Desenvolvimento da linguagem na criança dos 0-3 anos de idade: uma revisão Rosa Maria Lima Maria de Fátima Bessa Resumo A linguagem constitui um dos mais potentes instrumentos ao serviço da comunicação humana. Distintos posicionamentos teóricos situam a sua génese em patamares que oscilam entre compromissos genéticos e adquiridos. A aquisição dos seus processos e dimensões básicas ocorrem entre os cinco e os seis anos de idade. Este facto justifica o início do novo ciclo de aprendizagens simbólicas, sob forma de símbolos escritos que reflectem uma realidade explícita e veiculam a representação interna da linguagem falada. O desenvolvimento linguístico segue um percurso paralelo a outras áreas tais como a motricidade ,cognição ,a autonomia e a socialização. Estes dados encontram-se na razão directa dos processos neurofisiológicos e psicológicos da criança. Até aos três anos de idade o domínio formal da língua revela inúmeros processos de simplificação fonética e fonológica, revelando o uso da morfosintaxe algumas limitações, quer quanto à qualidade quer quanto à quantidade dos seus enunciados. A dimensão léxico-semântica constitui-se, ainda, como o trampolim de acesso às demais dimensões, partindo de configurações interactivas que a pragmática consubstancia. Uma abordagem ao desenvolvimento da linguagem até aos três anos de idade permite, a nosso ver, perspectivar possíveis atrasos no desenvolvimeto da mesma , partindo do pressuposto que as pautas apresentadas se aproximam da normatividade. Estar atento ao devir linguístico da criança pode representar o evitamento de futuras lacunas no percurso quer interactivo, comportamental, ou mesmo académico. À pergunta “quando intervir” deve responder-se “o mais precoce possível, dependendo da idade e da qualidade de produções”. A leitura deste artigo remete, pois, para um olhar mais atento sobre as pautas primárias de aquisição tanto pré –linguística como linguística, até aos três anos de idade, momento de particular relevância para o reconhecimento da necessidade ou não de atitudes de estimulação reforçada da linguagem infantil. INTRODUÇÃO O processo de desenvolvimento e aquisição da linguagem tem merecido ao longo dos tempos a atenção, empenho e trabalho de vários autores na prossecução de um conhecimento cada vez mais “intrínseco” daquele que se afigura fenómeno complexo e pluridimensional. Este é um processo tão vasto quanto imprescindível de abordar, sobretudo se pensarmos que a linguagem apresenta um carácter distinto, assumindo-se como o mais poderoso e conhecido instrumento de comunicação. Tornase por isso importante conhecer precocemente este processo de desenvolvimento e aquisição linguístico, que aprendemos a dominar tão natural e espontaneamente, que dificilmente pensamos na complexidade que o envolve. 1 Interessa-nos com este trabalho conhecer o desenvolvimento linguístico na infância, em idades precoces, onde a linguagem tem o seu início, a sua emergência. Falamos em linguagem emergente, referindo-nos a um processo de desenvolvimento padronizado de aquisição de linguagem na infância, englobando o desenvolvimento da compreensão (linguagem receptiva) e o desenvolvimento da fala (linguagem expressiva), (Viana, 2000). Linguagem emergente assume-se como um meio de aquisição da linguagem único da espécie, aparenta estar programado de acordo com um padrão predeterminado como parte da herança básica constitucional do homem. A qualidade do comportamento de linguagem emergente na infância está rudemente moldada pela natureza e frequência da amostra de impressão linguística fornecida pelo ambiente (Viana, 2000). Falar em linguagem emergente é reportarmo-nos ao período linguístico desenvolvimental entre os 0-3 anos de idade. Importa salientar que o período dos 0 aos 3 anos é crucial para o desenvolvimento linguístico, pois aqui se verificam todas as etapas do desenvolvimento da linguagem que vão permitir à criança munir-se das competências necessárias para, a partir dos três anos e meio ser capaz de dominar a estrutura da língua alvo, capaz de falar inteligivelmente sem grandes falhas sintácticas (Lima, 2000). O avolumar de significados e conceitos que representam o mundo que a rodeia e que a criança tem vindo a explorar e adquirir desde o seu nascimento, irá conduzir naturalmente ao alargamento do seu conhecimento e pensamento. Também a nível linguístico a criança vai caminhando, no sentido de apresentar uma crescente fluência linguística que se mantém em constante reestruturação, dada a necessidade que ela apresenta em elaborar regras linguísticas que extrai progressivamente do que ouve à sua volta. O interesse pelas questões da linguagem e a constatação enquanto docente que vivência contextos pré-escolares problemáticos nesta área, conduziram à percepção da necessidade de conhecer/avaliar o desenvolvimento da linguagem em idades tão precoces. A motivação pessoal e impulsionadora do tema a estudar aparece sustentabilizada e reforçada através dos estudos nacionais efectuados por Bairrão, Felgueiras, Fontes, Pereira & Vilhena (1998) e por Dias (2001), que apontam para um aumento da população infantil com perturbações da linguagem em contextos escolares e ainda pela igual necessidade sentida por diferentes técnicos (professores, educadores, psicólogos, pediatras entre outros) em encontrar um meio eficaz de 2 identificação/avaliação de crianças tão pequenas, que podem indiciar/apresentar problemas nesta área e que por isso podem requerer uma intervenção reabilitadora e educacional precoce. É pois, neste contexto, que sublinhamos a necessidade da existência de instrumentos que nos possibilitem uma avaliação precoce da linguagem, de forma a podermos intervir eficaz e atempadamente, sobretudo com as crianças que de algum modo poderão ser susceptíveis de vivenciarem experiências pobres, ou mesmo desprovidas de estimulação linguística que consequentemente, podem contribuir negativamente para o processo natural do seu desenvolvimento Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem até aos três anos de idade Determinar quanto o uso da linguagem é um acto exclusivamente humano, requer, em primeiro lugar, uma ligeira abordagem à conceptualização do fenómeno linguístico. Se o entendermos, na sua dimensão mais abrangente, como uma capacidade de comunicação, podemos afirmar, então, que existem várias formas de comunicação no reino animal (a dança das abelhas, o canto das baleias) e cada espécie partilha entre si formas de comunicação específicas do grupo a que pertence. Também o homem é, por sua natureza intrínseca, um comunicador. Labov (1969) afirma que podemos considerar a linguagem como uma forma de comportamento usada pelos seres humanos num contexto social, para comunicarem entre si ideias, emoções e necessidades. Chomsky (1971); Sim-Sim (1989); Ruiz & Ortega (1993) e Castro (1997) referem que a linguagem enquanto forma estruturada é uma faculdade exclusivamente humana, que serve para a representação, expressão e comunicação de pensamentos e/ou ideias, mediante o uso de um sistema de símbolos. Habib (2000), por sua vez, considera que podemos definir linguagem como um conjunto de processos que possibilitam a utilização de um código ou sistema convencional com o fim de representar e/ou comunicar conceitos, utilizando para tal um conjunto de símbolos arbitrários e a possibilidade de combinação dos mesmos. Todas as perspectivas focadas dirigem os seus pressupostos para a conceptualização da linguagem como um sistema convencional, constituído por símbolos arbitrários e com específicas regras de combinação dos mesmos.Tal sistema de símbolos cujo uso está baseado na necessidade de interacção comunicativa, sobretudo entre sujeitos que detém saberes co-vivenciados, tem a função de projectar ideias, 3 sentimentos e conhecimentos, partindo da representação interna que cada falante detém dos conteúdos que revela ou exterioriza. Abordar este tema torna quase inevitável o confronto com a interrogação: sobre que dimensão vinculadamente humana falamos, capaz de criar e reformular conceitos e percepções do mundo em geral e do “eu” em particular? Perante que fenómeno nos encontramos o qual dirige a acção, o pensamento e a vida interactiva no seio de conglomerados sociais tão diversificados? (Lima, 2000). A resposta poderá parecer simples ao reafirmarmos que se trata de um código composto por símbolos que nos permite representar, expressar, comunicar ideias e/ou sentimentos. Estamos, sem duvida, na presença de um instrumento de comunicação poderoso, onde a perícia cognitiva e/ou simbólica, individualiza, distingue e demarca a condição humana dos demais seres vivos (Lima, 2000). Podemos, pois, inferir que linguagem ultrapassa a sua função meramente comunicativa, assumindo contornos de suporte do pensamento. Dificilmente se contesta a diversidade das funções da linguagem no comportamento humano: expressão, comunicação, tradução simbólica do real, instrumento tanto de coesão como de diferenciação dos grupos sociais, amplificador da memória individual e social, condição indispensável à unidade e à identidade do individuo. A linguagem preenche, desta forma, no homem, múltiplas funções (Richelle, 1976). 2.2 – Aquisição e Desenvolvimento da Linguagem dos 0 aos 3 anos A infância é a fase da revelação do mundo, da descoberta do funcionamento das coisas, da partilha de desafios, brincadeiras e até de medos com os outros e com o que rodeia as crianças desta idade. É um período impregnado de curiosidade e vontade de explorar no qual as crianças manifestam clara intenção de interagir. Este facto passa, necessariamente, pela demonstração das crianças em idades mais precoces, de que à medida que crescem, não lhes basta observar, sentir, explorar - é preciso dizer, comunicar a alguém tais saberes. Penélope Leach, citada por Acredolo & Goodwyn (1998) refere, a este propósito, que a principal motivação que impulsiona os bebés para a linguagem é o facto desta permitir a socialização com os outros. 4 reforçando aconcepção da linguagem humana como um instrumento que permite transformar a experiência social individual em experiência colectiva. o canal privilegiado é. de expressões emitidas numa língua estrangeira por volta dos quatro dias de idade. articulação clara. onde se verifica que bebés recém-nascidos demonstram preferência por sons falados em lugar de outros. o canal auditivo. como anteriormente referido. 