Dissertação Tedson da Silva Souza.pdf

March 25, 2018 | Author: Tedson Souza | Category: Anthropology, Sexual Intercourse, Ethnography, Heterosexuality, Science


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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAFACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA CURSO DE MESTRADO EM ANTROPOLOGIA TEDSON DA SILVA SOUZA FAZER BANHEIRÃO: AS DINÂMICAS DAS INTERAÇÕES HOMOERÓTICAS NOS SANITÁRIOS PÚBLICOS DA ESTAÇÃO DA LAPA E ADJACÊNCIAS Salvador 2012 TEDSON DA SILVA SOUZA FAZER BANHEIRÃO: AS DINÂMICAS DAS INTERAÇÕES HOMOERÓTICAS NOS SANITÁRIOS PÚBLICOS DA ESTAÇÃO DA LAPA E ADJACÊNCIAS Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Antropologia. Orientador: Prof. Dr. Edward John Baptista das Neves MacRae Salvador 2012 3 AGRADECIMENTOS Ao meu orientador Edward MacRae que me adotou como um filho. A Minha Mãe, Terezinha, que esteve presente nas horas mais difíceis, compreendendo e apoiando todas as minhas escolhas. . A Minha avó Lindaura (in memorian). Ao amigo Ari Sacramento, pelas orientações e pela confiança no meu trabalho. A Ton Israel pelas leituras, revisões e dicas. A Osmundo Pinho pelas aulas de África Antropológica e pelas indicações bibliográficas, tão importantes para a construção do referencial teórico deste trabalho. A todos os colegas, professores e funcionários do PPGA/UFBA. Aos amigos Maurício Tavares, Rafael Abreu e Silvana Oliveira, sempre presentes em momentos de descontração e de desabafo. A todos os participantes da pesquisa, que me contaram suas histórias. A Ranieri Souza pela compreensão e disponibilidade nessa reta final. A CAPES, pelo financiamento parcial, com apenas 17 meses de bolsa de estudos. RESUMO As pesquisas de sexualidade in loco são bastante insólitas no campo da Antropologia e essa situação se agrava quando as variáveis homossexualidade, raça e gênero são tomadas para compreender as interações sexuais entre homens nos espaços públicos das grandes cidades. A fim de compreender tal dinâmica, procedo, através de uma abordagem autoetnográfica, uma investigação das práticas de “pegação” em banheiros públicos masculinos da Estação da Lapa – maior terminal de ônibus urbano de Salvador – e adjacências. Como não se trata de um objeto tradicional da Antropologia (“comunidade X ou Y”), tomo como objeto a deriva urbana da pegação no Centro da Cidade por onde transitam sujeitos que praticam sexo ocasional e não comercial entre homens, nas negociações e consórcios episódicos tecidos no – e no entorno do – “banheirão”. Percebo que, para além de um simples terminal com um sanitário, a Estação da Lapa é ressignificada como espaço de práticas sexuais de desejos dissidentes, na direção de interesses tão diversificados quantos são os sujeitos que interagem na cena e que só são reunidos aqui pelo traço em comum dos desejos, diversificadamente, homo-orientados. Palavras-chave: Homossexualidade Masculina. Gênero. Raça. Corpo. Narrativas pessoais. Autoetnografias. 5 ABSTRACT In loco research into sexuality is very unusual in anthropology and it is even less common to take into account variables like homosexuality, race and gender in order to understand sexual interaction among men in public areas of big cities. In order to understand such a dynamics, I have undertaken an autoetnography, an investigation of “cruising “ practices in male public conveniences in the Lapa station- the biggest urban bus terminal in Salvador, where there is a transit of subjects who practice occasional and non-commercial sex among men. Studying the negotiations and episodic conjunctions occurring in and in the vicinities of the public convenience, I notice that the terminal is resignified as a space for sexual practices of dissident desires, in accordance with interests as diverse as are the subjects who interact in the scene and who are only united by their common desires of a diversified homosexual nature. Key words: Male Homosexuality. Gender. Race. Body. Personal narratives. Autoetnography LISTA DE FIGURAS Figura 1 Pegação com sigilo – Salvador 67 Figura 2 Post Clube do Banheiro – SSA 68 Figura 3 Pegação no Orkut 70 Figura 4 Perfil Disponível.com 72 Figura 5 Clube do Banheiro – SSA 79 Figura 6 Escada do SSA SHOPPING 81 Figura 7 O caso Jão Vitor 83 Figura 8 Chat no Facebook 99 1 UM 8 9 13 ANEXOS 77 86 .3 1.2 2.SUMÁRIO INTRODUÇÃO A SUBJETIVIDADE ERÓTICA DO ANTROPÓLOGO EM CAMPO UMA NARRATIVA DE SI COM PERSPECTIVAS DIALÓGICAS 1 1.1 2.3..2 3. SEXUALIDADES DISSIDENTES E O OBJETO DE ESTUDO A “GANG BANG” NO SANITÁRIO DA ESTAÇÃO A LAPA: UM TERRITÓRIO MARGINAL PERCURSO ETNOGRÁFICO SEXO E ESPAÇOS PÚBLICOS O “BANHEIRÃO” COMO LOCAL DA PRÁTICA SEXUAL HOMO-ORIENTADA EROTICIDADES HETEROSSEXUAIS MASCULINAS: TENSÕES EM TORNO DO MODELO HEGEMÔNICO A MASCULINIDADE HEGEMÔNICA E AS HOMOSSEXUALIDADES BRASILEIRAS O “HETEROSSEXUAL PASSIVO” E OUTRAS HETEROSSEXUALIDADES FLEXÍVEIS EM CAMPO O JOGO DAS HETEROSSEXUALIDADES FLEXÍVEIS A SACANAGEM – “TODO MUNDO FAZ” – “POR DEBAIXO DO PANO TUDO PODE ACONTECER” “DESCARTO AFEMINADOS”: ENTRE O CIBERESPAÇO E A RUA 16 16 23 26 29 37 42 43 48 55 56 65 3. VIADO! : RAÇA.3 NEGÃO DESSE.3 2.4 INÍCIO DE CONVERSA: TEMÁTICA.1 1. GÊNERO.5 2 2. SEXUALIDADES E TENSÕES NA PEGAÇÃO DA ESTAÇÃO DA LAPA O CASO ZUMBI DOS PALMARES E AS TENSÕES ENTRE MOVIMENTOS NEGRO..1 2.4 1.2 1. LGBT E O “MEIO HOMOSSEXUAL” “DIGA PRA ELE QUE VOCÊ ME CONHECE E QUE EU NÃO SOU LADRÃO” O SURFISTINHA DE OLHOS AZUIS E A CAIXINHA DE NATAL 97 102 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 104 REFERÊNCIAS 107 3 3. os sanitários públicos . a Antropologia Social abriu-se para o estudo das culturas de grupos sociais urbanos e começou a fazer uma espécie de “antropologia de nós mesmos”. mas sobre a prática da “pegação” (caracterizada como breve. as interações em banheiros públicos masculinos da Estação da Lapa – maior terminal de ônibus urbano de Salvador e adjacências. foi impossível a adoção de uma postura metodológica rígida de caráter homogeneizador. a imersão do sujeito pesquisador na deriva homoerótica que atravessa e demarca. Esta dissertação foi construída por mim. que levasse em conta o autobiográfico e empregasse uma nova concepção para o conceito de subjetividade. isto é. pesquisadores que muitas vezes se auto-identificam com minorias como mulheres. sim. Com isso. É necessário ainda asseverar que este estudo não é sobre uma comunidade ou um grupo homogêneo. Logo. erótica e sexualmente. os trânsitos desses sujeitos que praticam sexo ocasional e não comercial entre homens. “banheirão”. Diante dessa conjuntura. esse relato não é apenas sobre a vida sexual de “outros” homens que buscam interações sexuais em banheiros. Além disso. A inclusão desses novos campos de pesquisa demandou a criação de uma nova metodologia para a construção da etnografia.8 INTRODUÇÃO Nas últimas décadas. em que a posição do pesquisador diante do objeto fosse explicitada. precisava ser construída de maneira dialógica através de uma escrita capaz de revelar diferentes vozes culturais. diante de toda a dinâmica. através de uma abordagem (auto)etnográfica. diversidade e interatividade do objeto. assumidamente homossexual e adepto da deriva urbana e da “pegação” em banheiros públicos. e. na maioria dos casos. a subjetividade passa a ser construída de forma transpessoal. o objetivo desta dissertação é configurar. observações participantes e depoimentos de homens que partilham da mesma prática. sobre uma reunião de relatos autobiográficos. e no entorno do. morador do Subúrbio Ferroviário de Salvador. Por isso. Desse modo. nas negociações e consórcios episódicos tecidos no. não mediada por palavra) e os sujeitos que por ela transitam e operacionalizam a cena. Desse modo. Por isso. achei necessária a escrita de um texto autoetnográfico. impessoal e. estabelecendo uma relação entre memória pessoal e memória coletiva. homem negro. gays e negros colocaram questões referentes a sexualidades dissidentes na pauta de pesquisa das Ciências Sociais. África. observase que interações mais íntimas. Ele foi o primeiro antropólogo a pensar em etnografia densa. pretendeu adotar. inserido na cena. a Antropologia foi fundada sobre princípios positivistas e. em etnografar o cotidiano de povos distantes do dele em colônias conquistadas pelas Expedições Européias. Um caso bastante conhecido que até hoje levanta questionamentos sobre o envolvimento sexual do etnógrafo em campo é o de Malinowvki. era necessário que este pesquisador fizesse uma espécie de imersão nos costumes desses “outros”. descrições e cenas). era branco. por fim. europeu ou estadunidense – consistia. Embora não exista uma espécie de código de conduta em que se explicite até onde o pesquisador deve ir em relação aos contatos com os seus informantes. entrevistas profundas (em que há maior interação entre o entrevistador e o entrevistado) (PERLONGER. como parâmetro para coleta de dados. A SUBJETIVIDADE ERÓTICA DO ANTROPÓLOGO EM CAMPO No final do século XIX e início do século XX. entrevistas itinerantes (em que. a saber: observações livres (em que foi feito um percurso nos banheiros de pegação. consequentemente. heterossexual. nas “exóticas” e desconhecidas América. em geral. 2008). Estava estabelecida a tensão entre tornar-se amigo. homem. estar “contaminado” pelos impactos emocionais provocados pelas situações vividas em campo e a busca pela “isenção” e objetividade científicas modeladas nas “ciências duras”. meticulosamente. Mas. conquistar a confiança dos “informantes” e. O objetivo do trabalho do antropólogo – que. a exemplo de interações afetivas com os informantes. geralmente. Shopping Piedade e Shopping Center Lapa darão o rumo ao relato que foi construído através de observação participante da cena e das coletas de dados. considerado o pai da Antropologia Moderna. Apesar de expedições etnográficas serem muito comuns antes de sua atuação . colhendo. para ser bem sucedido em campo. impressões. não são bem avaliadas no seio das discussões no âmbito das ciências sociais.9 masculinos da Estação da Lapa. pois seus escritos traziam análises minuciosas. naqueles tempos. vivenciando a dinâmica social desses povos. no intuito de ser reconhecida como ciência. apesar de todas as distâncias e divergências. sistemáticas e detalhadas dos povos estudados. o pesquisador fez contato verbal com os partícipes) e. Ásia e Oceania. os padrões de objetividade e neutralidade característicos da matemática e das ciências exatas. porque. exótico. Em 1967. colocando a sexualidade dentro de padrões euro-americanos. categorizando. para o centro da discussão sobre a inquirição em Antropologia. masturbar-se e até mesmo manter relações sexuais com os nativos. A partir dessa publicação. patológica. Através da sexualidade. assim. poder familiarizar-se com o que antes fora estranho ao pesquisador. ele ganha notabilidade por “inventar” o método da observação participante que consistia em conviver longamente com a comunidade pesquisada. mas também. A questão foi tradicionalmente abordada na busca pelo entendimento de como se dão as relações de parentesco na configuração das comunidades. sendo. tópico que não era até então citado em seus escritos. Há. então. . a “reflexividade e a subjetividade” (STRATHERN. estranhada – a sexualidade do outro. por outro lado. naturalmente. essas pesquisas tendiam à patologiazação da sexualidade dos outros. nos relatos de pesquisa. porque tal perspectiva tinha como objetivo e/ou efeito aumentar a distância entre pesquisador e pesquisado. participar de suas atividades. selvagem. Malinowvski (1983 [1929]) estuda a sexualidade dos nativos. dada a amplitude e densidade dos dados coletados em relação ao que. não se tornaram públicos enquanto o autor vivia. escrevendo notas de campo com vários recortes que. 2004). foi publicado o diário pessoal de Malinowski sob o título de Um diário no sentido estrito do termo. de fato. não europeu) era muitas vezes classificadas como doentia. É fato que a sexualidade sempre esteve presente nas pesquisas antropológicas (BRAZ. prescindindo da ajuda de intérpretes e registro de dados feito de forma distante e formal. o sujeito pesquisado como inferior. aprender sua língua para. é tratado na análise constante de um relatório do estudo feito. desse modo. validação como dado de análise em pesquisa. Embora o tema da sexualidade estivesse sempre presente nas análises euroamericanas. Kulick (1995). em que o antropólogo confessa ter sentido desejo sexual em campo. em sua acepção mais íntima e profunda. contestação. Em suas pesquisas nas Ilhas Trobriand. Assim. entretanto. nem nos de outros antropólogos. Vários antropólogos Newton (1993). entre ouros começaram a questionar essa perspectiva de estudos da sexualidade. era possível estabelecer as fronteiras entre “nós” (pesquisadores) e “eles” (pesquisados). A subjetividade sexual do pesquisador é trazida. o tema da sexualidade do pesquisador. distante.10 como pesquisador. 2010). tornou-se também objeto de crítica. a sexualidade do outro (não branco. a sexualidade era sempre vista como exótica. discutidas como dado de campo. em que há envolvimento sexual. esse estabelecimento de relações de poder está pautado em um modelo de construção de sexualidades ocidentais embasada na tríade raça. psicóloga. porém ainda em estado de pauperização.11 assim. dentre outros) que sugerem a abordagem também da sexualidade do antropólogo in loco. o suposto problema do envolvimento do antropólogo com o participante. entretanto – como alega Rojo – não mantinha nenhum domínio sobre a participante. 1990. a sexualidade pode figurar como moeda de troca. KULICK. quando se trata de sexualidade. possivelmente com o intuito de este engajar-se em uma barganha de política pública. tradicionalmente. nessa relação. tem seu início mais representativo no caso Humphreys (1975). praticante de naturismo. nem nenhum problema provocado pelo envolvimento sexual. observando e atuando muitas vezes como “bicha vigia”. Kulick (1995) ressalta que. aconteceu no Brasil no estudo de Rojo (2004). Cardoso (1996) diz que. A consideração da sexualidade do pesquisador in loco. em estudos com grupos desprivilegiados socialmente. 1999) – em campo. quando há esta disparidade entre etnógrafo e etnografado. a abordagem era sempre in absentia. barganha. Um exemplo prático. sexo e gênero. sempre se discutindo o outro. a Antropologia tratava de contextos distantes e inferiorizados. Em todo caso. em Antropologia. “tomando conta” do banheiro para que seus usuários engajassem em práticas sexuais . Posteriormente. que faz uma pesquisa sociológica no final da década de 1960 nos Estados Unidos. 1995. que se envolve com uma das participantes de seu estudo. exercício de poder. o envolvimento sexual entre pesquisador e pesquisado tem sido visto como uma forma de operação do poder na qual os sujeitos são postos em uma posição hierárquica mais baixa. No caso da pesquisa sobre sexualidade. o domínio a partir do fator econômico não existe. começam a ser estudadas sociedades mais próximas. Kulick (1995) questiona o silêncio sobre a sexualidade do pesquisador em campo tratando dos problemas decorrentes do silenciamento da sexualidade da antropologia como forma de manutenção do pacto da diferença irreconciliável entre nós e eles. Ainda segundo o autor. Há. da terceira pessoa de quem se fala. Nesse caso. alguns pesquisadores (TORGOVINICK. Ela era professora universitária. e numa perspectiva invertida. tradicionalmente. Ao abordar questões relativas a relações de poder em pesquisa. O sociólogo pesquisou as tearoom trade – termo que se refere a “atividades sexuais entre homens em um banheiro público” (NARDI. de certa forma. A pesquisadora atenta para o fato de que “O próprio Godelier pesquisou entre os baruya. antropólogos e psicanalistas se encontram em situação distinta. ainda que. não sabendo. ao responder ao que é um ato sexual nas pesquisas que fizera. Godelier questiona a falta de trabalhos etnográficos e de psicologia sobre sexualidade in loco e chega a afirmar que antropólogos e psicólogos conhecem somente discursos sobre sexualidade. p. sobre erotismo e prazer sexual nas Ciências Humanas e Sociais do Brasil. A pesquisa foi publicada em 1970 e o pesquisador nela declara que. Porém. tradicionalmente. e não as práticas propriamente ditas. Entretanto. de Papua Nova Guiné. p. notei que ainda é muito pequeno o número de trabalhos sobre a sexualidade in loco. À primeira vista. 173. 2010. para conseguir as informações. Porque nenhum deles costuma observar diretamente atos sexuais durante o exercício de sua profissão. possibilitado que se estudem os discursos sobre as práticas sexuais. tão caro à ciência positivista. especificamente. parentesco y poder. de acordo com a sua experiência. Nesse sentido é que a contribuição desse marxista se faz presente. muitas vezes disfarçou-se de funcionário do governo e adentrou os lares desses homens com intuito de aplicar questionários e entrevistas sobre a vida de cada um. Em Cuerpo. A heterogeneidade dos nomes dos trabalhos . o que parecem experimentar é a forma como as pessoas falam ou não a respeito. (GODELIER. Godelier (2000) afirma que [p]arece que quando lhes é pedido para definir o que para eles significa um ato sexual. apud DÍAZ-BENÍTEZ. esse pesquisador foi visto como personna non grata em antropologia por sua criticada (falta de) ética. similar. outro tipo de atos sexuais – aqueles que acontecem na imaginação e sem manifestações corporais visíveis” (DÍAZ-BENÍTEZ. 21). Na perspectiva do presente estudo. 1975). 2000. apesar da importância de seus estudos. da prática sexual dos participantes em virtude da busca pelo distanciamento entre pesquisador e pesquisados. Consequentemente. já que questiona os métodos tradicionalmente utilizados em Antropologia na abordagem do objeto de estudo. 2010. Nardi (1999) tenta resgatar a importância do trabalho de Humphreys por este sugerir a mudança de abordagem metodológica por fazer pesquisa in loco sobre sexualidade nesta ciência. Díaz-Benítez (2010) o critica por evitar o contato com os humanos e estudar a sexualidade de “entidades” das comunidades. Em uma pequena busca no portal da Capes. 22). a citação de Godelier talvez seja bastante pertinente no sentido de ajudar a entender como a metodologia antropológica tem.12 (HUMPHREYS. p. Ao dialogar com Watson (1993) e Clifford (1998). como pressuposto indispensável para a realização do . à explicitação do ‘contexto performativo imediato’ no qual ocorre a relação interpessoal entre etnógrafo e etnografado como pressuposto básico da construção da própria etnografia” (VERSIANI.13 impossibilitou que eu os quantificasse. ele atenta para a necessidade da negociação construtiva do texto. privilegiando a polifonia das vozes. todos os pesquisadores optaram por deixar claro que não eram adeptos das práticas sexuais etnografadas. que possibilitam dar vozes e visibilidade a “minorias” por meio de textos de cunho autobiográficos. Diferente desta dissertação. Versiani (2005) enxerga essa modalidade de texto como uma alternativa de construção de uma subjetividade através de processos dialógicos. UMA NARRATIVA DE SI COM PERSPECTIVAS DIALÓGICAS Os relatos das minhas experiências de interação sexual nos sanitários públicos e escadas da Estação da Lapa são o ponto de partida para a realização deste estudo autoetnográfico. Clifford se refere “à não negação da experiência pessoal e. pois tratam de pegação homoerótica em lugares públicos ou semi-públicos. Gostaria de explicitar que. principalmente. Díaz-Benítez (2010). 84). nenhum dos trabalhos citados acima é um relato autoetnográfico. intitulada Banheiros Públicos: os bastidores das práticas sexuais. A dissertação de mestrado em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense de Gaspar Neto (2008). Ao escrever sobre autoetnografia. descarto o distanciamento do objeto pregado. 2005. Braz (2010). pois a busca via web tornou-se bastante difícil. através das leituras de Parker (1999) (e. que retrata a pegação nos banheiros da UFRN. versam sobre objetos muito parecidos com o meu. neste trabalho. levantei através da internet as etnografias de Gaspar Neto (2008). mais especificamente nos estudos empreendidos por Braz (2010) que realiza esse levantamento no âmbito do grupo de pesquisa que integra o Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM)) que o número de pesquisas sobre a sexualidade é um pouco maior quando o foco é a “sexualidade e juventude” e “sexualidades em tempos de Aids ou na prostituição”. p. Pude notar. Nas últimas décadas. Costa Neto (2005) e Vale (2000) que trabalham com observação de práticas sexuais in loco. tradicionalmente. intitulada Na Pegação: encontros homoeróticos em Juiz de Fora e a de Costa Neto (2005). centro/margem que esta pesquisa mostra-se de extrema relevância. entende-se a reprodução de práticas e códigos heterossexuais. entende-se o imperativo inquestionado e inquestionável por parte de todos os membros da sociedade com o intuito de reforçar ou dar legitimidade às práticas heterossexuais (FOSTER. sendo que. constituição de família (esquema pai-mãefilho(a)(s)). fidelidade conjugal. impossibilitando a construção de novas culturas sexuais não normativas ou explicitamente públicas. Lauren Berlant e Michael Warner (2002) refletem sobre a cultura sexual hegemônica que insiste em separar a vida pessoal da vida pública. O texto problematiza as explicações acerca das relações entre homens com desejos homo-orientados e de seu exercício em espaços públicos. 19). ao mesmo tempo. bissexuais. e não pretende. destinando tudo relacionado às questões de sexualidade ao âmbito da intimidade pessoal. Lancei olhares. ser a interpretação de uma realidade distante. produtor de conhecimento e objeto etnografado e entendo que seria um equívoco metodológico falar aqui em terceira pessoa. o leitor encontrará logo no primeiro capítulo um relato de uma das minhas idas a campo. Em Sexo público. criando imagens desse objeto de enorme heterogeneidade que é a “pegação no banheiro da Estação da Lapa e adjacências”. tem-se o heterossexismo compulsório. pois este trabalho não é.14 trabalho de campo. que evitam psicologizar e patologizar a questão do sexo público e dessa forma discutir tais relações nos espaços urbanos nos quais há a alternativa de se poder ser anônimo em meio ao público. regra/exceção. Esse posicionamento foi escolhido para que o leitor pudesse começar seu percurso pelo texto. transgêneros e homens-que-fazem-sexo-com-homem (HSH) em sanitários públicos são/foram possíveis em nome de uma narrativa de coerção estética dos usos dos corpos. amor romântico. os discursos da cultura sexual normativa descontextualizam as circunstâncias nas quais os encontros entre gays. norma/desvio. Essa parte do trabalho dedica-se a apresentar o histórico de como o presente estudo se configurou. O outro que encontrei no campo é muito parecido comigo e o diálogo construído no decorrer do texto é intersubjetivo. p. nesta dissertação. É exatamente a partir da necessidade de um olhar que se desloca das díades homossexualidade/heterossexualidade. uma vez que.Na esteira das implicações da aludida palavra. 2001. É através dessa estratégia que a heteronormatividade1 impera. . por esse último termo. Assim. sustentada pelo casamento monogâmico. 1 Por heteronormatividade. Eu sou. a matriz heterossexual hegemônica. para isso. . discutirei a hierarquia que se construiu tomando como topo o modelo hegemonizado e como base a ostensiva repulsa em relação aos afeminados. no capítulo 3. trabalharemos com discursos sobre as identidades do homem negro e a relação entre conceitos como sujeira versus limpeza. Os relatos de campo ilustram identidades de homens que se auto-definem como heterossexuais.15 No capítulo 2. O objetivo é discutir outros modelos de eroticidade heterossexual masculina permissíveis na prática do “banheirão”. isto é. Por fim. através dos relatos etnográficos. problematizarei o modelo de masculinidade hegemônica presente no imaginário brasileiro. belo versus feio dentro desse território de deriva sexual. Para isso. o que é ser um “homem de verdade” no Brasil? Na última seção. também é necessário discutir qual o discurso que regula a eroticidade heterossexual hegemônica. de certo modo. tratarei das relações entre negritude e sexualidade na Cena da Pegação da Estação da Lapa. mas cujas práticas alteram. fugindo do que se convencionou permissível para um “macho” dentro da conjuntura social brasileira. Lançarei o meu olhar para essas heterossexualidades periféricas e. um lugar considerado marginal. prática sexual que consiste em acariciar o pênis do parceiro com a boca. quando voltava de um show no Âncora do Marujo3. Confesso nunca ter conseguido estimar a idade desses meninos que fisicamente são raquíticos e. 1. Esse posicionamento foi escolhido para que o leitor pudesse começar o percurso pelo texto. Certo dia. No entorno da Praça. SEXUALIDADES DISSIDENTES E O OBJETO DE ESTUDO Este capítulo terá início com um relato de uma das minhas idas a campo. Assim. É caracterizado por cenas de sexo entre uma pessoa e várias outras em um curto espaço de tempo.1 A “GANG BANG2“ NO SANITÁRIO DA ESTAÇÃO Eram quase 22h de uma terça-feira do mês de maio. muito requisitado pelos fãs do cinema pornô. criando na mente retratos desse objeto de heterogeneidade tamanha que é a “pegação no banheiro da Estação da Lapa e adjacências”. Disponível: http://pt.org/wiki/Gang_bang em: 21/10/2011 3 Bar tradicional do baixo gay soteropolitano. por conta do tipo franzino. numa dessas idas e vindas pelo Centro. apresento o objetivo da pesquisa e as perguntas de pesquisa. discuto de forma panorâmica a visão de alguns autores no tocante à prática sexual homo-orientada em contextos públicos e privados. Esse valor baixou gradativamente para R$40. aparentam ter menos idade do que tem. Daniel cobrava R$50 por um “boquete”4. já se encontravam alguns garotos a procura de clientes na noite do Centro de Salvador.wikipedia. O garoto aparentava uns 16 anos e me abordou oferecendo serviços.16 1 INÍCIO DE CONVERSA: TEMÁTICA. situado na Rua Carlos Gomes 4 O mesmo que sexo oral ou felação . conversei com um deles. localizado na Rua Carlos Gomes. além de tratar da escolha do macro-território e da microterritorialidade (o “banheirão” como contexto de vivências homoeróticas consideradas dissidentes) em que o registro de dados se deu. atravessei a Avenida Sete de Setembro e segui pela Praça da Piedade. que se esvaziava. após situar o leitor acerca da escolha do tema. Esta parte do trabalho dedica-se a apresentar o histórico de como o presente estudo se configurou. 2 É um dos principais gêneros de sexo explícito. Em seguida. . a língua ou ainda a garganta. R$30 e parou em R$5. palco para shows de transformistas. Após assistir a uma sessão de filmes LGBT no Complexo Cultural da Caixa Econômica. Entendo por “adjacências” os sanitários e escadas de emergência dos shoppings Piedade e Center Lapa. ficam localizados um dos postos de recarga e revalidação do cartão de meia passagem estudantil. como o mictório estava cheio. colocar o pênis para fora das cuecas rapidamente. A estratégia deles era. outro era rodoviário e vestia a farda da empresa Litoral Norte e ainda tinha um jovem com a farda de uma casa de material elétrico localizada no bairro da Calçada. de estudantes de escolas públicas. comerciários. Notei também que mais outros seis exibiam. Ao adentrar o recinto. Geralmente. dezoito lojas e dezesseis boxes (dentre elas um sebo e diversas lanchonetes que vendem cachorro quente e suco). telefones públicos (a maioria com defeito) e muitos ambulantes vendendo desde comida e produtos eletroeletrônicos a cartões de recarga para celular. deixando apenas à mostra a excitação através do volume das bermudas e calças. rodoviários e estudantes. quem “estaciona” no mictório acaba despertando suspeita dos seguranças e dos auxiliares de serviço gerais do banheiro e fazem com que eles comentem em alto e bom tom “Aquele viado estacionou no mictório olhando o cacete dos outros”. camisa e boné Adidas e uma corrente de prata no pescoço. 6 Os adeptos da pegação utilizam a palavra estacionar para reclamar quando alguém para no mictório. alguns de farda. Todos seguiam apressadamente pela “Ladeira do Camelô” em direção à Estação da Lapa – maior terminal de ônibus da cidade. finge estar urinando e não sai mais. ao perceber que estavam sendo observados por outros homens com desejo homo-orientado. acompanhei o grande fluxo de trabalhadores dos shoppings Center Lapa e Piedade. que mistura o ardor da uréia ao péssimo cheiro das fezes espalhadas pelos cantos) e com um dos dois mictórios de inox quebrado e isolado. Fiquei olhando aquela cena excitante e. Eles eram de todas as idades. Para minha surpresa. discretamente. passando horas ocupando o espaço. um trajava o uniforme do Colégio Estadual Senhor do Bonfim. cujas torneiras haviam sido arrancadas. eu não podia “estacionar” 5 6 como os demais e me contentei em observar a cena a alguns metros de No pavimento superior da estação da Lapa. situado nos Barris. com vazamentos que permitia que a urina caísse sobre os pés dos usuários. mal cheiroso (é indispensável lembrar o cheiro fétido. os pênis em frente ao espelho e tentavam disfarçar fingindo estar penteando o cabelo ou lavando as mãos em pias. cursos técnicos profissionalizantes e faculdades da região. Na noite daquela terça-feira. o garoto magro que trajava short. fui direto ao sanitário masculino. sujo.17 quando eu disse não estar interessado. estava totalmente ocupado e oito homens espremiam-se e masturbavam-se um ao lado do outro. ao chegar ao pavimento superior5 da Estação da Lapa. . informou ter 23 anos. mostrar e esconder em seguida. segui em direção ao mictório dos fundos e acabei sendo surpreendido: o equipamento. Após passar pela Praça. A atitude do rapaz foi a senha para que eu e os demais homens. Lembro “João”8 dizer que “aquele negão crente é feio. cheio de veias e com uma mancha branca entre a glande e o prepúcio que aparentava ser uma lesão por Vitiligo. no degradê de cores da Bahia. outros bradavam coisas como “Isso aqui tá foda!! Esse rebanho de viado fica fodendo aqui. o rapaz sugava sem parar o pênis preto. que observavam de longe. ter 1. com 7 Grife de moda Surf Wear muito popular na Bahia. mas o que me fazia lembrar dele era o relato de um colega de trabalho. Uma das preferidas dos “moleques” da periferia. usar Mahalo é indicador de virilidade e masculinidade. mas uma vez no banheiro da Estação Iguatemi ele tirou onda comigo e não deixou”. nos sentíssemos a vontade para nos aproximar. 