[] Disse, tá dizido; prometeu, tá prometado

March 22, 2018 | Author: jose mauricio da silva | Category: Thought, Word, Psychology & Cognitive Science, Linguistics, Communication


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DISSE, TÁ DIZIDO; PROMETEU, TÁ PROMETADOhttp://www.caleidoscopio.psc.br/ideias/disse.html Começo o trabalho com o um título que retrata a fala de meu irmão quando era ainda criança pequena, reivindicando o passeio prometido por nossa mãe. Apesar de ainda não refletir sobre a forma como dizia o que queria fazer, apesar de ainda não refletir sobre a influência da cultura em sua curta vida, fica-me óbvio, a partir dos referenciais teóricos do sócio-interacionismo e do estruturalismo, o quanto ele já havia “apreendido” da língua e da cultura nas quais estava imerso desde antes do seu nascimento biológico. O estudo da Psicolingüística abriu-me um campo novo, apesar de muito denso. Tudo era muito novo para mim e os conceitos ainda não estavam conectados (para não negar o meu passado na informática) na minha forma de ver o mundo. Dor (XXXX) afirma que a visão estruturalista em lingüística surgiu a partir da idéia de Ferdinand de Saussure a respeito da dimensão sincrônica no estudo da língua. Na concepção de Saussure o estudo da língua não pode ser reduzido a uma abordagem puramente história, ou diacrônica, visto que “a história da palavra não permite dar conta de sua significação presente, pois esta significação depende do sistema da língua”. Esse sistema é formado por um certo conjunto de leis de equilíbrio e princípios que estão relacionados diretamente com a sincronia da língua. A língua é uma estrutura, porque além dos elementos supõe leis que governam esses elementos entre si. Arrivé (1999) traz os conceitos de língua, linguagem e fala de Saussure: “A língua é um sistema de signos que exprimem idéias, e por isso é comparável à escrita, ao alfabeto dos surdosmudos, aos ritos simbólicos, às fórmulas de polidez, aos sinais militares etc. etc. Ela é apenas o mais importante desses sistemas. (...) Mas o que é a língua? Para nós, ela não se confunde com a linguagem: ela é apenas uma parte determinada da linguagem, essencial, é verdade. É ao mesmo tempo um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas por um corpo social, para permitir o exercício dessa faculdade entre os indivíduos. Tomada no seu todo, a linguagem é multiforme e heterogênea, situada em vários campos; ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica, pertence ao domínio individual e ao domínio social; não se deixa classificar em nenhuma categoria dos fatos humanos, porque não se sabe como depreender a sua unidade. A língua, ao contrário, é um todo em si e um princípio de classificação. Logo que lhe damos o primeiro lugar entre os fatos de linguagem, introduzimos uma ordem natural em um conjunto que não se presta a nenhuma outra classificação. (...) A linguagem representa dois fatores: a língua e a fala. A língua é para nós a linguagem menos a fala. Ela é o conjunto dos hábitos lingüísticos que permitem a um sujeito compreender e fazer-se compreender. (...) Separando a língua da fala, separam-se ao mesmo tempo: 1) o que é social do que é individual; 2) o que é essencial do que é acessório ou mais ou menos acidental. (...) A faculdade da linguagem é um fato distinto da língua, mas que não pode se exercer sem ela. Por fala designa-se o ato do indivíduo que realiza a sua faculdade por meio da convenção social que é a língua.” Toda a visão estruturalista da língua apresentada por Saussure tem por base o conceito de signo lingüístico. Para ele, não se poderia pensar uma unidade lingüística como uma associação de um termo a uma coisa. O signo lingüístico une um conceito a uma imagem acústica. Dor (XXXX), citando Saussure precisa: “O signo lingüístico une, não uma coisa e um nome, mas um conceito e uma imagem acústica. Esta última não é o som material, coisa puramente física, mas a marca física desse som, a representação que nos é dada por nossos sentidos; ela é sensorial, e se nos ocorre chamá-la ‘material’, é apenas neste sentido e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato.” Para Saussure, a língua é um sistema de relações; é uma forma (e não uma substância) que se impõe ao sujeito por coerção social. Não existem idéias pré-formadas, não existem sons pré-formados. Dor (XXXX) esclarece bem esses conceitos: “As unidades lingüísticas enquanto entidades ‘psíquicas’ participam, assim, do registro da ‘língua’ e não procedem da fala. É por esta razão que a ‘linguagem’ deve ser considerada como a utilização/articulação de uma ‘língua falada’ por um sujeito.” Na língua, as relações entre as faces do signo lingüístico (conceito/imagem acústica) são, aparentemente, fixas; porém, na linguagem essas relações são possíveis de modificações. Saussure substitui conceito por significado e imagem acústica por significante, onde o signo lingüístico passa a ser a relação de um significado com um significante. A figura abaixo (Figura 1), extraída de Dor (XXXX), ilustra bem o sistema de relações em um signo lingüístico, a partir da concepção de Saussure. Figura 1 – Signo lingüístico na concepção de Saussure da qual transcrevo um trecho para ilustrar essa propriedade. e o tempo. Saussure. o mesmo tempo que fixa um signo. continua nãodemonstrado. então. Apesar do significante ser livremente escolhido com relação ao significado que representa numa certa comunidade lingüística.. ou melhor. E travesseiro? Devia chamar cabeceiro. Citando o próprio Saussure. isto é. (. coisas da cultura. Coisas da língua. porque é redonda. agora. E por que será que a bola não é a mulher do bolo? E bule? E belo? E bala? Eu acho que as coisas deviam ter nome mais apropriado. Marcelo. eu só vou falar assim”. observa: “Existe uma ligação entre dois fatores antinômicos: a convenção arbitrária do signo. mas lógicas. martelo”. do meu computador não entende de crianças e de poesia. Porém. para que perdure numa certa comunidade é necessário que seja instalado tradicionalmente nessa comunidade e isso se faz através da ação do tempo. Mas bolo nem sempre é redondo. torna-se imutável. É através da arbitrariedade do signo que toda uma comunidade é submetida à sua língua. O arbitrário só vale para o conjunto de uma determinada comunidade lingüística. theuer (também moral) Não há correspondência exata. Porém. como Arrivé (1999) discute. a apreender o seu mundo. possibilita a sua transformação. é outra coisa. lógico! Também. E como o editor de textos Word. pois parece não existir uma condição pré-existente para unir um conceito e a imagem acústica que o representa. já aponta com um sublinhado vermelho as palavras erradas. Cadeira. marmelo. não invalida a propriedade da arbitrariedade do