DELITOS CONTRA O PATRIMÔNIO CULTURAL: INSUFICIÊNCIAS NORMATIVAS BRASILEIRAS E ESPANHOLAS Anauene Dias Soares1 Abstract Along years the cultural patrimony has being under constant offenses. Unhappily illicit practices of traffic and commerce of the cultural heritage can be considered as one of the greatest sectors of the international trade. According to this, this paper aims to analyze procedures regarding the protection of Brazilian cultural heritage. For this purpose, it will be analyzed the documents of normative order that involves the preservation of cultural heritage, in light of the Spanish legislation, especially the Organic Law 12/95 when dealing with the smuggling of cultural heritage of that country; highlighting points that need to be better clarified in Brazilian rules to prevent the illicit traffic of cultural patrimony in Brazil, especially regarding the trafficking of cultural assets over an international scale. This study take into consideration some aspects of patrimony values to elaborate some rules, either cultural or economic values, compromised with the law effectiveness to protect the cultural heritage which is the memory and identity of a community. Keywords: cultural heritage, international normative, illicit traffic
Introdução O tráfico de patrimônio cultural abrange numerosas atividades, que vão da exportação de bens culturais pelos seus legítimos proprietários, sem a necessária autorização, até ao comércio especializado de objetos furtados, passando pela apropriação e comercialização de obras de arte desconhecidas pelas autoridades. O combate aos atentados contra as riquezas arqueológicas, históricas e artísticas que constituem heranças nacionais exige a cooperação internacional, quer na prevenção das infrações, quer para assegurar a restituição dos bens subtraídos. (Askerud and Clément 1997) No Brasil, os problemas de tráfico ilícito ainda não são confrontados por legislação suficientemente adequada e elaborada. Até então o que se tem é a Convenção da UNESCO de 1970 firmada por países, como Brasil e Espanha, enumerando medidas de proteção acerca do tráfico ilícito de bens culturais. Assim, a criação de uma legislação nacional é requisito a imposição de sanções e penas a fim de coibir a prática deste delito. Hoje, há leis voltadas para a proteção de bens culturais, mas não se fez nenhum tratamento diferenciado nacionalmente como no ordenamento espanhol ao tratar do contrabando destes. A tipificação penal brasileira mais próxima desta conduta é a receptação qualificada enumerada pelo art. 180, §1º ou o contrabando e descaminho previsto no 1
Graduada em Artes Visuais pela ECA/USP. Estudante de Direito na PUC/Campinas. Restauradora de obras gráficas.
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artigo 334, § 1º, “c”, ambos pertencentes ao Código Penal e, o bem jurídico protegido por estes, abrangem tanto o patrimônio público quanto o privado e, por isso, se estende ao patrimônio cultural2. Por outro lado, há, também, previsão legal no artigo 48 da lei de Contravenções Penais para o Exercício ilegal do comércio de coisas antigas e obras de arte3, não existindo legislação especial penal que trate do patrimônio cultural especificamente, encontrando apenas referência a este em esfera ambiental.4 No mais, a Constituição brasileira atribui competências em ordem administrativa, legislativa e judiciária para União, Estados, Municípios e Distrito Federal na proteção ao patrimônio cultural.5 Ainda, segundo a Constituição Brasileira, o Patrimônio Cultural constitui um elemento estrutural da identidade de certas comunidades, tal como instrumento de coesão social e memória; além disso, de acordo com a Constituição Espanhola, possui um valor cultural objetivo e sua proteção independe que seja de titularidade pública ou privada ou qual seja o seu regime jurídico. No mais, o valor cultural de determinados bens é a causa para proteção e definição como condutas delitivas previstas no Código Penal Espanhol. 6 Segundo Tamarit Sumalla (1997):
“[...]o valor subjacente ao bem jurídico não é de caráter econômico, senão cultural, devendo-se considerar o dano ou a deterioração que ocorre com o objeto material do delito, independentemente do valor do prejuízoda causado economicamente. Sendo relevante a afetação que se produziu aos interesses culturais, históricos ou artísticos, para se estabelecer a existência ou não de uma conduta delitiva.” (Tradução minha) 7
