Curso de Pós-Graduação Lato Sensu a DistânciaPsicopedagogia Desenvolvimento, Cognição e Afetividade Autores: Ana Lidiane Oliveira Simone de Figueiredo Cruz EAD – Educação a Distância Parceria Universidade Católica Dom Bosco e Portal Educação 2 www.eunapos.com.br SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 03 UNIDADE 1 – DESENVOLVIMENTO HUMANO, COGNIÇÃO E AFETIVIDADE .. 04 1.1 Interdependência entre Afetividade e Cognição para a Aprendizagem ............. 05 1.2 Teorias do Desenvolvimento: Ambientalistas, Inatistas e Interacionistas ........ 07 1.3 Valor das Relações Afetivas: Contribuições de alguns teóricos sobre a construção do conhecimento .................................................................................. 15 1.4 A atuação docente no Desenvolvimento dos Alunos ........................................ 29 UNIDADE 2 – O AFETO E SUA RELAÇÃO COM A APRENDIZAGEM ................ 38 2.1 A importância do afeto para o saber pedagógico e o aprender escolar ............ 38 2.2 O afeto como determinante do sucesso (ou do fracasso) escolar: profecias autorrealizadoras ..................................................................................................... 43 2.3 Psicanálise na Educação .................................................................................. 46 UNIDADE 3 – DESENVOLVIMENTO COGNITIVO ................................................ 60 3.1 Teoria de Piaget ................................................................................................ 60 3.2 Teoria de Vygotsky ............................................................................................ 63 3.3 Escola é lugar de compartilhar conhecimento ................................................... 65 UNIDADE 4 – INTERFERÊNCIAS BIO-COGNITIVO-SOCIAIS NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM: OS DISTÚRBIOS DO COMPORTAMENTO ............................ 69 4.1 Transtorno de Ajustamento ............................................................................... 69 4.2 Agressividade .................................................................................................... 70 4.3 Fobia Escolar .................................................................................................... 72 4.4 Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH .............................. 73 4.5 Transtorno de Ansiedade .................................................................................. 75 3 www.eunapos.com.br Introdução Nesta disciplina, você terá a oportunidade de conhecer e aprofundar algumas teorias dos processos psicológicos relacionados às aprendizagens humanas. Você, sobretudo se for professor, sabe da importância da compreensão das funções psicológicas que caracterizam o desenvolvimento humano. Agora, como futuro psicopedagogo, mais ainda será necessário este aprofundamento teórico para que sua prática psicopedagógica esteja fundamentada em conhecimentos que a sustentem, dando condições de intervir para a reabilitação da ensinagem e da aprendizagem. Para abrir os estudos convido você a fazer uma reflexão inicial. Há um depoimento que Ivete Sangalo faz em um vídeo editado e divulgado nos voos de uma companhia área nacional. Neste material ela trata da existência e importância da memória afetiva 1 que construímos ao longo das experiências vividas como suporte às conquistas realizadas. É claro que conscientemente não lembramos de tudo o que vivemos na infância, mas é certo que sentimos e registramos o apoio emocional dado pelos adultos significativos 2 , com os quais nos relacionamos. Ela fecha este depoimento com a frase “Quem confia voa longe” deixando como reflexão, que, quem tem apoio emocional pode conquistar ou construir muitas coisas na vida. No módulo mais a frente, sobre a família, vamos conversar sobre este apoio emocional na família. Agora, pense no apoio que você recebeu ou não no ambiente escolar. Assim como, no tipo de apoio que você oferece aos seus alunos. Ao pensar nestas situações faça um registro destacando as características destes professores que deram apoio e marcaram sua trajetória escolar. Depois, troque com seus colegas estas características relevantes e veja se vocês têm opiniões semelhantes sobre estas características que podemos considerar como propulsoras de aprendizagens. 1 Memória Afetiva - diz respeito ao conjunto de informações que registramos no inconsciente conforme as experiências vividas. (Garcia-Roza, 2000). 2 Adultos significativos – são pessoas com as quais convivemos e que se tornam referenciais na nossa vida. Geralmente são aqueles que ocupam os papéis de pais, avós, tios, padrinhos enfim dependerá dos vínculos estabelecidos. (Fontana, 1997) 4 www.eunapos.com.br UNIDADE 1 – DESENVOLVIMENTO HUMANO, COGNIÇÃO E AFETIVIDADE Para que tenhamos uma visão completa e integrada, do quanto a afetividade pode interferir positiva ou negativamente na cognição, é importante que conheçamos primeiro as características do que denominamos desenvolvimento. Será que podemos considerar as pessoas adultas ou até mesmo os intelectuais, estudiosos como pessoas desenvolvidas, simplesmente por considerar sua idade cronológica ou talvez a posição social que ocupa? Será que nós, enquanto educadores, futuros psicopedagogos, consideramos todos os aspectos que podem caracterizar o desenvolvimento nas diversas áreas do estudo humano (bio-social-psico-econômico) ou nos atermos somente às questões fragmentadas e diagnosticamos problemas somente sob um aspecto da situação? Assim, segundo Papaia (2006, p. 47), desenvolvimento humano é “o estudo científico da mudança e da continuidade durante todo o ciclo humano de vida e apresenta algumas características específicas”: O Desenvolvimento é vitalício, ou seja, cada período do tempo de vida é influenciado pelo que aconteceu antes e irá afetar o que está por vir. Cada período tem suas próprias características e um valor sem igual; nenhum é mais ou menos importante que o outro. O Desenvolvimento depende da história e do contexto. Cada pessoa desenvolve-se dentro de um conjunto específico de circunstâncias ou condições definidas por tempo e lugar. Os seres humanos influenciam seu contexto histórico e social e são influenciados por eles. Eles não apenas respondem a seus ambientes físicos e sociais, mas também interagem com eles e os mudam. O Desenvolvimento é multidimensional e multidirecional. O desenvolvimento durante toda a vida envolve um equilíbrio entre crescimento e declínio. Quando as pessoas ganham em um aspecto podem perder em outro e em taxas variáveis. As crianças crescem sobretudo em uma direção – para cima – tanto em tamanho como em habilidades. Na vida adulta, o equilíbrio muda gradualmente. Algumas capacidades, como vocabulário, continuam aumentando; outras, como a capacidade de resolver problemas desconhecidos podem diminuir; alguns novos atributos, como perícia podem aparecer. As pessoas procuram maximizar ganhos e minimizar perdas, aprendendo a administrá-las ou compensá-las. O Desenvolvimento é flexível ou plástico. Plasticidade significa capacidade de modificação do desempenho. Muitas capacidades, como memória, força e persistência, podem ser significativamente aperfeiçoadas com treinamento e prática, mesmo em idade avançada. Entretanto, (...) nem mesmo as crianças são infinitamente 5 www.eunapos.com.br flexíveis; o potencial para mudança tem limites (PAPAIA, 2006, p. 47 – 48). Se considerarmos todas as características do desenvolvimento apresentadas por Papaia (2006), não seria talvez mais fácil compreender por que alguns alunos apresentam dificuldades, ora de aprendizagem, ora de comportamento, ora de relacionamento? E nós, quais as nossas dificuldades ou potencialidades que podem ser justificadas pelas características de desenvolvimento anteriormente apresentadas? Seria o meio externo (família, escola, amigos) o responsável pelo sucesso ou fracasso escolar de uma criança? Fonte: http://migre.me/2rU5L Considerando a afetividade como mola que impulsiona a aprendizagem, como afirmou Piaget (apud La Taille, 1992), e a importância de um professor que sirva como mediador, como uma pessoa significativa, que facilita e desafia os alunos no seu caminho na construção de conhecimentos, vamos ater nossa atenção a esta relação tão ímpar, delicada e muitas vezes decisiva no processo de aprendizagem: Afetividade e Cognição. 1.1 Interdependência entre Afetividade e Cognição para a Aprendizagem Pensemos em uma sala de aula, composta por aproximadamente 20 alunos onde um professor, através de uma aula expositiva, tenta apresentar determinado conteúdo curricular. A maneira como fala, sua expressão facial, seu tom de voz, sua gestualidade são fatores que podem determinar ou não a compreensão e apreensão deste conteúdo por seus alunos, uma vez que a comunicação não verbal, carregada de afetos positivos ou negativos, atua diretamente nos relacionamentos interpessoais. Netto (2008), em seu texto Comunicação Não Verbal, diz que este tipo de comunicação acompanha o homem desde o seu nascimento, e aparece através de 6 www.eunapos.com.br gestos, olhares, toques e é tão essencial quanto a verbalização, pois através dela consegue-se transmitir a rejeição, o afeto, a empatia, o descaso e naturalmente o amor. Assim, a relação professor/aluno está revestida de afeto. É uma relação transferencial, ou seja, na sala de aula o aluno revive a relação original entre pais e filhos, transferindo para o professor todo o amor e/ou hostilidade que um dia teve que abrir mão para ingressar em um mundo social. Segundo Passos (2009, p.42), Fonte: http://migre.me/2rUlm Transferir é o mesmo que deslocar algo de um lugar para o outro, sendo que estas transferências atribuem um sentido especial à figura determinada pelo desejo. Na relação professor/aluno, a transferência se produz quando o desejo de saber do aluno se liga a um elemento particular, no caso a pessoa do professor. Posto isto, o conteúdo a ser ensinado deixa de ser o centro do processo pedagógico e a figura do professor e sua significação para o aluno é que passa a ser a chave para o aprendizado. Evidencia-se, desta forma a importância que a comunicação não verbal, bem como a comunicação verbal, carregada de afetos, contamina a relação professor e aluno e pode prejudicar ou facilitar o grande objetivo da Educação: o aprender! Luckesi (2005) reafirma que para operar nossa capacidade de conhecer, necessitamos que nossos afetos nos permitam. Somente aquilo que amamos que desejamos que faça parte de nós mesmos, é o que é realmente significativo para a aprendizagem humana. Infelizmente nossa realidade ou nossa subjetividade como pessoas, também carregadas de situações revestidas de afeto, muitas vezes não nos permite enxergar o aluno com suas limitações ou especificidades emocionais. E assim, toda e qualquer ação ou intenção de ensinar se torna inoperante. O que se encontra na atual realidade escolar são inúmeros casos de indisciplina, agressividade, isolamento social, depressão, reprovação e evasão escolar na vida acadêmica dos alunos e outros inúmeros casos de depressão, doenças somáticas, doenças físicas nos professores. Os afetos e as emoções quando não considerados adequadamente 7 www.eunapos.com.br travam o ensinar e o aprender. Devemos considerar que a aprendizagem é resultado da interação afetiva do sujeito/objeto com outros sujeitos. Podemos considerar aqui a abordagem histórico-cultural de Vygotsky (apud FONTANA, 1997): ele evidencia a importância do outro e da qualidade das relações para a internalização dos instrumentos e dos signos. “É na sua relação com o outro que a criança vai se apropriando das significações socialmente construídas” (FONTANA, 1997, p.61). Deste modo, a abordagem sócio-histórica de Vygotsky explica as origens e o funcionamento psicológico através das relações sociais, e enfatiza a qualidade destas relações para a apreensão dos conceitos, objetos e conhecimentos que a realidade lhe apresenta. O aluno tem que ser “afetado”- partindo do termo Afetividade - pelas interferências verbais e não verbais do professor que, numa relação transferencial, lhe traz alguma lembrança e deve “afetar” significativamente seu inconsciente para que se efetive, se internalize além de conhecimentos, atitudes e valores para toda sua vida. Segundo Luckesi (2005, p. 2), “com o coração fechado, não conseguimos fazer nada com qualidade”. 1.2 Teorias do Desenvolvimento: Ambientalistas, Inatistas e Interacionistas Para compreendermos os estudos sobre o desenvolvimento humano precisamos começar refletindo sobre as crenças pessoais que carregamos: Em que acreditamos? Qual a nossa experiência de vida em relação à aprendizagem? Será que os conhecimentos que temos hoje, principalmente no que se refere aos valores, atitudes, posturas pessoais e profissionais foram sendo gradativamente apreendidos através da vivência em família, amigos e contexto social? Qual será a parcela da hereditariedade em nossas atitudes? Somos influenciados e influenciamos pessoas? As teorias sobre o desenvolvimento humano apresentam, através de seus estudiosos, explicações a respeito da herança genética, relações pessoais e sociais de cada um na constituição de seus conhecimentos. Vejamos primeiramente a Teoria Ambientalista. J ohn B. Watson foi o fundador do movimento comportamentalista (ou behaviorista, do inglês behavior, que significa comportamento). Tem a Filosofia como formação, mas interessou-se pela 8 www.eunapos.com.br psicologia animal. Seus estudos e sua teoria foram embasados pelas experiências com animais, valorizando a atuação do meio ambiente sobre o indivíduo. Os fatores externos (objetivos) são mais importantes no desenvolvimento da pessoa do que os fatores internos (subjetivos) como as capacidades mentais: inteligência, aptidão, vontade e sentimentos. Sendo assim, esta concepção deriva da corrente filosófica Empirismo 3 . Esta teoria dominou o entendimento do desenvolvimento humano na década de 50 a meados da de 80, do século passado. Os ambientalistas acreditam que “embora o comportamento do homem difira do comportamento dos animais, em razão de um maior refinamento e complexidade, ambos podem ser explicados pelos mesmos princípios” (FONTANA, 1997, p. 25). Como Watson poderia ter outra crença se sua experiência profissional o levava a crer que os comportamentos, inclusive dos humanos, poderiam ser modificados ou adaptados de acordo com os estímulos 4 que o indivíduo recebe? Watson não descarta a existência de processos internos no organismo. Ele apenas considera que tais processos devem ser estudados pela fisiologia. À psicologia, segundo sua concepção, cabe o estudo das respostas 5 do organismo aos estímulos do meio. “O que ocorre no interior do organismo entre um dado estímulo e uma dada resposta não pode ser observado e, portanto, não interessa aos psicólogos comportamentalistas” (FONTANA, 1997, p. 25). Skinner, psicólogo norte-americano, outro importante comportamentalista, deu continuidade aos trabalhos de Watson e criou o que chamou de “análise experimental do comportamento”, que, segundo Davis (1990, p. 33), seria uma análise rigorosa da forma como os indivíduos atuam em seu ambiente, identificando os estímulos que provocam o aparecimento de um comportamento e as consequências que o mantêm. Dá-se o nome de reforçador todo estímulo que é apresentado ao organismo. Assim, se um estímulo é vivenciado por seu aluno e este mesmo estímulo faz com que o comportamento deste aluno seja modificado, aumentando sua incidência, ele 3 Empirismo – Segundo Davis (1990, p.30) é uma teoria filosófica que defende o conhecimento da razão, da verdade e das ideias racionais através da experiência, ou seja, aquilo que as pessoas conhecem ou acreditam deve necessariamente passar pelo crivo de experiência e da observação. As aprendizagens ocorrem por tentativas e erros. Seu principal teórico é J ohn Locke. 4 Estímulo – toda modificação do ambiente que pode ser captada pelo organismo por meio dos sentidos. Pensem quantos estímulos uma sala de aula pode apresentar aos alunos visando alguma aprendizagem. (FONTANA, 1997, p.25) 5 Resposta – Modificações que ocorrem no organismo em decorrência dos estímulos. (FONTANA, 1997, p.25) 9 www.eunapos.com.br é chamado de reforço positivo. Ao contrário, se a incidência de um comportamento diminui com a vivência de um estímulo, este é então denominado reforço negativo. Podemos ilustrar a situação de uma multa no trânsito: a multa seria um reforçador negativo que fez com que o comportamento inadequado apresentado no trânsito, como ultrapassar sinal vermelho ou não usar cinto de segurança, diminuísse ou fosse extinto (exclusão de um comportamento). Assim, observando-se o ambiente e proporcionando situações onde um indivíduo receba reforços positivos ou negativos, segundo a teoria ambientalista de Skinner, o comportamento passou por um processo de condicionamento, que, segundo Fontana (1997, p. 27), “é um processo de aprendizado no qual um estímulo ambiental provoca uma resposta e o indivíduo aprende a partir da associação entre este estímulo e a resposta”. O desenho a seguir apresenta um pouco do que tratamos sobre a Teoria Ambientalista. Figura 1 – Teoria Ambientalista Fonte: Elaboração Própria Aplicando os conceitos da Teoria Ambientalista à prática escolar, evidencia-se a necessidade, a priori, de uma observação apurada dos comportamentos indesejáveis, bem como, dos comportamentos que o professor deseja desenvolver, para que, a posteriori, o planejamento adequado seja feito. Ao professor cabe delimitar quais os objetivos que pretende alcançar para traçar as estratégias 10 www.eunapos.com.br necessárias para sua atuação. Ou seja, de acordo com a teoria Ambientalista, deve- se ter a especificação dos reforçadores que serão utilizados, dependendo dos objetivos traçados, para que a resposta do educando se condicione a tais objetivos. Evidencia-se com esta postura o papel do professor em detrimento do papel do aluno, que assume uma postura passiva frente ao ambiente, onde as atitudes deste aluno “... podem ser manipuladas e controladas pela simples alteração das situações em que se encontra” (DAVIS,1990, p. 34). Desta forma, conclui-se, através da análise e compreensão dos conceitos da Teoria Ambientalista, que o desenvolvimento humano nada mais é do que resultado de aprendizagens acumuladas no decorrer da vida. Pense em quantas ou quais atitudes você, como cidadão, já mudou em função de alguma consequência positiva ou negativa, que poderia experimentar... Diferente da Teoria Ambientalista que privilegia o ambiente externo, tornando o indivíduo passivo às alterações de reforçadores, a Teoria Inatista valoriza a hereditariedade, aquilo que é inato 6 ao ser humano. De acordo com esta corrente de pensamento, ao nascer já traríamos na herança genética as qualidades e capacidades básicas do ser humano. Segundo Fontana (1997, p. 12), Os fatores inatos são mais poderosos na determinação das aptidões individuais e do grau em que estas podem se desenvolver do que a experiência, meio social e a educação. O papel do meio social, segundo esta perspectiva inatista, se restringe a impedir ou a permitir que estas aptidões se manifestem. Alfred Binet foi um médico que investigou a psicologia da criança e do deficiente; este interesse tornou-o um dos pioneiros no estudo da avaliação da inteligência, pois acreditava que a herança genética de cada um poderia interferir no seu desempenho (FONTANA, 1997). Binet concebia a inteligência como uma aptidão geral que não dependia das informações adquiridas no decorrer da vida, e conforme o autor citado, o que define a inteligência de um indivíduo não é a quantidade de conhecimentos que ele possui, mas sua capacidade de julgar, compreender e raciocinar. E estas capacidades não podem ser aprendidas, mas ao contrário, são biologicamente determinadas pela herança que recebemos de nossos pais. 6 Inato – Segundo Luft (1998), tudo aquilo que nasce com o indivíduo. 