signo lingüístico.” Isso. diferente da primeira. seria exatamente igual ao conceito da língua em uma outra comunidade. está tudo errado! Bola é bola. alteração do signo. este significante é imposto à massa falante e.” Pensando nessa relação arbitrária. porém. graças ao qual o signo é fixado. como esclarece Dor (XXXX). se quisesse. Dor (XXXX) aponta para a alteração nas duas faces do signo lingüístico: . uma das coisas que aconteceria forçosamente é que os termos de uma língua corresponderiam exatamente aos de outra. em uma certa comunidade. caráter linear do significante.O signo lingüístico. imutabilidade do signo.” Ludwig Wittgenstein já alertava para a força da linguagem no processo de “assujeitamento” do homem: “Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo”. como Saussure. É por ser arbitrário que o signo não conhece outra lei que a tradição e é por fundar-se na tradição que pode ser arbitrário. apresenta as propriedades de: · · · · arbitrariedade do signo. o mesmo. que não quer dizer nada. Devia chamar sentador. francês alemão cher lieb. citado por Dor (XXXX). que Marcelo usou para dar um novo nome às coisas. o autor destaca: “Se as idéias fossem predeterminadas no espírito humano antes de serem valores de língua. Já que o signo é arbitrário. citando Saussure: “A palavra arbitrário não deve dar a idéia de que o significante depende da livre escolha do sujeito falante. em virtude da qual a escolha é livre.” Porém. por exemplo. apenas. A relação entre o significado e o significante é arbitrária. de modificar no que quer que seja a escolha que foi feita. lembrei-me das perguntas das crianças quando estão aprendendo a falar. e veio-me ao coração a linda história de Ruth Rocha “Marcelo. da Microsoft. “E Marcelo continuou pensando: ‘Pois é. o lingüista suíço escorrega no seu argumento para comprovar sua afirmação: ressalta que um mesmo conceito é representado por imagens acústicas diferentes de uma língua para outra.) Queremos dizer que ele é imotivado. arbitrário em relação ao significado. uma vez escolhido. Linguagem. de acordo com Saussure. ela está ligada à língua tal como ela é. esse argumento supõe que o conceito de uma determinada imagem acústica em uma língua. denuncia: “Não somente um indivíduo seria incapaz. com o qual não tem nenhuma ligação natural na realidade. mas também a própria massa não pode exercer soberania sobre uma única palavra.. citado por Dor (XXXX). não cadeira. cessa a ação das regras coercitivas da sintaxe e a liberdade de qualquer indivíduo para criar novos contextos cresce substancialmente. para citar Casimiro de Abreu..” Jakobson (YYYY). trata-se. (. bem descrito por Jakobson (YYYY): “Existe. de acordo com o sistema sintático da língua que utiliza. as frases. Está criado o discurso. Na cadeia de significantes há as concatenações (dimensão sintagmática) significativas e as substituições (dimensão paradigmática). ao passo que ao nível do significado. combinar as unidades lingüísticas escolhidas. enquanto num grupo de substituição os signos estão ligados entre si por diferentes graus de similaridade. mais uma vez. Dor (XXXX) aponta as duas grandes inovações de Saussure no estudo da língua: os signos lingüísticos e o duplo corte do sistema da linguagem.que foi deteriorado. Ele utiliza então. por outro lado. a alteração do signo é sempre da ordem de um deslocamento da relação entre significado e significante (de acordo com Saussure). No nível do significante.” Ou ainda.. o efeito do tempo na língua. apesar do significante “Tital”. pois. uma perturbação da linguagem.. os signos lingüísticos.” Lembro-me. (. já que em nossa família (nossa pequena comunidade lingüística)..) elas fazem parte desse tesouro interior que constitui a língua de cada indivíduo’. onde as últimas podem intervir em elementos significativos. que supõe a escolha de um termo entre outros. por sua vez. a começar pela configuração de uma certa ordem nas unidades de significação. a liberdade individual do que fala é nula. E. freqüentemente. de contexto para unidades mais simples e/ou encontra seu próprio contexto em unidade lingüística mais complexa”. A liberdade de combinar fonemas em palavras está circunscrita: está limitada à situação marginal da criação de palavras. ainda esclarece: “Falar implica efetuar duas séries de operações simultâneas: de um lado selecionar um certo número de unidades lingüísticas no léxico. sobretudo. está relacionado “à nossa infância querida. o afásico encontra dificilmente as palavras. que os tempos não trazem mais”.” Para que um sujeito fale e seja compreendido pela sua comunidade lingüística é necessário que haja um código comum entre seus participantes (Jakobson. a influência do fator tempo é intrinsecamente dependente da natureza do significante. (. finalmente. mais uma vez. mais tarde chamado de paradigmático. na combinação de frases em enunciados. O autor. que oscilam entre a equivalência dos sinônimos e o fundo comum dos antônimos”. é o conjunto desses dois aspectos que forma a estrutura da língua. de uma alteração fonética. ao que ele respondia “Tital”. são combinadas em enunciados”.. Mafra (2000) esclarece as idéias de Saussure quanto a essas duas dimensões: “No eixo associativo. Esta extensão temporal do significante dá origem a uma propriedade fundamental da língua. encontramos a noção de contexto e ligação dos termos que estão presentes e que elidem a possibilidade da elocução de dois elementos simultaneamente”. trata-se de uma modificação do conceito enquanto tal. De maneira geral. o que fala sofre menor coação. No eixo sintagmático. Com efeito. implica uma possibilidade de substituição dos termos entre si. a liberdade para o sujeito criar o seu próprio discurso está limitada a algumas regras e segue um curso. esse pedido pôde ser feito de uma outra forma: “Rita!!!!!!!!! Me dá minha cueca. O tempo se encarregou das modificações necessárias. a articulação não é outra coisa senão o ato mesmo que presentifica este desenrolar temporal do significante. Quanto à combinação. Dito de outra forma. especificando mais o processo de combinação. afirma que: “Qualquer unidade lingüística serve. no lugar da palavra procurada uma palavra que se encontra numa relação de contigüidade com .” Além dos seus elementos. Na combinação de traços distintivos em fonemas. ela requer um certo tipo de articulação das unidades lingüísticas. É esta seqüência orientada na organização significante que Lacan designa como cadeia significante. na combinação de unidades lingüísticas. classificando-a a partir do sistema – de seleção ou de combinação . Dor (XXXX) discute.. ter um significado muito maior do o referente “Patrícia”. YYYY): “quem fala seleciona palavras e as combina em frases. estar-se-á diante da substituição de um termo em ausência. ‘(. o código já estabeleceu todas as possibilidades que podem ser utilizadas na língua em questão. associada à minha pessoa como era na nossa infância. no entanto. Dor (XXXX) esclarece as idéias de Jakobson: “Quando a deteriorização recai sobre a escolha lexical (seleção). a língua desdobra-se numa direção orientada que chamamos de o eixo das oposições ou eixo sintagmático. a alteração do significado será coextensiva a uma modificação da compreensão e da extensão do conceito. assumindo as idéias de Jakobson. do meu irmão que quando criança pedia à sua babá: “Ita!!!!!!!!! Me dá minha buaca. Porém. ao mesmo tempo. da minha enorme frustração ao fazê-lo tentar repetir o meu nome “Patrícia”. uma escala ascendente de liberdade. embora não se deva subestimar o número de enunciados estereotipados.