A dificuldade de demonstrar às instâncias judiciais a ilicitude penal do Patrimônio Cultural se deve também ao princípio da mínima intervenção penal e do conflito entre o valor econômico e o valor cultural dos bens (Rus 1996), pois a legislação vigente considera apenas os aspectos de valor econômico, seja por avaliação pericial ou tributária, seja nacional ou internacional, seja na lei orgânica de contrabando espanhola. A criação e adoção de medidas específicas adequadas, tanto na Espanha quanto no Brasil, de normas protecionistas ao patrimônio cultural, superando o valor econômico como elemento determinante das tipicidades penais; campanhas de sensibilização da sociedade para assumir a responsabilidade da própria identidade e aprimoramento da cooperação internacional se fazem necessárias atualmente. (Polo 2006) Portanto, um estudo à luz do ordenamento espanhol quanto à repressão do contrabando do patrimônio histórico artístico, precipuamente da Lei Orgânica 12/95, se 2
Bens culturais elencados pelo art.216, CF/88, Brasil. Art. 48, Lei de Contravenções Penais, Brasil. 4 Lei 9.605/98, Brasil. 5 Arts. 23, 24 e 30 , CF/88, Brasil. 6 Art. 2.1 e) LO. 12/95, Espanha. 7 Tamarit Sumalla 1997 apud Polo 2006 p.8. Texto original: “[...]el valor que subyace en el bien jurídico no es de caráter econômico, sino cultural, 3
debiéndose tener cuenta el daño o deterioro que se produce al objeto material del delito independientemente de la cuantia del prejuicio causado económicamente. Siendo relevante la afectación que se produce a intereses culturales, históricos o artísticos para establecer la existência o no de la conducta delictiva.”
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relacionando com normativas nacionais, foi realizado com o intuito de apontar a insuficiência e inefetividade das normativas de combate à comercialização ilegal de bens culturais nos dois países.
1. Concepção de patrimônio cultural como bem jurídico tutelado A proteção de bens patrimoniais como suportes da memória e de identidade é um direito que envolve características que abrangem desde a conservação a usos sociais destes, como a educação e a difusão patrimonial; visto que o patrimônio “expressa à solidariedade que une aqueles que compartilham um conjunto de bens e práticas que os identificam”8. Ou seja, ela deve ocorrer, também, por meio da participação dos grupos sociais pelo patrimônio, a partir de uma apropriação coletiva e democrática. (N. Canclini 1999) Assim, o patrimônio cultural, nos dizeres de Silvia Zanirato (2009, p.145-146) é conformado pelas manifestações materiais e imateriais criadas pelos sujeitos ao longo da história. Neles se incluem objetos e estruturas dotados de valores históricos, culturais e artísticos, bens que representam as fontes culturais de uma sociedade ou de um grupo social. Conservá-lo é uma forma de garantir o testemunho e referencial, não apenas de seu valor material e histórico, mas dos valores culturais, simbólicos, de sua representatividade técnica e social. Ressalta-se que o conteúdo material de proteção do patrimônio cultural, no ordenamento espanhol atual, em suas diferentes manifestações, vem dado por um bem jurídico em que seu conteúdo material se concentra no interesse coletivo e, que, a tutela do direito se fundamente no compromisso de possibilitar e permitir o acesso e a participação dos cidadãos. Encontra-se então a existência de um bem jurídico de titularidade dos cidadãos - da sociedade, bem jurídico coletivo. Todavia, a priori das discussões do constitucionalismo moderno, o bem jurídico era reconhecido apenas quanto “patrimônio histórico, como o conjunto de elementos naturais ou culturais, materiais ou imateriais, herdados do passado, onde um determinado grupo social reconhecesse sua própria identidade” (Polo 2006, p.6).
2. Os delitos contra o patrimônio cultural O tráfico de bens culturais constitui o terceiro crime mais rentável no mundo e de acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) – responsável legal pela conservação de bens tombados pelo governo federal brasileiro listou em 1997 aproximadamente 1.032 objetos de arte roubados no Brasil, passando a figurar a lista dos dez países que apresentam os maiores roubos de obras culturais do mundo. (Costa & Rocha 2007)
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N. Canclini 1996 apud Zanirato 2009, p.146.
