Da Doação com EncargoMarina Pereira de Moura Funcionária Pública. Inserido em 12/1/2009 Parte integrante da Edição no 505 Código da publicação: 1970 1. DO CONCEITO DE DOAÇÃO O artigo 538 do Código Civil preceitua, in verbis: “considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”. Analisando o referido dispositivo, já é possível notar, conforme muito bem observa Fábio Ulhoa, uma imprecisão legal (“contrato em que (...) transfere do seu patrimônio” – grifo nosso) porque a doação, de per si, não transfere o domínio da coisa; é sim, a tradição que o faz. Para ele, o texto do Código Civil dá a entender que a doação é um contrato real, quando, na realidade, é consensual (vide classificação do contrato de doação a seguir). Sugere o referido autor, então, que o contrato de doação é o “negócio bilateral em que um sujeito se obriga graciosamente a transferir o domínio do bem” 1 . De igual forma, pondera o professor Sílvio Venosa: “apesar de a lei expressar que o contrato de doação transfere o patrimônio, não existe exceção ao sistema geral, consoante o qual a transcrição imobiliária e a tradição são os meios de aquisição de propriedade”2 . 2. DOS ELEMENTOS: ). Se o motivo ensejador da doação foi unicamente beneficiar a outra parte ou satisfazer vontade pessoal (vaidade. DAS CARACTERÍSTICAS . 3. receber honrarias. é a intenção do doador de diminuir o seu patrimônio em favor do donatário. presume-se aceita a doação.ex. 539. mas tal não ocorre. conforme mencionado. de domínio do bem do doador para o donatário. a intenção de doar e a motivação do doador são absolutamente distintas. quais sejam: o animus donandi. O primeiro diz respeito à vontade de doar. Deve haver a vontade de transferir o domínio da coisa. É importante destacar que.ex. E vai mais além: chega a afirmar que existem casos em que a doação é fruto de uma “obrigação moral” do doador (p. tácita (manifestação indireta através de atos compatíveis com a aceitação) e presumida (se o doador determinar um prazo para o donatário se manifestar e este silencia. alcançar prestígio). isso é indiferente. a transferência de propriedade do bem em favor do donatário e a aceitação deste. em obra sobre doação. 4 O segundo elemento corresponde ao objeto da doação: a transferência de propriedade. explica que o motivo não é levado em consideração como elemento contratual no nosso ordenamento jurídico. de semelhante forma. esta perderia o caráter de liberalidade por ter sido um ato quase “à força” (as circunstâncias obrigaram). Agostinho Alvim. e que. exceto se se tratar de doação com encargo – art. se neste caso fosse levado em consideração o motivo determinante da doação. enquanto o donatário não exteriorizar o seu interesse pelo bem. p. não se completará a doação. também é indispensável para a concretização do contrato. A aceitação pode ser de três modalidades: expressa (manifestação escrita ou verbal do donatário). Esta é irrelevante para o mundo jurídico. CC). O terceiro. sob pena de ser caracterizado contrato diverso da doação (comodato. Ainda que o doador obtenha proveito indireto do contrato não estaria descaracterizada a liberalidade3.São imprescindíveis para a composição do contrato de doação a presença de certos elementos. doar um bem a um parente enfermo e necessitado). não possui obrigações perante o doador. Ulhoa afirma que será determinada em relação ao patrimônio do doador. em algumas hipóteses. unicamente. sequer é contrato. A doação é unilateral porque somente um dos contratantes possui obrigação perante o outro: o doador é obrigado a entregar o bem ao donatário. relativo.. tendo em vista que se refere à declaração de vontade de somente um dos contratantes (p. contrato solene. Acrescemos. dispõe o artigo supracitado: “os negócios jurídicos benéficos (. ex. O donatário.. não é um conceito objetivo. a consensualidade e a solenidade. assim como a aceitação da doação é facultativa. refere-se à obrigação imposta a somente um dos contraentes. a princípio. ou seja. a interpretação restritiva do instrumento contratual. contudo. beneficiar o outro contratante em detrimento do seu patrimônio. . CC) dependem de forma escrita. porque. Aquele. o testamento). A doação é contrato consensual porque se perfaz com o simples assentimento das partes. ao contrário. Contratos gratuitos são aqueles que proporcionam vantagem econômica apenas para uma das partes. 