“Esta alteração do signo atinge simultaneamente o significante e o significado. quando aborda o caráter linear do significante: “Se a alteração do signo está diretamente ligada à prática da língua no tempo. hoje. a língua tem os seus princípios.” Depois.) Os constituintes de um contexto têm um estatuto de contigüidade. equivalente ao primeiro num aspecto e diferente em outro. O significante por si só já é uma seqüência fonética que se desdobra no tempo. A fala.) uma seleção entre termos alternativos implica a possibilidade de substituir um pelo outro.. Jakobson estudou a afasia.) A seleção.. Ao formar frases com palavras. todo discurso se constrói segundo os dois eixos básicos: seleções e combinações. já que encontram sua expressão mais condensada. o contexto constitui fator indispensável e decisivo. Palavraschaves podem ser eliminadas ou trocadas por substitutos anafóricos abstratos. quando é a articulação dos termos lexicais (combinação) que está deteriorada. Sem dúvida. Jakobson (YYYY) afirma que “um afásico desse tipo não pode passar de sua palavra aos seus sinônimos ou circunlocuções equivalentes. onde. seria melhor falar de processo metafórico no primeiro caso. nem a seus heterônimos. o afásico procede por similitude. Eis um exemplo de uma construção de linguagem de um afásico (Figura 2). esclarece: “O desenvolvimento de um discurso pode se dar ao longo de duas linhas semânticas diferentes: um tema leva a outro.” Para os afásicos com deficiência no processo de seleção. Figura 2 . em conseqüência de um acidente vascular cerebral. expressões equivalentes em outras línguas”. isto é. . O quadro abaixo (Figura 3). quer por similaridade. a extensão e a variedade das frases diminuem. no primeiro. ocorrem as operações metonímicas.Construção de linguagem de um afásico Então. citado por Dor (XXXX). extraído de Dor (XXXX). ocorrem as operações metafóricas e. resume bem o que vem sendo discutido até aqui. e de processo metonímico no segundo caso. outro na metonímia”. um na metáfora. no segundo. quanto ao corte da linguagem: Figura 3 – Eixos da linguagem Um outro conceito introduzido por Saussure (1989) foi o conceito de valor lingüístico. Inversamente. Jakobson. Já nos afásicos com deficiência no contexto. quer por contigüidade.esta. (. discutidas. mas essa confrontação de um certo número de signos acústicos com outras tantas divisões feitas na massa do pensamento engendra um sistema de valores. A coletividade é necessária para estabelecer os valores cuja única razão de ser está no uso e no consenso geral: o indivíduo. que emergem da ação entre os sujeitos. tão central nos trabalhos de Vygotsky. Segundo a autora. Porém.. e os signos. Chego a Vygotsky (ou Vigotski? mais uma vez a língua nos captura!!) apresentando as suas idéias sobre como o social interage com individual. orientados para regular as ações sobre os objetos.” O esquema da Figura 4. está relacionado com qualquer intervenção de um terceiro “elemento” que possibilite a interação entre os “termos” de uma relação. Analisando o valor lingüístico a partir de uma perspectiva conceitual (o significado). pois são elas que levam à significação”. Mas. orientados para regular as ações sobre o psiquismo das pessoas. Saussure (1989) afirma que: “A parte conceitual do valor é constituída unicamente por relações e diferenças com os outros termos da língua”.” Sirgado (2000) aponta para o ponto da psicologia soviética. Considerando o signo lingüístico na sua totalidade. Saussure (1989) faz também uma relação com o aspecto material (o significante) do valor lingüístico: “O que importa na palavra não é o som em si. o funcionamento interno resulta de uma apropriação das formas de ação.” Para Vygotsky. que é dependente tanto de estratégias e conhecimentos dominados pelo sujeito quanto de ocorrências no contexto interativo. das produções culturais da sociedade pela mediação dessa mesma sociedade. criar um sistema lingüístico. extraído de Saussure (1989) ilustra bem a idéia de valor de um signo lingüístico na relação com outros. “o desenvolvimento é alicerçado sobre o plano das interações. o que acontece para que a Ação se faça Verbo? Como as funções psicológicas. principalmente. resultado da apropriação. a partir do seu texto “Pensamento e Palavra” (2000b). mas as diferenças fônicas que permitem distinguir essa palavra de todas as outras. por parte dos indivíduos. Saussure (1989) sintetiza a noção de valor: “Um sistema lingüístico é uma série de diferenças de sons combinadas com uma série de diferenças de idéias.Valor lingüístico De acordo com Saussure (1989). uma ação que tem um significado compartilhado.) A língua é um sistema em que todos os termos são solidários e o valor de um resulta tão-somente da presença simultânea de outros.“A arbitrariedade do signo nos faz compreender melhor que o fato social pode. Vygotsky aponta dois tipos de mediadores externos: os instrumentos. “não existiria som. sim. Góes (2000) apresenta a idéia de Vygotsky sobre a gênese social do desenvolvimento pela identificação de mecanismos pelos quais o plano intersubjetivo eleva as formas de ação individual. citando Leontiev.” O conceito de mediação. o sujeito faz sua. que a diferencia das demais correntes psicológicas: “A corrente sócio-histórica concebe o psiquismo humano como uma construção social. tomando o significado e o significante.. é incapaz de fixar um que seja. senão houvesse o silêncio”. um valor é constituído por uma coisa dessemelhante. Figura 4 . por si só. para o mestre soviético. e é tal sistema que constitui o vínculo efetivo entre os elementos fônicos e psíquicos no interior de cada signo. transformam-se para constituir o funcionamento interno? Góes (2000) afirma que “longe de ser uma cópia do plano externo. .” Lembrando Milton Nascimento. ‘no princípio não era o Verbo’ e. ‘no princípio era a Ação’. suscetível de ser trocada por outra cujo valor resta determinar e por coisas semelhantes que se podem comparar com aquela