5 . demonstram preferência pela linguagem adulto-para-criança (baby-talk ou motherese) e manifestam clara preferência pela voz da sua mãe no lugar de vozes de outros adultos. Sim-Sim (1998). O mundo da experiência tal como o conhecemos é apreendido através das competências sensoriais de cada indivíduo. Referimos já a importância de todos os sentidos enquanto interferentes neste processo. demonstrar preferência pela voz da sua mãe pouco tempo após o nascimento. num discurso normalmente denominado por maternalês. Acerca das interacções verbais e do discurso dirigido às crianças pelos adultos que com elas privam. todos os outros sentidos são. A percepção auditiva. como se de um convite se tratasse para partilharem experiências. No entanto. perante a exposição aos ruídos internos do ventre materno aos quais está constantemente submetida. inclusive.Desde cedo percebemos que as primeiras palavras são utilizadas num contexto de apelo de chamada de atenção do adulto para algo. sem dúvida.ocorrem já durante a vida intra-uterina. a partir do uso de um sistema de símbolos para ambos os agentes da comunicação partilhada. interferentes neste complexo processo de desenvolvimento e aquisição da linguagem. não esqueceremos que. na medida em que são os receptores da informação que nos rodeia. o que implica um certo grau de aprendizagem na vida intra-uterina. Gleason & Ratner (1999) indicam-nos um conjunto de autores que reforçam esta ideia. desenvolvida a partir de idades muito precoces e a sensibilidade da criança para as sonoridades do seu meio. entoação marcadamente expressiva e vocabulário simplificado) que parecem promover a apreensão da língua por parte da criança. Cabe aqui um parêntesis para distinguirmos dois aspectos determinantes neste processo de desenvolvimento e aquisição da linguagem: percepção auditiva e discriminação. afirmando que os bebés são capazes de ouvir antes do seu nascimento podendo. afirma que estes apresentam determinadas características específicas (frases curtas. Berger & Thompson (1997) referem-nos investigações levadas a cabo por DeCasper & Fisher e Cooper & Aslin. Serão ainda capazes de discriminar expressões emitidas pela mãe na língua materna. na década de 90. Na realidade. No caso concreto da linguagem verbal-oral. inevitavelmente. etc (Sim-Sim. As competências perceptivas possibilitam assim o reconhecimento da existência de estímulos. as etapas durante as quais o processo linguístico da criança se incrementa. embora o ritmo de evolução se revele de grande variabilidade. de toda a informação recebida. No entanto. cognitivo e psicossocial da criança. seis meses relativamente à margem normal de variação no desenvolvimento cronológico (PeñaCasanova. necessariamente. Boutton (1977) defendeu que a aquisição da linguagem na criança se faz ao longo de três etapas essenciais. Porém. que envolve. Para além disso. assim como o reconhecimento das suas respectivas características. falamos de percepção auditiva. O autor distribuiu-as em três etapas: pré-linguagem (0 aos 12/18 meses de idade) primeira linguagem (12/18 aos 30/36 meses) linguagem (a partir dos 36 meses). A informação percebida é denominada percepção e esta é caracterizada pelo órgão dos sentidos que a recepcionou e serviu de veículo de transmissão. o processo de detecção de sinais acústicos. nem toda é percebida. geneticamente. em seguida. Tal variação será de. 1998). Tal facto pode ficar a dever-se às características do estímulo ou ao funcionamento do sistema de processamento. 6 . 2000). 1998). No caso dos estímulos sonoros. A aquisição da linguagem é o resultado de um programa (porventura especifico) que se transmite. no caso concreto os estímulos sonoros. A literatura especializada demonstra-nos que a linguagem surge em todas as crianças normais de acordo com referências cronológicas similares. aproximadamente. mas cuja sucessão se impõe do ponto de vista cronológico. como a frequência. 1994). cujos limites intermédios são relativamente arbitrários. 1998). Tivemos já oportunidade de referir que as aquisições linguísticas devem ser enquadradas no contexto geral do desenvolvimento motor. a intensidade. a materialização de tal programa só parece ser possível se a criança crescer num ambiente onde as trocas linguísticas ocorram (Sim-Sim. de carácter neurobiopsicológico. A aquisição da linguagem acontece com base numa ordem constante. Analisaremos.Sabemos que a recepção de estímulos é a primeira etapa de um processo cognitivo cuja finalidade é o conhecimento humano. assim como os aspectos relacionados com a estimulação ambiental (Lima.devemos entender o desenvolvimento da linguagem tendo em conta os aspectos maturativos. À competência de detectar a presença de um estímulo e distinguir dois estímulos diferentes chamamos discriminação (Sim-Sim. se verificou que as fases são muito semelhantes. Ingram (1989) propõe-nos uma divisão mais específica. Crystal (1981) e Rondal (1984). distinguem quatro etapas do desenvolvimento e aquisição da linguagem: a) prélinguagem (0-12 meses). salvaguardando sempre a questão da variabilidade intra-individual da aquisição linguística. Consideram ainda que. a saber: a) pré-linguistico (0-12 meses. b) primeiro desenvolvimento sintáctico (12-18 meses). d) primeiras combinações (18-24 meses).Autores como Del Rio & Vilaseca (1988). A par das gravações orais espontâneas das crianças. igualmente. e) frases simples (> 24 meses) e finalmente f) frases complexas. Estudos mais recentes socorrem-se já de técnicas de vídeo. técnicas de motivação que permitem que a produção e compreensão linguística da criança possam ser controladamente estudadas. Embora possamos encontrar. Por seu turno. b) enunciados de uma palavra (12-18 meses). parece-nos 7 . b) a interpretação dos mecanismos responsáveis pelo surgimento de diferentes estruturas e c) a importância atribuída aos aspectos formais e funcionais na explicação das aquisições gramaticais próprias de cada etapa evolutiva. gravações. diversas formas de apresentar as etapas do desenvolvimento linguístico da criança dos 0-3 anos. desenvolveram-se. relativamente ao processo de aquisição /desenvolvimento linguístico infantil. Fromkim & Rodman (1993) consideram que a língua é adquirida por fases e que cada fase sucessiva se aproxima mais da gramática do adulto. segundo diferentes autores. Os autores continuam. Desta forma constatamos que as distintas opções frente à distribuição em períodos de desenvolvimento linguístico marca a questão da variabilidade presente nos distintos autores. recordam-nos que as diferentes etapas pelas quais normalmente passam as crianças até adquirirem o sistema gramatical da sua língua têm sido motivo de consenso entre as distintas perspectivas teóricas da psicolinguística evolutiva. das observações feitas em crianças de todo o mundo acerca das suas diferentes áreas linguísticas. considerando cinco períodos de desenvolvimento da linguagem.. c) expansão gramatical (30-36/36-42 meses) e d) últimas aquisições (> 54 meses). Os primeiros estudos acerca da aquisição da linguagem assentaram em diários escritos por pais. afirmando que as diferenças existentes entre as perspectivas em causa emergem à medida que estas tentam explicar e salientar a importância de factores como: a) consideração gramatical de determinadas produções infantis. senão universais. e experiências planificadas. Acosta et al (2003). caracterizados por reflexos inatos. na medida em que. ainda que de uma forma mecânica. A autora salienta ainda a importância da percepção visual enquanto condição fundamental para a aquisição de uma língua. que emitimos com a boca mais aberta. nomeadamente o som “u” que articulamos com os lábios “arredondados” e o som “a”. O choro é a primeira manifestação sonora produzida pelo bebé. Importa ainda referir a relevância dos primeiros sons produzidos pelo bebé. Neste período o bebé realiza produções sonoras que traduzem formas de comunicação puramente vegetativas. em fases remotas. Vihman. Kuhl & Meltzoff. permite à criança aprender a coordenar a respiração em função de uma intencionalidade e duração. 2000). nomeadamente o grito. O primeiro será determinante porque 8 . a estes dois níveis. Ele vai desempenhar um papel fundamental na comunicação que a mãe estabelecerá com o bebé nos primeiros meses de vida. Nunca será demais reforçar a importância desta forma precoce de interacção dos apelos vocais e da amplitude semântica que representa o corpo da mãe enquanto continuidade do corpo da criança (Lima.evidente o consenso existente entre os vários autores ao distinguirem dois períodos cruciais deste desenvolvimento: o pré-linguistico e o linguístico. como a sucção e deglutição. o contacto ocular surge como primeiro estimulo para iniciar qualquer actividade verbal e/ou não verbal. Paralelamente aos sons. A proprioceptividade oferecer-lhe-à uma “grelha” para a interpretação das expressões faciais observadas. Por sua vez. corroboram esta ideia ao afirmar que os bebés aprendem ràpidamente a reconhecer certos sons da fala através de certas posições que a boca assume ao articula-los. Este mecanismo irá revelar-se extraordinariamente importante para a produção de fala. citado por Lima (2000). suficientes destrezas para prosseguir o percurso de apropriação de todas as “nuances”. os gestos silenciosos da criança podem assumir-se como percursores da produção vocal. também eles igualmente importantes para a produção de fala. os bebés em idade precoce realizam movimentos. o que nos leva a crer na existência de uma atenção por parte da criança aos gestos visíveis da faces humanas que a rodeiam. 2000). A pré-linguagem constitui um momento de aprendizagem linguística durante a qual todas as estruturas neurofisiológicas e psicológicas se “preparam” para uma etapa que requer. citados por Berger & Thompson (1997). pois este assume um papel fisiológico importante. refere que. imagem de condutas de sobrevivência básica. percepção esta que será igualmente determinante para explicar a aquisição precoce das vogais e consoantes. em todos os níveis da linguagem (Lima. que se encontram normalmente associadas a estados de bem-estar ou desconforto. o bebé vai sentir-se estimulado para tentar provocar outros episódios interactivos deste tipo. importante que. Se. Surgem indícios de que o bebé parece saber manifestar o seu bem-estar e o gosto pela companhia dos seus interlocutores.vai permitir a agilização dos lábios. vai poder “atribuir” uma primeira “denominação” aos objectos que o rodeiam. órgão de enorme importância para a mobilidade buco-articulatória. as competências motoras do bebé evoluíram. o sorriso é determinante no desenvolvimento de competências de comunicação do bebé. sempre dentro dos mesmos padrões e que são determinantes para fornecer as bases para a primeira aprendizagem semântica (Rigolet. entre o 4º e 5º mês. b) o sorriso é um factor responsável pelo aumento da duração do episódio interactivo. pois representa três elementos essenciais: a) o sorriso bem como toda a expressão facial associada. pois. gesto que faz passar uma mensagem e estimulo de encorajamento para iniciar e/ou prolongar uma interacção comunicativa. as quais se reforçam mùtuamente. psíquico e afectivo. Este simples gesto reveste-se da importância de promovermos as primeiras alternâncias de tomada de vez na comunicação. a mãe e/ou prestadora de cuidados atribua uma importância crucial às rotinas diárias. Ao verificar prazer nesta comunicação recíproca. Pretendemos com isto dizer que o bebé. entre a 8ª e a 20ª semana damo-nos conta de um bebé mais responsivo. o bebé tem a sua comunicação bastante circunscrita aos sons reflexos. através do adulto. É.falamos dos primeiros sorrisos intencionais. Mães e/ou prestadoras de 9 . nesta fase. o segundo permitirá coordenar os movimentos da respiração e deglutição. manifestados pela produção de risos e arrulhos. O bebé entra no seu lento processo de autonomia. o sorriso do bebé assume uma primordial manifestação comunicativa. Pelo 4º mês o bebé é já capaz de seguir as deslocações da sua mãe seguindo também a linha do olhar. nas primeiras semanas de vida. c) o sorriso serve para estabelecer e manter um contacto à distância e uma relação de reciprocidade entre o bebé e o interlocutor. De acordo com Rigolet (2000). momentos que se repetem um certo número de vezes durante o dia. isto é menos reflexo. Nesta fase. revelando. 2000).ele começa a pegar nos objectos que a rodeiam e os contactos oculares com a mãe reduzem-se. estão impregnadas de significações socio-afectivas para o interlocutor e representam as primeiras significações positivas de bem-estar físico. simultâneamente um aumento do seu leque de comunicação. E como. tornando o bebé mais sociável . Quando um bebé nos sorri é quase impossível não respondermos com outro sorriso. Durante estes momentos. 