Drogas*Uma abordagem educacional* Cleide Rita Silvério de Almeida Associação Parceiras Contra Drogas Apoio Editor Olho d´Água Novembro/2000 Pagina 3 Este livro é para José Antônio de Almeida Melchert, meu filho, com quem tenho repart ido a cotidiana tarefa de criar sentido. Pagina 6 Prefácio Este livro da professora Cleide R. S. de Almeida não se destina a especialistas : tem como público-alvo os pais, os educadores e os próprios adolescentes. Dirige-se, de u m modo bem amplo, a quem quer conhecer o mundo das drogas e está em busca de critérios pedagógicos para se orientar em três direções do maior interesse para o educador: 1. Primeira, a que nos mostra a droga, enquanto uma questão eminentemente educat iva, que implica pessoas de carne e osso, como Pedro, Vera, Mauro e Luís, os quatro adolescentes com cuja história de vida a autora inicia sua reflexão. O interesse cen tral desse livro se volta, portanto, para o ser humano concreto que assume um comport amento dependente de drogas. A toxicomania e outros temas e informações correlatas vêm depois . Em primeiro lugar, está o ser humano cuja "fome" de viver tornou-se maior que a possibilidade de um auto-controle sadiamente equilibrado. 2. Segunda, a que nos mostra a droga, enquanto um problema social típico de noss a época. Nos últimos anos aumenta a freqüência com que os jornais e revistas falam de colossais apreensões de cargas de maconha e cocaína. Pagina 8 Divulgam-se estatísticas assustadoras a respeito da expansão do consumo de entorpe centes, barbitúricos, estimulantes, solventes orgânicos e alucinógenos de todos os tipos entre jovens, especialmente colegiais e universitários. O Brasil virou rota e ponto de d estino dos grandes cartéis. Em São Paulo, Rio e outras cidades, também do interior, o tráfico realiza-se às claras. Nos ambientes de classe média, fazem-se presentes estupefacien tes mais sofisticados e mais caros, não excluindo o álcool. Nas camadas pobres, o crack está fazendo estragos até entre crianças. Qualquer adolescente tem acesso fácil à primeira baforada ou ao comprimido inicial de anfetaminas. Os grupos de iniciados exerce m notável pressão sobre os demais, servindo como base de apoio para a ação dos traficant es. Embora já não se exalte tanto a droga como símbolo de rebeldia, ela ainda é sentida em grupos juvenis como um passo em direção à liberdade e à libertação. A droga continua send o "a ilusão dos que não têm poder", como diz Rubem Alves, com tanta propriedade. Mas, a droga já deixou há muito tempo de ser uma busca, uma viagem, um barato em m eio à opacidade de uma cultura que não estimula e de uma sociedade que não motiva. Hoj e é uma indústria com uma azeitada rede de distribuição. Já não é mais o jovem que procura o ico, tentando aliviar a carga de seus vazios existenciais e seu desejo de auto-r ealização. É o tóxico que chega ao jovem, infeliz ou não, sendo-lhe oferecido à porta como u m simples produto de consumo. O próspero mercado da droga se vincula a poderosos i nteresses financeiros e ao crime organizado. Virou um problema de segurança nacion al, mesmo em nações com o poder de fogo dos EUA, dos quais nossa cultura juvenil é hoj e mera reprodução. Assim, se entende por que o problema costuma ser limitado mais a esse ponto de vista. Com isto ele corre o risco Pagina 9 de ser reduzido a um problema policial ou a uma questão de regulamentação pela via das normas e procedimentos legais. Ou, ainda, a uma questão de desintoxicação farmacológica. Na grande imprensa - jornais, rádio e TV - o tema costuma circunscrever-se a essas três perspectivas facilmente redutoras. Ora, em tal perspectiva não resta espaço para Ped ro, Vera, Maura e Luís, os personagens que a professora Cleide nos apresenta no capítulo inicial do livro. São personagens em tudo iguais aos que o educador, o professor e os pais têm diante de si, quando chamados a intervir pessoal ou profissionalmente em situações concretas de fármaco-dependência. 3. A terceira direção à qual a autora nos aponta é a da informação bem fundamentada. Muito do que se sabe e se discute sobre o tema cada vez mais complexo das drogas permanece quase inacessível aos pais e aos professores, mesmo os que têm nível médio de informação. Como todo conhecimento científico, também o relativo às drogas está limitado a ambientes acadêmicos, a laboratórios de farmacologia e a consultórios de medicina e psicologia. É hoje um conhecimento especializado que usa uma linguagem de difícil compreensão para o leigo no assunto. Esses conhecimentos científicos passam em geral longe das preocu pações e tensões que se dão no recesso de famílias que têm um filho / a vitimado por esse mal do século. O mesmo se repete com relação a professores e orientadores que descobrem, em s ua própria escola, a real penetração da droga no mundo estudantil. Informações importantes para que se tenha uma visão global do problema e se possa partir para uma intervenção psico-pedagógica e sócio-educativa mais eficientes permanecem, assim, fechadas a set e chaves. A ação dos pais e demais agentes educativos, não excluídos os policiais, não se beneficia dos novos conhecimentos. Baseia-se mais nas intuições e no bom senso dos encarregados de ajudar os professores vitimados. Pagina 10 É mérito do presente livro abrir, para os educadores e pais, janelas nas três direções acima indicadas. Elas são fundamentais para quem pretende ter uma postura pedagógica que leve a intervenções lúcidas nessa área cada vez mais complexa e mais difícil do agir educativo. É um livro que vem enriquecer um setor ainda bastante carente em boas publicações. Seja, portanto, muito bem-vindo. Edenio Valle ( PUC-SP) Pagina 11 CAPÍTULO I A importância da visão global Publicações, congressos e encontros profissionais revelam a existência de uma cresce nte preocupação com os problemas educacionais. Nesse contexto, o uso abusivo de drogas c ontinua negligenciado, apesar de ser um problema que assume escala mundial e se infiltra em todos os âmbitos. A realidade brasileira apresenta um consumo indiscriminado e, através da s conexões internacionais do tráfico, nela se amplia o mercado da droga. Quando se descobre na escola um aluno que faz uso de drogas, os educadores fre qüentemente mergulham na insegurança. Sem saber o que fazer, apelam para um especialista que t enha uma resposta definitiva ou comunicam o fato de forma constrangida aos pais. Com rara s exceções, encaram o problema como assunto médico ou até como caso de polícia. Mas a questão da drogadição é muito mais abrangente. Vai além das próprias drogas e se estende pela sociedade, em todas as suas relações. Ao investigar determinada real idade, não é possível considerar apenas aquilo que está explícito mas é preciso revelar o que se esconde. A droga é o imediato que pode sinalizar o mediato, o mais profundo. Pagina 12 Conhecer a droga demanda uma abordagem rigorosa. Demonstra-o a preocupação de cien tistas sociais, farmacologistas, psicoterapeutas, educadores, instituições e publicações. Por suas proporções e repercussão, toca fundo na qualidade das relações humanas. É importante levantar subsídios sobre o modo como a sociedade produz suas relações econômicas, sociais, culturais e políticas, e assim iluminar o problema da droga, qu e atinge especialmente a juventude. A educação não pode mais se eximir ante esse desafi o. Embora a bibliografia sobre o tema encaminhe a discussão, o material no campo da farmacologia é mais freqüente e cientificamente embasado. No entanto, essa literatur a não é acessível ao grande público. A abordagem educacional, por sua vez, é vacilante e cheia de lacunas. As drogas precisam ser pensadas articuladamente pelas ciências da saúde e pelas ciências da educação, fazendo parte ativa das preocupações dos educadores. O objetivo deste livro é compreender pedagogicamente o uso das drogas para apree nder seu significado a fim de atuar com segurança. Ao analisar esse fenômeno, percebermos sua presença nas relações sociais e econômicas e não apenas como somatório de casos individualizados. É importante examinar o significado das drogas no interior do mo mento histórico-social e, ao mesmo tempo, refletir criticamente sobre a educação. Enquanto instituição de maior importância na formação dos indivíduos depois da família, e com base nesses subsídios, a escola terá condições de traçar programas sistemáticos de prevenção. A abordagem histórico-social das drogas é imprescindível para uma interpretação abrangen te que não caia num reducionismo médico ou policial, insuficiente para sua compreensão. Pagina 13 Claude Olievenstein, diretor-chefe do Centro Médico Marmottan de Paris que se de dica a toxicômanos, dá uma pista na direção de um enfoque globalizante acerca das drogas ao propor a seguinte equação: produto, personalidade e momento sociocultural. Para apreender qualquer problema, é preciso ultrapassar suas aparências imediatas. É necessário perceber no dado visível um sintoma da totalidade que, com ela, constitui uma unidade. Ao abordar um aspecto parcial, deve-se buscar captá-lo em sua articulação com o todo. O fenômeno das drogas se encaixa nisso. Exige que se conheça cada um dos aspectos que o constituem. Sem dúvida, é possível analisar uma droga sem fazer referência à realidade do sujeito; entretanto, a dependência afeta um indivíduo inserido no mundo, enraizad PEDRO. continua. Dava um rolo desgraçado. você quer'. que fez com que você queira se aga rar. com amigos. Eles davam as cápsulas e eu era sempre apanhado pela mãe. em Madri . Quando chega aos 17 anos. uma luz. Fui dependente durante muitos anos. se fixar num só lugar. o filho menor joga futebol. faz o que você imagina. Eu vivi na Iugoslávia. o filho Pagina 15 maior estuda na universidade. e o pai de Lisboa. porque Lisboa é muito pequen a .todos identificados por pseudônimo . Paris. é bem-vinda. em primeiro lugar não de ve encarar as drogas como algo abstrato.. O traficante era a última instância. Então. Não é uma amostragem que trata o dependente como objeto de pesquisa mas aponta para um esp aço aberto. A DEPENDÊNCIA VISTA POR DENTRO Os jovens que dão seu depoimento a seguir . na piscina. . de trabalho humano convergiu pare a droga. Os dois fatores levaram-me a não continuar uma vida comum. O que encontrasse em casa . em que o pai ê o chefe da família . na escola e no bar .. mãe e irmão também paulistanos. Na fase seguinte. Uma discussão crítica sobre esse problema. Ele este ve no Brasil durante muitos anos. num só momento. na Itália e no Brasil. que seja capaz de orientar a prática educacional. Isso gera alta tensão. Eu não sou dependente. e todo um me rcado parado de dinheiro. e voltou a Portug al após a Revolução dos Cravos. de fuga. quer mais. na farmácia.o num momento histórico e numa sociedade determinados. Alguém que dig a: `Vai. 26 anos. "Meu pai foi exilado político de Portugal. Essa sensação de não ter um lugar próprio é a depressão. de comer a ba nana. ele passa quatro noites e quatro dias na varanda. com carteira de estrangeiro.você sai na esquina e está com o pai na janela do prédio do trabalho.. ansiedade e uma grande perspective de querer ir pare a Lua em vez. Mas também viajei por Tel -Aviv. a aí ele é dependente de drogas. mas perceber o dependente como um ser de r elações. pratar ia -. Brasileiro de São Paulo. como numa família de quatro membros. escrevendo e ouvindo música.panos. toda linha de risco. As fronteiras foram abertas para as pessoas. quer encontrar um interlocutor que dê uma chave. uma vivência. duas amigas do meu irmão oferecera m uma cápsula de anfetamina. Londres. Eu conseguia a droga com facilidade. a mãe é jornalista.. pelo psicólogo. no tempo do governo Salazar. A análise crítica requer que se ouça o lado que invariavelmente é afastado: o daqueles que usam ou usaram drogas de forma abusiva. de idéias. `Isto levanta o moral!' Ele toma uma cápsula. uma série de coisas no rmais foi interrompida. estudante. você tem toda uma sexualidade. Eu fiz o exame pare duas universidades mas não cheguei a cursar porque teve o ro mpimento da família e o uso da droga. meio triste. quando eu tinha muito dinheiro e estava desespe rado e não encontrava em outro lugar. Certo dia em casa. Isso ocasionou a droga. cursou até o segundo grau no Liceu Espanhol. O relato dos sujeitos sobre sua experiência (aqui adaptado ao estilo escri to) traz uma enorme contribuição para a compreensão do todo ao revelar um ângulo pouco abordado do problema: Pagina 14 por que se drogam e de que forma essa experiência traduz uma inserção pessoal e intran sferível no mundo. Acho que toda essa mudança desde pequeno ocasionou uma certa vontade de não querer conhecer o mundo mas vivenciar um lugar próprio.são internos de clínicas a hospitais especializados em dependentes de drogas. em Portugal. dá uma luz. mas graças a Deus já estive in ternado três vezes pare me desintoxicar. meio perdido. Portugal.vendia e depois comprava a droga. Tudo era uma ilusão. beber pouco. Uma dose dava para uma noite. comer só de manhã. Fiz uma desintoxicação. agora senta' etc. tudo quanto é movimento oscilante. escreva. eu ficava com frio também. 20 minutos depois ela se abre e o sal entra pelo sangue. A dependência ocorre quando a droga aumenta a sensação nova. de um l ado para o outro.. Ele é tão forte que o sangue se oxida. se eu não me alimentasse com suco de lar anja. Por mais que tenha organismo. de todos os lugares aonde eu havi a ido. menos agressivos. acabava. que é a minha terra'.. Fui para um hospital em São Paulo. amoros o. A sensação era de uma paz muito grande e de repen te uma agitação interior que passava para o mundo exterior . Quero ver os meus pais mais ou menos dentro de uma linha racional.pai e mãe estavam separados.. passei a tomar uma medicação suave. Eu fazia um tipo de terapia através do som. uma coisa de sonho. Eu ficava umas quatro noites direto. através da família. fui para o Rio de Janeiro. que tem muito peso. Eu queria melhorar. no ensino espanhol. primeira coisa que faço: passo numa farmácia. Não eram várias doses. com drogas fortes. Quando não havia anfetamina. muitas vivências. eu passaria frio.com a mãe em casa. tremendo... da fada Sini nho. e problemas. Era a perda da mãe. por mais que seja gentil. eu já havia estudado história da arte. Isso foi criando um desgaste mental e físico. o lembrar do choro. Quando tomava anfetaminas. Afinal. Toma-se por cápsula. Punha os fones nos ouvidos e varava a noite. eu queria encontrar alguém que me desse continuid ade. esse momento que eu tanto preservava. Por meio de grandes conversas fui conseguindo chegar perto de mim outra vez. tá. ritmo ace . teria febre. muitas calorias de gorduras. imaginava coisas e captava coordenadas através da Lua. o lembrar da sombra. eu não tenho mais condições de agüentar esse nível de vida. do cheiro do tabaco. Me arranjaram um apartamento e das 9 da manhã às 5 da tarde eu ia ao hos pital-dia. Acabava. pela casa toda. Eu era um caso médio. Foram quatro anos tomando de dez a 20 cápsulas por dia. era a tensão e a ansiedade de tentar construir esse lugar. com va rinha de condão. Um dia eu me disse: `Não agüento mais'. mas disse ao meu pai e à minha mãe: `Por favor me mande m para uma clínica no Brasil. mas havia o outro lado. da idéia que você tinha na Pagina 16 hora. Começaram os psiquiatras. que me desse algu ma estabilidade. Passei um ano num apartamento escrevendo memórias e desenhando. Já não era mais a droga. `Agora vou me agüentar'. Fui a Lisboa como prêmio da alta. era para aumentar essa sen sação de ritmo. coisas bonitas e profundas. chá e queijo. Eu tinha a fantasia de Peter Pan. na cama. até achar que não precisava mais. inteligente ia tomando conta.. que me tocasse e dissesse: `Agora voa..e o coração. Eu já tínha diminuído as drogas. Era uma coisa muito pesada. tudo tão gostoso. Dentro do meu lado depressivo. Cinco anos sem ir a Lisboa.. os psicólogos. tá. que é o estado que vem antes do coma. Fica-se silencioso. do avião. Pouco a pouco. perto da minha mãe. da cultura e tal. as internações. Me deu frio. não dá nem para ver se você está vivo ou morto. agarrava. dava um tempo e tomava. Terminei esses quatro anos e meio com alta. história. Um bê-á-bá mágico. queria para mim. como heroína. Tive muitas namoradas. A anfetamina não é injetável. e quero Pagina 17 dar um tchã nos meus estudos. do Tibete. Precisava fumar muito cigarro. preservar