DO FENÔMENO SOCIAL DA "TRANSCULTURAÇÃO" E DE SUA IMPORTÂNCIA EM CUBA 1 Fernando Ortiz Tradução e comentário de Lívia Reis (UFF) Com o aval do leitor, especialmente daqueles interessados em estudos sociológicos, nos permitimos usar pela primeira vez o vocábulo "transculturação", sabendo que é um neologismo. Atrevemo-nos a propor este termo, para que na terminologia sociológica possa substituir, ao menos em parte, o vocábulo aculturação, cujo uso está se estendendo ultimamente. Entende-se por aculturação o processo de trânsito de uma cultura para outra e todas suas repercussões sociais. Transculturação, porém, é um vocábulo mais apropriado. Escolhemos transculturação para expressar os variadíssimos fenômenos que se originam em Cuba, por meio das complexas transmutações de culturas que aqui se verificam; sem conhecê-las é impossível entender a evolução do povo cubano, tanto no aspecto econômico quanto no institucional, jurídico, ético, religioso, artístico, lingüístico, psicológico, sexual e nos demais aspectos da vida. A verdadeira história de Cuba é a história de suas intrincadíssimas transculturações. Primeiro a transculturação do índio paleolítico ao neolítico, e seu desaparecimento por não se adaptar ao impacto da nova cultura castelhana. No momento seguinte, a transculturação de uma corrente incessante de imigrantes brancos. Espanhóis, de culturas diferentes, já desgarrados como se dizia então, das sociedades ibéricas peninsulares e transplantados a um Novo Mundo, no qual, tudo era novo para eles, da natureza à humanidade, e onde tinham que reajustar-se a um novo sincretismo de culturas. Ao mesmo tempo, a transculturação de uma contínua torrente humana, de negros africanos, de etnias e culturas diversas, procedentes de todas as comarcas costeiras da África, desde o Senegal, passando pela Guiné, Congo e Angola no Atlântico, até as de Moçambique, na costa oriental do continente africano. Todos eles arrancados de seus núcleos sociais originais, com suas culturas destroçadas, oprimidas sob o peso das culturas aqui hegemônicas, como a cana de açúcar, moídas entre as rodas do moinho. E ainda mais, culturas migratórias, em ondas esporádicas ou em fluxo contínuo, fluindo ou não, oriundas dos mais variados lugares: indígenas continentais, judeus, lusitanos, anglo-saxões, franceses, norte-americanos e até mongóis amarelos de Macau, Cantão e de outras regiões do que foi o Império Celeste. Cada imigrante desarraigado de sua terra natal, em um movimento duplo de desajuste e de reajuste, de desculturação ou exculturação e de aculturação ou inculturação, e por fim, de síntese de transculturação. Em todos os povos, a evolução histórica significa sempre um trânsito vital de culturas a um ritmo mais ou menos lento ou rápido; mas em Cuba, foram tantas e tão diversas, em posições espaciais e categorias estruturais, as culturas que influenciaram na formação do povo, que esta imensa mestiçagem de raças e culturas sobrepuja em transcendência qualquer outro fenômeno histórico. Até mesmo os fenômenos econômicos, os mais básicos da vida social, em Cuba se confundem quase sempre com as expressões das diversas culturas. Em Cuba, dizer ciboney, taíno, espanhol, judeu, inglês, francês, anglo-americano, negro, yucateco, chinês e crioulo, não significa apenas indicar os diversos elementos formadores da nação cubana, expressos pelo uso do gentílico. Cada um deles vem a ser também a sintética e histórica denominação de uma economia e de uma cultura, das muitas que em Cuba se manifestaram sucessiva e até simultaneamente, produzindo, às vezes, os mais terríveis impactos. Recordemos aquele da "destruição das Índias", resenhado por Bartolomé de la Casas. Toda a escala cultural que a Europa experimentou em mais de quatro milênios, em Cuba ocorreu em menos de quatro séculos. O que no velho continente se subiu por rampas e degraus, aqui se deu a saltos e sobressaltos. Primeiro foi a cultura dos ciboneyes e guanajabibes, a cultura paleolítica: nossa idade da pedra. Ou melhor, nossa idade de pedra e pau; de pedras e madeiras rústicas sem polimento, e de conchas e espinhas de peixes, que eram como pedras e puas do mar. Posteriormente surge a cultura dos índios taínos, que eram neolíticos. É a idade da pedra polida e da madeira lavrada. Os taínos introduzem a agricultura, a vida sedentária, a abundância, o cacique e o sacerdote. Chegam por conquista e impõem a transculturação. Os ciboneyes se tornam servos naborías ou fogem para as serras e para as selvas, aos cibaos e caonaos. Em seguida um furacão de