10 .factores importantes no estabelecimento de quem quer dialogar. comentando igualmente as atitudes activas observadas no bebé. palreios. por um lado. indiferenciados e mais ou menos articulados. estabelecendo-se uma espécie de diálogo entre as figuras mais próximas da criança. afirma que se.N. o bebé vai fornecer-nos pistas. variações de alturas de tom e de intensidade que contêm em si uma estrutura temporal e função de intercâmbio em tudo semelhantes ao da conversação. Tratam-se de momentos de interacção entre o bebé e o adulto baseados em contactos oculares e tácteis. mímicas. Rigolet (2000).C. mantendo uma atenção conjunta durante os intercâmbios de comunicação intrínsecos a cada rotina diária. Deste modo se promove o desenvolvimento das bases da aquisição do vocabulário de compreensão (receptivo) e de produção (Rigolet.conjunto de mímicas chamadas paraverbais. dos movimentos da boca. A partir do 4º mês surge outro tipo de intercâmbios comunicativos denominado protoconversação. onde a actividade linguística assume papel de antecessor da conversação.cuidados trocam contactos oculares com o bebé. mais intencional. pais e/ou prestadores de cuidados. sorrisos. este tipo de intercâmbios tem como finalidade afirmar o contacto social. ambos participam numa acção conjunta. À medida que a criança adquire uma maior coordenação da respiração. em que o som vocálico ou o som consonântico são exageradamente prolongados e acompanhados de variações de intensidade. mas também dos gestos e expressões faciais . da reciprocidade da alternância de vez . das acções que está a realizar. os seus sentimentos e fazendo a sua interpretação. os sons que inicialmente eram vocálicos. 2000). Por sua vez. proximidade física. uma vez que o seu conteúdo é ainda desprovido de sentido linguístico. que facilitam a descodificação das suas mensagens ainda rudimentares. dos objectos que está a utilizar. Durante o primeiro ano de vida da criança as vocalizações vão dar lugar às lalações. a mãe e/ou prestadora de cuidados fala com o bebé do que está a acontecer. por outro serve como forma de treino da sucessão. Estas actividades são geralmente acompanhadas de comentários linguísticos e de manipulações dos objectos associados à acção que ambos vêem em comum.. não só através dos seus sorrisos. o que supõe a participação voluntária de uma organização cada vez mais hábil dos mecanismos do S. vocalizações e entoações. Durante uma actividade de rotina diária. vão dar lugar a uma actividade mais coordenada. mas onde se verificam já entoações. onde se verificam já algumas aproximações às sonoridades da língua sob forma de produção de segmentos silábicos isolados. percebemos que o bebé ouve sistematicamente os adultos que com ele interagem e/ou que se encontram ao seu redor e que as produções destes. Por volta dos 6/7 meses as emissões do bebé. “ma”. revestem-se de repetições de certas sílabas. apresentando-se sem ambiguidades por volta dos 18 meses (Teyssèdre & Baudonnière. aos 5/6 meses os balbucios do bebé são menos especializados. constatamos a existência das hetero-imitações ou imitações diferidas. para exercitar e porque se ouve. pois através dele se automatizam os movimentos necessários para a produção dos diferentes sons da língua. Contudo. Estamos perante o prazer da produção e perante auto-imitações que reforçam a ligação forma-acústica/forma-motora. assumem um papel modelador da língua materna (Aimard. isto é. para que. 1998). desta forma. no entanto. que assistimos à passagem da produção de sons e ruídos de qualquer tipo para uma adaptação cada vez mais próxima dos modelos fonéticos ouvidos. Esta especialização vai evoluindo ao longo dos meses e. actividade que começa por ser reflexa. tornando-se mais frequentes as repetições por volta dos 8 meses. evoluindo de tal forma. assumindo ainda um registo muito mais vasto que o da língua materna. assistimos a um período de retro-alimentação. A par das auto-imitações. se estabeleça a associação entre a emissão de um som e os movimentos fono-articulatórios necessários para a sua produção/expressão. Progressivamente. embora constituam apenas um reportório fonético. “da”. Aimard. Distinguem-se já estruturas de entoação nas diferentes produções que podem inclusive indicar emoções (Berger & Thompson 1997). Enfatizamos aqui o papel da audição como sentido fundamental para o desenvolvimento e aquisição da linguagem. a criança vai de encontro ao sistema fonético da sua língua materna. a criança gosta de repetir os sons que vai produzindo e quanto mais produz mais quer produzir. (1998) refere que esta evolução pode ser facilmente compreendida na medida em que. a criança estabelece um vínculo entre a forma acústica produzida e o complexo esquema motor que realiza para articular tal fonema. 1997).Ela vai. mediante o “banho” linguístico de que o bebé é alvo. isto é. que se assemelha a uma espécie de esquema memorizado do fonema (Aimard. Para que a criança pratique os seus jogos vocais é imprescindível que ela se ouça. 1998).Posteriormente surge o balbucio. Por volta dos 5/6 meses. ao ouvir o som que produz. Esta situação contribuirá para uma maior facilidade de reconhecimento e produção por parte do bebé desses fonemas. Fá-lo por prazer. 11 . “ba”. Todavia. o gesto aparece como complemento da comunicação que se pretende estabelecer (Berger & Thompson 1997). A autora continua afirmando que. enquanto nos bebés ouvintes assistimos a uma qualitativa melhoria articulatória e a um aumento na diversidade de sons produzidos. duração e ritmo da cadeia falada). apresentando uma estrutura que assenta na combinação consoante/vogal (CV/CV) repetida em cadeia (“mamama” ou “babababa”). (SimSim. pessoa ou situação sem que esta designação tenha qualquer correspondência com o léxico que constitui a língua mãe. Sim-Sim (1998). embora se verifique um decréscimo de produção fónica em ambas as populações.Por volta dos 10 meses apercebemo-nos que a variedade de sons balbuciados se reduz. Sim-Sim (1998) diz. também neste período. contornos de uma especialização linguística e abandonando-se a procura anterior de produzir sons pelo simples prazer auditivo. tal o caso de “pu-pu” para almofada ou de “mo-mo” para chupeta. Um dos primeiros gestos a ser usado pela criança é o de apontar. isto é uma utilização consistente de uma cadeia fónica por parte da criança. tom. uma ocorrência de sons com variações de acentuação e de diversos padrões de entoação (estruturas a que obedecem as variações de intensidade. “pa”. agora. nos bebés surdos ocorre o silêncio. À estrutura reduplicada consoante/vogal (CV/CV). Agora o bebé encontra-se numa fase de reduplicação silábica. até aqui tão semelhantes em termos desenvolvimentais. deixando bem claro ao adulto a mensagem que lhe quer transmitir. Aos 9 meses o bebé é já capaz de vocalizar e apontar para um objecto. desta forma. igualmente designadas por gíria entoacional. Entre os 9 e 12 meses ele domina alguns gestos sociais convencionais como dizer adeus ou abanar com a cabeça para dizer sim ou não (Papalia et al 2001). situação que parece ser claramente influenciada pelas capacidades auditivas da criança. este comportamento manifesta clara intencionalidade do que a criança pretende com a acção que desenvolve. a propósito deste facto. verificando-se. sendo que na grande maioria dos casos surgem as proto-palavras. 12 . Regista-se. durante o período de balbucio. 1998). Assistimos assim à associação gesto-verbalização. para designar um objecto. Um dado importante e que não podemos deixar de referir é que. sucedem-se as produções de não reduplicação como “ma”. podendo contudo esta verbalização estar ainda longe do padrão linguístico a que a criança está exposta. uma aproximação mais clara da palavra. caracteriza estes padrões de entoação como cadeias prosódicas. Brinca com formas repetidas. que é nesta fase (entre os 10/12 meses) que se verifica um afastamento entre o comportamento dos bebés surdos e ouvintes. Registase. a reduplicação silábica. que assumem contornos de perguntas.A terceira etapa diz respeito ao balbucio rudimentar e situa-se entre o 3º e 8º mês. Surgem por volta do 6º mês as primeiras combinações de consoante-vogal (CV). O bebé encontra-se a um pequeno passo da produção das primeiras palavras. Antes de avançarmos para o período linguístico e como forma de resenha do período anterior. Aqui podem já observar-se sequências fónicas constituídas por sílabas primitivas claramente perceptíveis. na medida em que diferenciam cinco etapas do período pré-linguistico numa tentativa de sistematização à cronologia da emergência produtiva da criança. principalmente [g] e [k]. designadas pelo autor de “protossilabas”.A quarta etapa caracteriza-se pelo balbucio canónico. pedidos ou manifestações de desconforto. Surge. uma vez que se tratam de produções que se encontram ainda afastadas do padrão linguístico convencional e também porque o bebé apresenta uma articulação demasiado relaxada e lentidão nos movimentos de abertura e fecho do tracto vocal. o aparecimento das primeiras palavras é o marco que determina o final do período pré-linguistico e a entrada no período linguístico. A fonação é normal. formadas por sons quase vocálicos (ecolália). encontrando-se ainda os articuladores em repouso. articulados na parte posterior da garganta. Para muitos autores. constituída por sílabas do tipo 13 .A segunda etapa que vai do 1º ao 4º mês é caracterizada pela produção de sílabas arcaicas. onde se podem observar vocalizações reflexas. Esta é uma etapa de prazer para a criança. Passamos a explicitar: . onde se constata já a existência de significante/significado – o que a criança refere é o que ela efectivamente pretende. Estas palavras referem-se a pessoas. . nas quais se incluem sons e gritos vegetativos. que se situa entre o 5º e o 10º mês. parece-nos pertinente referir os autores Oller & Lynch. Nesta fase a criança tem já um poder surpreendente para jogar com a voz. . objectos ou acontecimentos do concreto vivencial da criança.Tratam-se de cadeias prosódicas com formas de entoação.A primeira etapa reporta-se à idade entre os 0-2 meses. situação que ocorre entre os 9/12 meses. particularmente sequências de [o] e sons quase consonânticos. devido ao crescente controlo da fonação e dos parâmetros de frequência das vocalizações. verificando-se contrastes significativos a nível da frequência (alternância entre sons agudos e graves) e a nível de intensidade (gritos seguidos de sussurros). neste momento. . citados por Lima (2000). O período pré-linguistico estabelece uma fronteira bem demarcada para o período que seguinte – o linguístico. um rótulo à realidade. Nesta etapa ocorrem produções de palavras dentre do balbucio. Torna-se pertinente referir que a 14 . é o mesmo que nomear essa realidade a qual pode ser um objecto. se quisermos. por consequência. a palavra aparece como a representação verbal dessa realidade. De acordo com Lima (2000). As palavras são rótulos usados para representar entidades e conceitos. 