Clube Empresa

March 28, 2018 | Author: Carlos Procopio | Category: Association Football, Sports, Olympic Games, Economics, Freedom Of Association


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0FELIPE FALCONE PERRUCI CLUBE-EMPRESA: o modeIo brasiIeiro para transformação dos cIubes de futeboI em sociedades empresárias FACULDADE DE DÌREÌTO MÌLTON CAMPOS NOVA LÌMA - MG 2006 1 FELIPE FALCONE PERRUCI CLUBE-EMPRESA: o modeIo brasiIeiro para transformação dos cIubes de futeboI em sociedades empresárias Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Direito Empresarial Orientador: Alexandre Bueno Cateb FACULDADE DE DÌREÌTO MÌLTON CAMPOS NOVA LÌMA - MG 2006 2 FELÌPE FALCONE PERRUCÌ CLUBE-EMPRESA: O MODELO BRASILEIRO DE TRANSFORMAÇÃO DOS CLUBES DE FUTEBOL EM SOCIEDADES EMPRESÁRIAS Dissertação apresentada e defendida perante Banca Examinadora, constituída pelos seguintes Professores Doutores: Prof. Dr. AIexandre Bueno Cateb (Orientador) Prof. (a) Dr. (a) Prof. (a) Dr. (a) Nova Lima, 09 de junho de 2006. 3 A Deus por ter me concedido a graça para chegar até aqui. A meus pais, pelo exemplo diário de fé, amor e trabalho, com o que me ensinaram o que não se pode aprender em livros. 4 AGRADECIMENTOS Agradeço, inicialmente, a Deus, por ter me conduzido com amor e disciplina nesta árdua caminhada. A meus pais e irmãos por terem me suportado ÷ em todas as acepções possíveis desta palavra ÷ no decorrer deste trabalho. A meus avós por tanto acreditarem em mim e aos demais familiares pelo apoio. A Tati, por ter surgido em minha vida de modo especial e duradouro; pelo apoio e compreensão em todos os momentos de dificuldade, acadêmica, profissional e emocional; por seu amor, sua admiração e incentivo que foram decisivos para a conclusão deste trabalho e para o planejamento de outras várias conquistas. Ao Prof. e amigo Luís Cláudio da Silva Chaves, muitos agradecimentos... por ter me "adotado¨, mesmo sem ter idade para ser meu pai;pelo incentivo desde os tempos de estágio; pelo exemplo inspirador com o que me fez entender o verdadeiro significado da minha profissão e, finalmente, por ter confiado em mim ao realizar meu maior sonho profissional: o magistério. Ao Prof. e amigo, Alexandre Bueno Cateb, inicialmente, por ter me incentivado, ainda na graduação, a aprofundar meus estudos nesta matéria; por ter dividido comigo muitos momentos de reflexão e descontração; por sempre me ajudar em minha recente carreira acadêmica. Ao Prof. e também amigo Antônio Marcos Nohmi, por seus conselhos que sempre me fizeram ver o mundo de modo aperfeiçoado; pela confiança no meu trabalho e pelas diversas oportunidades. A todos os professores da Faculdade Milton Campos, na pessoa do Prof. Dr. Wille Duarte Costa, Jason Albergaria e Vinícius Gontijo, pelos ensinamentos e motivação. A todos os colegas de mestrado, em especial Marcelo, Chico, Léo, Hugo, Sâmia, Simone, Paula e Maria Flávia, não apenas pelos incontáveis momentos de debates acadêmicos, mas especialmente, pela amizade fraterna que desenvolvemos. 5 Ao Dr. Alberto dos Santos Puga Barbosa, pela disponibilidade e auxílio em todos os momentos de dúvidas, sempre solucionados por meio da CEV-LEÌS. Aos amigos do ÌMDD que sempre me apoiaram neste trabalho e em outros projetos, especialmente Thomaz e Cadu. Aos colegas da UNÌFENAS pela trocas de experiências, constante aprendizado e grande apoio, na pessoa da Profa. Sandra Carsalade. Aos funcionários das Faculdades Milton Campos que fizeram parte deste trabalho, em especial, Otaviano, Rosely, Miralda, Suely, Sílvia, Eduardo, Zélia e Emilce, pelo auxílio constante e sempre cordial. Aos colegas dos escritórios com os quais trabalhei, pelo apoio, incentivo e sacrifício que fizeram em prol deste trabalho, especialmente Fernanda, Tetê e mais recentemente Antônio Roberto Pires de Lima e Erasmo Heitor Cabral. Aos amigos mais próximos que sempre estiveram do meu lado, em especial, Enéias, Gustavinho Mourão, Christiano, Ìgor, Guilherme Jusé, Anderson Mundim, Daniel Copam e toda a turma da CAP. A meus alunos da Universidade José do Rosário Velano ÷ UNÌFENAS/BH e da Universidade de Ìtaúna que sempre me incentivaram com seus questionamentos. 6 Sem prejuízo do respeito e estímulo sempre devidos ao esporte amador e ao patrimônio de utilidade social por ele construído ao longo de gerações, o desporto profissional e as suas competições reclamam soluções inovadoras que, a partir de um novo regime para as entidades que servem de suporte jurídico à actividade desportiva, distinga, sem discriminar, as duas realidades existentes, que devem coexistir de forma adequadamente regulada. José Manuel Meirim 7 RESUMO O panorama atual permite afirmar que o futebol profissional deixou de ser uma atividade esportiva de fins não-econômicos. Atualmente o futebol profissional é tratado como verdadeiro negócio mercantil. Há tempos lutava-se por mudanças estruturais que adequassem o futebol profissional a esta realidade. Nesse contexto foi publicada a Lei nº 9.615, em 24 de março de 1998, com a finalidade de disciplinar o clube-empresa. O objetivo deste trabalho é analisar o modelo brasileiro de transformação dos clubes de futebol, enquanto associações desportivas, em sociedades empresárias. Palavras-chave: Clube-empresa; sociedade empresária. 8 ABSTRACT The current panorama allows affirming that the professional football stopped being considered a not-economic activity. Currently, professional football is treated as a true business. For a long time, persons involved with football asked for structural changes that could adjust the professional football to this reality. Ìn this context, was published the Law 9,615, in March 24, 1998, with the purpose of disciplining the club-company. The objective of this work is to analyze the brazilian model of transformation of football teams, from associations to entrepreneurs. 9 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADÌ - AÇÃO DÌRETA DE ÌNCONSTUTÌCÌONALÌDADE BNDES ÷ BANCO NACÌONAL DE DESENVOLVÌMENTO ECONÔMÌCO E SOCÌAL CBF ÷CONFEDERAÇÃO BRASÌLEÌRA DE FUTEBOL. CC ÷ CODÌGO CÌVÌL CCOB ÷ CODÌGO COMERCÌAL BRASÌLEÌRO CEV-LEÌS ÷ CENTRO ESPORTÌVO VÌRTUAL CF ÷ CONSTÌTUÌÇÃO FEDERAL CPÌ ÷ COMÌSSÃO PARLAMENTAR DE ÌNQUÉRÌTO CSD ÷ CONSEJO SUPERÌOR DE DEPORTES DL ÷ DECRETO LEÌ EC ÷ EMENDA CONSTÌTUCÌONAL FGTS ÷FUNDO DE GARANTÌA POR TEMPO DE SERVÌÇO FÌFA ÷ FEDERATION INTERNATIONAL FOOTBALL ASSOCIACION FÌGC ÷ FEDERAZÌONE ÌTALÌANA GÌOCO CALCÌO HTMF ÷HÌCKS, MUSE, TATE & FURST ÌBDD ÷ ÌNSTÌTUTO BRASÌLEÌRO DE DÌREÌTO DESPORTÌVO ÌNDESP ÷ ÌNSTÌTUTO NACÌONAL DO DESENVOLVÌMENTO DO ESPORTE. ÌNSS ÷ ÌNSTÌTUTO NACÌONAL DE SEGURÌDADE SOCÌAL ÌSL ÷ ÌNTERNATÌONAL SPORTS LEÌSURE LBSD ÷ LEÌ DE BASES DO SÌSTEMA DESPORTÌVO LD ÷ LEY DEL DEPORTE LGSD - LEÌ GERAL SOBRE DESPORTOS MP ÷ MEDÌDA PROVÌSÓRÌA NCC ÷ NOVO CODÌGO CÌVÌL 10 PDT ÷ PARTÌDO DEMOCRÁTÌCO TRABALHÌSTA PL ÷ PROJETO DE LEÌ RD ÷ REAL DECRETO RDSAD ÷ REAL DECRETO SOBRE SOCÌEDADE ANONÌMA DESPORTÌVA SA ÷ SOCÌEDADE ANONÌMA SAD ÷ SOCÌEDADE ANÔNÌMA DESPORTÌVA STF ÷ SUPREMO TRÌBUNAL FEDERAL TJD ÷ TRÌBUNAL DE JUSTÌÇA DESPORTÌVA 11 SUMÁRIO Resumo......................................................................................................................... 07 ÌNTRODUÇÃO.............................................................................................................. 14 1 ATIVIDADE ESPORTIVA................................................................................... 19 1.1 A EVOLUÇÃO DO DESPORTO......................................................................... 19 1.2 O DESPORTO NA MODERNÌDADE.................................................................. 24 2 O ASSOCIATIVISMO E A ESTRUTURA ORGANIZATIVA DO FUTEBOL PROFISSIONAL BRASILEIRO .................................................................................... 29 2.1 ASSOCÌAÇÕES CÌVÌS ....................................................................................... 30 2.1.1 A associação civil no decreto-lei 3.199/41.......................................................... 37 2.1.2 A associação civil na lei nº 6.251/75................................................................... 38 2.1.3 A lei 6.354/76..................................................................................................... 42 2.1.4 O artigo 217 da Constituição Federal de 1988 ................................................... 43 2.1.5 A associação no projeto de lei nº 4.784/2001 ÷ Estatuto do Desporto ............... 46 3 A NECESSIDADE DE REVISÃO DO REGIME JURÍDICO DAS ASSOCIAÇÕES DESPORTIVAS................................................................................. 50 3.1 A ESTRUTURAÇÃO DO FUTEBOL E O DESENVOLVÌMENTO DO PROFÌSSÌONALÌSMO NA EUROPA............................................................................. 50 3.2 A ÌMPLANTAÇÃO DO NOVO PARADÌGMA MERCADOLÓGÌCO..................... 51 3.3 O ÌNÍCÌO DA NOVA REALÌDADE: O "FUTEBOL-EMPRESA¨ ........................... 59 3.4 A CONSOLÌDAÇÃO DA LÓGÌCA MERCANTÌL NO FUTEBOL.......................... 61 3.5 A REVÌSÃO DAS BASES DESPORTÌVAS PORTUGUESAS: O ASSOCÌATÌVÌSMO E A RE-ESTRUTURAÇÃO ORGANÌZATÌVA DO FUTEBOL PROFÌSSÌONAL............................................................................................................ 65 3.5.1 A sociedade anônima desportiva portuguesa..................................................... 71 3.6 A REFORMA LEGÌSLATÌVA E A RE-ESTRUTURAÇÃO DO FUTEBOL PROFÌSSÌONAL NA ESPANHA.................................................................................... 75 3.6.1 Os princípios fundamentais da SAD................................................................... 77 3.6.2 O papel do estado no desporto espanhol e o plano de saneamento.................. 80 4 O PARADIGMA MERCADOLÓGICO DO FUTEBOL BRASILEIRO: ANÁLISE DE SUAS PARTICULARIDADES................................................................................. 85 4.1 A ÌMPLANTAÇÃO E DESENVOLVÌMENTO DO FUTEBOL PROFÌSSÌONAL ... 85 4.2 A CRÌSE FÌNANCEÌRA E POLÍTÌCA E SUAS ÌNFLUÊNCÌAS NA CONSOLÌDAÇÃO DO PROFÌSSÌONALÌSMO............................................................... 93 12 5 O DIREITO COMERCIAL E A EMPRESA......................................................... 98 5.1 BREVE PANORAMA EVOLUTÌVO DO DÌREÌTO COMERCÌAL: DOS ATOS DE COMÉRÌCÌO AO DÌREÌTO DAS EMPRESAS......................................................... 98 5.1.1 A fase subjetiva .................................................................................................. 98 5.1.2 A fase objetiva: a teoria dos atos de comércio ................................................... 102 5.2 A EMPRESA....................................................................................................... 106 5.2.1 A importância da empresa.................................................................................. 107 5.2.2 Noção econômica e jurídica de empresa............................................................ 110 5.3 AS TEORÌAS E O DESENVOLVÌMENTO DO CONCEÌTO JURÍDÌCO DE EMPRESA..................................................................................................................... 113 5.3.1 Conceito de empresa dentro do sistema francês da teoria dos atos de comércio........................................................................................................................ 114 5.3.2 Conceito de empresa no direito italiano reformado ............................................ 116 5.3.3 O conceito de empresa no direito brasileiro........................................................ 127 5.4 A NECESSÌDADE DE RECONSTRUÇÃO DO DÌREÌTO COMERCÌAL ............. 137 6 A CARACTERIZAÇÃO DO EMPRESÁRIO....................................................... 142 6.1 ATRÌBUTOS CARACTERÌZADORES DOS EMPRESÁRÌOS ............................ 145 6.1.1 Profissionalismo.................................................................................................. 145 6.1.2 Atividade econômica........................................................................................... 147 6.1.3 Organização ....................................................................................................... 149 6.1.4 Produção e circulação de bens e serviços.......................................................... 153 7 A SOCIEDADE................................................................................................... 155 7.1 SOCÌEDADE CÌVÌL E COMERCÌAL................................................................... 155 7.2 SOCÌEDADES SÌMPLES.................................................................................... 159 7.3 SOCÌEDADES EMPRESÁRÌAS ......................................................................... 161 8 O CLUBE-EMPRESA......................................................................................... 163 8.1 A LEGÌSLAÇÃO DESPORTÌVA BRASÌLEÌRA: APONTAMENTOS SOBRE SUA EVOLUÇÃO E O TRATAMENTO DO CLUBE-EMPRESA ................................... 163 8.1.1 A Lei 8.672/93: Lei Zico164 8.1.2 A Lei 9.615/98: Lei Pelé...................................................................................... 169 8.1.3 A Lei 9.940/99..................................................................................................... 