São Paulo: Quartier Latin. Suas intenções e ações sofrem sempre o corretivo das múltiplas formas econômico-políticas e ideológico-culturais. Barueri. Dialética e Direito. LUCKMANN. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES. Elementos para o discurso jurídico. Não há História sem a ação dos indivíduos concretos e determinados. Peter.p65 103 17/5/2011. 6ª ed. Perspectivas Sociológicas. Petrópolis: Vozes. não ações no vazio. 17:46 . 2005. SP: Editora Manole. Alaôr Caffé. mas esta ação se realiza em função do processo e de sua lei interna. In: Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. In: Direito. jun. Barueri. 1980. 2005. formado por relações sociais determinadas e dotadas de certa regularidade. ______. BERGER. SP: Editora Manole. Uma visão Humanística. Filosofia e Teoria Geral do Direito. A Construção Social da Realidade. mas confluentes no âmbito das relações sociais que elas mesmas integram e concretizam.103 e excludentes. BERGER. ele não age senão dentro de um contexto histórico concreto. ao mesmo tempo. Pensamento Formal e Argumentação. As raízes sociais da filosofia do direito – uma visão crítica. ______. as futuras. 1976. num só ato. 1983. ele guarda um certo sentido. A Formalização do Direito. Thomas. ele precisa tomar iniciativas em razão do peso das iniciativas passadas já cristalizadas pela sua própria ação histórica. e das quais ele mesmo é fautor e mantenedor. SP: Editora Manole. ______. Fundamentos a uma teoria crítica da interpretação do direito. determinada em relação ao processo. compreende as circunstâncias presentes. uma certa direção. num plano histórico-social definido. 2004. 4ª ed. Sentido e Realidade. como já abordamos. 2010. A cada passo. nº 16. ele não é exterior a essa ação e. A normatividade e a estrutura social como dimensões históricas. isto é. Nesse sentido concluímos que o sujeito é formado como tal pela ação que pratica em razão da qual tenta realizar. suas intenções e projetos. esse sentido é ele mesmo outorgado pelas ações vivas e reais dos indivíduos. o caminho da História não é arbitrário nem caótico. São Paulo.ALAÔR CAFFÉ ALVES . passadas e. Isso significa que a ação do sujeito histórico é determinante e. por isso. In: O que é a filosofia do direito? Barueri. ______. LOWITH. Navarra: Verbo Divino. Rio de Janeiro: Zahar. El Sujeto de la História. segunda sección de la lógica. Karl. ______. ______. 1983. São Paulo: Brasiliense. 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Filosofia e Teoria Geral do Direito. 1971. Marxismo e Individualismo. D. A Questão da Individualidade.105 SCHAFF. TUCKER. SP. 1993. 17:46 . O Marxismo e o Indivíduo. Brasileira. 1967.B. Historie et Verité. Campinas.ALAÔR CAFFÉ ALVES .F. A crítica do Humano e do social na polêmica Stirner-Marx. Rio de Janeiro: Zahar. 1983. SOUZA. Adam. José Crisóstomo de. p65 106 17/5/2011. 17:46 .Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:46 .EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL Alberto do Amaral Júnior Professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.p65 107 17/5/2011. Filosofia e Teoria Geral do Direito. produto da Razão. Filosofia e Teoria Geral do Direito. essencialmente. intensificada a partir do século XIX. do costume e da religião. INTRODUÇÃO O tema das fontes de direito ocupa posição relevante na reflexão de Tércio Sampaio Ferraz Júnior. mais apta para se adaptar às especificidades de cada momento histórico. O costume. sob esse aspecto. a desintegração do universalismo religioso penetrou profundamente o mundo cultural: o direito. em meio a amplo processo de transformação histórica e cultural. cuja vontade é determinante para alterar as normas que compõem o ordenamento. insuscetível de modificação pela vontade direta dos homens. cede lugar à legislação. Os mesmos motivos que permitiram a construção da teoria das fontes na esfera doméstica ditaram a necessidade de se forjar critérios para a identificação 1 FERRAZ JÚNIOR. A positivação do direito. presente na tradição filosófica moderna desde Jean Bodin. A elaboração da teoria das fontes do direito visou a enfrentar a angústia própria da contingência ao oferecer certeza e segurança por meio da indicação dos órgãos autorizados para criar normas jurídicas válidas1. Com o advento da modernidade. Na Antiguidade e na Idade Média vigia a concepção de que o direito é um dado da natureza.EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL 1. dominação. decisão. que durante séculos foi a principal forma de controle social. variável. Com a fina argúcia de um pensador brilhante e original. as artes e as ciências ganharam autonomia e se libertaram da referência necessária aos critérios externos de legitimação. obra de criação humana. na era moderna. São Paulo: Atlas. Ferraz Júnior observa que a teoria das fontes do direito surge. Desde a segunda metade do século XVIII. 3ª ed.108 . realçou ainda mais a figura do legislador. A estabilidade. contingente e historicamente determinada.p65 108 17/5/2011. mas reflexo imediato da vontade. derivava. Introdução ao estudo do direito: técnica. Tércio Sampaio. as sociedades ocidentais experimentam mudanças contínuas que acarretam incerteza e instabilidade nas relações humanas. da importância atribuída à tradição e à revelação carismática na criação de normas jurídicas. sujeito às peculiaridades de um ambiente em constante transformação. 17:46 . A elaboração de critérios para identificar o direito em meio às constantes transformações passou a ocupar. em grande medida. p. valor decisivo para as sociedades antiga e medieval. No final da Idade Média. 2001. posição proeminente na reflexão dos juristas. nesse contexto. o direito tornou-se. 222. O direito não é. O tema das fontes do direito internacional insere-se. O acordo de vontades é. o aumento da interdependência favorecido pela evolução dos meios de transporte. no campo das normas secundárias. p. todavia. o segundo se limita a conferir caráter formal a tais elementos. o principal modo de criação das obrigações jurídicas quer sob a forma de tratado (acordo expresso).109 do direito internacional. O mérito da concepção objetivista foi destacar os fatores extrajurídicos que influenciam a elaboração do direito internacional. a consciência coletiva. A modificação do cenário das relações internacionais.p65 109 17/5/2011. a solidariedade e a interdependência social. a exploração dos recursos marinhos e a preservação do meio ambiente. 5ª ed. que subordina a validade das obrigações à vontade estatal. 2000. os objetivistas põem em relevo a distinção entre o complexo de fatos materiais e ideais que compõem as fontes criadoras e a positividade inerente às fontes formais. Paris: Dalloz. Droit international public. A análise das fontes do direito internacional divide os doutrinadores em dois grupos distintos. na linguagem de Hart. a opinião pública. os direitos humanos. Combinados. 17:46 . 241-243. É ainda fato inquestionável que as últimas décadas conheceram extraordinária expansão das normas jurídicas internacionais acompanhada da formação de hierarquia normativa no direito internacional graças ao reconhecimento do jus cogens pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. No limiar do século XXI os efeitos da mundialização causados sobretudo pela revolução nas comunicações estendem-se indistintamente a todos os domínios da vida contemporânea. nas fontes formais consagradas no artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. a diminuição do papel exercido pelo costume e a expansão do domínio das regras escritas incentivaram a reflexão teórica sobre as fontes do direito internacional numa época conturbada por turbulências e conflitos de grande magnitude. Pierre-Marie. A cooperação por sua vez. para o positivismo. as fontes criadoras das fontes formais. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Os objetivistas. adensou-se em setores tão variados quanto o comércio internacional. o sentimento de justiça. por outro lado. A reflexão dos internacionalistas concentra-se. estes fatores irão atingir fortemente o direito internacional. habitualmente. Enquanto o primeiro grupo abarca fatores jurídicos. entre os quais. que disciplinam a produção das normas jurídicas. distinguem.ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR . Ao contrário do positivismo. quer sob a forma do costume (acordo tácito)2. 2 DUPUY. aplicar regras contraditórias. Considero. o ponto de vista de que o direito internacional é um conglomerado de subsistemas desvinculados entre si.EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL Essa impressionante proliferação normativa entreabriu a probabilidade de conflitos normativos e aprofundou a tendência de fragmentação do direito internacional em múltiplos subsistemas dotados de lógica própria e fins específicos. na esteira de Norberto Bobbio. entendida como possibilidade de prever com exatidão as conseqüências de dada conduta. as especificidades que marcam os subsistemas particulares. cumpre função essencial. O “diálogo” das fontes vislumbra a totalidade das normas internacionais sem esquecer.110 . mas também porque impedem a realização da justiça. outrossim. enfatizada por Wilfred Jenks há mais de meio século. que coexista com as soluções tradicionais. indico a necessidade de um segundo método. coerente e coordenadamente. convergências e harmonias.p65 110 17/5/2011. Se duas normas antinômicas coexistirem o ordenamento jurídico não conseguirá garantir nem a certeza. que a doutrina consolidou em princípios comumente aceitos. Longe de ignorar o ingente trabalho dos juristas para resolver as antinomias. contesto. nem a justiça. Trata-se de aplicar. simultânea. indiferentemente. mas é sempre uma condição para o justo ordenamento. as várias fontes do direito internacional de modo a eliminar a norma incompatível somente quando se verificar que a contradição que ela causa é insuperável. já que a presença de antinomias é indesejável não apenas por colocarem o intérprete diante de alternativas inconciliáveis. Na tentativa de formular critérios que contemplem as múltiplas interações normativas. e que ele se sujeita a princípios Filosofia e Teoria Geral do Direito. A coordenação flexível das fontes restabelece a coerência ao identificar complementaridades. As exigências de certeza (que corresponde ao valor da paz ou da ordem) e justiça (que corresponde ao valor da igualdade) desaparecem se o intérprete puder. Nessa tarefa. Esses fatos suscitam a preocupação com a coerência do direito internacional. entendida como igual tratamento entre aqueles que pertencem à mesma categoria. O que se deseja é perceber o direito internacional como um sistema no qual a busca de unidade não faz desaparecer a singularidade das partes que o constituem. um novo método. ao contrário. a presunção contra o conflito. que a coerência não é condição de validade. intitulado “diálogo” das fontes. sob a inspiração do trabalho pioneiro desenvolvido por Eric Jayme no âmbito do direito internacional privado. 17:46 . obviamente. Proponho. que se iniciou antes mesmo que a globalização se aprofundasse. a reconstrução da coerência do ordenamento jurídico internacional por intermédio do “diálogo” das fontes. Cf. Este artigo discute. o risco de fragmentação das normas internacionais causado pela existência de variados subsistemas. In: GOLDSTEIN. o vínculo entre os vários tipos de “diálogo” das fontes e o tema da justiça no direito internacional contemporâneo. Cambridge: MIT Press. Filosofia e Teoria Geral do Direito. op. Legalization in world politics. Joost Pauwelyn. do aproveitamento dos recursos marinhos à proteção dos direitos humanos. ganhou vigor diante do imperativo de se buscar solução para os múltiplos problemas propostos pelas interações econômicas. As regras de alcance universal convivem com a tendência de diferenciação com base no domínio das normas. O RISCO DE FRAGMENTAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL A aceleração da interdependência engendrada pelo advento da mundialização alargou o campo regulatório do direito internacional a domínios que outrora pertenciam exclusivamente às relações diplomáticas. Houve. 17:46 . p. Esse processo. 2. do comércio multilateral aos acordos econômicos regionais. LEJBOWICZ. 2. dotadas de precisão. na especificidade que possuem e no grau de desenvolvimento dos Estados. (org.). Phiposophie du droit international: l´impossible capture de l´humanité. cit. a produção de normas obrigatórias.111 que organizam os elementos individualmente considerados. Judith et al.). 3. Conclusion: the causes and consequences of legalization. do combate ao terrorismo à não proliferação de armas nucleares. de forma inusitada. Paris: PUF. pois. 271-299. sociais e políticas. 277-398. em praticamente todos os setores da vida internacional. p. p. que delegam a um terceiro a tarefa de resolver os conflitos mediante a aplicação de regras jurídicas3. Cf. três questões: 1.ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR . ao examinar os fatores responsáveis pela proliferação dos conflitos 3 GOLDSTEIN. Agnès. a probabilidade de conflitos normativos. (org. Introduction: legalization and world politics.p65 111 17/5/2011. Judith et al. e 3. A intensa regulação jurídica das relações internacionais contribuiu para elevar. Normas cada vez mais numerosas são necessárias para regular áreas que vão das telecomunicações à proteção do meio ambiente. In: ______ et al. 1999.. 2001. da cooperação judiciária à instituição de cortes jurisdicionais. KAHLER. Miles. pressionam para que sejam acolhidos os interesses que defendem. Afora as particularidades da vida internacional. defensoras do livre-comércio ou da preservação do meio ambiente. Conflict of norms in public international law. Esses debates ampliam extraordinariamente o grau de especialização das questões e desenvolvem um estilo específico de abordar os problemas.112 . 4 PAUWELYN. circunstância que favorece o aparecimento de normas conflitantes no interior do mesmo regime ou entre regimes jurídicos diferentes.EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL entre as normas internacionais na atualidade. b) O tempo. que depende da ampla aceitação dos destinatários. fundamentalmente. como sucede na OMC. as negociações para a conclusão de tratados internacionais se fazem acompanhar de discussões que reúnem diplomatas. conforme a natureza dos interesses em jogo. No plano nacional. c) O processo de formação das normas internacionais. que privilegiam uma visão segmentada da realidade. No primeiro grupo4 merecem destaque: a) A descentralização da produção normativa.p65 112 17/5/2011. os conflitos normativos sejam até certo ponto naturais em função do crescente número de Estados. dos quais quatro são inerentes à formação das regras internacionais e quatro decorrem das transformações do direito internacional contemporâneo. Joost. especialistas e representantes dos setores sociais interessados. 13-17. passíveis de múltiplas interpretações. também. Não é de se estranhar que na esfera internacional. A variedade e diversidade dos interesses estatais tornam o surgimento das normas uma conseqüência natural da passagem do tempo. A disseminação dos grupos organizados. quando o parlamento aprecia um tratado já concluído a fim de inseri-lo no ordenamento jurídico doméstico. o mesmo valor normativo faz do tempo uma variável de grande relevância. discrimina ao todo oito fatores. 17:46 . fomenta os conflitos entre tratados. A probabilidade de consenso diminui à proporção que um grande número de Estados participa das negociações de novos tratados. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Os obstáculos para a obtenção do consenso estimulam a elaboração de normas vagas. Organizações não-governamentais. O fato de as normas internacionais terem. As pressões avolumam-se. a realidade interna dos Estados pode encorajar os conflitos normativos.. op. cit. marcada pela descentralização do poder. Este fenômeno contagia o direito internacional costumeiro. p. ainda. A carência de um órgão centralizado impede. potencializou a perspectiva de novos conflitos entre tratados internacionais. O regionalismo comandou a formação. A generalização dos meios jurídicos de solução dos litígios repercute nos conflitos entre as normas de direito internacional.113 d) A ausência de uma corte com jurisdição geral e compulsória encarregada de zelar pela aplicação das normas internacionais. Joost Pauwelyn acrescenta as seguintes causas dos conflitos de normas internacionais5: 1º) A passagem das normas de coexistência para as normas de cooperação. O conceito de jus cogens.. Afora esses fatores. Julgamentos proferidos em determinadas instâncias. a exemplo do que acontece entre os acordos da OMC e os tratados ambientais. tendem a afetar setores que ultrapassam o comércio propriamente dito. A pluralidade de instâncias jurisdicionais cria o risco de que os conflitos venham a ser resolvidos de forma diversa e até mesmo contraditória. Acordos de liberalização comercial colidem com normas internacionais instituídas para garantir objetivos de caráter social. 17-23. Joost. exprime a convicção de que as normas internacionais não se encontram no mesmo patamar. op. A aceleração da interdependência. meio ambiente e direitos humanos. previsto pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. que obedecem a motivos os mais variados. efeito imediato do processo de globalização. 4º) A ampliação da solução jurídica das controvérsias. Outras razões militam. em muitos casos. como se verifica entre as regras da OMC. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:46 . Os enfoques tradicionais vinculados à soberania territorial. 3º) A hierarquia de valores. mas também entre as regras de um mesmo subsistema. cit.p65 113 17/5/2011. como a OMC. p. Conflict of norms in public international law.ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR . em prol da intensificação dos conflitos entre tratados. O reconhecimento de que certas normas são superiores às demais é uma causa potencial de conflitos. 2º) A globalização. às relações diplomáticas e aos domínios da guerra e da paz deram lugar à cooperação nas áreas do comércio. O vertiginoso aumento do número de tratados multilaterais precipitou não só os conflitos entre normas de diferentes subsistemas. em todos os continen- 5 PAUWELYN. a gestão adequada das relações internacionais por intermédio da solução pacifica das controvérsias. prescrever standards mais elevados e medidas de maior abrangência. 17:46 . 2. p. que integra parte da ordem pública internacional e é expressão dos valores essenciais para a convivência coletiva. London. deve prevalecer a norma de jus cogens. Conflict of law-making treaties. entre uma norma que ordena fazer algo e outra que permite não fazer. 30. Nem sempre é fácil compatibilizar os acordos subscritos pelos componentes de uma sub-região e os acordos regionais com os quais eles se relacionam.114 . O regionalismo trouxe à baila a perspectiva de conflito entre os tratados regionais e os tratados universais que lidam com matérias idênticas. Aventa-se.p65 114 17/5/2011. a título ilustrativo. British Yearbook of International Law. Em princípio. de múltiplos acordos sobre uma gama rica e complexa de temas. de sorte que o intérprete não pode aplicar as duas regras ao mesmo tempo. As antinomias aparentes são aquelas resolúveis pela aplicação dos critérios cronológico. 6 JENKS. 401. a adoção de medidas que não seriam factíveis em escala mais ampla. 1953. e 3. Filosofia e Teoria Geral do Direito. a antinomia se caracteriza pela existência de normas incompatíveis. concebidos como critérios fortes em relação ao critério cronológico. além de aprofundar o grau de unificação do direito.EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL tes. a exigência de adaptar os princípios gerais de direito internacional às novas situações culmine com a preponderância da norma especial. A cooperação regional possibilita. No direito internacional. Já as antinomias insolúveis são as que se identificam pela falta de critérios para sua resolução ou pelo conflito entre os critérios hierárquico e de especialidade. fortalecer a uniformidade do direito em uma região e possibilitar a ação concertada tendo em vista a execução de um instrumento internacional que imponha certas obrigações. entre uma norma que proíbe fazer e outra que permite fazer. v. As incompatibilidades são de três tipos: 1. a hipótese de conflito entre uma norma superior-geral (norma de jus cogens) e uma norma inferior-especial. muitas vezes. hierárquico e de especialidade. Wilfred. entre uma norma que ordena um comportamento e uma norma que proíbe o mesmo comportamento. Jenks6 aponta as possíveis vantagens dos acordos regionais: tratar de problemas a respeito dos quais é prematuro ou pouco significativo estabelecer regras de alcance mundial. na prática. mas não se descarta que. as normas primárias e as normas secundárias do direito internacional. 2004.p65 115 17/5/2011. Vários fatores concorreram para potencializar a força irradiadora desse fenômeno. v. um contencioso de anulação. Diversas regras internacionais podem. responsável pelo aparecimento de múltiplos regimes normativos. e ameaça provocar mais conflitos que aqueles resolvidos pela criação de regimes particulares.115 Uma das mais sérias dificuldades que as antinomias ensejam prende-se ao caráter do contencioso internacional. jamais. a emancipação dos indivíduos em face dos Estados nacionais e a especialização da atividade regulatória internacional7. A probabilidade de conflitos normativos se acentua com o avanço do regionalismo. a regionalização do direito internacional em virtude do aumento de instâncias regionais de produção normativa. pois o sistema normativo criado no plano regional é. p. Michigan Journal of International Law. Concomitantemente. em conformidade com os procedimentos técnicos do direito positivo. um contencioso de interpretação ou de indenização. Gerhard. 849-850. indistintamente. o aumento da fragmentação política (justaposta à crescente interdependência global e regional em áreas como a economia. ser aplicadas à mesma situação. A fragmentação atinge. a saber: a proliferação das regras internacionais. Esta circunstância exige argumentos complexos para se identificar qual norma deverá prevalecer. o meio ambiente. fato que entreabre a perspectiva de colisão entre as obrigações que incumbem aos Estados. O direito internacional experimentou na segunda metade do século XX intenso processo de fragmentação. a saúde e a expansão das armas de destruição em massa). diretamente. muitos dos quais incompatíveis entre si. Pros and cons: ensuing from fragmentation of international law. nas palavras de Rousseau. A multiplicação das regras secundárias enseja a possibilidade de soluções divergentes capazes de corroer a autoridade e a credi- 7 HAFNER. Isto quer dizer que haverá sempre uma certa margem de incompatibilidade quase insuperável. Ann Arbor. mais específico que os regimes globais e mais abrangente que os regimes domésticos. a energia. nº 4. desse modo. a fragmentação alcança as normas procedimentais na medida em que o foco do direito internacional se desloca da produção de normas substantivas de natureza geral para o desenvolvimento de mecanismos voltados à solução de disputas. Filosofia e Teoria Geral do Direito.ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR . muitas vezes. 17:46 . Este é. 25. Regime-collisions: the vain search for legal unity in the fragmentation of global law. Na opinião de Teubner e Fischer-Lescano não se pode combater a fragmentação ora existente. Os efeitos negativos da fragmentação. nos campos da tecnologia. para os autores citados. Erik Jayme enfatizou que a pluralidade das fontes. Günther. re- 8 9 TEUBNER. cit. Ela é. 17:46 . econômica ou cultural. Ann Arbor.EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL bilidade das instituições e do próprio direito internacional. O “DIÁLOGO” DAS FONTES No Curso Geral ministrado na Academia de Haia. mas apenas buscar uma fraca compatibilidade normativa dos diferentes fragmentos. p. 999-1046. op. TEUBNER. Andreas. 999-1046. 3. Global law without a state. morais e religiosas) em expectativas cognitivas.). em princípio. nº 4. Günther Teubner e Andréas Fischer-Lescano partem da hipótese formulada em 1971 por Niklas Luhmann. TEUBNER. Andreas. v. os Estados estariam mais inclinados a obedecer às regras particulares que melhor refletem as especificidades de determinado setor. Em instigante reflexão sobre o tema. Michigan Journal of International Law. 1997. In: ______ (org. Aldershot: Darmouth. Seja como for. política. da habilidade das regras de conflito para estabelecer uma rede específica que reduza os efeitos das unidades colidentes9. o reflexo efêmero da fragmentação multidimensional da sociedade global dos nossos dias8. já que não existe um metanível que solucione os conflitos jurídicos na sociedade global. Globlal Bukowina: legal pluralism in the world society. p. p. própria do direito pós-moderno. Filosofia e Teoria Geral do Direito. essa transformação ocorre na transição das sociedades nacionalmente organizadas para a sociedade global.116 . Cf. Este fato depende. efetivamente. A aspiração de unidade normativa estaria. a fragmentação do direito global é mais profunda que qualquer perspectiva reducionista de natureza jurídica. Segundo Teubner e Fischer-Lescano. Hafner menciona que a fragmentação tem efeitos positivos ao elevar o grau de obediência às normas internacionais. contudo. para quem o direito global se fragmentaria ao longo de linhas sociais e setoriais e não ao longo de linhas territoriais. 3-28. Nesse sentido. Günther. se fazem sentir na visibilidade das contradições do processo regulatório expressa sobretudo na previsão de obrigações incompatíveis. em 1995. o risco de fragmentação obriga o investigador a examinar se existe.p65 116 17/5/2011. possibilidade de coerência no direito internacional contemporâneo. condenada ao fracasso. FISCHER-LESCANO. Günther. por outro lado. da ciência e da economia. FISCHER-LESCANO. 25. 2004.. O motivo seria a transformação das expectativas normativas (como as expectativas políticas. Essa expressão. muitas vezes convergentes. cit.-mar. Erik Jayme não abdica do labor secular dos juristas para resolver as antinomias. Recueil des Cours. solução preferida à mera exclusão de uma delas pelos critérios tradicionais para a resolução das antinomias. JAYME. 251. São Paulo. As idéias seminais do grande mestre de Heidelberg. 1995. pois. Diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil: do “diálogo” das fontes no combate às cláusulas abusivas. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 71-99. aponta para um novo modo de encarar a coexistência das normas. 251. p. da “coerência derivada ou restaurada”. mas sugere um segundo método. 2003. caem como uma luva para explicar as interações entre as regras que compõem um subsistema específico e a totalidade das normas do direito internacional público. MARQUES. A pluralidade. concebidas no âmbito do direito internacional privado. coerente e coordenada de fontes legislativas convergentes12. A coerência se restabelece pela coordenação flexível e útil das fontes: a descoberta da finalidade das normas se dá por meio da convivência e do “diálogo” entre elas.. Trata-se. Ibid. 17:46 . 60. nº 45. Claudia Lima Marques13. a fluidez e o dinamismo se tornaram caracterís- 10 11 12 13 JAYME. p. Claudia Lima. p. tratados nos mais diferentes domínios se multiplicaram em escala vertiginosa e deram origem a subsistemas normativos que reclamam coordenação. 60. que deve coexistir com as soluções tradicionais11. A doutrina mais recente não esconde a intenção de buscar a harmonia entre as normas. A eliminação da norma incompatível não é abandonada mas é uma via extrema a ser usada quando todos os outros recursos falharam. p.ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR . op. Jayme batizou de “diálogo” das fontes a aplicação simultânea. a coordenação das fontes. sob pena de causarem a fragmentação e a perda de unidade do direito internacional. Revista de Direito do Consumidor. Esta é uma condição para a eficiência e a justiça numa época marcada pela tendência de se legislar sobre matérias as mais variadas. Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmoderne. para além do seu tom quase poético.p65 117 17/5/2011. 259. Erik. Em artigo pioneiro. tanto no direito interno quanto no direito internacional10. p. v.. Leiden. a complexidade. jan.117 quer a coordenação das leis no interior do sistema jurídico. de forma magistral. Erik. necessária para a eficiência funcional do sistema plural e complexo dos nossos dias. Nos últimos tempos. transpôs a concepção de Jayme à realidade brasileira para analisar a relação entre o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil de 2002. mas um “monólogo”. A conseqüência imediata que deflui desse raciocínio é a necessidade de referência expressa por parte da nova norma editada ao desejo de regular de modo diferente a matéria em questão.EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL ticas das normas internacionais. Nessas condições. o “diálogo” das fontes não é estranho à tradição do direito internacional público. um “diálogo”. formulada há mais de meio século por Wilfred Jenks. A presunção contra o conflito radica na suposição de que a nova norma é compatível com o direito internacional que vigia antes da sua criação. porque as regras superiores preponderam necessariamente sobre aquelas que se situam em patamar inferior. compete à parte que alegar o conflito a incumbência de prová-lo. por ser a coerência a situação de normalidade. Com efeito.118 . busca conferir harmonia ao processo de aplicação do direito internacional. tão bem espelhou. Consiste em recurso hermenêutico precioso para compreender a complexidade e o alcance das relações normativas surgidas a partir da expansão regulatória do direito internacional na última metade do século XX e no limiar do século XXI. que se encontram no mesmo nível hierárquico. Conclui-se. por isso. que passou a dominar o direito internacional com o reconhecimento do jus cogens pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. Nesse ambiente o “diálogo” das fontes é instrumento de grande valia porque facilita a comunicação dos subsistemas entre si e com as regras gerais do direito internacional. Nesse caso não há. 17:46 . que.p65 118 17/5/2011. que os tratados de um subsistema particular se sujeitam às normas de jus cogens em razão da superioridade que preside o relacionamento entre tais regras. fato que a presunção contra o conflito. O “diálogo” das fontes tem lugar entre regras horizontais. da relação normativa hierárquica. A falta de menção clara nesse sentido não autoriza a presumir a intenção dos Estados em se afastar da disciplina jurídica que vigorava. numa era de proliferação normativa. Pressupõe-se que os Estados. A utilidade que proporciona reside em captar o modo de relacionamento entre normas pertencentes a subsistemas diversos segundo o princípio de coerência. assim. a rigor. O intérprete deve preferir a interpretação capaz de harmonizar o significado das duas normas se estiver diante de outras alternativas que tornem inevitável a colisão normativa. levam em conta as regras em vigor na esperança de buscar harmonia entre o velho e o novo direito. quando a produção normativa se consuma. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Difere. cit. que os Estados. quase de forma irremediável. na prática. p. 17:46 . Filosofia e Teoria Geral do Direito. colocam por terra tudo quanto os entendimentos diplomáticos conseguiram projetar. não vinculo a presunção contra o conflito à definição restritiva de antinomia. A Corte reiterou esse entendimento no caso Certas Despesas em relação aos atos provenientes das organizações internacionais. as cláusulas pertencentes a dado compromisso e a relação entre tratados diferentes. Foge à razoabilidade acreditar que os Estados. Presume-se que os governos não pretendam envolver-se em enlaces incompatíveis com os tratados existentes. No caso Direito de Passagem.. A presunção que evita o conflito seria uma aplicação detalhada dos princípios fundamentais da interpretação dos tratados. o princípio da boa-fé e a presunção de compatibilidade no direito internacional15. como o princípio da razoabilidade. p.ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR . op. A jurisprudência da CIJ acolheu. sem nenhum rodeio. deixarem patente essa intenção. venham a estabelecer obrigações que se entrechoquem e possam erodir a unidade finalística da política externa. JENKS. a CIJ estimou que: “It is a rule of interpretation that a text emanating from a Government must. voluntariamente. Wilfred. cit. despendam demorados esforços para produzir regras incompatíveis que. as disposições de um tratado. sejam harmônicas entre si e não contrariem os tratados previamente celebrados. mais apto para abarcar as diferentes hipóteses de colisão normativa. Parece legítimo presumir que. ao se engajarem em múltiplos vínculos convencionais. op. por igual. Obrigações contraditórias dificultam a inteligibilidade do que foi acordado e ameaçam. 401-453. a presunção contra o conflito na interpretação do direito internacional. “When the organization takes action which warrants the assertion that it was appropriate for the fulfillment of one of the stated purpose of the United Nations the presumption such action is not ultra vires the Organization”17.p65 119 17/5/2011. Wilfred. Caso Direito de Passagem. 142. in principle. de forma ampla. be interpreted as producing and as intended to produce effects in accordance with existing law and not in violation of it”16. salvo se. Ao contrário da posição defendida por Jenks.. ao mesmo tempo. 14 15 16 17 JENKS. elaboradas amiúde ao final de exaustivas negociações. 401-453. Caso Certas Despesas. p. É plausível enfatizar o relevo da presunção contra o conflito e defender um conceito amplo de antinomia. 168. o cumprimento integral das finalidades originariamente perseguidas14.119 Essa presunção compreende. em princípio. Não se imagina. p. cuja conciliação é impossível. ao postular a continuidade. de orientação ao julgador. Essa desejabilidade intrínseca confronta-se com a pluralidade de demandas formuladas por grupos sociais domésticos que acabam por resultar na conclusão de tratados com cláusulas contraditórias. Além disso. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 120 17/5/2011. Não será. superar o conflito que se anunciava. Não prevalece. efetivamente.36. pois não se aplica a toda e qualquer situação.29-14. 17:46 . EC – Bananas III e Guatemala – Cement I19 fizeram uso da presunção contra o conflito para sublinhar a coerência interna dos acordos que integram o sistema multilateral de comércio. A presença de normas irreconciliáveis reclama a existência de um critério que sirva. contra a linguagem clara ou a clarividência da intenção das partes. duas exigências que acompanham inexoravelmente o desenvolvimento de qualquer sistema normativo. não raro. par. O critério em causa pode encontrar-se na cláusula de conflito inserida em um tratado ou numa regra de direito internacional geral. o Órgão de Apelação afirmou inexistir conflito entre os tratados da OMC e as obrigações que a Argentina assumira perante o FMI. É fácil perceber que a presunção contra o conflito é eficaz para resolver as situações em que não há uma verdadeira incompatibilidade e a interpretação é hábil para conciliar as normas antagônicas. como o artigo 30 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados.97-14. Se duas normas vierem a colidir não é possível. Ela sofre limitações que lhe restringem a abrangência. Guatemala – Cement I.120 . A presunção contra o conflito. lembra Jenks. O intérprete. Em que pese a manifesta utilidade.99. suficiente para reconciliar dispositivos claramente irreconciliáveis. não pode tolher a mudança por meio da interpretação restritiva das obrigações violadas. Trata-se aqui de procurar equilíbrio entre a estabilidade e a evolução. fracassa na consecução desse intento.EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL No plano da OMC o painel do caso Indonesia – Autos18 e o Órgão de Apelação nos casos Canada – Periodicals. Appellate Body Report. 14. contudo. pela interpretação de qualquer dos dispositivos. a presunção contra o conflito não é absoluta. também. 18 19 Panel Report. No caso Argentina – Textiles and Apparel. os conflitos reais que postulam critérios diferentes para a sua resolução. 65. a presunção contra o conflito não se aplica indistintamente em todas as circunstâncias. par. Não elimina. Indonesia – Autos. 14. mas que não lhe diminuem o valor hermenêutico para a interpretação das normas internacionais. respectivamente. mas na importância dada à compatibilidade entre os elementos que compõem o sistema normativo. É sabido que a paz. costumes e princípios gerais de direito. pressuposto para a coerência das normas internacionais. Tais regras têm origem empírica. pois se baseiam. guarda estreita relação com a igualdade: todos concordam que ser justo é tratar da mesma forma os seres que possuem a mesma característica. como acontece com os critérios tradicionais para a solução das antinomias. a estabilidade e a previsão dos comportamentos estão associadas ao valor da ordem na vida social. dotado de um repertório e de uma estrutura. quando uma das normas que dialoga apresenta conteúdo variável. A presunção contra o conflito é uma regra estrutural. além das definições e da ordem em que os elementos aparecem em uma norma. lógica e valorativa. por outro lado. O “diálogo” das fontes é útil.p65 121 17/5/2011. também. no pensamento filosófico ocidental. não ao eliminar a norma incompatível. que a presunção contra o conflito favorece. para a realização da justiça concreta. já a estrutura é um conjunto de regras que determinam o relacionamento entre os elementos do repertório. na atribuição de igual tratamento aos sujeitos que pertencerem a essa classe ou categoria. vertente da ordem internacional de Westfália. A incoerência entre as normas jurídicas é fonte de injustiça ao dispensar consideração desigual àqueles que pertencem à mesma classe ou categoria. por exemplo. tais objetivos não se realizam se normas contraditórias fornecerem aos homens orientações opostas. 17:46 . razão pela qual é possível agrupar os detentores dessa característica em uma única classe ou categoria. já que deriva do princípio de não-contradição. pressupõe compreender o direito internacional como um sistema. Filosofia e Teoria Geral do Direito. no postulado lógico de não-contradição e no valor da hierarquia. A justiça consistirá. especialmente. pois. O “diálogo” das fontes restabelece a coerência. entendida como a estipulação do valor que organiza as relações sociais e define o que é legítimo em determinado momento histórico.ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR . A justiça. O “diálogo” das fontes é condição necessária para a ordem e a justiça do direito internacional ao enfatizar a coerência das normas que o integram. que recomenda a obediência às normas superiores. Esse fato se verifica. na soberania. deixando-os em situação de permanente incerteza. O repertório é composto pelas normas internacionais: tratados. quando dois seres fazem parte da mesma classe nem como é preciso tratá-los.121 O “diálogo” das fontes. Essa é uma acepção formal ou abstrata da justiça porque se contenta em vedar as distinções sem dizer. requisito da justiça formal. por isso. sob esse aspecto. Sem nenhuma pretensão de exaurir o assunto. flexível e dinâmica do direito internacional manifestada na capacidade de adaptação às mudanças posteriormente ocorridas.1. distingo. experiências e conceitos que transcendem o ordenamento jurídico propriamente dito e o colocam em contato direto com o sistema social no qual ele se insere. sendo necessário. A vitalidade do “diálogo” sistemático de coerência deflui dos próprios instrumentos constitutivos do sistema multilateral de comércio quando estes invocam outras normas internacionais. A elucidação do significado de tais normas obriga o intérprete a analisar o sentido das normas posteriormente criadas e os valores que se cristalizaram na vida internacional para saber o que deve ser aceito ou recusado. A justiça concreta se realiza. a exemplo da aplicação das regras sobre validade. pela ação direta do intérprete e não como fruto do processo criador de novas normas jurídicas. fornece os conceitos básicos para aplicação de um tratado específico constitutivo de um subsistema de normas que não é materialmente completo. entre as quais a Comissão do Codex Alimentarius.p65 122 17/5/2011. retroatividade.EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL vago ou indeterminado. o papel que a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados cumpre na solução dos litígios que envolvem a violação dos compromissos firmados no âmbito da OMC. interpretação e conflitos entre tratados. conforme o ângulo adotado. guias e recomendações elaboradas pelas organizações internacionais competentes. 17:46 . mas reconheço que. no direito internacional. O preâmbulo do Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias estimulou a adoção pelos governos de providências com base em normas. a legitimidade do direito internacional na medida em que ao processo de interpretação se incorporam expectativas.122 . Não é difícil perceber nesse procedimento a natureza aberta. o Escritório Internacional de Epizootias e as organizações internacionais e regionais que operam no contexto da Filosofia e Teoria Geral do Direito. nesse caso. outros “diálogos” poderão ocorrer. conhecimentos e valores surgidos após o aparecimento da norma. numa confissão explícita da incompletude que os caracteriza. 3. em conseqüência. entre outras. reclamam o apelo a valores. três “diálogos”. por revestir caráter geral. Expressões como moralidade pública. vegetal ou animal e recursos naturais. É irrecusável. Amplia-se. proteção à vida ou à saúde humana. O “DIÁLOGO” SISTEMÁTICO DE COERÊNCIA Este “diálogo” surge quando um tratado. recorrer às valorações internacionais predominantes para garantir a sua aplicação. 3. As organizações internacionais têm se valido dele com freqüência cada vez maior nas últimas décadas. guias ou recomendações internacionais competentes.p65 123 17/5/2011.123 Convenção Internacional sobre Proteção Vegetal. Filosofia e Teoria Geral do Direito. op. p. guias e recomendações internacionais” (artigo 3. 237-240. eleva o grau de transparência 20 PAUWELYN. UNESCO e OMS. A realização de consultas mútuas auxilia a descobrir possíveis contradições entre instrumentos internacionais que versam matérias análogas20. ou como conseqüência de padrões mais rigorosos que as autoridades domésticas venham a instituir (artigo 3. em virtude da Convenção de Paris. Conflict of norms in public international law. 17:46 . O artigo 2º do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Se a eclosão de conflitos entre tratados não pode ser totalmente suprimida. apanágio exclusivo de diplomatas e funcionários governamentais que negociam em nome e no interesse de Estados determinados. O “DIÁLOGO” DE COORDENAÇÃO E ADAPTAÇÃO O referido “diálogo” decorre da necessidade de coordenar tratados isolados e subsistemas normativos de modo a constituírem um todo dotado de sentido. da Convenção de Berna. 2. Esse expediente não é. III e IV deste Acordo. No passado. da Convenção de Paris (1967).2). se houver uma justificação científica.2. A colaboração interorganizacional estimulada por múltiplos acordos de cooperação favorece a circulação de informações.. os Membros cumprirão o disposto nos Artigos 1 a 12.ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR . Nada nas Partes I a IV deste Acordo derrogará as obrigações existentes que os Membros possam ter entre si. Com relação às Partes II. Os membros podem introduzir ou manter medidas sanitárias e fitossanitárias que resultem em nível mais elevado de proteção sanitária ou fitossanitária do que se alcançaria com medidas baseadas em normas. por certo. cit. Joost. por sua vez. animal e vegetal. da Convenção de Roma e do Tratado sobre a Propriedade Intelectual em Matéria de Circuitos Integrados. assim como serão consideradas compatíveis com as disposições pertinentes do presente Acordo e do GATT 1994 as medidas sanitárias e fitossanitárias que estejam em conformidade com normas. a OIT o utilizou na preparação de convenções sobre temas pertencentes à área de atuação da FAO. e 19.3). “Presumir-se-ão como necessárias à proteção da vida ou da saúde humana. algumas providências têm o condão de diminuir a sua incidência. dispõe: 1. no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas. Salmon comenta que as declarações de compatibilidade desejam tornar compatível o novo tratado com acordos anteriores ou futuros que cuidem da mesma matéria. As cláusulas assim redigidas primam por declarar que os tratados não são incompatíveis. que impõe o registro e a publicação pelo Secretariado dos tratados e acordos internacionais de que sejam partes os membros da Organização das Nações Unidas. A divulgação ampla de informações sobre o teor dos acordos que os Estados firmaram pode prevenir conflitos que fatalmente ocorreriam com a intensa produção de normas internacionais.EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL e facilita o conhecimento das atividades de outras instituições. que os artigos nela constantes não afetam outros acordos existentes.p65 124 17/5/2011. a preponderância do tratado superior é a solução que naturalmente se impõe em conformidade com o artigo 30. parágrafo 2º. Se um dos compromissos contiver semelhante declaração que lhe dá. até que o Conselho de Segurança tenha Filosofia e Teoria Geral do Direito. Elaborado para contornar eventuais antagonismos normativos. mais de uma vez. uma condição de inferioridade. A OMC celebrou a esse respeito acordos de cooperação com o FMI. é muito mais fácil saber quais instrumentos se encontram em vigor na esfera em que atuam a fim de atenuar os riscos de conflitos futuros. exige que ele seja interpretado com o propósito de se buscar a compatibilidade com o tratado superior. o artigo 30. de modo que a interpretação de um dos instrumentos não afetará os direitos e obrigações que o outro estabelece. tais como os tratados de arbitragem. o artigo 21 do Pacto da Sociedade das Nações indicou: “Os compromissos internacionais. fator essencial para aliviar o efeito das dissonâncias cognitivas no campo das relações internacionais. como a doutrina de Monroe. Conseqüentemente. É sabido que a cooperação interorganizacional traz benefícios para a governança internacional ao incentivar a harmonia decisória. É até certo ponto comum a inserção no texto convencional de critérios hierárquicos indicativos da ordem de prioridade entre os tratados.” A Carta da ONU afirmou. na hipótese. O artigo 51 deixou claro: Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva. destinados a assegurar a manutenção da paz. da Convenção de Viena. e os acordos regionais. Medida salutar nessa direção consta no artigo 102 da Carta da ONU. o Banco Mundial e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual.124 . não serão considerados como incompatíveis com nenhuma das disposições do presente Pacto. Se esse esforço interpretativo fracassar. 17:46 . parágrafo 2º. aplicáveis unicamente às suas relações entre si. O artigo XXIV do GATT previu. p. As disposições desta Convenção não devem afetar os direitos e obrigações de qualquer Parte Contratante decorrentes de qualquer acordo internacional existente. em qualquer tempo. op. cit.125 tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais.. § 3º. desde que tais acordos não se relacionem com nenhuma disposição cuja derrogação seja incompatível com a realização efectiva do objeto e fins da presente Convenção e desde que tais acordos não afectem a aplicação dos princípios fundamentais nela enunciados e que as disposições de tais acordos não afectem o gozo por outros Estados Partes dos seus direitos ou o cumprimento das suas obrigações nos termos da mesma Convenção. O artigo 22 da Convenção sobre Diversidade Biológica diz que: 1.p65 125 17/5/2011. Há. o problema da preservação dos direitos de terceiros. que modifiquem as disposições da presente Convenção ou suspendam a sua aplicação. 363-364. Na esfera das declarações de compatibilidade entre os tratados põe-se. afirma: Dois ou mais Estados Partes podem concluir acordos. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Aqui o que se busca é compatibilizar o direito definido no plano mundial e as regras estabelecidas pelos subconjuntos e atribuir à OMC a supervisão dessa compatibilidade21. As medidas tomadas pelos membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão de modo algum atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito. da Convenção de Montego Bay sobre o Direito do Mar. salvo se o exercício desses direitos e o cumprimento dessas obrigações cause grave dano ou ameaça à diversidade biológica. a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais. 17:46 . No mesmo sentido o artigo 311. a quem incumbia examinar a compatibilidade com o artigo XXIV e sugerir os ajustes que se fizessem necessários. La contribution de l’Organisation Mondiale du Commerce à la gestion de l’espace juridique mondial. Os acordos concluídos deveriam ser notificados ao GATT. não raro. Hélène Ruiz. como exceção ao artigo I relativo à cláusula de nação mais favorecida. nessa perspectiva.ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR . a formação de áreas de livre-comércio e uniões aduaneiras. uma 21 FABRI. e uma coerência econômica.3 (c) da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. O respeito ao procedimento que comprova a não execução das obrigações dos tratados ambientais é um símbolo indicativo da prática estatal. Assim. igualmente. pois o regionalismo aberto aparece como estágio intermediário do processo de globalização. serão úteis para julgamento de casos na OMC. nos termos do tratado ambiental. útil para aferir o cumprimento das obrigações contraídas. serão levadas em conta pelos painéis e pelo Órgão de Apelação de acordo com o artigo 31. A participação de um membro da OMC no mecanismo que verifica o cumprimento dos tratados ambientais assinala a boa-fé para negociar uma solução que pode evitar a disputa e a conseqüente imposição de sanções pelo órgão institucional criado para esta finalidade. por exemplo. 17:46 . como as evidências colhidas pelos órgãos que se ocupam da solução de controvérsias em jurisdições diferentes. A eventual imposição de restrições comerciais. seria um importante argumento para legitimar a aplicação do artigo XX do GATT. Os painéis da OMC podem. O exame a ser procedido deve ponderar os fatos produzidos para que se tenha a noção exata do comportamento das partes em face das restrições comerciais decretadas em virtude da violação das obrigações contidas nos tratados ambientais. em contradição com o caput do artigo XX do GATT. A ausência de consulta prévia no contexto de um acordo ambiental não só comprova a má-fé do Estado que age de forma unilateral como também viola o princípio do devido processo. desde que vinculantes para os membros da OMC.EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL coerência lógica na medida em que o direito mundial é concebido como superior. bem como as conclusões obtidas pelos órgãos criados para esse fim. requerer informações ao Secretariado sobre um acordo ambiental ou usar as análises e dados coletados durante o controle de não execução das obrigações. Considerações acerca do cumprimento dos tratados ambientais. Convém lembrar que o artigo 13 do ESC habilita os painéis a solicitar às partes ou a alguma outra instância informações relevantes.126 . as decisões tomadas no âmbito dos procedimentos de controle de não execução das obrigações dos tratados ambientais.p65 126 17/5/2011. No plano das normas secundárias é possível reconhecer a existência de coordenação entre os meios de solução de disputas previstos pelos tratados multilaterais ambientais e as regras sobre solução de controvérsias na Organização Mundial do Comércio. Nada proíbe que os painéis se refiram a afirmações de testemunhas ou a outros elementos produzidos graças à atuação dos procedimentos contempla- Filosofia e Teoria Geral do Direito. Observa-se com freqüência. científicas ou técnicas abordadas em qualquer disputa proposta perante a OMC.p65 127 17/5/2011.3. emitido em 1989. É legítimo buscar os órgãos jurisdicionais da OMC antes ou depois que uma instância específica tenha abordado os aspectos ambientais da questão. O décimo parecer da Corte. 17:46 . sempre que couber.ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR . a aplicação complementar das normas e dos princípios que as informam. que veio à luz em 1982. efeitos que realçam a preocupação com a unidade finalística das normas existentes. O primeiro parecer da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O princípio da Filosofia e Teoria Geral do Direito. o uso de cláusulas. inseridas em instrumentos mais antigos. cai por terra qualquer possibilidade de se alegar coisa julgada por ocasião de uma controvérsia suscitada na OMC. porque. retoma o assunto ao mencionar que as regras sobre direitos humanos da Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) devem ser integradas à Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem de 1948. enfatizou a interação entre os instrumentos universais e regionais que vigoram nesse domínio. Em virtude do disposto no artigo 23 do ESC é improvável que os painéis da OMC declinem a jurisdição que lhes foi concedida ou venham a acatar as decisões prolatadas por outros tribunais. Este artigo é um importante instrumento a ser empregado pelos painéis para obter informações colhidas pelos órgãos dos tratados ambientais. fato que inutiliza a argüição de coisa julgada pelo simples motivo de que os mecanismos de solução de controvérsias são disciplinados por tratados diversos. 3. nos tratados de direitos humanos. Tais decisões confirmam a existência de regras relevantes de direito internacional público aplicáveis entre as partes que deveriam ser consideradas quando da interpretação dos dispositivos dos tratados da OMC. a despeito da identidade das partes e da conexão das matérias discutidas.127 dos pelos tratados ambientais e sujeitos à obrigação de confidencialidade. para a interpretação de dispositivos semelhantes de acordos posteriormente celebrados. nesse caso. O artigo 13. as obrigações. Esse procedimento acentua a uniformidade interpretativa e a precisão das obrigações convencionais.2 e o Anexo 4 do ESC dispõem que os painéis podem se socorrer das opiniões e conselhos de grupos de especialistas sobre as matérias fáticas. o procedimento e as sanções aplicáveis são diferentes. Apesar do pronunciamento de outras instâncias jurisdicionais sobre o caso. O “DIÁLOGO” SISTEMÁTICO DE COMPLEMENTARIDADE Verifica-se. EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL interpretação teleológica repudia. na aplicação do critério da norma mais favorável às vítimas de alguma violação eventualmente perpetrada. no mesmo sentido. a elaboração dos artigos 17(1) da Convenção Européia para Prevenção da Tortura e Tratamento ou Punição Desumano ou Degradante e do artigo 60 da Convenção Européia de Direitos Humanos. bem como do artigo 29 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e do artigo 4º do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos. deseja oferecer aos seres humanos protegidos a mais ampla tutela dos seus interesses e se funda na interpretação restritiva das cláusulas que venham a limitar os direitos já instituídos. constante em um tratado em vigor. respectivamente. O mesmo espírito orientou. ter relevância. nos termos das cláusulas de limitação de direitos que figurem em outra convenção sobre direitos humanos firmada pelo mesmo Estado. A Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (artigo 5) e a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas (artigo 5) determinam que as suas disposições não prejudicarão os direitos e vantagens conferidos aos refugiados e aos apátridas por outras normas. também. o critério de aplicação da norma Filosofia e Teoria Geral do Direito. tratado ou acordo internacional vigente nesse Estado. motivo de previsão expressa em vários tratados recentes. ou de leis. a despeito da sua origem. igualmente. que se circunscreva o alcance de dispositivo. Sociais e Culturais. A polêmica entre monistas e dualistas sobre a primazia do direito internacional ou do direito interno não parece. nos artigos 23 e 41. denominado Protocolo de San Salvador. já que prevalece a norma mais favorável às vítimas. regulamentos ou costumes. O artigo 5(2) do Pacto dos Direitos Civis e Políticos impede a restrição ou derrogação aos direitos humanos reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado parte. 17:46 . A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção sobre os Direitos da Criança declaram. A unidade entre os tratados de direitos humanos é perceptível. Surge assim uma nova permeabilidade normativa a diluir a separação absoluta entre o direito internacional e o direito doméstico. nesse plano. A complementaridade.p65 128 17/5/2011. assim percebida.128 . na esfera regional. que as estipulações nelas contidas não restringirão as disposições tendentes a favorecer a igualdade entre homens e mulheres e a realização dos direitos da criança consagradas nas leis de um Estado parte ou em qualquer outra convenção. “a pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau”. em razão de outras convenções. Ao atenuar a perspectiva de conflito. O Protocolo de Montreal trouxe uma lista indicativa de medidas que a Reunião das Partes poderá adotar para responder às violações perpetradas. Referida coordenação tem lugar. põe-se o problema de saber se tais sanções não colidem com as normas da OMC. verificar qual é a norma que dispensa maior proteção às vítimas de violações dos direitos humanos. cit.ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR .p65 129 17/5/2011. À falta de iniciativas diplomáticas para compatibilizar comércio e meio ambiente. também MARCEAU. O objetivo primordial é. quanto no nível horizontal entre dois ou mais tratados. Despontam. designadamente com os tratados multilaterais ambientais e com as convenções que protegem os direitos humanos. a jurisprudência da OMC. por intermédio da punição aos Estados que acaso descumprirem as decisões tomadas pelos meios de solução de controvérsias. o Protocolo de Montreal sobre as Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio (Protocolo de Montreal). mas poucos ousaram estatuir sanções comerciais para punir os comportamentos indesejados. A invo- 22 MARCEAU. ao efetuar o julgamento dos casos concretos. O “diálogo” sistemático de complementaridade exibe enorme relevância quando se trata de relacionar as normas sobre comércio internacional. sobre a preservação do meio ambiente e a proteção dos direitos humanos. interessadas em salvaguardar o mais amplo acesso ao mercado interno do membro importador. op. A call for coherence in international law: praises for the Filosofia e Teoria Geral do Direito.1096. a atividade econômica. Cf. Conflicts of norms and conflicts of jurisdictions. p. Gabrielle..129 mais favorável coordena os tratados que se inspiram nos mesmos propósitos. 17:46 . A esta altura. Gabrielle. é apta para cumprir esta função. Muitos tratados ambientais afetam. As medidas de cunho comercial impostas ou autorizadas pelos tratados multilaterais ambientais são compatíveis com a OMC. em certo sentido. a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies em Extinção da Fauna e Flora Silvestre (CITES) e a Convenção de Basiléia sobre o Controle do Movimento Transfronteiriço de Resíduos Perigosos (Convenção de Basiléia). Tais pactos procuraram assegurar a fiel execução das obrigações. tanto no nível vertical. direta ou indiretamente. entre tratados e leis domésticas. entre essas convenções. O artigo XX do GATT de 1994 favorece o “diálogo” com os demais subsistemas do direito internacional. em virtude da natureza permissiva do artigo XX22. em todos os casos. Gabrielle Marceau procura conciliar a interpretação do artigo XX com os instrumentos multilaterais sobre a proteção do meio ambiente. Filosofia e Teoria Geral do Direito.130 . Presume-se. plenamente. a 23 prohibition against “clinical isolation” in WTO dispute settlement. e 3) a medida é adotada para promover os objetivos do acordo multilateral ambiental.p65 130 17/5/2011. 1096-1100. Nesse contexto. os requisitos do artigo XX. 106-152. as restrições comerciais estão entre as opções que os Estados cogitam sempre que decidem negociar uma nova convenção. Se um tratado multilateral ambiental requerer. Conflicts of norms and conflicts of jurisdictions.. em caso positivo. é preciso averiguar. por um membro. Geneva. se as partes são também membros da OMC. MARCEAU. 17:46 . que é também parte de uma convenção multilateral sobre meio ambiente. A probabilidade da ocorrência de dano ambiental estimula a reflexão em torno dos meios hábeis para combatê-lo. Essas situações englobam: 4) a medida exigida por um acordo multilateral ambiental. p. ao planejar e executar a política governamental. As três últimas formam o grupo que abarca os acordos ambientais que não contam com a adesão de todas as partes que litigam. 33. Oct. Gabrielle Marceau examina seis situações que. v. 5) a medida não exigida mas explicitamente autorizada. p. inicialmente. As três primeiras formam o grupo que abrange os acordos ambientais celebrados por todas as partes da disputa e compreendem os casos em que: 1) a medida é exigida por um acordo multilateral ambiental. cit. a imposição de sanções comerciais. O acordo multilateral ambiental pode. Seria ilógico se um membro da OMC. ao invés de ser exigida. O artigo XX faculta a adoção de medidas unilaterais para proteger o meio ambiente. potencialmente. nº 5. que a medida comercial exigida pelo tratado sobre meio ambiente satisfaz. em determinadas circunstâncias.EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL cação. 1999. ser relevante quando. Journal of World Trade. de um compromisso ambiental sugere a necessidade de se interpretar o artigo XX para afastar o conflito e garantir a efetividade do acordo em questão. 2) a medida não é exigida mas é expressamente autorizada. mesmo na ausência de convenções específicas nesse setor. ensejariam o conflito entre as regras da OMC e os tratados multilaterais ambientais23. ainda. op. Gabrielle. se encontrasse em uma posição mais desvantajosa do que a que resultaria se nenhum acordo ambiental existisse. 6) a medida adotada para promover os objetivos de um acordo multilateral ambiental. ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR . Nas situações 4). contudo. 129-130. em 1977. a CIJ estimou que. p.p65 131 17/5/2011. Por último. Seria possível concluir que o artigo XX autorizou as restrições ao comércio especificadas pelo acordo multilateral ambiental. O relatório fez referência à Convenção sobre Diversidade Biológica.. em que os Estados litigantes não são partes de ambos os tratados. que se encontra no artigo XX (g) do GATT de 1994. mas busca. que concerne aos riscos ecológicos derivados da construção de barragens no Rio Danúbio. O disposto no preâmbulo do Tratado Constitutivo da OMC de que o uso dos recursos mundiais respeitará o princípio do desenvolvimento sustentável desempenhou papel 24 25 MARCEAU. Apesar disso. 17:46 . par. Nesse caso. A participação em tais acordos pode. 1098. quando o tratado inclui obrigações contínuas. Conflicts of norms and conflicts of jurisdictions.131 medida é simplesmente autorizada. A referência a um acordo multilateral ambiental ou meramente ao seu cumprimento seria um dos fatores na consideração de que a aplicação da medida não é injustificável ou que ela não se caracteriza como uma restrição disfarçada ao comércio internacional para os propósitos do caput do artigo XX24. 5) e 6) enunciadas acima. o acordo multilateral ambiental poderá vir a ser uma regra relevante do direito internacional a ser considerada na interpretação do artigo XX reivindicada por um membro da OMC. simplesmente. é necessário lembrar que as convenções multilaterais ambientais são diretamente aplicáveis na OMC se não aumentarem os direitos e obrigações dos membros. interpretou de forma evolutiva o sentido da expressão “recursos naturais exauríveis”. No caso Gabcikovo-Nagymaros. a existência de um acordo multilateral ambiental serve como parte da análise das circunstâncias factuais de uma disputa e das razões que levaram um membro a adotar a medida em tela. evidenciar que os interesses protegidos pela medida são vitais para um membro da OMC. Appellate Body Report. no caso US – Shrimp25. Marceau reconhece que a dificuldade se agrava se a medida não é exigida ou autorizada. De modo similar. promover os objetivos do acordo multilateral ambiental. Gabrielle. Filosofia e Teoria Geral do Direito. cit. o intérprete deve atentar para as normas surgidas posteriormente. previstas pelo tratado bilateral firmado pela Hungria e Tchecoslováquia. op. o acordo multilateral ambiental não é uma regra relevante na relação entre as partes. ao Acordo CITES e à Convenção sobre o Direito do Mar. o Órgão de Apelação. US-Shrimp. p65 132 17/5/2011. o direito à saúde. O TRIPs criou regras básicas de proteção à propriedade intelectual garantidas pelo sistema de solução de controvérsias da OMC. incluindo os mais populosos. Apesar desse isolamento institucional. até o momento em que as nações desenvolvidas concordaram em negociar compromissos que importavam na redução das barreiras às exportações provenientes de tais países.EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL significativo para formar a convicção dos julgadores de que o artigo XX (g) do GATT de 1994 não recobre unicamente os recursos naturais não exauríveis. porque repercute na efetividade dos direitos humanos. O problema assume proporções alarmantes se considerarmos que mais de 90% dos portadores do vírus da AIDS não dispõem dos recursos suficientes para a aquisição dos medicamentos anti-retrovirais de que necessitam26. no campo da indústria farmacêutica. a exemplo do que se passa com o Acordo sobre os Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio. Brook K. implicitamente. 14. Filosofia e Teoria Geral do Direito. entre as mudanças que o TRIPs introduziu. O final da Rodada Uruguai testemunhou a celebração de tratados que. cerca de 40% dos países em desenvolvimento. entre outras razões. O GATT manteve-se isolado das instituições internacionais do pósguerra. o compromisso assumido pelos membros de conceder patentes aos produtos e processos que representem inovação e sejam suscetíveis de aplicação industrial. Indiana International and Comparative Law Review. 17:46 . não possuíam sistemas de patente para os medicamentos em geral. v. Indianapolis. pois impediu o tratamento adequado de inúmeras moléstias em várias partes do mundo. p. 613. especialmente do direito à saúde. que não foi devidamente utilizada. com conseqüências ruinosas para extensas camadas da população das nações em desenvolvimento.132 . Arthritic flexibilities for accessing medicines: analysis of WTO action regarding paragraph 6 of the Doha Declaration on the trips agreement and public health. a par da expansão vertiginosa do vírus da 26 BAKER. Até o final dos anos 80. Referido acordo é emblemático. Os países em desenvolvimento resistiram à celebração de um tratado nessa matéria. gravemente. se ocuparam dos direitos humanos. a súbita elevação do preço dos medicamentos. Avulta. Acresce notar que nos países em desenvolvimento. Esse fato causou. 2004. A dificuldade de acesso aos medicamentos comprometeu. o artigo XX representou uma via de comunicação com os demais subsistemas do Direito Internacional. SCHERER.ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR . 5. nos termos do artigo 31. Dec. A este rol se juntam o diabetes. a licença compulsória é um meio poderoso para ampliar a oferta de medicamentos a preços reduzidos. p. A leitura conjugada dos artigos 7º e 30 leva à conclusão de que cabe aos Estados compatibilizar a proteção dos direitos do detentor da patente e a necessidade de se considerar o interesse legítimo de terceiros29. é tarefa da legis- 27 28 29 30 Ibid. a asma. p. a saber: a tuberculose. 2002. 614.. Patents and health in developing countries in law and development: facing complexity in the 21st century. Na esteira desses dispositivos. London: Cavendish.2 autoriza os membros a restringir a concessão de patentes se as invenções causarem risco à vida humana ou à saúde. Post-TRIPS options for access to patented medicines in developing nations. em circunstâncias claramente estabelecidas. usar ou vender uma invenção patenteada sem o consentimento do titular da patente. A licença compulsória será concedida. a diarréia e o mal de Chagas27. p. Nesse caso..p65 133 17/5/2011. bem como para promover o interesse público em setores vitais para o desenvolvimento social. v. O artigo 7º preconiza que o regime dos direitos de propriedade intelectual deve contribuir para promover a inovação. Philippe. Ibid. nº 4. o artigo 27. 614. 83. 17:46 . Essa situação pode ser minorada se houver o emprego adequado das exceções contidas no Acordo TRIPs para conformar políticas públicas que assegurem a eficácia do direito à saúde. Journal of International Economic Law. 913-919. M. se ocorrer abuso do poder de monopólio outorgado pela patente. 2003.. Já o artigo 8º indica que os Estados podem adotar as medidas necessárias para proteger a saúde pública e a nutrição. diversos tipos de doenças infecciosas acometem a população pobre. a malária. WATAL. p. ou quando o exigir o interesse público.133 AIDS. a transferência e a disseminação da tecnologia capazes de conduzir ao bemestar econômico e social. as doenças cardíacas e mentais. Ela não será exclusiva e terá a finalidade precípua de suprir o mercado doméstico em situações excepcionais. F. Filosofia e Teoria Geral do Direito. mediante remuneração previamente fixada30. as infecções respiratórias. Manifestação eloqüente da flexibilidade que o Acordo TRIPS proporciona para a execução de políticas públicas no campo da saúde. cuja periculosidade se amplia pelo acesso restrito aos medicamentos que as combatem28. CULLET. Trata-se de autorização a um terceiro para fabricar. econômico e tecnológico. Jayashree. Washington. 2006. Para tanto. assim se expressou32: We stress the importance we attach to implementation and interpretation of the Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPs Agreement) in a Manner supportive of public health. Geneva: South Centre. Graças à iniciativa pioneira do Brasil.EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL lação interna definir o interesse público e as situações de emergência nacional que reclamam a emissão da licença compulsória31. conceder aos Estados a liberdade necessária para a adoção de iniciativas que favoreçam o acesso aos medicamentos a extensas camadas da população pobre. 17. portanto. que alude 31 32 CORREA. notadamente as ambigüidades que cercam a aplicação dos artigos 30 e 31. ao manter essa flexibilidade. Integrating public health concerns into patent legislation in developing countries.org/ publications/publichealth/publichealth-12. em decisão de 30 de agosto de 2003. WT/ MIN(01)/DEC/2. permitiu aos membros da OMC a importação de medicamentos produzidos sob licença compulsória se a indústria doméstica não dispuser de condições para suprir as necessidades do mercado interno. par. a Decisão do Conselho Geral fixou as exigências a serem cumpridas pelos países que pleitearem essa autorização. 2000. Acesso em: 08 ago. De modo análogo.3 (c) da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. Filosofia e Teoria Geral do Direito. in this connection. A Declaração de Doha converteu-se no instrumento privilegiado para interpretar o Acordo TRIPs. adopted on 14 November 2001. 17:46 . A falta de capacitação tecnológica da indústria local cria obstáculos muitas vezes insuperáveis para que a licença compulsória sirva à finalidade que a determinou. observou-se que os membros da OMC podem definir o que constitui emergência nacional ou outras circunstâncias de extrema urgência. are adopting a separate declaration.htm#P1449_146569>. o Conselho Geral da OMC. Disponível em: <http://www. Carlos M. Declaration on the TRIPS agreement and public health. Sociais e Culturais.p65 134 17/5/2011. Temerosa de abusos. evitar-se-ia o conflito entre o Acordo TRIPs e o artigo 12 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos.134 . by promoting both access to existing medicines and research and development into new medicines and.southcentre. A meta é. Uma via interessante para harmonizar comércio e direitos humanos é efetuar a interpretação dos artigos XX e XXI do GATT à luz do disposto no artigo 31. Com isso. a Declaração de Doha de 2001. 91. não podem ser interpretadas tendo em conta.ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR . The American Journal of International Law. O artigo XX (a) exibe potencialidade inequívoca para lidar com graves violações aos direitos humanos. LEVY. o intérprete deve buscar compreender o sentido da expressão “moralidade pública”. v. o sentido que os redatores pretenderam conferir ao tratado no momento da sua elaboração. Washington. p. contida no artigo XX (a) do GATT de 1994 com apoio nos parâmetros fornecidos pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 1997. não são aceitas por contrariarem a letra e o espírito do GATT. Por esse motivo. ganham legitimidade na medida em que atentam contra a moralidade pública. trade and investment: toward the harmonization of international law. nº 4. exclusivamente. Já as convenções sobre direitos humanos que não contam com a adesão de todos os membros da OMC são úteis como informação fática ou evidência em apoio a uma reivindicação de que uma medida é necessária para proteger a moralidade pública. 33 DILLER. Tais expressões refletem as mudanças axiológicas que se processam ao longo do tempo de modo a facilitar a interação entre o ordenamento jurídico e a realidade social.p65 135 17/5/2011. 17:46 . As conclusões do Órgão de Apelação caem como uma luva para a interpretação do artigo XX (a) ao demonstrarem grande sensibilidade em relação às demais normas do direito internacional. a venda ou o tráfico de crianças e o trabalho realizado sob tortura33. como “recursos naturais exauríveis”. David A. Janelle Diller e David Levy incluíram no mínimo ético recoberto pela moralidade pública as normas de jus cogens que proíbem a escravidão. A lição a extrair do caso US – Shrimp é a de que as expressões de conteúdo variável e indefinido. Child labor.. A expressão moralidade pública deve ser interpretada sob influência das normas que adquiriram caráter de jus cogens e das regras internacionais costumeiras. ordinariamente. Restrições comerciais que. Além disso. 694. Janelle M. que contam com a adesão generalizada da comunidade internacional. a linha de equilíbrio muda em função das características e peculiaridades do caso. Oct.135 a quaisquer regras relevantes de direito internacional aplicáveis às relações entre as partes. As normas de direitos humanos que vinculam todos os membros da OMC ou que reflitam a sua intenção constituem parte valiosa deste material interpretativo. EM BUSCA DE UMA NOVA PERSPECTIVA DAS FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL 4. dotadas de indiscutível singularidade pelas técnicas que empregam e pelos objetivos que perseguem. que alargou de forma inusitada o campo regulatório do direito internacional. no curso dos séculos. que a doutrina mais recente anuncia. tema de há muito conhecido no direito interno. que definem o modo e relacionamento das normas no interior de um conjunto mais amplo. O volume de tratados. dispostas aleatoriamente.136 . busquei por intermédio de um novo método. sem critérios que as organizem em um todo coerente. Esse fato está associado à intensa produção normativa verificada nas últimas décadas. de tal sorte que os princípios tradicionais para resolver as antinomias sejam um recurso extremo a ser usado quando outras vias vie- Filosofia e Teoria Geral do Direito. CONCLUSÃO O conflito de normas. na segunda metade do século XX. em expansão vertiginosa. Devido ao risco de fragmentação. em áreas distintas. Não obstante a utilidade intrínseca desses critérios. que afetam o gênero humano. 17:46 . Funda a tese aqui defendida a concepção de que o direito internacional constitui um sistema que não se confunde com um mero conglomerado de regras. agravou ainda mais o problema. traz à baila a probabilidade de conflito entre normas incompatíveis. voltada para a identificação da convergência entre as normas. a regulação jurídica da vida internacional e a perspectiva de fragmentação nela implícita sugerem uma metodologia alternativa. mas também regras estruturais. imprimiu força e vigor à regulação jurídica internacional. hierárquico e de especialidade correspondem ao esforço despendido para manter o sistema coeso pela eliminação de uma das normas incompatíveis. dos tratados sobre a preservação do meio ambiente e a proteção dos direitos humanos.p65 136 17/5/2011. Esse sistema compreende não apenas normas. cuja coexistência é motivo de receios e preocupações. de variada procedência. devido ao aumento da interdependência entre os países e à necessidade de se encontrar solução para questões de natureza comum. originaram convenções. desperta na atualidade crescente interesse dos internacionalistas. Os critérios cronológico. como é o caso do sistema multilateral de comércio. Nesse contexto. O avanço da globalização. A multiplicação de subsistemas com lógicas próprias e finalidades aparentemente contraditórias. denominado “diálogo” das fontes. a regra lógica de não-contradição permitiu ao jurista. trazer subsídios para reconstruir a coerência do direito internacional contemporâneo. desenvolver princípios para a resolução das antinomias. Temas globais. por revestirem caráter geral. que estão sempre associadas ao estabelecimento da ordem. Um sistema incoerente é injusto e não propicia a paz e a estabilidade. Por último. aqui empregado. passa a ser a nota dominante quer na relação entre normas isoladas. condição necessária para a ordem e a justiça. forneçam os conceitos para a aplicação de um tratado específico constitutivo de um subsistema de normas que não é materialmente completo. Filosofia e Teoria Geral do Direito.ALBERTO DO AMARAL JÚNIOR . em princípio. que certos compromissos. também. muitas vezes. 17:46 . dependem da coerência interna das normas que o integram.p65 137 17/5/2011. O termo “diálogo”. simultaneamente. e não o antagonismo disfuncional. É comum. se mostram incompatíveis. A descoberta do fim a que servem é guia valioso para identificar a existência de propósitos comuns que as aproximam. quer em tratados que pertencem ao mesmo subsistema ou a subsistemas diferentes. o “diálogo” das fontes assegura a realização da justiça concreta ao permitir a atualização do direito internacional. facilita a convergência normativa nas situações em que. dois valores caros ao sistema jurídico internacional. o conflito se afigura inevitável. assim. A coordenação solidária. o intérprete aplica. O “diálogo” das fontes possibilita. ao garantir tanto a previsibilidade das condutas quanto igual tratamento àqueles que pertencem à mesma categoria. A presunção contra o conflito. a aplicação de normas particulares. O “diálogo” das fontes concebe o direito internacional como um sistema em que as partes componentes estão intimamente relacionadas. A ordem e a justiça. duas ou mais normas. O “diálogo” das fontes restaura a coerência do ordenamento. coordena compromissos que obedecem à mesma diretriz e descobre a complementaridade finalística entre instrumentos que.137 rem a falhar. decorrência da regra de não-contradição. Ao invés de optar por uma única regra graças aos princípios clássicos para a superação das antinomias. descreve a relação recíproca entre normas diversas na qual cada uma delas comunica a solução do caso concreto. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:46 .p65 138 17/5/2011. Alexandre da Maia Mestre e doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela UFPE. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) da Faculdade de Direito do Recife.O DIREITO SUBJETIVO COMO IMAGEM Da invisibilização dos paradoxos na teoria dos sistemas à interação e às situações comunicativas na pragmática normativocomunicacional de Tercio Sampaio Ferraz Jr. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 139 17/5/2011. 17:46 . Ocorre que em geral as formulações jurídico-teóricas que mais estão presentes hoje no “mercado das ideias” se valem dos discursos sobre a subjetividade tratando os problemas daí decorrentes a partir de um olhar com ênfase em pretensos aspectos racionais de controle de expectativas. transformando as teorias jurídicas em modelos de “justificação racional” das decisões1. “O homem que diz ‘dou’ não dá. porque quando foi já não quis O homem que diz ‘sou’ não é. Gustavo. sobretudo na tentativa de construção das “regras da razão prática geral”. ou no desejo de uma “pragmática universal” etc. Interpréter les théories de l´interpretation. JUST. No caso do presente artigo. Paris: L´Harmattan. Da teologia à metodologia: secularização e crise do pensamento jurídico. tema que aparece em constante debate com as teorias jurídicas. Manuel Atienza y Isabel Espejo. cf. modelos esses calcados em pretensas “situações ideais” de fala ou de diálogo. lançam para nós uma provocação quanto a uma possível caracterização da subjetividade. 61-143. Teoría de la argumentación jurídica: la teoria del discurso racional como teoria de la fundamentación jurídica. Trad. 1997. a condensação plural e única da radicalidade de todo meu sentir. cf. 2. porque quem é mesmo é ‘não sou’” (Vinícius de Moraes. e 77 s.140 . 17:46 . pretendemos discutir algumas possibilidades de associação entre direito e subjetividade no 1 Como. 57 s. encarando o direito como um “caso especial” dessa forma de pensar o “racional”. em “Canto de Ossanha”) INTRODUÇÃO: O “CANTO DE OSSANHA” DO DIREITO SUBJETIVO E UMA TEORIA DAS IMAGENS CALCADA NO SENTIR Os versos iniciais de “Canto de Ossanha”. por exemplo. pp. p. em ALEXY. SALDANHA. direcionando o enfoque à chamada “jurisprudência hermenêutica” tão em voga no Brasil. 1993. Num campo de discussão que aponta os discursos da razão como formas de crença.p65 140 17/5/2011.O DIREITO SUBJETIVO COMO IMAGEM Para Ana Rita. 2005. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Belo Horizonte: Del Rey. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales. cap. Nelson. Robert. porque quem dá mesmo não diz O homem que diz ‘vou’ não vai. talvez o mais clássico dos afrosambas compostos por Baden Powell em parceria com Vinícius de Moraes. Numa abordagem crítica e ao mesmo tempo sutil. J. A. 03-11. tb. em última análise. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. uma “imagem”) – pode escapar por entre nossos dedos. 141 s. Francisco Cavalcanti e João Maurício Adeodato (Orgs. discute as mutações que se constroem na dinâmica do tempo sobre as projeções que esses conceitos lançam sobre ele: o conceito tenta domar a rédea do acontecer. Linguagens do ideário político. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Neste momento. Rio de Janeiro: Contraponto/PUC-Rio. Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito. buscando compreender como as várias leituras que podem ser construídas (sobretudo na modernidade) sobre o passado e o futuro num determinado presente afetam diretamente a construção de conceitos jurídicos. tornar invisíveis os paradoxos do direito. p. pode nos fornecer projeções sobre as imagens do próprio direito. Bruno.ALEXANDRE DA MAIA . POCOCK. na linguagem da teoria dos sistemas.). Sobre essa temática. Alexandre da. 21 s e. Princípio da legalidade oblíqua e súmula vinculante: a atuação legislativa da jurisdição constitucional nos 20 anos da Constituição de 1988. entendido aqui a partir de dois marcos teóricos: a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann (1927-1998) e a pragmática normativo-comunicacional de Tercio Sampaio Ferraz Jr. como veremos no decorrer deste texto. nosso primeiro marco teórico. J. Racionalidade e progresso nas teorias jurídicas: o problema do planejamento do futuro na História do Direito pela legalidade e pelo conceito de direito subjetivo. numa linha mais collingwoodiana. Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito (nº 3). Projeta-se uma imagem do direito subjetivo em um determinado presente buscando controlar expectativas de futuro e. Reinhart. In: POCOCK. (1941). ADEODATO. 2003. João Maurício (Orgs.). p. 2 3 MAIA.) que fogem dos apelos fundacionistas dos que buscam fazer da teoria do direito um manual de ajuste aos desejos inconfessos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal3. Modalidades do tempo político e do tempo histórico na Inglaterra do início do Século XVII. G. Só que as imagens se projetam e se processam num sentir que funciona. como medium para a produção dessas imagens como formas. A. CAVALCANTI. G. e sobretudo. Além disso. p. Por isso a proposta aqui esboçada de um debate entre imagens do direito subjetivo – o que. In: Cláudio Brandão.p65 141 17/5/2011. cf. Cf. 2009. Cláudio. Rio de Janeiro: Forense. 175-198. Só que as possibilidades que brotam da complexidade cada vez maior fazem com que esse “futuro” – em tese “aprisionado” por uma determinada leitura (como veremos na sequência. começamos a discutir o direito subjetivo a partir de um enfoque histórico-conceitual. veremos as projeções de certas imagens específicas sobre o direito subjetivo a partir de dois referenciais teóricos (Luhmann e Ferraz Jr. sobretudo a partir do conceito de “legalidade oblíqua” formulado no texto. In: BRANDÃO. Em um texto anterior. KOSELLECK. p.141 sempre controverso conceito de “direito subjetivo”. Francisco. tentando conter o futuro2. 17:46 . GALINDO. na linha do historiador Reinhart Koselleck. São Paulo: EdUSP. 2006. 2005. Roger. quando o autor trabalha o problema a partir da interpretação na teoria psicanalítica de Freud. México: Herder/ Universidad Iberoamericana. argumentando que o sentido seria esse medium. Epistemologia e ensino do direito: o sonho acabou. o que se quer é discutir os aspectos aparentemente negligenciados na tradição da epistemologia jurídica4. p. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Com isso. quando a própria afirmação de uma racionalidade envolve o irracionalizável na compreensão. 1CD. em contrapartida. recoloca-se o problema dos paradoxos a partir de outras imagens. 17:46 . Javier Torres Nafarrate. E é exatamente nesse debate que se verifica uma função dos direitos subjetivos: a de tornar invisíveis os paradoxos do direito submetendo outra distinção: direito objetivo/direito subjetivo. por conseguinte. cria-se a cristalização de algo “racional”. Pálpitos epistemológicos para el siglo XXI (segunda vuelta). Se tudo que interessa ao “saber jurídico” é fruto daquilo que é tocado pelo “facho de luz da razão”. incluindo. WATERS. 2004. Temos a imagem. Manejando tal diferença. isto é. Com isso.O DIREITO SUBJETIVO COMO IMAGEM Um luhmanniano poderia retrucar tal afirmativa facilmente. a teoria das imagens tenta argumentar que a distinção racional/irracional é a expressão de um sentir. p. ou seja. como algo próprio de cada consciência e ao mesmo tempo contingente. [London]: EMI. e não dos sistemas sociais.p65 142 17/5/2011. In: PINK FLOYD. Com isso. “All that is now/ All that is gone/ All that´s to come/ and everything under the sun is in tune/ but the sun is eclipsed by the moon”. El derecho de la sociedad. Trad. The dark side of the moon. 4 5 6 Cf. sendo esta última acepção própria dos sistemas psíquicos. 240 s. WARAT. como um paradoxo. muito embora a utilização de tal distinção não consiga perceber seus próprios pontos cegos quando da observação. é possível responder por meio de uma tese central deste texto: o sentido já é uma projeção contingente de um sentir. do sentir na percepção. aqueles que seriam próprios do direito6.142 . Mas. portanto. é importante perceber que “o sol está encoberto pela lua”5. apontando para uma diferença significativa entre sentido e sentir como sentimento. Niklas Luhmann discute constantemente os paradoxos. LUHMANN. Niklas. Eclipse. teorizada a partir diversas formas. p1973. Florianópolis: Fundação Boiteux. In: WARAT. sobretudo pelo paradoxo da auto-observação e da inacessibilidade recíproca das consciências. sobretudo quando ela opera a partir da distinção racional/irracional. 15-26. Luis Alberto. E é exatamente por conta do problema dos paradoxos que a teoria dos sistemas é utilizada aqui como referencial teórico. na qual o sentir de onde ela brota pode ser entendido como um dark side daquilo que os modelos de racionalidade não gostam de tematizar. Luis Alberto. ou sobre suas capacidades cognitivo-racionais ou qualquer outra imagem de segunda ordem que represa a contingência.. É o possível “embate” sobre as imagens do conceito de interação projetado por Luhmann que podemos justificar a utilização do nosso segundo marco teórico. p. p. base de uma das possibilidades de discussão do direito subjetivo na teoria dos sistemas. tomando como análise o mesmo marco sistêmico. Niklas. a partir de uma diferença entre sistemas de interação e sistema da sociedade7. La sociedad de la sociedad. 2007. o objetivo é tentar projetar as imagens que tais teorias lançam sobre as interações. em FERRAZ JR. Imagina-se aqui a subjetividade não como a consagração de um modelo ideal e metafísico do sujeito. Assim. ou ao menos cria um mecanismo aparentemente limitador. dentre os quais as interações e a sociedade. Cf. o conceito de interação é fundamental para sedimentar o que o autor discute como sendo “pragmática”8. 17:46 . HORA. poderia ser lido como acoplamento estrutural entre sistemas psíquicos e sociais. Graziela Bacchi. 377. Só que o debate em torno do direito subjetivo nos traz outra preocupação: discutir como as teorias jurídicas projetam imagens sobre o que o sujeito “é”. Tal afirmativa está explicitada e debatida.. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa. Além disso. Recife: PPGD/UFPE (tese de doutorado em Filosofia e Teoria Geral do Direito). 81 s. México: Herder/ Universidad Iberoamericana. afirma-se também o direito pela contingência da imagem do não-direito. Fragmentação e erística na Escola do Recife: uma leitura retórica da filosofia de Tobias Barreto.143 invisibilizando os paradoxos da afirmação do direito num não-direito (violência) e de que a comunicação sobre o direito já sedimenta uma diferença em relação ao que não é direito. Diante da discussão do tema da interação nos dois marcos teóricos apontados. mas sim pela multiplicidade de desejos. em contraste com a (auto-)observação da subjetividade como “fragmentação” (palavra muito desgastada na filosofia. 2006. 4 (ao usar a expressão “princípio da interação”) e 30 (“Ponto de partida da análise pragmática é o princípio da interação”).ALEXANDRE DA MAIA . dentre outras obras. Javier Torres Nafarrate. 2010. mas inevitável neste momento)9. Verifica-se que o conceito de “interação” é utilizado por Niklas Luhmann como sistema social. p. que vem sendo imaginado aqui como a pragmática normativo-comunicacional de Tercio Sampaio Ferraz Jr. Tercio Sampaio. Trad. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Rio de Janeiro: Forense.p65 143 17/5/2011. vontades. o direito subjetivo. bem como as que observam o “acoplamento estrutural” entre sistemas psíquicos e sistemas sociais de interação e a sociedade mundial. 7 8 9 LUHMANN. Na ideia de uma pragmática da comunicação normativa capitaneada por Ferraz Jr. E é por isso que adotaremos aqui uma divisão que se parece com os mecanismos de observação na teoria dos sistemas. é pela imagem e pela semelhança que o homem passa a ter o domínio “sobre os peixes do mar. cria-se logo uma caracterização do homem como imagem. por exemplo. e tal relação fica sedimentada a partir do poder e da força. Ou seja.. Usaremos as expressões “imagens de primeira ordem” e “imagens de segunda ordem” para debater essa pluralidade infinita de imagens que podem ser projetadas (as chamadas imagens de interpenetração) e. toda observação tem um ponto cego (inclusive esta). Direito. parece que não pode ser diferente. sobretudo porque o argumento que se baseia em “todas as possibilidades” pressupõe uma determinada limitação – um abismo intransponível entre o que pode e o que não pode acontecer. 41: “Deus fez o mundo porque quer a humanidade. Tercio Sampaio. As imagens como forma de projeção de desejos nem sempre racionalizáveis aparece inclusive no discurso sobre o Deus da tradição judaico-cristã. Deus: uma biografia. 17:46 . São Paulo: Saraiva. inseguranças e incertezas que vivenciamos. reflexões. Na passagem do Gênesis (1-3) na qual Deus.p65 144 17/5/2011. Um sistema psíquico não consegue observar todas as possibilidades de construção de imagens. Filosofia e Teoria Geral do Direito. mas que será empregada aqui como imagem de segunda ordem ou de contenção. p. Afinal. MILES. conforme a nossa semelhança”. Poderíamos aplicar 10 11 FERRAZ JR. falando sozinho. 78 s. que tenta. Só que tanto o “pode” quanto o “não pode” são também imagens. sobre os animais domésticos. “a humanidade se transformaria numa melhor imagem do ‘nós’ que comandaria a criação”11. E se o que agora se apresenta não passa de projeção de imagens. inclusive considerando as percepções aqui desenvolvidas e expostas também como imagens. das múltiplas facetas com as quais ele mesmo se percebe. José Rubens Siqueira. O uso da “ordem” não implica uma pretensa ordenação hierárquica entre essas imagens. a partir de suas projeções. Pelo contrário: elas se coimplicam heterarquicamente. Afinal. que pode ser vista como um topos10. Trad. p. 1997.O DIREITO SUBJETIVO COMO IMAGEM pensamentos. 1997.144 . por exemplo. sobre as aves dos céus. as tentativas de contenção de tais projeções de imagens do direito por meio. sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra” (Gênesis 1: 26). ao mesmo tempo e por outro lado. e quer a humanidade porque quer uma imagem”. retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática do discurso jurídico. controlar as imagens de primeira ordem. diz: “façamos o homem à nossa imagem. Com isso. São Paulo: Companhia das Letras. A subjetividade assim imaginada é um paradoxo da unidade da diferença do sujeito no próprio sujeito. Jack. da “necessidade de segurança jurídica”. e esse sentir funciona como meio para a cristalização das imagens projetadas por ele.p65 145 17/5/2011. todo observador. Aliás. não trabalha com o dualismo racional/irracional. entendidas aqui.145 o mesmo raciocínio às imagens do direito como projeções de subjetividades (primeira ordem) e modelos de estruturação do poder (segunda ordem). Enfim: de tudo aquilo que muitas vezes podemos falar. Afinal. das paixões. mas que as palavras não expressam necessariamente como esses elementos se processam no interior dos nossos sistemas psíquicos. está imerso no sentir. de uma forma genérica. como projeções contingentes da fragmentação interna da subjetividade. das invejas. e não como a única possibilidade. portanto. INTERPENETRAÇÃO (PRIMEIRA ORDEM) E CONTENÇÃO (SEGUNDA ORDEM) Cabe aqui discutir o que quer dizer essa “projeção de imagens” inicialmente colocada no item anterior. tão próprio das imagens das teorias jurídicas tradicionais. reconhecendo os limites contingentes dos pontos cegos de qualquer observação. 1. Não queremos afirmar que o sentir é uma categoria de uma teoria do conhecimento. SUBJETIVIDADE E OS NÍVEIS DE PROJEÇÃO DAS IMAGENS: REPRESENTAÇÃO. das frustrações. E é exatamente essa variedade de imagens que a letra de “Canto de Ossanha” nos mostra ao revelar as sutilezas e os paradoxos da fragmentação da subjetividade. Ou seja. Esse sentir. se o debate nos descortina uma multiplicidade de possibilidades de percepção. tanto os discursos que buscam erigir modelos diferentes de racionalidade quanto os que desconfiam de qualquer defesa de uma “racionalidade prática” na compreensão nada mais fazem do que lançar determinadas imagens.ALEXANDRE DA MAIA . dos sentimentos. esse “Canto de Ossanha” do direito subjetivo como imagem que nos interessa explorar criticamente neste artigo. Pelo contrário: é admitir as pretensas luzes da razão apenas como uma forma contingente de projeção de possibilidades da subjetividade. 17:46 . muitas vezes nem Filosofia e Teoria Geral do Direito. o mesmo se dá quando da observação da própria subjetividade. Como já dito. nos moldes aristotélicos. das expectativas. dos estágios de consciência etc. que não se cristalizam nem ficam hipostasiadas no tempo. o lugar onde “quem é mesmo é ‘não sou’”. E é essa “fragmentação”. Pelo contrário: o que se quer é condensar numa expressão comunicativa mais simples todas as possibilidades e vivências dos desejos. ao observar. Os direitos subjectivos na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. Esse problema será abordado mais adiante quando da imagem do direito subjetivo como algo que torna invisíveis os paradoxos no direito13. Primeiramente. da percepção dos seus próprios pensamentos.p65 146 17/5/2011.O DIREITO SUBJETIVO COMO IMAGEM nos damos conta deles quando estamos imersos neles. 236-254. p. “integral” do que quer que seja. 2008. Fatima. claro. já que a observação do “ser” e do “não ser” só podem ser construída 12 13 14 LUHMANN. Niklas. No caso das imagens. 17:46 . portanto. como imagem.). paper). The paradoxes of justice: the ultimate difference between a philosophical and a sociological observation of law. São Leopoldo: Unisinos. inclusive da própria subjetividade. impedindo uma sedimentação de um sentir racional. no interior dos sistemas psíquicos. p. utilizando a terminologia da teoria dos sistemas. O sentir não é uma categorização. Germano Schwartz e Leonel Severo Rocha (orgs. Paradoxes and inconsistencies in the law. 61-62. As percepções. KASTNER. 7. 2006. p. mas um acontecer paradoxal de possibilidades nos sistemas psíquicos. Sistemas sociales: lineamientos para una teoría general. 1998. Luhmann e os direitos fundamentais (workshop. Eis o ponto cego de toda e qualquer observação12. Filosofia e Teoria Geral do Direito. na linha de uma teoria da observação construída por Luhmann. o que se observa é só uma “imagem seletiva” (expressão de Elena Esposito) daquilo que se observa. p. Por isso que a observação está fundada num paradoxo. há uma complexidade infinita nas possibilidades. também envolvem a auto-observação paradoxal (representação). Niklas. Simplificando: nenhuma observação pode descrever-se a si mesma a ponto de sedimentar uma indicação “completa”. é possível. aquilo que cada subjetividade fragmentada observa de si mesma. Por conta disso. e como uma tentativa de discutir os mecanismos envolvidos na compreensão. E mesmo nos casos de auto-observação. ao observar e fazer distinções. In: LUHMANN. É aquilo que a teoria dos sistemas chama de “representação”14. Niklas. o observador. GUIBENTIF.146 . Pierre. não consegue perceber suas próprias distinções ao observar. tematizar o problema das diferenças que se sedimentam quando das respectivas e plurais projeções. La sociedad de la sociedad (nº 8). La individualidad de los sistemas psíquicos. Oren Perez and Gunther Teubner (eds.). 167-180 e LUHMANN. Oxford and Portland: Hart Publishing. vale ressaltar que o primeiro grupo de imagens é o que projeta. o que nos mostra que. Barcelona/Mexico: Anthropos/ Universidad Iberoamericana. para fins unicamente didáticos. ou seja. a não ser. Uma observação que se faz a partir da distinção verdade/falsidade não pode observar se essa distinção feita pelo observador é ela mesma verdadeira ou falsa. os discursos morais e religiosos etc. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 147 17/5/2011. os seres humanos. Assim. temos também as projeções que são lançadas pelas consciências para observar o seu entorno. unicamente para fins didáticos. mediante acoplamentos entre os sistemas de consciência e os sistemas sociais. de quem “só é quem não é”. o que não quer dizer que essa representação vai se hipostasiar. p. são lançadas na dupla contingência. já que aquilo que percebemos sobre nós mesmos também é uma imagem contingente que criamos num determinado ponto presente. São a partir dessas imagens que construímos os mais diversos tipos de observações sobre a sociedade-mundo. incluindo os respectivos sistemas parciais. os direitos. temos também a contingência das representações: a possibilidade de uma leitura múltipla da subjetividade pela sua própria consciência (respeitados. claro. dentre os quais o direito. E o paradoxo se afirma quando esse “não ser” apresentado como diferença apontada só pode ser compreendido como parte da própria imagem projetada de forma fragmentada no sistema psíquico. projetamos imagens as mais variadas sobre o mundo. Essas imagens de primeira ordem. a sociabilidade. toda comunicação só acontece na dupla contingência. La sociedad de la sociedad (nº 8). as consciências são inacessíveis reciprocamente àqueles que se comunicam. como já mencionado anteriormente. 79 e 295. e não a partir de um critério transcendente. aquele dark side habitualmente não abordado pelas teorias preocupadas com a razão. Chamá-las-emos de imagens de primeira ordem ou de interpenetração. Eis o “Canto de Ossanha”. como todas as imagens. na linguagem sistêmica. mostrando suas possibilidades. Além dos mecanismos de produção imagética no âmbito da representação. 17:46 . Niklas.ALEXANDRE DA MAIA . ao “outro lado”. aos espaços ainda não demarcados de construção de novas relações e construções teóricas e práticas. Ou seja. nas suas mais variadas e possíveis acepções. pela interpenetração15. Essas projeções serão aqui chamadas. os limites do ponto cego de cada observação). Diante da fragmentação da subjetividade. Não conseguimos perceber plenamente o que o outro pensa ou quer. 15 LUHMANN. de imagens de representação.147 na própria observação. Além da contingência em relação ao outro com quem porventura podemos nos comunicar sobre nossas impressões e visões de mundo. 58. ou. A multiplicidade das possibilidades comunicativas não exclui a fragmentação da subjetividade ao imaginar e tematizar essa abertura ao ainda não vivido. E essa generalização só ocorre por meio da projeção de imagens de contenção. Essas imagens de contenção já são o reflexo de. Os argumentos. já que essas imagens. p. não conseguem perceber os mecanismos de distinção que são usados na simultaneidade do acontecer da percepção. por exemplo. das quais o direito seria um caso especial” ou “juridicamente “lícitas”. dente as inúmeras imagens de primeira ordem que podem ser projetadas. os direcionamentos jurisprudenciais. que trabalham a partir da associação de outras imagens de primeira ordem que conseguem penetrar nas estruturas jurídicas. os direitos e obrigações contraídos nas relações contratuais. sob o argumento de sedimentar uma “teoria da sociedade”. tema que não será abordado nos limites deste texto. já que essas múltiplas e plurais imagens que projetamos sobre o mundo e sobre nós mesmos vão sedimentando expectativas incontroláveis. Essas imagens de contenção podem ser as mais variadas: os textos legais. “formas moralmente estruturadas do bem viver. o direito construído a partir de certas tradições que sedimentam os “costumes” como imagens. apenas tais e quais farão parte. muito embora seja possível criticar essa divisão proposta.148 . ou imagens de segunda ordem. 181 s. numa linha de pensamento luhmanniana. quando projetadas.p65 148 17/5/2011. poderíamos projetar a função do direito: a “estabilização de expectativas normativas”16. projetandose como “modelos” e. Filosofia e Teoria Geral do Direito. É como uma tentativa de controle de expectativas que. Como essas imagens são contingentes. terminam se coimplicando. sem jamais aniquilá-la. El derecho de la sociedad (nº 7). O direito então projeta imagens de segunda ordem. Esse “campo infinito”. Niklas. desejos que não são necessariamente racionalizáveis etc. do sistema jurídico. 17:46 .O DIREITO SUBJETIVO COMO IMAGEM Isso cria um campo infinito de possibilidades de auto-observação (imagens de representação) e de observação do ambiente por cada sistema psíquico (imagens de interpenetração). tenta ser “contido” a partir da emergência dos sistemas sociais parciais da sociedade mundial. reduzir as possibilidades de admissão dessas projeções no sistema jurídico. para certas teorias. na sociedade hipercomplexa como é a moderna. as decisões vinculativas de Cortes de 16 LUHMANN. é preciso. É exatamente para que se possa criar um “controle de expectativas” que os sistemas sociais parciais projetam outras imagens que funcionariam como uma espécie de “filtro de contenção” dessa multiplicidade. apesar de poderem ser tratados na modernidade como diferentes. como observador. ADEODATO. em última análise. oriundas da manifestação do desejo e. as decisões tomadas no âmbito da mediação e da arbitragem e. é exatamente por conta dessa imprevisibilidade que muitas vezes o desejo de aprisionar o futuro escapa da contenção do direito. Porém. como numa tentativa de. Quando o doutrinador. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 13-40. ele lança imagens de segunda ordem. bem como represar as comunicações nos sistemas sociais. Mas mesmo esses mecanismos de redução já se constroem no sentir.149 Justiça nas esferas internacional ou supranacional. para facilitar o entendimento daquilo que está aqui sendo projetado. 17:46 . p.). Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito (nº 3). Francisco. Da legalidade à decisão ilimitada. É preciso insistir num ponto importante: a divisão das imagens aqui proposta tem o fito unicamente didático. sem que nada consiga fazer para recuperar esses grãos que já se dão e se vão na dinâmica do tempo. não conseguem plenamente lograr êxito. no próprio manejo dessas determinações estruturais das imagens de segunda ordem. a produção doutrinária. do poder de quem decide17. por meio das suas observações de contenção. João Maurício (Orgs. A “estabilização de expectativas” sedimentadas nas imagens de segunda ordem não se materializa. por “dignidade humana”. A construção semântica social da videoconferência no Direito Penal brasileiro: sobre o lugar da incompletude consistente. tente controlar o futuro cada vez mais incerto e imprevisível.ALEXANDRE DA MAIA . sendo muito difícil concretamente criar os mecanismos de distinção entre elas. essas observações de segunda ordem. a partir de um determinado ponto de análise. Essas dimensões se coimplicam. In: BRANDÃO. pois 17 Estudos importantes sobre decisão jurídica vêm sendo sedimentados nos textos de STAMFORD DA SILVA. CAVALCANTI. É como se esse mecanismo de controle fosse apenas uma necessidade de “redução de complexidade”.p65 149 17/5/2011. Cláudio. como não poderia deixar de ser. como grãos de areia escorrendo mansa e desafiadoramente pelas mãos.). assim como não há garantias quaisquer de que a projeção das imagens de segunda ordem conseguirá conter as possibilidades de percepção dos sistemas psíquicos. por exemplo. Artur. pretensamente estabilizadoras (leis. projeta o que ele entende. Por mais que o direito. muito embora tentem “conter” a pluralidade de possibilidades de projeção das imagens do direito. sedimentar uma delimitação do que pra ele tal expressão significa. doutrina etc. Afinal. surge a possibilidade de múltiplas imagens de primeira ordem por dentro das estruturas. jurisprudência. Niklas. Descrever a sociedade já é sociedade. “a descrição deve. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Ou seja. Nas palavras de Luhmann. não conseguimos percebê-las. 2. não se pode falar da sociedade como se estivéssemos fora dela. p. o que mostra que as imagens que projetamos do mundo são lançadas a partir de bases de representação nem sempre racionalizáveis e. AS IMAGENS DA TEORIA DOS SISTEMAS E O DIREITO SUBJETIVO COMO ACOPLAMENTO ESTRUTURAL ENTRE CONSCIÊNCIAS E COMUNICAÇÕES: INVISIBILIZANDO PARADOXOS Diante de uma ampliação das possibilidades de imaginar a subjetividade. 5. Também é preciso ter cuidado para não confundir imagem com “imaginário”. quando discutimos o que é a sociedade. Com base nessas advertências é que podemos observar a interação na teoria dos sistemas e as mudanças nas funções (ou seja. entendida por Luhmann como a operação básica da sociedade. numa linha mais luhmanniana. apreender seu objeto como objetoque-descreve-a-si-mesmo” 18. tudo aquilo que na tradição iluminista é colocado sob o tapete é tão parte dos processos de percepção que a distinção entre o racional e o irracional não passa de uma projeção contingente da fragmentação da subjetividade. se utiliza o argumento do “imaginário” ou do “senso comum teórico” dos juristas etc. atuando como um ponto cego de nossa observação. por conta da simultaneidade do acontecer e do observar. La sociedad de la sociedad (nº 8). nosso ponto central de discussão. Primeiramente. argumento que exibe um “componente autológico” na teoria da sociedade. Com isso. poderíamos. o senso comum teórico já seria um redutor de complexidade incompatível com as múltiplas “projeções” que a doutrina jurídica lança no tempo.O DIREITO SUBJETIVO COMO IMAGEM é no acontecer da projeção que todos esses elementos estão mesclados. Numa teoria das imagens. Luhmann pretende sedimentar uma teoria da sociedade que não admite que ela possa vir a ser descrita “de 18 LUHMANN. ima imagem. fazer a mesma reflexão em relação à sociedade e ao direito. pois. quando. por exemplo. Ou seja. isso já é feito a partir da comunicação. e esse é um dos grandes problemas apontados por Luhmann em relação à teoria social sedimentada na modernidade – afinal.150 . 17:46 . nas imagens) do direito subjetivo na teoria de Niklas Luhmann.p65 150 17/5/2011. La sociedad de la sociedad (nº 8). corporais e nervosos. 97-105. exatamente o oposto: a percepção de que os seres humanos e os respectivos sistemas psíquicos (consciências).p65 151 17/5/2011. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Cláudio. territorialmente delimitadas. 17:46 . p. In: BRANDÃO. p. CAVALCANTI. pelo que o Brasil seria uma sociedade distinta da Tailândia. 11. LUHMANN. 11-12. da concordância de suas opiniões e da complementaridade de seus objetivos. Niklas. Niklas. Luhmann chega mesmo a apontar o que ele chama de “obstáculos que bloqueiam o conhecimento” que ainda estariam “presentes na ideia de sociedade até hoje prevalecente”19. tornando o estudo da temática ainda mais fascinante. Cf. Em síntese. contrariando a tradição sociológica. João Maurício (Orgs. a sociedade se estabelece – ou pelo menos se integra – mediante o consenso dos seres humanos. b) Por conseguinte. e também o Uruguai é uma sociedade distinta do Paraguai.). TEIXEIRA. eles.151 fora”. as sociedades podem ser observadas de um ponto externo como grupos de seres humanos ou como territórios”20 No que diz respeito aos seres humanos. Mas isso não significa dizer que estamos diante de uma desvalorização do humano. fazem parte do entorno (ou ambiente) do sistema social chamado sociedade. portanto. d) E que. Francisco. os Estados Unidos são uma sociedade distinta do que até faz pouco tempo se chamou de União Soviética. tb. como acontece no caso dos sistemas sociais. Dois modelos de direito e legalidade: Hans Kelsen e Niklas Luhmann.ALEXANDRE DA MAIA . Verifica-se. os argumentos apontados por Luhmann como “obstáculos” são os seguintes: a) “A sociedade seria constituída por seres humanos e pelas relações entre seres humanos. guardam uma complexidade que não pode ser necessariamente percebida por meio de comunicações. Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito (nº 3). Um dos paradoxos do problema do estudo dos sistemas psíquicos e de seu “acoplamento estrutural” com os sistemas sociais é que só podemos nos 19 20 LUHMANN. João Paulo Allain. ADEODATO. sobretudo porque se relaciona com o problema da fragmentação interna da subjetividade e seus reflexos da construção de imagens (de segunda ordem) como a do direito subjetivo. p. La sociedad de la sociedad (nº 8). na teoria dos sistemas autopoiéticos de Luhmann. em nossas projeções. c) As sociedades são unidades regionais. Num transcurso histórico. a tese central que envolve o debate entre as relações entre sistemas psíquicos e sistemas sociais é a chamada “coevolução” entre os dois sistemas. Muito embora tenhamos falado aqui em pensamentos. Em Luhmann. não é possível responder de uma forma inequívoca à pergunta sobre quais seriam as operações básicas dos sistemas psíquicos. buscando uma maior articulação21. 5. muito embora o próprio operar da consciência se faz dentro de si mesma. Nem o corpo nem as comunicações podem interromper ou determinar o fluxo dos pensamentos. não são nítidas. as distinções. é possível vislumbrar as relações entre elas. p. o que faz com que as observações sejam feitas sempre do seu exterior. 17:46 . Ou seja. mas é claro que podem estimular a consciência para que ela elabore suas imagens como formas e a partir de suas estruturas. tal como podemos entender aqui as normas jurídicas. Em matéria de consciência. 21 22 GUIBENTIF. poderíamos dizer que houve certa diferenciação entre o desenvolvimento das consciências e das comunicações. Quanto a esse problema. podendo reespecificá-las a partir da interpenetração. Guibentif entende que as operações básicas dos sistemas psíquicos seriam a percepção e o pensamento. a discussão sobre a consciência só pode ser travada no âmbito dos sistemas sociais. No caso do direito. mas que.p65 152 17/5/2011. é como se fosse criado uma espécie de amálgama protetor que vai conter o fluxo de consciências e fazer com que elas possam adequar seus respectivos sistemas psíquicos às expectativas projetadas nas imagens de contenção. ibidem. operando comunicações. p.152 . do ambiente do sistema psíquico. por conta do paradoxo da auto-observação. Não se pode inserir-se de fora no fluxo dos pensamentos de uma consciência. e mais especificamente do direito subjetivo. Os direitos subjetivos na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann (nº 15). “a consciência ter-se-á revelado muito mais difícil de captar do que a comunicação”22. em sua própria autopoiesis. Idem. projeta-se a imagem de que seria possível efetuar uma espécie de “presunção de controle de consciências” a partir do momento em que o direito estabiliza determinadas expectativas normativas.O DIREITO SUBJETIVO COMO IMAGEM referir aos sistemas psíquicos por meio de comunicações. Ao estabilizá-las por meio de normas. Como sabemos. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Pierre. apesar de diferenciadas. 3-4. as comunicações são as operações dos sistemas sociais. Como diz Pierre Guibentif. afirma que “a obtenção primária da consciência é processar percepções e orientá-las por meio do pensamento”24. 2005. Trad. como se.ALEXANDRE DA MAIA . Porém. p. 32. KOSELLECK. na ideia proposta por Guibentif.153 consistindo na verdade numa combinação entre essas operações23. pudéssemos expressar ao sistema da consciência uma espécie de “intenção padrão”. p. sem que haja um link pronto e acabado entre esses fatores. percebemos o tempo como circularidade. CAVALCANTI. como uma constante projeção. aqui. Niklas. não vamos abordar o problema a partir dessa possível discussão. Basta recordar de algu- 23 24 25 26 27 Idem.p65 153 17/5/2011. haveria uma qualificação mais precisa. Ver os estudos desenvolvidos por CASTRO JR. Nesse sentido. p. 2009. 1ª ed. GUIBENTIF. tampouco dos que imaginam o problema a partir de uma leitura “racional-progressista-linear”. num determinado presente. seria uma “combinação de autorreferência e heterorreferência”: a percepção pressupõe que algo foi percebido de uma maneira destacada (heterorreferência) e que. Torquato. Isso poderia envolver a tese de uma “intenção da percepção”.. como se pudéssemos divisar precisamente a percepção enquanto destaque do objeto e enquanto qualificação. do objeto que foi percebido25. de imagens sobre o que se convenciona chamar de “passado” e “futuro”. Rio de Janeiro: Forense. Os direitos subjetivos na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann (nº 15). 149-157. O fator tempo também parece determinante. Como não queremos incorrer no perigo de padronização de intenções. p. por conta disso. Tempo. ao percebermos. muito embora o discurso da “objetividade” possa vir a ser usado aqui como “metáfora”26.). Luhmann. a própria percepção do tempo parece contingente27. no âmbito do pensamento. Cláudio. p. Filosofia e Teoria Geral do Direito. João Maurício (Orgs. em que o autor discute a dissolução. Pierre. ibidem. Inclusive. El arte de la sociedad. 6. 42-60. 6. imaginamos que esses mecanismos de auto e heterorreferência funcionam como ilustrações de um processo não-racionalizável e pautado em uma pluralidade de formas da sensibilidade que não podem ser distintas. Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito. Apesar de possível. n’A arte da sociedade. não envolve nenhuma escatologia direcionada ao fim da história. 17:46 . da leitura da história a partir da máxima ciceroniana Historia Magistra Vitae. Francisco. Metáforas de letras em culturas jurídicas da escrita: como se é fiel à vontade da lei? In: BRANDÃO. muito menos uma determinação pretensamente objetiva do que foi e do que será. A percepção. ADEODATO. Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos (nº 3). Javier Torres Nafarrate. LUHMANN. na modernidade. México: Herder/ Universidad Iberoamericana. gerando expectativas. em Luhmann.p65 154 17/5/2011. Pierre. essas relações precisam de mecanismos de acoplamento estrutural29. é a comunicação. outro elemento aparece exatamente tendo por função provocar comunicações ou irritações nos sistemas psíquicos mediante o emprego de “meios de comunicação não 28 29 GUIBENTIF. pode ser entendido. 8. na linha de pensamento luhmanniana. 17:46 . Apesar dessa abertura.O DIREITO SUBJETIVO COMO IMAGEM mas aulas maçantes de Direito (inclusive as minhas. eventualmente. Portanto. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 11. a respectiva atribuição de qualificação não será necessariamente a mesma. Se a consciência. portanto. Ela pode ser utilizada tanto para as comunicações como para os pensamentos. Idem. que são processados na consciência em um determinado presente. Os direitos subjetivos na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann (nº 15). Como a língua não é o único mecanismo que opera comunicações e pensamentos. é um sistema autopoiético. p. dentre os quais os sistemas sociais. Porém. uma antecipação do que vai acontecer no mundo”28.154 . Vamos destacar alguns mecanismos de acoplamento estrutural entre sistemas psíquicos e sociais. portanto. por que não?) para perceber como a “passagem do tempo” é um fator que envolve mais percepção na fragmentação da subjetividade do que a obediência a grandezas padronizadas de aferição. é possível também construir laços fortes com acontecimentos ocorridos no passado. A língua é um deles. e é a partir da discussão desse tipo específico de “relação” entre consciências e comunicações que o direito subjetivo. já que o que gera a memória e o saber – enquanto as formas que podem vir a ser mobilizadas por operações de memória – permite “uma construção imaginária do mundo que nos rodeia e. que as imagens não estão deslocadas da contingência das descrições temporais de suas respectivas projeções. muito embora saibamos que as tanto estes quanto aquelas podem operar independentemente da língua. já que o fator tempo e a fragmentação interna da subjetividade fazem com que as percepções possam mudar – o que faz com que esses “acontecimentos” sejam imagens processadas na contingência das representações. ibidem. Isso de certo modo nos aproxima de Luhmann. Vemos. p. então é necessária a sedimentação de relações com outros sistemas. em todas as suas divisões (meramente didáticas. cuja operação básica. de um momento que é qualificado em nossa representação de passado. como já vimos. vamos insistir) indicadas neste texto. na teoria dos sistemas. 