François SoulagesESTÉTICA E MÉTODO Exporei neste texto parte de meu seminário apresentado na USP em março de 2004. Agradeço ao Professor Gilbertto Prado que me convidou, ajudou e traduziu durante esse seminário, do qual guardo emotivas lembranças, tão grandes foram a atenção e a participação de todos os membros. O duplo problema do qual tratarei será: O que é a estética? E, em conseqüência, qual método devemos utilizar para colocá-la em ação em uma pesquisa? Assim, primeiramente, devo explicar minha concepção de estética, na medida em que a metodologia é uma conseqüência desta. Podemos pensar que o método da estética é intrinsecamente constituinte da própria estética; a separação entre a essência e o método da estética é uma separação por razões de exposição, não de natureza: não há uma estética de um lado e, de outro, seu método; há uma disciplina que existe com e por seu método; o professor-pesquisador deve sabê-lo, experimentá-lo e colocá-lo em ação. 1. A ESTÉTICA 1.1. Três aproximações de uma obra de arte A aproximação estética de um objeto, tal como a concebo – seja de uma ou várias obras, de uma ou várias artes – deve fundar-se, para ser rigorosa e pertinente, inicialmente, em uma aproximação sensível desse objeto e, posteriormente, sobre sua aproximação teorética1; explicarei esta proposição que trata, ao mesmo tempo, do fundamento e do método da estética. Minha concepção de estética, que podemos reencontrar enunciada e em ação em minha tese e livros – e, particularmente, na Esthétique de la photographie – apóia-se em uma reflexão induzida pela pluralidade e pela diversidade de experiências que tive com a fotografia: as experiências sensível, poética, criadora, teorética, filosófica etc. da fotografia alimentaram e fundaram minha experiência estética. Se falo aproximação de uma obra de arte é para insistir sobre o fato de a obra ou a arte não serem jamais atingidas por uma aproximação, seja ela qual for, restando, portanto, em uma obra e em uma arte, uma parte não nomeável e intraduzível que resiste à análise, a qual garante a re-visão e a re-leitura da obra e da arte. Nós desenvolvemos esta observação em Proximité, em Images des-dires, em Communications, littératures et signes e na Esthétique de la photographie. La perte et le reste. A aproximação de uma obra de arte se parece – sob este ponto de vista – àquela da filosofia, na medida em que esta última é amor, mas não possessão, da sabedoria; do contrário ela seria dogmática e, por isso mesmo, antifilosófica; portanto, uma aproximação que pretendesse possuir a obra de arte e dar conta totalmente dela seria dogmática e, conseqüentemente, deveria ser rejeitada. Essa pretensão à possessão e à explicação total é uma tentação à qual o pesquisador deve resistir na medida em que, de pesquisador crítico, transformaria-se em ideólogo não crítico, em suma, sem grande interesse para a pesquisa científica, correndo o risco de tornar-se, ele Man Ray, lâmina 2 do álbum de fotogramas “Champs Délicieux”, 1922 Soulages 19 1. Eu qualifico de “teorética” a aproximação teórica de uma prática considerada primeiramente sob o ângulo da arte-fato, em relação ao sem-arte, para distingui-la da : “estética”, que é uma aproximação teórica de uma prática considerada antes sob o ângulo da arte-valor, em relação à arte. Certamente, essas duas aproximações são teóricas. Desenvolvo os conceitos de arte-fato e arte-valor em A100., In Recueil. De fato, a aproximação teorética realiza a époché da dimensão artística de seu objeto : essa dimensão é colocada entre parênteses. acolher é sempre associar.1. aconteceu algo outro além do simples acolhimento: houve movimento. completa-a. objeto de uma análise crítica: por que certos homens têm a ilusão e a ingenuidade de tudo explicar totalmente? Certamente por infantilismo e por gosto do poder – o gosto do poder dá. é uma aventura privada. Mesmo se essa tentativa fracassa. O imediato não existe em sua radicalidade. Insistamos no fato de que. o que não é ainda já se apresenta ali. pela autorização à criação. 1. as obras e os artistas. O sujeito. mas algumas vezes desapontados em relação a sua expectativa e. de nosso pressuposto antropológico. ele é vivido na história. falaremos 20 Soulages de aproximação acolhedora. No limite.1. nem de todo o pensamento. dessa proposição antropológica -. desde a primeira confrontação com ela. Mas ela pode também ser colocada em ação consciente e voluntariamente: quatro possibilidades são apresentadas: Soulages 21 . essa oscilação é vivida diferentemente por diferentes artes e diferentes obras: por exemplo. tão presentes em sua decepção.1. criar. trabalho de criação. em princípio. em primeiro lugar. Esse homem não é neutro. no mínimo. nem de toda a sensação. como por ocasião de uma passagem rápida diante de uma obra. mesmo se o resultado desse movimento é decepcionante. ela também. faz dela sua ou a rejeita. o não ainda presente. O homem é o ser do “ao mesmo tempo” . A criação deve resistir a esse dogmatismo asfixiante. a partir de uma obra. ou cultivada. de fato.1. Essa aproximação pode ser feita em caráter público ou privado. Essa aproximação é indispensável. ele a saboreia ou dela desgosta. Certamente.1. o homem experimenta essa tensão oscilante entre sensação recebida e significação solicitada.1. correlativa. Pode ir da recepção sensível aparentemente total à criação sensível e intelectual de novas obras: no primeiro caso. ou seja. a obra é sempre recebida por um ser que tem história. é a primeira aproximação que devemos fazer junto à obra. Não sejamos ingênuos. Evidentemente. 1. O homem que acolhe pela primeira vez uma obra de arte não é virgem nem de todo o passado.1. do corpo e do espírito etc. por exemplo comprando uma foto ou pintura. Ela enriquece simultaneamente essa aproximação. de aproximação criadora. um ser sensível. em última instância. em situações em que o sujeito leva a obra para sua residência. a associação sempre é produzida – inconsciente e involuntariamente – quando estamos diante de uma obra: acolher é sempre recolher. Essa aproximação traduz. àquele que é habitado por este. inúmeros intermediários entre esses dois limites.1. acolher é já criar. a recepção – no limite. Ela pode ter modalidades diferentes. em todos os casos. e. história de seu inconsciente e de sua consciência etc. não a nega. o conceito de aproximação sensível tem. 1. no princípio. face a uma obra de arte. por sua tentativa. ela pode ser vivida tão somente por ela mesma ou como uma primeira etapa que reivindica outras. um passado e um presente. em todos os casos. E.cf. de qualquer maneira. e entendemos por isso da sensação e da significação. Existem. nossa estética do traço e do traçado. ele é tomado por essa oscilação entre sentidos e sentido. É o primeiro grau da aesthesis. Essa criação pode ser dupla: contrariamente. a criação assume perfeitamente a história. usufruidor de sensação e interrogador de significação.1. A combinação criadora O jogo combinatório consiste em associar uma obra a outra obra ou a várias delas. Essa aproximação sensível da obra de arte não é única. um valor operatório. nossa estética do “ao mesmo tempo”. história de seu espírito e de seu pensamento. o não ainda existente. temos a experiência pelos sentidos da obra. a obra e o sujeito que acolhe. A obra de arte não é (senão) um signo. ela é seu coroamento. seja pela criação de novas obras. Pode ser passageira. traço e traçado . mas ela lhe acrescenta a transcendência do futuro. ela não coloca entre parênteses nem a atividade do espírito. Um movimento é operado entre a primeira e segunda aproximações. A aproximação por nossos sentidos. uma modificação de ponto de vista e de postura face à obra: o acolhimento torna-se criação. nem aquela da linguagem: o sensível puro não existe. Na realidade.cf.mesmo. tais reuniões indo da associação que trabalha com o inconsciente à reflexão mais teórica. o acolhimento sensível é vivido no instante. não é a mesma para a dança e para a literatura. reuniões de obras. mesmo se condicionada pelo social e histórico. o sujeito adotou uma outra postura diante da obra. Esse “ao mesmo tempo” é vivido na oscilação e na tensão. se o ser está diante da obra recebida como uma obra . mesmo no caso de uma obra conceitual. A aproximação acolhedora A aproximação sensível é inicialmente acolhedora: o sujeito recebe a obra. E a palavra mais importante nessas formulações antropológicas antecedentes é a palavra “e”. entre sensação e significação.2. as coisas são mais complexas e nossa pressuposição também: o homem é o ser do sentido. entre ruído e linguagem. 