DIREITO À CIDADE: NOVOS OLHARES Samara Takashiro 3 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. Apresentação Com muita satisfação, o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico - IBDU lança o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico - IBDU segundo volume da linha editorial “Direito à Cidade - Novos Olhares”, composta por Diretoria Executiva | Gestão 2016-2017 Presidente: Daniela Campos Libório publicações coletivas com o intuito de promover reflexões sobre o direito à cidade a par- Vice-Presidente: Betânia de Moraes Alfonsin tir de recortes de gênero, raça, diversidade sexual e identidade de gênero. Tesoureira: Vanessa Koetz Diretora Administrativa: Ligia Maria Silva Melo de Casimiro O primeiro volume já lançado, dedicou-se a discutir o direito à cidade a partir de um Diretor Administrativo: Alex Ferreira Magalhães olhar de gênero. Para isso, contamos com a colaboração de dezesseis mulheres que abor- Secretário Executivo: Henrique Botelho Frota daram temáticas como mobilidade urbana, conflitos fundiários, direito à saúde, direitos sexuais e reprodutivos, formulação de políticas públicas, luta por moradia, dentre ou- Organização e edição: tros. A receptividade desta primeira publicação, demonstrou o quanto essas percepções Vanessa Koetz são necessárias e urgentes na atualidade. Helena Duarte Marques Jessica Tavares Cerqueira No entanto, desde a idealização do projeto editorial - que foi concebido para o mês Projeto Gráfico e diagramação: de março em referência ao dia internacional da mulher -, já tínhamos clareza de que uma Mariana Boaventura Fotos: única edição não poderia suprir todas as abordagens possíveis, mesmo que dentro de Coletivo Dicampana um só recorte, como o de gênero feminino. e Samara Takashiro Por isso, para este novo volume, convidamos mais mulheres a contar suas vivências e percepções acerca do direito à cidade, por meio de pequenos textos, ensaios e imagens. Essas autoras, em sua maioria ativistas e militantes, ajudaram-nos a dirigir o olhar para IN59 Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico - IBDU questões não exploradas no primeiro volume. As intersecções entre raça e gênero, por Direito à Cidade: uma outra visão de gênero - São Paulo: IBDU, 2017. exemplo, são muito mais marcantes neste volume dialogando com o dia 25 de julho, o 113p. dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. ISBN: 978-85-68957-06-6 Por reconhecer as desigualdades que se colocam nos territórios, de variadas formas, 1. Direito à Cidade 2. Gênero 3. Diversidade 4. Sociedade 5. Brasil I. Título II. o IBDU visa ampliar essas vozes para que ecoem entre os círculos acadêmicos, militan- Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico III. Fundação Ford Brasil tes, ou de formulação de políticas, que tratam de assuntos relativos ao planejamento ur- bano. Mas, principalmente, que esse debate supere as fronteiras dos grupos já iniciados CDD 349 + 305 e possa chegar a população de uma maneira geral. CDU 305-055.2 Considerando o empenho de todas que abraçaram essa proposta de construção co- letiva, agradecemos imensamente as autoras que aceitaram o nosso convite, assim como as fotógrafas que ilustram o livro, e a designer gráfica que deu forma e identidade visual a este trabalho. Entendemos que o papel de publicações como essa não é esgotar os debates ou fechar questões, pois a historicidade e complexibilidade dos temas não cabe e nem se resolve em um conjunto de textos. A intenção é muito mais lançar provocações e algumas reflexões Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International (CC BY-NC-SA 4.0) no sentido do acúmulo coletivo. Não temos, ainda, qualquer pretensão em ser pioneiras, pois reconhecemos e valorizamos que muitas outras mulheres têm contribuído para o direito à cidade, nem sempre em produções técnicas e acadêmicas, mas igualmente ou www.ibdu.org.br até mais importantes. Nossos passos vêm de longe! Salve Carolina Maria de Jesus! Boa leitura! As organizadoras. 5 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. SUMÁRIO Apresentação.............................................................................................................................................. 5 1. 2. Nossos corpos, nossa cor, nossa cidade: Os impactos causados pelas intervenções decorrentes dos grandes projetos de urbanização no Rio de Janeiro Marielle Franco; Mônica Francisco; Rossana Tavares ............................................................. 10 Sociabilidade e Resistência Negra na Cidade de São Paulo Thaís Santos ..................................................................................................................................... 18 1 3. Mulheres negras e ocupação do espaço público: ativismo cultural nos saraus da cidade de São Paulo Bruna da Silva Magno; Diana Mendes dos Santos ................................................................... 25 4. Barreiras visíveis e invisíveis na favela: Pelo bem viver das nossas mulheres Jessica Tavares Cerqueira .............................................................................................................. 32 5. Mães pretas em luto(a): para se ter direito à cidade, é preciso viver Paula Nunes dos Santos................................................................................................................. 42 Marielle Franco é vereadora da cidade do Rio de Janeiro (PSOL) 6. Mulheres vítimas da velha guerra e da Nova Luz e mestra em políticas públicas (UFF). Helena Duarte Marques................................................................................................................. 48 Mônica Francisco é membro da Rede de Instituições do Borel, co- 7. Mulheres e uso problemático de álcool e outras drogas: desmontando estigmas e colhendo sonhos ordenadora do Grupo Arteiras e consultora na ONG ASPLANDE. Fernanda Araújo de Almeida......................................................................................................... 56 8. Gênero e Cidades: Violência, Assédio e Exclusão Rossana Tavares é arquiteta urbanista e professora. Doutora em Anna Luiza Salles Souto................................................................................................................. 70 urbanismo (UFRJ). 9. Violência contra a mulher e feminicídio: A urgente necessidade de informação atualizada e contínua. Patrícia Tuma Martins Bertolin; Denise Almeida de Andrade................................................. 75 10. A casa delas, na luta e no direito Simone Gatti .................................................................................................................................... 83 11. Lugar de mulher é no espaço público! E que o teatro tem a ver com isso? Fernanda Azevedo........................................................................................................................... 92 12. A visibilidade em outros espaços: Os papéis sociais mudam o modo como uma mulher se coloca como cidadã? Grazielle Albuquerque.................................................................................................................... 98 13. CIDADE, Substantivo Feminino Amanda Marcatti; Isadora Penna ................................................................................................ 104 14. Di campana ...................................................................................................................................... 109 15. Samara Takashiro............................................................................................................................ 112 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. Samara Takashiro 1 LÉFÈBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001, p. 56. 2 LÉFÈBVRE, Henri. De lo rural a lo urbano. Barcelona: Edicciones Península, 1973, p. 206. 8 9 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. AS MULHERES E O DIREITO À CIDADE: UM GRANDE DESAFIO DO SÉCULO XXI mas o direito à cidade nos impõe avançar no entendimento sobre o acesso à terra. E ganha contornos mais complexos que ativamente interfere na dinâmica social da cidade através do trabalho. zona sul ou na favela. nos conjuntos apresentada à questão da locomoção foi a construção de teleféricos que serviram mais à habitacionais e loteamentos periféricos. No entanto a resposta A segregação pode ser entendida pela localização: espaço doméstico. dinâmica de perpetuação deste espaço como um lugar de homens. PAC das Favelas e Morar Carioca não responde às rança e de poder. Entre seus efeitos podemos destacar: construção de uma imagem global para os megaeventos associado ao turismo. As mulheres nas favelas ressignificam essa dualidade. res e que valorizam a realidade e as características das favelas. já que de. e a uma 10 NOSSOS CORPOS. mas também simbólicas valorização dos espaços públicos. dem ser vistas de uma forma única. DECORRENTES DOS GRANDES PROJETOS DE O modo como o patriarcado historicamente traduziu a propriedade privada sempre URBANIZAÇÃO NO RIO DE JANEIRO foi de modo a apartar as mulheres do direito ao seu domínio jurídico. cuidar de seus idosos. Não é por acaso que nós es- tamos em maior número nos movimentos de moradia e contra os despejos forçados. tenciona inclusive o debate clássico do feminismo sobre o antagonismo entre espaço público (masculino) e espaço privado (feminino). ou o asfalto x o morro. coabitação. que é o lugar da garantia da democracia. resistência urbana cotidiana. improvisos. da mobilidade e da saúde pública. na cidade à ideia de mercadoria. Circulamos e somos para além desses limites. Em grande quando o associamos à problemática da moradia. apesar das críticas se incorpora como interesse das que se sentem pende do lugar de fala e a própria perspectiva do debate que centralmente aponta para vulneráveis à violência machista. Nos basta a propriedade? As experiências urbanas das pessoas em uma cidade como o Rio de Janeiro não po. a grandes projetos arquitetônicos que renças quando buscamos pensar os efeitos da indiferença quanto ao déficit de cidade às favorecem basicamente processos especulativos da terra urbana. raça e geração. o modo como tem sido concebido programas de urbanização de fa- Segregação nos espaços de representação: quando conquistamos um lugar de lide. sobretudo quando colocamos o foco no cotidiano e precisamos disputar e resistir para fora das fronteiras impostas por outra dualidade: a nos desafios de mulheres negras e faveladas. experiência em Medellín. pavimentação de vias para desloca- como vereadora e nas assessorias é uma conquista cotidiana para contribuir de fato para mentos a pé. Desse modo. Por essa razão. mico vagão rosa que. do valor de uso. NOSSA CIDADE: OS IMPACTOS CAUSADOS PELAS INTERVENÇÕES DECORRENTES 11 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. Numa cidade acostumada. Essas são formas de melhoria de locomoção com custos meno- ram a lógica do favor. A Mônica Francisco conquista pela preferência à titularidade da moradia em programas de habitação popu- Rossana Tavares lar realmente é ganho diante desse processo histórico. do sexismo/machismo e racismo. vulnerabilidade física e psicológica (assédio. Do contrário. Reafirmar a identida. Sobre isso. depressão). nas favelas. empurradas para um processo de segregação paradoxal? Essa pergun. As campanhas contra o assédio nas ruas e no transporte público e o polê- A visibilidade pública e política destas questões ainda estão em disputa. isolamento no espaço público (nos bairros) e privado (em casa). basicamente. DOS GRANDES PROJETOS DE URBANIZAÇÃO NO RIO DE JANEIRO . O debate sobre violência urbana e segu. NOSSA COR. de moto e até escadas rolantes em determinados trechos . demandas e interesses dos favelados. restrição/controle sobre o direito de ir e vir (vigilância e moralidade. cidade formal x informal. laços fortes de vizi- nhança que são fundamentais . Mesmo nas periferias e nas favelas. sobretudo ta política. dificuldade de acesso ao transporte público e andar a pé como “alternativa”). outros desafios surgem. fazer compras. acerca do direito à cidade na perspectiva das desigualdades de gênero aponta para a ta não se explica somente por questões materiais e geográficas. ser apartada ou colocada na invisibilidade política faz parte da para as mulheres que precisam circular pelos becos estreitos e íngremes para ir trabalhar. revelam esse processo contraditório mas necessário de um viés economicista de efeitos em curto prazo em detrimento da perspectiva de gênero. NOSSA CIDADE: comum. de bicicleta. como é possível dar conta do reconhecimento destas dife. valorizar esse ponto de vista da OS IMPACTOS CAUSADOS PELAS INTERVENÇÕES segregação. velas como foram o Favela-Bairro. sobre nossos corpos se impõe uma perversidade que restringe e da diversidade dos modos de apropriação do espaço urbano. Nesse contexto. como problemas. trazer à tona a noção mulheres negras. violência doméstica e urbana. levar as crianças na escola. É preciso diferenciar o valor de troca. revelando como Marielle Franco essa condição se reconfigura na luta pelo direito à cidade. da fragmentação. diversidade. Um grande problema é a mobilidade. NOSSA COR. isolando-a ao es- paço doméstico. de feminina negra como feminista potencializa oposições e conflitos. limita nossa experiência urbana onde atuam machismo e racismo. metade dos domicílios são chefiados projetam o valor de resistência dos nossos corpos nesta cidade. de manter e garantir esse lugar de fala e dispu. que vincula a e culturais que operam simultaneamente. que parte dos bairros mais pobres do Rio de Janeiro. nos últimos anos. as mulheres constroem sua resistência pela solidariedade: puxadinhos.apesar de alguns desses aspectos serem vistos pelo senso NOSSOS CORPOS. Independentemente de estarmos no centro. onde impe. por mulheres. Somos uma mão de obra barata mas rança pública tem roubado a cena nos últimos anos. Nesse sentido. estar Saídas possíveis seriam a melhoria das calçadas.vide a construção de alternativas no legislativo para garantia ao direito à cidade. seja pela Como a maioria da população negra ocupa os espaços de pobreza.(Fonte Wikipedia) 5 Programa de Integração de Assentamentos Precários Informais Morar Carioca. são as ma um produto valorizado e disputado. controlavam estes territórios como verdadeiros estados paralelos. gerando As mudanças na malha viária. Conseqüentemente. que se traduzem na forma como estas mulheres são percebidas ou não na sua No andamento da política de ocupação dos espaços populares pelas forças policiais movimentação pela cidade. infraestrutura. ideia forçada de integração do Complexo do Alemão1 e Providência ao restante da cida. As mulheres sofrem com a dificuldade A desumanização do corpo negro feminino. antes. maio. e ainda se consagra como cenário perfeito para mulheres que apresentam nos seus corpos e mentes os sinais da relação com a perda protagonizar a realização de megaeventos e se torna laboratório para projetos na área da das referências. como forma de desarticular quadrilhas que. a população mais pobre e os espaços populares se ruptura nas relações pessoais. e que teve como objetivo acelerar o crescimento 2 Trata-se de uma característica singular da cidade do Rio de Janeiro no cenário da Federação brasileira: o fato dela ter se construído his.9 bilhões até 2010. econômico do Brasil. tendo como pano de fundo a implementação de obras de infraestru- cunscrevendo as mulheres negras a determinados lugares sociais e estereótipos e geran. geram surpresa. globava um conjunto de políticas econômicas. sendo a Zona Sul da cidade do Rio O racismo estrutural produziu uma série de injustiças. o sofrimento mental e morte são os efeitos colaterais nefastos deste processo. mais do que isso. com itinerários que fazem com que os ônibus circulem por áreas desertas. a formulação das políticas públicas de segurança sempre foram médias da sociedade. seja pela incompletude das obras. danças no tecido urbano. as negras são as que mais sofrem com as instabilidades produzidas na relação com hostilidade. dentre elas as injustiças ur. o fluxo das mulheres negras. tura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do Morar Carioca . cir. ela mes. Atravessam estas calçadas pode ser revolucionário para contribuir para a construção de uma cidade mais políticas uma série de questões. prevendo investimentos totais de R$ 503. na perda de familiares e na reconstrução de si mesmas. fez parte do escopo do Morar Carioca. da falta de equipamentos públicos que dades. como creches. a mudança de O Rio de Janeiro nos últimos 20 anos se configurou em um dos sítios onde as mu. o que produziu certa hostilidade ao corpo negro no todo urba. No que se refere às mulheres negras. entre elas a questão da Segurança Pública. em detrimento da sua regulamentação. e pobres que ainda gastam mais horas no cuidado da casa e da família. banas. energia e recursos hídricos. (Fonte:Wikipedia) 1 No Complexo do Alemão o teleférico construído fez parte do PAC Favelas. acabam sofrendo ainda mais todas estas iniqüi. (Fonte: Prefeitura do Rio de janeiro) 12 NOSSOS CORPOS. Ambos estão parados. NOSSA CIDADE: OS IMPACTOS CAUSADOS PELAS INTERVENÇÕES DECORRENTES 13 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. os impactos causados pelas intervenções decorrentes dos grandes proje- urbanas. recebendo uma grande quantidade de investimentos e stram a dificuldade de se pensar nas mulheres no momento da formulação das políti- se transformando em uma espécie de vitrine para o mundo e. A mudança de diversas uma espécie de paradigma para o resto do país. sem dúvida alguma. na atualidade (UPP) . Suas quando acessam a possibilidade de romper com esta lógica e transpor estes lugares. E isto em todos os modais. transporte. maiores vítimas. encerrando nestes corpos 3 Unidade de Polícia Pacificadora: projeto da Secretaria Estadual de Segurança do Rio de Janeiro que pretende instituir polícias comu- nitárias em favelas. Nesse contexto. ceiam o deslocamento desta população pela cidade. Seja com o próprio poder público. Em contexto mais amplo no entendimento das violências concretas e simbólicas atendam as necessidades das famílias e delas mesmas. a cidade. por exemplo. da iluminação. a precariedade do saneamento. Apesar da urgência. políticas e suas descontinuidades quando são direcionadas a esta população. Movimentação esta eivada de preconceitos e estigmas. a vivência diária de uma cidadania mutilada e incompleta. realocações e indenizações. “pequenas” soluções e intervenções Deste modo. postos de produzidas pelo Estado. foi um programa do governo federal brasileiro que en- inaugurado em 2014. não seria diferente neste âmbito. com a extinção de linhas de ônibus e a resultados absurdos no que se refere à qualidade de vida das mulheres negras. dada a precariedade destas saúde e áreas de lazer e de convivência. tornam alvo de intervenção pesada. A iluminação pública e a valorização das vão além das mudanças na infraestrutura e na estética dos lugares. o local onde essa prática é observada de maneira mais óbvia. e sua eleição como sujeita de segunda classe. sua capitalidade2 . redução do transporte alternativo. Com as mu- segura. São as mulheres negras por políticas públicas de habitação e infraestrutura precárias. inclusive das mulheres bran. são as mulheres negras e as brancas pobres. vulnerabilizados indefinição nos casos de remoções. demon- capital financeiro internacional. fenômeno que a torna A circulação na cidade se torna objeto de tensão e medo. estas sempre tiveram sua circulação e vivência ceber a implantação de projetos de segurança pública. tos de urbanização dos quais a cidade do Rio de Janeiro foi alvo ao longo de sua história temente na vida da cidade como um todo. NOSSA COR. Dentre sando lugares diferentes dos socialmente determinados. Giulio Argan (1964). vestimentas. elaboração das propostas. gera ainda uma tensão iden- de. Embora não má qualidade do transporte público também afetam diretamente a vida dessas mulheres. Basta per- no. Neste contexto. O adoeci- do uma fixidez na sua maneira de viver a cidade. e as medidas que cer- cas pobres. cas públicas de mobilidade urbana. em áreas como saneamento. que sofrem com ria na população também nestas áreas. voltadas para o controle da circulação dos corpos negros no todo da cidade. produzida pela perda histórica de sua cidadania plena. titária. podem ter um efeito significativo na vida das mulheres negras e consequen. sempre atravessadas pela violência institucional. mento. DOS GRANDES PROJETOS DE URBANIZAÇÃO NO RIO DE JANEIRO . a cidade se transforma em um grande laboratório para o noite. transferindo-os para áreas mal iluminadas e hostis à reverbere. incômodo e elas. planejadas para os quatro anos seguintes. principalmente na capital do estado. escolas. aces. é preciso levar em consideração os desafios da participação na linguagem e mitos) nos diversos espaços da cidade. o horário da circulação de muitos ônibus em determinadas áreas da cidade e a danças urbanísticas ocorreram de forma diferenciada das demais capitais. com a violência do apagamento da memória dos lugares de afeto e da segurança pública. as mulheres negras. Assim. entre outros. são implementadas nas áreas onde habitam as camadas populares. de Janeiro. itinerários. inaugurando em 2011. onde forças de segurança oficiais da cidade completamente distintos das mulheres brancas. por exemplo. habitação. pois não é possível usufruir plenamente a sua negritude (cabelos. sendo uma de suas prioridades o investimento em toricamente como o “eixo da capitalidade” do país ou como a sua “cidade-capital”. Mas ao mesmo tempo. faz com o que ocorre nela rapidamente paradas de ônibus. seja mais capital federal desde a década de 1960. e na Favela da Providência o teleférico 4 O 3º Programa de Aceleração do Crescimento lançado em 28 de janeiro de 2007. atitude cristalizada na sociedade e consequentemente pelos aparatos de se- gurança oficiais e que são reproduzidos por seguranças privados em diversos contextos da cidade. o que vai de encontro ao que deveria ser a dinâmica lógica das cidades. investiga os estereótipos raciais de mulheres negras. . neste caso. Thaís Santos . Queremos circular com segurança. 14 15 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. de transitarem de maneira livre em muitas partes da cidade e. as mulheres negras são as que apresentam as maiores dificuldades no que se refere à circulação. que deveriam propiciar o encontro e a troca entre os(as) diferentes. são cada vez mais necessárias ações de fortalecimento das redes de atuação e de solidariedade onde nós mulheres estamos inseridas e que privilegiem a escuta e a nossa participação plena na construção das políticas públicas que contemplem as nossas reais necessidades e demandas no âmbito da cidade. 2 acessar a saúde.Ativista do movimento negro e feminista intersec- cional. A eleição do corpo negro (seja masculino ou feminino) como sujeito(a) a suspeição permanente. Cientista Social e Mestranda em Sociologia. Assim. as mul- heres negras vêm acumulando um déficit de acesso à cidade em toda a sua trajetória de vida e uma quase anulação da sua figura no tecido urbano. Nesse sentido. acirram as atitudes violentas contra esta população. as formas de lazer e cultura e poder expressar nossas escolhas em todos os sentidos. DE GÊNERO. FEMINISTAS E FEMININAS .Di Campana 16 17 DIREITO DIREITOÀÀCIDADE: CIDADE:UMA UMAVISÃO OUTRAPOR VISÃO GÊNERO. ÁGUAS DE 8 DE MARÇO DE 2017. que desde 2014. mobilizando cada vez mais adolescentes de periferia – em um deles e inovadores esbanjam o chamado estilo “afrofuturista”. estimula a repressão dos mesmos. Bento. zada por Miranda. o deslocamento de jovens no sentido periferia–centro. disposta a se deslocar aos locais centrais. uma tentativa de concentrar a atividade em espaços que não fossem Shoppings. parece dizer: Agora é nossa vez! A cultura e o lazer são direitos fundamentais que devem ser assegurados pelo Estado E o é de fato. questão de segurança pública. Neste contexto. atrapalhar os moradores para evitar a repressão policial. roupas de estilos ousados “nobres” da cidade. para chegar nas festas do CCJ1. uma urgência de se debater as A frase da música “Sou função” do grupo Racionais MC’s ilustra bem a sociabilida. Surpreende. Mas o que dizer quando o Estado discrimina a partir de características físicas determinado segmento social. Inclusive a união do próprio Racio. em outros No palco. nas mais diversas cores e formatos. imperaram no centro da cidade mobilizando a juventude não contribuir para suprir. 