11. Ver também LUHMANN. como. Para tanto. A “ponte” que aproxima o acoplamento estrutural entre sistemas psíquicos e sociais ao direito subjetivo fica mais clara quando a noção de pessoa é entendida como um mecanismo em estudo. 15 abr. Idem. Niklas. 12. ibidem. Filosofia e Teoria Geral do Direito. De la fonction des droits subjectifs. veremos as projeções luhmannianas sobre as funções do direito subjetivo33. O que favorece ajustamentos entre as duas realidades. Disponível em <http://trivium. Publ. ibidem. Luhmann identifica os direitos subjetivos com a problemática da diferenciação funcional do sistema jurídico. 2009. nº 3. na teoria dos sistemas. a noção de pessoa permite construir paralelamente certa experiência de subjetividade. Complejidad y modernidad: de la unidad a la diferencia. 2010. Trivium: revue franco-allemande de sciences humaines et sociales. La forma “persona”. Niklas. Idem. p. é a noção que “permite tematizar na comunicação as consciências nela envolvidas”31. 231 s.ALEXANDRE DA MAIA . Na síntese de Guibentif: De maneira mais complexa.html>. p. por exemplo. Essa constatação pode suscitar outra possibilidade futura de pesquisa: a de estudar o problema das imagens do direito como “arte”. No texto referido há pouco. que também seria um mecanismo de acoplamento estrutural entre sistemas psíquicos e sociais. In: LUHMANN. Niklas. para que possam ter atenção naquilo que percebem e para as atividades que aquela comunicação queria indicar. o jus dos romanos. 11. LUHMANN. possibilita uma intensidade na consciência dos envolvidos na comunicação. 17:46 . cria-se uma distinção em relação a noções anteriores no tempo. ibidem.155 verbais” ou que o “verbo” seja utilizado não a partir do seu “sentido literal”30: a arte.org/ index3265. dentre as quais o jus. Josetxo Beriain y José María da Silva Blanco. e um conjunto de práticas comunicacionais que assentam na presunção de se dirigir ou a de dizer respeito a uma certa pessoa. eram 30 31 32 33 Idem. Tais noções anteriores. Acesso em 13 dez. e por outro lado. Deixemos para outro momento. p. Trad. Madrid: Trotta. a pessoa tal como se percepciona e a pessoa tal como se institui em comunicações. p. A noção de direito subjetivo atribuído a uma determinada pessoa traz um efeito fecundo tanto no âmbito das comunicações (sistemas sociais) quanto das consciências dos que se imaginam detentores de um determinado direito (sistemas psíquicos).32 Diante dessa imagem. Com isso.revues. 1998. Pessoa.p65 155 17/5/2011. § 7. 20s. fica mais complicado imaginar o direito subjetivo a partir dos postulados do jus romano. quando o autor se refere à “sociedade moderna multicêntrica”. São Paulo: Atlas. Como não se pode prever todas as possibilidades de ação e percepção. 143. a modificação dessas relações) envolve uma dinâmica temporal completamente diferente da velocidade da sociedade moderna37. p. João Maurício (Orgs.). Pierre. De la fonction des droits subjectifs (nº 33).O DIREITO SUBJETIVO COMO IMAGEM pautadas pela reciprocidade. dominação. diante das rápidas mudanças que ocorrem na sociedade moderna. por seu turno. decisão. Diante de tal pluralidade. 2001. 17:46 .. É como se o tempo necessário para materializar ou desmaterializar relações de reciprocidade fosse bem mais lento do que o que se refere à dinâmica da sociedade moderna. São Paulo: FD/USP (Tese). p. o direito subjetivo ganha vulto exatamente por conta da ampliação de possibilidades que torna a reciprocidade muito difícil de ser efetivada. Gustavo Ferreira. Cf. democracia e legalidade. o tempo para se estabilizar relações baseadas na confiança (e.156 . não reconheceria a reciprocidade própria do jus35. FERRAZ JR. Os direitos subjetivos na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann (nº 15). 34 35 36 37 38 Idem. Niklas. no âmbito da teoria constitucional. Como diz Luhmann. Cf. SANTOS. Francisco. Constituição. Introdução ao estudo do direito: técnica. LUHMANN. cada vez mais plural. CAVALCANTI. Ou seja: “podemos pretender alguma coisa da parte de quem se beneficiou da nossa parte de outra coisa”34. Filosofia e Teoria Geral do Direito. como tal.. p. In: BRANDÃO. mas sem os quadros semânticos de uma teoria dos sistemas. Diante da fragmentação de possibilidades (incluindo-se a mudança do conceito de “estamento” para o de “classe”). Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito (nº 3). ADEODATO. Forma de tratamento semelhante. uma das mudanças significativas que daí pode ocorrer é o deslocamento dos seres humanos. Tercio Sampaio. 249-254. Transconstitucionalismo. p. 2009. 15.p65 156 17/5/2011. tb. típica da sociedade moderna hipercomplexa36. o ser humano fica cada vez mais solitário e deslocado. é como se o direito subjetivo fosse “uma espécie de compromisso dos sistemas sociais em ‘recriar’ um lugar para os seres humanos”38. Por conta da multiplicidade das formas de vivenciar e agir. Cláudio. encontramos na obra de Tercio Sampaio Ferraz Jr. quando o referido autor aponta que o jus romano não se enquadra na concepção de “direito subjetivo” herdada da noção de privilegium da Idade Média que. ibidem. NEVES. GUIBENTIF.. Marcelo da Costa Pinto. §§ 13 s. Temos aqui um primeiro mecanismo de invisibilização dos paradoxos.ALEXANDRE DA MAIA . ao mesmo tempo. p. a “imoralidade” de um determinado argumento). mas. 39 40 41 42 LUHMANN. não se pode fazer uma autodescrição do direito sem afirmar o seu oposto – o não-direito. § 1. Disponível em <http:// trivium. a articulação entre o direito objetivo e o direito subjetivo propicia a materialização de outra distinção: direitos e obrigações. 15-16 e LUHMANN. 2010. A referência ao não-direito é sedimentada pelo próprio direito. conectados.p65 157 17/5/2011. Como já dissemos anteriormente. A semântica histórico-política dos conceitos antitéticos assimétricos. p. Pierre. Publ 15 abr. Niklas. Assim. Não confundir com os chamados “conceitos antitéticos assimétricos” de Reinhart Koselleck. nº 3. KOSELLECK. O problema estudado pelo referido historiador diz respeito a uma hierarquização e uma oposição entre determinados conceitos. Por outro lado. De um lado. Apesar dos paradoxos apresentados. entendida como um não-direito. Cf. a fim de que.org/index3265. isso nada mais seria do que tornar invisíveis os paradoxos do direito. GUIBENTIF. é esquecido. como se a manutenção da estrutura do direito subjetivo por certo tempo pudesse gerar a presunção de que desempenhou funções no sistema. dentre as quais a de tornar os paradoxos invisíveis42. tema que é crucial para a discussão aqui proposta. 15.html>. Niklas. La théorie de l´orde et les droits naturels (nº 39). Trivium: revue franco-allemande de sciences humaines et sociales. 191 s. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 2009. In: KOSELLECK. a utilização da violência. La théorie de l´orde et les droits naturels. A chamada “unidade da diferença” entre esses elementos colocados como separados.revues. Os direitos subjetivos na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann (nº 14). Reinhart. o paradoxo como a determinação de que o direito se defina por si só a partir das respectivas autodescrições. O segundo mecanismo de tornar invisíveis os paradoxos do direito aparece quando a noção de ordem que se impõe como direito objetivo frente aos direitos subjetivos. § 21 s. propiciando um uso corriqueiro da expressão sem maiores problemas. ao mesmo tempo. Futuro passado (nº 3). Luhmann quer afirmar que a afirmação do não-direito pelo direito pressupõe algo que crie as conexões entre esses termos e. verificamos a utilização de múltiplas formas de menção ao direito. Reinhart. Acesso em 13 dez. Na maneira como Luhmann imagina o problema. faça com que pareçam distintos41. Pierre. 17:46 .157 O problema dos paradoxos no direito começa a aparecer com mais nitidez em outro artigo39. por exemplo. mas. Com isso. assim. ao mesmo tempo. isso mostra que há um uso constante e corriqueiro de alguma(s) noção(ões) de direito projetada(s) como imagem na sociedade. p. Os direitos subjetivos na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann (nº 15). O paradoxo. possa ocorrer a “valorização” pretensamente hierarquizante do conceito oposto. GUIBENTIF. pela negação do outro (inclusive quando se afirma. para a manutenção do direito40. p. os direitos subjetivos seriam elementos enfeixados que forjariam uma “imagem” do “indivíduo ideal”. esboçada anteriormente. 507 s. 508. consolidando a invisibilização da distinção paradoxal do código binário do sistema jurídico43. Claro que os direitos subjetivos não estariam pautados. ibidem. a autopoiesis. como já foi discutido. p. 16. o acoplamento estrutural separe e vincule os sistemas50. o indivíduo real de um indivíduo ideal”46. Os direitos subjetivos na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann (nº 15).O DIREITO SUBJETIVO COMO IMAGEM Com isso. p. Em O direito da sociedade47. Outro problema a ser discutido na teoria dos direitos subjetivos na teoria dos sistemas está na possibilidade de leitura a partir não apenas da diferenciação funcional do direito em relação ao seu ambiente. mas também da diferenciação dos sistemas de consciência entre si. 17. p. aquilo que “separa o indivíduo tal como existe aqui e agora do indivíduo tal como deveria existir. 43 44 45 46 47 48 49 50 GUIBENTIF. afirma Luhmann. Idem.158 . em que a identidade deveria ser obtida a partir de si mesmo. Desse modo. § 28. LUHMANN. p. El derecho de la sociedad (nº 7). ibidem. 509. cria-se uma diferença entre o que o “indivíduo” “é” do que “deveria existir”. Já os acoplamentos são estruturais quando um sistema pressupõe “certas características do seu entorno. fazendo com que. Pierre. Niklas. p. a separação entre direito subjetivo e obrigação se sobrepõe ao código lícito/ilícito. entre consciência e comunicação. Luhmann anuncia o direito subjetivo como acoplamento estrutural. Os acoplamentos operativos são os que ocorrem “de operações por operações”48. Tais formas são facilitadoras da influência do entorno no sistema. Por conta disso. Nas palavras de Guibentif. p. Pierre. LUHMANN. Idem. GUIBENTIF. como. apontando mais um paradoxo relativo à descrição daquilo que “não é” a partir de si próprio.p65 158 17/5/2011. Nesse sentido. cada personalidade seria “única”45. 17. Idem. ao mesmo tempo. Idem. Por essa ideia. 508. Os direitos subjetivos na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann (nº 15). o direito subjetivo – entendido a partir dessa explicação – poderia propiciar tanto o acoplamento estrutural entre os sistemas psíquicos e sociais como também entre os sistemas parciais da sociedade mundial. ibidem. ibidem. 17:46 . Filosofia e Teoria Geral do Direito. Niklas. confiando estruturalmente nisso”49. e essa projeção deriva da distinção. La théorie de l´orde et les droits naturels (nº 39). na reciprocidade. Para ocultar tal problema. cada sistema psíquico processa aquilo que o distingue do seu entorno. por exemplo. o que pode propiciar um desequilíbrio entre os diferentes desejos e pretensões possivelmente colidentes44. do direito civil. Marcelo. Pelo contrário: as imagens de Tercio Sampaio Ferraz Junior. João Maurício.ALEXANDRE DA MAIA . Teoria dos direitos subjetivos e o problema da positivação dos direitos humanos como fundamentos da legalidade constitucional. João Maurício (Orgs. poderá vir a ser analisado em outra circunstância. Outra possibilidade de leitura seria aquela decorrente do debate em torno dos direitos humanos. que também podem ser imaginados a partir da emergência de certas expectativas51. ADEODATO. Todavia. São Paulo: Saraiva. INTERAÇÃO E SITUAÇÃO COMUNICATIVA NA PERSPECTIVA COMUNICACIONAL-PRAGMÁTICA DE TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. Tais projeções extremamente variadas serão aqui discutidas a partir de uma visão mais pragmático-comunicacional do direito. Dentre as quais. para usar uma expressão no sentido de João Maurício Adeodato53. pela influência de algumas projeções trabalhadas na obra de Tercio Sampaio Ferraz Junior. e Tercio Sampaio Ferraz Junior sabe dos riscos que corre quando envereda por essa possibilidade de construção teórica. 3. invisibilizando o paradoxo. uma pragmática normativo-comunicacional não é uma tarefa das mais simples. 193-202. Discutir. Essa “carência” não diz respeito a uma possível falta de originalidade ou de qualquer imagem que pudesse descaracterizar a qualidade de um pensamento. 79-96. trata-se de uma das grandes contribuições ao pensamento jurídico brasileiro. por conta da magnitude das discussões52. o poder de exigir o cumprimento de obrigações não-recíprocas. p. NEVES. sobretudo aquelas relativas à interação e ao cometimento. Transconstitucionalismo (nº 36).159 Como exemplo dessa imagem. pode funcionar como articulação estrutural entre os sistemas jurídico e econômico no caso de um crédito obtido mediante determinado contrato celebrado no âmbito. Cláudio. representada neste texto. p. mas tal tema. Francisco. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Princípio da legalidade: da dogmática jurídica à teoria do direito (nº 3). no âmbito do direito. a partir do próximo item.p65 159 17/5/2011. João Maurício. consequentemente. Ao mesmo tempo. ADEODATO. teríamos o reflexo interno nos sistemas psíquicos das imagens que eles mesmos produzem sobre quais são os seus direitos e. por exemplo. sobretudo por lidar com referenciais teóricos “carentes”. p. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (através de um exame da ontologia de Nicolai Hartmann). 17:46 . CAVALCANTI. 1996. exatamente por não 51 52 53 ADEODATO. 222-241.). In: BRANDÃO. Portanto.O DIREITO SUBJETIVO COMO IMAGEM estarem fincadas em uma busca atávica por uma verdade transcendente (“carente” neste sentido.. IX. Ferraz Jr. que. Na pragmática como linguística do diálogo. Cf. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa (nº 9). na leitura proposta. A proposta de uma abordagem pragmático-comunicacional do direito é uma das marcas da profícua obra de Tercio Sampaio Ferraz Jr. solta as nossas amarras e sempre desafia e provoca novas reflexões. critica de forma certeira o pensamento pragmático como teoria do uso de sinais. Direito. temos como exemplos clássicos a teoria do discurso de cunho habermasiano. 2-3. nos escaninhos de nossos sistemas psíquicos. retórica e comunicação (1ª ed. tb. por ser referência. permite uma análise dos signos entre si (aspecto sintático). de nossa subjetividade internamente fragmentada. teríamos a pragmática como teoria do uso de sinais: aqui. partindo de uma classificação proposta por Brigitte SchliebenLange.160 . inauguram um pensamento que se irradia pela academia jurídica do Brasil e do exterior. a pragmática seria entendida como uma parte da semiótica. retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática do discurso jurídico (nº 10). propõe uma tripartição de possibilidades de análise no âmbito pragmático: Inicialmente. presente como o ar que nos estimula e nos mantém em constante inquietação intelectual. no fundo. Tercio Sampaio. 17:46 . da relação dos signos com “objetos extralingüísticos”54 (aspecto semântico) e da relação dos signos com seus respectivos intérpretes e usuários (aspecto pragmático). portanto). que será discutida aqui a partir das referências a duas obras cruciais para compreendermos suas respectivas projeções: Direito. já que a pragmática neste caso funcionaria tão-somente a partir de um ponto de vista analítico de observação – como um elemento adicional. do mesmo autor. por ser “cais”. p. quando se coloca a “intersubjetivi- 54 55 FERRAZ JR. p. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa (nº 9). enfim.. em relação às abordagens nos aspectos sintáticos e semânticos55. Tercio Sampaio. Tal proposta não se coaduna com a do autor por apontar o reducionismo de uma abordagem analítica do problema. fazer projeções a partir das imagens de Tercio Sampaio Ferraz Junior é..p65 160 17/5/2011. já que ele está lá. Ferraz Jr. vasculhar os recônditos de nossa própria formação. FERRAZ JR. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Reconhecendo a pluralidade de possibilidades de uma “análise pragmática”.. portanto. 1973) e Teoria da norma jurídica (1ª ed. como um “cais paradoxal” dos filósofos do direito: aquele que. 1978). 3. p. Ferraz Jr. 3. dita e tida pelo autor como proposital. buscando-se consolidar as “condições transcendentais do diálogo”56 e todos os seus respectivos subprodutos na teoria do direito de cunho “ético-procedimental-comunicativo-racional”. ibidem. o que permite um diálogo com a teoria dos sistemas. “sem atingir as dimensões transcendentais propostas por Habermas e Apel”59. Outro ponto de aproximação com a teoria dos sistemas: o problema da interação. Paradoxalmente. 161 3. A partir dessa aproximação. Idem. O terceiro tipo seria a pragmática como teoria da ação locucionária. Idem. Como efetuar possíveis aproximações e distanciamentos de imagens da interação nas duas teorias? 56 57 58 59 60 61 62 Idem. ibidem. pressupõe uma união. ibidem. p. nas palavras de Ferraz Jr. no pensamento de Tercio Sampaio Ferraz Junior. Idem. apesar de os pressupostos serem distintos quanto às imagens da sociedade que funcionam como “pano de fundo” das abordagens teóricas aqui apresentadas. a uma “âncora moral procedimental” para lastrear “eticidades plurais”. 4. Diante do desafio complexo que se projeta. p.p65 ibidem. p. 4. Grifos do autor. ibidem. O autor se coloca numa posição aparentemente mais “modesta”58.161 dade comunicativa” como foco das atenções. já vemos uma renúncia. mas. Idem. na esteira de sua formação com os professores da escola de Retórica Jurídica da Universidade de Mainz. percebe-se também uma relação com a “teoria do ato de falar”60. p. p. pelo que a proposta de Ferraz Jr. ibidem.ALEXANDRE DA MAIA . 4. 4. Idem. mostra-nos que o problema de uma pragmática da comunicação normativa no direito é muito mais amplo do que as pretensas classificações abstratas e formulações petrificadas como standards que em geral vemos cristalizada na produção jurídica em muitos setores. Além da aproximação da visão do autor a uma abordagem pragmática como linguística do diálogo. Filosofia e Teoria Geral do Direito. p. há uma proximidade com a linguística do diálogo. p. ou seja. Logo. 4. 17/5/2011. Idem. ibidem. como ato de falar. opta por uma construção relacional na sua acepção de “pragmática”: primeiramente. tendo como centro diretor da análise o princípio da interação”62. Tal proposta se distancia das visões analíticas por imaginar que o ato de falar é uma “ação social”57. de “princípio”. o autor discute “os aspectos comportamentais da relação discursiva. 17:46 . chamado na obra de Ferraz Jr. entre o discurso e o diálogo61. 363-389. Afinal. quando as seleções da comunicação são efetuadas levando em conta a presença de Alter. p. ou seja. com isso. IX. mesmo não sendo explicitamente mencionada. a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann: o reconhecimento do “paradoxo da unidade da diferença”. LUHMANN. correndo o risco de cairmos em algum dogmatismo perigoso. p.p65 162 17/5/2011. Sociedad e interacción. É. In: LUHMANN. Direito. imaginamos uma ponte. A sociedade (enquanto a virtualidade de comunicações possíveis e. La sociedad de la sociedad (nº 8). Cf. LUHMANN. portanto. p. aponta para uma possibilidade de leitura da sociedade e do direito como paradoxais no seu acontecer. “unidade da diferença”) sedimenta um “grau” de estabilidade que não é característico das interações65: sistemas sociais que se caracterizam pela presença recíproca dos que se comunicam66. observa-se que a pragmática proposta por Ferraz Jr. ou percepção reflexiva. que.. já tratados aqui em outro momento.. FERRAZ JR. e que compreender esse “algo” tão plural a partir de um enfoque estreito é o mesmo que limitar a compreensão. Com base no princípio da interação. a comunicação acontece por conta da percepção de que Ego é percebido por Alter. Atuali- 63 64 65 66 Idem. Sistemas sociales: lineamientos para una teoría general (nº 14). p. A interação em Luhmann é um sistema social distinto dos demais (organizações. do mesmo autor. 4-5. p. Niklas. É o sistema social em que os seres humanos se percebem reciprocamente. sociedade). ibidem. Tercio Sampaio. Niklas.O DIREITO SUBJETIVO COMO IMAGEM Tercio Sampaio Ferraz Junior coloca o chamado “princípio da interação” no núcleo de sua abordagem pragmática. retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática do discurso jurídico (nº 11). o autor reconhece a multiplicidade de possibilidades de abordagem do direito. uma aproximação entre a pragmática de Tercio Sampaio Ferraz Jr. 378 s. Aliás. Filosofia e Teoria Geral do Direito. já que seria um tipo de sistema social episódico que contribui para a sociedade. uma percepção da percepção. 5. muito embora Ferraz Jr. quando coloca o problema do discurso como discussão. admita uma “unidade” que não pode ser perdida no debate do direito64. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa (nº 9). Com isso.162 . mas não se confunde com ela. por meio da qual se compreende o “ato de falar” como uma “relação entre emissor e receptor na medida em que é mediada por signos lingüísticos”63. apesar dos marcos teóricos distintos. que envolve os problemas relacionados ao debate dos sistemas psíquicos. tb. 17:46 . envolve o paradoxo de estudar o direito. Niklas. em termos estruturais. o que não significa dizer que as discussões do direito se esgotem no campo da normatividade. a maneira como compreendemos a noção de “espaço”.163 zando o que seria essa “presença” e considerando que Luhmann faleceu em 1998. dada a simultaneidade (na interação. 17:46 . não concordamos integralmente com o argumento de que a percepção reflexiva (percepção da percepção) seria um requisito pré-social da interação. Porém. Só que. Diante dessa abertura de possibilidades. sobretudo a partir dos anos 2000. não é possível isolar a norma como discurso do discurso de quem a produz e de quem a recebe. ver a norma como uma entidade a se. No que tange às possíveis imagens do que seja uma “norma”. Em outras palavras. A internet modificou completamente. Filosofia e Teoria Geral do Direito.ALEXANDRE DA MAIA .p65 163 17/5/2011. 105. como o sentir envolve a simultaneidade de classificações relacionadas ao processamento mental dos estímulos e formas de sentir com a comunicação. como não é possível construir sistemas como formas de interpenetração. é possível que não consigamos imaginar esse “momento antecedente”. Assim. não é possível. Ferraz Jr. Claro que. não poderíamos mais imaginar a interação como um “olho no olho” no sentido de um partilhar de um determinado espaço físico. e projetar a norma em uma perspectiva linguístico-pragmática. Ferraz Jr. Tercio Sampaio. retórica e comunicação: subsídios para uma pragmática do discurso jurídico (nº 11). o que só amplia as possibilidades de debate. p. Nas palavras do autor.. do ângulo da pragmática do discurso. de forma crítica a Luhmann.67 67 FERRAZ JR. ao menos). Direito. separada de uma situação comunicativa. sem tampouco imaginar que tal abordagem é a única possível. propõe uma delimitação aos seus objetivos: observar o direito a partir do seu enfoque normativo. o que se processa no sistema psíquico não seria acessado diretamente por outras consciências ou comunicações. Discordo desse gap no tempo que parece ser um pressuposto da afirmativa. imagino que é possível uma interação como “presença” em outras dimensões de espaço que se consolidaram gradativamente com a rede mundial de computadores. é claro ao afirmar que não é possível dissociar a normatividade dos problemas relacionados à produção de normas e os seus respectivos destinatários. dos processamentos das informações e das comunicações como imagens. o autor traz um exemplo de Alf Ross. “certas” ou “erradas” etc. alternando os quadros semânticos das teorias aqui discutidas. é possível destacar o ato de falar. os comportamentos dos seres humanos são ações direcionadas a alguém. o que já nos mostra também aqui. pretensamente de forma monolítica e hipostasiada.O DIREITO SUBJETIVO COMO IMAGEM Nesse sentido. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa (nº 9). que se especifica por meio do sistema educacional. argumenta que não é possível conceber o direito subjetivo como se fosse uma expressão capaz de designar uma “substância”. a partir da distinção proposta no item 1.p65 164 17/5/2011. p. As proibições impostas pelo pai foram contestadas pelos filhos. que essa construção relacional pode ser lida como uma dinâmica entre imagens de interpenetração e de contenção. Tercio Sampaio. ensinado e repetido”68. como “verdadeiras” ou “falsas”. Essa relação entre o “ensinar” e o “aprender” é a situação comunicativa. o pai dividiu o espaço do jardim (o canteiro) entre os filhos em disputa. adubar a terra ou colher as flores” sem o consentimento e a devida autorização do genitor. regar. isto é. No pensamento do autor. Relendo o problema colocado por Ferraz Jr. É nesse sentido que seria possível conectar as imagens do direito subjetivo na obra de Tercio Sampaio Ferraz Junior com a proposta pragmática por ele defendida: imaginar os direitos subjetivos como situações comunicativo-jurídicas. Tercio Sampaio Ferraz Jr. todos seriam “proprietários” das suas respectivas partes no canteiro. o que já acentua no autor um dos elementos das visões de pragmática discutidas anteriormente. só pode ser considerado discurso ou ato de falar “apenas aquele que pode ser entendido. mecanismos de redução de complexidade na sociedade moderna. o que mostra que aquilo o autor cha- 68 FERRAZ JR. fundamental é o que Ferraz Jr. Como um primeiro alerta em relação à referida temática. Todavia.164 . no seu On law and justice: diante da briga dos filhos por flores do jardim da casa. Dentre tais comportamentos. E a fala é uma ação de alguém/Ego (orador) dirigida a outra/Alter (ouvinte).. Filosofia e Teoria Geral do Direito. De acordo com o autor. 12. A dinâmica entre “ensinar” e “aprender” envolve. Como um mecanismo ilustrativo. nenhum deles poderia “mexer. 17:46 . “apelando para o entendimento” de Alter. chama de situação comunicativa. Apesar das vedações. assim como no direito (e no direito subjetivo). “ensinar” pode ser uma forma de criar imagens de contenção frente às inúmeras imagens de interpenetração que são lançadas.. 147. Um dos primeiros problemas relativos às imagens dos direitos subjetivos seria a cristalização da subjetividade como categoria transcendental. 148. p.165 ma de “puro direito subjetivo” não é suficiente em relação às projeções de imagens que os filhos fazem em relação a seus direitos. Tercio Sampaio. 148. ibidem. 17:46 . A primeira dessas funções seria permitir. Introdução ao estudo do direito: técnica. por mais que possam ser oriundas de uma condensação de doutrinas ou de estruturas normativas. ibidem.ALEXANDRE DA MAIA . mostra que tais visões projetam imagens ligadas à contingência e à fragmentação da subjetividade. diante do já analisado paradoxo da auto-observação. não podemos determinar completamente. ao menos a partir de uma pretensão não-retórica de “objetividade”. e da multi- 69 70 71 72 FERRAZ JR. ibidem.p65 165 17/5/2011. como na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. as ênfases atribuídas a uma ou outra vertente lançam imagens que. Idem. Outra função é ser uma boa “ferramenta técnica” pra sedimentar argumentações nas controvérsias levadas ao judiciário. p. Assim. seria mais adequado discutir a “função operativa”70 do direito subjetivo e seu uso pela dogmática jurídica. decisão. Idem. como na pragmática proposta por Tercio Sampaio Ferraz Jr. Filosofia e Teoria Geral do Direito.. mostrando que não há nenhuma “substância” designada na dinâmica do direito subjetivo69. é como se a expressão “direito subjetivo” teria a função de ser uma espécie de catalisador de um feixe de instrumentos normativo-jurídicos incidentes naquela determinada situação jurídico-comunicacional. Diante da impossibilidade de uma “substância”. o “direito subjetivo” opera relações entre diversos campos normativos referentes àquela determinada situação jurídicocomunicacional.. 4. de um lado. caracterizando a sua respectiva “função operativa”72. Idem. 147. seguindo o autor a linha de Ross. BUT THE SUN IS ECLIPSED BY THE MOON: POSSIBILIDADES DE LEITURA DO DARK SIDE DO DIREITO SUBJETIVO Pensar o direito subjetivo como uma forma de invisibilizar paradoxos. p. e na linha pragmática desenvolvida desde a década de 70. Com isso. dominação (nº 35).. Nesse sentido. que não consegue mais dar conta da complexidade sistêmica. p. .. a apresentação de situações que foram normatizadas pelo direito de uma “forma operacional”71. ou como uma função operativa em situações comunicativo-jurídicas. falar sobre o que os autores dizem é muito mais dizer sobre nossas próprias capacidades e vicissitudes. Marcelo. Além. portanto. 1-45. São Paulo: Martins Fontes. que a proposta das imagens. 18 s. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil (o Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas). As “luzes” do projeto iluminista muitas vezes esquecem a dimensão do sentir. a própria percepção das imagens das teorias apresentadas já é. uma percepção de percepções. p. Cf. mesmo reconhecendo a força do apelo retórico dessa distinção. próprias das imagens de representação. pretende rediscutir. O que nos leva a concluir que. ela mesma. 17:46 . que é o meio no qual nossas imagens sobre o mundo (e. Talvez o projeto iluminista tenha hipostasiado certas visões sobre o direito – incluindo as que foram projetadas sobre o direito subjetivo – baseadas no binômio racional/irracional. diante dos paradoxos da auto-observação e da fragmentação. sobre o direito) são projetadas. Diante disso. Claro que tais projetos que se “lançam” no mundo como imagens só espelham a contingência e a nossa “carência” em relação às formas de compreensão. as observações aqui lançadas estão pautadas pelo componente “autológico” próprio das autodescrições. p. Porém. tematizada muitas vezes por uma formulação genérica e bastante controversa do páthos na filosofia.p65 166 17/5/2011. projetamos que não. tão contingente quanto elas mesmas. Independentemente dessas aproximações ou distanciamentos com o pensamento retórico. Transconstitucionalismo (nº 36).166 . é claro. É.O DIREITO SUBJETIVO COMO IMAGEM plicidade de formas de agir no mundo e de vivenciá-lo. do mesmo autor. Isso significa dizer que o projeto das imagens dá a elas uma dimensão retórica? Se o nosso ponto de partida for pautado por uma discussão que fraciona a retórica em partes. como se estivéssemos diante de uma estrutura analítica incompatível com os próprios pressupostos (mesmo que constantemente postos em xeque) do pensamento retórico. uma imagem. torna-se possível uma aproximação. A partir dessa observação sobre a limitação nas nossas percepções nos mostram uma espécie de dark side do direito subjetivo. a percepção de imagens já é uma imagem. Afinal. mais especificamente. de outro73. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Se imaginarmos a retórica como uma forma de canalização de imagens numa simultaneidade entre a retórica e uma dimensão do sentir. 2006. o direito subjetivo representa uma série de imagens de se- 73 NEVES. da intransponibilidade das consciências entre si. Por não conseguir conter os grãos de areia que escapam por entre os dedos. as imagens plurais do direito subjetivo indicam o seguinte: por mais que queiramos domar as rédeas do tempo por meio da luz da razão. portanto. em uma coevolução entre imagens de representação e de interpenetração na dinâmica temporal do direito. no estudo da subjetividade no direito. entre razão e crença. Filosofia e Teoria Geral do Direito.167 gunda ordem que canalizam possíveis acoplamentos entre sistemas psíquicos e sociais. entre o direito e o nãodireito.ALEXANDRE DA MAIA . não poderíamos necessariamente – com o perdão do trocadilho – imaginar. que nos mostram a tensão paradoxal entre luz e sombra. gerando uma nova imagem que não é oposta àquela anterior. a pluralidade fragmentada da subjetividade pode nos mostrar espaços ainda não explorados (o que chamamos aqui de dark side. 17:46 . dos eclipses. Enfim. Não podemos esquecer. entre o certo e o errado. em outros contextos. a afirmação daquilo que só é por não ser. em termos de teoria dos sistemas. sem o eclipse).p65 167 17/5/2011. que estão implicados. como na percepção do sol encoberto pela lua. que muitas vezes podem ser mais reveladores sobre as contingências do jurídico que. Mas sabemos que a subjetividade e a respectiva pluralidade das imagens representativas não conseguem ser completamente represadas pelo “feixe de atribuições” que a expressão “direito subjetivo” projeta como imagem de contenção. p65 168 17/5/2011.Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:46 . DIREITO E DINHEIRO Técnicas de Intervenção no Domínio Econômico Alysson Leandro Mascaro Professor do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco). de Utopia e Direito (Ed.p65 169 17/5/2011. Professor da Pós-Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Autor. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Doutor e Livre-Docente em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP. Advogado em São Paulo.ESTADO. 17:46 . Quartier Latin). dentre outros. o Estado e o direito assumem um papel ativo em face desta mesma realidade econômica que lhes é base. a reprodução econômica e o dinheiro (a moeda). Assim sendo. a reprodução econômica escravagista – e também a feudal. Nas sociedades antigas – e o fenômeno há de se manter até a Idade Média – a relação entre direito e moeda é considerada estável. Pode-se vislumbrar uma compreensão estática da relação entre tais elementos. ANTECEDENTES HISTÓRICOS O pensamento político e jurídico a respeito da economia e da moeda varia historicamente em razão de dois grandes quadrantes: o objeto específico de análise é bastante distinto em épocas históricas anteriores e. da ciência econômica e da ciência política a respeito da intervenção na economia não se constituem apenas como interpretação do dado. Ao mesmo tempo.170 . DIREITO E DINHEIRO: TÉCNICAS DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO A relação entre Estado. da teoria do direito. no campo das observações naturais. os debates contemporâneos da filosofia. Sem peso econômico é menor do que os fatos específicos que constituem a riqueza antiga.p65 170 17/5/2011. o justo. Um nível generalizado de trocas econômicas está associado a uma construção político-jurídica que lhe seja afim. Por esta razão. Em sentido contrário. economia e direito é também um agente de tal relação. A escravidão. O direito e o Estado tornam-se os reguladores da economia e do dinheiro a partir de determinado momento histórico.ESTADO. assentada na eventualidade da força bruta e do engenho de dominação de outros grupos sociais. A incapacidade de uma compreensão dinâmica da relação direito/moeda não se deve apenas a uma dificuldade teórica do pensador antigo. Isto representa que se estabelece apenas uma vaga vinculação entre o direito. porque não há um circuito geral de trocas econômicas. Não há uma compreensão dinâmica das relações econômicas. Na verdade. não estabelece uma relação estável de Filosofia e Teoria Geral do Direito. O teórico da relação entre política. a seu modo – impede a constituição de uma teoria geral sobre a política na sua relação com a economia. a posição do pensamento político e jurídico na economia antiga não tinha o papel nem o poder de se constituir como interventor dessa mesma realidade. 17:46 . o papel da moeda não é universal. direito e dinheiro é dúplice. sob certas condições específicas. ao mesmo tempo. pode-se pensar nas técnicas jurídico-políticas de intervenção no domínio econômico como reinvestimento da lógica de imbricação entre o econômico e o político-jurídico. a propriedade. os romanos extraíram o direito e o justo das coisas dadas economicamente. A idéia de justiça no mundo contemporâneo. a moeda se constitui em âmbitos limitados e sua existência não acarreta.p65 171 17/5/2011. Seu impulso político é interno: na manutenção da exploração por meio da força reside o cerne da institucionalização políticojurídica. num caso. Em tal economia de trocas incipientes. 17:46 . Assim expressa Joaquim Carlos Salgado: “A res é o que está à base do direito. Apenas que. Assim sendo. a partir do que é. tira-se para o caso como deve ser. a partir daí. e a partir daí o pensamento filosófico dá margem. a realidade natural humana (as instituições) em que o direito é descrito tal como é e tem sido por meio da definitio. dentro da própria escravidão ainda. tal como deve ser como era de preferência dos proculeanos. a definitio está ela como é e.ALYSSON LEANDRO MASCARO . Na abundância das trocas. o valor – a regra e a proporção consideradas justas na troca.”1 A possibilidade da apreensão estável da coisa e de sua comparação com equivalentes gera o juízo sobra a justeza da equiparação. o fato econômico e a reprodução das relações sociais adquirem uma constância e uma estabilidade que permitem que se construa a partir da própria coisa – a moeda. a uma teoria sobre a justiça de tal equiparação. como era da preferência dos sabinianos. Em ambos os casos. A proporção e sua relação com o justo anunciam. Em tais sociedades. Filosofia e Teoria Geral do Direito.171 trocas de equivalentes. já quando se trata da regula. Joaquim Carlos. 2006. mais do que a uma reflexão sobre o papel do direito nesta equivalência. para os casos abstratamente previstos. 106. Exceções a essa lógica econômica instável se viram nos povos em que a abundância da riqueza escravagista gerou excedentes que permitiram um incremento nas relações de troca. a res está presente. a institucionalização política da moeda é bastante frágil. p. por exemplo – do que como uma estrutura que venha a se reproduzir em suas situações rotineiras. tira-se por procedimento da ratio. a valorização do valor que representa. tanto tomado como experiência ou tradição revelada na vida social. quanto como construção da ratio ou regula voltada para o futuro. necessariamente. como de ser para o futuro. 1 SALGADO. O fato econômico e social se apresenta mais como um conjunto de fragmentos ocasionais – a condição senhorial ou servil. Belo Horizonte: Del Rey. na expressão do valor das mercadorias. São Paulo: Atlas. tendo. Tal teoria econômica de Aristóteles é notável pela sua percepção de um circuito de trocas cujo liame não é automático. Estudos de Filosofia do Direito. p. DIREITO E DINHEIRO: TÉCNICAS DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO De todos os pensadores da antiguidade é Aristóteles que representa o apogeu de tal reflexão. algo como trabalho humano que possa ser a substância comum entre elas. Aristóteles não vê.p65 172 17/5/2011.172 . do pensamento antigo. Em especial na Ética a Nicômaco. chama a atenção para tal proeminência aristotélica. Ocorre que a compreensão de Aristóteles não alcançou o elemento dinâmico da relação entre garantia da equivalência (direito) e riqueza (moeda). Neste momento de sua teoria. sua insuficiência básica: a ausência de um conceito de valor. uma relação de igualdade. assim. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Aristóteles é quem mais longe desenvolveu a questão. por base. Por quê? Porque a sociedade em que vivia o filósofo. Neste sentido se pronuncia Tercio Sampaio Ferraz Júnior: “A análise do filósofo revela. assim. Além da justiça distributiva e da retributiva. que lhe permitiu descobrir. a reciprocidade. Isso para ele é incomparável realmente (por natureza). 17:46 . além de basear-se no trabalho escravo. não adquiria ainda a noção universal da igualdade humana. não tendo a possibilidade de alcançar a noção valor/trabalho. Apenas as condições da sociedade do seu tempo impediram-no de ir ao que estava na base da própria igualdade. Aristóteles identifica na moeda o papel de equivalente universal. o que é possível apenas às sociedades em que as relações dominantes entre os homens é a dos donos de mercadorias. O sapato e a casa são proporcionalmente comparáveis pelo dinheiro.”2 2 FERRAZ JR. Tercio Sampaio. Faltou-lhe a variável do trabalho que. o justo e a moeda se encontram. mas sim mediatizado pela moeda. 2002. Mas. Aristóteles aponta para uma compreensão da idéia do justo como relação entre pessoas e coisas. não permitiu entender o dinamismo do valor que o capitalismo permite apreender. Aristóteles. 195. Aristóteles aponta um caso especial do justo..ESTADO. nas mercadorias. em O Capital. antecipando algumas ponderações da moderna economia. Isso não diminui o brilhantismo de seu gênio. a desigualdade dos homens de seu poder de trabalho. É por meio dela que se poderá mensurar situações e fatos distintos como a atividade do sapateiro e do pedreiro. não podia estabelecer uma diferença entre valor de uso e valor de troca. Marx. sendo ausente enquanto relação de troca generalizada na sociedade escravagista. As teorias econômicas que vão se constituindo na modernidade revelam o papel primordial do Estado e do dinheiro na constituição da própria moeda. porque o ouro vale. mais que o justo. 17:46 . com o valor da moeda. S. em todo o mundo antigo e medieval. esteja atrelada à reflexão sobre a justa proporção mais do que à constituição jurídica da moeda. A RELAÇÃO ESPECÍFICA ENTRE DIREITO E MOEDA É só na modernidade que a relação entre Estado. O circuito universal de trocas – inclusive o trabalho como troca – enseja o moderno Estado. numa relação recíproca. mais do que uma análise de seus mecanismos jurídicos. e sim uma relação dinâmica. estado e dinheiro para a filosofia do direito. Ao contrário. Suas teorias mais sofisticadas não fazem uma associação dieta entre metal e moeda. a modernidade busca compreender os mecanismos técnicos e institucionais de tal relação. uma perspectiva da justiça dessa relação. Assim. Verifica-se então. a estabilidade institucional e normativa que o direito empresta à moeda. a lógica da moeda é real. Mais do que a justeza da relação entre dinheiro e direito. assentada na sua condição de espelho e parelha do metal que a sustenta.ALYSSON LEANDRO MASCARO . na medida em que à moeda se reserva apenas um papel de equivalência entre distintos. Embora a reflexão da filosofia do direito. a moeda que é sua representante formal vale também. a análise da variação do metal como valor de troca implica. David Ricardo expõe tal relação: Filosofia e Teoria Geral do Direito. Na esteira de Aristóteles. o direito que lhe corresponde e a sociedade capitalista. seja em Tomás. libera a possibilidade de compreensão jusfilosófica da relação entre dinheiro e direito por meio da majoração de funções da moeda. tal debate revela o importante quadrante da relação entre direito. para além daquele de representar universalmente as coisas. Calvino. Tomás de Aquino se lança contra a usura justamente por não considerar justo o juro. seja em Calvino.p65 173 17/5/2011. Assim sendo. direito e dinheiro ganha especificidade.173 A relação entre direito e dinheiro é. com a Reforma. Para a explicação metalista. Mas tal análise sobre o justo é marcante para a filosofia o direito medieval e moderno. sem reconhecer à moeda um papel dinâmico para além de meio de troca. que acrescenta ao dinheiro um peso específico. 174 . Referenciada no Estado. José Tadeu. Tese. 1986. Ela não só é um lastro do ouro como é também uma referência dinâmica de valor. ratificado pelos países ocidentais. o dólar assumia o papel de moeda de troca nas relações entre países. Moeda e Ordem Jurídica. para uma explicação nominalista. os EUA emergem como economia dominante do mundo. Filosofia e Teoria Geral do Direito. A proposta de Keynes de criação de uma moeda de descontos internacional foi vencida pela diplomacia 3 4 RICARDO. e as trocas para além dos limites das fronteiras nacionais conduzem a questão da relação entre Estado. David. As modernas e dinâmicas atividades monetárias partem desta larga compreensão.ESTADO. seus recursos naturais e sua condição relativamente inabalada na guerra. o Estado passa a atribuir valor estável à unidade monetária. interferem de forma abrangente nas relações jurídicas em que a moeda é padrão de referência ou objeto de prestação. Sua liquidez permite uma dupla estrutura da circulação do capital: troca universal dos específicos e valorização financeira. a moeda assume um papel de generalização e de auto-referência. O capital. Pelo Tratado de Bretton-Woods. basta que a sua quantidade seja regulada pelo valor do material adotado como padrão monetário. Ao invés de se imaginar que o valor da moeda se sustenta sobre lastro metálico. Princípios da economia política e da tributação. DIREITO E DINHEIRO: TÉCNICAS DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO “Não é necessário que o papel-moeda seja convertível em moeda espécie para se assegurar o seu valor. Sua posição geopolítica estratégica.”3 Ao contrário. 1978. a toda evidência. FADUSP. direito e dinheiro ao campo financeiro interestatal. Neste sentido se pronuncia De Chiara: “A situação de liquidez oferece a possibilidade da verificação jurídica das causas. Pela própria lógica do capital. DE CHIARA. agindo internacionalmente. o valor da moeda repousa no direito.p65 174 17/5/2011. conseqüências e condicionamentos da estrutura e conjuntura do sistema de mercado que presidem comportamentos e decisões que. a relação da moeda com o direito não se limita à sua garantia interna pelo Estado. fizeram com que o eixo das trocas monetárias entre Estados se deslocasse da Libra para o Dólar. Lisboa: Calouste Gulbenkian.”4 A sociedade moderna se apresenta como uma crescente tecnização jurídica da moeda. São Paulo. garantindo-a. No pós-Segunda Guerra Mundial. 17:46 . em face da Europa. permitindo que os agentes possam guardar moeda para quaisquer eventualidades. Barueri: Manole. como mercadoria (que pode ser trocada. trata Ferraz Jr. e o crescente desequilíbrio geopolítico mundial. 68. no segundo. Correção monetária e a Constituição Federal como um problema de relevância normativa de conceitos econômicos. meio de denominação comum de valores e meio para a reserva de valores.p65 175 17/5/2011.” Sobre sua constituição como peso específico na relação econômica. mas três funções clássicas: meio de troca. 17:46 . libertou o lastro metálico da moeda norte-americana. unidade de reserva de valor. como contrapartida do extremo peso do dólar como moeda de liquidação internacional. explícita. por outra moeda – estrangeira). Nesse caso. ela própria. 5 FERRAZ JR. p. verifica-se que a moeda. do dólar. impôs-se a vinculação da emissão de dólares pelo governo norte-americano à garantia do equivalente em ouro (o padrão ouro-dólar). o direito a garante. 2007. A contemporânea teoria sobre a moeda explicita a sua relação de reciprocidade com o direito. A moeda é garantida pelo Estado. em vista de sua evolução histórica. duas grandes escolas polarizaram a temática sobe a intervenção do Estado na economia. O dinamismo crescente da economia capitalista mundial a partir desta época. dão mostras do estreito vínculo existente entre a moeda.”5 A INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO No século XX. o presente e o futuro (Keynes). por exemplo. Tercio Sampaio. o Estado e o direito. no início da década de 1970. A primeira delas. a moeda é uma ponte entre o passado. Sua relação eminentemente jurídica torna-se. unidade de conta. A moeda estabelece o padrão da universalidade das trocas e. O rompimento do padrão ouro-dólar pelos EUA. a Escola do interesse público. Filosofia e Teoria Geral do Direito. é meio de comunicação (‘medium’) nas relações econômicas que atende não a duas. In: Direito Constitucional. No primeiro sentido. então. e a sua total conversibilidade quando da entrega. sobre a moeda: “Como unidade de reserva de valor.175 americana. a moeda aparece.. ao mesmo tempo. Tercio Sampaio Ferraz Júnior expõe as funções da moeda em sua relação do nível econômico com o jurídico: “Do ângulo econômico. em face de sua alta liquidez.ALYSSON LEANDRO MASCARO . No entanto. pelo estrangeiro. no terceiro. é unidade de pagamento. pode se estabelecer paralelo entre a visão econômica neoclássica e o pensamento de Hayek. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Sobre o termo regulação. a Escola neoclássica (conhecida também por Escola econômica) propõe um movimento de desregulação e auto-regulação do mercado. não se deve limitar a dar fluidez aos mercados apenas. a redução da intervenção direta do Estado na economia. São Paulo: Malheiros. No plano da teoria econômica. 15. também dos benefícios sociais. Richard Posner e Guido Calabresi são alguns dos mais expoentes pensadores dessa visão. um cálculo econômico. que abriu as portas do final do século XX para o movimento de liberalização da economia mundial. Em primeiro lugar. a guiar o Estado em suas técnicas jurídicas de intervenção no domínio econômico.ESTADO. A outra grande corrente sobre as técnicas jurídicas de intervenção na economia é a Escola neoclássica.p65 176 17/5/2011. no que tange às técnicas de intervenção no domínio econômico. Tal postulação jurídica é paralela. daí. mas se aproveita dos frutos. mas chega ao seu apogeu com Léon Duguit. A idéia de regulação econômica revela-se uma técnica jurídica de contenção de excessos econômicos permeada pela possibilidade de que a liberdade dos agentes econômicos gere aumento das riquezas e. Vertentes próximas dessa visão de mundo também se perceberam nas teorias do desenvolvimento. Há o interesse público. 2001. Regulação da atividade econômica. A partir de Duguit. tratada por análise econômica do direito. a teoria jurídica começa a afirmar que o direito.176 .”6 Richard Posner é o nome mais conhecido da vertente Law and economics. A lógica dos instrumentos jurídicos de intervenção na economia deve ser. e em segundo lugar o crescimento do movimento de concentração econômica. para Posner. 17:46 . da corrente de intervencionismo que floresceu durante a primeira a metade do século XX e que teve em John Maynard Keynes seu maior representante. Stigler. trata Calixto Salomão Filho: “No campo econômico. a utilização do conceito de regulação é a correspondência necessária de dois fenômenos. cuja 6 SALOMÃO Fº. Calixto. explicitado pelos direitos sociais. J. Ao contrário da proposta de criar mecanismo políticos e jurídicos que intervenham na economia em benefício do interesse público. em especial nos países do capitalismo periférico. p. DIREITO E DINHEIRO: TÉCNICAS DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO teve inicio com as reflexões de Maurice Hauriou a respeito da relação entre direito público e privado. orientando as decisões jurídicas para a minimização dos custos.177 referência esteja sempre no campo da eficiência. INTERVENÇÃO E JUSTIÇA A ordem econômica da Constituição Federal do Brasil de 1988 institui uma orientação diretiva no sentido de um Estado social. São Paulo: Martins Fontes. fazendo ressaltar. Os julgamentos e os instintos jurídicos deveriam se orientar pelo proveito do consumidor (observando-se as curvas da procura). Dworkin se insurge contra a orientação econômica do direito.ALYSSON LEANDRO MASCARO . da empresa (observando-se as curvas da oferta. de outra maneira. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Richard. Trata-se de uma visão muito distinta daquela tradicional do jurista. são úteis e proveitosas para o analista econômico. Problemas de filosofia do direito. como o próprio pensamento de Mangabeira Unger e o movimento Critical Legal Studies. Dentre outros. nos últimos tempos. e juridicamente com Herbert Hart. o pensamento de Ronald Dworkin. Pode-se dizer que a 7 POSNER. Uma questão de princípios e O Império do Direito. Seus horizontes teóricos de diálogo com Alexy e Habermas permitem antever uma teoria jurídica que se relaciona com a economia de modo principiológico. quer as que ocorrem em seu interior. mas sim para o plano das necessidades. A análise econômica do direito de Posner orienta a técnica jurídica para as necessidades da macroeconomia e da microeconomia. mas sim como uma produtora de bens e serviços em função da satisfação de necessidades) e a própria produção em si. Dworkin encaminha um tipo de análise do direito distinta da própria realização econômica plena. p. é porque o direito é fundamental para a economia que ele não pode se olvidar de tal referência maior de horizontes: “A maior parte das atividades.p65 177 17/5/2011. Em obras como Levando os direitos a sério. TÉCNICA. interesses e proveitos do mercado. 474. Politicamente em diálogo e disputa com John Rawls. destacou-se também. 2007.”7 Há muita contraposição à análise econômica do direito de Posner. 17:46 . não-automático. quer as reguladas pelo sistema jurídico. nas quais se compreende juridicamente a empresa não mais apenas com o formalismo de uma pessoa jurídica. Para Posner. porque faz girar o pêndulo do direito não mais para suas referências normativas ou principiológicas. os princípios. em razão disso. como redutores da complexidade social. em sua Introdução ao Estudo do Direito. direito e dinheiro dá mostras da universalidade dos três fenômenos. Novas demandas econômicas ensejam um contínuo desdobrar do direito positivo em torno do acompanhamento das possibilidades. na medida que a política. nas palavras de Tercio Sampaio Ferraz Júnior.178 .ESTADO. do direito e do dinheiro. 17:46 . e. como redutores das complexidades sociais. o direito tem um papel de diretriz em relação à economia. Assim sendo. Filosofia e Teoria Geral do Direito. como propositor do futuro. todos. aponta-se o contraste de tal horizonte constitucional com a blindagem financeira empreendida no presente. crítica. a intervenção do Estado na economia não se perfaz apenas no sentido reativo ou policial do direito. As técnicas políticas e jurídicas são construídas num quadro dinâmico em relação à economia. DIREITO E DINHEIRO: TÉCNICAS DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO constituição econômica é constituição dirigente. o direito e o dinheiro se apresentam. no que tange ao planejamento. mas também o ensejo de uma perspectiva jusfilosófica do justo. Por outro lado. permite-se a extração de horizontes e propósitos não só técnico-normativos em relação à economia.p65 178 17/5/2011. Da universalidade da política. mas no sentido político. A relação dinâmica entre Estado. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Diretor da Rede Européia Direito e Sociedade.p65 179 17/5/2011. Maison des Sciences de l’Homme. 17:46 . Chairholder of the UNESCO/UNITWIN Chair Human Rights. Centro de Teoria e Análise do Direito. Paris.DE UMA RACIONALIDADE A OUTRA: PARA ONDE VAI O DIREITO CIVIL?* André-Jean Arnaud Diretor de Pesquisa Emérito do CNRS. * Tradução de Sonia Branco Soares. Universidade de Paris X. Violence: Public Policies and Governance. mas com um verdadeiro questionamento da racionalidade jurídica. ao liberalismo e à liberalização dos mercados. Por um lado. no que concerne ao pensamento jurídico. Na verdade. então. a racionalidade jurídica contemporânea sendo compreendida através da história dos diversos tipos de racionalidade jurídica que se sucederam no Ocidente. pode-se apenas fazer ato de humildade. É o que me proponho a demonstrar aqui. cujo renome ultrapassou fronteiras. em meio a uma abundante literatura. Acontece. O direito civil. ela claramente não está correta no que concerne à condição dos bens e do lugar acordado em contrato. coração dos Direitos continentais. pelo intermediário do lugar preponderante que aí é acordado em contrato. Mas por que. A única justificativa será o interesse que ele mesmo dirigiu.180 . assim parece. restitui um lugar preponderante ao Direito civil. tentam escapar dessa perturbação. ela parece assegurar aos direitos vinculados à cultura anglo-saxônica um lugar privilegiado. o mesmo processo de globalização. em seguida. Filosofia e Teoria Geral do Direito. as empresas transnacionais se reportando em sua maioria às modalidades jurídicas específicas a esses direitos. e que o historiador do pensamento jurídico – mais que filósofo ou teórico do direito – desejou lhe dedicar. evocar o Direito civil? Ocorre que a liberalização dos mercados remete ao processo contemporâneo da globalização e. 17:46 . Mas se a observação está ainda mais ou menos correta no que concerne ao estado das pessoas (se bem que a questão mereceria ser pensada à luz das influências trans-culturais provocadas pelo desenvolvimento dos meios de informação e das mídias). Por outro lado. não menos que uma perturbação da bela ordem que a história havia instaurado nos sistemas jurídicos de tipo continental. não apreciando a desordem. essa globalização está cheia de paradoxos. Os juristas. dizem eles para se tranqüilizar. os traços principais que formam a especificidade dessa racionalidade jurídica contemporânea (II). filósofo do direito. que outros ramos do direito. a homenagem que ele merece? Diante da importância da produção científica do Mestre. E desculpar-se aqui pela modéstia e pela brevidade de algumas reflexões que seguem. certamente é menos atingido diretamente. dir-se-á.p65 180 17/5/2011.DE UMA RACIONALIDADE A OUTRA: PARA ONDE VAI O DIREITO CIVIL? Como prestar ao Professor Tércio Sampaio Ferraz Jr. E eu o farei em dois tempos: re-situando inicialmente o direito civil na sua continuidade histórica (I). evocando. não é com uma simples evolução do direito que estamos sendo confrontados pela invasão do processo de globalização. atento a não se subtrair ao convite que lhe foi feito de participar desta homenagem. revue et mise à Jour par Félix SENN. c. Filosofia e Teoria Geral do Direito. só pode ser transmitido por um modo romano. verdadeiras rupturas. como jus proprium civium Romanorum (Gaius. a propriedade de direito civil em Roma. p. O jus civile – segundo Ehrlich. Perdoe-se ao historiador remontar – ainda que rapidamente – às fontes romanas dos direitos continentais. 9. Mas esse questionamento do direito civil é geralmente apresentado como uma “evolução” no direito. só pode dizer respeito a alguma coisa romana. nuançada pela santa Escritura. E que essa reinvenção passa por uma especificação prévia da racionalidade dos sistemas jurídicos que se sucederam na história do direito ocidental. Assim. 47. autor apreciado pelos sociólogos juristas pela importância que restabeleceu ao droit vivant (Lebendesrecht) – teria mesmo designado. Com efeito..p65 181 17/5/2011. que se dirige a todos os seres animados.ANDRÉ-JEAN ARNAUD . Paul-Frédéric. essa parte do direito concernente aos cidadãos romanos e não produzida sob a forma de um direito positivo. a fim de apreciar a importância do direito civil. Da mesma forma. É essa a herança que. é algo de estritamente enquadrada: o dominium ex jure quiritium só pode pertencer ao cidadão romano. o poder reconhecido ao paterfamilias é definido. p. por oposição ao jus gentium (direito que se aplica igualmente aos não cidadãos) e ao jus naturale. 8) – dito de outra maneira: normas jurídicas obtidas nas 1 Segundo GIRARD. O DIREITO CIVIL NO FUNDAMENTO DA PAZ BURGUESA Que o direito civil seja recolocado em questão não é novidade. mesmo em direito civil. 17:46 . jus civile designa o conjunto de normas jurídicas que se aplicam aos cidadãos romanos e apenas a eles. 2). note 3. Para os romanos. I. na verdade. Paris. Justiniano. 8e éd. no sentido de normas editadas pelos detentores da autoridade pública1. 55. em direito romano clássico.. Essas rupturas vêm à luz assim que se aborda a história do direito segundo o paradigma da racionalidade dos sistemas jurídicos. 1. passou para o direito canônico. 1929. Manuel élémentaire de Droit Romain. Inst. É o que será contestado aqui. o que surge como uma evolução esconde. ao menos até Justiniano e à exceção de algumas aberturas feitas notadamente em favor dos comerciantes não-cidadãos romanos. 1. 1. O Decretum Gratiani (v.181 Minha tese será a de que nós temos tudo a reinventar. 1140) definiu o direito civil como “aquele de que o povo ou a cidade se investiu em causa própria sobre uma causa divina ou humana” (D. De p. durante certo tempo. loc. É ela que deve permitir discriminar “tudo o que existe como regras de eqüidade natural em matéria de contratos. E ele se explica em relação às modalidades da sua escolha. Claude. O Direito romano compreende dois tipos de regras. então. por exemplo). E é a razão que servirá de critério (Tratado das Leis. de tutelas etc.p65 182 17/5/2011. ch. Tendo o pensamento jurídico e político dessa época igualmente atualizado o sentido do termo romano “civitas” e criado o conceito de nação em torno de um território. segundo ele. por oposição ao Direito das pessoas. Esta concepção não é mais aquela da tradição clássica. É necessário. Mas ele introduz uma nuance em conformidade com os desenvolvimentos de ponta do pensamento jurídico do seu tempo: ele não hesita em afastar as disposições do Direito romano que não lhe parecem responder ao critério da “razão”. as numerosas regras do Direito natural aplicadas ao Direito civil (Tratado das Leis. é porque. Introduction au droit français (1672). o Direito civil se torna.). Assim que aparecem as Universidades. p. que são próprias a um grupo de cidadãos (sem que esteja delimitado se a cidadania se aprecia ratione personae ou ratione loci).” (Direito público. 9. o único conjunto onde se encontram depositadas. ch XI. 1. E é assim que a compreenderão os redatores do Código napoleônico. e Prefácio das Leis civis). assim. 17:46 . há aquelas que trazem a marca de uma civilização obsoleta. no sentido com que doravante ele passava a ser compreendido pelos juristas. de hipotecas. separar esses dois tipos de regras umas das outras. os quais se costuma vincular às diversas correntes do pensamento jurídico “moderno” (segundo o entendimento dos historiadores da filosofia: séculos XVI-XVIII). prefácio. Primeira parte: Droit public. apesar da desordem dos textos. que é composto “de tudo aquilo que é acordado pelos povos” (eod. que é aquele que os homens estabeleceram por oposição ao Direito natural. as lições de direito civil assentam sobre o direito romano: o Código. de convenções. Ao lado daquelas que estão em conformidade com a “natureza”. Laboulaye e Dareste. 1858. aquele de uma nação. Se Domat estuda o direito romano. 2 FLEURY. p. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Direito civil e Direito das pessoas fazem parte do Direito positivo. em um primeiro momento. o Novo Digesto e os Institutos de Justiniano. XIII. este compreendido como estando “em acordo estrito com a própria luz natural da razão”2. 71.DE UMA RACIONALIDADE A OUTRA: PARA ONDE VAI O DIREITO CIVIL? Escrituras ou produzidas pelo poder público.182 . o Corpus Júris Civilis lhe parece. Doravante. Ed. VI) que formarão o Direito civil. Paris. até aos detalhes. 149-155. ch. direito aéreo etc.183 Nós vivemos ainda sob essa concepção. como bem o demonstrou Michel Villey. Evoquemos. Michel. In: ID. se é que se pode estender à racionalidade jurídica do direito civil romano um conceito elaborado em outro campo. Nós vivemos sob essa concepção. ou melhor. “É no direito privado – acrescenta o decano Carbonnier – que o direito civil toma lugar. X. Não há direitos subjetivos no fundamento do direito romano das pessoas. nós nos damos conta de que o direito civil foi objeto de um questionamento permanente através da história. ] Trata-se mais precisamente do próprio direito privado e menos das ramificações especializadas que dele se destacam em épocas diversas”3: direito comercial. Droit civil. DROIT SUBJECTIF I (La genèse du droit subjectif chez Guillaumpe d’Occam).. A Pax romana. 1. funciona em torno do família pecuniaque. direito marítimo. Jean.1. 11e éd. nós vivíamos sob ela ainda há pouco! Na realidade. e tem por objeto as relações entre particulares. O direito subjetivo nasceu com o pensamento franciscano no século XIV4. o direito romano. 17:46 .p65 183 17/5/2011. ela também em 3 4 CARBONNIER. No direito romano. tal é a função do direito civil na paz romana. São os bens – entendase aqui “o patrimônio” – que se encontram no centro do sistema de direito civil. e dos contratos. as pessoas são representadas pelo pater famílias. Paris: Dalloz. Paris: PUF.2.. dos bens. tome I. Manter a eqüidade entre patrimônios. das quais se poderia dizer que alteram certas vezes até mesmo os fundamentos do direito civil romano. nº 11. direito do trabalho. E embora tenha surgido a expressão Pax ecclesiae. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 1977.. É uma visão que tem como legado preciso a nossa tradição jurídica “moderna” ocidental. [. De um ponto de vista macro-sociológico e apesar das variações históricas. ele é feito para permitir aos mercadores operar sem que o equilíbrio entre patrimônios seja jamais tocado. Seize Essais de Philosophie du Droit. para começar. Quanto ao direito do contrato e da responsabilidade. parece possível especificar a razão jurídica que anima o direito civil romano – e não somente na sua visão dita “clássica” – pela centralidade do família pecuniaque. Por exemplo VILLEY. com o trabalho dos teólogos e canonistas. 1969.. O Direito civil é para nós uma parte do direito privado (por oposição ao direito público). direito rural. 1. se nós lidamos com essa história em termos de racionalidade jurídica. A “pessoa” só surge no centro do direito.ANDRÉ-JEAN ARNAUD . notadamente p. ou pessoas privadas. . Essai d’analyse structurale du Code civil français: La règle du jeu dans la paix bourgeoise. a tal ponto. Sem um recurso sistemático aos conceitos que surgiram do método pro. E ele adquire. André-Jean. 1973. O direito civil se torna uma regra do jogo ligada à razão natural. o direito civil a uma acepção que não correspondia mais à sua origem histórica. Convém não esquecer. estabelecer regras que não buscam mais a sua origem apenas na prática cotidiana. A axiomatização permite. se pronunciar em matéria de bens e de contrato. doravante titulares de direitos inerentes à pessoa. então. nova tiragem.3. de dedução em dedução.DE UMA RACIONALIDADE A OUTRA: PARA ONDE VAI O DIREITO CIVIL? um contexto bem diverso daquele do direito civil. onde está assegurada a eqüidade formal entre os indivíduos. dado o gênero do exercício. organizada pelo sistema jurídico nascido do Decretum Gratiani. proceder a classificações. mas. uma racionalidade própria: aquilo que eu já denominei uma vez como Paz burguesa5. não se trata aqui mais que um sobrevôo – introduziram. além disso. em nome da racionalidade de uma ordem eclesiástica. que esse registro lhe será reservado durante séculos. não suscetível de ser inflectido de uma forma qualquer pelo Estado. 1. Gratianus não teria podido realizar essa concordância de cânones discordantes que se havia disposto a executar.. de um golpe. gravado nele desde a origem. sed contra. de um direito vinculado ao sujeito. O direito canônico clássico não repousa ainda sobre a idéia do direito subjetivo. O direito canônico se torna. Mas essa mesma elaboração sistemática dos conceitos permitiu aos seus sucessores elevar a arte jurídica à categoria de ciência. 17:46 . então. progressivamente. tudo o que o Decretum Gratiani trouxe a título de método de análise das situações jurídicas. etapa incontornável no estabelecimento de uma ciência. com o tempo..simultaneamente. A axiomatização permite. É a ele que se deve o desenvolvimento de um uso generalizado dos conceitos em direito. como fundada sobre uma racionalidade jurídica da pessoa. Estamos. Se o legislador secular alcança.. um direito das pessoas. Paris: LGDJ.184 . Não digo do indivíduo. simultaneamente. já as questões das pessoas e da responsabilidade – bastante vinculadas à moral – permanecerão da competência dos canonistas em numerosos sistemas jurídicos positivos.p65 184 17/5/2011. Filosofia e Teoria Geral do Direito. em presença de uma 5 ARNAUD. 1974. poder-se-ia qualificar esta “paz”. Essas transformações radicais junto com os progressos da laicização – perdoem-nos o salto sobre séculos. sobretudo. que cada jogador é considerado como seu próprio legislador (Código civil francês. poderíamos chamá-lo de “garantias”. o domínio da responsabilidade se estende. poder tomar parte de fato na partida que se joga. Em compensação. suas apostas. os indivíduos-cidadãos não se contentam mais com uma igualdade formal. Esse modelo. Nesse contexto. Eles servem de apostas para os jogadores titulares de direitos: o direito de propriedade e o direito de fazer ou não fazer o que desejarem com essa propriedade. 1. Aqui se poderia realmente falar em direito “puro”. muitos estando na realidade excluídos. Ocorre o nascimento do que se chamará Estado de bem estar.p65 185 17/5/2011. Nos termos do jogo. com efeito. É verdade que o Estado de bem estar é apanágio de alguns dos países mais ricos do planeta e cuja tradição não é fundamentalmente aquela do mercado. É sobre esse prejuízo possível que os legisladores enxertarão regras provenientes da tradição e por vezes contrárias ao exercício absoluto dos direitos individuais: importância da família. onde um dia ele havia sido gerado. 1134: “As convenções legalmente constituídas têm valor de lei para aqueles que as fizeram”). Os jogadores devem. proteção ao patrimônio familiar. oriundo da mesma filosofia política que produziu as Declarações de direitos do homem foi exportado para muito além das fronteiras da Europa ocidental. por exemplo. São Filosofia e Teoria Geral do Direito. Ele assume uma tal importância. Assim também. Segue-se uma racionalidade jurídica de tipo providencial. o dos países da Europa ocidental – o indivíduo se encontrará superprotegido até o ponto em que esta proteção do Estado introduzirá largamente a perda da noção de solidariedade em meio aos grupos de base. Nesse “jogo civil da sociedade” o direito dos contratos define as “jogadas” autorizadas. O Estado se torna a garantia do respeito às regras. as liberdades de contratar são progressivamente limitadas.ANDRÉ-JEAN ARNAUD . Os bens se fazem objeto de uma redistribuição.185 razão jurídica lúdica – um jogo com seus jogadores.4. ele traça os próprios limites desse jogo. Após os estragos sociais operados pela industrialização no século XX. as “jogadas” permitidas e as não permitidas. como tradicionalmente havia sido a família. Nesse caso – que é. Quanto ao direito da responsabilidade. os bens se tornam “apostas”. 17:46 . sobretudo no que concerne ao direito civil. art. que são freqüentemente mal recebidas. desde que isso não prejudique a outrem. que se difundirá pelo direito (tornado essencialmente estatal) até ganhar terreno no seio do próprio direito civil. 2007. mas que se os divide para melhor reinar.. não hesitaram em favorecer – até mesmo em fomentar – a instalação de ditaduras. de um grupo para outro (clusters). Passemos mais 50 anos: os horrores descobertos no momento da liberação dos campos da morte e a divisão do mundo no âmago da guerra fria fizeram soar o triunfo dos conceitos de democracia e dos direitos do Homem. na França. aliás. segundo estatutos próprios e distintos. 9/3. antes de brandir pela sua extinção. Contracting Worlds: The Many Autonomies of Private Law.. Ao mesmo tempo. quando a sua existência tornou-se um incômodo mais que uma utilidade. p. sobretudo por certos agentes financeiros internacionais em um mundo globalizado que não suporta mais o menor fechamento de fronteiras ao mercado. O que está no centro da regulação jurídica é.5. Sobre tudo o que segue. Não são mais os bens que recuperam seu estatuto de objeto de troca. 55 sq. As pessoas permanecem titulares de direitos que continuam sendo considerados como estando no centro das preocupações de toda regulação jurídica. Social & Legal Studies. 1. Doravante. na verdade. Fabris. 2000. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Edit. sobre o fundamento de uma igualdade material que vem substituir o conceito de eqüidade formal. o “mercado”.p65 186 17/5/2011. Com o reinado do mercado. 17:46 . TEUBNER. o direito civil recupera fundamentos racionais lúdicos. O direito civil aparentemente não muda. preceitos aos quais recorrem essas mesmas democracias que. cf. assegurando de fato à realidade cotidiana um desenrolar das transações que satisfaça os parceiros no seio do Estado de bem estar. Célestin Bouglé. Cf. Preceitos tornados slogans no momento do desaparecimento do muro de Berlim. procedeu-se a importantes limitações do direito de propriedade. André-Jean. p. se opera um retorno do contrato. ARNAUD. por razões de mercado. Filosofia e Teoria Geral do Direito. em proveito de conjuntos legislativos ou regulamentares. As alterações no Código civil francês serão mínimas durante o século – na verdade século e meio – que segue à sua promulgação. Gunther. Preceitos utilizados tão freqüentemente como álibis. cada vez mais virtuais. Mas a porção aqui aplicada desse direito civil se reduz consideravelmente com o tempo. Ocorre que no quadro da Pax mercatória. meu livro Governar sem Fronteiras – Entre globalização e pós-globalização. as pessoas serão protegidas de maneira diferenciada. Porto-Alegre: S..186 . 6 7 Por exemplo. 339. baseado em uma eqüidade novamente formal7. estendendo-o por toda a sociedade6.DE UMA RACIONALIDADE A OUTRA: PARA ONDE VAI O DIREITO CIVIL? os políticos – geralmente oponentes a um socialismo crescente – que retomarão o tema da solidariedade. O direito traído pela filosofia. 1991. tornando-se. defesa. no fundo. a conciliação. ou mesmo a se desmantelar os regimes de regulação executados sob a égide do Estado – e sob a tutela do Estado de bem estar. Não poder mais se referir sistematicamente à autoridade do Estado significa ser levado a inventar. Em suma. o mais suscinto possível na vida das profissões judiciárias. cartas privadas. em contraponto. sobretudo. um cálculo que surge de uma visão própria das empresas do setor privado. e outras marcas similares de mutação. a juridização crescente de uma normalização técnica.ANDRÉ-JEAN ARNAUD . cada vez mais. Poderiam ser acrescentados o irreversível deslocamento da produção jurídica em direção aos direitos privados econômicos. corpus normativos obedientes a regras de gestão privada. o que revela. já abandonado por uma multidão de jovens advogados que passam seus dias em escritórios. Trata-se de um cálculo que é tradicionalmente estranho à lógica predominante na justiça do “ganha/perde”.p65 187 17/5/2011. encontrar arranjos satisfatórios em termos de custo/benefício. Não é por acaso que os estudos e pesquisas levados a efeito pelos sociólogos sobre os profissionais do direito se desenvolvem tanto. o conselho leva à chicana. aos advogados: não se trata mais apenas da assistência. dar pareceres torna-se tarefa as vezes primordial nas lidas quotidianas do advogado. diante de computadores. no caso dos países que puderam se beneficiar da proteção estatal – vêse florescer. Sobre o terreno da prática jurídica opera-se toda uma transformação. mas. O pretório promete ser apenas mais um momento entre outros. em vista de mediações crescentes.187 2. o desenvolvimento da contra- Filosofia e Teoria Geral do Direito. elaboram-se contratos. Mais que nunca. a importância do papel assumido pelas corporações. Em suma. na vida cotidiana. daqui por diante. tenta-se prever e regular antecipadamente as responsabilidades: descentralização do Palácio. Uma atenção bastante particular é dada às tarefas que passam a caber aos juristas e. o desenvolvimento de um direito negociado. cada vez mais. códigos de boa conduta: nosso tempo se encarrega de nos enviar sinais manifestos de retorno por força de contrato. a fim de responder às novas demandas do mercado: minimizar os riscos. AS METAMORFOSES DO DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO. representação em justiça. Enquanto tendem a se apagar. 17:46 . OU OS AVATARES DA GLOBALIZAÇÃO NO PENSAMENTO DOS PRIVATISTAS OCIDENTAIS Lex mercatória. evitar processos longos e custosos assim que o resultado pareça hipotético. ao conflito. de conselho e até mesmo de se tomar em mãos os acordos. a negociação. à disputa. ali onde o Estado há pouco legislava soberanamente. Filosofia e Teoria Geral do Direito. onde se encontra um tipo de decálogo das instituições monetárias internacionais. eod. e não pode escapar à importância das ambigüidades ligadas ao retorno do contrato e da responsabilidade no projeto contemporâneo da economia neoliberal (2). o contrato é o lugar de emergência de discursos sobre os direitos que procuram se institucionalizar. p. após o impacto do pensamento de John Rawls e até a influência de Ronald Coase 8 9 Ibid.. A desregulação deve ser a regra: as empresas nacionalizadas devem ser privatizadas. Essas transformações estão ligadas àquelas do mercado. do qual se desconfia: tais são as chaves de compreensão da ordem jurídica contemporânea. 400. Em favor do retorno à contratualização generalizada das trocas.p65 188 17/5/2011.1. suscita uma maior confiança em um contexto de perda de vitalidade de um Estado. 2. dos investimentos estrangeiros. como direito “privado”. por essência. Ibid. das privatizações. O liberalismo econômico contemporâneo é dotado de princípios políticos sólidos desde o início dos anos de 1990. loc. passa pelo estudo da importância que ocupa novamente o pensamento contratualista (1). 17:46 . No limite. é o contrato que conduz o jogo. O retorno ao contratualismo está claro para os filósofos do direito. Uma reflexão fundamental que merece ser conduzida a partir daí. Uma vez o direito se (re)constituindo. da desregulação e do direito de propriedade. entre mundos de alianças diferentes”8.188 . Concebido como “espaço de compatibilidade entre diversos projetos discursivos. há a importância do papel atribuído ao juiz que.. da abertura comercial. não faz outra coisa senão definir a regra do jogo da economia de mercado nos diversos domínios da disciplina fiscal.DE UMA RACIONALIDADE A OUTRA: PARA ONDE VAI O DIREITO CIVIL? tualização das trocas é a substituição progressiva da supremacia da autoridade pública por aquela da negociação privada. porque o setor privado opera com mais eficiência e uma regulação excessiva pode favorecer a corrupção e a discriminação das pequenas empresas privadas em relação ao acesso à burocracia pública. por sua independência. o direito privado encontra ali “um contexto favorável para se transformar em direito constitucional para os regimes globais de governança privada”9. o reconhecimento da propriedade garante o respeito do direito dos contratos e das leis em vigor. O que chamamos de “consenso de Washington”. É sobre essa ficção da situação original.189 Diz-se de Rawls que ele é a figura mais importante da reabilitação contemporânea da teoria contratualista. Ele não teria. A problemática de Rawls procede da conjunção entre uma perspectiva deliberadamente deontológica em matéria de moral e a corrente contratualista no plano das instituições onde se aplica a idéia de justiça. 70 sq. tirando o autor conclusões práticas de suas reflexões. Dessa forma. ligada àquela de um contrato social entre pessoas livres e racionais munidas de seus interesses individuais. a distinção que havia estabelecido entre o racional e o razoável. Jean-Pierre. Paradoxo maior: Rawls teria fundado sua teoria da superioridade do ponto de vista deontológico sobre o ponto de vista teleológico não levando em conta mais que uma versão teleológica particular da justiça. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Les paradoxes de Théorie de la justice (John Rawls). é o contrato que o ocupa no plano das instituições. aquela do utilitarismo10. a eqüidade foi simbolizada como o princípio jurídico que funda um tratamento igual para todos na repartição dos benefícios e encargos no seio da sociedade. mais se mantém afastado do ideal de contratualismo que caracteriza o estado mínimo. p. que repousa a teoria da justiça de Rawls. aquele da justiça.p65 189 17/5/2011. aquele que garante a todos os cidadãos o respeito dos direitos do homem. cada um devendo ser. ficção encarregada da mediação entre uma e outra. de uma eqüidade realizável em circunstâncias que não seriam reduzidas a um direito simplesmente hipotético. Foi dessa forma que ele demonstrou como se pode estender ao direito internacional e às instituições internacionais os princípios que havia elaborado e. sobretudo. nenhuma razão lógica 10 DUPUY. John Rawls fala de “equality of fair opportunity”. e que permite resolver o problema do princípio fundador da auto-legislação de um corpo político. ao menos dentro da gestão pública do cotidiano. 17:46 . Esprit.ANDRÉ-JEAN ARNAUD . submisso ao outro. o respeito do outro. senão de forma absoluta. Esse conceito se situa acima de todo princípio de justiça naquilo que caracteriza inicialmente e principalmente a situação original do contrato. 1988/1. quanto mais o Estado intervém para o estabelecimento da igualdade de ‘ocasiões’. Aqui intervém a eqüidade (fairness). assim. Mas. O lugar que ocupa a autonomia em matéria de moralidade individual. do qual é reputado derivar a justiça das instituições de base. Por “razoável” entende-se a mínima. Há um abismo entre o estatuto da autonomia (ou auto-legislação) individual e aquele da auto-legislação de um povo e sua justiça institucional. Convém mencionar igualmente a parte 11 SIMMONOT. e que representa uma solução custosa e lenta. em matéria de direitos do homem).190 . Isso dá razão aos que sustentam um direito mínimo. a doutrina de Rawls foi tomada como obra fundadora de um novo contratualismo. sobretudo capítulo X. e uma explicação racional às práticas contemporâneas que parecem tão estrangeiras aos juristas tradicionais. direito fundado sobre a subjetividade e que coloca o indivíduo no centro do sistema jurídico. 17:46 . por exemplo. direitos de fazer e de beneficiar prestações. por vezes arbitrárias. A despeito dessas dificuldades. a tendência que se percebeu da parte das empresas internacionais. comunitárias ou internacionais.2. Filosofia e Teoria Geral do Direito. segundo ele. ele teve a sutileza de a estender para além da propriedade. em evitar recorrer à justiça assim que surge um conflito. 2. Retomando de sua forma a explicação.DE UMA RACIONALIDADE A OUTRA: PARA ONDE VAI O DIREITO CIVIL? para impor interpretações jurídicas comumente válidas (por exemplo. Les Belles Lettres: Paris. sejam elas nacionais. segundo a qual a liberdade das trocas permite o melhor uso das fontes. apenas a troca livre desses direitos assegurariam a eficácia de sua repartição inicial e de sua execução. 285 sq. Temos aí. p. que os modos alternativos de resolução de conflitos ganham terreno. por via de conseqüência. desse ponto de vista. para o conjunto dos direitos subjetivos. L’invention de l’État. bem como direitos de não fazer e não as sofrer. que apresenta a vantagem de evitar a produção de leis ineficientes. Uma outra perspectiva. freqüentemente mal informado. a responsabilidade prefiguram um retorno a uma privatização do direito. Ora. em todo caso. O mercado. longe do juiz. fundada sobre a aproximação econômica do direito. quando os negócios requerem maior rapidez. mas que conduz a conseqüências vizinhas. Desde então. Isso significaria que não se pode esperar um comportamento geral idêntico da parte das instituições. seria o melhor meio de trazer um equilíbrio mais justo. de outra forma. ao mesmo tempo um questionamento suplementar da ordem jurídica “moderna” (séculos XVI-XVIII). 2003. Économie du droit. Philippe. como ocorre em geral. foi proposta por Ronald Harry Coase. prêmio Nobel em 199211. Isso poderia explicar.p65 190 17/5/2011. Que a diluição do papel do Estado e o desenvolvimento de regulações semi-privadas ou privadas introduzem um reforço do papel do contrato. não é de se surpreender. Observamos acima que as cartas de conduta e os códigos privados vão se multiplicando. a reabilitação do contrato e. A. Por isso acabam por ser são favorecidas não somente pelos Estados. 415-421. (ed. no limite. na racionalidade “providencial”. Current Legal Problems. que mantém a execução cada vez mais freqüente de sua responsabilidade. 1998. tendendo. individualmente ou através de organizações. p. re-dotando a esfera privada de uma dimensão esquecida com a extensão do papel do Estado. devido ao abandono. Mas a mutação é complexa. vol. sobretudo. pelo estado empreendedor. e progressão. a se responsabilizarem novamente em face aos perigos que espreitam o planeta. Paris: LGDJ. Príncipe de précaution et responsabilité. 51. Os países da Common law são menos sensíveis a esse fenômeno. As políticas públicas são mais flexíveis que o direito. o processo de globalização convida a recolocar em questão a divisão entre direito público e direito privado13. M. às políticas públicas. In: Les transformations de la régulation juridique. Filosofia e Teoria Geral do Direito. The Many Autonomies of Private Law. de outros atores para além daqueles do setor público.p65 191 17/5/2011. Certamente o direito público é objeto ao mesmo tempo de um recuo e de uma progressão – recuo. Mas o fenômeno se complexifica na medida em que o direito público cede o lugar. Elas permitem a intervenção.191 que o desenvolvimento do risco e o impulso do padrão de durabilidade assumem na instauração de um reinado da responsabilidade12. Gunther. sendo suscetíveis à avaliações e à reorientações sucessivas. 393-424. a criar uma situação própria à infantilização dos cidadãos. Lá onde. nos países onde o primeiro progressivamente assimilou o segundo.ANDRÉ-JEAN ARNAUD . Gilles. Press. caso não se coloquem ao lado dos politólogos. estas são chamadas. Disso resulta que inúmeros programas recebem financiamento dessas instâncias na medida em que suas pesquisas são prioritariamente consideradas em razão de seus vínculos com as políticas públicas. p. In: Legal Theory at the End of Millenium.). 12 13 MARTIN. Na verdade. A tal ponto que os juristas publicistas sabem bem que correm perigo de marginalização. Gunter Teubner insiste sobre a deconstrução da dicotomia publico/privado: TEUBNER. 17:46 . 1978. Não é suficiente se afirmar que o direito público vai retroceder em proveito do direito privado. mas também pelas instituições que dirigem os blocos regionais e pelos organismos internacionais. as coisas não são tão simples. em muitos domínios. Isso é perceptível. Elas são igualmente flexíveis na sua execução. a instituição dominava o terreno da responsabilidade individual e pessoal. Oxford: Oxford Univ. D. FREEMAN. No limite. de domínios que ocupava outrora. à nível de sua elaboração. 17:46 . In: CLAM Jean. no ritmo das mutações que a atingem. contratos de aluguel e co-propriedade. notadamente em alguns domínios reservados. Quanto ao direito privado. Marie-Thérèse. As disputas se reduzirão provavelmente às questões – maiores e consideráveis. A desinstitucionalizaçãodo Modelo Familiar: Possibilidades e Paradoxos sob o Neoliberalismo. Ver ainda FACHIN. sociedades. consumação. Rio de Janeiro: Renovar. Mas tudo o que tange à administração será levado a se transformar. comércio. MEULDERS-KLEIN. 685-751. trabalho.). Les transformations de la régulation juridique. pessoas. La redécouverte des “piliers du droit”: le contrat et la responsabilité. Paris: Econômica. Desses dois eixos. Famille.). propriedade intelectual etc. 279-292. de bom grado. por uma compreensão ótima das transformações do direito que se operam sob nossos olhos. In: Journées d’études juridiques Jean Dabin.p65 192 17/5/2011. Introduction. Marie-Anne.). Esses direitos dos contratos e da responsabilidade tendem a desenvolver-se sobre dois eixos específicos. O próprio direito da família está sob o golpe de uma tendência à contratualização14. 2001. p. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Da função pública ao espaço privado: aspectos da ‘privatização’ da família no projeto do Estado mínimo. 1999. e que crescerão por algum tempo – da responsabilidade. Op. da mais alta importância. FRISON-ROCHE. sua extensão brutal e um tanto imprevista acarreta profundas subversões. construção e habitação. como é o caso do direito constitucional. negócios. 1 (A Soberania). e VAREILLES-SOMMIERES Pascal (dir. p. sobre cada eixo reencontra-se o contrato e a responsabilidade. às alternativas ao mercado. Luiz Edson. às transações fora do mercado. Comparar com a síntese que fazia no final dos anos de 1970.DE UMA RACIONALIDADE A OUTRA: PARA ONDE VAI O DIREITO CIVIL? Se lhes concederá. e que não permitem pensar num desenvolvimento desse campo jurídico. p. uma contratualização do direito 14 15 FENOUILLET Dominique. Todos os dias uma de suas áreas tende a se especializar em uma complexidade crescente. 1978. O direito dos contratos e aquele da responsabilidade não serão mais esse direito simples. a partir da realidade brasileira. família. uma lógica que coincide com a racionalidade jurídica em direção à qual nos conduz o jogo do mercado. na verdade.. no entanto. A tese da distinção entre os dois eixos15 é interessante naquilo que. Bruxelles: Bruylant. cit. e MARTIN Gilles (dir. droit et changement social dans les sociétés contemporaines. concorrência. La contractualisation de la famille.192 . In: Anuário Direito e Globalização. que se encontra em alguns artigos do Código civil ou mesmo em códigos adjacentes (seguros. 207-219. sob o efeito da ideologia neoliberal. uma certa hegemonia. um é consagrado à regulação do mercado e o outro é dedicado à regulamentação jurídica tradicional. ela ultrapassa o quase truísmo segundo o qual a grande mutação do direito contemporâneo proveria um retorno sistemático à ordem do contrato. 3. sem para isso os ligar ao processo de globalização das trocas. circulando sobre mercados específicos (mercado financeiro das opções. Ela é apenas um pouco curta. movimentos não contraditórios. é a distinção entre espaço público e espaço privado que é recolocada em causa pelo processo Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:46 . do desenvolvimento das regras costumeiras. Os sociólogos juristas haviam relevado. constituindo ‘duplos jurídicos’ dos objetos econômicos.193 particularmente visível através da multiplicação das formas de mediação e de negociação. Mostrar. condição para a circulação. obstáculos à regulação do mercado. Contrato e responsabilidade formam. eles podem se tornar bens autônomos. ESSAS CONSIDERAÇÕES LEVAM A ALGUMAS INTERROGAÇÕES MAIORES 3. desde que a vontade das pessoas predomine. mercado portador de seguros. mas a concretização das intenções das partes contratantes. por outro lado. que contrato e responsabilidade são. uma posição inconciliável com o direito fundado sobre a subjetividade. desde que.p65 193 17/5/2011. tal como nos legou o pensamento jurídico e político “moderno”. Assim. objetos de uma regulação de mercado e obstáculos a ela. como direito subjetivo inerente ao indivíduo. poderia abrir perspectivas para se compreender as ambigüidades que se acumulam sobre esses conceitos. simultaneamente. Contrato e responsabilidade são os pilares da economia liberal. Estas ambigüidades tenderiam em parte ao quase desaparecimento e à redescoberta concomitante da autonomia da vontade. notamos há instantes. há tempos. na medida em que a potência do mercado que participa da primeira não exclui em nada a existência de uma vida jurídica. A observação não é falsa. Para além do direito stricto sensu. se retornamos à definição pré-moderna do jus como relação entre as coisas e não como facultas. O mercado exige concretude. são objetos de uma regulação de mercado.1. O acordo de vontade dos contratantes engendra uma relação jurídica personalizada na qual o objeto econômico é não um instrumento jurídico anônimo.ANDRÉ-JEAN ARNAUD . mercado financeiro dos produtos derivados. por exemplo). Mas se trata de uma tomada de posição perfeitamente adequada se o indivíduo é substituído pelo mercado no centro de gravidade do direito. de certa flexibilidade do direito. esses traços característicos de uma mudança no direito. dito de outra forma. ao contrário. o mercado de eletricidade. Esse desenvolvimento das ARI confirma um claro deslocamento da produção jurídica em direção aos poderes privados econômicos. e JUNQUEIRA Eliane B. mesmo de economia mista. o audiovisual. submetidas à autoridade da instituição judiciária. 17:46 . a Bolsa. Sua existência acrescenta. representando um papel maior na produção cotidiana de direito. ARNAUD André-Jean. ambigüidade à distinção entre espaço público e espaço privado. conseqüência da abertura dos mercados. a aproximação dos sistemas normativos e a imbricação das duas esferas. com efeito. (org. Ora. Uma vez que suas intervenções provêm do contrato e não do poder público. Além disso.194 . cujos Estados se apressam em afirmar que elas são independentes. sobretudo com as privatizações.). os dados informáticos.DE UMA RACIONALIDADE A OUTRA: PARA ONDE VAI O DIREITO CIVIL? de globalização. os seguros. é todo o serviço público que se encontra posto em causa. o Estado se resignou a criar. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. ARI. onde ele intervinha autoritariamente como responsável pela gestão de um serviço público ou de uma empresa nacionalizada. É que com o desenvolvimento das privatizações. que aparece 16 Cf. ilustrado pelo apagamento dos sinais axiológicos. adquirem um caráter híbrido. Sobre que eixo ele se encontra: aquele do mercado ou aquele do velho direito administrativo? O desenvolvimento de Agências de Regulação Independentes16 não simplifica o quadro. e sim como um conjunto dos meios materiais postos à disposição do Estado para responder ao conjunto das necessidades a que ele é chamado a satisfazer. É assim que as telecomunicações. Ora. Alexandre Santos de. instituições encarregadas de assegurar a regulação de espaços devidos à liberdade de comércio.p65 194 17/5/2011. Essa multiplicação de agentes normativos só faz aumentar o imbróglio das ordens jurídicas estatais e não-estatais. na medida em que são. Filosofia e Teoria Geral do Direito. essas ARI. os mercados financeiros vêm a se tornar objeto de uma vigilância por parte de tais “autoridades”. E não é um acaso se numerosos autores se interrogam sobre o embaralhamento progressivo da distinção entre público e privado. tendem a mudar a sua natureza. 2006. suas decisões. uma regulação de mesmo tipo se verificou indispensável nos domínios submetidos às impressionantes mutações que se pôde observar nas tecnologias. ARAGÃO. In: Dicionário da Globalização: Direito – Ciência Política. uma vez que tais necessidades não podem ser mais bem satisfeitas por outras vias. contudo. A delimitação do setor público não se opera mais tanto em termos de funções ou de serviços. Trata-se aqui de uma criação pragmática. sob a única condição de um depósito na Prefeitura dos estatutos da instituição. por sua vez.ANDRÉ-JEAN ARNAUD . por um lado. Em nome da produção cada vez mais contratual do direito. Apesar das críticas devidas à sua falta de transparência. 3. Eis aí uma fonte de direito que. De fato. na França. tendo relação com os problemas colocados na matéria pelas condições específicas da ordem social e econômica. O que se denomina. com a permanência do controle da autoridade estatal.2. igualmente. esses estatutos. Ora. como os contratos de direito privado.3 O grande desenvolvimento dos blocos regionais. por um Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:46 . ao menos no nosso sistema jurídico. para além da qual emergem duas conclusões próprias a suscitar reflexões. Os colegas de culturas jurídicas diferentes extrapolarão sem dificuldades. à margem dele. concebidos na maior liberdade – desde que não violem os princípios fundamentais do direito e as leis penais. sobretudo na medida em que tranqüilizam. menos ainda contra ele. e por outro lado. Isso ocorre em nome da livre concorrência e da incontornável “lei do mercado”. quando alguém percebe a sua existência – mas que se acrescenta a ele. seria conveniente. Mas o que obnubila os juristas é a questão da compatibilidade entre o poder regulamentar exercido por um certo número de organismos de direito privado e os atributos do poder público: problemática. mesmo que a vocação dessas “regiões” seja reduzida à aliança econômica ou que elas testemunhem uma inegável vontade de política comum. Se as regulamentações privadas podem tomar de forma útil o terreno do direito. O recurso a esses comitês se explica por uma concepção da balança dos poderes favoráveis aos Estados membros da União européia. valorar o papel do mundo associativo. isso não ocorre jamais.p65 195 17/5/2011. se produz inevitavelmente um ajuste estrutural que ultrapassa esses primeiros objetivos. não pode contradizer aquele do Estado – uma contradição eventual é apenas levantada. sua existência parece ter contribuído para aumentar a eficácia no processo de tomada de decisão. contribui para a contratualização das trocas. por exemplo. no impulso dos Comitês implicados no processo de produção das políticas públicas européias. a possibilidade de subsídio. É interessante levantar observações.195 igualmente. têm força de lei entre aqueles que se associam por sua vontade. certamente. 3. entre outros. garantindo. as “Associações Lei 1901” se constituem livremente. É mesmo possível levar diante dos tribunais um caso de desrespeito aos ditos estatutos. As normas são produzidas cotidianamente. The Lexus and the Olive Tree.196 . Em um mundo que retorna ao contrato. certamente. cada vez menos inclinado a editar regras: época. por oposição ao direito imposto. Filosofia e Teoria Geral do Direito. A negociação se encontra ainda nos modos de produção das normas. A lex mercatoria contemporânea nasce torcendo o nariz para os direitos estatais. da desregulamentação. Os últimos decênios do século XX deixaram entrever um legislador de um novo tipo. O direito e as instituições jurídicas necessitam ser adaptadas à nova forma de interação econômica. O primeiro adviria da contratação. negociado simultaneamente na sua criação e na sua implementação. As sociedades de advogados se transformam em conseqüência. do contrato. Desengajamento do Estado. mais freqüentemente fundada sobre negociações que se seguem a conflitos. o contrato teria substituído o tratado em um mundo sem guerra fria. da deslocalização. Um direito costumeiro do comércio global se forma no cotidiano. a conseqüência do impacto das doutrinas neoliberais. da desterritorialização. A com- 17 FRIEDMAN. Straus & Giroux. A filosofia da contratualização geral das relações jurídicas desenvolveu a opinião de que o direito só se ocuparia com o público: a crer em certos autores. desenvolvimento de um mercado livre internacional: tudo isso contribui para promover a lex mercatoria em detrimento dos direitos nacionais. New York: Farra. onde os inimigos se tornaram os concorrentes17. É a extensão da privatização para a maioria das áreas da regulação social. privatização dos mercados. o modo legítimo de dizer o direito retira-se de si mesmo. se erigem fora das legislações estatais ou inter-estatais em um verdadeiro direito internacional do comércio. uma jurisprudência mesmo se estabelece. reataria a idéia de responsabilidade. chega-se ainda aqui ao direito negociado. 17:46 . 1999. Esse direito. da participação. Essa vigília em que se coloca a criação sistemática de direito pelo Estado é em parte. e opera em caso de ausência de manifestação do Estado. Thomas L. Mas. diz-se da desregulação. desregulações. às vezes. da transação.DE UMA RACIONALIDADE A OUTRA: PARA ONDE VAI O DIREITO CIVIL? desenvolvimento das privatizações e uma diminuição das intervenções do Estado. desvenda os atores à procura de um novo equilíbrio. 3. que não são mais levados à Corte.p65 196 17/5/2011. se impõem aos direitos nacionais.4. asseguram a promoção da livre troca. Understanding Globalization. Em resposta. Essa ausência de direito estatal é. 3. como o restabelecimento da soberania pelos países da Europa central e do Leste após a transformação da União Soviética em Rússia. Como se viu. ao contrário. se desengajando. por exemplo.ANDRÉ-JEAN ARNAUD . aqui. das mais soberanistas. de proteção. Aparece. Menos Estado leva freqüentemente a mais Estado. que. o termo ‘governança’. Que parte ele toma na construção. pondo em execução planos de organização territoriais. 17:46 . liberadas largamente da tutela do poder centralizado.p65 197 17/5/2011. na definição e na resposta trazida aos problemas nascidos das transformações contemporâneas do conceito de cidadania? De que maneira o direito do Estado transgride as fronteiras estabelecidas de longa data entre ele mesmo e a sociedade? Como ele facilita ou. como um direito pode ao mesmo tempo ser ditado de cima e assegurar a participação dos interesses? 3. cita-se fartamente alguns elementos mais visíveis desse desafio: a fragmentação e a reconfiguração da autoridade em hipóteses precisas. complica esse gênero de cruzamento. Mas. corporatista? Filosofia e Teoria Geral do Direito. limitada. em matéria de patrimônio da humanidade e anexos. religioso. fazendo-se isso. no entanto. uma governança local que invadiu mesmo os países tradicionais dos mais centralizados. sobretudo da parte de grupos de interesse. a construção de uma sociedade multiracial na República sul-africana após o apartheid.197 plexidade da gestão técnica das coletividades locais teve razão pelas reticências. em que isso interessaria. em particular. o Tratado norteamericano de livre câmbio. Todo o mundo tem sua conta aqui depois do Estado que. com que se criam novos modelos de soberania onde se enfrentam forças não apenas supranacionais. de tipo não apenas econômico e financeiro. limita sua própria responsabilidade mesmo para com as coletividades territoriais. as autoridades se viram confrontadas às vontades locais de cooperação. senão na maneira com que se molda um novo rosto da autoridade. a perda de soberania é grandemente um logro.6. mas também cultural. mas também transnacionais. Uma vez ainda. recuperam certa latitude na gestão local. é o papel do Estado que se encontra no centro dos debates.5. Ora. de profanação. de defesa. ou ainda as transformações operadas pela vitalidade do processo de internacionalização dos direitos do homem neste fim de século. de entrelaçamento? Como estabelecer um direito estatal que leve em conta simultaneamente os imperativos governamentais e as reivindicações da massa – em outros termos. O tumulto. ali dentro. Ele é “o” referente. Uma regulação social não pode se alforriar das disposições jurídicas fundamentais que definem o caráter público da ação. pode ser considerado o ápice do Estado de bem estar – como o homem da rua pode ao mesmo tempo venerar um Código civil oriundo diretamente do Código napoleônico feito por burgueses para facilitar o desenvolvimento do comércio. Filosofia e Teoria Geral do Direito. hipotecar o menos possível as trocas econômicas. a legalidade das ações. ou mesmo de uma revolta razoável. ou seja. mas como ferramenta de implementação de normas elaboradas alhures.p65 198 17/5/2011. poderia bem provir menos de uma resistência. de vereditos. e se rebelar contra a idéia que o processo de globalização introduz de aliança privada lá. me parece. possui uma especificidade: ele é a ferramenta de constrangimento de que dispõe o Estado para exercer o controle que lhe pertence propriamente. 17:46 . sistemática e politicamente fundada contra a maneira com que são executadas. cit. termina-se por se perguntar de que direito se trata. onde ele estava habituado a ver intervir o Estado. a legitimidade das autoridades de decisão e de controle. Não se refere a ele enquanto Escritura.DE UMA RACIONALIDADE A OUTRA: PARA ONDE VAI O DIREITO CIVIL? O direito. É curioso. contra o próprio fato de que elas possam ter lugar (“receio”. 18 Essai d’analyse structurale du Code civil français: la règle du jeu dans la paix bourgeoise. 3. o único decálogo que pode evitar a uma sociedade cair na desordem e confusão. das conseqüências da perda de proteção supostamente oferecida pela coletividade ao serviço público). É verdade que se aponta aqui um grave risco: a instrumentalização do direito.. a repartição dos papéis institucionais. diria Hayek.. do que de um reflexo. Op.7. em que medida o direito constitui um apoio ou um freio nessas transformações sociais. que não deixa de acompanhar cada uma das ondas de privatizações ou outras manifestações do desengajamento do Estado. de políticas públicas ou de programas de ação. além disso. fundado sobre a primazia do contrato18. quer se trate de compromissos. visceral.198 . a que problemas são confrontadas as instituições jurídicas sobre esses terrenos onde se manifesta uma vontade de participação cidadã mais freqüentemente reduzida à contestação. observar – perdoem-me raciocinar sobre o caso francês. Procurando conhecer o lugar e o papel do direito nessas transformações dos modos de regulação. mas este. até que formas ele pode ir sem se deslegitimizar. 17:46 .ANDRÉ-JEAN ARNAUD . mas preocupado com as conseqüências que não deixarão de ser introduzidas.p65 199 17/5/2011. Filosofia e Teoria Geral do Direito. podemos observar. não deixa de colocar um dilema ao jurista: feliz de ver reabilitado o papel da vontade privada nas relações jurídicas. com influência das doutrinas econômicas neoliberais sobre as ações e políticas públicas.199 Em suma. do Direito civil – retorno. o retorno do contrato – isto é. na medida em que ele se faz acompanhar pela última garantia do direito: o Estado. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 200 17/5/2011. 17:46 . p65 201 17/5/2011. 17:46 . Itália Filosofia e Teoria Geral do Direito.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION Antonio Anselmo Martino Professor Titular da Universidade de Pisa. económicos. I. El presente es una tentativa de aplicar a este fenómeno ora visto como una ciencia ora como una técnica con un enfoque sistémico2. es un sistema compuesto por personas y diversos subsistemas sociales unidos entre sí por vínculos de varios tipos: biológicos. 1 2 Pasando el texto clásico de Montesquieu.202 . el entorno (E). cuyas partes están relacionadas entre sí por medio de vínculos (estructura) pertenecientes a un nivel determinado. INTRODUCCIÓN La ciencia de la legislación tiene vieja data. Actualmente la Asociación Europea de Ciencia de la Legislación se transformo en universal (http://www. 17:46 . de 1749. De Diofanto. Arithmetica.eal. Además. políticos. numerosos textos y un notable desarrollo internacional a punto tal que existe una asociación mundial de ciencia de la Legislación1. para cualquier numero que sea una potencia mayor que la segunda ser escrito como la suma de dos potencias similares. Una sociedad humana. pero por razones diversas no los considero lo suficientemente sistémicos como para abordar un subsistema como este de la legislación. L’esprit des Lois. Para estudiarlo requiere la construcción de un modelo que consiste en la descripción de la composición (C). en general. con todos los peligros que ello encierra. publicada en 1670 por Clement – Samuel Fermat con las notas de su padre Pierre. la Scienza della Legislazione di Gaetano Filangieri.p65 202 17/5/2011. Cuius rei demonstrationem mirabilem sane detexi hanc marginis exiguitas non caperet Es imposible para un cubo ser escrito como la suma de dos cubos o para una cuarta potencia ser escrita como la suma de dos cuartas potencias o.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION Cubem autem in duos cubos. por lo tanto la presentación es totalmente original. 1780. Desde el punto de vista metodológico un sistema es un objeto complejo estructurado. etc. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Tengo una demostración maravillosa de esta proposición pero este margen es muy angosto para contenerla. La importancia de un enfoque sistémico es doble: por un lado metodológico. et generaliter nulla in infinitum ultra qudratum in duoes eiusdem nominis fas est dividere. por otro lado ontológico. los sistemas se caracterizan por poseer propiedades globales (emergentes o sistémicas) que sus partes componentes no poseen. aut quadrato quadratum in duos quadrato quadratos.eu/) Ha habido tentativas sistémicas en ciencia política comenzando por David Easton y en sociología por Niklas Luman. unidades productivas. Un sistema político es un conjunto de individuos que están unidos por lazos parentales. normas. costumbres. Esto último puede obtenerse de la noción de “legitimidad” de Guglielmo Ferrero. El mecanismo es la colección de procesos que se dan dentro de un sistema y que lo hacen cambiar en algún aspecto. Capacidad humana de asumir con flexibilidad situaciones límite y sobreponerse a ellas. Filosofia e Teoria Geral do Direito.ANTONIO ANSELMO MARTINO . una o más lenguas comunes y en general valores compartidos con respecto a muchas cosas comenzando por la noción de sucesión en el poder5. Es lo que trataremos de hacer. Este sistema viene formado por agentes. la estructura (S) y el mecanismo (M) del sistema. normas sociales de convivencia. instituciones. pero para poder sostener esta tesis es necesaria la construcción de un modelo que consiste en la descripción de la composición (C). la estabilidad. Es sistema Legislación. el politólogo más famoso que se ocupo de este tema. creencias. organizaciones. un sistema jurídico. pasim.p65 203 17/5/2011. Diccionario de la Real Academia: Psicol. Un sistema político es la plasmación organizativa de un conjunto de interacciones dinámicas a través de las cuales se ejerce la política en un contexto limitado. que modifican la utilización del poder por parte de lo político a fin de obtener el objetivo deseado. valores y sus respectivas interacciones. comportamientos. Desde el punto de vista ontológico el desafío es más grande: se trata de probar que además del modelo de reconstrucción metodológica hay un objeto compuesto complejo. No me aflige la complejidad del problema 3 4 5 Mario Bunge. Hay una propiedad en los sistemas que la resiliencia o sea la capacidad de los sistemas de volver a la estabilidad dinámica luego de una catástrofe4. la explicación científica del comportamiento del mismo la brinda la descripción de su(s) mecanismo(s). que mantienen o modifican el orden del que resulta una determinada distribución de utilidades. si bien el conocimiento de un sistema concreto radica en la descripción de los cuatro aspectos mencionados. no sería más que un subsistema del sistema político. 17:46 . Más precisamente. el entorno (E). ideales. es decir de los procesos de los cuales resultan la emergencia. llamado subsistema legislación que tiene las características descriptas en el modelo sistémico. conllevando a distintos procesos de decisión de los actores. el cambio y la desintegración de un sistema3. actitudes.203 la estructura (S) y el mecanismo (M) del sistema. Esta parte es estudiada sobre todo por sociólogos y politólogos. según el que la vida política es considerada como un proceso de imputs o demandas que provienen de un entorno externo económico. Como encauzar las propuestas. podría tratarse de un problema de creencias: manejar el modelo metodológico per no creer que haya un objeto complejo llamado Legislación no me preocupa. son pues un artificio cultural y son creadas para modificar algunos resultados político-sociales de las leyes sociales que no nos gustan. en cuál ámbito crecen y maduran. como se preparan los textos y como se los inserta en el sistema jurídico. que aúna a juristas y politólogos lo que se llama la producción política. inmersa en una teoría y representativa de una regularidad objetiva”. dado que – al contrario – deberían ser las demandas sociales a propulsar la creación de normas. El fulcro de la legislación. normas. El lector. entre las cuales la legislación es la más importante. de una norma en el sistema legislativo. Me apremia poder justificar el modelo metodológico.p65 204 17/5/2011. Mantengamos clara la distinción entre leyes y normas (legislativas). social. en definitiva. en relación entre ellas en modo de constituir una red ordenada de conceptos que sirven a la explicación y a previsión de un campo vasto. que se limita a explicar cómo en algunos Filosofia e Teoria Geral do Direito. en cuáles ámbitos institucionales – ya. En materia jurídica podemos pensar a la teoría de Hans Kelsen y en campo político a aquel de David Easton. Con respecto a la ontología. las instituciones son un artificio cultural legislativo no indiferente. Las normas legislativas. Tales argumentos han producido una polémica sobre las políticas institucionales.. religioso que se transforman en ouputs o respuestas del sistema político. Debemos añadir que por teoría entendemos un conjunto de proposiciones. 17:46 . reside por lo tanto sobre su eficacia y esto. Estas respuestas legislativas a su vez retro actúan sobre el entorno circunstante provocando nuevas preguntas. sin el cual todo este esfuerzo no tiene sentido. Hemos definido las leyes como “una hipótesis general empíricamente confirmada. Esta última parte pertenece a la tradición jurídica y hay toda una enorme literatura del efecto que produce la introducción.204 . Como se toman decisiones colectivas. puede dar lugar a comentarios sarcásticos. no todas con status empírico. tal vez deba tomar alguna decisión al final del artículo. Dentro de cuál cultura política. Un programa debería empezar en las preguntas sociales que incitan la creación legislativa. o la abrogación.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION pues considero diferentes las dos instancias. En el fondo el problema de la legislación absorbe en parte preponderante el tema del gobierno. El titulo es “el discurso por el cual mataron a JFK” lo que es anti sistémico: encontrar una sola causa para un magnicidio. como siempre en ciencias sociales son no solo las descripciones de cómo van como las cosas sino también las recomendaciones de podría hacerse para mejorarle que es – especularmente – la parte prescriptiva de las ciencias sociales: dar normas para mejorar. Hay una convicción de fondo que acompañará artículo y es desaforadamente negativa.205 casos van las cosas a un determinado país en cierto período. aunque deba ser reconocido que con buena paz de las categorías profesionales que tanto los científicos cuántos los filósofos hacen ambas cosas: descripción y prescripción La ley. pasando por el derecho. En esta parte participan particularmente los filósofos del derecho y la política. Per es interesante pues contiene todos los elementos que deberían acompañar una acción de gobierno y en particular la legislación. si hay un predominio del Ejecutiva sobre lo Legislativo y porque. La situación es paradójica y habría que hacer algo para mejorar esta situación en la que la vida de la legislación depende de su eficacia. La calle por recorrer todavía es inmensa pero un poco de orden sobre las cosas hechas puede ser realizado. la simplificación y la publicidad de las acciones de gobierno recomendables? ¿A cuales niveles? ¿En qué parte volverlas secretas6? ¿Cómo se mide la eficacia de una ley? ¿Pueden mejorar las formas de redacción y control de las normas legislativas? ¿Cómo hacer para hacer participar activamente en el planeamiento de la ley aquella parte de la sociedad civil reacia a la organización? La simple enumeración de los temas presenta una vastedad que solicitaría un trabajo ciclópeo. 17:46 . imaginemos para los pobres ciudadanos a quienes está dirigida.com/ watch?v=-F4QeCdvtEU>. ¿Cómo se gobiernan las sociedades complejas? ¿Cómo se prevén y se realizan políticas públicas? ¿La transparencia y la publicidad de las acciones del gobierno en cuánto inciden en la eficacia de la acción gubernativa? ¿En cuánto en el deniego político? ¿Son la organización. Afortunadamente una parte enorme de este trabajo ya ha sido hecho en muchas disciplinas por la economía a la política. en el sentido de legislación. vale a decir que las ciencias sociales no han podido. Paralelamente.ANTONIO ANSELMO MARTINO . Kennedy que se lo puede escuchar en <http://www. 6 Hay un famoso discurso de John F. es prácticamente desconocida. pero comúnmente es desconocida hasta para los expertos.p65 205 17/5/2011. Filosofia e Teoria Geral do Direito.youtube. espero positiva. algo parecido a creencias y pocos están dispuestos a rever las propias creencias. Cada nuevo acontecimiento histórico nos encuentra con nuestros científicos sociales a decir que no están preparados a decir nada o porque el hecho es demasiado particular – por lo tanto no ingresa en lo ordinario – o que sus cañones son apuntados por alguna otra parte. Hay una parte de los sistemas o subsistemas políticos y jurídicos que tendemos a dejar de parte y es que son artilugios culturales que tienen un nacimiento. comienza a dar signos de declinación para buscar sus causas y tratar de mejorarlas. en la Crónica de la guerra del Peloponeso pone en boca de Pericles esta frase “nosotros ateniense sabemos dar prueba de gran osadía. una declinación y una muerte. como el de la legislación. porque pocos están dispuestos a que les muevan el piso. el que significa que o somos distraídos o somos incompetentes. como se hace en biología y en muchas otras disciplinas. Filosofia e Teoria Geral do Direito. porque cuando reflejan. En otros pueblos la osadía es fruto de la ignorancia. resolver la parte más estrechamente empírica de su enredo de teoría y empirie. Quizás sea esta la parte más difícil de aferrar de las ciencias sociales. Estoy convencido que hay muchas partes de la conducta humana individual y colectiva – a empezar de los criterios últimos de elección que no podrán ser domesticados y presentados al lector cuál mesas pitagóricas. La otra convicción de fondo que intenta justificar este artículo. pero también soy convencido que las ciencias sociales tienen un deber de rigor tal como en las ciencias duras o en biología no se permite hacer ciencia debajo del conocimiento del estado del arte internacional. caen en indecisiones”. 17:46 . La caída del muro de Berlín y la desaparición de la unión Soviética. es la convicción que la cientificidad de la ciencia social es posible y solicita de ella que podamos conseguir los datos y los procedimientos para mejorar la condición de la legislación como forma de gobierno.206 . lo empírico justamente porque ella nos obliga a volver a ver nuestros paradigmas cognoscitivos y sobre esto somos – justamente – circunspectos7. Generalmente olvidamos esta ultima parte y ella sería útil para descubrir cuando un sistema (o subsistema que sea. pero sólo pasamos a la acción después de profundas reflexiones.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION intencional. Tucidides. un desarrollo. nos encuentra puntualmente desprevenidos. o sabido.p65 206 17/5/2011. el atentado a las torres gemelas de Nueva York y a los cacerolazos de la Argentina. no interesa. 7 Los paradigmas teóricos son una especie de piso donde se asientan nuestras ideas. 