Didática e Planejamento

May 12, 2018 | Author: Sylvio de Mattos | Category: Learning, Pedagogy, Knowledge, Sociology, Thought


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Didática ePlanejamento Curitiba 2013 Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. Editora fael Gerente Editorial Denise Gassenferth Projeto Gráfico Sandro Niemicz Design Instrucional Francine Canto Revisão Claudia Helena Carvalho Wigert Diagramação Thiago Rocha Oliveira Mariana Buôgo Capa Sandro Niemicz Sumário 1 O ato de educar e a didática | 5 2 As contribuições da didática para a Educação | 25 3 Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica | 41 4 A didática e a Educação Infantil | 67 5 A didática e as fases iniciais do Ensino Fundamental | 85 6 A escola como espaço sociocultural | 103 Referências | 143 1 O ato de educar e a didática Patrícia de Moraes Lima Neste capítulo, trabalharemos as perspectivas educativas que norteiam as práticas pedagógicas no cotidiano da escola. Abor- daremos a influência da psicologia na educação e buscaremos essa contribuição na abordagem histórico-crítica a partir dos conceitos de Zona de Desenvolvimento Proximal, de transmissão e apropria- ção de conhecimento e de interação social. Destacaremos, ao final deste capítulo, o papel do professor como sujeito mediador da prática pedagógica e a construção de sua autoridade. 1.1 As principais perspectivas educativas Neste primeiro tópico, apresentaremos as perspectivas teóricas que se afirmam cotidianamente nos processos educativos, as quais, juntas, disputam os espaços pedagógicos. Afinal, quando falamos dos processos de ensinar e aprender, entendemos as diferenças que marcam as práticas pedagógicas? Didática e Planejamento 1.1.1 Sobre o ato de educar É por meio do conhecimento que nos implicamos no processo de trans- formação social. Todo ato educativo é um ato político e social que, ligado à atividade humana, encontra-se envolvido na construção de um mundo a ser vivido. Segundo Rego (1995, p. 104): Ao interagir com os conhecimentos, o ser humano se transforma, abrindo-se para novas formas de pensamento, de inserção e atuação em seu meio [...] expande conhecimentos e modifica, assim, sua relação cognitiva com o mundo. Por ser um ato político, a educação encontra-se atrelada à produção e reprodução de um modelo de vida social. Consequentemente, todo ato se dá através da relação entre sujeitos que, a partir dos processos formativos, poderão habitar este mundo com maiores condições de ler a realidade social em que estão inseridos. O ensino tradicional, baseado na transmissão oral de conhecimentos por parte do professor, e a pedagogia espontaneísta, a qual abdica de seu papel de desafiar e intervir no processo de apropriação de conhecimentos, são mode- los que não fornecem aos sujeitos muitas condições para que possam refletir sobre o lugar que ocupam no mundo. De acordo com a perspectiva histórico-crítica, o objetivo principal da educação frente às exigências contemporâneas é ensinar a pensar – ensinar formas de acesso e apropriação do conhecimento elaborado. Formar é bem mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas. A formação encontra- -se vinculada às possibilidades que criamos para que os sujeitos reconheçam-se como capazes de se alterarem e de alterarem os outros e o mundo em que vivem. Conforme Freire (2002), o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético, e não um favor, que podemos conceder uns aos – 6 – O ato de educar e a didática outros. Isso traz à tona a compreensão de que os alunos merecem o mesmo respeito que é exigido dos profissionais da educação. As relações de poder constituem-se concomitantemente, porém de formas diferentes. Por vezes, os professores e a equipe administrativa atuam de maneira autoritária, e os alunos agem na sutileza de pequenas reações e sugestões, expres- sando-se e adequando-se, ou não, à normatividade vigente. Essas relações vagam pela discussão importantíssima de alguns conceitos, como a expressão da corpo- reidade e a identidade dos sujeitos. A expressão da corporeidade, que constitui o lugar dos sentimentos, das emoções e da materialidade viva, como nos apresenta Sousa (2010), é forjada na contradição entre o dever ser e o ser legítimo. O dever ser nasce de normas e leis estabelecidas para caracterizar a “normalidade” dos sujeitos perante a sociedade e a cultura: define não somente a forma que o mundo deve ter, mas também a forma como as pessoas e os grupos devem ser. Aqueles que resistem às arbitrariedades dos limites “socialmente aceitáveis” encontram-se à mar- gem e tomam a não aceitação das diferenças como uma violência. A expressão da corporeidade dos indivíduos é, algumas vezes, desprezada e minimizada por meio dos discursos e das ações normativas que enaltecem a disciplina e a ordem como solução dos problemas escolares. A hierarquia, as normas e as leis devem ser cumpridas, e aqueles que tentam expressar-se com naturalidade e espontaneidade ou que ultrapassam os limites da “normali- dade” são constrangidos pela escola. Não se pretende aqui, de forma alguma, retirar a importância da auto- ridade da escola em suas dimensões, entretanto procura-se recomendar uma “autoridade coerentemente democrática” (FREIRE, 2002, p. 36), a qual prime por ações que instiguem a liberdade e despertem curiosidade, ao contrário de imprimirem sentimentos de estagnação e opressão. A escola apresenta sua face disciplinadora e normativa quando impõe modos de ser e agir “ideais” aos alunos, e os sujeitos minoritários, aqueles que apresentam inconformidades com as regras estabelecidas, tendem a sofrer “castigos” pela sua diferença. O sistema de educação tende a reprimir as diferenças e a enaltecer a massificação da ordem e da obediência; com esse discurso de igualdade para todos, torna-se (re)produtor de desigualdades. – 7 – Didática e Planejamento Como afirma Rosa (2011, p. 79), “[...] os corpos que passam pela escola [...] possuem sempre algo a contar desta experiência, pois dela não saem ile- sos.” Assim como os seres são afetados pelas pessoas com quem convivem, também são alterados pelos dispositivos simbólicos do espaço escola, como mobílias, corredores, pátio, que marcam o processo de subjetivação dos alu- nos. Ainda segundo Rosa (2011), entende-se a cultura escolar como a escola e seus dispositivos disciplinares, os aspectos físicos, humanos e simbólicos, que alteram os seres em convivência. 1.1.2 Concepções que norteiam a prática educativa As teorias pedagógicas são definidas a partir de concepções filosóficas que dão fundamento às diferentes práticas educativas. Na educação tradicional, é comum encontrarmos duas linhas de pensamento que justificam suas práticas: 22 Determinismo biológico (inatismo): a perspectiva inatista baseia- -se na ideia de que o sujeito já nasce com uma predisposição para o seu desenvolvimento e que o nível desse desenvolvimento se dá pelo amadurecimento das habilidades que já nascem com ele. A educação pouco ou quase nada altera as determinações inatas, e os processos de ensino só podem se realizar na medida em que o sujeito estiver pronto para efetivar determinada aprendizagem. O papel do professor se restringe ao respeito às diferenças individu- ais, ao reforço das características inatas ou ainda à espera de que a maturidade ocorra naturalmente. Exemplos: “Filho de peixe peixi- nho é” ou “A fruta não cai longe do pé”. 22 Determinismo social (ambientalismo): nessa perspectiva, encon- tramos a supervalorização do ambiente como constituidor do sujeito. Podemos observar discursos que reafirmam a posição do sujeito de acordo com as condições sociais, econômicas ou materiais em que se encontra envolvido. É comum encontrarmos argumentos que justi- ficam questões sociais, como a marginalidade associada às condições econômicas e sociais do ambiente em que o sujeito vive. Exemplo: Vida na periferia, em favelas, associada à marginalidade. Na relação ensinar e aprender, ambas as linhas de pensamento subestimam a capacidade do educando em interagir e apropriar-se do conhecimento. – 8 – O ato de educar e a didática Antes de nos aprofundarmos na pedagogia histórico-crítica, convém conhe- cermos a leitura de Saviani (1992) quanto às teorias educacionais. O autor propõe a seguinte divisão: de um lado, estariam as pedagogias não críticas (tradicional, nova e tecnicista), e de outro, as pedagogias crítico-reprodutivistas (teoria da escola como violência simbólica, teoria da escola como aparelho ideológico de Estado e teoria da escola dualista). Vamos, a seguir, ver cada uma dessas teorias de modo mais detalhado. Acompanhe. Pedagogias não críticas As pedagogias não críticas agregam o arcabouço teórico da modernidade e definem grande parte das práticas educativas nas escolas contemporâneas. a) Pedagogia tradicional Segundo essa pedagogia, o papel da escola é transmitir autoritaria- mente os conhecimentos acumulados pela humanidade e sistematizados logicamente, ou seja, difundir a instrução. O professor, sujeito do processo, transmite os conhecimentos por meio de lições e exercícios; aos alunos, cabe assimilá-los, atenta e disciplinadamente. O foco está no “aprender”. b) Pedagogia nova ou escolanovismo Movimento que critica a escola tradicional. Esboça um método em que o professor é estimulador e orientador das aprendizagens, cujas iniciativas cabem exclusivamente aos alunos, sujeitos do processo. Tendo em vista que os proce- dimentos pedagógicos foram elaborados a partir de experiências com alunos “especiais”, houve a biopsicologização da sociedade, da educação e da escola. Entendemos que os alunos especiais desafiavam a visão padronizada da escola tradicional. Assim, no escolanovismo, a questão pedagógica passa do intelecto para o sentimento, do professor para o aluno, do esforço para o interesse, dos conteúdos para os métodos, da disciplina para o espontaneísmo, do diretivismo para o não diretivismo. Em suma, o importante é “aprender a aprender”, e a escola é a responsável pela adaptação e o ajuste dos indivíduos à sociedade. c) Pedagogia tecnicista O elemento principal é a organização racional dos meios para ensinar: professor e alunos passam a ser executores de um processo cuja concepção, pla- nejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente – 9 – Didática e Planejamento habilitados, neutros, objetivos e imparciais. A função da escola é a formação de indivíduos eficientes para aumento da produtividade – é o “aprender a fazer”. Pedagogias crítico-reprodutivistas As teorias crítico-reprodutivistas agregam ao modelo educacional a crí- tica pautada no materialismo histórico-dialético, no entanto reconhecem os desafios que se constituem, especificamente, nos contextos educativos e que transcendem o modelo social e econômico vigente. a) Escola como violência simbólica Compreende a ação pedagógica como imposição arbitrária da cultura (também arbitrária) dos grupos ou das classes dominantes aos grupos ou clas- ses dominadas. Essa imposição se dá pela autoridade pedagógica, isto é, por um poder arbitrário de imposição que, sendo desconhecido, é reconhecido como autoridade legítima. A escola, assim como a moda, os meios de comu- nicação, a religião etc., por vezes, exerce essa violência simbólica de forma a reproduzir as desigualdades sociais. b) Escola como aparelho ideológico de Estado A educação é concebida como um processo de ideologização da socie- dade. Em uma sociedade capitalista, por exemplo, a escola seria um pode- roso instrumento de reprodução da expropriação dos trabalhadores pelos donos dos meios de produção, tentando fazer com que isso seja aceito como perfeito e natural. c) Escola dualista Nessa modalidade de pedagogia, a escola forma a força de trabalho (proletariado) por um lado e, por outro, inculca a ideologia dominante burguesa. Assim, a escola impediria o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta revolucionária, agravando a desigualdade social e perpetuando a discriminação. Nessa breve sistematização sobre as diferentes concepções que norteiam as práticas educativas, intencionamos expor as práticas educativas de modo a reconhecer a existência desses discursos e de seus desdobramentos nos proces- sos de ensinar e aprender. – 10 – O ato de educar e a didática 1.2 A didática 1.2.1 O que é a didática? A didática é um ramo da ciência pedagógica que tem como finalidade ensinar métodos e técnicas que possibilitam a construção da aprendizagem por parte do professor. A didática baseia-se nas teorias pedagógicas para ana- lisar os métodos mais adequados às situações em que são proporcionadas as aprendizagens. Nessa direção, podemos compreendê-la, a partir de Libâneo (1990), como: Uma disciplina que estuda o processo de ensino no seu conjunto, no qual os objetivos, conteúdos, métodos e formas organizativas da aula se relacionam entre si de modo a criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem significativa. Ela ajuda o professor na direção e orientação das tarefas do ensino e da aprendizagem, fornecendo-lhe segurança profissio- nal. Essa segurança ou competência profissional é muito importante, mas é insuficiente. Além dos objetivos da disciplina, dos conteúdos, dos métodos e das formas de organização do ensino, é preciso que o professor tenha clareza das finalidades que tem em mente na educação das crianças. A atividade docente tem a ver diretamente com o “para que educar”, pois a educação se realiza em uma sociedade formada por grupos sociais que têm uma visão distinta de finalidades educativas. Os grupos que detêm o poder político e econômico querem uma educação que forme pessoas submissas, que aceitem como natural a desigualdade social e o atual sistema econômico. Os grupos que se identificam com as neces- sidades e aspirações do povo querem uma educação que contribua para formar crianças e jovens capazes de – 11 – Didática e Planejamento compreender criticamente as realidades sociais e de se colocarem como sujeitos ativos na tarefa de construção de uma sociedade mais humana e mais igualitária. A didática, portanto, trata dos objetivos, das condições e dos meios de realização do processo de ensino, ligando meios pedagógico-didáticos a objetivos sociopolíticos. Não há téc- nica pedagógica sem uma concepção de homem e de socie- dade, como não há concepção de homem e sociedade sem uma competência técnica para realizá-la educacionalmente. De acordo com Libâneo (1990), podemos identificar três fases na história da didática. 22 Primeira fase: considerada por todos como a didática geral, a qual podia ser aplicada a todas as matérias, sem considerar as especi- ficidades individuais de cada conteúdo, ou seja, sem respeitar as particularidades epistemológicas de cada conteúdo. 22 Segunda fase: aparece como contrária à primeira no que se refere às par- ticularidades epistemológicas. Nessa segunda fase histórica da didática, consolidaram-se as metodologias específicas para cada ciência ensinada. 22 Terceira fase: traz um pouco das duas anteriores. Caracteriza-se por buscar uma integração da didática geral e das demais metodo- logias específicas, unificando o que é comum a todas. 1.2.2 A didática a partir de uma perspectiva crítica da Educação Surge no Brasil, na década de 1980, a chamada “didática crítica”, que se difere do modelo tradicional por vincular o ensino às realidades sociais, ou seja, procura contextualizar a realidade partindo do sujeito e estabelecendo relações com os ensinamentos cotidianos. Entendemos, portanto, que, no processo de transmissão e apropriação dos conhecimentos, devem-se privilegiar as especificidades do conteúdo e os – 12 – O ato de educar e a didática aspectos práticos e teóricos dos assuntos a serem ensinados. Contudo não devemos nos esquecer da adequação dos conteúdos às realidades dos alunos, considerando sempre suas trajetórias de vidas, os contextos em que vivem e os conceitos que já os acompanham no momento de chegada à escola. Precisamos, na condição de professores, pensar em uma concepção mais íntegra e menos fragmentada do sujeito e dos modos como devemos cons- truir os aprendizados para sua formação. O conhecimento cotidiano, local e pessoal deve ser considerado para impulsionar as aprendizagens. Porém deve- mos ir além das aprendizagens já existentes, para que possamos criar maior integração entre a bagagem cultural do aluno e os conhecimentos científicos e escolares. Dentro do contexto da reconstrução da didática a partir da de uma perspectiva crítica da Educação, é importante citarmos a teoria de ensino de Davydov (1987). Essa teoria tem como princípio que o ensino deve ir além do uso do pensamento empírico e constata a importância das ações men- tais de abstração e generalização para o desenvolvimento de um pensamento sistematizado. Essa teoria valoriza a qualidade da aprendizagem, a qual vai depender, segundo Davydov (1987), do modo como o aluno será orientado, ou seja, da maneira como o professor conduzirá essa experiência e se esta se tornará significativa ou não. Portanto, o professor tem um papel fundamental na organização do que vai mobilizar o aluno para que este se sinta atraído para as possíveis apren- dizagens. Por isso, enfatizamos que sua função é considerar e relacionar os contextos socioculturais presentes nos cotidianos dos alunos, ajudando-os a construir um relação significativa com o saber. 1.3 O processo de ensino-aprendizagem e a abordagem histórico-crítica Ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para a sua construção. Construir conhecimentos implica em uma ação partilhada, já que é através do encontro que as relações entre sujeito e objeto de conhe- cimento são estabelecidas. Quando vivemos a prática ensinar-aprender, par- ticipamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, pedagógica, – 13 – Didática e Planejamento estética e ética, em que a “boniteza deve estar de mãos dadas com a decência e a seriedade”. Conhecer é construir categorias de pensamento, ler o mundo, trans- formar o mundo, e só é possível conhecer quando se deseja, quando se quer, quando nos envolvemos profundamente no que aprendemos. Para inovar é preciso conhecer, aprender exige esforço, daí a necessi- dade da motivação, do encantamento. (GADOTTI, 1996, p. 29). A educação se fundamenta no conhecimento, e o conhecimento, na ati- vidade humana. O ser humano pode ser entendido aqui como uma presença no mundo, uma presença viva que se pensa a si mesma, que intervém, que transforma, que fala do que faz e também do que sonha. Quando lidamos com a relação entre a teoria e a prática, a reflexão se torna necessária, e a abordagem histórico-crítica é uma tentativa de se fazer essa reflexão. Para melhor entendermos a abordagem histórico-crítica, necessitamos conhecer as contribuições de Vygotsky para o cenário da Educação. Você Sabia HoLev Semenovitch Vygotsky nasceu em 1896 em Orsha, pequena cidade perto de Minsk, a capital da Bielorrússia. Seus pais eram de uma família judaica culta e com boas condições econômicas, o que permitiu a Vygotsky uma formação sólida desde criança. Aos 18 anos, matriculou-se no curso de medi- cina em Moscou, mas acabou cursando a faculdade de direito. Formado, voltou a Gomel, na Bielorrússia, em 1917, ano da revolução bolchevique, a qual ele apoiou. Lecionou literatura, estética e história da arte e fundou um laboratório de psicolo- gia - área em que, rapidamente, ganhou destaque, graças a sua cultura enciclopédica, seu pensamento inovador e sua intensa atividade: produziu mais de 200 trabalhos científicos. Em 1925, já sofrendo da tuberculose, que o mataria em 1934, publicou A Psicologia da Arte, um estudo sobre Hamlet, de William Shakespeare, cuja origem é sua tese de mestrado. A parte mais conhecida da extensa obra produzida por Vygotsky em seu curto tempo de vida converge para o tema da criação da – 14 – O ato de educar e a didática cultura. Aos educadores interessam, em particular, os estudos sobre o desenvolvimento intelectual. Vygotsky atribuía um papel preponderante às relações sociais nesse processo, tanto que a corrente pedagógica que se originou de seu pensamento é cha- mada de socioconstrutivismo ou sociointeracionismo. Um dos temas estudados por Vygotsky é a aprendizagem. Para o autor, o aprender não se resume à apropriação de conteúdos no ambiente de escolari- zação formal; na perspectiva histórico-crítica, o aprender consiste na apropria- ção da cultura, e essa apropriação pode ser por nós entendida como: ordem simbólica que, através da humanidade e das suas relações com o mundo, forma um conjunto de interpretações. 1.3.1 Conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) Vygotsky desenvolveu um importante conceito para compreendermos os processos que envolvem o ensinar e o aprender: a ZDP é um conceito que nos permite pensar a importância do mediador no processo de aprendizagem. O mediador (educador) deverá considerar o nível de desenvolvimento real do educando, o que significa reconhecer do que ele já se apropriou ao longo da sua história (conhecimentos, experiências, conceitos, práticas). A ZDP é o espaço em que ocorre a mediação entre o que o sujeito já sabe e o que ainda não sabe e aprenderá. Destacamos a importância do papel do mediador como potencializador das capacidades em vias de serem cons- truídas. Novamente, encontramos, aqui, a importância da aprendizagem como impulsionadora do desenvolvimento. “A qualidade do trabalho pedagógico está associada, nessa abordagem, à capacidade de promoção de avanços no desenvolvimento do aluno. O que se fundamenta na Zona de Desenvolvimento Proximal” (REGO, 1995, p. 106). – 15 – Didática e Planejamento De modo geral, nos meios educacionais, ainda parece prevalecer a visão de que o desenvolvimento é pré-requisito para o aprendizado. Do ponto de vista da teoria histórico-crítica, isso é uma contradição, já que os processos de desen- volvimento são impulsionados pelo aprendizado. Eu me desenvolvo porque aprendo, e não o contrário. Vygotski afirma que o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento, ou seja, que se dirige às funções psicológicas que estão em vias de se completarem. Ensinar o que o aluno já sabe ou aquilo que está totalmente longe da sua possibilidade de aprender é ineficaz. 1.3.2 Transmissão e apropriação do conhecimento A relação com o conhecimento poderá se constituir, a partir da perspectiva histórico-crítica, através da apropriação dos conteúdos e das experiências sociali- zadas. Já em uma perspectiva mais tradicional da educação, o que temos como referência é a transmissão do conhecimento. Qual seria então a diferença entre transmitir conhecimento e criar condições para a apropriação do conhecimento? Transmitir conhecimento implica em repassar informação ao outro, supondo que esse sujeito não dispõe de saberes e que constitui-se apenas como alguém que recebe passivamente as informações necessárias à sua aprendiza- gem. A atividade estaria centrada na figura do professor, que, nesse caso, é quem detém o conhecimento; e a passividade estaria vinculada à figura do aluno, que representa o sujeito que recebe e acumula os conteúdos. Já o conceito de apropriação de conhecimento nos remete a outra posi- ção entre os sujeitos no processo de ensinar e aprender: a apropriação não se dá pela transmissão de informações, mas a partir da mediação, por meio da qual criam-se condições para a aprendizagem, que poderá acontecer através dos espaços de trocas e das interações entre os sujeitos envolvidos. O conheci- mento circula entre o sujeito que ensina e o sujeito que aprende, e o processo dessas interações é de fundamental importância na produção de saberes. 1.3.3 A importância do outro – o papel das interações sociais A importância das interações sociais nos processos de ensinar e aprender se constitui pela valorização do saber do outro e pela possibilidade de construção dos espaços de trocas onde as aprendizagens ocorrem. – 16 – O ato de educar e a didática O processo de aprendizagem, segundo Vygotsky, ocorre através da inter- nalização, que implica na transformação dos significados produzidos no meio social em um processo intrapsicológico, em que a atividade principal é a recons- trução interna desses significados. Ou seja, segundo essa perspectiva, o caminho do desenvolvimento humano segue a direção do social para o individual. O sujeito é ativo – e interativo – em sua aprendizagem, por isso não pode ser visto como quem recebe passivamente informações. Contudo a atividade espontânea e individual não é suficiente para a apropriação do conhecimento recebido. Sua aprendizagem será construída a partir da intervenção do educa- dor e de suas trocas com os demais educandos, que também contribuem para os desenvolvimentos individuais. A valorização das interações sociais nos processos de ensinar e aprender coloca o trabalho interdisciplinar em perspectiva. Quando falamos do trabalho interdisciplinar, consideramos a abordagem de determinado conteúdo/conheci- mento a partir das interconexões entre as diversas áreas disciplinares. Isso nos remete a um trabalho intenso de valorização de espaços de trocas de conheci- mento entre os sujeitos, portanto, adotar uma perspectiva interdisciplinar implica fomentar as interações sociais e ampliar as abordagens sobre esses conteúdos. O mediador é um educador que atuará na Zona de Desenvolvimento Proximal e que considerará a relação entre o conhecimento a ser apropriado e o conhecimento real do educando. Além disso, ele valorizará a construção da aprendizagem reconhecendo a importância do seu papel no processo de ensinar e aprender. Já o facilitador está mais ligado a uma visão espontaneísta, que considera que o conhecimento acontecerá naturalmente. O educador, nessa perspec- tiva, é alguém que criará condições favoráveis ao aprendizado. Nessa aborda- gem, não encontramos o profissional implicado em saber o que o educando já tem apropriado para mediar com os saberes que ainda serão construídos. 1.4 As concepções de sujeito: professor e aluno Ao refletirmos sobre a relação entre professor e aluno, devemos levar em consideração que o sujeito se constitui não somente devido aos processos de maturação orgânica, mas, principalmente, pelas trocas estabelecidas com seus – 17 – Didática e Planejamento semelhantes. Assim, não há professor sem aluno e vice-versa. A existência de um está diretamente ligada à do outro, pois, como dizia Paulo Freire, quem forma se forma e reforma ao formar. Historicamente, homens e mulheres perceberam que era possível e, depois, fundamental trabalhar maneiras, caminhos e métodos de ensinar. Por isso, para ensinar, é preciso considerar que precisamos nos ocupar com os processos que envolvem o aprender. Na interação professor-aluno, é indispensável a presença do diálogo, da cooperação e da troca de conhecimentos. Cabe ao educador não somente per- mitir que essas situações aconteçam, mas também promovê-las no cotidiano da formação. Portanto, considerando a importância da interação entre professor e aluno, como podemos pensar a relação de ensino e aprendizagem na perspec- tiva histórico-crítica? Toda e qualquer atuação em espaço formativo pressupõe a reflexão sobre as abordagens que norteiam as práticas pedagógicas utilizadas, as quais tra- zem, na sua formação histórica, a dicotomização entre a aprendizagem e a formação dos sujeitos envolvidos nesses processos. O universo da cultura e das relações sociais influencia diretamente em nossa forma de aprender. Não há aprendizagem sem o sujeito. Por isso se faz necessário problema- tizar a linearidade e a naturalização sobre qual a escola sustenta sua compre- ensão sobre o sujeito, e também as práticas de categorização e marginalização dos que não se padronizam facilmente. A concepção predominante sobre a aprendizagem, no contexto escolar, pressupõe a ideia de que esse processo é inato ao sujeito e que, portanto, o nível de aprendizagem está relacionado a habilidades cognitivas já determina- das. Na concepção tradicional de educação, a centralidade no possível nível de desenvolvimento de quem aprende condiciona o nível de interação desse sujeito com a aprendizagem. A desnaturalização da compreensão hegemônica de que o desenvolvi- mento determina a aprendizagem torna-se um desafio para avançarmos rumo a uma abordagem educativa que reconheça as singularidades na construção do conhecimento. – 18 – O ato de educar e a didática Reconhecer o universo da subjetividade como liberdade, como proces- sualidade construída a partir de interações com as diferentes culturas que dividem espaço no contexto educativo pressupõe romper com práticas que se expressam através do medo, da insegurança e da desqualificação. Significa pensar as relações educativas pautadas pela dimensão relacional de “sujeito- -sujeito”, superando, com isso, a influência da ciência positivista marcada pela neutralidade e pelo poder (“sujeito-objeto”). Então, se a aprendizagem se constitui em uma relação entre sujeitos, pre- cisamos entender que os sujeitos são transformados nesse processo. A escola assume, dessa forma, outro significado. Amplia-se a dimensão da responsa- bilidade sobre o educar e retoma-se o papel de emancipação e autonomia do aluno por meio do sentir, do pensar e do fazer. 1.4.1 A constituição do sujeito e os sentidos das práticas pedagógicas Pensar nos desafios que se apresentam às práticas educativas nos remete à necessidade de compreendermos como a aprendizagem extrapola a atividade cognitiva. É necessário que nos indaguemos: quem aprende? Quem são os sujeitos dessas aprendizagens? Como aprendemos? De que forma transver- salizamos nossos saberes, culturas e histórias nas diferentes práticas sociais? Conforme Aguiar (2001), a perspectiva histórico-crítica reconhece que, no universo das práticas pedagógicas, construímos significados e sentidos sin- gulares, e refletir sobre esses processos, vivenciados em cada relação pedagó- gica, torna-se essencial para uma aprendizagem significativa. Nessa direção, os processos de construção do conhecimento redimensionam-se para além da aquisição do saber, como processos de singularização a partir de um processo social, mediatizado semioticamente. Aguiar (2001) sistematiza esses conceitos de significado e sentido a partir da distinção feita por Vygotsky. Desse modo, entende o signi- ficado como uma construção social, de origem cultural, historicamente socializado, e o sentido como o confronto com as significações sociais e a vivência singular. – 19 – Didática e Planejamento Aguiar (2011) ressalta que o sentido é mais complexo que o significado, portanto, quando nos referirmos à produção dos sentidos, estaremos diante de processos de subjetivação. Isto é, da vivência e experiência histórica e social de cada sujeito. Vygotsky (2000) trabalhou um conceito importante para compreender- mos as marcas de cada sujeito nos processos educativos e para compreender- mos essas marcas no processo de singularização, a partir do que ele chamou de internalização. De acordo com Aguiar (2001), cada sujeito implicado nas práticas edu- cativas converte e transforma o mundo material em mundo simbólico. Em outras palavras, o processo de significação do mundo externo passa tanto pela referência da relação que construímos quanto pelo que internalizamos, por- tanto, tornam-se parte de nossa dimensão singular. [...] a constituição da subjetividade individual é um processo singular que surge na complexa unidade dialética entre sujeito e meio atual, definido pelas ações e mediante as quais a história pessoal e a do meio confluem em uma nova unidade que, ao mesmo tempo, apresenta uma configuração subjetiva e uma configuração objetiva [...] e assim, como o social se subjetiva para converter-se em algo relevante para o desen- volvimento do indivíduo, o subjetivo permanentemente se objetiva ao converter-se em parte da realidade social, com o qual se redefine cons- tantemente como processo cultural. (FURTADO, 2001, p. 89). Molon (2000) compreende o conceito de internalização em Vygotski como um processo em que as atividades interpsicológicas serão convertidas em intrapsi- cológicas, suplantando a dicotomia do mundo externo em mundo interno. A análise sobre as concepções de sujeito, que perpassam as práticas edu- cativas, conta com a compreensão de que toda a produção humana está vin- culada a uma dimensão de relação com o outro e com o mundo. No entanto, para compreendermos esse movimento relacional, torna-se necessário resga- tarmos a ideia de que o sujeito produz suas relações a partir do campo de significações, de sentidos que se amarram na sua história. De acordo com Molon (2000, p. 9), “[...] o singular expressa o universal, entendendo o sin- gular enquanto determinação histórica, cultural e ideológica”. – 20 – O ato de educar e a didática 1.4.2 A relação professor-aluno e a construção da autoridade pedagógica Todo educador é sempre um leitor da realidade. As pessoas não leem só livros, mas leem suas vidas, suas práticas, ensaiam construir significados às situações experienciadas. Segundo Madalena Freire (2004), temos uma capa- cidade singular de pensar, tomar consciência, agir, mudar e transformar. Por isso, como educadores, temos de estar sempre acompanhados do exercício contínuo da reflexão. Nesse sentido, um dos desafios à prática docente é a construção da autoridade pedagógica. Segundo Freire (2004), não existe grupo sem a coordenação de uma auto- ridade. Toda autoridade coordena a liberdade. A liberdade é social, não é indivi- dual, e é por isso que, em todo ato educativo, é importante a mediação de um educador. Na sistematização proposta por Freire (2004), as intencionalidades do processo de aprendizagem são marcadas por diferentes concepções educativas. 22 Concepção autoritária: nessa concepção, a intencionalidade é cen- tralizadora. Centraliza-se a aprendizagem somente no que foi pla- nejado e não há busca pela sintonia, não há escuta, não há observa- ção. A aprendizagem não parte do saber do outro nem do problema do outro e não abre espaço de liberdade ao outro. 