173 8.1.4 A Lei nº 9.981/00 ................................................................................................ 174 8.1.5 A Medida Provisória nº 39 .................................................................................. 177 8.1.6 A Medida Provisória nº 79 .................................................................................. 178 8.1.7 A Lei nº 10.671/2003 .......................................................................................... 179 8.1.8 A Lei nº 10.672/2003 .......................................................................................... 180 8.1.9 O Projeto de Lei nº 4.784, de 2001 (apensados os pls nºs 4.932/01, 5342/01 e 7157/02) que institui o Estatuto do Desporto................................................................. 184 8.2 NATUREZA JURÍDÌCA DO CLUBE-EMPRESA................................................. 188 8.2.1 As fontes de receita: aspecto mercantil do desporto .......................................... 191 8.3 A EXPRESSÃO "CLUBE-EMPRESA¨ ................................................................ 200 8.4 A AUTONOMÌA CONSTÌTUCÌONAL DAS ENTÌDADES DE PRÁTÌCA DESPORTÌVA............................................................................................................... 202 13 8.4.1 A autonomia organizacional das entidades de prática desportiva e a nova disciplina do Código Civil de 2002................................................................................. 205 9 TRANSFORMAÇÃO DOS CLUBES DE FUTEBOL EM SOCIEDADES EMPRESÁRIAS............................................................................................................ 217 9.1 OBRÌGATORÌEDADE OU FACULTATÌVÌDADE?............................................... 217 9.2 AUSÊNCÌA DE DÌRETRÌZES LEGAÌS PARA A ÌMPLEMENTAÇÃO DO PROCESSO.................................................................................................................. 222 9.3 AS LÌMÌTAÇÕES LEGAÌS PARA A TRANSFORMAÇÃO DOS CLUBES EM SOCÌEDADES EMPRESÁRÌAS.................................................................................... 232 10 REGIME JURÍDICO DA SOCIEDADE EM COMUM.......................................... 237 10.1 A POSSÌBÌLÌDADE DE DECRETAÇÃO DA FALÊNCÌA DO CLUBE- EMPRESA..................................................................................................................... 239 10.2 A RESPONSABÌLÌDADE DOS ASSOCÌADOS, SÓCÌOS E DÌRÌGENTES DE ENTÌDADES DE PRÁTÌCA DESPORTÌVA ................................................................... 243 11 MODELOS DE GESTÃO.................................................................................... 248 11.1 CRÌAÇÃO DE SOCÌEDADE ............................................................................... 252 11.2 A CONSTÌTUÌÇÃO OU CONTRATAÇÃO DE SOCÌEDADES COMERCÌAÌS PARA ADMÌNÌSTRAÇÃO DAS ATÌVÌDADES PROFÌSSÌONAÌS .................................. 256 11.3 PARCERÌA E CO-GESTÃO................................................................................ 259 11.4 LÌCENCÌAMENTO.............................................................................................. 263 11.5 A ADOÇÃO DE MODELOS EMPRESARÌAÌS E OS RESULTADOS ESPORTÌVOS E FÌNANCEÌROS DOS CLUBES.......................................................... 266 CONCLUSÃO................................................................................................................ 272 REFERÊNCÌAS............................................................................................................. 279 14 INTRODUÇÃO A forte influência britânica sobre o desenvolvimento da civilização ocidental, ao longo do século XÌX, não se limitou à esfera econômica e política. Também na área cultural nota-se significativa aceitação de inúmeras manifestações populares, sobretudo, de modalidades esportivas, surgidas na Grã-Bretanha, pelos países do então Novo-Mundo. Nesse contexto, merece destaque a prática do futebol, que em poucos anos passou a desfrutar de grande popularidade, deixando de ser uma atividade meramente recreativa, para assumir contornos de uma verdadeira confrontação entre seleções de várias regiões. O esporte bretão tornou-se um evento capaz de atrair milhares de pessoas dispostas a pagar assistir as disputas dos certames futebolísticos. Em razão disso as equipes inglesas perceberam a necessidade de investir recursos financeiros tanto na melhoria de condicionamento físico dos atletas, como no aumento de suas remunerações. Deste modo, objetivavam atrair um contingente ainda maior de espectadores, conseqüentemente, ampliando seus ganhos na venda de ingressos. À medida em que o profissionalismo se estruturava na órbita futebolística inglesa, nos demais países europeus o futebol amador já havia se difundido com relativo sucesso. Na América do Sul a prática organizada, ainda incipiente, limitava-se aos locais em que se situavam representações britânicas. 15 Paralelamente a isso, os meios de comunicação, tais como: o rádio, a imprensa escrita e, sobretudo, a televisão, rapidamente se desenvolviam. O alcance, cada vez maior, da mídia fez despertar o interesse do empresariado em explorar comercialmente este mercado que potencialmente surgira. Nesse compasso, o marketing passou a ser o elemento responsável pela vinculação de marcas e empresas ao esporte. Somando-se a isso, a consolidação do capitalismo como sistema político- econômico predominante e o fenômeno da globalização, responsável pela abertura e expansão de diversos mercados consumidores mundiais, revelaram uma nova faceta do esporte: a mercadológica. O futebol deixou de ser uma atividade com mera conotação de paixão clubística, de competição por competição, e transformou-se em espetáculo, peça fundamental na engrenagem da indústria de entretenimento nacional e internacional. Como ciência, o Direito que sempre se ocupou de várias atividades do homem, disciplinando suas relações que repercutem no mundo exterior, neste particular não se quedou inerte. Com efeito, o conjunto normativo afeito à espécie modernizou-se na medida em que inter-relação esporte-comércio se aperfeiçoou. Nessa esteira, o legislador europeu na tentativa de adequar a estrutura jurídico-organizacional dos clubes de futebol à nova realidade mercadológica do esporte, promoveu uma ampla reforma da legislação, culminando com a transformação das associações civis de caráter esportivos em sociedades comercias, com destaque para a sociedade anônima. Neste contexto, os clubes de futebol que anteriormente desempenhavam suas atividades sem o intuito do lucro, passaram a sujeitar-se a todos os percalços da atividade econômica, principalmente à quebra ou falência. 16 No Brasil, entretanto, até meados da década de noventa, a lógica que comandava a organização futebolística não era a econômica. O futebol era considerado uma atividade eminentemente recreacional. Os clubes eram organizados sob a forma de associação ou sociedade civil, sem finalidade lucrativa, razão pela qual, a doutrina não sinalizou interesse em aprofundar os estudos acerca do tema. Ocorre, porém, que a realidade mercadológica do esporte não era ignorada pelos que administravam os clubes de futebol e empresariavam os atletas. Pelo contrário, a exploração comercial da atividade desportiva, ganhou contornos de imprescindibilidade para a existência e continuidade dos clubes. A venda dos "passes" de seus jogadores, a exploração da marca do time, os contratos publicitários e de licenciamento para transmissão de imagens, a cobrança de ingressos nos jogos, a destinação das receitas, além de outras atividades, confirmam a exploração comercial do futebol, em contraposição à fórmula prescrita pelo legislador, na qual não se admitia lucro. Em razão disso, fez-se necessário promover o efetivo aperfeiçoamento, não só da legislação desportiva, mas, sobretudo, da estrutura organizativa do esporte brasileiro, especialmente do futebol, tendo em mira o caráter mercantil da atividade que passaram a desempenhar. Nesse diapasão, foi editada a Lei n.º 9.615 de 24 de março de 1998, alcunhada como "Lei Pelé" que disciplinou de forma exaustiva o desporto, sobressaindo o futebol, desde os contratos de trabalho dos atletas, até a organização dos clubes e de suas entidades representativas. Aludida norma impôs sérias mudanças, que devem ser apreciadas sob a perspectiva do direito, ressaltando o caráter eminentemente comercial da atividade 17 por eles desempenhada. Procurou adequá-los à realidade mercantil do esporte, manifesta, sobretudo, nos contundentes valores que atualmente envolvem os contratos de atletas, times, seleções esportivas, além do interesse dos grupos econômicos multinacionais, para divulgar sua marca ou mesmo comercializar as próprias marcas dos clubes. Todavia, embora se trate da mais importante mudança promovida na estrutura esportiva brasileira, visto que desta forma os clubes de futebol poderão adequar suas atividades à realidade do mercado internacional, o legislador não forneceu os subsídios necessários para uma reformulação estrutural de tamanha importância. Tal afirmativa justifica-se pelo fato de que apenas um artigo da norma geral sobre desportos dispõe sobre a aludida transformação, razão pela qual vários aspectos relativos ao processo de transformação em si, podem, de fato, inviabilizar a mudança que se pretende, sequer foram apreciadas. Nesse sentido, pode-se tomar como exemplo a inexistência de previsão quanto à nova posição dos antigos associados, o destino do patrimônio existente, o passivo dos clubes, dentre outros. No direito alienígena, especialmente na Espanha e em Portugal, surgiram as primeiras leis com objetivo de promover a mudança do regime jurídico dos clubes de futebol. Referidas normas disciplinaram exaustivamente o processo de transformação das associações civis desportivas em sociedades de características mercantis, sob todos os aspectos. Com efeito, diante da limitada normatização na esfera do direito brasileiro do aludido processo de transformação, verifica-se a necessidade de se proceder ao aprofundamento dos estudos acerca do tema. 18 Embora o processo de transformação da estrutura jurídico-organizacional dos clubes de futebol tenha iniciado com a publicação da Lei nº 9.615/98, em 24 de março de 1998, o estudo e a pesquisa das diversas questões jurídicas então surgidas com o seu advento, sobretudo, no que concerne à sua interseção com o Direito Comercial, continuam incipientes. 19 1 ATIVIDADE DESPORTIVA 1.1 A EVOLUÇÃO DO DESPORTO O homem sempre desempenhou atividades físicas voltadas para o lazer, entretenimento ou mesmo com finalidades religiosas. As sociedades primitivas valiam-se da existência dos jogos, atraindo-os até mesmo para o sustento do culto e de ritos sagrados, nas provas de sacrifício ou nas horas oferecidas às consagrações e aos mistérios. 1 Admite-se no âmbito da sociologia que as grandes forças instintivas da vida civilizada, tais como o direito e a ordem, o comércio e o lucro, a indústria e a ordem, a poesia, a sabedoria e a ciência tenham como origem remota os mitos e os cultos. A civilização grega cuidou de estabelecer uma distinção nítida de ordem terminológica entre o jogo e a competição, tendo como base a preponderância do fator lúdico, ou seja, no exercício de atividade de lazer e recreação. Tal distinção transpunha o caráter terminológico, correspondendo, de fato, a uma diferença sociológica, senão mesmo psico-biológica, profundamente arraigada entre jogo e competição. O idioma latino, por sua vez, cuidou de cobrir todo o terreno do jogo com uma única palavra: ludus. 2 1 LYRA FÌLHO, João. Sociologia do esporte, Rio de Janeiro: Forense, 1952, p. 28. 2 LYRA FÌLHO, João. op. cit., p. 29. 20 O impulso competitivo dos gregos evidenciou-se através de suas atividades agonísticas, que, para muitos autores, ressentia-se de estigmas de barbárie, somente extinta com a intensificação e desenvolvimento da cultura. Os ritos, conforme os padrões sociais de hoje, apresentavam-se de forma sangrenta, e, muitas das provas poderiam ser classificadas como cruéis sem, no entanto desfigurar o sentido festivo das reuniões. Havia interpenetração entre o ambiente próprio da festa e o ungido pela sagrada emoção que envolvia o respeito aos mistérios do culto. O desenvolvimento do desporto na cultura grega pode ser desmembrado em três períodos, levando-se em conta a manifestação e influência agonística nas atividades. O primeiro, chamado de arcaico ou heróico, abarca o surgimento da Hélade, por meio de combates e guerras, sem a presença do fator agonístico. O espírito militar e religioso dos jogos públicos tonificou-se. A produção de atletas destinava-se à garantia de segurança do Estado, sendo considerados peças humanas da muralha de amparo das mulheres, velhos, crianças e dos deuses. Com tudo, as guerras heróicas e os combates acabaram por consumir os melhores atletas gregos. O segundo período teve início com a paz entre as cidades gregas, deslocando a sociedade em direção ao gonal, fator dominante da vida social. Neste período, o objetivo maior da civilização helênica era a realização de atividades que privilegiavam o deus Agon, dotadas do espírito competitivo que sempre repousou sobre os gregos e não mais a preparação dos atletas para os fins militares. 