17:46 . es el único instrumento que tenemos! Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 207 17/5/2011. Hay muchos otros elementos. ¡Aunque la parte del que podemos ocuparnos es pequeña en referencia al conjunto de los factores de una decisión pública es sin embargo mucho más grande de lo que se crea y por fin. Nuestra convicción es que se puedan individualizar los aspectos racionales de una elección política. No queremos sustentar que estas temáticas dependientes de sentir irracional a nivel individual y colectivamente contagiosas se puedan solucionar. El poeta peruano Augusto Lunel definió muy bien esta ansiedad de rechazo en toda América latina de la triste realidad por una quimera aceptable en las primeras estrofas de su Panfleto (llamado Cartel) “estamos contra todas las leyes a empezar por la de la gravedad” sin embargo este no es una prerrogativa latinoamericana ni del siglo XIX lleva de algún año la noticia de la resistencia de algunos carniceros británicos y a la ordenanza de adoptar los pesos y las medidas de la unión europea y han destruido las balanzas que no pesaban en libras. Los rebeldes atacaron y quemaron las tiendas destruyéndolas nuevas medidas de peso de modo que devolverle inutilizables. Esto hará de nuestro conocimiento un conjunto más completo. Sólo utensilios para dar del reflexión a la acción y a no meandros para justificar la indecisión.ANTONIO ANSELMO MARTINO . Obviamente no podemos ocuparnos de lo que no conocemos y por eso existe el famoso olfato político capaz de prever situaciones y soluciones políticas o también de constituirle. comenzando por las emociones que alimentan y enderezan una decisión. en aquel entonces por aquella sociedad. También es bueno ocuparnos de esa parte cuando tengamos los suficientes elementos y conocimientos para abordarlas. No podemos pensar que toda decisión humana sea racional. Al fin del siglo XIX en Sergipe y Bahía hubo una revuelta rural contra el sistema métrico decimal organizado por un carismático Ibiapina.207 Es curioso que ya en el siglo quinto antes de Cristo los atenienses considerara importante reflejar intensamente y antes de pasar a la acción porque supieron que no hay otro medio para lo humano social que la razón y las reflexiones. Y nuestra convicción que se pueda encontrar la parte racional de cada situación previa o posterior a la elección de una política pública y es necesario para hacer eso todos los criterios racionales y que se han desarrollado en la historia de la humanidad y en más los datos del contexto político que da un fundamento al porqué de esta decisión y no un otro. LOS ELEMENTOS DE LEGISLACIÓN Si. pasadas de su tiempo previsto de aplicación y sobre todo conteniendo en el orden jurídico todas aquellas leyes que fueron derogadas por las razones antes expresadas o por la mas técnica de una ley posterior. las nacionales como España. lleno de normas derogadas. Cuales son los elementos de la legislación – en cualquier nivel que sea: primero la existencia de un legislador (generalmente es un cuerpo colegiado). la estructura (S) y el mecanismo (M) del sistema. las municipales como las de Salto en Uruguay o las de Ibagué en Colombia y finalmente las intra comunales como en las 13 Comunas de la ciudad autónoma de Buenos Aires o las 130 de Moscú. pero además tenemos una legislación como cuerpo de normas vigentes desastroso: super poblado. el entorno (E). pues los casos son muchos: están las supranacionales como el caso de la Unión Europea. contradictorio. Esto es una delimitación político geográfica a la que hay que agregar legislaciones por Instituciones. Las estaduales o provinciales como las de Arizona en EEUU o Córdoba en Argentina. como dijimos antes desde el punto de vista metodológico un sistema es un objeto complejo estructurado. o el Mercosur. tercero un orden jurídico vigente que resulta de restar todas las leyes abrogadas Filosofia e Teoria Geral do Direito.208 .p65 208 17/5/2011. Aquí aparece la primera dificultad y el primer obstáculo epistemológico. cuyas partes están relacionadas entre sí por medio de vínculos (estructura) pertenecientes a un nivel determinado y Para estudiarlo requiere la construcción de un modelo que consiste en la descripción de la composición (C). Hay que asumir lo del objeto complejo y estructurado y hay que construir un modelo como el propuesto. mucho menos desde el punto de vista ontológico. obsoletas. por eso es muy importante desde el punto de vista metodológico. desplazadas por el uso de nuevos elementos. segundo una sociedad civil que tiene demandas para que se cambie el orden jurídico vigente y que en definitiva sufrirá las consecuencias de la acción legislativa. 2. como por ejemplo las impositivas de la Afip en Argentina o dell’Agenzia delle Entrate en Italia. Hay que decidir qué tipo de Legislación queremos afrontar. Costa de Marfil. No nos gusta cumplir la ley. Las relativas a un tema como “derechos humanos” o “medioambiente”. La determinación del ámbito legislativo va a determinar cuál es el ambiente de legislación al que le aplicaremos el modelo. 17:46 . pero útil para mantener los pies en la tierra. etc.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION En América Latina padecemos de anomia. Brasil. en caso de legislación local. La larga historia de los Congresos (sistema presidencial) y de los Parlamentos (sistema parlamentario) es la resultante de la tensión permanente entre el Ejecutivo. cuarto actores sociales o políticos interesados en ciertas soluciones por encima de otras (grupos de interés) y agentes de esos grupos de interés que en algunos casos están expresamente reconocidos como lobbystas (o cabilderos) y otros actúan como tales sin tal reconocimiento.ANTONIO ANSELMO MARTINO . 2. la división de poderes tripartita quiere al Legislativo como un poder especial dedicado a hacer leyes. Desde Montesquieu. Lo mismo se diga a nivel provincial y de legislación local.209 a las que fueron creadas con un procedimiento marcadamente formal. en caso de legislación nacional. segundo en algún sentido de la misma (no importa si conscientemente o no). Primera consideración: hay que determinar en cual sistema político nos encontramos para saber las funciones y los límites del poder legislativo. nación. de una ley provincial.1. en caso de legislación provincial. mientras que en la mayor parte de los otros sistemas presidenciales la comparte con el Ejecutivo. 17:46 . Estos elementos son difíciles de analizar pues determinado un contexto ellos se definen conforme al mismo. pero también de ciencia política para saber de hecho como se comportan los poderes del Estado. se llame Presidente o Primer Ministro. Por ejemplo quien es el legislador es necesario saber si se trata de una ley federal. de una ordenanza municipal o de decretos u ordenanzas relativas a los Ministerios de un Ejecutivo o a la emanadas del cuerpo colegiado ad hoc. Solo él tiene la iniciativa legislativa.p65 209 17/5/2011. En los sistemas parlamentarios el Ejecutivo es la expresión de la voluntad del Parlamento por lo tanto es normal que a este vengan delegadas las iniciativas más importantes. sexto un sistema político del cual la legislación es solo un subsistema con el cual debe comerciar para la modificación. Son importantes las normas relativas al Congreso en la Constitución norteamericana. EL LEGISLADOR Es el motor principal de la legislación. otros países en caso de legislaciones supranacionales. quinto medios de comunicación que van creando un ambiente primero sobre la necesidad de la reforma. sistemas supranacionales. septimo el contexto político (según el caso) provincia. Es un tema de derecho constitucional. y el órgano destinado a crear leyes pues el primero trata por todos los Filosofia e Teoria Geral do Direito. en particular. ex Presidente de la Cámara de Diputados italiana que paso por 8 partidos. tiene la mayoría en la Cámara de los Comunes y tiene la agenda parlamentaria. 17:46 . Poder presupuestario: el Parlamento comparte el poder presupuestario con el Consejo ya que vota el presupuesto anual. Diferentes son las funciones de un parlamento supra nacional como el Europeo. La caída de las ideologías y el “pragmatismo” que está llenando la vida política hacen difícil la función de los partidos políticos y lleva a dos fenómenos que empobrecen la fuerza de los Congresos o Parlamentos: primero la fragmentación exagerada de los antiguos partidos8. de un grupo a otro9. Podríamos resumir las funciones de este orden. le confiere carácter ejecutorio con la firma del Presidente de la cámara y controla su ejecución.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION medios de obtener la primacía en esta materia.210 . Las principales funciones del Parlamento Europeo son las siguientes: Poder legislativo: en la mayor parte de los ámbitos el Parlamento comparte el poder legislativo con el Consejo de Ministros a través del procedimiento de codecisión.p65 210 17/5/2011. Control político de las instituciones europeas y. segundo la circulación de parlamentarios de una a otra parte del espectro político. se paso al Frente para la victoria. Filosofia e Teoria Geral do Direito. El Parlamento puede aprobar o rechazar el nombramiento de los miembros de la Comisión y tiene poder 8 9 En Argentina. Y hay que reconocer que lo va logrando los Ejecutivos y no solo en los sistemas presidenciales con fuertes presencias populistas autoritarias. Realiza asimismo una labor de supervisión del Gobierno y de otros organismos públicos y se pronuncia en materia de política exterior. Por otro lado piénsese en el poder del Primer Ministro británico: es jefe del partido de Mayoría. Muchos presidentes se soñarían tal poder. logrando acuñar un adjetivo y hasta un verbo con su apellido. La mayoría de las resoluciones adoptadas por el Parlamento se basan en iniciativas presentadas por el Gobierno. Con 69 senadores hay grupos unipersonales. En Italia sucede otro tanto con más de 20 grupos parlamentarios en cada cámara. En Argentina el caso famoso es el del medico Borocoto que – inmediatamente de ser elegido en las filas del Pro. El parlamento sueco promulga leyes y decide sobre los presupuestos del Estado. la Cámara tiene 29 partidos reconocidos como grupos y en el Senado hay 26. de la Comisión. también en los sistemas parlamentarios. El record creo que se a de Irene Pivetti. 211 para destituir a la Comisión en su conjunto mediante una moción de censura. las fuerzas armadas. ya que pueden examinar también la actuación de los Estados miembros en la aplicación de las políticas comunitarias. En América Latina la sociedad civil está ausente o no es lo suficientemente bien articulada como hubiese pensado Kant. Hay grupos de presión que cabildean (lobbing) intereses específicos de sectores mucho más específicos.p65 211 17/5/2011. la Iglesia católica. El legislador moderno esta más en los ejecutivos que en los legislativos propiamente dichos y para eso basta ver las estadísticas de los cuerpos legislativos nacionales en los cuales los proyectos de los legisladores que llegan a transformarse en ley no superan el 2%10. LA SOCIEDAD CIVIL La internacionalización es lo que es llamado hoy globalización y que Kant bautizó con el nombre internacionalismo “una constitución que garantice la mayor libertad humana según las leyes que permiten a la libertad de cada coexistir con las libertades de los otros Y añade en la tesis de la idea de una historia universal del punto de vista cosmopolita “una sociedad civil que imponga universalmente el derecho puede garantizar la paz”. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Que defienden intereses específicos de ciudadanos en condiciones particulares como la de vivir en un barrio particular de Caracas. Por eso la llamada sociedad civil llega al legislador con pedidos 10 11 En general limitare mi análisis a los países de America Latina. No existen espacios específicos de debate y confrontación de las diferentes visiones para obtener una tal o cual ley.2. sean los industriales de San Pablo o los sindicalistas argentinos. generalmente con regimes presidencialistas y con características que son fáciles de seguir. El Parlamento tiene además la posibilidad de constituir comisiones temporales y de investigación cuyos poderes no se limitan a la actividad de las instituciones comunitarias. la miríada de Ongs. Si tiene dudas enuncie los 10 movimientos culturales más importantes de América Latina actualmente. Los grupos intelectuales generalmente más ocupados en su propia imagen que en valores culturales específicos11. 2. ni institucionalmente ni en forma espontanea. 17:46 . las multinacionales. Bogotá o Rio de Janeiro. También ejerce un poder de control sobre las actividades de la Unión a través de las preguntas escritas u orales que puede dirigir a la Comisión y al Consejo.ANTONIO ANSELMO MARTINO . en indicadores como población. Es el que tiene mayor riqueza en recursos naturales de los BRIC. grupo en el que es el segundo PBI por debajo de China y la tercera población superando a Rusia. En el Índice de International Policy Network. De la UN (IDH). en el PBI per capita en dólares.p65 212 17/5/2011. Rusia. lo supera levemente en el acceso a tecnologías.UU. pero una percepción de corrupción peor. De esta manera la legislación pierde el carácter general y abstracto que la debiera caracterizar para volverse cortoplacista y de parte. Analicemos los índices de los 4 países (Brasil. La caída de las ideologías ha llevado a la política a un hiperrealismo que excluye los grandes proyectos de país. La gran ventaja de Brasil en el siglo XXI es su riqueza en recursos naturales. Colombia y la Argentina). Filosofia e Teoria Geral do Direito. Son contados los países del subcontinente que tengan proyectos serios de país que se continúan en el tiempo exceptuando Chile y Brasil. De acuerdo al World Economic Forum. unida a su gran población y ello le asegura ser una potencia global. siendo el 113 sobre 179 y siendo el 127 sobre 183 países en facilidad para iniciar negocios. Pero en otros indicadores pasa a ser un país común. PBI. En el Índice de Desarrollo Humano 13 ocupa el lugar 73 sobre 169 países y en el de percepción de corrupción que elabora Transparency International. seguido por China en el segundo lugar. El informe “Planeta Vivo”12. En el primer indicador. Donde el país queda por debajo del promedio mundial en el Indice de Libertad Económica de la Heritage Fundation. da cuenta que es el primer país del mundo por su riqueza en recursos naturales. 71 sobre 182 para el Banco Mundial. 95 sobre 19214. en el tercero. ocupando el puesto 61 sobre 133 países15. en el cuarto e India. territorio. 18 puestos por 12 13 14 15 16 Elaborado por World Word Fund en 2010.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION generalmente muy específicos de sectores muy pequeños para obtener beneficios ciertos pero pasajeros y contingentes. etc.. en el quinto. México tiene un PBI per capita mejor que el de Brasil. está en el 69 sobre 178. Se aproxima también al promedio en calidad institucional. los que en conjunto representan entre el 80 y el 70% de la región. para el Banco Mundial.212 . En el Property Right Index. 17:46 . ocupa el lugar 53. está en el lugar 64 sobre 125 en respeto de la propiedad16. EE. México. mientras que Brasil está en el 83. En percepción de corrupción. 24 puestos por delante. El gobierno brasileño parece haber decidido enfrentarlo antes que llegue al nivel de México. que está en el 113. En el indicador en el que el país está muy mal calificado es en el de Paz18. Su gran ventaja está en la riqueza en 17 18 Que elabora The Economist. la economía mexicana se abrió y su sistema económico en gran medida ha tenido la impronta del norteamericano. está en el lugar 67 y Brasil es 64. México está 29 puestos por debajo y ello se puede constatar con la forma con la que uno y otro país están enfrentando el problema para la seguridad que implica el desarrollo del narcotráfico. Ello explica porque en el Indice de Desarrollo Humano está también 17 puestos antes. En Libertad Económica está en el lugar 58. que ocho años atrás era un país azotado por la guerrilla y el narcotráfico. Es que la imagen colombiana sigue afectada por décadas de violento conflicto interno. ubicándose en el puesto 41 sobre 179 países. con indicadores muy contradictorios. en el segundo (IDH) está en el 79 y Brasil es 73 y en el tercero (propiedad). En el primer indicador (PBI per capita). y mantiene un sistema económico más cerrado y con más influencia de la burocracia estatal. lo que implica 72 puestos por encima de Brasil y lo mismo sucede con la facilidad para iniciar negocios. En el indicador que México saca clara ventaja es en el de Libertad Económica. ello implica 9 puestos por debajo de Brasil y 20 por encima de México. está sólo cuatro lugares por debajo de México y 92 antes que Brasil. En facilidad para iniciar negocios.UU. donde México está 92 puestos antes que Brasil. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Ello implica 55 lugares por debajo de Brasil y 9 por detrás de México. De The Economist.p65 213 17/5/2011. Colombia ocupa el lugar 77 y Brasil es 71. Con el Nafta. Colombia está en el lugar 78. en el que queda en el lugar 138 sobre 149 países. La Argentina es el tercer PBI de América latina y la cuarta población. Colombia es el tercer país en población de América latina y el cuarto PBI – lo tiene per capita similar al de Brasil – lo mismo sucede con el Desarrollo Humano y con respecto del derecho de propiedad. 17:46 .213 encima de Brasil. La analogía con Brasil es una evolución positiva para Colombia. En cambio.ANTONIO ANSELMO MARTINO .UU. México ocupa el lugar 107 sobre 138 países. La economía es más abierta y busca el demorado TLC con EE. bastante por debajo de México que ocupa el 41 y muy por encima de Brasil. Pero en percepción de corrupción. Esto explica por qué en el Índice de Paz17. Brasil rechazo el libre comercio con EE. Es así como en las condiciones para atraer inversiones. o que provocan su derogación. son los países con más riqueza en recursos naturales per capita. de allí que sea muy importante saber cuáles son las normas en vigor. Pero. 17 después que Colombia y 12 por debajo de México.p65 214 17/5/2011. en percepción de corrupción ocupa el lugar 105 del mundo. la Argentina tiene una buena posición ocupando el lugar 46. lo que implica 20 puestos por debajo de Brasil. 17:46 . Lo mismo sucede en libertad económica. Al los constitucionalistas les encanta hablar de un legislador originario. inmediatamente debajo de Chile que está en el 45 y es el segundo de América latina. Filosofia e Teoria Geral do Direito. pues legislar es siempre modificar el orden jurídico existente20. esto es gente más culta. En materia de Desarrollo Humano. ocupando el lugar número 9. indicador en el cual está 86 lugares después que México. pero por nuestra cultura europeo continental es la más importantes de las fuentes del derecho. 77 luego de Colombia y 22 por debajo de Brasil. En esta variable. en cambio. 19 20 Esto muestra que la fractura entre la sociedad civil y la política es muy grande: es el país con el mayor desarrollo humano. EL ORDEN JURÍDICO VIGENTE La legislación continua a ser el autput más importante de los sistemas políticos y como tal precisa de una gran atención que va de las demandas sociales que las provocan. con unos de los índices más altos de corrupción. Respecto del derecho de propiedad.3. 2. que siempre es muy difícil de materializar.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION recursos naturales. 27 antes que Brasil y 33 antes que Colombia. hasta los procedimientos de orden y consulta accesible pasando por cómo se eligen las políticas públicas y las relaciones políticas entre los poderes del estado y la sociedad civil. Junto con Canadá y Australia. Ello se corrobora. lo que puede impedir aprovechar la excepcional posición en riqueza de recursos naturales19. lo que implica 36 por debajo de Brasil. 27 por detrás de Colombia y 7 después de México. la Argentina está en el puesto 84 sobre 125.214 . La legislación es uno de los elementos del orden jurídico vigente. ya que junto con Brasil integra los diez países más ricos del mundo en esta materia. al observarse que ocupa el lugar 50 sobre 155 en PBI per capita y en cambio está en el 120 sobre 192 en calidad institucional. La Argentina muestra así una fuerte contradicción entre su posición en Desarrollo Humano y en percepción de corrupción. la Argentina se encuentra relegada en el contexto latinoamericano. el país está diez lugares por encima de México. Anales. En segundo lugar porque afronta el tema sustancial del derecho en vigor. separando lo vigente de lo no vigente en forma controlable. A. Anuario de sociología y Psicología jurídicas Barcelona. 1.A. las implícitas. Martino & J.p65 215 17/5/2011. “Corruptissima respublica. West Pubblishing Company. 3. A. Edited by Charles Walter St. Roma 1977. p. A. Semánticamente parecerá sutil la diferencia pero no lo es en los hechos. lo cual es paradójico. 1985. obsoletas y las tan temidas derogaciones implícitas24. pues todos los sistemas los protegen con procedimientos especiales al fin de hacerlos reconocibles. no puedo saber cuál es el 21 22 23 24 Antonio A. 1977. p. pag. propuesta al congreso italo argentino de filosofia del derecho. En 1988 recién aparecía la ley 24967 de creación del Digesto Jurídico Argentino y la preocupación era no perder la oportunidad de realizar una obra ciclópea que solo asustaba el enunciarla. A. El 28 de agosto de 1998 publiqué en La Ley un artículo del título El Digesto Argentino. Demasiadas leyes. anno X.215 La importancia de la legislación en nuestra vida ha crecido tal como ha crecido su falta de acceso. El problema consiste en que el derecho vigente es un subsistema del derecho que fue creado. Paul. Vanossi. Martino. Martino “La contaminación legislativa”. A. 27. Studi parlamentari e di politica costituzionale. 413/466 ISBN 0-314-95570-4 Filosofia e Teoria Geral do Direito. El caso más interesante es el del Digesto Jurídico Argentino23.ANTONIO ANSELMO MARTINO . Una oportunidad para no perder casi siete años después modificaría el titulo indicando que es una oportunidad para aprovechar. 1975. esto es de resolver los problemas de contaminación legislativa esto es del crecimiento desmedido de las normas sin un criterio valido que elimine del sistema las que ya no están en vigor por objeto cumplido. La inaccesibilidad de la legislación tiene muchas causas entre ellos la contaminación legislativa: el crecimiento desmedido de las leyes y la imposibilidad de eliminar la basura: leyes derogadas 21. 1973. El sistema jurídico es una acumulación de textos normativos en los cuales es relativamente fácil establecer los criterios de creación. Separata del ANUARIO 1977 Sociología y Psicología Jurídicas – Barcelona. Martino “La contaminación legislativa” Buenos Aires. Y si no conozco el conjunto de textos normativos que constituye el subconjunto de normas derogadas. aquí hago solo una síntesis. Habiendo sido uno de los ideólogos remito a mi producción sobre el tema. no. Why an automated analysis of legislation? Computing power and legal reasonning. Martino “La progettazione legislativa nell’ordinamento inquinato”. A. 47-63. Tácito. plurimae leges”22. A. Existe la metodología científica que ha estudiado estos problemas y que ha recabado en el tiempo formas de consolidación legislativa. Las abrogaciones explícitas se conocen. Remedios a la contaminación legislativa. nº 38. menos todo aquel que fue abrogado. LA CONTAMINACIÓN LEGISLATIVA.21. que afronta todo el derecho nacional dividido por la ley 24967 en 26 categorías (materias) esto es todo el derecho nacional y por completo. 17:46 . poco conocidas y poco aplicadas. 1977. 17:46 . sin embargo. Manuela Sassi. Daniel Altmark (coordinador ejecutivo) y Horacio Álvarez (Director Académico). Allí partió la aventura.p65 216 17/5/2011. Silvia Pfarherr y Maria Cristina Pagano. que dirigí entre 1983 y 199225. Se trata de un verdadero trabajo de consolidación como dice el titulo de la ley 24967. italianos.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION derecho en vigor. pero es como nombrar un árbitro en un juego en el cual más de la mitad de las reglas no se sabe si rigen o no. Martino y el equipo de trabajo: Carlo Biagioli. Ciertamente. juristas documentalistas argentinos y juristas informáticos italianos y miembros del Instituto per la Documentazione Giuridica del Consejo Nacional de Investigaciones italiano. informáticos. así como lo quería la ley 24967 el Ministerio de Justicia llamo a licitación pública en la cual se presentaron diferentes grupos. Un consorcio entre la Facultad de Derecho de la Universidad de Buenos Aires y las principales empresas de publicación de textos jurídicos (La Ley. lingüistas. para evitar la parálisis se atribuye a algún tribunal supremo (en cualquier sentido e instancia) declarar la ley en vigor. Para realizar el Digesto Jurídico Argentino. Pietro Mercatali. Filosofia e Teoria Geral do Direito. es importante recordar que se sucedieron un numero exagerado de presidentes y de ministros de Justicia. La primera parte coordinada por quien escribe contó con un grupo de juristas lingüistas. Roberto Bocchini. En estos siete años. Jurisprudencia Argentina y el Derecho) que ganaron la licitación para hacer el Digesto. documentalistas que ha rondado la centena dirigidos todos por el Prof. Y esto más allá de la cualidad científica del intérprete o su posición en el ordenamiento. En agosto de 1999 comenzó la empresa dividida en dos partes: una relativa a la redacción de un Manual de Técnica Legislativa y otra. Para que pudiera funcionar este enorme engranaje fue creada ad hoc una parte nueva del edificio de la Facultad de Derecho de la Universidad de Buenos Aires gracias a la audacia y al tesón de su entonces decano Dr. Atilio Alterini (director general) y compuesta por los doctores Ramón Brenna (director técnico). Andrés D’Alessio. mucho más grande encargada de revisar todos los textos normativos emanados a partir de la Constitución de 1853. La revisión de todas las leyes y decretos reglamentarios ha sido una obra más fatigosa y realmente monumental hecha por personal especializado de juristas. embestida por 25 Para ser precisos: La dirección Antonio A.216 . afortunadamente una de ellas derogada.217 la onda de la intranquilidad y el desequilibrio es conveniente reconocer que todas las gestiones políticas han reconocido la importancia trascendental de la obra y mantuvieron inalterado su apoyo dándose cuenta que algunas empresas necesitan la larga mirada del estadista que supera las diarias peripecias del político. sea para mostrar cómo no se debe hacer. sea para mostrar cómo se debe hacer. 26 27 ISBN 987-9496-01-9.html. llenando solo los espacios.gov. 17:46 . Consta de 27 definiciones. Esta acompañado de ejemplos de la legislación argentina. El Manual finalizo en el 2001.it/dsp/didattica/Digesto/ manual. El Manual consta de cinco partes una primera sobre la estructura lógico sistemática de las disposiciones normativas. Las reglas se dictan siempre en un ambiente que tiene un contexto interpretativo y no otro. una cuarta parte relativa a las referencias (internas e externas) y una última dedicada a las modificaciones. Que hubo en la argentina leyes con el agregado “y medio”. Hay fórmulas para mostrar que en algunos casos el modo mejor de evitar equívocos es seguir fórmulas pre establecidas.p65 217 17/5/2011. La revisión concreta siempre guarda sorpresas. esto es un escueto listado de enunciados que sirven para corroborar que se está en la buena senda.unipi. Tiene una check list. Esta también acompañado por una check list. una tercera sobre la escritura de textos normativos. Todas las consideraciones teóricas están obviamente fuera del Manual pero lo acompañan para afrontar algún problema teórico27. Así se descubrió que ley nº 1 hubo dos. 71 reglas y ejemplos de la legislación argentina sea para mostrar el modo correcto de legislar sea para mostrar el modo incorrecto. Filosofia e Teoria Geral do Direito. se entrego y está a disposición en las publicaciones sobre papel que hizo el Colegio Público de Abogados de la Ciudad de Buenos Aires (en 9000 ejemplares)26. Se siguieron al pié de letra las indicaciones de la ley 24967 y en la parte pertinente el decreto 333/85 en todo aquello que pudiese ser compatible con un sistema prolijo y coherente.antonioanselmomartino. Algo parecido a lo que hacen los pilotos de aviones antes de partir para asegurarse que la aeronave esta substancialmente en condiciones. una parte segunda sobre el lenguaje normativo.htm> y en exwwww. Artes Graficas Candil se lo puede encontrar en Internet en <www. En la versión electrónica interactiva se puede consultar en <www. El Manual ha sido ya utilizado por los juristas que han revisado las leyes y comienza a ser un estándar de legislación.ar/ minjus/ssjyal/PDJA/UBA/Manual/manual1.it>.ANTONIO ANSELMO MARTINO .sp. y los fundamentos teóricos de su redacción.jus. 000. Eduardo R. Sinopoli. 3. Impositivo. Juan V. Correa. A partir de allí comenzó la fatigosa labor para poder quitarle a) todos los textos que habían sido abrogados expresamente. Internacional Publico. De la comunicación. Lo importante es que el producido de este trabajo consistió en establecer un universo de unos 47 mil enunciados normativos entre 27 mil leyes y 22 mil decretos. Graciela Messina. Diplomático y Consular. Gauna. Seguridad Social. 19 Penal. Político. Aeronáutico – Espacial. Ciuro Caldani. 8. Gonzalez y José D. Jorge L. 4 Bancario. derecho: 1. 17:46 . 26 Transporte y Seguros28. Camilloni. Medio Ambiente. Carlos M. 6. Roberto M. Mordeglia. 13. 22. Eduardo A. José a. 10. Eduardo T. 16. Estas materias son. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Ihenoch Aguiar. Constitucional. Borberon. 5 Civil. Oscar H. Juan O. 7. R. Etala. 25. Internacional Privado. 11. 9. Hasta el momento el Ministerio no lo ha pasado al Congreso por lo cual el actual ministro Julio Alac se comprometió a hacer los 5 años que quedaron en blanco a través del organismo de informática 28 Los presidentes de las comisiones siguiendo el orden de las materias han sido: Jorge Saenz. Comercial. Monetario y Financiero. Kielmanovich. Bunge.218 . Guillermo Moncayo. Publico Provincial y Municipal. 21. Requeijo. Diego C. 23. Obviamente esta última parte estuvo a cargo de una comisión de juristas destacados de cada una de las categorías jurídicas como está previsto en la ley 24967. Laboral. Maria C.Administrativo. Haciendo números redondos gracias a los tres primeros criterios se paso de 47 mil textos normativos a unos 20. Santiago M. Debe ser creada una comisión bicameral que lo apruebe para que exista el acto de imperio que transforme los 47 mil textos normativos en los 6000 que resultan luego de todo el trabajo.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION Hubo leyes secretas (parece un oxímoron) que vuelven a ser cuestionadas en estos días por problemas políticos. Carlos A. 24. 15. Ray. Militar. 14. Sola. 20. Comunitario. Conesa. 12. Industrial. Zeballos de Sisto. Feldstein de Cardenas. Recursos Naturales. Procesal penal. 17. Procesal civil y comercial. Miguel A. Horacio R.p65 218 17/5/2011. b) todos los enunciados normativos que son objeto de caducidad por haberse terminado el objeto que dio lugar a la ley (como el de faroles a gas o postas) c) todos los enunciados normativos cuyo objeto estaba cumplido y d) finalmente la lista de aquellos enunciados normativos que deben ser eliminados por ser contradictorios a alguna parte del sistema jurídico que ha quedado en vigor. Económico. 2 Aduanero. Aplicando el último criterio se llega a unos 6000 enunciados normativos de los cuales no habrá más de 4000 mil leyes y 2000 decretos. Mario F. Todo este enorme trabajo fue entregado al Comitente Ministerio de Justicia en el 2005. Casentino. Buteler. Valls. Arnoldo Kleidermacher. Sara L. 18. Camino C. Donna. No sabemos qué ocurrirá políticamente pero está demostrado que no solo hay suficiente doctrina para simplificar la legislación y ponerla al día. ha comprendido varios momentos: En primer lugar. 2. y finalmente (c) se dieron las primeras elecciones que inauguran la institucionalidad democrática. la redefinición de reglas de juego. el incumplimiento de las funciones partidarias y el avance de la corrupción política. En este periodo se involucran y reconocen nuevos partidos. Toda teoría política moderna de la democracia sabe que los partidos políticos son esa necesaria forja de discusión para que los intereses particulares lleguen filtrados a la política a través de los partidos. (a) se sentaron las bases para la salida del régimen autoritario. su puesta en práctica y la aceptación por parte de varios actores. Para decirlo brutalmente solo los partidos políticos están habilitados para presentar candidatos en las elecciones políticas a los cargos del legislativo. pero particularmente en América latina debido a tres elementos claves para analizar su declive: la desconfianza y el desprestigio de la política. Posteriormente. (b) se negociaron las reglas concretas de juego político.219 jurídica de ese Ministerio. El único caso en el que no hubo negociación fue en el argentino. puede decirse que América Latina paso de regímenes autoritarios a regímenes democráticos. 17:46 . con base en la adopción o elaboración de constituciones y la aprobación de leyes electorales han sido un resultado de este momento. San Luis. Los partidos desempeñaron importantísimas labores. Misiones. sino también que eso es técnicamente posible29. Participan diferentes partidos que gradualmente van siendo 29 30 Es curioso pero ante la pasividad del gobierno nacional. teniendo en cuenta que la mayoría de transiciones de regímenes en América Latina fueron negociadas 30 . y están en obra el de la ciudad autónoma de Buenos Aires. Chaco y Tucumán.ANTONIO ANSELMO MARTINO . Neuquén. al ser actores privilegiados en el nuevo diseño institucional. Los partidos políticos están en crisis en todas partes. LOS ACTORES SOCIALES La diferencia que se da en teoría política entre partidos y grupos de presión es que los primeros tienen en cuenta el interés general mientras que los segundo no. las provincias – que son Estados federativos como en Brasil – han emprendido y logrado la consolidación de las leyes provinciales a través de un Digesto: Rio Negro.4. Yendo a los últimos 25 años.p65 219 17/5/2011. Filosofia e Teoria Geral do Direito. comenzando con aquellos partidos involucrados en las negociaciones iniciales. 5) Que contara con capacidad de coalición o chantaje. ¿Instituciones o máquinas ideológicas? Ciudad de México: 2006 Gernika. 2) Que cada partido hubiera estado representado en el Legislativo en al menos dos periodos durante el lapso analizado. 81% y 79% para cada país. el grado de insatisfacción más alto lo posee México con un 75 por ciento de la población descontenta. en el área de América Central. Es interesante mostrar que los latinoamericanos prefieren la democracia a los gobiernos autoritarios pero están descontentos con la que tienen. como Chile.220 . Es decir. países como Paraguay. en términos de Sartori (1999). 31 Partidos políticos latinoamericanos. denotan un porcentaje de inconformidad superior al sesenta por ciento.p65 220 17/5/2011. 17:46 . los 63 partidos analizados son importantes desde el punto de vista político – electoral. El resto de países. Panamá y El Salvador en Centroamérica. 3) Que cada partido seleccionado tuviera un apoyo promedio superior al 5% a nivel nacional. También Ecuador y Bolivia se encuentran en el rango superior al 70 por ciento de ciudadanos insatisfechos con el sistema de gobierno democrático. manifestando los más altos porcentajes de insatisfacción: 86%. Perú y Colombia reflejan un alto grado de inconformidad con el sistema democrático. En el área sudamericana. Argentina y Venezuela en América del Sur. Hay un trabajo importante de Alcantara Saenz31 donde analiza 63 partidos latinoamericanos entre 1990 y 2000 reunían cinco características relacionadas con su desempeño electoral: 1) Que el número de partidos seleccionados en cada país guardara una relación proporcional con el número efectivo de partidos a partir del criterio establecido por Laakso y Taagepera (1979).VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION reconocidos dentro del nuevo orden democrático. Nicaragua. Filosofia e Teoria Geral do Direito. mientras que un 42% de la población en Uruguay y en Costa Rica manifiestan descontento con la democracia. y Guatemala. 4) Que cada partido tuviera una representación homogénea a nivel nacional o una significancia regional muy fuerte en más de una circunscripción. Por su parte. La mitad de estos partidos se crearon ex novo. tuvieron una alta capacidad para reformarse. pero la mayoría surgió leal a las pautas de funcionamiento del sistema político vigente. Unos y otros fueron capaces de enfrentar golpes de estado. no caudillos. Incluso. como los uruguayos. inestabilidad.ANTONIO ANSELMO MARTINO .221 En cuanto al origen. adaptarse y reinventarse frente al cambio de condiciones contextuales que debieron enfrentar durante su extensa vida. adaptarse y reinventarse frente al cambio de condiciones contextuales que debieron enfrentar durante su extensa vida. Otros fueron reactivos. Otros vienen del momento de gestación de los estados populistas. Sin embargo. tuvieron una alta capacidad para reformarse. una decena de ellos proviene del siglo XIX. Sin embargo. creado antes de 1975 y vinculado a momentos de quiebre sistémico. en cuanto al programa. cambio en las condiciones que les dieron origen e. Otro mito roto: la mayoría de estos partidos fue fundada por políticos. cambio en las condiciones que les dieron origen e. La mitad de estos partidos se crearon ex novo. 17:46 . tenemos que más de la mitad de los partidos analizados se crearon hace más de 25 años. la mayoría posee programas escritos que reflejan los objetivos de su acción política. Incluso.p65 221 17/5/2011. Algunos. una decena de ellos proviene del siglo XIX. A éstos se suman algunos (muchos) partidos nuevos cuyo mérito reside en haber sabido incorporar a los grupos marginados de sus sociedades de finales del siglo XX. Sólo un tercio de ellos tiene carácter antisistémico. en general. y una mayoría más grande aún fue creada fuera de los cuarteles militares. se cuentan entre los más antiguos del mundo. tenemos que más de la mitad de los partidos analizados se crearon hace más de 25 años. hay una propensión. En cuanto al origen. Algunos. inestabilidad. lo que cuestiona el mito sobre la tendencia a la fragmentación de los partidos latinoamericanos. estructurando su accionar a través de principios programáticos e ideológicos. A éstos se suman algunos (muchos) partidos nuevos cuyo mérito reside en haber sabido incorporar a los grupos marginados de sus sociedades de finales del siglo XX. lo que cuestiona el mito sobre la tendencia a la fragmentación de los partidos latinoamericanos. Este hecho cuestiona el mito sobre la falta de estabilidad de los partidos regionales. Unos y otros fueron capaces de enfrentar golpes de estado. Filosofia e Teoria Geral do Direito. incluso. Este hecho cuestiona el mito sobre la falta de estabilidad de los partidos regionales. incluso. Otros vienen del momento de gestación de los estados populistas. como los uruguayos. se cuentan entre los más antiguos del mundo. a pesar de la diversidad ideológica que presentan los partidos en función de su origen. 5. 3. muchas veces más importante (Argentina.222 . Ausencia de cooperación y diálogo con otros partidos frente a los desafíos del entorno. Carencias para desarrollar vínculos ideológicos y programáticos frente a los personalistas. Bajo nivel de profesionalización de sus cuadros. Ecuador. aunque observan diferentes grados de vista partidista. En los partidos políticos latinoamericanos hay una fuerte tendencia al personalismo que relega los programas. 3. Existencia de una organización paralela. a la anomia promovida por los propios políticos que son los primeros en no cumplir con la ley.6.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION En cuanto a la organización. cuando todo lo que quieren es el poder y son pésimos opositores o porque les Filosofia e Teoria Geral do Direito. 4. los partidos latinoamericanos presentan una estructura continua y se asientan de forma extensa en el territorio nacional. entendida ésta como la realización de actividades periódicas. Sólo rompen con este modelo el PRD mexicano y el Frente Amplio uruguayo. En cuanto a su gestión de gobierno. 2. en relación al sistema de partidos: 1. entre otros. Dificultades para la elaboración de políticas públicas eficientes. Finalmente. 2- Problemas en relación a su gestión de gobierno y las condiciones de gobernabilidad 3- Problemas vinculados a la competencia y al sistema de partidos. el modelo predominante es el de la financiación individual por parte de los candidatos. 2. 2. Estos problemas pueden pensarse en torno a tres ejes: 1- Problemas de los partidos en cuanto a su organización interna. Paraguay) que la propia estructura burocrática. Dificultades para la articulación territorial de las relaciones de poder dentro de un mismo partido. Bajos niveles de cohesión y altos incentivos para el transfuguismo en el legislativo. informal y clientelar. Ausencia de democracia interna o bajos niveles de pluralismo en los procesos de toma de decisiones.p65 222 17/5/2011. En cuanto a su financiación. En cuanto a su organización interna. autonomía organizativa y sistematización funcional del liderazgo. cabe pensar en 1. 3. serían: 1. Dificultades para identificar nuevos valores y rupturas en la sociedad. Dificultades para generar mayor «institucionalización». desde el seno del partido. en particular con respecto a la duración de los mandatos y la alta corrupción que los hace poco creíbles frente a la población. Se muestran como grandes partidos de gobierno. 17:46 . Bajos incentivos de participación. Escasa transparencia administrativa. ANTONIO ANSELMO MARTINO . 17:46 .223 falten ideas o porque no permiten que el partido al gobierno gobierne32 . En lo jugadores con veto colectivo existe una mayoría simple y una mayoría calificada. Hay que agregar los jugadores con veto no institucional Es mucho más complicado cuando el jugador con veto es colectivo pues es un tema más ambiguo que involucra mayorías y las ambigüedades de quien califican para constituir esas mayorías. Tsebelis. Fueron mucho más divididos de lo que se suponía antes de 1972 en su lucha contra el gobierno del Presidente Allende Diferencia entre el empresariado pequeño y gran empresariado. “Los jugadores con veto son actores individuales o colectivos cuyo consenso es necesario para un cambio del status quo. 2002:27. Si los jugadores con veto son generados por la constitución. La estabilidad política disminuye si los actores que intervienen en la decisión son jugadores colectivos contra jugadores individuales que no llegan a ponerse de acuerdo. especialmente en el contexto de los nuevos movimientos sociales se transforman en grupos de presión. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Hipótesis es que los grupos de presión organizado de los empresarios en Chile pasó en los últimos 40 años de ser un grupo muy organizado – ideológicamente hablando muy unido – a una acción más segmentada y fragmentada.p65 223 17/5/2011. en algunos países como Argentina. Cuando es entre jugadores colectivos se aumenta la estabilidad política. De ahí se deduce entonces que un cambio en el status quo requiere de una decisión unánime de todos los jugadores con veto”33. Los grupos de presión. fueron determinantes para la gobernabilidad aun en la dictadura militar. 32 33 Muy acertada la observación del Presidente Uruguayo Mujica quien visitando Argentina con motivo del velatorio del ex presidente Kirchner al enterarse que a los dirigentes de la oposición se les había vetado el ingreso al velatorio dijo “es un país dividido en dos”. Aquí entran no solo los grandes empresarios sino también los gremios obreros que. a esos se les denomina con veto institucional El veto es partidario si es que es producto de que son generados por el juego político. Estos grupos de presión tienen intereses en que sus propuestas sean validadas por el resto de la sociedad y por tanto están en permanente interacción con el Estado y los actores políticos. Los sistemas de comunicación e información han privilegiado a los medios.5.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION Hay grupos de presión en América Latina que han llegado a ser “factores del poder” uno son las fuerzas armadas que durante los años 60. esto hace que en realidad los problemas comunicacionales respondan fundamentalmente a intereses concretos de sectores de poder político y económico. la iglesia. Este proceso antes se hacía a través de la escuela. ahora todo es mucho más rápido. Frente a una falta de control estatal serio habría que tener en cuenta que los gobiernos sirven para coordinar no solo la acción pública. LOS MEDIOS DE COMUNICACIÓN El desarrollo tecnológico de las comunicaciones ha hecho que vivamos una cultura mediática. Coordinar no quiere decir imponer. 17:46 . Como en la mayor parte de los países de América Latina está prohibido el cabildeo o lobbying los medios de llegar al legislador están siempre mucho más cerca del actuar por amiguismo o de bandas organizadas para el aprovechamiento de concesiones y acciones públicas que de la verdadera representación de intereses. no seguirlas con un aparato adecuado y olvidarse de la reconstrucción una vez pasado el acontecimiento. sino también la privad. 2. tanto en las relaciones sociales como en las políticas. no se tomaron en cuenta las alertas. seguimiento y reconstrucción (salvo en Chile) produce de cualquier accidente natural una verdadera catástrofe34. El Estado.. 70 y aun parte del 80 detuvieron todo el poder en países importantes de América Latina vetando a los partidos políticos y todo el juego democrático. para no nombrar sino a las mas afectados. Actualmente han nacido una cantidad de Ongs muchas de ellas con perfiles valiosos y apreciables. sociales. hacer caso omiso cuando hay previsión. no prevenirla. Otro es la Iglesia Católica. pero en caso de la organización de las Defensas civiles de los países latinoamericanos vemos que una falta de política de prevención.p65 224 17/5/2011. la universidad. no se siguió adecuadamente el curso – salvo las visitas presidenciales patéticas – y ojala me equivoque se olvidaran en el transcurso del año. Las inundaciones en Colombia y Brasil. 34 Estoy madurando siempre más la idea que las catástrofes son mas obra del hombre en provocarla.224 . y efectivo. en correspondencia a sus intereses han determinado un conjunto de orientaciones ideológicas que se difunden a través de los medios de comunicación. según la perspectiva de los que imponen la ideología. eficiente. para desarrollar sus programas y políticas económicas. etc. Filosofia e Teoria Geral do Direito. esos eran los centros más importantes por medio de los cuales se imponían las ideas al común de la sociedad. o quien tiene en sus manos los poderes del Estado. eran previsibles. no es nuevo. como armónicas. El problema es que en el momento actual. y cada vez más la Internet y el teléfono celular). al menos en varios aspectos. fundamentalmente porque los medios no constituyen un conjunto homogéneo. como por ejemplo. es una repetición de una vieja tendencia o estamos frente a un fenómeno que. televisión. cada segmento está diversificado internamente.ANTONIO ANSELMO MARTINO . televisión. prensa. vídeo. varios gobiernos de la región. Por otro lado. Son variados (radios AM y FM. Tampoco lo fueron en situaciones en que los gobiernos hicieron avanzar proyectos de reforma social con el apoyo de partidos de izquierda. comunicación electrónica). periódicos. identifican a los medios de comunicación como el principal enemigo a ser combatido y sofocado. 17:46 . Seguramente no lo fueron durante las dictaduras militares que barrieron la región entre los años sesenta a ochenta. ¿Porqué varios gobiernos latinoamericanos han elegido como su principal enemigo a la prensa? No es porque las relaciones entre el poder político y los medios de comunicación se hayan podido caracterizar. Este conflicto. de que ellos representan al pueblo. el discurso sobre el poder de los medios es extremadamente impreciso. durante las presidencias de Allende en Chile o João Goulart en el Brasil. no tratan de mostrar diversas posiciones y tendencias sobre determinados problemas. sino que denota una fricción sobre la realidad y es esta fricción sobre la que actúan los políticos y los diversos actores sociales. con variadas orientaciones políticas y sectores sociales a los cuales se dirige. son por lo tanto: ¿Es válido el argumento de ciertos gobiernos. en otros tiempos. radios comunitarias.225 La imposición de ideas a través de los medios de comunicación (radio. revistas. realmente no responden a niveles de objetividad. Las interrogantes que surgen. ¿la actual confrontación. presenta nuevas características? La respuesta a esta pregunta tiene que considerar las diferencias entre los distintos países de la región. por lo tanto. Obviamente no se Filosofia e Teoria Geral do Direito. Es más: una cierta tensión entre los diversos poderes. formales e informales – y los medios de comunicación indudablemente lo son – es natural y saludable en la democracia. En primer lugar. pero creemos que es posible distinguir algunos aspectos comunes. y. ó ésta afirmación esconde otras realidades?. en tanto que los medios de comunicación representan a los intereses económicos de los grupos dominantes.p65 225 17/5/2011. televisión por cable. ésta tensión toma la forma de una confrontación en la cual. que cruzan las diferentes realidades nacionales. Ibidem. Data: 05 de abril de 2010. a su vez.226 . “E o grande instrumento de informação ainda é a televisão. Además: La adaptación. 2. valores y sus respectivas interacciones. como diz REALE. un sistema jurídico. La persecución de objetivos.6. creencias. una o más lenguas comunes y en general valores compartidos con respecto a muchas cosas comenzando por la noción de sucesión en el poder37. EL SISTEMA POLÍTICO Un sistema político es un conjunto de individuos que están unidos por lazos parentales. unidades productivas. costumbres. malgrado o crescimento da Internet e das comunicações por Facebook. dentro del cual se encuentra y con el que. que mantienen o modifican el orden del que resulta una determinada distribución de utilidades. normas. actitudes. Filosofia e Teoria Geral do Direito. el politólogo más famoso que se ocupo de este tema. 17:46 . que consiste en la movilización de las energías del sistema hacia las metas que se han propuesto. um processo de maturação há de outra parte aspectos irracionais que interferem no momento da decisão sobre qual orientação normativa deve prevalecer”. de manhã até de noite”36. y que frecuentemente. Esto último puede obtenerse de la noción de “legitimidad” de Guglielmo Ferrero. normas sociales de convivencia. el entorno (E). poseen una amplia gama de ellos35. Este sistema viene formado por agentes. etc. que modifican la utilización del poder por parte de lo político a fin de obtener el objetivo deseado. ideales. 35 36 37 “Assim. se há na criação da norma. instituciones. E o que é a televisão? A televisão é instrumento autoritário. organizaciones. la estructura (S) y el mecanismo (M) del sistema. Seminário Internacional Homenagem ao Centenário Miguel Reale. Mídia e Construção do Direito. conllevando a distintos procesos de decisión de los actores. como dijimos antes: la descripción de la composición (C). interactúa.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION puede desconocer la existencia de grandes grupos empresariales que controlan importantes medios. na medida em que é um meio de comunicação frio que penetra em nossa existência em todos os instantes. comportamientos. Un sistema político es la plasmación organizativa de un conjunto de interacciones dinámicas a través de las cuales se ejerce la política en un contexto limitado. Mundo Circundante.p65 226 17/5/2011. Miguel Reale Júnior. El sistema político debe tener. especialmente no Brasil. que se configura por la relación del sistema con el medio exterior. 1990. Además la importancia de cada elemento requeriría un articulo por cada uno de ellos igual o mayor que el presente. preferencias y programas que dirigen la acción de sus miembros. según Eston. permítasenos cierta libertad en no ser exhaustivos y ni siquiera del todo excluyentes en la clasificación de los elementos. la identidad y la cultura38. que se define por las acciones que permiten mantener la coherencia del sistema. La adaptación. la sociedad. La actitud política tanto de un individuo como de un conjunto de individuos es una disposición mental que no es conclusa ni cerrada. Viene a ser la cultura política. dentro del cual se encuentra y con el que. la historia. en publicación.La de integración. En un trabajo precedente a este los he analizado con respecto a la Argentina BICENTENARIO: REFLEXIONES SOBRE NACIMIENTO. Dado que esta no es la parte central de la tesis nueva. Lo que denomina «latencia». La persecución de objetivos. en que la sociedad se organiza para transmitir sus demandas o influir o modificar las decisiones de la autoridad. podríamos decir que los elementos del sistema político se pueden reducir a cuatro. David Easton39. 17:46 . que consiste en la movilización de las energías del sistema hacia las metas que se han propuesto. que es la capacidad de motivación del sistema para alcanzar los objetivos señalados. a su vez. que operan en distintos niveles dentro del sistema: Elementos institucionales. el sistema de partidos.227 La de integración.ANTONIO ANSELMO MARTINO . el conjunto de normas (o sistema jurídico). la economía. Otros sistemas políticos de carácter nacional. que se define por las acciones que permiten mantener la coherencia del sistema. Si siguiésemos al autor que ha inaugurado esta noción. la constitución. Hay. Los valores de los individuos y grupos sociales. 38 39 En este primer acercamiento. Actores institucionalizados. Ésta es la razón suficiente de toda acción del grupo y de sus miembros en interés del grupo.p65 227 17/5/2011. Filosofia e Teoria Geral do Direito. el federalismo. esperamos que las criticas y observaciones de los colegas nos permitan rendirlo más aceptable en el futuro. interactúa. DESARROLLO Y CAIDA DE UN SISTEMA POLITICO. Los sistemas políticos están constituidos por aquellas interacciones por medio de las cuales se asignan autoritativamente (en el sentido de que provienen de una autoridad) valores a una sociedad. que se configura por la relación del sistema con el medio exterior. Lo que constituye el fundamento teórico y axiológico del grupo y proyecta su acción visible es la ideología. El escenario internacional. Un grupo político – dicho aquí en sentido amplio – responde a un esquema de organización en cuyo contexto se encuentran idearios. Son los órganos e instrumentos que dirigen el sistema y cumplen la función de asignar valores a la sociedad. Como todo sistema el sistema político está constituido por elementos y subsistemas conectados pero con sus propias características: sin querer entrar en discusiones sobre cuáles son estos todos estos elementos y subsistemas nosotros analizaremos: el territorio. The Analysis of Political Structure. la especialización. un sistema de partidos. la economía. las relaciones sociales. Ideología.p65 228 17/5/2011. acción política. Antonio Martino. es una predisposición. las provincias o estados federales. hasta un reglamento de una gran empresa privada. actitud y acción política son los conceptos con los cuales aspiramos a dar forma a una teoría lógico-normativa de grupo político. 2. Los ámbitos de la legislación dependen del contexto político y van desde contextos supranacionales como los casos de la Unión Europea hasta los locales formados por normas comunales. el sistema jurídico (del cual la legislación es una parte importante). presentado en Sadio 2010. Cristina Linchetta. la identidad. un código ministerial. la cultura. Entre ellos está la Nación.228 . las formas de comunicación.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION y puede variar con el tiempo. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Buenos Aires. y le dedicaremos pocas palabras pero para una mayor claridad de la posición e los actores. Obviamente estos contextos determinan no solo el ámbito de validez sino también el sector de aplicación. Y de hecho tendremos cuenta de ello. Obviamente no estoy en condiciones de analizar en este trabajo todos estos elementos de los sistemas políticos latinoamericanos pero pruebe el lector a hacer un somero análisis del país que entiende estudiar y se dará cuenta que la tarea es ímproba pero muy prometedora para poder comprender las contradicciones y características extrañas de este pedazo de mundo que tiene apenas el 9% del territorio mundial y sin embargo alcanza el 26 % de las muertes violentas. preferencias y especialmente de la capacidad de la acción política. Clara Smith. un decreto reglamentario. Como es actitud mental. un reglamento interno. Exploramos posibles formalizaciones de los conceptos de ideología. EL CONTEXTO POLÍTICO Esta parte podría formar parte de las relaciones con el ambiente del sistema. Los elementos del sistema político son el territorio. una ordenanza. de modo de sentar las bases para sistemas sociales multi-agente (MAS) que manejen estos conceptos40.7. Es el sustrato de objetivos. y luego al interno de cada uno de ellos saber si es una ley. no es comportamiento visible. actitud. prefiero abordarla aquí. la cultura. el grado de generalidad 40 Notas sobre Lógica y Grupos Políticos. la historia. 17:46 . la sociedad. Javier Surasky. La legislación de un país generalmente tiene que tener en cuenta todos los elementos que hemos enumerado de sus componentes esto es la sociedad civil. EL ENTORNO En todo sistema la relación con el entorno es fundamental para su existencia: si abusa de su entorno puede llegar a polucionarlo en modo tal que él mismo se debilita. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:46 .ANTONIO ANSELMO MARTINO .p65 229 17/5/2011. a la organización jurisdiccional. La relación de la legislación con el entorno político es crucial dado que es un subsistema del sistema político general y esto tiene que ver con la organización partidaria y las mismas leyes de elección de representantes. esto es que aquél prime sobre este. Aquí también debo excusarme con el lector de no poder analizar en este breve artículo los componentes del entorno de la legislación de cada uno de los países latinoamericanos. Luego con respecto a la propia cultura. o – 41 Caso interesante el de Argentina. el resto de los ordenamientos generalmente regionales o internacionales41. pero tenían que pensarlo antes de reformar la constitución en modo tan drástico. pero que siempre se hace más elástico con el difundirse de preceptos internacionales y muy locales. Se trata siempre de una relación cambiante en el tiempo por lo cual para aplicarlo a los contextos concretos se necesita una enorme cantidad de datos del sistema y del entorno y no solo analítico sino diacrónico. Esto es una revolución en la composición misma de la legislación argentina pues estos tratados derogan implícitamente toda la legislación que se lo oponga “Lex superior derogat inferior”. pero los radicales y otros grupos opositores. Creo que aun no ha sido tratada a fondo por la doctrina y jurisprudencia argentina. Como siempre esto tiene una explicación histórica: Menem quería la reelección y no le importaba que hicieran con el resto del ordenamiento.229 que “la ley” por definición ostenta. la cual con la reforma constitucional de 1994 elevo a rango constitucional la mayor parte de los tratados internacionales del país. América Latina tiene una peculiaridad de la cual carecen otras zonas de la tierra: generalmente tienen una justicia electoral relativamente independiente según la cultura política de cada país. pero lo primero que hay que ver es como se sitúa la legislación con respecto al contexto territorial inmediato. 3. Generalmente los Ejecutivos tienen la manera de frenar este control judicial con leyes electorales alambicadas. con la correspondiente salvaguardia del imputado. tal vez por el miedo a lo nuevo. a la economía. atentos al devenir social de la legislación aprovecharon para colocar desde los derechos del hombre hasta el tratado de Costa Rica en materia penal. si en cambio está muy condicionado por el entorno puede sufrir el mal contrario. comenzado por los propios actores políticos. Por esa razón la cantidad de muertos que votan en América Latina es sorprendente y en muchos casos determinante. Teorías interpretativas. 17:46 . Filosofia e Teoria Geral do Direito. Ibidem.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION como en el caso argentino – con una ley de precandidaturas obligatorias y abiertas pero no reglamentada. La cultura política es el elemento más importante con el cual debe contar la legislación pues de su comercio constante derivan luego los tipos de interpretación que la ley tendrá44. DECISIÓN. LA ESTRUCTURA Teniendo en cuenta que La estructura es la colección de relaciones o vínculos que establecen los componentes. en particular 5. pero que pensamos estar por encima. Traducción y presentación de la edición española de Javier El-Hage. por debajo o al costado de cualquier ley. en conversaciones privadas y públicas con el autor de este articulo. Por decir una banalidad: en el final de los años 60 y durante el 70 la mayor parte de los países del cono sur tenían dictaduras militares y esto no era casualidad. Marcial Pons MADRID | BARCELONA | BUENOS AIRES 2009. la legislación tiene que hacer cuentas con el incumplimiento de la ley. DOMINACIÓN. ver Tecio Sampaio Junior. pags. y luego extendido. Obviamente proyectado en el conjunto da un resultado explosivo.3 pag. Y como dice bien Tercio Ferraz. Estas relaciones con el entorno cambian y hay que tener en cuenta eso.230 . esto es con su contexto y su entorno45. 278 en adelante. Así como no lo fue luego la vuelta a los sistemas democráticos inmediatamente después. Tenemos una extraña cultura jurídica que nos lleva a ser extremadamente severos con los demás.p65 230 17/5/2011. mientras que los 42 43 44 45 Cosa que repugna al Presidente de la Cámara Alberto Dalla Via. 4. por consecuencia al resto de la sociedad. O dicho de otro modo nosotros (cada uno) constituimos una excepción. con lo cual la Justicia electoral o hace de legislador42 o queda paralizada en la aplicación – y en general no actualizando los padrones electorales y manteniéndolos siempre en esferas controlables por el mismo Ejecutivo43. 256 en adelante. en INTRODUCCIÓN AL ESTUDIO DEL DERECHO TÉCNICA. En sociedades anomicas. lo que necesita la legislación es una interpretación integral. Los vínculos que se dan entre los componentes de un sistema constituyen la endoestructura. como las nuestras. Con justa razón pues siendo un juez no puede ponerse en condiciones de legislador. un debate y un voto sobre la legislación en general (en la idea de la legislación – no en los detalles). P. 17:46 . lo que Tercio Ferraz llama Teoría del ordenamiento o dogmatica de las fuentes del derecho47. En algunos sistemas (ej. Bunge. EMERGENCIA Y CONVERGENCIA. Gedisa. Luego. TÉCNICA. Barcelona 2004. ¿Cómo están conformadas las legislaturas?: hay legislaturas que simplemente endosan decisiones hechas en otras partes. Tienen una estructura pequeña y bajas necesidades de información (Duma de la Unión Soviética. Traducción y presentación de la edición española de Javier El-Hage Marcial Pons MADRID | BARCELONA | BUENOS AIRES 2009. Se puede hablar de estructura del sistema legislación en ese doble sentido: primero una estructura interna al sistema de normas donde se ha creado. En los sistemas “Westminister”. la legislación puede pasar por las dos cámaras simultáneamente. la legislación es referida a las comisiones donde los miembros se ocupan de los detalles técnicos y las enmiendas. DOMINACIÓN. o consecutivamente. proyectos de ley son introducidas formalmente en el plenario de la cámara.) la presidenta otorga niveles de urgencia (o prioridad) a la legislación. Capitulo 4. En definitiva la legislación es una fuente del derecho y sobre esto existe suficiente literatura como para afrontar el problema.3 Filosofia e Teoria Geral do Direito. DECISIÓN. las dos cámaras trazan métodos para reconciliar sus dos versiones de la legislación. 69 Tecio Sampaio Junior.p65 231 17/5/2011. Por ejemplo En la mayoría de los sistemas con comisiones permanentes. Congreso mexicano 46 47 M. hay una segunda lectura.231 establecidos entre los componentes y elementos del entorno conforman la exoestructura del sistema46. Además de todo lo que sabemos en materia de dogmatica jurídica y las relaciones que la legislación debe guardar con respecto a la Constitución y a la forma del sistema jurídico vigente. Generalmente. Estos son llamados legislaturas de “aprobación automática”. Si la legislatura tiene dos cámaras. Chile. existen otras relaciones que tienen que ver con la creación misma de la legislación y que le son internas. y luego son referidos a la comisión con jurisdicción en el tema. crecido y desarrollado. en particular el 4. INTRODUCCIÓN AL ESTUDIO DEL DERECHO.ANTONIO ANSELMO MARTINO . y el congreso tiene que actuar durante un período específico. Novedad cualitativa y unidad del conocimiento. El segundo sentido de estructura de la Legislación tiene que ver con las relaciones que el sistema legislación tiene entre sus componentes y los elementos del sistema que hemos denominado su entorno. Llevando a cabo visitas públicas. El nivel de la separación de poder entre la rama legislativa y la rama ejecutiva.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION bajo el PRI. especialmente si hay un partido dominante. Cuanta mayor independencia obtienen las legislaturas tienen una estructura interna más compleja y una mayor necesidad de información. Factores claves incluyen: Los poderes legislativos formales.p65 232 17/5/2011. Los factores que mayormente influyen en el proceso legislativo dependen una combinación de historia. 48 49 Aunque el manual indicado aun no es obligatorio en el Congreso Argentino.) Esto significa que tienen poca independencia del Ejecutivo. Muchas legislaturas hacen menos de lo que sus poderes permiten por falta de la capacidad legislativa. México. por ejemplo. La capacidad técnica de la legislatura. requieren personal profesional e instalaciones que no existen en muchas legislaturas. además de las comisiones parlamentarias ha creado centros de estudio que facilitan la labor legislativa49. utilizando bien la experticia profesional. y redactando legislación y enmiendas con precisión. La capacidad técnica y los recursos de la legislatura influyen sobre la habilidad de la legislatura para tener un rol importante en el proceso legislativo. Poder de los partidos políticos. además de la obra de larga data del Prodasen en el Senado. En Brasil. Filosofia e Teoria Geral do Direito. La comisión está formada por 15 miembros francófonos y 15 anglófonos dado que las leyes canadienses deben ser bilingües.232 . tradición. Pero muchas legislaturas en el mundo están en el proceso de desarrollar capacidades nuevas sobre todo incorporando personal altamente preparado que es independiente de los legisladores y sus asesores. donde existe una recomendación sobre como legislar que se parece bastante a lo que hemos descripto como Manual Legislativo. y otros factores que determinan donde está su legislatura en la flecha del poder de legislación. 17:46 . El solo hecho de darse un manual para la redacción de las leyes implica una enorme capacidad técnica ya que ajustarse a un manual – como el indicado anteriormente del Digesto Jurídico Argentino – requiere una notable capacidad técnica48. Por ejemplo Canadá tiene una Comisión de redacción de normas a la cual se tienen que remitir todos los legisladores. algunas legislaturas provinciales – como la de Córdoba – lo han adoptado expresamente Centros de Estudios Centro de Estudios de las Finanzas Públicas Centro de Estudios de Derecho e Investigaciones Parlamentarias Centro de Estudios Sociales y de Opinión Pública Centro de Estudios para la Promociónón de la Mujer y de la Equidad de Género Centro de Estudios Para el Desarrollo Rural Sostenible y la Soberanía Alimentaría Servicios de Investigación y Análisis. hay una actividad particularmente desarrollada en la legislatura del Estado de Minas Gerais. 17:46 . en el mejor de los casos partidaria. El condicionamiento con la economía ha logrado que el único acto parlamentario realmente importante sea el presupuesto (ley de leyes) donde todos se apresuran a colocar las cosas más disparatadas y descoordinadas entre sí. con número suficiente en la Cámara de Diputados. se vio que era cierto. donde la centralidad del parlamento esta no solo en la constitución (sistema parlamentario) sino que es permanentemente reconocida por los actores políticos. Un caso interesante es el argentino. poco se conseguirá mejorar. Luzius Mader Conseguí una entrevista con un legislador nacional cuyo nombre no viene al caso y que pertenecía a la oposición. historia. pero que tienen la seguridad que será votado52. donde en el 2010 el Ejecutivo quiso imponer un presupuesto. mayor posibilidad de manipularlos. sociedad. El solo hecho que los legisladores no sean los más brillantes representantes del partido quita fuerza a su representatividad. Yo traducía del español al francés y a la respuesta “Ninguna” a la pregunta: ¿Qué relación hay entre el legislativo y el Ejecutivo? El invitado pensó que yo había equivocado el término de la traducción. Votan cualquier cosa se les diga51. cultura política. Menos brillantes los legisladores. La estructura exógena depende de las relaciones que la legislación tenga con los elementos de su entorno: partidos políticos. La relación de los partidos políticos latinoamericanos con la legislación es débil. El solo hecho de saber cómo se constituye el orden del día.ANTONIO ANSELMO MARTINO . economía. Un caso intermedio lo tenemos en Italia. esta es una verdadera arena política donde se discuten los grandes problemas de gobierno. es una pista importante para poder predecir el andamiento del cuerpo legislativo50. La oposición. tal que le hayan dedicado una calle o una plaza y vera el empobrecimiento generalizado de estos cuerpos. Es un problema mundial y mucho tiene que ver con las ventajas del Ejecutivo de tener Legislativos poco brillantes así como del tipo de legislatura que se compone: si la legislatura es un mero trámite para aprobar las medidas del ejecutivo. 50 51 52 Una anécdota personal: habiendo invitado a la Argentina al Máster que dirijo en Ciencia de la Legislación al presidente de la Asociación internacional de Legislación. grupos de interés. Sin embargo el alto número de parlamentarios (660 para la Cámara de diputados y 330 para la de senadores) los convierten en meros ejecutores de una política. a punto tal que se los conoce con el despreciativo termino español “peones”. En una legislatura tipo los Comunes ingleses. Luego.p65 233 17/5/2011. resistió la Filosofia e Teoria Geral do Direito. El legislador comento que a los miembros de la mayoría le estaba vedado argumentar a favor de los proyectos del Ejecutivo. debían votarlos y basta.233 Un párrafo especial está destinado a los reglamentos parlamentarios ya que a través de ellos se pueden obtener legislaturas que sean cada vez más independientes y tengan una mayor libertad para el tratamiento de las leyes. Imagínese el ánimo con el cual nosotros podíamos argumentar criticas! Trate de recordar el lector el numero de parlamentarios famosos en su país. con la aclaración del legislador. Falta en general una cultura que lleve las demandas sociales al Congreso luego de haber sido tamizadas en una discusión abierta y clara de los intereses en juego. Uruguay) pueden contribuir a esta transmisión filtrada y afinada. Los países serios que aplican o tratan de aplicar a rajatabla el criterio han tenido que admitir como Alemania que todo el sistema es extremamente oneroso y por lo tanto difícil de sostener.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION El tema más interesante es siempre la relación con la sociedad pues por allí pasa la función fundamental de la legislación. Los grupos de presión obtienen resultados de dos maneras perjudiciales para una mejor legislación: u obteniendo que los temas que realmente les interesan nunca lleguen a debatirse (sobre todo las multinacionales y las grandes empresas) o a través de medidas de fuerza parecidas a una extorsión que realizan los sindicatos allí donde son fuertes u otros factores del poder. En este sentido los partidos políticos en general han fracasado y donde se encuentran mejor (Chile. Los franceses se están orientando por un criterio mas pragmático que consiste en monitoriar solo aquellas leyes consideras importantes desde este punto de vista. Esta es un conjunto de normas cuya función esencial es ser cumplidas. Brasil. El resultado final es que Argentina no tiene ley de presupuesto para el 2011 y la Presidente Cristina Fernandez decide por decreto de necesidad y urgencia lo que se necesita gastar y como y para qué. Filosofia e Teoria Geral do Direito. organismo privado internacional constituido por los países más desarrollados de la Tierra ha trabajado mucho sobre el tema habiendo creado un verdadero capítulo sobre cómo medir el cumplimiento de las leyes. La OCDE. 17:46 . Siendo predominantemente economistas los criterios son de mediciones ex ante53. A este respecto ha elaborado una sofisticada metodología de medición de los objetivos primarios y secundarios de la ley que recibe el nombre de “impacto legislativo” (AIR). El punto central es que no existe entre nosotros una verdadera conciencia del estado de derecho55. durante la permanencia de la ley y ex post.p65 234 17/5/2011. La mayor parte de los cuerpos legislativos desconoce esta obligatoriedad y siquiera en qué consiste el Air54. Pero el tema de la anomia de los países de América Latina no puede ser medido con un sistema tan sofisticado. Los criterios son muy rigurosos y deberían ser obligatorios en toda creación de normas dentro de los países adherentes.234 . Y téngase en cuenta que el estado de derecho es la condición sine qua non de la democracia. Es decir que con los matices de país a país tenemos democracias de baja calidad. 53 54 55 medida y quiso plantear reformas. El único país de América Latina que adhirió a los acuerdos del Air es México. El Manual del Digesto Jurídico argentino tiene una check list para preparar las mediciones ex ante de cumplimiento. Sin cumplimiento la legislación se parece más a una declaración de propósitos que una verdadera ley. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Más precisamente.p65 235 17/5/2011. si bien el conocimiento de un sistema concreto radica en la descripción de los cuatro aspectos mencionados.ANTONIO ANSELMO MARTINO . La emergencia es la característica por la cual las totalidades no son emergentes a sus partes. químico. sea la prensa escrita que la televisión son usados como verdaderos medios de marketing para colocar un producto que es el resultado legal que se quiere obtener. pero insuficiente explicación. 17:46 . psicológicas y sociales. hay necesariamente cambios y estos pueden llevar al fortalecimiento de la legislación o a problemas de desintegración. la explicación científica del comportamiento del mismo la brinda la descripción de su(s) mecanismo(s).235 Los medios de comunicación. es al revés: las partes. pero las propiedades de los existentes son diversas: las hay físicas. las leyes se deben adaptar y su interpretación depende de la totalidad de la legislación. etc. Por ahora Internet a través de sus redes sociales es más plural y abierto pero ha pasado poco tiempo y hay demasiados eexcluidos como para poderlos valorar. En la legislación. la estabilidad. biológicas. Estas propiedades emergentes de los sistemas materiales (o concretos) permiten distinguir diferentes niveles ontológicos (físico. Pero hay tantos y tales cambios en el mecanismo del sistema que vale la pena no quedarse en una tan simple. Es razonable reconocer que los temas de desintegración dependen de dos elementos de la estructura: la estabilidad del gobierno que las emite y las sostiene y la aceptación por parte de la comunidad social a la cual está destinada esta legislación57.) relacionados por una multitud de procesos. químicas. En el caso reciente de Tunes puede decirse que la desobediencia de la población a las normas aplicadas en materia de abastecimiento de alimentos determino la caída del régimen político que las dicto. La estabilidad de la legislación como sistema depende de las relaciones que se dan entre sus componentes en la estructura descripta y el mantenimiento de esas relaciones dentro de la estructura. 56 57 Participo de la tesis de Bunge sobre el emergentismo todo lo que existe es material. pero irreducibles unos a otros. es decir de los procesos de los cuales resultan la emergencia56. LA MECÁNICA El mecanismo es la colección de procesos que se dan dentro de un sistema y que lo hacen cambiar en algún aspecto (el mecanismo de radiación electromagnética de un átomo es un proceso en el que un electrón cambia de estado de energía. 5. el cambio y la desintegración de un sistema. biológico. Generalmente – tratándose de procesos sociales es difícil hablar de estabilidad muy larga en el tiempo. el comercio es un mecanismo económico de los sistemas sociales humanos). La Legislación es banalmente mecánica en cuanto la sucesiva incorporación de enunciados normativos transforma el sistema existente hasta el momento en un sistema diferente58. pero no es tan raro). Que un sistema sea monotónico significa que las consecuencias que se derivan de él se mantienen aun si se agregan nuevos postulados. 2009. Estos cambios del sistema pueden tender a la estabilidad o a la disolución. La persecución de objetivos. pero existen suficientes leyes y tendencias que explican y describen el comportamiento de un sistema social59. 17:46 . dentro del cual se encuentra y con el que. sino que está peleando por un puesto permanente en el Consejo de Seguridad de la ONU. El tema se complica por la acumulación de enunciados normativos en el tiempo y la diferencia que van teniendo en cada una de las disciplinas. La integración. En el caso de las normas jurídicas. La mecánica de un sistema tiene que ver sustancialmente con la adaptación.236 . En materia de adaptación la legislación en los países latinoamericanos ha tenido y tiene una diferente posición que deriva sobre todo de la ubicación de los países como gobierno y ubicación en el mundo. Jon Elster. es claro que el sistema cambia y personalmente creo que en un sentido no monotónico pero es tan despreciablemente pequeña la variación con una sola ley que dejo a los especialistas resolver el problema. Obviamente los cuatro países más grandes tienen una mejor integración con el contexto internacional en cuanto cuentan más. pero tienen la ventaja que están más cerca de describir y explicar los procesos reales. En materia sociológica es difícil encontrar leyes tan duras como las de la física o la química. que consiste en la movilización de las energías del sistema hacia las metas que se han propuesto. a su vez. que se configura por la relación del sistema con el medio exterior. Mas sobre tuercas y tornillos para la ciencias sociales.p65 236 17/5/2011. Chile merece atención por la continuidad que ha dado a su proceso 58 59 Un tema interesante que excede este articulo es el de estudiar si los sistemas legislativos son monotónicos o no. interactúa. Los fenómenos de emergencia son muchos más difíciles de explicar que los de agregación o dispersión. El caso emblemático es Brasil que no solo forma parte del Bric.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION La mecánica de la legislación tiene que ver con la colección de procesos que se dan dentro de ella y la hacen cambiar en algún aspecto. pero mucho depende de los órganos políticos que las emitan. que se define por las acciones que permiten mantener la coherencia del sistema. más el problema que resulta de modificar normas de distinto nivel (el caso más desgraciado es la desvirtuacion de la norma principal por el decreto reglamentario. Gedisa. Filosofia e Teoria Geral do Direito. el mecanismo tiende a volverse perverso: primero porque alienta a otros funcionarios a ejercer el poder en forma ilimitada. pero no por quienes están encargados de su formación. Y el cumplimiento entendido como estado de derecho. sino – en el mejor de los casos – de una manera puramente formal. Desde ese punto de vista toda interpretación tiende a la coherencia del sistema pues los abogados saben que si un sistema no es coherente se puede deducir cualquier consecuencia.ANTONIO ANSELMO MARTINO . Pero Latinoamérica como un todo.237 legislativo. Y la legislación es fundamentalmente un tema de poder: hay que 60 Probablemente el caso más emblemático sea el de Argentina. Uruguay parecería que se carece de un proyecto a largo plazo y por lo tanto las políticas cambiantes de los regímenes de turno hacen que las metas sean de corto plazo según el color del gobierno de turno60. 17:46 . Cuando una legislación va sintiendo que su mecanismo es a lo sumo cumplido por la población. pero con tanto cambio político – a veces – es difícil mantener la coherencia aun en ese sentido. o sea no solo cumplimiento por parte de la población sino – y principalmente – por los propios actores políticos. Brasil. Y la eficacia tiene que ver con el cumplimiento por parte de la población. que ni siquiera en la Escuela de Chicago se hubiesen soñado hasta un nacionalismo vagamente de izquierda que parecerían hacer realidad aquel dicho: “si lo hizo el gobierno anterior está mal”. mientras que Costa Rica y Uruguay merecen respeto por el uso de los medios democráticos dentro de sus sistemas de mecánica. Pero el sentido más profundo de coherencia es la adecuación entre los fines que se quieren alcanzar y la eficacia de las leyes que se dictan al efecto. La coherencia de la legislación no está vista aquí como un problema lógico. Filosofia e Teoria Geral do Direito. El sistema legislación tiene como función específica regular la vida en sociedad dentro de un estado de derecho y su mecanismo principal es que efectiva la regule. esto es no conforme a derecho. que mantiene un péndulo con gobiernos que propenden a la inserción de un mercado puro. esto es que sea cumplida El tema más dramático del mecanismo de la legislación en América Latina está constituido por la escasa planificación de objetivos que movilicen sus energías hacia las metas propuestas. Esto obviamente quita poder a cualquier tentativo de mantener coherencia en el sistema. Salvo raras excepciones: Chile. Esa es la vocación de toda legislación y la falta de cumplimiento puede llevar a la desintegración de un sistema.p65 237 17/5/2011. está lejos de constituir un mecanismo de adaptación suficiente como para contar en el concierto internacional. contiene la radicalidad transformadora de ésta. Pero en la historia de esa legislación quedan vestigios. Un país al margen de la Ley. en los sistemas sociales puede ser que la resiliencia transforme el sistema a través de una metamorfosis. o tienta) al ciudadano común a comportarse en modo análogo tratando de evadir impuestos.p65 238 17/5/2011. 17:46 . pero si esto se aplica de manera fácil a los sistemas formados por elementos naturales. a pesar del efecto resiliente. que luego una contrarrevolución logra volver al estado anterior.238 . Nino. Es cierto que la mayor parte de los sistemas tiende a la resiliencia: o sea la capacidad de volver a su estado anterior luego de una catástrofe. se metamorfosea. en cualquier ámbito que sea. Filosofia e Teoria Geral do Direito. La anomia no es un mecanismo mal funcionante común. esto es que se produzca un cambio irreversible que extingue un sistema que es reemplazado por otro. pero vinculada a la conservación (de la vida o de la herencia 61 Vease el importante libro de Carlos S. se desintegra. América Latina que ocupa el 9% del territorio mundial provoca el 26 % de la violencia mundial y así nacen sistemas de protección paralelos deletéreos para la legislación como carteles y mafias locales.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION tener el poder para poder legislar. más rica que la de revolución. 1992. Editorial Emece. a justificar hasta un estacionamiento prohibido. no respetando los ordenes establecidos por ley. Pues la continuación de la historia. Cuando un sistema es incapaz de resolver sus problemas vitales por sí mismo. La idea de metamorfosis. de las guerras. Segundo porque llama (o justifica. es decir. La cultura también influye en el mecanismo de la legislación imponiendo modelos más autoritarios. Y por eso no es casualidad que se genere tanta violencia. Existe la posibilidad que el cambio no sea tan drástico como una revolución sino que se parezca más a una metaformosis. entonces. A partir del siglo XXI. hiatos o roturas no existieron. se plantea el problema de la metamorfosis de las sociedades históricas en una sociedadmundo de un tipo nuevo. a no ser que esté en condiciones de originar un metasistema capaz de hacerlo y. Este es el caso de las revoluciones. que englobaría a los Estados-nación sin suprimirlos. por unos Estados con armas de destrucción masiva conduce a la cuasi-destrucción de la humanidad. elementos y un cambio de identidad que difícilmente puede verse como en los países en los cuales tales suspensiones. es el peor de los mecanismos pues va precipitando a la legislación en su propia destrucción: que sentido tiene legislar si solo una pequeña parte de la población va a cumplir la ley61. La identidad misma es sacudida de manera prácticamente irreversible. se degrada. Que siempre ha abordado temas originales sabe de las dificultades y comprende los esfuerzos. y en particular la causalidad social. CONCLUSIONES Frente a un enfoque no tradicional y sobre el cual hay poca literatura. la historia humana ha cambiado de vía a menudo. La Teoría General de Sistemas no busca solucionar problemas o intentar soluciones prácticas. es imposible frenar la oleada técnico-científicoeconómico-civilizatoria que conduce al planeta al desastre. cristianismo. Centrarse en una Teoría General de Sistemas. No se acepta la versión clásica de la teoría causal como juego de billar en el cual una bola se mueve porque fue golpeada por otra y a su vez impactara una tercera. tiene muchas fuentes y privilegiar una es tener una visión parcial de los acontecimientos. pero existen coincidencias importantes que permiten hablar de sistémica: 1. pero se ha perdido también muchos otros al limitarse a un trayecto lineal. Así comenzaron las grandes religiones: budismo. Teoría General de los Sistemas: Fue desarrollada por Ludwin Von Bertalanffy alrededor de la década de 1920/1930. ¿Cómo cambiar de vía para ir hacia la metamorfosis? Aunque parece posible corregir ciertos males. Todo comienza siempre con una innovación. y se caracteriza por ser una teoría de principios universales aplicables a los sistemas en general. Medio importante para aprender hacia la teoría exacta en los campos no físicos de la ciencia. 6. naturales y sociales. Dos palabras sobre la sistémica63.ANTONIO ANSELMO MARTINO . El término cibernética. En verdad existen varias versiones de enfoques sistémicos. y espero que el lectores sepa disculpar62. a menudo invisible para sus contemporáneos. Según Bertalanffy los fines principales de la Teoría General de Sistema son: Conducir hacia la integración en la educación científica. surge entre la ingeniería. Desarrollar principios unificadores que vallan verticalmente por el universo de las ciencias individuales. fue aplicado por primera vez en 1948 por el matemático estadounidense Norbert Wiener a la teoría de los mecanismos de control. islam. Y sin embargo. la primera sensación es de incompletitud. la matemática y la lógica. la biología. modesto. La teoría general de sistemas esta estrechamente vinculada con los desarrollos de la La Cibernética: que es una ciencia interdisciplinaria que trata de los sistemas de comunicación y control en los organismos vivos. A su vez cada causa 62 63 Tercio Ferraz Sampaio Jr. Filosofia e Teoria Geral do Direito. marginal.p65 239 17/5/2011. que proviene del griego kybernçeçs (‘timonel’ o ‘gobernador’). Obviamente una descripción tan simple de la causalidad ha permitido descubrimientos extraordinarios. Se ha tomado la legislación como un sistema y se la ha analizado como tal con una metodología sistémica que no tengo conocimiento haya sido aplicada antes. La causalidad. Tendencia general hacia una integración en las varias ciencias. un nuevo mensaje rupturista. estudiando todo ente que se comporte como un ser viviente. he privilegiado el de Mario Bunge. 17:46 . pero sí producir teorías y formulaciones conceptuales que pueden crear condiciones de aplicación en la realidad empírica. las máquinas y las organizaciones.239 de las culturas). El capitalismo se desarrolló parasitando a las sociedades feudales para alzar el vuelo y desintegrarlas. una vez convencido de la verdad de la teoría difícilmente se dialoga con los de teorías adversas cayéndose en el absolutismo que es todo lo contrario del aporte científico. como asi también las teorías físicas correspondientes: la de Newton y la de Einstein. Es ridículo preguntarse cual es verdadera. explica fácilmente la oportunidad de esta visión. 4. a condición que sean adecuadas al tema a tratar (y esto no es un problema lógico. Martino. El científico no es un “tercero imparcial” esta en el sistema de interrelaciones y tiene que aceptar que forma parte de lo que está observando. 2. A. Como si se pudiese determinar tal cosa. Calidad en legislación: “lo bueno. No hay elementos aislados que se pueden estudiar independientemente. Tanto la lógica proposicional clásica. Ver A. 1. pero ahí está porque una consecuencia jurídica es generalmente un acto de deducción lógica de un enunciado mas general. En sistémica se aceptan todas las lógicas. permite un estudio analítico pormenorizado del cual hay que seguir sirviéndose. Ver C.p65 240 17/5/2011. Exagerando un poco puede decirse que la historia de la ciencia es la historia de la falsificación de las teorías vigentes anteriores66. pero nubla la visón mas general de la emergencia como la hemos caracterizada: hay propiedades del conjunto de las cuales no participan las partes. siendo el legislativo necesariamente colegiado. alguna de las cuales ni siquiera fueron previstas64. La incorporación del observador al mundo observado. si es para hacer una mesa Euclides Newton. Martino Logic without Truth en Ratio juris. Otro problema es valorar si esa lógica es adecuada a los razonamientos que se quieren tratar con ella. Una suplantación de la búsqueda de la verdad por aproximaciones sucesivas. Alchourron & A. Depende de para qué se quieran usar. A. La noción de verdad suele tener consecuencias desastrosas en las ciencias porque siempre falta alguna parte de revisar en el modelo o porque. Lo correcto seria decir que es una consecuencia que el legislador no tomo en cuenta al momento de dictarla. si es para mandar un cohete a la Luna Lobachenski – Einstein. Vol. No hay limitaciones sino formales y ligadas a los criterios enunciados sobre la noción sintáctica de consecuencia. 3. pero no una característica del mundo. De la misma manera una consecuencia tiene varias causas: reducirla a una. sino pragmático). La concepción de la realidad como un todo interdependiente. 1 March 1990 (46-67) Un caso paradigmático es la concepción euclidiana del espacio y la concepción de Lobachenski. peor. 17:46 . Y en un tema como la legislación que siempre es producto de varios cuerpos. E.VISION SISTEMICA DE LA LEGISLACION produce muchas consecuencias. Esto es una necesidad de nuestra capacidad de atención central. como las lógicas paraconsistentes o cualquier otra que siga los criterios fundamentales de la noción de consecuencia65. si breve dos veces bueno”1 Filosofia e Teoria Geral do Direito. 64 65 66 Es gracioso escuchar a los abogados diciendo que esa es una consecuencia no querida por la ley.240 . 3 No. Como estos elementos son reales deben ser estudiados en cada caso: sea un legislación multinacional. DOMINACIÓN Traducción y presentación de la edición española de Javier El-Hage Marcial Pons MADRID | BARCELONA | BUENOS AIRES 2009 Filosofia e Teoria Geral do Direito. Una actitud en el lenguaje. que aun en nuestro cuerpo la pregunta de los padres “¿te duele el estomago. etc?”. regiones. mi homenaje a Tercio Sampaio consiste en haber adelantado en este articulo un libro sobre este tema que estoy escribiendo fatigosamente. estadual o municipal. su relación con el medio y en particular la mecánica dinámica que lo va fortaleciendo o debilitando. Por otro lado fuera de una cultura no hay lenguaje. INTRODUCCIÓN AL ESTUDIO DEL DERECHO TÉCNICA. Y espero que pueda apreciar el esfuerzo realizado y hacer las críticas y observaciones que lo mejoren. que es un subsistema del sistema social. El modelo hasta donde yo sé es absolutamente original. De hecho. Tercio Ferraz es un sistémico en su análisis total del derecho como hecho social y no solo estudio de normas.241 5. Los trabajos de Tercio Ferraz. 67 68 69 Dice Wittgenstein.ANTONIO ANSELMO MARTINO . pero no es una flor en el desierto. 6. A partir de las Investigaciones Filosóficas de Wittgenstein. La legislación aparece como un sistema con elementos. Con estos criterios hemos abordado un subsistema del sistema jurídico que es la legislación. Limitan la respuesta del niño que no podría decir “me duele porque es jueves”. nacional. La teoría sistémica no niega los objetos que son los componentes del sistema. según épocas. 17:46 . DECISIÓN. pero su atención se centra en las relaciones que establecen una estructura y aun mas las que modelan un mecanismo que va cambiando las relaciones y que puede llevar en una u otra dirección la evolución del sistema. particularidades. un ambiente y una mecánica. sabemos que el lenguaje comprime y limita dentro de una determinada cultura. La ventaja que tiene es que se trata de un proceso dinámico en el cual generalmente los elementos son los mismos pero muy distinta la estructura. El cuadro que resulta es más un modelo general que un estudio particularizado pues requeriría datos de cada realidad que transformarían en un libro este articulo68. sabiendo – a su vez – que el sistema jurídico es un subsistema del sistema político.p65 241 17/5/2011. La actitud debe ser reflexiva y cuidadosa para no caer en las trampas que el propio lenguaje implica67. Un cambio de enfoque de los objetos a las relaciones. estructura. en particular en el libro citado69 aceptan y reconocen este enfoque si bien mas basado en las teorías de Gadamer y Niklas Luman que en las clásicas de la teoría sistémica. la cabeza. p65 242 17/5/2011.Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:46 . TECNOLOGIAS JURÍDICAS RACIONALIDADE COMO Anotações para Discussão da Relação entre Razão e Direito na Obra de Tercio Sampaio Ferraz Jr.p65 243 17/5/2011. Doutor em Filosofia (USP). Carlos Eduardo Batalha Professor Titular da Faculdade de Direito de São Bernardo de Campo e Professor Associado da Faculdade de Direito da FAAP. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:46 . 1985.). “pôr em conjunto”. La razón en el derecho (observaciones preliminares). A. A crise da razão. Utilizado como símbolo linguístico para indicar relação matemática (geométrica ou aritmética) entre duas grandezas. nº 2. se Sócrates corrompe ou não a juventude). (org. das Letras. Filosofia e Teoria Geral do Direito.. com base em regras para o intérprete-orador. A partir da imagem de dois oradores. Contudo. por exemplo. Essas significações contribuíram para que o termo também fosse usado no sentido de “palavra”. 78-82. considerada relevante em outros domínios discursivos (em especial. Esse outro modo também pode ser associado à obra de Aristóteles. mas indicava que a verdade judiciária também era alcançada por operações próprias. como signo que reúne em 1 2 WOLFF. Trad. BOBBIO. o logos possivelmente apresentava o sentido primário de “ligar”. RAZÃO E DIREITO NO DISCURSO FILOSÓFICO OCIDENTAL: ALGUMAS REFERÊNCIAS Compreensões peculiares da racionalidade jurídica não são propriamente uma novidade. na antiguidade clássica. sob a forma de argumenta (a simili. origem da crise. ou de regras para resolução de controvérsias (pelas quais a ars iudicandi e a ars disputandi sempre se distinguiram da ars inveniendi)2. A retórica aristotélica já apontava. a maiore ad minus etc.TECNOLOGIAS JURÍDICAS COMO RACIONALIDADE: ANOTAÇÕES PARA DISCUSSÃO. 1996. 17:46 . Trad. In: NOVAES. outro modo de compreender a racionalidade jurídica acabou prevalecendo sobre a perspectiva retórica. tendo em vista persuadir os julgadores. Alicante. caracterizadas pela confrontação de enunciados contraditórios entre si. F. 21. São Paulo: Cia. p. Nascimento da razão. ali relacionado a um determinado uso do termo logos. Alfonso Ruiz Miguel. Este princípio não retirava importância à não contradição.p65 244 17/5/2011. p. para uma curiosa manifestação da razão no contexto do estabelecimento de verdades judiciárias. N.. 1.244 . representando ataque e defesa.). a contrario. no desenvolvimento do discurso filosófico ocidental. Paulo Neves. “unir”. Doxa – Cuadernos de Filosofía del Derecho. nos quais se apresentavam modelos de raciocínio jurídico para o bom juiz ou para o bom jurista. defendendo teses contrapostas (discutindo. “juntar”. encontra-se na apresentação aristotélica do discurso judicial uma espécie de “princípio racional” 1 . logismos) – contribuíram para a formação da ideia de interpretatio que foi desenvolvida posteriormente por manuais de Topica ou de Dialectica legalis. a fortiori. no discurso demonstrativo). Essas operações retóricas – que podem ser identificadas como manifestações de razão discursiva ou raciocínio (dianoia. G. ao afirmar que é comumente aceito como homem virtuoso aquele que age em conformidade com orthos logos. Para contraste dos modelos platônico e aristotélico. A. LEOPOLDO E SILVA. Introdução ao estudo do direito – Técnica. que nos “põe de pé (orthos) quando caímos”4 .G. e principalmente. Filosofia e Teoria Geral do Direito.. Por um lado. Tem-se. 1969. a concepção de um logos que se manifesta não apenas nas conclusões corretas de um saber especulativo.CARLOS EDUARDO BATALHA . 352-355. Trad.). Essa disposição é denominada por Aristóteles como prudência (fronesis). em conhecidas passagens da Etica Nicomaqueia (1103b 26 e. C. (org. Mas trata-se de uma disposição prática da alma para discernir a verdade na ação. T. 2009. entre razão e cálculo6. por sua vez. A crise da razão. 1996. nas orientações adequadas para a ação ética. FERRAZ JR. 17:46 . Todavia. Tal compreensão da racionalidade ética ultrapassa a concepção de sabedoria encontrada na filosofia platônica5 e desenvolve força própria. 1138b 18). Bento Prado Jr. S. 254. p. então. F. Essa ampliação ocorreu sob diversos aspectos. 12. a tradução latina de logos como ratio (do verbo reor. 2003. Por outro lado. que resultou na postulação da existência 3 4 5 6 GRANGER. In: NOVAES. que apontava para “medir”. São Paulo: Manole. p. São Paulo: Difusão Européia do Livro. Aristóteles também se refere ao termo de outra forma. No contexto dessa expressão. BITTAR. p. a ética aristotélica aponta para uma atividade da alma que não se confunde com o saber demonstrativo. “contar”) implicou uma aproximação. A razão. 11. B. no campo dos significados. com maior desenvolvimento. o adjetivo orthos possui tanto o significado de “correto” quanto o de “ativo”. Curso de filosofia aristotélica – Leitura e interpretação do pensamento aristotélico. Este sentido é dado por António Caeiro na tradução aqui utilizada: ARISTÓTELES. cf. “orientador”. bem como suas implicações. São Paulo: Companhia das Letras.G. Trad. p. não apenas recepcionaram a identificação desse outro logos.. São Paulo: Atlas. Barueri. Estes.p65 245 17/5/2011. de António de Castro Caeiro. mas também. a compreensão estoica da ordem universal (cosmos) como unidade dotada de harmonia (sympatheia) criou condições para uma compreensão do logos como força imanente ao universo. e Lucia Seixas Prado. sendo incorporada à cultura romana pelos estoicos. mas também lhe ampliaram o campo semântico. decisão e dominação. Não se trata do mesmo logos antes referido. G. 4ª ed. 1008-1013 e 1058-1060. São Paulo: Atlas. na medida em que o Bem se constitui como polo irradiador de todos os processos de desvendamento (aletheia) manifestados por todos os níveis e gêneros de saber. ao traduzi-lo como recta ratio. Ela se alinha ao saber teórico. p. A razão. 353. p. E. 2003. Ao destacar a manifestação de um ortho logos no domínio da ação. cit. GRANGER.245 um fonema vários significados3. Ética a Nicômaco. Ética e razão. Em Gaio. 4.. Suma teológica. 2005. Dicionário Kant. é possível destacar a concepção tomista da lei como algo da razão (lex est aliquid rationis) ou ordenação da razão (ordinatio rationis)9.. que obteve grande difusão na Europa Continental. Trad. cf. p. La razón en el derecho (observaciones preliminares). T. 21-22.. encontra-se menção expressa à lei quod naturalis ratio inter omnes homines constituit. T. 2001. Maria Cristina Guimarães Cupertino. Dentro da argumentação filosófica. nisi recta…ratio)8. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.p65 246 17/5/2011. CAYGILL. T. com base na noção de recta ratio. Duas expressões em particular contribuíram para esse novo vínculo: contra conscientia erronea e conscientiam agere. São Paulo: Atlas. Trad. H. BOBBIO. HOBBES. também advogou que a lei não é outra coisa senão a retidão da razão natural (lex nihil aliud. p. J. 2002.. p. a liberdade. Diálogo entre um filósofo e um jurista. 94. 95 ss. MARYIOLI. FERRAZ JR. por exemplo. N. Barueri: Manole. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Maurício de Andrade. AQUINO. cit. a justiça e o direito. Para compreensão e comentário dessas expressões. Álvaro Cabral. 17:46 . 69-71. Paulo e Modestino – tiveram contato direto com a doutrina estóica. 11-16.TECNOLOGIAS JURÍDICAS COMO RACIONALIDADE: ANOTAÇÕES PARA DISCUSSÃO. A. que não se vinculava rigorosamente ao aristotelismo ou ao estoicismo (e até desconfiava dos livros de filosofia). p. Trad. v. de uma lex naturalis como lei “da relação universal que existe objetivamente entre os seres”7. 2000. as relações entre razão e direito concebidas por meio da associação entre recta ratio e lex naturalis continuaram a ganhar novas elaborações. os juristas que elaboraram as primeiras obras jurídicas de importância em língua inglesa – Thomas Littleton e Edward Coke – contribuíram para que a common law fosse identificada como law of reason10. Entre elas. 521-523. São Paulo: Loyola. ao lado da conhecida caracterização dos textos dos glosadores da Littera Bolonienses como ratio scripta. Papiniano. 7 8 9 10 11 BILLIER. Vários tradutores.. Assim. Já no contexto anglo-saxônico. São Paulo: Landy. também começou a se desenvolver durante o período medieval um novo significado para a recta ratio. Mesmo Cícero. referências à lex naturalis tornaram-se parte da juris prudentia romana e as relações entre direito e razão ganharam suas primeiras manifestações no interior do discurso dos juristas. Após o advento da filosofia moral cristã.. História da filosofia do direito. C. Ulpiano. surgiram expressões que predispuseram uma vinculação que os escritos de Cícero apenas insinuavam: a aproximação entre ratio e conscientia. Muitos jurisconsultos clássicos – entre eles. Estudos de filosofia do direito – Reflexões sobre o poder.246 . Entretanto. 2001. por volta do século XV. p. S. Sua utilização teve consequências importantes para o debate filosófico11. Gaio. p. era uma espécie equivocada de aplicação da sabedoria prática. dentro da nova compreensão da razão. Essa objetivação – que retira o termo conscientia do campo das ações e inicia sua transformação em uma propriedade da mente ou dos sentidos – acabará por autorizar. nos séculos XVII e XVIII. o discurso jurídico ganhou uma outra direção. Falava-se em error in judicium rationes praticae. passando por Hobbes. Caminhando junto ao tradicional discurso da lex naturalis. “o juiz interior”). em muitos autores. contra a heteronomia eclesiástica. que predomina nos escritos de Locke e Leibniz. o qual é condição para todos os outros atos de consciência. converte-se em um ato de consciência de si. essa noção influenciou a elaboração calvinista da consciência como senso moral. a elaboração de uma filosofia específica da consciência. ou seja. a importância da vinculação do agir aos ditames do próprio agente. teve início a noção de que pecar era agir contra a consciência e não contra os ditames de uma ordem objetiva. ou seja. No entanto. distinto do foro externo do mundo. a aproximação entre razão e consciência permitiu o desenvolvimento de uma concepção de consciência ética.p65 247 17/5/2011. mesmo apresentando diferentes pontos de partida. Espinosa. No contexto do protestantismo. em analogias judiciais que acabaram por repercutir na filosofia de Kant. presente especialmente na obra de Aberlado. a autonomia do homem como “eu” que dá imperativos a si próprio. 17:46 . A conscientia erronea opunha-se à conscientia recta. erro no julgamento da razão prática. Os jusnaturalistas dos séculos XVII e XVIII. Deus também foi preservado. De um modo geral. como princípio necessário do mundo. de Grócio a Kant. os tomistas sublinharam uma espécie de objetivação da consciência como vinculação à vontade divina. sendo reorientado para o domínio antropológico do sujeito de direito. A razão foi então caracterizada como um foro íntimo (“o tribunal da consciência”. a consciência. Tornou-se possível afirmar. Leibniz e Wolff. Locke.247 Com o uso da primeira expressão. Dentro dessa perspectiva filosófica. o tema da lei natural como ditame da razão não foi eliminado.CARLOS EDUARDO BATALHA . Pufendorf. que deslocou tanto o discurso filosófico quanto a teologia para um novo campo: o domínio do sujeito como indivíduo livre por si e para si. ainda tinham em vista a construção de um sistema completo de leis ditadas pela razão. Já com a expressão conscientiam agere. do homem entendido como ser naturalmente portador de direitos. na configuração do agir pecaminoso. o inovador reconhecimento do direito em termos de uma Filosofia e Teoria Geral do Direito. Com isso. antes ação da mente ou dos sentidos. tornou-se possível destacar. No âmbito da reflexão sobre o direito. A razão natural não passa de um cálculo privado. Para ele. Trad.p65 248 17/5/2011. 1997. Para instituição da sociedade civil. Introdução ao estudo do direito. 17:46 . perde espaço para uma compreensão racionalista.. 170. S. Hobbes. que começa se diferenciar perante outros discursos. A concepção voluntarista da lei. Porto Alegre: L&PM. p. a distinção entre direito natural e teologia moral estimula juristas como Christian Thomasius a diferenciar justiça e virtude. introduzindo o que se pode considerar como a moderna racionalidade jurídica. da qual decorre a confiança iluminista em uma razão emancipadora. Ao mesmo tempo. FERRAZ JR. p. porém. FERRAZ JR. por meio do qual cada homem julga os meios úteis à sua conservação. na natureza humana. A terminologia utilizada por Thomasius parece indicar que ainda não estava em questão uma dissociação entre razão jurídica e ética. Felipe González Vicen. é uma dessas alterações... Com isso.. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 12 13 ZARKA. cit. Estudos de filosofia do direito. No entanto. inaugura-se a autonomia do discurso do direito natural e tem início o discurso que atribui à lei positiva o caráter privilegiado de “lei em sentido próprio e estrito”13. em alterações importantes nas relações entre direito e razão. Ali continua presente a ideia de que o direito corresponde àquilo que não é contrário à recta ratio. configura-se uma ruptura com a concepção de reta razão herdada da cultura clássica.248 . cit. v. Madrid: Aguillar. A legalidade permanecia associada à justiça.TECNOLOGIAS JURÍDICAS COMO RACIONALIDADE: ANOTAÇÕES PARA DISCUSSÃO. Marco Antonio Schmitt. no mesmo contexto. C. Filosofia política: nova série. separando o fenômeno jurídico (iustum) perante a moralidade (honestum) e os usos sociais (decorum). H. 170-175. que também aparecia em alguns escritos escolásticos. 9-29. T. 1. Introduccion a la filosofia del derecho – Derecho natural y Justicia material.. T. A invenção do sujeito de direito. Desse modo. critica o entendimento da recta ratio como faculdade infalível e medida comum para todas as coisas. o que ali se manifestava bem pode ser entendido como o começo da filosofia do direito como disciplina jurídica. Essa ruptura é expressa na obra de Hobbes. S. 71. dentro da qual a lei corresponde à ordenação livre da sociedade com base em direitos subjetivos individuais racionais. p. pouco a pouco. 1974. a exigência da razão como juiz das controvérsias é tão somente a procura de que as coisas sejam determinadas pela razão de cada um. A aproximação entre liberdade individual e exercício da razão. Trad. Essas inovações contribuíram para a formação de uma racionalidade jurídica específica. p. Y. WELZEL. a utilidade começa a se configurar como única medida possível. qualidade moral do homem (facultas moralis) – que aparece a Grócio antes mesmo da formulação da metafísica cartesiana12 – resultou. que começam a se fundir em direção à formação do que veio a ser chamado de tecnociência ou tecnologia15. No direito moderno. T. Jorge M. In: VIEHWEG. Por outro lado. Ela se associa agora à razão de Estado14. 2002. 211-216. Tópica y filosofia del derecho.. p. 64-65. 2. Francis Bacon e a fundamentação da ciência como tecnologia. Os diferentes enfoques propostos pelas teorias jurídicas para compreensão dessa nova questão sugerem como o próprio conhecimento especializado do direito passou a repensar sua racionalidade. 17:46 . o conhecimento passa a ser compreendido como atividade científica e a racionalidade específica dos juristas se torna cada vez mais sistematizante e instrumental. a nova física de Galileu e o novo Organon de Bacon não mais promovem a separação clássica entre episteme e techne. Trad.CARLOS EDUARDO BATALHA . T. Ambos convergem para uma mudança de atitude em relação às técnicas. com a proposição de uma nova racionalidade científica. é também uma aliança entre ciência e técnica. no estabelecimento de leis naturais. S. OLIVEIRA. T. acompanhada do vínculo com a razão de Estado. Belo Horizonte: Editora UFMG. São Paulo: Ícone. Função social da dogmática jurídica.p65 249 17/5/2011. FERRAZ JR. serviu de base para que os raciocínios dogmáticos dos juristas pudessem ser elevados à condição de teoria16. p. 1998. Os elementos da lei natural e política – Tratado da natureza humana – Tratado do corpo político. Essa mudança. Barcelona: Gedisa. matematizante e operativa. a razão jurídica se distancia da sabedoria que descobre a verdade na ação. p. VIEHWEG. Seña. Fernando Dias Andrade. Tanto nos projetos de codificação elaborados no século XIX quanto na 14 15 16 17 HOBBES. 115 ss. T. 1997. Algunas consideraciones acerca del razonamiento jurídico. J. São Paulo: Max Limonad. ela também contribuiu para que novas teorias do direito positivo – construídas a partir do século XIX no interior dos sistemas jurídicos em formação17 – transformassem a conformação ética da racionalidade jurídica em um problema. que controla a veracidade e a falsidade tendo em vista conseqüências práticas. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 2002. Reflexos dessa aliança serão sentidos em diversos setores. entre ciência e artes mecânicas. isto é. Esse moderno saber-fazer não é apenas uma razão utilitária.249 será preciso que a razão natural seja suplantada pela autoridade dos detentores do poder soberano. RAZÃO E DIREITO NO DEBATE TEÓRICO -JURÍDICO: ALGUNS ENFOQUES Muitos são os exemplos de que os debates em torno do direito positivo não se desvincularam totalmente da racionalidade jusnaturalista após o século XVIII. B. Além disso. 23-30 e 45-57. Trad. Diante disso. p. 2002. sob a forma de três grandes modelos. 2002. A partir daí. no âmbito das teorias do direito positivo que assumiram a dissociação entre ética e razão jurídica como um problema. W. Os grandes filósofos do Direito: leituras escolhidas em Direito. 426.250 .. Trad. próximos da noção de “atitude” ou “lugar de fala”) permite discutir. Os grandes filósofos do Direito: leituras escolhidas em Direito. p. os quais enfatizaram a importância da coerção na manifestação do direito. p. C. Em termos cronológicos. reafir- 18 19 AUSTIN. o primeiro modelo com pretensões de ocupar esse lugar começou a ser construído no século XIX. é possível também reconhecer a formação de novas compreensões da racionalidade jurídica. essas teorias acabaram por apresentar a razão jurídica sob a forma de racionalidade comum entre direito e política. No entanto.). de modo inédito. bem como diversas formas de realismo jurídico (em particular. HOLMES JR. já presente no jusracionalismo moderno.p65 250 17/5/2011. (org. Entre essas teorias. Filosofia e Teoria Geral do Direito. se destacam algumas manifestações da teoria imperativista do direito (especialmente a teoria do comando elaborada pelo jurista inglês John Austin no início do século XIX). com a formulação dos novos enfoques (o “ponto de vista do súdito” sugerido por Austin18 e o “ponto de vista do homem mau” proposto por Holmes19). em 1897). São Paulo: Martins Fontes. em linhas gerais. de Reinaldo Guarany. os estudos que relacionam o direito à política. 340. Essas novas compreensões se manifestaram de modo peculiar. Contudo. Essas concepções mantiveram a imagem do direito positivo como conjunto de ordens coercitivas de um soberano... aumentando a proximidade entre o fenômeno jurídico e a imagem tradicional do poder como dominação e império. à psicologia etc. Trad. (org. ao lado do perseverante discurso do direito natural. reconstrução do discurso dos direitos humanos durante o século XX encontram-se idéias inspiradas pela recta ratio do jusnaturalismo (clássico ou moderno).TECNOLOGIAS JURÍDICAS COMO RACIONALIDADE: ANOTAÇÕES PARA DISCUSSÃO. São Paulo: Martins Fontes. In: MORRIS. de Hobbes a Kant. J. de Reinaldo Guarany. Aulas sobre Direito. por meio dos “pontos de vista” que essas teorias propuseram como legítimos para interpretação do fenômeno jurídico. aprofundaram. à economia. o lugar deixado vago pela reta razão no campo do direito. In: MORRIS. O caminho do Direito. a teoria da predição do que os tribunais farão de fato introduzida pelo juiz norte-americano Oliver Wendell Holmes Jr. O campo de debate sobre os fundamentos da positividade foi definitivamente deslocado da natureza para a sociedade. com a elaboração de teorias do direito positivo que rejeitaram a metafísica jusnaturalista em nome de uma “ética da utilidade” ou de um “ceticismo esclarecido”. C. 17:46 . A organização dos principais pontos de vista (entendidos como “enfoques”.). O. Um segundo modelo peculiar de racionalidade jurídica pode ser localizado em outras construções teórico-jurídicas que buscaram. compreender o direito positivo a partir de elementos internos ao próprio do direito positivo entendido como um sistema. de modo ambíguo. H. 6ª ed. 17:46 . HART. Isso aparece tanto na proposta de desideologização das doutrinas jurídicas desenvolvida pela distinção entre ser e dever ser traçada pelo jurista austríaco Hans Kelsen (com sua teoria da norma fundamental) quanto na visão interna da linguagem jurídica ordinária destacada pela investigação das regras sociais realizada pelo jurista inglês Herbert L. Já Hart apresenta (funcionalmente) o fenômeno jurídico como prática social complexa assemelhada a um 20 21 KELSEN. p. Esses novos elementos identificadores do direito positivo são reunidos sob a forma de um “sistema jurídico”. 2ª ed. Sob esse novo enfoque. de João Baptista Machado. A imagem construída (geometricamente) por Kelsen enfatiza a forma de uma ordem escalonada. Trad. construído nas teorias de Austin e Holmes. tanto na perspectiva da norma como “esquema de interpretação” quanto na perspectiva da ciência que descreve as normas em “proposições jurídicas”). pelo enfoque da “normatividade”. não apenas se limitam a descrever e predizer o que manifesta o direito. Essas teorias substituem o enfoque da “faticidade” do fenômeno jurídico. Ribeiro Mendes. O conceito de direito. Teoria pura do direito. H. Coimbra: Armênio Amado. A. 65. a partir da primeira metade do século XX. as elaborações imperativistas e realistas – por meio dos quais a coerção aparecia como elemento nuclear da definição de direito – passaram a conviver com novas imagens do fenômeno jurídico.CARLOS EDUARDO BATALHA . de A. enquanto Hart o constrói por meio da complementação do ponto de vista do observador externo (ao qual nem Kelsen escapa) pela consideração do “ponto de vista interno ao sistema jurídico”21.251 mando e celebrizando uma entre tantas linhas de pensamento já presentes na teoria hobbesiana. p. 25. Hart (com sua teoria da regra de reconhecimento). ou seja. 1996. muito distintas entre si. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Trad. da perspectiva dos que usam as regras como razões para crítica e justificação do comportamento próprio e dos outros. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.p65 251 17/5/2011. o qual é encontrado por Kelsen no “ponto de vista de um terceiro desinteressado”20 (aparecendo. a consideração da positividade em leis e julgamentos foi trocada pela análise das “normas” ou das “regras sociais”. 1984. Nesse processo de abstração. o que tem sido proposto nas últimas décadas como modelo de racionalidade jurídica busca. é possível ainda assinalar um terceiro modelo peculiar de racionalidade jurídica. Seu campo de elaboração encontra-se nas teorias que apresentam críticas à ideia de que o direito positivo poderia ser compreendido apenas com a categoria da validade. legalidade e outros ideais políticos. Por outro lado. Em vista disso. em termos de uma teoria das “virtudes” atribuídas às leis e decisões judiciais consideradas justas.252 . superar esses limites. De todo modo. o enfoque que a teoria da regra de reconhecimento propunha para a compreensão das práticas sociais ainda não desenvolvia a questão da argumentação jurídica. neutro e não comprometido. De certa forma. apesar da divergência entre imagens. então. principalmente. Para além dos enfoques da faticidade e da normatividade. que submetia à análise conceitual questões substantivas. normativas e engajadas. tem certa difusão (em particular no Brasil) “o ponto de vista do participante” proposto pela teoria da ponderação do jurista Filosofia e Teoria Geral do Direito. pelo menos desde na segunda metade do século XX. Contudo. por meio da construção de novos enfoques que permitam compreender o reconhecimento de direitos subjetivos como parte dos processos de justificação das argumentações jurídicas. nem oferecia elementos para uma renovação da discussão dos aspectos de moralidade política envolvidos no processo de aplicação do direito.p65 252 17/5/2011. discutindo a busca de parâmetros dentro do processo de aplicação do direito positivo. Nesse contexto.. as teorias jurídicas de ambos os autores convergem para a investigação específica da noção de validade.. cuja construção têm chamado a atenção de muitos juristas. especialmente no que diz respeito à complexa situação de reconhecimento de direitos subjetivos no interior dos casos concretos. O lugar da razão jurídica é. o projeto teórico de Hart oscilava entre uma “sociologia descritiva” e uma “hermenêutica” em um patamar supostamente externo. relativas a liberdade. O direito positivo passa a ser caracterizado como sistema de enunciados “juridicamente válidos”. Por um lado. Para lidar com essas situações no âmbito das teorias jurídicas. Entre esses novos enfoques. Hart tratava esses aspectos de modo bastante tradicional. advoga-se que a noção de validade não é capaz de dar conta da identificação do direito. igualdade. 