Filosofia da Física Clássica

March 27, 2018 | Author: ImScatman | Category: Axiom, Infinity, Physics, Physics & Mathematics, Time


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FLF0472 – Filosofia da Física (2o sem.2008) Filosofia da Física Clássica Osvaldo Pessoa Jr. Curso ministrado pelo Depto. de Filosofia, FFLCH, USP para o 3o ano de Licenciatura de Física, IFUSP. FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Sumário Cap. I. FILOSOFIA DA MATEMÁTICA Como explicar a importância da matemática nas ciências naturais? 1. A Desarrazoada Efetividade da Matemática 2. A Matemática na Grécia Antiga 3. Os Postulados de Euclides 4. Questão Ontológica: Existem Objetos Matemáticos? 5. Questão Epistemológica: Números Imaginários se aplicam à Realidade Física? 6. Noções de Continuidade 7. Existe o Infinito? 1 1 2 3 4 5 6 Cap. II. PARADOXOS DE ZENÃO O espaço e o tempo são contínuos ou discretos? 1. Pano de Fundo de Zenão 2. Paradoxos do Movimento 3. Paradoxos da Pluralidade 3. O Holismo Aristotélico 4. Visão Moderna dos Paradoxos 5. Espaço e Tempo Discretizado na Gravidade Quântica Cap. III. FILOSOFIA MECÂNICA Como explicar a gravidade sem forças à distância? 1. Hilemorfismo e a Física Aristotélica 2. Atomismo Greco-Romano 3. Naturalismo Animista 4. A Filosofia Mecânica 5. A Física e Cosmologia de Descartes 6. Explicação da Gravidade segundo a Filosofia Mecânica 7. Teoria Cinética da Gravitação Cap. IV. CONCEPÇÕES REALISTA E INSTRUMENTALISTA DE “FORÇA” A ciência deve apenas descrever o que é observável ou deve lançar hipóteses sobre a realidade que estaria por trás dos fenômenos? 1. Mecanicismo com Forças à Distância 2. Definições e Leis no Principia 3. A Natureza da Força 4. Realismo, Instrumentalismo, Descritivismo 5. Realismo e Anti-Realismo em Newton Cap. V. EXPERIMENTO DO BALDE E ESPAÇO ABSOLUTO O espaço e o tempo são absolutos ou relativos? 1. Há Juízos Sintéticos A Priori? 2. Referenciais Inerciais e Não-Inerciais 3. O Experimento do Balde 4. A Defesa do Espaço Relativo 5. Princípio de Mach e a Teoria da Relatividade Geral 7 8 8 10 11 12 13 14 15 16 16 18 19 21 22 24 25 27 28 29 29 31 32 ii FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. VI. DETERMINISMO E PROBABILIDADE (versão preliminar) A natureza é determinista ou há eventos sem causa? 1. Determinismo e Previsibilidade 2. O Demônio de Laplace 3. Probabilidade 4. Definições de Aleatoricidade 5. Caos Determinístico e Sensibilidade a Condições Iniciais Cap. VII. PRINCÍPIOS DE MÍNIMA AÇÃO Qual é o lugar das causas finais na física (e na ciência)? 1. Paradigmas e Programas de Pesquisa 2. Programas de Pesquisa Rivais na Mecânica Clássica 3. Princípios de Mínima Ação 4. Causas Finais na Física Cap. VIII. AXIOMATIZAÇÃO DA MECÂNICA CLÁSSICA Por que e como axiomatizar as teorias físicas? 1. Contexto da Descoberta e Contexto da Justificação 2. Discussão dos Princípios Newtonianos no Séc. XIX 3. Críticas ao Método de Mach 4. Axiomatização das Teorias Matemáticas 5. Axiomatização Dedutivista da Mecânica Clássica 6. O Debate entre Axiomatizações Empiristas e Dedutivistas Cap. IX. A ONTOLOGIA DO ELETROMAGNETISMO Quais conceitos do eletromagnetismo correspondem a entidades reais? 1. Critérios para estabelecer o que é Real 2. Ampère e o Magnetismo como Epifenômeno 3. Forças Magnéticas violam o Princípio de Ação e Reação? 4. Campos e a Ação por Contato, ou Localidade 5. O Potencial Vetor é um Campo? 6. Invariantes da Teoria da Relatividade Cap. X. CONTEXTO DA DESCOBERTA DO ELETROMAGNETISMO Qual é o papel das imagens e das analogias na ciência? Cap. XI. TERMODINÂMICA E ENERGÉTICA A lei de conservação de energia é uma convenção? Cap. XII. MECÂNICA ESTATÍSTICA E IRREVERSIBILIDADE Qual a origem da irreversibilidade dos fenômenos macroscópicos? Cap. XIII. DEMÔNIO DE MAXWELL E FÍSICA DA COMPUTAÇÃO Um ser inteligente conseguiria violar a irreversibilidade? 34 34 35 36 37 39 40 42 44 45 45 47 48 49 51 53 54 56 57 58 60 iii 1-14.Filosofia da Física Clássica Cap. Communications in Pure and Applied Mathematics 13. 2. “The Unreasonable Effectiveness of Mathematics”.1 A opinião de Wigner era que a gente não compreende porque a matemática é tão útil na física: seria uma espécie de “milagre”: “A lei da gravitação. 231). um sistema bem mais complexo (por envolver dois elétrons interagentes) do que aqueles usados por Heisenberg para construir sua mecânica matricial. reunidos onde hoje é a Sicília.C. “Com certeza. I Filosofia da Matemática Questão: Como explicar a importância da matemática nas ciências naturais? 1. (1960).P. 3. conseguimos ‘tirar algo’ das equações que não tínhamos colocado” (p. Disponível na internet. 625-546 a. Outro exemplo que Wigner cita é o sucesso da mecânica quântica (a partir de 1927) em explicar os níveis energéticos do átomo de hélio. como 2 . R. “The Mathematical Universe”. (2007). Os pitagóricos. neste caso. 28 pp.C. Curiosamente.0646v1. Ou seja. M. exprime um certo aspecto de seu pensamento filosófico no início dos anos 60. (1980).. e às vezes essa descrição matemática se mostra eficaz em domínios muito mais amplos.W. 232). No entanto. Tradução disponível no saite do curso. A tese de Wigner. que Newton relutantemente estabeleceu e que ele pôde verificar com uma acurácia de aproximadamente 4%. Na internet. desde a época de Pitágoras. . defendiam que todas as relações científicas eram expressas por meio de números naturais (1. e conta a lenda que WIGNER.) ou razões entre tais números. Esta descoberta era vista como um problema para a filosofia pitagórica.. muitas outras respostas foram dadas a este problema. A Matemática na Grécia Antiga A matemática grega. o tempo e o movimento eram constituídos de elementos discretos. usamos a matemática para descrever um domínio limitado da realidade.C. ½. Em conseqüência desta concepção. uma resposta semelhante à de Pitágoras foi proposta recentemente pelo cosmólogo Max Tegmark. “The Unreasonable Effectiveness of Mathematics in the Natural Sciences”. Ao pitagórico Hipaso de Metaponto (nascido circa 500 a. ¾. é fácil também encontrar sobre o assunto o artigo do matemático aplicado HAMMING. mostrou-se acurada numa porcentagem menor do que dez milésimos” (p.). etc. inexplicável. 575-495 a.) é atribuída a descoberta dos números irracionais. A Desarrazoada Efetividade da Matemática Por que a matemática é tão importante na física? Essa é a questão que o importante físico húngaro Eugene Wigner (1902-95) discutiu em um artigo em que usou a curiosa expressão “desarrazoada (não razoável) efetividade (eficácia) da matemática”. TEGMARK.) e Pitágoras de Samos (c. 2 1 1 . os chamados números racionais. arXiv 0704. supunham que o espaço. uma sensibilidade a problemas não resolvidos. de que a efetividade da matemática na física é desarrazoada. se caracterizou pelo esforço de demonstrar de maneira rigorosa os seus resultados. para quem “nosso mundo físico é uma estrutura matemática abstrata”!2 2. E. que considerava que a essência da natureza são números. partindo de Tales de Mileto (c. American Mathematical Monthly 87. como o mistério da consciência humana ou o problema do colapso na mecânica quântica. que seria a medida da diagonal de um quadrado de lado 1. Teeteto e outros matemáticos. sistematizou-os. Essa divisão transparece nos Elementos. I. e coligiu sua obra de acordo com o método axiomático. Domingues.H. Em 1899. O número 1 foi tratado como a “unidade”. em notação moderna. então A=C. XIX às geometrias não-euclidianas. se forem estendidos suficientemente (ver Fig. Figura I.2008) Cap. O postulado P5 é logicamente equivalente à proposição de que. há sempre um círculo em que ele é centro. Introdução à História da Matemática.C. e os outros como “números” propriamente ditos. como a de ponto. o alemão David Hilbert reformularia a axiomatização da geometria plana sem partir de definições primitivas: “ponto” e “reta” seriam definidos implicitamente pelos postulados. Ele reuniu os trabalhos de Eudoxo. que envolve o contínuo. Os cinco postulados da geometria plana são: P1) Dois pontos determinam um segmento de reta. e só foi introduzido na Índia.] que repousa equilibradamente sobre seus próprios pontos”. Ed.1: Quinto postulado de Euclides. são: A1) A2) A3) A4) A5) Se A=B e B=C. Campinas (original em inglês: 1964).C. então A–C = B–C. que é “um comprimento sem espessura [. que estuda entidades discretas ordenadas.. em represália. então A+C = B+C. O todo é maior do que qualquer de suas partes.1). Unicamp. P4) Todos os ângulos retos são iguais. (2004). passa apenas uma reta por P que seja paralela a A. pelo matemático Brahmagupta.FLF0472 Filosofia da Física (USP . I: Filosofia da Matemática Hipaso teria sido lançado ao mar por seus colegas.. e reta. princípios auto-evidentes) e postulados (suposições geométricas). então os segmentos de reta A e B se encontram. melhorou as demonstrações. 3 2 . onde se usava o sistema numérico posicional. P5) Se a soma dos ângulos a e b for menor do que dois ângulos retos. trad. H. Se A=B e C=D. Figuras coincidentes são iguais em todos os seus aspectos. 3. P3) Dado um ponto. juntamente com os números negativos. ver p.3 Veremos no cap. Muitos detalhes da história da matemática podem ser obtidos de: EVES. H. Os matemáticos gregos passaram a dividir a matemática na teoria dos números. obra escrita por Euclides de Alexandria em torno de 300 a. Os cinco axiomas usados por Euclides. Os Postulados de Euclides Euclides partiu de 23 definições. Se A=B e C=D. com qualquer raio. Sobre Hipaso. II outro problema para a concepção pitagórica: os paradoxos de Zenão. Veremos mais à frente como a discussão do quinto postulado levou no séc. Os Elementos partem de definições. e na geometria. que é “aquilo que não tem partes”. 107. que punham em xeque a concepção de que o espaço e o tempo são divisíveis. dados uma reta A e um ponto P fora dela. P2) Um segmento de reta pode ser estendido para uma reta em qualquer direção. axiomas (noções comuns. em 628 d. O número 0 não estava presente. L. Nova Iorque. isso é um fato indubitável: mas o número 27 existe de maneira independente. A tradição pitagórica. 5 3 . em Platão e Russell. California Press. e Guilherme de Ockham (1285-1350) é o grande representante do nominalismo medieval. para fora do espaço e do tempo. como o teorema de Pitágoras. Euclides supõe tacitamente que uma reta que passa pelo centro de um círculo passa também por dois pontos do círculo.J. aquilo que haveria em comum entre um ato justo de um magistrado romano e um ato justo de um rei asteca seria a “justiça”. mas isso não é dedutível da base de postulados! Além disso. M. não são dedutíveis dos axiomas de Euclides.C. ditas “universais”. mas tais propriedades não têm uma realidade autônoma. algumas das quais formuladas por Arquimedes de Siracusa (287-212 a. quer sejam propriedades ou relações. A visão metafísica que defende a existência de universais. Uma excelente introdução ao debate metafísico entre realistas de universais e nominalistas é apresentada por LOUX. um universal distinto de qualquer triângulo desenhável. quer sejam números. Time. tradução e comentários de T. Ou seja. O que o realista chama de universais seriam apenas idéias em nossa mente (conceitualismo) ou nomes lingüísticos (nominalismo. em oposição ao “existir” das coisas particulares. Essa noção de subsistência.5 Em filosofia da matemática. U. pp. não se pode dizer que os universais subsistem. mas em um mundo abstrato. Space. Londres. simpático a esta concepção no livro Problemas da Filosofia (1912).. ou apenas em minha mente? Há duas respostas básicas a esta questão. ao passo que a triangularidade não teria nenhuma dessas duas propriedades. caps. até o séc. Por exemplo. Heath. 4. No entanto. independentes dos seres 4 O presente relato foi obtido de SKLAR. porém. pois cada triângulo é ou isósceles (ao menos dois lados de mesmo comprimento) ou escaleno. concebe que os números naturais são entidades reais.C.). The Thirteen Books of Euclid’s Elements. O filósofo Bertrand Russell. muitas verdades geométricas que dependem da noção de limite. independente de cada particular.). utilizou o verbo “subsistir” para designar este tipo de realidade. 1 e 2. a oposição entre realistas e nominalistas é um pouco diferente da querela metafísica. um universal que subsistiria num mundo à parte do material. conjuntos e outros objetos matemáticos existem ou subsistem de alguma maneira. ideal. como o triângulo. ou como: EUCLID (1956). 3 vols. mas se estendia para quaisquer propriedades ou relações abstratas. A visão antagônica é conhecida como nominalismo. Há um “resumão” em português na internet. O livro de Euclides está disponível na internet. (1974). na ciência e filosofia. Assim. Metaphysics – A Contemporary Introduction. Os diferentes triângulos que desenhamos num papirus seriam cópias imperfeitas de triângulos ideais. elaborada por Platão (428-348 a. and Spacetime. e o que todos os triângulos têm em comum seria a “triangularidade”. no mundo.FLF0472 Filosofia da Física (USP .L. a base de postulados não é completa. A “querela dos universais” foi disputada intensamente na Idade Média. não existiriam no mundo físico. Routledge.4 A geometria euclidiana foi o paradigma de conhecimento certo e verdadeiro. Tais entidades. assim como outros objetos matemáticos. em sentido estrito). Berkeley. ao passo que o lógico Willard Quine (1908-2000) é um importante nominalista moderno. 2a ed.2008) Cap. e defende que no mundo físico há particulares concretos (coisas) com propriedades. I: Filosofia da Matemática Com esses axiomas e postulados. XIX. Dover. não se limitava apenas a entidades matemáticas. para Platão. pode ser chamada de realismo de universais. (2002). 13-6. Questão Ontológica: Existem Objetos Matemáticos? Os números existem? Há 27 alunos nesta classe. deduz-se boa parte da geometria plana. Os realistas afirmam que os números. The Cambridge Dictionary of Philosophy. para examinar esta questão devemos levar em conta também as evidências experimentais. 465-90. em 1545. Segundo este “argumento da indispensabilidade”. 594-7. Sendo assim. como os inteiros negativos. Opondo-se a este argumento. Stanford Encyclopedia of Philosophy. Conseguiu aplicar seu método para a teoria da gravitação newtoniana. por exemplo: BUENO. (org. e tais entidades são indispensáveis para a ciência. Miami) tem trabalhado nesta e noutras questões da filosofia da ciência e da matemática. Um dos argumentos dos realistas. Press. é seguro supor que o número inteiro 27 “se aplica” corretamente à descrição da realidade nessa sala de aula. I: Filosofia da Matemática humanos. Em 1637. Isso levaria à noção Uma resumo sucinto da filosofia da matemática é: POSY. em favor da existência dos objetos matemáticos. surgiram com o matemático italiano Gerolamo Cardano.). na internet.6 5. Já os nominalistas defendem que os objetos matemáticos são construções mentais. envolvendo números reais. pp. Sobre o argumento da indispensabilidade. como soluções de equações cúbicas. indicando que não os levava à sério. pode-se dizer que os inteiros negativos se aplicam a certos domínios da realidade. (2004). numa certa linguagem relacional. M. Studies in History and Philosophy of Modern Physics 36. mas ela não seria indispensável. “Indispensability Arguments in the Philosophy of Mathematics”. in AUDI. mas não em relação à natureza dos objetos matemáticos. Associada a esta questão há também uma constatação metodológica: é usual representar o espaço físico como um espaço matemático tridimensional contínuo. (1995). da mesma maneira que nos comprometemos com a existência de entidades físicas teóricas como quarks e partículas virtuais. E os números imaginários? Tais números. ou − 1 . Questão Metodológica: Números Imaginários se aplicam à Realidade Física? Na seção anterior. 6 4 . mas podemos dizer que a temperatura é –5˚C. mas um realista matemático) e Hilary Putnam. com base na distinção entre conjuntos ordenados densos e completos. mas não para outras teorias mais contemporâneas. No entanto. E quanto aos números que representam uma reta contínua? A estrutura do espaço físico é a estrutura dos números racionais ou dos números reais? Na seção seguinte deixaremos clara a distinção entre os dois. múltiplos de i. C. o filósofo nominalista Hartry Field vem trabalhando num projeto para mostrar como é possível construir teorias científicas sem números e outros objetos matemáticos. René Descartes os chamou de “imaginários”. “Philosophy of Mathematics”.J. A questão levantada é também uma questão ontológica. formulado por Willard Quine (um nominalista metafísico. chegando à notável equação que tanto fascinou o jovem Richard Feynman: e iπ = − 1 . Podemos investigar esta questão “metodológica” em relação a números não positivos. como nossas melhores teorias científicas fazem referência a objetos matemáticos como números. e sim em relação a uma entidade física.FLF0472 Filosofia da Física (USP . questão sobre o que é real). o espaço. II. Deixaremos o estudo desta questão para o Cap. O. R. vimos que a questão sobre a existência do número natural 27 pode receber diferentes respostas.2008) Cap. O filósofo brasileiro Otávio Bueno (U. Talvez não possamos dizer que há –5 maçãs na cesta. então devemos nos comprometer com a existência real de objetos matemáticos. é justamente a sua grande utilidade nas ciências naturais. e não apenas números racionais. “Dirac and the Dispensability of Mathematics”. Mas a prática do físico não é afetada por esta questão filosófica: qualquer que seja a resposta a essa questão “ontológica” (ou seja. (2005). A matemática seria útil para a ciência pelo fato de ela simplificar muito os cálculos e a expressão de enunciados das ciências exatas. Ou seja. conjuntos e funções. Abraham de Moivre (1730) e Leonhard Euler (1748) os estudaram. ver: COLYVAN. Cambridge U. de forma que não se pode afirmar que os números naturais existam no mundo. sabemos que números como 22 e π 8 não são racionais. há números racionais Tal seqüência tem limites superiores racionais. de tal maneira que seriam os reais não-imaginários que não teriam aplicação direta. 2 .. num certo sentido. Intuitivamente. 7 5 . Na matemática. Carl Gauss (1799) e Jean Argand (1806). os reais são completos.2008) Cap. C. mas na hora de exprimir valores de correntes (na engenharia elétrica) ou de probabilidades (na mecânica quântica). formulado por Caspar Wessel (1797).. Alguns autores argumentam que os números imaginários não podem ser eliminados da mecânica quântica e das modernos teorias de campo. o sistema numérico utilizado. “Square Root of Minus One. da realidade dos números imaginários.). Cambridge: Cambridge University Press. cit. 105 . (1987). ou seja. Se uma função for definida para números racionais. no sentido que todas as seqüências com limite superior têm um supremo. como y = f(x) . A diferença está na questão metodológica. mas fazem parte do conjunto dos reais. 225. A questão ontológica. como 5 maiores do que todos os termos da seqüência. Considere a seguinte seqüência crescente infinita de números 38 1289 racionais. Este conjunto é denso. mas ele também tem a propriedade de ser completo.FLF0472 Filosofia da Física (USP . onde cada termo n=1. O problema. 16988 45045 . . pois por convenção poderíamos multiplicar todos os números que representam grandezas observáveis por i. é que não há um racional que seja o menor limite superior.. Assim. 6. É fácil intuir que há um número infinito de racionais neste intervalo. em termos de “εpsilons e δeltas”.}. Assim.. 53-64. que veremos no cap. que é o supremo da seqüência. é expresso por ∑ [(4m − 3)(4m − 1)] m =1 n −1 . porém. op. diz-se que uma função é contínua se uma pequena variação no argumento x levar a uma pequena variação em y. C. e portanto eles têm aplicação essencial na física7. Noções de Continuidade Consideremos o intervalo entre os números 0 e 1. a não ser por procedimentos artificiais. a discussão não é que os números imaginários não podem ser aplicados à realidade observada. YANG.N. in Kilmister. pp. sem necessidade de ampliar. números imaginários não se aplicam à realidade observável. não parece ser diferente da questão ontológica de outros objetos matemáticos. pois entre quaisquer dois números racionais existe pelo menos um número racional. Complex Phases and Erwin Schrödinger”. {1 3 . IV. Se considerarmos agora esta seqüência como um subconjunto dos reais. com os números imaginários. o resultado é sempre expresso por meio de números reais. 229. a noção de continuidade aplica-se a funções. O ponto da discussão é que os números reais seriam suficientes para descrever a realidade observável. (org. Schrödinger: Centenary Celebration of a Polymath. Números imaginários aparecem na representação de movimentos oscilantes ou ondulatórios.. XVII) que tal seqüência converge para π 8 . Na disciplina de Cálculo I. mostra-se (a partir de fórmula derivada por Gregory e Leibniz no séc. aprendemos a definição rigorosa de continuidade de Cauchy para os reais. e imaginemos o conjunto ordenado de todos os números racionais (frações) deste intervalo. pp. No entanto. parece ser possível aplicar essa noção de WIGNER (1960). que representa os números complexos a + bi em um plano.W. I: Filosofia da Matemática de plano complexo. 3465 . Mas e a realidade não-observável? Aqui recaímos na discussão sobre o estatuto da realidade não-observável (realismo x instrumentalismo). Por outro lado. pois é costume afirmar-se que “nenhuma grandeza física observável é representada por um número imaginário”. ou supremo.2. Está claro que este conjunto é denso. (nota 1). .. o número q = 0 .. que Cantor mostrou ser igual a 2ℵ0. 2. Qual seria a cardinalidade dos números reais.. teria ai1=3. ai3. Para encontrar a cardinalidade de outro conjunto infinito. escrevendo todas as frações m/n em uma matriz na posição (m.3: Argumento da diagonal de Cantor.. Naturalmente. ai2=9. ou infinito contável. se aii ≠ 5. ai2. . a22..n). com i = 1. Cantor denotou a cardinalidade dos números naturais por ℵ0 (alef-zero). então bi = 4. entre 0 e 1? Cantor apresentou o “argumento da diagonal”. que mapeia cada fração em um número natural (podem-se eliminar as frações de valores repetidos). Figura I.2008) Cap.. Façamos uma lista dos números reais entre 0 e 1. basta tentar mapear os elementos do conjunto nos números naturais. b3. ou seja. mas há pelo menos um número real que não consta desta lista. esta lista de números reais pi seria contavelmente infinita. Se o dígito aii = 5. etc. Existe o Infinito? Há uma longa história da noção de infinito na matemática. escrevendo cada um da seguinte forma: pi = 0 .FLF0472 Filosofia da Física (USP . Por outro lado. b1. ai3=2. na ciência e na filosofia. a11. π 8 = 0. II. e escolhendo uma seqüência de ordenamento. como o da Fig. Figura I.392. etc. Na matemática.. um resultado importante foi obtido pelo russo-alemão Georg Cantor (1845-1918): podem se definir infinitos maiores do que o infinito contável! O tamanho de um conjunto é denominado sua “cardinalidade”. Com isso. I: Filosofia da Matemática continuidade também para os racionais.2: Numeros racionais são contáveis. Por exemplo..3). o conjunto dos números reais é às vezes chamado de “o contínuo”. I. I. então bi = 5. mas a questão do infinitamente pequeno ainda está em aberto. 6 . mostra-se que a cardinalidade dos números racionais também é ℵ0. como discutiremos no Cap. Isso mostra que a cardinalidade dos números reais.. Por exemplo. Hoje em dia aceita-se que o Universo tenha uma extensão espacial finita. constrói-se um número real b que não consta da lista contavelmente infinita (que tem cardinalidade ℵ0). é maior do que a dos números racionais: 2ℵ0 > ℵ0 . construído da seguinte maneira. 7. Consideremos os dígitos na diagonal i=j.. que permite construir um número real que escapa da tentativa de mapear bijetoramente os inteiros nos números reais. ai1..2. . onde os aij são dígitos entre 0 e 9 (Fig. b2. C. Bobbs-Merrill. mas isso seria pura ilusão. água.). o intelecto. VI d. 8 O que Zenão queria provar com seus paradoxos? Como eles foram encarados na Antigüidade? Como eles são resolvidos hoje em dia? Zenão era discípulo do grande filósofo Parmênides (515-450 a. Sua estratégia era supor a tese que queria atacar. um “bloco” (block Universe) no qual o tempo é visto como uma quarta dimensão semelhante ao espaço. 1970. água e fogo). “Zeno’s Paradoxes”. como é que essa essência pode desaparecer desta coisa? Por outro lado. (2004). (org. O ponto de partida de Parmênides era a razão.standrews. Zenão buscava defender as idéias de seu mestre. o Universo seria uno. Afinal. O bloco não muda. o que lembra o Uno parmenidiano (por outro lado.C.1: Zenão de Eléia. “o que é não pode deixar de ser”: se alguma coisa tem uma essência. sem distinções ontológicas entre passado e futuro (também chamada de “doutrina das partes temporais”). “do não-ser não pode surgir o ser”: como é que algo pode surgir do nada? Assim. Alguns cosmólogos modernos gostam de olhar para o Universo como uma entidade única. Elas estimularam soluções como a de Empédocles (490-435 a. como aquele da corrida de Aquiles com a tartaruga.C.C. Zeno’s Paradoxes. para quem haveria quatro elementos imutáveis (terra. que seria terra pura. II Paradoxos de Zenão Questão: O espaço e o tempo são contínuos ou discretos? 1. Uma excelente apresentação é dada por: HUGGETT. ao invés de uma só) não existe e que qualquer mudança é impossível. 