cujo valor está em causa. por si só. ” Baquero (2001). conseqüentemente. A linguagem é antes de tudo um meio de comunicação social. relações interpessoais densas. (. por exemplo. como na caça.Vygotsky aprofundou seus estudos na relação entre o pensamento e o sistema de signos da linguagem. como se disséssemos. No desenvolvimento da criança esse mesmo caminho é percorrido a partir de sua inserção num grupo cultural. teve que ser criado um sistema de comunicação que permitisse troca de informações específicas e ação no mundo com base em significados que fossem compartilhados por todos os participantes do grupo que estivessem envolvidos na atividade proposta. e não trocas mecânicas limitadas a um patamar puramente intelectual. Vygotsky (2000b) esclarece o seu conceito de pensamento verbal: .. sendo o crescimento intelectual da criança estritamente dependente de seu domínio dos meios sociais de pensamento. nem como estão unidas estruturalmente entre si. um meio de expressão e de compreensão. como se desenvolvem. Só depois. o que condiciona sua coincidência na linguagem. No desenvolvimento da espécie humana esse encontro se deu devido à necessidade do grupo humano de agir coletivamente. Oliveira (1992) afirma que o processo de internalização é um processo de constituição da subjetividade a partir de situações de intersubjetividade: “A passagem do nível interpsicológico para o nível intrapsicológico envolve.” Essa idéia pode ser demonstrada no esquema abaixo: Para ele. à importância da linguagem no desenvolvimento psicológico do homem. mas não se investigou. Há no desenvolvimento da criança um período pré-lingüístico do pensamento (na utilização de instrumentos e na inteligência prática) e um período pré-intelectual da fala (no alívio emocional e na função social). o pensamento e a linguagem têm raízes diversas.) A questão de formação da consciência e a questão da constituição da subjetividade a partir de situações de intersubjetividade nos remetem à mediação simbólica e. Vygotsky (2000a) afirma que: “Embora a inteligência prática e o uso de signos possam operar independentemente em crianças pequenas. citando Vygotsky. Porém. Nossa análise atribui à atividade simbólica uma função organizadora específica que invade o processo do uso de instrumento e produz formas fundamentalmente novas formas de comportamento. ao longo da evolução desses dois campos vão formando conexões. Dessa forma. mediadas simbolicamente. que também se modificam.” Para Vygotsky. Para que isso fosse possível. esta função da linguagem também se separa da intelectual e ambas eram atribuídas à linguagem.. isto é. assim. fazendo-se necessário o salto qualitativo para o pensamento verbal. da linguagem. pelos instrumentos lingüísticos do pensamento e pela experiência sócio-cultural da criança. nem se investiga que relação existe entre ambas as funções. que já utilizem um sistema de linguagem estruturado. ou seja. Sabe-se que a linguagem combina a função comunicativa com a de pensar. discute as funções da linguagem: “A função inicial da linguagem é comunicativa. a unidade dialética desses sistemas no adulto humano constitui a verdadeira essência no comportamento humano complexo. onde possa interagir com membros mais maduros dessa cultura. surgem o pensamento verbal e a linguagem racional (transformação do biológico no sócio-histórico). o próprio desenvolvimento ocorre do biológico para o sócio-histórico. paralela e independentemente uma da outra. o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem. Geralmente. na análise por decomposição de elementos. as relações entre pensamentos e palavras também se transformam e cada estágio no desenvolvimento do significado de uma palavra tem sua própria relação particular entre o pensamento e a fala. Na fala exterior.” Então. a relação entre o pensamento e a palavra passa por transformações que. enquanto unidades. Mas. Para Vygotsky a cultura não é um sistema estático ao qual o indivíduo se submete. A gramática precede a lógica (Vygotsky. a criança vai da parte para o todo: primeiro fala uma palavra. Para o mestre soviético uma correspondência literal entre esses aspectos só é possível de ser encontrada na matemática. Nesse processo. a criança perde a capacidade de expressá-lo em uma única palavra. e só é um fenômeno da fala na medida em que está ligada ao pensamento. cada um deles tem leis próprias e um movimento independente. depois duas. poeticamente. conceitos e significados. Vygotsky (2000b) resume assim suas conclusões sobre a relação entre o pensamento e a palavra: “A relação entre o pensamento e a palavra não é uma coisa. mas um ‘palco de negociações’. (. 2000b). podem se consideradas um desenvolvimento no sentido funcional. Em seu famoso livro Pensamento e Linguagem. é um critério da ‘palavra’. sendo iluminada por ele. Uma palavra sem significado é um som vazio. Vygotsky (2000b) argumenta que: “Não é simplesmente o conteúdo de uma palavra que se altera. a estabelecer uma relação entre as coisas. ilustra essa diferença: “Exatamente por surgir de um todo indistinto e amorfo. mas é determinado por um processo histórico-cultural e tem propriedades e leis específicas que não podem ser encontradas nas formas naturais de pensamento e fala”. pois na fala cotidiana: . a criança parte do todo para as partes.” Os dois planos da fala relacionados por Vygotsky são o interior (semântico e significativo) e o exterior (fonético). portanto. resolve um problema. entretanto. o significado de cada palavra é uma generalização ou um conceito. mas o modo pelo qual a realidade é generalizada e refletida em uma palavra. a unidade do pensamento verbal escolhida foi o significado das palavras. então.. Inversamente. O significado das palavras é um fenômeno de pensamento apenas na medida em que o pensamento ganha corpo por meio da fala. um movimento contínuo de vaivém do pensamento para a palavra e vice-versa. até que consegue formar frases. é por meio delas que ele passa a existir. a divergência entre os aspectos semântico e fonético da fala também é encontrada em adultos. A análise da interação do pensamento e da palavra deve começar com uma investigação das fases e dos planos diferentes que um pensamento percorre antes de ser expresso em palavras. desempenha uma função.