1998. como símbolos que representam determinada realidade. simultâneamente. por isso se compreende que as primeiras palavras da criança estejam intimamente ligadas ao seu concreto vivencial e ao ambiente que a envolve. produções silábicas estas que posteriormente se diversificarão. se assistem a diversas situações. Podemos concluir que. Este contém. possibilitando desta maneira uma gradual diferenciação entre os diversos e distintos agregados sonoros. p.consoante-vogal (CV) bem formadas. lexemas identificáveis como elementos significativos e sílabas não reconhecíveis como unidades léxicas.121). Tal ocorrência começará a emergir no final do primeiro ano de vida. que o primeiro ano de vida constitui um processo preliminar ao desenvolvimento da linguagem. dando origem ao reforço da percepção.A quinta e última etapa é denominada balbucio misto e situa-se entre o 9º e o 18º mês. Atribuir um símbolo ou. manifestamente representativas do caminho a percorrer até ao período linguístico e que parecem conjugar-se para a efectiva intencionalização comunicativa e codificação linguística. reconhecendo-se a sua importância para apurar mecanismos de percepção e de produção de fala. impossibilitando deste modo a emergência de um sistema lexical que referencie a realidade concreta e objectiva. A aquisição do significado das palavras é realizada através do contexto. na actualidade. pessoa ou situação. De acordo com uma síntese de investigações citada por Castro & Gomes (2000). considera-se. o que distingue o período pré-linguistico das etapas posteriores é a dificuldade encontrada por parte da criança para produzir com variedade e aproximação os elementos fonético-fonológicos da língua mãe. como analisaremos no ponto seguinte. assumindo-se. durante o primeiro ano de vida a criança. “As palavras são as ferramentas básicas da linguagem” (Sim-Sim. Encontramo-nos na presença de uma cadeia de sílabas do tipo “mamama” ou “papapa”. . Neste processo de nomeação. A criança apercebe-se de que os sons se relacionam com os significados e produzem as primeiras palavra . Trata-se de pura convenção social.relação estabelecida entre o nome e a entidade a que esse nome se refere (referente) é completamente arbitrária. Nesta fase a criança usa apenas uma palavra para exprimir conceitos ou predicações que mais tarde serão expressos por estruturas mais 15 . Esta pequena introdução ao período linguístico pareceu-nos fazer sentido. a criança expressa-se através da palavra-frase. Inicialmente. referencial ou expressiva. mamã. observa-se que. partilhada pelos falantes de uma mesma língua para se referirem a determinado conceito ou entidade. Estas revestem -se já de um carácter manifestamente linguístico. ideias que um adulto expressaria através de orações (Dale. difícil a identificação destas últimas. 2001). já produzidas no período anterior. fundamentado pela intencionalidade comunicativa e verificado na aquisição dos elementos que compõem uma língua (fonemas) bem como da forma de combiná-los entre si para que obtenham significado. Ainda que se verifique uma estreita semelhança entre os sons do período do balbucio (reduplicação silábica) e as primeiras palavras o que torna.é como se descobrisse que as coisas têm nome. colocando a voz ao serviço desta nova função. Estas primeiras manifestações linguísticas têm um carácter sincrético . A holofrase é a palavra que exprime e transmite uma ideia completa (Papalia et al. sendo as primeiras palavras monossílabos ou reduplicações silábicas (CVCV). popó. a partir do início do segundo ano de vida. etc.o qual vai sendo generalizado. (Sim-Sim. como é o caso de “bo” (para bola) ou ó-ó (para cama). A produção do primeiro vocábulo surge após o período caracterizado pelo padrão silábico consoante/vogal (CV). 1992). igualmente denominada de holofrase. A criança exprime desejos e refere-se a objectos ou aspectos da vida quotidiana.a criança expressa-se através da palavra-frase. 1993). na medida em que de certa forma sustentabiliza o início das produções verbais da criança. As palavras desta fase parecem esforços para expressar ideias complexas. As primeiras palavras caracterizam-se por se utilizar um número limitado de elementos fonéticos e referem-se. por vezes.a categorias de objectos e/ou acções mais amplas que as aceites na linguagem adulta. 1998). Esta ocorrência manifesta-se a partir do s 12 meses de vida do bebé. Após o primeiro ano de vida. as crianças começam a usar repetidamente o mesmo som para significar a mesma coisa (Fomkin & Rodman. a criança passa a atribuir consistentemente a determinados sons a mesma significação. num contexto muito limitado. que por sua vez. Compreende já muitas palavras mesmo antes de ser capaz de as utilizar. objectos ou acontecimentos importantes para a criança. porque deseja que o levantem ou tirem da cadeira). a alimentos preferidos (leite.complexas – as frases. Independentemente das diferenças individuais. assim como a respectivos sons onomatopaicos (miau. ainda não sabe aplicar esta palavra noutro contexto. banana…) a animais. incluindo nomes de pessoas. pai. Estes processos podem ser interpretados como referindo-se a estratégias/aproximações utilizadas pela criança. b) são usadas para transmitir emoções (o uso da negativa “não”. como quando uma criança diz “pão”. entoação) convencionais (apontar. Por exemplo. São. o que equivale a reduzir distintos referentes a uma única e particular forma (Lima. No decorrer deste percurso a criança utiliza com frequência estratégias de sobre-extensões (generalizações) e sub-extensões. ou “upa”. gestos postura. fazendo recurso a cinco ou seis palavras. na medida em que esta atribui uma característica comum a vários objectos. o uso da comunicação verbal nesta fase faz-se acompanhar de formas não verbais ou paraverbais (mímica. 2001). As segundas remetem-nos para o uso mais restrito da palavra. palavras ligadas à família (mãe. normalmente. enriquecendo a comunicação e completando as lacunas de vocabulário ainda escasso neste período e permitindo à criança fazer entender-se sem dificuldade. As primeiras remetem-nos para uma utilização abrangente das palavras por parte da criança. muitas vezes usada de forma imperativa. A criança é capaz de compreender estruturas gramaticais. refere-se exclusivamente ao seu sapato. ou seja. au-au…). abanar a cabeça para expressar um “não” ou um “sim”. Também a composição fónica 16 . o seu vocabulário passivo desenvolve-se mais rapidamente do que o seu vocabulário activo (Papalia et al. 2000). Os enunciados de uma palavra devem ser entendidos no contexto em que são produzidos. dizer adeus). as primeiras produções lexicais da criança são muito semelhantes. Quando a criança se refere a sapato. todos os animais de quatro patas são cães. porque deseja comer pão. porém o seu nível de produção circunscreve -se ainda à palavra-frase. avó…). servirá para incluí-los na mesma categoria lexical. Fromkim & Rodman (1993) referem que as palavras na fase holofrásica servem três funções principais: a) estão ligadas à própria actividade da criança (ou desejo de actividade. c) servem ainda uma função de denominação. como quando alguém pretende tirar um objecto da criança). Durante este período verifica-se um grande desfasamento entre o nível de compreensão e o nível da produção. Por isso mesmo. para aceder ao pleno significado das palavras. entre os 9-12 meses e.10 palavras +/. quanto maior facilidade articulatória revelar a criança. 1988 17 . Por tal motivo. Menyuk (1972).da palavra é relevante no processo de produtivo. salvaguardando as variações individuais de cada criança. citado por Sim-Sim (1998). dado que a criança se confronta com sons mais difíceis de articular que outros. maior probabilidade haverá de inclusão dos diferentes vocábulos no léxico infantil (Sim-Sim. Verificamos já que a primeira palavra aparece por volta dos 12 meses. refere que aos 2 anos e meio o número de palavras usadas pela criança é seis vezes superior ao número produzido aos 2 anos e aos 3 e meio a produção dos dois anos e meio triplica. 1993). Dos diversos estudos realizados sobre o desenvolvimento da linguagem confirma-se que.50 palavras Menyuk. Contudo.10 palavras +/.50 palavras +/. o domínio e aumento vocabular dá-se de forma extraordinária. Quadro I – Crescimento lexical nos dois primeiros anos IDADE EM MESES COMPREENSÃO PRODUÇÃO 9-12 meses 14-15 meses 17-19 meses +/. deste momento até aos 6 anos de idade. 1998). o crescimento lexical nos primeiros tempos de vida parece regular-se por padrões universais (Sim-Sim. No quadro I podemos observar o registo do crescimento lexical nos primeiros meses de vida. a fase mais marcante deste período dá-se entre os 18 e os 42 meses.100 palavras 1ª palavra +/. Para alguns autores pode até ocorrer mais precocemente. os marcos cronológicos deverem ser entendidos de modo aproximativo. por volta dos 2 anos. poderáreconhecer diferentes tipos de diálogos nos quais aparecem algumas holofrases. não pode contudo ser encarado de forma rígida. aos 18 começa a produzir enunciados de duas palavras e. Umgrupo de investigadores referidos por Papalia et al (2001) salientam que a primeira frase produzida pela criança está normalmente relacionada com acontecimentos do quotidiano. numa cadeia de sons pertencentes à sua língua materna. aumenta tanto ou mais do que tinha aumentado num intervalo de tempo mais extenso (Castro & Gomes. 2000).Isto é. deixa de poder estabelecer-se fronteiras cronológicas tão rígidas entre os períodos de aquisição linguística. 18 . pessoas ou actividades que a rodeiam.Durante um período de seis meses (entre os 12 e os 18 meses). os marcos cronológicos deixam de ser tão fiáveis. mesmo quando nos referimos aos períodos dos 12 e 18 meses. para significar que quer ir à rua). A idade de 18 meses é apontada como o marco cronológico do surto lexical no processo de desenvolvimento da linguagem. 2000). a criança pode produzir em maior ou menor quantidade o que os psicolinguistas chamam de “jargão”. tendo sempre presente a variabilidade de aquisição linguística de cada criança. Se por volta dos 12 meses a criança percebe a primeira palavra. produz um verdadeiro discurso com uso adequado dos paraverbais e dos traços supra-segmentais. apesar da proximidade verificada entre a idade e a linguagem numa fase inicial. objectos. além da produção de holofrases e à mistura com elas. A criança. Após este período. Castro & Gomes (2000) alertam-nos para o facto de. quando a criança junta duas palavras para expressar uma ideia (“João. mas que não se encontram organizados com os padrões combinatórios da mesma. rua”. Apesar dos 18 meses representarem um marco cronológico importante do surto lexical. num intervalo de tempo relativamente curto. ainda que as palavras linguísticas propriamente ditas não tenham sido produzidas (Rigolet. Castro & Gomes (2000). sublinham o facto de que esta proximidade se estabelece à medida que o tempo passa. combina regularmente duas ou três palavras. Constatamos já a importância do avanço linguístico que ocorre aos 18 meses. em função da situação contextual. Tratam-se de produções sonoras equivalentes aos sons da língua materna. Deste modo o adulto. Trata-se do crescimento repentino do vocabulário que. também. papa). As combinações de palavras expressam essencialmente acções (bebé. pois é muito limitado quanto ao tipo de relações expressas e. consequentemente. de acordo com Sim-Sim (1993). citados por Sim-Sim (1993) apontam para a existência de uma semelhança notável na estrutura dos enunciados das crianças. cadeias de duas expressões holofrásicas anteriores contendo o seu próprio e único contorno de tom. Sim-Sim (1993). Japonês Hebreu. outros colocam maior ênfase na organização sintáctica (Sim-Sim. Não sendo nosso propósito aprofundar esta questão. Porém.todos os enunciados remetem para objectos e pessoas os quais as crianças nomeiam. revelando a existência de relações sintácticas e semânticas precisas. logo depois desta justaposição. de não existência (não há) e de recorrência (mais popó). 