9 8 7 . por exemplo a pluralidade de pontos em uma reta. e Figura II. atacando a idéia de pluralidade e de movimento.html. O que sabemos de Zenão nos foi transmitido por Platão. ar e fogo) que se combinariam em diferentes proporções para gerar os diferentes objetos que conhecemos. escreveu um livro com em torno de 40 paradoxos. A mudança seria uma recombinação dos quatro elementos fundamentais.). em oposição à observação.9 As teses de Parmênides tiveram um forte impacto na filosofia da natureza na Grécia. que defendia que a pluralidade (o estado de haver muitas coisas distintas.Filosofia da Física Clássica Cap. para onde quiser. W. pois a realidade não poderia mudar.ac.). um observador abstrato pode olhar para o futuro.) é bem conhecido por causa de seus paradoxos. Pano de Fundo de Zenão Zenão de Eléia (490-430 a. não mudaria (algo parecido com a idéia de um único Deus imutável). na internet Um livro clássico com textos de diversos autores é: SALMON. Olhando este bloco de fora. A figura de Zenão foi retirada de http://www-history.uk/history/ PictDisplay/Zeno_of_Elea.mcs. que perde seu elemento água e fogo para se transformar em carvão. como na queima de madeira (constituída de uma certa proporção de terra. The Stanford Encyclopedia of Philosophy. É verdade que nossos sentidos vêem uma aparente mudança. e daí deduzir uma conseqüência que contradissesse sua suposição. N. da cidade de Eléia (atual Itália). mas este se perdeu. levando assim a uma redução ao absurdo. Indianápolis. De fato. para o passado.C. a concepção do universo em bloco não rejeita a pluralidade). Aristóteles e pelo comentador Simplício do séc. então nesse sentido não há mudança. 1) Paradoxo da Dicotomia. apenas partes imaginadas.E. R. Há duas respostas plausíveis: A) São divisíveis sem limite. de forma que seremos obrigados a concluir (segundo o argumento atribuído a Zenão) que o espaço e o tempo NÃO são compostos de partes reais. trad. em cada instante. 350 a. 12-21. depois 1516 . que examinaremos na seção seguinte. etc. A) O espaço e o tempo são divisíveis sem limite. c. A próxima questão a ser colocada é se o espaço e o tempo podem ser divididos sem limite ou se há limites para a divisão. Paradoxos da Pluralidade É interessante que os paradoxos do movimento também podem ser usados contra a tese de que o espaço e o tempo possuem partes atuais (reais). ou NÃO. republicado em SALMON (1970).C. depois 31 32 . Veremos que as diferentes possibilidades levam a paradoxos. é se o espaço e o tempo são compostos de uma pluralidade de partes reais. É provável que Zenão não tenha articulado seus argumentos dessa forma. Oxford (nova edição pela Dover). é apresentado de maneira provavelmente errônea por Aristóteles. O argumento em questão é consistente com a conclusão de Aristóteles de que um todo não possui partes “atuais”. Vamos examinar a resposta positiva. 3. cit. o Estádio. Após isso. O filósofo galês G. apresentaremos os quatro paradoxos de Zenão não como argumentos contra a possibilidade de movimento – que iremos supor que ocorre realmente – . Assim. então como ela poderia estar em movimento? O quarto paradoxo.L. Essa prioridade do todo sobre as partes exprime uma posição conhecida como holismo. o 10 ARISTOTLE (1996). são um todo sem partes reais. uma flecha está parada. então. Consideremos a primeira alternativa. que são apresentados por Aristóteles (384-322 a. Oxford U.) em sua Física. então ele tem que ser reconstruído. G. Blackwell.10 A Dicotomia e o Aquiles são semelhantes: Zenão parte da suposição de que uma certa distância tem infinitos pontos. Waterfield. “Zeno and the Mathematicians”. 139-63. Um resumo deste argumento é apresentado por TILES.FLF0472 Filosofia da Física (USP . Paradoxos do Movimento Concentremo-nos aqui em quatro paradoxos do movimento. duas respostas possíveis: SIM. OWEN. contra a pluralidade do Universo (que mencionamos ser uma das teses de Parmênides). B) Há limites para a divisão. pela hipótese A. Tradução para o português de trechos relativos aos paradoxos de Zenão está disponível no saite do curso. MARY (1989). ele terá que passar por um ponto localizado no meio do percurso. mas como nosso interesse é mais filosófico do que histórico. mas contra a divisibilidade do espaço e do tempo em partes reais. A questão a ser examinada. e o que vemos é uma ilusão. Owen (1922-82) fez uma reconstrução de como poderia ter sido este argumento. Physics. ou seja. o da Dicotomia e o de Aquiles. Proceedings of the Aristotelian Society 58. Como. II: Paradoxos de Zenão 2.L. Zenão então teria apresentado dois paradoxos para refutar esta alternativa. Partamos então da tese de que o espaço e o tempo têm partes reais. Antes de chegar ao final. digamos de 100 m. e que um corredor teria que passar por todos eles antes de atingir a linha de chegada (ou uma tartaruga). pp.C. pelo ponto 7 8 . naturalmente. seguiremos a reconstrução de Owen. 1996. A Flecha envolve a noção de que. (1957). ½ da extensão total. Há. para concluir que o corredor nunca atinge seu objetivo. (nota 8). 11 8 . mas apenas partes “em potência”. Press. ele tem que passar pelo ponto que corresponde a ¾ do percurso. 199-222. orig. Um corredor pretende cobrir uma certa extensão. op. resultando num grande argumento contra diferentes concepções de pluralidade11.2008) Cap. a razão mostra que o movimento é impossível.E. Ou seja. Depois disso. cuja atualização só pode ocorrer posteriormente à existência do todo. The Philosophy of Set Theory. pp. são compostos de partes reais. 9 . pela hipótese A. Nesta versão do argumento. mas ocupam unidades espaciais adjacentes. de forma que possamos ver a divisão de nossos indicadores em três falanges (Fig. com as unhas viradas para fora. No entanto. Estamos supondo que o espaço e o tempo são discretizados. Para sermos mais precisos. etc. e o dedo esquerdo uma para a direita. e depois 110. suas partes têm um tamanho ou duração mínimos (que chamaremos “unidades”). é divisível! Além disso. Antes de chegar à metade do percurso. II: Paradoxos de Zenão espaço é divisível sem limite. o veloz Aquiles aposta uma corrida contra uma lenta tartaruga. Conclui-se então que Aquiles nunca conseguirá alcançar a tartaruga! Visto que a hipótese A levou a duas situações que vão contra o que constatamos na realidade. pois percorreu mais 110 de metro. o espaço é infinitamente divisível. em um estádio. não se poderia admitir que essas partes sejam infinitamente divisíveis. Portanto. Em pouco tempo. Zenão teria invocado o paradoxo do estádio. Neste caso. tem que antes atingir 18 do percurso. Desta maneira. consideremos qual é a posição dos nossos dedos/dardos no instante discreto (unidade temporal) seguinte. Ou seja. supondo-se que o espaço e o tempo são compostos de partes. Consideremos um instante em que as pontas dos dardos ainda não se sobrepuseram. mas Figura II. dois dardos são atiradas em sentidos opostos. mas prossigamos com o argumento reconstruído por Owen). Assim. ocorreria um pequeno movimento (esta é uma situação difícil de imaginar. Assim. o corredor nem conseguiria iniciar sua corrida! 2) Paradoxo de Aquiles. Aquiles atinge a marca dos 10 m. a tartaruga está 1100 m à frente. Assim. Como.2a). há duas unidades espaciais emparelhadas (Fig. para eles terem chegado nesta situação de emparelhamento de duas unidades. II. etc. Ora. e antes disso. sempre haverá um ponto que Aquiles deve atingir antes de prosseguir em seu encalço à tartaruga. Isso teria que acontecer em um instante que é metade da unidade temporal tomada como mínima. Quando Aquiles cobre este 110 de metro adicional. há também a versão “regressiva”. 116 . que começa dez metros à sua frente. (3) Paradoxo do Estádio. Neste caso. mas para chegar neste ponto. pergunta-se sobre o tamanho desses limites: eles têm tamanho? (a) Sim. o corredor tem que atingir ¼ da extensão total. E depois. ela deve ser rejeitada. há um número infinito de pontos que o corredor deve percorrer antes de chegar ao final de seu percurso. nesta meia unidade. Aquiles percorre esse metro adicional. (b) Não.2: Paradoxo do Estádio. mas a tartaruga não está mais lá. (a) Os limites para a divisão do espaço e do tempo têm tamanho. Resta assim a hipótese alternativa. Em seguida. eles teriam que ter passado pela situação intermediária em que apenas uma unidade estivesse emparelhada. B) Há limites para a divisão do espaço e do tempo. Isso pode ser representado ao encostarmos o dedo indicador da mão esquerda no indicador da mão direita. o que esses argumentos sustentam é que o espaço não seria infinitamente divisível. o indicador direito se moveu uma unidade para a esquerda. II. ele nunca chega ao final! Este é o paradoxo da Dicotomia “progressivo”. têm tamanho.FLF0472 Filosofia da Física (USP . Escolhendo um ponto de referência em algum objeto à nossa frente. Consideremos cada caso em separado. dentro de uma unidade indivisível de tempo. Supomos também que cada dardo percorre uma unidade espacial a cada unidade temporal. na nova posição relativa dos dois dedos/dardos. não têm tamanho.2b). 11000 à frente.000 . Imagine que durante a Olimpíada. conclui Zenão. ou seja. tal unidade não é mínima. mas neste intervalo de tempo a tartaruga caminhou 1 m.2008) Cap. JAMES. Talvez se possa até dividir um tijolo o quanto queiramos ou possamos. mas tal divisão não é natural. Em um certo instante. L’Évolution Créatice. esta seria a chave para se entender o vir-a-ser temporal. indo contra a hipótese (b). O espaço e o tempo não seriam compostos de um agregado de partes. Ele cita BERGSON. É por percorrer o todo que ele percorre as partes. a flecha está sempre parada e não poderia estar se movendo. 10 . uma distância que é a metade da unidade espacial. Para esta corrente. mas antes de realizar essas divisões atuais. A resposta para a questão inicial portanto é “NÃO”: o espaço e o tempo são um todo sem partes reais. O todo precede as partes. rejeitando-se ambas as opções (a) e (b). um ponto pode ser concebido como uma fronteira entre duas regiões distintas adjacentes. (1911). cit. refuta-se a tese de que o espaço e o tempo sejam compostos de uma pluralidade de partes. o corredor percorre o todo. II: Paradoxos de Zenão temporal. A visão holista de Aristóteles foi retomada no início do século XX por filósofos que defendem que o espaço e/ou o tempo não são compostos de pontos ou instantes.FLF0472 Filosofia da Física (USP . para Aristóteles. que inclui Henri Bergson. W. O Holismo Aristotélico Eis então como Aristóteles utiliza o argumento de Zenão para defender sua visão holista da matéria. ela pode ser feita de diferentes maneiras. Quando um tijolo é dividido. a unidade espacial também seria divisível! Isso refutaria a hipótese (a). Aristóteles defende que se possa potencialmente dividir o contínuo de maneira ilimitada. ela estaria parada neste instante. para Aristóteles. Os paradoxos da Dicotomia e de Aquiles não procedem porque. e não o contrário. (b) Há limites para a divisão do espaço e do tempo mas esses não têm extensão ou duração. Presses Universitaires de France. já que neste não se define o movimento. É verdade que se pode dividir um objeto em partes. pois essa possibilidade de dividi-lo é apenas uma potencialidade. Com isso. O fato de que podemos dividir um tijolo não significa que ele seja feito de partes. (4) Paradoxo da Flecha. são pontuais ou instantâneos. cada dardo voou. Aristóteles pôde resolver os paradoxos à sua maneira.2008) Cap. segundo a qual haveria limites para a divisão do espaço e do tempo. op. o contínuo da pista de corrida é homogêneo. rejeitam-se os paradoxos do Estádio e da Flecha. Com esta conclusão. Paris. Isso se aplica para todos os instantes. Mas a alternativa A já tinha sido rejeitada. Zenão invocaria o seguinte problema. William James e Alfred Whitehead. refuta-se a alternativa B. de maneira que um ponto não seria parte de uma reta. Assim. Para ele. Poder-se-ia argumentar que a flecha voa um pouquinho durante um instante.12 12 Este comentário é feito por HUGGETT (2004). Em primeiro lugar. Pode-se dividi-lo sem limites. H. (nota 8). ela não existe de fato: o enunciado do problema concretiza de maneira indevida a potencialidade de divisão. apenas partes imaginadas. 4. e portanto nem o repouso (Física. Neste caso. como os enunciado dos paradoxos parecem indicar. p. Aristóteles criticou este paradoxo argumentando que o repouso no tempo é diferente do que ocorreria no “agora”. como potencialidade. que pressupõem um limite para a divisão. ou seja. mas neste caso o instante seria divisível. em relação ao estádio. em ato. assim. 14. Um arqueiro lança uma flecha. um ponto. a flecha ocupa um espaço que é igual ao seu volume. elas só existem em potência. Com isso. temos uma divisão atual. Resta-nos a outra alternativa. não é formado por divisão. Assim. Além disso. 234a24). de que o todo precede as partes. como o presente desabrocha do passado. (1907). de forma que ela estaria em diferentes posições no início e no fim do instante. portanto. segundo Zenão. Some Problems of Philosophy. segundo a reconstrução de Owen. A divisão é imposta por nós. não uma atualização. XIX com os trabalhos de Augustin Cauchy. Visão Moderna dos Paradoxos Os paradoxos de Zenão são ainda tema de discussão hoje em dia. inaugurada no séc.. Como há infinitos desses intervalos. cit. que reintroduziu de maneira rigorosa os infinitesimais na matemática. Em 1966.. Scientific American 271 (5). Nova Iorque. (1929). Diógenes.). Nova Iorque. 10-11. e WHITEHEAD. (1980).6). Karl Weierstrass e Richard Dedekind. não parece que seja necessário supor que o espaço seja isomórfico aos números reais para resolver os paradoxos da Dicotomia e do Aquiles: bastaria que o espaço tivesse a estrutura dos números racionais (ver seção I. “A Contemporary Look at Zeno’s Paradoxes”. Porém. O movimento deve ser visto como a ocupação sucessiva de posições em diferentes instantes? Esta visão chegou a ser defendida por Bertrand Russell. (i) Para o paradoxo do movimento. Uma atitude muito natural. and Motion: A Philosophical Introduction.. W. No século XX. em cada instante. é dizer que a conclusão de Zenão é um absurdo. por exemplo em relação ao Aquiles. Da mesma maneira que os intervalos espaciais somam 1 na série convergente ½ + 1 4 + 18 + . cit.7. Ver também: SALMON. O corredor acaba completando o percurso! A moderna análise matemática. o matemático Abraham Robinson formulou a análise “não-standard”. e é conhecida como a “teoria em-em de movimento” (at-at theory of motion).C. A aplicação desta teoria para os paradoxos de Zenão foi feita por McLaughlin (1994). pp. tem cardinalidade menor do que o “infinito não-contável” dos pontos da reta real entre 0 e 1. banindo a noção de “infinitesimal”. que é o mesmo que o do Aquiles. II: Paradoxos de Zenão 5. respondeu ao paradoxo simplesmente se levantando e andando! Mas essa constatação não resolve os paradoxos. pp. vimos como Cantor mostrou que o infinito da seqüência de números inteiros (que é igual ao infinito dos números racionais). não se segue que ela estaria parada ao considerarmos todo o intervalo.C. No entanto. sabemos que essa intuição é errônea: o tempo de percurso por cada intervalo é proporcional ao comprimento do intervalo (supondo velocidade constante). U. A. “Resolving Zeno’s Paradoxes”. Na seção I. W. W. 15-6. 5-44. mas em outro trecho ele se confundiu com relação à presença de infinitos intervalos finitos de tempo (Física VIII. 31-67. 233a25). Time.). Esse ponto foi apontado por Aristóteles (Física VI. Longmans. (1970). é livre de problemas. in Salmon (org. parece repousar na intuição de que o corredor demora um tempo finito mínimo para percorrer cada intervalo espacial sucessivo. 263a15). os intervalos temporais também o fazem. 2a ed.13 O paradoxo da Flecha levanta discussões a respeito da natureza do movimento e do conceito de velocidade instantânea. e alguns comentários de HUGGETT (2004). op. Se for verdade que. 13 11 . Space.. of Minnesota Press. O problema por trás da Dicotomia. 84-9. o chamado “infinito contável”. porém nenhuma hipótese sobre a pluralidade.FLF0472 Filosofia da Física (USP . concorda-se que o movimento ocorre. o Cínico (413-323 a.2008) Cap. Green & Co. caps. utilizada a partir de Leibniz. esclareceu a natureza das séries convergentes e do cálculo diferencial e integral.C. pp. . a flecha estaria parada. op. Este ponto de vista tem sido retomado mais recentemente por Ilya Prigogine. Seguimos nesta seção as pp. Minneapolis. o tempo de transcurso seria infinito. conforme a reconstrução de Owen. (nota 8).I. “Introduction”. 20-6 de: SALMON. (1994). de forma que a vivência que temos deste movimento teria que ser uma ilusão dos sentidos. MCLAUGHLIN. usada para explicar racionalmente o movimento. in Salmon. e que portanto o paradoxo deve ser rejeitado. Seguindo esta linha. pp. (ii) Para o paradoxo da pluralidade. Process and Reality. Macmillan. (nota 8). avanços na teoria da medida e da dimensão esclareceram ainda mais a natureza do infinito na matemática. o ponto de Zenão é que racionalmente não pode haver movimento.N. pois não corresponde à realidade. A. J.. Ted Jacobson e Carlo Rovelli. JURKIEWICZ. Scientific American Brasil. e o uso de tais redes para descrever a gravitação havia sido sugerida na década de 1960 por Roger Penrose. O tempo também é descrito como evoluindo de maneira discreta. ver: ABDALLA. que sugere que o espaço e o tempo seriam na verdade discretos. O espaço-tempo da teoria da relatividade geral se comportaria microscopicamente como uma “espuma” de spin. “Cordas. A teoria da gravidade quântica em loop (ou seja. é um dos programas de pesquisa que concorrem com a teoria das cordas. Espaço e Tempo Discretizado na Gravidade Quântica Nesta seção. R. juntamente com Abhay Astekar. perceberam que os problemas dessa tentativa de juntar as duas teorias poderiam ser resolvidos supondo que haveria um quantum mínimo de volume. (2008). (2004). 12 .14 A idéia de que o espaço e o tempo não seriam contínuos surgiu na metade da década de 1980 como resultado do fracasso de tentativas anteriores de juntar a teoria da relatividade geral com a mecânica quântica. A rede resultante é conhecida em matemática como um “grafo”. de nó em nó. J. Será que a continuidade do espaço e do tempo deve ser vista antes de tudo como uma propriedade holística? Ou será que eles podem ser decompostos em partes menores? Estas partes teriam a estrutura dos números reais? Dos números racionais? Haveria instantes infinitesimais? Faz sentido dizer que existem velocidades instantâneas? O espaço poderia ter uma estrutura fractal? A teoria quântica teria algo a acrescentar a esta problemática? 6. L. a gravidade quântica em loop. por sua vez. (2003). o que refletiria na estrutura do espaço. alteraria o padrão de conectividade da rede. e qualquer volume maior seria uma soma destas unidades discretas mínimas. o movimento dessas partículas se daria em passos discretos. da ordem de 10–99 cm3. 28-35. E. O espaço poderia ser concebido como consistindo de um número imenso de pequenos poliedros encostados uns aos outros. “Tudo o que existe são as linhas e os nós. ago. Dimensões e Teoria M”. II: Paradoxos de Zenão O esclarecimento matemático dos paradoxos da pluralidade e do movimento deixa ainda em aberto a questão da natureza microscópica do espaço e do tempo no mundo físico. O movimento da matéria e energia. e a forma como se conectam define a geometria do espaço” (p. a “tiques” quantizados que teriam a duração mínima de 10–43 segundos. “Universo Quântico Auto-Organizado”. 56-65. “Átomos de Espaço e Tempo”. março 2003. Tais grafos são também chamados de “redes de spin”. Outro texto sobre os “tijolos” que comporiam o espaço e o tempo é: AMBJØRN. e os físicos e matemáticos que trabalham nesta área formularam uma maneira de exprimir estados quânticos em termos desses grafos.2008) Cap. 61). Scientific American Brasil 75. & CASALI. 2004. Este seria um volume mínimo de espaço. 14 SMOLIN. Esta teoria. eles criam o espaço. As partículas elementares estariam associadas a nós e os campos às linhas entre os nós. Smolin. Sobre a teoria das cordas.FLF0472 Filosofia da Física (USP . 2008. apresentaremos superficialmente uma visão recente proposta pelo físico Lee Smolin e colaboradores. & LOLL. fev. visando unificar as quatro interações conhecidas na física. em circuitos fechados) substitui essa representação de volume por outra na qual cada quantum de volume é representado por um nó ou ponto ligado aos pontos dos outros volumes adjacentes por segmentos de reta. Scientific American Brasil. seu “movimento natural” é retornar de maneira retilínea: terra e água tendem a descer. Aristóteles também descreveu o movimento para cima de uma porção de 13 . qual é o mecanismo que está por trás disso? Podemos ficar perguntando porquês para sempre? Ou uma hora temos que parar e aceitar uma resposta dogmaticamente? E. Para Aristóteles.8. fogo é quente e seco. eram basicamente três: o hilemorfismo aristotélico. o atomismo greco-romano e o naturalismo animista. só para mais tarde descobrir que tínhamos deixado de perceber uma ambigüidade. A fonte do movimento é uma força (dunamin ou ísquis). ar e fogo. 1. ver seção II.4). Os elementos tendem a se ordenar em torno do centro do mundo. antes do século XVII. para explicar porque uma pedra arremessada continua se movendo na horizontal. abaixo de uma certa força exercida. como na areia. a força é o peso do corpo (P). O paradigma do movimento natural é a queda de um corpo na água.Filosofia da Física Clássica Cap. Se um elemento é removido de seu lugar natural. cada qual tendo um par de qualidades distintivas: terra é fria e seca. Hilemorfismo e a Física Aristotélica O hilemorfismo é a filosofia desenvolvida por Aristóteles de que todas as coisas consistem de matéria (hile) e forma (morfe). 215a24-b10). Por “matéria” entende-se um substrato (matéria prima) que só existe potencialmente. Assim. Neste caso (Física IV. Haveria quatro elementos básicos. A mudança das coisas é explicada por quatro tipos de causas: o fator material. No movimento natural a força é interna. a forma. Aristóteles tinha uma noção clara de que. tendo que haver contato contínuo entre o motor e o movido. III Filosofia Mecânica Questão: Como explicar a gravidade sem forças à distância? Você realmente entende o que está acontecendo quando solta uma pedra e vê ela cair? Por que ela cai? Porque ela é atraída. ou seja. por que queremos obter respostas? E por que às vezes nos satisfazemos com uma resposta. água é fria e úmida.5. Mas por que eles se atraem. em uma superfície. sentimos uma felicidade de termos compreendido uma questão. e que só existe em ato junto com uma forma (sobre potência e ato. 249b30-250a28). A distância (S) percorrida em um intervalo de tempo (T) é proporcional à força exercida (F) dividida pelo peso do corpo (P). o movimento pode cessar (devido ao atrito estático) (Física VII. água. todo movimento tem um agente (um motor) e um paciente (o movido). ou é o resultado do exercício de uma força por um agente. a causa eficiente e a causa final (ou propósito). e a resistência (R) exprime a densidade do meio: P/R = S/T. cada qual em seu “lugar natural”. como um barco. Aristóteles tinha que postular a “antiperistasis”. e que o prazer da compreensão era só uma ilusão? Qual a diferença entre explicar e compreender? As concepções tradicionais da matéria e da gravidade. ou melhor. ar e fogo tendem a subir. e no movimento violento ela é externa. o ar deslocado pela frente da pedra retornaria para a parte traseira da pedra e nela exerceria uma força! O paradigma de movimento violento é uma pessoa empurrando um objeto. terra. sendo que este peso inclui também a resistência do meio: F/P = S/T. Mas por que ela é atraída? Porque todos os corpos se atraem. ar é quente e úmido. mudando o foco da pergunta. O “movimento violento” envolve a remoção de um corpo de seu lugar natural. assim.M.) argumentaria que a queda dos corpos graves no ar não se dá com velocidade uniforme. para Demócrito. Porém. chocando-se freqüentemente uns com os outros. e o arranjo de um conjunto de átomos.FLF0472 Filosofia da Física (USP . Ver também KATZ. um movimento Comentário de CASPER. De Caelo. há alteração de velocidade (Física. Nova Iorque. 340-268 a.C. Foresight and Understanding. (1961). As propriedades primárias dos átomos. (1943). American Journal of Physics 45.C. Vimos que Aristóteles mencionou que. O aristotélico Estráton de Lâmpsaco (c.C. e assim não poderiam se chocar uns com os outros. se chocariam com os mais lentos e.8. em outros trechos. na queda dos corpos. segundo alguns autores) resolveu o problema da formação dos mundos introduzindo um pequeno movimento aleatório lateral (“clinamen”). American Journal of Philology 64. se houvesse o vazio. indicando que a velocidade seria proporcional ao volume do objeto (De Caelo. 325-30. os átomos deveriam cair com a mesma velocidade.C. em seu famoso poema Da Natureza das Coisas. Na Física (VIII. 216-220). os átomos originariamente estariam “caindo” no vazio. Em sua Física (IV. Epicuro adicionou o peso a esta lista. J. 15 14 . Segundo Demócrito. imperceptível para os nossos sentidos. estava a crítica à concepção de como os mundos teriam se originado. Eles estariam em movimento contínuo. seriam três: a forma de cada átomo (o que inclui o tamanho). considera que se não houvesse um meio a ser vencido (ou seja. menciona que a velocidade de queda dos corpos depende do peso. 50. “Galileo and the Fall of Aristotle: A Case of Historical Injustice?”.). Atomismo Greco-Romano O atomismo grego surgiu com Leucipo de Mileto (início do séc. o movimento de queda seria infinitamente rápido. S. sendo uma versão simplificada da lei de Navier-Stokes. se iniciariam movimentos em todas as direções. Epicuro incumbiu-se da tarefa de responder às críticas de Aristóteles ao atomismo. Como este não oferece resistência. 309b11-15). num dos quais nós viveríamos (os outros mundos estariam espalhados pelo espaço infinito). os átomos poderiam rebater ou então se ligar através de ganchos ou formas complementares. Harper & Row. Assim. Segundo esta visão. o que é inadmissível. Há dois trechos em que Aristóteles indica ter noção de que. 2. 