1.1. porém. face à qual os sentidos não são inexistentes. um disco ou livro. correlativa. passiva – torna-se ação. ao mesmo tempo receptor de sensação e doador de significação. reage pela criação ou.o que já coloca um problema -. esforço.2. mesmo se esse instante é repetido e enriquecido. mas. em última instância. Explicaremos essas três aproximações da obra de arte e as relações que elas entretêm entre si. por isso mesmo. ela é creatio non ex nihilo. A aproximação criadora Ela pode ser uma continuação da aproximação acolhedora. seja pelo jogo combinatório. De fato. A aproximação sensível Cronologicamente. a ilusão alienada do gosto pelo saber total: ilusão perigosa para a arte. porém. mais explicitamente dos sentidos e do sentido. Nosso pressuposto antropológico parece ser que o homem é. história de seus sentidos e de seu corpo. certamente. no último. para ser exato. pois o sujeito tem uma história. (N. podemos responder não pela palavra ou texto. Em seguida. quando muito bem sucedida. 4/ Dirigimos um museu. 22 Soulages 2. justamente. La technologie dans l'art. o imaginário. A arte-fato é uma realidade sociológica e antropológica que designa um tipo de produção particular.) 4. A fotografia é uma arte maior. podemos ter uma aproximação criadora. No sentido de arte como valor estético. meu livro Création (photographique) en France trata. uma estética da imagem deve necessariamente interrogar-se sobre esta revolução simultânea na criação e recepção de imagens e no estatuto do autor-receptor2. 2/ A seguir. consiste somente em explicar três tipos de aproximação a uma obra de arte. ao mesmo tempo em que temos a aproximação sensível de uma obra de arte. La poétique de la reverie e os Ensaios sobre a imaginação da matéria. estas duas atividades artísticas deveriam redefinir suas relações a fim de colocar ao mundo novos objetos e novos processos criadores.1. COUCHOT.2. no caso. analítico e conceitual: o sujeito utiliza a imagem. mas através de obras já existentes. no fim dos anos 1980. tal aproximação permite ao seu autor ou ao leitor estar mais próximo da obra e.1. Então. ela pode confrontar-se com maior força ainda diante do texto. para dar conta de uma realidade. o aspecto poético sendo aqui. (N. entre arte-fato3 e arte-valor4. a arte-valor coloca em questão a realização de obras-primas artísticas – não desenvolverei aqui essa análise. difícil e perigosa.1. do T. plástica em particular. existe a possibilidade dessa fala-escritura na qual a imagem substitui o conceito: o texto evoca a obra. Certamente aquele que faz a encomenda não é o artista. a criação de uma obra a partir de outra obra. para sustentar uma fala ou produzir um texto que vibra no contato com a obra. certamente. nem a pretensão de ser poesia no sentido mais valorizado do termo? Para resolver esta questão podemos retomar a distinção. como os propósitos teóricos parecem difíceis de produzir e. veremos. à maneira de Malraux – a edição e o multimídia podendo favorecer esta opção. o que chamei desde meu primeiro artigo sobre a fotografia “arte à segunda potência”. De fato. desse problema.3. teórico. antes que tudo. favorecemos uma coleção de obras a surgir: eu o fiz com o acervo “Carnets” nas edições Argraphie. Podemos dar também como exemplo a criação literária a partir de outra obra. Essa criação pode tomar três aspectos: 1/ Primeiramente. em suma. a encomenda. essa fala-escritura é tomaSulages 23 3. o primeiro contato com a obra é sensível. do movimento. São numerosos os textos estéticos que acompanham obras e exposições. Cf.1/ Juntamos a uma obra. A verdadeira criação O segundo tipo de criação não é simples combinação. mas criação propriamente dita de obras novas. mas. reunimos uma parte da obra de um a uma parte da obra de outro. Está dado que. um valor: meu julgamento. De fato. às vezes. como o problema é mais complicado. criamos um museu imaginário. do T. Existe uma variante desta primeira possibilidade: para abordar um tema. por vezes a ficção. Essa fala – escritura – é uma maneira de acolher a obra e de reagir a ela. No sentido de arte como valor social. Não estamos aqui diante de uma criação propriamente dita de imagens novas? As novas tecnologias aprofundam este segundo tipo de criação. A distinção arte-fato e arte-valor é. A aproximação poética Devemos dar um estatuto à parte à aproximação poética? Não seria esta um simples caso particular da aproximação criadora? Vai de per se que a aproximação poética de René Char a partir de um desenho de Picasso constitui uma aproximação criadora. temos uma galeria e reunimos obras que se relacionam umas às outras para fazer delas algo de coerente: eu o faço quando monto exposições. fazer ao mesmo tempo e de outra maneira a experiência da obra e a experiência da aproximação da obra. a arte-feita não é senão um signo de um valor dessa produção. como se fez no número especial consagrado ao corpo observado dos Cahiers de la Photographie: fiz uma proposta com seis fotos de seis fotógrafos. de acordo com os artistas. levantada no “Do sem-arte à arte à segunda potência”. graças a um livroobjeto. mas o homem é um ser falante: ele (se) fala ou (se) escreve diante da obra. mas. mas meu objetivo presente não é o de julgar o que é poesia-valor e o que não o é. um fato tendo o poder de ser. para explicar a função dessa realidade. Em um primeiro momento. no melhor dos casos. inúteis. Mas.) 5. Por que colocar em ação este conceito de aproximação poética? Primeiramente. A aproximação poética é essa aproximação pela linguagem na qual o sujeito não está nem no nível da língua ou da reflexão cotidianas. em compensação. é um julgamento de fato – é como isto e não como aquilo – e não um julgamento de valor – é belo ou está bem. a propósito da aproximação poética. o protetor do artista. 3/ Enfim. tendo em vista um enriquecimento recíproco: interatividade e dialética da imagem e da palavra. 1998. Essa coleção tinha como interesse. o que dizer de todos esses textos não teóricos que acompanham obras e que não têm nem o valor. escrevia eu no manifesto editorial de “Carnets”. a partir de minha própria prática no Museu de Toulon. . a maiêutica é mais do que um jogo combinatório. 1. A palavra “poética” tem aqui conotações bachelardianas: poderia tomar sentido em relação aos conceitos de imagem e de imaginação em Bachelard5. no qual mostro as contradições e as potencialidades de toda encomenda. na medida em que não é o objeto de minha reflexão presente. que já trabalhei em outras situações. mas menos que pura criação: eu aprofundei essa noção de encomenda em Criação (fotográfica) na França e no artigo intitulado “A encomenda”.1. p. 3/ Somos diretores de acervo e. 133-162. essa aproximação é poética no sentido de poesia-valor e não simplesmente no de poesia-fato. poética.2. E. aproximar-se dela de maneira mais específica e enriquecedora. também segundo o autor. ou seja. Eu mostrei a importância desse problema em minha reflexão sobre arte à segunda potência. Nîmes: Jacqueline Chambon. Como os propósitos cotidianos parecem vãos. a metáfora. ao livro-objeto. Acrescente-se que. La poétique de l’espace. talvez. ou melhor. nem em um nível científico. portanto. como um fato não é um valor. outras obras. 1. fazer nascer um espaço original de criação e de liberdade para a fotografia e para a escrita. a ação do receptor-autor das imagens numéricas. conceito que jamais abandonei. 2/ Somos curadores de uma exposição. das forças e da intimidade. Cf. segundo o autor. pelas ciências humanas – história. e eu. Escritura fotográfica: para melhor compreender a escrita? Para melhor compreender a fotografia. é porque ela tem uma especificidade capital que repousa sobre a tripla característica do homem de ser. aquele que realiza sua pesquisa em estética deve. economia etc. primeiramente. um ser capaz de criação e um ser que pode acolher à sua maneira – e não de forma pavloviana – uma obra. É isto: o aparelho foi achado: não resta. É o que fiz em Moments éphémeres a partir das fotos de Catherine Brebel. 1956. para mim. ela pode ser um fundamento necessário para a aproximação estética: assim. que permite desenvolver teses sobre as quais tomará lugar uma estética da fotografia. Não fotografamos senão palavras. Mas. ela faz a époché da dimensão artística da obra ou da arte estudadas. Esta observação de Leibniz mostra porquê a pluralidade de pontos de vista se impõe e porquê ela é enriquecedora. midialogia. A leitura de seu Avant-propos explicará o andamento do trabalho: "Com Marc Pataut.6. O pesquisador deve saber. Esse tipo de relação nutre a dimensão existencial da estética e pode se dilatar na aproximação criadora. . pessoal. Essa aproximação é absolutamente necessária se não queremos que o discurso sobre o objeto seja enredado de subjetivismo e. 23 de julho de 1985. A aproximação teorética Enquanto a aproximação sensível aproxima intimamente o homem e a obra a ponto de. diga-se em estado de sono. criador. um elemento fundamental de toda pesquisa e ensino.e pelas ciências experimentais – biologia. na Esthétique de la photographie. Paris: Delagrave. A seguir. por razões metodológicas. portanto. à linguagem? Sair da linguagem graças à linguagem? Escrever alguma coisa que me faça deixar a França e o Ocidente? Não temos senão imagens na cabeça. 