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As obras de arte, especificamente, são objetos de tráfico pelos valores nelas contidos, que justificam a ânsia pela posse, ainda que muitas vezes irregular, de peças, daí a comercialização ilegal, o furto, a falsificação e o extravio, para além de outros. Segundo Fincham (2009): “ (...) o roubo de arte é geralmente efetuado com a finalidade de revenda ou resgate e, comumente, os ladrões são comissionados por colecionadores particulares confidenciais. A arte roubada é também usada frequentemente entre criminosos em um sistema de operação bancária internacional, como o submundo do tráfico de drogas e de armas, ou simplesmente, como meio de troca destes artigos.”
Por esses bens serem considerados não consumíveis, constituem quase sempre um investimento financeiro muito rentável a médio e longo prazo – sendo o suporte do mercado internacional de arte. “Informações fornecidas pelo FBI – Federal Bureau of Investigation, o tráfico internacional de obras de arte movimenta aproximadamente U$ 6 bilhões por ano”(Costa & Rocha 2007). Além disso, se tornou uma maneira talentosa e segura de lavagem de dinheiro por facções criminosas advindos de tráficos de entorpecentes, armas, prostituição, jogos ilícitos e contrabando de joias preciosas. A situação complica ainda mais se considerar que há países com atitudes diametralmente opostas quanto à possibilidade de devolução de bens aos países de onde foram ilicitamente retirados, sem contar que há argumentos como a saída de que não há ilegalidade, sob a tutela da boa fé, normalmente utilizados como explanação por grandes "lobbies" do comércio de antiguidade (Bo 2003). Ocorre assim a importação significativa de obras, simplificada pela fragilidade de controles alfandegários, o que propicia a inclusão no mercado internacional de objetos furtados nos países. Portanto, o tráfico, além de promover a introdução clandestina de determinado bem ilícito para o comércio interno de um país, possibilita a sua exportação para outros mercados (Costa & Rocha 2007). Assim, podem ser assinalados em três grupos distintos os delitos relacionados ao patrimônio cultural, tais como os referentes á aquisição ilegal, os de tráfico ilegal e o concurso de crimes dos dois anteriores. O tráfico consiste justamente no ato de comerciar ou mercadejar bens provenientes de negócios ilícitos ou indecorosos (Nunes 1999). No mais, tem-se notado a preocupação com que os diferentes Estados - inclusive Brasil e Espanha, tanto dos receptores como dos destinatários no combate ao tráfico ilícito de bens culturais.
3. Regime jurídico internacional do patrimônio cultural O principal órgão internacional de guarda do patrimônio cultural é a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Essa instituição entende que a destruição ou mutilação de bens culturais constitui um empobrecimento nefasto para todos os povos, por essa razão instituiu, no plano internacional, medidas destinadas à proteção. Uma delas foi definida pela Convention on the Means of Prohibiting and Preventing the Illicit Import, Export and Transfer of Ownership of Cultural Property em 14 de novembro de 1970. Em seu artigo 3, essa Convenção estabelece que “The import, 4
export or transfer of ownership of cultural property effected contrary to the provisions adopted under this Convention by the States Parties thereto, shall be illicit”9. Entende, ainda, como ilícito, em seu artigo 11 “The export and transfer of ownership of cultural property under compulsion arising directly or indirectly from the occupation of a country by a foreign power shall be regarded as illicit.”10 Outra convenção aprovada pela UNESCO é a Convenção Sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural, aprovada pela Conferência Geral em 16 de novembro de 1972 em Paris e inserida no ordenamento brasileiro em 12 de dezembro de 1977 pelo Decreto n° 80.978. Segundo a UNESCO, os Estados signatários das Convenções devem estabelecer esforços para inventariar seus bens culturais, protegê-los e, quando