CONTRACULTURAE. DIGBY BATZELL In. BOTTOMORE, Tom. OUTHWAITE, William (Orgs.) Dicionário pensamento social do Século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996 do Uma cultura minoritária caracterizada por um conjunto de valores, normas e padrões de comportamento que contradizem diretamente os da sociedade dominante. De acordo com o Oxford English Dictionary, a palavra counterculture foi acrescentada à língua inglesa no final dos anos 60 e início dos anos 70, referindo-se aos valores e comportamento da mais jovem geração norte-americana dos anos 60, que se revoltava contra as instituições culturais dominantes de seus pais, na maior parte, afluentes. Embora a palavra tivesse entrado para a língua a fim de identificar esse conflito de gerações em particular na América do Norte, a ideia é tão antiga quanto a história judaico-cristã do Ocidente; a própria cristandade foi uma contracultura na Jerusalém judaica e mais tarde na Roma pagã. Tanto J. Milton Yinger, importante sociólogo de contraculturas norte-americano (1982), quanto Christopher Hill, um dos principais historiadores britânicos da Revolução Inglesa (1975), se reportam à Bíblia em seus livros sobre contraculturas: Esses homens que têm alvoroçado o mundo chegaram aqui também. Atos, 17:6. A força motriz da cristandade construiu-se sobre a tensão dialética entre o Velho e o Novo Testamentos, entre a lei e o Evangelho, entre os Dez Mandamentos e o Sermão da Montanha. Perfeccionistas de todas as gerações geralmente têm apelado ao Evangelho universal do amor, em contraposição às leis culturalmente enraizadas que eram simbolizadas pelos Dez Mandamentos. Assim, entre a multidão de seguidores gerada pela Revolução Inglesa das décadas de 1640 e 1650, os que se ligaram a seitas como “A Família do Amor” não eram diferentes dos “Flower People” e dos hippies da “Geração do Amor” dos Estados Unidos nos anos 60. Os movimentos sectários e contraculturais têm tido geralmente dois aspectos, o ativismo radical dos que buscam revolucionar politicamente a sociedade e a boêmia dos que a abandonam para viver em isolamento. Dessa forma, John Lillburne, o homem mais popular na Inglaterra de Cromwell, liderou seus Niveladores na revolta política, mas acabou se retirando do ativismo político e se tornando um quacre. Staughton Lynd, um guru da Nova Esquerda Estudantil, que foi a Hanói demonstrar sua solidariedade para com o inimigo quando os Estados Unidos ainda lutavam na Guerra do Vietnã, também se tornou quacre. Theodore Roszak, num trabalho excelente, um dos primeiros livros sobre a contracultura (1969), inclui tanto “a boêmia drogada dos beats e hippies” quanto o “ativismo político tenaz da Nova Esquerda Estudantil” dentro da contracultura. No final da Segunda Guerra Mundial, os norte-americanos estavam confiantes e orgulhosos em relação a suas instituições, que tinham raízes 1 ordem e autoridade eram formadas por um sistema de classes hierárquico. muitos membros dessa geração achavam inaceitáveis todas as formas de racismo e preconceito étnico. enquanto os filhos iam embora. o cientificismo e o culto à tecnologia eram partes importantes do problema. Nesse meio tempo. os rituais do namoro para fazer amor foram deixados de lado em favor de “fazer sexo”. Os quacres (que um dia foram chamados de anabatistas antinômicos da 2 . bem como a guerra. como as multiversidades de Berkeley e Michigan. de posições sociais baseadas em credenciais (como títulos acadêmicos avançados de instituições prestigiosas). O comparecimento às sinagogas e igrejas. ou a ele assimiladas. uma família moderadamente patriarcal em que o divórcio ainda era relativo tabu. No decorrer dessa década a hegemonia do sistema WASP numa sociedade de classes aberta foi substituída por uma burocracia governamental inclinada a nivelar por baixo. Tornando-se adultos à sombra do Holocausto e de Hiroxima. e confrontados com os aspectos desumanizantes de instituições