1. em função de sua pesquisa. psicanálise. mas como um serviçal poético da obra. acabamos de escolher vinte e seis palavras ao azar. assim. ao mesmo tempo. o que é que. ter uma relação sensível com o objeto. 1.3. pontos de vista novos e originais sobre o objeto. acontece. ela permite ter melhor compreensão objetiva e cifrada do objeto. em Photographie et inconscient.2. impessoal. senão. Ele pode. escrever definitivamente. a partir dessas mesmas palavras. a primeira parte “De la photographie” torna possível a segunda. como Husserl. ela oferece novas representações do objeto estudado. espiritual e público: o nós “universal” e geral toma o lugar do “eu” singular e particular. Primeiramente. 2/ Pode ser concebida ao mesmo tempo em que a obra e correlativamente a ela. ela libera uma parte das projeções do sujeito na obra. p. que. Se essa aproximação poética deve ser tematizada. que não são senão diferentes perspectivas de um só. o que nos permite pensar de outra maneira essa obra ou essa arte. fora da França. Finalmente. É o que fiz em Dedans/dehors com as fotos de Marc Pataut. então. etnologia. Cada dia. dado seu relativismo. precisa e rigorosa. era o objetivo da coleção “Carnets”. existem como que universos diferentes. sejamos aqueles que escrevem o texto. L’Alphabet indien. da mesma maneira. Escrever com um golpe. Ela oferece. pela multiplicidade infinita de substâncias simples. não escrevemos senão imagens” 6. meus olhos daqui debaixo. fará o papel de aparelho da foto? O que será meu aparelho de escrever? As minhas relações de “forma e fundo”. O pesquisador é. carnal e privado é solicitado a dar lugar ao sujeito científico. invalidado. o primeiro momento é alimentado por uma aproximação teorética da fotografia sem-arte. a aproximação teorética impõe uma distância entre 24 Soulages o homem e a obra. então. fazer a épochè da pesquisa. Ter vários pontos de vista sobre o mesmo objeto é. a aproximação poética é uma aproximação específica. Essa aproximação teorética tem quatro interesses. 3/ Pode ser concebida em paralelo à criação da obra. colocá-la entre parênteses. permite representá-lo de diferentes maneiras. tornando-se multiplicada perspectivamente. sem voltar ao que estava escrito. ela torna possível o estudo de uma obra ou de uma arte colocando entre parênteses – no sentido husserliano do termo – a questão mesma da arte. É por isso que na série de aproximações possíveis de uma obra.1. LEIBNIZ. escrever sem revisão. da não por aquela de alguém que se coloca no lugar do poeta. serviçal que pode ter sua autonomia proporcional a seu grau de liberdade de criação. física etc. recusa todo risco de confusão e de sensitividade e aborda a obra como o objeto de uma análise fria.1. uma palavra para cada letra do alfabeto. às minhas palavras mesmas. ela é um momento decisivo. fazê-lo atuar: escrever rápido. La Monodologie. para retomá-la depois. Nós seguiremos as restrições de “forma e fundo” às quais nós nos dispusemos. § 57. “Photos de photographes”. O sujeito sensível. semiologia. Escrever como se fotografa. Fazer um texto como fazemos uma foto. por outro lado e por um tempo. Ela atua pela filosofia. em L’homme effacé a partir de fotos de Roger Vulliez e em Image Imaginaire a partir de imagens de Catherine Poncin. um ser de linguagem – assim lhe confere um uso particular e notável da linguagem -. aliás. segunda-feira. Deve operar sobre ele uma Soulages 25 7. desde cedo. 4. às vezes. De fato. que eu dirigia junto às edições Argraphie. Posso captar pelas palavras as realidades indianas ou não sou sempre reenviado a mim mesmo. . Marc fará na França uma foto. meus códigos. um poema. Essa aproximação pode surgir de três maneiras: 1/ Ela pode ser colocada a campo uma vez estando a obra realizada. enriquecida de sua criação. É o que eu faço em Alphabet Indien. sejamos aqueles que o lêem. Depois. ciências da informação e da comunicação. fazer como se estivesse separado existencialmente de seu objeto. antropologia. segundo os diferentes pontos de vista de cada mônada” 7. A aproximação estética Esta última aproximação funda-se nas duas primeiras. psicologia. gerar uma emoção e uma vibração que dão a ilusão de fusão e imediaticidade. Posso ver uma imagem não vista? Uma imagem definitiva? Mas existem minhas palavras. “Como uma cidade olhada de pontos de vista diferentes parece outra. ele pode também fazer atuar sua criação experimentando-a em ligação com. sociologia. 2 e cap. em fundamento de uma estética primeira que é a resultante direta de suas aquisições teoréticas. a pesquisa em estética deve. Primeira ou segunda Tendo em vista sua relação com a aproximação teorética. a estética é existencial9. ela é crítica10 porque vai além das representações prontas e das pretensões imediatistas. nós o demonstraremos. Isto esclarece melhor as relações da estética com a filosofia e as ciências humanas. duas perspectivas podem apresentar-se. Foi dessa maneira que comecei minha pesquisa12. os três momentos podem ser cronológicos. nutrir-se e desdobrar-se. a qual conduz a uma aproximação estética. talvez. inicialmente. Como no capítulo 12 da Esthétique de la photographie. da reportagem ou do referente imaginário. não pode ser ela mesma: como não ser existencial e ter uma relação com as obras? Nesse caso. para. pode surgir o terceiro momento da dialética. Cf. a estética. a saber.3. cronologicamente. cap. não seria senão uma teorética. três instâncias da pesquisa: a terceira articulando as três primeiras. Mas o movimento inverso de pesquisa pode também se produzir e desembocar em um alargamento do setor estudado. que. 1. depois à imagem do corpo em Pataut.2. seja os seus fundamentos. um balançar repetitivo e impotente – “A repetição é a morte”. 1999. para retomar o mesmo exemplo. É por isso que não podemos também separar os três momentos da dialética em três momentos temporais. a aproximação estética compõe-se. o pesquisador em estética não pode esquecer nem seu corpo – aproximação sensível –. Regional ou geral Como foi mostrado por Bachelard. e passaria ao largo dela. elucidações e conceituações úteis à estética. Ele pode fazer apenas um estudo setorial que se mostra então útil. assim. a estética é existencial. reúne aquilo que foi separado e ultrapassa aquilo que foi negado. Ela constitui o fundamento de todo edifício estético. portanto. uma estética da imagem. correlativamente à proposição antropológica que nos descreve o homem como o ser da oscilação tensionada entre a sensação e o significado. Existencial. é existencial. Soulages 27 9.momento do sensível – e de pensamento – momento do teorético. Em outros termos. E não se reduz a ser “crítica de arte.8. Como não ser conceitual? Nesse caso a estética não seria. crítica e conceitual – já expliquei o sentido que atribuo precisamente aos três conceitos de existencial. opera uma interação incessante entre a instância do sensível e a instância do teorético. depois de numerosas mediações. 3. estudaremos tal foto dos Les Têtes de Rome ou a relação fotografia-escultura nessa obra etc. As qualidades da estética 1. a estética opera uma oscilação tensa entre o sensível e o teorético. E é nessa perspectiva que solicito aos meus estudantes de graduação e de mestrado que tenham um objeto partindo de um setor estreito. o que poderíamos chamar de estética da hibridação: seríamos então levados de uma estética da fotografia para uma estética da imagem. A dialética sensível/ teorética/ estética é perseguida infinitamente no interior mesmo do momento estético: a estética. 10. A 91) . EF. é habitado pela questão da significação. antes de tudo. nem seu espírito – aproximação teorética –. 7. a síntese estética. um aprofundamento da pesquisa ou seu alargamento. reflexão crítica e conceitual e colocar em ação uma aproximação teorética. Para a fotografia.2.2. a estética da ficção. Esta primeira serve-se das últimas para fundar-se. no caso da fotografia. Depois da antítese teorética oposta à tese sensível. assim. essa estética primeira é. a síntese estética seria esvaziada de carne . a estética deve. na medida em que se apóia permanentemente sobre a aproximação sensível e a aproximação teorética da obra e da arte. em vez de abraçar generalidades vagas. Em particular meu artigo «Raison et théorie» (In Recueil. sem esses dois momentos precedentes. ela é conceitual porque visa colocar em campo uma teoria graças a conceitos rigorosamente estabelecidos com precisão e articulados entre si. Não temos. Em suma. E não “existencialista”. Le guide de la maîtrise d´arts plastiques. 1. De fato. 1. Se. abordar um setor estreito. passaremos dos Les Têtes de Rome às relações fotografia-escultura em toda a obra de Pataut. preciso e circunscrito13. Mais que toda aproximação teórica.por exemplo. Esse movimento é o inverso do anterior. obedecendo a uma lógica seqüencial no tempo. desde o início da partida. Saint-Denis: Universidade Paris VIII. sem relação real com a arte. a estética seria um tipo de pathos pseudoteórico. porém. nem a união de seu corpo e seu espírito – aproximação estética. meus primeiros artigos e meus primeiros livros. de crítico e de conceitual. na melhor das hipóteses. escravo das modas e ilusões. Uma vez esse estudo setorial feito. seja problematizações. tudo começa pelo sensível. para a exposição da pesquisa e para o ensino -.2. que deve sempre apoiar-se sobre as obras e a partir das obras pensá-las e efetivar julgamentos sobre elas.” 11. não esqueçamos que esse sensível. 