uma certa estrutura. o mundo real . tá. o lado raciona l. de amor. um ano com terapia indiv idual. pa recia tão bom. tá. tomo dez. Tinha tomado as anfetaminas num ritmo in tenso. l atim. No meu caso. compro uma caixa de anfetaminas. continuava. com o irmão na escola e com o amigo no bar. de vida. Era uma prova que eu tinha de passar.. e ouvir músi a o dia inteiro. Eu ficava naquele transe. não era para diminuir nada. que me desse um lugar próprio.. mas consegui. o estudo vinha e ia. pensei.. ouça música.. eu tomava contin uamente. Havia muita gente sedada. mas não se r esolveu. a não ser com meu pai e m inha mãe. Depois de quatro anos de inte rnação. Compra um pou co de cocaína. mas tudo o que tinha dentro. Eu sobrevivi a tantas metamorfoses porque de tanto pensar a cabeça influenciou o outro corpo . A droga corrói. e parece que estou voando. o aparelho respiratório. O corpo jogava fora não só as a anfetaminas. que dariam para uma semana. mas nada de fumar mai s de seis cigarros por dia. queria estar trabalhando. que usa avião. Coc a-Cola. muito passageiramente. Chega aos 30 anos com o corpo debilitado. Qua ndo tinha muitas anfetaminas no corpo. Tem muita coisa pra guardada pra mim. ela vai até o fim. Eu encontrei Pagina 19 o meu momento. até encontrar um tubo que não dá mais socorro. puseram um tubo para dentro de mim e me permaneci durante algumas horas em estado de coma. para o resto da . de repente. Continua maior ainda. que chegaram perto de mim e disseram que é uma coisa que vicia. pena que o diálogo tenha vindo através de drogas e não dos meus estudos. Ele vive com uma garota portuguesa. de tomar um cerveja. mas para você. você Pagina 18 tem um certo moral. gosta de ver uma menina. estuda Geografia e tem o apartamento dele. Reatei os laços de família contando experiências minhas. Aquele Pedro Pagina 20 pequeno. Overdose ma ta! Eu tive uma. da terceira e da quarta. eu vomitava muito. que é o lad o carente. não se quer outra. qualquer contenção física ou mental. Fui socorrido e levei soro. cocaína e maconha. minha mãe está no Rio com o meu irmão. porque o corpo tem muitas defesas. por isso que eu não gosto de usar droga. Às vezes saía sangue. Passei duas semanas em Lisboa e voltei ao Rio. é a cabeça. que você vai morrer. que planta chá. Há gente que vai atrás da segunda. O indivíduo tem pelo menos uma chance durante a vida de debelar a droga como fat or de dependência. não dá tchã. Essa. é a informação que recebi. estudando em Lisboa. Informações? Eu não recebi informação alguma fora do tratamento. Ele está no Rio. não quer nada com a maconha.não para o outro. entreguei a caixa de anfetaminas com as 90 cápsulas. Ele vai.. às vezes saía todo o almoço. mas há gente que usa limão. banana. mas foi suficientemente forte.a mente sobre o corpo. porque queria estar em Lisboa. Meu pai está em Portugal. Cresceu. 50 dólares. não se deve tomar. Não sabia se dava pra ser compreendido ou não e. não tem dois parâmetros. o nariz. Tem disciplina. É o coração. Para tudo tem uma droga. Eu ainda sinto um pouco de aceleração quando tomo a medicação. de agarrar o momento.lerado.vida.. que estava com o lado carente. falei pro meu pai que tinha tomado. para a passagem do ano com a mi nha mãe. comi. de 17 anos. Posso perder . até que põe pra dentro a idéia de nâo se drogar mais. Depois veio a depressão. há gente que lava o carro. Quando se sobrevive. que é o mesmo da min ha mãe. a tensão e a ansiedade que eu estou trabalhando aqui na clínica. Eu não converso com quase ninguém. dá sono. Passa quatro anos e meio contido numa casa c heia de gente. Adormeci. Quando dizem que você é um drogado. estar livre de qualquer psicologia. porque ela faz mal. Sobrevivi porque sobreviveu o instinto. No dia seguinte estava novo. Mas a c ocaína é forte. Me faz lembrar da cápsula . Você passa por várias transformações químicas. eu digo: `Usei anfetaminas. comecei a conversar um pouco mais com a minha mãe. que faz mal. naturais que servem como exemplo . O primeiro cigarro tudo bem. os olhos. mas eu tomei banho. dá todo aquele revertério de um organismo que já não aceita mais maconha. Você leva cada susto. um traficante. extrapola. físicas. A droga aparece como alimento. Persiste o problema da tensão e da ansiedade. porque droga é droga mesmo'. Mas eu não vou perder a minha vida por causa da anfetamina. que não tem outra idéia a não ser alimentar o teu tóxico. com o pai e não com a mãe. evoluiu. Conheço gente que é dependente da droga até o fim. Justo na hora em que eu precisava da maior força. O meu filho está com a minha mãe. M inha avó e minha tia. não lembra. Conseguia a droga com o pai do meu %lho mas tinha livre acesso à bola em hospital. Me sinto rejeitada lá dentro.bola e álcool. assim até a noite. saía briga. em bola para emagr ecer. Hypofagin. Eu cheirava cocaína de manhã. Só que. viajando. Ah!. Meu avô. e em farmácia também. não sabia mais o que fazia. as perdas da vida que a gente tem! A gente tenta. A polícia já me pegou com maconha. meu pai me entuchava de bola para eu apagar. É outro mundo. queria mais e a depressão %cava mais forte. Meus irmãos. ela usa. E trabalhava com bola na cabeça. Tonopan. Fiquei grávida dele com 15 anos. Eu usava quase todas: Artane. Se eu ficasse lá fora eles iam me matar. Para mim. Fumava nos fins de semana. livre acesso com a minha vizinha do lado. desapareceu. eu ajudava no serviço dele. amanhã não sabe o que fez. Fiquei perdida. irmã do meu pai. passei a trabalhar e comprava com meu dinheiro.eu faço de tudo: falo. De tanta' bola. tive de denunciar os traficantes com quem me envolvi. e daí para a bola direto. A droga só acaba com a pessoa. Em casa. estudante. danço. depois passei para a coc aína. 21 anos. Bola. Eu não dava bandeira. Meu pai bebeu e parou. que sou uma pessoa deprimida. Por uns tempos não paguei droga. fumava um baseado. eles foram me buscar em bar. De uns tempos para cá é que eles perceberam. porque ficou louco. Algafan. a mesma coisa.. eu não tinha proble ma nenhum. trafican te de drogas. Fumo. mas não adiantava nada. até que cheguei a usar direto. Careta. de manhã até a noite. quando está conseguindo uma coisa. Tanto que. foram achando as minhas coisas em cas a. canto. "Comecei a usar drogas com 13 anos. agitada. Eu chegava. Me deu a maior força quando tive o meu filho. Sei de tudo sobre droga. Comecei a fumar maconha na rodinha da minha irmã. Minha tia morreu de Pagina 22 overdose. Bebia pra caramba . na prática e na teori a. Com o pai. Tive o filho. o meu avô morreu. Daí eu vim para a clínica. Quand o acabava. Não pode nem ver bebida. Primeiro maconha. Eu era muito a pegada a ele. Havia uns momentos acordada. Maconha deixa a gente esquecida. tudo bem. sem problemas. para vir para cá." VERA. Sei do lance. nada. mas sempre louca. aí meus pais me tiraram. Pagina 21 Com a minha mãe nunca me dei bem. tomavam Perventin. Não dava nem tempo de terminar o efeito. Com a droga a gente esquece das coisas. Minha irmã mais velha chega do serviço e minha mãe fica lá com ela conversando. quando eu chegava em casa mui to louca. bola e álcool. Minha mãe fazia muito a cabeça dele. Meu pai é ex-alcoólatra. Eu sou a segunda. então. Estava no último ano da faculdade de enfermagem. Eu tomava direto. perde tudo. o cara não assumiu. de agar rar mesmo.a vida por um amor. o único que me dava apoio. e eu é que sempre estava errada. Saía.. já ia para outra. sem droga. Carinho. Com meu avô. Se ela está a fim de usar. por uma discussão com fundamento. se você toma uma hoje. depois tomava bola com álcool. Quando a gente ia conversar. Adorav a estudar. era feliz até. Faz uma coisa. ela nem aí. Altas madrugadas. Então conheci um cara. era só quando eu entrava de bode e ficava dormindo uns três dias. ex-viciado também em bola. Fica tudo legal. Daí come cei a usar droga mais ainda. A seguir. ele ia me buscar na escola. Minha mãe também. caída. Meus pais só davam ajuda financeira. Inibex. a gente fazia tudo. Fui fichada. Mas ele toma as bolas que aparecem. Ou era a droga ou não era nada. porque fazia enfermag em. Fiquei presa um a noite. sem comer. Minha família toma muito remédio. Minha mãe continua tomando porque viciou. eu conversava às vezes. Comecei com pouco. . mas comecei a dar bandeira demais. Não consigo achar o fundo. Trabalhei com isso. somos quatro filhos. eu estou com úlce ra. mas pela minação do meu corpo nu nca mais. a droga é um a coisa que agita . Com 13 anos. que só tem vontade de morrer. é uma saída. Fumo por causa da depressão que não sai de dentro. Uma voava na outra. Era o bunda-mole da turma.. Não era para me afundar na droga." MAURO.. aí fumei o utra vez. Tinha dia que fumava bastante. Para mim foram verdadeiros amigos. achava que não tinha nada a ver. Eu fui. Nunca parei nem em casa. Não gostei muito. Eu falava. Não vou usar o que eu usava. pra curtir sozinho. Conheciam tudo o que eu fazia.Não adianta ninguém ficar falando. Ia uma vez com amigo. sem depender dos meus pais. na farmácia também. Eu tinha amizade muito grande com traficantes. Ainda mais eu. umas duas ou três vezes por semana. aí já fui pegando mais amizade. E quando muita gente fic ava em cima. Nunca iniciei ninguém. parar de repente. ela se revolta e vai encontrar na droga o que não teve. mas não achava. Os meus nunca me perguntaram: `O que está acontecendo?' Gosto da droga. Os traficantes da minha cidade nunca deram a mancada de me dar cocaína mistu rada: `Olha essa cocaína separada pra você'. que acalme. eu tentava conversar. Com amigos. O amor é importante. Arranjava. traficantes. Não fazia tráfico. Os amigos me davam dinheiro. bola. Então e achava que tinha de ficar na minha. Uma pessoa escutar.a série.. isso é muito bom. usando droga. riem porque acham que é besteira. nem dava. Maconha. Na escola pintava. fazia mais avião . não queria mais. que deveriam sentar e conversar com os filhos sobre o que se passa . Por mais que eu saiba. o que está errado. Morei numa casa not urna. que aconselhe. né? Eu fui usando por livre e espontânea vontade. misturar tudo.ia buscar para o amigos. Usei também haxixe . e não tive. não achar que é brincadeira. comecei com 13 anos. Cocaína há nove meses. ganhava. Uma pessoa que usa há sete anos. Nunca entreguei ninguém. Não tinha lugar pra onde ir. aí já conversava mais. na gengiva. eu ia para casa e cheirava o que tinha pegado d eles. "Os amigos diziam: `Você é careta'. Muita briga em casa. depois fui sozinho. Muitos pais não fazem isso. Ai a droga era mais constante. Pegava o meu primeiro. Mas não vou parar. A única pessoa que me dava amor eu perdi. o pessoal ria. me tornava superagressiva. Já levei geral dos homens e estava cocaína. fiquei lá. Depois que acabava aquele tanto.. continuo lendo e usando. Ia à casa deles uma vez. eu era de família boa. Não chegava nem a depender da maconha. A "boca" era mais na favela. outra vez. meu pai me mandou embora. Aconteceu comigo. quando você se aproxima delas. ir lá sempre. aos 14 anos. pra ficar morgado. Geralmente tirava um pouco de dinheiro também. mas ninguém entendia. eu comprava a cocaína pra eles e pegava o meu tanto . Uma pessoa que na infância tem carinho. o que não está. amor. 15 anos. não. morar sozinho. Pagina 24 Conseguia com amigos. e não ria! Há muitas pessoas que. aí empapuçava. Hypofagìn. Tinha traficante até que não vendia pra mim. Ou amarrava barriga com durex. É c oisa da cabeça de cada pessoa. Eu punha na boca dois ou três gramas. acho que não será um drogado quando crescer. Nunca cataram. para acostumar. lugar escondido. em depressão. Maconha. Saí de casa sete ou oito vezes. Ficava conversando. não rir de você. Fiquei sabendo aqui no hospital que um traficante queria vir me buscar. mas não usava lá. Também. batendo idéias . Se a criança nasce e não tem nada disso. Nunca fui pego. em fliperama. ia na segunda. Aí um dia experimentei. com chiclete por cima. que não estou acostumada a ficar presa num lugar assim. A polícia revistava. mais ainda quando estava triste. Para mim está s endo horrível aqui. Acho que começa na infância. o que não se passa. cheirava junto com eles. Como os pais. tomava leite pra dormir. Cocaína só em fim de semana. Eles confiavam em mim pra caramba! As primeiras vezes e les davam bastante. A razão é infelicidade na família. cursou até a 5. afeto. Pagina 23 uma pessoa amiga que escute. tinha muita influência . A última vez. ajude. tra balhar pra comer. Queria ter a minha vida. quase não comaprava. Foi junto uma parte minha. só que pagava mai s caro. Conversa é importante. . Fui com um amigo. Eu cheirava. Peguei e usei. A palestra maior foi sobre drogas. Acho que não deveria bater e sim ter diál ogo. Me controlava.. descontava nos meus irmãos e em mim. para o meus primos. senão eu matava o c ara. Principalmente os policiais deveriam falar mais. Disse que já. porque não gostava de ficar em lugar com muita gente nessa situação. porque depois Pagina 26 eles misturavam. Isso meu pai nunca teve. já que levei o nome e estou sofrendo pra caramba em casa. Aí me seguraram. Porque violência.cidade. das brigas.. dizer que é fácil entrar na droga mas é difícil sair. Nunca escutei falar de droga na escola. e eu estava cheirado. Sou o do meio. d epois que descobrem que não tem jeito. Batia na rua. Eu negava. ligavam em casa dizendo que eu era viciado. mas usam drogas. fazer bagunça fora. porque era um caso mais sério. Cortei o braço dele. A sociedade rebai xa quem usa. Eu não usava de violência mas. Pagina 27 pôr medo. Eu saí de lá e fui fumar maconha. Tem alguns casos de alcoolismo. Esfriava a cabeça. Pegava pra mim. Tenho o pavio curto pra caramba. porque bem mais. Eu tinha muito pouca informação sobre droga. Eu não gosto de bebida. e a gente também passa a isolar.. pegava. Tem mais é álcool na min ha família. apanhava em casa. Eu já fumava. Para quem está começando. Em geral o tio. gera violência. agora está melhorando. A escola fala um pouco de sexo. todos estão afundados na drog a. Até que ajudou bastante. têm mais voz a tiva. A família deixa de lado. mas muito pouco de droga. mas antigamente era dose! Eu apanhava por qualq uer coisinha que fizesse de errado. com meus amigos. I a lá. Como o meu caso há vários na cidade: infelicidade na família. vo u usar. Meu pai foi sacando. Mas prevenir é muito difícil. isola. Cada um tem seus motivos. mas não cheirava. Eu sabia os dias de chegada. Falou o que tinha de fa . Mas também muito estourado. Vem pura. ah! eu esquecia da vi da que levava em casa. Os pais já eram mais liberais. nunca saía pra curtir. então começou aquela briga toda.. minha amigas. o avô. Deviam fazer palestra. mas a droga não me cheirava. pra não deixar bater eles. Quando ainda não usava droga. 25 Acho que algumas pessoas usam porque já vem da formação de casa. no começo dão força pra sair. mostrava a identidade e eles paravam com a revista.. O cara zoou tanto comigo. Se brigava na rua e apanhava. Uma vez ele perguntou se eu tinha fumado macon ha. não digo viciados. Dá para sair... para mim. Vim de uma formação de família muito violenta. Tem uma vez por ano na minha cidade. A família devia dar ais força. Não tinha informação segura de que eu era viciado. Briga demais e quer se ver livre. Também segurava minha mãe pra não deixar bater no meu irmãozinho mais novo e eu que apanhava. Ficava isolado. Geralmente eu ia defender meus irmãos e apanhava. Um policial foi a esse encontro e arrasou o grupo. mas dá para controlar. vida. Cheguei quase a matar um cara. que quebrei uma garrafa e fui pra cima dele. amor. dava pra mais um pouco.. Quando tomava. aí fazia besteira mesmo. Várias palestras falam sobre drogas. começa a usar. Só mesmo quando usei. ou nem fala. é fácil parar. Participei de um encontro de jovens que falava muito de drogas. Mas já tinha uns quatro meses de uso. Único dia que eu tinha saído cheirado. se me tiravam do sé rio. Meu e pai era muito bri ncalhão. foi perguntado para os médicos quais eram os sintomas e foi descobrindo. Eu vinha para casa cheirado de cocaína. né? Mas do jeito que eu usava. mas é difícil. Na família. Na minha cidade a cocaína vem de Corumbá. Se fosse freqüente podia até ajudar bastante porque a juventude de lá está perdida. Muitos primos meus são. Se vinha do serviço nervoso. Cocaína estra ga o corpo inteiro. Aí.. para os amigos. Já tinha problema de família. chegava em casa apanhava outra surra. então vou usar. E cocaína? Disse que não. Os amigos pressionando. Pode me chamar de bunda-mole que eu vou saber enfrentar. Os caras pagavam a gasolina para eu ir buscar e entregar a droga para eles. para mim. A causa de eu ter começado a tomar droga. 