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March 16, 2018 | Author: mjoe3br | Category: Uncertainty Principle, Science, Knowledge, Philosophy Of Science, Experiment


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FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA CONTEMPORANEIDADE: THOMAS KUHN E GASTON BACHELARD Iramaia J. Cabral de Paulo Irene Cristina de Mello Fundamentos epistemológicos da contemporaneidade: thomas Kuhn e gaston Bachelard LICENCIATURA PLENA EM CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA - UAB - UFMT Cuiabá , 2009 Instituto de Ciências Exatas e da Terra (ICET) Av. Fernando Correa da Costa, s/nº Campus Universitário Cuiabá, MT - CEP.: 78060-900 Tel.: (65) 3615-8737 www.fisica.ufmt.br/ead Fundamentos epistemológicos da contemporaneidade: thomas Kuhn e gaston Bachelard Autores Iramaia Jorge Cabral de Paulo Instituto de Física / UFMT Depto. de Química / ICET-UFMT Irene Cristina de Mello C o P y R I g H T © 20 09 UAB corpo editorial • • • • D e n i s e V a r g a s C a r l o s r i n a l D i i r a m a i a J o r g e C a b r a l D e P a u l o m a r i a l u C i a C a Va l l i n e D e r P r o J e t o g r á f i C o : PA U L o H . Z . A R R U d A r e V i s ã o : d E N I S E V A R g A S s e C r e ta r i a : N E U Z A M A R I A J o R g E C A B R A L C a P a : g a s t o n b a C h e l a r D e t h o m a s K u h n , e s t i l o a n D y W a r h o l . FICHA CATALOGRÁFICA P331f Paulo, Iramaia Jorge Cabral de Fundamentos epistemológicos da contemporaneidade: Thomas Kuhn e Gaston Bachelard / Iramaia Jorge Cabral de Paulo, Irene Cristina de Mello. – Cuiabá : UAB/UFMT, 2009. 43p. : il. ; color. Inclui bibliografia. 1. Epistemologia. 2. Ciência – Filosofia. 3. Bachelard, Gaston, 1884-1962. 4. Huhn, Thomas Samuel, 1922-1996. I. Mello, Irene Cristina de. II. Título. III. Título: Thomas Kuhn e Gaston Bachelard. CDU - 165 ISBN: 978-85-61819-35-4 sumário a Fi los o Fia da ciência de de 1 5 31 43 a epistemologia a epistemologia gaston Bachel ar d th o m a s K u h n reFerências BiBliográFicas UAB| Ciências Naturais e Matemática | Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade| iX a Fi lo s o Fi a convite r eFle X ão da ciência à Fonte: http://www.enciclopedia.com V ocê já parou para pensar para que serve a filosofia da ciência? Qual a sua importância para a Ciência Moderna/Pós-Moderna? Por que será que algumas pessoas acham a filosofia da ciência uma coisa totalmente irrelevante? Afinal, o que é filosofia da Ciência? Qual a relação entre a filosofia da ciência e a ciência cotidiana? Quem escreve ou pensa sobre isso? São pessoas da ciência ou da filosofia? Vamos tentar responder algumas dessas perguntas? Então aventure-se pela leitura dos textos... começando a te c e r . . . Como sabemos, há muito tempo o homem procura entender o que vem a ser o conhecimento. Mas, o que teria levado o homem a investigar sobre a natureza do seu próprio conhecimento? Certamente, a necessidade de compreender as coisas que o rodeavam, o mundo onde vivia, os problemas que lhe surgiam, o levou a procurar entender de onde vinha esse conhecimento e o que significava. Visto dessa forma, podemos então supor que a origem e natureza do conhecimento estão vinculadas à origem e natureza do próprio homem. Talvez seja por isso que Aristóteles tenha dito que “o homem é um animal racional”, ou seja, é pela razão que estamos separados dos animais. É, mas não podemos esquecer que a valorização da razão, como faculdade específica ao homem, esteve associada a um preconceito em relação à ação, como UAB| Ciências Naturais e Matemática | Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 1 atividade relacionada à produção. Assim, por exemplo, na Grécia antiga, cabiam aos escravos os trabalhos manuais, enquanto o cidadão livre tinha como preocupação nobre e digna: o saber pensar. Disso podemos então supor que a distância entre o pensamento e a ação tem raízes políticas, sociais e econômicas. Isso nos coloca frente a outras reflexões: Existem diferentes níveis de conhecimento? Como o homem estabelece correlações entre o discurso científico e discurso filosófico? O que nos revela o discurso científico e o discurso filosófico? A filosofia da ciência teria surgido como área de investigação intelectual, em meados do século XIX. E, até o final do século XX, o seu principal foco de estudo foi responder a seguinte questão: o que é ciência? Devemos supor, inicialmente, que para responder a essa questão, precisamos supor que a ciência existe e que se trata de um conhecimento com características especiais, tais como as elencadas por Kant no século XVIII: objetividade, exatidão, racionalidade, neutralidade, verdade e universalidade. Seria isso mesmo? A determinação, ou melhor, a explicitação dessas características nas teorias científicas, seria atribuição dos responsáveis pela criação desse tipo de conhecimento: os cientistas. No entanto, a sua justificativa, principalmente frente a outros grupos, também eles produtores de conhecimento, como os técnicos e práticos, deveria ser alvo de atenção. A filosofia da ciência nasceu precisamente com este propósito. Nunca foi pretensão da filosofia da ciência questionar a existência da ciência ou, depois desta última ter mostrado a sua relevância prática, colocar em xeque a sua possibilidade enquanto conhecimento. A filosofia da ciência se ocupa de saber como se desenvolvem, A filosofia da ciência avaliam e mudam as teorias científicas, e se a ciência é capaz de rerelaciona-se velar a verdade das entidades ocultas e os processos da natureza. Alcom a episte- guns cientistas mostram um grande interesse pela filosofia da ciência mologia e a on- e alguns poucos, como Galileu, Newton, Einstein, Bohr fizeram imt o - logia, à medida que portantes contribuições nessa área. Por outro lado, muitos preferem busca explicar a natureza dos deixar a filosofia da ciência aos filósofos e continuar “ fazendo ciência”, conceitos científicos, as for- em vez de dedicar algum tempo em considerar em termos gerais “como mas como são produzidos, se faz a ciência”. os meios para validação das Já para os filósofos, a filosofia da ciência tem sido um problema informações, a formulação central. Na tradição ocidental, entre os filósofos destacam-se, antes e uso do método científico, as implicações dos modelos do século XX, Aristóteles, Descartes, Hume e Kant. Grande parte da filosofia da ciência é indissociável da epistemologia, a teoria do científicos para a sociedade. conhecimento. 2 | Ciências Naturais e Matemática | UAB a epistemologia: o q u e é e pa r a q u e s e r v e ? fonte: Wikimedia Commons Como o conhecimento científico é construído? Como evolui? Quando e em que condições um conhecimento adquiri o status de Ciência? Que critérios são utilizados para demarcar o que é ciência e o que não é? Atualmente essas questões são cada vez mais relevantes para cientistas, professores, historiadores da ciência, divulgadores e todos aqueles que se interessam de alguma forma por questões científicas. Há grande fluxo de informações sobre Ciência, que chegam rapidamente à população em geral, os resultados de pesquisas científicas, as novas descobertas, rapidamente estão na mídia e dependendo da ênfase ou do impacto social que podem causar, adquirem status de um diagrama de Venn simplifiCamanchete. Como por exemplo, a descoberta das células-tronco e o reflexo do sobre a definição de p latão que a evolução das pesquisas nessa área pode ter na espécie humana. sobre ConheCimento. A epistemologia é o estudo da produção do conhecimento e trata de responder essas questões. Para entender seu significado, é sempre mais fácil pensar na etimologia da palavra: “epistemologia” vem do grego e deriva-se das palavras “episteme”, que significa “ciência”, e “logia” que significa “estudo”, então, pode ser definida como “o estudo da ciência” ou “teoria do conhecimento”. De outra forma é um estudo filosófico da origem, do desenvolvimento e âmbito de validade do conhecimento científico. Platão pode ser considerado o primeiro filósofo do conhecimento ou epistemólogo, por tratar o conhecimento como uma “crença verdadeira e justificada”. a epistemologia e o ensino de ciências Diversos são os aspectos em que a epistemologia da ciência pode contribuir para o estabelecimento de estratégias para o ensino e para a compreensão do processo ensinoaprendizagem. Em alguns aspectos, os epistemólogos divergem entre si; em outros, eles concordam. Assim, apesar de não ser possível constituir um arcabouço coerente pela simples junção das obras dos epistemólogos, é possível o destaque de alguns elementos importantes para a fundamentação de metodologias de ensino. Por este motivo, estamos agora, propondo uma primeira incursão na obra de dois importantes epistemólogos do século XX. UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 3 va m o s co nhecer um pouco so Br e as co ntr iBuições de Kuh n e g a s t o n B a c h e l a r d? t h o m a s s. thomas s. ku hn gaston baChelard antes de prosseguir... Leia o livro: Alves, Rubens. Filosofia da Ciência. Introdução ao jogo e suas regras. Editora Brasiliense, 1985. Observação: é possível encontrar para leitura, a versão eletrônica desse livro na internet http://www.scribd.com/doc/6787965/Filosofia-Da-Ciencia-Rubem-Alves. 4 | Ciências Naturais e Matemática | UAB a epistemologia de U Bachel ar d gaston ma das principais características da história das ciências no século XIX é a de procurar estabelecer uma diferença entre o período pré-científico e o período científico. Podemos citar como exemplos, a história da Química e da Física. Na Química é possível encontrar o período pré-Lavoisier e pós-Lavoisier, como você já estudou em fascículo anterior. Já na Física podemos citar o período grego e o período clássico. Os epistemólogos procuraram encontrar as características especificadoras da pré-ciência, para compreender o domínio do erro e da verdade, do subjetivo e do objetivo. E será nesse âmbito que se desenvolverá as explicações da ciência para o período pré-científico e para o período científico. Algumas descobertas da micro-física e a crise da razão, fizeram surgir no âmbito da ciência a importância da discussão da dimensão subjetivista do conhecimento. Dessa forma, o papel da subjetividade na produção do conhecimento científico, obrigou a reformulação das teorias explicativas da história das ciências. E foi então que a polêmica surgiu: haveria uma continuidade ou uma descontinuidade na história do desenvolvimento do conhecimento científico? A corrente dos descontinuistas é defendida, entre outros, pelo filósofo das ciências Gaston Bachelard. Vamos conhecê-lo um pouco mais? Para isso leia o texto: Uma breve biografia de Gaston Bachelard. Breve BiograFia de gaston Bachel ard Oriundo de uma província muito rústica e de uma família humilde, Gaston Bachelard sempre trabalhou enquanto estudava. Nasceu no século XIX, no dia 27 de junho de 1884 em Bar-sur-Aube, Champagne, França. Em 1913 conclui a Licenciatura em Matemática e em 1919 entra para o ensino secundário, dando início a carreira de professor de ciências (Química e Física), embora a sua ambição fosse ser engenheiro. Nessa época, nos colégios, um professor dedicava-se a diversas disciplinas: para os poucos alunos das “turmas superiores” ele foi, ocasionalmente, o encarregado pela filosofia. Teve que intensificar suas leituras e aos 35 anos empreende novos estudos. Seus ensaios começam a aparecer a partir de 1928, tais como: ensaio sobre o conhecimento aproximado; estudo sobre a evolução de um problema em Física: a propagação térmica dos sólidos. Em 1930 é convidado para lecionar na faculdade de letras de Dijon e em 1940 entrou para a Sorbonne. Em 1961 obteve o Grande Prêmio Nacional de Letras e em 1962 morre em Paris, no dia 16 de outubro. UAB| Ciências Naturais e Matemática | Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 5 at i v i d a d e de pesquisa é conhecido como o pai da epistemologia contemporânea. Além disso, foi considerado como sendo um racionalista ardente, ironizador da filosofia, malicioso como pessoa, pacifista, uma pessoa com extraordinária agilidade intelectual e um grande professor. As obras de Bachelard possuem duas vertentes: a científica e a poética. Veja as suas principais obras: Título da Obra L’eau et les rêves Le nouvel esprit scientifique La psychanalyse du feu La formation de l’esprit scientifique La philosophie du non La terre et les rêveries de la volonté La terre et les rêveries du repos Le rationalisme appliqué Le matérialisme rationnel La poétique de l’espace La poétique de la rêverie Faça uma pesquisa em livros e na Internet sobre a corrente dos continuistas da história da ciência e seus filósofos. ANO 1914 1934 1937 1938 1940 1945 1948 1948 1953 1957 1960 Gaston Bachelard A Água e o Sonho O Novo Espírito Científico A Psicanálise do Fogo A Formação do Espírito Científico A Filosofia do Não A Terra e os Devaneios da Vontade A Terra e os Devaneios do Repouso O Racionalismo Aplicado O Materialismo Racional A Poética do Espaço A Poética do Devaneio Título da Obra em francês Uma outra forma conhecida de classificar as obras desse epistemólogo da ciência seria a seguinte: Bachelard Diurno e Bachelard Noturno. As obras classificadas em Diurno e Noturno são: Bachelard ‘diurno’ – O Novo Espírito Científico (1934), A Formação do Espírito Científico (1938), A Filosofia do Não (1940), O Racionalismo Aplicado (1949) e O Materialismo Racional (1952); Bachelard ‘noturno’ – A Psicanálise do Fogo (1938), A Água e os Sonhos (1942), O Ar e os Sonhos (1943), A Terra e os Devaneios da Vontade (1948), A Poética do Espaço (1957). 