Edgar Morin

March 29, 2018 | Author: Gonzalo CN | Category: Homo Sapiens, Science, Martin Heidegger, Complexity, Knowledge


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O Método5. A humanidade da humanidade Edgar Morin O Método 5. A humanidade da humanidade A identidade humana TRADUÇÃO DE JUREMIR MACHADO DA SILVA 5a edição . com. Av. Pinto CRB 10/1204 M858m Morin. 5a edição — Porto Alegre : Sulina.Ciências Sociais 3.Sociologia do Conhecimento I. Juremir Machado da II. 440 cj. / Edgar Morin .br e-mail: sulina@editorasulina. Osvaldo Aranha.Silva. trad.editorasulina. 309 p. 2012. 2002 Tradução: Juremir Machado da Silva Capa: Eduardo Miotto Foto contracapa: Ana Cláudia Rodrigues Projeto gráfico e editoração: Daniel Ferreira da Silva Revisão: Matheus Gazzola Tussi Editor: Luis Gomes Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária Responsável: Ginamara Lima J.Título CDD:301-21 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA MERIDIONAL LTDA. Edgar O método 5:a humanidade da humanidade.Antropologia Filosófica 2. ISBN: 978. 2001 © Editora Meridional. Juremir Machado da Silva. 101 Cep: 90035-190 Porto Alegre-RS Tel: (0xx51) 3311-4082 Fax: (0xx51) 3264-4194 www.Título original: La méthode 5.br {Abril/2012} IMPRESSO NO BRASIL/PRINTED IN BRAZIL . L’ humanitéde l’humanité © Editions du Seuil.com.85-205-0308-9 1. contou com a ajuda do Ministério francês das Relações Exteriores. de l’Ambassade de France au Brésil et de la Maison de France de Rio de Janeiro. beneficie du soutien du Ministère français des Affaires Etrangères.” “Este livro.“Cet ouvrage. publicado no âmbito do Programa de Apoio à Publicação. publié dans le cadre du programme d’aide à la publication.” . da Embaixada da França no Brasil e da Maison de France no Rio de Janeiro. . Christiane Peyron-Bonjan e Alfredo Pena Vega. amigo fiel e leitor atento.Agradecimentos A Jean-Louis Le Moigne. cujo apoio foi indispensável para a finalização desta obra. cuidadosamente. as melhores condições de residência e de amizade para que eu terminasse a redação deste livro. Jean Tellez. pontos obscuros. foram-me tão úteis. conferiu as referências bibliográficas. cuja contribuição pertinente e devotada ajudou-me na revisão. leitores atentos e críticos das minhas primeiras versões. cujas objeções. Catherine Loridant. problemas. Agradeço a Pierre Bergé. . queridos amigos que ofereceram. e que. na bibliografia e no índice de definições. Agradeço também a JeanClaude Guillebaud pela leitura crítica do texto final. cujas leituras minuciosas assinalaram-me erros. Maurice Botton e Charlotte Bonello. em Sitges. com frequência aceitas. Minha assistente. . 53 A solda epistemológica.Sumário Preliminares. O enraizamento biológico. 31 2. 35 A humanidade da linguagem. 40 A grande evidência: racionalidade e técnica. 21 A trindade humana 1. 42 Magia. 55 PRIMEIRA PARTE . 36 A revolução mental. 43 A noosfera. 27 II. rito e sacrifício. 40 A abertura ao mundo. A grande decolagem: a hominização. 38 O eros. A humanidade da humanidade. 41 A evidência velada: o imaginário e o mito. 51 A inseparabilidade. 51 Indivíduo/sociedade/espécie. A trindade humana. Do enraizamento cósmico à emergência humana. 29 III. 44 A humanidade e a desumanidade da morte. 25 I. O enraizamento cósmico. 15 Nota sobre os problemas bibliográficos. 35 A segunda natureza. 46 Além das raízes. 48 3. 25 Natureza e destino cosmofísico do humano. O uno múltiplo: unidade diversidade. 86 A unidade plural da identidade pessoal. 88 Papéis de vida. 81 2. 86 Multiplicidades e dualidades internas. 59 II. 58 A identidade humana comum. 93 O cosmo secreto. A unidade genérica. 73 1.4. 87 As duplicações e multipersonalidades. 80 Sujeito engraçado. 77 A sujeição. 93 O Eu contínuo e o Ego descontínuo. A diversidade infinita. vida de teatro. 79 O objetivo do subjetivo. 82 O paradoxo do feminino/masculino: a dualidade mais e menos profunda. 74 A relação com o outro. A identidade polimorfa. 85 A dualidade interior. O âmago do sujeito. O uno múltiplo. 59 A unidade humana diante da morte. 62 O grande paradoxo. 61 III. 61 A unidade cultural e sociológica. 56 I. mimese. 79 O sujeito e a morte. 82 Os paradoxos da idade. 65 A identidade individual Introdução. 90 As cavernas interiores. 94 SEGUNDA PARTE . 96 I. afetividade e mito. 143 O pacto surrealista.3. 126 5. 109 4. 