18 19 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. como eram chamados. ou ainda. esse direito passa a se relacionar com Surpreende. ou de negra. um dos agentes que têm se tão intimamente relacionados a estratégias de resistência dos sujeitos. norando as demandas desses jovens que por vezes não queriam se deslocar até pontos Deus me fez funk. do Capão Redondo – Zona Sul de São Paulo. Proponho aqui refletir sobre alguns casos que mostram como cultura e lazer es. o lazer. os mesmos parecem encontrar suas próprias saídas para viver também. Uma tentativa de conter o enorme crescimento “Os preto dança todo mundo igual sem errar! dos eventos na gestão Haddad foi a tentativa de colocá-los em Centros de Cultura. sendo separados entre legais e ilegais. SOCIABILIDADE E RESISTÊNCIA NEGRA NA CIDADE DE SÃO PAULO . sobressaído é a juventude negra LGBT. Os bailes mesmo entre as próprias periferias em busca de um lazer que o poder público. além de blacks. Sarrada negras e periféricas. as festas Batekoo. Jovens negras. que não pode marcar ro- nais foi o encontro de KL Jay e Edi Rock. que se não há interesse do poder público em suprir as de- temas que intersectam os direitos humanos. O que ambos os exemplos explicitam é. alguns casos foram proibidos. a ponto de ano passado uma juíza proibir o “rolêzi. também os meninos. no Brejo e Afrogeladinho são apenas alguns dos exemplos. demandas dessa juventude negra e pobre. no centro da cidade na Rua São moradia sem. vivas e agentes! nua sendo um tema central para pensar o direito do jovem periférico ao acesso à cidade e ao lazer. 6 mil jovens compareceram ao Shopping do Metrô Itaquera. Passados quase 40 anos. A exem. A festa reúne um público ansioso por em eventos no Facebook para promover encontros em Shoppings localizados nas áreas usar seus cabelos naturais. Organi- na ausência do Estado a população precisa resolver suas demandas e angústias. quando se atentam ao perfil do adolescente periférico que vai para o rolêzinho? O tema praticamente se tornou 1 Centro Cultural Municipal da Juventude (CCJ) – Equipamento da Secretaria Municipal de Cultura. A maior parte delas com uma O sujeito indesejado em circulação ou o que acontece quando a periferia sai do lugar. que se organizam centro da cidade. lésbicas e bis negras se beijam. passou reunir centenas de jovens no plo disso. da Zona Norte. no entanto. mandas dessa população. impedindo o acesso do mesmo a lo- cais de livre circulação? A solução do poder público foi a criação do “Rolezinho da Cida- dania” pela Prefeitura de São Paulo. caso morem no Peruche. reúne adolescentes. bailes de funk nas periferias que agluti- nam jovens nas ruas de zonas residenciais. a DJ e produtora Renata Prado fala sobre genocídio negro ao mesmo tempo tantos casos a saída foi a repressão. mas não é nova a ideia de que Paulo pelo DJ baiano Miranda e logo se tornou a principal festa LGBT da cidade. ou seja. o que acontece CIDADE DE SÃO PAULO quando a juventude negra e periférica sai do lugar que lhe foi pré-determinado. conti. mas em outros locais públicos controlados pela gestão do SOCIABILIDADE E RESISTÊNCIA NEGRA NA município. começaram a aglutinar Thaís Santos cada vez mais pessoas. direito básico para uma vida plena. Outro exemplo é a proibição dos “fluxos”. funk e R&B. fala-se sobre racismo e segurança pública. O evento tem despertado diferentes reações. reduto dos grafiteiros e rappers dos anos 80. mente os espaços de circulação permitidos a essa população. Don’t Touch My Hair. com os primos Mano Brown e lêzinho no Parque Ibirapuera ou Shopping Tatuapé. De fato. Existentes desde 2005. sobretudo sujeitas. que desde a década de 1970 dominou as comunidades paulistanas. O caso ilustra uma realidade que se são limitações e tanto! repetiria ano após ano. que toca os funks mais recentes – a playlist é só de músicos negros – para embalar o pú- nho” e ordenar a restrição de acesso aos que parecessem “ter perfil” de frequentadores blico animado que só pelas 7 horas esvazia a pista rumo a suas “quebradas”. todos incluídos nesse espaço pensado para a sociabilidade preta. cito os “rolêzinhos”. das mais longínquas periferias. Restringindo geografica- periférica para dançar ao som de soul. sobretudo. obrigada meu Pai!” como a Nova Cachoeirinha. Renata Prado e Arthur Santoro. contudo. O sucesso do evento. sediado na Vila Nova Cachoeirinha. o rebuliço causado pelos “indesejados”. trazida para São de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. É inevitável pensar: quem eles restringem o acesso. equipe de produção inteira feminina. A festa Batekoo teve início nas periferias de Salvador. ig- Agradecendo aos céus pela chuva que cai. aqueles liberados pela prefeitura nos espaços permitidos. Fazendo um recorte à periferia negra. e deve se limitar aos seus locais de Ice Blue. Como por exemplo. dos exemplos mais importantes. SOCIABILIDADE E RESISTÊNCIA NEGRA NA CIDADE DE SÃO PAULO . interior de São Paulo. Surpreen- É interessante notar quantos temas são interseccionados e solucionados parcialmente de que o público que mais tenha aparecido nos últimos tempos sejam as gays. grupo formado no início de 2016 a partir do trágico caso de assassinato de Luana Barbosa dos Reis na cidade de Ribeirão Preto. estratégias de resistência. a festa AfroGeladinho é uma dissidência da Batekoo. 20 21 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. o Brejinho. A repercussão fez com que atos acontecessem na cidade e movimentou jovens da capital até a cidade de Ribeirão Preto para questionar a violência racista. situações decorrentes das festas que as mulheres se preocuparam em tratar publicamente e em espaços de discussão política. grupos no Whatsapp e propunham companhias para os bém questiona o direito ao lazer. sobre como pensar a sociabilidade negra na cidade de São Paulo é debater temas como violência sexista. montavam bon. Unindo extremos. privando-os de individualidade. mas. tão pouco se escondem dentro dos armários que hiperssexualizam corpos negros. por a considerarem uma crimino- sa que desacatou as autoridades policiais. além de propor um local seguro para um enorme contingente e bissexuais. No caso da festa Sarrada no Brejo. lazer e que parecia não se localizar em nenhum espaço – Ou como imaginar mulheres negras fazer político para esse público. oprime institucionalmente e limita politicamente. O que teve início para arrecadar algum dinheiro para as duas jovens desempregadas Festas negras conectam periferias. o consumo de bebidas alcoólicas e outros tipos de drogas. lesbofóbica e homofóbica. por vezes aos A perspectiva interseccional que essas experiências impõem se explicita também nas domingos. tre seus pares? É uma pequena revolução em alguns dias dos finais de semana por mês. iniciativa precursora de instaurar uma creche para que as mamães possam frequentar a festa e deixar seus filhos em um local seguro. apenas en. à cultura e à vida que é sistematicamente negado para mais tímidos que estavam sozinhos. mas também para conduzir a festa. lésbicas a partir destas iniciativas. também lotado. por vezes aos sábados. mas mostram principalmente que há uma energia mobi- jovens lésbicas e bissexuais com um espaço para se desejar. essa população. envolveu um espancamento de policiais militares sob a jovem Luana. se sentir belas e viverem lizadora que ronda tais grupos a ponto de já não esperarem que o Estado resolva as la- suas sexualidades sem se preocupar com exotização ou hiperssexualização. Uma mulher negra lésbica que frequenta uma festa para exer- rio de seu um ano. Na página do cer sua liberdade sexual e afetiva contesta não só os estereótipos raciais que impõe que Facebook. Festas negras criam laços entre pessoas que o Es- acabou adquirindo uma proporção maior. conversa sobre abusos e assédios entre mulheres. a balada é organizada pela Coletiva Luana Barbosa. Festas negras são resistência. o público-alvo ainda mais direcionado propõe algo inédito no país: uma festa exclusiva para mulheres lésbicas e bissexuais. sobretudo. Se lembramos que os principais temas com que se enfrentam a juventude negra hoje dimento de duas jovens negras teve início na festa para logo se tornar um evento inde. Com filas que dobram o quarteirão e lotam as duas pistas da casa de festa. como espaços seguros que concentram jovens mulheres das mais diversas regiões. olhar e desejo masculino branco. Demonstrando que há uma forte demanda de espaços de cultura. Periferias conectadas e coloridas dizem: Resistimos Questionando a estrutura que segrega socialmente. é o genocídio e encarceramento sistemático de corpos negros – basta lembrar do caso de pendente. cunas. reunidas para a produção do Afrogeladinho. cujo o pú- blico prioritário são as mulheres negras. política e social. o empreen. outras iniciativas como rodas de conversa sobre redução de danos. A Coletiva e a Batekoo são dois. O caso que chocou pela brutali- dade. lotando a pista mais uma vez. atentas a diferentes demandas. isto é. da outra ponta da Claúdia da Silva Ferreira ou de Rafael Braga – que conseguimos compreender a impor- cidade. mas tam- des para sair do metrô Itaquera. A partir desse caso a Coletiva tomou a iniciativa de organizar as festas. de mensal para quinzenal. que faleceu poucos dias depois após ser mal atendida no hospital. tância de espaços em que ser negra ou negro não seja um crime. na Cidade Tiradentes. Uma produtora do extremo sul e a outra. os animados participantes combinavam como chegar ao local. machista e também lesbofóbica que assassinou Luana. sempre lotada a festa teve a ousadia de realizar a comemoração de aniversá. debater como as jovens negras tem transfor- mado experiências dolorosas em resiliência. da festa foi imediato. tado julga que não deveriam sequer estar vivas. seu corpo deve estar a serviço do interesse. Sarau das Pretas .foto enviada pelas autoras . sp. especialmente culturais. mulheres negras. 2013. Contudo. mas também de condições de vida e acesso. No entanto. VISÃO DE GÊNERO.Graduada no Bacharelado em Ciência e há uma concentração da população negra em bairros mais afastados como Itaim paulis- Tecnologia da Universidade Federal do ABC ta. Desse total.3 MULHERES NEGRAS E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO: ATIVISMO CULTURAL NOS SARAUS DA CIDADE DE SÃO PAULO Bruna da Silva Magno Diana Mendes dos Santos Nós.prefeitura. Podemos nos perguntar a quantas políticas públicas temos acesso? Territorialmente. Cidade Ademar. envolve diversas contradições que afetam todos os outros grupos raciais ou étnicos no cias e Humanidades da Universidade Federal do ABC mundo.Graduada no Bacharelado em Ciên. Iniciamos com o poema Menimelí- metros de Luz Ribeiro (2016) sobre o que não é dito nas pesquisas sobre a periferia: 1 Dados do Relatório de Gestão da Secretaria de Políticas de Igualdade Racial em São Paulo. em última instância o racismo é “uma questão Graduada no Bacharelado em Relações Internacionais na Uni.br/cidade/secretarias/upload/igualdade_racial/arquivos/relatorios/Relatorio-de-Gestao-SMPIR-2013. a ideia proposta no presente artigo é lançar luz exatamente onde é escuro para o governo e para a maioria da população. Disponível em: http://www. Bruna da Silva Magno . falando das suas realidades e da disparidade social por meio dos saraus e dos slams. 2014).6% do total de brasileiros. A história mostra que. mostrando como a popu- lação negra. Diante desse contexto. enquanto vivermos em um mundo em que a maioria sofre com a Militante do Coletivo Negro Vozes UFABC escassez e a desigualdade social. Não é somente uma questão sobre “negros contra brancos”. especialmente por meio da arte. Federal do ABC Se o poder público não alcança essa população. que são protagonizadas pelas mulheres negras nos seus bairros. étnicas e de gênero começam a dade Federal do ABC afrouxar. criou políticas. as tensões raciais. 79% são brancos. a população preta e parda representa 53. As estatísticas nos mostram uma assimetria que não é apenas econômica. de pão”. Militante do Coletivo Negro Vozes UFABC É importante ressaltar que partimos do entendimento que o racismo é uma ques- tão complexa. MULHERES NEGRAS E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO: ATIVISMO CULTURAL NOS SARAUS DA CIDADE DE SÃO PAULO . parafraseando Lênin. na parcela dos mais ricos. quando as con- Graduanda no Bacharelado de Políticas Públicas da Universi. o flagelo do racismo vai continuar (PETERSON. pois também Diana Mendes dos Santos . as pessoas vão se dividir ao longo de linhas versidade Federal do ABC secundárias para lutar pelo que sobra na mesa. M’Boi Mirim. somos 44% da população brasileira e segundo os dados do último censo do IBGE de 2014.pdf 24 25 DIREITO DIREITO À CIDADE: À CIDADE: UMA VISÃO UMA OUTRA POR GÊNERO. Se não há o suficiente para todos. colocando em prática seu Mestranda em Matemática da Universidade Federal do ABC direito à cidade. Cidade Tiradentes. Guaianazes. o que a atinge. São Mateus1 e tantos Graduanda no Bacharelado em Matemática da Universidade outros bairros e muitas vezes o estado não chega até lá. mesmo diante do racismo. então? A auto-orga- nização das comunidades que se levanta em todos os âmbitos.gov. dições de vida melhoram para todos. resistência e insis- recitando poesias sobre a nossa realidade aos quatro cantos. mas também. Uma reali- tem posição de destaque na organização. Pelos becos e vielas A intersecção entre arte e política é analisada por Chaia (2007A) em uma trajetória Você que fala becos e vielas histórica dos movimentos sociais no final da década de 60. Ceis citam as cores das paredes O momento histórico estudado por Chaia (2007A) somado à arte conceitual da natural tijolo baiano? década de 70 resulta na emergência da arte ativista a partir dos anos 80. legado da escravidão que estabelece parâmetros para uma nova condição da mulher. Por isso. porque além da arte. é fundamental corporal. as próprias artistas e poetas. 2007. 3) objetos ou acompanhamentos musicais ou cênicos/visuais e a apresentação não pode Por fim. A arte Velho (Zona Leste de São Paulo). As mulheres escravas foram quem transmitiram para Entendemos que essa manifestação artística é política.00? cidades. da. O surgimento e conti- se propagado e as mulheres seguem se colocando e disputando estes espaços como no nuidade de manifestações culturais como essas. com Luz Ribeiro e Mel Duarte. Esses acontecimentos so- ciais tornaram-se referências que acionam o ativismo cultural na contemporaneidade. Elas transmitem um discurso político por meio da arte e da poesia. duas maneiras: a primeira. MULHERES NEGRAS E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO: ATIVISMO CULTURAL NOS SARAUS DA CIDADE DE SÃO PAULO . do a primeira mulher a ganhar o campeonato. Ceis citam os seis filhos que dormem juntos? pode-se entender que há uma trajetória histórica e política no surgimento da arte nas Ceis citam o geladinho que é bom porque custa 1. queremos uma sociedade livre do racismo e da desigualdade 26 27 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. incluindo o direito à cidade na construção da nossa cultura e acesso a políticas pú- os saraus e os slams organizados por mulheres negras. não é permitido a utilização de ternet. só é possível porque a caso do Slam da Norte. o descaso do Zona Leste à Zona Sul. Roberta Estrela D’Alva inaugurou o primeiro slam no a história da população negra e a identificação com a mesma e com a realidade pre- Brasil. o racismo. afinal. Sabe de quantos metros ele despenca quando uma bala perdida o encontra? O surgimento do próprio grafite e cultura hip hop como arte urbana tem origem Sabe quantos nãos ele já perdeu a conta? não somente como movimento artístico.” (CHAIA. O mapeamento presente no artigo em relação aos saraus e slams mostra uma quer ser política. pág. sen. e estando a cultura negra inserida nesse cenário. como o Sarau da Ponte Pra Cá que tem em sua dade que começa nas ruas (microcosmo) e chega até as redes como internet (macro- organização Thata Alves e é realizado no Campo Limpo (Zona Sul de São Paulo). mobilizações estudantis e à contracultura. nominalmente livres. Desde então eles têm sente em todas as manifestações artísticas nos saraus e slams. suas pesquisas seus vidros não se abaixam?’’ As mulheres artistas ativistas estão em uma relação social fundamentada no de- sejo de luta e responsabilidade social por reconhecer os conflitos sociais. tência na igualdade sexual – em resumo. que é a competição nacional. Da suas poesias as mulheres negras abordam temas como violência policial. Em pequena parte de onde queremos chegar com nossos sonhos e nossas realidades. Durante essa relação. que estavam ligados à luta Sabe quantos centímetros cabe em um menino? por direitos civis. “Esta prática desloca o cenário da arte e da política para o espaço público. é possível ver o levante das mulheres negras na luta por seus direitos. especialmente a mulher negra. a ocupação do espaço público por meio do ativismo cultural perpassa ultrapassar 3 minutos. espaço fechado e branco para o espaço cinza das ruas ou para o espaço virtual da in- sentadas devem ser autorais não podendo ser repetidas. um legado que explicita os parâmetros para A relação entre arte e política estudada por Miguel Chaia (2007B) pode acontecer de uma nova condição da mulher. o Sarau cosmo) como é o caso das poetas e dos artistas que publicam seus trabalhos nas redes Mínimo e o Sarau da Ademar (este último já inexistente) localizados na Cidade Ademar sociais: (Zona Sul de São Paulo). um legado de tenacidade. nas cidades. perseverança e autossuficiência. musicado ou as opressões e as violências diárias que sofrem. Entre os saraus organizados somente por mulheres negras se destacam o Sarau o reconhecimento do outro. a construção dos saraus e slams tem o objetivo de Das Pretas que é itinerante e o Sarau das Pretas Peri que acontece no Jardim Camargo provocar reflexão em outra pessoa que não só. como processo político e social possibilitando às camadas mais baixas um instrumento artístico de expressão e pro- Quando ceis citam quebrada nos seus tccs e teses testo contra a opressão social que as mesmas sofrem. os saraus e os slams podem Ceis citam que quando ceis chegam pra fazer ser entendidos como um produto dessa mesma trajetória. Em 2016. ela faz suas descendentes do sexo feminino. Portanto. que tem na sua organização Ingrid Martins e o Slam das Minas. Raça e Classe (2016) que há um de uma mulher negra. Citamos também alguns saraus onde a mulher negra política tem um realismo político que dá à arte uma função sócio-política. Em 2008. população se reconhece nelas. Zona Autônoma da Palavra ou ZAP Slam como é conhecido. seja ele escrito. “Os meninos passam liso estado para com a população negra e até questões como o amor afrocentrado. O sarau é um espaço para compartilhamento artístico. um legado de trabalho com que possamos avistar a cidade como nossa também. Luz Ribeiro ganhou o Slam BR. percebe-se uma arte urbana que blicas. oito anos após a criação do primeiro por parte Angela Davis explicitou em seu livro Mulheres. Tomando como estudo de caso. quando as práticas políticas buscam suporte na arte. expressando nossa cultura e/ou duro. Sai do O slam é uma batalha de poesia que funciona com algumas regras: as poesias apre. quando as atividades artísticas se querem políticas e a segun. Editora Boitempo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHAIA. Disponível em: https://www. 2007A. 2016.marxismo.com/ watch?v=09KDfTVPAeE Jessica Tavares Cerqueira . Sobre o Programa do Partido dos Panteras Negras: Que caminho seguir para os trabalhadores e jovens negros? . Angela. Arte e Política – Rio de Janeiro. 2016. PUC. CHAIA. Mídia e Política.br/content/sobre-o-programa-do-partido-dos-pan- teras-negras-que-caminho-seguir-para-os-trabalhadores-e RIBEIRO.youtube. 28 29 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. 41. Miguel. 2007B. DAVIS. para a nossa população. Miguel.Parte I. Artivismo – Arte e Política Hoje – Aurora. PETERSON. Mulheres. Dispo- 4 nível em: http://www. Menimelímetros. Raça e Classe . Bacharela em Ciências e Humanidades Bacharela em Políticas Públicas Assistente de Coordenação do Instituto Brasileiro de Direito Ur- banístico Acredita que a vida não cabe em apresentações. Revista de Artes.é mulher negra e feminista. p. que at- ravessa cidades. Luz.org. John. Azougue Editorial. MULHER E O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO: DIGRESSÕES SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS . Publicado em 04/11/2014. 