6 | Ciências Naturais e Matemática | UAB Nova porque As obras de Gaston Bachelard foram escritas no contexto de uma Revolução Científica do início do século XX: a teoria da Relatividade de Albert Einstein. Havia nesse momento histórico a necessidade de uma nova filosofia e uma nova epistemologia para a nova ciência: a historicidade da epistemologia e a relatividade do objeto. os Bachel ar d não continuação ou acumulação é ruptura e co ntem po r âneos de Jean Piaget, Wallon, Vygotsky, Freud, Jung, Adorno, Heidegger, George Canguilhem, Max Weber, Alexandre Weber, dentre outros. at i v i d a d e de pesquisa Faça uma pesquisa e apresente uma breve biografia de alguns contemporâneos de Bachelard. Quais foram suas principais obras? Qual deles influenciou ou foi influenciado pelas ideias bachelardianas? co nsider açõ es g er ais gaston Bachel ar d epistemologia tr e c h o d e “a p o é t i c a e s pa ç o ”: soBre a de do - Toda a obra de Bachelard está marcada por uma reflexão sobre as filosofias implícitas nas práticas efetivas dos cientistas. Para alguns autores1, o projeto de Bachelard consiste ‘em dar às ciências a filosofia que elas merecem”; - A atividade epistemológica para Bachelard era o de refletir sobre os métodos, a significação cultural, o lugar, o alcance e os 1 Hilton Japiassu. "Demasiadamente tarde, conheci a boa consciência, no trabalho alternado das imagens e dos conceitos, duas boas consciências, que seriam a do pleno dia e a que aceita o lado noturno da alma". (BACHELARD, 1957, apud JAPIASSU, 1976, p.47). 7 UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | limites do conhecimento científico e, nesse sentido, a função essencial da filosofia é a construção de uma epistemologia; - Dentre as várias correntes epistemológicas (genética/lógica), Bachelard situa-se em uma corrente que se opõe muito mais a uma análise da história da ciência, de suas revoluções, bem como das démarches do espírito científico (epistemologia histórica); - Para alguns filósofos, como Canguilhem, Bachelard revolucionou a epistemologia contemporânea. Introduziu os conceitos de Recorrência, Vigilância, Obstáculo e Corte epistemológicos. Esses conceitos você irá entender melhor nas páginas seguintes; - Pode-se salientar da epistemologia bachelardiana três aspectos fundamentais (contido no racionalismo aplicado), são eles: a) o primado do erro teórico, o conhecimento progride pela descoberta de erros. Não há verdades primeiras, mas erros primeiros; b) as intuições são úteis para serem destruídas, as primeiras intuições, o “dado”, o conhecimento imediato, correspondem a experiências íntimas e a intimidade é sempre capciosa (astuta, manhosa). O conhecimento científico recusa todo o dado natural que não for purificado pela razão. O conhecimento científico é sempre resultado de um conhecimento segundo; c) compreendemos o real à medida que a necessidade o organiza: a razão polêmica, opondo-se à intuições primeiras, implica reflexão e organização do real. A ciência não parte diretamente do real, mas constrói os modelos racionais, segundo os quais nos aproximamos dele. Segundo Bachelard, pensar cientificamente é colocar-se entre a teoria e a prática, entre a matemática e a experiência. algumas das p r e o c u pa ç õ e s F i l o s ó F i c a s de Bachel ar d 1. Uma filosofia adequada ao novo espírito científico: a crítica do conhecimento científico deve ajustar-se ao espírito da própria ciência. 2. Concepção descontínua da ciência: pensou-se durante muito tempo, que o progresso histórico das ciências era contínuo e determinado pela necessidade natural (concepção naturalista) que o homem sentia de transformar o mundo. Assim, a história das ciências era concebida como uma caminhada que, partindo do senso comum, ia das descobertas mais simples para as mais complexas e difíceis, sempre num aprofundamento de verdades, que se conjugavam para melhor compreender e transformar a realidade. A essa concepção naturalista e continuista da história da ciência, Bachelard apresenta uma concepção lúdica e descontínua da ciência. 3. Concepção lúdica: em sua obra ‘A Água e os Sonhos’ Bachelard escreveu: “ deseja-se sempre que o homem pré-histórico tenha resolvido engenhosamente o problema 8 | Ciências Naturais e Matemática | UAB da sua subsistência, recorrendo à utilização de instrumentos (...). A utilidade de navegar não é suficientemente clara para determinar o homem pré-histórico a entalhar uma canoa. Não há utilidade alguma que legitime o risco imenso de partir sobre as ondas. Para enfrentar a navegação, é preciso que haja interesses poderosos. Ora, os verdadeiros interesses poderosos são quiméricos (utópicos). São os interesses sonhados e não os que se calculam. São os interesses fabulosos”. Assim, para Bachelard, o homo faber (como expressão de uma necessidade biossocial) é uma criação artificial do naturalismo. O homem da técnica é o homo ludus, porque segundo Bachelard, “foi na alegria e não na dor que o homem encontrou o seu espírito. A conquista do supérfluo dá uma excitação espiritual maior do que a conquista do necessário. O homem é uma criação do desejo e não do necessário”. Desse modo, não são as necessidades culturalmente vividas na história dos povos que fazem determinar o avanço da ciência, mas sim os impulsos do devaneio, do poder do sonho e da expressão de um desejo. 4. A dupla descontinuidade, histórica e epistemológica. Na percepção de Bachelard as ciências contemporâneas nada teriam em comum com as ciências do passado, afirmando-se pela recusa, pela descontinuidade, pelo não. Assim, a história das ciências pressuporia revoluções e não evoluções. pense e responda: Bachel ar d a s p e c t o? a r g u m e n t e . co nco r da com vo c ê nesse Sob o ponto de vista de Bachelard, então, a descontinuidade histórica manifesta-se sempre que uma nova disciplina surge na história do saber, ou quando são formulados novos axiomas numa ciência já concebida. Existem exemplos que ilustram F i q u e at e n t o ! isso que Bachelard afirma? Sim, veja o caso da O que Bachelard chama de descontigeometria não-euclidiana ou da física não-newtonuidade epistemológica, seria a rupniana. tura com categorias, evidências ou No que se refere a descontinuidade episteexplicações anteriormente concebidas. mológica, a própria linguagem da ciência está em estado de permanente revolução semântica. Em outros termos, existiria para Bachelard uma constante transposição de linguagem entre o senso comum e o conhecimento científico, o que caracterizaria uma descontinuidade epistemológica. Nessa perspectiva bachelardiana, ao contrário do que nos faz crer o senso comum, as coisas de que o mundo se estrutura não seriam interpretadas e aprendidas imediatamente pelos sentidos. A realidade que constitui o nosso conhecimento é produzida mediante conceitos e relações entre conceitos. Desse modo, Bachelard nos ensina que a linguagem seria um instrumento científico. Por sua vez, o pensamento científico exige uma nova lin- UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 9 guagem – neolinguagem – por se tratar de um tipo de pensamento abstrato e teorizador, onde conceitos do senso comum ganham significados totalmente novos para traduzirem novas reformulações e condensarem novas teorias. A ruptura entre o conhecimento do senso-comum e conhecimento científico é explícita e cada um desses conhecimentos corresponde a filosofias diferentes. Assim, o empirismo é a filosofia que convém ao senso comum, enquanto o racionalismo é adequado ao conhecimento científico. Leia o texto de Bachelard: Será que a filosofia que convém ao senso-comum é a mesma que convém à ciência? será que a FilosoFia que convém ao senso - comum é a m e s m a q u e c o n v é m à c i ê n c i a? “Nas nossas diferentes obras consagradas ao espírito científico, várias vezes tentamos chamar a atenção dos filósofos para o caráter decididamente específico do pensamento e do trabalho da ciência moderna. Sempre nos pareceu cada vez mais evidente, no decorrer dos nossos estudos, que o espírito científico contemporâneo não poderia estar em continuidade com o simples bom senso, que esse novo espírito científico representava um jogo mais arriscado, que formulava teses que podem chocar o senso comum. Cremos, com efeito, que o progresso científico manifesta sempre uma ruptura, perpétuas rupturas, entre conhecimento comum e conhecimento científico, desde que se aborde uma ciência evoluída, uma ciência que, precisamente por essas rupturas, traz a marca da modernidade. (...) Por vezes, o epistemólogo continuista engana-se quando julga a ciência contemporânea por uma espécie de continuidade de imagens e de palavras. Quando foi preciso imaginar o inimaginável domínio do núcleo atômico, propuseram-se imagens e fórmulas verbais inteiramente relativas à ciência teórica. Naturalmente que não é necessário tomar essas fórmulas à letra e dar-lhes um sentido direto. Uma constante transposição da linguagem rompe então a continuidade do pensamento comum e do pensamento científico. (...) Entre o conhecimento comum e o conhecimento científico a ruptura parece-nos tão nítida que esses dois tipos de conhecimento não poderiam ter a mesma filosofia. O empirismo é a filosofia que convém ao senso comum. O empirismo encontra aí a sua raiz, as suas provas, o seu desenvolvimento. Pelo contrário, o conhecimento científico é solidário do racionalismo e, quer se queira quer não, o racionalismo está ligado à ciência e reclama fins científicos. Pela atividade científica, o racionalismo conhece uma atividade dialética que exige uma extensão constante dos métodos”. (Gaston Bachelard em O Materialismo Racional) 5. A necessidade de psicanalisar o conhecimento científico. A visão equivocada de que a ciência moderna se contrapunha à ideologia, inseriu uma imagem do universo como algo semelhante a um imenso mecanismo perfeito e acabado, onde se conhecêssemos as leis mecânicas da natureza, tudo poderia ser meticulosamente previsto. Isso enraizou a crença de que na ciência não 10 | Ciências Naturais e Matemática | UAB há espaço para o erro ou para a dúvida (leia o texto de Bachelard: O conhecimento deve ser psicanalisado). Essa visão perfeccionista e acabada da ciência estaria ligada, segundo Bachelard, ao caráter psicologicamente concreto da alquimia (que você já estudou no fascículo II do módulo I), que portanto corresponde a