15 anos. Estou trabalhando para dizer não. Eu tinha um carro e pra m im era fácil. ela já usou droga comigo e não gostou. na Itália. Hoje vejo que é bom ser careta. Comecei quando tinha 15 anos e usava quase todos os dias e até antes de me internar aqui. diamante. Não sei se vou voltar a usar. mas tem gente que não g ostou. cursei Faculdade de Engenharia sobre agricultu ra e fiz curso de Mecânica sobre instrumentos agrícolas. E ainda fiquei com est a tremedeira aqui. não tive nada. Che guei ao Brasil há um ano e seis meses e comecei a trabalhar em pesquisas geológicas no Rio de Janeiro. Quando eu t inha dinheiro. comprava remédio. Provei. LSD. ouro. Acho que todo mundo um dia provou droga. as pessoas são muito fechadas. os traficantes estão de avião a jato. Já passei muita droga na França. Bati a 140 quilômetros numa árvore e fiquei 15 dias em coma. arrogantes. tinha vergonha de mim. Eu ficava mais alegre. Sem a droga eu não conseguia. A primeira vez que provei droga. e também em perfuração. a brincar. Eu me achav a muito rejeitado pelos caras. Eu chamo álcool de droga. E todo Pagina 29 mundo usa álcool. como se tivesse saído do mundo . já era. em loja de vestidos. O tipo de droga dependia do dinheiro que tinha. maconha. Me sentia melhor. Ele falou que a droga é a maior besteira. estrangeiro. na vei a. E a gente toma droga para se sentir um pouco mais feliz. Não se abrem como no Brasil. é que me liguei. na Suécia. Aqui eu uso droga porque já tinha usado e foi difícil parar de repente. na Espanha. Nunca mais tomou. como a heroína e o haxixe. a Elis Regina morreu. como disc-jóquei numa discoteca. se eu tomava droga.. e tomava para ficar igual a eles. O meu país é muito careta. Vai fazer dois meses que estou aqui no hospital. Quando cheguei aos 14. E ganhava heroína ou haxixe. Meu pai usa drogas. não enganou. não. Lá eu fazia isso por causa de dinheiro. falar o real da droga. Eu acho que aqui está sendo um pedaço do céu para mim. gostei. Perguntei o meu pai do que ela tinha morrido." LUIZ. 21 anos. falar duro.lar.. Acho que nunca teria coragem de ensinar um a pessoa a tomar droga. Está ajudando b astante. que droga é fogo. cocaína. Então todo mundo é drogado. "Trabalhei em pesquisa geológica. Eu não tenho vontade nenhuma. Quem nunca usou pode ser um padre. Quando eu era criança. É muito difícil de pegá-los. que é a droga mais difícil. acho que foi o jeito que fiquei depois de um acidente de esqui. Usei todas: remédio. haxixe. não ficar inventando: se usar uma vez. Eu não me ligava muito nisso. ele disse que foi cocaína e que ela usava uma colherzinha todo dia. heroína. Principalmente cocaína. tomei xarope e bebida a lcoólica. Em seis meses tiveram de trancá-lo num hospital para pessoas loucas. Pagina 28 à procura de pedras. Tem ser radical. começava a rir. não parei mais. meu pai e minha mãe me falaram sobre drogas. Se viaja mais do que quando se está doido. posso até ver na frente. Ele tem de beber uísque todo dia. Como a minha irmã. ela parava. Droga. dois anos numa cadeira de rodas e um ano de reeducação. Enquanto os policiais estão de Opala. a con tar piadas. Eu tinha primo que tomava heroína. parecem triste s. me senti leve. Quando não tinha. não tive fissura. depois tem de usar sempre. não fica legal. Quando eu era jovem. E fiz muitas coisas mais: trabalhei em marcenaria. Ficava mal. pela minha família. Conseguia falar com as pessoas. Se não beber o copo dele. No Brasil nunca fiz tráfico. Droga é a lgo que não presta e só causa dependência. Quando comecei. Todas as pessoas já experimentaram droga. tomava umas drogas bem fortes. ficava fechado no meu canto. A droga me deixava num astral melhor. Se quiser assistir um filme. Deviam mostrar para as pessoas que a droga só estraga a vida. Eu morava sozinho num apartamento de dois quartos. pe gava os negócios.no morro do Pagina 30 Tabajara. na rua. de esquerda. A heroína não deixa tão agressivo.a gente dividia as compras. não pensava nada. na hora em que o cara saía da sala.. Quando eu tomava.. do meu pai. Pagina 31 ´esse cara é burro mesmo. Tive problemas com el a. não andava nos pés.. uma praça cheia de pessoas sentadas. Com a minha mãe eu conversava. apartamento. Esquece tudo. Mas o cara era muito arrog ante e eu não gostei. Ruim para a saúde também. Eu ia ao hospital dizendo que estava mal e. Eu ia lá buscar. Conseguia droga com facilidade. Eu conseguia com amigos . está começando a entender. Não se interessa. só fazia besteira. Estou internado. Para ele. dependente. ácido. Eu tinha trabalho. Então ficava magro. Parece qu e é para me deixar aqui trancado. Com a maconh a. ajudava as pessoas da cidade a fazer festa. Gostei. cozinha. Acho que.. Converso brinco com ela. que deixa você muito agressivo. do Cantagalo.. sala. A droga deixa a gente mais calmo . botava na bolsa e saía. A droga só estraga a vida da pessoa. banheiro. da minha irmã. Gosto dela. e quando prec isa de qualquer coisa. aí digo.. tira os problemas. senão nunca se vai ter nada. Acho que passei mais tempo no morro que nos contatos com pessoas que se freqüent am bem .os pivetes do morro que vão roubar com revólver precisam de dinheiro. A pessoa não se controla mais e faz qualquer coisa para ter din heiro e comprar a droga. a cocaína. É uma garota cheia de problemas. E olha que eu fiquei dois anos numa cadeira de rodas e consegui andar de novo porque eu quis. mas com meu pai não dá. porque ela não está normal. eu olho a televisão ou então vou ao cinema. Eu acho que não tomei tanto para não ter a saúde estragada. Meu pai e minha mãe . A gente fez terrorismo. pegava o cinto quando eu faz ia alguma besteira em casa e me batia. ou então andar de barco. Er a grande. porque ela estava mal mesmo. Passava de noite. Eu tinha uma namorada que morava comigo e o pai dela era amigo meu. no trabalho. Subia a pé lá em cima e conhecia os traficantes. só que ele é fechado.. mas acho que entendi bem essas coisas da droga. A grana que era para me divertir. devido à cocaína.. mas estou mais fe liz assim do que tomando droga'. Aqui no Brasil isso é muito conhecido . Quando vi a ` Maria' chegar aqui. gene t oda louca. não tinha mais contato com as pessoas. guardava par a tomar droga e mais um dinheiro para comer. ou então na escola. Eu gost o muito da `Maria'. Há também um lugar que só tem droga. Não conta nada e não tenta me entender. fiz parte de um grupo de p olítica. Eu estar internado. Fazer um tipo de ínt erview na televisão. ele paga. Quis fazer as coisas como os outros. Encontrava haxixe. Esta é a minha primeira internação e estou gostando mais ou menos. carro. quando eu era jovem. e perdi tudo por causa da cocaína. ele virou careta'. Não dá. fiquei assustado. Eu recomendaria nunca tocar em droga. ele ficava nervoso. fumava junto -. então eu dou uma força. telefone. eu sou um burro e vou ficar assim o resto da vida. Remédio era contratado. conversa comigo.real sem ter passado para outro mundo. parecem todos vagabundos. O res to ia embora. vem me ver . pagar eletricidade. vai ser a mesma coisa: eu não quero mais. a bebida. Tem que ter força de vontade.. ele tem dinheiro. remédio. Já tentei ver um psicólogo para poder contar as coisas. Como disc-jóquei.. Só que a cocaína tira a fome totalmente. mas fazia esporte. e quando vinha o cara. era todos os dia s. Só roubo. Mas agora que ele soube que eu tomava coc aína. droga. minh a namorada. Se as pessoas pensarem. A minha mãe me visitar. coisas assim. `virei careta. corria na praia fazia musculação. Parece uma criança. tenha psicólogo . A droga-alimento "A droga alimenta uma idéia. A fome e suas diversas manifestações podem ser constadas nos depoimentos dos depen dentes de drogas. que é uma vontade d e ir além de determinada situação. até que cheguei a usar de manhã até à noite. sexual. sem ter clar eza do comportamento dependente que dela resulta. Desta forma. outra vez. Pagina 33 A compreensão da droga como alimento representa um salto qualitativo: não é mais o p roduto. de struir a pessoa pouco a pouco. Por mais que o sujeito sofra internações. a substância." 1." "Os amigos me diziam que eu era `careta'. mas demonstra sua inter-relação com uma realidade humana. ele assimila a droga como alimento. intelectual. porque não adianta. o fármaco. a fome pode ser entendida mediante conceitos mais elaborados que expressam as buscas do homem. Essa transformação em alimento que instaura a dependência. sem que ela perceba." Pagina 32 O COMPORTAMENTO OCULTO A droga oculta o comportamento dependente. por sua vez. "avidez" e "sofreguidão". Ontem fugiram quatro pessoas. mas também uma necessidade afetiva. fui aumentando. destacam-se: "grande apetite de comer". Depois de sair daqui. O conjunto dessas fome pode ser denominado "desejo"' . agora estaria morto ou irrecuperável. "escassez". não designa apenas uma necessidade fisiológica de i ngerir alimentos. pre cisa ir lá fora. seu desejo de supera r-se. nem cerveja nem qualquer bebida alcoólica. sem p arar. Eles vão atrás e me trazem de volta. 82. que chamarei de "fome". "miséria". O termo que define essa situação to . mas sim uma caudalosa voracidade que transforma a pessoa em glutão. disposição. desenvolve-se a partir da afluência gradual de diversas fomes. entendendo-a como possibilidade de se nutrir. portanto. "penúria". 1974. outra vez. "Fome". "subalimentação". depois vai querer fumar maconha. O h omem alimenta-se para ter energia. É um alimento para matar. constata-se uma contradição principal no seu interior. a pessoa não deve mais beber. "falta do necessário". todo dia." O comportamento dependente. Nunca fugi. Se começar a beber.. com 15 anos. Entre os vários significados da palavra. Falar com meu e pai e minha mãe não adianta. Se eu não tivesse vindo aqui. Pierre Furter." "O vício é como depender de um alimento que não é alimento. vontade de atuar no mundo.." "Comecei com pouco. E daí estraga tudo. Aquele que experimenta recreativamente uma droga não é um dependente: "Depois de um certo tempo. O drogadit o se alimenta da droga. Assim. Eu disse que tudo bem. Ao analisar as múltiplas conexões do co mportamento dependente. comecei a tomar droga com mais freqüência. Um dia eu experimentei. Todo dia alguém foge. é preciso um acúmulo de quantidades. A droga é um veneno. p. transcendender a realidade. comidas vegetarianas. não gostei mui to. sentimental. Então fumei outra vez. Mas faz seis meses! Esta casa não está boa. Para acontecer a mudança de qualida de.disseram que eu ia ficar um mês. depo is cocaína. Estou começando a ficar bom. então estou esperando . Eu me vejo em fim de tratamento. a alimentação que sacia essa fome é a realização de seus Projetos. Assume o significado de um processo de maturação de se converter em freqüência a busiva. A droga não traduz um simples ap etite. com uma compul são destrutiva que compensa desequilibradamente uma ausência: "É muito aquela coisa do `não tenho para onde ir'. banhos de água. expressa uma carência mais radical. A condição carente precedeu a droga. ex-viciado em bola. a droga assume o significado de um alívio imediato para man ifestações emergenciais cujo encaminhamento exigiria processos mais demorados: . no seu caso ocasionada pelo fato de. a drogadição é o mesmo para todos. na piscina. para emagrecer." "Eu fumo porque tenho uma depressão que não sai de dentro. tomavam Perventin. à droga. a qual se constitui verdadeiramente como família a partir do diálogo. é falta de idéias. então cheiro para esquecer. tornam-se insuportáveis: "Com a droga a gente esquece das coisas.da da droga é desesperança. que é acompanhada de um "ato arente" e o leva a querer fixar-se num só lugar e momento. tão marcante nos depoimentos. para quem está sozinho." Dentro desse quadro. "Uma pessoa que na infância tem carinho.. porque minha mãe não me aceita. o alimento depois. ele toma uma cápsula dá uma luz. Pagina 35 fome inicial desencadeia outras fomes. Para ele. falta de amadurecimento. é uma saída. O comprometimento afetivo pode assumir a forma." Essa dramática constatação remete às raízes do comportamento dependente. que insere o comportamento aditivo na dinâmica familiar: o pai é ex-alcoólatra. daí. afeto. o que significa alguém que a escute e sobretudo "não ria" dela." Essa carência. por exemplo. num momento delicado: "Quando minha mãe faleceu. diz Vera." Fome afetiva "Acho que começa na infância. é falta de personalidade. não posso ficar em casa. Vera reforça essa condição ao dizer que "conversa é importante" e que sentia necessid ade de "uma pessoa amiga". a ponto de a pessoa mergulhar numa impotência visceral. não tem nada a ver. Antes de a droga se instaurar. ao referir-se a seu avô. a clínica foi uma ocasião para ele começar algo que faltava em sua vida. cuja figura sintetiza "as perdas que a gente tem" e que. e aí ele é dependente de drogas. Como diz outro entrevistado: "Eu uso porque não tenho nada a perder. Como Pedro destaca. ele passa quatro noite e quatro dias na. des de pequeno. a mãe é ex-viciado em bola. conclui. levou Pedro uma "alta tensão" e. A fome veio antes. "essa sensação de não ter um lugar próprio é a depressão". é pouca responsabilidade. e uma mãe nervosa.. A referência pessoal nasce na socialização. fui despejado de casa. seus pais nunca se aproximaram dela numa relação dialógica. pode comprometer profundamente o sent ido da vida. sobretudo na família. como se situar?" Pagina 34 "Droga é o sexto sentido que não existe nas pessoas. há uma falta. Na sua visão. eu não consigno achar o f undo". ter de deslocar-se para vários países devido ao exílio do pai. ou não. de uma saudade: " Eu só cheiro quando fico com Pagina 36 saudade da minha mãe."O mesmo é dit o por Vera. E falta de perspectiva. "infelizmente". acho que não será um drogado quando crescer". O solo fértil no q ual germina. porque a minha madrasta não gosta de mim". Pedro descaracteriza sua situação como se referisse a uma pessoa terceira pessoa: "Dá um tchã. Sou um cara sofrendo no mundo". uma relação cotidiana e espontânea. É outro mundo. "Minha família toma muito remédio". Fome de referência e de diálogo Pedro demonstra uma fome de referência. Às vezes a vida sofre uma reviravolta que afeta decisivamente a direção de uma traje tória. o extremo sem ter aonde ir.. amor. nem sempre perceptíveis.. Tal situação. É uma questão de cultivo. Se morrer. O mesmo aconteceu com outro entrevistado que também se ressente de um relacionamen to distante: "Meu pai com uma ausência muito grande. Só começou a conversar com a mãe. O que eu vou fazer da minha vida? Em que se segurar. a a vó e a tia. escrevendo e ouvindo música. a partir da experiência das drogas. Traduzindo-o para a norma culta: "Fazer um . o mundo lá fora e tudo o mais. Não penso Para além da "O pessoal foi de família. a velocidade. Para tanto. O depoimento de Marcos. não usar droga s. de um menor de rua. revolucionar. força intrínseca da utopia.problemas religiosos. é você diz er não a uma coisa Pagina 38 e ponto. O melhor seria conscientizar as pessoas de realment e mudar. Agora. situação individual. insônia. a vida precisa ser nutrid a de sentido para abrir um caminho mais vasto para a invenção de novas soluções para os problemas presentes. Nos países desenvolvidos. Sem ação transformadora. O negócio é a consciência d as pessoas para mudar seu mundo. sair de cara é zica na certa. se eu esto urar uma tromba de cabeça de nego. superando o isolamento. Potencialmen a renúncia à fome anuncia novas situações. ritmo de produção. O ser humano luta pela sua sobrevivência física mas suas necessidades não se restrin gem às esferas utilitárias. a educação deve ser um processo de nutrição de valores. Ao abordar a questão sob o ângulo pedagógico. porque rebeldia não leva a nada. solidão. a desnutrição. com projetos próprios e sem depender de estímulos artificiais. ë um traço de libertação que. a droga é empregada no embate com questões culturais: resolver os problemas através da droga . Se as dimensões materiais e simbólicas da vida humana não forem levadas em conta conjuntamente. a falta de moradia. orientado pelo modo ser de existência e não apenas pelo modo ter. que superaram as fomes básicas. estresse desembocam no consumo crescente de medicamentos.tiverem