31 Di Campana . já havia levado alguns negros a migrarem para o espaço urbano. Nossas conversas renderam horas de áudio e mostraram as mais variadas lacunas de participação social e crises de representatividade. eu pedia licença a moradores da favela da Vila Sônia Maria. é importante salientar que a percepção sobre a abrangência da pobre- Nossos passos vêm de longe. maior exposição aos problemas da ordem de saúde pública. Pelo contrário. requer licença. estes são elementos estruturantes do nosso pação dos moradores na elaboração e implementação do projeto. assim como dição. contribuiu A vida. pedindo dispensa 1 Programa de Aceleração do Crescimento . O alto índice do déficit habitacional e apenas hoje.pode e provavelmente terá cidade. em relação ao atraso a que foram submetidos no acesso à uma porta. E não há como realizar qualquer debate acerca do direito à cidade sem considerar “É que em todo o lado. maior Para falar de mulheres é necessário reafirmar quem elas são e os porquês de sua con. em São trário do que se esperava. com os incentivos ao trabalho urbano movido pela modernização. No crianças e adolescentes. mesmo no invisível. para falarmos sobre o projeto de urbanização previsto no âmbito ríodos colonial e imperial. Fora promulgada completamente deslocada de uma política de democratização BARREIRAS VISÍVEIS E INVISÍVEIS NA FAVELA: do solo. Em nome de todas. nha um círculo vicioso. entanto. de padrão cito a gigante Carolina Maria de Jesus. em que uma privação leva a outra. precisam levar os filhos frequentemente a hospitais. mas terra. seus escritos evidenciaram uma solidão que não era apenas urbanísti- outras características e/ou nomenclaturas nas demais regiões do país. A favela é caracterizada principalmente pela ocupação irregular de áreas em que o Raízes da desigualdade e a cor das sem terra mercado imobiliário não pode atuar . quando esta virou propriedade privada. foi feito um espaço urbano. Sudeste. por respeito. em- roteiro de entrevistas. O trabalho concluiu-se focado em sua proposta inicial. como favela . Para mim. o que pode ser lido. É fundamental frisar que nossa abolição não resultou do reconhecimento de um pas- sado vergonhoso da desumanização de um povo. A lógica da constante formação das metrópoles brasileiras. Segundo MARICATO (2003) a emergência de mão de obra livre. a falta de des e condições de subsistência. Para isso. por isso. ausência de serviços de infraestrutura urbana. ca. No entanto. há a privação das pessoas negras. BARREIRAS VISÍVEIS E INVISÍVEIS NA FAVELA: PELO BEM VIVER DAS NOSSAS MULHERES . que anunciou a favela como quarto de despejo da construtivo precário. do PAC-UAP1 para o assentamento precário. levando a Ser favelada é estar na periferia dos direitos. seja por parte de criminosos.caracterizando um aglomerado espontâneo subnormal. mas sim de uma mudança necessária Jessica Tavares Cerqueira para a inserção no sistema econômico mundial. forçou com que muitos negros mudassem para os centros urba- nos em busca de oportunidades e de condições de moradia. esta situação dese- uma espécie de expulsão dos mais vulneráveis para as cidades pela falta de oportunida. que já havia adotado o trabalho assala- riado. no qual industrialização e urbanização caminharam juntas sobre o lema positivista da ordem e do progresso. A intensificação do êxodo rural foi vivido apenas a partir salubridade da habitação leva a problemas de saúde que afetam o rendimento escolar das da década de 1930. Em geral. exposição à violência seja por parte do estado. na região sobre o tema da solidão e isolamento de mulheres pobres e negras. e por essa razão. entre outros. e ausência de serviços de saneamento . simples convidados. Ao con- Em julho de 2016. Longe ou perto. são as mães que se responsabilizam pelos cuidados da família e. em 1888. a população negra foi jogada à própria sorte. Nesse sentido. PELO BEM VIVER DAS NOSSAS MULHERES. monocultura e patriarcado. sobretudo. mas. retomo à contundência desses depoimentos. A abolição da escravatura não trouxe consigo quaisquer reparações sociais e econô- micas. focado principalmente em questões urbanísticas. za urbana considera aspectos mais amplos do que apenas o padrão construtivo de uma casa. agente do isolamento físico das favelas entrelinhas: solidão e abandono. o espaço urbano não superou as heranças deixadas pelos pe- Bernardo do Campo. faz com que sejam desenvolvidas as mais diversas soluções habitacionais. em 1888. não somos donos. social. o que gritava nas repe- tidas vezes em que eu examinava aquele material era o que as mulheres contavam nas Desenho urbano. clientelismo. a promulgação da Lei Áurea. É difícil conceituar o que é uma favela no Brasil. em muitas vezes. Dessa maneira. A proposta era falar de lacunas na partici. principalmente em áreas protegidas am- bientalmente e/ou áreas de risco -. As cidades atuais espelham nossas desigualdades de classe e raça. nós já sabemos. ainda no Brasil Imperial. peço mais uma vez licença a todas as dedicadas vozes que já se debruçaram com topografias também muito variadas. E.ou seja. questões que guardam estreita relação com o nosso processo de urbanização. Como por exemplo. marcados pela concentração de renda e terra.” (Mia Couto) para definir o início de um processo. e em territórios Por isso. A concentração da terra e da renda inviabilizou a sobrevivência no campo. uma vez que. purrando para as favelas aqueles que são a base da força de trabalho do país. alijados ao trabalho na terra.Urbanização de Assentamentos Precários 32 32 33 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. sempre mostra. com anos. Talvez. Não são reconhecidas como sujeitas de direito.estrutura urbana.178.” As vias públicas existentes não se enquadram na estrutura de hierarquização viária “Eles não dão resposta de nada” a última vez que vieram foi em no- do município. caracterizado pela carência de infraestrutura. Para falar sobre solidão e isolamento.se de assentamento não (Moradora 2) consolidado. e enquanto isso. se debate urbanização. traçado irregular. a debater urbanização. consolidação geo. (Moradora 3) A maior parte dos imóveis possuem metragem inferior a 40m² e apenas 20% é isola- do no terreno. segue breve panorama da tipologia física urbanística da área ocupada. que associa política à presença no território. vão embora. sobre o vácuo que ecoará pelos próximos quatros anos. “Eu moro aqui há 26 anos. Esses exemplos são tão especulativos quan. com pavimento irregular e sem calçadas. abrigando habitações inadequadas. mas da casa pra rua. e que se expande para o campo afetivo. vir e sumir causa de- madeira representam 10% do total de imóveis do assentamento. e se tornam muito destrutivos quando alteram nossa habilidade de lutar e mulheres faveladas de possibilidades de sociabilidade. escreveu sobre a (Moradora 3) solidão afetiva da mulher negra. nao tem infraestrutura nenhuma. e neste caso. trata . da cidade legal.” Bell Hooks em sua brilhante e elucidativa obra Vivendo de Amor. quando é política eles vão e nunca moradoras. sesperança nas chefes de famílias que se desdobram para acompanhar reuniões onde A drenagem de águas pluviais do núcleo Vila Sônia Maria ocorre. de diversas categorias. não pude deixar de lembrar desse texto e de como dialoga com a solidão que é causada pelo dese. mina positivo. margens Bell Hooks fala das barreiras históricas que afastaram a mulher negra de vivenciar o de córregos. O de chuva nas coberturas. denota a sensação de despejos e ameaças de remoções? Em que medida. torna. é que estas venham acompanha- 2 Informações concedidas pela Secretaria de Habitação de São Bernardo do Campo. só promessas. 34 35 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. do trabalho ou equilibrando triplas jornadas. vembro do ano passado” (Moradora 1) sos. BARREIRAS VISÍVEIS E INVISÍVEIS NA FAVELA: PELO BEM VIVER DAS NOSSAS MULHERES . que deveria ser de incentivo a participação e instalação de escadas de acesso aos imóveis.07. mas por que chega e vai embora sem qualquer justificativa to podem ser realidade. são eles. Um ponto significativo para iniciar a discussão que pode ser clichê mas bastante Outro ponto possível de ser abordado de acordo com as vivências diárias em locais central. cito o caso da favela da Vila Sônia Maria. para as suas implicações no da não resposta. sendo as demais germinadas de um ou ambos os lados. Quem esquece. E como esta desagradável realidade impacta a vida e sonhos das (Moradora 2) moradoras? Como colocam seu corpo na cidade e para quê? Para quem? Quem pode enxergar as violações de vidas de promessas de urbanizações que não se concluem? De A presente fala. fazer igual o santo: ver pra crer” Esse é o cenário. mas principalmente solitárias afetivamente? “O que mudou foi o que a gente fez. a próxima liberação de recurso. que resiste há 49 anos. Nós não. disposição de varais e descarte de resíduos monitoramento mas é transformado em abandono e em quebra de confiança. e apre- senta a necessidade de execução de obras de infra . e Desromantização da favela e a Solidão afetiva da mulher cada um tenta melhorar dentro da sua casa. morros. mais conhecida como “Buraco Quente”. E para as moradoras de buracos. transformam essas mulheres não somente isoladas da responsividade do Estado. Era barraco e constrói de al- venaria. As habitações de Não se recebe com indiferença tamanho descaso. acreditar. Esse ir e vir. proponho pautar o quanto as condições de precariedade afastam as outro lugar. até que voltem bem viver dessas mulheres. e são deixadas no limbo das instituições. Para contextualizar a fala das “Sempre vem eles.2 faz. e as reuniões foi só política. até que saia a próxima através do escoamento superficial direto nas vielas existentes ou tubulação para captação licença. ninguém nunca O assentamento precário ocupa fundo de vale com inclinação entre 10 e 20º e chegou aqui pra dar uma resposta pra gente” apresenta a área total de 18. Algumas vielas são estreitas e ainda mais limitadas devido sua utilização para um lugar da cidadania dessas mulheres. é o abandono do Estado. “Eu não acredito que vai sair nada aqui. O sistema viário tem pavimentação somente nas ruas dos principais aces. o que há de tão urgente quanto urbanizações participativas. em sua maioria. nho urbano das favela. em que a visita na favela se segue de anos sem resposta. São peças necessárias para o jogo político. Não somente o abandono porque não chega em forma de precariedade é como podem e limitam nossas relações no campo afetivo. elas seguem sem acreditar. de qualquer serviço público. apenas naquelas que possibilitam a instalação deste tipo de dis. Estamos contando. Ao ouvir as falas das moradoras da Vila Sônia. e gostaria de chamar atenção aqui. o esgoto era tampado com madeira e aí colocamos cimento. De forma sintética. a medida que o tempo avança. padrão de comportamento. “Eu to aqui há 09 anos. a precariedade física e visível. fica cada vez mais difícil de se imaginar em amor. em muitos pontos. A contagem dos anos em que estão à espera aparece com frequência. uso a que são submetidas. eles vêm e vão” técnica ou de drenagem urbana. merecedoras -se agente de barreiras que. Relatório para Obtenção de Licença Prévia das do cuidado da saúde mental dos e das que ali vivem. sendo o restante sem pavimentação e. que dividimos esse agrupamento solitário. as mulheres tentam vencer os estigmas e isolamentos sociais. íngreme. a gente poder receber nossos amigos de outro tipo de classe. (Moradora 4) E que se torna potencialmente danoso quando é interiorizado. falta de privacidade. agentes públicos e acadêmicos.. e de auto estima. preá. urbanistas e gestores. Tem um lá que é louco pra vir. porque não é digno de receber o outro. pois para a sociabilidade da mulher favelada há um componente com- A gente quer mesmo é sair daqui. a nada. Nos sentimos menos aptas para deixar de atravessar lugares Pra quem quer uma moradia digna. que as visitas externas. que nas entrelinhas ensinam sobre corpo e cidade e como o meio tem inter- ca causadas pelo projeto de desenvolvimento urbano excludente brasileiro. ou em atividades que sejam extensões de seus papel social no espaço privado. foram anos. estejam de acordo que um engenheiro não possa vir a visi- tar. Que é sujo. inapropriado e não “Deixa eu ver o meu sonho! Tem uma praça. essas vozes. não há constrangimento. militantes. nossos corpos na cidade. porque implica que se interiorizou que da favela também não podem sair engenhei. Nós que nos relacionamos entre nós.. os becos da favela é muito Qual a relação que as moradoras conseguem estabelecer com os espaços de lazer? sujo. A convivência com esgoto a céu aberto. móveis. sem acesso a nada. E só quando o debate de direito à cidade menos gente. da perspectiva urbana. A cuidar. vai ser ótimo! Ter área de lazer. temos muito o que aprender com Busco incitar provocações que explicitam a insegurança e vulnerabilização psicológi. Explícita é a ausência de espaços em que as mulheres se sintam confortáveis de ocu- Quando assumimos que pisar no esgoto.” entre nós. levar os filhos a A fala acima sintetiza a minha motivação maior de escrever este breve artigo falando escola ou ao hospital. apertado. isso” Neste processo. gonhoso. Para que desenvolva laços fora de seu núcleo habitacional.” via levantado sobre a forma que a relação centro-periferia para as mulheres paulistanas Moradora 2 se dá predominantemente no deslocamento casa . que a regra da condição de habitação de pessoas predominantemente negras no Brasil deixe de ser precária e irregular. O texto traz mais perguntas que afirmações. não é uma área plana. de carne. porque faz vergonha. E por sa de uma moradia digna. O desafio da sociabilidade da mulher favelada.” Afirmo isso. caro. Só partilhamos “Se sair. elas os têm frequentado? minha casa. lixo. sim. isso seria uma melhoria de vida e de saúde principal- por aqui.” amor. Ainda que uma intervenção urbanística aconteça. etc. que o encontro não pode se dar no meu lugar. Como por exemplo. Em artigo anterior. tudo bonitinho?” (Moradora 3) quero que ninguém me veja aqui.) a gente preci- A sociedade por engano ou pelo vício. entrar um carro. político. fica aqui nesse buraco. que a atinge para além do machismo e do racismo: a discriminação de classe. travesseiro. mas eu tenho verg. já ha- onha de trazer um engenheiro aqui. só traria benefícios pra nós (. evitando visitas. colchão…é uma situação bem ruinzinha” (Moradora 3) “A gente não tem acesso a rua. deixa de ter teor puramente urbanístico e se agrava em barreiras do campo afetivo. disputa por espaço. fazem no censo. A ouvir. esse lugar é uma ilha. respondência. eu já estou em um espaço diferente. dos. osso e sentimentos devemos lutar incansáveis para nas. Isso aqui é um buraco” plicador. Nós. subir ladeiras não é para to. onde se cria o sentimento de inferioridade. par. quem vem? As barreiras físicas e visíveis nem nos afastam tanto. Ou quando precisam de algo que vendem até cobra. e situações de estigma. ela será realmente justa e democrática. que em seus íntimos. “Mulheres que atravessam as cidades”. que respondam. mas o que se mol.. por- “A gente vive aqui numa situação bem difícil de infraestrutura. no geral. e há 26 anos eu sonho com esta mulher deve ser ainda agente ativa que autoriza e convida o outro para o seu lugar. manda alguém para uma as crianças tem muito problema de alergia. em que apresenta o seu lugar. de minha autoria. neste caso. e desesperados: meia volta e fim. respiratório.. cause mais isolamento e so- 36 37 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. modificam a forma como colocamos “Qualquer um dos dois (apartamento ou casa) seria bom. Apenas quando essas mulheres se sentirem parte da Nós pisamos. Eu não tenho coragem de trazer o pessoal da igreja na Caso haja tempo e recurso. ferido no campo afetivo e consequentemente. e que a consequência disto. porque nos acostumamos que somos um pouco menos. Dentro de nós. mesmo com tantas perguntas que nos chegar na favela. ir ao mercado. tudo embolora. acontecem quando o waze. uma cor- para passar a ocupá-los. “É um buraco.trabalho. No que mais podemos servir? mente. estaremos próximos de alcançá-lo. Há tantos anos aqui sem respostas. parados. BARREIRAS VISÍVEIS E INVISÍVEIS NA FAVELA: PELO BEM VIVER DAS NOSSAS MULHERES . enquanto gente. no âmbito do lazer e da cultura. abandono estatal e interiorização da inferioridade. descer vielas. nos mestrados e doutorados. (Moradora 1) Dói. aqui já teve quebrada. Eles não pisam aqui. advogados. sobre sentimento e solidão. ainda que o considerando inferior e ver- “Nós temos aqui esgoto a céu aberto. porque precisamos começar a deixar ros e nem médicos. Um pouco cidade. O Estado para nos matar e encarcerar. Nós. (Moradora 3) da em torno delas. “A gente merecia uma coisa melhor. Advogada criminalista formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. e é o sonho de todo mundo” Moradora 2 5 Paula Nunes dos Santos . . 38 39 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO.Mulher negra. lidão de nossas mulheres. O PAPEL DAS MULHERES NA LUTA PELO DIREITO À MORADIA .Samara Takashiro 40 41 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. determina que. de 7 de janeiro de 2013. 158. para evitar a dor da separa- 243. dos do inimigo não é expressamente introduzida ou não são feitas referências claras a ela no Estados Unidos. a sua vida tenha menos pretas do genocídio. desde aquela data. e elaborada pela Polícia Federal e pelo Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil adotou a utilização dos termos “lesão corporal decorrente de oposição à intervenção policial” ou “homicídio decorrente de oposição à intervenção policial”. pela Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo. ter garantido o seu direito à vida. de uma parte que existe e resiste nessa estatística: as mães à ordem pública o que faz com que.globo. No Brasil. que devem ser substituídos por “lesão decorrente de intervenção policial” ou “morte decorrente de intervenção policial”. É PRECISO VIVER . como é o caso do Movimento Mães de Maio.org/onde-e-quem-a-pm-de-sp-matou-em-2017/ straram que entre 2005 e 2015. no auge do século XIX. um jovem negro ter mais de 24 anos é. 2007. Também não é novidade que o perfil das vítimas é essencialmente formado por importa a idade que tenham.Alicia Garza. 295 denúncias por homicídio foram recebidas novos escravos elas poderiam dar à luz. mesmo com o advento da suposta democracia – na qual está embutido o rem por arma de fogo no país. tantes guerras ao redor do mundo. apesar da legitimação do direito processual penal. Opal Tometi e Patrisse Cullors – depois da absolvição do do Estado de direito” (ZAFFARONI. não mundo 3. Nesse sentido. há anos. literalmente. Em geral. açoites e o abuso sexual de mulheres À CIDADE. ou seja. os negros continuam sendo categorizados como ameaça Pouco se fala. Filhos eram arrancados de suas mães ainda muito jovens para serem comercializados como escravos e. as no ano passado foi de 525. 42 43 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. O total de denúncias formalizadas pelo órgão da ideologia da miscigenação como possibilidade de integração e mobilidade social. que surgiu depois do O direito à vida negra como direito à cidade assassinato de pelo menos 564 pessoas entre os dias 12 e 20 de maio de 2006. as au. de 17 anos. o racismo se expressa nas diversas toridades policiais não podem se utilizar mais da nomenclatura “autos de resistência” ou “resistência seguida de morte”. 1 A Resolução nº 5 da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. em que correntes. leciona E. as mulheres negras eram levantamento da Polícia Civil. Durante quase todo o período da escravidão.abril. O histórico da relação entre mães e filhos negros Ao tratar da escravidão dos negros nos Estados Unidos. 5 Dados levantados pelo O Globo a partir de informações do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde demon- 2 https://ponte. em 2013. ocor. MÃES PRETAS EM LUTO(A): PARA SE TER DIREITO À CIDADE. Ainda que a maior marca seja a violência policial.9% mais negros do que brancos. pub. Muitas escravas se recusavam a trazer crianças a um mundo de trabalho forçado interminável. no estado Ao tratar do direito à cidade. instituições que compõem a estrutura do sistema capitalista. p. p. ao menos. visto que ao menos institui-se sua incompatibilidade com o princípio mulheres negras . não era Paula Nunes dos Santos garantido às negras o direito à maternidade. sendo que 50 casos ocorreram 3 http://exame. 207). tem ciência de que é a quantidade de “mortes decorrentes de intervenção policial”1.mapadaviolencia. é necessário compreender que parte importante da po- de São Paulo. conceito de democracia racial -. Isso porque. segundo era de constituição do matrimônio e imposição da maternidade. 2016. funciona como referência para mães que tiveram os seus filhos assassinados desde então Em uma realidade marcada por taxas de homicídio que ultrapassam as de impor- até os dias atuais. a expectativa social em torno das mulheres brancas ridas somente no estado de São Paulo entre 1º de janeiro e 5 de abril deste ano.br/pdf2016/Mapa2016_armas_web. Esse número aparentemente pequeno ganha proporção estrondosa quando se ção ou o sofrimento de suas crianças. Mesmo passados quase 130 anos desde a abolição da escravidão e o fortalecimento trado no mesmo período do ano de 2015. a pesquisadora e professora Angela Davis destacou que “as mulheres têm autoinduzido abortos desde o início os pri- MÃES PRETAS EM LUTO(A): PARA SE TER DIREITO meiros dias da escravidão. mães de jovens assassinados pela polícia se organizam para trans- formar o luto em luta.com/rio/estado-do-rio-teve-em-dez-anos-50-criancas-mortas-por-policiais-60-de-todos-os-casos-no-pais-15789318). As mães pretas em luto. 82 crianças e adolescentes até 14 anos foram assassinadas pela polícia. Um como inimigo.12% a mais do que o regis. perda de seus filhos assassinados pela polícia em todo o mundo. Enquanto.5 homens jovens e negros. a categoria grande exemplo de protagonismo feminino negro é o movimento Black Lives Matter. mulheres que sobrevivem e se reinventam para superar a dor da valor. A Resolução conjunta nº 2.br/brasil/policia-brasileira-e-a-que-mais-mata-no-mundo-diz-relatorio/ no Rio de Janeiro 4 http://www. muitas mulheres abortavam. proporcionalmente. Zaffaroni que “na América Latina. no entanto.pdf. mas pulação brasileira está lutando para. O último Mapa da Violência4 divulgado demonstrou que mor. mulheres negras continuam correndo o risco de se separar involuntariamente de seus Não há novidades no fato de que a polícia militar brasileira é a que mais mata no filhos e ver a vida deles ceifada em nome da suposta garantia da segurança pública. todo suspeito é tratado Além da dor. segurança responsável pelo assassinato de Trayvon Martin. que licada em 4 de janeiro de 2016. que nasceu a partir da hashtag com o mesmo conteúdo criada por três direito ordinário.org.2 avaliadas pela sua capacidade reprodutiva tão somente para que se estimasse a quantos Apenas no segundo semestre de 2016.com. O movimento não abarca apenas as mães das vítimas daquele período. quebrar uma estatística. nos países onde ela existiu. É PRECISO VIVER eram as condições da vida cotidiana” (DAVIS. ainda que de forma velada. 189-190). (https://oglobo. 6. as mulheres negras protagonizam a luta contra a violência policial. Dossiê mulheres negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil – Brasília: Ipea. também. Raúl. quase sempre vivem nas extremidades das grandes cidades. Julio Jacobo. 2016. ZAFFARONI. . E. feminista e advogada popu- lar. WAISELFISZ. MARCONDES. O inimigo no Direito Penal – Rio de Janeiro: Renavan. 2013. Graduada em Direito pela PUC- CARAMANTE. Mariana Mazzini. Assessora jurídica do IBDU.São Paulo: Global. Angela. 26 de agosto de 2015. SP. Seguindo o exemplo das mães negras que transformam o luto em luta. 2013. uma luta. Mestrando em Direitos Humanos na Faculdade de Direito da DAVIS. Mapa da Violência 2016: Homicídios por armas de fogo no Brasil. Mulheres.São Paulo: Boitempo. raça e classe . 44 45 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO.6 Para idealizar e concretizar uma cidade inclusiva para as mulheres. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Helena Duarte Marques . O negro no mundo dos brancos .com salário médio aproximadamente 50% menor do que o recebido por mulheres brancas -.Mulher. sendo que menos de 3% delas dividem esse posto com um cônjuge ou compa- nheiro. Universidade de São Paulo FERNANDES. 6 MARCONDES. o objetivo daqueles que almejam uma cidade transformada e inclusiva para as mulheres deve ser pensar uma cidade em que elas não mais precisem chorar a morte de seus filhos e na qual a sobrevivência não seja. Dossiê mulheres negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil – Brasília: Ipea. 2007.São Paulo: Nós por nós. mas sim a articulação entre gênero. Mariana Mazzini (organização). André (organização). São elas também que chefiam mais da metade das famílias chefiadas por mulheres no país . 2016. Mães em luta – dez anos dos crimes de maio de 2006 . raça e classe. 