129 Homo consumans. 140 6. Além da razão e da loucura. 135 Homo complexus. Espírito e consciência. Poderes e fraquezas da consciência. O complexo de Adão. 106 O espírito criador. 117 A afetividade. Poderes e fraquezas do espírito. 123 A dialógica racionalidade. 145 A cooperação realista. 132 O estado poético. 124 O gênio e o crime. 129 Homo ludens. 102 O pensamento duplo. 96 O cérebro e o computador. 148 As duas vontades de domínio. 115 Homo demens. 152 Oásis?. A realidade suportável. 142 O compromisso “neurótico. 153 Conclusão. 130 A realidade do imaginário. 97 O pensamento uno e plural. 108 II. Sapiens-demens. 96 O erro é humano. 125 O circuito sapiens demens. 155 . oposição e dialógica dos dois pensamentos. 103 Unidade. 120 A trindade psíquica. 131 O estado estético. 104 As aventuras do espírito. encruzilhada. 107 A alma. As grandes identidades 1. 193 Os dez preceitos do complexo social. 167 Organização sexual da sociedade Organização social da sexualidade. 180 O Estado civilizador. 163 O núcleo arcaico. 210 O jogo do devir. 222 Fim ou recomeço. 213 O mito. 224 TERCEIRA PARTE . 183 As estruturas da megamáquina. 199 3. 187 A espontaneidade eco-organizadora. 217 O jogo duplo da história. agente da história. 163 Cultura: o patrimônio organizador. A identidade histórica. A identidade social (1): o núcleo arcaico. 203 O acontecimento. 165 Indivíduos sociedade. 215 A hipótese do progresso. 181 A civilização democrática. A identidade social (2): Leviatã. 171 Novo curso?. 182 A megamáquina. 174 2. 220 O revelador histórico. 192 O Estado-nação moderno. 212 A técnica. 177 O despotismo. agente da história. 197 O ser do terceiro tipo. 202 A avalancha histórica. 170 Família. amor e ódio. 176 O Estado dominador. 206 Os pilotos e os inspiradores. 208 O jogo do devir: do desvio à tendência. 226 Trocas e comunicações. Rumo a uma sociedade-mundo?. 270 A influência sociológica. Rumo às metamáquinas. 248 O controle da mente pela mente: cérebro-piano. 236 As grandes carências. 267 O império do meio. 253 Metamorfose. 272 A influência da história. A identidade futura. O futuro da identidade humana: meta-humanidade. 242 5. 229 A segunda hélice. demasiado super-humano. 258 O complexo humano 1. A identidade planetária. 277 QUARTA PARTE . 277 A influência das ideias. 228 O indivíduo hologramático. 269 O império dos genes. 249 Rumo à demortalidade?. 225 I. 244 I. 241 O avanço à sombra da morte. 239 III. Despertos e sonâmbulos. 256 A outra via. 226 A primeira hélice. 246 II. super-humanidade?. 250 Meta-humano. 235 Rumo ao Leviatã planetário. 231 II. 255 A mente todo-poderosa e frágil. A dupla hélice da era planetária.4. 252 Mortal amortalidade. 238 A comunidade de destino. 225 A grande diáspora. 245 A alternativa. A incerteza do caos. A segunda pré-história. 287 A existência. 287 I. 295 Definições. 290 III. O mistério humano. 279 A máquina não trivial. Retorno ao original. 279 As liberdades do espírito. 289 II. 283 Entre vigília e sonambulismo. O retorno ao homem “genérico”. 297 . 284 2. O complexo humano.Os caminhos da liberdade. 282 Possessão. 293 IV. Descartes A adequação do método analítico é inversamente proporcional à complexidade estudada. Marc Bloch Trata-se de ensinar a humanidade à humanidade. Woçjciechowski Uma palavra ilumina a minha pesquisa: compreender. elas estão todas unidas e dependem umas das outras. que monstro. Quem resolverá essa confusão? Pascal Cada homem carrega a forma inteira da condição humana.Preliminares Que quimera é. depositário do verdadeiro. Ortega y Gasset Se alguém quer realmente buscar a verdade. que caos. Rodrigo de Zayas 15 . não deve escolher uma ciência particular. então. verme imbecil. cloaca da incerteza e do erro. que prodígio! Juiz de todas as coisas. glória e dejeto do universo. Montaigne O homem compõe-se do que tem e do que lhe falta. que objeto de contradição. o homem? Que novidade. Ao desintegrar o homem. Assim. entretanto. A era estruturalista transformou esse obstáculo em virtude e Lévi-Strauss pôde até mesmo enunciar que o objetivo das ciências humanas não era revelar o homem. menos compreendemos o ser humano. Ausente das ciências do mundo físico (embora também seja uma máquina térmica). mais por malciência do que por ignorância. Mas esses focos de luz estão separados por profundas zonas de sombra. o fenômeno