22 Concepção espontaneísta: o foco dessa centralização se transpõe para o educando. Dentro dessa concepção, os alunos decidem tudo: há votações, eleições, discussões e são os alunos que decidem sobre os conteúdos. O educador não assume a sua diretividade, omite-se e deixa o poder vago. Porém, dessa forma, instaura-se a luta pelo poder, pois nenhum grupo vive sem uma autoridade que possa coordenar as suas liberdades. 22 Concepção democrática: nesse modelo, a autoridade do educador é compartilhada. Além da autoridade do educador, formalizada atra- vés do discurso, há também a autoridade, o poder e o modelo do aluno, e ainda a autoridade, o poder e o modelo do grupo. Essas três vias se interrelacionam e comunicam-se o tempo inteiro. Portanto, podemos compreender que não existe concepção de educação que não seja diretiva, que não tenha intencionalidade. – 21 – Didática e Planejamento Indo além, podemos compreender também que somos fadados à dife- rença porque somos únicos. Somos autores do nosso destino e da nossa auto- ridade. Portanto, cada um de nós tem de ser capaz de assumir a si mesmo para conseguir construir a própria autoridade, a própria autoria, e isso só poderá acontecer se conseguirmos assumir nossos medos, pensamentos, conheci- mentos, dificuldades e desafios. Segundo essa perspectiva, a possibilidade de construirmos um espaço de formação humana encontra-se ligada à concepção que ambos os atores (professor e aluno) do processo de ensino-aprendizagem precisam ter. O reconhecimento do profissional da educação precisa se dar não só por sua capacidade em dar aulas, mas também na compreensão de que as atividades de seu trabalho o constituem como “ser-sujeito”. E por parte do aluno, é necessário que haja o reconhecimento da aprendizagem como um processo contínuo e transformador para a vida. Vygotsky (1987) afirma que toda atividade humana é potencialmente trans- formadora e que, ao produzirmos a matéria objetiva, também alteramos a realidade subjetiva, isto é, nos constituímos nessa relação. Portanto, a atividade formativa precisa também ser compreendida como transformadora e, a partir desse olhar, pre- cisamos encarar um novo papel para o professor e para a relação pedagógica. Na abordagem histórico-crítica, necessitamos compreender o processo de ensino-aprendizagem como um processo a ser construído. A relação pedagógica não se constitui mais de professor-sujeito e aluno-objeto, mas é composta por uma relação sujeito-professor e sujeito-aluno. O ato de ensinar e aprender deixa de ser mecanizado e toma um perfil dinâ- mico em que, efetivamente, o conhecimento é produzido e apropriado tanto pelo aluno quanto pelo professor. À medida que professor e aluno expandem essa relação interativa e dinâmica, modificam suas relações cognitivas com o mundo. A apropriação do legado cultural da humanidade se dá por meio do processo de ensino-aprendizagem, por intermédio da linguagem. As funções – 22 – O ato de educar e a didática psíquicas humanas estão intimamente vinculadas ao aprendizado. Portanto, para que este esteja alinhado à perspectiva histórico-crítica da educação, deve levar em consideração as múltiplas dimensões da vida humana, ter uma lei- tura crítica sobre a cultura hegemônica e possibilitar a construção de espaços onde a diversidade possa estar presente. Em síntese, a prática educativa deverá, necessariamente, considerar o aluno como sujeito ativo (interativo) no seu processo de conhecimento. O aluno não mais é visto como aquele que recebe passivamente as informações do exterior. Concomitantemente, o processo de mediação pedagógica exigirá do professor um comprometimento profissional que deverá estar implicado na sua concepção de mundo. Segundo Santos (2006), o professor é a figura que cria oportunidades de aprendizagem no processo educativo, e é seu papel buscar alternativas para prevenir atitudes indisciplinares por parte dos alunos – sua função é investi- gar e preparar um trabalho voltado aos interesses dos alunos, priorizando o prazer em estudar. A educação é um processo de construção, e o professor, como media- dor, também faz parte desse processo. Cada aula e cada turma apresentam uma realidade distinta; não há receitas prontas, mas uma construção cole- tiva. Diante dessa constatação, sentimos a necessidade de que se estabeleça, no contexto escolar, um diálogo entre ensino e aprendizagem, de modo a enfatizar o papel do professor, no sentido de procurar criar competências e habilidades para a solução dos problemas, em uma perspectiva capaz de olhar a escola de forma a contemplar seus diferentes lugares, tempos e espaços. Olhar a escola por/entre-lugares significa conectar-se com a experiên- cia, com tudo aquilo que me passa (LARROSA, 2004), que me afeta, com as marcas que arquivam as experiências vividas nesse espaço e que se fazem presentes como fluxos na direção de um (outro) pre- sente, um (outro) desejo, o desejo de uma (outra) escola. Pensar sobre essa perspectiva de educação implica uma mudança que começa pelo corpo docente, passa por todo o processo educativo (por/entre lugares) e chega ao Projeto Político-Pedagógico, que é a base de construção da identidade escolar como um lugar de linguagens e culturas, identificando a posição de cada agente do ensino-aprendizagem, incluindo o professor, aluno, família e equipe da escola. – 23 – Didática e Planejamento Síntese A perspectiva histórico-crítica na educação enfatiza a importância de construirmos um espaço de formação humana ligado à concepção de que ambos os atores (professor e aluno) transformam-se durante o ato educativo. O reconhecimento dos profissionais de educação precisa se dar não só na atividade formativa/dar aulas, mas na compreensão de que a atividade de trabalho o constitui como “ser-sujeito”. Assim, desempenhamos, como educadores, uma função eminentemente educativa/transformadora, pois, ao mesmo tempo em que constituímos possibilidades de outros aprenderem, estamos também alterando nosso saber, nosso modo de olhar para a vida. Vygotsky (1987) afirma que toda atividade humana é potencialmente transformadora e que, ao produzirmos a matéria objetiva, também alteramos a realidade subjetiva, isto é, nos constituímos nessa relação. Portanto, atividade formativa precisa também ser compreendida como transformadora e, a partir desse olhar, precisamos encarar um novo papel para o professor e para a relação pedagógica. À medida que expandimos nossos conhecimentos nessa relação interativa e dinâmica, modificamos a nossa relação cognitiva com o mundo. As funções psíquicas humanas estão intimamente vinculadas ao aprendi- zado, à apropriação (por intermédio da linguagem) do legado cultural do grupo. Portanto, o processo de aprendizagem deverá levar em consideração as diferentes dimensões da vida humana, ter uma leitura crítica sobre a cultura hegemônica e possibilitar a construção de espaços onde a diversidade possa estar presente. Em síntese, a prática educativa deverá, necessariamente, considerar o sujeito ativo (interativo) no seu processo de conhecimento, já que este não é visto como quem recebe passivamente as informações do exterior. O processo de mediação pedagógica exigirá do professor um comprometimento profis- sional que estará implicado na sua concepção de mundo. – 24 – 2 As contribuições da didática para a Educação Patrícia de Moraes Lima Neste capítulo, refletiremos sobre a reconstrução da didá- tica a partir de uma perspectiva crítica da Educação. A seguir, colo- caremos nossos olhares sobre os saberes escolares e pensaremos a didática a partir de uma abordagem crítica e transdisciplinar, a qual incorpora os desafios provenientes dos sujeitos da ação pedagógica. Posteriormente, compreenderemos a importância da formação dos professores. Para finalizar, estenderemos os nossos olhares sobre a figura simbólica do professor. 2.1 Reflexões sobre a reconstrução da didática Nesta seção, pensaremos a reconstrução da didática a partir de uma perspectiva crítica da educação. Conforme havíamos abordado, a didática está ligada diretamente ao modo como os professores compreendem o processo de ensinar e aprender. A didática, nesse sentido, torna-se um elemento essencial Didática e Planejamento que incide sobre a prática pedagógica do professor de modo que a organização do cotidiano trace as ações de registro, planejamento e avaliação. O contínuo exercício de interrogar-se sobre a prática pedagógica traz para o plano da didática um professor capaz de imprimir desafios cotidiana- mente no processo de ensino-aprendizagem. 2.2 O saberes escolares Paulo Freire (1994) aponta que a tarefa do educador dialógico é conhe- cer o universo cultural e social dos seus alunos e buscar elementos que pos- sibilitem desenvolver junto aos educandos questões problematizadoras, para que estes possam desenvolver uma visão crítica sobre a realidade. Para que a ampliação dos conhecimentos ocorra, é necessário compre- ender a realidade social dos alunos, o que está por trás de cada um deles e a cultura a que eles têm acesso e valorizar, assim, o saber dos próprios alunos, fazendo a mediação com o saber socialmente sistematizado. Os conhecimentos dos alunos, por mais distantes que possam parecer do saber escolar, podem servir como pontos de partida para que o professor possa verificar o que os alunos já dominam e possa, então, planejar as ações de ensino no sentido de promover o avanço na apropriação de novos conhecimentos. As propostas do professor devem ir além dos conte- údos meramente utilitaristas e imediatistas. O pro- fessor deve trabalhar com conteúdos selecionados a partir da realidade próxima de seus alunos, avançando no sentido de que aprendam também os conhecimen- tos do dito “mundo letrado”, os quais podem ajudar o aluno a fazer uma leitura mais ampliada do mundo. Outra função do professor deve ser dar sentido aos conhecimentos apre- sentados aos alunos através da interdisciplinaridade, promovendo uma maior – 26 – As contribuições da didática para a Educação articulação entre os conteúdos e também com as demais áreas de aprendiza- gens e conhecimentos. O conhecimento, ao ser selecionado e organizado curricularmente, mui- tas vezes, acaba caracterizando um recorte simplificado, reduzido e conden- sado do saber científico. Esse recorte, ao ser descontextualizado das origens de sua produção, dificulta a compreensão da aprendizagem e impõe limites a uma articulação interdisciplinar. A escolha dos saberes escolares a serem ensinados ocorre mediante decisões fundamentadas na concepção de conhecimentos socialmente valorizados em determinado momento histórico, ou seja, os conheci- mentos são pensados com base em interesses e posicionamentos. A escolha dos conteúdos é feita através do interesse de quem os trans- mite. Portanto, é necessário nos questionarmos: quais são os conhecimentos apropriados, senão aqueles em que o próprio professor acredite? A seleção de conteúdos considerados “apropriados” depende das forças dominantes em cada momento, dos valores que historicamente foram se deli- neando sobre o que se acredita ser valioso para ser ensinado, assim como dos valores que se pretende introduzir nos alunos. Os conteúdos não são criados pelo pensamento educativo, mas pelos frutos de uma história. Os conhecimentos transmitidos nas escolas não devem ser a única pos- sibilidade de interpretar a realidade. Ao realizarmos a atividade de planejar situações de ensino, devemos ter a preocupação de trabalhar todo e qualquer conhecimento de forma contextualizada. Um conteúdo passa a ser valioso e legítimo quando ultrapassa o aval social daqueles que têm poder para determinar sua validade. Por isso, a fonte do currículo deve ser a cultura que emana de sua sociedade. 2.2.1 Interdisciplinaridade na Educação Ao enfrentarmos um universo cultural extremamente rico e complexo, percebemos que somos incapazes de compreendê-lo. Isso nos faz refletir sobre o fato de que necessitamos de uma grande gama de conhecimento para que seja- – 27 – Didática e Planejamento mos capazes de acompanhar o contexto universal do mundo. Diante dessa difi- culdade, vemos a necessidade de uma transformação no sistema educacional. Segundo Lück (1994), unir culturas para um entendimento de mundo globalizado é uma ação que não deve ser feita apenas pelo modismo, em mais uma ação de mudança em favor da educação, pois, dessa forma, o projeto pedagógico interdisciplinar ficaria guardado na gaveta, servindo apenas para constatação de mudança teórica; porém, na prática, a educação continuaria fragmentada e sem qualquer perspectiva. A autora lembra que, se o professor analisar adequadamente o seu coti- diano escolar, identificará facilmente inúmeras dificuldades que resultam da visão fragmentadora, o que, por si só, estabelece a necessidade do enfoque interdisciplinar e globalizador no ensino. Porém Lück teme que os educa- dores usem a interdisciplinaridade como uma vestimenta nova, sem saber exatamente o seu significado e objetivo na educação. O professor tem de ter consciência de que, traba- lhando dentro de um sistema de interdisciplinari- dade, produzirá conhecimento útil, capaz de inter- ligar teoria e prática, e estabelecerá relação entre o conteúdo do ensino e a realidade social escolar. Para que tenhamos um entendimento abrangente sobre a interdiscipli- naridade, temos de entender o que é disciplina. A disciplina (ciência), entendida como um conjunto específico de conhecimento de característica própria, obtido por meio de método analítico (análise), linear (uniforme) e atomizador da realidade, produz um conheci- mento aprofundado, correspondente a um saber especializado, ordenado e profundo, que permite ao homem o conhecimento da realidade a partir de especificidades, ao mesmo tempo em que deixa de levar em consideração o todo de que faz parte (LÜCK, 1994). Sob um enfoque mais pedagógico, podemos definir a disciplina como: a atividade de ensino, o ensino de uma área da Ciência ou como a ordem e – 28 – As contribuições da didática para a Educação organização do comportamento. No contexto pedagógico, o conhecimento já produzido, conforme o enfoque epistemológico anteriormente descrito, é submetido, novamente, ao tratamento metodológico, analítico, linear e ato- mizador, agora, com o objetivo de facilitar a sua apreensão pelos estudantes, o que dá origem às disciplinas. As disciplinas, ou corpos de conhecimentos especializados, foram cons- truídas a partir de um paradigma teórico-metodológico que norteou a deter- minação da visão especializada de mundo. A interdisciplinaridade no campo da Ciência corresponde à necessidade de superar a visão fragmentadora de produção do conhecimento. No campo da Pedagogia, surge da compreensão de que o ensino não é tão-somente um problema pedagógico, e sim um problema epistemológico. O objetivo da interdisciplinaridade é, portanto, o de promover a superação da visão restrita de mundo e a compreensão da complexidade da realidade, resgatando concomitantemente a centralidade do homem na realidade e na produção do conhecimento, de modo a permitir, ao mesmo tempo, melhor compreensão da realidade e do homem como ser determi- nado e determinante. A interdisciplinaridade é um elo entre os conhecimentos que almeja abranger todas as disciplinas em um só tema por meio de uma visão global do mundo. Por meio desse enfoque, a educação tem por finalidade contribuir para a formação do homem pleno, inteiro, uno, que alcance níveis cada vez mais competentes de integração das dimensões básicas, o eu e o mundo, com a finalidade de que seja capaz de resolver os problemas globais e complexos que a vida lhe apresenta e de produzir conhecimentos que possam contribuir para a renovação da sociedade. A visão interdisciplinar corresponde, portanto, a estabelecer a ligação entre duas ou mais concepções que, em cada circunstância, vejam o homem por inteiro, reconhecendo a interação dialética entre as polaridades: materia- lidade e espiritualidade, corpo e alma. A interdisciplinaridade como ideia de superação da fragmentação do ensino não é nova. Ou seja, no final do século XX, já havia a indicação de uma nova proposta do currículo como forma de superar essa fragmentação. – 29 – Didática e Planejamento A Lei 5.692/71, implantada no sistema educacional, propunha a integração vertical e horizontal das disciplinas. Igualmente, o método de projetos, que foi muito popular em certa época, surge agora como uma força de sustenta- ção para uma mudança na educação. A interdisciplinadade vem atender a necessidade percebida pelos pro- fissionais da educação em geral, e não apenas pelos que atuam em seu nível macroadministrativo. Somente agora, ela surge como força de superação da fragmentação, linearidade e artificialização – tanto do processo de produção do conhecimento quanto do ensino e do distanciamento de ambos em relação à realidade – e é vista como possível a partir de uma prática interdisciplinar. A interdisciplinaridade na educação vem sendo estudada pelos educadores desde a década de 1970. Todavia a mudança provocada pela prática da interdisciplinaridade causa, como toda ação a que não se está habituado, uma sobrecarga de trabalho e certo medo de errar, ocasionado pelo risco de que a mudança metodológica de ensino não dê certo, o que gera resistências. De uma forma ou de outra, percebemos que os educadores vêm ten- tando internalizar conhecimentos a seus alunos de forma global. Com isso, a escola busca uma maneira de desfragmentar seus conteúdos unindo-os em um só tema. O objetivo é levar conhecimento para seus alunos de forma globalizada. A prática interdisciplinar, no contexto da sala de aula, implica na vivên- cia do espírito de parceria, de integração entre teoria e prática, conteúdo e rea- lidade, objetividade e subjetividade, ensino e avaliação, meios e fins, tempo e espaço, professor e aluno, reflexão e ação, entre muitos dos múltiplos fatores interagentes do processo pedagógico. A interdisciplinaridade é erroneamente confundida com: 22 trabalho cooperativo e em equipe; 22 visão comum do trabalho pelos participantes de uma equipe; 22 integração de funções; 22 cultura geral; – 30 – As contribuições da didática para a Educação 22 justaposição de conteúdos; 22 adoção de um único método de trabalho por várias disciplinas. É fácil, pois, reconhecer que, embora esses aspectos sejam associados à prática interdisciplinar, eles não podem ser considerados como o processo todo; muitas vezes, são considerados como o ponto de chegada do esforço pela construção da interdisciplinaridade, e não como um passo ou momento desse processo. Portanto, fica o desafio aos educadores, no sentido de que se esforcem para assumir uma atitude interdisciplinar e para mudar no exercício da prá- tica: ter uma visão globalizadora, acreditamos, tornará o trabalho educacional mais significativo e produtivo. 2.2.2 Os conteúdos dentro de um enfoque transdisciplinar Dentro de uma perspectiva crítica da Educação, os conteúdos devem ser inter-relacionados, transdisciplinares, interdisciplinares e abranger capacida- des cognitivas, motoras, afetivas, éticas e sociais. Vamos, a seguir, estudar os diferente tipos de conteúdos que podem ser trabalhados pelo professor. 22 Conteúdos factuais Os conteúdos factuais são conhecimentos de fatos, acontecimentos, dados e fenômenos concretos e singulares. Por exemplo: as datas comemo- rativas, os nomes das pessoas, a localização de territórios ou a altura de uma montanha. A aprendizagem desses conteúdos se dá pela repetição dos conhe- cimentos. Esses conteúdos envolvem a capacidade de memorização do aluno, que pode utilizar-se de estratégias pedagógicas que envolvam exercícios de fixação, repetição, construção de esquemas e agrupamento por categorias. 22 Conteúdos conceituais Os conteúdos conceituais relacionam-se com os conceitos propriamente ditos e referem-se a conjuntos de fatos, objetos ou símbolos que possuem características comuns. São conteúdos mais abstratos, que envolvem a com- preensão, a reflexão, a análise e a comparação. Portanto, para que sejam apre- endidos, não basta repetir a informação; é necessário compreender os conhe- – 31 – Didática e Planejamento cimentos de forma a conseguir utilizá-los. Para tanto, durante o processo de aprendizagem, o aluno, partindo de seus conhecimentos prévios, precisa adquirir novas informações e vivenciar situações-problema que o conduzam a novos conhecimentos e à elaboração de novos conceitos. 22 Conteúdos procedimentais Os conteúdos procedimentais envolvem ações ordenadas com um fim, ou seja, ações direcionadas para a realização de um objetivo. Referem-se a um aprender a fazer, que envolve regras, técnicas, métodos, estratégias e habilidades. Ao planejarmos e organizarmos uma aula, podemos tornar explicita, por meio da delimitação de objetivos, a nossa intenção de que os alunos desenvolvam habilidades específicas, relacionadas ao domínio de conteúdos procedimentais. 22 Conteúdos atitudinais São os conteúdos que caracterizam-se como valores, atitudes e normas. Alguns desses conteúdos são a cooperação, a solidariedade, o trabalho em grupo, o respeito, a ética e o trabalho com a diversidade. O ensino de con- teúdos atitudinais corresponde ao compromisso filosófico da escola em pro- mover aspectos que nos completem como seres humanos e que deem razão e sentido ao conhecimento científico. Esse compromisso da escola pode estar expresso nos objetivos educacionais, contemplando a intenção de favorecer o desenvolvimento de comportamentos éticos, o respeito às normas e a mani- festação de atitudes positivas. O enfoque globalizador da educação concebe o aluno em uma perspec- tiva mais holística e integral e defende que a organização dos conteúdos e das atividades de ensino priorize a aprendizagem significativa. Para isso, os conteú- dos não podem ser segmentados, separados e descolados da realidade do aluno. 2.3 A sala de aula A aula tem que ser vista e pensada não apenas como um momento em que se segue um currículo, em horários pré-determinados e com planos de aula a serem seguidos, mas como um momento de encontro entre os conte- údos de ensino e os próprios sujeitos da ação: os alunos. A aula deve se cons- – 32 – As contribuições da didática para a Educação truir como um campo de possibilidades formativas, e não apenas como um campo físico de transmissão de conteúdos. O objetivo principal da aula é sempre o ensino e a aprendizagem de conteúdos de ensino. Como já dissemos anteriormente, para que esse pro- cesso possa acontecer efetivamente, é necessário que a prática pedagógica seja contextualizada e que se considere a situação econômica, social e política de cada sujeito ali envolvido. É no ambiente da aula que a visão de mundo do aluno deverá ser ampliada, uma vez que vai ser nesse espaço, que tem por finalidade promover a educação formal do cidadão, que as trocas e as relações vão acontecer. É na aula que a construção do conhecimento vai se dar, através do pro- cesso didático. E essa construção só será possível mediada pela relação pedagógica, evidenciando assim o papel e a centralidade que deve ter o trabalho docente na construção do conhecimento de cada educando. Vai ser no ambiente da sala de aula que ensino, aprendizagem, pesquisa e avaliação vão se entrecruzar enquanto processos vivenciados entre alunos e professores; é nesse ambiente que, permanentemente, serão construídos sabe- res, valores, aprendizagens e culturas. A sala de aula é um espaço complexo, que de modo algum é neutro. Por trás das relações estabelecidas e das interações humanas efetivadas, há obje- tivos e finalidades pensadas por cada sujeito que ali está, seja na condição de aluno, seja na condição de professor. Portanto, a didática deve se construir e se estruturar enquanto um pensar sobre as nossas práticas pedagógicas, e para que esse processo seja efetivo, deve ser coletivo, e não individualizado. Ou seja, a escola deve ser um ambiente pensado coletivamente, para que todos os sujeitos que ali se envolvam possam se sentir partícipes de todo o conjunto de relações que ali são estabelecidas, e assim não se tornem passivos nas relações de aprendizagens. As ações pedagógicas devem acontecer na relação coletiva entre professor e aluno, proporcionando a troca de experiências, de conhecimentos e tam- bém de angústias. A análise e a compreensão dos dados levantados também devem ser partilhadas. – 33 – Didática e Planejamento É necessário que o professor assuma em sala de aula um trabalho inte- rativo, considerando que há uma multiplicidade de ações existentes no coti- diano das salas. O trabalho docente deve acontecer de forma intencional, sistemática e comprometida com as aprendizagens de cada sujeito que ali está, considerando os alunos nas suas especificidades, respeitando seus tempos e suas aprendizagens. Para que as aprendizagens não se tornem apenas transmissão de conteú- dos, é preciso fundamentar o processo didático na compreensão da realidade, percebendo o aluno enquanto sujeito ativo nas ações, e não apenas como receptor passivo dos conhecimentos. Como já havíamos expressado, nem a sala de aula nem a didática são neutras. A didática tem um compromisso social e político, que vai se definindo à medida que se privilegiam alguns conteúdos em detrimento de outros. O campo de disputa entre conteúdos e ensinamentos é um campo de forças, onde o que estiver mais bem articulado nas suas proposições acaba se sobressaindo. É preciso, portanto, que o professor tenha clareza de seu papel, já que, na sua prática docente, terá que, constantemente, tomar decisões, reafirmando sempre sua posição política através de sua prática pedagógica. 2.4 A formação de professores As primeiras pesquisas sobre a formação de professores foram vistas como a salvação dos problemas da educação. Acreditava-se que a melhoria da educação dependia apenas dos professores, o que sabemos ser uma crença sem fundamento, pois os problemas de gestão, de estrutura, de organização, de ausência de materiais, da falta de participação dos pais e de políticas públicas também influenciam a qualidade do ensino. Entretanto a formação docente é importante e deve ser um processo con- tínuo de aprendizagens e desenvolvimento profissional. A importância da for- mação está relacionada com o aperfeiçoamento de habilidades e com a aqui- sição de novos conhecimentos, de modo a melhorar a qualidade do ensino. No início das pesquisas sobre a formação de professores, o foco estava na formação inicial do docente. Contudo, com o crescente interesse sobre – 34 – As contribuições da didática para a Educação esse tema, a formação continuada do professor passou a figurar no centro das pesquisas. É necessário que o professor amplie seus conhecimentos, através da for- mação continuada, porém não devemos desconsiderar todos os elementos que compõem sua bagagem, adquirida durante toda vida pessoal e carreira profissional, para não desconsiderá-los e desvalorizá-los enquanto conheci- mentos válidos e significativos. Os conhecimentos prévios do professor, os quais embasam sua prática docente, não podem ser desmerecidos. Não podemos nos esquecer de que a formação do professor acontece desde o início de sua existência, ao longo de toda a sua vida, em diferentes contextos. Toda a experiência do professor está relacionada aos contextos em que esteve presente, às posições que ocupou e ao modo como refletiu sobre sua própria existência enquanto sujeito e enquanto docente. Suas relações foram sendo tecidas com familiares, com a escola (sua própria formação inicial) e com seus pares. As aprendizagens que constituíram o sujeito pro- fissional da educação não se deram de maneira linear, foram construídas por um conjunto de determinações sociais que, ao longo de suas vivências, foram experienciadas. Do mesmo jeito que devemos respeitar o sujeito aluno, partindo dos conhecimentos que já possui para, posteriormente, ampliá-los, assim deve ser com o sujeito professor: devemos partir de onde estão suas aprendizagens para, enfim, poder ampliá-las e ressignificá-las. É necessário que o professor amplie suas competências para que o seu trabalho possa se tornar cada vez mais flexível e conter um espectro de estratégias cada vez mais amplo. As competências são aqui entendidas como saberes que mobilizam novas respostas para as vivências da sala de aula, ou seja, saberes que se mani- festarão, principalmente, nas ações cotidianas. – 35 – Didática e Planejamento Nesse contexto, vemos os professores como mediadores culturais, como mediadores dos conhecimentos e das aprendizagens, os quais, por meio de suas competências, proporcionam a organização de situações educativas que podem tornar os conteúdos significativos para os alunos. Para que o aluno aprenda, precisamos, primeiramente, que ele deseje aprender. Sem que o indivíduo esteja aberto ao conhecimento, não será válido o esforço do professor. Porém, para que possamos formar sujeitos, precisa- mos, enquanto professores, estar formados com as competências necessárias para os possíveis ensinamentos. Por entendermos o professor como um “ser-em-relação” é que conside- ramos a importância de sua vivência em grupo, não mais individual (em suas salas de aula), mas coletiva. Percebemos que as escolas, cada vez mais, em suas práticas institucionais, investem na gestão coletiva, visando a uma melhor estruturação da escola. A construção da docência sempre estará relacionada aos outros sujeitos, ao coletivo. Por isso, defendem-se as “comunidades de aprendizagem”, con- ceito utilizado por Mizukami (2006) para designar grupos de estudos que podem acontecer no próprio local de trabalho, entre todos que habitam aquele espaço. A importância de esses encontros acontecerem no coletivo se dá justa- mente por acreditarmos que os conhecimentos coletivos superam os individu- ais, e que alguns sabem aspectos que os outros não sabem, por isso, a troca de conhecimentos, experiências, vivências e aprendizagens é significativa. Porém, ao mesmo tempo, acreditamos que o professor, cada vez mais, precisa se tornar auto-reflexivo e autônomo nas suas decisões; ele precisa ter controle sobre os efeitos do próprio trabalho, saber a quem está atingindo e de que modo, para que assim possa tornar-se consciente de suas atitudes. 2.5 Ser professor A tarefa de ser professor é desafiada cotidianamente, pois, nessa pro- fissão, nos construímos permanentemente pelo fato de estarmos diante de outros sujeitos, no caso, os educandos. No plano ético dessas relações, o apri- moramento desse ser-professor torna possível a qualidade das ações educati- vas que, no âmbito dessas práticas, serão construídas. – 36 – As contribuições da didática para a Educação Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liber- dade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo descuidado, corre o risco de se amofinar e já não ser teste- munho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste. Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liber- dade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo descuidado, corre o risco de se amofinar e já não ser testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste (Paulo Freire). Rui Canário (2002) aponta alguns caminhos para pensarmos a figura simbólica do professor em uma concepção crítica e ampliada da educação: 22 O professor como analista simbólico Conceber o professor como um analista simbólico significa encará-lo como um “solucionador de problemas”, isso em contextos marcados pela complexidade, pela incerteza, pelos dissabores, e não como alguém capaz de dar as “respostas certas” a situações previsíveis. Isso significa, também, questionar criticamente os processos de formação concebidos como processos cumulativos e de treino, para responder a estímulos externos determinados. – 37 – Didática e Planejamento 22 O professor como um artesão A singularidade das situações educativas impede que o professor possa aplicar procedimentos de natureza científico-técnica de forma padronizada e com êxito. Mais do que um reprodutor de práticas e transmissor de conhe- cimentos, o professor é um reinventor de práticas, ao reconfigurá-las de acordo com as especificidades dos contextos e do público a que se desti- nam. O saber construído na ação é um saber de primordial importância, portanto, acreditamos que o professor-artesão apresenta um conjunto de saberes extremamente úteis. 22 O professor como um profissional de e da relação O professor exerce uma atividade profissional que poderia, tranquila- mente, ser inscrita entre as profissões de “ajuda”, marcadas pela relação face a face, quase permanente, com o aluno (educando). Nessa atividade, o professor investe toda a sua personalidade e todo o seu ser, o que muitas vezes gera um elevadíssimo nível de estresse, na medida em que os insucessos e as dificuldades profissionais acabam sendo sentidos tam- bém como insucessos pessoais. E isso se dá pelo fato de que a natureza da sua atividade se define tanto pelo que ele sabe quanto pelo que ele é como pessoa. Essa importância decisiva da dimensão relacional da profissão torna mais evidentes os limites do modelo de racionalidade técnica que continua a dominar as concepções sobre a formação dos professores. A relação entre professor e alunos engloba as dimensões intelectual e afetiva e impregna a totalidade do ato educativo, não podendo ser ensinada, apenas aprendida. Portanto, reconhecer que a relação entre professor e aluno vem impreg- nada da totalidade da ação profissional do professor implica reconhecer que esse mesmo professor aprende, e muito, no contato com seus alunos, e será tão melhor professor quanto maior for sua capacidade para realizar essa apren- dizagem. Isso significa dizer que o estereótipo tradicional do bom professor, reduzido à condição de bom e eficaz transmissor de conhecimentos e infor- mações, terá de dar lugar à figura do bom comunicador, definido, sobretudo, pelas suas qualidades de “escuta”, ou, utilizando as palavras de Donald Schön (1992, p. 83), pela sua disponibilidade para “ser surpreendido pelo que o – 38 – As contribuições da didática para a Educação aluno faz” para, em um segundo momento, tentar compreender “a razão por que foi surpreendido”. 