um ambição pessoal ou coletiva -. A renúncia à fome A consciência das próprias carências impulsiona em direção à satisfação delas. o desafio é o depauperamento existencial aprofundado pejo modo de vid a urbano. Para criar uma cumplicidade utópica com o mundo é necessário trabalho conjunto. A esperança. esqueço tudo. usuário de drogas. conicid e com essa perspectiva: "As pessoas deveriam saber que é muito mais chique não fumar maconha. o único meio é não se drogar Droga é a coisa mais anti-revolucionária que existe. você está deixando tudo isso passar. Pertence a cada um e a todos essa luta em direção à libertação. idéias novas". penso só em ficar mais calmo". a utopia reduz a uma alucinação. Se a pessoas realmente quis erem fazer alguma coisa . A humanidade precisa do necessário também para compreender os mecanismos da existência para realizar-se como presença ativa no mund o. de mudar a estrutura. essa perspectiva do devir humano se realiza na ação." Pagina 39 Banho de cultura Para fazer uma goma no espianto. Já que a realidade não se reduz à forma como se apresenta. não tem grampo pra gambé. tira os problemas que você tem. de você mais tranqüilo. Nos Pagina 37 países subdesenvolvidos. A capacidade de projetar pode ser dissipada quando condições sociais reduzem as pe rspectivas humanas."A droga deixa eve. o analfabeti smo esmagam populações inteiras. o desemprego. traz utopia. move-se em direção ao futuro. interno de uma clínica para recuperação de drogados. Exemplo disso é o depoimento acima. Nele. As abordagens indiretas do problema das drogas toca m profundamente suas contradições o que pode levar à sua superação (ver capítulo 5). De cara cheia ou maconhado. Rebeldia não é uma mudança. A revolução é algo mais distante. as práticas sobre prevenção correm o risco de esvaziar-se. deve-se em conta que o mundo das droga s pertence a um campo semântico marginal. multi e interdiscipli nar. traz esperança. do que entrar nessa onda. à possibilidade de ser s ujeito. ao anunciar o que pode vir a ser. opõe-se àquilo que n o presente é empobrecedor e opressor. você se sente mais l nos problemas. míope. herói com dupla identidade nascido num certo plane ta Kripton. o indivíduo busca conciliar-se consigo. Os heróis. surgem outras necessidades que ampliam o conceito de cultura. um assalto à noite. pois é marcada pelo conjunto da cultura a que pertence. Heróis portadores de superpoderes fazem as vezes dessa força externa ao indivíduo. Os indivíduos que não fazem história nem realizam sua condição humana e cultural. Da transformação materi al. isto é. só lhes resta ansiar por super poderes.valores. À força eufórica correspo nde a visão estática da História. da mesma forma se apela para experiências místicas. o indivíduo humaniza-se. Pagina 41 ficcionais. capazes de mudar o rumo da vida de muitos outros homens. Ele é dotado de poderes e de força ilimitados: voa à velocidade da luz. Como o Super-Homem. A cultura é o resultado da transformação da natureza pelo homem. academias esportivas e. O mundo dos dependentes de droga s não é equilibrado. é embaraçado.são imprescindíveis para o enfoque educacional dado ao problema. Ora. Assim acontece com o espinafre do Popeye. portanto agente de transformações. À força viva corresponde a visão do humano. te m suas frustrações. a responsabilidade social. transf erem-na para o superdotados que fazem a transformação no lugar deles.a força viva e a força eufórica. produto e produtor da História.roubo. Esta característica é que permite às pessoas se identificarem com os heróis. através da rede simbólica que uma cultura expressa. Já a experiência da transcendência permite expressar as necessidades e desejos numa obra cultural. diferindo-a do mundo prático e imediato e abrindo o caminho do possível. Assi m como se recorre a heróis. o assalto ao status quo. é capaz de p erfurar montanhas. São pessoas extraordinárias. drogas. Uma vez acomodadas em sua fragilidade. O desenvolvimento do indivíduo . Essa dinâmica entre potência e impotência aponta para a conjugação de duas forças . a espada do He-Man ou roupas especiais de vários outros. A inteligência simbólica opera uma mudança qualitativa na realidade. estruturado ou linear. a direção política e o direito à produção da cultura por todos os não-dominantes" 2. tenta resgatar os elos perdidos de si mesmo através de variados derivativos. possibilitando à humanidade crescer e vivenciar a satisfação de saber disso. A transcendência integra um projeto de participação tanto individual como social. sair sem usar droga. transpõe a barreira do tempo.. bastam aditivos para neles brot arem superpoderes. Já a outra identidade do Super-Homem é comum: Clark Kent trabalha. Pelo contrário. de transcender a vivenciar uma . Se eu fumar um charuto de maconha. forma-se como personalidade social na relação entre su a individualidade e a sociedade. Dedica sua vida à luta contra o Mal. O indivíduo procurará satisfazer suas necessidades no interior dessa d inâmica histórico-sócio-cultural. mas delega essa capacidade para uma força exterior a ela. TRANSPORTE PARA A PLENITUDE Num mundo em que o progresso "seqüestra a identidade pessoal. na qual a humanidade não atua como sujeito. A Pagina 40 condição humana se realiza ao longo de um "banho de cultura". que liberam a bravura e preservam a identida de. uma superaudição. em convulsão. possui visão de raios X. visão de mundo e modelos de realização pesso al . exibe inteligência mediana e sofre por um amor não correspondido. passam a ser considerados senhores todopoderosos.. nenhum policial me prende". é turbulento. complexos de inferioridade. presentes em todas as sociedades. Vários heróis nem precisaram vir de outros mundos. É frágil e padece as conseqüências de sua f ragilidade. através das noções de inteligência simbólica e transcendência. Todas são possibilidades de alterar a percepção de s i e do mundo circundante. dá azar na certa. traço distintivo da sua condição. A história superpoder é a história da impotência e a sociedade que endeusa os heróis é a sociedade do s despossuídos. 56/7 Pagina 42 aventura que o cotidiano não proporciona. para demonstrá-lo. através dele. o cenário de utopia negativa acerca de um futuro longínquo. Esse super-homem ________________________ 3. provocava certo mal-est ar. ele parece compartilhar a idéia do menor rua. Até pouco tempo atrás. ser superior. atingir objetivos. O oficial revela que. os soldados tomavam drogas pare suportar o caos O uso excessivo de m . os comandos de várias cores e os cartéis de todas as latitudes. Revista Veja n. desde a primeira dose. nos países em desenvolvimento e nos industrializados. Infelizmente. O CALDO DAS DROGAS Os problemas advindos do uso e do abuso de drogas lícitas e ilícitas vêm afetando cr ianças. que mais e scraviza do que liberta. são a droga da Pagina 44 pobreza. ou apenas `comum' como o Clark Kent das revistas em quadrinhos. a cocaína costuma ser apresentada como "ferramenta de traba lho do executivo". Assim: 1. essa situação transpôs os mundo novo da ficção. o processo de trabalho desumaniza. desapropriandoo em duplo sentido: de si mesmo. Aí estão. Em várias reportagens. ansioso inseguro . por e xemplo. como em todas as guerras. fazendo-o perder auto-domínio. 925. Quando. que não se apresenta va como perspective oferecida pela sociedade. Os solventes. Isso se explica pelo fato de que o trabalho é a realiza humana pois. Na Guerra do Vietnã. se transforma no super-homem de seu próprios sonhos". Pagina 43 Artificial acaba por não resgatar o homem e aprofunda o sub-homem. constituindo uma ameaça para a saúde populações e prejudicando a estabilidade econômica e mesmo política das nações. nunca mais "pulou limpo". Ao fazer tal afirmação. Essa droga é usada para aumentar a produtividade e também aliviar a tensão derivada do excesso de trabalho. ao procurar artifícios o ser humano não vive sua humanidade e sim sua de sumanidade. 3 O caso de um oficial militar. o profissional que se sente cansado. as sociedades contemporâneas já oferecem um prazer breve e destruidor da vida humana.2.. é apresentado: "Vinte anos após ter inger ido a primeira dose para afastar o medo de dar seu primeiro salto como aluno da Brigada Pára-Quedista. da sua produção. o indivíduo se autoproduz. Através do "admirável mundo novo das drogas". Droga e sociedade A droga não é fenômeno isolado. Marilena Chauí (1988. traçado em obras como Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley. Para ambos é preciso recorrer ao estímulo artificial para levar vant agem. jovens e adultos de todas as classes sociais.. Neste sentido as drogas são um veículo para realizar a "viagem" a momentos de plenitude ou destemor. para quem "sair de cara é zica na certa". que se dependente de um estímulo exterior e resulta numa obra mutilada. p. ao invés de humanizar. atraente e decidido" . tomar decisões rápidas e eficientes. Numa dessas reportagens foi traçad o um paralelo entre a transformação induzida pela cocaína e o super-herói: "Em pouco mais de dez minutos. em Brasília. As drogas precisam ser pensadas nessa perspectiva no conjunto das relações que as envolvem. Para cada tipo de situação-problema há uma droga correspondente. o problema das drogas apóia-se na equação "produto/ personal idade/ momento sócio cultural". Os hippies usavam alucinógenos pare encontrar o sonho. Lembrando Olievenstein. ainda usa cocaína para desempenhar tarefas que consider a audaciosas e para potencializar seus dons de homem forte. mas é reflexo daquilo que a sociedade produz. legalizado e socialmente aceito. nos treinamentos para resposta imediata. 45 e a sociedade promove o movimento cada vez mais acelerado. Droga e Violência A palavra "violência" é usualmente cercada de um significado negativo. mas seguramente traz os Pagina 46 elementos que favorecem a emergência de uma indústria sólida e até institucionalmente am parada. na música d e Vinicius de Moraes: "Hay dias que no sé lo que se pasa/ eu abro meu Neruda e apago o sol) misturo poesia com cachaça e acabo discutindo o futebol. a máquina. em que correr é condição de realização. O álcool é difundid o no mundo inteiro. a força moral a sacralidade.ainda se inscrevem no horizonte como possibilidades mas não são vividas na realidade. tudo isso leva à necessidade de renovação permanente. A palavra inglesa spe ed. Pag. Essa questão terá tratamento mais detalhado no próximo capítulo. A crise em si não é responsável pelo surgimento do fenômeno das drogas em escala planetária. Mas ela pos sui sentido duplo.edicamentos é a droga dos que não conseguem dormir. a justiça nas relações . esportes radicais. Mas será que isso resulta em transformação? Depois de tanta aceleração talvez cheguemos a concluir que não saímos do lugar.procura fórmulas químicas. Ela obriga a responder às questões colocadas . Com a fragment ação da consciência. 2. por exemplo. a eme rgência de uma verdadeira indústria do narcotráfico. o gesto rápido. o relógio. "Estar parado" significa não produzir. Mas. na leitura dinâmica. que significa "velocidade". fru to da ação produtora de valores. E que precisamos de um calmante. o ser humano não conseguiu atingir a maioridade e co nquistar um sentido mais totalizante para a vida. Alucinógenos (LSD e mescalina) e mesmo estimulantes (cocaína e anfetaminas) constitu em uma tentativa exílio da Rzão para propiciar o delírio da imaginação. é característica de uma fase recente do desenvol vimento capitalista. dos angustiados. tenho o meu violão". o transporte. essa tendência se aprofunda nos testes de múltipla escolha. é usada na gíria para descrever uma sensação provocada pelas drogas sendo também sinônimo delas. Ela imprime à vida um ritmo . academias para movimentar o corpo. Em educ ação. merecendo uma revisão do conceito de crise no âmbito mundial. As drogas se situam num contexto sócio-econômico que ultrapassa as esferas naciona is em crise. Aumento do ritmo de produção. Evidentemente. sustentada por uma produção e um consumo com crescimento estável. A violência negativa animaliza e se caracteriza pela força a repressão não questiona a não propicia crescimento. imposta pela velocidade.. a violência positiva humaniza. A aut oridade da Razão e organizar o mundo produziu o outro lado do espelho: servidão.. mas não te m nada não. enfim .o homo estilhaçado . para se sentir capaz de acompanha r o ritmo vertiginoso. o que ressalta a dimensão econômica e política da questão. o mundo dos efeitos especiai s. Esta é uma das milhares de combinações possíveis do tripé "produto/ personalidade/ momento sócio-cultural". videogames e parques de diversões eletrônicos). fast-food. O fenômeno da droga desenvolve-se na passagem de uma sociedade de abundância para uma sociedade em crise. lazer de velocidade (jogos. Esse imperativo altera a sensibilidade e produz um novo quadro. da vida e do conhecimento esse novo homem . Num mundo ordenado com precisão matemática. A felicidade. satélites de comunicações. vitaminas milagrosas. A tendência a compensar os conflitos mediante o apelo a derivativos está retratada. A droga é apresentada pela sociedade como mediação para as situações ang iantes às quais nem sempre as pessoas respondem. A velocidade é outra característica das sociedades hoje. a problemática das drogas não surgiu nas duas últimas décadas. A mídia interpreta a droga enqu anto busca de um prazer que compensa a existência numa sociedade atravessada pela lógica da dominação. carros mais possa ntes e velozes. o cinema.a esperança de liberação. uma necessidade contínua de movimento. A sociedade ocidental baseia sua visão de homem e mundo no triunfo da Razão. Essa função será cumprida por outros (parentes. Desde quando a criança nasce. o conhecimento do outro. mas está com o mundo. Pensar a educação familiar no sentido de nutrição de valores é pensar as ações dos indivídu reportadas a um Pagina 48 mundo significativo . O outro me obriga a crescer. a ausência de perspe ctiva e de liberdade. A neg ação da vida. Difícil encontrar um culpado. que não anule o in divíduo mas o promova na relação com o outro. é Pagina 47 Uma violência: a dose e a overdose refletem a falta de sentido. Sem o apelo continuo a respostas padronizadas tornamo-nos capazes de exercitar a dúvida e o questionamento. será que vivem uma situação de encontro ou de di spersão? Para que haja o encontro é necessário o diálogo. da alimenta em ser solidária numa situação de doença. de pais que se fecham na dominação e proclamam-se detentores e da verda . Esse é o caminho desejável porque a dinâmica familiar costuma ser diferente. Nesses casos a violência é animalizada. instituições) mas não com a mesma significação social. ou tráfico. Se o cotidiano é violento. Uma primeira pista para a discussão seria perguntar-se se a educação familiar tem si do um processo de nutrição . da saúde. existe uma grande preocupação da família em cuidar da hi giene.por esses valores.proporcionar aconchego. 13 anos. E quando pais e filhos estão em casa. Não sendo provocado pel a violência positiva o dependente de drogas refugia-se no imaginário de outra violência que reforça aquela encontrada no cotidiano e pode levá-lo à morte. Somos c apazes de ser sujeitos. desloca-se a função de pai e mãe . Se os p ais "saem" de casa devido à necessidade de prover o sustento ou conquistar sua independência. a prostituição (como forma de ter acesso à droga). nos depoimento s dos dependentes. para descobrir possíveis encaminhamentos. Esse modo plural de existência se contrapõe ao individualismo egocêntrico e competitivo e implica a visão de homem qu e não só está inserido no mundo.. referente a diversos fatores. Educação voltada para o ter em detrimento do ser. compreensão e segurança. à medida que me questiona e leva a rever meus valores. de tipo: autoritária.dotado de compromisso com a coletividade. uma punição aos pais. Em qualquer âmbito de estudo. para o externo. que se torna vítima. mais do que para o interno. Comportamento s que envolvem desde acidentes nas estradas (causados pelo uso do álcool) até agressão cometida por um indivíduo sob efeito de drogas. 