Cristina Drummond a Devastacao

April 4, 2018 | Author: Aline Cristina Da Silva Souza | Category: Jacques Lacan, Sigmund Freud, Love, Femininity, Woman


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1A devastação Cristina Drummond Palavras-chave: devastação, penisneid, gozo feminino, deslumbramento. Quando falamos de uma mulher devastada, vários exemplos de mulheres nos vêm à cabeça. A psicanalista Marie-Magdeleine Lessana1, para nos introduzir nessa questão, partiu de alguns casos que nos são conhecidos, onde podemos observar que a relação entre a mãe a filha é devastadora. O primeiro de seus exemplos é o de Mme Sévigné, famosa escritora de cartas do século XVII. A relação entre ela e sua filha, como atestam suas cartas, era baseada numa exigência de amor plena por parte da mãe. Apesar da certeza de uma reciprocidade em seu amor, essas duas mulheres serão torturadas por mal-entendidos e acusações que vão chegar até a morte de filhos e doenças. Ambas só poderão viver separadas. Outro exemplo é o de Maria Riva, a filha de Marlene Dietrich. Ela e seu pai passam a vida servindo de suporte para o sucesso da imagem de artista de sua mãe. Maria é a filha fascinada pela imagem fálica e feminina da mãe. Camille Claudel é um outro caso onde, apesar de ter seu talento incentivado pelo pai, se vê hostilizada pela mãe. Sua relação com Rodin se mostra devastadora em sua impossibilidade de ser legitimada, assim como os filhos que decorrem dela e se torna depois persecutiva. Suas cartas do hospício atestam uma demanda desesperada dirigida à mãe, sem, no entanto, encontrar qualquer resposta. O livro de Marguerite Duras também será tomado como modelo de devastação, aqui com suas conseqüências de deslumbramento e efeitos sobre o corpo. O caso de Marguerite Anzieu, a Aimé da tese de Lacan também ilustra uma relação em que a filha ocupa para sua mãe o lugar de uma filha morta queimada aos cinco anos. Sua educação é confiada a sua irmã mais velha da qual ela tenta se emancipar casando. Mais tarde essa irmã viúva e estéril irá morar com ela. Quando Marguerite engravida é tomada por idéias delirantes de perseguição que irão piorar com a morte desse filho. O que vemos é uma mulher que não se desprende da posição que ocupou diante de seu Outro, inicialmente sua mãe e em seguida a irmã. Ela tenta, aos trinta e oito anos, matar a outra que a representa e encarna ao mesmo tempo o seu ideal de ser uma mulher conhecida. 1 Lessana,M-M, Entre mère et fille: um ravage, Ed. Fayard “L’Étourdit”. Nicole. Esse é o texto onde Lacan apresenta suas fórmulas da sexuação que evidenciam uma mudança de lógica no seu tratamento da questão da relação do sujeito com o real sexual. Quanto a Léa. “prejuízo”.J.o que não acontece com ele sendo segundo. que faz da mulher peixe na água. 2 Miller. Seuil. os exemplos de devastação não se equivalem e não encontramos a mesma estrutura nessas diferentes mulheres.p. no horizonte do arrebatar. da qual ela parece realmente esperar como mulher mais subsistência que de seu pai . não apresentando qualquer fenômeno que indicasse uma psicose. cujo sentido é tomar precipitadamente. na língua clássica. nessa devastação. Em francês o termo tem. esta parecia estar mais numa posição subjetiva de submissão à irmã que a dominava completamente. Paris. Isso quer dizer que se é transportado para o céu. destruição completa. em Revue La Cause Freudienne . Ele usa o termo para qualificar a relação de uma mulher com sua mãe dizendo o seguinte: a elucubração freudiana do complexo de Édipo. devastar é tornar deserto. entre outros. o significado de “desgosto profundo” ou ainda “dano”.para a maioria delas . assim como o deslumbramento (ravissement).3 Em português traduzimos ravage por estrago ou devastação. E. in Silicet nº 4.p 21. 