541. Já o contrato unilateral. Logo. Cabe aqui fazer a necessária distinção entre o negócio jurídico unilateral e contrato unilateral.. ainda. tendo em vista que ele praticou um ato para. neste. prevista no artigo 114 do Código Civil. E é.As principais características apontadas pela doutrina são: a gratuidade. não será aplicada interpretação extensiva ou qualquer outra que prejudique o doador. a outra é a única sobre a qual vai haver diminuição patrimonial. consoante Ulhoa 5. existe convergência de duas vontades (doador e donatário) – ninguém é obrigado a diminuir o seu patrimônio em detrimento do de outrem. mas sim. Quando à abrangência conceitual de “bem de pequeno valor”. nas doações de bens imóveis ou que não sejam “bens de pequeno valor” (art. variável. Quanto à interpretação do contrato de doação. parágrafo único.) interpretam-se restritivamente” (destaque nosso). a tradição da coisa somente tem a função de transferir a propriedade do bem. a unilateralidade. ou gravada). assim como a doutrina. meritória. Não havendo prazo para o cumprimento. remuneratória. A doação onerosa pode ser revogada por inexecução do encargo. conjuntiva. se o donatário incorrer em mora. São elas: doação pura e simples. (grifo do jundiá!!) O Código Civil.Art. condicional. em contemplação de merecimento. assinandolhe prazo razoável para que cumpra a obrigação assumida. gravada. onerosa ou Por ser o objeto de estudo da presente monografia. ater-nos-emos à análise da doação com encargo (ou onerosa. 562. o doador poderá notificar judicialmente o donatário. dentre outras.4. adota certas expressões que demonstram existir algumas formas de doação. . DA DOAÇÃO ONEROSA (donatione sub modo) PAGA O CHURRASCO CARA!! CC-2002 . o donatário. classificou-o como “bilateral díspar”. CONCEITO: A doação onerosa é o negócio jurídico no qual. contudo. . é um negócio jurídico de obrigações mútuas e desproporcionais. tendo em vista a grandiosidade da questão e o imperativo de brevidade desta Fábio Ulhoa. contrapondo-o. ainda. 4. com opiniões bastante distintas. CLASSIFICAÇÃO Surgem várias correntes. Não basta. doação onerosa. no contrato em epígrafe. o qual conceitua: “é a macha de onerosidade na atribuição gratuita 7”. quando o tema é a caracterização da monografia.. ou seja. aquele aceitar a doação (acordo de vontades).)”. simplesmente. o encargo descaracteriza a unilateralidade (obrigação para uma das partes)..1. Para ele. 540 do CC)8 . portanto. O doutrinador Sílvio Venosa observa que. Neste sentido. a doação com encargo é a “obrigação imposta ao gratificado”6 . “não há ônus. Consoante Agostinho Alvim. para ter direito ao bem doado. Prender-nos-emos a analisar apenas algumas delas. se o interesse é exclusivamente do donatário ou se o doador se limita a dar conselho. ele deve cumprir o encargo contratual.4. De igual modo. ao analisar o contrato em epígrafe. Emílio Betti. aos contratos bilaterais sinalagmáticos (obrigações proporcionais para ambos os contraentes). prevê o artigo 553 do diploma civil: “o donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação (.2. pondera que a liberalidade (doação strictu sensu) fica limitada ao que exceder o valor do bem (conforme a inteligência do art. e cita. deve cumprir a contraprestação imposta pelo doador. 3. dividido em duas correntes: Para a primeira. por ser o encargo imposto ao donatário uma obrigação. desproporcionais. grosso modo. no sentido que a doação com encargo é. uma prestação sem peculiaridades obrigacionais. e sim. podemos dizer que o estudo está. ELEMENTOS ESPECÍFICOS No contrato de doação onerosa. sendo uma contrapartida para o recebimento do bem. ainda que essas obrigações sejam extremamente descomedidas. Já a segunda pondera que o encargo nada tem a ver com uma contraprestação própria do vínculo obrigacional. somente. é necessário observar até que ponto o modo se tornaria tão excessivo que desconfiguraria a gratuidade e passaria a ser um pagamento (contrato oneroso). 