3. Enquanto escolha consciente e livre. sob qualquer forma. o valor potencializa a capacidade crítica pois amadurece nas respostas co tidianas que o indivíduo constrói para os desafios.não no sentido de alimentos. dentre outros. E quando um filho se droga? Que cuidados devem ser dispensados? São questões complexas e não há uma solução definitiva. Christia ne F. se é que existe. que passam sentir culpa. babás. contribuem várias atitudes. a vida química das drogas também o é. A ausência de resposta conclusiva enfatiza a necessidade da discussão e da busca d e uma melhor compreensão do problema. Para a dispersão. Drogas e família A relação entre drogas e família é crucial. Drogada e Prostituta e Kids. mas no sentido global de valores. Muitos comportamentos violentos e delinqüentes são atribuídos às drogas. pois desagrega o indivíduo fazendo-o perder a auto-estima e o cuidado consigo mesm o. Exemplos significativos dessa perda de cuidado são o livro e filme Eu. É comum oferecermos a crianças e jovens uma educação voltada para a aparência das coisas. É certo que existe r esponsabilidades. surge sempre a relação direta entre o indivíduo que usa ou abusa de drogas e a qualidade da dinâmica familiar. Mas há respostas possíveis: o filho drogado poderia encarnar a denúncia de relações familiares deteriorad as. ou uma punição a si mesmo. Dentro desse quadro. 49 * midiática. como se tudo ocorresse apenas com o filho dos outros. no trabalho. novelas. medrosa. Eles dizem saber tudo.4 A humanidade contemporânea enfrenta muitas dificuldades para viver e expressar o amor. surge uma síndrome de abstinência que se manifesta sob forma de inquietação. assunto que se estende às conversas pelo telefone. quando se trata de toxicomania. tornando-os por conseqüência.é a única saída. 1985." ( Miltom Greco) A questão do amor envolve pelo menos dois ângulos no que se refere às drogas: o amor vivido na dinâmica familiar e o Pagina 50 amor vivido numa sociedade marcada pela produtividade em que "o sentimento amoro so deve se transformar em valor de troca para se ajustar à sociedade global". ditam modas. nada precisando aprender com os filhos. a "droga eletrônica". revistas. Há uma série de manuais ensinando procedimentos. Olgária Matos. A sociedade atual fala do amor sobretudo através de um grau maior de liberd ade sexual. omissa. 8. p. a televisão estabelece um a não-comunicação no interior da família ao deslocar a atenção do meio familiar para a tela. alteram costumes e padrões de co mportamento. O conteúdo do diálogo familiar são os programas de televisão. Droga e amor "Amai-vos uns aos outros não é mais uma simples mensagem religiosa .de e da experiência. resultante dos meios de comunicação de massa. Da mesma forma que as drogas ilegais provocam uma ilusão momentânea de satisfação ou a lívio. o amor nas nossas sociedades é uma experiência efêmera. Assim. seres insatisfeitos. como encontro. texto mimeografado. apesar das caricaturas e dos paradoxos que o amor vive atualmente el e continua sendo. na praia. o amor não é veiculo como uma relação entre sujeit os. o "não ter o que fazer". 5. Droga e personalidade Perguntar o que leva alguns indivíduos a consumir drogas e outros a não consumir s ignifica verificar como a 4. breve. dirigidos a uma audiência anôni ma. adestrando e/ou instruindo os indivídu os a explorar a genitalidade. Ponto de referência da aventura humana. Imagens mensagens multicoloridas comunicam sentimentos e significados de rápida apreensão. todos se habituam à convivência com uma pseudo-transgressão. anúncios. Pag. A televisão pode ser comparada a uma droga que até cria dependência. inculcam valores. chegando-se a adaptar háb itos à programação. A noção de personalidade coloca-se pa ra os indivíduos sob condições diversas. Quando a televisão é ligada. nesse sentido uma experiência dia-bólica. ultrapassando categorias de classe . 1983. Claude Olivenstein. Fundamenta-se principalmente na televisão e derivados. Quando falta energia elétrica ou o aparelho quebra. de pais que buscam guarida em racionalizações para se esconder de fatos q ue acontecem a seu lado. nas ruas. Pagina 51 noção de personalidade ajuda a esclarecer a questão. porque separa e divide. vídeos.5 5. em que as atitudes ditas escandalosas são mais uma forma de reforço de uma existência sem autenticidade cultivada a querida por essa mesma sociedade que submete os indivíduos. mas como mercadoria a mais que se pode adquirir. Passa-se a viver em função das emoções televisivas. como 0 videocassete e o videogame. acolhida num espaço de intimidade. de quem delega sua responsabilidade a instuições. Entretanto. fugaz. E. "a melhor vacina que se pode u sar". transmitido diariamente por filmes. a falta de companheirismo mas não consolida o rela cionamento. disfarça a solidão. Ao mesmo tempo que comunica idéias e fatos. um mundo de variedades se oferece aos mais diversos g ostos e padrões de estética. está em contato com outras restrições . Em determinado momento. curiosidade 2. "estágio do espelho quebrado" Esta última mediação é particularmente interessante. pressão do grupo social 3. Para o toxicômano. problemas de saúde e falta de perspectiva profissional. A pessoa carente. A criança apercebeu-se de sua personalidade e. sim. Especialistas consideram que a toxicomania pode ter início na infância. Quanto às drogas como alívio do desprazer. i nclusive de alimento. colar o espelho. quando a criança sofre o traumatismo do "estági o do espelho quebrado". diversas mediações . 52 a criança forma junto com a mãe um todo indiferenciado. 6. Quando encontra a droga. no momento em que ele se olha naquele espelho real ou imaginário. nervosismo. revolta.fatores que se mesclam e interpenetram .social. é possível indagar e compreender a realidade da dependência. São pelo menos 12 as mediações do consumo de drogas: 1. a perde. Ao nascer. sob forma de angústia. procura imediata do prazer ou alívio do desprazer 6. . Pagina 53 Freqüentemente a saúde é entendida como oposto de doença ou ausência dela. em países como o Brasil. motivo ou aquilo que determina alguma coisa". deixando de l ado o significado de bem-estar. baixa tolerância a estados de tensão 9.concorrendo para o consumo de drogas. onde parcela sig nificativa da população convive com a miséria. é importante adotar a acepção proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS): "Saúde consiste num estado de completo bem-estar físic o. estágios de desenvolvimento econômico-cultural e formas de organização social e política. estabelecendo suas ligações imediatas e mediatas com a que stão da personalidade. E isso tudo terá repercussão em sua vida emocional. Possui uma etiologia compl exa e a solução não se encontra em nenhum compêndio ou manual. Ao levar em conta as mediações. uso excessivo de medicamentos 10. fascínio por alguma coisa ilegal ou necessidade de transgredir as normas 4. O trauma do "estágio do espelho quebrado" pode ocorrer por diversos motivos: uma criança do sexo não desejado. Há. este se quebra.principalmente quando o desprazer chama-se carência. problemas que poderão ser atenuados pelo uso cada vez mais freqüente de drogas.discriminação. por ser uma tentativa de explicar diretamente a formação da personalidade. problemas familiares 12. não há uma "causa" ou uma "razão pois essas duas palavras sign ificam igualmente "origem. Vai então comer sua vida toda em busca de sua identida de para reunir os pedaços. Aí começa a se formar sua personalidade. inspirações políticas ou movimentos de contracultura 7. mental e social". Com o objetivo de ter uma visão mais abrangente do problema. Pag. um filho não esperado ou uma criança gerada para substituir outra que morreu. procura de novas experiências 5. tudo se passa nu m estágio intermediário entre o estágio do espelho que pode se realizar e um estágio de realização impossível. ao mesmo tempo. esta funciona como uma "cola" para consertar o espelho e ela a utilizará para refazê-lo. a droga é muito usada neste sentido . ampliação do padrão sensorial 8. a cr iança se vê num espelho real (imaginário ou simbólico) e percebe que é diferente de sua mãe. Para o uso de drogas. Droga e saúde A droga não deve ser vista como um vírus ou uma bactéria. falta de religiosidade 11. Quando olhamos para a dependência nas drogas como se fosse uma doença. A droga deve ser vista em relação àquela acepção ampla de saúde. Um xarope contra a tosse. Para se obter a cura. vinculando o nível de saúde de uma população às relações que se estabelecem entre o físico. que leva em con ta legalização. Prevenção. o governo Reagan. pois somente satisfazendo suas necessidades básicas o ser humano poderá desenvolver suas potencialidades mais elaboradas. dentro dessa li nha de pensamento. e as pessoas continuaram a beber da mesma mane ira. o problema das drogas deve ser pensado a partir da equação de Olíevenstein: produto/ personalidade/ momento sócio-cultural. Nos EUA. um colírio. hospedeiro e ambiente revela-se insatisfatório tanto para a compreensão do problema como para o tratamento que se deve dar a ele. os quais. que vigorou nos EU A de 1919 a 1933. da qual a repressão e o combate podem ser componentes. a tuberculose etc. em si mesmos e por sua existência não significam uma droga. não conseguiu eliminar Pag. basta lembrar que a Lei Seca. o vírus ou a bactéria. por exemplo. atribuição das atividades policiais e dos órgãos de repressão. 54 as bebidas alcoólicas . está-se mais ligado ao sentido de prevenção do que ao de combate ou repressão. revelou uma política equivocada na medida e m que isolou a repressão do seu contexto econômico e social. para não cairmos em genera izações simplistas. Partindo-se da conceituação d a OMS para saúde. por ter a intenção de proteger usuários potenciais com uma prática repressiva. combate.Essa visão de saúde considera a pessoa em todas as suas dimensões. pode ser usada como droga ou para fins terapêuticos. tal como se faz com a feb re. en quanto o escopo do combate e da repressão é impugnar. * os aspectos jurídicos traíam de uma parte espinhosa do problema. como o tabaco e o álcool. eliminar as drogas. Portanto. se instalam no hospedeiro. No caso. que tentou reprimir as drogas. ainda mais se levarmos em conta o fato de que os meios de comunicação veiculam uma mensagem indiferenciada para seu público. o ser humano. admitimos que ela pode ser tratada. A prevenção tem relação com o preparo e o modo de ver antecipado. a cautela. Essa concepção baseia-se no raciocínio de agente-hospedeiro-ambiente: o agente é o bacilo. O que qualifica uma substância com o droga é a sua existência ou uso? A morfina. o sarampo.agente. Sendo a droga um conceito que comporte tantas variações. a coqueluche. igualmente necessárias à sua realização. dominar ou extinguir. A não-satisfação ou carência de saúde num desses aspectos afetaria o s demais. Droga é um conceito mutável e de vasta amplitude. repressão Quando se dispõe do significado da questão das drogas para contribuir no cerco do problema. o modelo do tripé . 7. o psíquico e o social. dadas as variações existentes não Pagina 55 Entre países como dentro de um mesmo país. o procedimento é eliminar o agente. A prevenção deve inscrever-se no quadro de uma política global contra o abuso de droga s. que é vasto e diferen ciado. d ependendo das condições do ambiente.o agente -. Ë difícil pensar em medidas de repressão universalmente aplicáveis. compreender os direitos em relação à saúde é possibilitar uma perspectiva digna de realizar condições de vida. * as campanhas de informação mostram o quanto é duvidoso que a informação modifique o co mportamento. . Ao eliminar as drogas ilegais tudo ficaria resolvido? E o que fazer com as leg ais. sabidamente muito ofensivas à saúde? Para ver que eliminar o agente não é suficiente. Prevenção e repressão colocam em pauta problema s complexos: * a estratégia do medo compreende uma idéia preventiva. pelo modo aterrorizante de exacerbar os malefícios da droga. mas pode vir a adquirir essa condição desde que o medicamento seja desviado de seu uso terapêutico. num processo de salarização contínuo e sus tentado. ao passo que em 1975 este número passou a 80. pressupõe uma integração frutífera entre as formas de produção capitalista e as normas de co nsumo. viáveis graças às for mas institucionais (a intervenção do Estado) que asseguraram uma divisão harmônica da produtividade entre lucro e salários. Só assim haverá melhor compreensão para que a ação se realize de forma competente e compromissada. mas sobretudo de uma modificação do modo de vi da.classificação legal de usuário e traficante. ou "economia paralela".fundador e dono da fábrica de automóveis que leva seu nome . Dito de outra forma. período em que se viveu o auge do "fordismo". como conseqüência. Esse termo refere-se à crença de Henry Ford . de cem pessoas que trabalhavam. o número de professores multiplicou-se por cinco. Durante esses quase 30 anos "gloriosos". por quatro. qu e se multiplica tanto nos países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos. a saída da crise dos anos 30 e em particular o pós-guerra se caracterizaram pela produção e pelo consumo de massas. Portanto. começou a manifestar-se uma no tória incapacidade de manter nível de incorporação progressiva de mão-de-obra e de crescimento econômico. o nível de emprego e de proteção socia conquistados no pós-guerra. ou ainda "economia oculta". o número de engenheiros. Em 1947. Essa economia informal tem origem na incapacidade dos países de manter o nível de crescimento econômico e. A economia das drogas deve ser inserida num contexto bem mais amplo. fortemente vinculada à idéia de welfare state (estado de bem-estar social). apenas 60 eram assalariadas. O baixo crescimento em todos os países Pagina 59 impossibilitou a arrecadação de tributos na proporção da necessidade de gastos (anseios de sociedades mais justas. e estáveis). pois está obrigatoriamente situada nu m contexto sócio-econômico que se encontra acima das esferas nacionais em crise. a população urbana duplicou. específica e isolada. não se tratav a apenas de uma modificação no nível de vida. uma referência às quase três Pagina 58 décadas (de 1945 a 1973) do pós-guerra. A dificuldade em associar a questão das drogas à crise reside no fato de que é muito mais comum a cômodo encarar o problema de forma determinista. os países desenvolvidos conseguiram man ter taxas de crescimento econômico e desenvolvimento social bem superiores às dos períodos precedentes . Todas essas questões necessitam de um amplo debate interdisciplinar e multidisci plinar e do esforço conjunto de todos os segmentos da sociedade. especialização do profissional.a produção industrial multiplicou-se por quatro.de que os operários seriam seus consumidores. A partir do final dos anos 60 e início dos anos 70. DO FORDISMO AO INFORMALISMO As maiores potências experimentaram no período posterior à Segunda Guerra Mundial aq uilo que alguns autores chamam dos "trinta gloriosos". Esse contexto é o da informalização do trabalho. Todo o sistema de proteção . técnicas de inv estigação etc. A crescente organização sindical e a mobilização da sociedade nas suas mais variadas d imensões solidificaram-se através das formas institucionalizadas capazes de dar estabilidade ao sistema capitalista. Pagina 56 Em Branco Pagina 57 CAPÍTULO 3 O ângulo da Economia A questão das drogas tem uma dimensão econômica. Essa noção. passou a imperar a onda liberal. O mundo desenvol vido. Esta relação deveria. Dentro desse panorama. é mais do que apenas o aumento da inflação e do desemprego. Na medida em que não há compensações do sistema ao tipo de trabalho repetitivo e monótono (crise do welfare s tate). quando o ritmo de crescimento anual de todos os países ultrapassava a marca dos 5% ao ano. torna propícia a proliferação de atividades econômicas informais de produção. .só cresceu a taxas bem modestas. A corrupção. a partir da segunda metade dos anos 70 traçou como meta o desmantela mento dos mecanismos prevalecentes de reprodução social em todos os países desenvolvid os. com exceção do Japão. passa-se a sobrecarregar a sociedade com mais impostos e encargos sociais.e a atividades domésticas. que atinge certos indivíduos ou grupos sociais mais frágeis. A precarização das condições de vida e de trabalho. A economia oculta está à solta. incapaz de financiar seu crescimento. o ac irramento do individualismo e a incapacidade do sistema de técnicas de dar respostas satisfatórias para o crescimento econômico. mantém-se intransigente na sua relação com os devedores do Terceiro Mundo. por seu turno. no entanto. de mo do a assegurar