277b4-5).C. que acabariam formando os mundos. o vazio não existiria. pois o barulho que um corpo faz ao cair de uma altura pequena é bem menor do que quando cai de uma altura maior.2008) Cap. V a.) e foi desenvolvido por seu discípulo Demócrito de Abdera (c. Átomos maiores cairiam com maior velocidade. 99-55 a. Cada átomo. p. (1977). as velocidades seriam as mesmas! Esse resumo indica que “Aristóteles não era um idiota”15. só teriam realidade os átomos e o espaço vazio. III: Filosofia Mecânica fogo com a mesma lei. e seria indivisível. 460-370 a. Nas colisões. Posteriormente ele se estabeleceu como escola em Atenas no “Jardim” de Epicuro (341-270 a. Epicuro (ou Lucrécio. e TOULMIN. “Aristotle on Velocity in the Void”. sua posição (o que inclui sua orientação em relação a outros átomos). 215b12-22). Dentre essas. Haveria um número infinito de átomos espalhados no vazio infinito. B.). O filósofo da ciência Stephen Toulmin (1961) salientou que esta lei é correta no domínio de observação restrito em que o corpo atinge uma velocidade terminal de queda. 432-5. que fundou suas teorias em observações. teria uma forma e um tamanho imutável. Aristóteles trata da possibilidade do vazio.). 230b24-28. se a queda fosse no vazio). e foi difundido no mundo romano por Lucrécio (c. todos na mesma direção paralela. e que tinha uma noção confusa de que a queda dos corpos poderia envolver variação de velocidade. para formar os mundos. com força e coesão.2008) Cap.C. e considerava que a natureza seria imbuída de uma espécie de alma. 2a ed.17 Em suma. ao taoísmo na China e ao estoicismo. enxofre e mercúrio. Contrastou eletricidade e magnetismo da seguinte maneira: a primeira envolveria uma ação da matéria. que possuem uma espécie de alma.A. o naturalismo renascentista salientava o mistério de uma natureza opaca à razão. pp. São Paulo (orig. ela pode ser associada aos pitagóricos. como o suíço Paracelso (1493-1541) e o alemão Andreas Libavius (1560-1616). Uma das mais importantes obras dentro da tradição do naturalismo renascentista foi o De Magnete. 28-36. No Renascimento.: 1875). Arno Press. G. R. A concepção alquímica da matéria baseava-se em três princípios: sal. trad. para o naturalismo animista a gravidade é explicada por uma atração entre os corpos. e que é semelhante ao amor entre os seres vivos. regidos por forças de simpatia e antipatia. o naturalismo animista ressurgiu com vigor. Os atomistas eram materialistas. entre outros. Uma boa fonte da história da ciência grega é: LLOYD. Sobre o naturalismo renascentista. que fazia as partes separadas (como as de um imã) desejarem se unir novamente. III: Filosofia Mecânica sem causa. Imaginou que essa atração seria de natureza magnética. O magnetismo seria uma “matéria telúrica”. e LLOYD (1973). 26). The History of Materialism. 17 16 15 . uma tradição semi-religiosa e mágica vinda da Antigüidade. The Construction of Modern Science. Círculo do Livro. Na Antigüidade. a “alma da Terra”. Ele seria um poder nãocorpóreo. e também RONAN (1987). Rio de Janeiro. vol. pp. só cognoscível através da experiência. na morte. os átomos espirituais se desagregariam. (1971). Nova Iorque. História Ilustrada da Ciência da Universidade de Cambridge. Cambridge U. o atomismo seria discutido especialmente por Pierre Gassendi. e que um imã Um relato detalhado dos atomistas está em LANGE. em inglês: 1983).S. E. com união e concordância. 11-15. ver WESTFALL. escrito em 1600 pelo inglês William Gilbert (1544-1603). entre o macrocosmo e o microcosmo.E. F.R. Johannes Kepler (1571-1630) foi influenciado por esta tradição. fazendoos orbitar em torno de si. Zahar. Nova Iorque (1a ed. Thomas. a alma seria fruto da matéria. (1970). ambos da Norton. Esse movimento sem causa de “átomos espirituais” seria também usado para explicar a liberdade da alma. A finalidade da alquimia era conseguir a transmutação dos metais em ouro e descobrir um elixir da vida eterna e cura de todas as doenças. havia uma ordem racional da natureza que o intelecto poderia penetrar. Greek Science after Aristotle. em alemão: 1866. pois consideravam que. Early Greek Science: Thales to Aristotle. ou seja. Os representantes típicos desta corrente eram os alquimistas. seria a chave para se compreender a natureza. Naturalismo Animista Outra corrente que foi importante nos primórdios da ciência pode ser chamada de naturalismo animista. O naturalismo renascentista foi também influenciado pelo hermetismo. Da mesma maneira que um filho separado da mãe é por ela atraído. defendendo uma afinidade mística entre o mundo e a humanidade. Essa afinidade seria também a base teórica da astrologia.FLF0472 Filosofia da Física (USP . J. Esta posição considera que a natureza tem uma espécie de alma ou vida. para explicar a progressiva agregação dos átomos.. Por contraste. Press. Introduziram a idéia de utilizar agentes químicos na medicina. ao conceber que o Sol seria a anima motrix (alma motiva) que exerceria uma força nos planetas. E dele a hipótese discutível de que Epicuro teria introduzido o clinamen para responder a Aristóteles (p. (1974). XVII. No séc. já que a intervenção de objetos entre dois imãs não afeta a atração. Para a escolástica aristotélica. 25-31. dentro da visão de mundo do catolicismo. além das ervas medicinais. que ensinava que o homem é capaz de descobrir elementos divinos dentro de si. III.16 3. 4 vols. a segunda seria uma ação da forma. seria indestrutível. (nota 17). que lidava com formas no espaço. (1999). como uma reação contra o naturalismo animista. pp. Hobbes). trad. provenientes de choques. a concepção mecanicista tornou-se hegemônica durante uns oitenta anos a partir de 1644. Heloísa Burati. pondo a matéria em movimento de uma vez por todas. Na filosofia mecânica. Princeton U. Acabava-se com o “mistério do mundo” do naturalismo animista. matéria e espírito estavam separados. 191-8. Um engenhoso passo de Descartes foi identificar a matéria com a extensão. o jovem Newton) e filósofos (Gassendi. São Paulo. Na física. a partir de 1720. C. em que os princípios explicativos envolvem apenas matéria e movimento. podia ser deduzida a partir das idéias claras e distintas do intelecto. A Geometria. Press. geológicos e astronômicos) em termos de matéria em movimento. portanto. como o mecanismo de um relógio. esta visão de mundo surgiu no seio do cristianismo. O mundo material mover-se-ia apenas em conseqüência dos choques entre os corpos. a partir do padre Marin Mersenne (1623)18. A geometria. pp. representada pelos atomistas. o que retiraria de Deus e dos próprios seres humanos a responsabilidade pelas questões humanas. e vice-versa (Pierre de Fermat também estava desenvolvendo isso. As Figs. Sobre a filosofia mecânica em Descartes. Descartes – Uma Biografia Intelectual. sendo compartilhada por cientistas (Descartes. A Física e Cosmologia de Descartes René Descartes (1596-1650) ganhou fama com seu Discurso do Método (1637). Deus teria que ser invocado para explicar essa atividade. Com isso. resultando no que viria a ser chamado de filosofia mecânica (termo usado por Boyle). The Mechanization of the World Picture. de tal maneira que a física passaria a ser uma geometria de figuras em movimento (“extensão” significa espaço. DESCARTES. Mersenne. 403-18 (orig. de maneira independente). R. Huygens. em holandês: 1950). Dikshoorn. que buscou explicar todos os fenômenos físicos (incluindo químicos. Deus teria criado o Universo de uma só vez. Princípios de Filosofia. 18 19 Ver GAUKROGER.2008) Cap. e seria “inerte”. Rideel. (1986). A Filosofia Mecânica Os trabalhos de Copérnico e Galileu abriram o caminho para o ressurgimento da antiga tradição “materialista”.J. Identificando matéria e extensão. A física tratava de matéria em movimento. pp. em latim: 1644). A matéria seria regida apenas por causas eficientes externas. 189-93 (orig. volume). Boyle. sem atividade ou potência internas. 16 . Se não houvesse atividade alguma na matéria. o que seria expresso no “princípio de inércia” da mecânica clássica. 5. como queria Mersenne. Para ele. III: Filosofia Mecânica separado em dois deseja se unir novamente. Rio. pp. Em 1644 publicou o Princípios de Filosofia. e WESTFALL (1971). 30-42. e salientava-se a transparência do mundo à razão. assim também os princípios de simpatia e antipatia regeriam o comportamento dos corpos celestes. Contraponto. Curiosamente. pode-se também consultar DIJKSTERHUIS.FLF0472 Filosofia da Física (USP . no qual mostrou como escrever curvas geométricas em termos de equações algébricas. que continha um apêndice. Este movimento se conservaria. Hooke. op. a ameaça das doutrinas naturalistas estava na concepção de que a matéria seria “ativa”. 4.1 e 2 são retiradas deste livro. E. a noção de força gravitacional passou a ser aceita sem que se postulasse um mecanismo subjacente. Esta visão de mundo seria lentamente destruída pela ascensão da física de Newton e da astronomia de Kepler no continente europeu. seguindo a necessidade das leis da física. S. cit.19 A matemática tinha um papel central na concepção cartesiana. trad. III. (2005). um objeto tem a tendência natural de manter sua forma. O princípio de conservação de quantidade de movimento diz então que a soma da quantidade de movimento (m·v) de todos os corpos do Universo é sempre a mesma. Ou seja. o princípio hoje aceito tem uma diferença importante. segundo Descartes. a mais “invariável” possível.FLF0472 Filosofia da Física (USP . Assim. Elas teriam um movimento muito rápido. Porém.1). A segunda lei é a da inércia linear: todo corpo que se move tende a continuar seu movimento em linha reta. O 2o elemento seria constituído por partículas arredondadas que preencheriam os céus. A primeira é uma lei de inércia geral: cada coisa permanece no estado em que está. Seria a matéria transparente que carregaria os planetas em órbita circular. incluindo ar (Princípios de Filosofia. sem direção). III. A cosmologia de Descartes baseava-se na noção de que cada estrela tinha em torno de si um grande vórtice. por exemplo. em torno da década de 1660. mas os filósofos naturais da época mostrariam que essas leis estavam erradas. assim também seria a matéria. haveria a mesma matéria por toda parte. seria medida pelo produto da quantidade de matéria (massa) do corpo pela velocidade do mesmo corpo: m·v. Para Descartes. e os planetas orbitam à sua volta porque são carregados por uma espécie de redemoinho de matéria. se for liberado durante o movimento. a perfeição de Deus. conforme podemos sentir pela força com a qual a pedra girante puxa. Isso equivaleria a um ato contínuo de conservação da quantidade de movimento (quantitas motus) total do Universo. chamado também de “matéria sutil”. observamos mudança no mundo. O 1o elemento. passa a enunciar três leis da natureza. tensiona. em contrapartida. A terceira lei envolve um conjunto de sete regras para descrever o choque entre os corpos. apesar de o ar ser tão fino que aparece transparente. enquanto não encontra outras causas exteriores. Fig. e sua conseqüente invariabilidade. levando Huygens. mas também conteria a matéria sutil e fragmentos do 3o elemento. a corda. e pode-se observar que objetos flutuantes giram em torno de si mesmos no mesmo sentido que a rotação do líquido: ora. Descartes partiu de um princípio a priori (anterior à experiência) para derivar as leis gerais da física. iii) Como o espaço é infinitamente divisível. significando que Deus quis que o mundo estivesse em movimento. não haveria espaço sem matéria: o vácuo seria impossível. IV. E essa tendência é permanente. iv) Como não faria sentido pensar num espaço sem extensão. um corpo que gira em uma corda (uma funda. § 25). seriam luminosas e formariam a matéria do Sol e das outras estrelas. mas para o cientista italiano o movimento inercial acabava sendo um movimento circular em torno da Terra. Há portanto variação. o que negava o atomismo. Na verdade. Wallis e Wren a formularem independentemente as leis corretas. Ela seria opaca. seria constituído de lascas minúsculas que teriam se separado do choque entre a matéria dos outros tipos. Descartes fez observações de redemoinhos em tonéis de vinho. escapará em linha reta. também o seria a matéria. é exatamente isso que acontece com os planetas do Sistema Solar! Haveria três tipos de matéria. que é que a velocidade precisa ser tomada como um “vetor” (com direção). seria constituída principalmente do 2o elemento. 17 . O 3o elemento seria a matéria mais grossa que constitui a Terra. o Sol é uma dentre as várias estrelas. que a tudo permeia.2008) Cap. Assim. que giraria da maneira como faz o nosso sistema solar (Fig. Tal quantidade. É um princípio que ainda se aceita hoje em dia. o movimento inercial (livre de causas) é sempre linear. Essa idéia surgiu com Galileu.2). A “matéria celeste”. III. ii) Como o espaço é homogêneo. com a mesma velocidade. III: Filosofia Mecânica quatro conseqüências eram imediatamente tiradas: i) Como o espaço é infinito. a partir da idéia clara e distinta de Deus. mas tal variabilidade deve ser a mais simples possível. e quem o formulou pela primeira vez foi Descartes. os planetas e os cometas. e não simplesmente como um “escalar” (um número simples. Teriam migrado para o centro do vórtice por causa da tendência da matéria mais grossa de se afastar do centro. Com isso. devido à rotação da matéria celeste em torno da Terra. de forma que esta tem uma tendência a preencher este (quase) vácuo. tal matéria se move mais rapidamente do que os corpos grossos.FLF0472 Filosofia da Física (USP . Figura III. um corpo com mais matéria terciária (como o litro de chumbo) transmite mais quantidade de movimento 18 . os corpos caem. e a Lua é obrigada a preencher o vácuo que se formaria. Da mesma maneira que uma esponja aumenta de tamanho quando ela é embebida em água. A explicação para a órbita da Lua em torno da Terra é a mesma: matéria celeste se afasta da Terra. 6. Na superfície da Terra. têm pesos diferentes? A explicação de Descartes é que o chumbo tem poucos interstícios. O Sol (S) está cercado pelas trajetórias circulares de seus planetas.2008) Cap. devido ao movimento do vórtice em torno de nosso planeta. Figura III. um de chumbo e outro de cera. Mas por que um corpo mais pesado que cai em nossa mão gera uma sensação mais intensa de força? Ora. a matéria terciária expande quando é aquecida e preenchida pela matéria celeste. já que o vácuo é impossível. como se fosse um vento. Explicação da Gravidade segundo a Filosofia Mecânica Por que sentimos que o chumbo é mais pesado do que a cera? Qual a origem da gravidade? Descartes considerava que a Terra gira em torno de seu eixo movido pelo vórtice de matéria celeste. é cheio de interstícios. e essas fendas estão sempre preenchidas pela matéria celeste. Vê-se também a trajetória de um cometa por entre as células de cada vórtice. por que dois objetos de igual volume (digamos 1 litro). Assim. Sua tendência para sair para fora (em movimento “centrífugo”. descendo verticalmente (a mesma explicação era também dada em termos de diferenças de pressão da matéria celeste). Assim. Sendo assim. Pelas leis do choque. é claro. assim como a funda mencionada acima) seria maior do que os corpos de matéria terciária. como uma esponja.1. o efeito retardador do ar). os corpos caem com a mesma velocidade. mais lentos. ao passo que a cera tem muitos. A quantidade de matéria (o que viria a ser chamada “massa”) é dada pelo volume ocupado pela matéria terciária.2. para preencher o espaço deixado por essa matéria celeste. como demonstrara Galileu (desprezando-se. Pedra em movimento circular que é solta de uma funda segue a trajetória retilínea ACG. III: Filosofia Mecânica O 3o tipo de matéria. que nos cerca. Essa saída da matéria celeste (que se daria inclusive por entre os interstícios dos corpos mais grossos) tende a criar um vácuo em baixo da matéria terciária. Vórtices associados a diferentes estrelas. o volume efetivamente ocupado pela matéria celeste é bem maior na cera do que no chumbo. desviando assim de seu trajeto retilíneo natural. Ver também MARTINS. Laudan. 151-84. tenderia para o centro da Terra. L. R. A velocidade v dessas partículas obedeceria à relação v2/r = g.” A teoria da gravitação de Newton (1687) foi a primeira a explicar as leis de Kepler. Pedaços de cera levemente mais pesados do que a água. Kluwer. & Laudan. Nicolas Fatio de Duillier. George Louis Le Sage. encontrou uma maneira elegante de explicar a lei da gravitação de Newton por meio de princípios mecânicos (ou seja. amigo de Newton. cit. que era o fato de que a tendência centrífuga da matéria celeste de se afastar do centro de rotação. mesmo fora do Equador? Christiaan Huygens (1629-95) buscou resolver este problema em seu Discurso sobre a Causa do Peso.S. Huygens realizou experimentos em uma mesa giratória com um recipiente cilíndrico de água. (nota 19).21 7. Para sustentar sua teoria. “Huygens e a Gravitação Newtoniana”. em Donovan. (1988). onde r é o raio da Terra e g a aceleração dos corpos em queda livre. A ontologia de Le Sage envolve “corpúsculos ultramundanos”. com seu centro no eixo de rotação da mesa. 1687-1713: Empirical Difficulties and Guiding Assumptions”. Dordrecht. 461-3. Teoria Cinética da Gravitação Em 1782.FLF0472 Filosofia da Física (USP . em torno de 1693. em 1738. em Genebra.20 Substituiu o vórtice cilíndrico de Descartes por um vórtice esférico. O primeiro efeito da obra de Newton foi então o fortalecimento da teoria mecânica dos vórtices planetários. se dava apenas no plano perpendicular ao eixo da Terra. (1989). “The Vortex Theory of Motion. em movimento aparentemente circular.A.). como aparece na Questão 21 de seu livro Opticks). permanecendo 20 DIJKSTERHUIS (1986). o que impediria os planetas de se afastarem. (orgs. Por que então os corpos caem em direção ao centro da Terra.2008) Cap. pp. que se encontravam no fundo do recipiente. Scrutinizing Science. e a evidência experimental a favor de órbitas elípticas levou tanto Huygens quanto Leibniz a tentar formular uma explicação mecânica para elas. Mas a partir de 1720. A teoria mecânica dos vórtices planetários explicava bem o fato de os planetas se moverem no mesmo plano em torno do Sol. se não o fizessem. para o eixo de rotação) a partir de uma certa velocidade de rotação. que bombardeariam todos os corpos pesados de todos os lados. a nova geração de físicos no Continente Europeu se convenceu da superioridade do programa newtoniano. o chumbo que cai em nossa mão é mais difícil de segurar. e de suas rotações e revoluções se darem no mesmo sentido. Um corpo perdido no espaço receberia um número de impactos mais ou menos igual de todos os lados. sua teoria é semelhante a uma proposta feita por um matemático suiço. Pois. E se os dois corpos estiverem parados em nossa mão? Neste caso. inspirada na idéia formulada por Daniel Bernoulli para gases. já que não conseguiam acompanhar o movimento da água (devido ao atrito com o fundo do recipiente). 21 19 . em 1690 (até Newton tentou fazer isso. Uma pedra que fosse solta no ar seria atingida em sua parte superior por matéria celeste de velocidade maior. Nas palavras de Huygens (1686): “Os planetas nadam em matéria. que seja o Sol. redigido em 1669 mas só publicado em 1690. 85-102. Sua teoria pode ser chamada uma “teoria cinética da gravitação”. B. por que o litro de chumbo é mais difícil de segurar do que o de cera? Aí eu não sei. digamos da Terra. o que os moveria? Kepler quer. tendiam para o centro do recipiente (isto é. envolvendo apenas forças de contato). pp. A. pergunte ao René! A teoria da gravitação de Descartes tinha um problema sério. bastante leves. erroneamente. (Synthese Library 193). segundo ele. Assim. e assim. III: Filosofia Mecânica (velocidade) para a nossa mão do que o corpo com menos matéria terciária (como o litro de cera). Cadernos de História e Filosofia da Ciência (série 2) 1.. R. Na verdade. imaginando que as partículas da matéria etérea giram em torno da Terra em todas as direções. op. BAIGREE. muito tempo depois da queda da filosofia mecânica. III: Filosofia Mecânica assim em um estado inercial. Este menciona alguns autores do século XX que retomam esta idéia. 20 . um deles bloquearia parte dos corpúsculos ultramundanos que atingiria o outro. Nova Iorque. 8.22 22 BRUSH. 21-2. Desta forma. como na formação de uma sombra. Amsterdã.2008) Cap. em Dictionary of Scientific Biography. “Lesage. Mas quando dois corpos estão próximos. vol. ora defendida por detratores da física “oficial”. pp. 1. Ver também: GOUGH. Le Sage teve que adotar a teoria cartesiana da matéria. os corpos se atrairiam. 259-60. J. (1970). A teoria cinética da gravitação é uma idéia que periodicamente volta à cena.G. George-Louis”. vol.B. e supor que um corpo menos denso tem mais espaço vazio em seu interior. como a Terra e a Lua. Scribners. (1976): The Kind of Motion We Call Heat. S. Le Sage ajustou seus parâmetros de forma a obter a lei da gravitação de Newton. ora incorporada em teorias cosmológicas sofisticadas. Para explicar porque corpos mais densos exercem maior força gravitacional. pp. North-Holland.FLF0472 Filosofia da Física (USP . herdou a noção de que a força exercida por um corpo em outro. ao enunciar suas três leis da mecânica (princípio de inércia. adotando a visão atomista divulgada principalmente por Pierre Gassendi.). que descreve o movimento de fuga em relação ao centro (e não uma atração): F = mv2/r. 120-59. e encontrou uma força que decresce com a distância de acordo com 1/r2 (faça como exercício. Newton não tinha ainda a noção de uma força de atração. Hooke lhe sugeriu usar uma lei de atração com uma força proporcional a 1/r2. Em sua juventude. Finalmente. 21 . pp. Newton abandonou a mecânica e foi trabalhar com matemática e com óptica. recuperando-se ao longo de cinco anos. No entanto. Derivou uma expressão para a força “centrífuga” (também estudada por Huygens). Neste ano. “a potência de uma causa”. introduziu a concepção de uma força que age à distância. como a culminação da tradição de pesquisa da filosofia mecânica. é igual à força recebida. cit. A noção de “força”. Desses autores. Em 1679. durante um choque. mas teve uma crise nervosa e acabou abandonando as pesquisas. a lei da força gravitacional que ele havia encontrado passou a explicar bem o movimento da Lua. e foi bastante criticado por isso. Ao fazer isso.Filosofia da Física Clássica Cap. (nota 19). definição de força e princípio de ação e reação). Além disso. pp. mas adotou uma postura “instrumentalista” de renunciar à busca de uma explicação mecânica para esta atração. Juntou este resultado com a 3a lei de Kepler (que relaciona os períodos e os raios médios das órbitas dos planetas: T 2/r3 = cte. era concebida como uma pressão de um corpo sobre outro. Em 1675. 463-91. injetou no programa mecanicista um elemento da tradição do naturalismo animista (de Kepler). ficou sabendo de uma correção para o valor de um grau de latitude. Após algumas dificuldades iniciais. recebeu um convite de Robert Hooke (1635-1703) para reexaminar o problema dos movimentos planetários. por um lado. Ao aplicar esta fórmula para a “queda” da Lua (usando a lei de Galileu. não seguiu explicitamente a concepção de realidade desse naturalismo renascentista. estudou a mecânica de Descartes e assimilou o princípio de inércia e as leis do choque entre corpos23. medida pelo astrônomo francês Jean Picard em 69. que ocupariam todo o espaço. op. op. Deu alguns passos adiante. ao invés do valor de 60 milhas que Newton usara em seu cálculo da queda da Lua em 1666. e se move chocando-se constantemente com as paredes da arena. em 1666. lembrando que v=2πr/T). o astrônomo Edmund Halley visitou Newton. perguntando ao exímio matemático qual seria a trajetória de um corpo orbitando com uma força de atração 23 Seguimos WESTFALL (1971). Mecanicismo com Forças à Distância O trabalho de Isaac Newton (1642-1727) pode ser visto. Ao finalizar esses estudos. encontrou uma discrepância de uns 15%. Com essa correção. cit. No entanto. após realizar importantes pesquisas em óptica. (nota 17). especialmente em seu estudo da lei de atração gravitacional. imaginando uma bola que está presa em uma arena circular. em 1684. e DIJKSTERHUIS (1986). e deixou a questão de lado. No entanto. esboçou uma visão de mundo que seguia Descartes em sua concepção de que a gravidade podia ser explicada a partir do movimento das partículas do éter. adotava um princípio secreto de “sociabilidade” para explicar algumas reações químicas. estando restrita a choques entre corpos. Passou a estudar os movimentos circulares. IV Concepções Realista e Instrumentalista de “Força” Questão: A ciência deve apenas descrever o que é observável ou deve lançar hipóteses sobre a realidade que estaria por trás dos fenômenos? 