cada vez mais racionalizadas e impessoais. Maridos e esposas foram substituídos por “companheiros” mais ou menos permanentes (os relacionamentos duradouros eram honestamente temidos). a década mais antiautoritária. a democracia representativa limitada pela lei e pela Constituição e. na ciência e na tecnologia. “branco. Essa sociedade otimista desencadeou o mais longo boom econômico da história norte-americana. além das periferias boêmias de seus campi preferidos. que produziu um “baby-boom” (surto de bebês) que durou até boa parte dos anos 60. finalmente. porém cada vez mais aberto e incentivador do aproveitamento das oportunidades. em busca de vidas mais cheias de significado no movimento estudantil pelos direitos civis no Sul. se admitia a autoridade paterna e o comparecimento da família à igreja era mais elevado do que em qualquer outra nação ocidental. na política da Nova Esquerda nos melhores campi da nação e no escape através das drogas e dos variados cultos religiosos orientais em cenários boêmios urbanos como os do East Village. O empenho no trabalho e a mobilidade social transformaram-se na “corrida” que deveria ser evitada a qualquer custo (melhor um carpinteiro ou bombeiro independente e honesto do que um burocrata conformista e conivente). criando uma sociedade sem classes. Os filhos dessa geração entraram para a faculdade. em vez de solução. bem como os rituais de jogo nos clubes de golfe dos subúrbios. foram deixados para pais rígidos e convencionais. antielitista e antissistema em toda a história dos Estados Unidos.em valores culturais calvinistas. de Berkeley ao Harvard Yard. passando daí a cursos de mestrado e doutorado em números cada vez maiores. Entre estes se incluíam a fé na razão. em São Francisco. A razão. e não por cima. protestante e anglo-saxão”) seguro e hegemônico. O auto-aperfeiçoamento através da renúncia e do desprendimento deu lugar à ética de autoindulgência da Playboy. em Nova York. 1967) entre eles foi-se desencantando com os valores materialistas da América branca e tentou subvertê-los nos anos 60. em lugar da habilidade e do esforço. uma ética puritana de empenho no trabalho e autoaperfeiçoamento. ou Haight-Ashbury. uma minoria profética (Newfield. liderado por elites extraídas de um sistema (“establishment”) WASP (“white anglo-saxon protestant” ou seja. Nessa sociedade confiante. esse bairro já se havia tornado a meca das tribos hippies da nação inteira.. a fúria e o orgulho. deixando um pequeno remanescente chamado The Weathermen. e de Ken Kesey. na Rua 11.304) descreveu o final desse dia em Chicago. nos Estados Unidos do pós-guerra. porém constante. em Chicago. explodiu acidentalmente. bem perto da Quinta Avenida. Refletores de luzes de Klieg foram ligados. No ano seguinte ao Movimento do Livre Discurso em Berkeley. James Miller (1987.Revolução Inglesa. e finamente as multidões de estudantes enfurecidos e assustados combatendo os “porcos” (policiais) em Grant Park e nas ruas em torno da Convenção Democrática. Um aspecto importante a respeito da contracultura foi a sua perda na fé da democracia representativa. O voto foi substituído pelo megafone. da seguinte maneira: O sol se pôs. autor de One Flew over the Cuckoo’s Nest. os SDS se desfizeram. o romancista com a mensagem de “deixa tudo rolar”. em 1965. A maior assembleia de Massachusetts foi logo ao lado de Harvard Square. a privacidade da cabine eleitoral por grupos solitários entoando soluções simplistas para problemas políticos complexos. liderada por Tom Hayden e outros fundadores dos Students for a Democratic Society (SDS) — Estudantes por uma Sociedade Democrática —. Em maio uma esplêndida casa na cidade de Nova York. Seu fim foi simbolizado por dois acontecimentos em 1970. um professor de Harvard que abandonara a cátedra. matando três Weathermen.) De repente. dramatizando o comportamento da multidão de 3 mil estudantes reunidos (para o Movimento do Livre Discurso) na