cultura. É a Europa. Chegaram juntos em um torvelinho, o ferro, a pólvora, 1 ORTIZ, Fernando. “Del fenómeno de la "transculturación" y de su importancia en Cuba”. In: El contrapunteo cubano del azúcar y del tabaco. Cuba: Editorial de ciencias sociales, La Habana , 1983. . arrancando de roldão suas instituições e destroçando suas vidas. e acreditavam que. umas selvagens. Não houve fatores humanos mais transcendentes para a cubanidade do que essas contínuas. e apenas uma estadia passageira e lucrativa neste país das Índias. a Europa foi o Novíssimo Mundo para os povos americanos. centenas de milhares de seres humanos foram trazidos a Cuba. a moeda. como a dos mandingas. dahomeyanos e yorubas. E se os indígenas e castelhanos. Não houve outro elemento humano em mais profunda e contínua transmigração de ambientes. Poder-se-ia dizer que toda a representação da cultura ibérica abaixo dos Pirineus. O simples cruzar dos mares lhes mudava o espírito: saíam em andrajos e perdidos. como os indígenas. de seus parentes. como a dos taínos. outros. Em um instante se saltou da sonolenta idade da pedra à desperta idade do Renascimento. os portugueses. Em várias economias que chegavam. cruzaram os mares em agonia. o rei. Todos conviveram. de mudança. Homens. em seu desespero. Mais desgarrados que todos. fora de si. Os negros. feridos e destroçados como a cana nos engenhos e como esta. mas primitivas e de impossível adaptação aos brancos daquele ocaso da Idade Média. de inibição. diretamente de todas as etnias negras. Foram transportados de uma cultura para outra mais potente. ano após ano. a cultura mediterrânea. mercados. foram moídos. enquanto o branco. terror do opressor pela revanche. século após século. a vela. com o destino mais cruel. contra si e contra sua vontade. mas foram trazidos sem vontade nem ambição. já com metais. do que essa vida sempre desenraizada da terra habitada. outras de barbárie adiantada. o poder e o retorno ao lugar de origem no declínio da vida. terror do oprimido pelo castigo. como animais. vieram em busca de aventura. Foram dois mundos que reciprocamente se descobriram e se entrechocaram. Nessas condições de desarraigamento e amputação social entre continentes ultraoceânicos. sempre com um sentimento de raiva impotente. sempre com ânsia de fuga. isto é. caso fosse possível utilizar tal métrica para a cronologia dos povos. como os ciboneyes. Também desde as primeiras ondas migratórias chegaram genoveses. Os negros foram arrancados de outro continente. O contato das duas culturas foi terrível. os negros. passavam a dominadores em terra alheia. guerreiros. o boi. naquela época repleta de escravos da Guiné e do Congo. que abandonava sua terra desesperado. de costumes. nada disso puderam encontrar. se poderia dizer. Enquanto alguns brancos trouxeram a economia feudal. em sua costa. todas desgarradas. o senhor. se passaram várias idades. desgarrados de uma sociedade velha. culturas intermediárias entre a taína e a azteca. de emancipação. todos com as ambições voltadas para a riqueza. Com os brancos chegaram os negros. de alimentos. tiveram o amparo e o consolo de suas famílias. de classes e de consciência. misturados nos navios negreiros e nas senzalas. economias.E uma vertigem revolucionária sacudiu os povos indígenas de Cuba. hausas. Em maior ou menor grau de isolamento. Uma delas pereceu. em Cuba. todas exógenas. depois. Os negros trouxeram com seus corpos seus espíritos. com o trauma do desarraigamento original e sua rude transplantação a uma cultura nova em criação. num mesmo ambiente de terror e de força. sempre com o projeto de audácia efetiva e transitória. tanto os negros quanto os brancos. igualmente invasores. de dissimulação e de aculturação diante do mundo novo. "aves passageiras" sobre o país. Curioso fenômeno social este de Cuba: terem sido. desajustados. e sempre em postura defensiva. todos fora da justiça. econômicas e sociais dos seus povoadores. a imprensa. e algumas de maior complexidade econômica e social. também variadas e mescladas. em transição. fiorentinos. a roda. como os brancos. forçados a deixar seus costumes tribais para aqui se desesperarem na escravidão. vários "anos-cultura". judeus. o livro. frades. culturas. já com agricultura. mistura milenar de povos e pigmentações desde os louros normandos aos negros sub-saarianos. acreditando que mesmo depois de mortos teriam que voltar. culturas e desejos. desde o século XVI. Com os brancos chegou a cultura de Castela e com ela vieram os adaluzes. em linha parabólica. yolofes. o banqueiro. de