17:46 . ocupado pela concepção de uma racionalidade própria ao direito. jogo. considera-se necessário colocar sob novo rumo o estudo das práticas sociais das quais o direito faz parte.TECNOLOGIAS JURÍDICAS COMO RACIONALIDADE: ANOTAÇÕES PARA DISCUSSÃO. com suas respectivas investigações sobre coerção e validade. a concepção hartiana de regra social como razão prática já caminhava nesse sentido. ALEXY. Esse enfoque difere do “ponto de vista interno” de Hart. Conceito e validade do direito. e principalmente. Desse modo. no que diz respeito à reconstrução da relação entre razão e direito por meio das noções de enfoque 22 23 24 25 ALEXY. cit. O. não apenas como sistema normativo. Mendes. El concepto y la naturaleza del derecho. por sua ênfase no aspecto da justificação. mas antes como sistema de procedimentos (entre os quais se encontra a ponderação orientada pela máxima da proporcionalidade)22. DWORKIN. Trad. ainda se manifestam. R. São Paulo: Martins Fontes. p. 1999. com a moral.CARLOS EDUARDO BATALHA . Filosofia e Teoria Geral do Direito. de Gercélia B. Sob esse enfoque. 17:46 . a argumentação jurídica desenvolvida na fundamentação de decisões judiciais permite compreender a importância da justificação para a devida caracterização teórica da racionalidade jurídica. de Jefferson L. mas também. R. R. O império da lei. p. é possível também. 17-19. DWORKIN. p. Nesses termos. Madrid: Martial Pons. 86-98. para tornar todo cidadão “responsável por imaginar quais são os compromissos públicos de sua sociedade com os princípios”25. as dimensões da coerção e da validade. de Carlos Bernal Pulido. que tantas ambigüidades traz para sua teoria. Camargo. torna-se possível uma nova imagem do fenômeno jurídico. Sua tese de que “a propriedade mais essencial do direito é sua natureza dual”23 oferece farto material para comprovação dessa mistura..253 alemão Robert Alexy. p. Nesse sentido. Trad. ao entender por a participação a argumentação jurídica por meio da pergunta sobre o que é a decisão “correta”. Por isso. mas como autores da descoberta de direitos subjetivos que as partes já apresentavam como trunfos. 2008. em cada caso concreto. 29-31. misturadas à dimensão ideal e crítica da correção. o modelo de razão jurídica que resulta dos enfoques construídos por Alexy e Dworkin pode ser denominado como racionalidade compartilhada entre direito e moralidade política. a delimitação de um novo modelo da racionalidade jurídica parece mais explícita com “o ponto de vista do juiz” construído pela teoria da integridade do jurista norte-americano Ronald Dworkin24. R. porém. 2009. interpretativa e auto-reflexiva. Trad. 477-492. Essa descoberta se dá por meio da prática de uma interpretação construtiva. O império da lei. dirigida à política em sentido amplo. é possível entender como os próprios juízes que têm a obrigação de decidir casos difíceis não se compreendem como legisladores retroativos. São Paulo: Martins Fontes. que conduz à imagem do direito positivo como romance em cadeia e retoma a conexão do fenômeno jurídico não apenas com a política. À parte todos os grandes modelos. O direito positivo se manifesta como uma atitude.p65 253 17/5/2011. Na obra de Alexy. um enfoque teórico26. ela mesma. 114-127. O fenômeno jurídico se expressa como sistema normativo. também se encontra uma reconstrução peculiar das relações entre direito e razão. além de se caracterizarem por seus relatos (a mensagem emanada pelo emissor da norma ao seu destinatário). em uma posição dogmática. em grande parte. a qual merece atenção dos estudiosos do direito. associada a diversas cartas de direitos fundamentais). T. cf. Elas correspondem agora a um meio de comunicação.. Para compreender a racionalidade construída a partir de um enfoque dogmático. elas também 26 Para análise das contribuições da teoria da ciência jurídica que levam à formulação da distinção entre enfoque zetético e enfoque dogmático. o direito positivo ainda pode ser entendido com apoio na terminologia consagrada por Kelsen. dentro dos quais os comunicadores (emissor/receptor) estão em constante processo de definição de suas relações normativas (entendidas como relações autoridade/sujeito). como unidades discursivas. 17:46 .TECNOLOGIAS JURÍDICAS COMO RACIONALIDADE: ANOTAÇÕES PARA DISCUSSÃO. se ocupando com a busca de novos pontos de vista críticos (uma vez que a perspectiva crítica tradicional – a cosmovisão do direito natural – foi convertida. Desse modo. RAZÃO E DIREITO NO ENFOQUE DOGMÁTICO: O FUNCIONAMENTO DA RACIONALIDADE JURÍDICA PARA TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. a compreender essa racionalidade científico-dogmática. a ciência do direito desenvolvida a partir do século XIX ofereceu contribuições para que a dogmática do direito pudesse ser considerada. VIEHWEG. no mesmo contexto histórico em que as teorias da coerção. que permanece inegavelmente contemporânea. Para o jurista alemão.. p. da validade e da justificação oferecem suas contribuições para uma melhor compreensão da complexidade do raciocínio jurídico. dedicou-se. Tercio Ferraz Jr. transformado-se em uma “doutrina de base”. desenvolvidas pelas teorias jurídicas. 3. Filosofia e Teoria Geral do Direito. desenvolve a hipótese de que o discurso jurídico se manifesta como sistema de interações. ganham uma nova compreensão. No campo da dogmática. Assim.p65 254 17/5/2011. cit. associa a concepção do direito positivo como discurso normativo à teoria da comunicação sob aspecto pragmático. Algunas consideraciones acerca del razonamiento jurídico. seguir o caminho proposto por Viehweg. a partir do século XVIII. portanto.254 . A teoria pragmática do direito elaborada com grande rigor e admirável originalidade por Tercio Sampaio Ferraz Jr. Nesses termos. Mas as normas.. o qual tem assegurado. não é suficiente para lidar com o fenômeno social da positivação. mais exatamente na situação em que o emissor do discurso normativo aparece como autoridade institucionalizada em seu mais alto grau. Nos Estados constitucionais contemporâneos.p65 255 17/5/2011. Para dar conta disso. Em sua teoria. desde o século XIX. Essa redefinição. Essa outra dimensão. apontam para específicos processos de neutralização (imunização) da indiferença perante a autoridade. também não se altera a outra percepção kelseniana: a validade como conceito relacional. o tratamento desse problema não se limita ao recurso (estrutural) à concepção de “hierarquia das fontes” ou à distinção (funcional) entre regras primárias e secundárias. à questão da compreensão dos sistemas jurídicos como um todo. porém. Uma norma é válida juridicamente a partir de relações que se estabelecem no interior de um sistema jurídico. que corresponde à mensagem que emana da relação emissor/receptor. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Por um lado. por sua vez. a contingência dos conteúdos jurídicos das normas. No âmbito da interação. essas relações. por meio de seu conteúdo (o relato).CARLOS EDUARDO BATALHA . porém. Esses processos não se reduzem a relações formais (como pensam os puros normativistas) ou à questão da efetividade social (como propõem os juristas ditos realistas). em termos interacionais. Assim como nas teorias propostas por Kelsen e Hart. neutraliza a relação de autoridade (o cometimento) de outra norma. a partir do século XIX. normas comunicativamente imunizadas. A questão é. os sistemas políticos ocidentais têm substituído a unidade hierárquica concreta simbolizada pela figura do rei por uma prática complexa de comunicação e controle de comunicação entre forças mutuamente interligadas. antes de tudo. considerada sob dois aspectos (igualmente funcionais). No entanto. em particular. Nessa redefinição. que assim fica “imunizada” contra uma possível indiferença (do receptor perante o emissor do discurso normativo). esse elemento pode ser localizado no comentimento da relação. autoriza uma redefinição (comunicacional) do elemento (discursivo) que permite identificar o caráter jurídico de uma norma. Normas juridicamente válidas são.255 apresentam outra dimensão. portanto. A imunização ocorre quando a norma. o debate sobre a validade também leva Ferraz Jr. 17:46 . chamada de cometimento. estimulando sua compreensão como atualmente existentes e reconhecidamente mutáveis. consolidou-se uma estrutura circular de competências mutuamente referidas. é preciso também operar uma redefinição discursiva do elemento que permite conceber uma norma em sua dinâmica: o conceito de validade. Filosofia e Teoria Geral do Direito. a garantia de que a autoridade assumirá norma inválida como vinculante acaba por se incorporar ao sistema. T. Ferraz Jr. 143. como resposta do sistema “coerente dentro de uma situação”29. 17:46 . p. propõe que o direito contemporâneo seja concebido como sistema complexo. que aponta para alguma relação entre validade e efetividade distinta do que foi apresentado no conhecido debate entre normativistas e realistas. Pelo contrário. No âmbito da interação. Por outro lado. S. indicando que. cit. p. Ela aparece. associado à defesa da uniformidade da jurisprudência.256 . especialmente no âmbito da atividade dos tribunais. ela é outra figura normativa. Com esse modo de aplicação. de tal modo que torna-se difícil considerar a invalidade de uma norma como figura extraordinária ou marginal.. T. na verdade. T.. chegando hoje à decisão de inconstitucionalidade “apenas para a próxima legislatura”. em termos pragmáticos (funcionais). 139. S. 67. Teoria da norma jurídica. que culminam em diversas “primeiras normas” (as “normas-origem” de cada série normativa). Para dar conta dessa relação. Normas inconstitucionais podem ser entendidas como “normas paralelas à Constituição”. os sistemas jurídicos têm apresentado.. 1998. como declarada pelo STF para certo dispositivo de lei municipal sobre número de vereadores.. com freqüência. São Paulo: Max Limonad. FERRAZ JR. p.. baseada na concepção de “divisão dos poderes”27. desde aquelas que confirmaram efetividade às disposições do Ato Institucional nº 5 que eram incompatíveis com a Constituição então vigente28 até as decisões dos tribunais federais nas quais se cedeu a uma situação de fato “para evitar um mal maior”. integrado por várias “séries normativas”.TECNOLOGIAS JURÍDICAS COMO RACIONALIDADE: ANOTAÇÕES PARA DISCUSSÃO. o modo de funcionamento dos sistemas jurídicos como siste- 27 28 29 FERRAZ JR. a invalidade não pode ser considerada como sinônimo de inexistência. FERRAZ JR. o que está em questão é o modo pelo qual as referidas normas-origem são imunizadas. Para compreender esse problema.. Teoria da norma jurídica. Dentro do Estado brasileiro. cit. é possível identificar esse modo de aplicação em várias decisões. mais uma vez. as quais podem ser incompatíveis entre si. Ferraz Jr.p65 256 17/5/2011. leva em consideração. Função social da dogmática jurídica. S.. O problema do elemento que permite considerar o sistema jurídico como globalmente vinculante é desvinculado da busca (empreendida por Kelsen e Hart) por um ponto arquimediano de unidade e fechamento do sistema (a norma hipotética fundamental ou a regra social de reconhecimento). normas inválidas que ganharam efetividade no contexto de sua aplicação. Esta primeira norma. precisam estar imunizadas contra a indiferença.257 mas sociais. normas válidas e inválidas. é contextual: cada série hierárquica tem a sua norma-origem e. o sistema jurídico. as normas jurídicas têm de apresentar validade.. Teoria da norma jurídica. Ela se perfaz pela calibração das normas por “regras de ajustamento”. diretrizes econômicas. a jurisprudência dos tribunais tem inquestionável destaque. como meio ambiente do sistema jurídico. sem. no entanto.. O direito positivo. cuja função está na atividade de “capacidade seletiva”. retornar às antigas concepções imperativistas do direito (nas quais recai. por exemplo. que servem de base para novas séries hierárquicas. T.. As normas juridicamente inválidas passam a fazer parte do sistema jurídico por serem dotadas de império. p. Norberto Bobbio). 17:46 . torna-se possível reabilitar a noção de imperatividade no âmbito das teorias jurídicas. como ocorre na teoria de Dworkin. Especialmente no quadro ideológico do moderno Estado de Direito. Entre as diversas fontes de reconhecimento de regras de calibração. impõe a ele demandas para as quais exige uma decisão. na escolha e controle social de expectativas de comportamento por meio de uma generalização congruente30. As relações entre validade e efetividade são organizadas por regras de calibração ou ajustamento que imunizam (no sentido de “institucionalizam”) normas inválidas. Função social da dogmática jurídica. noções religiosas. tal como afirmam as teorias jurídicas que associam a racionalidade do direito ao processo de justificação que se desenvolve no contexto da aplicação. isto é. assim. não corresponde diretamente à relação entre direito e moralidade política.. p. ao mesmo tempo. S. Filosofia e Teoria Geral do Direito. porém. 131-159. cit. para o que regula essa mudança no padrão de funcionamento é sua conhecida concepção da presença de “regras de calibração” na estrutura do sistema social. expressas em linguagem ideológica31. ou seja. T. Isso ocorre por meio da elaboração de séries hierárquicas de validade. S.CARLOS EDUARDO BATALHA . quando uma série não dá conta das demandas sociais. Para exercer essa função. para poder continuar funcionando. Com essa concepção. as quais até culminam em uma primeira norma. pressupondo que a vida social. cit. A hipótese de Ferraz Jr. FERRAZ JR. Além disso. as quais podem ser encontradas em princípios morais. contudo. cria novas normas-origem.p65 257 17/5/2011. a teoria pragmática de Tercio Ferraz Jr. A justificação. 115-117. é compreendido como uma estrutura social. programas políticos etc. dentro do qual a divisão 30 31 FERRAZ JR. assume que o sistema jurídico pode abarcar. acaba sendo considerada por Ferraz Jr. importantes. uma instância instrumental que atravessa todos os demais aspectos. em princípio. A dogmática. pois não se confunde com as expectativas normativas. A racionalidade jurisdicional foi.. considerada a partir de outra forma de racionalidade. v. hierarquias etc. polêmicos etc. empreende com base em Luhmann. 1994.258 . 15. submetidos às hierarquias da administração.. Contudo. nos sistemas romano-germânicos. de Ignácio de Otto Pardo.TECNOLOGIAS JURÍDICAS COMO RACIONALIDADE: ANOTAÇÕES PARA DISCUSSÃO. Ela é. Ele se localizou no domínio do ensino universitário33.. classificações. a institucionalização do direito foi situada em critérios mais abstratos de disposição (conceitos. LUHMANN. 17:46 . e tornou-se uma expressão nova e autônoma do poder soberano (que antes se caracterizava basicamente como “o poder legislativo”). Madrid: Centro de Estudios Constitucionales. Sistema jurídico y dogmática jurídica. No lugar da casuística resultante da jurisdição. Esse discurso jurídico. a jurisdição ultrapassou o conjunto dos atos dos juízes. a dogmática mantém relações com o sistema jurídico. com o objetivo de viabilizar o Direito em sua capacidade seletiva de escolha e controle de expectativas em um contexto de alta complexidade. nem com os valores que compõem o fenômeno jurídico como fenômeno social. 24. nem com as instituições. mas com ele não se confunde. N. No mesmo sentido. a jurisprudência e os comentários dos doutrinadores (a hermenêutica jurídica) – para criar condições de decidibilidade dos conflitos sociais. dos poderes foi proposta como meio para evitar o despotismo. Trad. foi denominado historicamente como “dogmática jurídica”. Para tanto. Filosofia e Teoria Geral do Direito. por isso. em contraste com a casuística anglo-saxônica. 15-19. como fonte privilegiada para reconhecimento de regras de calibração em nosso contexto. decorrentes de reflexão e articulação de fundamentos que ultrapassam os casos concretos. o fundamento institucional não se encaminhou para a jurisdição. institutos. p. T. problemas considerados pelos ingleses como questões políticas (tais como a justiça da legislação sobre salário mínimo) começaram a ser tratados na formação do sistema norte-americano como “questões constitucionais”32. na verdade. Na leitura que Ferraz Jr. O Judiciário a frente da divisão dos poderes: um princípio em decadência? Revista USP: Dossiê Judiciário. 32 33 FERRAZ JR. Isso contribuiu para que os fundamentos institucionais do fenômeno jurídico pudessem ser buscados nas decisões dos tribunais para casos numerosos. São Paulo: Universidade de São Paulo.p65 258 17/5/2011. p. dentro da tradição anglo-saxônica. desenvolvida por aquela espécie de discurso jurídico que se vale de três elementos básicos – a legislação. 1983.). S. T. enfim. por meio de seu discurso. distinções e integrações. ao concebê-la como razão instrumental. correspondem às condições do juridicamente possível. A relação entre dogmática jurídica e pesquisa. que a dogmática acaba por participar da calibração do sistema jurídico de um modo privilegiado. pois.CARLOS EDUARDO BATALHA . Ferraz Jr. Ela é. portanto.p65 259 17/5/2011. interpretações e argumentações que racionalizam o material jurídico no sentido de torná-lo utilizável e dotado de fundamento e autoridade34. Por outro lado. como parâmetro de racionalidade. de um conjunto de teorias operacionais que buscam influenciar os comportamentos sociais. Não é à toa. É ela que torna possível.259 constrói abstrações e veicula uma congruência estável entre os mecanismos de controle de expectativas. também não a identifica como simples arte ou saber técnico. portanto.. a racionalidade jurídica científicodogmático contribui para a identificação dessas regras. Marcos et alli. pretender (como Kelsen) que a dogmática construída pelos juristas possa se limitar ao discurso exclusivamente teórico. Ela não é a operação imediata (técnica) do aplicador. mas antes a elaboração (teórica) dos pressupostos (racionais) da aplicação. do tipo de coesão e imperatividade que o sistema jurídico possui como um todo. que atuam na 34 FERRAZ JR. Filosofia e Teoria Geral do Direito. S. Em vista disso. Ela também atua para o controle social. Ela demarca os limites do sistema jurídico (traçando uma linha divisória entre sistema jurídico e demais sistemas sociais) ao mesmo tempo em que promove o Direito como força unificadora (rearticulando o sistema jurídico com seu mundo circundante). por meio do estabelecimento de conceitos. em um dado contexto. os quais. princípios. auxiliando e influenciando a identificação dos requisitos razoáveis da ordem jurídica. mas “ciência para confirmar”. a determinação. 2005. que investiga o fenômeno jurídico para “confirmar a sabedoria da Lei”. pois a dogmática não se limita ao atendimento de demandas dos profissionais do direito no imediato desempenho de suas funções. 73-79. hierarquizações. a dogmática atua. ciência. orientações. Ferraz Jr. não se reduzindo à pura cognição ou especulação sobre o direito. não é adequado. entende que a dogmática é melhor compreendida se caracterizada como um conjunto de “teorias com prioritária função social”. construindo sistematizações. Desse modo. O que é pesquisa em direito? São Paulo: Quartier Latin. em termos funcionais. p. In: NOBRE. Trata-se. Ainda que não produza diretamente regras de calibração. no interior dos sistemas de tradição romano-germânica. classificações. 17:46 . Seguindo a proposta de Viehweg. TECNOLOGIAS JURÍDICAS COMO RACIONALIDADE: ANOTAÇÕES PARA DISCUSSÃO. tanto ao advento do fenômeno social da positivação quanto à consolidação da sociedade tecnológica ao longo de todo século XX. tendo em vista a decisão de conflitos práticos. Não há uma unidade substancial para caracterizar o sujeito do direito subjetivo. T. submetida ao critério do bom funcionamento. que reaproxima ética e razão jurídica. em qualquer manifestação de saber prático. mas esconde algo de prescritivo. nem conceber justificações jurisdicionais como exercício de uma racionalidade emancipadora. Por isso. S. transformando a relevância atribuída a certas conclusões das teorias científicas. até mesmo a sua natureza e a própria tecnologia).. Funciona. nos termos de Viehweg. O 35 FERRAZ JR. as sociedades aparecem como imensos sistemas funcionais que se regularão apenas por estratégias de governabilidade de indivíduos. Filosofia e Teoria Geral do Direito. que se perfaz explicitamente quando os juristas se referem à “doutrina dominante”. em termos de relação custo-benefício. Toda ação decisória se reduz a uma opção técnica. Essa contribuição faz da dogmática – ela mesma – uma autoridade jurídica.. agora despojados da sua razão de ser como sujeitos portadores de um ethos que os dignifica. essas modificações estimulam “uma progressiva assimilação do enfoque científico do direito pelo enfoque dogmático”. segundo Ferraz Jr. Ambos os fenômenos eliminaram a dimensão instancial da natureza (o homem tudo manipula. As doutrinas jurídicas não se opõem à ciência. Assim. modificando o sentido dos controles sociais. enfim. No que diz respeito ao enfoque dos juristas. raciocinam em termos de meios/fins. mas. A idéia de cálculo. como uma ideologia35. 175 e 184. Esse modo de funcionar está ligado. para ocupar-se basicamente do futuro. atuando por doutrinação. não é possível para Ferraz Jr. caracterizar os direitos como trunfos.. a dogmática não configura um sistema normativo. mas constante. p. Função social da dogmática jurídica.260 ... Com isso. como “autoridade pedagógica” ou. 17:46 . ao controlar o código comunicativo no qual a mensagem normativa jurídica será transmitida. que deixaram de voltar-se primordialmente para o passado.p65 260 17/5/2011. Os máximos valores passam a ser a eficiência dos resultados e a alta probabilidade de sua consecução. O juiz que assume a consecução de finalidades políticas torna-se “presa de um jogo de estímulos e respostas que exige mais cálculo do que sabedoria”. cit. se torna uma premissa oculta. manutenção do império do Direito. para controle do funcionamento do sistema jurídico. Introdução ao estudo do direito – Técnica. Mendes. Tradução de Gercélia B. Madrid: Martial Pons. FERRAZ JR. T. Suma teológica. a liberdade. BITTAR. O Judiciário a frente da divisão dos poderes: um princípio em decadência?. ______. La razón en el derecho (observaciones preliminares). S. BILLIER. uma tecnologia jurídica”36. Tradução de Álvaro Cabral. 2005. p. decisão e dominação. de Reinaldo Guarany. 2009. afinal. 90-93.261 exercício da racionalidade jurídica é.. Barueri. grifos nossos. ______. Essa conclusão. 17:46 . Estudos de filosofia do direito – Reflexões sobre o poder. nº 2. se submete à coerção da eficácia funcional. Camargo. Sobre as relações entre razão e direito. uma operação tecnológica que. T.. TERCIO SAMPAIO. 1994.). de António de Castro Caeiro. Ética a Nicômaco. a justiça e o direito. São Paulo: Atlas. cf. Tradução de Alfonso Ruiz Miguel. T. FERRAZ JR. p. como tal. o seu limite e a sua extensão. S. na verdade. O Judiciário a frente da divisão dos poderes: um princípio em decadência? Revista USP: Dossiê Judiciário. História da filosofia do direito. 1985. Revisão técnica de Valério Rodhen. O império da lei. p. 36 Para todas essas considerações.. CAYGILL. DWORKIN. 1998. MARYIOLI.. 2008 AQUINO. 1999. 2003. Função social da dogmática jurídica. trata-se apenas de valer-se da própria reflexividade da razão tecnológica para descobrir. São Paulo: Martins Fontes. ______. 4. MORRIS. BOBBIO. v. São Paulo: Max Limonad. 1997. na sua prática. 4ª ed. 4 – I Seção da II Parte – Questões 49-114. EDUARDO CARLOS BIANCA. Trad. v. Tradução de Maurício de Andrade. “como construir.CARLOS EDUARDO BATALHA . São Paulo: Atlas. CLARENCE (org. BIBLIOGRAFIA ALEXY. 2009. Barueri: Manole. Tradução e estudo introdutório de Carlos Bernal Pulido.p65 261 17/5/2011. Vários tradutores. ______. retornando à recta ratio da sabedoria clássica. NORBERTO. 24. 2001. FERRAZ JR. cit. sua questão é.. 2000. São Paulo: Martins Fontes. não expressa um desejo de eliminar a razão tecnológica. 85-87. Rio de Janeiro: Forense. cit. São Paulo: Manole. O. Trad. Curso de filosofia aristotélica – Leitura e interpretação do pensamento aristotélico. Alicante. São Paulo: Loyola. TOMÁS DE. cit. 2002. ______. Dicionário Kant. São Paulo: USP.. HOWARD. ROBERT.. São Paulo: Atlas. Doxa – Cuadernos de Filosofía del Derecho. contudo. 21. São Paulo: Martins Fontes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.. Tradução de Jefferson L. Filosofia e Teoria Geral do Direito. com esse objetivo. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa. JEAN-CASSIEN. 2003. Introdução ao estudo do direito. ARISTÓTELES. Para Ferraz Jr. FERRAZ JR. RONALD. Os grandes filósofos do Direito: leituras escolhidas em Direito. Conceito e validade do direito. AGLAÉ. El concepto y la naturaleza del derecho. Função social da dogmática jurídica. 2002. S. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Ícone... O conceito de direito. Os grandes filósofos do Direito: leituras escolhidas em Direito. ADAUTO (org.TECNOLOGIAS JURÍDICAS COMO RACIONALIDADE: ANOTAÇÕES PARA DISCUSSÃO. Tópica y filosofía del derecho. 2002. NOVAES. 1984. BERNARDO JEFFERSON DE. 1996. CLARENCE (org. VIEHWEG. Os elementos da lei natural e política – Tratado da natureza humana – Tratado do corpo político. 2ª ed. A invenção do sujeito de direito. Coimbra: Armênio Amado. A razão. THEODOR. 1. 1996. HANS. 1969. Tradução de Marco Antonio Schmitt. O que é pesquisa em direito? São Paulo: Quartier Latin. THOMAS. HERBERT. Tradução de Jorge M. 2002. 1974. Sistema jurídico y dogmática jurídica. MARCOS et alli. HOBBES. e Lucia Seixas Prado. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. São Paulo: Landy. YVES CHARLES.262 . 2005. ZARKA. 2001. NOBRE. 2ª ed. 6ª ed. GILLES-GASTON. São Paulo: Martins Fontes. HANS. 1997. 17:46 . A crise da razão. Tradução de Reinaldo Guarany. Tradução de Bento Prado Jr. 1997. NIKLAS. Belo Horizonte: Editora UFMG. Tradução de Ignácio de Otto Pardo. Francis Bacon e a fundamentação da ciência como tecnologia. Tradução de A. Introduccion a la filosofia del derecho – Derecho natural y Justicia material. WELZEL.). HART. Tradução de João Baptista Machado. LUHMANN. v. Porto Alegre: L&PM. Diálogo entre um filósofo e um jurista. MORRIS. GRANGER. São Paulo: Difusão Européia do Livro. Teoria pura do direito. 2002. Barcelona: Gedisa. Ribeiro Mendes.). Filosofia política: nova série. Madrid: Aguillar. São Paulo: Companhia das Letras. ______.p65 262 17/5/2011. KELSEN. 1983. OLIVEIRA. Seña. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales. Tradução de Felipe González Vicen. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Tradução e notas de Fernando Dias Andrade. p65 263 17/5/2011. 17:46 .SOBRE UMA AMIZADE Celso Lafer Filosofia e Teoria Geral do Direito. II O tema da amizade é. de maneira convergente nos agradecimentos do seu grande livro de 1988. DenkTagebuch. p. parece-me que o tópico mais apropriado para minha contribuição a este Liber Amicorum em sua homenagem é o de refletir sobre o que representa a nossa amizade e o que ela trouxe para as atividades que. A Reconstrução dos Direitos Humanos – um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. encetamos como professores do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP em muitos e muitos anos de magistério. Celso. um incessante diálogo em torno dos grandes temas da Filosofia do Direito foi um dos vínculos que nos uniu. p. sem sombras de qualquer espécie. Tercio Sampaio. um tema de reflexão elaborada pela tradição da Filosofia Antiga.264 . FERRAZ JR. 10. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica. Dominação. São Paulo: Cia. Escrevo este texto em 2010. dezembro 1950 [26] I Em setembro de 1988. 1988. Decisão. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica. na nota prévia ao meu livro A Reconstrução dos Direitos Humanos – um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt – na origem a tese com a qual alcancei a titularidade de Filosofia do Direito da Faculdade de Direito da USP – registrei uma série de agradecimentos aos que contribuíram para o meu percurso universitário. em conjunto. Tercio. Filosofia e Teoria Geral do Direito. que prefaciei.p65 264 17/5/2011. 1988. Nesta nota prévia observei que não podia deixar de fazer menção a Tercio Sampaio Ferraz Jr.. faz referência da mesma natureza à nossa fraterna amizade1. 17:46 . com o qual venho há tantos anos dialogando sobre os grandes temas da Filosofia do Direito. Assim. São Paulo: Atlas. Dominação. como expõe com cuidado e rigor Jean Claude 1 LAFER. Tercio e eu ingressamos na Faculdade em 1960. das Letras.. na confiança e na igualdade da estima recíproca”. por excelência.SOBRE UMA AMIZADE “Amizade é essencialmente dependente de sua duração – uma amizade de duas semanas não existe” Hannah Arendt. 15. Decisão. Nestes 50 anos de amizade. “meu amigo e colega desde o primeiro ano do curso jurídico. que claramente não se confunde com a amizade3. BALDINI. na tradução da Bíblia de Jerusalém. mas com eles não se confunde. cap. perdendo a sua especificidade reflexiva. 1984. distinta da do amor. no menos essencial que la del amor”4.265 Fraisse2. se lê: “Que sofrimento tenho por ti. (2. Jean Claude. La notion d’amitié dans la philosophie antique. A importância da amizade como grande experiência humana. cessa o amor. neste sentido. tão distante. do qual uma expressão teológica é o dever da caridade. São Paulo: Ediouro. trad. a Ética dos Pais aponta a correlação entre amizade e amor. No correr dos tempos foi./a tua amizade me era mais cara/do que o amor das mulheres. trad. Refiro-me à amizade entre Davi e Jônatas. Octavio. 38.. PAZ. É por isso que o subtítulo do livro de Fraisse diz que vai tratar de um ensaio sobre um problema perdido e reencontrado. 2 3 4 5 Cf. da qual o grande paradigma são os livros oitavo e nono da Ética a Nicômaco de Aristóteles. 17:46 . 2003. que há poucos poemas sobre a amizade em nossa tradição em contraste com a longa tradição do poema amoroso. FRAISSE. de Paulo Brandi e Ethel Brandi Cachapuz. e notas de Eliezer Levin. adquiriu uma dimensão cultural própria no mundo ocidental. em entrevista dada a Manuel Ulacia. 1976. Denis de. encontra espaço também no Velho Testamento. SP. São Paulo: Edit. afirmando: “todo amor que depende de interesse quando cessa o interesse. trad. ROUGEMONT. no entanto. 16. 138. p. O cristianismo contribuiu para a perda da especificidade reflexiva da noção de amizade ao dar destaque ao conceito de amor – o amor de Deus. e o que não depende de interesse não cessa jamais” e dá como exemplo de amor não dependente de interesse a amizade de Davi e Jônatas5. Cf.p65 265 17/5/2011. o amor entre seres humanos – tanto na sua idealização quanto nos seus componentes eróticos – que o Romantismo contribuiu para realçar. meu irmão Jônatas/Tu tinhas para mim tanto encanto. México: Fondo de Cultura.CELSO LAFER . Edusc. 2ª ed. Amizade e Filósofos. IV. B’nai Brith. relatada no livro de Samuel e lembro a elegia de Davi por ocasião da sua morte na qual. Miscelánea III – Entrevistas – Obras Completas. no entanto que “La amistad es la otra grande experiência humana. pelas suas características do mundo helênico. Na elaboração judaica desta matéria. Octavio Paz observou. p. Samuel. Paris: Vrin. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 26). Antonio Angonese. a propósito do amor e da amizade. Massimo. História do Amor no Ocidente. 1993. Ética dos Pais. Bauru. o amor a Deus e o amor ao próximo. 2000. Por outro lado. A amizade tem correlações com o amor e a caridade. ponderando. b. 1156. 30. LAFER. Étique à Nicomaque. em artigo de que me vali no trato da reciprocidade na minha tese de livre-docência de 19776. 15)7 – e que a amizade é não só uma coisa necessária. quanto a convivência (idem. Entre elas a de estudar a Filosofia (idem. devem procurá-la nos afetos e em tudo mais (idem. Na duração da amizade perfeita. Celso. marzo-abril 1969. VIII. b. A amizade entre homens de bem aumenta 6 7 Cf. São Paulo: Perspectiva. Paris: Vrin. VIII. 1972 e Ética a Nicomaco. VIII. de Aristote. IX. b. A amizade existe em comunidade (VIII. edición bilingue y tradución de Maria Araujo e Julian Marías. IX. b. a. 1157. nas referências que se seguem. La noción aristotélica de Justicia. Aduzirei. cada parte recebe as mesmas vantagens ou vantagens semelhantes. O amigo é um Outro Eu (idem. em artigo de 1969. pois refletiram. tratou com rigor da noção aristotélica da justiça lastreado na leitura de Ética a Nicômaco. aponta Aristóteles. 30) e aponta que a amizade perfeita. para os propósitos deste texto. 10). 7. 1159. Vali-me. Tercio Sampaio.. 1172. a base de toda amizade (idem. observações de Cícero e Montaigne. b. y notas de Julian Marías. 17:46 . de acordo com essa igualdade. 1156. registrando que a amizade é uma igualdade (idem. Tricot. Explica que o recíproco desejar do bem do outro é o sentimento que caracteriza a amizade (idem. 1157. VIII. pensando sobre a experiência da amizade a partir do que foi o relacionamento que tiveram com dois amigos próximos: Ático no caso de Cícero e Étienne de la Boétie no caso de Montaigne. a. Da Reciprocidade no Direito Internacional Econômico. III Ensina Aristóteles que dois caminhando juntos estão mais capacitados para agir e pensar (Ética a Nicômaco.p65 266 17/5/2011. b. 5).SOBRE UMA AMIZADE É por conta da importância da amizade e do que ela representa que vou retomar brevemente. VIII. pois. 1985. 5). sobre a amizade. 35). VIII. O Convênio do Café de 1976. VIII. 1155 a. VIII. Os amigos que são iguais. 1161. 166-194. 1166. 1155a. b. mas bela (idem. 30) e a comunidade é. como estou tentando fazer. 19). b). 1171. a lição mais geral de Aristóteles – também lembrado que Tercio. nº 38. introdución. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales. IX. em contraste com a fundada no interesse ou no prazer. 30). pois esta é a norma prevalecente entre amigos (idem VIII. p. notes et index par J. introd. 1162. FERRAZ JR. vol. é a dos homens bons e iguais em virtude (idem. igualmente. 25). 30) e a amizade é uma comunidade que se atualiza na convivência observando Aristóteles que os amigos se reúnem por várias razões.266 . Atlantida. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 1979. b. Nada é tão próprio aos amigos. 1155. Também me vali de Marco Túlio Cícero. 1172. explica Cícero. nela a estabilidade. É uma reciprocidade de afeição e bons ofícios (idem. O fundamento da estabilidade e constância que procuramos na amizade é a confiança. Uniu-os uma amizade que se iniciou na juventude e durou até a morte de Cícero. Ora. A virtude não só concilia as amizades mas também as conserva. Ela é mais um impulso da alma do que um cálculo sobre as vantagens que nos pode propiciar (idem. a utilidade. num espírito tortuoso e numa alma complicada nem tampouco pode ser fiel ou estável aquele que não é movido pelas mesmas coisas e cuja natureza não é do mesmo parecer. XXVII). Logo que se mostra e ostenta a sua luz. aponta Cícero com sensibilidade psicológica. Da amizade. XVIII). A reflexão de Cícero tem como temas recorrentes duas máximas: (i) o homem não procura amizade por egoísmo mas para satisfazer um desejo fundamental da alma e (ii) não há verdadeira amizade sem virtude8. comentários. Nela se acha a conveniência das coisas. que foi o nosso comum professor de Filosofia do Direito – de Tercio e meu – observava que o termo experiência significa tanto o lado subjetivo como o objetivo de uma 8 Vali-me. 121-123. interlinear de Amparo Gaos. Não pode haver fidelidade. Da Velhice e Da Amizade. por obra deste trato se tornam melhores. trad. s/d. Filosofia e Teoria Geral do Direito. nas referências que se seguem. Introdução. compõe uma sociedade infinitamente restrita (Da Amizade. ela se aproxima do que atrai. acerca de la amistad. mesmo que não a procurem. VI). é resultado espontâneo da amizade (idem. exercitando-se e corrigindo-se mutuamente (idem. 17:46 . que é fruto de um acordo de benevolência e afeto (idem. IX. Cultrix.267 com o trato pois. A verdadeira amizade. VIII). Entretanto. México: UNAM. Por isso a amizade só pode existir entre os bons (idem. a apresentação de Tassilo Orpheu Spalding do argumento analítico de Da amizade. p.p65 267 17/5/2011. e ao mesmo tempo reconhece seu brilho em outra alma. sem nenhum cálculo e sem nenhum interesse. 10). Escreviam-se com frequência e uma das características desta obra é a de ser o texto de um amigo escrevendo ao seu mais querido amigo após toda uma vida de amizade. XIV). Lélio. nela a constância. O diálogo de Cícero. Registro que uma das notas mais interessantes do texto de Cícero é a de que é o resultado da experiência concreta da amizade. de Cícero. V). Daí nasce o amor ou a amizade. São Paulo. foi por ele escrito por instigação do seu amigo Atico e a ele é dedicado. cf.CELSO LAFER . Miguel Reale. pois estas duas palavras derivam do amor. a. notas e tradução direta do Latim por Tassilo Orpheu Spalding. amar não é outra coisa senão estimar aquele mesmo que se ama. É a experiência “a parte subjecti”. 5). Miguel. todo doçura e gentileza. Livro I. que podem ser repartidas. MONTAIGNE. Idem. 1992. ibidem. ou seja.p65 268 17/5/2011. São Paulo: Martins Fontes. p. Da Experiência. Alimenta-se da fruição porque é espiritual e a alma se aprimora com se uso12. na dor dos amigos (Da Amizade. o amor é fogo – fogo de febre ardente e mais intenso. porque “estar no mundo” é sempre “estar com outros” e o que se conquista pela experiência é revelado pela palavra que a torna comunicável9. trad. VII). trad. Michel de. de Rosemary Costhek Abilio. I. a experiência “a parte objecti”. Diferencia a amizade do amor observando que se estes dois sentimentos resultam da nossa escolha. Les Essais. na experiência. Realçava que. 2002. Foi o significado da sua experiência de amizade com Atico o que Cícero transmitiu em seu diálogo – “sic hoc libro ad amicum amicissimus scripsi de amicitia” (Da Amizade. Distingue Montaigne as amizades comuns. p. Cícero escreveu que. p. graças à amizade. Já a amizade “é um calor geral e universal. mas sujeito a acessos e arrefecimentos. MONTAIGNE. que nada tem de rude e pungente”11. Apontava que experienciar vem do latim experiri. 1999. um calor constante e sereno.268 . São Paulo: Edições GRD. Montaigne. na memória. 13-27. ao seu modo. p. Foi o que também fez. parce que c’était moi”14. 277. MONTAIGNE. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Os Ensaios. decorridos 17 anos do seu falecimento. Idem. Variações. edição de Pierre Villey. os ausentes são presentes e os mortos vivem: vivem na honra. o que passa pela aprovação.SOBRE UMA AMIZADE realidade complementar. É esta amizade extraordinária. temperado e uniforme em tudo. de Rosemary Costakhe Abilio. cap. que significa também ensaiar. 9 10 11 12 13 14 Cf. bem como aquilo que se põe como experienciado. 2001. p. cap. refletir sobre o significado da amizade. da amizade perfeita que é indivisível. cabível a propósito do ensaio de Montaigne. Esta é uma primeira referência. já se oculta o poder-dever de comunicar. 285-286. 17:46 . que na experiência lastreou o método dos seus ensaios10. edition établie et presentée par Claude Pingoanaud. como diz em passagem famosa: “Parce que c’était lui. 144. edição de Pierre Villey. que evoca a memória de Étiene de la Boétie. única e superior. XXVII. Livre I. p. Livro III. REALE. São Paulo: Martins Fontes. Cf. Paris: Arléa. chapitre XXVIII. por à prova. 278. Michel de. seu “irmão de aliança” para. 22-41. a que ele celebra refletindo sobre os seus vínculos com Étienne de la Boétie13 que se explicam. XIII. Os Ensaios. Aponta Montaigne que a amizade é a manifestação mais verdadeira do livre arbítrio. ibidem. 123. trad. Trad. isso se torna muito mais comum a eles. em grande parte. Elisabeth. p. que é compartilhado na amizade”17. a maior parte dos cursos de pós-graduação do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito. evoco Hannah Arendt. de Antonio Trânsito. ARENDT. Antonio (org.CELSO LAFER . In: ABRANCHES. cit. expande-se e finalmente. resolvemos. IV Tercio e eu. deliberamos que passaríamos a dar. e Mecenas cortesão de Octaviano. quem procura interesses tem sócios. YOUNG-BRUEHL. Amizade e Filósofos. cuja obra Tercio e eu temos discutido no correr dos anos. à experiência da amizade. 17:46 . o baixo segmento social dos ociosos busca intrigantes. 1993. Rio de Janeiro: RelumeDumará.).269 A dimensão da virtude que caracteriza a amizade e que permeia a reflexão de Aristóteles. 1997. terminada a etapa da consolidação institucional das nossas carreiras na Faculdade. p. na verdade. Ela atribuiu grande significado. mas Cícero era amigo de Atico”15. no decorrer do tempo e da vida. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 269 17/5/2011. Para arrematar estes apontamentos sobre as notas identificadoras da amizade. Hannah Arendt. os voluptuosos têm companheiros de orgias. Na década de 1990 esta prática foi um tanto intermitente. Filosofia e Política. Massimo. em parceria. Muito conscientes do ensinamento aristotélico que dois caminhando juntos estão mais capacitados para agir e pensar. pois Tercio se ausentou da Faculdade por um certo tempo. na sua vida. nesse falar sobre algo que os amigos têm em comum. A dignidade da Política – Ensaios e Conferências. Cf. Não só o assunto ganha sua articulação específica. mas desenvolve-se. mas somente os homens virtuosos têm amigos. 98. começa a construir um pequeno mundo particular. na lógica das características da amizade acima sumariada e na nossa comunidade particular animada pelo falar em comum sobre os temas da Filosofia do Direito. Cícero e Montaigne é realçada com clareza por Voltaire no seu Dicionário Filosófico: “os malvados têm somente cúmplices. como relata sua biógrafa Elisabeth Young-Bruehl16 e observa a propósito do diálogo entre amigos: “A amizade consiste. mais abrangente. pelos quais éramos semestralmente responsáveis. os políticos reúnem partidários. Hannah. dar um alcance pedagógico. à nossa philia. Cf. os príncipes procuram cortesãos. de Helena Martins et alii. por Amor ao Mundo. Cétego era cúmplice de Catilina. para assumir responsabilidades 15 16 17 Cito a partir de BALDINI. Ao falarem sobre o que têm entre si. apesar da interrupção representada pelo biênio 2001-2002 quando voltei a chefiar o Itamaraty.SOBRE UMA AMIZADE em Brasília. e também no volume de trabalhos que reuniu. 2009. modernos e contemporâneos. Eu. também me ausentei por um bom período. em 2007. 2007. 17:46 . sociabilizando e aprimorando a nossa reflexão em interação com os nossos alunos de pós-graduação. Direitos Humanos e Outros Temas18. Cada um dos cursos que demos partiu de uma bibliografia elaborada em conjunto. Os textos selecionados eram apresentados pelos alunos em aula. por outro lado. Indústria e Comércio. precedidos frequentemente por uma exposição de Tercio ou minha situando os textos no contexto das preocupações temáticas dos cursos. baseado na reação dos nossos alunos. fruto do fato das nossas perspectivas serem dis- 18 São Paulo: Atlas. a Liberdade. A bibliografia beneficiou-se da complementaridade dos nossos conhecimentos e perspectivas e também das distintas ênfases que cada um de nós dois dava aos autores e suas abordagens para os propósitos dos cursos. Na primeira década de 2000 esta prática consolidou-se. instigante do ponto de vista pedagógico. Creio. com fins pedagógicos. porém obedecia – para recorrer com liberdade a uma formulação de Miguel Reale – a uma dialética de mútua implicação e recíproca complementaridade. Barueri. Estado. São Paulo: Manole. Privacidade. a nossa comunidade dialógica em torno dos temas da Filosofia do Direito. que este diálogo foi. A apresentação dos textos pelos alunos era sempre discutida em aula tanto por Tercio quanto por mim. pois a nossa visão dos temas não era coincidente. Registro que uma parte relevante do que Tercio expôs nestes cursos foi por ele revisada e recolhida no seu livro de 2002 Estudos de Filosofia do Direito – Reflexões sobre o Poder. Filosofia e Teoria Geral do Direito. primeiro como Secretário-Executivo do Ministério da Justiça e. no correr dos anos. com o título Direito Constitucional – Liberdade de Fumar. Antes de descrever os cursos que ministramos e suas temáticas. mais adiante. cabe uma referência prévia à metodologia de que nos valemos.270 . Embaixador do Brasil em Genebra e Ministro do Desenvolvimento. para ser Ministro das Relações Exteriores. pois foi a metodologia que permitiu colocar em prática. na qual mesclávamos clássicos. como Procurador-Geral da Fazenda Nacional. Era a oportunidade que tínhamos para dar continuidade de forma estruturada e regular ao nosso recorrente diálogo.p65 270 17/5/2011. a Justiça e o Direito. cuja terceira edição é de 2009. como ela disse escrevendo sobre o magistério de Heidegger20 – filósofo mais do agrado de Tercio do que meu e. Direito. Em síntese e em termos mais gerais. Neles contamos com a preciosa colaboração da nossa colega de Departamento. nº 60. como é da prática da pós-graduação. Retórica e Comunicação19. de Tercio em Introdução ao Estudo do Direito e minha em Filosofia do Direito. diferentes mas não opostas. 37-43. LAFER. por isso. p. ARENDT.p65 271 17/5/2011. vol. maio/agosto 2007. ou seja. investigar em comum e. ação e narrativa – reflexões sobre um curso de Hannah Arendt. São Paulo: Saraiva. na Universidade de Cornell. sobre “Experiências Políticas do século XX” – ou seja. homologicamente. Elza Antonia Pereira Cunha Boiteux – que tinha sido orientada no seu doutoramento por Tercio e era e é a nossa parceira de ensino na graduação. para o seu percurso intelectual. 17:46 . que passo a comentar 19 20 21 FERRAZ JR. a profª. proceder a uma verificação interpessoal dos temas propostos à apreciação dos nossos alunos – para recorrer à dicotomia discussão com/discussão contra. Celso. No caso de Tercio. que estão na origem da sua elaboração da Teoria Dogmática da Argumentação Jurídica. p. sobretudo em matéria da influência de Heidegger na obra arendtiana. Direito e Justiça.271 tintas. das Letras. Os cursos que demos na década de 2000 eram semestrais. Trad. procuramos fazer a dois algo na linha do que propôs Hannah Arendt no curso de pós-graduação que com ela fiz em 1965. Foi isto que nos permitiu operacionalizar em aula uma discussão-com e não uma discussão-contra. Estudos Avançados. 222-223. Homens em Tempos Sombrios. tema de recorrente discussão. 289-304. deste modo. Retórica e Comunicação – Subsídios para uma pragmática da discussão jurídica. p. cabe realçar como foram instigantes. Experiência. os caminhos abertos pelos ensinamentos de Theodor Viehweg. de Denise Bottmann. Cf. São Paulo: Cia. formulada por Tercio em seu Direito.CELSO LAFER . uma discussão com o outro para. na abrangente troca reflexiva sobre o legado intelectual da nossa estada no exterior. de quem foi aluno em Mainz. Hermenêutica Jurídica e Teoria dos Significados e Contribuição do pensamento de Norberto Bobbio para a Filosofia Analítica e a Teoria Geral do Direito. Relatei circunstanciadamente em artigo o que foi este curso21 que muito discuti com Tercio depois do retorno dele da pós-graduação e doutoramento na Alemanha e do meu nos EUA. Ministramos os seguintes cursos: Direito e Poder. uma “coisa pensada” e não um “objeto de erudição”. 1987. 21. Tercio Sampaio. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Hannah.. no exercitar-se e corrigir-se mutuamente de que fala Aristóteles. Direito e Liberdade. 1973. as características da função social da dogmática jurídica no plano interno.272 . a indagação sobre a justiça da norma e a legitimidade e a legalidade do poder que positiva a norma. 22 23 Cf. Função Social da Dogmática Jurídica. São Paulo: Perspectiva. p. O ponto de partida inicial da reflexão de Tercio. O curso sobre Direito e Poder. Retórica e Comunicação. Para o curso trouxe igualmente a reflexão do estudioso de Direito Internacional Público e das Relações Internacionais que precisa sempre levar em conta que o poder está distribuído. Daí a preocupação compartilhada com Tercio sobre a argumentação. FERRAZ JR. 2008 – e que foi sendo aprimorado nas suas sucessivas versões. eram. Dominação. na linha do ensinamento aristotélico do corrigir-se mutuamente. foram os seus estudos sobre Técnica. Decisão. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica. Cf. sempre problemática e não tem. ou seja. Direito. tal como estudado por Tercio23. na abordagem do tema. 17-39. publicado em 198022. Paradoxos e Possibilidades – Estudos sobre a ordem mundial e sobre a política exterior do Brasil num sistema internacional em transformação. cit.p65 272 17/5/2011. 1984. Teoria da Norma Jurídica. e que a relação entre as normas e a realidade é. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Poder e Política Externa. O Brasil e a Crise Mundial – Paz. ainda que desigualmente. Teoria da Norma Jurídica e sua tese de titularidade de Introdução ao Estudo do Direito de 1978. A Reconstrução dos Direitos Humanos – Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. O meu ponto de partida na abordagem do tema foi o da recorrente complementaridade no meu percurso entre a Filosofia do Direito e a Filosofia Política que têm. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Revista dos Tribunais. Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. Celso. como dizia Hannah Arendt no trecho acima citado – e que ao falarem sobre o que têm entre si torna-se muito mais comum a eles. assim. cit. Rio de Janeiro: Forense. Função Social da Dogmática Jurídica. 1980. LAFER. Direito. em especial o cap. Retórica e Comunicação. cit. Dominação – o subtítulo do seu livro de 1988. a persuasão e a efetividade da natureza da decisão que cria e aplica a norma. zetéticos e não dogmáticos. para falar com Viehweg. na linha de Tercio. 1978. assim como os demais que demos.SOBRE UMA AMIZADE para esclarecer o que é o falar sobre algo que os amigos têm em comum – que caracteriza a amizade. São Paulo: Edit. O livro tinha como antecedentes a sua tese de livre-docência de 1973. 17:46 . o seu livro de 1978.. 2005. como ponto em comum.. no sistema internacional. V Direito e Poder foi o curso que mais oferecemos – 2000. entre os Estados. Decisão. I – Direito e Poder – notas sobre um itinerário de pesquisa. por isso mesmo.. 1982. A impositividade jurídica no plano interno. Direito Subjetivo e Poder. em especial o ensaio de Porchat “O conflito das filosofias”.. Sobre el futuro de la Filosofia de Derecho como investigación fundamental. Poder e Pena. Universidad Central de Venezuela. Poder Econômico. subdivididos nos seguintes blocos: Poder Constituinte – a instauração do Direito pelo Poder.CELSO LAFER . ao modo de Hannah Arendt. REALE. Miguel. A primeira versão do curso oferecido em 2000 foi estruturada em onze blocos. 1960.p65 273 17/5/2011. Ciências e Letras da USP encontra-se no livro de PRADO JR. p. VIEHWEG. Poder e Valores. O Poder nas relações públicas e privadas. Cf. Um registro da importância desta experiência de Tercio na Faculdade de Filosofia. p. Razão de Estado. 97.. Filosofia e Teoria Geral do Direito. FERRAZ JR. “A filosofia como discurso aporético” e a “Breve resposta” de Porchat ao texto de Tercio. Theodor. o dos temas jurídicos do poder. 2004. Acho que. Teoria do Direito e do Estado. 1969. Poder e Soberania. cit. e FERRAZ JR. Poder e 24 25 26 27 Cf. Representavam. ARENDT. Oswaldo Porchat Pereira. a tarefa da Filosofia do Direito25. São Paulo: Martins. Ciências e Letras da USP. foi organizada em torno dos seguintes eixos: Uma parte prévia. Hannah. estava o ensinamento de Miguel Reale: “Estão destinadas a insucesso todas as doutrinas que procuram eliminar do Direito o conceito de “poder”. O que é a Filosofia do Direito? São Paulo: Manole. Poder Constituinte. PEREIRA. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/Edit. A Vida do Espírito – O Pensar. Oswaldo Porchat. ou então tentar reduzir o poder a uma “categoria jurídica pura”27.. Bento Prado Jr. A segunda versão. 2ª ed. trad. a lição do rigor haurido na sua formação filosófica na Faculdade de Filosofia. Filosofia do Direito e Princípios Gerais. na qual estudou com Gerard Lebrun. e Gilda de Mello e Souza26. UFRJ. Introdução ao Estudo do Direito. Direito. A ela se seguia um eixo central. trad. considerações sobre a pergunta “O que é Filosofia do Direito”.273 davam ênfase a perguntas e questionamentos e não a respostas acabadas. 45-48. um “parar para pensar” o significado do quid sit jus que é. no meu entender. o ensaio de Tercio dedicado ao texto de Porchat. 1992. no trato dos textos. 17:46 . A impositividade no espaço global (plano externo). de Ricardo Azpuran Ayala. subjacente à idéia inicial do curso. Levavam em conta o papel epistemológico da experiência. Bento. O fenômeno do Poder e Poder e Direito – fenômenos imbricados. A Filosofia e a Visão Comum do Mundo. como cabe em cursos no âmbito da Filosofia do Direito24. Caracas. p. o Querer. Facultad de Derecho. de Antonio Abranches et alii. o Julgar. Alaor Caffé et alii. Tercio Sampaio. 1981. revista. 53-73. Celso. In: ALVES. cf. Buscavam a clarificação dos conceitos na linha de Norberto Bobbio que compartilhávamos e para a qual Tercio trouxe. oferecida em 2005 e 2008. LAFER. Tercio Sampaio. tão realçada por Miguel Reale – a experiência da prática jurídica e também a experiência que nós dois tivemos no exercício de responsabilidades governamentais e que passa pelo poder. Michel Foucault. São Paulo: Brasiliense. subdividida em dois blocos. São Paulo: Saraiva. o grande tema da Filosofia do Direito. O império sem centro e a pergunta: Poder sem ética e Direito sem moral? Em síntese. porém distintas. em particular o Luhmann da Legitimação pelo procedimento.274 . 373-378. nas quais destacava que a intuição primordial do Direito como valor de justiça integra a problemática do seu co- 28 Cf. desde o primeiro ano do curso jurídico. por sua vez. Esta leitura. subjacente à reflexão sobre Direito e Poder. pois a discussão sobre: O que é justiça? É. abriu e abre espaço para Tercio empreender uma análise do poder como artifício.SOBRE UMA AMIZADE Soberania – o paradigma moderno da racionalização do poder. tínhamos clareza que o termo Direito aponta para três realidades diferentes. está a leitura do capítulo V de A Condição Humana de Hannah Arendt. No caso de Tercio. que cuida do animal laborans e do repetitivo metabolismo da vida. no qual ela trata da ação e da sua criatividade e do papel do agir conjunto na geração do poder. Goffredo. p. No meu caso. o curso sobre Direito e Poder. Foi um curso que nos sentimos na responsável obrigação de dar. Estado de exceção e o poder legítimo: Revolução. o Direito objetivo. 2001. TELLES JR.. complementares. porém complementares: O Direito como um conjunto de normas.. Poder Burocrático – a racionalização do poder pelo Direito. Esta qualidade era admiravelmente realçada nas suas aulas por Goffredo Telles Jr.p65 274 17/5/2011. foi desenvolvido na dialética de duas perspectivas. nas suas duas versões. incorporando na sua reflexão dois autores que o marcaram: Foucault. a clássica facultas agendi dos direitos subjetivos e o Direito como a qualidade de justo28. 17:46 . VI O curso Direito e Justiça foi oferecido em 2003 e 2006. e reconfirmada por Miguel Reale nas suas aulas do 5º ano. Guerra e Direito. em especial o Foucault da Microfísica do poder e do A verdade e as formas jurídicas e Luhmann. no meu entender. Iniciação na Ciência do Direito. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Cabia enfrentá-lo na sua complexa problematicidade. subjacente à sua reflexão está a maior ênfase na leitura do capítulo III de A Condição Humana. impactados pelas aulas do nosso professor de Introdução. o Direito como permissão. O eixo conclusivo tratava do Poder e Direito no mundo pós-moderno subdividido. pois Tercio e eu. com a sua dimensão de persuasão voltada para fazer do conflito um campo de convivência. por excelência. Goffredo Telles Jr. em dois blocos. 285-310. o da abertura. examinou as tematizações da Justiça. discutido em três vertentes (a) a noção cristã de liberdade. na década de 2000. A este elenco de formas chegamos depois de refletir em conjunto sobre as épocas e os autores que selecionamos para compor as leituras iniciais do curso. O primeiro eixo. Justiça e pena de morte. A estes dois blocos seguiu-se um terceiro. retomando de maneira aprimorada. O curso teve não só.CELSO LAFER . a complementaridade das nossas perspectivas e experiências contribuiu para instigar o frutífero diálogo da philia. (c) os temas antigos que antecipam os problemas modernos. Este foi um curso no qual. sem dúvida.275 nhecimento29. 1956. Justiça e capacidade contributiva. (b) repercussão política. Justiça como ordem. 17:46 . tratamos de discutir: (1) a liberdade dos Antigos. 271-279. subdividindo a análise em (a) liberdade como status e seu sentido político. Justiça como amor (caritas). uma abordagem zetética. afirmando que a justiça é o princípio regulativo do Direito. p. com inspiração kantiana como realcei no meu prefácio. Justiça nas Relações Internacionais. sobre A liberdade dos modernos. a experiência da década de 1990 e tratando de uma temática pela qual Tercio e eu sempre tivemos grande interesse. e (c) as primeiras elaborações de um conceito de direito subjetivo. foi um curso dado em duas oportunidades. discurso e argumentação. REALE. como o sobre Direito e Poder. O Direito e a problemática do seu conhecimento. abaixo descrita. São Paulo: Saraiva. Horizonte do Direito e da História. Miguel. mas um redobrado empenho na clarificação dos conceitos. Justiça e o ato de julgar. (b) liberdade e contrato: o contrato estamental. Justiça como o útil – o conceito de fairness. O ponto de partida foi o fruto de um empenho na clarificação dos conceitos que podem ser considerados clássicos. due process of law substantiva. é elucidativa da complementaridade das nossas perspectivas. Assim. De Dignitate Jurisprudentiae. VII Direito e Liberdade. 29 Cf. como se vê pela agenda de preocupações do curso. razoabilidade. A construção do curso. Justiça. Filosofia e Teoria Geral do Direito. o central. 2005 e 2008. Subdividia-se nos seguintes blocos: Justiça.p65 275 17/5/2011. e (2) liberdade e livre arbítrio. O segundo eixo. p. foi o das formas de justiça. Tercio arremata o seu já citado livro de 1988. subdividido nos seguintes blocos: Justiça como virtude. Introdução ao Estudo do Direito. (b) sentido político de liberdade dos modernos. (b) relação da liberdade com a propaganda e com os meios de comunicação de massa. No curso sobre Direito e Liberdade. Liberdade. 17:46 . O primeiro – o quarto do curso – intitulou-se Liberdade e a construção da noção privativista do direito subjetivo. a complementaridade de perspectivas é fruto de duas leituras distintas da reflexão arendtiana: Tercio encarando o Direito e a Liberdade no mundo contemporâneo na perspectiva de sua metabolização em labor e. O sexto bloco dizia respeito à Liberdade e seus condicionamentos. informação e globalização. O fecho do curso era. O oitavo e último bloco do curso tinha como rubrica geral.p65 276 17/5/2011. um processo de crescente artificialização e. O sétimo bloco versava sobre a relação Liberdade e Tolerância em três itens: (a) relação entre a liberdade e a tolerância. Esta etapa inicial desdobrou-se em quatro blocos subsequentes. tratado em três subdivisões: (a) liberdade e o conceito de pessoa. discutido em três vertentes: (a) o condicionamento social de liberdade. (b) liberdade como intersubjetividade. à semelhança do sobre Direito e Poder. com comentários meus cujo título era: Liberdade. (d) liberdade e proteção do hipossuficiente: do direito do trabalho ao direito de consumidor. como tal. e (c) relação entre liberdade e a prática do racismo. racionalidade e irracionalidade: morte e sentido. zeteticamente. instrumento mais retórico do Filosofia e Teoria Geral do Direito. e (c) com um ponto de interrogação bobbiano. deste modo. A este seguiu-se o 5º bloco do curso. Continha os seguintes subitens: (a) a liberdade como cálculo de risco. e direito à intimidade (tema da liberdade moderna). uma exposição de Tercio. e (c) a crítica positivista à noção de direito subjetivo e o problema da liberdade: a noção dos direitos subjetivos públicos. (f ) direito à informação (tema de liberdade antiga). (e) liberdade e ordem internacional. Liberdade como cerne dos direitos fundamentais.276 . (b) liberdade e norma constitucional. (c) liberdade e sigilo de dados.SOBRE UMA AMIZADE que foi tratado em três segmentos: (a) a liberdade de consciência. subdividido em (a) a liberdade como cerne do direito subjetivo. e (c) contrato e liberdade. diferentes conceitos de liberdade na Constituição brasileira. (b) a relação entre liberdade e propriedade. (b) o condicionamento econômico de liberdade e (c) liberdade ou determinismo sócio-econômico. do meu trato com a matéria. fruto. o que me deu a oportunidade de experienciar “de dentro” a living law da interpretação de normas do direito do comércio internacional. Aceitei o desafio e oferecemos o curso em 2004 e 2005. Celso. Foi ele que me instigou a encetar. e eu na leitura da ação. em função de duas experiências. A Internacionalização dos Direitos Humanos. M. Depoimento. p. presidir um Panel e tratar institucionalmente de problemas. ROSENBERG. lidar com o desafio interpretativo da exegese do crime da prática do racismo30. Trouxe. como Presidente do Órgão de Solução de Controvérsias. elaborada por aproximações sucessivas. São Paulo: Manole. por assim dizer. para o curso. na institucionalização pedagógica da nossa comunidade de afeição e bons ofícios. de um imperativo categórico proveniente da responsabilidade que.CELSO LAFER . ex officio. Já o curso sobre Direito e Interpretação. no caso Ellwanger. na década de 2000. Isto me levou a cuidar dos contenciosos brasileiros. 2005.). nos incumbia. uma empreitada reflexiva conjunta. São Paulo: Saraiva. oficialmente intitulado Hermenêutica Jurídica e Teoria dos Significados era. LAFER. em conjunto. Pádua. em longo parecer. de enfrentar o seu grande tema. 2009. Maria Lúcia L. A outra foi a minha atuação como amicus curiae perante o Supremo Tribunal Federal.p65 277 17/5/2011. 17:46 . 33-88. O Brasil e o Contencioso da OMC. tomo I. Aceitei o desafio. a lembrança dos problemas da interpretação literária fruto do que aprendi no curso de Letras da Faculdade de 30 Cf. Barbara (coord. 28-46. In: LIMA. como estudiosos da Filosofia do Direito. co-participando do seu curso. em segundo lugar. VIII Os cursos sobre Direito e Poder e Direito e Liberdade foram lastreados nos prévios estudos tanto de Tercio quanto meus que expandimos reflexivamente. na vita activa vendo mais positivamente a liberdade do homo agens como condição de vida política e jurídica. que me propiciou a ocasião de. na sua origem. em primeiro lugar pela indiscutível importância do tema no âmbito da Filosofia do Direito e. de natureza distinta. O curso sobre Direito e Justiça foi uma empreitada a dois. igualmente.277 que real da convivência. Filosofia e Teoria Geral do Direito. um curso de Tercio e dizia respeito a um campo de análise e investigação no qual a sua contribuição é sabidamente muito original e relevante. p. Uma foi a vivência de internacionalista como Embaixador em Genebra no momento inaugural da consolidação da OMC e do adensamento da juridicidade do seu sistema de solução de controvérsias. p. vol. Tercio fez a abertura do curso e na sua exposição realçou tanto o legado doutrinário da Faculdade. Cf. avaliava o projeto de Schleiermacher e concluía com o exame da Hermenêutica Jurídica e Historicidade. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 1. na disciplina de Teoria Literária e Literatura Comparada e do que foi a exegese que empreendi sobre a obra de Gil Vicente e Camões31. (b) faz sentido a distinção entre interpretação autêntica e doutrinária?. Gil Vicente e Camões – Dois estudos sobre a cultura portuguesa do século XVI. a curiosidade intelectual sobre o Direito Talmúdico. com Antonio Candido.278 . 8. 540-625. assim. Cf. com grande inteligência e clareza. São Paulo: Max Limonad. cap. que tem como uma de suas notas relevantes o papel da razão humana na interpretação e aplicação de uma “lei revelada”32. 1988. a discussão do tema da historicidade da hermenêutica. também foi suscitada neste segundo bloco do curso. São Paulo: Associação Universitária de Cultura Judaica/Editora Perspectiva. O terceiro bloco provinha da aprofundada reflexão de Tercio sobre Hermenêutica Jurídica e Teoria da Argumentação. Nas nossas conversas iniciais sobre o curso recordamos as aulas no primeiro ano da Faculdade. Abria-se com o desafio kelseniano sobre a fundamentação objetiva dos atos interpretativos – que é um dos pontos importantes dos limites auto-impostos pela Teoria Pura – e colocava três perguntas: (a) é possível uma generalização objetiva da interpretação doutrinária?. Propunha. LAFER. XVI. (c) Hermenêutica Jurídica é política jurídica ou teoria jurídica (científica)? O segundo bloco cuidava do grande problema da historicidade do ato hermenêutico. O Direito Talmúdico. como base da Hermenêutica Jurídica. 17:46 . Celso. instigado pela obra de François Gény expunha. igualmente. p. Apresentação a Ze’ev W. O curso subdividiu-se em quatro blocos. 1952. O Direito e a Vida dos Direitos. Trouxe. quanto a conhecida e clássica sistematização empreendida por Savigny. Foram pontos examinados: a distinção entre interpretar e compreender e sua repercussão na hermenêutica jurídica e a analogia entre interpretação e tradução que é uma das muitas originalidades da reflexão de Tercio sobre a matéria. Vicente Ráo que.p65 278 17/5/2011. 1978. o desafio da interpretação33. Celso. na linha do tridimensionalismo jurídico e do historicismo-axiológico de Miguel Reale. Vicente.SOBRE UMA AMIZADE Filosofia. 31 32 33 Cf. Falk. do prof. A historicidade. Tomo II. O primeiro dizia respeito à Hermenêutica Jurídica e seus fundamentos. São Paulo: Ática. LAFER. recorrendo às lições do Barão de Ramalho. a que a sua bem sucedida prática de advogado e de grande parecerista vem dando substância adicional. Letras e Ciências Humanas. RÁO. . até agora. O primeiro cuidava da legalidade. com a forma mentis de um instinto neo-iluminista. apontava suas dúvidas sobre a relação interpretação/verdade e sublinhava a conexão entre interpretação e poder. “tinha suas raízes enterradas no coração humano. Foi voltado para celebrar o centenário de Norberto Bobbio e cuidou da contribuição do seu pensamento para a Filosofia Analítica e a Teoria Geral do Direito. naquela ocasião. bem ilustram como a sua reflexão de estudioso adquiriu contornos próprios na especificidade da praxis jurídica. me empenhava em indicar como a interpretação possível.. deste modo. Bobbio veio ao Brasil em 1982 e.p65 279 17/5/2011. mais imbuído do peso das fraturas e do seu alcance agônico. O problema das antinomias e da antinomia de princípios constitucionais e o dos critérios de sua solução na interpretação constitucional foram os grandes focos deste segundo item. O terceiro bloco subdividiu-se em quatro itens: (a) Hermenêutica e a questão linguística. participou de um seminário em Brasília sobre a sua obra na série dos Encontros na UnB organizados por Filosofia e Teoria Geral do Direito. Neste curso o ponto de confluência comum foi o da interação entre o tema da liberdade e o da interpretação. para parafrasear nosso mestre comum. talvez percebêssemos que o tema.. sistema e consenso.CELSO LAFER . (c) O papel da tópica. na convergência do inconsciente de nossa formação. abre caminho para sentidos e valores e. 17:46 . para uma hermenêutica aberta para a realização concreta da Justiça. (b) Racionalidade do discurso. Eu. tipicidade. Direito Constitucional. No da diversidade e da sua complementaridade. foi em 2009.” IX O último curso que demos.279 Os seus textos. Goffredo Telles Jr. O segundo levava em conta a distinção entre regras e princípios no constitucionalismo moderno e do seu papel na interpretação da Constituição de 1988. O tema da subsunção e da vinculação à lei num Estado de Direito que destaca a importância do “governo das leis” e não o “governo dos homens” mereceram especial atenção. Mas ambos. e (d) as regras de argumentação e o seu sentido interpretativo. que está na ordem do dia do debate jurídico brasileiro. observo que Tercio. O quarto e último bloco tratava de alguns temas específicos da Hermenêutica Jurídica e subdividia-se em dois itens. vinculação à lei e o problema da interpretação. reunidos no acima mencionado livro de 2007. em diversos campos. Unesp. com a qual coincido. Discutimos a cientificidade da teoria jurídica e da filosofia. pp. Tercio tratou do pensamento jurídico de Norberto Bobbio e eu do problema da guerra e os caminhos da paz na sua reflexão. 125-160. Tercio e eu. muito mais abrangente do que a minha. trazer à colação no nosso diálogo com os alunos de pós-graduação do curso. promover o curso para dar. estimulados pela profª. Filosofia e Teoria Geral do Direito. por ocasião do centenário do seu nascimento. O primeiro bloco deste cuidou da distinção entre Filosofia e Teoria Geral. Brasília/São Paulo: Edit. A presença de Bobbio – América Espanhola. Daí a nossa iniciativa de. Com efeito. Bobbio no Brasil – um retrato intelectual. assim. LAFER. Exploramos o relacionamento entre a Filosofia e a Filosofia do Direito. São Paulo: Edit. no curso sobre Bobbio a minha longa dedicação à análise das múltiplas vertentes do seu pensamento foi relevante para a amplitude e precisão do curso34. 2004. Miguel Reale. Foram expositores. Alberto. neste seminário. Carlos Henrique (org. CARDIM. 34 Cf. simbolizadores da philia fraterna. Brasil.SOBRE UMA AMIZADE Carlos Henrique Cardim.).p65 280 17/5/2011. Numa tratou do tema: “Governo dos homens ou governo das leis” e na outra “Do Poder ao Direito e vice-versa”. a visão de Bobbio. da Universidade de Brasília. Em Brasília e em São Paulo Tercio e eu conversamos muito com Norberto Bobbio que se deu conta da profundidade da nossa amizade. Se o curso sobre Direito e Interpretação muito se beneficiou da reflexão de Tercio. que era e é no campo. FILIPPI. que a Filosofia do Direito no mundo contemporâneo é fruto da elaboração de juristas com interesses e inquietações filosóficos que desenvolvem o campo ao enfrentar problemas jurídicos que não encontram soluções satisfatórias no âmbito do Direito Positivo. tanto que passou a nos chamar de Castor e Polux – os dois gêmeos da mitologia grega e romana. Imprensa Oficial do Estado. Península Ibérica. uma sequência estruturada à sua presença na Faculdade. no âmbito da qual ele deu duas conferências. muitos anos depois. Elza Boiteux. se o recorte do curso foi o da contribuição de Bobbio para a Teoria Geral do Direito – que tanto Tercio quanto eu admiramos e sobre a qual escrevemos – esta dimensão do seu pensamento imbrica-se com a de sua contribuição para a Teoria Geral da Política e para o estudo das relações internacionais sobre as quais eu muito me dediquei e que pude. Na sequência. Examinamos. Tercio e eu organizamos em São Paulo uma presença acadêmica de Bobbio na Faculdade de Direito.280 . que falou sobre Bobbio como um jusfilósofo do nosso tempo. Celso. 2001. Tercio e eu. 17:46 . (b) normas e prescrições. o direito e a guerra. e (c) normas primárias e secundárias. o direito e a paz. Na sequência do anterior sobre Bobbio. do curso que Tercio. como gostaria. a complementaridade com suas distintas ênfases. o do dever de coerência e suas antinomias.281 O segundo bloco deu-nos a oportunidade de mergulhar no problema do método na ciência do Direito e foi objeto de estimulantes discussões sobre o método na linguagem jurídica. O quarto bloco discutiu Sanção e Coação e ocupou-se de analisar (a) sanção moral e sanção jurídica. Por isso mesmo o curso impôs a nós dois a tarefa de ir. ofereceu. Por esta razão não pude participar. Elza. O sétimo e último bloco arrematava o curso com considerações sobre Poder. um desdobramento especificador dos cursos sobre Direito e Poder. e (c) Estado Liberal e Estado de bem estar social. foi uma homenagem ao centenário de Miguel Reale e tratou de um dos seus temas recorrentes: a correlação entre Direito e Poder. do nosso diálogo sobre os grandes temas da Filosofia e da Teoria Geral do Direito. 17:46 . concluindo com a discussão sobre o dogma da plenitude e a analogia. X No primeiro semestre de 2010 assumi a responsabilidade de dar um curso na pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP – que pareceu importante a mim e aos colegas do Instituto no processo de consolidação da pós-graduação daquela unidade da USP de cuja criação participei ativamente. via Bobbio. com a colaboração da profª. com foco na sua obra. ao já referido curso sobre Direito e Poder. o método normativo e o descritivo e o método estrutural e funcional. mandatos e conselhos.p65 281 17/5/2011. Força e Direito remetendo. O quinto bloco examinou a teoria do ordenamento e os seus grandes temas: o da unidade. Representou.CELSO LAFER . O terceiro bloco versou sobre o tema norma e proposições jurídicas e esmiuçou os seguintes itens: (a) proposição. Filosofia e Teoria Geral do Direito. A obra de Bobbio tem como nota identificadora a clareza e o rigor no trato dos seus temas recorrentes. (b) sanção negativa e sanção positiva. O sexto bloco lidou com a Teoria do Direito e o Direito Internacional subdividindo-se nos seguintes itens: O ordenamento internacional e o ordenamento nacional. no seu desdobramento precisando com método. Na sexta sessão. 141. que tinha como tema Poder. na titularidade da disciplina da nossa Faculdade. Caggiano com a dedicada organização da profª Elza. como o gado compartilha uma pastagem. Torino: Einaudi. 35 36 AGAMBEN. fiz uma exposição sobre Poder e Direito na obra de Reale. Norberto. o tempo da memória – o tempo da nossa memória. para valer-me do título da tradução brasileira do livro de Bobbio. XI Narrativa e experiência contribuem para a compreensão das coisas e interligam-se com o pensamento na reflexão de Hannah Arendt. observa que. 17:46 . coordenadamente. com peso igual.p65 282 17/5/2011. inclusive na sua concepção. na confiança e na igualdade da estima recíproca. De Senectute e altri scritti autobiografici (a cura di Pietro Polito). que sempre considerei dos mais relevantes na obra do grande Mestre da Filosofia do Direito que tive a honra de suceder. Foi na linha destes ensinamentos que elaborei este relato sobre uma rara experiência de amizade de 50 anos e. L’amitié. retomando e aprofundando estudos anteriores sobre o assunto. presidida pelo Tercio. uma exegese própria do que diz Aristóteles na Ética a Nicomaco (1170 a 28 – 1171 b 35). por meio de uma narrativa dos nossos cursos. 2007. Giorgio. que foi um Seminário Internacional em homenagem ao centenário de Miguel Reale realizado na Faculdade entre 5 e 8 de abril. observa que amigo pertence à categoria dos termos que os linguistas definem como não predicativo. que o termo amigo não é uma categoria. de um dos módulos do curso. 16. apoiado. Paris: Payot & Rivages. BOBBIO. em De Senectute. 1996. assim. no seu pequeno livro. Registro esta dimensão existencial da amizade. Entende. mas sim a existência da vida em amizade35. por Tercio e pela profª Monica Herman S. p. Técnica e Direito. lembrado que Bobbio. na medida em que os anos passam.282 . O poder-dever de comunicar aquilo que se conquista pela experiência é algo destacado por Miguel Reale. p. o seu significado concreto no exercício conjunto do pensamento. Eles integram. 37-40. com seu confiante endosso. escrevendo sobre a amizade e fazendo. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Ao narrar o percurso do nosso diálogo sobre i concetti ficou em surdina a inestimável dimensão existencial de gli affetti que nos unem.SOBRE UMA AMIZADE Contribuí para a seleção da bibliografia e participei intensamente. Os amigos não compartilham um objeto. Aponta para o existencial. Agamben. “contano più gli affetti che i concetti”36. no primeiro ano da Faculdade: “Onde é que mora a amizade? Onde é que mora a alegria? No largo de São Francisco.283 Esta memória – e a memória é a sede da alma. 17:46 . Um memorial de como nos beneficiamos do legado dos nossos professores. portanto.p65 283 17/5/2011. como Tercio e eu conversamos em mais de uma oportunidade – é. o fecho das trovas franciscanas que Tercio e eu aprendemos a entoar em 1960. Tercio e eu construímos em parceria e de maneira própria na transmissão do conhecimento para os nossos alunos em tantos anos de docência. “In my beginning is my end” diz T. Na velha Academia!” Filosofia e Teoria Geral do Direito. Evoco. concluindo. na antevéspera da nossa aposentadoria compulsória e. assim. do término da plenitude da nossa vita activa como professores do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP. um memorial. Eliot num verso famoso do Four Quartets. em especial dos Mestres que nos antecederam no magistério na Faculdade e do que. como dizia Santo Agostinho.CELSO LAFER . que pensou com tanta originalidade o problema do tempo. S. É o que me parece apropriado fazer neste texto. também. em conjunto. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 284 17/5/2011, 17:46 ESTÉTICA, DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS Da Estética da Diversidade à Sociedade, da Sociedade Pluralista à Estética Eduardo C. B. Bittar Livre-Docente e Doutor, Professor Associado do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, nos cursos de graduação e pós-graduação. Pesquisador-Sênior do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Presidente da Associação Nacional de Direitos Humanos (ANDHEP/ NEV-USP). Coordenador do Grupo de Pesquisa “Democracia, Justiça e Direitos Humanos: estudos de Escola de Frankfurt”. Professor e pesquisador do Mestrado em Direitos Humanos do UniFIEO. Membro Titular da Cátedra UNESCO-IEA/USP de Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância”. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 285 17/5/2011, 17:46 286 - ESTÉTICA, DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA... 1. FILOSOFIA, ESTÉTICA E TEMPO LIVRE O que se pode fazer com o tempo livre? Qual a percepção que o tempo livre nos relega do mundo e da existência? Quanto do tempo livre se carrega para o interior das reflexões filosóficas? Estas são questões que, se vistas de modo cruzado, nos permitem acesso a um ponto de curiosa investigação: a presença do estético na construção do pensamento filosófico. Isso porque, quando se pergunta do que o filósofo se abastece para falar sobre justiça, direito, liberdade, poder, esta busca necessariamente esbarra no campo do cultivo da leitura. A visão do intelectual em seu gabinete de trabalho é uma imagem bastante comum na tradição iconográfica ocidental, como aquela que identifica São Jerônimo em seu studio, de Antonello de Messina (1475), como forma de representação da visão inspirada que se proporciona pelo exercício da contemplação. Esta imagem, geralmente, está seguida da caveira das vaidades, que identifica a finitude da vida, apesar da infinitude dos horizontes de conhecimento humanos. Neste campo, a visão do intelectual que, por suas virtudes contemplativas, está acima e além dos demais, é comum, e, por isso, as representações estão sempre marcadas por recorrentes idealizações, construindo quase sempre estereótipos irreais sobre as condições de quem pensa e contribui para alimentar a cultura humana de significações. Mas, o cultivo da leitura, como porta de acesso aos acervos culturais da humanidade, parece ser um ponto de encontro de todos os que se abastecem da necessidade fisiológica em torno do simbólico. E, claro, toda boa biblioteca atrelada a uma determinada identidade intelectual, a um determinado campo de pesquisa e conhecimento, a uma determinada carreira profissional, a uma personalidade, atendendo a um tipo de curiosidade e rumo intelectual, acaba sendo, tematicamente, direcionada aos temas e autores aos quais mais nos afeiçoamos, ou aos livros de cuja obrigatoriedade do conteúdo não podemos nos furtar. Aí aparece o matiz de personalidade, ainda uma vez. Colecionar livros não é uma arte aleatória, mas uma arte que traduz vocações. Então, a biblioteca fala um pouco do que fazemos1. Então, a biblioteca deixa de ser simplesmente um amontoado de livros, e passa a ser a ‘biblioteca de fulano de tal’. E, exatamente por isso, adquire um outro valor. Por exemplo, a biblioteca Theodor W. Adorno, na sede do Institut für Sozialforschung, situado no Senckenberganlage, 26, em Frankfurt. Tornou-se um acervo inestimável da 1 MINDLIN. No mundo dos livros, 2009, p. 43 e ss. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 286 17/5/2011, 17:46 EDUARDO C. B. BITTAR - 287 cultura ocidental e da tradição filosófica frankfurtiana. Por isso, atravessamos o oceano para visitá-la. Quando pude conhecê-la, tive a impressão de estar entrando num universo tão íntimo e tão descritivo do que fora Adorno, que ao pisar naquele ‘chão sagrado’ pedi silenciosamente permissão, e quase não pude me conter em solicitar para as pessoas tirarem várias fotografias. Aliás, tirar fotografias era uma prática recorrente nas experiências de Adorno, aí incluído o seu famoso auto-retrato. Mas, ali estavam, os livros que revelavam o gosto de Adorno por partituras, por estudos clássicos de música, por música erudita. Muitos livros de música se acotovelam com outros tantos tratados sobre Marx e a economia mercantil. O que se percebe é que a importância e a percepção do quanto Adorno se dedicou a ouvir e pensar a estética2 ficam traduzidos e acumulados em prateleiras que levam hoje o nome “Biblioteca Theodor W. Adorno”. A personalidade de Adorno, ainda que não se conhecesse de antemão sua obra, ali estava estampada. Por isso, pode-se perceber muito do que um intelectual é, e também muito daquilo que faz, em primeiro lugar por sua biblioteca. Mas, também, pelos seus textos, pelos escritos, pelas suas aulas, no caso em que temos a sorte existencial de convivermos com personalidades marcantes do mundo intelectual. Tive o privilégio de ser aluno de Tercio Sampaio Ferraz Junior, mas de apenas visitar a Biblioteca Adorno. E mais: fui orientado em graduação, em iniciação científica, e, em pós-graduação, até a conclusão dos estudos doutorais, por Tercio. Este que muitos conhecem apenas como referencial teórico: “Ferraz Junior (2003)”. Mas, este não é Tercio. Ou melhor, este é somente uma parte do que é Tercio. Mais ainda, pude conviver estreitamente por longos anos com Tercio, e isso significou também um convívio pessoal. No convívio público, conhece-se Tercio por suas idéias, por seus escritos, por seus cursos. Foi isso que me atraiu a seu universo hermético, interior. Fui capturado. Fui cativado. Data fatídica: primeiro semestre de 1992, no primeiro ano da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. No convívio pessoal, pude conhecer Tercio de outra maneira. Aí, pode-se apreender, nesta dimensão, a íntima correlação entre o faz, publicamente, e o que sente, pessoalmente. Ainda que seu mundo subjetivo esteja totalmente interditado para o acesso externo, sua personalidade deixa rastros, e, neste sentido, esparrama sentidos pelas calçadas, pelas ruas, pelas pedras em que pisa. 2 Para ficar num universo, ainda que restrito de suas obras, cite-se: ADORNO. Teoria estética, 2006; ADORNO, Experiência e criação artística, 2003; ADORNO, Indústria cultural, 2002. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 287 17/5/2011, 17:46 288 - ESTÉTICA, DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA... Este escrito não remete a uma exploração da intimidade, muito ao detestável gosto da sociedade contemporânea, de devassar a intimidade aos olhares fanaticamente curiosos dos consumidores de notícias de celebridades. Intelectuais não são e nem nunca foram celebridades. Mas, são pessoas que têm muito a oferecer. Este escrito é cuidadoso, ao considerar que aquilo que é caro à pessoa, é merecedor de respeito. Por isso, este escrito, se dedica a expor uma revelação de quanto a estética participa de sua vida, e é na forma de homenagem que é escrito, pois, em verdade, é revelador de uma paixão pela música. Nesse sentido, como todo intelectual é um pouco fruto, sem dúvida, de suas leituras e de suas coleções de livros, também a visita à Biblioteca de Tercio nos faz respirar fundo. A ela sempre projetei meus olhos com reverência, procurando nela me espelhar. Mas, o intelectual é também fruto de seu tempo e de suas condições, das forças sociais e ideológicas, como também da historicidade que o atravessa. E, muitas vezes, não é sequer possível resistir; simplesmente, se dá, ou seja, somos atravessados pelas condições de nosso tempo. Mais ainda, ele é fruto também, de suas experiências de vida, frustrações pessoais, preferências, qualidades e tendências, aspectos de personalidade ocultos, traços recalcados de vivências3. Inevitavelmente, é aquilo que sua família lhe imprimiu, e aquilo que a educação lhe proporcionou. Mas, ele é também, como todo ser humano, aquilo que faz de seu tempo. Ainda que a vida moderna torne opaca a possibilidade de usarmos o tempo a nosso favor, naquilo que ainda é possível, o tempo se exprime como um potencial de acesso ao prazer. Quando se pode optar, o tempo aparece como uma oportunidade de encontro com aquilo que prefere, e, neste sentido, com aquilo que o realiza, em sentido profundo. Na sociedade moderna, que divide campos e opera por divisões que retalham a existência, uma dessas divisões é esta que separa o tempo do trabalho (Arbeitzeit) do tempo livre (Freizeit). Esses espaços devem não se confundir, por completo. Mas, o que é trabalho e o que é liberdade? Por que não há liberdade através do trabalho? Adorno, em Tempo livre, num depoimento pessoal interessante, revela algo de muito curioso com relação à forma de se apropriar do uso do tempo livre: “Compor música, escutar música, ler concentradamente, são momentos integrais da minha existência, a palavra hobby seria escárnio em relação a elas”4. “Inversamente, meu trabalho, a produ- 3 4 FREUD. Leonardo Da Vinci e uma lembrança de sua infância. In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 1996, p. 67-142. ADORNO. Tempo livre. In: Indústria cultural e sociedade, 2002, p. 114. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 288 17/5/2011, 17:46 EDUARDO C. B. BITTAR - 289 ção filosófica e sociológica e o ensino na universidade, têm-me sido tão gratos até o momento que não conseguiria considerá-los como opostos ao tempo livre, como a habitualmente cortante divisão requer das pessoas”5. Compor, ou estudar música, para ato Adorno, tem a ver com tempo livre e com tempo de trabalho, vistos como unidade de fruição do tempo. Escrever, como forma de expressão, tendo-se na escrita a expressão de um ato existencial, é a forma com a qual se realiza Schopenhauer6. Caminhar, como experiência de vivência do mundo de entorno (Umwelterleben), que abre o olhar para a percepção do fenômeno, tem mais o estilo de Heidegger7. Nesse sentido, se abre, em grande parte, a auto-percepção, como percepção sensível de si, daquilo que conforta, que deleita, mas que também permite o gozo. Um gozo que, por vezes, é incompreendido, mal percebido, pois sempre a percepção dos outros não é a mesma daquele que vive a experiência de se encontrar diretamente com a face nua da liberdade. Podemos fruir do tempo nos aproximando de obras estéticas. Elas também são portais de formação. Por isso, a questão do tempo livre (Freizeit), e do encontro que ele proporciona, não é de somenos importância, quando se trata de perceber as formas pelas quais fruímos do que está aí disposto (música, dança, pintura, escultura, cinema...), na medida de um juízo que nos aproxima do encontro com a criação estética, ainda que o preço disto seja o nosso afastamento ainda maior da percepção e da opinião dos outros. Ao nos fixarmos num juízo de gosto, e exercitarmos a prática de fruição da obra, exercemos uma escolha, algo que por definição, limita outras escolhas. Mais ainda, ao fazê-lo, afastamos outros fruidores de estéticas diversas daquela que preferimos. Nos vemos, por vezes, ilhados na condição de admiradores e entendedores de certos movimentos musicais e artísticos. Nos vemos, por vezes, cercados de obras de artes em museus, mas simplesmente vazios de companhia. Mas, o deleite ali está. Nesse sentido, uma forma de perceber isso é identificar que todos nós nos mostramos ao exercitarmos algum nível de ato de escolha que revela um juízo de gosto. Ópera ou jazz. A experiência do tempo livre bem define a relação entre tempo e trabalho, ócio e fortuna, uso dos prazeres e usufruto da existência. Afinal, a questão do tempo, não estando desprendida de outras tantas questões sociais, infra-estrutu- 5 6 7 ADORNO. Tempo livre. In: Indústria cultural e sociedade, 2002, p. 114. SCHOPENHAUER. A arte de escrever, 2007, p. 31 e ss. SAFRANSKI. Heidegger, 2000, p. 128 e ss. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 289 17/5/2011, 17:46 290 - ESTÉTICA, DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA... rais, econômicas, acaba sendo a questão da liberdade, que Adorno coloca na fórmula tempo livre (Freizeit), em sua reflexão: “Além do mais, muito mais fundamentalmente, o tempo livre dependerá da situação geral da sociedade. Mas, esta agora como antes, mantém as pessoas sob um fascínio. Nem em seu trabalho, nem em sua consciência dispõem de si mesmas com real liberdade”8. Nesse sentido, aqui aparece uma relação curiosa entre as ‘pressões que nos fazem ser nós mesmos’, e a possibilidade de sermos exercentes de uma liberdade real, concreta, efetiva, e até mesmo, ainda que num sentido pós-metafísico, até mesmo transcendente. Em suas horas vagas, pude perceber, num convívio de prolongados anos ao lado de Tercio Sampaio Ferraz Junior, sua entrega ao deleite suspensivo das óperas e da música erudita, que de tanta paixão que o comove, faz de todos os circunstantes de seu ambiente, ‘vítimas’ de uma musicalidade ouvida em tons que remetem a alturas sequer encontráveis na própria ópera ao vivo. O resultado? Não sobrava ninguém na sala. Mas, na sala ainda se mantinha aquele que se vê, como centro da audição, arrebatado pela força da estética, em suspensão no sentido da musicalidade, ou da dramaticidade de um contexto musical. A música erudita tem um vigor próprio. Ela não atrai como os produtos mais recentes da indústria cultural, mas é de seu sentido interior que procura, num ato de resistência, sobreviver respirando, dentro de uma atmosfera que para si faz sentido. Para Tercio Sampaio, sua joie de vivre, em parte, se expressa assim. Mais que isto, a música erudita tem seu rigor próprio, que se traduz em sua estrutura, seguida por melodias, tonalidades e organizações rítmicas muito seqüenciais. Uma ópera é composta por divisões em atos. Uma música erudita é apreensível, por exemplo, pela divisão entre allegro ou andante. Há nisto um rigor, que confere a tudo uma racionalidade, uma lógica, um certo esquema matemático, interno ao ato de produção da própria sonoridade, e que acompanha o ouvinte. Este mesmo rigor se estampará no trabalho conceitual, filosófico e metódico de Tercio Sampaio. Sua obra tem a precisão pontual do conhecedor conciso e que sabe que opera escolhas. A obra erudita, curiosamente, tem uma feição que estará o tempo todo atravessando a prática intelectual de Tercio. Se este parece um traço capturado por acidente, na marcação do convívio, há também uma outra leitura possível de sua preocupação de alinhamento consciente entre a prática do artista e a prática do jurista. Eis aí a proximidade entre 8 ADORNO. Tempo livre. In: Indústria cultural e sociedade, 2002, p. 112. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 290 17/5/2011, 17:46 EDUARDO C. B. BITTAR - 291 o belo e o justo. Esta dimensão é explorada num belíssimo estudo intitulado O justo e o belo – notas sobre o direito e a arte, o senso de justiça e o gosto artístico, publicado na Revista da Pós-Graduação da Faculdade de Direito (2000). Para Tercio, no quadro desta reflexão, é possível pensar o belo e o justo, pois estas categorias são intercambiáveis. Em suas palavras: “Isso põe, de novo, o jurista e o artista, no mesmo domínio público. É que o gosto discrimina, decide entre qualidades e talentos, como o senso de justiça examina e decide entre provas trazidas no contraditório. Por isso o artista como o jurista, no seu julgamento sempre atento às coisas do mundo, impõem-se a moderação e a prudência, para não serem engolfados pela arrebatação do belo ou pela tirania do verdadeiro”9. É deste humanismo que parece se alimentar Tercio a cada ato de fruição, como alguém que bebe diretamente de uma fonte; pude, presencialmente, acompanhar, quando se dedicava a exercer a sua liberdade, em seus momentos livres, e isto foi absolutamente revelador. A audição. Uma adição, sem dúvida nenhuma, qualificada, e treinada a cada dia para se tornar mais refinada, mais apurada, preocupada em não ser simplesmente a expressão do ouvido de quem ouve, e nem se deixar apossar pela produção da música. E isso porque: “O relacionamento do homem com a obra de arte não se restringe à idéia de utilidade”10. Sim, há interpretação na escuta, como há sentido naquilo que se ouve. O ato de ouvir também implica numa prudência, pois implica em não se deixar carregar, suspender completamente, apesar da paixão que mantém o fruidor preso ao contexto da obra. Continua: “Prudência ou moderação não significam, porém, ausência de paixão. Pois ambos – o jurista e o artista – introduzem, no âmbito da verdade ou da qualidade e do talento, o fator pessoal, ou sejam, conferem-lhes uma significação humana. O autêntico jurista como o genuíno artista cuidam de seus objetos à sua própria maneira pessoal, humanizando, assim, o mundo da qualidade e do talento e o do verdadeiro. Ambos são, no sentido próprio, inexoravelmente humanistas, homens que sabem como preservar, admirar e cuidar das coisas do mundo, sem a elas se escravizarem. No recôndito do humanismo está o sentido da beleza e da justiça”11. 9 10 11 FERRAZ JUNIOR. O justo e o belo – notas sobre o direito e a arte, o senso de justiça e o gosto artístico. Revista da Pós-Graduação da Faculdade de Direito, v. 02, 2000, p. 42. FERRAZ JUNIOR. O justo e o belo – notas sobre o direito e a arte, o senso de justiça e o gosto artístico. In: Estudos de filosofia do direito. Reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e o direito, 2002, p. 255. FERRAZ JUNIOR. O justo e o belo – notas sobre o direito e a arte, o senso de justiça e o gosto artístico. Revista da Pós-Graduação da Faculdade de Direito, v. 02, 2000, p. 42. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 291 17/5/2011, 17:46 292 - ESTÉTICA, DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA... Esta aproximação, com toda felicidade nela implicada, permite o acesso a este grande tema, o da relação entre o belo e o justo. Por isso, é deste ponto que se parte, ao modo de um mote de inspiração, para seguir adiante a exercer aquilo que se fará, como exercício de reflexão, ao longo deste artigo. A independência é uma marca de cada indivíduo, como de cada geração. Por isso, não se haveria de esperar que a inspiração significasse uma forma de mímesis. A inspiração em Tercio é ponto de partida. Suas experiências, e sua formação, o levaram à música erudita. Minhas experiências e minhas específicas vivências, me levaram ao jazz. Adorno não se comprazia com o jazz. Mas, a mim, o jazz basta para significar. O jazz tem muito da prática da negociação no improviso, assim como exprime uma forma de musicalidade que exprime uma certa atitude de mundo, nascida do submundo de uma realidade, e é isto que parece guiar de mais perto a força daquilo que a minha forma de enxergar a estética tem a traduzir do ponto de vista da filosofia. Eis aí uma pequena diferença de estilos musicais. Eis aí uma breve dissonância entre gerações. Eis uma perspectiva de juízos de gosto não coincidentes. Eis aí um interstício entre um mestre e um discípulo. Porém, nada disto afasta, nem a admiração, e nem o respeito que se devotam, reciprocamente, por terem tido, por sorte do destino, ou capricho da existência, simplesmente, vidas cruzadas. 2. A PERSPECTIVA DE TRABALHO DA FILOSOFIA CRÍTICA12 A Filosofia Social e Crítica do Direito, cujas bases estão ancoradas no pensamento frankfurtiano13, é capaz de entrever nesta perspectiva uma linha de consciência na qual se destaca a visão pluralista como a forma de constituição de um novo acervo conceitual a ser incorporado às práticas políticas preocupadas com a transformação social. Ela provoca a abertura para o estudo interdisciplinar, assim como convida à exploração das diversas portas de entrada para a dimensão da compreensão do humano que sejam convidativas ao caminho da diferença. Por isso, permite que a aparição do estudo da estética seja contemplado dentro do conjunto das preocupações dos estudos abertos ao diálogo e ao conhecimento crítico do direito e da questão da justiça. A 12 13 A partir deste tópico, passa-se a seguir diretamente um conjunto de reflexões inauguradas com a apresentação público deste texto no III Acampamento de Direitos Humanos dos Países Africanos Lusófonos, com apoio da Open Society Initiative for West África, realizado de 01 a 04 de fevereiro de 2009, na Cidade da Praia, República do Cabo Verde, África. A respeito, vide BITTAR. Filosofia crítica e filosofia do direito: por uma filosofia social do direito. In: Revista Cult, a. 10, nº 112, abr. 2007, p. 53-55. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 292 17/5/2011, 17:46 EDUARDO C. B. BITTAR - 293 filosofia, além de saber racional, é também uma forma de sensibilizar, o que faz dela uma espécie de saber estético (aísthesis). Daí, existir uma certa raiz comum entre as várias práticas estéticas, como práticas filosóficas, e o saber filosófico, como prática estética. O exercício racional, desacoplado da percepção estética, pode muito pouco, em sua tarefa de operar com conceitos. Por isso, a percepção estética participa do processo de formação do juízo filosófico. Ele é todo razão, na pureza dos conceitos que procura operar, mas antes de ser conceito, é sensação, é percepção, é interação com as formas de expressão. Por isso, dividir somente pode prejudicar a própria compreensão da interrelação entre estes campos de reflexão. Assim, a própria pergunta “o que leva o homem a ser um ser estético?” não deixa folga ao pensamento crítico e à reflexão filosófica. Isso porque atrás desta questão está uma investigação sobre as formas pelas quais se manifesta o homem, na história, como artífice de sua própria cultura, o que abre campo para uma vasta investigação sobre a condição humana, questão que não é de somenos importância quando se trata de pensar a cultura dos direitos humanos. Por isso, seu aproveitamento para os estudos de Teoria Crítica não é lateral. Isso atrai ainda outras questões para o âmbito da reflexão e que serão entremeadas ao desenvolvimento dos estudos contidos neste texto: como a arte se inter-relaciona com questões do direito? Afinal, seria perda de tempo estudar arte, teatro, cinema, dança, música, com implicações para o direito? Como se pode pensar a partir da arte, em especial da música, a questão da dignidade da pessoa humana como fundamento dos direitos humanos? 3. ÉTICA, EXPERIÊNCIA ESTÉTICA, HUMANIDADE E DIFERENÇA Em nossos tempos, a arte se define pela negação. Numa primeira abordagem, o tema da estética parece estar confinado à dimensão daquilo que gera prazer, sensações, provocações, despertamentos, e, de certa forma, para nós, a arte está muito associada à diversão, ao ócio, ao divertimento, ao aproveitamento do tempo livre, enquanto tempo não-trabalhado. Ela aparece, num primeiro momento, como não-trabalho, não-utilidade14. Mas a estética, num 14 As reflexões de Adorno vão neste sentido, e não deixam de revelar o caráter onipotente da indústria cultural como fator de repressão do único lócus de expressão do espaço do nãotrabalho: “O mundo inteiro é forçado a passar pelo crivo da indústria cultural” (ADORNO. Indústria cultural e sociedade, 2002, p. 16). Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 293 17/5/2011, 17:46 Por que numa tribo indígena brasileira se distribuem as habitações de forma oval e. das culturas e dos povos do que a nossa visão – moderna.. De fato. com os efeitos desejados e buscados. por exemplo. individualista. por vezes. a cultura atravessa pois a forma como o homem se constrói em relação ao ambiente. consciente ou inconscientemente. do que portam. falam mais de nós do que gostaríamos. com a nossa auto-imagem. sentido amplo. o gosto e as escolhas. num sentido amplo. de como recortam seus cabelos. como constata Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:46 .294 . engloba diversas práticas humanas. onde nascemos. a estética não é somente o adereço. as diversas gerações de jovens. a partir de uma certa forma que expressa uma particular identidade e forma de olhar o mundo. o modo de vestir. se revelando como todo fenômeno cultural. pois uma estética da existência. a partir de uma semiótica do vestuário. com o nosso trabalho. e isto não é superficial.. quando a liberdade parece ser um “optar por fazer” com que a estética represente algum tipo de significação que tem a ver com o nosso perfil. As culturas são muito mais vastas que as etnias. DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA. e está mais presente na história das civilizações. Ainda mais.p65 294 17/5/2011. Há uma estética que revela o que fazemos. pois ser humano e praticar uma forma de cultura não são coisas diferentes. e tudo isso pode ser ‘lido’. parece que estamos presos à obrigação de fazermos opções estéticas. de que classe somos. engloba diversas práticas humanas. o modo de habitar. Não por outro motivo. costumam contestar através do que vestem. o modo de produzir sons revelam uma forma de expressão do humano. Assim. De certa forma. noutra tribo. constituímos o ambiente à nossa volta. pressupor. de sociedade capitalista e ocidental – nos permite enxergar. por exemplo. que tipo de valores portamos. o modo de habitar tem a ver com uma visão estética de mundo. que tipo de gosto sustentamos. do que usam. mas aquilo que expressa a forma de constituição humana da própria identidade cultural. A estética. Os resultados de uma análise crítica somente podem favorecer o desenvolvimento de um olhar enriquecedor sobre as contribuições que a teoria estética pode dar para o plano das discussões sobre o justo. constitutivas do próprio fazer humano. elas se distribuem de forma quadrangular? Então. mas revelador da dimensão do humano. dos piercings que colocam nos corpos.ESTÉTICA. Há. especialmente a partir dos movimentos de contra-cultura dos anos 60 e 70. através daquilo que vestimos. a partir de uma visão confinada de especialidades do conhecimento. a estética diz mais de fenômenos humanos e sociais do que se pode. É necessário transcender o tempo presente e as contingências de um gosto social hegemônico. dos deveres sociais. Nós somos enlevados pela estética musical. e antes de poder consumi-la. segundo o qual cada elemento é considerado como pedaço de arte. Nietzsche e a justiça.295 Lévi-Strauss15. 4ª ed. pois não ter gosto é já estar morto. como expressão da justificação dessa singular maneira de viver. a contraposição entre os solos e os conjuntos. 1993. era preciso cumprir um ritual complicado de pacificação de seu espírito e de consagração da caça” (LÉVI-STRAUSS. B. 329). e cumpre que nos transfiguremos em tal fenômeno” (MELO. BITTAR . principalmente quando se trata de uma forma musical com a qual nos identificamos e da qual gostamos. Antropologia estrutural dois. é não-existir. ou seja. e nem simplesmente construído pelas necessidades da vida contemporânea. Transe hipnótico pelo poder do som. a vida tem. e que nos faz sentido. Ela cria uma espécie de momento fantasista. 1996. implica um estilo capaz de abraçar todas as forças e fraquezas que a natureza oferece e integrá-las em um plano artístico. que rompe com a banalidade do cotidiano. Por que esses cantos? Por causa da irara. p. já que umas se contam por milhares e as outras por unidades” (LÉVI-STRAUSS. explicaram-me. No capítulo Bons selvagens de Tristes trópicos.EDUARDO C. Tínhamos levado nossa caça. Somente o olhar histórico-antropologicamente 15 16 17 “Há muito mais culturas humanas que raças humanas. a questão do gosto é de fundamental importância para a existência humana. Por que os astecas erigem templos aos seus deuses e algumas etnias de povos indígenas brasileiros cultuam suas divindades a partir do soar dos tambores e do canto? Por que entre os índios Bororó o canto tem força máscula e somente os homens participam dos rituais musicais16? Por que a dança constitui um elemento. p. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 295 17/5/2011. Tristes trópicos. de dissimular a feiúra. para dar um grande salto e compreender que a estética nos acompanha desde sempre. Claude Lévi-Strauss afirma sobre os Bororó: “Só os homens cantam. 86-87). e seus uníssonos. com a virtude de encantar. 2004. que gera um transe favorável aos ritos e ao culto? Efeito catártico do arrebatamento.. e as variedades de práticas estéticas contempladas pelas culturas produz combinatórias infinitas. porque a vida só nos é suportável enquanto fenômeno estético. a fraqueza também. Por isso. 204). das práticas sociais. o estilo másculo e trágico lembram os coros guerreiros de algum Männerbund germânico. as melodias simples e repetidas cem vezes. A estética tem uma mágica própria. que é a não colorida esfera da repetição dos hábitos enraizados. Por isso. um poder específico. profundamente marcado pela hostil presença do imperialismo da indústria cultural. portanto muito do estético17. o fato de sermos seres estéticos não parece ser algo acidental. p. "Um tal gosto pessoal. das tarefas de preservação da existência material. das necessidades corporais. em quase todas as religiões. 17:46 . alegria. inclusive a dos sonhos – e o surrealismo artístico traduz essa idéia. da fotografia. senão transpiração do páthos e expressão (angústia. consciente. o que na sociedade logocêntrica significa uma super-valorização do discurso verbal.C. portanto. é desperdiçada. vs. de seu desenvolvimento histórico-tecnológico. as linguagens do corpo. dos gestos. 1994. o que é a arte. dos sons. Assim.000 a. e que tem de ser representado.). traz à lume o que. não importa. e de que. nós não somos senhores de nós mesmos – trabalhando na linha freudiana –. a expressão retumba como uma forma de aparição do humano. ou quando o olhar despreza as perspectivas culturais por meio das quais se percebe a capacidade criativa. É necessário termos consciência de que o inconsciente habita em nós e que. Nessa percepção. gráfica. é capaz de significar. pelo corpo. uma vez que o inconsciente fala por diversas linguagens.. pelo verbo. de suas convenções.000 a..296 . DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA. de suas exigências sociais. a cada vez que ilumina. que se espraiam por vários territórios. entre outras.C. no mesmo sentido. nos fala um pouco da nossa própria necessidade de nos expressarmos19.)” (CANDÉ. desmancha a possibi- 18 19 O importante estudo de Roland de Candé permite a abertura em direção a este tipo de visão. pelo canto. da ginástica. descoberta. 17:46 . vide CANDÉ. senão produto da operosidade simbólico-transformadora humana. c. “Um dos primeiros testemunhos de atividade musical de que dispomos data desse período de importantes transformações: uma gravura rupestre magdaleniana representando um tocador de flauta ou de arco musical (gruta de Trois Frères. História universal da música. Por isso. Desde sempre. cinematográfica. humana. Ao colocar em linguagem (pictórica. ela faz falar. História universal da música.) a proto-forma daquilo que não pode ser dito. 50). por linguagens e formas semióticas as mais diversas. 10. quando o olhar se centra num único canal de expressão. tudo o que a razão pretende iluminar. Ariège. se sub-aproveitada. 1994. do ponto de vista simbólico. dor. As formas artísticas. da pintura. as categorias estéticas aparecem associadas a uma série de traçados sócio-antropológicos constitutivos dos hábitos de um povo.. em seu longo percurso de transformações históricas. A respeito. aberto nos permite tomar esta consciência18. criação.ESTÉTICA. A expressão não é só verbal. racional.p65 296 17/5/2011. Filosofia e Teoria Geral do Direito. pela boca.) em linguagens semióticas? O que se percebe é que a arte procura traduzir a própria complexidade do humano. de suas necessidades.. e nada disso é acidental. das verbais às não-verbais. portanto.. a estética musical. exploram além do discurso verbal. 01 e 02. revolta. que em seus testemunhos mais remotos data do período neolítico (10.. A rica experiência humana. p. Ela simplesmente faz emergir. inventiva. da produtividade. em algum momento. na linguagem marcuseana representará nada mais do que propriamente uma forma de recalcamento da multidimensionalidade da experiência humana. ou seja. pois quando escolhemos sermos expectadores. estamos fruindo de algo que nos dá também muito prazer. e essa é uma das grandes ilusões. mingua. pelo teatro. pela literatura. então. ouvir. criação. Dialética do esclarecimento. a sombra. da produção de mais-valia. Assim. de Adorno e Horkheimer. isso nos faz expressar. A dialética do esclarecimento. folclore. necessariamente. é alienado da condição de poder fruir do amplo espectro semiótico que o rodeia e que o define como um ser complexo. produzindo personalidades unidimensionais. pela dança. na modernidade. O alimento não é somente o alimento do corpo. há os que se sensibilizem pela música. inclusive aqueles que não controlamos. Daí a sociedade produtivista ser castradora e limitadora da experiência humana. há os que se sensibilizem mais pelo cinema. a nossa forma de ver e de ser no mundo. enquanto complexo. uma vez confinado.297 lidade da manutenção daquilo que em nós é fundamental. Dentro dessa grande variedade de formas de expressão daquilo que é uma certa totalidade semiótica. para isso. Assim. para os franceses. no lugar de fazer a arte. ela flui por diversos canais. B. aquilo que é humano. BITTAR . do pragmatismo. Música. e. ou o Aufklärung dos alemães. a expressão não é só verbal. fruir. é a evasão de energias eróticas fundamentais que. O homem reduzido à esfera do labor. quanto mais luz. também nos preenche. carne. HORKHEIMER. atravessa. mais sombra20. ovos. legumes e frutas. também o alimento humano não é só o alimento do corpo – quero dizer. parece que a arte preenche essa necessidade humana de se alimentar não somente considerando o corpo. 17:46 . Há os que prefiram ver. A dialética interior de luz e sombra que nos habita não pode ser completamente iluminada pelos fluxos de luz vindos da razão. ou em muitos momentos. ou seja. como o ato-falho. Filosofia e Teoria Geral do Direito. em sociedades produtivistas. Les lumières. o que. da utilidade. pela pintura. mas é também o alimento da psyché. aponta. Assim como. mas nos faz também nos abastecermos. o sonho. mas a arte como forma ativa e intencional de produção de cultura.p65 297 17/5/2011. em sociedades que se ocupam primordialmente do trabalho. nesta medida. pela arte e pelo 20 A respeito. do imediatismo. de certa forma. vide ADORNO. no sentido da restrita racionalidade instrumental.EDUARDO C. à deriva das próprias necessidades simbólicas humanas. um dos grandes mitos que o iluminismo trouxe. 1985. e que. ESTÉTICA. Passagens. Mas. é de todo importante. no lugar de recalcar.p65 298 17/5/2011. 2007. pois elas participam da constituição do que é a própria condição humana. seja a música decodificada para um CD. Filosofia e Teoria Geral do Direito. a linguagem da criação pode se associar. seja a cor da tinta que se pode colocar nas paredes da sua casa.. a liberdade é desrepressora. ou a forma da cortinas que decoram a sua residência. conteúdos repressivos sejam exprimidos e expulsos do interior da vida psíquica humana. O mercado precisa manter um nível extremo de interesse e atração permanentes. em Passagens. e muito menos a necessidade da arte ou do consumo da arte. Por isso. fazendo com que. ou essas necessidades são criadas e auto-induzidas? Mais ainda: moda e arte têm a ver com a criação de necessidades para a reprodução do sistema capitalista e. não por outro motivo. Numa segunda análise. a resposta é: sim! Em sociedades capitalistas. a resposta é: não! O capitalismo não cria a necessidade da moda. e. a equação é simples. DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA. E nesse sentido. como induzimento de necessidades de consumo que exacerbam a entrada do indivíduo em relações reificadas. Esta é a marca 21 BENJAMIN. para o aumento do fluxo de consumo? Essa é uma questão que. folclore pela música são colocadas em uma ebulição criativa. 407. Benjamin. a arte está ligada com o caráter mais franco e ativo da liberdade. e as sociedades produtivistas são aquelas que haverão de operar esta aproximação interessada entre estes dois eixos. para o pensamento crítico. Maio de 68 luta por isso e assume estes ideais. tornando ainda mais necessária a dependência do indivíduo das relações laborais. o fechamento dos canais de evasão das diversas linguagens que são potenciais humanos. Portanto.298 . essas necessidades são manipuladas e exploradas como artifícios ideológicos do sistema e como forma de auto-alienação. O capitalismo não simplesmente cria essas necessidades. à linguagem da produção. no sentido de maximização de efeitos. Daí a pergunta: afinal. Quanto mais se consome. portanto. capaz de produzir sublimação. Num primeiro exame. enquanto exercida pelas diversas linguagens possíveis. Num certo sentido. com vistas a provocar a sedução do consumo.. como forma de seduzir massas inteiras em direção a processos produtivos. p. 17:46 . em sublimação. mais se trabalha para consumir. formam válvulas de introspecção problemática da libido reprimida. afirma: “A moda fixa a cada instante o último padrão de empatia”21. os indivíduos de sociedades modernas necessitam da moda e da arte. cumpre uma tarefa política de fundamental importância para a desrepressão pós-moderna. A love supreme: a criação do álbum clássico de John Coltrane. para cercear. Tolstoi afirma: “A arte é um dos meios que unem os homens”. p. por que? Por que a estética tem muita força. Por que desejar esta coisa. em Dialética do esclarecimento. eles difundem uma música ´pronta para ser consumida’ em função de uma demanda que eles próprios provocaram” (CANDÉ. a favor do exercício do poder. “A vida musical é controlada por profanos. A Escola de Frankfurt criticava a cultura de massa não pode ela ser democrática. os pios dos passarinhos. a matemática. 21). 1994. promotores engenhosos para quem a música é um bem de consumo como outro qualquer. O resultado é um insensibilidade para o que é sensível e uma sensibilidade manipulada para o que é produto22. E. é que o poder aprisiona este importante canal de revelação do humano. manipula subliminarmente as diversas instâncias psíquicas que nos levam ao gosto. 1994. portanto. 2007. O que se percebe. A de ser linguagem de comunicação e identificação. História universal da música. ‘tão suavemente que nem sentimos’” (KAHN. estou pronto para admitir que muita coisa parece o trabalho de alguma força eterna que segue uma direção espiritual: as estações. para condicionar.299 de nossos tempos. Não por outro motivo. Ao amesquinhar a fruição ao prazer unilateral do indivíduo 22 23 24 25 A saturação da audição é um destes fatores da vida social no mundo moderno: “Saturado de decibéis sintéticos. o poder da indústria cultural dissolve o poder da estética24. 30). o grupo. a expressão indústria da cultura foi escolhida por Horkheimer e por ele. mas o caráter de espírito. colocando a sedução e o êxtase – um êxtase que por vezes abeira o divino 23–. p. a capacidade de gerar poder. p. ao prazer. por instrumentos muito simples de induzimento que tornam o resultado comportamental um resultado óbvio. por suas conotações antipopulistas. Para que? Para controlar. Por isso. e não aquela outra coisa? Isso significa orientar. enfim. o capitalismo conhece muito bem as necessidades humanas. ao desejo. o que ela faz é dissolver a possibilidade de significação da própria arte. BITTAR . escreveu Coltrane em A love supreme. do ponto de vista da psicologia social.EDUARDO C. produtificando-a e distanciando-a de seu caráter originário. de criação25. Mas. A de mobilizar e reunir os desagregados. só sabendo ouvir o bater solitário de seu coração quando cessa a música ambiental” (CANDÉ. Apesar da indústria cultural transparecer democratizar o acesso ao conhecimento. independente de outros requisitos. “Como depois explicou Adorno. o amor romântico. 21). ele os confunde com o silêncio. para servir-se do potencial transformador da estética. B. Mais do que isso. Que força? A de unir as pessoas. Este depoimento artístico de um dos maiores jazzistas contemporâneos é ilustrativo disto no interior da própria produção musical: “Embora eu me considere um agnóstico dedicado e um racionalista radical. que não é o caráter de coisa. para manipular. mas justamente por não sê- Filosofia e Teoria Geral do Direito. História universal da música. o poder da indústria cultural nada mais é do que o poder econômico. ‘Deus respira plenamente por meio de nós’. a gravidade. Leon N. Mas.p65 299 17/5/2011. ou seja. o homem de hoje não percebe mais a sinfonia dos sons raros u familiares. os rumores da floresta e aqueles incontáveis ruídos carregados de símbolos que se elevam do vale. 17:46 . não espontânea e reificada. Centrando-a. atomizado nos atos singulares de consumo. a representar o bastião de condução e o vetor de afirmação do sistema capitalista de consumo. A perda da subjetividade no individualismo é a cilada do moderno processo civilizatório. Filosofia e Teoria Geral do Direito. e é por isso que a qualidade do humano desaparece para aparecer a qualidade do genérico. 277). 