2013. é necessário o desenvolvimento da compreensão de que uma análise estritamente de gênero não é su- ficiente. são as mesmas que lidam com o desemprego e a precariedade dos trabalhos terceirizados e que atravessam as ci- dades todos os dias em transportes públicos sub-humanos. Florestan. DE GÊNERO. O PESO DA VIDA URBANA SOBRE OS OMBROS DAS MULHERES E A DIMENSÃO DOS DESPEJOS FORÇADOS .Samara Takashiro 46 47 DIREITO DIREITOÀÀCIDADE: CIDADE:UMA UMAVISÃO OUTRAPOR VISÃO GÊNERO. como é o caso das ocupações militares nas comunidades do Rio de Janeiro. podemos escapar. o projeto do Banco Itaú para do centro. Sofrem com as abordagens policiais. Vale destacar que esta ideia de “revitalização” do centro é anterior a estes políticos. local na região central de São Paulo. em 1978) ou oportunidades de Na Cracolândia não é diferente. sendo seu alvo principal. nojento. Este é o caso da Cracolân. perigoso. As pessoas que vivem em situação de rua passam por condições extremas de miséria. de forma que a valorização de uma área com um projeto de “revitalização” mudaram seu endereço para as mesmas regiões. que vivem como zumbis. que se concentra diversas pessoas nesta situação. com a construção de praças. de violência policial para retirada dos moradores. Os motivos que levaram estas pessoas a viveram na rua são muitos. de rua.905 pessoas em situa. raria da cidade ou oferecer condições mínimas de vida digna para as pessoas em situação viços para outras regiões. é criada uma narrativa pró-higienista que justifica a “limpeza” social rias dos centros urbanos. a droga e a Cracolândia vação” urbanística da região. ali ou em lugar algum). sendo elas usuários. revitalização do Vale do Anhangabaú. Desta forma. sendo que mais de 52% desse total estão no centro da cida. juventude. Aqui. Há uma grande especulação A partir da década de 1990. exerce o seu imperialismo. MULHERES VÍTIMAS DA VELHA GUERRA E DA NOVA LUZ . militar e ideológica não só em seu próprio território. deste fato não A guerra às drogas teve início no século XX. hoje pelo atual prefeito João Dória é chama- De acordo com pesquisa realizada em 20151. e também há a apresentação de um projeto de “reno- O centro. agressivos Nas grandes cidades da América Latina. traficantes ou não. sendo uma política liderada pelos Esta. há a imposição dia na cidade de São Paulo. dade de transporte (inauguração da estação de metrô Sé. os principais objetivos destes projetos de “revitalização” não é a melho- que os mais ricos da população saíram do centro da cidade. de um projeto de “revitalização” para a região. São vítimas de repressão e da “higienização” promovidas NOVA LUZ pelo poder público. a espinha dorsal da política pública é a lógica da criminalização. Helena Duarte Marques Ou seja. por meio da força policial. Ao mesmo tempo em que se criminaliza as pessoas em situa- A esquemática é simples: sob o argumento de combater o tráfico de drogas. acrescentando locais na Avenida Berrini gera lucro para as empresas donas dos terrenos da região. As soluções propostas são calçadas na criminalização das drogas e na apresentação gas. MULHERES VÍTIMAS DA VELHA GUERRA E DA violência e vulnerabilidade. é preciso destacar o sensacionalismo da grande mídia sobre a dos Unidos que impôs a centralidade da proibição das drogas com uma forte campanha Cracolândia e a população em situação de rua no centro de São Paulo. como e não deveriam estar ali (ou em verdade. houve uma ocupação crescente da população de baixa renda. dos ção de rua na capital paulista. que sob o manto da moralidade do combate ao uso de dro. promovendo um verdadeiro genocídio dessa o centro necessita de um projeto de revitalização que o salve do abandono. como também nos países nos quais O senso comum predominante é de que o centro de São Paulo é um lugar degradado. de e é justamente na Cracolândia. A “revitalização” O discurso de guerra às drogas é “perfeito” para legitimar a intervenção militar nas cidades e justificar políticas. são as parcerias público-privadas. levando seu comércio e ser. ção de rua. O 1 Censo da população em situação de rua na cidade de São Paulo. violento. É verdade que se aumentou o consumo de crack nos últimos anos. Há diversos interesses econômicos na região. espaços de lazer e novos prédios. havia 15. Porém. e Marginal Pinheiros. sejam elas lícitas ou ilícitas. como problemas familiares. ações de despejo e reintegração de posse violentas e até ataques com jatos d´água feitos por funcionários da prefeitura. De forma simultânea. vem ganhando espaço. O projeto proposto. o Esta. antigos prefeitos José Serra e Gilberto Kassab. 48 49 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. psicológicos. do Nova Luz e em muito se assemelha com propostas inclusive de mesmos nomes. uma guerra aos pobres. e também o uso problemático de drogas. seja pela facili. esse discurso se traduz. a exemplo da Paulista e Faria Lima. para este senso comum. tem em seu cerne objetivos escusos muito mais lucrativos. desde a crise econômica que assola o nosso país. O exemplo emblemático do lucro dessas grandes corporações com a revitalização do Ao mesmo tempo que houve este movimento das classes médias e ricas para longe centro. que emprego e moradia. Desde as décadas de 1970 e 1980 houve uma migração na cidade de São Paulo. os escritórios de alto padrão e centros comerciais também imobiliária. a juventude negra que vive nas perife. Este contexto e esta movimentação permanecem até hoje. e aos que sobrevivem a este extermínio resta a vigilância e a repressão cons- tantes. primeiro projeto deste tipo surgiu na década de 1970. em No entanto. na prática. a roda gira no sentido do lucro empresarial. intervém militarmente nos territórios. no ano. especificamente. criado pelo prefeito Olavo Setúbal. também se legitima o discurso de que do. 2015. lotado de “crackudos”. prisão de diversas pessoas e políticas como a internação compulsória. canteiros. As soluções paliativas. Além disso. como pela criminalização nal. construírem relações que assegurem a viabilidade da sua vida cotidiana. dos os dias os assédios e estupros ocorrem em locais públicos. elas são dupla ou sas que não tem acesso a absorventes.7% são transexuais e 17% das mulheres estão grávidas. E não há nenhuma políti- O próprio projeto era alarmante. quando elas estão em situ. travestis e transexuais. foi sancionado. Mesmo quando tem com. sentem confiança de pedir Na sociedade. Neste ponto. E tudo isto seria viabilizado por meio da Operação Dor e No entanto. o que só aumenta o cebem substancialmente um salário menor apesar de realizarem o mesmo trabalho que problema. atendimento permanente às populações vulneráveis e acesso à educação e à saúde das usuárias e traficantes. educação. é assegu. já vem sendo implementado na Cracolândia. lazer.343 de 23/08/2006).dar conta de questões históricas como déficit habitacio.8% são mulheres. MULHERES VÍTIMAS DA VELHA GUERRA E DA NOVA LUZ . Assim.cujo nome já é. mas para a justiça brasileira. Na realidade o projeto se expressa pelas cenas de extrema violência protagonizadas É consensual que as ruas da cidade não oferecem segurança a nenhuma mulher. dificilmente. Tanto prazo capazes de. A atual legislação não distingue os traficantes dos usuários. enquanto outras dependem financeiramente de seus companheiros. estas mulheres cumprem um papel coadjuvante. chegando ao absurdo de demoli-los com pessoas ainda é pior para as lésbicas. sendo os dois principais o uso do instrumento de concessão urbanística (previsto no Pla. Considerações Finais panheiros. 3 Pesquisa do Programa Recomeço. eles excluem. As condições precárias e desumanas das prisões brasileiras afetam as mulheres pre- ação de rua e/ou são criminalizadas por serem usuárias ou traficantes. para as mulheres. estas mulheres ficam desamparadas de qualquer direito. 2016. e nem todos aceitam crianças pequenas. Outro ponto da “revitalização” seria o conjunto de incentivos ram a realidade destas mulheres e se tornam ineficazes. as mulheres. 2015. lizam uma grande parcela da população que vive nos centros urbanos. por si. Apenas em abril deste ano o projeto de lei 23/20175. sofrem com todas as expressões do machismo na sociedade. mas o antigo envolvia uma uma grande instabilidade. Mas na verdade. to- pela polícia na região. e a falta de participação da sociedade civil no projeto . pública – tudo isso agravado pelas questões estruturais que aumentam esses problemas: No Brasil. o que gera Os projetos de “revitalização” geram o discurso de uma cidade “mais humana”. saúde. Assim. perfil: 16. Por isso.434 de 12/04/2017. àquelas mulheres pulação em situação de rua. ainda dentro. em que já efetuou a prisão de supostos traficantes e retirada da po. A violência também é um ponto de destaque na vida destas mulheres. uma vez que não há pesquisas com o enfoque de produzir imóveis. materialmente. Partindo do pressuposto que as mulheres já comando. O perfil des- As mulheres tas mulheres é comum. 2017. desde a implementação da Lei de Drogas (Lei 11. ocupam os piores empregos. porque são retiradas com violência dos locais onde estavam. ignoram e crimina- 2 Senso da população em situação de rua na cidade de São Paulo. ca que garanta assistência no sentido de moradia definitiva ou emprego. parceria bilionária entre o poder público e setor privado. mático de drogas.que. principalmente as negras. rada pelo Estatuto da Cidade. A violência também se expressa nas intervenções policiais contra as pessoas em si- É importante entender que este projeto não contempla políticas públicas de longo tuação de rua. isto pouco importa. filhos ou para dar a luz. minimamente . ajuda. O projeto atual ainda não foi apresentado por completo. Sozinhas elas Ainda que formalmente o atual prefeito não tenha apresentado um projeto para a estão muito mais vulneráveis às violências da rua. Algumas criam seus filhos sozinhas. A criminalização tem um efeito negativo àquelas mulheres que tem um uso proble- As razões que as levam a esta situação tem especificidades em relação aos homens. só simbólico. os homens. nestes equipamentos. Há menos vagas para mulheres fiscais oferecido pelo poder público a empresas de hotelaria. dados sobre a violência da mulher sofrida por aquelas que vivem nas ruas. como abrigos temporários igno- rais direcionados às elites. 3. 4 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). muitas estão na rua com os seus filhos. Situação que sem a legalidade cabível à situação. sabemos que viver na rua. O desemprego atinge mais as trabalhadoras femininas4. raramente ocupando postos de Para as mulheres este cenário é brutal. serviços e polos cultu. uma vez que havia diversos pontos controversos. as mulheres são as responsáveis pela família. no Diretor Estratégico de 2005) que permitiria ao setor privado que desapropriasse os ficamos em um campo cego. muitas vezes se envolvem em região. no tráfico. relações violentas e/ou abusivas para assegurar a sua sobrevivência. 5 Lei 13. pulação carcerária feminina aumentou 117%. 50% têm entre 18 e 29 anos e 60% são negras. 14. que atingem as mulheres. como de 40 quadras no centro da cidade em uma área com comércio. como as ações realizadas na Cracolândia. Sabemos que. que altera o Segundo pesquisa de 20152 . a po- o racismo e o machismo. e re. não tem estruturas mínimas para receberem seus triplamente invisibilizadas. moradia digna. cultura. o peso do cuidado familiar recai sobre a mulher. O tráfico de drogas foi o crime que mais motivou a prisão de mulheres (64%). gera um grande medo e elas. ele. iniciou-se o processo de demolição dos prédios. seguido por roubo (10%) e furto (9%). com a transformação de mais Vivendo nas ruas. que vivem na rua estão muito mais suscetíveis a estas formas de violência.6% das pessoas em situação de rua na cidade de São Código de Processo Penal acrescentando um parágrafo único ao artigo 292 e proibindo o Paulo são mulheres. bissexuais. entre outros. inclusive. Ademais. “mais limpa” e “melhor para todos”. implica a necessidade de Sofrimento . 50 51 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. Um estudo específico3 realizado na Cracolândia apontam o seguinte uso de algemas nos partos das mulheres presas. tia da Julinha Almeida. As so- luções só podem surgir a partir do encontro de todos estes olhares. É necessário pensar uma política de superação das desigualdades da cidade. diminuindo os índices de mortes. servidora pública municipal. principalmente. a legalização das drogas é central. Maria Lúcia Barroco. 7 Fernanda Araújo de Almeida . É frequente nas ruas e nas lutas populares. coordenado pela professora Dra. já que há mais imóveis vazios do que famílias sem moradia na capital paulis- ta6 ou então a garantia de aluguel social. redução de danos. uma vez que sequer tem medidas simples que poderiam ser concretizadas. e a transversalidade do racismo. Pesquisadora desde 2005 do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Ética e Direitos Hu- manos (Nepedh) da PUC-SP. . Assistente Social. Como moradias definitivas. Uma vez que envolve um conjunto de me- didas como uso consciente. Ciclista. cuidado com aqueles que queiram deixar de usar drogas. Além de ter um grande impacto. 2010. A cidade “melhor para todos”. machismo e LGBTfobia nestas questões. 6 Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). boa semente para o futuro. encarceramento. ou seja. ao mes- mo tempo. a partir da relação entre as contradições do espaço urbano e a criminalização das drogas. filha da Mazé Araujo. atua em Centro de Apoio Psico-Social – Álcool e Drogas (Caps – AD). operária fabril. em relação a população negra da periferia. O tema da Cracolândia deve ser pensado a partir de toda a sua complexidade. Outra consequên- cia se dá sobre a violência gerada pelo tráfico. boadrasta da Maju Rodrigues. 52 53 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. Professo- ra convidada da Fundação Perseu Abramo. não é melhor para as pessoas em situação de rua.Mulher. secunda femini- sta. com/lutapopular/ 54 DIREITO DIREITOÀÀCIDADE: CIDADE:UMA UMAVISÃO OUTRAPOR VISÃO GÊNERO. DE GÊNERO. .facebook.Samara Takashiro 6 https://www. ao desmistificar o simulacro Fernanda Araújo de Almeida da epidemia de crack. como sugere Antônio Cândido. é mais que tempo de ação policial na “cracolândia”5 . a Reforma tem como diretrizes o atendimento humanizado pautado na liberdade. mar é que tratar a uso problemático de álcool e outras drogas. da venda da cidade aos inte. mos do princípio de que todo uso de droga é sempre problemático” (2011). 2 O livro “O tempo e o cão: a atualidade das depressões” (2009) de Maria Rita Kehl serviu de referência e fonte de inspiração para essa 8 Existem diversos estudos que descrevem o processo da Reforma Psiquiátrica no Brasil. O que queremos afir- tempo é o tecido da nossa vida”. ou. desejo. enfim. porém. Tempo que é tão frenético quanto à fissura dos dependentes químicos. do. que impulsio- na ações e as respostas imediatas e não planejadas. http://www. Governo do Estado e Prefeitura. miséria. movimentos sociais. Com esse slogan o prefeito de São Paulo. necessário para avançar nos direitos dos trabalhadores Antonio Lancetti em “Contrafissura e plasticidade psíquica” (2015). da diversidade e do respeito aos Direitos Humanos. temos urgência na resolução dos graves problemas sociais do nosso País. desprezam a história e os processos já existentes.cremesp. construindo campanhas alarmistas que produzem efeitos contrários Acelera São Paulo: a contrafissura em velocidade máxima à diminuição do consumo problemático de álcool e outras drogas. esse Tempo acelerado que aí estão propondo é o Tempo da alienação em todas saúde. O contrário disso é o aprisionamento. Para ele. um emaranhado de objetividades e subjetivida- de tão graves problemas. mas não aceitamos essa urgência https://www. mindo seu ritmo na implantação de seu programa de governo e revelando seu modo de Igualmente. sua urgência tem conflitado com o Tem- ve mudando de problema de segurança para problema de saúde porque uma das raízes po socialmente necessário para enfrentar um dos problemas mais complexos da cidade do proibicionismo foi precisamente à autoridade médica moral”. militantes dos direitos humanos. o debate foi encampado Mas que Tempo2 é esse? Para a reflexão que pretendemos fazer aqui é necessário ex- pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) que criticou a plicitar que o Tempo é tomado no seu sentido mais amplo. MULHERES E USO PROBLEMÁTICO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: DESMONTANDO ESTIGMAS E COLHENDO SONHOS . é a Contrafissura4 em uma velocidade máxima. enquadrá-la como problema de saúde é simplificar demais a questão. – a chamada “cracolândia” na região central1. vai impri- um mundo sem drogas.org. João Dória. assim como Maristela Moraes. De forma bem resumida podemos considerar que reflexão. 2015).php?siteAcao=Imprensa&acao=crm_midia&id=634 dissimulada que desconsidera a história e os processos já consolidados. Eliminar o mal-estar! A Contrafissura nunca foi tão explícita quanto agora.com. assim como a própria de- uma dimensão que precisa ser compreendida na sua totalidade. moradores e beneficiários do Programa “Braços Abertos”. Sob a 3 Como referência para a Pós-Modernidade indicamos Perry Anderson em “As origens da Pós-Modernidade” (1999) e David Harvey em consigna de uma “sociedade sem manicômios” a Reforma Psiquiátrica no Brasil segue como grande referência e paradigma a ser percorri- “Condição Pós-Moderna” (1989). Nele. aquelas que não respeitam o Tempo da democracia. vivemos um Tem- pendência química7. 4 5 Nota no site do CREMESP: e trabalhadoras e para a população mais vulnerável. ou somente uma peça de marke- drogas envolve diversas dimensões da vida social – cultura. parlamentares. Ao mesmo tempo. “não entendemos que seja possível um mundo sem drogas porque elas fazem parte das práticas humanas. “também o enfrentamento desse sintoma social não se resol- fazer política. ou nos termos do saudoso Antonio Lancetti. É próprio da pós-modernidade3 e daqueles que desconhecem e estruturado e muito diálogo. “o e sua necessidade de articulação de políticas sociais integradas6. Sim. Dito de outra 6 Da mesma forma. o Conselho Federal de Psicologia qualificou como “barbárie” a ação da Prefeitura de São Paulo. do mais tradicionais e conservadoras para resolver o problema dos “indesejáveis” da cida- mesmo modo que do nosso Estado e da nossa Cidade. ou seja. dependência química e uso problemático de álcool e outras drogas. temos pressa em recompor o Estado Democrático de Direito – ultrajado pelo Golpe de 2016 – entendendo-o como pa- tamar mínimo e limitado. da negação dos direitos conquistados. A mesma impulsivida- MULHERES E USO PROBLEMÁTICO DE ÁLCOOL E de que move o dependente em busca de diminuir o mal-estar causado pela abstinência. Como vimos recentemente. são as formas Sim. O Sistema Único de Saúde (SUS) incorporou na estruturação da política de saúde mental seus princípios e a defesa dessas conquistas está na ordem do dia. O prefeito tem pressa.br/novaHome. ele afirma que. ela afirma que o “tempo é construção social”. política pública de Estado8. No entanto. pois. São pressões de ordens distintas. Lancetti cunhou o termo Contrafissura para caracterizar a ânsia tanto da sociedade quanto de gestores públicos por “resolver” os “problemas” de forma rápida e imediata. OUTRAS DROGAS: DESMONTANDO ESTIGMAS E move o governante em diminuir o “mal-estar” causado pela presença e permanência de usuários de drogas em vias públicas. Nesse sentido. pois. mas do mesmo modo. trabalho técnico do efêmero e do fugaz. Um 7 Optamos nesse artigo por tratar de forma distinta. como um problema de segurança é um erro. chamando a atenção para a complexidade do problema relógio. profissionais da maneira.redebrasilatual. e da Guerra às Drogas que pregam “Acelera São Paulo”. pois o consumo de Essa dimensão frenética das coisas não é um acaso. o confinamento e a exclusão. a ação do Estado se assemelha a fissura dos dependentes químicos. ele é aqui uma categoria de análise. promovem a violência de Estado e a criminalização dos sujeitos. des – uma complexidade que exige tempo. po em que os gestores pedem aceleração. no dia 26/05/2017 protestaram em Audiência Pública na Câmara Municipal contra a ação do as suas dimensões. na contramão da Contrafissura. 56 57 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. ausência de ting daqueles que imaginam que a rapidez e a velocidade são as saídas para a resolução projetos individuais e coletivos. (LANCETTI. nem parti- 1 Maior cena de uso de consumo de drogas da cidade de São Paulo – o território será detalhado mais adiante. Essa aceleração é própria da sociabilidade do tempo presente. mas que cami- COLHENDO SONHOS nham no mesmo sentido.br/cidadania/2017/05/gestao-doria-promove-cacada-humana-na-crac- olandia-denunciam-ativistas resses imobiliários – é o Tempo do capitalismo financeiro na sua fase de Barbárie. a raiz da Contrafissura reside na lógica do proibicionismo. Juntamente com out- ras entidades de classes. é o Tempo da história e de seus processos. na cidadania e na defesa dos direitos humanos. biografias.uab. Com isso. em artigo contundente apresentam outra perspectiva do ponto de vista da ontologia social para o campo da saúde pública e da redução de danos. tomaremos emprestada a discussão de Gênero elaborada no artigo. MULHERES E USO PROBLEMÁTICO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: DESMONTANDO ESTIGMAS E COLHENDO SONHOS . existem humanos na sua inteireza. Por outro lado. A estratégia foi apontada pelo Governador Geraldo Alckmin como necessária para diminuir o fluxo e desmistificando assim. (LANCETTI. da professora Maristela Moraes. p. projetos. O programa é tão eficaz do ponto de vista da propaganda sim como as mulheres tomaram a cena pública mais recentemente e retomaram a direção política como fracassado na prática. 58 59 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO.globo. ela orienta também programas de governo como o Programa lheres merece toda a nossa atenção. usuários e recolhendo seus pertences.ghtml. ideológicas. http://g1. sabendo que ainda existe um longo percurso pela frente. sonhos. repressora e que somadas à questão de gênero revela tamanha complexidade”: nossa face estruturalmente patriarcal. numa jornada de lutas internacionais. um campo primário dentro do qual ou por meio do qual se articula o poder. ca10 perseguiu maltrapilhos e esfarrapados – mulheres e homens fragilizados pela depen- Inicialmente é importante ressaltar que o uso problemático de álcool e outras drogas dência e pela miséria – criando uma espécie de ponte imagética com a Nau dos Loucos por mulheres ultrapassa as classes sociais – ainda que seja por elas particularizado –. a Contrafissura está impregnada em todos os poros da so. começam a funcionar os egos crescem paralelamente aos drogados que assistem. Quem se dispõe a ter um diálogo mínimo com algumas dessas pessoas perceberá que existem: histórias. por exemplo. e a contrafissura. religiosas. o programa previa moradia em hotéis da região. Tratadas como políticas inteligentes e eficazes. mulheres e a população LBGT. os policiais chegaram durante a madrugada dispersando 13 São polêmicas que envolvem questões políticas. nifesta somente em matérias sensacionalistas de jornais. a frase ficou popularizada quando de sua significantes de poder. nascido entre 195-185 a. e até mesmo a categoria gênero são con- struções sociais. aturdida. tais pessoas ganharam a alcunha de “zumbis”. nificado e de compreender as complexas conexões entre várias formas de interação humana” (2010. são imediatamente expulsos. indicamos que o debate sobre o uso pro- Noias queimam pedra. “é um afã por resolver imediatamente e de modo simplificado problemas de gem extremamente conservadora.. ou seja. A história da humanidade possui diversos capítulos nos quais é possível perceber A contrafissura é o primeiro obstáculo a ser vencido para poder se que parcelas da sociedade quando não se “enquadram” num determinado padrão de relacionar com as pessoas. sobretudo o crack. negros e toda a repercussão das ações desastrosas do triste domingo de 11 de junho de 2017 não negras. zona central da cidade.com/sao-paulo/noticia/nova-operacao-na-cracolandia-prende-2-traficantes-e-doria-diz-que-fluxo-vai. Nesse artigo a autora recupera o debate conceitual sobre gênero. enquanto escrevia esse texto. substituídos pelo desafio originário para o enfrentamento desses problemas: termo gênero. quando somamos à questão das drogas a Por fim. alimentação e uma bolsa trabalho com das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq – HC FMUSP). A dependência química é um tema controvertido em nosso país. metamorfoseada. Para ela o debate está na compreensão de que tanto feminino quanto masculino. a opinião pública. a questão do uso problemático de álcool e outras drogas pelas mu- levisão. da vida social . ou como diz o poeta afirmando uma concep- nero12 ção eminentemente ontológica. Para ela há uma banalização que se expressa pela simplificação do termo. é do período da Renascença descrita por Foucault em “História da Loucura”. acumulando informações e dados reveladores. se há um ranço em des- construir valores machistas e conservadores. Uso problemático de álcool e outras drogas. (LANCETTI. em alusão à sua suposta morte psíquica e moral. devem ser compreendidos a partir de sua estrutura histórica e social. carências. essa discussão internação em comunidade terapêutica para aprender a viver em so. Tal qual a primeira. nacional e municipal. “Nada do que é humano me é estranho”9. http://revistaconstrucao. a suposta neutralidade das ciências. o Prefeito eleito João Doria (PSDB) anunciou sua extinção imediatamente após ser eleito. em mais uma manhã 12 Para fins de definição. ou seja. 2015. quer-varrer-a-cracolandia/#_ftn2 15 Ressaltamos o trabalho do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad). portanto. Mas quando programas assistenciais pessoas abjetas perdem o “título” de cidadãos e transformam-se em meros problemas. des cidades brasileiras. 