129. até mesmo uma destruição causada pelo homem com violência. Como diz Miller. O termo devastação (ravage) é um termo derivado de arrebatar (ravir) que é derivado do latim popular rapire. Houaiss o toma como equivalente de aniquilamento. repentinamente4. há o êxtase. Stein. . assolação. Separada da posição delirante da irmana prisão ela se pacifica. Christine se encontra numa crise psicótica exigindo a presença da irmã. “as devastações. não podemos classificá-las”2. nº 40. contrasta dolorosamente com o fato da devastação que é na mulher . Como vemos.2 O último exemplo do livro é o das irmãs Papin que tinham uma relação bastante submetida à mãe. No Aurélio encontramos que devastação é uma ruína proveniente de uma grande desgraça. tomar à força. 1973. despovoar. É um termo onde o valor erotomaníaco está inscrito na própria etimologia.O verbo arrebatar é também um termo da mística.40 1Lacan.a relação com sua mãe. sentido que encontramos em rapto. 4 Cf Bousseyroux. Após seu crime. in La Cause Freudienne nº. “De l’affliction au ravage: Lol V. Un répartitoire sexuel. por ser a castração nela a situação inicial (Freud dixit). Porque aproximá-las e em quê a questão da devastação poderia nos esclarecer sobre suas posições subjetivas? O termo ravage aparece no texto l’Étourdit de Lacan que data de 73. J-A. 260. sua ligação com a mãe. Se em Lacan lemos ravage e em Freud catástrofe. Vamos encontrar inicialmente em Freud uma leitura da relação primitiva da mulher com a mãe abordada por seu conceito de Penisneid. da pré-história à história edipiana há um ponto do qual não temos acesso pela memória. Freud diz: “tudo na esfera dessa primeira ligação com a mãe me parecia tão difícil de apreender nas análises . nos diz Freud. portanto. em “Sobre as teorias sexuais das crianças”.“…tal como a descoberta. Há algo que resiste na questão do feminino. p. da civilização mino-miceniana por detrás da civilização grega”7. E:S:B. “A transição para o objeto paterno é realizada com o auxílio das tendências passivas. (1. para o sujeito feminino. O Penisneid. experimentado pela menina em relação ao menino que possui o órgão. Ele utiliza uma bela metáfora que nos apresenta o elemento trágico que aí se acha soterrado . num momento tardio da obra de Lacan. Para fazermos alguma idéia de seu alcance. O termo aparece com o mesmo sentido em “Para introduzir o narcisismo” e em “O tabu da virgindade”. A Sexualidade Feminina. Para ele. Nessa travessia. dessa ligação. visto seu caráter de “resto”. p.3 Lacan busca com esse termo retomar aquele usado por Freud que é catástrofe5. 275 Freud. A poderosa ligação da menina com sua mãe termina em ódio.B. ravage. a inveja do pênis. depois que ele elaborou suas fórmulas da sexuação. uma revelação trazida por sua clínica. 6 . como uma civilização soterrada por outra. na medida em que escaparam à catástrofe”.tão esmaecido pelo tempo e tão obscuro e quase impossível de 5 Freud. teremos de fazer um certo percurso no que antecede essa formulação. de que a menina faz de sua mãe a responsável por sua falta de pênis e não lhe perdoa por essa desvantagem. é encontrado. XXI. “manifestações residuais” – pré-história indecifrável. XXI p. a inveja sendo ali tomada no sentido de ciúme. a psicanálise estabeleceu como parte da subjetividade feminina.931)E. segundo Freud. a “compreensão interna dessa fase primitiva”6 “foi uma surpresa”. S. Devastação. que corresponde ao que foi. mas já escrita alguma vez.260 7 Idem.S. S. portanto. A mudança em relação a esse termo surge nos anos 20 a partir da interrogação de Freud sobre os destinos da inveja do pênis na vida psíquica posterior da mulher e sua articulação com a ligação préedípica da menina com sua mãe. é um termo que já aparece na obra de Freud em 1908. em outro campo. Há uma pré-história à qual não se tem acesso pela linguagem. ambas se referem aos laços estabelecidos entre uma menina e sua mãe e àquilo que. explicando a intensidade dessa raiva pela intensidade do amor que a precedia e pela decepção. encontramos o temor de ser morta ou devorada pela mãe.A reação contra o onanismo que abre a via para a sexualidade feminina segundo a famosa metonímia dos objetos femininos.. 