Etnologia Brasileira - Eduardo Viveiros de Castro

March 29, 2018 | Author: Thomas Cortado | Category: Anthropology, Sociology, Brazil, Science, Society


Comments



Description

Et n o l o g i abrasileira Eduardo Viveiros de Castro Id e o l o g i a da e t n o l o g ia br a sile ir a O objetivo do projeto As Ciências Sociais no Brasil: Ten­ dências e Perspectivas não é uma avaliação institucional das ciências sociais brasileiras, e sim um balanço teórico. Ao enqua­ drar a discussão em termos de etnologia (institucionalmente) brasileira, porém, ele suscita por força questões referentes às particularidades da disciplina tal como praticada no país, sua dependência de paradigmas formulados no exterior e outros assuntos conexos, que exigem um tratamento diferente de um simples ‘estado da arte’. 0 que se entende p o r ‘etnologia brasileira’? Esta pergunta não se refere aqui ao recorte empírico convencionado, mas define o objeto mesmo do presente artigo, que é a idéia de uma etnologia brasileira. Para responder a ela, será necessário tecer algumas considerações sobre a natureza e a qualidade da produção etnológica nacional; não se trata, contudo, de apreciar substantivamente a contribuição dos estudos sobre os povos indígenas no E duardo V iv e ir o s de C a stro Brasqí (ou mais precisamente, na América do Sul) à teoria antro­ pológica1. Não se trata, tampouco, de uma sociologia do campo intelectual, ou de uma antropologia da antropologia. Esses mo­ dos de análise exigem talentos (e gostos) que me faltam, e caberi­ am melhor a partes menos interessadas que eu. A embocadura escolhida é de outra ordem, algo como uma ‘epistemologia polí­ tica’ da etnologia feita no país, pois a idéia de uma etnologia brasileira está na origem de uma ideologia da etnologia brasileira —uma ideologia brasileira da etnologia —cujas origens e implica­ ções merecem uma discussão. Estarei aproveitando esta ocasião, portanto, para tomar par­ te e partido em um debate que polarÍ20 u grandes extensões do meio etnológico nos últimos trinta anos. A despeito de ter perdi­ do algo de sua pertinência objetiva (ou talvez justamente por isso), esse debate não parece próximo de perder sua candência política na academia nativa, ao contrário do que eu acreditava e, não sem odmismo, previra (Viveiros de Castro, 1992, 1995,1996a). Com efeito, um recente ataque à etnologia americanista contem­ porânea (Oliveira F°, 1998), em que se propõe, entre outras teses, uma viagem de volta aos anos dourados da antropologia brasilei­ ra — as décadas de 50 e 60 —, levou-me a concluir que, se o debate sobre a “ethnology Brazilian style” (Ramos, 1990a) pode não oferecer mais muito interesse, continua entretanto a revelar certos interesses.. A GRANDE DIFERENÇA O debate a que estou me referindo opõe duas concepções do objeto da etnologia. Ele foi recentemente qualificado de “cisão que evitamos abordar, na verdade um divisor de águas entre dois 1. Algo que já fiz, para aspectos específicos da produção na área, em publica­ ções anteriores: Viveiros de Castro, 1992, 1993a, 1993b, 1995, 1996a. Etno l o g ia b r a s il e ir a 111 modos distintos de construir o conhecimento sobre as sociedades indígenas e o desenvolvimento social” (A. Lima, 1998: 263). Tal cisão ou divisor distinguiria “duas grandes vertentes” dos estudos antropológicos sobre populações indígenas, sempre mencionadas pelos comentadores e classificadores da produção intelectual, e às vezes rotuladas de etnologia clássica e etnologia do contato interétnico. Elas são assim caracterizadas pelo autor [loc. citi): U m a [a etnologia clássica] depurada de com prom issos com a adm i­ nistração pública, voltada puram ente para o desvendam ento das ‘dim en ­ sões in tern as’ da vida dos povos in dígenas; outra [a escola do contato interétnico] ‘d escen den te’ direta de preocupações adm inistrativas, via D arcy Ribeiro, E duardo G alvão e Roberto C ardoso de O liveira, em suas passa­ gens pelo S P I, n a presença em instâncias com o o C N P I, voltada som ente para o estudo das interações com a ‘sociedade nacion al’ etc. Lima hesita entre ver tal dicotomização do campo como expressão de uma oposição teórica real —“na verdade um divisor de águas entre dois modos distintos de construir o conhecimen­ to” —ou como mera imagem (errônea, supõe-se) “profundamen­ te arraigada no senso comum antropológico brasileiro”, opção adotada na passagem acima, de tom deliberada e equanimemente distanciado2. 0 autor tem razão em hesitar, pois ela é provavel­ mente ambas as coisas, e nenhuma delas. E provável também que tal percepção dualista renda mais em ambientes como o Museu Nacional ou a UnB do que na USP, por exemplo. No Museu Nacional das duas últimas décádas, o surgimento de uma linha sistemática de pesquisa em ‘etnologia clássica’ em paralelo à cris­ talização de uma variante fundamentalista da escola do ‘contato 2. Não tão distanciado assim, pois o autor' assumirá com clareza o partido de um dos dois “modos distintos de construir o conhecimento sobre as socie­ dades indígenas e o desenvolvimento soáal" (grifo meu). A um etnólogo ‘clássi­ co’ certamente não ocorreria mencionar uma ‘teoria do desenvolvimento social’ como parte do equipamento analídco da disciplina. o fato de ela se manifestar com mais vigor em certos contextos e períodos não a reduz a uma oposição puramen­ te local e conjuntural. Em benefício dos improváveis leitores não-etnólogos (ou distraídos) deste artigo. Isto posto. Resta saber o que a dicotomia exprime efetiva­ mente. À qual se filia (mas com uma agenda própria) A. ela revela. . Seria certamente bairrismo pretender que a “cisão que evita­ mos abordar” possua a mesma pregnância ou saliência em escala nacional. o autor ora comentado. esclareço que sou uma das encarnações atuais da ‘etnologia clássica’ naquela instituição.. Pacheco de Oliveira F° e seus discípulos3. e que por ‘vari­ ante fundamentalista’ da outra tradição refiro-me ao trabalho de J. Souza Lima. Estou ciente de que essa variante não se identifica' mais com as teorias da ‘situação colonial’ ou da ‘fricção interétnica’. ‘invenção da tradi­ ção’.112 E d u a r d o V ív e ir o s d e C a st r o interétnico’ tornou tal distinção especialmente sensível.e como situados no Brasil. e o fato de ser ideológica não a torna uma oposição ilusória. como ‘antropologia histórica’ (op. e quais as lições gerais que se podem extrair dela. ou quando se os compreende como p a rte do Brasil. a maioria delas perfeitamente clássica. com o correr dos anos. “Note-se a grande diferença que existe no estudo de grupos indígenas quando se os conceb.\ 69). ‘territorialÍ2 ação’ etc. a grande diferença que atravessa e organiza o campo 3. continuarei a me referir às variantes atuais daquela tradição pelas expressões genéricas ‘teoria do contato’ ou ‘escola contatualista’. a meu juízo. Mas como a tal título não faltam pretendentes de outras e muito di­ versas origens teóricas. e mesmo mais acentuada. C. e reivindica auto-definições mais va­ gas e ambiciosas.” Esta observação de Mariza Peirano (1992: 73) não indica apenas uma grande diferen­ ça entre as muitas presentes em nossa disciplina. 1998: 56). das quais. entretanto. nt. reco­ nheceu-se recentemente “caudatária” (Oliveira F°. Ela privilegia agora conceitos como ‘etnicidade’. . A fórmula de Peirano remete a seus fundamentos um dualismo que outros comentadores (e a própria autora. a grande diferença identificada por Peirano foi ativamente projetada sobre (e portanto ocultada por) essas po­ laridades. escravos de paradigmas suspeitos — paradigmas essencialistas. pesquisadores ‘estrangeiros’ vs. a própria noção de ‘etnologia brasileira’ pelo meio: há os que ficam com o subs­ tantivo. e há os que ficam com o adjetivo. ou estão objetivamente superadas. materialista. no interesse da fabricação de uma imagem normativa da ' ‘etnologia brasileira’: politizada. ‘nacionais’. histórica. ‘etnologia clássica’ vs. Como a de Lima. naturalizantes. preocupada com a construção da sociedade nacional. Do outro lado estaria uma certa antropologia metropoli­ tana e seus agentes nativos. por assim dizer. processualista. Durante boa parte do período em exame. argum entando que elas são equivocamente simplistas. Vou reafirmar tal contraste. esta caracterização das duas etnologias brasileiras é uma caricatura: ela procura justamente explicitar uma representação caricatural corrente no cotidiano da academia nativa. em outros momen­ tos) exprimiram de modo menos feliz. ‘etnologia engajada’ e outras oposições semelhantes. Uma vez que se retraçam as oposições entre elas até 4. ou sempre foram meramente falsas. associando-o a polaridades classificatórias duvidosas: foco nas ‘dimensões internas’ das socie­ dades indígenas versus foco nos processos de ‘contato interétnico’. Vou contestar aquelas polaridades acionadas nas lutas de classificação acadêm icas. exotistas e mais uma enfiada de peca­ dos político-epistemológicos4. dialética e outras tantas virtudes.Et n o l o g ia brasileira 113 de estudos indígenas. comprometida com a luta indíge­ na. mas vou ao mesmo tempo defender uma inversão das atribuições de valor entre as ‘duas etnologias’. como penso ser ele uma estrutura de longa duração da antropologia brasileira. cortando. anticolonialista. mentalmente colonizados e portanto colonialistas. Isso não significa que recuso o dualismo que lhes é subjacente: não só o reputo muito real. ^RÓTAÇÃO DE PERSPECTIVA A ‘grande diferença’. e por vezes muito. fica mais claro o que está realmente em jogo. què p erm itisse encarar os m esm os processos do ângulo dos fato­ res dinâm icos que operavam a p artir das instituições e organizações sociais indígenas? ([1956-57] 1975: 128).. em um célebre artigo crítico. do de destribalização. Vai também além do desa­ fio intelectual com que Florestan se identificava: construir uma etnologia universitária relativamente autônoma frente às expecta­ tivas ideológicas das camadas dirigentes — mesmo porque tal autonomia será sempre. por um dos fundadores da etnologia ‘clássica’ no Brasil (e que foi tam­ bém um dos inspiradores da ‘etnologia do contato’). seria a única etnograficam ente relevante? N ão seria necessário estabelecer um a rotação de p ers­ pectiva. A pertinência dessas perguntas vai além do desafio históri­ co que Florestan identificava: compreender a dinâmica de im­ plantação do sistema colonial nos séculos iniciais da invasão eu­ ropéia —mesmo porque tais processos não estão esgotados e. não parecem caminhar na direção então vista como inexorável. Com efeito. evocava as explicações histórico-culturais então em voga sobre a colonização e indicava uma álternativa de grande importância para a trajetória ulterior da disciplina: A hipótese [de G ilberto Freyrej de que os fatores dinâm icos do p ro ­ cesso de colonização e. ela havia sido claramente percebida. sob alguns aspectos (a ‘destribalização’). disse eu acima. {14 1 E duardo V iv e ir o s de Castro a alternativa formulada por Peirano. Florestan Fernandes. mais de quarenta anos atrás. As perguntas são pertinentes porque elas indicam um dilema aparentemente . remete a uma estrutura de longa duração no campo etnológico. se inscre­ viam na ó rbita de influência e de ação dos brancos.. relativa. por conseqüência.. e portanto sua tarefa como sendo a de cartografar criticamente tal constituição (com os olhos em uma futura reconstituição menos desfavorável aos índios). em última análise. é entre uma perspectiva centrada no pólo colonial. isto é. consciente de que tal articulação é um processo de dominação colonial. ela conclui que. A segunda opção parece-me a única opção —se o que se deseja fazer é antropologia indígena. como m até­ ria-prim a histórica para a ‘cultura cúlturante’ dos coletivos indí­ genas. Ou bem a etnologia. define seu objeto como constituído histórica. isto é. uma antropologia dos índios situados no Brasil. 1978) que toma os índios como parte do Brasil. uma sociologia do B rasil indígena (Cardoso de Oliveira. A alternativa é clara: ou se tomam os povos indígenas como criaturas do olhar objetivante do Estado nacional. dupli­ cando-se na teoria a assimetria' política entre os dois pólos. buscando a perspectiva das “instituições e orga­ nizações sociais indígenas”. Mas trata-se realmente de um dilema etnológico? Ou ele não está. e assim a extrapolam de múltiplas formas. e uma perspectiva centrada no pólo nativo. longe de estarem unilateralmente englobadas pela situação colonial. política e teoricamente pela dominação. a antropologia não . ou se busca determ inar a atividade propriamente criadora desses povos na constituição do ‘mundo dos brancos’ como um dos componentes de seu próprio mundo vivido. essas estrutu­ ras tomam tal situação como um contexto de efetuação entre outros. na verdade. que cabe à etnologia compreender (de modo a valorizar as possibilidades indígenas de ‘colonização do colonialismo’). voltada para a construção de uma verdadeira socio­ logia indígena. E óbvio que se podem estudar os índios sob outras perspectivas. ou bem.E t n o l o g i a iir a sile ir a 115 consubstanciai a uma disciplina cuja condição de possibilidade é o fato da articulação histórica entre índios e brancos. indicando a grande diferença entre o pon­ to de vista da antropologia e uma abordagem alheia ao m anda­ to epistem ológico dessa disciplina? Pois a escolha. 1995: 142—143. i Á REA DE FR IC ÇÃ O INTERETNÓLOGICA A alternativa é clara para mim. ver também Peirano. Estamos falando. Mas. é claro. entre ser a principal característica e ser a contribuição teórica mais original. entretanto.: 143). cit. vai uma certa distância. da teoria do contato interétnico.116 E d u a rd o V ive iro s d e C a st ro tem direitos de exclusividade sobre essa ou qualquer outra fra­ ção da humanidade. 1976: 6. ou sequer mais caracteristicamente antropológico. sobre a antropo­ logia brasileira em geral. e mesmo “a contribuição teórica mais original trazida até hoje pela antropologia brasileira” (Zarur. eles são parte do contexto da sociedade nacional. já a de Cardoso quer nitidamente marcar um ponto a favor de nossa etnologia. com certeza. é neutra quanto a isso. estima-se que “a principal característica da antropologia brasileira é. di­ . ‘inseridos’ (‘encapsulados’. No caso dos estudos indígenas. a opinião dominante. Note-se. 1998: 118-119). que avaliza a observação com uma longa lista de autoridades). 1988: 154. Ao contrário. em Crépeau op. isso significa que nossa antropo­ logia teria se distinguido por não dissociar “a investigação dos grupos tribais do contexto nacional em que estão inseridos” (Car­ doso de Oliveira. justamente. que já se disse ser “the trademark of Brazilian ethnology” (Ramos. mas essa não é. A frase de Crépeau. sua preo­ cupação com a sociedade nacional” (Crépeau. O que é ‘caracteristicamente’ brasileiro na antropologia brasileira pode não ser o que é antropologicamente mais original. 1990a: 21). a exata formulação da segunda: os ‘grupos tribais’ estão inseridos no contexto nacional Isto é. O problema só começa quando se pretende substituir globalmente a abordagem distintiva e a agenda varia­ da da etnologia por uma doutrina monolítica que toma o ‘conta­ to interétnico’ como pedra filosofal da disciplina. Gostaria de advertir que não estou incluindo Roberto Cardoso de Oliveira na lista dos que vêem a etnologia do contato como a única abordagem admissível para a etnologia brasileira. para a etnologia que concebe os índios como situa­ dos no Brasil. é preciso não se dei­ xar impressionar pelas evidências da presença da sociedade colonizadora. chegada para desqualificar uma visão suposta­ mente tradicionalista. no justo dizer de Peirano. mas apreendê-la a partir do contexto indígena em que ela está inserida e que a determina como tal. Em troca.o que aumentou. A concepção que. em particular. Isso é especialmente problemáti­ co em vista da aspiração dessa etnologia ‘característica’. só pode ser o ‘BrasiF que é parte das sociedades indígenas: parte. Por outro lado. embora eu tenha discordâncias de fundo com o modo pelo qual tanto Darcy Ribeiro (de que . ela própria. a etnologia clássica)5. nossa compreensão desta última. 5. a meu juízo. se algo é parte de alguma coisa. por seu braço acadê­ mico. administrativa) do Brasil que da antropologia indígena.Et n o lo g ia brasileira 117 rão outros) como estão em um contexto que os engloba e expli­ ca. Quando se estuda uma sociedade indígena. A extensa linha de investigação derivada dessa concep­ ção trouxe aportes preciosos para o entendimento dos processos de sujeição das sociedades indígenas pela sociedade invasora . manifes­ tada por alguns de seus representantes atuais. enriquecendo a historiografia e a sociologia nacionais. a se constituir em abordagem exclusiva e excludente. Ao contrário. suas contribuições ao conhecimento antropológico das so­ ciedades indígenas situadas no país estiveram e estão. a única epistemológica e poli­ ticamente correta. Cardoso sempre mos­ trou largueza de vistas e curiosidade teórica. isto é. justamente. com efeito. do contexto delas. de sua ‘situação histórica’. Além disso. algo aquém do que sua importância ideológica na acade­ mia nacional permitiria esperar. cega à realidade avassaladora da construção do objeto ‘índio’ pelo dispositivo colonial (e. antes de uma sociologia política (no limite. compreende os índios como ‘parte’ é parte. paradoxal­ mente. Cardoso. (Não é que não haja uma ‘visão global’. para falarmos como Dumont.118 E d u a rd o V ive iro s d e C a stro E stam os. entenda-se: o ponto de vista dos povos indígenas e o ponto de vista do Estado nacional. há o lado dos índios e há o lado dos brancos. ponto de vista. falarei adiante) como Roberto Cardoso viam ou vêem o objeto da etnologia. diante de uma ‘contradição irredutível’ entre duas concepções do objeto da etnologia. Meu ‘problema’ é com a captura hegem onizante que seus sucessores e discípulos realizaram da idéia de uma etnologia brasileira. . ao que parece. portanto. o resultado perverso de ‘uma postura dualista e reducionista’. onde o que está em disputa é o lugar de valor conceituai dominante. Esses são os dois atratores conceituais que polarizam a idéia de etnologia brasilei­ ra. Sobre a ‘visão global’. em oposição ao ‘tradicionalismo’ da tradição alheia. Entre os dois pontos de vista não há mediação possível. Esse dualismo não é. quem está ‘inserido no contexto’ de quem. Não adian- 6. pretende-se ‘não-tradicional’. difundin­ do um ideal de trabalho científico na área. inventando uma ‘boa’ tradição —que. É inútil dizer que os estudos de contato interétnico levam em conta (espera-se!) a ‘visão indígena’ —pois o que está em jogo é a visada do etnólogo. Darcy foi o principal responsável por uma maior conscientização das camadas urbanas (e das elites dirigen­ tes) do país quanto à situação indígena.) A questão é a de decidir o que é o ‘contexto’ de que. não tne passaria pela cabeça minimizar suas contribuições decisivas a nossa disciplina e à causa indígena no Brasil. é que há duas\ cada ponto de vista é perfeitamente global. 1988: 59 n. (Um. não é uma ‘opinião’. Como nestas. por sua vez. ver Oliveira F°. tão irredutível quanto as contradições interétnicas famosamente ana­ lisadas por Roberto Cardoso. a partir da qual a visão indígena pode dar a ver coisas muito diversas. no caso —da qual apenas o observador científico teria uma visão g/oba/)6. e. como foi o fundador da pósgraduação em antropologia social no país. reciprocamente. e muito menos Uma ‘representação’ parcial de uma realidade —interétnica. portanto.33. pois se trata aqui de uma oposição hierárquica. advirta-se. não só modernizou amplos setores da prática e da reflexão etnológicas. Se não há dualismo. então por que se fala em ‘instituições coloniais’ e ‘instituições nativas’ (Oliveira F°. é preciso que haja algo em contato: e nada mais substancialista e naturalizante que a física ingênua do ‘contato’ e da ‘fricção’. como Lima supõe que se supõe. . No limite.E tn o l o g ia b rasileira 119 ta também argumentar que o contato interétnico gera uma ‘estru­ tura unificada’ (ou. ficando só com esta última e suas ‘construções’ das sociedades indígenas. supra). Aqui talvez valha a pena explicar que a preocupação da etnologia nãocontatualista contemporânea —melhor chamá-la apenas de antro­ pologia indígena —não é com as ‘dimensões internas’ da vida dos 7. 1988: 10)? Se há contato interétnico. correntes etc. 1988: 27). poder-se-iam dispensar as sociedades indígenas e suas ‘interações’ com a socie­ dade nacional. privilegiando as ‘di­ mensões internas’ dos coletivos' indígenas devido a uma paixão pré-científica pela interioridade (Oliveira F°. que ela esteja “voltada somente para as interações com a ‘socie­ dade nacional”’ (cf. mas sim que ela está voltada para as sociedades indígenas a p a r ir do Estado nacional. com a ‘grande vertente’ da etnologia contatualista não é. portanto. O problema. pois é nesse pólo que ela fixou a perspectiva. Não existe o ponto de vista de Sirius: não há ‘situação histórica’ fora da atividade situante dos agentes. que não melhora tanto assim quando se a substitui pela metáfora igualmente física do ‘cam­ po’7. como penso. não existe esse objeto chamado ‘contato interétnico’. E igualmente equivocada uma outra alegação usual contra a etnologia não-contatualista: a de que ela operaria com uma dis­ tinção entre aspectos internos e externos. Os críticos do ‘modelo naturalizado de sociedade’ não se privam de metá­ foras naturalistas — as mais em moda atualmente são hidráulicas: fluxos. quem sabe. um ‘campo situacional’) em que as instituições coloniais são parte do mecanismo de reprodução das instituições nativas. aliás. é porque não há outro modo de contar a história senão do ponto de vista de uma das partes. Mas se. Dizer que o fato interétnico preside à “própria organização interna” . Ou será que os partidários da abordagem processualista do conta­ to acreditam em fatos sem fazedores e em processos sem sujeito? . seus praticantes não consideram que as dimensões externas. Enquanto a antropologia indígena toma o ‘exterior’ e o ‘interior’ como dimensões simultaneamente cons­ 8. Em segundo lugar porque. tudo é interno a ele —inclusive a ‘socieda­ de envolvente’. disse um desses autores. o que inclui suas relações com o ‘exterior’.mas então há um ‘interno’? —de um coletivo humano é tomá-lo como um fato transcendente. sejam a mesma coi­ sa que a sociedade nacional — isso seria m uita presunção etnocêntrica.] um fa to constitutivo. E eles não são feitos só pelo analista. ao contrário do que parecem crer Oliveira ou Lima. Mas essas relações que a constituem só podem ser as relações que ela constitui.: 58. Em primeiro lugar porque. portan­ to. que preside à própria organização interna e ao estabelecimento da identidade de um grupo étnico” (op. cit. lesfa its son tfaits .até mesmo os ‘fatos constitutivos’. “O contato interétnico".. está situado fo ra da ‘organização interna’ do grupo: o fato constitutivo da organização indígena não é constituído por ela. tal como são determinadas pelos di­ versos regimes sociocosmológicos indígenas. T odãszs relaçõe6 são internas. grifos originais).120 ííd u ard o V iv e ir o s d e C a st r o povos indígenas. O ponto de vista que o constitui. pois uma socieda. como princípio causai superior e exterior a uma organização que ele explica mas que não o explica (e muito menos o ‘compreende’). pois não há fatos sem alguém que os faça. de não existe antes e fora das relações que a constituem. Fatos constitutivos são fatos constituídos8.. O interior é ‘presidido’ pelo exterior —e este último é visto como autoconstituído. O problema é saber quem o constitui. mas também pelos agentes que eles ‘fazem’. Como diria Bachelard. A crítica à suposta ênfase clássica nas dimensões internas das sociedades indígenas deriva assim de uma concepção que converte o fato da dominação política em princípio de governo ontológico. uma vez fixada a pers­ pectiva no pólo indígena. “é [. em todos os sentidos da palavra.) Finalmente. A redução dos multiformes e multi-situados coletivos indígenas à situação uniforme de ‘grupo étnico’. exterior a si mesmo —. cap. ou vice-versa. Ao criticar a ‘etnologia clássica’ por privilegiar o ‘interior’ dos coletivos indígenas. 1988). mas nem toda sociedade indígena é um grupo étnico. por exemplo. ver G. vê-se forçada a contra-reificar no plano conceituai uma dimensão subordinada do ‘interno’. (Só acredita em ‘dimen­ sões internas’ quem não as leva a sério. um dos livros de maior impacto sobre a antropologia contemporânea.OGJA BRASU.E1RA 121 tituídas por um processo indígena de constituição que não tem nem ‘dentro’ nem ‘fora’ —anterior como ele é a essa distinção a que ele ‘preside’ e. portanto. mas o marxismo também já foi assim eloquentemente interpretado (Ollman 1976. Para um bom desenvolvimento filosófico desta posição. o comentário de A. fazer uma confusão entre uma metafísica da inferioridade e uma ontologia das relações internas. em suma. portanto. a sociologia politicista do contato interétnico. um ‘obstáculo epistemológico’. Simondon (1964). pode bem ser que o fato interétnico ‘presida’ à orga­ nização de um ‘grupo étnico’. nem todo grupo étnico é o tempo todo um grupo étnico. Oliveira F° e Lima parecem. . ao tomar ambos como dimen­ sões de um dispositivo colonial que engloba do exterior a reali­ dade indígena. tornada norma do objeto etnológico. Ver. da exis­ tência social de tais coletivos. E o contato interétnico acaba as­ sim virando. é uma das conseqüências de se tomar esse fato constitu­ tivo particular.fiTNOI. 3: ‘The philosophy of internai relations’). para usarm os uma expressão cara à escola contatualista. Essa ontologia das relações internas pode ser classificada de ‘idealista’ em oposição à concepção empirista das relações externas. como sendo o fato cons­ titutivo geral: a ra^ão. que é o fato interétnico. Esta última caracteriza várias aborda­ gens antropológicas and-empiristas. à dualidade sociedade indígena/sociedade alógenay. 9. como faz G ell. não devendo nada. Gell (1995) sobre The gen d er o f tbe gift (Strathern. diga-se de passagem. e nenhum grupo étnico é apenas um grupo étnico. em um artigo significativa­ 10. 1993b. inclusive a sociedade colonial. inclusive as fontes nativas de instituição cosmológica do socius'0. 1980: 445). por exemplo. se cheguei a opor abordagens ‘externalistas’ e ‘internalistas’ da etnologia sul-americana (1995a: 10). com nenhuma fantasmática substancialista da interioridade. Alcida Ramos.c. tal imaginário da interioridade autóctone pa­ rece persistir principalmente no seio da teoria do contato. e todo o extenso argumento ali e alhures (tV/. pode-se tanto dizer que tudo é interno à sociedade indígena estu­ dada. Ver. E. foi para rejeitar ambas. a noção de 'colonialismo i n t e r n o nem que a aplicaram aos estudos de fricção interétnica. na medida em que se encontra unificada e representada por um Estado. visto que ela se consti­ tuiu justamente em ruptura com ele. Na verdade. e de um modo que nada deve à inspira­ ção funcionalista das teorias do contato interétnico (ver Viveiros de Castro.122 Ií d u a r d o V i v e i r o s d e C a s t r o Como essa filosofia das relações internas não se confunde. justa­ mente. exige e estabelece uma verdadeira interioridade me­ tafísica (Deleuze & Guattari. Seria prova de igno­ rância ou de má-fé associar a antropologia indígena sul-americana dos anos 80 em diante a qualquer imaginário da interioridade. internas da sociedade nacional: pois apenas esta. como dizer que tudo lhe é externo. recorde-se que não foram propriamente os etnólogos clássicos que inventaram essa contradição em termos. 1996c) elaborado sobre os valores constitutivos da alteridade nas sociologias amazônicas. onde ele faz as vezes de espantalho que se precisa exorcizar como prelúdio a uma anexação discursiva das sociedades nativas pelas dimensões. 1992: 191-192). agora sim.. as considerações de Viveiros de Castro (1986) sobre os Araweté como habitando uma ‘sociedade sem interior’. E por falar em mitos de interioridade. A IN V EN Ç ÃO DA TR ADIÇ ÃO Mas retomemos a representação dualista da etnologia bra­ sileira a partir de uma versão ao mesmo tempo mais explícita e menos polemizante. . ela derivaria diretamente dos estudos sobte os povos Jê. 1977) 11. Bamberger. 12. . Carneiro da Cunha. diz Alcida Ramos. J. R. O artigo de Alcida Ramos não pretende exaurir a produção etnológica. Lave. A autora vê nas pesquisas desse grupo.. notadamente com o consenso estabelecido no Con­ gresso de Americanistas de 1976 (Overing Kaplan. a própria autora deu contribuições importantes para ambas as linhas11.. Viveiros de Castro sobre as concepções de pessoa e de corporalidade pró­ prias às sociocosmologias indígenas. org. e seu uso ilustrativo das duas linhas de pesquisa apóia um certo número de teses substantivas de que trataremos mais adi­ ante. Maybury-Lewis. E im portante registrar que A. realizados no âmbito do Harvard-Central Brazil Project. apresenta a uma audiência norte-americana as contribuições brasileiras à etnologia. não tenho comigo a versão publicada na Cultural A nthropology. Cito o artigo na paginação da edição brasileira (em inglês) aparecida na ‘Série Antropologia’ da UnB. de fato. C. destacando “duas perspectivas” (1990a: 14) influentes em nos­ sa academia. Melatti). mas apenas como distintas. 1979). A publicação conjunta dos resultados do Harvard-Central Brazil Project deu-se apenas em 1979 (Maybury-Lewis. Turner e J. que reuniu quatro etnógrafos ame­ ricanos (J.Ü T N O L O G IA B R A SIL E IR A 123 mente intitulado “Ethnology Brazilian style”. Crocker) e dois brasileiros (R. A primeira perspectiva representa. Ela indica brevemente a co­ nexão dessa linha de investigação com algumas questões teóricas da época. influen­ ciados pelo modelo cardosiano da fricção mas que tiveram uma formação ‘clássica’ no exterior (Alcida Ramos. C. Ramos não vê as duas perspectivas como opostas. e. DaMatta e J. A. org. Ainda que devendo algo aos trabalhos pioneiros de Nimuendaju ou Baldus. Como foi o caso de muitos antropólogos de sua coorte geracional. no mesmo ano. cujo pico de atividade se deu no final dos anos 6012. T. coorde­ nado por D. DaMatta) ou que simplesm ente eram bons etnógrafos. Seeger e E. a origem de uma temática depois desenvolvida por pesquisado­ res como M. o que vamos aqui chamando de ‘etnologia clássica’. grosso modo. Darcy Ribeiro e R. onde Darcy Ribeiro iria se definir como continuador da obra de Rondon e formular uma teoria governamentalista do ‘indigenismo’. A autora mostra como essa preocupação nacional (que ela contrasta com a ‘etnografia do rescaldo’ própria da antropologia indígena norte-americana) já se percebia nas pesquisas sobre aculturação iniciadas nas décadas de 40-50 em São Paulo. por fim. 1990a: 14—16). A abordagem aculturativa seria reformulada pelas figuras-chave da etnologia brasileira das duas décadas se­ guintes. do corpo à cosmologia (Ramos.124 íiDUARDO VIVEIROS DE CASTRO sobre a necessidade de se buscar uma nova linguagem para des­ crever as sociologias amazônicas.etnocídio que se escondia sob esse rótulo neutro. ambos egressos do meio acadêmico paulistano. da atte ao ritual. e recebe maior atenção da autora: trata-se da tradição contatualista (op. de grande influência sobre a problemática latinoamericana de mesmo nome. Acrescente-se a isso um engajamento ativo no Serviço de Proteção aos índios. Assim. em vários sentidos. Darcy Ribeiro teria vindo politizar. Alcida Ramos suge­ re que a “markedly nationalist phase of Brazilian history” em que se deu a formação desses autores influenciou os rumos que eles imprimiram à etnologia. mas que irão transferir para o Rio de Janeiro o centro de gravidade da disciplina. inserindo-o no quadro da expansão diferencial da fronteira econô­ mica nacional e prevendo a extinção sociocultural dos povos indí­ genas. Alcida Ramos evoca. Roberto Cardoso. a problemática formalista da aculturação. A*. A segunda perspectiva é ilustrada exclusivamente por nomes nacionais. do parentesco ao caniba­ lismo. os numerosos desdobramentos contemporâneos dessa perspecti­ va em plena expansão.