21 O traço mais marcante deste período foi a instituição dos Jogos Olímpicos, aproximadamente no ano de 776 AC., que se realizavam, regularmente, a cada intervalo de quatro anos, contando apenas com a participação de cidadãos gregos. A importância dos Jogos para o povo grego era tal que, enquanto duravam os jogos, o território do Olimpo, era considerado território neutro em relação às guerras. Estabelecia-se uma trégua sagrada entre as cidades guerreiras, de modo que todas as batalhas armadas deviam cessar. A vida dos helênicos tinha tanta ligação com os Jogos que passaram a servir como referência para medir o próprio tempo. Não havia entre os gregos maior honra, do que vencer as competições olímpicas. Os vencedores recebiam não só a coroa de ramos de oliveira silvestre trazida por Herácles do país de Hipérberos e plantada no Áltis, segundo a lenda, mas também gozavam de prerrogativas políticas, isenção de tributos, pensão do Estado, tribuna privativa nas reuniões públicas e até mesmo o embolso de vantagens pecuniárias. Todavia, o grau de evolução das atividades agonísticas, não foi capaz de integrá-las à conceituação cultural de desporto. O terceiro período caracterizou-se, sobretudo, pelo predomínio do fator social, culminando com a passagem definitiva da batalha para o jogo. O predomínio do princípio agonístico, segundo Ehrenberg, citado por João Lyra Filho, foi o responsável pela decadência da civilização helênica, posto que: [...] a futilidade e a inutilidade do agon provocaram a abolição de todas as qualidades sérias da vida, tanto no pensamento quanto na 22 ação, acarretando indiferença a todo impulso vindo do exterior e o desbaratamento de todas as forças nacionais aplicadas no simples objetivo de ganhar-se um jogo 3 . Por outro lado, em termos sociológicos, pode-se afirmar que não ocorreu a transição da batalha para o jogo, nem do jogo para a batalha; mas sem o desenvolvimento da cultura. 4 A conquista da Grécia, primeiro pelos macedônios e depois pelos romanos, fez desaparecer o espírito de rivalidade que existia entre suas cidades e, em conseqüência, afastou o espírito combativo dos gregos. O espírito agonístico então existente na civilização helênica, não atuou com tanto vigor em Roma, a não ser nas atividades dos gladiadores e nas lutas travadas entre homens e animais selvagens. O espírito competitivo dos gregos migrou do protagonista da atividade para o espectador, que se associava ao caráter ritualístico dos jogos romanos. Os competidores eram considerados representantes dos espectadores, ou seja, lutavam como que fosse em nome daqueles. Os romanos não herdaram da Grécia subjugada nenhum acento que valorizasse as provas atléticas. Filóstrato, citado por João Lyra Filho, comenta que "tudo mudou; em vez de guerreiros, atletas que não foram soldados; em vez de cidadãos ativos e rijos, homens preguiçosos e flácidos. As artes perderam o vigor; a arte da adulação converteu-se em desporto 5 ". A abolição dos Jogos Olímpicos pelo imperador Teodósio e a conseqüente eliminação do elemento agonístico, deve-se ao fato de que o Estado 3 LYRA FÌLHO, João. Sociologia do esporte, Rio de Janeiro: Forense, 1952, p. 29-30. 4 Idem Ibidem. 5 LYRA FÌLHO, João. op. cit. p. 31. 23 ocioso que os atletas passaram a viver fez nascer neles mil apetências ilícitas, de sorte que muitos passaram a pagar para obter vitórias fáceis, inclusive os treinadores. À queda do Ìmpério Romano, sucedeu-se a invasão dos bárbaros, tornando impossível a esperança de um clima de vida social que alentasse as atividades desportivas. A Ìdade Média cobriu-se de lutas, competições e combates armados, contrapondo-se aos ideários cristãos, predominantes à época, em que só se acreditava na saúde da alma. Ao corpo humano não era atribuída qualquer importância que valesse a pena à educação da juventude e ao bem estar do povo. O impulso competitivo somente ressurgiu neste período, em decorrência da presença atuante de uma juventude criativa, sem, é claro, as marcas acerbadas das atividades agonísticas gregas. Propagava-se culto à valentia, especialmente na temeridade das corridas eqüestres. A cavalaria passou a representar a participação do povo nas atividades sociais, não sendo privilégio de uma classe da sociedade feudal. Mas aqueles que pretendessem se profissionalizar tinham que possuir excepcionais condições materiais, disponível, tão somente, pela classe dominante. Consolidaram-se no âmbito destes indivíduos mais favorecidos as justas, que apresentavam enormes riscos à integridade física dos combatentes. A maior motivação de tal atividade repousava no status social conferido ao vencedor, podendo recair sobre o derrotado a pena de excomunhão, denotando emúltma análise um certo caráter religioso. A população economicamente desfavorecida, portanto, contentava-se com a prática de jogos populares, de cunho recreativo. 24 As lutas também tiveram significativa aceitação neste período, embora não evidenciassem nenhum sinal de destaque do desenvolvimento de atividade cultural qualificada. Ìnteressante notar que era comum contar na programação de festas bretãs a realização de um torneio entre lutadores. A esgrima foi desenvolvida a partir de um exercício necessário à preparação dos cavaleiros que se dispusessem a enfrentar os adversários em duelos quase sempre mortais. No entanto, nunca foi valorizada como torneio de agrado popular, dada à sua feição aristocrata. No período da Renascença, em que foi promovido o amplo desenvolvimento das ciências, letras e artes, ocorreu o retraimento das atividades físicas, desenvolvendo-se, por outro lado, os jogos de salão. 1.2 O DESPORTO NA MODERNIDADE O mundo só veio a conhecer o desporto no fim do século XÌX, com o progressivo desprendimento dos preceitos religiosos da cultura. Para que tal fenômeno ocorresse, foi preciso aliar vários fatores, tais com a fortificação da economia, o progresso social dos povos e a concretização do ideal de fair-play, como fator determinante na formação integral do homem. Sob os ideários do Barão de Coubertin (1863-1937) ressurgiram os Jogos Olímpicos no ano de 1896, com o objetivo de promover festivais esportivos com as melhores condições para o cumprimento da função educacional que o esporte deve 25 desempenhar no mundo moderno, bem como para exaltar o atleta individual, oferecendo iguais oportunidades de triunfo a todos os competidores. A célebre frase do Barão, "o essencial não é vencer, mas competir com lealdade, cavalherismo e valor", que mais tarde tornou-se o lema do esporte amador e das Olimpíadas, representa o marco inicial do desenvolvimento do conceito de desporto. O renascimento dos Jogos Olímpicos refletiu a existência de uma nova cultura desportiva. A proposta principal desta nova realidade refletia um novo estilo de vida fundamentado na alegria do esforço e no respeito mútuo, cujo propósito era colocar o esporte a serviço do homem para construir um mundo de paz dentro do respeito à dignidade humana 6 . Com efeito, por volta do final da década de 30, um paradigma de cunho ideológico se agregou ao ideal olímpico do Barão de Coubertin. Além da finalidade olímpica consubstanciada na qualidade da disputa, na formação dos atletas e no sentido associativo, passou o esporte a ser utilizado como elemento simbólico de afirmação de nacionalidade de uma raça ou de um sistema político. A primeira Olimpíada na qual se verificou este fenômeno foi realizada na Alemanha Nazista, em Berlim, no ano de 1936. A vitória de Jesse Owens, atletista norte-americano negro, na mais nobre prova do atletismo, o cem metros livres, e a recusa do ditador alemão em lhe entregar a medalha de ouro, marcaram esta nova feição do esporte olímpico. A incorporação do caráter ideológico nas competições esportivas esteve em destaque, ainda, nos Jogos de 1972 em Munique, 1976 em Montreal, 1980 em Moscou e 1984 em Los Angeles. A principal motivação nestas competições era a 6 NUSMAN, Carlos Arthur. Direito desportivo. Campinas: Mizuno, 2000, p. 232. 26 "Guerra-Fria¨ 7 estabelecida entre os principais representantes da bipolarização mundial entre países capitalistas e comunistas. As competições tornaram-se cada vez mais acirradas, especialmente entre norte-americanos , soviéticos e cubanos. A rivalidade ideológica entre estes países era tal, que houve boicote por parte dos norte-americanos nas Olimpíadas de 1980, realizadas em Moscou e dos soviéticos e cubanos, nos Jogos de Los Angeles em 1984. Deve-se salientar, entretanto, que tais motivações ideológicas proporcionaram grande desenvolvimento ao esporte. Ìsto porque os principais países protagonistas destas disputas adotaram políticas internas agressivas de investimento financeiro e técnico em diversas modalidades desportiva, posto que as glórias das vitórias olímpicas se deslocavam dos atletas para os sistemas político- ideológicos. No plano nacional, a utilização pela Ditadura Militar da Seleção Brasileira de Futebol como símbolo de exaltação ao sentimento nacionalista, quer para a afirmação da ideologia do Regime, quer para dispersar a atenção das questões políticas candentes, é exemplo vívido deste paradigma ideológico agregado ao esporte. 8 No entanto, a partir do final da década de oitenta, ocorreu o enfraquecimento político e econômico dos países integrantes da chamada "Cortina de Ferro¨. O desmantelamento da União Soviética aliado à queda do muro de Berlim representaram o fim da polaridade mundial entre capitalismo-comunismo, ou pelo menos de suas disputas. 7 Sobre a Guerra Fria veja HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos ÷ o breve século XX, São Paulo: Companhia das Letras, 1995. 8 TÁVOLA, Artur da. Lei Pelé. Brasília: Senado Federal, 1998, p. 37. 27 Pode-se, então, afirmar, que o paradigma ideológico, calcado na supremacia de um sistema político não mais se faz presente. Na década de noventa, o fenômeno desportivo adentrou com as modificações sociais promovidas pelo novo viés político-econômico mundial, em que predominou a ideologia capitalista, exigindo uma nova conceituação de jogo e desporto contemporâneo. O desenvolvimento científico no campo dos desportos, aliado ao destaque conferido pela imprensa internacional, transformou as competições em grandes espetáculos. O apelo popular para as práticas lúdicas cedeu lugar, pelo menos em termos numéricos, para os espectadores. Diante disto, surge como resposta o binômio competição-rendimento. As disputas esportivas passaram a representar o modelo da produção industrial da sociedade pós-moderna. O sucesso e a vitória passaram a se relacionar com o desenvolvimento tecnológico e sua aplicação no esporte. A busca de resultados técnicos modificou sobremaneira, os objetivos e fins das agremiações desportivas. Muitas que possuíam como finalidades a promoção do lazer organizado e desenvolvimento do desporto transformaram-se em sociedades produtoras de espetáculos. A essência do desporto passou a ser uma ação pré-organizada, onde o resultado pode, na maioria das vezes, ser previsto conforme a quantificação dos valores financeiros investidos. Portanto, a trajetória do desporto desde a Antiguidade até os dias hoje pode ser definida como a passagem de um jogo sagrado para uma competição dessacralizada, auto-controlada pela instituição de regramentos de alcance internacional, marcada pela utilização da tecnologia na busca de melhores 28 resultados e, sobretudo, amparada pelos crescentes investimentos financeiros do setor privado em todas as áreas do esporte. Artur da Távola (1998) 9 , a esse respeito, conclui que a partir da década de oitenta, como conseqüência profunda da alteração do jogo de forças mundial e a consolidação do capitalismo como sistema político e econômico hegemônico, além da evolução na indústria e desenvolvimento dos meios de transmissão eletrônicos, foi agregado ao esporte um novo paradigma: o paradigma mercadológico, com possibilidades ilimitadas do ponto de vista econômico. O esporte deixa de ser uma atividade com mera conotação de paixão clubística, de competição por competição, e, transformando em espetáculo, passa a constituir peça fundamental na engrenagem da indústria de entretenimento nacional e internacional. Nada mais adequado, então, do que possibilitar às entidades de prática desportiva a possibilidade de se adequarem ao novo paradigma, a partir da adoção ou criação de modelos societários que lhes permitam auferir benefícios econômicos. Para Álvaro Melo Filho 10 , a evolução histórica da mentalidade esportiva divide-se em três etapas: inicialmente do ideário olímpico em que "o importante é competir", passando pelas tensões da guerra fria em que "o importante é vencer", chegou-se finalmente à visão atual do esporte como lazer e negócio, em que "o importante é lucrar". 9 TÁVOLA, Artur da. Lei Pelé. Brasília: Senado Federal, 1998, p. 15. 