3. “Sexualidade Feminina”. 2.que era como se houvesse sucumbido a um recalque especialmente inexorável”8. 8 9 Freud. e que deve ser situada para além do princípio do prazer. B. mas decepção que se repete. Freud faz a sexualidade feminina derivar da inveja do pênis e observa quatro conseqüências psíquicas decorrentes dela9. E. 1931. que é a marca do narcisismo feminino. gozo que não é prazer. Vol. ele acentua mais ainda o ódio em relação à mãe com diferentes reprovações entre as quais a sedução. ESB vol. e uma falha de onde parte uma demanda. 4. a catástrofe. Nesse texto. S. A sexualidade feminina. XXI. nela. que situa a mãe como responsável pela falta da filha e sendo como suposta gozar disso. 1925 10 Freud.S. 1-A cicatriz.O ciúme. 261. S. S. XXI . Se o Penisneid corresponde a uma fixação infantil precoce é porque uma parte do gozo do sujeito se encontra implicada nela. que faz da imagem uma forma de suturar essa ferida. que é a marca de fábrica do fantasma “Bate-se numa criança”. Se Freud fala que a inveja e o ciúme desempenham um papel muito maior na vida psíquica das mulheres do que na dos homens. ele atribui esse fantasma ao resíduo da fase fálica e nele o sujeito faz uma passagem da relação da mãe para o pai como objeto de amor. Freud. Algumas conseqüências psíquicas da diferença anatômica entre os sexos. p. pois.4 revivificar .A devastação. Para Freud a devastação está estritamente relacionada ao destino do falo na menina e ele observa que certas mulheres permanecem em sua ligação original com a mãe sem nunca alcançarem uma verdadeira mudança em relação aos homens. Trata-se de uma falha. No artigo de 3110.. trata-se com essa formulação de cernir um ponto da experiência do sujeito que é da ordem de um impossível de se suportar. Freud é ainda bastante fino ao observar que essa ligação com a mãe está relacionada à etiologia da histeria assim como ao germe da paranóia. Ela é a marca de fábrica da relação que uma mulher tem com o corpo feminino. O sujeito se encontra diante da frustração que é imaginária. portanto. de cuidados. de possuir seu pênis sob uma forma simbólica. Idem. que é às vezes conservada a vida inteira.J. O sujeito se encontra diante de uma privação real de um objeto simbólico.J. O que se torna uma questão para o sujeito é se ele se tornou ou não desejado.5 Esses aspectos observados por Freud são retomados de forma detalhada por Lacan em sua abordagem do complexo de Édipo. onde ele dedica uma lição à relação da menina com o falo. para além da captura imaginária. A mãe é aqui tomada como o Outro primordial para o sujeito e essa relação vem se substituir na economia de gratificações. É exatamente porque o sujeito pode significar o que ele vale no desejo do Outro que ele pode se separar desse objeto a que ele encarnou e encontrar um pouco de liberdade. pg.. Lacan retoma a questão do Penisneid distinguindo três modalidades distintas desde a entrada até a saída do complexo de Édipo12. Zahar. sobretudo em seu Seminário V. O sujeito se encontra diante da castração simbólica de um objeto imaginário. que busca no desejo da mãe uma medida do lugar que ele procura ocupar diante de seu Outro. . 3. Essa dialética não dispensa o pai como terceiro que permitirá à criança.no sentido da fantasia. Ser ou não desejado é uma das questões em jogo para o sujeito. de agressões e centrar o destino do sujeito em sua dependência primordial com relação ao desejo do Outro. livro V.282. 