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March 17, 2018 | Author: Sérgio Pereira de Souza Jr. | Category: Portugal, Independence, Europe, Politics, Politics (General)


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05/05/2016Dias trágicos ­ Revista de História Dias trágicos Massacre no Grão‐Pará fez mais de 250 mortos entre os defensores da Independência Magda Ricci 16/9/2009   Já se passara quase um ano do notório Sete de Setembro, e o Grão‐Pará continuava alheio à Independência do Brasil. Nesse momento, aportou em Belém o inglês John Pascoe Grenfell (1800‐ 1869), a bordo de um navio de guerra. Enviado pelo imperador D. Pedro I, o comandante de 23 anos trazia um comunicado: uma grande esquadra estava a caminho para garantir, por bem ou por mal, a adesão do Grão‐Pará ao Império. Grenfell estava blefando. Estrategicamente, omitiu o fato de que a tímida esquadra despachada por D. Pedro I fora se dividindo em paradas prévias na Bahia, em Pernambuco e no Maranhão (ver RHBN nº 38). O que restava era insuficiente para conquistar à força o extremo Norte do país. Mas não haveria confronto. O Grão‐Pará – que na época também incluía a área do atual estado do Amazonas – foi incorporado ao Império do Brasil em 23 de agosto de 1823 de forma aparentemente pacífica. Só aparentemente. A elite da província mantinha estreitos vínculos políticos, econômicos e até matrimoniais com Portugal. As amplas redes de comércio e de casamentos naquela região envolviam também ingleses e franceses, por conta das intensas transações interatlânticas. Esses laços já vinham se firmando desde 1809, quando Caiena, na Guiana Francesa, foi tomada e anexada ao território paraense a mando de D. João VI. Os comerciantes do Grão‐Pará lucraram muito com a abertura dos portos, decretada no ano anterior, e se empolgaram com a Revolução do Porto de 1820, em defesa de uma Constituição liberal, com a volta do rei para Portugal. Se por um lado acompanhava de perto a política lusitana, a elite paraense não demonstrava muito interesse pelo que acontecia no Rio de Janeiro. Em 1820, fez questão de mandar representantes para discutir a nova Constituição em Lisboa. Três anos depois, não enviou nem mesmo um deputado para a Assembleia Constituinte convocada por D. Pedro I na Corte. A independência carioca, entretanto, semeou divergências internas quanto ao destino do Grão‐ Pará. Àquela altura, muitos comerciantes estavam desiludidos com os rumos da política na velha metrópole e se inclinavam a apoiar o novo monarca entronado no Rio de Janeiro. Diante do ultimato apresentado pelo comandante Grenfell, a elite pôs‐se de acordo e aderiu à Independência, em agosto de 1823. O que não encerrava a questão. A tensão ainda presente entre os habitantes de Belém daria origem a um episódio trágico e pouco conhecido: o massacre do brigue Palhaço. Nas ruas de Belém, aumentavam as pinimbas entre os brasileiros nascidos na terra e aqueles tidos como “adotivos” – os portugueses “enraizados” no Pará. O conflito chegou às forças de segurança locais: insatisfeitos com o pagamento irregular, as tropas “nacionais”, ou melhor, paraenses, iniciaram um movimento para exigir um tratamento diferenciado em relação aos soldados que vinham das antigas tropas portuguesas. No dia 15 de outubro, as tropas se dirigiram ao largo do Palácio. Depois de tentarem arrombar o Trem de Guerra (depósito de munição), cercaram a Junta de Governo do Pará. Sua revolta ia além da questão do soldo: era contra todos os portugueses, e mesmo contra todos os estrangeiros. Passaram a noite entre reivindicações e acuadas promessas dos governantes. No dia http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/dias­tragicos 1/4 estavam quase todos mortos. Segundo ele. Mas clamar pela morte dos europeus era algo bem mais amplo e radical.com. Outro preso foi o arcipreste da catedral da Sé de Belém. da prudência”. uma vez que a adesão à Independência já havia sido consumada. teriam ido até sua casa. e foi necessário assentar a artilharia em frente à prisão. pois a intenção era obter armas e munição para distribuir entre a população. Ainda antes de outubro. Nunca foi devidamente esclarecido por que o enviado imperial Grenfell ordenou a execução sumária em praça pública de cinco brasileiros sem culpa formada. comandante das Armas da província deposto com a Independência. A punição ao movimento não terminou com as cinco execuções. revoltados com a omissão da Junta. ele foi posicionado diante de um canhão para que confessasse sua participação como “cabeça” da revolução. Para o brigadeiro Moura. a origem de tudo estava na extrema insubordinação das tropas. a noção de pátria ainda não era muito bem definida por aqui. enquanto os levantados se recolhiam aos seus quartéis. agiam em defesa de Pedro I. Pelo mesmo motivo. Mandado para julgamento no Rio de Janeiro. Mais de cem soldados foram conduzidos à cadeia. Para dar fim ao motim.br/secao/capa/dias­tragicos a abrir fogo contra eles. Esta força unida restabeleceu a ordem.05/05/2016 Dias trágicos ­ Revista de História seguinte. o cônego Batista Campos escreveu uma ampla defesa de suas ações. por sinal. Alguns relatos dão conta de que esses presos estavam muito inquietos e que os soldados ou seus superiores (nunca se soube quem foram os mandantes) jogaram cal para supostamente