10 MELO FÌLHO, Álvaro. Novo regime jurídico do desporto. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 13. 29 2 O ASSOCIATIVISMO E A ESTRUTURA ORGANIZATIVA DO FUTEBOL PROFISSIONAL BRASILEIRO A estrutura organizacional do esporte brasileiro sempre guardou profunda relação com as bases e o ideal associativo. Desde a publicação dos primeiros diplomas jurídico-desportivos, até a apresentação do mais recente Projeto de Lei, ainda em tramitação na Câmara dos Deputados, que visa instituir nova Lei Geral sobre Desportos, pode-se observar a influência do associativismo no sistema organizacional do desporto. O modelo associativo, que se contrapõe ao aspecto mercantilista, apresentava-se como o mais adequado para a implantação da prática futebolísitica, deflagrada com a chegada da Ìnglaterra Charles Miller em solo brasileiro, ainda nos idos de 1884 11 . Carregando duas bolas e as regras do novo jogo, iniciou o que mais tarde se tornaria o maior símbolo nacional e um dos mais importantes elementos da cultura nacional. Neste capítulo far-se-á uma breve análise das normas desportivas que apresentam como modelo ideal a associação para a estruturação e organização do o futebol. Antes, porém, convém destacar os elementos que caracterizam o associativismo, descendo, a seguir, ao estudo da nova sistemática das associações traçada pelo Código Civil de 2002. 11 CATEB, Alexandre Bueno. Desporto profissional e direito de empresa, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 88. 30 2.1 ASSOCIAÇÕES CIVIS A associação entre pessoas existe desde a antiguidade mais remota, seja em função da necessidade do homem em defender seus pares ou mesmo em se manter protegido no grupo em que se insere. É de se observar que o fenômeno associativo reflete as necessidades humanas que não podem ser satisfeitas sem colaboração. Ou seja, quando o esforço individual não basta para o escopo visado pelas pessoas que se reuniram para atingi-lo. Nesta concepção, em sentido amplo, com conotações sociológicas, pode-se afirmar que as associações e as sociedades civis e mercantis eram os meios hábeis para a satisfação dos interesses humanos, diferenciando-se apenas no que toca aos objetivos propostos por seus membros. 12 O reconhecimento da importância das associações no contexto social e a necessidade de se proteger o fenômeno associativo encontra suporte na Constituição Federal, que elevou o direito de liberdade de associação ao patamar de direito individual. 13 12 SZTAJN, Rachel. Associações e sociedades. Revista de Direito Mercantil, Econômico e Industrial. V. 128, p. 16. 13 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XVÌ - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; XVÌÌ - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; XVÌÌÌ - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; XÌX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; XXÌ - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; 31 As associações sob a égide do Código Civil de 1916, como assente na doutrina, voltam-se para a persecução de um fim comum, de natureza não econômica ou não lucrativa. Entretanto, não apresentava distinção clara entre as associações e a sociedades de natureza civil, deixando para a doutrina a missão de estabelecer eventuais diferenças entre essas duas formas de manifestação do fenômeno associativo. Caio Mário da Silva Pereira salienta que a utilização da designação pessoas jurídicas de fins não econômicos poderia servir como sinônimo de associação. Associação de fins não lucrativos é aquela que se propõe a realizar atividades não destinadas a proporcionar interesse econômico a seus associados (...). Com esse critério, classificam-se ainda na categoria de associações ideais aquelas que realizam negócios visando ao alargamento patrimonial da pessoa jurídica, sem proporcionar ganhos ao associados. Assim, a procura de vantagens materiais acessórias, indispensáveis à sobrevivência da associação, não lhe retira o caráter não lucrativo do fim social. 14 Washington de Barros Monteiro entende que as associações e sociedades são espécies do gênero corporação e que correspondem às universitas personarum do direito romano. Para o autor diferenciam-se, entre si, pela finalidade lucrativa verificada nas sociedades e por sua ausência nas associações. 15 14 PEREÌRA, Caio Mário da Silva. Curso de direito civil. Parte Geral. V. 1. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 215. 15 MONTEÌRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Parte geral. V. 1. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1966, p. 118. 32 Para Orlando Gomes, na associação o fim colimado pelos indivíduos que se reuniram com esforços e haveres comuns é ideal, ao passo em que nas sociedades o ideal é o proveito comum dos sócios que se estabelecem com direitos e deveres recíprocos entre si. 16 O renomado jurista Pontes de Miranda, de forma conclusiva, afirmava que "associação, em sentido lato, é, a organização estável de duas ou mais pessoas, para se conseguir fim comum, de natureza não econômica.¨ 17 A respeito da dificuldade da doutrina em estabelecer distinções entre as sociedades civis e associações, ensinava o tratadista que: A cada momento assiste-se ao emprego das expressões "associação e "sociedade' como se fossem sinônimos. Muitas vêzes, como se a "associação¨ correspondesse 'qualquer constituição de negócio jurídico associativo e a sociedade¨, somente determinado negócio jurídico associativo (e. g., a associação teria fim altruístico, ao passo que a sociedade o teria egoístico). Chegou- se a sustentar que a associação se designaria por ter membros variáveis e haver, nas sociedades, a invariabilidade dos sócios (e. g., Francesco Ferrara, (Teoria deite Persone giuridice, 497 s.). Também se pretendeu que na associação se tenha o gôzo imediato das utilidades, ao passo que na sociedade haja o gôzo através de dividendos (Tulio Ascarelli, Società, Associazioni, Consorzi, cooperative e transformazione, Revista dei Diritto Commerciale, 1949, ÌÌ, 425), ou, na associação, a predeterminação da quota das utilidades e, na sociedade, não (Domenico Rumno, Le Associazioninon riconoiute 15 s.). Pensou-se também em haver atividade produtiva, na sociedade, e satisfativa, na associação. Sobre o assunto, Tomo 1, § 82, 1. A expressão "associação¨ é empregada, às vêzes, em sentido vastíssimo, como na Constituição de 1946, art. 141, § 12. Basta que haja união voluntária, com fim comum. Então, pode não haver a economicidade. Tanto se refere às vinculações pessoais como às pessoais e reais, às duradouras e às acidentais. Não se confundem, porém, com as simples resiIições. Nem quanto às associações nem quanto às sociedades, o elemento da personalidade é essencial: apareceu, historicamente, depois; e, em princípio, se não se faz necessária à criação a personalidade, continua de ser ulterior à 16 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 185. 17 MÌRANDA, Francisco Pontes de. Tratado de direito privado. Tratado de direito privado. Parte Especial. Tomo XLÌX. Rio de Janeiro: Borsoi, 1965, p. 28. 33 criação.Se a sociedade ou associação, devidamente. constituída, não satisfaz requisito para se personificar, não se torna salvo se regra jurídica especial, ou se o próprio contrato lhe deu prazo para adquirir personalidade ou dissolver-se sociedade de fato, ou não reconhecida. 18 A posição de Ennerecceus sobre a conceituação de associação guarda relação com a confusão doutrinária exposta por Pontes de Miranda, como informa Alexandre Bueno Cateb: Ennerecceus define associação como à união estável de uma pluralidade de pessoas, independente em sua existência da troca de membros, que tem uma constituição corporativa e um nome coletivo correspondendo à administração dos assuntos da associação aos membros. A associação tem, portanto, membros e administração própria. 19 A par desta distinção, enquanto as associações possuem fim ideal, representado, por exemplo, pela manifestação culturais, esportiva, religiosa, moral, jurídica, ou política, nas sociedades busca-se o proveito dos sócios, a partir de obrigações e direitos recíprocos. A antiga intercambialidade entre as expressões sociedade e associação civil desapareceu no Código Civil de 2002, projetando-se para cada fenômeno disciplina própria, que abandona a anterior. 20 18 MÌRANDA, Francisco Pontes de. Tratado de direito privado. Tratado de direito privado. Parte Especial. Tomo XLÌX. Rio de Janeiro: Borsoi, 1965, p. 27-28. 19 CATEB, Alexandre Bueno. Desporto profissional e direito de empresa, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 87. 20 SZTAJN, Rachel. Associações e sociedades. Revista de Direito Mercantil, Econômico e Industrial. V. 128, p. 16. 34 A nova redação do caput do art. 53, que segue a linha de raciocínio de Ennerecceus e Pontes de Miranda, estabelece que a associação caracteriza-se pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos, sem haver, ainda obrigações recíprocas entre os seus integrantes. Art. 53 Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos. Este dispositivo torna sem sentido a dificuldade em se traçar distinção entre associações e sociedades. Destarte, com a nova regulamentação das sociedades na parte especial do Direito de Empresa, estas sempre terão finalidade econômica e os sócios serão reciprocamente obrigados entre si. No âmbito das associações, entretanto, jamais poderá tal organização ter finalidade econômica, bem como não se verificará obrigações e responsabilidades mútuas entre seus integrantes. 21 Nesse sentido interessante transcrever a lição da professora Rachel Sztajn Nessa linha o Código Civil (Lei nº 10.406/2002, quando distingue e disciplina separadamente sociedades e associações, aquelas no art. 981 e estas no art. 53 e ss. Tem no preceito constitucional ponto de partida da análise jurídica. No plano do Direito tanto as sociedades quanto as associações são centros de imputação com identidade própria, distinta da de seus membros. O legislador brasileiro não segui, nesse caso o Direito italiano que, ao lado das pessoas 21 Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados. 35 jurídicas com substrato pluripessoal reconhece as organizações não personificadas. [...] 22 O legislador do novel Código Civil caracteriza as associações como pessoas jurídicas de direito privado sem finalidade econômica, ou seja, apenas e tão somente com escopo ideal. Ìmportante observar que o viés econômico da associação deve ser entendido de maneira restrita. Significa dizer que a caracterização da atividade econômica deve ser compreendida como sinônima de animus lucrandi e sua partilha posterior entre os integrantes da pessoa jurídica. Significa dizer que a simples verificação de resultado positivo ÷ lucro ÷ não é suficiente para descaracterizar o ente como associação. Nesta hipótese, pelo fato de não se admitir na associação comunhão de direitos e obrigações recíprocas entre seus integrantes, não se poderá falar de economicidade da pessoa jurídica. A economicidade da atividade do ente jurídico informa a necessidade de ser produtora de riquezas e, por isto de bens, ou ainda de serviços patrimonialmente avaliáveis. Essas atividades podem ser exercidas como meio ou como finalidade. Na primeira hipótese ter-se-á a reversão integral do resultado obtido em benefício da própria entidade, como ocorre no seio das associações. É o caso, por exemplo, de entidade de prática desportiva que vende a seus membros uniformes e outros produtos do clube, sem dividir o resultado com seus sócios, mas vertendo-o para a 22 CATEB, Alexandre Bueno. Desporto profissional e direito de empresa. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 87. 36 própria entidade, visto que possuem como principal motivação e objetivo o exercício e promoção de atividades esportivas. Em sentido oposto, têm-se as sociedades em que sempre será observada a finalidade lucrativa. Significa dizer que o intuito de lucro é objetivo da organização, bem como a repartição entre os sócios dos resultados. A associação é, então, a pessoa jurídica de direito privado em que não há fim lucrativo ou intenção de dividir o resultado, embora tenha patrimônio, formado pela contribuição de seus membros para a obtenção de fins culturais, educacionais, esportivos, religiosos, recreativos, morais etc. Deve-se observar que jamais perderá a categoria de associação, ainda que realize negócios para manter ou aumentar seu patrimônio, sem, contudo, proporcionar ganhos aos associados. 23 Entretanto, conforme se fez demonstrado nos capítulos anteriores, as associações desportivas que praticam o desporto de modo profissional dos dias atuais, há muito desvincularam-se do ideal associativo. Deve-se salientar, por fim, que a Lei nº 10.825 de 22 de dezembro de 2003, que incluiu o §2º ao artigo 44, determina a aplicação subsidiária, nas associações, das normas relativas às sociedades. 24 A importância e os desdobramentos deste dispositivo serão analisados detidamente neste trabalho, especialmente no capítulo que trata da transformação dos clubes de futebol em sociedades empresárias. 