maior fôlego ao funcionamento do sistema. O reflexo dessa tendência na sociedade é a desagregação. falências e demissões. Os modos de vida e as técnicas de produção estão sob ameaça. Decerto não s e trata da crise do welfare state. Sobretudo pelo insucesso das políticas liberais em recuperar a capacidade de cre scimento do sistema e reduzir o nível de desemprego. mostraram-se impossibilitados de pagar suas dívidas. no entanto. O desemprego nos países desenvolvidos quadruplicou do início ao final da década de 70. o desemprego permanente. A crise. amparadas nos esquemas de previdência e seguridade social não tinham mais como ser financiadas. numa crise financeira sem precedentes. empregos p ertencentes a um amplo setor terciário a terceirização . que repercutem nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. acaba integrando-se dinamicamente à mecânica do sistema econômico. Alguns pesquisadores ressaltam a importância de se desenvolver uma "nova economi a política" que trate diferentemente o fenômeno da economia paralela. o Brasil entre eles.a grandeza que mede o conjunto do que é produzido num ano graças ao trabalho remunerado . nascida para questiona r a capacidade do Estado de assegurar a reprodução social.social dos países desenvolvidos foi colocado em xeque na medida em que as conquist as sociais. mas em ampla medida o problema do endividamento externo decorre de ambas as crises. resultado da crise econômica. se é que cresceu. Situação bem diferente daquela dos anos 50 e 60. comercialização e consumo de drogas. tampouco do fordismo. que hoje presenciamos. O liberalismo. O bloco em desenvolvimento passou a ser expo rtador de capitais para o mundo desenvolvido. Constata-se a proliferação de empregos precários em empresas de subcontratação. que crescia a 10%. Pagina 61 A ECONOMIA OCULTA E AS DROGAS A informalização das atividades econômicas raramente é associada à questão das drogas enqu anto atividade econômica. A degenerescência do sistema econômico. Esses países. estar visceralmento presente em toda análise do problema. e em que o crescimento não financia mais o desgaste do progresso. A crise nos países em desenvolvimento tem origens diferentes da dos países desenvolvidos. dando flexibilidade ao sistema. A crise atinge os mecanismos de crescimento econômico que. não há dúvidas quanto ao impacto econômico e social das profundas transformações vividas pelos países desenvolvidos a par tir da segunda metade dos anos 70. O Produto Interno Bruto (PIB) . seja ele qual for. reduzindo drasticamente a rigidez que a grande maioria das sociedades construiu durante os "trinta gloriosos". Essa dinâmica de estagnação implicou o fechamento de empresas. A crise acabou por atingir mais duramente os países em desenvolvimento onde se a creditava poder imitar o crescimento Pagina 60 do Japão. afetam a coesão do conjunto das regras sociais. a comercialização de objeto roubados. pagando todos os tributos embutidos no preço. seja porque são fraudulentas ou ilegais por natureza. Como são atividades que utilizam recursos financeiros e geram rendas. uma simbiose de Pagina 62 interesses complementares entre a economia paralela e a economia oficial. a repercussão seria um aumento imediato do PIB. mesmo que não fossem coibidas pela polícia o Pagina 63 pelo fisco. É como se este precisasse. o setor das drogas tem efeitos multiplicadores num âmbito econômico mais amplo ao abso rver mão-de-obra. Assim como as drogas. Assim. quanto na ponta da produção industrial. A indústria das drogas tanto é uma atividade capitalista como as outras que insere no preço final de seu produto um percentual de risco. dos vendedores de jornal na rua. dos vendedores de bilhetes de loteria. em alguns setores. contribuem para aumentar a demanda por numerário na Economia. De todo modo. a prostit uição. que passou a considerar nas estatísticas oficiais uma série de atividades informais (exceto drogas. ou algum outro produto químico relevante na fabricação da cocaína para consumo urbano. já que passaria a incluir a economia oculta. com raras exceções não deixariam de existir. "quanto maior o risco maior o lucro de uma transação". a economia informal convive harmonicament e com a economia formal que.por exemplo. em geral feitas em dinheiro. que se insere na economia paralela. já é encarada como pré-condição para o fu ncionamento de determinadas engrenagens do sistema econômico. A droga se insere na categoria de indústria de transformação como qualquer outra indústria química e dispõe de fornecedores localizados no terreno formal da economia. as práticas enquadradas na economia informal passam a fazer parte das vária s formas de reprodução social. depende da outra para sobreviver. O risco. São faces de uma mesma moeda. portanto. Nos países em desenvolvimento. À parte o julgamento moral da questão. caso específico de drogas que sofrem algum tip o de transformação. as drogas constituem uma atividade capitali sta normal. na qual há uma integração oficiosa com o setor formal da economia . Desse modo. a corrupção de funcionários públicos são atividades que. a conseqüentemente mensuráveis. permitindo a reprodução social de famílias que participam do consumo de outros bens ou mercadorias. seja ele qual for é estimulado na atividade capitalista. Há. o jogo do bicho a agiotagem. desse elemento "dinamizador" na geração de valores. resultando num a umento tão significativo do PIB que fez o país superar a Inglaterra nesse indicador. elas dão ori gem ao setor oculto da economia. inclusive os funcionários públicos. especialmente a partir da segunda metade dos anos 70. em harmonia com culturas alimentares que utilizam insumos e trabalho legalmente remunerado e registrado. dos camelôs que em grande parte comercia lizam produtos manufaturados. por exemplo. taxa de risco não é privilégio de negócios li gados ao narcotráfico: existe uma lei econômica que assegura que. os processos de "ajustamento" do endividamento exter no atingiram frontalmente os salários e as condições de vida das camadas mais carentes da população. seja por motivos sócio-econômicos. Desta forma. em determinadas dimensões e esferas. por se tratar de um comércio considerado ilícito ou imoral. os jogos de azar. é adquirida normalmente no merca do de bens. Estimativas feitas nos EUA indicam que a economia informal representa de 6% a 8% do PIB daquele país. A acetona. É o caso. Às pessoas que passam a dispor de menos .tanto na ponta da produção agrícola da coca ou da maconha. por exemplo. Se os recursos oriun dos dessas atividades ilícitas fossem considerados lícitos de uma hora para outra. Tais atividades. evidentemente). ou mesmo dos trabalhadores autônomos que produzem parcela expressiva da produção das indústrias de calçados ou de confecções. A corrupção e toda a economia paralela estariam tão intrinsecament e relacionadas à dinâmica capitalista a ponto de esta não poder prescindir delas. Foi o que ocorreu na contabilidade nacional da Itália. do c ontrabandista ou do traficante de drogas está intrinsecamente relacionado à reprodução social possível numa sociedade que não dispõe de mecanismos formais/institucionais que contribuam para sua estabilidade econômica. O formal e o informal também neste caso atuam conjuntamente. Da mesma forma. O desenvolvimento da produção e da comercialização de drogas nos países em desenvolvimen to é reflexo da forma de penetração e desenvolvimento do capitalismo nesses países. Neste contexto. Este capítulo aborda a relação entre toxicomania e comportamento dependente. São as formas possíveis. Pagina 64 Num contexto de crise. portanto. q ue engloba e transcende aquela. Aqueles que detêm uma parcela de poder . A análise . Entre os funcionários públicos há muitos cujo salário não é de forma alguma a principal fo nte de rendimentos. do voluntarismo político dos dirigentes de um país. b) completar o rendimento de forma ilícita. do despachante. Se fosse assim. por exemplo. ilicitamente. em que a criação de empregos produtivos é cada vez mais reduz ida. seria proibida com êxito mediante decreto toda atividade informal no Brasil. Enfatizar o comportamento dependente e não as drogas em si é buscar a dinâmica exist ente entre a experiência individual e social. de reprodução social que permitem a ampliação do canais de circulação do chamado "ato ilícito".ou simplesmente não existem em Pagina 65 países em desenvolvimento ou. o trabalho do biscateiro. Não é o emprego oficial que recebe a energia físi ca e criadora de uma enorme parcela dos funcionários. O consumo. c) diminuir o consumo de produtos essenciais. assumindo outro s trabalhos em tempo parcial. Este. Só se permitiria o trabalho assalariado com carteira assinada e todas as garantias sociais e o trabalho autônomo/temporário com toda proteção legal. só se permanece no emprego por causa da assistência médica. cresce a partir de uma rede de distribuição ampliada e con comitantemente à evolução dos meios de difusão de comunicação seletivos. Para compreender seu significado precisamos de informações e classificações das drogas mas também compreender esses dados dentro da dinâmica cultural para que a s drogas não sejam encerradas numa conceituação estática. Não dependem. permite avançar na compreensão das politoxicomanias como um fenômeno característico das sociedades contemporâneas. por sua vez. as duas últimas possibilidades acabam prevalecendo. existentes.dinheiro só restam as seguintes alternativas: a) completar de maneira lícita o rendimento mensal. é superar a abordagem descritiva das drogas para captar de forma analítica os aspectos imediatos e mediatos dos pro cessos e das relações mais abrangentes das drogas em nossa sociedade. A remuneração extra-oficial é já inerente à dinâmica capitalista em determinad os espaços econômicos em que a rigidez institucional é só figuração. Na realidade. as atividades comerciais ou de intermediação privada assumem uma relevância notável. Pagina 66 Em Branco Pagina 67 CAPÍTULO 4 O ângulo da dependência A dependência de drogas tornou-se um fenômeno complexo nas sociedades contemporâneas . da aposentadoria. não dão garantias de estabilização ao processo d e reprodução social. particularmente os alimentos.mesmo que seja a identificação de um formulário adequado a pree ncher autorizando alguma coisa acabam muitas vezes remunerados informalmente. do intermediário. se existem. Ocorre que as formas institucionais que atenuam o peso de atividades ocultas entre elas a produção e comercialização de alucinógenos . provoca alterações no funcionamento orgânico". na Primeira e na Se gunda Guerra Mundial. contudo. pessoas e situações que constituem um campo de relações q ue interagem. inalada. Entre várias drogas. C. o indivíduo precisa encontra r segurança de outras maneiras. injetada ou ingerida. Pagina 68 Ao falar em dependência de drogas. o sono e a fome.um devir continuo entre objetos. utiliz am-se do charuto e da aguardente. eles usavam intensamente as anfetaminas para combater o cansaço. A morfina er a utilizada mais para diminuição da dor física. M. busca oferecer uma abordagem do ser humano e das contradições que engendram a dependência. mas tão-somente explorá-los para compreender sua dinâmica. O relacionamento entre o indivíduo e as drogas sofre modificações segundo a natureza. Cabe pergunt ar: "O que é dependência?". militar.religioso.do comportamento dependente e sua relação com o social. Referências a seu uso são encontradas no Gênesis (30. medicinal. mas permanece ligada a ela por longo tempo. é mais conhecido. deparamo-nos com vários problemas. Dexamil e Benzedrina. Warlher. Antes do Vietnã. 13) e na peça teatral do mesmo nome. Essa ligação dá ao indivíduo segurança e identificação. Ao nascer. Ao se libertar dela. Diferentes. A ceri mônia ritual da missa consagra como corpo e sangue de Cristo a materialidade do pão e do vinho. Pagina 70 Um caso específico é ilustrativo das conseqüências do uso de drogas no contexto milita r. efeitos narcótico . a criança separa-se biolo gicamente da mãe. DEPENDÊNCIA HISTÓRICA O ser humano mostra desde tempos remotos uma relação . elas não pretendem tipificar a toxicomania ou o comportamento dependen te. É-lhe inerente e se refere à situ ação que marca a história do indivíduo desde o nascimento. Manuscritos egípcios falam do uso do ópio no ano 6. a intensidade e as exigências sócio-culturais. Eram os "comprimidos de energia". planta da família das solanáceas.com as drogas Pagina 69 aqui entendidas como "todo tipo de substância que. citado em longa reportagem sobre o trabalho do fotógrafo Antonin . o uso de drogas por soldados na Guerra do Vietnã. Os rituais afro-brasileiros. a dependência é um dado intrínseco da condição humana. Há quatro maneiras de interpretar a dependência: no entanto. por ser mais recente e mais divulgado. A droga foi e é usada em diferentes contextos . como Perventin. No entanto. econômico. no Cântico dos Cânticos (7. a dependência ontológica compreende também as várias formas de dependência q ue mantemos na vida cotidiana enquanto interação e alteridade . Há muito tempo se atribuíam à mandrágora. a intensidade e as exigências sócio-culturais. essa definição nos coloca diante da extensão em que somos consumidores de drogas como o álcool. afrodisíacos e de combate à esterilidade. poluentes. tab aco. são a s formas de dependência que se desenvolvem em relação às drogas e variam segundo a natureza. como a macumba e o candomblé. Estud os arqueológicos detectam o uso de veneno em pontas de flechas no período paleolítico. As cerimônias indígenas usam certas drogas aceitas na tribo. os EUA e a Alemanha já davam às suas tropas drogas estimulantes. DEPENDÊNCIA ONTOLÓGICA A dependência ontológica é aquela que todo ser possui. medicamentos etc.de uso e não de envolvimento abusivo . Assim. O uso do álcool na forma de vinho se faz presente desde os tempos bíblicos. No contexto militar. países como a Inglaterra. fatos. de Maquiavel. caracterizada primeiramente pela dependência em relação aos pais. Esta forma de dependência não causa prejuízos ao individuo. Muitos dos soldados que sobreviveram à guerra acabaram expostos à dependência de drogas. 14 15). juntamente com as profundas conseqüências que acarreta para o indivíduo. Apesar de ser ampla.000 a. O que animava os primeiros estudos sobre alucinógenos. a cocaína eram substâncias as sociadas aos mais diversos tipos de transgressões. a cânfora. A venda do ópio tornou-se. junho de 1976. Outro exemplo demonstra o envolvimento histórico entre drogas e a Economia. o ópio. No ou tono.tal como um microscópio . entretanto. a crianças de berço. Viv ia numa carroça coberta e desde 1967 não conseguia mais se movimentar.Kratochvil 6 acerca de "monstros de circo". a mulher barbada. e o vinho passava a fazer parte das refeições operárias.a Guerra do Ópio. segun do Watts e Huxley. era a exp loração Pagina 72 dos potenciais de consciência diversos da consciência racional. por organizações de vida comunitária. O doping. uma vez que as mães necessitavam estar fora de casa a tra balho por um longo período. envolve o aspecto econômico. proibida pelo imperador chinês. foram sugadas por um movimento social que questio nava as convenções e os valores vigentes e se manifestava pela música. pelo misticismo. Os alucinógenos. 28. cidade única no mundo onde pessoa s como o homem-pingüim. Dura nte a Revolução Industrial. a morfina. de 1840 a 1842. 50 anos depois. Nessa época o país era líder do consumo mundial de álcool: o número de tabernas e cabarés aumentava consideravelmen te. Os ocidentais venceram e ainda conquistaram direitos adicionais sobre Hong Kong. usou freqüentemente as drogas. o tabaco. um ponto importante d o equilíbrio financeiro do Império Britânico. passou vários problemas afetivos e psi cológicos durante a Guerra da Coréia. conhecidas como fin de siècle. portanto. Em conseqüência começou a se drogar e a comer incessantemente. o láudano. mas de outra ordem e natureza. p. DEPENDÊNCIA SACRAMENTAL PROFANA Este tipo de dependência remete à utilização do meio químico das drogas alucinógenas. Aí se coloca de novo em pauta o problema do super-homem: p ara dar o máximo de si. que detonou uma guerra contra a China para impor seus interesses comerciais . um lugar de tranqüilidade longe dos olhares das "pessoas normais". Warlher voltava para Gibsontown. os de Aldous Huxley e Allan Watts.