11 www.eunapos.com.br Embora se respeitasse a ideia das diferenças geneticamente herdadas, observava-se, contudo a semelhança no que se refere ao desenvolvimento humano. O médico, professor e Doutor em psicologia, Arnold Gesell, dedicou seu estudo à evolução da criança - do nascimento aos 16 anos - do desenvolvimento físico, motor e comportamental; priorizando seu foco de investigação sobre a maturação, que segundo Falcão (2002, p. 46 e 47), é o “processo de diferenciações estruturais e funcionais 7 do organismo, levando a padrões específicos de desenvolvimento 8 ”. Fonte: http://migre.me/2rVNE Considerando as premissas da Teoria Inatista, a evolução psicológica da criança também seria determinada biologicamente e, ao meio social apenas restava limitar ou facilitar tal evolução. Podemos observar que ambos os estudiosos da Teoria Inatista tem formação médica e, considerando suas crenças pessoais e profissionais, tendem a valorizar os aspectos fisiológicos, estruturais do ser humano. Agora pensemos em nós: será que acataríamos alguma derrota ou limitação pelo fato exclusivo de não termos herdado geneticamente esta ou aquela característica? Será que é possível superar dificuldades, estudar, crescer mesmo com pais analfabetos? É verdadeiro o ditado popular que “Filho de peixe, peixinho é?” Conclui-se, portanto, a prevalência do desenvolvimento sobre a aprendizagem nesta Teoria. A cada fase do desenvolvimento, o ser humano aprende novos conhecimentos. É como se a aprendizagem estivesse dependente do desenvolvimento e esta é uma crítica à Teoria Inatista, no que se refere à Educação. Será que todos aprendem do mesmo jeito, em quantidade e qualidade, quando tem a mesma idade cronológica? Seria o processo de maturação determinante para a execução de tarefas e construção de novos conhecimentos? Na visão Inatista, a Educação é um processo de dentro para fora. 7 Diferenciação Estrutural e Funcional seria a transformação que o corpo vivencia em função do tempo e da idade (FALCÃO, 2002). 8 Padrão Específico de Desenvolvimento, segundo Falcão (2002), seria o que está biologicamente condicionado ao desenvolvimento humano. 12 www.eunapos.com.br Há, porém que salientar o valor pessoal de cada indivíduo, segundo a abordagem Inatista. Valorizar as qualidades, o potencial, o que já está guardado dentro de cada um, respeitar as individualidades, a singularidade do ser humano apresenta-se como a contribuição desta Teoria para a Educação. Davis (1990. p. 27) traz uma citação de Rousseau, do seu livro Emílio, que ilustra a determinação que o caráter hereditário ou genético tem na vida do ser humano: A Natureza, dizem-nos, é apenas hábito. Que significa isto? Não há hábitos que só se adquirem pela força e não sufocam nunca a natureza? É o caso, por exemplo, do hábito das plantas, cuja direção vertical se perturba. Em se lhe desenvolvendo a liberdade, a planta conserva a inclinação que a obrigaram a tomar; mas a seiva não muda, com isto, sua direção primitiva; e se a planta continuar a vegetar, seu prolongamento voltará a ser vertical. O mesmo acontece com os homens. No desenho abaixo procuramos reunir algumas ideias da Teoria Inatista que atribui papel secundário ao meio, porque o indivíduo já traz consigo suas possibilidades de desenvolvimento. À escola cabe apenas oferecer um espaço de liberdade para que aflore o potencial de cada aluno. Figura 2 – Teoria Inatista Fonte: Elaboração Própria 13 www.eunapos.com.br Acreditando no equilíbrio existente entre os estímulos que o meio oferece e as características herdadas no indivíduo, na inter-relação existente entre fatores internos e externos, nasce a Teoria Interacionista. É uma terceira corrente que leva em consideração fator orgânico e ambiental, isto é, aspectos objetivos e subjetivos na determinação do desenvolvimento do sujeito. Os interacionistas acreditam numa complexa combinação de influências que podem favorecer o processo de aprendizagem. O ser humano não é compreendido como ser passivo, mas, ao contrário, assume um papel ativo, utilizando-se dos objetos e de suas significações para conhecer, aprender e consecutivamente, se desenvolver. Nesta abordagem, aprendizagem e desenvolvimento se inter- relacionam, se misturam e se completam, proporcionando ao indivíduo a responsabilidade de sua aprendizagem. Segundo Davis (1990, p. 36): A concepção Interacionista de desenvolvimento apoia-se na ideia de interação entre organismo e meio e vê a aquisição de conhecimento como um processo construído pelo indivíduo durante toda a sua vida, não estando pronto ao nascer nem sendo adquirido passivamente graças às pressões do meio. Os principais teóricos do Interacionismo são: Jean Piaget (1896 – 1980), para ele a criança é ativa e age espontaneamente no meio. Ela é estruturalmente diferente ao adulto, mas funcionalmente igual. Isso significa que suas estruturas mentais são próprias ao seu nível de desenvolvimento, que é marcado por estágios. É pelo contato com o mundo que seus conhecimentos são construídos. Dedicou-se à investigação e compreensão do desenvolvimento cognitivo e sua teoria ficou conhecida como construtivismo. Lev Seminovitch Vygotsky (1896 – 1934) valoriza a mesma ação / interação de Piaget, porém situada em um contexto sócio-histórico-cultural. É pela relação com os mais experientes e pela força da linguagem que o sujeito se apropria ativamente do conhecimento social e cultural do meio em que está inserido. As influências e mudanças são recíprocas ao sujeito e ao meio onde se encontra. A ilustração a seguir enriquece o que acabamos de apresentar: 14 www.eunapos.com.br Figura 3 – Teoria Interacionista Fonte: Elaboração Própria Na Unidade 3, as teorias desenvolvidas por estes autores serão apresentadas com maiores detalhes. Agora é importante que você, futuro psicopedagogo, conheça um pouco da biografia destes dois autores para poder compreender suas motivações para o desenvolvimento destas Teorias, considerando suas histórias pessoais e suas crenças profissionais. Antes de continuar adiante, dê uma paradinha e tente fazer o exercício 1. Exercício 1 1. Em uma sala de aula, faz parte do contexto de aprendizagem a comunicação verbal e a comunicação não-verbal, ambas de extrema importância. Qual seria a diferença entre estes dois tipos de comunicação? a) A intensidade da voz que emana a importância do conteúdo didático que está sendo apresentado. b) O uso de recursos audiovisuais que possibilita a comunicação verbal ser o mais clara possível. c) A carga de afeto que traduz na ação do professor a emissão de sentimentos, crenças e atitudes sem que estes sejam verbalizados. 15 www.eunapos.com.br d) A importância dos conteúdos apresentados, pois falamos com mais entusiasmo quando gostamos do que estamos falando. 2. De acordo com os pressupostos da Teoria Ambientalista, podemos conceber a aprendizagem como um processo que acontece: a) De fora para dentro, ou seja, do ambiente para o indivíduo. b) De dentro para fora, ou seja, do indivíduo para o meio externo. c) Simultaneamente, na interação do indivíduo com o meio. d) De maneira instantânea, recebendo do ambiente e considerando os conhecimentos que o aluno já tem. 3. Qual a principal característica das teorias embasadas no Interacionismo? a) A crença de que a criança pode ajudar no processo de ensinagem, uma vez que tem a família como parceira neste processo, pode viabilizar a aquisição de conhecimentos, na busca de recursos e materiais para ilustrar e enriquecer as aulas. b) O estudo sistemático do desenvolvimento infantil, respeitando as possibilidades de crescimento e as limitações que todo indivíduo apresenta. c) O indivíduo é o grande responsável pela sua aprendizagem, uma vez que pode interagir com seus parceiros, buscar no meio externo respostas para suas dúvidas, questionar, pensar e contribuir a partir dos conhecimentos que já possui. d) O meio externo deve se esforçar para viabilizar a aquisição dos conhecimentos nos alunos, respeitando e valorizando os conhecimentos que já possui. 1.3 Valor das Relações Afetivas: Contribuições de alguns teóricos sobre a construção do conhecimento Segundo Barbosa (2001), a aprendizagem ocorre na vida do ser humano com o objetivo de promover o desenvolvimento e o bem estar. O aprender é uma ação que transforma um estado anterior e se dá em forma de processo contínuo. Você tem conhecimento de que a escola durante muito tempo mostrou a aprendizagem como algo distante do prazer, e a caracterizou como um mal necessário. Com o passar do tempo, educadores de todo mundo buscaram formas e metodologias para introduzir afetividade e prazer na ação de aprender, considerando importante para sua consecução. 16 www.eunapos.com.br Transformar a aprendizagem em prazer, não significa realizar uma atividade prazerosa, e sim descobrir o prazer no ato de construir e reconstruir o conhecimento; transformar ou ampliar o que se sabe; relacionar conhecimentos entre si e com a vida; ser condutor ou autor do conhecimento e conhecer a história para criar novas possibilidades. Entretanto, a psicanálise tem mostrado em vários momentos que a severidade inútil e a falta de discernimento da educação favorecem o desencadear de neuroses no ambiente escolar. Nesse sentido, só podemos nos tornar ensinantes 9 se formos capazes de sentir interiormente a vida psíquica infantil, e para isso acontecer, temos que compreender a própria infância. Como ser capaz de olhar para o interior do educando e tentar compreendê-lo, se muitas vezes não conseguimos olhar para o próprio interior? As relações com os aprendentes 10 são compostas de indivíduos ainda imaturos e aos quais não se podem negar o direito de ser diferente em seu desenvolvimento, assim como de lhes transmitir o prazer - desejo de viver e aprender, oferecendo apoio e sustentação na época da vida em que se encontram. Fonte: http://migre.me/2rYT1 Os ensinamentos psicanalíticos dirigem nossa atenção para o vasto e complexo mundo subjetivo oculto no interior de ensinantes e aprendentes 11 , no qual cada um carrega o sofrimento constante da pressão de seus respectivos desejos, muitos dos quais atingidos pela repressão. Um profissional psicanaliticamente orientado deve observar as atitudes conscientes de seus aprendentes, como também as suas, procurando desvelar os 9 Ensinante - Segundo Fernández (1991), é aquele que pratica o jogo do saber. Que aprende com o outro, pois considera que o outro conhece e sabe. Constrói-se na relação com o sujeito aprendente presente na mesma pessoa ao mesmo tempo. É aquele que sabe apelar ao sujeito ensinante dos aprendentes. 10 Aprendente – Segundo Fernández (1991), é a articulação do sujeito cognoscente e desejante construindo um corpo de intersecção com o conhecimento e as pessoas. Constrói-se na relação com o sujeito ensinante presente na mesma pessoa ao mesmo tempo. Existe a partir da descoberta do desejo e do pensar é resultado do forte sentimento de orfandade. 11 Ensinante e Aprendente - termos discutidos anteriormente, utilizados por Alicia Fernández (1991), que indica as posições subjetivas que ocupamos nas relações de aprendizagens com o outro. Ela afirma que é muito importante esta troca de posições. Sempre estamos em situações distintas e simultâneas. Tanto adultos quanto crianças, pais e filhos, professores e alunos devem ocupar e trocar de posições. 17 www.eunapos.com.br desejos escondidos por trás delas. Seu olhar volta-se constantemente para os motivos desconhecidos de cada ação praticada, tanto sua como de seu par. É necessário valorizar a livre expressão dos aprendentes com que se relaciona, ao invés do que manter ou coagir o bom comportamento. Quando estudamos a psicanálise tomamos ciência de que o conhecimento está sempre envolto pelo desejo. E o fenômeno do aprender possui componente intelectual como também emocional. O paradigma psicanalítico abre o caminho da vivência humanizadora, da compreensão do outro, da busca de boas relações do indivíduo consigo mesmo e com os que o cercam. A preocupação é com a pessoa e não com os meios que serão utilizados. Uma boa contribuição da psicanálise é o conceito de sublimação quando as pulsões inconscientes, canalizadas e concentradas, são dirigidas para certas atividades socialmente desejáveis e aceitas. Outra contribuição é o fenômeno transferencial que advém de afetos elaborados com base nas representações das figuras de pai e mãe internalizadas pela criança e que se manifestam nas relações entre ensinantes e aprendentes. Não podemos ter dúvida de que todo afeto, positivo ou negativo, decorre de vivências passadas que se encontram reprimidas no inconsciente. Conhecer a teoria psicanalítica torna você uma pessoa atenta para entender que o processo de aprendizagem não se resume a aspectos técnicos - metodológicos, e nem por isso dá o direito de se tornar um psicoterapeuta dos aprendentes. A psicanálise nos encaminha na direção do reconhecimento das limitações do processo pedagógico, tornando-nos pessoas menos obcecadas pela imposição dos pontos de vista, verdades, valores morais, desejos de ordem e disciplina. Este conhecimento ajuda a lidar com o fracasso, a compreender que a aprendizagem acontece por causa de disposições inconscientes favoráveis e que o fracasso deve-se muito mais a fenômenos interpessoais - transferenciais do que às peculiaridades de ensino. O educando, quando apresenta algum problema de aprendizagem, geralmente, se encontra em idade escolar e, segundo a psicanálise, já possui os traços fundamentais do ego sedimentado que sustenta o superego e as relações 18 www.eunapos.com.br com o id 12 estão definidas. Recalcamentos, repressões, mecanismos de defesa do ego e de ocultamento de desejos já fazem parte da personalidade. Cabe então, entender o que se passa com o indivíduo e agir de modo a não agravar certas tendências do caráter do aprendente com o qual trabalhamos. É muito importante que você se torne um modelo possibilitador de diálogo. Uma autoridade capaz de nortear a vida pulsional do aprendente, transformando energias irracionais do inconsciente em forças socialmente úteis. Enquanto ensinantes, temos que nos libertar do sentimento de onipotência, de moldar a personalidade do outro. Não temos que transformar as pessoas em quem gostaríamos que elas fossem. Como paradigma, a psicanálise é um referencial de compreensão do ser humano. Para Freud apud Cifali (1999), o fenômeno da aprendizagem depende da "razão" que motiva a busca de conhecimento. Para a teoria freudiana, a criança pergunta demasiadamente por que, no fundo ela está buscando respostas para perguntas como: de onde viemos e para onde vamos. Há também o momento da descoberta da diferença sexual anatômica, porém o essencial é a interpretação dada a esse fato. Todas as descobertas feitas pelas crianças causam angústias e fazem com que as crianças queiram saber sempre mais. As investigações infantis nada mais são do que a busca do encontro de seu lugar no mundo. A princípio, a criança encontra um lugar sexual no mundo, carregado de desejos dos pais, isto é, aquilo que eles esperam que ela seja. Então, o desejo de saber associa-se com o dominar, o ver e o sublimar. Toda curiosidade intelectual é gerada na pulsão de domínio que é sublimado e relacionado à pulsão visual. Podemos dizer que para Freud, a mola propulsora do desenvolvimento intelectual, isto é, a inteligência, emerge a partir de um apoio sobre "restos sexuais". Aprender pressupõe uma relação com outra pessoa, supõe um diálogo interior entre o aprendiz e alguma figura qualquer, imaginada por ele, que possa servir de suporte para esse diálogo. Aprender é aprender com alguém, e esse alguém só assume um papel de ensinante quando está revestido, por seu 12 Id – Ego – Superego – são instâncias do aparelho psíquico, desenvolvido por Freud, a fim de explicar seu desenvolvimento e atuação na vida do indivíduo (D’Andrea, 1996, p.12) 19 www.eunapos.com.br aprendente, de uma importância especial. É com essa característica que o ensinante passa a ter em mãos o poder de influência, de convencimento, de credibilidade sobre o aprendente. As crianças transferem os sentimentos que dirigiam aos pais, para os próximos ensinantes. Assim a teoria freudiana se sustenta nas relações afetivas e suas possíveis transferências, dando condições para o aprender. A transferência é uma manifestação do inconsciente, que se dirige a qualquer pessoa. Os conteúdos das transferências são advindos das experiências vividas primitivamente com os pais. Transferir é atribuir um sentido especial àquela figura determinada pelo desejo de saber. A ideia de transferência mostra que um ensinante em especial foi "investido" pelo desejo do aprendente, e a partir desse investimento é que a palavra do ensinante ganha poder, passando a ser escutada. Neste contexto, é que o ensinante precisa se esvaziar de seus desejos e dar lugar aos desejos que mobilizam seu aprendente. A psicanálise transmite aos ensinantes uma ética, um modo de ver e de entender sua prática educativa. É um saber que pode gerar uma filosofia de trabalho, que abre mão do poder e da posição de controlar o outro. Abre-se a oportunidade de relações autênticas, humanizadoras, pois o ensinante, guiado por seu desejo, se organiza, articula, torna lógico seu ensinamento para que o aprendente desarticule, retalhe, ingira e digira os seus ensinamentos, de modo que se entranhe em seus desejos, fazendo sentido para o mesmo. Pesquisando ainda sobre a relação entre razão e emoção, inteligência e afetividade, no desenvolvimento da pessoa, podemos considerar as ideias de Henri Wallon (apud Gonçalves 2003a) e de Fernández (1991) sobre como tais fatores estão presentes nos processos de aprendizagem e de constituição do sujeito. A afetividade tem sido muito discutida, pois percebemos no dia a dia, a importância da mesma no processo de formação do indivíduo e da construção do conhecimento. O Dicionário Luft (1998) define afetividade como o “conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhadas sempre da impressão de dor ou prazer, de satisfação ou insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza”. Wallon (apud Gonçalves, 2003b, p. 63), “considera a emoção como os sentimentos e desejos, a 20 www.eunapos.com.br manifestação da vida afetiva e esta tem um papel fundamental no processo de desenvolvimento humano.” Emoções são formas corporais de expressar o estado de espírito da pessoa, são manifestações físicas, alterações orgânicas, isto é, reações intensas do organismo resultantes de um estado afetivo agradável ou desagradável. “A palavra emoção significa, originariamente, "E" (do latim ex) =para fora, "moção" - movimento. A emoção é o movimento da vida em cada um de nós. Trata-se do movimento que brota no interior e se expressa no exterior; é o movimento da minha vida que me diz, e que diz às pessoas à minha volta quem eu sou” (FILLIOZAT apud GONÇALVES, 2003a, p. 34). Fonte: http://migre.me/2sb0j A criança ao nascer manifesta corporalmente o que está sentindo e se comunica com as pessoas através da emoção. Para Filliozat (apud Gonçalves, 2003b, p. 35): Por mais bem cuidadas que sejam as crianças, todos os bebês têm necessidade de chorar. A emoção permite que eles recuperem as energias, consigam reconstruir-se, depois de terem passado por um desgosto. Cada acontecimento ofensivo torna-se traumático apenas se não for dado livre curso à expressão dos sentimentos suscitados por tais situações. A fluidez emocional é a garantia da saúde psíquica. Apesar de terem má reputação, nossas emoções são úteis: elas nos dão a consciência de Ser. O recém-nascido não tem ainda outras formas de se comunicar com o outro, que não a emoção, esta sim é uma forma eficiente de comunicação e que funciona de mão dupla, pois a comunicação com o bebê é emocional e corporal. Quando há o predomínio da função afetiva, estamos voltados para nós mesmos, fazendo uma elaboração do EU. No impacto das emoções, ocorre a construção de um novo eu. Na situação ilustrada sobre a comunicação entre o bebê e a mãe, a mulher está se transformando em mãe. Isto é o que Wallon chama de “situações funcionais” que persistem durante toda nossa vida, não sendo possível um equilíbrio harmônico entre estas funções (cognitiva e afetiva), mas um conflito constante, (e o domínio de uma sobre a outra). 