Escritos sobre História F. Nietzsche

March 20, 2018 | Author: Luiz Carlos de Oliveira e Silva | Category: Friedrich Nietzsche, Time, Knowledge, Morality, Psychology & Cognitive Science


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Resenhas EDITORIALA NARRATIVA HISTÓRICA OITOCENTISTA E A CRÍTICA DE NIETZSCHE NIETZSCHE, F. Escritos sobre História. Tradução, apresentação e notas de Noéli Correia de Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: Loyola; Ed. da PUC Rio, 2005. 360p, 2007. 224p. s obras de Friedrich Nietzsche (1844-1900) novamente estão na ordem do dia. Além de comentários e interpretações se avolumarem no Brasil e no mundo, há ainda uma significativa preocupação com a preservação dos inéditos, a publicação de sua correspondência, assim como de sua obra em edições críticas. No Brasil esse movimento pode ser perfeitamente notado na editora Companhia das Letras, com o intenso trabalho de Paulo César de Souza, que tem se dedicado a tradução dos originais direto do alemão. Nos últimos anos, contudo, esse esforço tem sido multiplicado, não apenas com a variedade de edições de sua obra em várias editoras do país, como ainda com o trabalho de Noéli Correia de Melo Sobrinho, que o está fazendo, dando-lhe um cunho eminentemente temático para as edições, como o fez com: Escritos sobre Educação (de 2003), Escritos sobre História (de 2005), Escritos sobre Política (de 2007) e Escritos sobre Direito (de 2009). Por certo, o que há aqui de novo é a ordem temática, não a tradução dos textos, que apenas em casos excepcionais ainda não haviam recebido nenhuma tradução para o português. Todavia, isso não quer dizer que não devamos saldar o esforço de seu empreendimento, mesmo por que em cada uma das obras, além das traduções (quase sempre impecáveis), existem ótimas apresentações aos textos selecionados, interpretando-os, contextualizando-os e avaliando sua fortuna crítica ao longo do tempo. Em Escritos sobre História, basicamente há o agrupamento de escritos de juventude, do período maduro e tardio, em três partes temáticas. Com essas Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 20, n. 9/10, p. 567-568, set./out. 2010. 703 A 21). este prolongaria sua interpretação sobre a constituição dos ‘princípios morais’. A análise de Nietzsche. Talvez se possa compreender melhor. em que a ‘verdade’ se tornaria um alicerce fundamental para tal assertiva. sim viria a indicar a forma pela qual o autor se debruçaria por esta questão. querem mesmo. no fundo. tanto em Além do bem e do mal (de 1886). p. que foi primeiramente exposta em seu texto a II Consideração intempestiva sobre a utilidade e os inconvenientes da História para a vida. a partir do momento que conseguem revivê-lo em si próprios (sobretudo quando isso é difícil).características em pauta. na religião e entre a sociedade. p. se possível. p. e quanto ao papel do historiador em descrever tais panoramas. vejamos rapidamente como Nietzsche tratou da questão em sua obra e a maneira pela qual foi apropriado. em seu livro Aurora (que foi originalmente publicado em 1881). desse ponto de vista. o perigo dos estudos históricos. quando uma época inteira a eles se dedica. sobre a questão das ‘origens’ das ‘atitudes morais’ e ‘culturais’. 2010. p. na qual demonstraria seu desacordo com o Historicismo e a Filosofia da História. Como os vaidosos são sempre inúmeros. 124). principalmente. Por outro lado. na religião e na filosofia. efetivamente não é pequeno: demasiada energia é desperdiçada em todo tipo de ressurreição dos mortos. Em Além do bem e do mal. despertá-lo de entre os mortos. 703-708. Já em Aurora. destacaria que: “Os principais mandamentos que um povo procura constantemente para que sejam ensinados e pregados se relacionam com seus principais deslizes e é por isso que não os considera aborrecedores” (2008a./out. quanto em A genealogia da moral (de 1887). 67-178). A história exata de uma origem não é quase sempre sentida como paradoxal e sacrílega? O bom historiador não está. todo o movimento do Romantismo (2008b. 9/10. em 1874 (agrupado nesta edição. não estaria em desacordo com a sua crítica a historiografia oitocentista. Goiânia. a de Georg Wihlelm Friedrich Hegel (1770-1831)1. v. 2005a. como uma forma de ‘dominação’ pela ‘vontade de poder’. set. 20. n. Para ele: Todas as coisas que duram muito tempo de tal modo se impregnam aos poucos de razão que a origem que tiram da desrazão se torna inverossímil. incessantemente em contradição com seu meio? (p. Mas. Para ele: 704 Fragmentos de Cultura. mais detidamente. . o autor observava que: Homens vaidosos valorizam mais um fragmento do passado. 