1. d = ½ at2 ).1 milhas inglesas. No período 1664-66. Newton era partidário da concepção mecânica de Descartes e Huygens. Disso resultou a publicação da grandiosa obra Philosophiae naturalis principia mathematica (Princípios naturais da filosofia natural. como na expansão dos gases. conceitos esses que antes de Newton não eram distinguidos claramente (salvo em Kepler). trad. 25 24 Ver JAMMER. Seguindo o método axiomático de Euclides. seja ele de repouso ou movimento retilíneo uniforme. Outra obra importante de Newton foi seu Opticks (1704). Com estas leis e a noção de força centrípeta (força central). Com o desenvolvimento do texto. R. Tal definição passou a ser considerada problemática.IV: Concepções Realista e Instrumentalista de “Força” proporcional a 1/r2. como era costume no séc. Comentários. e é exemplificado pela percussão ou pela pressão (como era costume na filosofia mecânica) e também pela força centrípeta (o que era uma novidade). que chamava “quantidade de matéria”. O magnetismo seria outro exemplo importante de forças atuando à distância. que seria o produto da massa e da velocidade. As definições 3. e Trechos relevantes de Newton se encontram na excelente coletânea de COHEN.FLF0472 Filosofia da Física (USP . e define como o produto da densidade e do volume. Enunciou então a lei da gravitação universal. A “força imprimida é uma ação exercida sobre um corpo para modificar seu estado”.B. A primeira é do conceito de massa. aplicou sua teoria para a descrição detalhada do sistema solar. Concepts of Mass in Classical and Modern Physics. No Livro II. o que explica a coesão dos corpos e a capilaridade. Tais forças poderiam ser de atração. Harper & Row. pp. Definições e Leis no Principia O Livro I do Principia não falou em gravitação. considerou sistemas com fluidos.25 A segunda definição é de “quantidade de movimento”. mostrando que a lei da gravitação é a mesma para as luas de Júpiter. recebendo estímulo e auxílio financeiro de Halley. A força centrípeta. Newton derivou as três leis de Kepler. com definições básicas e as suas três leis. conforme tinha calculado cinco anos antes para o problema de Hooke. As peças então se encaixaram. Vera Ribeiro. e também de repulsão.2008) Cap. ao que Newton respondeu que seria uma elipse. UERJ. (1964). Contraponto/Ed. já que ele não define o que seria “densidade”. estendeu sua concepção – de que existem forças que atuam à distância entre todos os corpos – para todas as partículas. Ao final do séc. descrita na sexta definição. É o nosso conceito atual de força. 2. Nova Iorque. M. Antecedentes. buscando entender se esses fundamentos são extraídos da observação ou formulados teoricamente. XVIII. 278-91. certas propriedades de “massa” deixaram claro que ela se distingue da noção de “peso”. É interessante enfocarmos os conceitos fundamentais apresentados por Newton24. Rio de Janeiro. 152-7.) (2002). inclusive átomos e partículas de luz. (Original em inglês: 1995). No Livro III.S. Newton: Textos. 22 . (orgs. XVII. I. & WESTFALL. uma tendência do corpo de resistir à ação de forças externas. e criticou a concepção cartesiana de vórtices para o sistema solar. 4 e 5 apresentam uma lista de três tipos de “força”. mas apresentou os princípios gerais da mecânica. hoje em dia às vezes chamada de “momento linear”. e de permanecer em seu “estado”. O que chama de “força inata da matéria” (vis insita) é o que chamamos de inércia. 1687). Reações químicas também poderiam ser explicadas por meio da atração e repulsão no nível microscópico. e Newton retomou seu trabalho em mecânica. essa concepção tornar-se-ia o paradigma dominante (especialmente para o grupo que trabalhava em torno de Laplace). no que às vezes é chamado a visão “astronômica” da natureza: partículas imponderáveis (sem peso) sujeitas a forças de atração e repulsão. para os planetas em torno do Sol e para um corpo caindo na superfície da Terra. é aquela dirigida para um ponto. Nesta. Newton parte de oito definições. sem relação com qualquer coisa externa”. “retirando ou descontando a resistência do ar”. pp. a/F = v/p. No Cap. Para sustentar esta interpretação. haveria um “lugar” (volume) absoluto e um relativo. espaço. pois esse conceitos “são bem conhecidos de todos”. Com referência ao tempo. já que a quantidade de movimento é p = mv e a força motriz é F = ma. real. Analogamente. matemático. Esta definição se aproxima bem da nossa concepção atual da expressão F = ma. F = d/dt (mv). Nas definições seguintes. Newton pôde assim afirmar (p. separadamente” (ver Fig. ou seja. mas sim o da força magnética. que “flui uniformemente. A 1a lei é o princípio de inércia. e é exemplificado pelo peso. Newton apresenta suas famosas três leis. haveria o espaço absoluto. como em um choque entre corpos. que no caso de uma força elétrica estaria relacionada com a carga de um corpo. Mais adiante no Livro 1. ela é menor. A 2a lei afirma que “a variação do movimento é proporcional à força motriz imprimida. Analogamente. que em um “determinado intervalo de tempo” gera um movimento. lugar e movimento. a “velocidade que ela gera em um determinado tempo”. 470-4). V discutiremos mais a fundo esta distinção. a quantidade absoluta seria a massa do corpo que gera a força (o que poderíamos chamar a “carga gravitacional”).FLF0472 Filosofia da Física (USP .IV: Concepções Realista e Instrumentalista de “Força” exemplificada pela gravidade (atuando sobre projéteis e sobre a Lua).2008) Cap. ou seja. que afirma que um corpo permanece em seu estado de movimento uniforme (velocidade constante) “a menos que seja compelido a modificar esse estado por forças imprimidas sobre ele”. ao contrário da 2a lei. cujo enunciado é o seguinte: “Um corpo que sofre a ação de duas forças simultâneas descreve a diagonal de um paralelogramo no mesmo tempo em que descreveria os lados do paralelogramo por essas forças. sem relação com coisas externas. ou seja. que equivale à nossa noção atual de força. a quantidade aceleradora é igual para dois corpos. A “quantidade aceleradora” de uma força centrípeta seria simplesmente sua aceleração. e o espaço relativo. 1). A primeira é a “quantidade absoluta”. Na definição 8. que seria equivalente a F = ma. distingue entre o tempo absoluto. e também um movimento absoluto e um movimento relativo. pelo magnetismo. Por “movimento” entende-se a quantidade de movimento p = mv (introduzimos o negrito para designar grandezas vetoriais). diz que não irá definir tempo. Dijksterhuis (1986. Na superfície da Terra. e o tempo relativo. porém. 23 . Já em montanhas elevadas. No escólio que se segue. cuja “carga” estaria relacionada ao tamanho do imã e à sua intensidade. que seria uma medida do espaço absoluto. a força elástica ou a tensão em uma corda). como veremos a seguir. 282) que “a força de aceleração está para a força motriz assim como está a celeridade para o movimento”. No caso de uma força gravitacional. apresenta a “força motriz”. IV. que seria “uma medida sensível e externa”. o historiador holandês refere-se ao Corolário 1 que se segue às leis. e ocorre na direção da linha reta em que essa força é imprimida”. gera uma variação na quantidade de movimento. Ele não apresenta este exemplo. O enunciado exprime claramente a noção de uma força contínua. pela força dos planetas (neste momento ainda não identificado com a gravidade) e pela força de uma funda (ou seja. que resulta em uma variação finita de momento: I = ∆(mv). observa que a noção de força usada por Newton em seus cálculos é de uma força impulsiva I. A interpretação mais natural para o leitor moderno é supor que Newton está afirmando que a força motriz é a derivada temporal do momento linear. caracteriza três tipos de “quantidades” de uma força centrípeta. in Essays in the History of Mechanics. Isso aparece em uma carta a Boyle em 1678. 154-5). 112-7. é uniforme. não têm lugar na filosofia experimental” (in COHEN & WESTFALL. (ii) No sentido usado por Newton. Newton salienta que o movimento de A para B. 27 26 Essa maneira de apresentar a distinção é feita na seguinte interessante bibliografia sobre os problemas filosóficos da mecânica clássica: HESSE. na 2a edição do Principia. é preciso distinguir duas acepções do termo “hipótese”. resultando no movimento de A para D. e as hipóteses. 84-137. A 2a lei garante que as duas forças agindo em A agem de maneira independente. de qualidades ocultas ou mecânicas. entretanto. pp. e não invento hipóteses. Este é um bom exemplo de uma soma linear de causas. II). neste caso. para forças de todos os tipos. pp. declarou então que “não invento hipóteses” (hypotheses non TRUESDELL.FLF0472 Filosofia da Física (USP . Newton trabalhou em uma teoria “mecanicista” da gravitação (ou seja. C. Berlim. Para entender o que Newton quis dizer com isso.. pois o que quer que não seja deduzido dos fenômenos deve ser chamado de hipótese. Newton afirma: “Até hoje. É verdade que Newton parecia ter a noção de uma força que age de maneira contínua. então necessariamente haverá uma força –FAB sendo exercida em A. só com forças de contato. como em Descartes. O Corolário 3 mostra como o princípio de conservação da quantidade de movimento segue das 2a e 3a leis. Em seu famoso “Escólio Geral”. sejam elas metafísicas ou físicas. Quem consolidou a concepção moderna de F = ma. Tendo fracassado em sua tentativa. mas a utilização da 2a lei em seus cálculos envolve sempre uma força impulsiva. etc.IV: Concepções Realista e Instrumentalista de “Força” Figura IV. Ver pp. A 3ª lei de Newton é a lei de ação e reação: “para cada ação existe sempre uma reação igual e contrária”. que a força exercida em A é impulsiva. de forma que está claro. ver cap. uma hipótese é qualquer tese que conjeturamos sem que ela ainda tenha sido submetida a teste. 905-11. Springer. A Natureza da Força Qual é a natureza da “força”? Seria ela uma vera causa. 24 . Na verdade.2008) Cap. como exprimiu em sua Definição 8 (e também em seu Corolário 2. antes de escrever o Principia. MARY (1964). ([1960] 1968). em 175026. foi Leonhard Euler (1707-83). que não mencionamos). Se um corpo A exerce uma força FAB sobre um corpo B. não pude descobrir a causa dessas propriedades da gravidade dos fenômenos. e reaparece na Questão 21 do Opticks. é uma conjectura a respeito da natureza não-observável que estaria por trás dos fenômenos observáveis. um processo real que resulta nos movimentos observados? Ou seria ela apenas uma construção matemática obtida a partir dos movimentos observados?27 Newton oscila entre essas duas concepções. “A Program toward Rediscovering the Rational Mechanics of the Age of Reason”. O Corolário 4 mostra que o “centro de gravidade” de corpos interagentes permanece em seu estado de movimento inercial. (i) No sentido mais usual hoje em dia. 2002. “Resource Letter PhM-1 on Philosophical Foundations of Classical Mechanics”. escrito em 1713.1: Paralelogramo descrevendo os movimentos resultantes de forças impulsivas exercidas em A. American Journal of Physics 32. 3. Uma teoria é vista como uma formulação “econômica” (ou seja. o descritivismo aceita que um enunciado teórico seja considerado verdadeiro ou falso. fornecendo “um cálculo coerente com as observações”. (i) as entidades postuladas pela teoria teriam realidade. p. e não havia a pretensão de que os epiciclos correspondessem à realidade por detrás dos fenômenos astronômicos. já que a expressão matemática da lei de atração universal é suficiente para que se explique o movimento dos corpos celestes. A distinção entre instrumentalismo e descritivismo é sutil.2008) Cap. Harcourt. mesmo que elas não sejam observáveis (como “quarks” ou “partículas virtuais”). exprimindo a estrutura da realidade. 110). Segundo esta versão forte do instrumentalismo. lançando hipóteses sobre as verdadeiras causas dos fenômenos.28 Segundo o realismo. descrever com precisão as observações. Loparić. Oxford U. de Copérnico”. a física era vista como uma ciência que buscava explicações verdadeiras sobre o mundo. ou seja. porém. trad. Press. Descritivismo A discussão envolvendo o realismo científico e seus opositores é conhecida como a questão do “estatuto cognitivo das teorias científicas”. sem se preocupar com a verdade. Termos teóricos como “partículas virtuais” seriam uma descrição abreviada de um complexo de eventos e de propriedades observáveis. passou-se a considerar que a tarefa da astronomia seria apenas “salvar os fenômenos”. “Prefácio ao De Revolutionibus Orbium Coelestium. salvar os fenômenos. Assim.2). Realismo. (ii) as leis teóricas e princípios gerais seriam verdadeiros ou falsos. e notas de Z. com o desenvolvimento da técnica de epiciclos para prever as posições dos astros. uma teoria bem confirmada deve ser considerada literalmente verdadeira ou falsa. IV. cap. Brace & World. 1999. uma teoria científica seria apenas um instrumento para se fazerem previsões. que não há necessidade de estipular causas ou mecanismos ocultos. I. como as teorias científicas geralmente envolvem aproximações ou simplificações. no mesmo sentido em que objetos cotidianos são reais. (1999). E. Um exemplo clássico de discurso instrumentalista foi o prefácio escrito por Andréas Osiander29 ao livro de Nicolau Copérnico. O primeiro autor a quem se costuma atribuir o termo “descritivista” é Ernst Mach (por exemplo. 25 . 29 28 OSIANDER. deve-se entender a verdade através da noção de “verdade aproximada” ou do conceito de “verossemelhança”. e não um retrato real do Universo. mas um pouco desatualizada. 4. Nova Iorque. é feita por NAGEL. ([1543] 1980). em Niiniluoto. Critical Scientific Realism. fazendo previsões precisas. 117-52. pp. Instrumentalismo. (1961). Uma discussão mais completa e atualizada é dada por NIINILUOTO. Porém. The Structure of Science. 5. Na Antigüidade. pp. e hoje em dia há uma tendência de englobar ambos sob o nome “instrumentalismo” (em sentido lato) ou simplesmente “anti-realismo”. no mesmo sentido em que um enunciado particular é considerado verdadeiro ou falso. a mais simples possível) das relações de dependência entre eventos ou entre propriedades observáveis. com sua preocupação em reduzir a linguagem teórica à linguagem de observação (como veremos na Uma apresentação clássica. 44-61. na medida em que for tradutível em enunciados de observação verdadeiros. O descritivismo é uma forma de anti-realismo que busca traduzir ou reduzir os enunciados teóricos de uma teoria em termos dos enunciados de observação.IV: Concepções Realista e Instrumentalista de “Força” fingo). salientando que não seu sistema astronômico não tinha a prestensão de ser verdadeiro. Na astronomia. Cadernos de História e Filosofia da Ciência 1. ou seja. e não faria sentido dizer que se referem a uma realidade física inacessível para a observação (Fig. em oposição ao “realismo” da filosofia mecânica. Tal atitude pode ser chamada “instrumentalista”. Mesmo assim. A.FLF0472 Filosofia da Física (USP . FLF0472 Filosofia da Física (USP . na qual a figura se baseia. Além disso. Seria incorreto dizer que a teoria é “uma descrição abreviada de observações” (como no descritivismo). sem ter referência (sem ser verdadeira ou falsa).4). mas sim como um instrumento lógico ou matemático para organizar as observações e as leis experimentais. Schlick. Ruiz-Ramón. a separação entre fato e valor. Pode-se talvez associar o positivismo a uma visão descritivista.30 Ao contrário do descritivismo.IV: Concepções Realista e Instrumentalista de “Força” seção VII. que está ligado a uma preocupação com a linguagem da ciência e na redução do significado dos enunciados teóricos ao significado dos enunciados de observação. Reichenbach. o critério de demarcação entre ciência e metafísica. ([1970] 2004) “A Visão 26 . La Filosofía Positivista. uma teoria simplificada. O instrumentalismo tem facilidade em lidar com idealizações e modelos simplificados em uma teoria científica. G. 30 31 Para um estudo das teses que compõem o positivismo. mas foram os positivistas lógicos (Carnap. Uma boa referência. Além do descritivismo. 31 A “visão recebida” foi desenvolvida entre 1920 e 1960. outras teses que comporiam o positivismo seriam o nominalismo (seção I. etc. mas sim regras de acordo com as quais as observações são analisadas e inferências (previsões) são obtidas. Figura IV. ver o cap.2: Esquema da relação entre teoria e realidade. não tendo necessidade de definir uma noção de “verdade aproximada”. Uma idealização. L. com sua preocupação com a linguagem da ciência. I de: KOLAKOWSKI. ou seja. trad. segundo a “visão recebida”. Ediciones Cátedra. o instrumentalismo não vê uma teoria científica necessariamente como uma linguagem. H. e caracteriza uma teoria como sendo uma linguagem logicamente estruturada. teorias contraditórias. Uma teoria é vista não como um conjunto de enunciados que tenham valor de verdade. o instrumentalismo não vê problemas em se utilizar. apesar de se também poder associá-lo ao instrumentalismo.2). entre as décadas de 1920 e 60) que mais trabalharam nesta concepção. (1981). em diferentes momentos. fornece um bom exemplo de como uma teoria pode funcionar como instrumento. da mesma maneira que um martelo não é uma descrição abreviada de seus produtos. é: FEIGL. e a tese da unidade da ciência. Madri (original em alemão publicado em Varsóvia em 1966).2008) Cap.. o trabalho que lançaria esse projeto anti-realista seria a Teoria Analítica do Calor (1822). Por outro lado. um fluido sem peso (“calórico”). conforme expresso no prefácio de Osiander. Scientiae Studia 2(2). como foi feito por Fourier. como os mecanismos ocultos da filosofia mecânica ou os átomos da teoria cinética dos gases. porém. em sua teoria do calor. microscópicas) enunciam relações entre entidades hipotéticas que não são observáveis.IV: Concepções Realista e Instrumentalista de “Força” A distinção entre realismo e anti-realismo leva a uma distinção entre dois tipos de teorias científicas (seguindo nomenclatura de Rankine. Mach desenvolveria um positivismo radical no qual o próprio conceito de força seria visto como uma mera construção mental. ele não seria um “instrumentalista” no sentido forte da tradição astronômica. XIX. No entanto. adotou uma postura anti-realista. Já as teorias abstrativas (fenomenológicas. ou seja. No entanto. 1961). essa visão “sintática” tem sido hoje preterida em favor da chamada “visão semântica de teorias”. sem se comprometer com a natureza última do calor. Realismo e Anti-Realismo em Newton Newton era realista. Outro exemplo é sua tese de que a luz consiste de partículas emitidas com diferentes velocidades. não por um princípio filosófico. e pela termodinâmica. 265-77. ‘Ortodoxa’ de Teorias: Comentários para Defesa assim como para Crítica”. 1855. como Mach faria mais tarde. absteve-se de postular uma hipótese. instrumentalista ou descritivista? A tradição mecanicista de Descartes e Huygens era realista (assim como o atomismo grego). cita Hume como o primeiro positivista completo). já que não conseguiu imaginar um mecanismo para a gravitação. que basta conhecer o estado inicial e as condições de contorno observáveis. de Joseph Fourier. Seria esta uma postura descritivista ou instrumentalista? Não se costuma chamar sua atitude de “descritivista” porque ele não tinha preocupação em reduzir o significado de enunciados teóricos a enunciados de observação.2008) Cap. já que concebiam mecanismos envolvendo partículas invisíveis que dariam conta dos fenômenos macroscópicos observados. Newton considerava que as forças existiam de fato. mas apenas pelas circunstâncias do problema.FLF0472 Filosofia da Física (USP . que buscaria definir em termos de grandezas observáveis. Devido a dificuldades de incorporar modelos e analogias. sua afirmação seria interpretada por muitos como a afirmação de que a Física não precisa se preocupar com mecanismos ocultos. pp. com o debate de se o calor era uma forma de movimento de partículas ou uma substância. como posições e acelerações (ver adiante). Teorias hipotéticas (transcendentes. que descrevia situações de equilíbrio e condução térmica de maneira matemática. citado por Nagel. Apesar de sua atitude metodologicamente instrumentalista com relação às causas da força gravitacional. um termo teórico (não observável). que mencionamos na seção anterior. Um exemplo claro de uma tese realista é sua defesa do espaço absoluto. XIX. era um realista com relação à entidade “força”. Uma solução é dizer que adotou um “instrumentalismo metodológico”. uma visão também realista). A afirmação de Newton de que não inventaria hipóteses a respeito da natureza da lei da gravitação é própria de uma teoria abstrativa. e assim ele tinha uma atitude basicamente realista. 27 . que se inicia com Auguste Comte (Kolakowski. Este trabalho foi uma das fontes de inspiração para o positivismo do séc. No séc. Newton foi formado nesta tradição (recebendo influências também do naturalismo animista. que veremos no próximo capítulo. XIX. a partir do séc. XIX. ao anunciar que não se preocuparia em inventar hipóteses a respeito das causas da força gravitacional. ou seja. macroscópicas) formulam apenas relações entre propriedades observáveis. para daí fazer previsões utilizando as leis de movimento da Física. No séc. 5. ) é algo que nosso intelecto constrói. como ‘Dentro de uma hora choverá aqui ou não choverá aqui’. haveria verdades sintéticas a priori. Para o filósofo de Königsburg. a geometria euclidiana exprime como o mundo é de fato. críticos como Quine argumentaram que a própria distinção entre enunciados analíticos e sintéticos é mal formulada. ou seja. para o empirismo não há verdades sintéticas a priori. atingíveis pela razão pura (sem experiência ou observação). XX. as verdades mais gerais de nosso conhecimento exprimem a maneira como nós (ou qualquer ser inteligente que tenha experiência do mundo) inevitavelmente organizamos nossa experiência. Hoje em dia. para Kant. a questão se coloca em um contexto “naturalizado”. de que o “eu” existe. No final de sua vida. salientando que o nosso conhecimento do mundo envolve uma construção mental. permite que possamos conhecer verdades a respeito de nós mesmos e do mundo (do qual fazemos parte) sem termos que observar o mundo exterior? 28 . etc. No séc. diz-se que é um enunciado sintético ou factual. e não algo que possamos dizer que existe na realidade. mas não sintéticas a priori. mas a partir da década de 1950. David Hume (1711-76) foi o mais importante crítico desta concepção. para Kant. No entanto. Os empiristas britânicos rejeitaram essa pretensão dos metafísicos (como Descartes e Leibniz) de que se pudesse conhecer o mundo apenas através da razão. Em suma. ao invés de mv). Uma verdade analítica é ou uma verdade lógica. a relação de causalidade. Para Kant. pois para Kant tal mundo das coisas-em-si é inatingível pela razão pura. Kant procurou mostrar que as próprias três leis da mecânica newtoniana são sintéticas a priori. sem observação. Será que o fato de termos evoluído por seleção natural. V Experimento do Balde e Espaço Absoluto Questão: O espaço e o tempo são absolutos ou relativos? 1. sem necessidade de observar o mundo. salientando que existem “verdades analíticas a priori”. mas tal geometria pode ser conhecida de maneira a priori! Assim.5): partiu de princípios a priori. o positivismo lógico herdou a concepção empirista de que não há verdades sintéticas a priori. levando em conta que nossa mente é fruto de um cérebro que evoluiu biologicamente. Como esta lei descreve o movimento dos corpos do mundo. A diferença com Descartes é que tais verdades não se refeririam a algo “lá fora”. Esse projeto deixa claro a certeza que se tinha da veracidade da mecânica clássica. e que a estrutura comum a tudo o que observamos (como o espaço euclidiano. deriváveis teoricamente. como ‘Nenhum casado é solteiro’. Há Juízos Sintéticos A Priori? Será que apenas através do raciocínio (antes da observação) a gente consegue chegar a alguma verdade sobre o mundo real? Vimos que Descartes considerou que sim (seção III. de que Deus existe. influenciado por Hume. o alemão Immanuel Kant (1724-1804) buscou fazer uma síntese do racionalismo dos metafísicos e do empirismo britânico (que ganhara adeptos na França). de maneira a se adaptar de forma muito fina com o ambiente. A negação de uma verdade analítica é uma contradição lógica.Filosofia da Física Clássica Cap. que a grandeza m·e–v se conserva. a noção de que a ciência atinge verdades definitivas. pela a ciência. no mundo real. ou uma verdade por definição. serem conhecidas de maneira a priori. E estas verdades podem. e teria deduzido a lei de conservação da quantidade do movimento. mas a negação de uma verdade sintética é uma possibilidade lógica (por exemplo. dentro de um mundo físico-químico-biológico. ou seja. de que ele é perfeito e invariável. não porque exista uma força real atraindo ele para a direita. V.G. No referencial do carro. conclui-se que vivemos num referencial não inercial. etc. (d) Por fim. L. continua girando. e a água também. I. Open Court. (1990). Como essa aceleração não pode ser atribuída à força gravitacional ou a um movimento do ar. The Science of Mechanics. La Salle (EUA). (nota 28). (b) A seguir. a força para a direita é fictícia. 45-54. pp. v. mas a água. Ao se soltar uma pedra para o fundo de um poço. 32 29 . 271-97. De fato. e o relato mais pungente de ASSIS. Se o referencial não for inercial. As leis da mecânica clássica são invariantes ante mudanças de referenciais inerciais: eis o princípio de relatividade “galileano”.e. Princípios Matemáticos de Filosofia Natural. Mas como podemos descobrir se um certo referencial é ou não inercial? Uma proposta inicial seria a seguinte. Não seguiremos à risca seu argumento.T.32 Considere um balde parcialmente cheio de água. o balde é parado. e quando o carro vira para a esquerda. e porque há um referencial inercial externo que explica esta força fictícia a partir da aceleração do carro. pp.H. Poder-se-ia talvez. Ricci. Analisam-se todas as acelerações dos corpos que compõem o sistema de estudo. aparente em relação ao carro.. Por exemplo. em latim: 1687). O Experimento do Balde Newton apresentou o seguinte argumento em favor da existência de um referencial inercial absoluto. com sua superfície em forma de parabolóide. pp. Ver também o relato geral de NAGEL (1961). Como saber com certeza? 3. MACH. ilustrados pela Fig. mesas (fonte da força “normal”). molas. por inércia. pressões. pois não há fontes que ocasionam esta força. Trata-se de um referencial (sistema de referência) em movimento retilíneo uniforme (i.2008) Cap. (1998). no seu estado inicial (apenas a camada em contato com a parede do balde se movimenta. E. observa-se uma pequena aceleração para leste. (c) Após algum tempo. Consideremos quatros estágios do experimento-de-pensamento. cargas elétricas. o passageiro “cai” para a direita. Coleção CLE 22. (a) Inicialmente o balde está em repouso.T. S. e passa a ter a forma de um parabolóide de revolução. NEWTON. atritos. 1. a água passa a girar com a mesma velocidade angular que o balde. mas neste primeiro instante a água permanece parada.F. pp. as fontes das forças. Nova Stella/Edusp. Mecânica Relacional. 