1993). Estudos realizados em diferentes línguas (Francês. As produções do período telegráfico não encontram consenso na literatura especializada quanto à explicação teórica da combinação de palavras. as expressões de duas palavras produzidas pela criança parecem ser. Parece-nos. A sequência de duas palavras exige ordenação das mesmas e. por incluir apenas algumas palavras essenciais. por isso. São produções ainda muito circunscritas ao concreto vivencial da criança. É um discurso (como já foi referido) denominado de telegráfico. oportuno referir uma abordagem de cariz sintáctico apresentado por Rigolet (2000). atribuem características. Inglês) por Brown (1973). à informação transmitida (Sim-Sim. neste período telegráfico. as crianças começam a formar verdadeiras frases de duas palavras. em vez de haver uma pausa entre as duas palavras. deixando antever que os jovens falantes apreenderam que as palavras se combinam para expressar relações. localizam.Este tipo de enunciado é denominado de discurso telegráfico. Segundo Fromkin & Rodman (1993). Russo. onde o contorno de entoação das duas palavras abrange toda a frase. inicialmente. relações de localização (cão rua). de posse (é meu). esta é a manifestação clara do aparecimento das produções frásicas.que vai para 19 . caracterizadas basicamente pela combinação de nomes e verbos (raramente usa adjectivos).deixar de notar que é perceptível a constância do tipo de relações expressas pelos enunciados das crianças nesta fase. não podemos. contudo . refere-nos estudos levados a cabo em diversas línguas que apontam para a expressão de mesmo tipo de relações expressas nas primeiras sequencias frásicas. Assim. Gleason (1985). Enquanto alguns autores privilegiam a categorização semântica. Castelhano. 1993). A autora destaca. Sabemos contudo que. nesta fase. “aqui popó”. servem de pivô à volta do qual se organiza o enunciado. O que percebemos aqui é que as palavras “aqui” e “popó”. chegando à combinação de quatro elementos 20 . numero. ou seja. Embora esta primeira linguagem combinatória seja fortemente marcada por traços telegráficos. preposições. a produção combinatória vai permitir exprimir um número cada vez maior de relações semânticas que tendem a complexificar-se progressivamente. quer em termos de regras de combinação de palavras. No primeiro. “vovó aqui” ou “popó papá”. as crianças começam a produzir combinações de três ou mais elementos lexicais e a usar formas flexionadas das palavras. Na segunda fase a criança seguirá o exemplo adulto. a marcação sintáctica é ainda muito limitada. “mamã aqui”. Após um período de produção de enunciados de duas palavras. a criança adquirirá a estrutura generalizada . a expansão do conhecimento sintáctico. Neste período mantêm-se ainda ausentes do discurso as principais palavras de função como artigos.ela vai generalizar e alargar esta ordem sintáctica a outras palavras pertencentes à mesma categoria Podem assim surgir combinações como “bebé aqui”. dos 30 aos 36 meses a estrutura frásica torna-se mais complexa. Nesta fase a ordenação dos enunciados manter-se-á já sem alteração. a criança formará enunciados correctamente ordenados. O segundo decorre dos 30 aos 36 e nele assiste-se a uma clara melhoria da sintaxe. quer ao nível do domínio morfológico (da estrutura interna das palavras (Sim-Sim. passado algum tempo dizer.além dos 24 meses. pessoa e tempos verbais. isto é. a criança que “retira” desta expressão os artigos e auxiliares. que dista dos 24 aos 30. se bem que ainda telegráficos do ponto de vista sintáctico. determinantemente. Quanto à última fase da linguagem combinatória. 1993). O aumento de palavras por frase e o uso de formas flexionadas marca. Por volta do terceiro ano de vida. flexões de género. Rigolet (2000) apresenta uma distinção curiosa de dois momentos cruciais no desenvolvimento linguístico da criança. a criança poderá dizer “popó aqui” como. três fases de aquisição de ordem sintáctica. com estrutura generalizada. “popó tia”. verifica-se a generalização dos enunciados de três palavras e o seu progressivo aumento. circunscrevendo-se basicamente a nomes e verbos e sendo notória a ausência de qualquer marca de flexão. tendo como base a frase adulta “o popó está aqui”. produzirá “popó aqui”. De acordo com Acosta et al (2003). Na primeira fase da sua linguagem combinatória a criança usa indistintamente duas ordens de apresentação sintáctica das duas palavras que constituem o enunciado. “popó rua”. especialmente as de género e número. numa tentativa de sistematização quanto ao processo do seu desenvolvimento dos 0 aos 3 anos de idade. 2. A percepção dos sons da fala afigura-se determinante na compreensão da linguagem oral. a forma como são produzidos pelos falantes e como são percebidos pelos ouvintes (Faria et al 2005). Falar de fonética. importa salientar que num processo normal de desenvolvimento linguístico. Podemos dizer que o período que se segue ao uso do discurso telegráfico é caracterizado pela rapidez e eficácia de regras que permitem a consolidação dos padrões básicos organizativos da estruturação frásica da língua a que a criança é exposta. Alertam-nos ainda os autores para a complexidade que um acto de fala envolve. 1996). Verifica-se. Em termos gerais. podemos afirmar que a fonética é disciplina científica que estuda os sons da fala humana. mostraram que este é capaz de discriminar parâmetros acústicos que sinalizam diferenças de fala. os artigos definidos “o” e “a”. Tal só é possível devido à aquisição da maioria das regras morfológicas da língua mãe e pelo inicio da combinação de frases (Sim-Sim. assim como os advérbios de lugar presentes emitidas nas orações simples deste período.3 – Desenvolvimento Fonético-fonológico Apesar de termos já feito referência às questões de ordem fonético-fonológica. 21 . junto a novas formas rudimentares dos verbos auxiliares “ser” e “estar”. desde muito cedo (Gerber.e dando origem às primeiras frases coordenadas como “mamã não está e papá não está”. 1993). parece-nos importante abordá-las novamente. as capacidades articulatórias e auditivas humanas desempenham um papel fundamental. igualmente. os processos de produção e percepção de fala. Pesquisas efectuadas acerca da percepção de fala do bebé. morfológica e sintáctica no ponto anterior. Não devemos ainda esquecer que neste processo de produção e percepção da fala por um falante/ouvinte está ainda subjacente o conjunto de conhecimentos da língua que esse falante/ouvinte interiorizou. um aumento de frequência de uso das principais flexões. Gerber (1996) refere que pesquisas levadas a cabo por Aslin em 1990. Embora não seja do âmbito deste trabalho debruçarmo-nos de forma específica sobre esta questão. segunda e terceira pessoas. significa falar dos sons da linguagem falada. Surgem também os pronomes da primeira.. as crianças parecem demonstrar preferência em ouvir enunciados equivalentes a palavras em oposição à fala conectada. Gerber (1998) refere que no período inicial da produção de fala as crianças demonstram capacidades de produzir sons que vão além dos que estão presentes no seu meio linguístico. Vimos já que. 1996). torna os bebés menos capazes de discriminar os sons que não pertencem à sua língua mãe. afirma que por volta das 6/8 semanas o bebé é capaz de distinguir entre pares de sílabas cuja diferença assenta no primeiro som. com base no contraste de características distintivas entre segmentos (Gerber. o que os leva a serem capazes de aprender qualquer língua à qual sejam expostos. desde o seu nascimento. a análise fonológica parece ser limitada a unidades de contorno de palavra que são identificadas e contrastadas como um todo. a exposição contínua à língua particular da comunidade a que pertence. a criança emite sons de carácter expressivo. e de acordo com a maioria dos estudos. 22 . que não são comuns na sua língua mãe. Elliot (1982). Autores citados por Gerber (1996) descrevem quanto ao papel da percepção da fala no desenvolvimento fonológico. Já por volta do segundo ano de vida as crianças revelam-se capazes de reconhecer contrastes fonológicos em sílabas e por volta dos três anos. também desde o nascimento. apresenta maior proximidade sonora da linguagem que outras vocalizações mais precoces como o choro. indispensáveis à sua sobrevivência. quer quanto ao ponto de articulação (ba vs ga) quer no que respeita ao contraste entre som vozeado e som não vozeado (ba vs pa). também designados por balbucio. Nesta idade e ainda segundo a autora. isto é.demonstram que nos primeiros meses de vida. os bebés são capazes de discriminar entre muitos contrastes de sons da fala (diferenças fonéticas). que entre os 9 e 13 meses as crianças começam a entender o sentido de sequências fonológicas. Harley (1995) expõe que dos 6 aos 12 meses as crianças produzem sons semelhantes aos sons da fala. as crianças demonstram grande capacidade para diferenciar os sons da linguagem falada. O balbucio. No entanto. composto por cadeias de vogais e consoantes combinadas. as crianças revelam competências para discriminar os contrastes fonológicos adultos. conforme se relacionam a contextos específicos. Da mesma forma. ficando mais sensíveis aos sons que são fonologicamente significativos à língua particular à qual estão expostos. a maioria das crianças produz as suas primeiras palavras reais compreensíveis por volta do ano de idade. que nesta fase inicial de aquisição de palavras. Salienta. do reportório fonológico da criança. Relativamente ao desenvolvimento fonológico posterior. já anteriormente referidas. que tende a 23 . Explicita ainda mais o autor ao referir que. as crianças apresentam preferência por palavras que conseguem verbalizar/articular em detrimento daquelas que não conseguem verbalizar/articular tão facilmente. fará ainda um percurso de ensaios articulatórios (Lima. nada tem de surpreendente que a fala das crianças. em termos qualitativos e quantitativos. Embora se constate alguma variação. durante o segundo ano de vida. por um lado a estrutura das sílabas das primeiras palavras. Apesar de se verificar. extensão de jargão e palavras reais. No entanto.Menyuk (1995) descreveu a transição do balbucio à fala como gradual. a investigação refere que o desenvolvimento da fala precoce utiliza um conjunto de sons muito restrito quando comparado com os do balbuciar de alguns meses antes. ta) ou reduplicações consoante-vogal (dada. comece por ser pouco inteligível. caracterizou as primeiras palavras das crianças como fonologicamente mais simples do que as da fala do adulto. variações individuais ao nível da produção/articulação. Atendendo à complexidade que o acto de falar envolve. consiste em combinações individuais de consoantes e vogais (da. Menyuk (1995). ainda pequenas. 2000). não podemos deixar de salientar que neste período assistimos a um aumento significativo. O autor continua referindo que a fala da criança neste período de transição se “rodeia”de protopalavras (que não parecem ser modeladas em qualquer palavra adulta). tata). que se assemelham mais de perto aos modelos adultos. ajustados à norma adulta de uma língua em particular. geralmente. criando constrangimentos produtivos que se inscrevem no designado “evitamento” de produção de determinados vocábulos. Passados alguns meses estas darão lugar às combinações consoante-vogal-consoante. ainda. A autora chama ainda a atenção para a normalidade das dificuldades articulatórias observadas nesta idade como fazendo parte de todo um processo maturativo e evolutivo do desenvolvimento linguístico infantil. À medida que os meses avançam registam-se alterações importantes no processo de articulação. importa ressalvar que desde a emissão das primeiras palavras até que a criança consiga articular os fonemas enquanto tal. Por sua vez Ingram (1989). A ausência de destreza para a coordenação motora dos órgãos articulatórios impossibilitam a formação de uma sequência clara de consoantes e vogais. 24 .clarificar-se à medida que os meses se sucedem. a compreensão de ordens simples ligadas à experiência e o desenvolvimento de competências imitativas no domínio verbal. substituições) perante domínios da língua mal consolidados. 