2008. era ideológica. A concepção de cultura popular. essas necessidades não são criadas pelo capitalismo. ou seja.p65 300 17/5/2011. DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA. p. Como bem constata Martin Jay. afirmavam. elas são manipuladas pelo sistema econômico. para fazê-la uma forma de concentrar o indivíduo em sua auto-alienação. Como? Descentrando a estética de sua função socializadora. p. como às vezes pareciam pensar os marxistas vulgares” (JAY. e hoje temos uma cidade como a de São Paulo. Numa perspectiva de sociologia da arte. e. O Brasil fez a opção de não investir em ferrovias nem utilizar o nosso potencial aqüífero. suas referências são as referências do mercado. por isso. 235). O desaparecimento da possibilidade do iluminismo autêntico é o que torna hoje impossível de entrever a superação da condição humana apassivada e individualizada. incapaz de traduzir a complexidade dos fenômenos sociais de manifestação da arte26. através do marketing e da mídia.. em que não se 26 lo. despotencializa o encontro de alteridades pela linguagem da estética. enfatizando a primeira resposta. Eis aí uma forma de manipulação que desperdiça o potencial da arte. os teóricos frankfurtianos não aceitam a posição simplista de quem identifica em toda cultura uma forma de expressão do capitalismo. o preço a pagar está no desaparecimento do laço contínuo que permite a intersubjetividade. é achatado para fazer desaparecer a subjetividade autônoma. a indústria da cultura oferecia uma cultura falsa.. “Mas o que distinguiu a sociologia da arte adotada pela Escola de Frankfurt e seus progenitores marxistas mais ortodoxos foi sua recusa de reduzir os fenômenos culturais a um reflexo ideológico de interesses de classe” (p.300 . A massa somente tem por referências os ícones do próprio processo de construção de identificação a partir do genérico. 235). A imaginação dialética: história da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisas Sociais. e. “Nem toda cultura era um embuste burguês. Assim. Presa fácil dos processos de dominação da mídia mercadurizada. esta postura é reducionista. elemento fundamental para a constituição da vida social. A imaginação dialética: história da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisas Sociais. A imagem publicitária sabota o superego ao criar uma dinâmica que evoca a idéia de deslimite através do consumo. não. o sujeito é encarcerado na dinâmica do gosto. 17:46 . em vez da coisa verdadeira” (JAY. Paradoxalmente. o gozo imediato se torna o presídio que mantém o indivíduo em permanente estado de subserviência ao mercado. O poder de escolha numa cultura do genérico.ESTÉTICA. 2008. numa cultura da multidão absorvida pela unidade. 17:46 . por exemplo. só que aquilo é expressão do belo. pois a deficiência como imperfeição. pois transportar-se é uma necessidade humana. de caçadas)? Enfim. BITTAR . porque é. pois todo mundo consome carro e nós não temos ênfase em transporte coletivo e transporte público. de imagens. ‘voa para longe’” (ROWLAND. a nossa forma de encarar essa outra tradição. história e diferença. não são suportadas numa sociedade guerreira. que é onde deveria estar. podemos achar feio aquilo. então. há um belo naquilo que sob nossa cultura consideramos feiúra. expressão do Deus deles. necessitar da arte. por exemplo. ainda que não seja o nosso padrão.. daí sua impertinência. ainda hoje. expressar-se. passa a ser outra: como esse humano é utilizado? Essa é a questão que se leva à segunda forma de se responder aquela pergunta. 23). Filosofia e Teoria Geral do Direito. no Sudão. Então. isto é humano. e o trecho que se destaca de sua obra é o seguinte: “Quando nasce uma criança seriamente anormal os Nuer do Sudão dizem que se trata de um hipopótamo acidentalmente nascido a um ser humano. o que nos permitirá explicar que em certas tribos as mulheres se adornem com argolas no pescoço e que os homens pintem seus corpos para rituais religiosos? O capitalismo nem chegou lá. na perspectiva de nossa cultura. o nosso olhar. e a monstruosidade física como desvio.. 1997. Esse induzimento coletivo por opções tem a ver com essa forma de manipulação das necessidades. Se olharmos uma máscara africana. p. Mas há o belo.301 anda. Antropologia.EDUARDO C. O olhar etnocêntrico quer julgar a partir de um critério exterior ao da própria cultura estudada. Também afirmam que os gêmeos são pássaros e que. Consequentemente levam-na ao rio e deitam-na com cuidado nas águas. quando qualquer deles morre. O que explica que mulheres da corte chinesa comprimam seus pés em sapatos menores para agradarem os padrões estéticos vigentes em uma determinada época? E o que é que determina que pés pequenos geram mais atração sexual do que pés grandes em mulheres? O que explica que jovens neonatos fossem mortos em Esparta. B. A pergunta. que função tem a estética na vida humana? 27 Este caso é descrito e estudado pelo historiador e antropólogo Robert Rowland. Se nós não considerarmos o que são necessidades efetivamente humanas.p65 301 17/5/2011. a esta altura. considerem a criança defeituosa um hipopótamo e não um humano27? O que explica que o homem mimetize a estética da natureza (aves) para alcançar resultados funcionais (aerodinâmica) que fazem progredir a técnica (aviação)? O que explica que as primeiras formas de expressão da linguagem de que se tem registro sejam pinturas rupestres (de animais. mas essas pessoas praticam uma forma de estética. praticar arte. machista e viril? O que explica que os Nuer. com evocações neoclássicas e barrocas. mais do que representar. Filosofia e Teoria Geral do Direito. – A arte está presente em todas as classes. e. e que regras se estiolam.ESTÉTICA. História universal da música. capaz de revelar-se como originalidade. estiola a capacidade de simbolização da arte pela renovação sempre contínua28. renovadamente. DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA. Templos imponentes dedicados aos deuses. poeticamente. e para muitas culturas ela é considerada até os dias presentes uma sabedoria muito especial das coisas humanas e das coisas divinas. Daí a espontaneidade do espírito justo. como construtor de cultura. Suntuosos palácios de monarcas. 42). equidade. medra na percepção da mesmice do cotidiano e das injustiças da vida. In: Revista da Pós-Graduação da Faculdade de Direito. Isto não significa a impossibilidade de padrões artísticos nem de regras de justiça. renovadamente. 15. – Arte de pobre ou arte de rico. Daí a espontaneidade da criação artística. vista. em seu estudo sobre o justo e o belo: ”O humanismo. É ela expressão da mais alta sabedoria. dedicados às santidades cristãs. – Arte de latão e jornal. Altares e retábulos de ouro.. – Arte de ontem e arte de hoje. O som impregna todo o conhecimento. 1994. v. 28 29 É exatamente o que ressalta Tercio Sampaio Ferraz Junior. ou arte de ouro e madrepérolas. gerando. da generalização de padrões e regras. encravados com pedras preciosas. Em ambos. Todo o universo repousa no som”29. sua função é especular. desde a antiguidade. exibe o homem a si mesmo. a irredutibilidade a modelos. Vakya paidiya afirma: “Não há concerto neste mundo que não seja transmitido pelos sons.p65 302 17/5/2011. pois toda padronização da arte arrefece o espírito criador. exatamente por isso. espontaneidade. tende a receber o maior valor material e o investimento da qualidade do melhor e mais caro material à disposição. possibilitando injustiças. O justo e o belo – notas sobre o direito e a arte. Significa apenas que padrões artísticos acabam por ser engolfados pela mesmice. p. – A arte. agora. Esta pergunta nos convida a pensar. culturas e religiões é uma forma de expressão humana. capaz de revelar-se como eqüidade. Nem mesmo. – A arte esteve presente em todos os tempos. Roland de. Aquilo que supervalorizamos. o senso de justiça e o gosto artístico. como a percepção do justo no julgamento do caso concreto” (FERRAZ JUNIOR. em todos os povos. que pedem. apesar de não poder existir um padrão universal artístico único. A arte. Trata-se de uma espécie de linguagem universal de expressão do humano.. como apanágio do gosto artístico e do senso de justiça. 17:46 . p. 02. Grandes prédios e obras públicas de relevo para exprimir o poder do Estado. Citado por CANDÉ. – Arte pobre ou arte rica.302 . 2000. Minima moralia. desgastante. 143. outras interpretações. o que ela diz. ao dizer muito sobre os humanos. que há muita beleza no interior das diferenças. a estética desorganiza e desarranja o imperativo social da razão instrumental. É a arte. esta. que já passaram e que estão entre nós. introduzir o caos na ordem”30. impondo a “pausa” diante do “inquietante”.. p. A arte. das vontades.p65 303 17/5/2011. portanto. portanto. por isso. Filosofia e Teoria Geral do Direito. a olhar em volta. Faz exprimir o inconsciente. contida em Minima moralia.EDUARDO C. 30 ADORNO. um convite a outrar-se. ao convidar à experiência estética.. necessária. – Há quem goste de mornas. das tendências. dá lugar a uma forma de prazer que não tem substituto. também. III. – Há quem goste de rock. outras visões. A estética rompe o silêncio da produção. Por isso. 17:46 . A estética ou obedece à lógica. ou rompe com a lógica. incita ao mergulho na fruição de fazer ou perceber a arte. e. não quer calar: ela diz que somos profundamente diferentes uns dos outros. – Há quem goste de erudita. hoje. A estética desfoca o finalismo produtivista em sociedades capitalistas e.303 – Mero adorno? – Mero encantamento? – Mera distração? – Mera dominação? Em verdade. 231. em voz tonitruante. rotineira. A estética confunde as certezas produzidas pela razão e sua função é uma resposta de ‘chicote’ à pretensão humana de ‘controle’ da ‘realidade’. e a perceber outros rostos. Dá lugar a conteúdos reprimidos e recalcados. e diz. extenuante. imperiosa. a estética fala muito do que o próprio homem não pode falar. – Há quem goste de soul. diz alguma coisa sobre a dissonância dos gostos. É de Adorno mesmo a afirmação. B. Por isso. – Há quem goste de mantras. outras lógicas. de que “A missão da arte é. outras formas. fatigante. Fala a linguagem do inconsciente. BITTAR . opera a sublimação de energias eróticas. – Há quem goste de funk. 244). com o vanguardismo dissolutor do jazz. • Tem quem goste do lirismo do fado português. seu juízo de gosto atravessa a sua teoria estética31. a conhecermos emoções internas. dizendo que: • Tem quem goste de rapp. e não se importe em ser eclético.304 . das formas. traços de personalidade. • Tem quem goste de MPB. porque sou tocado pelo jazz? Por que Adorno escreve tanto em desfavor do jazz? Pelo fato de seu conservadorismo musical passar por um apelo de remissão ao clássico. ao dizer de nós. Se não existe um padrão de gosto. habilidades e competências. ainda mais sobre a experiência da diversidade dos estilos. Sem dúvida. virtudes e vícios. – Há quem goste de eletrônica. como forma de expressão. se poderia dizer mais. pode-se argumentar que Adorno exibiu um típico etnocentrismo europeu” (JAY. que se confronta. • Tem quem goste de tudo isso ao mesmo tempo. estilos e gostos nos obriga a ter de reconhecer que não existe um padrão estético. sua função é nos levar a nós mesmos. sinceramente.”32 Ainda. dos modos de expressão.. Nesse ponto. padrões de comportamento. • Tem quem goste de samba-rock.p65 304 17/5/2011. eu gosto de jazz. ou seja. – Ao contrário de Adorno.. mas há algo de muito especial neste ao qual dediquei minha vida. mas. fica fácil concordar com Herbie Hancock: “O que acho é que o jazz é muito saudável para a alma humana. a nos conhecermos. à sua época. que podem ser maravilhosas. das vocações. • Tem quem goste de metal. Certamente. A profusão de tendências. das tendências. romantismo ou idealismo. É como se o espírito não obtivesse satisfação suficiente com outras formas musicais. algo que realmente liberta a alma. porque o jazz? Mas. porque faz sentido o jazz? Mas. DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA. 2008. p. Mas. Filosofia e Teoria Geral do Direito.ESTÉTICA. gênio e revolta. Todos os gêneros são válidos. dos mecanismos. A imaginação dialética: história da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisas Sociais. não chegam até onde chega o jazz. dos gostos. 17:46 . nos permite contemplar a nós mesmos. a estética. ou um padrão obrigatório para medir o belo/feio (o feio 31 Martin Jay chega a afirmar que a recusa do jazz por parte de Theodor Adorno faz parte de uma visão de mundo etnocêntrica: “Ao depreciar a contribuição negra para o jazz. a um modo singular de viver e. para o autor. não se trata de reduzi-la agora a assunto de mera opinião. especialmente se pesquisada no interior do pensamento nietzschiano33. Sempre estamos às voltas com maneiras de viver de que os gostos são expressão.305 pode ser belo e o belo pode ser feio). assim como é impensável um padrão musical universal. individual humana. e esta é uma conclusão que nos convida a praticar uma visão de mundo descentrada. Folha de São Paulo. o problema da diversidade não é levantado apenas a propósito de culturas encaradas em suas relações recíprocas. A diversidade aqui não é somente a diversidade dos povos. pode-se dizer que: “A arte é mentira que nos permite conhecer a verdade”. Fica claro que a melhor forma de respeito à condição humana é a garantia do reconhecimento da diferença e da reserva de lugar para a existência. p. meios profissionais ou confessionais etc.. Pretende-se impor-nos o modo vigente e universal de viver como um gosto. em todos os grupos que a constituem: castas. vocações e perspectivas absolutamente singulares. aquelas que são próprias da condição. pois. por isso. a consciência da estética nos traz a consciência da diversidade. A diluição do olhar 32 33 34 SEISDEDOS. 332). Ela é mais do que isso. Mais. sutileza. é impossível um gosto universal. Não existe alteridade sem diversidade (diversidade étnica. PLURALISMO E DISSENSO Como se percebe. Sobre este entrelaçamento no pensamento de Nietzsche.)34. 4. então. de uma sociedade. sob pena de nos perdermos de nós mesmos. O rei do jazz. ideológica. 86). Nietzsche e a justiça. de nossa auto-identidade. estética. sem qualquer demérito a ela. a questão da justiça se cruza com a questão do gosto. ele existe também no seio de cada sociedade. Domingo. 03 de agosto de 2008. o que ela nos faz conhecer é que não somos iguais. mas a diversidade que se dá também dentro de um mesmo grupo social. 4ª ed. classes. Iker. contraste.p65 305 17/5/2011. p. mas. de avaliação. à qual a justiça tradicionalmente se via ligada. cada subjetividade constitui-se num juízo de gosto absolutamente singular assim como cada cultura guarda sua particularidade incomparável. deve-se ser enfático neste ponto. Da mesma forma. único caminho para o trânsito intersubjetivo.EDUARDO C.. o que lhe importa é justamente pensarmos a possibilidade de afirmação de um gosto” (MELO. ele não passa de uma máscara popular com pretensão de universalidade: um gosto universal não é gosto. Antropologia estrutural dois. 1993. 10. cultural. para Nietzsche. São Paulo. Do ponto de vista filosófico. Não por outro motivo. o reconhecimento e a prática do outro. Filosofia e Teoria Geral do Direito. o gosto é mais importante do que a opinião. BITTAR . ainda. de nossos sentimentos. a justiça é um assunto de gosto. ou de uma cultura: “Com efeito. desenvolvem certas diferenças às quais cada grupo atribui uma importância imensa” (LÉVI-STRAUSS. 17:46 . O gosto nos remete à pessoalidade. existencial e histórica. B. ESTÉTICA. não podemos ser igualizados. Seguindo Pablo Picasso. a preciosa investigação do estudo Nietzsche e a justiça: “Desmascarado o caráter moral da verdade. 2004. nem pela planificação social e nem pela padronização capitalista que forja o homem unidimensional. falta-lhe diferenciação.. seja uma canção. NIETZSCHE. 10 e ss. por isso. socialização. no Ocidente. por isso. Este momento histórico. fortalecidas por três observações: 1. revelar proximidades entre as cinco sílabas que compõem o termo gosto e as cinco sílabas que compõem o termo justo. 2. para transformar uma diferença em semelhança. que se manifesta também por várias formas. do belo e da diversidade. 17:46 . em Paris35. logo a variação. O dissenso.ESTÉTICA. como pela querença de coisas diversas. DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA. e a 35 36 37 A respeito. Filosofia e Teoria Geral do Direito. comuns por sermos humanos.. História universal da música. de uma ordem a uma desordem. 167). é necessário um aporte de informação e de energia. não raro considerável. na comunidade. a polifonia erudita se vêem. vide BITTAR. como pelo gosto de coisas diversas. 2001. ambas. Além do bem e do mal. como formas de perceber as tramas sociais e humanas díspares entre si. 2005. restauram no ambiente social a possibilidade da releitura de Nietzsche. ao menos em língua portuguesa. a partir de uma teoria estética crítica. por exemplo. O direito na pós-modernidade. Estas significações têm de ser interpretadas e reconstruídas. 1994. especialmente quando se pretende. como por vontades próprias. é isto que a estética nos faz perceber: a diferença do outro. 129. 3. A estética gera. transborda significações. Inversamente.. O dissenso é um elemento ineliminável da vida social e deve ser absorvido pelas práticas políticas sob pena de se menosprezar o conteúdo das valiosas transformações trazidas pelas lutas recentes e históricas de Maio de 68. pois provoca o encontro de olhares no espaço comum do cruzamento de olhares é o espaço da obra de arte – ele e eu nos fazemos um só no momento da fruição da obra estética. p. A amplificação expressiva da linguagem pela música (o canto) incentiva o lirismo individual. O aumento da entropia se traduz por um deslizar da semelhança à diferença. a igualdade que nos faz. por juízos de valor diversos. ainda que no outro queiramos encontrar apenas a igualdade. e seus resultados sociais. seja uma pintura. auto-centrado é um dos efeitos do processo de aproximação do justo. p. e ainda que a percepção do artista seja uma. Esta diferença se manifesta na diversidade de seus juízos de valor. A estética. a diferença. Uma destas significações das práticas estéticas é a de que o dissenso é um elemento da vida social. As diferenças de texturas vocais e instrumentais tornam muitas vezes a semelhança (uníssono ou oitava) impossível” (CANDÉ. p. a diferença (princípio da polifonia) é mais provável do que a semelhança. Neste sentido. para quem: “É na posse que a diferença entre os homens se revela com mais vigor. no fato de serem diferentes e em que não opinam do mesmo modo sobre certos valores”36.p65 306 17/5/2011. “A convicção de que a polifonia africana é puramente autóctone e a hipótese de que uma polifonia selvagem tenha precedido. Estatisticamente.306 . Ainda que o fruidor não seja o artista. A própria análise da polifonia africana leva autores como Roland de Candé a afirmarem neste um princípio motriz da estética e da vida em comunidade37. nem devem se tornar iguais: é nessa proposição que Nietzsche define a justiça. Não por outro motivo. de fato no presente. Filosofia e Teoria Geral do Direito. p. 1993. ADORNO.307 percepção do fruidor seja outra. e. O amor aos vários estilos como o amor às várias iniciativas culturais. a ciência. As multicoloridas formas de expressão do que é a diversidade humana são fundamentais à condição humana. muito maior e mais rica do que tudo aquilo que delas pudermos chegar a conhecer” (Lévi-Strauss. o saber comum. Sobra a imensa variedade de culturas que forma um grande quadro da diversidade humana. empatias e antipatias. Neste sentido. livre a aberto é o mundo onde a dança. 331). as formas culturais. Antropologia estrutural dois. 196. não há obra de arte. de fato e também de direito no passado. 17:46 . um sentido positivo e afirmativo. cuidando para que haja respeito para com a multiplicidade de rostos e gostos. É de Adorno a afirmação segundo a qual: “O amor é a capacidade de perceber o semelhante no dissemelhante” (grifo nosso)40. 2004. ou seja. leituras e vontades. para fazer dele um sujeito-parceiro da reconstrução do sentido da obra de arte. a não-igualdade entre os homens” (MELO. O cuidado com a condição humana expressa a necessidade de cultivarmos um espírito aberto e incentivador do princípio da vida (éros). pois provoca a saída do sujeito de dentro de seu assujeitamento auto-centrado. um trânsito que enlaça a alteridade pela pujança da estética e do interlúdio comunicativo proporcionado pela linguagem simbólica da arte. 106). Este é o potencial de intersubjetividade da arte. o justo só é possível enquanto expressão da não-igualdade. a tradição. p. se pronuncia Lévi-Strauss: “Impõe-se uma primeira constatação: a diversidade das culturas humanas é. de deslocamento de cada sujeito de sua mera condição de sujeito-solitário. o êxtase espiritual. da não-semelhança38. p. compõem o leque das vastas afirmações culturais humanas39. a obra de arte é o caminho do entrecruzamento dos olhares unifocados. Nietzsche e a justiça. está intimamente ligado a pensar a afirmação da diferença no homem e entre os homens e que os homens não são iguais. NIETZSCHE. olhares e perspectivas. 4ª ed. vocações e corações. afirma 38 39 40 41 “Se a justificação da existência pelos bons e justos e sua concepção de justiça ligada à vingança fundavam-se no olvido e perda de si. e o folclore popular têm seu lugar. Democrático. Trata-se de um mundo onde também o amor ao dissemelhante é possível. Minima moralia. 143. Além do bem e do mal. numa percepção do justo a partir do gosto. Sem fruidor. nem mais nem menos. p. e como amor às várias identidades antropológicas e formas de manifestação da humanidade é um amor à própria condição humana tal qual se mostra aos olhos humanos. 27. pensamentos e competências. de seu encapsulamento. B. pensar a justiça em outro sentido. 2001. tendências. na avaliação de Nietzsche. II.p65 307 17/5/2011. vícios e virtudes.EDUARDO C. formas corpóreas e estilos. por isso. atrações e visões.. o culto. habilidades e limitações. BITTAR . o gérmen de um processo de castração libidinal da expressão do outro como forma de negação da própria diversidade.. compreensão e diálogo. o sofrimento aparece como matriz das lutas sociais e das injustiças42. Filosofia e Teoria Geral do Direito. a rebelião. como prática de entrega e aconchego no outro enquanto diferente. princípio de outras formas de intolerância. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. restrição. do direito e da solidariedade são as três fundamentais fases de construção do reconhecimento do outro. como se revela pela exigência de submissão do gosto do outro.p65 308 17/5/2011. Nietzsche. Sem estas. a construção da opacidade de uma outra estética. nem a manutenção da tradição pela tradição. Os resultados deste processo somente podem ser o ódio. Onde não há espírito tolerante. limitado. O amor verdadeiro. e o totalitarismo. AUTORITARISMO E DIREITOS HUMANOS Toda intolerância estética é reveladora de um autoritarismo do olhar. mas de auto-contemplação de si mesmo. ou seja. a opressão. O amor é a única linguagem capaz de fazer com que os pais heterossexuais consigam lidar com filhos homossexuais. pois o amor ao outro enquanto o mesmo é simplesmente egoísmo disfarçado de amor. ser injusto. 2003.308 . em Além do bem e do mal: “Viver é querer ser diferente da Natureza. A aceitação da diversidade caminha para a construção do roteiro do amor. formar juízos de valor. DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA. ou seja. DIVERSIDADE. A definição do gosto do outro como um não-gosto. exatamente porque possibilitam a existência do outro enquanto outro. 155-212. determinação.ESTÉTICA. limitação. a eliminação. O autoritarismo não somente se manifesta de diversas formas. 5. o pensamento filosófico de Axel Honneth se detém em considerar que as categorias do amor. a competição. E isso porque o amor pelo mesmo é simplesmente amor narcísico. Inclusive.. preferir. 17:47 . com que a mãe continue amando o filho preso como ré confesso. com que punks saibam conviver com emos. que são os grandes responsáveis germinais por provocar o sofrimento de indeterminação. não pratica nem o julgamento mordaz. 42 HONNETH. não se trata de amor. é reveladora do espírito autoritário. Não por outro motivo. castração. nem exercita o olhar ácido e excludente da alteridade. p. querer ser diferente!”41. O amor e o afeto se distinguem destas formas de expressão do convívio opressor. nem a crítica severa. há imposição. portanto. de muitos modos. ao descrever a unificação musical de São Gregório. revelam algo em comum: – “Você tem de ser revolucionário. como também pode ser interpretado como uma forma tão macabra de arranjo e determinação de poder. Filosofia e Teoria Geral do Direito. o nazismo e o socialismo e a forma como procedem diante das restrições artísticas. de ‘bem’ em ‘mal’. que existem similaridades notáveis entre estas frases. senão. em sua república ideal expulsa o poeta. filme que descreve como aquilo que escorregava. as exigências dos concílios.p65 309 17/5/2011. p. se torna paradoxalmente opressora. 43 “Verdadeiras ditaduras artísticas podem exercer-se então sobre o público. Desta vez. Assim. bem como sobre os criadores. como também os arautos do nazismo eram amantes de uma única forma clássica de olhar estético. as condenações em nome do nazismo ou do realismo socialista segundo Jdanov. BITTAR . e não gosta. e que se analisadas em conjunto. e não coincidentemente. pois produz o apagamento do desconforme. B. 1994. 17:47 . 31). História universal da música. ela é simplesmente abolida! A história nos fornece vários exemplos desse totalitarismo musical: a ação purificadora e unificadora de São Gregório e de Carlos Magno. Não raro. também se convertia. Percebe-se. exatamente por isso. morre” – Revolução Francesa. a liberdade de escolha não é mais orientada apenas por uma propaganda musical ou uma campanha de intimidação doutrinária. é mera expressão de poder opressor e. como imperativo. Impor a alguém que tenha de ser libertino. não dá a este alguém liberdade sexual. como identifica o historiador Roland de Candé. todas atravessadas pela questão do poder. e enfim o império do show business” (CANDÉ. e. as da Reforma e da ContraReforma. como fator de negação da plasticidade do homogêneo controlador e castrador. Não somente Platão. joga contra a liberdade de ser e de fazer o diverso. apesar de suas temáticas diferentes. como categoria. mesmo quando a liberdade se propaga como sendo obrigatória. Não somente o totalitarismo estético acompanha outras formas de totalitarismo. a forma de proceder com a música da Reforma e da Contra-Reforma. se manifestou um totalitarismo musical.309 historicamente. os sistemas políticos e os sistemas filosóficos proscrevem as artes como fator de dissidência do inaceito. como se constata em Arquitetura da destruição. de modo que tudo que discrepasse do modelo institucional era identificado como arte degenerada. definir que alguém tem de ser o que não é. Assim. quanto uma ditadura política. portanto. do ‘belo’ ao ‘feio’.EDUARDO C. exatamente por isso. o imperialismo homogeneizante do show business e da globalização das marcas e das patentes43. 17:47 . – “Você tem de ser careca. 2007. todos fazem parte dos gostos e das formas. cita Xenófanes de Colofão (“se mãos tivessem os bois. a um e a outro. somente há que senti-los e experimentá-los. como os homens. discotecagem e pop music. semelhantes ao cavalo. você morre” – ditadura militar brasileira. p. Pareceria uma agressão. desenhar e criar obras com estas mãos. estético. ritmos de maracatu. Filosofia e Teoria Geral do Direito. ou morre” – Stálin. o estilo próprio de Hermeto Paschoal e o jazz de Chet Baker. os cavalos e os leões e pudessem. segundo vários períodos históricos. música gregoriana monástica. 65.Hitler. uma ética mais moral que a outra. uma verdade mais verdadeira que a outra. Em Além do bem e do mal é Nietzsche quem afirma: “Deve-se renunciar ao 44 45 “Os conceitos de belo e de feio são relativos aos vários períodos históricos ou às várias culturas e. – “Você tem que ser nacional-socialista. O que a estética nos ensina é que. 2001. ao gosto nietzschiano da entrega ao dionisíaco. História da feiúra. desenhar e criar obras com estas mãos. Não se pode afirmar que o barroco de Vivaldi seja melhor que o tropicalismo de Caetano Veloso. V. semelhantes ao cavalo.. Tapeçarias. tambores africanos.p65 310 17/5/2011. bumbos carnavalescos. – “Se você for comunista. partidário. uma estética mais aceitável que a outra. os cavalos e os leões e pudessem. DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA. NIETZSCHE. e que estas idéias reproduzem padrões socialmente construídos. 10). – “Você tem que ser socialista. dos sabores e rigores da humanidade. os cavalos desenhariam as formas dos deuses. povos e culturas. 110). São somente fórmulas de autoritarismo. Além do bem e do mal. político. Não se pode dizer que não é válida a linguagem de Raul Seixas com relação à linguagem de Herbie Hancock. costumes e hábitos. Todas estas frases revelam traços em comum. ou morre” – carecas do ABC. ‘se mãos tivessem os bois.. não existindo uma única referência. ideológico. Cítaras gregas. e os bois semelhantes ao boi.310 . ou morre” . p. não há uma ideologia mais certa que outra. como os homens. cantos budistas. Não se pode hierarquizar a bossa nova de Nara Leão. para citar Xenófanes de Colofão (segundo Clemente de Alexandria. e lhes fariam corpos tais quais eles os têm” (ECO. identidades e manifestações sociais. os conceitos de belo e feio variam muito.ESTÉTICA. é exatamente para dizer que não existem referências estanques no mundo da beleza e da feiúra. Assim como não há um gosto estético mais legítimo que o outro. não há melhor e nem pior. das opções e feições. e os bois semelhantes ao boi. os cavalos desenhariam as formas dos deuses. em História de feiúra. e lhes fariam corpos tais quais eles os têm”)44. enfim. Quando Umberto Eco. Por isso. a partir de iniciativas o Estado. A questão do olhar sobre o outro e questão da interpretação da cultura do outro se cruzam para desembocar no debate sobre o etnocentrismo e suas formas de expressão. Seguindo Richard Rowland. Antropologia. tornam possível a construção do olhar para o plural. B. Esse convite de entrega fruidora. os hábitos alimentares. e. à melodia e às formas de expressão da identidade cultural do outro. 1997. 1997. a linguagem. Antropologia. daquilo que o outro agrega exatamente por ser diferente. BITTAR . história e diferença. da academia crítica. A arte é uma força atrativa e que desperta a curiosidade pela particularidade do aporte do outro. p. mas como ente autônomo. constituído em meio a práticas que são próprias e únicas. o vestuário. juntamente com ela. as práticas. No centro de toda esta preocupação está o problema de como se constitui o olhar para enxergar o outro. a intercompreensão e o respeito.a tendência a considerar a cultura de seu próprio povo como a medida de todas as coisas – é uma tentação que deve ser evitada” 47.. como alheio às práticas de mim. 46 47 “O respeito pelo outro apenas se poderá fundamentar numa relação que se estabelece entre o eu e esse outro e não na simples substituição do eu pelo outro” (ROWLAND. os gostos. e. da mídia e dos partidos políticos democráticos46. os padrões morais. dos movimentos sociais. das minorias organizadas. ao caráter lascivo da musicalidade e do ritmo. tão válidas quanto as minhas.311 mau gosto de querer estar de acordo com um grande número de pessoas. das entidades internacionais. o etnocentrismo “. ROWLAND. Tudo fala a favor do estranhamento. forçam à apreensão da diferença. As diferenças assustam. 07. O que é bom para mim. 14). deve estar a tolerância. p. Isso significa pensar e agir de forma a considerar o outro não como estranho ou estrangeiro. E isto tudo porque onde está o outro está a diferença.EDUARDO C. das ONG’s.p65 311 17/5/2011. as crenças. o folclore da existência tem de ser cultivado como revelação de um espírito político-democrático. única base para uma ética pluralista. as identidades. por isso. não é bom para o paladar o vizinho”45. os saberes. Filosofia e Teoria Geral do Direito. história e diferença.. categorias estas que devem ser trabalhadas e desenvolvidas na vida social. Este parece ser um ponto de fundamental importância para a construção de uma cultura social favorável ao espírito democrático pluralista e ao exercício irrestrito da tolerância. e onde está a diferença. 17:47 . para a percepção de deleite a partir do aporte do outro. p. No sentido nietzschiano. E isto porque a disseminação da semente da unilateralidade e do gosto por uma única doutrina somente pode descambar na afirmação de formas políticas de profundo desrespeito para o diverso. portanto. do ponto de vista de reações psico-sociais. “O lócus classicus dessa recusa antropológica do etnocentrismo é o conhecido ensaio de Claude Lévi-Strauss. DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA. e totalitário. o sexual. pode nos afastar deste interesse. mas acrisolamento da mente50. dos ritos afro do candomblé ao jazz.. Nietzsche e a justiça. a preocupação entrecruzada. 08). colabora para reiterar e aprofundar outras formas de autoritarismo. como ideologia estruturante do agir. Antropologia. A recusa ao etnocentrismo faz parte de um esforço em favor da dignidade da pessoa humana e de sua idéia como valor de encontro entre os povos e entre as diferenças existentes entre as pessoas.. para o qual vale a equação mortífera de Auschwitz como lugar de conversão do inconversível – do judeu a não-judeu. que. 2004. história e diferença. 08. rejeitando toda preferência unilateral por este ou aquele gênero ou valor” (MELO.312 .p65 312 17/5/2011. ainda mais. p. o da indústria cultural. 54). têm algo a nos ensinar – somente o embotamento mental. como esforço de condução do olhar antropológico em favor do cultivo da diferença e do respeito à identidade do outro49. ou seja. guardar sua atualidade. como o familiar. ainda com Rowland.. Daí o clássico estudo de Claude LéviStrauss. ordenador. 48 49 50 Id. o social. e. “Não se pode considerar inferior aquilo que é apenas diferente” 48. Por isso. e geram. a respeito do controle repressor do gosto do outro. superador do homogeneísmo moderno. o ideológico e o político. Mas. do reggae ao soul. p. compõe e determina. no seio da cultura e do debate estético. pois também uma pulsão primitiva nos conduz à inaceitação do outro. do judeu a cinzas e pó. estético e ideológico. “A sabedoria. Race et histoire. trata-se aqui de uma denúncia pontual que abre os olhos para toda forma de imperialismo estético-cultural. A forma negra de ser. pela incompreensão que produzem. 17:47 . 1997. da determinação estética do outro. construtora de uma estética específica – e suas expressões. Filosofia e Teoria Geral do Direito. de um juízo de gosto que se conduz dentro de uniformidades. do pop rock ao rapp. aqui não está sabedoria. medo e exclusão. A recusa do etnocentrismo é um esforço da civilização. Race et históire” (ROWLAND. Uma sociedade socializada com estas preocupações cultiva o espírito necessário para o exercício de um pluralismo democrático. consiste em considerar a vida em toda a sua diversidade e número.ESTÉTICA. na medida em que cada sistema moral. é o rigorista. O ‘imoralista’. “A condição política pós-moderna se baseia na aceitação da pluralidade de culturas e discursos. Ética. tomando os imperativos categóricos dela como um momento particular do exercício humano de julgar moralmente. aquele que pratica sua moral automaticamente. Sob este aspecto é uma moral cosmopolita. 16). Filosofia e Teoria Geral do Direito. “Para terminar. sem se dar conta da unilateralidade de seu ponto de vista. é para. não fica difícil compreender quais são as formas pelas quais atua hoje em dia o imoralista. a visão holista das práticas do outro. o que significa a inclusão do outro51. Por isso. a moral do bandido e a do ladrão tornam-se repreensíveis do ponto de vista da moralidade pública. B. “Desse modo. que imagina ser ele o proprietário de um único critério moral para todas as formas de moralidade. BITTAR . A inclusão do outro: estudos de teoria política. a não-discriminação e a evitação de uma descarga sempre crescente de xenofobismo.EDUARDO C. Em primeiro lugar. do ponto de vista político. estabelecendo regras de convivência e direitos que assegurem que os homens possam ser morais. Desse modo. aprender a conviver com outras. da interação com o outro e de construção do espaço público52. 51 52 53 Cf.). DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS Não se trata de desenvolver um puro alento ao relativismo. pois violam o princípio da tolerância e atingem direitos humanos fundamentais” (GIANOTTI. um conceito que o pensamento pós-moderno vem desenvolvendo lentamente 53. na visão de Gianotti. Por certo. deve. reconhecer a unilateralidade de seu ponto de vista. a fim de revelar sua unilateralidade. mas construir uma visão que possibilita a demonstração e a fundamentação de uma forma de expressão do mais profundo respeito às particularidades de cada ser humano. Estamos vendo que ela consiste numa esfera de que todos os seres humanos participam. 1992. e por isso o aplica a ferro e fogo sem levar em consideração as condições em que o juízo moral deva ser suspenso. quando se afirma. cada um não deixará de aferrar-se à sua moral. a dissolução do espírito autoritário está diretamente ligada ao exercício democrático e social de construção de uma visão de mundo onde predomina o pluralismo. O pluralismo (de vários tipos) está implícito na pós-modernidade como projeto” (HELLER. e não cosmopolita. 17:47 . gostaria de circunscrever melhor o próprio conceito de moralidade pública. p.p65 313 17/5/2011. o reconhecimento do pluralismo institui a possibilidade do convívio com a diferença. p. tais como em geral têm sido enunciados a partir do século XVIII. entretanto. Moralidade pública e moralidade privada. 244/ 245). 1998. FEHÉR. é rigorista e assume uma perspectiva auto-centrada. DIGNIDADE HUMANA. é exatamente aquele que pratica unilateralismo de visão social.313 6. precisa ser confrontado por outros. é o intolerante. autoritarismo social e discriminação. Segue-se a necessidade de que todos os seres humanos sejam incluídos no seu âmbito. 2002. Assim. estipulam condições mínimas do exercício da moralidade. É neste sentido que os direitos do homem. Adauto (org. In: Novaes. Em segundo lugar. O pluralismo. A condição política pós moderna. HABERMAS. E com isto está obedecendo à sua própria moral de uma maneira especialíssima. bem como deve zelar pelo resguardo ao direito às minorias. Direitos fundamentais. na qual apenas uma minoria de países conseguiu atingir o status de Estado Constitucional com fundamentação nos direitos humanos e legitimação democrática vale o seguinte: no âmbito interno do Estado Constitucional. fundamentalmente se exprimir como: pluralismo de idéias. A dignidade humana e a democracia pluralista – seu nexo interno. Tudo isso. a democracia política deve estar associada ao desenvolvimento de uma cultura como humus favorável ao desenvolvimento da consciência pluralista e favorável aos valores de direitos humanos54. cuja conseqüência organizacional é a democracia” (HÄBERLE. pluralista. generoso e condescendente (olhar descentrado). pluralismo de concepções de mundo. pluralismo de religiões. Na esteira de Häberle. O espírito democrático se identifica com o pluralismo de linguagens humanas. tolerante e voltada para a realização dos ideais e valores contidos nos direitos humanos.. Ingo Wolfgang. pluralismo de concepções. pluralismo de frentes políticas. o relativismo antropológico produz exaltação e resgate das diferenças.p65 314 17/5/2011. pluralismo de ideologias. 17:47 . Se todos têm o mesmo direito e o 54 “Na atualidade. informática e comunicação. Deve-se superar a idéia de que a boa democracia depende somente do aprimoramento dos recursos políticos institucionais do Estado. e não rigoroso. Enquanto os universais filosóficos modernos produzem apagamento. Intenta-se produzir e justificar os fundamentos de uma democracia qualitativa. a identidade do outro.. a partir do colorido multidiversificado humano – que pede um olhar analítico cuidadoso.314 . p. pluralismo de projetos educacionais. 2007. à dissidência e à discordância. toda democracia deve necessariamente zelar pela transição pacífica da gestão de governo. respeitados os limites da legalidade. 18-19). Assim. pluralismo de formações. DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA. em sua complementaridade intergeracional. In: SARLET. da cidadania. “cidadão”. da justiça social e da dignidade humana. como o espírito livre está disposto a compreender a música da alteridade. todo e qualquer Direito Constitucional e Direito em geral tem como premissa de antropologia cultural a dignidade humana. da solidariedade. Trata-se de enfatizar. Filosofia e Teoria Geral do Direito. A teoria clássica da democracia menospreza na abstração dos termos modernos “povo”. aspectos importantes da condição humana e reivindicações recentes da visão de mundo pós-moderna. pluralismo de filosofias. “soberania”. discriminatório e exclusivista (olhar egóico) – a defesa irrestrita das diversas maneiras de se afirmar identidade de direitos e diversidade antropológica.ESTÉTICA. . A inclusão do outro: estudos de teoria política. o direito à igualdade material se acompanha do direito à diferença e do direito ao reconhecimento de identidades. ao lado do princípio do discurso (PD).315 mesmo dever à lei. a da diversidade. A diversidade das culturas humanas está atrás de nós. Como fica a dignidade humana diante da opressão pelo mais forte? In: MPD Dialógico. out. Trata-se de uma exigência de que as assimetrias antropológicas não sejam a base de um rebaixamento discriminatório da identidade do outro. no interior das práticas democráticas. 21). revelandose aqui a idéia parceira. única forma de se evitar a universalização de estereótipos hegemônicos e única forma de se evitar o sofrimento humano55. no interior de práticas democráticas. Assim. 993. toda luta emancipatória. 2002. de um olhar voltado para a compreensão do outro. A única reivindicação que podemos fazer a este respeito (exigência que cria para cada indivíduo deveres correspondentes). em sua dupla vocação em prol da afirmação da dignidade humana e da prevenção do sofrimento humano. vide HABERMAS. nº 21. mas a base para o enaltecimento do espaço do humano como o espaço dos muitos. B. é que elas se realize de modo que cada forma seja uma contribuição para a maior generosidade das outras” (LÉVI-STRAUSS. o direito à diferença e o direito ao reconhecimento de identidades integram a essência dos direitos humanos. revelando-se aqui a idéia da igualdade.EDUARDO C. e. como afirma Flávia Piovesan. BITTAR .p65 315 17/5/2011. trata-se de construir. Revista do Movimento do Ministério Público Democrático. p. O respeito à dignidade humana. de reconhecimento e integração da diversidade antropológica. Antropologia estrutural dois. dispensando as indulgências ao que foi ou que é. O espírito democrático deve. portanto. 4ª ed. 2008. e devem se complementar como forças. p. bem como para o direito ao pleno desenvolvimento das potencialidades humanas. este muito bem identificado por Lévi-Strauss56. este muito bem identificado por Jürgen Habermas57. “A tolerância não é uma posição contemplativa. um exercício de uma forma política na qual impera o princípio da tolerância (PT). transitando-se da igualdade abstrata e geral para um conceito plural de dignidades concretas” (PIOVESAN. todos têm o direito de serem considerados em suas particularidades. 55 56 57 “O direito à igualdade material. compreender e promover o que quer ser. 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. incentivar a tolerância. ao mesmo tempo. ano V. Eles são condição e pressuposto para o direito à autodeterminação. Estas duas idéias andam lado a lado. dos vários. tem a ver com este exercício de respeito integral à diversidade humana. à nossa volta e à nossa frente. que consiste em prever. única forma de manifestação de um olhar não exigente. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 366). deve governar-se a partir destes dois critérios. por isso. É uma atitude dinâmica. 17:47 . A respeito. Por isso. 17:47 . a exclusão cultural. se torna possível afirmar a cultura dos direitos humanos fundada na diversidade. a marginalização da arte que é out. o resultado desta investigação acaba por operar uma fundamentação filosófica da diversidade humana. é um ato de cidadania. Por isso. flexibilidade democrática para com as minorias. Na perspectiva de trabalho e fundamentação da construção de uma cultura dos direitos humanos. aceitação da alteridade. como direito de imergir na própria identidade.316 . como forma de garantir que o olhar sobre o humano se desprenda da categoria do universal.ESTÉTICA. É a partir de um estudo da indivi- Filosofia e Teoria Geral do Direito.. CONCLUSÕES Nascida de uma provocação suscitada pela obra reflexão sobre ao belo e o justo. múltiplas formas de expressão. valor fundamental para a construção do espírito democrático. empreende-se um movimento de pesquisa no sentido de alcançar uma base de expressão para perceber o quanto o arbítrio no juízo estético também está associado ao arbítrio no juízo sobre o justo e o injusto. como garantia da multidiversificada forma de expressão das artes. A elitização da arte produz isso. proteção da diversidade dos jogos de linguagem social. e não in. O ato político de trabalhar o direito à cultura. neste caso. Em seu balanço. democráticos e jurídicos de nossos tempos. como individualidade. uma forma de proteção dos direitos humanos e uma condição para a socialização em sociedades democráticas. centrada numa ética do pluralismo e da diversidade.p65 316 17/5/2011. Todos têm direito à cultura. entende-se que a compreensão da relação entre o justo e o belo colabore para permitir: abertura democrática.. o texto retrata a preocupação de fixar um compromisso de construção política de uma forma não-autoritária do olhar. A partir desta linha de análise. sob pena de atentar-se contra a dignidade da pessoa humana. DEMOCRACIA PLURALISTA E DIREITOS HUMANOS: DA ESTÉTICA. e. em suas linhas finais. sensibilidade social e cultural. A massificação dos produtos da indústria cultural produz isso. e busque o reconhecimento da humanidade tal como se apresenta materialmente e historicamente. Encontrando amparo num texto célebre de Tercio Sampaio Ferraz Junior. Essa é uma busca que não pode ser vetada. porosidade ético-antropológica. este artigo empreende um movimento de provocar a aproximação das categorias estéticas para pensar desafios sociais. dialogando com fontes da antropologia. São Paulo: Paz e Terra. Reflexões sobre o poder. a cada nova exigência social. In: Estudos de filosofia do direito. O justo e o belo – notas sobre o direito e a arte. medra na percepção da mesmice do cotidiano e das injustiças da vida. Tradução de Guido Antonio de Almeida. HORKHEIMER. que decorre de uma estética. abr.317 dualidade. 2006. B. Walter. Daí a espontaneidade do espírito justo. Tradução Artur Morão. que se pode expressar pela própria capacidade. capaz de revelar-se como originalidade. de revelar-se pela eqüidade do que se faz: “O humanismo. por meio da música erudita. Max. In: Revista Cult. que se iniciou a própria reflexão do texto. p. Neste sentido. ______. 17:47 . a liberdade. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 2003. BITTAR . como apanágio do gosto artístico e do senso de justiça. Dossiê Filosofia do Direito: o que foi. São Paulo: Imprensa Oficial. s. Lisboa: Edições 70.p65 317 17/5/2011. 2005. por isso. a investigação sobre o belo toca de perto uma investigação sobre o justo. Experiência e criação estética. Lisboa: Edições 70. Lisboa: Edições 70. ______. capaz de revelarse como eqüidade”58. Tradução de Artur Morão. BITTAR. p. fornece subsídios e alento para se atrair perceber que a justiça demanda uma grave atitude humana de cuidado.EDUARDO C. com a cultura da diversidade e do pluralismo. 258. B. focando-se na afirmação da personalidade de Adorno. 1985. Por isso. 58 FERRAZ JUNIOR. 53-55. BIBLIOGRAFIA ADORNO. O direito na pós-modernidade. Minima moralia. e. Da extração de categorias e reflexões exploradas ao longo do texto. percebe-se o lugar de uma ética que se constrói para fundamentar uma cultura de direitos humanos. ano 10. e o que é que será?. Dialética do esclarecimento. para visitar de perto a própria proximidade de Tercio daquele. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. ______. Tradução de Irene Aron et al. Teoria estética. Tradução de Artur Morão. Belo Horizonte: Editora UFMG. para falar a respeito da idéia da dignidade da pessoa humana como um fator nuclear de fundamentação e legitimação de uma cultura dos direitos humanos. 2002. ______. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2007. nº 112. Filosofia crítica e filosofia do direito: por uma filosofia social do direito. Theodor W. Eduardo C. São Paulo. a justiça e o direito. Indústria cultural. o senso de justiça e o gosto artístico. Tradução de Julia Elisabeth Levy (et al). 2002. Passagens. ______. BENJAMIN. Daí a espontaneidade da criação artística. 2007.d. reforça-se o impacto do pensamento pós-moderno. A inclusão do outro: estudos de teoria política. HELLER. Martin. Peter. 2007.. São Paulo: Atlas. 239-245. Tradução de Eliana Aguiar. A love supreme: a criação do álbum clássico de John Coltrane. A imaginação dialética: história da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisas Sociais. Ética. Roland de. José Jorge de. 2004. Umberto. No mundo dos livros. 02. Tristes trópicos. 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Filosofia e Teoria Geral do Direito.VARIAÇÕES DE SOBRE O CONCEITO EQUIDADE Elza Antonia Pereira Cunha Boiteux Professora Doutora do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.p65 321 17/5/2011. detalhes que alteram substancialmente o quadro histórico. REALE. p.322 . 1454” (do Código Civil de 1916)4. abalando convicções das mais robustas”. no plano jurídico. não é imóvel pelo simples fato de ser passado. por exemplo. a retidão. com a igualdade. A EQUIDADE E OS USOS DA LINGUAGEM Bobbio afirma que a cientificidade do direito não está na verdade dos conteúdos. não se revela unívoco3. A perspectiva adotada e o método escolhido são opções do pesquisador2. quanto à agravação dos riscos”. tornando imprecisa a sua definição. REALE. 1990. 17.456 do Código Civil de 1916. O legislador usa as expressões “julgamento com eqüidade” e “julgamento por eqüidade”. Miguel Reale afirma “que somente as circunstâncias objetivamente comprovadas e razoavelmente interpretadas. “julgamento de direito” e “julgamento de eqüidade”. Do fato de um conceito jurídico poder ser analisado sob mais de uma perspectiva. pois o legislador não é necessariamente rigoroso na elaboração do direito. FERRAZ JÚNIOR. Muda-se a posição do observador no tempo. 1945. 21-22. BOBBIO. Não se trata de preencher lacunas. a fonte do direito e a justiça do caso concreto. 309.VARIAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE EQUIDADE 1. ainda. revelando aspectos imprevistos. p. o texto legal indica uma regra hermenêutica. A equidade confunde-se com o justo. indica pelo menos dezenove conceitos de equidade. mas no rigor da linguagem1. tornando-se a interpretação mais eficaz na medida do rigor e da honestidade intelectual. com o próprio direito. entre inúmeras outras acepções. O artigo 1. 1977.] procederá o juiz com eqüidade... a moderação. 1986. não decorre apenas uma única interpretação correta. A preocupação metodológica (rigor da linguagem) constitui etapa prévia do desenvolvimento de qualquer pesquisa. Nesse caso. No direito positivo. SILVEIRA. e eis que uma luz nova se projeta sobre os fatos. este conceito aparece empregado em textos e contextos diferentes. A preposição “com” entra na formação do adjunto circunstancial indicando modo.454 “[. Veja-se. Filosofia e Teoria Geral do Direito. O conceito de equidade. com significativo grau de probabilidade podem servir de base para a aplicação da pena prevista no art. 1995. afirma: “O passado. e não em probabilidades infundadas.p65 322 17/5/2011. p. 1 2 3 4 BOBBIO. 17:47 . determina que na aplicação da pena prevista no artigo 1. 1984. p. quando por nós considerado – já o dissemos em um livro juvenil –. atentando nas circunstâncias reais. 173. mas de impor um sentido ético para a interpretação. 323 2.ELZA ANTONIA PEREIRA CUNHA BOITEUX .p65 323 17/5/2011. estabeleceu um dever para o juiz na aplicação da sanção que envolver a responsabilidade de incapaz. A EQUIDADE COMO DEVER DO JUIZ O Código Civil vigente. O critério da reparação funda-se na igualdade: a reparação patrimonial deve ser equivalente ao dano sofrido. 17:47 . parágrafo único: “A indenização prevista neste artigo. p. segundo critério formal e aritmético (dispõe o caput do art. Privar o incapaz do necessário para a sua sobrevivência seria privá-lo da sua dignidade. da Constituição Federal de 1988. não podendo ele dispensar o direito legislado a fim de se valer de outras fontes para construir a decisão. mas quando uma coisa está acima de todo o preço. 944 que “a indenização mede-se pela extensão do dano”). não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem”. dispondo no artigo 928. inciso III. Em outras palavras. o juiz está impedido de julgar por equidade: o legislador afastou o sentimento de justiça ou benignitas como conteúdo da equidade. então ela tem dignidade”. que deverá ser equitativa. 77: “No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. A diretriz hermenêutica prevista nesse artigo impõe ao magistrado o dever de aplicar sanção equitativa. conduzindo a resultado injusto. pode-se por em vez dele qualquer outra como equivalente. Assim. pois impõe ao magistrado o dever de observar a equidade até a sua graduação máxima: não impor a sanção. A exceção prevista no parágrafo único do artigo 928 do mesmo Código possui fundamento diverso. Quando uma coisa tem preço. determinando ao juiz a aplicação do critério objetivo previsto na lei. 1987. com maior precisão que o anterior. Deixar de aplicar a sanção é dever que se impõe ao julgador quando ele se encontrar diante de uma das duas condições alternativas: privar o incapaz do necessário para viver ou privar do necessário as pessoas que dele dependem5. diante da lei todos são iguais e podem fazer respeitar os seus direitos. Filosofia e Teoria Geral do Direito. que reconhece na dignidade6 da pessoa humana um dos 5 6 O Enunciado 39 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal – CEJ segue no mesmo sentido acima exposto. para obter a reparação do dano sofrido. O fundamento da norma do artigo 928 do Código Civil se encontra no artigo 1º. A responsabilidade prevista no artigo 927 do Código Civil – a regra geral – decorre do princípio da reparação do dano causado. KANT. e portanto não permite o equivalente. 479 (onerosidade excessiva). esse sentido já se revelava nas normas sobre o pagamento do seguro. Nesta. a distribuição dos bens sociais deve ser inversamente proporcional às carências sociais. o parágrafo único ressalta que: “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano. Embora a regra geral determine a indenização integral do dano. ele considera a desproporção entre o grau da culpa do autor e o dano 7 8 Outras disposições do Código Civil de 2002 referem-se à aplicação equitativa: arts. os meios de que dispõe o incapaz para assegurar a sua sobrevivência ou a das pessoas que dele dependam. Filosofia e Teoria Geral do Direito. consagra uma faculdade. a indenização equitativa pressupõe as desigualdades entre elas. item 6. poderá o juiz reduzir. (redução da penalidade em caso de excesso ou cumprimento parcial). a condição social do incapaz impõe ao juiz o respeito à dignidade. Livro V. o legislador considera relevante. O caput desse artigo dispõe que a indenização mede-se pela extensão do dano. Aristóteles nos forneceu um critério para corrigir este desequilíbrio: a ideia de igualdade proporcional. Todavia. O artigo 928 do Código Civil utiliza o verbo deverá. a indenização”. 17:47 . no Código de 1916. que decorre do princípio de justiça distributiva. Portanto. 953 (falta de prova do dano).p65 324 17/5/2011. o parágrafo único do artigo 944 do Código Civil atribui uma faculdade ao juiz. para efeito de cálculo da indenização devida. Enquanto o princípio da reparação supõe a igualdade entre as pessoas. o juiz deve considerar as desigualdades entre ele e a vítima. ARISTÓTELES. 3. buscando o maior grau de justiça na aplicação da sanção7. O princípio da isonomia não protege os indivíduos e grupos sociais contra as diferenças de fortuna ou de condição social. no segundo. no confronto entre os dois dispositivos legais: no primeiro caso. essa não é a única distinção a ser considerada. no segundo. o juiz poderá reduzi-la equitativamente.VARIAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE EQUIDADE principais objetivos de um estado democrático de direito. A EQUIDADE COMO FACULDADE DO JUIZ Aplicando o conceito de equidade de maneira diversa da examinada até aqui. para corrigir esta desigualdade. 739 (culpa concorrente). equitativamente. diante da igualdade majestosa da lei tanto o rico quanto o pobre deveriam ser condenados por furtar um pão. 413.324 . o legislador impõe uma obrigação. 1973. pois. enquanto o artigo 944 do mesmo Código usa o verbo poderá: no primeiro caso. individuais ou grupais8. Se o responsável é incapaz. o de solidariedade. O juiz não poderá afastar-se da lei para decidir. como condição de uma coexistência pacífica e confiança na administração da justiça. A causa que permite ao juiz reduzir o valor da indenização encontra-se na igualdade direcionada pelo dever de solidariedade que se impõe a todos. mas ela deverá ser atenuada pela apreciação da eventual desproporção entre a gravidade da culpa e o dano. Assim. 529. 17:47 . A regra geral da reparação integral do dano permanece.325 por ele causado à vítima. podemos afirmar que a solidariedade complementa o sistema ético da liberdade e da igualdade. Desta forma. como adverte o corifeu da peça As Coéforas de Ésquilo (verso 380). que estabelece como um dos objetivos fundamentais da república “a construção de uma sociedade livre. a justiça muda de lado [. permitindo ao juiz reduzir a indenização devida até que ela se revele proporcional à intensidade da culpa do agente. inciso I. Ao passo que os conceitos de liberdade e de igualdade são sempre aplicáveis às relações entre duas pessoas.9 O fundamento da decisão não se encontrará na igualdade proporcional (desigualdades sociais entre autor e vítima). do dever de solidariedade pode-se deduzir a responsabilidade coletiva em face de uma única situação jurídica.. da Constituição Federal. Esta prescrição se encontra no artigo 3º. mas na desproporção entre a contribuição de cada um para o evento danoso e o seu resultado. deve buscar nela os critérios sobre o grau da culpa e o fundamento da excessiva desproporção.p65 325 17/5/2011. aplica-se às pessoas reunidas em uma comunidade. considerando o grau de culpa de cada um. em seu sentido mais amplo. o direito pode impor que uma ou mais pessoas respondam pelo que é devido. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 2006.ELZA ANTONIA PEREIRA CUNHA BOITEUX .. Nesse sentido. orientando-as para a busca do bem comum. autores e vítimas. p.]: ela se desloca para o lado do adversário. Fábio Konder Comparato esclarece que: Aquele que exerce o seu direito sem moderação acaba por perdê-lo. Na perspectiva da so- 9 COMPARATO. Neste caso. justa e solidária”. Resta saber até que ponto a redução deverá ser considerada equitativa. Na perspectiva da igualdade cada qual reivindica o que lhe é próprio. Assim é que a exigência de uma reparação excessiva pelo mal sofrido transforma o exercício do direito numa manifestação de vingança pura e simples. o direito a ser aplicado. p. 2003. todos (o autor do dano. livremente. 8. mostrando que os critérios aplicáveis a esse caso excedem os decorrentes da pura construção lógica. a teoria geral do direito mais recente determina que os princípios jurídicos constitucionais prevaleçam sobre as regras jurídicas10. p. 1997. Filosofia e Teoria Geral do Direito. a critério das partes”.p65 326 17/5/2011. Enquanto o reconhecimento da igualdade depende de uma atividade intelectual formal e aritmética. A equidade surge como critério empírico. que dispõe: “A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade. ZAGREBELSKY. Assim. 2004. Na arbitragem de equidade o árbitro está autorizado a julgar em sentido diverso daquele indicado pela lei posta11. Ao exercer essa faculdade o juiz atenderá a um dos objetivos fundamentais da República e agregará a regra abstrata da indenização os sentimentos de justiça e de solidariedade. Na arbitragem de direito as partes escolhem o direito (material e processual) aplicável ao conflito. p. cap. 17:47 . 61-62. Nessa lei vigora o princípio da autonomia da vontade. enquanto o julgamento com equidade é uma regra interpretativa. ainda. cap. 1998. Além disso. na teoria jurídica em geral: DWORKIN. salvo nos casos em que houver desigualdade ou excessiva desproporção entre a culpa e dano. 4.VARIAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE EQUIDADE lidariedade. conter: “II – a autorização para que o árbitro ou os árbitros julguem por equidade. cap. ao referir-se ao meio e a forma de agir. A preposição “por” indica outro sentido. 1994. a regra é a indenização de acordo com a extensão do dano. FARALLI. A EQUIDADE COMO REGRA DE JULGAMENTO Encontramos outro significado de equidade no artigo 2º da Lei nº 9. a solidariedade depende da consideração dos sentimentos. a vítima e o juiz) são convocados a defender o que lhes é comum. 11) encontramos outra forma de expressão. onde ela prevê que o compromisso arbitral poderá. temporal e relativo de aplicação da sanção na esfera civil. CARMONA. Portanto. segundo o qual as partes podem escolher. Ainda na lei de arbitragem (art. LAFER. BONAVIDES. 2006. p. 1-25. 6º. ALEXY. se assim for convencionado pelas partes”. manifestados pela sociedade do seu tempo.326 . A diferença é 10 11 Cf. 3. 1997.307/ 96. 61-101. o julgamento por equidade é uma regra de julgamento. 51-73. no segundo. 17:47 . No primeiro caso.ELZA ANTONIA PEREIRA CUNHA BOITEUX . Como. 5.p65 327 17/5/2011. A EQUIDADE COMO QUESTÃO JURÍDICO-FILOSÓFICA Analisando o pensamento de Aristóteles. p. Livro I. que apresenta um critério jurídico-filosófico para a apreciação da equidade12. visamos determinar o conceito de equidade e a sua natureza. examinando-o sob duas perspectivas distintas: de um lado. deverá se manter no limite dela. Passamos ao exame deste conceito. como uma questão político-jurídica. nas mais variadas correntes doutrinárias. A palavra EUNOMIA significa o acordo entre a lei escrita e os princípios gerais do justo. 2002. ou seja: qual situação representa um conflito entre a lei escrita e os supremos princípios do justo? Aristóteles14 se vale da tragédia de Sófocles15 para demonstrar a existência da anomia entre direito natural e direito positivo: 12 13 14 15 ARISTÓTELES. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 2001. iniciaremos nossa análise pela sua obra. p. no primeiro caso. pois. como uma questão jurídico-filosófica. no segundo. no exercício da autonomia da vontade – aplicável apenas a direitos disponíveis – elas renunciam à jurisdição. A arbitragem de direito ou de equidade permite que as partes em conflito escolham as regras de julgamento. Em conclusão. a “equidade” pode ser usada como regra de julgamento ou como regra de interpretação: o sistema e o contexto é que nos informarão sobre o seu significado. No estudo da equidade. de outro. a ideia de equidade está fundada no pensamento nuclear de Aristóteles. FERRAZ JÚNIOR. SÓFOCLES. estabelecendo o Código de Processo Civil que o juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei. a primeira questão apresentada por Aristóteles envolve a determinação da situação de anomia. Em nosso direito.327 importante. 1373b. 144. 2009. ARISTÓTELES. Tércio Sampaio Ferraz Júnior afirma que13: há no direito ático uma figura denominada ANOMIA que significa um dissídio entre a lei escrita e os supremos princípios do justo. o julgamento por equidade é exceção à regra. buscamos determinar a força e a extensão da sua aplicação. 2005. o julgador poderá ir além da lei escrita. 221. Polinices. e não me pareceu que tuas determinações tivessem força para impor aos mortais até a obrigação de transgredir normas divinas.p65 328 17/5/2011. é desde os tempos mais remotos que elas vigem. 1. a jovem filha. cit.] pois não é de hoje nem de ontem. mas narra também os conflitos entre as leis do costume (o passado familiar) e as leis escritas da cidade17. Sófocles narra que Creonte. Antígona.16 Nessa tragédia o conflito se estabelece entre Antígona. p. surge como justiceira. Nesse caso. sem que ninguém possa dizer quando surgiram”. provocando uma guerra civil. Entretanto.. há um reconhecimento de que Antígona é uma heroína trágica que afirma uma forma de justiça e se posiciona contra a ordem social. bem como contra a oposição entre o liame familiar e o liame social. assim. sua irmã Antígona.. irmão de Antígona. foi considerado traidor político. rei de Tebas. que representa a cidade. Ela encarna a revolta contra as leis do estado. inevitáveis.VARIAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE EQUIDADE Chamo lei tanto à que é particular como à que é comum. que representa a família – não como um elemento de conservação. companheira de morada dos deuses infernais. quer seja escrita ou não escrita. é justo enterrar Polinices. que todos de algum modo adivinham mesmo que não haja entre si comunicação ou acordo. como por exemplo. Creonte estabeleceu que todo aquele que pegasse em armas contra a cidade seria punido com a morte. lhe dá um funeral. e comum. porque esse é um direito natural: [. Assim. Filosofia e Teoria Geral do Direito. permanecendo seu cadáver insepulto. Apesar das diferentes análises sobre esta personagem. en- 16 17 SÓFOCLES. e Creonte. ele não teria direito a outra vida). v. era muito autoritário e entrou em conflito com outros povos. A “tragédia” narra a diferença entre o passado e o presente. É lei particular a que foi definida por cada povo em relação a si mesmo. Antígona é resoluta e fidelíssima. 219 (510-520): “Mas Zeus não foi o arauto delas para mim. por amor fraternal e contra a lei da cidade. e ninguém sabe desde quando apareceu. não é de ontem. nem essas leis são as dita entre os homens pela justiça.328 . Antígona. Sófocles dá preferência aos caracteres pessoais. representa a voz moral contra a ordem da lei e da política. o mostra Antígona de Sófocles ao dizer que embora seja proibido. mas de subversão social –. não escritas. a lei da cidade não lhe daria direito a sepultura (segundo os costumes da cidade. a que é segundo a natureza. 1994. CHAUÍ. mas desde sempre que esta lei existe. 17:47 . não é de hoje. Pois há na natureza um princípio comum do que é justo e injusto. como no exemplo citado. .p65 329 17/5/2011. O erudito é o indivíduo que tem um conhecimen- 18 19 20 ARISTÓTELES. 1998. 250 (1094b 25 e 1095 a). REALE. Evidentemente. o homem instruído. como transcrito: [. e o homem que recebeu uma instrução global é um bom juiz em geral.] os homens instruídos se caracterizam por buscar a precisão em cada classe de coisas somente até onde a natureza do assunto permite. em cada gênero de coisas. Ora. somente o homem culto pode agir com prudência. Delimitada a situação de anomia. pois é próprio do homem culto buscar a precisão. Falta-lhe a noção de cultura e instrução global. cada qual julga bem as coisas que conhece. Filosofia e Teoria Geral do Direito.19 O homem culto (instruído) é aquele que tem um conhecimento rigoroso da sua área de atuação. p. entre os homens. é aquele que busca a precisão através de demonstrações rigorosas. erudito é “o que permanece ‘estranho’ ao que sabe.ELZA ANTONIA PEREIRA CUNHA BOITEUX . p. 222. p. e dessas coisas ele é bom juiz. Cada homem julga corretamente os assuntos que conhece. 1973. cuja definição se encontra na Ética a Nicômaco18: É dentro do mesmo espírito que cada proposição deverá ser recebida. Mas quem. Mário da Gama Cury traduz o termo “culto” por instruído. mas não se preocupa com a erudição. pode agir com prudência? Para Aristóteles.329 quanto Creonte é o chefe do estado que encarna a dureza da lei que quer impor aos outros e a si mesmo. com ciência. 18-19 (1094b e 1095a). o homem instruído a respeito de um assunto é bom juiz em relação ao mesmo. 2001. segundo Aristóteles.. e é um bom juiz de tais assuntos. ARISTÓTELES. não seria menos insensato aceitar um raciocínio provável da parte de um matemático do que exigir provas científicas de um retórico. De outro lado. Assim. Para Miguel Reale20. apenas na medida em que a admite a natureza do assunto. da mesma forma que é insensato aceitar raciocínios apenas prováveis de um matemático e exigir de um orador demonstrações rigorosas. mas não aquele que idolatra a eficiência. a segunda questão apresentada por Aristóteles é: como solucionar o conflito? A solução do conflito depende de critérios de prudência. 17:47 . O que impulsiona o especialista não é a prudência. mas sem sabedoria”. Referindo-se a mesma passagem. 2000. 2007.VARIAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE EQUIDADE to ornamental. 105. afirma a esse respeito: “Ce tragique de l’action fait appel à ce que Sophocle appelle to phronein. A tais pessoas.23 (grifos nossos) Hoje os juristas se vêem instigados pela relevância epistemológica da categoria da experiência jurídica. de ensaios e retificações.. e a distrair-se da constante averiguação do valor efetivo das normas como regra de comportamento”. 94). que passa a fazer da sua ciência uma história natural de teorias e conceitos. ARISTÓTELES. 1992. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 1095 a (5-10). O que ocorre na vida humana resume-se a atos de provação. Para ele.p65 330 17/5/2011. algumas das quais se convertem em invariantes axiológicas25. p. enquanto a cultura é o conjunto do que o homem conseguiu objetivizar em seu processo existencial no âmbito das civilizações. E não faz diferença que seja jovem em anos ou no caráter. 1999. como aos incontinentes. 219. ou a experiência a parte objecti”. Aristóteles mostra que o homem culto (instruído) é o que conhece a natureza do assunto a ser deliberado. Sublinha ele que o ato de experiência envolve a experiência a parte subjecti bem como aquilo que se põe como experenciado. categoria a qual Miguel Reale24 atribuiu grande importância e elaborou em profundidade.330 . p. no plano educacional. REALE. LAFER. 11-27. e ao falar do jovem ele explica: . A experiência é o fator dinamizador da história. terme que les Latins ont traduit par prudentia. tudo aquilo que o homem experimenta influencia a modelagem de sua personalidade. como paraninfo de turma. mas aos que desejam e agem de acordo com um princípio racional o conhecimento desses assuntos fará grande vantagem. tal estudo lhe será vão e improfícuo. reafirma: “A experiência é uma categoria forte na reflexão de Miguel Reale. em 1957. mas a ambição da fama e do poder. p.. cuja mutação obedece a convicções valorativas. ele não tem experiência dos fatos da vida. que surge do relacionamento intersubjetivo resultante do mundo da vida comum. (apud VENÂNCIO FILHO. além disso. criticava a cultura meramente ilustrativa ao afirmar: “Ela tende. et que l’on peut traduire par sagesse pratique ou mieux encore par sagesse de jugement. O que motiva o erudito não é a prudência. l’acte de “juger sagement”. mas do modo de viver e de seguir um após outro cada objetivo que lhe depara a paixão. o que. de insurgências e ressurgências. perdendo-se da visão do saber universal21. p. o defeito não depende da idade. compõe o mundo da cultura. como tende a seguir as suas paixões. é o que age com rigor e sapiência22. c’est la vertu qu’Aristote élèvera à um rang élevé sous le nom de phronesis. 237. RICOEUR. LAFER. a ciência não traz proveito algum. 17:47 . e é em torno destes que giram as nossas discussões. Outro requisito exigido por ele é a experiência. p. pois o fim que se tem em vista não é o conhecimento mas a ação. no todo. 21 22 23 24 25 San Tiago Dantas. à deformação intelectual do jurista. 1995. aprovação ou repulsa. tendo. após reconhecer que o homem que age com prudência é o que julga com equidade. aquele que tem conhecimento e vivência26 para agir. e o que teria incluído em sua lei se tivesse previsto o caso em questão. (1137b 10-15 e 25-30). 336. o homem prudente é aquele que se dedica à descoberta do significado e do propósito da vida. Na Ética: Quando a lei estabelece uma regra geral. onde o legislador é omisso e falhou por excesso de simplificação. sem se preocupar com o poder ou com a riqueza. e melhor que uma simples espécie de justiça.ELZA ANTONIA PEREIRA CUNHA BOITEUX .331 Para determinar o caminho a ser seguido para a solução do conflito.p65 331 17/5/2011. dizendo o que o próprio legislador diria se estivesse presente. há casos em que não é possível estabelecer uma afirmação universal exata e precisa28. 109 (1137 b 20-25). por sua natureza. A terceira questão apresentada por Aristóteles. 1973. 17:47 . Por isto o eqüitativo é justo. 222. Então o eqüitativo é. 1973. são coisas diferentes.29 26 27 28 29 GARCIA MORENTE. p. FERRAZ JÚNIOR. explica que vivência é uma tradução da palavra alemã Erlebnis e “significa o que temos realmente em nosso ser psíquico. então é correto. não é só a imprecisão decorrente da generalidade que precisa ser corrigida: a ausência de previsão legal sobre um determinado caso pode conduzir a uma injustiça que deve ser corrigida. Assim. pois ainda que a lei seja universal. p. uma correção da lei onde esta é omissa devido à sua generalidade. ARISTÓTELES. Filosofia e Teoria Geral do Direito. é: equitativo seria a mesma coisa que justo? Tércio Sampaio Ferraz Júnior esclarece que “lei e equidade são espécies do justo”. Esta distinção é explicitada por Aristóteles na Ética a Nicômaco ao afirmar que o equitativo é superior a uma espécie de justiça – a justiça legal –. Nesse caso. embora não seja melhor que a justiça irrestrita (mas é melhor que o erro oriundo da natureza irrestrita de seus ditames). a justiça legal é uma espécie do justo enquanto a justiça com equidade seria outra espécie. faz-se necessário corrigir a imprecisão da lei através do julgamento por equidade. Todavia. ARISTÓTELES. é aquele que observa e procura entender tudo que acontece. A esta segunda modalidade Aristóteles denominou “lacuna”. 23. na plenitude da palavra ‘ter’”. e aparece em sua aplicação um caso não previsto por esta regra. Em outras palavras. mas pertencem ao mesmo gênero27. Aristóteles responde que o homem capaz de agir com prudência é o homem culto. 2009. Vamos encontrar parte das suas afirmações na Ética a Nicômaco e outra na Retórica. o que real e verdadeiramente estamos sentido. suprir a omissão. p. 1930. 100 (1137b). p. p. 332 - VARIAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE EQUIDADE E na Retórica: A equidade parece ser o justo, mas o justo que ultrapassa a lei escrita. As lacunas da lei são, umas voluntárias e desejadas pelos legisladores, as outras, involuntárias; involuntárias quando o caso lhes escapa, voluntárias quando eles não podem defini-las e é necessário empregar uma fórmula geral, que não é universal, mas que vale na maioria dos casos. É assim também em todos os casos que não é fácil determinar o sentido, dado seu número infinito [...] Se o número dos casos é infinito e se é preciso legislar, é preciso falar em geral [...]30 A equidade é o procedimento empregado para corrigir a generalidade da lei, bem como as lacunas decorrentes da omissão do legislador. É um procedimento que se aplica em decorrência do erro ou falha da justiça legal: por esta razão é superior a ela. Finalmente, a quarta questão: o que é ser eqüitativo? Encontramos a resposta na Retórica: Ser equitativo é ser indulgente com as fraquezas humanas; é considerar não a lei, mas o legislador; não a letra da lei mas o espírito daquele que a fez [...] é permitir que uma contenda seja resolvida pela palavra mais do que pela ação, é preferir submeter-se a um arbitramento, em vez de um julgamento pelos tribunais, porque o árbitro vê a equidade, o juiz não vê senão a lei; o árbitro não foi, aliás inventado, senão para dar força á eqüidade.31 A mesma questão é abordada na Ética a Nicômaco: Evidencia-se também, pelo que dissemos, quem seja o homem equitativo: o homem que escolhe e pratica tais atos, que não se aferra aos seus direitos em mau sentido, mas tende a tomar menos do que o seu quinhão embora tenha a lei por si, é equitativo; e essa disposição de caráter é a equidade, que é uma espécie de justiça e não uma diferente disposição de caráter.32 Em conclusão, a equidade é uma forma de julgamento com natureza corretiva; não só por ajustar a lei ao caso concreto, mas também por corrigir a ordem jurídica na falta de norma aplicável. Na expressão de Tércio Sampaio Ferraz Júnior33: 30 31 32 33 ARISTÓTELES, 1960, p. 32, livre I, 1374a (26-31). ARISTÓTELES, 1960, p. 33 e 34, 1374b 10-22. ARISTÓTELES. 2001, p. 337 (1137 b 35 e 1138 a). FERRAZ JÚNIOR, 2009, p. 222. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 332 17/5/2011, 17:47 ELZA ANTONIA PEREIRA CUNHA BOITEUX - 333 O equitativo, desse modo, é o justo independentemente da lei escrita, é uma feliz retificação do justo estritamente legal. 6. A EQUIDADE COMO QUESTÃO POLÍTICO-JURÍDICA: A EQUIDADE É FONTE DO DIREITO? Ao lado do problema da natureza jurídica da equidade, no seu aspecto clássico, encontra-se o das lacunas ou omissões do legislador, nos sistemas em que vigora a regra segundo a qual o juiz é obrigado a decidir qualquer controvérsia34. Esta questão é mais complexa do que a anterior, pois o problema da integração do ordenamento jurídico envolve questões sobre os limites da atividade judicial. O juiz pode criar direito ou somente aplicá-lo? 6.1. A POSIÇÃO DE GIORGIO DEL VECCHIO Giorgio Del Vecchio admite que o juiz possa integrar as lacunas por intermédio do direito natural, ao afirmar35: A necessidade de recorrer a esses critérios, e, em geral, à razão jurídica natural, conserva-se viva por ser, necessariamente, incompleto o direito positivo; [...]. Essa exigência fundamental, que as teorias jusnaturalistas inspiram, e que, em sentido lato, se denomina equidade, (considerar todos os elementos da realidade para determinar o equilíbrio ou a proporção correspondente nas relações entre as pessoas) não pode ser repudiada pela legislação positiva, que, depois de ter procurado, por si mesma e a seu modo, satisfazer essa exigência, deve, afinal admitir que ela se faça valer, diretamente, através da consciência do juiz, em todos os casos não contemplados por disposições particulares, precisas, nem sequer resolúveis analogicamente. Del Vecchio entende, portanto, que o juiz, ao integrar o direito, julga por equidade, considerando equivalentes os conceitos de equidade e o de princípios gerais do direito, como segue36: note-se, pois, que, se faltar uma norma reguladora de certa relação, deve o juiz recorrer – exceto se a hipótese for direito penal, subordinado ao princí- 34 35 36 Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4º: “Quando a lei for omissa, o Juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. O Código de Processo Civil, por sua vez dispõe, no artigo 126: “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá a analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito”. DEL VECCHIO, 1937, § IX, p 45. DEL VECCHIO, 1972, v. 2, p. 108. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 333 17/5/2011, 17:47 334 - VARIAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE EQUIDADE pio de nulla poena sine lege – à interpretação analógica e, sendo esta impossível, por falta de normas aplicáveis por analogia, aos princípios gerais do Direito. É a propósito desta interpretação e deste recurso aos princípios gerais que o critério de equidade mostra toda a sua eficácia, podendo atuar benéfica e amplamente, pois aqui, trata-se de determinar, por intuição directa, colhida no exame do caso concreto, a norma que se lhe deve aplicar, ou seja, a norma pedida pela própria natureza das coisas. (grifos nossos) O dever de recorrer à analogia e aos princípios gerais do direito, no direito italiano decorre do artigo 3º do Codice Civile, entendendo Del Vecchio que a eqüidade é fonte de direito37, pois: A verdade é, precisamente, o contrário: a fonte inexaurível do Direito é constituída pela natureza das coisas, tal como esta pode ser apresentada pela nossa razão. A esta fonte, que uma tradição muitas vezes milenária chama direito natural teve o legislador italiano a intenção de se referir, entendendo por princípios gerais de direito os meios cujo emprego permitiria suprir as deficiências inevitáveis das suas prescrições positivas. 6.2. A POSIÇÃO DE TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR Tércio Sampaio Ferraz Júnior admite a existência de lacunas no direito, mas não considera a equidade fonte formal do direito. No que se refere às espécies de lacunas classifica-as, como Aristóteles, em voluntárias e involuntárias: O legislador ao elaborar as leis, pode incorrer em duas espécies de lacunas: ou um fato lhe passa despercebido e a lacuna se dá contra sua vontade, ou, não podendo prever tudo, estatui ele princípios gerais, e a lacuna será por sua vontade.38 Nos últimos anos a Escola de Frankfurt, a ética dialógica e as diversas teorias da argumentação foram responsáveis pelo processo reabilitador do pensamento prático. Esta influência, no pensamento jurídico contemporâneo, tem sido profunda e extensa, sendo Tércio Sampaio Ferraz Júnior um dos seus expoentes em nosso país. Sua concepção de ordenamento jurídico compreende três elementos: o conjunto de normas; os elementos não normativos e a estrutura39. Esta última 37 38 39 Id. Ibid., v. 2, p. 110. FERRAZ JÚNIOR, 2010, p. 188. Id. Ibid., p. 172. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 334 17/5/2011, 17:47 ELZA ANTONIA PEREIRA CUNHA BOITEUX - 335 representa o conjunto de regras que determinam as relações entre os elementos não normativos, normativos e a própria ordem. Assim, o ordenamento jurídico só adquire a perspectiva sistêmica quando é analisado como “um conjunto de elementos (repertório) e um conjunto de relações (estrutura)”. Nesta perspectiva, as fontes stricto sensu são consideradas elementos do repertório (lei, costume, atos negociais, etc.); as regras estruturais (doutrina, princípios gerais do direito, eqüidade, analogia) não são propriamente fontes no sentido utilizado pela dogmática40. Conforme Tércio Sampaio Ferraz Júnior: As regras estruturais, não são assim, propriamente fontes no sentido da dogmática, mas respondem pela coesão global do sistema, ao qual conferem sentido geral de imperatividade e são assim uma espécie de ‘fonte’ de segundo grau.41 Com relação à função da eqüidade, afirma o autor: “da mesma forma que os princípios gerais a eqüidade tem no sistema dinâmico uma função metalinguística”42. Em conclusão, a equidade, segundo Tércio Sampaio Ferraz Júnior é uma fonte de segundo grau que confere coesão ao sistema43. 6.3. A POSIÇÃO DE VICENTE RÁO Vicente Ráo define a equidade “como uma particular aplicação do princípio de igualdade as funções do legislador e do Juiz, a fim de que, na elaboração das normas jurídicas e em suas adaptações aos casos concretos, todos os casos iguais, explícitos e implícitos, sem exclusão, sejam tratados igualmente com humanidade, ou benignidade, corrigindo-se, para este fim, a rigidez das fórmulas gerais usadas pelas normas jurídicas, ou seus erros, ou omissões”44. Esta regra decorre do princípio de igualdade, mas entre as soluções possíveis deve-se preferir a mais humana e a mais benigna. Aqui a ideia de justiça social se afasta do padrão da igualdade proporcional para trabalhar o princípio da dignidade humana e do amor cristão, concluindo o autor que: 40 41 42 43 44 Id. Ibid., p. 245. Id. Ibid., p. 245. Id. Ibid., p. 244. FERRAZ JÚNIOR, 2010, p.281. RÁO, 1999, p. 95. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 335 17/5/2011, 17:47 336 - VARIAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE EQUIDADE Quando muito, pois, poderíamos dizer, que tais decisões, nos sistemas jurídicos de direito escrito, incorporando-se à jurisprudência, formam com esta e pela força desta, pelo menos em doutrina, uma fonte interpretativa do direito que é, ao mesmo tempo poderoso elemento de influência na elaboração, transformação e progresso das disciplinas jurídicas.45 6.4. A POSIÇÃO DE JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO O Direito Português adota posição interessante, pois apesar de o Código Civil vigente considerar expressamente, no artigo 4º, que a equidade é fonte do direito, muitos autores negam esta possibilidade46. Entre eles, Oliveira Ascensão entende que a equidade não pode ser considerada fonte do direito, por ser ela tipicamente um critério formal de decisão dos casos singulares e não um critério normativo que se eleva à formulação de regras. Ainda que o Código situe a equidade no capítulo das fontes, Ascensão afirma “Não é de se acolher a qualificação jurídica da equidade como fonte do direito”47. 6.5. O PLANO INTERNACIONAL E A POSIÇÃO DE GUIDO SOARES Guido Soares apresenta forte crítica à falta de atualização do Artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Haia, pois este adota o mesmo texto do Estatuto do Tribunal Internacional elaborado no final da Primeira Guerra Mundial48. As fontes enumeradas no artigo 38 são as seguintes: “1..................................................................................................... a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b) o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo direito c) os princípios gerais do direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; 45 46 47 48 Id. Ibid., p. 92. O Código Civil Português, capítulo, I Fontes do Direito, art. 4º prescreve: (valor da eqüidade) Os tribunais só podem resolver segundo a eqüidade: a) quando haja disposição legal que o permita; b) quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível; c) quando as partes tenham previamente convencionado o recurso à eqüidade, nos termos aplicáveis à cláusula compromissória. ASCENSÃO, 1991, p. 228. SOARES, 2001, p. 171. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 336 17/5/2011, 17:47 ELZA ANTONIA PEREIRA CUNHA BOITEUX - 337 d) sob reserva da disposição do artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para determinadas regras de direito; 2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isso concordarem.” A estas fontes, Guido Soares acrescenta outras duas: as declarações unilaterais dos Estados com efeitos jurígenos no Direito Internacional, reconhecidas como fontes formais pela doutrina dominante na época, e as decisões tomadas pelas organizações intergovernamentais. Cita como exemplo a Organização Internacional do Trabalho, primeira organização internacional com personalidade de Direito Internacional definida, com poderes de editar normas internacionais dirigidas aos Estados49. Nessa obra o autor analisa profundamente as fontes mencionadas no item 1, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, do artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Haia, mas não se refere à equidade mencionada no item 2 do mesmo artigo. A conclusão só pode ser uma: o autor não considera a equidade uma fonte do Direito Internacional. 6.6. O PLANO INTERNACIONAL E A POSIÇÃO DE CELSO D. DE ALBUQUERQUE MELLO Celso D. de Albuquerque Mello50 afirma que a equidade não é fonte formal do Direito Internacional. Como estabelece o item 2 do artigo 38, acima referido, o juiz internacional somente pode decidir com base na equidade quando as partes litigantes lhe outorgarem poderes para tal. Ainda que a moderna doutrina refira-se, cada vez mais, à eqüidade, ela não é uma fonte, mas um meio de interpretação. Segundo o autor, a Corte Internacional de Justiça nunca proferiu uma decisão baseada exclusivamente na equidade, apesar de buscar sempre “soluções equitativas”51. Em conclusão, no plano internacional a equidade permite interpretar o direito mais pelo conteúdo do que pela forma, permite corrigir e ajustar o 49 50 51 Id. Ibid., p. 169. MELLO, 2000, v. 1, p. 314. Id. Ibid., v. 1, p. 315. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 337 17/5/2011, 17:47 338 - VARIAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE EQUIDADE direito positivo, para alguns permite suprir as lacunas52; mas não é possível considerá-la fonte do direito. A equidade não é uma fonte do direito, mas um sistema de referência de uma resolução jurisdicional dos conflitos internacionais53. Ela é uma qualidade do direito que só pode afastar uma regra jurídica mediante autorização expressa. 7. CONFLITOS ENTRE ORDENS JURÍDICAS SUCESSIVAS: O CASO DAS SENTINELAS DO MURO DE BERLIM A importância do problema das fontes do direito encontra-se no fato de que delas depende o estabelecimento da pertinência das normas a um ordenamento jurídico. No “juízo de equidade” o juiz não aplica normas positivas, ele decide segundo a sua consciência ou com base nos próprios critérios de justiça. Analisando o positivismo jurídico, Norberto Bobbio afirma54: Chamam-se ‘juízos de equidade’ aqueles em que o juiz está autorizado a resolver uma controvérsia sem recorrer a uma norma legal preestabelecida. O juízo de equidade pode ser definido como autorização, ao juiz, de produzir direito fora de cada limite material. Os limites materiais ao poder normativo do juiz não derivam da lei escrita, derivam de outras superiores, como pode ser o costume ou o precedente judiciário. (grifos nossos). Bobbio enumera três tipos de eqüidade55: a substitutiva (na qual o juiz supre a falta de norma), a integrativa (que corrige a generalidade ao definir com precisão os elementos da fatti specie) e a interpretativa (quando o juiz define, com base em critérios eqüitativos, o conteúdo da norma que existe e é completa). Esclarece Bobbio que a doutrina juspositivista considera esta última modalidade expediente para prolatar uma sentença que derrogue a lei. Além disso, as regras hermenêuticas referem-se aos princípios gerais do direito, não à equidade. Segundo os princípios do positivismo acolhidos pelo ordenamento jurídico nos Estados modernos, a lei é a fonte direta e imediata do direito. Não pode o juiz ab-rogar a lei, assim como não o pode o costume. O juiz só pode decidir por equidade se houver autorização legal; portanto, não há que se falar em conflito. 52 53 54 55 A existência ou não de lacunas no Direito Internacional é questão controvertida, como demonstra SALMON, 1968, p. 313-337. DINH; DAILLIER; PELLET, 2003, p. 363. BOBBIO, 1989, p. 56. BOBBIO, 1995, p. 173. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 338 17/5/2011, 17:47 ELZA ANTONIA PEREIRA CUNHA BOITEUX - 339 Na doutrina jusnaturalista, autores modernos como Radbruch preconizam a não aplicação da lei injusta. O direito extremamente injusto, para ele, não é direito. Portanto, a proposta de Radbruch é oposta a de Bobbio: uma decisão por equidade pode prevalecer sobre a lei, suspendendo a sua eficácia. Na Alemanha, o Tribunal Supremo Federal, órgão principal da elaboração jurisprudencial, adota a fórmula de Radbruch, concretizada através dos direitos humanos, que é a expressão não positivista do direito56. A fórmula de Radbruch distancia-se do positivismo e do jusnaturalismo clássico, pois ela postula uma conexão necessária entre direito e moral sem pretender uma identificação entre ambos57. Por razões de segurança jurídica, o direito positivado e eficaz não deixa de ser direito, ainda que os seus conteúdos sejam desproporcionalmente injustos. O direito positivo só perde sua validade quando: La contradicción de la ley positiva con la justicia alcanza una medida de tal modo insoportable, que la ley, en tanto que ‘derecho injusto’ (unrichetiges Recht), ha de ceder ante la justicia.58 A posição do Judiciário alemão é analisada por Robert Alexy59 num artigo sobre o julgamento das sentinelas do Muro de Berlim. Essas sentinelas tentaram impedir a fuga de um homem, na noite de 14 de fevereiro de 1972 para a Alemanha ocidental e acertaram-no com disparos mortais. Ainda que não tivessem feito pontaria, ainda que não se pudesse determinar qual das duas dera o tiro fatal, o caso foi levado a julgamento. Num primeiro momento, as sentinelas foram homenageadas pelo cumprimento do dever; num segundo momento foram levadas a julgamento por homicídio. O caso envolve inúmeras questões que ultrapassam ao âmbito do presente estudo: a violação do princípio da irretroatividade, a aplicação da lei mais favorável e a causa de justificação, entre outras. Examinaremos a motivação adotada nas diversas instâncias. A primeira Instância e o Tribunal Territorial de Berlim, em 1992, proferiram as primeiras decisões sobre as sentinelas do Muro de Berlim. O Tri- 56 57 58 59 ALEXY, 2000, p. 204. RADBRUCH, 1979, p. 98-113. ALEXY, 2000, p. 205. Id. Ibid., p. 197-230. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 339 17/5/2011, 17:47 340 - VARIAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE EQUIDADE bunal interpretou a Lei de Fronteiras da República Democrática Alemã de acordo com os “princípios do Estado de Direito” e vinculou a sua decisão ao princípio da proporcionalidade. O fundamento da decisão foi a superioridade da vida como um bem supremo sobre os interesses e valores como a segurança da fronteira ou a razão de Estado. Em consequência, o fato praticado pelas sentinelas, mesmo em obediência à ordens, era antijurídico, não só perante o Direito da República Federal, mas também frente ao Direito da República Democrática Alemã. As sentinelas foram condenadas a uma pena de um ano e dez meses. Em 26 de julho de 1994, o Tribunal Supremo Federal manteve a decisão do Tribunal Territorial de Berlim, mas alterou a sua fundamentação, afirmando que o direito positivo depende não só da positividade formalmente válida, mas também do que é eficaz socialmente, pois o socialmente eficaz pode influir nos critérios da positividade60. O Tribunal concluiu que a justificação da morte de um fugitivo, autorizada pelo Direito da República democrática alemã, pode ser declarada ineficaz, em virtude da agressão aberta e insuportável contra os mandamentos elementares de justiça e contra os direitos humanos protegidos internacionalmente. 8. A TRADIÇÃO ROMANÍSTICA E A COMMON LAW Na tradição romanística, a questão de sabermos se o caso é de correção da lei no sentido clássico, ou se é de integração, revela importância prática. Nesses sistemas, se o caso for regulado em lei, embora de forma injusta ou inepta, o juiz não poderá tomar outra atitude senão aplicar a lei. A equidade só poderá ser utilizada quando houver autorização expressa em lei, ou funcionará apenas como regra hermenêutica para a sua aplicação. No entanto, se o caso se enquadrar na falta de regulamentação, o juiz poderá preencher a lacuna utilizando-se de critérios equivalentes, tais como princípios gerais do direito, analogia e equidade. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro estabelece no artigo 4º: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso concreto de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. E o Código de Processo Civil estabelece no artigo 127: “O Juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”. 60 ALEXY, 2000, p. 204. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 340 17/5/2011, 17:47 ELZA ANTONIA PEREIRA CUNHA BOITEUX - 341 A tradição romanística privilegia uma concepção positivista do direito, fundada no dogma da soberania interna e externa do Estado e no monopólio estatal para legislar. Assim, as decisões dos juízes não criam o direito, uma vez que eles só podem interpretar e aplicar a lei. Essa posição decorre do modelo francês, que teve em Montesquieu o seu mais autorizado teórico. A teoria das fontes, nos sistemas de tradição romanística, reconhece a lei, os regulamentos e os costumes como fontes principais do direito. A enumeração não é exclusiva e, em regra, é expressa em ordem decrescente de autoridade, o que leva a constantes equívocos sobre a hierarquia das fontes e a hierarquia das normas. A experiência mostrou que a possibilidade de abuso do legislativo ampliou-se muito com o crescimento da legislação no estado moderno: a tirania do legislativo é tão opressiva quanto a tirania do executivo. O excesso de legislação não resolve as controvérsias sociais; pelo contrário, tudo depende de uma interpretação, seja na esfera administrativa ou na esfera judicial. Na tradição anglo-saxônica distinguiam-se duas jurisdições: common law e equity61. A equity era o conjunto de soluções que foram, principalmente nos séculos XV e XVI, outorgadas pela jurisdição do Chanceler, para completar e eventualmente rever o sistema da common law, então bastante insuficiente e defeituoso. Durante vários séculos existiram na Inglaterra tribunais de direito comum e tribunais de equidade. Até 1066, ano da conquista normanda, vigorou na Inglaterra o chamado direito anglo-saxônico, um direito territorial: não havia um direito comum a toda a Inglaterra antes da conquista normanda. Depois o direito anglo-saxônico em vigor consolidou-se em oposição aos costumes locais, o direito comum a toda a Inglaterra: a common law. A elaboração deste direito era de competência dos Tribunais Reais de Justiça, conhecidos como Tribunais de Westminster, local onde foram estabelecer-se, a partir do século XIII. Até 1875, submeter um caso aos Tribunais Reais não era um direito dos particulares, mas um privilégio. O problema primordial era fazer admitir pelos Tribunais Reais a sua competência, daí nascendo a regra: remedies precede rights (em primeiro lugar o processo). A common law, nas suas origens, não continha regras de direito substantivo, somente um certo número de processos, ao final dos quais seria proferida uma sentença, incerta quanto à sua substância. 61 DAVID, 1997. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 341 17/5/2011, 17:47 p. consideravelmente. MERRYMAN. o qual passava pelo Chanceler. Esta dualidade é respeitada pelos juízes. que é em si mesma uma doutrina judicial64. tanto quanto as decisões judiciais. Entretanto. ao mesmo tempo ambos os sistemas63. 283-300. mas não podia realizar novas intervenções em detrimento dos tribunais de common law. 17:47 . Não há uma teoria sistêmica ou hierárquica sobre as fontes. com regras de equity e de common law. sendo suas decisões tomadas “pela equidade do caso particular”.p65 342 17/5/2011. 1997. “A distinção entre o direito civil e o direito comercial no direito inglês” (tradução de “La distinction du droit civil et du droit commercial et le droit anglais” por Fábio Konder Comparato. a faculdade de decidir por equidade não é considerada uma ameaça à certeza da lei. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Esta é a razão do direito inglês possuir até hoje uma estrutura dualista. p. 88-101. Trata-se de adotar soluções que satisfaçam a todos no maior grau. 9. as opiniões dos juízes encontram-se divididas: alguns desenvolvem princípios de eqüidade (a new equity). 1969. como um ramo de direito autônomo. sem outras notas bibliográficas). Com o tempo o sistema dual de tribunais transformou-se.VARIAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE EQUIDADE Os obstáculos existentes na administração da justiça pelos Tribunais de Westminster fez surgir um recurso direto ao Rei. e as jurisdições e princípios fundiram-se num sistema único. CONCLUSÃO A adequação entre casos e regras e entre casos e princípios exige uma particular disposição de espírito dos que têm a função de julgar. As relações entre common law e equity foram modificadas a partir do momento que os juízes foram chamados a administrar. que são vistos com uma certa reserva pela maioria dos juristas. Ressalte-se que a equity é efetivamente reconhecida. Neste sistema são consideradas fontes do direito: a lei e o acervo de estatutos não sistêmicos. A legislação é uma fonte. práticas costumeiras. Em 1616 registrou-se um compromisso entre common law e equity: a jurisdição do Chanceler permaneceu. em equity. decisões judiciais. como afirma Henry Burin des Roziers. apesar de as razões históricas não mais existirem e de eles não colocarem em discussão as regras de direito estabelecidas pela equidade62. Sobre essa unificação. em certa medida. e direcionadas para o 62 63 64 DAVID.342 . segundo os quais esta tarefa é hoje do parlamento e não deve ser realizada pelos juízes. pois o efeito da certeza deve realizar-se através da doutrina do stare decisis. A função unificadora da jurisprudência não se afasta das exigências de justiça material. ao deliberar sobre valores e proferir um julgamento ético ele ultrapasse o critério objetivo da norma. O fato é que a equidade surge em formas originais. Tempo suficiente para afirmar que entre as várias virtudes citadas neste livro de homenagem. é possível falar em objetividade65 da moral. desde 1986 até a presente data.ELZA ANTONIA PEREIRA CUNHA BOITEUX . pois o sistema moral preserva valores que se tornam invariantes axiológicas dentro da ordem normativa. 17:47 . fui sua orientanda no doutorado em filosofia do direito. 65 MARMOR. pois ela deve reconhecer o caráter razoável e não arbitrário da lei. os casos que são pensados em função dos princípios e das regras requerem um juízo de razoabilidade na aplicação da lei. como forma de argumentação. o juiz não pode aplicar o seu código de valores ele tem que se referir ao conteúdo objetivo da norma vigente na época. Assim. como um ideal a ser alcançado.p65 343 17/5/2011. Finalmente. como consequência da constitucionalização dos direitos e os princípios de justiça. Entretanto. nos mais diversos campos do direito. São soluções que procuram atender os requisitos objetivos do direito e não os subjetivos do julgador. decorre da equidade de tratamento que dispensa aos alunos e orientandos.343 bem comum. p. esclareço que o tema da equidade é muito relevante na vida do Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior. mas é um recurso racional argumentativo que pode dar conteúdo as convenções em torno de valores. enquanto mestre. o Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior é um ser humano “equitativo” na expressão de Aristóteles. na graduação e na pós-graduação. quando fui sua aluna pela primeira vez. Conheço o professor Tércio desde 1979. Finalmente tive a honra de ser sua assistente na Faculdade de Direito da USP. A referência aos valores morais deve ser motivada. 266-302. Posteriormente. ainda que só possa ser atendido de forma variável. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 2000. Ela não oferece uma solução única e ótima para todos os casos. fazendo com que os seus alunos sintam-se iguais e tratados com humanidade. Desta forma. indicando-se o fundamento legal. Esta sabedoria que encanta os seus alunos desde a graduação à pós-graduação. Mas é possível que. contagiandoos com sua energia durante as aulas. a tensão entre caso e regra introduz um elemento de equidade na vida do direito. Ao julgar o caso. DINH. TELLES JÚNIOR. Alaôr Caffé. GARCIA MORENTE. 2009. 4ª ed. Robert. Tércio Sampaio. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 1960.344 . Eros Roberto. José de Oliveira. Lisboa: Calouste Gulbenkian. 1972. São Paulo: Companhia das Letras. 2006. p. A legitimidade na correlação Direito e poder: uma leitura do tema inspirado no tridimensionalismo jurídico de Miguel Reale. I: Lições preliminares. Fábio Konder. Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9307/96. 529. PELLET. Tércio Sampaio. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Norberto. Carla. Urbano (coord. Brasília: Editora Universidade de Brasília. Cuadernos de Filosofía del Derecho. ARISTÓTELES(c). GRAU. São Paulo: Martins Fontes. I. 2001. Ética a Nicômaco. Brasília: Editora Unb. Madrid: Editorial Debate. 17:47 . In: ZILLES. São Paulo: Editor Victor Civita. Goffredo da Silva. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1998. ______. Fundamentos de Filosofia. Paulo Farmahouse Alberto e Alberto Nascimento Pena. Lisboa: Edições 70. 204. Tradução de Clovis Bevilaqua. 1989. São Paulo: Ícone. CARMONA. retroactividad y principio de legalidad penal. 1995. 2010. a liberdade. Alain. São Paulo: Martins Fontes. COMPARATO. Miguel Reale: estudos em homenagem a seus 90 anos. Nguyen Quoc. ______. Lições de filosofia do direito. René. Celso. moral e religião no mundo moderno. FERRAZ JÚNIOR. 2. La doctrina del Tribunal Constitucional Federal alemán sobre los homicidios cometidos por los centinelas del Muro de Berlín. ASCENSÃO. Ética: direito. In: Contribución a la teoría del derecho. São Paulo: Malheiros. São Paulo: Atlas. São Paulo: Mestre Jou. ARISTÓTELES(d). O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Paris: Société D’Edition “Les Belles lettres”. ARISTÓTELES(b). O conceito de sistema no direito. Retórica. Lisboa: Almedina. O Direito: introdução e teoria geral.). Rio de Janeiro: Jornal do Commercio. DOXA 23. ARISTÓTELES. Teoria geral do ordenamento jurídico. Porto Alegre: Edipucrs. 2004. 2005. La Ciencia del derecho y el papel del jurista. a justiça e o direito. Direito Internacional Público.p65 344 17/5/2011. KANT. 2006. Ética a Nicômacos. O direito inglês. Patrick. ______. A filosofia do direito e princípios gerais: considerações sobre a pergunta “O que é a Filosofia do Direito”. Introdução ao estudo do direito. Coimbra: Armênio Amado. Tradução de Vitor Marques Coelho. 1937. O que é Filosofia do Direito. 1930. 1990. A filosofia contemporânea do Direito – desafios. São Paulo: Martins Fontes. v. FERRAZ JÚNIOR. LAFER. Fábio Konder. Derecho injusto. DEL VECCHIO. COMPARATO. Celso. Giorgio. ______. 1997. São Paulo: Manole.VARIAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE EQUIDADE REFERÊNCIAS ALEXY. BOBBIO. Tradução de Manuel Alexandre Júnior. 2003. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. Sobre os princípios gerais do direito. Tércio Sampaio. 1987. 1976. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. Texte établi et traduit par Médéric Dufour. In: ALVES. 1973. Prolegómenos a toda metafísica futura. ______. 1991. 2000. 1986. M. LAFER. Estudos de Filosofia do Direito: reflexões sobre o poder. Rhétorique. Tradução de Mario da Gama Kury. DAILLIER. São Paulo: Atlas. 2000. ______. DAVID. FARALLI. ______. p. In: ______. Celso D. 1943. In: Variações. de Albuquerque. O direito e a vida dos direitos. MELLO. Editions Esprit. Conceito e funções da equidade em face do direito positivo (especialmente no direito civil). Antígona. Miguel. Andrei. Engeux philosophiques. ZAGREBELSKY. Guido Fernando da Silva. Tércio. Quelques observations sur les lacunes en droit internacional public. 1968. Direito Política Filosofia Poesia: estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale. MERRYMAN.345 ______. 2002.c. Tradução do grego por Mário da Gama Kury. em seu octogésimo aniversario. In: Le juste. São Paulo: Martins Fontes. Le problème des lacunes en droit. 17:47 . Gustav.p65 345 17/5/2011. 1999. Alípio. SILVEIRA. São Paulo: s. São Paulo: Saraiva. 1. 1979. A.. México: Fondo de Cultura Económica. Rio de Janeiro: Renovar.. obrigações e responsabilidades. REALE. 2003. Vicente. SALMON. Filosofia do Direito. São Paulo: Edições GRD. Curso de Direito Internacional Público. SÓFOCLES. ampl. SOARES. In: A Trilogia Tebana. 1969. 2001. John Henry. Variações sobre a experiência.p. São Paulo: Ed. Gustavo. Direito Internacional do meio ambiente: emergência. 1995. FERRAZ JÚNIOR. 2000. v. 5ª ed. In: Direito e interpretação. Madrid: Editorial Trotta. MARMOR. 2000. 1992. Revista dos Tribunais. Jean J. La consciencie et la Loi. RADBRUCH. Três conceitos de objetividade. La tradición jurídica romano-canónica. Paul. Études publiées par Chaïm PERELMAN. São Paulo: Atlas. El derecho dúctil.ELZA ANTONIA PEREIRA CUNHA BOITEUX . Coimbra: Armênio Amado. 1999. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Tradução de L. RÁO. A importancia do valor justiça na reflexão de Miguel Reale. Bruxeles: Émile Bruylant. RICOEUR. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Cabral de Moncada. p65 346 17/5/2011. 17:47 .Filosofia e Teoria Geral do Direito. Ministro do Supremo Tribunal Federal.O “PRINCÍPIO” DA LEGALIDADE E AS DUAS LEGALIDADES: PAVANA PARA DOIS ACÓRDÃOS DO STF Eros Roberto Grau Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da USP.p65 347 17/5/2011. 17:47 . Filosofia e Teoria Geral do Direito. Pavana é uma bela palavra. II. 22. II. idênticas. as regras. No segundo (HC 91. a partir de um mesmo ponto. OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E À RESERVA DE LEI [CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 68. ARTIGO 2º]”. SEPARAÇÃO DOS PODERES [CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 02. INCISOS XXXVII E LIII. ALÍNEAS A E D]. ARTIGOS 5º. I E 96. 24.. 03. XI. SEPARAÇÃO DOS PODERES [CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LEI. CRIME SEXUAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E À RESERVA DE LEI [CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. qual Filosofia e Teoria Geral do Direito. AUSÊNCIA DE DELEGAÇÃO DE F UNÇÃO LEGISLATIVA. ESPECIALIZAÇÃO DE VARA POR RESOLUÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.509. As ementas de ambos são.060 e 91. ALÍNEAS A E D]. No primeiro (HC 85. XI. I.p65 348 17/5/2011. FORMAÇÃO DE QUADRILHA E GESTÃO FRAUDULENTA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. COMPETÊNCIA. REGULAMENTO E REGIMENTO. Sempre que pouco usada. os HCs 85. ARTIGO 2º]”. O tema da legalidade [rectius das legalidades] veio a tona no julgamento de dois habeas corpus pelo Supremo Tribunal Federal.. ESPECIALIZAÇÃO DE VARA POR RESOLUÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO.509): “HABEAS CORPUS. 68. I. PENAL. ARTIGOS 5º. visto os dois casos eram análogos. § 1º. 17:47 . PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL.. 22.348 . PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E PRINCÍPIOS DA RESERVA DA LEI E DA RESERVA DA NORMA. I E 96. FUNÇÃO LEGISLATIVA E FUNÇÃO NORMATIVA. INOCORRÊNCIA. FUNÇÃO LEGISLATIVA E FUNÇÃO NORMATIVA. INCISOS XXXVII E LIII. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E PRINCÍPIOS DA RESERVA DA LEI E DA RESERVA DA NORMA. que a especialização de varas por Resolução do Poder Judiciário não viola os princípios – vale dizer. REGULAMENTO E REGIMENTO. LEI. muito pouco usada. 01. COMPETÊNCIA. em suma. 24. Sobretudo por que pouco usada. AUSÊNCIA DE DELEGAÇÃO DE FUNÇÃO LEGISLATIVA. INOCORRÊNCIA. qualquer palavra vira ousada. PENAL.060) diz o topo da ementa: “HABEAS CORPUS..O “PRINCÍPIO” DA LEGALIDADE E AS DUAS LEGALIDADES: PAVANA PARA. § 1º. A matéria de ambos era a mesma. O tribunal decidiu. Em ambos. da legalidade e da reserva da lei. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Esse foi o cerne da questão. há de ser colhida no texto constitucional.349 explicarei adiante – do juiz natural. sobre elas dispondo. no exercício da função normativa. em regulamentos e regimentos. no segundo.: não haverá crime ou pena. 04. nem tributo. explícita ou implícita. no primeiro. 17:47 . nos trechos idênticos que se pode ler nas ementas de um e outro. (2) no primeiro caso estamos diante da reserva da lei. aqui entendida como tipo específico de ato legislativo. ao Executivo e ao Judiciário.EROS ROBERTO GRAU . fixadas em virtude dela – de lei. embora se tenha ainda cogitado da distinção entre função legislativa e função normativa e da “separação dos poderes”. (5) se há matérias que não podem ser reguladas senão pela lei – v. (6) quanto à definição do que está incluído nas matérias de reserva de lei. nem exigência de órgão público para o exercício de atividade econômica sem lei. em face da reserva da norma [norma que pode ser tanto legal quanto regulamentar ou regimental].g. que os estabeleça – das excluídas a essa exigência podem tratar. o Poder Executivo e o Judiciário. quanto a essas matérias não cabem regulamentos e regimentos. mas. (3) na segunda situação. Inconcebível a admissão de que o texto constitucional contivesse disposição despicienda – verba cum effectu sunt accipienda. Em ambos os casos a decisão foi tomada por unanimidade de votos. com ressalva do Ministro Carlos Britto. o princípio da legalidade expressa reserva de lei em termos relativos [= reserva da norma]. ainda quando as definições em pauta se operem em atos normativos não da espécie legislativa – mas decorrentes de previsão implícita ou explícita em lei – o princípio estará sendo acatado. definir obrigação de fazer ou não fazer que se imponha aos particulares e os vincule. para. (4) no caso concreto. não impede a atribuição. os seguintes fundamentos das decisões foram afirmados pelo tribunal: (1) no enunciado do preceito – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei – há visível distinção entre as seguintes situações: [1i] vinculação às definições da lei e [1ii] vinculação às definições decorrentes – isto é.p65 349 17/5/2011. Quanto à primeira. 05. duas breves digressões. na perspectiva dos tempos de hoje. 1984. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 5ª ed. Crítica do direito e do Estado. Lá estão meus argumentos. respectivamente – não o fazem no exercício da função legislativa. ou não. pressupostos do Estado de direito. a segunda sobre os princípios. 17:47 . In: PLASTINO. Perece quando não adequado ao mundo do ser. 11. derrogação do princípio da divisão dos poderes. V. 280. Mais de uma vez escrevi sobre isso. p. Legalidade e separação dos poderes consubstanciam.). mas dizer o que direi a seguir me satisfaz! [primeira digressão: sobre a “separação dos poderes”] 06. ocorre-me lembrar uma observação de Antoine Jeammaud1: “a dominação através do direito apresenta uma especificidade que. É bem verdade que a legalidade e o procedimento legal resultam. pensando bem. contra a perversidade e a violência. 07. É. portanto.p65 350 17/5/2011. pois.. Rio de Janeiro: Graal.. ao modo de produção social3. (7) não há delegação de competência legislativa na hipótese e. não envolvem. antes de alcançar o ponto de meu interesse. a primeira relativa à “separação dos poderes”. abuso da paciência do leitor rogando-lhe leia o voto do relator nos dois HCs. meu Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. Como não é por conta deles que componho esta pavana. 2010. O direito posto – como anotei em outro texto2 – não é justo ou injusto. 90. neste passo me permito. Ainda hoje consubstancia uma idéia dominante 1 2 3 Algumas questões a abordar em comum para fazer avançar o conhecimento crítico do direito. inconstitucionalidade.350 ... São Paulo: Malheiros Editores. quando o Executivo e o Judiciário expedem atos normativos de caráter não legislativo – regulamentos e regimentos. p. A separação dos poderes. São Paulo: Malheiros Editores. p. (8) o exercício da função regulamentar e da função regimental não decorrem de delegação de função legislativa. faz dela um modo de dominação preferível a qualquer outro”. por outro lado. funcionando como as nossas derradeiras defesas. A legalidade é o derradeiro instrumento de defesa das classes subalternas. inúmeras vezes. Sobre a prestação jurisdicional – Direito Penal. perversos e violentos. constitui um dos mitos mais eficazes do Estado liberal. Quanto aos temas sintetizados nesses fundamentos. contudo. por acaso eu. Carlos Alberto (org. mas no desenvolvimento de função normativa. eficaz.O “PRINCÍPIO” DA LEGALIDADE E AS DUAS LEGALIDADES: PAVANA PARA. 2009. como produtores de idéias. Bruxelles: Éditions Oupia. mas de divisão. ao mesmo tempo. mostra-se como idéia dominante a doutrina da divisão dos poderes. o que faz com que a ela sejam submetidas. inexistente. E quando. sua força espiritual dominante. a esse respeito. pág..986. as idéias dominantes da época. Filosofia e Teoria Geral do Direito. por todos. quem controla o poder. precisamente. 3-34) e La pensée constitutionnelle de Montesquieu. apontamos que o rei está nu.351 enunciada como “lei eterna”4. como observa Poulantzas7. 35-66). a dominação está dividida.p65 351 17/5/2011. dominem também como pensadores. Alguns o disseram de modo percuciente. ao mesmo tempo. 1. portanto. conseqüentemente. no seu funcionamento. dois textos de Charles Eisenmann5. por demonstrar que não apenas quando Executivo e Legislativo estejam controlados pela mesma classe ou fração hegemônica a divisão dos poderes é. dos poderes. L’esprit des lois et la séparation des pouvoirs. portanto. Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem. por isso mesmo. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe. pensam. de quando em quando. em cada época. as idéias dominantes. Paris: PUF. 135. Paris: Maspero. 17:47 . Montesquieu jamais cogitou de separação. o que dizem Marx e Engels. Somos a sua força espiritual. do equilíbrio. Todos os conhecem. as idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção espiritual. Se – diz ele – a liberdade só pode existir nos Estados moderados. esses textos. entre outras coisas. Bruxelles: Éditions Oupia. Indico. Ou. por isso. nos quais Althusser6 encontra os fundamentos da assertiva de que a separação dos poderes não passa de um mito. 1968. 1985. enunciada então como ‘lei eterna’”. Por exemplo. entre outras coisas. também consciência e. ainda quando grupos diferentes os controlam. Isso por que. Pouvoir politique et classes sociales II. As idéias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das relações materiais dominantes. 1985 (pp. Cahiers de philosophie politique (Montesquieu). contudo. o que nos torna puros. Cahiers de philosophie politique (Montesquieu). A ideologia alemã. Althusser responde essas perguntas na afirmação de que Montesquieu fazia da nobreza a beneficiária desse equilíbrio: a nobreza controlava o poder. a expressão das relações que tornam uma classe a classe dominante. p.: “As idéias (Gedanken) da classe dominante são. dos meios de produção espiritual. em equilíbrio. Resta indagarmos a quem beneficia o equilíbrio que provém dessa divisão. 1985 (pp.EROS ROBERTO GRAU . 08. a unidade do poder institucionalizado se mantém no 4 5 6 7 Lembre-se. 6ª ed. A aplicação da teoria na praxis política finda. São Paulo: Hucitec. as relações materiais concebidas como idéias. as idéias de sua dominação. ao mesmo tempo e em média. de modo que a eles somente faço referência.. numa época e num país em que a aristocracia e a burguesia disputam a dominação e em que. é evidente que o façam em toda sua extensão e. causamos espanto. 5ª ed. em outros termos. portanto. a divisão dos poderes encerra em si a virtude. Os juristas em regra reproduzem o que é conveniente aos que detém a força material dominante da sociedade. Trad. Montesquieu – La politique et l’histoire. 72. isto é.. que regulem a produção e a distribuição das idéias de seu tempo e que suas idéias sejam. nos quais ninguém abuse do poder. na medida em que dominam como classe e determinam todo o âmbito de uma época histórica. de José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira. a classe que é a força material dominante da sociedade é. p. senão ao mercado. pág. 1995. Daí que os juízes. aliás. 329): “Assim. Ob. de Luiz Corção. Paris: LGDJ. divididos] não apenas formalmente. A verdade realmente é que. pelas suas duas casas. 43. não representando ninguém. 