\ 16—22). Cardoso de Oliveira. em um livro de enorme impacto (Os índios e a civilização). viria a . por sua vez. Ramos começa por sublinhar a preocupação desde cedo manifestada pela etnologia brasileira em documentar os mecanismos de dominação étnica e a transforma­ ção das sociedades indígenas “from self-sufficient units to helpless appendages of the national powers”. de­ nunciando o. cit. “Cardoso de O hveira’s influence on Brazilian anthropology cannot be overemphasized” (p. ele iria migrar da problemática da ‘fricção’ para a da ‘identidade’. do marxismo à etnociência.OGlA BRASILEIRA 125 romper com o paradigma aculturativo ainda subscrito por Darcy Ribeiro (junto a quem trabalhou no SPI). portanto. O estilo brasileiro de etnologia de que fala o artigo é. Em sua produção mais recente sobre as ‘antropologias periféricas’. lançando mão de uma paleta eclética de referências. m any students o f indigenous societies have been stim ulated by C ardoso de O liveira and have taken to the field one or another version o f his m odel o f interethnic friction (pp. toman­ do assento em organismos internacionais e escrevendo textos programáticos sobre a ‘questão indígena’. extraída da sociologia africanista de Balandier. Se Darcy Ribeiro politizou a aculturação. Mais tarde. foi graças à sua atividade que o tema do contato interétnico was defm itely established as a tradem ark o f Brazilian ethnology. e sim dos antropólogos. ao propor o conceito de fricção interétnica. . associado pela autora a essa segunda perspectiva: trinta 13. Cardoso de Oliveira deslocou o foco analítico da cultura para as relações sociais. Embora tenha tido.íiTN OI. uma expressiva participação no campo do indigenismo latino-americano. Fundador e condutor de instituições. do estruturalismo à fenomenologia. Como bem diz A lcida Ramos. Inspirado na noção de ‘situação colonial’. 2 1 -2 2 ). a influência de Cardo­ so de Oliveira sobre a antropologia deu-se essencialmente no plano universitário. sem abandonar a questão geral do contato interétnico13. 22). For the best part o f three decades. e depois para a da ‘etnicidade’ — em um percurso repetido por vários de seus discípulos —. só que agora não mais no plano dos índios. como seu antecessor. Cardoso de Oliveira a sociologizou. Cardo­ so de Oliveira continua de certo modo tematizando a questão do ‘contato’. referên­ cia intelectual central de pelo menos duas gerações de antropólo­ gos. aliás. o ritu al.14. acrescento. não veriam a realidade como ‘proces­ so’. Como diz Ortner dos análogos estrangeiros do contatualismo: “The accounts produced from such a perspective are often quite unsatisfactory in terms o f ttaditional anthropological concerns: the actual organization and culture o f the society in question” (1984: 143). com todos os seus defeitos. assim como algumas das monografias etnográficas resultantes da en­ tão nova perspectiva friccionista e situacional se desatualizaram mais rapi­ damente que os estudos inspirados nas abordagens ‘clássicas’.. de saída. o contato interétnico. Na ver­ dade. —e. em termos muito semelhantes. Que marcou. 1967: 187). a pessoa e a corporalidade. de outro. 14. mas em relação à sociedade envolvente” (Cardoso de Oliveira. isolariam a comunidade do contexto ou sistema políticoeconômico mais amplo etc. Observe-se. assim tam­ bém os estudos de comunidade das décadas de 40 e 50. a m itolo­ gia. Com efeito. vista não mais em si. o xamanismo. 15. Mas.126 liD U A R D O V lV K tR O S D li C A ST R O anos de contato interétnico tornaram o tema a ‘nossa’ marca registrada. o caráter notavelmente desequilibrado dos respectivos temários: de um lado. . continuam a valer a pena ser lidos. a questão do contato logo se articulou à questão da ‘fronteira’ e do ‘cam pesinato’. estando na origem da linha de estudos rurais desenvolvida no Museu Nacional e alhures. Comentemos a apresentação das duas perspectivas por Alcida Ramos. as abordagens ‘culturalistas’ dos es­ tudos de comunidade produzidos nas décadas anteriores: estes desdenhariam a história. o contato interétnico. nos termos em que ele foi articulado pela escola que vamos chamando por esse nome. o discurso teórico sobre o contato. a organização sociopolítica. acrescente-se. não chegou a contribuir significativamente para a compreensão dos fenômenos e dimensões estudados pela ‘outra’ etnologia15. assim como a sociologia do contato buscara instrum entos “de compreensão e de explicação da realidade tribal. a sociologia do Brasil rural a ela associada iria criticar. mais que a etnologia propria­ mente dita: como mostrâ Alcida Ramos. mas também o parentesco.. naturalmente. 1977. 1993). os dois primeiros temas estão contidos dentro da primeira perspectiva. Baldus 1968: 21. aprofundando uma orientação de que já se podiam ver sinais desde o início dos anos 70. Viveiros de Castro. 1983: 35-45. Ramos só menciona de modo muito alusivo. que podem ser lidas em sentido tanto funcionalista quanto marxista. No arranjo de Alcida Ramos. e ‘mudança cultural’ ou ‘social’ (depois ‘fricção interétnica e etnicidade’) 16. Note-se também que o esquema de A. procede a uma redução de um esquema tripartite tradicionalmente utilizado nos sobrevôos da etnologia brasileira.. introduzindo os temas das ‘relações com o ambiente’ e os estudos de arte e tecnologia material (Seeger & Viveiros de Castro. em troca. ao projetar tematicamente a ‘cisão que evitamos abordar’. a algo real: a década de 70 viu ruir a barreira entre ‘sociedade’ e ‘cultura’. O fim dessas distinções tradicionais. deve-se à influência fundamental de uma figura que o texto de A. ‘instituição’ e ‘representação’. Rivière. a escola do cçntato ensaioü alguns passos no sentido de articular os temas da organização social e da mudança. . De seu lado. 1986. 1984: 137). 1976: 8-9. cuja antropologia tinha como traço distintivo “the eradication of the Durkheimian distinction between the social ‘base’ and the cultural ‘reflection’ of it” (Ortner. Mas ela o fez ao preço de uma exacerbação daquela 16. ‘religião e mitologia’. Estou-me referindo. Fernandes [1956-19571 1975: 144ss. Outros comentários modificaram ligeiramente o es­ quema tripartite. Ramos. Schaden. que justificava a diferenciação en­ tre aqueles temas (Overing Kaplan.Et n o l o g i a b r a s il e ir a 127 Esta. Isso corresponde. Refiro-me à classificação. 1977. a meu ver. que indexava as pesquisas etnólogicas sob as rubricas: ‘organiza­ ção social e política’. a Lévi-Strauss. Melatti. pro­ posta por Florestan Fernandes e seguida por vários comentadores. A presença do estruturalismo na etnologia americanista será comentada adiante. veio a incorporar o tema do contato em sua agenda. Melatti. 1982). no qual se defrontavam o ‘culturalism o’ norte-americano e os vários ‘funcionalism os’ bri­ tânicos. que em um opúsculo publicado em 1981 reformulou de um golpe a questão das relações entre estruturas socioculturais e transforma­ ção histórica. 1984: 140). disfarçada de ‘etn icidade’. na década de 80. C onfrontados m ais tarde com a eclosão de um vigo roso culturalismo político indígena. Foi assim que a cultura começou a reingressar na teoria do contato: como ideologia (nada de tipicamente brasileiro nisso.). oferecendo finalmente ao tema do ‘contato interét­ nico’ uma possibilidade de interpretação antropológica. à reunião dos dois primeiros temas da tripartição tradicional. observe-se que seu trabalho foi mostrando uma influência crescente das abordagens hermenêuticas. já advertira Carneiro da Cunha (1979) —pela porta dos fundos. e também a reinvidicar alguns pós-tudólogos (ajterologists. Ela revelava com isso sua dependência de um estrato mais arcaico do campo teórico. A sociologia do contato contemporânea permanece presa a essa dicotomia. é claro. ocorrida na década de 70.128 Ed u a r d o V iv e ir o s dk C a st r o distinção entre o ‘social’ e o ‘cultural’ —no interesse.que já havia sido erradicada pelo estruturalismo. a ‘época de ouro’ de ‘nossa’ etnologia. Do lado da ‘etnologia clássica’. o que sugere um retorno àquela problemática da ‘cultura’ que ele havia contribuído para afastar do horizonte da sociologia do contato. O exem17. e sua dileção por autores como Gluckman e Barth remonta à cruzada anticulturalista (e pré-estruturalista) das décadas de 50 e 60. isto é. No caso específico de Roberto Cardoso. ver Ortner. diria Sahlins) egres­ sos da tradição norte-am ericana17. A etnicidade foi o retorno da cultura como metarrepresentação. A inspiração para esse movimento veio de Marshall Sahlins. Esse deslocamento é posterior à fase propriamente ‘indígena’ do autor. 1976: xi-ss. do primeito conceito . os contatualistas se verão obri­ gados a readm itir a detestada noção de cultura —residual mas irredutível. a incorporação do tema da ‘mudança’. . se­ guiu-se. mas ele já estava prefigurado na passagem da teoria da ‘fricção’ ao fenômeno da ‘identidade étnica’ defini­ do como relevando do “domínio do ideológico” (Cardoso de Oliveira. eu diria. em que a autora registra muito rapidamente o surgimento do que seria uma terceira perspectiva na etnologia brasileira. hermenêutica. devido ao deslocamento do pólo dinâmico da etnologia para o Rio de Janeiro. esteja teoricamente identificada antes com paradig­ mas da ‘etnologia clássica’ que com o contatualismo18. a esquematização dualista. a saber. a maioria pertença ao contexto acadêmico paulista. Roberto Cardoso veio a ensinar lá. passou por um período de certa retração. A.Et n o l o g ia br a sile ir a 129 pio de Sahlins veio desestabilizar de vez a polaridade. já então precária. O trabalho de M. em particular. Tal desestabilização se reflete nos parágrafos finais do artigo de Alcida. Carneiro da Cunha e seus alunos. está muito mais próximo da etnologia da ‘primeira perspectiva’ praticada pelo presente autor que da variante fundamentalista da ‘segunda perspectiva’ presente em minha instituição carioca. E significativo que. cit. Quanto à Unicamp. mas talvez menos ocupada com sua própria 18. . do qual começou a se recuperar em meados dos anos 80. presente em comentadores como Mariza Peirano. C. é interessante também observar que esta maioria —e isso ficaria ainda mais claro na abundante produ­ ção sobre história indígena. entre as etnologias da tradição e da mudança. 19. o interesse crescente pela ‘etno-história’ (op. Souza Lima e eu mesmo. Isto se aplica sobretudo à USP. pósmodernidade. contemporânea ou posterior à data do artigo —. Alcida Ramos. que. Em outras palavras. eles ou (no caso de Roberto Cardoso) seus epígonos definiram o que se fazia fora desse marco normativo como constituindo uma contratradição —tão ‘brasileira’ quanto a outra. reflete sobretudo a etnologia produzida na área de influência intelectual desses dois grandes antropólo­ gos. mas então seus interesses já se dirigiam para outros objetos: história da antropologia.: 25). que de certa forma inventaram a tradição da ‘etnologia brasi­ leira’. Ao fazê-lo. A implan­ tação paulista dessa terceira perspectiva parece-me significativa porque foi justamente em São Paulo que as doutrinas de Darcy Ribeiro e Cardoso de Oliveira tiveram menor penetração acadê­ mica19. dos poucos autores que ela cita aqui. 130 Ed u a r d o V iv e ir o s d e C a st r o brasilidade, confiando em que esta seria antes a conseqüência que a causa de seu fazer etnológico. Os comentários de Alcida Ramos sobre a carreira e obra de Darcy Ribeiro e Cardoso de Oliveira pedem adendos. A politização do tema da aculturação efetuada por Darcy Ribeiro estava associa­ da a dois componentes de sua personalidade teórica: de um lado, a fascinação pelos esquemas grandiosos do neo-evolucionismo ame­ ricano (apim entado, diz a autora, por uma certa “m arxian inclination”), o qual se constituiu em ruptura com o paradigma boasiano dominante nos estudos de aculturação; de outro, a deci­ são de inserir a problemática indígena assim redefinida no quadro das ‘teorias do Brasil’ formuladas na década de 30. Isso o levou a escrever uma série de amplos panoramas histórico-culturais de pouca repercussão acadêmica (mas ver, infra, ‘A marca nacional’). Darcy Ribeiro propôs-se, na verdade, a ser um Gilberto Freyre indigenista e de esquerda, que iria recontar a formação da nacionalidade a partir do duo europeu-indígena (e não do europeu-africano). Sua preocupação última era com ‘o índio’ como ingrediente-chave da mistura sociocultural brasileira, e sua visada política era o naciona­ lismo de Estado, como o mostra sua identificação com Rondon nos tempos do SPI e sua carreira pública posterior. A ruptura de Roberto Cardoso com a tradição da aculturação seguiu caminhos diversos, mas não inteiramente. O conceito de fricção interétnica deve tanto a Balandier quanto ao modelo das relações raciais de Florestan Fernandes, professor de Roberto Car­ doso. Como observa Mariza Peirano, a etnologia de R. Cardoso “é marcada por um diálogo teórico com os estudos sobre relações raciais e não com os Tupinambá as monografias indígenas de Florestan Fernandes não podiam assim “servir de inspiração para a abordagem que caracterizou a antropologia indígena no B rasil” (1992: 7 3 -74; grifo m eu)20. Se Darcy Ribeiro foi o Gilberto Freyre 20. Se Florestan Fernandes antecipou a tese da grande diferença entre os ‘índios situados no Brasil’ e os ‘índios parte do Brasil’, não é possível identificar Et n o l o g ia b rasileira 131 indigenista, Roberto Cardoso, de certa maneira, também pôs o índio no lugar do negro —só que nos termos ‘classistas’ de Florestan Fernandes, não nos racialistas do sociólogo pernambucano. A etnia foi vista como um análogo da classe social: a fricção interétnica era “o equivalente lógico... do que os sociólogos chamam de ‘luta de classes’” (Cardoso de Oliveira, 1978: 85). Esse enquadramento dos povos indígenas no esquema das relações raciais e da luta de classes, em que pese à sua bem-vinda radicalidade interpretativa, enraizou ainda mais firmemente a etnologia em uma ‘teoria do Brasil’21. A outra matriz teórica direta da sociologia indigenista de Roberto Cardoso foi, como se sabe, a ‘teoria da dependência’ de Gunder Frank, Stavenhagen e outros menos votados, que utiliza­ va o mesmo modelo da luta de classes para pensar as relações internacionais. A escola do contato iria se articular diretamente com as discussões da época sobre a troca desigual, o colonialissimplesmente suas monografias tupinambá à primeira concepção. Gomo observa Mariza Peirano, os índios de Florestan Fernandes eram, digamos assim, anteriores a tal distinção: “os Tupinambá não foram construídos como objeto em termos de um grupo distinto situado em território brasilei­ ro, eles eram o Brasil de 1500” (Peirano, 1992: 74). Mas há de se convir que entre ser m etafo ricam en te todo o B rasil, como neste caso, e sê-lo metonimicamente, como no caso da visão contatualista, vai sempre uma grande diferença. 21. A formatação da ‘questão indígena’ nas linhas da ‘questão racial’ talvez possa também ser interpretada como uma estratégia de enobrecimento político da primeira, dando-lhe uma visibilidade e uma pungênçia de que ela não desfrutava. Observe-se que o papel paradigmático desempenhado pelas relações raciais (entenda-se, negros/brancos) dentro do im aginário teórico da etnologia do contato foi herdado por sua progênie, só que agora o círculo está-se fechando: a sociologia indígena derivada do esquema das relações raciais começa á servir de modelo para se pensar os ‘remanescentes-emergentes’ de quilombos, e é a ‘etnicidade’ que vem sobredeterminar as relações de classe (Arruti, 1997). Não sei se a antropologia das ‘popula­ ções’ afro-brasileiras precisa mesmo desse aporte enviezado, ou se ela já não está bem mais adiante, como atestam alguns trabalhos admiráveis (Marcelin, 1996). 132 Ü D U A R D O V l V H l R O S DF. C A S T R O mo ‘interno’, as famigeradas ‘formas de transição’ ao capitalismo etc.22. N egros, cam poneses, o ‘B rasil’: tais foram as fontes analógicas utilizadas pela escola do contato para pensar a “reali­ dade tribal”; para pensá-la, isto é, “não mais em si, mas em rela­ ção à sociedade envolvente”, como disse Cardoso de Oliveira. Essa oposição entre tomar a ‘realidade tribal’ em si ou em relação à sociedade envolvente é reveladora: aquela realidade ‘em si’ aparece como substância, e não como complexo imediata e intrin* secamente relacionai; e o ‘em relação’ —em relação à sociedade envolvente, note-se, não com a sociedade envolvente —significa: na qualidade de parte ontologicamente subordinada. A relação de que se fala é uma relação entre parte e todo, e o ‘em relação’ indica qual o ponto de vista global se está assumindo. A sociedade indí­ gena não é vista como relaáonal, mas como relativa —relativa a um absoluto que é a sociedade envolvente, a qual ocupa o trono do em si que se recusou à ‘realidade tribal’. Contra essa alternativa entre tomar seu objeto em si ou em outro, a antropologia indígena esco­ lheu tomá-lo como constituindo desde o início um para si, isto é, como um sistema auto-intencional de relações. O ‘em si’ e o ‘em relação’ são, nesse caso, sinônimos, não antônimos. Por fim, cabe observar que a oposição entre uma ‘etnologia clássica’ ou ‘tradicional’ e a etnologia da ‘marca registrada’ não é um acidente peculiar ao contexto acadêmico nativo; se o rebatimento ideológico sobre a ‘brasilidade’ é brasileiro, sua codifica­ ção teórica traz marcas estrangeiras. Pois tal polarização é muito semelhante àquelas que marcaram outras tradições nacionais, como o cabo-de-guerra entre ‘materialistas’ e ‘idealistas’ que dividiu a antropologia norte-americana dos anos 50 aos 80, ou a polêmica dos antropólogos ‘marxistas’ contra os ‘estruturalistas’ na França pós-68. Um mesmo ar de família perpassa as três. O debate 22. Nesses termos, não seria descabido ver O índio e o mundo dos brancos (Cardo­ so de Oliveira, 1964) como o eco indígena e setentrional do Capitalismo -e escravidão no B rasil meridional (F. H. Cardoso, 1962). o esquema de tipo ‘teoria da dependência’ adotado pela etnologia contatualista. 1998). e que ela se opunha.\ 142). E importan­ te pôr em continuidade essas três polarizações. Entre suas quali­ dades está a de relativizar as virtudes teologais de certas ênfases já então. tem pelo menos um pon­ to em comum com o materialismo ecológico-cultural. their research 23.(ÍTNOI. Lá como cá..). em moda no país e alhures. Assim. As pesquisas inspira­ das no paradigma antropológico da ‘economia política’. H ave shifted the focus to large-scale regional p olitical/econom ic system s [ . que importaram da França o antagonis­ mo entre Balandier (e demais africanistas de persuasão ‘marxis­ ta’) e Lévi-Strauss (e demais americanistas de persuasão ‘estruturalista’) e o utilizaram como chave de classificação23. O artigo de Sherry Ortner é uma discussão brilhante dos ru m o sd a teoria antropológica dos anos 60 aos meados da década de 80. o paradigma da ‘Political economy school’ (também conhecida como ‘teoria do sistema mundial’ etc. ver Taylor. devido à pequena popularida­ de do ‘materialismo cultural’ (ou ‘ecologia cultural’) em nossas plagas. Para um exame do debate entre africanistas e americanistas na França. . ao mesmo ‘tipo de gente’ —os malditos idealistas —anatematizado pelos descenden­ tes da escola da fricção. Ortner (1984)24. em sua tradução brasileira. mas não se deve esquecer que Darcy e seus associados mais diretos eram adeptos entusiasmados dessa corrente. 24. 1995 (comentado em Lima.] Insofar as they have attem pted to com bine this focus with traditional fieldwork in speciflc com m unities or m icro-regions. 1992) e Albert.OGIA BRASILEIRA 133 americano teve menos eco no país. diz Ortner.. Sua leitura é instrutiva também por permitir uma estreita correlação entre a antropologia feita no Brasil e a teoria internacional. pois isso permite ver que a ruptura cosmológica entre a ‘fase Darcy Ribeiro’ e a ‘fase Roberto Cardoso’ da etnologia do contato foi menos pro­ funda do que se pode pensar. como ob­ servou perspicazmente S. 1984 (comentada em Viveiros de Castro. aliás. e ainda. nt. que veio a fazer sucesso mundial na antropologia dos anos 70 sob o nome genérico de ‘Political economy school’. “overlaps with the burgeoning ‘ethnicity’ industry” (op. ' mais tarde. isto é. ora pelo Brasil político. 1984: 144—145 n. cit. 14.\ 141 -1 4 2). sem dúvida. gen erally studying ‘peasants’. segundo ambas essas concepções.] T he em phasis on the im pact o f externai forces. the im portant externai forces were those o f the natural environm ent. Ver também Ortner. A ambigüidade é possível porque em ambos os casos a noção de ‘situação’ é tomada no sentido substan­ tivo de ‘condição’. the im portant externai forces are those o f the State and the capitalist w orld system (op. o ecológico se tornou uma manifestação privilegiada do político. desaparece a sociedade (indígena). Os índios de que falamos estão situados geograficamente no país. and indeed m any o f its current practitioners were trained in that school [.134 E d u a r d o V ivkiro s d r C a st r o has gen erally taken the form o f studying the effects o f capitalist penetration upon those com m unities f .. .. os povos indígenas são vistos como registros contingen­ tes de realidades mais eminentes. e o 25. os índios. em que ela costuma aparecer adjetivada como situação ‘histórica’25. como facticidade: uma ‘situação históri­ ca’ é uma ‘condição’ temporalmente circunscrita. A ascendência teórica deste conceito de ‘situação’ remonta às ‘análises situacionais’ da Escola de Manchester (Gluckman.. Longe de estarem situados no Brasil. ties the political econom y school in certain ways to the cultural ecology o f the sixties. Barth —duas versões do paradigma que Kuper (1992: 5) chamou de ‘malinowskiano’.) Aqui talvez valha a pena dirimir uma ambigüidade entre a referência puramente cartográfica da ‘situação no Brasil’ de que fala Peirano e o uso conceitualmente motivado da palavra ‘situa­ ção’ pela escola contatualista. for the seventies political econom ists. O capitalismo ou o Estado colonial disputam assim com a ordem natural o papel sobrenatu­ ral de Grande Objetivador. often studying relatively ‘prim itive’ societies. principalmente) e ao transacionalismo de F. and on the ways in which societies change or evolve largely in adaptation to such im pact.. Com efeito. são situados pelo Bra­ sil: ora pelo Brasil ecológico. entre a natureza (americana) e a história (euro♦ péia). as coisas se complicaram para os dois lados.] But w hereas for sixties cultural ecology. (Quando. Atirados de um lado para o outro pela necessidade natural e pelas necessidades do capital. como eles se situam. no Brasil e em outros ‘contextos’: ecológicos. não estou simplesmente dizendo em outras palavras que o dispositivo colonial explica (‘situa’) as sociedades indígenas. antropólogos como T. a contextualização é uma natura­ lização a prestação. Mas. Por isso. ao introduzir o ‘Brasil’ na ‘situação histórica’ dos índios. A escola do contato se compraz em criticar os ‘modelos organicistas’ de sociedade (Oliveira F°. e filósofos como G. E stou pensando em etólogos como Von U exküll. explica e produz. O que Peirano chamou ‘Brasil’ só é parte da situação histórica das sociedades indígenas porque ele é um dos objetos de um trabalho histórico ativo de posição em situação realizado pelas sociedades indígenas. O ‘contexto histórico’ ocupa aqui o lugar mágico-teórico da ‘natureza’ como exterioridade objetiva. a ‘situação’ visa indicar um caráter circunstancial. Lewontin. na fórmula de Peirano.. ao con­ trário. definindo o que conta como situação. em saber como os índios situam o Brasil —e. Simondon. A etnologia dos índios ‘situados no Brasil’ está interessada assim.liTNOLOGIA BRASILEIRA 135 ‘Brasil’ é. O ‘situado’ não é definido pela ‘situação’ — ele a define. Contra semelhante entendimento. a antropologia indígena contemporânea toma a noção de situação no mesmo sentido em que a biologia fenomenológica toma o par organismo/ambiente27. Mas as noções de ‘contexto’ e de ‘contextualização’ que ela privilegia não deixam de recordar um ‘modelo ambientalista’ que vê os objetos que se estuda (organismos vivos ou coletivos humanos) como inscrições locais de uma ordem histórico-natural que os transcende. 1988).. mas sob uma perspectiva adaptacionista que vê a uni­ dade ‘situada’ ou ‘ambientada’ como sendo o resultado de pressões externas objetivas que a penetram e constituem. o ambientado é parte e produto do ambiente26. para a escola do contato. 27. entre muitas outras coisas. 26. biólogos como R. cósm icos. um elemento de sua ‘situação’ histórica. sociopolíticos. certamente. ela designa uma propriedade condicionante dos coletivos indígenas: a situação define o situado. Ingold. A noção de situação histórica funciona como análogo do conceito de ambiente ecológico de um organismo. portanto. . nes­ sa acepção passiva. Uma situação é uma ação\ ela é um situar. em boa medida. que se passaram a adotar protocolos mais rigorosos de pesquisa. isto é. e que ela não se preocupe em comentar as origens teóricas da primeira delas. . Uma versão mais completa se encontra em Viveiros de Castro. À pro­ porção que se começou a dedicar uma atenção mais aprofundada às instituições e organizações sociais indígenas. como populações cujo 28. 1992 e 1996a. evocada apenas no marco etnográfico do Harvard-Central Brazil Prpject.136 E d u a r d o V ivk iro s d i. passaram a ocupar um lugar de destaque na reflexão etnológica. Ainda que sendo. uma conseqüência da institu­ cionalização da pós-graduação. com o aprendi­ zado das línguas nativas e estadas mais prolongadas no campo. os marcos de inscrição do objeto se deslocaram. bem como as conexões histórico-estruturais entre as diversas formações sociais indígenas do continente. esse afastamento foi sobretudo o resulta­ do de uma mudança de horizonte na etnologia brasileira. fatores que con­ duzem à especialização. Os últimos trinta anos. reduzindo (sem chegar a inverter) a hegemonia de uma abordagem que via os índios essencialmente como um capítulo —findo ou menor — da história e sociologia do Brasil. C a st r o A T R A D IÇ Ã O D A INVENÇÃO E digno de nota que a ordem de exposição adotada por Alcida inverta a seqüência temporal das duas perspectivas apre­ sentadas. As relações entre as sociedades indígenas brasileiras e outras sociedades morfologicamente semelhantes de outras partes do mundo. viram também uma diferenciação da linguagem até então comum aos etnólogos e aos outros cientistas sociais do país. Ofereçamos aqui uma outra narrativa28. da acumulação de conhecimentos e da expansão da população de pesquisadores. ao ínesmo tempo em que assistiram a um enorme avanço quantitativo e qualitativo nos estudos indí­ genas. e que o intercâmbio setorizado com especialistas de outras partes do mundo se intensificou. mais tarde associada à noção-emblema de ‘contato interétnico’ e seus derivados.K1RA 137 interesse antropológico se resumia às suas contribuições à cultu­ ra nacional ou a seu papel de símbolo —passado ou perene —dos processos de sujeição político-econômica que se exprimiriam de modo mais ‘moderno’ na dinâmica da luta de classes de nosso capitalismo autoritário. em que os partidá­ rios da etnologia do contato martelavam que a condição camponesa . Essa fratura.O G lA BRASI1. tanto na práti­ ca antropológica como na presença política dos povos indígenas nos cenários nacional e internacional. prati­ cadas sucessiva ou simultaneamente pelos mesmos pesquisado­ res (nacionais e estrangeiros): a linha dos estudos preocupados em descrever etnograficamente as formas socioculturais nativas. justamente. que começou timi­ damente no final dos anos 60. Assim. continua. que dissolveram a oposi­ ção evolucionista entre ‘tradição’ e ‘mudança’.liT N O I. imaginário. depois de anos de polêmicas acerbas. mais tarde identificada como ‘etnologia clássica’. e a linha dos estudos de aculturação ou mudança social. ‘índios puros’ e ‘índios aculturados’. Mas essa dissolução não tomou a direção que se poderia imaginar .porque o que se dissolveu era. a defi­ nir algo como linhagens antagonistas —os etnólogos dos ‘índios puros ou isolados’ versus os dos ‘índios aculturados ou campone­ ses’ —. em vigor em alguns centros do país. em vista das mudanças ocorridas a partir dos anos 80. contribuiu também para um divórcio entre duas linhas de pesquisa presentes na etnologia universitária das décadas an­ teriores e que até então haviam convivido sem problemas. desembocou em um modo de investigação distante das preocupações características da ideolo­ gia do ‘nation-building’ —e com isso afastou parte da etnologia das demais ciências sociais. Se o deslocamento acima mencionado. embora com sua significação teórica bastante esvaziada. como vimos. quase sempre entretidas com temas bra­ sileiros —. entre 1975 e 1985 aproximadamente. que chegou. características da escola contatualista. e que a descrição dessas sociedades como entidades socioculturais autônomas supunha um ‘modelo naturalizado’ e a-histórico. 1998: 61. eis que eles implementam ambiciosos pro. que algu­ mas comunidades rurais situadas nas áreas mais arquetipicamente ‘camponesas’ do país põem-se a reassumir sua condição indíge­ na. eis que de repente os índios começam a reivindicar e terminam por obter o reconhecimento constituci­ onal de um estatuto diferenciado permanente dentro da chamada ‘comunhão nacional’. sobretudo agora que alguns ‘campone­ ses’ genéricos estão virando índios muito particulares. com um retoque ou outro.138 E d u a r d o V ive iro s dh C a st r o (com opção de ‘proletarização’) era o devir histórico inexorável das sociedades indígenas. Sobre a “natureza última dos grupos étnicos”. Redistribuição das qualidades primárias e secundárias. pelas gerações subseqüentes de teóricos do contato. ‘comunidades indí­ genas que tinham a particularidade de ser camponesas’29. ver Oliveira F°. jetos de retradicionalização marcados por um autonomismo ‘culturalista’ que. em um processo de transfiguração étnica que é o exato inverso daquele anunciado por Darcy Ribeiro (1970) em profecia acredi­ tada. A partir do início dos anos 70. não é menos primordialista nem menos naturalizante. que faz o contraste para o caso dos estudos sobre comunidades negras. tal reviravolta deve estar sendo difícil de administrar30. Estes agora descobrem que o que estudavam como se fossem ‘comunidades rurais que apresentavam a parti­ cularidade de ser indígenas’ eram. por curiosa antífrase. por fim. . eis. ao mesmo tempo. Parafraseio aqui Arruti (1997: 13). ela procedeu a uma completa atualização teórica dessa “fronteira fóssil” da an­ 29. a etnologia sul-americana iniciou um amplo e concertado salto adiante na cobertura etnográfica do mundo indígena. na verdade. do necessário e do acessório? Em face das preocupações metafísicas. de ‘construção’). com a natureza última de seu objeto (natu­ reza que ela às vezes chama. por instrumentalista e etnicizante. O índio ‘genérico’ revelou-se um cam­ ponês realmente muito particular. 