PONTO 138/4 Págs.EXAME NACIONAL DO ENSINO SECUNDÁRIO 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de Agosto) Duração da prova: 120 minutos 2000 M A V O R P GRUPO I Leia atentamente o seguinte texto: Curso Geral – Agrupamento 4 O L E OD PROVA ESCRITA DE PORTUGUÊS A Esta prova é constituída por três grupos de resposta obrigatória. ABDICAÇÃO 1 Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços E chama-me teu filho. Eu sou um rei Que voluntariamente abandonei O meu trono de sonhos e cansaços. Minha espada, pesada a braços lassos, Em mãos viris e calmas entreguei; E meu ceptro e coroa, – eu os deixei Na antecâmara, feitos em pedaços. Minha cota de malha, tão inútil, Minhas esporas, de um tinir tão fútil, Deixei-as pela fria escadaria. Despi a realeza, corpo e alma, E regressei à noite antiga e calma Como a paisagem ao morrer do dia. Fernando Pessoa, Poesias, 15.ª ed., Lisboa, Ática, 1995 5 10 Nota – O segundo verso deste soneto é constituído por dois membros: «E chama-me teu filho.» e «Eu sou um rei». 138/1 v.s.f.f. independentemente dos algarismos que o constituem (ex. Redija um texto expositivo-argumentativo bem estruturado. a vida não possui nenhum atributo que a possa justificar. – simbolismo da noite. no Programa.. Considere os comentários relativos aos romances acima mencionados. enaltecer e conservar. expressos nas alíneas a) e b). de Vergílio Ferreira. que não crê nem sequer no que é evidente. 28/1/1983 Observações: 1.: /2000/). Lisboa. Dom Quixote. Qualquer número conta como uma única palavra.. a) Para [. 138/2 . Um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial do texto produzido. – caracterização da figura do rei. considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco.] Sofia. 2. Para efeitos de contagem.: /dir-se-ia/). mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex. – recursos estilísticos e aspectos formais relevantes. 1989 b) Blimunda representa um elemento mágico não explicado. de José Saramago. José Saramago. Vergílio Ferreira – Espaço Simbólico e Metafísico. fundamentando-se na sua experiência de leitor. e Memorial do Convento. O Jornal. GRUPO II Aparição. José Luís Gavilanes Laso. de duzentas a trezentas palavras. em opção. são os dois romances do século XX indicados. Seleccione a citação referente à narrativa que leu e comente o juízo crítico apresentado.Elabore um comentário do poema que integre o tratamento dos seguintes tópicos: – sequência e sentido dos actos de abdicação. visa avaliar as competências de compreensão e de expressão escritas. – selecção diversificada de elementos textuais pertinentes e adequados ao desenvolvimento dos tópicos enunciados. símbolo dos ideais não realizados. que constituem uma alegoria da vida humana. Tal «Abdicação». o entregar da «espada». corpo e alma». EXPLICITAÇÃO DE CENÁRIOS DE RESPOSTA As sugestões que a seguir se apresentam consideram-se orientações gerais.GRUPO I O comentário de um texto literário. não coincidindo com as linhas de leitura apresentadas. Caracterização da figura do rei Podem ser apontados como elementos caracterizadores principais: – todos os atributos de «realeza. «coroa». «tão fútil»). 138/C/3 v. se. tendo em vista uma indispensável aferição de critérios. por outro. sintáctico e ortográfico. o professor deverá observar o domínio das seguintes capacidades: – compreensão do sentido global do texto. – produção de um discurso correcto nos planos lexical. a qual permite ao «eu» um regresso à «noite eterna» e «calma». por um lado. como é sugerido pela palavra «cansaços». corpo e alma». com os seus «sonhos e cansaços»: a «espada». orientado por tópicos de análise. Não deve. – interpretação do texto através da identificação e da relacionação dos elementos textuais produtores de sentido. um despojamento interior. – relacionação do objecto em análise com o seu contexto. «cota