representações pré-científicas. Assim, as experiências dos alquimistas estariam carregadas de uma simbologia inconsciente, animista e valorativa, portanto, contrária à incerteza, ao transitório e ao aproximativo que caracterizam o espírito científico. É nesse sentido que Bachelard afirma que as representações fantasiosas, que são próprias da pré-ciência, persistem na cultura científica com autênticas seduções e, que portanto, necessitam ser psicanalisadas. No entendimento bachelardiano, estariam ligadas à concepção de natureza, surdas paixões, fantasiosas imagens, desejos inconscientes e isso tudo necessita de uma catarse intelectual, de forma que seja possível atingir a objetividade e a precisão. Resumindo, a psicanálise do conhecimento científico a qual se refere Bachelard, seria uma espécie de pedagogia do novo espírito científico, ou seja, a psicanálise deve ajudar a substituir o espírito do pensamento noturno pelo espírito do pensamento diurno, isto é, um pensamento crítico, vigilante e ironizador (lembre-se que para Bachelard existe o mundo noturno do devaneio e o mundo diurno do espírito crítico). Leia o texto de Bachelard: Qual a importância da problematização no pensamento científico? o conhecimento de ve ser psic analisado “O papel da filosofia científica é muito claro: deve psicanalisar o interesse, arruinar todo o utilitarismo, por mais disfarçado que se revele e por mais elevado que se pretenda, desviar o espírito do real para o artificial, do natural para o humano, da representação para a abstração (...) O amor da ciência deve ser um dinamismo psíquico autônomo. No estado de pureza realizado por uma psicanálise do conhecimento objetivo, a ciência é a estética da inteligência”. (Bachelard, G. La formation de l’esprit scientifique, Vrin, Paris, 1965) Para re conciliar a ciê ncia e a f ilosof ia é ne cess ário, no e nte ndi me nto de Bache lard, c lari f icar o mundo noturno e, e m se guida , ult rapass ar as re sistê ncias que impe de m uma consciê n cia crít ica e abe r t a. UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 11 q ual a i m p o r tâ n c i a d a p r o B l e m at i z a ç ã o n o p e n s a m e n t o c i e n t í F i c o? “(...) é preciso saber pôr problemas. E, seja o que for que se diga, na vida científica os problemas não se põem por si mesmos. É precisamente esse sentido do problema que constitui a marca do verdadeiro espírito científico. Para um espírito científico, todo o conhecimento é uma resposta a uma interrogação, a uma questão. Não havendo interrogação, não pode haver conhecimento científico. Em ciência, nada acontece por si, nada nos é dado, tudo é construído. De resto, mesmo um conhecimento adquirido através de um esforço científico pode declinar. A interrogação abstrata e franca desgasta-se, enquanto a resposta concreta permanece: quando isso sucede, a atividade intelectual inverte-se e bloqueia-se. (...) Hábitos intelectuais que foram úteis e salutares acabam por se transformar em entraves à investigação. “O nosso espírito”, disse justamente Bergson, “tem uma irresistível tendência para considerar como mais clara a ideia que mais frequentemente lhe serve”. A ideia adquire assim uma clareza intrínseca abusiva (...). Chega enfim um momento em que o espírito gosta mais do que confirma o seu saber que do que o contradiz, um momento em que tem mais apego às respostas que às questões. Então, o instinto conservativo domina e o crescimento espiritual cessa”. (Gaston Bachelard em A formação do Espírito Científico) o s o B s tá c u l o s e p i s t e m o l ó g i c o s Um dos conceitos centrais da obra de Bachelard é o dos Obstáculos Epistemológicos (Bachelard, 1938). Segundo Bachelard, longe da ciência desenvolver-se de forma cumulativa, existe uma espécie de descontinuidade na história das ciências, havendo períodos não propriamente de inovações, mas de reorganização do conhecimento científico. A evolução da ciência é dificultada pelos assim chamados obstáculos epistemológicos, dentre os quais se destacam os elementos da própria ciência estabelecida, como os resultados experimentais e a própria metodologia científica. O primeiro e mais importante (no sentido de mais difícil de ser superado) é o obstáculo proporcionado pela experiência primeira (será melhor detalhado adiante), trata-se da primeira impressão (sobre um fato novo) que aparentemente se cristaliza de forma mais estabilizada na mente dos indivíduos. Como exemplo de experiência primeira, podemos destacar a concepção de que a Terra é plana: A primeira experiência que temos de “chão” - e que nos proporciona uma certa segurança - é de um plano infinito, afinal, ao olharmos em todas as direções, constatamos experimentalmente que o chão continua em todas as direções. A grande estabilidade da experiência primeira 12 | Ciências Naturais e Matemática | UAB explica, de certa forma, os dois mil anos transcorridos entre a antiguidade clássica berço das ciências naturais - até Copérnico. Conforme dito, a própria ciência se constitui num obstáculo epistemológico. Isso se deve ao fato de que uma ciência bem estabelecida produz “certezas”, ou seja, os indivíduos adquirem uma certa segurança diante do fato de que suas crenças podem proporcionar uma certa compreensão dos fenômenos. Como consequência disso, os indivíduos passam a se “apegar” a tais crenças, tendo dificuldades em abandoná-las mesmo em condições em que evidências as contestem fortemente. É notável, por exemplo, a crença de que dados quantitativos “provam” a exatidão de uma teoria, gerando apego à mesma. Tal obstáculo pode descrever o enorme esforço despendido pelos cientistas do séc. XIX ao relutarem em abandonar a teoria do éter. o que Foi a te o r i a do é t e r? pesquise e responda! fonte: Wikimedia Commons Extrapolando para a aprendizagem de ciências na sala de aula, pode-se prever que os aprendizes devem apresentar uma certa fidelidade às suas experiências primeiras (ou deveríamos chamar de experiências do cotidiano?), relutando em aceitar que elas possam não corresponder à realidade. Numa segunda etapa, os mesmos aprendizes, havendo compreendido a aplicabilidade de uma dada lei física, podem, da mesma forma, se mostrar fidedignos a ela, não aceitando que ela possa não ser válida num determinado contexto, como, por exemplo, tender a aplicar a “fórmula” F = ma no caso em que a massa do objeto em questão variar com o tempo, situação essa em que a expressão é absolutamente inválida. Como ele poderia abandonar F = ma se ela se mostrou tão UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 13 esplendidamente exata em tantas situações? A questão dos obstáculos epistemológicos exige do educador em ciências, a responsabilidade de deixar claro aos alunos que as leis físicas são válidas em âmbitos restritos, ou seja, que as leis fundamentais das ciências não expressam verdades absolutas. Desta forma, poderemos evitar o “enraizamento” do aprendiz numa visão particular de mundo. Nesse sentido é que, para Bachelard, a dialética desempenha um papel central. Por dialética, nesse contexto, entende-se que, ao carregar uma ideia, deve-se levar junto a contraideia. Devemos continuamente questionar a validade de todas as “verdades”. Somente dessa forma, poderemos promover o verdadeiro espírito científico. A obra de Bachelard pode contribuir para o ensino de ciências, em particular da Ciência Contemporânea, até porque, o grande motivador que levou Bachelard a escrever duas de suas principais publicações (A Formação do Espírito Científico e O Novo Espírito Científico) foi o advento da Física Moderna (Mecânica Quântica e Relatividade). Para Bachelard, o novo espírito científico seria implantado com a compreensão da Física Moderna. Para isso, ele defende o ponto de vista que o indivíduo deve procurar romper as suas convicções mais arraigadas, procurando continuamente reformular o seu ponto de vista. Em O Novo Espírito Científico, Bachelard defende explicitamente a ruptura com o pensamento cartesiano (clássico) em prol da implementação de um pensamento nãoclássico: Não há, portanto, transição entre o sistema de Newton e o sistema de Einstein. Não se vai do primeiro ao segundo acumulando conhecimentos, redobrando os cuidados nas medidas, retificando ligeiramente os princípios. É preciso, ao contrário, um esforço de novidade total. Segue-se, pois, uma indução transcendente e não uma indução amplificante, indo do pensamento clássico ao pensamento relativista. Naturalmente, após esta indução pode-se, por redução, obter a ciência newtoniana. A astronomia de Newton é, pois, finalmente um caso particular da Pan-astronomia de Einstein. (Bachelard, 1934, p.44). Assim, podemos nos perguntar: caberia, então, ao professor do ensino médio, promover uma visão não-clássica de toda a ciência? O que seria uma tarefa relativamente difícil de ser obtida, se não considerarmos relevante o estudo de tópicos da ciência moderna e contemporânea, na formação desses profissionais. Não bastaria, pois, para Bachelard, a simples introdução de novos tópicos pertinentes às fases mais recentes do conhecimento científico, no ensino médio, mas a modificação de toda uma postura e percepção de mundo. 14 | Ciências Naturais e Matemática | UAB o B s tá c u l o s e p i s t e m o l ó g i c o s Bachelard distingue diversas formas pelas quais o espírito pré-científico (ou seja, para aqueles que ainda não desenvolveram uma noção adequada de ciência) tem dificuldade de pensar a ciência. Nesta seção será feita uma descrição desses obstáculos epistemológicos, bem como uma discussão sobre como eles podem ser empregados. Procurou-se identificar e caracterizar cada obstáculo epistemológico, contudo, como adverte o próprio autor na introdução da sua obra (Bachelard, 1996), tal caracterização não é tão simples porque eles não são completamente distintos. Há pontos em comum entre alguns obstáculos, como por exemplo, o obstáculo da libido que possui uma componente substancialista e outra animista. Assim, a identificação de oito obstáculos epistemológicos na obra de Bachelard, conforme descrito a seguir, pode não corresponder à única classificação possível, já que, propositadamente, na própria obra, o autor não se utilizou de uma redação que proporcionasse uma classificação rígida. Contudo, para minimizar possíveis vieses, optou-se por apresentar diversos trechos “do próprio punho” de Bachelard. o o B s tá c u l o da eXperiência primeira: O primeiro obstáculo apontado por Bachelard (e, talvez, o mais difícil de ser removido) é o da experiência primeira, ou seja, a primeira informação coerente aprendida sobre um determinado tópico. Por algum motivo, o ser humano se apega a essa primeira informação e tem dificuldade de lidar com ideias ou fatos que lhe são contrários. Um exemplo comum é o do leigo que acredita que a Terra seja plana, apenas por observar isso olhando a sua volta. Outro exemplo importante, é a teoria de força e movimento de Aristóteles, que acreditava que todos os corpos na Terra se movem em linha reta, enquanto os corpos celestes se movem em trajetórias circulares (Piaget e Garcia, 1987). Tudo o que está no céu é perfeito, sendo o círculo a trajetória perfeita; enquanto que o que é mundano é imperfeito. Os corpos terrestres, sendo constituídos de ar, terra, água e fogo, se moveriam em trajetórias retilíneas, pois esses elementos se movem em linhas retas, em diferentes direções e sentidos: O fogo para cima, a água e a terra para baixo e o ar em todas as direções. Assim, era natural para Aristóteles, que uma pedra, por exemplo, continuasse a se mover, mesmo após não estar mais em contato físico com a mão que deu início ao movimento, empurrada pelo ar. Tal teoria se baseava em algumas observações acríticas imediatas (que os corpos celestes aparentemente se movem em trajetórias circulares ao redor da Terra, que o fogo se move “para cima” e os corpos sólidos e líquidos se movem “para baixo” quando abandonados, que o vento empurra os barcos na horizontal, etc.) e em ideias prévias (que todos os corpos