134-43. quando um carro faz uma curva para a esquerda. pois ela depende de quais interações (que geram as forças) a teoria física aceita.C. Celia. que repousa a mil quilômetros acima do pólo Sul. op. num primeiro instante. 203-14. Brunet. a sua aceleração gerará forças “fictícias” nos objetos do sistema. mas esse movimento é desprezado). e buscam-se as forças responsáveis por essas acelerações. o passageiro tende a permanecer em linha reta. que constituiria um “espaço absoluto”. o que resulta num movimento aparente para a direita. então o referencial é considerado não inercial. houver alguma aceleração que não pode ser atribuída a uma interação física.FLF0472 Filosofia da Física (USP. cit. mas o ampliaremos a partir das análises feitas por outros autores. Gherin & M. mas porque. 11-12 (orig. CLE-Unicamp. trad. em alemão: 1883). sua tendência natural é permanecer em movimento retilíneo uniforme. São Paulo. V: Experimento do Balde e Espaço Absoluto 2.S. a aceleração para leste é devida à força fictícia de Coriolis. T. 68-9.1. postular uma nova interação para explicar a origem da força considerada fictícia. e sua superfície deixa de ser plana. com velocidade constante) em relação ao referencial do espaço absoluto. ou seja. 336-41 (orig.K. Tal receita apresenta alguns problemas. como massas (que geram forças gravitacionais). Se ao final deste estudo. que se origina da rotação da Terra. Referenciais Inerciais e Não-Inerciais Um dos conceitos que surgem da mecânica de Newton é o de referencial inercial. (1960). A. a princípio. o balde é girado a uma velocidade angular constante. imãs. nenhum efeito surgiria no seu interior. A tendência da água de subir as paredes do balde é um fenômeno real. no centro da qual se encontraria o balde? Não. Será talvez que o referencial em questão seria fixado pelas estrelas. se as estrelas fixas girassem em torno dos globos e estes ficassem parados. isso não teria efeito algum sobre a água. ver seção IV.2008) Cap. A questão agora é: em relação a que referencial (inercial) se dá esta aceleração? Pois para medirmos uma aceleração (constituindo uma aceleração “relativa”. 30 . segundo as definições de espaço e tempo relativos de Newton. Assim. Newton concluiu que haveria um referencial espacial imaterial.2)? Claramente tratase de um efeito que surge do movimento do balde (nenhum outro corpo do Universo foi alterado. (c) Balde girando e água girando junto. as estrelas. pois se pudéssemos girar a casca das estrelas. Quando o sistema gira.2). da perspectiva de um referencial inercial. Assim. segundo a física de Newton. Newton completa sua discussão com outro experimento-de-pensamento. Será que o movimento da água em relação ao balde é o responsável pela forma parabolóide de sua superfície? Não. surge uma tensão na corda. ou uma situação em que o movimento relativo é igual (a e c). assume-se uma cláusula de “ceteris paribus”). Talvez então o responsável pela água subir a parede seja o movimento da água em relação à Terra. No entanto. mas a forma é diferente. a tensão na corda só poderia ser explicada pela rotação dos globos em relação ao espaço absoluto.1 temos duas situações em que o movimento relativo de ambos é diferente (c e d). Seria um referencial inercial. ou ela seria o efeito de uma força fictícia (ver seção V. (d) Balde é parado. nenhum corpo material pode fixar o referencial em relação ao qual o efeito na água é medido. o efeito é resultante de uma força fictícia no referencial girante do balde. pois na Fig. Portanto. argumentou Newton.1: (a) Balde e água parados. não haveria tensão na corda. ou seja. absoluto.FLF0472 Filosofia da Física (USP. um espaço absoluto. ou seja. (b) Balde girando e água ainda parada. a de dois globos ligados por uma corda. V: Experimento do Balde e Espaço Absoluto Figura V. Mas segundo a teoria da gravitação de Newton. Portanto. que formam aproximadamente uma casca esférica de matéria. não teria sentido estipular uma velocidade para este referencial. Haveria uma força (com fonte bem definida) associada a esta aceleração. segundo a teoria de Newton. devemos fazê-lo em relação a algum sistema de referência. IV. Podemos imaginar diferentes candidatos: o balde. se a Terra subitamente parasse de girar. o efeito é resultado de uma aceleração. Assim. conseqüência de uma aceleração radial da água. De uma perspectiva anti-realista. mas água continua girando. não é a aceleração em relação à Terra que seria responsável pela aceleração da água. a Terra. mas não poderíamos determinar sua velocidade em relação a outros referenciais inerciais. em relação ao qual se dão todas as acelerações. mas a forma da água é idêntica. foi feita por Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716). se houver um espaço absoluto. em sua obra A Ciência da Mecânica (1883).. ao analisar o experimento do balde girante. 113). Não haveria razão suficiente para a criação das coisas no mundo. ao invés do espaço absoluto. The Leibniz-Clarke Correspondence. um ponto do espaço não irá diferir de outro ponto. Leibniz argumenta que um espaço absoluto violaria o princípio de razão suficiente. op. 34 33 31 . Sua idéia básica foi considerar que “todo o universo” ou “as estrelas fixas” é que estabelecem o referencial a partir do qual as velocidades têm significado. amigo de Newton. disponível na internet.] a visão ptolomaica [ou melhor. a de Tycho Brahe] ou copernicana é nossa interpretação. que em sua segunda carta é expresso da seguinte maneira: “nada acontece sem uma razão pela qual ela deva ser de uma maneira ao invés de outra”. H. [. 115-37. (nota 32). 1998. 132-3). (org. Manchester U. Seguimos aqui o relato e análise de ASSIS (1998). Marcos R. ou [. Press. G. De fato.33 O problema do balde não foi satisfatoriamente resolvido por Leibniz. Essas questões foram discutidas nas décadas seguintes.) (1956). seria a própria relação entre as coisas materiais. p.. que se considera estar em repouso”.. quando Deus resolveu colocar as coisas no espaço. “De Motu (Sobre o movimento ou sobre o princípio. Outro filósofo que defendeu o espaço relativo foi o bispo irlandês George Berkeley (1685-1753). (2006). V: Experimento do Balde e Espaço Absoluto 4. Ela apareceu em uma troca de cartas com o teólogo inglês Samuel Clarke. mas ambas são igualmente verdadeiras. Para Mach. ser concebidos tal que mesmo para rotações relativas surgem as forças centrífugas” (in ASSIS. p. havia um estudo experimental do astrônomo Hugo von Seeliger que indicava que o sistema inercial que se estabelece na Terra coincide com o sistema empírico obtido a partir da observação das estrelas. mas foi só com Ernst Mach (1838-1916) que as teses relacionais receberam uma sustentação mais forte. Na verdade. A Defesa do Espaço Relativo A primeira defesa do espaço relativo. Tente fixar o balde de Newton e girar o céu das estrelas fixas e então prove a ausência de forças centrífugas. em 1715-6. não invocou de maneira clara esta possibilidade. “todas as massas e todas as velocidades e. Ora.]. pp. seria incapaz de movimento. Assim. A correspondência Leibniz-Clarke aparece em: ALEXANDER.34 No entanto. Note-se também que Leibniz não percebeu que sua teoria relacional do espaço e tempo deveria entrar em contradição com sua noção de que a energia cinética (vis viva) teria um valor absoluto. que contém várias citações. Em termos newtonianos. trad. que na sua obra De Motu (1721) afirmou que “seria suficiente. o conjunto das galáxias não gira em relação ao espaço absoluto. 105-43.. foi Clarke quem vislumbrou a possibilidade de que “se um corpo existisse sozinho. cit.. assim como a lei de inércia. considerar o espaço relativo.G. da Silva. após o trabalho de Newton. para determinar o movimento e o repouso verdadeiros [. de fato. todas as forças. Em sua terceira carta. ou seja.. ou orientadas num sentido e não em outro (mesmo mantendo a situação relativa entre elas).FLF0472 Filosofia da Física (USP. pp. Scientiae Studia 4(1). enquanto confinado pelo céu das estrelas fixas. O espaço seria a ordem das coexistências. são relativas [.] as partes de um corpo que circula (ao redor do Sol. conseqüentemente.. se toda a matéria exterior que as cerca fosse aniquilada” (in ASSIS.. a natureza e a causa da comunicação dos movimentos)”.2008) Cap. O ponto de vista do alemão se baseia no princípio de razão suficiente.) perderiam a força centrífuga que nasce de seu movimento circular. Pois o espaço é uniforme.] Os princípios da mecânica podem. BERKELEY. mas elas de fato foram criadas. ele não teria razão nenhuma para colocar as coisas aqui ou acolá. ex. e se ele não contiver coisas materiais. o espaço absoluto não poderia existir. Arménio Amado. Uma conseqüência do princípio de Mach. (nota 32).K. trad. Ou seja. foi introduzida na década de 1870. ASSIS. pp. quando calculou o aumento da massa inercial de um corpo no interior de uma casca esférica e sua aceleração induzida pela rotação da casca.FLF0472 Filosofia da Física (USP. já que a quantidade de matéria no Universo se reduziu. e implementa o princípio de Mach utilizando-se de uma expressão para o potencial gravitacional que depende não só das posições relativas mas também da velocidade relativa entre os corpos.”35 5. no contexto do eletromagnetismo. que torna possível compreender. se quase toda a matéria do Universo. sofrendo atrito estático)! Isso ocorreria porque a massa inercial do caminhão ficaria reduzida. “Erwin Schrödinger e o Princípio de Mach”. V: Experimento do Balde e Espaço Absoluto A tese de que o espaço. (1958). Com a teoria da relatividade geral. cit. (2001). em alemão: 1922). incorporado na abordagem conhecida como “mecânica relacional”. O Significado da Relatividade. O. Erwin Schrödinger desenvolveu a mecânica relacional de forma independente. 297-319. 145. Na gravitação. você poderia parar um caminhão que estivesse se movendo em ponto morto na horizontal com suas próprias mãos (desde que seus pés estivessem em contato com o chão. A idéia de que a massa inercial surge da interação com a matéria do resto do Universo apareceu no final do séc.2008) Cap. Esta invariância na forma das equações não tinha sido sugerida por Mach. uma situação empírica simples através de concepções que são familiares a todos. Einstein36 considerava que quatro conseqüências têm de ser obtidas em qualquer teoria que implemente o princípio de Mach: 1) A inércia de um corpo deve aumentar se se acumulam na sua vizinhança massas ponderáveis. Princípio de Mach e a Teoria da Relatividade Geral Albert Einstein formulou sua teoria da relatividade geral de 1916 tendo sido influenciado pelas idéias relacionais de Mach. XIX. da Unicamp. Ver p. op. Tal expressão para a força foi derivada pela primeira vez por Wilhelm Weber em 1848. ele impôs a igualdade na forma das equações em todos os sistemas de referência. Ou seja. ver ASSIS (1998). 123 (orig. de maneira simples mas ao mesmo tempo sensata. Silva. Coimbra. é a tese de que a massa inercial de um corpo é devido à interação gravitacional com os outros corpos do Universo. Em outros termos. 2) Um corpo deve sofrer uma força aceleradora quando massas vizinhas são aceleradas. A.T. 36 35 EINSTEIN. fora da Terra. Essa idéia também se aplica para a origem da energia cinética dos corpos em movimento. Einstein generalizou sua teoria da relatividade restrita impondo que “as leis da física devem ter uma estrutura tal que a sua validade permaneça em sistemas de referência animados de qualquer movimento”. a força estaria no mesmo sentido que a aceleração. tempo e velocidades são relativos passou a ser conhecido como “princípio de Mach”. Cadernos de História e Filosofia da Ciência (série 3) 11. Desde 1912 Einstein utilizava o princípio. de M. considerado-a “como sendo pelo menos um estágio intermediário permissível e útil [em direção à teoria da relatividade geral]. 32 . A “mecânica relacional” redescoberta por André Assis. Em 1925. 131-52. e não apenas para referenciais inerciais. & PESSOA JR. é a tese de que as forças fictícias são reais e geradas pelo movimento em relação à matéria. desaparecesse. p. pode ser considerada uma teoria mais completa que a mecânica newtoniana. Sobra a história da mecânica relacional. A.. mas também por uma condição de contorno. para conseguir um universo fechado estático (a expansão do universo não era ainda conhecida). Einstein propôs em 1917 o seu famoso modelo cosmológico no qual o universo é fechado (como a superfície de uma esfera). há propostas como a de John Wheeler (1964) de se utilizar o princípio de Mach na Relatividade Geral para selecionar condições iniciais. Taub mostrou também que as equações de Einstein sem a constante cosmológica podem gerar um espaço curvo na ausência de matéria. mas com isso ter-se-ia um espaço absoluto no qual um corpo de prova teria inércia (mesmo na ausência de outras massas). que correspondia a um universo em expansão! Após passar um ano tentando mostrar que a solução de de Sitter era fisicamente inaceitável (devido a alguma singularidade). cit. A. deve ainda produzir um campo de forças centrífugas radial. de contorno ou de simetria apropriadas para o Universo. Uma referência não citada neste artigo é: GRÜNBAUM. e que portanto seria possível implementar o princípio de Mach em sua teoria. e não por condições de contorno. (nota 35).C. op.C.). Problems of Space and Time. Einstein abandonou suas tentativas de implementar rigorosamente o princípio de Mach. ou seja. 37 33 . No entanto. 313-7. idêntica à da relatividade restrita. Nova Iorque. (1964). toda inércia de qualquer corpo tem que vir de sua interação com outras massas no universo. porém. Einstein pensava que estas quatro conseqüências estavam contidas na relatividade geral. pois (i) a métrica local não seria determinada apenas pela distribuição de matéria. Einstein teve que modificar suas equações.37 O fato de a Teoria da Relatividade Geral permitir soluções que violem o princípio de Mach não significa que o princípio não seja verdadeiro. pp. ainda em 1917 o astrônomo holandês Willem de Sitter mostrou que as equações modificadas admitiam uma solução para um universo vazio. a questão de se o espaço é absoluto ou relativo ainda está aberta! ASSIS & PESSOA (2001). Nota-se que. Inicialmente.H. Com efeito.2008) Cap. V: Experimento do Balde e Espaço Absoluto 3) Um corpo oco animado de um movimento de rotação deve produzir no seu interior um “campo de Coriolis” que faz com que corpos em movimento sejam desviados no sentido da rotação. Macmillan. ou. foi abandonando o princípio de Mach. Em meados de 1918. Em 1951. A. introduzindo uma constante cosmológica. O que ocorreu foi o seguinte. foi obrigado a abandonar a quarta conseqüência. in Smart. 4) Um corpo em um universo vazio não deve ter inércia. sua métrica seria toda minkowskiana. é um problema em aberto a questão da validade do princípio de Mach. de forma que não há contorno: a métrica (que descreve as propriedades inerciais dos corpos) seria determinada apenas pela distribuição de matéria. J. e (ii) se o universo fosse vazio. aos poucos. Para manter o princípio de Mach.FLF0472 Filosofia da Física (USP. e assim. 135-9. (org. “The Philosophical Retention of Absolute Space in Einstein’s General Theory of Relativity”. As primeiras soluções obtidas para sua equação de campo gravitacional (como a de Schwarzschild) supunham como condição de contorno que a métrica no infinito era “minkowskiana”. Mesmo aceitando a validade da Relatividade Geral. pp. Ou seja. Isso ia contra o princípio de Mach. Concluiu assim ter conseguido implementar o princípio de Mach. em 1916-18. entre os átomos que fazem o grão de pólen flutuar). se constatarmos que um sistema é imprevisível. Pode-se assim falar de um determinismo estatístico. Segundo a mecânica clássica. a questão de se a natureza é determinista ou não permanece como um problema aberto. tem-se uma situação de indeterminismo. e dadas as equações diferenciais que regem a evolução do sistema. Após a consolidação desta teoria. Outra maneira de caracterizar um sistema indeterminista é falar em “perda de causalidade”. o estado em qualquer instante futuro poderia em princípio ser calculado. isso não implica que ele seja indeterminista. Pode-se também falar em “estocasticidade”. relativo à capacidade que temos de conhecer o futuro. que é acaso). Se a evolução de um sistema for previsível para todos os estado iniciais. teoria desenvolvida em 1926. ou afirmar que ocorrem eventos sem causa. Determinismo e Previsibilidade O determinismo estrito é a tese de que o estado presente do Universo fixa de maneira unívoca o estado do Universo em qualquer instante do futuro. escrevemos que seria “em princípio” possível prever com exatidão o futuro desse sistema. Outros termos usados são “aleatório” ou “caótico”. VI Determinismo e Probabilidade (versão preliminar) Questão: A natureza é determinista ou há eventos sem causa? 1. ou para um sistema cuja evolução não é afetada de maneira significativa pelo ambiente. mas geralmente um sistema estocástico (como um grão de pólen em movimento browniano) é consistente com um determinismo em uma escala inferior (por exemplo. que ocorrem espontaneamente. achava-se que ela tinha mostrado que o mundo é essencialmente indeterminista. mas em 1951 David Bohm forneceu uma interpretação determinista da Física Quântica. que são mencionados nas seções VI. isso indica que o sistema é determinista.4 e 5. Esta tese é sugerida pela mecânica clássica. Notemos que o termo “determinismo” é uma designação ontológica. Esta situação em que há um determinismo escondido é às vezes chamada de “criptodeterminismo”. dados as condições iniciais e de contorno de um sistema. mas o contrário não é válido. ao passo que “previsibilidade” é um termo epistemológico. Apesar da imprevisibilidade para resultados de medições individuais. para a qual. 2. Ou seja. pois pode acontecer que não tenhamos acesso a todas as variáveis que influenciam a evolução do sistema.Filosofia da Física Clássica Cap. em sua famosa defesa do determinismo: 34 . o determinismo estrito vale também para um sistema completamente isolado do resto do Universo. O Demônio de Laplace Ao definirmos um sistema determinista. pois se refere à natureza do mundo. Uma maneira de exprimir isso de maneira um pouco diferente foi feita por Pierre-Simon Laplace (1749-1827). Isso iria contra o “princípio de razão suficiente” de Leibniz. a Física Quântica permite que se façam previsões precisas sobre as freqüências estatísticas com as quais diferentes resultados ocorrem. Se o Universo não for estritamente determinista. Um exemplo de sistema imprevisível é fornecido pela Física Quântica. Como resultado disso. para o qual tudo tem que ter uma razão (uma causa) para acontecer. a partir do termo grego tyche. probabilismo ou “tiquismo” (termo usado pelo filósofo norte-americano Charles Peirce. se esta inteligência fosse ampla o suficiente para submeter esses dados à análise. estariam evidentes a seus olhos. 38 35 . onde “demônio” deve ser entendido no sentido original grego. ao passo que em um Universo tiquista ou indeterminista tem-se uma probabilidade ontológica (neste caso. a evolução do Universo é indeterminista). como um semideus (daimon) ou super-herói.-S. VI: Determinismo e Caos Podemos considerar o estado atual do universo como o efeito de seu passado e a causa de seu futuro. para tal inteligência nada seria incerto e o próprio futuro. O demônio de Laplace teria que ter pelo menos quatro propriedades para funcionar: (i) Onisciência instantânea: Conheceria o estado de todo o Universo em um instante do tempo. 3. será indeterminista. de que tal chance é ½. então a resposta do médico. Uma inteligência que. e ele poderá responder que é ½. se não. Um exemplo disso pode ser tirado da biologia. pode-se definir o determinismo estrito da seguinte maneira. nem o demônio de Laplace conseguiria prever com certeza). Por outro lado. isso é uma expressão da minha ignorância a respeito de todos os fatores causais envolvidos – situação típica da mecânica estatística clássica – ou exprime uma indefinição essencial da realidade? No primeiro caso. fala-se em uma noção epistêmica de probabilidade. quando atribuímos uma probabilidade apenas por falta de informação. introdução. (iii) Super-computação: Seria capaz de realizar o cálculo mais complicado em um intervalo de tempo insignificante. assim como o passado. ainda não concebido.FLF0472 Filosofia da Física (USP. esta mesma mulher poderia perguntar qual é a probabilidade de um segundo filho. P. seria uma probabilidade ontológica. e a probabilidade é atribuída devido à ignorância que se tem a respeito do gene. Traduzido de citação em francês obtida na internet. e todas as posições de todos os objetos dos quais a natureza é composta. (ii) Erudição nomológica: Conheceria com exatidão todas as leis que regem o Universo. sem ser necessariamente do mal. o Universo será determinista. E se o Universo segue o determinismo estrito? LAPLACE. com resolução e acurácia perfeitas. Uma mulher grávida pode perguntar ao médico qual é a probabilidade de seu filho ter olhos claros.38 Essa “inteligência” imaginada por Laplace foi posteriormente chamada de “demônio de Laplace”. ela englobaria em uma única fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e dos menores átomos. (iv) Não distúrbio: A atuação do demônio não afetaria em nada o funcionamento do Universo. Se afirmo que a probabilidade de obter um resultado em um experimento quântico é ½. pois a cor dos olhos já está definida no cromossomo do feto. deveria conhecer todas as forças que põem em movimento a natureza. Essai philosophique sur les probabilités. Esta é uma probabilidade epistêmica. Se supusermos que o futuro é “aberto” (ou seja. e fizer uma previsão sobre qual será o estado exato do Universo depois de um certo tempo t. Com essas quatro propriedades. então se ele acertar 100% de suas previsões. que na realidade já está definido. Probabilidade A discussão sobre se a física quântica é (cripto-)determinista ou indeterminista pode ser reformulada com relação a se a noção de “probabilidade” é epistêmica ou ontológica. (1814).2008) Cap. Se o demônio de Laplace partir do conhecimento do estado atual do Universo. em um instante determinado. ter olhos claros. 223-317. foi aprofundada por Richard von Mises (1928) e Hans Reichenbach (1935). mas é curioso que haja diferentes interpretações a respeito do que seja probabilidade. 36 . é possível ir melhorando nossa avaliação subjetiva com base em novas evidências. Este é o procedimento costumeiramente usado nas ciências empíricas. 3) Interpretação das propensões. como caracterizar as probabilidades em um dado enviesado? 2) Interpretação freqüentista. são sempre subjetivas ou “chutadas”. defendida por Laplace (1814). provinda da física. Para contornar este último problema. No limite para um número infinito de jogadas. já que não estipula critérios para determinar probabilidades iniciais. a abordagem freqüentista sugere jogá-lo um grande número de vezes e anotar as freqüências relativas em que cada lado cai. & WHITAKER. que afirma que dois casos são igualmente prováveis se não há razão para preferir um em relação ao outro. tem-se uma dedução lógica). Seu maior problema é a dificuldade de ser aplicado. Deixaremos para discutir esta abordagem mais para frente. 4) Interpretação logicista. Um problema com a interpretação freqüentista é que a probabilidade parece não se aplicar para um evento único. ver pp. a interpretação desenvolvida por Frank Ramsey (1926). (1966). pp. lançar uma moeda seria um processo 39 SALMON. Porém. Inspirado na abordagem subjetivista. introduzindo a noção de “propensão”. mas em termos rigorosos há um problema envolvendo a passagem de uma seqüência finita de observações para um seqüência infinita. que define a probabilidade como a razão entre os casos favoráveis e o total de casos igualmente possíveis. mas para uma classe (seqüência) de eventos (uma abordagem instrumentalista). que seria a probabilidade de um evento único (uma visão realista). A obtenção da freqüência relativa seria um procedimento para medirmos a propensão. Assim. Mesmo admitindo isso. Pittsburgh Press. relacionados com a noção de entropia. O que define os casos igualmente possíveis é um “princípio de indiferença”. A probabilidade p(h/e) seria assim uma relação lógica entre proposições: entre uma hipótese h e as evidências disponíveis e. Segundo esta visão. Esta é a visão tradicional. o físico Edwin Jaynes (1957) iniciou uma abordagem que procura atribuir o grau inicial de crença com base em critérios objetivos.FLF0472 Filosofia da Física (USP. e da aplicação do teorema de Bayes: p(h/e) = p(h)·p(e/h)/p(e). porém. U. entre outros. Uma versão mais resumida aparece em HOME. a probabilidade de uma crença mede o grau de confiança que se pode racionalmente ter a respeito dela com base na evidência disponível. 4.B. com as quais abordamos problemas reais. Vejamos algumas delas39: 1) Interpretação clássica. W. 233-41. M. Karl Popper (1957) buscou corrigir isso.2008) Cap. cujo valor seria pré-existente às medições. Physics Reports 210. No caso de um dado enviesado. atribui este termo a processos: por exemplo. 5) Interpretação subjetivista. 65-96. um dado simétrico teria seis casos equiprováveis. (1992). A avaliação do grau inicial de crença que uma pessoa possui é geralmente traduzida em termos das apostas (com dinheiro) que tal pessoa faria.A. ter-se-iam as probabilidades de cada caso.C. The Foundations of Scientific Inference. Definições de Aleatoricidade Como caracterizar o que é genuinamente aleatório? A definição tradicional. Desenvolvida primeiramente por John Venn (1866). a probabilidade mede o grau com que e implica logicamente h (se a probabilidade for 1. Em outras palavras. Essa visão foi desenvolvida por John Maynard Keynes (1921) e Rudolf Carnap (1950). VI: Determinismo e Caos A noção de probabilidade é fundamental na ciência. “Ensemble Interpretation of Quantum Mechanics: A Modern Perspecive”. Bruno de Finetti (1937) e Leonard Savage (1954) parte da admissão de que as probabilidades iniciais. 