26 Soulages como por exemplo. o estudo das 30 fotos de Marc Pataut constituindo Les Têtes de Rome11. Sobre essa base estética. 8. 1. a seguir. preciso e circunscrito sobre uma “região” dada. É certo que. mas eles são. porque uma obra de arte em sua criação e sua recepção toca o mais próximo da existência do sujeito. podem ter lugar e sentido estéticas segundas. antes. o pesquisador pode querer ou dever aprofundar sua pesquisa. Cf. 13. tal como a compreendo. a estética do infotografável e da fotograficidade. graças a um Aufhebung. senão uma poética.1. crítica e conceitual Tratadas a natureza das aproximações sensível e teorética. contemplar uma estética regional . em certos casos – para a pesquisa. Essa é a necessidade da dialética da pesquisa.1. 12. antes de tudo. Se ela não tem estas três características conjuntas. Lembremos que o momento teorético pode fornecer. diz Freud – mas uma dialética ascendente entre a aproximação sensível e a aproximação teorética. Daí o que designo como uma estética do “ao mesmo tempo” 8. De fato. talvez necessário. crítica e conceitual. a estética seria um saber mecânico e frio.2. Como não ser crítico? Nesse caso. depois à fotografia em geral sobre Pataut etc. alcançar uma estética da fotografia e. seria de facto uma simples opinião. 16. de hipóteses e não de teses. mas é alguma coisa que colocamos para avançar praticamente e teoricamente (na pesquisa e no ensino). ALTHUSSER.1. o pesquisador não confia no puro acaso e na aleatoriedade para escolher seus objetos. por exemplo. a problematização. também. enfim. é possível que uma estética axiológica não possa senão permanecer provisória. o fruto de uma indução generalizante colocada em ação a partir de uma ou muitas estéticas regionais – cf. talvez impossível. Sabemos que Descartes nunca passou de uma moral provisória para uma moral definitiva. tendo em vista os entrelaçamentos filosóficos de toda obra de arte. 28 Soulages Chamaremos de “axiológica” 14a orientação estética que leva em conta a questão do julgamento de valor. difícil. ou partimos da filosofia geral para chegar a uma estética geral (depois para uma ou várias estéticas regionais).ideologia e moda não passam de conformismo. no qual evocamos. Ela pode ser uma generalização de uma ou várias estéticas regionais: ela é. Quando o pesquisador adquire seus primeiros objetos de análise. Da mesma maneira. talvez porque uma moral cartesiana definitiva fosse impossível: Descartes não era Kant. Philosophie et Philosophie spontanée des savants. diga-se. elaborar uma estética geral. mesmo que seja. não atravessar a ponte. com relação à ausência da consciência crítica do pesquisador.5. Indicaremos a seguir as aquisições metodológicas fundamentais para a pesquisa e o ensino da estética. abordei indiretamente várias vezes a questão do método. O pesquisador encontra-se. ela não deve ser confundida com uma estética geral. Essa estética indutiva distingue-se de uma estética dedutiva geral. assim como Altusser15 falava da filosofia espontânea dos sábios. deve estar consciente de seus problemas. nós reencontraremos tais problemas na passagem que iremos consagrar à estética axiológica. de uma antropologia da arte ou de certas teorias gerais. que seria o fruto de uma dedução que atua a partir de uma filosofia. a obra e a arte devem ser centro do processo. O resultado de sua pesquisa pode esboçar-se sob novos julgamentos. e desse ponto abrir-se à filosofia geral. 2. Mas podemos. então. nós utilizamos os conceitos de arte-valor e arte-fato.Assim. uma ponte possível entre a estética regional e a filosofia. Ambas são postas em ação em função de julgamentos de valor: os julgamentos de valor preliminares incitam o pesquisador a tomar por objeto tal elemento e não outro. concreto. portanto. que possui uma estética axiológica provisória. 15. 2. que é sempre autocrítico. ideologia ou moda . Estudaremos inicialmente as características do método que poderemos utilizar para uma pesquisa em estética da fotografia. problemática e axiológica A estética. Em todos os casos. deve. de outra parte ela é a condição de possibilidade de uma crítica de arte que deseje ser outra coisa que imprecação e anátema. Para esclarecer essa distinção. Paris: François Maspéro.2. Do grego “axios” que significa “digno. seja para nuançá-los. 1. poderíamos falar de uma estética espontânea do pesquisador. simplificação ou arbitrariedade. diga-se de estéticas regionais. livremente. O método de pesquisa relativo à estética da fotografia Que método devemos empregar para colocar em ação uma estética da fotografia? Analisemos primeiramente os métodos de diferentes aproximações teóricas à fotografia já existentes. também. na medida em que está diante de julgamentos axiológicos de validação dos quais ele não pode ser assegurado. em direção às obras de arte. de fato. A descrição só tem sentido se articulada a uma problematização.2. pois natureza e método na estética são interligados. tal obra e não aquela. 1. Descritiva. Essa ponte pode ser ultrapassada nos dois sentidos: ou partimos das obras. a axiologia é a ciência e a teoria dos valores. até mesmo a arte em geral. para desenvolver-se. ela pode ser colocada em ação por um esteta ou um filósofo. a estética regional tem um objeto preciso. radicalmente opostas ao pensamento. no caso de uma sociologia da arte. seja para invalidá-los totalmente. uma ideologia. a aproximação teorética da arte. preenche três funções: a descrição. Outros métodos As diferentes aproximações teóricas à fotografia podem ser classificadas Soulages 29 14. como Descartes.1. diga-se filosofias da arte. se não. e fazer saber. Tiremos agora explicitamente as conseqüências metodológicas que podemos deduzir de nossa reflexão sobre a estética. e se refletimos sobre o estatuto da obra de arte no século XX desde Duchamp. Terceira parte. o exemplo precedente do movimento de alargamento de trinta fotos à fotografia em geral. mas faltaria ainda reconhecê-lo para não haver (auto) engano sobre essa estética. AS AQUISIÇÕES METODOLÓGICAS Ao explicar minha concepção de estética. Lembremos que provisório não é correlativo de arbitrário. o julgamento de valor. na situação de Descartes no Discours de la méthode16. portanto. também. Quando da análise e da pesquisa ele deve ser crítico: pode colocar em questão seus julgamentos de valor. qualificar seus julgamentos como provisórios e saber. talvez porque tenha morrido cedo. para induzir. Este levar em conta o julgamento de valor é quanto mais necessário se abordamos os problemas essenciais da passagem do sem-arte à arte e das fronteiras estéticas da arte.4. §1. consciente e racionalmente. . Nós desenvolvemos essa distinção em nosso diálogo com Jean-Claude Lemagny e em nosso artigo “Do sem-arte à arte à segunda potência”. Afirmar a existência dessa dimensão possível da estética é duplamente necessário: de uma parte ela é de jure uma tarefa ideal a cumprir. Isto não é uma obrigação mas pode ser o horizonte para onde ele pode tender. 2. A estética geral é. 1974. que pode tomar como objeto uma arte em geral.1. como Bachelard. de grande valor”. Indutiva ou dedutiva A estética geral pode ter duas origens. mas tal estética. P. 205. notadamente aquela dos textos que ali publicou Roland Barthes20. 1983. com sua coletânea de artigos L’Acte photographique26. 2. Une arte moyen. Uma segunda aproximação estuda a fotografia artística e a fotografia sem-arte: ela é filosófica. que não é operatório para pensar o movimento do sem-arte à arte e a especificidade da arte da fotografia.para a descrição e redução fenomenológicas e para a análise da consciência e da intersubjetividade. nós colocamos em ação um método semelhante. 24. essa perspectiva é rica. 87-126. escrito por Bordieu e sua equipe21. In BENJAMIN. no campo da prática fotográfica. no entanto. Paris: Denoel-Gonthier. 26. Essais sur la photographie comme art25: este livro.1. 29. Photographie et societé. Em quinto lugar.1. Du dispositif photographique. 27. de toda maneira. Paris: Macula. p. 1987. 1986 22. 1984. Histoire de la photographie. 18. Paris: Les Cahiers du cinéma/ Gallimard/ Le Seuil. Le photographique. enquanto nós analisaremos o movimento do sem-arte à arte. seu projeto não é o nosso. como a de Une art moyen. 20. no entanto. ele o reconhece ao fim desse livro: “Ao realizar os capítulos precedentes. Henri Vanlier com sua Philosophie de la photographie34 e sua Histoire photographique de la photographie35: a aproximação de cada uma de suas obras. na maior parte do tempo a fotografia sem-arte é aí o objeto de estudo.1992-1934. 