for o caso, por seus valores excepcionais, propor a sua inscrição na lista de patrimônio mundial. O país deve então se esforçar para evitar o trafico internacional, seja na exportação ou na importação de bens culturais. Isso implica em um sistema de vigilância que previna e reprima o comércio ilegal de obras de arte. Frisa-se que a Convenção da UNESCO de 1970 também define como requisito a imposição de penas e sanções adequadas de forma a coibir a prática do tráfico ilícito de bens culturais (Costa & Rocha 2007) O Brasil aderiu à Convenção de 1970, integrada ao sistema legal nacional pelo Decreto 72.312, promulgado em 21 de novembro de 1973 e intitulado Convenção sobre as Medidas a serem Adotadas para Proibir e Impedir a Importação, Exportação e Transportação e Transferência de Propriedade Ilícitas dos Bens Culturais. Houve então a criação da Coordenação-Geral de Proteção ao Meio Ambiente e Patrimônio Histórico, no Departamento da Polícia Federal, e a implantação, em 27 Estados da Federação, de Delegacias de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico responsável pelo cuidado com os bens sujeitos ao comércio ilícito. É importante destacar ainda que foram promulgadas no Brasil várias leis11 direcionadas à proteção dos bens culturais, as quais devem colaborar para impedir o avanço da circulação e da comercialização ilegal de bens. (Costa & Rocha 2007) Também, há países12 com tributação favorecida (paraísos fiscais) e com utilização abusiva dos tratados e convenções internacionais como mecanismos para lavagem de 9
Tradução: “A importação, exportação ou transferência de propriedade de bens culturais realizadas em oposição às disposições previstas pela presente Convenção, adotadas pelos respectivos Estados-Membros, será ilícito.” 10 Tradução: “A exportação e transferência de propriedade de bens culturais de um determinado país sob compulsão direta ou indireta decorrentes da ocupação por uma outra potência estrangeira deve ser considerada como ilícita.” 11 Cf. Decreto-Lei 25/37 (organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional); Lei 3.924/61 (dispõe sobre monumentos arqueológicos e pré-históricos); Lei 4.845/65 (proíbe a saída para o exterior de obras de arte produzidas no país até o fim do período monárquico); Lei 5.471/68 (dispõe sobre a exportação de livros antigos e conjuntos bibliográficos brasileiros); Decreto-Lei 72.312/73 (sobrevinda da Convenção da UNESCO em 1970) e Portaria 262/IPHAN. 12 A Instrução Normativa SRF nº 188, de 06 de agosto de 2002, dispõe: “Consideram-se países ou dependências que não tributam a renda ou que a tributam à alíquota inferior a 20% ou, ainda, cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade as seguintes jurisdições:Andorra; Anguilla; Antígua e Barbuda; Antilhas Holandesas; Aruba; Comunidade das Bahamas; Bahrein; Barbados; Belize; Ilhas Bermudas;Campione D’Italia; Ilhas do Canal (Alderney, Guernsey, Jersey e Sark); Ilhas Cayman; Chipre; Cingapura; Ilhas Cook; República da Costa Rica; Djibouti; Dominica; Emirados Árabes Unidos; Gibraltar; Granada; Hong Kong; Lebuan; Líbano; Libéria; Liechtenstein; Luxemburgo (no que respeita às sociedades holding regidas, na legislação Luxemburguesa, pela Lei de 31 de julho de 1929); Macau; Ilha da Madeira; Maldivas; Malta; Ilha de Man; Ilhas Marshall; Ilhas Maurício; Mônaco; Ilhas Montserrat; Nauru; Ilha Niue; Sultanato de Omã; Panamá; Federação de São Cristóvão e Nevis; Samoa Americana; Samoa Ocidental; San Marino; São Vicente e
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dinheiro e remessa ilegal de divisas. A cooperação internacional também é analisada por intermédio dos organismos internacionais e nacionais de assistência administrativas, que dão suporte à atuação do poder judiciário na repatriação de ativos. (Silva 2000) No Brasil, o crime de lavagem de dinheiro, é tipificado pela Lei nº. 9.613 de 1998 e é um crime de amplitude internacional que consiste em dar uma aparência lícita a recursos obtidos por meio de outro crime, como o tráfico ilícito de bens culturais.