30. fontes principais dos modelos etnológicos da épo­ ca32. Esse movimento. Overing. o conceito de ‘situação colonial’ de Balandier.Ut n o l o g i a b r a s i l e i r a 139 tropologia que era o americanismo tropical até então (Taylor. e a antropologia indígena. Para se ter uma idéia. A consciência * desse descompasso entre a proliferação de estudos interétnicos e o pouco que efetivamente se sabia sobre os sistemas nativos tornava necessário estender o avanço realizado pelo grupo de Maybury-Lewis e outros especialistas no Brasil central até outras áreas culturais. baseadas em uma ‘etnografia’ velha de quatro séculos e vazadas em uma linguagem analítica de difícil deglutição nos anos 70. como eu disse acima. enquanto os ‘modelos africanos’ do estrutural-funcionalismo foram definidos pelo novo americanismo como um dos principais entraves ao entendimento adequado dos regimes indígenas. Em função desse propósito — caracterizar de modo mais 31. que permanecia notavelmente. a sociologia do contato veio à luz assistida justamente por um ‘modelo africano’. Rivière e J. teve como um de seus objetivos a elaboração de paradig­ mas apropriados aos regimes indígenas. o trabalho de Nimuendaju era evidentemente um marco. Sua influência sobre Lévi-Strauss e mais tarde sobre o grupo de Maybury-Lewis é do conhecimento geral. Seria interessante pensar sobre uma possí- . a descrição teoricamente mais sofisticada de que se dispunha sobre uma sociedade indígena situada no Brasil consistia nas duas teses de Florestan sobre os Tupipambá. Assim. isto é. 1984). até a publicação da monografia de M aybury-Lewis sobre os Xavante (1967). notadamente a África e a Oceania. pobre dos pontos de vista descritivo e conceituai31. ele efetuou uma crítica ‘amazonizante’ das linguagens analíticas importadas de outras regiões estudadas pela antropologia. isso significou uma decisão de se res­ tabelecer o equilíbrio entre a sociologia do contato. que havia progredido muito nos anos anteriores (desdobrando-se em com­ plicadas discussões sobre o campesinato e os modos de produ­ ção). que haviam começado uma reflexão rigorosa sobre as sociologias nativas do escudo da Guiana. Do ponto de vista descritivo. criando uma interlocução com pesquisadores como P. mas justamente por ser anôm a­ lo em sua alta qualidade etnográfica. No caso brasileiro. em especial até a Amazônia brasileira. 32. 1986. Viveiros de Castro. 1976. Melatti. Em Viveiros de Castro. A vel conexão entre esse ‘africanismo’ conceituai e aquela projeção do mode­ lo das ‘relações raciais’ sobre as ‘relações interétnicas’. 1989. 1975. Butt Colson & Heinen. Crocker. McCallum. 1981. t As décadas de 70 e 80 assistiram a um renascimento da etnologia americanista em escala mundial. . mais fortes nas décadas anteriores34. DaMatta. Lea. Ç. De seu lado. 1986. 1985. Seeger et a l.. a questão do contato interétnico foi tratada. 1995. Hugh-Jones. Gow. 1973. 35. Logo em seguida. Ver Overing Kaplan. 1969... os estudos típicos da escola do contato interétnico espremiam um capítulo. Turner. 1979. Descola.. 1983. The political economy study inverts this relationship. Descola & Taylor. Hugh-Jones. Townsley. “Traditional studies. De fato. 1984: 143). 1986. geralm en­ te inadequado. 34. Maybury-Lewis. Henley. 1967. org.'1985. S. Viveiros de Castro & Carneiro da Cunha. 1993.. em um trabalho que prossegue35. os capítulos dedicados aos ‘elementos de organização social’ das monografias produzidas pelos teóricos do contato mostravam que estes continuavam prisioneiros da su­ perficialidade etnográfica e da linguagem tipológica de que nos queríamos livrar33. Seeger. encontra-se um mapeamento das diferenças internas ao campo teó­ rico do novo americanismo. sínteses comparativas regionais. org. 1981. 1984. org. 1990b. Overing. Basso. 1978.. Rivière. 1979. O primeiro resultado foi a proliferação de etnografias tecnicamente modernas. 1979. 1984. Viveiros de Castro. Menget. 1978. 1977. temáticas ou conceituais... Kensinger. Rivière. 1996a. 1996a. 1984. ao menos de início. Chaumeil. Hornborg.. 1988. 1985. sobre ‘organização social’ entre longas partes dedicadas ao ‘historical background’ (mas entendido apenas como história do contato) e à ‘social change’ (e ã questão de saber o que. Overing Kaplan. 1991. but only to create the inverse problem” (Ortner. Albert. orgs. 1979. estava a passar por tal processo permanecia algo misteriosa). Carneiro da Cunha. 33. org. exatamente. Ramos. nas quais as influências européias superavam as norte-americanas. 1993. often presented us with a thin chapter on ‘historical background’ at the beginning and an inadequate chapter on ‘social change’ at the end. orgs. algo perfunctoriamente.140 Kd u a r d o V i v t i i R o s d i í C a s t r o preciso os sistemas sociocosmológicos indígenas —. 1983-1983. orgs. Turner. foram construindo um cam­ po problemático comum. 1988. . Essa expansão da antropologia indígena nas duas décadas passadas levou muitos etnólogos. Rivière escreveu recentemente: “It was the publication o f ‘A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasilei­ ras’ (Seeger et al.. societies are structured in terms of the symbolic idioms (names. Alguns tex­ tos da década de 70 esctitos por pesquisadores brasileiros. Vanessa Lea (1986) e Peter Gow (1991). não obstante sua difusão restrita. Ver. anteciparam questões só levantadas bem mais tarde pela antropo­ logia. b. although one suspects that its full impact has been lost because not only that work but much of the resulting literature has been published only in Portuguese” (1993: 509).Ü T N O l. Uma consulta às outras bibliografias da coletânea em que ele apareceu reforça esta impressão (Descola & Taylor.) that relate to the construction of the person and the fabrication o f the body.O G IA B R A SIL E IR A 141 contribuição da etnologia feita no Brasil a esse renascimento foi decisiva. and went to make some positive proposals. They argued that. culturais ou institucionais). essences etc. Esse balanço de Rivière dá uma boa idéia do peso contemporâneo da etnologia feita no Brasil: um terço de suas referências é composto de trabalhos escritos por brasileiros (naturais. passan­ do da sociologia do contato à antropologia indígena.. não à ‘ethnology Brazilian style’. 1979) that proved decisively influential. um certo impacto na disciplina37. como atestam as referências a uma “escola de pensa­ mento européia-brasileira” (em oposição a uma escola norte-ame­ ricana) ou a uma “teoria brasileira do parentesco”36. como os artigos seminais de DaMatta (1970) e Carneiro da Cunha (1973) sobre as relações entre mito. 1998. These authors rejected what they labelled as the African m odel. Whitehead. que assim se referem ao trabalho de etnólogos ‘clássicos’ em atividade no país. Surralès. aliás.. Comentando a mudança de rumos da etnologia americanista iniciada na segunda metade dos anos 70. This set of ideas have been very influential.. 1993. Rivière. 1993). que prefigurava a temática do ‘e mbodiwent’ hoje tão em voga e que teve. in Lowland South America. que pode ser confirmada em trabalhos mais recentes (Hirtzel. Henley. 1996a.. 1995: 70. (1979) sobre a corporalidade. 37. p. 1999). ritual e história. ou o artigo de Seeger et al. por exemplo. a reverter certas pré-escolhas teóricas. cuja carreira se iniciou no co­ meço dos anos 80. ex. que saíram a estu­ 36. orgs. ao perceber que essa era a dimen­ são que os índios lhe colocavam à frente38. terminaram escrevendo estudos detalhados justamente sobre o parentesco —esse emble­ ma da antropologia clássica —. tornadas teoricamente acessíveis a partir dos anos 70: rotação de perspectiva. Rejeitando explicitamente a pers­ pectiva da sociologia do contato e da etnicidade (1991: 11—15). Compare-se esse movimento com aquele realizado por etnólogos que co­ meçaram seu trabalho alguns anos antes. que em sua monografia sobre qs Piro da Amazônia peruana adotou uma estratégia que demoliu a distinção entre os ‘índios puros’ e seus etnólogos ‘pu­ ristas’. . por Gow. e os ‘índios misturados’ e seus etnólogos ‘radicais’. assim. acamponesamento e sujeição aos poderes nacionais. mais que isso. át. 290 ss. começava também a ser possível uma retomada do tema do contato e da história em novas bases. o autor lançou mão dos trabalhos de Overing e de Viveiros de Castro sobre as filosofias sociais amazônicas (op. Mas. Trocaram. nesse momento.\ 275—281. a sociologia da ‘questão indígena’ por uma antropologia das ques­ tões indígenas. Assim. entre outros. Oliveira F° (1988: 11-12) conta como abandonou seu projeto inicial de estudar a ideologia de paren­ tesco dos Ticuna para mergulhar em uma análise do campo indigenista local. de um lado. Escrevendo sobre um grupo indígena que parecia tipificar um estado avançado de aculturação.) para argumentar que o estado ‘aculturado’ dos Piro era uma transformação histórica e estrutural dos regimes nativos ‘tra­ dicionais’ e. que a transformação era um processo inerente ao funcionamento desses regimes —regimes que sempre 38.142 E d u a r d o V iv e iro s dk C a st r o dar os Kayapó e os Piro munidos do ideário da escola do conta­ to. Gow mostrou como só se poderia atingir uma compreensão adequada do mundo vivi­ do piro através de sua inserção no panorama construído pela etnologia dos índios ‘puros’. Isso foi realizado. de outro. visando documentar os processos de penetração do capitalis­ mo e do colonialismo na vida indígena. Essa idéia foi esboçada em minha tese sobre os Araweté (1986. A dita ‘etnologia clássica’. “‘A cculturation’ is only possible here if ‘acculturation’ is a traditional feature o f indigenous Amazonian societies” (Gow. 1993. a etnologia ‘clássica’ estendeu sua própria visada teórica de um modo que lhe permitiu redefinir os brancos. op. incorporou a questão do contato interétnico. que a obra americanista de Lévi-Strauss oferecia instrumentos muito mais ricos para se en­ tender a inscrição temporal do mundo vivido dos Piro que as teorias metacolonialistas do contato e da sujeição40. . Recusando-se a tomar o mundo indígena como simples cenário de manifestação de uma estrutura de dominação alógena. 1988: 14) com valor meramente particularizador de uma dinâmica geral de su­ jeição —arbitrário de medíocre rendimento analítico. sepultada sem muita pompa por seus antigos fiéis) e de outras objetivações igualmente redutoras. 1993. Para 39. e a exterioridade social por pólo em perpétuo m ovim ento de interiorização39. O tema da transformação foi dissociado da teoria do ‘acamponesamento’ (que parece ter sido. aliás. Turner. valendo-se dos conhecimentos que viera acu­ mulando desde as décadas anteriores. dada a pres­ são inexorável exercida pelos “processos homogeneizadores” pró­ prios da situação colonial —. Este tema de uma história ‘lévi-straussiana’ da Amazônia indígena é o foco de um livro em preparação de Gow (1998). 1988.Et n o l o g ia brasileira 143 tiveram a ‘aculturação’ por origem e fundamento da ‘cultura’. Vilaça. 1999: 2). Gow. 1991. além disso e sobretudo —contra estereótipos ainda hoje em vigor —. no qual a influência recíproca do trabalho de Gow já se faz presente. S. 1988. ver também Carneiro da Cunha & Viveiros de Castro. assim. cit. passando a se ins­ crever no plano mesmo dos pressupostos sociocosmológicos dos regimes nativos. como um arbitrário cultural (Oliveira F°.. Hugh-Jones. 1985). 1996a). Gallois. 1993. Gow mostraria. 40. e mais tarde desenvolvida em um trabalho sobre a representação jesuítica dos Tupinambá (Viveiros de Castro. o Estado ou o capitalismo como outros tantos daqueles arbitrários históricos com que sempre se houveram e haverão os sistemas nativos (Albert. 1993c). 144 E d u a r d o V iv h iro s d k C a st r o isso foi-lhe indiscutivelmente necessário abrir e s s e s sistemas, aban­ donando as imagens conceituais de ‘sociedade’ e de ‘cultura’ legadas pelo funcionalismo britânico ou pelo culturalismo ameri­ cano. Embora inspirada na crítica estruturalista às concepções totalizantes do objeto vigentes nos paradigmas anteriores, seme­ lhante abertura foi acima de tudo o resultado — e este é um detalhe absolutamente fundamental —de uma análise mais fina das premissas socioculturais nativas, não de um a p riori objetivista que reivindicasse um “maior naturalism o” (Barth, 1992) para este ou aquele modelo analítico geral que o pesquisador, criador e criatura de seu próprio arbitrário teórico, imagina ser a perfeita tradução da realidade. A nova sociologia indígena que emergiu dos anos 70 teve como instrum ento e objetivo, portanto, uma indigeni^ação da sociologia —e foi isso que lhe deu seu caráter pro­ priamente antropológico. Para que essa incorporação da história e do ‘contato’ acon­ tecesse, entretanto, foi preciso primeiro liberar a perspectiva es­ trutural da interpretação excessivamente britânica que ela sofrerá por parte dos etnólogos do Harvard-Central Brazil Project. Ori­ entado pelas leituras que Needham e Leach haviam feito de LéviStrauss, o grupo de Maybury-Lewis, como outros etnógrafos da Amazônia de então, dedicou-se a aplicar os princípios da análise estrutural a sociedades e cosmologias particulares, expurgando assim o estruturalismo de alguns de seus aspectos mais radicais (Ortner, 1984: 137), e evitando a questão da relação entre as estruturas indígenas locais e o fundo histórico-cultural pan-ame­ ricano. A referência principal do grupo eram as obras da primeira e mais ‘durkheimiana’ fase de Lévi-Strauss, notadamente A s es­ truturas elementares do parentesco e os artigos sobre o Brasil central, em que o antropólogo francês retom ava a etn o grafia de Nimuendaju; e seu tema por excelência foi a ‘organização dualista’, particularm ente pregnante no caso das sociedades Jê e Bororo. Além disso, se Lévi-Strauss era a inspiração teórica (ou sobretu­ [iTNOl.OGIA BRASII.HIRA 145 do temática) principal desses estudos etnográficos, sua orienta­ ção metodológica devia mais às monografias funcionalistas da tradição britânica. Seu objetivo era descrever cada sociedade es­ tudada como um sistema total, ou ‘holista’, para em seguida inse­ ri-lo em uma série comparativa composta de outros sistemas do mesmo tipo (Gow, 1999), o que não corresponde nem à noção de comparação de Lévi-Strauss, nem à sua idéia do que conta como ‘unidade’ comparativa. Abra-se um parêntese. Que muitas das mais influentes etnografias sul-americanas das décadas de 70 e 80 tenham sido cortadas pelo molde das monografias clássicas inglesas, não há como contestar. Que elas devam ao estruturalismo antes uma agenda temática e alguns princípios teóricos limitados que uma orientação sistemática, também é verdade41. Que elas (e aqui não me refiro apenas às do grupo de Maybury-Lewis) tenham dedica­ do pouca atenção à história, adotando um certo holism o apriorístico e um certo descontinuísmo, como notam Gow (op. cit) ou Albert (1988), eis outro fato. Mas tais limitações não podem de forma alguma servir para desqualificar in limine a con­ tribuição dessas monografias à etnologia do continente — uma contribuição incomparavelmente maior que a trazida pelos estu­ dos aculturativos ou friccionistas das décadas anteriores e poste­ riores. Ao contrário, Gow apoiou-se justamente nelas, argumen­ tando que os princípios que os etnólogos identificaram como constitutivos do fechamento holista dos sistemas indígenas eram os mesmos acionados pelos Piro para situarem o sistema interét­ nico em que estavam ‘situados’ —e assim fez desaparecer a dis41. Ver Viveiros de Castro, 1992. Taylor, em um acesso de fundamentalismo (este estruturalista), mostra-se surpreendentemente dura com o grupo do Harvard-Central Brazil Project: “aux U.S.A. par ailleurs, 1’influence réelle de Lévi-Strauss a été en grande partie étouffée au profit d’une sorte de morphologisme pseudo-structuraliste diffusé notamment par Maybury-Lewis et ses disciples...” (1984: 217). 146 IÍDU ARD O V I V K IR O S DK C A S T R O tinção entre sociedades ‘puras’ tradicionais e part-societies campo­ nesas, porque as primeiras se mostraram muito mais abertas e as segundas muito mais indígenas do que se imaginava. Albert, por sua vez, partiu de sua esplêndida análise estrutural da cosmologia yanomami (1985) para produzir uma reflexão não menos inova­ dora sobre a ‘etnicização’ do discurso xamânico-político indígena (1993). De minha parte, utilizei um enquadramento aparente­ mente ‘holista’ para questionar precisamente a imagem autocontida dos sistemas amazônicos e a representação totalizante de ‘socie­ dade’, tendo como contraponto retórico a etnografia centro-brasileira (Viveiros de Castro, 1986). Alguns autores da ,escõla contatualista, ao contrário, parecem ter tomado as limitações da­ quelas monografias pioneiras como pretexto para ignorar sua exis­ tência —e a de toda a etnologia amazônica que se seguiu —, dando prova de estreiteza teórica e de desinteresse etnográfico. Os gru­ pos que os contatualistas estudam (ou ‘constróem’) são tanto mais parte do Brasil quanto menos situados estão na América indígena, parecendo flutuar em um vácuo histórico-cultural. Não são sequer parte de si mesmos, como às vezes se constata em certas obras dessa escola, em que a fração além-fronteira de um povo indígena transnacional é objeto de um profundo silêncio descritivo —e mes­ mo cartográfico (Oliveira F°, 1988: 8). Feche-se o parêntese. As próximas levas de etnólogos influenciados pelo estruturalismo42 iriam partir da tetralogia M itológicas, que deram ao americanismo um instrumento de alcance continental (Lévi-Strauss, 1964—1971). A publicação de seu primeiro volume (0 cru e. o colido) desempenhou o mesmo papel paradigmático que O índio e o mundo dos brancos, aparecido no mesmo ano (Cardoso de Olivei­ ra 1964), teve para a escola do contato. Sendo, à primeira vista, um estudo puramente formal dedicado às mitologias ameríndias, 42. P. ex., B. Albert, M. Carneiro da Cunha, Ph. Descola, Ph. Erikson, P. Gow, C. Hugh-Jones, S. Hugh-Jones, T. Lima, A. Seeger, A .-C. Taylor, G. Townsley, e E. Viveiros de Castro. um modo de articulação com a ‘natureza’ que pressupunha uma socialidade universal —eram esses os ma­ teriais e protessos que pareciam tomar o lugar dos idiomas juralistas e economicistas com que a antropologia descrevera as sociedades de outras partes do mundo. uma economia simbólica da alteridade inscrita no corpo e nos fluxos materiais. Antes que se impusesse a constata­ ção de que os modelos analíticos clássicos eram inadequados para as sociedades que estudávamos. Enquanto os etnólogos do contato estavam preocupados em sublinhar os processos homogeneizadores que submergiriam os arbitrários culturais indígenas em uma condição de ‘indianidade’ genérica. os textos antigos do mesmo autor sobre a chefia ou a guerra na América do Sul. uma recuperação não-durkheimiana da problemática de A s estru­ turas elementares do parentesco. por exemplo. seus modos de produção linhageiros. eram refratários às categorias tradicionais da antropologia. Prin­ cípios cosmológicos embutidos em oposições de qualidades sen­ síveis. com seus feixes de direi­ tos e deveres. as M itológicas (e os estudos delas derivados: Lévi-Strauss.H t n o i . aliás. 1991) foram a primei* ra tentativa de apreender as sociedades do continente em seus próprios termos — em suas próprias relações —. Longe de se constituir em conteúdos ‘superestruturais’ ou ‘culturais’ das formações sul-americanas. E por isso que as M itológicas ensinavam mais sobre as sociedades ameríndias que. 1985. seus regimes de propriedade e herança. 1975. seus grupos corporados perpétuos e territorializados. bem como de fornecer um inventário geral do repertório simbólico a partir do * qual cada formação social gera suas diferenças específicas. os etnólogos estruturalistas da Amazônia não se con- . aqueles mate­ riais e processos articulavam diretamente uma sociologia indígena.o g i a b r a s i l e i r a 147 as M itológicas revelavam algo que os etnólogos que iniciavam seu trabalho na Amazônia não demoraram a perceber: que os mate­ riais simbólicos de que as sociedades sul-americanas lançam mão para se constituir. e assim as estruturas construíveis pelo analista. permitindo. Mas quanto a isso pouco se sabe. e isso desde a teoria das frentes de expansão (Darcy Ribeiro). isso separaria um tal seg­ m ento de outros segm entos da m esm o tribo. não os há menos do lado indígena. 1988: 13. 1996b) devem certamente ter codeterminado os processos de instituição do indigenato. mas logo buscaram restabelecer a continuidade entre os diversos sistemas indígenas —seja analisando os processos de intertransformação estrutural. diferenciava-se em formas organizacionais distintas. e certas estruturas cosmológicas pan-americanas (Viveiros de Castro. E verdade que eles insistiram bas­ tante sobre o caráter multiforme. que aproxim ariam aquele segm ento de outras tribos (ou segm entos de tribo) apesar da diversidade cultural.. Mas. por específica. e o pólo nacional ao universal ou ativo.148 Ed u a r d o V ivk iro s d e C a st r o tentaram em produzir descrições particularizantes de sistemas discretos. eles visavam justa­ mente mostrar como um mesmo grupo indígena.e situar os proces­ sos de articulação entre ‘instituições nativas’ e ‘instituições coloni­ ais’ nesse quadro histórico-sociológico nativo. não funciona menos como . historicamente variável das ‘agências’ de contato. Pois.] de um segm ento de um grupo indígena por um tipo específico de agente de con­ tato gerava padrões de organização social de um tipo bem determ inado. se há processos ° homogeneizadores presididos pelo Estado e a sociedade invasora. Vê-se bem como a situação define exaustivamente o situa­ do: este é tomado como matéria plástica e passiva pronta a rece­ ber uma forma que. seja determinando as modalidades de ‘abertura ao exterior’ próprias a cada sistema . porque os estudiosos dos processos de governam entalização ou territorialização parecem sempre correlacionar o pólo indígena ao particular ou passivo. tornandose semelhante a outros grupos semelhantemente ‘situados’: A m inha idéia era de que a situação de encapsulam ento [ . Paralelam ente. ao fazê-lo. não-monolítico. em situações moldadas por agências de contato (ou frentes de expansão) diver­ sas. os quais apesar da hom ogeneida­ de cu ltu ra l possuíssem um a diferente situação de contato (O liveira FD. grifo s m eus).. Contraste-se essa concepção da ‘a gência’ do contato (no sentido inglês de agency como ‘agencionalidade’) com a visão da agência nativa presente.OGIA BRASILEIRA 149 universal constitutivo. o foco é sobre a continuidade interindígena visível apesar das ‘diferenças de conteúdo’ derivadas das diferentes situações de contato envolvidas. 1991). em oposição à diversidade ou homo­ geneidade ‘social’ ativamente imposta pelas^ agências de contato. 1996a. essa preocupação em mostrar como a sujeição ao Estado gera uma condição comum “apelar das diferenças de conteúdo derivadas das diferentes tradições culturais envolvidas” (grifo meu) —isto é. exercendo-se apesar da cultura. e muitos dos americanistas rejeitariam qual­ . Mais geralmente. escrito ‘contra’ aspectos genéricos ou específicos da obra desse antropólogo. 1988: 14. grifos originais omitidos) —essa preocupação contrasta de modo notável com a abordagem que identifica um ‘modo de ser característico’ tanto dos grupos indígenas ‘indianizados’ pelo Estado como dos grupos menos afetados por esse processo (Gow. Na verdade.. de uma forma ou de ou­ tra.. um “modo de ser caracte­ rístico dos grupos indígenas assistidos pelo órgão tutor [. N este últim o caso. prossegue o autor. Se me preocupei em registrar a grande influência de LéviStrauss sobre a etnologia dos últimos trinta anos. por exemplo. a maioria do que foi escrito pelos pesqui­ sadores influenciados por Lévi-Strauss (a começar pelos mem­ bros do grupo de Maybury-Lewis) foi. A diversi­ dade ou homogeneidade ‘cultural’ dos grupos indígenas aparece como um ‘arbitrário’ inerte. onde os efeitos ‘culturais’ de agências religiosas distintas são examina­ das à luz de suas possibilidades de reinterpretação pelos pressu­ postos ‘sociais’ de um dado grupo indígena (Vilaça. em alguns estudos ‘estruturalistas’ recentes sobre a missionarização de sociedades amazônicas. devo entretanto sublinhar que a produção do período está muito longe de ser epigonal. b).] que eu poderia chamar aqui de indianidade para distinguir do modo de vida resultante do arbitrário cultural de cada um” (Oliveira F°.ÍITNOI. em particular. Turner. as modi­ ficações do modelo das M itológicas exigidas por sua aplicação a um corpus discursivo circunscrito (S. mas que ao mesmo tempo escrevem como se a obra de Lévi-Strauss e. O ponto merece atenção porque. 1986. ex. 1993a.. 1985) ou em suas interpretações da estrutura social dos Jê do Norte (p. ex. 1996). eternam ente obcecados por uma imagemfantasma do estruturalismo como paradigma que é preciso ‘superar’. Vi­ veiros de Castro. 1988). Entre negar o que se incorporou e negar o que sequer se começou a digerir vai uma grande diferença. 1998a. O melhor exemplo disso é Terence Turner. Nem todo antiestruturalismo é ‘pós-‘. 1984) não se furta a trabalhar com o instrumental analíti­ co ou com as intuições interpretativas de Lévi-Strauss. ex. isto é. Taylor. p. O ponto é que praticamente toda a etnologia da América do Sul praticada fora do marco do contatualismo é pós-estruturalista no sentido correto da expressão. para os americanistas. ela supõe a existência anterior da obra de Lévi-Strauss e reconhece que os termos de mais de um problema etnológico crucial foram decisivamente estabelecidos ou reformulados por esse antropólogo.. mesmo quan­ do é escrita contra ele43. corrigir ou subverter certas teses ou ênfa­ ses da obra lévi-straussiana. 1980. . a obra de Lévi-Strauss não está associada apenas 43. 1992. 1979). mas que em suas análises mitológicas (p. org. sua obra etnológica. ou a transformação bastante drástica da noção de ‘estrutura elementar de parentesco’ no contexto amazônico (Viveiros de Castro.150 Ií d u a r d o V i v e i r o s d e C a s t r o quer associação com o rótulo ‘estruturalismo’. A etnologia sul-americana atual é escrita a p a rtir de Lévi-Strauss. 1998). Recordem-se. Hill.. por exemplo. Lima. T. pois pode bem ser ‘pré-’.. A esse pós-estruturalismo em sentido próprio (mais ou menos simpático a Lévi-Strauss) da etnologia americanista deve-se contrapor a demonização do antropólogo francês por alguns contatualistas brasileiros (que não estão sozinhos nisso: ver. ou ainda a inversão da ênfase sobre a leitura ‘totêmica’ e metaforizante da oposição Natureza/Cultura em favor de processos de tipo metonímico (Descola. Mas pouco impor­ ta. Hugh-Jones.—C. A. um dos críticos mais veeementes do paradigma estruturalista. nunca tivesse existido. 1996b. Mesmo aqueles mais alinhados com a inspiração estrutural dedicaram-se justa­ mente a problematizar. —C. estendendo-se ao que a autora estima ser uma leitura insufi­ cientemente estruturalista da obra lévi-straussiana (Taylor. quanto ao fato. ou melhor. Em um artigo que discutiremos mais adiante. Trata-se de uma obra e de um autor que se referem privilegiadamente à etnologia americana. 217. 229). pelo materialismo ecológico-cultural. para imputar tal traço à influência daninha de Lévi-Strauss. Taylor sobre o ‘arcaísmo’ que caraterizaria a etnologia americanista. que propuseram teses e argu­ mentos específicos a respeito dessa realidade.'. cit. diga-se apenas como atesta a progressão regressiva da antropologia em direção a . O que ela vê como arcaizante são as marcas deixadas na disciplina pela etnologia alemã da virada do século e. Quanto ao mais. e por acusar seus co­ legas de “completa abstração dos contextos em que são gerados os dados etnográficos” (op. a isenção se acompa- I tinta eu à tánf* n i t t a p u U leaçt» . mais importante e menos visível aos observadores externos.IÍT N O L O G IA B R A SIL E IR A 151 (para alguns. Oliveira procede à mais completa abstração do contexto em que esse veredicto sobre o arcaísmo foi gerado.\ 67). e seu autor não é apenas mais um dos nomes destronados pelas mudanças sobrevindas no mercado consumidor de maítres à penser. a influên­ cia de Lévi-Strauss sobre o americanismo se deve tanto ao fato de que a antropologia estrutural esteve em evidência acadêmica durante alguns anos. sequer principalmente) ao estruturalismo como ‘es­ cola’. Com efeito. Oliveira (1998: 49) menciona um juízo de A. Registro aqui meu protesto. e que introduziram o pensamento indígena na teoria antropológica geral. retirando-o do gueto em que jazia desde o século XVI. De resto. 1997.. 217. Taylor exclui duas vezes a etnologia brasileira de sua acusação (“sauf au Brésil”: pp. outro ícone dos anos dourados (Delacampagne & Traimond. — a Sartre. que ela parece dirigir sobre­ tudo à etnologia norte-americana. por exemplo. em seguida. Oliveira é conhecido por insistir sobre a im pe­ riosa necessidade metodológica de contextualização.. cit. 229). Quem for ao texto de Anne-Christine Taylor (1984) verá que a pecha é lançada sobre a situação da etnologia sul-americana anterior à influência do estruturalismo. tendo erguido a parte principal de sua obra a partir da etnografia do continente44. de que esse autor é um americanista. ele opera uma descontextualização tendenciosa que' inverte o sentido original do juízo. Lévi-Strauss. 44. Mas a caridade começa em casa: ele teria andado bem se aplicasse sua própria lição ao uso que faz do juízo de Taylor (1984). 1998). Em suma. Nessas duas vezes. op. um dos pais fundadores dos Cultural Studies britânicos (versão original). diz a autora.” Respondi que. d ig r e s s ã o : Pa r i s . .. teria sido maior que em outros países onde se faz etnologia americanista.. Eu. P a r á i Há poucos m eses. mas seus índios parecem ter estudado em P aris. na realidade. ap resen tei.. havia uma questão fundamental embutida nas palavras de Stuart Hall: o que a antropologia deve teoricamente aos povos que estuda? Ou. entretanto. pareceu dar-se por satisfeito com isso. em um sim pósio em Manchester que reunia principalmente historiadores da cultura ocidental. Meu interlocutor. um texto sobre algumas concepções ameríndias de ‘na­ tureza’ e ‘cultura’ e suas diferenças frente à vulgata cosmológica da modernidade.152 E d u a r d o V ive iro s dk C a st r o que a in flu ên cia da antropologia estru tu ral sobre vários americanistas contemporâneos é uma entre muitas outras influ­ ências. A parte o tema óbvio da in­ fluência de Lévi-Strauss na produção etnológica sobre a América indígena. havia ocorrido exatamente o contrário: que alguns parisienses haviam estudado na Amazônia. Argumentei que minha análise devia tanto ao estruturalismo francês quanto este devia antes à etnologia americanista e. inversamente: as diferenças e mutações internas à teoria antropológica se explicam principalmente (e para todos os nha de uma referência causai a Lévi-Strauss. cuja influência no Brasil.. Durante os debates. mas sim Paris no P ará. um cavalheiro que depois me foi apresen­ tado como Stuart Hall. nem tanto.. aos ‘meus’ índios: não fora o Pará que estivera em Paris.. algumas bem distantes do paradigma lévi-straussiano. Conheço até estruturalistas pós-modernos. dessa forma. Parecia-me que a espetadela pedia uma resposta mais refletida. um dos participantes me provocou: “Seu trabalho é muito interessante. 1987. T he description o f the kula is on a p ar with that o f the black holes. Cuido que é preciso levar a sério a idéia de que as socieda­ des e culturas que são objeto da investigação antropológica influ­ enciam. nessa sinergia dialógica entre as concepções e práticas provenientes dos mundos do ‘sujeito’ e do ‘objeto’? Reconhecer isso ajudaria. Quem duvida dis­ so aceita um construtivismo de mão única que. no fundo. da mesma questão: seria essa a única hipótese teoricamente relevante? Ou não seria necessário estabelecer uma ‘rotação de perspectiva’ que mostrasse como nu­ merosos conceitos. T he com plex system s o f social alliance are as im aginative as the com plex evolutionary scenarios conceived for the selfish genes.BIRA 153 efeitos histórico-críticos. 