1983. como nosso estudo não pretende ser um trabalho histórico. C. parece depender de um componente não-artístico da fotografia. «Philosophie de la photographie». na maioria das vezes. a aproximação científica. R.1. 33. 9-62. a aproximação estética. assim. L’image précaire. Paris: Nathan. J. Paris: Le Seuil. dois autores colocaram-na em obra em direções diferentes. KRAUSS. A seguir. ao contrário. Walter Benjamin. 17 “Les mythes de la publicité”. 32. Paris: Nathan. 1991. eu me ressinto de uma insatisfação profunda: minha tentativa de descrição da emoção perceptiva como especificidade artística não me parece convincente” 31. como a de Gérard Betton em La photographie scientifique17. p. Paris: Bordas. sem poder. Os estudos da fotografia como arte e sem-arte Eles são de dois tipos: A aproximação semiológica.o amador é definido como uma imaturação do artista: alguém que não pode – ou não quer – se alçar ao domínio de uma profissão. FREUND. Paris: Le Seuil. a aproximação semiológica. LEMAGNY. A. essencial na fotografia. 1982. usar seu método. Mas. W. a partir de 1961: principalmente o n. L’ombre et le temps. et alii. G. C. Em quarto lugar.F. Notes sur la photographie22. p. Philippe Dubois. VANLIER.1.2. como a da revista Communications19. 1974.1975. a aproximação fenomenológica e existencial – no sentido em que o autor parte de sua existência e de sua experiência pessoais para pensar: é utilizada por Roland Barthes em La Chambre claire. não nos satisfaz totalmente – o primeiro estudo dedica-se principalmente à fotografia sem-arte e o segundo à fotografia artística – mas. 2. mas não fazemos aqui uma aproximação histórica. a força da fotografia artística. Idem. tentaremos nos inspirar nela. 21. uma parte do método à Husserl pode ser conservado para certos momentos de nossa análise . que apóia-se sempre em obras precisas e leva em conta a história da arte em geral. tomada separadamente. 1990. a aproximação sociológica. 1992. dirigida por Jean-Claude Lemagny e André Rouillé. o método semiológico interdita. 19. embora não chegue a explorála em suas análises para pensar o ato fotográfico. Paris: Le Seuil. não utilizamos esse método. L’obvie et l’obtus. na quarta parte. Notes sur la photographie. Communications. n. pensada. senão para reduzi-la a seu uso social. Paris. M. La chambre claire. La photographie scientifique. para ele. 1992. Les Cahiers de la photographie. DUBOIS. talvez.1. Paris: Bordas. Essais 2 . Os estudos da fotografia como arte Eles são de duas ordens: De uma parte. pois é ele que se atém mais próximo ao noème da Fotografia” 23.1. territoire photographique». p. J. Em segundo lugar. G. p.1. Essais 1 . mesmo se Barthes estuda as fotos artísticas. Idem. P. em seu livro L’Image précaire30. 14. 31. do sem-arte à arte? Soulages 31 25. Os estudos da fotografia sem-arte São de cinco tipos: Primeiramente. 15 “L’Analyse des images” e n. como aquela de Gisèle Freund em Photographie et societé18. 149-168. BARTHES. a fotografia sem-arte leva em direção à fotografia artística: “Normalmente . retoma as análises de Rosalind Krauss27. Em terceiro lugar. Invention de l’Hystérie. R. BORDIEU. Jean-Marie Schaeffer. Paris: Macula. mesmo se por vezes possamos nos apoiar nela. LEMAGNY. 1986. 1980. que parte das obras fotográficas e da história da arte e explora essas obras graças a uma problemática precisa. 1980.em três conjuntos em função de seu método. 154 De outro lado. ROUILLE. a aproximação histórica. n. L’Acte photographique. mas não do método. primeiramente. como na Historie de la photographie 24.2. 30 Soulages 17. ele produz um tipo de análise notável.. de Georges Didi-Hubermann28 e de Jean Guerreschi29. na medida em que. é o amador. Essai sur les usages sociaux de la photographie. esses dois livros nos fornecem sugestões instrutivas sobre aquilo que pode ser a articulação da fotografia sem-arte com a fotografia artística. 30. Paris: P. nossa pesquisa não trabalha nessa direção. DIDI-HUBERMANN. 34. GUERRESCHI. que é a presunção do profissional. trata de um certo número de problemas fundamentais para a fotografia e para a arte.3. que estuda os usos da fotografia nos anos 1960. Paris. SCHAEFFER. este livro. Essai sur les usages sociaux de la photographie. nos trabalhos de Peirce: de uma parte. uma aproximação da “imagem como obra” (título do último capítulo da obra de Schaeffer). 2.U. W. Artigos retomados em BARTHES. . a aproximação histórica.. É por isso que utilizamos certos resultados que estes semiólogos alcançaram.1. poderíamos dizer que Barthes estuda o movimento da fotografia da arte ao sem-arte. H. não leva em conta sua dimensão artística.escreve ele . podemos nos servir dos resultados de análises. estuda com muita pertinência a especificidade da imagem fotográfica nas três primeiras partes. mas elas não permitem pensar verdadeiramente o problema nodal: onde está o movimento. mas a confrontação com a arte fotográfica não é suficientemente radical e a articulação arte e sem-arte não é. De outra parte.2. Nosso método 2. R. de seu objeto e de seu projeto. «Territoire psyqchique. 2.1. In BENJAMIN. que não é estudada pela arte que ela provoca. J. aí. como a levada por Jean-Claude Lemagny em L’Ombre et le temps. tal não é nossa perspectiva. J. Essais sur la photographie comme art. A obra e a atuação Todas essas aproximações da fotografia são interessantes. Paris: Denoel-Gonthier. portanto não pode ser nosso método. BETTON. 28.1992-1934. que permitem melhor compreender a natureza da fotografia como índice e a importância do ato fotográfico. explicando o funcionamento técnico da fotografia. 4 “Recherches sémiologiques”. que se apóia. principalmente em sua “Petite histoire de la photographie” 32 e na “L’oeuvre d’art à l’ére de sa reproductibilité thécnique” 33. tomados em conjunto.1. Les Cahiers de la photographie. 23. G. Paris: Le Seuil. O fundamento Muitas afirmações que parecem tratar da estética são levantadas sobre fotos ou conjunto de fotos: algumas são interessantes. p. da sociedade e do mundo. não somente os diferentes tipos de criação fotográfica. Como ele faz em seu livro La création artistique et les promesses de la liberté37. essa escolha surgindo. Paris: Klincksieck. Paris: Klincksieck. devemos examinar de perto as fotos. pensá-las. seres. consumidas. retiradas. pois não podemos pensar a fotografia a partir de uma só obra ou de um único tipo de obra. Nisto. em suma. “esta estética modesta deve desconfiar das generalizações. operando deduções e estabelecendo a priori a validade dos teoremas. Sem fundamento. ser fundadas racionalmente. faz-se necessário refletir simultaneamente sobre a fotografia sem-arte e a fotografia artística: não podemos fundar uma estética da fotografia sem. nós precedentemente mostramos que a aproximação estética apóia-se na aproximação sensível. 20. p. onde podem ter. A confrontação às obras é primordial. É por isso que a busca dos fundamentos de uma estética da fotografia é uma tarefa necessária esteticamente. os métodos de Roland Barthes em La Chambre claire e de Jean-Claude Lemagny em L’Ombre et le temps são decisivos: um para a fotografia em geral e outro para a fotografia como obra de arte. portanto. p. Sem fundamento. que nós podemos compreender os problemas que nelas existem e elaborar respostas ou outros problemas.1.. nossa pesquisa revela uma parte da poética que René Passeron definia como o “conjunto dos estudos que tratam da instauração da obra e notadamente da obra de arte” 39. para conhecer a pluralidade das fotos e das práticas fotográficas ou metafotográficas. das fotos elas-mesmas e de suas recepções. criadas. também. situando os diferentes problemas existentes e suas variantes: um problema não se coloca senão graças a uma obra ou por sua prática fotográfica. ou. menos. devemos partir delas. 1989. comunicadas. outras. recebidas. então. Sob este ângulo. «Histoire photographique de la photographie». Escolhemos esses trabalhos fotográficos em função de seu valor e de sua profundidade. assim como pelas diferentes modalidades de sua produção/ criação e de sua recepção. Nós estudamos. PASSERON. das coisas. Por isso. VANLIER. não sejam marcadas por um subjetivismo ou um relativismo totalmente desqualificadores – é. REVAULT D’ALLONES. as conseqüências das respostas para estas duas questões? É em função das repostas desses questionamentos. De fato. práticas algumas vezes esvaziadas de criação/ produção e de recepção de fotos.com ou sem arte . Les Cahiers de la photographie. Idem. de um objeto impossível de ser fotografado? Quais são. é assim que podemos refletir sobre a fotografia e colocar sua estética em campo. uma proposição relativa a um julgamento de gosto não é senão uma afirmação gratuita.e examinando as diferentes modalidades segundo as quais elas são 32 Soulages encomendadas. cada problema a partir de múltiplos conjuntos fotográficos. porque ele desempenha um papel decisivo nos atos e ações fotográficos e nas doutrinas e crenças relativas à fotografia: o que resta desse objeto? Pode ser ele captado pela fotografia ou ele não passa. em última instância. Pour une philosophie de la création. essas recepções e essas fotos. Os problemas aos quais somos confrontados devem ter sido revelados por um trabalho a partir da complexidade da realidade. para a fotografia em geral e para a fotografia como arte particular. Nossa pesquisa trata tanto da realização da obra quanto da própria obra. ou melhor. 