21 www.eunapos.com.br Winnicott (1989) valoriza a função materna através do holding, bem elaborado, como suporte das futuras aprendizagens do indivíduo. Quando os cuidados iniciais à criança pela mãe forem bem sucedidos e os pais fornecerem um bom ambiente, é que a escola pode estar com sua função em segundo lugar, pois muitas vezes a mesma tem que corrigir fracassos e suplementar atitude que seriam específicas do ambiente familiar. Fonte: http://migre.me/2soFS A medida que a criança cresce, o significado do termo "amor" vai se alternando, ou enriquecendo-se como novos elementos, que significa: existir, estar vivo, identificar-se a ser amado; apetite, estar pronto para alimentar-se; contato afetuoso com a mãe; integração com o objeto da experiência instintiva, com a mãe integral do contato afetivo, o dar passa a relacionar-se ao receber; afirmar os próprios direitos à mãe; cuidar da mãe como ela cuidou da criança - uma perfiguração da atitude de responsabilidade adulta (WINNICOTT, 1989, p. 19). A criança é dotada de inteligência e emoção, que devem ser vistas como talentos que se transformarão em capacidades de motivar-se, persistir diante de frustrações, controlar ou adiar impulsos e satisfações para que não invada a capacidade de pensar, argumentar e aprender. A base de todas as aptidões se assenta sobre a aptidão emocional. Pessoas com uma prática emocional bem desenvolvida, adaptada ao meio e às suas circunstâncias possuem maior probabilidade de sentirem-se satisfeitas e serem mais assertivas em suas vidas, dominando hábitos mentais que fomentem a produtividade. A proposta da psicopedagogia é criar uma ponte entre o indivíduo e a aprendizagem para que o mesmo possa se encontrar e se sentir feliz. De acordo com a nossa experiência profissional pensamos que para aprender é necessário ser visto, ser ouvido e ser amado. Conforme a criança vai crescendo, as crises emotivas vão se reduzindo e sendo controladas melhor pela razão, num trabalho de desenvolvimento da pessoa. As emoções vão sendo subordinadas ao controle das funções psíquicas superiores, 22 www.eunapos.com.br da razão. A criança volta-se naturalmente ao mundo real, numa tentativa de organizar seus conhecimentos adquiridos até então, é novamente o predomínio da função cognitiva. Por toda a vida, razão e emoção vão se alternando, numa relação de filiação, e ao mesmo tempo de oposição. Por isso, podemos dizer que todo processo de educação significa também a constituição do sujeito. A criança seja em casa, na escola, em todo lugar; está se constituindo como ser humano através de suas experiências com o outro, naquele lugar ou naquele momento. A construção do real vai acontecendo, através de informações e desafios sobre as coisas do mundo, mas o aspecto afetivo nesta construção continua sempre presente. Sendo assim, temos que considerar e perceber a pessoa como um ser integral. O processo de aprendizagem, sob este enfoque, encontra em Fernández, (1991) uma grande contribuição, pois a autora destaca que o processo de aprender supõe a presença de quatro fatores: Organismo: individual herdado; Corpo: construído através das suas experiências; Inteligência: autoconstruída interacionalmente; Desejo: energia, pulsão, inconsciente. O organismo está para um efeito orgânico, assim como o corpo está para aquilo que foi aprendido, através das experiências, das sensações e relações. É a história do indivíduo, que ele vai construindo em toda sua vida. Para a autora, “não há aprendizagem que não passe pelo corpo” (FERNÁNDEZ, 1991, p. 60). 23 www.eunapos.com.br Figura 4 – A construção do conhecimento Fonte: Elaboração Própria Todos estes fatores não são independentes entre si, pelo contrário, são interdependentes. O que nos deslumbra nesta teoria, é que da mesma forma que situações complexas podem ser criadas ao longo do processo de formação de um indivíduo, podem também ser revertidas, desde que as pessoas que trabalhem com o indivíduo tenham sensibilidade de perceber como todos os fatores estão intrincados neste processo. Enquanto não for dada a atenção necessária ao fator afetivo, corre-se o risco de estar só trabalhando com a construção do real, do conhecimento, deixando de lado o trabalho da constituição do próprio sujeito que envolve valores e o próprio caráter necessário para o seu desenvolvimento integral. Todo o processo de aprendizagem é resultante da articulação construtiva entre organismo, corpo, inteligência e desejo no indivíduo incluído em um grupo Construir e Reconstruir conhecimentos é um ato de prazer Conhecer é desejar Componente intelectual Componente emocional O cognitivo depende do método aplicado Relação Afetiva entre ensinantes e aprendentes Aprender depende Organismo (individual herdado) Corpo (construído pelas experiências) Desejo (energia inconsciente) Inteligência (construído interacionalmente) 24 www.eunapos.com.br familiar, no qual dá sentido e funcionalidade e em um sistema educacional que também o condiciona e o significa. Cada sujeito tem seu jeito próprio de aprender, que é resultado de sua estrutura familiar, desejos e perspectivas de seus pais. Para aprender o educando necessita estar preparado para fazer um investimento pessoal, no sentido de renovar-se com o conhecimento e atitude. Implicam num movimento que envolve tanto o uso de estímulos externos variados, quanto suas possibilidades sócio-afetivas. A aprendizagem vai acontecendo à medida que a criança vai construindo internamente uma série de significados que são resultados de suas interações contínuas com o seu meio social. A aprendizagem é um processo individual, objetivo e subjetivo, no qual intervém o organismo, o corpo, a inteligência e o desejo de quem ensina e de quem aprende. Aprendemos a partir da história de trocas de experiências que cada um vive, as lembranças, imagens, fantasias e descobertas que vamos fazendo ao longo da vida. Aprendemos de quem outorgamos autoridade confiável e amiga. Só assim poderemos compreender o processo de aprendizagem de cada indivíduo, respeitando a individualidade e potencialidade de cada um; pois as crianças são apenas filhos reais, com necessidades próprias de descobrir e utilizar com originalidade a curiosidade natural que trazem consigo. No campo do conhecimento pedagógico, muitos estudiosos da pedagogia incorporaram a afetividade no processo de aprender / construção de conhecimento. Selecionamos para você algumas ideias do suíço J ohann Heinrich Pestalozzi (1746 – 1827) e do francês Célestin Freinet (1896 – 1966) para enriquecer seu arcabouço teórico. É possível dizer que Pestalozzi psicologizou a educação, pois, quando ainda não havia a estruturação de uma ciência psicológica e embora seus conhecimentos da natureza da mente humana fossem vagos, constatou que uma teoria e prática bem aplicada em educação deviam ser baseadas em tal tipo de conhecimentos. Segundo Incontri (1990), para Pestalozzi a escola deveria aproximar-se de uma casa bem organizada, como um ambiente familiar que é envolto de atmosfera de segurança e afeto, pois a família era a melhor instituição de educação. Este educador foi o que mais valorizou o amor, especialmente o amor materno. Em sua escola, mestres e alunos (meninos e adolescentes) permaneciam juntos o dia todo. Para ele os sentimentos / emoções tinha um valor muito importante, o qual atribuía 25 www.eunapos.com.br ao aspecto emocional o poder de despertar o processo de aprendizagem autônoma no indivíduo. Foi ele quem trouxe o afeto para dentro da escola, das salas de aula por acreditar que é por meio deste que se instala o processo de auto educação. Construiu sua base teórica a partir de alguns princípios educacionais: O desenvolvimento é orgânico, sendo que a criança se desenvolve de dentro para fora e seu desenvolvimento deve ser respeitado; O método deve seguir a natureza; A impressão sensorial é fundamental e os sentidos devem estar em contato direto com os objetos; A mente é ativa; O professor é comparado ao jardineiro que providencia as condições propícias para o crescimento das plantas; Crença na educação como o meio supremo para o aperfeiçoamento individual e social; A educação começa com a percepção de objetos concretos e consequentemente com a realização de ações concretas e a experimentação de respostas emocionais reais; A ideia do aprender fazendo era com o foco no desenvolvimento de habilidades e dos valores; Conceituação de disciplina baseada na boa vontade recíproca e na cooperação entre aluno e professor; Introdução de novos recursos metodológicos. Apesar do contexto histórico-social em que viveu, não deixou de manifestar seus ideais de educação, mesmo em um tempo em que suas ideias se apresentavam bem diferentes das preconizadas na educação de sua época. Segundo Incontri (1990), ele experimentava sua teoria e tirava a teoria da prática. Não só acreditou na força do afeto, como o vivenciou em suas experiências pedagógicas com órfão de batalhas, o qual resignificou as possibilidades do aprender destas crianças e jovens. Sampaio (1989) em seus estudos apresenta Freinet como um educador que revolucionou a educação ao colocar o aluno em atividade e criação, indo contra o ensino tradicionalista centrado no professor e nos conteúdos prontos. Para ele a 26 www.eunapos.com.br forma mais profunda de aprender é o envolvimento afetivo. Através de suas técnicas de ensino como forma de livre expressão e cooperação (aula passeio, cantinhos pedagógicos, correspondência entre escolas, imprensa escolar, o desenho, biblioteca do trabalho, cinema...) dinamizou e resignificou o contexto do aprender e ensinar. As ações do professor deveriam se pautar nos conhecimentos da psicologia e pedagogia, pois concebia que o histórico do aluno entra em interação com os conhecimentos a serem aprendidos. É na demonstração da espontaneidade, da sensibilidade, da relação intensa com o outro e com o conhecimento, da alegria de viver expressos nos mais variados textos e trabalhos realizados, que se pode sentir o afloramento natural da psique do educando e o envolvimento afetivo com o aprender prova o quanto a criança é artesã de sua própria cultura (SAMPAIO, 1989). A pedagogia de Freinet está alicerçada em quatro pilares básicos: Cooperação: através do trabalho em conjunto e da construção do conhecimento coletivamente; Comunicação: ninguém investiga / aprende para guardar para si; o que descobrimos e conhecemos deve ser formalizado e divulgado aos demais; Documentação: o registro das atividades é a concretude das descobertas, a proposta do livro da vida tinha esta função; Afetividade: a relação com o outro cria vínculos entre as pessoas e por meio delas com o conhecimento. A teoria de Freinet é muito importante no campo da psicopedagogia porque reúne a diversidade de estratégias educativas, respeita a modalidade de aprendizagem do educando, considera as condições afetivas no aprender e favorece a independência do pensamento tão favorável à autoria do sujeito. Para a psicopedagoga Barbosa (2006), o sujeito ao se desenvolver interage com aprendizagens assistemáticas e sistemáticas, as quais estão relacionadas aos aspectos afetivos por conta dos vínculos estabelecidos com a mãe, pessoas, mundo e cultura, concomitante aos biofisiológicos, cognitivos, culturais, sociais e econômicos. 27 www.eunapos.com.br Você, futuro psicopedagogo, é quem poderá mediar a ação de aprender no âmbito escolar, e esta é a grande tarefa do professor; por isso consideramos importante o seu entendimento sobre o aprendiz e as relações para a construção do conhecimento. O aprender inicia-se na vida do sujeito pela imitação, mas não é uma ação suficiente. Nem mesmo a memorização e a repetição significam aprender. O aprender necessita da interação de quem aprende com o objeto a ser aprendido. Desta forma, além de imitar, memorizar e repetir, o aprendiz precisa viver outras experiências que o desafiem a fazer conexões com o que conhece e com o que está conhecendo. Só assim o aprendiz vai se constituindo capaz de representar, compreender e criar. Ensinar / aprender é permitir que as experiências de imitação de um sujeito sejam complementadas com outras experiências de exploração e possam ir formando, tanto em nosso cérebro quanto em nossa vida, possibilidades de combinações que resultem em verdadeiras sínteses das vivências anteriores (BARBOSA, 2006, p. 19). Assim, ensinar e aprender envolve muito mais que fazer atividades, é possibilitar variadas combinações na vida, transformando o que está à sua volta; é pensar e agir da sua forma e não na forma padrão. É ter a chance de complementar ideias, é dinâmico, desafiador. Aprender é desafiar a tensão do desconhecido, enfrentando e dominando. Por isso, os aspectos afetivos e cognitivos são indissociáveis na construção do conhecimento. A motivação para aprender é fundamental! Exercício 2 1. Ensinantes e aprendentes são posições subjetivas que ocupamos nas relações de aprendizagens com o outro. Desta forma, o professor deve sempre: a) Ser o ensinante na relação com o aluno. b) Ser o aprendente na relação com o aluno. c) Ser somente ensinante e aprendente na relação com o aluno. d) Ser apenas professor e não se preocupar com estas posições subjetivas. e) Ser ensinante e aprendente na relação com o aluno e deixar que o mesmo também seja ensinante e aprendente. 28 www.eunapos.com.br 2. Compreender o fenômeno transferencial, é entender que: a) O mesmo advém de afetos elaborados com base nas representações das figuras de pai e mãe internalizados, e que manifestam nas relações entre ensinantes e aprendentes. b) O mesmo advém de afetos positivos elaborados com base nas representações das figuras de pai e mãe internalizados, e que manifestam nas relações entre ensinantes e aprendentes. c) O mesmo advém de afetos negativos elaborados com base nas representações das figuras de pai e mãe internalizados, e que manifestam nas relações entre ensinantes e aprendentes. d) O mesmo advém de afetos elaborados com base nas representações das figuras de pai e mãe internalizados, e que manifestam só nas relações entre ensinantes. e) O mesmo advém de afetos elaborados com base nas representações das figuras de pai e mãe internalizados e que manifestam só nas relações entre aprendentes. 3. É o conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções, sentimentos e paixões, acompanhados da impressão de dor e prazer, satisfação ou insatisfação, agrado ou desagrado, alegria ou tristeza. Esta é a definição de: a) Prazer b) Emoção c) Afetividade d) Transferência e) Desejo 1.4 A atuação docente no Desenvolvimento dos Alunos Você, como futuro psicopedagogo, poderá colaborar na atuação docente, por isso levaremos a aprofundamentos de aspectos importantes à sua compreensão. A psicopedagogia investiga a aprendizagem e a percebe não apenas como um ato intelectual e passivo, mas coloca em igualdade os aspectos cognitivos, afetivos e sociais. A partir das contribuições teóricas de Piaget, Pichon-Rivière, Freud, Vygotsky e outros, a psicopedagogia se propõe a orientar o processo de aprendizagem intervindo preventiva, terapêutica e institucionalmente. 