1996a: 5). I f we talk about w hat m atters in a definition o f a Science —innovation in the agencies that furnish our world —anth ro po lo gy m ight w ell be close to the top o f the d isciplin ary pecking order (Latour. é forçado a desembocar na narrativa usual: a antropologia. T he Trobriand land tenure system is as interestin g a scientific objective as the polar icecap drilling. exclusivamente) pelas estruturas e con­ junturas dos campos intelectuais e contextos acadêmicos de onde provêm os antropólogos? Parafraseando aquela citação de Florestan —pois se trata. entidades e agentes propostos pe­ las teorias antropológicas se enraízam no esforço imaginativo das sociedades mesmas que elas pretendem explicar? Não estaria aí a originalidade da antropologia. U nderstanding the theology o f Australian A borígines is as im portant as charting the great undersea rifts. as teorias sobre a socie­ dade e a cultura formuladas a partir dessa investigação —inclusi­ ve de modo a pôr sob suspeita radical os conceitos mesmos de ‘sociedade’ e ‘cultura’ (Strathern.OGlA BRASI1. e a trocar nosso cansado repertório crítico da ‘desnaturalização’ e outros clichês análogos. 1988). de modos variados e decisivos. sob pena de autoimplosão solipsista. entre outras coisas. a ameni­ zar nosso complexo de inferioridade frente às impropriamente chamadas ‘ciências exatas’. até o exato momento em que escreve o autor da .ÜTNOr. problemas. feita por A. a análise. Esse regionalismo vem sen­ do interpretado exclusivamente em termos dos condicionantes no plano do ‘sujeito’ de conhecimento..154 E d u a r d o V ivk iro s dk C a s t r o denúncia. Taylor (1984) sobre os condicionantes do ‘americanismo tropical’. de resto excelente. 1990). em nenhum momento se per­ gunta qual a contribuição objetiva das formas socioculturais nativas do continente para a construção da imagem etnológica do ‘índio’.. parece explicar tudo. isto é. mas agora (por que sempre agora?) viu-se a luz e ela vai começar a construílo adequadamente. merecendo-lhes ser aplicado todo o desconstrucionismo à disposição na praça. que são obviamente fun­ damentais. a organização transnacional e tradicional da dis­ ciplina em subespecialidades como americanismo. com os povos indígenas se organizando e articulando um discurso político. hoje execrada por essencialista. pré-pós-globalização e inde­ cências similares (ver Fardon. quando se lêem diagnósticos como o de Fabian (1983). nunca se sabe se estamos diante de mais uma crispação de desespero cognitivo diante da inacessibilidade da coisa-em-si. para uma análise lúcida dos pressupostos ultra-ortodoxos dessa antropolo­ gia ‘heterodoxa’).. (Ver Argyrou. entre outras coisas. Mas ele também possui uma dimensão de realidade no plano do ‘objeto’ que costuma ser minimizada. 1999.45 45. quando se assiste a “une radicale transformation dans le rapport de force entre sociétés indigènes ét sociétés dominantes en A m érique du Sud”. Assim. 'sempre andou malconstruindo seu objeto. uma relevân­ cia específica para a velha problemática do ‘regionalismo’ antro­ pológico. que a agência indígena é reconhecida pela autora.—C. acoplada ao modo de inserção da América indígena na empresa colonial. e sobretudo quando se lêem as leituras que são feitas de Fabian e assemelhados. quando não soberbamente ignorada: como se os ameríndios devessem seus mundos vividos e concebidos aos am ericanistas. A história intelectual européia (e latino-americana). Estou portanto sugerindo. ou da velha taumaturgia iluminista em que o autor encarna a razão universal chegada para dispersar as trevas da superstição. africanismo etc. . E somente agora. Na verdade. afinal. que trans­ forma os ‘outros’ em ficções da imaginação ocidental sem qual­ quer voz no capítulo. a saber: nós mesmos. . Ver Sahlins. A alternativa a esse construtivismo de mão única não é. vez por outra. nem. põe a cabeça de fora: a de achar que todo discurso sobre os povos de tradição não-européia só serve para iluminar nossas ‘representações do outro’. de tanto ver no Outro sempre o Mesmo —de dizer que sob a máscara do outro somos ‘nós’ que estamos olhando para nós mesmos —. Pessoalmente. um subjetivis­ mo invertido que tomasse as chamadas ‘teorias nativas’ como refle­ xões auto transparentes sobre os mundos vividos de que são parte. acrescentar um insulto a uma injúria46. que se apresenta ao observa46. por­ tanto.o g i a b r a s i l e i r a 155 Certamente não penso que a antropologia seja o espelho da natureza —ou. um objetivismo transcendental. não passa de um teatro perverso (o tom é sempre moralizante) no qual o ‘outro’ é sempre ‘representado’ segundo os interesses sórdidos do Ocidente. para usarmos a expressão inglesa. o passo é curto para ir direto ao assunto que ‘nòs’ interessa. no caso. os outros são outros porque seus outros são outros que os nossos (nós.Ut n o i . inevitavelm ente exo tista e primitivista. Isso procede da con­ vicção de que a antropologia. por exemplo). Não há história e sociologia que disfarcem o subjetivismo dessa tese. de resto. Duplicar tal subjetivismo por um apelo à dialética da produção objetiva do ‘outro’ pelo sistema colonial é. Já Lévi-Strauss (1950) havia famosamente argumentado que as teorias indígenas são elementos do problema. 1997a: 52 et passim para essa possibilidade de expropriação ontológica das sociedades indígenas pelas teorias do ‘Sistema Mundial’ e pelos críticos do ‘orientalismo’. Parece-me visceralmente antiantropológica uma atitude que. O problema é que. Mas também não penso que ela seja simplesmente o espelho da nossa sociedade. nem seu irritante paternalismo epistemológico. estou mais interessado em sa­ ber como os outros ‘representam’ os seus outros que em saber como nós o fazemos. da sociedade (alheia). com a formação crescente de etnólogos do país e no país. A alternativa. e que toda antropologia bem feita será sempre uma ‘antropologia simétri­ ca’ em busca de um mundo comum (Latour. Sem dúvida: mas o mesmo se aplica às teorias antropológicas. nossa etnologia começou em larga medida com eles. devido à precedência histórica e ao estilo etnográfico esco­ lhido.156 E d u a r d o V iv e ir o s dk C a st r o dor. dos natura­ listas viajantes do século passado aos pesquisadores e professo­ res que se fixaram no país a partir das décadas de 20 e 30. não sua solução. como se sabe. e que até o início do período em revista tiveram um peso determinante. é 0 M A R C O N A C IO N A L Voltemos ao problema da ‘ethnology Brazilian style’. 1998). inicia-se o processo de substituição de importações aca­ dêmicas. Apesar disso. Os estudos indígenas no Brasil sempre contaram com um contingente expressivo de praticantes estrangeiros. em contínua renegociação histórica. Uma propor­ ção muito considerável dos etnólogos em atividade nas universida- . só pode ser um construtivismo de mão dupla. E também digno de nota que a etnologia seja ainda hoje a área de atuação preferencial de pesquisadores ‘estrangeiros’. Com a criação dos cursos de pós-graduação em antropolo­ gia a partir de 1968. em muitos casos. que não são assim tão pa­ tentes. portanto. e hoje a imensa maioria de pesquisas em curso no Brasil é feita por brasileiros. no qual a antropologia reconheça que suas teorias sempre exprimiram um compromisso. e exa­ minemos seus títulos de brasilidade. ainda são muitos os grupos indígenas que só foram estudados de modo aprofundado por pesquisadores vindos do exterior. Mas já nos anos 40—50 em São Paulo. entre os mundos do observado e do observador. a monografia de referência permanece sendo estrangeira. a participação nacional na produção etnológica cresceu vertiginosamente. e nos anos 50—60 também no Rio. visível ainda hoje. ainda que interna às fronteiras do país.liTNOl. o contato interétnico. A importância histórica da produção estrangeira. é também reconhecida em outras ciências so­ ciais. até bem » pouco. somadas. 1992: 72-73). O interesse pela ‘alteridade radical’. Não estou . mas sua incidência não foi exatamente a mesma em todas elas. socioculturais’ seria característico dos pesquisadores vindos de fora.OGIA DRAS1I. como se­ ria de se esperar. não seduzia muito os brasileiros —estes pareciam preferir. por exemplo. A primeira é que os estrangeiros seriam mais sensíveis a um ideal de exotismo e primitividade que. ao passo que a história cultural foi uma província desde cedo ocu­ pada por pesquisadores nativos. os nacionais preferindo análises políticas e econômicas das situações de contato interétnico (Melatti. 1998: 116—119). 1990a: 2. da antropologia. Peirano. isto é. Tomando-se de modo puramente impressionista a marcante presença estrangeira na etnologia. a se acreditar em uma observação freqüentemente feita: a de que o foco nas sociedades indígenas como ‘totalidades . não seria portanto uma caracte­ rística tipicamente nacional (Peirano. reciprocamente. Laura Mello e Souza observou que as obras influentes escritas por nãobrasileiros dedicaram-se antes à dimensão político-econômica. os exotismos da modernidade metropolitana. Ramos. Esse número é provavelmente maior do que o encontra­ do em todas as outras sub-áreas. em rodos os graus possíveis de aculturação (do sotaque carregado à mera certidão de nasci­ mento). Na etnologia teria sido o inverso que ocorreu. A segunda é que os cientistas sociais brasileiros privilegiariam. outras populações e categorias sociais do país: não seria então por acaso que os etnólogos (culturalmente) brasilei­ ros tenderiam a favorecer precisamente os processos de articula­ ção da sociedade nacional com os povos indígenas. 1982: 266. No caso da historiografia do Brasil. por sociologicamente mais representativas e ideologicamente mais relevantes. algumas idéias cruzam a mente.H1RA 157 des do país é de origem estrangeira. como capítulos de uma mesma obra. Laraia. E verdade que. com um livro ou artigo sobre o conta­ to e outro sobre as ‘características intrínsecas’ (exemplos: R. 1982). originária do cruzamento da etno-sociologia paulistana com o indigenismo do SPI. A associação entre ‘etnologia da tradição’ e ‘estrangeiros’. Refiro-me. para nossa honra. ao contrastar o interesse estrangeiro pelas “características intrínsecas dos grupos indígenas” com o nacional pelo tema do contato. Um dos primeiros etnólogos universitários a se interessar pelos estudos de mudança cultural no Brasil foi Herbert Baldus. R. por fim. Cardoso. é claro. e nas décadas seguintes pesquisadores como James e Virginia Watson. Hemming (1978. J. pois. Vários deles conti­ nuaram escrevendo análises distintas. muitos brasileiros ‘atípicos’. felizmente. aos já citados Darcy Ribeiro. de outro. Por súa vez. de um lado. mas geralmente em artigos distintos daqueles em que analisavam o sistema social indígena” (1992: 72—73. E. se fosse. 1983: 20—21 )47. Charles Wagley. dir-se-á mais tarde) do grupo estudado.158 Hd u a r d o V i v k i r o s d k C a s t r o convencido de que esse seja realmente o caso. DaMatta. mas isso não quer dizer que os antropólogos nativos passaram a tratar conjuntamente das duas coisas. em que se podem recordar os trabalhos de Thomas ([1968]. O mesmo se aplica ao interesse mais recente pela história do contato interétnico. então só nos restaria concluir que o país e sua etnologia têm. . C. e ‘etnologia da mudança’ e ‘nacionais’. Mariza Peirano. a partir do final dos anos 50 até o final da década de 70. Kalervo Oberg e Robert Murphy ilustra­ ram-se nessa linha de pesquisa (ver as referências em Melatti. n. R. que passava assim a característica intrínseca (‘constitutiva’. a problemática da mudança foi-se identificando a uma linhagem específica de etnólogos nacionais. 1987) ou Davis (1977). Florestan Fernandes. muitos simplesmente encaparam juntos. É verdade. Além disso. 15). Roberto 47. é empiricamente discutível. tratando exclusivamente da relação entre grupos indígenas e sociedade nacional. vários ficaram só com metade do objeto. o primeiro grande estudo sobre um sistema social indígena tomado como ‘totalidade sociocultural’ foi levado a cabo pelo brasileiro. Melatti). os dois temas. ressalva que “antropólogos [estrangeirosl radicados no Brasil já tratavam da relação entre grupos indígenas e sociedade nacional. denota muitas vezes simplesmente a antro­ pologia dos índios situados em território nacional (Schaden. territorialização. é claro. esses pesquisadores. Velho. de ‘populações’ juridicamente brasileiras48. ao estruturalismo. A partir dos anos 80. e que D. Ver. 1980. 1976: 4).O G IA B RASILB1RA 159 Cardoso de Oliveira e a seus seguidores. Essa história já foi contada e analisada muitas vezes. a etnologia institucionalmente brasileira trata apenas. a etnologia inclusive. e mais particularmente de sua posteridade fundamentalista. entretanto. etnicidade e etnopolítica veio crescendo sem cessar. ‘Etnologia brasileira’. juntamente com Cardoso. sobre temas como missionarizaçâo. que está na origem da linha de pesquisa sobre o campesinato do Museu Nacional. Nesse mesmo período. cabeça do grande projeto ‘estruturalista’ de estudo dos índios do Brasil central nos anos 60. coordenou também. entretanto. da tradição nacional de estudos de contato iniciada no fim dos anos 50.H T N O I. Estou-me referindo. Peirano. mais que etnologia feita por brasileiros. o Projeto de Estudo Comparado Nordeste-Brasil Central. com raríssimas exce­ ções. Como as demais ciências sociais no país. no Brasil e em outros países lati­ no-americanos. para as ciências sociais em geral e a antropologia em particular. O segundo e bem mais importante problema é a brasilidade dos povos estudados. Ao contrário. e vários de seus colegas brasileiros menos identificados com tal tradição. Os processos e estruturas do con­ tato interétnico são tomados como parte da circunstância histórica das sociedades indígenas. e . governamentalização. também trabalham sobre outros assuntos. Maybury-Lewis. por exemplo: Florestan 1956-1957 [1975]. As razões para 48. e não o contrário. 1981. por sua vez. Mas con­ vém não esquecer que Cardoso de Oliveira e seus alunos opera­ ram em ambas as frentes por algum tempo (alguns deles perma­ nentemente). o número de etnólogos de origem ‘me­ tropolitana’ que vêm trabalhando. os pesquisadores estrangeiros (mas também alguns nacionais) tenderam a se concentrar em certos avanços da teoria antropológica que não punham em primeiro plano a situação colonial. 1992. acima’ de tudo. como a pouca disponibilidade de recur­ sos para pesquisas de campo no exterior. foram tão ou mais relevantes para determinar essa focalização sobre sociedades indígenas situadas no Brasil: fatores inerciais. sabia-se bem pouco sobre todas as sociedades nativas sul-americanas. a imprensa e os porta-vozes da classe dominante em geral — a premissa de que a tarefa primacial das ciências sociais brasileiras é conhecer a chamada realidade brasileira.demandas quanto à terra e assistência formuladas ao órgão indigenista . é claro. Trinta ou qua­ renta anos atrás. Outros fatores. E o padrão resultante foi o esperado: “Paris pensa o mundo. resolvendo problemas brasi­ leiros como a questão indígena. a concentração de esforços dos pesquisa­ dores nacionais. em especial a premissa partilhada por suces­ sivos governos de toda cor política. Recife pensa o Nordeste” (Reis. Esse compromisso. fatores ideológicos. Um padrão. sobre os índios situados no Brasil era uma escolha lógica. porém. a intelectualidade progressista ou conser­ vadora. 1991: 30)49. Veja-se o que escreve Oliveira (1998: 51) sobre os índios e os etnólogos do Nordeste: “E a partir de fatos de natureza política . a Igreja. ou fatores econômicos. Mas.160 Ed u a r d o V ive iro s d e C a stro isso são variadas. algumas delas são até razoáveis. 49. Co­ nhecer para transformá-la. com a expectativa de se fazer uma “ciência social interessada” (Peirano. aliás. 1992: 79) — o que não é sempre sinônimo de uma ciência social interessante —foi decisivo para fixar nossa etnologia no estudo de índios dentro do território brasileiro. recomendado por alguns. como a especialização regional dos formadores de novos etnólogos e a ausência de uma tradição de estudos em outras áreas ou países. pelas agências financiadoras nativas ou alienígenas.que os atuais povos indígenas do Nordeste são coloca­ dos como objeto de atenção para os antropólogos sediados nas universida- . ao menos verbal (mas onde entra um forte desejo de autoconvencimento). que se formavam então. São Paulo pensa o Brasil. a mesa-redonda da Anpocs publicada na Revista brasileira ele Ciências Sociais 16 (1991). menos ligados a decisões relativas ao estado do conhecimento. ou. os Makuxi e os Yanomami. Hoje já se contam 215 povos. por terem se mostrado regionalistas e particularizantes. 1995)50.OGIA BRASll. ainda. e que portanto a concentração da produção brasileira sobre os povos aqui localizados traduz antes um a priori ideológico dos pesquisadores que propriedades objetivas do uni­ verso estudado. os Ticuna. listados em 1994 (Ricardo. por outra. não existe como tal para os índios. 51-52).lvlRA 161 Acontece. W. operam mais com objetos políticos ou. têm parte de seu contingente em países limítrofes. no lugar de São Paulo. tal como observado por Peirano (1995b: 24): em lugar de definir suas práticas por diálogos teóri­ cos. apenas. que entre eles estão alguns dos povos demograficamente mais importantes. e que vários povos. que a ‘questão indígena’. mas o Recife pode ficar no mesmo lugar. note-se que. com a dimensão política dos conceitos da antropologia”. que legiti­ ma tantas carreiras acadêmicas no país. Então a periferia da periferia precisa das luzes teóricas da periferia? 50. Quanto a isso de objetos políticos mais que diálogos teóricos (que não é bem o que disse Peirano). O reconhecimento de que a localização dos povos indíge­ nas dentro dos limites do país não é uma condição fundante (se des da região. ponha-se alguma metrópole anglo-saxã (nada de estrutura­ lismo). Reis. um dos (maiores) problemas dos índios é o problema dos bran­ cos. Vale recordar que 35 dos 206 povos indígenas no Brasil.liTNOl. e por não terem feito um “esforço de conceituação” (op. como os Guarani. têm a fração mais numerosa de sua população situada além das fronteiras nacionais. naturalmente. no lugar de Paris. Para eles não há o ‘problema dos índios’. É a exata fórmula de F. Oli­ veira admoesta alguns etnólogos nordestinos por não terem desenvolvido um “discurso teórico e interpretativo”. O que aí ocorre exemplifica uma trajetória possível de insti­ tucionalização para uma antropologia periférica. o Rio de Janeiro (o Museu N acional. logo após essa hierarquização de preferências. cit:. inclusive dois dos quatro precedentes. . Com isso estou apenas chamando a atenção para o fato de que as fronteiras geopolíticas contemporâneas estão muito longe de definir (ainda que sobredeterminem de várias maneiras) os conjuntos socioculturais pertinentes dos pontos de vista antro­ pológico e indígena. de preferência). sabe-se lá por quê). que se tirem todas as conseqüências do fato de que a trajetória histórica das sociedades nativas não começou com a partilha européia do continente: assim. sem flexão de número ou gênero e usando letras não reconhecidas pela ortografia de palavras portuguesas. Grupioni. 52. Há uma forte tendência de se abandonar a prática tradicional em etnologia —que segue aqui a convenção da ABA. continuaram não aceitando o plural português e mantendo letras como w> k e j . fortemente marcada por usos próprios do inglês —de se grafarem os etnônimos com inicial maiúscula (mesmo quando em função sintática determinativa). org.162 E d u a r d o V iv h ir o s dií C a s t r o as há) da constituição social desses povos. quando no nominativo. Essa pequena reforma lingüística per­ mite.. Com isso está-se recusando a gramática da integração e da assimilação que por tanto tempo guiou a doutrina do Estado para os povos indígenas. com flexão de número (mas não de gênero. Ver. não são uniformes.. 1992) inclui ensaios sobre populações localizadas no Chaco e na Amazônia subandina52. por exemplo. mas passaram a utilizar inicial m inúscula nos usos determinativos. por exemplo. org. Lopes da Silva & Grupioni. A consolidação da forma ‘índios no Brasil’ se deve ao Projeto Povos Indígenas na Brasil. Nenhum desses usos é neutro. 51. 1994. entretanto. abrasileirando lingúisticamente os etnônimos com sua transformação em gentílicos convencionais: tudo em minúscula. mas apenas uma cir­ cunstância adventícia ou superveniente. Alguns etnólogos preferem seguir os manuais de redação da imprensa (cujas inconsistências são apontadas por Ricardo [1995: 34]). Por falar em reformas lingüísticas. e que persiste como projeto oficioso em diversos setores oficiais.\ iniciado em 1978 pelo Centro Ecumênico de D ocumen­ tação e Informação. Há quem rejeite a convenção da ABA por sua suposta pretensão de estabelecer uma nomen- . os etnólogos ainda não nos pusemos de acordo sobre a ortografia dos etnônimos indígenas.. e a nomenclatura oficial da Funai é meramente aleatória. de forte conotação posses­ siva51. Outros mantiveram os etnônimos. 1995. com inicial m aiúscula. A convenção de 1953 da ABA sobre a ‘grafia dos nomes tribais’ nunca foi integralmente respeita­ da. sem letras nãooficiais. tem se exprimido no uso cada vez mais comum do locativo ‘índios no Brasil’ em lugar do tradicional genitivo ‘índios do Brasil’. um livro intitulado História dos índios no Brasil (Carneiro da Cunha. As alter­ nativas. orgs. clatura científica de tipo botânico ou zoológico . e não um somatório de indivíduos (Ricardo. também é certo que seus nomes designam uma coletividade única. sendo-lhes constitucionalmente reconhecidos organizações socioculturais diferenciadas e direitos originários sobre as terras que ocupam. em português e/ou no vernáculo nativo).isto é. cons­ tituíram a categoria histórica ‘índio brasileiro’ como correlato e objeto desse processo de governamentalização. por exemplo. Mas há quem entenda (e estou com estes) que pior que tal ‘naturalização’ é a ‘aculturação’ forçada pelo abrasileiramento dos etnônimos. os membros individuais dos coletivos indíge­ nas localizados no Brasil são cidadãos brasileiros. em lugar de os arauetés. étnico e territorial diferenciado dentro da ‘comunhão nacional’. quando são os próprios índios que decidem como se haverá de grafar seu etnônimo.IsTNOLOGIA BRASILEIRA 163 Isso posto. os Araweté. não só porque os etnólogos tiveram. neste século. uma parcela muito significativa da população indí­ gena no país fala alternativa ou exclusivamente o português. os índios no Brasil foram e são alvo de políticas públicas específicas. como acontece nos grupos que utilizam a escrita. digamos assim. como porque a condição de ‘índio brasileiro’ é um elemento do contexto de reprodução social das populações assim definidas. 1997: 160 n . uma participação de destaque em sua criação e recriação jurídicas. Além disso. Além disso.l). tendo sido subm eti­ dos a uma série de dispositivos homogeneizadores —a começar por uma condição jurídico-adm inistrativa uniforme — que. enquanto os povos nativos não têm países ou pátrias que se possam escrever com inicial maiúscula. (A questão é outra. desse objeto não diminui seu óbvio inte­ resse do ponto de vista da antropologia. natural­ mente. Por isso. por ‘naturalizar’ as sociedades indígenas (Vidal & Barreto F°. 1995). é um modo. certam en­ te simbólico. se os brasileiros têm o Brasil ou os escoceses a Escócia. Sobretudo. O estatuto deri­ vativo. e tem sido um instru­ mento estratégico de mobilização política. ao incidirem sobre formações socioculturais muito diversas. um povo ou so­ ciedade. escre­ ver. e está em interação regular com grupos. . de reconhecer um coletivo lingüístico. agências e instituições da sociedade envolvente. como se ela encerrasse o alfa e o ômega da existên­ cia dos coletivos assim (auto-)identificados. Parafraseando a observação de Lévi-Strauss (1958: 17) sobre o funcionalismo: dizer que não há sociedade indígena fora de uma situação de contato com a sociedade nacional é um truísmo. Tais coletivos certamen­ te têm outras coisas com que se ocupar além de ‘ser índios’. não traga estampado bem visível o signo da sujeição. 1997: 14). outros há que contiquam a apostar teoricamente no ab­ surdo. por exem­ plo) não pode desembocar em uma nova reificação. Se alguns traba­ lhos se mostraram pouco atentos a todas as conseqüências do truísmo. porém. a menos que se contente em sér um ramo menor da sociologia política do Brasil. dizer. desta vez savante. 53. em objetos administrativos de um Estado-sujeito (Foucault. pouco importa) do movimento obje­ tivo de anexação sociopolítica dos povos indígenas pelo Estado nacional. o constitutivo com o constitucional — a categoria jurídico-política ‘índio’. por sua vez. e portanto todo o inte­ resse que eles podem oferecer à etnologia. que os transformou em populações indígenas. é preciso insistir em um ponto funda­ mental. e a etnologia deve segui-los. 1979)53. na vida dos povos indígenas. que tudo nessa sociedade se explica pela situação de contato com a sociedade nacional é um absurdo. em nome de alguma pretensa cesura epistemológica (uma ruptura com o ‘exotismo’. expressão de uma certa relação com o Estado. Ela só não o fará se. à parte o que . que toma —talvez confundindo o discurso da constituição com o texto da Constituição. talvez?). Se assim proceder. termine por se sujeitar de fato a uma censura epistemológica que proíbe a aproximação a tudo aquilo que. a etnologia estará aceitando ser o mero reflexo teórico (positivo ou negativo.164 Ii D U A R D O V l V B I R O S DK C A S T R O Isso posto. A subsunção dos povos indígenas e outras minorias étnicas do país pelo conceito genérico de populações submetidas (Arruti. isto é. Mas a etnologia brasileira não precisa dessa última hipótese. A necessidade de se ‘romper’ com o ‘senso comum’ que identificaria a condição de índio a uma essência étnico-cultural naturalizada (quantificável em graus de pureza. 1995b: 25). Quando digo absurda a idéia de que tudo em uma sociedade indígena seja constituído pela situação de contato. e se não a fizeram como lhes aprouve —pois ninguém o faz —. o engajamento político do intelectual o ajuda na sua procura de identidade: estudando o indígena. 54. isto é. a ‘resistência’ —a essência e a razão de tais ‘populações’. ‘índios’ e ‘negros’). O que estou dizendo é que é impossível que um coletivo huma­ no seja constituído senão pelo que ele próprio constitui. sua. feita no contexto de uma comparação entre as antropologias brasileira e indiana em seus comuns sentimentos de inferio­ ridade diante da metrópole: “No caso brasileiro. and that this so not because. como se houvera pedacinhos da sociedade a salvo da infecção colonial. nem por isso deixaram de fazê-la a seu modo —pois ninguém pode fazê-lo de outro54. como se uma sociedade fora um objeto composto de partes.OG1A BRASILEIRA 165 Recusar essa missão especular nada tem que ver com uma busca de ‘índios isolados’ ou de ‘áreas preservadas’ da vida social indígena. o negro. os sentimentos de inferio­ ridade vis-à-vis os centros europeus e norté-americanos são também [como na índia] marcantes. o camponês. A sujeição torna-se principio de subjetivação. E recorde-se aqui uma observação de Peirano. em suma. No entanto. antes de mais nada. que o que a história fez desses povos é inseparável do que esses povos fizeram da história. in the sentimental language . o antropólogo está esco­ lhendo como objeto de estudo os grupos ‘despossuídos’ ou ‘oprim idos’ da sociedade” (Peirano. is react to those features of the ongoing consequences o f European colonial expansion that have impinged upon them. e tampouco com uma celebração da ‘resistência’ das culturas nativas face aos processos históricos de espoliação e dominação. historically. It is necessary to demonstrate that the specific form o f successive colonial situations arose from the ways Piro people set about constituting them. Fizeram-na.IÍTNOI. manifesta do tradicional m sh fu l thinking a respeito da união dos excluídos (no caso em pauta. faz dessa condição comum de submissão —ou seu inverso reativo. esse ‘tudo’ não pode evidentemente ser tomado em extensão. as classes urbanas empobrecidas. Este parágrafo é uma interpretação do quê Peter Gow escreveu nas pági­ nas finais de um livro em preparação (1998) sobre os Piro da Amazônia peruana: “The present study would have achieved little if ali it said was that what Piro people have done. Estou dizendo. o caipira. Piro people have indeed been passive victims of exploitation. and hence have no choice other than to constitiite the world around them in ways that are intrinsically meaningful to them.166 l i n U A R D O V l V K I R O S DH C A S T R O A mesma observação se aplica igualmente. Do fato de que toda sociedade é apreendida pelo observador em uma situa­ ção histórica determinada não se segue que tudo o que ele obser­ va naquela sociedade possa ser atribuído a uma situação histórica determinável. the reason why it is necessary to demonstrate that the specific form o f successive colonial situations arose from the ways Piro people set about constituting them is because Piro people are produced socially by other Piro people. And. sad though it is to say. this is true even o f how they have had to live as passive victims o f exploitation. can be put down to the fact that it is a period of postwar paciflcation”55. quando se iniciou a penetração da administração australiana nas populosas terras altas da Nova Guiné e a conseqüente ‘pacificação’ das relações intergrupais na região. and it would be grotesque for me to pretend that this is not so. Recorde-se a advertência de M. people make history. pacified Highlands. e em particular a uma situação gerada e gerida pelo sistema colonial. A autora está-se referindo ao período do pós-guerra (de 1945). but they do not make it as they please”. ao in­ teresse pela dimensão histórica dos fenômenos estudados pela etnologia. Instead. For much of their recent history. no caso dos índios no Brasil como em qualquer outro. da qual hoje se faz grande e justo caso (não há quem não afirme o ideal de uma ‘antropologia histórica’. btutality and injustice. 55. portanto. for example. Com efeito. Strathern (1992: 152) a propósito da etnologia da Nova Guiné: “The great trap of historical analysis is presentism: the assumption that what goes on in the postwar. For. brutality and injustice. Piro people are not passive victims but active agents. as Marx pointed out. e poucos não castigam çitualmente uma ‘ênfase na sincronia’ supostamente ca' racterística de tudo o que veio antes na disciplina). políticas e discursivas do mundo dos brancos. in situations where they had no say and no means to fight back. / . o objeto da etnologia possui uma realidade bem maior que aquela projetada pelas fronteiras históricas. o f resistance theories. * zantes. Como se a história só começasse. o mundo social ameríndio anterior ao contato com os eu­ ropeus é visto em termos descontinuístas. Quando foi justamente o contrário que aconteceu: como se sabe.” (Oliveira F°. a partir do momento em que eles começam a se transform ar em apêndices do Estado nacional. 