4. Abrangência da proteção ao patrimônio cultural na Constituição da República Federativa do Brasil e na Constituição do Reino da Espanha Nesses termos, a proteção do patrimônio cultural por via do Direito se faz indispensável para fins de sua conservação, seja por previsão constitucional, penal ou administrativa; pois, o patrimônio cultural constitui um elemento estrutural da identidade de certos povos, como instrumento de coesão social, como prevê a Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 215, ao dizer que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais” e determinar o direito à memória. Cabe ao Estado o dever de executar políticas para que efetivamente seja vivido o direito à memória pela sociedade. (Derani 2010) Conforme dispõe o artigo 216 da Constituição Federal de 1988, constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Podem ser formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. A Carta Magna brasileira em seu artigo 23 atribui competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios de proteger os bens de valor histórico, artístico e cultural, monumentos, paisagens notáveis e sítios arqueológicos. Para proteger esses bens, o Poder Público deve efetuar registros, proceder a inventários, exercer vigilância, tombar e desapropriar bens. Isso sempre em cooperação com a comunidade, que deve promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro. O entendimento é o de que quando se preserva legalmente e socialmente o patrimônio cultural, conserva-se a memória e reforça-se a identidade da nação. A vigente Constituição do Reino da Espanha regula esta matéria em seu artigo 46, não visando um protecionismo em sentido possessivo, seu principal objetivo é a manutenção e conservação do patrimônio cultural em similar ao nacional, estabelecendo a respeito Los poderes públicos garantizarán la conservación y promoverán el enriquecimiento del patrimonio histórico, cultural y artístico de los pueblos de España y de los pueblos que lo integran, cualquiera que sea su régimen jurídico y titularidad. La ley sancionará los atentados contra este patrimonio13; por outra parte o Tribunal Supremo espanhol designa que a previsão
Granadinas; Santa Lúcia; Seychelles; Tonga; Ilhas Turks e Caicos; Vanuatu; Ilhas Virgens Americanas; Ilhas Virgens Britânicas.” 13 Tradução minha: “Os poderes públicos garatirão a conservação e promoverão o enriquecimento do patrimônio histórico, cultural e artístico das comunidades da Espanha e das comunidades que a integram, qualquer que seja seu regime jurídico ou titularidade. A lei sancionará os atentados contra este patrimônio.”
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constitucional se estenda a toda classe de bem que “per se” ou na realidade tenham o mencionado valor, seja qual for à situação jurídica, de domínio público ou privado. Ainda no artigo 46 da constituição espanhola, além de comprometer os poderes públicos quanto à proteção do patrimônio histórico, cultural ou artístico preceitua que a legislação penal sancionará os atentados. A proteção de bens culturais por via do Direito Penal é imprescindível para sua conservação, o valor cultural de determinados bens só é protegido de acordo com a definição da prática delitiva prescrita no Código Penal. A proteção penal dos bens jurídicos coletivos correspondentes com os denominados direitos sociais e econômicos tem relevância constitucional. (Polo 2006)
5. Regime jurídico de proteção ao patrimônio cultural dentro da legislação nacional e espanhola Nesses termos, a previsão de penas e sanções para esses crimes não recebeu tratamento diferenciado na legislação penal brasileira, havendo apenas prescrição em leis esparsas14 quanto a danos causados a esses bens. No Código Penal, a tipificação mais próxima à conduta de negociação ilícita de determinado bem cultural é a receptação qualificada prevista no artigo 180, §1º, com seguinte redação:
“Art. 180. (...) §1º Adquirir, receber, transportar, condizir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisas que deve saber ser produto de crime: Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa (grifo meu)
Se o agente manter em depósito, vender ou expor à venda bem cultural estrangeiro introduzido ou importado de forma fraudulenta no país, responderá pelo crime de contrabando ou descaminho, previsto no artigo 334, §1º, “c”, do Código Penal15 e não pelo crime de receptação qualificada.(Costa & Rocha 2007) Ainda no que se refere à tutela do patrimônio cultural em âmbito penal, este se encontra incluso nas matérias direcionadas ao campo ambiental, na Lei n. 9.605/98. Nela verifica-se que o Direito Penal Ambiental brasileiro sequer constitui uma especialidade do Direito Penal, pois apenas enumera crimes realtivos a destruição, inutilização, alteração ou deterioração dos bens culturais.16
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CF. Lei 9.605 (dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas das condutas e atividade lesivas ao meio ambiente); Lei 7.347/85 (disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens de direitos e valor artísticos, estéticos, históricos e turísticos); Decreto-Lei 6.514/2008 (dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e dá outras providências). 15 “Art. 334, Código penal, Espanha (...) c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem; (...)” 16 Artigos 62 e 63, Lei 9.605/98, Brasil.