22 O professor como um construtor de sentidos Nos dias atuais, fala-se muito em “crise da escola”. Essa crise é vista das mais variadas formas, mas, nem sempre, é compreendida. Para uns, o que está em foco é, sobretudo, a eficácia da escola, passível de ser melhorada a partir de uma intervenção centrada em aspectos técnicos (didáticos e curriculares). Para outros, no entanto, vive-se, fundamentalmente, uma crise de “legi- timidade”, decorrente da defasagem entre a instituição escolar, a diversidade de expectativas e as lógicas de ação, presentes em um público escolar cada vez mais diferenciado. Essa crise se traduz na dificuldade da escola em buscar recursos de sentido para o processo de ensino-aprendizagem. É nessa pers- pectiva que se valoriza, como uma das dimensões essenciais do trabalho do professor, a capacidade de ser um “construtor de sentido”, que ultrapassa o papel de mero transmissor de informações. Aprender, entendido como um processo de humanização, não pode ser o resultado de um processo cumulativo de informação, mas de um processo de seleção, organização e interpretação das informações a que cada um está exposto, e que, segundo as pessoas e segundo os contextos, pode dar origem a perspectivas muito diferentes. É a partir dessa maneira de ver que se pode sustentar, como o faz Barthes (1996, p.25), que aprender significa “atribuir sentido a uma realidade complexa, e essa construção de sentido é feita a partir da história” cognitiva, afetiva e social de cada sujeito. Quando o professor experimenta a ambiguidade do seu lugar, ele con- segue, juntamente com os seus alunos, administrar a violência intrínseca ao seu papel. Isso não significa que, se isso acontecer, a paz reinará na escola, mas que alunos e professores, por força das circunstâncias, serão obrigados a se ajustar e a formular regras comuns, limites de fechamento e de tolerância. Portanto, nem autoritarismo nem abandono. O professor ocupará o seu lugar limitador e abrirá brechas que permitirão ao aluno negociar e viver com mais intensidade a misteriosa relação que une o “lugar-escola” e “o nós-alunos”. É preciso desencadear no aluno a paixão pela descoberta de si e do mundo, e isso só se faz quando se está movido pela mesma paixão. – 39 – Didática e Planejamento Síntese Neste capítulo, estudamos o que é a didática a partir das suas princi- pais fases. Avançamos nessa direção para pensar os conteúdos da didática e como podemos, com esses elementos, construir nossos planos de aula. A sala de aula é o lugar onde, de fato, exercitamos a didática, e é por meio dessas experiências que construímos as possibilidades de ser professor. A formação permanente coloca-se como um processo essencial para que a didática possa ser sempre revisitada e, com isso, aprimorada. – 40 – 3 Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica Patrícia de Moraes Lima Neste capítulo, trabalharemos o planejamento escolar como fruto de um processo denso de observação do vivido, de refle- xão e de avaliação do cotidiano. Discutir o planejamento escolar implica reconhecer a impor- tância da documentação pedagógica na educação. Observação, registro, planejamento e avaliação são ferramentas metodológicas que orientam a prática pedagógica. Na prática pedagógica, percebe- mos que essas ferramentas encontram-se intimamente relacionadas e organizam o trabalho docente. É importante que a escola promova e planeje, no ambiente escolar, um espaço social democrático que propicie a presença dos pais na escola e, ao mesmo tempo, garanta um ambiente onde todos possam se manifestar livremente, com sua opinião, sua experiência, e que esse encontro produza uma nova visão sobre a educação. O professor precisa pesquisar e se aprofundar no conhecimento da questão cultural da comunidade escolar onde seus alunos estão Didática e Planejamento inseridos e perceber que a sua missão em sala de aula não é apenas transmitir conteúdo teórico, é também permitir o aprendizado de valores e compor- tamentos. Essa aprendizagem educacional ampla possibilitará ao indivíduo interpretar e transformar a sociedade, que é o objeto máximo da educação, e, ao mesmo tempo, ter o benefício do bem-estar coletivo e pessoal. 3.1 Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica Os instrumentos metodológicos são as ferramentas que devem guiar a prática pedagógica: todos eles se completam e não pode existir um sem o outro. O modo como inicia o primeiro procedimento é que vai dar início ao círculo (sem fim) que são ou outros, como se percebe na ilustração a seguir. Registro e Reflexão Planejamento Avaliação Observação Replanejamento Após uma observação sensível e atenta a todos os detalhes, inicia-se o planejamento, que, ao revisitar o olhar a partir da reflexão exercitada nos registros, nos guiará e nos mostrará caminhos para a contínua avaliação como um processo contínuo de aprendizagens, refletido nas nossas práticas vividas. – 42 – Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica Fechando esse ciclo, chegamos ao replanejamento, momento em que nossas ações ganham uma nova perspectiva, e damos continuidade à nossa prática pedagógica com novos embasamentos. 3.1.1 A observação Uma das formas para construir o conhecimento é através da observação. Observar é uma coisa, ver e enxergar é outra. Quem olha tem de aprender a ver e a interpretar o que está sendo observado. Na observação, não entram só imagens; entram também os elementos culturais que se inscrevem nos processos cotidianos. Para observar, é preciso ter perguntas e duvidar das suas respostas. Em outras palavras, o professor precisa saber o que vai observar para poder direcionar o seu olhar para o que deve ser visto – somente assim a observação se constitui como ferramenta do trabalho pedagógico. Quanto maior for a clareza do professor sobre o que quer observar, mais facilidade encontrará para ver e refletir. Depois de eleger o que quer observar, o professor é guiado pelos acontecimentos que envolvem alunos, organização escolar, conteúdos desenvolvidos e relações que estão presentes no cotidiano pedagógico. Nem sempre nossa capacidade de observar está suficientemente desenvolvida. Leia o texto a seguir, de Madalena Freire (1996), sobre a observação. Educando o olhar da observação – aprendizagem do olhar Não fomos educados para olhar pensando o mundo, a reali- dade, nós mesmos. Nosso olhar cristalizado nos estereótipos produziu em nós paralisia, fatalismo e cegueira. Para romper esse modelo autoritário, a observação é a ferra- menta básica nesse aprendizado da construção do olhar sensí- vel e pensante. – 43 – Didática e Planejamento Olhar que envolve ATENÇÃO e PRESENÇA. Atenção que, segundo Simone Weil, é a mais alta forma de genero- sidade. Atenção que envolve sintonia consigo mesmo, com o grupo. Concentração do olhar inclui escuta de silêncios e ruídos na comunicação. O ver e o escutar fazem parte do processo da construção desse olhar. Também não fomos educados para a escuta. Em geral não ouvimos o que o outro fala, mas sim o que gostaría- mos de ouvir. Neste sentido imaginamos o que o outro estaria falando... Não partimos de sua fala, mas de nossa fala interna. Reproduzimos desse modo o monólogo que nos ensinaram. O mesmo acontece em relação ao nosso olhar estereotipado, parado, querendo ver só o que nos agrada, o que sabemos, também reproduzindo um olhar de monólogo. Um olhar e uma escuta dessintonizada, alienada da realidade do grupo. Bus- cando ver e escutar não o grupo (ou o educando) real, mas o que temos na nossa imaginação, fantasia – a criança do livro, o grupo idealizado. Ver e ouvir demanda implicação, entrega ao outro. Estar aberto para vê-lo e/ou ouvi-lo como é, o que diz, partindo de suas hipóteses, do seu pensar. É buscar a sintonia com o ritmo do outro, do grupo, adequando em harmonia ao nosso. Para tanto, também necessitamos estar concentrados com nosso ritmo interno. A ação de olhar e escutar é um sair de si para ver o outro e a realidade segundo seus próprios pontos de vista, segundo sua história. Só podemos olhar o outro e sua história se temos conosco uma abertura de aprendiz que se observa (se estuda) em sua própria história. Nesse sentido, a ação de olhar é um ato de estudar a si próprio, a realidade, o grupo à luz da teoria que nos inspira, pois sempre – 44 – Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica “só vejo o que sei” (PIAGET, 1987, p. 23). Na ação de se perguntar sobre o que vemos, é que rompemos com as insufici- ências desse saber e, assim, podemos voltar à teoria para aplicar nosso pensamento e nosso olhar. Esse aprendizado de olhar estudioso, curioso, questionador, pesquisador, envolve ações exercitadas do pensar: o classifi- car, o selecionar, o ordenar, o comparar, o resumir, para assim poder interpretar os significados lidos. Nesse sentido, o olhar e a escuta envolvem uma AÇÃO altamente movimentada, refle- xiva, estudiosa. Texto retirado do livro: FREIRE, Madalena. Observação, regis- tro e reflexão: instrumentos metodológicos I. 2. ed. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1996. A observação é um instrumento metodológico que está inteiramente ligado com o processo de avaliação, pois uma avaliação que considere o sujeito ativo no processo de ensino-aprendizagem precisará de uma observação bas- tante atenta para possíveis mapeamentos das aprendizagens individuais e também das aprendizagens que acontecerão na dinâmica do coletivo da sala. Contudo, para que a observação se efetive, é preciso que tenhamos foco e objetivos para apurar nosso olhar na direção do que queremos. Essa obser- vação focada e objetivada não é uma ação fácil, pois, para que ela aconteça, é preciso que saibamos sair de nós mesmos para podermos ver o outro. E em um movimento de ida e vinda, depois de termos os dados coletados e as esco- lhas sobre o outro feitas, precisamos nos voltar para nós mesmos, em um tra- balho que remete, agora, a um pensar nosso a partir do outro e sobre o outro. Como instrumento de formação do professor, a capacidade de obser- vação ocupa um lugar chave na possibilidade de aprimoramento da prática pedagógica. É através de um diagnóstico constante de seus alunos e dos con- textos pedagógicos que o professor poderá aprimorar a sua prática educativa. – 45 – Didática e Planejamento 3.1.2 O planejamento Planejar envolve refletir sobre a ação e também prever meios (materiais) e recursos (humanos) disponíveis para atingir objetivos em um determinado tempo; é um processo contínuo que assinala para onde ir e as maneiras ade- quadas para se chegar, tendo em vista contextos e possibilidades. Nessa dire- ção, o planejamento pode ser entendido como um processo que equilibra meios e fins, recursos e objetivos, visando ao funcionamento de instituições, de organizações grupais e de outras atividades. Como instrumento metodológico, o planejamento representa a princi- pal ligação entre o educador e o indivíduo – é o elo entre o que será proposto pelo professor e o que será efetivado pelo educando. Portanto, durante o planejamento, precisamos ter clareza sobre nossos objetivos, porque, quanto mais os entendemos, mais ferramentas teremos para alcançá-los. Os objetivos se tornarão nossos pontos de chegada, por- tanto, sendo essa nossa meta a ser alcançada, será esse também nosso referen- cial para a avaliação de todo o processo. O planejamento tem a função de pensar o passado e o futuro, para a construção e efetivação do presente. Para que isso possa acontecer, o planeja- mento deve estar pautado em trabalhar a partir da Zona de Desenvolvimento Real, para objetivar e alcançar a Zona de Desenvolvimento Proximal. Saiba mais Zona de Desenvolvimento Real: compreende as fun- ções psíquicas já dominadas pelo sujeito. Nela estão as habili- dades já dominadas pelo sujeito. Os estudiosos defendem que o desenvolvimento precede a aprendizagem; os adeptos dessa teoria acreditam que a Zona de Desenvolvimento Proximal é o lugar onde o professor e o sistema de ensino devem trabalhar. Zona de Desenvolvimento Proximal: é a distância entre o nível de desenvolvimento real, constituído por funções já consolidadas pelo sujeito, que lhe permitem realizar tarefas – 46 – Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica com autonomia, e o nível de desenvolvimento potencial, caracte- rizado pelas funções que, segundo Vygotsky, estariam em estágio embrionário e não amadurecidas (VYGOTSKY, 1989, p. 97). Podemos definir aqui o planejamento em três momentos que delineiam os caminhos a serem seguidos: 22 o primeiro deles é a observação, que se torna ferramenta impor- tante para o levantamento das hipóteses e das questões que estarão presentes do planejamento; 22 partindo das hipóteses já registradas, nos inserimos no segundo momento, o de acompanhar como essas hipóteses aparecerão no planejamento; 22 o terceiro momento envolve o que foi realizado no planejamento e a avaliação desse produto final, ou seja, se o conhecimento foi cons- truído de modo significativo. Só depois da avaliação é que podemos resgatar os aspectos que se tornaram positivos e negativos, para, posteriormente, pensar um replanejamento. Para que o planejamento aconteça de fato, é preciso que o educador tenha suas ações pedagógicas organizadas, preveja e considere o replaneja- mento e a improvisação como ações pedagógicas presentes no cotidiano. Contudo, para que aconteça de maneira produtiva, a improvisação precisa estar assegurada no planejamento, de maneira que o educador não perca a consciência de suas ações e de seus objetivos. O planejamento deve garantir e alicerçar a ação criadora dos alunos, permitindo que estes ultrapassem a simples reprodução do que está colocado como verdade absoluta. O planejamento deve se lançar a partir de estímulos geradores que mobilizem os estudantes e os impulsione para uma aprendiza- gem efetiva e significativa, considerando as bagagens culturais e individuais de cada aprendiz. Cabe ainda ressaltar que existem várias formas de pensar o planeja- mento. Uma delas é por meio dos projetos, perspectiva entendida como ação concreta, voluntária e consciente que organiza o ato educativo. – 47 – Didática e Planejamento Projetos Na palavra projeto está contida uma intencionalidade, que ainda é um vir a ser, algo que, como a arte, citando Pareyson (1984, p. 32), é “[...] um tal fazer que enquanto se faz inventa o por fazer e o como fazer”. Mas a palavra também designa o que será feito, entendido com maior ou menor grau de rigidez nessa proposição. Assim, a palavra projeto designa tanto o que é proposto para ser realizado quanto o que será feito para atingi-lo. Um projeto é um vir a ser, uma intenção que precisa ser, continuamente, avaliada e replanejada. Dentro do contexto da Educação, alguns autores usam os termos “peda- gogia de projetos”, “projetos de trabalho”, “projetos de ação”, entretanto, em uma concepção de educação que valorize a construção do conhecimento, mais que uma técnica ou estratégia sujeita a regras predeterminadas, os pro- jetos devem ser processos contínuos que reflitam uma postura fundamentada coordenada por um educador capaz de intervir, encaminhar e sistematizar. Vejamos, a seguir, os momentos de um projeto em ação. 22 1o Momento – Avaliação Inicial: sondagem para levantamento de repertório. Planejar uma avaliação inicial é organizar uma sequência de ações que sejam capazes de fornecer subsídios para o educador conhecer os interesses, as necessidades e as faltas de seus aprendizes. A intervenção do educador ocorre no sentido de organizar a ação pedagógica, na escolha de materiais adequados para a sondagem, preparação e organização do espaço. 22 2o Momento – Encaminhamento de ações: levantamento de hipóteses possíveis, avaliações e replanejamento. Uma listagem de possíveis situações de aprendizagem pode ser a primeira tarefa dessa etapa. A escolha de cada ação a ser tomada será determinada pela avaliação dos resultados que vêm sendo obtidos, pelo aproveitamento dos acasos, interes- ses e faltas que vão sendo instigados e por não perder de vista as metas a serem alcançadas. Quanto mais claros e apalpáveis forem os objetivos, mais fácil será intervir e encaminhar o trabalho. – 48 – Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica 22 3o Momento – Sistematizações: apropriação do conhecimento construído. Ao terminar o projeto, é preciso retomar todo o pro- cesso vivido e criar novas ações por meio das quais seja possível abrir espaço para que as situações de aprendizagem sejam ressig- nificadas. Esse momento serve para “reolharmos” o que fizemos, para nos apropriarmos e para avaliarmos o que aprendemos, o que foi ou não significativo, e para sintetizarmos essa apropriação do conhecimento. Essa sistematização abre espaço para a percepção de novas faltas e interesses, que geram novos projetos com nova sondagem, novos encaminhamentos e novas apropriações. O plano de aula Mesmo para um professor experiente, é muito difícil entrar em classe sem antes planejar a aula. É por isso que os profissionais que entendem bas- tante de didática insistem na ideia de planejamento como algo que requer horário, discussão, esquematização e certa formalidade. Agindo assim, tem-se a garantia de que as aulas ganharão qualidade e eficiência. A realização de uma aula pressupõe uma estruturação didática. O plano de aula é um documento que sistematiza o planejamento do trabalho pedagó- gico, organizando-o por temática ou aula, descrevendo os objetivos, o tempo, os procedimentos metodológicos, os recursos e o processo de avaliação. Tecnicamente, plano de aula é a previsão dos conteúdos e das atividades de uma ou de várias aulas que compõem uma unidade de estudo. Ele trata também de assuntos aparentemente miúdos, como a apresentação da tarefa e o material que precisa estar à mão. O plano de aula se articula com o plane- jamento – define o que será ensinado em determinado período, de que modo isso ocorrerá e como será a avaliação. O planejamento, por sua vez, baseia-se na proposta pedagógica, que determina a atuação da escola na comunidade: linha educacional, objetivos gerais etc. Portanto, o plano de aula se encontra na ponta de uma sequência de trabalho. Antes de partir para o plano de aula, é preciso dividir em etapas o pla- nejamento de determinado período (bimestre ou quadrimestre, por exem- plo). Com uma ideia da totalidade, fica mais fácil preparar o plano conforme o tempo disponível. Não há modelos certos ou errados: os planos de aula – 49 – Didática e Planejamento variam segundo as prioridades do planejamento, os objetivos do professor e a resposta dos estudantes. Mesmo assim, é possível indicar os itens que, provavelmente, constarão em um plano de aula proveitoso: um dos primeiros tópicos da lista deve ser o próprio assunto a ser tratado; logo em seguida, vêm os objetivos da atividade e que conteúdos serão desenvolvidos para os objetivos serem alcançados; então, as possíveis intervenções do professor (como perguntas a fazer), o material que será utilizado e o tempo previsto para cada etapa são outros itens básicos; finalmente, é preciso verificar a eficiência da atividade, e a única forma de fazer isso é avaliar o aluno. O critério de avaliação também deve ser flexível. Veja, a seguir, as seções que compõem um plano de aula. 22 Objetivos específicos: o que queremos que os alunos aprendam É a partir dos objetivos específicos que respondemos o que os alunos serão capazes de fazer ao final da aula ou atividade. Trata-se das ações e dos comportamentos que você, enquanto professor, poderá verificar e avaliar durante o desenvolvimento das atividades em sala de aula e a partir dos ins- trumentos de avaliação utilizados. 22 Conteúdos: o que vamos abordar nas aulas No plano de aula, o professor deve informar os conteúdos que serão abordados nas aulas que estão sendo planejadas. Essa indicação pode ser feita por tópicos e incluir conteúdos conceituais, factuais, procedimentais e/ou atitudinais. Tanto os objetivos quanto os procedimentos demarcarão o modo como esses conteúdos serão trabalhados e quais competências serão privile- giadas. 22 Metodologia: como vamos ensinar A metodologia pode ser apresentada de forma descrita ou objetiva. Ambas as formas devem descrever o modo como o conteúdo será trabalhado e como a aula será conduzida. Nessa seção do plano de aula, o professor des- creve o modo como vai ensinar o conteúdo aos seus alunos e as estratégias didático-pedagógicas que serão utilizadas. – 50 – Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica 22 Recursos: o que vamos utilizar Quando planejamos uma atividade, precisamos identificar os recursos e materiais que serão necessários e providenciá-los com antecedência. 22 Avaliação: como e o que avaliar Podemos avaliar os alunos ao longo do processo, a partir da observação e do registro, com base nas atividades que vão sendo propostas. Para tanto, é importante que se tenha clareza do que é esperado dos alunos, pois isso facili- tará a construção de um instrumento de registro, como uma tabela. 22 Cronograma: quando e quanto tempo para fazer Por meio do cronograma, o professor pode distribuir as atividades no tempo, considerando a previsão de duração e a quantidade de aulas necessárias. Planejar ajuda a antecipar o que pode acontecer. Com base nisso, o pro- fessor se prepara para os possíveis caminhos que a atividade tomará. Não é desejável prever cada minuto da aula. Os planos vão se construindo a cada etapa, dependendo do que foi percebido na etapa anterior. Os alunos não são os únicos modificados pelo aprendizado. Reservando um tempo depois da aula para refletir sobre o que foi feito, você tem oportunidade de rever sua prática pedagógica. Se o trabalho for acompanhado por um orientador ou coordenador pedagógico, isso facilitará o processo de autonomia e o fortale- cimento da prática pedagógica. Por meio do plano de aula, o professor faz escolhas, reafirma que tipo de sujeito pretende formar, avalia suas práticas anteriores, considera suas experi- ências, o processo já desenvolvido e as condições materiais, sociais, afetivas e culturais que o envolvem. O pensar como eixo da aprendizagem “O educador educa a dor da falta, educa a fome do desejo.” (FREIRE, 2004, p. 6). O planejamento pedagógico envolve o exercício de pensar, de registrar e de ensinar. Ao tratarmos desse tema, não temos como deixar de tocar em questões que se fazem presentes para que o exercício de planejar possa ser considerado como um instrumento essencial à prática pedagógica. – 51 – Didática e Planejamento Os sujeitos são movidos pelo desejo de crescer e de aprender, e quando exercemos a função de educadores(as), nos imbuímos da tarefa de ensinar. “Educador/a ensina, e enquanto ensina aprende... Pensar é o eixo da aprendi- zagem” (FREIRE, 2004, p. 17). Aprender a pensar significa abandonar antigos referenciais, comporta- mentos cristalizados e perder a segurança do que antes parecia estabelecido, construindo opções, construindo o novo, o ainda não sabido. O pensar envolve duvidar, perguntar e questionar e, por isso mesmo, perturba, provoca mal-estar, insegurança, porque algo que nos parecia seguro foi atingido em nosso pensamento. A sistematização da atividade de pensar nos possibilita uma tomada de consciência do que buscamos, acreditamos e sonhamos fazer. O registro reflexivo desse pensar concretiza o rever, o avaliar e o replanejar nossas ações. Portanto, nos dá condições de apropriação de nossos passos, no processo de construção do conhecimento. Quando pensamos, exercitamos operações mentais como: comparar, observar, interpretar, classificar, sintetizar. 22 Comparar: exercita a observação de diferenças e semelhanças. Busca os elementos que coincidem e os que não. Observa o que há em um e o que falta em outro. Possibilita a construção de critérios para a operação de “classificação”. 22 Classificar: exercita a análise e a observação para, segundo os critérios, agrupar objetos, ideias, acontecimentos. Quando classificamos, colocamos em ordem nossa experiência, segundo critérios que têm significado para nós. 22 Sintetizar: implica abstrair, analisar, ordenar, pôr em uma sequên- cia e sintetizar. Sintetizar é estabelecer de modo breve e condensado a essência das ideias centrais, é concisão sem omissão de pontos importantes. 22 Interpretar: exercita a leitura de significados. Quando interpreta- mos um fato, um acontecimento, um comportamento, o explica- mos a partir do significado que lemos. Interpretar é a ação de dar e extrair significados. Interpretamos lendo significados, de nossa experiência e dos demais, construindo nossas hipóteses de leitura. – 52 – Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica É das habilidades de perguntar, questionar e investigar que nasce o aprender e o pensar. E é no espaço de liberdade e abertura para o prazer e o sofrimento, provenientes do processo de construção do conhecimento, que é possível perguntar. O sujeito é uma totalidade de ação e pensamento, afetividade e cog- nição, prática e teoria. Por tudo isso, pensar não é fácil, nem inofen- sivo. Em muitas situações subverte a ordem, tira o sono, quebra o estabelecido. Dá e provoca muito medo. Medo da desorganização de ideias, do emaranhamento do velho com o novo, da procura aparen- temente desordenada da nova forma. Medo do caos criador. Mas não existe processo de autonomia (libertação) sem criação e apropriação do pensamento, dos desejos e dos sonhos de vida. É através da refle- xão (no desenvolvimento de suas hipóteses) que o educando se apro- pria do seu pensamento, no contato com o pensamento dos outros. (FREIRE, 2004, p. 17-18). Nessa perspectiva, podemos dizer que toda aprendizagem implica em mudança, transformação, e que ensinar significa acompanhar e instrumen- talizar com intervenções, encaminhamentos e devoluções. Para isso, ver (observação), escutar e falar se tornam instrumentos indispensáveis à prá- tica pedagógica. O educador precisa estar atento para observar, ou seja, olhar o outro e a si, buscando sintonia no ensinar. Para observar, devemos aprender a olhar, atitude que envolve acolhimento e reflexão. A observação implica no exercício de ler os desejos, as faltas, buscando compreender as tramas que engendram os diferentes comportamentos e as circunstâncias em que estes se tornam possíveis. Escutar envolve acolher o outro em seu ponto de vista, independente- mente de ser semelhante ou diverso do nosso, dando abertura para o entendi- mento das diferentes hipóteses, compreendendo, como possível, as diferentes linguagens e representações. Por fim, falar implica um desejo de comunicação com o outro. “É o outro que me impele a desejar. É na fala do educador, no ensinar – intervir, devolver, encaminhar – expressão de seu desejo casado com o desejo que foi lido, compreendido pelo educando, que ele tece seu ensinar” (FREIRE, 2004, p. 6). – 53 – Didática e Planejamento A ação pedagógica em uma concepção democrática Dependendo da concepção de educação, concebe-se o ato de ensinar e aprender de diferentes formas, mas toda ação educativa envolve intervir, encaminhar e devolver. Segundo Freire (2004), em uma concepção demo- crática de educação, podemos afirmar que o primeiro movimento da cons- trução da aula é a intervenção; o segundo é o encaminhamento, e o terceiro é a devolução. A intervenção fundamenta, instiga, provoca e impulsiona a aprendi- zagem. O questionamento e as perguntas direcionadas ao grupo instigam o pensar, o refletir, o duvidar do que já se sabe, construindo, assim, conheci- mentos sobre tudo o que ainda não se sabe. Nas suas intervenções, o educa- dor deve ter claros os objetivos e o foco do conteúdo que vai ensinar. São as intervenções que estruturam o objeto em estudo. Os encaminhamentos são as propostas de atividades, as tarefas, os pas- sos a seguir, as mudanças na pauta etc. Ao encaminhar, o educador direciona, organiza e delimita o pensar do conteúdo em estudo. As intervenções e os encaminhamentos constroem a devolução. A devolução é a sistematização das informações de que o grupo neces- sita, é o esclarecimento teórico para a compreensão do conteúdo estudado. Quando o educador faz suas intervenções, precisa ter claro onde quer chegar. Tanto o educador quanto os educandos exercitam, cada um em sua fun- ção, intervenções, encaminhamentos e devoluções. Cada uma dessas ações depende das outras e é construída na dialogicidade do processo. 3.1.3 Reflexão e registro Para que todos os instrumentos metodológicos se tornem efetivos em nossas práticas pedagógicas, necessitamos de uma reflexão contínua que, aos poucos, forme uma base teórica para as nossas ações. A reflexão se torna possível em um movimento que podemos separar em três atos: 22 o primeiro deles será a descrição dos fatos; – 54 – Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica 22 o segundo momento é quando o educador busca dar sentido àquilo que observa através da literatura especializada; 22 o terceiro é quando o educador, partindo de sua própria expe- riência e das compreensões adquiridas através da literatura, consegue ensaiar-se em sua autoria para tecer seu próprio modo de pensar. Vasconcelos (1996) nos faz pensar que o professor precisa resgatar o sen- tido do seu trabalho e refletir sobre a sua prática: “O que é que estou fazendo aqui? Eu acredito no que faço?” E ter coragem de tomar uma posição. Então, o primeiro passo para esse posicionamento, sugere o profes- sor Vasconcelos, é o resgate do sentido da tarefa educativa: compreender o conhecimento como instrumento de transformação. É necessário resgatar o sentido do conhecimento (“conhecer para quê?) para podermos compreen- der o mundo em que vivemos, para podermos usufruir dele, mas, sobretudo, para podermos transformá-lo. Isso implica em o professor compreender que é um sujeito em transformação e que está participando da formação dos novos sujeitos. Vasconcelos (2001) afirma que há uma crise na escola, que se manifesta de muitas formas, mas, com certeza, uma das mais difíceis de enfrentar é a absoluta falta de sentido para o estudo que é sentida pelos os alunos. É nesse contexto que surge a indisciplina na escola. “Estudar para quê?” Os próprios alunos se questionam e não enxergam no estudo uma forma de superar as dificuldades enfrentadas no dia a dia dentro e fora da escola. O maior problema está em o professor não enxergar o aluno fora do contexto escolar. O que acontece no ambiente escolar está carregado de signi- ficados, portanto, cabe à escola procurar desvelar esse universo, pois ela deve acompanhar as mudanças neste mundo globalizado e se tornar mais interes- sante para os alunos, pais e professores. A importância da pesquisa Em todas as profissões com certa carga intelectual, há pesquisa. No ensino, contudo, esse hábito ainda não está suficientemente enraizado. A – 55 – Didática e Planejamento avaliação (resultados do processo) deve levar os professores a incorporarem outras dimensões em seu trabalho. Segundo Demo (1992, p. 27), “[...] aprender não é acabar com dúvidas, mas conviver criativamente com elas.” Desse modo, podemos afirmar que todo conhecimento está fundamentado na dúvida, na curiosidade e no inte- resse em saber. Colocar-se em posição de investigação, como educador(a), é reconhecer que o que se sabe é sempre questionável e que, em qualquer ponto em que estejamos, é possível crescer. Mas só cresce quem carrega a humildade do aprendiz. No entanto, fazer uma pergunta, às vezes, é motivo de ansiedade para o aluno, pelo medo de exposição ao ridículo, quando essa atitude deveria ser encarada como habilidade, como sinal de inteligência, de capacidade de questionamento, de busca ativa pela informação. Como valorizar o saber e construir a capacidade de pesquisa e aprendizagem? Como resgatar a valori- zação da capacidade de perguntar, de indagar? O primeiro passo é a construção, pelos professores, de sua própria capa- cidade de investigação. O professor deve se inquietar diante de sua prática, deve ser um investigador permanente de sua área de conhecimento, de seu campo profissional. [...] O educador, como profissional dos conhecimentos, deve domi- nar ainda os métodos e técnicas básicos de pesquisa: como fazer levantamento de dados através de diferentes tipos de fontes, como sistematizar e analisar dados, como reelaborar e sintetizar os dados a partir de uma perspectiva própria e, finalmente, como socializar esse conhecimento investigado entre colegas e alunos. Há inúmeras técni- cas para isso que precisamos conhecer e experimentar. Detendo esses procedimentos, o educador poderá planejar atividades que favoreçam o desenvolvimento dessas habilidades fundamentais por seus alunos. (DEMO, 1992, p. 32). Formação contínua Explicitar e analisar as próprias práticas é uma condição de suma impor- tância para os educadores. Para isso, é preciso escrever, explicar e justificar suas ações. Essa autoformação, aliada a outras, mais ligadas às institucionais, – 56 – Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica e uma equipe pedagógica em que se tenha clima de confiança, definem um processo de formação contínua. [...] formar-se não é fazer cursos (mesmo ativamente); é aprender, é mudar, a partir de diversos procedimentos pessoais e coletivos, como a leitura, a experimentação, a inovação, o trabalho em equipe, a par- ticipação em um projeto de instituição, a reflexão pessoal regular, a redação de um jornal ou a simples discussão com os colegas. Sabe-se cada vez mais claramente que o mecanismo fundamental depende da prática reflexiva. (PERRENOUD, 2000, p. 160). A profissionalização do ensinar (e do aprender contínuo) perpassa pela delimitação de problemas, pela busca de diagnósticos, pela construção de estratégias e pela mobilização para transpor obstáculos. Perrenoud (2000, p. 162) aponta para a necessidade de gerenciamento não rígido da profissionalização docente, desde que esta se dê em um processo fluido, contínuo e natural, pois é o “[...] exercício da lucidez que aponta caminhos”. Convém esclarecer que as práticas mais regulares possibilitam ajustes mais frequentes, assim como uma prática pouco reflexiva não garante a percepção da necessidade de mudança de paradigmas. A regulação a partir da reflexão sobre a ação pedagógica pode ampliar a eficiência de educadores iniciantes e tende a diminuir a partir do aumento de sua experiência. Para que esse limite seja superado, é importante apelar para aportes externos em sua autoformação e perceber quando é possível evoluir pelos meios que a experiência nos oferece – individualmente ou em grupo – e quando é mais econômico e rápido apelar para recursos como a leitura, a con- sulta, a supervisão ou o apoio de formadores. Essa atitude pedagógica deverá levar os educadores a construir novas possibilidades, a adaptar os modelos propostos, imaginando formas diversificadas de apreender os problemas. 