30). facilita um modo de descodificar o sig- utilização por Karl Marx – 1818-1883. de. miséria e gê- inteligência. p. “Gênero e usos de drogas: porque é impor- dominical – a mais fria do ano de 2017 – era um ambiente de guerra e destruição. dramaturgo e poeta romano. que divide a socie- Ainda segundo Lancetti. Uma nova ação policial e midiáti- debate. Premiado internacionalmente. são. é uma forma primária de relações 9 De autoria de Publio Terêncio Afro. ela toma por definição apontando que: “gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças entre os sexos. corpos e também para elaborar comportamento e/ou característica física. Ou seja. será necessário pautar a complexa questão das drogas. A autora tem da gestão. Com políticas intersetoriais. sobretudo se forem pobres. sensibilidade. ação dos traficantes. 2015. Tais polêmicas revelam nossa ori- ciedade. As- ciedade. reaparece. Portanto. observava os helicópteros sobrevo- batalha é ainda maior. “feminino” e “masculino”. desejos. e também o Programa da Mulher Dependente Química (Promud) doHospital Redução de Danos.org/politica-social/fazer-o-simples-e-persistir-no-erro-sobre-a-acao-publica-que- como perspectiva situar o uso de drogas como uma atividade que responde às necessidades postas pela práxis social. nossa intenção é deixar pistas para o conteve a Contrafissura do Prefeito e do Governador. remuneração semanal. A cidade em que meses antes os havia tratado com os “Braços Abertos”11. p. Nunca No caso do consumo problemático de álcool e drogas. pois envolve superar uma moralidade que é extremamente hipó- arem a região da Luz anunciando que a resistência organizada por parte da militância e crita com quem faz uso de substâncias psicoativas. 14 Para um estudo aprofundado sobre isso e outras questões indicamos Maria Cristina Brites em: “Ética e uso de drogas: uma contribuição diminuir. políticos e editores de jornais blemático de álcool e outras drogas deve ser construído articulando diversas dimensões escritos e televisivos ficam alterados.es/fic/es/webfm_send/523 preendentes na região da Luz.C. dade. Assim. 17) disponível em: 10 Em 20 dias (21/06/2017 e 11/06/2017) o Governo do Estado e a Prefeitura realizaram duas operações policiais de dimensões sur- http://psicologiasocial. porque é focado na droga e não na política do debate sobre seus direitos. embora pesquisas interessantes venham sendo reali- Recomeço que inicia com internação para estatização e continua com zadas nas universidades . sofrimentos e solidão. Em vista disso. Mas a Contrafissura não se ma. Guilherme Paiva e Felipe de Paula. Há um tante articular esses temas”?. morais e que se sobrepõe às questões científicas e técnicas. um serviço ligado ao Departamento de 11 O Programa “Braços Abertos” foi uma iniciativa da Gestão do Prefeito Fernando Haddad (PT) ancorada nos fundamentos da Política de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). e autoridades. com tudo aquilo que admiramos e odiamos. precisa ser apropriada pelas mulheres num amplo debate público com a sociedade. nas gran- nos livraremos dela. igualmente pessoa.” Tese de Doutorado em Serviço Social (2006). bem como os especialistas . revistas e te. 41). Pedimos que ela então descrevesse qual era fraca”. preciso buscar as determinações daquilo que é comum e ao mesmo tempo fazer a dis. com histórico de violência doméstica. estão em condição de rua 15. São 13. passar os uniformes escolares. suicídios. e recentemente 2016) reascende a urgente necessidade de refletir alizadas. machista e homofóbica. por exemplo: A cidade de São Paulo possui maior concentração de população de rua do país. Alguns fatores incidem para esse aumento – são da metade das pessoas infectadas pelo vírus HIV no mundo.. Histórias como essas são frequentes e dão real medida da necessidade de es- mulheres que fazem uso de substâncias psicoativas auxilia na elaboração de políticas tabelecer atendimentos humanizados não focados nas drogas. ciedade patriarcal. tura. ajeitar a casa. entre registrados de pessoas infectadas pelo HIV. e decorreram de rela- os quais vale destacar: ções heterossexuais. raça. focados na dependência.sp. ou ainda pela condição de rua. assim. acolher suas demandas e humanizar o atendimento. é uma preocupação no campo da saúde para quem trabalha com dependentes químicos. são do sexo feminino. há ainda um número de 533 que não foram identificados (esse dado não está é mais baixa do que nos homens17. Segundo Drauz. nas mulheres. As questões acima descritas ganham contornos ainda mais ásperos e. Em 2012. io Varella. Nossa experiência em CAPS-AD acompanha alguns dos indicadores. Ela assim enumerou suas tarefas após um dia de trabalho: “pe- que bebem não merecem respeito” ou ainda. destas. histórias. na maioria das vezes são carregadas de significados e trazem o estigma da so- • a prostituição. de A fragilidade aos efeitos embriagadores é justificada pela maior pro. Na gestão do prefeito Fernando Haddad algumas pesquisas importantes foram re- 16 A publicação de Angela Davis “Mulher. portanto. tal vêm sendo desenvolvidas: estas envolvem as depressões. (mãe de 2 filhos • a própria violência relacionada ao uso de drogas ilegais. A alta exposição a doenças sexualmente transmissíveis também tas distintas16. sobretudo jovem. etnia. A vergonha. por variações na absorção do álcool no pessoas. alto índice de tentativas de tação sexual.326 do sexo drogenase alcoólica (enzima essencial para a decomposição do álcool) feminino. o estigma carregado pelas mulheres que fazem uso de substân. colocar os filhos pra dormir. falar no “zap” com o namorado que perdeu a confiança depois da últi- maior e mais danoso que sua dependência. mente do álcool) relatou que na noite anterior ao atendimento havia sido muito difícil cias psicoativas é muito forte e tem um significado subjetivo devastador. De “louca à controlar as fissuras e manter-se abstinente. exigem maior atenção por parte dos governos e da sociedade. para as mulheres. entre outros. Dito de outra maneira. Pesquisas e estudos vêm apontando o aumento significativo de mulheres com uso De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). seja pela condição de classe. dar banho. de ordem econômico-social e ideo-culturais –. separar briga dos filhos pelo controle da Álcool e Drogas . O próprio Censo Rua 2015.. fazer o jantar. Quan- do chegou ao CAPS apresentava importantes sintomas de crise de abstinência. dependente química desde os 13 anos de álcool e cocaína. por vezes retarda a busca por ma recaída. Seguindo a mesma trilha a Rede Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas (INNPD) vem fomentando o debate e ações que permitam dar visibilidade aos efeitos perversos da atual política 17 Link com os relatórios das pesquisas censitárias realizadas sobre população em situação de rua.570 estão em centros de acolhida e 7. baixinho para não acordar ninguém e sentiu uma enorme vontade de relaxar. MULHERES E USO PROBLEMÁTICO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: DESMONTANDO ESTIGMAS E COLHENDO SONHOS . identidade de gênero e condição física revelando a necessidade de respos. uma jovem mulher de 32 anos. orien. mero de mulheres seja inferior em relação aos homens. de “irresponsável à inconsequente”. • a cobrança moral em relação à família e aos filhos. mesmo entre as mulheres.br/drauzio/artigos/as-mulheres-e-o-alcool-2/ e https://drauziovarella.905 porção de tecido gorduroso. sobretudo vinculados tinção das consequências quando os fatores econômico e cultural tornam-se preponder. detalhado). já há acúmulo científico importante que Por sua vez. sentiu-se terminações para o uso problemático e ainda produzir mais pesquisas qualitativas com sozinha”. especial- Ao mesmo tempo. aju- a mulher é horrível”. e com narcotráfico e ou ações ilícitas. Quando chegam televisão. É comum nos atendimentos em Centros de Atenção Psicossocial de dar o irmão adolescente fazer trabalho escolar. e outros estudos: http://www. mas gar filhos na creche. quando chegam ao serviço suas • a violência doméstica. Embora o nú- • a cobrança social por melhores empregos e colocação no mercado de trabalho. dar recomendações ao irmão adolescente para ao serviço de saúde em busca de tratamento o estigma social e moral é muitas vezes o dia seguinte.046 que declararam sendo do sexo masculino e 2. sabemos que mesmo entre as mulheres há uma profunda composição física das mulheres – no entanto.php?p=18626 17 Mais informações no site: https://drauziovarella. Tais pesquisas apontam fatores biológicos e que necessitam de atenção. 8. “é muito feio homem que usa drogas.prefei- de drogas sobre parcela significativa da população negra brasileira.gov. Em certo atendimento individual. a condição de rua torna-se uma particularidade ainda mais complexa explicita o quanto o álcool e demais drogas são mais prejudiciais à saúde das mulheres.com. como já apontamos. Ainda no tocante aos aspectos de saúde. quem nunca ouviu frases como: “mulheres a situação em que estava. • o estresse relacionado à dupla jornada de trabalho. chorou ajuda e tratamento. à gestação e aos cânceres de mama e útero – agravos de saúde que são tipicamente da antes. as mulheres representam mais problemático de álcool e outras drogas. ao final ela disse que estava cansada. seja pelo envolvimento pequenos. 86. não para atender as especificidades. Outras particularidades e agravos à saúde foram observados.CAPS-AD ouvirmos isso. Daquilo que é comum pode-se apontar algumas razões e muitos estigmas. realizado pela FIPE. abandono na infância. construir estratégias para reconhecer quais as principais de.br/de- pendencia-quimica/alcoolismo/alcoolismo-em-mulheres/ 60 61 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO.335 permanecem durante todo decorrer do ciclo menstrual e porque a concentração gástrica da desi. mas sim nas pessoas. embora muito criticado pelos movimentos organi- sobre as questões de gênero articuladas com as concepções de raça e classe. babá e manicure nos finais de semana. acordo com o último censo 201517. raça e classe” (1981 original. lavar a louça do jantar.com. mas sim nas histórias de vida. outras pesquisas no campo da saúde men- diferença que é socialmente determinada. o tempo nas ruas.8% dos casos determinações.br/cidade/secretarias/assistencia_social/observatorio_social/pesquisas/index. a degradação e abandono coexistem Social%20Participativa. seguido de mudanças com- são aparatos emblemáticos na construção de respostas. jogos eleitorais que confundem e minimizam as determinações seja das condições das A “cracolândia” paulistana existe desde a década de 1990.7%. A pesquisa reportagem cita ainda: foi coordenada pela doutora em antropologia Taniele Rui e contou com a consultoria do Coordenador da Plataforma Brasileira de Políticas sobre Drogas Mauricio Fiore. de âmbito municipal e o “Manual sobre o cuidado à saúde junto à dia.gov. assim como outras informações pode revelado a cidade pesquisada. que contrasta com Por outro lado. tória da humanidade constatamos que o homem (e mulheres) sempre procurou estados por exemplo. há diversas e complexas questões a serem com- A cidade como palco de violência preendidas.pdf 20 Ver ambos em referências bibliográficas 23 Os dados indicados são da OMS. Lenz Dunker.saopaulo. O relatório da pesquisa. todos esses relatórios e pu- blicações expressam a necessidade do reconhecimento de suas particularidades – evi. a condição das realização da pesquisa. mesmo tempo. uma vez que o debate sobre saúde mental e loucura exija mais do travestis em situação de rua causa arrepios até naqueles que têm um mínimo de empatia. A Pesquisa foi financiada pela FAPESP. região do bairro da Luz. Ainda que seja necessário qualificar melhor os critérios adotados para o enquadra- dentemente a população LGBT sofre de condições semelhantes. zados. no entanto. enquan- “Saúde Mental das pessoas em situação de Rua: conceitos e práticas para profissionais to a cidade norte-americana ficou com 5. São conhecidos registros de uso de drogas nas mais diversas produção. os movimentos sociais. revela indicadores que podem ser apropriados para elaboração de políticas mais A cidade como palco de violência estruturadas. 24 http://www. culturas desde a antiguidade”. quando o crack se trans- mulheres. São merecem ser citadas.com.20 Retomando a questão das mulheres em situação de rua. Vale ressaltar que a região é constantemente foco dos interesses da especu- 18 Link com publicação sobre a pesquisa http://www. uma publicação nacional.9%.opensocietyfoundations.7%. lo deixou para trás inclusive os Estados Unidos.6% de sua população com algum problema mental23. por todas as razões antes mencionadas. que a classificação de doenças e produção de diagnósticos . ou mesmo da miséria. A uma ampla pesquisa com os beneficiários do “Programa Braços Abertos”. Projetos não faltam. com 4. resultado de formou numa preocupação para saúde pública para a cidade. os dados saltam aos olhos. Outra pesquisa relevante foi elaborada pela Secretaria Municipal de Direi- tos Humanos e Cidadania de São Paulo – Pesquisa Social Participativa – e envolveu uma Essa informação foi amplamente divulgada nas redes sociais: São Paulo e região me- equipe de pesquisadores profissionais e por pessoas em situação de rua. Duas outras publicações rar o ranking da OMS para maior incidência de doenças mentais. Portanto. a explicação para tais condições não pode ser simplificada a opi. MULHERES E USO PROBLEMÁTICO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: DESMONTANDO ESTIGMAS E COLHENDO SONHOS . dificultando. De acordo com os pesqui- Mais especificamente sobre a região da Luz.org/sites/default/files/crack-reduzir-danos-20170129. Se somarmos todos referência só mobilidade e o deslocamento nos grandes centros urbanos encontraremos esses documentos aqui citados. não podem estar dispersos diante dos discursos e quando as drogas se transformaram em problemas e doenças. a Open Society Foundations19 . 21 Ver em referências bibliográficas. Ao que mais sofrem. impulsividade e abuso de substâncias químicas. “ao examinarmos a his- a Contrafissura impregnada na sociedade e nos meios de comunicação. financiou sadores.prefeitura.sp. Sofrimento e Sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros” de Christian Ingo (2007) de Marilda Villela Iamamoto. de acordo com o psiquiatra Dartiu Xavier. do consumo de substâncias psicoativas. Trata-se de uma impor- uma sociedade altamente estratificada e que cada vez mais criminaliza as mais bárbaras tante cena de uso de drogas – prioritariamente o crack. E mais uma vez são as mulheres as do próprio Estado veremos que há uma violação de direitos assistida e consentida. da população em situação de rua e das graves violações de direitos humanos – o livro Capital e região metropolitana somaram 10% de casos graves. “Mal-Estar. sua saúde mereceria uma atenção altamente especializada.br/sao-paulo-tem-o-maior-indice-de-problemas-mentais-do-mundo/ 22 Para estudo da Questão Social indicamos: “Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro. em algumas vezes até mento – algum problema mental – e ainda. e que são em sua maioria publicações com a participação um potencial extraordinário de estresse e ansiedades. contabilizou quase 25 casos de doenças mentais por cada grupo de 100 habitantes pesquisados. A região metropolitana de São Pau- de Análise e Planejamento (Cebrap) e o Laboratório de Estudos Interdisciplinares so. o Brasil possui uma aparato jurídico significativo21. entender quais foram os parâmetros para mais agravadas. Submetidas a toda forma de Estudos mostram a saturação da vida nas grandes metrópoles. o índice é um reflexo da alta urbanização juntamente com privações sociais.br/cidade/secretarias/upload/direitos_humanos/Pesquisa%20 lação imobiliária. que apesar de não ter bre Psicoativos (Leipsi). se tomarmos como violência e estigma essas mulheres – todas – resistem à própria sorte. pois são emblemáticas para a compreensão das condições de vida Paulo também ficou na frente quanto à gravidade desses problemas. Outras tantas pesquisas buscam demonstrar na história nião pública. trabalho e questão social” 25 Para aprofundar esse debate indicamos. mas não exclusivo – nas ruas da expressões da Questão Social22. portamentais. A pesquisa envolveu o Centro Brasileiro em regiões de instabilidade social.pdf 19 Link com o relatório final da pesquisa https://www. Os problemas tativos18 e a própria metodologia desenvolvida pela “SUR Clínica e Intervenção Social” diagnosticados mais comuns foram ansiedade com 19. a abertura do debate sobre a Legalização da Drogas e regulamentação da alterados de consciência. 62 63 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. De lá para cá muita coisa aconteceu. Além de lide- ser obtido na Plataforma Brasileira de Políticas sobre Drogas. seguida da Nova Zelân- da assistência social”.24 população em situação de rua”. e do Os dois grupos mais afetados são os homens migrantes e as mulheres psiquiatra e professor Luiz Fernando Tófoli. dadas as condições e a estrutura de gênero do nosso país. Os dados quali- tropolitana tem 29. trabalho e questão social. Brasília: Ministério da truir integração entre o “fluxo” e os moradores do bairro. 98 p. para não ser injusta.shtml 27 Mais informações no site: https://www. saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. com muito mais conhecimento e experiência na nanceiro. Manual sobre o cuidado à saúde junto à população em situação de rua. 1ª ed. 2007. 2009.huffpostbrasil. assim as operações de limpeza urbana que recolhem os viciados em crack das ruas de nossas cidades são apresentadas como “trata- mento”.folha. no qual a história de quatro mulheres é descrita a partir uma perspectiva Paulo: Cortez. iniciada durante a madrugada. Nesse sentido a disputa está no campo da política e das lutas FOUCAULT. Legislação e políticas públicas sobre drogas no Brasil. 2015. Cristina Maria. Ao final do mesmo dia as pessoas se Se o Tempo foi a categoria de análise escolhida para abrir o debate nesse artigo. 106 p. Michel.com/gleyma-lima/mulheres-da-cracolandia-cida. Um olhar mais atento e sensível logo vai notar men- sagens escritas nos muros. Ética e uso de drogas: uma contribuição da ontologia social do Programa “Braços Abertos”. sociais no capitalismo contemporâneo aponta: A violência psiquiátrica. Mal-estar. São sem classe”28. obra que analisa as gran. LANCETTI. um vídeo do Prefeito circulou pelas redes sociais no qual ele anuncia o “fim da cracolândia”. tes. Angela. Foi uma operação com características licença para entrar e agradece a oportunidade de opinar. po. informação e buscou cons. Normas e Manuais Técnicos) Projeto Piloto chamado Casa Rodante que levou arte. Maria Rita. BRITES. ele reagruparam e um novo fluxo se estabeleceu a poucos metros do epicentro da operação26 que é uma dimensão essencialmente humana. sofrimento e sintoma: uma psicopatologia aqui foi demonstrar que há aparato científico. em algumas horas ele já era maior e mais exposto. desafios atordoantes para o futuro. cultura. Contrafissura e plasticidade psíquica. Coelho. legitimada escreveu um belíssimo relato intitulado “Mulheres da Cracolândia – Cidadãs CHAUI. o Tempo que apontamos os . Hollywood gasta milhões para produzir Ministério da Saúde. Boi- relata ações para o autocuidado dessas mulheres. 173). com ações de extrema violência. técnico e jurídico para minimizar o sofri. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Amplamente noticiado pela mídia. 2011. p. Um importantes pesquisas produzidas.com. Mas aquelas frases não estavam ali por acaso. das-sem-classe_a_22122662/?utm_hp_ref=br-homepage&ncid=fcbklnkbrhpmg00000004 64 65 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. (e também IAMAMOTO. Christian Ingo Lenz. 2015. de guerra. Mulheres. no dia 21 de maio de 2017. 2010. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. tempo: São Paulo. Tradução José Teixeira sociais.com. São Paulo: Perspectiva. 2017. Marilda Villela. MULHERES E USO PROBLEMÁTICO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS: DESMONTANDO ESTIGMAS E COLHENDO SONHOS . 2016. bate-ao-trafico-na-cracolandia. dos de preto pisando firme com seus coturnos. BRASIL. se necessário. Marilena. do Brasil entre muros. então. (2014. Mais re. Departamento de Atenção Básica. Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas. O projeto integrava as ações de Justiça. por meio da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. As imagens são tão REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS fantásticas que nem parecem reais. 2006. São Paulo: Hucitec. como preveniu Bertolt Brecht – “Que tempos são es- Mauro Iasi no posfácio do livro “Violência” de Slavoj Zizek. História da Loucura: na idade clássica. Vivemos em tempos de imagem. Antonio. mesmo que forçado. sabemos que muitas mulheres maravilhosas. em que temos que defender o óbvio?” – assim. Tese (Doutorado em Serviço A jornalista Gleyma Lima em oposição a Contrafissura que segue institucionalizada e Social). O Tempo é agora. feminina e feminista. raça e classe. Uma página na rede social facebook – Mulheres da Cracolândia – DAVIS. protege o próprio louco contra ele mes- mo. perdoem essa recém-chegada profissional da enfrentar o problema. Em terreno que não se conhece pede-se chamado “fluxo” – cena de uso e venda de drogas. Por fim. Cada gestão municipal imprime sua forma de buscar área já produziram importantes reflexões. a compreensão temporal ajuda-nos a des convulsões urbanas como resultante do processo de segregação fruto das relações pensar que a história não se repete. (Políticas do Desejo). mento dessas mulheres.br/revista/927/na-cracolandia-o-fim-do-convite-ao-convivio KEHL.27 para o campo da saúde pública e da redução de danos. 26 Mais informações no site: http://www1. há muitos registros sobre esse processo que é histórico. São Paulo: Cortez. quem acompanhou as duas últimas ações na “cra- colândia” deve ter observado que aquele território parecia montado. – (Série A.: il.br/cotidiano/2017/05/1886022-policia-faz-megaoperacao-de-com.uol. Contamos com a generosidade e nos colocamos nas efetivo de 900 policiais adentrou nas ruas estreitas com objetivo de acabar com o assim fileiras para juntas enfrentarmos tais questões. Elas fizeram parte de um Brasília: Ministério da Saúde.cartacapital. São Paulo: Boitem- 28 Mais informações no site: http://www. Tradução: Heci Regina Candiani. 