29 www.eunapos.com.br Relembrando, a psicopedagogia “é um processo pelo qual se proporcionam condições que facilitem o desenvolvimento do indivíduo [...] bem como prevenção e solução de dificuldades existentes de modo a atingir objetivos educacionais e pedagógicos” (MASINI apud CHIBLI, 2003, p. 24). Aperfeiçoar seu olhar psicopedagógico é outro desafio a ser construído. Você tem clareza a respeito deste olhar? O olhar psicopedagógico é um olhar que tem a intenção de perceber o sujeito que aprende, de forma inteira, em relação a outros sujeitos, com sua cultura, sua história, com seus objetos de aprendizagem e normas estabelecidas no contexto em que vive. Este olhar pode entrar em ação por diversos âmbitos da vida humana: no âmbito do indivíduo, do grupo, da instituição e da comunidade. Fonte: http://migre.me/2suB5 A atuação docente pode ser um fator desencadeador de dificuldades, na maioria das vezes não são dificuldades que se localizam dentro do sujeito, e sim na relação entre ele e o conhecimento ou entre ele e aqueles que ensinam. Muitas vezes, essas dificuldades interferem de tal forma na vida de uma pessoa que ela necessita de um apoio para poder enfrentar tais situações de dificuldade. Este apoio oferecido na maioria das vezes, nem sempre é dirigido só para o sujeito que apresenta o sintoma, como também ao seu grupo familiar ou ao grupo escolar. O importante não é a forma de atendimento que se desenvolve, mas sim os recursos de intervenção que utilizamos para desequilibrar o sujeito e provocar uma mobilização interna diante das situações novas que requerem mudança de atitude. Algumas vezes, a possibilidade de viver um desafio auxilia alguém a aprender algumas coisas que não aprenderia se não tivesse esta oportunidade; outras vezes, a aprendizagem se dá diante da variedade de alternativas que o aprendiz tem para escolher com o que e como vai se comprometer. Partir do que o sujeito já sabe, já experimentou, pode ser um recurso psicopedagógico eficiente; mostrar novas 30 www.eunapos.com.br possibilidades, permitir-se ser modelo de aprendizagem, pode ser um outro recurso de intervenção simples e importante. Vale lembrar que cada pessoa apresenta uma forma, um modo particular e singular de entrar em contato com o conhecimento. Isto quer dizer que cada um tem sua particular e individual modalidade de aprendizagem, que oferece uma maneira própria de nos aproximarmos do objeto de conhecimento, formando um saber que nos é peculiar. Esta modalidade de aprendizagem é construída desde o nascimento do indivíduo e é através dela que este indivíduo se enfrenta com a angústia inerente ao conhecer – desconhecer. A modalidade de aprendizagem se constitui numa matriz, num molde, num esquema de operar utilizado nas várias situações de aprendizagem. Esta modalidade assemelha-se com a modalidade sexual e com a forma de relação que o indivíduo mantém com o dinheiro. É por isso que a modalidade de aprendizagem é sempre singular e específica. Através do conhecimento da modalidade de aprendizagem do indivíduo, o professor pode introduzir um aparato pedagógico que atenda às necessidades específicas do aprendente. 31 www.eunapos.com.br Figura 5 – Fazer-se aprendente Fonte: Elaboração própria A intervenção psicopedagógica veio introduzir uma contribuição mais rica no enfoque pedagógico. O processo de aprendizagem do aluno é compreendido como um processo pluricausal, abrangente, implicando componentes de vários eixos de estruturação: afetivos, cognitivos motores, sociais, econômicos, políticos, etc. A causa do processo de aprendizagem, bem como das dificuldades de aprendizagem, deixa de ser localizada somente no aluno e no professor e passa a ser vista como um processo maior com inúmeras variáveis que precisam ser apreendidas com bastante cuidado pelo professor e psicopedagogo. É preciso que você, futuro psicopedagogo, também ajuste sua forma de conceber o processo de ensino-aprendizagem. Ele não é um processo linear e contínuo que se encaminha numa única direção, mas, sim, multifacetado, apresentando paradas, saltos, transformações bruscas... O processo de ensino- aprendizagem inclui também a não-aprendizagem. Ou seja, a não aprendizagem não é uma exceção dentro do processo de ensino-aprendizagem, mas se encontra Fazer-se Aprendente É estar vivo e aberto ao mundo, nele intervir. É ensinar-se a aprender a alegria. É ser cigarra e formiga. É encher a vida de vida, de sentido, de sonho. É aprender a aprender, é desalienar-se é desumilhar-se. Nomear-se com identidade buscando seus sonhos. É pelos desafios, reconquistar valores. É conhecer os limites e transgredi-los. É aprender a não se excluir, nem ruminar em culpa. 32 www.eunapos.com.br estreitamente vinculada a ele. O aprendente pode se recusar a aprender em um determinado momento. O chamado fracasso-escolar não é um processo excepcional que ocorre no sentido contrário ao processo de ensino-aprendizagem. Constitui, sim, exatamente a outra face da mesma moeda, o seu lado inverso. O saber e o não-saber estão estreitamente vinculados. O não saber se tece continuamente com o saber. Parafraseando Fernández (1991), o desejo de saber faz um par dialético com o desejo de não-saber. O jogo do saber X não saber, conhecer X desconhecer e suas diferentes articulações, circulações e modalidades, próprias de todo ser humano ou seus particulares. A Psicopedagogia, com base na Psicanálise, revela que o conhecimento e o saber não são apreendidos pelo sujeito de forma neutra. Dentro do sujeito há uma luta entre o desejo de saber e o desejo de não-saber. Este processo acaba por estabelecer para o sujeito desejos, determinadas posições, a priori, da assimilação e incorporação de quaisquer informações e/ou processos formativos. Elas se refletem tanto no plano consciente quanto inconsciente. Diante do uso de jogos e materiais pedagógicos, o sujeito pode se direcionar tanto para o desejo de saber quanto para o desejo de não-saber. No primeiro caso, através do desejo de saber o sujeito tece o saber. No segundo caso, paralisa o processo formando as chamadas estruturas de alienação no saber (MRECH,1989, p. 38). Em cada um de nós, podemos observar uma particular "modalidade de aprendizagem", quer dizer, uma maneira pessoal para aproximar-se do conhecimento e para conformar seu saber. Tal modalidade de aprendizagem constrói-se desde o nascimento, e através dela nos deparamos com a angústia inerente ao conhecer- desconhecer. A modalidade de aprendizagem é como uma matriz, um molde, um esquema de operar que vamos utilizando nas diferentes situações de aprendizagem. Se analisarmos a modalidade de aprendizagem de uma pessoa, veremos semelhanças com sua modalidade sexual e até com sua modalidade de relação com o dinheiro (FERNÁNDEZ, 1991, p. 109). A modalidade de aprendizagem revela a forma e o conteúdo do processo de estruturação da aprendizagem do sujeito, trazendo em seu bojo a criação do material pedagógico como um objeto resultante do processo de ensino- 33 www.eunapos.com.br aprendizagem. Diferentemente do modelo de aprendizagem geral e universalista, a modalidade de aprendizagem é sempre singular e específica. O material pedagógico ou objeto pedagógico construído interiormente pelo aluno é sempre único. É através da modalidade de aprendizagem do sujeito que realmente podemos conhecer como o material introduzido pelo psicopedagogo foi captado e quais são as necessidades específicas do aprendente. São estas necessidades específicas que deverão nortear o seu futuro trabalho. Cabe a você ter um olhar que permita atuar no plano de subjetividade, uma vez que não há testes e programas elaborados previamente que possam dar conta da diversidade de cada sujeito singular. Daí porque temos que entender o processo de aquisição do conhecimento não como uma deficiência de qualquer ordem, mas sim como resultante de um vínculo negativo, numa relação desprazerosa com o conhecimento, onde não emerge o desejo de conhecer, não surgindo, consequentemente, a necessidade de fazer uso de sua habilidade e de suas funções cognitivas. As investigações da psicopedagogia, isto é, a pesquisa, o estudo e a análise de todos os fatores envolvidos nas relações de ensinar e aprender estão reconsiderando os papéis da família, da escola e do sujeito. Qualquer indivíduo, independente do seu comprometimento corporal, orgânico, cultural ou psicológico se relaciona e elabora sua aprendizagem, pois é um ser social, que estabelece relações vinculares durante toda sua existência. A psicopedagogia considera o aspecto orgânico como importante na avaliação do problema de aprendizagem, assim como considera indispensável que os aspectos cognitivos e afetivos sejam ponderados no encaminhamento a ser feito. Na atuação docente, depara-se com os problemas em aprender que sempre existiram, desde os mais remotos tempos do processo de escolarização da humanidade. Há algum tempo passamos a contar com o psicopedagogo para ajudar a desvendar e redirecionar tal situação. Constantemente temos ouvido os termos: problema, dificuldade e transtorno de aprendizagem. Conforme autores da psicopedagogia, elaboramos uma breve distinção, a título de conhecimento: 34 www.eunapos.com.br Problema de aprendizagem é o que se refere ao baixo rendimento escolar no campo da linguagem, da matemática ou em outra área de conhecimento; Dificuldade de aprendizagem podemos dizer que são conflitos naturais que a criança pode apresentar no campo metodológico, familiar, orgânico e social; Transtorno de aprendizagem está relacionado à comorbidades 13 , ao comportamento emocional do indivíduo, apresentando comprometimento específico de alguma habilidade. Parafraseando Polity (2004), o essencial é tentar entender as situações para que possamos encará-las e administrá-las. Resgatar os aspectos que precisam ser trabalhados para se obter um melhor rendimento intelectual do sujeito cognoscente; desmistificando os rótulos que exercem um efeito negativo sobre as habilidades e principalmente que abalam a autoestima dos educandos. Fonte: http://migre.me/2tn7p Alguns autores, quando elucidam sobre a dificuldade de aprendizagem, sempre consideram vários fatores como desencadeadores da situação. Se pensarmos no problema de aprendizagem como só derivado do organismo ou só da inteligência, para sua cura, não haveria necessidade de recorrer à família. Se, ao contrário, as patologias no aprender surgissem na criança ou adolescente somente a partir de sua função equilibradora do sistema familiar, não necessitaríamos, para seu diagnóstico e cura, recorrer ao sujeito, separadamente de sua família. Ao considerar o sintoma como resultante da articulação construtiva do organismo, corpo, inteligência e a estrutura do desejo, incluído no meio familiar no qual seu sintoma tem sentido e funcionalidade... é que podemos observar o possível "atrape" da inteligência (FERNÁNDEZ, 1991, p. 98). Portanto, podemos afirmar que as dificuldades nem sempre estão associadas a uma deficiência mental ou orgânica, mas geralmente a efeitos emocionais que 13 Comorbidades é a coexistêcia de transtornos ou doenças, segundo Dicionário Informal (http://www.dicionarioinformal.com.br/buscar.php?palavra=comorbidade). 35 www.eunapos.com.br muitas vezes o educando apresenta um rendimento escolar baixo e é considerado como atrasado ou fraco pelos professores e colegas. Conforme Cordié (1993, p. 16 e 18), que analisa a situação numa abordagem psicanalítica, [...] o fracasso escolar pode ser classificado como inibição de ordem neurótica e inibição de ordem psicótica. [...] o fracasso escolar afeta o sujeito em sua totalidade, atinge o ser íntimo e o ser social da pessoa. [...] as causas são múltiplas e diversas: ligadas à própria estrutura do sujeito, outras dependem dos acontecimentos à sua volta. [...] fracasso escolar se tornou sinônimo de fracasso na vida... Parafraseando Cordié (1993), quando o sentimento de fracasso aparece o educando é inundado pelo sentimento de vergonha que a arrasa. Não há nada pior do que esse sentimento para um ser que não possui os meios para se defender. Os efeitos devastadores do desprezo, da humilhação e da vergonha podem culminar no caminho da revolta. Então, o educando vai se fazer notar por outros meios que não os escolares, para compensar o seu fracasso. Fonte: http://migre.me/SG23 Por conseguinte, o psicopedagogo num trabalho multidisciplinar passa a encorajar os envolvidos: sujeito, família, escola; para que os esforços sejam colocados em prática e os progressos alcançados. Resgata a alegria ligada a aprendizagens lúdicas, desfocando as angústias, deixando o educando disponível em seu novo papel de aprendiz, com mais liberdade na aprendizagem e menos pressão favorecendo a reintegração do educando ao processo de aprendizagem. De modo geral, para o sujeito aprender é um desafio, porém para cada um é de uma forma, com dimensões diferenciadas. Pensando assim, nem sempre estaremos de frente a uma dificuldade de aprendizagem, mas temos que considerar que cada educando tem seus pontos fortes e fracos na aquisição do conhecimento. O que as escolas oferecem para o educando é apenas uma forma de aprendizagem e às vezes não vem ao encontro da modalidade de aprendizagem do mesmo. Neste caso os problemas são oriundos da inabilidade pedagógica do professor. 36 www.eunapos.com.br Em suma, é necessário que o educando se sinta apoiado, aceito para que desenvolva uma sólida base emocional que o leve a ter uma autoestima satisfatória. No mapa a seguir apresentamos algumas relações deste processo da atuação docente no desenvolvimento dos educandos. Figura 6 – O docente e a construção do saber Fonte: Elaboração Própria CONHECIMENTO Interação Comunicação Informação social/cultural Confiança Cooperação Autenticidade Aula-pesquisa Aula-comunicação Interna Externa Dinâmica Aberta Confiante Interativa CONHECER Relacionar, Integrar, Contextualizar, Apropriar, Saber, Desvendar, Aprofundar, Ter Sabedoria, Compreender, Dar significado... Interiorização Síntese Pessoal Autonomia Meditação, calma, paz Apoio Incentivo Encorajamento emocional e intelectual Criação Equilíbrio Não as generalizações Conhecer a si, o outro e o mundo Aprendemos a ser pessoas e a ser cidadão 37 www.eunapos.com.br Exercício 4 1. A psicopedagogia investiga a aprendizagem e a percebe não apenas como um ato intelectual, mas equipara em igualdade os aspectos cognitivos, afetivos e sociais. Assim, compete ao psicopedagogo: a) Orientar o processo de ensinagem intervindo apenas institucionalmente. b) Orientar o processo de interdependência intervindo preventiva, terapêutica e institucionalmente. c) Orientar o processo de aprendizagem intervindo preventiva, terapêutica e institucionalmente. d) Orientar o processo de aprendizagem intervindo preventiva e terapeuticamente. e) Orientar o processo de inter-relacionamento intervindo preventiva, terapêutica e institucionalmente. 2. Estar aberto ao mundo e nele intervir de modo a aprender a aprender, desalienando-se e reconhecendo seus limites para transgredi-los são características de quem se encontra como: a) Ensinante b) Aprendente c) Não aprendente d) Não ensinante e) Incondicionalmente ensinante e aprendente Exercício 5 (Correlacione) É importante saber a diferença entre problema, dificuldade e transtorno de aprendizagem para poder colaborar nos processos de ensinagem. Numere (1) para problema de aprendizagem; (2) para dificuldade de aprendizagem e (3) para transtorno de aprendizagem: ( ) são conflitos que o aluno apresenta no campo metodológico, familiar, orgânico e social. ( ) estão sempre relacionados a comorbidades. ( ) refere-se ao baixo rendimento escolar em uma área de conhecimento. ( ) apresenta comprometimento específico em alguma habilidade. ( ) é uma situação pontual e passageira. ( ) são geralmente muito associadas a efeitos emocionais. 38 www.eunapos.com.br UNIDADE 2 – O AFETO E SUA RELAÇÃO COM A APRENDIZAGEM Uma visão da natureza humana que ignore o poder das emoções é lamentavelmente míope. A própria denominação homo sapiens é anacrônica à luz do que hoje a ciência diz do lugar que as emoções ocupam em nossas vidas (GOLEMANN, 1995, p. 48). Você há de concordar que é fundamental considerarmos o aspecto afetivo para as aprendizagens, especialmente no que tange às relacionadas à vida escolar. É na relação familiar que se aprende a lidar com os sentimentos e com a figura de autoridade. A relação com a autoridade está muito mais vinculada à afetividade do que com a relação de poder. Ao adentrar na escola, os processos educativos lá desenvolvidos também colaboram com a sustentação da afetividade e da organização das funções afetivas, que se consolidam no conjunto de sentimentos do educando. Nesta unidade vamos avançar um pouco mais sobre o foco da afetividade. Crescer / Aprender é um processo desafiador, doloroso, de perdas e ganhos para quem o vive, e por isso, se faz necessário uma mediação afetiva para que os impulsos naturais não se fixem em impulsos agressivos. Agir com calma, receptividade e empatia para com os sentimentos do educando cria um clima de tranquilidade e segurança favorável a trocas recíprocas que promove a abertura ao aprender. 2.1 A importância do afeto para o saber pedagógico e o aprender escolar O ambiente sócio afetivo e intelectual da classe é um grande responsável pela maneira como as crianças aprendem ou não qualquer assunto. Algumas professoras criam um ambiente tão autoritário e coercitivo que me espanto diante da disposição da criança de ir à escola. Outras criam um ambiente que favorece a aprendizagem (KAMII e DECLARK, 1995, p. 48). Segundo Alves (2006, p. 26), “o homem somente torna-se humano por meio do olhar de outro ser humano”. Este olhar, para a psicopedagogia, deve estar envolto de afeto e atenção. O afeto que recebemos nos ambientes sociais e 39 www.eunapos.com.br familiares favorece as aprendizagens da vida e são estas aprendizagens que servirão de suporte para as aprendizagens subsequentes. É fato que a presença do professor na vida dos alunos é extremamente significativa e determinante para as aprendizagens escolares. A relação professor- aluno precisa ser nutrida de carinho e respeito para que as aprendizagens escolares possam acontecer. Quando esta afetividade não flui com leveza e espontaneidade pode provocar impedimentos no aprender. E, é neste momento que o psicopedagogo pode colaborar para a reorganização desta relação, o que exigirá uma observação detalhada e uma escuta psicopedagógica afinada. Para melhor compreender esta relação entre o afeto e o aprender escolar é importante que você pare e reflita um pouco sobre o que é ser professor? O que é ensinar e como se ensina? Quem é este que ensina? Quem é este que aprende? Sempre que ensinamos há aprendizagem? Quais os valores vivenciados por quem ensina? Como reconhecer e respeitar os valores do outro? Como possibilitar a autoria de pensamento? Muitos alunos não se adaptam a escola, não veem sentido no que devem aprender, trazem defasagens, seu meio cultural é distante do discurso escolar. Fonte: http://migre.me/2ttrA Veja a seguir o mapa conceitual que criamos para apresentar uma possibilidade de relação do processo de ensinar e aprender. 