1988: 59). A noção de contato interétnico é sempre concebi­ da como se referindo primordialmente ao contato entre índios e brancos (para uma exceção. e igualmente questionável. situacionados e assim por diante: “ [a] situação de con­ tato interétnico de certo modo desnaturaliza os códigos cultu­ rais em que uma pessoa foi so cializad a. supra) — só pode ser tomada como correta no sentido óbvio de que os povos prá-colombianos eram politicamente inde­ pendentes dos Estados europeus.. sem nenhuma noção de alteridade e nenhum disposi­ tivo interétnico até o advento desnaturalizante dos europeus56. mas o conceito aqui passa a ser o de 'relações intertribais’). 56. termine por retroprojetar um universo pré-colombiano marcado exatamente por aquelas características que eles tanto criticam na imagem que os ‘etnólogos clássicos’ fariam das sociedades indígenas contemporâneas. isto é. dentro de universos sociológicos e cognitivos insulares. . 1993) sobre a história dos Kayapó. em seu afã de mostrar a penetração massiva do siste­ ma colonial na vida dos povos autóctones. Por isso. his­ tóricos. pois a etnia invasora rompeu o tecido sociopolítico que ligava. ver Ramos 1980. funcionando como uma espécie de sociologia prática que rompe os véus da illusio cultural. Dá-se com isso a impressão falsa de que os índios viviam.1ÍTNOLOG1A BRASILEIRA 167 Não é incomum que a etnologia praticada pelos estudiosos do contato. os ‘índios isolados’. se jamais existiram. a caracterização feita por Alcida Ramos da trajetória histórica dos povos indígenas — “from self-sufficient units to helpless appendages of the national powers” (cf. para esses povos. “de certo modo”. As­ sim.. todos os povos do subcontinente (Viveiros de Castro. que vieram a dizimá-los demograficamente e sujeitar politicamente. 1993b). com maior ou menor densidade. são uma criação pós-colonial. ex. É só a partir dali que eles se tornam objetiva e subjetivamente ‘desnaturalizados’. nas reflexões de Terence Turner (p. estáticos e naturali. desempenha um papel importante.. A idéia de que esse contato interétnico possui uma força desnaturalizadora toda particular. Often. org. ex. this take the form o f a concern for ‘contact’. “History is often treated as something that arrives.. but the impact of (our) history on that society” (Ortner. ou em nome de urtia recusa bem-pensante da sempre mal-entendida distinção lévi-straussiana entre ‘sociedades frias’ e ‘quentes’ (p. e como os europeus foram situados ativamente por esse sistema cosmológico (Lévi-Strauss. Assim. the various advocates o f 'a n anti-Lévi-Straussian historical anthropology reguiarly smuggle synchronic analysis back into the work. nem muito histórica. entre os índios ‘antes’ e ‘depois’ dos europeus (ver Viveiros de Castro. like a ship. from outside the society in question. 1996a: 192-194)58. muito do que se faz sob o rótulo de ‘antropologia histórica’. but in disguised form. reduzindo-as a uma historiografia do ‘contato’. começa por não mostrar inte­ resse nas histórias indígenas. Hill. as análises das mitologias indígenas sobre o ‘con­ tato’ e os ‘brancos’ mostram justamente como a construção so­ cial do ‘outro’ sempre foi um dos temas centrais do pensamento ameríndio. subscre­ ve-se um outro. Por isso me parece importante que um livro como a H istória dos índios no B rasil traga capítulos dedicados à arqueologia e à lingüística histórica. onde evoluíam ‘unidades autosuficientes’. E digno de nota que os ‘antropólogos históricos’ da escola do contato não pareçam considerar relevantes as contribuições da arqueologia pré-colombiana e dos estudos de história cultural: sua sociologia política do contato tem pouca coisa que ver com uma história indígena. Thus we do not get the history o f that society. 1991). pois não é. e um mundo ‘histórico’ povoado de apêndices cons­ tituídos pelo contato interétnico57. 58. A mesma idéia é exprim ida por Gow (1998): “For ali the criticisms o f Lévi-Strauss and structuralism . nem muito indígena. 1984: 143). e termina por produzir uma descontinuidade abso­ luta entre o mundo pré-colonial. Em nome de um ataque ao dualismo entre sociedade indígena e sociedade nacional.168 [ i n i l A R D O V l V K I R O S DH C A S T R O Além das provas em contrário fornecidas pela arqueologia e pela história. 57. que se poderia chamar de cognitivam ente colonialista. By positing a unique moment in which two formerly separate social Systems or . 1988). rom­ pendo com a concepção truncada e etnocêntrica da ‘história indígena’ como algo que começa com a invasão européia. 1973: 37). não é necessariamente ‘antropologia aplicada’. I quoted the celebrated statement by Wolf: T h e global processes set in motion by European expansion constitute their history as well. só não existe o ‘meramente acadêmico’. nesse assunto da brasilidade da etnologia brasilei­ ra. Rome and Paris in that year when compared to parallel events on the Bajo Urubamba. Careful reading reveals that W olf’s claim implies that there were indeed once people without history. no people without history. O que seria mesmo o ‘brasileiro’ da etnologia brasileira? Essa questão da brasilidade substantiva da etnologia feita no país não é meramente acadêmica59. em que tanto se recorre a uma retórica antiacadêmica que lança suspeição de superfluidade contra a ciência ‘pura’ e a pesquisa ‘básica’ . cultural. aliás.. mas pode bem ser ‘antropolo­ gia diluída’ (Lévi-Strauss. tão característico de certos acadêmicos.. teórica —enfim. and that was before the global processes set in motion by European expansion. There are thus no ‘contemporary ancestors’. Há a questão de sua hipotética especificidade estilística. preguiça e o que mais se queira na academia. Na atual conjuntura de estrangulamento financeiro e de ataque ideológico à ciência e à universidade. Ela nos remete. f. aliás.whose histories have remained cold’ [1982:385]. are entertained by a broad-brush portrait of the world in that year. And readers of the second chapter of W olf’s book. Quem se exprime assim não tem o direito de se queixar quando chegam os inimigos neoliberais da uni­ versidade pública cobrando ‘produtividade’ e ‘retorno para a sociedade’. Existe enganação. o célebre ‘compromisso político’ dos antropólogos e demais cientistas sociais tem que incluir a defesa intransigente do ‘puramen­ te acadêmico’ e do ‘não-aplicado’.” 59. a cultures carne into contact. . com o perdão da má palavra. dedicando-nos a implementar seus deriva­ dos tecnológicos —. no peoples . temática. O contrário de ‘antropologia pura’.não falta quem sugira que devemos importar os fundamentos de fora. anthropologists are able to specify a base-line period (and preferably date) from which reproduction becomes potential transformation. Como tampouco o é o uso.to use Lévi-Strauss’s phrase . and quite silent on the evident disparities in our knowledge of what was happening in London. peoples whose histories had remained cold.OG1A BRASILEIRA 169 A M A R C A N A C IO NA L Há mais. da qualificação pejorativa ‘meramente acadêmico’. in Cuzco or Ipanema. devoid of any discussion of the status of this knowledge or of how it was acquired.ÜTNOI. “The world in 1400”. que uma questão de cidadania dos pesquisadores ou dos pes­ quisados.] In the Introduction. os no im aginário da b rasilidade.. 1995a: 53). como a ‘diferença’ é construída às avessas: geralmente estamos nos perguntando qual a nossa especificidade.e. acadêmico). 1982. em contraste com as antropologias metropolitanas: “Em geral não só estudamos ‘nós mesmos’ .. 1995. e atravessa outras ciências sociais. e esses dois temas às vezes terminam entrelaçados60. finalmente. em parte por causa do papel simbólico dos índi. em que somos peculiares.. e em parte.. Mas talvez haja. Uma vez reconheci­ do seu indiscutível valor histórico-antropológico (i. em evidência também no Brasil61. mas parece preocupar-se também com o que poderíamos chamar de etnicidade teórica dos antropólogos (brasileiros). o que nos separa e distingue” (Peirano. sim. 61. é preciso cuidar para que os resultados descritivos e interpretativos 60. Ver: Gerholm & Hannerz. O tema aparentemente arcaico da virtualidade ou realidade de uma ‘ciência brasileira’ continua na agenda de alguns etnólogos. orgs. Cardoso de Oliveira. orgs. em parte devido ao descolamento teórico entre a etnologia dos índios no Brasil e a dos índios do Brasil. A oposição entre ‘nativistas’ e ‘cosmopolitas’ é antiga. na qual ela continua a servir de referência para algumas das abordagens ditas ‘póscolonialistas’. graças à penetração tardia da ‘teoria da dependência’ (esse caso raro de sucesso da ciência social ‘periférica’ na metrópole —se foi isso mesmo que aconteceu) dentro da antropologia mundial. mas em etnologia ela parece ter uma pungência toda sua. A questão não é meramente ‘acadêmica’ porque a etnologia bra­ sileira não se ocupa apenas da teoria da identidade étnica aplica­ da aos índios (brasileiros). 1988. um aspecto propriamente acadêmico nessa discussão. Cardoso de Oliveira & Ruben. a respeito da tradição da antropologia nacional de se concentrar em populações brasileiras. Penso aqui na voga recente de estudos sobre os ‘estilos nacionais’ de antropologia e na questão das ‘antropologias periféricas’. . ocasião em que Darcy Ribeiro ressuscitou uma retórica cara ao nacionalismo isebiano. Como já se observou.170 Ud u a r d o V ivhiros d k C a s t r o palpitantes debates do final dos anos 70.. Longe de anacrônicas. sem e­ lhantes questões “içam Darcy R ib eiro . diz Arruti..liT N O l. mas seu tema é essencialmente o ideal darciano (que o autor faz seu) de uma antropologia à brasileira. escrito pelo jovem etnólogo J. Ela ilustra bem a dupla aspiração de atualidade e de brasilidade que parece m oti­ var vários etnólogos brasileiros. ao se substituir um alegado essencialismo regionalista no plano do objeto por um virtual essencialismo nacionalista no plano do sujeito. Quanto ao de­ bate. E nosso autor conclui: 62.? Bem. 63. trata-se da discussão muito em voga sobre os condicionantes macroe micropolíticos do projeto epistemológico da antropologia. para um debate de grande atualidade. mais recentem en­ te. Em caso co ntrário . diga-se de passagem. pelos critérios mesmos de Arruti.O G IA B R A SIL E IR A 171 desses estudos não acabem por se converter em imperativos cate­ góricos —a ‘antropologia brasileira’ sendo a antropologia que os brasileiros devemos fazer62. em uma espécie de nova doxa revisionista e hipercriticista. por exemplo. são na realidade muitíssimo mais ‘metropolitanos’ do que os antropólogos brasileiros. o livro-síntese da trajetória intelectual de Darcy Ribeiro (1995)... ao cabo das últimas décadas. a Fundação Ford não financia. Arruti propõe ali um argum en­ to sobre a ‘pós-m odernidade’ da obra de Darcy. Estes autores. que responderia à necessidade de uma "teoria de nós mesmos". inicialmente proposto por antropólogos ori­ ginários de ex-colônias asiáticas e africanas e. Tome-se por exemplo o ensaio sobre O povo brasileiro. Homi Bhabha (idetn). debate que desembocou. Lila Abu-Lughod e outros. Arjun Appadurai. M. que esse interesse pelos estilos nacionais de antropologia seja contemporâ­ neo da desafeição das vanguardas teóricas pelo chamado ‘regiona­ lismo’ antropológico. reapropriado pelos chamados pós-m odernos” (1995: 237)63. à qual não faltam mortes anunciadas e herdei- . Edward Said (que é mais um antiantropólogo honorário).. Mas não está muito claro o que se ganha (e o que se perde). Suponho que esses antropólogos a que o autor está-se referindo sejam Talai Asad.. anglófonos e instalados em geral nas grandes universidades americanas e européias. já referida acima.. em caso contrário. A rruti (1995). E curioso. .172 Ií d u a r d o V i v e i r o s d e C a s t r o A o p retender criar um a ‘antropologia b rasileira’. 1996). sua captura como superfície de inscrição das falhas ideológicas internas à etnologia brasileira está baseada em uma série de mal-entendidos deliberados. Isso não impediu os dois autores de aderir a paradigmas tão pouco autóctones quanto o materialismo cultu­ ral e o neo-evolucionismo ianques de Julian Steward e Leslie W hite (caso de Darcy).. esses supercosmopolitas deliqüescentes.. D arcy Ribeiro liga-se [. e a se ouvir vozes dissidentes (Sahlins. Levando em conta qu e o p e n sam e n to a n tro p o ló g ic o é p arte da p ró p ria c o n fig u ra ç ã o sociocultural de que em erge e que sua form a predom inante m oderna é o E stad o -n ação .] M as falar em dife­ rentes antropologias nacionais.] aos já citados antropólogos-nativos.. justam ente. como sugerem os periféricos. 1999). ou as narrativas européias da ‘invenção da tradição’ e da ‘etnicidade’ de Eric Hobsbawm e Fredrik Barth (cf. O dilem a da antropolo­ gia brasileira. a afirm ação dessa incom patibilidade só é possível enquanto não nos dam os conta de que o m odelo do universal com que a antropologia m etropolitana trabalha é em inentem ente ocidental e. mas em que também se começam a perceber sinais de esgotamento. b. Já vimos tantas vezes esse film e. digamos assim. 243.. não significa­ ria negar. Latour... nos dois sentidos contidos pela expressão.. ele m esm o. se os pós-m odernos. 1995. a universalidade fundadora da proposta antropológi­ ca? C om o nos lem bra M ariza Peirano.. Além disso. Darcy costumava casti­ gar. à antropologia periférica que tenta se desvencilhar dos dis­ cursos m etropolitanos e fundar um a visão própria [ . cinqüenta por cento do que se estima no mercado acadêmico .... grifo m eu). b. Valha o que valer tal debate . org.no máximo. 1997a. [ . D arcy Ribeiro propõe que ela abandone a aspiração inalcançável de ser européia e se faça original (op. cit:. A rru ti. 1997). no lim ite. 1996a. é.] Para nossa antropologia m am eluca.. parte de ideologias nacionais.. e A rruti agora o secunda. os antropólogos brasileiros por serem colonizados. na nossa relação com as fontes teóricas tradicionais existe um a assim etria cuja origem é o fato colonial. já ‘reapropriaram ’ o discurso dos antropólogos egressos das antigas colônias do império ociros presuntivos da disciplina (Wade. com o de outras antropologias periféricas. .. Argyrou. 1993. que tem sido ex­ presso na dualidade entre ser antropólogo e ser n a tiv o . como os Iatmul ou os Nuer. cuja existência presente é vis­ ta como residual. ‘superíndios xinguanos’. Ela naturaliza uma identificação étnico-cultural (defensável. termina é abrasileirando os povos indígenas. cujas foto­ grafias os Yawalapíti viam em meus livros. Ou­ tras populações tribais ‘exóticas’. Por exemplo: os índios Yawalapíti do Alto Xingu. que conheci em 1975— 1977. Os europeus e norte-americanos eram classificados como karaiba-kut?iã1 ‘super-brasileiros’ (o sufixo -kumã tem o sentido de ‘outro. grande. foram-me classificadas como warayu-kumã. das condi­ ções africanas para as brasileiras (ver Turner [1988: 240] e Ramos [1990: 20] para esse problema). chamavam os brancos (e negros) brasileiros de karaiba. A palavra warayu aplica-se a todos os índios não-xinguanos. porém —índios que têm em geral a diferença entre eles mesmos e os ‘brancos’ brasileiros por infinitamente maior que a diferença entre esses últimos e os ‘brancos’ estrangeiros65. A obra de Darcy. Ela repete em outro registro a dificultosa importação do conceito de ‘si­ tuação colonial’ de Balandier pela teoria cardosiana do contato. sobrenatu­ ral’). toda a ênfase tendo sido deslocada para o aporte indígena à brasilidade mestiça. 65. O problema é outro. sob o pretexto legíti­ mo e interessante de indigenizar o ‘povo brasileiro’. Os . Já os japoneses e outros orientais. Seria bom avisar os índios dessa parceria. no caso dos an­ tropólogos africanos e asiáticos em que pensa Arruti) entre os antropólogos brasileiros e os índios. então continuamos nosso repugnante contubérnio com os metropolitanos. Os desafios que os índios continuam lançando às ideologias do Estado-nação e da brasilidade são varridos para debaixo do tapete. “Teoria de nós mesmos”? Nós mesmos quem? A alegada analogia do que faz Darcy com o anticolonialismo dos antropó­ logos ‘periféricos’ é muito problemática64. que eventualmente visitavam o Xingu eram classificados como putaka-kum ã. contra os antropólogos ‘me­ tropolitanos’ e seus ‘discursos’. talvez. ‘superíndios bravos’. poderoso. Mas até aí tudo bem: todo mundo por aqui tem mesmo as idéias fora do lugar. Nova64.Et n o l o g i a b r a s i l e i r a 173 dental. em particular esse livro resenhado por Arruti. e tem a conotação de primitividade e selvageria. 1998). por exemplo) e com quem ele interage regularmente. 66. Mas não vai ser pegando essa carona nos problemas enfrentados pelos índios que a antropologia brasileira (“nos dois sentidos”) vai resolver seu inexistente dilema. tudo bem66. apreciadas pelo partido teórico de Arruti (mas que eu também gosto de ouvir de vez em quando). sobre a cultura como fluxos e correntes. Criticam-se com virulên­ cia as concepções organicistas. mas em oposição também ao componente ‘não-civilizado’ da humanidade ‘nãoíndia’. —precisam ser completados por duas cláusulas de exceção. hibridismos multilocalizados e diaspóricos e assim por diante. Quanto ao ideal de uma originalidade e autenticidade “mamelucas”. é possível que determinado grupo indígena se veja como muito próximo dos setores da sociedade nacional que partilham aspectos importantes de seu modo de vida (os camponeses ribeirinhos da Amazônia. porque. nem de uma oposição nacionalista entre ‘brasileiros’ (índios ou não) e ‘estrangeiros’. ‘não naturalizarás’. de tabela. Mas aí serão os índios e os campo­ neses que se distinguirão em comum dos representantes da cultura dom i­ nante urbana. portanto. Não se tratava.174 E d u a r d o V iv e ir o s d k C a st r o mente. está-se usan­ do o colonialismo ‘interno’ que oprime econômica e politicamen­ te os índios —colonialismo exercido pela sociedade e pelo Estado brasileiros. Quando aplicadas pelos índios. A primeira: ‘aos nativos será . não por uma potência metropolitana —para fundar analogicamente esse requisitório pequeno-burguês contra um co­ lonialismo ‘externo’ que alienaria intelectualmente os antropólo­ gos nativos. ‘não exotizarás’. tudo bem também (Oliveira F°. observo apenas que ele destoa de certas melodias antropológicas de vanguarda. Pare­ ce assim que os mandamentos da pós-antropologia —‘não essencializarás’. não totalizarás’. nem de uma oposição evolucionista simples entre povos ‘tradicionais’ e ‘modernos’. Cabe também Yatvalapíti se identificavam com o componente biotipicamente 'índio’ da humanidade ‘civilizada’ em oposição a seu componente ‘não-índio’. ‘não cobiçarás os discursos metropolitanos do próximo’ etc. ‘não dicotomizarás’. reificadas e essencializadas de cultura —mas pelo jeito só quando aplicadas aos índios. no caso dos antropólogos nativos. estão-se nacionalizando os índios para melhor se poder indigenizar os antropólogos nacionais e. Em outros casos. um certo risco de cross-sterili^ation. só posso perguntar em que consistiria essa brasilidade: o que seria uma teoria mameluca da gravitação quântica? Onde os quarks caboclos? permitido tudo o que se proíbe aos antropólogos’. ou a ‘antropologia cultural americana’ aos alem ães.. eu ponderaria que a física. aliás. à física brasileira. A segunda: ‘a certos antropólogos será permitido definir-se como nativos’.Ü T N O l. O G I A BRAS ILEIR A 175 indagar se nestes tempos de multiculturalismo. Boa pergunta: por que a antropologia não pode ser brasilei­ ra sem ter que ser ‘autenticamente brasileira’? Se lembramos tudo o que deve a ‘antropologia social britânica’ aos franceses. como é o caso do namoro franco-americano atual (desconstrucionismo pra cá. . caberia indagar se ele se aplicaria. isto é. por exemplo.).. Quanto ao argumento sobre a particularidade cultural do universalismo (esta ideologia européia. como se diz. Se me respondem que a física brasileira também deve ser autêntica. manejado por Arruti para justificar a busca de uma antropologia autenticamente brasi­ leira. Mas talvez se ache que o hibridismo seja menos chocante quando praticado entre metropolitanos consencientes —mesmo se envolve. afinal. vale lem brar a indagação form ula­ da por Radhakrishnan: “por que eu não posso ser indiano sem ter de ser ‘autenticam ente indiano’? A autenticidade é um lar que construím os para nós m esm os ou é um gueto que habitam os para satisfazer ao m undo do m i­ nante?” (O liveira F°. Se me respondem que antropologia não é física.. pragmatismo pra lá). 1998: 68). é igualmente “parte da própria configuração cultural de que emerge” (essa fórmula de Arruti é de um culturalismo impecável) e que. a distinção entre ciências da natureza e da cultura é mais ocidental que a OTAN.. se esta também deve se desvencilhar dos “dis­ cursos metropolitanos”. ca­ bem tais exortações à autenticidade: Em tem pos de m ulticulturalism o. antropologia não é poesia.. que. Ela parece sugerir que devemos abandonar esse uni­ versal.176 Ií d u a r d o V i v e i r o s d k C a s t r o O paradoxo do universalismo pardcular é interessante. os antropólo­ gos da província. acrescido de mais uma torção . se bem entendi.”. ou fingindo ignorá-lo. religiosamente invocados em toda introdução de tese ou relatório de auto-avaliação. Isso não seria querer ser mais europeu que a Europa? Está óbvio que o apelo aos particulares não resolve o problema dos universais —só dá para sair dessa em diagonal. seria porque desejamos um universal menos particular. injetando uma certa dose de realidade em nossos ‘diálogos’ imaginários com a produção internacional. e buscar um outro. apesar de algumas disposi­ ções recentes em contrário? O colonialismo cultural é mesmo uma chave-de-galão. Ou queremos? De qualquer modo. Donde se con­ clui que.. ambas as quais permanecem. se o universal é uma manifestação do particular. Ao poeta da província. por ainda particular. consistem o mais das vezes em um feroz ataque a uma teoria estrangeira à luz de outra teoria estrangeira. O que me recorda uma frase irônica de Antonio Cândido.por exemplo. canta tua aldeia. não queremos tal universalidade. graças à impenetrabilidade de nosso vernáculo (entre outras coisas). desejar o particular é desejar o verda­ deiro universal. Mas. nós. Mas. a antropologia se define por querer ser universal cantando as aldeias dos outros. E. um gigantesco double bind histórico. impavidamente alheias ao que se faz com seu nome e em seu nome .. como de todo double bind. citada por Mariza Peirano: “Para nós a Europa já é o universal. mais universal. e se é por isso que não o almeja­ mos mais. A idéia de que a antropologia deve buscar universais é hoje (quase univer­ salmente) questionada em nome da descoberta antropológica de que o universal é particular (ao Ocidente). ou devolvendo-o ao remetente. só se sai dele. procuremos o nosso próprio particular)? Mas. aconselhase: se queres ser universal. neste caso. mais universal? Ou talvez porque percebamos que o verdadei­ ro universal é sempre particular (logo.. isto é. (2) discutir a questão da respon­ sabilidade social dos etnólogos para com os povos que estudam. A ETN OLOG IA DO C O M P R O M I S S O As avaliações da produção etnológica brasileira. os nacionais concentrando-se no contato interétnico e na situação político-econômica dos povos indígenas. Alcida ligará essa responsa­ bilidade social ao tema favorito da etnologia nativa: “The privileged focus of Brazilian ethnology on interethnic relations [. 3). como ob­ servei acim a. Se é para ‘dialogar’.] is associated with an attitude o f political commitment to the defense of the rights of the peoples studied” (p. Resta ver se isso interessa a toda a “antropologia mameluca”. e não tem muito outro jeito..IÍ T N O L O G IA BR AS IL EI R A 177 por estas bandas. Voltemos ao artigo de Alcida Ra­ mos. Um leitor excessiva­ mente sutil poderia extrair daí o corolário: brasileiro que não .. Já vimos o que pensar da divisória estrangeiros/nativos. e a meter a colher na sopa metropolitana. mas em última análise a explicação apela para um maior “compromisso político” ou “responsabilidade social” dos etnólogos nativos (Ramos. 1990a). examinando agora suas teses substantivas sobre a etnologia à brasileira. então seria preciso começar a rebater para a matriz nossas lucubrações periféricas. Os dois temas. entretanto. Nosso ativismo é um atavismo. associando-as a uma questão de origem dos pesquisa­ dores: os estrangeiros mais interessados na cultura e organização social. O artigo anuncia um duplo propósito: (1) apresentar para um público antropológico não-brasileiro algumas das caracterís­ ticas da etnologia feita no Brasil. Algumas con­ siderações de contexto histórico e intelectual são aduzidas para essa diferença. revelam-se um só: o traço distintivo da etnologia brasileira é a responsabilidade social dos antropólo­ gos. costumam contrastar duas vertentes tem áticoestilísticas. 1998: 116. gringos ou da terra. Seja como for. nada a objetar ao compromisso po­ lítico dos etnólogos brasileiros. e mais especificamente sua tese de 1981. op. Para indicações sobre o tema do 'social com mitment’ no imaginário das ciên­ cias sociais brasileiras. os estrangeiros. Ela é a internalização de uma acusação tradicional dos agentes do indigenismo de Estado contra os etnólogos: enquanto os primei­ ros ‘fazem alguma coisa’ pelos índios. a meu ver. e evocando a figura emblemática de Nimuendaju (Schaden. ver as referências em Peirano. . Essa entrelinha virtual é na verdade uma representa­ ção explícita (com a qual estou certo de que Alcida não concor­ da) de certos setores da etnologia nacional. carecia de se fazer uma boa desconstrução do tema do ‘compromisso político’. também tenho lá meus engajamentos. A acusação (até porque ela foi comprada pelos índios em certas ocasiões) sempre calou fundo na consci­ ência dos etnólogos. esse mantra da etnologia brasileira —não há quem não fale nisso. Não há. e que exprimem. evidentemente. tratando-os assim como os funcio­ nários do SPI e da Funai tratavam todos os antropólogos. os segundos só querem saber de suas teses etc. O que me incomoda são os miasmas paternalistas que às vezes parecem emanar de tais testemunhos de compro­ misso. a longa história de envolvi­ mento e identificação da etnologia brasileira com os aparelhos 67.178 IÍD U A RD O V IV H IR O S DK CA STR O estuda relações interétnicas não faz uma etnologia tipicamente brasileira —e não tem compromisso com a defesa dos direitos dos índios. 1976)67. 1976: 18—19). que se defendem reafirmando seu compro­ misso político e responsabilidade social. como não faltou quem utilizasse isso para valorizar uma inserção na adm inistração indigenista (Zarur. cit. é desnecessário enfa­ tizar sua utilidade nas batalhas por hegemonia acadêmica. Uma outra saída é transferir a pecha de academicismo alienado para os outros antropólogos.: 6). como “praticamente todos os etnólogos no Brasil” (Ramos. Eduardo Galvão e Roberto Cardoso de Oliveira. e para os ouvidos do Estado. grande entusiasmo por “com68. na presença em instâncias como o CNPI. razoavelmente fiel ao original. Lima faz da “cisão que evita­ mos abordar”: de um lado. gostaria tam­ bém de dizer que não tenho obviamente nada a opor. muitos etnólogos brasileiros não mostram. . uma linha “‘descendente’ direta de preo­ cupações administrativas. sejam análises de ins­ piração antropológica sobre as ideologias da nacionalidade. e sobretudo a definição dos objetos e objetivos da prática etnológica a partir do ponto de vista dessas instâncias. Voltemos um momento àquela caracterização semijocosa que A. voltada somente para o estudo das interações com a ‘sociedade nacional’” (1998: 263). O que me parece efetivamen­ te inaceitável é o uso do discurso etnológico para legitim ar a participação nessas instâncias. de fato. ou a uma intervenção política e teórica de nossa disciplina sobre a ‘questão indígena’. mas ela pede alguns retoques. em suas passagens pelo SPI. de outro. via Darcy Ribeiro. E quero deixar igualmente claro que não ‘sou contra’ que se trabalhe na Funai ou para a Funai. Vários antropólogos vêm mostrando que é possível faz. Não acho que trabalhar nas agências indigenistas condene alguém ao fogo eterno — mas também não acho que canonize alguém.er uma antropologia do Brasil. A caricatura me parece. ou o uso da participação nessas instâncias para legitimar o discurso etnológico. ou que se colabore (no bom sentido) com órgãos responsá­ veis por políticas públicas que visem ou afetem os índios etc. Pinfim. E muito menos me oponho ao valioso trabalho de desconstrução histórico-sociológica do indigenismo de Pistado. Quero deixar bem claro que não estou me referindo a Alcida Ramos. do caráter na­ cional etc.Ü T N O L O G I A BR AS IL EI RA 179 indigenistas de Estado68. que não seja tributária das obsessões da nacionalidade. O discurso etnólogico sobre os índios foi. no fim das contas. ao projeto de uma antropologia do Brasil —sejam estudos antropológicos de grupos sociais não-indígenas localizados no país. e da questão indígena. uma etnologia “depurada de compro­ missos com a administração pública” e voltada para as “dimen­ sões internas”. em vários momentos. Assim. um discurso feito de dentro do Estado. cujo compromisso com o destino dos Yanomami só merece admiração. muito pelo contrário. Não penso que exista qualquer afinidade especial entre o ponto de vista da etnologia e o dos órgãos indigenistas (oficiais ou alternativos). au contraire. Quanto à outra linha. é muitas vezes financiada com a moeda da essencialização do Estado. que seus ‘precursores’ Darcy. mas sobretudo da postura definidora dos ideólogos da etnia dominante: o Esta­ do nacional é tomado como espaço analítico natural de ‘contextu alização ’ dos povos indígenas. A em presa teórica de ‘desnaturalização’ do conceito de sociedade (indígena). que se vê promovido ao estatuto de instância transcendente de que as sociedades indí­ genas derivam suas modestas e incertas cotas-parte de realidade. pode­ riam dizer alguns. Pois existe. o termo foi em pregado em certo período para designar o indigenismo praticado pelos contatualistas: não se trata portanto de uma antropologia da ação indígena. observe-se. aqui me parece que Lima pega leve na caricatura.” —o que foi o caso de alguns de seus sucessores. Hesitando entre ser um discurso sobre o Estado.180 E d u a r d o V ivkiro s dk C a st r o promissos com a administração pública”. boa parte dessa socio­ logia indigenista ou metaindigenista termina sendo mesmo é uma 69. mas da antropologia como ação indigenista. e não estiveram sempre voltados “so­ mente para o estudo das interações etc. mas aqui caberia também ponderar que o esmiuçamento analítico da administração dos índios não legitima automática e/ou retrospectivamente um engajamento paralelo (oficial ou oficioso) na mesma. E verdade ainda que a maioria deles não se têm distinguido no estudo sociológico e histórico da política indigenista. encarecida pelos representantes do contatualismo. não somente do olhar administrativo do colonizador. . uma certa herança em muito do que se fez em nome de uma ‘antropologia da ação’69. Galvão e Cardoso fizeram um bo­ cado de etnologia clássica. tema que a outra tradição incorporou recentemente com grande sucesso. o que não significa que eles não tenham seus compromissos políticos . E sobre ser essa linha descendente de “preocupações administrativas”. ainda que na forma de ‘participa­ ção crítica’. um discurso a p a rtir do Estado e um discurso do Estado. ‘Antropologia da ação’ não se refere a uma teoria da ação social. sim. antes de mais nada. 1987.liT N O l. A proporção. par excellence. O que não chega a ser muito diferente da suposta cumplicidade originá­ ria da etnologia clássica.. com o imperia­ lismo metropolitano. 1992. Intimidade essa. talvez. aliás. 1993). Em sua análise do americanismo no contexto histórico-cultural da Améri­ ca Latina. A. 1990a: 24) — poder nem sempre distinguível do velho esquem a da patronagem70 —e a incômoda intimidade. 