1. onde ele situa a mãe como o Outro primordial do sujeito. mas é aquilo pelo qual o sujeito almejou e identificou o desejo do Outro que é o desejo da mãe”11.O Penisneid que intervém quando o desejado é o pênis do pai. p. Ed. mas se refere a um objeto real. 288. O sujeito ou entra na dialética da troca ou guarda esses objetos para além de seu valor de troca. 2. O que Lacan tenta evitar em sua formulação. às expensas mesmas do Édipo. é a importância exagerada à relação da criança com a mãe dada pelos pós-freudianos que o fizeram situando-a como uma relação dual. de que o clitóris seja um pênis. é colocada sobre a dialética do falo com o desejo. Lacan.O Penisneid como desejo de um filho do pai. A ênfase. O que importa nesse tempo de estruturação da menina “não é um mais ou um menos que tenha ou não tenha sido dado ao sujeito. O Seminário. de fixações. As formações do inconsciente. A relação da mãe com a filha continua guardando a vertente da reivindicação fálica e 11 12 Lacan. ser significada. a mãe permanece numa posição de Outro real. algo de muito primordial13. é de que a devastação toca os confins da marca simbólica. interpretado como Outro do gozo que convoca o sujeito para uma fusão impossível ou para a perseguição. Ela especifica um tipo de emergência singular da linguagem no sujeito. da culpabilidade e do ódio. 13 Brousse. que não implicaram em sujeitos com estruturas semelhantes. o que a fará entrar no complexo de Édipo. a palavra do Outro materno estava associada à descoberta de uma experiência de gozo sexual que era traumática para o sujeito. Essa decepção faz com que ela oriente sua demanda de falo para o pai. Se o sujeito entra no registro simbólico da troca. Se a mãe não se divide pela troca fálica. levantada por Marie-Hélène Brousse. Esses três tempos do Penisneid nos mostram que a menina terá que se desprender da demanda dirigida à mãe e tomar uma outra direção.98 . se converter num dejeto. Não é a mesma coisa se a criança se fixou numa reivindicação fálica dirigida ao pai ou à mãe. Se orientar para o pai é a possibilidade para a menina de simbolizar a falta. Quando isso não ocorre. ou ainda. Uma condição para essa orientação em direção ao pai é a relação da mãe com sua satisfação ou insatisfação enquanto mulher. Essa hipótese. p. Marie-Hélène Brousse propõe que essa emergência se faz de três formas distintas: o insulto. assim como tudo o que se articula no registro da reprovação. Une difficulté dans l’analyse des femmes. Ela observou que em todas essas ocorrências. M-H. Isso ocorre quando ela subjetiva que a mãe não pode lhe dar o que ela pede porque ela também está afetada pela falta. A criança pode permanecer na posição de fetiche da mãe. Esse é um momento de impasse no qual o sujeito se defronta com a falta no Outro. Esta é a posição de devastação para a menina. A devastação decorre de uma falta que toca o campo da palavra e da linguagem. ele pode metaforizar o desejo da mãe. ela permanece o objeto único da filha única. se ela é toda mãe. algo da mãe tendo escapado da lei simbólica que faria dela um objeto na estrutura de troca. a rejeição e o imperativo do silêncio. É preciso que a filha se desloque da posição de saturar a falta da mãe. Ela a formulou a partir de casos clínicos que acompanhou e nos quais a devastação lhe trazia grandes dificuldades na transferência. de transformar a rivalidade imaginária na qual a falta estava incluída em sua relação com a mãe. in Ornicar? nº 50. Ela está ligada à troca fálica impossível.6 concentrando as demandas de amor. o valor da morte. Joana sempre se sentiu preterida pela mãe que a largava na loja ao lado de casa para trabalhar. 