1. o que envolve as declarações de 8 9 10 11 12 13 Diz.352 . um Judiciário independente consubstancie o mínimo irredutível da doutrina da separação dos poderes. E isso ainda que. necessita da generalidade da lei – vale dizer. Estado democrático e Estado autoritário.O “PRINCÍPIO” DA LEGALIDADE E AS DUAS LEGALIDADES: PAVANA PARA. ao Grande Conselho cabe a legislação.978. Mas o mal é que esses tribunais diferentes são formados por magistrados do mesmo corpo. aos pregandi. Montesquieu relacionava-os a distintos grupos sociais: o monarca. Trad. A livre concorrência. Esta. com Neumann13. I. cit. não poderiam ser eleitos. Filosofia e Teoria Geral do Direito. A quem ela serve hoje. aos guaranties. Ob. cuja existência seria inviável sem a calculabilidade e a previsibilidade instaladas pelo direito moderno. Dizendoo de modo singelo. Paris: Gallimard. cit. deveria representar a aristocracia e a burguesia respectivamente. se todos eles se encontram controlados por um só grupo social? Sensível a isso. grupos sociais diferentes dominando poderes diferentes. A racionalidade jurídica do direito moderno coincide com a afirmação jurídica da primazia das autonomias individuais. que devia reter o poder executivo. como anota André Demichel11. o que reclama precisamente a “separação de poderes”. p. da racionalidade do direito – e da absoluta subordinação do juiz a ele. p. representava interesses sociais diferentes dos interesses da legislatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores. Le droit administratif – essai de réflexion théorique. essa doutrina deve seu sucesso mais à sua utilidade do que ao seu valor intrínseco. a ninguém. lugar predominante no qual se reflete a classe ou fração hegemônica8. 1. 17:47 . ibidem. vol. pp. 159.. como anota Franz Neumann12. 49-50. a tarefa primordial do Estado é a de institucionalizar um Estado legal garantidor da execução dos contratos. no plano social. A “separação dos poderes” poderia funcionar como mecanismo de controle do poder unicamente se os três poderes estivessem separados [rectius. o que quase faz com que componham um mesmo poder”. em Veneza.. por sua vez. deveria representar a todos e. em termos institucionais. O judiciário. 154... A indagação de Franz Neumann9 é cruel: como poderemos assentar alguma garantia de liberdade em três poderes “separados”. sendo en quelque façon nulle. o poder de julgar. como observa Neumann10. o próprio Montesquieu (De l’Esprit des lois.p65 352 17/5/2011. Idem. 09.969.. a execução. portanto. mas também materialmente. Neste último. erigido sobre a Constituição racional – racional na medida em que. quer dizer. seconde édition. a totalidade (ou seja. Ora. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 273. par. Esse modo de ver encerra uma hostilidade. c) a subjetividade como decisão suprema da vontade – poder do príncipe. o que certamente leva a um equilíbrio geral de contrapesos. com efeito. Os adeptos do primeiro estão. um procedimento unilateral que consiste em tomar seu relacionamento mútuo como algo negativo. Mas não é disso que desejo. ou 14 15 16 Principes de la philosophie du droit ou droit naturel et science de l’Etat en abrégé. Mas o Estado político. 272.. Objetivamente: liberalismo político e liberalismo econômico se entrelaçam de modo tal que. em si mesmo. em passos sucessivos. 283. o momento essencial da diferença. pág. pág. Idem. um temor. Ensina.993. 280. e. por um lado. agora. este poder é a suma e a base do todo. Paris: Librairie Philosophique J.p65 353 17/5/2011. autonomias individuais dos que podem tê-las. observação. 1. 10.353 direitos. ingenuamente ou não. da racionalidade real. págs. o velho Hegel: “O princípio da divisão dos poderes contém. 17:47 . par. por outro lado. o entendimento abstrato apreende-o de um modo que implica. os diferentes poderes são reunidos em uma unidade individual e. um todo individual único) – o Estado político é uma totalidade. especialmente a da separação dos poderes e a da legalidade. mas de modo algum a uma unidade viva”16. Idem. tratar. continua Hegel15. a serviço do segundo. 282. ao afirmar que o Estado político divide-se nas seguintes diferenças substanciais: a) o poder de definir e estabelecer o universal – poder legislativo. b) a subsunção dos domínios particulares e dos casos individuais sob o universal – poder de governo. cada um aparece como um mal para o outro e o determina a opor-se a ele. 272..EROS ROBERTO GRAU . par. por conseqüência. de cada qual em face do outro. Vrin. o movimento do constitucionalismo liberal e suas técnicas. Permito-me somente relembrar o que disse Hegel14. sob pena de comprometimento da essência de um e outro. a determinação errônea da autonomia absoluta dos poderes uns com relação aos outros. porém de modo que cada um deles seja. ou seja. não os podemos cindir. Daí ser necessário desnudarmos o comprometimento dos “direitos fundamentais” e dos “direitos do homem” com a afirmação da primazia das autonomias individuais. dos proprietários burgueses. “. o Estado determina e distribui sua atividade entre vários poderes. como uma restrição recíproca. saibamos que nem sempre aquilo que espontaneamente vem à mente. a cada sociedade política correspondendo um modelo particular e específico seu.929. é. ambos são indivisíveis. Pois é certo que o direito não é uma simples representação da realidade social. O do juiz natural. 304.. Digo mais: o Poder. et non pas uniquement une seule démocratie ou une seule oligarchie”.p65 354 17/5/2011. alguns princípios. ao afirmar que.. 1. Não obstante. 1289 a 20-25): “il n’est pas possible. Porto Alegre: Livraria do Globo. Os dois acórdãos aos quais me refiro referem. a verdade que o mito se presta a ocultar. o da legalidade.”17 Disse-o. A soberania popular é a força que o constitui. fruto de uma determinada cultura. isolamento de órgãos. como o poder. aquilo que mais impressiona. mas sim um nível funcional do todo social. sem que essa especialização de funções comprometa sua indivisibilidade20. quando os diferentes poderes supostamente se diferenciam apenas enquanto momentos do conceito. por ele próprio. O poder do Estado é indivisível. J. ele (o Estado) divida as suas funções19. Mas a soberania popular. recurso lingüístico que faz enorme sucesso no quadro da ideologia liberal. e conter nele os outros momentos. 11.. ob. 1. s’il est vrai qu’il existe plusieurs espèces de chacun de ces régimes.. de sua ação e de sua eficiência. que les mêmes lois soient bonnes pour toutes les démocraties. como no corpo do homem. não pode ser materialmente dividida. e. J. Eis. 152. 272. curiosamente. 17 18 19 20 Idem. Vrin. [segunda digressão: sobre os princípios] 12. por conveniência. mais de uma vez. é necessário evitar incorrer no enorme erro de considerar as coisas como se cada poder estivesse supostamente lá abstratamente. Por isso não pode ser concebido como um fenômeno universal e atemporal continente desse modelo universal. sim. no Estado. é o essencial. Quando se fala da diversidade de eficácia dos poderes. A separação dos poderes não passa de um mito. Produto cultural.O “PRINCÍPIO” DA LEGALIDADE E AS DUAS LEGALIDADES: PAVANA PARA. par.354 . pág. 17:47 . pág. en effet. 3ª ed..982 [IV. distribuindo tais e quais funções ao legislativo e a órgãos executivos e judiciários. é verdade. Tricot. adendo. cit. Comentários à Constituição brasileira. Como a autoridade. mas cada um deles deve constituir um todo nele próprio. Carlos Maximiliano18. p. Por isso mesmo não há um modelo universal de “separação” ou harmonia e equilíbrio entre os poderes. 1. de modo diverso. sempre. 280. que devem ser distinguidos os poderes do Estado. o da reserva da lei. Filosofia e Teoria Geral do Direito. permitindo que. externa a ela. Paris. Vide Franz Neumann. ninguém disso se lembra. não há. Lembre-se Aristóteles n’A Política (trad. É assim. o Estado o recebe por delegação da Assembléia Constituinte. o da divisão dos poderes. pois. um dos mais eficazes instrumentos lingüísticos de dominação que temos conhecido. especialização de funções. uma espécie do gênero regra. Tenho que as normas jurídicas são produzidas pelo intérprete a partir de textos normativos e da realidade. Filosofia e Teoria Geral do Direito. A generalidade então reside na aptidão. pp. O que caracteriza essa espécie de regra. quando ela chegou. proibindo ou permitindo uma determinada ação – sob a ameaça de uma sanção estatal.]. Como decidiam os juízes que contavam apenas com as regras para decidir? 21 De la polysémie du terme “principe” dans les langages du droit et des juristes. In: CAUDAL. segundo Jeammaud.p65 355 17/5/2011. 2008. um caráter mais amplo e largo de generalidade. faço uma distinção entre texto normativo e norma jurídica. A concepção deôntica toma a regra de direito como regra de conduta ou de comportamento – isto é. também os caracteriza certa proximidade aos valores tidos como inspiradores do direito positivo. Note-se bem que.. Daí que a concepção funcional exclui qualquer oposição entre regra e princípio. contudo. 17:47 . 49 e ss. Dizendo a meu modo o que afirma Jeammaud. da regra. portanto. E. os princípios. tomando-as em conjunto com a realidade. direi que os textos normativos são regras das quais os princípios são espécie. A regra de direito pode. Cheguei a indagar a mim mesmo. como os juízes decidiam antes de tomar-se o direito a sério. O intérprete. pois.. as transforma em normas. Les principes en droit. 13. no pensamento de Antoine Jeammaud. os princípios são regras de direito. A generalidade da regra está em que ela deve ser a mesma para todos. é o seu grau de generalidade. Os princípios são. mais. Paris: Economica.EROS ROBERTO GRAU . Ainda assim. a receber um número de aplicações a priori ilimitado. A essência normativa (le statu de règle) de um enunciado [= texto normativo] encontra-se na sua vocação a servir de referência (de “modelo”) para determinar como as coisas devem ser. essa proximidade aos valores não lhes retira o caráter de regra. prescrevendo.355 A respeito deles retorno a Antoine Jeammaud. em um texto21 no qual propõe a substituição da teoria deôntica por uma teoria funcional da normatividade do direito. não apenas condutas. de minha parte. o paradigma dos princípios nos fez muito mal. Outro é o sentido da generalidade inerente à normatividade no quadro da concepção funcional. A onda. 14. ter diversos objetos. Sylvie [org. O “PRINCÍPIO” DA LEGALIDADE E AS DUAS LEGALIDADES: PAVANA PARA. no entanto. agora. a planejar a revisão do que tenho escrito em relação aos princípios. 283 e ss. entre os quais o de que no enunciado do artigo 5º. Tenho sido assim. quase ao final da minha judicatura. mas após essa transformação. págs. cit..1 O relator afirmou os argumentos alinhados na ementa. não somente do controle da constitucionalidade das leis. mas também do controle da sua razoabilidade e da sua proporcionalidade23.060 e 91. porque – como afirmei linhas acima – sei que a legalidade é o último instrumento de defesa das classes subalternas. Outro lastimável desvio causado pelo paradigma dos princípios encontra-se na concepção de que proporcionalidade e razoabilidade são princípios.509. Começo aqui. no entanto. Curiosamente. Prevaleceu o voto do relator.. pela Segunda Turma. critérios que atuam não no momento da transformação das regras em normas. tem porém como objeto dois habeas corpus decididos pelo Supremo Tribunal Federal. o subjetivismo desabrido da chamada ponderação entre princípios22. O segundo foi consumado. O primeiro. como o leitor atento perceberá. um novo artigo no qual pretendo pedir que todos “esqueçam o que escrevi sobre os princípios”. que componho em homenagem ao Tércio. julgado pela Primeira Turma do STF. em cada caso. os HCs 85.. 291 e ss. ensejou divergência e ressalva que passo a sintetizar: 16. da decisão judicial aplicada a cada caso. Este texto.p65 356 17/5/2011. cheguei ao tribunal do qual sou membro como marxista. sem reserva nenhuma. no que escrevo e como membro do Supremo Tribunal Federal do Brasil. porém critérios de aplicação de regras de direito. Uma e outra – proporcionalidade razoabilidade – não são nem mesmo regras de direito. sem debates.. que permite aos juízes decidirem à margem do direito positivo. Tenho criticado vigorosamente. o que vem dando lugar ao exercício. que proporcionalidade e razoabilidade são critérios de aplicação do direito. 17:47 . II da Constituição do 22 23 Vide meu Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito.. ao menos no Brasil. 15. [retorno aos acórdãos] 16. Idem. Filosofia e Teoria Geral do Direito. págs.356 . Não sabem – ou fingem que não sabem – os juízes e os juristas. sendo classificado como positivista. no instante da definição. no entanto. EROS ROBERTO GRAU - 357 Brasil (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”) há visível distinção entre as seguintes situações: [a] vinculação às definições da lei e [b] vinculação às definições decorrentes de lei – isto é, fixadas em razão dela. No primeiro caso estamos diante da reserva da lei; no segundo, em face da reserva da norma [norma que pode ser tanto legal quanto regulamentar ou regimental]. Na segunda situação, ainda quando as definições em pauta se operem em atos normativos não da espécie legislativa – mas decorrentes de previsão implícita ou explícita em lei – o princípio estará sendo acatado. 16.2 O Ministro Carlos Britto concordou com a conclusão do voto do relator, mas discordou de que “o inciso II do artigo 5º da Constituição não se refira à lei fazendo, mas à lei mandando fazer”. Indagado pelo Ministro Sepúlveda Pertence se “esse ‘em virtude de lei’ significará ordenado imediatamente pela lei”, o Ministro Carlos Britto respondeu que sim24. A tanto o Ministro Sepúlveda Pertence indagou se, “[e]ntão, o resto das modalidades normativas infralegais seria inócuo”. O Ministro Carlos Britto contestou o que disse Pertence, afirmando que “[v]irtude ‘”significa ’qualquer boa qualidade, basta consultar o dicionário”. E prosseguiu: “Quando a Constituição diz ‘em virtude de lei’, está dizendo ‘senão pela boa ‘qualidade da lei’, prestígio máximo à lei em sentido formal, ou seja, qualquer um dos atos do artigo 59: emenda à Constituição, lei complementar, lei ordinária, lei delegada, etc.”. Após afirmou, ainda o Ministro Carlos Britto, que a Constituição diz “que o fato de não haver lei não significa que não haja direito. A ausência da lei não significa ausência de direito. A liberdade está assegurada; a licitude da conduta humana já está assegurada pela ausência da lei. Entretanto, ante a presença da lei obrigando alguém a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, cessa esse pressuposto – esse a 24 “Isso”, disse ele. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 357 17/5/2011, 17:47 358 - O “PRINCÍPIO” DA LEGALIDADE E AS DUAS LEGALIDADES: PAVANA PARA... priori25 – da liberdade no ponto de partida. Daí porque a Constituição diz, no artigo 84, IV, que cabe ao Poder Executivo expedir decretos e regulamentos para a fiel execução da lei. O artigo 37 diz que a legalidade é um dos princípios regentes da administração pública, a significar que o administrador não retira sua regra de competência senão da lei em sentido formal. Esse é o princípio da legalidade. Quanto a regimento, ele é de previsibilidade expressa da Constituição, que categoricamente se refere aos regimentos tribunalícios, assim como aos parlamentares”. E concluiu: “De sorte, quanto ao fundamento relativizador da expressão ‘em virtude de’, como se não fosse a lei fazendo, mas mandando fazer, ouso discordar da tão sólida e bem exposta fundamentação do Ministro Eros Grau. Essa a ressalva que quero fazer”. 16.3 Em seguida a breve debate a respeito da diferença entre competência de foro e competência de juízo, o Ministro Sepúlveda Pertence interveio para, dirigindo-se ao Ministro Carlos Britto, dizer: “Penso que ‘em virtude de lei’, com toda virtude que Vossa Excelência emprestou à lei, é menos do que não haverá crime sem prévia definição em lei. Aí, não há dúvida: o que não está na lei”. E, mais adiante, a outra breve alusão ao tema da prorrogação de competência territorial seguiu-se pedido de vista do Ministro Cezar Peluso. 16.4 O voto do Ministro Cezar Peluso acompanhou o do relator, anotando que o fazia por diferentes fundamentos. “É que – diz ele – na sessão plenária de 15.05.200826, no julgamento do HC nº 88.660-4 (Rel. Min. Cármen Lúcia), esta Corte pronunciou-se sobre a matéria relativa à especialização de varas, decidindo o assunto”. Afastou então a alegação de afronta ao princípio do juiz natural e “deu pela possibilidade de especialização de varas mediante Resolução de Tribunal Regional Federal, sem insulto à separação de poderes, nem ao princípio da reserva legal, pois autorizam-na dispositivos constitucionais e legais que regem a organização judiciária, quais sejam, o art. 96, inc. I, a, da Constituição Federal, a 25 26 Negrito no original. Note-se que este HC 85.060 começara a ser julgado em 2 de agosto de 2005, data dos votos do relator r do Ministro Carlos Britto. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 358 17/5/2011, 17:47 EROS ROBERTO GRAU - 359 Lei nº 7.727, de 9.1.1989, a Lei nº 9.788, de 19.12.1999, e a Lei nº 10.772, de 21.11.2003”. Seguem-se outras considerações, o relevante para a questão estando, contudo, no trecho acima transcrito. 17. Estou convencido da importância desses dois acórdãos – bem assim do lavrado no HC 88.660 – para o discernimento das duas legalidades contempladas no direito brasileiro. Note-se bem que menciono o direito brasileiro porque a expressão “em virtude de lei” surgiu, entre nós, na Constituição do Império27, tendo sido reproduzida em todas as que vieram depois, salvo na de 193728. Sempre se entendeu, ademais, que, no contexto dessas Constituições, em virtude lei significa em razão de lei. Daí que, entre nós – quem o afirma não sou eu, mas o Supremo Tribunal Federal –, são duas as legalidades. Vale dizer, o direito brasileiro consagra duas regras da legalidade: – uma, no artigo 5º, II, da Constituição do Brasil, a da reserva da norma [= reserva da lei em termos relativos]: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; – outra, a da reserva da lei, em pelo menos três oportunidades [artigo 5º, XXXIX, artigo 150, I e parágrafo único do artigo 170], adotando-a, então, em termos absolutos: não haverá crime ou pena, nem tributo, nem exigência de autorização de órgão público para o exercício de atividade econômica sem lei, aqui entendida como tipo específico de ato legislativo, que os estabeleça. Não tivesse o artigo 5º, II consagrado a regra da legalidade em termos apenas relativos e razão não haveria a justificar a sua inserção, no bojo da Constituição, nessas hipóteses, em termos absolutos. Dizendo-o de outra forma: se há uma regra de reserva da lei – ou seja, se há matérias que não podem ser reguladas senão pela lei – evidente que das excluídas a essa exigência podem tratar, sobre elas dispondo, o Poder Executivo e o Judiciário, em regula- 27 28 Artigo 179, I. Na Constituição de 1937 a expressão aparece unicamente na segunda parte do inciso 11 do artigo 122: “Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, senão pela autoridade competente, em virtude de lei e na forma por ela regulada; a instrução criminal será contraditória, asseguradas antes e depois da formação da culpa as necessárias garantias de defesa”. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 359 17/5/2011, 17:47 360 - O “PRINCÍPIO” DA LEGALIDADE E AS DUAS LEGALIDADES: PAVANA PARA... mentos e regimentos. Quanto à definição do que está incluído nas matérias de reserva de lei, há de ser colhida no texto constitucional. No que concerne a essas matérias não cabem regulamentos, nem regimentos. É inteiramente inconcebível contenha, o texto constitucional, disposição despicienda – verba cum effectu sunt accipienda. 18. Eis a pavana que eu gostaria de compor para esses dois acórdãos. Não a sova – que o tribunal, ele não a merece – mas a sua comemoração, em homenagem ao Tércio. Honfleur, julho de 2010. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 360 17/5/2011, 17:47 PODER DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA E O “PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO CONTRÁRIO” Eurico Marcos Diniz de Santi Professor da DireitoGV Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 361 17/5/2011, 17:47 362 - PODER DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA E O “PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO CONTRÁRIO” 1. UMA BREVE INTRODUÇÃO: FILOSOFIA E TEORIA PARA QUE? Esse trabalho reflete os inestimáveis reflexos da obra e do pensamento do professor Tércio Sampaio Ferraz Junior no direito tributário brasileiro. De um lado, pretende expor a importância da retórica na prática do discurso dogmático; de outro, mostrar como o Mestre dos Mestres influenciou na nossa forma de pensar problemas práticos e cotidianos, de modo a alcançar, novas perspectivas e soluções a partir do instrumental disponibilizado pela Filosofia do Direito e pela Teoria Geral do Direito. 2. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO: ENTRE O LÍCITO E O ILÍCITO, ENTRE O VÁLIDO E O INVÁLIDO, ENTRE O BEM E O MAL A realização da legalidade tributária se esgota na existência da lei ou exige sua concretização no ato de aplicação? Legalismo autista que não se realiza na prática ainda é legalidade? Existe legalidade sem provas? É possível obrigar a Administração Tributária a respeitar a legalidade e, ao mesmo tempo, restringir o acesso ao motivo do ato à prova de situações que não se encontram no mundo empírico? Como se prova o fato da intenção, do dolo, da fraude e da simulação? É possível falar de verdade material sobre o fato da intenção? Nesse sentido, como utilizar a idéia de propósito negocial? Planejamento tributário não é problema legal em que o desafio é separar o lícito do ilícito: é questão institucional! Define-se, de forma sucinta, como (a) pagar menos tributo (b) de forma lícita. Tal noção retrata bem os dois principais aspectos do planejamento tributário e, ao mesmo tempo revela seu principal paradoxo institucional: i. O Fisco não aceita que se usem formas lícitas apenas com o objetivo de pagar menos tributo; entende, nesses casos, que houve simulação e que a forma é ilícita, pois a única intenção da operação era pagar menos tributo; ii. O Fisco apenas aceita que a forma é lícita nos casos em que se paga menos tributo mas não houve a intenção de pagar menos tributo; iii. Logo, verifica-se que a licitude ou ilicitude não está na forma, está na intenção de pagar menos tributo: se reduzo o tributo com a intenção de reduzir tributo, o ato é ilícito; se reduzo o tributo sem a intenção de reduzir tributo, o ato é lícito; Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 362 17/5/2011, 17:47 EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI - 363 iv. Dessa forma, já não importam mais os critérios objetivos do direito para definir ou não se o ato é lícito ou ilícito, tudo é relegado para a subjetiva interpretação de provas indiretas sobre a efetiva intenção ou não de reduzir o tributo; diz-se, assim, que planejamento tributário se verifica caso a caso. Mas como fica a legalidade? Legalidade caso a caso é loteria... v. Como provar a intenção de pagar menos tributo? vi. A intenção de pagar menos tributo é ou pode ser fato gerador de tributo ou multa? Com que fundamento? Eis a questão! 3. ENTRE O ESTADO LIBERAL, O ESTADO SOCIAL E O ENFOQUE FUNCIONALISTA DO DIREITO: O FATO DE O PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL INSTITUIR ESTADO DEMOCRÁTICO SOCIAL DE DIREITO, SOB A DIVINA “PROTEÇÃO DE DEUS”, IMPLICA A EXISTÊNCIA JURÍDICA DE “DEUS”? Na última década, assistimos o combate ideológico e teórico de duas concepções sobre o planejamento tributário, representadas por renomados juristas: de um lado, a defesa do Estado Liberal, dos princípios da livre iniciativa, da ampla liberdade negocial e da tipicidade cerrada do fato gerador; de outro, a defesa do Estado Social, a busca da solidariedade e da capacidade contributiva como valores constitucionais, pretendendo oferecer novas alternativas à “teoria do fato gerador” e propondo a re-qualificação do fato em sintonia com o verdadeiro propósito negocial. Ideologias não se comunicam nem se conciliam: são crenças, questões de fé e só por isso merecem respeito. Também a opção por determinados princípios revela convicções conceptuais impassíveis de serem derrotadas umas pelas outras. Não pretendemos seguir, atacar ou defender nenhuma destas concepções. O plano desse trabalho é reconstruir a relevância da legalidade na prática do direito e os problemas institucionais causados pela ausência de critérios legais claros. Ideologias podem mudar a forma de produção das leis ou informar o redesenho de políticas públicas. Aliás, é o que sugere NORBERTO BOBBIO1 1 Hacia una Teoria Funcional del derecho. In:Derecho, Filosofia e Lenguage, Buenos Aires: Astrea, 1976, pp. 9-30. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 363 17/5/2011, 17:47 364 - PODER DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA E O “PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO CONTRÁRIO” quando propõe um enfoque funcionalista do direito que, baseado na Sociologia, pretende redesenhar os critérios para a produção de normas jurídicas (e não simplesmente mudar a interpretação das já existentes), substituindo sanções negativas por sanções positivas, premiais ou promocionais que estimulem e provoquem o agente a agir de acordo com dados diretivos, no lugar de simplesmente punir como na estrutura da norma secundária de KELSEN. A troca da concepção de “Estado Liberal” para “Estado Social” informa uma nova orientação para formulação de políticas públicas que incentivem a produção e aplicação de normas jurídicas finalísticas; contudo, não autoriza nem pode informar a radical alteração da interpretação de regras estruturadas e produzidas em contextos históricos completamente diversos. Aqui, também a legalidade impera: a adoção do direito promocional ou promotor depende da paulatina ação do legislador e cabe apenas em áreas em que o aparato repressivo é inadequado. O fato de o Preâmbulo da Constituição Federal do Brasil instituir Estado Democrático Social de Direito (ou a mera referência no Art. 1º), sob a divina “proteção de DEUS”, não implica a existência jurídica de “DEUS”, tampouco autoriza mudar radicalmente a interpretação do direito: informa apenas valores que, assim como “a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça”, também inscritos no mesmo parágrafo, devem pautar a produção normativa e o desenho institucional do nosso País. Muito pelo contrário, substituir a certeza e a racionalidade das leis por esses valores é que afeta a liberdade, implanta a insegurança, a incerteza, instaura o mal-estar e corrompe o desenvolvimento, gerando desigualdade e injustiça. Os homens passam, mas as instituições ficam! O pior é que a falta de critérios normativos dá espaço para um maniqueísmo fiscal em que bem e mal se personificam nas figuras inverossímeis do bom e do mau contribuinte. Já não importa mais o fato gerador previsto em lei, mas, sim, a intenção negocial (business purpose), isto é, se houve verdadeiro propósito negocial na operação que permitiu a redução da carga tributária! Contudo, há aqui dois problemas de corrupção sistêmica entre direito e moral, que caracterizam a decrepitude da nossa legislação tributária. O primeiro é que as pessoas jurídicas não têm alma nem intenção; bancos, sociedades anônimas, entre outros, são movidos por objetivos empresariais voltados ao lucro; não se lhes pode atribuir ou exigir consciência moral (ou religiosa). Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 364 17/5/2011, 17:47 EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI - 365 Portanto é descabido pretender utilizar a intenção como critério legal para o pagamento ou não-pagamento de tributo. O segundo problema é metafísico e intransponível. Exigir tributo exige prova, mas não é possível provar o bem ou o mal, tampouco as intenções, simplesmente porque tais entidades não habitam a pobreza sensorial do nosso mundo empírico. Cria-se, assim, em decorrência de problemas da própria inércia dos Poderes Executivo e Legislativo, um perigoso espaço em que exigir bilhões de tributos resume-se em questão de boa-fé. Ou má-fé? Como saber? 4. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO COMO PROBLEMA SISTÊMICO E INSTITUCIONAL DE RUPTURA DA LEGALIDADE O problema institucional apontado decorre, tecnicamente, de patologias na sinapse entre a lei e o ato de aplicação que realiza a lei. Nessa tarefa de identificação de patologias da legislação tributária, é essencial a distinção entre legalidade abstrata e legalidade concreta que espelha bem a noção ordinária da distinção entre teoria e prática no direito. Tal distinção é chave para compreendermos as patologias e os problemas de ruptura da legalidade – abundantes na prática tributária – que se explicam a partir do reconhecimento de que há uma dissociação entre essas duas perspectivas: de que adianta existir a lei se a redação do texto normativo (e a própria interpretação dada pelas autoridades competentes para dizer a legislação tributária) não permite garantir a vinculação do ato administrativo de formalização do crédito tributário em razão da impossibilidade de provas ou da impossibilidade de interpretação de conceitos sem referência empírica? Para que exista legalidade não basta lei, conforme exige o art. 3º, do Código Tributário Nacional (CTN). É também necessária a possibilidade de vinculação do ato de lançamento. E a vinculação do ato administrativo depen- Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 365 17/5/2011, 17:47 366 - PODER DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA E O “PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO CONTRÁRIO” de da lei e da prova: se não há lei que regule o fato da intenção de pagar tributo como ilícito e, além disso, não é possível a prova de intenções, não é possível vincular nem controlar o ato de lançamento. É na sistematização que detectamos problemas no uso de palavras e expressões como “dolo”, “fraude à lei” e “simulação”, que geram lacunas de conhecimento e propiciam a ruptura da legalidade nos casos de aplicação do direito. Tal circunstância enseja a falsa possibilidade de que tais defeitos da lei podem ser corrigidos pela inteligência da Dogmática mediante mecanismos contingentes, nem sempre regidos por regras claras e uniformes, ainda que baseados em exigências racionais2. Em seu clássico livro “Uma Teoria da Justiça”, JOHN RAWLS – festejado professor do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e de Harvard – adverte para a ruptura da legalidade, decorrente da aplicação de regras complexas que, em casos concretos, podem propiciar facilmente a justificativa de uma decisão (arbitrária), mas à medida que o número de casos aumenta torna-se mais difícil fornecer uma interpretação plausível para decisões viciadas por preconceitos. O Estado de Direito e seu principal corolário, que é a legalidade, exige que as leis sejam claras e seu significado claramente definido 3: Estas exigências estão implícitas na idéia da regulação do comportamento por regras públicas. Se, por exemplo, as leis não forem claras quanto àquilo que impõem ou proíbem, o cidadão não saberá qual o comportamento a ter. (...) Um tirano pode modificar as leis sem aviso e punir (...) os seus súditos (...). Assim, um sistema jurídico deve conter (...) regras de prova que caracterizem a existência de processos de investigação racionais (...) para atingir a verdade. Enfim, se não sei como me comportar perante a lei, não sou livre nem há legalidade, nem possibilidade de controle dos atos administrativos, nem prova possível, nem verdade passível de ser verificada, nem transparência desses atos, restando apenas o arbítrio, ainda que bem intencionado. 2 3 Cf. ALCHOURRÓN, Carlos e BULYGIN, Eugenio. Normative Systems. Nova York: Springer, 2005. Uma Teoria da Justiça. Portugal: Editoria Presença, 1993, pp. 193-4. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 366 17/5/2011, 17:47 apenas aplicar a mesma e boa Teoria do Fato Gerador de baixo para cima: não mudo a paisagem. 17:47 . Assim. invalidade ou nulidade desse negócio jurídico. o ponto central definidor da incidência da norma passa a ser o “fato gerador mascarado”. ainda que difíceis. sim. completamente distinta. É certo que induz insegurança e problemas de inconsistência que o uso da intenção acarreta: (i) como critério normativo no plano da legalidade abstrata e (ii) o decorrente problema da prova. Tais problemas pragmáticos admitem soluções contingentes. a ausência de outros motivos (econômicos. aferida mediante a inexistência de “propósito negocial” (business purpose). Re-qualificar significa. é a tentativa de aplicar a Teoria do Direito Privado para pretender utilizar a intenção ou o propósito negocial como motivo do AIIM que permita ao Fisco desqualificar negócios e requalificar o fato gerador. Não se escapa.p65 367 17/5/2011. O DIREITO PRIVADO E OS DESAFIOS DE UMA TEORIA FUNCIONAL DO DIREITO A falta de critérios normativos dá espaço para o exercício da arbitrariedade embasada num maniqueísmo fiscal em que já não importa mais o fato gerador previsto em lei. que motive ou justifique a inexistência.367 5. a intenção de realizar o ato de incorporação ou a subscrição de capital com ágio. o novo fato gerador do tributo é definido pela verdadeira intenção do negócio jurídico. contudo. Uma coisa são os problemas que a Teoria do Direito Privado enfrenta ao outorgar relevância jurídica para o business purpose: definir critérios para existência. Diante desse cenário. importa. na prática dos negócios concretos que envolvem partes individuais e terceiros diretamente interessados no negócio. o modelo funcional do direito proposto por NORBERTO BOBBIO pode ser utilizado para justificar uma nova maneira de reinterpretar o direito Filosofia e Teoria Geral do Direito. Tampouco. no plano da aplicação ou legalidade concreta. comerciais. destarte. societários) – ou outras intenções – para a realização da reorganização societária. apenas tiro o “disfarce” ou a “máscara” para submetê-la ao verdadeiro fato gerador. Outra coisa. da velha subsunção do fato à norma. A DIFÍCIL CONEXÃO ENTRE O DIREITO PÚBLICO. isto é. como a legalidade já não importa. apenas com um agravante: não tenho como provar ou refutar a acusação da intenção de usar o “disfarce” ou a “máscara” para ocultar a verdadeira paisagem.EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI . validade ou nulidade do negócio jurídico. e este é o método da restrição coativa da liberdade de atuar.punidos por multas de até 150% .. por outro lado. cit. publicado para os Estudos em Memória ao Filósofo Argentino AMBROSIO GIOGIA. e enquadrados como simulação ou fraude . Segundo Norberto BOBBIO: O Estado pode limitar a esfera do deixar-fazer de duas maneiras diferentes: obrigando a fazer (ou não fazer) ações que de outro modo seriam facultativas. Não consigo enxergar qualquer sanção positiva. prêmio ou incentivo em todo esse aparato autoritário e repressivo ao planejamento tributário que se formou na última década: apenas mais sanções negativas. Law and Justice de 1960. por “prêmios”. oportunamente. Filosofia e Teoria Geral do Direito. (. decorrentes de fatos que. e este é o método em que se manifesta a função promotora. O fenômeno do direito promotor revela o passo do Estado que. que o catedrático de Turín iniciou seu interesse pela Teoria Funcional. escrevendo o artigo The Promotion of Action in The Modern State.p65 368 17/5/2011. É o fim?! Aliás.) Entendo por “incentivos” aquelas medidas que servem para facilitar o exercício de uma atividade econômica determinada. o Estado que se propõe inclusive a dirigir a atividade econômica de um país em seu conjunto para este ou aquele objetivo. continuam sendo facultativas. quando intervém na esfera econômica. BOBBIO adverte4: 4 Hacia una teoria funcional del derecho. levando em conta sua intenção ou função. da intenção ou do fim atribuído ao negócio jurídico. 17:47 . Foi no livro Reason..unicamente com fundamento na subjetividade da função. criticando as técnicas jurídicas de repressão do cidadão e propondo novas técnicas de regulação de conduta que promovessem sanções positivas.. apesar disto. p.PODER DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA E O “PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO CONTRÁRIO” de modo a apreender o verdadeiro fim do negócio jurídico.368 . em outro artigo – Hacia una Teoria Funcional del Derecho – escrito 1971. ou bem estimulando o fazer (ou não fazer) ações que. prêmios e incentivos. não obstante em conformidade com a lei. 11. entendo aquelas medidas que se propõem a dar uma satisfação àqueles que hão cumprido uma determinada atividade. se limita a proteger esta ou aquela atividade produtiva. são requalificados. publicado nos Estados Unidos. tão apreciada pelos sociólogos. haja substituído à estruturalista.. pp. isto se deve exclusivamente ao fato de que quando os desenvolvi.. Enfim. APRENDENDO A PENSAR COM O PENSADOR: PARA ALÉM DA “VERDADEIRA VERDADE SUBSTANCIAL” Motivar e fundamentar não é só dever do contribuinte e do aplicador do direito. essa era orientação metodológica dominante em nossos estudos.) Os elementos deste universo.. 17:47 . senão que se integram mutuamente e de maneira sempre útil. (. 1977. BOBBIO..A.EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI . que são postos em evidência pela análise estrutural. 6. como se se tratassem de duas perspectivas incompatíveis. IX a XII.p65 369 17/5/2011. decididamente não pensaria em substituir a teoria estruturalista pela funcionalista. não creio em absoluto que a teoria funcionalista do direito. (. Os dois pontos de vista são perfeitamente compatíveis. Se o ponto de vista estrutural é predominante em meus cursos de teoria do direito. no prólogo à primeira edição castelhana do livro Teoría General del Derecho6. Nuovi studi di teoria del diritto5.. São condições da própria comunicação racional que aproxima seres 5 6 Milano: Edizione di Comunià. PRAIA “DA FEITICEIRA”. CONCLUSÃO AO NÍVEL DO MAR.369 Mas não podemos esquecer que a busca do fim ou dos fins do direito foi a brecha através da qual penetraram na teoria jurídica as ideologias mais antagônicas.) A análise estrutural não serve unicamente para preservar a teoria do direito de contaminações ideológicas. Se hoje os devesse retomar. ENTRE O DIREITO E CONFIANÇA NA ILHA DO SABER. 1994. Filosofia e Teoria Geral do Direito. em 1987. aparentemente neutros. senão que ademais permite desmascarar atitudes políticas que se alojam nos conceitos tradicionais. é incisivo ao afirmar que sua passagem pela análise funcional do direito fora mal compreendida: Contrariamente ao que geralmente se diz. Turín: Editorial Temis S. são diferentes daqueles que podem ser postos em evidência pela análise funcional. dez anos depois de publicar sua coletânea de escritos sobre teoria do direito intitulada Dalla Strutura alla Funzione. da ciência do direito. acompanhando-me até a defesa. quartel general do Normative Systems.p65 370 17/5/2011. mas tentado de enfrentar as também malditas teses dos dez anos. nas pesquisas empíricas com a DRJ de Campinas que a dita cuja começou a pegar forma de coisa8.. ora por evasão. mas que não passa de uma ilusão. em nova experiência no Seminário “Planejamento Tributário e Ética”. fraude e simulação”. cit. pp. também. Em 2005. reconstruindo conceitos. foi que comecei e dar-me conta de que o problema não era de “ética”. dia 23 de maio de 2000. nas frias calles de Barcelona. Na ocasião. publicado na Revista Fórum de Direito Tributário nº 20. nos últimos sete anos de pesquisa empírica na DireitoGV. mais recentemente. em minhas passagens de inverno na Universidade Pompeu-Fabra7. Filosofia e Teoria Geral do Direito. venho sentindo mais próxima essa assombração que ora atende por elisão. tornando-os civilizados e formando pactos que permitem o avanço das instituições e da ciência. Foi em 2004. mas Navarro insistia que o caso era fácil. 97-128.370 . Esse grande divisor de águas resultou no livro Decadência no Imposto sobre a Renda. Foram vários anos de reflexão. março/abril de 2006. Vanessa Rahal. mas na falta de humildade para aceitar os limites da legalidade do direito.PODER DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA E O “PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO CONTRÁRIO” humanos. por entre os corredores da PUC/SP. fraude e simulação. E neles sempre senti a presença desse “fantasma mascarado” do planejamento tributário. Edeli Bessa. arrastando suas correntes. quando sistematizei. A aparição da dita cuja começou há 17 anos. com os parceiros da DRJ. fugi do enfrentamento dos abstratos conceitos de “dolo. 17:47 . foi produzido o artigo Planejamento tributário e estado de direito: fraude à lei. mesmo com o calor da amizade e do saber dos amigos filósofos analíticos do direito. sistematizei. no início do meu mestrado que defendi em 1995 com a dissertação “Lineamentos de uma Teoria do Lançamento Tributário”. precisava apenas aceitar 7 8 Dessa passagem pela Universidade Pompeu-Fabra em Barcelona. Maria Lúcia Aguilera e Maria Inês Dearo Batista. Gleiber Martins. mas a dita cuja voltou na tese de doutoramento “Decadência e Prescrição no Direito Tributário”. com o apoio e a ajuda do filósofo argentino PABLO NAVARRO. senti que não tinha forças para enfrentar os dilemas postos entre definir o objeto da homologação em sintonia com os odiosos atos realizados com a intenção de dolo. elaboado e publicado de acordo com a experiência do Seminário realizado em 2005 sob a iniciativa e o apoio da Delegacia de Julgamento de Campinas e em conjunto com os pesquisadores Daniel Peixoto. Queria impor ao direito que estudava minhas preferências pessoais: queria condenar o técnico do Palmeiras. dotados acaso de grande solidez subjetiva. boa-fé. Ou pressupostamente. Posso falar da “verdade dos documentos” se eles existirem. 43 Idem. Idem. p.EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI . em março de 2009. não posso falar da verdade de tais proposições. Assim. para deparar-me com o óbvio que estava além da minha intuição. Dei-me conta que não podia viver sem a verdade certificada em correspondência com o mundo real. p. p.371 o direito como ele era. centauros. Ricardo A. Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Idem. mas capazes de enfrentar-se entre si. Enfim. sem outra via de solução senão Cruzada ou a Yihad”10. Ricardo Guibourg. casa do Prof. 7. senão em sentido figurado13. 2004. intenção. objetos imateriais. além disso. como “já se sabe. mas não posso falar da verdadeira realidade da intenção das partes revelada pela minha intuição. 31. no Seminário sobre Direito e Confiança na Ilha do Saber (Ilhabela). só posso falar da verdade e de prova de objetos materiais sensíveis aos meus sentidos e que correspondem a uma realidade externa empírica. Verdade sobre a verdade: se preciso do adje- 9 10 11 12 13 GUIBOURG. por isso.Decisiones Metodológicas. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 371 17/5/2011. até re-encontrar o Prof. construções abstratas. falar da efetiva realidade para referirme ao verdadeiro fato substancial. de tal profundidade que nos encobrem com seu mistério e não podem ser alcançadas com as pobres luzes do nosso intelecto limitado”9 e que aceitá-las constituiria ato de fé. que não pode haver uma realidade para mim e outra para meus vizinhos12 e que. fraude e simulação são objetos imateriais que pertencem à classe daquilo que podemos dizer que não existe no mundo real e que. tomei consciência de algo óbvio. Buenos Aires: Colihue. Passou a incomodar-me a circunstância de que “as verdades últimas se concebem como proposições transcendentes. Além disso. fraude e simulação. dolo. portanto. praia da feiticeira. p. La Construcción del Pensamiento . 17:47 . p. bruxas. fadas. 39. 7. distintos caminhos de fé conduzem a diferentes sistemas de crenças. Idem. mas difícil de aceitar: existe uma realidade material exterior que me circunda e que percebo mediante os sentidos11. má-fé. não são susceptíveis de percepção no mundo real. Anos se passaram tentando respostas nos muitos encontros e diálogos privilegiados que a academia oferece. E que. dos meus próprios sentidos e das minhas verdades e convicções sobre dolo. temos boas razões para afirmar que fantasmas. como os conceitos em geral. Está aqui o problema que encontramos nas convicções de julgados que abusam das intuições para colocar na realidade mais do que ela pode oferecer a todos nós. Kelsenianos assumidos tão-só podem falar em existência. ainda que invalidável. Conforme. 17:47 . seja em homenagem ao “verdadeiro fato substancial”. o Conselho passou do final dos anos 90 para os dias atuais de uma concepção de aplicação da legalidade para uma linha em que o apelo à “efetiva realidade” e à “substância” tornou-se recorrente.p65 372 17/5/2011. posso até falar figurativamente de dolo. Sendo assim. mas conscientes de que na Teoria Pura do Direito a “norma existente” é a norma válida que pertence ao ordenamento por simples questão formal. não se pode falar sobre efetiva verdade da existência ou não de pessoa jurídica. Pessoas jurídicas (mesmo as pessoas jurídicas físicas) são centros de imputação criados pelo próprio direito. Temos que assinalar. seja em nome da “efetiva verdade”. fraude e simulação. percebemos e cumprimentamos nosso amigo na padaria. Voltando ao nosso tema. em vez de adjetivá-los por que não simplesmente produzir provas a respeito dessas “realidades”? É. mas com a simples ressalva que quando falo de verdade estou referindo-me a minha interpretação subjetiva de intenções ou situações jurídicas que apresentam como únicos referencias provas indiretas. fala-se tão-somente da validade jurídica desse ente perante o direito.. contudo. como diz BANDEIRA DE MELLO. Mas se são tão “efetivos” e “verdadeiros”. contornamos o edifício sede de um estabelecimento que para existir como pessoa jurídica demanda contrato constitutivo válido e reconhecido pelo direito: conhecemos apenas esses documentos. Vemos. mas nem por isso tais realidades jurídicas ganham densidade material ou espaço-temporal. não uma situação jurídica.. que se trata de expediente meramente retórico que confunde o plano da validade com o plano da realidade (ou existência). seja ela “empresa veículo” ou não. Enfim. Úteis como os depósitos bancários para intermediar a ausência da escrituração fiscal idônea. Só nesses casos. será demonstrado no próximo item. não existem na realidade. se preciso do adjetivo “verdadeiro” para qualificar o “fato substancial” só pode faltar substância a esse fato.PODER DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA E O “PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO CONTRÁRIO” tivo “efetiva” para qualificar minha realidade devo suspeitar dessa “realidade” que precisa de reforço.372 . a “verdade” tem seu dom de iludir. E tal posição não decorre apenas de ingênua consciência filosófica: decorre de pesquisa empírica. surge assim tão imperiosa a “efetiva realidade” e o “verdadeiro fato substancial”. Filosofia e Teoria Geral do Direito. mas especialmente imprestáveis quando recorrem sistematicamente à intenção para servir como motivo do AIIM. é certo que o direito pode criar suas “próprias realidades”. fraude ou dolo como hipóteses de multas tributárias. posso eleger como fato gerador do IPI a comercialização de produto industrializado. E conglomerado empresarial lá tem subjetividade psicológica? De quem? Continuamos esperando respostas. Tampouco posso colocar intenção. Posso eleger como fato gerador do IRPJ auferir lucro demonstrado na contabilidade. Não é possível adentrar a subjetividade psicológica de um indivíduo: uma pessoa pode agir de completa má-fé utilizando-se de todos os sinais exteriores que o direito credita como relevante para a boa-fé.p65 373 17/5/2011. da fraude e do dolo NÃO existem no mundo em que compartilhamos nossa experiência. como posso provar que se trata de fato verdadeiro ou falso? Não posso! Este é o problema: não posso ter um tributo sobre a intenção de auferir renda (um novo IR metafísico). no espaço e são passíveis de serem percebidos pela nossa experiência sensorial. como vou provar que eles de fato aconteceram? Se são alegados como fatos relevantes para o direito..EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI . Filosofia e Teoria Geral do Direito. só é possível provar e verificar a verdade de fatos empíricos: fatos que ocorrem no tempo. Contudo. Se não existem.. mas não posso eleger como fato gerador de tributo a intenção de realizar negócio jurídico pela simples circunstância que o fato da intenção. da má-fé.373 A questão é muito simples. da boa-fé. 17:47 . O motivo do AIIM é a prova que justifica esse ato administrativo. p65 374 17/5/2011. 17:47 .Filosofia e Teoria Geral do Direito. p65 375 17/5/2011. Filosofia e Teoria Geral do Direito.VISÕES DISTINTAS DO FENÔMENO JURÍDICO Fábio Konder Comparato Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 17:47 . Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra. a substância é a razão do ser específico de determinado ente. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Geltung. o qual não pode ser interrompido. pois. ratio decidendi).p65 376 17/5/2011. nestas notas. Essa distinção. compara o Direito. tendo em vista a questão da legitimidade. a uma espécie de “jogo sem fim”. Para Kant. ratio cognoscendi. 2007).. em se tratando da ratio decidendi no campo jurídico. de um lado. o imperativo hipotético é a razão de toda decisão técnica e o imperativo categórico. o termo fundamento designa o que serve de base ao ser.376 . Para Descartes. na Crítica da Razão Pura. é preciso começar por estabelecer uma distinção básica. o que se presta a confusões. Fundamento é. o temor da sanção. Ambas essas noções costumam ser expressas. O fator externo. valendo-se. Vejamos cada uma delas em separado. 17:47 . o supremo princípio da moralidade. Uma coisa é indagar por que os sujeitos de direito devem submeter-se a determinadas normas na vida social. senão pelo recurso a fatores externos ao jogo. sob a denominação de dedução transcendental (transzendentale Deduktion). pela mesma palavra. 364/373). Efetivamente. o cogito é o critério da certeza do ato de conhecimento. efetivamente. legitimador do Direito. o desejo de agradar aos poderosos – e a razão última pela qual ela deve ser obedecida.VISÕES DISTINTAS DO FENÔMENO JURÍDICO Proponho-me. na teoria jurídica germânica. segundo o Professor. é preciso saber distinguir entre a razão ou razões pelas quais uma norma é efetivamente obedecida – o costume. denominações distintas. e merecem. Outra coisa é procurar saber se essas mesmas normas são. ou ao decidir. exposta pelo Professor Tércio Sampaio Ferraz Jr em seu livro Introdução ao Estudo do Direito (5ª ed. Kant a estabeleceu. obedecidas. entre razão ou fundamento de validade das normas de direito. portanto. as suas fontes e a hermenêutica jurídica. Na linguagem filosófica. que os juristas tendem a pôr na sombra. Assim. I. a causa ou razão de algo (ratio essendi. Selecionei três questões específicas: o fundamento do Direito. Justamente. ao conhecer. é a Justiça. fazer algumas observações críticas sobre a concepção geral do Direito. e a sua efetiva obediência no meio social. entendida formalmente como princípio de igualdade proporcional e substancialmente como algo correspondente aos princípios éticos ou da moralidade (pp. Elas designam realidades muito diversas. O FUNDAMENTO DO DIREITO O Professor Sampaio Ferraz Jr. para Aristóteles. de outro. de modo que o livre uso de teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de todos os outros (KANT.p65 377 17/5/2011. em outras palavras. a rigor.” 1 Kritik der praktischen Vernunft. ou de usurpações (Anmassungen). 17:47 . 34/35. em matéria de razão sensitiva pura.). de uma argumentação de ordem jurídica (KANT. enquanto em questões de fato as normas processuais exigem que as partes exibam provas. quando tratam de autorizações de agir (Befugnisse). ela visa a encontrar a justificação (Rechtfertigung) da validade objetiva e geral de um fundamento determinante (Bestimmungsgrund) da vontade. em matéria de direito admite-se que cada parte apresente as razões justificativas. enquanto a “dedução transcendental” diz respeito. é injusto). harmoniza-se com esta última. V. Filosofia e Teoria Geral do Direito. segundo leis universais (. 1993. e denominam a demonstração da quaestio iuris uma dedução. 1913. o que significa que ela [coação] é justa. à possibilidade de um conhecimento a priori de objetos. a lei universal do direito pode ser assim expressa: age exteriormente.. E essa justificativa só pode ser a liberdade (KANT. 337). Ora. 1992. dos sentimentos e dos valores. de decisões a tomar na vida propriamente humana e não meramente biológica. KANT E A PREPARAÇÃO FILOSÓFICA DO POSITIVISMO JURÍDICO Para o filósofo de Königsberg. De onde se segue que. segundo leis universais. Druck und Verlag von Georg Reimer. Assim. uma razão justificativa para a lei moral. cedendo a uma insopitável tendência formalista. Berlim. 34/35)1. o que o levou a um afastamento quase completo da realidade propriamente humana. No sistema filosófico kantiano. vol. semelhante à causalidade no campo da natureza. “tudo o que é injusto constitui um obstáculo à liberdade. prossegue ele. 1913. em tais condições a coação que lhe é oposta. pp. disse ele. Os juristas. deixando de lado o complexo mundo dos interesses concretos. enquanto obstáculo àquilo que faz obstáculo à liberdade. pp 125 e ss. se um certo uso da liberdade representa obstáculo à própria liberdade segundo leis universais (ou seja. in Kant’s gesammelte Schriften. Até aí. p..FÁBIO KONDER COMPARATO . ou. passa a analisar o Direito como puro ente de razão.). porém. Kant. entre a questão propriamente jurídica (quid iuris) e a questão de fato (quid facti). em cada caso. sabem distinguir.377 curiosamente. nada a objetar. ou seja. pp. que tendem a demonstrar a legitimidade (Rechtsmässigkeit) de suas conclusões. Uma vez postas essas premissas. em matéria de razão prática. p65 378 17/5/2011. isto não significa que ele possa persuadi-lo de que sua razão o obriga a essa prestação. FUNDAMENTO DO DIREITO SEGUNDO KELSEN O ponto de partida da teoria kelseniana do direito é a radical separação.” Que concluir disso tudo? Kant nos dá um exemplo de todos os dias. que possa conciliar-se com a liberdade de cada um segundo leis universais. a concepção positivista do Direito não trouxe praticamente nada de novo à explicação kantiana. não misturado com alguma prescrição relativa à virtude.]. – como se os homens fossem autômatos! – “da mesma forma o direito estrito. 1977. entre parênteses. isto só pode fundar-se em outro dever ser.VISÕES DISTINTAS DO FENÔMENO JURÍDICO E logo em seguida remata: “Assim como o direito em geral tem por objeto tão-só aquilo que é exterior nas ações humanas”. Se algo deve ser.. ele é. que torna necessário a cada qual agir dessa maneira. puro. segundo uma lei exterior universal: por conseguinte. ele não pode nem deve. Tomemos como modelo desse pensamento a “teoria pura do Direito” de Hans Kelsen. vale dizer. que se acaba de resumir. o direito e a faculdade de coagir são uma só e mesma coisa” (KANT. pois pelo fato de que algo é não se segue. a realidade jurídica é engendrada pelo Poder.. para determinar com isso o arbítrio. mas deve. mas. “Quando se diz que um credor tem o direito de exigir do devedor o pagamento da sua dívida. entre o mundo do ser (Sein) e o do dever ser (Sollen). então. “estreito” (enges Recht). ou seja. 339/340). Para os integrantes dessa Escola. ao contrário. quero dizer aquele que é puro de tudo o que é moral2. senão um direito perfeitamente exterior que possa ser chamado um direito estrito” – e acrescenta. Não existe. pp. 17:47 . Uma norma só encontra fundamento justificativo em outra norma. entre o domínio dos fatos e o das normas. esse direito funda-se na consciência da obrigação de cada qual segundo a lei. e desenvolve-se sem qualquer interferência da consciência ética. portanto. se é puro. “Sem dúvida. estabelecida pelos neokantianos. 2 Realcei de propósito.378 . Filosofia e Teoria Geral do Direito. pode muito bem coexistir com a liberdade de todos [. Como se passa a ver. apoiar-se sobre essa consciência enquanto móvel [da ação]. mas sim que a coação. fundar-se sobre o princípio da possibilidade de uma coação externa. é o direito que somente exige princípios de determinação exteriores ao arbítrio [do sujeito]. Kelsen oferece o seguinte exemplo. O que se busca encontrar é uma justificativa da vigência das normas jurídicas. 2000. Um pai ordena a seu filho que vá à escola. então. responde o pai. Tal como John Austin. em todos os tempos e lugares. para Kelsen. 2000. Tal critério seria. mãe de todas as outras. ou. reimpressão de 2000. isto é. “Porque Deus determinou que se obedecesse aos pais. e os homens devem cumprir os mandamentos de Deus”. Op. além da qual não se pode avançar. em outras palavras. 199)4. cuida-se de identificar um critério absoluto de juridicidade. Ele mostra que a indagação sobre o fundamento último da juridicidade é. como essa busca de um fundamento normativo não pode ser feita ad infinitum. que a perquirição a respeito do fundamento último de todo direito não se situa no plano superficial da realidade fáctica. não é. 1. 1960. Kelsen nos adverte para o fato de que a sua “teoria pura do Direito” tem por objetivo.. À pergunta do filho “por que devo ir à escola?”. em verdadeira tautologia: o Direito deve ser observado porque é Direito. Para ilustrar essa proposição. posta por nenhum poder determinado. Kelsen nela enxerga a essência mesma da norma jurídica. pp. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Chega a afirmar que 3 4 5 Reine Rechtslehre. a imposição coativa. cit. Aliás. mas sim naquele mais profundo do dever-ser jurídico. Esse exemplo é significativo. Ora. revista e ampliada. Verlag Österreich. cit. 2ª ed. pág.. portanto. O que corresponde à pura (é bem o caso de dizer) negação do dogma da separação absoluta entre o campo do ser e o do dever-ser. o pai responde: “porque eu sou seu pai e os filhos devem obedecer aos pais”. ou seja. Essa norma primeira ou original.FÁBIO KONDER COMPARATO . procurar saber o que o Direito é e não o que deve ser (KELSEN. Sucede.379 logicamente. pp. Op.)3. não se deve buscar nenhum fundamento para eles (KELSEN. conhecer ou reconhecer o seu objeto. 199. única e exclusivamente. O filho pergunta. 5 e ss. para Kelsen. p. 5 e ss. desde as primeiras linhas de sua obra famosa. Nova indagação do filho: “mas por que devem os homens obedecer aos mandamentos de Deus?” Ao que o pai replica: “os mandamentos de Deus não devem ser questionados”. 1)5.p65 379 17/5/2011. mas simplesmente pressuposta. só uma norma pode engendrar outra (KELSEN. uma questão não jurídica. p. pág. que deva ser. em suma. deve-se pressupor a existência de uma norma fundamental (Grundnorm). novamente: “mas por que devem os filhos obedecer aos pais?”. e que ela redunda. porém. Fatos não geram normas. 17:47 . afirmou ele em outra obra (KELSEN. mas também o seu sentido objetivo. 55. 55)8.. uma vez que dispõe de mecanismos de sanção coativa. 64)9. pp. uma ordem inequivocamente jurídica. reproduzindo uma expressão de Max Weber. de uma “ordem jurídica primitiva”. existem também normas de conduta aplicáveis coativamente aos seus membros. Neste. sob determinadas condições. 2003. 45/46)6. como atos de produção ou execução de normas” (KELSEN. determinados atos de coação devem.VISÕES DISTINTAS DO FENÔMENO JURÍDICO devida é a sanção e não propriamente a conduta prescrita pela norma. A coação é. 2000. Op. de qualquer modo. “O direito internacional é um verdadeiro direito”. Não se vê bem por que esse raciocínio não se aplicaria. No entanto. p. pág. Kelsen assinala. de que o direito internacional constitui o melhor exemplo (KELSEN. também. Mas o que distingue o Direito das demais ordens sociais é que a sanção jurídica é sempre coativa: ela se aplica ao destinatário da norma contra a sua vontade. pág. 321 e ss. mas essa coação não é devida. E é isso. pág. ser executados.. também.p65 380 17/5/2011. acrescenta. para Kelsen não existem ordens sociais desprovidas de sanção. tais atos são reconhecidos como atos criadores do Direito. 18). assim. cit.. em si mesma. em última análise. o que distingue a comunidade jurídica de um bando de salteadores. pág. 64. que. p. cit. que o Estado “é essencialmente uma ordem de coação e uma ordem de coação centralizadora e delimitada no seu campo territorial de validade” (KELSEN. segundo reconhece. uma sanção. 34. cit. págs. 2000. que a comunidade jurídica detém o monopólio da coação. às normas internas de uma quadrilha de salteadores. A aprovação ou reprovação da coletividade já é. 17:47 . 34)7. o “critério decisivo” para a definição do Direito. Filosofia e Teoria Geral do Direito. cit. Exatamente pela circunstância de ser esse o sentido que lhes é atribuído.. 2000. a 6 7 8 9 10 Op. “quando os atos coativos dos Estados. “O sentido da ordem jurídica é que certos males devem. p. Na verdade. se necessário pelo emprego até da força física (KELSEN. 45/46. Op. Op. cit. mas. pp. sob certos pressupostos. Op.. Trata-se. 2000. ele admite a existência de “ordens jurídicas descentralizadas”. 321 e ss)10.380 . com efeito. ser aplicados. p. de modo geral. 2000. como as represálias e a guerra (KELSEN. Tal não é apenas o sentido subjetivo dos atos por meio dos quais o Direito é imposto. 1985. tal raciocínio é tipicamente kantiano. 15). por ele denominada Herrschaft. não se há de confundir o emprego da força bruta (Macht). o emprego da força visando a qualquer outra finalidade é proibido. quando o ato coativo praticado como reação contra um delito pode ser interpretado como a reação da comunidade jurídica internacional”. 17:47 . equivale a dizer que. Não é difícil perceber que o critério supremo de vigência das normas jurídicas. em outras palavras. todos os raios não eram iguais” (1951. sempre prenhe de valores e interesses. p. mas só de coação legítima. 178). não se há de cogitar de Justiça. se não faz da sua força um direito e da obediência um dever” (ROUSSEAU. um objetivo a ser alcançado mediante ação racional do sujeito (WEBER. isto é. a qual supõe necessariamente uma obediência voluntária. É o que passamos a ver. t. fora do que ordenam ou proibem as leis positivas. 28. Filosofia e Teoria Geral do Direito. em princípio. são. de interesse (externo ou interno) na obediência”. Como demonstrou Max Weber em obra fundamental (WEBER. “havia relações de justiça possíveis.FÁBIO KONDER COMPARATO . No campo do Direito. em consequência. escreveu ele logo no início de sua obra mais famosa. mas uma relação jurídica concreta. pp. No mesmo século de Kant. o Direito autêntico é um ius positum. p. repousa na existência efetiva de um Poder que dispõe da força suficiente para impô-las. Na relação de poder. Como se percebe. Acontece que o poder não é uma figura geométrica. A EXIGÊNCIA DE LEGITIMIDADE DO PODER Rousseau já advertira que “o mais forte não é nunca bastante forte para continuar sempre a mandar (pour être toujours le maître). ocorre sempre “um certo mínimo de vontade de obedecer. Montesquieu já havia advertido para essa petição de princípio. aniquiladora da vontade do sujeito passivo. apreciados em função de uma mentalidade social dominante. Mas quem legitima a coação é o seu próprio detentor. 1947. 233). e é exatamente por isso que os adeptos dessa corrente de pensamento são chamados positivistas do Direito. na terminologia weberiana. e.381 interferência forçada de um Estado na esfera dos interesses de outro Estado. antes de se traçar o círculo. entendendo-se por interesse.p65 381 17/5/2011. permitidos somente como uma reação contra o delito. Dizer que nada há de justo nem de injusto. II. “Antes de haver leis feitas”. com a relação propriamente dita de poder. nessa concepção. 1985. 541 e ss. Em outras palavras.). O consentimento dos governados. no fundo. no campo do Direito – há sempre uma apreciação de valores feita pelas partes. 373 e ss. Ela surgiu a partir do período axial da História ( JASPERS. não há ordem política que subsista. p. qual seria ela? O Mestre: As armas. durante os quais firmaram-se os princípios cardeais do mundo moderno. Nessa época central da evolução da humanidade.VISÕES DISTINTAS DO FENÔMENO JURÍDICO Pois bem. E quando surge uma divergência importante na apreciação desse interesse. os homens são sujeitos à morte. acrescento eu. de um lado. Zigong: E se fosse necessário dispensar uma dessas três coisas. como denunciou duramente Max Scheler (SCHELER. o formalismo ético foi incapaz de perceber.p65 382 17/5/2011. 97): Zigong: Em que consiste governar? O Mestre: Em cuidar para que o povo tenha víveres suficientes. o conflito social é inevitável. pp. fundamental ou irrelevante. Ressalte-se. à guisa de ilustração. notadamente os nhambiquaras. útil ou desnecessário. qual seria dispensável? O Mestre: Os víveres. aproximaram-se espiritualmente umas das outras. Filosofia e Teoria Geral do Direito. a seguinte passagem dos diálogos de Confúcio (CONFÚCIO.382 . entre os séculos VIII e II a. Em suas pesquisas antropológicas realizadas junto às tribos indígenas do Brasil. As relações entre governantes e governados reduzem-se. que em todo dever-ser – inclusive. 1916). 1981. Tais fatores existem em situação de recíproca influência. gerando a progressiva convicção da identidade substancial da pessoa humana. 1983). não apenas as relações individuais de poder. Zigong: E das duas outras. 1955. Desde sempre. tanto no Oriente quanto no Ocidente. as grandes civilizações. a coerência e a boa vontade do grupo social. a todo tempo. os talentos e a autoridade do chefe e. o tamanho. de outro lado. armas bastantes e para que ele confie nos governantes.. a uma espécie de arbitragem entre. Na verdade. 17:47 .C. aquele momento decisivo. é ao mesmo tempo a origem e o limite do poder. Claude Lévy-Strauss chegou exatamente à mesma conclusão (LÉVY-STRAUSS.). observou ele. O interesse perseguido pelo titular do poder é em geral valorado como justo ou injusto. Mas sem a confiança do povo. É a questão central da legitimidade. mas o próprio sistema político no qual elas se inserem são submetidos ao juizo ético da comunidade. a suprema relevância para a vida política. tanto nas pequenas. porém. em todos os tempos e lugares. Pois “não há pior flagelo do que a anarquia. pouco importando que a sua decisão seja justa ou injusta. para mim. Sófocles imortalizou. Enfrentando-se pessoalmente no campo de batalha.FÁBIO KONDER COMPARATO .383 Como não poderia deixar de suceder. A oposição de razões justificativas era. A recusa pelos familiares de inumar um dos seus. deve-se obediência absoluta. assumiram posições diametralmente opostas. sobre essa obra-prima da sabedoria helênica. agora. a tragédia e a democracia. Assumiu então o reino o tio dos falecidos. é ela que perde os Estados e as famílias” (verso 672). ambos morreram em combate. Eis os fatos. assim. Ao tomar conhecimento dessa decisão. irmã dos falecidos e sobrinha do soberano. Ao governante. um ato de suprema impiedade. 17:47 . na tragédia sobre o mito de Antígona. assim não entendia. que imediatamente ordenou o sepultamento de Etéocles com todas as honras oficiais. Enquanto Etéocles defendia sua cidade. e o abandono do cadáver de Polínice sem sepultura. proibindo-se a todos os cidadãos de recolhê-lo e prestar-lhe as homenagens rituais fúnebres. à época em que a pólis célebre produziu algumas das maiores invenções do espírito humano: a filosofia. a questão da legitimidade do poder tornou-se central em Atenas. quanto nas grandes questões. Agiu. Nenhuma autoridade política tinha competência para impedir o cumprimento desse dever fundamental. Creonte.460): Creonte [dirigindo-se a Antígona] – Tu. Creonte. como ficou evidente no interrogatório que o soberano fez pessoalmente de sua sobrinha rebelde (versos 446 . ainda uma vez. antigo rei tebano. pois as lições que delas tiramos são de todos os tempos. responda com uma só palavra. a menor consideração” (versos 182 – 183). Polínice alistou-se nas hostes de Argos. “Quem pensa que se pode amar alguém mais do que a sua pátria não merece. Quando as tropas de Argos atacaram Tebas. Antígona. os dois filhos de Édipo. portanto.p65 383 17/5/2011. conforme os ritos religiosos tradicionais. bem marcada. declara ele em outra passagem (versos 661662). em todas as civilizações antigas da bacia do Mediterrâneo. Vale a pena refletir. como um traidor de sua pátria. era considerada. não se conteve: decidiu imediatamente desobedecer ao decreto de Creonte e sepultar condignamente Polínice. Conhecias a proibição [de sepultamento de Polínice] que fiz proclamar? Filosofia e Teoria Geral do Direito. do conflito entre o poder dos governantes e a consciência ética dos governados. havia também leis não escritas (agraphoi nomói).VISÕES DISTINTAS DO FENÔMENO JURÍDICO Antígona – Sim. diz ele. A DUPLICIDADE ESTRUTURAL DO SISTEMA JURÍDICO Uma das grandes revoluções espirituais provocadas pela filosofia socrática foi a demonstração de que. não escritas. então.). senão que sempre existiram. pois não foi Zeus que a proclamou! Não foi a Justiça. Há sempre dois níveis a considerar no campo do Direito. 17:47 . sentada junto aos deuses do reino dos mortos. por atos que fazem a sua glória!” Mas Creonte permaneceu irredutível: “Tebas teria então o direito de me dar ordens?” Ao que seu filho replica: “Cidade alguma pertence a uma só pessoa” (versos 726 – 727. Poderia eu. Estas. essa razão justificativa da revolta de Antígona era partilhada pelo povo de Tebas. essas não são as leis que os deuses tenham algum dia prescrito aos homens. Aristóteles distinguiu. 4 e ss. qualquer que ele fosse. e eu não imaginava que as tuas proibições fossem assaz poderosas para permitir a um mortal descumprir as outras leis. Filosofia e Teoria Geral do Direito. pela sua natureza. Creonte foi advertido sobre isso por seu filho Hemon (versos 692 – 695): “Ouço Tebas gemer sobre a sorte dessa donzela. diante de Creonte. vigentes para todo o gênero humano. a par das leis e costumes próprios de cada povo. justo ou injusto em comum. “pois existe algo que todos de certo modo percebemos ser. não. são conformes à natureza (kata physin). inabaláveis. o único a ser reconhecido e respeitado pelos governantes? Os filósofos gregos. responderam pela negativa. cita justamente a afirmação de Antígona. Creonte – Portanto. as leis divinas! Estas não datam nem de hoje nem de ontem. de que tais leis “não são de hoje nem de ontem. ela é sem dúvida aquela que menos merece morrer na ignomínia. O direito particular da pólis não seria.384 . expor-me à vingança de tais leis? Ora. eu a conhecia: como poderia ignorá-la? Ela era muito clara. 731). mesmo que não haja nenhuma comunhão de vida ou acordo mútuo sobre isso”. A propósito. no tratado da Retorica (1373 b. por temor de alguém. das leis comuns ao gênero humano (koinoi nomoi). as leis próprias ou particulares de cada povo (ídioi nomoi). tu ousaste infringir minha lei? Antígona – Sim. e ninguém sabe o dia em que foram promulgadas. e ninguém sabe quando foram promulgadas”. Entre todas as mulheres.p65 384 17/5/2011. na mesma época do fastígio da tragédia como forma mais elevada de educação popular. se a lei pode converter em justiça a injustiça. A justiça política (polítikon dikáion). 42 – 45). 20 e ss. III. o fundamento dessas leis comuns a todos os homens é a natureza (physis). ainda que revestidos de poder absoluto. E se o poder da opinião e a vontade dos néscios é tal que eles podem.). Repetindo as lições ministradas por Panécio. com seus votos. especialmente no mundo jurídico. assim como uma receita médica que induz a morte do paciente não é uma verdadeira receita. “Se os direitos se fundassem na vontade dos povos. estabelece as leis do pensamento. do mundo físico e da vida ética. ou seja. que ordena o que se deve fazer e proíbe o contrário” (Idem. II. subdivide-se em natural (physikon) e legal (nómikon). Para os estóicos. não poderia ela da mesma forma converter o bem em mal?” O termo lex toma. Tais idéias foram integralmente acolhidas em Roma. em Cícero o sentido geral e abstrato de princípio. das decisões dos governantes. ainda que revestido de aparência legal. ínsita na natureza. A natureza é o princípio racional que. portanto.385 A mesma distinção foi por ele empregada na Ética a Nicômaco (1134 b. Um mandamento pernicioso. jurídica a não-observância dos testamentos. é tão pouco uma lei quanto aquele promulgado por uma assembléia de bandidos (Idem. animada pela divindade. Cícero soube distinguir a pessoa enquanto Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 385 17/5/2011. Segue-se daí que um mandamento injusto. votado pelo povo. A primeira é a que vigora em todo lugar e não pode ser desobedecida. Cícero fez questão de assinalar que o direito natural está acima dos costumes e das leis dos povos. A lei verdadeira é. jurídica a falsificação. nem pelos governantes nem pelos governados. ao analisar a justiça como virtude. ao mesmo tempo. ao passo que a segunda só entra em vigor quando imposta pelo legislador. sempre que tais práticas tivessem a seu favor os votos da massa popular. a expressão da razão e da justiça. 28). ordena dialeticamente as idéias. tal como a palavra nómos na filosofia grega. seria jurídico o roubo. 17:47 . I. nas decisões dos príncipes e nas sentenças dos juizes. pois ele não depende da vontade popular (De Legibus. perverter a natureza das coisas. não é lei. considerada como a grande ordem universal. A lei se define como “a razão fundamental. por que não se sanciona como bom e saudável o que é mau e pernicioso? E por que. estabelece a estrutura do mundo sensível e dirige as ações humanas. acrescentamos nós. distinto filósofo grego que introduziu o estoicismo em Roma.FÁBIO KONDER COMPARATO . 13). senão corrupção dela. afirmou. Tampouco depende. Pois agir contra sua consciência não é seguro nem honesto” (FEBVRE. que decidiu ao preço de sua própria vida não submeter-se a uma lei que. não se trata de um ius positum. 17:47 . Episódio semelhante ocorreu quinhentos anos depois. com a queima em público de todos os seus escritos. já estabelecida por Aristóteles.VISÕES DISTINTAS DO FENÔMENO JURÍDICO natureza universal do ser humano.. 32. Doravante. região setentrional da Índia. é a mesma distinção. vastas áreas de terra eram empregadas na plantação de índigo. entre o direito comum ao gênero humano e o direito particular de determinada pólis. não posso nem desejo. o direito natural do gênero humano. os iurisprudentes reconheceram dois sistemas jurídicos correlatos: o ius naturale e o ius civile. Na província de Champarã. em abril de 1521. Lá. a liberdade fundamental de profissão de fé já não podia ser sufocada pela ordem jurídica positiva. Como se percebe.. Após ter sido excomungado pelo papa. bem longe da Europa. vigor). Daí a necessária indagação: se o direito comum a todos os povos. A grande diferença é que o primeiro desses direitos não é imposto à humanidade pelos detentores do poder político (obviamente inexistente no plano mundial). p. foi intimado a renegar suas posições religiosas. embora promulgada pela autoridade política competente. 115). do papel (prósopon. se considera vigente no exato sentido etimológico do termo (vigeo: ter vida. Respondeu com firmeza: “Retratar algo. Os plantadores. pobres camponeses arren- Filosofia e Teoria Geral do Direito. Ou seja.386 . 10). qual a sua fonte criadora? A REPRODUÇÃO DA REBELDIA DE ANTÍGONA NOS TEMPOS MODERNOS O exemplo mitológico de Antígona. Limitemo-nos a lembrar apenas dois. Em correspondência a essa duplicidade das personae. era repudiada pela sua consciência. teve no mundo moderno um respeitável número de seguidores. como para a sociedade política em geral. Esse ato de rebeldia abriu uma nova fase histórica. diante do imperador Carlos V. do legado papal e de todo o episcopado alemão. Martinho Lutero aceitou de comparecer pessoalmente à Dieta de Worms. mercadoria que alcançava preços elevados no mercado internacional.p65 386 17/5/2011. não só para a religião cristã. 2008. persona: a máscara que distinguia cada personagem no teatro greco-romano) que cada indivíduo representa na vida social (De Officiis I. nos moldes daquele que havia organizado com êxito contra o apartheid de indianos na África do Sul. que deu início a um processo judicial de expulsão de Gandhi daquela província. 413/414): “Estou firmemente convencido de que. toda a sua colheita anual. e não pode. submeter-me sem protestar à pena de desobediência. imposto por autoridades estatais investidas segundo as regras formalmente em vigor. mas contingente (HEGEL. O FUNDAMENTO ÉTICO DO DIREITO Advirta-se desde logo. e que exercem seus poderes dentro da sua esfera regular de competência. 1993. Buscar uma Filosofia e Teoria Geral do Direito. Eis que em 1917 um grande líder em ascensão. ele não encontra outra razão justificativa para ser respeitado. não por falta de respeito à autoridade legal. Após recolher o depoimento de centenas de pessoas. Gandhi estimou chegado o momento de iniciar um movimento de resistência não violenta à injustiça (ahimsa).p65 387 17/5/2011. um regime de terror. assim. que o fundamento de algo existe sempre fora deste. 17:47 . eram compelidos a vender a estes. a voz da consciência. nas circunstâncias diante das quais me encontro. atendeu ao chamado de visitar a região e ajudar os camponeses. sob o aspecto lógico e ontológico. Gandhi. Ouso fazer essa declaração. 1966. é seguir a decisão já tomada. Indignados. pp. sobretudo quando ele não é necessário. ao final do século XIX. § 121). por preços aviltantes. por exemplo. Na ausência de uma razão justificativa exterior e superior a esse sistema jurídico. mas em cumprimento à mais elevada lei do nosso existir. como assinalou Hegel. ser confundido com um dos seus elementos componentes. mas para mostrar que desobedeci à ordem que me foi intimada. e declarou (GANDHI. o vasto e irresistível movimento que levaria à independência da Índia trinta anos depois. não para abrandar de alguma forma a punição a ser aplicada contra mim. jamais. compareceu perante o juiz. a única via de conduta segura e digna para um homem que se respeite. dada a complexa constituição sob a qual vivemos. Tendo sido citado. senão a sua própria subsistência no plano dos fatos. os proprietários rurais apelaram à autoridade britânica. O poder deve ser obedecido porque é poder. como sua causa transcendente. ou seja.FÁBIO KONDER COMPARATO .” Iniciava-se. o advogado Mohandas K. Tomemos.387 datários de grandes proprietários. para se sustentar a condição superior e extraordinária. como bem assinala Kantorowicz. A partir de fins da Idade Média. Em latim. Kantorowicz soube mostrar com invulgar brilho e erudição em estudo já clássico (KANTOROWICZ. de onde nos veio o vocábulo. decidir. como fundamento da vida ética. enquanto supremo modelo da vida ética. Importa. escolher. Na língua grega. Até o advento do mundo moderno. seguidos pelos iurisprudentes romanos. como modelo justificador dos diferentes sistemas jurídicos. A conseqüência é que a Dignidade. esse substantivo é ligado ao verbo krinô. Daí a concepção do direito natural. foi sendo construida. persona idealis. mas. passo a passo. a personificação de uma qualidade. esse critério transcendental da vida ética como um todo. enquanto o rei vive. distinguiu claramente duas pessoas no rei: a persona personalis. usava-se o verbo cerno. 1997). Temos aí. a noção de pessoa humana. conclui. próprios de cada povo. Era a divindade ou. passa a ter uma existência independente. com todas as suas limitações e deficiências. 17:47 . a natureza. que é perpétua”. Como Ernst H. como pela primeira vez formularam os estóicos. pois. quando ele morre. a respeito dessa duplicação de personalidades: “Reconhecemos a Dignidade como o principal e a pessoa como o instrumento. Baldo. de onde proveio o nosso discernir. desenvolveu-se. De onde resulta que o fundamento dos atos do rei é essa mesma Dignidade. o dualismo persona personalis vs. antes de tudo. comparar. O mesmo Baldo. crer. condenar. foi sempre exterior ao homem. “que é a Dignidade”. do mesmo modo que se fala em personificação da Justiça.p65 388 17/5/2011. incluindo portanto o Direito. numa passagem dos seus Consilia.VISÕES DISTINTAS DO FENÔMENO JURÍDICO justificativa lógica para essa tautologia na noção de norma fundamental não passa de puro sofisma. e continua a subsistir. o julgador (juiz ou tribunal). Essa teoria medieval nos permite compreender em sua plenitude o contraste entre a dignidade transcendente da pessoa humana. por exemplo. e a individualidade pessoal de cada ser humano. e a persona idealis. está intimamente ligada à sua pessoa individual. quanto do bispo (ou do papa). descobrir um critério justificativo para a obediência a um sistema jurídico. Kriterion designa a medida ou padrão de julgamento e. empregado em três acepções principais: 1ª) julgar. tanto do rei (ou do imperador). O paradigma da pessoa humana reúne em si a Filosofia e Teoria Geral do Direito.388 . e 3ª) separar. 2ª) estimar. secundariamente. “que é a alma na substância do homem”. são fontes de “baixo grau de objetividade”. As ações ou omissões humanas são julgadas. Na concepção aristotélica (Metafísica. pp. princípios gerais de direito. 17:47 . de um lado. Ela é o paradigma que aponta um rumo ou sentido final da História. no curso da História. ao mesmo tempo. um modelo que se perfaz indefinidamente e se concretiza. e está. transcendente e imanente à vida humana. O valor individual de cada ser humano existe. A pessoa é um modelo. 1121 b. como reflexo de Deus. nas sucessivas etapas históricas. ela é o supremo critério axiológico. e não muda nunca. de certa forma. de outro lado. “As coisas que alcançaram a sua finalidade”. a legislação (fonte principal). justamente. Sucede que os valores não são visualizados pelo homem uma vez por todas. a idéia de fim (telos) tem não só um sentido de limite. o costume e a jurisprudência. 13 e ss.FÁBIO KONDER COMPARATO . assim.p65 389 17/5/2011. Ela é o supremo critério axiológico a orientar a vida de cada um de nós. sem cessar. a concepção dos valores evolui na História. mas também o de perfeição.). Digamos. mas vão sendo descobertos pouco a pouco. É nessa acepção que o conceito de pessoa aparece como o verdadeiro fundamento de toda a ordenação jurídica. A pessoa reúne em si a totalidade dos valores. Estas últimas. ligada à concepção weberiana da legale Herrschaft mit bureaukratischem Verwaltungsstaat (2007. segundo sua expressão.389 totalidade dos valores. equidade). 282 e ss. O Professor aceita. as fontes negociais e a razão jurídica (doutrina. Filosofia e Teoria Geral do Direito. no sentido em que Platão emprega o termo paradeigma no diálogo Parmênides (136 d). pp. Mas essa evolução tem um sentido determinado. afinal. que existe na base ou origem de tudo. na medida em que ele participa desse paradigma. em primeiro lugar.. o momento de perfeição em que o ser humano se redescobre. em sua plenitude. em função desse critério supremo de valores. “se essa finalidade é boa. livro V. a classificação hierárquica das fontes.).). 223 e ss. AS FONTES DO DIREITO Para o Professor Sampaio Ferraz Jr. aquele “ponto ômega” de que falava o Padre Teilhard de Chardin (1955. para distinguir. diz Aristóteles. são consideradas perfeitas”. II. que a pessoa é um modelo ou critério de valor. a moderna teoria das fontes do Direito representa uma racionalização a serviço do Estado liberal. eticamente. ela não se faz aleatoriamente e sem rumo. Ao contrário da noção estóica de natureza. paralelamente a essa construção histórica da soberania burguesa. No plano da realidade efetiva. que serviu de base política para a expansão do sistema capitalista.p65 390 17/5/2011. em cada período histórico. Creio. A sua fonte profunda não foi nem podia ser o poder estabelecido. p. tem razão em identificar o predomínio da legislação como característica marcante do Estado liberal. consistiu em se apresentar como realizadora dos ideais de Rousseau. em sua visão política. enquanto a outra só enxerga o interesse privado”. É sabido que a vontade geral. esta só vê o interesse comum. o sistema universal dos direitos humanos. “Há sempre”. quanto mais Filosofia e Teoria Geral do Direito. Os exemplos históricos acima apontados de Lutero e Gandhi. Apresentou-a. foi sendo afirmado. O Professor Sampaio Ferraz Jr. 17:47 . mostram que essa fonte mais profunda do Direito acaba sempre por vencer as resistências injustas do poder estabelecido. O que generaliza a vontade. Ele forma um sistema com vida própria. portanto. Foi e continua sendo a consciência ética coletiva. essa aparência democrática sempre foi um disfarce a encobrir a nova ordem oligárquica.390 . O conceito de consciência coletiva ou consciência comum – o qual hoje se expressa pela noção de mentalidade social – foi elaborado por Emile Durkheim (1978. não pela quantidade de sufrágios. entre muitos outros. Quem deve mandar é a minoria dos grandes proprietários. ou nas lacunas da lei. necessário trazer algumas precisões complementares a essa explicação. contra a lei. escreveu ele (1947. Elas sempre estiveram ligadas à organização do poder político. 211/212 e 216). porém. Ora. Acontece que. 76) como o conjunto de crenças e sentimentos comuns aos membros de uma sociedade. com um sentido inteiramente distorcido. quando se tornou classe dominante no Ocidente.VISÕES DISTINTAS DO FENÔMENO JURÍDICO A noção metafórica de fonte indica as formas de expressão do Direito em vigor. tanto mais distintas. a vontade geral foi apresentada sob uma dupla face: para efeitos externos. mas pela qualidade de suas decisões. em relação ao pensamento de Rousseau. Ela tomou do grande genebrino a frase emblemática de que a lei é a expressão da vontade geral. porém. era a vontade do povo. para a burguesia que acabava de assumir o poder. a vontade geral distingue-se das vontades particulares. Assim. é menos o número de votos que o interesse comum a uni-los. “uma diferença entre a vontade de todos e a vontade geral. A grande proeza política da burguesia. e apresenta características bem distintas da consciência individual. porém. designa o princípio supremo de moralidade. pp. a competência do Judiciário para declarar a inconstitucionalidade de leis e outros atos normativos. constantemente acossados em seu isolamento. a decisão do nosso Supremo Tribunal Federal em 29 de abril de 2010. definidos no direito internacional desde o Estatuto do Tribunal Militar de Nuremberg em 1945. a saber. não obstante o completo silêncio a esse respeito na Constituição norte-americana? Hoje.683. 1978. 4º). Entre nós. No entanto. Quando a vítima de um crime é a humanidade em seu conjunto. torturaram e estupraram durante anos a fio milhares de opositores políticos ao regime militar. ALEXY. ao julgar que a Lei nº 6. devem ser reconhecidos em todos os paises. Ora. têm dado pouca atenção à realidade da consciência ética coletiva. 1996). Além disso. Três são os traços distintivos dos princípios em relação às demais normas jurídicas. já se assentou que os crimes contra a humanidade. é ela que está na base da principal fonte normativa do Direito contemporâneo: os princípios (DWORKIN. por isso mesmo. havia anistiado os agentes públicos e seus cúmplices. os princípios não precisam ser expressos em textos oficiais do direito positivo.p65 391 17/5/2011. de 1979. Em primeiro lugar. Os indivíduos passam. ainda em vigor. própria do Estado liberal. Quem ignora. por força de sua posição de supremacia no ordenamento. Na classificação das fontes. de modo geral.FÁBIO KONDER COMPARATO . o legislador nacional carece de toda legitimidade para anistiá-lo. os “princípios gerais de direito” eram invocados tão-só na hipótese de lacuna legislativa. convencionalmente denominadas regras (rules. Madison (1803) – . e de sua ratificação pelo legislador nacional. Os juristas. Filosofia e Teoria Geral do Direito. afinal. 17:47 . o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia. que o primeiro princípio historicamente afirmado do direito constitucional. deplorável. ou de ausência de um tratado internacional em vigor. mas a consciência coletiva permanece viva e atuante. os costumes e os princípios gerais de direito” (art. independentemente de sua expressão em tratados internacionais. Regeln). a Lei de Introdução ao Código Civil de 1942. a duração da consciência coletiva é sempre maior que a das vidas individuais. assim determina: “Quando a lei for omissa. eles se situam no mais elevado grau hierárquico do sistema normativo. com isso. Foi. para dizer o mínimo.391 fortemente os indivíduos se opõem às crenças e valores dominantes na sociedade e se sentem. foi afirmado pela Suprema Corte dos Estados Unidos já no início do século XIX – Marbury v. que assassinaram. da mesma forma. ou para determinar a extinção da punibilidade por meio da prescrição. “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros. uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu conjunto. vários campos normativos (Normbereiche).p65 392 17/5/2011. divinas”. conflita com uma norma imperativa de direito internacional geral. Além disso.392 . quer do direito público. por exemplo. O eventual conflito entre princípios se resolve pela escolha do mais adequado ou pertinente para a justa composição da lide. àquelas leis “não escritas. 5º. ao mesmo tempo. inabaláveis. eles não são sujeitos a revogação ou abrogação. c). quer do direito privado. vigoram ainda que não explicitados no texto constitucional. decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados”. os princípios jurídicos correspondem perfeitamente. Para os fins da presente Convenção. o Estatuto da Corte Internacional de Justiça indica os “princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas” como fonte do Direito (art. porém. 142 e ss. o princípio da isonomia cobre todo o sistema jurídico.). Segundo o disposto em seu art. pp. os princípios fundamentais assumiram uma posição de supremacia. como se vê. No campo do direito das gentes. Hoje.VISÕES DISTINTAS DO FENÔMENO JURÍDICO Na verdade. tendo em vista a supremacia normativa dos princípios sobre todas as demais normas jurídicas. § 2º. No Brasil. de que falou Antígona no famoso diálogo com Creonte. De início. o programa normativo (Normprogram) dos princípios abarca. balancing). Assim. no sistema jurídico interno. sob a denominação de norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens). no momento de sua conclusão. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 assim dispôs. declarados no direito positivo estatal ou internacional. em última análise o respeito integral à dignidade da pessoa humana. ele vigora em todos os ramos. como norma da qual nenhuma derrogação é Filosofia e Teoria Geral do Direito. I. o âmbito de incidência dos princípios é praticamente ilimitado. 17:47 . nacional e internacional. pela superveniência de outros princípios. eles exerciam um papel de fonte secundária. no mundo contemporâneo. a Constituição Federal 1988 refere-se expressamente aos princípios. Em terceiro lugar. em matéria de direitos humanos. Usando-se da distinção feita pelo Professor Friedrich Müller (1990. 53: É nulo o tratado que. 38. segundo o método do sopesamento ou balanceamento de valores (Güterabwägung. tal como no direito interno. cujo conteúdo é sempre preciso e concreto. levando-se em conta. em seu art. os quais. ao contrário das demais normas jurídicas. que a todo momento ela adormece ou se desvia. O sentimento não atua dessa forma: ele procede instantaneamente. Efetivamente. decorrente de uma leitura da norma em seu sentido geral. como bem assinalado na atual doutrina alemã (HESSE. a par da mentalidade social. sua concepção moral da vida. como parte indissociável do universo ético. isto é. não é feita exclusivamente pela razão raciocinante. p. A hermenêutica jurídica autêntica é somente a que visa à aplicação concreta da norma a um trecho determinado da vida social (Konkretisierung). quaisquer que eles sejam. Creio. como se sabe. que a razão desconhece” (idem. entra em jogo. passim. da sua visão de mundo. os quais devem estar sempre presentes [ao espírito do sujeito]. “A razão”. ao contrário do que sucede com a sua leitura abstrata. objeto destes comentários. 1990).393 permitida e que só pode ser modificada por nova norma de direito internacional geral da mesma natureza. A função cognitiva dos sentimentos. MÜLLER. necessariamente. crenças. sempre mesclada Filosofia e Teoria Geral do Direito. é obviamente impossível suprimir de suas normas o valor da utilidade. HESSEN. O Direito. 1995. Na aplicação concreta da norma. desenvolve com proficiência a doutrina do Direito como teoria da interpretação. in fine). 142). mas implica sempre uma co-apreciação emotiva ou sentimental (SCHELER.. A HERMENÊUTICA JURÍDICA No capítulo 5 de seu livro. nº 277). tem sempre um conteúdo axiológico. nº 252. segundo a fórmula célebre. o Professor Sampaio Ferraz Jr. 17:47 . fora do tempo e do espaço.p65 393 17/5/2011. no entanto. a apreensão dos valores. idiossincrasias. que compreende preferências valorativas. a mentalidade do intérprete: sua hierarquia pessoal de valores. que a verdadeira interpretação jurídica não é aquela feita in abstracto. por não ter todos os princípios presentes. 60 e ss. Ainda que ele seja reduzido a uma simples técnica. Ora. opiniões. sentimentos ou paixões. Daí resulta. e está sempre pronto a agir” (Pensées.FÁBIO KONDER COMPARATO . disse ele. cada indivíduo julga e decide agir de acordo com a sua própria mentalidade. “age lentamente. e com uma visão de tal forma múltipla sobre tão grande número de princípios. que um aspecto importante do assunto mereceria maior reflexão. foi um dos temas maiores das reflexões de Pascal. III. ou consciência ética coletiva. Daí decorre. que “o coração tem suas razões. O contraste entre a leitura abstrata e a hermenêutica concreta da norma é sobretudo marcante. quando o litígio em julgamento envolve relações de poder. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Quatro séculos de escravidão moldaram a mentalidade coletiva neste país. e. porém.VISÕES DISTINTAS DO FENÔMENO JURÍDICO de afeições e rejeições de toda espécie. ele é tido e proclamado como o único legítimo e em vigor. Em tais situações. abrangia os crimes comuns de homicídio. Muita vez. creio que dificilmente encontraremos uma sociedade em que a contradição entre o direito escrito e o direito aplicado seja maior do que a brasileira. Basta. no sentido de uma separação abismal entre dominantes e dominados. por uma aparência de perfeita igualdade. para que se abram automaticamente as portas de comunicação do direito oficial com o outro ordenamento. por violar o princípio fundamental de liberdade. de anistia e prescrição por leis nacionais. Dois exemplos recentes dessa duplicidade jurídica nos deu o Supremo Tribunal Federal.p65 394 17/5/2011. que a anistia declarada pela Lei nº 6. a imparcialidade do intérprete é ilusória. que legitima e consagra o status dominii tradicional. 17:47 . aos olhos externos. assinalado por Pascal. a Corte entendeu que a lei de imprensa de 1967 fôra revogada de pleno direito pela Constituição Federal de 1988. até então oculto. e de que a jurisprudência consolidada da Corte Interamericana de Direitos Humanos considera nulas as leis de auto-anistia de governantes. o mesmo tribunal decidiu. por ampla maioria. Quando o direito oficial não se opõe a seus interesses. Um ano depois.394 . no entanto. o Supremo Tribunal Federal. portanto. nem sempre se dá conta de sua carência de neutralidade. Independentemente de que tal decisão não levou em conta serem tais delitos. o que é pior. tortura e estupro. exatamente em 30 de abril de 2010. como construção justificativa dessa prédecisão instantânea. surgir a mínima contradição entre as normas expressas do direito positivo e o poder que tais grupos detêm e exercem efetivamente na sociedade. de 1979. É o lado intuitivo do “coração”. já quando da promulgação dessa lei. Tem-se a impressão de que Janus bifronte.683. é o grande protetor de nossos grupos dominantes. mas separação oculta. qualificados como crimes contra a humanidade no direito internacional. sem raciocínio. o deus romano da passagem. insuscetíveis. nela declarado. praticados por agentes públicos do regime militar contra opositores políticos. Em acórdão de 29 de abril de 2009. pois ele jamais é neutro diante das posições antagônicas de dominante e dominado. o juizo decisório é feito de imediato. A argumentação jurídica vem depois. econômico ou político. Pois bem. Berlim. Blaise. FEBVRE. De la division du travail social. Editor. C. 1993. da Constituição de 1988: a tortura é um crime inafiançável e insuscetível de graça e anistia. 1989 . Taking Rights Seriously. Pensées. KANT. Vom Ursprung und Ziel der Geschichte. Metaphysische Anfangsgründe der Rechtslehrer. Certíssimo. Friedrich. An Autobiography – The Story of My Experiments with Truth. Akademie-Verlag. DURKHEIM. Edição Brunschvicq. tomo II. alguns são sempre mais iguais do que os outros. Ronald. Martin Luther. a balança de Têmis pendeu. 4ª edição. Ernst. Allgemeine Theorie des Normen. 1983. Druck und Verlag von Georg Reimer. editado por Wilhelm Weischedel. vol. para dar apoio à aliança entre o Judiciário e o poder militar. 5º. PASCAL. nova edição por Friedhelm Nicolin und Otto Pögeler. Suhrkamp. no outro. Müller. Oeuvres Complètes. mas o ditador suino da novela Animal Farm. 1974. Hans. HESSE. 2008. Paris. Cambridge. 1997. Kritik der praktischen Vernunft. un destin. Berlim.395 no caso. 1951. 1992. Kritik der reinen Vernunft. fez vista grossa para o disposto no art. estava Napoleão. Berlim. Konrad. KELSEN. para o lado do poder: no primeiro caso. Princeton University Press.. Wiesbaden. Verlag. editado por Wilhelm Weischedel. 2005). Beacon Press. Berlim. Harvard University Press. 2ª edição revista e ampliada. como destacou Anthony W. 1981. Johannes. 1913. Sucessor. MONTESQUIEU. Coimbra.. Pereira em monografia recente (PEREIRA. REFERÊNCIAS CONFÚCIO. Paris. Gallimard.und Universitätsbuchhandlung. PUF. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Boston. não o célebre general corso. Filosofia dos Valores. R. Armênio Amado. Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland. 12ª ed. Entretiens de Confucius. Georg Friedrich. em ambos os casos. em favor do oligopólio empresarial dos meios de comunicação de massa. Heidelberg. Juristiche Methodik. A study in mediaeval political theology. 1966. tradução. 2000. Mohandas K. Insel Verlag. DWORKIN.FÁBIO KONDER COMPARATO . Enziklopädie der philosophischen Wissenschaften im Grundrisse (1830). Reine Rechtslehre. Wiesbaden. presente em todas as fases do regime autoritário castrense. KANTOROWICZ. F. JASPERS. Karl. Lucien. MÜLLER. HEGEL. se todos os animais são iguais. Manzsche Verlags. 7ª edição. 1990. portanto. Como é de fácil percepção. de George Orwell. GANDHI. Presses Universitaires de France. Éditions du Seuil. Émile. 4ª edição. introdução e notas de Anne Cheng. 1978. 10ª ed. Insel Verlag. 1. Suhrkamp. 1995 HESSEN. 1993.p65 395 17/5/2011. Piper & Co. Verlag Österreich. 17:47 . inciso XLIII. Viena. 20ª edição. Munique e Zurique. The King’s Two Bodies. 1978. Immanuel. seguindo a nossa velha linha de conciliação entre os grupos oligárquicos. quando advertia para o fato perturbador de que. Mohr (Paul Siebeck). WEBER. Authoritarianism and Rule of Law in Brazil. Du Contrat Social. Pierre. Max. Chile and Argentina. Anthony W. Paris: Édition du Seuil. SCHELER. 2010. Berlim. Le Phénomène Humain. SAMPAIO FERRAZ Jr. 17:47 .p65 396 17/5/2011. 5ª ed. no Chile e na Argentina. Paz e Terra. TEILHARD DE CHARDIN. 1947. ROUSSEAU. 1955. 1916. 2005. Les Éditions du Cheval Ailé. Jean-Jacques.396 .. Max. Political (In)Justice.VISÕES DISTINTAS DO FENÔMENO JURÍDICO PEREIRA. Tradução brasileira sob o título Ditadura e Repressão – O autoritarismo e o estado de direito no Brasil. Tübingen. 1972. Introdução ao Estudo do Direito. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 5ª ed. Genebra. J. Der Formalismus in der Ethik und eine materiale Wertethik. Wirtschaft und Gesellschaft – Grundriss der verstehenden Soziologie. B. C. University of Pittsburgh Press. O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO Um “Vol D’oiseau” sobre o Passado e Algumas Perspectivas para o Futuro Fábio Nusdeo Doutor em Economia e em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo. Professor Titular Aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:47 .p65 397 17/5/2011. de fato. modesto em si mesmo e mais modesto ainda quando inserido no rol das demais contribuições que enriquecem a obra. Veja-se. iniciar a sua circulação por entre os seus admiradores. por meio de seus escritos. dedicando-o a quem o tem cultivado com maestria. também. sobretudo. 17:47 . no entanto.p65 398 17/5/2011. poder-se-ia analisar o Poder sem o enfoque ou o foco filosófico? Poderia esse conceito. estará. mas também jurídico. se o Direito Econômico representa a imbricação necessária entre Direito e Economia. ainda. a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale. através do seu ensinamento oral. onde colocar aí a Filosofia? A resposta quem no-la dá é o próprio homenageado. valor e norma para cunhar o fenômeno jurídico. E isto tudo sem ostentação. com profundidade. em grande parte ubicados nesse território acidentado e conturbado e. com a sensibilidade e a visão sobranceira com que a Filosofia sói quinhoar aqueles que a servem. Assinala ser o Poder – objeto da Ciência da Política – o princípio motor a impulsionar o tríptico amálgama entre fato. Afinal. mas que não pode cerrar as suas fronteiras para um terceiro personagem – buliçoso e travesso – umbilicalmente ligado aos dois outros: a política.. perspicácia e. o que Tercio tem feito pela vida afora.. 1. pois as lições de Tercio sobre questões de Economia Filosofia e Teoria Geral do Direito. se completando a primeira centúria da existência desse singular ramo ou território jurídico a que se deu o nome de Direito Econômico. sua posição ao comentar. talvez incógnito onde se encontram e convivem o Direito e a Economia. solicitude. Mas. Seria.O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO: UM “VOL D’OISEAU” SOBRE O PASSADO. no bojo de uma coletânea de estudos oferecidos a um dos mais consagrados jusfilósofos da atualidade brasileira. a um tempo científico. vale dizer. Poderia surpreender a alguns o fato de tal evento temporal ser lembrado e – por que não dizer – celebrado. INTRODUÇÃO Quando o presente volume em homenagem – mais do que merecida – ao Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr. por todos os cultores do Direito. das suas multifárias atividades tanto acadêmicas quanto profissionais. E é. felicita-se pela coincidência de poder comemorar o centenário do surgimento do Direito Econômico. por exemplo. pelo menos frívolo pretender que três esferas teóricas de investigação científica desse tomo pudessem prescindir do enfeixamento conceitual e metodológico que somente o filósofo pode oferecer.398 . ser iluminado em todos os seus desdobramentos sem o facho potente da Filosofia? E o autor deste capítulo. logo no seu nascedouro. com a lucidez de sempre. de qualquer maneira.FÁBIO NUSDEO . afinal. no dia a dia. a legislação antitruste trouxe em si o estampo e a marca do Direito Econômico. além do próprio campo constitucionalista. mas. do Direito Econômico. ele foi ofuscado pelo Sherman Act. uma lei – ou statute – manifestamente endereçada à própria estrutura do sistema econômico americano. UM POUCO DE HISTÓRIA No mundo ocidental da era contemporânea. qualquer liberdade. precisa ter algum tipo de controle. os princípios basilares da ordem econômica consagrada em sua Constituição. tangível e imponível. 2. com a Constituição de Weimar.p65 399 17/5/2011. não do homenageado). Teoria Geral. por terem mostrado que a liberdade econômica. como. fundada na livre iniciativa. a repercussão do novo diploma legal foi diminuta e não teve o condão de provocar estudos e debates nos principais centros universitários do mundo. Mas. como viria a acontecer apenas trinta anos mais tarde. a iniciativa econômica é e deve ser livre desde que não imponha custos desarrazoados aos concorrentes e consumidores. liberdade. das análises científicas e das aspirações sociais manifestadas nesta última centúria. quando editado o Sherman Act. aliás. vaticinar ou propor algo que possa alimentar uma meditação sobre o que se tem pela frente. ainda neste início do século XXI. a seguir. A ideia é a de situá-lo no contexto da evolução dos fatos. De população reduzida e rarefeita. ousando. cujo pressuposto inescapável é a concorrência. de qualquer maneira. no entanto. 17:47 . Uma ordem econômica ainda implícita e não abertamente declarada. àquela época o país não integrava o concerto de nações. o que equivale a lhes tolher a liberdade. em 1890. como diriam os franceses. No entanto. Ambos. uma ordem econômica perceptível. não deixaram de representar uma certa contradição ideológica. O título do capítulo parece esclarecer. “de quoi s’agit il”? Do que se trata? Do que se quer falar a pretexto deste centenário? (por óbvio. o Direito Econômico dá o seu primeiro sinal de vida nos Estados Unidos. com o claro objetivo de lhe oferecer condições de vivenciar. Filosofia e Teoria Geral do Direito. estando ainda sob domínio britânico. É bem verdade que um ano antes o Canadá já havia editado uma lei com idêntico endereçamento. Mas. Ou seja. sob pena de levar à destruição dela própria. Em poucas palavras. Sociologia e Política.399 e Direito Econômico costumam vir entremeadas em escritos aparentemente delas distanciados como os de Filosofia. como poderia ser chamado nos países da civil law. qual seja a licitude de o Estado dar a última palavra em algumas das decisões engendradas no mercado. este até então visto como. sobretudo a partir da década de sessenta e. Por outro lado. dado o caráter mais pragmático e funcional daquele sistema jurídico. tendo se desenvolvido enormemente. Bem.O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO: UM “VOL D’OISEAU” SOBRE O PASSADO. praticamente. não permitiram pudessem ser lançadas desde logo as bases metodológicas para uma perfeita caracterização desse novo Direito. como. vale também lembrar que já em 1878. como tais. Sem dúvida. portanto. Note-se que a experiência “intervencionista” de 1890 não apenas vingou. 17:47 . e não “Economic Law”. aptas a fazer um sentido tanto para juristas. como ainda criou uma agência especial para o seu controle e repressão: a Federal Trade Commission. da funcionalidade do Direito. menos preocupado com a visão dogmático-sistemática quanto à natureza e classificação das suas normas ou das relações sociais a serem por elas reguladas e mais com a realidade fática sobre a qual concretamente deveriam incidir.p65 400 17/5/2011. Daí a denominação por eles adotada de “Law and Economics”. dando origem à chamada NEI – Nova Economia Institucional –. o qual não apenas definiu as infrações à ordem concorrencial americana. estes foram os prolegômenos e.. hoje em dia espalhadas pelo mundo. Assim. de resto. órgão federal com atribuições supervisoras quanto a entraves do comércio entre os Estados-membros da Federação. inclusive por decisões seminais da Suprema Corte. Mesmo porque tais prolegômenos ocorreram num ambiente de common law e. tipificando determinadas condutas atentatórias a ela. consagrada que foi. puderam prescindir daquelas bases filosófico-metodológicas. cujo fulcro é a análise Filosofia e Teoria Geral do Direito. nos Estados Unidos. o único “centro” decisório legítimo em matéria de economia. como ainda abriu espaço para novas modalidades de presença estatal na economia.400 . nos próprios Estados Unidos. aceita-se a existência de uma área para a análise das relações entre Direito e Economia. manifestadas em 1914 com o Clayton Act.. em outras palavras. quanto para economistas. Tratava-se da Interstate Commerce Commission. havia sido criado aquilo que viria a ser o embrião dessas agências reguladoras. com maior ímpeto. mas mais centrada em perquirir o papel desempenhado pelo corpo de normas legais no desempenho e nos resultados do sistema econômico. em outros países da common law. desde os anos oitenta do século passado. esse tipo de enfoque e de linha de pesquisa tem sido muito fecundo. como não poderia deixar de ser. a preconizar um novo método para a análise e aplicação de normas com conteúdo ou endereçamento econômico a se sobrepor ao até então imperante formalismo exegético pandectista. com nomes do gabarito de Henri Simon. divulga um manifesto com o sugestivo título de “Por um Direito Moderno” (“Um das Recht der Gegenwart”. Richard Posner. redigido sob a liderança de um grande civilista. como a NEI e a Escola da Public Choice. funda-se uma sociedade de estudos jurídicos denominada “Recht und Wirtschaft” – Direito e Economia –. chegando muitos autores. Gordon Tullock.p65 401 17/5/2011. preferiu-se cingir a discussão sobre o surgimento e a evolução do Direito Econômico aos países de tradição romano-germânica. desde o início. aliás. mereceriam também ser apresentados e discutidos neste trabalho. Atravesse-se. qual seja a edição em outubro de 1960 – há cinqüenta anos – do segundo número do Journal of Law and Economics contendo o seminal artigo de Ronal Coase “The Problem of Social Cost” no qual os custos de transação são percucientemente analisados a tal ponto de tal contribuição ter recebido a alcunha de “The Coase Theorem”. logo mais. mais descompromissado com aquele endereçamento e com as suas consequências sobre a sociedade. Trimarchi. em 1911. No entanto. Direito Econômico. interpretação e aplicação do Direito do que como um ramo com normas e principiologia próprios. A sua origem. Filosofia e Teoria Geral do Direito. mas. inclusive com o fito de mostrar como ele. Tudo começa na cidade alemã de Jena. o Atlântico para surpreendê-lo em seu nascedouro europeu. convocaria expoentes do pensamento jurídico teuto para um congresso sobre o tema. por alguns também denominado “Por um Novo Direito” (“Für ein neues Recht”). isto o tornaria excessivamente extenso. pois. a vê-lo mais como um método de análise. o que propiciou uma gama enorme de enfoques e de visões sobre a natureza e o significado de suas normas. Os estudos de Law and Economics e seus desdobramentos. Justus Wilhelm Hedemann. fundamentalmente. Por esta razão. Esse manifesto. que. 17:47 .FÁBIO NUSDEO . ao se encerrar. não se propunha a estabelecer as linhas de um novo ramo jurídico.401 econômica das instituições (não apenas leis stricto sensu) como elementos explicativos do desempenho econômico dos vários povos – mais ou menos como uma boa rede fluvial ou viária pode explicar o progresso de uma dada região ou país. Ronald Coase e tantos outros. Farber e Frickey. na qual. Guido Calabresi. James Buchanan. E tal congresso. até agora não se acomodou muito bem em tais países. comporta um outro marco temporal expressivo. a seguir. passaria a abranger os próprios contratos.p65 402 17/5/2011. 17:47 . Não por outro motivo situam os autores o marco inicial dos estudos sistemáticos sobre a norma jurídica de conteúdo econômico já na primeira década do século XX. por meio deles. por outro. nunca viu com o mesmo entusiasmo de outros povos as excelências do livre cambismo. foi um de seus filhos a se colocar na vanguarda do movimento contestador de seus princípios. ela inaugurou uma nova era do constitucionalismo ao exibir um capítulo destinado à vida econômica (Wirtschaftsleben). unificada politicamente apenas em 1870. porque. ou seja. já em 1908. Como sabido. que levou um grupo de juristas teutos a iniciar. que. os debates e especulações sobre o “novo Direito” foram um tanto obnubilados. Com efeito. por um lado.. a Alemanha vivia uma fase de grande expansão industrial a entranhar amplas modificações na estrutura social. conseguido mediante a aplicação coerente de medidas de estímulo oficial. lícito à sociedade cobrar do proprietário um uso dos seus bens compatível com fins ou objetivos por ela tidos como necessários ou desejáveis. É o embrião daquilo que. atrasada em seu processo de industrialização e de modernização econômica. justamente em preparação para ela. basicamente.. na Itália e na França a elaboração doutrinária voltada à estruturação e composição desse “novo Direito”. dentre os países do ocidente europeu. portanto. inicia-se na própria Alemanha e. duas décadas antes.402 .O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO: UM “VOL D’OISEAU” SOBRE O PASSADO. na Alemanha. mas ressurgiram revigorados sob o impacto da reconstrução alemã no quadro da República de Weimar e de sua nova Constituição editada em agosto de 1919. ainda quando contraindicada pelos cânones das vantagens comparativas tão ao gosto dos liberais deterministas. o qual ao longo das décadas seguintes passaria a receber o qualificativo de “econômico”. Foi justamente o progresso da indústria alemã. Tratava-se de Friedrich Lizst. contendo o singelo princípio segundo o qual “a propriedade obriga”. Com a sua eclosão. em 1914. Sim. logo mais. seria conhecido como função social e que. significativamente. e a prescrição mandamental de Weimar sobre o endereçamento social da propriedade. pois a atuação ou utilização da propriedade fazse. estudos sobre um Direito Filosofia e Teoria Geral do Direito. talvez tenha sido aquele no qual os postulados do liberalismo menos conseguiram penetrar. de política econômica. Com fulcro nesses elementos: a percepção doutrinária de Jena quanto à necessidade de um novo Direito. já havia esboçado o seu célebre sistema de economia nacional de índole autárquica. mais adiante. ou seja. estava-se às vésperas da Primeira Guerra Mundial e. Coincidência ou não. e. Àquela altura. a propugnar por uma política decidida de industrialização interna. nascedouro de uma corrente cada vez mais volumosa de juristas que. deixando à Política a valoração e o julgamento dos seus resultados e ao Direito as ações destinadas a lhes dar efetividade social. a presença dos condicionantes políticos e das normas jurídicas tem sido. a aflorar. Mercê de tal enfoque a Economia ganhou indiscutível rigor científico. na maioria das vezes. isto é. mas de relações entre o Direito e a Economia e da problemática própria por elas suscitada. a revolução positivista e quantitativista eclodida nas universidades. endereçada diretamente à regulamen- Filosofia e Teoria Geral do Direito. é mister repisar a existência. de legislação tipicamente econômica. Lehmann. Nunca deixaram eles passar despercebido o conteúdo econômico da maior parte das normas legais. sistematicamente ignorada ou. em todo o mundo civilizado. objeto de seu trabalho e da sua investigação. anos depois – 1918 –. adotada pelos economistas. sustentou a procedência de se destacar o Direito industrial do mercantil. passou a se ocupar.FÁBIO NUSDEO . o Instituto para o Direito Econômico também em Jena. Destacaram-se aí três nomes: Heymann. sobretudo dos Estados Unidos. com crescente empenho. A mesma atitude não foi. então vivido pelo país sob estímulos oficiais. via de regra. seja no âmbito mais restrito da análise do Direito positivo.p65 403 17/5/2011. Exemplo típico vem a ser a obra de Gustav Radbruch sobre Direito e Economia ainda nos albores do século XX. contestada por muitos –. Lehmann e Hedemann. A bem da verdade. Refugiados em seus modelos. tomada como um simples marco institucional – um dado a mais do problema ou talvez de sua explicação.403 industrial e agrícola de caráter especial. cujo grau de abstração e de formalismo de linguagem – matemática – levou-a a elidir o aspecto valorativo e institucional da atividade econômica: aquilo a que originalmente deu-se o nome de Economia Política. dadas as suas características peculiares e o papel por ele desempenhado no auge econômico. da sociedade de estudiosos denominada exatamente “Direito e Economia”. ao pronunciar a aula inaugural da universidade da mesma cidade. sobretudo dos jusfilósofos. 17:47 . com maior ou menor nitidez. Por outro lado. Fundava-se. seja nos altos voos da teoria geral. Como é sabido. aliás. levou a Economia a se confinar à chamada análise econômica. presidido por Hedemann. então. deve-se ressaltar que as relações Direito-Economia sempre exerceram inegável fascínio sobre cultores do Direito. a ponto de qualificar-se à outorga anual de um Prêmio Nobel. Em 1911 dá-se a fundação. com a publicação em Jena do manifesto “Pelo Direito Moderno”. em todos as épocas e povos. já referida. quando muito. em quase todos os campos de aplicação dessas normas. No ano seguinte. do estudo não apenas de um novo Direito – cuja existência era. onde se encontrarão dispositivos a respeito de salários e de preços. esta última em plena época de fastígio do liberalismo. muitas vezes confundidas com o próprio poder comunal. quase que um hiato. quer de entidades intermediárias ou gremiais com poderes sobre a sua atividade: a autoridade direta e inelutável do senhor feudal sobre os residentes no seu domínio. 17:47 . aproximado. a copiosa legislação agrária de todos os tempos. E antes? Sucederam-se as normas. foi postulado e aceito pela burguesia afluente. passou a humanidade por todas as formas de imposição econômica. Mas esse paralelismo hermético de planos decisórios. são apenas traços de uma infindável corrente a atravessar os páramos da História. sob a inspiração da Escola da Economia Nacional. a multiplicação das atividades Filosofia e Teoria Geral do Direito. flanqueado apenas perifericamente pelo quod ad statum rei romanae spectat.. o rígido controle das corporações de ofício. E a tentativa de separar o quanto possível os dois planos decisórios – o político e o econômico – encontrou na Summa Divisio de Ulpiano um fácil fundamento. se. Das leis anonárias e do Editum Rerum Venalium de Diocleciano ao moderno controle de reajustamentos de preços. tanto quanto possível. sobre as quais adiante se falará. cujo conteúdo e implicações não passariam despercebidos aos juristas mais argutos. o rasgado protecionismo americano e a política de autarquia da Alemanha. Não se pode perder de vista o fato de a era liberal ter representado. tinha plena consciência do caráter econômico da maior parte da legislação. verdadeira polícia econômica da Lusitânia medieval. a atuação das companhias de comércio. determinando pesos. o qual destarte apresentaria inevitavelmente o aspecto de retalhos justapostos.. apenas não via como englobála num único ramo do Direito. a do mercado autorregulado. quer de governos. parcelas disponíveis e indisponíveis da colheita. como doutrina. as manufaturas reais da França de Colbert. na história econômica da humanidade. uma espécie de rio de águas subterrâneas que ora afloram. Bentham.404 . na prática quedou-se como modelo de um ideal a ser. estimuladas pelos soberanos. quiçá mesmo sistemas de uma legislação verdadeiramente econômica.O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO: UM “VOL D’OISEAU” SOBRE O PASSADO. quando já não os tinham como sócios ocultos.p65 404 17/5/2011. A singulorum utilitatem seria o campo fechado e zelosamente guardado da supremacia da vontade do indivíduo e da proteção da sua propriedade. um dos artífices do liberalismo utilitarista. a fiscalização dos almotacéis. No entanto. ora seguem sepultas conforme a qualidade do solo e o regime pluvial. medidas. mas dificilmente atingido no dia a dia do mercado. um salto para a nova crença. em virtude de suas inevitáveis falhas. da qual já há sinais no Código de Hamurabi. uma experiência. apoiado no dogma da autorregulação do mercado. tação de uma atividade da espécie. Um novo e efêmero hiato veio a ocorrer mais recentemente com o surto liberalizante do chamado “Consenso de Washington”. das primeiras cátedras para as “ciências econômicas. florestal e dos camponeses. policiais e camerais”. O primeiro compreendia os seguintes capítulos: Direito de caça. Um outro professor alemão. industrial.405 econômicas no Ocidente e a preponderância por elas assumida na cultura de quase todos os seus povos fizeram surgir. Por seu turno. procurou desenvolver um conceito de Direito Econômico Agrário (atividades rurais) e de um Direito Econômico Comunal (atividades urbanas: indústria. Propunha. comercial. Refere Cottely.). em 1964. cabe registrar alguns escritos ou manifestações anteriores que talvez possam assinalar aquilo que poderia ser visto como a sua gestação. pois. com base nos cânones da ciência econômica estatal. Passemos. em 1785. fluvial. uma torrente legislativa. na qual é narrada a criação por Frederico Guilherme I.FÁBIO NUSDEO . a passagem da descentralização – perseguida até a época em que surge o Novo Direito – para o sistema de iniciativa dual dos dias atuais. OS PRECURSORES Se Jena e Weimar lavraram as certidões de nascimento e de batismo desse novo Direito cuja análise se fará um pouco mais adiante. 