40 www.eunapos.com.br Figura 7 – Aprender e Ensinar Fonte: Elaboração Própria O professor é um mediador da aprendizagem e o aluno é quem se responsabiliza pelos objetivos referentes à aprendizagem que têm significado para ele. Desta forma, o processo de ensino está vinculado ao caráter do professor, ao modo como ele se relaciona com o aluno e manifesta suas emoções. O professor necessita compreender-se para compreender seu aluno. Alves (2006) afirma a urgência em ressignificar: o autoconhecimento, a sensibilidade, a afetividade, a autenticidade, o diálogo. O professor ao constituir-se desenvolve conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que favorecem a construção de saberes e fazeres. Na figura abaixo, tentamos ilustrar para você o movimento contínuo de construção do ser humano, independente de ser ensinante ou aprendente. APRENDER E ENSINAR Processo Pessoal Quem Ensina? Sociedade Instituições Ensina e Aprende Rico de significados Inserido numa Cultura Cada um tem seu estilo Pessoas e suas personalidades Depende do aluno abrir-se ao aprender, Sentir-se apto e acolhido Interação, Motivação, Habilidades Processo Sócio afetivo 41 www.eunapos.com.br Figura 8 – O saber ser e o saber fazer Fonte: Elaboração Própria O professor tem um papel de formador, de humanização, muito além do que o ato de passar informação. Ele efetiva uma relação de afeto, no desejo de despertar os valores que conduzem o aluno à própria autoria. É o seu trabalho que desperta futuro, cria gente que pensa, aprende, faz, avalia, refaz. É ele quem traz a possibilidade de que seus alunos tenham sucesso. Alves (2006), em sua obra, sugere que independente dos valores que professor e o aluno trazem consigo, é relevante pensar na construção de novos caminhos para aprender e ensinar que passem por: a) Confiar - quem confia com o outro fia, tece os caminhos da teia da vida. Quem confia acolhe, traz o outro para si e juntos significam os caminhos da vida. O professor que confia no seu aluno cria expectativas positivas sobre o mesmo. O aluno que confia no seu professor delega a ele a possibilidade de ensinar-lhe; Fonte: http://migre.me/2tuUE Habilidades Atitudes Conhecimentos Valores C O N S T R U Ç Ã O S A B E R E S C O N S T R U Ç Ã O F A Z E R E S 42 www.eunapos.com.br b) Respeitar - quem respeita sente-se como parte do todo. Tem consciência e desprendimento. O educador que respeita permite ao aluno apropriar-se do conhecimento e fortalecer seu ego na medida em que constitui uma personalidade mais segura e responsável. Assim este aluno, domina a realidade, torna-se sujeito desta realidade, compondo sua autoria; c) Solidarizar - é aquecer o outro com o olhar do seu coração. Solidariedade é uma semente enterrada no corpo e somente pelo calor do amor poderá acordar e brotar. É um sentimento que nos torna humano, através dela unimos força, gestamos sonhos, crescemos, dividimos, multiplicamos... O contrário é a solidão; d) Confraternizar - é ligar-se ao outro por laços de amor, temos a compreensão de que somos irmãos, pertencemos a uma só raça: a raça humana; Fonte: http://migre.me/2tv8D e) Compreender - quem compreende prende o outro em si. É transcender o olhar para além do que se olha, para recriarmos a compreensão de nossa individualidade, identidade, singularidade, humanidade... f) Amar - a força do amor humano alimenta todas as fontes imaginárias e enche a vida real da poesia. O amor traz a consistência da sabedoria e da loucura, faz-nos amar a vida. O amor liga-nos ao outro, restituindo a nós mesmos. Aprender e ensinar exige compromisso, envolvimento do professor e do aluno. Para aprender é preciso: dar sentido ao que se faz e ao que se aprende; sentir-se reconhecido, respeitado como pessoa e como membro de uma família e de uma comunidade; não se sentir ameaçado em sua existência, sua segurança, seus hábitos e sua identidade; sentir-se compreendido e apoiado nos momentos de cansaço e fracasso; saber que se pode contar com a confiança dos outros, que o consideram capaz e desejoso de conseguir; acreditar que alguém dá valor ao que se faz ou aprende; e, melhor que tudo isso, sentir que se é amado... (PERRENOUD, 2001, p. 24). É fundamental que você entenda que as pessoas são iguais em dignidade e direitos, mas diferentes quanto à sua inteligência e emoções. Essa compreensão é possível a partir da teoria das inteligências múltiplas, através dela você pode visualizar os diversos estilos de aprendizagem. O professor necessita fazer uma boa 43 www.eunapos.com.br dosagem entre igualdade e diferença. É a indiferença às diferenças que contribui em muito para o fracasso escolar. Só por meio da sensibilidade é que o sentido de educar vai se construindo e constituindo nas ações do professor. Ao comprometer-se com o outro, cria expectativas positivas diante do aluno, e isto é determinante. Para Sandrini (2007), é por meio desta relação de afeto que o psicopedagogo pode orientar o professor a: Participar com comprometimento da construção de personalidades livres e autônomas, descobrindo pontos fortes nos alunos. Responsabilizar-se e ajudar as crianças a vencerem a anomia, heteronomia, socionomia conquistando a autonomia. Exercer seu papel educativo de reconstrução de vida. Incidir na formação das novas gerações, pois formamos para a vida. Modificar condutas com a intenção de melhorá-las. Modificar o modo de conhecer, sentir e agir oportunizando o espírito criativo e cooperativo. Trazer para o centro todas as marginalizações, isso significa mudar a perspectiva. É acreditar que toda pessoa carrega em si energias insuspeitáveis e capacidade de reconstrução. 2.2 O afeto como determinante do sucesso (ou do fracasso) escolar: profecias autorrealizadoras Você conhece a história de Pigmaleão, personagem da mitologia grega? Parece que sua história pode nos ajudar a compreender as consequências que um relacionamento desastroso entre adulto e criança, professor e aluno, pais e filhos, ensinantes e aprendentes pode trazer para o processo de aprendizagem. Bem como, reconhecer os processos inconscientes 14 que permeiam esta relação. 14 Processos Inconscientes – Segundo D’Andrea (1996, p.19) são as experiências pessoais que uma vez foram conscientes ou percebidas subliminarmente e depois recalcadas, passando a constituir o inconsciente de cada indivíduo. No inconsciente não existe noção de tempo, não há lógica, ou seja, desconhece os princípios de identidade, contradição e causalidade, sua linguagem é simbólica e não verbal. 44 www.eunapos.com.br Pigmaleão era um escultor de extrema habilidade. Vivia a namorar as mulheres de sua época, porém seus relacionamentos eram problemáticos, via defeitos em todas e, naturalmente, começou a rejeitá-las. Negou então toda possibilidade de relacionamento e mergulhou-se no seu ofício de escultor. Mesmo seu isolamento não permitiu que ele se esquecesse dos sabores e carinhos de uma mulher... Resolveu, então, fazer uma escultura de marfim, a mais bela de todas, era a mulher ideal, a mais linda e perfeita que se possa imaginar! Seu trabalho saíra tão perfeito, lembrava os detalhes das mulheres de sua vida, que Pigmaleão acabou por se apaixonar pela escultura. O tratamento que dava à sua obra era o mais real possível: a cobriu com roupas, enfeitou-lhe de anéis e pulseiras, acariciava-lhe, presenteava-lhe... Fonte: http://migre.me/2twjZ Pigmaleão pediu à deusa Afrodite (deusa da beleza e do amor) que lhe trouxesse uma mulher tão pura e linda quanto sua escultura. Não encontrando na cidade mulher que se igualasse à da escultura em beleza e pudor, Afrodite transformou a escultura em mulher real, chamando-a de Galatea. Os dois se casaram e tiveram uma filha. A história de Pigmaleão nos remete à situação ilusória de que nossos desejos podem e devem ser realizados, independente do contexto que se viva. No contexto escolar, atualmente, podemos identificar que também o desejo e as expectativas do professor sobre seu aluno podem interferir positiva ou negativamente em todo o processo de construção de conhecimento. Robert Rosenthal e Lenore J acobson pesquisaram os efeitos que tal percepção poderia trazer para os alunos e Robert K. Merton pesquisou um fenômeno semelhante chamado “profecias autorrealizadoras”. O que vem a ser o fenômeno das Profecias Autorrealizadoras? Munido de expectativas que rondam o sucesso profissional e, talvez inconscientemente sua aceitação por parte de pais e alunos, os professores projetam nos alunos, estereótipos que desejam que se personifiquem em sua sala 45 www.eunapos.com.br de aula: alunos inteligentes, comunicativos, obedientes, que fazem suas tarefas, questionadores, famílias participativas, que acompanham o desenvolvimento emocional, cognitivo e social de seus filhos, etc. O fato é que nossa sociedade adoece diariamente pela inversão de valores, pela insegurança dos pais em relação ao seu papel de autoridade dentro da família, pela desvalorização da escola e consequentemente dos estudos, pela perda de referenciais de amizade, confiança, justiça... Os alunos não correspondem ao desejo inconsciente dos professores! É importante salientar que muitas vezes, os professores não reconhecem conscientemente tais expectativas e desejos, pois todo o processo se desenvolve no plano inconsciente, naquele onde não temos acesso direto, mas que pode determinar nossas atitudes, sentimentos e desejos. Os professores acabam por profetizar, ou seja, predizem o futuro acadêmico dos alunos quase que por inspiração divina. É comum ouvirmos frases do tipo “Ele não dá certo”, “Acho que ele não vai conseguir passar de ano”, “Ele tem tantas dificuldades que não consegue aprender”. Porém, além das verbalizações “profetizadoras”, sem perceber, as ações educativas deste professor tendem a ficar comprometidas, contaminadas pelas suas crenças. Trabalha-se no plano da queixa e do consolo, sem, contudo, criar estratégias afetivas e pedagógicas para tentar reverter os famosos casos de indisciplina, reprovação e evasão escolar. Vasconcellos (1998, p. 13) afirma que “os educadores têm sido, em grande medida, responsáveis pela manutenção da situação em que se encontram os alunos”. Assim, inconscientemente, não há um investimento afetivo do professor no aluno que padece por alguma dificuldade. O resultado é que ao final de um ano letivo, as profecias são realizadas! Alunos indisciplinados continuam e agravam cada vez mais seus comportamentos; alunos com problemas ou dificuldades de aprendizagem se arrastam anos a fio nas mesmas dificuldades e o maior e mais nobre objetivo da escola, o ensinar, fica fragilizado. Mantovanni (2001, p. 47), em seu livro Professores e Alunos Problema: Um Círculo Vicioso afirma que “o professor deve entender que casos de saúde são resolvidos por um médico, que questões emocionais podem ser amenizadas por um terapeuta e que quem domina o processo de aprendizagem é ele”. O fenômeno das Profecias Autorrealizadoras merece atenção e ciência por parte do psicopedagogo para que a atuação seja despida de pré-conceitos em 46 www.eunapos.com.br relação aos alunos e em relação ao processo de aprendizagem. Além disso, se faz necessária uma atuação mais consciente junto aos professores para que a atuação pedagógica transcenda as barreiras da reclamação e assuma seu verdadeiro papel: ensinar! Daniel (2008, p. 36) afirma que “as motivações de uma criança para avançar na vida provêm diretamente das interações com as pessoas significativas de seu entorno”. Desta forma, acredita-se na possibilidade de uma intervenção afetuosa, humanizadora e personalizada por parte dos professores. A linearidade de comportamentos e de aprendizagem não se encaixa aos moldes da atual conjuntura social. Seria talvez utópico, porém de extrema importância, desejarmos que as pessoas fossem reconhecidas pelas suas diferenças, quando a igualdade as descaracteriza, mas que também pudessem ser iguais nas situações onde a diferença as inferioriza, sem a impressão de pré-conceitos. O caminho do Afeto, da aceitação ao invés da “tolerância”, a individualidade no seu aspecto mais humano, a valorização da comunicação não verbal carregada de sentimentos limpos, sem pré-conceitos reforçam no ser humano sua capacidade inovadora de se descobrir e de descobrir novas formas de interação, inclusive no ambiente escolar. 2.3 Psicanálise na Educação Uma tarefa árdua, porém de extrema necessidade é acrescentar à formação do Psicopedagogo a leitura de Freud, que através de sua teoria psicanalítica trouxe outra visibilidade à Educação. Não se pode conhecer, nem mesmo fazer a leitura de uma dificuldade de aprendizagem sem conhecer os percursos que a psique humana constrói no desenrolar de uma vida. Freud considerava a Educação uma das tarefas impossíveis de se realizar, pois “para bem educar é necessário que o educador entre em contato com sua própria infância, porém, ainda sob o olhar psicanalítico, esta infância não está mais acessível, pois seus conteúdos foram recalcados, sublimados” (KUPFER, 1989, p. 48). Recalque e sublimação são mecanismos de defesa que, segundo D’Andrea (1996, p. 21), desenvolvem-se na pessoa destinados a protegê-la contra impulsos ou afetos que possam ocasionar conflitos, os quais são fontes de angústia. 47 www.eunapos.com.br Se vivêssemos e trouxéssemos em nossa bagagem emocional todas as percepções, sensações e descobertas desde a vida intrauterina, com a absoluta vatuação do Id -que se caracteriza pela satisfação das necessidades básicas do indivíduo e concretiza-se pelos impulsos obedecendo ao Princípio do Prazer-, seriamos presas fáceis, regidas pelos mesmos impulsos que mobilizam o instinto animal. Assim, para adaptar-se às exigências do mundo externo, o indivíduo diferencia-se do Id e estrutura-se para o Princípio da Realidade, fazendo com que o aparelho psíquico desenvolva uma nova estrutura, o Ego. Dentre as funções que o Ego exerce, D’Andrea (1996, p.13) esclarece que se “aprende a controlar as demandas dos impulsos, decidindo se estes devem ser satisfeitos imediatamente, mais tarde ou nunca”. O Ego seria um intermediário entre os impulsos do Id e o mundo externo. Assim, no contato do Ego com as regras e limitações estabelecidas pelo meio, surge uma nova instância do aparelho psíquico, o Superego. Sobre o Superego, D’Andrea (1996, p. 13) o identifica como a “consciência” de uma pessoa, seria o “certo ou errado” que surge na pessoa diante das várias situações que exigem uma tomada de decisão. Conhecendo de maneira simplificada a estrutura que o aparelho psíquico adquire durante o processo de desenvolvimento, constituindo Id, Ego e Superego, podemos continuar compreendendo o posicionamento de Freud sobre a impossibilidade da Educação. Estudando o desenvolvimento infantil, Freud redirecionou a descoberta da sexualidade, diferenciando-a da genitalidade adulta. A sexualidade genital refere-se precisamente à cópula com o objetivo de procriar ou de obter prazer orgástico. Mas a sexualidade é mais ampla que a sexualidade genital. Inclui as preliminares do ato sexual, as perversões, as experiências sensuais da criança vividas em relação ao seu próprio corpo ou em contato com o corpo da mãe (KUPFER, 1989, pág. 39). A sexualidade infantil, à que Freud se referiu, diz respeito a todo ato que produz prazer, satisfação ao corpo da criança, bem como tranquilidade ao aparelho psíquico, eliminando sensações de desprazer e mal estar. Você já reparou no 48 www.eunapos.com.br encantamento que existe entre mãe e filho(a) no ato da amamentação? Toques, olhares, carinho, cheiros... Segundo a teoria psicanalítica, este ato nada mais seria do que a sexualidade infantil em desenvolvimento. Mais tarde, o enamoramento das crianças pelo progenitor do sexo oposto, as tentativas deliberadas de afastar o contato, principalmente físico entre seus pais, o poder de sedução para atrair, persuadir e se aproximar fisicamente de um de seus pais evidencia o processo de sexualidade no ser humano, que diferente de como se acreditava, não se inicia com a puberdade. “Sexualidade é um dos muitos impulsos nos quais ficam bastante claros os sinais corporais de carinho, da ocupação consigo mesmo, do amor entre pais e filhos e entre irmãos” (Molcho, 2007, p. 65). Fonte: http://migre.me/2tHLl Assim, durante todo o desenvolvimento infantil, o corpo recebe estímulos que geram prazer e desprazer, mas que sempre procuram a satisfação. Ora a boca lhe proporciona imenso prazer, acalmando o bebê, trazendo-lhe conforto e segurança; ora o ânus e todo trato digestivo inferior mobiliza excitação e controle do ambiente; mais tarde, os próprios genitais estimulam sensações de prazer, afastamento da tensão, sem, contudo, apresentar o caráter sexualizado, genitalizado que aparece somente com o decorrer da adolescência e da puberdade. Freud chamou de Pulsões Parciais “os prazeres dirigidos ao próprio corpo, que não buscará um outro corpo, como acontecerá por ocasião do desenvolvimento da genitalidade” (KUPFER, 1989, p. 41). Assim, Freud esclarece que a Pulsão Sexual nada mais é do que o conjunto das Pulsões Parciais e é passível de se dirigir a outros fins que não propriamente os sexuais. Há uma espécie de excesso libidinal, algo como uma reserva, que não é usado para fins diretamente sexuais e deve ser, então, de alguma maneira reaproveitado. Haveria, por isso, a possibilidade de uma certa reciclagem dessa energia, através da ‘dessexualização’ do objeto e da inibição de seu fim sexual. Com isto, torna-se possível que o indivíduo se volte para atividades ‘espiritualmente elevadas’... São elas a produção científica, artística e todas aquelas que promovem um aumento do bem-estar e da qualidade de vida dos homens. (KUPFER, 1989, p. 42) 49 www.eunapos.com.br Ter a consciência de todo este processo que percorre a sexualidade infantil, de todas as fantasias que a relação corporal, a princípio entre mãe e bebê e mais tarde, com a entrada do pai na relação dual proporciona ao bebê e mais tarde na criança escolar, mobilizariam intenso sentimento de culpa e impulsos do Id, que devem ser controlados. Entra em ação o que anteriormente conceituamos como mecanismos de defesa! Não é possível o aparelho psíquico suportar toda demanda de sensações e fantasias proporcionadas pelas primeiras relações sexualizadas na criança. Então, recalcamos ou sublimamos estes desejos, que passam a ficar guardados no nosso inconsciente. Recalcamos um desejo, mantendo-o fora da consciência, quando este é inaceitável para as regras e imposições do meio. Tais desejos não podem se tornar conscientes através da evocação voluntária. Seria como manter um reservatório de desejos, sentimentos e percepções sentidas durante a infância, mas que vão ficar guardadas no inconsciente para manter a integridade do Ego. “Uma vida sob o inteiro domínio dos impulsos seria impossível e até mesmo mortal. É em nome da própria sobrevivência individual e grupal que o eu opera o recalque da sexualidade” (KUPFER, 1989, p. 37). Sublimar um desejo seria redirecioná-lo para algo que não tenha o caráter sexual. “Uma pulsão é dita sublimada quando deriva para um alvo não-sexual. Além disso, visa a objetos socialmente valorizados” (KUPFER, 1989, p. 42). Ora, se vivemos integralmente sob os efeitos dos mecanismos de defesa para desenvolvermos de maneira saudável o processo da genitalidade na vida adulta, como os educadores poderiam ter ciência de suas representações, de seus recalques e sublimações para reconhecer em seus alunos com naturalidade os mesmos processos? Deste modo, educar seria uma atividade impossível! Somente um processo terapêutico poderia viabilizar uma atuação mais consciente, menos castradora, que viabiliza o transcorrer natural, pelos quais as pulsões se desenvolvem. A Educação, porém, se faz absolutamente necessária aos olhos de Freud, pois desempenha e ajuda no processo de dessexualização do que é sexual. “Restava, de qualquer modo, propor que a Educação não fizesse uso abusivo de sua autoridade. Porque, se a correção educativa passou a ser, no entender de Freud, necessária, nem por isso precisava ser abusiva” (KUPFER, 1989, p. 37). Ao contrário do que espera a 50 www.eunapos.com.br tentativa de supressão das pulsões parciais não é só inútil, como pode gerar efeitos significativamente negativos para a formação de hábitos e personalidade de um indivíduo. Assim, Freud chamou a atenção para a necessidade da atuação dos educadores psicanaliticamente orientados, que segundo Kupfer (1989, p. 46) seria “aquele que deve buscar para seu educando, o justo equilíbrio entre o prazer individual – o prazer inerente à ação das pulsões sexuais – e as necessidades sociais, a repressão e a sublimação destas pulsões”. Parece-nos que a Educação está sedenta de educadores psicanaliticamente orientados, que não usassem ou abusassem de seu poder no contexto de uma sala de aula para, inconscientemente, punir ou negar toda carga emocional que o próprio processo de desenvolvimento traz consigo, bloqueando os novos canais de atuação social que incluem o processo de Aprendizagem. Talvez neste momento de nossos estudos fique mais clara a maneira como as Profecias Autorrealizadoras agem, inconscientemente, na produção acadêmica e na manifestação dos comportamentos não aceitos socialmente, através de uma atuação descompromissada com o desenvolvimento emocional das crianças. Exercício 6 1. Para que o processo de aprendizagem aconteça, é necessário que professor e aluno tenham alguns valores e atitudes em comum, independente de suas crenças pessoais. Dentre estes valores, Alves (2006) elenca: a) Amar, Respeitar, Estudar e Trocar Informações. b) Confiar, Respeitar, Solidarizar-se, Confraternizar-se, Compreender e Amar. c) Respeitar, Interagir, Conhecer, Dividir e Amar. d) Confiar, Respeitar, Aprender, Compreender, Confraternizar-se e Amar. 2. O professor assume uma sala de aula munido de expectativas que rondam o sucesso pessoal e profissional e, quando estas expectativas não são atendidas, podem surgir mecanismos inconscientes que não dificultam o processo de aprendizagem. A este fenômeno dá-se o nome de: a) Mecanismos de Defesa b) Complexo de Castração 51 www.eunapos.com.br c) Profecias Autorrealizadoras d) Transferência 3. Por que para Freud a Educação era uma tarefa impossível de se realizar? a) Porque o professor precisa entrar em contato com suas experiências da infância, porém estes conteúdos não estão mais disponíveis, pois foram sublimados. b) Porque o professor traz consigo uma história de perdas e ganhos que podem ser transferidos inconscientemente a seus alunos, interferindo na aprendizagem c) Porque o professor traz sua história marcada por situações que foram guardadas no inconsciente e não podem mais se tornar conscientes, nem mesmo com um processo de análise. d) Porque é inevitável que o professor não transfira para seus alunos seus desejos e frustrações registrados no seu inconsciente e, desta forma, o processo de ensino e aprendizagem fica sempre “contaminado”. 