27 anos e um sorriso avassalador. abaixo e chupo onde estiver. cerca de 1. O jovem atraente de bermuda Mahalo se curvou. Uma semi-roda com cerca de doze homens se formou em volta dos dois. . Alguns. o jovem mais cobiçado no momento por trazer consigo as características que compõem o tipo “moleque” (rapaz negro. aparentando entre 45 e 50 anos. másculo. E a “pegação” continuava. engraxates. “É uma sacanagem da porra. um “pega-pega” generalizado. vendedores de picolé. Era mais um homem comum no meio da multidão. um senhor negro retinto. pênis de todas as cores e tamanhos brotaram das calças e começou um “chupa-chupa”. cheios de desejo. figurando como um pastor de igreja neopentencostal). mas que tinha uma “ferramenta” que aumentava o seu poder de sedução. ficou de joelhos e começou a chupar o enorme pênis do “negão”. se deparavam com uma cena digna de gang bang pornô gay e interagiam. guardadores de carros. utilizando bermuda da Mahalo7. certamente. Em seguida. cabelos curtos grisalhos.70m de altura. quando iam urinar. Eu já conhecia esse “negão” de outras “pegações” na Estação da Lapa e nos banheiros do Shopping Piedade. de vestimenta discreta (trajava camisa social de manga comprida azul e calça social de tergal. Outras rodas se formaram pelo sanitário. por isso. 8 Todos os nomes de informantes citados são fictícios.18 distância. mas eu não resisto à pica dele. Center Lapa e da Estação Iguatemi. perdi a conta dos homens que se masturbavam e se chupavam mutuamente. magro. voltavam de uma noite regada a muita cerveja e cravinho na tradicional Terça da Benção no Pelourinho e. camiseta regata preta e boné) – um dos tipos mais viris e valiosos daquele contexto – agarrou o pênis do homem ao lado. considerado bonito por estar dentro dos padrões de beleza nacional – ser um “moreno jambo”. aparentando de medir entre 22cm e 25cm. De repente. um pênis descomunal.90m. depois quando morre acha ruim!”. toda vez que um desavisado ou um não receptivo reclamava. O lugar mal iluminado. naquele horário. a penetração. policiais militares ou mesmo o auxiliar de serviços gerais. uniforme de gala.wikipedia. o clima daquela noite era propício para uma postura diferenciada. aborrecimento. O mesmo que ejacular. elogio e para fazer pausas em discursos informais. geralmente de caráter oficial: noite de gala. alguns pênis “esporravam9“. os que queriam penetrar e serem penetrados se apropriavam da porta interditada dos fundos onde se dividia espaço com grandes ratos. Mas em Salvador e. mas voltavam na maioria das vezes. a palavra gala significa grande festa. outros tentavam esconder a ereção. Outro fator que considero determinante é a reunião de muitos homens em busca de prazer no mesmo espaço. utilizada para se referir ao sêmen. mas que entre os soteropolitanos é muito utilizada para designar espanto. com a falta de vigilância na Estação da Lapa. raramente concretizada no meio dos sanitários na frente dos outros participantes. Disponível: http://pt. Com o rosto todo sujo de “gala11“. Existiam aqueles que “davam um tempo” e deixavam o sanitário por alguns minutos. cheio de fezes e urina espalhados pelo chão e paredes. Talvez isso tenha coibido a prática de violência física pelos usuários do sanitário público que se sentiram incomodados com a prática. e por isso pode ajudar reduzir as inibições das pessoas. Na capital da Bahia. E as interações continuavam no “banheirão” da Lapa. Fortaleza e Recife. não tinha segurança. Hoje em dia. faziase uma pausa brusca nas interações e o contingente desejante se dispersava. que. O “negão bem dotado” ejaculou no rosto do rapaz da bermuda Mahalo. em outras cidades do nordeste como Aracaju. também designado por backroom ou blackroom) é um quarto ou sala com iluminação muito baixa ou totalmente escura que existe em alguns bares ou saunas. Alguns paravam em frente ao espelho e fingiam pentear o cabelo. a palavra “gala” é. A finalidade do dark room é propiciar atividade erótica ou sexual entre os presentes que é quase anônima por causa da escuridão. Em situações cotidianas. atingir o orgasmo. principalmente. admiração. quarto escuro. Nos dicionários de língua portuguesa. ou para empregar um vocabulário mais popular “gozar” 10 (do inglês.19 tanto hotel baratinho os filhas da puta ficam nessa putaria e ninguém pode mijar”. guardas municipais. No entanto. Ao dirigir-se à pia para lavar o rosto. Ali naquele quadrado improvisado – que funcionava como um dark room10 – era permitido todo tipo de interação e. ele se deparou com as limitações causadas pela degradação da estrutura física do sanitário da Estação da Lapa. . Cada vez mais. o termo foi ressignificado e substitui “porra” – palavra considerada de baixo calão por no resto do país ser sinônimo de esperma. 9 Fiz opção por utilizar o termo nativo. era isolado por um madeirite. as interações se intensificavam e vários homens chegavam ao clímax. o que fazia com que aqueles adeptos do sexo anônimo se sentissem menos temerosos. também há dark rooms em estabelecimentos voltados ao público heterossexual. mal cheiroso. massivamente.org/wiki/Darkroom em: 29/11/2011 11 Optei usar aqui novamente o termo nativo. Dark rooms começaram aparecer nos Estados Unidos nos anos 70 em boates gays. A palavra é sinônima de “pauzudo”. Enquanto homens saciados e satisfeitos com seus gozos. enorme. apenas um grupo bem menor. pois nem todos podiam pagar pela Kombi. pois como já relatei anteriormente. Com o esvaziamento. o equipamento tinha um furo e derramava urina sobre os pés dos usuários. Ele não é aceito nas Kombis clandestinas. que estavam fechadas. como eu. porventura. localizada no bairro de Paripe. pois elas estão fora do sistema oficial de transporte coletivo da cidade. 13 Para mais informações sobre o cinema pornô no Brasil ver (ABREU. 2010) 14 Cartão de passe estudantil ou de vale transporte eletrônico pré-pago. deixam o sanitário. outros sedentos por prazer interagiam formando novos círculos para desfrutar da libido de forma proibida em outros espaços. já que a maioria dos adeptos da “pegação” naquele sanitário é formada por estudantes e trabalhadores que utilizavam o cartão Salvador Card14 e não dispunham de dinheiro em espécie. seria uma das Kombis que. A única alternativa para a assepsia do rosto foi a abertura das torneiras do mictório. Poucos eram os que. É indispensável registrar que a proximidade da meia-noite – horário de partida da maioria dos últimos ônibus para bairros mais distantes como os localizados no Subúrbio Ferroviário ou em Cajazeiras e cidades da Região Metropolitana – fazia com que muitos daqueles homens acelerassem o passo desesperadamente. faziam transporte clandestino durante a madrugada na Estação da Lapa. Outra opção para voltar para minha residência. no meu caso. Geralmente o usuário recarrega o cartão previamente no início do mês. de seis homens. Alguns chegavam a dizer: “tenho que gozar logo. desmesurado. pois todas haviam sido arrancadas. 1996) e (DÍAZ-BENÍTEZ. Eu tinha a opção de pegar um ônibus à 1h da madrugada ou às 3h30. a “pegação” continuava com muito fôlego. Essa diminuição de adeptos os tornou mais suscetíveis à 12 Optei por utilizar o termo nativo. “Desmarcado” nesse contexto refere-se ao fato de ele possuir um pênis considerado descompensado. Os espectadores de filmes pornôs13sabem do poder da ejaculação nesse gênero. tinham a coragem de ficar à mercê dos ônibus pernoites. ou com o prazer de terem presenciado uma ejaculação digna de uma produção pornô. senão eu perco o buzu”. depois das 23h. Ela é o momento do ápice de uma relação sexual e o fato de ser registrada com riqueza de detalhes ao espectador é requisito indispensável para que o filme seja considerado de boa qualidade. continuava as interações homoeróticas. Mesmo após a ejaculação cinematográfica do negão “desmarcado” 12. bastante utilizado em Salvador e Região Metropolitana. .20 não encontrou torneiras. O fator financeiro representava um complicador para quem desejava voltar para casa utilizando essa modalidade de transporte. Certa vez. sujos e maltrapilhos. Os “sacizeiros” são jovens mendicantes que ficam embaixo de escadarias e em áreas mais recônditas da mal conservada Lapa. que era gordo. Para fumar a pedra de crack é preciso ter uma espécie de cachimbo improvisado o que remete ao personagem Saci-Pererê do folclore brasileiro.com. e também prestando serviços sexuais para “homens com desejo homorientado” que praticam “cruising17“ (“caçação”) no centro da cidade. mas nem sempre as coisas se resolvem dessa maneira. o medo e a tensão sobressaíram-se ao prazer e o banheiro foi esvaziado. fui obrigado a me justificar dizendo: “Meu velho. . aparentando 50 anos. Em 15 Gíria popular em Salvador (BA). com a gente é limpeza. com medo de represálias. eu não tô ligado na sua não. O mais velho. chupava o pênis de um homem pardo. Acesso em: 24 set. Naquele momento. Ali eles sobrevivem. aparentando 28 anos e com cerca de 1. Ele tinha acabado de sair do reservado e eu observava a “pegação” que acontecia no mictório através do espelho quando ele encostou ao meu lado e disse “Se você é policial e vai me prender. mas o clima de excitação mudou com a chegada de dois homens. O termo também é usado quando a tecnologia é usada para encontrar o sexo casual. que é um dos poucos pontos da cidade com possibilidade de transporte 24h. praticando pequenos furtos e roubos.70m de altura. é nenhuma. Tudo parecia tranquilo..75m de altura. Os dois carregavam mochilas e pareciam ter saído do trabalho em algum restaurante – é comum que garçons e ajudantes de cozinha da região central e também da orla peguem a segunda condução de volta para casa na Estação da Lapa. que define as pessoas viciadas em crack ou usuário de drogas pesadas em geral.br/sacizeiro/. tinha cabelos pretos e media cerca de 1. Fui tomado de surpresa pela fala do rapaz e. ele acabou pedindo desculpas pelo ocorrido e tudo ficou bem. magro.>. apesar da fala de suposto consentimento dos dois rapazes que diziam “podem continuar. Fique frio! De onde você tirou essa idéia de que eu sou policial?”.21 ação dos “sacizeiros15“. 16 O mesmo que utilizar Crack 17 É o ato de caminhar ou dirigir-se a uma localidade em busca de um parceiro sexual. não fique me olhando não!!”. prenda logo. No final.. fui confundido com um Policial Militar por um homem que utilizava um dos boxes do sanitário da Lapa para cheirar cocaína.dicionarioinformal. 2011. Essa desconfiança é decorrente da relação tensa entre os adeptos da “pegação” e os usuários de drogas (principalmente crack) que circulam pela Estação. branco. Quatro dos homens praticavam uma masturbação coletiva e recíproca no mictório e dois deles estavam mais afastados. que se posicionaram na parte dos fundos do sanitário para “fumar uma pedra” 16. você tá viajando brother! A minha onda aqui é outra.”. geralmente anônimo e casual. Disponível em: <http://www. segundo ele. afirmou o estudante universitário. fui vítima de agressões verbais e presenciei agressões físicas tanto por parte de seguranças quanto por policiais. eles perguntaram onde a gente morava e ameaçaram contar para nossa família. 18 Para os jovens da periferia e do Subúrbio Ferroviário de Salvador “dar uma ponta” significa pagar algum dinheiro por um serviço informal prestado. contou ter sido vítima de extorsão por parte de policiais militares após ser flagrado em uma relação sexual com outro homem dentro de uma cabine do sanitário da Estação da Lapa. Ao mesmo tempo em que eu seguia para pegar a última condução. de 28 anos. 2011.org/wiki/Cruising_for_sex em: 21/10/2011>. fazem um flagrante e conduzem esses homens para módulos policiais e lá realizam uma chantagem. também faziam o mesmo percurso os últimos homens que interagiam no WC. Disponível em: <http://en. nem sofri chantagens por parte de policiais. Ainda segundo o informante. de 30 anos. desci as escadas que dão acesso à plataforma A da Estação para tomar o pernoite para Paripe. Um deles (policiais) encontrou o carnê e 50 reais da prestação e ficou com o dinheiro. . Ele também disse ter presenciado por várias vezes “sacizeiros” inconformados por não conseguirem dinheiro com “as gays”. eu nunca presenciei casos de extorsão em campo. passarem informações de “bote” para policiais militares que. Um homem desempregado. Essa plataforma. uma percentagem do dinheiro extorquido.22 depoimento. Para minha surpresa. São aproveitadores. não são “michês profissionais e querem dinheiro a qualquer custo. que pode ser um pequeno trabalho braçal ou até a prestação de favores sexuais. esses policiais dariam uma “ponta18“ para os “sacizeiros”. Na época (2005). “Nós fomos levados para uma sala especial para essas coisas por dois policiais. ou seja. Acesso em: 20 set. mas já ouvi xingamentos. eu morava com minha avó e tinha saído para pagar a prestação de uma geladeira na Insinuante do Shopping Piedade. munidos de características físicas e também da localização exata de onde as interações estão ocorrendo. um dos informantes desta pesquisa atentou para os riscos da ação desses garotos que. Após a dispersão no sanitário masculino. todos eles se dirigiram para a última escadaria da Estação – que promove acesso à última plataforma de embarque da Lapa. onde os passageiros embarcavam com destino a cidades da como o uso de um site na Internet ou um serviço de telefonia. chegando lá.wikipedia. frequentador da cena da “pegação” na região da Lapa desde a adolescência. muitas vezes não conseguem nem fazer o pau subir” (20/11/2011). Apesar de ter ouvido muitos relatos. nos liberando em seguida”. 000. A escada rolante quebrada causadora de maior transtorno à população é a responsável por ligar a Lapa ao Colégio Central. rapidamente. 21 O equipamento foi interditado no dia 25/10/2011. com 12m de desnível. funciona 24h e recebe mais de 460 mil passageiros por dia. De acordo com dados da Transalvador19. 2006) a pedido do Ministério Público do Estado da Bahia – 4ª Promotoria de Justiça do Consumidor. A Estação. O 19 Superintendência de Trânsito e Transporte do Salvador. cerca de 460 mil passageiros embarcam e desembarcam diariamente no Terminal. por isso. O objetivo da vistoria era “verificar condições físicas nos aspectos da manutenção periódica. estruturas.000. acessibilidade. O precário. correspondendo a 30. 1. a maior parte delas eternamente quebrada. a fim de constatar problemas decorrentes do uso. instalações. cinco ônibus foram disponibilizados pela Transalvador para fazer o traslado de passageiros até o Colégio Central na Avenida Joana Angélica .23 Região Metropolitana. 20 Dados do portal oficial da Transalvador e do Relatório de Vistoria da Estação da Lapa nº. percebi que o lugar deserto era propício a práticas sexuais. segurança e conforto ambiental. mas as interações que ocorriam na escada não chegaram ao ápice. Chegando à escadaria. São 325 ônibus por hora com uma frota de 511 coletivos por dia. como no caso do número de escadas rolantes – O CREA-BA apontou onze escadas na Estação da Lapa e a Transalvador nove – optei pelos dados da Transalvador que administra todas às estações de ônibus urbano da cidade. foram se aproximando e começaram a interagir. Dois homens já fingiam urinar encostados no canto da parede e. entre a Lapa e a Avenida Joana Angélica. também. sujo e inseguro terminal é a única alternativa que eu e muitos deles temos para tomar um transporte de volta para casa.00m2 de área urbanizada – possui nove escadas rolantes20.00m2. recebendo 71 linhas urbanas e 21 metropolitanas. na Joana Angélica21. dificultando a locomoção dos usuários entre um nível e outro e. cujo funcionamento 24 horas por dia. vinculada a Secretaria dos Transportes Urbanos e Infraestrutura da Prefeitura do município. foi interditada no início da década passada para obras do metrô e. O não funcionamento do equipamento.2 A LAPA: UM TERRITÓRIO MARGINAL A Estação da Lapa é o maior terminal de ônibus da cidade de Salvador.00m2 de área construída e 120. Arquitetura e Agronomia da Bahia CREA (SANTOS. dificulta a vida dos passageiros que precisam subir e descer a pé. vida útil do equipamento e estado de conservação. 007/2006.000. é pouco movimentada. elaborado pelo Conselho Regional de Engenharia. considerado pelo CREA-BA o maior do Brasil. foram interrompidas pelo barulho que alertava para a saída do “pernoitão” de 1h da manhã. Quando houve divergência entre os dados. com área total ocupada de 150. bem como verificar se aquela Estação tem condições de suportar eventual incremento do afluxo de pessoas decorrente da instalação de Posto do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Salvador – SETPS. os assaltos são constantes na Estação. “na promoção Hot-dog. Ele arrancou a minha mochila e. na qual escutamos. Apesar de contar com um posto da Polícia Militar (PM) e outro da Guarda Municipal. Matéria publicada no site do Jornal Correio no dia 28/08/2011. vendo a minha insatisfação com a tal escada. um vendedor de recargas para celular. após sair do exame de qualificação. exclama: “Anormal aqui é se tivesse funcionando!”. Um deles fazia cobertura para o outro apontar uma faca grande e enferrujada ao meu pescoço. aponta a escadaria que dá acesso à Avenida Joana Angélica como o ponto mais perigoso. que só tinha o caderno de campo e um livro. que estava vazio naquela noite. Ao me dirigir ao banheiro. Eu mesmo fui vítima de uma tentativa de assalto no banheiro da Lapa.24 drama da escada rolante quebrada é tão grande que está naturalizado nas músicas da Axé Music. com um carro. num dos versos. numa das minhas passagens pelo Terminal. principalmente de manhã cedo e à noite” e “seis vigias trabalham na estação – três de dia e três à noite – além de três duplas de policiais. deixando chinelo para trás. Um dos ambulantes da Estação relatou: “Foi gente correndo. fui abordado por dois homens enquanto urinava no segundo mictório dos fundos. Na noite do dia 20/06/2011. o assaltante escondeu a “peixeira” enferrujada nas calças. foi surpreendido pela entrada de três seguranças. mas para minha sorte eu saí de casa apressado por conta do Exame e deixei o aparelho. como é o caso de Óculos Escuros. a menina grita e ele dispara para cima provocando pânico e confusão entre os usuários da Lapa. quando vasculhava meu material em busca de dinheiro e do celular. Um dos seguranças perguntou o que estava acontecendo. fiquei ávido pelo retorno ao campo e segui da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas em São Lázaro de ônibus em direção ao Terminal. Eles queriam levar minha mochila. eu . da escada quebrada já vejo o circular”. Um deles dizia “Passa o celular” e eu respondi “Não tenho celular. Nesse dia eu havia esquecido o telefone celular que eles imaginavam estar guardado na mochila. nessa mochila tem apenas um livro e um caderno”. das 7h às 19h”. Outro problema que provoca pavor e faz com que os usuários da Lapa apressem o passo é a insegurança. De forma hábil. De acordo com o periódico da Rede Bahia. da Banda Eva. Nesse horário de 7h ainda não tem policial”. “ocorrem em média 15 assaltos por dia na estação. Essa situação está tão impregnada no cotidiano soteropolitano que. Ki-suco. Em Estação da Lapa vive pânico durante assalto a repórter Camila Mello narra o episódio em que um homem rouba o celular de uma garota na escadaria da Joana Angélica. caindo. Ao escrever sobre sociabilidade no Metrô. Os banheiros masculinos da Estação da Lapa são o ponto principal de partida para uma série de encontros homoeróticos que acontecem no entorno entre os banheiros masculinos e escadas de emergência dos Shoppings Piedade. Center Lapa. em Salvador. saunas. Diante do deboche e escárnio das insinuações dos seguranças que afirmavam coisas como – “tem muito ‘viado’ que vem pra cá chupar pau de marginal. Enquanto isso um deles se dirigiu a mim e perguntou: “Você é viado é? Você fez um programa com o cara e não quer pagar?!” Irado. Largo Dois de Julho. a antropóloga Janice Caiafa (2007) aponta que a experiência do transporte coletivo promulga sociabilidades e . pois o “cara” já deveria estar solto. seria quase possível fazer a mesma analogia que o antropólogo argentino fez com o Centro de São Paulo para caracterizar a Rua Carlos Gomes.”. O segurança fez a revista no homem e encontrou a faca enferrujada. descobri que não havia nenhum soldado de plantão e fui aconselhado por um Guarda Municipal a sair da Estação rapidamente. o que apontou a faca.. Avenida Sete de Setembro e Rua Carlos Gomes. mas. Um deles. ao chegar ao módulo policial. muitas interações que começam de forma anônima acabam em hotéis de bairros como Barris. apesar da situação – acho que esse foi único momento em que perdi a calma – respondi: “Você deve estar pensando que eu achei meu ‘pau’ no lixo pra ‘trepar’ com uma ‘desgraça’ dessa? Me respeite. Seguidas de um irônico e sarcástico sorrisinho e da afirmação de um deles que disse não ter poder de Polícia e que por isso soltaria o cara que atentou contra a minha vida – decidi procurar o efetivo da PM. boates. mas esse não deve ser o seu caso. Acatei aos conselhos e fui obrigado a evitar a Estação da Lapa por 15 dias. além da presença de michês e travestis se prostituindo em via pública. com medo de encontrar um dos dois.25 respondi que eles estavam me assaltando e que ele tinha colocado uma “peixeira” no meu pescoço e havia escondido a faca nas calças. Nesse circuito. De acordo com Pinho (2011). dizia aos seguranças “Ele fez um programa comigo e não pagou”.. terrenos baldios e da própria escada que leva até a última plataforma do subsolo do Terminal de ônibus urbano. rapaz!”. A Estação da Lapa foi escolhida por ser a ligação entre a Grande Salvador e a “Região Moral” – conceito de Park utilizado por Pherlongher (1987/2008) para referir-se às zonas de perdição e vício das grandes cidades – Boca do Lixo. O ladrão insistia em gritar que eu tinha feito um “boquete” nele e que não tinha cumprido com o acordo de pagar dez reais. pois a localidade concentra bares gays. realizar aquelas atividades cotidianas da vida social-cultural – e isso inclui o acesso ao “banheirão”. trabalhei como auxiliar administrativo no Espaço Xisto Bahia. marcar encontros. transitava pelos sanitários públicos da Estação da Lapa e dos shoppings Center Lapa e Piedade. frequentemente. Centro de Salvador e. Peter Fry e Edward MacRae (1991).3 PERCURSO ETNOGRÁFICO Os primeiros contatos com textos de temática gay. quando eu cursava a disciplina Antropologia Cultural. praticavam exibicionismo. aconteceram no decorrer da graduação. Outro fator que acarretou na escolha da Região da Lapa como campo de estudo foi o estado de degradação em que se encontram os equipamentos públicos do Centro da Cidade do Salvador e. voyeurismo. principalmente. mal conservada e insegura Estação de ônibus. mas não demorei em enxergar nessa prática uma alternativa para satisfazer os meus desejos homoeróticos. O primeiro contato misturou medo e excitação. (re)encontrar pessoas. Numa dessas passagens. São fluxos de intersubjetividades e experiências culturais que permitem a seus usuários vivenciarem. Passei a observar com atenção a atuação desses homens que. lancei outro olhar para o circuito de “pegação” homoerótica de Salvador.26 comunicabilidades de toda ordem. Emprego a palavra alternativa. ou seja. Esse contexto de precariedade faz com que a prática considerada abjeta da “pegação homoerótica” tornese ainda mais dissidente dentre as práticas sexuais “marginalizadas”. atentei para uma interação entre homens com desejo homo-orientado no interior desses espaços. Entre os anos de 2004 e 2007. 1. entre esperas e deslocamentos. como as produções dos antropólogos como Luiz Mott (2000). é possível se alimentar. Eu nunca me senti à . Estimulado pela leitura dos textos. da suja. de acordo com a autora. pois essa prática anônima e marginal representou para mim uma opção à cena gay tradicional. por inúmeras vezes. nos Barris. que sofre com o descaso da administração municipal. um ritmo coletivo de recolocação dos corpos e assumindo novos sentidos na coletividade· O fluxo contínuo de pessoas na Estação da Lapa configura várias possibilidades de relações e interações intensas e (des)contínuas entre todos os usuários. No terminal. masturbação recíproca ou não e até sexo oral nos mictórios desses movimentados banheiros. no Bacharelado em Comunicação com habilitação em Jornalismo. Através de um trabalho de observação participante. Travestis e Transgêneros). a proliferação de Paradas do Orgulho Gay em diversas partes do país e a chegada de estudantes oriundos de programas de ações afirmativas na universidade faziam com que discussões acaloradas sobre a questão gay acontecessem em sala de aula.27 vontade no circuito de bares e boates gays. entrevistei. Em 2007. de forma espontânea. É importante atentar para o dinamismo desse circuito. chega a hora de escolher o tema do trabalho de conclusão de curso de graduação. e de acreditar que estudar os discursos dessas representações era importante para compreender a cena gay contemporânea. Faltava a mim “didática” para a dinâmica da paquera e da conquista. A emergência de personagens homossexuais nas telenovelas brasileiras. imaginava que a produção deveria ser um projeto experimental que abordasse o tema homossexualidade. homens adeptos da pegação. O trabalho também contou com entrevistas de militantes do movimento gay e estudiosos da questão LGBTT (Lésbicas. é itinerante e muda conforme o grau de vigilância e repressão da prática nos sanitários públicos. é possível presenciar tais interações na região do Iguatemi. “Clube do Banheiro SSA”. A música eletrônica. No decorrer da coleta de depoimentos. e revelando a minha condição de pesquisador. De acordo com informações das fontes. Por isso. As comunidades “Pegação em Salvador”. Bissexuais. “Pegação com sigilo-Salvador” e “BSB-Bofes . Barra e até em bairros mais afastados como Paripe. Como homossexual assumido. Pituba. O conjunto de discussões de internautas nos fóruns das comunidades do Orkut sobre interações homoeróticas em Salvador também serviram de base para a formação de uma topografia de locais de “pegação” na cidade. que. os entrevistados apresentaram uma nova topografia do sexo público na capital baiana que extrapola os limites da região central. pois eram voltadas para o estudo da representação de homossexuais em telenovelas da Rede Globo ou sobre as versões britânica e norte-americana da série Queer as Folk. apesar de ser consumidor ávido das novelas e das séries. Eu não me sentia representado em nenhuma dessas produções. por muitas vezes. Gays. mas eu não simpatizava com as pesquisas realizadas na época por alguns colegas de curso. meu Projeto Experimental da graduação foi uma série de reportagens para o rádio sobre o sexo público na cena gay soteropolitana. o jogo de caras e bocas. a necessidade do corpo “sarado” me excluíam do processo. Pau da Lima e Cajazeiras. . . as interações sexuais desses banheiros públicos masculinos da capital baiana. isto é. por isso. potencializam a cena da “pegação”. que sofrem uma repressão. Esses banheiros foram escolhidos por propiciarem maior anonimato.28 Suburbanos da Bahia” possuem uma diversidade de discussões sobre a prática em locais públicos e realizam uma espécie de “agendamento” de encontros entre usuários em sanitários públicos da cidade. Dessa maneira. escadas de emergência e lugares recônditos como o teto e o subsolo da Estação da Lapa e dos Shoppings Piedade e Center Lapa. Shopping Piedade e Center Lapa. bem como a produção do significado erótico desses espaços sociais.] não é sobre uma comunidade. através de uma abordagem autoetnográfica. os trânsitos dos sujeitos nas negociações e consórcios episódicos tecidos no – e no entorno do – “banheirão”. Como esse espaço de trânsito é reconfigurado para o exercício dessas sexualidades consideradas dissidentes. através da coleta de relatos sobre sexo público entre homens com desejo homo-orientado em Salvador. Com isso. como essa cena se articula. Por conseguinte. decidi dar continuidade ao projeto de estudos no mestrado. busquei entender. com Perlongher (2008. pelo discurso heteronormativo. mas [. Eu ansiava também compreender o significado da pegação nos WC para a comunidade gay soteropolitana.] uma abordagem de certa prática e das populações nela envolvidas”. após imergir na deriva homoerótica que atravessa e demarca. pesquisando tais ambientes. os banheiros da Estação da Lapa. vivenciando a teoria aprendida e formulando novas proposições sobre o tema. Procurei compreender as negociações sexuais entre os sujeitos na cena do banheiro e entender a trama tecida entre esses homens com desejo homo-orientado. O foco da minha (auto)etnografia é o circuito de pegação em banheiros da região central da cidade. homens que fazem sexo com homens (HSH) e de outras tribos urbanas consideradas “marginais” e. durante o presente estudo... p. É preciso ressaltar. analisando os mecanismos de operacionalização desses lugares para interações sexuais. 60). os sanitários públicos. configurei.. É exatamente esse fator que impossibilita que haja uma postura metodológica rígida e de caráter homogeneizador. que este estudo “[. erótica e sexualmente. mais especificamente. São locais de circulação de uma massa de gays. A descrição das comunidades em suas páginas principais é reveladora das representações e discursos sobre a “prática da pegação” e seus locais na capital baiana. ainda que não explicitada. nem sequer sobre um grupo. Não obstante. . procedi ao registro de dados nos banheiros da Estação da Lapa e adjacências. o subúrbio ferroviário. busco levar o leitor a compreender melhor as escolhas feitas ao longo da pesquisa empreendida. Por isso. periféricos com práticas homoeróticas. É importante ressaltar que a Estação da Lapa é a principal ligação entre os bairros periféricos. de significativa importância descrever esse local de práticas sexuais consideradas dissidentes para melhor entendimento do estudo feito. Leap (2007) entende por Cena Gay um conjunto locais significados pelo contingente de homossexual para expressão de sua sexualidade. a região metropolitana e a cena Gay22 do Centro de Salvador. Em Tricks. and lovers: erotic encounters in the field. principalmente no tocante à escolha dos locais de registro. Julgo. O apelo ao erotismo é predominantemente presente e movimenta a Cena Gay Ocidental. utilizando-me de notas de campo e entrevistas com participantes. explano a seguir. que é o fundamento do seu ser. praças. antes de adentrar com mais detalhes na explicitação de meu local de registro de dados.4 SEXO E ESPAÇOS PÚBLICOS A sexualidade e o erotismo são elementos fortalecedores da identidade e cultura gay. lésbicas profissionais do sexo (travestis e michês) e de jovens negros. Dessa forma. praias e banheiros públicos) quanto em privados (bares. 1. ao observar a Cena Gay da Noruega. Ralph Bolton (1995) constata que a cultura gay comemora o erótico. estudantes que se deslocam para casa ou para escola depois de um dia de trabalho ou estudo como por um contingente de gays. A epidemia da AIDS e a pressão dos grupos conservadores não podem ser considerados os únicos motivos que provocam a condenação do sexo e do 22 Em Public Sex. friends.29 A fim de responder às questões de pesquisa e buscar atingir os objetivos. mas com o surgimento da AIDS esse erotismo teve de ser ressignificado por conta das ameaças das poderosas forças heterossexistas de morte e opressão. Gay Space. que vão em busca de diversão e sexo nos espaços de homossociabilidade da Carlos Gomes e do Beco dos Artistas. sem nenhuma vinculação identitária. boates. saunas e cinemas). assim. Essa cena é diversificada e acontece tanto em locais públicos (ruas. além de fazer referências a estudos de pesquisadores em outros países. de forma genérica. a cena gay de Salvador e recortes de outras capitais brasileiras. o “banheirão” da Lapa é encenado tanto por trabalhadores. Essas territorializações se relacionam à produção de representações sociais que definiram. trata dos espaços em que os sujeitos à deriva interagem como sendo “[o]s diversos pólos e categorias [que] funcionariam como pontos de ‘reterritorialização’ na fixação a um gênero ou a uma postura . ou agregações informais. 2010. a Praça da República. pois constituíam um dos poucos meios de conhecer parceiros em potencial. 