6) Interpretação bayesiana objetivista. D. Uma seqüência não aleatória. Na década de 1960. Scientific American 232(5). (1983). tornou-se claro uma grande classe de comportamentos que foram denominados “caos determinístico”.J. J. o valor máximo da complexidade algorítmica de uma seqüência binária gira em torno do seu próprio tamanho. o que tem um tamanho fixo. VI: Determinismo e Caos aleatório. em 1890. mencionado no início desta seção) é introduzir no cálculo o horário exato (por exemplo. “How Random is a Coin Toss?”. 700-5. poderíamos prever exatamente a situação do mesmo universo em um momento posterior. Para uniformizar este critério. FORD. poderíamos ainda conhecer as condições iniciais somente “aproximadamente”. A. “Definitions of Randomness”. Mas. Outra questão é a de gerar seqüências aleatórias para serem usadas em métodos estatísticos de modelagem computacional. tais seqüências são geradas a partir de uma computação determinística. dizemos então que o efeito é devido ao acaso. Geralmente. pois envolvem a não-previsibilidade em sistemas deterministas. ver COMPAGNER. Em suas palavras: Uma causa muito pequena que escapa de nossa observação determina um efeito considerável que não podemos deixar de ver. G. com o uso disseminado de computadores na ciência. como as da atração gravitacional entre planetas. Physics Today 36(4).2008) Cap. 40 37 . mesmo que fosse o caso de as leis da natureza não serem segredo para nós. em milissegundos) em que a computação está sendo realizada. Algumas referências são: CHAITIN. que é o tamanho do menor programa de computador que gera a seqüência. A previsão se torna impossível e temos um fenômeno fortuito. este programa deve ser escrito na linguagem de um computador abstrato conhecido como “máquina de Turing”. é governado por leis. American Journal of Physics 59. Gregory Chaitin (1966) e Per Martin-Löf (1966). Uma maneira simples de efetuar uma computação genuinamente aleatória (no sentido físico. pp. E é esta a definição de uma seqüência binária aleatória: aquela cuja complexidade algorítmica não é menor do que seu comprimento. Henri Poincaré mostrou. (1991). Isso foi conseguido com a noção de complexidade algorítmica. pp. mesmo que o resultado fosse “0101010101”). abril. que o problema gravitacional dos três corpos apresenta soluções não-periódicas que apresentam extrema sensibilidade às condições iniciais. seria programada da seguinte maneira: “repita o digito ‘1’ até o final da seqüência”. em alusão ao famoso cassino. Caos Determinístico e Sensibilidade a Condições Iniciais No início da década de 1970. um critério que distinguisse “0100101101” de “1111111111”). Se soubéssemos exatamente as leis da natureza e a situação do universo no instante inicial.FLF0472 Filosofia da Física (USP. 47-52. Mas não é sempre assim: pode acontecer que pequenas diferenças nas condições iniciais venham a produzir um erro enorme nos acontecimentos posteriores. Sobre a comparação com métodos práticos de geração de números pseudo-aleatórios. Em outras palavras. Por outro lado. Andrey Kolmogorov (1965). e por isso são chamadas “pseudoaleatórias”. 40-7. Esta situação surge para sistemas regidos por equações não-lineares. isto é. alguns matemáticos40 passaram a buscar um critério que caracterizasse uma seqüência aleatória. 5. isso seria tudo o que queríamos e diríamos que o fenômeno foi previsto. “Randomness and Mthematical Proof”. como “1111111111”. (1975). Estes matemáticos foram Ray Solomonoff (1964). independentemente do resultado da seqüência (ou seja. não há um programa simples para gerar a seqüência de dígitos do número π: o menor programa é simplesmente aquele que escreve os dígitos da própria seqüência. qualquer que seja o tamanho da seqüência. métodos esses que são conhecidos genericamente como simulações de “Monte Carlo”. independentemente de como ela tenha sido gerada na prática (ou seja. Se isto nos permitisse prever a situação posterior “com a mesma aproximação”. FLF0472 Filosofia da Física (USP. O termo “efeito borboleta” foi cunhado para esta sensibilidade.2008) Cap. a partir do título de uma palestra sua: “O bater de asas de uma borboleta no Brasil pode provocar um tornado no Texas?”. VI: Determinismo e Caos Essa sensibilidade às condições iniciais for redescoberta em 1963 pelo meteorologista norte-americano Edward Lorenz. (Texto ainda em construção) 38 . ao utilizar um computador para gerar trajetórias para o sistema de equações não-lineares que propôs para descrever o movimento da atmosfera. o programa tem que fazer novas previsões. 1975). B. nunca podemos ter certeza que um programa de pesquisa foi refutado. 39 . VII Princípios de Mínima Ação Questão: Qual é o lugar das causas finais na física (e na ciência)? (Nota: Esta aula não foi ministrada em 2008) 1. Para ser progressivo. in LAKATOS. T. Perspectiva. São Paulo (orig.V. modelos ou exercícios prototípicos. “O Falseamento e a Metodologia dos Programas de Pesquisa Científica”. a unidade do desenvolvimento científico não seria uma teoria científica isolada. de resolução de problemas). 1962). como Kuhn passaria a nomeá-lo – é constituído não só das leis gerais da teoria. segundo Kuhn. 109-243 (orig. No calor da hora. mas também de estratégias heurísticas (ou seja. mas sim uma seqüência de teorias. Cultrix. de maneira “intermitente”. como a física de Newton foi substituída pelas teorias da relatividade –. (1977). A. sem que haja. Um paradigma – ou “matriz disciplinar”. Feyerabend). As teorias que se sucedem em um programa manteriam. que constituem o “cinto de proteção” do núcleo.41 A “metateoria” de Kuhn (ou seja. paradigmas diferentes podem coexistir e competir. P. métodos de justificação. trad. A maneira de empreender esses ajustes ao cinto de proteção. & MUSGRAVE. Este aspecto foi levado em conta por Imre Lakatos42. um conjunto de teses centrais que Lakatos chamou de “núcleo duro”. FEYERABEND. A Estrutura das Revoluções Científicas. segundo Lakatos. Para ele. modificações são introduzidas em teses periféricas. Boeira & N. São Paulo. discrepâncias entre fatos observados e previsões teóricas) não seriam resolvidas pelo paradigma anterior. teses metafísicas e mesmo conhecimento tácito (aquele que não conseguimos exprimir lingüisticamente). sem modificação. I. só podemos dizer que houve um “experimento crucial” muito tempo depois: a racionalidade científica não é instantânea. segundo Kuhn. desenvolve-se uma ciência “normal” de resolução de charadas. Ele estudou como um paradigma é substituído por outro – por exemplo. e sua teoria gravitacional. foram aos poucos sendo aceitos pela grande maioria dos físicos e passou a constituir o que Thomas Kuhn chamou de paradigma. (orgs. KUHN. em que inúmeras “anomalias” (isto é. fato este que refletiria a “incomensurabilidade” entre paradigmas diferentes (Kuhn. A transição entre paradigmas.Filosofia da Física Clássica Cap. o que faz com que os cientistas da velha geração não consigam entender o novo paradigma. caso em que é racional para o cientista continuar trabalhando nele. 1970). I. ensinados na formação do cientista). (1975). uma busca por novos princípios. (1979). formando um programa de pesquisa. Francisco Alves. ao que ele denominou revolução científica. quais as características desejáveis de uma boa teoria científica). sua teoria de como teorias científicas se transformam) não deu ênfase adequada ao fato de que. em sua metodologia dos programas de pesquisa científica. Um programa de pesquisa pode ser progressivo. Dentro de um paradigma. Paradigmas e Programas de Pesquisa Os princípios da mecânica de Newton. mesmo em ciências maduras. Boeira. pp. 42 41 LAKATOS. São Paulo (orig. e de fazer novas previsões.). seria precedida por uma “crise”. Contra o Método. mas essas previsões não precisam ser sempre corroboradas (confirmadas) pela experiência – basta que o sejam apenas de vez em quando. “exemplares” (ou seja. Sempre que alguma nova previsão teórica é falseada pela experiência. Esta seria uma transição entre duas maneiras diferentes de ver o mundo. valores cognitivos (ou seja. é ditada pela “heurística” do programa. A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento. força e ação & reação) e. com a física quântica. e culminando com seu Specimen dynamicum (1695). o caráter vetorial da velocidade). métodos e valores foi analisada por Laudan em seu “modelo reticulado” de racionalidade científica. supondo sua lei da gravitação universal. Programas de Pesquisa Rivais na Mecânica Clássica Em 1687. com sua Mechanica.FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap.VII: Princípios de Mínima Ação Larry Laudan levou adiante a noção de programa de pesquisa. nãonecessárias). mas já antes disso os suiços Johann Bernoulli e seu filho Daniel estavam resolvendo diversos problemas de mecânica utilizando os dois princípios de conservação. (1977). mas salientou que teses do núcleo duro podem ser abandonadas sem que se abandone a tradição do programa.43 2. Berkeley. Num choque inelástico. mas depois. 40 . a partir de 1726. como um pêndulo. Em processos mecânicos em que se despreza a resistência do meio e não há obstáculos inelásticos. Berkeley U. introduz massas pontuais. 44 43 Seguimos TRUESDELL (1968). A History of Mechanics. Science and Values. e DUGAS. de tal forma que os cientistas participantes tenham um compromisso com pelo menos uma parte das teses centrais de um subconjunto das teorias anteriores de sua tradição. California Press. U. Segundo esta abordagem. Progress and its Problems. Press (tradução em preparação pela Discurso Editorial. Isaac Newton formulou a abordagem à mecânica baseado em suas três leis (inércia. com o Traité de Dynamique do francês Jean d’Alembert. em francês. a esta altura. acelerações contínuas e considerações vetoriais. Euler e d’Alembert defenderiam sua necessidade. Posteriormente. A relação multifacetada entre teoria. LAUDAN. o ramo da matemática aplicada conhecido como mecânica racional. dentro de uma tradição de pesquisa. a aplicou com muito sucesso para a descrição dos movimentos dos planetas do sistema solar. houve uma espécie de síntese entre os dois. vista como uma geometria de corpos em movimento. quando o ondulatório se viu vencedor. São Paulo). Leibniz argumentou que o princípio de conservação de quantidade de movimento. (1988). cit. na queda livre proporcional à altura da queda). demonstrando de maneira rigorosa vários resultados e resolvendo diversos problemas. Preferiu o termo “tradição de pesquisa”. levando em conta as direções das velocidades (ou seja. ao passo que Lazare Carnot (1783) defenderia seu caráter empírico (portanto contingente). R. Em 1736. (nota 26). Um exemplo seriam as tradições de pesquisa sobre a natureza da luz: os programas corpuscular e o ondulatório competiram desde a época de Huygens e Newton até meados do séc. (1984). op. 1955). mv2) e a “força morta” (energia potencial. cada um desses três aspectos da pesquisa científica pode afetar a evolução histórica do outro. A aceitação geral do princípio de força viva só viria a partir de 1743. em 1673). Gottfried Leibniz estava definido a “força viva” (energia cinética. Dover. L. Configurava-se. Em 1728. que envolve uma seqüência de teorias que se assemelham e se sucedem. O modelo reticulado está exposto em: LAUDAN. Nova Iorque (orig.44 Quanto à abordagem newtoniana. discutir-se-ia se as leis da mecânica seriam necessárias ou “contingentes” (ou seja. seguiu-se um longo debate a respeito da sua teoria das forças vivas. A partir dessa mesma época. vislumbrou que a força viva se transforma em uma força morta ligada à deformação dos corpos. L. Depois da morte de Leibniz. 219-53. era errôneo. XIX. sua sistematização foi empreendida pelo grande matemático suiço Leonhard Euler. de Descartes. pp. Jean-Jacques de Mairan corrigiu o enunciado do princípio cartesiano. haveria uma conservação da soma das forças viva e morta (esta noção já fora enunciada por Huygens. o corpo B subiu uma altura de ∆hB = 3 m. Para entender o princípio de trabalho virtual. M.2. o pêndulo simples com o mesmo período de oscilação. o que alterará as alturas das outras massas para valores facilmente calculáveis. O Traité de Dynamique (1743) de d’Alembert trata do problema dos corpos rígidos sem utilizar o conceito de força newtoniano.2: Situação de equilíbrio para aplicação do princípio de trabalho virtual. de d’Alembert.2 são retiradas desta referência.1a.FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap. mas é apenas um artifício para o cálculo. 247). Isso seria uma antecipação do princípio de trabalho virtual. mas d’Alembert toma o princípio de trabalho virtual como fundamental (não o de força viva). derivou a conservação de força viva. Reading. Christiaan Huygens havia mostrado como calcular o “centro de oscilação” de um pêndulo físico. Numa situação de reversibilidade (sem atrito). A partir de seu princípio. The Feynman Lectures on Physics. VII. (1963). Figura VII. Houve muita discussão sobre esse trabalho. sem atrito. Figura VII. Johann e Daniel Bernoulli. Aplica-se então a conservação dos trabalhos e encontra-se o valor de W. Tal princípio está intimamente relacionado com o de conservação de força viva. 4-1 a 4-5.P. VII. VII.. pp.1 e VII. ao passo que a descida de A é expressa pela variação ∆hA = – 5 m. que é uma lei de equilíbrio. As Figs. as forças. irmão mais velho de Johann. Em seu Horologium oscillatorium (1673). que considerava “obscuras e metafísicas” (ver DUGAS. aplicado a sistemas com restrições entre as partes. Este último desenvolve também a hidrodinâmica (1733-38). há o desenvolvimento da dinâmica dos corpos rígidos. A teoria das vibrações se inicia com Taylor (1713) e é desenvolvida por Euler. I. LEIGHTON. & SANDS. o valor do peso W que equilibra o conjunto pode ser calculado considerando-se um pequeno deslocamento vertical neste peso. Considere a situação de equilíbrio de dois corpos ligados.1b. recebe o nome de “trabalho virtual”. o equilíbrio pode ser estabelecido como na Fig. pode-se consultar a exposição didática de Feynman45. juntamente com o princípio de inércia e o princípio de composição de movimentos (que permite decompor um movimento de maneira conveniente para a aplicação do trabalho virtual). Nesta transição. a massa desconhecida mA pode ser calculada pela conservação de energia potencial gravitacional (a energia cinética não se altera). como a da Fig.VII: Princípios de Mínima Ação Paralelamente a essas linhas de pesquisa. ou seja. Numa situação mais complicada. Esta estratégia foi posteriormente generalizada com sucesso pelo italiano de FEYNMAN. p. 45 41 . a publicar em 1703 um trabalho em que refaz a demonstração de Huygens a partir das propriedades da alavanca. o que levou Jakob Bernoulli. mas sim o “princípio de trabalho virtual”. o que corresponde a uma igualdade nos trabalhos realizados (a menos do sinal): mA·∆hA + mB·∆hB = 0. como o da Fig. ou seja. VII. D’Alembert fez questão de não exprimir as “causas motivas” dos movimentos. vol. Como esse trabalho não ocorre de fato. em um plano inclinado.1: Pesos em equilíbrio. Jakob Bernoulli também inaugurou a teoria dos corpos elásticos (1705).B. R. R. Assim. AddisonWesley. A física de Aristóteles é um exemplo de teleologia. diferentes programas de pesquisa na mecânica no séc. XVIII. Em 1662. Pierre de Fermat adaptou a estratégia de Héron para o caso da refração da luz. como veremos no próximo capítulo.46 Tal tese levou a uma grande discussão porque ela sugere que a física pode ser construída de maneira “teleológica”. (1968). e ruma para o olho em B. fundamentado na noção de força. 254-75. o caminho ACB é mais curto do que qualquer outro caminho ADB. os corpos graves têm um “lugar natural”. Variational Principles in Dynamics and Quantum Theory. É como se eles tivessem uma meta (telos). deixamos de lado uma abordagem adicional. reflete no espelho em C. por seu turno. 3. Princípio de Mínima Ação No esboço histórico da mecânica apresentada acima. e por isso eles caem quando soltos (ver seção III. Paralelamente a isso. Argumenta-se que este princípio é independente das três leis de Newton. & MANDELSTAM. o princípio de mínima ação. mas ia contra ao que achavam Descartes e Newton). S. Considere a Fig. Portanto. só que agora considerando que a luz toma o caminho que leva menos tempo. mas as abordagens rivais de Euler e d’Alembert acabaram sendo vistas como duas abordagens diferentes para uma mesma ciência da mecânica. na produção de seus efeitos. mas está claro que a linha reta ECB é mais curta do que o caminho EDB (desigualdade do triângulo). XIX. W. Ligando o ponto E. e não apenas causas eficientes (que vêm sempre antes dos efeitos). aos pontos C e D. pp. Para ele. inaugurada por Pierre de Maupertuis em 1744. Ver também YOURGRAU. envolvendo causas finais (que estariam no futuro ou estariam indicando um estado no futuro). em grego. que é a imagem de A. Nas palavras de Maupertuis: “a Natureza. e AD = ED. foi bem sucedido na extensão dos princípios newtonianos para diversos sistemas. A controvérsia a respeito do estatuto do conceito de força adentraria o séc. derivada em 1776. ou seja. Este princípio é de interesse pois ele pretende implementar a tese filosófica de que a natureza age de maneira a minimizar uma certa grandeza. em sua Mécanique Analytique (1788). VII. aplicável em maior número de casos. Dover. em 125 a. As explicações do naturalismo animista (seção III. (nota 44). op. a lei do torque. considere um outro ponto de reflexão.FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap. Ao fazer suas contas.3. que envolve um princípio adicional. Este é o caminho mais curto saindo de A. o caminho percorrido é o de menor comprimento.VII: Princípios de Mínima Ação descendência francesa Louis de Lagrange. no qual a luz sai de uma vela em A. refletindo no espelho e incidindo em B. um propósito. temos que os seguintes segmentos têm o mesmo comprimento: AC = EC. e ambos foram incorporados ao programa d’alembertiano. Nova Iorque. que é o centro do Universo. O programa cartesiano acabou sendo mesclado com o leibniziano. A idéia de que a natureza segue caminhos simples tem vários precursores. mas na física o primeiro exemplo mais detalhado é dado por Héron de Alexandria. e uma tendência de unificação entre eles. para casos gerais.3) também são teleológicas. Para mostrar isso. como se ela tivesse um objetivo ou uma meta – um telos. Ora. Ele argumentou que na reflexão da luz por um espelho.1). sempre age das maneiras mais simples”. inclusive corpos rígidos. assim. Delineam-se. descobriu que o caminho de menor tempo era justamente aquele que satisfazia a lei de Snell-Descartes! 46 DUGAS (1988). Ele queria mostrar que a fórmula da refração (lei de Snell) derivada por Descartes era falsa. onde também não se fala em forças (no sentido de Newton e especialmente Euler). cit. D.C. o programa de Newton e Euler acabou se firmando como mais geral. que resultou na mecânica lagrangiana. e que seria posteriormente assimilado na mecânica analítica de Lagrange. 42 . Euler. e para isso supôs que a luz se propaga com uma velocidade menor em meios mais densos (o que é verdade. Maupertuis buscou corrigir o trabalho de Fermat. mas seu resultado só seria aceito após a metade do séc. mostrou que é possível aplicar este resultado para o choque de dois corpos. Independentemente de Maupertuis. percorre o caminho de menor distância.3. que forneceu um método prático para calcular os movimentos de corpos rígidos sujeitos a vínculos. 270-3). p. generalizou o princípio de mínima ação para toda a mecânica: “Quando alguma mudança ocorre na natureza. e na verdade o que ele demonstra é que a integral da ação é um mínimo. A rigor. os caminhos virtuais considerados são aqueles com velocidades que resultem na mesma energia que aquela suposta para a partícula” (YOURGRAU & MANDELSTAM. Ele usou o termo “ação”. que é o produto da distância r percorrida e do momento linear mv: S = ∫ m v(r) dr . seu amigo Euler publicou em 1744 uma versão mais particular. que agiria por meio de leis simples e com um gasto mínimo de ação. quer no caso de colisões elásticas quanto inelásticas. Em 1744. a quantidade de ação necessária para essa mudança é a menor possível” (DUGAS. Maupertuis via em seu princípio uma expressão da perfeição de Deus. mostrando que as leis de Newton são equivalentes ao princípio de mínima ação em conjunção com a lei de conservação de energia. porém matematicamente mais precisa. Ele introduziu coordenadas generalizadas e obteve equações cuja forma é invariante ante troca de coordenadas. quando uma partícula viaja entre dois pontos fixos. e chegou à conclusão que o que seria minimizado na propagação da luz não seria o tempo. mas a ação S.VII: Princípios de Mínima Ação Obteve assim uma “lei de mínimo” para a propagação da luz. em 1760. o holandês Samuel Koenig apresentou uma carta em que Leibniz teria anunciado em 1707 que “nas variações dos movimentos. Já em 1740 Maupertuis havia usado um princípio de máximo ou de mínimo para uma situação de equilíbrio Em 1747. entre os dois pontos. Iniciou-se então uma grande polêmica sobre a prioridade e os méritos de Maupertuis. Definindo a “lagrangiana” como a diferença 43 . do princípio de mínima ação. ela toma o caminho para o qual ∫ v(r) dr é mínimo. Segundo seu teorema. A conservação de energia entra ao se considerarem caminhos virtuais de mesma energia. é uma grandeza infinitesimal de segunda ordem. p. pp. Lagrange abriu caminho para sua Mécanique Analytique (1788). 265). na reflexão. A partir daí. Diagrama ilustrando a demonstração de Héron de que a luz. definindo-o também como o produto do tempo e da força viva (energia cinética). O princípio variacional foi derivado de maneira mais geral por Lagrange. mas a tal carta de Leibniz nunca foi encontrada (DUGAS. “A diferença entre as integrais ∫ v dr tomadas ao longo da trajetória real e dos caminhos virtuais vizinhos. o que tornaria o princípio mais geral do que a conservação de força viva (que só valeria no caso de choques elásticos). então. um máximo ou mesmo um ponto intermediário de derivada nula. [a ação] usualmente se torna mínima ou máxima”. Em 1751. 25). Seu resultado é baseado no cálculo de variações.FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap. Com o princípio de trabalhos virtuais. XIX. Figura VII. para n partículas. o princípio de Euler é um enunciado relativo às trajetórias “virtuais” (que não satisfazem as leis de Newton) que são vizinhas à trajetória real da partícula. problema cuja resolução pelos métodos de Newton e Euler em geral se torna onerosa. ou para um que maximiza sua entropia. “Um sistema muda de uma configuração para outra de tal maneira que a variação da integral ∫ Ldt entre o caminho real e um vizinho. e nos trabalhos de Schwinger e Feynman47 na teoria quântica de campos relativísticos. 407-8). p. ao afirmar que o nosso Universo contém as condições ideais para o surgimento da vida. em que ele apresenta de maneira didática sua visão conhecida como “soma sobre histórias”. Pode-se interpretar o mecanismo da seleção natural como uma explicação causal-eficiente para evolução dos seres vivos.VII: Princípios de Mínima Ação entre a energia cinética T e potencial V. Na cosmologia. que considerou. por Maupertuis e Euler. mas autores como Ernst Mayr defendem que uma “teleonomia” estaria associada ao código genético. As formulações do princípio variacional de Euler e Lagrange estão restringidas a caminhos virtuais de mesma energia. foi feita pelo alemão Carl Jacobi em 1843. da mecânica quântica. e foi abandonada pela maioria dos físicos. Princípios variacionais foram usados na velha teoria quântica e na derivação da equação de Schrödinger. resultando em uma “geometrização” do princípio de extremo. pp. A questão da teleologia na biologia é bem mais controversa. Essa restrição foi removida em 1834 pelo irlandês William Hamilton. caminhos virtuais que terminam no mesmo ponto e no mesmo tempo. Essa noção teleológica passou a ser atacada posteriormente. 4. 44 . por exemplo por d’Alembert (1758). que costuma não interpretar os princípios de extremo de maneira teleológica. p. Uma formulação em que o tempo é eliminando. 47). como um princípio metafísico exprimindo a perfeição de Deus ou uma tendência da natureza de escolher caminhos mais simples. Anunciou então que “em sua forma verdadeira [é difícil] atribuir uma causa metafísica a este princípio” (DUGAS. Mesmo assim. 26-7 a 26-8. Causas Finais na Física O princípio de mínima ação foi visto. 269). obtêm-se as equações de Lagrange. cit. porém. 