acalmá‐ los. da justiça. que gritava palavras de ordem pesadas. os rebelados saquearam várias lojas e tentaram entrar a machado nas casas de negociantes portugueses e ingleses. aportavam em Belém as tripulações dos navios. como “Morte aos europeus!” Pedir a saída dos portugueses poderia soar como uma reivindicação justa e afinada com a causa da Independência brasileira. Mas é preciso lembrar que. Os revoltosos. especialmente os escravos africanos. ocasionando a morte de 12 2/4 . não houve massacre. sobretudo nas patentes mais inferiores. Em consequência disso. mas logo libertados devido ao clima político favorável à rebeldia patriótica brasileira. Os rebeldes de outubro. o governo solicitou o auxílio do comandante John Pascoe Grenfell. cônego João Batista Gonçalves Campos. na política e nas milícias. Levado para o largo do Palácio do Governo. seus cabeças foram presos. em 1823. Cinco líderes das tropas paraenses foram presos e executados sem direito a julgamento. é difícil entender tamanha revolta entre os amotinados. Na noite de 19 de outubro. supondo que ele estaria sendo desrespeitado pela Junta do Pará. Este primeiro levante fora sufocado. os prisioneiros tentaram sublevar‐se. forçando‐o a ingressar no movimento. muitos presos tentaram arrombar a cadeia. Parece contraditório pensar que esses “patriotas” radicais na verdade tinham como governante supremo um imperador português de nascimento. O inglês foi inclemente. Ele afirmou ter tentado controlar a multidão. que começava a tomar parte no negócio. o que obrigou sua guarda http://www. depois da adesão do Pará. A tomada da cidade só foi impedida pela defesa do Trem de Guerra. removendo‐os da província. Salvou‐o uma petição pública da Junta de Governo.revistadehistoria. passaram a hostilizar os europeus enraizados ali. Para o brigadeiro português José Maria de Moura. Sua rebelião era contra os governantes paraenses de origem estrangeira. Segundo ele. a Junta que aclamou a adesão do Pará à Independência se fez “surda aos clamores da razão. No dia 17. especialmente portugueses e ingleses. que. as milícias e os paisanos armados. Em questão de horas. Isso teria aumentado a “ousadia” desses brasileiros que não queriam mais ser governados. em que o bispo local lembrava que explodir sua cabeça seria dar um pernicioso exemplo às classes “inferiores”. alguns oficiais teriam tido a ousadia de ir até o presidente da Junta de Governo exigir a expulsão de todos os oficiais portugueses das tropas do Pará. por estrangeiros. além de cerca de 300 civis suspeitos de envolvimento. 256 homens foram transferidos para os porões do brigue Palhaço (o menor tipo de navio de guerra na época). desrespeitando uma petição assinada por “quatrocentos e tantos cidadãos” que requisitava a demissão dos empregados civis e militares que não aderissem à causa brasileira. Belém: Produção Independente. ocasionando a morte de 12 pessoas. Apesar de presos. 2008. REIS. Geraldo Mártires. que se queria matar todos os europeus de qualquer nação”. 2004. de sorte que de 256 de que 12 morreram de fogo. Depois disso. o grito “Independência ou morte!” faria jus à história. Após outubro de 1823. 2. comércio e trocas culturais: os portugueses e as lutas sociais na Amazônia – 1808–1835”.com.br/secao/capa/dias­tragicos 3/4 . João Lúcio Mazzini. o que obrigou sua guarda a abrir fogo contra eles. os levantados de 1823 pretendiam mostrar lealdade ao monarca Pedro I aniquilando todos os estrangeiros. Belém: Cejup.revistadehistoria. só 4 ficaram vivos e ainda um bem maltratado”. Em suas palavras. Para portugueses como ele. 1993. que depois de se esganarem alguns camaradas europeus. Saiba Mais ‐ Bibliografia: COELHO. a possibilidade de uma adesão sem rebeldia extinguiu‐se definitivamente. Bauru: Edusc. eles eram uma ameaça constante. v. movimento de revolta que explodiu na Amazônia em 1835. foi um “horrendo espetáculo” ver “desembarcar 252 mortos”. 1ª ed. HOLANDA. Arthur César Ferreira.05/05/2016 Dias trágicos ­ Revista de História sublevar‐se. Sérgio Buarque de (org.). Como explicar a matança? Certamente ela se relacionava à visão que portugueses e até ingleses tinham dos revoltosos paraenses. culminando com a Cabanagem.) História Geral da Civilização Brasileira. In: Maria Izilda Matos. Anarquistas. o grupo teria se aniquilado por si próprio: “Tão extraordinária foi sua desesperação e tão inaudita sua ferocidade. Magda Ricci é professora de História da Universidade Federal do Pará (UFPA) e autora de “Entre portos. Alexandre Hecker (orgs. tomo II. Rei Congo. pp. demagogos e dissidentes: a imprensa liberal no Pará de 1822.71‐139. A província viveria uma década de turbulência política. continuaram a mesma cena uns contra os outros. Fernando de Sousa. 1978. Deslocamentos e histórias: os portugueses. São Paulo: Difel. “O Grão‐Pará e o Maranhão”. No Grão‐Pará. COSTA.     http://www. IN. O brigadeiro Moura concluiu seu depoimento da seguinte forma: “Diz‐se que o fim da conspiração era horroroso. o que “deixou a todos estupefatos”. O massacre do brigue Palhaço rompeu de modo contundente com a adesão inicialmente pacífica do Grão‐Pará à Independência do Brasil. com.revistadehistoria.05/05/2016 http://www.br/secao/capa/dias­tragicos Dias trágicos ­ Revista de História 4/4 .
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