“O pensamento verbal não é uma forma de comportamento natural e inata. passando a formar um todo composto. o pensamento da criança deve encontrar expressão em uma única palavra. No plano semântico. Esse fluxo de pensamento ocorre como um movimento interior através de uma série de planos. Vygotsky (2000b). Porém. mas um processo. As escolas de psicologia da época entendiam que o significado de uma palavra era associado a ela através da repetição simultânea de um determinado som e de um determinado objeto. À medida que o seu pensamento se torna mais diferenciado. que o significado pertença formalmente a duas esferas diferentes da vida psíquica. O pensamento não é simplesmente expresso em palavras. seu componente indispensável. O pensamento e a palavra não provêm de um único modelo. amadurece e se desenvolve. Isso já mostra a diferença entre os aspectos vocal e semântico da fala..) Os significados das palavras são formações dinâmicas. Apesar dos dois planos formarem uma verdadeira unidade. que o significado poderia ser visto como um fenômeno da fala. Cada pensamento tende a relacionar alguma coisa com outra. iniciando por seu pensamento indiferenciado (uma frase) até chegar aos significados das palavras. Cada pensamento se move. onde seus participantes estão em constante processo de recriação e reinterpretação de informações. entendo que cada unidade conteria as propriedades do todo. em si mesmas. É um fenômeno do pensamento verbal ou da fala significativa – uma união da palavra e do pensamento. O mestre soviético procurou estudar todo esse processo de desenvolvimento da linguagem e do pensamento através do estudo de unidades. Vygotsky (2000b). e não estáticas. o significado. se os significados das palavras se modificam durante o desenvolvimento da criança. Daí não decorre. o avanço da fala em direção ao todo diferenciado de uma frase auxilia o pensamento da criança a progredir de um todo homogêneo para partes bem definidas. afirma: “O significado de uma palavra representa um amálgama tão estreito do pensamento e da linguagem que fica difícil dizer se se trata de um fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento.” Como nos estudos de Piaget. Pareceria. ainda sem as compreenderem logicamente. do ponto de vista da psicologia.” Os estudos dos pesquisadores soviéticos apontaram para uma descoberta importante para a psicologia: o significado das palavras evolui. E como as generalizações e os conceitos são inegavelmente atos do pensamento. Vygotsky também constatou que as crianças usam formas gramaticais mais sofisticadas. podemos considerar o significado como um fenômeno do pensamento. Modificam-se à medida que a criança se desenvolve e também de acordo com as várias formas pelas quais o pensamento funciona. ” Os estudos de Vygotsky apontaram para um caminho no sentido inverso: a fala egocêntrica é um estágio de desenvolvimento que precede a fala interior. longe de refletir uma correspondência constante e rígida entre o som e o significado. a parte que carrega a ênfase temática. como tão bem foi demonstrado pelos estudos dos pesquisadores soviéticos. distinguimos o nominativo de uma palavra de sua função significativa. é um requisito raramente encontrado. A fala para si mesmo origina-se da fala para os outros.) Por trás das palavras existe a gramática independente do pensamento. A fala exterior consiste na tradução do pensamento em palavras. a sua utilização das palavras coincide com a dos adultos em sua referência objetiva.. de modo correspondente. semanticamente. ser desenvolvido e aperfeiçoado. de Ruth Rocha. está diretamente relacionada com a diferenciação dos significados das palavras na sua fala e na sua consciência. Nessa fase. elas explicam o nome dos objetos pelo seu atributo. relacionando-os de forma diferente em cada etapa do seu desenvolvimento. marmelo. ou seja. significados totalmente diferentes podem ocultar-se por trás de uma estrutura gramatical. a sintaxe dos significados das palavras. Porém. com suas leis próprias. é na verdade um processo. A harmonia entre a organização sintática e a organização psicológica não é tão predominante quanto se imagina – pelo contrário. Para Vygotsky (2000b) a fala interior não pode ser confundida com a memória verbal – apesar da memória ser uma de suas características -. quando diz que cadeira deveria se chamar sentador. Não se pode confundir a simples expressão de uma palavra pela criança com a real compreensão do seu significado por ela. em sua fala egocêntrica a criança não se adapta ao pensamento dos adultos. o autismo desaparece e a socialização evolui. por outro lado. através da linguagem. “a fala interior tem uma formação específica. é um meio-termo entre o autismo primitivo do seu pensamento e a sua socialização gradual. é uma fala para si mesmo. intermediário e avançado do desenvolvimento. que mantém relações complexas com as outras formas de atividade de fala”. a significação. conceitua.) A função da fala egocêntrica é semelhante à da fala interior: não se limita a acompanhar a atividade da criança. Até então. Aqui cabe bem o exemplo de “Marcelo. Esse complexo processo de transição do significado para o som deve. devem se desenvolver gradativamente. A comunicação da criança com o seu meio. Em seu objetivo básico a fala interior e a fala exterior diferem: a fala interior é para si mesmo e a fala exterior é para os outros. (. também não é apenar o ‘pronunciar’ silencioso de palavras. Vygotsky (2000b) afirma que: “Na estrutura semântica de uma palavra. essa tendência reflete-se na função e na estrutura da fala. Vygotsky (2000b).. está a serviço da orientação mental. O enunciado mais simples. Para o soviético: “A fala egocêntrica é um fenômeno de transição das funções interpsíquicas para as intrapsíquicas. As expressões verbais não podem surgir plenamente formadas. a fala é interiorizada em pensamento. Uma vez que o curso do desenvolvimento da criança caracteriza-se por uma individualização gradual. e. martelo”. fazemos uma distinção entre referente e significado. mas não em seu significado. íntima e convenientemente relacionada com o pensamento da criança. prevalece a sabedoria popular: “as aparências enganam”..” Mais uma vez. só existe a referência objetiva. diz que: “Piaget argumenta que a fala egocêntrica da criança é uma expressão direta do egocentrismo do seu pensamento. da atividade social e coletiva da criança para a sua atividade mais individualizada – um padrão de desenvolvimento comum a todas as funções psicológicas superiores.” O esquema abaixo ilustra o desenvolvimento da fala. Só quando esse desenvolvimento se completa é que a criança se torna de fato capaz de formular o seu próprio pensamento e de compreender a fala dos outros. para a criança a palavra faz parte do objeto que ela nomeia. levando ao declínio do egocentrismo no seu pensamento e na sua fala. o qual. Para explicar como ocorre essa diferenciação. Mas como investigar o processo de interiorização da fala? Vygotsky encontrou o caminho de investigação através do estudo da fala egocêntrica. ele próprio. a partir das observações de Jean Piaget. Com o tempo e o seu desenvolvimento. Segundo a concepção de Piaget. o que torna a sua conversa incompreensível para os outros. por sua vez. da compreensão consciente. devido à função que possui: serve para sentar. ou melhor dizendo. A fala egocêntrica não tem nenhuma função no pensamento ou na atividade realista da criança – limita-se a acompanhá-los.