4. e sim. contrato gratuito. Em linhas gerais. ele não retira deste o caráter de liberalidade 10. Por exemplo: a doação de um terreno em que se exige do donatário a construção de uma casa para ele e sua família morarem (do donatário). Portanto.sugestão ou exortação ao donatário”. Concordamos com este último ilustre autor. aparece uma figura importantíssima para a sua caracterização. bilateral (obrigações para as duas partes). a doação onerosa não seria unilateral. doação onerosa. que é o próprio encargo ou modo. a pura e Para Agostinho Alvim. Existe uma grande divergência doutrinária em definir o encargo: se possui caráter de obrigação ou se seria. neste caso. ainda que presente o encargo no contrato de doação. Entretanto. . não estaria caracterizada a simples9 . sim. é possível que o doador imponha certas cláusulas restritivas ao donatário. sendo . É o que se infere do artigo 392 do CC: “nos contratos benéficos. tem-se entendido que correspondem a figuras de natureza jurídica distinta do encargo. O encargo ou modo é a prestação imposta ao contratante que irá usufruir da liberalidade feita pelo outro contraente. podendo. incomunicabilidade).. Pontes de Miranda explica que “não há modo se o interesse no cumprimento é exclusivamente do donatário12 ”.Vinculamo-nos a ambas as teorias. nem de terceiro. em caso oposto. a quem o contrato aproveite. aí sim estaria caracterizada uma obrigação do donatário. ou seja. no seguinte aspecto: se o encargo for de valor absolutamente inferior ao do bem doado. chegar a uma descaracterização da doação (no caso de prestação de valor superior ao do bem doado). Entretanto. se o modo tem valor relativamente alto ou até superior ao do bem doado.4. responde por simples culpa o contratante. pois não são impostas em benefício do doador. Entretanto. Nele.)”. mister se faz o esclarecimento sobre a diferença entre tais cláusulas e o encargo. é uma manifestação de vontade adjunta.. (grifo nosso) 4. Representa um vínculo a cargo do onerado. tendo em vista que é uma restrição que favorece o donatário (no caso da doação). ainda que ele se beneficiasse com o encargo. De igual modo. Pontes de Miranda ensina que o modus ou encargo é uma categoria jurídica autônoma. impenhorabilidade. e por dolo aquele a quem não favoreça (. ENCARGO X LIMITAÇÃO DE PODER DE DISPOR No contrato de doação. distinta das condições resolutivas ou suspensivas. estaria desconfigurada a onerosidade da prestação do donatário. inclusive. nem da coletividade. Agostinho Alvim esclarece que “tais cláusulas não se consideram encargos. Já com relação às cláusulas limitativas do poder de dispor (inalienabilidade. Outro elemento específico da doação onerosa é a necessidade de dolo do donatário para o inadimplemento do encargo. Neste mesmo sentido. a forma e a validade dos negócios jurídicos11 . incidem as regras jurídicas gerais sobre a capacidade. 1969. 1989 – citado por Venosa. cit. Vol. pág. Rio de Janeiro: Borsoi. cit. 9 Venosa. 133. 5a edição. Tomo 5. São Paulo: Atlas. Por esse motivo. MIRANDA. Op. DINIZ. 232. explica ainda que as doações com cláusulas restritivas “são consideradas puras. 3. Silvio de Salvo. Fábio Ulhoa. 3. cit. 1955. Vol. cit. VENOSA. Curso de Direito Civil. Op. Direito Civil – Contratos em espécie. Pontes de Miranda. . Rio de Janeiro: Borsoi. 2005. 8 Coelho. 125. 124.. CC) em que há obrigatoriedade de cumprimento”. BIBLIOGRAFIA ALVIM.. 8 e ss. para os efeitos daí decorrentes. 2005. COELHO. Vol. Agostinho. Da doação. Sílvio de Salvo. Buenos Aires: Abeledo-Perrot.. 4 Alvim. Manual de Contratos. Op. Rio de Janeiro: Forense. Direito Civil – Contratos em espécie. Tomo 46. Silvio de Salvo.. pág. 3. Teoria Geral do Negócio jurídico. Op. 1972. págs. 7 Betti. 2005. págs. Tratado de Direito Privado. Agostinho. 5a edição. Op. págs. 1993. 1 Coelho. Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. pág. Guillermo.estas as três hipóteses da lei (art. Fábio Ulhoa. Contratos. Fábio Ulhoa. São Paulo: Saraiva. Da doação. São Paulo: Saraiva. Agostinho. _______. pág. 1955. Orlando. ainda assim não estamos diante de uma obrigação” 13. Coimbra: Coimbra Editora. Emílio. 224 e 225. 5 Coelho. Pág. Ainda que se considere a inalienabilidade e suas variações como ônus real. 3 Borda. São Paulo: Saraiva. 1972. Tratado de Direito Privado. Maria Helena. Coimbra: Coimbra Editora. 3. 40 e 41. 1969. 221. São Paulo: Saraiva. 553. São Paulo: Saraiva. 2005. Teoria Geral do Negócio jurídico. 14a edição. Tratado teórico e prático dos contratos. Sílvio de Salvo.cit. Vol. 6 Alvim. GOMES. Emílio. São Paulo: Atlas. BETTI. 2 Venosa. Pontes de Miranda. 223 e ss. 1955. Op.. Op. Tomo 5. 206. pág. Tomo 46. Op. Pontes de. Agostinho. cit. 13 Alvim. Agostinho. . 11 Miranda. cit. Tratado de Direito Privado.10 Alvim. Rio de Janeiro: Borsoi. 236. cit. 12 Miranda. pág. pág. 217. págs..