23 SZTAJN, Rachel. Associações e sociedades. Revista de Direito Mercantil, Econômico e Industrial. V. 128, p. 16 24 Art. 44 ÷ (...) §2º - As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro ÌÌ da Parte Especial deste Código. 37 2.1.1 A associação civiI no decreto-Iei 3.199/41 A estrutura basilar do desporto brasileiro, desde a edição de sua primeira norma regulamentadora, o Decreto-Lei nº 3.199 de 14 de abril de 1941, até o advento da Lei nº 8.672 de 06 de julho de 1993, fundava-se na modalidade associativa de organização, disciplinadas no LÌVRO Ì, TÍTULO Ì, CAPÍTULO ÌÌ, do Código Civil de 1916. 25 O artigo 24 do Decreto-Lei nº 3.199/41 declarava que "As associações desportivas, entidades básicas da organização nacional dos desportos, constituem os centros em que os desportos são ensinados e praticados". A norma em comento não apenas estabeleceu a forma associativa como estrutura básica de organização do desporto brasileiro, mas também impôs limitação quanto à sua atuação junto ao setor privado. As vedações ao lucro e à remuneração dos dirigentes desportivos confirmam a posição centralizadora e autoritária do legislador. O artigo 48 do Decreto em tela assinalava que "A entidade de prática desportiva exerce uma função de caráter patriótico. É proibida a organização e funcionamento de entidade desportiva, de que resulte lucro para os que nele empreguem capitais sob qualquer forma." Corroborava com essa diretriz a redação do artigo 50 da aludida Lei "As funções de direção das entidades desportivas não poderão ser, de nenhum modo, remuneradas". 25 PERRUCÌ, Felipe Falcone. A legislação desportiva no Brasil. Jornal das Faculdades Milton Campos nº 56, janeiro de 2003. Disponível em: <http://www.mcampos.br/jornal/n56/menu.htm>. 38 Esta orientação legislativa refletia o papel intervencionista desempenhado pelo Estado, como reflexo da ideologia basilar do regime ditatorial então vigente. 2.1.2 A associação civiI na Iei nº 6.251/75 No ano de 1971 foi apresentado ao governo federal o Diagnóstico de Educação Física/Desportos no Brasil sob a coordenação de Lamartine Pereira da Costa, que justificou a necessidade de modernização da legislação desportiva então vigente. Manoel Tubino, citado por Alberto dos Santos Puga Barbosa (2001) ao comentar documento assinala que: O Diagnóstico apresentado por Pereira da Costa serviu para uma importante reflexão no setor da Educação Física e Esportes do país, deixando claro o atraso da instalação de um processo efetivo de desenvolvimento desportivo, embora mostrasse um certo progresso. Finalmente, deve-se ainda acrescentar que a publicação do Diagnóstico com as suas conclusões levou o governo brasileiro a acelerar uma busca pela modernidade da legislação desportiva brasileira, o que de fato foi tentado com a Lei 6.251/75, mas não alcançou esta intenção, mantendo em parte o sentido do Decreto-Lei nº 3.199, contrariando inclusive as sugestões e caminhos apontados pelo Diagnóstico. 26 No dia 06 de outubro de 1975, durante o governo do General Ernesto Geisel, foi editada e Lei nº 6.251, regulamentada pelo Decreto nº 80.228, apenas em 26 BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. O modelo societário como resposta organizativa no futebol profissional em Portugal e no Brasil. Tese de Doutoramento. Faculdade do Porto, 2001, p. 54. 39 25 de agosto de 1977, objetivando modernizar a legislação desportiva brasileira. Todavia, a nova lei assemelhava-se em muito ao Decreto ÷ Lei nº 3.199 de 14 de abril de 1941, pelo que pouca ou nenhuma modernização foi alcançada. A ação intervencionista, tuteladora e centralizadora do Estado permaneceu garantida pelo Conselho Nacional dos Desportes, atribuída, sobretudo, ao alto grau de intervenção estatal na organização e funcionamento das entidades desportivas. A Lei em comento foi a primeira a instituir normas gerais sobre desporto, destacando-se a política e o plano Nacional de Educação Física e Desportos; a delimitação dos recursos para o desporto; a divisão da prática esportiva desporto comunitário 27 ; desporto estudantil 28 ; desporto militar 29 e desporto classista 30 e as medidas especiais de proteção ao desporto. Pela primeira vez inseriu-se a definição legal de desportos, segundo o qual "para os efeitos desta lei considera-se desporto a atividade predominantemente física, com finalidade competitiva, exercida segundo regras pré-estabelecidas". 31 O Sistema Desportivo Nacional, integrado por órgãos públicos e entidades privadas que dirigiam, orientavam, supervisionavam, coordenavam ou controlavam a prática desportiva no Brasil, sendo reconhecidas como formas de organização do desporto, a comunitária, estudantil, militar e classista. 27 O desporto comunitário compreendia a prática amadorista ou profissional, cujas atividades eram ligadas às associações, ligas, federações e ao Comitê Olímpico Brasileiro. 28 O estudantil tinha sua atividades voltadas para o alunos dos colégios ou das universidades, sendo subdividido em escolar- abrangendo o 1º e 2º graus, sob supervisão do Ministério da Educação e Cultura- e universitária- absolvendo a prática desportiva nos estabelecimentos de ensino de 3º grau, sob a orientação e supervisão da Confederação Brasileira de Desportos Universitários. 29 O militar compreendia o desporto praticado nas unidades do Exército, Marinha e Aeoronáutica, além das Polícia Militares e dos Corpos de Bombeiros estaduais, ficando a organização e supervisão adstrita ao Ministério Militar e à Ìnspetoria Gerais da Polícia Militar. 30 O classista era abarcado pela prática no âmbito das empresas. 31 Art. 2º da Lei nº 6251/75. 40 O Conselho Nacional de Desportos, consagrado no artigo 41, era o órgão competente para normatizar e disciplinar o Desporto Nacional. Dentre suas atribuições, destacavam-se a competência para editar normas complementares sobre desportos, editar normas disciplinadoras dos Estatutos das entidades integrantes do Sistema Desportivo Nacional, decidir quanto à participação de delegações desportivas nacionais em competições internacionais, bem assim fiscalizar sua constituição e desempenho, baixar normas referentes ao regime econômico e financeiro das entidades desportivas, inclusive no que diz respeito aos atos administrativos e disciplinar a participação de qualquer entidade desportiva brasileira em competições internacionais. Novamente pode se vislumbrar o papel altamente intervencionista do Estado na organização e estruturação das entidades desportivas. A definição legal de associação foi ampliada, pois encerrou também o clube, mas vinculou a associação ou clube apenas à organização comunitária do desporto. A lei admitiu a prática desportiva de natureza profissional nas modalidades do futebol, pugilismo, golfe, automobilismo e motociclismo, abarcadas pelo desporto comunitário. No entanto, vedou a atividade empresarial na obtenção de atletas profissionais, o que contribuiu para a marginalização da iniciativa privada no esporte. O desenho sistemático da organização do desporto brasileiro na Lei nº 6.251, paradoxalmente, apresentou um avanço e uma restrição se comparada à definição legal de associação insculpida na Lei anterior. 41 O avanço é observado na maior amplitude conferida ao conceito de associação, ao inserir o clube como elemento integrante das entidades básicas de organização nacional do desporto. É o que se vê do caput do artigo 16 da Lei nº 6.251/75: "As associações desportivas ou clubes, entidades básicas da organização nacional de desporto comunitário, constituem os centros em que os desportos são ensinados e praticados". Todavia, a restrição refere-se à vinculação da associação ou clube apenas à organização comunitária do desporto. Com efeito, as limitações em relação aos clubes enquanto associações desportivas, no que se referia à aferição de lucros e remuneração dos dirigentes, remanesceram no Decreto regulamentador da nova lei, de nº 80.228 de 25 de agosto de 1977, no qual ratificou-se a proibição da organização das entidades de prática desportiva que resultassem lucro, decorrente de aplicação de capital de qualquer forma, bem como a vedação de qualquer remuneração, ao exercício da função de diretor nas entidades desportivas. Todavia, no Brasil, conforme informado por Alexandre Bueno Cateb, a atividade desportiva, ainda neste período, já sinalizava a mudança da finalidade ideal da prática do futebol, tendo em vista o desenvolvimento do profissionalismo entre os atletas. Amparando-se na biografia de Garrincha, um dos maiores jogadores de todos os tempos, de autoria de Ruy Castro, demonstra a superação do amadorismo pelo profissionalismo no esporte, ainda durante a década de 50: Obrigadas a qualificarem suas equipes representativas nos níveis reclamados para a conquista de vitórias nos jogos e torneios que passaram a suceder-se, foram impulsionadas a perseguir a captação de atletas melhor aparelhados para tal, os quais estavam em oferta no mercado em formação a preços inalcançáveis para os esquálidos 42 orçamentos de então. Evidencia-se que, ao adquirir o atleta, a associação não só se onerava pelo vínculo (passe) obtido da entidade vendedora, mas, igualmente, pelo suporte de seu custo laboral, traduzido em luvas, salários, encargos e etc. Por outro lado, o patrimônio se bipartiu: além dos bens físicos dele natural e materialmente integrantes, passou a incorporar também os imateriais. 32 2.1.3 A Iei 6.354/76 O fim do ciclo-tecnológico militar estimulou uma fecunda atividade revisionista das estruturas institucionais e sociais do país. A hegemônica presença do Estado nos assuntos de natureza públicos e o controle das estruturas sociais pelo seu braço centralizador deram lugar ao esforço de modernização do rol de suas atribuições, conferindo-lhe o status privilegiado de mediador das relações sociais, de supervisor do patrimônio coletivo. 33 A edição da Lei 6.354, em 02 de setembro de 1976, representou um marco histórico na legislação desportiva. Trata-se da primeira norma a dispor sobre as relações trabalhistas estabelecidas entre associações ou clubes e atletas. Apresentou definições legais atinentes a empregador e empregado, para os efeitos do futebol; conteúdo do contrato de trabalho dos atletas; condições para rescisão contratual por justa causa; possibilidade de aplicação de penalidades, pecuniárias ou não, ao atleta; possibilidade ao atleta de negar-se a competir, na 32 CATEB, Alexandre Bueno. Clube-Empresa: aspectos mercantis do desporto. Tese de Doutoramento. Universidade Federal de Minas Gerais ÷ UFMG, 2003. 33 TÁVOLA, Artur da. Lei Pelé, Brasília: Senado Federal, 1998, p. 32. 43 hipótese de atraso de salários; suspensão automática da entidade que estivesse com os salários dos atletas atrasados em período igual ou superior a três meses. 34 Ademais, estabeleceu limite de idade para celebração do contrato de trabalho do atleta profissional; jornada de trabalho diário e semanal; condições para cessão e/ou transferência do atleta e os seus direitos quando de sua transferência definitiva. Todavia, a inovação legislativa-laboral de maior relevo foi a instituição do "passe¨ do atleta, definido como "a importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato de trabalho ou depois de seu término, observadas as normas desportivas pertinentes." 35 Fulcrava-se, pois, a figura do "passe¨ em dois vínculos: o empregatício e o desportivo, ambos independentes e autônomos entre si. 36 Foi mantida a estrutura associativa como ideal e obrigatória para os clubes de futebol. 2.1.4 O artigo 217 da Constituição FederaI de 1988 No plano desportivo, a Carta Magna de 1988 representa o primeiro referencial de um novo paradigma no processo desportivo nacional. Pela primeira vez, com exceção da Carta de 1967 (Emenda de 1969, que limitava-se a atribuir à 34 KRÌEGER, Marcílio. Lei Pelé e legislação desportiva brasileira anotados. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 9. 35 Art. 11, Lei nº 6354/76. 36 BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. O modelo societário como resposta organizativa no futebol profissional em Portugal e no Brasil. Tese de Doutoramento. Faculdade do Porto, 2001, p. 56. 44 União competência para legislar e estabelecer normas gerais sobre desporto 37 ), foi o desporto disciplinado no plano constitucional. A inclusão do desporto na Constituição Federal e a nova posição adotada pelo Estado frente à atividade desportiva, representaram imenso avanço no tratamento jurídico das questões que envolvem a prática desportiva, especialmente se considerado o perfil liberal da nova Constituição. O Estado passou a exercer papel diverso daquele analisado nas leis anteriores. Abandona por completo o intervencionismo político próprio dos períodos ditatoriais, para alinhar-se com a nova ideologia liberal estampada no preâmbulo da Carta Política. Assim, passa a ser dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais como direito de cada um, observando-se a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações quanto a sua organização e funcionamento, bem como a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional; a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. 