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O Decreto-lei n. 3.688/1941 (Lei de contravenções penais), em seu capítulo VI, que disciplina as contravenções relativas à organização do Trabalho, de forma taxativa e reducionista, prevê a figura da contravenção de “exercício ilegal do comércio de coisas antigas e obras de arte”, consistindo em: “Art. 48. Exercer, sem observância das prescrições legais, comércio de antiguidades e de obras de arte, ou de manuscritos e livros ou raros: Pena – prisão simples, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa”
Já o Código Penal espanhol vigente, não estabelece um modelo adequado de proteção também, que subordine de modo claro, o interesse patrimonial dos bens pertencentes ao patrimônio cultural em seu viés social. O Capítulo II do Título XVI, nos artigos 321 ao 32417, regula a proteção ao patrimônio histórico, estendendo esta aplicabilidade a todos os bens patrimoniais como preceitua os mandamentos constitucionais. 5.1 Repressão ao Contrabando: Lei Orgânica 12/95, Espanha
A partir de 1993, com o tratado da União Europeia, popularmente conhecido como Tratado de Maastrich, houve o desaparecimento de fronteiras entre os membros pertencentes a UE, o que afetou de forma significativa as relações do contrabando, principalmente referentes ao patrimônio cultural (Polo 2006). Dessa forma, considerando os ditames legais estabelecidos por este tratado, o contrabando em âmbito Espanhol, regula-se pela Lei Orgânica 12/95. Esta norma, segundo estabelece a parte final da primeira disposição dos motivos da referida lei; se aplicará de forma complementar pelo Código Penal em acordo com o ”(...) CAPÍTULO II. DE LOS DELITOS SOBRE EL PATRIMONIO HISTÓRICO Artículo 321 Los que derriben o alteren gravemente edificios singularmente protegidos por su interés histórico, artístico, cultural o monumental serán castigados con las penas de prisión de seis meses a tres años, multa de doce a veinticuatro meses y, en todo caso, inhabilitación especial para profesión u oficio por tiempo de uno a cinco años. En cualquier caso, los Jueces o Tribunales, motivadamente, podrán ordenar, a cargo del autor del hecho, la reconstrucción o restauración de la obra, sin perjuicio de las indemnizaciones debidas a terceros de buena fe. Artículo 322 1. La autoridad o funcionario público que, a sabiendas de su injusticia, haya informado favorablemente proyectos de derribo o alteración de edificios singularmente protegidos será castigado además de con la pena establecida en el art. 404 de este Código con la de prisión de seis meses a dos años o la de multa de doce a veinticuatro meses. 2. Con las mismas penas se castigará a la autoridad o funcionario público que por sí mismo o como miembro de un organismo colegiado haya resuelto o votado a favor de su concesión a sabiendas de su injusticia Artículo 323 Será castigado con la pena de prisión de uno a tres años y multa de doce a veinticuatro meses el que cause daños en un archivo, registro, museo, biblioteca, centro docente, gabinete científico, institución análoga o en bienes de valor histórico, artístico, científico, cultural o monumental, así como en yacimientos arqueológicos. En este caso, los Jueces o Tribunales podrán ordenar, a cargo del autor del daño, la adopción de medidas encaminadas a restaurar, en lo posible, el bien dañado. Artículo 324 El que por imprudencia grave cause daños, en cuantía superior a 400 euros, en un archivo, registro, museo, biblioteca, centro docente, gabinete científico, institución análoga o en bienes de valor artístico, histórico, cultural, científico o monumental, así como en yacimientos arqueológicos, será castigado con la pena de multa de tres a 18 meses, atendiendo a la importancia de los mismos.(...)” 17
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Título 1º (Delitos de contrabando); pela Lei Tributária Geral e pela Lei do Regime Jurídico das Administrações Públicas e Procedimento Administrativo Comum, prescrito no título 2º (infrações administrativas de contrabando). Tudo sem prejuízo das remissões em branco ou de outras normas que este texto se submete. A Lei 12/95 é uma lei penal especial devido seu caráter múltiplo de norma penal e administrativa, considerando também seu caráter processual por algum dos mandatos do dito texto18. Assim, conforme a normativa, comete o delito ou infração de contrabando, em função de seu valor, quem tirar do território espanhol bens que integrem o Patrimônio Cultural da Espanha, sem a devida autorização da Administração do Estado quando for necessário, inclusive se seu destino for para qualquer um dos países signatários da UE. 19 O