3.1.4 A avaliação Discutir a avaliação para a construção da prática pedagógica implica, necessariamente, em pensarmos sobre as diferentes linguagens que compõem o espaço educativo. Uma perspectiva de avaliação que tenha por finalidade a construção de uma prática pedagógica que possa pluralizar os modos de convivência, bem – 57 – Didática e Planejamento como os modos de ensinar e aprender, exige-nos capacidade de problematiza- ção sobre as metanarrativas que constituem o espaço educativo. A concepção pedagógica que constituímos em nossas práticas pedagógi- cas está implicada na viabilidade de um processo de ensinar e aprender. Isso significa que nunca estamos isentos de uma “posição de sujeito”, que se faz por um campo de escolhas e que sempre produz efeitos nos espaços nos quais nos fazemos presentes. Discutir a avaliação, portanto, significa discutir sobre as diferentes lin- guagens produzidas no interior de nossas práticas educativas. Corazza (2001) sistematiza algumas questões que poderão nos fornecer subsídios para cons- truirmos uma problematização sobre nossas práticas educativas e que conside- ramos essenciais para discutirmos a importância da avaliação como processo. 22 A necessidade de agudizarmos nossa crítica sobre a Moderni- dade. É necessário questionarmos as narrativas que se instituí- ram através da emergência do discurso científico que produziu no espaço pedagógico a fragmentação, a patologização, a vitimização, entre outras tantas práticas pautadas sobre uma visão binária (certo/ errado, normal/patológico, igual/diferente). 22 A necessidade de ampliarmos as categorias “explicativas da rea- lidade”. Os espaços educativos que se constituem além do espaço escolar contribuíram para a ampliação da análise dos dispositivos que constituem os atores nos processos de ensino-aprendizagem. Se antes tínhamos como foco o recorte de classe social, hoje, temos, também, outras categorias que caracterizam os processos de exclu- são que acontecem nos espaços educativos. Pensar sobre as relações de gênero, etnias, gerações, além dos recortes das classes sociais é um ato de extrema relevância quando discutimos os processos de ensinar e aprender. 22 A necessidade de desconstrução dos processos de homogeneiza- ção dos sujeitos. É necessário que as diferenças sejam reconhecidas e respeitadas no espaço educativo. Precisamos buscar não banalizar a produção do diferente, não ocultar a diferença em nome do res- peito e da importância de aceitabilidade do outro. Mais do que isso, a diferença precisa ser evidenciada, precisa ser encarada como – 58 – Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica possibilidade de nos relacionarmos e entendida como constituidora de práticas que se pautem por processos de diferenciação, e não de identificação. Só estamos diante do “diferente” porque nos diferen- ciamos “deste” por atitudes, características, traços etc. Dependendo do lugar do qual se olha, perspectivamos o diferente sob um ângulo e não sob outro. Portanto, somos todos diferentes desde que nos entendamos como sujeitos em relação. Essas, entre outras tantas, são questões importantes para pensarmos as relações produzidas nos processos de ensinar e aprender e nos auxiliam a pro- blematizar os processos de avaliação, levando em consideração reflexões que são mais amplas, mais desafiadoras e que nos interpelem a pensarmos sobre em que matriz de pensamento ancoramos nossas práticas pedagógicas. A avaliação é um dos instrumentos metodológicos do professor, enten- dida aqui como um processo que não avalia apenas os conteúdos, mas o modo como eles chegam até o educando, ou seja, o caminho que se dá para a efetiva aprendizagem. Essa avaliação que explicitamos aqui não deve ser considerada como a que prevê a homogeneidade dos sujeitos, que enquadra os ensinamentos e que tem como padrão critérios que não respeitam a individualidade dos edu- candos. Considerando que os alunos são sujeitos heterogêneos, a avaliação deve estar centrada no processo por que passou cada aluno. É necessário levar em consideração a importância da avaliação como uma escrita diária dos acontecimentos, não apenas os que mais chamam a atenção, mas também os que demandam mais delicadeza para poderem ser percebidos. Quando a avaliação se torna diária, é possível voltar na escrita quantas vezes forem necessárias, até mesmo ao fim do bimestre ou do semestre, para uma avaliação de todo o processo vivido indivi- dualmente pelo sujeito. A importância da escrita está na internalização da memória, por isso a seriedade em escrever diariamente as reflexões tecidas na prática pedagógica, buscando sempre o distanciamento dos fatos vividos para um melhor apro- fundamento do exercício docente. – 59 – Didática e Planejamento É importante salientar que a avaliação não deve ser pensada apenas como avaliação do educando, mas como avaliação do todo, como avaliação educacional, entendida aqui como a escola, a coordenação, os professores e todo o corpo docente que faz parte da instituição. Como instrumento processual, a avaliação vai se dar no exercício cons- tante da reflexão e do replanejamento, já que, a partir do momento em que aprendemos a avaliar, também aprendemos a alterar nossos planejamentos de modo a qualificar as aprendizagens. A avaliação em diferentes concepções de educação Segundo Freire (1997), a avaliação pode ser pensada em relação a três diferentes concepções de educação: a concepção autoritária, a concepção espontaneísta e a concepção democrática da educação. Cada uma das quais focaliza os aspectos teóricos e metodológicos (princípios, objetivos, leitura sobre o cotidiano, relações entre sujeitos etc.) de modo diferente. Na concepção autoritária da educação, a pedagogia reveste-se do conhecimento que deseja prescrever. Dicotomiza o sujeito que ensina e o sujeito que aprende entre o bem e o mal. Exemplo: o professor é bom quando tem como domínio o conhecimento, sem necessariamente preocupar-se com o modo como esse conhecimento é tratado no processo de ensinar e apren- der. E o bom aluno, nessa perspectiva, é o que estuda, que sabe a matéria, sem necessariamente ser alguém que se interrogue sobre a utilidade desses conhecimentos. Na concepção autoritária da educação, a avaliação, estando a serviço da subserviência e da passividade, constitui-se como um instrumento classificatório e reprodutor das desigualdades dentro do espaço educativo. Na concepção espontaneísta da educação, a pedagogia reveste-se de um humanismo espontaneísta. A possibilidade de construção da prática pedagógica pauta-se sobre o reconhecimento das capacidades que os sujeitos envolvidos no processo de ensinar e aprender (professor e aluno) têm de criar e adaptar-se a qualquer modelo. Ao professor cabe não direcionar e intervir na criação espontânea do aluno, sendo apenas um facilitador no processo de aprendizagem. O aluno é alguém que define sua capacidade de aprendizagem e que se adapta às circunstâncias do processo de aprendizagem. Na concepção espontaneísta, a avaliação é relegada a planos inferiores. – 60 – Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica A concepção democrática apresenta alguns aspectos das outras aborda- gens, mas busca um novo equilíbrio. Como exemplo disso está o resgate da autoridade. Nesse caso, o educador assume a sua autoridade “[...] como um diferente que promove a interação planejada entre os iguais” (FREIRE, 1997, p. 45). Assim, a avaliação acontece diariamente, em um processo contínuo que repensa a construção do conhecimento e busca contextualizá-lo. A edu- cação democrática propõe a avaliação que possibilita aos educadores planejar e replanejar sua ação no cotidiano. Como se pode observar, a avaliação está a serviço do projeto educa- tivo, sendo regida por fundamentos éticos, políticos, econômicos e sociais. Segundo Freire (1997), conhecermos as diferentes perspectivas sobre a avalia- ção anuncia uma possibilidade de constituirmos nossas práticas pedagógicas. Martins (1997, p. 45) esclarece que “[...] podemos verificar na insti- tuição em que trabalhamos as três concepções. Ora a postura é autoritária, ora espontaneísta, ora democrática; ou, às vezes, o discurso é de uma, mas a prática é de outra. Tomar consciência destas influências é fundamental”. Avaliação e planejamento: inter-relações Não há um padrão universal de avaliação, posto que esta não deve se restringir a uma técnica, pura e simplesmente, mas entendida como um pro- cesso, pois envolve as dimensões ética e política. Nessa direção, a avaliação é sempre produto de determinada sociedade, de determinado grupo social, de determinado contexto. Martins (1997 p. 46) conceitua a avaliação como uma “[...] forma refle- xiva, interpretativa e expressiva das relações cognitivas e afetivas travadas com o objetivo de conhecimento, intermediadas pelo educador e pelo grupo”. Em outras palavras, avaliar significa questionar, investigar, analisar as hipóteses dos educandos, refletir e replanejar a ação pedagógica. Segundo a autora, a avalia- ção está diretamente conectada ao planejamento e envolve as seguintes funções: 22 Avaliação inicial: dá parâmetros para o educador definir o nível de profundidade que dará ao seu ensinar e o suporte pedagógico necessário. Serve também de motivação para os educandos. É nesse momento que os educadores leem as hipóteses dos educandos para orientá-los ao aprofundamento de suas aprendizagens. – 61 – Didática e Planejamento 22 Avaliação formativa: dá-se ao longo do processo, pois os educan- dos evoluem, as necessidades se transformam e, assim, a interven- ção pedagógica necessita ser replanejada. É o constante ajuste peda- gógico para a ampliação e o fortalecimento das aprendizagens. Convém reforçar que a observação sistemática e o registro são ins- trumentos fundamentais tanto para a avaliação inicial quanto para a avaliação formativa. 22 Avaliação somatória: analisa os resultados da aprendizagem, no sentido de se pronunciar em relação ao êxito ou fracasso do pro- cesso educativo ao buscar atingir os objetivos previstos. Na aprendizagem significativa, a avaliação final não pode se resumir a um veredicto sobre o educando, mas deve incluir reflexão sobre o educador e o sistema educativo que o sustenta na teoria e na prática. Cabe alertar que o trabalho educativo, formativo, não deve ser comparado a uma mercadoria com preço determinado, pois, muitas vezes, educadores preocupados em serem exatos na avaliação caem no rigor técnico-metodológico e deixam de atribuir ao processo seu caráter reflexivo e interpretativo, ou seja, negligenciam sua dimensão subjetiva. Avaliação formativa: observação contínua Para acompanhar as aprendizagens, Perrenoud (2000) afirma ser fun- damental que os educadores façam constantes balanços das aquisições dos estudantes. Esses balanços definirão futuras orientações e novas estratégias de ensino-aprendizagem. E, para isso, a observação contínua é indispensável. A observação contínua se dá enquanto os estudantes lidam com a cons- trução do conhecimento. Para isso, o educador deve determinar, interpretar e memorizar as situações significativas, as quais devem ser registradas em forma de diário ou portfólio, por exemplo. Se não são documentadas, podem se – 62 – Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica esvair na complexidade do cotidiano, deixando de contribuir com o processo ensino-aprendizagem. Por isso é importante o registro sobre o que se observa. A observação contínua, além de coletar dados com vistas a um balanço, como pontua Perrenoud (2000, p. 49), tendo intenção formativa, [...] considera tudo o que pode auxiliar o aluno a aprender melhor: suas aquisições, as quais condicionam as tarefas que lhe podem ser propostas, assim como sua maneira de aprender e de raciocinar, sua relação com o saber, suas angústias e bloqueios eventuais diante de certos tipos de tarefas, o que faz sentido para ele e o mobiliza, seus interesses, seus projetos, sua autoimagem como sujeito mais ou menos capaz de aprender, seu ambiente escolar e familiar. Por tudo isso, é importante insistir mais na avaliação das condições de aprendizagem do que das aquisições, o que permite regulações mais ágeis. Ao objetivar que os educandos desenvolvam a imaginação, a expressão, a argumentação, o raciocínio, o senso de observação ou a cooperação, é pri- mordial, segundo Perrenoud (2000, p. 50), que os educadores tenham clareza de que “[...] a construção de atitudes, de competências ou de conhecimentos fundamentais leva meses, até mesmo anos”. O autor enfatiza que a avaliação formativa é pragmática e não deve ser padronizada nem notificada a terceiros, pois “[...] inscreve-se na relação diária entre o professor e seus alunos, e seu objetivo é ensinar cada um a aprender” (PERRENOUD, p. 51). E ainda, como o educador lida também com as subjetividades, tem o direito de confiar em sua intuição. Assim, para não atribuir sentidos que se distanciem dessa perspectiva, convém que o educador: 22 aposte em tecnologias e dispositivos didáticos interativos, portado- res de regulação; 22 forme seus alunos para a avaliação mútua; 22 desenvolva uma avaliação formadora a ser assumida pelo sujeito aprendiz; 22 possibilite ao aluno a autoavaliação, o que não significa que o aprendiz vá preencher o próprio boletim, mas que pode dar provas de uma forma de lucidez em relação à maneira como aprende; – 63 – Didática e Planejamento 22 favoreça a metacognição como fonte de autorregulação dos processos de aprendizagem; 22 consiga fazer com rapidez a triagem de um grande número de observações fugazes, para identificar uma Gestalt que guiará sua ação e suas prioridades de intervenção reguladora (PERRENOUD, 2000). Como se vê, é importante aliar a didática à avaliação contínua, avaliando para ensinar melhor, e não fragmentar o processo de avaliação do ensino, mas considerar a singularidade das situações de aprendizagem para delimitar melhor os conhecimentos e a atuação dos educandos. 3.1.5 Replanejamento Se analisarmos atentamente todos os processos correspondentes ao pla- nejamento, à implementação e à avaliação das atividades de ensino-aprendi- zagem, veremos que o professor ou a equipe de professores toma uma quanti- dade notável de decisões das quais, muitas vezes, arrastado pelas rotinas, não está plenamente consciente. É importante ressaltar a importância de que as decisões possam ser tomadas em um processo de interação com os alunos, pois implicá-los na condução e no desenvolvimento de um ambiente “produtivo” das atividades propostas é sempre uma estratégia que não devemos perder de vista. Muitas decisões têm importância na criação ou manutenção de um ambiente motivacional aos alunos. Os padrões motivacionais mais interes- santes seriam aqueles que implicam o incremento da própria competência e da experiência de autonomia e responsabilidade pessoal, e também os que têm a ver com a percepção das metas dos diferentes alunos. O replanejamento nasce da reflexão gerada durante a avaliação e acon- tece através de um fazer pedagógico impulsionado pela busca do que quere- mos e ainda não temos. A reelaboração e o replanejamento do que foi proposto estarão presentes em todos os momentos da prática pedagógica e partem sempre da reflexão das ações cotidianas vividas pelo educador. – 64 – Instrumentos metodológicos que orientam a prática pedagógica Síntese A ação educativa é dotada de uma intencionalidade, e nela é que reside a preocupação com o planejamento, segundo Ostetto (2000). Para a autora, planejar é: [...] uma atitude de traçar, projetar, programar, elaborar um roteiro para empreender uma viagem de conhecimento, de interação, de experiências múltiplas e significativas [...] Planejamento pedagógico é atitude crítica do educador diante de seu trabalho docente. Por isso, não é uma fôrma! Ao contrário, é flexível e, como tal, permite ao educador repensar, revisando, buscando novos significados para sua prática pedagógica. (OSTETTO, 2000, p. 177). Desse modo, o profissional de educação precisa ter em mente que o planejamento se constitui em ferramenta imprescindível à sua prática peda- gógica e reconhecer o planejamento como uma documentação pedagógica importantíssima. Ao apontarmos que muito ainda se questiona acerca do que é planejar, ao afirmar que mais do que dar uma fórmula prescritiva de como e do que fazer, faz-se fundamental a reflexão sobre para que ou para quem fazer o planejamento (OSTETTO, 2000, p. 176). Ao organizar um planejamento pedagógico, percebe-se um posiciona- mento político daquele que o tece acerca de sua docência. Nessa tessitura, escolhemos os modos como vamos registrar os sujeitos, as suas ações e tam- bém as nossas ações como docentes; faremos recortes, escolhas, focos para retratarmos nossa prática docente. Devemos considerar que o ato de planejar necessita de um olhar atento, e ainda mais, um olhar que possa se dar de perto, e de dentro da realidade em que os educandos estão inseridos. Esse planejamento estará norteado de visões de mundo, e será a partir dessas visões que o educador possui que se constituirá cada parte desse planejamento, permeado pelas escolhas e seleções do que vai acontecer. Assim, com a observação, o registro, a reflexão e a avaliação cons- tante de nossa prática, poderemos construir uma prática pedagógica bem mais significativa. O planejamento não pressupõe apenas listar atividades pedagógicas a serem desenvolvidas; mais do que isso, na prática diária do educador, pro- – 65 – Didática e Planejamento move o pensamento e a discussão de formas de organização dos tempos e espaços presentes em sua prática, significando experiências educativas a partir também dessas atitudes. O planejamento não pode ser apenas o ponto de chegada, tem de ser também o ponto de partida para que permita sempre ir além, sempre mais, partindo do ritmo e dos anseios dos educandos. – 66 – 4 A didática e a Educação Infantil Patrícia de Moraes Lima Neste capítulo, estudaremos as contribuições da didática para a Educação Infantil e para os anos iniciais. Para que possamos entender como deverá ser essa didática, começaremos estudando o conceito de infância. Estudaremos também as implicações dos ins- trumentos metodológicos para a Educação Infantil. Para finalizar, refletiremos sobre a importância do desenvolvimento da imagina- ção e da criação na infância. 4.1 A concepção de infância De acordo com Sarmento e Pinto (1997), a consideração das crianças como atores sociais, e não como sujeitos incompletos ou como componentes acessórios ou meios da sociedade dos adultos, implica o reconhecimento da capacidade de produção simbólica por parte das crianças e a constituição das suas manifestações, represen- tações e crenças em sistemas organizados, isto é, em culturas. Didática e Planejamento Os autores alertam que as culturas da infância possuem, antes de mais nada, dimensões relacionais, as quais constituem-se nas interações entre pares e entre as crianças e os adultos. Isso nos mostra que as crianças dependem muito do mundo social que as rodeia. As crianças é que vão fornecer os elementos que darão base à sua vida social, dando-lhes a capacidade de construírem significados próprios para o que vivem. A instituição educacional é um espaço de sociabilidade humana. Nesse contexto, a creche é o “mundo social”, e as crianças, os atores sociais e pro- dutores de cultura. A criança está inserida, desde o seu nascimento, num contexto social e seus comportamentos estão impregnados por essa imersão inevitável. Não existe na criança uma brincadeira natural. A brincadeira é um processo de relações interindividuais, portanto de cultura. (BOU- GÈRE, 2004, p. 97). Para Corsaro (2002), as crianças apropriam-se criativamente das infor- mações do mundo adulto para produzirem a sua própria cultura de pares. Tal proposição é criativa na medida em que tanto expande a cultura de pares (transforma a informação do mundo adulto de acordo com as preocupações do mundo dos pares) quanto, simultaneamente, contribui para a reprodução da cultura adulta. A infância é uma construção histórica, por isso os profissionais da Educação Infantil não estão isentos do processo de construir concepções e representações das crianças. No entanto, é necessário que sejamos capazes de perceber a infância como sendo heterogênea, o que é fundamental para com- preendermos a sua concretude fundada em múltiplas dimensões. É a partir da politização da infância, movimento que reconhece a criança como sujeito de direitos, que os estudos da Sociologia, da Antropologia e da Filosofia tornam-se aportes teóricos e metodológicos para pensarmos que a criança e a infância se constituem em movimentos de idas e vindas, que não necessariamente estabelecem uma ordem linear e contínua. Rocha e Ostetto (2008) apresentam contribuições significativas para essa concepção da criança enquanto um sujeito de direitos, por isso defendem que as crianças têm direito de viver as suas próprias infâncias no tempo presente. – 68 – A didática e a Educação Infantil A criança é um ser que acontece, e não um ser que ainda pode acontecer como um “dever-ser”. A criança é sentimento, é interação, é linguagem e é brincadeira, produz a cultura e, ao mesmo tempo, é produzida por ela. Nesse movimento, constata-se que a criança também diz de si, se narra e nos ajuda nessa produção de considerações acerca de seu grupo. A cultura infantil não é produzida em uma “incultura” nem é dissociada da cultura dos adultos. A cultura dos adultos permeia as vivências das crianças e as tece enquanto sujeitos. Não há, contudo, apenas a reprodução da cultura, mas uma coprodução da cultura. Ou seja, a criança não é apenas passiva e reprodutora da cultura, mas é também ativa e produtiva nesse processo. Por- tanto, a cultura societal é uma categoria maior, integradora de tantas culturas que permeiam os diferentes tipos de sujeito, como as culturas infantis, que são encharcadas de criatividade e ludicidade. A partir de conceitos pré-concebidos, de acordo com marcas sociais tam- bém pré-estabelecidas, nossos corpos sinalizam quem somos e como somos. Da mesma forma, a identidade da infância se dá na corporeidade, por meio de nuances pré-estabelecidas no cotidiano da sociedade. Ou seja, é na corpo- reidade das crianças que reside o que é uma criança, e é através dessa própria corporeidade que as próprias crianças se reconhecem. Para Sarmento (1997, p. 17), umas das características que marcam a infância são as repetições (reiterações): O tempo da criança é um tempo recursivo, continuamente reinvestido de novas possibilidades, um tempo sem medida, capaz de ser sempre reiniciado, repetido. A criança constrói os seus fluxos de (inter)ação numa cadeia potencialmente infinita, na qual articula continuamente práticas ritualizadas. Esse tempo das crianças, sempre capaz de ser reiniciado, não deve ser considerado apenas como uma sucessão de movimentos repetitivos, porque eles nunca serão os mesmos. Como afirma Sarmento (1997), devemos levar em consideração outro conceito estudado por ele: o conceito de reinterpre- tação, que prevê que as crianças realizam movimentos sempre a partir de outras interpretações. Por isso, o nosso papel enquanto educadores é ampliar e modificar as vivências reiteradas (repetidas) das crianças, para que possamos ampliar os seus repertórios rotineiros e cotidianos. – 69 – Didática e Planejamento Precisamos respeitar também as simultaneidades das ações das crianças, pois a simultaneidade está presente em todos os momentos em suas ações. Como afirma Rosa Batista (1998, p. 155), “as práticas infantis são constituídas pela simultaneidade de ações nas quais a participação corporal, gestual, cog- nitiva, emocional, motora, afetiva e individual se dão de forma indissociável”. Essas ações que acontecem juntas e de modo indissociável umas das outras são pautadas em um movimento que nos parece dispersivo e não linear. Por- tanto, devemos evitar a tendência de querermos considerar apenas uma ação a cada tempo, dissociada das demais, e não considerar a simultaneidade um movimento válido, pensando na lógica escolarizada que está incorporada em nós e que é ainda bastante presente nos cotidianos das creches e pré-escolas. 4.2 A especificidade da Educação Infantil A reflexão sobre a prática pedagógica com crianças pequenas vem se con- figurando por constantes discussões acerca das especificidades desses sujeitos de pouca idade, desde que se instituíram também como sujeitos de direitos. Rocha e Ostetto (2004) defendem a importância de compreendermos as particularidades da Educação Infantil, as quais se diferenciam do ensino fundamental no que tange os seus objetivos e métodos. Busca-se, nesse nível de educação, assegurar a criança como referência dos projetos pedagógicos. “Dessa forma, firma-se a especificidade do trabalho com as crianças peque- nas, o qual tem como sujeito a criança de zero a seis anos de idade e como objeto as relações educativas travadas no espaço de convívio coletivo”. As propostas educativas tradicionais direcionadas às crianças caracterizam- -se pela mera transmissão de conteúdos disciplinares. Já as propostas educativas que partem de uma perspectiva crítica da educação possuem uma concepção de infância que reconhece os direitos das crianças pequenas, por meio de dire- trizes e estatutos garantidos por movimentos sociais e políticos. Dessa forma, o planejamento e a ação educativa se dirigem às próprias crianças e, mais do que isso, acontecem a partir das realidades e especificidades das crianças. A Educação Infantil vem sendo legitimada, ao longo dos últimos anos, tanto em creches quanto em pré-escolas. Assim, é cada vez mais necessária a constituição de um projeto educativo que considere as crianças como ponto de partida, ou melhor, como referência permanente, para que a dinâmica das – 70 – A didática e a Educação Infantil relações pedagógicas e as propostas de uma educação para a infância possam, verdadeiramente, acontecer. Sobre a Educação Infantil, as Dire- trizes Nacionais para a Educação Infantil (2010) instituem que: • mais do que ampliar o que cada criança possui, deve-se reconhecer o que estas já trazem con- sigo, ou seja, o que já dizem de si; • deve-se respeitar, conhecer e poder dar conti- nuidade à educação daqueles que forem indí- genas, agrícolas, ribeirinhos ou fizerem parte de outros contextos sociais; • é importante também que o trabalho pedagó- gico a ser desenvolvido não tenha caráter de antecipação de conteúdos do Ensino Funda- mental, uma vez que o docente de Educação Infantil não aplica atividades; • o docente deve integrar uma rede de proteção à criança em conjunto com outras instituições como o Estatuto da Criança e Adolescente, o Conselho Tutelar etc. A Educação Infantil exige do educador um olhar atento para as múl- tiplas formas de expressão das crianças. A observação e o registro são fer- ramentas fundamentais para que este possa refletir sobre os seus fazeres pedagógicos. Esse refinamento do olhar deve ultrapassar a observação das crianças somente no seu aspecto de desenvolvimento e ampliar-se para as formas de como se relacionam, brincam, cantam, ou seja, de como acontece – 71 – Didática e Planejamento a aprendizagem. A busca talvez não seja mais de “o que” fazem as crianças, mas de “como” elas fazem. Aqui, destaca-se a importância da formação do educador, que deve ter em seu processo formativo essa postura, que visa a sensibilizar o seu olhar e a sua escuta. Nesse sentido, Rocha e Ostetto (2004) destacam que a prática pedagógica deve ser um espaço de experimentações, e não de aplicação de atividades descontextualizadas, em que a formatação dos sujeitos está voltada para a normalização. Ultrapassando o aspecto de uma programação de atividades e organiza- ção de rotinas, o plano de ação pedagógica constitui-se em dinâmica perma- nente de sistemáticas intervenções e reproposições pautadas em um contínuo processo de investigação do universo infantil. Essa nova experiência nos coloca no papel permanente de pesquisadores, que têm a observação, o registro, o planejamento e a avaliação como supor- tes de um processo reflexivo e comprometido com a educação das crianças pequenas. Rocha e Ostetto (2004) enfatizam a importância da relação entre as universidades e as instituições públicas que abrem as suas portas para o aco- lhimento dos educadores em formação. Essa relação deve ser embasada em um processo dialético e de respeito em que se priorize a criança nas relações educativas. Nessa relação, o encontro, a partilha e o cruzamento de olhares devem refletir os universos infantis, na tentativa de compreendê-los e assim propor possibilidades de experimentações significativas. Na discussão sobre a formação de professores para Educação Infantil, Rocha e Ostetto (2004) chamam atenção para o que nomeiam como “Lições do percurso”. Além de ressaltar a valorização dos profissionais que recebem os estudantes nas instituições, apontam também para o que podemos chamar de “fragilidades da nossa formação como educadores”, que estão, de certa forma, ainda presentes. Primeiramente, assinalam a falta de articulação entre “os processos de investigação, os processos formativos no âmbito teórico e de formação cultural”. Mesmo que, hoje, tenhamos muitos estudos que caminham na direção do reconhecimento da criança como sujeito de direito, as autoras revelam – 72 – A didática e a Educação Infantil ainda a falta da inclusão de temas como a brincadeira, a criação, a expressão e ressaltam a importância da organização dos espaços e tempos no contexto da Educação Infantil. As falhas apontadas por Rocha e Ostetto (2004) são fruto da prioriza- ção dada aos conhecimentos sistematizados, que delegam a segundo plano as vivências vinculadas às linguagens, à interação e à brincadeira. A ênfase na transmissão do conhecimento acaba sendo também um recurso dos estagiá- rios na Educação Infantil, os quais ainda inexperientes, enquadram os seus planejamentos na perspectiva de aula, conteúdos e alunos. Essa dificuldade, segundo Rocha e Ostetto (2004), é ocasionada pela ostentação de algumas matérias em detrimento de outras. Como exemplo, esses autores citam a arte, que ocupa um espaço mínimo nos currículos de forma- ção. Assim, a falta de experimentações das múltiplas linguagens por parte do educador tem reflexo direto nas vivências que serão proporcionadas às crianças. Afinal, como propor ao outro uma experiência que eu mesmo não vivi? 4.3 Pensando a Educação Infantil a partir dos documentos que regulam as práticas pedagógicas Com base na Resolução no 5, de 17 de dezembro de 2009, as leis são pensadas para a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu- cação Infantil. Alguns aspectos são importantes de serem pensados: o artigo 3o diz que a Educação Infantil deve se constituir como um conjunto de prá- ticas que tenham como objetivo articular os conhecimentos e saberes das crianças, sem desconsiderar nenhum conhecimento. A criança deve ser vista como o centro do planejamento curricular; deve apropriar-se de diferentes conjuntos de conhecimentos individuais, além dos conhecimentos da humanidade. Portanto, todos os conhecimentos devem ser contemplados, tanto os da identidade pessoal quanto os da identidade coletiva. No artigo 9º são apresentados os eixos que devem nortear toda e qual- quer prática pedagógica da Educação Infantil, as interações e as brincadeiras. As crianças devem ser inseridas e apresentadas às diferentes linguagens, aos vários gêneros e às várias formas de expressão. Devem conhecer e respeitar as diferentes manifestações culturais, suas crenças, costumes e práticas. A avalia- – 73 – Didática e Planejamento ção, apresentada no artigo 10º, deve ser do processo de desenvolvimento das crianças e nosso, enquanto educadores, e não deve ter como objetivo a seleção e promoção das crianças. Podemos ainda pensar em algumas especificidades que caberiam aos professores da Educação Infantil, a partir do que instituem as Diretrizes. Mais do que ampliar o que cada criança possui, deve-se reconhecer o que estas já trazem consigo, ou seja, o que já dizem de si. Deve-se respeitar, conhecer e poder dar continuidade à educação dos indígenas, agrícolas, ribeirinhos ou que fizerem parte de outros contextos sociais. É importante também que o trabalho pedagógico a ser desenvolvido não tenha caráter de antecipação de conteúdos que serão do próprio Ensino Fundamental, uma vez que o docente de Educação Infantil não aplica atividades. O docente deve, ainda, integrar uma rede de proteção à criança em conjunto com outras instituições, como o Estatuto da Criança e Adolescente, o Conselho Tutelar etc. O espaço e tempo na Educação Infantil não se organizam como “sala de aula”, atividades e alunos. Há um papel pedagógico que se faz e se diferencia da casa, da família, pois tem sempre uma intencionalidade, que são as organi- zações que fazemos pela observação, pelos registros e pela reflexão. Temos um exemplo em Florianópolis/SC, onde os princípios pedagó- gicos instituídos pelas Diretrizes Educacionais Pedagógicas para a Educação Infantil (Éticos, Estéticos e Políticos, bem como o Educar e Cuidar) garantem a formação integral das crianças orientada para as diferentes dimensões huma- nas: linguística, expressiva, intelectual, corporal, emocional, cultural e social. Reconhecendo a especificidade dessa etapa da Educação Básica, e respei- tando a criança como sujeito de direitos, através de uma ação intencional, os docentes da Educação Infantil trabalharão cada uma dessas dimensões como núcleos da ação pedagógica. Mais do que uma “metodologia”, esses núcleos de ação são os aspectos que precisamos saber como docentes, elaborações que precisamos fazer e ter internalizadas, ou seja, não são as organizações de “con- teúdos” para as crianças, para uma proposta de ensino e aprendizagem, mas campos e princípios que nós, na condição de docentes, precisamos conhecer para sabermos organizar e propor os tempos e espaços que possibilitarão às crianças os ensaios e a experimentação nas diversas dimensões que compõem – 74 – A didática e a Educação Infantil o humano. Por isso, não são momentos de aula, de atividades e aplicações, mas momentos de reflexão. Dessa forma, “o projeto educacional-pedagógico estará comprometido com a infância, para além da aplicação de modelos e métodos para desenvol- ver um programa”, segundo a autora Rocha (2010, p. 14), pioneira na cons- tituição de uma pedagogia da infância, que se preocupa com os processos de constituição do conhecimento pelas crianças, como seres humanos concretos e reais, pertencentes a diferentes contextos sociais e culturais, também cons- titutivos de suas infâncias. Vários são os aspectos elencados nas Diretrizes, aos quais precisamos dar atenção em nossa prática como docentes, para estarmos sempre de acordo com os núcleos da ação pedagógica. O registro, a observação e a reflexão são ferramentas pedagógicas essenciais para esse trabalho de reconhecimento do grupo e suas proposições. A auscultação é mais um dos conceitos imprescin- díveis que se faz primordial para a reorganização das ações pedagógicas: ela envolve a compreensão da comunicação feita pelo outro. E quando esse outro é uma criança, a linguagem oral não é única, ela é fortemente acompanhada de expressões corporais, gestuais e faciais, de acordo com Rocha (2010). O âmbito que constitui as relações sociais e culturais, por exemplo, evidencia de forma mais clara a impossibilidade de desenvolvermos uma ação que se isole dos demais núcleos ou campos de experiências. Pois requer que, em nossas ações pedagógicas, tenhamos um olhar sensível para percebermos o que as crianças sempre estão a nos mostrar em suas relações. Assim, estaremos trabalhando as diferenças nas formas de organização social, o respeito à diver- sidade, as manifestações culturais e normas de funcionamento grupal e social, a ética da solidariedade e a tolerância. Nossa função, como professores de Educação Infantil, é preparar os tempos e espaços para que as crianças possam se ensaiar e experimentar-se sozinhas ou em relações entre pares. E então, mesmo quando não estamos nos relacionando diretamente com a criança, nossa ação pedagógica na orga- nização do espaço nos colocará indiretamente em contato com ela e não nos eliminará da relação. Esses núcleos da ação pedagógica possibilitam e permitem mais ações de autonomia por parte das crianças. Conseguimos construir com elas mais – 75 – Didática e Planejamento liberdade de atuação e experimentação. Faz-se imprescindível, igualmente, o entendimento de que cada criança que compõe o coletivo e se “arriscará” e se ensaiará por determinadas experiências, compreendendo que nem todas poderão aderir aos mesmos movimentos, tampouco realizar algo da forma que queiramos. Não poderemos nos utilizar de mecanismos de barganhas que possam manipular seus comportamentos e escolhas; trocar ou privá-las do que querem por julgarmos ser “o melhor e mais correto”; bem como de algo que possa vir a “bagunçar” nosso planejamento ou rotina. Essas práticas divergem do que orientam as Diretrizes, ou seja, não contemplam a criança como sujeito de direitos. Precisamos, ainda, ter em mente que a composição dos grupos infantis e das unidades educativas se constitui por sujeitos sociais pertencentes a uma etnia, a uma geração, a um gênero e a uma cultura. 