2000). conduzindo deste modo à estabilização dos protótipos fonológicos da língua (articulação correcta das palavras e sequencialmente organizadas) e ainda ao domínio cognitivo que permite o reconhecimento de objectos de uso comum. harmonias. Quanto aos erros articulatórios característicos deste período e manifestos sob forma de processos de simplificação (omissões. De acordo com Lima (2006). manifestar uma competência comunicativa cada vez mais plena. fazem-no na tentativa de imitar e produzir as palavras adultas que não conseguem ainda verbalizar/articular correctamente. serão gradualmente ultrapassados (Lima. Ainda assim. gradualmente. compreender. verificando-se um aumento rápido da inteligibilidade da fala entre 1 ano e os 4 anos (Castro & Gomes. respeitando todas as regras subjacentes ao mesmo. pelo não total grau de inteligibilidade e pelas estratégias múltiplas de simplificação (Lima. Importa ressalvar que a literatura relativa ao desenvolvimento fonológico em idades tão precoces não é abundante. para finalmente o produzir de forma “legitima” e com a sofisticação necessária. situação que nos condiciona uma abordagem mais detalhada sobre esta dimensão linguística. 2000). os processos fonológicos traduzem as possibilidades de confronto inicial da criança com o sistema da língua ao qual foi exposta. O aumento da inteligibilidade da fala está directamente relacionado com factores como: a aquisição de maior domínio articulatório (maior coordenação dos distintos padrões de movimento da área fono-articulatória). o aumento da discriminação auditiva que permite diferenciar com maior acuidade os diferentes sons da língua. Percebemos deste modo que até aos três anos de idade o desenvolvimento normativo fonético-fonológico se pauta pela imitação/reprodução verbal abundante dos modelos linguísticos do seu meio imediato. na medida em que estes constituem formas de abordagem ao sistema linguístico a que a criança foi exposta numa tentativa clara de o apreender. Sabe-se que as crianças pequenas (a partir sensivelmente dos 18 meses) simplificam as palavras que produzem. gostaríamos de retomar os processos de simplificação atrás referidos por merecerem a nossa particular atenção e algum aprofundamento. pelo consequente aperfeiçoamento da melodia da língua. Perante estas aquisições a criança vai. 2006). sobretudo se o formato silábico for CVC (consoante-vogal-consoante). Ingram (1989) refere ainda omissão de sílabas átonas. tendo como principal objectivo a aproximação ao modelo adulto. A este propósito refere Lima (2003) que o fonema /r/ em posição de sílaba final na palavra ocorre com mais precoce domínio que em posição inicial e medial. frequentes substituições pelo fonema /x/.Ingram (1989). porta por /pota/ ou /sodado/ por soldado. construindo gradualmente o seu sistema fonológico. Assim. em crianças normais. referidos por Ingram (1989). valoriza extraordinariamente a imitação. Idêntica situação ocorre em palavras polissilábicas tais como “telefone” a qual passa a /tefone/por supressão de uma sílaba. como por exemplo /lapi/ por lápis.será mais fácil expressar o /r/ de “comer” que o /r/ de “porta”. al. O mesmo acontece com as sílabas do tipo CCV nas quais a segunda consoante é frequentemente omitida tal como acontece em /pato/ por prato ou /busa/ por blusa. Este facto é referido num estudo sobre fonologia infantil realizado por Lima (2003). do ponto de vista fonético ou articulatório. Este fonema pertencente à categoria de modo fricativo é referido como adquirido. a criança tenta. ocorrendo. Para tal a criança utiliza omissões de consoantes finais. 25 . Pode ainda ocorrer a omissão de fonemas. Exemplo deste facto é a produção /opa/ para a palavra “sopa”. ou a simplificar o número total de sílabas que compõe uma palavra. citado por Acosta e colegas (2003).Este tipo de erros tendem a desaparecer por volta dos 4-5anos de idade. até esta data. a partir dos três anos de idade. estruturando-os. citados por Acosta et. constituindo-se como frequente e normal até aos três anos de idade. a criança reveste-se de diferentes estratégias de simplificação De entre os processos de simplificação mais frequentes. sobretudo quando a criança não os domina. tal tipo de ocorrência revela um sistema perceptivo ainda imaturo. Desta forma. como por exemplo /bana/ por /cabana/ na palavra que de tri passou a dissílabo. onde se tende reduzir a sílaba ao formato CV (consoante-vogal). desenvolvimento e aquisição do sistema fonéticofonológico de uma língua particular é difícil e prolongado. contudo. Porque a construção. de forma estável. progressivamente. situação que ocorre e se desenvolve precocemente visto que a criança imita os sons dos adultos sempre que estes se assemelhem aos produzidos por ela de forma espontânea.Processos de estruturação silábica. Este processo pode ser usado com mais frequência por umas crianças do que por outras. assimilar e acomodar os seus padrões fonológicos. (2003)podemos identificar: 1 . Assim. o fonema “contagiado” se encontra também no vocábulo. subdividir-se em assimilação contígua. Por um lado.te) e por outro a última sílaba foi assimilada pela segunda. A assimilação não contígua admite que. dois processos de simplificação. Também designado por processo de assimilação. Este processo de assimilação de um fonema por outro dentro da mesma palavra pode ocorrer considerando quer o fonema que antecede quer o que procede aquele que é substituído.incapaz de estabelecer ou captar as diferenças presentes entre os diversos conglomerados sonoros. Neste caso trata-se de uma assimilação contígua pois a sílaba afectada /so/ de sofá ou /sa/ de sapato sofreram a influência das sílabas limítrofes /fa / em “sofá” e /pa/ em “sapato”. pois. As produções /camica/ para “camisa” e /fafé/ para “café” ilustram a harmonia progressiva e regressiva. nele ocorre a substituição de um som por outro. Pode. por contágio com a última sílaba da palavra “elefante”. Ao falar-se em harmonia consonantal a designação altera-se ligeiramente passando a designar-se progressiva e regressiva. por tal motivo. 2003) e tal fenómeno é designado por harmonia consonantal. respectivamente. não em posição imediata (anterior ou posterior) à sílaba afectada. contido este na própria palavra. 2 – O processo de reduplicação de uma sílaba /papato / por “sapato” é frequente entre os 18 e os 30 meses de idade (Lima. recebe este processo o nome de assimilação não contígua. a omissão da primeira sílaba num polissílabo (e. aqui. na verdade. Ocorrem. tornando –se a sílaba /le/ em sílaba /te/. de acordo com a posição da sílaba que “contagia”: progressiva se a sílaba anterior contagia a posterior e regressiva se a posterior contagia a anterior. quando o elemento responsável pela assimilação se encontra ao lado do elemento afectado. 26 .le. Porque a sílaba contagiada não é. Exemplo ilustrativo deste fenómeno pode ser aquele que deriva da produção /tefante/ em vez de”elefante”. para as palavras “sofá” e “sapato” a criança poderá dizer /fofá/ e /papato/.fan. contígua da contagiante. ou assimilação não contígua. Os exemplos a seguir ilustram o que se acaba de explicitar. porém. Aos três anos de idade deverá a criança ter resolvido este processo de simplificação a fim de “resolver” os seus dilemas intrínsecos à discriminação e sequenciação silábica que caracteriza o domínio fonológico. Uma vez mais o exemplo da substituição na palavra moneca apela para a proximidade de produção entre o fonema /b/ e o fonema /m/. Ainda na categoria da substituição se pode incluir um tipo de processo de simplificação ou recurso largamente praticado. tendo em conta este aspecto de proximidade articulatória. A palavra “janela” é passível de ser substituída por /xanela/. por /zopa/. sendo designadas por substituição intraclasse se acontece a substituição de uma por outra consoante da mesma classe exemplo: tama para cama. Esta simplificação advém da interferência do factor vozeamento pois o fonema /j/ é vozeado enquanto que o mesmo não acontece com o fonema /x/. A palavra /boua/ em lugar de bola ou /foia/ em vez de folha ilustram este tipo de substituições. até aos três anos de idade e designado também de semivocalização. A própria palavra sopa poderá ser substituída por /xopa/ porém. ambos bilabiais. Trata-se das consoantes líquidas /l/ e /lh/ as quais são substituídas pelas semi-vogais quer /u/ quer /i/. A ocorrência de processos de simplificação representa a atitude de defesa que a criança adopta para se confrontar com o modelo adulto ao qual não consegue aceder. 27 .3 . Não se faz aqui referência a processos de metátese (mudança de lugar de um fonema ou sílaba ocorrido dentro da palavra) por ser este mais representativo a partir dos três-quatro anos de idade. no qual a consoante substituída /s/ pertence à categoria das fricativas e o /t/ pertence à classe das consoantes oclusivas. facto pelo qual são mais vulneráveis à substituição. Um outro dado que contribui para a emergência do processo de substituição é aquele que acontece em virtude da maior facilitação de fonemas sem vozeamento. Consistem em modificar uma sonoridade por outra. O processo é o mesmo: Uma consoante não vozeada /s/ é de maior facilitação produtiva que uma vozeada/z/. frente aqueles que são vozeados. (ambas consoantes da classe das oclusivas) ou interclasse se acontece uma substituição na qual uma consoante extravasa a categoria a que pertence tal como no exemplo: /topa/ para “sopa”. O processo de substituição pode ainda ocorrer tendo em conta o ponto de articulação no qual ocorre a articulação. qualquer que seja a que se encontra na sua proximidade.Processos de substituição constituem o grosso dos erros produtivos que ocorrem até aos três anos de idade. Este tipo de ocorrências pode acontecer dentro ou fora da classe de modo a que pertencem as referidas consoantes substituídas. Existem fonemas cujo ponto de articulação é muito próximo. dificilmente. a produção infantil tende a aproximar-se cada vez mais da realização adulta (Sim-Sim. precisamente durante os três primeiros anos de vida. inequívocos e perduráveis. Importa. 1998). O percurso temporal de maior relevo para o incremento desta evolução linguística da qual a fonologia representa o grande sustentáculo para todas as outras dimensões.Outras. ainda que de forma pouco clara e consistente. até ao momento em que as representações fonológicas se instaurem sob forma de padrões estáveis. acerca do que o”aprendiz de falante” pretende dizer. ocorre. tendo em conta o esforço da própria criança para evoluir linguisticamente.Por consequência. Esta nova fórmula para referenciar o real vivenciado está fortemente apoiada na oralidade carecendo. por um lado. quer em quantidade quer em qualidade. o adulto tem à partida conhecimento do contexto frásico e situacional em que a produção da criança ocorre e por outro lado. ainda mais sofisticada que a da linguagem oral e designada de linguagem verbal escrita. A partir dos dezoito meses de idade e até aos 3-4anos o reportório fonológico da criança sofre um aumento significativo. continua. até aos três anos de idade. salientar que a partir do momento em que os sons estão indissociavelmente ligados aos significados e cumprem o seu papel funcional. Ainda assim os processos de simplificação presentes nesta fase do desenvolvimento não obstaculizam a compreensão por parte do adulto. não esgota todas as possibilidades de erro e da própria correcção do mesmo. todos estes processos de simplificação fazem parte de um processo de aquisição normal da linguagem. porém. o uso da substituição representa a estratégia de maior incremento na criança. evitando articulações incorrectas. porém. Em síntese. enfatizando o desvio e a dificuldade para a compreensão dos enunciados. tentam produções sincréticas da palavra. tornandose fundamentais na aquisição codificada do sistema linguístico da língua à qual a 28 . finalmente. observando-se crianças que se fixam nos sons que pronunciam correctamente. da estruturação adequada da primeira. A variabilidade individual acentua-se. Isto porque. Os modelos do adulto constituem-se como os grandes promotores das correcções necessárias durante todo o percurso evolutivo dos primeiros