47 Uma discussão interessante sobre o princípio de Fermat é feito por FEYNMAN et al. Um sistema tende para o estado que minimiza sua energia. é nula” (YOURGRAU & MANDELSTAM. op. o “princípio antrópico” pode ser interpretado como uma tese finalista.FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap. como será exemplificado mais à frente com relação à entropia. (nota 45). a linguagem teleológica está presente em algumas explicações físicas corriqueiras. terminando no mesmo ponto do espaço e do tempo. que criticou “o princípio das causas finais” (DUGAS. Chegou assim ao chamado “princípio de Hamilton”: δ ∫ L dt = 0. escrita em função das coordenadas generalizadas qi e & := dqi/dt. em sua versão mais fraca. sua equação é: q d dt  ∂L   ∂q  &i  ∂L   − ∂q i  = 0 . (1962). A partir deste princípio variacional. Explicações mecânicas buscam dar conta desses enunciados teleológicos por meio apenas de causas eficientes. tal princípio é perfeitamente consistente com a causação eficiente. No entanto. pp. Filosofia da Física Clássica Cap. VIII Axiomatização da Mecânica Clássica Questão: Por que e como axiomatizar as teorias físicas ? (Nota: Esta aula não foi ministrada em 2008) 1. Contexto da Descoberta e Contexto da Justificação Ao se discutir a metodologia da ciência, é importante traçar uma distinção entre dois contextos: o da descoberta e o da justificação.48 A maneira como uma descoberta científica é feita envolve diversos fatores, incluindo aspectos psicológicos, sociais e culturais. O químico alemão August Kekulé (1865), por exemplo, chegou à idéia de que o benzeno é um anel de átomos de carbono após ter sonhado com uma cobra mordendo o rabo. No entanto, ele não incluiria esta informação ao escrever seu artigo para publicação. No contexto da justificação de uma teoria, procura-se partir de bases firmes e deduzir conseqüências de maneira rigorosa e de acordo com os cânones da metodologia científica. No contexto da descoberta, por outro lado, os caminhos para se adquirir conhecimento são os mais variados. Ao se discutir uma questão de filosofia da ciência, é preciso especificar em qual contexto se está trabalhando. Por exemplo, qual a importância da indução na ciência? A “indução por enumeração” consiste de se observar uma regularidade em um número finito de casos, e daí generalizar para todos os casos, em uma “lei empírica”. No contexto da descoberta, tal método é muitas vezes usado, especialmente nos estágios iniciais de uma área científica. Os positivistas tendem a considerar que a indução também é uma maneira de justificar a aceitação de uma lei empírica. No entanto, autores como Karl Popper discordam que a indução possa servir de justificação, sem negar, porém, que ela possa ter um papel na geração de hipóteses (contexto da descoberta). Para Popper, o método privilegiado para se justificar uma teoria é o método hipotético-dedutivo, que consiste em formular uma hipótese e deduzir suas conseqüências empíricas (observacionais): se houver concordância entre a previsão e o que é de fato observado, a hipótese é “corroborada” (verificada); se não, ela é “falseada” (ou seja, a hipótese ou alguma outra suposição usada na dedução deve ser abandonada). Neste capítulo, examinaremos as tentativas de fundamentar teorias científicas em bases rigorosas, por meio de sua axiomatização. Tais tentativas estão claramente no contexto da justificação. No cap. X, estudaremos o contexto da descoberta da teoria do eletromagnetismo por Maxwell, onde as analogias desempenham papel importante. 2. Discussão dos Princípios Newtonianos no Séc. XIX Em meados do séc. XIX, concomitantemente com a ascensão da Termodinâmica e do princípio de conservação de energia, vários físicos começaram a questionar os fundamentos da mecânica newtoniana. Na França, Barré de Saint-Vernant (1797-1886), em 1851, adotou uma perspectiva atomista para fundar a mecânica apenas nas velocidades e acelerações entre pontos, derivando definições de “massa” e “força”. Considerava que as forças eram “agências de uma natureza oculta ou metafísica”, e não as relacionou com as causas eficientes dos 48 Os termos “contexto da descoberta” e “contexto da justificação” foram cunhados por Hans Reichenbach (1938), mas a distinção é mais antiga. Immanuel Kant (1781), por exemplo, se referia a “questões de fato” (quid facti) e “questões de direito” (quid juris). John Herschel (1830) também é citado como um autor que distinguiu claramente entre “como alcançamos conhecimento” e “a verificação das induções”. 45 FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap.VIII: Axiomatização da Mecânica Clássica movimentos.49 Por contraste, outro francês, Frédéric Reech (1852), seguiu a abordagem de Euler ao colocar a força como ponto de partida da mecânica. Comparou uma força a um fio tensionado que estaria ligado à partícula sofrendo a ação da força. A força poderia ser avaliada cortando-se o fio e observando o movimento subseqüente da partícula. Trabalhando com diferenças de acelerações, buscou eliminar a descrição em termos de um referencial privilegiado. Sua “escola do fio” foi levada adiante por Jules Andrade (1898). Um quarto de século após essas primeiras formulações, em 1876, o alemão Gustav Kirchhoff (1824-87) se propôs a construir a mecânica de maneira lógica, a partir das noções de espaço, tempo e matéria, e derivando destas os conceitos de força e massa. Uma abordagem semelhante foi publicada independentemente, em 1883, pelo austríaco Ernst Mach (de quem já falamos na seção V.4), em seu livro A Ciência da Mecânica. Mach considerou que os princípios da mecânica precisariam ser fundados na experiência, e não na especulação teórica: seu livro seria “um trabalho de explicação crítica animado por um espírito anti-metafísico”. Fez uso de um “princípio de simetria” para definir operacionalmente (por meio de operações experimentais) o conceito de massa (inercial). Para isso, considerou que dois corpos idênticos A e B comunicam acelerações iguais e contrárias, aA, aB, ao longo da linha que os une (por exemplo, por meio de uma mola). Tomando A como tendo massa unitária mA=1, a massa de B seria tal que mB·aB = –mA·aA. Eliminou assim o apelo de Newton à noção intuitiva de “quantidade de matéria” (ver seção IV.2), e declarou que “nesta concepção de massa não há teoria”. Tendo assim definido “massa” em termos operacionais, pôde caracterizar a 2a lei de Newton como sendo uma definição50 de força: F := ma , derivada a partir de termos observacionais. Sua estratégia foi apoiada por positivistas como Karl Pearson (1892). Heinrich Hertz (1857-1894) também se dedicou ao problema, logo antes de sua morte prematura, publicando Os Princípios da Mecânica apresentados em uma Nova Forma (1894). Seguindo seu professor Kirchhoff, buscou construir a Mecânica a partir dos conceitos de tempo, espaço e massa. Comentou a abordagem tradicional, baseada nos conceitos de espaço, massa, força e movimento, que estão ligadas às leis de Newton e ao princípio de d’Alembert (seção VII.2), argumentando que ela teria imprecisões lógicas. Uma dessas imprecisões seria que a noção de força em geral é tomada como a causa do movimento, mas, no caso de forças fictícias como a força centrífuga, ela surge como efeito do movimento. Criticou também a profusão do uso do conceito de força, por exemplo na Mecânica Celeste, sem que isso correspondesse a algo observável: só observamos as posições dos astros em diferentes instantes (comparou o uso de forças ao uso de epiciclos na Astronomia antiga). Parte então da abordagem de Kirchhoff, mas faz a seguinte constatação, característica de uma atitude realista. “Se quisermos obter um quadro do mundo que é fechado em si mesmo, no que tange a leis, devemos conjeturar a existência de outros seres invisíveis por trás das coisas que vemos, e buscar os atores escondidos por detrás das barreiras de nossos sentidos”. Os conceitos de força e de energia seriam idealizações desse tipo, mas Hertz preferiu postular a existência de “variáveis ocultas” que nada mais seriam do que massas em movimento, que se chocariam com os corpos visíveis de maneira a dar conta do que observamos. Teríamos assim um retrato mecanicista, semelhante ao de Descartes ou Le Sage (seções III.6 e 7). Hertz, porém, não estava preocupado em fornecer modelos particulares para diferentes fenômenos, como a gravitação, mas em formular uma descrição geral que fosse consistente com os princípios da Mecânica Clássica. A lei fundamental da Mecânica seria uma lei de mínimo (seção VII.3): para sistemas isolados, o sistema segue a trajetória de curvatura mínima, com uma velocidade 49 50 Nesta seção, seguimos DUGAS (1988), op. cit. (nota 44), pp. 436-51. Adotamos a convenção de “dois-pontos-igualdade”, adotada por alguns lógicos, para exprimir uma definição: “:=”. Outras signos usados para “definição” são: “≡” ou “=df.”. 46 FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap.VIII: Axiomatização da Mecânica Clássica constante. Tal lei se reduziria para as leis conhecidas da Mecânica, como o princípio de mínima restrição de Gauss, que era uma formulação alternativa do princípio de d’Alembert. O último autor que consideraremos neste resumo é o francês Henri Poincaré (18541912), que em sua Ciência e Hipótese (1902) levou adiante o projeto de mostrar em que medida as teorias físicas envolvem convenções. Uma convenção seria uma tese, a respeito do mundo, que poderia ser diferente, mas que é adotada porque permite a construção de uma teoria econômica (simples) e eficiente em suas previsões. Nossa tendência é supor que o princípio de inércia (1a lei de Newton), por exemplo, reflete um fato fundamental do mundo ou espelha diretamente a uma realidade. No entanto, argumenta Poincaré, não é possível verificar experimentalmente este princípio. Podemos tentar fazê-lo lançando um corpo em uma região na qual não há forças resultantes, mas, neste caso, como sabemos que não há forças atuando? Um critério é verificar se um corpo de prova não sofre acelerações, mas neste caso estaríamos usando implicitamente o princípio de inércia para constatar que numa região não há forças, de modo a testar o próprio princípio de inércia! Seria um círculo vicioso!51 Poincaré considerava que vários outros princípios seriam convencionais: a simultaneidade do tempo, o espaço absoluto, a suposição que o espaço seria euclidiano, a lei de ação e reação, e o princípio de conservação de energia. (Em um capítulo posterior examinaremos o argumento de Poincaré a respeito deste último princípio.) A 2a lei de Newton seria uma convenção, mas mesmo assim Poincaré associava ao conceito de força um conteúdo intuitivo (associado à noção de esforço), ao contrário do que fizera Kirchhoff. Considerava assim que a abordagem de Kirchhoff era apenas uma convenção possível, assim como a adotada pela “escola do fio” que mencionamos anteriormente. Quanto ao papel da experimentação, considerava que ela poderia verificar a teoria física de maneira apenas aproximada (dado que não existiria um sistema perfeitamente isolado); ou seja, as convenções da física seriam parcialmente justificadas pela experimentação. 3. Críticas ao Método de Mach Críticas à proposta de Mach começaram a surgir de maneira mais detalhada a partir do trabalho de dois matemáticos ingleses, L.N.G. Filon e C.G. Pendse, na década de 1930. Filon publicou em 1926 um estudo sobre as bases da mecânica racional em que tinha simpatia pela abordagem de Mach. Em torno de 1932, porém, passou a questionar a abordagem machiana por razões semelhantes às consideradas por Poincaré (a quem não cita): nunca podemos ter certeza que um corpo não está sob o efeito de uma força externa, nem que dois corpos interagentes (segundo a receita de Mach) também não estejam. As três leis de Newton não seriam leis experimentais, pois não podem ser provadas nem refutadas experimentalmente. Filon concluiu que a única maneira correta de definir a massa de um corpo seria através de seu peso, método este proposto pelo próprio Newton.52 Em 1937, C.G. Pendse53 mostrou que o método operacional de Mach, de observar as acelerações entre dois corpos para inferir os valores das massas, falhava para muitos corpos. Sem levar em conta a 3a lei de Newton, se as acelerações fossem medidas apenas uma vez, o Esta e outras discussões são tratadas em CHIBENI, S.S. (1999), “A Fundamentação Empírica das Leis Dinâmicas de Newton”, Revista Brasileira de Ensino de Física 21, 1-13. 52 53 51 FILON, L.N.G. (1938), “Mass and Force in Newtonian Mechanics”, Mathematical Gazette 22, 9-16. PENDSE, C.G. (1937), “A Note on the Definition and Determination of Mass in Newtonian Physics”, Philosophical Magazine 24, 1012-22. PENDSE, C.G. (1939), “A Further Note on the Definition and Determination of Mass in Newtonian Mechanics”, Philosophical Magazine 27, 51-61. PENDSE, C.G. (1940), “On Mass and Force in Newtonian Mechanics”, Philosophical Magazine 29, 477-84. 47 resultando nas geometrias não-euclidianas. 4. trad. Mesmo assim. não podemos retirar os corpos para pesagem. é claro. Mesmo levando em conta a 3a lei de Newton. demonstram-se teoremas e resolvem-se problemas de construção. Já no caso de partículas elementares. A2: Para quaisquer dois pontos. concluiu que para acima de 7 corpos o método falharia. mais as massas) tornava-se maior do que o número de equações. mas não as forças! O método de Mach funcionaria.3). XIX. Axiomatização de Teorias Matemáticas Uma axiomatização consiste em uma formulação de uma teoria que se inspira na sistematização que Euclides deu para a geometria (ver seção I. 84-6 (orig. O significado dessas noções é parcialmente estabelecido pelos cinco axiomas de Euclides. L. pp. pois confiamos em balanças. não consegue determinar as massas relativas. São Paulo.A2. No caso da Geometria Euclidiana. Na prática. usados por Hilbert54: A1: Para quaisquer duas retas. pois o número de incógnitas (forças entre pares de partículas.A. muitos dos quais dependem da aceitação de uma teoria física. A3: Em cada reta há pelo menos dois pontos. porque a reta BDF não se parece com as outras.1 satisfaz o seguinte conjunto de axiomas.A3}. e pô-lo de volta no sistema. mas em um artigo posterior concluiu que seria possível derivar as massas relativas em alguns casos. mas na prática científica utilizam-se de bom grado métodos nos quais conceitos teóricos são introduzidos de maneira primitiva. há exatamente uma reta que as contém. No entanto. 48 . XX pelo alemão David Hilbert. tal procedimento não é necessário para corpos de nosso cotidiano. mas o fato de o Sol ser muito mais massivo do que os planetas facilita os cálculos a partir das acelerações. No séc. as massas são medidas por diversos procedimentos. para corpos não coplanares.VIII: Axiomatização da Mecânica Clássica método falhava para mais do que 4 corpos. supondo que sua massa não varia neste procedimento. com um número suficientemente grande de medições. Com isso. Unesp/ Discurso. Por exemplo. Inicialmente. Ed.H. Pendse calculou também o que aconteceria se se pudesse medir as acelerações em vários instantes diferentes. Dutra. o quinto postulado de Euclides – que diz que dados uma reta e um ponto fora dela.FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap. Para se determinar as massas dos planetas. começou a ficar claro que o importante em uma axiomatização na matemática não é nossa opinião sobre a veracidade dos axiomas. e comparar sua aceleração com a de um corpo de referência. que sublinhou que uma axiomatização deve deixar claro quais são as noções primitivas (não-definidas) do sistema. B. há no máximo um ponto pertencente às duas. podemos dizer que métodos operacionais parecem viáveis na física. diferentes “interpretações” podem satisfazer o sistema axiomático. 54 Exemplo apresentado por VAN FRAASSEN. mas a consistência interna do sistema axiomático. naturalmente. VIII. o modelo representado pictoricamente na Fig. em inglês: 1980). A Imagem Científica. para mais do que 5 corpos. Partem-se de axiomas. (2007). Essa concepção foi bastante divulgada no começo do séc. A figura pode causar estranheza. sendo chamadas de “modelos”. então pelo ponto passa apenas uma paralela à reta – passou a ser modificado. se se pudesse pegar cada corpo individualmente. em um plano. representa um modelo do sistema de axiomas {A1. uma única observação de aceleração. Concluindo esta seção. de maneira exata. as noções de “ponto” e “reta” são primitivas: não devem ser definidas a partir de outros conceitos e nem precisam satisfazer nossa intuição a seu respeito. t. e é citado na revisão feita por SANT’ANNA. 55 49 .C.T. baseada em conjuntos e em funções. C. A função m(p) interpreta-se fisicamente como a massa da partícula p. tomaram cuidado em deixar claro quais são as noções primitivas da teoria mecânica. e pressupuseram também diversos resultados da matemática clássica. Os axiomas P1 e P2 apenas estipulam que P não é vazio e MCKINSEY. que axiomatiza a mecânica de Hertz. A axiomatização de McKinsey et al.. T é interpretado como um conjunto de números reais que medem o tempo transcorrido. Em especial. T. SUGAR.t) é seu vetor posição num instante de tempo t. é uma teoria matemática.C. No entanto. J. tinham em mente uma interpretação física para esses conceitos matemáticos. s(p. de tal forma que o conjunto ordenado 〈P. & SUPPES. por exemplo. 346-53. Axiomatização Dedutivista da Mecânica Clássica A formulação que Newton deu para a Mecânica pode ser considerada uma “axiomatização informal”. A2 e A3.55 Essa abordagem não foi bem recebida pelos físicos. s uma função binária e f uma função ternária. A.i) é o vetor de força i atuando em p no instante t. McKinsey. As noções primitivas introduzidas foram P. Journal of Classical Mechanics and Analysis 2. “É Possível Eliminar o Conceito de Força da Mecânica Clássica”. mas um conjunto! P e T são conjuntos. McKinsey et al. além da lei de atração gravitacional.C. m. Escolheram não introduzir um axioma de impenetrabilidade entre partículas.VIII: Axiomatização da Mecânica Clássica Figura VIII. s e f. O que seria P? Não diretamente uma entidade física. A. sendo por isso considerada “informal”.C. J.s. O slogan de Suppes aparece em um texto não publicado de 1967. Suppes cunhou o slogan que “axiomatizar uma teoria é definir um predicado conjuntista”.f〉 define um sistema de mecânica de partículas. Apresentam então seis axiomas. Naturalmente. Assim.m.1: Geometria dos sete pontos e sete retas. (1998). (1953). e f(p. “Axiomatic Foundations of Classical Particle Mechanics”.FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap. que por sua vez são redutíveis a conjuntos.C. 5. m uma função unária. Revista Brasileira de Ensino de Física 20. que se inicia assim: “O comunicador está em completo desacordo com a visão da mecânica clássica expressa neste artigo”. mas também poderia ser interpretado de maneira não física. 253-72. Sugar & Patrick Suppes publicaram uma axiomatização da mecânica clássica de partículas que se propunha a cumprir os padrões de rigor estipulados por Hilbert. P poderia ser interpretado como um conjunto de partículas p. & GARCIA. a sua axiomatização não satisfaz os critérios de rigor da lógica moderna. P. pois partiu de algumas definições e das três leis fundamentais da Mecânica.C. como pode ser visto pelo comentário de Clifford Truesdell. Em 1953. que é um modelo dos axiomas A1.S. e deduziu diversos teoremas. como um conjunto de números.. em nota na primeira página do artigo de McKinsey et al. A. mesmo que empiricamente os conjuntos de forças sejam indistinguíveis. Kirchhoff define a força a partir da massa e da aceleração. como quase qualquer outra ciência em forma dedutiva. poderiam ser definidos em termos dos outros primitivos. que as acelerações de um conjunto de corpos colineares podem ser devidas a distintos conjuntos de forças (ver Fig. e mostrar que o primitivo em questão pode assumir diferentes valores (ou seja. α={ f 0}. que consiste essencialmente em fixar os valores dos outros primitivos. Com relação a Mach. com relação ao conceito de força. corresponde à 2a lei de Newton. neste momento eles adotam uma postura mais realista que a de Kirchhoff. provam um teorema segundo o qual qualquer modelo de seu sistema axiomático pode ser inserido como parte de um modelo mais amplo que satisfaz a 3a lei. por seu turno. fornecem as mesmas forças resultantes em cada corpo.4). β={ f 1.t.2). mas sim o quão prático é a aplicação do formalismo. e que cada uma das forças indicadas é real. Assim. partem do princípio que existem os dois conjuntos distintos de forças. envolve uma idealização do conhecimento empírico factual [actual empirical knowledge] – e é assim melhor concebida como um instrumento para lidar com o mundo [a tool for dealing with the world]. (MCKINSEY et al. do que como um retrato que o representa. Vemos assim uma característica pragmática de sua axiomatização. P6. 254. No caso da força. que no caso é a força resultante. A 1a lei de Newton é derivada de P3. p. P4 e P6. De fato. O axioma P4 apenas estipula que m(p) é um número real positivo. como no disparo de uma bala de canhão (em que a força de reação na Terra é desprezada).) Apesar de não adotarem a 3a lei de Newton. seu valor não é fixado univocamente pelos valores dos outros primitivos).. não vêem como seria possível incorporar tal cientista em um sistema clássico de mecânica de partículas! 50 . tal procedimento envolve um cientista experimental. a não ser que houvesse alguma outra maneira empírica de distinguir essas situações. o vetor velocidade é constante. Um resultado bastante citado do trabalho de McKinsey et al. é a demonstração de que m. em relação a uma massa de referência. em um exemplo simples. não faria sentido nesse exemplo distinguir os casos (α) e (β). pois na formulação dos axiomas não importa tanto qual é a “verdade”. No entanto. mostram. sendo que P e T. VIII. preferem não impô-la como axioma. próxima de um instrumentalismo (seção IV. Apesar de termos citado um parágrafo em que apresentam um discurso instrumentalista. Isso revela a diferença entre a abordagem de McKinsey et al. VIII. e P5 que a soma em i das forças f(p. O último dos três axiomas dinâmicos. e que cada uma seja submetida (individualmente) ao procedimento operacional para se determinar sua massa. e os de Kirchhoff e Mach (seção VIII.2.t) é duplamente diferenciável em t. s e f são noções primitivas independentes. e McKinsey et al. Na abordagem descritivista de Kirchhoff. Utilizam para isso um método lógico devido a Alessandro Padoa (1900). f 2}.2). como o teorema de que se a força resultante sobre um corpo é nula. Já McKinsey et al. no início do artigo eles advertem: Deve-se notar que a mecânica de partículas.VIII: Axiomatização da Mecânica Clássica que T é um intervalo de números reais. para permitir aplicações em que ela não é usada. no exemplo da Fig.i) converge em uma força resultante de valor finito. O terceiro axioma cinemático determina que o vetor s(p.FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap. consideram plausível que se pegue cada partícula. O exemplo é trivial porque os dois conjuntos de forças. Quanto à 3a lei de Newton (ação e reação). McKinsey et al. as duas situações correspondem à mesma força em cada partícula. 1953. Notamos a importância que os autores atribuem à especificação matemática precisa dos conceitos envolvidos. A. A tentativa de axiomatizar uma teoria física com base em postulados próximos à observação pode ser chamada de abordagem empirista ou operacional (ou mesmo “indutivista”) à axiomatização de teorias científicas. Herbert Simon. Mas se. expoente da inteligência artificial e ganhador do Prêmio Nobel de Economia. “The Axiomatization of Physical Theories”. 16-26.VIII: Axiomatização da Mecânica Clássica Figura VIII. ou se eles envolviam conceitos teóricos (não diretamente observáveis). aceitando que se possa definir esse conceito de modo independente das observações. Tal abordagem pode ser chamada de dedutivista ou realista. ao incluir a lei da atração gravitacional como um axioma. 888-905. H. ou seja. 6. SIMON. Ele contorna as dificuldades que o método de Mach enfrenta para definir operacionalmente massa. então a lei da gravitação se torna uma lei empírica. A maioria das revisões formuladas no séc.FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap. 56 51 .A. como “força”. cada axioma pretende exprimir uma lei fundamental do Universo.2: Exemplo de McKinsey et al. H. H. Sugar & Suppes encara o conceito de força de maneira realista (mesmo adotando um tom geral instrumentalista). (1970). Philosophy of Science 21. “The Axiomatization of Classical Mechanics”. O Debate entre Axiomatizações Empiristas e Dedutivistas Vimos até aqui duas estratégias para se fundar a mecânica clássica de partículas. SIMON. está a de que se se quiser definir força a partir da 2a lei de Newton.A. pretende ter um importante conteúdo físico. mesmo que haja redundâncias (a 1a lei é um caso particular da 2a). Dentre as conclusões que obteve. escreveu vários trabalhos formulando uma axiomatização de sabor mais empirista56. pensador multifacetado. Outros autores propuseram axiomatizações mais empiristas do que as de McKinsey et al. 340-3. “The Axioms of Newtonian Mechanics”.2) envolviam a questão de se os postulados de Newton exprimiam diretamente fatos observados na natureza. de maneira alternativa. então F=ma se SIMON. Philosophical Magazine (series 7) 38. (1954). de dois conjuntos de forças (indicadas por flechas) que geram as mesmas acelerações. Já a abordagem de McKinsey. XIX (que vimos na seção VIII. Philosophy of Science 37. (1946). Na axiomatização informal de Newton. se quiser definir força a partir do axioma correspondente à lei da gravitação. e que seu resultado não é geral. em geral. Mackey (1963). a questão de qual é a convenção (definição) e qual é a lei empírica depende da perspectiva que se adota.. essa conclusão parece também fornecer um forte apoio para o hipotético-dedutivismo. British Journal for the Philosophy of Science 28. J. 55-7. é difícil aceitar os resultados facilmente provados de Suppes da maneira em que são vendidos filosoficamente. ao contrário das visões positivistas de Mach. 55. ter tido sucesso em eliminar termos teóricos em favor de termos mais diretamente observáveis [. 