701 . nos diz Lacan. mas por aprender que a mãe não o tem. Elucidativo a esse respeito pode ser um fragmento da análise de Joana no qual podemos recuperar o momento em que surge um sintoma fóbico na infância. mas. se dá conta de que aquele objeto negro nada mais era do que uma lagartixa morta.Lacan. Defrontamo-nos.7 com a castração da mãe. A fobia. com a criança devendo nesse momento responder à falta no Outro que é de estrutura. Se ele não pode responder a essa falta de maneira simbólica. in Escritos.p. quando pega o carvão. Imediatamente surge uma alteração no nível do imaginário de seu corpo. ele se encontra diante de uma alternativa mortal: ou a rejeição. Lacan o formula da seguinte maneira: “Essa experiência do desejo do Outro. a clínica nos mostra que ela não é decisiva pelo fato de o sujeito nela aprender se ele mesmo tem ou não um falo real. Joana tem acesso nessa cena ao saber de sua posição no gozo do Outro. sua pele irá se modificar.” Lacan nos aponta que a metáfora paterna sempre falha assim como o sujeito sempre encontra impasses na extração do objeto. então. O desejo da mãe nesses casos sempre teve. Essa experiência o faz interrogar o desejo da mãe ao qual sua posição de falo imaginário parecia responder até então. É esse o momento da experiência sem o qual nenhuma conseqüência sintomática (fobia) ou estrutural (Penisneid) que se refira ao complexo de castração tem efeito14. Ela se sente confiante em sua coragem. Ela era esse objeto morto na boca aberta do desejo devorador de sua mãe. e seu projeto era se tornar artista de televisão para poder finalmente ser vista e admirada pela mãe. A significação do falo. Ela terá um cobreiro. é o sintoma infantil por excelência porque ele surge no momento em que o sujeito vive uma nova experiência de gozo em seu corpo. num certo momento da análise. ou a reintegração do produto pela genitora. Lacan chama a fobia de plataforma giratória porque o sujeito tem acesso a um saber ao qual ele pode responder de diferentes maneiras. Vivia uma posição de competição fálica com o irmão. 14 J. que um dia lhe pede para pegar um carvão que estava na boca do cachorro. Seu divertimento era chamar a atenção dos outros que passavam na rua. seu corpo vai sofrer uma transformação e a fobia de lagartixas se instala a seguir. já observara que a mulher pode escolher um parceiro “herdeiro do relacionamento dela com a mãe”16. precisamente no fato de se ter um corpo. O deslumbramento nos aponta ao gozo místico apresentado por Lacan em seu Seminário XX. Se o pai se encontra também submetido aos caprichos da mãe e não opera como agente da privação. p. 129. a devastação retornará para o sujeito feminino. quer em sua relação com seu corpo ou com a perda do corpo. no citado artigo de 31. O sujeito não metaforiza a falta. Para a mulher haveria uma versão de gozo que aponta para um sem limites em sua experiência corporal. para o infinito. Lacan avança para além dessa articulação da devastação com o falo quando vai dizer que o gozo feminino tem um aspecto suplementar ao gozo fálico. Freud. Há na mãe. como já dissemos. a ser evitada. Miller em seu texto 15 16 Obra citada. que não há relação com a lei que possa poupá-la disso. isso implica no fato de que o desejo da mãe não é inteiramente significantizado. se a metáfora paterna é sempre falha. as coisas se tornam ainda mais difíceis. 