hábitos e de sortes distintas. tudo aqui se sentiu forâneo.o cavalo. quase totalmente. Em um único dia. passavam para o lado invisível de seu próprio mundo cubano. de culturas. os galegos. de seus caudilhos e templos. viveram em Cuba. com a força ou à força. espremidos para lhes tirarem o sumo do trabalho. como conquistadores em busca do saque e de povos para subjugar. para se reintroduzirem em outra: nova de climas. a igreja. E . chegavam senhoriais: de dominados em sua terra. em Cuba. lá na África. classes. radicais e contrastantes transmigrações geográficas. provisório. primeiro da Espanha. mas não suas instituições e ferramentas. chegava às Índias em orgasmo de esperanças. foi destruída a ponto de ser necessário trazer e transmigrar toda uma nova população. a bússola. de gente. tanto a classe dos novos dominadores quanto a dos novos dominados. os bascos e os catalães. Vieram negros de uma multiplicidade de procedências: raças. também brancos. comércio externo e governos centralizados e efetivos sobre territórios e populações tão grandes quanto Cuba. sexos e idades. escravos. fulminada. mutável. moeda. levantinos e berberiscos. A sedimentação humana indígena da sociedade. transformado em amo poderoso. Chegaram arrancados. em cima ou em baixo. foram aglomerados em jaulas. Com eles suas diversas culturas. ao morrer. Transculturação fracassada para os indígenas e radical e cruel para os que chegavam. Todos eles. línguas. com seus pais perdidos. do que essa perene transitoriedade dos propósitos. mercadores e aldeões. mas ainda sem escrita. vinham movidos pela economia do capitalismo mercantil e do nascente capitalismo industrial. e socialmente nivelados pelo mesmo regime de escravidão. para reviver. e resolvidas entre si a sobrepor-se à outras economias. sempre em desajuste com a sociedade sustentadora. a letra. o salário. Se as Índias da América foram o Novo Mundo para os povos europeus. mas estes sofreram em sua terra natal. com princípio e fim em terra estranha. isto é.. toda sua gente e culturas. à autoridade irrecusável de Bronislaw Malinowski. todos ao novo mundo. Durante sete décadas ele pensou. escreveu livros. Estas questões de nomenclatura sociológica não são banais para um melhor entendimento dos fenômenos sociais. e aquele mais conhecido e que nos interessa discutir neste momento: transculturação. Em Cuba. à musicologia. que se poderiam denominar neo-culturação. o que se poderia chamar de uma desculturação parcial. O conceito de transculturação é essencial e indispensável para compreender a história de Cuba e. sua história é uma intensíssima. significa o vocábulo anglo-saxão acculturation . o fundamento de suas reflexões e as múltiplas facetas do pensador e do homem de cultura sempre giraram em torno de um tema principal: Cuba e a dinâmica de sua formação social. foi levada aos mais diversos campos do saber nos quais se destacou. criou inúmeras revistas. foi a falta de instrumentos adequados à sua nova tarefa: não existiam precedentes. à antropologia. num processo de transplantação mais. foi um dos principais fatores na formação identitária de Cuba. Sua formação. em 1881. em . 1982). a rigor. nem vocabulário científico adequados à descrição dos fenômenos que investigava" (OTERO. Do fenômeno social da transculturação e de sua importância em Cuba . Ortiz é chamado o "terceiro descobridor".todos em um doloroso movimento de transculturação a um novo ambiente cultural. Lizandro Otero. filho de pai espanhol e mãe cubana. povos de várias origens. econômica e cultural. a de toda a América.Comentários Comentário: Lívia Reis (UFF) Publicado pela primeira vez em 1940. Viveu o momento histórico do fim de século em dois lugares com crises paralelas: Cuba. favoreceu uma mente inquisidora que. e esse vocábulo compreende todas as fases da sua parábola. nasceu em Havana. porque este processo não consiste somente em adquirir uma cultura diferente. depois de Colombo e Humbold. não hesitamos em lançar o referido neologismo. proferiu conferências. por razões análogas. artigos para jornais. em toda a América. a seguir à arqueologia. científica e ao mesmo tempo vastíssima. Enfim. pois sua obra erudita. por exemplo. à lingüística. mereceu sua imediata aprovação. editoras e instituições. em processo de declínio do poderio colonial. Ao submeter o neologismo proposto. onde graduou-se em bacharel e doutor em Direito. Depois dos negros chegaram judeus. embora tenha começado pelo estudo das leis. franceses. Segundo outro escritor cubano. no desempenho de suas investigações. Da