57 52 . é decorrente da “escolha idiossincrática” de primitivos feita por eles. À primeira vista. Conclui que o resultado de independência de McKinsey et al. 1977. (1977).. os físicos matemáticos parecem.FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap.VIII: Axiomatização da Mecânica Clássica torna uma lei empírica da Física. e se detém numa axiomatização da Mecânica Clássica feita por G. Ou seja. massas e forças são termos teóricos que não podem ser eliminados em favor de termos de observação. que fornece uma generalização do método de Mach para se determinarem operacionalmente as massas.W. Um interessante balanço geral deste debate é fornecido pelo filósofo da física inglês Jon Dorling57: Este resultado [de Suppes e colegas] é normalmente tomado como mostrando que. contra o indutivismo. DORLING. Porém. p.) Dorling cita as axiomatizações operacionais da Termodinâmica e da Mecânica Quântica feitas por Robin Giles. “The Eliminability of Masses and Forces in Newtonian Particle Mechanics: Suppes Reconsidered”. Por um lado (ao contrário do que a maioria dos filósofos parece supor). não afetando a plausibilidade de axiomatizações operacionais ou positivistas.] (DORLING. IX A Ontologia do Eletromagnetismo Questão: Quais conceitos do eletromagnetismo correspondem a entidades reais ? 1. Se observamos algo. apesar de estes serem observados. sobre o que é “fisicamente real”. não sendo por isso real. é apresentada em NAGEL (1961). como o lampejo ilusório ou uma dor no calcanhar. Quando consideramos um objeto real. mas servirão como um ponto de partida para discutir se determinado objeto. apenas uma representação matemática. A Uma discussão semelhante. como o elétrico E. comprimentos e durações temporais variam com o referencial. o de indução magnética B. e a luz é costumeiramente representada como ondas E e B. 2) Invariante. ou seja. O sentido do tato parece ter mais importância na determinação de que algo é real. como as aparições de discos voadores nos céus.4). Critérios para estabelecer o que é Real A teoria do eletromagnetismo de Maxwell postulou a existência de diversos “campos” (definiremos este conceito na seção IX. O que é real? O protótipo de um objeto real é uma pedra. o critério de invariância adquire muita importância. ante mudanças no observável sendo medido.Filosofia da Física Clássica Cap. sugerindo que seja mais real do que o espaço e o tempo separados. é facilmente concebida e representada pela minha mente. mas há um “intervalo espaço-temporal” que permanece invariante. Na teoria da relatividade restrita. é real. o potencial φ e o potencial vetor A. Aquilo que permanece constante ante transformações de coordenadas ou de perspectivas costuma ser considerado real. como lampejos de luz quando batemos a cabeça. Já o potencial vetor é considerado irreal. op. Na teoria quântica. há mais razões para considerarmos que o objeto é real. são indício de um evento real em nosso corpo. tem uma forma tridimensional que é consistente com todas as imagens formadas de diferentes perspectivas. Isso faz alguns autores admitirem que a “onda de probabilidade” ψ(r) seja real. Há porém ilusões. colorida. 3) Concebível. (nota 28). ele costuma ser:53 1) Observável. posso lhe dar um nome. Ao tratar de entidades inobserváveis. E e B são considerados reais. cit. e depois discutiremos visões alternativas. e podem não ser independentes. Qual o critério usado para se estabelecer que um termo teórico corresponde ou não a uma entidade real? Iniciaremos este capítulo examinando esta questão filosófica. Vemos um arco-íris mas não conseguimos pegá-lo: será que ele é real? Quando todo mundo observa o mesmo objeto. e há objetos visíveis que interpretamos como sendo distintos do que são. mas os críticos desta opinião argumentam que ela não é diretamente observável e nem satisfaz o critério seguinte. 146 ff. mas mesmo observações privadas. Podemos extrair desta caracterização quatro critérios para decidir se um objeto é real ou não. 53 53 . continua igual mesmo que eu a jogue. um quark ou uma partícula virtual. temos boa confiança de que ele existe. se alguém a atirar em mim eu sentirei dor. pp. a função de onda ψ(r) é invariante ante mudanças no aparelho de medição. Outro critério importante para aceitarmos que um conceito corresponda a algo real é que ele possa ser representado de maneira não-problemática em uma teoria. como um arcoíris. uma que defende que o campo magnético não é real. e outra que o potencial vetor também é real. uma sombra. Ela é dura. tem até gosto. e se eu jogá-la contra uma vidraça terei o poder de causar a quebra desta. Tais critérios não são necessariamente exaustivos. Quais deles correspondem a entidades reais? Em nosso ensino de física. pp. Em discussões sobre a realidade do mental (como sendo distinto do corporal ou cerebral). Cadernos de História e Filosofia da Ciência 10.FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap. ao colocar um fio de platina. 4) Causalmente potente.1: Forças entre imãs e entre espiras de corrente equivalentes. Este artigo é seguido pela tradução do texto original de Ørsted”.A.4. passamos a levar seriamente que seu encantamento é real. Se um objeto apresenta “poderes causais”. 2.54 Figura IX. enunciou sua lei fundamental do eletromagnetismo: “o efeito magnético da corrente elétrica tem um movimento circular em torno dela”. Ampère e o Magnetismo como Epifenômeno Em julho de 1820. Na física. que examinamos na seção I. ou propriedades universais e entidades matemáticas. o que é problemática teoricamente. 54 54 . o dinamarquês Hans Christian Ørsted descobriu que. Na presente discussão. enfocamos objetos individuais. R. o indivíduo ou o grupo) a partir de seu poder causal. condutor de corrente galvânica. 89-114. Se uma bruxa consegue lançar um encantamento e quebrar uma vidraça. (1986). Em filosofia da biologia. “Ørsted e a Descoberta do Eletromagnetismo”. aumenta nossa confiança em sua realidade. próximo e paralelamente a uma bússola.r2) seria definida em seis dimensões.IX: A Ontologia do Eletromagnetismo função de onda mencionada no parágrafo anterior estaria sujeita a “colapsos não-locais” (falaremos sobre a localidade na seção VIII. isso aumenta nossa crença em sua realidade. e para duas partículas correlacionadas ψ(r1. de forma que tais estados seriam reais (e não meros “epifenômenos” do cerebral).4). A maioria dos cientistas não acredita em fantasmas porque (entre outras razões) estes não são explicáveis pela teoria física atual. NAGEL salienta também que se um termo teórico aparecer em diferentes leis experimentais. discute-se qual é o “nível de seleção” que tem realidade (o gene. podemos aceitar que a energia cinética de uma bala seja real porque esse termo teórico está presente em leis científicas bem confirmadas e aceitas. mas há também uma longa discussão sobre a realidade de entidades envolvendo mais de um indivíduo. como conjuntos de indivíduos (um conjunto existe ou é apenas uma representação). Com isso. às vezes utiliza-se o argumento de que seriam os estados mentais (e não prioritariamente os correspondentes estados cerebrais) que causariam nossas ações. MARTINS. esta tendia a girar para uma posição quase perpendicular ao fio (o efeito não era completo devido ao campo magnético da Terra). mas que ao entrar em contato com um imã.2a). de outro.2 e IX. gerando uma magnetização do material como um todo. André-Marie Ampère construiu o primeiro galvanômetro e mostrou que dois fios paralelos. mas um campo nulo no exterior do átomo. a tese de que o magnetismo dos materiais é devido a correntes atômicas pode ser sustentada. o que ocorreria. carregando corrente no mesmo sentido. de tal forma que seus campos magnéticos apontam mais ou menos na mesma direção e sentido. A circulação de elétrons em um átomo de ferro pode ser visto como gerando um campo magnético. os efeitos magnéticos seriam apenas “epifenômenos” dos elétricos. pp. Um problema para a tese de Ampère é o fenômeno do momento magnético intrínseco de elétrons. 55 55 . Ampère. ou seja. torna-se magnética? Ampère postulou que cada átomo de ferro. em Londres. (1965). François Arago construiu os primeiros solenóides e Jean Baptiste Biot & Félix Savart anunciaram a lei de força entre uma corrente e um imã. no fundo nada mais seriam do que conseqüências de correntes elétricas fechadas. porém.R. o que ocorre é um alinhamento dos átomos. em diferentes disposições. É como se um elétron fosse um minúsculo imã. perpendicular ao plano do desenho. No entanto. Oxford. chamado de “spin”. e as análogas forças entre duas espiras de corrente.3 foram adaptadas de TRICKER. seria uma deformação como a da Fig. Como explicar. o fato de que uma agulha de ferro pode não estar imantada. mas a explicação é estatística. Hoje em dia. Neste último caso o campo magnético é perpendicular ao plano do desenho. o efeito magnético global será nulo. então. e o caso (b) o átomo magnetizado.55 Figura IX. em setembro. Michael Faraday conseguiu produzir um movimento circular constante de um imã em torno de uma corrente (e vice-versa).A. IX. segundo Ampère. se atraem. Ampère. gerando um campo magnético fora do átomo. se o ferro fosse aproximado de um imã e se magnetizasse. segundo Ampère. mas se tais átomos estiverem orientados ao acaso. Em 1821.2b. R.1 apresenta as forças que surgem entre dois imãs. Podemos dizer que eletricidade e magnetismo tinham o mesmo “estatuto ontológico”. teria correntes dispostas de acordo com a superfície de uma maçã (Fig. Em outubro. A maioria dos cientistas dava igual importância aos efeitos elétricos. 29-30 e 43. Early Electrodynamics. porém. Para tentar As Figs. considerava-se que ambos existiam na realidade. A Fig. Com a aproximação de um imã. ou seja. IX. IX. Pergamon. As linhas referem-se a correntes elétricas nos átomos.2: Modelo pictórico de um átomo de ferro. nas condições normais em que não está magnetizado. de um lado. O resultando desta disposição seria um campo magnético interno ao átomo (na forma de um círculo passando por dentro das espiras).FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap. e aos efeitos magnéticos. lançou a hipótese de que a ação magnética nada mais é do que a ação de espiras elétricas de dimensões atômicas! Em outras palavras. impressionou-se com a equivalência da ação de um imã e de uma espira de corrente elétrica. O caso (a) representa a situação sem magnetização. IX.IX: A Ontologia do Eletromagnetismo Em Paris. porém. Recentemente.. in Chubykalo. o que resulta na força F21 indicada. ou sua reformulação por Grassmann (1845). qualquer força gerada por este sistema em alguma carga localizada no plano estará direcionada paralela ao plano (nunca para fora do plano).K. Commack (Nova Iorque). Livraria da Física. 54. a lei de Biot-Savart. concebendo que os elementos infinitesimais de corrente se atrairiam ou se repeliriam segundo uma força central. de forma que não haveria força resultante em 2. Se considerarmos uma espira circular em um plano. fazia a integração ao longo de cada circuito fechado. 1. Que razão teríamos. & Smirnov-Rueda. 56 . É possível. que não é central. Ampère substituía o imã pela espira equivalente.). o campo magnético exercido por 2 em 1 é nulo. (orgs. porém. Temos assim uma clara violação do princípio de ação e reação! Figura IX. aplicava sua lei de força para cada par de elementos de corrente. satisfazendo o princípio de ação e reação (3a lei de Newton).E. foi adotada pela maioria dos físicos. A. e obtinha a força resultante entre os dois sistemas. Instantaneous Action at a Distance in Modern Physics – “Pro” and “Contra”.T. elaborar outros modelos para o spin do elétron56. para postular a existência de um vetor de indução magnética apontada para fora do plano? Que razão teríamos para estipular que este vetor está apontado “para cima” do plano e não “para baixo”? Não haveria razão para quebrar essa simetria. Forças Magnéticas violam o Princípio de Ação e Reação? Ampère buscou construir uma teoria eletromagnética que satisfizesse os princípios da mecânica de Newton. R. o campo magnético não existiria. V. Nova Science. pp. mas ela tinha a característica peculiar de nem sempre satisfazer o princípio de ação e reação. (1999). pp.FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap. vol. Ver referências em PESSOA JR. Este. Para exprimir a ação entre uma espira elétrica e um imã (ou entre dois imãs). era um método diferente daquele introduzido por Biot & Savart. vemos que o elemento 1 gera um campo r r magnético B21 no elemento 2.4). A. que em outubro de 1820 obtiveram uma lei de força entre um elemento de corrente e um imã.. ver p. “Arguments in favour of Action at a Distance”. então. 3. IX. Conceitos de Física Quântica. de maneira a salvar a tese de Ampère do primado ontológico da eletricidade. A Fig. 45-56. São Paulo. Usando a regra da mão direita. pensou-se no elétron como uma esfera elétrica em rotação.IX: A Ontologia do Eletromagnetismo explicar esse magnetismo a partir do movimento de cargas elétricas. Para este tipo de interação. O. 57 56 ASSIS.3 ilustra esta violação para dois elementos de corrente. Pope. mas os cálculos mostraram que a velocidade de rotação necessária para gerar o spin do elétron violaria a teoria da relatividade restrita. Por outro lado. André Assis apresentou um argumento contra a realidade do campo magnético57. 145-6. Logo.3: Forças entre elementos de corrente segundo Biot & Savart. (2003). baseado no princípio de razão suficiente de Leibniz (ver seção V. juntamente com a teoria de Maxwell. Vemos assim que a noção de campo está intimamente ligada à noção de ação por contato (ou por contigüidade): os efeitos causais não se propagam instantaneamente à distância. mas se propagam de vizinho em vizinho. que manteve a 3a lei de Newton. pensamos em uma função matemática geralmente definida em todos os pontos do espaço e do tempo. quando integradas ao longo de circuitos. em 1831. demoraria 8 minutos (mais 19 ± 8 s) para que a Terra sentisse o baque. Nesse período. por Wilhelm Weber. de 1892.2) arrancasse o Sol de sua posição com a maior aceleração possível. É verdade que tal campo é gerado por cargas presentes em outras regiões. é apresentada por André Assis (que mencionamos na seção anterior). a menos de um termo proporcional ao quadrado da velocidade.t). Atribuímos realidade para esse campo porque se no instante t colocarmos uma carga q de massa m no ponto r. poderíamos dizer que a causa próxima do baque na Terra seria o afastamento do Sol. cujo valor medido será tal que F = ma = q E(r. mas a “causa próxima” do movimento da carga seria o campo. e por James Maxwell. Um campo (no sentido estrito) teria então três características: (i) Seria definida em todos (ou quase todos) os pontos do espaço e do tempo de uma determinada região.58 4. Uma comparação da lei de força de Lorentz. concebemos que este campo causa uma aceleração a. tornou-se necessário formular uma teoria mais abrangente para o eletromagnetismo.FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap. como E(r. o de Ampère e o de Biot-Savart. Campinas. A. Notamos que a descrição do movimento da carga depende só de uma entidade postulada (o campo) presente localmente em torno do ponto r. Campos e a Ação por Contato. 57 . em 1845.t). resultam sempre no mesmo resultado! Após a descoberta da indução eletromagnética por Faraday e Joseph Henry. um seguidor contemporâneo da tradição de Ampère e Weber. A ação ocorrida no Sol não afeta instantaneamente a Terra. como fez Poisson em 1813. Segundo a teoria da relatividade geral. podendo ser caracterizado como 58 ASSIS. podendo ser associada a uma energia.K. Eletrodinâmica de Weber. a partir de 1856. (1995). correspondendo assim a uma entidade “espalhada”.t). Neste caso. a uma velocidade finita. pois não é diretamente observável (sua existência é inferida dos efeitos que causa). mas se propaga a uma velocidade finita igual à da luz. no instante t. pois envolve ação à distância. e a de Weber. U(r. Já a abordagem de Ampère foi retomada por Weber. a oposição entre as estratégias de Biot-Savart e Ampère se manteve. Se o arranque do Sol afetasse a Terra instantaneamente. pode-se imaginar o que aconteceria se um “demônio” (ver seção VI. a partir de 1846. no sentido estrito. tem um caráter meio abstrato ou fantasmagórico. (ii) Em geral. mas isso não seria um “campo”. ou Localidade Quando falamos em um “campo” na física. Para testar esta última afirmação. Unicamp. Tentativas para testar esta diferença não têm levado a resultados conclusivos. Biot-Savart e Grassmann influenciaram a abordagem de Lorentz. como o campo elétrico ou o campo gravitacional. quando aplicados para circuitos inteiros fechados (o que envolve a integração da contribuição de todos os elementos). segundo a expansão aproximativa de Liénard-Schwarzschild.T. Isso foi feito por Franz Neumann. e acabou formulando uma teoria empiricamente equivalente à de Maxwell.IX: A Ontologia do Eletromagnetismo O curioso é que os dois métodos. que é apresentada na maioria dos textos didáticos. Ambas as leis de força fornecem os mesmos resultados. poderíamos trabalhar com uma função potencial gravitacional definida em todo espaço. e não as entidades localizadas à distância. Porém. o potencial vetor reaparece da mecânica quântica. A questão envolve uma escolha entre uma postura instrumentalista (positivista) e uma realista (seção IV. mas mantém os valores de E e B. (vi) Do potencial vetor pode-se derivar a energia do campo: U = ∫ j·A dV. Esta última noção de ação por contato ou localidade estava presente na filosofia mecânica de Descartes e Huygens (seção III. juntamente com o potencial escalar φ: E = –∂A/∂t – ∇φ. de 1935) e que a não-localidade se manifesta em pares de partículas “emaranhadas”. Isso é também expresso pelo termo localidade. (iv) Fixando-se ∇·A = 0. com a teoria quântica. (ii) Ele é um potencial para o campo elétrico. para qualquer função escalar ψ : A → A + ∇ψ . Assim.FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap. levando ao conceito de potencial vetor A. Assim. O Potencial Vetor é um Campo Real? Em seu estudo das propriedades eletromagnéticas de um meio. 5. Isso se reflete na impossibilidade de transmitir “informação” (algo macroscópico e observável) a uma velocidade maior do que a luz. onde p é o momento linear. X). em analogia com a a 2 lei de Newton. numa visão instrumentalista (para a qual ψ(r) é apenas um objeto matemático). então terá que aceitar a existência de colapsos não-locais.4). Este campo possui as seguintes propriedades: (i) O rotacional de A é o campo magnético: ∇ × A = B.IX: A Ontologia do Eletromagnetismo uma “potencialidade” no sentido aristotélico (seção II. ele é obrigado a aceitar a não-localidade (ação à distância). (iii) A seguinte transformação de calibre altera A e φ. a não-localidade voltou a figurar nas discussões de física. (v) A pode ser interpretado como um “momento reduzido”. numa ação por contato. de forma que –qA age como um momento. Por exemplo. e retornou à física a partir dos trabalhos de Faraday no eletromagnetismo. tem-se para a força elétrica: F = qE = ∂(–qA)/∂t. Maxwell matematizou esta noção (ver cap. No entanto. Assim.4). (vii) Em alguns problemas complicados. F = ma = ∂p/∂t. (iii) Os efeitos se propagam a uma velocidade finita. na teoria da relatividade e no princípio de mínima ação. O teorema de Bell diz que se alguém adotar uma postura realista com relação à teoria quântica. se alguém atribui realidade à função de onda ψ(r) (que mencionamos na seção IX. tais transformações não alteram as medições experimentais. A teoria da relatividade geral de Einstein é uma teoria da gravitação com ação por contato. o que justifica o uso do termo “potencial” na física matemática. a situação é mais sutil do que parece. pode-se calcular o valor de A a partir da densidade de corrente j: ∇2·A = –j/(ε0 c2). Isso é razoável: como é que algo que acontece no Sol poderia chegar até nós instantaneamente? No entanto. especialmente a partir do teorema de Bell (1964). Faraday concluiu que os efeitos eletromagnéticos se propagam por contato a partir de deformações do “estado eletrotônico” do meio. o mundo se comporta de maneira local.3). (viii) Por fim. as integrais envolvendo A são mais fáceis de trabalhar do que aquelas envolvendo B.1). φ → φ – (1/c)∂ψ/∂t . É costume dizer que “Einstein estava errado” (no seu trabalho com Podolsky e Rosen. 58 . de forma que A seja paralelo a j. podemos dizer que em 1922 toda a física hegemônica era local. 4: Arranjo do experimento de Aharonov-Bohm. p. seu conceito de “real” é um tanto instrumentalista. mas se levarmos em conta a teoria da relatividade (seção seguinte). Para Feynman. e classicamente não se esperaria nenhum efeito sobre os elétrons propagando à volta do solenóide.IX: A Ontologia do Eletromagnetismo Richard Feynman59 escreveu uma instrutiva apresentação ao conceito de campo. ver também p. Como se dá esta alteração na fase relativa? Figura IX. em termos locais. em que discute a questão de se o potencial vetor A do eletromagnetismo é um campo real ou não. op. mesmo quando o solenóide está desligado.4).FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap.1): “você não pode pôr sua mão e sentir o campo magnético”. como F = q(E + v × B). A física quântica prevê que neste experimento os elétrons se comportam como ondas. 15-7. vol. a partir do campo A! Este é o chamado efeito Aharonov-Bohm. não haverá força magnética mesmo se A ≠ 0. explicado por uma variação na fase relativa das amplitudes de onda que passam por um lado e por outro do solenóide. Outro argumento contra a realidade é que A não aparece explicitamente em expressões de força. 59 59 . formulado explicitamente por esses dois autores em 1959. as franjas sofrem um deslocamento. o que se observa é um deslocamento uniforme da franja de interferência. Sobre o potencial vetor. 14-10. Quando o solenóide é ligado. II. cit. formando-se um padrão de interferência na tela. “um campo ‘real’ é portanto um conjunto de números que especificamos de tal maneira que o que acontece num ponto depende apenas dos números naquele ponto. o solenóide tem forma toroidal). O principal argumento utilizado contra a realidade do potencial vetor A é que seu valor não é único (item iii acima). (nota 40). Mas ao se ligar o solenóide. LEIGHTON & SANDS (1963). Ele escreve: “devemos dizer que a frase ‘um campo real’ não tem muito significado”. o campo magnético externo ao solenóide é nulo. Na verdade. o mesmo se aplicaria para os campos elétricos e magnéticos usuais. descobriu-se um efeito que só pode ser explicado. IX. mas já previsto em trabalho anterior de Ehrenberg & Siday (1949). Um feixe de elétrons passa em torno de um solenóide praticamente infinito (em outro arranjo possível. No entanto. mas ele diz isso basicamente por causa do critério de observação (da seção IX. Neste arranjo.” A discussão do físico norte-americano é pertinente mesmo que adotemos uma concepção mais realista de “real”. FEYNMAN. tendo-se o cuidado de blindar o solenóide para impedir a penetração de elétrons (Fig. com a física quântica. se tivermos uma região em que B = 0. No entanto. a teoria nos [ ] diz que ela depende de uma integral em termos do valor do potencial vetor na região externa ao solenóide. tal ação não poderia ser instantânea. (1993). Ver também OLARIU. Nossa intenção aqui. 61 60 60 . a respeito da realidade do espaço e do tempo. porém. Blücher.I. gerado por um elétron em movimento uniforme.FLF0472 Filosofia da Física (USP-2008) Cap. e I2 := (E·B)2 . que nomearemos I1 e I2 (não confundir com o intervalo espaço-temporal I): I1 := E2 – c2B2 . Seriam apenas essas grandezas que teriam realidade. ao passo que o espaço e o tempo (tomados individualmente) são relativos. 113. “Quantum Effects of Electromagnetic Fluxes”.61 A tese filosófica de que o que tem realidade é o intervalo espaço-temporal. mas vale a pena salientar uma discussão filosófica que surge com esta teoria. O campo elétrico E medido também variará conforme o referencial do observador. Isso então sugere que A tenha realidade. 83. alguns preferem considerar que há um efeito não-local (ação à distância) do campo magnético dentro do solenóide em uma região distante. pp. o espaço-tempo é absoluto (tem o mesmo valor quando calculado por diferentes observadores inerciais. No entanto. é estender a “interpretação perpectivista” para as entidades eletromagnéticas. 57-67. O campo magnético B. não é aceita por todos. nem todos os físicos estão dispostos a atribuir realidade ao potencial vetor. Teoria da Relatividade Especial. fora do solenóide. Assim. segundo a interpretação perspectivista. esta fase é teoricamente expressa como exp (ie/h) ∫ A ⋅ dr . por onde passa a onda eletrônica. sugere que ele tenha realidade. & POPESCU. A. R. O que se mostra na teoria da relatividade é que há dois invariantes de Lorentz. Segundo os livros didáticos. Berlim.1. por exemplo: GAZZINELLI. (2005). Sobre os invariantes do eletromagnetismo. O efeito assim é “local”.IX: A Ontologia do Eletromagnetismo Ora. O que ocorre. é um “invariante de Lorentz”). no sentindo usual atribuído a campos. Reviews of Modern Physics 57. 339. (1985). terá valor nulo em um referencial que se move juntamente com o elétron. p. é que as medições de comprimento ∆l que são realizadas em um certo objeto. e há uma discussão na literatura a este respeito. ou as medições de tempo ∆t entre dois eventos. Electron Holography. Este intervalo ∆I é invariante com relação ao referencial do observador. terão valores diferentes conforme o referencial inercial R ou R’ em que se encontra o observador.60 6. I. Um relato do experimento de Aharonov-Bohm encontra-se em TONOMURA. Invariantes da Teoria da Relatividade Não cabe aqui fazer uma exposição da teoria da relatividade restrita. segundo os critérios de realidade propostos na seção VIII. onde c é uma constante que equivale à velocidade da luz. há uma grandeza conhecida como “intervalo espaço-temporal” ∆I. o que. ver p. Ver. S. e que espaço e tempo são apenas visões em perspectiva do intervalo. No entanto. segundo esta teoria desenvolvida por Einstein em 1905. São Paulo. Springer. O comprimento de um determinado objeto seria medido de maneiras diferentes (conforme o referencial) porque cada referencial observa o objeto numa perspectiva diferente (o mesmo valeria para medições temporais). Assim. que pode ser definido a partir de ∆I 2 := c2 ∆t 2 – ∆l 2.
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