reconhecimento dos direitos sociais e econômicos pelo constitucionalismo moderno, passou a considerar os princípios do Direito sancionador penal ao invés do administrativo, regulamentando no artigo 25 não só o poder penal do Estado, mas também o poder sancionador e disciplinar da Administração. Portando, quem comete o delito de contrabando será punido com uma pena de prisão de menor infração (máxima de 3 anos) e multa proporcional ao valor do bem. A qualificação do contrabando como um delito menos grave, possibilita a redução das medidas judiciais, maculando as investigações devido às dificuldades técnicas e políticas atribuídas a elaboração de tipos penais adequados para a proteção do patrimônio cultural. Além disso, o princípio da mínima intervenção penal dificulta a identificação da notória gravidade e atuação dolosa exigida no artigo 321 do próprio Código Penal, por exemplo. Essa imprecisão legal determina a dificuldade de aplicação do sistema penal, reduzindo o mecanismo a uma simples sanção administrativa em função do dano causado, quando em realidade há uma grande disparidade entre o valor econômico e o valor cultural.(Polo 2006) No artigo 10 da lei reguladora ou de repressão ao contrabando, em questão de valoração dos bens integrantes do patrimônio cultural, caberá ao juiz buscar os serviços competentes para a avaliação destes. Por último, cabe uma consideração em destaque: se há a presença de uma figura normal ou especial, pois, do ponto de vista formal legislativo, o tráfico do patrimônio cultural, não só é regulamentado por uma lei especial criminal, mas também concorre a seus infratores, uma série de atributos que dão especialidades a figura, configurando como um dos principais atos no que tange à economia ou ao incentivo do enriquecimento de grupos envolvidos nessa atividade. (Polo 2006)
Art. 2.1 e) LO. 12/95, Espanha. Art. 2.1 a) e g) LO. 12/95, Espanha. “a) La importación o exportación de bienes del patrimonio histórico artístico sin presentar-las para su despacho en las oficinas de aduanas o en los lugares habilitados por la administración aduanera, teniendo en cuenta que la ocultación o sustracción dolosa de estos bienes a la acción de la administración Aduanera dentro de los recintos o lugares habilitados equivaldrá a la no presentación. g) La obtención mediante alegación de causa falsa o de cualquier otro modo ilícito del despacho aduanero o la autorización para la salida de bienes que integren el patrimonio histórico artístico español.” 18 19
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Conclusão O comércio ilegal (tráfico) de bens culturais tem causado expressivos e irreparáveis danos ao patrimônio cultural, tanto no Brasil quanto na Espanha, sobretudo pela omissão na elaboração e no cumprimento de normas legais e regulamentadoras destinadas a disciplinar e sancionar a comercialização desses bens. Logo, é necessário incrementação, o aperfeiçoamento e a intensificação da elaboração efetiva para a aplicação de legislações a fim de coibir a prática destes delitos. Contudo, não existe uma legislação especialmente criada para regulamentar, prevenir e combater o tráfico ilícito de bens culturais no Brasil, nem mesmo nos moldes estabelecidos em relação à Lei Orgânica 12/95 de Repressão ao Contrabando da Espanha. Ainda que esta contenha incoerências e lacunas das normas legais fazendo-se necessário o uso subsidiário do Código Penal espanhol e de outras normativas legais. Ainda assim, mesmo com a carência de uma regulamentação normativa específica e adequada, as condutas e atividades consideradas lesivas ao patrimônio cultural sujeitam os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, seja em território brasileiro ou espanhol, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. No mais, se faz necessária à efetiva interação e cooperação nacional e internacional entre poder público, órgãos, instituições e entidades culturais – principalmente aquelas responsáveis pela tutela de bens e valores culturais – para proporcionar maior celeridade e eficácia na adoção de medidas e ações, preventivas e reparadoras, relacionadas à proteção, do patrimônio cultural. Quando se pensa em patrimônio, se faz necessário considerar os valores atribuídos aos bens culturais que lhes darão significados quanta identificação e memória para certos povos. Para proteger esse patrimônio, principalmente por meio de bases normativas, é preciso se ater que o objetivo não pode simplesmente se manter na dimensão material, econômica daqueles bens, mas sim, em salvaguardar também, os valores culturais que a eles lhes são agregados.
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