2012. a Prefeitura em do que já foi dito. sabemos das profundas lacunas e muito provavelmente da reiteração de muito centemente. BRASIL. O tempo e o cão: a atualidade das depressões. Atenta às incompletudes sabemos que não foi possível citar todas as parceria com o Governo do Estado realizou a maior operação já então vista na região. é com ele. Façamos a história do nosso tempo. Sabemos do abismo social e da conjuntura extremamente desfavorável. O objetivo DUNKER. frases que contrastam com a força armada dos homens vesti. São Paulo: Boitempo. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital fi- homens) comprometidas com o tema. intersetorialidade. algo parecido. 148 f. OLIVEIRA. coordenadora das áreas de juventude e participação cidadã do Instituto Pólis.scielo. Pesquisa preliminar de avaliação do Programa “De Braços Abertos”. 66 67 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. Enilda Rosendo do. Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas (PBPD)/ Instituto Brasilei- ro de Ciências Criminais (IBCCRIM). F. L. PETUCO. ROSA. Marcelo. (Orgs. Anna Luiza Salles Souto . pdf ZIZEK. Saú- de mental das pessoas em situação de rua: conceitos e práticas para profissionais da as- sistência social. (Série Homens e Políticas Públicas). MORAES. 2016. 2010. Drogas e Redução de Danos: uma car- tilha para profissionais de saúde/ Marcelo Niel & Dartiu Xavier da Silveira (orgs). São Paulo: Epidaurus Medicina e Arte. Carmen Lúcia Albuquerque de. T. 2014. Tradução Miguel Serras Pereira. Márcia Rebeca Rocha de.Socióloga. 2016. Gênero e drogas: contribuições para uma atenção integral à saúde. SANTANA. FIORI. Ricardo.br/pdf/tce/v23n1/pt_0104-0707-tce-23-01-00092. Violência: seis reflexões laterais. Slavoj. Dênis. Anderson da Silva.). CASTRO. xi. RUI. A saúde de mulheres e o fenômeno das drogas em revistas brasi- 8 leiras. (Orgs.). da SILVEIRA. M. São Paulo: Boitempo. NIEL. Disponível em: http://www. Maristela. Jeane Freitas de Oliveira. SOUZA. – São Paulo. 2008. Dartiu Xavier. NASCIMEN- TO. Recife: Instituto PAPAI. TÓFOLI. 149f. São Paulo. . DO LAR ÀS RUAS: PIXO.Samara Takashiro 68 69 DIREITO DIREITOÀÀCIDADE: CIDADE:UMA UMAVISÃO OUTRAPOR VISÃO GÊNERO. DE GÊNERO. POLÍTICA E MULHERES . definir uma maneira alternativa de simplesmente ser humano. têm por nunca vou ver um cara atravessar a rua porque tem um bar cheio de base o machismo. não são os únicos fatores que respondem pelas desi- e livres de discriminações. mas sim um direito ativo de fazer a ci- nas experiências de vida urbana. mas apenas chamar atenção para o fato des de comportamento entre jovens homens e mulheres. abordando. incidem fortemente direito condicional de acesso aquilo que já existe. ao saneamento. Venturi. a rua. urbano foi imaginado e feito. Se nosso mundo liberdade. onde vivem moradores de mais alta renda. Não vai me agradar. 70 71 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. IPEA. sendo que nas cidades houve um aumento de sil4 – pesquisa nacional de perfil e opinião dos jovens brasileiros levantou uma riqueza de aproximadamente 18 pontos percentuais no período. Se considerarmos o recorte racial. o racismo e as diversas discriminações vigentes na nossa sociedade. à a taxa entre as autodeclaradas de cor preta. Brasilia. solidárias e democráticas. educação e a equipamentos de cultura e lazer estão concentrados em determinadas regiões da cidade. E. 1 Harvey. porque ele sabe que ele vai passar ali e as mulheres não vão Nunca é demais ressaltar o quanto a igualdade de gênero se impõe como princípio a mexer com ele. E nesse caso são visíveis as disparida- vulnerabilidade de grande parte dessas famílias. cuja vitimização está mais concentrada em casa. publicada em março de 2017 pelo Fórum Brasileiro de GÊNERO E CIDADES: VIOLÊNCIA. inclusivas. Como diz David Harvey. Unirio. não de dizer). portanto. então sou obrigada a teoricamente atravessar a rua. manifestas de múltiplas formas. infraestrutura urbana. chega a 47% de amplos segmentos da população. as de que as mulheres vêm. pacíficas Renda e o território. A liberdade da cidade. o uso do tempo Não cabe aqui analisar as implicações desse fenômeno e seus efeitos no que tange à livre e o acesso a bens e equipamentos culturais. muitas delas fora do ambiente doméstico. 4 Novaes. mostra que em 20 anos as che- ções no modo como as mulheres vivenciam a cidade. Ribeiro. marcadamente urbano. Esse fenômeno. ou melhor. (Orgs). cheio de caras. 2017. R. Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil. 2011.. revelam um quadro alarmante. de formá-la mais de acordo com nossas necessidades coletivas (por assim as mulheres. segmento feminino. reproduzindo o papel social tradicionalmente atribuído ao vivenciadas no espaço público. Entre as negras.Carta Maior. in Cidades Rebeldes: Passe Livre e as Manifestações que Tomaram as Ruas no Brasil. D. então ele pode ser reimaginado e refeito”1. ras gerações. 2016. há outras desigualdades que. por exemplo. de ocupar. Assim. mulher. aqui compreendido numa dimensão integral dos direitos humanos no mencionam o assédio físico no transporte público. usar e produzir cidades justas. David. comprometendo o exercício do direito à cidade. informações sobre o universo juvenil. Agenda Juventude Brasil: leituras sobre uma década de mudanças. todos e todas cidadãs têm 36% das mulheres citaram “receber comentários desrespeitosos ao andar na rua” e 10% direito à cidade. ao longo do tempo. Rio de Janei- ro. É muito desconfortável estar andando e. ASSÉDIO E EXCLUSÃO . provavelmente vão fazer graça. se tem um bar ser perseguido para a construção de cidades mais inclusivas. Entre os tipos de assédio mais frequentes. Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça. 4ª ed. Pesquisa publicada pelo IPEA em março de 20172 aponta o aumento na proporção de domicílios chefiados por mulheres ao longo da série histórica compreendida entre os As desigualdades de gênero também aparecem entre a nova geração. com implica- anos 1995 e 2015. Para dade diferente. A mesma pesquisa revela que 40% As desigualdades no mundo urbano se fazem sentir em múltiplas dimensões e de- das entrevistadas relataram ter sofrido algum tipo de assédio. Eu acho que eu No entanto. Para além de tantas outras desigualdades de gênero expressas. Os números falam por si: EXCLUSÃO 43% dos casos mais graves de agressão sofrida por mulheres nos 12 meses anteriores ao levantamento ocorreram em casa. seguido pela rua com 39%. o espaço público é um locus de constrangimento. A pesquisa Agenda Juventude Bra- fes de família passaram de 25% para 40%.. Ao contrário das mu- Anna Luiza Salles Souto lheres brancas ou de mais alta renda. ao transporte. ainda mais quando sobrepostos. São Paulo. Apenas a título de exemplo. “o direito à cidade não é apenas um gualdades na cidade. GÊNERO E CIDADES: VIOLÊNCIA. Gênero e raça.. o direito à cidade é um direito de todos os habitantes dessa e das futu- mulheres negras sofrem em maior proporção todas as modalidades de assédio. 2013 3 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. É notório que a infraestrutura urbana e o acesso a serviços de transporte. G. A fala de uma jovem entrevistada na pesquisa realizada pelo Instituto Pólis intitulada Nas grandes cidades brasileiras. assumindo um novo papel social ao mesmo jovens mulheres seguem pouco envolvidas em atividades de lazer e/ou entretenimento tempo em que seguem sofrendo violências e opressões no seu cotidiano. chegando a 70% entre as mandam ações urgentes para reverter o quadro das iniquidades e a violação de direitos mais jovens e 43% entre as negras (versus 35% das brancas). Pinheiro. ASSÉDIO E Segurança Pública (FBSP)3. 2 IPEA et al. no aces- so ao mercado de trabalho ou nas disparidades salariais entre homens e mulheres. saú- pelas mulheres no espaço urbano: de.. sustentáveis. as agressões sofridas por mulheres com baixos rendimentos e também as de raça/cor negra distribuem-se igualmente entre a casa e a rua. as território. Eles podem fazer muita coisa que a mulher não pode. Boitempo . aos serviços públicos etc. entre outros aspectos. como a desigualdade de gênero se manifesta no uso e apropriação do espaço urbano? Como as mulheres vivenciam as cidades? Os dados de outra pesquisa. as desigualdades territoriais são gritantes e visíveis Juventude e Cultura no Mundo Urbano reafirma as intimidações e restrições vivenciadas a olho nu. Para além do direito à moradia. Pós-Doutora pela Superin- tendência de Educação e Pesquisa da Fundação Carlos Chagas. em maior proporção do que os homens. mostrando que as mulheres entre 15 e 17 anos são mais caseiras do que os homens dessa mesma faixa etária (79% delas citam atividades dentro de casa ante 64% deles). Patrícia Tuma Martins Bertolin . inclusive no que tange à vivência e à ocupação do espaço urbano. 72 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. podemos considerar que as informações levantadas são representativas dos jovens urbanos.Pós-doutoranda em Direito Políti- co e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (CAPES-PNPD). . os dados da pesquisa revelam que as jovens mulheres se mostram mais casei- ras do que os homens em todas as faixas etárias que compõem o universo juvenil (15 a 29 anos de idade). Líder do Grupo de Pesquisa Mulher. já que 84% deles moram nas cidades. Professora do Programa de Pós-Graduação em Di- reito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mack- enzie. Entre os homens os índices oscilam menos: de 49% para 41% nas respectivas fai- 9 xas etárias. Sociedade e Direitos Humanos. O cruzamento sexo-idade reafirma as disparidades. Mais do que isso. Os dados aqui arrolados revelam os constrangimentos impostos à livre circulação das mulheres na cidade e as limitações ao usufruto do que esta oferece em termos de entretenimento. en- quanto tal. Doutora e Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Sociedade e Direitos Humanos. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Mulher. a dedicação a esse tipo de atividade cai para 29% entre as mais velhas. Ainda que os dados disponíveis não possibilitem o cruzamento entre local de mo- radia (rural/urbano) e gênero. Metade delas (50%) diz realizar atividades dentro de casa em seu tempo livre nos finais de semana frente a 39% dos homens. Assim. interpelam-nos a seguir lutando contra o sexismo e o racismo que produzem e reproduzem desigualdades de diversas naturezas. Denise Almeida de Andrade . mostra também que com o aumento da idade as mulheres. abrem mão das atividades de entretenimento e lazer: de 45% entre as meninas de 15 a 17 anos. lazer e oportunidade de novas sociabilidades. Doutora e Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo. expres- sam o quanto as desigualdades de gênero limitam o direito à cidade das mulheres e. comportamentos. Disponível em: http://www. de qualquer modo. chantagem. coação ou uso da força. insulto. entendida como qualquer conduta que configure calúnia. entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres. a partir das quais se estabelece um ciclo de violência de difícil superação sem o auxílio de terceiros (sejam profissionais da saúde. 2015. entendida como qualquer conduta que configure retenção. 4 WAISELFISZ. Brasilia. perseguição contumaz. em pleno século XXI.mapa- daviolencia. humilhação. ao aborto ou à prostituição. subtração.). 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. à gravidez. ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. con- strangimento. patrimonial.a violência psi- cológica.a violência moral. vigilância constante. entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações. De acordo com o Mapa da Violência 20153. contempla todos os casos de homicídio (morte no trânsito. entendemos que a ausência de informação de qualidade. Julio Jacobo. isolamento. que a induza a comercializar ou a utilizar. um familiar.a violência patrimonial. DE GÊNERO. a manter ou a participar de relação sexual não desejada. Julio Jacobo. instrumentos de trabalho. na medida em que além de acontecer no âmbito da residência da vítima. 3 WAISELFISZ. Disponível em: http://www. crenças e decisões. mediante intimidação. essencial à compreensão adequada desse fenômeno é imprescindível para a elaboração ¹ Esse texto se refere às reflexões preliminares em pesquisa realizada com o apoio do CNPq (Feminicídio: quando a desigualdade de gênero mata”. também de acordo com o Mapa da Violência 20154 . ameaça. é praticada por alguém que deveria contri- buir para a qualidade de vida e segurança desta mulher.340 de 2006 – Lei Maria da Penha: “Art. Patrícia Tuma Martins Bertolin Denise Almeida de Andrade A violência contra a mulher é ainda uma realidade no Brasil. dos órgãos de segurança). tendo como homicida. Mapa da Violência 2015: Homicídio de mulheres no Brasil. suborno ou manipulação. ridicularização. entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal. valores e direitos ou recursos econômicos. mediante coação. para este ensaio. moral2. Brasilia. o homicídio praticado por (ex)parceiro/marido/namo- rado. se- xual. V . psicológica. incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. 2015. uma vez que se maximiza a crueldade da violência. ou seja.pdf. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E FEMINICÍDIO: A URGENTE NECESSIDADE DE INFORMAÇÃO ATUALIZADA E CON- TÍNUA . entre outras: I . e na América Latina. III .mapa- daviolencia. 2 Vide artigo 7o da Lei no 11.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres. Mapa da Violência 2015: Homicídio de mulheres no Brasil. documentos pessoais. 74 75 DIREITO DIREITOÀÀCIDADE: CIDADE:UMA UMAVISÃO OUTRAPOR VISÃO GÊNERO. mediante ameaça. bens. 2017. a média é de 4 fem- inicídios por dia. aproximadamente 7 mulheres são assassinadas por dia. processo CNPq n0 449640/2014-0). por tráfico de drogas etc. Esse número representa a totalidade de mor- tes. exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.org. II . Acesso em: 20 mai. manipulação. difamação ou injúria”(grifamos). a sua Samara Takashiro sexualidade. Nestes casos. do serviço social. a expressão mais extrema é o homicídio.a violência sexual. Para além de todas as dificuldades de que o Estado brasileiro padece no enfrentamen- to à violência contra a mulher. destruição parcial ou total de seus objetos. chantagem. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E FEMINICÍDIO: A URGENTE NECESSIDADE DE INFORMAÇÃO ATUALIZADA E CONTÍNUA1.a violência física. Dentre as variadas formas de agressão.pdf. Destacamos.org. Acesso em: 20 mai. 2017. São múltiplas as suas formas de expressão: física. IV . que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio. 2017. Não existe consenso. Dis- FOC-GenderStats-S. para abordar a violência contra a mulher por Amostra de Domicílios do IBGE6 que trata do direito de não ser submetido à tortura. por gravidade do ato. os quais se relacionam diretamente com a ausência de pesquisas.pdf. No cenário ideal. c) taxa à Justiça. Disponível em: https://unstats. foram observadas as maiores frequ- crime. segundo o sexo las Naciones Unidas5 são indicadores básicos sobre violência contra as mulheres: a) taxa da vítima. de mulheres vítimas de violência sexual (no interregno dos últimos 12 meses. em geral. por gravidade do ato. 76 77 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. Acesso em: 21 mai. últimos 12 meses. Informe de los Amigos de la Presidencia de la Comisión de Estadística de las Naciones Unidas sobre los indicadores de la violencia contra la mujer. Acesso em: 14 set. e assim elaborar um detalhamento das características dos crimes praticados contra as a tratamento e punição desumanos e degradantes . Sabemos. pesquisa com dados primários. relação entre o era o cônjuge ou ex-cônjuge. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio: indicadores sociais 2009. ao menos em curto prazo. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. publicada a partir das mesmas fontes de dados. defendemos que a coleta das informações seja feita de maneira autônoma.gov. em cerca de 70% das agressões sofridas por geral. Referida lacuna compromete as ações públicas voltadas ao enfrentamento desse ências.pdf.8%. Diante disso. nacional e internacionalmente. censos ou estatísticas de qualidade. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio: indicadores sociais 2009. e por grupo de idade. dicadores básicos que contemplem as inúmeras variáveis atinentes à complexidade deste Nas Regiões Norte e Nordeste.9% dos casos. Segundo o Informe de los Amigos de la Presidencia de la Comisión de Estadística de Na desagregação das agressões por último agressor. Acesso em: 14 set.perguntas sobre a violência domésti. descentralizada e sem consistência.4% (Tabela 6. 2015.br/visualizacao/livros/liv47311. b) taxa geral. agrupadas no gráfico a seguir: 5 NACIONES UNIDAS.pdf.5 milhões de pessoas de 10 anos ou mais de idade foram vítimas. o agressor era uma pessoa conhecida e. registradas nas Regiões Sudeste e Sul. em 25. obtidos por meio de in. Não há no Brasil. respectivamente. com dados primários. 6 BRASIL. poderia ser uma alternativa a inserção de módulos específicos em ini- ciativas já existentes.gov. apesar de se contar com os indicadores do Informe dos Amigos da Presidência da Comissão de Estatística da ONU. As estatísticas deveriam resultar de um sistema único e integrado que contemplasse as diversas insti- tuições envolvidas no acompanhamento das vítimas de violência contra a mulher e suas famílias. ponível: http://biblioteca.6% da população do País.13). para que seja possível se contar com dados comparáveis. da data da realização da pesquisa). são de difícil comparação. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E FEMINICÍDIO: A URGENTE NECESSIDADE DE INFORMAÇÃO ATUALIZADA E CON- TÍNUA . Os dados sobre violência contra as mulheres que têm sido produzidos pelo Brasil. uma vez que não estão subsidiadas em informações precisas e atuais. tem comprometido sobremaneira ca contra a mulher. 2015. e por grupo de idade. 1.8 geral. por gravidade do Essas informações foram reiteradas na Pesquisa do IBGE sobre Vitimização e Acesso ato.br/visualizacao/livros/liv62715. o que representa 1. atualmente.7 autor e vítima e a frequência dos atos de violência já praticados. Características da vitimização e do acesso à justiça no Brasil: 2009. de mulheres vítimas de violência física ao longo de sua vida.br/visualizacao/livros/liv62715.na categoria Direitos Humanos da Pesquisa Nacional Secretaria de Política para as Mulheres (SPM). contudo. e também pelos demais países da América Latina e Caribe. que. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. mulheres. o registro in- completo (dos quais não se extrai informações suficientes sobre a prática do homicídio). desde A pesquisa importou dados da Central de Atendimento à Mulher – Disque 180 – da 2009.org/unsd/statcom/doc11/2011-5- 7 BRASIL. pois. 2.9% e 1. relação entre autor e vítima e a frequência dos atos de violência já praticados. e por grupo de idade. 2015. Dis- 8 BRASIL.pdf. 2010. As menores frequências foram crime.ibge. Acesso em: 14 set. O IBGE. nos diferentes Estados e mesmo entre diversas repartições de um mesmo Estado. de ações e políticas oficiais verdadeiramente eficientes. como o Censo do IBGE. ambas com 1. http://biblioteca. Consejo Económico y Social. parece ser muito difícil a adoção de indicadores ho- mogêneos com validade internacional nos países da região. sobre os atos que devam constar dos registros e também sobre a maneira de registrá-los.un. Em relação à agressão física. realizado a cada 10 anos. não teremos essa resposta. de mulheres vítimas de violência física (no interregno dos mulheres. inseriu como indicadores .ibge. obtidos por instituição de credibilidade. da data da realização da pesquisa).ibge. Há problemas como o subregistro dessas ocorrências.gov. observa-se que. Disponível: ponível: http://biblioteca. o duplo registro. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. a atuação satisfatória do poder público. relação entre autor e vítima e a frequência dos atos de violência já praticados. A coleta dos dados é. objetivando apreender a prevalência e a ocorrência das diversas formas de violên- cia contra a mulher. se traduzirá em uma atuação eficiente do Estado. que mesmo implantado um sistema único e integrado. Reconhecemos. todavia. A cada ocasião de atendimento. além de uma unificação das metodologias utilizadas nos registros. Somente o conhecimento do atual cenário de violência e suas peculiaridades Percebemos que há um esforço para mapear a situação da violência contra a mulher. bastaria que se comunicassem e que funcionassem ininterruptamente. nos últimos 5 anos. mas em sistemas independentes. do Instituto Patrícia Galvão/Data Popular (2013). e sabemos que. Diante disto. com um registro único superaríamos os duplos registros. do Conselho Nacional de Justiça (2013). Mapa da Violência 2012 – Atualização: Homicídio de Mulheres no Brasil. Desta forma. Balanço 2014 – Ligue 180. inserir mais detalhes sobre as circun- stâncias do crime. Percepções de Homens sobre a Violência contra as Mulheres. Percepção da sociedade sobre violência e as- sassinato de mulheres. bem como consolidaríamos as informações coletadas. cada uma dessas pesquisas têm objetivos diferentes. grande diversidade cultural e intensa concentração da população nas zonas urbanas. garantindo a con- tinuidade da coleta. tería- mos dados apenas dos casos levados ao conhecimento dos órgãos de atendimento. os distritos policiais e os serviços sociais têm que catalogar as ocorrências. Uma vez que as unidades de saúde. os quais se traduziriam na consolidação das informações. de modo que o Brasil parece estar muito distante de uma utilização dos indicadores do Informe de los Amigos de la Presidencia de la Comisión de Estadística de las Naciones Unidas sobre Indicadores de la violencia contra la mujer. sobre a vítima e autor. entre outras. do Senasp/Data Folha (2013). pois de certa forma já existem. as mulheres não denunciam ou buscam atendimento. as medidas oficiais de enfrentamento à violência contra a mulher e ao feminicídio só serão eficazes quando subsidiadas por informações atuais e fidedignas. tendo em estar inserida no escopo de outra pesquisa. adota metodologia di- versa e atinge um universo também diferente. especialmente por suas características de extensa di- mensão territorial. Acreditamos que no Brasil. o que. o agente pú- blico teria oportunidade de coletar mais dados. No que se refere a termos um registro único e integrado de todos os serviços de aten- dimento à vítima ou sua família. Tol- erância social à violência contra as mulheres do Ipea (2014). do Instituto Avon/Data Popular (2014). Violência contra a Mulher: o jovem está ligado?. do CEBELA e do FLACSO Brasil. não raro. Todavia. por conseguinte. medo de novas agressões e descrença na atuação do Estado. no Estado brasileiro. defendemos a urgência de pesquisas que sejam realizadas com period- icidade. impõe algumas limitações. Entre elas: O Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha. com pesquisas futuras. do Instituto Avon/Data Popular (2013). acreditamos que teriam baixo custo. Pesquisa Nacional de Vitimização. contudo os resultados oriundos desta adaptação (inserção de módulos sobre o tema em pesquisas já existentes) não são completos. por verg- onha. Admitimos que não foram poucas as pesquisas realizadas no Brasil. para que o país dispusesse de dados fidedignos. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E FEMINICÍDIO: A URGENTE NECESSIDADE DE INFORMAÇÃO ATUALIZADA E CON- TÍNUA . a partir de indicadores básicos claros e metodologia que permita comparação 78 79 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. DE GÊNERO.Samara Takashiro 80 DIREITO DIREITOÀÀCIDADE: CIDADE:UMA UMAVISÃO OUTRAPOR VISÃO GÊNERO. . É autora do livro Espaços Públicos: Diagnóstico e Já no Programa Nacional de Habitação Rural (criado no âmbito do programa Minha Casa Metodologia de Projeto e ministra curso homônimo de capaci. Atualmente é professora de danos decorrentes dos processos de separação. E as do e representa o IABsp na Comissão Executiva da Operação paulistanas mais pobres têm ainda menos acesso à propriedade imobiliária.Arquiteta e urbanista e doutora pela Faculdade Essa medida visa proteger o direito das mulheres. foi consulto. evitar a dissolução das comunidades e reduzir ra do Instituto Pólis e conselheira no Conselho Gestor da ZEIS a desigualdade de gênero. concentrados nas áreas mais centrais. O Governo Dilma avançou alguns capítulos no processo de inclusão de gênero nas políticas habitacionais. mas também aponta a necessidade da implantação de formas alternativas de acesso à mora- dia. o que mostra uma dificuldade de acesso das mulheres pobres aos serviços públicos e ao emprego. Publicou artigos e capítulos de por 75% dos contratos das residências. e atuou como docente no Centro Universitário SENAC. segundo dados da Superintendência Nacional de livros sobre habitação e projetos urbanos no Brasil e no exterior Habitação Rural da Caixa Econômica Federal. imóveis com proprietárias mulheres estão concentrados no centro expandido. da AMOALUZ. 3 inserida no perímetro do projeto Nova Luz e co-fundadora Em 2015.10 A CASA DELAS. pesquisa recente realizada por Priscila Specie e Miguel Jacob a e na FAU USP. Simone Gatti . 89% das moradias do programa federal eram de propriedade das mulheres. sob iniciativa do programa dentes de quilombolas. extrativistas e pescadores que vivem em áreas rurais. Desde 2012 as mulheres passaram a ter a preferência na escritura das casas do Programa Minha Casa Minha Vida. A titulação tem o importante papel de planejamento urbano e pós-doutoranda na FAU USP. na UNIABC Em contraposição. a quantidade de imóveis pertencentes às apoio à pesquisa. com inclusão de medidas protecionistas nos programas de moradia de alcan- ce federal. NA LUTA E NO DIREITO Simone Gatti A conquista de direitos pelas mulheres no âmbito do acesso à moradia no Brasil re- gistra pequenos e significativos avanços ao longo da última década. tanto do ponto de vista legal. caso o pai não tenha a guarda dos filhos. para promover a integração socioespacial. Atua como pesquisadora do NAPPLAC (Núcleo de partir dos dados georeferenciados do IPTU. comunidades indígenas. mulheres na cidade de São Paulo é quase duas vezes menor do que a dos homens. área mais rica da cidade. descen- tação para os municípios brasileiros. Minha Vida Rural para atender agricultores familiares. e o programa ainda passou a prever que mulheres separadas com renda inferior a três salários mínimos pudessem adquirir o imóvel mesmo sem a assinatura do cônjuge ou sem divórcio judicial. Estes dados são cruciais considerando que a forma de moradia dominante nas cida- des brasileiras se dá pelo acesso à propriedade. A CASA DELAS. ribeirinhos ou cidadãos que moram em regiões de difícil acesso) as mulheres respondiam em 2016 Soluções para Cidades da ABCP. Trabalhou fornecer a segurança jurídica da posse para os moradores. relacionado à participa- ção política e a ruptura dos processos de opressão e privação de direitos. que possa oferecer habitação de aluguel aos mais pobres por valores proporcionais à 82 83 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. NA LUTA E NO DIREITO . já que os Urbana Centro da Prefeitura Municipal de São Paulo. grande parte dela na esfera privada. que são as principais vítimas dos de Arquitetura e Urbanismo da USP. como do ponto de vista do empoderamento feminino. produção e linguagem do ambiente construí. mas ainda não é suficiente na coordenação de diversos e projetos urbanos. conheci sua história e sua família. Vi esta mulher pela primeira vez em uma das jornadas pela Por último. lutas es- pontâneas que se solidificaram em movimentos de transformação. que representam dezenas de centenas de outras conectadas a elas direta ou indiretamente. Ivanete Araújo e Paula Ribas. ele more com dignidade. perímetro do Projeto Nova Luz [Foto: Camila de Oliveira]. assegurados pela Política Nacio- Dona Olga é a que veio de mais longe. Dona Olga é uma das coordenadoras do Garmic. Paula. independente do gênero.” partido radical de esquerda. ocupação dos edifícios vazios no centro da cidade. as mulheres município. Ivaneti Araújo. Essa mulher começou uma luta por interesses particulares na defesa do seu prédio que poderia ser desapropriado. construído na locatários ou proprietários. lutas cotidianas que acumulam conquistas coletivas. Especial de Interesse Social em áreas centrais na cidade de São Paulo. MSTC. A presença de Paula Ribas na liderança da AMOALUZ possibili- tou a integração de diversos setores da sociedade civil em um objetivo comum. com quem tive a honra de me deparar na minha trajetória pro- fissional e se tornaram referência e inspiração para permanecer nesta injusta e árdua ba- talha pelo direito à moradia. a que queriam transformar em Nova Luz. Paula se empoderou do discurso pelo direito à moradia. com brilhos nos olhos nal do Idoso e pelo Estatuto do Idoso. mas junto aos inúmeros movimentos sociais que atuam em prol da moradia no dezenas de mulheres tão cheias de força como ela. na luta pelos pobres ou imigrantes clandestinos moradores de cortiços que não se julgavam no direito de reivin- dicar direitos. social da propriedade e foi ocupado pelos movimentos de moradia. a ZEIS 3. A CASA DELAS. Cito três mulheres. Dona Olga atua ativamente na militância não somente dos conheci as principais lideranças dos movimentos de moradia da cidade e me deparei com idosos. empunhada de um megafone e do poder de comunicação que Paula Ribas e o “Papo com Megafone” realizado em um domingo de 2010 nas ruas do era só dela. Falamos a ele que tem direitos. mulheres vindas de tão longe a tão paulistanas como nenhuma outra. Comer. ia pra feira do bairro mobilizar a população e informar os mandos e desman. dicação do projeto da Vila dos Idosos junto à Secretaria Municipal de Habitação de São ciantes. NA LUTA E NO DIREITO . se integraram no debate sobre o projeto Nova Luz e na busca gestão da prefeita Marta Suplicy e que hoje abriga mais de 200 idosos. sejam eles Paulo. Estas lutas vão à contramão do direito adquirido. freqüentei sua casa. edifício localizado em frente à Estação da Luz que ficou anos vazio sem cumprir a função quista de Moradia dos Idosos da Capital. 84 85 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. que veio do Chile na década de 50 depois de ter se filiado a um Defensoria Pública. Neste contexto se sobressai a luta de mulheres engajadas na pauta do direito à moradia junto a movimentos organizados. a Neti. em 2011. Uma conheci de perto. “preparamos. e que hoje querem fazer nova novamente. Ela or. e era uma das lideranças da Ocupação Mauá. A Vila dos Idosos é o melhor exemplo do Programa Locação Social. Junto ao Garmic. conquistas para o outro. Seus nomes são Olga Quiroga. movimentos sociais organizados e moradores. dos da gestão Kassab. Uma senhora animada. Movimento do Sem Teto do Centro. a partir da formata- ção de grupos independentes que caminham na direção oposta dos espaços instituciona- lizados. uma espécie de dança que abre ou encerra os atos dos movimentos diversas frentes na luta pelo direito à moradia. capacitamos politicamente o idoso para que do direito á cidade. já foi personagem de filme e atua em ganizava a mística. fundado em 1999 e responsável pela reivin. e em poucos meses essa luta se transformou na luta do bairro todo. Frente ao déficit e à falta de alternativas de habitação acessível em áreas bem locali- zadas e próximas ao emprego e aos serviços básicos. renda familiar na escala do déficit habitacional. mulher símbolo da resistência dos movimentos de moradia organizada pelo Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos. as mulheres da moradia. o Grupo de Articulação para a Con. não endossados pelo Estado. na defesa dos idosos contra maus tratos. São lutas que permeiam à margem das esferas públicas e do regramento jurídico. Foi onde Aos 80 anos de idade. uma jornalista que morava no coração da Santa Efigênia. a sociedade civil tem se estruturado em outros formatos. todos aposenta- pela inclusão em um processo previamente excludente e autoritário. Também desenvolvemos trabalho conjunto com a e sotaque castelhano. já que se dão pela busca deste direito inexistente. Conheci a Neti quando ela coordenava o sociais e convida todos os presentes para um momento de motivação e celebração. associações de bairro. dos ou beneficiários da Lei Orgânica de Assistência Social que pagam o correspondente Foi ao lado dessa mulher que formamos o primeiro Conselho Gestor de uma Zona a 10% da renda para o aluguel no edifício de propriedade pública. conheceu as leis que regiam o território onde vivia e. 86 87 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. Ivanetis e Paulas não são apenas necessárias. onde se concentra- va o fluxo dos usuários de crack. Neti. O processo para o alcance da igualdade de gênero está diante da fragilidade de suas condições. da mesma forma que foi sede das ações de resistência da so- ciedade civil contra o projeto Nova Luz na gestão Serra. A importância da atuação dessas mulheres na militância dos movimentos de ocu- pações se materializa não só como exemplo de empoderamento para outras mulheres. está novamente sendo palco da forma- ção de luta pela permanência da po- pulação residente da ZEIS alvo de demolições e remoções na área dos Campos Elíseos. sempre presente das nossas Olgas. as crianças freqüentarem escolas e regras de convívio condominial são conquistas impor. como as citadas no âmbito do Programa Minha Casa Minha mas nas próprias características físicas destes espaços. contribuíram para o país subir. A instalação de creches. de 97 para 75 no ranking mães sem a presença dos cônjuges e idosos recebem uma atenção especial de proteção global de igualdade de gênero. reformada e transformada em habitação social na gestão Haddad. afazeres domésticos e maternidade. tais quais o Brasil vem enfrentando desde 2016. de enfrentamento se faz ainda mais pertinente em momentos de crise política e possibi- lidades de rupturas de conquistas históricas e programas sociais. juntamente com dezenas de outras mulheres ativistas. Vida. Neste contexto. Hoje. em 2013 [Foto da autora] Ivaneti Araújo nos bastidores do filme Estamos Juntos. o direcionamento para em curso.Kassab. Dona Olga e o morador mais idoso da Vila dos Idosos. con- tinua à frente da articulação dos movimentos de ocupações. foi de- clarada de interesse social e estava para ser desapropriada. bem como são vítimas em índices ascendentes da violência doméstica. as batalhas cotidianas e articuladas entre os campos formais e informais e a militância tantes da presença das mulheres nos edifícios ocupados pelos movimentos organizados. A ocupação Mauá se tornou um dos símbolos das ocupações. Conquistas recentes. NA LUTA E NO DIREITO . à medida que crianças. mas as mulheres são atingidas duplamente. mas ainda enfrenta importantes desafios e ameaças constantes. em função dos encargos acumulados entre traba- lho. de Toni Venturi. A CASA DELAS. gestantes. mas in- O papel dessas mulheres militantes no contexto da aquisição de direitos e estratégias dispensáveis. 2011. Os cortes sociais têm um alcance independente do gênero. nos anos de 2014 a 2015. enfrenta novamente ameaças de reintegração de posse e. no en- frentamento da permanência da Mauá como habitação de interesse social e na luta contra as demolições e despejos na revisão dos Campos Elíseos. Entre a permanência e o deslocamento: ZEIS 3 como instru- mento para a manutenção da população de baixa renda em áreas centrais. Miguel. Mulheres e 11 o direito à moradia: a função social da propriedade na perspectiva de gênero. N. Felipe R. Priscila e JACOB. SERÁS FEMINISTA! . e QUEIROZ. Alexandre. In: 17º Encontro Nacional da rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher e Relações de Gênero.usp. Simone Ferreira. 2015.php SPECIE. 88 89 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. CIDADE. Suzy L. Tese de dou- torado. FERREIRA. A propriedade imobiliária das mulheres na cida- de de São Paulo.Mestranda em Artes Cênicas no Instituto de Artes da Unesp. São Paulo. Atriz e integrante da Kiwi Companhia de Teatro desde 2006. 2012.teses. 2016. Fernanda Azevedo .br/teses/disponiveis/16/16133/tde-29102015-143015/pt-br. G. Disponível em: http://www. ZARIAS. FAU USP. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GATTI. CEPESP-FGV. Militante feminista/socialista e ativista dos Movi- mentos de Arte e Cultura da cidade de São Paulo. DE GÊNERO.Di Campana 90 91 DIREITO DIREITOÀÀCIDADE: CIDADE:UMA UMAVISÃO OUTRAPOR VISÃO GÊNERO. SOBRE CIDADE. NÃO-LUGAR E SEXUALIDADE DAS MULHERES . como disse o dramaturgo e diretor britânico Edward Bond.) Rua A pesquisadora Heloísa Pontes sinaliza as décadas de 1940 e 1950 como um momento Te quero das mulheres de convergência entre o pensamento universitário. responde aos perigos de te o período da ditadura civil-militar (1964 . de forma crítica. Renata Pallottini. LUGAR DE MULHER É NO ESPAÇO PÚBLICO! E QUE O TEATRO TEM A VER COM ISSO? . Se. estiveram ligados ao Partido Comunista Mexicano. da ironia. quem ameaça as meninas e mulheres de todo um sistema intelectual e cultural da cidade que se transformava em metrópole. Patrícia Galvão..Coletivo Baderna Midiática) até hoje. Nydia Lícia. que se abrem brechas para a participação das mulheres na vida política e nos e investigar os mecanismos sociais a fim de transformá-los. mesmo que ainda em parceria com seus companheiros de vida e trabalho.1985). argentino de arte e ativismo Mujeres Creando se utiliza do humor. o espaço QUE O TEATRO TEM A VER COM ISSO? público. Era preciso ir às ruas. A arte não está fora do mundo e. como forma de resistência do teatro numa cidade tão maltratada pelo descaso público no campo da arte e da cultura. e analisa especialmen- arte e sociedade. Arte e realidade – Irmãs siamesas Elza Cunha de Vincenso. Fernanda Azevedo Algumas palavras sobre a participação das mulheres na cena teatral brasileira “(. a produção de mulheres como Hilda Hilst. Nos anos 1960 e 70. Que se opõe à autonomia sobre o corpo Ainda que não rompessem totalmente com a visão masculina e o domínio dos homens É um pouco tribunal da Inquisição no ambiente cultural. o sol. atividade a qual algumas destas escritoras se dedicavam – e experimentar tos de alguns de seus livros à Revolução Sandinista na Nicarágua. mesmo sendo constantemente caladas e jogadas para debaixo do tapete da História. Os exemplos são muitos vam presentes no front de batalha. É a mesma opressão que torna as casas inseguras É neste período também que algumas mulheres irão assumir um papel de protagonis- Muito mais do que as ruas A rua é de todos os amores mo não só como atrizes respeitadas. Num mo- inversões de significados na criação de seus cartazes e colagens para tratar das questões mento em que o teatro se colocava como espaço de transformação social e se propunha a referentes às opressões de sexo e gênero. na teoria e na prática. Vale lembrar que. a Pagu. se multiplicam até nossos dias. cineastas. Ainda sob a influência de Benjamin. como diz Walter Benjamin. A presença de intelectuais. causar. quando todas as forças são necessárias no combate ao inimigo Bertolt Brecht insiste na necessidade de o teatro estar conectado ao contexto histórico autoritário. Júlio Cortázar dedicou esforços e os direi- da literatura. do jogo e ocupar os palcos. será Por isso hoje eu vim pra rua!” uma das criadoras do Festival Santista de Teatro Amador – FESTA. ebulição política e social. além Rua eu te conheço. “todo documento de cultura é também um documen- to de barbárie”. Festival que existe (Hino à rua . Não é diferente com as mulheres dramaturgas que. é nos momentos de sua época. conseguiram se firmar como figuras incontornáveis É como o vento. Isabel Câmara e Maria Adelaide Amaral esta- (muitos foram perseguidos e exilados e. até então prioritariamente espaço masculino. mas também como “donas” de companhias teatrais Todo discurso moralista que se opõe à igualdade importantes. Fer- A rua não comporta privilégios Não tem dono nem tem preço nanda Montenegro e Cacilda Becker. não se eximiram da tarefa de ocupar. arrisco dizer que caberia também aos artistas a função de escrever a História a contrapelo. porque a rua é violenta vindos dos países europeus para o Brasil no período da segunda guerra mundial marcou Porque a rua é dos meninos que não sabem respeitar profundamente as vidas e as carreiras artísticas de quem sofreu suas influências. Segundo a autora. LUGAR DE MULHER É NO ESPAÇO PÚBLICO! E As artistas mulheres. alguns. nesse sentido.. o exercício de uma arte revolucionária seria trabalhar na chave da con- tracultura. Consuelo de Castro. professore(a)s e diretores(a)s teatrais casa Porque a rua é perigosa. em 1958. no livro Um teatro da mulher – dramaturgia no palco con- temporâneo. Tônia Carrero. graças à inquietude e recusa ao apaziguamento que a experimentação artística pode 92 93 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. assassinados). artistas de tea- pensar criticamente o país. O coletivo feminista sua voz e suas ideias no embate público e coletivo através do teatro. a produção teatral e o contexto social Ensinadas desde cedo que só podem brincar dentro de na cidade de São Paulo. a relação entre rio teatral brasileiro. tro e música resistiram bravamente ao autoritarismo da ditadura civil-militar no Brasil Leilah Assumpção. aos camponeses zapatistas e partici- neste momento conseguem sair da relação de intimidade com seu público – característica param ativamente da vida política de seu país. criar assembleias de discussão para falar contra o regime. a chuva da historiografia teatral do país. Estas mulheres fizeram parte de um grupo amplo de e. procura compreender a presença da escrita dramatúrgica feminina no cená- Diversos (a)s autores(as) e artistas discutem. mulheres como Maria Della Costa. Frida Kahlo e Diego Rivera espaços socialmente importantes. Ana Mendieta. Depois de alguns anos surgem também As Madalenas Anastácias. Cindy Sherman. ago. além de Investigação em Artes. mesmo que não reproduzissem di. tantas outras que tiveram ousadia e coragem e abriram o caminho para as novas gerações reótipos perpetuados pelos meios de comunicação de massa. de Augusto Boal.html.1. Se a literatura se apresentou como uma forma inicial de expandir as experiências fe- nômeno da “eclosão da dramaturgia feminina brasileira” destes anos está. de Florianópolis.. Walter. PONTES. 22. Finalmente. Elza Cunha de.3.pdf . mas as artistas de diversas linguagens e a fala feminina se faz presente e passa a ser dita em também a forma cênica e o modo de produção teatral. ao 94 95 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO.ª. Mãe da Rua. Teatro feminista: da pesquisa à sala de aula. entre usar a linguagem do teatro de rua para desmistificar o feminismo. era patente a reivindicação de uma sexu. Heloisa.com. Quebrando o machismo que circunda o mundo do circo e da palhaçaria. de mulheres insurgentes. grupo dedicado especialmente às questões REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS das mulheres negras. Maria Galin- As Loucas de Pedra Lilás são militantes feministas pernambucanas que resolvem do e as Mujeres Creando. n. São Paulo: Círculo do Livro.br/pdf/ts/v22n1/ sandra – na calada da voz. VINCENZO. LUGAR DE MULHER É NO ESPAÇO PÚBLICO! E QUE O TEATRO TEM A VER COM ISSO? . Drª.. fruto movimento de teatro de grupo que renasceu na cidade a partir da década de 1990. Acesso em: 18 dez.2008. Também no Rio de Janeiro. In Magia e técnica. 1992. Inezita Barroso. Miranda. a escritora marxista Elfriede Jelinek. In Tempo Social. A radicalidade social do trabalho de artistas como Marcia X. retamente o pensamento feminista da época. da Kiwi Companhia de Teatro. 1994. v. Acesso em 15 dez.. Raquel de Queiroz. de uma recusa da família tradicional e a discussão sobre o poder dos Galindo.. Disponível em: http://www. vida e ocupação da cidade. (Em) Companhia de mulheres. v. Coletivo Vulva da Vovó. nha Gonzaga. Lygia Clarck. Disponível em: http:// das discussões sobre sexo e gênero e das diversas opressões sofridas pelas mulheres. Sergio Paulo Rouanet. Os exemplos são muitos. no século XX estas vozes femininas não se conten- culado ao renascimento do movimento feminista europeu e norte-americano do final da tam mais em permanecer como objeto de consumo individual. Elza reconhece que o fe. no século XVIII. Jesusa Rodrigues e Liliana Felipe.. Florianópolis. Chiqui- sos níveis e do atraso da sociedade brasileira em relação a direitos essenciais das mulhe. Trad.br/16931973-Teatro-feminista-da-pesquisa-a-sala-de-aula-1-2-3. Mesmo que muitas delas não se considerassem feministas. formado inicialmente por 3 atrizes/ BENJAMIN. voz alta. Inspiração e braços fortes não nos faltam: Violeta Parra. entre outros. Turnbull (nossa primeira guitarrista).2007/ jul. Em razão do contexto atual. utiliza os métodos do teatro fó- rum. do Coletivo Negro. Edusp. promovem há mais de uma década um festival inter- nacional de mulheres palhaças no Rio de Janeiro. pesquisadoras. Virgínia. desconstruindo este. o Grupo As Madalenas. Teatro. romance. Frida Kahlo. mininas para além do espaço privado. Tina Modotti. recebe o nome de “nova dramaturgia”. Madeirite Rosa. de uma produção artística com características específicas. em 2010. a mulher dedicou-se. Clara Schumann. São Paulo: Ed. Maria Brígida de. através de performances que incluem Muitas são as tentativas de exercitar a imaginação política e pensar outras formas de as experiências de vida e os próprios corpos das artistas como base dos trabalhos. 1: 29-46. 1985. O Grupo As Marias das Graça. Companhia das Atrizes. vin. de Las Desdenhosas. 2016. novas Companhias Teatrais e Coletivos Artísticos irão centrar forças nesta discussão. Em São Paulo. Perspectiva. Obras escolhidas I. Brasiliense. revista de ção mista: como Carne – Patriarcado e capitalismo. docplayer. Naturaleza Muerta. a palestina Mona Hatoum. Pagu. Ida. O clamor das ruas atinge década de 1960. do Núcleo Bartolomeu. surge no desdobramento do grupo de estudos Teatro e Gênero coordena. In Revista no debate a respeito do lugar ocupado pelas artistas mulheres na produção teatral.”. trazem à tona o mote da segunda onda homens sobre as mulheres. Maria Eliza (primeira palhaça negra brasileira!). gênero e sociedade (1940-1968). Dolores Duran.) quando começou a escrever.. Um teto todo seu. são alguns exemplos desta nova safra de grupos. São Paulo: do pela Prof. dramaturgos estreantes que. As mulheres entram na discussão política e ampliam o debate público através Em diversos textos das dramaturgas brasileiras. Capulanas – Cia de arte negra. Um teatro da mulher – dramaturgia no palco contem- Segundo Virgínia Woolf “todo treino literário de que a mulher dispunha no início do século XIX resumia-se a um treino de observação de personalidade e análise de emoções. Rubro Obsceno. em parte. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Regina alidade liberada. formaram-se alguns coletivos de mulheres preocupadas em avançar MIRANDA. Lucinha res. porâneo. arte e política. naturalmente. Movimento este que reformulou não só as escolhas dramatúrgicas.scielo. Valie Export e Orlan. (. n. As temáticas feministas estão presentes também em trabalhos de Companhias de forma. para exercitar o protagonismo feminino. Cas- sociologia da USP. 2016 WOOLF. feminista (no Ocidente): “todo pessoal é político”. em 1969. v22n1a02. de violência concreta em diver. Jornalista. Di Campana 96 97 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. doutoranda em Ciência Políti- ca pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e fellow research no German Institute of Global and Area Studies (Giga).12 Grazielle Albuquerque . . como o espaço Ou seja. é uma política pública perpassada pela questão de gênero que. a parte o sectarismo que se (numa vertente contrária ao dote) ou excluíam o marido do manuseio do espólio. No documento existiam cláusulas que retiravam os bens das filhas que casassem até mesmo as tradicionais demandas da esquerda. são áreas como o Direito de Família e o tamentos compõem uma das hipóteses para os dados encontrados. onde há um esquadriamento do terreno para essas construções. as viúvas já negociavam. alguns exemplos ligados a essa inquietação podem ser vistos. ainda que tateando os caminhos. mas o que pouca gente ponto: na esfera institucional. É preciso tirar o véu sobre a míti- ca de que homens e mulheres vivem a mesma cidade com igualdade de condições no seu Falar sobre mulheres. diversos lugares foram sendo ocupados por vilas. Não à toa. As polí- trado do professor de História da Universidade Federal do Ceará (UFC). Dito isso. Por mais instigantes que sejam os números da presença feminina nessas transações imobiliárias. ser um explicações. Mais detalhes em: “As mulheres na expansão material de Fortaleza nos 30. Somadas as duas décadas. ser travesti. De forma mais ampla vemos que. diante do Sistema de Justiça. anos de 1920 e 1930”. ao nome e a imagem que se dá a eles. ou estava guardada pela família.impressiona. ca. ser gay. Os tes- ensaia hoje com seus apelos a um estado policial. o centro da cidade passava por um processo de verticalização e. nesse período. imobiliários de Fortaleza estavam em mãos femininas1. Na década de discursos. um drible à impossibilidade de se construir um papel de autonomia diante da cidade e da lei. Mas o fato é que em plena década de 30. são as mulheres que permanecem nas famílias. sem dúvida são as priedades pertenciam à classe alta. O número – descoberto na pesquisa de mes- Na atualidade. sobretudo o bairro da de mulheres que ingressam com uma ação movida por conflito social urbano tem algu- Aldeota. as mulheres questões relativas aos papéis sociais e. a elite estava em bairros biliza.6% com participação feminina. responsabili- lei. sem alarde. o “cuidado” com o uso da indumentária e a gramática de “alertas” que toda menina aprende como forma de proteção para o convívio social urbano têm vindo à tona Grazielle Albuquerque em abordagens cada vez mais eloquentes e necessárias. o medo da SE COLOCA COMO CIDADÃ? violência. comprando e vendendo imóveis e terrenos. foram 3868 escrituras registradas. Na década de com participação masculina e 32. O que estava sendo consorte do marido. as mulheres constroem formas de sobreviver e se apropriar do espaço em que A VISIBILIDADE EM OUTROS ESPAÇOS: OS PAPÉIS vivem. não o mundo dos negócios. sua independência finan- que despontam hoje. conseguiam garantir o manuseio dos bens e. das mulheres. A VISIBILIDADE EM OUTROS ESPAÇOS: OS PAPÉIS SOCIAIS MUDAM O MODO COMO UMA MULHER SE COLOCA COMO CIDADÃ? . fazer ver o que sequer antes era percebido. um terço dos negócios eixo inovador dentro da normativa dos “doutores da lei”. As reflexões sobre o constrangimento feminino no transporte público. As de- ceira. mudou seu mecanismo-chave e se tornou mais efetiva. 1930. vendidos eram negociados por mulheres. Esse movimento é tão importante que a expressão “tirar o véu” não é apenas retóri- que existe. No total. o resultado final é de 67. No final porâneo tem como grande desafio atentar às questões das identidades. estratégias de sobrevivência. daquilo uso. o Direito contem- nas décadas de 20 e 30. Na época. obviamente. 98 99 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. ao preço de uma boa assessoria jurídica. 1 das quais 2581 envolviam homens e 1287 envolviam mulheres. dissertação de mestrado. sendo destas 706 envolvendo homens e 303 envolvendo mulheres. Os papéis sociais mudam o modo como uma mulher como Jacarecanga e Benfica e a cidade vivia um período de intensa transformação. direito e cidade é colocar-nos diante do que não é dito. há muito. as solteiras dominavam. que lugar eu ocupo? sabe é que. Se pensarmos dos anos 30. por ser mulher. as mulheres desenvolveram. as pautas feministas servem mesmo para desnaturalizar Alguns dados históricos sobre Fortaleza ilustram bem esse fenômeno. Com se coloca como cidadã? Uma pergunta prática pode clarear a questão: será que o número a urbanização. Esta questão se atualiza se pensarmos que. digo Civil vigentes à época reservavam o lar e. de Mário Martins Viana Júnior. UFC. ser transgênero. como a da cidadã que se mo- de taipa e telha eram comercializadas em outras áreas.. podem haver outras Direito Urbanístico que conseguem trazer questões novas e plurais aos tribunais. diante dos postulados da visto é que. através da lei. a estratégia de fazer sem dizer. Mário Martins ticas de moradia e regularização fundiária. com a expansão da cidade. em consequência. em muitos aspectos. À mulher cabia um papel secundário. sim. em paralelo. era a a realidade. nas pautas dos diversos movimentos dos anos 60 e das contestações que tiveram seu A pesquisa de Mário Martins mostra algumas táticas. casas Contudo. a tática estava nos testamentos deixados por mães ricas às suas mandas pelo reconhecimento de identidades destacam-se com uma força que transpassa filhas.. Mas talvez a marca singular dos tempos contempo- SOCIAIS MUDAM O MODO COMO UMA MULHER râneos seja a reivindicação de visibilidade para múltiplas identidades. mas que precisa ser dissimulado por uma estratégia de sobrevivência. Em muitos casos. sobretudo. há ainda outras camadas a serem observadas. garantiram segurança aos núcleos familiares majoritariamente chefiados O espanto é maior. ser lésbica. 33% dos imóveis e terrenos que estavam sendo comprados e Vê-se que a cidade e seu uso estão em um plano mais amplo do que o estritamente físico. depois. século XIX. as pro- marco nas bandeiras progressistas da segunda metade do século XX. Se desde o zam-se e isso muda as coisas. Elas ficam. sobretudo. Ser negra. o que se destaca é o me- canismo.4% de escrituras 1 Na década de 20 foram registradas 1009 escrituras. na minha posição de cidadã e mulher.. se aprofundarmos uma análise crítica da questão. se lembrarmos que tanto a Constituição quanto o Có- por elas e também asseguraram maior eficiência aos programas sociais com esse recorte. que passaram a priorizar a titulação em nome . como sempre. já que. Departamento de História. aumentou-se também o número de escrituras registradas. ma proporcionalidade com o de mulheres que entram com uma ação de alimentos? Eis o Essa parece ser uma história trivial do crescimento urbano. Como. ao atentar para primordialmente destinado à ação feminina. solteiras e casadas passam a aparecer mais nos registros. um ponto central a ser colocado aqui: a possibilidade de fazer uma rela- ção entre a gama de direitos (e portanto a capacidade de se acessar o Sistema de Justiça. O desafio identitário é amplo e ele não se contenta mais com o reconhecimento restrito à informali- dade. Sendo direta. sempre tivemos identidades femininas negociadas às condições de sobrevivência de uma época. O grande pulsar da contemporaneidade está em ter um nome. nós 13 mulheres que. humanas em sua essência. de ser sujeito de direitos). voz. E. em um sistema erguido sobre o dever-ser. o espaço em que se vive e as identidades pessoais. O desafio permanece. das culturas. como lidar com uma lógica não binária? Ao se falar sobre as capacidades civis (quem pode o que sobre quais con- dições). Esse é o desafio das demo- cracias modernas com imigrantes. grupos de diversas etnias e. contudo. com nome. um corpo e uma imagem com legitimidade e reconhecimento públicos. está intimamente ligada a ocupar ou não este ou aquele papel. É difícil achar respostas nas quais as identidades não suplantem as questões de al- teridade. dos costumes. o que me parece fundamental é perceber isso: a luta por ir e vir. 101 DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS: UMA CONSTRUÇÃO CONSTANTE . políticos e sociais. Essa tríade argumentativa pode ser voltada para a questão feminina. Isadora Penna . As democracias contemporâneas têm que dar conta não mais apenas das clássicas demandas dos direitos civis. refugiados. Há. 100 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. a parte todos esses outros signos. tão fundantes de sociedades igualitárias e justas. das esferas política e econômica. no que concerne a nós Amanda Marcatti . uma voz.Advogada popular mulheres.Advogada popular corpo e reconhecimento. mas vai além dela. vejam só. pelo espaço físico. é possível atentar à fluidez da vida moderna? A centralidade das aglomerações urbanas e o uso dos seus espaços alcança a diversidade de identidades que são reivindi- cadas hoje? São tantos os dilemas entre o dever-ser e o ser que exemplos e digressões não caberiam em um artigo. Di Campana 102 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. 103 . 104 105 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. É que. profissional. De madrugada. Era uma vez. SUBSTANTIVO FEMININO tamente se verifica. as mulheres têm também a sua identidade pa iria suscitar qualquer tipo de violência ou assédio contra ela. em regra. tão comum to. olhava-se no espelho e pensava se aquela rou. se tem sobre o que consiste em a violência contra a mulher. as propostas de combate a esse fenômeno social. pro- duz uma consciência social coletiva que reduz a mulher da condição de sujeito e coloca Isadora Penna sua vida e seu corpo como propriedade pública e. que também compõe. não se explicam unicamente pela reprodução municipais. bairros. havia restaurantes. É preciso reconhecer esse nível de reprodução do públicas e creches por período integral. que sequer passam pela agressão física.em que foram realizadas visitas a alguns aparelhos públicos componentes das Redes de dos nos meios virtuais é um exemplo que comprova a necessidade de ampliar o conceito Enfrentamento à Violência contra Mulher. existem diversas formas de violência contra a mulher Neste sentido. irá se basear no processo de construção da Audiência Pública sobre a rede de Enfren. É que nessa cidade. às condições de desigualdade econômica e social da mulher. o que cer- CIDADE. já que além da reprodução patriarcal. já que todos os dias quando as mulheres Além do tempo que as mulheres tinham. passe a pertencê-las. pensar um programa concreto para que o espaço prescindível construir uma identidade contra-hegemônica. ou seja. Nenhuma mulher. familiar e afetivo. há um pacto consciente coletivo. feminista e urbano deixe de ser intimidador às mulheres e. ainda iluminadas estavam cheias de mulheres que riam e dançavam sem medo de terem seus que não explicitado. Contudo. em diferentes proporções. mas é com esse podem se resumir a reivindicações econômicas. antirracista. Entendemos esse como um dos primeiros temas de abordagem necessária do tema b. A quantidade de casos de tamento à Violência Contra a Mulher da Cidade de São Paulo . do cotidiano das mulheres para. princi- palmente. ce aos homens. é preciso observar que. machismo na subjetividade geral das massas. é urgente e im- objetivo que precisamos. nos mais diversos tipos de ambiente de trabalho. E isto se aplica corpos violados. já que esse rompimen- to. Dessa consciência produzida por meio de mecanismos ideológicos é que se conso- e o conteúdo que verbalizavam era respeitado e tratado como prioridade. é comum que a mulher em situação de violência sofra I. É necessário ir além. nessa cidade também não havia o medo. Essas mulheres tinham voz. uma cidade em que as mulheres eram tão gente quanto os homens. inclusive. para tan. Conselheiras. assim.. antes de sair de casa. lideranças de mo. A moral social e a cultura do estupro É comum que o problema da violência contra a mulher seja atribuído quase que. a. infelizmente.2017 mulheres que tem vídeos de suas relações sexuais ou fotos de sua intimidade dissemina- . O Combate À Violência Contra a Mulher novas formas de violência no processo de rompimento deste ciclo. no Brasil. Aliás. políticas em todos os âmbitos. o presente artigo busca provocar reflexões sobre este tema e. Em verdade. do próprio homem. ao terem menos acesso a direitos. cada vez mais. muito frequentemente. a exemplo. Protagonismo da mulher no processo de rompimento mulheres e o direito à cidade: nada pode vir antes do que a garantia da integridade física da mulher quando ela acessa o espaço público. cultural e social. assim como perten. As É necessário fazer essa provocação porque as situações cotidianas de violência pelas mulheres dessa cidade tinham tempo de frequentar as praças. essa subjetividade geral das massas. em especial. ***** Por essa razão.03. significa uma profunda alteração no seu convívio social e. lavanderias do machismo nas relações privadas. mas não só.. do ciclo de violência Como se sabe. se essa for casada. os shows e as igrejas. pela constatação que se fez quanto ao caráter estrutural. CIDADE.que terminologicamente está correto. as ruas humana e social retiradas de si mesmas. saem as ruas são assediadas por homens com os quais não mantém nenhuma relação. rompimento com o seu círculo social. provocar as devidas reflexões teóricas. porque a vida lida o que denominamos de cultura do estupro . das mulheres dessa cidade valia o mesmo que a de um homem. que diz que somos menos gente do que os homens. observa-se que a desigualdade histórica da condição da mulher no acesso a Amanda Marcatti direitos produz não somente uma relação de desigualdade econômica. político e antropológico não A realidade das cidades brasileiras está longe desse cenário traçado. SUBSTANTIVO FEMININO . também existe o racis- Nessa cidade a política era feita também por mulheres. a fim de partir da análise do real e do concreto que. em muitos casos. agentes comunitárias. as reuniões dos conselhos quais as mulheres passam todos os dias. é que a definição das formas de violência contra a mulher e. exclusivamente. objetivo e subjetivo da reprodução do machismo enquanto ideologia. o próprio assédio sexual.ocorrida em 31. as propagandas que reduzem a identidade da mulher. a “postura sexual” ou a “ingenuidade”. Para tanto. multas) às empresas que reproduzem conteúdo machista e depreciativo. mas criar de- mulher.Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. sexual. quanto à elaboração de oficinas para buscar alternativas para aquela mulher que. é que políticas pú. dos 33% de ho- canais/políticas públicas para se reinserir no mercado de trabalho. mens protagonistas. inevitavelmente. Publicidade e construção da identidade feminina silenciosa) responsabilizada pela existência da violência. Nessas funções. mas na desconstrução dessa consciência Conclui-se que. a CONAR . é importante também. a sua rou. é que o combate à violência contra a mulher não pode ser tratado ex. Pré-Violência desconstrução desse papel social. de forma a conven- cê-la que a violência que a ela é desferida é expressão do seu próprio fracasso enquanto A publicidade tem como fim principal. exclusivamente. no sentido de que a erradicação desse fenômeno social só será possível quando houver e. Nesse sentido. cultura do estupro. precisa encontrar formas de subsistir. ou seja. é preciso refletir não apenas sobre o tratamento ram arquivadas. mas sim como política de estado. vale mencionar as iniciativas de coletivos e organizações do terceiro 84% são brancas. inclusive. As propagandas de alguns bens de consumo são exemplos até clichês disso. mulher Em pesquisa realizada pela agência Énóis Inteligência Jovem. medidas que incentivem empresas que se comprometam com a c. Nesse sentido. vende-se o produto e a mulher como um objeto encoraje a fazer a denúncia. com a narrativa apresentada. 17 fo- de combate à violência contra a mulher. para que garanta essa tem no presente tema. Para tanto. de violência. também. seja um sujeito passivo e não ativo desse. no papel de subserviência subjetiva blicas voltadas ao que se chama de “empoderamento individual da mulher” que está em e objetiva aos homens.. é que se conclui o papel essencial que fender que tais iniciativas sejam geridas pelo poder público. e desconstrução da consciência social e coletiva. valores de liberdade e humanidade por meio da publicidade. tem que abandonar o trabalho para despistar seu agressor. é preciso fazer referência ao padrão de beleza reproduzido situação de violência são. constatou recuperação individual. que somente 15% dos posts na rede social do Facebook publicados pelas 127 marcas ana- A situação de uma mulher negra e periférica. cujo também envolve dar ciência do fato aos familiares. inclusive. em pesquisa realizada. por entender a publicidade como parte do processo de construção em situação de violência. em regra. para de fato acumular um programa apenas 18 denúncias de publicidade com conteúdo machista depreciativo. De outro lado. foi proibida por seu marido de trabalhar ou em outra situação comum na qual a mulher reforçavam os estereótipos. defende-se que. propagandas precisa que seu público-alvo se identifique com a fórmula publicitária e cia contra seu marido/agressor. recebeu No sentido do quanto exposto. inclusive. SUBSTANTIVO FEMININO . com frequência. denominamos de cultura do estupro. o mecanismo de formulação de a mulher/vítima pelo “fim” da família. Para ilustrar. a principal reação é buscar justificativas para o É daí que se extrai a importância desse tema para o combate à violência contra a comportamento do agressor nas condutas individuais da mulher. 83% são brancos. nos casos de violência em âmbito doméstico. amigos. em decorrência da mesma ter apresentado denún. diga que tal é cerceamento de liberdade expressão. como existe. a qual. enquanto que das 26% de mulheres protagonistas. setor. importantes. enquanto mães ou esposas. De outro lado. ainda que tenham limitações do ponto de que contribui para a inferiorização de mulheres que não se adequam a ele. vista de combater a reprodução do machismo enquanto ideologia porque são políticas de A empresa de comunicação Heads Propaganda. conhecidos. É preciso. que por anos lisadas contribuíam para a igualdade entre homens e mulheres. todos esses público principal é o masculino. mulher. de. O papel da educação no combate à violência contra a um programa coeso. há. em parceria com o Ins- 106 107 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. É preciso ter medidas duras e pedagógicas (a exemplo das a qualidade do serviço. os mecanismos que existem são absolutamente ineficazes. de fato. a fim de exemplificar. É preciso romper com a ideia de uma mulher que. nelas. quando se culpabiliza manda por este ou aquele bem de consumo. o pa- prés julgamentos/condenações sociais tornam ainda mais difícil que a mulher/vítima se pel da mulher é o de “brinde”. totalizante e multidisciplinar para atender à demanda. socialmente (ainda que de forma d. adequado e humano àquela que foi agredida. Ao contrário. dessas. não apenas vender produtos. a publicidade deve ter mecanismos de controle público e que não se coletiva e ideológica. nos demais casos. enquanto outros 14%. ou seja. em 2014. no processo de superação do ciclo Ao mesmo tempo. CIDADE. A mulher que se encontra nessa situação é. tais como automóveis e bebidas alcoólicas. porque a publicidade. serve apenas para reproduzir e consolidar a pa. tais como. clusivamente como uma questão de segurança pública. etc. a busca de um terceiro para ajudar a mulher/vítima e. Ainda. trata-se da promoção de Por essa razão. necessariamente precisa de A reprodução de narrativas na televisão também confirma a teoria. Veja-se que. Como romper o ciclo de violência envolve. favelados. por exemplo. inclusive. A construção de outro imaginário na perspectiva cultural e a denúncia de violações de direitos humanos conduzirão a nossa produção. entre aqueles que defendiam a inclusão do debate de gênero no texto do projeto de lei e aqueles contrários. vem sendo registra- da praticamente pelos mesmos meios há décadas. a cultura. é importante que o ambiente es. que abrigam milhões de pessoas. Fotógrafos: gSé Silva José Cícero da Silva Léu Brito Naná Prudêncio Zalika Weslley Tadeu 108 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. visando contribuir para construção de um imaginário que contemple os múltiplos recortes da periferia. Esperto a todo movimento. quando dividiram-se os vereadores da Câmara Municipal. já que é o primeiro e principal espaço de a contradição econômica e cultural de uma grande metrópole. registrando tudo que acontece: DiCampana. a proposta do DiCampana é fazer uma cobertura introspectiva e continua do cotidiano das periferias através da fotografia realizada por periféricos. Acredita-se que não é necessário discorrer sobre a importância que a vivência escolar de pessoas residindo nesses locais que.não é nenhuma novidade que a discrimina- ção e a violência ocorra com frequência no ambiente escolar.Estar atento. abrigam exerce na construção da identidade dos jovens. na cidade de São Paulo. em muitos casos. O delas vivenciam situações de violência no ambiente familiar e. o lazer. ul- enorme potencial para desconstruir a própria violência doméstica. São milhares responsável direta pelas formas de violência aqui debatidas. a vida do nosso povo é diferente. de violência contra a mulher e para combater a reprodução da consciência social que é Há centenas de periferias espalhadas pelo mundo. o debate sobre o Plano Municipal de Educação causou alvoroço. cauteloso. envolva os pais das crianças nesse processo. a rotina. Entendendo que a narrativa do nosso povo. trapassa o estereótipo midiático reforçado por clichês e estig- mas que cativam o povo. Em 2015. 109 . porque muitas paço mais a violência que é colocada na conta da periferia. como mansões e favelas dividindo praticamente o mesmo es- colar. Ademais. em especial. Por si só. Estar de olho. esse dado já demonstra a importância da educação no combate à violência contra a mulher. revelou-se que 39% das jovens mu- lheres brasileiras já sofreram algum tipo de preconceito na escola ou faculdade relacio- nado ao seu gênero. No entanto. a educação tem cotidiano destas regiões. enquanto violência de gênero. Neste sentido. formação coletiva e social da juventude. assim. A inclusão sobre o debate de gênero tem o intuito de garantir que nenhuma criança será discriminada e nem sofrerá violência de gênero por apresentar comportamento que a diferencie dos padrões heteronormativos . o debate de gêne- ro que se quer incluir é também no sentido de impulsionar discussões acerca do debate 14 DI CAMPANA . tituto Vladimir Herzog e o Instituto Patrícia Galvão. Samara Takashiro 110 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. 111 AS MULHERES E O DIREITO À CIDADE: UM GRANDE DESAFIO DO SÉCULO XXI . Com alguns dess- es registros teve a oportunidade de participar de algumas ex- posições coletivas. 113 . concursos e livros. sendo assim. tem estado na rua para registrar a nossa sociedade. seus acontecimentos e mudanças.15 REALIZAÇÃO Formada em Cinema e Fotografia a paulistana Samara Takashi- ro gosta de registrar o urbano. APOIO 112 DIREITO À CIDADE: UMA OUTRA VISÃO DE GÊNERO. as contradições do cotidiano e detalhes que passariam despercebidos pelos olhares menos atentos.
Report "Direito à Cidade: uma outra visão de gênero"