38 O mais notável avanço do dispositivo constitucional frente às legislações anteriores é representado pela autonomia conferida às entidades desportivas dirigentes e às associações desportivas para, livremente, determinarem seu funcionamento e organização, superando, pois, o modelo de feição intervencionista estatal no desporto, além da consagração da livre iniciativa do setor privado no desporto. 37 TÁVOLA, Artur da. Lei Pelé, Brasília: Senado Federal, 1998, p. 35. 38 Art. 217 da Constituição Federal de 1988. 45 No mesmo sentido, merece destaque o tratamento do desporto conforme o modo como é praticado. Assim, passam a ser reconhecidas três modalidades: o desporto educacional, de participação e de rendimento. 39 Com efeito é o estudo desta última modalidade que interessa aos objetivos deste trabalho, por motivos óbvios. Autores do porte de Manoel Tubino, diante do novo tratamento constitucional, chegam a afirmar que operou-se a revogação fática da Lei nº 6.251/75 e do Decreto nº 80.228/77, conforme anota Alberto dos Santos Puga Barbosa (2001): 40 . Se antes da Constituição de 1988, a Lei 6.251 já se encontrava defasada com o contexto internacional, principalmente depois da Carta Ìnternacional de Educação Física e Esportes da UNESCO, que reconheceu o direito de todos à prática esportiva, a promulgação da nova Carta Constitucional, tornou aqueles instrumentos legais completamente inadequados e inoperantes. Pode-se a te dizer que houve a revogação fática da Lei 6.251/75 e do seu Decreto Regulamentador nº 80.228/77 [...]. Entretanto, no plano material, apesar de não ter havido a revogação expressa das Leis 6.251/75 e do Decreto nº 80.228/77, descortinou-se a possibilidade dos clubes de futebol organizarem-se nos moldes de outros modelos 39 Alexandre Bueno Cateb ensina que o desporto educacional é aquele praticado nas escolas e estabelecimento congêneres, que tem por finalidade a integração do indivíduo à sociedade, com viés sociológico, com vista a molda-lo para o exercício pleno da cidadania. A modalidade de participação compreende as atividades desenvolvidas pelos praticantes com intuito de buscar interação social, promoção da saúde e preservação do meio ambiente. O desporto de rendimento, por seu turno, compreende a busca por resultados de destaque, no âmbito competitivo nacional e internacional.Cf. CATEB, Alexandre Bueno. Desporto profissional e direito de empresa. São Paulo: Juruá, 2004, p. 19. 40 BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. O Modelo Societário como Resposta Organizativa no futebol Profissional em Portugal e no Brasil, Tese de Doutoramento, Faculdade do Porto, 2001, p. 57. 46 societários, especialmente aqueles que tem finalidade econômica e que visam lucro, que será objeto de estudo em tempo oportuno. 2.1.5 A associação no projeto de Iei nº 4.784/2001 - Estatuto do Desporto Após a inserção do desporto no texto constitucional, foram publicadas diversas leis com a finalidade de regulamentar a atividade desportiva de forma ampla, tendo como principal objetivo a modernização e moralização do esporte. Assim, após inúmeros debates e críticas da doutrina especializada, especialmente no que toca ao modelo legislativo de estrutura e organização do esporte, especialmente do futebol, as associações continuaram a ser opções aceitáveis. O Projeto de Lei nº 4.784, de 2001, que pretende instituir o Estatuto do Esporte, prevê a possibilidade dos clubes de futebol manterem-se organizados sob a forma de associações, desde que não pratiquem o desporto de forma profissional, caracterizado pela existência de vínculo empregatício com atletas especialmente contratados para a participação em competições desportivas organizadas com fins econômicos. 41 Os clubes de futebol, entretanto, em conformidade com o art. 37 do mesmo Projeto devem se organizar sob a forma qualquer das sociedades previstas no Código Civil. 42 41 Art. 37, do Projeto de Lei nº 4784/2001. 42 Art. 37. O desporto de rendimento profissional poderá ser praticado e promovido em sociedade constituída na forma do Código Civil e desta lei, sociedade anônima ou sociedade por cotas de responsabilidade limitada. § 1º Em qualquer caso, é permitido constituir ou contratar administradora de bens (...) 47 Embora o legislador tenha a clara intenção de tratar os clubes de futebol que tenham propósito meramente associativos, ou seja, não econômicos, daqueles que desempenham atividades profissionais de caráter econômico, parece confundir conceitos e definições. Como observado anteriormente, com a nova sistemática imposta pelo Código Civil de 2002, o modelo associativo não admite qualquer finalidade econômica, mas apenas e tão somente finalidades ideais. Ao passo que as sociedades sejam empresárias ou simples sempre terão propósito econômico, ou finalidade lucrativa, especialmente por estarem disciplinadas na Parte Especial do Código e por ter o art. 981, assim definido. 43 Todavia, o Projeto traz em seu art. 41 a possibilidade de existência de entidades de prática desportiva profissional, sem fins lucrativos, ou seja, não econômicas e, portanto impregnadas do ideal associativo: [...] Art. 41. As sociedades desportivas que optarem por se constituir como sociedade anônima serão regidas pela Lei das Sociedades por Ações. Parágrafo único. Às entidades desportivas envolvidas em competições de atletas profissionais, independentemente da forma jurídica adotada, com ou sem finalidade lucrativa, aplicam-se, subsidiariamente as normas que regulam as sociedades anônimas Ora, como visto, o Projeto no seu art. 37 afirma que somente as entidades que praticam o desporto de forma profissional devem se organizar sob a forma de sociedade, nos termo da Lei Civil, que sempre terá finalidade lucrativa. No entanto, no art. 41 admite a existência de entidade praticante de desporto profissional sem 43 Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados 48 fins lucrativos, ou seja, finalidade própria das associações, com a observância de algumas diretrizes. 44 Não obstante esta incorreção legal de imensa importância deve-se atentar, ainda, para outro fato jurídico inusitado no Projeto. Foram alteradas as espécies de entidades de prática desportiva, nos termos do art. 34: [...] Art. 34. Para os efeitos desta Lei, a entidade de prática do desporto é: Ì - sócio-recreativa, quando tiver por objetivo precípuo a promoção de atividades físicas e desportivas para seus associados, ou para a comunidade, com finalidades recreativas, sociais e formativas; ÌÌ - não profissional, quando tiver por objetivo a preparação e a participação de atletas, sem manter com eles vínculo empregatício, em competições desportivas nacionais e internacionais sem fins econômicos ; ÌÌÌ - profissional, caracterizada por vínculo empregatício com atletas especialmente contratados para a participação em competições desportivas organizadas com fins econômicos; ÌV - mista. Desta forma, torna-se possível a existência de uma entidade de prática desportiva setorizada, que tenha interface e atuação tanto profissional, com não- 44 Art. 39. A organização de desporto profissional sob a responsabilidade de entidade de prática desportiva constituída sob a forma de associação fica condicionada à existência de cláusulas estatutárias explícitas que: Ì - salvaguardem os associados, o público e o patrimônio edificado contra prejuízos causados por dirigentes em conseqüência de descumprimento de leis e regulamentos; ÌÌ - assegurem que: a) os elementos constitutivos do patrimônio, da receita e da despesa sejam escriturados em livros próprios e comprovados por documentos mantidos em arquivos; b) a contabilidade dos departamentos de desporto profissional seja feita separadamente e registrada de modo autônomo; c) o balanço geral de cada exercício, acompanhado de demonstração de lucros e perdas, discrimine as receitas e as despesas relativas a cada modalidade de desporto profissional. Parágrafo único. O balanço geral de cada exercício, acompanhado da demonstração dos lucros e das perdas, registrará os resultados das contas patrimoniais, financeiras e orçamentárias. 49 profissional e recreativa. Nesta situação ter-se-á entidade de prática desportiva mista, com natureza jurídica especial. 45 Todavia, caso a entidade pratique o desporto de modo profissional deve se organizar de acordo com uma das formas indicadas no Código Civil, sempre com finalidades econômicas. Enquanto que se desempenhasse atividades recreativas e não-profissionais, deveria se estruturar como associação, sem qualquer finalidade econômica. Apesar das diversas incongruências observadas no Projeto de Lei em comento, especialmente no que toca à estrutura e organização do esporte brasileiro, em especial o futebol, vê-se uma grande dificuldade do legislador em promover o afastamento do modelo associativo, mesmo das entidades que atuam de modo profissional, a despeito da nova realidade em que estão inseridos os clubes e seus dirigentes. 45 Art. 37. O desporto de rendimento profissional poderá ser praticado e promovido em sociedade constituída na forma do Código Civil e desta lei, sociedade anônima ou sociedade por cotas de responsabilidade limitada. § 1º Em qualquer caso, é permitido constituir ou contratar administradora de bens e serviços para explorar marca de entidade de prática do desporto ou gerir a produção de departamento de desporto profissional. § 2º Serão de natureza especial as entidades de prática do desporto mistas. 50 3 A NECESSIDADE DE REVISÃO DO REGIME JURÍDICO DAS ASSOCIAÇÕES DESPORTIVAS A necessidade de revisão da estrutura organizativa do futebol será tratada de forma ampla com a finalidade de demonstrar quais foram as forças objetivas que impulsionaram este processo. Assim, tem-se por objetivo identificar os fatos de forma genérica, que tem aplicabilidade numa realidade macroeconômica e multinacional. Ter-se-á, pois, como ponto de partida, a análise do desenvolvimento do profissionalismo na Ìnglaterra, paradigma da criação e desenvolvimento do futebol e do regime profissional. Em seguida, serão apreciados os elementos sócio- econômicos que impuseram a revisão das bases jurídicas do sistema. 3.1 A ESTRUTURAÇÃO DO FUTEBOL E O DESENVOLVIMENTO DO PROFISSIONALISMO NA EUROPA A forte influência britânica sobre o desenvolvimento da civilização ocidental ao longo do século XÌX não se limitou à esfera econômica e política. Também na área cultural nota-se significativa aceitação de inúmeras manifestações populares, sobretudo, de modalidades esportivas, surgidas na Grã-Bretanha. Nesse contexto, merece destaque a prática do futebol, que em poucos anos passou a desfrutar de grande popularidade, deixando de ser uma atividade meramente recreativa, para assumir contornos de uma verdadeira confrontação entre seleções de várias regiões. 51 O esporte bretão tornou-se um evento capaz de atrair milhares de pessoas dispostas a pagar assistir as disputas dos certames futebolísticos. Neste contexto, os dirigentes dos clubes desportivos perceberam que a necessidade de investir recursos financeiros tanto na melhoria de condicionamento físico dos atletas, como no aumento de suas remunerações. A partir daí a implementação do profissionalismo na órbita do futebol passou a ser tida como necessária. Deve-se notar que o impulso profissionalizante na Ìnglaterra deve ser entendida como uma espécie de luta de classes, assim compreendida entre os que estavam à frente do soccer e dos cavalheiros que dirigiam a Football Association, entidade que reunia os praticantes da modalidade e que exercia o controle institucional do esporte. 46 O conflito de interesse girava em torno da oposição imposta pela entidade a qualquer forma de pagamento aos jogadores. Esta disputa culminou com a ameaça de evasão de todos os praticantes de todas as competições.O que se observa deste conflito entre a elite que comandava a ordem esportiva e os praticantes, vindo a maioria da classe operária, é que estava em jogo não apenas a preservação dos princípios éticos do esporte amador, mas o próprio controle da modalidade pelos lords ingleses. 47 Diante desta situação, que aos poucos se afigurava, a solução encontrada foi a adoção de um termo intermediário: o profissionalismo passou a ser aceito entre os atletas, desde que os dirigentes permanecessem amadores. Assim, ao mesmo tempo em que os princípios morais da aristocracia foram preservados, os 46 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 27-28. 47 Idem Ibidem. 