4 apud SPARGO. Nesse sentido. no processo histórico. Perlongher (2008. na época apelidado de Central Park do Brasil. p. 22). Na década de 30. em qualquer tempo e local. Para o autor. “[o] reino da sexualidade tem sua própria política e modos de opressão internos. p. na capital paulista. porém imbricada de sujeitos que também circulam pelas redes públicas normatizadas pelo imperativo heterossexual. p. 159). 2006. “[o] território significa a brecha por entre o espaço público normatizado. Assim. o Jardim da Luz e o banheiro público da Estação da Luz foram espaços do centro de São Paulo que atraíam homens em busca de contato sexual com outros homens. a acessibilidade do homem a determinados espaços públicos potencializou os encontros homoeróticos aleatórios. as formas institucionais concretas de sexualidade. p. após passar por uma série de melhoramentos. Essa configuração de espaços para a vivência sexual dissidente toca no que Costa (2010) trata como “território”. 97). “logo tornou-se um ponto de encontro para homens interessados em paqueras homoeróticas” (GREEN.30 erotismo na cena gay. o Anhangabaú. as origens do desvio social” (COSTA. são produtos da atividade humana”. Parques e praças tornaram-se locais propícios para a “pegação” entre homens. a Avenida São João. por sua vez. o autor afirma que. 2000. os territórios homoeróticos representam a “apropriação de partes do espaço urbano no qual tais sujeitos podem exercer práticas homoafetivas. nas quais sujeitos negociam representações sobre si mesmos e estabelecem moldes culturais práticos para suas relações” (COSTA. Quando mapeia a topografia homossexual dos dois grandes centros urbanos do sudeste brasileiro no século passado. ainda segundo o referido autor. p. o Vale do Anhangabaú. p. Assim como outros aspectos do comportamento humano. 5). 21). 2010. Com isso. práticas sexuais como relações homoeróticas em espaços públicos são rotuladas como ainda mais abjetas dentro da Cena Gay. Para Green (2000). constata-se que mesmo em contextos construídos em torno de uma sexualidade considerada abjeta em relação aos padrões estabelecidos pelo discurso heteronormativo dominante. o sexo em espaços públicos é entendido como uma prática considerada dissidente. De acordo com a antropóloga Gayle Rubin (1993. Trata-se de pessoas que saem à rua à procura de um contato sexual ou. correlativamente. outro tipo de segmentação.. simplesmente. grifo do autor). “a paquera” ou a deriva. e não tão-só adscritos a uma categoria identitária pré-definida por suas práticas sexuais. 262) . 161. simultaneamente.) e. Perlongher (2008) trata de uma situação em que haveria “unidades totais”. o autor considera a possibilidade de o sujeito ocupar vários espaços no código no sentido de circularem intermitentemente na trama do desejo em diversos territórios (espaço e códigos). grifos do autor) Assim. indícios de um desempenho sexual esperado ou proclamado”. “vão para o centro pra ver se pinta algo”. 1978). 1980. Como se vê. 163). entende territorialidade no próprio espaço do código. mas ao mesmo tempo veiculando-os” (PERLONGHER. embora ressalte a importância do espaço físico na configuração da territorialidade por aquele delimitar as fronteiras do gueto desta. com uma segmentariedade binária (homem/mulher. O autor. de um engineering de altas interações: toda uma segmentariedade flexível que trata de energias moleculares” (DELEUZE e GUATARI. torna-se algo mais do que mero lugar de trânsito direcionado ou de fascinação . p. ao articular Lefevbre (1978) e Maffesoli (1985). cuja sintaxe corresponderia à axiomatização dos fluxos. p. e não estanques ou resultantes de uma identidade acabada e concreta.] A rua. fixação que manifestar-se-á na adstrição categorial e. p. Movimentos de “desterritorialização e “reterritorialização” operarão complexas “transduções” entre esta diversidade de planos. ou seja. “microcosmo da modernidade” (LEFEVBRE. [.. No entanto. 2008. que o olhar é então direcionado para as práticas do sujeito. mas como resultante de uma montagem elaborada. classificando-os segundo uma retórica. 165-166. p... dessa maneira. haveria fluxos moleculares. que fazem referência ao desejo . o dispositivo territorial agiria canalizando os fluxos.31 determinada. 1987.sacodem “disruptivamente” o corpo social. afirma que: [h]á um modo de circulação característico dos sujeitos envolvidos nas transações do meio homossexual. variáveis. na aparência gestual e discursiva.considerado não como uma “energia pulsional indiferenciada”. (PERLONGHER. jovem/velho etc. fluidas. Nesta. o autor justapõe a ideia de territorialidade à de identidade. “[a]s redes do código “capturariam” os sujeitos que se deslocam. que são situacionais. Perlongher (2008. Entendo. 1995) que se espalham em diferentes regiões dos grandes centros. 2010. restaurantes etc (COSTA. a cultura gay passa ao período (talvez ainda vigente) em que representa uma alternativa oposta ao mundo heteronormativo em várias instâncias. também. assim. ou territórios homoeróticos como sendo 'brechas' existentes no espaço público normatizado. intitulado A Inversão dos sexos. dessa maneira. ou melhor. A reação de homossexuais à repressão policial contra eles no Stonewall Inn. em Nova Iorque” (COSTA. entre o Campo Grande e a Praça da Sé. p. no sentido de que há . um espaço de circulação desejante. representa um marco inicial para o surgimento de lugares de convivência mais declaradamente gays. uma vez que se apresenta como rizomas (DELEUZE. e da 'Meca Gay Studio' 54. cujos eventos precursores temos a cultura disco norteamericana. é peculiar dentro mesmo da territorialização que se propõe distinta da sociedade (hetero)normatizada. A configuração desses espaços. nos dias atuais. em 1969. como bares. 23). Entretanto. 2010). Estados Unidos. experiências eróticas etc. de “errância sexual” (MAFFESOLI. ocorrendo o que Costa (2010) chamaria de “modificação estética do gueto gay”. isso ficou constatado desde a década de 30. Na capital baiana. heteronormatizado. A maioria dos pontos de sociabilidade gay está concentrada nessa zona da cidade. próprias de espaços ora alternativos. dança. Esta 'errância sexual' refere-se à busca pelo prazer obtido nas práticas sexuais consideradas dissidentes. a territorialização se apresenta de uma maneira um pouco diferenciada. De acordo com Luiz Mott (2000. Por isso. 76). p. Nesse sentido. quando um trabalho do médico Estácio de Lima. ora imbricados no espaço mainstream. “[e]sse contexto reforça a territorialização homoerótica nos bares e boates das grandes cidades. Assim. ruas e praças do centro também servem de ponto de encontro para homens que fazem sexo com homens que figuram. apelidou o Campo Grande de “o covil famoso dos invertidos da terra”. principalmente na música. moda. dos anos de 1970. esse território considerado dissidente no tocante às práticas homoeróticas que aí se dão. é que Costa (2010) fala de territorialização.32 espetacular perante a proliferação consumista: é. boates. não havendo assim uma homogeneidade quanto a esses espaços no que concerne ao combate puro e simples contra os preceitos heteronormativos. heteronormativo. 1985). os sujeitos que frequentam esses lugares de sociabilidade e/ou práticas sexuais nem sempre se inserem (ou se vêem) em uma comunidade gay supostamente homogênea. 2010.33 condições híbridas variáveis e múltiplas entres os seguintes aspectos: as condições heteronormativas e de gênero. idade. que ocorre. Os bares e boates da região central da cidade – localizados entre o Campo . tem cerca de 3 milhões de habitantes. Assim é que surgem o que o autor chama de micro-territorializações (COSTA. 1999) que se interseccionam. na cena gay da capital baiana. 2007). Praia do Jardim de Alah. gordo. o circuito da orla de Salvador também vem se consolidando como área de convivência gay e espaço para o sexo público. p. Levando em consideração o entendimento de Perlongher (1987) e Costa (2010). em locais como Cristo e Farol da Barra. publicada no extinto Jornal Província da Bahia no ano de 2004. A cidade de Salvador que. Praia dos Artistas. como qualquer outra metrópole no mundo. conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). um dos informantes dessa pesquisa. formas rizomáticas ativadas e desativadas em consonância com o desejo (não com uma identidade pré-existente ou sentimento de pertença a um gueto gay específico) homoerótico. Atualmente. Vale atentar para a constante reclamação de frequentadores desse circuito quanto à pequena variedade de locais de homossociabilidade em Salvador. Em matéria intitulada “Está o ó do borogodó”. diversidade e de preços altos e serviço ruim. possui uma cena gay. a diversidade de reuniões e misturas culturais pós-modernas. é significativa a presença de marcadores de diferença (PARKER. os frequentadores do circuito de bares e boates gays da cidade já se queixavam de mesmice. as propostas também unificadoras de uma cultura gay alternativa. nos quais se apresentam oportunas as experiências afetivas para com o mesmo sexo (COSTA. impostas em meios familiares e profissionais. Atualmente. raça e cor. que se autoidentifica como urso – homossexual masculino. no bairro de Itapuã. 23). como classe. na Boca do Rio e Pedra do sal. peludo e que rejeita o padrão gay vigente marcado pelo privilégio de uma estética em que é preciso combinar um corpo com músculos definidos e roupas da moda – queixa-se de falta de opções especificamente direcionadas para os “gays da caverna” nas três boates destinadas ao público LGBT em Salvador. frequentemente. no bairro da Pituba. falta de variedade. Atualmente o quadro não mudou. isto é. são apenas dois clubes de sexo: a “Queen’s Club”. com menor poder aquisitivo e pejorativamente rotulados como bichas “baixo astral”. O estabelecimento atualmente vive um momento de decadência e o proprietário queixa-se de diminuição de público. ‘leather” (espécie de segmentação dos ursos que cultuam o couro) “sadomasoquistas” (adeptos das práticas sexuais mediadas pela dor para a obtenção de prazer sexual). A “Queen’s Club” funciona desde o ano 2000 e foi idealizada pelo ex-garoto de programa e hoje empresário André Cupolo. com shows de “gogoboys”. e o “Cine Cabine 155”. Diante dessa polarização. em que se persegue o cada vez mais musculoso. onde as pessoas podem assistir a filmes eróticos e manter relações sexuais através de “buracos” nas paredes que as separam. São Paulo e Rio de Janeiro. De acordo com informações da homepage oficial. nota-se a carência de espaços para o exercício de sexualidades consideradas mais dissidentes em Salvador. que constrói uma etnografia sobre clubes de sexo para homens na capital paulistana. que aconteciam no primeiro e terceiro domingo do mês. situada no bairro central dos Barris. em que os homens dançavam de cuecas ao som de muita música eletrônica podendo. em sua maioria. Não é permitida a prostituição ou presença de menores de . Uma casa onde a famosa “pegação” pode ser realizada com segurança. discrição. é claro! Casa feita para proporcionar encontros entre clientes. sexo explícito ao vivo e eventos temáticos como “A Festa da Cueca”. Rio Vermelho e Patamares – é o conjunto de templos dos gays da classe média-alta soteropolitana. O lugar oferece vídeo-locadora com filmes pornôs. o “Cine Cabine 155” é um [e]spaço de entretenimento para o público ADULTO masculino. higiene e com muito prazer. Já o circuito gay da orla – que compreende bares e boates localizados em um eixo de bairros nobres e pontos turísticos como Barra. Em Salvador. conveniência. Nas principais metrópoles do sudeste brasileiro. são notáveis a presença de estabelecimentos de sociabilidade e exercício de prazer para “ursos”. como mostra a tese de doutorado de Camilo Albuquerque de Braz. localizado no boêmio Rio Vermelho. hoje personificado num ideal “barbie” – ressignificação gay da boneca americana de corpo “perfeito” para um ideal de beleza masculina. negros e pardos e oriundos de bairros populares. “ploc-ploc” e “pão com ovo”. quando funcionava também como danceteria. desfrutar do darkroom (quarto escuro destinado à prática sexual).34 Grande e a Rua Carlos Gomes – são frequentados por gays. sex shop e glory holes – cabines. A casa viveu seu auge na década passada. ainda. assim definimos o 155. orkut.. Apesar de estar em funcionamento há mais de um ano. dentro da própria cena gay. mas moro em ssa. então. mas quando resolvi ir embora umas 20:00 tava começando a movimentar. (usuário 5) (Diálogo entre usuários da comunidade “Pegação em Salvador” Disponível:http://www. na ocasião da apuração para a matéria do Província da Bahia. sou de Maceió . no site de relacionamentos Orkut comentam que a casa não “pegou” entre o público soteropolitano. água mineral e refrigerantes) e espaço para fumantes. Fuja de lá. com algum cara bem discreto!! Queria saber se vale a pena tentar algo na CABINE 155!! (usuário 1) Se ainda não fechou não merece uma visita. e estou indo p SSA semana q vem!! Curto uma pegação bem discreta. Fui à casa em uma tarde de domingo do verão de 2011 e apenas cinco pessoas estavam no recinto.estive lá a (sic) duas semanas assim que cheguei o movimento estava fraco. só tem moscas la (usuário 4) Bom.com. e aqui na cidade quase n saio c caras com medo de ser descoberto.Eu só fui lá 3 vezes. São dez cabines com buracos. era possível notar um certo receio entre os entrevistados em assumir frequentar lugares exclusivos para a prática de sexo dentro do ciclo de sociabilidade gay.br/Main#CommMsgs?cmm=12960 93&tid=5603201462720959029acesso em 10/05/2011) Ainda em 2004.. e já tem mais de 4 meses que eu não vou pelo fraco movimento. o “Cine cabine 155” parece não ser muito frequentado. Tal incômodo pode ser oriundo do fato de que. cada uma equipada com TV exibindo vídeos eróticos de vários gêneros além de quarto escuro. e ser chupado. No fórum “Como está a Cabine 155?”.35 idade. era umas 18:00. foi legal. mas assim se vc quiser marcar seria bom. (usuário 2) pois é (usuário 3) já tem muito tempo que abriu e o movimento não cresce. É comum no circuito LGBTT a “demonização” de estabelecimentos como os clubes de sexo. eu também não recomendo. Os usuários da comunidade “Pegação em Salvador”. espaço de convivência. mas tinha q sair nesse tempo fiquei com dois. os homens que frequentam lugares de “pegação” são rotulados como promíscuos e sujos e são descartados para a constituição de um relacionamento mais formal e estável. . saunas e cinemas pornôs. mini bar (onde podem ser consumidos cerveja. Queria aproveitar essa ida a SSA p dar uma chupada. vemos o seguinte relato: Sou de Maceió. de um dos frequentadores de uma boate gay classe média soteropolitana. também em Salvador produz-se mais um espaço social. no que concerne aos sujeitos que os produzem (não pertencentes a nenhuma categoria identitária fixa e pré-existente). 2002) que acabam tornando singularizada uma parte do espaço público” (COSTA. p 25). sendo tal hibridismo resultante da dialética entre as formas normatizadoras da sociedade e os posicionamentos transgressores de tais normas dos sujeitos. enquanto a “Off”23 é mais “hipócrita”. 2010. cujas interações homoeróticas nem são vistas e percebidas por aqueles que não se interessam a elas (COSTA. ligadas tais formas e tais posicionamentos pelo desejo. Como se nota. como na deriva atenta e na paquera por entre a multidão. ora em locais com muito contingente como os banheiros públicos. . reflete a hierarquização desses espaços de sociabilidade homossexual no imaginário do público: Para ele a “Queen’s” banaliza o sexo. já que a maioria do público da “Off” frequenta a casa com o mesmo objetivo: sexo. tal qual preconizado por Costa (2010) sobre o micro-território. que cobra entrada em torno de 30 reais – considerada por alguns participantes da pesquisa como “a boate das bichas bicudas”. mas pela afetividade e sexualidade (MAFESOLI.36 A fala seguinte. sujeito às opressões internas e intrínsecas de que trata Gayle Rubin (1993). também. a permissividade também 23 Boate gay situada no bairro da Barra. fato que constrói trajetos e pontos de parada e contato sobrepostos aos corredores de circulação e aos lugares mais comuns das tarefas outras cotidianas. Ressalte-se. os sujeitos que produzem estes localismos criam o micro-território (COSTA. O fato de o espaço público ser negado à expressão e experimentação do desejo homo-orientado resulta na produção de “localismos ou reuniões expressos pelo ‘aqui’ e ‘agora’ estético sem propósitos funcionais ou reisificados. que Costa (2010) chama atenção para o fato de que. p. A deriva desses sujeitos. um espaço caro para os padrões médios soteropolitanos. híbrido. ao passo que o microterritório se configura como um espaço para a experiência homoerótica menos passível de atos homofóbicos e discriminatórios. assim. composto pelo hibridismo de sujeitos que convergem no que concerne ao desejo sexual. se dá ora por entre espaços pouco frequentados. 25). 2010. Ao burlarem a organização da normativa sociedade mainstream. 2010). a emancipação homossexual passa atualmente por uma fase de definição muito restrita da identidade sexual” (POLLAK. “o homem ‘superviril’ ou ‘macho’ tornou-se ideal: cabelos curtos. outra industrial e o centro – que serve ao mesmo tempo como ponto de concentração administrativa e comercial. ligado à indiferenciação dos papéis masculino e feminino. 79). na luta contra esse estereótipo. em virtude da impossibilidade de visibilidade social dela. p. 2010. muitas vezes. Assim. Na subseção a seguir apresento a visão de alguns autores que pesquisaram a prática sexual em banheiros público e situo o leitor quanto à escolha desse contexto para a pesquisa realizada. 64 apud PERLONGHER. trabalha também com o conceito de “região moral”. com o crescimento de populações legitimamente homossexuais que se diferenciam da famigerada “bicha louca”. mas muito insegura quanto à vida desses sujeitos (COSTA. 1. mas buscam oportunidade de lucro rápido e oportunismos financeiros que acabam gerando atos de violação pessoal pelo roubo. citando Park (1973). entendo que o banheiro público se torna uma das formas de microterritorialização das quais trata o autor. 25. Assim: “enquanto o tema da emancipação dos heterossexuais está. 2008. e é no sentido de funcionar como 'brecha' por entre a dissidência e as regras normatizantes da sociedade heteronormativa que o tomo neste trabalho como micro-território. Atos de bandidagem se misturam com oportunismos lucrativos envolvidos com a sexualidade e com a homofobia. Dessa maneira. extorsão.37 se apresenta perigosa em relação ao contato direto com outros 'transgressores' que não somente são 'transgressores quanto aos determinantes sociais'. p. e como lugar de reunião das populações . atentado e violência. p. por exemplo. bigodes ou barba. corpo musculado”.5 O “BANHEIRÃO” COMO LOCAL DA PRÁTICA SEXUAL HOMOORIENTADA Perlongher (2008) demonstra como a homossexualidade tem se despido de características que a estereotipam Isso se dá. 1983. grifos do autor). Perlongher (2008). furto. tornando a deriva homoerótica uma atividade necessária. entendida como “o espaço urbano em círculos concêntricos: uma faixa residencial. constata-se uma valoração a partir de parâmetros comportamentais do segmento. Preciado (2011).br/babymarcelo/181254/ Acesso em: 20/12/2007) . a partir do século XIX. O banheiro público é. que. uma categorização em que homens que buscam “aventuras” em locais públicos. por sua vez. Ao discutir a relação entre os banheiros e o sistema de gêneros. afirma que. junto com as saunas. sem dúvida. são fundamentados pelo modelo heterossexual. ocupado/livre”. um exemplo de microterritório imerso na região moral da qual trata o autor. A autora atenta para o fato de que “escapar do regime de gênero dos banheiros públicos é desafiar a segregação sexual que a moderna arquitetura urinária nos impõe há mais ou menos dois séculos: público/privado. p. mas é também o mais perigoso. p. decente/obsceno. o menos ‘amoroso’. pois está sujeito a esporádicas irrupções policiais”. pênis/vagina. visível/invisível. Essa marginalização é evidenciada no hit da drag music a Piranha do Banheiro. Na cena gay. por sua vez. O sanitário público é um local de interação homoerótica que desperta muita polêmica. 65 apud PERLONGHER. 69). como banheiros. A música – que explodiu nas boates LGBTs e ganhou as pistas dos clubes heterossexuais – trata da pegação em banheiros com o humor e a ironia marcantes do gênero das Drags e reflete a condenação a esse tipo de comportamento dentro da própria cena gay: Piranha! Eu sou a piranha do banheiro! Samba! Meu corpo é um carnaval Eu sou a troya. os sanitários públicos se transformam de forma progressiva em “cabines de vigilância do gênero”. “o mictório ocupa o lugar mais baixo na categorização dos locais de engate homossexual. p. 177-178). isto é.terra. o mais diretamente sexual. de pé/sentado. homem/mulher. Tece-se uma série de princípios éticos e morais.com.38 ambulantes que “soltam”. Para Perlongher (2008. são marginalizados. seus impulsos reprimidos pela civilização” (PARK. É. 2008. eu sou o pecado A vergonha! Eu sou a piranha! Eu sou a vagabunda Meu corpo é um carnaval Vagabunda! Raspada! Safada! Eu sou o pecado a vergonha Baby Marcelo (Disponível: http://letras. ali. 1973. e. Todavia. em A cena Gay de Salvador em tempos de AIDS. p. aceitar determinadas categorias de percepção que os façam. já que há muitos . um dos nichos mais típicos e preferidos dos adeptos do sexo anônimo. Ainda com Mott (2000. 88). incluindo Shoppings Lapa.C. decorrentes das transformações urbanas. a antropóloga Carmem Dora Guimarães – que classifica as relações entre eles como homossociais (relações sem conotação sexual entre indivíduos do mesmo sexo) e homossexuais (engloba relações de busca de prazeres sexuais como as interações homoeróticas em lugares públicos) – relata a “pegação” entre seus informantes como uma tentativa de ocultar a identidade homossexual quando é conveniente e atenta para a utilização de códigos não-verbais na hora de firmar tais contatos. 2000. p. de estações de transporte coletivo e de edifícios empresariais. com o progressivo desaparecimento de banheiros de rua. 88. Bourdieu (1999) traz o conceito de efeito de destino responsável pela tendência do dominado em assumir. mas sob outro ponto de vista. Itaigara etc. “viver envergonhadamente suas experiências sexuais”. a respeito de si. há discreta paquera homoerótica.” Esses espaços constituem-se como alternativas para preservar. Barra. por exemplo. impessoal e não mediada por palavra – como. Em etnografia pioneira sobre homossexuais que formam uma rede na Zona Sul carioca nos anos 1970.. isto é. para que não se sofra sanção decorrente da “transgressão” dos padrões legitimados pelo discurso dominante.] em todos os sanitários masculinos dos shoppings centers de Salvador e em alguns supermercados mais movimentados.. São tais W..] Dependendo da audácia dos frequentadores e da tolerância dos vigilantes. observa-se um esboço de uma topografia homossexual: “[. de hipermercados. Iguatemi. (MOTT. o ponto de vista dominante. todo tipo de intimidade homoerótica.. conforme a leitura de Nussbaumer (2007). afirma que: [. Embora nesse mesmo plano. Piedade. de particulares. grifo meu) Apesar da forte vigilância.39 Luiz Mott (2000). banheiros de grandes shoppings. novos locais são significados como espaços da chamada “pegação” – esta caracterizada como breve. dentro das privadas. não se pode descartar o fetiche pelo sexo em banheiros públicos. em tais lugares. como supõe Mott (2008). o desejo sexual. se pratica voyeurismo e masturbação recíproca no próprio espaço dos mictórios. longas horas. 2011. Eu sou bonita. Eles queriam que o comportamento se limitasse mais ou menos como ficam um rapaz com uma moça. grifo nosso) Em Fiestas. divertido e pasmado.] Dois ou três tipos fingem urinar. com aberturas de clubes de sexo. aí ela fica satisfeita. vê que outro louro. 75. Ou então a tradicional tirania da “bicha” de classe média. Paga ao garçom e vai urinar. há um bar aberto... até bem pouco tempo alguns bares do beco não permitiam carências mais intensas entre homens. O medo do falo ereto fora da calça faz com que o “viadinho” que é dono do bar fique chocado. Isso não é porque a polícia proíbe. Nos anos 60. O que acontece no sanitário? Ele é muito explícito e não há clima para caras e bocas. Londres e Nova Iorque. Lúcio tem a uretra pudica e retira-se sem satisfazer seu desejo. Eles atribuem o desaparecimento a fatores como a privatização do circuito do sexo. [. que estava na calçada do Deserto. Los gays porteños en la ultima dictadura (2001). ao descrever sua deriva sexual em um diário. Córdoba.. O dono do bar que não quer que um rapaz alise o pau do outro. Líper (2008) acredita que a prática do “banheirão” é uma alternativa à repressão do próprio circuito de estabelecimentos gays de classe média: Uma contradição é que nós temos locais oficialmente gays e que a repressão acompanha. conversando. mas o que fazem é mostrar a mercadoria fálica. ninguém pega ninguém e vai para o sanitário. (CARELLA. vendo que o jovem se masturba com um frenesi cego. Entra.. Quem não quer não faz. eu sou isso.] Abstraído nestes pensamentos olha sem ver os grupos que se reúnem na calçada do bar: permanecem de pé.40 gays assumidos que são assíduos frequentadores desses ambientes simplesmente por sentirem prazer “pelo medo e pelo risco”. cines eróticos e também as . nem bote pra fora. relata o episódio em que teve o pênis “chupado” por um rapaz no banheiro de um bar do Centro do Recife. Surpreende-o a disposição do mictório: é uma espécie de pia de azulejos brancos. explorar a clientela e não permitir que eles façam nada contra a moral vigente. por exemplo. o teatrólogo argentino Tulio Carella. p. sem divisões. o deseja e o segue. baños y exilios. Um pouco mais adiante. É um moralismo do dono do bar. Ao sair. e logo que desabotoa a braguilha surge um rapaz louro que se inclina e chupa seu membro de surpresa. em Pernambuco: [. Isso fica abominante. e volte no outro dia para ser torturado. Ali é putaria mesmo. numa rua transversal. O ideal é vender uma cerveja muito cara. Flavio Rapisardi e Alejandro Modarelli acenam para um declínio da prática da “pegação” em banheiros nas grandes cidades Ocidentais como Buenos Aires. Lúcio deixa. mas saia de lá frustrado. Ela quer sim que você pague. Desde 2000. .41 mudanças arquitetônicas e urbanísticas proporcionados pelo neoliberalismo. mas constata-se que a privatização do circuito do sexo não ocorre com a mesma velocidade por aqui. Não é possível notar esse declínio da prática da pegação em Salvador. a capital baiana conta somente com duas casas do gênero: Queens e Cabine 155. pois os banheiros de shopping e estabelecimentos privados são extremamente vigiados. que. o que é ser um “homem de verdade” no Brasil? Na última seção. com origens históricas. também é necessário discutir qual o discurso que regula a eroticidade heterossexual hegemônica. fugindo do que se convencionou permissível para um “macho” dentro da conjuntura social brasileira. o foco do seu trabalho era entender a maneira como ela funciona na sociedade.42 2 EROTICIDADES HETEROSSEXUAIS MASCULINAS: TENSÕES EM TORNO DO MODELO HEGEMÔNICO Nos anos 1970. Estimulado pelas reflexões de Foucault. o historiador e filósofo prestou grande contribuição para a pesquisa da sexualidade e foi um dos responsáveis para que tais estudos seguissem um rumo que divergia da maioria das pesquisas da época. A obra de Foucault é importantíssima para a compreensão da sexualidade para além dos aspectos biológicos. O objetivo é discutir outros modelos de eroticidade heterossexual masculina permissíveis na prática do “banheirão”. neste capítulo problematizarei o modelo de masculinidade hegemônica presente no imaginário brasileiro. sociais e culturais. que eram construídas sob uma ótica médica e patologizante. desde o período vitoriano. Com essa perspectiva provocadora. de certo modo. isto é. Lançarei o meu olhar para essas heterossexualidades periféricas e. com a publicação do primeiro volume da História da Sexualidade. Foucault contestou o discurso dominante disseminado sobre a sexualidade. Logo. A preocupação principal de Foucault não era definir ou conceituar a sexualidade. Ao evidenciar que a sexualidade é uma categoria construída. a matriz heterossexual hegemônica. reforçou a premissa de que o comportamento sexual era característica ou fato natural da vida humana. discutirei a hierarquia que se construiu tomando como topo o modelo hegemonizado e como base a ostensiva repulsa em relação aos afeminados. mas cujas práticas alteram. Os relatos de campo que seguem ilustram identidades de homens que se auto-definem heterossexuais. para isso. Foucault ajudou a canalizar o olhar dos cientistas sociais para o papel que o discurso conservador das instituições exercia na formação da sexualidade ocidental. a sexualidade não é estática e sofre mudanças com os processos históricos e sociais que fazem com que novas modalidades sejam sempre produzidas. . Diferente do modelo “Bicha” e “Bofe”. a da “bicha”. “Bichas” de Belém em nada pareciam com os “entendidos” dos grandes centros brasileiros. ficava perceptível que as representações das relações sexuais-afetivas entre ‘homens’ e ‘mulheres’ esboçavam 24 Modelo de relacionamento homossexual não pautado na dicotomia “ativo” e “passivo”. Para melhor aprofundamento ver a etnografia pioneira O Homossexual visto por Entendidos de Guimarães (2004). naquele contexto cultural. Ainda segundo Fry. As ações de penetrar (atividade) e de ser penetrado (passividade) são o reflexo de um cenário em que o “bofe/homem” domina e a “bicha” é submissa.43 2. no Pará. p. e sim de práticas homoeróticas na deriva urbana de Salvador e dos sujeitos nelas envolvidas. . Ao “homem” cabia se comportar de maneira “masculina” e à “bicha” reproduzir um comportamento “feminino”. Para Fry. a função do “bofe/homem” é penetrar. No ato sexual. logo veio à memória as reflexões realizadas por Fry (1982) no artigo Da Hierarquia à igualdade: a construção histórica da homossexualidade no Brasil. pois não se trata de “comunidade” ou de um “grupo”. p. 60). afinal. As 24 ou gays de classe média díades atividade/passividade. cuja proposta é “investigar a construção das categorias sociais que dizem respeito à sexualidade masculina no Brasil” (FRY. Por isso.1 A MASCULINIDADE HEGEMÔNICA E AS HOMOSSEXUALIDADES BRASILEIRAS Ao deixar de ser apenas um adepto da “Pegação” nos sanitários públicos da Estação da Lapa e adjacências e lançar um olhar também de pesquisador sobre esse objeto tão dinâmico. A acertada postura metodológica do etnógrafo parte da reflexão de que esses conceitos teriam sido gestados pelas ciências biomédicas e apropriado pelo movimento homossexual das grandes cidades e enfatizavam a igualdade entre parceiros. entre os “entendidos” a passividade não estaria necessariamente ligada à feminilidade e os papéis sexuais não seriam tão demarcadas e poderiam variar entre os parceiros. o tipo de pesquisa aqui apresentado escapa dos eixos tradicionais da Antropologia. Era um modelo sexual regido pelas dominação/submissão. 87). como já disse a partir de Perlongher (2008. presente entre os gays das classes médias dos grandes centros urbanos brasileiros a partir da década de 1960. 