70. o compro­ misso político perene dos etnólogos brasileiros talvez seja alivia­ do de seus ambíguos contrapesos: o poder que eles sempre exer­ ceram como mediadores e porta-vozes dos índios (Ramos. 464ss. porém. 1995). que sugere que a distância objetiva entre os etnólogos e os índios é muito maior do que imaginam as fantasias idendficatórias da “antropologia mameluca” . H. Taylor sublinha o “statut très fortement valorisé de l ’anthropoiogie dans ces pays. une ‘science politique’ en Amérique latine” (1984: 220). isto é. haja vista o complexo continental do ‘indigenismo’.). Apenas recentemente os antropólogos começaram a anali­ sar de modo competente os instrumentos jurídicos de sustenta­ ção do aparelho colonial (Carneiro da Cunha. et |le] rôle politique non-négligeable que jouent les ethnologues latino-américains dans les politiques de leur pays à 1’égard des populations indigènes. . da antropologia. Albert. de classe senão de cre­ do. 1992. 1988.O G IA H R A SlU ilR A 181 ciênáa de listado (Deleuze & Guattari. Lima. entretanto. Isso tra­ duz um deslocamento muito importante da posição de enunciação do discurso etnológico em face do indigenismo oficial —sem que esteja excluída. Lima. que o de seus congêneres latino-americanos. Favre a fait remarquer que 1’ethnologie était. 1980: 446ss. mas poder de mesma natureza. Perrone-Moisés. Poder menor. 1992) e a reconstituir os processos de ‘governamentalização’ nesse setor (A. a possibilidade de que em alguns casos o novo discurso dos etnólogos continue a estar sendo diri­ gido aos ouvidos do Príncipe. que os índios começam a enunciar um discurso próprio para o Estado brasilei­ ro e os brancos em geral (Ramos. que quase sempre mantiveram com os poderes constituídos. e nos projetos de cons­ trução de uma ‘identidade nacional’ (ver Peirano. se pensarmos nos paralelos presentes na an­ tropologia norte-americana da mesma época (como no esforço dos boasianos em pensar a identidade nacional de lá: Stocking.182 E d u a r d o V iv e ir o s d e C a stro O ‘compromisso político’ da etnologia já foi atribuído às raízes que esta e outras ciências sociais brasileiras deitam nos modernismos nacionalistas dos anos 20. é claro . Entendo o que isso possa querer 71. mais marcadas pelas ciências naturais (Ramos. guia­ da pelo ideal do nation-building. Com efeito. parecem ter estado mais envolvidos com o que poderíamos chamar de processo de 1s pecies-building. E faltaria enquadrar o caso da antropologia francesa. isso teria dado à nossa antropologia em geral um sabor humanístico diverso do de outras tradições antropológicas.pouco mais com­ plicado quando se introduz sua vertente americanista. Esquecer isso é subscrever a ideologia dos ‘índios do Brasil’. e penso sobretudo em Lévi-Strauss. instrumentos de um processo de empire-building (op. they are part of our country. do ponto de vista dos povos indígenas... é a oposição sugerida por Alcida Ramos entre a antropologia brasileira.. 26 n. . O contraste não me parece indiscutível. mas é preciso sublinhar com o traço mais grosso pos­ sível que.6)7l. op. — à versão gaulesa do em pire-building. herdeiros que eram do século XVIII mais que do XIX (Taylor 1984). cit:. os americanistas daquele país. (op. 1981.] Brazilian Indians are o u rothers.. estando assim associa­ dos — criticamente.N ão há dúvida de que há diferenças significativas — não tivemos antropólogos em nenhum Projeto Camelot. 1989). que os recorta com a tesoura do Estado e os veste com o trajo da brasilidade: “ [. they constitute an important ingredient in the process of building our n a t i o n j . e voltados como estavam para o estabelecimento de univer­ sais sociológicos ou cognitivos da espécie humana. 9). cit:. nosso nationbuilding é um caso puro e simples de empire-building. entretanto. um . 1992). se os antropólogos marxistas franceses operavam no âmbito do império colonial francês (pois eram ou são africanistas na maioria). e as antropologias britânica e americana. O que é realmente problemático. salvo engano —. cit: 7). m ay very w ell w ork as an alibi to dispense w ith the need to learn the Indian language. cit:. a maioria utiliza intérpretes ou concentra a interlocução nos indivíduos ou setores do grupo que falam português.Kt n o l o g i a b r a s i l e i r a 183 marcar no confronto com uma audiência norte-americana. Isso tem como conseqüência o fato de que ainda são raros os etnólogos brasileiros que mostram uma proficiência razoável na língua do grupo que estudam. porém. O principal problema apontado é o ritmo descontínuo das pesqui­ sas de campo: ‘Rarely has a Brazilian ethnographer spent a whole continuous year in the field’ (op. só pode ser porque somos os outros (entre ou­ tros) deles. se os índios são realmente ‘nossos outros’. Alcida Ramos sugere um correlato muito im­ portante dessa situação: G iving p rio rity to the them e o f in tereth n ic relations. im p o rtan t as it is. conti­ nuaremos na década de 20 ou 30. E. pois não? A LlNGUA PRESA O artigo de Alcida Ramos traz também observações pene­ trantes sobre certas deficiências do estilo etnológico nacional. Logo em seguida. as it ptesum es a long standin g experience o f the Indians w ith nationals and a fairly go o d com m and o f P ortuguese on their part (op. distribuídas ao longo de um largo período de tem­ po. cá entre nós. baixa competência lingüística). que formulações como “os índios são parte de nosso país” ou “os índios são nossos outros” dependem de um gesto imperial e colonial (não existe isso de colonialismo interno. mas se não reconhecermos. 11). A prática usual são visitas curtas. interno do ponto de vista de quem?). Ar­ gumenta que nosso estilo “produz resultados muito diferentes . cit: 12). a autora acha qualidades nessas insuficiências (visitas curtas. 4) . O compromisso político com os povos indígenas não pode servir de desculpa para despreparo técnico. Ramos. 73. deixem-m. cit:. Minha pesquisa entre os Araweté padeceu das mesmas deficiências apontadas por Alcida Ramos: meu traba­ lho de campo inicial foi curto (10 meses). faría­ mos cinema. Nada disso me convence nem um pouco. um tempo que poderia ser gasto “in theoretical thinking and in sharpening methodological tools”. ao se envolverem com a luta indígena (perdendo.soam como uma tentativa pouco hábil de eximir a etnologia brasileira de suas responsabili­ dades teóricas. desde a criação da pós-graduação no país.184 li D U A R D O V l V K I R O S D l i C A S T R O do tipo tradicional de etnografia à Malinowski”. diz ela com alguma ironia. op. o trabalho de campo inicial prolongado e o aprendiza­ do da língua seriam impedimento a um envolvimento cumulativo e de longo prazo?72 E fácil ver que os notáveis progressos quali­ tativos alcançados pela etnologia brasileira nas duas últimas dé­ cadas se fizeram em proporção direta ao aumento do tempo médio de permanência contínua no campo e a um melhor mane­ jo das línguas nativas73.)? Por que. aliás. cit. que ele desmen­ te assim a “mística do trabalho de campo prolongado” e que ele compensa suas carências por um “envolvimento cumulativo e de longo prazo com o povo estudado. como a autora observa {loc. Em vez de tirar fotografias nítidas. A carreira da própria autora é a m elhor prova de que uma coisa não impede a outra. etnografia em movimento. Antes que alguém pense nisso. um foco teórico concentra­ do” etc. diz A. esperamos que os estudantes de doutorado passem pelo menos um ano fazendo trabalho de campo. . Tais argumentos de tipo ‘em compensação’ —como aquele outro avançado por Alcida Ramos sobre o que ganham moral e politicamente os etnólogos brasileiros. e meu controle da língua araweté é relativamente restrito.e esclarecer que não estou me incluindo entre as exceções honrosas. Se o estilo tradicional nativo é tão bom assim. por que. mediocri­ 72. dependendo das condições sociolingüísticas. A questão da língua me parece fundamental. denúncias e articulações políticas contra invasões genocidas do território yanomami. Cada termo da alternativa tem seus prós e contras. ex­ tensos materiais lingüísticos e etnográficos de apoio a ações de saúde e assistência. como é tão freqüentemente o caso nos grotões acadêmicos do país. polêmicas científicas contra idiotices pseudodarwinistas de outros antropólogos etc. Acho também difícil encontrar vantagens compensatórias nessa ausência. Penso que Alcida Ramos está coberta de razão em dizer que o foco nos processos de contato interétnico tem servido como álibi para o não-aprendizado da língua. ou antes —. da sensibilidade do etnógrafo e do tempo de permanência no. análises ino­ vadoras do ‘contato’. O melhor desmentido a esses argumentos é o trabalho de etnólogos como a própria Alcida Ramos ou Bruce Albert. campo. reflexões sobre o trabalho etnográfico. A questão não se presta a normatizações genéricas. É claro que ela não é incapacitante: como atestam algumas pesquisas conduzidas predominantemen­ te na língua de contato. é possível obterem-se resultados que pouco devem aos-obtidos pelo procedimento clássico. O G A DRASII. detalhadas justificativas de demarcação terri­ torial.K RA 185 dade descridva e indigência reflexiva. Mas pode haver nisso mais que um problema de estratégia de trabalho. que produziram brilhantes interpreta­ ções da organização social e ritual dos Yanomami. e tem limitado grandemente as possi­ bilidades de pesquisa. A decisão metodológica de se trabalhar com infor­ . pois toda pesquisa começa no dia em que se põem os pés na aldeia. as coisas se resu­ mem à alternativa prática: ou a pesquisa é o resultado do que se pôde aprender. sem se aprender a língua. Uma vez que raramente se passa no campo o tempo necessário para se adquirir um domínio fluente da língua nativa e só então começar a fazer a pesquisa —o que de qualquer modo é impossível.1 1 IÍ T N O I. enquanto se aprendia a língua. ou ela é o resultado do que se pôde aprender. quando os índios se sentem tão ou mais à vontade falando o português que a língua nativa. naturalmente. nesse plano crucial que é o controle do código de comunicação. menos rica (se o aprendizado foi incipiente) quê aquela que se fez sem se aprender a língua nativa —mas. entretanto. se assim o foi. uma assimetria a seu favor. que é um exemplo de boa etnografia conduzida em uma língua nãonativa. ainda que raramente atingida pelos 74. sobrevalorizando-os e excluindo muitas vezes perspectivas cruci­ ais. e não pode ser avalia­ da simplesmente em termos do maior ou menor conhecimento obtido: é bem possível que uma pesquisa que se fez enquanto se aprendia a língua nativa tenha sido. A alternati­ va acima enunciada não é portanto neutra. o autor. mesmo tempo causa e conseqüência daquela decisão teórica assumida por tan­ tos etnólogos contatualistas: a decisão de se m inim izar ou secundarizar o ‘arbitrário cultural’ nativo. mui­ tíssimo menos familiar a ele que aos Piro. No caso da pesquisa de Gow (1991) entre os Piro. ele às vezes permanece surdo). foi justamente porque o etnógrafo decidiu recusar. sob alguns aspectos.186 Ud u a r d o V iv k iro s dk C a s t r o mantes bilíngües e tradutores parece-me ser ao . como a da parcela feminina da população ou a de facções menos ligadas às agências de contato: ela é uma escolha política tanto quanto metodológica. a opção de se trabalhar no vernáculo do colonizador não direciona apenas a pesquisa para os aspectos exprimíveis nesse código. anglófono. teve que aprender o espanhol amazônico. Essa é uma situação bem diversa daquela em que o etnógrafo trabalha em sua própria língua. ou dominando o primeiro melhor que o antropólogo. a assimetria de competência não se verifica. implicando o acesso diferencial à língua domi­ nante pelos interlocutores do ‘diálogo’ etnográfico74. em favor dos ‘proces­ sos homogeneizadores’ voltados para a subordinação das ordens socioculturais indígenas. tendo apenas que se adaptar ao falar regional (a cujas especificidades. Esse modo de formular o dilema está supondo que a profi­ ciência na língua nativa. Um dos instrumentos cruciais de tal subordinação é a língua do pólo étnico dominante. Por isso. . Tal acesso diferencial é o caso mais comum. . grant absolute authorit)' to the observer. 1991). ..EIRA 187 etnólogos brasileiros. Voltando a questões não-hipotéticas. org. são um obstáculo óbvio. ou só admita o estudo de povos indígenas que falem exclusivamente o português.) apareceriam como mais autênticos — justamente porque menos ‘autênticos’ aos olhos ‘naturalizantes’ do ‘senso comum’ — que aqueles grupos que o fazem. Mas não acredito que nenhum etnólogo chegue realmente a condenar a opção de se realizar a pesquisa na língua nativa. a saber: a ‘desnaturalização’ integral da condição indígena. Gledhill sobre a suposta ‘m ística’ da autoridade etnográfica. tampouco problemas —apa­ 75. but it sure as hell improves on not being there at ali” (1996: 48). Contra tal absurdo é difícil achar o que dizer75. por exotista. não oferece escolha. e que tal ideal seja discretam ente desencorajado em certos círculos. seja um ideal consensual. há de se convir que ela é uma das mais convincentes aparências da cultura. pois. ainda que a língua não seja a essência da cultura (Ingold.. Mas há a possibilida­ de de que aquela censura epistemológica acima aludida esteja operando tam bém aqui. a cujos olhos os grupos indígenas que não utilizam um vernáculo próprio (ou não tem uma aparência física distintiva etc. O que não passa de um modo mais complicado de se cair no conto da autenticidade. sua redução a uma categoria políüca mediante um combate sem quartel a todo ‘culturalismo’. o g i a BRAS11. Seja como for. denunciada por Clifford e congêneres: “ ‘Being there’ does not. As línguas indígenas. o f course. essencialista e diversionário em relação ao único propósito legítimo da etnologia. but it sure as h e ll. ele casaria bem com uma certa sofisticaria pós-moderna. Diga-se o mesmo no presente caso: falar a língua nativa não dá superpoderes científi­ cos ao etnógrafo. Só posso aqui lembrar o que disse J. nesse caso. talvez apenas menos valorizado e perseguido por alguns. no caso das populações que fazem uso exclusivo do português. e. evi­ dentemente. A etnografia de gru­ pos monolíngües (no vernáculo indígena ou no português).B t n o f . o emprego freqüente de uma convenção que consiste em grafar as falas (em portu­ guês) indígenas de um modo estranhamente pseudofonético. . Ou.188 Kd u a r d o V i v e ir o s dií C a s t r o rentemente. os idiomatismos do grupo ou região. nas monografias antropológicas. não deveria dispensar o pesquisador de uma reflexão sociolingüística. O resultado é quase sempre desastroso. se é mesmo de rigor. que devires minoritários atravessam essas apropriações da língua dominante. a condução da pesquisa em português. outra é esse arremedo de grafia ‘cor local’. Já vi isso feito também em alguns trabalhos sobre ‘populações camponesas’. pouco ficamos sabendo sobre que espécie de português falam os índios. a fala de minorias étnicas. Uma coisa. junto a um povo indígena que só fala essa língua. E sintomático que esse tipo de ‘trans­ crição’ só pareça marcar. afro-brasileiras etc. se fala. aos lermos as monografias produzidas em tais condições. e as peculiaridades prosódicas dos falares nativos. por exemplo: “eli num qué sabê di coisa ninhuma”. e criando um contraste pro­ fundamente exoti^ante com a prosa ortograficamente normalizada que envolve essas citações. por outra: vemos. Na verdade. Pois. sim. é preservar a ossatura sintática do discurso do informante. Na minha cidade. então seria 76. Mas nunca vi etnografias da classe média carioca usando tal convenção de transcrição. A intenção dessa grafia bizarra. então seria preciso usar uma verdadeira transcrição fonética. se a intenção é de rigor etnográfico. raciais e sociais —a despeito do fato de que a imensa maioria das formas assim grafadas deveriam sê-lo do mesmo exato modo fosse o antropólogo ou qualquer outro mem­ bro da elite letrada a pronunciá-las76. suponho. que vai muito além do simples respeito às contrações-padrão do nos­ so registro oral. e como se houve o etnógrafo para aprender essas outras línguas. quando se fala depressa. e eventualm ente (com discernimento) as torções distintivas do português falado pelos índios. recordando a literatura ‘cai­ pira’ e outras tentativas do gênero. é res­ saltar a oralidade do contexto de interlocução. e. e coisa essen­ cial. pois. 0 G 1A B R AS IL EI R A 189 preciso também adotar as técnicas da etnometodologia e da aná­ lise conversacional. 1982. marcada na década de 90 pela elaboração de uma série de etnografias de boa (em alguns casos. Müller. 1988. 1. 1990. No Mu­ seu Nacional. 1990. 1998a. 1996a. Fausto. entre ou­ tras coisas por sua capacidade de incorporar a tradição dita ‘clás­ sica’. T. [1980]. 1992. 78. 1993. Lopes da Silva. 1993. 1992. Um grande projeto etnográfico e histórico.. com dois centros desempenhando um papel de destaque: o Museu Nacional. Teixeira-Pinto. Menezes Bastos. e assim de despolarizar tematicamente o campo78. Perrone-Moisés. ver: Calavia. Ver também os estudos reunidos em Viveiros de Castro. 1996. ex. elaborados no começo dos anos 80. org. 1998.. estabeleceu-se uma linha de investigação sobre temas como ter­ 77. Ver as monografias de: T. ocorreu um aumento da polarização. Na linha da história indígena e do indigenismo. está em andamento na região da Guiana. por exemplo: Gallois. Para alguns trabalhos de corte teórico ou comparativo. 1997. e o eixo USP-Unicamp.. Vilaça. Lima. coordenado por D. 1995. 1997.. 1996b. Gonçal­ ves. 1995. org. Gallois e L. Lima. 1984.IÍ T N 01. onde se estabilizou a linha de pesquisas em etnologia amazônica. 1995.987. 1986. 1991. Fausto. A estes se devem acrescentar três estudos de grande qualidade. Viveiros de Castro. 1986. p. Ladeira. Vidal. Monteiro. Vidal. . Ver. org. que marcam a retomada do ímpeto da etnologia uspiana: Azanha. 1995. 1994. 1992. 1986. ver. b. Wright. excepcional) qualidade e por uma concertada atividade teórica77. 1995. Em paralelo ao grupo de pesquisadores em etnologia amazônica. 1993. 0 MAL-E STAR D A CULTURA Os últimos quinze anos viram a consolidação da antropolo­ gia indígena no país. Silva. 1999. 1991. ao contrário. onde ressurgiu a pesquisa etnográfica sistemática e onde se iniciou uma linha de pesquisa em antropo­ logia histórica que vem se mostrando muito fecunda. Viveiros de Castro & Fausto. 1992. Carneiro da Cunha. Van Velthem. Farage. 1993a. Recorde-se que R. inclusive com as investigações sobre contato ou etnicidade realiza­ das a partir de outras abordagens. em forma exacerbada. em um a complem entaridade de abordagens entre as análises estruturalistas dos sistemas de parentesco e as análises historico-sociológicas das situações de contato. a aten­ ção da equipe se voltou para a paisagem indígena do Nordeste. etnicidade. A vertente de estudos sobre terras e processos de contato desenvolveu uma filosofia de traba­ lho algo fechada. lidera­ da por J. Mas não é bem isso que se passa. tendendo a julgar a maioria do que é feito fora de seu âmbito como estando marcado por sérias deficiências teóri­ cas e. devida a uma in­ 79. onde vem ocorrendo um fascinante processo de ‘etnogênese’: várias comunidades até então percebidas como ‘camponesas’ es­ tão a reassumir identidades étnicas e culturais diferenciadas. A primeira vista. A produção acadêmica desses pesquisa­ dores mostra. são da mais alta relevância. vejo o projeto teórico dessa vertente apenas como uma ressurgência. em particular. daquela antropologia ‘típica’ estabelecida nos anos 50-60 e deslocada pela etnologia sul-americana das décadas seguintes. ético-políticas. por exemplo. processos de governamentalização e história do indigenismo que logo assumiu um peso considerável nos contextos local e nacional. A produção dessa vertente. suas contribuições ao conhecimento da situação territorial dos povos indígenas. Cardoso de Oliveira falava. . é copiosa. poucos indícios de comércio intelectual com a numerosa floração de estudos etnológicos iniciada nos anos 70. Mais recentemente. Isso não signi­ fica que eu subestime sua importância política. Pacheco de Oliveira. ou mesmo sugeriria uma certa complementaridade de abordagens79. Foram essas características que me levaram a chamar tal escola de ‘variante fundamentalista’ da teoria do contato. pior. a presença de duas linhas tão diversas de pesquisa sobre grupos indígenas seria um salutar sinal de pluralismo.190 linuARD O V iv e ir o s dk C a s t r o ras indígenas. assim. Ainda que eu esteja pronto a reconhecer a rele­ vância de seus aportes empíricos. diz o autor. no qual o autor apresenta os resul­ tados das pesquisas de sua equipe junto aos índios do Nordeste e. elas não ofereceriam o necessário distanciamento em relação ao observa­ dor. P. n. o olhar teórico dominante só conseP 80. continuou sendo um dos centros mais prolíficos de produção etnológica. como qualquer leitor avisado perceberá) os americanistas «io-europeus. Não vou me deter aqui sobre os abundan­ tes equívocos do artigo no que se refere à antropologia de LéviStrauss. mantendo uma produção constante. mas ela é ali temperada por diversas outras orientações e temperamentos teóricos. pois elas dão continuidade às suas reflexões mais antigas sobre o objeto da etnologia. A UnB. ou sobre a leitura tendenciosa que faz de alguns autores (ver supra. O G IA B R A S l U i l R A 191 tensa atuação na interface da pesquisa universitária com outras esferas institucionais e a uma ampla disseminação por centros aca­ dêmicos fora do eixo Rio/São Paulo80. A vertente contatualista tem uma certa presença em Brasília. O caráter ‘misturado’ das cultu­ ras indígenas da região lhes daria uma “baixa atratividade” para a etnologia. como foi o caso da USP-Unicam p e do Museu Nacional. examinarei um artigo de J. Falei do papel de destaque do Museu Nacional e do eixo USP-Unicam p na etnologia dos últimos quinze anos. que vieram tendo um papel importante na presente discussão. naturalmente. Meu interesse reside nas teses teóricas de Oli­ veira a respeito do processo nordestino de etnogênese. ao mesmo tempo. de Oliveira F° (1998). O artigo começa por observar que os povos indígenas do Nordeste praticamente não foram estudados pelos etnólogos. Mas ela não chegou. para quem eles não passariam de remanescentes deculturados em fase terminal de acamponesamento. neste período mais recente. carecendo de “distintividade cultural”. a constituir grupos de pesquisa fortemente integrados. 44). . designação que inclui (ou visa princi­ palmente.K T N O I. Com efeito. trava o que chama de um “debate” com os “americanistas europeus”. Como exemplo do trabalho do grupo. isto é: os etnólogos brasileiros que não rezam pela cartilha de sua escola. pois. vinte anos atrás. E indiscutível que as sociedades indígenas do Nordeste fo­ ram pouco estudadas. por exemplo.. assim. era ele próprio quem falava em “descaracterização cultu­ ral” e em “desarticulação da organização social” dos grupos in­ dígenas do N ordeste. O interesse da escola contatualista pelo Nordeste só tomou ímpeto. e localizava os Ticuna na categoria intermediária de “campesinato comunal”. Oliveira mesmo. o autor contrastava também os índios nordestinos. Afinal. . onde tal concepção exotizante e descontinuísta do objeto etnológico não encontrava apoio. camponeses pré-proletanzados. M. aludindo mesmo a um “processo de proletarização” que os impedia de “preservar sua condição cam­ ponesa” (Oliveira F°. Neste trabalho de 1978. 49).192 Hd u a r d o V i v e i r o s d e C a s t r o guiria enxergar “entidades descontínuas e discretas” (p. a um antigo projeto de Roberto Cardoso (que não é referido no artigo de Oliveira). não no Nordeste. 1971) deveria ser “o ponto de partida para um estudo comparativo dos remanescentes indígenas do Nordeste. Cardoso menciona que a dissertação de P. situados no limiar das sociedades aborígene e nacional. porque mudou a realidade: “o fato social que nos últimos vinte anos vem se 81. na década de 90. 49). Por isso. como um tipo particular de camponês do território brasileiro”. e assim teria se mostrado insensível ao mundo da mistura nordesti­ na. estendendo mesmo sua censura à “maioria dos etnólogos que estuda as populações au­ tóctones sul-americanas” (p. 1978)82. com os índios alto-xínguanos . passando por Galvão. os ‘índios m isturados’ com os ‘índios puros’ . fez sua pes­ quisa de campo (a partir de 1975) entre os Ticuna da Alta Am a­ zônia. O atual interesse da equipe de Oliveira sobre o Nordeste remonta. Métraux. 82. Amorim sobre os Podguara (Museu Nacional. no Museu Nacio­ nal. Hoje sua visão mudou. embora outros alunos de Roberto Car­ doso já tivessem pesquisado na região81. Oliveira é severo com vários antropólogos. a crítica que Oliveira faz a toda a etnologia precedente parece-me algo descabida.isto é. por conta disso: de Lévi-Strauss a Darcy Ribeiro. Lowie. No prefácio de 1970 à segunda edição de O índio e o mundo dos brancos. aos animais83. 1998: 53. e não culturalmente. Tal constatação nos leva ao assunto que interessa. é patente que Oliveira e sua equipe só foram se interessar pelos índios do Nordeste a partir do momen­ to em que esses passaram exatamente a aspirar a um estatuto ‘descontínuo’ e ‘discreto’. isto é. Que a distintividade in fie r i dos povos indígenas do Nordeste seja o resultado de um projeto político dos povos envolvidos. quanto uma incorporação cultural desses outros coletivos. abrangendo tanto a emergência de novas identidades como a reinvenção de etnias já reconhecidas” (i d . Duvidar desse último fato é supor. Além disso e sobretudo. dos anim ais. dos espíritos. por contraste. grifos meus). que ela seja uma ‘distintivização’ ativa e não um dado cultural passivo ou ‘naturalizado’. aos animais. Ele envolve tanto uma diferenciação natural frente a outros coletivos humanos. nem simplesmente ‘cultural’. M as esse 83. Esse processo —um ‘devir-índio’. e a elaborar sua própria distintividade cultu­ ral frente à ‘condição camponesa’. diriam Deleuze e Guattari —. politicamente distin­ tos. aos espíritos. o que inclui o acusador.11 f i T N O l ..HIRA 193 impondo como caracterísdco do lado indígena do Nordeste é o chamado processo de etnogênese. nem o fato de que eles se tornaram objetivamente diferenciados. entretanto. não é nem puramente ‘diferenciante’. aos espíritos. isto é. a reivindicar identidades e terri­ tórios diferenciados. e que sua distintividade não é o resultado de um processo ativo e contínuo de diferenciação política: diferenciação frente a outros coletivos humanos. E certamente injusto acusar de cego quem não via o que então era invisível. por exemplo) são mesmo natural­ mente distintos. que os coletivos indígenas ‘naturalmente’ distintos (os gfupos mais ‘isolados’ da Amazônia. O G l A B R A S . isso não muda nada: nem o fato de que a auto-objetivação dos índios do Nordeste como coletivos diferen­ ciados precedeu e guiou sua recente objetivação etnológica pelo contatualismo.. isto é. Não são só os índios do Nordeste que tomaram (e continuam tomando) sua distintividade cultural ‘interna’ do ‘exterior’ e a naturalizaram — não no sentido pejorativo com que o . Oliveira mostra como os índios do Nordeste se constituem ou constituíam em uma categoria problemática do ponto de vista administrativo — ‘índios misturados’ semelhantes termo é utilizado pela crítica ocidental do fetichismo. mas no sentido de transformar ativa e deliberadamente a cultura em natureza. a ‘invenção da tradição’ é apenas o modo pelo qual o olhar curto do sociólogo objetivista apreende a tradição da invenção. enquanto os outros índios simplesmente não pararam de virar índios esse tempo todo. não de uma relação passada com o presente. E uma ‘ilusão bem-fundada’ não é uma ilusão. Com sua obsessão pelo clichê ‘crítico’ da desnaturalização. (A propósito.194 KDU A RD O V l V K l R O S D l i C A S T R O processo é exatamente o mesmo que aqttele p o r que passam agora os índios do Nordeste. Essa é a única diferença: p o is todos estão virando índios exatamente do mesmo jeito. uma ‘invenção da tradição’ ou outro oxímoro conceituai do gênero. Se assim não fosse. o processo de reculturação dos índios do Nor­ deste seria uma ilusão —no que estou muito longe de crer. às vezes penso que os teóricos da etnogênese política são os primeiros (e talvez os únicos. . esses teóri­ cos parecem conceber a cultura em reinvenção pelos índios do Nordeste como uma espécie de placebo sociológico —uma ‘ilu­ são bem fundada’. A descontinuidade histórica vale exatamente o mesmo que a continuidade his­ tórica. a questão de saber se as etnias emergentes do Nordeste estão virando índios de novo ou ‘pela primeira vez’ —porque algumas dessas comunida­ des não teriam ‘continuidade histórica demonstrável’ com algum povo pré-colombiano —não faz o menor sentido. o devir-índio envolve uma relação dos povos indígenas com seu passado. pois toda cultura é invenção (Wagner. ou só ilude os que se crêem depositários dos bons fundamentos científicos da realidade. entre os etnólogos) a não acreditar que os índios do Nordeste sejam realmente índios. Mas como toda cultura é inventada. mas se trata de uma relação presente com o passado. E/es estão virando índios de novo.) Sigamos. Ao contrário. 1981). Se bem compreendi Oliveira. portanto. daqueles enfrentados hoje pelos índi­ os da Amazônia84. m ais ou menos. aspectos de continuidade. O G I A BRASII. Em boa parte da Amazônia atual. ao passo que. estabelecida por Morgan (p. Até então. A situação atual dos índios do N ordeste m ostra certas analogias com a situação amazônica na época da atuação mais intensa desse etnólogo ali: o par Funai/terra indígena continua no centro de suas preocupações. de'natureza mais fundiário-assistencial que geopolítico-ambiental. de cuja solução os outros dependem. A transferên­ cia do interesse de Oliveira para o Nordeste tem. Daqueles enfrentados boje. em vista do estabelecimento de formas de interlocução direta dos índios com os poderes locais e com ONGs nacionais e internacio­ nais. de modo a assegurar um estatuto de indianidade jurídica plena. esses são mais que bem-vindos. soáetas e civitas. aparência e modo de vida às populações campo­ nesas: maus fregueses. com as terras indígenas relativamente garantidas e a Funai amplam ente alijada de sua função de m ediador. Os índios da Amazônia só com e­ çaram a ser tomados em termos ‘ecológicos’ e ‘geopolíticos’ nos últim os vinte anos. O aporte específico do autor a esse repertório é o concei­ to de “territoriali^ação”. pois sua presença no grupo indígena serve de evidência pública da reivindicada indianidade do grupo. . em particular no que concerne à questão da saúde). A inspiração mais remota desse conceito é a clássica oposi­ ção evolucionista entre ‘parentesco’ e ‘território’.1 li T N O l . Isso explica o processo dito de etnogênese. O grande problema. por isso. 54).K RA 195 em sua língua. no caso do Nordeste. Acrescente-se a isso o fato de que os índios am azônicos precisam cada vez menos dos antropólogos como mediadores políticos. sublinhe-se. e como sua ressurgência étnica colo­ cou problemas diferentes. 53). 