“Qualquer parte de uma frase pode tornar-se o predicado psicológico. os dois expoentes do estudo do pensamento e da linguagem divergiram quanto à direção do movimento da fala egocêntrica. de acordo com Vygotsky: . isto é. independente da nomeação e o significado independente da referência surgem posteriormente e se desenvolvem ao longo de trajetórias que tentamos rastrear e descrever.” No início. A criança deve aprender a distinguir entre a semântica e a fonética e compreender a natureza dessa diferença. À medida que a criança cresce. Para ele. na sua materialização e objetivação. a criança começa a diferenciar os planos vocal e semântico da fala. descobrimos a seguinte regularidade genética: a princípio só existe a função nominativa. ajuda a superar dificuldades.. (. analisando as conclusões de Piaget. existe um outro plano em que as relações entre pensamento e palavra precisam ser aprofundadas: o da fala interior. Quando comparamos essas relações estruturais e funcionais nos estágios primitivo. O seu pensamento permanece totalmente egocêntrico. Na fala interior o processo é inverso. Porém. sendo quase ilimitado. assume a liderança na sua forma de ‘falar’ e permite essa construção lingüística que mais parece um texto poético (Vygotsky. Como na fala interior o outro é a própria pessoa que está produzindo a ‘fala’.A criança se utiliza da fala egocêntrica para acompanhar sua atividade. onde uma palavra é composta para expressar idéias complexas. algumas omissões e abreviações são possíveis.” Mas no universo da escrita as propriedades são um pouco diferentes. Há. surge o elo com o processo psíquico superior: o pensamento. citando Paulhan. transformando-se em fala interior. como diriam os poetas. (3) há uma saturação de sentidos em uma única palavra. “Na escrita. As relações entre significado e sentido de uma palavra. como uma virtualidade. Nesse planejamento. mas em sua expressão continua semelhante à fala social”. ‘até chegar à linguagem do olhar’. Se para Piaget a fala egocêntrica desaparece quando a criança supera a sua fase de egocentrismo. como um fenômeno complexo. O significado. contextos diferentes dar-lhe-ão sentidos diferentes. visto como uma potencialidade. (2) há o processo de aglutinação. A fala interior opera com a semântica. pois a comunicação escrita se baseia no significado formal das palavras e. uma sintaxe especial que. realizar uma descarga emocional e planejar a atividade. ao invés de pronunciá-las. já que o interlocutor está ausente. Os pesquisadores soviéticos realizaram diversos estudos de investigação com o objetivo de verificar essa transição da fala exterior para a fala interior. 2000b): “A fala interior é uma fala quase sem palavras. merecem uma discussão mais aprofundada. Mais uma vez. todos esses estudos possibilitaram essa conclusão: “Tanto subjetiva como objetivamente. 2000b). se fosse vocalizada. O sentido de uma palavra é adquirido no contexto em que é empregada.” A sintaxe dos significados na fala interior possui três propriedades principais: (1) há o predomínio do sentido de uma palavra sobre o seu significado.” (Vygotsky. A escrita é a forma de fala mais elaborada. (Vygotsky. o objetivo é a comunicação com o outro. a sua estrutura e a sua função evoluem. define o sentido de uma palavra como a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta. pareceria desconexa e incompleta. para Vygotsky ela se desenvolve numa curva ascendente. somos obrigados a utilizar muito mais palavras. e são muito parciais quanto aos seus próprios. por meio de uma comunicação ‘lacônica e clara’. Na fala exterior. porém. e com maior exatidão. Quando os pensamentos dos participantes de um ato de comunicação são os mesmos. necessita de um número muito maior de palavras.” (Vygotsky. A fala é interiorizada psicologicamente antes de ser interiorizada fisicamente. modificado de acordo com as situações e a mente que o utiliza. o lado artístico do cientista Vygotsky. Então. a fala egocêntrica representa uma transição da fala para os outros à fala para si mesmo. Segundo Vygotsky (2000b). Isso indica que o aparente desaparecimento da fala egocêntrica ‘esconde’ o nascimento de uma nova forma de fala. Com a sintaxe e o som reduzidos ao mínimo. para transmitir uma mesma idéia. 2000b) Diria o mestre soviético. o significado passa cada vez mais para o primeiro plano. as diferenças entre a fala exterior e a fala interior não podem ser resumidas à ausência de vocalização apenas. Oliveira (2001) discute ainda a questão do significado e do sentido de uma palavra: “O significado propriamente dito refere-se ao sistema de relações objetivas que se formou no processo de desenvolvimento da palavra. a função da fala se reduz ao mínimo. compartilhado . a aquisição de uma nova capacidade: a de ‘pensar as palavras’. Já tem função de fala interior. através da fala egocêntrica. do que a fala oral. Durante o desenvolvimento da criança a freqüência de vocalização da fala egocêntrica diminui. de quem se fala – sujeito e predicado estão sempre presentes. “A decrescente vocalização da fala egocêntrica indica o desenvolvimento de uma abstração do som. o que é dito precisa ser explicado nos mínimos detalhes: o que se fala. Esse fato também é possível na fala exterior quando todos os participantes sabem de quem se fala e/ou do que se fala. na última. ou ainda. e não com a fonética. Porém. pois seriam necessárias muitas palavras para explicá-la na fala exterior. móvel e variável. consistindo num núcleo relativamente estável de compreensão da palavra. como o tom da voz e o conhecimento do assunto são excluídos. permanece estável ao longo de todas as suas variações de sentido. que faz uso mínimo de palavras. freqüentemente. Vygotsky (2000b). mas as pessoas que mantêm um contato mais estreito apreendem os complexos significados que transmitem uma à outra. 2000b): “Aqueles que estão acostumados ao pensamento solitário e independente não apreendem com facilidade os pensamentos alheios. uma fala para si mesmo que não encontra expressão na fala exterior. por sua vez. e não com palavras isoladas. Recentemente ficou demonstrado que o sentido pode modificar as palavras. A fala interior é. pelas palavras. Afirma Vygotsky (2000b): “Esse enriquecimento das palavras que o sentido lhes confere a partir do contexto é a lei fundamental da dinâmica do significado das palavras. que na fala sempre existe um pensamento oculto. resolvem um problema. assim como. traz uma contribuição não muito discutida pelos que estudam a sua obra: . 