2.3.1 Freud: O desejo de saber Freud não foi um teórico que se interessou sobre a aprendizagem, porém seu interesse estava em descobrir quais as questões psíquicas que poderiam ou não levar um indivíduo a ser um desejante de saber. Neste momento de estudo, podemos nos questionar: por que alguns alunos aprendem e outros, não? Seriam somente as questões pertinentes às metodologias, técnicas e recursos que interfeririam de maneira tão decisiva na aquisição dos conhecimentos por parte de nossos alunos? Até onde a interação professor e aluno é fator determinante para a aquisição da aprendizagem? Deve existir, segundo o pensamento psicanalítico de Freud, alguma razão que motiva a busca por novos conhecimentos, mais em uns, menos em outros. Desde o início de seu desenvolvimento, a criança interage com seus pares de forma indiscriminada, desprovida de conceitos, a princípio não existem diferenças entre os gêneros masculino e feminino. As relações são unilaterais, as interações espontâneas, as sensações corporais deslocam-se do trato digestivo superior para o trato digestivo inferior. 52 www.eunapos.com.br Há, porém, um momento no desenvolvimento infantil, que Freud denominou como decisivo, inclusive para o processo de aquisição de conhecimento, onde começa a existir a percepção das diferenças sexuais! Quem nunca viu crianças observando seus órgãos genitais e comparando-os com seus companheiros nas salas da educação infantil? Qual mãe nunca ouviu seu filho perguntar ‘onde está seu pênis’, após longa observação na hora do banho? Assim, para Freud, a partir do momento que a criança começa a perceber a existência das diferenças sexuais é que se dá início ao processo de busca do saber. “... as primeiras investigações são sempre sexuais e não podem deixar de sê-lo: o que está em jogo é a necessidade que tem a criança de definir, antes de mais nada, seu lugar no mundo. E este lugar é, a princípio, um lugar sexual” (KUPFER, 1989, p. 81). Fonte: http://migre.me/2tJ wz A partir da compreensão de que realmente existem diferenças no corpo de meninos e meninas, novas perguntas começam a surgir do imaginário infantil; perguntas a respeito da origem das pessoas, da sua concepção. A curiosidade infantil potencializa-se, e então, inicia-se uma busca constante e intensa por novas respostas, por novos conhecimentos. De onde eu vim? Como eu nasci? Por que eu nasci? São questões comuns da curiosidade infantil e que seriam preliminares para a aquisição de novos conhecimentos. Inconscientemente, a criança deseja como ser pensante e atuante, buscar sua identidade e não mede esforços para tentar descobri-la. Há, porém que salientar que junto às fantasias incestuosas e ao sentimento de culpa por desejar amar um de seus progenitores, a criança sente-se ameaçada e teme sofrer retaliações por causa de seus desejos; teme perder o falo, que até então é compreendido como uma parte incomum no corpo de meninos e meninas. Este momento do desenvolvimento infantil é chamado Complexo de Castração, de acordo com a teoria psicanalítica. O Complexo de Castração é um conceito desenvolvido por Freud para caracterizar o momento em que as crianças procuram entender por que alguns ‘perderam’ seu pênis. Ou seja, a princípio, todos eram iguais, possuíam o mesmo 53 www.eunapos.com.br corpo e em dada situação, algo aconteceu que fez com que alguns – as mulheres - ‘perdessem’ seu falo. E o pior, na concepção infantil masculina, se as meninas perderam seus falos, os meninos também correm o risco de perdê-lo. As fantasias, o sentimento de culpa e o medo permeiam este momento do desenvolvimento e produzem um sentimento forte de angústia – a Angústia de Castração. Seria, pois, justamente esta angústia que mobilizaria na criança o desejo do saber! “A menina, que constata as diferenças sexuais com um irmão ou amiguinho, estabelece uma teoria infantil, segundo a qual lhe falta este órgão tão valorizado, o pênis, não por não o possuir, mas porque o perdeu ou porque este não se desenvolveu ainda” (HERMANN, 1999, p. 90). Para acentuar as fantasias de punição e o sentimento de culpa, todas estas descobertas acontecem quando a criança, por volta dos seus 4 anos, vivencia aquilo que Freud denominou como Complexo de Édipo (nome de um rei mítico de Tebas que, após ter matado seu pai, apaixonou-se por sua mãe). A vivência do Complexo de Édipo implica no enamoramento da criança pelo progenitor do sexo oposto. Assim, o menino deseja e fantasia amar sua mãe, e a menina amar o seu pai, despertando sentimentos inconscientes incestuosos. Também neste momento ocorre a busca pela identificação com seu progenitor do mesmo sexo, a fim de alcançar com esta identificação o amor tão intensamente desejado. “As fantasias edipianas dão culpa, os limites e frustrações impostos pelos pais parecem castigos por tais culpas” (HERMANN, 1999, p. 89). Surge, então, a necessidade inconsciente de que estes desejos, a princípio insuportáveis para o aparelho psíquico, sejam sublimados. O inconsciente busca algo mais elevado culturalmente, mais ‘sublime’ para investir sua energia, e gradativamente ocorre o processo de deslocamento 15 dos interesses sexuais para os não sexuais. Assim, segundo Kupfer (1989), o que se espera é que, ao final da época do Complexo de Édipo, a investigação sexual caia sob o domínio da repressão 16 e parte dela sublima-se em ‘Pulsão de saber’. Freud menciona que a ‘Pulsão de saber’ associa-se com a ‘Pulsão de Dominar’. Saber, na leitura psicanalítica, traz a representação de posse, de ter para si algo novo – neste caso, o 15 Processo de deslocamento – Segundo D’Andrea (1996, p. 22) “é através deste mecanismo – de defesa – que um impulso ou sentimento é inconscientemente deslocado de um objeto original para um objeto substituto”. 16 Repressão - segundo D’Andrea (1996, pág. 24) “é o mesmo que Recalque e é o processo automático que mantém fora da consciência, impulsos, ideias ou sentimentos inaceitáveis, os quais não podem tornar-se conscientes através da evocação voluntária”. 54 www.eunapos.com.br conhecimento – e também de dominar a situação do aprender. “Pode-se dizer então que, para Freud, a mola propulsora do desenvolvimento intelectual é sexual” (KUPFER, 1989, p. 84). A teoria psicanalítica contribui com a educação no sentido de permitir que, tendo conhecimento do caminho que a energia para o saber percorre, o professor atue de maneira mais consciente, viabilizando e compreendendo as manifestações que as pulsões parciais e a pulsão sexual exercem no desenvolvimento infantil. “...os educadores precisam ser informados de que a tentativa de supressão das pulsões parciais não é só inútil como pode gerar efeitos como a neurose” (KUPFER, 1989, p. 44). 2.3.2 Limites e possibilidades da psicanálise na Educação Quando Freud se referiu à Educação como uma tarefa impossível, não disse, em momento algum que esta seria irrealizável. “Impossível não é sinônimo de irrealizável, mas indica principalmente a ideia de algo que não pode ser jamais integralmente alcançado: o domínio, a direção e o controle que estão na base de qualquer sistema pedagógico” (KUPFER, 1989, p. 59). Partindo da ideia de que todo ato de aprender pressupõe uma relação com outra pessoa – no caso, quem ensina – faz-se necessário refletir sobre a importância desta relação, à luz da teoria psicanalítica. Ressalta-se que para Freud, a psicanálise não pode e não deve ser feita na escola; que o papel do professor – o de trabalhar com as sublimações das pulsões parciais, apresentando objetos socialmente valorizados – é o inverso do trabalho do terapeuta – que seria o de descobrir as origens, os motivos inconscientes que mobilizaram o aparelho psíquico a se submeter aos processos de sublimação, recalque e deslocamento. Enquanto os professores trabalham na tentativa de sublimar a pulsão sexual, os terapeutas trabalham para compreendê-la. São atuações bastante antagônicas, porém ambas extremamente necessárias para que não se instalem dificuldades e patologias durante o desenvolvimento. O interesse de Freud na educação está voltado principalmente para as relações afetivas entre professores e alunos, o que ele acredita pode contribuir com o processo de aquisição e apropriação de novos conhecimentos. 55 www.eunapos.com.br No entrelace do relacionamento entre professor e aluno, permeado por inúmeras interferências – conteúdo programático, notas, correções, cobrança de comportamentos socialmente adequados – ocorre um mecanismo inconsciente chamado transferência, no qual o aluno transfere à pessoa do professor afetos, expectativas, desejos antes endereçados a alguma figura parental. Segundo Kupfer (1989, p. 88), “o que se transfere são as experiências vividas primitivamente com os pais”. Quantas vezes nos interessamos ou até nos apaixonamos por determinada matéria, que anteriormente não nos chamava atenção, somente pela postura de um professor? O que acontece é que, de alguma forma, encontramos nesta figura do professor alguma evidência, inconsciente, que nos remete a um desejo antes direcionado aos nossos pais. Instalada a transferência, tanto o analista quanto o professor tornam-se depositários de algo que pertence ao analisando ou ao aluno. Em decorrência dessa ‘posse’, tais figuras ficam inevitavelmente carregadas de uma importância especial. E é dessa importância que emana o poder que inegavelmente tem sobre o indivíduo. (KUPFER, 1989, p. 91). Talvez este seja um dos pontos mais importantes que a teoria psicanalítica trouxe para a Educação, pois, uma vez desconhecendo a importância que tem efetiva e emocionalmente na vida dos alunos, pelo poder que a transferência lhe atribui, mas reconhecendo o poder de persuasão, de influência e liderança que tem sobre os mesmos, o professor pode se amparar nas garras do autoritarismo, do controle ou da negligência e bloquear toda possibilidade de identificação por seus alunos, inevitavelmente, bloqueando também todo processo de aprendizagem. O professor, revestido pelo poder que a transferência lhe atribui, deixa de ser quem ele realmente é concretamente, na percepção inconsciente de seus alunos, pois agora, carregam em si as várias ‘caras’, os inúmeros desejos, as infinitas representações que seus alunos lhe depositaram – inconscientemente. “Tudo o que esse aluno quer é que seu professor ‘suporte’ esse lugar em que ele o colocou. Basta isso.” (KUPFER, 1989, p. 92). Podemos remeter nossa reflexão, ao processo anteriormente discutido – as Profecias Autorrealizadoras – que também caracterizam em si o mecanismo da transferência, agora, porém, num processo inverso: é o professor que inconscientemente transfere para determinado aluno, experiências, traumas, desejos 56 www.eunapos.com.br e expectativas antes já vivenciadas, atrapalhando toda sua ação para viabilizar a aprendizagem. O encantamento que a psicanálise trouxe à educação é de que há, numa aparente relação simples, objetiva e pedagógica, onde um ensina e o outro aprende, um emaranhado de interferências inconscientes que podem viabilizar ou impedir qualquer aproximação com seu objeto de estudo: o conhecimento. Evidente seria a necessidade que todo educador teria de se analisar, de falar de suas fantasias, de suas escolhas, de suas dificuldades, de seus amores, para que os processos inconscientes pudessem emergir e, gradativamente pudessem se tornar conscientes, para que a atuação docente fosse, o quanto possível, mais humanizante, mais encantadora. Sem dúvida, o professor é também um sujeito marcado por seu próprio desejo inconsciente. Aliás, é exatamente este desejo que o impulsiona para a função de mestre. Por isso, o jogo todo é muito complicado. Só o desejo do professor justifica que ele esteja ali. Mas estando ali, ele precisa renunciar a esse desejo. Eis aí mais uma razão para apoiar a ideia de que a Educação é Impossível (KUPFER, 1989, p. 94). 2.3.3 A manifestação de sintomas psicossomáticos na escola Abordaremos aqui de maneira simplificada o que são manifestações psicossomáticas e qual a importância deste conhecimento para a atuação do Psicopedagogo. Talvez você já tenha presenciado situações em que a criança vivencia alguma dificuldade no contexto familiar e logo na escola apresenta sintomas 17 físicos, como crises de dor de cabeça, vômitos, diarreia, asma... A leitura que o senso comum atribui a tais sintomas é de somatização, ou ainda, doenças psicossomáticas. “O que constantemente se manifesta em nosso corpo como sintoma é a expressão visível de um processo invisível, o qual deseja interromper nosso caminho por meio de sua função de sinal de advertência, indicando que alguma coisa não está em ordem” (DETHLEFSEN e DAHLKE, 1983, p. 16). 17 Sintomas – Segundo Dethlefsen e Dahlke (1998, p. 15) é uma manifestação expressa no âmbito corporal. O sintoma é um sinal que atrai sobre si a atenção, o interesse e a energia, pondo simultaneamente em risco o fluxo natural e suave dos processos. 57 www.eunapos.com.br Atualmente muito se tem questionado sobre a medicina tradicional e sobre os tratamentos que se resumem em fazer desaparecer os sintomas apresentados, sem, contudo, descobrir as causas de tais sintomas. Marcelli (1998, p. 265) nos aponta a importância dos estudos sobre a Psicossomática na criança, pois “corre-se o risco de estender excessivamente a qualificação de psicossomática e de nela englobar os mais diversos distúrbios a partir do instante em que, no quadro de uma doença, um fator psicológico, causal ou reacional, pode ser descoberto”. Há que se preocupar com generalizações apressadas a partir dos estudos psicossomáticos no adulto, esquecendo-se do caráter específico das manifestações somáticas da criança, em particular seus constantes vínculos com os processos de maturação e de desenvolvimento. Aqui está um ponto bastante importante para o profissional que interage com crianças, principalmente no atual contexto sócio- histórico que vivemos: famílias desestruturadas, ausência de figuras referenciais, transferência de responsabilidades, diminuição do período da infância, intensos estímulos à sexualidade... Fonte: http://migre.me/2tOrH Sem dúvida, o corpo reage como consequência natural à demanda de estímulos e novas adaptações necessárias. Porém, não se podem perder de vista os processos característicos do desenvolvimento infantil, com suas especificidades. As manifestações psicossomáticas são reações do corpo em que a criança se comunica com seu meio, a fim de produzir uma resposta que atenda às suas necessidades, físicas ou emocionais. Marcelli (1998, p. 265) nos lembra que “existem relações muito estreitas entre as manifestações psicossomáticas e os sucessivos estágios maturativos que a criança percorre”. Resumidamente Marcelli (1998, p. 265) nos apresenta um esquema bastante resumido de algumas manifestações psicossomáticas em função da idade: Cólica idiopática: entre 3 e 6 meses; Vômitos: primeiro semestre de vida; Anorexia: segundo semestre de vida; 58 www.eunapos.com.br Eczema infantil: entre 8 a 24 semanas; Dores abdominais: por volta dos 3 e 4 anos; Asma: criança de 5 anos; Cefaleia – entre 6 e 7 anos. Na leitura psicanalítica, as doenças psicossomáticas , bem como os sintomas, devem ser vistos não como um inimigo, mas como: Um companheiro capaz de ajudar a descobrir o que está lhes faltando... Nossos sintomas querem nos dizer coisas muito mais importantes do que nossos semelhantes, pois para nós são parceiros muito mais íntimos, visto que nos pertencem totalmente e são os únicos que, de fato, nos conhecem (DETHLEFSEN e DAHLKE, 1983, p. 18). Assim, é necessário que o Psicopedagogo, profissional responsável pela leitura do que existe entre a vivência real do educando e as possíveis barreiras que impedem a aprendizagem, sejam estas reais ou não, tenha o conhecimento de como os sintomas são manifestados pela criança para poder fazer direcionamentos, encaminhamentos necessários, que visem não apenas a “cura”, mas a resolução de problemas, sejam estes de ordem física, emocional, social ou cognitiva. É preciso atuar sobre os sintomas com a perspectiva de que eles estão querendo nos dizer algo que a própria consciência se nega a dizer, seja por qualquer razão, consciente ou inconscientemente. Assim que um sintoma se manifesta no corpo de um ser humano, isto logo chama (mais ou menos) a atenção e interrompe muitas vezes a continuidade do caminho de vida até então vigente. O sintoma é um sinal que atrai sobre si a atenção, o interesse e a energia, pondo simultaneamente em risco o fluxo natural e suave dos processos. O sintoma exige nossa atenção, quer queiramos ou não (DETHLEFSEN e DAHLKE, 1983, p. 15). 