necessidade gerada pela carência de uma terminologia científica própria. o texto de Fernando Ortiz tornou-se referência obrigatória para toda e qualquer reflexão sobre o fenômeno da mestiçagem não apenas em Cuba mas por analogia. mas sempre algo diferente de cada um dos dois. todas elas em vias de transição. Na sua totalidade. Com um padrinho tão eminente. Entendemos que o vocábulo transculturação expressa melhor as processo de transição de uma cultura para outra. "um dos primeiros problemas de Ortiz. anglo-saxões. na perda. porém o processo implica também. chineses. Do fenômeno social da transculturação e sua importância em Cuba Fernando Ortiz . transculturação. ao folclore e à etnologia. enfim. no desenraizamento de uma cultura anterior. no livro Contrapunteo cubano del azúcar y del tabaco. foi o que hoje se poderia chamar de um agitador cultural. posteriormente jovem república e a Espanha. à filologia. e menos ainda em Cuba onde. ou menos efervescente. tanto na Europa quanto em Cuba. em processo de independência e. Mas este não é o momento oportuno para nos estendermos neste tema. à história. Fernando Ortiz. Cresceu entre Cuba e Espanha. é o segundo capítulo. afro-cubano. e. Ortiz criou novos termos como. Depois da carreira jurídica. o grande mestre contemporâneo da etnografia e da sociologia. todos de passagem. além do mais. necessariamente. empregada pela primeira vez no ensaio em questão. dedicou-se à sociologia. Porém. o que. o processo é uma transculturação. como bem sustenta a escola de Malinowski. como em nenhum povo da América. em todo enlace de culturas ocorre o mesmo que na cópula genética dos indivíduos: a criança sempre tem algo de seus progenitores. complexíssima e incessante transculturação de várias massas humanas. deixando profundas marcas. significa a criação conseqüente de novos fenômenos culturais. para as então nascentes Ciências Sociais. embora o processo seja doloroso para todos. O autor . a inexistência de um termo que possa abarcar e significar este processo sempre em movimento. mas sobretudo de culturas e economias distintas. em um trabalho produzido em 1940. desvinculada das amarras teóricas das principais correntes da época. marcadas pela presença de diversos povos indígenas. oriundos de várias etnias africanas.social do povo cubano que a mestiçagem. raças. aliados à uma imaginação exuberante e a uma documentação científica vasta e precisa. Para além destas possibilidades de leitura. seus conseqüentes desencontros. a obra reduz a distância entre o olhar científico e o objeto. é transculturação. o autor. a necessidade do neologismo proposto é vital. designa simbiose de culturas. em nada faz lembrar as teorias de corte positivistas. Desde as origens pré-históricas. transculturação. Mesmo com uma certa dose de empirismo. história cultural.. como sugere o sentido estreito do vocábulo anglo-saxão. imagens. quando constatamos que somos produto de culturas híbridas que convivem a partir de sua heterogeneidade multicultural. não apenas de povos. os negros foram transplantados totalmente contra sua vontade. não se pode negar que no Contrapunteo . o resultado é uma obra sem igual na cultura e na literatura cubana. Para Ortiz. A forma pouco ortodoxa com que Ortiz analisa o processo civilizatório que se deu em Cuba. foram os que mais sofreram no movimento de transplantação espacial e cultural. diferentemente dos primeiros. resguardados por uma linguagem rica em metáforas. o que chama de neo-culturação. ritmo etc. bem como grande parte de sua obra. Este ensaio de Ortiz. daquela que vem a ser a obra mais importante e conhecida do escritor cubano: Contrapunteo cubano del azúcar y del tabaco . O exame atento do texto aponta para a possibilidade de leituras em várias direções: como documento etnográfico. enfim. o autor constrói um jogo dialético entre o açúcar e o álcool. "o Contraapunteo define o cubano a partir do cubano. aquele mais preocupado com as questões relativas às ciências sociais. com todo o vigor e ao mesmo tempo a leveza de sua retórica. o doce ao amargo. comparações. com suas sucessivas ondas migratórias de origens e culturas diversas. O ponto primordial e a razão pela qual Ortiz advoga a criação e o uso de um novo vocábulo é. o alimento ao veneno. e esta não pode ser entendida sem um conceito teórico que lhe dê sustentação. a água ao fogo. Ao longo do texto. choques. e a criação de novos fenômenos culturais. além dos méritos literários. Ortiz analisa em profundidade a história econômica. aplastamento racial. teve como inspiração o