de malha» e «esporas». isto é. pela libertação de tudo o que é superficial e acessório («tão inútil». o «ceptro e coroa». seja julgada válida pelo professor. o descer a «escadaria». – construção de um texto estruturado.f. – identificação de processos retóricos/estilísticos e de aspectos formais com avaliação dos efeitos de sentido produzidos. um reencontro com a harmonia e com a paz do Universo. como o indica a expressão «Despi a realeza. o sair para o exterior.s. para além de significar um abandono voluntário do poder.f. símbolos da força e do combate. a partir da articulação dos vários aspectos analisados. por isso. esse abandono pode significar uma forma de desistência. . – o reconhecimento da inutilidade e da futilidade das coisas terrenas. morfológico. significa também uma purificação. que têm a ver com os valores do poder e da guerra e com os «sonhos». uma libertação de insígnias e de convenções. ser desvalorizada qualquer interpretação que. São actos que indicam o abandono voluntário de uma situação de poder. Sequência e sentido dos actos de abdicação A «Abdicação» referida no título concretiza-se numa sequência de acções simbólicas expressas ao longo do poema: o abandonar do «trono». a dimensão moral do despojamento indica. Ao classificar o comentário elaborado pelo examinando. o despojar-se de «ceptro». na base de informação explícita e de inferências. Assim. a «cota de malha» e as «esporas». símbolos do poder. a noite é: – «eterna». uma casa materna. Recursos estilísticos e aspectos formais relevantes O poema caracteriza-se por uma linguagem metafórica. entre outros... entregar a «espada».. pela rima interna. «esporas» são metáforas que remetem para um código prévio – o da cavalaria medieval.. por um lado. «cota de malha» e «esporas». despir a «realeza». nos teus braços / E chama-me teu filho»). e aquela à qual a paisagem se acolhe (do mesmo modo que o «eu» quer que a «noite eterna» o acolha). «trono». 138/C/4 .. Simbolismo da noite Simbolicamente. «Minha espada».. como se lê no último verso. remetendo para uma experiência de natureza mística. «meu ceptro e coroa». regressando a uma identificação original com o Cosmos. com o sujeito despojando-se dos bens do mundo.– a abdicação de ter poder sobre a terra. «ceptro». «coroa». «cota de malha». «Minhas esporas». – . e como uma participação cósmica. – . – . regressar à «noite». reforçando. – . retirando-se para um espaço sem poder. os seguintes recursos estilísticos: – personificação («Toma-me. – aliteração e/ou assonância («braços lassos». simbolizados pelas marcas da «realeza» – «meu trono». – «antiga e calma». no seu todo. «Minha cota de malha». com um esquema rimático tradicional quer nas quadras (abba) quer nos tercetos (ccd / eed). com a tranquilidade que transmite e a protecção que dispensa. Nos aspectos formais há a destacar: – o recurso à estrutura clássica do soneto – em decassílabos heróicos. deixar «ceptro e coroa». para reintegrar um lugar materno simbolizado pela noite. – .. – a que nasce «ao morrer do dia». Assim: – «rei». São ainda relevantes. o que tem a ver com a sua ancestralidade. representando a noite como uma figura feminina e maternal. o conteúdo semântico dos termos assim ligados. – a privação voluntária da identidade pessoal. divina e materna a cujos braços acolhedores o «eu» pode fazer apelo. – a «Abdicação» deste «rei» é figurada através de um conjunto coerente de gestos que são outras tantas metáforas – abandonar o «trono».... «fria escadaria»). O regresso à noite é como uma libertação. estas constroem uma alegoria da vida interior. «espada». o que remete para a ideia de uma noite cósmica. culminando na «chave de ouro» – em sintonia com a nobreza do universo recriado no poema. e também com o facto de constituir um exterior a que se regressa como a um lugar de paz. por outro. ó noite eterna.