4.4 Os instrumentos metodológicos e suas implicações para Educação Infantil De acordo com Ostetto (2008), a prática docente na Educação Infantil se dá por meio de três eixos: planejamento, registro e avaliação. Detalhare- mos, a seguir, esses aprendizados. 4.4.1 Observação e registro na Educação Infantil Como vimos anteriormente, um dos instrumentos metodológicos que deve sempre estar ao lado do planejamento é o registro. A princípio, o registro era apenas sugerido em creches e pré-escolas como uma possibilidade. Só fazia o registro quem achasse que ele facilitava a sua prática enquanto um instrumento de análise de suas ações e também do educando. Com o passar do tempo, foi sendo percebida a importância do registro nas práticas pedagógicas: passou não mais a ser sugerido, mas a ser solici- tado para cada professor. O registro, hoje, tem tanta importância quanto o planejamento e a avaliação e tornou-se um instrumento metodológico diário do educador, por meio do qual ele pode se experimentar em um processo autoral. – 76 – A didática e a Educação Infantil O registro nada mais é do que a sistematização da ação pedagógica. Por meio dos registros escritos, o professor organiza seu trabalho em um caminho que vai se dando por conta das suas inquietações, dos seus anseios, dos seus questionamentos e também de suas hipóteses. O registro deve se basear em uma escrita analítica e descritiva, por meio da qual possamos, em um primeiro momento, descrever cada detalhe da cena ou mesmo do movimento, para, posteriormente, a partir de bases teóricas, fazer a análise da cena revisitada, com olhares mais profundos e sensíveis. Assim, “o que era mínimo se agiganta, e o retrato de nossa prática ganha visibilidade” (OSTETTO, 2008, p. 21). O registro deve estar intimamente ligado à teoria e à prática e tencio- nar, a todo momento, práxis pedagógica. O olhar para o registro precisa ser atento, sensível, precisa olhar de perto e de dentro, porém com foco, com limites e centralidades. Não se pode esquecer de estar aberto ao encontro de outros olhares. O registro pode “desabituar nosso olhar, limpando nossa visão para percebermos aquilo que já nos é conhecido” (OSTETTO, 2008, p. 22). Às vezes, não percebermos os movimentos que acontecem por detrás das cenas no momento em que acontecem, por isso, é importante nos afastarmos do vivido e refletirmos sobre os fatos ocorridos. Por meio da reflexão, conse- guimos entender o que se passa nas entrelinhas das brincadeiras, das falas, dos gestos, do riso, do silêncio e até do choro. Será a partir dos acontecimentos diários e do registro que aprendere- mos a perceber o grupo enquanto coletivo e, consequentemente, cada sujeito enquanto único, respeitando o tempo de cada criança, permitindo a cada uma delas viver sua infância ao seu modo. Nessa perspectiva, devemos nos desprender do tempo chronos, aquele que é linear e prevê movimentos rotineiros e fragmentados, que nos engessa e, por vezes, ofusca nosso olhar de modo que não percebemos o diferente, o que escapa da rotina, o que foge à regra. Dentro do contexto da Educação Infantil, devemos considerar o pulsar da vida, o tempo kairós, que não nos enquadra em rotinas, que não apreende corpos e nem movimentos, que considera a criatividade e a inventividade de indivíduos perpassados por suas especificidades. Esse é o tempo das crianças, – 77 – Didática e Planejamento que são curiosas e se aventuram por mundos imaginativos, e muitos são os momentos em que chegamos carregados do tempo chronos e queremos impor o tempo que é cronológico, que nega o diferente, que nega o novo, que nega as experiências e nega a vontade do próprio do sujeito (KOHAN, 2003). Por isso, não basta pensar em um registro diário que se paute em simples descrever, mas em um “exercício que não é fácil e que é de cada educador, e que acima de tudo é uma prática que constitui seu processo formativo, que não ganha caráter burocrático para se prestar conta a alguém” (OSTETTO, 2008, p. 25). As crianças também podem colaborar no processo de registro da prática pedagógica, não apenas na condição de sujeitos que sofreram as ações propos- tas, mas dos que também foram ativos para sua elaboração por meio de regis- tros escritos e imagéticos. O diálogo entre todos que estão envolvidos nesse movimento é imprescindível. Assim, como afirma Ostetto (2008), o registro, juntamente com o projeto pedagógico, ganha dimensão de documentação e se assume como processo coletivo, pois possibilita o entrelaçamento dos olhares de todos os envolvidos no processo educativo. 4.4.2 O planejamento na Educação Infantil Como já vimos no capítulo 3, o planejamento está relacionado à organiza- ção do trabalho pedagógico, aos princípios e procedimentos relacionados à ação de planejar o trabalho da escola, de racionalizar o uso de recursos, de coordenar e avaliar o trabalho das pessoas, tendo em vista a consecução de objetivos. O planejamento precisa corresponder aos documentos que orientam a pratica escolar, por exemplo, às propostas curriculares dos estados, ao Projeto Político-Pedagógico e também aos PCNs. Por isso, todo professor precisa tomar conhecimento desses documentos orientadores para planejar e organi- zar suas atividades e prática docente. Contudo, segundo Ostetto (2000), a ação educativa para com as crian- ças é sempre dotada de uma intencionalidade, e nela é que reside a preocupa- ção com o planejamento. Para a autora: Planejar é uma atitude de traçar, projetar, programar, elaborar um roteiro para empreender uma viagem de conhecimento, de intera- – 78 – A didática e a Educação Infantil ção, de experiências múltiplas e significativas para/com o grupo de crianças. Planejamento pedagógico é atitude crítica do educador diante de seu trabalho docente. Por isso, não é uma fôrma! Ao con- trário, é flexível e, como tal, permite ao educador repensar, revi- sando, buscando novos significados para sua prática pedagógica. (OSTETTO, 2000, p. 177). Desse modo, o profissional de Educação Infantil, sobretudo o docente, precisa ter em mente que o planejamento se constitui em ferramenta impres- cindível à sua prática pedagógica e reconhecer o planejamento como docu- mentação pedagógica importantíssima. Ao apontarmos que muito ainda se questiona acerca do que é planejar, estamos concordando com Ostetto quando afirma que, mais do que dar uma fórmula prescritiva de como e do que fazer, é fundamental a reflexão sobre para que ou para quem fazer o pla- nejamento (OSTETTO, 2000, p. 176). O planejamento não pode ser visto como algo estático e sem relação com a prática pedagógica, sem prever uma avaliação e uma reflexão do que aconteceu durante o período no contexto escolar; ele deve ser dinâmico e, constantemente, alimentado pela prática. Ao se organizar um planejamento pedagógico, percebe-se um posiciona- mento político de quem o tece acerca de sua docência, de suas práticas para com as crianças e, acima de tudo, uma concepção destas. Nessa tessitura, esco- lhemos os modos como vamos registrar os sujeitos, as suas ações e também as nossas ações como docentes. Faremos recortes, escolhas, delimitaremos focos para retratarmos nossa prática docente. Ou seja, podemos registrar o que as crianças fizeram, o que não fizeram, o que fizemos ou o que não fizemos. Por isso é que o planejamento se constitui em documento de cunho político. O planejamento vai estar sempre impregnado por nossas visões de mundo e pelas visões que temos da infância, e será a partir dessas visões que se constituirá cada parte do planejamento, permeado por nossas escolhas e seleções, do que vai e não vai acontecer. Por isso, devemos considerar que o ato de planejar deve se dar de perto das crianças e de dentro da realidade em que estas estão inseridas. – 79 – Didática e Planejamento 4.5 A imaginação e a criação na Educação Infantil Perceber, a cada instante, o potencial criativo e imaginativo das crianças é espetacular. Parece que o mundo que as envolve, em alguns momentos, é outro mundo, diferente do físico e concreto. Nesta seção, vamos elencar algumas ferramentas pedagógicas encontra- das com frequência nos espaços destinados à Educação Infantil, as quais pos- sibilitam às crianças ampliar esse potencial criativo e imaginativo. Uma dessas ferramentas é a brincadeira. O brincar livremente é uma importante atividade em diversos sentidos, pois favorece o exercício do pen- samento e permite a criação de teorias temporárias, que favorecem as princi- pais mudanças psicológicas. Outra forma de desenvolver a imaginação é por meio da contação de his- tórias. Girardello (2005), ao pensar a importância da contação de histórias, nos diz que um dos estímulos mais importantes à imaginação infantil é a narrativa: Todos nós sabemos o quanto as histórias permitem o exercício cons- tante da imaginação, o voo para o mundo paralelo onde, por meio do prazer poético, as crianças estão, na verdade, “trabalhando”, ou seja, cumprindo sua tarefa fundamental de conhecer o mundo e de construírem a si mesmas. A narrativa é uma ponte entre a imaginação e a cultura (GIRARDELLO, 2005, p. 5). Ou seja, quanto mais histórias forem contadas, ouvidas e imaginadas, maior será o acervo cultural, maiores serão as possibilidades de as histórias serem recontadas e, principalmente, de as crianças criarem novas histórias e enredos, portanto, maior será a sua vitalidade imaginativa. Ao contar uma história, nós, adultos, devemos penetrar nela, viver cada palavra, cada parágrafo, imaginar junto com as crianças, dar sentidos e sen- timentos para a aquela literatura que contaremos. Essas ações são de suma importância tanto para o adulto que interpreta quanto para as crianças, que, junto a nós, penetram na história. Nessas intenções, Mary Warnock (1976) fundamenta e complementa o nosso pensamento ao dizer que: – 80 – A didática e a Educação Infantil A imaginação anima toda aprendizagem e está presente em todas as realizações humanas, fornecendo a unidade essencial entre a experiên- cia, o entendimento e a expressão. […] Com respeito e compreensão pela personalidade e pelas necessidades de cada criança, precisamos passar adiante não nossos preconceitos, mas o melhor de nossa expe- riência e conhecimento, encorajando cada criança em seus esforços objetivos de atenção, que enriquecerão seu ser imaginativo. (WAR- NOCK, 1976 apud OLIVEIRA, 2009, p. 4). Entendemos que a literatura é um propulsor para a imaginação, pois, ao contarmos a história, as crianças observam o espaço e vivem intensamente aquele momento de diferentes formas. Segundo Girardello (2011, p. 82): Para explorar o significado profundo da narração de histórias nas escolas e nos espaços de educação infantil, podemos recorrer a uma metáfora: os momentos em que se contam histórias nas salas de aula são como clareiras num bosque. Suponhamos um pouco mais: em meio ao zum-zum das crianças forma-se um círculo, no fundo da sala, em cima de um tapete ou de almofadas de algodão que passaram a manhã tomando sol no beiral da janela. Com olhos arregalados e risadinhas, as crianças aconchegam-se e escutam a voz da moça de jeans ou vestido floreado — a professora. Entram na história que ela conta, quase fecham os olhos, feito estátuas. Mas, ao contrário do que parece, elas não estão nem um pouquinho paradas: cavalgam num corcel veloz, ocupadíssimas com aventuras muito longe dali. Segundo Sarmento (2003), o imaginário infantil constitui uma das características e das formas específicas da relação das crianças com o mundo. Assim, compreendemos que a linguagem é manifestada não só por palavras, mas também por cores, desenhos, rabiscos e vivências. Nessa direção, enten- demos a importância de ampliar os repertórios das crianças, propondo expe- riências que valorizem os aspectos cognitivos e culturais. A experiência estética é, também, uma experiência de liberdade, de possibilidades de escolha. Desde a localização/ocupação espacial para a realização de um projeto, até a seleção de materiais, escolhas de cores, formas, tamanho de papéis etc. (OSTETTO, 2000, p. 10). As crianças gostam de contar e recontar histórias, sentem prazer em desenhar, pintar, rabiscar, cortar e criar, e é assim que elas se expressam: utili- – 81 – Didática e Planejamento zam sua imaginação para inventar ou transformar desenhos, criando sempre o inusitado, o novo, o diferente. Segundo Sueli Amaral Melo (2005, p. 28), “[...] a criança, ao longo da idade pré-escolar, com a ajuda do desenho e do faz-de-conta, vai tornando mais elaborado o modo como utiliza as diversas formas de representação”. A criança necessita expressar-se em diversos tipos de linguagem, prin- cipalmente as de cunho artístico, e todas elas devem estar juntas, uma com- pletando a outra. Exercitá-las colaborará na aquisição da leitura e da escrita. A linguagem tem um lugar central no desenvolvimento dos núcleos de ação uma vez que a função simbólica representa a base para o estabelecimento das relações culturais e de compartilhamento social. Compreender o mundo passa por expressá-lo aos outros, envolve comunicação e domínio dos sistemas simbólicos já organizados na cultura. (ROCHA, 2008, p. 14). Assim, acreditamos que o planejamento das intervenções com as crian- ças necessita promover nelas o conhecimento de si e do mundo, por meio da ampliação de suas experiências sensoriais, expressivas e corporais, possibili- tando a elas uma movimentação ampla, a expressão de suas individualidades e o respeito pelos seus ritmos e desejos (DCNEI, 2010). 4.6 Projetos na Educação Infantil A Escola Nova surgiu no início do século XX e caracterizou-se como um movimento de professores na Europa e América do Norte que depois se estendeu para outros continentes. Alguns autores caracterizaram o movi- mento, entre eles, John Dewey, um filósofo americano que contribuiu signi- ficativamente para pensar as relações entre as atividades escolares e as necessi- dades e interesses das crianças e das comunidades. Vejamos o que, para esse autor, caracteriza-se como fundamento do tra- balho com projetos. 22 O pensamento se origina de situações-problema. 22 As situações vividas anteriormente pelos sujeitos são definidoras para s situação-problema. – 82 – A didática e a Educação Infantil 22 Ao finalizar um trabalho, é preciso analisar as hipóteses e verificar se a situação-problema foi mesmo resolvida. 22 Princípio da eficácia social: é necessário aprender e agir em comu- nidade. A partir desses fundamentos, o trabalho com projetos pode ser com- preendido como um ato que procura soluções a partir de um problema e que se compromete com a transformação da realidade. Apesar de Dewey ter sido mentor da pedagogia de projetos, foi Kilpatrick quem popularizou essa pers- pectiva. Segundo o autor, existem quatro tipos de projetos: 22 projetos cujo fim é incorporar algumas ideias ou habilidades e transformá-las em expressão; 22 projetos cujo fim é experimentar algo novo; 22 projetos cujo fim é pôr em ordem alguma dificuldade intelectual; 22 projetos cujo fim é obter uma informação, atingir um novo grau de habilidade. A pedagogia de projetos foi muito utilizada em escolas públicas ame- ricanas e foi muito criticada pelo tempo despendido para a organização e execução de cada projeto e pela dificuldade de adaptação aos currículos pre- viamente definidos. A unidade didática foi uma estratégia criada para poder aa pedagogia de projetos à estrutura das escolas. Os elementos didáticos nela envolvidos devem estar integrados ao redor de um tema central. O assunto, para desper- tar interesse, deve ser apresentado sempre sobre o plano de uma motivação. Qualquer fato pode servir de ponto de partida, e as atividades propostas deve- rão manter e aprofundar o desejo de aprender. Os temas deverão envolver todas as áreas de conhecimento e devem ser trabalhados de forma progressiva e sequencial. Síntese Neste capítulo, aprimoramos nosso olhar sobre as crianças, buscando qualificar a Educação Infantil como um lugar de direito. Entendemos que – 83 – Didática e Planejamento há uma especificidade na Educação Infantil que se encontra regulamentada por um conjunto de documentos e que, portanto, toda prática pedagógica destinada às crianças pequenas deve ser pensada à luz de princípios éticos, estéticos e políticos. – 84 – 5 A didática e as fases iniciais do Ensino Fundamental Karine Rodrigues Ramos Neste capítulo, apresentaremos as definições da LDB 9394/96, suas exigências e orientações para o Ensino Fundamental. Destacaremos as contribuições dos PCNs e das diretrizes curriculares para as práticas pedagógicas nas escolas. As concepções de ensino- -aprendizagem terão destaque levando em conta novas metodolo- gias, como o trabalho com “projetos” e a “pesquisa transdisciplinar”. 5.1. A definição da LDB 9.394/96 sobre o nível de educação fundamental (anos iniciais) Conforme a Lei de Diretrizes e Bases 9394/96, a educação encontra-se divida em dois níveis: Educação Básica, constituída por Educação Infantil e Ensino Fundamental (nível I), e Ensino Médio e Educação Superior (nível II). O Ensino Fundamental é destaque nos artigos 32 a 34 da LDB. O artigo 32 indica a possibilidade de ampliação do Ensino Didática e Planejamento Fundamental, que entrou em vigor seguindo indicações do Plano Nacional de Educação (Lei no 10.172), aprovado em 2001. Contudo, apenas em 16 de maio de 2005, com a publicação da lei no 11.114, ocorreu a ampliação da obrigatoriedade de 9 anos para o Ensino Fundamental. A partir disso, as crianças ingressam no Ensino Fundamental aos 6 anos. A ampliação de 8 para 9 anos criou debates tanto na comunidade escolar quanto na esfera política, e a antecipação da matrícula (aos 6 anos de idade) foi aprovada. Entre as discussões, destacamos o impacto financeiro e a necessidade de adquirir novos materiais e de realizar uma formação de professores visando ao atendimento dessa nova faixa etária. O ensino ampliado já está em vigor, e as crianças estão sendo matriculadas, aos 6 anos de idade, no 1o ano escolar. Apesar dessa amplitude da presença do aluno na escola, o governo não inves- tiu na estrutura das escolas. A indicação metodológica das propostas pedagó- gicas garante o brincar lúdico, porém as salas de aula não receberam materiais didáticos para tal exercício e, em algumas escolas, nem o espaço externo foi adequado para receber as crianças. Em 6 de fevereiro de 2006, a Presidência da República publicou a Lei no 11.274, com o intuito de corrigir a imprecisão da lei federal anterior. A nova lei acrescenta que a duração do Ensino Fundamental seria de 9 anos, com o ingresso das crianças aos 6 anos de idade, e mudou também o ano de sua implantação para 2010; a Educação Infantil passaria a atender crianças de 0 a 5 anos, as quais, ao completarem 6 anos, ingressariam no Ensino Fundamental. A lei 9394/96 prevê uma formação global do aluno do Ensino Funda- mental e destaca a capacidade de aprender por meio das múltiplas linguagens, como afirma o item a seguir. I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo [...]. (BRA- SIL, 1996). Observar e vivenciar o local onde mora, evidenciando o olhar investi- gativo sobre o mundo natural e social é um dos destaques, ou seja, deve-se oportunizar ao aluno o convívio com celebrações locais, ambiente virtual e valorização dos eventos culturais e artísticos do seu município. – 86 – A didática e as fases iniciais do Ensino Fundamental II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a socie- dade [...]. (BRASIL, 1996). A seção III da Lei sobre as indicações para o Ensino Fundamental é descrita a seguir: Seção III Do Ensino Fundamental Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: (redação dada pela Lei no 11.274, de 2006) I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a socie- dade; III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de ati- tudes e valores; IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidarie- dade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. § 1o É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o ensino funda- mental em ciclos. § 2o Os estabelecimentos que utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino fundamental o regime de progressão con- tinuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendiza- gem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino. § 3o O ensino fundamental regular será ministrado em língua portu- guesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas lín- guas maternas e processos próprios de aprendizagem. § 4o O ensino fundamental será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais. § 5o O currículo do ensino fundamental incluirá, obrigatoriamente, conteúdo que trate dos direitos das crianças e dos adolescentes, tendo como diretriz a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o – 87 – Didática e Planejamento Estatuto da Criança e do Adolescente, observada a produção e distri- buição de material didático adequado. (Incluído pela Lei no 11.525, de 2007). § 6o O estudo sobre os símbolos nacionais será incluído como tema transversal nos currículos do ensino fundamental. (Incluído pela Lei nº 12.472, de 2011). Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte inte- grante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horá- rios normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quais- quer formas de proselitismo. (Redação dada pela Lei no 9.475, de 22.7.1997) § 1o Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2o Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso. Art. 34. A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressiva- mente ampliado o período de permanência na escola. § 1o São ressalvados os casos do ensino noturno e das formas alternativas de organização autorizadas nesta Lei. § 2o O ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino. (BRASIL, 1996). A LDB prevê uma formação integral do cidadão; seu texto assegura que todas as crianças tenham o direito de frequentar a escola, bem como de desen- volver competências de leitura, escrita, cálculo, compreensão do social e das transformações culturais do lugar onde vive e do mundo globalizado. É pos- sível perceber um contexto que fará a criança avançar e completar os níveis I e II de ensino. 5.2. O Ensino Fundamental e o que se espera dele O Ensino Fundamental é obrigatório e, por esse motivo, deve abranger toda a população e garantir uma educação de qualidade, ou seja, uma edu- cação de formação integral, que contemple as individualidades, os diferentes – 88 – A didática e as fases iniciais do Ensino Fundamental espaços e lugares e dê ênfase ao multiculturalismo e à história cultural, que favoreça o convívio com a diversidade cultural e que utilize uma metodologia pautada no lúdico e no contexto infantojuvenil. A concepção de aluno do Ensino Fundamental deve destacar as orien- tações previstas nos PCNs, evidenciando a formação ética e transformando a escola em um espaço de vivência e de discussão dos referenciais. A escola deve se transformar em um local social e promotor dos valores de cidadania. Os documentos sinalizam pontos importantes para que possamos com- preender a prática desejada nesse nível de ensino, o Ensino Fundamental: 22 as políticas educacionais devem garantir o acesso de todos; 22 oferecer diferentes tempos e lugares de forma que todos os indiví- duos possam usufruir do ensino oferecido; 22 o Ensino Fundamental está pautado em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros e apren- der a ser. Esses quatro pilares destacam, respectivamente, diferentes esferas, nas quais o aluno desenvolverá suas devidas competências e habilidades. 22 Aprender a conhecer: sugere que se desenvolvam habilidades para selecionar, acessar e integrar a cultura geral, e a capacidade de apro- fundar seus conhecimentos com espírito investigativo e noções crí- ticas, aprendendo ao longo de sua vida. 22 Aprender a fazer: sugere que sejam desenvolvidas capacidades de resolver problemas, viver em grupo e se qualificar profissionalmente. 22 Aprender a viver com os outros: consiste em aprender, respeitar e valorizar o pluralismo. 22 Aprender a ser: pressupõe autoconhecimento, saber expressar opi- niões e assumir responsabilidades pessoais. A Declaração Mundial sobre a Educação para Todos destaca, em um dos seus artigos, que todos devem ter o direito de se beneficiarem da formação oferecida de forma a responder os desejos e individualidades educativas. Para isso, faz-se necessário o estímulo de aprendizagens essenciais como: leitura, – 89 – Didática e Planejamento escrita, expressão oral, cálculo, resolução de problemas e conteúdos educati- vos (conceitos, atitudes, valores). Essas são habilidades necessárias para uma vida digna no trabalho e na família, que possibilitam desenvolvimento e melhor qualidade de vida. A concepção desse aluno está vinculada aos movimentos sociais e aos direitos de cidadania. Compreende um aluno pensante, que tenha capaci- dade de refletir, conhecer e aprender com os outros. A escola e os professores devem enxergar esse aluno como um ser em desenvolvimento, protagonista de seu conhecimento. 5.3. Concepção do nível de Ensino Fundamental (anos iniciais) O Ensino Fundamental fornece a base de habilidades para o desenvol- vimento das competências de aprendizagem, o que possibilita continuidade dos processos de aprendizagem assegurando mais complexidade e aprofunda- mento aos conhecimentos sistematizados, que se ampliam conforme os ciclos e a compreensão dos alunos. Com atenção a essas características, o nível de Ensino Fundamental terá conhecimentos obrigatórios, definidos nas Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental (DCNs), as quais estabelecem que: Em todas as escolas, deverá ser garantida a igualdade de acesso dos alunos a uma base nacional comum, de maneira a legitimar a uni- dade e a qualidade da ação pedagógica na diversidade nacional; a base nacional comum e sua parte diversificada deverão integrar-se em torno do paradigma curricular, que visa estabelecer a relação entre a educação fundamental com: a) a vida cidadã, através da articulação entre vários dos seus aspectos como: a saúde, a sexualidade; a vida familiar e social, o meio ambiente, o trabalho; a ciência e a tecnologia; a cultura; as linguagens; com b) as áreas de conhecimento de: Língua Portuguesa; Língua Materna (para populações indígenas e migran- tes); Matemática, Ciências, Geografia; Língua Estrangeira, Educação Artística, Educação Física; Educação Religiosa, na forma do artigo 33 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (BRASIL, 1998). Um dos objetivos levantados referentes ao ensino de 9 anos é assegurar um período de vida escolar maior com a finalidade de ampliar as possibili- – 90 – A didática e as fases iniciais do Ensino Fundamental dades de aprendizagens. Esse tempo eficaz, obviamente, dependerá da quali- dade da educação oferecida. O objetivo do Ensino Fundamental é a formação básica, fundamen- tando-se em três grandes eixos: • Cognitivo: refere-se à capaci- dade de aprendizagem ligada às práticas de leitura, escrita, cál- culos, artes, ambiente natural e social. Esses conhecimentos formam a base do currículo sis- tematizado para o Ensino Funda- mental; • Pessoal: desenvolvimento e aqui- sição de conhecimentos, habili- dades, atitudes e valores, inicial- mente referentes à formação da identidade pessoal e depois aos processos de socialização e à vida com os demais indivíduos do seu círculo de convivência. Visa-se à autonomia e a noções de valores e competências de elaborar críti- cas em prol da vida coletiva; • Social: está ligado ao desenvol- vimento pessoal e à capacidade de viver em sociedade, de perce- ber que é necessário estabelecer ligações coletivas cotidianas e que estas estão ligadas ao auto- conhecimento e à construção de – 91 – Didática e Planejamento novas redes de aprendizagem, sejam elas de cooperação, soli- dariedade, respeito, acolhida ou tolerância. É de responsabilidade dos municípios e dos Estados a oferta do Ensino Fundamental, conforme indicação da Constituição Federal de 1988 e da LDB. O setor privado também pode oferecê-lo, desde que atenda a legislação da área. A predominância de oferta do Brasil está com o setor público, o qual tem enfrentado grandes desafios no que se refere à evasão escolar e à repetên- cia, problemas de gestão do dinheiro público e investimentos educacionais. Esses e outros fatores nos fazem refletir sobre o conceito, a concepção e as metodologias utilizadas no Ensino Fundamental. 5.4. Propostas de trabalho e indicações metodológicas oficiais As indicações metodológicas, segundo os documentos oficiais, destacam uma proposta em que o aluno é sujeito de sua aprendizagem, e que esta deve ser contextualizada com o seu mundo e com a sua idade. Esse é o destaque dos Parâmetros Curriculares Nacionais e Diretrizes Curriculares Nacionais. Os documentos oficiais oferecem uma linha de trabalho a ser efetivada nas Escolas com as crianças matriculadas no Ensino Fundamental. 5.4.1 PCNs – A construção de identidades e projetos A criança constrói suas relações no convívio com iguais e diferentes, e é na Escola que ele tem acesso ao conhecimento adquirido com o decorrer da história da humanidade. Aprender esses conhecimentos prevê uma concep- ção de pesquisa em que o aluno, contextualizado com o seu local, suas rela- ções e vivências, desperta para a investigação e aprende de forma colaborativa com os colegas e professores. Essa pesquisa, essa busca pelo conhecimento deve ser coletiva. – 92 – A didática e as fases iniciais do Ensino Fundamental Em busca desses conhecimentos, os alunos ficam expostos aos diferen- tes movimentos culturais e às diferentes culturas produzidas e desenvolvem diferentes relações com essas informações, construindo uma ponte sobre o aprendido e a ação que o faz avançar para o conhecimento científico. A velo- cidade da informação e os diferentes recursos tecnológicos criam novas pos- sibilidades para o desenvolvimento das competências previstas no aprender a aprender e no desenvolvimento pessoal, social, e cognitivo. As interações sociais vislumbram o conhecer e facilitam as interações sociais, reforçando sua identidade e suas ações. A construção de uma identidade está ligada justamente às experiências e vivências que o aluno constrói durante a sua vida escolar e a sua vida social. Para compor essa identidade, é necessária a integração do que passou, do que está acontecendo e do que virá, e isso implica uma capacidade de integração e amadurecimento do convívio social. Para que a escola possa ser agente de transformação da realidade social e pessoal de seus alunos, ela deve conhecer o contexto em que vivem, con- tribuindo para a construção dessa identidade e também problematizando assuntos que ocorrem no tempo e no lugar em que estão inseridos a escola e o aluno. 