52 valores pragmáticos dos homens de negócio passaram a atuar na organização dos clubes 48 A esse respeito, com propriedade escreveu a socióloga Janet Lever, citada por Marcelo Weishaupt Proni (2000) 49 : As classes privilegiadas consideravam que o pagamento era uma afronta Às tradições do esporte amador. Chegou-se a um acordo em 1885, quando a Football Association aceitou os profissionais, mas proibiu-os de sevirem em qualquer comitê ou comparecerem Às reuniões da associação. Ou seja, a compensação para a preservação de profissionais no campo era o controle administrativo do futebol por amadores. Os aristocratas da Football Association providenciaram para que este controle paternalista se estendesse também aos clubes. Assim, os clubes ingleses foram organizados como companhia de responsabilidade limitada, vendendo ações ao público e dirigidos por um presidente e um conselho de administração. A Associação Ìnglesa de futebol proibiu os diretores de receberem qualquer remuneração por seus serviços e limitaram os dividendos dos acionistas a 7,5 por cento. A idéia era manter à distância os especuladores e garantir a permanência no controle dos desportistas que amavam o jogo. Os amadores que dirigiam a associação eram as elites inglesas (uma situação que, em grande parte, se mantém até hoje). Os amadores que assumira responsabilidade sobre os clubes eram ascendentes da classe média e elementos dos nouveau riche bem-sucedidos que se instituiu como benfeitoria do esporte. Deve-se esclarecer que à medida em que o profissionalismo se estruturava na órbita futebolística inglesa, nos demais países europeus o futebol amador já havia se difundido com relativo sucesso. Todavia, em que pese a importância da adoção do profissionalismo para a transformação da prática esportiva e das relações que a acompanham, não se 48 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 28. 49 Idem Ibidem. 53 pode dizer que este fato significou a plena incorporação dos princípios do liberalismo ao mundo do futebol. Pelo contrário, a preservação do ideário amador de origem aristocrática no comando da modalidade assegurou o estabelecimento de regras que limitavam o raio de ação dos clubes e restringiram a penetração de uma lógica mercantil no campo das relações de trabalho 50 . A esse respeito, escreveu o historiador Richard Holt: O profissionalismo foi legalizado em parte a fim de colocar um limite ao poder de barganha dos jogadores (...) Logo, a aceitação do profissionalismo não estabeleceu um mercado livre no futebol, mas confinou legalmente os jogadores a um clube e determinou um teto salarial que poderia se pago a eles. A Liga de Futebol era uma espécie de cartel sem fins lucrativos no qual o poder dos clubes maiores estava limitado pelos menores. Ìsto era justamente como os amadores da Football Association julgavam que deveria ser. Marcelo Weishaupt Proni (2000) conclui que: [...] a forma de resguardar `espírito esportivo´ e impedir que o futebol se transformasse numa atividade estritamente comercial foi (a) estabelecendo normas rígidas para os clubes, (b) dificultando que eventuais lucros pudessem ser apropriados pelos acionistas, (c) contendo pressões salariais e elevações de custos, e (d) cuidando para que a concorrência entre equipes se restringisse ao âmbito esportivo. Foi nessas bases que se consolidou o modelo de organização do futebol profissional como um modelo híbrido que incorporou valores mercantis, mas de outro 50 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 29. 54 lado, preservando aspectos do ideário amador, ao estabelecer uma clara hierarquização das equipes e dos níveis de poder. É imperioso ressaltar, ainda, que todos os times deveriam se organizar sob a forma de entidade civil sem fins lucrativos. Paralelamente à implementação do profissionalismo no futebol, o desenvolvimento dos meios de comunicação e a influência social dele decorrente, sedimentaram a lógica mercantil. A respeito disso, Juan José Sebreli 51 comenta a combinação entre o futebol profissional e os meios de comunicação: A ligação entre os meios de comunicação e o futebol se faz ainda mais estreita a partir da profissionalização, quando se trata de fazer propaganda para que a mercadoria se venda mais. Não é um acaso que a propagação massiva do futebol e o surgimento do rádio comercial acontecem na Argentina no mesmo ano de 1931. Entre os anos de 1936 e 1946, precisamente os anos de maior auge do futebol argentino, se dobrou o número mundial de aparelhos receptores, passando de 55 milhões a cerca de 120 milhões. Nos anos trinta, a transmissão do futebol contribuiu em parte para aumentar o número de ouvintes, e o rádio incidiu de forma decisiva para impor o futebol à maioria da população mundial, inclusive aos anciãos e as mulheres que nunca conheceriam um estádio. Deve-se considerar, por oportuno, que a transição para o regime profissional exigia uma demanda cativa ÷ e em expansão ÷ por espetáculos futebolísticos e que os meios de comunicação de massa assumiram uma postura progressista. Nesse sentido, a adoção do profissionalismo encontra uma explicação adicional, posto que a idéia de comercialização do espetáculo desportivo é um 51 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 36. 55 elemento característico da transição para da sociedade "tradicional¨ para uma sociedade "moderna¨. 52 É certo que circunstâncias particulares marcaram a adoção do profissionalismo em cada país. Pode-se, contudo, constatar, de modo geral, que o regime profissional foi melhor aceito nas regiões onde havia aceitação à mercantilização da cultura desportiva, aliada ao alcance dos meios de comunicação que disseminaram os valores da "modernidade¨. 3.2 A IMPLANTAÇÃO DO NOVO PARADIGMA MERCADOLÓGICO O estabelecimento de relações mercantis no futebol, até meados da década de 60 foi severamente limitado pela elite que comandava o futebol. Após a realização da Copa do Mundo de 1950, sediada no Brasil, a organização do esporte passou a ser mais complexa, em decorrência do enorme número de países que se filiavam à entidade máxima da modalidade, a Federation International Football Associacion ÷ FÌFA. À medida que a entidade angariava associados e adquiria força no cenário internacional, tornava-se necessária a criação de órgãos intermediários, ou seja, as Confederações Locais de cada um dos Continentes, para organizarem competições locais e eliminatórias para o campeonato mundial. 52 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 37. 56 Todavia, esta expansão político-administrativa não parece ter sido impulsionada pela existência de relações mercantis. Não era uma lógica econômica que comandava a organização futebolística. Ao contrário, a condução administrativa amadora e o caráter associativo da modalidade ainda limitavam sua comercialização. 53 Paralelamente a isso, os meios de comunicação, tais como: o rádio, a imprensa escrita e, sobretudo, a televisão, rapidamente se desenvolviam. O alcance, cada vez maior, da mídia fez despertar o interesse do empresariado em explorar comercialmente este mercado que potencialmente surgira. Nesse compasso, o marketing passou a ser o elemento responsável pela vinculação de marcas e empresas ao esporte. Deste modo, o modelo híbrido inglês em que o profissionalismo era aceito em contraposição à condução amadora dos dirigentes predominou nos países em que havia economia de mercado. Já nos países socialistas, as bases organizacionais do esporte eram per si amadoras e estavam voltadas sempre para um rígido controle estatal. Em meados da década de 60 o desenvolvimento e o avanço dos meios de comunicação, aliados à consolidação da FÌFA em todos os continentes, fez com que o futebol passasse a desfrutar de enorme importância social. Apesar da transformação do espetáculo em esporte de massa, ainda não podia ser assistido por milhões de espectadores simultaneamente, tampouco tinha seus direitos negociados por cifras vultosas. 53 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 39. 57 O rádio, a televisão e o marketing esportivo passaram a ser os grandes responsáveis pela transformação do futebol em atividade recreativa para um esporte profissional altamente impregnado por princípios mercadológicos. Com efeito, as primeiras iniciativas de marketing esportivo no futebol não foram fruto de uma decisão empresarial de um time visando ampliar sua participação no mercado. Mas sim de estratégias audaciosas de empresários que vislumbravam a oportunidade de aproveitar o enorme interesse do público pelas partidas de futebol. 54 Entrementes, embora esta nova fonte de renda tenha sua importância para o desenvolvimento das equipes, num primeiro momento, em pouco afetou a organização institucional dos clubes de futebol. Outra inovação que merece registro foi a internacionalização das competições interclubes. Ainda na década de 50, foram criados torneios entre equipes de vários países europeus e sul-americanos, tais como Copa dos Campeões da Europa e Copa Libertadores da América, que promoveram um maior interesse do público e dos investidores. É evidente que os meios de comunicação nutriram especial importância para a cobertura jornalística destas competições, em virtude do crescente interesse do público no espetáculo que o futebol proporciona. Embora neste período o caráter mercantil do esporte tenha sido mitigado, pode-se afirmar que os valores das sociedades européias já estavam impregnados dos princípios capitalistas que desenvolveram uma verdadeira cultura de massas. 54 O primeiro registro que se tem a este respeito ocorreu na Ìtália, em 1952. Uma empresa de bebidas pagou o montante de U$ 30 mil a cada um dos times integrantes da Primeira Divisão (Séria A) para colocar anúncios de seus produtos. A propaganda estática nos gramados inaugurou um veículo de publicidade amplamente utilizado nos dias de hoje e que representa significativa fonte de recursos para os clubes. PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 43, vide a este respeito Tese de Doutoramento em Direito Comercial de Alexandre Bueno Cateb entitulada Clube-Empresa: Aspectos Mercantis do Desporto, defendida na Universidade Federal de Minas Gerais. 58 A partir da década de 80, como conseqüência profunda da alteração do jogo de forças mundial e a consolidação do capitalismo como sistema político e econômico hegemônico, além da evolução na indústria e desenvolvimento dos meios de transmissão eletrônicos, foi agregado ao esporte o paradigma mercadológico, com possibilidades ilimitadas do ponto de vista econômico. O futebol transformou-se, então, em verdadeiro espetáculo; em peça fundamental na engrenagem da indústria de entretenimento nacional e internacional. 55 Marcelo Weishaupt Proni (2000) 56 enfocando o aspecto econômico- concorrencial, demonstrou que, com o passar do tempo, à medida que crescia o patrimônio das principais equipes e que os contratos ganhavam vulto, a própria concorrência clubística induziu um afrouxamento dos limites à comercialização. Ìsto é, um afastamento paulatino em relação aos valores e princípios que haviam dado origem ao sistema federativo. Pode-se concluir, portanto, que, embora os valores capitalistas já estivessem permeando o cotidiano das sociedades européias e desenvolvendo uma cultura de consumo de massa, não se podia qualificar um clube de futebol dos anos 60 como uma empresa capitalista. Esta realidade, porém, somente pôde ser observada após a racionalização dos métodos de gestão, aliados à transformação do espetáculo em atração televisiva, com modernas estratégias publicitárias. No mesmo sentido, a busca por novos mercados consumidores e a permissibilidade do poder estatal da presença e atuação de grupos econômicos no comando do esporte foram fatores 55 TÁVOLA, Artur da. Lei Pelé, Brasília: Senado Federal, 1998, p. 37. 56 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 45. 59 decisivos para a mercantilização do futebol, observados a partir do final da década de 80, com os primeiros passos do futebol como empresa 57 . 3.3 O INÍCIO DA NOVA REALIDADE: O "FUTEBOL-EMPRESA" Desde os anos 70 vinha se fortalecendo na Europa a idéia de que as equipes de futebol necessitavam de ampliar suas fontes de recursos e que os torneios deveriam ser administrados de forma mais racional ou profissional. Percebeu-se que era preciso cuidar melhor da contabilidade dos clubes, visando aumentar as conquistas esportivas, mediante re-investimentos dos saldos financeiros na própria atividade. Esta nova ótica administrativa foi sobremaneira influenciada e, de certo modo encorajada, pelas visíveis mudanças ocorridas na estrutura da entidade máxima do futebol, a FÌFA, a partir de 1974. Com a eleição do brasileiro João Avelange para a presidência da entidade, houve uma mudança na composição de forças políticas no comando do esporte no âmbito mundial. 58 A FÌFA não dispunha de recursos financeiros suficientes para levar a cabo seu plano expansionista, sobremodo ambicioso. Para tanto, aliou-se a poderosos grupos econômicos mundiais, como Adidas e Coca-Cola. 57 Nesse particular o termo "empresa¨ é tomado em sua acepção vulgar. 58 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 48. 60 O sucesso da parceria sinalizou o começo de uma nova fase na comercialização do futebol. A atividade futebolística ficou cada vez mais complexa, o que impôs uma gestão cada vez mais especializada, embora o comando do esporte permanecesse amador. 59 Paralelamente a estas mudanças, impulsionado pela consolidação do capitalismo nos anos 80 como sistema político-econômico predominante no mundo ocidental, na Europa surgiu um movimento que revolucionou, definitivamente, a estrutura do esporte. Trata-se do caráter eminentemente privado adquirido pelos clubes com a transferência de sua propriedade para grupos financeiros e investidores. Os fatos sociais imediatos que ensejaram a penetração do setor privado na condução dos clubes foram os constantes escândalos que envolviam a gestão administrativa dos clubes e, sobretudo, as crescentes dívidas contraídas pelas equipes, especialmente com os governos locais. 