1982. o que era destoante do modelo de “Bofes” e “Bichas” predominante na periferia de Belém do início dos anos de 1980. ser penetrada. fica evidente que conceitos de “homossexual” e “homossexualidade” não poderiam ser utilizados em pesquisa de campo realizada por ele em Belém. p. Parker (1999. Ele nota que a utilização da palavra comer para descrever a penetração ativa até nas relações entre machos e fêmeas é um reflexo da 25 A terminologia HSH – Homens que fazem sexo com homens – surgiu nas políticas de saúde para o enfrentamento HIV. apesar da “bicha” ser considerada uma figura desviante.94. 2007. p. as relações entre “bichas” e “bofes/homens” eram normativas e não representavam uma transgressão perante a ordem sexual vigente. e não na “homossexualidade”. Diante disso. Uma conduta semelhante à das mulheres era designada aos homossexuais com trejeitos femininos e passivos. o fato de se relacionarem com homossexuais. um estudo com dois grupos de “homens que fazem sexo com homens” (HSH)25 de bairros pobres de duas cidades costeiras do Peru. nota 35) .44 basicamente um sistema pautado na dominação e na submissão. pensam que essa denominação é problemática por “dissolver a questão da não-correspondência entre desejos. Ele notou que as relações sexuais entre esses homens com condutas marginais e clandestinas eram aceitas e toleradas quando mantidas num pseudo-anonimato. Ainda no âmbito da América do Sul. É indispensável ressaltar que ao bofe/homem era permitido manter relações sexuais com pessoas do mesmo sexo sem ferir a sua condição de “homem de verdade” caso desempenhasse o papel de ativo. mas não eram oficialmente assumidas. a capital Lima e Trujilo. Muitos autores. mostrou um modelo de relações afetivo-sexuais semelhante ao observado por Fry na periferia de Belém e também pautado na atividade/passividade. Segundo Fernandez-Dávila (2005). Elas eram uma espécie de “segredo aberto” e poderiam até figurar como fofoca. travestis e mariconas não violava a masculinidade de homens que também se envolviam com mulheres e desempenhavam atividades consideradas pertinentes à conduta de um heterossexual. práticas e identidades numa formulação que recria a categoria universal ‘homem’ com base na suposta estabilidade fundante do sexo biológico. em verbos como comer e dar”. dentre eles Júlio Simões e Sérgio Carrara. ao mesmo tempo em que permite evocar as bem conhecidas representações da sexualidade masculina como inerentemente desregrada e perturbadora” (Carrara e Simões. Ao refletir sobre o sistema de gênero brasileiro. como “homens de verdade”. 55) observa que “talvez em nenhum outro lugar do mundo esta distinção entre atividade e passividade seja mais evidente do que na linguagem popular usada para descrever as relações sexuais. Logo aos mostaceros/esquineiros machos e ativos cabia se comportar de forma viril. Esses homens são popularmente chamados de esquineiros quando mantêm relações sexuais com afeminados sem fins lucrativos e mostaceros quando praticam sexo pago. com o intuito de conciliar a divergência de comportamento sexual e identidades entre esses homens. no mar de Salvador.45 dominação simbólica presente na cultura tradicional brasileira de gênero e em diversos contextos o verbete pode significar possuir ou vencer. Até a década de 1990. A bicha fechativa é certamente a categoria homossexual que sofre . de Janete Clair. o crescimento estrondoso da Parada do Orgulho Gay de São Paulo. Após três décadas da publicação da obra de Fry (1982) e há mais de uma década da publicação do livro Parker (1999). José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (BONI). que se relaciona com iguais. corpo atlético e com parceiro de características semelhantes) estão bem consolidadas no imaginário do brasileiro. de classe média. o Tarcísio (Meira) e a Glória (Menezes).. é evidente que a forma de o brasileiro encarar a sexualidade e o gênero passou por profundas transformações.rapazes efeminados ou "desmunhecados". Atualmente.). a uma só voz: ‘Irmão. mais de três mil barcos e trinta mil pessoas cantavam.. eu e minha família. Os barcos iam navegando e todos cantavam hinos religiosos. exibir-se. narrou um episódio que demonstra a força desse produto televisivo no país: “No dia 1º de janeiro de 1971. a novela das oito (exibida às 21h) chegava a marcar 60 pontos de audiência (cada ponto é equivalente a 60 mil domicílios na Grande São Paulo). inclusive dentro da própria cena gay. Não comungar desse ideal do gay másculo.. as representações de um homossexual afeminado (com trejeitos femininos e muito semelhantes ao modelo “bicha” versus “bofe/homem” apresentado por Fry) e de um homossexual próximo da figura do entendido (másculo. e alguns familiares fomos participar da procissão marítima do Senhor dos Navegantes em Salvador.. as telenovelas da TV Globo ainda são os programas televisivos mais assistidos no Brasil. A ação do Movimento LGBT organizado. 2011. foi mais visto que a vitória do Brasil sobre a Itália na final da Copa do Mundo de 1970.” (OLIVEIRA SOBRINHO. Esse último modelo citado foi tomado como padrão e aqueles que não se enquadravam nele passaram a ser estigmatizados socialmente. Já o verbo dar é utilizado como sinônimo de submissão passiva de quem é penetrado. atirando flores e jogando beijos. se chamem entre si de "monas". que no vocabulário gay. Quando perceberam que o Tarcísio Meira estava em uma das embarcações. “um capítulo de Irmãos Coragem. 26 Apesar de ter perdido audiência nas últimas décadas. embora alguns adotem nomes femininos. as pessoas do barco ao lado começaram a entoar a música de abertura de Irmãos Coragem e a coisa foi passando de barco em barco. "mulher". etc. De repente. chegasse até as camadas mais populares da população. 27 "o povo chama de 'bicha louca'. De acordo com reportagem da Revista Veja. Eram mais de mil barcos no mar. "Fechativa" ou "fechação" vem de "fechar". a trama das oito Avenida Brasil chega a marcar em média 40 pontos e é a atração mais vista pelos brasileiros. que não têm como esconder sua "androginia psicossocial"... e que se distinguem dos travestis por que não se vestem de mulher. um dos responsáveis pela criação desse modelo de teledramaturgia. um dia antes.” Em sua autobiografia lançada em 2011. p 259. viril e monogâmico coloca o sujeito divergente sobre rótulos pejorativos como o da “bicha louca e fechativa”27. Milhares de embarcações tentavam se aproximar da nossa.. ou no "bichionário" é sinônimo de "dar bandeira". a proliferação de uma série de outras paradas gays nos lugares mais longínquos e distantes do país e a presença de personagens homossexuais nas poderosas26 telenovelas da Rede Globo contribuíram para que a figura do Gay másculo e de classe média. é preciso coragem. branco. da “bicha pão com ovo”28 e do “gay promíscuo”. como ‘Queremos Deus’. Atualmente. "arrasar".... E nesse sistema racial á brasileira. Em uma das minhas idas a campo. apesar da busca pelo “homem de verdade”.f. podem tornar-se brancos. branco. ou melhor. mas a maioria dos que fazem pegação naquela região são homens que utilizam daquela Estação para pegar ônibus e fazer o percurso casa/ trabalho ou escola e vice e versa 30 Apelidada de Roma Negra. tentei contato verbal com um homem de cerca de 60 anos. sem escrúpulos nem dignidade e com lapsos de caráter. na fronteira entre o macho e a fêmea. aquela bichapão-com-ovo.: Gustafa.19125. é unificado pelo desejo sexual homoerótico. A figura daquele senhor discreto. Disponível em: <http://revistacriativa. pelo contrário. (pejorativo) (P) 1. a minha experiência levou-me a perceber que. exatamente por se situarem.br/bvs/publicacoes/cd10_09. mas é necessário informar que em uma terra tão negra como Salvador. eu descobri as interações homoeróticas que ocorriam aos fundos do Farol da Barra e a “pegação” nos sanitários de Shoppings e Estações de ônibus.html em: 30/11/2011>. na viagem de volta para casa depois da balada. sempre de calça comprida e camisa de botão xadrez. Disponível: http://bvsms. mestiça e moradora da periferia da Capital29.00.: Aquela lacria saiu voada da domingueira com as bichas-pão-com-ovo. Seja no mictório do sanitário do piso de serviços da Lapa maior discriminação e violência. agora deu pra ficar dando em cima do meu bofe!”. 3. Isso não quer dizer que esse desejo seja uniforme. a dificuldade de inserção na Cena Gay de cidade grande – na qual o objeto de desejo ideal era o homem másculo. indefinidamente. que sempre estava presente no mictório da Lapa. 2. Diante da variedade e da heterogeneidade dos freqüentadores não é possível afirmar qual o tipo de homem que pratica a “pegação” nos sanitários públicos da Estação da Lapa. em sua maioria negra. ela não se enxerga mesmo. Homossexual pobre culturalmente. para os padrões soteropolitanos30. Ex. já eram onze e meia e ela não podia perder o último metrô. de corpo atlético e que conseguia manter um padrão de classe média e sustentar uma vida boêmia nos bares e boates da moda e vestindo roupas de grife – fez como que eu enxergasse na prática da “pegação” uma oportunidade de exercer a minha sexualidade de forma livre.gov. Diz-se das bibitas que não têm condições financeiras para comer na rua e levam um pão com ovo para comer na condução.46 Como já explicitei no capítulo anterior. numa entrevista itinerante. Em pouco tempo de convívio na Capital.com/Criativa/0.” Texto extraído do Manual do Multiplicador Homossexual do Programa Nacional DST/AIDS do Ministério da Saúde. numa conversa informal. os negros que possuem a pele mais clara e o cabelo menos escuro e se enquadram num padrão mais próximo ao do branco europeu. Refere-se àquela bicha de moral baixa. parece até clichê reafirmar aqui que a Capital da Bahia é a cidade mais negra do Brasil.saude. Ex. .ETT1224057-5456. me chamou atenção. Não tenho dúvidas que esse contingente de trabalhadores e estudantes. 2012 29 Essa afirmação não exclui a presença de homens de outras classes sociais. e calvo.pdf em: 30/11/2011 28 “Bicha-pão-com-ovo – S. no final dos anos 1990. convencionou-se um degradê de cores e tonalidades.globo. Há travestis que dizem ter sofrido mais violência nas ruas quando eram "bichinhas" do que depois que vestiram saia. após chegar do interior do Estado para estudar em Salvador. Acesso em: 20 jan. esse desejo se manifesta de maneiras muito heterogêneas e diversas. homens como nós. reencontro-o encostado em uma das pilastras do Terminal de ônibus. Ele frequentava a minha casa. Gosto de novinhos de 20 anos. Eram 18h de uma segunda-feira do mês de outubro. Ele me contou: “O rapaz era maior de idade. em meio ao horário de pico da Estação da Lapa. mas na sauna não. o homem é receptivo ao meu papo e narra. Conta-me que foi casado com uma mulher por mais de 25 anos. O senhor de cerca de 60 anos era um deles. quando fui a uma. Puxo conversa. “Eu era louco para conhecer a sauna quando morava no interior. com quem tem uma filha de 22 anos. que mantêm relações sexuais com outros homens em lugares públicos e não . Ele é professor de matemática aposentado da Rede Estadual e viu seu casamento terminar após a esposa descobrir a paixão e o caso amoroso com um aluno da escola na qual ocupava o cargo de vice-diretor do noturno. a fila do posto de recarga do Salvador Card estava imensa e. ele sempre carregava na mão uma lata de cerveja. mas. Nesse sistema. O professor aposentado é mais um homem que. Aí. fez com que os adeptos da pegação corressem e se dispersassem. o fluxo de homens em busca de prazer entre os sanitários e a escada da última plataforma era grande. Tava cheio de rapazes novos. Passava por aqui todo dia para pegar ônibus e via a putaria. Em um momento. a antropóloga norte-america Gayle Rubin (2003) atenta para o fato de que as sociedades ocidentais modernas classificam os atos sexuais conforme um sistema hierárquico de valores sexuais. enxergou no banheiro uma oportunidade de exercer sua sexualidade dissidente. tinha 19 anos e era aluno do terceiro ano. brevemente. numa cidade do interior do estado. Minutos depois. eu dava aula num Colégio aqui no Centro. Nós passamos a andar junto o tempo todo. O professor me contou que o primeiro contato dele com a “pegação” na Estação da Lapa ocorreu após solicitar transferência para uma escola na Capital. bonitos. Em Pensando o Sexo: Notas para uma Teoria Radical da Sexualidade. ninguém me quis. junto-me a uma dezena deles que fingia urinar e se masturbava na escada. malhados. sua história. enquanto isso. A passagem de uma viatura da PM. Eu sempre o observava comprando mais cervejas no isopor do primeiro piso de embarque e desembarque. nas imediações da escada. Meu grande erro foi presenteá-lo com uma motocicleta. não curto velhos da minha idade”. como eu. A cidade toda ficou comentando e isso fez com que minha mulher confirmasse as suspeitas e terminasse comigo”. mas eles só queriam os novinhos como eles e me desprezaram. Aqui é possível pegar caras novos.47 ou na escada da última plataforma. nem o de “Masculinidade Hegemônica” 31 . dominador. Ainda segundo o esquema apresentado por Rubin. 2. percebi que nem o conceito de homossexualidade. um mau cheiro estonteante. provedor e preferencialmente branco. 31 A “Masculinidade Hegemônica” garante a legitimação de ideais fundados dentro de um “patriarcado brasileiro” e representa a consolidação de um homem viril. de longa duração. contribuinte que se sente lesado com alta carga tributária desse país. mictórios com vazamento que fazem com que a urina caia sobre os pés dos usuários. após uma manhã de trabalho.2 O “HETEROSSEXUAL PASSIVO” E OUTRAS HETEROSSEXUALIDADES FLEXÍVEIS EM CAMPO Começava mais uma tarde de sol escaldante em Salvador e. Aos adeptos da “pegação” resta o olhar patológico e criminal. Naquela tarde de terça-feira.48 somos monogâmicos. mas é proposital. o local sofre degradação total. gestado nos moldes de um movimento homossexual de classe média. resolvi passar no sanitário da Estação da Lapa com o intuito de realizar mais uma maratona de observações para esta pesquisa. pois como cidadão. Como Fry (1982). um homem isolava o mictório e deixava como opção para os passageiros apenas as privadas. Essa descrição da atmosfera física da Estação parece exaustiva. serviam para pensar a questão das relações homoeróticas na Estação. local onde se ficava extremamente exposto por não ter portas. falta de portas nas cabines. Dava pra ver alguns homens que defecavam sentados no vaso sanitário e outros urinavam ou defecavam nos cantos do banheiro. que figuram no limite da respeitabilidade. ficamos muito abaixo dos casais lésbicos e gays estáveis. ao lançar o olhar sobre o meu objeto de pesquisa. Como já havia sinalizado no capítulo anterior. torneiras sem pia. fazem parte das castas sexuais mais desprezadas. Para aprofundamento nesse conceito ver PINHO (2011) e ALMEIDA (2000) . pois parte da população já deixava a Capital para aproveitar os dias de Corpus Christi e de São João no interior. que rejeita outras formas de masculinidade divergentes da firmada pelo modelo viril e másculo brasileiro e latino americano. não consigo deixar de esboçar a minha indignação diante da omissão dos poderes públicos perante a tamanha degradação. Esse modelo de masculinidade não abarca a série de masculinidades líquidas que surgem em contextos considerados transgressores. em que a cidade já tinha cara de feriado prolongado. wikipedia. inspirada pela cultura do surfe. . eram visíveis. a homossexualidade. que não davam sinais de interesse em interações homoeróticas. algumas “bichas pintosas”34 conversam sobre o estado de degradação daquele banheiro estacionadas em frente aos espelhos e um deles diz “tem gente que está gostando”. Saímos juntos os três do sanitário. Ele era negro. Ele não se aproximou do mictório. através de gestos e trejeitos. começa uma troca de olhares. Muitas marcas relacionadas ao surfe surgiram de indústrias artesanais. ele encosta-se na fileira oposta do mictório que nós usávamos. o sanitário do piso L2 estava cheio. O servente do banheiro entra em cena. carregava uma mochila nas costas e havia estacionado no último mictório do banheiro. pois olhava com muito desejo e sem disfarçar para nós dois. mas me chamou atenção. Logo em seguida. Não demorou muito para que percebesse que eu o observava. Entramos no banheiro da Estação. alto. eu e o outro rapaz deixamos o mictório e nos dirigimos à pia para lavar a mão. trajando camiseta regata amarela. forte. ele o cumprimenta e pergunta: “De folga hoje”? Ele responde: “É. a homens jovens oriundos de bairros periféricos. pranchas de surfe e outros acessórios. 34 Termo pejorativo utilizado para rotular gays afeminados que “dão pinta ou bandeira” demonstram.49 Saí daquele banheiro em direção ao do Shopping Piedade. a excitação é visível pelo volume dos pênis eretos que transparecem. Os movimentos de masturbação. Realmente. Quando o sanitário da Lapa sofre alguma interdição o fluxo nos sanitários do Piedade aumenta. interrompidos com a chegada de homens estranhos. começamos a trocar olhares e eu encostei-me no mictório que estava ao seu lado e. dentro das comunidades onde eles residem. o rosto e arrumar o cabelo. magro e muito atraente. todos caminham em direção a Estação da Lapa. O homem de regata amarela – que pelo visto trabalha no Shopping Piedade – também para em frente ao espelho da pia e nos olha. ouro ou prata. O silêncio impera. negro. De repente. finge urinar. um homem de mais ou menos 25 anos me chamou atenção. Dentre os usuários. comecei a me masturbar. Tinha um belo sorriso. roupas de mergulho. dando um rolé [sic] e curtindo meu dia de folga!!”. Disponível: http://pt. suprindo surfistas com bermudas. se referindo aos 32 É um estilo popular de vestuário casual. pois o tesão que sentia era perceptível.org/wiki/Surfwear em: 20/11/2010 33 Cordão de bijuteria. Não cheguei a temê-lo. O batidão é um acessório da estética do Hip-Hop e do Funk Carioca e nas duas últimas décadas foi incorporado por jovens adeptos do pagode baiano em Salvador. chegou um homem. Para no meio do banheiro e tenta olhar nossos pênis. que confere status e prestígio. vizinho a Lapa. mas apesar de caminharmos na mesma direção não trocamos uma só palavra. Com a chegada do servente. bermuda surf wear32. também. batidão33 dourado no pescoço. Ele encostou-se a uma das sacadas do primeiro piso. já traz elíptico o fazer sexo. chegamos a parodiar o título “Amar. eu vou confiar em você. A expressão “fulano fez”. Vou ligar pra ver se ela já saiu”. por volta de 15h e era impossível “fazer35“ ali. O negro alto desistiu e se desvencilhou da gente. pois consegui conversar bastante com ele no caminho. Perguntei há quanto tempo 35 No meio LGBT e entre os adeptos da pegação o verbo “Fazer” não necessita de complemento. Você tem local?”. Minha mulher é policial (tive a impressão de que falou para tentar me amedrontar). de 13 anos. O mictório continuava interditado. que transitam sedentos por uma interação homoerótica entre os sanitários dos shoppings Lapa. que durante a noite numa espécie de breu – estava muito iluminado por conta do horário.50 homens adeptos da “pegação”. Piedade e da Estação da Lapa e as escadas de emergência desses estabelecimentos. Minha esposa está no trabalho. Nunca levo ninguém para minha casa e você tem cara de que é do bem. é nenhuma”! “Pode ficar tranquilo que é limpeza”. E resolve me convidar para irmos até a sua casa: “Olha. O segurança preferiu fazer o trajeto a pé. Eu respondi que morava distante da Lapa com meus pais e não tinha local. verbo intransitivo”. verbo intransitivo” de Mario de Andrade com a expressão “Fazer. eu e o homem de camisa amarela voltamos para a parte superior da Estação da Lapa. eu não quero problemas com sua mulher. próximo à saída para o Colégio Central. está trabalhando em Camaçari e só vai voltar às 18h. Subimos a escada rolante em direção a Joana Angélica e seguimos andando para o Matatu de Brotas. “É só a gente não demorar”. moro com minha mulher e duas filhas no Matatu de Brotas. Em rodas de conversas com colegas lingüistas gays. Vamos lá pra casa. Olhando o tempo todo para minha bermuda que marcava o volume do pênis ereto. na Avenida Joana Angélica. Ele se aproximou de mim e disse: “Não posso vacilar aqui porque sou segurança do Piedade e alguém pode me ver aqui fazendo pegação. E. Dá pra gente foder a vontade”. . deve está saindo para um curso. eu parei próximo. A opção dele foi proveitosa para mim. Você tem a certeza de que ela não irá voltar antes? Obtive como resposta: “Brother. Ele telefona para a filha e constata que a garota não está mais em casa. ele respondeu: “Eu sou casado. seguíamos a nossa “deriva” a procura de um lugar para concretizarmos o nosso desejo. minha filha mais nova de 2 anos está na creche e minha outra mais velha. Fomos até a escadaria da última plataforma da Lapa – pouco movimentada por ter ficado interditada por muito tempo durante as intermináveis obras do Metrô – o lugar sujo. Concordei em ir. mas fiz ressalvas: Negão. por exemplo. 51 “rolava” esses “lances” com ele no banheiro? Ele respondeu: “há mais ou menos três anos. Depois de transar com um primo fiquei ligado nessas coisas e comecei a frequentar, os banheiros, mas com muito cuidado porque não posso me queimar, depois de trabalhar no Shopping”. Ele completou “a gente pega muitos caras fodendo dentro das cabines e é muito constrangedor. A gente leva para a administração, eles assinam um livro de ocorrência e, em seguida, são conduzidos para o módulo policial e podem até ser presos. Você sabe que é crime de atentado ao pudor!”. Eu retruco: - Mas até você que curte a putaria faz isso com os caras?”Ele responde: “tenho de fazer quando sou solicitado pelo cara da limpeza, ou quando estou com outros colegas. Quando pego sozinho, eu peço para sair e digo que eles podem ser presos”. Em seguida, conta-me que “todo” segurança faz. E já fez com três colegas no vestiário do Shopping Piedade. Pergunto se isso não “vaza”, se não rola boato, fofoca e ele responde que não, pois todos são casados. Ele me deu a dica e os horários de trabalho de um funcionário da limpeza do banheiro próximo à entrada da C&A do primeiro piso. Disse que o rapaz trabalha a partir das 14h e folga às quintas-feiras. É um “cara gostoso, malhado e macho”, discreto e “não dá pinta” e adora “sentar numa pica”. Conta também que na semana anterior, havia feito sexo com um policial colega de trabalho da esposa. “Eu estava bebendo com ele, minha mulher e a dele na casa dele, no dia de Santo Antônio e percebi que ele olhava para minhas pernas diferente”. “Ficou tarde e acabamos dormindo na casa dele”. “Transamos a noite toda enquanto nossas esposas dormiam. Ele me chupou e eu chupei ele, comeu o meu cu e eu comi o dele. Foi massa. No outro dia fomos embora e fingimos que nada tinha acontecido”. Passamos pela Avenida Joana Angélica, pelo Campo da Pólvora, descemos a Ladeira do Estádio da Fonte Nova e continuávamos a andar e conversar. Na Ladeira dos Galés, nos deparamos com um adolescente muito atraente trajando short e camiseta, o garoto aparentava ter 16 anos, de longe admiramos a beleza dele, as pernas grossas, a bunda grande e ele confessou-me ser assediado por um vizinho adolescente de 15 anos, que o menino era uma “tentação” e vivia convidando-o para transar dentro da casa de seus pais, quando eles saiam para trabalhar. O segurança jurou-me nunca ter cedido aos assédios do menor – criado pela mãe e pelo padrasto – considerado por ele um homem muito “gostoso” e atraente. O garoto confessou-lhe manter relações sexuais com o marido da mãe quando a mesma sai para o serviço. 52 Logo depois, ele olhou para o ponto de ônibus no qual estava parado um jovem de aproximadamente 25 anos e falou “tenho certeza que aquele ali é da putaria”! Nós dois olhamos para o rapaz que correspondeu o olhar e nos seguiu até o Supermercado Bompreço do Matatu. Sugeri que ele convidasse o jovem para também ir até a casa dele e temeroso de que a presença de mais um pudesse levantar suspeitas na vizinhança ele recusou. Enfim, após passar pelo supermercado, descemos a primeira de uma série de escadarias e adentramos a invasão36 em que ele reside. Não demorei a perceber que ele era muito popular no local, pois cumprimentava vários moradores (homens e mulheres) que transitavam as ruas estreitas. Ao chegar à escadaria onde morava, ele simulou uma conversa para fingir que nos conhecíamos de outro contexto mais familiar “Rapaz, minha mãe estava prestando atenção e viu que ela exagerou na bebida”. Depois cumprimentou a vizinha de frente à sua casa – que fica n 1° andar de um sobrado. Adentramos a casa, fotos das filhas. Ele oferece água; eu aceito. Sou conduzido por ele até o quarto do casal. Começamos a nos beijar, despimo-nos e ele insiste numa penetração sem camisinha. Eu recuso e acabo gozando quando ele me faz sexo oral. Noto a foto de um homem na cabeceira da cama e pergunto quem é. Embaraçosamente, ele diz que é o cunhado, mostra-me fotos da filha adolescente e da menor, mas nenhuma fotografia da esposa. Peço para ir ao banheiro, pensei em me lavar, mas não tinha água. Uso papel higiênico para limpar o pênis com resto de esperma e sou interrompido por ele, que simulando certa aflição, diz ter ouvido o celular tocar. Eu, que tenho ouvidos muito sensíveis, não escutei nada. Vai até o quarto, pega o telefone e diz que a ligação era da filha adolescente. Retorna, e diz “Cristiane37, como você esquece sua apostila?”. “Você precisa sair porque minha filha esqueceu a apostila e está voltando para buscar.” Finjo sair apressado. Ele me conduz até a frente de casa, pois necessita abrir o portão e se despede dizendo “Na próxima semana, Alberto te paga a outra parte, ele está no 36 Conjunto de habitação popular erguido a partir da ocupação de um terreno público ou privado, geralmente desprovido de serviços básicos, como educação, segurança, saúde e saneamento. Nas metrópoles do sudeste brasileiro, esse tipo de moradia é denominado favela. Em Salvador, até a década de 90, a palavra favela, tinha uma carga negativa e, por isso, os próprios moradores preferiam o termo “invasão”. Atualmente, jovens da periferia e do Subúrbio Ferroviário influenciados pelo movimento HipHop, pelo Funk Carioca e, principalmente, pelo “Pagode Social” ou “Neo-pagode” (denominações utilizadas pelos veículos de comunicação para rotular bandas de pagode baiano, que cantam problemas das comunidades) utilizam a palavra “favela” com um cunho de auto-afirmação. Expressões como “Você é Favela ou é Orla?” e “Sou Favela” são muito comuns para afirmar essas origens, mas em outros contextos, menos poéticos, e dentre outras faixas etárias, a palavra invasão ainda é predominante. 37 Todos os nomes de personagens desse trabalho são fictícios para preservar as identidades das pessoas 53 trabalho agora”. O que me fez pensar que aquele lar era construído por um casal homossexual. O episódio relatado acima me fez lembrar uma cena vivenciada antes do ingresso no curso de Mestrado, em meados do ano de 2009, quando realizei um précampo para escolha do objeto e elaboração do anteprojeto desta pesquisa. Numa tarde de sexta-feira, fazia observação no sanitário público da Estação de Transbordo do Iguatemi38, quando percebi que alguns dos adeptos da pegação subiam no vaso para observar uma interação que acontecia entre dois homens na cabine de deficiente físico, que é maior do que as outras. Percebendo tamanho alvoroço e excitação, movido pela curiosidade que a mim é inerente, negociei com outro homem que ocupava a cabine vizinha para subir no vaso sanitário. Logo dei de cara com um homem negro de mais ou menos 1.90 metros sendo penetrado por outro homem negro dentro da cabine. Após presenciar a cena, desci do vaso sanitário, saí da cabine e passei a observar a movimentação dentro do sanitário. Alguns minutos depois os dois homens deixaram a cabine e se separaram. O homem que penetrava saiu rapidamente pela passarela de pedestres e sumiu em meio à multidão que trafegava na movimentada região. Já o que estava sendo penetrado se dirigiu ao ponto de ônibus da estação, onde esperava condução para retornar ao lar, possivelmente depois de uma jornada de trabalho, pois ele trajava a calça da farda de uma empresa de segurança e carregava uma mochila nas costas. Fiquei a observar o homem de longe, pensei em fazer um contato verbal em busca até de uma possível entrevista, mas naquele momento não tive oportunidade. Voltei para casa frustrado, pois poderia não encontrá-lo nunca mais. Mais ou menos quinze dias se passaram, eu retorno a Estação Iguatemi. Gostaria de explicitar que no início dessa pesquisa eu carregava uma imensa dúvida, pois ainda não havia definido o recorte geográfico da minha pesquisa. Sabia que diante da problemática de deslocamento em uma metrópole com a dimensão de Salvador, eu precisava optar por uma região da cidade e, mais tarde, venho escolher a Região da Estação da Lapa. Os motivos dessa escolha já foram explicitados no capítulo anterior, mas penso que a Região do Shopping Iguatemi, considerado o novo Centro financeiro da capital baiana, também, oferece um cenário de investigação bastante dinâmico. 38 De acordo com reportagem de Daniela Prata, exibida em 25.07.2011 no programa “Bahia no ar” da TV Itapoan, Rede Record, a Estação de Transbordo do Iguatemi é a terceira em número de passageiros da Capital Baiana, 65 mil pessoas embarcam e desembarcam no local que funciona 24 horas por dia. Na matéria, a repórter mostra o estado de degradação do sanitário masculino, sujo, sem torneira e com vazamentos. Disponível: http://www.youtube.com/watch?v=hbnIbELsb3c em: 30/11/2011 ele senta ao meu lado. sou casado. O papo sobre a família é a deixa para que eu pergunte sobre como ele se define sexualmente. se outro dia vi você ‘dando a bunda’ para outro ‘cara’ na cabine de deficientes do banheiro aqui do transbordo”? Obtenho como resposta que “isso não tem nada a ver. estrategicamente. enquanto olhávamos um para o outro. pois tenho horário para chegar em casa. pois. uma camiseta regata branca e com uma mochila nas costas. me deparo com o mesmo homem. pois é um “cara homem”. anda e fala como um homem. Trocamos olhares e começamos a nos masturbar. finjo urinar no mictório ao lado. respondo que não. Ele me conta que tem 32 anos. Puxo uma conversa e ele me convida para voltar ao sanitário. se o cara é “plantado39“. Sento-me em um dos bancos da Estação e logo após. tenho filhos e respeito a sociedade e não saio por aí provocando e dando pinta”. é casado com uma mulher. 