5.4.2 Diretrizes Curriculares Nacionais O currículo é um dos documentos que orientam as práticas escolares a partir do conceito de cultura: o conjunto de práticas que proporcionam a produção, a circulação e o consumo de significados no espaço social e que contribuem para a construção de identidades sociais e culturais. O currículo acaba se tornando, por consequência, um dispositivo de efeito no processo dessa criação identitária do estudante. As referências utilizadas para construir os currículos levam em considera- ção as necessidades da sociedade constituída. Entre os assuntos, destacam-se: a) as instituições produtoras do conhecimento científico; b) o mundo do trabalho; c) os desenvolvimentos tecnológicos; – 93 – Didática e Planejamento d) as atividades desportivas e corporais; e) a produção artística; f ) o campo da saúde; g) formas diversas de exercício da cidadania; h) os movimentos sociais. (TERIGI, 1999 apud BARBOSA, 2007, p. 22). 5.4.3 Formação básica comum do currículo e parte diversificada A LDB definiu alguns princípios e objetivos curriculares gerais para os níveis de Ensino Fundamental e Médio: 22 duração: anos, dias letivos e carga horária mínimos; 22 uma base nacional comum; 22 uma parte diversificada. Devemos entender por base nacional comum, na Educação Básica, os conhecimentos, saberes e valores que são produzidos culturalmente e que são expressos nas políticas públicas e organizados por instituições produtoras do conhecimento científico e tecnológico, no trabalho, no desenvolvimento das múltiplas linguagens, no esporte, nas artes e nas diferentes formas do exercí- cio da cidadania e nos movimentos sociais. Esses conhecimentos são descritos nas seguintes disciplinas: 22 língua portuguesa; 22 matemática; 22 no conhecimento do mundo físico, natural, da realidade social e da política, especialmente do Brasil, incluindo-se o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena; 22 arte em suas diferentes formas de expressão, incluindo-se a música; 22 educação física; 22 ensino religioso. – 94 – A didática e as fases iniciais do Ensino Fundamental Os eixos temáticos possibilitam o desenvolvimento das habilidades e o acesso aos conteúdos que preparam o aluno para os diferentes setores da vida em sociedade. As áreas de conhecimentos são definidas como específi- cas e diversificadas. A base curricular diversificada foi ponto de discussões e de muitos pare- ceres emitidos pelo CNE, cuja síntese se encontra no Parecer CNE/CEB no 14/2000. Após retomar o texto dos artigos 26 e 27 da LDB, a conselheira assim se pronuncia: [...] a base nacional comum interage com a parte diversificada, no âmago do processo de constituição de conhecimentos e valores das crianças, jovens e adultos, evidenciando a importância da participa- ção de todos os segmentos da escola no processo de elaboração da pro- posta da instituição que deve nos termos da lei, utilizar a parte diversi- ficada para enriquecer e complementar a base nacional comum. [...] tanto a base nacional comum quanto a parte diversificada são fundamentais para que o currículo faça sentido como um todo. (BRASIL, 2013). A base diversificada deve ser organizada conforme os órgãos educativos de cada Estado e município, porém a LDB determina, pelo menos, uma lín- gua estrangeira moderna, apesar de a língua espanhola passar a ser obrigatória e a corresponder à base nacional comum. A base diversificada também deve levar em consideração os avanços tecno- lógicos de forma globalizada para que a escola atenda às necessidades mundiais e, assim, amplie as relações do indivíduo com o trabalho e com a sociedade. Essa organização deve objetivar que as crianças, ao longo da educação básica, desenvolvam o letramento emocional, ecológico, social e que aprendam uma base científica que possibilite a compreensão da ciência e de seus avanços. A escola deve possibilitar o contato com a arte, o esporte e o lazer, construindo relações entre conhecimento e novas vivências, dando ênfase a situações práticas em que o aluno possa viver e perceber a importância da experiência para a aprendizagem e assim compreender os efeitos desses conhecimentos na vida cotidiana. As escolas devem organizar e planejar suas atividades levando em consideração: – 95 – Didática e Planejamento 22 “200 (duzentos) dias letivos, com o total de, no mínimo, 800 (oitocentas) horas, recomendada a sua ampliação, na perspectiva do tempo integral” (BRASIL, 2013, p. 34); 22 contexto em todas as disciplinas do currículo; 22 transversalidade do conhecimento de diferentes disciplinas; 22 projetos com assuntos concretos da realidade dos estudantes; 22 “20% do total da carga horária anual ao conjunto de programas e projetos interdisciplinares eletivos criados pela escola” (BRASIL, 2013, p. 34), visando ao conhecimento e à experiência. 22 “Projetos desenvolvidos de modo dinâmico, criativo e flexível, em articulação com a comunidade em que a escola esteja inserida” (BRASIL, 2013, p. 34); 22 planejamento pautado nas necessidades de cada instituição; 22 oferta de cursos noturnos para o Ensino Fundamental e do Médio, considerando as individualidades da realidade social, porém man- tendo a base curricular indicada; 22 oferta de formação adequada, independentemente do turno e obri- gatoriedade de frequência escolar; 22 oferta de atendimento educacional especializado, previsto no Pro- jeto Político-Pedagógico da escola, tendo como público-alvo a Educação Especial. 5.4.4 Metodologia de Projetos O projeto é uma investigação em profundidade de um assunto sobre o qual valha à pena aprender. A investigação é em geral realizada por um pequeno grupo de crianças de uma sala de aula. A principal carac- terística de um projeto é que ele é um esforço de pesquisa deliberada- mente centrado em encontrar respostas para as questões das crianças, pelo seu professor. (HELM; BENEKE; COLS, 2007). Os projetos realizados no Ensino Fundamental a título de pesquisa devem abordar conhecimentos específicos construídos a partir de assuntos de interesse dos alunos, organizados ao redor de uma pesquisa que comtemple o currículo. – 96 – A didática e as fases iniciais do Ensino Fundamental Essa pesquisa pode e deve abordar outras disciplinas de forma interdisciplinar. Possui uma duração que pode variar conforme o objetivo, o desenrolar das várias etapas (investigação, planejamento, pesquisa, registro, conclusão e apre- sentação), o desejo e o interesse dos alunos pelo assunto tratado. Um dos ganhos de se trabalhar com projetos é possibilitar às crianças que, a partir de um assunto relacionado com um dos eixos de tra- balho, possam estabelecer múltiplas relações, ampliando suas ideias sobre um assunto específico, buscando complementações com conhe- cimentos pertinentes aos diferentes eixos. Esse aprendizado serve de referência para outras situações, permitindo generalizações de ordens diversas. (BRASIL, 1998, p. 57). Os projetos abrem espaço nos quais a curiosidade dos alunos pode ser comunicada com maior espontaneidade, capacitando-as a experimentar a alegria da aprendizagem. Os alunos são vistos como autores de seus projetos e pesquisas. Os projetos de trabalho transcendem os conteúdos curriculares e possi- bilitam, por meio de diferentes assuntos, a aprendizagem contextualizada e a construção de sólidos conhecimentos vividos na abordagem de conhecimen- tos de diferentes conteúdos e disciplinas. A seguir, vejamos uma sugestão de elaboração de um projeto a ser desen- volvido com turmas do Ensino Fundamental. Escolha o tema Que assunto abordar? Quando estiver pensando em um assunto para pesquisar em projeto, você pode se perguntar, por exemplo, até que ponto ele vai despertar (e manter) a atenção dos seus alunos; o quanto vai contribuir para ampliar o conhecimento deles; quais são as vantagens e desvantagens de escolher esse ou aquele tema, o que ele teria a oferecer... Uma boa forma de escolher um tema é conversar com seus alunos. Como eles são os maiores inte- ressados, por que não propor uma votação? Você pode até se surpreender com o resultado. – 97 – Didática e Planejamento Estabeleça o objetivo (ou os objetivos) Pense no que você pretende conseguir com esse projeto e quais são suas metas. Provavelmente surgirão muitos tópicos a seguir. Para não se perder em meio a inúmeros objetivos, você pode se perguntar: “O que gostaria que meus alunos (e/ou todos os participantes desse projeto) aprendessem com ele?”. Pesquise Procure informações a respeito do tema escolhido em dife- rentes fontes (jornais, livros, revistas, Internet, filmes etc.) e certifique-se de que seus alunos poderão encontrar material sufi- ciente na biblioteca da escola (é um dos primeiros lugares em que vão pesquisar). A Internet pode ser uma boa aliada nesse momento. Planeje o projeto Que atividades você vai propor aos alunos? De que materiais ou ferramentas vocês vão precisar? Isso vai gerar algum custo (para a escola e/ou para os alunos)? Como você vai condu- zir o projeto? Que disciplinas serão abordadas? Quais serão os profissionais envolvidos? (Motive seus colegas, envolva o maior número possível). Quantas aulas você usará para executá- -lo? Que estratégias você lançará para incentivar os alunos e manter o interesse deles? As respostas a essas perguntas darão a linha de conduta de seu trabalho e orientarão os procedimentos a seguir. Nesse momento é importante trocar ideias com os colegas e com a coordenação da escola. Faça uma previsão do que poderia se tornar um “fator complicador” (a necessidade de comprar algum material, por exemplo) e pense em alternativas possíveis para o caso de algo não dar certo. Organize seu projeto por etapas e monte um cronograma para ajudar a turma a não se dispersar. Na hora de formalizar o projeto e colocá-lo no papel, você pode se basear no esquema a seguir: Tema • Turma a que se destina – 98 – A didática e as fases iniciais do Ensino Fundamental • Duração • Justificativa (explique por que você escolheu esse tema) • Teia Inicial • Objetivos • Conteúdos trabalhados (cite que áreas, conceitos e assun- tos serão abordados), incluindo atividades extras. • Estratégias/Procedimentos/Atividades (explique como você pretende alcançar os objetivos) • Material necessário (relacione que recursos serão necessários) • Conclusão (encerramento dos trabalhos) • Avaliação (como você pretende avaliar os alunos?) Sensibilize seus alunos Converse abertamente com sua turma e fale sobre o projeto. Exponha seus planos com animação. Isso certamente conta- giará os alunos. Planeje as atividades de forma a permitir que eles possam escolher aquelas das quais preferem participar e prepare-se para alterar atividades de que eles absolutamente não gostarem. Lembre-se: se eles não se entusiasmarem com a ideia do projeto, o resultado poderá ficar comprometido. Você pode começar o projeto a partir de um filme, de uma notícia, de um evento, de uma música, de um livro, enfim, de algo que prenda a atenção da turma para o que virá... Mostre os resultados À medida que o projeto for “caminhando”, ajude a turma a expor os resultados, para que outras classes vejam o progresso dos colegas. Se possível, organize com eles um mural num local a que os pais tenham acesso; assim, eles poderão acompanhar o trabalho dos filhos. Sua turma pode montar uma página com os resultados do projeto na Internet. Outra opção é publicar os resultados do projeto em um livro produzido pelos próprios alunos, maquetes, móbiles, exposições, dramatizações (confecção de fantoches, teatros de sombras etc). Avalie o projeto com a turma Organize um painel em que a classe possa expor o que mais a – 99 – Didática e Planejamento agradou e o que não foi tão bom. Dê seu parecer e ouça o que os alunos têm a dizer. Você alcançou seus objetivos (ou pelo menos um deles)? E os pais, têm algo a dizer? Aproveite críticas e sugestões para aperfeiçoar os projetos futuros (POR- TAL..., 2013). Vejamos o que é importante eleger como critérios para a construção do projeto: a) O tema deverá ser escolhido a partir das experiências anteriores dos alunos. Esse assunto pode fazer parte do “currículo oficial”, de uma experiência atual ou, ainda, de um problema instigado pelo professor. b) Prever a possibilidade de esse projeto transcender aos conteúdos básicos. c) Elaborar com os alunos um roteiro inicial, destacando informações de pesquisa investigativa, ampliando as hipóteses iniciais. d) Buscar diferentes fontes. e) O educador deverá assumir um papel de facilitador, providen- ciando diferentes fontes de investigação. f ) Favorecer a autonomia dos alunos. A função do projeto é favorecer a construção de novas estratégias, orga- nizadas a partir dos conhecimentos escolares, visando ao tratamento da infor- mação e das relações entre os conteúdos. Ao trabalhar com projetos, é possível realizar tarefas complexas, como a pesquisa, usando múltiplas linguagens disponíveis na atualidade, como infor- mações complexas a que os alunos têm acesso por meio da Internet, de docu- mentários e museus virtuais. O acesso a essa rede de significados desperta o interesse e a busca pelo conhecimento de forma prazerosa e instigante. O trabalho com projetos tem base na problematização e na pesquisa como resoluções e ou conhecimentos do problema levantado, tornando esse – 100 – A didática e as fases iniciais do Ensino Fundamental aluno um pesquisador, pois ele participa de todo o processo investigativo, desde a escolha do assunto, o levantamento de dados, a construção de hipó- teses, tornando-se sujeito do seu próprio conhecimento. O projeto investiga- tivo complementa as disciplinas e muda o olhar do aluno em relação à cons- trução dessa aprendizagem. Essa metodologia favorece a participação coletiva e individual, estimulando a autonomia criativa contextualizada e a compre- ensão crítica dos assuntos investigados e construídos no decorrer da pesquisa. É importante destacar os registros feitos durante o processo de pesquisa para evidenciar como esses alunos aprenderam com a pesquisa. Por esse motivo, é importante ter registros gráficos, fotos, visitas que contem esse pro- cesso investigativo e evidenciem os caminhos escolhidos para esse processo de aprendizagem. Para Hernández (1998), na prática do trabalho com projetos, os alu- nos adquirem a habilidade de resolver problemas, articular saberes adquiridos, agir com autonomia diante de diferentes situações que são propostas, desenvolver a criatividade e aprender o valor da cola- boração. (OLIVEIRA, 2006). Oliveira (2006) ainda afirma que, ao se abordar o trabalho com projetos na construção do conhecimento escolar, busca-se valorizar uma prática peda- gógica que estimula a iniciativa dos alunos por meio da pesquisa. Desenvolve- -se, dessa forma, o respeito necessário para o convívio no trabalho em equipe: saber ouvir, saber expressar-se, falar em público e o pensamento crítico autô- nomo, saberes necessários para outros setores da vida em sociedade. Síntese A LDB traz para a escola e para os professores as orientações quanto à obrigatoriedade e o compromisso que a escola deve ter com a educação de crianças e adolescentes. Pois é na escola que a criança sistematizará os conhecimentos acerca do processo de aprender os meios básicos de desen- volvimento intelectual, como o domínio da leitura, da escrita e do cálculo. A LBD também enfatiza a importância de construirmos uma educação integral, possibilitando o contato da criança com diferentes recursos tecnológicos, artísticos e movimentos multiculturais. – 101 – Didática e Planejamento Os pilares da LDB se destacam, pois fundamentam a prática e o desen- volvimento das competências a serem desenvolvidas nesse nível de ensino: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros e apren- der a ser. As Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental enfatizam um currículo com base comum em todo o Brasil. Tal currículo abrange desde princípios de cidadania a áreas de conhecimento como língua portuguesa, língua materna (migrantes e indígenas), matemática, ciências, geografia, lín- gua estrangeira, educação artística, educação física e educação religiosa. As metodologias de trabalho destacam um ensino interdisciplinar com base no conceito de pesquisa e contexto, em que os alunos fazem parte do processo investigativo e aprendem fazendo conforme os quatro pilares indi- cados na LDB. Portanto, as metodologias utilizadas devem considerar um aluno investi- gativo e ativo, agente de seu próprio conhecimento, e o professor, um agente com habilidades e um leque de conhecimento que possibilitará ao aluno avançar em seu processo de ensino aprendizagem – as práticas devem prever todos os pilares. A metodologia de projetos abre espaço para essas indicações, pois, com essa proposta, é possível transcender os conteúdos curriculares e contemplar uma aprendizagem contextualizada e um processo rico em aprendizagem para as crianças. Em síntese, as metodologias de trabalho devem estar pautadas nas indi- cações contidas na LDB, nos PCNs e nas DCNs, considerando o compro- misso que o Ensino Fundamental tem com o percurso educativo das crianças e dos adolescentes. – 102 – 6 A escola como espaço sociocultural Patrícia de Moraes Lima Neste capítulo, apresentaremos uma reflexão sobre o espaço sociocultural da escola marcando a necessidade de constru- ção das práticas pedagógicas a partir de uma concepção histórico- -crítica. Sobre essa abordagem, não há processo de ensino-aprendi- zagem sem que possamos compreender os sujeitos envolvidos como produtores de culturas. Professores e alunos são sujeitos de aprendi- zagens, e o conhecimento é tecido cotidianamente. A seguir, discutiremos o que é um Projeto Político-Pedagógico. Veremos como esse documento vivo, ao articular teoria e prática como dimensões essenciais para a unidade pedagógica, poderá con- tribuir para as atividades escolares. Veremos também os tempos e os espaços como elementos que compõem o cotidiano escolar. Didática e Planejamento 6.1 A escola como lugar de aprendizagens A escola deve ser entendida como um espaço privilegiado para a cons- trução da cidadania, onde um convívio harmonioso deve ser capaz de garantir o respeito aos direitos humanos. Porém, dentre os problemas mais pungentes que os profissionais da edu- cação têm enfrentado nas escolas brasileiras estão as diversas formas de vio- lência cometidas com e entre crianças e adolescentes. A análise desse quadro social revela que tais ações deixam um rastro de marcas psicológicas e invisí- veis em milhares de sujeitos que habitam a escola. Combater a teia de violência, que muitas vezes começa em locais que deveriam abrigar, proteger e socializar as pessoas, constitui-se em uma tarefa que somente poderá ser cumprida pela mobilização de uma rede de trabalho integral, na qual a escola se destaca como lugar de encontro e aprendizagens. Entende-se que a escola deve se contrapor abertamente à cultura das violências. A atitude pedagógica deve antecipar-se aos fatos, mudando atitu- des, valores e comportamentos a fim de promover e educar para a paz. Nesse sentido, Roizman (2000, p. 28) explica que: [...] Educar para a paz envolve a geração de oportunidades para comunhão de significados e afetos. Assim como o agricultor deve arar, afofar o terreno, devemos criar um ambiente propício e aco- lhedor para que as sementes da paz possam germinar. Isto envolve criatividade, abertura para promover uma qualidade nova nos espaços de ensino e aprendizagem a fim de transformá-los em locais de huma- nização e sensibilidade. Conforme Lima (2010), o espaço educativo, assim como a vida em geral, é um lugar em que lidamos o tempo todo com o exercício dos nossos limites, com aquilo que sabemos e com o que não sabemos, com a dúvida e a incerteza, com os acertos e com os erros. Portanto, é preciso pensar na escola como um lugar de afeto, de parceria, de cumplicidade, um espaço de vibra- ções positivas e generosas, um lugar de vida. Codo e Gazzotti (1999) afirmam que o afeto e a emoção fazem parte do processo de ensino-aprendizagem, e por isso não podem ser ignorados pela escola. Devem estar presentes para que esse espaço se torne prazeroso e – 104 – A escola como espaço sociocultural reflita no desenvolvimento da autoestima e da personalidade, no aprendizado significativo e na relação da criança com o meio social e escolar. O professor pode, sim, fazer a diferença na vida dos alunos, através das relações de respeito mútuo orientadas para autonomia. Professores “significativos”, além de auxi- liarem no desenvolvimento cognitivo, também se tornam referencial para o desenvolvimento ético de seus alunos. Nessa direção, nossa defesa se faz por uma escola de qualidade, que des- perte o interesse do aluno pelo aprendizado e pelo ambiente escolar. Para isso, é preciso que haja um comprometimento amplo de todos, o que exige um compartilhamento de ideias. Portanto, é preciso saber ouvir a mensagem que está por trás de atos de indisciplina do aluno e do autoritarismo do professor. Compreender essas questões é imprescindível para recuperar o sentido da escola e a sua valorização. A atuação pedagógica precisa ser planejada, organizada e transfor- mada em objeto de reflexão, no sentido de buscar não só o avanço cognitivo, mas propiciar condições afetivas que contribuam para o estabelecimento de vínculos positivos entre os alunos e os conteúdos escolares. (GROTTA, 2000, p. 125). É a qualidade da mediação que determina a relação entre o aluno e deter- minado conteúdo ou prática desenvolvida na escola. Portanto, se há fracasso, o fracasso é de todos, e o mesmo se dá com relação ao sucesso escolar. Deve- -se sempre lembrar de que é dever do professor ensinar, assim como é direito do aluno aprender, ou seja, o professor tem de exercer a sua docência sem se esquecer do seu papel na vida do aluno e deve criar novas possibilidades de ação para a sua própria profissão, com competência e prazer, pois somente dessa forma estará achando meios de diminuir tantos impasses na educação. Se o professor – na qualidade de profissional privilegiado da educação – tiver clareza quanto ao seu papel e ao valor do seu trabalho, conseguir rever posicionamentos endurecidos, questionar crenças arraigadas, confrontar posicionamentos imutáveis, estará, de fato, contribuindo para uma sociedade mais justa e para uma educação com mais qualidade. A escola que, antigamente, usava a palmatória, hoje, vale-se de outra ferramenta: a pressão psicológica, tão ou mais dolorosa, pois deixa marcas na alma. Mas como mudar essa situação? – 105 – Didática e Planejamento Conforme Veiga (2002, p. 155): [...] Educar não é fácil, mas as coisas fáceis qualquer um as faz; as difíceis estão para os Professores, para os Pais, para as Pessoas com letra maiúscula. Ensinar bons alunos, que não criam problemas, qual- quer um faz, mas saber lidar com alunos difíceis implica aceitar fazer muitas mil pequeninas coisas. Quem não for capaz de fazer pequenas coisas jamais verá perante si as coisas grandes! Todos querem uma nova escola, mas como conseguir essa façanha sem a ajuda de todos? Difícil é conquistar aqueles que já se habituaram a ela, que a acham normal e, assim, ou se colocam fora do problema ou o terceirizam. Portanto, é preciso afetar os professores para que eles percebam a escola como um lugar carregado de emoções, experiências e possibilidades. Por meio da pressão dos movimentos sociais, tornou-se possível a ampliação e a democratização da educação básica no Brasil, juntamente com a inserção das camadas populares na escola pública. Percebemos que essa democratização está ligada a uma crescente influ- ência dos próprios movimentos sociais na luta por uma consciência popular sobre o direito à educação, como direito a ser assegurado. Conhecer e discutir esse direito faz parte do aprendizado individual e coletivo, portanto, caracte- riza-se por uma dimensão educativa. Desde a década de 1950, algumas mobilizações começam a ser sentidas, uma delas é com relação à escola não mais como “favor” dos políticos, mas como um direito a ser exigido. Esse processo é caracterizado como reeducação de conceitos, da cultura e também do pensamento pedagógico educacional, já que a política e a educação não mais são pensadas como um favor aos sujeitos, como mercadorias a serem compradas ou distribuídas, e sim como um dever e, principalmente, como um “asseguramento” de direitos reconhecidos. Para que esses movimentos pudessem ganhar força, foi fundamental a ação de sindicatos e de movimentos sociais, os quais desempenharam um papel pedagógico importante como formadores de políticas e lideranças na conscientização das categorias trabalhistas. – 106 – A escola como espaço sociocultural O processo educativo, tanto formal quanto infor- mal, para se tornar significativo para o educando, deve considerar sua realidade. Nós, como edu- cadores, não podemos ignorar a realidade vivida pelos sujeitos que compõem a escola, muito menos negar suas vivências externas à escola e os aprendizados considerados “não escolares”; é preciso que sejamos mais abertos aos currícu- los e às didáticas, para que eles não nos sufo- quem, mas nos cerquem nos conhecimentos. 6.1.1 A escola e seu desafio no enfrentamento das violências A escola, espaço privilegiado de construção de importantes saberes, de convivência coletiva, de apostas na justiça social para um mundo melhor, vem convivendo com violências que amedrontam, desestimulam e fazem adoecer profissionais, pais e estudantes. Têm-se presenciado, com muita frequência, as diferentes manifestações dos fenômenos das violências no universo educacio- nal, onde crianças, adolescentes, jovens e profissionais da educação reprodu- zem as tensões do mundo exterior, além de produzirem violências específicas do contexto escolar. Nas palavras de Rocha (2010), adotou-se o termo “violências”, no plural, não apenas pelas diversas possibilidades de classificação das violências, como violência psicológica, violência física, violência simbólica, violência sexual, violência doméstica, entre tantas outras, mas também pela multiplicidade de sentidos que a complexidade dos fenômenos ensina. A compreensão das violências como plurais e sociais, ou a compreensão evidente de que as violências compõem o social, permite-nos reconfigurar a ideia dos fenômenos e construir um olhar mais realístico. Dessa forma, per- – 107 – Didática e Planejamento mite-nos apontar soluções também na ordem do humano e social (ROCHA, 2010, p. 71). A partir de recortes dos significados de violências, definem-se as mani- festações do fenômeno na escola. Para Rocha (2010), o entendimento de que se trata de microviolências não as caracteriza como violências menores, mas como um fenômeno multifacetado de ocorrência cotidiana, que pode repro- duzir violências externas ou ser modulado pela organização escolar em sua hierarquia, em seu currículo, em sua arquitetura e em seus ritos. Nesse cenário, Larrosa (2002) nos apresenta a possibilidade de pen- sarmos as práticas educativas a partir do par experiência-sentido. Ou seja, é necessário que procuremos atender as demandas de proteção à população infantojuvenil a partir de ações pedagógicas diferenciadas. Como educadores, somos convidados a estar presentes em práticas educativas inovadoras, criando atitudes que tenham por intenção pro- mover a mais ampla participação nas ações que fortaleçam a “gestão do cuidado com a vida”. As violências geram sentimentos de desamparo, culpa, medo, raiva. No entanto muitos familiares ainda acreditam que bater, xingar, humilhar, des- valorizar, ignorar e gritar sejam práticas de educação de seus filhos, ou seja, atribuem às violências a característica de “educativa”. Para Larrosa (2002), ainda perdura a noção de que o espaço privado, cercado pela intimidade, não influencia o conjunto das relações das crian- ças e adolescentes no espaço público, ou ainda que as pessoas externas às relações familiares não devem interferir no processo educativo dos pais e demais responsáveis. Para Abramovay (2002), há, por vezes, um “pacto de silêncio”, mediado por subjetividades que encobrem as violências domésticas. A escola tem um papel estratégico na observação, notificação e prevenção de violências, prin- – 108 – A escola como espaço sociocultural cipalmente em regiões mais empobrecidas, onde o aparato sociocultural é fragilizado pelo olhar dominante. Contudo é fundamental registrar que os estereótipos violências/pobreza não se sustentam, posto que as violências são “democráticas” e acontecem em todas as camadas sociais, nos casebres e nas mansões. As violências nos atravessam, são constituidoras do tecido social e não podem ser pensadas em um lugar fora da realidade vivida. É no aqui e agora que precisamos tecer reflexões e aprofundar o entendimento sobre as possibilidades de potenciali- zarmos a vida a partir de uma gestão vinculada ao cuidado (SOUSA, 2010). Nesse sentido, entende-se que o problema de uma criança ou adoles- cente é o problema de toda a escola, pois, na maneira como as situações de violência são encaminhadas, revela-se o compromisso com a preservação de uma infância e juventude em condições de usufruto de seus direitos. Na escola, as violências têm expressão primordial no fracasso escolar e se viabilizam na corporalidade viva de todos os educandos através de humi- lhações públicas e sutis. Imersos em cenários de tantas violências, crianças e adolescentes sonham com um mundo de paz e solidariedade, onde o cuidado seja a centralidade. Nesse sentido, para que esse sonho se traduza em acontecimento, indica- mos que a escola e seus profissionais atribuam prioridade em: 22 Reconhecer, teórica e praticamente, a criança e o adolescente que se encontre imerso em contextos de violências, a partir de suas neces- sidades infantojuvenis. 22 Desconstruir as concepções patriarcais, adultocêntricas e segrega- cionistas escolares e não escolares que produzem procedimentos carregados de outras violências. Irradiar, a partir da escola, para seu entorno, ações qualificadas que recusem as violências como artefato de solução de conflitos. 22 Produzir e utilizar materiais didáticos que problematizem as vio- lências existentes no contexto cotidiano, dentro e fora da escola. Recusar as violências, construir relações de paz. – 109 – Didática e Planejamento Compreende-se que a conscientização sobre o universo das violências que adentram as escolas necessita estar presente nos processos de formação inicial ou continuada dos educadores. Como afirma Abramovay (2002), edu- cadores atentos podem fazer diferença na e para a vida das crianças e adoles- centes que vivem em contextos de violências. Reconhecer que as vivências fora da escola invadem o seu cotidiano e reorientam as atitudes e práticas dos estudantes entre si e as suas relações com os educadores contribui para estimular uma prática pedagógica pautada na sensibilidade e em valores éticos como a justiça, o respeito e a dignidade humana, pautados na construção de uma cultura de paz no cotidiano escolar. 