84. O referencial teórico de Oliveira para pensar esse processo é “a bibliografia inglesa e norte-ameri­ cana sobre etnicidade e antropologia política. seus problemas eram vistos como de natureza igualmente ‘fundiária’ e ‘assistencial’ (o que eles continuam sendo. para o órgão indigenista (e para os etnólogos ‘puristas’) —. é o de reverter o estigma da ‘mistura’. e —é importante acrescentar — [os] estudos brasileiros sobre contato interétnico” (p. as preferências temáticas de Oliveira perdem algo de sua relevância. o “estabelecimento de uma iden­ tidade étnica diferenciadora” e uma “reelaboração da cultura e da relação com o passado”. cit). no caso do outro modelo. o autor escolheu teoricamente o pólo do território.196 Ií d u a r d o V i v e i r o s d e C a s t r o seu conceito de territorialização exprime a idéia de que a incor­ poração de uma sociedade indígena pelo Estado nacional envol­ ve uma passagem do ‘parentesco’ ao ‘território’ como princípio de constituição social. uma ‘etnificação’ da sociedade. Oliveira vá atribuir ao processo de territorialização e ao nexo territorial o mesmo caráter sociogenético que os processos de aparentamento e a relação de parentesco desem­ penham nas análises da vertente ‘clássica’. ele mesmo territorialmente organizado. pelo menos. ao definirem os residen­ tes de um mesmo grupo local como parentes (Viveiros de Castro 1993a). Com efeito. Na verdade. simbólicas. Isso parece corresponder às preferências mais profundas das respectivas ‘vertentes’: a primeira ficou com a civitas nacional. produz uma modificação no que poderíamos chamar de natureza última da sociedade indígena: um “processo de reor­ ganização social" (p. em seu modelo de territorialização. diz o autor sobre os grupos étnicos nordestinos. E interessante ainda que. en­ quanto a etnologia ‘clássica’ do Museu Nacional tem se distinguido exatamente por suas contribuições a uma teoria do parentes­ co. A territorialização por incorporação a um Estado. A ressurreição da polaridade parentesco/território por Oli­ veira me parece rica em implicações. a etnologia amazônica vem mostrando como muitas das formações sociais daquela região convertem continuamente o ‘ter­ ritório’ (a co-residência) em parentesco. a instauração de uma “nova relação da sociedade com o território” (loc. a segunda com a societas nativa. No caso do modelo que Oliveira parece estar conceben­ . Assim. 55) que implica. 65). mediadas pelo parentesco. ao passo que a relação entre a pessoa e os coletivos em que ela se inclui são. isto é. entre outras coisas. ou. digamos. “a relação entre a pessoa e o grupo étnico seria mediada pelo território” (p. porque na visão de Oliveira o território engloba o parentesco a ponto de eclipsá-lo.. O conceito de territorialização. não tenha achado necessário fazer nenhuma referência ao livro de Gow. 55). Compare-se também essa concepção da situa­ ção nordestina. . 61). natu­ ralmente. é uma extensão das idéias de Barth sobre a identidade étnica como processo político: “afastando-se das posturas culturalistas. em que a história é o território. um discurso e uma prática do parentesco nas comunidades nordestinas (p. é o parentesco que se converte em território. Parece haver. diz o autor. Mas 85.OGIA BRAS1I. quem ‘significa’ os afastamentos são os agentes. que trata de um povo que se define exatamente nesses termos.K1RA 197 do para os índios do Nordeste. É curioso que Oliveira. 55). A parte isso. E como se nessa situação o conceito de mistura corporal—os índios misturados —necessitasse de uma contraparti­ da na pureza territorial —os territórios indígenas distintos reivindi­ cados pelos índios.. No caso da etnicidade. a teoria da etnicidade de Barth é bem parecida com a noção lévi-straussiana da ‘cultura’ como conjunto de afas­ tamentos significativos contextualmente definidos. curiosa contrapartida daquele afastamento frente às posturas culturalistas que veriam cada ‘cultura’ como um ‘isola­ do’. mas infelizmente ficamos sabendo muito pouco sobre isso.” (p. neste artigo em que elabora tão detalhadamente a noção de ‘índios misturados’. não o analista. com a visão dos ‘índios misturados’ estudados por Gow (1991). entretanto.liTNOI. para quem a ComunidadNativa (a coledvidade indígena reconhecida juridicamente pelo Estado peruano) e as terras que lhe cabem são apenas supor­ tes para a produção e o exercício do parentesco. e essa significação é um “ato político” (p. onde uma socie­ dade se utilizava de diferenças cu lturais. Essa paráfra­ se feita por Oliveira sugere uma reificação ou mesmo personifi­ cação da sociedade. Barth definia um grupo étnico como um tipo organizacional. e para quem “history is kinship”85. fortemente criticada por Oliveira em seu artigo. 198 li D U A R D O V l V H l R O S DH C A S T R O como tão bem mostrou Carneiro da Cunha (1979). com o que chama de ‘antropologia política’. além disso. não o ser política. pois o totemismo é em si mesmo um dispositivo político. A esco­ la de Oliveira utiliza liberalmente as formas substantivas. Trabalho meritório —se ele começasse por se aplicar à própria noção de ‘política’. Nada mais característico de certos impasses da antropologia contemporânea que esse proces­ so conceituai de essenciali^ação da política. é o ser moderna. por vezes. casta’ discutida em 0 pensamento selvagem. de pôr a política na cultura. pertencendo à estrutura ‘totem. de . a etnicidade é uma transformação específica da lógica totêmica analisada por Lévi-Strauss: ela é a variante politicamente moderna do totemismo. Com efei­ to. Em lugar. parece só ter sido readmitida no cenário contatualista porque ela foi ‘politizada’. A cultura. que o vê como uma espécie de éter do mundo social. O recurso invariável ao ‘político’ funciona como o instru­ mento de realização daquele trabalho crítico que os contatualistas estimam mais que tudo: a desnaturalização das categorias antro­ pológicas e dos fenômenos sociais.) Um comentário geral sobre a ‘política’ e o ‘político’. expressão. (O que distinguiria a etnicidade do totemismo. porque ela pôde ser redefinida como a continuação da política por outros meios. graças ao uso efetivamente político da distintividade cultural por parte dos gru­ pos nordestinos (o que explica a ‘alta atratividade’ dos índios do Nordeste para essa escola). os neocontatualistas põem a cultura na política. isto é. Ou. adjetivas e adverbiais dessas palavras em suas interpretações. é difícil desnaturalizar o que quer que seja a partir de uma concepção violentamente naturalizada do ‘político’. entretan­ to. substância mística a medi­ ar universalmente as ações humanas. o totemismo está para o mundo do ‘parentesco’ como a etnicidade para o universo do ‘território’. identifican­ do-se. aliás. Movi­ mento aparentemente interessante. se quisermos usar a polari­ dade evolucionista revivida pór Oliveira. mas só aparentemente. portanto. mas apenas para melhor renaturalizá-la no elemento universal do po­ lítico (talvez na ilusão de que ele seja naturalm ente desnaturalizado). Não adianta muito dourar a pílula alegando que os recursos éscassos. os que unificam. é claro. não são definíveis universalmente. uma teoria da natureza humana) que subscreve princípios grandiosos e vagos como o “caráter central do conflito para o entendimento dos fatos so­ ciais” (Oliveira F°. 1988: 11). Mas. como os fundamentos propriamente simbólicos da valorização social de tais ‘recursos’ não podem ser examinados —sob pena. Mas há. seja (hornsco referens) de culturalismo explícito .HIRA 199 um naturalismo sumário (na verdade. isto é. . nos termos do tradicional dualismo ‘natureza/cultura’. E. Mesmo entre os dualistas. com sua retórica pré-fabricada do ‘conflito’. objeto e causa daquele conflito de interesses postulado como princípio e fim da vida social.11 E T N O L O G I A B R A S . esse temachave da cosmologia ocidental com profundas raízes religiosas (Sahlins. Pois não é possível pôr a cultura na política sem pôr o político na cultura87. permitindo assim o retorno clandestino de um utilitarismo sem adjetivos. Falei no dualismo natureza/cultura que continua a orientar o desiderato da ‘desnaturalização’. mas sim “recursos socialmente valorizados” (Oliveira F°. enquanto alguns ainda se afanam em desnaturalizar a sociedade (trabalho 86. como o equivalente naturalizado da ‘cultura’. 87. encontram-se sinais dessa dependência frente à metafísica naturalista da escassez. Este princípio tem um valor heurístico tão pequeno quanto o de seu hipo­ tético contrário consensualista e ‘equilibrista’. 1996). sua composição vira uma espécie de caixa-preta (o ‘arbitrário cultural’). que só começa quando se pergunta o que pode ser uma dimensão do ‘polí­ tico’ em sociedades diferentes da nossa. Os partidários desse politicismo generalizado pretendem estar desnaturalizando a sociedade. das ‘estratégias’ e dos ‘recursos’ é bem diferente de uma verdadeira antropologia da política (Goldman & Palmeira.. Tudo que se consegue com isso é produzir um monstro concei­ tuai que poderíamos batizar com o nome de ‘utilitarismo simbólico’. a dicotomia entre o mundo físico da energia e o mundo político do interesse nos termos de uma termodinâmica universal da escasse^. como bons ‘m aterialis­ tas’. seja de tautologia. 1988: l l ) 86. 1996). que passa então a funcionar como segunda natu­ reza. Essa antropo­ logia política. 1988)88. Ela é sobretudo caudatária do conceito de indianidade. Lima. A hipótese seria muito interessante. diz Oliveira. T. 1996b). 1998. se levássemos a coisa por caminhos outros em que a leva Oliveira. e ainda se falava em ‘instituições nativas’ que seriam infiltradas e tomadas pelas ‘instituições coloniais’... e a própria noção de grupo étnico. a territorialização etnificante se transforma em verdade. ainda havia um ‘arbitrário cultural’ anterior (histórica e logicamente) ao processo de indianização. cultura e. Este conceito. De fato. No caso nordestino. naturalmente —entre huma­ nos e não-humanos. proposto pelo próprio autor em seu estudo sobre os Ticuna (id. os etnólogos ‘clássicos’ e outros antropólogos já passaram ao.200 IÍDUARDO VlVKIROS Dli CASTRO de Sísifo. A naturalização da política praticada pelo neocontatualismo. por sua vez . a indianidade. Viveiros de Castro. depende do processo de territorialização: é o Estado-nação que etnifica. físicas ou políticas. natureza.. portanto. pois naturalizar-se é precisamente a função da socieda­ de). tudo ép osterior ao proces­ 88. a antropologia contrapõe. que problematiza a distinção —política. Fim do comentário. dos po­ vos indígenas. ela é sua radicalização: no caso ticuna.] da qual descende e é caudatária em termos teóricos” (p. ao territorializar. 1991. uma politização da natureza. “A noção de territoriali­ zação tem a mesma função heurística que a de situação colonial [. é descendente direto do conceito darciano de “índio genérico”. tal como visto por Olivçira. desmontando as essências. O aporte específico do conceito de territorialização em rela­ ção às propostas de Barth. seria a idéia de que a etnificação dos grupos territorializados. na acepção hegeliana da palavra.programa mais interessante que é o de desnaturalizar a natureza. 1996. com que se ten­ tam reduzir os mundos indígenas às categorias da razão ociden­ tal. 56). como já acontecia com os antepassados desse con­ ceito: a situação colonial. sociedade e ambiente (Latoür. . Em suas mãos. K 1 R A 201 so de territorialização. O processo de territorialização é o m ovim ento pelo qual um objeto político-adm inistrativo vem a se transform ar em um a coletividade organizada. 59). Oliveira vai ver a terri­ torialização etnificante como fenômeno total... Ou seja. O arbitrário cultural se torna literalmente arbitrário. e reestruturando suas form as culturais (inclusive as que o relacionam com o m eio am biente e com o universo religioso). m as sem restringir-m e à dim ensão identitária. visto que o foram a partir de um substrato sociocultural aniquilado pela sociedade invasora: as instituições nativas são instituídas pelas instituições coloniais.I Í T N O I . A civitas produziu a societas. D en ­ tre os com ponentes principais dessa indianidade [. afirma-se que o processo de territorialização trouxe co nsigo a im posição aos ín dios de in stituições e crenças caraterísticas de um modo de vida próprio aos índios que habitam as reser­ vas indígenas e são objeto.O G I A B R A S I I .] cabe d estacar a estru ­ tura política e os rituais diferenciadores (p. elas são instituições coloniais. A condição de grupo étnico é anterior à de grupo . E se Barth ainda se “restringi[a] à dimensão identitária” dos grupos étnicos. com m aior grau de com pulsão. Um objeto. de exercício paternalista da tutela (fato independente de sua diversidade cultural). E aí volto a reencontrar Barth. o objeto político-administrativo na verdade não ‘se transforma’ em coletividade organizada —ele é a organização dessa comunidade organizada. instituindo m ecanism os de tom ada de decisão e de representação. O discurso é profundamente ambíguo. 1998: 56). Os índios atuais do Nordeste são criados pelo Estado ex nibilo. ao mesmo tempo. isto é. ele provê as ‘instituições’ e as ‘represen­ tações’ (as “crenças”) da comunidade. políticoadministrativo vem a se transformar em uma coletividade organizada.. como potência sociogenética. Isto é. Mas. a criatura parece dotada de certa autonomia frente ao criador. vendo a distinção e a individualização com o vetores de organização social ([id. form ulando um a identidade própria. visto que ele suspeita que esta suspeite que tais culturas não sejam ‘autênticas’. as culturas indígenas do Nordeste vão continuar modalizadas pela retórica do ‘apesar’. a distintividade cultural (que os índios afirmam) precisa ser legiti­ mada de alguma outra forma.blema de legitimar as culturas indígenas nordestinas perante a antropologia. Se os índios da Amazônia eram reduzidos a uma comum indianidade colonial apesar de sua diversidade cultural (ou . Em outras palavras: o Estado nacional criou a sociedade indígena. As culturas indígenas da Amazônia. só o Estado. Se é que há alguma outra forma. O mal-estar conceituai sentido aqui pelos contatualistas parece de­ rivar da tradicional confusão entre gênese e significação (ou fun­ ção) de uma forma ou fenômeno social. Só que agora vai ser preciso inverter o argumento. Os índios do Nordeste estão usando sua distintividade cultural para afirm ar sua distintividade cultural. como vimos anterior­ mente. ou que sua significação indígena tenha qualquer coisa a ver com ele. Mas. E exata­ mente isso que o processo impropriamente chamado (pois se trata de um devir. o grupo étnico produzirá a sociedade. Interpre­ tações que ela agora se vê forçada a modificar —mas das quais não consegue abrir mão inteiramente. Os povos originários são povos origi­ nados. haviam sido reduzidas por Oliveira ao regime do ‘apesar de’.202 li D U A R D O V l V K I R O S D l i C A S T R O social. Mas como o etnólogo contatualista vê a distintividade cultural (que os índios usam) como expressão histó rica do E stado territorializad o r. porque o Estado produziu o grupo étnico. com isso. Originário. Do fato de que as insti­ tuições socioculturais indígenas se originaram historicamente de um processo de territorialização estatal não se segue que sua função presente seja a de exprimir esse processo. contra as interpretações do processo de ‘indianização’ características da doutrina contatualista. O que aconteceu? Vejamos. não de uma gênese) de etnogênese nordestina está m ostrando. o discurso contatualista se vê diante do pro. apesar de elas terem sido constituídas por diferentes “fluxos e tradições” culturais.” (loc.. E se a ênfase no caso dos índios da A m azônia era sobre os “processos homogeneizadores”. é preciso ao mesmo tempo afirmar a homogeneização.).] traços exclusivos daquela sociedade” (p. no caso nordestino será necessário mostrar.. apesar de não serem distintivamente distintas —pois par­ tilhadas por grupos indígenas diferentes —. Com efeito. ao contrário. a exata distinção que Oliveira pretende desfazer com seu elogio da mistura. cit. 59—60). não é preciso que tais costumes e crenças sejam [.. e negá-la. adverte-se o leitor: “para que sejam legítimos componentes [aos olhos de quem?] de sua cultura atual. 59]).. por exem plo (pp. indispensável à economia teórica do contatualismo (a territoriali­ zação impõe uma situação de indianidade que é “independente da diversidade cultural” [p. em uma situação de ‘mistura’ na qual o vetor político indígena está orientado exatamente para uma ‘desmistura’. Inte­ ressante ver os índios misturados do N ordeste usando aquela categoria tão detestada pelos contatualistas — ‘índios puros’. Assim... 0 GI A B R A S IU ilR A 203 a diversas indianidades coloniais apesar de sua unidade cultural).])”. isto é. 59). Assim.. porque os próprios índios estão a fazê-lo. dirigido externamente e homogeneizador.[ÍTN 01. 60—61). aprendemos que “os Xukuru e Xukuru-K ariri [.. agora vai ser preciso dizer que “o processo de territorialização não deve jamais ser entendido simplesmente como de mão única.e que eles façam a distinção entre ‘puros’ e ‘m isturados’.] fazem a distinção entre os ‘índios puros’ (de famílias antigas e reponhecidas como indígenas) e os ‘braiados’ (produtos de intercasamento com brancos[. que estamos diante de culturas ‘legítim as’ ou ‘autênticas’. essa coisa em que só os etnólogos clássicos acreditam . e apesar de terem a função primariamente diacrítica de afirmação de uma indianidade imposta pelo Estado (pp. Isso me parece resumir o paradoxo central da teoria contatualista: os povos quê ela escolheu como objeto perfeito (cria­ . ) são os principais interessados no discurso que ela rejeita: o discurso da cultura pura e sem m istura89. não porque os índios significam com elas. pensam também eles. A solução para esse problema incômodo é a transformação da cultura em metáfora . Vai ser preciso então não acreditar nos índios. . por assim dizer. Os contatualistas generalizam. os contatualistas — mas. em outras palavras: os contatualistas pen­ sam que os índios. por exemplo). os contatualistas caem nos braços de quem menos se poderia esperar: de Emile 89. e se tomadas litetalmente só poderiam refletir o rosto do Estado que as criou —. seriam absurdas). Elas o são porque elas significam os índios. b). As culturas indígenas nordestinas são ‘autênticas’. ou algo do gênero (o ‘político’. com razão. Isto é.204 Kd u a r d o V i v k i r o s d i í C a s t r o dos pelo Estado. estão a significar apenas sua própria indianidade-. com suas culturas. essa tese para ‘toda’ a cultura. etnificados. Visto terem se proibido de interpretar as culturas indígenas como cul­ turas indígenas —já que elas não são ‘na verdade’ culturas origi­ nárias. vernaculizados. 1976). mas. vai ser necessário adotar uma abordagem ‘simbolista’ da cultura. Ou. territorializados. interpretam-nas como significando real­ mente outra coisa: a vontade de obter terras. assistência e identi­ dade jurídica. já foi apontado por Sahlins (1997a. elas não são autênticas pelas razões que os índios pensam. o que se significa com elas é a realidade. Com tais argúcias teológicas sobre uma indianidade impos­ ta que se transforma em autenticidade metafórica. nesse caso.em metáfora política. para usarmos o vocabulário da antropologia da religião (Skorupski. que o contatualismo partilha com algumas outras abordagens contemporâneas. Tal paradoxo. para os índios. Os partidários da abordagem simbolista sustentam que as crenças religiosas dos ‘primitivos’ não podem ser tomadas literal­ mente (pois. pensam. não-exotizáveis etc. mas devem ser inter­ pretadas como significando verdadeiramente outra coisa: a ‘socieda­ de’. Oliveira transforma essa cultura politizada em religião indígena. no caso nordestino. 66).construída pelo discurso contatualista. evocados pelos índios para legitimar sua relação com uma originariedade imemorial. OGI A B R A S I l . O autor menciona então os ‘encantados’ (espíritos). l i l R A 205 Durkheim. é curiosamente evocativa de s í s form as elementares da vida religiosa. o patrono. e uma ‘natureza última’ de tipo religioso. Oliveira (discordando respeitosamente de Barth. justamente. rituais que marcam a fronteira entre o sagrado (os membros do grupo. grifos meus). divindades que são como totens territo­ riais a assegurar a ligação entre o mundo histórico e sua origem mítica.IÍ TNO I. praticado por todos ou quase todos os grupos nordestinos. exigindo uma “reafirmação de valores mo­ rais e de crenças fundamentais que fornecem as bases de possibi­ lidade de uma existência coletiva” (p. da abordagem simbolista. para quem essa natureza seria “a política”) afirma que. os índios misturados). Essa imagem das sociedades indígenas nordestinas. destinado a marcar as fronteiras entre ‘índios’ e ‘brancos’. 61. expressão de uma consciência coletiva étnica. o autor o define de início como um ritual político. Ao discutir o célebre ritual do toré. . ou os índios puros) e o profano (os brancos. Ou seja: a etnogênese como reencantamento da sociedade. Mas poderíamos também dizer: a etnogênese como naturalização da sociedade. “cada comunidade é imaginada como uma unidade religiosa e é isso que a mantêm unificada e permite criar as bases internas para o exercício do poder” (p. Oliveira sai-se com entidades antropologicamente durkheimianas: uma vida espiritual voltada para a celebração do sentido de pertença à comunidade. pois é para isso . muito pelo con­ trário: ao se indagar sobre a “natureza última dos grupos étni­ cos”. Mas isso não o torna menos religioso. De­ pois de haver transformado a cultura em metáfora da política. e conclui que o processo de etnificação envolve a criação de uma “comunhão de sentidos e valores”. Ao buscar mostrar como a etnogênese produz entidades autenticamente indígenas. entre as noções recusadas como natura­ lizantes. E onde foi parar. Mas. agora. como as acusações de feitiçaria. uma chama a atenção: 90. assim também o que lemos sobre a religião gira exclusivamente em torno de suas funções de separação entre o ‘interior’ e o ‘exterior’ do sorius . o “caráter central do conflito para o entendim ento dos fatos so ciais”. Examinando as no­ ções utilizadas para nomear o fenômeno em discussão. ‘mágicas’ etc. Durkheim. E assim a solução metaforizante do paradoxo só fez deslocá-lo para mais adiante: um discurso teórico dedicado a ‘desnaturalizar a sociedade’ se vê diante de uma sociedade dedicada (como toda sociedade) a se naturalizar —e. Morgan. ou sobre práticas xamanísticas. Nada ficamos sabendo. como se viu. Assim como tudo que se diz sobre o parentesco sublinha exclusivamente seu papel de operador étnico de inclusão/exclusão. suprema ironia. das práticas e idéias religiosas desses gru ­ pos. das dimensões ‘contradurkheimianas’ da vida espiritual indígena.. o que pode trazer pressupostos e expectativas distorcidos quando aplicada ao domínio dos fenômenos huma­ nos” (p. que. acabou assim recuando para eras bem mais arcaicas: primeiro.206 I iD U A R D O V l V H I R O S D li C A S T R O que serve a ‘relig ião ’ durkheim iana90. para sua função de expressão de uma consciência coletiva unificada. dedicada a fazê-lo nos termos (o que é menos comum) formulados por um pensador não exata­ mente popular entre os contatualistas. isto é. “não caberia tomar como conceito ou mesmo noção”. e a expressão ‘índios emergentes’. aliás. segundo ele. Sua atenção está voltada exclusivam ente para os aspectos ‘durkheimianos’. a qual “sugere associ­ ações de natureza fisica e mecânica quanto ao estudo da dinâmi­ ca dos corpos. Após ter transformado a cultura em metáfora. que havia come­ çado sua exposição com uma acusação a Lévi-Strauss por seu ‘arcaísmo’ teórico. Oliveira. o autor censura. nessa visão profundam ente consensualista da etnogênese nordestina? . o termo ‘etnogênese’. por (como sempre) naturalizantes. Oliveira não nos dá muitos elementos sobre a vida religiosa dos povos nordestinos. por exemplo. Seja. 62).. Oliveira pas­ sa então em revista as metáforas da cultura.para recordarmos aquela distinção tão criticada pelos contatualistas. cujo par é aplicado por Amorim para descrever um ciclo evolutivo marcado pela fatalidade [. em suma.. por implicar uma concepção fatalista e evolucionista da história.. Ele classifica­ va. Para eles. a pertinência do conceito para o caso dos índios muito mais 'cam­ poneses’ do Nordeste. os Ticuna como camponeses. Sua aplicação à situação nordestina por um pes­ quisador anterior é desqualificada. Mas Oliveira (1978) já usara largamente essas noções. Foi só isso que parece ter sobrado. ainda que provavelmen­ te dentro dos tais quadros teóricos mais precisos.KTNOI. os índios do Nordeste eram definitivamente camponeses. então. Tributário do prognóstico darciano da desaparição das culturas indígenas. os contatualistas não faziam a menor idéia de que tal processo fosse acontecer. Sem dúvida. (loc.KIRA 207 Também outras noções que ocupam lugares precisos dentro de cer­ tos quadros teóricos podem vir a ser utilizadas com significados muito deslocados e referidos à metáfora naturalizante acima criticada: é o caso dos conceitos de acamponesamento/proletarização.] atribuída à história. Quando os índios pré-camponeses da Amazônia começaram a tirar suas . Por que escolheu não usar esse conceito agora? Por que. e os da Amazônia. ao contrário do que diz Oliveira —. agora. os ditos quadros teóricos não seriam aplicáveis à etnogênese? Seria talvez porque eles não têm nada a dizer sobre ela? A transição da fricção acam ponesadora à etnicidade indianizadora traduz um reconhecimento da inadequação e im­ precisão do equipamento teórico do contatualismo. ele recusa. no discurso dos co ntatualistas.OGIA BRAS1I. o discurso contatualista não dispunha de es­ paço conceituai para a ‘virada’ indígena da reculturação e da retradicionalização. se já não o eram. estavam virando camponeses. Na verdade. cit). e em seguida dos tais “quadros teóricos” que previam com precisão científica o acamponesamento dos povos indígenas —não eram apenas as versões ‘naturalizantes’ que o faziam. dos conceitos de acam ponesam ento e de proletarização. em parti­ cular por sua variante fundamentalista. a se pintar de vermelho e a dançar com cocares e bordunas na Praça dos Três Poderes —bem.208 IÍDU ARD O V l V K I R Q S D li C A S T R O ‘roupas de branco’. assim. Mas há passos adicio­ nais a dar. daquele ‘culturalism o’ outrora e ainda tão vilipendiado pela escola do contato. o discurso do contato precisa agora começar a tomar suas distâncias do paradigma individualista e politicista que ele her­ dou de abordagens como a de Barth (não que precise ir tão longe a ponto de encontrar Durkheim). Parece que começamos a assistir a uma viagem de volta da escola brasi­ leira de etnologia ao país da cultura. aí ficou claro que algo estava muito errado. Já não era sem tem­ po. abandonada pelos contatualistas. Ele havia começado o artigo com um castigo nos culturalistas e outros essencializadores das culturas autóctones. evo­ cando todo um imaginário da origem e chegando. O tema da “viagem de volta”. Essa viagem não vai ser fácil. tão belamente desenvolvido por Oliveira. poderia assim se aplicar em mais de um sentido. por fim. 64) —tarefa nada fácil —. Há enigmas e paradoxos no caminho: E nquanto o percurso dos antropólogos foi o de d esm istificar a no­ ção de ‘raça’ e desconstruir a de ‘etnia’. Oliveira faz algumas reflexões nesse sentido. mas ele o termina aludindo à necessidade de se “superar a polaridade” entre as teorias instrum entalistas e primordialistas da etnicidade (p. algo constrangida e recalcitrante. a formulações de um lirismo étnico que não envergonhariam Herder. A teoria do ‘acamponesamento/proletarização’ aca­ bou. O discurso teórico da etnogênese representa a incorpora­ ção. nesse caso ainda se podia achar alguma saída honrosa. M as quando camponeses do N ordeste começaram a virar índios —. Tendo aceitado a ‘cultura’ que os índios lhe im puse­ ram. só acho que ela merecia um enterro mais decente que o proporcionado por esse artigo. os m em bros de um grup o étnico . e por isso não devemos dizer nada. Em conclusão a seu artigo. como já adverti. no sentido antropológico do termo —donde sua força). E se há pelo menos uma diferença im portante entre as ciências humanas e físicas. reconhecer que esses temas são. ao con­ trário. pois este ensaio já vai demasiado longo: 91. Ou será que simplesmente não sabemos o que di^er a tal respeito. Não deixa. afinal. o autor não parece ter mesmo muito a dizer91. Mas uma delas merece uma rápida reflexão. o “arbitrário cultural” é justamente aquilo que nunca coube aos “de fora” arbitrar.liTNOJ. tam­ bém conclusiva. precisamente. como propõe Oliveira. não pelos índios que ela pretendia compreender —. Não vou comentar três dessas lições. na direção oposta. Pois. 65).OGlA URASI1. Pois bem —como reagir frente a esses enigmas? Devemos tentar convencer os índios de que cultura pura e conexão com a origem são ‘mitos’ da má antropologia? (Talvez devamos. míticos. mas apenas nos re­ colher humildemente diante do misténo desses “planos que não podem ser atravessados ou arbitrados pelos de fora”? A parte essa saída mística para o paradoxo da contradesmistificação — paradoxo que foi criado pela teoria dos contatualistas. freqüentem ente. designa a etnologia não-contatualista feita no Brasil ou alhures). de soar estranha sua sugestão implícita de que a antropologia possa alguma vez ter legitimamente reivindicado o direito de “arbitrar” o que quer que seja. Tenho às vezes a impressão de que a sociologia da desnaturalização rom­ peu tantas vezes com o senso comum que este perdeu a paciência e resolveu rom per de vez com ela. reafirm ando a sua uni­ dade e situando as conexões com a origem em planos que não podem ser atravessados ou arbitrados pelos de fora (p. é que nas primeiras as rupturas com o senso comum costumam ser pagas na mesma moeda.K1RA 209 encam inham -se. Oliveira dá quatro lições de moral teóricas aos “americanistas europeus” (sinédoque que. pois são de muito pequena valia. ademais. . a com plexa tem ática da autenticidade (que acaba por conferir um a posição de poder ao antropólogo. que é tornada aparência coextensiva? Existiria algo além. é que é propriamente comple­ xa. algo que esses grupos tornam assim —assim coextensivo a si mesmos? Mas isso seria supor que existe uma cultura qual­ quer. por outro. algo antes das demandas dos “próprios grupos sociais”. Isso é naturalização. dem arcando espaços sociais com o legítim os ou ilegítim os) (p. então elas são realmente coextensivas. Atenção ao argumento: as culturas não são coextensivas às sociedades nacionais ou aos gru­ pos étnicos. Quanto a isso. Comecemos pela segunda parte. e se são criadas como coextensivas aos grupos sociais. elas são ou não são coextensivas às sociedades nacionais e grupos étnicos? Existiria por acaso uma essência. paradoxal.210 [í d u a r d o V iv h ír o s d i? C a s t r o [A]s culturas não são coextensivas às sociedades nacionais nem aos grupos étnicos. o discurso contatualista não tem muitas lições de moral a dar à etnologia brasileira. melhor dizendo. mas não é necessário torná-la misteriosa. esperando que uma demanda política de um grupo social venha se acoplar a ela. O que as torna assim são. Muito bem. Leiam-se com cuidado essas proposições. mais simples: a “complexa temática da autentici­ dade”.). por um lado as dem andas dos próprios grup o s sociais (que através de seus porta-vozes instituem suas fronteiras). bem. só posso concordar com o autor: ela é de fato complexa. 68). Se não é isso. o que as torna assim são as demandas dos grupos sociais. mas. uma natureza cultural não-coextensiva (às sociedades na­ cionais etc. A primeira parte da lição. Mas isso também é naturalização. em algum lugar. afinal. entretanto. qu. tornando-a coextensiva. se as culturas são criadas pelas demandas dos grupos sociais. e. Perturbado por vários paradoxos e preso em impasses di­ versos. algo atrás. nem imaginar que os antropólogos sejam co-autores do mistério. A conclamação de Oliveira a um retor­ no às “preocupações inovadoras e reflexões bastante originais” . ou. La fumée du métal: histoire et représentations du contact chea les Yanomami (Brésil). ________ . L’Or cannibale et la chute du ciei: une critique chamanique de Féconomie politique de la nature. por uma antropo­ logia brasileira. Sameness and the ethnological will to meaning.