59 www.eunapos.com.br Exercício 7 1. Na concepção das crianças, todas as pessoas têm o mesmo corpo. Depois, percebem a existência do pênis, mas continuam acreditando que todos possuíam o mesmo corpo e, por alguma razão, algumas pessoas o perderam. Qual nome é dado a este processo de descoberta? a) Complexo de Édipo b) Transferência c) Sublimação d) Complexo de Castração 2. Para Freud, o papel do professor é: a) Trabalhar com os mecanismos de defesa apresentados pelos alunos na interação de sala de aula. b) Trabalhar com a sublimação das pulsões parciais, apresentando objetos socialmente aceitos. c) Trabalhar com as questões pertinentes à sexualidade infantil, desmistificando conceitos e viabilizando o processo de aprendizagem. d) Analisar a história de vida de seus alunos, para ajudá-los a sublimar desejos por vezes proibidos e facilitar a aquisição de novos conhecimentos. 3. É um processo inconsciente que permite ao indivíduo identificar nas pessoas com que se relaciona, sentimentos, desejos e frustrações já vivenciados anteriormente na sua infância. Este processo denomina-se: a) Sublimação b) Recalque c) Transferência d) Fantasias Inconscientes 60 www.eunapos.com.br UNIDADE 3 – DESENVOLVIMENTO COGNITIVO 3.1 Teoria de Piaget Este teórico faz parte da tendência da psicologia cognitivista, por pertencer ao grupo de psicólogos que investigam os processos centrais 18 do indivíduo. Estes consideram o sujeito um ser ativo pelas suas efetivas ações mentais sobre os objetos de conhecimento. Conforme o sujeito vai formando sua inteligência / conhecimentos, na interação com o mundo, tem a possibilidade de conquistar a autonomia 19 . Suíço, J ean Piaget (1896 a 1980) estudou como nasce / forma o conhecimento (a gênese) e a evolução do conhecimento humano até a adolescência, procurando entender o desenvolvimento das estruturas cognitivas do homem e os mecanismos mentais que o indivíduo utiliza para captar o mundo. Biólogo e epistemólogo, investigou o processo de construção de conhecimento e a estrutura lógica que estão na base da aprendizagem, sendo que nos últimos anos de sua vida centrou seus estudos no pensamento lógico matemático. Muitos elementos são importantes neste processo de construção: aspecto cognitivo, moral, social, afetivo, a linguagem até que o indivíduo conquiste a autonomia moral e intelectual. O desenvolvimento das operações mentais no homem é um processo contínuo de trocas entre o sujeito e o meio que amplia simultaneamente seus esquemas mentais de simples para mais complexos. Este desenvolvimento está subordinado a um processo geral de equilíbrio / adaptação (equilibração progressiva), que envolve a assimilação e acomodação que possibilita o sujeito a responder os desafios diários do ambiente. O eixo central é a interação entre o organismo e o meio, e essa interação acontece através de dois processos simultâneos: a organização interna e a adaptação ao meio. A adaptação que Piaget define é o próprio desenvolvimento da 18 Processos Centrais – Segundo Mizukami (1986), são as ações dificilmente observáveis como: organização do conhecimento, processamento das informações, estilos de pensamento ou cognitivos, comportamentos relacionados à tomada de decisão... 19 Autonomia – Segundo Kamii (1991, p. 64), “a essência da autonomia é que as crianças se tornam capazes de tomar decisão por elas mesmas [...] significa ser capaz de considerar os fatores relevantes para decidir qual deve ser o melhor caminho da ação”. Consideramos que é ser governado por si mesmo e tomar decisões próprias. É o contrário da heteronomia que significa ser governado por outra pessoa. 61 www.eunapos.com.br inteligência, e ocorre através da assimilação e acomodação. Os esquemas de assimilação vão se modificando configurando os estágios de desenvolvimento. A seguir, um breve esboço das relações desta teoria: Figura 9 – Psicologia Genética Fonte: Elaboração própria O homem, por ser dotado de estruturas biológicas, herda uma forma de funcionamento intelectual, ou seja, uma maneira de interagir com o ambiente que o leva à construção de um conjunto de significados. A interação do sujeito com o meio permite a organização dos significados, marcando assim, diferentes estágios de desenvolvimento: Sensório motor (de 0 a 2 anos): evoluem de reflexos para ações prazerosas, é o início da linguagem e a criança conquista a percepção de si mesma e do mundo à sua volta; Pré-operatório (dos 2 aos 7 anos): grande conquista da linguagem e a construção da representação do mundo pelos símbolos, é egocêntrica e moralmente não se coloca no lugar do outro; PSICOLOGIA GENÉTICA Ações Espontâneas e Organizadas do sujeito Assimilação e Acomodação Contínuo Crescimento Desenvolvimento Saber nunca acabado Gênese do Conhecimento Construção do Conhecimento Interações Verbais e não verbais Equilíbrios e Desequilíbrios Esquemas Mentais Conhecimento Elaborado 62 www.eunapos.com.br Operatório concreto (dos 7 aos 11-12 anos): presença da reversibilidade das ações mentais, adquire a lógica nos processos mentais e discrimina objetos por diferenças e similaridades, uso de abstração empírica para a construção da abstração reflexiva; Operatório formal (a partir de 12 anos): o cognitivo avança para a vida adulta, pensamento lógico e dedutivo, raciocina sobre hipóteses. Você, com certeza já ouviu falar nestes diferentes estágios, assim como, também sabe caracterizar cada um deles. Caso você tenha fragilidade neste conhecimento, recomenda-se que dê uma pausa e busque leituras complementares. Para atuar como psicopedagogo precisará ter uma compreensão mais detalhada a este respeito. Segundo Goulart (1997), Piaget considera que o processo de desenvolvimento é influenciado por fatores como: Maturação: crescimento e desenvolvimento biológico dos órgãos; Exercitação: funcionamento dos esquemas e órgãos que implica na formação de hábitos; Aprendizagem social: aquisição de valores, linguagem, costumes e padrões culturais e sociais; Equilibração: processo de autorregulação interna do organismo, que se constitui na busca sucessiva de reequilíbrio, após cada desequilíbrio sofrido. O indivíduo aprende basicamente através de suas próprias ações sobre os objetos do mundo, e constrói suas próprias categorias de pensamento ao mesmo tempo que organiza seu mundo. Não é um sujeito que espera que alguém que possui um conhecimento o transmita a ele por um ato de bondade. Embora o foco de Piaget não tenha sido o educacional, suas ideias contribuíram para a compreensão de como a criança constrói o conhecimento. São elas: O objetivo de ensino deve se centrar na criança e nas atividades da mesma; A criança não deve aprender por repetição, mas por descobertas; A aprendizagem é um processo construído internamente, depende do nível de desenvolvimento do sujeito e é um processo de reorganização cognitiva; 63 www.eunapos.com.br Os conflitos cognitivos são importantes para o desenvolvimento da aprendizagem; A interação social favorece a aprendizagem; As experiências de aprendizagem devem privilegiar a colaboração, a cooperação e intercâmbio de pontos de vistas na busca conjunta do conhecimento e soluções; O princípio de autonomia se desenvolve juntamente com o processo de desenvolvimento da autoconsciência. 3.2 Teoria de Vygotsky Lev Vygotsky (1896 a 1934), psicólogo bielo-russo, considerado teórico da abordagem da psicologia sócio-histórica por afirmar que os homens estão situados no tempo e espaço, e inseridos num contexto histórico que abrange o social, econômico, cultural e político. O desenvolvimento humano só acontece pelas interações que cada um estabelece em determinado ambiente (experiência pessoalmente significativa): mundo homem objeto. Este desenvolvimento é dialético entre o homem e a sociedade, pois o homem modifica o ambiente e o ambiente modifica o homem. Desta forma, a aprendizagem do homem só poderá ser compreendida como um processo de formação resultante do contato e da colaboração da sociedade, o que interfere diretamente no desenvolvimento do pensamento e do raciocínio de cada um. Segundo Rego (1995), Vygotsky atribuía um valor preponderante às relações sociais no processo de construção do sujeito, assim sendo, a vivência em sociedade é fundamental na formação do humano e o desenvolvimento mental / intelectual é resultado destas aprendizagens das relações com os outros. Daí que sua corrente teórica e seus pensamentos se tenham tornado a sustentação do sócio- construtivismo ou sócio-interacionismo. Propõe que a aprendizagem é fundamental ao desenvolvimento dos processos internos na interação com os outros. O processo de formação dos conceitos remete às relações entre pensamento e linguagem, para a questão cultural no processo de construção de significados pelo indivíduo. Ao nascer 64 www.eunapos.com.br possuímos apenas as funções psíquicas elementares 20 que por meio da aprendizagem cultural provoca a formação e o desenvolvimento das funções psíquicas superiores 21 que necessitam da interiorização mediada pela cultura juntamente com seus valores e significados. São estas funções que nos diferenciam dos animais. Entre elas se encontram a consciência e o discernimento. Todo esse aprendizado não é meramente memorizado, absorvido do meio, passa pela elaboração individual e particular de cada um por meio da linguagem que intermedia o conhecimento e favorece a elaboração e o desenvolvimento individual. É pelo diálogo com o outro e consigo mesmo constantemente que percebemos as possibilidades e distinção do conhecimento de cada um. Os fatores importantes da teoria de Vygotsky são: Mediação: o conhecimento é adquirido através da interação com vários interlocutores, numa relação em que todos os envolvidos são ativos; Linguagem: sistema simbólico de significados e significantes dos grupos humanos que favorece o intercâmbio social e o fenômeno do pensamento; Cultura: universo de significações que permite construir a interpretação do mundo real; Processo de interiorização: que envolve um componente interno e outro externo e que sendo interpessoal se torna intrapessoal. A aprendizagem interage com o desenvolvimento, não sendo subordinada ao mesmo como postula Piaget. É como se um alimentasse o outro desencadeando processos internos de desenvolvimento e de novas aprendizagens, o que provoca evolução intelectual, novos constructos cognitivos num processo contínuo de aprendizagem e desenvolvimento. Ao se antecipar o que o sujeito não conhece e ainda não é capaz de fazer sozinho, é possível produzir aberturas de possibilidades, que Vygotsky denominou 20 Funções psíquicas elementares – Segundo Davis (1991), estas são como os reflexos e a atenção involuntária, presente na maioria dos animais. 21 Funções psíquicas superiores – Segundo Davis (1991), estas são ações conscientemente controladas e aprendidas no meio sócio cultural. 65 www.eunapos.com.br de zona de desenvolvimento proximal 22 , na qual as interações sociais são fundamentais, estando então os processos de aprendizagem e desenvolvimento, inter-relacionados. A zona de desenvolvimento proximal situa-se entre a zona de desenvolvimento real 23 e a zona de desenvolvimento potencial 24 proporcionando o avanço de uma situação inferior para outra de maior conhecimento. O desenvolvimento cognitivo é produzido pelo processo de interiorização da interação social com materiais fornecidos pela cultura, sendo que o processo se constrói de fora para dentro. A atividade do sujeito refere-se ao domínio dos instrumentos de mediação, inclusive a sua transformação por uma atividade mental. O sujeito não é apenas ativo, mas interativo, pois forma conhecimentos e constitui- se a partir de relações intra e interpessoais. 3.3 Escola é lugar de compartilhar conhecimento Caro aluno, você há de concordar que toda aprendizagem supõe troca e interação, e isso torna importante e indispensável a atuação do outro. A escola é um contexto que nos leva a refletir sobre o incalculável valor da mediação 25 , que requer um professor mais ativo e intencionado pedagogicamente para que consiga efetivar a consecução das aprendizagens previstas. Esta mediação também considera os aspectos da subjetividade como o afeto, rejeições, relações sociais, relações do ensino, as interações de todas as formas. Você como psicopedagogo é quem fará a intermediação da relação professor e aluno, na qual o professor precisa compreender a dinâmica da mediação para que possa inferir, dialogar, desafiar, provocar, orientar, estimular, apoiar, trabalhar em grupos potencializando o processo de aprendizagem do aluno que demonstra alguma dificuldade no aprender. 22 Zona de Desenvolvimento Proximal - Segundo Vygotsky apud La Taille (1992, p. 30), o termo é empregado para designar a distância entre aquilo que a criança faz sozinha e o que ela é capaz de fazer com intervenção de um adulto; isto é, distância entre o nível de desenvolvimento real e o potencial – potencialidade para aprender, que é igual para todas as pessoas. 23 Zona de Desenvolvimento Real – é todo o conhecimento que a pessoa possui e lhe dá condições de realizar uma ação sozinha. (DAVIS, 1991). 24 Zona de Desenvolvimento Potencial – é aquilo que a pessoa não domina, mas com a ajuda de alguém poderá vir a ser. São as possibilidades que se espera que a pessoa seja capaz de saber realizar sozinha (DAVIS, 1991). 25 Mediação – ato de ajudar o outro a alcançar um desenvolvimento que ainda não realiza sozinho. Alguém com uma experiência maior que a nossa são os principais mediadores (LA TAILLE, 1992). 66 www.eunapos.com.br A escola é um lugar de muitas trocas e constituição de saberes que envolvem conhecimentos, valores e atitudes que culminam no exercício da cidadania. O aluno toma contato com novas atividades, informações, habilidades que exige a participação efetiva deste outro. Somente quando o professor percebe o que o aluno sabe e o que ele poderá saber com a sua intervenção e quando o aluno internaliza este procedimento e vai se apropriando, é que é possível afirmar que o mesmo está conquistando sua independência cognitiva, isto é, a aprendizagem. Conforme as internalizações do conhecimento científico e social vão processando, os alunos simultaneamente vão sofrendo modificações em suas funções cognitivas, ampliando a capacidade de percepção, atenção, memória, raciocínio, a capacidade de estabelecer relações e resolver problemas; o que coloca o professor em um lugar de destaque exigindo do mesmo uma mediação eficaz tanto na formação do conhecimento como no desenvolvimento mental e social do aluno. Antunes (2002, p. 33 - 41) apresenta algumas orientações para que o professor possa criar situações para que os alunos interajam com mais eficiência através da zona de desenvolvimento proximal em sala de aula: 1. Construir um clima de relacionamento afetivo com todos os alunos, deixando-os perceber que o professor está disposto a fazê- lo caminhar com eficiência e segurança; 2. Defina com clareza as metas de trabalho a serem realizadas, para que as atividades desenvolvidas respaldem significação; 3. Mostre os indicadores a respeito da participação, aferindo o avanço passo a passo. Levando o aluno a contextualizar o que está sendo abordado; 4. Aborde o mesmo tema diversificando as atividades propostas, propondo desafios, linguagens alternativas, materiais diversificados; 5. Vá fazendo ajustes de estratégias conforme o desempenho dos alunos e registre em portfólios para que os alunos percebam seus avanços; 6. Toda intervenção deve visar a ação e compreensão autônoma do aluno; 7. Faça a relação explícita entre os novos conteúdos que são objetos de aprendizagem com conhecimentos prévios dos alunos. Ressalte os pontos de ancoragem para que a aprendizagem possa fluir; 8. Utilize uma linguagem adequada ao nível dos alunos, clara e o mais explícita possível; solicite aos alunos que repitam com as palavras deles e verifique o nível de compreensão dos mesmos; 9. Ajude os alunos a recontextualizar e reconceituar o aprendido, reorganizando suas experiências e conhecimentos com os termos novos. 67 www.eunapos.com.br Nota-se, futuro psicopedagogo, que na escola o professor é um elemento responsável de oportunizar a aprendizagem significativa, mas neste mesmo espaço temos de lembrar a existência de outros profissionais que também colaboram para estas trocas e constituições de conhecimentos. Todos devem estar afinados para que as intervenções sejam salutares às aprendizagens. Exercício 8 1. Autonomia é um conceito difundido a partir da teoria de: a) Pestalozzi b) Piaget c) Vygotsky d) Freinet e) Freud 2. A base propulsora de todo o conhecimento do homem, segundo a teoria de Piaget, é: a) Interação social. b) Intervenção com o meio. c) Relação social. d) Interdependência com o outro. e) Comunicação com o meio. f) Interlocução social. 3. Quem é o autor da corrente teórica que sustenta o sócio-construtivismo ou sócio-interacionismo? a) Piaget b) Freud c) Freinet d) Vygotsky e) Pestalozzi 4. Você como psicopedagogo é quem orientará o professor a perceber qual a melhor forma de efetivar a consecução das aprendizagens. Esse ato de ajudar o outro a alcançar um desenvolvimento que ainda não realiza sozinho é: 68 www.eunapos.com.br a) Zona de desenvolvimento proximal b) Zona de desenvolvimento real c) Mediação d) Interação e) Intervenção 69 www.eunapos.com.br UNIDADE 4 – INTERFERÊNCIAS BIO-COGNITIVO-SOCIAIS NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM: OS DISTÚRBIOS DO COMPORTAMENTO Deixamos para tratar especificamente nesta unidade as características dos principais transtornos que acometem as crianças e jovens na atualidade, o que é de fundamental importância para a sua formação Psicopedagógica. Nosso objetivo não é possibilitá-lo a fazer diagnóstico ou esclarecer condutas com embasamento médico. Porém, respeitando os limites que cada formação traz, e valorizando o entrelace destas formações, o conhecimento que se apresenta multifacetado e interdisciplinar, nos ajuda a fazer a leitura do todo, do ser humano holístico, compreendendo os vários aspectos que podem interferir no processo de ensinagem e aprendizagem. Desta forma, considera-se o conhecimento das mais variadas áreas relevante e indispensável, desde que se tenha a consciência e a responsabilidade na atuação profissional ocupando o lugar que lhe é conferido de acordo com sua formação! Aprender a reconhecer e compreender os distúrbios do comportamento e encontrar alternativas para o trabalho pedagógico é o grande desafio ao psicopedagogo para colaborar nos processos educativos escolares. 