terrestres eram constituídos de ar, água, fogo e terra). Na formação do espírito cientifico, o primeiro obstáculo é a experiência primeira, a experiência colocada antes e acima da crítica – crítica esta que 15 UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | é, necessariamente, elemento integrante do espírito científico. (Bachelard, 1996, p.29). A característica fundamental desse obstáculo é a ausência da crítica. Assim, Aristóteles acredita que o ar sempre favorecerá o movimento (de modo que o movimento no vácuo é impossível), mesmo sendo possível perceber que o ar resiste ao movimento, por exemplo, no caso de um atleta que corre. Além do mais, seria possível perceber que, se é o ar que empurra os corpos, uma flecha com uma ponta na sua parte posterior não deveria se mover rapidamente e, se o ar é forte o suficiente para manter um barco se movendo por inércia, mesmo durante algum tempo após suas velas serem recolhidas, ele deveria também esmagar as pessoas que estivessem na popa (Piaget e Garcia, 1987). Contudo, esse tipo de percepção não foi buscada por Aristóteles, e nem por nenhum pensador nos séculos seguintes, pois lhes era suficiente uma teoria prévia sobre como ocorrem as coisas. A crítica à teoria aristotélica somente ocorreria, pela primeira vez, no séc. V, com Filipon, enquanto que uma teoria crítica somente apareceria no séc. XIII, com Jean Buridan (Op.Cit.). Outra característica importante do obstáculo primeiro é a sua natureza empirista. Conforme comentado acima, a sua origem, como no caso da teoria de Aristóteles, é empírica, ou seja, de natureza observacional acrítica. Para combater o obstáculo epistemológico da experiência primeira, Bachelard propõe uma espécie de rebelião contra a Natureza: ...o espírito científico deve formar-se contra a Natureza, contra o que é, em nós e fora de nós, o impulso e a informação da Natureza, contra o arrebatamento natural, contra o fato colorido e corriqueiro (...), compreendemos a Natureza quando lhe oferecemos resistência. (Op. Cit., p.29) Ou seja, o cientista deve estar disposto a colocar suas convicções à prova, nunca acreditando fielmente nas impressões que são formadas através de seus órgãos de sentido ou de seus instrumentos de medida. O cientista deve lutar contra a tendência geral de apego à primeira impressão, apego este que tem um fundo irracional: ... o que existe de mais imediato na experiência primeira somos nós mesmos, nossas surdas paixões, nossos desejos inconscientes...(Ibid, p.57). O obstáculo da primeira impressão, contudo, é um processo pelo qual deve passar todo cientista – e, por extensão, todo aprendiz – bem como o processo de sua libertação pela crítica racional. Isso porque, segundo Bachelard, a primeira etapa da formação do espírito científico é a primeira impressão, que, sendo acrítica, representa em princípio um erro. Não é pois de se admirar que o primeiro conhecimento objetivo seja um primeiro erro. (Ibid, p.68). 16 | Ciências Naturais e Matemática | UAB o o B s tá c u l o do conhecimento ger al: O primeiro obstáculo é de natureza empírica. Contudo não representa o único “perigo” ao espírito científico. Há também o extremo oposto: um apego a argumentos de natureza idealista pouco respaldados em fatos experimentais, que se manifestam principalmente por generalizações também acríticas: ...a ciência do geral sempre é uma suspensão da experiência, um fracasso do empirismo inventivo. (Ibid, p.69). Nesse caso, o “perigo” também tem uma componente psicológica, que também se manifesta como um apego a ideias simplórias: Há de fato um perigoso prazer intelectual na generalização apressada e fácil. (Ibid, p.69). Tal prazer intelectual pode ser compreendido como um sentimento de conforto diante de uma ideia que pode explicar imediatamente algum fenômeno, mas que apresenta a mesma fragilidade do primeiro obstáculo: essa ideia imediata é quase que irremediavelmente generalizada e aplicada em outros contextos onde ela não é de fato válida: ...a busca apressada da generalidade leva muitas vezes a generalidades mal colocadas, (Ibid, p.70). Mas uma espécie de “preguiça mental” faz com que o cientista (ou aprendiz) não perceba facilmente as limitações da ideia pré-concebida, que, em muitos casos, não passa de uma mera definição: ...a inércia do pensamento que se satisfaz com o acordo verbal das definições. (Ibid, p.71). Diversas crenças humanas têm essa característica. Por exemplo, na Idade Média acreditava-se que as doenças eram devidas à presença do mal no corpo das pessoas. Daí a lógica de que a sangria seria um tratamento eficaz, pois seria um método de se extrair o mal do organismo. Como exemplo do processo da generalização das ideias, Bachelard cita o exemplo (Ibid, p.74) de que, no final do séc. XVIII, época em que a teoria eletromagnética era uma das áreas de ponta da ciência, utilizava-se o “fluído elétrico” para explicar os mais diversos fenômenos, como a tentativa de Abbé Bertholon de associar as épocas do ano em que supostamente John Milton era mais “genial” com a quantidade de eletricidade presente na atmosfera. Pensando nos dois primeiros obstáculos epistemológicos, Bachelard adverte que deve-se precaver de ser levado a quaisquer um dos dois extremos: O do pensamento UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 17 empírico, particular, da experiência primeira e do pensamento ideal e genérico do segundo obstáculo: ...o espírito científico pode enganar-se ao seguir duas tendências contrárias: a atração pelo particular e a atração pelo universal. (Ibid, p.75). O caminho para se precaver desses dois extremos seria uma espécie de “caminho do meio” no qual ...será preciso então deformar os conceitos primitivos, estudar as condições de aplicação desses conceitos e, sobretudo, incorporar as condições de aplicação de um conceito no próprio sentido do conceito. (Ibid, p.76). Tal recomendação reporta à compreensão do âmbito de validade dos conceitos, bem como seu campo de aplicação. o o B s tá c u l o v e r B a l : Como terceiro obstáculo epistemológico, Bachelard destaca que a própria terminologia utilizada na descrição de uma ideia ou teoria pode limitá-las. Esse obstáculo, em alguns casos, pode estar fortemente relacionado com o obstáculo do conhecimento geral, mas não pode ser reduzido a esse. Por vezes, uma palavra adquire tal peso numa teoria ou conjunto de ideias, que ela deturpa e impede o desenvolvimento da ciência. A utilização de certas palavras de maneira sobrevalorizada, resulta no aparecimento de “hábitos de natureza verbal”, ou seja, termos mal colocados que extrapolam seu próprio âmbito de validade: Pretendemos assim caracterizar, como obstáculos ao pensamento científico, hábitos de natureza verbal. (Ibid, p.91). Como exemplo desse obstáculo, Bachelard apresenta a palavra “esponja”, que foi utilizada indevidamente em diversas ocasiões na história da ciência. Uma dessas ocasiões corresponde ao ano de 1731, quando Réaumur propõe que o ar é como uma esponja (Ibid, p.92), e, então, a umidade do ar pode ser explicada porque o ar pode “sugar” a água. É claro que esse tipo de modelo incorre numa incoerência fundamental: a água, no ar, não está em estado líquido. Segundo Bachelard, tal obstáculo acontece devido a um apego a palavras específicas. Assim, analogias são estabelecidas além de qualquer limite. Tudo fica facilmente explicado: o ar é uma esponja, o pulmão é uma esponja, assim como a pele, a terra, etc., evitando, desta forma, o penoso processo de reflexão crítica. O problema da verbalização ou da linguagem, tanto na compreensão como no 18 | Ciências Naturais e Matemática | UAB ensino da Mecânica Quântica, é de particular importância, pois, dado o grau de abstração dos conceitos, há um risco considerável de que os conceitos sejam deturpados em função de uma palavra ou frase mal colocada. O mundo ou domínio atômico parece apresentar-se como uma junção (ou acoplamento) de concepções contrárias. Percebe-se isso muito bem, na relação de incerteza de Heisenberg, traduzida na forma de desigualdade matemática. Ao designar a posição de uma partícula pela variável q e a quantidade de movimento pela variável p, as incertezas de cada uma delas (Dq e Dp) estão relacionadas por: DqDp ≥  2 onde  é a constante de Planck, h , dividida por 2 π . Esta é, portanto, uma maneira frequente de se expor a relação entre a precisão da medida de posição e de velocidade ou momento cinético. Entretanto, é possível, por analogia, estender esta relação de incerteza para outras variáveis, tais como, tempo e energia, ou ainda, a outras, num aspecto todo matemático em que os parâmetros conceituais perderam já a intuitividade. Parece-nos então que o princípio de incerteza constitui-se em um novo método, oferecendo um caminho para pensar o fenômeno microfísico em seus aspectos duais: corpuscular e ondulatório. Trata-se, portanto, da junção de concepções conceituais antagônicas e temos aí um problema de conceitualização onde, a partir do real, deve-se descrever o imaginário. Fenômenos microfísicos são descritos a partir de observações de seus “sinais” e não da observação experimental direta. Mesmo que o princípio de incerteza parta da concepção de que não se deva utilizar grandezas que não são efetivamente mensuráveis, sabemos que os aspectos ondulatórios e corpusculares não podem ser medidos simultaneamente. Para “realizar” ou tornar real o conceito de dualidade, não basta um traço de junção ou o acréscimo da preposição “e” entre os dois adjetivos, formando o termo “onda-partícula” ou “onda e partícula”. Instaura-se, aqui, um problema de conceitualização na Física Quântica, que até nos dias atuais não está resolvido. Não há consenso sobre qual é o melhor termo para descrever ou caracterizar a entidade quântica. Ou seja, empregamos palavras que definem o mundo macroscópico num âmbito microscópico. Os conceitos de onda e de partícula têm caráter universal distinto para descrever o mundo clássico, fenômenos aos quais estamos acostumados a observar no mundo real que temos contato direto, de onde tiramos informações, interagimos e conceitualizamos. Entretanto, a partir de Heisenberg e seu princípio, temos uma proposta de transpor o real – o palpável para o “real-imaginário” – e sentimos por isso as limitações das atribuições realistas da linguagem. Bachelard nos aponta que, de certa forma, devemos reagir aos “arrebatamentos do pensamento falado” (Bachelard, 1985, p. 112). UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 19 o o B s tá c u l o do c o n h e c i m e n t o u n i tá r i o e p r a g m át i c o : Outro perigo importante ao espírito científico, no sentido de ser comum na história da ciência, é a tendência reducionista de atribuir aos fenômenos uma explicação baseada no “poder da natureza”: Mas há ainda a sedução de generalidades bem mais amplas (...) todas as dificuldades se resolvem diante de uma visão geral de mundo, por simples referência a um princípio geral da Natureza. (Bachelard, 1996, p.103). Modelos científicos formulados ao longo da história exibiram essa tendência, como no caso do Criacionismo. Esse obstáculo é caracterizado pela atribuição de propriedades exageradas à Natureza, como se essa tivesse uma espécie de consciência própria ou poderes que definissem a realidade. Um dos obstáculos epistemológicos em relação com a unidade e o poder atribuídos à Natureza é o coeficiente de realidade, que o espírito pré-científico atribui a tudo o que é natural. Há nisso uma valorização indiscutida, sempre invocada na vida cotidiana e que, afinal, é causa de perturbação para a experiência e para o pensamento científico.