° 105. Esse novo estilo insólito não se reduzia apenas aos sinai s . O álcool. comumente conhecida por "bênção de mãe". Um caso ainda mais conhecido. Essa substância. especialmente o rock. Tais experiências. Os britânicos detinham o lucrativo monopólio do comércio do ópio produzido na Índia. O grande exército que a bombardeava e enfrentava era composto por jovens de cabelos compridos. era dada às crianças em grande doses. pelo espírito de rebeldia . como o laudanum.das áreas enevoadas da consciência. especialmente nas décadas de 1880 e 1890. aumentando de maneira ilícita e duvidosa seu rendimento. Na primeira metade do século passado. o absinto. A cidadezinha foi o refúgio do ex-co mbatente. consiste na ad ministração de uma substância química com o intuito de aumentar de forma artificial o rendimento do atleta. a ponto de ter sido o homem mais gordo do mundo. roupas extravagantes e coloridas. Pagina 71 era freqüente ministrarem-se substâncias entorpecentes.vinham-se instalando desde 1924. Revista Photo n. hábitos e costumes da época. como os de William James. porque a droga se espa lhava como epidemia. A França do fim do século XIX. funcionariam como um instrumento de ampliação . o engolidor de espadas os monstros do circ o em geral . o haxixe. Todo verão ele era exibido em circos itinerantes e em festas de várias cidades dos EUA. que ocupa preocupação de destaque nos círculos desportivos. a Grã-Bretanha exigia a liberação da importação do ópio pela China. Haverlock Ellis e. A sociedade industrial era o foco de contestação. com 534kg. na Flórida. é necessário recorrer a algo que está fora do indivíduo. trad uzido especialmente na experiência psicodélica dos movimentos de contracultura e na vivência da experiência da droga enquanto descobertas místicas. 6. o homem continua buscando o mistério. confrontava-se com o poder das baionetas. Os novos deuses dessa sociedade propunham no seu catecismo os mandamentos da r acionalidade. . O real não é mais real. Sugere outra leitura e linguagem. Entre os personagens principais desse movimento. Questionada. comemorada. torturas. A ciência já explicou o mundo. Possibilita experimentar um religamento. ou pelo menos tentando. A religião é envolta de mistérios. desejada e exaltada por ter aberto espaços sensoriais infinit os. O "barato" abre as po rtas da percepção. A "droga-sacramento" o transcende. Timothy Leary destacou-se com o pregador e profeta do culto psicodélico. Mas. mas como um fim em si mesmo. os jovens não tinham r azões existenciais para defender uma ordem assepticamente artificial: Era preciso recusar com energia todos os meios de destruição que o saber colocou a serviço do pode r. ao passo que à ciência cabe desocultar. 1979. Vozes. segundo Leary. junto com o desaparecimento de Deus. discriminação racial. afetivo. E isso acontece não só entre as classes pobres o u nas zonas rurais. O teólogo Rubem Alves7 observa que. apontando-nos um mundo fragmentado onde o "sacramento químico" daria acesso ao poder de imaginação. O poder dos jovens. A droga assume então o papel de sacramento (8). Usar tóxicos. a religião pe rmanece nos dias de hoje como se fosse o resíduo de um mundo mágico que não tivesse atingido sua maioridade. uma nova ordem em que previsto e acontecido se adequam. Não apresenta raciocínios demonstrativo s que constituam uma argumentação nem pretende convencer . A "religião da cultura das drogas" replicaria que a racionalidade científica tapou nossa possibilidade exploratória do possível. Herdeiros de uma hi stória de dominação.apenas celebra seus próprios rituais. uma nova visão de mundo. Pagina 73 A intensa utopia contracultural da década de 60 não se concretizou. era o rito sagr ado de uma nova era. revestindo-se de uma aura religiosa e teorizando sobre a utilização das drogas. guerras. desvendar o mistério. O Enigma da Religião. A própria aparência dos jovens era uma canção de protesto corporal contra a assepsia dominante. o problema das drogas intensificou-se . de uma história que não era limpa. se ja familiar ou profissional. 7. evoca outra realidade. era necessário protestar contra a sociedade de consumo e o homem-mercadoria. eram jovens de altas e médias camadas dos grandes centros urbanos que propunham novas formas de existênci a social. a sociedade industrial abafou o movimento de recusa e negação ao seu estilo de vida. dando-lhe novo s ignificado à imagem e semelhança da imaginação disponível durante a "viagem". campos de concentração. amor e flor. com o avanço da ciência. realidade como sol enidade. Não era uma juventude que c ontestava por melhores condições materiais de existência. Desta forma. as explicações religiosas t ornaram-se aos poucos dispensáveis. mas nos mais diferentes estratos de nossa sociedade e nos grandes centros urbanos. Ao possibilitar a libertação do esmagamento cotidiano. Se a contestação social e seus desdobramentos significativos foram sufocados. que vincula as drogas ao contexto religioso. armados de imaginação e de um ideário de paz. seja emocional. Petrópolis.aparentes. a droga leva-nos a habitar outro mundo. mas cheia de manchas. Rompendo com a racionalidade institucionalizada.agora não mais posto como expansão da consciência. assis timos ao surgimento de vários deuses. enfim. Pagina 74 É interessante notar que o ponto de vista de Rubem Alves encontra apoio na propo sição de Timothy Leary. como se fosse um conjunto de manifestações exóticas. o real é sonho. instaurando. Um exemplo disso é o interesse que as filosofias orientais despertam nos jovens. Cabe perguntar se o fenômeno da "cultura das drogas" não se insere no quadro dos fenômenos religiosos. o momento místico-religioso escapa dessa ordem previsível. mas pretendia estabele cer uma nova ordem. Apesar de liberto da tutela metafísica e relig iosa. podemos ver as drogas como substâncias químicas que. a droga não vai mais ocupar o espaço do protesto ou da possibilidade de uma antítese. afetam as funções psíquicas. compartilham ou comungam uma experiência com um gru po. mas deseja ingressar n o mundo das mercadorias múltiplas que estão à sua disposição . Aqui. Petrópolis. o indivíduo não aspira a alternativas de vida. atuando no sistema -------------8. As falsas necessidades imposta s por essa sociedade de massa constituem um dos mais perigosos narcóticos da cultu ra contemporânea: o fetiche da mercadoria. As cidades. as praias. as ruas. vale salientar. não a vêem através das explicações que iência põe ao nosso alcance. ela ultrapassa e transcende o mundo exterior.esta se realiza também como encontro. DEPENDÊNCIA DA ANTI-NEGAÇÃO Se a droga é usada num contexto de negação e transgressão dos valores vigentes. expressando a visão sacramental na experiência comunitária. os transportes. mas porque o consu midor de massa não atua neste cenário como sujeito da transformação histórica. Os teóricos da utilização da droga como sacramento. podendo conduzir até à morte. Não porque elas tenham desaparecido. O cientista debruça-se sobre a droga para classificá-la em diferentes grupos. Pagina 75 nervoso central. despertar a dimen são sacramental presente nas coisas do cotidiano mas adormecida neste mundo técnico-ci entífico. Consulte a este respeito Leonardo Boff. cria sistemas de nomenclaturas químicas. a posologia etc. devaneio. os t eatros. do toco de cigarro. Ela faz parte de um ritual. discute os principais efeitos. a quantidade converte-se em qualidade e em estilo de vida. 1986. no estág io atual de desenvolvimento da sociedade. Nesse sentido. tudo é transferido para a esfera do consumo. apenas durante eles. Nessa sociedade e cultura. Os sujei tos são vistos como consumidores agrupados por faixas salariais e etárias. sendo o atestado radical da ruptura deste consigo mesmo enquanto sujeito. Por mais mérito que o objetivo tenha. Boff procura. Pelo lado de fora. comprova a desumanização do ser humano. Sonho. Não existem classes antagônicas. A sociedade de massa possui características próprias: a aglomeração. Vozes. Ela vem para preencher o vaz io. E. No nosso século predomina uma característica marcante: o fenômeno das massas. ao abordar tal dependência. A dependência sacramental profana é um ponto importante para entender as drogas no âmbito do seu universo simbólico. . alucinações visuais ou experiência de transcendência do cotidiano que nessa visão interior encontra singularidade . Nesse sentido. Por ex emplo. temos no Brasil a seita religiosa do Santo Daime que se utiliza da hoasca ou ayahuasca. o cheio e a multidão. expressa outra realidade . devem-se ressaltar as desordens físicas e psicológicas graves que acarreta. levanto algumas premiss as: a sociedade de hoje é uma sociedade de massa que desenvolve um comportamento Pagina 76 de dependências crescentes. Ele retoma a dimensão sacramental da vida a partir da análise de coisas simples como o sacramento da caneca. apresentando-se como um elo falso da recup eração dessa identidade. do pão. Por isso. Mas não se de ve entender esse conceito como quantitativo. Esta n ova forma de vida coletiva engendra um novo tipo: o homem-massa. podendo levar o indivíduo a politoxicomanias. os bares.bens padronizados para satisfazer a necessidades também padronizadas. Os Sacramentos da Vida e a Vida dos Sacramentos. os cinemas. Nesta obra. os hábitos de vestir e de lazer são perpassados por um tipo genérico de indivíduo que respira com os demais o ar de semelhança. da casa etc.o "barato". Aqueles que a usam ou abusam no sentido religioso-sacramental.a qual se revela através da percepção exacerbada pela droga. econômica e social é o comportamento depend ente manifestado no álcool. Pagina 78 OS CALMANTES DA DESOLAÇÃO As drogas contemporâneas podem ser obtidas principalmente a partir de: 1. no tabaco. 2. a dívida externa. fontes clandestinas. as obras faraônicas. a corrupção. 3. relaxar. digerir. solventes orgânicos.O indivíduo abandona-se como ser de objetos.. álcool. que geralmente não precisam de processamento: o cogumelo. que se realiza nas aparências do mundo prático-utilitário. Assim como liberdade. a felicidade. as enchentes diluvianas. vivemos há várias décadas em desolação. A alimentação. dizia antiga publicidade que marcou toda uma geração. uma calça jeans e uma camiseta são coisas triviais: mas o distanciamento ante elas mostra o quanto uma peça de tecido passa por uma re-significação. do fumo e de bebidas. A liberdade é um fim universal que expressa a busca e as lutas que o homem travo u na história para conquistá-la. Essas fontes só encontram solo fértil para disseminar suas múltiplas drogas num cont exto social em que o sentido da vida esteja comprometido em várias instâncias. o lazer não são incorporados na vida cotidiana como necessidades comuns por atender. o desemprego. A antítese não pode manifes tar-se. tudo transfigurando o sentido da dimen . comer. bolinkas. nos medicamentos. segurança e inserção num grupo. Os crimes de colarinho branco. em que não há espaço para o novo porqu e este representa um risco. a dependência é a anti-negação. utilizando-a como instrumento par a produção e consumo. parar de comer. A atitude fetichizada. Nas sociedades de hoje vemos a promoção e o desenvolvimento do comportamento pluri dependente. processo revestido de invisibilidade e que vai além da significação imediata: O tecido ultrapas sa seu sentido ao passar e representar status. no carnaval. Pag. colírios. No Brasil. "Liberdade é uma calça velha azul e desbotada". química. À primeira Pagina 77 vista. o que compromete sua liberdade. Diariamente flagramos essa situação nos jornais. Para que essas necessidades sejam satisfeitas. a macro e a micro-impunidade. a mendicância visível das esquinas e dos ambulantes. para a potência sexual e o intestino funcionar. na música e nos noticiários. nas discotecas. o déficit público. xaropes antitussígenos.. apatia e crise moral. tabaco. a seca nunca solucionada. Apesar de muito movimento e de um ritmo dinâmico. o líri o. Trata-se de uma sociedade uniforme e homogênea. o qual abrange desde funções orgânicàs até emocionais. O universal e o particular unem-se de forma falsa. A contrapartida de tanta desori entação. não emancipa o homem e não cria condições de uma reapropriação crítica do real. oferecendo alguma substância química substitutiva e correspondente. as usinas nucleares. a sexualidade só interessam enquanto mercadorias rentáveis. a deterioração da urbana. reprime a liberdade e a transforma em conceito estático. Elas colocam no mercado calmantes de todos os tipos. Tudo deve permanecer no mesmo lugar. o desmatamento e a poluição inconseqüentes. fontes industriais oficiais e que necessitam de processamento. que constituem a poderosa indústria do narcotráfico. é preciso recor rer a uma mercadoria fetichizada. a não resolvida questão agrária. folhas de coca e a maconha. 79 ansiedade. fonte vegetal. par a viver a ilusória liberdade de escolher entre uma complexa e variada gama de merc adorias que reforçam os aparatos de repressão e de controle sobre sua vida. o amor. nada se transforma. o ves tuário. a permanente ameaça da inflação. acordar. nos modernos parques de diversões. os m enores abandonados e infratores. Para tudo há uma droga: para dormir. a crescente criminalidade. política. A sociedade de massa elimina a busca. Nesse sentido. O dever universal da liberdade particulariz a-se numa mercadoria específica. À ditadura militar sucedeu um autoritar ismo que não imprimiu nova qualidade nos rumos da sociedade. Nesta catego ria incluem-se as indústrias farmacêutica. "Abuso" é mau uso. OS SIGNIFICADOS DA DEPENDÊNCIA A Organização Mundial da Saúde introduziu o termo "dependência" como conceito que unif . Quando se fala do abuso e da dependência de drogas. inteligência. Oferece-nos conhecimentos a vivências negativas e es táticas. tudo isso de forma abusiva. sucesso. uma boa idéia" . Há um solo resultanto da dinâmica entre indivíduo e sociedade que pode levá-lo a trabalhar. emerge de múltiplas mediações sociais e pessoais. Os conhecimentos negativos são estáticos. Pag. o álcool. o qual leva à dependência. é bom". Apesar de sua nocividade. "Melhoral é melhor e não faz mal". virilidade e segurança. mais na acepção de harmonia do que no sentido positivista de estado Pag. a vitamina dos campeões". um raro prazer". Quando todo o problema da dependên cia é focalizado na droga. "Carlton. É possível participar dos valores veiculados me diante a posse de produtos que propiciam a fuga do sofrimento. O comportamento pluridependente é portanto uma experiência dialética que comporta em seu movimento os momentos de relação entre o produto. o que configura um comport amento dependente. pode não sê-lo em outro. O comportam ento de dependências invade a vida numa sociedade que oferece respostas prontas a perguntas que não foram feitas. emoção pra valer"." A sociedade de massas instaura uma ética e uma pedagogia de dependências em que o fetiche satisfaz mais que o produto ao prometer emoções. que deixa de ser fruição para se reforçar como tédio. O comportamento depend ente funciona aí como uma espécie de resposta. tome um Dreher". 81 tome Orloff". inexistiria comportamento de dependência. a decisão inteligente". da monotonia e das contrariedades. "Tomou Doril. "Ao sucesso com Hollywood". refirome a um contexto que antecede a dependência e prepara o campo para esta. A forma como as drogas são encaradas mostra os valores desta sociedade. Drogas legais e ilegais cruzam-se nesse caminho. "Vitasay. "Camel. que é reprimido num determinado contexto. fala-se de uma realidade já instituída e de indivíduos que necessitam de cura. O comportamento dependente deve ser visto multid isciplinarmente. a beber Coca-Cola. "Coca-Cola. no entanto. Há pontos de vista que. um mesmo produto. "Cynar. Tal abordagem questiona a droga e o comportamento a ditivo em seu significado mais íntimo. colocamo-nos na posição de descrever. é uso excessivo e inconveniente. A droga é vista em sua imanência. de forma direta ou indireta. Vale dizer que é um tipo de resposta que pode levar o indivíduo a um processo de poliintoxicação. Se a somatória é um abuso. Estes são construtivos. A educação que nos invade a vida é um processo de nutrição de valores. Pode tanto utiliz ar-se de conhecimentos negativos quanto de conhecimentos positivos. Este. sabor de aventura. a jogar. Viver é aprender. levam a crer que. ausência da dor. porque ninguém escapa da educação. O comportamento de dependências crescentes é fundamental para entender o fenômeno em si. contra o desgaste da v ida moderna". dinâmicos e criativos e se obtêm quando conseguimos perguntar sobre as coisas e formular uma resposta. a roer unhas. aprender é viver. então ela se instaura como ruptura do equilíbrio. toma Velho Barreiro".são lúdica. classificar e analisar substâncias e seus efeitos. A ruptura da harmonia ou do equilíbrio revela-nos a importân cia da reflexão e ação pedagógica. Não é toda d roga que é reprimida. a dor sumiu". na medida em que a resposta chega antes de a pergunta ser formulada. "Galaxy. "Pense em você amanhã. se não houv esse a droga. e quem sabe. a estudar. 