118-19). sofrer. v. quando o autor expôs sua crítica aos modelos de escrita da história praticados naquela época. 20. é a partir desta sua ‘crença’ que eles procuram alcançar seu ‘saber’. com seu desfecho na Revolução Francesa” (Idem. De certo modo. O modo como a religião e a metafísica se utilizavam. mas sim apenas conseguir apresentar ‘representações’ sobre o passado. reunidos sob o título de A vontade de poder (2007). de rastreamento da ‘origem’ e de análise das mudanças semânticas das palavras (e dos conceitos) no tempo. na qual o termo ‘genealogia’./out. 9/10. para o autor. 705 . e as suas formas de ‘utilização’. mas sim uma crítica a elas. “Nietzsche apresenta-se assim. amplamente enraizado na filologia. Em seus aforismos póstumos. set. Goiânia. p. que este tivesse sido tão contrário a idéia de que a pesquisa histórica poderia reconstituir ‘o que realmente havia acontecido’. 10). pura e simplesmente. p. ardor. alcançar algo que no fim é batizado solenemente de ‘verdade’ (2005b. destacando (no aforismo 481) que “não há fatos. sintetizava o método. p. Mas não se deve aqui perder de vista que a ‘genealogia’. este retornaria a questão. em que “despede a história e exonera a dialética da razão” (Idem. em que se debruçou em toda sua obra. na ‘oposição de valores’. em pleno século historicista. Talvez em função desta questão primordial. Pode-se bem verificar isso. p. 461). como o pensador do fim da história” (2007. não era o estudo das ‘origens’. mas antes a sua forma mais recente e mais nobre” (2006. e não ‘o passado como tal’. como o partidário radical de uma dissolução da categoria do novo. para fins de ‘dominação’ pela ‘vontade de poder’. além de denunciar “o caráter brutal e violento que a filosofia do Iluminismo revelou. 703-708. não é o oposto desse ideal ascético. p. Fragmentos de Cultura. 462). 464). n. e tão pouco um ideal acima de si – e onde é ainda paixão. 136). p. pelos filósofos franceses. Para ele: “A verdade é precisamente o oposto do que se afirma: a ciência hoje [em 1886] não tem absolutamente nenhuma fé em si. Para François Dosse. como uma ‘crença’. em que o ‘bem’ e o ‘mal’ se equilibravam num ‘código de conduta’ a ser aplicado aos homens e as sociedades ficaria ainda mais bem exposto em A genealogia da moral. amor. Mas se observarmos como Terry Eagleton procurou demonstrar como Michel Foucault (1926-1984) e Jacques Derrida (1930-2004) se ‘apropriaram’ de Friedrich Nietzsche. ao pensarem que o mundo é inteiramente feito de ‘diferenças’. 2010. tal espécie de valoração está por trás de todos os seus procedimentos lógicos. impressiona a maneira com que este autor foi ‘lido’ e ‘apropriado’ na década de 1960. mas sim interpretações”.Este modo de julgar constitui o típico preconceito pelo qual podem ser reconhecidos os metafísicos de todos os tempos. 2010.e “que temos que forjar identidades se quisermos sobreviver” (2005. muito embora não fossem dadas nem alternativas. uma alma que não morre. em parte inspiradas nas suas leituras da obra de Nietzsche. set. do tempo. . de poder reconstituir o passado ‘tal qual havia sido’. Quarto. impôs. o Progresso e o sentido dos processos históricos. 29). tais apontamentos alicerçaram algumas de suas indagações. mas não menos importante. Por fim. sendo contrária diretamente a pesquisa sobre as ‘origens’. 20. n. Terceiro. em ambos os períodos. diferenciar. No caso de Michel Foucault. mas “ao desdobramento meta-histórico das significações ideais e das indefinidas teleologias”. 9/10. uma consciência sempre idêntica a si mesma (2005. o que Nietzsche não parou de criticar desde a segunda das Considerações Extemporâneas é esta forma histórica que reintroduz (e supõe sempre) o ponto de vista supra-histórico: uma história que teria por função recolher em uma totalidade bem fechada sobre si mesma a diversidade. Segundo. ela pretende tudo julgar segundo uma objetividade apocalíptica. também em ambos os casos. 706 Fragmentos de Cultura. uma história que nos permitiria nos reconhecermos em toda parte e dar a todos os deslocamentos passados a forma da reconciliação. como modo adequado e ‘científico’. 