(Ibid, p.113). A partir de quando Bachelard salienta a “valorização indiscutida” desse obstáculo, fica evidente que sua raiz reside na acriticidade das convicções formuladas pelo espírito pré-científico. O obstáculo unitário e pragmático, segundo o autor, possui uma componente utilitária, ou seja, é considerado verdadeiro o que é útil: A própria utilidade fornece uma espécie de indução muito especial que poderia ser chamada de indução utilitária. (...) Todo pragmatismo, pelo simples fato de ser um pensamento mutilado, acaba exagerando. O homem não sabe limitar o útil. O útil, por sua valorização, se capitaliza sem medida. (Ibid, p.114). Logo, o verdadeiro deve ser acompanhado do útil. O verdadeiro sem função é um verdadeiro mutilado. E, quando se descobre a utilidade, encontra-se a função real do verdadeiro. Esse modo de ver utilitário é, porém, uma aberração.(Ibid, p.117). Tal tendência se manifestou com particular intensidade, na história da ciência, no século XIX, quando grande parte da comunidade científica adotou a postura filosófica do positivismo, o qual era caracterizado fundamentalmente pela defesa incondicional ao progresso tecnológico e à ciência aplicada (Durrant, 2000). Esse movimento aconteceu concomitantemente com uma ampliação sem precedentes no parque industrial mundial, utilização doméstica da eletricidade, expansão das telecomunicações, 20 | Ciências Naturais e Matemática | UAB invenção da locomotiva, do motor a combustão, do avião etc. Contudo, também concomitante com jornadas de trabalho de até 14 horas, trabalho infantil e ausência de um modo geral de direitos trabalhistas. Na comunidade científica da época, o líder dos positivistas era E. Mach, que defendia a ideia de reduzir todas as leis da Física ao Princípio de Conservação de Energia. A necessidade de generalização extrema, às vezes por um único conceito, leva a ideias sintéticas que conservam o poder de seduzir. (...) Em 1786, aparece o livro de Tressan, que (...) pretende explicar todos os fenômenos do Universo pela ação do fluido elétrico. Em particular, para Tressan, a lei da gravitação é uma lei de equilíbrio elétrico. (Ibid, p.117). o o B s tá c u l o s u B s ta n c i a l i s ta : Por obstáculo substancialista, Bachelard entende a tendência que os espíritos pré-científicos manifestam em considerar que as propriedades das substâncias podem ser generalizados sem limites, como se essas propriedades fossem mais universais que os próprios objetos que as possuem: Por sua tendência quase natural, o espírito pré-científico condensa num objeto todos os conhecimentos em que esse objeto desempenha um papel, sem se preocupar com a hierarquia dos papéis empíricos. Atribui à substância qualidades diversas, tanto a qualidade superficial como a qualidade profunda, tanto a qualidade manifesta como a qualidade oculta.(Ibid, p.121). Contudo, Bachelard salienta a fragilidade dessa postura comparando-a com o “avesso de uma luva”, ou seja, a dificuldade de reconhecer que nem sempre existe uma substância propriamente dita no interior das coisas, e que as propriedades intrínsecas das substâncias nem sempre podem ser estendidas a quaisquer situações: (...) a noção psicológica do “vira-se do avesso como uma luva” está muito arraigada no inconsciente. Deu origem, como se vê, a um falso conceito de substância. (Ibid, p.125). Como exemplo do obstáculo substancialista, Bachelard cita tratados do séc. XVIII que consideram que o ouro é incorruptível; assim, misturado ao sangue, preservaria uma pessoa de qualquer tipo de corrupção, “restabelecendo e reanimando a natureza humana do mesmo modo que o Sol” (Ibid, p.170). Trata-se de um exemplo claro da transgressão dos limites das propriedades do ouro, uma prática comum, segundo o autor, por exemplo, feita pelos alquimistas. Para aquele espírito pré-científico que é dominado por esse obstáculo, há uma grande dificuldade de libertação, devido ao apego ao valor dos objetos e das substâncias, que é característica, segundo Bachelard, do avarento; apego esse que nem os cientistas do século XVIII escaparam: UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 21 Exilar o ouro! Afirmar tranquilamente que o ouro não dá saúde, que o ouro não dá coragem, que o ouro não estanca o fluxo de sangue, que o ouro não dissipa os fantasmas noturnos, as más lembranças do passado e a culpa, que o ouro não é a preciosidade ambivalente que defende o coração e a alma! Isso exige um verdadeiro heroísmo intelectual; exige um inconsciente psicanalisado, isto é, uma cultura científica bem separada de qualquer valorização inconsciente. O espírito pré-científico do século XVIII não conseguiu essa liberdade de julgamento. (Ibid, p.171). Novamente, o obstáculo substancialista representa uma tendência de fuga à criticidade e à reflexão sobre suas próprias convicções: Ora, o melhor meio de fugir às discussões objetivas é entrincheirar-se por trás das substâncias, é atribuir às substâncias os mais variados matizes, é tornálas o espelho de nossas impressões subjetivas. (Ibid, p.184). o o B s tá c u l o a n i m i s ta : Já o obstáculo animista representa a tendência psicológica do espírito pré-científico em atribuir às coisas, propriedades dos seres vivos, como por exemplo, comparar os processos geológicos de formação de jazidas minerais, com a geração de um embrião no ventre materno, comparação esta que evidentemente não pode ser feita literalmente e que, segundo Bachelard, representa um “obstáculo à efetividade da fenomenologia”: É como obstáculos à objetividade da fenomenologia física que os conhecimentos biológicos devem chamar a nossa atenção. (Ibid, p.185). Segundo Bachelard, a utilização de construções animistas é tentadora para o espírito pré-científico, porque existe uma espécie de atração mágica pela palavra “vida”, como se ela representasse uma explicação completa e satisfatória para qualquer fato da realidade: Vida é uma palavra mágica. É uma palavra valorizada. Qualquer outro princípio esmaece quando se pode invocar um princípio vital. (Ibid, p.191). Justamente por se tratar de uma explicação fácil para uma larga gama de fenômenos (embora quase sempre não sendo verdadeira) é que o espírito “preguiçoso” em refletir criticamente se apega ao animismo. A complexidade, a regularidade e a capacidade de organização do vivo são tão atraentes e fascinantes para o espírito précientífico, que servem como uma explicação eficiente até para os fenômenos físicos: ...em certo estágio do desenvolvimento pré-científico, são os fenômenos 22 | Ciências Naturais e Matemática | UAB biológicos que servem de meio de explicação para os fenômenos físicos. (Ibid, p.201). o o B s tá c u l o da liBido: Dada a natureza psicológica dos obstáculos epistemológicos, a libido também deve estar correlacionada a um obstáculo epistemológico. Assim, a explicação para diversos fenômenos da natureza teria uma espécie de “caráter sexual”, já que o sexo tem como consequência, a criação e a transformação. Assim, tudo que se transforma o faz porque anteriormente ali havia uma espécie de semente que germinou. Essa é uma imagem ilustrativa do obstáculo da libido, da mesma forma que a esponja é da imagem geral e o ouro do obstáculo substancialista: ...para ilustrar os grandes obstáculos epistemológicos, escolhemos exemplos particulares: para o obstáculo constituído por uma imagem geral, estudamos os fenômenos da esponja; para o obstáculo substancialista, estudamos o ouro, o que nos propiciou fazer a psicanálise do realista. No que se refere ao obstáculo constituído pela libido, concretizaremos e especificaremos nossas observações ao estudar a ideia de germe e semente. (Ibid, p.227). Como exemplo dessa tendência na história da ciência, Bachelard destaca a forma com que os alquimistas interpretavam os fenômenos físicos: Mas a libido não precisa de imagens tão explícitas e pode contentar-se em interiorizar forças mais ou menos misteriosas. Nessa interiorização, as intuições substanciais e animistas se reforçam. A substância acrescida de um germe garante seu devir. (...) para o alquimista todo interior é um ventre, ventre que se deve abrir. (...) O alquimista, como todos os filósofos valorizadores, procura a síntese dos contrários. (Ibid, p.236). A síntese dos contrários era tida, pelos alquimistas, como o processo fundamental por meio do qual os fenômenos acontecem. Nos tratados alquímicos, são comuns os desenhos retratando o rei e a rainha deitados no leito, representando os princípios ativo e passivo da natureza, de cujo ato sexual resulta diversos acontecimentos (Jung, 1991). Daí decorre, de acordo com Bachelard, um certo maniqueísmo, que, inclusive, pode levar à conclusão que a manifestação de um atributo de uma substância é prova de que a sua real natureza é oposta a esse atributo: Os remédios que têm mau gosto e mau cheiro são vistos como os melhores. O que amarga na boca é bom para o corpo. Pode-se afirmar que todo o pensamento pré-científico desenvolve-se na dialética fundamental do maniqueísmo. (Ibid, p.246). UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 23 o o B s tá c u l o do c o n h e c i m e n t o q u a n t i tat i v o : Uma análise superficial dos obstáculos apresentados até aqui, poderia sugerir que o cerne do problema relacionado com eles, é o seu grau de subjetividade e o fato deles todos serem de natureza qualitativa, ou, em outras palavras, que a matemática e o conhecimento quantitativo poderia “salvar” o espírito científico dos meandros dos obstáculos epistemológicos. Contudo, Bachelard adverte que esse tipo de pensamento, tão comum nas academias científicas, se constitui propriamente num outro tipo de obstáculo: o obstáculo quantitativo. Um conhecimento objetivo imediato, pelo fato de ser qualitativo, já é falseado. Traz um erro a ser retificado. (...) Seria, aliás, engano pensar que o conhecimento quantitativo escapa, em princípio, aos perigos do conhecimento qualitativo. A grandeza não é automaticamente objetiva, e basta dar as costas aos objetos usuais para que se admitam as determinações geométricas mais esquisitas, as determinações quantitativas mais fantasiosas. (Ibid, p.259). Assim sendo, a matemática e estatística não resguardariam nenhum cientista de cometer enganos; aliás, o autor mostra exemplos de conclusões absurdas tomadas em função de análises superficiais de dados numéricos, e também casos, abundantes na história da ciência, em que cientistas tentaram dar uma roupagem de seriedade em teorias superficiais, simplesmente por essas apresentarem uma forte característica quantitativa. Bachelard, na década de 30, traça então uma argumentação sobre os limites da pesquisa quantitativa, semelhante à crítica da relativamente recente vertente da pesquisa qualitativa em Educação (Bogdan e Biklen, 1994): Essa é uma das marcas mais nítidas do espírito não-científico, no momento mesmo em que esse espírito tem pretensões de objetividade científica. (...) Medir exatamente um objeto fugaz ou indeterminado, medir exatamente um objeto fixo e bem determinado com um instrumento grosseiro, são dois tipos de operação inúteis que a disciplina científica rejeita liminarmente. (Ibid, p.261). Ou seja, a crítica se assenta no fato de que a abordagem quantitativa não pode ser considerada completamente eficiente quando se refere a objetos fugazes e indeterminados, como os seres humanos, por exemplo, que se constituem no objeto de pesquisa de toda uma área de conhecimento, as ciências humanas. Assim sendo, para não cair no erro do obstáculo quantitativo, é necessário que o cientista não adote uma postura de extremos. Tanto o extremo do quantitativo como verdade absoluta, quanto o extremo do abandono de qualquer rigor quantitativo são indesejáveis: 24 | Ciências Naturais e Matemática | UAB O que entrava o pensamento científico contemporâneo – se não entre seus criadores, pelo menos entre os que se dedicam ao ensino1 – é o apego às intuições habituais, é a experiência comum tomada em nossa ordem de grandeza. É preciso abandonar hábitos. O espírito científico tem de aliar a flexibilidade ao rigor. Deve refazer todas as suas construções quando aborda novos domínios e não impor em toda parte a legalidade da ordem de grandeza costumeira. (Ibid, p.277). esquema demonstratiVo dos obstáCulos epistemológiCos segundo baChelard. o m at e r i a l i s m o t é c n i c o O pensamento científico da microfísica deixa explícito que a razão científica recorre a uma instrumentalidade teórica (conceitos e relações entre conceitos), metodológica e técnica inacabada, susceptível de reformulações e reconstruções. Dessa forma, para Bachelard, a linguagem, os métodos e as técnicas são elaborados no cerne da coerência de um determinado sistema. E, sempre que essa coerência é colocada em ‘cheque’, pois está sempre inacabada, toda a sua linguagem, métodos e técnicas ficam então desajustados, obrigando a novas verificações e reconstruções. É que os instrumentos envolvidos em determinados sistemas teóricos são também teorias materializadas. Sendo assim, a construção do objeto científico é produto de instrumentos e teorias. 