4.1 Transtorno de Ajustamento De acordo com Kaplan (2003), sintomas emocionais ou comportamentais podem ocorrer em resposta a eventos estressantes da vida. Quando esses sintomas ou comportamentos aparecem até três meses após o início da situação estressora e são clinicamente significativos, sendo evidenciados por sofrimento acentuado que excede o esperado para a exposição ao estressor ou comprometimento significativo no funcionamento social, ocupacional ou acadêmico, sugere a indicação de Transtorno de Ajustamento. O Transtorno de Ajustamento é uma relação mal adaptativa a curto prazo, o que um leigo poderia chamar de infortúnio pessoal ou o que um psiquiatra chama de estressor psicossocial. A resposta é mal adaptativa em virtude de um comprometimento no funcionamento social ou ocupacional, ou porque os sintomas 70 www.eunapos.com.br ou comportamentos estão além da resposta normal, habitual ou esperada a este estressor. Este transtorno é diagnosticado mais frequentemente em adolescentes, mas pode ocorrer em qualquer idade. Entre os adolescentes de qualquer sexo, tipos comuns de estressores precipitadores são problemas escolares, rejeição parental, divórcio e abuso de substância. Entre os adultos, os estresses precipitadores mais comuns são problemas conjugais, divórcio, mudança para um novo ambiente e problemas financeiros. Fundamental ao entendimento do Transtorno de Ajustamento é a compreensão de três fatores: a natureza do estressor, os significados conscientes e inconscientes do estressor e a vulnerabilidade preexistente do paciente. Os Transtornos de Ajustamento são codificados de acordo com o subtipo que melhor caracteriza os sintomas predominantes de acordo com o DSM IV (2001): Com Humor Depressivo. Este subtipo deve ser usado quando as manifestações predominantes são sintomas tais como humor deprimido, tendência ao choro ou sensações de impotência. Com Ansiedade. Este subtipo deve ser usado quando as manifestações predominantes são sintomas tais como nervosismo, preocupação ou inquietação ou, em crianças, medo da separação de figuras de vinculação. Misto de Ansiedade e Depressão. Este subtipo deve ser usado quando a manifestação predominante é uma combinação de depressão e ansiedade. Com Perturbação da Conduta. Este subtipo deve ser usado quando a manifestação predominante é uma perturbação da conduta na qual existe violação dos direitos alheios ou de normas e regras sociais importantes, adequadas à idade (por ex., vadiagem, vandalismo, direção imprudente, lutas corporais, descumprimento de responsabilidades legais). Com Perturbação Mista das Emoções e Conduta. Este subtipo deve ser usado quando as manifestações predominantes são tanto sintomas emocionais (por ex., depressão, ansiedade) quanto uma perturbação da conduta (ver subtipo acima). Inespecífico. Este subtipo deve ser usado para reações mal- adaptativas (por ex., queixas somáticas, retraimento social, inibição profissional ou acadêmica) a estressores psicossociais, não classificáveis como um dos subtipos específicos de Transtorno de Ajustamento. 4.2 Agressividade Segundo Grunspun (1990, p. 300), a agressividade seria um dos frequentes distúrbios da sociabilidade. É considerado Distúrbio de Conduta quando significa 71 www.eunapos.com.br ataque, destruição e hostilidade. No caso do desenvolvimento infantil é importante que tenhamos a noção de que toda manifestação de independência da criança se caracteriza por uma certa agressividade, que se faz necessária e, a princípio, não deve ser considerada um distúrbio. O comportamento agressivo se manifesta muitas vezes como consequência de atitudes de superproteção compensatória de rejeição ou de superautoridade. Grunspun (1990, p. 301) afirma que nos lares onde há superindulgência e as manifestações iniciais de agressividade não são disciplinadas, passa a haver comportamentos de agressividade excessiva. Fonte: http://migre.me/2u1nJ É de extrema importância olharmos a diferença entre as manifestações agressivas pertinentes ao Desenvolvimento e o comportamento agressivo que gera consequências negativas e produz hostilidade em quem a pratica e em quem a vivencia. As crianças pequenas costumam destruir os objetos, empurrar ou machucar outras crianças; é provável que não seja pelo fato de terem desejo positivo de destruição, e sim pelo fato de que não se importam com coisa alguma; os interesses objetais delas limitam-se a fontes potenciais de gratificação e a ameaças potenciais; o objetivo ‘agressivo’ a que visam é o fim das situações desagradáveis, e não um prazer positivo na destruição (Fenichel, 1981, p. 78) O olhar psicopedagógico necessita ter o conhecimento desta diferenciação para poder atuar de forma assertiva, compreendendo, muitas vezes, que a agressividade é uma das formas que um indivíduo cria para poder se comunicar ou para expor sentimentos e desejos por vezes reprimidos. É preciso ter o objetivo de destruição para poder ser um Transtorno. Será que a criança que morde, que bate no colega ou xinga em sala de aula é realmente um aluno agressivo ou está tentando demonstrar sua raiva - ou seu amor – por seus amigos? O morder ou outras atitudes agressivas, na leitura psicanalítica, pode representar o desejo inconsciente de incorporar, de ter para si um objeto extremamente amado! Assim, o que faz parte do Desenvolvimento não deve ser tratado, mas sim orientado. Aqui nos parece que a concepção de Freud, 72 www.eunapos.com.br anteriormente abordada, cuja função da Educação é a repressão dos impulsos e sua sublimação para atos socialmente aceitos, se faz verdadeira. É frequente a ‘educação moderna’ firmar o ponto de vista de que a ‘agressividade é má’. Não sabemos o que é ‘bom’ ou ‘mau’; mas sabemos que a agressividade é necessária em muitas situações da vida; aquele que não for capaz de usá-la terá o mesmo ‘handicap’ que aquele que haja perdido a capacidade sexual (Freud, apud FENICHEL, 1981, p. 541). Deve-se salientar que se houver o aumento da frequência e da intensidade dos comportamentos agressivos, com o objetivo único de destruição, há a necessidade de acompanhamento psicoterápico e, sem qualquer dúvida, o trabalho de orientação às famílias. 4.3 Fobia Escolar De acordo com Hawton et all (1997), a fobia é um medo persistente e excessivo de um objeto ou situação que não representam um perigo de fato. Tais medos resultam em um intenso desejo de evitar situações fóbicas. Há três tipos principais de distúrbio fóbico: fobia simples ou específica, fobia social e agorafobia. Uma fobia específica se restringe a um único objeto ou situação temida (aranha, altura, elevador, avião). Os portadores de fobia específica estão livres de seus sintomas se não vivenciarem ou não anteciparem a situação fóbica. As fobias sociais são mais complexas, pois giram em torno de eventos inobserváveis, como uma avaliação negativa, críticas, ou rejeição pelas outras pessoas. As fobias sociais podem focalizar determinados aspectos das interações sociais, como falar, comer ou escrever em público, caso em que se assemelham às fobias específicas. Normalmente, são mais difusas. Os pensamentos perturbadores, em geral associados ao medo de se expor ao olhar persecutório ou à avaliação negativa dos outros, são particularmente importantes nas fobias sociais. Na agorafobia a ansiedade é determinada pelo afastamento daquilo que oferece segurança ou pela proximidade do estímulo fóbico. Esse problema afeta um aglomerado de situações das quais as mais comumente mencionadas é o medo de frequentar locais em que haja muito movimento público, podendo incluir o medo de espaços fechados, transportes coletivos e de estar longe de casa. 73 www.eunapos.com.br Outra classificação quanto a fobias seria a Fobia Escolar, onde o problema predominante é o medo da escola, e a criança desenvolve assim sintomas secundários quando forçadas a frequentar o ambiente escolar. De acordo com Biazús et all (2009, p. 7), a Fobia Escolar pode ser definida como “o medo prolongado que a criança tem de ir à escola, podendo ser desencadeada por muitos fatores, com os primeiros anos de vida da criança e com a figura materna.” A literatura sobre Fobia Escolar frequentemente traz uma possível relação que ocorre entre mãe e filho com sintomas da fobia, qual seja de uma ligação de dependência entre ambos, sendo que a mãe faz disso um meio de gratificar a própria frustração e ansiedade. A mãe “é superprotetora, em identificação constante e invasora em relação à criança, que ela mantém em uma relação de estreita dependência”. Isso faz com que frequentemente a mãe estimule a criança a permanecer em casa porque teme por sua segurança, e a criança teme deixar a mãe por medo que algo lhe aconteça em sua ausência. Fonte: http://migre.me/2uVvx 4.4 Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - TDAH O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) envolve a apresentação de níveis acima da média de desatenção, impulsividade e hiperatividade. É um transtorno geralmente de início precoce, ou seja, tende a apresentar-se antes dos sete anos e está presente na maioria dos ambientes sociais como lar, escola e comunidade. Este Transtorno tende a ser crônico e 50% ou mais das crianças com TDAH continuarão a apresentar sintomatologia significativa na adolescência e idade adulta. Além disso, as crianças com esse transtorno têm um risco acima da média de apresentarem problemas educacionais, comportamentais e sócio-emocionais. Fonte: http://migre.me/2uXaq 74 www.eunapos.com.br As limitações para os tratamentos existentes para o TDAH, principalmente a falta de generalização de efeitos, promoveu a busca de intervenções adicionais que possam levar à maior manutenção da mudança comportamental por mais tempo e em diferentes ambientes. A Associação Brasileira de Déficit de Atenção – ABDA fornece alguns conceitos e variáveis importantes, através do endereço www.tdah.org.br: O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. Ele é chamado às vezes de DDA (Distúrbio do Déficit de Atenção). Em inglês, também é chamado de ADD, ADHD ou de AD/HD. Ele é reconhecido oficialmente por vários países e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em alguns países, como nos Estados Unidos, portadores de TDAH são protegidos pela lei quanto a receberem tratamento diferenciado na escola. Ele é o transtorno mais comum em crianças e adolescentes encaminhados para serviços especializados. Ele ocorre em 3 a 5% das crianças, em várias regiões diferentes do mundo em que já foi pesquisado. Em mais da metade dos casos o transtorno acompanha o indivíduo na vida adulta, embora os sintomas de inquietude sejam mais brandos. A hiperatividade é o aumento da atividade motora, a pessoa é inquieta, está constantemente em movimento. Adolescentes e adultos hiperativos costumam se mostrar de forma um pouco diferente das crianças, pois é própria dessas idades mais avançadas uma redução normal da atividade motora. Então, muitas vezes o que predomina no adolescente e no adulto é uma sensação interna de inquietação, ou então, eles se mostram sempre ocupados com alguma coisa, dando a impressão de estarem sempre muito atarefados, quando na verdade o que ocorre é uma dificuldade em diminuir o nível de atividades ao mesmo tempo, na maior parte das vezes sem conseguir completar nenhuma delas. A falha na atenção pode aparecer de diversas formas: a pessoa não consegue manter a concentração por muito tempo, daí que, se começar a ler um livro, na metade da página não consegue lembrar o que acabou de ler, até mesmo numa conversa é capaz de perder o fio da meada. A pessoa com TDAH é comumente desorganizada graças em primeiro lugar à falha da atenção, mas também à hiperatividade. É importante ressaltar que TDAH e Hiperatividade não são 75 www.eunapos.com.br sinônimos, embora seja comum se dizer que uma determinada pessoa é hiperativa quando se quer dizer que ela apresenta TDAH. O DSM IV (2002, p. 437) descreve também subtipos do transtorno: Subtipos: embora a maioria dos indivíduos apresente sintomas tanto de desatenção quanto de hiperatividade-impulsividade, existem alguns indivíduos nos quais há predominância de um ou outro padrão. O subtipo apropriado (para um diagnóstico atual) deve ser indicado com base no padrão predominante de sintomas nos últimos 6 meses. TDAH - Tipo Combinado: este subtipo deve ser usado se seis (ou mais) sintomas de desatenção e seis (ou mais) sintomas de hiperatividade-impulsividade persistem há pelo menos 6 meses. A maioria das crianças e adolescentes com o transtorno tem o Tipo Combinado. Não se sabe se o mesmo vale para adultos com o transtorno. TDAH - Tipo Predominantemente Desatento: este subtipo deve ser usado se seis (ou mais) sintomas de desatenção (mas menos de seis sintomas de hiperatividade-impulsividade) persistem há pelo menos 6 meses. TDAH - Tipo Predominantemente Hiperativo – Impulsivo: este subtipo deve ser usado se seis (ou mais) sintomas de hiperatividade-impulsividade (mas menos de seis sintomas de desatenção) persistem há pelo menos 6 meses. A desatenção pode, com frequência, ser um aspecto clínico significativo nesses casos. 4.5 Transtorno de Ansiedade De acordo com CID 10 (Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento), neste transtorno, o aspecto essencial é a ansiedade, a qual é generalizada e persistente, mas não restrita ou mesmo fortemente predominante em quaisquer circunstâncias ambientais em particular (isto é, ela é “livremente flutuante”). Como em outros transtornos ansiosos, os sintomas dominantes são altamente variáveis, mas se queixam de sentimentos contínuos de nervosismo, tremores, tensão muscular, sudorese, sensação de cabeça leve, palpitações, tonturas e desconforto epigástrico são comuns. Medos de que o paciente ou um parente irá brevemente adoecer ou sofrer um acidente são frequentemente expressados, junto com uma variedade de outras preocupações e pressentimentos. Esse transtorno é mais comum em mulheres e em sua maioria está relacionado a estresse ambiental crônico. Em crianças, a necessidade frequente de reasseguramento e queixas somáticas recorrentes, podem ser proeminentes. 76 www.eunapos.com.br A ansiedade não deve se limitar às situações externas específicas, nem pode ser associada unicamente ao comportamento evitativo constante que caracteriza as fobias. Algumas pessoas que sugerem estar genericamente ansiosas na ausência de qualquer perigo evidente foram algumas vezes descritas como exemplos de ansiedade “livre – flutuante” ou ansiedade cuja fonte não é reconhecida”. (KAPLAN, 2007, p. 187). Esta ideia é questionada por teóricos que entendem que a ansiedade livre-flutuante se baseia no ponto de vista do observador e não do indivíduo. Por isso, a utilização do termo “estados de ansiedade” seria mais apropriado, fazendo referência à ansiedade difusa, ou seja, como dito anteriormente, não restrita às situações externas específicas e à percepção do observador, mas sim de quem a percebe, interpreta e sente: o paciente. Conforme o autor acima, pesquisas sugerem a distinção entre estados de ansiedade. Na primeira delas, o problema predominante são os ataques de pânico que podem ocorrer inesperadamente e em quase todas as situações. Um ataque de pânico consiste em um sentimento intenso de apreensão ou fim iminente, tem um início repentino e está associado a uma grande variedade de sensações físicas perturbadoras que incluem dispneia, palpitações, dores no peito, sensação de asfixia, tontura, formigamento dos pés e das mãos, ondas de frio e de calor, sudorese, sensação de desmaio, tremores e sentimento de irrealidade. O fator inesperado e intenso dessas sensações leva os pacientes a acreditar que correm perigo de algum desastre físico ou mental, como o desmaio, um ataque cardíaco, perda de controle ou enlouquecimento. Na segunda distinção de estados de ansiedade o problema predominante é a ansiedade e a preocupação imaginária, ou excessiva, que se refere a várias circunstâncias vitais e não está relacionada à expectativa de ataques de pânico. Os pensamentos associados a essa forma de ansiedade apresentam uma enorme variedade. Mas, giram em torno de questões como a incapacidade de enfrentar o problema, a antecipação de uma avaliação negativa por parte das outras pessoas, o receio de mau desempenho e preocupações somáticas difusas tais como tensão muscular, inquietação, fadiga, falta de ar, taquicardia, náusea, diarreia, micção frequente, dificuldade para engolir, nervosismo, dificuldade para se concentrar, insônia e irritabilidade. 77 www.eunapos.com.br Na ansiedade, as interpretações ou cognições relevantes estão relacionadas à percepção de perigo físico ou psicológico. Nos estados de ansiedade o indivíduo sistematicamente superestima o perigo inerente a uma determinada situação, tal avaliação ativa automaticamente e de forma reflexa a ansiedade. Dentre vários estados de ansiedade apresentados pelo DSM IV (2002, p. 287), o que mais nos interessa é o Transtorno de Ansiedade de Separação (caracterizado por ansiedade relacionada à separação de figuras parentais) geralmente se desenvolve na infância, ele é incluído na seção "Transtornos Geralmente Diagnosticados pela Primeira Vez na Infância ou Adolescência". Fonte: http://migre.me/2uYwZ Exercício 9 1. Qual a importância para o psicopedagogo de conhecer os principais transtornos do comportamento que acometem os jovens na atualidade? a) Ajudar a fechar o diagnóstico, principalmente dos indivíduos com comprometimento severo na aprendizagem. b) Ter embasamento científico e conhecer a nomenclatura adequada quando discutir casos com profissionais da área da saúde c) Ajudar o professor a identificar as dificuldades de seus alunos e ajudá-lo a criar mecanismos pedagógicos que viabilizem o processo de aprendizagem. d) Ajudar o psicopedagogo a compreender o aluno como um todo, identificando algumas características que necessitam de tratamento ou acompanhamento, e fazer o encaminhamento necessário. 2. Qual dos Transtornos de Comportamento apresentados na unidade tem características pertencentes ao próprio desenvolvimento infantil e pode ajudar, inclusive, a criança na resolução de problemas e a alcançar sua autonomia? a) Transtorno de Ajustamento b) Transtorno de Ansiedade c) Agressividade d) TDAH 78 www.eunapos.com.br 3. Caracteriza-se pelo medo persistente e excessivo de um objeto ou situação que não representam um perigo de fato. Estamos nos referindo a qual distúrbio do comportamento? a) Transtorno de Ansiedade b) Fobias c) Transtorno de Ajustamento d) TDAH 79 www.eunapos.com.br REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ABDA. Cartilha Informativa da Associação Brasileira do Déficit de Atenção. ALVES, M. D. F. De Professor a Educador – contribuições da psicopedagogia: ressignificar os valores e despertar a autoria. Rio de J aneiro: Wak Ed., 2006. ANTUNES, C. Vygotsky, quem diria?! Em minha sala de aula. Fascículo 12. Petrópolis: Vozes, 2002. BARBOSA, L. M. 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Report "Desenvolvimento Cognicao e Afetividade Versao Final (2)"