interesse do antropólogo/sociólogo pela cultura negra que. visita os diversos grupos que se mesclaram e resultaram no que hoje chamamos de cubanos. nativos da ilha. em que o interdisciplinar se torna multidisciplinar. por sua prosa irônica e irreverente. produzida em plena maturidade. reiterações. aliterações. até a chegada dos europeus com seu "furacão cultural" e. Por seu estilo. Ao traçar uma arqueologia da formação do povo cubano. por último. Contrapondo os produtos como entidades abstratas: o branco do açúcar ao marrom do fumo.. a carne ao espírito. floresceu em Cuba. lutas hegemônicas. além de propor e advogar o uso do termo teórico transculturação é. por sua condição de absoluta subalternidade em um sistema escravocrata. um ponto deve ainda ser ressaltado: a extrema contemporaneidade da reflexão elaborada por Ortiz . na fronteira entre o literário e o ensaístico. Nesta obra. em diferentes graus de desenvolvimento. os negros chegaram ao novo mundo que lhes era totalmente estranho mas. tão em voga na época.um conjunto de ensaios. o que ele denomina desculturação. em uma possível escala dos estudos culturais latino americanos. o sentido de transculturação cunhado por Ortiz pode ser visto como grau zero. que chegaram com o afã civilizatório. disputas. em um discurso cubano e mediante uma metodologia cubana"(ECHEVARRÍA. do passado colonial aos dias de hoje. segundo sua própria argumentação.1983. O vocábulo proposto. O sentido que Ortiz atribui ao neologismo transculturação implica também a perda de uma cultura anterior. seguidas pelo próprio Ortiz quando jovem. p. de equilíbrio teórico e metodológico. ao mesmo tempo em que produz uma das obras literárias mais brilhantes da literatura cubana. dos negros. em seu conjunto. que é o encontro dos povos e de suas culturas. transplantada da África. para se alcançar enfim a dolorosa convivência e posterior interpenetração cultural. aculturação. pois não há nenhum outro fenômeno de maior transcendência na formação histórico. os negros. Como os brancos. Para o autor. análise sociológica. transculturação. O ensaio Do fenômeno social da transculturação e de sua importância em Cuba. em choque permanente. antropologia social. Como afirma Roberto González Echevarría. sustentada por uma reflexão original.90). Ortiz logrou construir uma obra síntese. o autor ressalta que nenhuma foi mais cruel que a dos negros. a história de Cuba foi a história do encontro múltiplo e variado. pode-se vislumbrar que entre as variadas transculturações que marcaram a história de Cuba. o dia à noite.25). pelas freqüentes brincadeiras e jogos de palavras. desarraigamento cultural e geográfico. Ao longo da obra. etnias.p. porque este processo não consiste somente em adquirir uma cultura diferente" (ORTIZ. o sol à lua. No momento em que os estudos literários e sociais se aproximam. de conquista e de riqueza. 1996. Todas as fases do processo. dentro do conjunto do livro. "fases do processo de transição de uma cultura à outra. principais produtos de Cuba e elementos primordiais no desenvolvimento da economia cubana. corte radical com suas raízes. gerando muitos fenômenos culturais e idiossincrasias da cultura cubana ou da cubanidade. OTERO. . Maria Helena Matte Hiriart e Emir Sader. 4. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. Ano 34. Havana: Editorial de Ciencias Sociales. Referências bibliográficas 1-GONZÁLEZ ECHEVARRÍA. Tranculturation: naissance d' un mot. Jean . 3. Contrapunteo cubano del azúcar y del tabaco . 2-LAMORE.foi pioneiro entre os pensadores que. Lisandro. In: La Gaceta de Cuba . Ortiz y sus contrapunteos . pai da antropologia cubana . 5-ORTIZ. Jean & CACCIA. vêm buscando entender e explicar os paradoxos culturais que fazem parte de nossa origem e formação. 1996. sempre buscando uma forma de ver o homem americano na sua multiplicidade. 6-RETAMAR. março/ abril. In: LACROIX. Presses de la Sorbonne Nouvelle Édition. Sua reflexão permanece. Fernando Ortiz. São Paulo: Busca Vida. Havana: Editorial de Ciencias Sociales. Roberto.LE RIVEREND. Fernando. 1983. não apenas em Cuba. ao longo do século. Havana no.2. mas em toda a América . Paris: 1992. Roberto Fernández. Caliban e outros ensaios . 1983. Fulvio. O conceito de transculturação continua básico para qualquer reflexão identitária. 1982. El contrapunteo y la literatura . In: O Correio da Unesco. na medida em que ainda é uma maneira atual e vigorosa de dirigirmos nosso olhar para nós mesmos. In: Contrapunteo cubano del azúcar y del tabaco . Metamorphoses d' un utopie. 1988. Julio. Trad.