humano. Precisamos reaprender a questioná- 16 . sobre nossa matriz terrestre (ciências da Terra). que reinaram nas ciências. entre os dois infinitos (cosmologia.. microfísica). mas dissolvê-lo.EDGAR MORIN Permanecemos um mistério para nós mesmos. separado do mundo vivo (mesmo sendo um animal). Assim.) Nenhuma época conseguiu tornar esse saber tão pronta e facilmente acessível. elimina-se a surpresa e a interrogação sobre a identidade humana. A frase de Pascal. na poesia e na música (linguagem da alma humana). De fato. A contribuição inestimável das ciências não produz os seus frutos: “Nenhuma época acumulou sobre o homem tão numerosos e diversos conhecimentos como a nossa (. dividido em fragmentos isolados. inclusive nas humanas (tornadas assim inumanas) impedem que se pense o humano. é o modo de conhecimento que inibe nossa possibilidade de conceber o complexo humano. é mais do que nunca atual. sobre a origem e a formação da espécie humana (pré-história). sobre nosso enraizamento na vida e na animalidade (biologia). Mas nenhuma época tampouco soube menos o que é o homem” (Heidegger). hoje. citada como epígrafe. sobre nosso enraizamento na biosfera (ecologia) e sobre nosso destino social e histórico. nas ciências humanas. Deram-se.. na pintura e na escultura outras tantas mensagens sobre a profundeza de nossos seres. Daí o paradoxo: quanto mais conhecemos. A convergência necessária das ciências e das humanidades para restituir a condição humana não se realiza. e a unidade complexa da nossa identidade escapa-nos. os princípios da redução e da separação. progressos extraordinários de conhecimento sobre nossa situação no universo. O homem permanece “esse desconhecido”. o homem é. todas as ciências e todas as artes iluminam. a partir de ângulos específicos. Podemos encontrar na literatura. Precisamos de um pensamento que tente juntar e organizar os componentes (biológicos. ao êxtase. Aubier-Montaigne. Significa. Descartes. citada em epígrafe. de uma abordagem existencial aberta à angústia. Paris. Vrin. 1 2 R. o sexo. Para operar o questionamento. o nascimento. reaprender a concepção de “homem genérico”. 17 . a poesia e as artes não são apenas meios de expressão estética. deve-se “acrescentar a luz natural da razão”1. contraditório. à dor. p. A literatura. articulá-los e interpretá-los. Como veremos. o que foi negligenciado por Heidegger. mas também meios de conhecimento.O MÉTODO 5 la. pois “elas estão todas unidas e dependem umas das outras”. a morte. ambivalente. de fato. Não se quer limitar o conhecimento do humano somente às ciências. a psique. é demasiado complexo para os espíritos formados no culto das ideias claras e distintas. conforme a indicação de Descartes. como disse Heidegger. do jovem Marx. 4. nesse sentido. Em consequência. alimentando-a com as descobertas científicas. Precisamos. no sentido do pensamento alemão do século XIX (reflexão filosófica centrada no ser humano). Como dizia Romain Gary. à qual faltava o ser corporal. “escolher uma ciência particular”. in Lettre sur l’humanisme. o termo “humano” é rico. individuais) da complexidade humana e injetar as contribuições científicas na antropologia. Não se trata de somá-los. a juventude. “questionar estilhaça a separação das ciências em disciplinas compartimentadas”. que perpassa toda a sua obra. Heidegger. mas complexificando e aprofundando essa noção. Paris. mas de ligá-los. Não se deve nem mesmo reduzir o humano ao humano. ao gozo. Règles pour la direction de l’esprit. a mulher. Há plena vontade de integrar a reflexão filosófica sobre o ser humano. “a palavra humanidade contém a desumanidade: a desumanidade é uma característica profundamente humana”. a velhice. sociais. Meu empreendimento é concebido como integração reflexiva dos diversos saberes relativos ao ser humano. culturais. Também a integração recíproca da filosofia e da ciência deve ser repensada. M. É preciso não se “pensar muito pobremente a humanidade do homem”2 . 1988. não se deve. 1983. ao mesmo tempo. o amor. a agressão. sociais: todas as variações são significativas. O conhecimento do humano deve ser. muito mais filosófico e. econômicos. da realidade humana. que cada indivíduo singular “carrega a forma inteira da condição humana”. sociológicos. enfim. Jesus e Maomé. com seus documentos humanos que começam há seis milhões de anos. – porque concebe homo não apenas como sapiens. inseparavelmente. e o único que considera possibilidades e limites do conhecimento humano. todas as constantes são fundamentais. mitológicos. 