265.8 No entanto. “…uma mulher tem sempre um ponto de devastação. portanto. então. . a partir dessa leitura de Lacan com respeito ao gozo feminino. p. Tal como diz Miller. no ravissement. que faz contraponto com uma feminilidade impossível de ser suportada. A devastação articulada ao falo nos conduz a concluir que ela empurra o sujeito para uma identificação masculina. ao lado do desejo. a escolha não recai sobre a formação de um sintoma. tal como foi mostrado por Miller e Eric Laurent. no mesmo sentido em que Lacan dizia que a verdadeira mulher tem sempre algo de perdida”15 Assim. da metonímia. No lugar da falta do Outro ela situa a lagartixa. um gozo feminino desconhecido e que faz enigma para o sujeito. que passa. A devastação pode. permanecendo no registro da demanda e. quer em suas parcerias amorosas. Assim. e a devastação da qual Lacan fala. ser lida como uma dificuldade estrutural própria à inexistência do todo feminino. Obra citada. já que não há uma exceção que a constitua como categoria universal. Na relação com o corpo. a devastação é retomada no deslumbramento. No caso da devastação. Quanto ao amor. diz respeito ao sujeito feminino confrontado ao gozo feminino da mãe. Ambas manifestações não são sem relação uma com a outra. ela pode responder a esse saber metaforizando-o. ligado ao desejo da mãe. Como diz Lacan. A relação da mulher com o falo é contingente e decorre da certeza do amor que vem fixar a deriva pulsional. um modo de gozar. Se do lado masculino o objeto de amor é fetichizado. Escola Brasileira de Psicanálise. de sua alma. Se essa transmissão não ocorre. insaciável. p. tendo como princípio comum a falta de significante no Outro. A perda desse amor pode trazer a irrupção de uma desfalicização do corpo. 1998.Miller. capturada na fusão imaginária. no relacionamento sexual e na maternidade. do lado feminino temos a erotomania. precisamente sob a forma da devastação”. de sua relação com a linguagem. uma despersonalização ou ainda uma ameaça de auto-desaparecimento. e um lado não todo fálico.114. fascinado pelo gozo feminino. Tal como Lacan fala em Télévision.A. não há limites às concessões que cada uma faz para um homem: de seu corpo. 19 Lacan. um sofrimento localizado. p. Miller definiu a devastação como a outra face do amor18. Ele afirma que “o incondicional da demanda de amor. o não todo no sentido do sem limite. a devastação será a conseqüência desse deslumbramento narcísico que busca mais o amor desenfreado do que o desejo. ou seja. o viés na mulher é uma aflição pior do que o sinthoma. p. que se articula ao 17 18 Miller. se a relação do homem com o outro sexo se faz por via do sinthoma. in La Cause Freudienne nº. J. Podemos então concluir que a devastação tem um lado de reivindicação fálica. um amor às vezes sem limites ao pior. Tais fenômenos decorrem da estrutura de cada sujeito e. a devastação não o é. Un répartitoire sexuel. retorna ao falasser feminino. O osso de uma análise. uma errância. O sujeito devastado. Um homem pode então se inscrever como devastação para uma mulher a partir do que se revela para ela como engano do amor. o simbólico. trata-se de um gozo que se substitui à resposta do amor. 74 . Miller traduz em seu artigo: é a erotomania. em seu seminário sobre O Sinthoma. em colocar o corpo na troca amorosa. Se o sintoma é um sofrimento sempre limitado. que se caracteriza pela não equivalência. Seuil. certamente. pode ainda fazer uma escolha homossexual colocando seu parceiro nessa posição idealizada de mulher admirada.9 “Uma distribuição sexual”17 dizia que o amor e a devastação guardam uma relação estreita. Uma mãe deverá se separar dos objetos de seu corpo em sua relação com a filha. De qualquer forma a devastação implica em dificuldades do sujeito nas relações de troca. J. em seu caráter potencialmente infinito.40. Biblioteca –agente. de seus bens19”. uma devastação mesmo. e pouco articulado com o desejo. Televisión. 5. ali onde a deixou o desejo materno. Para o sujeito feminino.10 deslumbramento do corpo e que deriva de toda a dificuldade de se simbolizar o gozo feminino. . é sempre difícil desprender-se dos impasses do gozo. Ela se origina no ponto em que a filha espera uma identificação feminina que se revela impossível.
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