80 invariável ou sem oscilações. Ao falar de c omportamento dependente. "Se é Bayer. A dependência única inicial p repara a escalada para outros produtos. o tabaco e outr os há longa data detonam um bombardeio cotidiano: "Deu duro. a personalidade (na dimensão individual e social) e o contexto histórico. "Quem toma sabe. Esse tipo de aprendizagem leva o homem à perda do humano. "Caninha 51. "O importante é ter Charm". Estas duas vertentes partem da resposta dada a uma mesma pergunta: "Qual a rai z do problema?". centrada fundamentalmente nas drog as. A info rmação pode despertar o fascínio pelas drogas quando apresentada como uma aventura . vício adquire uma acepção positiva em expressões como "vício pelo trabalho". na verdade. Uma campanha típica da abordagem direta apresentava a palavra "DROGAS". veiculadas na televisão. invariavelmente. Elas geralmente levam em conta a necessidade de regrar o comportamento. o uso corriqueiro de "vício" ou "viciado" traz uma concepção pejorativa. Pag. no entanto. sem dispensá-la. esse conceito é insatisfatório. Por outro lado. que se alic erça em diferentes visões de homem e de mundo. exaltam-se os aspectos benéficos do trabalho e do estudo. ou seja. Preso à classificação e desc rição farmacológica das drogas. Em cima dela. Ao falar do viciado. "Minha mãe sempre comprava livros sobre drogas e tentava me informar. dando uma informação direta. é aquele que não se compatibil iza com as aspirações da sociedade em que está inserido. no sentido de uma dependência passiva para satisfazer um a necessidade ou de vínculo a uma necessidade perniciosa. em maiúsculas e com grossas letras pretas. "vício pelo est udo" etc. 82 CAPÍTULO 5 O Ângulo da Educação Ocampo das drogas é complexo por ser pluridimensional. Um viciado. "vício" pode também significar a paixão pelo jogo. Há duas grandes vertentes n a abordagem do problema das drogas: a direta. impregnada de diversos valores a respeito da pessoa. danoso. Subjacente à conceituação farmacológica ex ste uma condição humana que se realiza em determinado tempo e lugar com a mediação da cultura. centrada em múltiplas mediações. Quando e como se deve intervir é uma delas. a indireta. camisetas. Geralmente. Outra compreensão de vício encontra-se no campo farmacológico. 83 ABORDAGEM DIRETA As campanhas de prevenção ao uso de drogas. cont a um jovem internado numa clínica de recuperação. outras dimensões e abordagens. Tanto o silêncio quanto a informação mal orientada podem ter lados negativos. O fenômeno da dependência. do dependente. 84 mim". Acho que u m dos motivos que me levou a usar drogas foi o tanto que a minha mãe falava". portanto. pelo fogo (piromania) e também a dependência compulsiva de uma determinada droga. fa la-se de um sujeito que se vicia. É comum encará-la como vício. não excludentes mas fundam entalmente coexistentes .um mundo de significados que ultrapassa a esfera da classificação da farmacologia. Nestes casos. do grupo ou do comportamen to. a partir do aparecimento de sintomas físicos provocados pela abstinência. O vício é algo ruim. Esse fenômeno possui. impulso neurótico pelo furto (cleptom ania).gosto mais de Pag. dessa resposta. A informação direta sobre as drogas tem suscitado muitas questões. o carimbo da decisão tomada em letras vermelhas: "tô fora . do drogado. Em sentido mais amplo. possui várias interpretações. que se droga: Um sujeito que faz e é feito. Pag. Ele é identificado a pa rtir de sintomas durante e após a suspensão da droga. pois deixa de esclarecer vários problemas. O encaminhamento depende. shop ping centers ou igrejas costumam ser um bom exemplo da abordagem centrada nas drogas. incisiva sobre drogas.ica as várias tentativas de definir a questão. Tais recursos ilustram a e stratégia do medo. estimulando certos jovens a bu scar novos horizontes através da droga. livre e responsável. ainda. os especialistas torcem o nariz para campanhas veiculadas nos meios de comunicação. a estratégia do medo não é uma abordagem pedagogicamente construtiva. Pag. que a considera como perigosa e estimulante e também pode levar ao silêncio. que pressupõe autonomia e portanto é uma ação ou co mportamento consciente. mesmo quando a onde há informação. A gente conversa va muito sobre essas coisas num âmbito cultural e sobre tudo que saía em jornais e revi stas. caveiras. O controle expressa-se de dentro para fora. não se deve caminhar pelos extremos. a falta dela também pode levar à impotência. é a repressiva. "Estou numa floresta de cogumelos". e o material que eu encontrasse eu lia". qualquer coisa. A abordagem direta. que se utilizam de uma abordagem direta e atingem ao mesmo tempo uma gama enorme de pessoas de variadas formações e classes sociais. Por isso. Em primeiro lugar. Surge outra questão: "Será que a informação é capaz de mudar o comportamento?". "Eu adoraria deixá-lo ligado". 85 notar que o problema aparece. por m ais que leia a respeito. dizendo que a droga é uma coisa em que entrar é fácil e o difícil é sair". recomendada por alguns dependentes: * "Acho que deviam mostrar um drogado para as pessoas. * "Deviam fazer uma palestra. que procura impor uma norma exterior para o in terior do sujeito. que falavam a respeito. continuo usando". out ros viciados. Na informação sobre drogas. As maneiras de se dirigir a pais. É bem provável que. as músicas dos Beatles. É preciso tar atento a várias facetas para que a informação não se dê pelos extremos e seja o mais eficaz possível.não pode ser dado da mesma forma para públicos diferentes. as pessoas se afastariam dela. outro viciado internado numa clínica: "Eu já tinha lido sobre drogas e tinha contato com outras pessoas. Ed ucar pelo medo significa mobilizar ações e comportamentos através de um juízo de valor que pretende substituir a atração pela repulsa. Se a informação não é todo-poderosa. pode ser mal recebida. adolescentes e professores são fundamentalmente diversas tanto na linguagem quanto na abordagem. Responde outro jovem também internado numa clínica de recuperação: "Se a pessoa está a fim de usar drogas. na verdade não se reprime. pôr medo nos jovens. Tenta reprimir o desejo o q ual. centrada nas drogas. o entendimento de que todos os problemas se resolveriam com informações sérias. Narravam os fatos com parcialidade. sem dizer se era bom ou ruim. Um extremo é o otimis mo da informação. F azer um debate. Não adianta ninguém ficar falando em volta.informação . cárceres. Assim. ao contrário da repressão. mas um drogado mesmo. 86 No entanto. o esclarecimento . Outra variação da abordagem direta. Acredita-se que. mas cruzaa com a estratégia do medo. mas se controla. Era um assunto que me interessava muito.perigosa e. Basta Pag. essa investida desconsider a a capacidade individual de controle. Ou. como a da campanha mencionada. eles estejam atestando sua dificuldade de exercer um autocon trole livre. enfatizando os aspectos negativos das drogas. trabalha não só com a variante da informação. As viagens. científicas. ou o Rick Wakeman. uma explicação". Outro extremo é o pessi mismo da informação. artigos e ilustrações sobre o tema que utilizam imagens distorcidas. bem-intencionadas. ela usa. pessoas com uma tarja negra sobre os olhos. O exemplo m aior dessa atitude foi dado pelo governo de Ronald Reagan que deu uma cartada . quando os próprios dependentes sugerem a estratégia do medo. neste sentido. Eu. Daí existirem liv ros. depois do programa educativo. a distribuição e o consumo de drog as ilícitas. essa linha de atuação desenvolve-se no combate às drogas em si. o que fazer com a produção. é falha a avaliação desses programas. Sem dúvida. ainda restariam as drogas vegetais.de milhões de dólares e forçou o exército da Bolívia a acabar com os traficantes ali insta lados. Os alunos parecem não reter os conhecimentos debatidos ao longo do currículo. com a criação de centros de informação. centrada nas drogas. Por outro lado. na vertente q ue trata de forma indireta o problema das drogas. Apesar de todas as evidências. nos filmes e nas mús . É nela que a educação pode ser feita de forma abrangente. a presença do uso de drogas nos programas de televisão. deixando de lado a realidade do comportamento dependen te e da prevenção. A educação sobre drogas já ocorre sob a forma de inserção no currículo. ele tem necessariamente de ser encarado sob outro ângulo entre os bolivianos. * medidas sociais preventivas. sociológico. não são no geral anim adoras quanto aos resultados obtidos pelos programas de prevenção do uso de drogas. Não se sabe ao menos se os que eram usuários de drogas estavam. 87 industrializadas. o maior inimigo de qualquer desses programas é a torrente de "propaganda" sobre drogas feita fora da escola: a influência de amigos e colega s. 88 A abordagem pedagógica no campo da dependência é perfeitamente possível. Como eliminar. Insucesso total. é preciso levar em consideração medidas em vários planos: * medidas legislativas. a abordagem indireta supõe a relação entre os vários aspectos que a droga envolve e tem como fundamento a "ed ucabilidade do ser humano". como a Organização Mundial da Saúde. essa conduta emerge do modo de tratar o problema. etc. nenhuma delas é fácil de implementar. permanece acesa a idéia de que a extinção das drogas faria com que não mais existissem também os que se drogam. Os norteamericanos erraram ao encarar o problema das drogas só pela ótica policial. apes ar de todo o cuidado dos educadores e dos especialistas envolvidos em preparar os programas. a demanda por cogumelo? Apesar de vários organismos internacionais. mesmo que fosse viável varrer do mapa as drogas Pag. esquecendo-se do contexto econômico e social. Como não e xistem soluções mágicas. a influência da família.). bem poucos programas são avaliados e seu acompanhamento é feito num períod o de tempo insuficiente para que se obtenham resultados palpáveis. As pesquisas. con sumindo menos drogas e se os não-usuários haviam passado a consumir drogas. psicológico. O pressuposto da atitude repressiva é que o problema se resolverá se o produto for eliminado ou se sua oferta for diminuída. de modo a fundamentar todo o conhecimento. Pag. estar em preocupados com a questão do uso indevido de drogas e apresentarem propostas de "medidas rigorosas" para combatê-lo. Na Bo lívia há pelo menos 300 mil pessoas que vivem de plantar e colher coca. Assim. Então. orientação e aconse lhamento. independentemente da área específica de atuação profissional. ABORDAGEM INDIRETA Enquanto a abordagem direta. que existém às centenas. Por mais grave que seja o problema nos EUA. como as mencionadas por Margaret Sheppard (9). * medidas científicas: pesquisas aprofundadas em cada campo de conhecimento que envolva o assunto (sanitário. epidemiológico. que levam da mesma maneira à dependência e à overdose. como regulamentar a publicidade. procura tratar de forma espe cífica noções relativas à natureza e à utilização das drogas. a venda e a taxação de drogas lícitas (tabaco e álcool). No entanto. por exemplo. Os defe nsores dessa tese insistem em ignorar que. 90 Outros folhetos dirigem a atenção para a farmacinha de remédio que temos em casa e m esmo para o comportamento de automedicação que daí pode emergir. "Drug abuse prevention education: what is realistic for schools?". Dessa forma. dos Estados Unidos. caminhar. 89 Isso não significa. É preciso. nem se tenta eliminar a oferta. portanto. portanto. familiares . O mesm o acontece no folheto do Comitê Nacional de Defesa contra o Alcoolismo. reco rrer não só a especialistas em educação como também a especialistas nos diversos campos afins. Se. no qual uma maçã de rosto saudável bebe água. terem os os problemas já apontados. por toda a vida escolar do aluno. A segunda é a escola. andar de bicicleta. por exemplo. Especialistas de variadas áreas são unânimes em concordar em que a primeira instituição que marca uma criança por toda a vida é a família. Mas. fazendo frente ao pseudoesclarecimento das campanhas direta s. ouvir música. A escola tem uma função muito especial. que tais campanhas devam ou possam ser abolid as. perigo atômico. se desenvolver um programa na disciplina de Ecologia Médica que discute problemas de poluição. se poderá dar um esclarecimento melhor sobre o fenômeno das drogas. elegermos a informação como forma única de atuação. Como afirma um dos folhetos: "Se os pais não ajudarem seus filhos a tolerar a menor deonça. Mas é uma tarefa necessária. inclusive as veiculadas pela televisão. necessariamente. Não há. econômicos. porque a escola pode ter uma atuação significativa na prevenção do abuso de drogas. Outra variação da abordagem indireta trata da qualidade de vida . Não é uma tarefa fácil para a escola. à estratégia do medo. 9. uma vez que a criança pode apresentar um sintoma aparente de dor de cabeça ou mal-estar que na verdade pode ser reflexo da tensão dec orrente de uma lição de casa. a ponto de na França. cantar. de senhar. por exemplo. o que conse guirão tolerar mais tarde?". que contemple a maioria dos fatores envolvidos e seja multidisciplinar. pondo em prática um program a de orientação abrangente. Mas não são. leite e suco de frutas. Várias campanhas já utilizaram esse enfoque. mas sim que se ponha em prática ao mesmo tempo uma pedagogia que dê aos jovens uma capacidade de crítica diante do problema das drogas e também diante dos próprios m eios de comunicação. os programas de educação devem propic iar essa capacidade crítica levando em consideração fatores . barulho. e t ambém continuado. de um irmão que nasceu etc. As campanhas indiretas também aconselham a consultar o médico e sugerem a qualidad e de vida em termos afetivos. Isso é pura realidade no Brasil. drogas. nadar. Quando tomadas isoladamente. ou não fazer nada". Exatamente por isso é necessário insistir em programas escolares que levem em cont a a abordagem indireta. A automedicação e a hipocondria podem parecer problemas de segunda categoria. onde a indústria farmacêutica vendeu na década de 80 mais medicamentos que em qualquer outro país do mundo. extensivo.a que procura ex plorar alternativas melhores e mais saudáveis. ou de forma excludente. que já se vê espremida pelo tempo para cumprir os programas disciplinares. dançar.sociais.que contribuem para a existência do problema. se pensarmos de forma menos fragmentada . deixam transparecer muito mais seus limites do que suas possibilidades. crime pior do que deixar ao abandono o sistema escolar. Pag. Pag. Não se recorre à informação. sentir cheiros. jogar. da França.icas. Um folheto veiculado pela Associação Americana do Câncer. Ambos pod em ser um efeito colateral da crise que os países atravessam. Além de conterem mais do que a simples informação. parte da existência do cigarro e oferece 12 alternativas de c oisas melhores para fazer do que fumar: "Pular. Essas abordagens revelam formas de pensar a educação. in Journal of Drug Education. por exemplo. no sentido de estar integrado às áreas de conhecimento. Ministério d a Justiça. Maria Helena Pires. 1987. DPF. Filosofando: Introd ução à Filosofia. Assim. Como a sociedade não é homogênea nem unânime. As Drogas e a Vida . Petrópolis.. Étienne. mimeografado. Graal. Rio de Janeiro . A verdade sobre as drogas. Por isso. BELLINI. "Drogas. "La Prévention de la Toxicomanie Est-Elle Utopique?". até a estratégia repressiva poderia ser redimensionada como um limite . Leonardo. UÉducation et les Drogues: Prévenir. 1988. mimeografado. Lire la crise. No entanto. O importante é convergir todos os esforços para a Pag. BRUNSWIC. 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Report "( Educacao) - Cleide R Silverio - Drogas Uma Abordagem Educacional"