1 C e r t a m e nt e B a c h e l a r d s e r e f e r e a o e n s i n o d a s c i ê n c i a s n a s i n s t it u i ç õ e s a c a d ê m i c a s , e n ã o a q u e l e s q u e s e d e d i c a m à p e s q u i s a e m e n s i n o , a l i á s , o s q u a i s e r a m p r a t i c a m e nt e i n e x i s t e nt e s n a é p o c a d o e p i s t e m ó l o g o. UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 25 Em outros termos, é preciso observar que o papel do instrumento na aproximação precisa é fundamental. Assim, seria possível determinar as diferentes idades de uma ciência pelos instrumentos de medida utilizados. Sobre isso Bachelard é contundente, à medida que os instrumentos se afinam, o seu produto científico é mais bem definido. O conhecimento torna-se objetivo, na medida em que se torna instrumental. Então será que podemos afirmar que os fenômenos científicos da ciência contemporânea só começam verdadeiramente no momento em que se começa a produzir instrumentos? Sobre isso Bachelard fala de um ‘cogito de aparelho’, em virtude de uma função teórica dos próprios instrumentos – o conhecimento torna-se objetivo à medida que se torna experimental. O objeto científico é sempre referido a instrumentos de observação que constituem a construção do abstrato. Por esse motivo, seria o resultado de uma dupla interação, são elas: teórica e instrumental e abstrata e concreta. A essa técnica de produção de fenômenos, própria das ciências contemporâneas, Bachelard designou de FENOMENOTÉCNICA. A filosofia tradicional separa a teoria da sua aplicação e não atribui importância à realização das condições de construção do objeto científico, ou seja, dos instrumentos e teorias. Por esse motivo, o racionalismo aplicado torna-se, assim, inseparável do materialismo técnico. Para entender um pouco mais leia o texto de Bachelard: O racionalismo prático implica uma interpretação teoria/técnica. o r a c i o n a l i s m o p r át i c o i m p l i c a u m a i n t e r p r e ta ç ã o teoria/técnica “O desenvolvimento do pensamento científico nas suas formas contemporâneas revela-se como uma solidariedade do gênio e da técnica. A natureza é então vencida duas vezes, vencida no seu mistério e vencida nas suas forças. O homem ordena a natureza pondo, ao mesmo tempo, ordem nos seus pensamentos e ordem no seu trabalho. O racionalismo joga assim dialeticamente. Parecerá um pleonasmo dizermos que o racionalismo é uma filosofia da reflexão. Mas se pensarmos na reflexão sobre uma técnica que é já um resultado da reflexão, perceberemos que o circuito que, no pensamento científico, vai sem cessar da teoria à técnica e dos resultados técnicos novos às fontes teóricas, nos coloca frente a um novo movimento humano. Essa ligação tão forte, tão indispensável, da teoria à técnica parece dever enunciar-se como um determinismo humano muito especial, como um determinismo epistemológico que não era de modo algum sensível, há alguns séculos, na separação das culturas matemáticas e experimentais. Pensamos que se não pode conceber uma paragem desse determinismo de dois termos, de duas vias. Sob essas duas formas, esse determinismo da experiência científica e do pensamento dá prova da sua dupla fecundidade. Ele acrescenta algo ao homem”. (Bachelard, G. L’Activité Rationaliste de La Physique Contemporaine, PUF, Paris.) 26 | Ciências Naturais e Matemática | UAB chegamos ao Final, mas. . . Não podemos esquecer que as contribuições das obras de Bachelard são muito amplas e certamente esse fascículo não conseguiu dar conta de tudo. Por isso, precisamos continuar estudando esse importante epistemólogo da Ciência, que ao recorrer a psicanálise para explicar os obstáculos à produção do conhecimento científico e desvalorizando outras dimensões desses mesmos obstáculos, assim como pela importância que atribui a uma razão despsicologizada, nos orienta para um psicologismo do conhecimento científico. A filosofia do novo espírito científico, constituindo-se em uma pedagogia da produção científica e da história da ciência, nos alerta para uma consciência aberta, crítica e do diálogo, capaz de compreender o passado mediante a modernidade. Por outro lado, o racionalismo aplicado, reflete o compromisso necessário, ciência e filosofia, faz da razão uma razão constituinte, aberta, polêmica, que rompe com os modelos formais e absolutos da razão constituída, sistemática e fechada. at i v i d a d e construa um Bachel ar d: t e X t o a pa r t i r d a s e g u i n t e a F i r m a ç ã o d e gaston “o que se julga saber claramente ofusca o que se deveria saber. Quando se apresenta à cultura científica, o espírito nunca é jovem. É mesmo muito velho, porque tem a idade dos seus preconceitos. Aceder à ciência é, espiritualmente, rejuvenescer, é aceitar uma mutação brusca que deve contradizer um passado”. at i v i d a d e Leia o texto “O Mito da Substância”. Nesse artigo o autor trata da noção de substância e baseando-se na epistemologia de Gaston Bachelard, questiona o substancialismo dos químicos de maneira geral. Oliveira, R. J. O Mito da Substância. Química Nova na Escola N° 1, MAIO 1995. Disponível na plataforma e em http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc01/conceito.pdf s u g e s tã o de leitura Bachelard, G. (1938) O Novo Espírito Científico. Editora Contraponto, Rio de Janeiro, Ed. 1996. 27 UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | um mapa ConCeitual sobre a epistemologia de baChelard at i v i d a d e Bachelard e o ensino de ciências Os epistemólogos têm a contribuir à medida que, ao se estabelecer um paralelo entre o desenvolvimento da ciência e a evolução conceitual de um indivíduo, é possível se estabelecer condições mínimas para a aprendizagem ou compreender melhor as dificuldades inerentes ao desenvolvimento cognitivo. É nesse âmbito que Bachelard pode contribuir para a compreensão desse processo. Estamos conhecendo a obra de Bachelard, buscando compreender como o conhecimento científico é construído e carrega implicitamente (ou explicitamente) nuances da natureza humana, e ainda discutimos na óptica bachelardiana, o âmbito de validade das teorias, leis e modelos científicos, nosso foco agora são as contribuições para a nossa prática com as ciências naturais e matemática em sala de aula. Destacamos essa importância no texto, pense nisso e explique essas relações, discuta com seus colegas e faça uma síntese. 28 | Ciências Naturais e Matemática | UAB na internet Texto: Bachelard: o filósofo da Desilusão. http://fsc.ufsc.br/ccef/port/13-3/artpdf/a5.pdf Texto: Gaston Bachelard e Edgar Morin: diálogos sobre a complexidade. http://www.remea.furg.br/edicoes/vol20/art14v20.pdf Texto: Obstáculos Epistemológicos no ensino de ciências: um estudo sobre suas influências nas concepções de átomo. http://www.cienciasecognicao.org/artigos/v12/m347194.htm s u g e s tã o de leitura Na página http://catatau.blogsome.com/2006/08/06/ebookslivros-degaston-bachelard-para-download/ você consegue a cópia de vários textos de Gaston Bachelard de domínio público, mas em francês. Vai encarar?!?! “Todo o conhecimento é uma resposta a uma pergunta” (Gaston Bachelard) Para ensinarmos um aluno a inventar, precisamos mostrar-lhe que ele já possui a capacidade de descobrir. (Gaston Bachelard) UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 29 a epistemologia de th o m a s K u h n O Século XX ficou marcado na história por um elevado nível de desenvolvimento da ciência. Por outro lado, esse século também foi marcado pelas muitas reflexões e debates/embates sobre as implicações dessa mesma ciência que tanto se desenvolveu. Esses debates aumentaram a partir da Segunda Guerra Mundial. O argumento para que isso ocorresse foi que essa ciência contribuía para levar o mundo à destruição. Sobre isso Camus (1946) escreveu: ‘ (...) o século XVII foi o século das matemáticas, o XVIII, o das ciências físicas, e o XIX, o da biologia. Nosso século XX é o século do medo.’ Surgiu a partir dessa época uma intensa preocupação com o tema, o que levou a UNESCO, nos anos 50, a publicar sobre o impacto da ciência e a sociedade. Uma década depois, com o aprofundamento e continuidade desse debate, eis que foi publicado o livro A Estrutura das Revoluções Científicas, trazendo uma proposta de mudança na nossa concepção de ciência, a partir de um conceito que emergisse da história da própria atividade científica. Quem escreveu esse livro tão importante foi Thomas Kuhn. Vamos conhecer um pouco sobre ele? Leia o texto: Uma breve biografia de Thomas Kuhn. uma Breve BiograFia de th o m a s K u h n Thomas Samuel Kuhn nasceu em Cincinnati, Ohio, Estados Unidos, no dia 18 de julho de 1922. Obteve o título de bacharel em Física na Universidade de Harvard em 1943, o de mestrado em 1946 e o Ph.D. em 1949. Ainda em Harvard, ministrou curso de História da Ciência de 1948 até 1956. Após deixar Harvard, foi para a Universidade da Califórnia, Berkeley, onde em 1961 foi nomeado professor em História da Ciência. Em 1964 foi para a Universidade de Princeton. Em 1979, para o MIT (Massachusetts Institute of Technology), onde lecionou Filosofia e História da Ciência, permanecendo até 1991. Kuhn escreveu “A Estrutura das Revoluções Científicas” antes de 1962, enquanto aluno de graduação em Física teórica em Harvard. Essa obra vendeu mais de um milhão de cópias e foi traduzida em 16 idiomas. Sofreu de câncer, durante os últimos anos da sua vida. Ele morreu em uma segunda-feira, 17 de junho de 1996, com 73 anos,em sua casa, em Cambridge, Massachusetts. UAB| Ciências Naturais e Matemática | Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 31 algumas obras de thomas kuhn A principal obra de Kuhn trouxe contribuições importantes para a filosofia da ciência. Por que isso teria ocorrido? Nessa obra, A Estrutura das Revoluções Científicas, Kuhn demonstra que a ciência nada mais é que uma atividade humana, sujeita, portanto, às controvérsias dos diferentes contextos históricos, estando longe de ser algo estático, seja em relação aos seus resultados, seja em relação aos seus conceitos. outras oBras de th o m a s K u h n : A revolução Copernicana - 1957; NeTeoria do Cor po dade gro e Descontinui Quântica - 1979; A Tenção Superficial - 1989; O Caminho desde a Estrut ura - 2006; Fi q u e at e n t o , p o i s i s s o é m u i t o i m p o r ta n t e ! ! ! Ao tentar demonstrar essa ideia sobre a ciência, esse epistemólogo da ciência introduziu um termo que hoje utilizamos muito, que é o de PARADIGMA, para se referir ao comprometimento de um determinado grupo de pesquisadores com as regras e os padrões específicos para a prática científica que definiriam, então, a gênese e a continuação de uma determinada tradição de pesquisa. Assim, no curso da história humana, os paradigmas são alternados e reformulados, o que constitui o próprio cerne do desenvolvimento científico. E é exatamente as alterações desses paradigmas, que Thomas Kuhn denomina de REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS. Resumidamente, seriam os episódios que levam uma determinada comunidade a rejeitar as regras e os padrões anteriormente aceitos em favor de outros. 