6.1.2 A escola e as diferentes culturas Atualmente, estamos passando por um momento conturbado no que se refere à educação em nossas escolas. Deparamo-nos, frequentemente, com queixas, de pais e professores, de que a qualidade do ensino está muito baixa, ao mesmo tempo em que surge também o termo “aluno-problema”. Conforme Aquino (1998), dentro de uma perspectiva histórica, em que se advém de um contexto de educação militar em décadas passadas, existem alguns tempos específicos no contexto educacional atual que devem ser ana- lisados mais profundamente. Uma questão importante a ser analisada é a indisciplina no contexto escolar. Indisciplina e aprendizagem são dois termos que não combinam muito bem em um mesmo ambiente. Ou seja, para que ocorra a aprendi- zagem escolar de fato, para que o conhecimento seja realmente construído, internalizado e entendido pelo estudante de forma significativa, é necessário que a indisciplina não seja um fator negativo dentro da sala de aula. Aquino (1998), ao falar sobre indisciplina, chama a atenção para as razões que levam o estudante a cometer o ato de indisciplina, sobre o fracasso escolar e sobre sugestões de possíveis soluções para a questão. No caso da indisciplina, especificamente, precisam-se “[...] rever algu- mas supostas verdades que, em vez de nos auxiliar, acabam sendo armadilhas que apenas justificam o fracasso escolar, mas não conseguem alterar os rumos e os efeitos do nosso trabalho cotidiano” (AQUINO, 1997, p. 3). – 110 – A escola como espaço sociocultural O profissional da educação deve assumir suas responsabilidades, ter mais confiança no seu trabalho e desafiar-se em construir uma prática comprome- tida com a condição humana. O professor, geralmente, coloca seu trabalho em nível inferior ao do psicólogo, do neurologista ou do fonoaudiólogo, e os chama para exercer a sua função. Mas o papel do professor é ver a educação como um fenômeno interdisciplinar. Ao invés de pedir encaminhamentos, deve unir em torno de si as outras ciências ligadas à educação e discutir com elas, tentar integrá-las à sua prática, buscar seus métodos e estudos. O professor deve perguntar-se de onde o aluno vem, de que contexto social (socio- logia), como aprende (psicologia), a que cultura pertence (antropologia). Um dos caminhos mais apropriados para os professores e as instituições escolares que não veem resultados em suas práticas e procuram novas saídas para lidar com o fracasso escolar talvez seja questionar a ciência, que se pauta na racionalidade técnica e não contempla o ser humano na sua complexidade. Questionar a ciência significa procurar historicamente como o fatalismo biológico ou sociológico, o fracasso escolar e as dificuldades de aprendizagem foram historicamente constituídos; significa duvidar sempre do que se coloca como verdadeiro e absoluto, do que é unilateral. Ao mesmo tempo, a escola valoriza e baseia a sua metodologia na cultura da classe dominante. Os valores, a cultura, a história e a linguagem que uma criança da classe dominada traz consigo ao chegar à escola são subestimados, menosprezados e até mesmo eliminados. Portanto, o filho de um operário seria apenas uma criança burguesa incompleta, e a escola compensaria essa suposta “deficiência” (KRAMER, 1987). – 111 – Didática e Planejamento A escola deve se perguntar: por que, em muitos casos, o sucesso peda- gógico é visto como resultado de um trabalho escolar bem feito e o fracasso é visto como um problema do aluno ou do seu ambiente familiar? A dificuldade de aprendizagem recai sempre sobre a criança, porque ou ela faz parte de uma família pobre ou é desnutrida ou os pais não ajudam ou a mãe fica fora o dia todo ou não tem ninguém para ajudar em casa. É como se o problema estivesse dentro da criança e dependesse de um esforço dela ou da família para resolver. Essa é uma perspectiva ingênua que foi incorporada no sistema escolar rapidamente, mas que mascara o verdadeiro problema e legitima as desigualdades sociais. O fracasso escolar, que tem sido concebido como o fracasso do aluno ante às demandas escolares, é hoje provavelmente o maior empecilho à democratização das oportunidades e acesso e permanência da grande massa da população em nossas insti- tuições escolares. É, nesse sentido, o maior sintoma da crise de nossas escolas. (AQUINO, 1997, p. 21). O ponto não é aceitar ou negar essas proposições, mas entender a insti- tuição escolar possivelmente como o espaço em que se estruturou o fracasso escolar. Segundo Aquino (1997), não se trata de buscar culpados ou de se deslocar a culpa de um polo a outro, mas de reconhecer que o aprendizado resultante do “ensino escolar é um fenômeno complexo, que não comporta causas únicas ou invariáveis”. Ora, não é necessário procurar culpados, mas, em vez de atribuir o fra- casso escolar a fatores biológicos, privação cultural ou desnutrição, ou ainda rotular o aluno de relaxado ou preguiçoso, devem-se procurar, na própria instituição de ensino, fatores que colaboram para o surgimento desses fenô- menos. Esse modelo de escola que privilegia os saberes partilhados por uma classe social reproduz a estrutura social de classes da sociedade capitalista (KRAMER, 1987). Os alunos portadores de padrões culturais “adequados” progridem no sistema escolar e alcançam as posições almejadas, devendo-se o seu sucesso ao esforço e mérito individuais; os que não possuem tais padrões falham e aprendem a assumir as causas do fracasso quer como culpa individual quer como carência do seu meio. Assim, a discrimi- – 112 – A escola como espaço sociocultural nação que se processa na escola é vista como algo natural, e não como socialmente determinado. (KRAMER, 1987, p. 42). Ao se refletir sob a perspectiva histórico-crítica, poderemos questionar se o problema é do professor ou do que é ensinado, da forma como é ensinado. O que é pretendido pela escola e o que o aluno pode alcançar? A escola pode cumprir sua função formadora se reconhecer a aprendi- zagem como produto da interação do sujeito com o meio sociocultural e o sujeito como resultado das suas relações. Mais que um caso clínico isolado, o aluno faz parte de uma instituição escolar, é integrante de uma família, per- tence a uma classe social e é cidadão de um país (AQUINO, 1997). Há de se colocar a escola e a prática do pro- fessor em xeque. É preciso repensar o sistema escolar, reinventar a sua prática, perguntar, assumir riscos e, acima de tudo, levar o aluno a ser seu cúmplice contra o fracasso escolar. E, mais do que punir, avaliar e dar nota, é pre- ciso ajudar o aluno a gostar de aprender. Aquino (1997) chamará atenção ao fato de que trabalhar com as dife- renças é, sobretudo, aceitar o desafio de que não há receitas nem soluções únicas; é aceitar as incertezas próprias das pedagogias ativas que dependem grandemente da negociação, da improvisação, da personalidade e das inicia- tivas de seus atores. Segundo Arroyo (2007), a cultura escolar opera tradicionalmente com parâmetros classificatórios dos educandos. A introdução da categoria alunos violentos introduz um novo parâmetro, que toca em dimensões humanas, com impactos não apenas nos processos tradicionais de enturmação, ava- liação, aprovação/reprovação e gestão dos percursos individuais de ensino- -aprendizagem, mas também com impactos nos processos de desenvolvi- mento humano, ético, cultural e identitário de coletivos segregados como – 113 – Didática e Planejamento violentos. Como os profissionais envolvidos nesses delicados processos serão capazes de acompanhar esses seres segregados? Para trabalhar essa problemática na escola, os professores precisam apre- sentar diferentes estratégias, caminhar na direção de uma educação antidis- criminatória, desenvolver a autoestima, o respeito e a valorização mútua e a construção de conceitos positivos sobre si mesmos. Uma questão enfaticamente apontada pelas escolas diz respeito aos alu- nos que são “desinteressados” pelo fato de que a sala de aula não é tão atrativa quanto outros meios de comunicação, como a televisão ou o computador. Ou seja, a apatia em relação à escola é ligada, por vezes, à falta de equipamentos modernos e de recursos didáticos mais atraentes. Aquino (1997) é enfático sobre esse assunto e relaciona que os diversos meios de comunicação como a televisão, o rádio, o jornal e o próprio compu- tador têm como função primordial a difusão da informação. E a escola deve ter como objetivo principal a reapropriação do conhecimento acumulado em certos campos do saber. O professor não é um difusor de informações, muito menos, animador de plateia, e o aluno não é um espectador ou ouvinte. O professor é um sujeito atuante, o responsável pela cena educativa, parceiro imprescindível do contrato pedagógico. Com o tempo, a escola foi se democratizando cada vez mais, e a oferta de ensino, consequentemente, também aumentou. Porém ainda não conse- guimos garantir o que prevê a Constituição de 1988 em seu artigo 205, que diz que a “[...] educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família” (AQUINO, 1988, p. 5) nem fomos capazes de efetivar a permanên- cia do estudante na escola. É tarefa de todos nós (principalmente dos educadores) garantir uma escola de qualidade e para todos, indisciplinados ou não, com recursos ou não, com pré-requisitos ou não, com supostos problemas ou não. A inclusão, pois, passa a ser o dever “número um” de todo educador preocupado com o valor social de sua prática e, ao mesmo tempo, cioso de seus deveres profissio- nais (AQUINO, 1988). – 114 – A escola como espaço sociocultural Para Aquino (1998), nós, educadores, precisamos estabelecer, em sala de aula, outros tipos de rela- ção com os estudantes para que consigamos efeti- var o respeito, a disciplina e a inclusão. Com isso, entretanto, não quer dizer que a indisciplina seja obtida com obediência, silêncio e alunos imóveis nas carteiras. Também precisamos estar alertas de que, hoje, a obediência, a punição e o medo de outros tempos está presente na sala de aula sob uma nova roupagem, representada pela avaliação, que, muitas vezes, é usada como forma de ameaça. Outra hipótese levantada por Aquino (1998) é a do aluno sem limites, e aqui cabe ressaltar que muitos professores acreditam que a falta de limites vem de casa, ou seja, que a família é permissiva ao deixar que seu filho não respeite as regras impostas. Aquino (1998) defende que as crianças sabem quais são e conhecem bem as regras de funcionamento dos espaços coletivos, pois já se utilizaram delas nas brincadeiras e nos jogos na primeira infância, e que: [...] não se pode sustentar, nem na teoria nem na prática, que as crianças padeçam de falta generalizada de regra e de limite, embora esta ideia esteja muito disseminada no meio escolar. Ao contrário, a inquietação e a curiosidade infantis ou do jovem, que antes eram simplesmente reprimidas, apagadas do cotidiano escolar, podem hoje ser encaradas como excelentes ingredientes para o trabalho de sala de aula. Só depende do manejo delas... (AQUINO, 1988, p. 8). 6.1.3 Por uma escola inclusiva Para adentrar esse assunto, vamos começar com uma pergunta: por que é preciso falar de uma escola inclusiva? A resposta é simples: precisamos porque a escola é marcada historicamente como um espaço de exclusão. – 115 – Didática e Planejamento O marco que mudou a história da inclusão ocorreu em junho de 1994, com a Conferência Mundial Sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, organizada pela Unesco, quando foi assinada por 92 países a Declaração da Salamanca. Essa declaração tem como princípio fundamental que: “todos os alunos devem aprender juntos, sempre que possível, indepen- dente das dificuldades e diferenças que apresentem”. No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de 1996 refere-se sobre estarem “preferencialmente” incluídas todas as crian- ças, mas também haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado na escola regular para atender as particularidades, e o atendimento educacio- nal será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, por causa das condições específicas do aluno, não for possível a sua integração nas classes comuns do ensino regular. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional apresenta caminhos para a efetivação de modificações no currículo escolar. A LDBEN apresenta conceitos flexíveis e inovadores, orientados por concepções pedagógicas pau- tadas diretamente à aprendizagem dos alunos, onde todos os processos da escola devem ser vivenciados, desde princípios até procedimentos metodoló- gicos, avaliação, definição e desenvolvimento de conteúdos. O princípio da gestão escolar democrática, além de ser um princípio legal, constitui-se em exigência ética e política que possibilita cada vez mais a participação efetiva da sociedade no planejamento e acompanhamento das políticas educacionais, implementadas pelos sistemas de ensino no País. Com a Resolução no 02/2001, do Conselho Nacional de Educação, que estabelece as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, houve um progresso na expectativa da universalização e zelo à diver- sidade na educação brasileira, através da seguinte indicação: [...] os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, sem dis- tinção, competindo às escolas organizarem-se para o atendimento de todos os educandos com necessidades educacionais especiais, garan- tindo as condições necessárias para a educação de qualidade para todos. A Resolução no 02, de 2001, também preconiza que: [...] em vez de focalizar a deficiência da pessoa, enfatiza-se o ensino e a escola, bem como as formas e condições de aprendizagem; em – 116 – A escola como espaço sociocultural vez de procurar, no aluno, a origem de um problema, define-se pelo tipo de resposta educativa e de recursos e apoios que a escola deve proporcionar-lhe para que obtenha sucesso escolar; por fim, em vez de pressupor que o aluno deva ajustar-se aos padrões de normalidade para aprender, aponta para a escola o desafio de ajustar-se para aten- der a diversidade [...]. Não obstante a realidade do processo inclusivo é muito distante do que sugere a legislação e demanda muitas discussões concernentes ao tema. A escola tem, sistematicamente, excluído de seu espaço todos aqueles considera- dos muito diferentes, principalmente os que temos chamado de pessoas com diferenças significativas, cuja diferença lhes confere um lugar social específico: são as crianças com deficiências, com distúrbios globais do desenvolvimento e em sofrimento psíquico. A estes a escola, historicamente, fecha suas portas, alegando que necessitam de tratamento especializado, de lugares especiais nos quais sua diferença possa ser tratada. É o que se chama de concepção médica de deficiência, tratada como doença do sujeito. Aqueles que, por conta do êxito de seu processo de reabilitação ou de suas habilidades e capacidades pessoais, conseguem atingir um nível de desenvol- vimento considerado compatível com o que se chama “normalidade” podem ser integrados à escola. Aos demais, resta, quando possível, o espaço da educa- ção segregada. Essa é uma lógica perversa, que coloca no indivíduo a suposta culpa por sua exclusão: afinal, é ele o incapaz. Contra essa lógica, constrói-se o paradigma de inclusão e trabalha-se a construção da escola inclusiva. Nesse sentido, ressaltamos que as políticas públicas em apoio à inclusão devem ser unidas na forma de programas de capacitação e acompanhamento contínuo que orientem o trabalho docente na perspectiva da diminuição gra- dativa da exclusão escolar, o que beneficiará não apenas os alunos com neces- sidades especiais, mas, de forma geral, toda a sociedade. Na relação inclusão/exclusão, estão contidos inúmeros processos que, em suas manifestações, apontam para várias rupturas no vínculo social. A exclusão pode ser tomada em nossa sociedade como uma nova manifestação da questão social. Porém o aluno com necessidades educacionais especiais continua exclu- ído. A exclusão se localiza não apenas na admissão à escola, mas também no processo educativo. – 117 – Didática e Planejamento Por isso, no Brasil, a inclusão é precária e marginalizada, porque vem alimentando uma inserção física e espacial sem contribuir para uma educação de valores inclusivos. Primeiro, porque faz com que certos grupos de indiví- duos sintam-se incluídos a uma ideia de estado de bem-estar, por razões eco- nômicas. Segundo Silva (2000), a discriminação é econômica, cultural, polí- tica, além de étnica, religiosa, de gênero, e é percebida ao se contabilizarem todos os fatores que fazem com que o indivíduo seja privado da participação. Dessa forma, o conceito de exclusão é dinâmico: refere-se tanto a pro- cessos quanto a situações consequentes. Ele também estabelece uma natureza multidimensional dos mecanismos através dos quais os indivíduos “diferen- tes” são excluídos das trocas, das práticas e dos direitos de integração social. O concito vai além da participação nos campos da educação e do trabalho; engloba os campos do lazer, da saúde, da habitação e da segurança. Portanto, a dialética exclusão/inclusão cria uma trajetória desde o sentir-se incluído até o sentir-se discriminado. A consistência da proposta de inclusão reside: no processo de crítica e revisão de valores e crenças, no reconhecimento e respeito às dife- renças, no exercício dialético de percepção da realidade, no estabelecimento da igualdade dos direitos sociais e na garantia do acesso univer- sal aos bens e serviços disponíveis no âmbito da sociedade, incluindo-se aí a Educação. No caso da escola, é necessário que ela seja realmente democrática. Esse desafio da escola está sinalizado no próprio Plano Nacional de Educação (2000), onde se afirma o direito de todos à Educação: “[...] a educação é constitutiva da pessoa e [...] deve estar presente desde o momento em que ela nasce, como meio e condição de formação, desenvolvimento, integração social e realização pessoal”. – 118 – A escola como espaço sociocultural A escola deve organizar-se para validar estratégias que contemplem a formação global de todos os seus alunos, tendo como base de seu trabalho um processo humano de ensino-aprendizagem e a garantia da aprendizagem de habilidades e conhecimentos necessários para a vida em sociedade, ofere- cendo instrumentos de compreensão da realidade. O favorecimento da par- ticipação dos alunos em relações sociais diversificadas e cada vez mais amplas (exercitando diferentes papéis em grupos variados) facilita a inclusão deles em um contexto maior – a própria sociedade. Para tanto, a escola precisa considerar a natureza das manifestações da nossa sociedade, estando atenta aos processos culturais que revelam a diversidade dos contextos de vida que cercam esse espaço. 6.1.4 Por uma cultura de paz na escola Para Filmus (2003), a educação para a paz é concebida como processo educativo voltado à construção da Cultura da Paz. Por enfatizar a dimensão humanizadora da educação, o paradigma da Cultura da Paz abrange pers- pectivas integradas, voltadas à identificação de estratégias que viabilizem a prática cotidiana. Ariés (1981) diferencia dois enfoques difundidos na década de 1980 relacionados ao binômio educação e paz: a educação sobre a paz e a educação para a paz. A educação sobre a paz centra-se na transmissão das informações e não se abre para questionamentos acerca da estrutura metodológica ou da prática educativa. O modelo de educação para a paz, por sua vez, pressupõe a informação sobre a paz e propõe um reposicionamento do próprio processo de ensino-aprendizagem em conformidade com os valores da paz, de modo a favorecer a coerência entre o discurso e a ação pedagógica. No entender de Rabbani (2003), educar para a paz é “educar sobre a paz em paz”, visto que a primeira só é possível com a segunda. Educar em paz constitui a existência de relações de diálogo que favoreçam o intercâmbio de reflexões e uma prática dirigida à satisfação das necessidades e dos interesses de educadores e educandos. Nesse contexto, a escola, espaço privilegiado de construção de saberes, ocupa um lugar importante na vida das pessoas. É nesse espaço que acontece um segundo processo de socialização, haja vista que é na família que as crian- – 119 – Didática e Planejamento ças adquirem as primeiras impressões, significados e valores sobre o mundo. De acordo com Miguel (2006), espera-se da escola um processo de formação para a cidadania que possibilite a humanização do humano, a inserção no mundo letrado, no mundo do trabalho e nas outras possibilidades da vida. Mas qual pode ser a contribuição social da escola no enfrentamento das violências? Em que portos ela consegue ancorar suas rupturas para fazer a travessia entre o passado e o contemporâneo? Como alterar a sua escrita a partir de outras inscrições que deixem crianças e adolescentes vivenciarem a aprendizagem em um espaço inter-relacional de cura, que identifique a escola como lugar de sua formação humana e de capacitação? Refletindo em termos da gestão do cuidado e da responsabilidade da escola, pode-se afirmar que o problema de uma criança ou adolescente é o problema de toda escola, pois, no modo como as situações de violências são encaminhadas, revela-se o compromisso com a preservação de uma infância e juventude saudáveis. Segundo Miguel (2006), as experiências vividas na infância e na adoles- cência refletem-se na personalidade adulta, pois a criança e o adolescente, ao se tornarem adultos, expressarão o mundo vivenciado e aprendido. Entende- -se ser esse um dos pontos de convergência quando o assunto é o papel da escola na construção de uma cultura de paz, pois, se as experiências vividas na infância e adolescência se refletem na vida adulta, cabe à escola procurar pro- piciar, aos indivíduos que a frequentam, experiências positivas que priorizem a dimensão humana do ser. Para tanto, há de se pensar: [...] as práticas educativas a partir do par experiência/sentido. Ou seja, pensar práticas educativas que atendam as demandas de proteção à população infantojuvenil a partir de ações pedagógicas diferenciadas. Como educadores e educadoras, somos convidados a estar presentes em práticas educativas inovadoras criando atitudes que tenham por intenção promover a cultura da paz. (LARROSA, 2002, p. 20). Para Milani (1999), construir uma cultura de paz implica promover transformações necessárias e indispensáveis para que a paz seja o princípio governante de todas as relações humanas e sociais, transformações ligadas diretamente à dimensão dos valores, atitudes e estilos de vida. – 120 – A escola como espaço sociocultural Milani (1999) defende a construção de uma cultura da paz por entender que esta não é inerente à humanidade – precisa ser ensinada e aprendida pelo ser humano e fomentada pela cultura. Para Boulding (2000), a cultura de paz é aquela que promove a diversidade pacífica. Ela inclui modos de vida, padrões de crença, valores e comportamentos, bem como os correspon- dentes arranjos institucionais que promovem cuidado mútuo e bem-estar e uma igualdade que inclui o reconhecimento das diferenças. Nesse contexto, cultura de paz não significa uma cultura em que não existem conflitos, mas em que estes sejam resolvidos de forma pacífica e justa. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a cultura de paz se concretiza através de valores, atitudes, formas de comportamento e estilos de vida que conduzem à promoção da paz entre indivíduos, grupos e nações, repudiando todas as formas de violência, especialmente a cotidiana. – 121 – Didática e Planejamento Milani (1999) esclarece que o conceito de cultura da paz é recente e encontra-se ainda em construção. Muitos debates e reflexões ainda se fazem necessários para se chegar a um conceito que equilibre especificidade e abran- gência, consistência e fluidez, bem como aplicabilidade aos inúmeros con- textos e realidades. Entretanto, tal fato não implica que as ações em prol da cultura da paz possam ou devam ser postergadas. Não há tempo a perder, uma vez que a construção teórica se alimenta da práxis. No que se refere à escola e seus professores, a abordagem da cultura da paz ressalta a necessidade de estes se desvencilharem do desejo de uma escola “ideal” onde só haja “bons” alunos, pois [...] no intuito de viabilizar esse sonho, tratam de excluir os “maus” (aqueles que dão muito trabalho ao professor) inicialmente rotu- lando, discriminando, culpando e aplicando sanções e finalmente, expulsando da escola. É possível identificar em linhas gerais três grupos de alunos no que se refere a prática de atos violentos: uma pequena minoria que regularmente usa de violência; outra minoria que nunca pratica violência e a vasta maioria que só faz uso da vio- lência a depender das circunstâncias. Isso significa que se criarmos ambientes inclusivos e situações de convivência pacífica, a maioria não encontrará motivo para fazer uso de violência. Esta passará a ser cada vez menos frequente, até se tornar uma exceção, por não mais fazer parte da cultura escolar, nem da linguagem interpessoal. (BALESTRERI, 2001, p. 72). Porém, para que tais estratégias logrem êxito, faz-se necessário, aos pro- fissionais da educação, considerar que: [...] ao chegar na escola, a criança, o adolescente leva consigo um conjunto único de características pessoais, experiências de vida, capacidades já desenvolvidas e potencialidades. Aquelas crianças cujo ambiente familiar é marcado pela violência entre os pais ou contra elas “tendem a ser agressivas e a ter comportamentos antissociais fora de casa, principalmente na escola”. Se além das violências domésti- cas, essas crianças e adolescentes são testemunhas ou vítimas de vio- lência em seu bairro, as consequências se agravam. (BALESTRERI, 1999, p. 101). Larrosa (2002, p. 24) evidencia a necessidade de a escola e seus profis- sionais reconhecerem a criança e o adolescente que se encontram imersos em contextos de violências a partir de suas necessidades infantojuvenis. É neces- sário transformar as concepções patriarcais, adultocêntricas e segregacionistas – 122 – A escola como espaço sociocultural que produzem procedimentos carregados de outras violências. A escola deve irradiar para seu entorno ações qualificadas que recusem as violências como artefato de solução de conflitos. Ela pode recusar as violências e construir relações de paz através da produção e utilização de materiais didáticos que problematizem as violências existentes no contexto cotidiano, dentro e fora de seu ambiente. Como afirma Abramoway (2002), educadores atentos podem fazer dife- rença na e para a vida das crianças e adolescentes que vivem em contextos de violências, pois, para construir uma cultura de paz, a escola há de conhecer, de fato, a cultura da violência onde nossas crianças/adolescentes estão imer- sas e apresentar-lhes outras possibilidades, outros caminhos. Esses caminhos exigem, por parte da escola e de seus profissionais, a desconstrução de concei- tos estereotipados que ajudam a fazer do aluno “rebelde” o bode expiatório, criando a ilusão de que, se este for isolado, a questão da violência está resolvida. Abramoway (2002) coloca que uma das muitas concepções estereoti- padas é a que acredita que pobreza e violência estão sempre associadas. Tal crença alimenta a falsa expectativa, por parte dos professores e gestores da escola, de que alunos oriundos de famílias de baixa renda serão mais violen- tos. Não. A violência se faz presente em todas as classes sociais. Outra disparidade apontada é a afirmação de muitos profissionais da educação de que o “problema” está nos jovens. Contudo, conforme Abramo- way (2002, p. 84): [...] não foram eles que inventaram as violências. Elas estão aí, nas injustiças sociais, nas discriminações, nas telas da tevê, bem como na intimidade do lar e finalmente nas relações de poder dentro da escola e na forma de muitos professores tratarem seus alunos. E ainda, se os jovens fazem parte do problema igualmente, fazem parte da solução. Nesse contexto, pode-se citar ainda a crença de que a repressão é o antí- doto para a violência. Milani (1999, p. 29) desmistifica essa máxima quando defende que “[...] quanto mais se confia na repressão, mais se descuida da educação e prevenção [...]”. As melhores vacinas para a violência dentro da escola são uma boa relação educador-educando, – 123 – Didática e Planejamento baseada em afeto, diálogo, respeito mútuo, normas de convívio resultantes de discussão e consenso entre todos os integrantes da comuni- dade escolar, justiça e imparcialidade por parte da direção no trato com alunos e professores, participação máxima dos pais, envolvimento com a comunidade e um ambiente de valoriza- ção, alegria e flexibilidade. Isso demora mais e dá mais trabalho do que as medidas repressivas, mas só assim a escola cumprirá sua missão. Para Balestreri (2001), se a escola deseja construir uma cultura de paz, será preciso que, além de ouvir sobre o tema, os alunos possam vivenciar, sentir, refletir, debater, planejar e concretizar ações. As pala- vras e as ações dos educadores terão de ser congruentes. É fundamental que os alunos possam testemunhar o esforço do diretor, de professores e de funcionários em praticar o que ensinam. Se discurso e prática se contradizem, não se pode esperar que os alunos se mobilizem em prol da paz. Educar para a paz só é possível então com uma educação em paz. O con- teúdo que trabalha uma educação para a paz deveria ser produzido a partir da participação de todos os envolvidos no processo educacional. Só assim ela poderia educar para uma ação para a paz. Educar em paz é estabelecer relações de diálogo que favoreçam o intercâmbio de reflexões e uma prática dirigida, assim, à satisfação das necessidades e aos interesses de educadores e educandos (MILANI, 1999). O autor supracitado ressalta que tais colocações não significam que estamos naturalizando a violência ou a considerando um problema insolú- vel. A intenção é retirá-la da condição patológica em que a colocaram, pois todo ser humano é passível de violências do mesmo modo que pode ser solidário e cooperativo. Então, pode-se afirmar que uma cultura de paz emerge do compromisso de sermos impecáveis com nossas palavras e atitudes, da ousadia de deixarmos – 124 – A escola como espaço sociocultural crianças e adolescentes pensarem com liberdade para que sejam autônomos politicamente e compreendam a vida de um modo simples e com a boniteza de sua humanidade. “[...] Talvez seja esse o grande desafio para construirmos uma cultura da paz” (SOUSA, 2002, p. 57). 6.2 Repensando a organização escolar A escola pode ser pensada como um lugar de destaque na formação da sociedade e dos cidadãos que temos hoje. A escola, como instituição moderna, teve por objetivo transmitir o conhecimento sistematizado e, com isso, formar o sujeito racional e autônomo. Para fazer isso, a organização da escola centrou-se em um projeto de disciplinarização, controle e vigilância dos corpos (FOUCAULT, 1989). O modo pelo qual o poder disciplinar opera nos processos de subjetiva- ção acaba por fortalecer a individualização de forma pausada e gradativa. A regulação desses corpos torna-se, sem descanso, a missão principal da maioria das escolas. No que diz respeito às práticas de violências, observamos, no inte- rior dessas escolas, que, sob esse campo epistemológico, outras práticas sociais são apagadas e reduzidas à invisibilidade – práticas que poderiam apontar para outros possíveis lugares, outros desejos, outros corpos. Maffesoli (1995) reflete sobre isso e aponta-nos o quanto se produziu, na cultura moderna, uma aversão a tudo o que é desconhecido. Segundo Maffesoli (1995), é preciso compreender que o racionalismo, em sua preten- são científica, é inapto para perceber e apreender o aspecto denso, imagético e simbólico da experiência vivida. As tentativas de neutralizar tais expressões de vida constituem-se por meio dos estratos de uma organização escolar marcada por uma cultura que não reconhece outros possíveis lugares, outras formas de convivência e outros modos de estar junto. Podemos com isso nos perguntar: como o modelo pelo qual pensamos a organização escolar vem produzindo o acirramento das violências, dos fracassos e dos abandonos na escola? Como – 125 – Didática e Planejamento nasce nos alunos o desejo de nunca mais voltar, a crença de que a escola não é um lugar para estar, a crença de que a escola não é para todos? A organização escolar sob outro contorno pensa sobre a existência de outros espaços, de outros tempos e lugares dentro da escola. Da busca por essa nova organização escolar, vêm os questionamentos: como lidamos com o outro que difere? Como permitimos que o outro nos afete com sua presença? O espaço educativo é, inevitavelmente, um lugar onde sujeitos se inva- dem e se põem a sentir, ver e pensar. Não há como escapar ao outro que aí está (o aluno, a menina, a diretora, o coordenador, a comunidade). O espaço educativo, assim como a vida em geral, é um lugar em que lidamos o tempo todo com o exercício dos nossos limites, com o que sabemos e com o que não sabemos, com a dúvida e a incerteza, com os acertos e com os erros. Quando a escola passa a ser vista sob a perspectiva de reconheci- mento de outros tempos, outros lugares, outros espaços, ela passa a ser vista como um lugar de experiência. Nesse lugar, são ensaiadas formas de estarmos juntos uns dos outros; esse lugar é onde desejamos, troca- mos afetos, arriscamos, nos surpreendemos. Trata-se, enfim, de tomar a escola como um espaço em que vibra intensamente a vida. Um lugar de sociabilidades, como diz Maffesoli (1995), onde sujeitos dispõem-se a encontros, onde a sensibilidade torna-se presente e expressa-se por meio de uma estética de relações. O sujeito da experiência é um sujeito exposto, que se põe em fluxos; é um sujeito que se pensa por fora da formação que reduz toda a imagem à sua medida, do pensamento que converte o outro em uma variante de si mesmo, que se apropria de tudo e que solidifica sua consciência a respeito de tudo que poderia pôr em questão. O sujeito da experiência é o sujeito da paixão, está envolvido pela escuta, pela abertura, pela sensibilidade. Nesse sentido, consideramos importante insistir em uma escola que possa ser pensada como lugar de experiência, como um lugar de linguagens e culturas. – 126 – A escola como espaço sociocultural É preciso repensar o sentido da escola buscando compreender a escola como lugar de experiência. Sousa, Miguel e Lima (2011) enfatizam a gestão do cuidado. A gestão, ao assumir como princípio o cuidado, ocupa-se com a acolhida do outro. Portanto, devemos pensar em uma escola que proteja os sujeitos e que esteja disposta a criar espaços que possibilitem a partilha de uma cotidianidade feita de mudanças, calcada em uma disposição ética, estética e afetiva da convivên- cia que reconheça o outro como possibilidade. Continuando com Sousa, Miguel e Lima (2011), a escola, como um lugar social do cuidado, deve assegurar a cada criatura humana o seu pleno desenvolvimento e integridade, de modo que chegue a constituir por si mesma e consigo uma relação de soberania, própria de um sujeito virtuoso. 6.3 O Projeto Político-Pedagógico como articulador da organização escolar A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN no 9394-96), principalmente em seus artigos 12, 13 e 14, declara que cada unidade esco- lar é responsável pela elaboração de seu próprio Projeto Político-Pedagógico, mais conhecido como PPP, além de prever sua execução, em colaboração com a comunidade. A partir da lei e dos artigos que salientam a relevância do PPP nas insti- tuições escolares, cada uma destas precisa constituir o seu de modo a abranger todas as necessidades individuais e coletivas da instituição e da comunidade onde está localizada. É necessário também salientar a importância que nos apresenta cada palavra que compõe o Projeto Político-Pedagógico. Entendemos por projeto – 127 – Didática e Planejamento tudo aquilo que é organizado prevendo alguma ação posterior à sua proje- ção, ou seja, é uma antecipação de possibilidades. Portanto, o projeto deve antever o cuidado com relação às especificidades nas relações entre os diferen- tes sujeitos envolvidos. A palavra político vem para fortalecer as concepções que perpassam todo o campo das relações humanas, tanto no espaço escolar quanto no espaço da comunidade. E, por último, a palavra pedagógico vem para esse contexto enquanto um espaço de proposições criativas que devem partir dos desejos do indivíduo, tendo como princípio a transformação do cotidiano, sem perder de vista que as relações tecidas no cotidiano são fontes inesgotáveis de experiências e afetos. O principal objetivo de um Projeto Político-Pedagógico é irromper com o arcabouço que divide o trabalho nas instituições e, com isso, propi- ciar uma qualidade vital às atividades. Para tanto, deve trazer a reflexão sobre a direção e as prescrições provenientes da hierarquia do sistema, além de promover a independência da instituição e propiciar uma autonomia base- ada em relações solidárias que estejam em consonância com as necessidades concretas da comunidade. A construção do PPP exige uma profunda reflexão acerca dos processos vivos da educação, da sociedade, das desigualdades instituídas, das diferenças, dos sujeitos que integram o processo, e principalmente, de qual é o com- promisso assumido pela instituição para a construção de homens, mulheres, crianças e adolescentes felizes. Os enfoques indispensáveis para a construção de um PPP, segundo Sousa (2002), são: 22 Eixo transversalizador: nasce da reflexão e aglutina concepções distintas em torno de um objetivo comum, mais amplo. O espaço coletivo deve colocar em evidência uma perspectiva pedagógica que busque uma unidade possível entre as ações educativas e o meio com o qual interage. 