17:47 . no campo jurídico. em obra publicada em 1731. jurista húngaro domiciliado na Argentina. no qual o mercado e o Estado participam em proporções e formas variáveis do conjunto das decisões econômicas. de mineração. ainda em fins do século XVII. a eles. algumas décadas mais tarde. em Halle e Frankfurt.p65 405 17/5/2011. ou seja: Direito agrário. de matérias-primas e assim por diante. de nome Fischer. já sustentava a necessidade de uma nova sistematização para o Direito Econômico. O primeiro catedrático de Frankfurt. rei da Prússia. comércio etc. Filosofia e Teoria Geral do Direito. No entanto. de navegação. um dos titulares de Halle. e não nas classificações meramente jurídicas. Heinrich Heschenmayer. em consequência. em quantidade antes inimaginável. nem mesmo ele chegou a alterar o caráter dual dos atuais sistemas econômicos. 3. surgida em Colônia. a consubstanciar. surgido no último quartel do século passado e encerrado com o colapso econômico-financeiro dos albores da presente centúria. a uma obra de caráter histórico do escritor alemão Rudolf Piepenbrock. tentou reunir num sistema orgânico aquilo que ele chamava de três grandes ramos do Direito Econômico: o rural (Landwirtshaftsrecht). Justus Cristoph Didthmar. a divisão desse Direito em tantos subramos quantos os setores a serem regulamentados. Será oportuno ter presente que apenas na segunda metade do século XVIII destaca-se a Economia da filosofia moral e dos estudos éticos. médico da corte francesa. pai da chamada fisiocracia.p65 406 17/5/2011. Insuela Pereira reivindica tal primazia para o Brasil. como talvez a primeira a ostentar precisamente o título Il Diritto dell’Economia. ao propugnar por um novo tipo de ordem econômica baseado na solidariedade e conciliação das classes sociais. na mesma época. como a matéria é mais conhecida na península. a origem intelectual do seu fundador. sob o título Leituras de Economia Filosofia e Teoria Geral do Direito. mesmo após estruturado o quadro da Economia liberal. Ainda na segunda metade do século XVIII. Romagnosi já vaticinava: “Tempo verrà che il diritto civile e l’economico pubblico verranno considerati come due rami della stessa scienza. citando Antonio Polo. inteiramente alienados da realidade fática que então se desenhava. com vistas à justiça social. No entanto. Nela. o autor procurava realizar uma síntese do Direito – tanto público quanto privado – e da Economia Política. Foi somente mais tarde que o enfoque meramente positivo delas elidiu qualquer consideração normativa no seu estudo. aponta a obra do italiano Angelo Levi. com a consagração da Summa Divisio ulpiniana. Jacquemin et Schrans assinalam o emprego da expressão Droit Économique ainda em meados do século XIX por Proudhon. publicada em Roma em 1886. dimodochè ambendue seranno garantite con quell’opinione religiosa che viene ispirata dal sentimento della giustizia naturale”. o que também pode ser atribuído ao excessivo apelo dos primeiros liberais aos conceitos de direito natural. da qual um dos capítulos levava o título “Constitution Économique”. da Economia ou de qualquer outro hoje pertencente às denominadas ciências sociais. o estudo de princípios legais e éticos à ilharga de qualquer especulação de caráter científico ou técnico sobre um dado assunto. aparentemente. começam a surgir alguns indícios de preocupação com a interferência recíproca entre Direito e Economia. No entanto..406 . seguida em 1776 pela escola clássica inglesa. a propósito.. Moore Merino. ao citar a obra publicada em 1827 pelo Visconde de Cayru. Não é de admirar. dos mais profundos. Donde a preocupação – vigente até o século XVIII – de pôr em relevo as normas legais aplicáveis a dado objeto de estudo situado no campo da Política. Adam Smith: um professor de filosofia moral e. em movimento iniciado pelo doutor Quesnay.O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO: UM “VOL D’OISEAU” SOBRE O PASSADO. Por seu turno. 17:47 . pois. Lembre-se. o fisiocrata francês Baudeau utilizava a expressão legislação econômica na sua obra Première Introduction à la Philosophie Économique ou Analyse des États Policés. Por seu turno. Não cabe no âmbito deste trabalho um tratamento mais extenso e minudente sobre tais falhas de mercado. 4. Ou seja. apenas aparente. finalmente. o Direito natural e a Economia Política. ou seja. Iniciou-se o intenso labor dos juristas no sentido de delinear seus contornos e classificá-lo. pela própria realidade. pois a noção do Direito Econômico. mais do que isso. sem dúvida ilustres e todos eles animados dos mais nobres e alevantados ideais. com a perpetuação e proliferação das leis cujo objeto era a atividade econômica em virtualmente todas as suas manifestações e ambientações. de ser criada pelos homens e pelas sociedades para servi-los. Isto se deveu à progressiva conscientização quanto às falhas ou inoperacionalidades dos mecanismos de mercado que tornaram altamente irrealista a crença em sua capacidade de se autorregular de forma espontânea pelo menos no contexto macroeconômico. apenas. enumerar as seis principais. detectando as recíprocas influências entre eles. entre alguns dos primeiros estudiosos do tema. dificilmente se acomodava à estrutura tradicional Filosofia e Teoria Geral do Direito. Cabe. Bastará. lembrar uma obra interessante de 1875. os tratadistas alemães passaram a distinguir duas ordens de investigação: a primeira sobre a Constituição econômica (Wirtshaftsvervassung) e a segunda sobre a implementação concreta de seus princípios. a que deram o nome de Direito Administrativo da Economia (Wirtshaftsvervaltungsrecht). e não a lei miraculosamente encontrada ou descoberta por uma vaga e inexplicada naturalis ratio.FÁBIO NUSDEO . muito mais sentida ou intuída do que definida. a impressão. Malgrado. Essa a posição de Kahn. a origem dos estudos de caráter científico sobre o Direito aplicado à Economia deve ser situada na Alemanha. a presença de precursores. próprio a épocas anormais de guerras ou de crises. 17:47 . Houve. A tarefa era melindrosa. não necessariamente nas épocas de crise ou de fenômenos extraordinários. no entanto. de ele não passar de um fenômeno efêmero. EVOLUÇÃO DO CONCEITO Com base no capítulo da Constituição de Weimar sobre a Vida Econômica. cujo autor se propunha a determinar os campos comuns e os de separação entre o Direito positivo.p65 407 17/5/2011. a “mão invisível” do mercado mais e mais teve de ser substituída pela “mão visível” da lei – lei no sentido positivo. logo mais contraditada por Nussbaum e Hedemann e.407 Política ou Direito Econômico conforme a Constituição Social e Garantias da Constituição do Império do Brasil. sobre aspectos jurídicos do capitalismo e sobre uma nova ordem pública e econômica. Em alentado e minudente estudo. o Prof. Nesse quadro surgiram concepções as mais díspares: umas extremamente amplas. Albino de Souza. classifica em concepções nebulosas.p65 408 17/5/2011. (3) diferenciação pelo sujeito. em 1945. Nabantino Ramos. durante os quais os estudos se concentraram na Alemanha. apresenta cinco deles. onde as agudas observações de Ripert. totalizantes. outras excessivamente restritas. dentre os quais se destacou o Mercado Comum Europeu. com contribuições cada vez mais numerosas e refinadas de tratadistas de tomo. a inquietude pelo novo Direito atinge a Itália. dos sistemas jurídicos ocidentais de base romano-pandectista. preparam-lhe o caminho. e a promoção do desenvolvimento encarado como uma tarefa em escala mundial.. acompanhando Olivera. Como tem sido ressaltado – não sem apreciável dose de melifluidade –..408 . Aí encontraria convicto difusor na figura de um grande comercialista. (2) diferenciação pelo objeto. Mas no que consistiria ele? Tão ampla e variada é a gama de conceitos sobre a matéria que uma das preocupações dos seus expositores tem sido a de classificá-los segundo alguns critérios. J. No Brasil. Com o término da segunda conflagração mundial. e (5) diferenciação pelo marco institucional. abrem-se novas e insuspeitas perspectivas. D’Eufemia. composto originalmente por seis países. no início da década de 30. Modesto Carvalhosa faz o levantamento dos conceitos expedidos por cerca de 70 juristas a respeito da temática Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:47 . tantas seriam as definições de Direito Econômico quanto os autores que dele se ocuparam. e despertaria o interesse um tanto vago de um cultor do Direito do Trabalho. consoante as quais poucas relações se quedariam fora do âmbito do novo Direito. mais concisamente. ademais. Lorenzo Mossa. com a intensificação das operações internacionais de produtos e de capitais. atualmente União Europeia. como base para a diferenciação. a saber: (1) diferenciação por fase ou época histórica. Já o Prof. concepções amplas e concepções restritas as várias definições oferecidas. os blocos econômicos. estrutura essa à qual havia se amoldado perfeitamente a Summa Divisio ulpiniana dicotomizadora do público/privado.O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO: UM “VOL D’OISEAU” SOBRE O PASSADO. (4) diferenciação pelo sentido. Surgem. limitando-o a algumas manifestações regulamentares do Estado. Após quase 20 anos. justamente aqueles onde se concentravam os maiores cultores do novo Direito. o Prof. Um pouco mais adiante chega à França. sem dúvida a figura proeminente do patriciado do novo Direito. Escola autonomista de Direito Público Econômico. em 1943.409 envolvida pela noção de Direito Econômico.p65 409 17/5/2011. mas como um novo espírito. definindo-a como “o conjunto de princípios e normas que regula e hierarquiza a relação entre fins múltiplos e meios escassos suscetíveis de uso alternativo”. o espírito do econômico estaria presente em todo o ordenamento moderno. 17:47 . tais escolas podem ser assim denominadas: 1. indefinida quanto ao método. que tem como pedra de toque a busca incessante da racionalidade. Escola do Direito do Desenvolvimento. e já bem mais tarde. Escola dogmática integrativa publicista/privatista. Escola Teleológica ou de Direito Econômico Aplicado. Segundo o citado autor. Escola do Direito Administrativo da Economia. profundamente marcada pelas transformações de ordem tecnológica e econômica. a ciência dos valores. não autonomista. Analogamente ao ocorrido no século XVIII com o Direito natural que permeara toda a construção jurídica de então. Escola do Direito Internacional Econômico ou do Direito das Comunidades Econômicas. 8. apenas. correspondente àqueles que negam qualquer individualidade à disciplina. não o via originalmente como um conjunto definido de normas. Classifica-os em nada menos de 10 escolas ou correntes de pensamento. às quais acrescenta mais uma – a décima primeira –. 6. Escola de Direito Público Econômico. 9. chegou o ilustre pensador germânico a uma concepção tipicamente econômica do novo Direito. 5. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Interessante recordar que o próprio Hedemann. imprimindo-lhe uma orientação característica. como antigamente concebida. tal como apresentado inicialmente por Lionel Robbins. na intuição de que algo estaria faltando ao ordenamento tradicional. Escola de Aceitação genérica e indefinida do Direito Econômico. concede não ser o espírito ou orientação uma base segura para a identificação da disciplina.FÁBIO NUSDEO . Como claramente se vê. ou seja. um particular enfoque ou tonalidade própria ao Direito moderno. mas a ciência da escolha. 10. 3. Escola integrativa publicista/ privatista. característico de uma sociedade que valoriza em alto grau a chamada eficiência econômica e o bem-estar dela decorrente. Escola de Direito Econômico da Empresa. Em obras posteriores essa primeira ideia foi sendo abandonada. pois tal definição corresponde praticamente ao conceito hodierno da ciência econômica. não mais. As primeiras concepções dos autores alemães baseavam-se muito mais num espírito e num sentir. em artigo publicado na Revista de Derecho Privado de Madrid. incapacitando-o a captar adequadamente a realidade moderna. 4. 2. não definida quanto ao método. 7. necessária para que recursos escassos tenham assegurada a sua melhor forma de aplicação. Westhoff e Nipperdey.O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO: UM “VOL D’OISEAU” SOBRE O PASSADO. daqueles preocupados apenas em identificar normas de Direito Econômico disseminadas pelos vários ramos já consagrados: os chamados preceitos heterointegrados. a busca de possíveis características como base para uma almejada autonomia. outrossim. talvez. como Rumpf. ou seja. nas quais dificilmente se acomodaria um novo corpo autônomo de normas. mas uma expressão genérica e convencional utilizada para designar as particularidades do atual ordenamento jurídico. O princípio escolhido para tal sistematização tem variado segundo os autores e escolas. precisamente.. procurando identificar um corpo específico de preceitos legais a constituir ramo próprio. para quem a disciplina não seria um conceito técnico-jurídico. encontrar preceitos jurídicos totalmente não econômicos. No entanto. ganhando destarte autonomia não somente didática. o método interpretativo.410 . num certo sentido antecipadas pelas duas posições assumidas por Hedemann. Para uma segunda corrente. pois o difícil seria. Dividida entre essa percepção e o natural apego às estruturas clássicas do Direito. distinguir os preconizadores de uma autonomia formal. jurista argentino. 17:47 . para um primeiro grupo de estudiosos não se poderia. Posição curiosa é a do Prof. ora no objeto – a atividade econômica ou particulares aspectos da mesma –. da primeira obra latino-americana específica sobre a matéria. ela mais recentemente tem empolgado alguns juristas de escol. no sentido da norma. baseado na coerente percepção das condições da Economia. mas mesmo técnica. no caráter de direcionamento por ela imposto aos atos dos agentes do mercado. Enfoques intermediários ou ecléticos também se desenvolveram desde a primeira colocação de Hedemann. seria um método econômico. fixando-se ora no sujeito – Estado ou empresa –. a doutrina desde logo passou a se desenvolver ao longo de duas linhas mestras.p65 410 17/5/2011. por outro. Sustenta. D’Eufemia. os preceitos jurídicos de conteúdo econômico seriam passíveis de uma sistematização. falar de um Direito Econômico.. ora. autor. Seria possível. com bas- Filosofia e Teoria Geral do Direito. como o de Olivera. e. O problema consistiria mais numa ótica de interpretação da lei: a aplicação do chamado método sociológico. das décadas de 20 e 30. ou seja. o qual. no caso específico. o espírito. características de cada época. quando relevantes para a compreensão da norma jurídica. cuja posição é fundamentalmente a mesma. Com efeito. Essa é a posição de alguns autores alemães. ainda. por um lado. nem uma teoria filosófica de aplicação de normas legais. pelo contrário. muito embora movidos por diversa ordem de considerações. como ramo jurídico independente. a rigor. em qualquer das disciplinas componentes da ciência do Direito. Essa capacidade de irradiação decorre. Filosofia e Teoria Geral do Direito. todavia. Champaud doutrina nesta linha. Após anos de pesquisa e de teorias mal ajustadas aos fatos do dia a dia. portanto. ser aplicável. original. dominante. 2. Sem princípios e sem normas específicas não se a poderia conceber. mas com vocação geral dotado de um espírito novo a incidir sobre regras antigas e novas. precisamente. ramo autônomo e. Resumindo: à exclusão de posições intermediárias ou especiais. Ela é. pelo seu espírito. o autor emprega mesma a expressão simbiose. na qual Direito e Economia formariam um conjunto ou bloco.411 tante lógica. da relevância atribuída pela comunidade à matéria cujo objeto de estudo seja a do ramo em questão. o Direito Econômico como conjunto de normas disseminadas pelo ordenamento jurídico: autonomia heterointegrada. o novo Direito é uma ordem jurídica respondendo às necessidades de uma sociedade ainda em vias de formação. Finalmente. insiste em que o especialista em Direito Econômico deve ser necessariamente alguém que possa realizar uma síntese e uma coordenação entre Economia e Direito. italianos e belgas.p65 411 17/5/2011. mais do que isso. Aliás. o Direito Econômico como espírito ou método de interpretação: teleológica. É. sobretudo. mais do que uma disciplina. Para ele. segundo Olivera. O DIREITO ECONÔMICO COMO MÉTODO A primitiva concepção de Hedemann. Acentua. como é fácil compreender. influenciando o sistema jurídico como um todo. 3. este em seus vários ramos. o caso da nova disciplina.FÁBIO NUSDEO . na época atual. vem ganhando ultimamente novo alento e nova ênfase por parte. pois. a locução Direito Econômico. Existe sempre neste um centro dinâmico e uma periferia e cabe a cada ramo em determinada época ocupar o centro dinâmico para daí irradiar aos demais os seus princípios e os seus métodos interpretativos. aparentemente nada mais do que uma primeira visão ainda necessariamente imprecisa da matéria. Esse. de juristas franceses. 17:47 . o Direito Econômico como conjunto de normas componentes de um ramo específico: autonomia específica. somente à sua concepção autônoma. que as alterações da problemática social soem induzir mudanças nas posições relativas das diversas especialidades sobre o sistema jurídico. será útil classificar em três correntes principais os enfoques dados à nova disciplina: 1. convencem-se diversos estudiosos da inutilidade de perquirir critérios precisos de diferenciação ou de definir limites intransponíveis de campos. da confluência das duas ao formarem a política econômica. Posição representativa desse modo de ver é a de Mario Longo. impostos. compreendendo as leis sobre o fator terra (natureza). o mesmo autor procura concretizar as suas ideias. Na mesma linha deve ser lembrada a contribuição de um professor de Louvain. quiçá doutrinária. a normação da matéria econômica que se vai inserindo de maneira anômala no velho tronco do ordenamento jurídico. trabalho e capital. recolhendo aquilo que escapa ou é mal considerado no âmbito das disciplinas tradicionais. onde o Direito Econômico é visto por alguns como uma disciplina de integração e de síntese. 17:47 . para esta posição doutrinária seria inútil procurar normas específicas de Direito Econômico. mas uma nova ótica frente às matérias tradicionais. Em outro trabalho. Ele não seria assim uma nova matéria jurídica. Procede segundo esquemas teleológico-práticos e. Livro II – Disciplina das atividades estatais e das diretamente controladas. ao longo de linhas ortogonais com relação àquelas. Direitos especiais: agrário. ao propor o temário para um tratado de Direito Econômico. Livro IV – Disciplina indireta da atividade econômica: moeda. Seus confins são variáveis. para quem o Direito Econômico exerce uma função integradora de normas contidas nas matérias tradicionais. Livro III – Disciplina das atividades do setor privado. tal tratado seria de uma extensão enorme. valores.. adverte.. a saber: Livro I – Parte Geral: Histórico e evolução da matéria.p65 412 17/5/2011. O mesmo pensamento encontra-se na Itália. mais especificamente. Em suma. Este dividir-se-ia em quatro grandes livros. o Direito Econômico não prescindirá da contribuição da Política e da Economia e. Caber-lheia. Esta dará o fio condutor ao processo de integração e de interação teleológica de normas diversas.O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO: UM “VOL D’OISEAU” SOBRE O PASSADO. revelando a posição do autor de conferir à matéria uma autonomia quando muito didática. para quem o Direito Econômico representa uma qualificação do Direito: o Direito visualizado nas suas consequências econômicas.412 . Como se pode facilmente observar. portanto. O verdadeiro trabalho do especialista consis- Filosofia e Teoria Geral do Direito.. Jacquemin. não se cingindo a este ou àquele objeto ou a este ou àquele sujeito. pois. visão que não o deixa muito longe da escola americana da Law and Economics. Órgãos e entidades de disciplina da economia. Estudo dos instrumentos jurídicos de regulamentação. E para bem se desincumbir dessa tarefa. portanto. um método de análise e de enfoque de problemas jurídicos com substrato marcadamente econômico. industrial etc. DIREITO ECONÔMICO: AUTONOMIA HETEROINTEGRADA Muito embora matizada pela contribuição pessoal de diversos autores. E mais: um sistema de normas concebido para que a Administração possa agir sobre uma Economia basicamente de mercado. mas sem condições este de assumir todo o peso da regulação e coordenação do processo econômico au complet. 17:47 . entretanto: a norma de Direito Econômico não resulta habitualmente de um consenso. deixando o seu traço reconhecível. Tal constatação leva à necessidade de repensar diuturnamente a técnica jurídica a fim de facilitar soluções para o conflito.413 tiria em tentar a síntese entre o Direito e a Economia. Para Jeantet. Dentro da mesma linha. pois as normas não constituiriam um conjunto ou núcleo específico. o Direito Econômico diferencia-se pelo seu clima. dominante. mas mero procedimento. mas estariam heterointegradas em todos os segmentos do ordenamento jurídico. sans en autoriser la division”. Posição típica desse enfoque é a de Jeantet. Em outras palavras. Filosofia e Teoria Geral do Direito. mas da vontade do poder público: não tem pois a Ética por fundamento. A sua fonte primeira e o seu fundamento não são mais a regra jurídica. a corrente autonomista vaga procura identificar normas próprias de Direito Econômico disseminadas pelos vários ramos componentes da árvore jurídica. Em seu trabalho. Assim.FÁBIO NUSDEO . A autonomia apresenta-se para ela com um sentido sui generis. superando o artificial distanciamento entre ambos. mas a tecnocracia. todo ele seria passível de ser utilizado para fins de implementação da política econômica. Refuta a possível redução dessas normas ao Direito Administrativo.p65 413 17/5/2011. este. dando-lhe um conteúdo ético que normalmente lhe falta e sem o qual não será um Direito. qual seja o de impor algo à atividade econômica. “comme les courants maritimes dans les océans”. mas aceita a sua disseminação por ramos diversos da árvore jurídica. Adverte. onde ainda impera o setor privado. ele se insinua pelos outros ordenamentos. Graças a elas. mas o seu fim econômico: aquela é subordinada. Savatier adota uma imagem análoga ao caracterizar o Direito Econômico como “une diagonale fulgurante qui traverserait le droit entier. as características do Direito Econômico são duas: mobilidade e disciplina. Daí o conflito latente que o acompanha: a extensão dos poderes governamentais contra a defesa dos direitos dos indivíduos. aliás extremamente bem lançado. observa ser o objeto do Direito Econômico dar aos poderes públicos a possibilidade de agir ativamente sobre a Economia. os sistemas privados ocidentais romano-pandectistas estruturaram-se segundo o critério prevalente do sujeito da relação ou da sua estrutura lógico-formal. em suma. em seu artigo O indispensável direito econômico. Como realça o autor. o Direito Econômico pode ser visto como “un taglio trasversale sull’albero del Diritto”. quanto privados. um plano que corta horizontalmente os vários ramos da árvore jurídica. ou seja. Visto dessa maneira. No Brasil. Na Itália. O Prof.. a especialização tem se deslocado. nos quais se mesclam normas de natureza diversa. tão bem afeiçoada à mentalidade do Estado liberal. Fabio Comparato. deixando-lhes a marca própria. Seria o caso da chamada proteção ao consumidor. mas na diversidade do objeto ao qual se refere a disciplina. esta imagem. propugna por uma atenuação dos critérios formais em favor dos funcionais. O mesmo Finzi adota para caracterizar a sua teoria uma imagem extremamente feliz. no critério tomado como base para a classificação: o sujeito ou o objeto.O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO: UM “VOL D’OISEAU” SOBRE O PASSADO. Direito Urbanístico e tantos outros.p65 414 17/5/2011. diversos estudiosos podem ser incluídos nessa linha de pensamento. do Marítimo e do Aeronáutico. do próprio Direito do Trabalho. Para ele. É um pouco parecida. entre outros. Finzi entende residir o problema. tais os chamados Direito das Águas. alta geração de efeitos externos. precário acesso a informações relevantes. em essência. 17:47 . afastando-se dos critérios meramente dogmáticos para focalizar o objeto em si. Recomenda.414 . Nessas condições. A mescla de normas de distinta natureza nos Direitos especiais deve-se ao fato de eles se aplicarem. Direito Agrário.. No entanto. procedentemente. do Direito das Águas. com a das correntes marítimas de Jeantet. dadas suas características de difícil mobilidade. a rápida evolução dos fatos a serem regulados acabou por fazer surgir os chamados direitos especiais. Fiéis à distinção de Ulpiano. o chamado Direito Econômico poderia ser considerado como uma parte geral desses Direitos especiais. consolidando normas aplicáveis a determinados setores de atividade. a relações de caráter privado mas que. do Direito Agrário. as falhas do mercado são reguladas permanentemente e com alto grau de minúcia pela autoridade. tese não isenta de percalços por ser justamente difícil separar o geral do especial nesse campo. concentração de empresas. tanto públicos. o Direito Econômico não se funda na diversidade de estrutura das relações jurídicas que rege a distinção dos tradicionais ramos. da Tutela da Concorrência. a concentração de esforços na criação de novas técnicas a serviço da solução imprescindível a ser dada a situações concretas trazidas pelo Filosofia e Teoria Geral do Direito. Direito Aeronáutico. certamente um dos primeiros publicados no Brasil sobre o tema. em geral. O Prof. ao relacionar o Direito Econômico à regulação da atividade econômica sob um prisma marcadamente macroeconômico. objetivos esses assegurados pelo princípio constitucional da livre iniciativa”. residindo a sua natureza apenas no caráter interdisciplinar. Acena com as técnicas da économie concertée. concedendo à disciplina uma autonomia no sentido lato.415 evolver do mundo econômico-tecnológico. ao concebê-la como o “conjunto de princípios e normas que disciplinam a atividade do Estado e dos demais sujeitos da ordem jurídica quando equacionados à consecução dos objetivos econômicos da comunidade”. conciliando. Entre tais características tem-se procurado destacar a da economicidade. ademais. para quem o fim do Direito Econômico. voltado a “vincular as entidades econômicas privadas e públicas aos fins constitucionais cometidos à ordem econômica. o novo direito somente teria razão de ser desde que interpretado à luz dos objetivos da política econômica da qual representaria o instrumento legal. a fim de identificá-las ao longo do ordenamento jurídico.FÁBIO NUSDEO . entendida. é assegurar a harmonia dos interesses individuais e coletivos. Carvalhosa também diferencia a norma de Direito Econômico pelo caráter de economicidade. Essa a posição do Prof. Igualmente. no seu sentido teleológico. que chegariam mais tarde ao Brasil e professa-se adepto da autonomia. entendida como um direcionamento racional da norma jurídica à obtenção de um fim. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Albino de Souza. Carlos Galves salienta ver no Direito Econômico autonomia apenas didática. Ainda entre os autores brasileiros cabe referir ao Prof. 17:47 . uma vez que seu objeto vem a ser as relações entre fato jurídico e fato econômico. Ainda entre os autores nacionais nota-se um empenho em apresentar as características distintivas das diversas normas integrantes do Direito Econômico. Na mesma linha. cujo pensamento se insere na linha ora em exame. na França e nos Estados Unidos. porém. o Prof. o Prof. Eros Grau. Bueno Magano tem abordado o tema em diversas obras.p65 415 17/5/2011. investimentos e empreendimentos. regulamentando a atividade dos respectivos sujeitos com vistas à efetivação da política econômica definida na ordem jurídica. responsável pelo sentido de economicidade de seus preceitos. os conflitos de interesses entre esses fins e os objetivos próprios e naturais das entidades econômicas privadas na condução de suas disponibilidades de dispêndio. ou seja. Tanto assim que vicejou essa disciplina jurídica após a contribuição de Keynes à consolidação da macroeconomia. quer pela progressiva concentração do poder econômico privado. e Haemmerle. pode também ser inserido nesta mesma corrente. visto como para ele a disciplina corresponderia às normas que regulam a ação do Estado sobre as estruturas do sistema econômico e as relações entre os agentes da Economia. Na mesma linha podem ser citados o jurista suíço Lautner e o alemão Krause. foi confundida a nova disciplina. A mesma ideia surge em Sinzheimer. em geral... Em primeiro lugar. a doutrina alemã veio evoluindo no sentido de encarar as normas atinentes à direção da economia como pertencentes a duas categorias fundamentais de natureza distinta. 17:47 . quer em virtude da ação do Estado. o Direito Econômico seria o da economia organizada. no início. que é vista como ciência jurídica dotada de um corpo de normas integradas entre si por princípios informadores próprios e irredutíveis aos dos demais ramos. o Direito Econômico seria o conjunto de normas destinadas a regular relações econômicas que deixam de ser controladas pelo regime da concorrência. DIREITO ECONÔMICO: AUTONOMIA ESPECÍFICA Finalmente. a técnica de aplicação dos preceitos e a respectiva finalidade. o qual sustentava constituir o principal problema do Direito Econômico a identificação de um novo regulador apto a substituir o já inoperante da livre concorrência. e em posição de Filosofia e Teoria Geral do Direito. mediante o emprego dos instrumentos legais de Direito Público. Mais recentemente. Para Hans e Roberto Goldschmidt.p65 416 17/5/2011. com a qual. para quem ele corresponderia ao Direito da economia estatalmente organizada. Assim. ainda quando comportasse um setor privado. Mesmo porque logo mais se instauraria naquele país a tão falada economia de guerra. Afonso Insuela Pereira. esta ordem de ideias foi a predominante na Alemanha. ao associarem o Direito Econômico aos processos da economia dirigida. à direção da Economia pelo Estado.O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO: UM “VOL D’OISEAU” SOBRE O PASSADO.416 . uma vez superada ou vencida a ideia do simples espírito ou método interpretativo difundida originalmente por Hedemann. na medida em que a tônica da coordenação econômica se deslocasse dos setores regidos pelos Direitos Civil e Comercial para os de maior influência publicista. em essência. Doutrina no sentido de serem característicos o tipo de relação. uma terceira corrente empenha-se em sustentar a plena autonomia da disciplina. Vincula-se. para Klaussig (1928). pela definição ampla que apresenta de Direito Econômico. Aparentemente. Definem os direitos dos particulares sobre os bens e quanto à atividade econômica. justificar-se-ia um tratamento especial. como se pode ver pela quase totalidade das obras recentemente publicadas a respeito em Espanha e Portugal. Compõem a chamada Constituição Econômica – Wirtshaftsverfassung. segundo eles. tal posicionamento parte da constatação de serem os atos do Estado. reivindicando uma autonomia completa para a matéria. de Amorth. Assim. Sustentam igual ponto de vista Cansachi e Zanobini.FÁBIO NUSDEO . ao atuar na vida econômica. Hoje em dia tal enfoque rebustece-se com a multiplicação das chamadas agências reguladoras. apta. ao mesmo tempo que estabelecem a fundamentação e as formas da ação estatal. industriais. 17:47 . Basicamente. mas dentro das suas atribuições tradicionais de Filosofia e Teoria Geral do Direito. é grande o número de estudiosos que não se satisfazem com tal relativismo. Interessante o fato de a doutrina ibérica acompanhá-la. Este último continuaria com atribuições no campo das atividades comerciais. Feito isso.p65 417 17/5/2011.417 incontestável supremacia. no fundo. Dadas a repercussão e a intensidade cada vez maiores das iniciativas do poder público. na Itália. Nessas condições. Essa a posição. as normas específicas correspondentes são atuadas consoante os princípios do Direito Administrativo. a promover a construção de princípios e dogmática próprios a um corpo diferenciado de instituições e preceitos. Essa em linhas gerais parece ser a orientação da doutrina alemã um pouco mais recente. sendo vistas como um capítulo especial do mesmo: o Direito Administrativo da Economia – Wirtshaftsverwaltungsrecht. em última análise. a autorização para celebrar um contrato. porém sempre ao agasalho administrativista. de serviços e de consumo. dentro dos parâmetros da économie concertée. a constituição de uma autarquia ou de uma empresa pública. formalizados segundo cânones de caráter administrativo. a autonomia do Direito Econômico é entendida apenas parcialmente. No entanto. atos administrativos sujeitos a controles de legitimidade também de cunho administrativo. autor de alentada obra em dois volumes exatamente sob o título de Wirtshaftsverwaltungsrecht. na qual se destaca a figura de Huber. a concessão de um subsídio. aquelas de caráter programático básico inseridas na Lei Fundamental. para quem a evolução da realidade econômica e da legislação editada para orientá-la impõe um destaque ou uma separação do Direito Econômico em relação ao Administrativo. na Itália. e o exercício do poder de polícia são todos. por quedar-se ele ainda vinculado aos grandes princípios do Direito Administrativo. entre outros. Casetta nega a adequação dos princípios do Direito Administrativo à sistematização da atividade econômica pelo poder público. fiscalização e outras correlatas. numa segunda ordem de motivações para a presença do Estado na vida econômica. pois.418 . como quer que elas possam ser concretizadas. Em pioneiro artigo de 1960. quer como agente direto do mercado. maior igualdade. estabeleceu as linhas divisórias entre a nova disciplina e o Direito Comercial. ao mesmo tempo em que não se tem descuidado de absorver os reclamos da sociedade por maior justiça. Oscar Barreto Filho. a visão do Direito Econômico tem procurado acompanhar mais de perto a evolução analítica e científica da própria Economia. pura e simplesmente. licença. quer como diretor e condicionador de decisões dos particulares. Eles deixam de ser sistemas descen- Filosofia e Teoria Geral do Direito. manifestou-se favoravelmente ao entendimento do Direito Econômico como aquele correspondente à economia dirigida. de considerações extrajurídicas para elaborar a sua própria dogmática. acabou por alterar a própria estrutura dos sistemas econômicos do mundo ocidental..O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO: UM “VOL D’OISEAU” SOBRE O PASSADO. a ação estatal no campo econômico. mediante suas empresas. à qual daria o nome de Direito Público da Economia ou da Economia Política. em outro trabalho. No entanto. exigiria uma elaboração doutrinária própria. parece iniludível a conclusão de que a expansão – poder-se-ia dizer invasão – das normas de Direito Econômico. Na mesma linha. No Brasil. constituindo-se em objetivos nacionais e.p65 418 17/5/2011. maior progresso (que não se confunde apenas com o PIB). portanto. nos quadros da livre empresa e da livre concorrência. Tais reclamos chegam ao Direito pelo veículo da ciência e da prática política.. Nessas condições. a este oferecer-lhes as alternativas legais dispositivas para a implementação de seus propósitos. Anos mais tarde. Defende. ALGUMAS PERSPECTIVAS DIREITO E CIÊNCIA Modernamente. 17:47 . agora acoplados a maior estabilidade e sustentabilidade. deve ser dado realce à contribuição do Prof. um Direito Econômico autônomo como ciência eminentemente jurídica. ao regular o processo de intervenção. podendo prescindir. no qual analisava o processo de intervenção do Estado na economia. 5. Àquela caberia determinar o campo de ação da empresa e dos agentes privados da economia. de muita sensibilidade política. de estereótipos ou de diretrizes – menos. mas deverão ser produto de pesquisas. Tanto a extensão. do seu direito ocorrerão sempre e inexoravelmente. das premências e prioridades sentidas em cada etapa de suas trajetórias históricas. de comparações ou de modismos. desde a agência reguladora até a sociedade de economia mista. pura e simplesmente. de debates e. com aquelas emanadas de um outro foco de poder. sobretudo. Foi. variando apenas em sua extensão e em sua intensidade. aliás. natural e necessário.FÁBIO NUSDEO . 17:47 . nacionais. Isto se dá. Não se compadecem. Eles as ostentam. no entanto. nos quais se combinam em classes ou proporções diversas as decisões puramente mercantis. donde permanente e constante será a presença estatal. que surgiram os sistemas duais.419 tralizados ou de puro mercado. para somar os seus defeitos. Princípios motores diversos – O setor privado foi estruturado sobre o princípio do hedonismo. Salientem-se a principais. pois. Ambas essas demandas são permanentes e constantes. de figurinos. Seria. Geraldo de Camargo Vidigal. portanto. deixa de “intervir” na vida econômica para. poderão em algumas ocasiões deixar de conjugar as vantagens de cada um deles. Cabe ter em mente que. quanto a intensidade são mutáveis no tempo e no espaço. e quando recebe o impacto regulamentador do Estado é Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 419 17/5/2011. o Estado. para se converterem em sistemas mistos ou duais. também. As mudanças e a evolução de cada sistema econômico e. excesso de otimismo ou de ingenuidade imaginar os sistemas duais da atualidade como isentos de falhas ou inoperacionalidades. em si. internacionais ou intertemporais. também. pois. social e cultural. sobretudo. ou por meio das suas mais diversas entidades. DIREITO E OS NOVOS SISTEMAS ECONÔMICOS O Estado moderno. assim. em função das tradições e da cultura de cada sociedade e. E o faz movido por duas ordens de motivações: para suprir ou atenuar as inoperacionalidades do mercado e para implementar os objetivos nacionais de política econômica. ainda. ao procurarem ser uma síntese de dois sistemas antitéticos – o liberal de mercado e o estatista centralizado –. na feliz expressão do Prof. na interface entre setor público e setor privado – entre planejamento e livre iniciativa –. popularmente ditas comerciais. nela atuar como um seu agente habitual. gerando um bom número de outras falhas ou inoperacionalidades. No dizer de Beer. desenvolvido. Com isso. cada qual refletindo a visão e os móveis próprios de um ente regulador. assim. Os contatos devem ser estreitos sobretudo em função de dados e informações a serem necessariamente supridos pelas unidades reguladas às agências estatais. qualquer modificação introduzida de fora em um sistema é trabalhada por ele segundo o seu referencial. as instituições sociais. Em suma. de modo algum.. obrigado a se comportar contra aquele princípio.420 . prejudicando-se. diverso do referencial do primeiro. Esta discrepância nas lógicas próprias de funcionamento do setor público e do setor privado prende-se ao conceito de autopoiese. com base em referenciais próprios e.p65 420 17/5/2011. 17:47 . o qual levaria à incômoda conclusão de os sistemas mistos ou duais engendrarem como que dois ordenamentos de índole diversa a exigir normas próprias de adaptação. como ocorre quando uma pesada tributação lhe é imposta ou quando é obrigado a adotar medidas antipoluentes ou. dispersas e desconexas.. Ademais disso. gerando crises. o processo regulatório engendra uma dinâmica toda especial entre os reguladores e os regulados. as normas jurídicas não modificam. os resultados esperados. de má adaptação e de rejeição. Tal teoria foi desenvolvida pelo sociólogo do Direito Günther Teubner. pretensões ou exigências externas não se convertem em efeitos internos diretamente produzidos. surgir o fenômeno da captura. Captura – Sem dúvida. dificilmente absorvível pelo mercado. em princípio. quando é levado a praticar preços abaixo daqueles tidos como de mercado. Dessa intrincada dinâmica pode. ainda. inclusive quanto a eventuais dificuldades ou impossibilidade de cumprimento das normas editadas. para a biologia e segundo o qual os vários sistemas são fundamentalmente autônomos e tendem a se reproduzir em seus elementos.O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO: UM “VOL D’OISEAU” SOBRE O PASSADO. mas apenas são filtradas de acordo com um critério de seleção inerente ao próprio sistema e assim recicladas segundo a sua lógica interna. a juridificação produz-se por inúmeras fontes normativas. mas apenas lançam um novo desafio para a adaptação autopoiética destas últimas. também. O Direito como sistema instrumental da Política não conseguirá impor à Economia de base hedonista padrões exógenos a ela. a capacidade de assimilação de todo o conjunto normativo fica comprometida. quando as exigências regulamentares passam a se amoldar às conveniências e interesses das Filosofia e Teoria Geral do Direito. Juridificação – Esse é o nome dado ao fenômeno da multiplicação das normas legais e regulamentares cuja tendência é a de criar uma babel normativa. muitas vezes. mas apenas injetar-lhe estímulos para serem processados endogenamente segundo a sua mecânica característica. FÁBIO NUSDEO . podem levar a resultados não plenamente legítimos. sendo aqueles menores. Existe uma procura por legislação. Firma-se aí a influência da máquina burocrática. propiciando para estas uma posição de mono ou oligopólio. o poder e assim por diante. a eliminação de uma mesma tarifa para aumentar o lucro dos importadores do bem em questão ou de seus fabricantes estrangeiros. Um exemplo típico é o da introdução de padrões exageradamente estritos de qualidade ou de segurança para certos setores. sendo tais padrões sugeridos pelas unidades reguladas. Os exemplos são inúmeros. os mais agressivos e eficazes. Tais objetivos parasitas podem acabar minando o empenho original no cumprimento dos seus objetivos oficiais. à ilharga daqueles originalmente a elas assinados. de interesse individual. 17:47 . Esta procura pode ser legítima ou pode apenas visar ao aumento da lucratividade de alguns às custas da comunidade. portanto. Filosofia e Teoria Geral do Direito. inclusive as dotadas de conselhos com representantes dos vários grupos envolvidos no assunto. os legisladores e aplicadores das normas regulamentares precisam saber quais delas são necessárias e quando. aqueles para os quais elas foram criadas. Eles não são um mal em si. a elaboração da pauta com a sequência “direcionada” das votações ou a troca de votos (logrolling). diversos estratagemas. e não como bens coletivos a despertar apenas interesses difusos. A elevação geral do nível tarifário é um interesse difuso de todos os produtores nacionais. Grupos de pressão – Também chamados grupos de interesse ou lobbies. Poder da burocracia – Em todas as agências. Interesses próprios dos reguladores – Por outro lado. a reverso. a tal ponto de apenas uma ou duas empresas poderem atendê-los.p65 421 17/5/2011. como. tais como o prestígio. por exemplo. respondida pelos políticos e legisladores com a oferta de dispositivos legais. não são destituídos de razão de ser. Com efeito. interessados em objetivos específicos e delimitados. A ação dos grupos de pressão é difusa. em muitos casos. É o processo de “rent seeking” de que fala a escola americana da Public Choice. Vale o exemplo acima: a elevação da tarifa aduaneira é um interesse individual de dois ou três fabricantes locais. pois para eles tais objetivos se apresentam como bens exclusivos e.421 unidades reguladas ou de algumas delas. nem se limitam apenas ao plano econômico. a influência sobre outros órgãos. muito embora este seja o seu hábitat por excelência. a carreira de seus membros. podendo-se citar a elevação da tarifa aduaneira para reservar o mercado aos produtores nacionais ou. as agências oficiais desenvolvem objetivos próprios. naturalmente. começando por A e C.. no caso. Sendo a decisão tomada por voto majoritário e as alternativas apresentadas aos pares. seriam submetidas. É imediata a constatação de que o resultado poderia ser inteiramente diverso caso a ordem de submissão das alternativas fosse outra. a qual pode conduzir o processo de edição de medidas de acordo com suas preferências ou com as dos grupos de pressão que os tenham influenciado.O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO: UM “VOL D’OISEAU” SOBRE O PASSADO. destinado a levantar sérias dúvidas sobre o princípio majoritário para a tomada de qualquer decisão coletiva. pois A é preferida a B por uma maioria de dois terços. revelando uma intransitividade que torna impraticável qualquer escolha apta a reproduzir ainda que minimamente. Mas essa situação não significa necessariamente a impossibilidade de uma decisão formalmente factível. et pour cause. isto é. Criou-se o que Condorcet chamou de ciclo. duas fases ou turnos. Sem pretender recuar demais na História. as preferências individuais. a pessoa ou o grupo encarregado de preparar a agenda de votação. mesmo quando a decisão é tipicamente política.p65 422 17/5/2011. ver-se-á que para qualquer votação todas elas poderão ganhar e todas poderão perder. seriam então apresentadas as alternativas A e C. ainda. A seguir. na própria época em que se implantava o liberalismo político. poder esse que Filosofia e Teoria Geral do Direito. com a eliminação da proposta perdedora no turno anterior.. em situações da espécie. B é preferida a C também por uma maioria de dois terços. com a escolha definitiva de C. que leva o seu nome. Suponham-se três indivíduos ou grupos chamados I. vencendo. Basta que o controlador da agenda faça a votação por chaves eliminatórias. esta última predominaria no primeiro turno. o que dá a esta última um poder decisivo em certas situações. a agenda de apreciação e votação é previamente preparada pela burocracia. Esta observação revela um outro ponto importante: o poder de que passa a dispor. Cada indivíduo ordenará hierarquicamente as referidas propostas segundo suas preferências. com a vitória final de B. quando. aos quais sejam submetidas três proposições diversas para serem votadas: as proposições A. descobrindo um paradoxo. apresentada em 1785. pode-se identificar uma interessante contribuição do matemático e humanista francês Condorcet.422 . Como tem sido frequentemente observado. então. 17:47 . pois poderá organizá-la de tal forma a conduzir ao resultado desejado ou adrede encomendado. por exemplo. II e III. com a eliminação de B. mas seria suplantada no segundo. ele se debruçou sobre o problema do processo de votação. e. B e C. C é preferida a A pela mesma margem. aos eleitores para uma decisão eliminatória as propostas A e B. a primeira. quando. na prática. tomada por um corpo de representantes eleitos. Nessas condições. uma vez que os valores relativos dos vários bens. basicamente. o valor. como os custos da degradação ambiental e outros que tais. pela interação entre as forças de oferta e procura em cada mercado relevante. por traz do poder da burocracia esconde-se o poder econômico com todo o seu arsenal de persuasão. Diferente. entenderam que. como quando uma fabrica decide mudar a sua maquinaria. a exigir. não oficialmente presentes no processo decisório institucional-formal. eles o fazem supersimplificadamente. o seu sistema de informática.423 não pode ser negligenciado. pondo em operação a economia como um todo. sobretudo no campo da produção. pura e simplesmente. ademais.p65 423 17/5/2011. imaginando-as independentes umas das outras e instantâneas. em muitas situações. na realidade. muitas vezes. foram desconsiderados pela teoria neoclássica. o concurso de especialistas. deixando de sinalizar alguns de grande relevância. 17:47 . Tal esquema. mas. E. parece óbvio que a realidade é muito diferente. Eles. e. os mercados espontaneamente se criariam e se desenvolveriam.FÁBIO NUSDEO . possivelmente porque. a que se deu o nome de custos sociais ou externalidades. manifestados monetariamente como preços. simples ou simplório. Com os custos de transação sucede algo análogo mas. à época da sua concepção. não consegue apanhar ou revelar todos os custos envolvidos numa operação do mercado. ou mesmo os interesses políticos menores. Nem elas são sempre independentes. na sua ausência. tais como o exame da qualidade dos bens e a sua adequação aos fins desejados. Exige ademais o funcionamento de instituições Filosofia e Teoria Geral do Direito. Mas. eles eram incomparavelmente menores em relação ao que são hoje em dia. à existência de propriedade privada e liberdade de contrato. com base na escola marginalista austríaca. Com base nelas. límpida e cristalinamente determinado. sinalizariam para os operadores os pontos corretos para o encaminhamento de seus recursos. A sua concretização impõe custos. não são instantâneas. No entanto. limitados. Mas o que vêm eles a ser efetivamente? Quando os neoclássicos falam em operações no mercado. surgiria. são revelados no dia a dia do mercado. ou quando um particular resolve procurar um carro usado e o leva a um mecânico. seja como produtores. seja como compradores. chama desde logo a atenção o fato de toda a teoria neoclássica ter se construído com apoio em pressupostos institucionais mínimos. OS CUSTOS DE TRANSAÇÃO – FALHA ANALÍTICO-INSTITUCIONAL Os economistas neoclássicos. pois para mantê-la a empresa necessita de fornecimentos contínuos. eles correspondiam a cerca de 25% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim do século XIX e passaram a 45% no fim do século passado. 17:47 . a falha do mercado ora analisada responde bem pelo nome ou pelo qualificativo de analítico-institucional.. Elas. Nessas condições não se pode pura e simplesmente falar em custo de produção de um bem. pela corrupção que possam ensejar. E aí agravam aqueles custos. monitoramento e execução dos contratos. desde que a estrutura institucional de um dado país consiga. bastante realista. Algumas conseguem realmente estimular a atividade econômica. mesmo. as instituições vêm a ser as “regras do jogo” destinadas a conferir um mínimo razoável de estabilidade. Em países onde as instituições são falhas. serviços notariais e registrários na compra de um imóvel ou na constituição de uma empresa. Somem-se a isto os custos com a preparação. reduzindo em muito os custos de transação. manutenção e demissão de mão de obra. mostram-se mais como empecilhos pela imprecisão dos seus dispositivos. pelo excesso de burocracia ou. Outras. Ele pode ser visto como uma primeira aproximação. o que difere amplamente de país para país. essencialmente. realmente. como a consultoria legal. cuja avaliação é custosa e incerta.O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO: UM “VOL D’OISEAU” SOBRE O PASSADO. e os de despachantes para obtenção ou liberação de documentos em inúmeras situações do dia a dia. Como é sabido. Note-se que a constatação acima quanto à existência de tais custos não invalida todo o sólido arcabouço do modelo neoclássico. são absolutamente necessárias e imprescindíveis. Por essa razão.p65 424 17/5/2011. mas a ele devem sempre ser acrescidos os custos transacionais. Tais custos não são desprezíveis. ma podem variar e de fato variam amplamente em termos de eficiência. do funcionamento das instituições. pois ela decorre de um excessivo simplismo dos pressupostos. Qual a sua origem? Eles decorrem. Segundo estudos levados a efeito nos Estados Unidos. Filosofia e Teoria Geral do Direito. eles se agigantam e passam a fragilizar as conclusões derivadas da abordagem neoclássica. as instituições. acoplado a um mau funcionamento das instituições. reduzir ao mínimo possível os tais custos de transação.. O mesmo ocorre na contratação. de análise. porém. ancilares para uma série de operações. que poderão distorcê-lo seriamente no sentido de o tornar imprestável como parâmetro para a tomada de decisões. previsibilidade e segurança nas relações entre os cidadãos.424 . A EMERGÊNCIA DOS PRINCÍPIOS JURÍDICOS Por aí já se vê a dificuldade ou a impossibilidade de uma política econômica absolutamente coerente. a fronteira entre o setor público e o privado. no entanto. não é de espantar. pois. a constatação desses percalços tem.p65 425 17/5/2011. é possível e mesmo desejável um processo de desregulamentação e de privatização. esta última. o que. os inconvenientes do excesso de liberalização se farão sentir e a demanda política por maior ação reguladora será incontornável. Em suma.425 A CRISE DA REGULAÇÃO E O SEU FUTURO Todas as vulnerabilidades acima brevemente apontadas levaram à chamada crise do processo regulatório da economia. por óbvio. como já se vê na Comunidade Européia e em outros blocos. por em cheque o próprio sistema dual e com ele do seu instrumento próprio. E. justamente. Ela continuará sendo movediça. entre a decisão institucional e a de mercado não parece estar pacificada. como a falência do Welfare State. tal como acima apontadas. A crise está. porém. Donde a inexorabilidade da existência dos sistemas duais e da sua expressão jurídica: o direito econômico. ele não é perfeito. a fim de suprir os bens coletivos para o processo de integração. No entanto. perceber a existência de limites para tal processo. o que a impede de ser formulada Filosofia e Teoria Geral do Direito. exigirá uma infra-estrutura de serviços governamentais bem mais ampla e diversificada. racional e técnica. À medida que ele avança. vista por alguns. 17:47 . E. seria politicamente irrealista abdicar o Estado de colocar para o sistema econômico um padrão mínimo de desempenho. Da mesma forma. as falhas do mercado permanecem incontornáveis e inevitáveis. mal definida. Em princípio. É forçoso. mas segmentos inteiros do mercado. como não o são os demais. à medida em que passe a envolver não apenas empresas isoladas. passou a chamar de “Consenso de Washington”. o Direito Econômico. não apenas nações. a evidenciar a existência de falhas e inoperacionalidades também do sistema dual. Como ignorar o problema ambiental? E o da concentração econômica? E o atendimento às necessidades mínimas dos não absorvidos pela globalização? Além do mais. mas blocos de nações. conturbada e belicosa. em grande parte. inclusive pelo incremento de técnicas de terceirização.FÁBIO NUSDEO . como todo mecanismo inventado pelo homem. com evidente exagero. em grande parte motivado o movimento de desregulamentação. nítida e inconfundível. quanto aquelas próprias ao sistema dual. do due process of law making. pelo procedimento de sua feitura. Filosofia e Teoria Geral do Direito. o qual vê nas normas procedimentais adequadamente concebidas um componente ético-moral. marcado por decisões de cunho político. assumindo um caráter eminentemente processual.. apresenta-se como que bifurcado. pois este. em qualquer de seus campos. o outro de berço estatista. Donde. destinado a evitar tanto as falhas do mercado. mas. progressivamente. por conseguinte. E. isto é. Haverá aí de se conjugar o controle e a segurança procedimental com as exigências de racionalidade e celeridade imprescindíveis em termos do eficiente funcionamento do sistema como um todo. Desponta aí em toda a sua extensão e riqueza a necessária diferenciação entre regras e princípios jurídicos. nos templa serena de que falava Lucrécio. apresenta-se esmaecida e. marcado pela descentralização e dispersão das decisões econômicas tomadas no âmbito de mercado. Ambas compõem as normas jurídicas e. assim será a sua expressão ou projeção legal. ou seja. onde a antiga linha divisória entre o público e o privado. A elaboração de suas regras e princípios terão de obedecer a um procedimento próprio. até há pouco tidos como indiscutíveis e sacrossantos. como acima apontado. em suma. portanto o direito. próprias de um sistema centralizado. na linha de Luhmann e também de Habermas. a participação e a consideração dos interesses relevantes afetados pelas mesmas. ganham um significado e uma pertinência especial no campo do direito econômico. E somente um fino e sereno sopesar de ambos poderá levar a uma justiça que atenda aos reclamos das sociedades do mundo atual.426 . passaram a ser vulnerados e ameaçados pelos princípios e regras do segundo. sem o qual o seu produto final – o Direito Econômico – não terá como se impor à consciência dos povos. legitimando-as não tanto pelo seu conteúdo. Princípios conaturais ao primeiro deles. Mas.O DIREITO ECONÔMICO CENTENÁRIO: UM “VOL D’OISEAU” SOBRE O PASSADO. Isto em virtude de cada um deles operar sob a égide de princípios motores diversos: um de origem privatista. principalmente.p65 426 17/5/2011. muitas vezes indefinida. na medida em que constitui a expressão jurídica de um sistema misto ou dual e por essa razão mesmo. a envolver a presença. Trata-se. tal como levantada basicamente por Dworkin. o devido processo para a definição das regras do jogo econômico. dever o direito econômico ir. como a formar ou a compreender dois ordenamentos distintos. 17:47 .. Teoria dos Princípios. 1973. Dalla Struttura alla Funzione.p65 427 17/5/2011. Ann Arbor. RT. CHAMPAUD. Turim. Diritto Amministrativo dell´Economia. Toward Analysis of Closed Behavorial Systems. nº 6. COASE. Napoli. Belo Horizonte. Considerações sobre o Direito Econômico. ALLORIO. In: Il Diritto dell´Economia. ora justamente homenageado. Direito do Trabalho e Direito Econômico. 1972. 1973. In: The Journal of Law and Economics. “Socialist Economics”. Howard Ellis ed.FÁBIO NUSDEO . Milão. In: LRT – Revista Legislação do Trabalho. C. E. Welfare Economics. CASETTA. 1960. N. 1985. P.. In: Giornale degli Economisti. ed. An introduction to the Principles of Morais and Legislation. Governo e Societá: Per una Teoria Generale de La Política. W. BARRETO FILHO.427 Certamente a pesquisa doutrinária e jurisprudencial sobre as formas e modos de ponderação dos princípios deverá ocupar boa parte das preocupações dos que se dedicam à filosofia e à teoria geral do direito nos dias atuais e nas décadas futuras espicaçadas pelos reclamos do Direito Econômico. Introdução ao Direito Econômico.. K.d. CARVALHOSA. ÁVILA.P. “Social Choice and Individual Values”. 1951. São Paulo. K. Limites Constitucionais da Intervenção na Economia Privada. In: A Survey of Contemporary Economics. 17:47 . Philadelfia. CAMARGO VIDIGAL. Legislatori e Giudice di fronte al Mondo Economico e ai suoi Problemi in il Diritto dell´Economia. J. ______. In: Il Diritto dell´Economia. BOULDING. Brevi Considerazioni sul c. G. A. Direito Econômico e Economia Política. BUCHANAN. Londres. 1972 BUENO MAGANO. O. São estas as considerações e as inquietudes que este modesto cultor do Direito Econômico ousa submeter a um portentoso mestre da Filosofia e Teoria Geral do Direito. Il Ministero della Produzione nello Stato Colletivista. in Survey of Contemporary Economics. ______. 1965. BOBBIO. Organization Économique de l´Etat. Humberto. B. nº 4. Diritto Privato e Processo Econômico. A. In: The Theory of Public Choice. São Paulo. 1977. Objeto do Direito Econômico. Stato. E. Paris. M. BARONE. São Paulo. 1965. II. 1976. 1970. 1970. O. BERGSON. 1955. BARCELLONA. Contribuition à La Definition Du Droit Économique. L‘Insegnamento del Diritto Dell‘Economia in Il Diritto dell´Economia. AMORTH. E. Buchanan and Tollison eds. ARROW. 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VINER. p65 430 17/5/2011. 17:47 .Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:47 .O PROBLEMA DAS GRANDES DICOTOMIAS: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO PRAGMATISMO FILOSÓFICO DE DEWEY ACERCA DO MÉTODO CIENTÍFICO E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS.p65 431 17/5/2011. UMA HOMENAGEM AO PROFESSOR TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. George Browne Rego Filosofia e Teoria Geral do Direito. MORAIS E JURÍDICAS. exceto numa oportunidade em que. e isso por várias razões. embora que. faço-o na expectativa de que o meu gesto seja interpretado mais pela força do coração do que pelos parâmetros imparciais e objetivos da lógica jurídica.432 . plenamente capaz de abrilhantar dita homenagem. sediado no Recife. Por que não colocar como o tema da minha participação uma assertiva do Professor Tercio acerca da origem. Refleti demoradamente sobre que contribuição estaria eu habilitado a oferecer dentro do contexto desta homenagem. sobretudo. significado e funções do direi- Filosofia e Teoria Geral do Direito. superar as minhas próprias aporias. conviver academicamente com o Professor Tercio. numa conferência por ele proferida no Tribunal Regional Federal da Quinta Região. mas.O PROBLEMA DAS GRANDES DICOTOMIAS: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO . A extensão e complexidade da obra do Professor Tercio e a incipiência do meu próprio saber. Para mim. pode ser considerado um dos maiores filósofos do direito brasileiro: o Professor Tércio Sampaio Ferraz Jr. este é para mim um desafio para o qual. por outro lado. INTRODUÇÃO Gostaria. A forma eticamente respeitosa como João Maurício se refere e reverencia o seu antigo mestre denota a sua genuína capacidade de reconhecimento do papel desempenhado pelo Professor Tércio na sua formação intelectual e na edificação do seu caráter. Por conseguinte. sequer. que. embora não me sinta propriamente a altura de arrostá-lo.. Mas sei. sinta que tal cumulação transcende em muito minhas possibilidades pessoais. cuja amizade preservo como um tesouro e que magnanimamente abriu esse espaço para a minha singela colaboração: o Professor João Maurício Adeodato.p65 432 17/5/2011. inicialmente. particularmente. 17:47 . de certo modo. quase que me desencorajaram a levar adiante a minha participação. pelo fato de não dominar um conhecimento maturado e sistemático da vasta obra desse pensador. a uma pessoa. Este sim. Foi quando me veio então à mente uma alternativa que poderia. perfeitamente. fui convocado para ser um dos seus debatedores. que a minha inserção nessa homenagem se deve. tal deferência representa um precioso laurel que preservarei como um dos momentos paradigmaticamente sagrados da minha caminhada pelos complexos corredores da academia. episodicamente.. sem nenhum favor. de demonstrar a minha gratidão pela honraria que me foi cumulada em poder participar da homenagem a esse insigne mestre da Universidade de São Paulo. Não tive o privilégio de ser seu aluno ou de. pelo peso das suas reflexões no campo da Filosofia e da Teoria Geral do Direito e pelo espaço que já conquistou no mundo acadêmico seja o nacional ou o internacional. possibilitando. ressalta as notas de imprecisão e ambigüidade em relação ao uso da semântica na conceituação do direito. Aqui. impreciso. tendo em vista a diversidade de idiossincrasias reinantes. conotações lingüísticas significativamente distintas. DA Como ponto de partida. refere-se ao estudo puramente formal de um conjunto de símbolos que ganham uma representação visual escrita.p65 433 17/5/2011. relacionada ao direito. Segundo ele. aqui. O Professor Tercio chama a atenção exatamente para a carga emotiva que estigmatiza tal análise.GEORGE BROWNE REGO . na medida em que. inclusive. pode gerar conflitos e controvérsias. com o propósito de chegar a um conceito de verdade.433 to. como tal. insatisfação ou mesmo reação por parte daqueles que pretendem chegar a uma definição neutra do direito. a segunda é a semântica que trata da interpretação da linguagem formal lógica ou não-lógica. adjetivo ou mesmo advérbio. decodificados através de uma linguagem. O Professor Tercio. atribuiu o singelo enunciado de introdução. enquanto a pragmática deixa à margem o significado puramente lingüístico do conceito. se distingue da semântica. divulgada e respeitada obra: “Introdução ao Estudo do Direito”. em cada caso. estados de desforia. 17:47 . cuja natureza é também formal. linguisticamente. mas que. nomeadamente. transcende em envergadura intelectual e profundidade de análise a qualquer pretensão simplesmente propedêutica? ALGUMAS CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA PROBLEMÁTICA ORIGEM DO SIGNIFICADO E FUNÇÕES DO DIREITO. assumindo. esse é um recurso insatisfatório à definição do direito por seu caráter vago. pretende vincular o conceito de direito à sua denotação. na overture da sua tão conhecida. refiro-me. também. Nesse sentido. inexato. isso porque. uma vez que esta se refere à relação entre a linguagem e o real. tanto é assim que pode ser alternativamente utilizado como substantivo. ele pode ser interpretado sob múltiplos e inconciliáveis significados. sendo possível então circunscrevê-lo ao seu próprio universo conceitual. à extensão do tipo de objeto a ser conceituado o qual se limita e se distingue de outras espécies pela sua conotação. essa análise. que a modéstia do seu autor. Filosofia e Teoria Geral do Direito. do ponto de vista lógico. a alternativa se refere a elucidar o problema através do estudo da relação entre a linguagem e seus usuários e o modo e a forma como tal linguagem os afeta. o conceito de direito é analisado do ponto de vista de uma pragmática lógico-jurídica. Finalmente. à passagem em que o Professor Tercio aponta para três dimensões do uso convencionalista atribuído ao termo direito: a primeira delas é a sintática e. SEGUNDO O PROFESSOR TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. chegar-se-á a inevitável presença de elementos volitivo-emotivos. Por isso.. dissolve as opiniões. o autor. Por enquanto. Na segunda. Quem pretender acompanhá-la mais alongadamente deve curvar-se sobre a leitura integral da obra. Questões dogmáticas têm uma função diretiva explicita e são finitas. não deixa de reconhecer que existe uma pluralidade de interpretações concorrentes à sua própria Weltanschauung.” (FERRAZ. por outro. pondoas em dúvida.. sem abrir mão dos seus ingredientes emotivos mas.p65 434 17/5/2011. dado o seu caráter entimêmico. ou zetético e o prático ou dogmático. como ponto de partida do seu raciocínio. ser possível ora acentuar uma. Para efeito de empreender uma redefinição do conceito de direito. do ponto de vista dogmático. desintegra. Questões zetéticas têm uma função especulativa explícita e são infinitas. o que conduz à análise do problema a dois tipos de abordagem: o teórico. tanto no terreno da sua teorização quanto no que concerne às suas práticas. que necessariamente estarão presentes na sua formatação. 17:47 . Isso levaria a conduzir o direito pelo terreno do convencimento (persuasão). Diante desse impasse. 1994. O zetético. a tentativa do Professor Tercio de conceituar o direito. o enfoque zetético visa a saber o que é uma coisa. Nas primeiras. conduzirei a minha exposição da universalidade do problema jurídico e sua conceituação. ou seja. Já o enfoque dogmático se preocupa em possibilitar uma decisão e orientar a ação. Neste ponto da exposição localiza-se o fulcro sobre o qual pretendo conduzir toda a minha reflexão. a situação nelas captada se configura como um dever-ser (como deve-ser algo?). ora outra: Um enfoque dogmático revela o ato de opinar e ressalva algumas das opiniões. ao contrário. se propõe a redefinir o conceito de direito. ao admitir a inviabilidade de atingir tal desiderato. numa investigação determinada. Em virtude desses obstáculos.O PROBLEMA DAS GRANDES DICOTOMIAS: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO . ou seja. Segundo ele. o Professor Tercio admite. estaria obstruída a sua pretensão de validade universal. por um lado. através de um enfoque zetético. à premissa implícita que dá sustentação ao seu argumento obstaria a possibilidade de encerrar consensualmente o discurso. o Professor Tercio sugere que se faça uma inserção. não há uma linha divisória radical entre esses dois tipos de abordagem.434 . que qualquer que seja a definição que se pretenda apresentar acerca do direito enquanto prática doutrinária. p. 41) Filosofia e Teoria Geral do Direito. na forma delineada pelo Professor Tercio. apesar de. do outro. numa dupla face: de um lado. com isso. o problema tematizado é configurado como um ser (que é algo?). cujos desdobramentos e incursões profundas são de uma clareza e elegância fascinantes. dentro dos limites até agora demarcados na sua obra. à problemática do método científico. A duvida na acepção do pragmatismo filosófico constitui uma inquietação. uma hipótese abdutiva. 17:47 . Mais especificamente. Aliás. o qual enfatiza a pergunta. jungido aos parâmetros do pragmatismo filosófico. gera um hábito de ação. por seu turno. motivada por uma irritação. pretendo. Peirce já afirmara em seu paper “The Consequences of Four Incapacities” que não se pode duvidar em filosofia daquilo que nossos corações não podem realmente duvidar. uma conjectura. nas quais o direito se inscreve com inquestionável amplitude e relevância. aqui. mas com ênfase específica à concepção de John Dewey. de forma simultânea e articulada. os problemas atinentes às ciências físicas e naturais e aqueles relativos às ciências sociais e humanas.435 Dessas considerações. é oportuno fazer referência a Charles S. distinguiu a dúvida da crença. motivado por uma dúvida real que se opõe à racionalidade estéril da duvida cartesiana. o pensamento à prática. à questão do princípio da continuidade. em particular. Do ponto de vista da minha participação nesta homenagem. A escolha não é aleatória. Peirce que. a indagação e não a constatação. assim. por conseguinte. correspondente à crença no sentido pragmatista do termo. na sua constante preocupação de integrar a filosofia à ciência. Esta forma de analisar o problema aproxima-se do enfoque zetético usado pelo Professor Tercio.p65 435 17/5/2011. uma dúvida real. quanto à sua aplicabilidade. genuína. já se torna possível identificar algumas analogias entre o pensamento do aludido Professor e uma das relevantes premissas do pragmatismo filosófico que servirá como referencial teórico ao desenvolvimento desse trabalho. a saber: a problemática do método científico e da sua viabilidade de tratar equitativa e genuinamente.GEORGE BROWNE REGO . Desde o doutoramento minha preocupação central vem sendo direcionada ao estudo Filosofia e Teoria Geral do Direito. Da inquirição o pensamento evolui para o estabelecimento da opinião que. a qual tem grande afinidade com o enfoque dogmático a que se refere o Professor Tercio. ter chegado ao ponto ômega que irá conduzir toda a análise. que mais tarde será investigado e que representa um postulado inerente ao pragmatismo filosófico de Dewey. Tudo isso denota que Peirce antecipou aspectos da mais alta relevância para o pragmatismo. O método científico-pragmático de Peirce similarmente tem como ponto de partida o raciocínio hipotético abdutivo. O referencial teórico escolhido para empreender essa análise direciona-se. fica evidenciado a contribuição do pragmatismo à compreensão dos dilemas jurídicos das grandes dicotomias. Com isso. O enfoque que se pretende adotar está. tanto no que concerne à sua natureza. no seu paper sobre “The Fixation of Belief”. apesar de não terem muitas idéias em comum. It was in the early seventies that a knot of us Young men in Old Cambridge. Se fossemos realmente esmiuçar as diferenças existentes entre os seus integrantes. sua principal característica era a informalidade e o desapego aos cânones formais então prevalentes na filosofia. Charles Sanders Peirce.. acerca da oxigenação e da pluralidade dos pontos de vista dos seus integrantes. das suas origens aos seus delineamentos metodológicos. pelas razões a seguir elencadas. calling ourselves. Toda filosofia nasce e se desenvolve dentro de um processo histórico e só através dele pode ser compreendida. Sua composição foi espontânea e heterogênea. ética. entretanto. uma idéia comum acerca das idéias. Massachussets.436 . uma vez que os seus integrantes provinham das mais diferentes áreas do conhecimento: ciências físicas e naturais. and was frowning superbly upon all metaphysics – used to meet sometimes in my study. a posteriori..O PROBLEMA DAS GRANDES DICOTOMIAS: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO . a fim de que se possa. como um movimento filosófico. Do ponto de vista da sua origem. ‘The Metaphysical Club’ – for agnosticism was then riding its high horse. metafísica. agora. com vista a demonstrar como a questão do método está enraizada na sua própria etiologia e que todo o seu desdobramento há de ser adequadamente compreendido ao longo do seu processo evolutivo. à primeira vista. o pragmatismo surgiu. lógica. Com base nessa experiência. procurarei. o que transparecia era que. sob o irônico epíteto de “Metaphysical Club”. 17:47 . modernamente. história e direito. em particular para o universo do direito. que teve lugar em Boston. O PRAGMATISMO FILOSÓFICO E O PRAGMATISMO JURÍDICO: ORIGENS E INTERSEÇÕES METODOLÓGICAS Há algumas premissas indispensáveis a um entendimento mais apurado das idéias que circunscrevem o pragmatismo filosófico. half defiantly. formular uma síntese do pensamento pragmático e suas implicações jurídicas. examinando-o. considerado o pai do pragmatismo. reputo relevante esclarecer en passant alguns aspectos relativos à origem do pragmatismo. tinham.p65 436 17/5/2011. confrontá-los às reflexões do Professor Tercio. Mesmo levando em conta as limitações impostas à dimensão desse trabalho. half ironically. do pragmatismo filosófico e das suas implicações e aplicações para o conhecimento humano. na segunda metade do século XIX. sometimes Filosofia e Teoria Geral do Direito. A palavra movimento é a mais adequada à sua conceituação. assim se reportava ao Clube e à liberdade que predominava entre os seus membros. inclusive. No dealbar do pragmatismo filosófico.19) O alongamento da citação. 17:47 . contribuíram para a sua inserção no campo de uma original Filosofia do Direito. foram além do pragmatismo filosófico clássico. take it ill that we are proud to remember his membership. também nomeadamente. a saber: Filosofia e Teoria Geral do Direito. através de sua interpretação e aplicação do pragmatismo à palpitante questão da atualidade: Law and Economics. a skillful lawyer and a learned one. Mr. fez com que o movimento pragmático sempre contasse com o concurso de intelectuais renomados na área jurídica. mas. transcendeu as fronteiras do próprio país. dentre aqueles que efetivamente contribuíram para dar visibilidade e força ao movimento. desde a origem do movimento. Nicholas Saint Green was one of the most interested fellows. encontram-se as raízes do pragmatismo jurídico e das suas mais recentes versões: o neo-pragmatismo e o realismo jurídico. p. he often urged the importance of applying Bain´s definition of belief as ´that upon which a man is prepared to act`. ademais. além de desempenharem esse papel ativo e mesmo decisivo na formulação e aplicação do método pragmático. nos seus diversos desdobramentos.. desde os seus primórdios. aqui. pragmatism is scarce more than a corollary. Mais do que isso. como se viu através do depoimento de Peirce.437 in that of William James. inclusive. além dos já mencionados juristas. will not I believe. milk and sugar in the mess. Roscoe Pound. deve-se. destacam-se.p65 437 17/5/2011. His extraordinary power of disrobing and warm and breathing truth of the draperies of long worn formulas. 1965. o famoso juiz da Suprema Corte Americana. mais recentemente Richard Posner. a disciple of Jeremy Bentham. not will Joseph Warner. Ilustram essa galeria de consagrados juristas. It may be that some of our old-time confederates would today not care to have such wild-oats sowing made public. na verdade. Assim é que. contribuíram para o desenvolvimento das pesquisas e da investigação científica no campo da filosofia. numa certa medida. tiveram um papel decisivo na consubstanciação do pensamento filosófico-pragmático. In particular. was what attracted attention to him everywhere. dentre outros. o também juiz da mesma Corte Benjamim Nathan Cardozo. Oliver Wendell Holmes Jr. Justice Holmes. though there was nothing but boiled oats. cujo prestígio. ao adrede propósito de deixar também aqui enfaticamente consignado o visceral concurso de pensadores ligados à área do direito que. três outros pensadores. Esq. however. grande artífice da Jurisprudência Sociológica e. From this definition. o Clube. so that I am disposed to think of him as the grandfather of pragmatism. (WIENER.GEORGE BROWNE REGO . ambos. Esses juristas efetivamente. Todavia. de forma contínua e interativa. a ciência e a filosofia.O PROBLEMA DAS GRANDES DICOTOMIAS: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO . que definiu o pragmatismo como a new name for some old ways of thinking também atribui ênfase decisiva ao problema metodológico e a sua relevância para a filosofia. Peirce. que: minha palavra definitiva é que a coisa que você deve apostar o seu dinheiro não deveria ser uma doutrina mas um método. numa carta que escreveu a Francis C Russell. a filosofia pragmática se utiliza tanto do método empírico quanto das teorias acerca da natureza da verdade. bem como na contribuição lógica dada por Peirce. cujos trabalhos se voltaram à elaboração de uma lógica e de uma filosofia da ciência. Pois um método vital corrigirá a si próprio e uma doutrina. como vimos. deu uma contribuição notável para a autonomia da pesquisa filosófica nos Estados Unidos. o direito e a moral. Mas. o indivíduo e a sociedade. entretanto. Sua rejeição aos dogmatismos doutrinários e seu apego ao método. não. tornou-se. apesar de não ter integrado formal e diretamente o Clube. como veículo instigador do conhecimento científico e filosófico. métodos são ferramentas. testadas e concretizadas na experiência. não há verdades fixas e imutáveis. Doutrinas são cristais.p65 438 17/5/2011. Foi. portanto.438 . à questão metodológica do pragmatismo a mencionada conotação moral. 17:47 . com efeito. a teoria e a prática. Metodologicamente. para James tem como pressuposto aquelas idéias ou crenças cujas expectativas são verificadas. Filosofia e Teoria Geral do Direito. na definição de pragmatismo de James e no seu conceito de verdade. mas o seu mais insigne representante. uma característica típica da concepção de James é que as aplicações metodológicas devem indispensavelmente ser iluminadas por parâmetros éticos que valorizem a liberdade na busca pela verdade. a natureza e a vida. Para ele. o pensar e o fazer. pois vivemos num mundo no qual as mudanças e o livre curso das ações interagem num processo contínuo de crescimento que requer opções humanisticamente responsáveis. em agosto de 1892. John Dewey que. a ética e a estética. a ciência e a moral. levou-o mesmo a afirmar. William James. a educação e a democracia. não só o grande arquiteto da engenharia social do pragmatismo. que Dewey foi selecionar os ingredientes necessários à edificação de um modelo de sociedade no qual o método científico iria constituir o traço de união que articularia.. o público e o privado. Verdade. a filosofia nada mais é senão um instrumento que se propõe a lançar luz sobre o significado dos conceitos para avaliar os seus efeitos e conseqüências práticas em relação a futuras experiências. o que imprime.. But these logical systematizations of law in any field. em conseqüências desastrosas para as nações e para a própria humanidade. or torts. whether crime. 17:47 . por outro lado. direcionado à compreensão e aplicabilidade dos problemas e interesses de natureza social e moral. minha digressão tem como base os seguintes argumentos: primeiro. It is an instrumentality. but secondarily. reiteradas vezes. biológico e humano). is clearly in last resort subservient to the economical and effective reaching of decisions in particular cases. clarifying the inquiry that leads up concrete decisions. um fenômeno social e político e assim deve ser.GEORGE BROWNE REGO . tem resultado.p65 439 17/5/2011. A história tem sobejamente ensinado que o risco de limitar o direito exclusivamente a esse objetivo. And here at least I may fall back for confirmation upon the special theme of law. então. o de que o direito. mas não o seu quantum satis. argumentar sobre a não-incompatibilidade da aplicação de um método científico unificado às diferentes áreas do conhecimento (físico. em conformidade ao entendimento do próprio Dewey. and of greater ultimate importance. p. 1924. with their reduction of a multitude of decisions to a few general principles that are logically consistent with one another while it may be an end in itself for a particular student. É com a sua preocupação voltada para tais advertências que Dewey afirma: logic systematization with a view of utmost generality and consistency of propositions is indispensable but not ultimate. prioritária mas não exclusivamente. facilitating. primarily that particular inquiry which has just been engaged in. como um instrumento metodológico hábil à descoberta dos mecanismos explicativos das ciências da natureza e do seu potencial teórico-prático. é. As questões lógicas. apenas. It is a means of improving. um requisito à análise dos problemas jurídicos. contracts.439 O PRAGMATISMO FILOSÓFICO DE JOHN DEWEY E SUAS IMPLICAÇÕES SÓCIO-METODOLÓGICAS PARA O DIREITO É precisamente com base nas idéias da filosofia política de John Dewey que pretendo. O eixo do problema. 19/20) Filosofia e Teoria Geral do Direito. It is most important that rules of law should form as coherent generalized logical systems as possible. se desloca especificamente para a esfera política. concernem à coerência entre proposições e representam. Tal redirecionamento poderia parecer que não mais se obedeceria os pressupostos lógicos e epistemológicos do discurso filosófico-jurídico convencional.” (DEWEY. a partir de agora. por natureza. other inquiries directed at making other decisions in similar fields. analisado e compreendido. not an end. Todavia. substancial e inclusivamente. 1924. complementa o seu raciocínio: The bearing of the conception of logic which is here advanced upon legal thinking and decisions may be brought out by examining the apparent disparity which exists between actual legal development and strict requirements of logical theory. portanto. a experiência jurídica não poderia constituir uma exceção a essa regra. comparativamente. todos os fenômenos existentes na realidade.p65 440 17/5/2011. poder-se-ia metaforicamente afirmar que. growth. se de acordo com a filosofia pragmática a idéia de crescimento está visceralmente atrelada a toda a realidade experiencial. equivaleria à primeira designação. servindo-se das asserções desenvolvidas pelo já referido juiz da Suprema Corte Americana. growth. em direito substantivo e direito adjetivo. Oliver Wendell Holmes Jr. referindo-se. dinamizando-a.440 . Dewey.O PROBLEMA DAS GRANDES DICOTOMIAS: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO . esse Filosofia e Teoria Geral do Direito. Justice Holmes has generalized the situation by saying that ´the whole outline of the law is the resultant of a conflict at every point between logic and good-sense – the one striving to work fiction out of consistent results. qual seja: quais os limites e as possibilidades do desenvolvimento científico e tecnológico tornar-se harmônica e inteligentemente articulado aos interesses e necessidades humanas e sociais? Os incontestáveis benefícios que tal desenvolvimento poderia produzir vêm contribuindo para que o seu potencial seja física e moralmente canalizado para um autêntico e integrado crescimento? A resposta é negativa e a hipótese de sua superação passa. ou seja. Ora.. o conceito de experiência. Por conseguinte. pela questão metodológica. àquela categoria que engloba. não se circunscreve apenas ao desenvolvimento científico e econômico. enquanto imersos nas diversas situações que integram a totalidade da experiência. p. A palavra crescimento... the other restraining and at last overcoming that effort when the results become too manifestly unjust‘. na filosofia deweyana é a pedra de toque e a raison d´être de sua adequação à esfera social e política.(DEWEY. ao processo que aciona e dinamiza aqueles mesmos fenômenos. enquanto o crescimento à segunda.19/20) Dewey propõe-se a desvelar um dos grandes dilemas do mundo moderno. 17:47 . Se permitida aqui uma simples analogia entre o pensamento de Dewey e a tradicional classificação do direito. E. Mas. na filosofia pragmática de John Dewey. necessariamente. Desenvolvimento é uma categoria inclusiva e totalmente entrelaçada ao conceito mais abrangente de toda a filosofia deweyana: a experiência. como os princípios da continuidade e da interação são cruciais a uma compreensão de toda a realidade experiencial. no modo como foi concebida e delineada filosofia de John Dewey. porventura. 17:47 . agora. E o mundo se divide. um mundo cujas partes e aspectos não se justapõem. o que elide qualquer possibilidade de classificá-los e distingui-los autonomamente. em virtude do concurso de dois princípios com os quais o aludido crescimento encontra-se intrinsecamente relacionado: o princípio da continuidade e o da interação. seja na esfera natural. direcionar o seu foco à análise da experiência humana? Para Dewey as experiências humanas ocorrem no contexto de certas condições objetivas. Diferentes situações sucedem umas as outras. não desfrutam. de uma completa independência. porquanto. que se interceptam e se unem de modo inseparável nesse processo. A unidade substancial do processo decorre do fator individual elemento integrante da experiência.p65 441 17/5/2011. o curso da experiência com tal ruptura entra em desordem. com bastante clareza.441 crescimento ocorre. venham a produzir. A relação de interdependência entre eles pauta-se pelo princípio da continuidade. em si. São aspectos. Mas devido ao princípio da continuidade algo é levado de uma parte para a outra. quer entre eles mesmos. 1976. seu mundo. compreendendo uma contínua transação entre o meio-ambiente e as necessidades e capacidades dos indivíduos imersos nas diferentes situações da vida. longitudinais e transversais da experiência. as diversas situações nas quais estão envolvidos. Quando esse fator se rompe. como menciona Dewey. Por outro lado é importante salientar que os fenômenos que ocorrem no mundo fático. 37/8) Se a teoria acima confirma. quer do somatório das conseqüências que. Ao passar o indivíduo de uma situação para outra. não Filosofia e Teoria Geral do Direito. não pertencem ao reino lógico das categorias entitativas que a filosofia e a metafísica clássicas haviam abstratamente concebido. do mesmo modo.GEORGE BROWNE REGO . por extensão o pragmatismo. também não gozam de autonomia existencial própria. O processo continua enquanto vida e aprendizagem continuem. Um mundo dividido. seu meio ambiente se expende ou se contrai Depara-se vivendo não em outro mundo mas em uma parte ou aspecto diferente de um e mesmo mundo. (Dewey. como então. por seu turno. O que aprendeu como conhecimento ou habilitação em uma situação torna-se instrumento parta compreender e lidar efetivamente com a situação que se segue. É por essa razão que a filosofia de Dewey e. pp. é sinal e causa de uma personalidade dividida. peremptoriamente. rejeitam todo e qualquer tipo de dualismo. seja na humana. teve como conseqüência o sacrifício das potencialidades do presente sobre o pretexto de assegurar promessas futuras. testadas experimentalmente. Filosofia e Teoria Geral do Direito. we conceive the object of our conception have. A ruptura entre ambos é o nutriente que dá vida e força aos dualismos. sua obsessão consistia. o sistema de poder operava às expensas de um dualismo. o primeiro passo é demonstrar como Dewey já constatara que. “consider what effects. Assim. de alguma forma. sob novos nomes e com uma nova roupagem. em particular. Sua preocupação maior sempre foi a metodológica. como um cabalístico instrumento de controle do presente e de antevisão do futuro. agora. por isso a sua lógica. através de recursos estritamente lógicos. que contribuía para separar e hierarquizar aqueles que comandavam os “donos do poder” – para usar a expressão de Faoro – dos que obedeciam. Mais especificamente. com base na hegemonia da razão face à sensibilidade. tornara-se politicamente possível justificar. graças às novas ofertas do progresso. 1958.p65 442 17/5/2011. tudo é probabilístico. menos perversos. que tem o propósito de conectar o pensamento à ação. which might conceivably have practical bearings. em termos de dois extremos. Os mecanismos de controle social se tornaram. com base em inferências que clarificassem e captassem os conceitos no seu contínuo e interminável processo de produção de conseqüências futuras. por força do progresso científico e tecnológico. 124). todavia. é uma lógica das probabilidades. Then. continuam. como concebida por Peirce. is the whole of our conception of the object” (PEIRCE. as diferenças sociais resultantes dessa mesma ruptura. Revertendo. a separação entre o presente e o futuro. Com isso. Argüia-se. Para o pragmatismo não existe garantismos. p. industriais. mas. nem por isso. a análise do problema para o ângulo político e. direcionando-o ao tema do controle social. existem. portanto. então. Nas suas próprias palavras. seja qual for a natureza da experiência. continua assegurada a indébita apropriação por parte daqueles que detém o poder político e econômico e o controle dos recursos científicos.442 . Esse mesmo processo ainda hoje persiste. afeta o futuro. no presente. bem mais sofisticados. em detrimento dos afazeres da vida prática cotidiana. assinala Dewey. de forma mais rica e abundante. descobrir métodos adequados que atribuíssem reais significados às idéias filosóficas. Essa relação entre o que é e o seu devir não pode ser posta. prevalecendo. só que utilizadas.O PROBLEMA DAS GRANDES DICOTOMIAS: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO . em através do conúbio entre filosofia e ciência. erro fundamental das filosofias convencionais. Assim. o caráter excelso do pensamento. As estratégias de controle do poder.. our conception of these effects.. sempre. O presente. 17:47 . para tanto. barreiras que possam romper a marcha da continuidade. que prevaleceram no passado. no passado. “Human Nature and Conduct”: The context of old institutions and corresponding habits of thought persisted. Acerca da continuidade e da permanência desse sistema de desigualdades sociais e econômicas e dos seus reflexos na esfera política e jurídica. Ele acredita que o natural e o racional dinamicamente se articulam através de princípios morais que se vão manifestando no curso das próprias atividades humanas e que tais princípios fluem das possibilidades alternativas produzidas por essas mesmas atividades. 17:47 . suscita. têm contribuído. Thus the new industrialism was largely the old feudalism. Nenhum filósofo que faça jus à sua opção pode deixar de considerar as questões relacionadas à justiça e. suas investigações evidenciam uma profunda preocupação com a natureza e a função do direito e suas implicações de ordem moral. assim se manifesta John Dewey numa das suas obras paradigmáticas. The new movement was perverted in theory because prior established conditions reflected it in practice. essa co-participação solidária. E não restam dúvidas de que tais interações. embora não tivessem o domínio técnico do direito. por via de conseqüência. o próprio Dewey admite a existência de uma espécie de justiça natural independente e mesmo oposta aos tecnicismos e formalismos inerentes ao dogmatismo jurídico. Mas. das quais então emergem os critérios que diferenciam o que é valioso do que é pernicioso. cujo desiderato último é a democracia. A filosofia pragmática de John Dewey pretende. um outro problema que lhe é correlato: o problema da justiça. ao Direito. historicamente. acredita ele. Assim. living in a bank instead of a castle and branding the check of credit instead of a sword. 1930 p. como na hipótese kantiana.p65 443 17/5/2011. 213) A questão das desigualdades sociais. os critérios de julgamento que norteiam o universo do direito decorrem em conseqüência de um longo processo de maturação experiencial no qual senso-comum e inteligência vão progressivamente sedimentando um aprendizado contínuo do qual deve participar solidariamente toda a comunidade. para o aperfeiçoamento do direito. que representa um pressuposto à realização Filosofia e Teoria Geral do Direito. (Dewey. de imediato.GEORGE BROWNE REGO . De Platão a Kant e deste a Dewey. dessa forma. sobre a maioria dos indivíduos dentro dos seus diversos estamentos sociais subalternos. Apesar da concepção filosófico-pragmática do direito ser acirradamente crítica em relação a qualquer tipo de análise que contenha ingredientes transcendentais.443 comerciais e suas respectivas práticas mercantilistas. estabelecer as bases de um sistema ético-social participativo. muitas vezes. de um sistema de educação voltado à cidadania. para Dewey. Numa das suas mais famosas e conhecidas obras. Há situações em Filosofia e Teoria Geral do Direito. 87) O passo seguinte é examinar essa noção de uma comunidade solidariamente associada.. avaliando continuamente seu crescimento. necessárias à prevenção de certas doenças. a rigor. Mas. ou seja. Since democratic society repudiates the principle of external authority.444 . p. (DEWEY. of conjoint communicated experience. elas passam a assumir um caráter público. respondem. these can be created only by education. atividades de natureza privada e pública. cujo papel e relevância dá corpo e enriquece a sua concepção social e política: o conceito de público. Dewey assim se manifesta: The superficial explanation in that a government resting upon popular suffrage cannot be successful unless those who elect and who obey their governors are educated.p65 444 17/5/2011. como se verá adiante que. Um laboratório farmacêutico que fabrica vacinas. Ele pode ser sintetizado como: uma comunidade de pessoas. por delegação do público. Nessas hipóteses. A democracy is more than a form of government. vivenciando experiências em comum. o individual do social? São eles incomunicáveis entre si? As ações privadas. pelas ações que praticam e que. assim.. “Democracia e Educação”. por exemplo. criam-se simulacros para um suposto regime meramente formal de democracia.O PROBLEMA DAS GRANDES DICOTOMIAS: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO . é que tal regime poderá ser real e efetivamente configurado. na medida em que sua intencionalidade seja. promover o bem-estar da comunidade. esse desiderato é atendido. it is primarily a mode of associated living. O termo público tem uma conotação mais ampla e abrangente do que o conceito de Estado. É aqui que emerge uma nova categoria. simultaneamente. com o propósito de promover coletivamente o seu bem-estar. 1961. do sistema democrático. it must find a substitute in voluntary disposition and interest. Um sucessivo aprofundamento do que significa “público”. desempenha. Dewey tenta ilustrar. ocorre que. 17:47 . podem ter uma dimensão social. para eles voltadas. Entretanto. só com base na estreita correlação entre educação e democracia. direta ou indiretamente. politicamente organizada que busca ampliar e aperfeiçoar essa mesma organização. nem sempre. devem ser direcionadas ao atendimento dos bens sociais e. suscitando as seguintes indagações: quais são as fronteiras que separam o público do privado. só se torna viável através de um processo educacional genuíno. conduz a análise a outra dimensão. Quando tais atividades passam a ser desenvolvidas pelo Estado são os seus agentes que. através das instituições estatais. seja do ponto de vista dos seus pressupostos morais de justiça.445 que as ações dos agentes do Estado são aparentemente públicas. sinteticamente. nessa hipótese. As limitações dessa análise não facultam. de. a natureza das atividades desenvolvidas pelo Estado e suas instituições é essencialmente impessoal e indireta. O seu propósito consiste. o papel e a função específicos do Estado e ainda a sua correlação com a própria ordem jurídica que lhe dá sustentabilidade? As respostas as todas essas questões pressuporia uma vasta síntese de todo o pensamento deweyano. A impessoalidade referida. extensa e profícua produção filosófico-científica (seu último livro. de fato. isso porque é evidente a impossibilidade de desconectá-lo do próprio direito.15).p65 445 17/5/2011. foi escrito 2 anos antes da sua morte). Filosofia e Teoria Geral do Direito. visto sob o prisma da ordem e da lei? Quais seriam. relativamente à questão metodológica. em outras palavras. em consonância com as atividades desenvolvidas pelos indivíduos e suas respectivas conseqüências no interior das associações e/ou nas suas interações com as agências estatais. procurar abrir algumas clareiras que permitam um singelo vislumbre do seu pensamento. a. direcionado à unificação dos saberes. através de uma abordagem intitulada por ele próprio de “método inteligente”. 1946. Knowing and Known. senão um breve arremate de algumas das suas idéias. it is not necessarily socially valuable carried on in the name of the public by public agents” (DEWEY. Limito-me. o papel e a função do conceito de público. Dewey afirma: “just as behavior is not anti-social because privately undertaken. p. mas. um exame percuciente de toda essa problemática. As relações políticas entre os que governam e os que são governados ocorrem com o propósito de garantir que os primeiros exerçam estritamente o poder que lhe é delegado pelos últimos. dentro do conjunto das aludidas indagações. tecer algumas sucintas considerações em torno do conceito de Estado e das suas funções. retorna à premissa que deu sustentação à argumentação sobre a natureza do conceito de público e conduz. Uma análise crítico-reflexiva de todo esse processo. Nesse sentido. De como. Dewey pretendeu demonstrar a relevância do seu método crítico-reflexivo. desenvolvido ao longo dos seus 94 anos de intensa. por conseguinte. inerente às relações políticas. A concepção do que é justo ou injusto está vinculada ao que a lei estabelece. 17:47 . De um ponto de vista filosófico. tão somente. seja em relação à ordem jurídica que lhe empresta sustentação e validade. servem apenas como um véu a encobrir interesses estritamente individuais ou privados. assim. ainda a novas indagações: qual o significado.GEORGE BROWNE REGO . seguindo a esteira de toda a tradição pragmática. ao Estado e a ordem jurídica.446 . o Professor Tercio Sampaio Ferraz Jr. and this is as it should be (DEWEY. CONCLUSÃO Na sua Introdução ao Estudo do Direito. ou mesmo interferem nas atividades das diferentes associações. utiliza-se dos enfoques zetético e dogmático para fundamentar as duas grandes dimensões da investigação jurídico-científica. então. conjugam-se. Nesse sentido é que o pragmatismo jurídico considera que as atividades do Estado são indiretamente morais. is under some circumstances the most idle and empty of social arrangements. superando os problemas epistemológicos decorrentes de divisões dicotômicas. Visto sob as lentes do pragmatismo filosófico. nomeadamente aquelas relativas à continuidade e a interação. atividades de supervisão e regulação. A percepção e Filosofia e Teoria Geral do Direito. para exercer sobre as mesmas. interagem. As medidas que o Estado adota enraízam-se. às voltas com perguntas e respostas. 17:47 . com especial enfoque às grandes dicotomias. o método científico iniciado por Peirce e utilizado por Dewey. p.. 138) é o caso da grande dicotomia entre o direito público e o privado. referentes à zetética e à dogmática.p65 446 17/5/2011. consiste em: to act only to fix conditions under which any form of associations operates…thus preventing the glorification of the state and magnification of its power. Seu papel. Entretanto. o Professor Tercio reconhece que não se pode falar de uma ruptura em termos radicais entre os enfoques zetéticos e dogmáticos. com aquelas do Professor Tercio. conforme aqui analisado. como se viu. The locus of growth continues to be found in other institutions.860) As idéias de Dewey até agora trabalhadas. assegura a superação de qualquer dualismo que porventura possa separar a teoria da prática. For that matter it often happens that the state instead of being all absorbing and inclusive. então. 1987. Um exemplo concreto trabalhado pelo Professor Tercio (1994. o princípio da continuidade do pragmatismo deweyano corresponderia ao fio condutor da investigação filosófico científica.O PROBLEMA DAS GRANDES DICOTOMIAS: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO .. Logo. O próprio autor reconhece a complexidade dessa distinção que se apresenta confusa e sem a necessária nitidez nos tradicionais conceitos dogmáticos. p. garante a qualidade moral das atividades desempenhadas pelo Estado. ao público e ao privado.. Dewey se serve da imagem de um maestro dirigindo uma grande orquestra para ilustrar o papel e a função de um Estado pluralístico e democrático. Só assim. Tudo isso. ciência e moralidade. como acentua o Professor Tercio. A concepção filosófico-pragmática de Dewey. conseguintemente. a racionalidade do saber dogmático sobre o Direito não se localiza. 1930. então. à deriva de interesses estritamente individualistas ou de coletivismos despersonalizados que.447 a acuidade do Professor Tercio merece um reconhecimento pelo fato de ter-se apercebido da existência dos problemas resultantes desta dicotomia. pela conciliação das disponibilidades e iniciativas voluntárias dos indivíduos e os acordos firmados com as agências reguladoras do Estado. p. até agora. aqui esboçada. tornar-se-ia um vetor de unificação articulada do real. and that most direct and effective way out of these evils is steady and systematic effort to develop that effective intelligence named scientific method in the case of human transactions (DEWEY. política e jurídica mais democrática e. Dewey. 17:47 . obviamente. o método científico. como concebido por John Dewey. à luz da capacidade dos indivíduos e suas associações de avaliar os efeitos e conseqüências práticas dessas interações para o bem-comum. como já se assinalou. o dualismo entre pensamento e ação. “nem em soluções visadas (racionalidade dos fins) nem na discriminação fechada dos meios (racionalidade formal dos instrumentos). X) Em síntese. interesses individuais e coletivos. disciplinando o que deve ou não ser da competência pública. nos diferentes estágios evolutivos do conhecimento humano. obedecendo-se a seguinte ordem: 1 – Superar as dicotomias entre o público e o privado. mas no tratamento correlacional de Filosofia e Teoria Geral do Direito. através da sua concepção pragmática traz um inestimável apoio para essa reflexão. nas suas manifestações pluralística e inclusiva. 2 – Restabelecer a sintonia e a harmonia entre o método científico e os problemas sociais e morais. se o direito moderno propicia a segurança da certeza na expectativa de determinadas ações. Como ele fez questão de enfatizar: We have also held that a considerable part of the remediable evils of the present life are due to the state of imbalance of scientific method with respect to its application to physical facts on one side and to specifically human facts on the other side.p65 447 17/5/2011. foi uma tentativa de sintetizar os problemas correlacionados à problemática metodológica e os seus respectivos equacionamentos.GEORGE BROWNE REGO . retornam aos nichos do voluntarismo e do individualismo. isso porque. mais humana. persiste como um pesadelo a estigmatizar a possibilidade de uma ordem social. em última análise. Nov. Decisão. Experiência e Educação. Tercio Sampaio. ______. p. Philip P. 2ª ed. 1961. Trad. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Charles S. Selected Writings. 131. 1958.. New York: The Macmillan Company. A Ciência do Direito. New York: Harper Torchbooks. São Paulo: Companhia Editorial Nacional.O PROBLEMA DAS GRANDES DICOTOMIAS: UMA REFLEXÃO A PARTIR DO . Nº 6. WIENER. 33. 1924. Democracy and Education. São Paulo: Atlas.. Chicago: University of Chicago Press Leo Strauss Ed. New York: Dover Publications. Vol. ______. PEIRCE. 1958. John. Selected Writings of Charles S. 1994. History of Political Philosophy. 1930. Leo and CROPSEY. An Introduction to the Philosophy of Educacion. Evolution and the Founders of Pragmatism. ______. 1991. Logic Metod and Law. 2ª ed. 1946. Dominação. Joseph. ______.. Técnica. Peirce. STRAUSS. Inc. How to Make our Ideas Clear. New York: The Modern Library. History of Political Philosophy. Vol. 3ª ed. Anísio Teixeira. 1987. 17:47 . Charles S. The Philosophical Review. 1965.p65 448 17/5/2011. ______. 2ª ed.448 . PEIRCE. An Introduction to Social Psychology. 1987. 1991.. 1976. ______. São Paulo: Atlas. The Public and Its Problems. Chicago: Gateway Books. Human Nature and Conduct. (FERRAZ. fins e meios na correlação funcional das questões e solução das questões”. New York: Dover Publications. Chicago: The University of Chicago Press. FERRAZ Jr.. Introdução ao Estudo do Direito. 108) BIBLIOGRAFIA DEWEY. José Maria Arruda de Andrade Professor Doutor de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Pesquisador visitante no Max-PlanckInstitut für Geistiges Eigentum. Advogado. 17:47 .A CONCORRÊNCIA LIVRE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Gilberto Bercovici Professor Titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Doutor em Direito do Estado e Livre Docente em Direito Econômico pela Universidade de São Paulo. Wettbewerbs.und Steuerrecht (MuniqueAlemanha em 2009-2010).p65 449 17/5/2011. Doutor em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo. Advogado. 450 - A CONCORRÊNCIA LIVRE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 1. A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA DE CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E A PROTEÇÃO DA CONCORRÊNCIA DA ECONOMIA POPULAR1 OU Embora as constituições liberais dos séculos XVIII e XIX também contivessem preceitos de conteúdo econômico, como a garantia da propriedade ou da liberdade de indústria, o debate sobre a constituição econômica é sobretudo um debate do século XX. As constituições do século XX não representam mais a composição pacífica do que já existe, mas lidam com conteúdos políticos e com a legitimidade, em um processo contínuo de busca de realização de seus conteúdos, de compromisso aberto de renovação democrática. Não há mais constituições monolíticas, homogêneas, mas sínteses de conteúdos concorrentes dentro do quadro de um compromisso deliberadamente pluralista. A constituição é vista como um projeto que se expande para todas as relações sociais. O conflito é incorporado aos textos constitucionais, que não parecem representar apenas as concepções da classe dominante, pelo contrário, tornam-se um espaço onde ocorre a disputa político-jurídica. A diferença essencial, que surge a partir do “constitucionalismo social” do século XX, e vai marcar o debate sobre a constituição econômica, é o fato de que as constituições não pretendem mais receber a estrutura econômica existente, mas querem alterá-la. As constituições positivam tarefas e políticas a serem realizadas no domínio econômico e social para atingir certos objetivos. A ordem econômica destas constituições é diretiva ou “programática”, incorporando conteúdos de política econômica e social. A constituição econômica que conhecemos surge quando a estrutura econômica se revela problemática, acabando a crença na harmonia pré-estabelecida do mercado. A constituição econômica quer uma nova ordem econômica, quer alterar a ordem econômica existente, rejeitando o mito da auto-regulação do mercado2. Seguindo o exemplo da célebre Constituição de Weimar3, de 1919, a grande inovação da nossa Constituição de 1934 foi, justamente, a inclusão de um capí- 1 2 3 Para um estudo detalhado e comparativo das Constituições brasileiras, vide SOUZA, Washington Peluso Albino de. A Experiência Brasileira de Constituição Econômica. In: Teoria da Constituição Econômica. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, pp. 101-142. BERCOVICI, Gilberto. Constituição Econômica e Desenvolvimento: Uma Leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 31-34. Também exerceram influência sobre os autores da nossa Constituição de 1934, embora em menor escala, a Constituição do México, de 1917, e a Constituição da República Espanhola, Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 450 17/5/2011, 17:47 GILBERTO BERCOVICI & JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE - 451 tulo referente à Ordem Econômica e Social (Título IV, artigos 115 a 140)4. A ordem econômica deveria ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional (artigo 115). Era permitido à União monopolizar determinado setor ou atividade econômica, desde que agisse segundo o interesse público e autorizada por lei (artigo 116). Há no texto constitucional, também, a preocupação com o fomento da economia popular (artigo 117), sendo este o motivo que justificaria a proteção da concorrência entre as empresas, pois buscava-se a garantia de melhores preços, desenvolvimento tecnológico e assegurar o abastecimento normalizado dos vários produtos5. Todas as constituições brasileiras posteriores passaram a incluir um capítulo sobre a Ordem Econômica e Social, em que se tratava da intervenção do Estado na economia e dos direitos trabalhistas. A primeira a romper com essa sistemática foi a Constituição de 1988, ao incluir os direitos trabalhistas em capítulo diverso, o dos Direitos Sociais. Na Carta de 1937, no capítulo da Ordem Econômica (artigos 135 a 155), determinou-se que o Estado intervinha na economia para cuidar “dos interesses da nação” (artigo 135). A Carta de 1937 também buscou fomentar a economia popular, tratando mais enfaticamente da repressão aos crimes contra a economia popular, ao equipará-los aos crimes contra o Estado (artigo 141). Este dispositivo foi regulado pelo Decreto-Lei nº 869, de 18 de novembro de 1938, elaborado por Nélson Hungria, inspirado na legislação italiana, alemã, argentina e norte-americana. Sua feição era criminalizante, com a tipificação dos crimes contra a economia popular. A configuração e o julgamento dos crimes contra a economia popular foram regulados pelo Decreto-Lei nº 1.716, de 28 de outubro de 1939. No Brasil, portanto, o direito concorrencial não nasce como conseqüência do liberalismo econômico, mas como repressão ao abuso do poder econômico, buscando proteger a população em geral e o consumidor, em particular. Com este decreto-lei, pela primeira vez, proibem-se práticas abusivas, 4 5 de 1931. Para uma comparação entre a ordem econômica da Constituição de Weimar e a ordem econômica da Constituição de 1934, vide GUEDES, Marco Aurelio Peri. Estado e Ordem Econômica e Social: A Experiência Constitucional da República de Weimar e a Constituição Brasileira de 1934. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, pp. 113-138. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Henrique Cahen Editor, 1947, volume 1, pp. 16-20; e VENÂNCIO FILHO, Alberto. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico: O Direito Público Econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1968, pp. 31-32 e 40-43. VAZ, Isabel. Direito Econômico da Concorrência. Rio de Janeiro: Forense, 1993, pp. 243-244. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 451 17/5/2011, 17:47 452 - A CONCORRÊNCIA LIVRE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 como manipulação de oferta e de procura, fixação de preços mediante acordo de empresas, venda abaixo do preço de custo, etc. A preocupação principal era com relação aos preços, mais do que com a concorrência em si6. O grande passo na elaboração de uma disciplina legal do direito da concorrência deu-se, ainda no Estado Novo, com a elaboração, patrocinada pelo Ministro da Justiça, Agamenon Magalhães, do Decreto-Lei nº 7.666, de 22 de junho de 1945, chamado de “Lei Malaia”. A “Lei Malaia”, de forte cunho nacionalista, definiu as mais importantes formas de abuso do poder econômico, tais como: os entendimentos, ajustes ou acordos, visando elevar preços de venda, restringir, cercear ou suprimir a liberdade econômica de outras empresas e influenciar o mercado no sentido do estabelecimento de monopólio, etc. Era estabelecido um regime de autorização prévia para formação, incorporação, transformação e agrupamento de determinadas empresas, além do registro de outros ajustes e acordos, com interferência no processo de produção e circulação de riquezas. A execução da “Lei Malaia” era levada a cabo pela Comissão Administrativa de Defesa Econômica (CADE), subordinada ao Presidente da República. A CADE era composta pelo Ministro da Justiça, que a presidia, pelo Procurador-Geral da República, o Diretor-Geral da CADE, representantes dos Ministérios do Trabalho e da Fazenda e de representantes das classes produtores e um técnico em economia e finanças. As funções da CADE eram verificar a existência dos atos contrários aos interesses da economia nacional, notificar as empresas para a cessação dos atos ilícitos apontados e, em caso de não cumprimento das suas determinações, aplicar a intervenção nas mesmas. A sanção aos atos lesivos ao interesse público era a desapropriação das empresas. Esse decreto não durou muito, sendo revogado, curiosamente, poucos dias após a deposição de Getúlio Vargas pelo Exército, ocorrida em 29 de outubro de 1945. O Decreto-Lei nº 8.162, de 9 de novembro de 1945, revogou a “Lei Malaia”7. A Constituição de 1946, em sua Ordem Econômica e Social (artigos 145 a 162)8, consagrou a intervenção estatal na economia como forma de corrigir os 6 7 8 HUNGRIA, Nelson. Os Crimes contra a Economia Popular e o Intervencionismo do Estado. Revista Forense, vol. 79. Rio de Janeiro, Julho de 1939, pp. 37-40. Vide, ainda, FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste, 3ª ed. São Paulo: RT, 2008, pp. 108-117. VENÂNCIO FILHO, Alberto. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico cit., pp. 290291; e IANNI, Octavio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil, 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991, pp. 72-73. Vide também FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste cit., pp. 119-123. Sobre a ordem econômica da Constituição de 1946, vide CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Intervenção da União no Domínio Econômico. In: INSTITUTO DE DIREITO PÚBLICO E Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 452 17/5/2011, 17:47 GILBERTO BERCOVICI & JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE - 453 desequilíbrios causados pelo mercado e como alternativa para desenvolver os setores que não interessassem à iniciativa privada. O fundamento da ordem econômica da Constituição de 1946 passou a ser a justiça social, consagrandose a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano (artigo 145). A continuidade do “constitucionalismo social” é garantida pela Constituição de 1946, embora com recuos9, como foi o caso da reforma agrária. A defesa da concorrência no texto constitucional, no artigo 148 da Constituição de 1946, dando início a uma nova fase no direito antitruste brasileiro, com a ênfase deixando de ser simplesmente a defesa da “economia popular” para ser enriquecido pelo compromisso com a ordem econômica e pela noção de defesa do consumidor. Os objetivos da legislação deixariam de ser meramente repressivos para adquirir caráter preventivo e de orientação da conduta dos agentes econômicos de acordo com os princípios da Ordem Econômica e Social10. A regulamentação do artigo 148 da Constituição de 1946 também foi proposta por Agamenon Magalhães, agora Deputado Federal, em 15 de abril de 1948. Esta proposta, o Projeto de Lei nº 122/1948, teve tramitação longa e demorada11. Na década de 1950, chegou-se a considerá-lo dispensável, tendo em vista as leis nº 1.521 e 1.522, de 26 de dezembro de 1951. Essas leis, para muitos, já regulavam a contento o dispositivo constitucional, 9 10 11 CIÊNCIA POLÍTICA (org.). Estudos sôbre a Constituição Brasileira. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1954, pp. 21-39; e VENÂNCIO FILHO, Alberto. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico cit., pp. 45-60. VENÂNCIO FILHO, Alberto. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico cit., p. 59. Para uma comparação entre as semelhanças das Constituições de 1934 e de 1946, vide LIMA, Hermes. Espírito da Constituição de 1946. In: INSTITUTO DE DIREITO PÚBLICO E CIÊNCIA POLÍTICA (org.). Estudos sôbre a Constituição Brasileira cit., pp. 14-16; e VENÂNCIO FILHO, Alberto. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico cit., pp. 33-34, 40, 42 e 44-45. Apesar dos recuos, o sentido da ordem econômica e social da Constituição de 1946 foi assim definido por Pontes de Miranda: “Nunca nos esqueça que a Constituição de 1946, na parte econômica, é de inspiração social-democrática. Assim é que deve ser interpretada”. In: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1946 cit., volume 4, p. 13. VENÂNCIO FILHO, Alberto. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico cit., pp. 57 e 291-293; e FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Lei de Defesa da Concorrência, Origem Histórica e Base Constitucional. Arquivos do Ministério da Justiça nº 180, Brasília, julho/dezembro de 1992, pp. 176-177; e VAZ, Isabel. Direito Econômico da Concorrência cit., pp. 249-250. Para a justificativa e o texto do projeto de lei que reprimia o abuso do poder econômico, vide MAGALHÃES, Agamenon. Abuso do Poder Econômico. In: PEREIRA, Nilo (org.). Agamenon Magalhães – Discursos Parlamentares, Coleção Perfis Parlamentares nº 24, Brasília, Câmara dos Deputados, 1983, pp. 228-248. Sobre a tramitação do Projeto de Lei nº 122/1948 até a sua aprovação sob a forma da Lei nº 4.137/1962, vide FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga & FRANCESCHINI, José Luiz Vicente de Azevedo. Poder Econômico: Exercício e Abuso – Direito Antitruste Brasileiro. São Paulo: RT, 1985, pp. 10-14. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 453 17/5/2011, 17:47 454 - A CONCORRÊNCIA LIVRE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ao qualificar os crimes contra a economia popular e a criar a Comissão Federal de Abastecimento e Preços (COFAP)12 para executar os seus preceitos. O Projeto de Lei nº 122/1948 foi aprovado somente em 1962, convertendo-se na Lei nº 4.137, de 10 de setembro de 1962, previa para a prática de abuso do poder econômico a utilização da empresa (toda e qualquer entidade de natureza civil ou mercantil, desde que explore atividades com fins lucrativos) pelo seu titular, pessoa física ou jurídica, como instrumento de obtenção do fim ilícito previsto em seu artigo 2º. A lei enumerou todas as formas de abuso do poder econômico de forma taxativa, tornando o seu âmbito de aplicação o mais amplo possível, controlando até mesmo o setor público (artigo 1813). Foi criado para apurar e reprimir os abusos do poder econômico o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)14. Com o golpe militar de 1964, que depôs João Goulart, foram outorgadas as Cartas de 1967 e de 1969 (esta intitulada de Emenda Constitucional nº 1), como tentativas de legitimar o regime ditatorial, especialmente perante as nações estrangeiras. Apesar de as Cartas outorgadas de 1967 e de 1969, em seus capítulos “Da Ordem Econômica e Social” (artigos 157 a 166 da Carta de 1967 e artigos 160 a 174 da Emenda nº 1, de 1969)15, preverem o desenvolvimento como fim da ordem econômica constitucional16, a preocupação principal dos “novos” donos do poder, ancorados pelos poderes de exceção propiciados pela “Doutrina da Segurança Nacional” 17, era aperfeiçoar as condições de funciona- 12 13 14 15 16 17 Sobre a origem, estrutura e funções da COFAP, vide VENÂNCIO FILHO, Alberto. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico cit., pp. 234-239. Sobre a fiscalização das empresas públicas realizada pelo CADE conforme a Lei nº 4.137/ 1962, vide VENÂNCIO FILHO, Alberto. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico cit., pp. 451-453. VENÂNCIO FILHO, Alberto. A Intervenção do Estado no Domínio Econômico cit., pp. 293-298. Para uma análise da ordem econômica da Carta de 1969 (que introduziu poucas alterações, geralmente de forma, à ordem econômica constitucional de 1967), vide CARVALHOSA, Modesto. A Ordem Econômica na Constituição de 1969. São Paulo: RT, 1972, pp. 1-45. Vide, especialmente, CARVALHOSA, Modesto. A Ordem Econômica na Constituição de 1969 cit., pp. 69-106. A “Doutrina da Segurança Nacional” dava às Forças Armadas um papel fundamental na estruturação do Estado brasileiro de acordo com os imperativos internos e externos da segurança nacional. Esta foi a expressão máxima do poder militar, que, para assegurar a manutenção ou conquista dos seus objetivos nacionais não hesitou em utilizar a ameaça e a violência contra seus opositores. Essa concepção ampla e abrangente de segurança nacional institucionalizou o chamado “processo revolucionário”, transformando a segurança do Estado em insegurança da sociedade. O Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, realçou o papel desempenhado pelos “órgãos de segurança”, que obtiveram considerável autonomia, sem maior controle. Eles mesmos definiram suas regras e objetivos, cuidando da preservação da Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 454 17/5/2011, 17:47 GILBERTO BERCOVICI & JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE - 455 mento e expansão da empresa privada nacional e internacional. Os grandes beneficiados foram as empresas transnacionais e os grandes grupos empresariais brasileiros a elas ligados18. A chamada “modernização” passava pela condenação da “democracia clássica” e a hegemonia da tecnocracia19. O Estado interferiu de modo cada vez mais crescente na economia, principalmente para proporcionar as condições favoráveis ao crescimento e florescimento do setor privado, particularmente estrangeiro, que obteve inúmeras facilidades de acesso ao crédito para se expandir. A estrutura empresarial do Brasil mudou durante a ditadura militar, com o seu controle nas mãos dos grandes grupos transnacionais, reforçando ainda mais a dependência estrutural da economia brasileira20. Grande parte dos centros de decisão econômica foram novamente internacionalizados. A grande contradição do regime ocorria entre a política econômica de favorecimento das empresas transnacionais e os arroubos “nacionalistas” ligados à soberania e à segurança nacional. A principal caracterização dessa retórica nacionalista e prática internacionalizante ocorreu durante o período expansionista do “Brasil Potência”, configurando-se na elaboração dos Planos Nacionais de Desenvolvimento21. As Cartas de 1967 e de 1969 recepcionaram formalmente a Lei nº 4.137/1962. Nesses diplomas legais, a repressão ao abuso do poder econômico passou a ter a natureza de princípio da Ordem Econômica e Social (artigos 157, VI da Carta de 1967 e 160, V da Emenda nº 1, de 1969). Mas, na prática, a Lei nº 4.137/62 nunca teve eficácia. De 1963 a 1990, o CADE analisou poucos processos (somente onze até 1975, tendo detectado abuso de poder econômico em apenas um deles)22. A razão da pouca importância dada ao CADE e à legislação antitruste no Brasil nas décadas de 1960 e 1970 é 18 19 20 21 22 segurança nacional e estipulando para cada situação o grau de repressão e coerção para eles necessário. Cf. LAFER, Celso. O Sistema Político Brasileiro: Estrutura e Processo. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1978, pp. 117-119. IANNI, Octavio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil cit., pp. 229-242; e FURTADO, Celso. O Brasil Pós-”Milagre”, 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 39. IANNI, Octavio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil cit., p. 249. IANNI, Octavio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil cit., p. 297. IANNI, Octavio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil cit., pp. 288-297. Sobre o planejamento durante o regime militar, vide CARVALHOSA, Modesto. A Ordem Econômica na Constituição de 1969 cit., pp. 40-44; e GRAU, Eros Roberto. Planejamento Econômico e Regra Jurídica. São Paulo: RT, 1978. FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste cit., pp. 136-141. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 455 17/5/2011, 17:47 456 - A CONCORRÊNCIA LIVRE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 simples: a política econômica do regime militar era francamente favorável à concentração empresarial e à formação de conglomerados23. 2. A CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA DE 1988, A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INICIATIVA ECONÔMICA E O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA A Constituição de 1988 tem expressamente uma constituição econômica voltada para a transformação das estruturas sociais. Não se pode ignorar, no entanto, que as relações econômicas são muito mais uma questão de fato (ou seja, vinculadas à constituição econômica material), do que uma questão de direito (ligadas à constituição econômica formal). Seria ilusório pretender alterar as regras e a estrutura do poder econômico no sistema capitalista por uma norma constitucional. As mudanças radicais são sempre políticas. A constituição econômica referenda juridicamente as mudanças, mas não é responsável por impulsioná-las. É necessário reconhecer os limites do voluntarismo e do instrumentalismo jurídicos, o que não significa desvalorizar o processo constituinte. Coube aos constituintes facilitar, dificultar ou impossibilitar determinadas decisões econômicas, abrir possibilidades ou fechar portas, mas não instituir uma constituição que, por si só, garantisse as transformações sociais e econômicas pretendidas24. O capítulo da ordem econômica da Constituição de 1988 (artigos 170 a 192) tenta sistematizar os dispositivos relativos à configuração jurídica da economia e à atuação do Estado na economia, isto é, os preceitos constitucionais que, de um modo ou outro, reclamam a atuação estatal no domínio econômico, embora estes temas não estejam restritos a este capítulo do texto constitucional25, 23 24 25 CARVALHOSA, Modesto. A Nova Lei das Sociedades Anônimas – Seu Modelo Econômico cit., pp. 66-71 e 144-148. ASENJO, Oscar de Juan. La Constitución Económica Española: Iniciativa Económica Pública “versus” Iniciativa Económica Privada en la Constitución Española de 1978. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1984, pp. 91-92. Para a crítica ao instrumentalismo jurídicoconstitucional, muitas vezes predominante no debate brasileiro sob a Constituição de 1988, vide BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Política: Uma Relação Difícil. Lua Nova – Revista de Cultura e Política nº 61, São Paulo: CEDEC, 2004, pp. 5-24; e BERCOVICI, Gilberto. A Constituição Dirigente e a Constitucionalização de Tudo (ou do Nada). In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de & SARMENTO, Daniel (coord.). A Constitucionalização do Direito: Fundamentos Teóricos e Aplicações Específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pp. 167-175. São pertinentes as afirmações de Eros Grau, para quem a “ordem econômica” não é um conceito jurídico. A “ordem econômica” apenas indica, topologicamente, as disposições que, em seu conjunto, institucionalizam as relações econômicas no texto constitucional, ressaltando-se que nem todas estas disposições estão abrigadas sob o capítulo da “ordem econômica”, Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 456 17/5/2011, 17:47 GILBERTO BERCOVICI & JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE - 457 instituindo, segundo Eros Grau, uma ordem econômica aberta para a construção de uma sociedade de bem-estar26. O direito econômico busca, ainda, entre outras tarefas, disciplinar juridicamente a atividade econômica, voltando-se, essencialmente, para a preservação do mercado, controlando o comportamento dos poderes econômicos27. Como relembra Eros Grau, o direito do modo de produção capitalista é racional e formal, caracterizando-se pela universalidade abstrata das formas jurídicas e pela igualdade formal perante a lei, refletindo a universalidade da troca mercantil e buscando garantir a previsão e a calculabilidade de comportamentos. O direito é também uma condição de possibilidade do sistema capitalista, não é um elemento externo. Não por acaso, Geraldo de Camargo Vidigal denomina o direito econômico como “direito da organização dos mercados”. Apesar desta perspectiva ser limitada, por ater-se apenas às relações entre os agentes econômicos privados, ela demonstra a preocupação da doutrina do direito econômico em compreender o mercado também como uma instituição jurídica, portanto, artificialmente criada e historicamente situada, não apenas econômica. As pretensões de calculabilidade e previsibilidade de comportamentos do mercado só ganham dimensão completa quando se compreende o mercado não como uma “ordem espontânea”, natural, embora o discurso liberal sustente essa visão, mas como uma estrutura social, fruto da história e de decisões políticas e jurídicas que servem a determinados interesses, em detrimento de outros28. 26 27 28 mas espalhadas por todo o texto. Cf. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica), 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, pp. 60-76 e 87-91. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit., pp. 312-316. Cf. FARJAT, Gérard. Por un Droit Économique. Paris: PUF, 2004, pp. 180-199. VIDIGAL, Geraldo de Camargo. Teoria Geral do Direito Econômico. São Paulo: RT, 1977, pp. 45-60; GRAU, Eros Roberto. Elementos de Direito Econômico. São Paulo: RT, 1981, pp. 1922, 32-33 e 38-39; GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit., pp. 29-39; NUNES, António José Avelãs. Noção e Objecto da Economia Política. Coimbra: Livraria Almedina, 1996, pp. 68-70; e GRAU, Eros Roberto. O Direito do Modo de Produção Capitalista e a Teoria da Regulação. In: O Direito Posto e o Direito Pressuposto, 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 118-126. Sobre a ordem jurídica do capitalismo, vide, especialmente, MOREIRA, Vital. A Ordem Jurídica do Capitalismo, 3ª ed. Coimbra: Centelha, 1978, pp. 67-131. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 457 17/5/2011, 17:47 458 - A CONCORRÊNCIA LIVRE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 3. A DEFINIÇÃO DE CONCORRÊNCIA LIVRE E A CONCRETIZAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA Realizado um panorama sobre a evolução das constituições econômicas brasileiras e a proteção da concorrência, resta a questão acerca da própria definição de concorrência. Simultaneamente ao desenvolvimento das constituições econômicas interventivas, há uma reorientação da própria ideia de concorrência. O capitalismo passou por alterações significativas, apesar de sua auto-descrição como capitalismo concorrencial e de seus pressupostos da existência de um grande número de empresas em que nenhuma delas poderia exercer influência sensível sobre a oferta, partindo da idéia de que, sendo elas muito numerosas em cada indústria, não teriam a possibilidade de desenvolver acordos entre si (controle de preços e do mercado), o que permitiria aos consumidores orientarem a produção em quantidade e qualidade (a “soberania do consumidor”, que seria exercida por meio de cálculos racionais de utilidade marginal)29. Em outros termos, nessa auto-descrição do sistema econômico capitalista liberal trabalhava-se com pressupostos demasiado estreitos de concorrência perfeita: “[...] número indefinido de participantes no mercado, não tendo qualquer influência autônoma sobre a oferta ou a procura, atuando segundo um princípio racional de maximização da utilidade nas trocas; fungibilidade das mercadorias e plena transparência do mercado; e, finalmente, capacidade de resposta imediata dos fatores de produção às solicitações do mercado”30. Não cabe aqui a discussão sobre as bases empíricas e históricas desse modelo teórico (na verdade, dessa auto-descrição) do capitalismo liberal, sobre o problema do mercado de trabalho, a existência de leis interventivas e as diferenças históricas concretas entre os Estados em suas políticas econômicas (como os países de industrialização retardatária, por exemplo). A questão é que, no final do século XIX, não por acaso no mesmo processo que tamanhas alterações causou no direito e na teoria do Estado, haviam se consolidado empresas monopolistas nos principais setores econômicos, além da prática diu- 29 30 DOBB, Maurice H. Political Economy and Capitalism: Some Essays in Economic Tradition, reimpr. Westport: Greenwood Press, 1975, pp. 37-54; e NUNES, António José Avelãs. Uma Introdução à Economia Política. São Paulo: Quartier Latin, 2007, pp. 178-179. MOREIRA, Vital. A Ordem Jurídica do Capitalismo cit., pp. 43-44. Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 458 17/5/2011, 17:47 GILBERTO BERCOVICI & JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE - 459 turna de cartéis. As primeiras acepções de concorrência (perfeita) e de liberalismo (não intervenção do estado) são confrontadas pela manifestação concreta do monopólio e pela intervenção no domínio econômico31. Pode-se afirmar, portanto, que o modelo de concorrência perfeita se apresenta como um instrumento analítico extremamente idealizado, sem pretensões ou possibilidades empíricas, tendo utilidade meramente comparativa ou paradigmática. Defender, portanto, que uma determinada Constituição, como a brasileira, por exemplo, o adotou, seria extremamente complicado. Esse argumento teria que ter como base um texto normativo constitucional descrevendo que a concorrência em mercado é ou deve ser perfeita, ou seja, que existem ou podem existir preços uniformes, multiplicidade de demandantes e ofertantes sem influência sobre a quantidade produzida, homogeneidade entre os produtos, perfeita mobilidade dos fatores de produção, perfeito acesso às informações, custos marginais crescentes, instantaneidade dos ajustes, ausência de externalidades32 etc. Como se trata de um modelo pouco comprometido com a descrição empírica, apesar de sua utilidade analítica33, chega-se a questão de como lidar com mercados que tendem a situações próprias de concorrência monopolística e qual o papel do Estado na intervenção sobre e no domínio econômico34. Obviamente, além do que já foi afirmado, sobre o caráter meramente hipotético do modelo da concorrência perfeita, a Constituição prescreve justamente a necessidade de se defender a concorrência livre do abuso de poder econômico, o que já pressupõe a possibilidade dele, poder econômico, existir e a necessidade, portanto, de ser combatido35. 31 32 33 34 35 Vide a análise clássica de HILFERDING, Rudolf. Das Finanzkapital, 2ª ed, Frankfurt-am-Main, Europäische Verlagsanstalt, 1973, vol. 2, pp. 246-323. Vide, ainda, MOREIRA, Vital. A Ordem Jurídica do Capitalismo cit., pp. 47-48; e MAZZUCCHELLI, Frederico. A Contradição em Processo: O Capitalismo e Suas Crises. São Paulo: Brasiliense, 1985, pp. 96-120. Sobre esses elementos como caracterizadores de um modelo de concorrência perfeita, vide BRUNA, Sérgio Varella. O Poder Econômico e a Conceituação do Abuso em seu Exercício. São Paulo: RT, 2001, pp. 26-31. Por todos, registrando a importância da concorrência perfeita como um modelo analítico, independentemente de sua aderência à realidade empírica, vide STIGLITZ, Joseph E. & WALSH, Carl E. Introdução à Microeconomia, trad. da 3ª ed. original. Rio de Janeiro: Campus, 2003, pp. 23-24. Para a clássica distinção entre a intervenção no domínio econômico e a intervenção sobre o domínio econômico, vide GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit., pp. 148-151. Refutando, também, a existência concreta de uma concorrência pura ou perfeita, assim como a de um monopólio puro, vide FIKENTSCHER, Wolfgang. Die neuere Entwicklung des amerikanischen Wettbewerbsrechts und der Deutsche Kartellgesetzentwurf, Stuttgart, Ferdinand Enke Verlag, 1954, p. 3. Sobre a dissolução da antinomia concorrência e monopólio, vide Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 459 17/5/2011, 17:47 na qual um número considerável de empresas vende seus produtos substituíveis em uma área importante do mercado. 11-17. livre concorrência. 6-10.)”. Sobre a definição jurídica de concorrência na Alemanha. Die neuere Entwicklung des amerikanischen Wettbewerbsrechts und der Deutsche Kartellgesetzentwurf cit. Não trataremos da evolução da noção de concorrência do debate norte-americano e europeu. Knut & FIKENTSCHER.. Voltando à concorrência na Constituição Federal de 1988. SALOMÃO FILHO. Marktbeherrschung. tem-se: “Esta lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica. Wettbewerb. 67-80. H. No artigo 1º da Lei nº 8. São Paulo: Malheiros. p. em texto de 1954. na transição entre as Escolas de Harvard e Chicago. pp. vol. Wettbewerbsschränkung. Sobre a definição de concorrência nesse contexto. Em outros termos.p65 460 17/5/2011. no uso discursivo prático. Wolfgang. 16. Calixto. 1958.A CONCORRÊNCIA LIVRE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Do ponto de vista da teoria econômica. Revista do IBRAC. pp. pp. durchführbare Wettbewerb). Vide. que determina que a “lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise (. um mercado que possui um nível de concorrência necessário para evitar situações abusivas. Direito Concorrencial: As Estruturas. Ferdinand Enke Verlag. defesa dos consumidores e 36 37 Knut BORCHARDT & Wolfgang FIKENTSCHER. a partir da separação entre concorrência desleal (unlautere Wettbewerb) e direito antitruste (Kartellrecht). Essas três características aparecem em FERRAZ JR. que prescreve a livre concorrência como um dos princípios da Ordem Econômica Constitucional. Concorrência como Tema Constitucional: Política de Estado e de Governo e o Estado como Agente Normativo e Regulador. orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa. no §4º do artigo 173. além da previsão de lei complementar que pode tratar de instrumentos tributários para assegurar a concorrência (artigo 146-A).884.. ainda. vide FIKENTSCHER. a formação e evolução da escola ordoliberal na Alemanha e a sua influência sobre o Tratado de Roma e a evolução do direito concorrencial comunitário. vide especificamente as pp. Wolfgang. Não abordaremos. Wettbewerbsschränkung. Vale apenas mencionar a ênfase. com toda a complexidade que essa afirmação acarreta37. 1-19. ainda. 173. São Paulo. Wettbewerb und gewerblicher Rechtschutz. vide FIKENTSCHER. pp. Stuttgart. nº 1. Tercio Sampaio...460 .. Marktbeherrschung cit. Para a definição de concorrência no pensamento neoclássico. de 11 de junho de 1994. 2009. vide BORCHARDT. 2007.. incorporada ao texto constitucional por meio da Emenda Constitucional nº 42. atual lei de defesa da concorrência brasileira. logo se desenvolveu a idéia de uma concorrência praticável ou desejável (workable or effective competition.) à eliminação da concorrência (. no pensamento ordoliberal e a necessidade de se pensar uma noção econômica de concorrência. vale lembrar que essa expressão aparece no artigo 170. C. 3ª ed. 1957. 31-42. onde não há colusão entre os agentes econômicos e o acesso a uma atividade econômica é possibilitado pela larga difusão do progresso técnico36. Wolfgang. Beck’sche Verlagsbuchhandlung. de 19 de dezembro de 2003. München/Berlin. que foi a dada à idéia de eficiência alocativa e bem estar do consumidor. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:47 . Sobre o desenvolvimento histórico do direito concorrencial americano e do então esboço de uma lei contra cartéis na Alemanha. função social da propriedade. Wettbewerb. muito embora a definição de consumidor nessa conta seja bem mais complexa do que se defende. mas também desejável. nas quais não se manifestasse o fenômeno do poder econômico. decisões administrativas. como nos dizeres de Luis Fernando Schuartz40? A inexistência de uma definição explícita de concorrência na Constituição ou da ausência de uma escolha de corrente teórica econômica específica por parte do texto constitucional não corresponde à afirmação pura e simples de que se está diante de um “silêncio eloqüente” (negativa de constitucionalização) ou de uma abertura total e discricionária para a escolha entre quaisquer modelos ou ferramentas econômicas. Cláudio Pereira de. 193-199. decisões judiciais) e que concretizam a Constituição. além da própria previsão da concorrência como um dos princípios da ordem econômica no contexto dos objetivos da Constituição. 208-210. Vinte Anos da Constituição Federal de 1988.). Daniel & BINENBOJM. Parágrafo único. Eros Roberto. o que. 17:47 . SARMENTO.p65 461 17/5/2011.461 repressão ao abuso do poder econômico. A concorrência livre – e não a mera liberdade de concorrência – somente poderia ter lugar em condições de mercado. Assim.. Sobre a concorrência como instrumento de implementação de políticas públicas. Luis Fernando. independente da ausência de uma definição mais específica de concorrência. Gustavo (coord. pp. 38 39 40 GRAU. porém um dado constitucionalmente institucionalizado38.GILBERTO BERCOVICI & JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE . de que isso não apenas seria saudável. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit. que são normas individuais e concretas (atos administrativos. desde já. na Constituição de 1988. Paula A. pp. ou seja. afasta a possibilidade de se considerar uma adoção de modelo de concorrência perfeita ou completa. vide FORGIONI. Logo. Rio de Janeiro: Lumen Juris. há de se preocupar com a concorrência como princípio constitucional da ordem econômica. a partir de uma política econômica sistemática e juridicizada (constitucionalizada) e com as próprias políticas de defesa da concorrência. a concorrência como instrumento de políticas públicas39. algo como afirmar que a prática concorrencial brasileira estaria melhor justamente porque não teria havido preocupação de concretização da Constituição brasileira pelo nosso direito concorrencial. há um desafio doutrinário e institucional nesse debate. 2009. 761-780. Este. A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta lei”. A Desconstitucionalização do Direito de Defesa da Concorrência. Filosofia e Teoria Geral do Direito. In: SOUZA NETO. Os Fundamentos do Antitruste cit. A prática de defesa da concorrência concretiza a Constituição ou haveria um hiato ou desconstitucionalização. Ou pior. SCHUARTZ. Além disso. pp.. é não apenas um dado da realidade. nota-se a possibilidade de abuso de poder econômico por parte de agentes. no entanto. Constituição Econômica e Dignidade da Pessoa Humana. 200-208. GRAU. 2010. o que não representa nenhuma 41 42 43 MONCADA. e BERCOVICI. Recursos Minerais e Apropriação do Excedente: A Soberania Econômica na Constituição de 1988. em segundo lugar. La Liberté du Commerce et de l’Industrie en Droit Filosofia e Teoria Geral do Direito. Coimbra: Coimbra Ed.). e não independentemente dela.. Nesse sentido. 5ª ed. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit. Cláudio Pereira de & MENDONÇA. 274. com base na justiça social. 457-467. 102. IV e 170. 17:47 . não representa o triunfo do individualismo econômico. Revista de Direito Público nº 97. parte de pontos que merecem uma reflexão mais detida: em primeiro lugar. Como já visto.p65 462 17/5/2011. vol. pp. pp. na Constituição de 1988. Isto significa que a livre iniciativa é fundamento da ordem econômica constitucional no que expressa de socialmente valioso43.. no direito europeu. consagra-se a idéia de que a ordem econômica (do ponto de vista fático) gerada pelo mercado não é perfeita. ou seja. pp.462 . ainda. como o do valor social do trabalho (valorização do trabalho humano) e o do valor social da livre iniciativa (artigos 1º. a idéia de que a concorrência. 709-741. Cabral de. 2007. Sobre as relações entre ordem econômica constitucional e dignidade da pessoa humana. mimeo. Direito Económico. a concorrência está totalmente vinculada a outros princípios constitucionais. janeiro/março de 1991. COMPARATO. no texto constitucional de 1988 (artigos 1º. em uma ordem econômica com o objetivo de garantir a todos uma vida digna42. Gilberto. A defesa do contrário. Revista da Faculdade de Direito (Universidade de São Paulo). MANITAKIS. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Tese de Titularidade). vide BERCOVICI. Eros Roberto. de que a Constituição nada comunica (prescreve) sobre a concorrência. pp. Cláudio Pereira de & SARMENTO.A CONCORRÊNCIA LIVRE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 Acreditamos que se possa defender a idéia de que a concorrência deve ser interpretada e/ou aplicada a partir da própria Constituição. pp. In: SOUZA NETO. a concepção de que o “estado da arte” dos estudos econômicos traria melhores resultados do que a tentativa de se elaborarem teorias jurídicas de direito constitucional econômico e/ou concorrencial.. 18-23. A livre iniciativa. Fábio Konder. é um conceito totalmente aberto (ou talvez um não conceito) e. no texto constitucional de 1988. Vide. portanto. Gilberto. SOUZA NETO. mas é protegida em conjunto com a valorização do trabalho humano. A primeira questão. Regime Constitucional do Controle de Preços no Mercado. caput). Fundamentalização e Fundamentalismo na Interpretação do Princípio Constitucional da Livre Iniciativa. caput da Constituição de 1988). exige que se busque as referências à concorrência na própria Constituição (e em sua evolução históricas nas constituições anteriores). p. José Vicente Santos de. Petróleo. Cf. 234-257. já que os agentes da livre iniciativa privada não produzem harmonia a partir de sua liberdade de atuação e da não-intervenção estatal (laissez faire)41. A Constitucionalização do Direito cit. São Paulo: RT. 2007. Luís S. São Paulo. Daniel (coord. Antonis. IV e 170. de modo que possibilite a todos existência digna. Há aqui. 17:47 . Oscar de Juan.GILBERTO BERCOVICI & JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE . uma possível refutação da inexistência de qualquer sentido para o termo concorrência. aliás. Revista de Direito do Estado nº 6. vide BARROSO. IRTI. não tão frequente no direito. portanto. X). como a iniciativa econômica individual. pp. pp. 31-37 e 265-277. A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social. entre outros). Bruxelles: Bruylant. ou das idéias. Serviço Postal (Art. Luciano Benetti. defendem. já. Legitimidade da Atuação da Iniciativa Privada. pp. permitindo que sujeitos cognoscitivos assimilem ou alcancem seu conteúdo preexistente. 160. Roma/Bari: Laterza. vol. 4ª ed. e TIMM. Rio de Janeiro. Sob a Constituição de 1988. Como exemplo deste tipo de argumentação. Isto pode ser facilmente demonstrado a partir da leitura dos textos do artigo 115. à liberdade econômica plena ou à liberdade de empresa. como. José Joaquim Gomes & MOREIRA. se não há uma referência semântica específica. Tomo II. In: O Novo Direito Civil: Ensaios sobre o Mercado. 791-792. 115 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional. a Reprivatização do Direito Civil e a Privatização do Direito Público. é garantida a liberdade econômica”). caput da Constituição de 1934 (“Art. Portanto. com base nos seguintes princípios: I – liberdade de iniciativa”). 1979. 68-69. pp. como muitos autores. 2008. 21. Filosofia e Teoria Geral do Direito. pois a livre iniciativa está presente como fundamento da ordem econômica constitucional desde 193444. O Direito Fundamental à Livre Iniciativa. pp. I da Carta de 1967 (“Art. equivocadamente. A proteção constitucional à livre iniciativa não se reduz.p65 463 17/5/2011. BONAVIDES. individuais ou coletivas. L’Ordine Giuridico del Mercato. sob pena de uma interpretação parcial e equivocada do texto constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado. abril/junho de 2007.463 novidade na tradição constitucional brasileira. pp. caput da Constituição de 1946 (“Art. Vital. La Constitución Económica Española cit. pp. pois abrange todas as formas de produção. devem ser afastadas todas as tentativas de representacionalismo46 e de 44 45 46 Belge et en Droit Français. e CANOTILHO. In: Temas de Direito Constitucional. 18-20. liberdade de empresa e livre iniciativa não são sequer direitos fundamentais45. Coimbra: Coimbra Ed. Dentro desses limites. Nossa referência ao termo “representação”. sustentando uma posição ideológica que não encontra fundamento no texto constitucional. 145-188. Regime Constitucional do Serviço Postal. 2007. do artigo 157. I da Carta de 1969 (“Art.. 145 – A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social. 323-324.. a iniciativa econômica cooperativa (artigos 5º. conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano”). 157 – A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social. ASENJO. 85-88 e 93-96. a livre iniciativa não pode ser reduzida. Nos termos de uma discussão sobre a determinabilidade do sentido. 148-169. à iniciativa econômica privada. XVIII e 174. 4ª ed. 2003. I. §3º e §4º da Constituição) e a própria iniciativa econômica pública (artigos 173 e 177 da Constituição. 2001. ou das coisas. Paulo. Luís Roberto. com base nos seguintes princípios: I – liberdade de iniciativa”) e do artigo 160. do artigo 145. Constituição da República Portuguesa Anotada. Natalino. 97-112. diz respeito à propriedade de os termos da linguagem (textos normativos) apontarem para elementos da natureza. Rio de Janeiro: Renovar. 1980. Werkausgabe. Band 1. que sustenta a liberdade total de concretização por parte do aplicador. não se pode ignorar que os conceitos são utilizados e aplicados de várias formas que permitam identificar certas semelhanças e dessemelhanças [semelhanças de família – “Familienähnlichleit”48]. Especificamente: “[. As razões para justificar um saber recorrem a um sistema de convicções que o situam. 170. pode-se afirmar que há um fundo de referências adquiridas que dá consistência e estrutura à experiência do acreditar e do duvidar das decisões. Frankfurt-am-Main. dessa forma. A Ciência do Direito. Ludwig. 33-34. pp. Sobre “Da Certeza” de Ludwig Wittgenstein: Um Estudo Introdutório.] as proposições fundacionais não Filosofia e Teoria Geral do Direito.A CONCORRÊNCIA LIVRE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 essencialismo47. O Conceito de Direito. Manuel. Se não se pode buscar o sentido dos conceitos em suas possíveis referências a ideias ou significados. Trata-se. HART. São Paulo: Atlas. 47 48 49 50 Sobre o essencialismo. §67. Suhrkamp. textuais (textos positivos de normas). de um “sistema de crenças geradas pela prática social”51. Assim. Porto: Contraponto. nos dizeres de Hart49. 152. Philosophische Untersuchungen [PhU]. p. antes. com seu respaldo nos artigos 1º. 1984. parece subtrair-nos o domínio sobre o objeto. assevera: “A possibilidade de se fornecer a essência do fenômeno confere segurança ao estudo e à ação. SUMARES. 17:47 . Na aplicação diuturna das normas jurídicas. WITTGENSTEIN. p. no mínimo. também não deve ser defendida a idéia em sentido totalmente contrário. Cf. Herbert.. 1986. ou seja. Se pode ser afirmado que as normas jurídicas não vinculam tanto como grilhões. sente-se impotente e ou não começa ou começa sem convicção”. tentar defender um modelo teórico importado de economia e a sua adoção ou pertinência em nosso sistema constitucional e legal pode encontrar dificuldades. ainda que passíveis de dúvida quanto à sua confirmação) existem proposições fundacionais50. cf. 3º. 1994.. 34. Lisboa: Calouste Gulbenkian.p65 464 17/5/2011. Uma complexidade não reduzida a aspectos uniformes e nucleares gera angústia. ou seja. defender simplesmente um welfarismo nos moldes norte-americanos da escola de Chicago parece ser mais distante do que alegar a concorrência como um dos fatores a serem observados e defendidos para um projeto constitucional e historicamente adequado de desenvolvimento econômico brasileiro. Quem não sabe por onde começar. ao lado de proposições empíricas (verificáveis.. 218 e 219 da Constituição de 1988.464 . 173. FERRAZ JR. Nesse sentido. informa ou prescreve. Tercio Sampaio. Tercio Sampaio Ferraz Jr. de que o termo nada comunica. isso não corresponde à afirmação em sentido contrário. entre a liberdade total do intérprete ou a sua vinculação cega à lei (ou à Constituição). há toda uma prática jurídica a ser estudada. 323-340. simplesmente.. Cláudio Pereira de. hoje. Gustavo (coord. um modelo muito mais finalístico e funcional.] o sentido de uma palavra depende primeiramente do contexto de uma frase e. Sobre a concorrência e a perseguição de vários objetivos constitucionais. 17:47 . por isso. Vinte Anos da Constituição Federal de 1988 cit. 40-41. ser minorizados ao longo da história de uma cultura. 176. In: FORGIONI.). também. da proteção da economia popular. à perspectiva funcional e finalística atual.GILBERTO BERCOVICI & JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE . não são exclusivas do direito concorrencial. os vocabulários e os argumentos nos quais se pode ser instruído. mormente quando positivam conflitos da sociedade regulada54). 40-41). vale citar Paula Forgioni: “A restrita visão de tentar subsumir a Lei Antitruste a um único objetivo decorre. Os vocabulários e os argumentos que conquistam um predomínio numa comunidade. da articulação sistemática de vários objetivos constitucionais e do próprio conflito potencial entre eles. A Constituição Brasileira e as Considerações Teleológicas na Hermenêutica Constitucional. p. em todo o caso. pela organização biológica e pela educação. pp. Continua o autor: “[. Manuel. Essas características. depois. FERRAZ JR. pp. Tercio Sampaio. sem que seja considerada a política econômica que por essas pode ser atuada”. O direito econômico sempre teve que lidar com essa dificuldade. as bases da estrutura noética do ser humano e. Daí que. realiza-se em termos de ajustamentos dentro de algum sistema de proposições pelo qual se orienta” (pp.. Concorrência como Tema Constitucional: Política de Estado e de Governo e o Estado como Agente Normativo e Regulador. a da 51 52 53 54 dependem de experiências actuais e verificáveis para a sua validade. não conseguem a sua importância pela sua capacidade de corresponderem de um modo privilegiado ao real. de uma forma anterior de positivação da proteção à concorrência predominantemente tipificante.465 Além disto. In: SOUZA NETO. o processo. mas por serem os vocabulários praticados pelos seres humanos que fazem parte dela em vista dos seus interesses. tem-se. é necessário considerar a Constituição em termos sistemáticos e de tentar reconstruir a sua teleologia52 a partir dos objetivos determinados em seu próprio texto. obviamente. a Constituição brasileira vigente preocupa-se com a repercussão dos vários atos econômicos sobre o mercado e seu impacto nas relações conflituosas entre o trabalho e a livre iniciativa privada (dentro do marco das finalidades constitucionais). Daniel & BINENBOJM. ressalte-se mais uma vez. cit. uma preocupação limitada aos atos individuais. mas constituem. admitimos que vocabulários e argumentos podem ter o seu momento de predomínio e. conscientes e intencionalmente predispostos a ferirem a ordem econômica e a livre concorrência em si53.. da compreensão dessas normas como um mero instrumento para eliminar os efeitos autodestrutíveis do mercado (função de preservação dos meios de reprodução do capital).p65 465 17/5/2011. Já não há. 34). Paula Filosofia e Teoria Geral do Direito. depois. Assim. vide ANDRADE. SARMENTO. Sobre “Da Certeza” de Ludwig Wittgenstein cit. Nesses termos. com todas as dificuldades inerentes a essa técnica (o problema da concretização de objetivos. a base das suas certezas” (p.. Vide SUMARES. Sobre o aspecto teleológico e sua importância no debate hermenêutico contemporâneo. além de relembrar as próprias alterações textuais nas constituições brasileiras ao tratarem do tema da concorrência. passando de uma concepção tipificada... do contexto do sistema inteiro de proposições que reflectem as actividades humanas sancionadas por uma sociedade. José Maria Arruda de. Assim. Filosofia e Teoria Geral do Direito.466 . pois essa ausência confirma ainda mais um ponto central de nossas considerações. lembrará a autora: “Essa excessiva generalização pode implicar a crença de que existe um objetivo único para toda e qualquer norma antitruste. FERRAZ JR. cit. se a discussão constitucional é escassa (sobretudo na jurisprudência)57... p. p. São Paulo: Malheiros. essa ausência de definição mais específica está longe de ser uma falha do nosso sistema normativo. 164.. Também não se justifica a adoção das noções de concorrência completa ou perfeita. se a cultura do direito concorrencial brasileiro é marcada por uma forte importação de teorias econômicas estrangeiras (dos neoclássicos à teoria dos mercados contestáveis. cit. à teoria dos jogos. Obviamente. Hermenêutica. isso não corresponde à desvinculação absoluta entre eventuais e específicas decisões de direito concorrencial sem qualquer lastro constitucional. 165. por mais que alguns autores procurem desenvolver algo neste sentido. Tercio Sampaio. Mais adiante. conforme lembrado por Tercio Sampaio Ferraz Jr. Todavia. idem. SALOMÃO FILHO. tem-se uma questão de hermenêutica jurídica e de teoria da argumentação. 17:47 . se do ponto de vista mais específico e técnico. tão atuantes em um setor como o do direito tributário. O Sistema de Defesa da Concorrência brasileiro não está vinculado diretamente aos construtos neoclássicos e a seus pressupostos de eficiência alocativa.55. 2007. Luis Fernando. Os Fundamentos do Antitruste cit. pode-se afirmar. independentemente do contexto em que se insere e dos conflitos de interesse existentes”. Direito Concorrencial: As Condutas. até mesmo em virtude de sua utilidade meramente analítica. à primeira vista. pp. p. 768-773. aqui. parecem influenciar em menor grau o direito concorrencial. A Desconstitucionalização do Direito da Defesa da Concorrência. daí que as clausuras típicas do positivismo jurídico. Concorrência como Tema Constitucional: Política de Estado e de Governo e o Estado como Agente Normativo e Regulador. 55 56 57 A. Em outros termos.A CONCORRÊNCIA LIVRE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 determinabilidade de sentido de várias normas jurídicas e a sua articulação com a ordem econômica (e com a economia política) e a própria política. 173.)56 e. Essas duas afirmações estão presentes no texto de SCHUARTZ. que nem a Constituição nem a Lei Antitruste chegaram a definir o que seria concorrência. à nova economia institucional etc. a ligação mais direta com os construtos da economia para a construção de decisões (normas jurídicas individuais e concretas) passa a idéia de uma maior abertura cognitiva. Calixto. para se evitar a idéia de que seria possível dizer quais são os fundamentos cognitivos das decisões a serem formuladas e aplicadas por intérpretes autênticos do sistema de defesa da concorrência e pelo Judiciário.p65 466 17/5/2011. aqui. 58 POSSAS. as considerações feitas até aqui demonstraram que a defesa da concorrência não é a garantia de um agente econômico concorrer livremente no mercado. mas o resultado da aplicação continua sendo uma concretização de normas jurídicas.p65 467 17/5/2011. a Constituição garante que a iniciativa econômica (que pode ser privada. não justifica. 235.GILBERTO BERCOVICI & JOSÉ MARIA ARRUDA DE ANDRADE . São Paulo. por outro lado. não simplesmente por conta de uma clausura do direito. Limites Normativos da Análise Econômica Antitruste. mas também estipula que esta poderá ser limitada pela lei. o “mercado”. 16. onde. mas em virtude da própria racionalidade também limitada desses instrumentos. a partir de procedimentos previamente estabelecidos. Também eles possuem “dificuldades preditivas” e problemas de definição de “protocolos consensuais de seleção e superação de teorias”. por outro lado. se a ausência de especificações maiores sobre o termo concorrência na Constituição não permite a positivação desta ou daquela solução prévia e totalizante. Mario Luiz. para se defender. nos termos constitucionais) poderá ser exercida. aqui também há de se buscar construir decisões com base em argumentos jurídicos. a idéia de que o direito concorrencial foi positivado constitucionalmente apenas com termos vazios e que a construção dogmática dele decorre de acertos institucionais decorrentes da importações de modelos (micro)econômicos correntes. vol. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Avançando. 2009. mesmo reconhecendo toda a dificuldade sobre o debate dos limites da interpretação e dos limites argumentativos da racionalidade jurídica das decisões. na expressão de Mario Luiz Possas58. no tema da definição de concorrência. Não se trata. Revista do IBRAC. sabidamente. Muito pelo contrário. ainda. portanto. pública ou cooperativa. p. Sempre é bom lembrar os aspectos problemáticos do uso do ferramental (micro)econômico para fundamentar decisões jurídicas no contexto do positivismo jurídico. Ainda assim. que as decisões (normas individuais e concretas ou gerais e abstratas) não devem prescindir de argumentos vinculados à Constituição ou utilizar aqueles que lhe sejam contrários. A economia permitirá uma série de argumentos técnicos para a construção da decisão.467 Teoria da Argumentação. 17:47 . Além disso. nº 1. Esta afirmação não deve ser confundida com a de que a Constituição simplesmente reconhece a existência de um espaço de trocas. esses modelos estão sendo constantemente renovados. de uma garantia individual. algo sempre bem mais desenvolvido e reconhecido pelos economistas do que pelos juristas. para garantir o interesse coletivo na existência e na viabilidade do mercado interno. justamente pelo fato de se poder encontrá-las ostensivamente na Constituição”.A CONCORRÊNCIA LIVRE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 assegurando a ausência de qualquer intervenção estatal na esfera econômica. significa a valorização do mercado interno como centro dinâmico do desenvolvimento brasileiro. pois constituem premissas pré-estabelecidas. dispensando-se de ser justificadas. 195-197. como princípio. O mercado interno não é sinônimo de economia de mercado. 254-255 e 273 e BERCOVICI. A sua inclusão no texto constitucional.. Obviamente. I da Constituição de 198859.. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 cit. pp..p65 468 17/5/2011.. nem o alcance dos objetivos constitucionais. A concorrência. como pretendem alguns. deve ser assegurada. complementando os artigos 3º. Gilberto. Concorrência como Tema Constitucional: Política de Estado e de Governo e o Estado como Agente Normativo e Regulador cit. vide GRAU. p. 59 Sobre o artigo 219 da Constituição de 1988 e o significado da proteção constitucional ao mercado interno. mas como bem lembrado por Tercio Sampaio Ferraz Jr. não na presunção de sua necessária consideração como suporte da análise. Recursos Minerais e Apropriação do Excedente cit.468 . Tercio Sampaio. Filosofia e Teoria Geral do Direito.. 17:47 . Este artigo reforça a necessidade de autonomia dos centros decisórios sobre a política econômica nacional. como parte integrante do patrimônio nacional. sabe-se que a mera existência de texto normativo constitucional não garante a concretização da Constituição. In: FERRAZ JR. II e 170. patrimônio nacional segundo o artigo 219 da Constituição de 1988. Os problemas de interpretação que elas podem suscitar aparecem na sua incidência. pp. 178. inclusive. Eros Roberto. inclusive no sentido de garantir melhores condições sociais de vida para a população e a autonomia tecnológica do país. em outro contexto: “As políticas de Estado que possuem perfil constitucional são de maior consistência: sua relevância não precisa ser comprovada. Petróleo. A CRIATIVIDADE COMO DIMENSÃO DO HUMANO E O JULGAMENTO COMO OBRA DE ARTE Notas sobre o Belo e o Justo em Tercio Ferraz Jr. Recife. Professora de Filosofia do Direito da Faculdade Damas da Instrução Cristã. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Graziela Bacchi Hora Mestre e Doutora pela Universidade Federal de Pernambuco. Procuradora da Assembléia Legislativa de Pernambuco.p65 469 17/5/2011. 17:47 . tendo-se em vista algo além do produto ou das realizações de cada um. A observação do julgador ou do artista. A primeira vista.. die auch dann noch hält und soziale Unterstüzung in Aussicht stellt. 17:47 . a possibilidade de reinvenção e surpresa. revelaria algo no mundo das coisas observado como mundo comum a todos que se esconde das valorações econômicas e dos interesses. complexificar-se-ia pela compreensão de que o julgamento a respeito do que é devido deveria abarcar a plenitude da vida de cada um e de suas realizações. 256). algo além da reificação do sujeito. A segurança a respeito das decisões é comumente tematizada no plano da filosofia do direito como equivalente devida à democracia da exigência de controle e previsibilidade1. wenn den Erwartungen zuwidergehandelt wird“ (LUHMANN. o convite à tematização do justo em conexão com o belo poderia suscitar objeções motivadas pela crença moderna na relação entre autonomia das esferas e legitimidade do exercício de poder. a abertura do futuro parecem poder ser indicados como a presença da novidade ou da dimensão criativa do humano. A dimensão criativa seria fonte para a transformação e superação continua do homem autor.. Tercio Sampaio Ferraz Jr. ressalta a dimensão criativa da existência como aquela que reivindicaria um espaço mais largo para o humano. (FERRAZ JR. A própria medida da justiça.470 . são amiúde vistas como anti-democráticas ou mesmo como indício de fracasso da representatividade política e do potencial de racionalidade 1 A partir do vocabulário Luhmanniano: “Im Recht schliesslich will man Erwartungssicherheit schaffen. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 226). (FERRAZ JR. 2002. 249-250) O ato de julgar incorporaria dimensões nas quais a capacidade de medir com exatidão ou de antever com certeza e previsibilidade não se operariam. situado sempre mais além de sua obra e irredutível a ela mesma. que inverte o curso do inarredável perecimento.A CRIATIVIDADE COMO DIMENSÃO DO HUMANO E O JULGAMENTO COMO OBRA DE ARTE Em seu ensaio a propósito das relações entre o belo e o justo. Dimensões não ditas? O je ne sai qua característico da qualidade das produções artísticas? Analogamente ao que aconteceria com a obra de arte. p. 2002. A extrapolação da medida do somatório dos concretos realizados. p. o direito pelo julgamento seria capaz de proceder a uma transformação do curso da vida humana. Mais uma vez.p65 470 17/5/2011. 1997.. Abordagens que se preocupem em considerar o envolvimento da criatividade como parâmetro. p. podendo converter cinza em chama. presente na fórmula dar a cada um o que é seu. p65 471 17/5/2011.GRAZIELA BACCHI HORA . A previsibilidade. mormente em se tratando da pesquisa a respeito da reação das massas populares frente a discursos deliberativos passíveis de sedimentação em normas jurídicas. No entanto. bem como a preocupação da sociologia com o Estado como instancia planejadora. a obsessão pelo repetido. éticas ou políticas. na medida em que a análise da produção artística. o alcance deste estado premonitório ideal permanece como promessa válida a serviço da qual estariam voltadas a própria positivação do direito em textos escritos. No entanto. ainda que possamos enxergá-la como um deslocamento espácio-temporal dosado de magia. Será que a abordagem centrada na exigência de certeza não poderia ceder espaço à identificação de um pólo complementar pouco vislumbrado como produtor de decisões e surgido por ação do criativo? Não haveria um espaço relevante para a preocupação pelo que pode ser parcialmente oculto ou não totalmente desvendável no sentido da discussão verbalizada em argumentos. Filosofia e Teoria Geral do Direito. implicada numa tal proposta. tampouco dominável ou burocraticamente administrável? Pergunta-se se a influência do enlevo ou da beleza – não como fórmula pura ou gosto privilegiado e imposto. mas como móvel sensível associado à possibilidade de sua presença no discurso – poderiam atuar em medida variável no convencimento que dá origem a juízos deliberativos na pós-modernidade. Mesmo considerando-se a flagrante defasagem entre a suposição de previsibilidade e a efetiva possibilidade de controle de decisões. paradoxalmente. nem sempre render homenagem à democracia. Nesse sentido. pode soar anacrônica e suspeitosa por força do diagnóstico de irreversibilidade da independentização da arte e da correspondente dissociação de seu estudo de questões morais. previsível e certo das formulas e métodos da dogmática parece. permanece associada à segurança. uma primeira objeção poderia ser levantada contra a presente hipótese. A suspeita de anacronismo agrava-se na medida em que se associa a outras objeções advindas de certa interpretação que considera o apelo à estética indissociável da atitude manipuladora observada historicamente em dominações totalitárias.471 discursiva. 17:47 . o ritualismo associado à irracionalidade estaria atuando nos próprios procedimentos estatais deflagradores de decisão. na medida em que pretende eliminar a incerteza do surpreendente. notadamente quando a questão do controle e da repetição hipertrofia-se e monopoliza o sentido da situação ou da deliberação a ser considerada justa. por outro lado. do movimento de desdiferenciação (Entdifferenzierungen) 2. o que parece apontar para a identificação e aceitação do significado externo da obra de arte ao mencionar a possibilidade da observação da observação. ou seja. No entanto. atentam para a presença destas influencias. que atentam para a vinculação entre romantismo e absolutismo. como seria o caso do estudo do sublime. Luhmann não irá mais falar sobre uma comunidade entre artistas e observadores que só seria possível a partir de uma arte mercantilizada que simbolizou esta união como significação construída entre artistas e conhecedores especializados. em certo sentido. 2007. Nesse sentido a estetização da política e das relações problemáticas vislumbradas entre essa busca do absoluto e o absolutismo quase que deduzem uma desvinculação necessária entre sensibilidade e espiritualidade. tudo nos levando à desconfiança respeito ao potencial de legitimidade da estetização da política. 503). se pareça possível vislumbrar um esgotamento das possibilidades de conexão entre a experiência estética e a questão da legitimidade quando perspectivada como aquiescência intersubjetiva.A CRIATIVIDADE COMO DIMENSÃO DO HUMANO E O JULGAMENTO COMO OBRA DE ARTE Esta preocupação parece presente mesmo nos diagnósticos esboçados por autores que mitigam a afirmação da autonomização da arte moderna para considerar que a modernidade permanece estabelecendo relações dúbias que comportam de um lado o desencantamento (Entzäuberung) e de outro o reencantamento (Wiederverzäuberung) do mundo e da vida social (SLOTERDIJK. 1997. do Romantismo. por exemplo.472 . 215). Se. fundamentada pela função exercida pela arte na modernidade de informalização das colocações em termos de oferecer destaque aos resultados a partir da informalização do status que deverá surgir de modo afetivamente desapegado. a obra de arte é entendida como conjugação dos momentos de auto-referencia e heterorreferência. á Renascença ou à Idade Média no discurso da modernidade. existe o reconhecimento da ocorrência do movimento oposto. bem como da religiosa como uma tendência ao universalismo e ao absoluto. essas perspectivas permitem considerar a presença das referencias à Antiguidade. p. por força da diferenciação em comunicação. Essa desconexão observada no que diz respeito ao sistema artístico moderno pode ser identificada como objetivo igualmente perseguido pela democracia avançada na medida 2 A partir da perspectiva luhmanniana. 17:47 . Parece que nos encontramos perante uma atitude de rechaço que é prévia ao debate sem que. A afirmação desta desconexão poderá ser. tematizadores da pósmodernidade a partir da diferenciação ou especialização comunicativa entre as esferas. de um lado. através. mesmo entre os funcionalistas.p65 472 17/5/2011. no entanto. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Observe-se que. p. (LUHMANN. a utilização da metáfora. ou menos valioso. No entanto. o próprio Ortega questiona: “Mas. Neste ponto. Nesse sentido. pensar esse engate ou reconciliação entre justiça e arte através da possibilidade de uma comunicação sensível. enseja o enfrentamento da temática da especialização da arte. poderíamos pensar mesmo no sublime como articulação na qual é reconhecido o sentido de experiências cotidianas talvez reprimidas que tenham relevância política e se manifestem no discurso. A fuga do real. porque são não só heteronomamente dependentes. ainda que separado da beleza. paradoxalmente. teria acabado por desconectar-se do mundo4 em termos de compreensão. no entanto. num processo que parece guardar analogia com a desconexão mais antiga entre intelegibilidade e sensibilidade. a partir da autonomização3 de linguagem e liberdade temática ilimitada. então. perante o fracasso da religião e o relativismo da ciência. 72-23). mais como fuga que como adorno. assim de tudo que fosse humano e ao fazê-lo fugiria de tudo o que é patético. fugindo. 1999. Observe-se que essas perguntas já denunciam a interferência tanto das paixões humanas. mas arte seria outra coisa. por exemplo. esta surgir como resposta ainda que pela negação passional dos cânones do passado. 15): “a arte e as obras de arte estão votadas ao declínio. não são apenas arte. o sentido do mais alto e do mais baixo. ódio à arte? Como seria possível Ódio à arte não pode surgir senão de onde domina também o ódio à ciência. 2005. Filosofia e Teoria Geral do Direito. p. em suma à cultura toda” (ORTEGA Y GASSET. mas também como possibilidade de abarcar espaços do unheimlich no sentido freudiano de afetação e reencontro. não é necessário que se vá longe para entender que a influencia do passado pode se dar na forma tanto de permanência de suas tendências e normas. Interessante observar que essa interferência processarse-ia ainda que a vanguarda modernista não atue conscientemente pelo retorno da sensibilidade tal qual o romantismo e tampouco se identifique como ultima salvadora da espécie ou como receptáculo de seus problemas universais. 3 4 De acordo com as características ressaltadas como tendência da nova arte.473 em que pode ser lida como desconexão do patrimônio da afetividade feudal. deveriam estar em constante abertura para o novo com a conseqüente diluição dos critérios para as artes e o conseqüente niilismo. que o estudo do sublime. substituindo-se a submissão e o falso elogio por um campo informal livre de sentimentos verticais. Segundo a afirmação de Adorno (ADORNO. através da experiência estética. Ocorre que a arte.GRAZIELA BACCHI HORA . ou da estética. surgem também como algo que é estranho e se lhe opõe”. Assim. Lembre-se. associada à fadiga ou repetição que fazem sucumbir os estilos por cansarem a sensibilidade. ódio ao Estado. Todos os temas relativos a vivências humanas seriam bem vindos no campo de uma discussão respeito à sociologia ou à psicologia. mas porque na própria constituição de sua autonomia. Como se vê. sendo a arte totalmente intelectiva. quanto da necessidade de sua superação. como o ódio. que ratifica a posição social do espírito cindido segundo as regras da divisão do trabalho. que sob a máscara de amor à arte pura se esconde saturação da arte. ódio. 17:47 . permite que se observe não apenas o estilo de discursos úteis para a produção do enlevo nos ouvintes como na antiguidade. quanto da interferência dos descontentamentos político-culturais e da possibilidade de mesmo em se tratando da nova arte.p65 473 17/5/2011. Ortega y Gasset escreve no início do século XX que a arte nova coincidindo com a nova política ou a nova ciência repugnaria todo tipo de confusão entre fronteiras e teria compromisso com a invenção do que não existe. ensejariam um novo tratamento da arte que estaria desengatado das preocupações e paixões humanas. seria. tampouco submissão ao pensamento alheio. reivindicada também Walter Benjamim5. apesar de termos consciência dos riscos de acusações de manifestação primitiva calcada em cultos e rituais que não teriam possibilidade de serem revificados após uma atitude ilustrada ou após a experiência da modernidade. Nesse sentido. Tércio alerta para a falsidade da concepção que sugere que o direito ou a arte esgotar-se-iam na percepção dos objetos produzidos. (FERRAZ JR. no entanto a dúvida a respeito do caráter cabal da separação da junção arcaica entre sabedoria. não daria conta da decisão justa. (FERRAZ JR. 17:47 . Também a utilidade. com a desvantagem de que talvez tenha perdido o apelo ou o potencial de sedução na medida em que foi crença construída a partir de promessas em grande medida irrealizadas. apesar de surgir como tentadora a atitude de identificá-lo com sua utilidade.A CRIATIVIDADE COMO DIMENSÃO DO HUMANO E O JULGAMENTO COMO OBRA DE ARTE A crença na autonomia em termos radicais torna lamentavelmente negligenciável. 256). 2002. ainda. apesar de a burocratização levar a crença no julgamento como exposição e à identificação da boa sentença como avaliação de vantagens ou desvantagens econômicas. para então propor 5 “In dem Augenblick aber. da der Maßstab der Echtheit an der Kunstproduktion versagt. que se colocaria para o direito e não para a arte. Para Tércio. em ritual. 18). p.. o estudo do entusiasmo e do carisma. hat sich auch die gesamte soziale Funktion der Kunst umgewälzt. no caso do direito em peças jurídicas e judiciais. considera que a perda da justiça seria sentida. direito e a arte são entendidos como fenômenos comunicativos que não ganhariam existência no solipsismo nem na materialização que no caso do direito se faz em texto. dramaticamente. p. bem como identificar a norma como autoridade posta previamente. p. Paradoxalmente podemos ver no desenvolvimento de ritos processuais e burocracia distanciada de contextos os mesmos traços de transcendência. magia ou primitivismo.474 . quando comparadas ao impacto da ficção inicial a respeito de sua adequação à solução ou eliminação de conflitos ou conciliação de diferenças.p65 474 17/5/2011. 1977. educação e justiça. An die Stelle ihrer Fundierung aufs Ritual tritt ihre Fundierung auf eine andere Praxis: nämlich ihre Fundierung auf Politik”. no espírito do julgador”. (BENJAMIN. Filosofia e Teoria Geral do Direito. A Partir dessa sugestão. ou da mímese de um kosmos belo e ordenado. o julgamento não é mera compilação. 2002. poder-se-ia suscitar a questão do desgaste da solução mimética calcada na segurança da previsibilidade. 254) Diversamente. Assim. ainda que como ausência que “não poucas vezes irrompe. Coloca-se. Não se trata de um ato frio e neutro (embora se possa conhecer perversões burocratizantes). Quem julga transfere para o mundo algo muito intenso e veemente que estava aprisionado no seu ser (FERRAZ JR.. p. Poder-se-ia pensar na solução de problemas como resposta estética. é aqui o inimigo por excelência da mimese. bem como utilizar-se do horrendo e chocante para conduzir à repulsa de certos posicionamentos explorando a possibilidade de que esses espaços possam significar fonte democraticamente legitima para a deliberação.475 numa tentativa de leitura política do potencial artístico mimético. o belo o bom e o conhecimento. ou imitação de mundo possível como solução a um enigma ou possibilidade de solução de problemas não relacionada obrigatoriamente à metódica dos procedimentos de análise dessecantes. voltado para os outros. na semântica funcionalista. A justeza do Juiz. no sentido vulgar do termo. que transforma a dor muda e inarticulada em algo comunicativo.GRAZIELA BACCHI HORA . 17:47 . iluminadores e traduzidos em formulas dogmáticas insensíveis para a base empírica problemática tantas vezes enigmática. 1997. É justamente quando uma obra de arte rompe com essa espécie de verossimilhança que ela desenvolve sua verdadeira função mimética (RICOEUR. no instante. A imitação. O reconhecimento da possibilidade de junção entre arte e direito não se confundiria com o que. de modo indistinto. Demais disso. do “não sei que” que pode ainda conjugar. do criativo. mas de uma capacidade que se relaciona com o sentimento de injustiça. 331). Ocorre que a capacidade de julgar estaria intimamente conectada com o sentimento de injustiça. também as formas de entender a legitimação da produção normativa através da burocratização. Tratarse-ia de problematizar a questão da existência de um espaço de entendimento desinteressado e não-instrumental de aquiescência ainda irrefletido. é ato próprio: A fonte imediata do direito é a capacidade humana de julgar.p65 475 17/5/2011. Esta articulação em algo comunicativo dar-se-ia a partir do novo. conforme lembra Tercio. poderíamos chamar de corrupção de códigos com a interferência de relações pessoais afetivas. 2002. 253). que “a verdadeira mimese da ação deve ser procurada nas obras de arte menos preocupadas em refletir sua época”. p. especialização ou institucionalização não refogem ao tratamento de suas construções como artifícios que correspondem ou cor- Filosofia e Teoria Geral do Direito. confere-lhe medida ao passo que reabilita a posição de privilégio do público que é o responsável por apontá-los. na medida em que a obra de arte deve dar conta de uma configuração própria entre surpresa e redundância. “Mas talvez Esclarecimento nunca foi outra coisa que uma aposta demente no improvável?” (SLOTERDJIK. p. 1992. uma vez que o controle desempenha também aqui seu papel no que diz respeito à antecipação de efeitos. no entanto. confirmando ou infirmando a antecipação presente na atitude persuasiva. Tanto em manifestações musicais quanto literárias. o acento nos efeitos cuja antecipação enseja uma dimensão controladora. também a releitura da retórica clássica inclui uma dimensão normativa e de repetição. Bastaria que tenhamos em mente a atitude classicista de emulação dos grandes autores para nos convencermos de que a imitação pode caminhar pari passu com a inventividade presente em qualquer nova síntese ou composição que se comporte em relação aos grandes autores de modo a estabelecer com eles uma relação de disputa. Obviamente.p65 476 17/5/2011. 12). A questão é colocada por Luhmann como paradoxal. A questão não se resolve. A tentativa de reduzir a segurança à exigência de previsibilidade parece análoga à exigência de adequação a cânones na produção artística e que acaba por esgotar a sensibilidade que necessita da superação como representação criativa. seria a hipertrofia desta dimensão fundada na repetição e no controle que não esgota ou inclui as possibilidades artísticas de inovação. a função de construir irrealidades e sua impossibilidade de se ver esvaziada do conteúdo político. a repetição e a previsibilidade não podem ser negligenciadas em seu potencial sedutor ou patético7. imaginação e sentimento que começam a se impor a partir do século XVIII e conduzem a uma nova do belo. Filosofia e Teoria Geral do Direito. no entanto. A fluidez dessa ‘outra’ dimensão que ora 6 7 Todo projeto político corresponde a um apelo passional em seu nascedouro.120).A CRIATIVIDADE COMO DIMENSÃO DO HUMANO E O JULGAMENTO COMO OBRA DE ARTE responderam a uma forma de apelo6. (MEYER. O que pretendemos discutir. de rivalidade e superação não de mera cópia. ou aos termos como gênio. 1996. como uma das fontes para se alcançar o sublime. Desde que o engenho possa conduzir à beleza. à exemplo do que teria feito o próprio Platão em relação a Homero (LONGINO. XIII-2-4). p. a partir da oposição entre repetição e inovação em termos absolutos. no entanto. p. No mesmo sentido. ainda que se tenha dificuldade em vislumbrálo como associado ao sublime.476 . 17:47 . mas se aproximam desta habilidade artística do que da descrição da realidade. 1991.vez que os projetos políticos inovadores. assim como parece ter ocorrido em relação ao próprio Estado. tornando-se igualmente abordáveis sob o ponto de vista estético que também pode concluir pela sedução da repetição. considerando-se que a repetição e banalização desgastam o efeito de encantamento á exemplo do que ocorre com a metáfora na conhecida observação de Nietzsche8. 2001. Surge o risco do relativismo ético. p. sugerindo que o mar tremia de medo diante deles. 1997. não se trata de negar a tradição. por conta de sua normatividade. desde que se conserve a presença de efeitos de sensibilização. 17:47 . Daí o sabor insosso do repetitivo. pela exigência da novidade.” (LUHMANN. A irredutibilidade a modelos é aspecto comum. Regras tendem. O humanismo em Tercio é apanágio tanto do senso de justiça. p. Por outro lado.GRAZIELA BACCHI HORA . 8 Também vale como ilustração a observação de Sloterdijk a respeito da necessidade posta para a Europa de ser capaz de renovar suas falas de incentivo. mas antes como preocupação da medida em que o estilo influencia o ouvinte de forma a afetar-lhe a sensibilidade.477 tematizamos parece apontar para a pesquisa das relações entre política. que renomeia tradição através do termo pejorativo “preconceito” e em certa medida impõe o novo. quanto do gosto artístico. a exigir modificação para que se faça justiça. Em conexão com o estudo do conceito de mimese. 2002. (SLOTERDIJK. que mata a espontaneidade. com o tempo. a existência perde significado. uma vez que a equidade não se submete à dinâmica de generalização que inspira a obediência às regras. Obviamente a relação entre estilo e seus efeitos não poderia ser entendida como relação historicamente estanque. aquela justiça do caso concreto. mantendo-se o caráter ou o móvel daquela proferida por Vasco da Gama a fim de incentivar os marinheiros perante um furacão. A espontaneidade da criação artística se revela como originalidade. 78-79). onde não há arte. enquanto a espontaneidade do senso de justiça se revela como equidade. recaindo-se na atitude tolhedora da criatividade. p. “Afinal. Observe-se a esse respeito a diferença entre o verdadeiro arcaico e o da modernidade. o estudo do estilo não como prescrição. Tercio preocupa-se com a dificuldade que a resistência da equidade e do gosto artístico à generalização apresentam para o conhecimento. podendo assegurar a adesão tranqüila. O novo interessará desde que identificado com a atitude criativa. 258). a vida se afunda na mesmice do cotidiano e onde não há justiça. o estilo não poderia. Conforme já reconhece Hegel (HEGEL.p65 477 17/5/2011. recaindo-se na viragem implicada pela substituição da função transmissora de verdade da tradição para a novidade. Filosofia e Teoria Geral do Direito. direito e estética. o que não implica a impossibilidade de reutilização do conhecimento antigo. de forma paradoxal. bem como para a ênfase dos elementos materiais compartilhados contextualmente. 291). no entanto. pode-se falar em autor implicado. faz com que à dimensão retórica siga-se a estética no sentido de afetação e. conforme observa Klein. 280). tal como o pensador ou o artista a apreendeu (. a esta. conforme Ricoeur. a posteriori. a coimplicação na fenomenologia da leitura.478 . Filosofia e Teoria Geral do Direito. p.A CRIATIVIDADE COMO DIMENSÃO DO HUMANO E O JULGAMENTO COMO OBRA DE ARTE ser confundido com a beleza da obra de arte. reconhecendo-se uma operatividade que se coaduna com a retórica persuasiva. mas antes com a estratégia comunicacional que antecipa ou tenta antecipar o momento da leitura. não haveria esta independência contextual ou atem- 9 “Se considerarmos uma obra como a solução de um problema. Demais disso. oriundo ele próprio dos êxitos anteriores na área da ciência e da arte. para falar no arco hermenêutico. ainda que a pressuposição de um mundo comunicável não permita que pensemos na liberdade incondicionada. À afetação estética precede uma produção que será considerada artística a depender da reinserção do arco hermenêutico na realidade do vinculo cotidiano em que se situa o público. Independentemente da intencionalidade do autor real. agora como palavra final em se tratando de recepção estética. forma de fazer desaparecer a antinomia entre a obra de arte e a história dos estilos desde que o estilo seja tomado no sentido de criação histórica e não no sentido matemático de um conjunto de formas categoriais formais nem somente no sentido psicológico de uma certa maneira de ver ou ainda de resposta à percepção. 1997. 17:47 . portanto. no sentido de uma transformação operada na visão de mundo. sendo-lhe. nenhuma asserção sobre a suposta intenção do inventor. Essa transformação seria possível. podemos chamar de estilo a adequação entre a singularidade da solução que constitui por si mesma a obra e a singularidade da conjuntura de crise. Não há mera preocupação com a intenção. já inicialmente presente como direcionamento retórico. (RICOEUR.) Nomear a obra por seu autor não implica nenhuma conjectura acerca da psicologia da invenção ou da descoberta. Surge o público.p65 478 17/5/2011.. Essa aproximação fortalece os títulos da categoria de autor implicado para figurar numa retórica da ficção”. incluindo o leitor ou o auditório9. já que o autor é autor implicado no texto e escravo de suas escolhas. siga-se o efeito desta afetação. Nesse movimento de co-implicação não estaria pressuposta a natureza artística ou um conteúdo artístico aprioristicamente considerados.. mas a singularidade da resolução de um problema. Esta chave permaneceria indefinível e poderia ser proposta como hermenêutica de modo a limitar a objetivação radical do objeto. Mesmo em relação ao que chamamos de “clássicos”. permanecendo implícito e sendo princípio de descoberta capaz de fornecer chave iconográfica. No entanto. o próprio estilo pode se por a serviço da sugestão. Observa-se a possibilidade de atrelar o estudo do estilo à proposta de solução de uma narrativa. permitindo-se vislumbrar na catarse um atrelamento ao campo de ação moral do leitor ou do público. à sensação (Empfindung) que ele diz faltar à tal subjetividade. o que no caso de exigência de deliberação política seria difícil imaginar como desconectada do cotidiano. entendido como característica do líder.p65 479 17/5/2011. como a analise detalhada da situações nas quais teriam aparecido lideranças às quais se atribuiu a qualidade de carismáticas. numa conexão clara.479 poralidade histórica. 10 11 A análise de um discurso político pode ser considerada sem que se guarde uma exigência como apresentada por Hegel de que a obra de arte apresentasse um conteúdo artístico autenticamente verdadeiro. no sentido de criticar a adequação da teorização weberiana do carisma à institucionalização de uma democracia sensível às transformações operadas pelo movimento social criativo. 69-76) observa que teria havido negligência a questões teóricas comportamentais relevantes. Hans Joas ( JOAS. A preocupação com uma filosofia do presente. a interação entre carismáticos e partidários e ainda a questão da demanda coletiva por carisma – Charisma Hunger. enfatiza-se o carisma como obstáculo à orientação por um modelo racional. Um clássico persiste em seu potencial sedutor por ter reafirmado em diversos contextos sua artisticidade. aniquilando-se a exigência ética de escolha autônoma.GRAZIELA BACCHI HORA . A partir da critica à redução produzida por Weber do fenômeno carisma. 17:47 . pode ser vista não obrigatoriamente como um resquício de arcaísmo. poderia ser fértil no sentido de compreensão das contingências e crises da realidade política e até ir mais além. não está a salvo do desgaste e pode experimentar a transitoriedade em sentido também contrário à concepção hegeliana do conteúdo artístico10. segundo a interessante expressão oral de Erik Erikson. Filosofia e Teoria Geral do Direito. poderia ser trabalhada a partir de uma consideração da tradição teórica pragmatista. 1996. A utilização da concepção de carisma. 270). Teria havido a observação da estrutura interna de uma forma de dominação carismática com a supressão da tematização do papel da força argumentativa e o privilégio da irradiação pessoal do líder11. p. Interessante observar que esta necessidade de liberação pode não ser relacionada ao conteúdo de uma obra. conforme a sugestão de Joas a respeito da criatividade. 2001. Na visão redutora do carisma. naquilo que chamou de subjetividade casual que seria o modo peculiar da consciência cotidiana na vida prosaica. mas antes e paradoxalmente como exigência de subjetivação da própria modernidade. a própria constituição desses indivíduos. Observe-se que a redução das possibilidades de análise vinculadas ao carisma ao sujeito identificado como carismático. (HEGEL. vez que a arte deveria liberar-nos de tal cotidianidade. mas interessante observar que já na expressão utilizada por Hegel para caracterizar o que aconteceria em tal tipo de obra referindo-se a possibilidade de que cada um experimente onde lhe aperta o sapato. apesar da metáfora tosca. mas diferentemente do que coloca Gadamer. p. Poder-se-ia argumentar que o mecanismo de subjetivação e não o carisma seriam vinculáveis ao voluntarismo identificado em regimes totalitários. no sentido de se enxergar no comportamento carismático uma expressão contundente da dimensão criativa. que perante a secularização foi assumida pela arte conservando-se um momento insubstituível pelo processo de diferenciação da modernidade. no qual só são aceitas as diferenças substituíveis e fluidas reconhecidas de forma passageira. sendo decisivo que a tipologia proposta por Weber esquece uma dimensão exemplarmente clara da ação carismática. considerando-se sua perspectiva de uma plebiszitären Führerdemocratie. qual seja a criativa. Podemos ilustrar a suposição de que um canal de comunicação alternativo pode ser ensejado pela arte a partir da identificação estilística de textos Em Tercio. não se põem no sentido de justificar um total decisionismo da estética tampouco uma estetização da decisão.p65 480 17/5/2011. Joas evidencia uma contradição interna na teorização de Weber. todavia. Hans Joas. tolhedor Filosofia e Teoria Geral do Direito. conforme destaca Sloterdijk. 17:47 . que deveria ser capaz de absorver os espaços de inovação carismática. O paradoxo da interdição do prazer a partir do comando parece poder ser visto como espelho do paradoxo da obrigatoriedade à vinculação a normas. sem perder de vista a preocupação com a integridade da opção individual a respeito dos ideais componentes da vida boa.480 . Interessante observar que Joas menciona uma “normatividade do pathos”. a própria qualidade humanista dependerá do caráter raro da justiça e da arte que apesar de ficcionais revelam uma dimensão de realidade que as fazem parte de um mundo compartilhado que se opõe ao repetitivo. A estetização apresentaria dimensões que não atinem somente à vida privada. em sua defesa da criatividade como ponto central de possibilidade de conexão entre moral e estética. diferentemente de outros canais para a expansão da criatividade de implicações anomistas. nesse sentido reconhecemos a inadequação de uma universalização repressora e antitética em relação à própria abertura da experiência estética que tampouco permitiria a sugestão de uma ética universal vinculada a critérios de comandos ou imperativos estéticos. no sentido por exemplo de Yuppiesierung ou de viver a vida como obra de arte. admite que a expressividade pode demonstrar-se de forma política e democraticamente relevante no que diz respeito ao conceito de participação que. A pergunta que se coloca é: Não poderia essa efemeridade do reconhecimento ser equiparável à noção de Kairos e haver uma possibilidade de recurso a tons sublimes que acendam o kairos de forma não banal a partir da criatividade artística que pudesse ser considerada legítima do ponto de vista de influenciar a decisão? As relações entre decisão e experiência estética. poder-se-ia considerar a nostalgia do mundo da graça.A CRIATIVIDADE COMO DIMENSÃO DO HUMANO E O JULGAMENTO COMO OBRA DE ARTE No entanto. No entanto. de maneira que faça justiça à experiência da arte. a busca da objetificação no conhecimento construído torna obrigatória a identificação de uma correspondência semântica da experiência estética que foi atribuída à influencia filológica à qual submete-se a obra de Gadamer. o fato pessoal. tanto dos da arte como dos de qualquer outro gênero de tradição. parece ter sido presente a ponto de comprometer a consideração da experiência estética no desenvolvimento proposto por Gadamer talvez demasiadamente ocupado da questão da significação. Ao artista. faz parte do carinho cuidadoso que se tem com as coisas do mundo e que identifica a atitude humanista. como ao jurista. o seu desenvolvimento na hermenêutica filosófica implica 12 “A estética deve subordinar-se à hermenêutica. 1997. o reconhecimento da mimesis no sentido aristotélico de duplicação e rearranjo permite chamar a atenção para o lado oculto do ser a ser manifestado na experiência. A compreensão deve ser entendida como parte da ocorrência de sentido. mas vale antes de tudo para o conteúdo. impõe-se a moderação e a prudência.GRAZIELA BACCHI HORA . 263). Este julgamento. Prudência e moderação não significam.481 da espontaneidade.p65 481 17/5/2011. pois ambos – o jurista e o artista – introduzem. a hermenêutica tem de determinar-se. Não há ausência de paixão. em que se formula e se realiza o sentido de todo enunciado. para não serrem engolfados pela arrebatação do belo ou pela tirania do verdadeiro. realizador da justiça exige moderação e prudência para escolher. E. como produto. O campo externo de significação não estética acaba por afastar o teoria da Hermenêutica filosófica da preocupação em explicar o processo da experiência estética de um ponto de vista interno. Ocorre que a tentativa da hermenêutica filosófica em privilegiar a experiência estética como reveladora da verdade acaba por provocar um rebaixamento do processo relativo à atuação das forças da sensibilidade ao impor-lhes uma teleologia relativa à significação12. ou seja. 17:47 . Nesse sentido. em seu conjunto. Esta dimensão rara é a que se revela num julgamento com equidade. O acento no significado acaba por fornecer uma fisionomia estanque ao entendimento produzido pela experiência estética que é incompatível com sua característica de recontextualização ilimitada. inversamente. em seu julgamento sempre atento às coisas do mundo. no âmbito da verdade ou da qualidade e do talento. ausência de paixão. p. ainda que possamos reconhecer a existência de um significado para a obra de arte. E este enunciado não se refere meramente à periferia do problema.” (GADAMER. O compromisso com a verdade. Se por um lado. que é visto como secundário nesta reflexão de Tercio. porém. conferem-lhes uma significação humana. mas não frieza ou repetição. Filosofia e Teoria Geral do Direito. donde decorre a infinitude do método e de sua busca podemos conectar o reconhecimento do poder do ocultamento que incita no outro o encantamento assim como o enigma inspira o nascimento da filosofia.482 . a indiferença quanto à diferença é que vai dar espaço ao senso de injustiça. pra a vida. pois que deixados para a concretude. do inaugural. 17:47 . Assim. algo que é” (FERRAZ JR. que responde pelo que é. a aceitação da critica a Gadamer não parece implicar a defesa da desconexão entre experiência estética e significação política e mesmo em sua acepção mais heideggeriana associada à preocupação com a dimensão do ocultamento do significado. do estranho ainda não sedimentado na comunicação. O senso de injustiça é que dará a compreensão da justiça. ainda que se trate da consideração do desaparecimento do outro na comunicação.. O outro e sua consideração. A justiça e o senso de Justiça em seus momentos não determinados. p. é que permitirão que tenha lugar o senso de injustiça. O espaço para o surgimento do novo. sente a espontaneidade que é correlato da estraneidade. vista como liberdade de viver em normas não da conta desse novo. de Wittgenstein.109 e ss). “Assim. 260). Mas a indiferença quanto a este espaço de liberdade. antecipação da própria morte na angústia do ser livre (it is never said) tem.A CRIATIVIDADE COMO DIMENSÃO DO HUMANO E O JULGAMENTO COMO OBRA DE ARTE o abandono da problemática inicial ou da fenomenologia da experiência estética por força de uma heteronomia latente da hermenêutica filosófica e de seu compromisso com a descoberta privilegiada da verdade (MENKE. p.p65 482 17/5/2011. 2002. Apenas a liberdade. 1999). No entanto. Antes da indiferença pelo diferente. O sendo de injustiça surge antes que a morte do outro seja indiferente. podemos apontar o silencio como politicamente relevante. Filosofia e Teoria Geral do Direito. A decisão justa e sua relação com esse novo inicial é correlata da consideração da morte e a pressupõe e respeita. Apresentando-se o silencio como possibilidade mesmo de posicionamento político por ser experimentável de modo mais tocante que o revestimento de expressividade que o discurso confere e ao mesmo tempo em que esclarece pode banalizar e enfraquecer (LYOTARD. Tercio ilustra a partir das Lectures on freedom of will. o sentido de criação: do nada que não é. assim como o sentido da liberdade se mostra na angústia da morte. Tércio está atento para o sentido que se mostra na estraneidade. que o homem livre. 1991. do criativo e do espontâneo. não surgem de forma positiva. do não dito. Hans-Georg. Simulacros e simulação. 1997. LYOTARD. Niklas. A desumanização da arte. Jean. Frankfurt: Suhrkamp. 1997. José. LUHMANN. JOAS. Estudos de Filosofia do Direito. 1996. Der äesthetische Imperativ. SLOTERDIJK. Das Kunstwerk im Zeitalter seiner technischen Reproduzierbarkeit. 2002. Die Kreativität des Handels. Petrópolis: Vozes. Die Souveränität der Kunst: ästhetische Erfahrung nach Adorno und Derrida.483 REFERÊNCIAS ADORNO. 1977. Frankfurt: Suhrkamp. HEGEL. 2005.p65 483 17/5/2011. 1999. Lisboa: Edições 70. FERRAZ JR. 1997. 3ª ed. Rio de Janeiro: Tempo universitário. SLOTERDIJK.. ORTEGA Y GASSET. Christoph. Hamburg: Fundus.GRAZIELA BACCHI HORA . BAUDRILLARD. Heidegger e os Judeus. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Die Kunst der Gesellschaft. Peter. François. SLOTERDJIK. 1999. São Paulo: Martins Fontes. Campinas: Papirus. 5ª ed. Walter. 2002. Peter. Le philosophe et les passions: esquisse d’une histoire de la nature humaine. 1991. 1992. GADAMER. Hans. MEYER. 1991. 2ª ed. Frankfurt: Suhrkamp. Theodor W. Paris: Librairie générale française. Tercio Sampaio. Georg Wilhelm Friedrich. 2007. RICOEUR. 2001. Do sublime. 1999. Peter. Michel. 17:47 . São Paulo: Cortez. Tomo III. 1996. São Paulo: Estação Liberdade. MENKE. LONGINO. BENJAMIN. São Paulo: Atlas. Lisboa: Relógio d’agua. Teoria Estética. Se a Europa despertar: reflexões sobre o programa de uma potência mundial ao final da era de sua letargia política. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Petrópolis: Vozes. Frankfurt: Suhrkamp. Mobilização copernicana e desarmamento ptolomaico: ensaio estético. São Paulo: Edusp. Cursos de estética I. Tempo e narrativa. p65 484 17/5/2011.Filosofia e Teoria Geral do Direito. 17:47 . NÃO VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS Guilherme Assis de Almeida Doutor pelo Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito.DOGMÁTICA JURÍDICA. Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Filosofia e Teoria Geral do Direito.p65 485 17/5/2011. 17:47 . Tais temas são o conceito de sistema e dogmática no Direito..486 . a relação entre violência e Direito e os Direitos Humanos. tendo cumprido os créditos do meu doutorado e terminado minha atuação como consultor jurídico do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) começando a escrever minha tese de doutorado: “Não Violência: Princípio do Direito Internacional dos Direitos Humanos” as conversas com Tercio foram preciosas no sentido de delimitar o foco de meu trabalho. Tanto é assim que nos meus agradecimentos no livro pela editora Atlas “Direitos Humanos e Não-Violência” escrevi: Tercio Sampaio Ferraz Jr. 3) o fato de ser um dado não um construído.: preciosas dicas. DO DIREITO NATURAL AO DIREITO POSITIVO Podemos enumerar como características principais do Direito Natural (tanto o clássico como o Racional): 1) a imutabilidade. De Tercio lembro-me que em suas aulas ele fazia questão de enfaticamente nos colocar a pergunta: O que é o Direito? Essa pergunta que a época dos fatos não era capaz de compreender seu significado profundo é hoje uma das perguntas que mais motiva minhas indagações filosóficas a respeito do Direito.. Para iniciar essa reflexão tomo como ponto de partida o Direito Natural. não existindo separação entre Jus e Lex. Dito de outro modo: qual experiência do Direito faz sentido para mim? Tercio fazia essa pergunta e o saudoso Nelson Ferreira de Carvalho com sua instigante e criativa forma de ensinar estimulava-nos a responder a pergunta “O que é o Direito?” das mais diversas formas. 2) a universalidade. NÃO VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS “O único e verdadeiro salto qualitativo da história é a passagem do reino da violência para a não violência. Dessa forma nesse Liber Amicorum em sua homenagem farei um reflexão a respeito dos temas que a vida e obra de Tercio contribuíram para a construção da minha forma de pensar e atuar como professor.” (Norberto Bobbio) No ano de 1983 comecei a cursar o curso de Direito no Largo de São Francisco. Filosofia e Teoria Geral do Direito. No primeiro semestre fui aluno do curso noturno e dois professores foram marcantes em minha trajetória. os dois professores de Introdução ao Estudo do Direito: Nelson Ferreira de Carvalho e Tercio Sampaio Ferraz Jr.DOGMÁTICA JURÍDICA. 4) a vinculação entre o Direito e a Moral. I. 17:47 .p65 486 17/5/2011.. No ano de 1999. a norma é o justo. Nesse sentido ilustrativo o comentário de António Manuel Espanha (2005.. Apesar de ser exercido de forma absoluta era um poder fragmentado. Uma dessas guerras religiosas de fundamental importância histórica foi a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) travada pela família dos Habsburgos da Alemanha com o objetivo principal de constituir uma monarquia universal católica. No final da guerra. como se vê.GUILHERME ASSIS DE ALMEIDA . em 1648. não podendo ser reduzida ao direito formal. 17:47 .487 O Século XII ao XVII correspondente ao Direito Natural Clássico e Racional quem deduzia o justo da natureza ou das divindades era o soberano – único responsável pelo exercício da soberania. p. Mas pode falar-se de pluralismo ainda num outro sentido – o de que a ordem tem várias fontes de manifestação. a ideia de autogoverno que o pensamento jurídico medieval designou por iurisdictio e na qual englobou o poder de fazer leis e estatutos (potestas magistratus constituendi) e. O Tratado de Westphalia é o marco histórico do surgimento do Estado Moderno com seus três elementos já elencados e representou uma grande derrota para a tentativa de imposição hegemônica do poder religioso sob o poder laico no âmbito do exercício do poder político. que mascarava a intenção real de conquistar o domínio do poder político. 3) poder. de um modo geral. julgar os conflitos (potestas ius dicendi) e emitir comandos (potestas praeceptiva).. O principal opositor a família dos Habsburgos foi o Cardeal Richelieu da França. 114) (. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 2) território.) A esta ideia de autonomia funcional dos corpos anda ligada.definida na sintética definição de Miguel Reale como “o poder de decidir em última instância”. Documento jurídico que traçou as principais características do Estado Moderno: 1) povo. tratava-se do exercício de um poder sem limites. Quanto ao poder político havia uma disputa para sua hegemonia entre o poder laico e o poder religioso. Este exercício descentralizado do poder tinha um reflexo direto na produção do Direito uma vez que existia uma pluralidade de fontes normativas concorrendo entre si sem a existência de nenhuma superior. foi assinado o Tratado de Westphalia. Nessa época vigia o Estado Absoluto. Essa era uma divisão tensa que provocava inúmeras guerras pelos assim chamados motivos ‘religiosos’.p65 487 17/5/2011. Um povo vivendo em um determinado território geográfico governado por um poder soberano. O adjetivo absoluto diz respeito a forma de exercício da soberania. O poder soberano não é mais ilimitado seu limite é dado-agora. NÃO VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS Após o tratado de Westphalia outro evento histórico de importância crucial foi a Revolução Francesa de 1789.” Além da soberania popular é na Revolução Francesa que surgem dois conceitos essenciais para a limitação do exercício do poder soberano: 1) a divisão dos poderes que estabelece que os poderes executivo. 17:47 . É nesse momento histórico no inicio da Idade Moderna que ocorre a valorização pelo Direito da vontade e da liberdade do individuo ao invés do seu status adquirido pelo nascimento. porque en la Edad Moderna la voluntad del individuo se comenzó a ver como decisiva tanto para configurar libremente su vida y sus relaciones privadas mediante una contratación libre em condiciones de igualdad cuanto para aceptar como racionalmente necesario el Estado como medio de protección de sus derechos (. O conceito de soberania popular estabelecido na Revolução Francesa: “Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido. no dizer de Norberto Bobbio foi a passagem de um regime de ‘cortar cabeças’ para um regime de ‘contar cabeças’. a propriedade.. p.) Art. (. e o soberano deve prestar contas de seus atos para o povo. a segurança e a resistência a opressão. posto que ele é só um mandatário do poder que lhe foi conferido pelo povo. Esses direitos são a liberdade. A esse respeito aduz Alfonso Ruiz Miguel (2009.488 ..) Filosofia e Teoria Geral do Direito. A Revolução Francesa significou de acordo com Celso Lafer a mudança de uma perspectiva “ex parte principis” (dos governantes) para uma perspectiva “ex parte populis” (dos governados). 230): “La transición del status al contrato se puede relacionar también com la contraposición ilustrada entre la tradición y la voluntad.” É a passagem do Estado Absoluto para o Estado de Direito.. legislativo e judiciário devem ser independentes e harmônicos entre si. 2) a garantia de reconhecimento e proteção dos direitos naturais pelo Estado.p65 488 17/5/2011. enfrentadas como el peso de la vieja dominación frente a la liberación de la razón. de acordo com a lei. 2º O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. nem estabelecida a separação dos poderes não tem constituição. 16º Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos. O poder soberano passou a ser definido como “o poder de decidir em última instância.Esses dois conceitos estão presentes nos seguintes artigos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789): Art..DOGMÁTICA JURÍDICA.pelo Direito. Au-delà de la condamantion – légitime-du parasitisme de la noblesse et du caractere injuste de ses avantages fiscaux.489 A gênese do conceito moderno de cidadão está atrelada ao surgimento do conceito de indivíduo.GUILHERME ASSIS DE ALMEIDA .. A propósito desse tema. como no século XIX. mas um ser natural. e até hoje domina. Le premier acte de la ‘revolution du droit’ est pose par l´Assemblée constituante au cours de la nuit du 4 août 1789: c´est l´abolition de privilèges.p65 489 17/5/2011. um elemento de um mundo concebido segundo leis naturais. Desaparece a figura do súdito (o sujeitado) aquele que não tem nenhum direito só o dever de obediência as ordens do soberano. do mundo histórico. p.) O direito natural racional lega como principal herança para o direito positivo o conceito de sistema. (1998. o Direito conquista uma dignidade metodológica especial. os códigos e os compêndios jurídicos. 110): “Les nouveaux principes proclamés dans les premieres semaines de la Révolution impliquaient l´abolition totale Du passe institutionnel et juridique du pays.” A mudança do Estado Absoluto para o Estado de Direito significou a mudança do paradigma do Direito Natural para o paradigma do Direito Filosofia e Teoria Geral do Direito. A Revolução Francesa (1789) é o momento no qual o Direito sofre uma radical mudança surgindo uma nova estrutura política e institucional que possibilitou – entre outras conquistas – o surgimento do cidadão moderno. A teoria jurídica européia. a maior contribuição do chamado jusnaturalismo moderno ao Direito Privado europeu.passa a receber um caráter lógico-demonstrativo de um sistema fechado. ou.Esclarece a esse respeito Tercio Sampaio Ferraz Jr. através da exatidão lógica da concatenação de suas proposições. Numa teoria que devia legitimar-se perante a razão. universalmente válidas. l´abolition des privilèges est justifiée par deux príncipes: l´individualisme et l´égalite des droits. a que se agrega o postulado antropológico que vê no homem não um cidadão da cidade de Deus.. et la mise en place de structures radicalement nouvelles. 17:47 . cuja estrutura dominou.”(. A redução das proposições a relações lógicas é pressuposto óbvio da formulação de leis naturais. e surge a figura do indivíduo que transforma-se no cidadão que tem o “direito a ter direitos” (no dizer de Hannah Arendt). conforme o testemunho de Wieacker. p. 45-46) “Ora o conceito de sistema é. sintética e precisa a lição do jurista francês Jean-Marie Carbasse (2010 (2008). que até então era mais uma teoria jurídica da exegese da interpretação de textos singulares. 295} No âmbito das mudanças no Direito advindas com a Revolução Francesa gostaríamos de destacar além do conceito de sistema. 76}: “(. quer assimilemos a uma pesagem o ato de distribuir justiça. p. O Direito positivo cria as condições adequadas para a dogmática jurídica. no Século XIX. num grau de abstração ainda maior. que se transforma numa elaboração de um material abstrato. certa independência e liberdade na manipulação do Direito. o juiz parece tomar parte de uma operação de natureza impessoal.) Assim. A contrario sensu pode-se afirmar que entre as principais características do Direito positivo temos: 1) a mutabilidade de suas normas. conceitos e regras para sua manipulação autônoma.490 . DOGMÁTICA JURÍDICA E NÃO VIOLÊNCIA “Elemento característico da dogmática (. o que lhe dá. p.) é a estrita observância de um princípio (dogma divino. de um lado.. as gravidades dos delitos etc. (. no nosso caso... conceitos e regras) passa a ser o material da Dogmática. 2008.. desprovido de paixão – o que quer dizer. que não veja as conseqüências do que faz: dura lex. é necessário que a justiça tenha os olhos vendados. 4) separação entre o campo do Direito e o campo da Moral.. ou.. do sistema religioso. NÃO VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS Positivo. p. II. sed lex. a obrigação dos juízes de fundamentar suas sentenças.. Nesse sentido ensina Perelman {1979 (2004)..) {Losano. sem temor.DOGMÁTICA JURÍDICA. sem a qual o resultado da atividade do jurista não seria de modo nenhum utilizável. a Dogmática se instaura como uma abstração dupla: a própria sociedade. isto (normas.p65 490 17/5/2011. Mas. norma jurídica). 3) não um dado mas um construído. sem ódio e também sem piedade –. Essa fundamentação deve ser racional tendo como base o sistema jurídico. que lhe permitirá pesar todas as pretensões das partes.. para que a passagem seja feita de modo imparcial. {1998.) O fato de ‘não ver as conseqüências do que faz’ é um dos principais motivos para que a atividade dos operadores da dogmática jurídica distanciese da realidade o que dá a ela um grau de abstração cada vez maior. É o que nos alerta Tercio Sampaio Ferraz Jr. ao lado das normas.. Ora. Quer o consideremos um sistema dedutivo. 17:47 .) Essa visão do direito conduz também a uma aproximação do direito com as ciências. Filosofia e Teoria Geral do Direito. 2) um direito diverso para cada tipo diferente de Estado. do sistema social stricto sensu – constitui. na medida em que o sistema jurídico se diferencia como tal de outros sistemas – do sistema político. 32-33}: “(... (. ” Importante ter claro a relação existente entre ordenamento jurídico e Dogmática.p65 491 17/5/2011. mas não como seu problema próprio. por conseguinte. ao momento em que a experiência jurídica se põe como efetivo sistema jurídico.. Principalmente o papel do Direito como forma de limite á violência. certamente. ela é considerada por Reale como a Teoria do Direito como ordenamento in acto. da violência razoável. Ela colhe. podemos entender a posição de Miguel Reale em O Direito como Experiência. Importa compreender a relação entre dogmática e não violência. 95}: “Dados estes pressupostos.491 permitindo-lhe grande mobilidade. Através da Dogmática. 52): Filosofia e Teoria Geral do Direito. Ela é o veículo por meio do qual passam a se manifestar as ideologias da não violência. por assim dizer.GUILHERME ASSIS DE ALMEIDA . não é possível tornar indispensável a violência com toda sua ambigüidade. não se elimina a violência. Estas condições são sociais. Enquanto. neste sentido. o fato social se subordina a esquemas ou modelos normativos em função de valorações já positivadas no todo do ordenamento. Ela a dogmática inicia a sua ação depois de ‘pronto’ o ordenamento. A Dogmática Jurídica corresponde. sistema e ordenamento.” Uma vez analisada a interelação existente entre dogmática jurídica. Tanto é assim que na minha tese de doutorado (2000) “Não Violência Princípio do Direito Internacional dos Direitos Humanos” afirmei {Almeida 2001. As aulas e conversas com Tercio foram férteis e me propiciaram varias ideias e insights. quando diz que à Dogmática Jurídica interessa o momento nomogenético. da violência legítima ou mesmo da violência controlada. mas o seu veículo é a Dogmática. pois tudo aquilo que é Direito passa a ser determinado pelas suas próprias construções. que mostra a decisão como um procedimento no qual a violência está domesticada. Nestes termos. sendo considerada um momento culminante da experiência jurídica.. 17:47 . mas se enfraquece sua força.) Neste sentido. por suas implicações com o ato interpretativo. Quanto a esse tópico essa é a colocação de Tercio Sampaio Ferraz Jr. Explica Tercio Sampaio Ferraz Jr citando Miguel Reale {1998. p. p. em suma.” A relação existente entre Direito e violência é um tema que sempre me fascinou como pesquisador. 95}: “(. p. {1998. mas torná-la viável ao menos criar uma situação em que a violência aparece essencialmente limitada. a experiência jurídica após declarada e posta a norma na complexidade do ordenamento. religião. É a fase da especificação do sujeito de Direito. pertencimento a um grupo social ou opinião política. Essa convenção estabelece no seu artigo 1º uma verdadeira ‘alquimia jurídica’ pois a pessoa que tem ‘um bem fundado temor de perseguição’ por razões de: raça. O estatuto garantirá ao refugiado o exercício da cidadania em um outro país-que o acolheu como refugiado... 17:47 . vale dizer: A Convenção relativa ao Estatuto de Refugiado que ficou conhecida como Convenção de Genebra de 28 de julho de 1951. nacionalidade. (.DOGMÁTICA JURÍDICA.diferente daquele de sua nacionalidade ou residência habitual. III. NÃO VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS “O princípio da não violência desempenha função diretiva na esfera do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Uma vez que tiver ultrapassado a fronteira de seu país poderá requerer o estatuto do refugiado.p65 492 17/5/2011. DIREITOS HUMANOS QUESTÃO DO SUJEITO DE DIREITO E A O Documento inaugural do Direito Internacional dos Direitos Humanos é a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A questão que agora se coloca é como garantir o direito de todos se é preciso proteger cada sujeito de direito de forma específica. Se a Declaração foi o instrumento jurídico que inscreveu a perspectiva universalista no Direito Internacional dos Direitos Humanos os tratados internacionais.492 . Assim percebe-se que o sujeito de direito mais do que um produto ‘pronto e acabado’ é um construído frágil e sempre em risco para os direitos humanos e Filosofia e Teoria Geral do Direito. RESPONSABILIDADE FUNCIONAL. de 10 de dezembro de 1948. a partir de 1965. Três anos após a Declaração foi elaborado aquele que pode ser considerado o primeiro tratado do Direito Internacional dos Diretos Humanos.) Um princípio de organização com um função diretiva: esse é o papel desempenhado pela não violência no Direito Internacional dos Direitos Humanos. por meio da Convenção Internacional para Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial até a Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência (2006) enfocaram a singularidade as específicas necessidades de proteção de cada diferente sujeito de direito. Somando-se a isso a tensão existente entre a proteção universal dos direitos e o relativismo das diversas culturas que muitas vezes não coincidem com a normativa internacional. no sentido de que o homem continua responsável por suas decisões. {Sampaio Ferraz Jr. Mais uma vez explica-nos Tercio Sampaio Ferraz Jr. a responsabilidade do homem perante sua obra. é aparente. Ora. essa responsabilidade já está aí esvaziada de seu conteúdo. perde-se também a dimensão instancial da responsabilidade. ao contrário. Daí o fenômeno curioso. em princípio. Filosofia e Teoria Geral do Direito. Tais fatos estão a demonstrar que – em muitos casos – a afirmação e concretude dos direitos humanos é algo muito distante da realidade. em que todos somos 1 A respeito do tema de sujeito de direito na Filosofia do Direito veja: Archives de Philosophie du Droit tome 34 le sujet de droit. 535}: “Ora.GUILHERME ASSIS DE ALMEIDA . a ideologização dos ‘direitos do homem’. Funcionalizando-se a escatologia que os explica. a menos que se funcionalize e esvazie. afirma. 534}: “Referimo-nos à ideia de que o mundo é um caos (ou um conjunto de problemas) que é ou deve ser ordenado pelo homem. 28 de novembro de 2010. 17:47 .” O esvaziamento dessa responsabilidade ocorre na perspectiva que somos responsáveis apenas e tão somente na medida em que assumimos uma função na sociedade. em nossos tempos. entretanto. isso abre. {Sampaio Ferraz Jr. A edição eletrônica da Folha da mesma data (Folha On Line) traz duas matérias sobre a questão de migrantes e refugiados: 1) a primeira a respeito de um campo de solicitantes de estatuto de refugiados que o Governo de Israel pretende construir e a 2) de uma lei aprovada em plebiscito na Suíça que prevê a expulsão sumária daqueles estrangeiros que cometam qualquer espécie de crime. Caímos então em uma situação perigosa em que toda responsabilidade instancial assumida configura-se como contestação e subversão. Isso. ao relacioná-los as suas garantias.493 também um tema central da Filosofia do Direito1 . pois de fato. (2007) p. (2007)p. Assim a possibilidade de sermos cobrados por nossa responsabilidade instancial perde-se posto que toda instância é uma função produzida pela sociedade.que ele possa assumir como seus. Nessa perspectiva assiste razão à Tercio Sampaio Ferraz Jr. traz na coluna Tendências e Debates o artigo Não haverá vencedores do Deputado Estadual do Rio de Janeiro Marcelo Freixo afirmando que: “Pode parecer repetitivo. não exclui. uma perspectiva bastante inquietadora no que diz respeito aos ‘direitos do homem’. ao mesmo tempo em que os supervaloriza.p65 493 17/5/2011. mas é isso: uma solução para a segurança pública do Rio terá de passar pela garantia dos direitos dos cidadãos da favela”. Enquanto escrevo esse artigo o jornal Folha de São Paulo. sem dúvida. mas não há critérios-instâncias. Todavia temos outras concepções culturais que enxergam o ser humano de uma perspectiva não individualista. o niilismo ético sob as formas mais diversas ocupa a cena intelectual do fim do milênio e difunde sua linguagem e seu way of life no campo inteiro das ideias e das práticas sociais. à exaustão teórica da matriz moderna. sociedades justas.) O complexo tema da responsabilidade instancial está ligado ao tema da pessoa que por sua vez liga-se a noção de sujeito de direito e a perspectiva ética da pessoa. NÃO VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS funcionalmente responsáveis pelos atos da coletividade. por outro lado. assim. qual seja.p65 494 17/5/2011. mas esse refluxo das filosofias antropológicas não é acompanhado. 148}: “Nosso tempo assiste. a realidade e o respeito dos direitos dos povos devem necessariamente garantir os direitos do homem.DOGMÁTICA JURÍDICA. Isso é patente na introdução da “Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos” (1981): “Reconhecendo que. por um lado. a da significação ética do ser humano.494 . no pensamento contemporâneo. A esse respeito em um de seus últimos artigos sobre o tema afirma Tercio Sampaio Ferraz Jr. Sem querer me alongar nesse tema mesmo porque o espaço de artigo o impede. isto é. o que justifica sua proteção internacional e que. A sociedade contemporânea encontra. p. 13} a respeito do papel do direito e da dogmática jurídica na definição de sujeito: Filosofia e Teoria Geral do Direito. Como última observação fica o alerta de Alain Supiot {2008 (2005). trata-se de uma questão decisiva entre todas. mas a ninguém em particular – como pessoa – se pode imputar essa responsabilidade. 17:47 .” Esse breve texto mostra a relação de complementaridade existente entre direitos do ser humano e direito dos povos. {Sampaio Ferraz Jr. Gostaria de apensa fazer duas observações as noções de ‘pessoa’ e de ‘sujeito de Direito’ bem como de ‘responsabilidade instancial’ são noções do pensamento jurídico-político ocidental que conceitua o ser humano como indivíduo e a partir desse conceito pensa a sua proteção pelo Direito. pois da resposta que para ela for encontrada irá depender o destino dessas sociedades como sociedades políticas no sentido original do termo. Ao contrário. pela busca de um horizonte ontológico para a ordem da liberdade comparável em amplitude e profundidade com o intento moderno. os direitos fundamentais do ser humano se baseiam nos atributos da pessoa humana. não sendo possível a proteção de um sem a proteção de outro.” (. no âmago de sua crise a questão mais decisiva que lhes é lançada.. Na verdade. (2007) p.. assim. é um produto da história do Direito e não da história das ciências.p65 495 17/5/2011. que abriga e. E essa definição do ser humano não resulta de uma demonstração científica. Filosofia e Teoria Geral do Direito. São Paulo: Editora da UNESP. Norberto. Tercio Sampaio. de espírito e de matéria se definem por oposição mútua. Revista AASP ano XXVII (dezembro 2007) p. O Deficiente na Perspectiva da Antropologia Filosófica. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA. Edgard 1998. 2001. 1980. portanto. São Paulo: Manole. 140-149. Privacidade. A Ciência do Direito. FERRAZ JR. Os sujeitos estão. TESTEMUNHO À GUISA DE CONCLUSÃO “3. CARBASSE. mas de uma afirmação dogmática. As Ideologias e o Poder em Crise. Cumpre realmente postular que o homem é um sujeito capaz de razão para que a ciência seja possível. O que posso afirmar é que concordando ou discordando com ele na resposta sempre frágil e provisória a essa pergunta seminal.. na comunicação amável que podemos encontrar o sentido de nossas vidas subjetivas. Escrevo que o ser-sujeito nasceu num universo físico. 328} Em todos esses 27 anos que conheço Tercio como aluno de graduação. aluno de pós-graduação e por fim seu colega no Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito continuo a fazer o questionamento que me foi colocado nas suas aulas do primeiro ano “O que é o Direito?”. Jean-Marie. BOBBIO. Direitos Humanos e outros temas. É. O indivíduo vive e morre neste universo onde só o reconhecem como sujeito alguns congêneres vizinhos e simpáticos.495 “As noções de sujeito e de objeto. de pessoa e de coisa. destinada ao caos. à dispersão e à desintegração. completamente perdidos no universo. São Paulo: Atlas.GUILHERME ASSIS DE ALMEIDA .” IV. Uma não é concebível sem a outra e jamais a ciência positiva poderia ter nascido sem elas.” {MORIN. p. ______. 1998. está. São Paulo: Max Limonad. portanto. ______. Estado. Direito Constitucional. pelo contrário. essa conversação amável por parte dele jamais deixou de estar presente em nossos diálogos e tal atitude muito tem contribuído para me transformar em sujeito na vereda do conhecimento do Direito. 17:47 . senão sua quase totalidade. Liberdade de Fumar. 2007. Guilherme Assis de. ameaça. A maior parte do universo. Direitos Humanos e Não Violência São Paulo: Atlas. Função Social da Dogmática Jurídica. que ignora a subjetividade que fez brotar. Histoire du Droit Paris: PUF (Que sais-je?) 2010. ao mesmo tempo. 1998. ______. Ciência com Consciência. NÃO VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS FREIXO. 1998. Alain. António Manuel. A3. Alfonso Ruiz. LOSANO. HESPANHA. 2005. Florianópolis: Fundação BOITEUX.DOGMÁTICA JURÍDICA. Madrid: Editorial Trotta. Uma Filosofia del Derecho en Modelos Históricos de la antiguedad a los inícios del constitucionalismo. Ensaio sobre a Função Antropológica do Direito. 17:47 . Edgard. SUPIOT. Lógica Jurídica. Marcelo. 2008. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 28 de novembro de 2010. HOMO JURIDICUS. 1) São Paulo: Wmf Martins Fontes. PERELMAN. Chaim. Não Haverá Vencedores. Mario G. São Paulo: Wmf Martins Fontes. Sistema e Estrutura no Direito. São Paulo: Martins Fontes. Síntese de um Milênio.p65 496 17/5/2011. Cultura Jurídica Européia. 2004. Das Origens a Escola Histórica (vol. 2007 Filosofia e Teoria Geral do Direito. Folha de São Paulo p. 2002.496 . MORIN. Nova Retórica. MIGUEL. p65 497 17/5/2011. 17:47 . Filosofia e Teoria Geral do Direito.DA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA À NOVA VULGATA METODOLÓGICA DO DIREITO PÚBLICO O Itinerário de uma Contingência Histórica Gustavo Just da Costa e Silva Professor adjunto da Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em direito. de modelos de organização e justificação das decisões interpretativas. sobretudo. impessoal. tendentemente unânime). Por outro lado porque adota. e particularmente sobre a forma como a sua derivação a partir de determinadas matrizes teóricas mais gerais resulta de um processo histórico em que entram como variáveis a crise de eficácia dos modelos anteriores e uma hipertrofia do argumento jurídico de legitimidade. 1 Na sociologia de Pierre Bourdieu a formação e a manutenção de uma “retórica da autonomia. (BOURDIEU.p65 498 17/5/2011. da sensibilidade ao ponto de vista pragmático e. O estudo que se segue é largamente tributário desse ambiente. da neutralidade e da universalidade” são apontadas como parte da lógica de constituição e de funcionamento do “campo jurídico”. ao ponto de vista retórico. Este pequeno ensaio é sobre alguns aspectos da gênese desse modelo interpretativo. Nessa perspectiva. publicamente controlável. de formas argumentativas gerais. os juristas praticantes. mais ou menos coerente. a idéia de que um elemento central dessas expectativas consiste na preocupação de se satisfazer uma ambição capital do mundo dos juristas: a de apresentar a aplicação do direito como uma atividade em alguma medida objetiva. isto é. 5-8) Filosofia e Teoria Geral do Direito. o efeito de neutralização e de universalização assim obtido confere à decisão judicial “a eficácia simbólica que toda ação exerce quando. racional. ou pelo menos não aleatório. a leitura. entre os juristas teóricos brasileiros. 17:47 . como sua derivação. p. não arbitrária. é reconhecida como legítima”. e que parece cumprir de maneira eficaz a função de dar forma à retórica da objetividade. o sucesso e as transformações dos projetos teóricos mais gerais dos juristas são condicionados pelas expectativas de seus destinatários. uma vez ignorada no que tem de arbitrário. um dos aspectos mais interessantes (e ainda pouco analisado) da história recente da cultura jurídica brasileira é o processo de rápida assimilação de um conjunto de idéias metodológicas relativamente coeso e adotado pelos publicistas (mas não apenas por eles) de uma forma amplamente generalizada (na verdade. Por um lado porque explora a premissa de que a formulação e.498 . 1986. O que dá respaldo a essa espécie de retórica da objetividade1 constitutiva do universo do direito é a existência de um conjunto historicamente variável (e em parte cumulativo).DA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA À NOVA VULGATA METODOLÓGICA DO DIREITO PÚBLICO INTRODUÇÃO A obra escrita e a atividade docente de Tercio Sampaio Ferraz Junior têm uma parcela significativa de responsabilidade pela introdução. como chave de leitura dessa espécie de “pragmática das teorias”. sendo que a noção de princípio aqui é invariavelmente.p65 499 17/5/2011. e por isso permanentemente sujeito ao conflito. por sua vez.499 1. prevalência que não traduz uma superioridade inata a um dos princípios. Independentemente da medida maior ou menor em que as regras de direito público estejam inseridas no sistema constitucional. praticamente toda grande questão de direito público pode ser em parte reconduzida a uma questão constitucional. 17:47 . Assim. tem na garantia dos direitos fundamentais o núcleo de sua própria compreensão. o conflito entre os interesses em jogo se resolve pela prevalência de um princípio sobre o outro. mais do que qualquer outra coisa. em linhas gerais. d. a consagração jurídico-política dos direitos fundamentais. cuja solução irá mobilizar as Filosofia e Teoria Geral do Direito. a Constituição se impõe à cultura e à práxis do publicista por ter sempre o triplo sentido de ser o parâmetro último de validade do direito positivo. Os direitos fundamentais têm a estrutura normativa de princípios. determinada ao cabo de um “juízo de ponderação”. segundo se postula. O direito público se compreende e se aplica em função da Constituição. Esse sistema de garantia de direitos fundamentais é axiologicamente plural. c. a Constituição é.GUSTAVO JUST . e nada no texto constitucional justifica que se estabeleça uma prevalência abstrata ou a priori de um princípio sobre outro. de fornecer critérios de interpretação para os casos controvertidos. que consiste em indagar se a solução cogitada é suficiente e necessária para a satisfação do interesse jurídico que se pretende fazer prevalecer. Esse juízo de ponderação se orienta segundo o objetivo geral da máxima realização possível dos interesses em jogo e se desenvolve por sucessivas aplicações do “teste da proporcionalidade”. e. b. e se o grau de benefício do interesse protegido é proporcional ao sacrifício do interesse a ser preterido. a de princípios como “mandamento de otimização”. Em conseqüência. e sim uma relação concreta e circunstancial. A NOVA VULGATA METODOLÓGICA E SUAS MATRIZES TEÓRICAS A nova vulgata metodológica do direito público pode ser resumida nos seguintes postulados: a. Em outras palavras. e de impor valores e objetivos a serem concretizados. O sistema constitucional. com uma freqüência cada vez maior. Esse argumento será explorado aqui fazendo-se referência unicamente à jurisprudência hermenêutica3. a “teoria estruturante” de Friedrich Müller) influenciaram as transformações do discurso operacional dos juristas praticantes. e portanto das expectativas de controle e de crítica racional dos processos de aplicação do direito. uma contingência que consiste no estreito condicionamento de um determinado fluxo de idéias por um processo histórico em que se produziu uma espécie de hipertrofia do vetor jurídico de legitimidade. 2005). quando do exercício de sua tarefa dogmática propriamente dita). e com isso se conformam àquilo que a doutrina publicista dos últimos dez anos insistentemente lhes prescreve (e mesmo pratica. de racionalidade. mas essa influência se verifica de forma diferente num e noutro caso.500 . 17:47 . ela corresponde claramente à forma como. os aplicadores expressam e organizam a sua argumentação quando da solução de casos controvertidos. o argumento a ser desenvolvido aqui é o de que o sucesso da conversão dessas matrizes teóricas em elementos da atual doutrina metódica publicista expressa uma contingência histórica. 2 3 Esse sentimento às vezes é manifestado com entusiasmo – por exemplo. e com referência especificamente à doutrina administrativista brasileira. sobre a teoria do direito. Filosofia e Teoria Geral do Direito. a tradução.p65 500 17/5/2011. subordinada por sua vez à dupla preocupação de servir à causa da normatividade da constituição e de observar a sua estrutura principiológica. Por trás dessa metódica é possível reconhecer idéias que remetem a duas principais matrizes teóricas: a teoria do discurso jurídico racional (isto é. resultante da projeção. Tanto a teoria da argumentação jurídica como a jurisprudência hermenêutica (em especial por meio de um de seus subprodutos. das idéias e dos temas da hermenêutica filosófica. de certeza2. Para alguns elementos de comparação. ver: CAMPOS.DA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA À NOVA VULGATA METODOLÓGICA DO DIREITO PÚBLICO diretrizes hermenêuticas do “neo-constitucionalismo”. dos postulados da racionalidade comunicacional extraídos do argumento pragmático-transcendental) e a jurisprudência hermenêutica. quando um importante administrativista declara que o recurso metódico ao princípio da proporcionalidade permite “encontrar o ponto arquimediano de justa ponderação entre interesses individuais e metas coletivas” (BINENBOJM. Como se disse acima. Em segundo lugar. a adoção dessa forma de organizar a argumentação é acompanhada do sentimento de que assim procedendo se atende a um imperativo de objetividade. Em primeiro lugar. 2010. para a teoria do direito. A vigência dessa metódica – na doutrina e na práxis – tem um sentido muito concreto. 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