39 O termo “plantado” é muito usado em chats e sites de relacionamentos gays para designar que não se é afeminado ou cheio de trejeitos. mas moro com minha mãe. mora no bairro de Massaranduba. Diante dessa afirmação sinto-me à vontade para provocá-lo e digo “Como você pode se considerar heterossexual. Ele me segue. Com o intuito de me aproximar. trajando uma calça de uma empresa de segurança patrimonial.54 Mas agora voltemos a Estação de Transbordo do Iguatemi.” Insisto e pergunto mais uma vez como ele se define sexualmente. ele pode ser ativo ou passivo. não anda rebolando e nem desmunhecando e não freqüenta o meio-gay. Informo que não posso. comporta-se como um homem. na Cidade Baixa. guardo o meu pênis e deixo o sanitário. Já passavam das 19 horas e ao adentrar ao sanitário masculino. que coloquem em xeque a masculinidade e a virilidade. Em seguida. e tem um filho de 6 anos. . Ele responde que se considera heterossexual. ser bicha é se comportar como uma bichinha. dar a bunda não seria aceitável para um macho e ele responde: “me considero um heterossexual passivo. Ele pergunta se sou casado. para a maioria das pessoas. uma vez que os diversos sujeitos envolvidos se autodenominam heterossexuais. O meu objetivo nesse tópico é apresentar uma série de práticas sexuais de homens que se auto-identificam heterossexuais. apesar de casado e “pai de família”. saunas e outros lugares de encontro gay e mistos da Capital da Argentina. As trajetórias eróticas desses homens adeptos da pegação em banheiro e suas práticas divergentes são uma ameaça à masculinidade hegemônica ou. 2008). freqüentemente. No texto. . Tal como Figari. o segurança que. A leitura do artigo publicado por Figari (2008) intitulado Heterossexualidades Masculinas Flexibles influenciou a minha abordagem metodológica. Todas elas extrapolam o permissível pelos padrões da eroticidade heterossexual masculina hegemônica vigente. trabalharei nesta seção com descrição de “cenas” de campo e trechos de entrevistas para descrever essas performances divergentes do discurso hegemônico. baseado principalmente em observação participante e não participantes em darkrooms. concede penetrar e ser penetrado por outro homem. as concepções mais rígidas da masculinidade-heterossexualidade hegemônica. podem colaborar para a manutenção desse modelo tradicional de masculinidade. observadas por mim em campo (a pegação no banheiro da Estação Lapa e Adjacências). pois tais práticas apenas são permitidas em contextos de anonimato. fraturem.55 2. o autor descreve diversas possibilidades de variações eróticas consideradas por ele heteronormativas. nas mais diversas performances sexuais.3 O JOGO DAS HETEROSSEXUALIDADES FLEXÍVEIS Os relatos de campo apresentados acima mostram experiências em que a heterossexualidade se concretiza através de masculinidades e heterossexualidades flexíveis. embora. se observarmos por outra ótica. O jovem que se auto-intitula “heterossexual passivo”. e o professor casado que se envolve amorosamente com um aluno mais jovem e faz “pegação” em banheiro rasuram o sistema de gênero heteronormativo vigente na sociedade brasileira e latino-americana (FIGARI. num beco escuro. Os limites da casa. não importa se o cenário para as práticas é a casa. Ainda no texto de Parker sobre a cultura sexual do Brasil contemporâneo. gays. os colaboradores da pesquisa acreditam que o contexto secreto do “banheirão” em que se pode ser anônimo em meio ao público é um dos poucos lugares da permissividade.56 2. também habitado por tipos considerados mais marginais como prostitutas. lugar do aconchego e valores familiares. que a dinâmica das interações homoeróticas em contextos de anonimato (banheirão.3. Elas podem se concretizar nas ruas. do sexo menos domesticado e de exercício de um comportamento sexual que se distancia do ideal de masculinidade hegemônica. escadas. a rua da grande cidade. O lar é o local da sexualidade doméstica.1 A sacanagem – “Todo mundo faz” – “Por debaixo do pano tudo pode acontecer” Parece. homem provedor e bem sucedido é indispensável para se poder flexibilizar a heterossexualidade. Parker (1991) chama a atenção para expressões populares consolidadas no imaginário erótico no Brasil como “debaixo do pano tudo pode acontecer”. da fantasia. 1985) e Parker (1991) demonstram o poder da oposição rua versus casa na organização da vida diária dos brasileiros. Da Matta (1978. praças. necessitam ser respeitados. As obras de Freyre (1992). ou em uma praia deserta. Por outro lado. Ouvi de dois ex-namorados que conheci quando fazia “pegação” . continua a ser um domínio muito mais associado ao masculino. Estar distante daqueles para quem é preciso manter o status de macho. mesmo com a emancipação e a chegada da mulher ao mercado produtivo. boêmios. parques) proporciona a criação de arranjos que extrapolam os limites mais comuns dos contatos entre homens heterossexuais que se arrogam “machos”. a fala de uma das informantes aponta para o fato de que é imprescindível estar escondido na hora do ato sexual. Até entre alguns que se autodenominam gays. do perigo e também dos prazeres considerados dissidentes. É o lugar do trabalho. Salvas raras exceções. “entre quatro paredes tudo pode acontecer” ou ainda “as paredes vêem. A rua é o território da vivência da liberdade. de fato. malandros. a premissa de que a casa é o lugar do sexo “limpinho” e familiar e a rua está destinada ao sexo considerado “sujo e selvagem” prevalece. mas não falam” que seriam índices da forte distinção entre as performances sexuais no público e privado na nossa cultura. Ambos aparentam entre 30 e 35 anos. beijavam-se e masturbavam-se mutuamente. e a Pedra do Sal. É a exploração manual do reto e do "trato digestivo" ou da vagina como uma proposta de busca do prazer.punho) Prática sexual que consiste em inserir o punho no ânus ou na vagina. entre um intervalo e outro. disfarço e a desculpa é que estava mijando”. estava fazendo pegação’. Eles faziam sexo oral. Um deles era negro. em Itapuã. 41 Ato de desfrutar da urina do parceiro. Anonimato do Centro Cena 1: Em conversa informal. Cena 2: Dois homens interagiam na escada de emergência do Center Lapa. sejam atores de práticas que podem colocar em risco as suas condutas e reputações sexuais e destruir a imagem de “homem de verdade” e. . que “esse tipo de coisa não se faz com o namorado. negro. enquanto faz compras para seu estabelecimento comercial na Avenida Sete de Setembro e na Rua Carlos Gomes. com base em trechos de relatos etnográficos. trajava camiseta listrada. procuraremos entender os fatores que funcionam como condicionantes para que esses homens. A prática também é conhecida como golden shower (Estados Unidos) e watersports (Reino Unido) 42 Salvador é uma cidade litorânea. a rua das grandes cidades potencializa encontros eróticos entre homens há séculos no Brasil. ao mesmo tempo. nos banheiros e escadas de emergência dos Shoppings Piedade. Apesar de já ter ouvido inúmeros relatos de Cruising de homens com práticas homoeróticas no Parque da Cidade (situado entre o Itaigara e o bairro de Santa Cruz). Fist . adeptos da prática de Fisting40 e de Chuva Dourada41 antes do início do relacionamento. a prática da pegação ao ar livre acontece mesmo em praias como a do Jardim de Alah e da Pedra do Sal. magro. na Pituba. Center Lapa e da Estação da Lapa. Os adeptos geralmente gostam de sentir a urina sobre a pele ou ingerir o líquido. pois se perde o respeito”. um empresário. não existe aqui uma tradição de visitação a Parques como acontece em São Paulo. ajudam a manter essa imagem perante os círculos profissionais e familiares. em uma tarde na plataforma de serviços da Estação da Lapa. A fala dos dois pareceu-me reforçar o velho discurso de que a única posição destinada aos conjugues é o “papai e mamãe”.57 no sanitário da Estação da Lapa. A seguir. auto-identificados como heterossexuais. 40 Fisting (do inglês. diz “Eu não curto fazer pegação em praias42 como o Jardim de Alah. Se me pegarem saindo de lá não terei álibi e vão dizer ‘É viado. casado e que constantemente “caça”. Como vimos no capítulo anterior. 40 anos. Caso seja surpreendido por um conhecido num dos sanitários daqui do Centro. Ele explica que o prédio. Sigo com ele até o local. calçava um sapatênis e carregava um jaleco branco e um caderno. eles ejaculam. A pegação está correndo solta. Em meio a troca de carícias. na Avenida Sete de Setembro. O local é insalubre. O 7° andar sofre com infiltrações e alagamentos.” . Tomamos o elevador que só vai até o 5º andar. Um deles. trajando bermuda preta e camiseta regata listrada e calçando um tênis estilo Jogging masturbava-se de olhando para o meu pênis que estava semi-hereto. Hoje mesmo saí de casa para fazer um óculos aqui. Você freqüenta: Ele diz que não. Deixamos o edifício juntos. se aproximou de mim e. confessa-me que é heterossexual e tem uma companheira com quem mora no bairro de Plataforma. e se caso for um homem deve-se franzir também no joelho para que a calça não fique muito esticada com efeito de Leggin e a transformando em uma ‘calça feminina’.58 bermuda cargo e chinelos. onde vários homens se masturbam. no Subúrbio Ferroviário de Salvador e completa dizendo “tudo que rolou morre aqui”. escadas de emergência e prédios do Centro de Salvador proporcionam a esses dois homens casados e “chefes de família” o anonimato para exercer uma sexualidade considerada suja e que 43 “Skinny é o modo como se é cortada a Calça Jeans. camisa pólo cor de rosa. Conto para ele que soube que nas ruínas de uma fábrica abandonada em Plataforma acontece muita “pegação”. trajava calça jeans skinning43. “No bairro onde eu moro é sujeira. convidou-me a deixar o sanitário. Fico sozinho na escada e resolvo retornar ao sanitário da Estação da Lapa. pois tenho astigmatismo”. Nas escada. mexendo a cabeça e gesticulando discretamente. com o comprimento um pouco maior que o normal pode-se franzi-la um pouco no calcanhar. ele pergunta se aceito ir até o edifício onde ele trabalhou por dois anos. Encosto no mictório dos fundos. ponho meu pênis para fora. Ele coloca-o na boca e em seguida pede para ser penetrado. O homem negro que anteriormente encontrei interagindo sexualmente na escada do Center Lapa observava. localizado nas imediações do Relógio de São Pedro. os banheiros. o corte é bem justo a perna tanto na coxa quanto na panturrilha. mas o ato não se concretiza por falta de camisinha. Eu só faço quando vou ao Centro. O outro era branco para os padrões soteropolitanos. Ele pediu para que eu esqueça o que aconteceu. tinha piercing na língua. Nos dois relatos de campo apresentados acima. Do lado de fora. usava os cabelos alisados e tingidos de preto. Todo mundo me conhece. subimos dois vãos de escada. é cheio de consultórios médicos e está fechado a partir do 6º andar e confessa que sempre leva homens que encontra na Lapa para o 7º andar. disse ter sido transferido para a loja de Paripe. As notícias veiculados nos meios de comunicação soteropolitanos e a minha própria vivência em espaços de “pegação” me fizeram acreditar na existência de uma vigilância mais truculenta à prática do “banheirão” em novos centros de convergência da periferia como as Estações Pirajá e Mussurunga e no Centro de Abastecimento de Paripe. Esse horário . Mesmo que venham a ser surpreendidos por pessoas de um desses círculos. Eu o parabenizei pensando na transferência como uma ação benéfica para o comerciário. Argumentei que a “pegação” era bastante forte nos banheiros do Centro de Abastecimento de Paripe e o rapaz retrucou “Mas aqui no bairro é foda. Cumprimentamos-nos. Por essa razão. mas muitos dos colaboradores dessa pesquisa sinalizaram que a proximidade de suas casas. encontro ocasionalmente. dos Shoppings Center Lapa e Piedade são os lugares preferidos para que esses homens saiam à caça. É preciso explicitar que com o crescimento de Salvador novos centros vão surgindo e locais como as Estações Mussurunga e Pirajá vão se configurando como espaço de “errância e desejância”. pois trabalharia perto de casa e não levaria uma hora para se deslocar. os fatos de urinar no intervalo das compras ou se deslocar para confeccionar óculos especiais para um determinado problema de visão constituem-se em álibis para eles. Todo mundo conhece a gente. um dos colaboradores da pesquisa. No final da tarde da segunda-feira 23/07/2012. casado. pelo visto. preferem a possibilidade do anonimato do Centro. por isso. Ele afirmou ter detestado a medida. os banheiros da Estação da Lapa. saí de casa em direção ao Centro de Abastecimento de Paripe para fazer compras.59 poderia destruir suas reputações perante familiares. por agora ficar longe dos banheiros de “pegação” do Centro. Marcos tem 28 anos. No trajeto. encontrariam dificuldades para explicar suas presenças durante a noite numa praia rotulada como um lugar de “pegação gay” ou nas ruínas de uma fábrica abandonada. E a segurança é muito violenta. a circulação de vizinhos e parentes são empecilhos para que se sintam à vontade para fazer “pegação” nesses lugares e. vizinhos e parceiros nos negócios. é evangélico. Ele. pois agora escrevia a dissertação. e logo em seguida ele me pergunta “Tem ido lá (em referência a Estação da Lapa)”? Eu respondi que não estava mais fazendo trabalho de campo. que. Esse é um fator que também inibe a participação desses homens na “pegação” nos banheiros desses locais. que antes trabalhava na filial no Shopping Piedade. pai de três filhos e trabalha em uma rede de lojas de eletrodomésticos. A estrutura conta com dois sanitários para os passageiros e um exclusivo para rodoviários e funcionários. Uma lanchonete. mas não demorou muito e fomos surpreendidos por uma dupla de seguranças patrimoniais que adentrou o sanitário gritando “sai daí rebanho de viado”. o Presidente do Grupo Gay da Bahia (GGB). Um deles apontava a arma para mim. salas de administração e fiscalização. um módulo da Polícia Militar. A noite já havia caído. O terminal. que chegou a ser socorrido por uma viatura da PM. De acordo com o documento protocolado por Cerqueira. solicitando a apuração do assassinato de um homem de 32 anos no sanitário da Estação Mussurunga44.500 m2. duas guaritas. teria atirado no abdômen de um dos homens adeptos da “pegação”. que entenderam o código e não interromperam a interação. um policial militar de serviço no terminal. sendo um deles exclusivo para deficientes auditivos.500 m2 e verde paisagística de 3. Os dois adeptos da pegação deixaram o sanitário apressadamente. são 115 ônibus circulando por hora. um estacionamento privativo e 25 telefones públicos. mas não resistiu e morreu a caminho do hospital. farmácia. Para não levantar suspeitas. da Coordenação de Informação e Atendimento à Comunidade (CIAC). No dia 09/09/2011. peguei logo no meu pênis por cima da bermuda. Trinta e uma linhas urbanas saem do terminal. do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Salvador (SETPS) e do Grupo Especial de Repressão a Roubo de Coletivos da PM (GERC).60 mesmo tem um baixinho escroto da porra. a Estação Mussurunga foi inaugurada em 21 de novembro de 2001 e fica localizada na Avenida Luiz Viana Filho (Paralela). Eu parei em frente à pia e fingia lavar a mão enquanto observava. mete a porrada na galera e não deixa ninguém fazer nada”. um deles apontou uma arma na cabeça de um dos rapazes. na entrada do bairro de Mussurunga. agência do Banco Popular funcionam no local para atender os 30 mil usuários que embarcam e desembarcam diariamente na Estação Mussurunga. alisei e mostrei para eles. Estão instalados no local. Eu continuei fingindo lavar as mãos e tive que passar pelos dois seguranças que pararam na porta fazendo uma espécie de um corredor. por volta das 20h do domingo 04/09/11. com uma frota de 144 veículos por dia. além de postos do Juizado de Menores (provisoriamente desativado). após receber denúncia de passageiros de que um grupo de homens fazia “uma orgia no banheiro do local”. Marcelo Cerqueira. encerramos o papo e fui com certa pressa para o banheiro do Centro de Abastecimento. que funciona 24 horas. possui uma área física coberta de 7. . Chegando lá me deparei com dois homens negros que se masturbavam no mictório. encaminhou uma carta à Corregedoria da Polícia Militar do Estado da Bahia. Eles estavam distantes um do outro e olhavam-se. Em meio a uma sequência de gritos e palavrões. 44 De acordo com informações do portal da TRANSALVADOR. “Transamos a noite toda enquanto nossas esposas dormiam”. tinha como tema o espancamento de um Babalorixá adepto da “pegação” no sanitário público da Estação Pirajá45. além de postos do Juizado de Menores.” 45 De acordo com informações do portal da TRANSALVADOR. um módulo da Polícia Militar. salas de administração e fiscalização. O Silêncio Cena 1: No diálogo que tive como o segurança do Shopping ele conta-me que “todo” segurança faz. a chamada de uma das matérias do programa popularesco “Que Venha ao Povo” da TV Aratu. partiram para a agressão. casa lotérica. negro relatou ter sido espancado nas dependências do banheiro por quatro Guardas Municipais que em seguida o fizeram sair nu no meio da Estação. possui uma área física de 22. o Babalorixá. 130 mil pessoas embarcam e desembarcam nas três plataformas do terminal. E já fez com três colegas no vestiário do Shopping Piedade e que o que é feito entre eles não vira boato. a Estação Pirajá foi inaugurada em 25 de novembro de 1994 e fica localizada Rua da Idonésia. minha mulher e a dele na casa dele.000 m2. pois todos são casados. ambulantes da Estação Pirajá afirmam que sanitário público é um ponto de encontro de homossexuais. no dia de Santo Antônio e percebi que ele olhava para minhas pernas diferente”. Ele também relata que na semana anterior. O terminal. farmácia. que ainda conta 88 vendedores ambulantes cadastrados na prefeitura trabalhando. Diariamente.Campinas de Pirajá. nas proximidades da BR-324. diante da resposta afirmativa.61 Dias antes. “Ele me chupou e eu chupei ele. A estrutura conta com quatro sanitários e 20 telefones público. Eles festejavam com frases como “Toda porrada para quem faz pegação em banheiros é pouco!”. eu fazia observação participante na comunidade “BSB – Bofes Suburbanos da Bahia”. fez sexo com um policial colega de trabalho da esposa. do site de relacionamentos Orkut. três terminais de auto-atendimento dos principais bancos funcionam na estação. “Foi massa. Estão instalados no local. que funciona 24 horas. “Eu estava bebendo com ele. s/nº . da Coordenação de Informação e Atendimento à Comunidade (CIAC). Na reportagem. “Ficou tarde e acabamos dormindo na casa dele”. afiliada do SBT na Bahia. quando foi surpreendido pelos agentes que perguntaram se eram viados e. duas guaritas. sendo que dois são destinados a portadores de deficiência visual e a cadeirantes. por onde circulam 279 ônibus. Ele negou ter praticado a “pegação” e disse apenas estar utilizando o sanitário em companhia de um amigo. no final da manhã do dia 31/08/2011. . Ainda na reportagem. Uma lanchonete. comeu o meu cu e eu comi o dele”. agência do Banco Popular. No outro dia fomos embora e fingimos que nada tinha acontecido. quando fui surpreendido pelas comemorações de usuários daquela comunidade virtual. Ele reiterou que encara sua performance sexual como “tesão porque eu não me comporto como um gay. Eu me masturbava junto a outros quatro homens no mictório da frente do Sanitário masculino do piso de serviços da Estação Lapa. A Sacanagem Cena 1: Um vendedor de uma casa de material elétrico. p.10/10/2011) Cena 2: Já se aproximava das 19 horas de uma quarta-feira do mês de Julho. “[. veio. Nessa circunstância silenciosa. Quando perguntado se gostava de ser passivo respondeu que “na sacanagem rola tudo. Na verdade é sexo também” e ainda completou contando que pretende casar e ter filhos. dois homens unidos pelos laços de amizade e sob o álibi da embriaguez alcoólica encontram uma brecha para um comportamento jamais permitido dentro do que ficou convencionalmente marcado para um macho nos limites do sistema de gênero brasileiro. en materia de posibilidades de novedades semánticas que devengan en posteriores posibilidades linguísticas”..] La esperiencia del silêncio es una de las más atávicas. de 27 anos. se apaixonou por um homem “lindo e maravilhoso” com quem interagiu sexualmente em um sanitário público da Estação Rodoviária. A famosa expressão de Oscar Wilde “O amor que não ousa dizer o nome” denota o modo oculto que as relações entre homossexuais masculinos eram vividas. é possível para um “homem de verdade” extrapolar esses limites e se deixar ser penetrado por outro. velho. para mim é sexo. na qual é permitido esquecer as práticas sexuais após a relação e fingir que a lógica da masculinidade hegemônica não foi rasurada. E viva a sacanagem”. não. (ENTREVISTA FUNCIONÁRIO CASA DE MATERIAL ELÉTRICO – ESTAÇÃO DA LAPA . na verdade. sendo com carinho rola tudo”. a experiência do silêncio foi fundamental para o exercício da sexualidade entre iguais no ocidente. Então. pero de las más fértiles. Na verdade é uma coisa minha. não sabe não. Quando questionado se a família sabe dessa sua preferência sexual ele diz: “Minha família. Durante séculos.62 Para Figari (2008. que também se autodenomina heterossexual e confessou que. Neste caso.. 116). Outros homens fingiam lavar as mão ou pentear os cabelos em frente às pias e espelhos e enquanto isso apalpavam o pênis . apesar de não ser gay. eu não me vejo como um gay. Uma mulher que vendia chips para telefones celulares gritava alto anunciando seus produtos. se tiver uma xilocaína pro cara meter a cabecinha. escondendo rapidamente quando estavam prestes a serem surpreendidos por algum ser indesejado que não partilhava do desejo de fazer pegação e isso a gente percebia no olhar. “Na sacanagem eu faço tudo. . gozo várias vezes”. Se eu dormir com você vai ver que eu aguento foder a noite toda sem parar e meu pau não baixa não. Questiono se ele é “viado” e ele afirma “sou casado.63 dentro das calças e de vez em quando colocavam para fora em parte ou na totalidade. Instantes depois o encontrei sentado à balaustrada. “ Pergunto se a mulher dele desconfia e ele responde exaltando sua performance sexual: “É só chegar em casa e dar pica a mulher que ela fica satisfeita e não desconfia. De repente entrou André. A massa não se identifica com esses termos e desconhece os significados. dependendo da porra na hora você mete a cabecinha. Em seguida. heterossexual/homossexual/bissexual são nomenclaturas consideradas clínicas para a maioria da população brasileira. faço direto essa porra. mas a depender do tesão. Eu insisto e digo que “sou viciado em comer um cuzinho” e ele diz que “com jeito tudo rola em quatro paredes. funcionário de um sindicato no Centro de Salvador) 46 É bom ressaltar que as palavras ativo/passivo. ele disse que também precisava malhar para perder a barriga. eu não gosto de dar porque dói. 2012.youtube. é gostoso. olhei para ele e passei a mão no pênis semi-ereto. moro junto com uma mulher há 16 anos. Meu gesto foi o suficiente para que André parasse ao meu lado e perguntasse se eu estava malhando (eu trajava short e camiseta de fitness e um tênis de jogging). que fica em frente ao sanitário. Naquele horário. casado. (André. Acesso em: em: 02 jul. o burburinho era grande na fila de compra de créditos para o Salvador Card. Disponível: em: <http://www. Se eu gostar do cara. e logo olhou para mim e mordeu os lábios me convocando para uma conversa fora do banheiro. a putaria vence”. Respondi para ele que iria para a academia na Ladeira do Camelô. Eu encostei-me à balaustrada. dar que eu não dou” 46. tenho um filho de 13 anos e sempre curti a putaria. mas se não tiver eu faço a putaria. o barulho era ensurdecedor na Estação. deixo gozar na boca. Na hora da putaria a gente faz tudo. Recentemente um vídeo gravado nas ruas de uma cidade da Paraíba demonstra que a maioria das pessoas desconhecia o significado da palavra heterossexual.com/watch?v=gPEseczrxqk&feature=related>. perguntei se ele era ativo ou passivo no mesmo tempo e com a mesma objetividade obtive como resposta. tudo. De forma bastante objetiva e sem fazer voltas. 39 anos. em nome de um código moral vigente (FOUCAULT. caem as regras do convívio social diário ascético. 1991. 159. no pragmatismo daquele contexto. De fato. que o participante que se auto-identifica como heterossexual. Esse jogo possui regras instáveis. na cena quase recôndita do “banheirão”. a menos prestigiada pelo fato de ser a que mais aproxima o homem da figura feminina. obscenidades e ofensas sexuais. os sujeito que socialmente se afirmam “machos de verdade” atendendo às determinações da hipótese do determinismo biológico. é a que mais ameaçaria a heterossexualidade do Participante. indicando injustiça e violência. sacanagem significa desobediência a regras de decoro – regras que devem controlar o fluxo da vida diária. transformam-no a partir da produção de novas interpretações de si por meio de suas práticas. a posição passiva. [. fato que explica a advertência “dar que eu não dou”. de “práticas de si” – práticas construídas sobre si para a construção de um “sujeito moral” de si. pais.] O conceito de sacanagem liga noções de agressão e hostilidade. para a realização das fantasias homoeróticas. encontram a licença “na sacanagem”. até isso. dar que eu não dou”. grifo nosso) Os exemplos etnográficos e a citação do texto de Richard Parker monstram como a “sacanagem” é a licença para que os homens adeptos da prática do “banheirão” extrapolem o que se convencionou permitido em uma relação sexual normativa. Essa possibilidade intempestiva de interação sexual coloca em tensão aquilo que Michel Foucault chamou.. Nesse contexto. brincadeira. corresponde a formas de transgressão ou rebelião simbólica – rompimento das restrições que governam as relações sociais normais. Nos seus significados. Mas. excitação sexual e prática erótica num único complexo simbólico. Pensando nas ações sexuais. Dada a perenidade do vínculo sexual. Essa transgressão é mais claramente manifestada no sentido de fazer tudo que normalmente seria proibido. Usada de forma positiva ou negativa. 1984). (PARKER. sente-se à vontade para afirmar: “na sacanagem eu faço tudo. foi . filhos – homens “normais” – que no dia-a-dia se submetem a censura social. É assim. p. ao passo que se limitam pelos códigos morais hegemônicos vigentes. nos quais os sujeitos imbricados. mas também. brincadeira e diversão. a ideia de “fazer tudo” está no coração do que a grande maioria dos brasileiros define como “boa sacanagem”. Os maridos. quando discutiu os usos dos prazeres. gozação. na qual “vale tudo” porque “todo mundo faz”..64 Segundo Parker. por exemplo. materiais eróticos e pornográficos e práticas sexuais específicas. sob a condição do sigilo e por meio da sacanagem. são capazes de “fazer tudo”. O participante reelabora o discurso apagando-se da cena estrategicamente: em lugar do “eu” que figurava em “na sacanagem eu faço de tudo”. em 1991. para mim é sexo. Nesses momentos. A “sacanagem” à brasileira parece sustar o discurso acerca das questões relativas à identidade sexual ou. Tudo é possível [. ao menos. quando perguntado se gostava de ser passivo respondeu: “na sacanagem rola tudo. Então. eu não me vejo como um gay. justificado pela fugacidade e brevidade do consórcio afetivo. 2.]. a putaria vence”. veio. p.1991. para quem [a]s normalmente nítidas distinções entre interno e externo. O conceito de “tudo” é fundamental. Tais concepções também são observadas por Parker. O “tudo” fundamental apontado por Parker. 157).4 “DESCARTO AFEMINADOS”: ENTRE O CIBERESPAÇO E A RUA As mudanças na cena da “pegação” não são apenas provenientes das transformações urbanísticas sofridas pelas metrópoles e da privatização do circuito de . também heterossexual. na verdade. paradoxalmente. Não sem embaraço. É central com sua correspondente mistura de tentação e perigo. agora aparece. protagonizará a relação sexual em que passivo – agora inominável – é penetrado. entre privado e público. sendo com carinho rola tudo”. É precisamente neste contexto episódico. relativizadas e rearranjadas. perguntei ao participante como ele se encarava no que tange à identidade sexual. dentro de “quatro paredes” que a “putaria vence”. que.65 negociado quando.. qualquer coisa pode acontecer. ao que os brasileiros definem como sacanagem (PARKER. a “putaria” assujeitadora do “eu”. em tom provocador e incisivo. de acordo com essa ideologia. e justificou porque: “eu não me comporto como um gay. de repente se dissolvem e as estruturas da vida diária são reviradas. afirmei: “sou viciado em comer um cuzinho”. A questão dentro e fora das “quatro paredes” parece desafiar a estrutura cotidiana narrada em ambiente familiar. Prova disso é a fala de um participante. ainda é audível pelos itinerários de práticas dissidentes de Salvador. dependendo da porra na hora você mete a cabecinha. torná-lo uma questão periférica das conversas entre o dentro e o fora das “quatro paredes”. ao que ele respondeu: “com jeito tudo rola em quatro paredes. Para tencionar ainda mais a questão.. E viva a sacanagem!”. ele respondeu que era apenas “tesão”. um novo espaço público é criado e desponta como local de socialização para o público LGBT. Atualmente. com mais de 32 milhões de usuários cadastrados. lésbicas e simpatizantes.66 sexo. Com a emergência dos meios de comunicação. Listas. em que são discutidos temas que versam desde direitos humanos a encontros homoeróticos. os comunicólogos atentavam para o potencial do universo virtual em estabelecer laços para uma “sociabilidade cada vez mais difícil de ser alcançada no espaço público das grandes cidades contemporâneas”. Tais comunidades apresentaram uma diversidade de discussões sobre a prática em locais públicos e. Como já pontuei no capítulo anterior. a rede social que perde espaço para o site de relacionamentos Facebook. sites. despontam no Orkut. Com isso. O anonimato e a quebra de vínculo com “o meio gay” é o atrativo para os membros da comunidade “Pegação com sigilo-Salvador”: . e logo em seguida se torna febre entre os brasileiros. as discussões de internautas nos fóruns das comunidades do Orkut sobre interações homoeróticas em Salvador colaboraram na construção de uma topografia de locais de “pegação” na cidade. e mais precisamente o surgimento da Rede Mundial de Computadores (Internet). portais e chats direcionados ao público gay multiplicam-se de forma veloz na Internet. mas em 2004. na década de 90 do século XX. o site de relacionamento Orkut é criado. possibilitam a realização de “marcação” de encontros entre usuários em sanitários públicos da cidade. No início do século XXI. A descrição das comunidades em suas páginas principais é reveladora das representações e discursos sobre a “prática da pegação” e seus locais na capital baiana. diversas comunidades gays. ainda continua sendo popular no país. Duarte e Nussbaumer (2001) consideram que o ciberespaço possibilita a gays e lésbicas a criação de lugares de encontro e interação social. por muitas vezes. gay. Putaria e Discrição em Salvador / Bahia!!!!.67 Figura 1: Pegação com sigilo – Salvador DESCRIÇÃO DA COMUNIDADE PEGAÇÃO COM SIGILO . informações. Acesso em 10 mai. Em um dos fóruns de discussão da comunidade “Clube do Banheiro SSA” um dos participantes apela em busca de parceiro no tópico “QUERO CHUPAR”: Figura 2: Post Clube do Banheiro – SSA .orkut..com.. Os “classificados do sexo” que figuram na porta das cabines dos banheiros. mas está afim de uma pegação real e com sigilo. trocarmos idéias.br/Main#Community?cmm=104208051>. (PEGAÇÃO COM SIGILO-SALVADOR. tirarmos nossas dúvidas e principalmente marcarmos uma real. É um espaço para nos conhecermos. safado. Disponível em: <http://www. como documentou Barbosa (1986). simpatizante. através de grafitos.SALVADOR Nossa comunidade é pra galera que não pode ou não quer frequentar locais GLS. É para aquele cara (bi. 2011).) que está doido para rolar uma real e que nínguem pode desconfiar. curioso. passaram também a acontecer no fórum dessas comunidades. com. Extra Rótula. Imbuí Plaza Shopping. Center Lapa. Catedral da Fé da Igreja Universal (Iguatemi). Estação de transbordo do Iguatemi. Fundação Politécnica. Bom . Shopping Barra. Vitória Center.br/Main#CommMsgs?cmm=1291070&tid=2471524875219886337&kw=QUERO +CHUPAR. OBS: NÃO VOU VIAJAR NO SÃO JOÃO! E TENHO FOTOS NO MSN (CLUBE DO BANHEIRO SSA. CORPO NORMAL. ESTOU ON LINE NO MSN OU ME MANDA UM E-MAIL. MORO NO BAIRRO DO PAU MIÚDO. Hiper Bom Preço do Iguatemi. Extra Paralela. Extra Vasco da Gama. Hipermercado Makro (Avenida Tancredo Neves).orkut. Salvador Shopping. Shopping Iguatemi. MAS SE QUISEREM POSSO IR AO BANHEIRO EXTRA RÓTULA E ATACADÃO RÓTULA QUE É TRANQUILO QUEM TIVER AFIM. DISCRETO E AMO MAMAR UMA PICA. Shopping Itaigara. Shopping Piedade. 