32 | Ciências Naturais e Matemática | UAB pense Na sequência, vamos estudar um pouco mais detalhadamente sobre A Estrutura das Revoluções Científicas, por ser essa a mais importante, dentre as demais obras de Thomas Kuhn. um pouco antes de prosseguir... a estrutura das r e voluçõ es cientí Fic as Podemos deduzir que as mudanças e controvérsias são características definidoras das revoluções científicas? Nesse livro, se encontra os fundamentos da epistemologia kuhniana, sua compreensão acerca da construção do conhecimento científico e do seu âmbito de validade. Ao compreendermos conceitos fundamentais como: paradigma, ciência normal, incomensurabilidade e revolução científica, estaremos compreendendo o mundo tão peculiar em que a ciência é construída. Sobre Paradigmas: “Considero “paradigmas” as realizações científicas universalmente reconhecidas, que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência.”(op.cit., p.13, 1989). Paradigma tem sido um termo usado frequentemente para designar pontos de vista, ou maneiras de ver o mundo, contudo, não é bem assim. O conceito de paradigma deve ser empregado para designar um conjunto de compromissos de pesquisas de uma comunidade científica ou de um grupo de pesquisadores, que engloba crenças, valores, técnicas partilhadas. Há, portanto, um conjunto de conceitos, técnicas experimentais e teóricas, generalizações simbólicas, modelos e valores por meio dos quais o mundo é percebido, significado e problemas fundamentais são resolvidos. Quando uma comunidade científica assume um paradigma, adquire também at i v i d a d e critérios para a escolha de problemas que, podem ser considerados como dotados de uma solução possível. Os problemas, tipo Faça uma pesquisa e aprequebra-cabeça, são os únicos que a comunidade científica adsente os principais paradigmas da mitirá como científicos ou encorajará seus membros a resolver MATEMÁTICA e da (Kuhn apud Ostermann, 1996). BIOLOGIA. prinCipais paradigmas na f ísiCa teoria do Caos 1970 f ísiCa quântiCa 1920 relatiVidade 1910 f ísiCa neWtoniana 1700/ 1800 33 UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | Para saber sobre alguns dos Paradigmas na Química, leia o artigo da Revista Química Nova na Escola: http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc20/v20a06.pdf ciência normal Para Kuhn, a Ciência não evolui gradualmente, linearmente, alterna períodos de Ciência Normal, na qual a comunidade científica adere a um paradigma e compromete-se com ele, com revoluções científicas caracterizadas por crises ou anomalias (veremos adiante) no paradigma vigente, ocasionando uma ruptura. Logo, no período de Ciência Normal, os cientistas modelam as situações encontradas na natureza de acordo com os limites estabelecidos pelo paradigma vigente. Kuhn argumenta, O que Thomas que uma das razões pelas quais a ciência normal parece progredir tão Kuhn denomirapidamente, é que seus praticantes se concentram em problemas que na de ciência normal, se somente a sua falta de habilidade pode impedí-los de resolver. Contucaracteriza por três classes do, esse é um período longo e o objetivo das pesquisas científicas não é de problemas: a determipropor novas teorias ou novos fatos e sim, a articulação de fenômenos, e nação do fato significativo; aprimoramento de técnicas investigativas (daí podem surgir novas teca harmonização dos fatos nologias) com vistas a aprofundar e acumular conhecimentos. Tal avancom a teoria; e a articulaço é possível porque algumas crenças, modelos, conceitos e procedição da teoria. mentos anteriormente aceitos, são descartados e substituídos por outros. crises e anomalias Para Kuhn (p.105), o significado das crises consiste exatamente no fato de que indicam que é chegada a ocasião de renovar os instrumentos. No processo de desenvolvimento de qualquer ciência, o primeiro paradigma explica com sucesso, boa parte das observações e experimentos no que se refere ao mesmo e a continuidade sempre requer o desenvolvimento de equipamentos, vocabulário, técnicas e refinamento conceitual que se distancia do senso comum. Por outro lado, nesse processo de profissionalização a favor do paradigma vigente, proporciona uma visão restrita da ciência e consequentemente resistência a mudanças paradigmáticas, ou seja, os adeptos entram na zona de conforto de um conhecimento estável, que dá conta de uma série de problemas tradicionais e refinamento de técnicas. Como já foi dito, esse é um período estável em que a ciência normal é praticada. Contudo, se começa a fracassar em produzir resultados esperados, os problemas antes encarados como quebra-cabeças, passam a ser considerados como anomalias, gerando um estado de crise na área de pesquisa. Essas anomalias só são possíveis de serem identificadas, pela rigidez da ciência normal, que nos informa de maneira detalhada, o que deveríamos esperar entre a integração da teoria com as observações realizadas, uma anomalia caracteriza-se por uma espécie de recusa de enquadramento ou assimilação pelo paradigma existente. 34 | Ciências Naturais e Matemática | UAB Os cientistas não abandonam o paradigma padrão simplesmente porque se defrontam com anomalias, deve haver insatisfação com o antigo paradigma e deve existir um novo capaz de propor nova explicação que seja inteligível, plausível e frutífera. Assim, rejeitar um paradigma significa aceitar outro, mas numa crise paradigmática ocorre a proliferação de novas versões do paradigma vigente, teorias ad hoc na tentativa de salvá-lo nesse ínterim, ocorre também um enfraquecimento nas regras de resoluções de problemas de tipo quebra-cabeças, próprios da ciência normal. Tamanhos são os esforços para resguardar um paradigma, que pode ocorrer que os cientistas envolvidos com as dinâmicas da ciência normal, encontrem caminhos plausíveis para tratar a anomalia; ou então, a anomalia resiste, permanece sem solução e é colocada de lado para ser retomada no futuro, quando encorajados novos instrumentos, uma nova geração passa encontrar soluções adequadas. Por fim, pode ser que surja um novo candidato à paradigma e aí sim, uma nova batalha de desenvolvimento e aceitação é desencadeada. Um exemplo analisado por esse epistemólogo é a chamada Revolução Copérnica, com três significados pouco dissociáveis: o significado astronômico, o científico e o filosófico. Para Kuhn (1962) “a Revolução Copérnica foi uma revolução de ideias, uma transformação do conceito que o homem tinha do universo e da sua própria relação com ele. Mais uma vez se pensou que esse episódio da história do renascimento, proclamara uma viagem na época no desenvolvimento intelectual do homem ocidental. No entanto, a revolução baseava-se nas minúcias mais obscuras e recônditas da pesquisa astronômica (p.19). Mediante construção da teoria de Copérnico, Kuhn apresenta suas ideias básicas, quais sejam: o conhecimento transforma-se e essa transformação tem um fundamento histórico e social. Segundo Kuhn, Copérnico viveu e trabalhou num período em que as mudanças rápidas na vida política, econômica e intelectual, preparavam as bases da moderna civilização européia e americana. Na análise kuhniana, a teoria planetária e a sua concepção associada à ideia de um Universo centrado no Sol, foram os agentes de transição da sociedade ocidental medieval para a moderna, porque pareciam interferir na relação do homem com o Universo: “Iniciada como uma revisão pouco técnica e altamente matemática da astronomia clássica, a teoria de Copérnico tornouse um foco das tremendas controvérsias de religião, filosofia e teoria social que, durante os dois séculos seguintes à descoberta da América, determinaram o teor do espírito moderno. Homens que acreditavam que o seu local terrestre era só um planeta que circulava cegamente por entre uma infinidade de estrelas, avaliavam esse local no esquema cósmico dum modo muito diferente dos seus predecessores, que viam a Terra como um centro único criado por Deus, A Revolução Copérnica foi, por isso, também parte de uma transição na escala de valores do homem ocidental” (p. 20). Com isso, Kuhn quer nos mostrar que as anomalias muito evidentes levam à crise, que é, em última análise, a precondição necessária para a emergência de novas teorias, de novos paradigmas. A interpretação feita por Thomas Kuhn, a respeito da transição de um paradigma em crise para um novo, foi revolucionária na época, uma vez que ele defendia não ser resultado de um processo cumulativo, mas de uma reconstrução da área de conhecimento. Seriam duas as implicações dessa reconstrução segundo esse autor, a saber: a alteração das generalizações teóricas e as alterações dos métodos e aplicações. Nesse sentido, teremos a modificação da própria área de estudo, quando ao final da transição de um paradigma. UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 35 Os fenômenos para os quais o paradigma não prepara o investigador, denominada por Kuhn de ANOMALIAS, sofrem uma resistência que significa, em última análise, uma resistência ao abandono ou à alteração do paradigma. aFinal, o que é uma r e v o l u ç ã o c i e n t í F i c a? Kuhn nos explica que são episódios de desenvolvimento da ciência, não acumulativos, nos quais um paradigma que caracteriza um período de ciência normal, é parcial ou completamente substituído por um novo e incompatível com seu antecessor. A princípio parece-nos natural que seja uma revolução e não uma simples substituição, uma vez que a incapacidade de resolver novos problemas se torna evidente demais e incômoda para uma certa comunidade de cientistas, ocorre um sentimento crescente de que o paradigma atual, deixou de funcionar a contento na exploração de aspectos da natureza. Esse sentimento sim é acumulativo, provoca uma crise pré-paradigmática, pré- requisito para uma dissidência ou se preferir uma revolução. Não é dado ao espírito científico, simplesmente abandonar, mas buscar falhas e novas soluções mais satisfatórias para suas indagações. Em princípio, um novo paradigma pode emergir, sem reflexos destrutivos a alguma prática científica mais antiga, sem entrar em conflito com suas predecessoras, por tratar de fenômenos antes desconhecidos, como é o caso da Mecânica Quântica (MQ ) que trata de descrever fenômenos relacionados ao mundo atômico, desconhecidos até meados do século XX, neste caso, ainda hoje se discute se a MQ não seria uma teoria que engloba a mecânica Newtoniana, portanto, estaria em um nível acima desta. Como vimos, muitas anomalias geram um estado de crise e deixa-se de fazer ciência normal para se fazer, o que Kuhn chama de ciência extraordinária. Emergem nova teorias, modificações nos problemas e técnicas, surgem novos valores, novos conceitos e, é um período marcado pela insegurança profissional. Exemplos marcantes na história da ciência podem ser enumerados: ao final do Séc. XVI o fracasso do paradigma ptolomaico e surgimento do paradigma copernicano; no início do Séc. XX, fracasso do paradigma newtoniano e surgimento do paradigma relativístico (Teoria da Relatividade). Resumindo, a transição de um paradigma para outro é chamada de Revolução Científica e durante o período de transição o antigo e o novo paradigma competem pela preferência dos membros da comunidade científica. Os paradigmas rivais são maneiras diferentes de ver o mundo, diferentes concepções que não são compatíveis. Kuhn emprega a expressão incomensurabilidade de paradigmas, para explicar padrões científicos e definições diferentes que preveem coisas distintas ao final. 