37. Nosso ponto de partida. de sua originalidade e de sua exemplaridade.2. portanto. o que engendra uma estética prudente: “Caminhando através do impuro e do misturado”. dessas reflexões e de suas aquisições que se torna possível e necessário levantar de outra maneira o problema da especificidade da fotografia e resolver a questão da essência da fotograficidade. as fotos e suas condições e modalidades de criação/ produção e de recepção. daquele das ciências experimentais e não daquele das ciências lógico-matemáticas: de fato. Devemos desconfiar ainda mais tendo em vista que vamos estudar. apoiar-nos sobre uma reflexão prévia da fotograficidade. como demonstramos precedentemente. das unificações” 38. então. Uma estética (da fotografia) deve fundar-se sobre uma aproximação teórica da fotografia . É ela que alimenta o pensamento: é ela que garante a estética. nosso ponto de referência e nosso ponto de ancoragem são. 39. mas aquela de um homem encarnado que deve refletir sobre a experiência que outros homens e ele mesmo têm. E por isso levamos em conta um grande número de produções/ criações fotográficas. mas. 40. o que lhes falta – a fim de que. Nosso método de pesquisa e de reflexão aproxima-se. ibidem. Em geral. ainda. de suas condições de possibilidade e de suas condições de recepção. e não constituir fatos pré-construídos e apriorísticos a todo encontro com a fotografia. Paris. Somos confrontados a trabalhos extremamente diferentes. 13. É por isso que se faz necessário refletir antes sobre o estatuto do objeto a ser fotografado. mais exatamente. em última análise. “Uma estética racional deve partir do estudo da obra” 36 escreve Olivier Revault d'Allonnes.quer dizer. a toda experiência da fotografia.35. A criação artística e as promessas da liberdade. e podem. H. recusadas etc. sobre uma reflexão acerca de sua essência. Uma vez fundada a estética Soulages 33 . 2. Idem. p. uma estética (da fotografia) é de jure sem valor. 36. 14. aprender a estudar não somente as obras ou fotos surpreendentes. R. Ora. Devemos. um problema é colocado de maneira diferenciada por diferentes conjuntos fotográficos. produzidas. de uma estética axiológica provisória. escreve Gilbert Lascault. 1992. nosso ponto de apoio. o primeiro repousa sobre a experiência e a experimentação. mas também as diferentes modalidades de sua realização e de sua recepção e. os diferentes tipos de foto sem-arte. nós estudamos vários tipos de obras. por exemplo. assim. Idem. É confrontando-nos a essas coisas enigmáticas que são as fotos . obras. 1973. 30. contempladas. Para esclarecer este problema. devemos partir das criações ou produções das fotos. A estética não deve ser aqui aquela de um anjo ou puro espírito. estas diferenças permitem compreender todas as dimensões do problema. 38. é claro.2. sobre “a obra enquanto fazer-se” 40. desviadas. descrevem essas produções/ criações. assim como as diferentes modalidades de sua produção e recepção. das grandes fórmulas. O. portanto. opera induções e permite a posteriori a produção de leis: o segundo repousa sobre a razão desencarnada de toda a experiência sensível. eles não estavam inteiramente errados: a arte nos permite refazer e reviver a gênese. abertura para seu mistério e sua riqueza e não fonte de um sentido redutor e de um discurso pronto que dispensa o sentir e o saborear. deve ser corrido. Soulages 35 45. perdemos o confronto radical com a própria obra e com o próprio ato que a engendrou.1. creia ele ou não. portanto. projetivo. p. a fim de criticá-las. e somente então. A fala. então. mais do que para qualquer outra realidade do mundo. evitar ser tomado pelas redes dos discursos que usamos: falas de nossas famílias quando crianças. então. radical e hiperbólica e “desfazer-se de todas as opiniões [ . esclarecimentos. Não está jamais em uma relação imediata e a-histórica com a obra . que arriscam-se sempre a ser. Essa crítica das opiniões faz-se graças ao exame de sua aparente coerência lógica interna e de seus pretensos fundamentos e graças à confrontação delas com as coisas mesmas. mas "o que fazer das palavras sobre a arte?". construir uma problemática que estabeleça pontos de vista. assim. ] recebidas em nossas crenças. privada e pública. críticas.criador da arte e de si mesmo. existe sempre descarte e disfunção entre a teoria artística e a prática artística. algumas vezes. 1966. pois “aquilo que é fundado sobre princípios tão mal garantidos não [pode] ser senão fortemente duvidoso e incerto” 43..queira ele ou não. De toda maneira. porque ele é um ser pela linguagem. depois sobre a arte fotográfica. com a fotografia em geral e com as fotos em particular . seria já algo positivo que o “isso fala” se enraizasse no primeiro personagem do segundo tópico freudiano. É por isso que existiu um tempo onde os artistas se tomavam por deuses. 2. é claro. para. antes de tudo.mesmo se. É necessário . Idem.F. quer dizer.e a estética aqui tem uma função e valor inestimáveis . pois aí uma dialética entre o “isso fala” e o “eu falo” poderia ser instaurada positivamente. uma relação estética que. Esse movimento do pensamento desenrola-se. em todos esses casos. então. em dois tempos: primeiro. o pensar e o recriar. criação por desejo de distinção e conivência sociais. leva em conta todos os sentidos que a história humana produziu em torno da palavra “aesthesis”. tais são as fábulas sobre a arte: dogmatismo e subjetivismo são os dois inimigos mortais da vida. La téchnologie dans l’art. e se seu inefável possa engendrar nossas fábulas. nossa gênese em particular. ser colocados em ação. depois o da construção racional dos fundamentos. subjetivas e sem valor? Seria faltar com sua riqueza. da representação e da mediação. no entanto. O discurso estético e a fábula de artista Uma estética que não parte da materialidade mesma das obras particulares arrisca-se a reduzir-se a um discurso a priori eventualmente autocoerente mas. Por que essas palavras sobre essa coisa? Porque o homem é um ser da linguagem. O que fazer das palavras do artista sobre sua obra e sobre a arte? Devemos tomá-las como uma teoria completa? Isso não seria razoável: mesmo em Kandinsky ou Godard. . 44.3. Devemos tomá-las por frases soltas. em sua história. contém um grande risco: risco de mascarar a obra e esquecê-la. pior – fala sobre a arte a ponto de. portanto. elas também.em suma. assim.estar em vigilância e não em estado de fascinação. um imperativo. repetição mortal de um discurso mecanizado. não se faça dizer toda por nossas palavras. o da desconstrução das falsas opiniões e dos falsos princípios. 46. de nós mesmos quando cremos em nossas respostas . assim. faz-se necessário. Méditation metaphysiques I. Idem. Uma estética da fotografia. ser plenamente desenvolvida. ela não deve nos distanciar e recobrir a obra de significações freqüentemente insignificantes. eventualmente. a arte. A dúvida e a crítica Para tentar refletir com rigor. operar uma dúvida metódica.U. Paris: P. posteriormente. podemos nos interrogar. E. Articulando a fenomenologia e o transcendental. A fala interior e exterior. seja ela interna e pessoal ou externa e social. É um fato: algo fala 34 Soulages 41. ressaltar e levantar os problemas colocados por elas. O “isso fala da arte” designa uma fala sem sujeito que não se atém tanto ao inconsciente mas ao rumor coletivo. a questão não é "para que serve falar a respeito de uma obra de arte"?. A arte é essa perigosa aventura onde o eu arrisca-se a ser coletivizado ao querer ser um sujeito criador . não estamos diante de um modo de uso. pode. Esse risco. nos permite ter uma (outra) relação com a obra e o mundo. 2a. respostas. perdemo-nos menos diante da obra de arte: pensamos mais livremente sobre a arte .2. e começar tudo novamente desde os fundamentos” 44. recobri-la. É somente a partir dessa experiência e do lugar teórico que ela engendra que podemos obter um sentido fecundo e incontornável à ordem kantiana do “julgamento de gosto”. risco de transformá-la em um pretexto para um discurso ideológico. Nîmes: Jacqueline Chambon. introdução. então. ou melhor.1. 134 e 144. para. A estética pode.4. sabendo partir da confrontação com as obras. 