2010) Os textos produzidos nelas são extremamente importantes para pensar a produção da “pegação” em Salvador. Shopping Sumaré. Edifício Empresarial Iguatemi. Cine Glauber Rocha. Disponível em: http://www. Acesso em: 20 mai. MORENO CLARO. em incursão na cena do ‘banheirão” e nos relatos de usuários do Orkut elaborei a seguinte lista sobre o Circuito de Pegação Homoerótica em Salvador: a) Banheiros – o circuito do “banheirão” inclui os banheiros da Estação da Lapa. TENHO 25 ANOS. NÃO TENHO PRECONCEITO DE COR E NEM IDADE. Edifício Salvador Trade Center. NÃO TENHO LOCAL. Edifício Capemi. Com base na leitura de textos acadêmicos. Terminal Rodoviário de Salvador.68 TRANSCRIÇÃO DO POST DE “QUERO FAZER TUDO” SOU PASSIVO. APENAS PRECISA SER LIMPO. Pântano (nas imediações do antigo Casquinha de Siri). Em fórum da comunidade “Clube do Banheiro SSA”. desejos. c) Praias – Jardim de Alah (Paredão e Autorama). funcionamento. Farol da Barra e Cristo (BarraOndina). cuidados e preocupações desses homens com desejo homoerótico. Além de ajudar a traçar uma topografia da cena da “pegação” na Capital Baiana. medos. b) Parques – Parque da Cidade (Itaigara). Neles estão expressos.69 Preço do Chame-chame. d) Praças – Campo Grande. Shopping Ponto Alto (São Rafael). Centro de Abastecimento de Paripe e Feira de São Joaquim. Pedra do Sal (Itapuã). anseios. Praia de Tubarão (Paripe). Ponte do Sesc Piatã. rejeições. condições de higiene e segurança dos banheiros do Terminal Rodoviário de Salvador: . Fundos do antigo Aeroclube Plaza Show. os participantes fazem considerações sobre frequentadores. Praia dos Artistas (Boca do Rio). Praça Castro Alves. os fóruns nas comunidades do Orkut esboçam discursos sobre a prática de sexo impessoal em lugares públicos em Salvador. quase uma versão homossexual da série de filmes crepúsculo.70 Figura 3: Pegação no Orkut Nós tópicos postados pelos usuários da rede social. . é visível a vinculação do desejo homoerótico a valores ditados pelo estilo de vida gay baseado em seriados americanos como Dantes Cover e The Lair47 e nas publicações para o público 47 Séries gays norte-americanas com personagens vampiros. net são os mais utilizados na Grande Salvador para encontros de parceiros para práticas homoeróticas. a saber: 48 Os portais disponível.com48. No mesmo fórum sobre o banheiro da Estação Rodoviária. Essas comunidades virtuais que versam sobre sexualidades “não-convencionais” são compostas em sua maioria por usuários com perfis fakes – muitas vezes apelidados por eles como “Orkut sujo”. másculos. os malhados.71 homossexual masculino do Brasil com a Revista Junior – em que todos os personagens são brancos. os de corpos definidos e eles sabem disso. cujos desejos e compreensão de si projetam-no na configuração mais hegemônica dos desejos homo-orientados.”. Tal observação pode ser encontrada na descrição do perfil de um usuário do site disponivel. já que muitos desses usuários possuem perfis oficias para se relacionar com amigos. e a principal característica é construírem uma imagem totalmente diferente daquela que apresentam no off-line”.com e manhunt. . Durante a noite e nos finais de semanas. colegas de trabalho ou estudo e familiares. a maioria dos perfis das comunidades observadas apresenta fotos de homens.. Esse é um espaço no qual pode-se ser o que se quer. de classe média. Logo.. as referidas páginas chegam a registrar mais de 60 mil usuários online. É importante explicitar que num espaço como o Orkut – os corpos são ressignificados e ganham uma nova construção virtual. musculosos e próximos ao ideal “barbie”. consomem grifes e trabalham o corpo em academias de musculação. Segundo Parreiras (2008) “os fakes adotam diferentes procedimentos na escolha de seus avatares. um dos participantes reclama dessa ditadura: “O problema é que todos só procuram os gatos. Branco. Sigilo e discrição são imprescindíveis. Com jeito.com TRANSCRIÇÃO DO BOX DA FIGURA GERAL: Eu sou homem Querendo conhecer homem – Para amizade. Sou um cara normal. O texto explicita que o individuo pode até ser passivo contanto que carregue características aproximadas de um ideal heteronormativo. “afeminados” e “indiscretos”. SOBRE MIM: Sou somente ATIVO. o autor reafirma os ideais de masculinidade hegemônica vigentes no sistema de gênero brasileiro. “viril” e “fora do meio” em detrimento dos que podem ser identificados como “gays”. Às vezes queimado de sol. comportamentos que remetam aos “afeminados freqüentadores do meio gay”. Que não sejam do meio gay nem afeminados. “branco”. Disponível: http://fran1.asp?nome=Brbrother Em: 10/05/2011 grifo nosso) Nas exigências expressas no anúncio acima. voz. PROCURO POR: Procuro caras discretos. nada contra. email/chat. Curto muito os verdadeiros amigos. apenas sexo. apesar de não ter nada contra. somente não curto mesmo). sexo grupal. cabeça e comportamento de homem. de preferência versáteis. mas curto muito beijar e todas as preliminares. sem . mas que curtam ser passivos.com. privilegiando e normatizando a valorização e exaltação do “macho”.disponivel.br/web/perfil. com no mínimo 20 até 43 anos. Gosto de tudo o que a vida tem de bom a oferecer.uol. (ANÚNCIO DO PERFIL BROTHER SANGUE BOM EM SITE DE RELACIONAMENTO GAY. “jovem”. pois como já disse acima. Másculo (descarto afeminados. não curto mesmo.72 Figura 4: Perfil Disponível. salas de bate-papo e sítios de relacionamento como o Orkut e Facebook. Miskolci relata uma situação bastante similar a que acontece nas redes em Salvador. necessariamente passivo e/ou afeminado). tinha gente q entrava para as cabines para fazer sexo. 2009.73 A expressão “descarto afeminados”. ao menos em teoria. se o outro fala como “macho”. que relata. a relação entre “machos” e afeminados também parece se manter de maneira bastante hierarquizada. 181). Muitos rapazes relatam contatos prévios por telefone para avaliar o tom de voz e conversa. a própria incursão no sanitário da Estação da Lapa. com um olhar bastante estigmatizador. sem falar do banheiro nojento . para poder pegar o bus. sabendoo q la rolava esses tipo de coisas. é bastante utilizada por usuários de sites de anúncios de procura de parceiros sexuais ou amorosos como Manhunt e Disponível. O “conjunto” procurado no parceiro soma a aparência física atraente. eu estava apertado e nao queria voltar para o shopping para poder fazer minha necessidade. Em estudo proveniente de incursão etnográfica em salas de bate-papo gay direcionadas ao público gay de São Paulo. sobretudo. à autodenunciação como gay). ou seja. pessoas fazendo sexo oral na frente de todo mundo. (MISKOLCI. ela dimensiona os corpos privilegiados e também os segregados na Web. Tal configuração de sujeitos também chega à errância do banheiro. mas quase sempre tem como moldura a possibilidade de construir uma relação em segredo. programas de chat como MSN ou Skype). voz grave. os internautas partem para um encontro avaliativo a partir dos contatos pessoais (e-mail. demanda. e o pior é q o cara q toma conta do banheiro vendo tudo e dando risada. “brother” (o que é valorizado) ou se “fala mole” ou “mia” (termos pejorativos que associam o outro ao efeminamento e. a saber: O encontro face a face costuma ser de avaliação recíproca e segue quesitos como conformação a imagens dominantes de masculinidade. telefone. Dos encontros combinados no ciberespaço. coisa mas ridicula. passei pelo banheiro. mas nao sabia q era daqele jeito. o que é aquilo. tinha tb varias bixinhas efeminadas no meio. Todavia. Tudo isso pode ser visto em outra narrativa feita por um internauta na comunidade Clube da Punheta Bahia. estava passando pela estação da lapa. conversa que expressa valores comuns. p. Junto com termos como “descarto gordo” e prefiro “plantados” e “foras do meio”. que nomeia esta seção. Gente. embora não seja com o volume de exigências e expectativas que a internet. Miskolci (2009) identificou um considerável número de usuários que se classificavam como “macho” e “brother” com intuito claro de fazer oposição àqueles que são identificados ou se assumem homossexuais (nesse caso. 27 anos e que se autodenomina heterossexual. sem falar nas doenças pos por ali passam mlhares de pessoas todos os dias com varios tipos de doença. O excludente e crudelíssimo “descarto afeminados” ganha eco no discurso e na prática dos adeptos dessa modalidade erótica considerada dissidente e abjeta dentro do sistema heteronormativo vigente. Dentro do “banheirão” exige-se do passivo uma atitude de “macho” hegemônico. pois o gay é vistoo como um meio por onde as dst se espalham. A galera esquecem q hj em dia com os tgratamentos q existem a aids e outros tipos de DST nao tem mas caras. viril e ativo. (Estação da Lapa.74 q é. um dos participantes. em uma cidade litorânea como Salvador. A meu ver foi curioso perceber que o corpo construído dentro dos padrões da masculinidade hegemônica havia sido eleito o predileto tanto pelos que se autodenominavam “ativos” (penetradores) quantos pelos passivos (penetrados). negro. “malandro”. uma sencação horrível eu sentir na hora quando vi aquela cena. Logo. jovem. na qual explicito a minha condição de adepto da “pegação” e pesquisador.. (post o usuário do Orkut da comunidade “Clube da Punheta Bahia” acesso em 21/07/2011) Na Cena do “banheirão” da Lapa e adjacências. malhado e macho”. “machos” e sem “trejeitos”. Antes vc via aquela pessoa toda acabada e falava ela estar com AIDS hj não vc ver caras malhados aparentemente esbanjando saúde mas so q estar com aids ou outra dst. a virilidade masculina figura como a moeda de troca mais valorosa na relação entre homens. Nesse contexto. comerciário. discreto e “não dá pinta” e adora “sentar numa pica”. Não sobe . tarde de 21/06/11) Em entrevista estruturada. ao ser questionado sobre com qual tipo de homem não se relacionaria sexualmente respondeu instantaneamente: “O afeminado. velho. Essa concepção fica clara na fala que capto de um dialogo entre dois jovens que conversam próximo a escada da última plataforma da Estação da Lapa: È um cara “gostoso. a vontade q me deu foi de vomitar. tornava-se mais valorizado sexualmente aquele que construía sua imagem com base em uma indumentária considerada “discreta”. Essa constatação derrubou por terra aquela associação que ligava automaticamente passividade a feminilidade e atividade a virilidade masculina. trajavam peças da moda Surf wear ou skate. os participantes da pegação também buscavam se relacionar com homens “não-afeminados”. “sem afetações”. que tradicionalmente compõem o guarda-roupa do “moleque”. Pessoal vamos nos policiar. nao sei se alguém aki ja entrou nesse banheiro. “Os caras plantados” – eram aqueles que exibiam virilidade e masculinidade com seus corpos “sarados” e. como em outros locais de sociabilidade homoerótica. próximo à última escada que dá acesso a plataforma A do Terminal. na cena do “banheirão” da Lapa. ser olhado. presenciei algumas vezes uma “bicha com trejeitos afeminados”. Não dá. “desmunhecar”. trajando bermuda ciclista florida. gostoso e desejado.. As conversas versam sobre temas como: quem é bonito. confirmaram a fala de um participante negro. em que a maioria dos participantes são negros ou mestiços. após deixar à mostra o pênis grande e grosso no mictório. camiseta curta e aparentado cerca de 45 anos. Em outra entrevista nos mesmos moldes. pois acredita que o termo “tem mais poder político que palavras como gay e viado” . é. 27 anos. Aqui eu passo o meu tempo até chegar alguém que me faça não sentir mais vontade de freqüentar lugares como esse. da Periferia e de cidades da Região Metropolitana de Salvador. Observei que um dos contextos de exceção. tornarse o objeto de desejo de muitos homens que pregavam o ódio aos afeminados. “fazer churria” e “dar pinta” é uma roda de conversa que se forma durante a noite. não rola. Na estação da Lapa ele diz procurar “caras com pegada máscula de homem e descarta bichas e tios queimados que não agüentam ver uma rola”. velho. que se repetiram por três vezes. de 25 anos. que se autodenomina “cem por cento homossexual”. alguém que me complete”. Durante o campo. É importante ressaltar que essas preferências não são fixas e imutáveis. no qual é possível “fechar”. Porque eu gosto da atração de homem com homem. trabalhadores e moradores do Subúrbio Ferroviário. os privilegiados e mais cobiçados são os mais jovens. estudantes.busca nos banheiros de “pegação” “satisfazer somente seus instintos sexuais. másculos. homossexual assumido. desejado e tocado” e pensa que o par ideal não pode estar na cena do “banheirão”. “barbarizar”. corpo sarado e enquadrado nos padrões heteronormativos. Ele me contou “no livro de regras do quero para mim não estão inclusas pessoas que freqüentam esse tipo de cenário. branco para os padrões soteropolitanos.75 de jeito nenhum. com corpos malhados e bem-dotados. . desempregado.. É uma pegada diferente. Essas cenas. que disse em uma conversa informal: “para uma bicha afeminada ser aceita e desejada. Só eu sei viu”. cabelos longos com tranças usadas cotidianamente pelas mulheres negras. Os discursos dos dois entrevistados sustentam a premissa de que. estudante universitário e vendedor de uma loja de artigos para fazendas. que se aproximam dos padrões de beleza televisivos. ela precisa ter pau grande. Aí todos caem matando”. Candy. Já aqueles que se distanciam desse ideal. Os homens másculos. trajando uma calça jeans com lycra e mini blusa amarela. também. que se aproximam da figura feminina. um disse que era para eu descer pela saída da administração e eu respondi que saía por onde eu quisesse. magro. gordos e passivos. no limite discursivo do sexo. existem corpos que são considerados privilegiados. Um dia. mas [n]esses viados moles eles batem mesmo. “Muitos deles são agressivos. (TRECHO DO DIÁRIO DE CAMPO. atléticos e ativos são os mais desejados. Ele conta que. umbigo com pircing à mostra) pela escada. no meio do shopping. disse. viris. Eles só não me batem porque eu não demonstro medo enfrento mesmo.76 quais são os “viados” passivos. nos contextos de pegação homoerótica. até nesse contexto de abjeção existe uma escala de valoração em que o passivo e afeminado ocupa o posto menos privilegiado. Os gordos e afeminados são os “corpos que pesam” (BUTLER. Para mim. foi surpreendido no local por seguranças que o mandaram sair de lá por três vezes. foi perceptível que todos mudam a postura e procuram “endurecer” diante do mictório ou da escada na hora da pegação. gritando vá fazer sua viadagem em outro lugar seu viado descarado.” Sinto na fala dele rejeição a afeminados. só durante a tarde. “queimados”. que é confirmada por um comentário de seu parceiro após a passagem de um gay efeminado (de cabelo grande e maquiagem no rosto. são preteridos em relação aos “machos e viris”. pois a escada está muita arriscada. “As bichas afeminadas é que levantam suspeitas na escada porque dão na pinta e chamam a atenção da segurança”. “dar bandeira” é digno de repúdio como veremos no relato a seguir: “O malhado diz que não vai mais continuar. Nesse momento. 2010). ESCADA DE EMERGÊNCIA DO SHOPPING CENTER LAPA. Dessa forma. “arrombados” e também sobre experiências sexuais bem sucedidas e prazerosas. . tarde de 21/06/11) Na hierarquia dos corpos da pegação da Estação da Lapa. “É esse tipo de gente que atrapalha e queima a galera”. mesmo em contexto de homens que exercem uma sexualidade considerada “dissidente” em relação aos padrões heteronormativos. xingam e humilham e têm o prazer de provocar constrangimento na gente em público. os afeminados. Esses indicadores sócio-econômicos são indispensáveis para entender a dinâmica do meu objeto de pesquisa (a “pegação” entre homens no sanitário público da Estação e adjacências). 7 mil habitantes se declarou preto. um quantitativo de 743. Em outras cidades do mesmo porte como Recife e Belo Horizonte a defasagem de renda dos negros em relação aos brancos é respectivamente de 3.. Outro dado de extrema relevância trazido pelo Censo de 2010 é o de que na Capital da Bahia a discrepância de rendimento entre pretos e brancos é maior do que em outras capitais brasileiras. que estavam inscritos em cursos de graduação.6%. Ao levar em conta os dados nacionais. constatou que Salvador é a cidade com maior número de negros51 do país. 13.0%.1% eram brancos. 2011 51 O termo “negro” engloba pretos e pardos.9%. VIADO!49: RAÇA.8% eram pretos.ie. Esses números indicam uma taxa de analfabetismo entre pretos e pardos quase três vezes maior que a dos brancos que é de 5.ufrj. sem medo de exageros. 31. porque. A pesar de ter ocorrido uma aumento no número de alfabetizados em todo o país para todas as categorias de cor e raça. .laeser. quase o dobro dos negros que em média recebem R$ 834. os negros aqui recebem 3. é a Lapa a imensa maioria de 49 Expressão cotidianamente utilizada por moradores da periferia e do subúrbio de Salvador para manifestar indignação ou espanto ao saber que um homem negro e viril é homossexual 50 Dados disponíveis em: < http://www.br/> Acesso em: 29 mar.538. Segundo o levantamento.2 vezes menos que os brancos. SEXUALIDADES E TENSÕES NA PEGAÇÃO DA ESTAÇÃO DA LAPA O Mapa da População Preta & Parda no Brasil50. dentre a população que se autodenominou parda. o déficit educacional entre negros e brancos no Brasil também é gritante. a taxa de analfabetismo entre pessoas a partir dos 15 anos é de 9.0 e 2. O grupo dos pretos tem taxa de analfabetismo de 14. o percentual de analfabetos é de 13.9 vezes. os brancos ganham em média R$ 1. o último Censo do IBGE apontou que a maioria dos estudantes matriculados no ensino superior ainda é branca.. De acordo com a mesma pesquisa. Dentre os jovens brasileiros entre 15 e 24. Mesmo com a política de Cotas para afro-descendentes em algumas das universidades públicas brasileiras.4% eram pardos e 12. GÊNERO. os números são bastante diversificados. construído a partir de números do Censo do IBGE de 2010. mas quando a análise é realizada levando em conta as diversas etnias que povoam o nosso país.4%.77 3 UM NEGÃO DESSE. mal vestida. Bem na porta de acesso afixaram uma placa onde se lê: “Escada de Emergência: acesso controlado pelo Departamento de Segurança”. por ser procurada e de circulação bastante intensa. meu olhar de pesquisador participante não pôde deixar escapar essa flagrante constatação. Ajuda-me a compreender essa situação uma cena que testemunhei na escada de emergência do Shopping Center Lapa. é sujo. Muitos praticantes do sexo público têm a mesma opinião e. Tais cenas são bastante comuns na Lapa. não raro. deparei-me com dois jovens de no máximo 30 anos que interagiam eroticamente das mais diversas formas. o que não nos inibiu de todo. nas proximidades da Estação. gritos e xingamentos e fez com que nos dispersássemos. Isso ficou muito evidente para mim numa tarde de sábado em que. que só há ladrões identificados por roupas de surfwear do tipo Cyclone e que a Lapa é um local dantesco. Juntei-me a eles e. A relação parece ser diretamente proporcional. passou a ter acesso controlado pela segurança do Shopping. Apesar de não haver dados estatísticos sobre a cor dos usuários da Estação.. voltamos a nos encontrar no mesmo local e um dos rapazes sugeriu que fôssemos à Lapa por lá ter menos vigilância hostil. ao descer a escada. restrita a esse jovem. Um exemplo dessa cena na escada foi a experiência por que passei em abril de 2011 quando. deparei-me com cinco homens negros masturbando-se mutuamente no mictório dos fundos. para a nossa surpresa. o terceiro interrompeu-lhe com sentenças sumárias sobre o local: “Na Lapa não vou não! Não gosto daquele lugar. Esse fator econômico também entra nas avaliações dos adeptos da pegação: há muitos relatos de que na Lapa só há gente feia. ao adentrar ao sanitário da Lapa. ao observar a comunidade Clube do Banheiro – SSA. o segurança que fazia incursões na escada coagiu a nossa interação com palavrões.. embora . Essa escada. são atribuíveis ao descaso com a população negra e de baixa renda. fatos que. verifico que é possível constatar um foro privilegiado de banheiros associados às zonas mais nobres da cidade. cheio de sacizeiro e ladrão!”. Minutos depois.78 usuários é negra. local bastante inóspito e com precária infra-estrutura. Sem mesmo o rapaz terminar a formulação da proposta. Essa não é uma opinião pontual. 79 não de modo determinista: quanto mais nobre é a região mais “bonitas” 52 seriam as pessoas que lá estão. Aquilo representava para mim uma das maiores expressões do racismo velado brasileiro. a saber: Figura 5: Clube do Banheiro – SSA TRANSCRIÇÃO DO POST DE GAROTÃO BAHIA MITOS E FATOS SOBRE OS BANHEIROS DE SSA GALERA.massivamente utilizada pelos grandes blocos de carnaval de Salvador para vender seus produtos (abadas. Banheiro do Bompreço do Shop.é sinônimo de “branquitude”. Vamos iniciar o ROTEIRO: Banheiro do Bompreço Rio Vermelho lá é bem sujo e aparece caras querendo sim mas são bizarros muito feios. Tenho em mente o texto do locutor "Eva o metro quadrado mais bonito da avenida" e a sequência de imagens em câmera lenta de longas madeixas loiras sacudindo de um lado para o outro. ingressos para shows e etc) . “Garotão Bahia” traça um itinerário que percorreu para aferir a qualidade e a veracidade da pegação nos banheiros comentados da comunidade. ambiente limpo e dava pra rolar uma transa tranquila ali ams nao aparece ninguém. O post de um dos integrantes da comunidade aponta para o fato de como essa cena da pegação é pensada pelos adeptos através das redes sociais. que geralmente ia ao ar. 52 A expressão “gente bonita” . .Barra lá é certeza encontrar macho querendo mas a galera nem disfarça ali o local fica meio visado aparecem caras bonitos outros nem tanto. Banheiro do Shopping Rio Vermelho lá é bem tranquilo. logo após o Carnaval. quanto mais pobre e utilizada pela periferia mais “feias” as pessoas. Eu me sentia agredido. Nesse comentário. Para mim. Este sábado dei uma vlta pelos banheiros da cidade e te difo o que é verdade ou mentira sobre eles. uma imagem marcante dos anos 90 é o comercial de TV do Eva. De um lado. estabelecimento comercial mais popular e por se tratar de um supermercado que serve não só à classe média do bairro. pelas características dos fenótipos negros.Barra lá é certeza encontrar macho querendo mas a galera nem disfarça ali o local fica meio visado aparecem caras bonitos outros nem tanto. estamos diante da relação sujeira e feiúra. mas também à periferia circunvizinha (Nordeste de Amaralina. classe social e masculinidades estejam imbricadas na cena da pegação. com atrativos para a classe média em que não rola pegação (ao menos foi o que ele observou na incursão que fez). o relato ganha outra avaliação: “Banheiro do Bompreço do Shop. há o banheiro do “Bompreço Rio Vermelho”.80 Banheiro do center lapa o local é tão visado que tem tipo um segurança dentrodo banehrio vendo qualquer atitude suspeita. Novamente. em Salvador. a avaliação do padrão de beleza dos freqüentadores é feita de maneira bastante rigorosa: . de outro. A conclusão é bastante taxativa: “Banheiro do Bompreço Rio Vermelho [é] bem sujo e aparece caras querendo sim mas são bizarros muito feios. Santa Cruz e Vale das Pedrinhas) e aos trabalhadores do bairro. vizinho ao Shopping Barra. A avaliação qualitativa do público cresce a despeito da avaliação da qualidade infra-estrutural do banheiro que é também degradante. a situação é bastante complexa.. no caso o Rio Vermelho. o que permite inferir que as relações entre raça. Sumaré lá é muito legal tem espaço e tranquilidade falta aparecer alguém. configurada. esta última. Banheiro do Shop. Em outro post. Ao falar de outro “Bompreço”.”.”. E vc galera concordam? qual o melhor banheiro? O curioso é observar que. É um ambiente que também está sob tensão entre a classe média e a periferia (Calabar e o Alto das Pombas) e é um local que serve à classe trabalhadora. há o relato do banheiro de um míni shopping. agora o do Chame-Chame. dentro de um mesmo bairro. em que os integrantes da comunidade Clube do Banheiro-SSA comparam o banheiro do Shopping Iguatemi com o do Salvador Shopping (naquela ocasião recém inaugurado e considerado o novo reduto da sofisticação de Salvador). principalmente. .. SEM CAMERAS. bom demais. achei que essas historinhas eram pura mentira.. quem vai??? O “Urso Baiano” descreve.17/04/2009: A ESCADA ATRAS DO BOMPREÇO É MUITO BOA. nem são tão movimentados.. sem nada... Maximu´s ...24/04/2009 saindo do bompreço. OS SANITARIOS LA DO SSA SHOPPING SAO MUITO RUINS PARA A PUTARIA. PENA QUE NAO VI NINGUEM LA.. SEM SEGURANÇAS. lá é a escada do tesao.81 Figura 6: Escada do SSA SHOPPING TRANSCRIÇÃO DO POST ESCADA DO SSA SHOPPING URSO BAIANO ..30/05/2009 Banheiro da Riachuelo Galera hoje entrei no banheiro da Riachuelo e estava rolando uma pegação entre três caras gostosos.. NAO DIVULGUEM MUITO NAO PARA NAO ESTRAGAR O POINT... pq no Iguatemi dá muito cara feia...24/04/2009 Onde fica essa escada?? Urso Baiano .. escadas de emergência e outros locais que não possuem câmeras. FUI ONTEM QUINTA AS 17:45H. TRANQUILISSIMO.. fiquei besta... e ganha pro Iguatemi. a estrutura do novo shopping apontando para os locais que tinham/têm potencial para a pegação. bora marcar.. .. no SSA Shopping SÓ TINHA GATO GENTE.. mas o negócio rola mesmo. marcaram amanhã às 12:00h. vire a sua esquerda pelo estacionamento em seguida vire a esquerda outra vez e verás a porta vermelha. São listados banheiros. embora faça um post de divulgação. Michael Lima . Contraditoriamente.. sem seguranças. com bastante entusiasmo.. ALGUEM VAI HOJE SEXTA PASSAR PELA ESCADA DO TESAO? NAO DIVULGUEM MUITO NAO PARA NAO ESTRAGAR O POINT.... na maior tranquilidade... recomenda aos ouros membros da comunidade que não divulguem muito as .. e no terceiro. bunda redonda... banheiros e tipos de piso são contrastivamente superiores aos demais.. mas também venerados quando se trata da coisificação do corpo.. são desqualificados enquanto figura estética. podemos observar uma maior valoração. e ganha pro Iguatemi. Como apontei pelos dados do IBGE (referentes ao acesso à educação e renda mensal).. aí sim sem qualquer dúvida.. sem seguranças. negra. Não seria. toda a complexidade do sujeito negro é reduzida à dimensão corpórea de um corpo-objeto (pênis grande. pois....).. marcaram amanhã às 12:00h. do Terminal Rodoviário e estar no novo centro comercial de Salvador favorece um maior fluxo da camada menos privilegiada da população... em geral. predominantemente. a saber: . bom demais. Mas é só com o comentário de “Michael Lima” que a relação com o Iguatemi vai parecer mais objetiva e pode revelar pistas concretas de como fatores raciais e de classe interferem na construção da imagem dos “caras gostosos” no banheiro. onde o ar condicionado.. achei que essas historinhas eram pura mentira. há lojas de departamento e lanchonetes com perfil mais popular. Essa situação é muito bem exemplificada pela discussão recente entre João Vitor. e um conhecido produtor de eventos do circuito LGBT.82 informações veiculadas para que o local não fique popularizado. até mesmo da Estação da Lapa. na maior tranquilidade. mais próximo da Estação de Transbordo. fiquei besta. A experiência no banheiro do Salvador Shopping é narrada da seguinte maneira: Galera hoje entrei no banheiro da Riachuelo e estava rolando uma pegação entre três caras gostosos. isto é. sem nada. pq no Iguatemi dá muito cara feia.. quem vai??? (grifo meu) Fica evidente que o fato de o Iguatemi ter um recorte mais popular. sejam negros que. das lojas e atrativos lúdicos existentes permiteme inferir sobre a hierarquização econômica que se estabelece: no primeiro piso... isto é.. mas o negócio rola mesmo.. mas ainda com preços e lojas de conveniências mais populares. a população menos favorecida em Salvador é. exagero afirmar que a gente “feia” do banheiro do Iguatemi e. no segundo.... Um rápido olhar sobre os pisos do Shopping. a ala das grifes. fato que não faz do Iguatemi um lugar exclusivamente popular.. “para não estragar o point” da “escada do tesão”. no SSA Shopping SÓ TINHA GATO GENTE... estudante soteropolitano que imigrou para Espanha no intuito de se graduar em gastronomia. a um corpo cujas dimensões só cabem dentro de um fetiche sexual. digo..... nordestino.. Vc é um nada. brasileiro. e mesmo que consiga chegar em algum lugar.. Se cuida aí puta brasileira!! RS ..... coitado de vc. mas sei que não é bem estudo.... em qualquer espaço ....... ao refletir sobre as identidades (de gênero e sexualidade.... Fora isso. adulto e heterossexual. é suar e isalar . baiano..faço minhas viagens. isto é. É nesse sentido que. Em relação aos estudos... desvirilizados.. Osmundo Pinho afirma que: .. Mas n irei discutir com vc mais nada. Realmente. nadar e morrer na praia.. geralmente.. Puta aqui é vc.. são.a genética física . todo pretinho tem um corpinho gostosinho .... esse é seu estudo. Sua cor oferece uma coisa de boa .. circunscrevendo-o numa redoma de fetiches sexuais e limitações cognitivas atribuídas à raça que. fedem mais q qualquer ser humano. pq estou a milhões de anos luz de vc.”.83 Figura 7: O caso Jão Vitor TRANSCRIÇÃO TRANSCRIÇÃO DA FALA DO PRODUTOR Pena de vc querido. que faz prostituição... frequentemente... vc vai nadar... vc é ousado...... principalmente) dos homens negros. Apesar de por ter tudo isso por minha família que tem histórico positivo na sociedade baiana . E sei muito bem quais são seus estudos ai. [.. Vc já viu preto estudar fora do país? Se toca preto. nordestino. sinceramente acho que vc tem problemas mentais.. Afinal de contas foi com o dinheiro dessas festinhas que comprei meu carro. Setoca man.... enquanto vc estuda eu já me formei desde 2004.Pra chegar onde estou vai ter q pedalar muito. já sua deve ter um histórico de senzala em qualquer interior da Bahia. de um discurso tecido no Brasil sobre o negro. meu AP..] O discurso produzido pelo Produtor de Eventos é uma boa (no sentido de ser representativa) metáfora do pensamento que se estruturou sobre o “preto.. se comparados ao homem branco.... em relação a mente pequena . baiano... brasileiro. Sempre vai ser diferente .. Vc sabe por que né . por isso. esse corpo é configurado de forma alienada.. capacidade cognitiva. localizados e estruturados de masculinidade estariam subalternizados ou seriam constituídos por formas contextuais de subalternização.. ainda com Osmundo Pinho.. Paradoxalmente. Nesse sentido.. 2004. no pleno gozo de suas prerrogativas. afinal de contas a “família [do Produtor] tem histórico positivo na sociedade baiana”.. restringindo os limites da capacidade do sujeito João Vitor ao físico que serve de objeto do apetite sexual aos outros (estrangeiros. Em razão disso é que João Vitor é... expõe as considerações aviltantes sobre a capacidade intelectual do rapaz. que articula debates sobre gênero. em qualquer espaço . quase que deterministicamente considerado. intelecto e civilidade não são insólitas. 66). [..a genética física .. elas engrossaram volumes nababescos de teses que consideravam “cientificamente comprovado” que o processo de miscigenação ocorrido entre as “raças” no Brasil teria provocado a degenerescência da população: as hediondas teorias raciais do século XIX que.... 1993). Durante muitas décadas.. e mesmo que consiga chegar em algum lugar.”