703-708. ficando aí marcado como um discurso ‘irracionalista’ (ou ‘niilista’. nem elaborados ‘novos’ projetos de ‘transformação social’. Essa história dos historiadores constrói um ponto de apoio fora do tempo. no caso dos filósofos franceses dos anos 60. esta base se encontrava na maneira com que alguns segmentos da sociedade se utilizavam ainda destes fundamentos para excluir. a Razão. enfim reduzida. tal impressão não se apresentará de forma tão estranha. houve uma crítica contundente sobre a Modernidade. Goiânia. em ambos os momentos houve uma busca por novos ‘temas’. Primeiro. se no primeiro caso a base da contestação de Nietzsche estava sobre os alicerces que fundavam a religião e a filosofia em sua época. p. a ‘genealogia’ não se oporia a (algumas formas de) história. como alguns preferiram). p. mas é que ela supôs uma verdade eterna. uma história que lançaria sobre o que está atrás dela um olhar de fim de mundo. p. a crítica a pesquisa histórica. para melhor identificar o que ‘era’ e ‘é’ o ‘Outro’. v. julgar e alicerçar suas críticas aos grupos que identificavam que mantinham ‘atitudes’ tidas como ‘anormais’ e fora das ‘regras de conduta’. 26)./out. porque em ambos os casos houve uma crítica a organização da sociedade e as suas estruturas políticas e culturais. Para ele. reflexões sobre a própria possibilidade (e utilidade) do conhecimento histórico poder ser adequadamente produzido. De fato. por que ela “tem que ser a ciência dos remédios” (2005. 2005a. dos venenos e contravenenos”. Retorna a elas. p. FOUCAULT. 703-708. metamorfoseando-as: a veneração dos monumentos torna-se paródia. 7-58. p. no jogo complexo de suas determinações. ver a apresentação de Noéli Sobrinho em: NIETZSCHE. de seu poder de afirmar e criar. Nietzsche destacava. T. 707 . M. ela tem que ser o conhecimento diferencial das energias e desfalecimentos. superando objeções que ele lhes fazia então em nome da vida. Com isso: Em certo sentido a genealogia retorna às três modalidades da história que Nietzsche reconhecia em 1874. Tradução de Roberto Machado. comentário e interpretação deste importante autor do século XIX./out. Goiânia. Tradução de Maria Lucia Oliveira. 2005. Mas retorna a elas. set. 2010. p. em oposição à ‘história tradicional’. a crítica das injustiças do passado pela verdade que o homem detém hoje torna-se destruição do sujeito de conhecimento pela injustiça própria da vontade de saber (2005. 30). Fragmentos de Cultura. 2005. para a tradução. 9/10. Depois da teoria: um olhar sobre os Estudos Culturais e o modernismo. Rio de Janeiro: Graal. Por essa e outras razões. pura e simplesmente. deixando de caracterizar seu processo de produção.Por isso mesmo. Nota 1 Para maior detalhamento da questão. Nesse sentido. que o congelava nas descrições dos ‘eventos’. o esforço de Noéli Correia de Melo Sobrinho deve ser saldado como um acréscimo significativo no interior do movimento renovado que tem se constituído no país. das alturas e desmoronamentos. segundo o autor. Referências EAGLETON. o respeito às antigas continuidades torna-se dissociação sistemática. significativa importância a “história ‘efetiva’ [ao fazer ressurgir] o acontecimento no que ele tem de único e agudo”. 20. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 37). n. a “história tem mais a fazer do que ser serva da filosofia e do que narrar o nascimento necessário da verdade e do valor. v. p. Escritos sobre Educação. apresentação e notas de Noéli Correia de Melo Sobrinho. F. Tradução de Paulo César de Souza. ____. 2006. Escritos sobre Direito. 2007b. São Paulo: Escala.ampl. Ed.br 708 Fragmentos de Cultura. 2009. Pensamentos sobre a moral como preconceito. 2005b. 2009. Rio de Janeiro: Contraponto. Tradução de Paulo Cesar de Souza. Aurora. 2008a.com. Tradução. 2010. de Moraes. n. da PUC Rio. da PUC Rio. ____. Uma polêmica./out. Goiânia. ____. Escritos sobre História. Tradução de Antônio Carlos Braga. Rio de Janeiro: Edições Loyola. Editora PUC Rio. 2005a. ____. 2v. Rio de Janeiro: Loyola. apresentação e notas de Noéli Correia de Melo Sobrinho.NIETZSCHE. 703-708. set. 2007ª. 20. Aurora. Além do bem e do mal: prelúdio a uma filosofía do futuro. Rio de Janeiro: Loyola. . A genealogia da moral. apresentação e notas de Noéli Correia de Melo Sobrinho. A vontade de poder.rev. Diogo Roiz Doutorando em História na UFPR diogosr@yahoo. 9/10. Escritos sobre Política. ____. São Paulo: Companhia das Letras. São Paulo: Companhia das Letras. p. Tradução. 2008b. Rio de Janeiro: Edições Loyola.ed. Editora PUC Rio. v. ____. Tradução. ____. Ed. São Paulo: Companhia das Letras. apresentação e notas de Noéli Correia de Melo Sobrinho. 4. Fernandes e Francisco José D. Tradução. ____. Tradução de Marcos Sinésio B. Tradução de Paulo Cesar de Souza.
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