2. O discurso. o chamado de Husserl do “retorno às coisas mesmas” é. 1998. sobre a obra fotográfica. porém. aprofundamentos e aberturas. risco de trocar sensibilidade por erudição. a palavra e o ato criadores impõem-se sobre a morte. Idem. delírios. sua amplitude e natureza. e que preenche o desejo do receptor de tornar-se um sujeito-Eu46. Delírio a priori e delírio a posteriori. a criação e as recepções da fotografia atual o mostraram e demonstraram. articular todas as estéticas regionais que suscitam as diversas confrontações às obras e à arte fotográfica.sejam as ditas artísticas. ao menos por um tempo. simultaneamente por si mesma e em relação com as outras artes. do isso. sejam aquelas que não se sobressaem do sem-arte. Para a estética. Somente uma vez feita essa crítica os novos fundamentos podem. do eu e da arte! Falaríamos então da sublimação. de nossas tribos quando adultos. Título da primeira Méditation metaphysique de Descartes. seguir o exemplo de Descartes e partir “de coisas que podem ser colocadas em dúvida” 41 desta “quantidade de falsas opiniões [recebidas] como verdadeiras” 42. favorecer nossa contemplação ou nossa ação45 sobre/ com/ a partir dela. até mesmo – e. Ver COUCHOT. porque o jogo vale a pena. DESCARTES. arte por cultura. acompanha a obra em sua produção e sua recepção. faz-se necessário. deve ser questão e não resposta. em situação de criação e não consumo.da fotografia. 42. da arte. 43. pela representação e pela mediação. para poder. enfim. do pensamento e da arte. Nossa tese sobre as encomendas. para a arte. parte. deve ser o receptáculo da obra e. sujeitos falantes e mortais. fundada na razão e na experiência...2. de interrogação racional e crítica. se a correspondência tomar o lugar do dogmatismo e da repetição.] reunir pessoas a cada semana. 1983.. Essa confrontação abre a solidão à exterioridade. viva. Sua voz nos abre uma porta em direção a essa coisa mesma que é a obra: recolhemos então esses discursos oscilando entre o ato de ouvir. relações entre coisas. R.. com a alteridade. criar uma ocasião intelectual e um acontecimento intelectual. 2. Para mim. fotocópia. da história recontada em vista de uma moral e da aventura recitada que vislumbra uma epopéia. as Escolas filosóficas da Antiguidade: desejo poder reencontrar essa tripla exigência de diálogo aberto e profundo. que. trabalhada. seguindo o trabalho notável de Descartes.] O trabalho de um seminário pode ser inestimável e aberto.. enfim. em todas as situações. pessoal [. doações e dívidas. não é suficiente: a dialética entre aquele que ensina e o que recebe o ensinamento deve encontrar lugares para existir realmente e não apenas formalmente. fazê-las trabalhar conjuntamente para. se o trabalho solitário do pesquisador é necessário. mas solilóquio [. o que é muito para nós. devemos transformar nosso desejo de resposta e nossa maneira de receber essas palavras de artistas . Paris: Gallimard/ la Pléiade. foi extraído da seção de abertura de um seminário sobre fotografia que apresentei no Colégio Internacional de Filosofia48. Porque os artistas são heróis. re-ligar. a seguir. de aprendizagem do trabalho de pensar. Para esclarecer meu propósito e para mostrar a continuidade de meu pensamento. dois verbos que nos indicam que a inteligência filosófica consiste em realizar ligações.revelar-se histórica.2. mortais. sua força e fulguração.seja discurso. Para a arte. particularmente no momento atual. desejaria conduzir e coordenar um trabalho de pesquisa com outras pessoas. e isto Soulages 37 . Eles nos oferecem a aproximação acolhedora e a aproximação criadora. na época de Gutenberg e do livro (já faz tempo. portanto. pensar é sempre pensar sozinho e não pensar “como”. [.. p. simultaneamente no sentido de escutar e no sentido de compreender: Com-preender.] e aberta para os outros [. Essas frases pronunciadas têm uma função prático-artística relevante à função do conhecimento: são necessárias para que a obra exista e seja como ela é. a realidade.deixada a fábula . inicialmente. [de Bill Gates e da Internet (século XXI)]? Tal situação pode parecer absurda. Os artistas nos abrem os olhos e obrigam-nos a refletir. uma passagem de um livro que publiquei em 1986. fazer nascer a história de uma atividade filosófica particular. mas também do ensino. que a razão esteja acordada [. abordava este problema. In “Quitttes”. se existe responsabilidade de dizer e responder às objeções. Descartes. de 1986..47. a televisão (século XX). nossos sonhos e nossas visões. vivida. [. Assim. criticada. p. adoraria constituir um lugar onde possam encontrar-se e interrogar-se filosoficamente mulheres e homens não destinados a encontrar-se. o racionalismo é sempre um irracionalismo aberto. neste tempo mundializado do “look” fugaz e da imagem candente. portanto. “Les dentelles de Montmirail”. fotogravura (século XIX). de Nièpce e da fotografia. seja da parte de quem a ministra. dirigir um seminário de filosofia é reunir gente diferente para filosofar. faz-se necessário saber estar com: o texto. permitirei-me citar. a sua maneira. Deixamos então lugares estreitos e utilitários para alcançar os mundos abertos da arte. enfim. originaria e essencialmente: Sócrates. eles têm razão de sabê-lo e mostrá-lo. Nietzsche e muitos outros mostraram-no. Para isso. se a palavra não for aí fechada. desses ópios do povo e dessas derivas do homem. “Nós só temos um recurso diante da morte: fazer arte antes dela” escreveu René Char47.1. mas ouvida. seja de quem a escuta. nossos fantasmas e nossos desejos são transformados desde o interior e metamorfoseados em condição de acolhimento e de recolhimento de obras. uma tensão fecunda instaura-se entre a solidão e a alteridade. Os diálogos socráticos nos ensinaram: dia-logar é dar campo a muitos logos .. os diálogos de Platão. novas orientações metodológicas e teóricas. Faz-se necessário. Na realidade.. Mas essa solidão é habitada por uma tripla confrontação: com os grandes textos filosóficos . Gostaria de fato de desenvolver o senso filosófico do diálogo filosófico e o trabalho de equipe [.. atualmente.]. seja lógica... participam do fabuloso e da fabulação. uma estética deve tirar proveito disso. depois explicitarei o que compreendo por “articulação de pluralidades”. Em suma. ligadas. Faz-se necessário reaprender a compreender.. A pesquisa em estética nos prepara para isso. e a atividade de ouvir..] Primeiramente. 15-18. simultaneamente maiêuticas e poéticas.]. de MacLuhan e dos media.. que o entendimento do século XVII de Descartes nos ensinou. Minha motivação é. Sem essa tripla confrontação.que não são redutíveis às palavras de crianças criadoras. A obra e sua fábula ressuscitam nossa carne. retomada. representações entre conceitos. despender dessa maneira tempo e energia. A seguir. como o rádio. consciente e inconsciente.. São fábulas: podem ser críticas ou de louvação da obra. do peso das palavras e do choque de bobagens.2. que a escuta do século XX de Freud nos revelou: somos espírito e corpo. não se trata de pensamento. por um tempo. a contemplação e a crítica das palavras e imagens. In La Parole in archipel. a eternidade da arte é. o problema. Pl.]. 2. mesmo se . século XV). razão. A pluralidade necessária Este texto. a objetivos também novos. elas acompanham seu nascimento: o artista tem necessidade delas para fazer existir e para fazer receber seu fazer e seu ser. Três realidades filosóficas são para mim fundamentais. com os grandes problemas filosóficos. 36 Soulages 48.. Por que fazer um seminário. no melhor dos casos. É necessário partir-se desta constatação para pensar novas modalidades da atividade filosófica no âmbito de um seminário. qual o sentido. uma estética nos permite melhor compreender uma arte e melhor apreender em quê e porquê uma obra nos oferece conquistas e questões...]. Faz-se necessária toda a eternidade. A pesquisa e o ensino como articulação de pluralidades O que é enunciado pela estética da fotografia é enunciável mutatis mutandis por toda estética do ponto de vista da pesquisa. maravilhamento e lutos. apontou Bachelard com pertinência. [. com as grandes realidades do mundo e dos homens... 413. das coisas e dos seres.e mesmo toda sorte de texto -. então. “A solidão é necessária para o exercício do pensamento. CHAR. La Théétète. A seguir. especialistas etc. ao menos tanto quanto ele. . 50. quando bem feitos. progresso e paciência.o respeito ao outro. 99. escutar e ouvir. até mesmo o respeito ao adversário teórico: a priori.donde a pluralidade de disciplinas a colocar em ação para estudá-los. Esta orientação metodológica e a exigência de pluralidade devem governar a pesquisa em estética e. para desenvolver a interdisciplinaridade. desejo ter uma nova aproximação [.. Enfim. problemáticas.sendo o egocentrismo um obstáculo epistemológico radical à pesquisa científica .. intervenções. teses. revistas. . espero criar e ter meios de levar adiante um trabalho teórico de pesquisa: as condições de possibilidade para tal são.) ou mais distante (teatro. novas teses. sobretudo. ao longo do tempo. Op. exposições. temáticas. encomendas. primeiramente. [. De fato. amizades são tecidas entre pesquisadores ou entre pesquisadores e artistas. possuidor de um eu racional marcado pela ética da pesquisa. pintura etc. problemas. o outro é ele mesmo? Aquele de ontem é aquele de amanhã. emissões. ações-criações com os artistas.2 Pluralidades articuladas Para o professor-pesquisador. coleções. 