.... no imaginário do Produtor de Eventos. fedem mais q qualquer ser humano. beirando às representações de grosseiro naturalismo. o homem negro é representado como um corpo negro. seria adulto. p.. através da hiper-representação.84 [. ao contrário da de Jão Vitor que tem “um histórico de senzala em qualquer interior da Bahia. guardiãs da boa cultura. é importante ratificar o seguinte: Antes de tudo. do negro.. Fora isso.. estavam relacionadas à Antropologia Criminal (SCHWARCZ.. Sua cor oferece uma coisa de boa .. é suar e isalar . Além disso. frequentemente. não poderia passar disso. Se cuida aí puta brasileira!! RS . a fala do Produtor de Eventos aponta para a sensualização extrema. raça e sexualidade (inclusive a partir de releituras de Gilberto Freyre). Vc sabe por que né . branco. como se fosse separado da autoconsciência do negro.] Tradicionalmente. [. “puta” e. Sempre vai ser diferente ... o seu próprio corpo.. Outros modelos específicos e concretos. brancos e “admiradores da raça”). seria possível dizer que o modelo de masculinidade hegemônico nas sociedades ocidentais apresenta-se com um conteúdo determinado: o homem.] Esse discurso racista.. e de um modo um tanto quanto esquemático.. O corpo negro é outro . de classe média e heterrossexual. todo pretinho tem um corpinho gostosinho .. Ele diz do jovem negro: Vc é um nada...] (PINHO. A inferência de que as famílias abastadas da Bahia são brancas e. adepto da pegação nos sanitários da Região da Estação da Lapa levou-nos à seguinte constatação: “O que me deixa mais indignado é esse lance que . por ex. símbolo falocrático do plus de sensualidade que o negro representaria e que. genitalizado dimorficamente como o pênis. p. 35 anos. o sexo. em que se lia: MANHUNT -NEGRO SP Masculinidade.. 2004. Embora a questão apareça como um desabafo e queira se apresentar a partir de dados estatísticos (mesmo sem que eles apareçam). educação e humildade = essencial!! Viajo muito pelo Brasil. Os exemplos são diversos e a experiência em campo ainda mais me fortaleceu as conclusões sobre a coisificação do corpo negro. não se atraem por negros. negro. Percebi um dado estatístico claro. que a fala de um músico. que emergiu simbolicamente na história como o corpo para o outro. ou eu sou o mito do negro ou eu sou totalmente desinteressante. Está. mas nunca um h bonito.. como tal ATIVO. Fora dessa fantasia e voltando para a realidade do h comum. Tanto e de tal forma. Ora. as marcas corporais da raça (cabelo. É essa memória do negro como “corpo-para-o-trabalho” que fecunda expressões cotidianas tais como a que dá título a esta seção (“um negão desses. nesse caso não há lugar para um h como eu. site de relacionamentos e encontros gays. viado!”). esse sim é desejado. significa sua recondução ao reino dos fetiches animados pelo olhar branco [. porque deve ter p grande e vigor físico. a falso-cosmopolita São Paulo cria filhos q culturalmente aprendem q um h comum nunca poderá ser um h negro. alguns deles se atraem sim pelo mito do negro.. Não é de se esperar que o negro confeccionado pelo imaginário branco (de pênis enorme e de fulgor sexual estonteante) possa se desvirilizar-se em papéis passivos ou em relações homoafetivas de modo mais geral. esse rótulo se vende fácil. Concluindo. O que reforçou essa inferência foi um anúncio no Manhunt. o branco dominante. pois eu posso ser um negro bonito. ironicamente. essa base é contraditória porque tem sido definida pelas discursividades racializantes ou puramente racistas que justamente aprisionam o negro na “geografia da pele e da cor”.85 corpo. decomposto ou fragmentado em partes: a pele. o corpo negro masculino é fundamentalmente corpo-para-o-trabalho e corpo sexuado. Paulistanos não gostam. lógica e historicamente deslocado de seu centro.. feições. Ser negro é ser o corpo negro. odores). 67). então.] (PINHO. a situação descrita pelo usuário do Manhunt vai ao encontro da situação vivida por João Vitor no Facebook e argumentada por Osmundo Pinho: o negro aprisionada em sua “geografia da pele e da cor”. os músculos ou força física. Assim. desse modo. minha querida cidade natal. cabelos Black Power. militante do movimento negro. homossexual assumido. a partir disso. políticos e intelectuais como gays ou lésbicas com um intuito. avaliar as tensões que têm sido operadas tanto dentro do Movimento LGBTs quanto no Movimento Negro e. Percebo que nós negros carecemos de maior representatividade dentro dos movimentos que lutam pelos direitos dos negros e dos homossexuais. mas. Somos assolados.86 acontece aqui no ‘banheirão’ e nos lugares gays também. Luiz Mott para dar visibilidade à militância homossexual e criar . interrogo-me como tem sido construída a representação desse homem negro e sou solidário à questão posta por Osmundo Pinho (2004): “qual a identidade do homem negro?”. no fundo. me chamou atenção para os negros com práticas homo-orientadas na cena gay e na cena da pegação na Estação da Lapa e redondezas. O Outing foi bastante utilizado pelo antropólogo. não aprofundarei o debate aqui. O rapaz afirma sentir que as coisas têm melhorado um pouco. de fato. para os fins ora propostos. Nessa direção. essa coisa de enxergar nós negros como ativos e pauzudos. pelo racismo. entender como são representados os negros LGBTs nos discursos de um e de outro movimento e como se dão as sociabilidades deles na pegação. de provocar uma declaração pública da orientação sexual. há um preconceito mais velado”. atento-me para uma questão que. também. ainda no bate-papo com esse mesmo músico. pois os líderes têm sido mais cautelosos e ficam receosos em expressar preconceito. no fundo. pela fragilidade econômica que decorre do processo de desigualdade social e pela homofobia. quando a gente diz que curte ser passivo a galera se espanta e rejeita”. Além disso. mas. no entanto. 3. decano do movimento homossexual brasileiro e presidente do Grupo Gay da Bahia (GGB). afinal “hoje em dia ninguém quer ser chamado de homofóbico. assedio a pergunta dele para pensar no seguinte: como tem sido produzida as identidades e reflexões sobre os homens negros que estabelecem vínculos homoafetivos? Essa é uma pergunta que cabe em trabalhos que se debrucem de modo mais específico sobre a questão. artistas.1 O CASO ZUMBI DOS PALMARES E AS TENSÕES ENTRE MOVIMENTOS NEGRO. a um só tempo. LGBT E O “MEIO HOMOSSEXUAL” Uma das importantes estratégias de grupos da militância LGBT para a criação de um referencial foi a prática do Outing – que consiste em apontar personalidades. Tentarei. não pega bem. p.] Primeira pista: não há evidência alguma comprobatória que Zumbi teve mulher ou filhos. etnia onde a homossexualidade tinha numerosos adeptos. outro respeitado historiador negro. foi degolado “sendo castrado e o pênis enfiado dentro da boca”. Cartas de repúdio.. [. dois em Alagoas. foi criado pelo Vigário de Porto Calvo... entre eles o Padre Cavazzi e o Capitão Cadornega. descendia dos Jagas de Angola. Luiz Mott teve os muros da casa onde mora e o carro pinchados com as frases “Zumbi Vive!” e “Zumbi Filhos”. antes de fugir para o mocambo. a que causou mais polêmica foi a da possibilidade do líder negro Zumbi dos Palmares ser “praticante do amor que não ousava dizer o nome”. Quarta pista: Zumbi. a poligamia era privilégio indispensável. Segunda pista: Zumbi era conhecido por um intrigante apelido: SUECA. Padre Melo. A reação de intelectuais ligados à militância negra. artigos em resposta ao antropólogo paulista radicado na Bahia foram publicados nos principais veículos de imprensa do Brasil. descrito como possuidor de “temperamento suave e habilidades artísticas”. também. Mott divulgou em programas de TV. até os 15 anos. Para um grande chefe guerreiro. publicado no Segundo . tantos eram os padres envolvidos com as práticas homossexuais. Macabra coincidência: o Grupo Gay da Bahia dispõe de um volumoso dossier de assassinato de homossexuais brasileiros. a mesma região onde castraram Zumbi. Terceira pista: Zumbi. referido como “afeiçoado a seu negrinho”. Décio Freitas.. de “vício dos clérigos”. O historiador e especialista em Palmares. ao ser preso e executado. publicado em jornais da Bahia (o extinto Bahia Hoje). Com grande penetração na mídia.155-160): [... Quinta pista: dizem os estudiosos que Zumbi. conforme atestam contemporâneos da guerra dos Palmares. de São Paulo (Folha de São Paulo) e no livro Crônicas de um gay assumido (2003.. onde constam 5 gays. que ficou coxo num acidente de batalha. que foram encontrados mortos exatamente como o chefe quilombola: com o pênis dentro da boca. o ex-presidente Fernando Collor de Melo e a cantora pop Cássia Eller. ano de comemoração do tricentenário de morte de Zumbi. os famosos “quimbandas”. rebateu as afirmações de Luiz Mott em um artigo intitulado As múltiplas mortes de Zumbi..] Após a publicação do artigo. com razão. ele apresentou cinco pistas de que o herói negro de Palmares era “amante do mesmo sexo” e as expôs no artigo Era Zumbi Homossexual?. a 20 de novembro de l695. foi imediata.87 referenciais... As declarações do estudioso e militante da causa gay Luiz Mott vieram à tona justamente em 1995. Ora: nos tempos inquisitoriais a homossexualidade era chamada... jornais e revistas de circulação nacional a suposta homossexualidade de personalidades históricas e celebridades como Santos Dumont. Na ocasião. É importante lembrar que dentre todas as “revelações” de Mott. Esta informação é confirmada por Clóvis Moura. mas não citavam Zumbi. disse a reportagem da Tribuna da Bahia. Assim. Freitas. Em uníssono. em 20 de novembro de 1695. explicita que. o presidente do Ilê Aiyê. as reações de militantes... Zumbi ganhou existência histórica. Por isso. A discussão sobre a sexualidade do líder dos Palmares chegou à plenária da Câmara Municipal de Salvador. relatou que o vereador Dionísio Juvenal (PMDB) bradou em uma das sessões: “é um absurdo Zumbi era macho mesmo” e obteve o apoio entusiasmado do colega evangélico . através de um ataque oblíquo e perverso. É importante deixar claro que o objetivo desta modesta seção não é discutir a orientação de Zumbi dos Palmares. 1995.. em que o historiador gaúcho sugere que o levantamento da hipótese da homossexualidade é uma tentativa de matar Zumbi historicamente nos chama bastante atenção: [. como resultado de um longo processo investigativo e crítico. Antônio Carlos do Santos.. chamada Maria Paim e os dois tiveram filhos.. publicada no dia 20/05/1995. de acordo com os historiadores pernambucanos do século 19. grifo meu).] A morte física de Zumbi. condenado pelo Movimento Negro. Agora. O coordenador cultural do Bloco Olodum. disse a reportagem Um quilombo da pesada – publicada na edição da Veja de 24/05/1995 – que “A afirmação de Mott denigre Zumbi”..88 Caderno do jornal gaúcho Zero Hora no dia 03/06/1995. [. que faleceu em 09/03/2004. mencionavam a república negra. Walmir França Santos. a mesma matéria da Tribuna da Bahia. depois. Na época. o Vovô. Ainda segundo Freitas. A publicação do artigo de Mott expôs ao público reações homofóbicas de líderes de minorias com histórico de muita repressão e exclusão social no cenário brasileiro como os blocos afros de Salvador. intelectuais e políticos diante desse episódio me interessam muito. tenta matá-lo outra vez. os livros de história do Brasil. era comum castrar os homens que seduziam as mulheres e colocar seu pênis na boca – e essa prática ainda é corrente em alguns lugares do nordeste do Brasil. na matéria Comunidade negra defende virilidade do herói Zumbi. Não sou contrário ao fato de que Freitas lance argumentos para tentar desconstruir a tese apontada por Mott. o obscurantismo racista. seguiu a sua morte histórica. As crônicas coloniais e. Zumbi era casado com uma mulher branca. no século 17. que a intenção do antropólogo era aparecer. Eu quero refletir sobre as relações entre negritude e homoerotismo no Brasil. mas um trecho do artigo. no tricentenário de sua morte. A fala de Santos ressuscitou o verbo denegrir.] (FREITAS. pode ser um reflexo da forma preconceituosa como a homossexualidade era tratada no âmbito das organizações revolucionárias do período da ditadura militar brasileira (19641984). a matéria publicada no Jornal do Brasil em 19/05/1995 traz declarações do então diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do Estado da Bahia. muito pior é ser negro e homossexual. alguns integrantes negros do Grupo Somos. homossexuais participavam de grupos militantes negros. Se hoje ser negro é muito difícil e sofrido no Brasil..] De acordo com essa visão. Ainda segundo a leitura de Baiardi. Roque Assunção da Cruz: “as suspeitas infundadas. eles ignoravam a existência de um comportamento homossexual ou enxergavam a homossexualidade como uma projeção do declínio da burguesia.. No final dos anos 70 e início dos anos 80.” A postura homofóbica dos militantes e políticos soteropolitanos.. esses grupos não acreditavam que gays tivessem resistência ou grau ideológico para suportar ameaças e agressões como prisões e torturas.. de São Paulo. Curiosamente. “Seguidores de Zumbi dão o troco”. É preciso que as autoridades do movimento negro tomem alguma providência”. sentiam-se discriminados pelos brancos e levaram a temática racial para as reuniões do grupo: .. essa postura preconceituosa parece mais arraigada entre os militantes políticos do que entre a “massa” “.89 Álvaro Martins (PT do B) que disse: “o maléfico Mott volta a atacar. “o preconceito anti-homossexual era frequentemente expressado usando-se termos como “vergonha da raça” e a militância negra partia da hipótese de que a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo era desconhecida no continente africano: [. sem bases científicas do GGB sobre Zumbi merecem o repúdio dos metalúrgicos baianos. inspirados pelos ideais de grupos estrangeiros com visão marxista tradicional. Com o título. de certo modo. segundo nos relata um documento produzido pelo grupo baiano de negros homossexuais Adé-Dudu [. adotar um comportamento homossexual seria equivalente a ser “negro de alma branca”. mas enfrentavam resistência por parte de outros militantes que acreditavam equivocadamente ser a homossexualidade um “vício branco”. Segundo MacRae (1990). De acordo com Baiardi (2008)..] Ainda segundo MacRae (1990). a mesma da qual Zumbi é descendente” escreve ao Painel do Leitor da Folha de São Paulo. tradução minha). Se ele se conformasse a este estereótipo passava a ser aparentemente benquisto pelos brancos. por parte dos integrantes brancos do Somos que estavam presentes. achando que eram eles que tinham que tomar esse tipo de decisão. B) o homossexual negro tinha que se conformar a um estereótipo. quanto à condição de negro de um dos homossexuais que se colocava como tal. pois após cumprimentá-lo muito efusivamente e de forma “fechativa”. [. reservavam para si o direito de andarem sempre juntos. C) o negro era. em 15/06/1995: . o branco logo estabelecia um distanciamento e na rua às vezes até fingia não ver o negro. Ao mesmo tempo. Na literatura colonial sobre a áfrica costuma-se afirmar que as relações do sexo teriam sido importadas por árabes ou adotadas através da influência deles. o negro também era visto como tendo uma sexualidade mais desenvolvida que o branco. os negros. p.. o leitor Felipe Salvador que se identifica como “africano e oriundo da tribo dos jagas. Diziam que brancos nunca queriam ter “casos” com eles por medo do que outros brancos poderiam dizer. no seu país. Porém.] No dia 26 de julho de 1980. muitas vezes. Esse último ponto foi mencionado quando surgiram dúvidas. no livro History of the Decline and Fall of the Roman Empire: “acredito e confio que os negros.. Devia ser alegre. o mito da inexistência da homossexualidade no continente africano foi oficialmente disseminado pelo historiador inglês Edward Gibbon. Isto às vezes levava o branco a procurá-lo só como objeto sexual. quatro negros do grupo apresentaram uma visão das manifestações de racismo dentro do Somos e no meio homossexual em geral. durante uma reunião geral do Grupo Somos que passava então por um processo de reestruturação após a cisão que acabava de sofrer. às vezes sugeriam que os negros homossexuais formassem seu próprio grupo. uma vez que sua condição específica era um importante elo a uni-los. Por outro lado. simpático e desmunhecado. Na tentativa desmentir às declarações do líder do Grupo Gay da Bahia de que o herói negro de Palmares fosse homossexual. considerado feio pelos brancos e muitos sentiam uma rejeição a nível afetivo. se capaz de levantar propostas e manter discussões (capacidade menos exigida dos brancos).. Esta associação do homossexual negro com a “bicha-pintosa” é especialmente relevante quando se lembra que esta última é alvo freqüente de discriminação. Ele só era considerado. não estão expostos a essa pestilência moral” (GIBBON. A crença na inexistência da homossexualidade na África é tão forte que essa falsa premissa foi constantemente utilizada durante o tricentenário de Zumbi. Mas mesmo assim sua posição era enganosa.90 [. mesmo da parte de homossexuais. não importando o tom da sua pele. 506.] De acordo com informações de Mott (2005).. resolveram continuar no Somos. D) dentro do Somos alguns brancos seguindo a lógica aceita pelo grupo de que as minorias deveriam se organizar separadamente. era classificada como tal qualquer pessoa que se dissesse de descendência africana. Alguns dos pontos levantados foram os seguintes: A) o negro dentro do Somos tinha que ser melhor que o branco médio para ser levado a sério. em 1781. 1925. E quanto à definição de quem seria considerado negro. incrédulos. junto com a escravização física e mental do povo africano. MURRAY.. tanto masculino e feminino.. os portugueses foram pioneiros na percepção da diversidade do gênero e sexualidade dos africanos e acreditavam que as formas de expressão da sexualidade dos “nativos” eram chocantes em relação as suas: [.. Eles registraram.. no qual foi excluída a homossexualidade do olhar de muitos dos europeus..] Os relatórios de Angola deram o tom para o que se seguiu. Roscoe e Murray (1998) expõem inúmeros relatos que indicam não serem incomuns comportamento e relacionamentos homossexuais. principalmente nos anos antes do casamento heterossexual. entre pares. impôs as almas fracas seus hábitos imundos. p. que. os papéis sexuais dentro do mesmo sexo no relacionamento com colegas eram flexíveis e a adoção arbitrária. porém aceitos pela maioria.. o homem negro é relatado em nossa literatura com um ser de força animal. para eles como os africanos negros eram diferente (e inferiores a) eles. Essa prática sexual degenerada entrou na África por meio da colonização européia decadente.. 1995) Em Boy-Wives and Female Husbands: studies of African Homossexualities. os europeus ficaram chocados. a masculinidade negra foi construída em torno de ideais de virilidade. o que pode ter reforçado a premissa de que a relação entre iguais não era praticada no continente africano. Relatos de europeus mostram padrões de relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo por todo o continente [. não sendo. mais velhos/jovens e do sexo masculino/feminino foram muitas vezes utilizadas pelos envolvidos nessa relação e por outros. 1998. [.91 [. e confusos. na realidade. mas não compreenderam as práticas sexuais e de gênero que simbolizadas.. Evans-Pritichard de Zande disse aos europeus que os homens tiveram relações sexuais com meninos só porque gostam deles. Por conta de liderarem o processo de exploração e colonização da África. Na maioria das vezes. com um pênis que ultrapassa as medidas .. força e potência sexual. Quando o os informantes como o nativo E. já que na África se tem por costume obrigatório o homem ter esposa como companheira e não outro homem.] (FOLHA DE SÃO PAULO.] (ROSCOE. nas sociedades altamente segregadas por sexo da África. No Brasil. As relações foram identificadas com termos específicos. Embora a terminologia do ativo/receptivo.] O homossexualismo não tinha nenhum sentido para eles (jagas) era visto como uma agressão total à natureza humana. 02) Existem especulações de que a demanda por trabalho escravo negro tenha promovido um discurso sobre a masculinidade negra.. no ano de 1981. o fato de Zumbi. dentro do movimento de outras “minorias” como os Negros...ainda é necessário firmar uma identidade LGBT no cenário político brasileiro e essa afirmação deve começar. De acordo com o relatório final do Enjune.] A discriminação relacionada à homossexualidade é fenômeno mais freqüente entre os (as) homossexuais negros(as).] O Brasil é um dos países mais violentos contra homossexuais. o fato de dois integrantes do MNU e também do Adé-Dudu – primeiro grupo negro gay da Bahia – se apresentarem como homossexuais em um debate da entidade em que se discutia a importância do 13 de maio (data considerada pela militância negra como de uma enganosa e falsa abolição da escravatura) provocou críticas por parte dos integrantes do MNU. listas e fóruns virtuais que precediam o Encontro Nacional da Juventude Negra (Enjune) que aconteceu entre 27 e 29/07/2007. Nas discussões. Talvez essa possa ser outra razão que levou os integrantes de Movimento Negro Unificado (MNU) e de outras entidades ligadas à causa negra a tomarem como ofensa.. Dentre as principais modalidades de discriminação está o impedimento de ingresso em estabelecimentos comerciais. rompendo com paradigmas essencialistas. ser considerado homossexual.. principalmente. problemas na escola e no trabalho. De acordo com dados do GGB. pois percebemos que as oposições binárias entre homem e mulher/heterossexual e homossexual não abarcam uma gama de outras possibilidades. e também tratamento desigual em comércio e outros espaços públicos. expulsão de casa. inclusive utilizando termos de conotação negativa e perjorativa como “denegrir”. A ONG de defesa dos direitos dos homossexuais adverte que nosso país é o líder no . [. Apesar de vivermos um momento no qual pensamos em novas maneiras de explorar a questão da identidade humana. as discussões do grupo temático ocorreram e ficou constatado que a homofobia é um sério problema enfrentado pelo negros LGBT: [. um herói negro. em Lauro de Freitas. apenas em 2011 foram 266 gays mortos em todo o território nacional.92 “comuns” e uma virilidadede exacerbada. MacRae (1990) relata que. É importante explicitar que o tema central do ENJUNE de 2007 Novas perspectivas na militância étnico/racial já sugere uma mudança na forma de pensar das pessoas que fazem o movimento. militantes negros protestaram contra a criação do grupo temático LGBT: Identidade de Gênero e Orientação Sexual. na Grande Salvador. com 25. Segundo o Blog da Rede Afro LGBT. um grande passo para acabar com esse quadro de intolerância é aceitar que “Um negão desse pode ser viado” e é dever também do Movimento Negro contribuir para a erradicação da homofobia. A reação de alguns militantes e intelectuais negros foi um grande equívoco. Não podemos deixar de atentar para o fato de que o professor Luiz Mott cumpriu o seu papel de militante. O assassinato do ativista gay ugandense David Kato. Analisando o episódio Zumbi dos Palmares. a homossexualidade ainda é criticada por líderes políticos e religiosos da África como sendo “um comportamento não africano”. na Zona Sul do Rio de Janeiro e na Região Metropolitana de Salvador ganharam o noticiário do país. Nos últimos anos. pois essa construção identitária é coisa do nosso tempo e não do século XVII. casos brutais de violência contra jovens homossexuais na Avenida Paulista. Imaginamos. tempo em que o guerreiro negro viveu. que dentre os irreparáveis danos. que além de políticas públicas. mas que causa prejuízos irreparáveis a comunidade. com fotos e endereços e uma tarja amarela com os dizeres “enforquem-nos” é uma amostra de como é perigoso declarar-se gay ou lésbica em um dos 53 países africanos. Em países como a África do Sul – onde casamentos gays foram reconhecidos e sem o poder evangélico presente em Uganda – mulheres lésbicas como Millicent Gaika. pois mostrou a força de um pensamento machista e homofóbico perigosíssimo e capaz de fazer vítimas em todo mundo. ponto de partida dessa seção. Talvez o Outing realizado naquela ocasião tenha destinado a discussão sobre homossexualidade aos espaços mais privilegiados e cobiçados da imprensa brasileira. Mott pode ter exagerado quando atribuiu a Zumbi uma identidade gay. Afirmar que Zumbi poderia ter vivenciado relações sexuais com pessoas do mesmo sexo seria mais coerente. refletimos sobre a postura do movimento negro e do movimento LGBT na ocasião do tricentenário da morte do Herói negro. no Brasil e em países africanos. são estupradas por homens que desejam “curá-las” da orientação sexual. Vale ressaltar que a homofobia é um resquício do nosso processo de colonização. principalmente. 30 anos. .93 número de mortes violentas a homossexuais vencendo o México que registrou 35 casos no ano passado e Estados Unidos. morto brutalmente nos arredores de Campala – capital de Uganda – dois meses após sair na capa do Jornal local Rolling Stone (editado por ex-alunos da Universidade Makerere. de Campala) em uma lista dos “100 principais” gays e lésbicas do país. Ele pensa que os grupos investiram na tentativa da criação de um padrão hegemônico de homossexualidade. (FERRARI. é tão desagradável essa questão. passou uma bicha. No texto. Solidariedade e Amor) de São Paulo/SP e MGM (Movimento Gay de Minas) de Juiz de Fora/MG – Ferrari (2006) constatou que esses grupos se tornaram locais de “locais de disciplinamento. que se ligou homossexual ao banheiro público que. 2006. O Coordenador do Grupo Homossexual da Periferia de Salvador (GHP). tentando enquadrar seus participantes em um modelo idealizado pelo mercado (Gay. que vai ao banheiro público segunda. O autor chega a citar um dos trechos de reunião em que essa prática é condenada: [. mas eu não vou ao banheiro do Santa Cruz Shoping. 9) A fala leva a entender que o militante lança um olhar patológico em relação a “bicha banheirão” e condena os adeptos da prática. olha para a prática da pegação sobre outra perspectiva. terça. já fala que tá pegando no banheiro e aí vira pegação.porque aquele banheiro é uma putaria. classe média e com relacionamento monogâmico). por um motivo muito simples. p.94 “demonizou” formas de manifestação de sexualidade que fugiam a um modelo heterossexista. Raphael Sant'ana. Orgulho. se você for mijar. p. O dirigente do grupo. que às vezes eu to mijando na calça. ele problematiza os dilemas entre a “bicha banheirão” e o militante homossexual e demonstra uma condenação às “bichas” que fazem pegação no banheiro por parte de membros do MGM.)Todo mundo que vê fala que você vai ali pra pegar. 01). É uma merda.. vigilância e controle” (FERRARI. Tem gay que tem problema.. (. quarta. o CORSA (Cidadania. formado há 9 anos por homossexuais assumidos e moradores de bairros periféricos da Capital baiana. hoje eu moro ali perto do Santa Cruz Shoping. de Juiz de Fora..] “É tão desagradável essa questão. É difícil compreender porque a homoafetividade de Zumbi poderia representar ofensa tão grande capaz de desconstruir a sua imagem de herói diante da militância negra brasileira? Será que seria tão desrespeitoso pensar em um ícone negro e gay? Ao desenvolver estudo com três grupos gays .. mas eu passo direto...”.. no interior de Minas Gerais.Eu passo por dentro do Santa Cruz para poder ir a minha casa.o GGB (Grupo Gay da Bahia) de Salvador/BA. branco. assume frequentar lugares de Pegação como a Praia do . que é ali pertinho mesmo. Respeito.. 2006. criando corpos dóceis e técnicas de poder para o trabalho de enquadramento. homossexuais negros. Eles ficavam no centro da cidade. a gente vai para o Beco de artistas. namore e depois tenha relação sexual. caracterizar esse local como um espaço que o gay não pode ir é um equívoco.95 Jardim de Alah e os fundos do Aeroclube.] O discurso do movimento sobre a pegação está com foco errado. Eu acho que é um pouco de inversão da prática que acontece em outros ambientes. Eu enxergo a pegação como mais um espaço de socialização do gay. um local que todo mundo freqüenta independente de classe ou de raça. Quem não é considerado promiscuo é quem vai para outros espaços. É preciso pensar esses locais como espaços de socialização. independente se você vai namorar ou não. que desaconselha à prática da pegação. É uma grande hipocrisia essas pessoas (militantes) quererem se colocar como as pessoas certinhas. Nos espaços de pegação essa norma é invertida. Ele procura esse espaço não só para a chamada pegação. porque ali ele sabe que ele vai encontrar outros gays. Por exemplo. conversar. Sant'ana pensa que a militância LGBT deveria mudar o discurso para esse tipo de sociabilidade: [. conta que o GHP foi fundado pelo um grupo de jovens da invasão Calafate. que as pessoas enxergam de forma negativa. Ele não deveria negligenciar a necessidade que as pessoas têm de encontrarem outras seja pra transar. Só que a ordem é que está invertida no lugar de pegação. presidente do GGB. A partir desse episódio faz-se necessário problematizar aqui a condição identitária desse homem negro que exerce práticas sexuais homoeróticas em um espaço . na Avenida San Martin que “não se sentiam representados representado pelos grupos atuantes. a discriminação pelos próprios gays e pelas forças armadas e pela polícia.. Sant'ana diz encarar a pegação apenas como uma sociabilidade gay que se manifesta numa ordem invertida das outras tradicionais: Eu acho que há uma grande hipocrisia com relação a pegação.. Tanto num espaço quanto no outro a finalidade é o sexo. com outros gays. se você parar para pensar. namorar. mas para se socializar com outras pessoas. que não tem os ditos espaços sociais que os heterossexuais têm como shopping. Você conhece a pessoa. Diferente de outros militantes mais tradicionais como o professor Luiz Mott (2008). paquere. A gente precisa pensar a questão da violência. bares. transa e só depois pensa se quer namorar ou não. Tem esse discurso que todo gay que vai para esses espaços é promiscuo. não alcançavam os homossexuais da periferia e. no bairro da Boca do Rio. limpinhas e ficarem criando norma e padrão de gay. principalmente. lá espera-se que a pessoa chegue nesse espaço. E as pessoas só querem enxergar esses espaços de forma negativa e saem rotulando todo mundo como promiscuo. imediatamente. pobres e periféricos na cena da Pegação.96 considerado marginal como a Estação da Lapa. apresento nas duas seções seguintes. . relata que chegava até a ser seguido por outros homens em busca de sexo. Já o segundo. Ao presenciar está situação em campo lembrei. Para encerar esse capítulo. dos relatos de Carella (2011) sobre suas aventuras sexuais no Recife. relatos de campo. Por isso. Lembrar que ele é desamparado tanto pelas representações negras quanto pelas entidades LGBTs. faz-se necessário interrogar se o projeto de identidade dos dois movimentos inclui esse homem negro com desejo considerado “marginal”. O teatrólogo lembra o frisson que a sua pela branca causa dentre os negros da capital pernambucana. mostra o fascínio que um jovem branco e de classe média provoca em um contexto povoado por homens negros e oriundos das classes menos favorecidas. O primeiro versa sobre os estigmas de marginalidade que pesam sobre os corpos de jovens negros. o Candeal Pequeno . Os ratos também continuavam a habitar o local. dois grandes mictórios de alumínio. o Horto Florestal. é um bairro de cenários bem divergentes. essa foi a única presenteada com iluminação. a Cidade Baixa. É um grande conjunto de Morros limitados pelas grandes avenidas de vale Vasco da Gama. ACM e Bonocô. O local continuava sujo. Juracy Magalhães. 