22 Plano de governo: toda instituição possui suas formas de governa- bilidade, o que permite explicitar as identidades que deseja instalar, as quais devem estar em conformidade com as circunstâncias onde suas ações são efetivadas e com o “tempo-espaço” desejado para alcançar os objetivos traçados coletivamente. – 128 – A escola como espaço sociocultural 22 Compromissos políticos: representam o que a escola assume diante da comunidade, explicitando os aspectos com os quais tem condições de comprometer-se para viabilizar o eixo transversalizador e o seu plano de governo. Esses compromissos são nomeados pelo coletivo e mediados pela reflexão que assinala as demandas da comunidade. 22 Princípios éticos: são escolhidos para nortear as condutas didá- tico-pedagógicas da escola e o cumprimento dos seus objetivos, por isso, precisa estar em consonância com os enfoques anteriores. 22 Planejamento das ações: um planejamento, para que seja exequível, precisa ser dinâmico e flexível; sua implementação deve acompanhar o fluxo vital do cotidiano. Vale ressaltar que planeja quem executa, isto é, os atores envolvidos é que edi- tam as ações com as quais podem se envolver. 22 Planos de trabalho das equipes: no planejamento, o coletivo deli- bera sobre as ações que serão implementadas no ano letivo, ele- gendo as equipes de governo, com suas coordenações e seus inte- grantes, os quais serão responsáveis pela efetivação das ações. Os coordenadores escolhidos pelo coletivo da escola terão o compro- misso de acompanhar a efetivação das ações, evitando, com isso, as descontinuidades. Cada equipe deverá apresentar o seu plano de trabalho com a definição de todas as atividades decorrentes das ações definidas no coletivo, apontando seus objetivos, o detalha- mento de seus afazeres, o cronograma, os recursos necessários, a agenda de encontros do grupo, o mecanismo de avaliação e os encaminhamentos procedentes. Uma das mais relevantes características do PPP, enquanto dinâmica catalisadora, é que ele é processual, é arquitetado no dia a dia, é recorrente e dinâmico e tem suas intenções assumidas coletivamente, ou seja, é um “projeto-processo”. O PPP deve estar “vivo” nos diferentes espaços que compõem a insti- tuição, de modo a garantir a materialização e a organização escolar de acordo com os objetivos traçados na escrita do projeto da escola. – 129 – Didática e Planejamento Precisamos salientar que o PPP não deve ser um documento escrito ape- nas para cumprir parte das responsabilidades jurídicas da escola. O PPP, ao contrário, deve ser um processo contínuo que nasça de um coletivo e se renove a cada dia, conforme as exigências da realidade; deve representar um coletivo articulado que tenha a capacidade de alterar o curso do presente, levando em consideração os anseios e aspirações dos diferentes atores sociais da instituição. A escola deve assegurar no seu Projeto Político-Pedagógico a dimen- são democrática, considerando a pluralidade de pensamentos, respeitando as decisões coletivas, junto com toda a diversidade que abrange o contexto esco- lar, assim como as diferenças existentes no âmbito político e sociocultural. Para que possa catalisar os desejos postulados para a transformação do espaço educativo em um ambiente de direitos gestados pelo cuidado, o PPP demanda uma participação de todos os segmentos da unidade escolar. Para que o Projeto Político-Pedagógico possa, de fato, existir de modo a considerar o sujeito enquanto detentor de direitos e deveres, é preciso que todos estejam engajados na mesma missão. No entanto, devemos estar conscientes de que, em processos coletivos, além de adesões, há resistências, por isso, o PPP deve criar os contextos para que as singularidades floresçam em uma troca amorosa de escutas sensíveis, rechaçando a lógica da exclusão, profundamente enraizada nas instituições e em nós também, assim como as insensibilidades que teimam em não reco- nhecer o grupo como uma construção mesclada por individualidades. O PPP supõe especificidades de relações entre diferentes atores, e essa característica é que lhe dá a ideia de um protagonismo coletivizado, envol- vendo os sujeitos que dele participam. Ele tem um efeito dinamizador no plano afetivo: “eu” só me comprometo na medida em que “eu” me envolvo afetivamente. Podemos considerar o “político” como o âmbito das relações humanas que, em seus afazeres, evocam a legitimidade do outro, pautadas no princípio de dialogicidade. E o “pedagógico”, como o espaço de proposições criativas que possam modular o cotidiano, como uma fonte inesgotável de vivências autopoiéticas. Todo trabalho coletivo é constituído e configurado por singularidades, o que amplia os desafios para construção de coordena- ções em consensualidades e exige de todos o princípio de reconhecimento do outro como um “legítimo outro”. – 130 – A escola como espaço sociocultural O trabalho coletivo se afirma pelo exercício de autorias, onde ficam asse- gurados: a singularidade, a liberdade de expressão, a diferença, o direito às crenças. Cada sujeito é autor legítimo de suas proposições, por isso, é tam- bém ator para efetivá-la no seio dos interesses da vida de grupo, aberto à dialogicidade que imprime o sentido e o ritmo da ação coletiva, bem como à vivência individual e à percepção de si na relação com o outro, à vivência do autorreconhecimento entrelaçada ao reconhecimento do outro em suas legiti- midades, à vivência de se sentir dirigente de um processo coletivo, à vivência de construção do uno a partir do diverso. É nesse contexto que vai sendo modulada a cartografia da instituição, ou o que melhor conhecemos como Projeto Político-Pedagógico, um instru- mento de mediação entre os usuários e os serviços disponíveis para supera- ção dos problemas e conquista dos interesses individuais e coletivos. Em seus cenários, emergem as concepções e práticas de poder que podem se traduzir em relações autoritárias e verticalizadas de mando e subordinação, ou em rela- ções de novo tipo, dialógicas, pautadas na experiência do trabalho em equipes, coordenadas para fluir nas trilhas das ações desejadas. Nessas trilhas, princípios como gestão do cuidado, ética de afetos, legitimidades mútuas, participação, escutas sensíveis, convivência amorosa constituem as estratégias do trabalho coletivo e ampliam as possibilidades para que o Projeto Político-Pedagógico transcenda os níveis dos desejos e se efetive como mudanças: de nossas ações, das relações instituídas, do nosso local de trabalho, dos nossos modos de pen- sar desqualificadores de nossa humanidade e da vida em sua gratuidade. O Projeto Político-Pedagógico constitui, desse modo, o conjunto com- plexo das diretrizes tecidas em processo para a efetivação da gestão do cui- dado na educação. A gestão do cuidado é aqui entendida em uma perspec- tiva transdisciplinar, ecológica, ética e estética que potencializa a vida como sacralidade vivida. 6.4 A escola, processos educativos e investigação do cotidiano A investigação do cotidiano educativo funciona como um elo que arti- cula teoria e prática, cooperando para o desenvolvimento de profissionais – 131 – Didática e Planejamento críticos das suas práticas pedagógicas, reflexivos e aptos a construir projetos pautados na ética do cuidado. O envolvimento do educador-pesquisador em múltiplas ações, entre elas a de narrar e situar acontecimentos do cotidiano com intencionalidade, envolve também, segundo Tura (2003, p. 187-188): a formulação de hipóteses ou questões, o planejamento, análise, a des- coberta de diferentes formas de interlocução com os sujeitos ativos da realidade investigada e, certamente, a análise do próprio modo segundo o qual o pesquisador olha seu objeto de estudo. A escolarização precisa do outro para que a aventura da educação se complete e dê sentido e significado aos conteúdos. A reflexão sobre a expe- riência proporcionada pelo processo de escolarização fornece instrumentos para compreender a dimensão do fazer pedagógico num caminhar que se faz compartilhado com outras vidas. A cada nova trilha, que todos os dias abri- mos, temos a opção de ser e revelar nossas identidades. Trilhas não são trilhos. As trilhas, como a vida, são inesperadas, muitas vezes, imprevisíveis, incertas, refeitas todos os dias. Aprendemos com o que nos toca, com o que enche e rasga de significados a nossa existência. Da experiência com o “ofício de mestre”, como diz Miguel Arroyo (2000), pode-se perceber que muitos modelos de professor habitam a escola, marcando a formação dos educandos, o Projeto Político-Pedagógico das ins- tituições e a trajetória profissional da categoria. Vamos sendo lapidados com doses de compromisso, amor (bastante maternal algumas vezes), com rigidez e ódio daqueles que desdenham a ignorância contida no apenas “não saber”, com a alegria da partilha da amizade dos colegas e a aventura do aprender, com cobranças sobre a memorização, com os dias enfadonhos de provas que apavoravam os educandos, com a dúvida cruel sobre a validade de alguns conteúdos, mas muitas vezes, com a alegria de estar na escola. A metáfora do holograma: o holograma, conforme Navarro (2002), é um procedimento de fotografia sem lente, possível de gerar imagens tri- dimensionais de objetos físicos a partir da impressão, em uma placa foto- gráfica, dos padrões de interferência entre dois feixes de luz coerentes: um que ilumina diretamente a placa e outro que resulta refletido pelo objeto. Cada parte de um holograma possui uma informação global acerca do objeto – 132 – A escola como espaço sociocultural representado, e nele, não apenas a parte está no todo, mas o todo está inscrito nas partes. Isso nos conduz à reflexão sobre o quanto a escola está imbricada e comprometida com a feitura do humano, com a socialização e construção de conhecimentos, com as marcas que deixamos e com as que foram cravadas em nossa existência. Morin (2002, p. 19) nos diz que: O problema humano, hoje, não é somente de conhecimento, mas de destino. Efetivamente, na era da disseminação nuclear e da degrada- ção da biosfera, tornamo-nos, por conta própria, um problema de vida e/ou de morte. Este trabalho também nos liga ao destino da humanidade. Qual é o sentido da escola no processo humanizador das pessoas? Na tentativa de complexificar a reflexão sobre a escola e o sentido que há no ofício do educador, compreende-se que somos como ensinamos. Nossas concepções, valores e ideologias não estão invisíveis na pretensa neutralidade dos conteúdos curriculares. A escola, enquanto resultado da produção cultural humana, entrecru- zada pelas várias percepções que nossos sentidos são capazes de captar, pode ser um espaço de cuidado com o humano. A maneira como compreendemos a escola está impregnada por nossa visão de mundo. O ato de julgar é intrín- seco ao ato de compreender, e este não deve excluir a possibilidade de uma modificação e até mesmo de uma renúncia do ponto de vista pessoal. Pensar a escola sob o prisma da complexidade das suas relações é per- cebê-la multirrelacional, multifocal, entremeada por situações, ações e pen- samentos que podem conduzi-la tanto para um esforço coletivo de constru- ção de relações mais humanizadas quanto por caminhos que recrudesçam a indiferença e resistências às variadas manifestações do outro, cimentando certezas, comprometendo o espírito criativo e renovador. Pensar a escola entrecruzada pelas subjetividades do humano nos pro- voca a perceber as múltiplas relações que nos socializam, entre elas as rela- ções de gênero, étnico-raciais e de classe, o que desafia nosso olhar para as dimensões do processo de formação que acontece tanto com o “corpo docente” quanto com o “corpo discente”. Esses corpos compostos de vidas privadas movem-se e estabelecem relações entre si, esculpem e moldam as – 133 – Didática e Planejamento estruturas sociais, carregam o peso e a leveza da história, alimentam-se e consolidam-se nas culturas. A padronização do olhar corroborada pelo pensamento moderno pro- duziu uma dicotomia sobre as relações sociais universalizando conceitos e escondendo a especificidade dos sujeitos, suas histórias, suas vidas. O estudo de aspectos subjetivos presentes no processo de formação esco- lar, entre eles as relações de gênero e étnico-raciais tecidas em um emaranhado de outras relações de poder constituidoras dos sujeitos sociais, propõe um desafio na compreensão do processo de humanização das pessoas. 6.5 Tempos e espaços na organização escolar A escola que nasce sob a perspectiva do discurso moderno – e que se ocupa de formar, disciplinar e docilizar os sujeitos – trama, ao mesmo tempo, em sua organização, em sua interioridade, possibilidades de vida, projetos e sonhos. Ao considerarmos as relações de poder produzidas no interior da escola, assim como as práticas de coabitação de diferentes grupos sociais que não se situam simetricamente, estamos assumindo que, nas irregularidades, nas bor- das de uma organização escolar, reside um cotidiano intenso e borbulhante, no interior do qual assistimos a diferentes práticas culturais que (des)organi- zam e (des)territorializam a escola. Kenski (2001, p. 123) nos fala da polifonia da escola e sobre os diferen- tes sons que se espalham por/entre seus ambientes e que pululam no espaço educativo. “O espaço da escola é mágico. Nele se realiza o milagre perma- nente do aprender e do abrir-se para o mundo. Múltiplas e diferenciadas são as linguagens da escola”. No marco do discurso histórico, encontraremos a afirmação de um pro- jeto de escola que tem por princípio a inclusão e a formação moral. Com isso, a organização escolar assenta-se sobre o discurso cientificista, que fornece rele- vância social ao conhecimento historicamente produzido pela humanidade. Essa perspectiva revela-se em um currículo disciplinar que não reconhece nem valoriza os interesses dos alunos/as, seus saberes, suas vivências. O currículo disciplinar inibe, desestrutura, torna técnico o lugar da escola. “A disciplinari- – 134 – A escola como espaço sociocultural dade científica está associada a uma inegável capacidade de desenvolvimento científico-tecnológico, marca da ciência moderna.” (KENSKI, 2001, p. 148). Quando falamos do marco cientificista-moderno e sobre suas ressonân- cias na escola, precisamos reconhecer a influência do Iluminismo como pen- samento social e político no qual a razão, a ciência e o progresso ocupam o centro da cena e constituem um projeto de sociedade. A busca pelo funda- mento das certezas alicerça o ser moderno, que será afirmado pela capaci- dade de racionalização, e o reflexo desse pensamento na escola dá-se pela priorização do saber científico e pela desvalorização de tudo o que está fora da razão. Maffesoli (1995) reflete sobre isso e aponta-nos o quanto se produziu, na cultura moderna, uma aversão a tudo que é desconhecido, o que o autor caracteriza como ódio de si mesmo, um sentimento de desconfiança, de não aceitação à vida, às imperfeições e irregularidades que a compõem. Segundo Maffesoli (1995, p. 27), “é preciso compreender que o racionalismo, em sua pretensão científica, é inapto para perceber, apreender o aspecto denso, ima- gético, simbólico da experiência vivida”. A escola, como instituição moderna, tem por objetivo transmitir o conhecimento científico e, com isso, formar o sujeito racional e autônomo. Para fazer isso, a organização da escola centra-se em um projeto de discipli- narização, controle e vigilância dos corpos (FOUCAULT, 1989). O modo pelo qual o poder disciplinar opera nos processos de subjetivação acaba por fortalecer a individualização de forma pausada e gradativa. A regulação desses corpos torna-se, sem descanso, a missão principal da escola. No que diz res- peito às práticas de violências, observamos, no interior da escola, que, sobre esse campo epistemológico, outras práticas sociais são apagadas e reduzidas à invisibilidade – práticas que apontam para outros possíveis lugares, outros desejos, outros corpos. (Des)focando o olhar, encontramos, nessa mesma escola, fundada sob a ótica da disciplina e do controle, sujeitos que se fazem nas margens e que, criativamente, pensam a si mesmos por fora dessa base organizativa. São os sujeitos lidos como transgressores, indisciplinados, problemáticos, violentos, carentes. As tentativas de aniquilamento de quem resiste à cultura organiza- tiva da escola são as mais diversas e as mais perversas. Constatamos práticas de violências mascaradas pelo discurso missionário de formar bons cidadãos. – 135 – Didática e Planejamento Trata-se de procedimentos que expurgam os corpos, que escapam e que trans- bordam a tela da instituição escolar. Roudinesco (2008, p. 197), ao analisar a perversidade, faz uma interessante observação, que aqui vale destacar: “ataca- -se a infância, ataca-se o humano em devir”. Ao mesmo tempo em que lidamos com esses diferentes corpos, pode- mos urdir outro olhar sobre esses movimentos e pensar que é nessas brechas, nesses intervalos, que outros modos de vida se organizam, que outras cultu- ras passam a ter visibilidade, outros modos de aprender e pensar passam a dar contornos à escola. Meninos e meninas insistem em dizer, por meio dos seus corpos, das suas marcas, dos seus registros, que existem outras formas de “estar-juntos”, outras formas de organização, outras arquiteturas. Assim é que presenciamos diferentes expressões de vida, corpos tatuados, cabelos pintados, roupas rasgadas, orelhas furadas, carteiras e paredes pintadas, gra- fitagens nos muros etc. Essas são, via de regra, expressões que, ao serem lidas pela ordem de um discurso pedagogizador, passam a ser vistas como sinais de indisciplina e incivilidade. As tentativas de neutralizar tais expressões de vida constituem-se por meio de estratos de uma organização escolar marcada por uma cultura que não reconhece outros possíveis lugares, outras formas de convivência e outros modos de “estar-junto”. Buttler (2001), ao tratar da norma, chama a atenção para a sua força performativa. Ao mesmo tempo que construímos a referência normativa, criamos, sobre esse lugar, a referência do que não é possível, dos corpos que não são viáveis. A “performatividade é uma prática discursiva que efetua ou produz aquilo que nomeia” (BUTTLER, 2001, p. 167). Os sujei- tos viáveis, para manterem-se no centro, dentro da norma, necessitam dos outros, dos que, pelo seu comportamento “inadequado”, são banidos, discri- minados, violentados e colocados à margem. O modelo normativo necessita do seu oposto, pois, ao nomear o outro, ao colocá-lo à margem, afirma-se o centro, o que é viável, a média, a norma. Eis aí a necessidade que temos do outro, do humano perseguido (ROUDINESCO, 2008). Para não nos tor- narmos nem bárbaros nem hereges nem mendigos, nomeamos a barbárie, a heresia e a mendicidade, e esse tipo de operação consiste em liquidar, dissol- ver a heterogeneidade do social, fazendo emergir a ideia de um “outro como fonte de todo mal” (SKLIAR, 2003). – 136 – A escola como espaço sociocultural Tendo isso em conta, pergunto-me sobre as violências que presenciamos nas escolas. Em particular, interessa-me saber se estas não se constituem como efeito da configuração de uma organização escolar que se fundamenta por e entre essas práticas discursivas que, performativamente, inscrevem os sujeitos dentro e fora da escola, por tempos e espaços não estratificados e pensados a partir de uma suposta necessidade do outro, daquilo de que o outro carece, da sua falta. A pergunta que insisto em fazer é como o modelo pelo qual pensamos a organização escolar vem produzindo o acirramento das violências na escola, os fracassos, os abandonos, o desejo de nunca mais voltar, a crença de que a escola não é um lugar para estar, a crença de que a escola não é para todos. 6.5.1 Organização escolar: um (outro) contorno Deleuze (1996) desenvolve um argumento sobre organismo e organi- zação que nos ajuda a problematizar a posição predominante a respeito da organização escolar. O autor considera que um organismo, uma organiza- ção, é sempre tecida por uma operação, um sistema que acumula, sedimenta, impõe formas, funções, ligações hierarquizadas, a fim de extrair trabalho útil. Segundo o autor, não paramos de ser estratificados, somos superfícies de estratificação, somos todos feitos dessa tessitura, desse sistema que disciplina, organiza, hierarquiza, limita e que, de resto, atribui a palavra a tudo. Na dobra do que aqui nos afirma Deleuze (1996), penso sobre a exis- tência de outros espaços, de outros tempos, lugares dentro da escola; penso nos “entrelugares”, nos “não lugares” e sobre o encontro com as diferenças. O que fazemos diante do que sai pelos poros, do que transpira, do que respira outros ares, do que nos instiga a pensar sobre o improvável, o impensado? O que fazemos com o outro que difere, que não é nosso espelho, que não nos devolve a imagem esperada? Skliar (2003), ao desenvolver o tema da alteridade e da diferença na educação, pergunta-se sobre esse lugar inabalável onde reina um soberano, esse que sempre se repete e que, obsessivamente, persegue o outro, a fim de ajustá-lo e de fornecer-lhe uma medida. Levantando essa questão, o autor instiga-nos a pensar sobre a possibilidade de outra espacialidade na escola. Ele, assim, dessacraliza o lugar da educação e profana o sujeito que ali se faz. Skliar (2003) interroga-se, por um lado, sobre o tempo do outro, o tempo irreconhecível, inominável, ingovernável; por outro lado, sobre o tempo – 137 – Didática e Planejamento organizativo, que insiste em fixar, capturar, aprisionar os sujeitos na escola. O tempo da “mesmidade” é um tempo disjuntivo que pressupõe a lógica binária do bem e do mal, do certo e do errado. O tempo da “mesmidade” produz um olhar que não sai da janela, que olha, pelo vidro, a rua, os sons, as cores e que sempre vê só o que quer. O olhar da “mesmidade” captura, fixa, essencializa, nomeia e, por isso, “constrói a realidade analiticamente a partir da sua manipulação possível” (LARROSA, 2004, p. 111). No que diz respeito à escola, poderíamos nos perguntar sobre como esse tempo de repetição, de “mesmidade”, faz-se presente e materializa- -se a partir de um modelo de organização escolar que se pauta na disciplina, no controle e na formação dos sujeitos. Por outro lado, afetamo-nos pela pre- sença desses outros sujeitos, e nosso modo de olhar é desafiado pela presença de outros corpos. A intenção aqui é a de perguntar sobre como lidamos com o outro que difere? Como nos permitimos habitar pelo outro? O espaço educativo é ine- vitavelmente esse lugar onde sujeitos se invadem e se põem a sentir, ver e pensar. Não há como escapar ao outro que aí está (o aluno, a menina, a diretora, o coordenador, a comunidade...), o espaço educativo, assim como a vida em geral, é um lugar em que lidamos o tempo todo com o exercício dos nossos limites, com aquilo que sabemos e com o que não sabemos, com a dúvida e a incerteza, com os acertos e com os erros. O espaço educativo é o lugar do humano, no qual aparecemos como sujeitos de memórias, dores, lembranças, desejos e diferenças. Portanto, sempre invadidos, devemos nos perguntar como nos deixamos afetar por essa entrada, sobre os nossos medos, sobre tudo o que ainda não sabemos. É fluido e dinâmico o que chamamos de educativo, e podemos nos enga- nar se acreditarmos ser esse um lugar de repetições. Diante do que enxerga- mos como igual, só nos repetimos. Obsessivamente, repetimo-nos diante do outro, pois acreditamos estarmos diante de um espelho, do espelho de nossa alma, do que desejamos que o outro seja, do que melhor desejamos para ele. Como educadores/as, imbuímo-nos, muitas vezes, da tarefa de salvar o outro, educá-lo, persuadi-lo, torná-lo melhor do que já é. Perseguimos o outro sem, ao menos, perguntar-lhe o que realmente deseja. Desejamos por ele e para ele. E, com isso, pouco pensamos em nós, naquilo de que brincávamos, nos limi- – 138 – A escola como espaço sociocultural tes que transgredíamos, no que gostávamos de fazer, no que nos fazia sofrer. Esquecemo-nos de nós! A questão é que, inevitavelmente, não convivemos só com o esquecimento: nossas memórias fazem-se presentes por meio de nossas lembranças (experiências), por tudo que já vivemos, sentimos e pensamos. 6.5.2 A escola como lugar da experiência É possível perspectivar uma escola que reconheça outros tempos, outros lugares, outros espaços? É possível pensar em um plano de imanência para organização escolar? Que desafios se fazem presentes para “alterizar” a escola? É possível pensar na escola como lugar da experiência? Insisto, nestas linhas finais, sobre o argumento de que a escola é também o lugar da experiência, o lugar onde ensaiamos formas de “estarmos-juntos- -uns-dos-outros”, lugar onde desejamos, onde trocamos afetos, onde arris- camos, onde nos surpreendemos. Trata-se, enfim, de tomar a escola como espaço em que vibra intensamente a vida. Um lugar de socialidades, como diz Maffesoli (1995), onde sujeitos dispõem-se a encontros, onde a sensibilidade torna-se presente e expressa-se por meio de uma estética de relações. O sujeito da experiência é um sujeito exposto, que se põe em fluxos; é um sujeito que se pensa por fora dessa formação que reduz toda a imagem à sua medida, desse pensamento que converte o outro em uma variante de si mesmo, que se apro- pria de tudo e que vem solidificando sua consciência a respeito de tudo que poderia pôr em questão. O sujeito da experiência é feito de passividade, é o sujeito da paixão, está envolvido pela escuta, pela abertura, pela sensibilidade. A passividade aqui é entendida como paixão, receptividade primeira, abertura para a vida (Larrosa, 2006). Nesse sentido, parece-me importante insistir em uma escola que possa ser pensada como lugar de experiência, como lugar de linguagens e culturas. É preciso insistir na pergunta sobre aquilo que nos passa diante do outro. A escola, pensada nos termos dessa outra possibilidade de organização, precisa ocupar-se com as expressões que rompam a linearidade do tempo, que inscrevam outros tempos. Um tempo “solitário, onde se vive sem contar as horas, numa duração indeterminada” (LARROSA, 2004, p. 112). Uma escola que perspectiva esse olhar é carregada de receptividade, acolhe todas – 139 – Didática e Planejamento as expressões de vida e reconhece que, no plano dessas diferenças, há uma multiplicidade de trocas, afetos, desejos e cuidados. Os tempos/espaços estão organizados nas instituições escolares de maneiras distintas. O tempo pode ser entendido como tempo cronológico, ou melhor, como tempo khronos, que vai guiar nossas vidas através dos pon- teiros dos relógios e vai, portanto, guiar também a vida das próprias institui- ções no modo como estrutura e organiza o trabalho pedagógico nas escolas. Mas não só desse tempo se estrutura a instituição escolar; ela também deve ser composta do tempo kairós, que vai ser o tempo que transborda as rela- ções institucionais, que vai além das horas, que surpreende o previsível. Esse tempo é caracterizado por ser o tempo das relações, dos acontecimentos, que vai, por vezes, transcender a temporalidade cotidiana, na qual estamos acostu- madas a direcionar nossas práticas por conta dos direcionamentos temporais. O espaço aqui também não é entendido como tendo apenas uma função nas escolas. Ele pode tanto ser espaço quanto ambiente físico (que compõe toda a escola: salas de aula, refeitório, sala dos professores) quanto também deve ser o espaço como conjunto de relações entre os diferentes atores sociais que compõem o mesmo espaço, mas que, por vezes, ocupam posições e afaze- res diferenciados uns dos outros, porém relacionam-se diariamente. Voltando à questão dos tempos, com relação ao tempo kairós, é necessá- rio evidenciarmos a sua importância para com as singularidades dos diferentes ritmos de aprendizagens presentes nos cotidianos nas escolas. O tempo que respeita os processos de apropriação dos diferentes sujeitos, para além desses aspectos, é ainda o tempo que proporciona a criação de diferentes espaços (físicos/conjunto de relações) para que os conteúdos façam sentido e tornem- -se significativos para os próprios sujeitos da ação. A sala de aula é um espaço que tanto é físico quanto é um conjunto de relações. A duração da aula se caracteriza como sendo o tempo que pode ser entendido a partir de cada professor, e sua perspectiva, como sendo kairós ou kronos. Esse espaço/tempo deve ser destinado à interação entre professor e aluno, entre aluno e aluno e entre aluno e professor, exercitando a prática docente de aprendizes, a partir de como conduzem o tempo na sua organi- zação curricular de modo a privilegiar alguns conteúdos ao invés de outros. – 140 – A escola como espaço sociocultural As reuniões de planejamento se caracterizam como o momento para pensar a organização da instituição escolar, seus tempos e espaços. Essa reu- nião (principalmente a primeira do ano letivo) serve também para a avaliação e (re)elaboração do Projeto Político-Pedagógico e os ajustes necessários para o ano que se inicia. Outro espaço que deve ser considerado como de fundamental impor- tância são as reuniões pedagógicas, ou paradas pedagógicas, as quais refor- çam o grande valor que tem o trabalho coletivo dentro das instituições. Para isso, considera que, quanto mais a prática educativa e coletiva for refletida e discutida entre os atores sociais que vivenciam a situação, mais soluções serão encontradas. O conselho de classe tem como função levantar as discussões acerca dos processos avaliativos das aprendizagens obtidas e não obtidas pelo aluno. Todavia não só os alunos estão sendo avaliados, mas também o trabalho peda- gógico do professor desenvolvido nos espaços de sala de aula e as relações que estão sendo estabelecidas com o espaço mais geral, a escola. Esses tempos e espaços estão presentes em todas as ações que perpassam o cotidiano das instituições, tanto nas relações diárias estabelecidas com os alunos quanto nas relações mais espaçadas com os responsáveis pelos alunos, nas reuniões que transcorrem todo o ano letivo, juntamente com comemo- rações que evidenciam práticas pedagógicas, que supõem tempos/espaços de acordo com perspectivas individuais e coletivas vividas no âmbito escolar. A formação de professores sempre foi um tema de pesquisa ligado dire- tamente com os conteúdos da didática. Por muito tempo, o assunto per- maneceu sem campo de pesquisa e sem espaço específico para se delinear – ancorava-se sempre nos estudos da didática. 6.5.3 A formação continuada de professores A formação docente deve estar inteiramente ligada a um processo con- tínuo de aprendizagens e de desenvolvimento profissional, que tem início na sua própria experiência escolar e vai seguir durante toda sua carreira. A importância da formação está relacionada com o aperfeiçoamento de habi- lidades e com a aquisição de novos conhecimentos, de modo a melhorar a qualidade do ensino aos alunos. – 141 – Didática e Planejamento O interesse em pesquisar o tema formação de professores no Brasil vem crescendo com o passar do tempo e passou a ter outro objeto de estudo: o professor; antes, o foco era a formação inicial do docente. Essa iniciativa loca- liza o professor no centro da pesquisa e demonstra o interesse em dar-lhe voz e vez para que este aprofunde melhor o seu próprio fazer enquanto docente. Porém, deve-se tomar o devido cuidado com relação aos conhecimen- tos prévios do professor. No momento da pesquisa, não podem ser desme- recidos todos os conhecimentos que embasaram a prática docente até aquele momento; deve-se partir dos aspectos apontados de acordo com necessidades advindas de relações cotidianas com alunos e os processos de aprendizagens. É necessário que o professor amplie seus temas através de formações pro- fissionais. Também devemos considerar os elementos trazidos na bagagem de sua vida pessoal e carreira profissional e valorizá-los enquanto conhecimentos válidos e significativos. Do mesmo jeito que devemos respeitar os sujeitos alunos, partindo dos seus conhecimentos para, posteriormente, ampliá-los, devemos respeitar o sujeito professor, partindo de onde estão suas aprendiza- gens para, enfim, poder ampliá-las e ressignificá-las. Síntese Vimos, neste capítulo, a importância de enfrentarmos os processos que produzem a desigualdade e as violências nas escolas. Ao refletir sobre a inclu- são e a interdisciplinaridade, propusemos o desafio de pensarmos as diferen- ças como elemento central às práticas pedagógicas. Assinalamos uma possibilidade de desenvolvermos uma cultura de paz, amparada por uma escola onde todos possam ser reconhecidos como sujeitos. Por fim, atentamos para a escola como lugar de experiência e do exercício contínuo da ação docente. – 142 – Referências Didática e Planejamento ABRAMOVAY, M. Gangues, galeras, chegados e rappers: juventude Amé- rica Latina: desafios para políticas públicas. Brasília: Unesco; BID, 2002. ABRAMOV A. Y., M.; RUA, M. das G. Violências nas escolas. Brasília, DF: Unesco; Instituto Ayrton Senna; Unaids; Banco Mundial; Usaid; Fundação Ford; Consed; Undime, 2002. AGUIAR, V. T. (Coord.). Era uma vez na escola...: formando educadores para formar leitores. Belo Horizonte: Formato, 2001. AQUINO, J. G. (Org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práti- cas. 3. ed. São Paulo: Summus, 1997. ______. Ética na escola: a diferença que faz diferença. In: AQUINO, J. G. (Org.). Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1998. p. 135-151. ARIÉS, P. História social da criança e da família. Tradução de Dora Flaks- man. 2. ed. 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