elementos linguísticos da criança. Este percurso. Ele estende-se. por consequência. sob pena de reproduzir modelos extra norma. É tal carácter de estabilidade que faz com que a criança se lance de forma segura numa nova aventura de aprendizagem simbólica. tendo em vista especificar a sua estrutura interna e funcionamento) (Acosta et.. sem qualquer marca de flexão (Sim-Sim 1998).a linguística moderna tende cada vez mais a considerá-las e a estudá-las conjuntamente. a aprendizagem da escrita fazendo apelo à linguagem interna. este tipo de produções não deve ainda ser entendido como conjunto de manifestações sintácticas. conjunções. requer boa estruturação e consolidação. Contudo – e apesar das diferenças acima referidas . O conceito descritivo de linguagem telegráfica caracteriza-se pela simplificação da linguagem usada pelas crianças eliminando classes gramaticais como artigos. preposições e marcas de plural (Lima. da estrutura interna das palavras e das regras de combinação dos sintagmas em orações (Dubois. Importa.a linguagem escrita. por sua vez. salientar que a produção das primeiras palavras representa um esforço para expressar ideias complexas. O papel da morfossintaxe nos estudos de psicolinguística infantil remete-nos para o surgimento das primeiras palavras reais produzidas pela criança. al. 2000). a um só tempo.criança foi exposta. estuda os processos combinatórios das frases de uma língua.4 – Desenvolvimento Morfossintáctico O estudo da morfossintaxe de uma língua . entendida esta como a descrição. caracterizado pela presença de nomes e verbos. está dado o primeiro passo para a instalação do segundo sistema simbólico. de acordo com Borrás (2005). Tanto a morfologia como a sintaxe têm sido abordadas ao longo dos tempos de forma independente. 2. sendo que.constitui um dos fundamentos da linguística e é tradicionalmente denominado de gramática.o mesmo que o conhecimento da organização formal do seu sistema linguístico . os conceitos de morfologia (que estuda a estrutura das formas das palavras) e de sintaxe (que estuda as funções. para 29 . Por consequência. uma vez que a sintaxe e a morfossintaxe terão a sua razão de ser quando a criança for capaz de produzir enunciados de duas palavras. incluindo. contudo. Contudo. isto é. sob a denominação de morfossintaxe. devendo buscar-se a base da sua construção na faixa etária que ronda os três e se prolonga até aos cinco anos de idade. esforço este que faz com que pareçam algo mais do que palavras soltas. 2003). período caracterizado como sendo holofrásico e telegráfico. Este termo refere-se à organização estrutural da linguagem. 1979). advérbios (não. em cima de). por que) e ainda as formas flexionadas nas categorias nominais (género e número) e nas formas verbais para assinalar pessoa e tempo. EME (extensão média do 30 . A criança encontra-se num período de pleno exercício de manipulação e apropriação das regras que regulam a língua à qual está exposta.a sua compreensão. deverá ter-se em conta o contexto em que se produzem estas frases elementares. se essas formas nunca foram ouvidas pela criança. Acerca do processo de aquisição morfológica. designada MLU (Mean Length Utterance). Contudo. a evolução da capacidade de combinar palavras e de as alterar não deve ser entendido como um prolongamento do crescimento lexical. a. Tal pode facilmente ser compreendido se nos lembrarmos dos erros de sobregeneralização. produzir frases correctamente construídas implica desenvolvimento da sintaxe (ordenar as palavras) e da morfologia (alterar o “corpo” das palavras). Podemos inferir que. pois conhecer muitas palavras é completamente diferente de as organizar em sequências complexas e hierárquicas. aqui). número e tempo verbal mostram que sabemos alterar as palavras de acordo com a sua função na frase. Sim-Sim (1998). ao desenvolvimento lexical sobrepõe-se a aquisição de uma nova modalidade da linguagem: a combinação de palavras de acordo com regras. 2000). sugere que a aquisição da linguagem consiste na apropriação de um sistema regulado por regras por oposição a uma simples aprendizagem de cor de itens lexicais flexionados. a criança “debate-se” com a associação de duas ou mais palavras num só enunciado. Por volta dos 24 meses. onde.). mas também a possibilidade de as juntar em estruturas maiores – as frases. propôs uma medida para melhor percebermos o desenvolvimento da sintaxe em particular e da linguagem em geral. 2000). ou. frequentemente produzidos pela criança ao aplicar a regra às situações de excepção tal o caso de “fazi” ou “pãos”. dado o primeiro passo de uma longa caminhada no desenvolvimento de um mundo verbal que não se reveste apenas de palavras “omnipotentes (Lima. Roger Brown (1973). conjunções (que. preposições (para. tais produções demonstram uma clara evidência da capacidade para a extracção de regras e consequente generalização. Esta medida. em português. As concordâncias de género. para gerir significados que ultrapassam os significados individuais das próprias palavras (Castro & Gomes. Está. sim. Apenas no final do período telegráfico surgem as palavras de função gramatical como os artigos (o. Isto é. porque a linguagem não são só palavras. pois. E. idade e linguagem se encontram muito próximas. “Aqui já não”. (quando não associado a outras alterações) o qual tanto pode ocultar uma perturbação da linguagem mais profunda ou ainda revelar-se como um falante tardio passível de apresentar posteriores dificuldades no processamento da linguagem escrita. Contudo.5 – Desenvolvimento Léxico-semântico 31 . revelou-se bastante útil quer na investigação quer em contextos clínicos. por volta dos dois anos. A EME pode variar entre zero e teoricamente infinito Castro & Gomes (2000). que perfaz uma média de 6/3 = 2. 2 e 3. Porém. Atendendo à variabilidade de aquisição linguística. No exemplo referido. também é um facto que quanto mais a idade avança. merece particular atenção a criança que entre os dois e três anos de idade não produza enunciados com. e assim sucessivamente. apresenta uma extensão de 2. 2. à medida que a criança vai crescendo esta proximidade esbate-se. 1991). três elementos. com as respectivas extensões de 1. Observemos os seguintes enunciados: “Aqui” tem uma extensão de 1. Se. estamos perante uma amostra de três enunciados. a criança combina regularmente duas ou até três palavras. Neste caso estaríamos perante uma EME de 2. pelo menos.enunciado) (Scliar-Cabral. “Aqui já”. Castro & Gomes (2000) afirmam que. medindo-se a extensão de cada um deles e calculando-se finalmente a média. precisamos de uma recolha considerável de enunciados. Para identificarmos correctamente o EME de uma criança. não é raro depararmo-nos com crianças da mesma idade que apresentam níveis diferentes de desenvolvimento linguístico. Para encontrarmos a EME faz-se a recolha dos enunciados. menos rígidas estas fronteiras devem ser entendidas. Estaremos perante uma criança com um desenvolvimento linguístico tardio. Embora as fronteiras cronológicas sejam importantes pontos de referência para uma sistematização do desenvolvimento linguístico. A amostra que iremos descrever serve apenas de demonstração do procedimento para identificar o EME. a partir daqui deixam de ser fiáveis as demarcações cronológicas do desenvolvimento linguístico. numa primeira fase do desenvolvimento linguístico. uma extensão de 3. Passam a ter uma existência própria. Bloom. saiba que o que tem é um pano. Na verdade. sabendo combinar estas unidades noutras mais vastas. uma nova estrutura que associa um conceito a um significante. 2003). 32 . o termo semântica deve ser entendido numa grande variedade de questões relacionadas com o significado. entre os 18 e os 24 meses assistimos a uma verdadeira revolução cognitiva no bebé a qual lhe irá permitir aceder à capacidade de associar sistematicamente o mesmo significado ao mesmo significante. mesmo que este não esteja dentro do seu campo visual). permanece inalterável (Rigolet. Para Bronckart (1985).. a criança ao entrar no jogo simbólico. De acordo com Faria et al. 1973. a permanência do objecto (reconhecimento da existência do objecto por parte do bebé. através da função simbólica. um vestido de noiva. 2003). al. explorar e manipular o mundo que a rodeia). 1978) como algo marcadamente vinculado e mediatizado pela existência de pré-requisitos cognitivos. Os mesmos autores explicam ainda que as aquisições semânticas da linguagem dependem do grau de compreensão do sujeito (nível de experiências e da organização interna do mundo que o rodeia). 1971. al. O importante aqui é que a criança. É sabido que o estudo da avaliação semântica recebeu nesta última década menos atenção que o estudo da morfossintaxe e da fonologia (Acosta et. adquirir uma “consistência” diferente. independentemente da nossa influência sobre eles. As coisas e os objectos vão.. a importância desta dimensão na aquisição e desenvolvimento da linguagem afirma-se na medida em que a realidade de uma língua existe através do conteúdo que esta transmite. jogo simbólico etc. Ela sabe que o objecto permanece igual a si próprio e que a palavra. 2000). uma vez que a criança aprende sob seus aspectos pragmáticos e semânticos antes de se centrar nos aspectos morfológicos e sintácticos. esta associação entre significado-significante. O nome confere ao objecto um novo poder.A semântica é a dimensão que abrange o conteúdo da linguagem e representa o estudo do significado e combinações de palavras (Acosta et. situação que irá despoletar na criança o prazer de nomear. Aprender e saber uma língua implica conhecer os significados acordados de determinadas cadeias de sons. Sinclair. tais como o desenvolvimento motor (que permite à criança apropriar-se. ou o que a sua imaginação lhe ditar na altura. também elas portadoras de significados. (2005). vai perceber que o “pano” que tem na mão pode ser o tecto de uma cabana. O desenvolvimento da dimensão semântica surge em alguns trabalhos (Schlesinger. independentemente do significado que lhe quer atribuir naquele momento. No entanto. no caso particular para o desenvolvimento semântico. explorado ao máximo em termos cognitivos e pragmáticos. que é o mesmo que estar perante uma aquisição semântica de cerca de 50 palavras. deste modo. Estudos anglófonos sugerem que. Percebemos. que ter em conta alguns factores inerentes às regras de conversação. 2. Nesta componente. se assiste a um “Boom” do vocabulário. o surto lexical e o consequente enriquecimento vocabular são responsáveis pelo enriquecimento diário do nível semântico nestas idades. para o desenvolvimento linguístico da criança. Isto significa que. ao produzir tantas palavras novas na segunda metade do seu segundo ano de vida. manter a conversação. Segundo autores como Rigolet (2000) e Castro (1997). por acreditarmos que ambas as abordagens contribuem de forma determinante. Bruner (1983) ou Del Rio (1985). na vida real. trabalhos desenvolvidos por autores como Rondal (1983). no entanto. Pareceu-nos pertinente referenciar este apontamento.Por outro lado. 2003). partindo do princípio que se trata de um sistema social compartilhado e com normas para a correcta utilização em contextos concretos (Acosta et al.6 – Desenvolvimento Pragmático Abordar a questão pragmática da linguagem é remetermo-nos para o funcionamento da linguagem em contextos situacionais e comunicativos. com o máximo de eficácia funcional (Rigolet. 