53 é um bairro central da cidade de Salvador. que alguns meses antes era escuro como um “dark room’ de boate gay e agora tinha sido presenteado com duas fortes lâmpadas.2 “DIGA PRA ELE QUE VOCÊ ME CONHECE E QUE EU NÃO SOU LADRÃO” Após deixar a academia de musculação na Barra quando já passavam das 17h de uma tarde de terça-feira. 12 espelhos. Cosme de Farias e uma das áreas mais nobres da Capital baiana. Algumas bichas de língua mais ferina. Como de costume subi para o térreo pela escada da última plataforma. É um dos distritos mais populosos da capital baiana.97 3. propagavam num bate papo em frente ao banheiro da plataforma de serviços: “ A luz foi instalada para acabar com a putaria dos viados “. o cheiro das fezes e urina espalhadas pelo chão se misturava a umidade proveniente das goteiras causadas por diversas infiltrações do teto da Estação. uma no início e outra no final da escada. a menos movimenta. passei por todas as outras escadarias de acesso à plataforma do subsolo. pois engloba em seu território comunidades bastante populares como a Baixa do Tubo. em quanto aguardavam uma nova presa. a iluminação era semelhante a de um show de Axé Music. Após peregrinar entre as escadarias de acesso ao subsolo em trabalho de averiguação. O curioso é que dentre as escadas que ligam o térreo ao subsolo da Estação. onde em horário normal (até meia-noite) é possível tomar ônibus para o Subúrbio Ferroviário. fui conferir. Enfrentei congestionamento na Avenida Centenário sentido Centro e depois de penar por quase uma hora num ônibus desconfortável desembarquei na suja e fétida plataforma do subsolo da Estação da Lapa. Cajazeiras e o grande e contrastante bairro de Brotas 53. pois por cerca de 10 anos foi interditada por causa das obras do metrô de Salvador. que praticam Cruising na Lapa e que no intervalo entre uma caça e outra. Com 12 pias. as outras com fluxo de usuários muito maior permaneceram as escuras. Com localização privilegiada. segui num ônibus Cajazeiras XI Lapa/ Barra em direção a Estação da Lapa. E pelo visto elas tinham razão. O comércio da cidade já vivia a agitação das compras de Natal. restos de um cobertor que deveria ter sido deixado por algum morador de rua compunham o cenário. e constatei que em nenhuma delas havia iluminação. . as ruas estavam lotadas de pessoas com sacolas e o trânsito ainda mais caótico do que cotidianamente. decidi me dirigir até o banheiro da plataforma de serviço – o famoso “banheirão da Lapa”. que estrategicamente fica vizinha aos Shoppings Piedade e Center Lapa é a principal ligação entre os bairros mais distantes e cidades da Região Metropolitana e importantes locais de comércio popular como as Avenidas Sete de Setembro. Os públicos e interesses eram incompatíveis e. quando o banheiro do piso de serviços passou a ser fechado por volta das 22h. mas tiveram que dividir o espaço com mendigos. pois falta cabine específica para deficientes e são duas pias com vazamento. Por conta da vigilância. pedintes.entrei no banheiro com o aviso de que o iria fechar para limpeza. educadamente convidava alguns adeptos da “pegação” a saírem. Quando alguém demorava logo alguém proferia a expressão: “Essa bicha ta é fazendo banheirão”. Joana Angélica e a 54 O termo “Fazer Banheirão” é nativo da comunidade gay e era bastante utilizado por colegas de trabalho do Espaço Xisto Bahia (teatro localizado no bairro central dos Barris). na semana do Natal. O banheiro é muito menor e conta com apenas dois pequenos mictórios de louça. vários homens adeptos da “pegação” adentraram o recinto. a área tem vista panorâmica de toda a plataforma térreo da Lapa . que ao serem abertas derramam água sobre os pés de quem vai lavar as mãos e um pequeno espelho. para meu espanto. os sedentos por uma rápida interação homoerótica tiveram que procurar ressignificar outros espaços da Estação da Lapa. . O termo também é utilizado em outras regiões do Brasil como o Rio de Janeiro e São Paulo. motoristas. Localizado entre a plataforma de embarque e uma série de casas construídas em terreno do terminal ocupado por aquelas famílias há pelo menos dez anos. Tudo ali é muito espremido. O lembre foi dado pelo próprio servente.98 cinco cabines normais e uma especial para deficientes físicos. o principal sanitário da estação de ônibus mais movimentada da Bahia faz jus ao apelido no aumentativo dado pela comunidade LGBT54·. por isso. Para minha surpresa deparei-me com a porta principal do banheiro fechada e fui até a porta dos fundos . a Estação da Lapa. a maioria deles gays fazia piadas com os colegas que saiam para o lanche nos shoppings Lapa e Piedade – que são vizinhos a Estação da Lapa. são apenas três cabines normais. Antes o sanitário funcionava apenas para atender a despachantes. Ele. cobradores e funcionários da Transalvador – que trabalham na Estação.que fica situada próximo dos quiosques que vendem cachorroquente. Logo em seguida. separados por uma parede estreita. o sanitário apenas começou a ser aberto aos usuários da Lapa a partir do segundo semestre de 2011. moradores de rua e “sacizeiros” ávidos por utilizar o banheiro ou pela água das torneiras para se lavarem nas pias. Assim que o banheiro foi aberto. um colado ao outro. desci para o piso térreo e presenciei a abertura do outro sanitário menor. pois eram surpreendidos pela passagem de uma viatura da PM pelo local. No mesmo período. Alguns homens paravam lá. já passavam das 19 horas. xingar e extorquir os “viados” que encontravam naquela escada. enviada no dia 9 de dezembro. quando viu a viatura fez que tava mijando . descer da viatura. fingiam urinar. humilhar. Ouvi relatos de que naquele período muitos policiais chegavam a parar. e a escada da última plataforma que geralmente “bomba” continuava vazia. fazer revistas e em casos extremos bater. mas logo saiam. cheguei até a ser questionado sobre a ação da PM na escada por um participante via mensagem privada no Facebook.99 Barroquinha. me tire uma duvida a policia esta fazendo ronda ali onde rola a pegação na lapa é ?? n sei vc soube de alguma coisa? estava indo vi um cvarro da policia passando por ali proximo sai fui para o ponto desiste de ir para lá mas vc sabe se rolou alguma parada? nao Tinha ate um cara massa por aquelas redondeza . Confira diálogo: Figura 8: Chat no Facebook TRANSCRIÇÃO DO CHAT E ai amigo blz . Por isso. recebe patrulhamento da Polícia Militar (com viaturas fazendo rondas na plataforma térreo e subsolo) e da Guarda Municipal. Um rapaz belo. Naquele horário. À postos na escadaria encostando-se ao corrimão. pensando que eu sou ladrão e resolvi te chamar para que você dissesse que eu sou honesto”. ele me concedeu uma entrevista e foi um colaborador fundamental para esta pesquisa. baixo. branco. passeava no Shopping Iguatemi quando encontrei meu “conterrâneo” que também andava pelo 2º piso. Esse banheiro é um dos pontos de pegação mais tradicionais do Iguatemi. próxima a uma área arborizada e termina justamente ao lado do banheiro menor do térreo. funcionário de uma loja de material elétrico do bairro da Calçada. Eu e o cara de Paripe criamos uma certa amizade por morarmos no mesmo bairro e chegamos a nos tratar como conterrâneos. morador de Paripe. alto. corpo atlético. por ser dono de um pênis de tamanho descomunal. pedintes e “sacizeiros”. a alternativa para os adeptos da “pegação” foi ocupar outra escada. cerca de 1. nos cumprimentamos e segui para o 3º piso. um casal heterossexual se beijava e trocava carícias.100 A presença de reforço policial na Estação da Lapa – desassistida por serviços públicos – mudou a rotina do lugar. camiseta regata preta e bermuda de surfista estilo taketel – já famoso adepto da pegação – também encostou no corrimão em busca de sua presa. troncudo e malhadinho e interpelado pela seguinte fala: “Diga pra ele que você me conhece e que eu não sou ladrão?” Aquela cena para mim foi extremamente constrangedora e eu logo retruquei “Porque você haveria de ser ladrão?” e ele respondeu “Estou a fim dele. que mora sozinho em um apartamento na Pituba. A escadaria escura é muito frequentada por casais heterossexuais que estão a fim de dar um amasso e também por homens em busca de interações homoerótica que estacionam no corrimão em busca de uma paquera. sempre nos batemos no ônibus e trocamos idéias. Conhecemos-nos no campo. essa fica ao ar livre. Logo depois. um daqueles tipos que fariam uma senhora de classe média mudar de passeio caso se batesse com ele na rua. magro. no 2º piso. fui apresentado a um rapaz. negro. Indignado bradei com meu “conterrâneo” . A movimentação é intensa entre a escadaria e o banheiro do térreo – ainda está ocupado por moradores de rua que aproveitam a água das torneiras. após fechamento do banheiro principal e com o banheiro da plataforma do térreo tomado por moradores de rua.90 metros. encosta ao meu lado um conhecido informante. em frente à Opção Modas. De repente. fui surpreendido por uma ligação dele solicitando que eu fosse ao seu encontro na porta do banheiro. Chegando lá. mas está com medo de me levar para a casa dele. O cara é um dos mais cobiçados da Lapa. Um dia. Eu sabia que não tinha o mesmo poder de “falo” do meu “conterrâneo” – dono de um pênis de mais de 25 centímetros e de um biótipo desejado pela maioria dos adeptos da pegação. e segui a procura de novo alvo. que fazia o estilo moleque. A chegada de um novo alvo também não demorou.70 de altura. olhava aquela bunda desenhada na calça jeans apertada. O cara fez sexo oral. mas estacionamos nuns degraus que levam ao telhado. de cabelos grisalhos e aparentando uns 50 anos. alto. careca. aparentava ter uns 30 anos e fazia aquele tipo que um dia malhou muito. gozei. logo tirei meu time de campo. conversavam e olhavam o nosso movimento. e outro jovem. Ele encostou ao meu lado e logo começamos a conversar e meu “conterrâneo’ me passou a ficha do belo rapaz de camiseta regata preta. era negro. Paramos nossas interações. Ele não parava de falar ao celular e. malandro e preenchia a fantasia daqueles que sonham em transar com um tipo “marginal”. um deles mais velho. Outro homem conhecido e com quem eu já havia interagido em outra oportunidade apareceu. Diante das dificuldades. Quando descemos. Eu o media dos pés a cabeça. era passivo e mandava bem na cama e completou. aproximadamente 1. homens e até pretensões profissionais. também. Depois desse dia passamos a conversar ainda mais. meio calvo. cerca de 20 anos. os homens da Guarda Municipal não estavam mais naquela área da Estação. Ele fazia aquela linha moleque. . Continuamos a interagir. papeávamos no ônibus sobre putaria. Eles tentaram descer e avistaram uma tropa da Guarda Municipal e por isso retornaram e nos avisaram. Os dois adentraram um matagal e alguns minutos depois ficaram nos observando. A dupla subiu em direção ao teto da Estação e nós resolvemos seguir o mesmo caminho. Não demorou. que o cara era muito gostoso.101 dizendo que ele não precisava passar por uma situação dessas e que mandasse aquele babaca pastar e se desse valor. os dois conversaram e saíram juntos em direção ao subsolo da Lapa e não retornaram mais. Ele descia e subia a escada enquanto falava ao celular. Ele era gordo. A escadaria e o banheiro do térreo seguiam movimentados e com um fluxo intenso. mais dois caras. tirando todas as minhas esperanças e dizendo que estava interessado em “repetir à dose”. mas deixou os exercícios físicos de lado e agora ostenta uma barriguinha saliente. Ele deu uma pegadinha discreta. Ele me contou que os dois já tiveram uma transa. Começamos a trocar olhares e ele resolveu estacionar ao meu lado no corrimão da escada. Não conversávamos e eu logo comecei a acariciar meu pênis. de olhar. Confesso não conseguir quantificar o número de homens que se masturbavam reciprocamente no mictório dos fundos. estudantes. eles vão ver os direitos iguais. eu quebro na porrada”. Mas logo depois de chegar próximo ao mictório fui convidado a fazer uma contribuição na caixinha de Natal dos auxiliares de serviços gerais do sanitário da Lapa . o segurança diz “Esses filhos da puta agora estão querendo direitos iguais. pois dias antes tinha testemunhado o seguinte diálogo do mesmo jovem com um segurança que estava de plantão e adentrou o sanitário: “Muito viado olhando um para o pau do outro aí hoje?” O servente respondeu “é com tanto motel barato aqui perto esses caras vem achar de namorar aqui. ejaculavam. Pra finalizar. pegavam no pênis um do outro. Confesso que estranhei tanta permissividade e cooperação por parte do rapaz da limpeza. cujos usuários são em sua maioria negros. E o segurança dispara ofensas como uma metralhadora “Esse rebanho de viado sem vergonha. Eram trabalhadores.” Nesse momento. merecem porrada”. professores não era possível dizer que tipo de homem se fazia presente ali. Como já havia chegado ao orgasmo. eles faziam a festa. minha memória conseguiu registrar mais de 20. iam sair todos arrombados de lá”. 3. os dois homens que ocupavam o mictório deixam o sanitário rapidamente. do dia 22/12/2011 resolvo voltar ao sanitário público da estação. mas dava para notar que aquela amostragem sedenta por prazer não destoava da cor da Estação da Lapa. O servente ainda desligou a luz dos fundos para que o clima ficasse ainda mais propício. tem um monte de preso lá precisando de visita íntima”. chupavam. Se eu pegar aqui. aparentava ter 28 anos e trajava um uniforme de instalador da operadora de telefonia e internet GVT. Piedade e no comércio popular da Avenida Sete de Setembro. Com a conivência e a vigilância do auxiliar de serviços gerais que tomava conta do banheiro. da Barroquinha e da Baixa dos Sapateiros. estava mais interessado em conversar com aquele rapaz que num dia de “vacas magras” bateu uma punheta recíproca comigo dentro do apertado box do banheiro do térreo da Lapa.3 O SURFISTINHA DE OLHOS AZUIS E A CAIXINHA DE NATAL A cidade estava em clima de Natal e a Estação da Lapa super movimentada por conta do grande número de pessoas circulando nos Shoppings Center Lapa. onde a pegação estava a todo vapor. eles deveriam ir para o presídio.102 branco nos padrões soteropolitanos. Por volta das 15h. O servente completa: “Eles iam adorar. 65 m.103 e descobri o motivo de tanta cordialidade. Não demora e chegamos até sua casa. Eram pênis e bundas a mostra. Aceito o convite. Todos queriam tocálo. que sempre morou no Centro. vestindo camiseta regata e bermuda surf-wear . corpo atlético. cabelos loiros e lisos. sempre fui gordinho e ninguém olhava para mim. Ele diz “tem de ser rápido. no bairro de 2 de julho e que havia mudado há menos de um ano para essa casa em Nazaré. Acesso as dependências da residência pela garagem e sigo direto para uma dependência de empregada aos fundos onde transamos. cerca de 1. Conversamos no caminho e me conta que mora com a mãe e o irmão. trajando calça jeans e uma camiseta regata amarela. Fomos atender a porta e era um dos rapazes que estava na “pegação da Lapa”. E a pegação continuava no mictório quando despontou um garoto branco. Encostado na pia. cabelos raspados na máquina zero. Após acabarmos de entrar. Batemos um papo. quase todos negros. mostro para ele meu pênis desenhado por cima da bermuda. ele flexibilizava. Em tom de brincadeira. digo “Você deveria fazer o maior sucesso no 2 de Julho. beijá-lo. Com o intuito de arrecadar o máximo. numa das ruas próxima ao Campo da Pólvora. Ele havia nos seguidos e para disfarçar diz ter pensado que uma sauna gay funcionava naquela casa. O rapaz foi cercado por oito homens. 24 anos . aquele bairro ferve” e obtive como resposta “ não. Saímos os dois juntos do banheiro e vários outros homens nos seguem. Agora. olhos azuis. porque daqui a pouco meu irmão chega do trabalho”. fazia vistas grossas e até colaborava para que a pegação acontecesse. que nada. negro. Ele logo tornou-se o principal objeto de desejo da maioria dos homens ali presentes. nos apresentamos e o “surfistinha” me convida para ir até a casa dele no bairro de Nazaré. Ele deixa o sanitário e retorna minutos depois e fez sinal para que eu deixasse o local. Os participantes da pegação passavam pela porta e logo em seguida eram interpelados pelo rapaz da limpeza que solicitava a contribuição natalina. . um sobrado muito bonito e amplo. malhei . O dono da casa o dispensou e continuamos as nossas interações no banheiro da dependência de empregada. fiz regime e estou curtindo muito esse lance de ser desejado”. fomos surpreendidos pelo toque da campainha. malhado. mas em qualquer caso se define contra o ‘normal’ ou normatizador. assumindo ser adepto da pegação em banheiros públicos. p. a partir do seu lugar de fala. em que eu exponho as minhas “vergonhas”. que. Foi na mesma perspectiva que escrevi este relato autoetnográfico. Quando escrevo este texto em primeira pessoa não quero em momento algum me limitar a um depoimento pessoal. mas possibilitar que o sujeito subalternizado construa um saber sobre si mesmo. a filósofa de orientação Queer55 confecciona uma “Ciência do Ânus”. Para isso. gênero e desejo sexual. prática sexual considerada uma das mais baixas dentro dos parâmetros éticos e morais do meio homossexual brasileiro. filmes. Nesse contexto de pesquisa etnográfica. por muitas vezes. por meio de uma perspectiva de intervenção. foi necessário um diálogo desprovido desse “distanciamento” hierarquizante. “exótico”. promover reverberação de outras vozes também oprimidas. estudos de identificação transexual e transgênero. conceitual ou sistemático. de forma equivocada. foi indispensável uma quebra com o pacto da “autoridade etnográfica”. uma alternativa de. Como foi explicitado no decorrer deste trabalho. em que o pesquisador vai a campo observar um “outro”. música e imagens. de sadomasoquismo e de desejos transgressivos”. principalmente para as consideradas “minorias”. Se a teoria queer é uma escola de pensamento. através da expressão da subjetividade do pesquisador.104 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS “Habla desde tu ano”. A teoria queer não é um quadro de referência singular. não apenas dar voz aos subalternos. Ela aponta para a necessidade de o pesquisador marcar o seu lugar de enunciação e. 2006. O termo descreve um leque diverso de práticas e prioridades críticas: leituras da representação do desejo pelo mesmo sexo em textos literários. transmite a impressão de que o pesquisador letrado é detentor de um 55 “’Queer’ pode funcionar como substantivo. críticas do sistema sexo-gênero. Esta recomendação considerada por muitos irreverente é feita por Beatriz Preciado no texto Terror Anal: apuntes sobre los primeros días de la revolución sexual. o meu intuito é. como fazem alguns antropólogos tradicionais. Com o propósito de se desvencilhar do “distanciamento científico”. assim. 8 e 9) . desconstruir os mitos cristalizados por uma tradição colonial e européia do fazer científico. adjetivo ou verbo. mas sim uma coleção de compromissos intelectuais com as relações entre sexo. então ela é uma escola com uma visão bastante heterodoxa de disciplina. análise das relações de poder sociais e políticas da sexualidade. (SPARGO. “distante”. o texto autoetnográfico representa. Assim.105 conhecimento superior ao do “nativo”. que sofre com o descaso da administração municipal foi também outro fator preponderante para a escolha. está voltado para estudar aqueles que ficam nas periferias das grandes cidades e atenta para a necessidade de voltar-se para os que se perdem no Centro – no caso de seu objeto de estudo. fez-se necessário ter acesso a números do CREA-BA e da Transalvador sobre a estrutura do lugar. O grande movimento de pessoas na Estação da Lapa é capaz de possibilitar as relações mais diversas entre todos os usuários. A busca daqueles homens com desejo homoorientado por pela satisfação sexual jamais poderia ser observada por mim sem uma leitura dos fatores sociais. onde ficou constatada uma produção quase exclusivamente direcionada aos campos da sexualidade. apresentado na introdução. O estado de degradação em que se encontram os equipamentos públicos do Centro da Cidade do Salvador e. jovens filhos de pais oriundos do . Ainda nessa parte do texto. O objetivo era entender a geografia homoerótica que demarca aquele terminal de transbordo urbano e perceber como aquela plataforma de idas e vindas era ressignificada para a prática da pegação. Para isso. Os mais de 12 meses de trabalho de campo na Estação da Lapa me fizeram ter uma constatação ainda mais forte de que “sexo é política”. geralmente. por colocar o local em uma situação ainda mais marginalizada. culturais. No cotidiano da Estação da Lapa. A precariedade física tornou a prática considerada abjeta da “pegação homoerótica” ainda mais dissidente dentre as práticas sexuais consideradas “anormais”. Em O negócio do michê. no capítulo 1. apresentei a deriva sexual na Estação da Lapa. um olhar moralista e patológico ainda é dirigido para aqueles seres com práticas consideradas “marginais”. principalmente. não cogitei outra possibilidade que não a condição de adepto da deriva da pegação. Diante do breve panorama das pesquisas sobre sexualidade e erotismo realizadas. políticos e econômicos que envolvem a deriva no maior terminal de ônibus da Região Metropolitana de Salvador. Perlongher atenta para o fato de que olhar dos antropólogos urbanos. saúde e prevenção de DST/AIDS. sugiro que pesquisadores desloquem seus olhares para o erotismo e para as práticas sexuais consideradas “dissidentes”. dentre elas a prática do “banheirão”. mal conservada e insegura Estação de ônibus. Apesar dos diversos avanços conquistados pela população LGBT nas últimas décadas. justifico a escolha da Região da Lapa diante de outras regiões de Salvador. da suja. acabei me identificando com o objeto do antropólogo argentino. apesar de em alguns momentos colaborarem para a manutenção dos padrões tradicionais de masculinidade. Eles são os mais diversos possíveis. pois cheguei a Salvador com meu pais e irmãos no final da década de 1990. por muitas vezes. É impossível traçar um perfil do homem adepto da pegação na Região da Estação da Lapa. através do Caso Zumbi problematizei os dilemas vividos por homens negros não heterossexuais.106 interior do país que migram para a metrópole. Os embarques e desembarques na Estação da Lapa se constituíam uma oportunidade de encontrar potenciais parceiros sexuais para satisfazer meus desejos. conheci os amigos que também residem em Paripe no trajeto nos ônibus e no transporte alternativo. também me considero um daqueles que “se perdeu” ou “se encontrou” no Centro. Fora os laços familiares. e. Durante a semana. Em seguida. mas nunca vivi a rotina do bairro suburbano. O texto mostrou as diversas formas de masculinidade que. No capítulo 2. Um exemplo disso é a rejeição aos corpos “afeminados” que se distanciam do padrão másculo e viril. Durante os finais de semana. Por esses motivos. acabam se perdendo no Centro. o meu bairro funcionava para mim com função dormitório. É notável que por se tratar de um terminal de transporte coletivo. Ele. tanto nas redes sociais quanto in loco. O capitulo 3 foi destinado a relação entre raça e homossexualidade nesse contexto. rasuram a masculinidade hegemônica. dialoguei com as mais diversas formas de expressão da eroticidade hterossexual masculina presente naquele contexto de ‘caça” e deriva sexual. O ponto de partida foram os dados estatísticos do Censo do IBGE 2010. Apesar de não ser um michê. Cheguei a conclusão de que os projetos de identidade dos movimentos negros e LGBT não abarcam esse homem negro com práticas sexuais dissidentes. que mostram as disparidades entre negros (pretos e pardos). está excluído dos dois projetos. tomando como base o discurso do movimento negro e do movimento LGBT e os relatos de participantes da Cena. Não é exagero afirmar que a Estação da Lapa é um território negro. fui morar em Paripe. . as minhas opções de lazer e sociabilidade também se encontravam no Centro. salvo raríssimas exceções. dentro de certo limite. Sempre deixei minha casa em direção ao Centro da cidade muito cedo para estudar e trabalhar e só voltava após a meia-noite. Dessa forma. a maioria deles é formada de estudantes e trabalhadores das camadas mais populares. p. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 283 f. CAIAFA. Ralph. 2009. Aventuras de antropólogos em campo ou como escapar das armadilhas do método. friends. humanidades e letras. BAIARDI. 144. Ruth (Org. In: DÍAZ-BENÍTEZ. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. WARNER. Camilo Albuquerque de. Sexualidades transgressoras. 2. Identity and Erotic Subjectivity in Anthropological Fieldwork. suor e sexo: subjetividades e diferenças em clubes para homens. 2011. M. CARELLA. FIGARI.Sexo público. Tradução Hermilo Borba Filho. ed.. 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Têm gays que se mostram ser gays e têm gays que são reprimidos pela sociedade. que eu não vou citar o lugar tal e foi só alegria. velho. TS: ESSA FOI A SUA PRIMEIRA EXPERIÊNCIA SEXUAL COM OUTRO HOMEM? Sim.10/10/2011 Minha primeira experiência foi a cinco anos atrás num banheiro da Estação Rodoviária de Salvador. sei lá. O tesão falou mais forte e ali ele me levou a loucura.ANEXO A – ENTREVISTA FUNCIONÁRIO DE MATERIAL ELÉTRICO – ESTAÇÃO DA LAPA . eu não me considero um cara gay. Eu vejo isso como tesão porque eu não me comporto como um gay. E não me preocupo como o que as pessoas pensam de mim porque eu sou independente. muito. Se tornou um vício. . E viva a sacanagem. TS: MAS VOCÊ FREQUENTA LUGARES GAYS? Hoje em dia freqüento por intermédio de outras pessoas e gosto. na verdade é ser um gay mesmo. E eu me apaixonei por ele e foi aquela coisa. TS: E COMO SERIA SE COMPORTAR COMO UM GAY? Porra se comportar como um gay na sociedade. TS: PORQUE VOCÊ NÃO SE CONSIDERA UM CARA GAY? Rapaz. Eu não tava naquele mundo. um. Naquele momento eu senti. Eu não conseguia dormir. sei lá. eu não me vejo como um gay. mas foi uma coisa que me cativou. é uma coisa inexplicável velho. Eu simplesmente me sinto atraído pelos homens agora hoje em dia. Porque assim. para mim é sexo veio. E viva a sacanagem. Eu conheci um cara lindo e maravilhoso velho e foi inexplicável. graças a Deus. aquele moreno lindo. Aquilo me cativou. Então. Eu sou tranqüilo graças a Deus. cabelos. a minha primeira experiência. E eu não me considero assim. escuros lisos e naquele momento eu fiquei cativado por ele. eu não conseguia comer eu num. Porque assim como eu posso falar. Uma paixão a primeira vista. Ele me levou para um lugar maravilhoso. e estou aí para o que der e vier. mesmo. trabalho muito meu psicológico. Eu não era gay eu me senti atraído por ele. muito. na verdade. sou tranqüilo. eu vou ser sincero pra você. COMO É? ELES SABEM? Minha família velho. Assim. É tesão velho. E é isso aí velho. TS: E SUA FAMÍLIA NÃO LHE COBRA NAMORADA. eu gosto de um cara homem e não um cara que se mostre ser gay. TS: VOCÊ GOSTA DE SER PASSIVO? Eu. eu escolho muito meus parceiros. Na verdade é sexo também. TS: MAS E FODER? QUAL É A HISTÓRIA DE FODER HOMEM? É uma coisa inexplicável como falei pra você. Eu não tenho preconceito com gay. TS: MAS VOCÊ GOSTA DE FODER MULHER? Também TS: MAS VOCÊ PREFERE FUDER MULHER OU FUDER HOMEM? Rapaz. não sabe não. TS: E COMO VOCÊ COMO ESSA PUTARIA AQUI NA LAPA? COMO VOCÊ COMEÇOU A PERCEBER ESSA PORRA DESSE LUGAR? Com a minha primeira experiência. rapaz. na sacanagem rola tudo. É inexplicável. . Porque é uma coisa minha. Eu pretendo me casar e ter filhos. Sendo com carinho rola tudo. é um cara homem. Na verdade é uma coisa minha. Não tem nem como te explicar isso aí. TS: QUANTOS ANOS VOCÊ TEM? Hoje eu tenho 27 anos.116 TS: E SUA FAMÍLIA. mas é a minha prioridade. não. MULHER? Tenho namorada. Quando estou com tesão eu curto. Não sobe de jeito nenhum. Só eu sei viu.117 TS: QUAL O TIPO DE CARA QUE VOCÊ NÃO PEGARIA? O afeminado. Não vou mentir pra você. velho. às vezes velho. não rola. é. Não dá.. você curte? Rapaz. velho. É uma pegada diferente. Porque eu gosto da atração de homem com homem. (risos) TS: E essa putaria de banheiro.. . . O senhor é salvo e é liberto. Quantos gays tá descendo a sepultura aí ta morrendo a toa aí. Tem que procurar sua esposa pra casar. nova criatura eu sou. e deus pegou aí é ele libertou. Vai ser queimado porque Deus ele tem prano (sic). ele manda. Deus não que é isso não para o grupo dele não. tenho mulher e tenho filho. Ele libertou eu tive força de vontade. Larga esse caminho torto. O diabo tá querendo fazer do homem mulher isso não pode acontecer. Deus ele tira esse espirito satânico que quer destruir a vida. Esse é o caminho por todos aqueles que procuram o caminho reto. o diabo conhece que eu era dessa vida e ele leva os adeptos dele pra querer ver se eu caio na dele. aceita o seu Jesus porque os dias são maus. Não venha não porque aqui tem fogo. Eu sou perseguido por vocês. Isso é condenação. Deus ele quer salvar e libertar. Deus ele não aceita isso. (palavras estranhas em outra língua).. Pode botar o olho.ANEXO B – PREGAÇÃO EVANGÉLICA – BANHEIRO DA LAPA . Para com isso. Nove anos liberto. Ele quer (inaudível) abra o seu coração se arrependa. Eu abro a minha boca porque Deus. . usava homem.. E isso é abominação aos olhos de Deus. Um homem que era macumbeiro. Eu não caio mais não. Esse mundo parece ser direito. mas só que vai ser queimado.. Ele vem sem demora tá aí sorrindo. Eu tô usado pelo espírito santo. Deus manda entrar pela porta estreita. assim Deus disse. Tem fogo. eu levo o conforto em seus corações. Eu abro a minha boca. O diabo é enganador. O diabo tá de olho pra querer matar as vida aí que Deus tem prano (sic). Não tem espirito maligno que não seja retirado por ele. Ele vem sem demora. O diabo usa o homem pra ser mulher. ser feliz. Deus ele me libertou. não homem com homem e nem mulher com mulher. Homem e mulher. doenças que o médico nem cura. Deus ele tem um prano (sic) em cada vida. maligno. Eu não tô lhe condenando não eu tô vendo é o satanás que tá lhe usando para querer ver a sua derrota. mas eu não eu levo a palavra de Deus. Deus ele que lhe libertar. mas no final é a morte é a salvação. Pode dar risada. Vem filho meu. Todos aqueles que está cansado e oprimido Jesus ele aluveia (SIC) seus problemas. Deus. a sua história. Deus ele veio pra libertar aqueles que é prisioneiro de satanás. Tem uns que mata. eu enuncio o evangelho porque Deus. olha o amor que Deus tem por vocês. ele manda. pra querer botar a enfermidade. Eu quero dizer que Deus foi quem botou Adão e Eva naquele paraíso ali ó pra se unir. colocar doenças. Jesus ele te muda. ter sua família. Deus manda entrar pela porta estreita porque se for entrar vai ser na dor. um homem que também praticava né. Deus ele transforma. Eu lamento porque Jesus tá pra voltar. vem filho meu todo vinde a mim todos que está cansado e oprimido. ele veio pra salvar aqueles que tá prisioneiro do diabo (sic). Deus manda entrar pela porta estreita. Eu não era gay não eu só fazia usar. porque isso é uma doença. Deus ele quer lhe salvar. Vai remédio e vai remédio. coquetel pra poder destruir a vida da até um baque no coração. Ele quer mudar sua vida. sou bem casado.
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