7. muito particularmente. vídeo. 2. 5/ Estabelecimento de novas representações de realidades.] com novos métodos”.no espaço e no tempo (daí o papel capital da história e de uma reflexão sobre a história): jogar a dialética local-global será nosso partido. Paris. como parte de um exercício efetivo da razão em ato. colocar em presença praticantes e teóricos vindos de mundos diferentes. A estética permite ao pesquisador experimentar esse diálogo com os outros e consigo mesmo. apresentar uma teoria explicativa.2.donde a pluralidade de pesquisadores com quem trabalhar. . minha conferência “Le travail: de la torture au voyage”. Cf. Para isso. Não poderíamos dizer. Assim a proposição de Platão toma plenamente seu sentido: pensar é uma conversação [logos] que a alma persegue com ela mesma sobre aquilo que eventualmente é seu objeto de exame. seu movimento de pensamento é então dialético. ele sabe que pode contar com elas. deve saber. Em particular.). como os da fotografia artística. da moda. enciclopédias. o outro é. . o pesquisador aprende a descentralização .5. em particular. sobre um objeto relativamente virgem como a fotografia. minha conferência «Le travail: de la torture au voyage». literatura. novas noções. pois articula essas pluralidades explicativas e as experiências a serem pensadas.1.. e também aqueles oriundos da psiquiatria.donde a pluralidade de pontos de vista no sentido leibniziano do termo. novas temáticas.. decodificar e interpretar simultaneamente os objetos de estudo. ver e olhar. a liberdade: a liberdade de pensamento e de trabalho é uma condição indispensável a toda pesquisa. para todo pesquisador. 2. em segundo lugar. tais amizades intelectuais enriquecem duplamente: de uma parte alimentam o ponto de vista do pesquisador. 99. e outros pesquisadores.donde a pluralidade de colóquios. a universalidade. noções. o trabalho50 de pesquisa em estética é necessariamente uma articulação de pluralidades51: . 3/ Formulação de hipóteses relativas a esses elementos ou a novos elementos novas realidades. Le Guide de la maîtrise en arts plastiques. a qualidade e a diversidade dos interlocutores. tendo em vista a natureza plural da imagem. 2/ Avaliação crítica de todos esses elementos em função de uma parte das realidades apercebidas e representadas sob outros pontos de vista.] Este consiste em endereçar-se a questões e respostas52. A amizade intelectual é algo completamente diferente da rede de relações: obriga o pesquisador a compreender por que um outro representa o mundo de maneira diversa da dele e por que ele evolui de forma diferente da dele. 7.. Anotemos uma última coisa que não entra em uma estratégia voluntária de pesquisa: é a fidelidade. Soulages 39 52. isto é particularmente verdadeiro 38 Soulages 49. . Cf.3. 4/ Confrontação dessas hipóteses às realidades e ao exercício da razão. grupos de pesquisa. aliás. comunicações. são algo essencial para a pesquisa e para o ensino.por três razões: primeiro. 51.pluralidade de aspectos do objeto a ser estudado. nada é realizado de uma só vez. dança etc. pois a pesquisa é pesquisa de novidade e colocação do presente em causa. das novas tecnologias etc. de novas temáticas. novas teorias.donde a pluralidade de modos de pesquisa e ensino. que freqüentemente funciona mal. graças à fotografia. seminários e jornadas de pesquisa. O tempo da pesquisa A pesquisa em estética desenvolve-se segundo uma série aberta de etapas: 1/ Confrontação a realidades. que. Cf. 189e.donde a pluralidade de momentos constitutivos de uma pesquisa e de um ensinamento: pesquisa e ensino se fazem no tempo com pro gressão. depois de várias hipóteses e experiências. O professor-pesquisador deve articular essas pluralidades. . assim como para o estudantepesquisador49. para ser aberto a todas as artes e a todos os artistas que tenham uma relação precisa com a fotografia (cinema. quando enquadramos jovens pesquisadores ou quando animamos grupos de pesquisa. essa liberdade não pode ser puramente formal. o pesquisador faz a experiência autêntica da evolução do pensamento e da pesquisa do outro: ele está junto aos primeiros abrigos da descoberta. Posteriormente. A pesquisa em estética 2. de fato. deve saber integrar todos esses pontos de vista e pluralidades para. do jornalismo. . Paris. em terceiro lugar. De outro lado. graças a este trabalho como responsável por um seminário. alcançando sistemas. as pessoas as mais diversas em relação a tais objetos.3. da psicanálise. graças a ela. ora. da publicidade etc. novos problemas.. e o trabalho em equipe. Ora. em estética da imagem.5. teorias. cit. novas problemáticas. meu artigo “Raison et théorie”. Poderemos refletir sobre um setor determinado abrindo-nos a outros campos . conseqüentemente o tempo e espaço para fazê-los colaborar nas melhores condições e. Em suma. Um sistema não pode ser seriamente apresentado antes da etapa número 5. Se o fazemos muito cedo. penso que produzir conceitos é a tarefa principal do pesquisador e. Não nos esqueçamos que Sócrates desembocava em uma aporia ao fim de muitos de seus diálogos. uma vez em ação. 23-5. É por isso que. faz-se necessário procurar fundar seu sistema na razão e não lhe dar uma aparência irrefutável. 7/ etc. A problemática e o problema. Como Deleuze. ademais porque os problemas são frutos da elaboração do pensamento: não encontramos problemas prontos como encontramos cogumelos no mato. Terceira conseqüência: é somente após o fim de um longo tempo de pesquisa que podemos propor um sistema. por outro lado. certamente. também. novos problemas. nós os colocamos em ação. resposta para tudo. Produzir teses é. dando conta da pesquisa científica e tendo. sua solução não está distante. ultrapassado. de análise e de pensamento. edição da Esthétique de la photographie consiste. enquanto os sofistas podiam responder sistematicamente a tudo. uma teoria está para uma tese assim como uma problemática está para os problemas. É por isso que o trabalho sobre os conceitos é essencial. mesmo.novos conceitos.P / Paris. os ideólogos e os dogmáticos têm.diga-se ideologia. dessa forma. o conceito deve ser precisamente definido e circunscrito. separada de seu fundamento ou demonstração. função operatória em um setor dado por um tempo dado. novas problemáticas. Segunda conseqüência: também é capital para a pesquisa a construção de problemas. Colocar em ação uma problemática nova é uma tarefa decisiva e fecunda para a pesquisa: é porque tinha uma outra problemática da viagem que Cristóvão Colombo descobriu a América.. uma problemática . novas teses. 53. 2004. Uma das modificações importantes que operei entre a 1a. Um sistema deve ser aberto: faz-se oportuno substituir o espírito do sistema pela exigência da sistematicidade. como demonstrou Popper. Donde a quarta conseqüência: a pesquisa não é nunca terminada.um conjunto articulado de problemas. Soulages 41 . Faz-se necessário perseguir não o brilhante. uma tese descontextualizada. 2. pela passagem das noções aos conceitos: as noções são de fato pouco precisas. substituído. S. quer dizer. essa produção permite oferecer aos outros e a si mesmo ferramentas de pesquisa. Um problema não assume seu sentido senão colocado no campo de um conjunto mais vasto. na reconstrução do índice dos conceitos: poderemos.3. mas o profundo. particularmente. novas teorias. a-históricas. A passagem da etapa número 1 à etapa número 5 caracteriza-se. Primeiramente. François Soulages é professor da Universidade Paris VIII. tratando freqüentemente de um campo não refletido como razão . 54. Dei sempre importância capital aos conceitos53 em minha atividade de pesquisa. assim como os conceitos. Tradução Laurita Salles. necessário também. assim. aliás. e a 2a. dadas como eternas e absolutas. diga-se midiática. é. graças aos conceitos. pode ser polido e finalizado quando fazemos um índice com rigor dos conceitos em uma obra54. nos referir a ele para ter melhor inteligência de minhas aquisições teóricas. a do professor. a tese e a teoria Podemos tirar quatro conseqüências disto. a saber. 6/ Nova confrontação de todos esses elementos a realidades novas e ao exercício da razão. Um sistema posto em ação tem por destino ser completado: diga-se. PI.sendo uma tese uma articulação de conceitos. mas uma parte disso depende da produção de conceitos . o conceito.. a pesquisa opera graças a um certo número de ferramentas e. O irrefutável não é nem ao menos científico. pode ser sempre confundida com uma proposição ideológica. justamente.2. ensiná-los. destinado a ter seu sentido precisado continuadamente e. justamente. as problemáticas e os problemas são decisivos para a pesquisa: constituem a base sobre a qual podem ser construídas teses e teorias. algumas vezes. em contrapartida. até um novo sistema. p. ele arrisca-se 40 Soulages a ser efeito retórico ou habilidade comunicativa sofística. em parte porque isso revela o espírito crítico necessário. por vezes elas se apresentam como designando realidades fixas.