-F. penso que estamos todos mais ou menos do mesmo lado. 1985. citi). Supplement: S29-S41. Université de Paris-X (Nanterre). Aqui não há verdadeiro dualismo. Vassos. nem gran­ de diferença. Paris: Éditions Karthala. A emergência dos ‘remanescentes’: notas para o diálogo en­ tre indígenas e quilombolas. minorités et développement. A nthropologie appliquée ou ‘anthropologie im p liquée’? Ethnographie. A ‘f o r m a ’ tim hira: estrutura e resistência. 1988. 1995. Bruce. sjstèm e rituel et espace politique che%les Yanomami du sud-est (Amagonie brésilienne). ________ . quanto à ética e aos valores. 67) da antropologia brasileira das décadas de 50 e 60 não me entusiasma. 1997. 1984. '['emps du sang. 1995. A narrativa do fazimento.). AZAN H A. M ana 3 (2): 7-38. N ovos Estudos 43: 235-243.OG1A BRAS1U5IRA 211 (p. tese dé doutorado. R efe rên cias B ib lio g rá fic a s ALBERT. temps des cendres: représentation de la maladie. 1993. pp.IÍTNOJ. lJH om m e 106-107: 87-119. dimensão à qual a escola contatualista teria um acesso privilegiado. nem cisão que evitamos abordar. Gilberto. Current Anthropo/ogy 40. FFLCH da Universidade de São Paulo. _________ . 1999. IJH om m e 126—128: 349—378. São Paulo: Depto. de A ntropologia. Seme­ lhante insinuação não contribui para o melhor enquadramento de nenhum dos problemas teóricos ou práticos com que se defronta a antropologia brasileira. dis­ sertação de m estrado: . (org. 87-118. ARRUTI. Les appUcalions de Vanthropologie. Pois. ________ . In: BARE J. ARGYROU. José Maurício. e da qual os “americanistas europeus” estariam —é o que se deixa entender —tristemente distanciados. Entusiasma-me ainda menos a lamentável menção in extremis a uma “dimensão ético-valorativa do exercício da ciên­ cia” (loc. pp. 1992. Etnicidade: da cultura residual mas irredutível. pp. Identidade. Os mortos e os outros: uma análise do sistema funerário e da noção de pessoa entre os índios Krabó. CARNFIIRO DA CUNHA. Audrey & HEINEI)!.). Capitalismo e escravidão no B rasil m eridio­ nal. Rinehart & Winston. Hannover: Võlkerkundliche Abhandlungen. história. BASSO. Política indigenista no século XIX. CALAVIA S. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. Caracas: Fundación La Salle. Sobre o pensam ento antropológico. 1973. _________.). 1988. 1986. BUTT COLSON.). H. 1964. São Paulo: Pioneira. ________ . A sociologia do Brasil indígena. São Paulo: Hucitec. í he Kalapalo lndians o f Central B ra sil New York: Holt. H. In: KUPER A. A tas do Simpósio sobre a Biota A mazônica (vol.). 1978.. Revista de Cultura e Política 1: 35—39. Os direitos do índio: ensaios e documentos. Dieter (orgs. Londres: Routledge. M. Campinas: Editora da Unicamp. ________ . Towards greater naturalism in conceptualizing societies. (org. Areas de fricção interétnica na Amazônia. Conceptualicpng society. _________. 1979. BARTH. E. Themes in política! organi^ation: l he Caribs and their neighbours (Antropologica 59-62). CARDOSO DE OLIVEIRA. 1973. 187-193. 1978. Roberto. _________. História dos índios no B rasil São Paulo: Companhia das Letras. 1992. (orgs. Antropologia do Brasil: mito. 1995. _________. 1983—1984. 1968. Bibliografia crítica da etnologia brasileira (vol II). Guilhermo R. Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Pesquisas. Rio de Janeiro: Tempo B rasi­ leiro. Roberto & RUBEN. 17— 33. Estilos de antropologia. CARDOSO DE OLIVEIRA. ________ . O índio e o mundo dos brancos. Oscar. Fredrik. São Paulo: Brasillense. Logique du mythe et de 1’action: le mouvement messianique canela de 1963. 1967. (org. Fernando Henrique. Herbert.212 HDUARDO VlVKlRO S Dli CASTRO BALDUS. M. In: CARNEIRO DA CUNHA. tese de doutorado. São Paulo: Universi­ dade de São Paulo. CARDOSO. ________ . São Paulo: Brasiliense. _________. Bd IV. lJH om m e XIII: 5—37. São Paulo: DIFF1L. pp. (org. In: LENT. 1976. 133-154. etnia e estrutura social. 1995. 1987. 1962. 2: Antropologia). São Paulo: Pioneira. O nome e o tempo dos Yaminaiva.). . etnicidade. La polémique Sartre/ L év i-S trauss revisitée. Jean-Pierre. (org. La remontíe de lAmasçone.).). Mil/es plateaux. (orgs. savoir. R. Petrópolis: Vozes. 1990. J. Philippe & TAYLOR. CREPEAU. Rio de Janeiro: Paz & Terra/Anpocs. Félix. (org. 1997. 139— 154. In: LEVISTRAUSS. 107—126. FARDON. et al. 1993. (org. M ito e linguagem social. Johannes. 1995.) 1992. Christopher. and sbamanism. História dos índios no brasil. Philippe. Tucson: University of Arizona Press. Les Temps M odernes 596. 1976. In: KUPER. 1986. 1970. Esti/os de antropologia.IÍT NO I. pp: 1-35. pp. DELEUZE. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro (Comunicação. Bernard. A s muralhas elos sertões: os povos indígenas do Rio Branco e a colonização. OG IA B R A S IL EI R A 213 ________ . Christian & TRAIMOND. Nádia. FARAGE. CARNEIRO DA CUNHA. Aux sources des Sciences sociales d’aujourd’hui. CROCKER. Anne-Christine (orgs. Paris: Ecole des Hautes litudes en Sciences Sociales. 1983. 1985. Mito e antim ito entre os Tim bira. Gilles & GUATTARI. Londres: Routledge. vol.). In: CARDOSO DE OLIVEIRA. ________ . How antbropology makes its object. Paris: Minuit. Richard. DESCOLA. natural symbolism. G. potw oir: ie chamanisme cbez les Yagua du N ord-Est péruvien. Manuela & Eduardo VIVEIROS DE CASTRO. Roberto. ________ . 1m nature domestique: symbolisme etp ra x is dans 1'éco/ogie des Acbuar./ souls: Bororo cosmo/ogy. New York: Columbia University Press. R. General introduction. pp. Robert. 1991. lJH om m e 126—128. 77—106. lidinburgh/W ashington: Scottish Academic Press/Smithsonian Institution Press. 1983. Voir. A antropologia brasileira vista do Québec: uma proposta de pesquisa. pp. DESCOLA. FABIAN. 1977. Vita. DaMATTA. Localizing strategies: regional traditions o f ethnograpbic writing. DELACAMPAGNE. 1980. DAVIS. Societies of nature and the nature of society. In: FARDON. Um mundo dividido: a estrutura social dos índios Apinayé. A. C. Jou rn al de la Sociêté des América/listes LXXI: 191-217. 1). 1992. Vitimas do milagre: o desenvolvimento e os índios do B rasil Rio de Janeiro: Zahar. Vingança e temporalidade: os Tupinambás. Lime and the otber. Shelton. 1985. Campinas: Editora da Unicamp.). CHAUMEIL. São Paulo: Fapesp/SMC/ Companhia das Letras. . Paris: Maison des Sciences de 1’Homme. & RUBEN. Conceptualriçing society. FERNANDES. Cultura! Studies ivi/l be the death o f anthropology. pp: 1-12.). Peter. Livro em preparação. tese de doutorado. Mareio & PALMEIRA. (orgs. Alfred. São Paulo: Depto. Carlos. 0 signifcado do nome: cosmologia e nominação entre os Pirahà. Peter (org. O movimento na cosmo/ogia wajãpi: criação. Os Parakanà: dravidianato e casamento avimcu/ar na A m azô­ nia. 1996. the semioties o f mixed metaphors. ________ . 1996. GONÇALVES. Tendências teóricas da moderna investigação etnológica no Brasil. Marco Antonio. Between comparison and cultural history: an Amazonian case study. A governamentalidade. Oxford: Clarendon Press. pp: 119-190. Um mundo inacabado: cosmologia e sociedade pirahà (povo da Amazônia oricntal)lK\a de Janeiro: PPGAS do Museu Nacional. A. Florestan. M. O f mixed b/ood: kinship and history in Pernvian Amazônia. Against the motion. John. 1988. In: WADE. GOLDMAN. Michel. Ethnos 42 (special issue). (orgs. & HANN ERZ. Rio de Janeiro: PPGAS do Museu Nacional. Dominique. ________ . & GOLDMAN. Rio de Janeiro: Contracapa. 1975. pp: 277-293. tese de doutorado. "A man ívho rnnl under the earth”: hoiv an indigenous A m agonian ivor/d changes in time. Rio de Janeiro: Sette Letras. In: GELL. Londres: LSE (inédito). de Antropologia. ________ . M. Rio de Janeiro: Museu Nacional/UFRJ. São Paulo: NHI/USP. expansão e transformação do universo. 1995. 1991.). FFLCH da Universidade de São Paulo. In: M icrofisica do Poder. Rio de Janeiro: Graal. 1997. GELL. In: Investigação etnológica no B rasil e outros ensaios. ________ . Moacir. U. Rio de Janeiro: PPGAS do Museu Nacional. [1956-1957]. l h e art o f anthropology (no prelo). GALLOIS. Petrópolis: Vozes. GERHO LM . Strathernograms: or. Apresentação. The shaping o f n a tion al anthropologies. GLEDHILL. 1991. O f ennemies and pets: warfare and shamanism in Amazônia. 1995. FOUCAULT. In: PAL­ MEIRA. 1998. M airi revisitada: a reintegração da Fortaleza de M acapá na tradição oral dos Wajãpi. voto e representação política. 1982. dissertação de mestrado. T. Antropologia. 1993.EDUARDO VlVHIROS Dli CASTRO 214 FAUSTO. 1999. 1993.). no prelo. ________ . A dialética da predaçào e fam iliarização entre os Parakanã da A m a­ zônica oriental: p o r uma teoria da guerra indígena. Manchester: The GDAT Debate 8: 42-48. A merican Ethnologist. ______ . 1979. 1999. GOW. . tese de doutorado. ).). Not the question. Cambridge: Cambridge University Press.). Londres: Routledge. disser­ tação de mestrado. 1988. ________ .). LATOUR. 1994. 1996b. Tim (org. 1998. Language is the essence of culture. Vincent. De 1’anthropologie morale à 1’économie symbolique de la prédation: à propos de deux sociologies amazonistes. HENLEY. Paris: Editions La Découverte. Tim (org. Bruno. São Paulo: Universidade de São Paulo. . 1996b. exchange. Luís D. Conceptuali^ing society. Jonathan (org. In: INGOLD. Elisa. Key debates in anthropology. 15001760. Kenneth (org. The Palm and the Pleiades: initiation and cosmology in N orthwest Amaoçon. Alf. ________ . HEMMING. 1982.OGIA b r a s i i . HORNBORG. 1988. Mémoire de DEA: Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales. The gun and the bow: mvths o f white men and indians. HUGH-JONES. 1988. 1979. (org. KENSINGER. Ama^on fron tier: the defeat o f the Brasflian lndians. M ancbester Papers in Social A nhtropology 1. Londres: M acMillan. N ons n'avons ja m a is été modernes. N Homme 106-107 XXVIII (1-3): 138-155. 1991 (1996]. Rethinking history and mytb: Indigenous South A merican perspectives on the past. Urbana: University of Illinois Press. Petite réflexion sur le cu/te moderne des dieux faitiches. HUGH-JONES. A troca de nomes e a troca de cônjuges: uma contribuição ao estudo do parentesco timbira. From the mi/k river: spatial and temporal processes in N orthwest A mazônia.IiTNOl. Urbana: University of Illinois Press. A nthropology N ewsletter 37 (3). Bulletin o f Ixtlin A merican Research: 231-245. John. Ma. 1979. índios no B rasil Brasília: Ministério da Educação e do Desporto. 1996a. 1992. _________. Introduction. A. Londres: Routledge. alterity. 1987. Cambridge: Harvard University Press. Dualism and hierarchj in lowland South A merica: trajectories o f indigenous social organi^ation. 1991. Stockholm: Almqvist & Wiksell. LADEIRA. Stephen. Recent themes in the anthropology of Amazônia: history. Adam. Christíne. 1996a. 1984. B. pp: 147—198. ________ .. Red Go/d: The conqnest o f the B racflian lndians. HILL. Cambridge: Cambridge University Press. HIRTZEL. 1978. (org. k i r a 215 GRUPIONI. ________ . INGOLD. KUPER. Paul. Paris: Les Empêcheurs de Penser en Rond.). South Indian models in the Am azonian lowlands.M arriage practices in Lowland South America.). In KUPER. 1973 [1950]. Voltas ao passado.). Rio de Janeiro: PPGAS do Museu Nacional. A nthropologie stmcturale. O xford: Clarendon Press. Rio de Janeiro: PPGAS do Museu Nacional. Rio de Janeiro: Museu Nacional/UFRJ. tese de doutorado. rotinas e saberes coloniais no B rasil contemporâneo. David. 1964—1971.1ÍDUAR DO 216 V l V K I R O S D l i C A ST R O _________. 1996. Rio de Janeiro: PPGAS do _ Museu Nacional. Brasília: MEC/MARI/Unesco. LIMA. São Paulo/Petrópolis:Anpocs/Vozes. [1980]. Aracy. 1998. Indigenismo e territorialização: poderes. _________. tese de doutorado. _________. Sociologie et anthropologie. _________. Im . parentesco e domesticidade entre os negros do Recôncavo da Bahia. Luís D. 1967. 1998. A vida social entre os Yudjá (índios Juruna): elementos de sua ética alimentar. 1991.). 1958. Paris: Plon. Paris: Plon. A invenção da fam ília afro-americana: fam ília. Histoire de Ijynx. _________. Nomes e amigos: da prática xavante a uma reflexão sobre os Jê. Paris: Plon. 1968-1985. Notas sobre o estudo da relação entre antropologia e indigenismo no Brasil. (orgs. M jthologiqaes I-IV. 1985. 1996. ix-lii. Politiques de la nature. B. In: CARNEIRO DA CUNHA. ______ . Genebra: Éditions Albert Skira. In: OLIVEIRA. Paris: Plon. 1998. O governo dos índios sob a gestão do SPI. A k m -S h avante society. LEA. Brasil. M. dissertação de mestrado. . Vanessa. Introduction à 1’oeuvre de Mareei Mauss. (org. LOPES DA SILVA. M ana 2 (2) 21 -47. São Paulo: FFLCH/USP. pp. 1973. Im voie des masques. . Aracy & GRUPIONI. 155-172. tese de doutorado. P. _________. 1995. 1992. pp. Claude. LOPES DA SILVA. 1986. ■ 1975. _________. A temática indígena na escola. Louis. J. A parte do cauim: etnografia juruna. de (org. In: MAUSS. Paris: PUF. MAYBURY-LE1WIS. 1995. M ana 4 (2): 107-117. Paris: Plon. MARCELIN. Os relatórios antropológicos de identificação de terras indí­ genas da Fundação Nacional do índio. O dois e seu múltiplo: reflexões sobre o perspectivismo em uma cosmologia Tupi. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria. Um grande cerco de pacç. 1986. História dos índios no B rasil São Paulo: Fapesp/SMC/Companhia das Letras. Antonio Carlos de Souza.). LÉVI-STRAUSS. 1995. Nomes e nekrets Kayapó: uma concepção de riqueza. M. Tânia Stolze. potière jalouse. LIMA. _ . A nthropologie structurale deux. 1986. Livro em preparação. trabalho apresentado na IIIa Reunião do Grupo de Pesquisadores da Agricultura na Amazônia. ORTNER. P aris: S o ciété des A m éricanistes. MONTEIRO. São Paulo: Ática.). tese de doutorado. Uma etnologia dos ‘índios misturados’? Situação colonial. personhood and social organi^ation amongst the Cashinauhua o f Western Amazônia. A antropologia no Brasil: um roteiro.OGIA BRASII. Lhe lriaroa. FFLCH da Uni­ versidade de São Paulo. 387-394. MENGP1T. 1989. MS: Harvard University Press. Gender. David (org. Comparátive Studies o f Society and History 26 (1): 126-166. MELATTI. A fronteira e a viabilidade do campesinato indígena. A lienation: M arx’s conception o f man in capitalist society. 1976. Guerres. Julio Cezar. Rafael José. 1979.ItTNOI. 1975. John Manuel. OVERING KAPLAN. Bertell. 1984. Com m ents to the sym posium ‘Social time and social space in low land South A m erican so c ie tie s’. 1998. 0. 1978. A etnologia das populações indígenas do Brasil. OLIVEIRA F°. Anuário Antropológico 80: 253-275. 1990. ________ . São Paulo: Marco Zero/CNPq. McCALLUM.). ________ . In: A ctes du X L II C ongrès I n te rn a tio n a l d es A m érica n istes (P aris. Londres: London School o f Economics. _________ . 1985. São Paulo: Companhia das Letras.r A surini do Xingu: história e arte. a people o f the Orinoco Basin: a study in kinsbip and marriage. . tese de doutorado. 1978. D ialectical societies: the Gê and Bororo o f Central B rasil. LXXI: 129-208. Rio de Janeiro: Biblioteca do PPGAS do Museu Nacional. Regina Polo. N egros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. _________. Patrick (org. Campinas: Editora da Unicamp. São Paulo: Depto. OLLMAN. sociétés et vision du monde dans les basses terres de 1’Amérique du Sud.H1RA 217 MAYBURY-LHWIS. territorialização e fluxos culturais. Joanna. "O nosso govern o’’: os 'Ticuna e o regime tutelar. M ana 4 (1): 47-77. 1977. nas duas últimas décadas. ________ . 1983. jo u rn a l de la Société des A méricanistes. Oxford: Clarendon. Ritos de uma tribo Timbira. Cambridge: Cambridge University Press. 1994. Brasília: Universidade de Brasília. Sherry B. Série A ntropologia 38. 1976). 1988. Ceciüa. MENEZES BASTOS. 1982. Cambridge. A festa da jaguatirica: uma partitura critico-interpretativa. MULLER. de Antropologia. 1990. pp. Trabalhos em Ciências Sociais. Theory in anthropology since the sixties. pp 13-30. 214-234. In: CARNEIRO DA CUNUA. 1997.'. RIBEIRO. RICARDO. Review article: Amazonian anthropology. ________ . tese de doutorado. 1977. (org. J. (org. REIS. pp. Série A ntropologia 89. Ke/ações preciosas: franceses e ameríndios no século XVII. Índios livres e índios escravos: os princí­ pios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). Urbana: University of Illinois Press. São Paulo: Companhia das Letras. Fábio W 1991. O povo brasileiro.).). Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no B rasil moderno. ano 6: 27-42. O tabelão e a lupa: teoria. ________ . A fa vor da etnografia. RAMOS. When anthropology is at home: the different contexts of a single discipline. ________ . Darcy. História dos índios no B rasil São Paulo: Fapesp/SMC/Companhia das Letras.). Ethnology Brazilian style. 1981. 1998. Os índios e a sociodiversidade nativa contem po­ . ________ . Paris: Société des Américanistes. 7-394). Brasí­ lia: Editora Universidade de Brasília. ________ .218 UnUARDO VlVKIROS DU CASTRO ________ . Revista Brasileira de Ciências Sociais 16. Alcida R. São Paulo: Hucitec/INL. pp.). The anthropology o f anthropology: the B rasflian case. 115-132. (org. 1995. 1981. OVERING KAPLAN. 1988. PERRONE-MOISES. Uma antropologia no plural: trés experiências contemporâneas. Brasília: Universidade de Brasília. II. Cambridge: Harvard Universit. Desterrados e exilados: antropologia no Brasil e na índia. método generalizante e idiografla no contexto brasileiro. 1995. A nnual Revieiv o f /[nthropology 27: 105-128. Joanna (org. Beatriz. pp. 1970. São Paulo: Depto. de Antropologia. PEIRANO. Social time and social space in lowland South American societies. M emórias Sanumá: espaço e tempo em uma sociedade Yanomami. M. _________. In: HILL. Carlos Alberto. ________ . R. tese de Doutorado. Jou rn a l o f Eatin A merican Stndies 13 (1): 151-164. Rio de Janeiro: Relume Dumará. 1990b. 1992. FFLCH da Universidade de São Paulo. Estilos de antropologia. In: A ctes du X 1 JI Congrès International des Américanistes. 1980. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1995. In: CARDOSO DE OLIVE1IRA. Trabalhos em Ciências Sociais. Campinas: Editora da Unicamp. Hierarquia e simbiose: relações intertribais no Brasil. 1992. São Paulo: Marco Zeto/UNB. M ariza. _______ . ________ . 1990a. Indian voices: contact experienced and expressed. Rethinking history and myth. Roberto A. _________. SIMONDON. 1984. 1977. The sadness of sweetness: the native anthropology of Western cosmology. . ________ . 1995. Individual and society in Guiana: A comparative study o f A merindian social organisation. Ann Atbor: The University of Michigan Press. Boletim Informati­ vo e Bibliográfico de Ciências Sociais 2. ________ . Pontos de vista sobre os índios brasileiros: um ensaio bibliográfico. Current A nthropology 37 (3): 395-428. 1976. In: LOPES DA SILVA. RIVIE. Peter. Gilbert. pp. Aracy & GRUPIONI. Eduardo B. ________ . (org. 1993. SEEGER. Editora Nacional. O ‘pessimismo sentimental’ e a experiência etnográfica: por que a cultura não é um ‘objeto’ em via de extinção” (Parte I). Boletim do M useu N acional 32: 2-19. Chicago: The University o f Chicago Press.). M arriage among the Trio: a principie o f social organisation. In: SCHADEN. Prickly Pear Pamphlet 2: 21. 1996. I jitu r a s de etnologia brasileira. 1993. SILVA. Rio de Janeiro: PPGAS do Museu Nacional. ________ .ETNOLOGIA BRAS1LKIRA 219 rânea no Brasil. M ana 3 (1): 41-73.RE. Anthony. The amerindianization of descent and affmity. 1979. Marshall. E. Brasília: MEIC/MARI/Unesco. A temática indígena na escola.29-60. 1969. 1981. B. O ‘pessimismo sentimental’ e a experiência etnográfica: por que a cultura não é um ‘objeto’ em via de extinção” (Parte II). Waiting for Foucault. lTH omme 126128 XXXIII (2-4): 507-516. M ana 3 (2): 103-150. & VIVEIROS DE CASTRO. 1997. Cambridge: Cambridge University Press. Luís D. Elduardo B. Anthony & VIVEIROS DE CASTRO. 1981. SEEGER. SAHLINS. Cambridge. lJindividu et sagen èse physico-biologique (lJindividuation à !a lumière des notions de form e et dínform alion). Paris: PUF. SEEGER. 1997. 1964. Márcio. Romance de prim as e prim os: etnografia do parentesco mirniriatroari. Historical metaphors and m ythical realities: Structure in the early history o f the Sandmch Islands Kingdom. tese de doutorado. 1993. Oxford: Clarendon Press. N ature and society in Central B rasil: the Suyá lndians o f M ato Grosso.).. A ’construção da pessoa nas sociedades indígenas brasi­ leiras. O estudo atual das culturas indígenas. _________. SCHADP1N. fo r example. (orgs. Egon. Anthony. MS: Harvard University Press. ________ . How “natives" think: about Captain Cook. DAMATTA. São Paulo: Cia. hiérarchie: lextes offerts à lxm is Dumont. Strathern. pp. Graham. (org.). Cambridge: Cambridge University Press. Différences. tese de doutorado. 1979. (org. John. Pacific Stndies 15 (1): 123-159. Book Review Forum: M. 1998. Dual opposition. São Paulo: Loyola. The limits of auto-anthropology. 16-37.220 E D U A R D O V l V K l R O S DU C A S T R O SKORUPSKI. 1982. In: MAYBURY-LF1WIS. SURRALES. Pa ri s: Bcole des Hautes Études en Sciences Sociales. pp. ________ . 208-276.. Sym bol and theory: a philosophical study o f theories o f religion in social anthropology. 333-370. (org.). pp.. A nthropologie et Sociétés 4 (3): 85-115. 1988.). 1976. 1980. Alexandre 1999. STOCKING JR .R. Terence. Washington/Londres: Smithsonian Institution Press. THOMAS. Márnio. 1992. (org. STRATH líRN . and value: moyety structure and symbolic polarity in Central Brazil and elsewhere. 1984. pp. Paris: Editions de 1’EHESS. 1998. São Paulo: Hucitec/Anpocs/Flditora da UFPR. In: GODELIBR. Política indigenista dos portugueses no Brasil. Mass: Harvard University Press. ________ . 187-213. J. D ialectical Societies: the C e and Bororo o f Central B ra sil Cambridge. (orgs. ________ . 1988. (org. The gen der o f the gift: pròblem s with women andproblem s with society in M elanesia. L’americanisme tropical: une frontière fossile de l’ethnologie? In: RUPP-BISENREICH. Georg. George. Jivaro kinship: “simple” and “complex” formulas: a Dravidian transformation group. Ideas o f order and patterns o f change in Yaminahua society.). 1989. Paris: Klinksieck. Histoires de Tanthropologie: X l^l-X IX siècles. Marilyn. pp. ________ . M adison: The University o f Wisconsin Press. R om antic m otives: essays on anthropological sensibility. In: JACKSON. TURNE. 15001640. In: STOCKING JR . In: GALEY. A. hierarchy. M. Le dénicheur d’oiseaux en contexte. The Gender o f the Gift.). TEIXEIRA-PINTO.C. D. 213-233. B. A nthropology at home. [1968]. et al.). . Cambridge: Cambridge University Press. G. 1984. valeurs. 1987. A u cccur du seus: objectivation et subjectivation che^ les Candoshi de IA ma^onie péruvieene. The ethnographic sensibility o f the 1920s and the dualism o f the anthropological tradition. TOWNSLEY. pp. 'Transformations o f Kinship. leipari: sacrifícios e vida social entre os índios A rara (Caribe). Anne-Christine. Berkeley: University of Califórnia Press. . TAYLOR. tese de doutorado. 147-178. The Ge and Bororo societies as dialectical Systems: a general model. 1996b. In: VIVEIROS DE CASTRO. historical transformations o f Kayapo culture and anthropological consciousness. Otávio. 235-281. Grafismo indígena. adaptação e consciência social entre os Kayapó. D. (org. O elo perdido (Diários índios. (orgs. O campo na selva. 1988. B. Antropologia para sueco ver. 1992. resisting. 43-66. ________ . Lux & BARRETO F°.). & CARNEIRO DA.). Aparecida. M ana 2 (1): 109-137.O Ü iA B R A S t U i l R A 221 ________ . pp. visto da praia. Ethno-ethnohistory: myth and history in native South American representations o f contact. 1992. E. A nuário Antropológico 96: 159-188. 1997. VELHO. Lux (org. O belo é a fera : a estética da produção e da predação entre os Wayana. G. W (org. Representing. 1980. pp. . Henyo. Q uem somos nós: questões da a/teridade no encontro dos Wari’ com os Brancos. Animal symbolism. Lúcia H. 1992. De cosmologia a história: resistência. totemism and the structure of myth. A nim al mytbs and metaphors in South America. ________ . 1996a.). Rio de Janeiro: Plditora da UFRJ. 49-106. VILAÇA. São Paulo: Studio Nobel/Fapesp/ Edusp. Rio de Janeiro: PPGAS do Museu Nacional.H T N O I . 1993. (org.). J. de Darcy Ribeiro). In: HILL. tese de doutorado. 1986. E. 150-210. pp. 285-313. 1993a. ________ . pp. (org. Urbana: University o f Illinois Press. São Paulo: Universidade de São Paulo. Eduardo. In: STOCKING G. VIDAL. 1985. ________ . VAN VELTHEM. CUNHA. Cristãos sem fé: alguns aspectos da conversão dos Wari’ (Pakaa Nova). In: VIVEIROS DE CASTRO. Alguns aspectos da afinidade no dravidianato amazônico. ________ . A raweté: os deuses canibais. 1991. São Paulo: Núcleo de História Indíge­ na e do Indigenismo (USP)/Fapesp.). A masçônia: etnologia e história indígena. C olonial situations: essays on the contextuali^ation o f etbnographic knowledge (H istory o f A nthropology. In: URTON. 7). A mazônia: etnologia e história indígena. São Paulo: NHI/USP. pp. M. Dados: Revista de Ciências Sociais 23 (1): 79-91. tese de doutorado. Estudos Históricos 5 (10): 170-190. Comendo como gente: form as do canibalismo ívati'. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor/Anpocs. Rethinking Myth and History: Indigenous South A merican perspectives on the past. Madison: University o f Wisconsin Press. VIDAL. Salt Lake City: University o f Utah Press. 1995. _________. ________ '. VIVEIROS DE CASTRO.). rethinking. WOLF. 1993. 365-431. 1998b. (org. 1996b. W ashington/Londres: Sm ithsonian Institution Press. M.) 1995. Robin. T he h istorical an th ro p o lo gy o f text: the interpretation of RaleiglVs Discoverie o f Guiana. 1992. Manchester. Le marbre et le mytte: de 1’inconstance de l’âme sauvage. pp.AD. A nnual Revue o f A nthropology 25: 179-200.222 EDUARDO VIVKIROS D li CASTRO ________ . Pensando o parentesco ameríndio.). Le meurtrier et son double (Araweté. In M. Plric. Europe and the peop/e without history.). Amazonie). Cosmological perspectivism in Amazônia and elsewhere. In: BECQ U ELIN . A magânia: etnologia e história indígena. La puissance et 1’acte: la parente dans les basses terres d ’Amérique du Sud. E. N ovos Estudos Cebrap 36: 22—33. ________ . Dravidian and related kinship systems. (org. VIVEIROS DE CASTRO. 1993. ________ . Chicago: The University o f Chi­ cago Press. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ. WAGNF1R. Systèmes de Pensée en A frique N oire 14 (“Destins de m eurtriers”): 77-104. Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio. (orgs. M ém oire de la tradition. IJH om m e 126-128: 141-170. ________ .). 1996c. 1981. A. The GDAT Debate 8. Recherches thématiques.). São Paulo: NHI/USP/ Fapesp. _______ _. VIVEIROS DE CASTRO. Carlos. Berkeley: University of Califórnia Press. ________ . (org. 1995. Rio de Janei­ ro: Editora da UFRJ. WHITEHE. 1996 Cultural studies ivill be the deafh o f anthropology. História indígena do Noroeste da Amazônia: hipóte­ ses. Godelier et al. Histórias ameríndias. In: CARNEIRO DA CUNHA. Manuela (orgs.). 1996a. Roy. & M O LIN IÉ. 332-385. Transform ations o f Kinship. (orgs. 1993b. A ntropologia do parentesco: estudos ameríndios. In: VIVEIROS DE CAS­ TRO. WADE. . Eduardo B. 1982. Cnrrent A nthropology 36 (1): 53-74. Images of nature and society in Amazonian ethnology. ________ . lh e invention o f culture. pp. A ntropologia do parentesco: estudos ameríndios. 1998a. M ana 2 (2): 115-144. 1993c. pp. WRIGHT. Nanterre: Société d’Ethnologie. questões e perspectivas. Peter (org. Cambridge: Simón Bolívar Lectures. A. . 7-24. Eduardo B. ________ . & FAUSTO.). N eil. & CARNEIRO DA CUNHA. 1995. 1976. George. São Paulo: Companhia das Letras/Fapesp/ SMC.OGIA BRASII.IÍTNOI.KIRA 223 História dos índios no brasil. boletim do M useu do Índio. pp. 253-266. ZARUR. . Antropologia 4: 1-4. Envolvimento de antropólogos e desenvolvimento da antropologia no Brasil. Documents Similar To Etnologia Brasileira - Eduardo Viveiros de CastroSkip carouselcarousel previouscarousel nextHaumaalmaneste CorpoA antropologia brasileira no início do século XXEtno-Desporto Indigena´´O-NOVO-OLHAR-SOBRE-A-CIDADE´´-Nadia-VizottoA Temática Indígena Na EscolaUM OLHAR SOBRE A PRESENÇA DAS POPULAÇÕES NATIVASAulas 1 e 2 Antropologia JuridicaA aventura etnográfica Melatti´´O-NOVO-OLHAR-SOBRE-A-CIDADE´´-Nadia-VizottoCronologia de Egon SchaenAntropologia e Direito ABA-2012.pdf1402014806_ARQUIVO_Limites_e_possibilidades_da_cartografia.pdfmarc augeCaderno de Programação REA 2015LAPLANTINE, F. O campo e a abordagem antropológicosANPOCS 2011Roberto Cardoso de Oliveira, o Que é Isso Que Chamamos de Antropologia BrasileiraSaúde Mental e Sofrimento Indígena10-Comaroffs-FichamentoAtividade de Antropologiaana lucia pastore schritzmeyer - etnografia dissonante dos tribunais do júriManual de Antropologia Juridica - Olney Queiroz Assis e Vitor Frederico KuFundamentos Antropologicos e Sociologicos da EducaçãoComentários sobre a obra de Edmund Leach08-IDeAS-V06 n01-Resenha Rodrigo Pennutt Da CruzCANESQUI, Ana Maria. Olhares antropológicos sobre a alimentação - Comentários sobre os estudos antropológicos da alimentação.pdfDisciplina s 111Por Uma Etnografia Do Luxo(FIIGUEIREDO, Nathaniel Reis de) RELAÇÕES ENTRE LITERATURA E ANTROPOLOGIA NO ROMANCE 'MAÍRA', DE DARCY RIBEIROAulas dos dias 05.07.2013; 19.07.2013 e 02.08.2013More From Thomas CortadoSkip carouselcarousel previouscarousel nextA Socialidade Da Estrutura Espacial Da Casa - Maria HiguchiAutour de l'Autochtonie - Jean-Noël RetièreIntroduction to Meanings of the Market - James CarrierA Periferia de São Paulo, Revendo Discursos, Atualizando o Debate - Érica Peçenha Do NascimentoA Casa Do Pobre (22!05!1936, p. 2) - A ManhãOs Meios de Melhorar as Condições Das Habitações Destinadas Às Classes Pobres - Conselho Superior de SaúdeO Engenheiro e o Político, As Relações Entre o Discurso Político e o Discurso Científico Na Trajetória de Francisco Pereira Passos - Janaina Lacerda FurtadoZona Oeste Do Rio Tem Nova Operadora No Tratamento de Esgoto - SMOHabitações Populares - Primeira Parte - Everardo BackhauserDa Laranja Ao Lote - Sonali Maria de SouzaTransport Expansion in Underdeveloped Countries - Edrad Taaffe Et Al.Optimum Économique (HEC)Groupes de SlanskyA forma acampamento - Lygia Sigaud.pdfResultado eleição municipal - Prefeito Turno 1 (Zona 243) - 2016.pdfDehors, chaos et matière intensive dans la philosophie de Gilles Deleuze (L)Bidonville, paradigme et réalité refoulée de la ville au XXe siècle - Raffaele Cattedra.pdfXenogears- Perfect WorksPrograma - Antropologia da Economia 2014-1 ver 12-03.pdfConstrução Do Exótico e Consumo de Moda Brasileira Na França - Débora LeitãoSur l'Objectivation ParticipanteInside a Mongolian Tent - Caroline HumphreyExclusion, Under Class, Marginal Id Ad (L)Anthropology, Kleinian Psychoanalysis, And the Subject in CultureFieldwork and the Perception of Everyday LifeA espoliação urbana - IntroduçãoInside a Mongolian Tent - Caroline HumphreyAnthropology, Kleinian Psychoanalysis, And the Subject in CultureFrente Pioneira - José de Souza MartinsFooter MenuBack To TopAboutAbout ScribdPressOur blogJoin our team!Contact UsJoin todayInvite FriendsGiftsLegalTermsPrivacyCopyrightSupportHelp / FAQAccessibilityPurchase helpAdChoicesPublishersSocial MediaCopyright © 2018 Scribd Inc. .Browse Books.Site Directory.Site Language: English中文EspañolالعربيةPortuguês日本語DeutschFrançaisTurkceРусский языкTiếng việtJęzyk polskiBahasa indonesiaSign up to vote on this titleUsefulNot usefulYou're Reading a Free PreviewDownloadClose DialogAre you sure?This action might not be possible to undo. Are you sure you want to continue?CANCELOK
Copyright © 2024 DOKUMEN.SITE Inc.