Sproul Plaza. que se haviam ligado no movimento. o que desmoralizou os liberais (inimigos desprezados dos SDS). As câmaras de televisão registravam a ação (. que se tornou romance e filme cult [Um estranho no 3 . no Village. quando novas Assembleias foram criadas em torno das comunidades dos campi. que ainda acreditam na democracia participativa) passaram por um declínio lento. no campus da Universidade da Califórnia em Berkeley em 1964. No “Verão do Amor”. para em seguida estourarem nos anos 60. p.) Incitada pelo pânico.. sem aviso. A ascensão e queda da cultura da droga foi paralela à dos ativistas estudantis. estava determinada a arrancar a tomada de decisões políticas das assembleias legislativas para as ruas tomadas pelas multidões. Os sobreviventes. que logo transmitia fortes imagens audiovisuais por toda a “Aldeia Global” mundial. em São Francisco... no verão de 1968. Em maio membros da Guarda Nacional abriram fogo sobre estudantes numa manifestação. em 1967. A eficácia da política de multidões dependia da televisão. A Nova Esquerda Estudantil. dois hippies abriram uma loja psicodélica no bairro de Haight-Ashbury. matando quatro deles. fugiram para a clandestinidade. agora dedicado à violência. com preferência por uma democracia participativa ou manifestante. a multidão começou a entoar um cântico: “O Mundo Inteiro Está Olhando! O Mundo Inteiro Está Olhando! O Mundo Inteiro Está Olhando!” Depois de Chicago. a polícia atacou (. incluindo a filha do proprietário. de 25 mil hippies e novosesquerdistas marchando sobre o Pentágono em 1967. a multidão de 20 mil na marcha sobre Washington contra a guerra do Vietnã. largado tudo e entrado para a religião da droga de Timothy Leary. drop-outs e meros curiosos. a multidão desnuda. A revista Rolling Stone. “a maior banda de rock and roll do mundo”. sequiosos de astros. quando cerca de 500 mil jovens. fotografou Mick Jagger observando os Angels matar a pancadas um jovem negro de Berkeley. 1971. Os Stones. 4 . sobre o palco.ninho] da geração dos anos 60. em dezembro. p. apenas um mês depois da tragédia da Convenção Democrática em Chicago.407). Todd Gitlin. perguntou-se: “Quem ainda podia acalentar a ilusão de que essas centenas e milhares de filhos da Multidão Solitária. Durante três dias. não fazia a menor ideia de como tomar conta de si mesmo. para economizar dinheiro. no interior do Estado de Nova York. Se Woodstock foi um sucesso. em agosto de 1968. viviam de drogas e comida enlatada. que havia deixado lares de prosperidade e de conforto paralisante. Uma clínica médica gratuita tratou de cerca de 3 mil pacientes em um mês nesse verão. ativistas de esquerda. por 500 dólares em cerveja. o Festival Let it Bleed of Angels and Death. diante da multidão ensandecida.261). Descalços. drogada e contente mostrou-se ordeira e amigável. p. para manter a ordem (O’Neil. mimados. perto de São Francisco. obcecado com o fedor de morte na multidão drogada. sofriam de problemas nos dentes. impressionando até a polícia e os fazendeiros locais. Esse “love people”. cabelos compridos. rumaram para um gigantesco concerto de rock realizado no meio de uma fazenda lamacenta. organizado pelos Rolling Stones de Mick Jagger. A multidão de cerca de 300 mil pessoas estava de longe muito mais drogada do que em Woodstock. Nesse verão triste “o amor se fixara num lugar de excrementos” (Wolfe. eram o arauto de uma boa sociedade?” (1987. O maior acontecimento em toda a história da contracultura foi o Festival da Vida de Woodstock (Woodstock Festival of Life). a doença venérea prosperou lado a lado com a liberdade sexual. má digestão e falta de sono. e estavam constantemente pisando em pregos enferrujados e vidros quebrados. vestindo trapos encontrados em brechós e nos sótãos das avós.XVIII). p. alugaram um bando de Hell’s Angels (uma gangue de motociclistas da Califórnia). 1968. foi um desastre. no autódromo de Altamont. maior autoridade em rock.