2000). para além de expressar-se com muitos vocábulos. iniciativas comunicativas. A componente pragmática da linguagem privilegia o modo como se verificam. isto é. a criança. que entre os 12/18 meses a criança viveu um período de latência. O surto lexical vai permitir a generalização dos enunciados de três palavras e o seu progressivo aumento. falamos de um conjunto de regras que explicam ou regulam o uso intencional da linguagem. aprender “a tomar e dar a 33 . organização. por volta dos 18/19 meses. perspectivando um desenvolvimento mais interactivo e dinâmico da aquisição da linguagem e assente nos contextos e variáveis sócio-afectivas referem que o desenvolvimento da semântica depende da qualidade das interacções desta com o seu meio e de como os que a rodeiam utilizam a linguagem. exprimi-los no momento adequado. os intercâmbios linguísticos e comunicativos. há.. vai igualmente. pragmaticamente correcto. modifica as palavras e as estruturas gramaticais tendo em conta a intencionalidade da mensagem (o que pretende dizer) assim como o contexto situacional na qual esta ocorre. Segundo o mesmo autor. a linguagem é entendida como um instrumento de interacção social e de comunicação.onsequentemente. como mais uma componente da linguagem. Mayor (1991) considera ser possível e até necessária a integração de ambas as perspectivas. responder apropriadamente – tudo isto com o objectivo de obtermos um discurso coeso. assim como atender às normas socioculturais que regulam esses usos e aos conhecimentos e habilidades que configuram a competência comunicativa (Lomas et al. a evolução dos aspectos funcionais depende da sofisticação dos elementos estruturais. as variações que implicam o uso da linguagem em função das características do interlocutor e da situação.do que estamos a falar? para quem estamos a falar? que palavras seleccionar?. 2003). desde o início da sua abordagem. responsável pela determinação e organização dos aspectos estruturais da linguagem. metodológica (Acosta et al. que visa recuperar o uso intencional da linguagem e. No fundo. atender à diversidade de usos verbais e não-verbais característicos dos intercâmbios infantis. Os autores que perspectivam uma abordagem formal concebem a pragmática. pretendemos dizer que a pragmática ou uso da linguagem se ocupa das intenções comunicativas do falante e da utilização que este faz da linguagem para materializar tais intenções. visto ter que seleccionar as palavras e as frases a utilizar no discurso. Vejamos: de acordo com o autor.vez”. a morfossintaxe e a semântica. Autores citados por Acosta et al. 1993). (2003) atribuem à pragmática um papel central. Importa referir que a pragmática não se circunscreve ao estudo dos usos e funções linguísticos: aborda igualmente os aspectos formais que definem os ajustes motivados pelo contexto de comunicação. pela ausência de unidade teórica e. tal como o são a fonologia. tal tarefa pode ser simplificada se abordarmos o estudo da pragmática em duas vertentes: a formal ou estruturalista e a funcional.. bem como se detém informação sobre o contexto. por sua vez. Quanto aos autores que partilham da perspectiva funcional. pois a aquisição dos aspectos da linguagem requer o desenvolvimento prévio das intenções comunicativas e. consequentemente. O estudo da pragmática na linguagem infantil caracteriza-se. é clara a interdependência que existe entre forma e função. isto é. O autor afirma também que a criança. Importa ainda saber se o interlocutor conhece ou não o tópico da conversação. 34 . como se de um núcleo se tratasse. numa perspectiva funcional. independentemente da diversidade de modelos teóricos e metodológicos. Deste modo. sustentado na continuidade entre socialização.competência intersubjectiva. (2003). referidos por Acosta et al. A importância do reconhecimento das bases interpessoais da comunicação para o posterior desenvolvimento da intencionalidade comunicativa é fundamental para o reconhecimento de que a linguagem exige a capacidade prévia de reconhecer os outros como pessoas diferentes de si mesmos . reagindo a estímulos humanos como a voz ou o rosto. diferenciada em dois níveis: inter-subjectividade primária (referente à motivação que permite perceber indiferenciadamente a significação humana de certas expressões) e a intersubjectividade secundária (motivação para partilhar os interesses e experiências com os demais). nela sendo estabelecidas as bases das funções comunicativas A perspectiva funcional “vê” a linguagem como um instrumento de interacção e comunicação. este permite-lhe reconhecer o adulto como alguém capaz de agir sobre os objectos e como alguém com quem pode partilhar experiências. O acesso ao primeiro nível permite ao bebé reconhecer o adulto como alguém diferente. é possível encontrar-se na literatura especializada a distinção entre duas etapas: a etapa pré-linguistica e a etapa linguística. para o uso da linguagem. do mesmo modo que carece de um nível óptimo quanto à conceptualização dos aspectos funcionais da linguagem. desde o nascimento que os bebés revelam motivação para as relações interpessoais. acerca do desenvolvimento pragmático. Belinchón et al. encaminhando-se. experiências que ocorrem 35 . (1992) e Clement. universal e relativamente precoce. deste modo. na medida em que nesta etapa se concretizaria a origem do uso da linguagem para interagir com os outros. ao qual o adulto dá resposta e atenção. Considera-se a primeira etapa extraordinariamente importante para o estudo da pragmática e da linguagem infantil. facto que conduz a algumas limitações metodológicas. a evolução das funções linguísticas é. comunicação pré-verbal e desenvolvimento da linguagem. terminando antes do desenvolvimento dos elementos estruturais da linguagem estarem completos. Quanto ao segundo nível. (1995) vêm dar consistência a esta ideia ao afirmar que a criança não espera deter domínio sobre a linguagem para comunicar pois. Progressivamente.Tivemos já oportunidade de referir que o estudo da pragmática é recente. Citando Halliday (1975). em grande parte. estes intercâmbios precoces vão evoluir para longas sequências vocais e/ou intercâmbios oculares. O choro revela-se o primeiro intercâmbio simples e primitivo. a comunicação continue fundamentalmente gestual. quer para realizar determinada acção. momento em que surge a linguagem. são sinais da criança que são interpretados e respondidos distintamente. É. Embora saibamos que as primeiras vocalizações e gestos da criança surgem desprovidas de intencionalidade. Embora.pois. ao conceder à criança o papel de interlocutor e não apenas de mero receptor A interacção entre a criança e o adulto vai progressivamente transformar-se em gestual e intencional.Os proto-imperativos: gestos deícticos (apontar.Os protodeclarativos: uso a de verbalizações convencionais para dirigir a atenção do adulto a objectos ou situações a fim de partilhá-las. Nestas rotinas pré-verbais. chorar. quer para obter o objecto que o outro possui. que surgem entre os 4 e os 6 meses. atribuindo-se-lhes intencionalidade. São expressões precursoras da função reguladora. na medida em que os adultos lhe atribuem significado comunicativo e referencial. sorrir. desde esta idade e progressivamente até aos 3 anos a comunicação passará a apoiar-se na palavra. com a finalidade de influenciar o comportamento do outro.. realizados com recurso aos gestos: . 1992). Quanto à segunda etapa. situando-se numa fase não locutiva de desenvolvimento comunicativo (Belichón et al. o papel do adulto é preponderante para o estabelecimento dos intercâmbios.). Gritar. daí ser considerado o prelúdio da função informativa. oculares e acompanhados de mudança de expressões faciais. nos protodeclarativos utiliza o objecto para atingir uma meta social. os actos não locutivos começam a incluir proposições. jogo. No final do primeiro ano a criança revela já comportamentos claramente intencionais de relação comunicativa referentes a objectos. alimentação. dar. vestir/despir). já por volta dos 18 meses. Se nos proto-imperativos a criança utiliza o interlocutor para conseguir um objecto. durante algum tempo ainda. passando os gestos para segundo plano e servindo estes apenas como reforço da 36 . Bates (1976) identifica dois tipos de comportamentos intencionais ou actos não locutivos na comunicação pré-verbal. deste modo. sequências de rotinas de intercâmbios sonoros. igualmente.normalmente em situações de rotina diária da vida de um bebé (banho. por volta dos 9-12 meses. a linguística. É nestes momentos de rotina diária que se irão desenvolver. estas apresentam um efeito tal sobre o adulto que Bates (1976) considera-as um período de pré-locução. que o adulto promove o desenvolvimento da competência pragmática. . A atitude da criança é interpretada como algo cujo propósito é transmitir informação. para insistir no pedido. perante o ponto de viragem. ser que quer e ser que pode explicitar “interioridades” que a linguagem pode traduzirr. fazer cu-cu) e para dar informação. para chamar a atenção do interlocutor. extraíramse categorias que agrupam e classificam as produções intencionais das crianças.dos o aos três anos-usa consistentemente a estratégia da repetição para manter ou voltar ao tópico da conversação. Posteriormente. para estabelecer contacto. dizer adeus. Esta estratégia de repetição é já visível no período pré-verbal através do processo interactivo de “tomar a vez” e nos jogos que assentam em comportamentos ritualistas do tipo “cucu”. enfim. Embora as taxionomias propostas variem entre os diferentes pesquisadores. ou “a galinha põe o ovo…”. diálogo para satisfação de necessidades e/ou desejos (função instrumental). Em jeito de resenha. para pedir informação (função heurística). apelando. a criança da faixa etária que estamos a privilegiar. nomeando e respondendo a solicitações dos pares ou dos adultos (Sim-Sim. Estamos. pois. protestando (função reguladora). realizar a plenitude do Ser: ser que sabe. a repetição vai evoluindo de forma a ganhar contornos verbais.palavra ou frase. para regular as acções dos outros. devido aos diferentes níveis de desenvolvimento das crianças. cumprimentando. A criança irá iniciar o seu longo caminho na crescente descoberta e apropriação da linguagem e na mestria de a utilizar para satisfazer as suas pretensões sociais. conceptuais. emocionais. 1998). opera-se uma mudança de tal ordem que irá exercer uma influência determinante no desenvolvimento das funções comunicativas. 37 . cadeias sonoras. chamando e executando rotinas (brincadeiras partilhadas que a criança realiza a pedido e repetidamente actividades de carácter motor como. é possível encontrar consenso que julgamos conveniente sintetizar da seguinte forma: As crianças usam vocalizações. onde a palavra que designa o objecto pretendido é persistentemente repetida (mã…mã…mã…). A partir deste momento. Independentemente da intencionalidade comunicativa que está em jogo. importa referir que das várias análises realizadas sobre as intenções comunicativas expressas pelas crianças nos primeiros anos de vida. M. A Avaliação da Linguagem. A. V. Edições Cetop. Moreno. 38 . &Espino..CAPÍTULO II – AVALIAÇÃO DA LINGUAGEM BIBLIOGRAFIA Acosta. V. (1998). L. (2003). Paulo: Livraria Editora. & Goodwyn. S. Qintana. A. O. Teoria e Prática do Processo de Avaliação do Comportamento Linguístico Infantil. S.. Acredolo. A Linguagem do Bebé. Ramon.. E. (1997). J.(1994). 39 .F. Bairrão. & Igoa. (1985). Elementos de Semiologia.. Barcelona: Herder. S.(1993).. R. J. (1979). (1986). Bouton. & Vilhena. 7. Language and Comunication Disorders in Children. Bernestein. Madid: Trotta. & Freire. (1990). A Perspectiva Ecológica na Avaliação de Crianças com Necessidades Educativas Especiais e suas Famílias: O Caso de Intervenção Precoce. F.P. Panamerica. P. A Linguagem da Criança.J. nº 202. E. Psicologia Del Desarrollo: Infância y adolescência. Metodologia da Investigação em Psicologia e Educação. Academic Press. J. Psicologia del Lenguaje: Investigacion y teoria. & Mendonça. (1998). Mass Harvard: University Press. (1992). (2003). 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