36 | Ciências Naturais e Matemática | UAB incomensur aBilidade Cada paradigma tem suas peculiaridades que se refletem em maneiras de descrever a natureza, que determinam e são determinadas pelo cientistas que o aderem, consequentemente, as incomensurabilidades de paradigmas tem a ver com formas diferentes de ver e descrever o mundo. Um paradigma não é necessariamente superior a outro, não há uma lógica que possa demonstrar em que medida um é mais recomendado que outro. Ao chamar novas teorias para tentar resolver as anomalias presentes na relação entre uma teoria existente e a natureza, devemos levar em consideração que a nova teoria bem sucedida deve permitir predições diferentes das teorias anteriores. Essa diferença não poderia ocorrer se as duas teorias fossem logicamente compatíveis. É nesse sentido que Kuhn emprega a expressão incomensurabilidade de paradigmas. A tradição científica normal que emerge de uma revolução científica é não somente incompatível, mas muitas vezes incomensurável com aquela que a precedeu. (Kuhn, 1962, p.138) Para Kuhn, a Ciência tem um caráter revolucionário que pode ser assim representado: A ciência normal assume um paradigma por meio da investigação teórica e da experimentação, fazem previsões que ao diferirem dos resultados consolidados geram anomalias/crises, que ao se tornarem frequentes, caracterizam o início de um período de ciência extraordinária, no qual os cientistas testam novas teorias para dar conta da crise gerada. Se essas novas teorias conseguem explicar as anomalias e apresentam também explicações satisfatórias para os fenômenos previstos pelo paradigma padrão, UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 37 elas são fortes candidatas a integrarem um novo paradigma adotado após consenso da comunidade científica. Esse novo paradigma é incomensurável com o paradigma padrão, e no momento que ele o substitui, podemos dizer que houve uma revolução científica conduzindo a um progresso do conhecimento científico. Kuh n e o ensino de ciências Foi Kuhn quem introduziu na epistemologia da ciência, o fato de que o desenvolvimento do conhecimento humano não é em absoluto cumulativo. A visão kuhniana da construção da ciência, nos leva a algumas importantes relações com o ensino de ciência em sala de aula, uma vez que sua epistemologia se fundamenta em descrever que a ciência é construída de maneira tal, que há períodos que Kuhn chama de “ciência normal”, em que um determinado paradigma é vigente e nesse período toda a comunidade científica envolvida se volta para a resolução de problemas que possam comprovar e confirmar essa teoria. Apenas nessa etapa, o desenvolvimento do conhecimento humano seria mais ou menos (ou seja, não rigorosamente) cumulativo. Nessa fase, crenças, valores e técnicas são compartilhados e desenvolvidos para proporcionar “solidez” ao paradigma. Portanto, o paradigma vigente estabelece o período que Kuhn denomina ciência normal. Essa fase é ainda caracterizada por modelos ontológicos – descrição de mundo - e heurísticos – método de resolução de problemas. Não há estímulos para que se tente resolver problemas que estão fora do paradigma vigente. A ciência normal se restringe ao paradigma vigente e todos os esforços estão voltados para que os fenômenos da natureza possam ser explicados dentro de parâmetros determinados. Uma vez então definido o paradigma, os problemas serão escolhidos em função dessa definição. Na segunda etapa do modelo kuhniano, ocorrem o que ele denomina “revoluções científicas”, são os períodos em que a ciência normal fracassa na resolução de problemas, não produz os resultados que se espera e os problemas são considerados “anomalias”, gerando um estado de crise na área de pesquisa. Dessa crise o paradigma vigente passa a ser questionado até ser refutado, mas não simplesmente abandonado sem que um outro paradigma possa substituí-lo, até que por meio desse novo paradigma se estabeleça um novo período de ciência normal. ...Uma vez encontrado um primeiro paradigma com o qual conceber a natureza, já não se pode mais falar em pesquisa sem qualquer paradigma. Rejeitar um paradigma sem simultaneamente substituí-lo por outro, é rejeitar a própria ciência. Concluindo, 38 | Ciências Naturais e Matemática | UAB (...) as revoluções científicas iniciam-se com um sentimento crescente, de que o paradigma existente deixou de funcionar adequadamente na exploração de um aspecto da natureza. (Kuhn, 1962) Entretanto, durante o período de revoluções, os dois paradigmas “competem”, por serem incomensuráveis, também no seu poder de persuasão e não necessariamente por provas de eficácia. Não há comparação de forma neutra, há debates de estudos, que envolvem fé, valores e a crença de ser frutífero ou não para o progresso científico. As ideias kuhnianas parecem ser coerentes com o construtivismo, uma vez que o conceito do paradigma leva ao conceito de uma estrutura ordenada de ideias e a construção deste paradigma segue uma história dependente dos fatos científicos ocorridos ao longo dos tempos. A estrutura cognitiva do indivíduo também tem uma história construída ao longo das informações, que ele consegue captar de suas relações com o mundo. O desenvolvimento da estrutura cognitiva também deve passar por crises, por “revoluções científicas”, ao longo da existência humana. O período de “ciência normal” seria marcado no desenvolvimento cognitivo pela resolução de “problemas exemplares”, confortáveis, que ofereçam segurança e comprovação da eficiência de modelos mentais construídos pelo indivíduo. Os períodos de “revolução científica” seriam marcados na estrutura de conhecimento por uma crise de aplicabilidade desses modelos frente a solução de novos problemas. Não se trata, nessa fase, de refutar os modelos já existentes como se faz com os paradigmas, mas de reorganizá-los, incluindo a eles novas informações, reestruturando-os numa tentativa de não abandono. Entretanto, pode haver situações no processo ensino-aprendizagem em que um modelo é mesmo abandonado, não sem que antes crenças, valores por eles sustentados sejam questionados. É como um novo paradigma que se estabelece. Uma das influências mais evidentes de Kuhn dentro da área de pesquisa em Ensino de Ciências, foi promovida por Posner e colaboradores ao utilizar os pressupostos kuhnianos para estabelecer condições para a ocorrência da mudança conceitual1 (Posner et al., 1982), isto é, para que o aprendiz abandone suas concepções prévias e incorpore novas concepções. Segundo esses autores, as principais condições necessárias para a ocorrência da mudança conceitual são: 1. A nova concepção deve ser inteligível: Em primeiro lugar, é necessário obviamente que o aprendiz compreenda a nova concepção. Essa condição, no entanto, não é suficiente para que ele aceite a nova concepção. O aprendiz pode resolver muito bem os problemas que lhe são exigidos durante uma prova, sem 1 A Teoria de Mudança Conceitual de Posner e colaboradores exerceu uma influência considerável na área de Educação em Ciências, principalmente na década de 80. Trata-se de um exemplo importante de incorporação de elementos de epistemologia na educação. Contudo, a teoria perdeu status na década de 90. Nos dias atuais, alguns autores consideram que estamos num período pós mudança conceitual. UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 39 no entanto acreditar na teoria que embasa aquele conhecimento que ele está a utilizar. 2. A nova concepção deve ser plausível: A nova concepção deve parecer verdadeira, fazer sentido para o aprendiz. Deve ser coerente com suas concepções religiosas e de mundo, por exemplo. Do contrário, ele pode não aceitar como verdadeira a nova concepção. A não aceitação da teoria copernicana, citada por Kuhn, é um exemplo dessa resistência à mudança conceitual. 3. A nova concepção deve ser frutífera: A nova concepção deve apresentar vantagens em relação a anterior. Seu poder de previsão deve ser melhor, ou seu âmbito de aplicação mais extenso. É consensual que as teorias científicas são pedras angulares do conhecimento científico. Talvez não seja tão consensual quanto o status que uma teoria pode ter para fazer parte do rol das consideradas científicas, ou quais os critérios para que uma teoria possa ser rechaçada ou refutada, ou quais os mecanismos adotados por uma dada comunidade científica no processo de troca de teorias. Ou seja, a tese kuhniana sustenta que é improvável que haja uma transição suave entre dois paradigmas, onde o novo e o velho competem entre si, e a aceitação do novo implica necessariamente em ruptura com o paradigma vigente até então. É importante para o professor de ciências conhecer a perspectiva de Kuhn acerca da construção e evolução do conhecimento científico, à medida que possa extrair subsídios para argumentar sobre o tema e ainda criar situações de ensino - aprendizagem gerando insatisfação e propondo uma nova explicação que seja inteligível, plausível e frutífera, para que com isto o aluno mude de paradigma, ou pelo menos desestabilize suas concepções alternativas em nome de uma explicação aceita pela comunidade científica. at i v i d a d e s 1. Para saber mais, consulte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Epistemologia. Tente descrever porque os autores afirmam que a epistemologia tem origem nas concepções de Platão acerca do conhecimento. 2. Pesquisar, esquematizar e justificar os principais paradigmas da Biologia, Química e Matemática. 3. Na rede, você vai encontrar algumas concepções alternativas de Física, Química e Biologia que são bastante comuns. Faça um levantamento, compartilhe com seus colegas e salve um arquivo especial, porque vamos utilizá-las em um momento próximo no nosso curso. 40 | Ciências Naturais e Matemática | UAB co nsider ações Após mais de uma década da publicação das Estruturas das Revoluções Científicas, Thomas Kuhn participou de uma conferência que tinha como tema “Objetividade, juízo de valor e escolha teórica” e coloca a seguinte questão: (...) começarei por perguntar como é que os filósofos da ciência puderam negligenciar, durante tanto tempo, os elementos subjetivos que, garantem eles, entram regularmente nas escolhas teóricas reais feitas pelos cientistas individuais? Por que razão estes elementos lhe parecem apenas um índice de franqueza humana, e não um índice da natureza do conhecimento científico?” (Kuhn, 1962, p.389) Pense e responda! Seria essa uma questão importante para a mudança na concepção de ciência? Por quê? um mapa ConCeitual sobre os prinCipais ConstruCtos da epistemologia de kuhn UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 41 reFerências BiBliográFicas a epistemologia de gaston Bachel ard Bachelard, G. (1934) - O Novo Espírito Científico - Edições Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, Ed. 1985. Bachelard, G. (1938) - A Formação do Espírito Científico - Editora Contraponto, Rio de Janeiro, Ed. 1996. Japiassu, H. A revolução científica moderna. São Paulo: Letras e Letras, 1997. Lopes, A.R.C. (1993). Contribuições de Gaston Bachelard ao ensino de ciências. Enseñanza de las ciencias, 11(3), 324-330. BACHELARD, Gaston. O direito de sonhar. Rio de Janeiro: Difel, 1986. ____________________. A poética do espaço. In: Bachelard. São Paulo:Nova Cultural (Col. “Os Pensadores”), 1988. ____________________. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988. ____________________. Fragments d’une poétique du feu. Paris: PUF, 1988. ____________________. A chama de uma vela. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. ____________________. A água e os sonhos.São Paulo: Martins Fontes, 1989. ____________________. O ar e os sonhos. São Paulo: Martins Fontes, 1990. ____________________. A terra e os devaneios do repouso. São Paulo: Martins Fontes, 1991. a epistemologia de th o m a s K u h n Chalmers, A.F. (1999). O que é ciência afinal? São Paulo: Editora Brasiliense. 225p. Tradução do original What is this thing called science?, 1976. Kuhn, Thomas A. (2001). (6ª ed.). A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 257. Tradução do original The structure of scientific revolutions, 1962, The University of Chicago Press. Kuhn, T. S. A Revolução Copérnica. Tradução Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1990. ________. A tensão superficial. Tradução Rui Pacheco. Lisboa: Edições 70, 1989. Tradução da edição americana de 1987. Ostermann, F. (1996). A epistemologia de Kuhn. Caderno Catarinense de Ensino de Física, Florianópolis, 13(3): 184-196. UAB| Ciências Naturais e Matemática |Fundamentos Epistemologicos da Contemporaneidade | 43 EaD MINISTÉRIO DA Ciências Naturais EDUCAÇÃO e Matemática
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