18 . o planeta Terra. o único que olha os pressupostos dos diversos modos de conhecimento. muito mais científico. Os casos extremos. como Buda. faber e economicus. todas as desumanidades são reveladores de humanidade. sociais. – porque concebe. permitem compreender melhor o ser humano. que são físicos. no seu futuro e também na sua finitude. inclusive o seu. Mas todas as verdades adquiridas a partir de fontes objetivas e da fonte subjetiva devem sofrer o exame epistemológico. o genocídio e. O conhecimento que propomos é complexo: – porque reconhece que o sujeito humano estudado está incluído no objeto. como diz Montaigne. ludens e consumans. ele deve estimular cada um. o campo de concentração. culturais. atualmente separados e compartimentados.EDGAR MORIN O conhecimento do homem deve incluir uma parte introspectiva. no tempo e no espaço. o espírito de hipótese e a aceitação da refutabilidade) e as dimensões epistemológica e reflexiva (filosóficas). a unidade e a diversidade humanas. A escravidão. psicológicos. muito mais poético do que é. Hitler e Stalin. na sua totalidade. – porque junta verdades separadas e que se excluem. inclusive o autor destas linhas. – porque concebe toda as dimensões ou aspectos. a verificação dos dados. Seu campo de observação e de reflexão é um laboratório muito amplo. no seu passado. históricos. biológicos. se é verdade. manifestaram-se as constantes e as variações humanas –individuais. ao mesmo tempo. A Terra constitui um laboratório único onde. a encontrar em si verdades de valor universalmente humano. finalmente. – porque alia a dimensão científica (ou seja. mas também como demens. mas de destino. como há 30 anos. ligam antropologia e epistemologia. deixado em repouso durante anos. O paradigma perdido. na era da disseminação nuclear e da degradação da biosfera. e a noção de pensamento complexo se afirma em 1990 (Introdução ao pensamento complexo). em 1972. não na margem toscana. Le vif du sujet. um problema de vida e/ou morte. Tenho 3 Arguments. Faz 30 anos que comecei o trabalho. em Introdução a uma política do homem (1965. tratei dos problemas e do destino da humanidade. Este trabalho também nos liga ao destino da humanidade. que tratam das possibilidades e dos limites do nosso conhecimento. Escrevi O homem e a morte de 1948 a 1951. Para sair do século XX (1981). 1999). n° 18. Efetivamente. inclusive cognitivas: alma. por conta própria. O problema humano. se remetem uma à outra. O Método é elaborado para enfrentar as complexidades. a palavra torna-se essencial em O paradigma perdido. 19 . Paris. não é somente de conhecimento. e 12 anos que abri o canteiro deA Humanidade da humanidade. L’Homme-problème. em Arguments (1960)3. Por que me entreguei a este livro? A obsessão principal da minha obra diz respeito à condição humana. “Fragmentos para uma antropologia”. “Levar a humanidade ao conhecimento das suas próprias realidades complexas é realmente possível. Deixei a O Método e ao seu final um longo tempo de maturação.” Essa frase de Rodrigo de Zayas resume minha intenção. ensaios de antropologia complexa. pensamento. que são. na realidade. Só se pode enfrentar o desconhecido a partir daí.O MÉTODO 5 – porque dá novamente sentido às palavras perdidas e esvaziadas nas ciências. Terra-Pátria (1993). Decidi isolar-me em 2001 para terminar a redação deste texto. cada um na sua ótica. em 1963-1964. O sentido da complexidade (ainda sem essa palavra) já se manifesta em O homem e a morte e Le vif du sujet. Vim para o Mediterrâneo. 1960. mas na margem catalã. em nossa era planetária. o primeiro (1977) e o segundo (1981) tomos de O Método atrelam a interrogação do humano à do mundo físico e do mundo vivo. para mim. O terceiro e o quarto. espírito. Depois. tornamo-nos. Enfim. que. hoje. parto no ardor de um recomeço e no langor crepuscular expresso no último Lied. de Richard Strauss. Eis-me em Sitges. ao mesmo tempo.EDGAR MORIN sopros de entusiasmo renovado seguidos de sopros de melancolia. dominando de uma grande área envidraçada o mar que me nutre. 20 . É que.
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