2000b). durante um longo tempo.. essa transição se dá pelo significado. mais uma vez poeticamente. depois. era o de rede de computadores. o livro. visto que é o pensamento ligado por palavras.” Apesar da fala exterior já conter algumas características da fala interior. Levei um tempo para perceber que os educadores não utilizavam ‘rede’ como a minha ‘rede’ original!! Além disso. uma frase pode expressar vários pensamentos. coloquei “um outro pé na educação” e. Portanto. São os significados que vão propiciar a mediação simbólica entre o indivíduo e o mundo real.. na minha trajetória profissional. ou melhor. em si.. Como tenho ‘um pé na informática’. quase sempre. As palavras e os sentidos são relativamente independentes entre si. O sentido. preenchem uma função. Lembrando. não dispenso uma ‘rede’ para uma boa soneca! Nesse caso. discute a questão do significado na linguagem de acordo com o autor soviético: “O significado é componente essencial da palavra sendo.” Oliveira (2001) esclarece a função da linguagem de intercâmbio social. no significado da palavra é que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal. Relaciona-se com o fato de que a experiência individual é sempre mais complexa do que a generalização contida nos signos.. faz sentido. porém.” Vygotsky (2000b) afirma. constituindo-se no ‘filtro’ através do qual o indivíduo é capaz de compreender o mundo e agir sobre ele. que as idéias freqüentemente mudam de nome. citando Vygotsky. e não com os sons isolados. O fluxo do pensamento não é acompanhado por uma manifestação simultânea da fala. Há muito se sabe que as palavras podem mudar de sentido. na fala interior as palavras morrem à medida que geram o pensamento.) O pensamento tem sua própria estrutura. um pensamento pode ser expresso por meio de várias frases. não é possível uma transição direta do pensamento para a palavra.. nos dois contextos. em grande parte. um pensamento oculto por trás delas... esta não é o aspecto interior da fala exterior. (. então. como derivada da necessidade do homem de se comunicar com os seus semelhantes. O pensamento passa. o contexto ajuda a atribuir o sentido da palavra. do conjunto de obras do autor. Continua sendo fala.) Uma palavra deriva o seu sentido do parágrafo. então.) Já o sentido da palavra liga seu significado objetivo ao contexto de uso da língua e aos motivos afetivos e pessoais dos seus usuários. Mas o que gera o pensamento? Vygotsky (2000b).por todas as pessoas que a utilizam. e a transição dele para a fala não é uma coisa fácil. o predomínio do sentido sobre o significado. A autora argumenta que é essa função de pensamento generalizante que “torna a linguagem um instrumento de pensamento: a linguagem fornece os conceitos e as formas de organização do real que constituem a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento”. o sentido de uma frase está relacionado com toda a frase. o parágrafo. um pensamento que expressa significados puros.) É no significado que se encontra a unidade das duas funções básicas da linguagem: o intercâmbio social e o pensamento generalizante. refere-se ao significado da palavra para cada indivíduo. assumindo uma postura bastante freudiana. ao mesmo tempo. Foram muitas as confusões. como nordestina que sou. Isto é.” Como passar da totalidade do pensamento para as unidades separadas e seqüenciadas das palavras em uma frase? Para Vygotsky. O pensamento seria o plano mais interiorizado da fala interior. (. um outro texto. (. pois dizer que ‘a rede não funciona’. Para Vygotsky (2000b): “Todos os pensamentos criam uma conexão. que já me causou tantas confusões de sentido. (.. A fala interior é uma função da fala autônoma.) Paulhan prestou ainda mais um serviço à psicologia ao analisar a relação entre a palavra e o sentido. Se na fala exterior o pensamento é expresso por palavras.. o significado de ‘rede’ para mim. que “todas as frases que dizemos na vida real possuem algum tipo de subtexto.. mostrando que ambos são muito mais independentes entre si do que a palavra e o significado. (Vygotsky. composto por relações que dizem respeito ao contexto de uso da palavra e as vivências afetivas do indivíduo.. agrupando-se todas as ocorrências de uma mesma classe de objetos. um ato de pensamento.” Oliveira (1992). Lembro-me da palavra ‘rede’. (. do livro. ‘rede’ passou a ser a rede governamental de ensino. a fala exterior não é uma mera vocalização da fala interior. primeiro pelos significados e. uma palavra pode às vezes ser substituída por outra sem que haja qualquer alteração de sentido. Na fala interior. (. uma generalização. na medida em que o significado de uma palavra já é.. já a função de pensamento generalizante é derivada da necessidade do homem de ordenamento do real. eventos e situações sob uma mesma categoria conceitual. do pensamento verbal.) Assim. da frase sobre a palavra e do contexto sobre a frase constitui a regra. Da mesma forma que o sentido de uma palavra está relacionado com toda a palavra. dito de outra forma (Vygotsky.) . a partir do processo de internalização da fala: “O processo de internalização. das inclinações e dos impulsos daquele que pensa. isto é. “o significado e todo o aspecto interior da linguagem – o aspecto voltado para a pessoa. Sempre. o que pensa o seu cliente e quais as origens desse pensamento.) A consciência representaria. citando Vygotsky. é uma das principais deficiências da psicologia tradicional.” O quadro abaixo resume o fluxo do desenvolvimento do pensamento verbal: Vygotsky (2000b) reconhece que. assim.. é o processo mesmo de formação da consciência humana. subjetividade e interação social. Esse pensamento sem significado. uma vez que a análise determinista exigiria o esclarecimento das forças motrizes que dirigem o pensamento para esse ou aquele canal.“O pensamento propriamente dito é gerado pela motivação. como alguma espécie de força primeva a exercer influência sobre a vida pessoal. nossos interesses e emoções. a partir da fala exterior. Mas nem mesmo isso é suficiente – também é preciso que conheçamos a sua motivação. Justamente por isso a antiga abordagem impede qualquer estudo fecundo do processo inverso. de relações sociais. entre intelecto e afeto.” Para o encerramento da discussão de Vygotsky (2000b). (.” É exatamente este o trabalho do psicólogo clínico: compreender. Oliveira (1992) apresenta como a psicologia soviética explica o processo de formação da consciência. Ou. o pensamento nasce através das palavras. constituída por uma inter-relação dinâmica. um trecho de seu texto científico/poético: “A relação entre o pensamento e a palavra é um processo vivo. que traz em si a resposta ao último ‘por que’ de nossa análise do pensamento. discute a idéia rejeitada pelo mestre soviético de divisão entre o intelecto e o afeto: “A separação do intelecto e do afeto. uma vez que esta apresenta o processo do pensamento como um fluxo autônomo de ‘pensamentos que pensam a si próprios’. das necessidades e dos interesses pessoais. Uma palavra desprovida de pensamento é uma coisa morta e um pensamento não expresso por palavras permanece uma sombra.. Nenhuma análise psicológica de um enunciado estará completa antes de se ter atingido esse plano. não para o mundo exterior – tem sido até agora um território desconhecido”. 2000b): “Para compreender a fala de outrem não basta entender as suas palavras – temos que compreender o seu pensamento. de construção de um plano intrapsicológico a partir de material interpsicológico. dissociado da plenitude da vida. um salto qualitativo na filogênese. incapaz de modificar qualquer coisa na vida ou na conduta de uma pessoa. Assim. sendo o componente mais elevado na hierarquia das funções psicológicas humanas. Seria a própria essência da psique humana. Uma compreensão plena e verdadeira do pensamento de outrem só é possível quando entendemos sua base afetivo-volitiva. atividade no mundo e representação simbólica. de um modo misterioso e inexplicável. um enigma a decifrar. (. ou seja.. enquanto objetos de estudo. por nossos desejos e necessidades. e em transformação ao longo do desenvolvimento. na sua época (ainda hoje é assim). controle dos próprios processos psicológicos. Por trás de cada pensamento há uma tendência afetivo-volitiva.. fecham-se as portas à questão da causa e origem de nossos pensamentos. Oliveira (1992). a influência do pensamento sobre o afeto e a volição”. isto é. Para Saussure. ao mesmo tempo em que transforma a realidade na qual está inserido. diz a Psicanálise. independentes da história de vida de cada uma em particular? Faço a opção da Psicanálise que privilegia a noção de estrutura. Essa postura é totalmente compatível com as idéias de Vygotsky. Os dois ressaltam a importância da cultura. mas também na evolução histórica da consciência como um todo. espiritual (este último a partir da minha trajetória de vida). As palavras desempenham um papel central não só no desenvolvimento do pensamento. mais especificamente da linguagem. como forma de mediação do sujeito com o mundo que o cerca. diz Fraçoise Dolto. são a chave para a compreensão da natureza da consciência humana. ‘Sou constituído pela linguagem que conheço’. Ela acaba por acreditar na imagem que fazem dela.” QUESTÕES PARA DISCUSSÃO Saussure fala em estrutura... Um outro ponto a ser levantado é que as teorias sobre como as crianças se transformam são construídas por adultos: as crianças são observadas. Porém. em constante transformação.. Então. sendo inserida num meio social desfavorável? Tanto Saussure como Vygotsky reconhecem que a algo de social (língua e significado. ‘Espelho o que dizem que sou’. como os adultos costumam acreditar que a sua imagem a respeito da criança é a própria criança. nos sem-comida. Vygotsky em desenvolvimento. A língua como algo vivo. como conceber os processos maturacionais de todas as crianças como sendo os mesmos. Como é belo o seu processo de aquisição da língua! Toda a beleza das línguas portuguesa e ‘brasileira’ foi tão bem capturada no filme Caramuru – a invenção do Brasil. Penso nos sem-teto. Mrech (1998) afirma: “A criança internaliza a palavra dos adultos que convivem com ela. Vygotsky nos traz a idéia do pensamento amorfo no seu início – quando a criança só pronuncia uma palavra – transformando-se em um pensamento estruturado em subunidades – quando a criança já pronuncia frases inteiras. o processo de desenvolvimento de cada criança necessita da linguagem e da fala para ser acionado. não nega a importância do meio no qual a criança está inserida para a sua constituição enquanto sujeito.) O pensamento e a linguagem refletem a realidade de uma forma diferente daquela da percepção. Através da linguagem o sujeito se constitui. nos sem-palavras . já para Vygotsky a unidade de análise é a palavra. dizem Saussure e Vygotsky. Ambos consideram a língua como um sistema. ou ainda o ‘banco-de-dados’ de palavras/significados/sentidos. visto que a grande ênfase da sua escola de psicologia é o homem a partir da cultura. onde significado e sentido entram num jogo que confunde os interlocutores. estando bastante restrita na criação dos fonemas de uma palavra. que uma criança disporia. nos sem-terra.. mais aberta na geração de frases que se libertam na construção de um enunciado. Mas. cada criança é sempre mais do que qualquer teoria consegue capturar. Assim. Porém. seja físico. social. para que ela diga o que pensa e sente. conhecimento esse construído a partir das relações intersubjetivas do sujeito. Para a Psicanálise. quando índios (brasileiros) e portugueses começam a estabelecer um processo de comunicação. Uma palavra é um microcosmo da natureza humana. ou ainda.” Fico pensando que o pensamento usa como ‘matéria-prima’ as palavras que conhece.A característica fundamental das palavras é uma reflexão generalizada da realidade. o signo lingüístico é a unidade de análise. . respectivamente) na língua/linguagem. onde uma criança perde a mãe muito cedo e cresce sozinha numa floresta sem contato com outros seres humanos. assumindo que não há um desenvolvimento igual ao outro. tendo a liberdade de compô-las a partir de seus referenciais. Apesar da Psicanálise enfatizar a importância de se dar a palavra à própria criança. analisadas e as pesquisas fornecem os resultados a partir do referencial teórico adotado. (. pois Saussure defende a idéia da mutabilidade do signo lingüístico (tanto na face do significado quanto na do significante) e Vygotsky acredita que os significados das palavras se transformam ao longo do tempo. Teriam algumas semelhanças os caminhos sugeridos pelos dois teóricos? Lembro-me do filme Neil. Vygotsky reconhece que ainda são necessárias muitas pesquisas para que se possa compreender o processo de constituição da vida intrapsíquica do ser humano. visto que possui tanto elementos como princípios que os governam. é apresentada pelas duas abordagens. Capra afirma em sua obra que nos falta palavras para especificar as relações provenientes das descobertas da física quântica. emocional. discutidas ao longo desse trabalho. ‘Tudo é linguagem’. qual seria a ‘matéria-prima’. Jakobson defende que a liberdade para se criar um discurso não é ilimitada. respectivamente) e algo de individual (linguagem e sentido. no. L. Pichon. Curso de lingüística geral . SP Vigotski. F.6a. (2001). H.São Paulo: Cultrix Sirgado. Oliveira. – São Paulo: Scipione Rocha. ed. (2000). L. M. M. – São Paulo: Pioneira Oliveira.Rio de Janeiro: Salamandra Saussure. lingüística e inconsciente: Freud. 24. M. – Porto Alegre: Artes Médicas Dor. 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