59 Fifa anuncia lucro de US$ 129,5 milhões em 2004 A Fifa anunciou nesta terça-feira um superávit de 158 milhões de francos (US$ 129,5 milhões) em seu balanço contábil de 2004. Além disso, a organização informou que "concluiu mais um ano de prosperidade econômica", com fundos próprios que atingiram os 238 milhões de francos (US$ 195 milhões) na metade do ciclo financeiro 2003-2006.Com isso, a entidade poderá aumentar em 38% o prêmio para as 32 seleções que se classificarem ao Mundial da Alemanha. A quantia chegará a 332 milhões de francos (US$ 272 milhões). O presidente da Fifa, Joseph Blatter, e o secretário-geral da entidade, Urs Linsi, fizeram o anúncio durante uma entrevista no Museu Olímpico de Lausanne, na Suíça. "Estivemos bem perto da meta fixada até o fim de 2006, um mínimo de 350-450 milhões de francos de fundos próprios que, junto com o fechamento conseguido na área de mercado, vão nos permitir contar com uma base sólida", disse Blatter. A Fifa afirmou que, durante o segundo ano do ciclo quadrienal que vai até 2006, registrou receitas de 740 milhões de francos (US$ 606,5 milhões). As despesas totalizaram 582 milhões de francos (US$ 477 milhões). Em comparação com 2003, houve um aumento de 17 milhões de francos (US$ 13,93 milhões de dólares), o que representa um aumento de 12% do superávit. No fechamento do exercício de 2004, a Fifa dispôs de 439 milhões de francos (US$ 359,84 milhões de dólares) líquidos. Os responsáveis informaram que 95% do lucro total de 2004 corresponde às receitas das competições da Fifa, sobretudo aos da Copa do Mundo de 2006. No que diz respeito às despesas, a Fifa investiu 254 milhões de francos (US$ 208,2 milhões) em competições e 141 milhões de francos (US$ 115,5 milhões) em projetos de desenvolvimento, por isso "68% foram reinvestidos no futebol", afirmaram. http://esportes.terra.com.br/interna/0,,OÌ520529-EÌ1865,00.html Acesso em 26/04/2005. 61 O Poder Público passou a revisar o conjunto de leis que diziam respeito ao esporte em geral, especialmente ao futebol. Foram então publicadas diversas normas com o claro intuito de promover a moralização da gestão esportiva, mediante a transparência e credibilidade dos dirigentes, em primeiro plano. Curial observar que, em vários países, assim como em Portugal, os clubes foram compelidos a se transformarem em sociedades comerciais ou a submeterem suas contas a um regime especial de gestão. Em maior o menor grau as mudanças estavam em curso. Na maioria dos países europeus a modernização da legislação desportiva foi retardada, vindo apenas no início dos anos 90, quando as iniciativas governamentais de uma legislação específica para o futebol disseminaram. No entanto, o grande problema enfrentado por quase todos os países da Europa Ocidental, foi o fato de que a maioria dos clubes não estava preparado para uma gestão empresarial, sendo necessário, antes, a equalização de suas dívidas acumuladas. De qualquer forma, os primeiros passos para o futebol empresa foram dados com a consolidação do regime capitalista, refletida na crescente proximidade do setor privado com a atividade desportiva e, principalmente, com o permissivo legal implementado pelos governos europeus, no início da década de 90. 3.4 A CONSOLIDAÇÃO DA LÓGICA MERCANTIL NO FUTEBOL À medida que uma lógica mercantil foi se impondo na organização do futebol, novos determinantes passaram a influenciar sua gestão. 62 Os princípios sob os quais estavam fundadas suas práticas foram revistos e ampliados. A organização das competições tornou-se uma atividade cada vez mais complexa e o espetáculo um produto mais valioso para a indústria do entretenimento. A comercialização e a profissionalização do futebol fez com que o futebol-empresa avançasse de forma expressiva. O conceito de "futebol-empresa¨ passava a implicar não apenas uma mudança na composição das receitas e a profissionalização da gestão esportiva, mas uma profunda alteração na relação entre clube e sua torcida. 60 A adoção de um modelo de organização esportiva, baseado nos princípios de livre mercado fez com que os torcedores passassem a ser tratados como clientes em potencial e verdadeiros consumidores. 61 Dentro deste contexto cumpre transcrever trecho do artigo "News directors, customers, and fans: the transformation os English football in the 1990s. 62 A noção de livre mercado está intrinsecamente associada com a privatização do clube de futebol e a redução das relações sociais entre torcedores e clube a um relação formal puramente econômica. Esta redução não só tem facilitado e legitimado a transformação do clube de futebol em uma empresa capitalista, mas tem solapado os potenciais protestos políticos que os torcedores têm encenado contra aquelas mudanças. De acordo com o modelo de mercado, o qual os novos dirigentes estão tentado instituir, a única forma válida de protesto no mercado é o afastamento da clientela, mas é exatamente contra isto que os torcedores estão protestando. 63 60 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 65. 61 Ìlustrativamente impende observar que os direitos de transmissão televisiva da Copa de 2006 são estimados em U$ 1,7 (hum bilhão e setecentos milhões de dólares americanos) para a FÌFA, sendo o maior já verificado. http://globoesporte.globo.vom/ESP/Noticia?0,,AA1077636-4840,00.html, acesso em 21/12/2005 62 Artigo publicado na Sociology of Sports Journal, v. 14, nº 3, p. 228/229, de autoria de A King. 63 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. Op. cit. p. 65. 63 Esta visão deve ser atribuída, mesmo que em parte, ao fato de que as novas feições do futebol profissional estavam associadas a dois processos estruturais indissociáveis, que vêm alterando as relações sociais, políticas e culturais nos países. Em primeiro lugar o fenômeno da globalização econômica e, em segundo plano, a liberalização da concorrência, que se manifestaram diretamente na revisão das normas e leis que permitem um controle público sobre o funcionamento dos mercados. Assim, do mesmo modo que a onda neoliberalizante desregulamentou os mercados, restringindo o controle público sobre a economia e rompendo fronteiras nacionais, também o campo desportivo assumiu a faceta avessa a procedimentos que limitam a valorização do capital. Passaram a priorizar os interesses dos grandes "clubes-empresa¨ e dos grupos privados da mídia, que selando a conversão dos torcedores em importante mercado consumidor. 64 Não há dúvidas, pois, que o futebol profissional, nas sociedades de consumo de massa, transmudou-se numa atividade altamente competitiva ligada ao dinamismo do ramo de entretenimento e de comunicação. Dentro deste contexto de "livre mercado do futebol¨, em que os torcedores são tratados como consumidores e o esporte como espetáculo e produto de massa, tornou-se imperativa a adoção de uma visão moderna e profissional do esporte. Esses fatores em conjunto com a relação simbiótica estabelecida entre televisão e futebol promoveram a completa ruptura com os princípios associativos e amadores que orientaram o esporte bretão por mais de cem anos. 64 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 86. 64 À luz disso, a tradicional estrutura associativa com vedação expressa a fins lucrativos não mais se enquadrava na realidade do futebol, tanto no âmbito dos clubes como da própria entidade de administração do futebol. 65 Para José Manuel Chabert, importante autor português, os clubes na verdade "disfarçavam verdadeiras empresas subjacentes a essa realidade exterior, pretendendo beneficiar das vantagens da situação, mas procurando eximir-se aos ônus correspondentes". Assim, torna-se necessário clarificar a posição legal dos clubes, especialmente com sua organização societária comercial, ou sujeita-los a um regime especial de gestão. 66 Diante dos inúmeros debates relativos ao tema, próprios dos períodos de transição, surgiram várias questões que impuseram a revisão de todo o sistema jurídico-esportivo. Ìnstalou-se um paradoxo na figura do clube desportivo, propiciando questionamentos tais como: como pode um ente social, de natureza coletiva, sem fins lucrativos, realizar tantas operações financeiras? Quem são os responsáveis por essas operações? Por que as empresas aliam-se aos clubes para 65 O Portal Exame publicou recente matéria abordando a nova natureza mercadológica do futebol no âmbito da seleção brasielira de futebol. De acordo com a publicação "O prestígio esportivo do escrete ajudou a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) a transformar o time numa máquina de fazer dinheiro. No ano passado, entre contratos de patrocínio, cotas de amistosos e vendas de direitos de transmissão, a seleção amealhou cerca de 35 milhões de dólares. É o equivalente a cinco vezes o faturamento registrado em 1994. A pouco mais de dois meses do início da Copa da Alemanha, a CBF se prepara para aumentar ainda mais suas receitas. Nas próximas semanas, a entidade deve fechar um contrato com uma multinacional da área de licenciamento para a fabricação e a venda de produtos com a grife do time. O acordo vai render 2 milhões de dólares, além de royalties pelos itens vendidos. "A seleção é hoje o produto de marketing do futebol mundial que mais se valoriza", afirma Marcelo Campos Pinto, diretor executivo da Globo Esportes, braço da emissora que cuida da compra e da venda de direitos de transmissão. Muito mais significativo do que as cifras envolvidas é o movimento por trás delas. O futebol se transformou num grande negócio -- com seus altos e baixos -- no mundo desenvolvido. No Brasil, onde os clubes não conseguiram acompanhar esse movimento, a seleção talvez seja o único exemplo de paixão aliada a resultados financeiros."(...) A transformação do mundo da bola num negócio milionário, ocorrida na década de 80, ajudou a seleção a atingir o atual patamar de faturamento. Graças à sua hegemonia nos gramados, o time alcançou patamar privilegiado de visibilidade no mais popular e globalizado esporte do planeta. Isso gerou a multiplicação de valores de todos os negócios que envolvem a seleção" PORTAL EXAME http://portalexame.abril.uol.com.br/revista/exame/edicoes/0866/negocios/m0081665.html: Acesso em 09/05/2006 66 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. Op. cit. p. 05. 65 patrociná-los? Referidas transações resultam lucro para os clubes ou mesmo para os dirigentes? Os clubes em situações financeiras precárias poderão falir? A solução adotada pela maioria dos países europeus e alguns poucos latino-americanos, foi re-estruturar a legislação desportiva com o objetivo de transformar o associativismo em atividade empresarial, com a clara finalidade de responder à sociedade questões que envolvem a responsabilidade dos administradores e dos clubes, o destino dos recursos angariados, a lisura na administração dentre outros. 3.5 A REVISÃO DAS BASES DESPORTIVAS PORTUGUESAS: O ASSOCIATIVISMO E A RE-ESTRUTURAÇÃO ORGANIZATIVA DO FUTEBOL PROFISSIONAL Até o final da década de oitenta, tradicionalmente os clubes de futebol portugueses organizavam-se sob os pilares do associativismo, distantes do viés lucrativo da atividade futebolística. O sistema desportivo português surgiu e se consolidou ao abrigo de normas publicadas no período anterior à Revolução dos Cravos, que re-estabeleceu a ordem democrática. Neste período foram publicados apenas dois diplomas relevantes para a estruturação e funcionamento do sistema desportivo: o Decreto nº 32.946, de 03 de agosto de 1943 e a Lei nº 2.104, de 30 de maio de 1960. O primeiro cuidou de criar a Direcção-Geral de Educação Física, Desportos e Saúde Escolar e continha um conjunto de normas que visava, precipuamente, regulamentar a atividade dos organismos desportivos: clubes, 66 associações e federações. As normas em referência destacavam exacerbadamente o aspecto educacional da prática esportiva. Havia grande aversão dos legisladores com o profissionalismo e, especialmente, com a admissão de finalidade lucrativa na esfera esportiva. O preâmbulo do Decreto nº 32.946/43 confirmava esta afirmativa, senão veja-se:"a beleza do desporto perde-se quando se converte num modo de vida." No contexto de totalitarismo político que predominava em Portugal à época, os clubes esportivos eram compelidos a se organizarem sob a forma associativa, alijados da possibilidade de visarem qualquer finalidade que não a esportiva. 67 O segundo diploma de relevo tinha, por sua vez, o escopo de definir a posição dos poderes públicos quanto ao em relação ao desporto profissional. Ambos consagravam um sistema de apertada vigilância e ingerência do Estado, especialmente no que tocava à organização e funcionamento das organizações desportivas. Deve-se salientar que esta situação ocorria ao abrigo da Constituição Política de 1933, a qual, não reconheceu, na prática, o direito de livre associação. Ademais, deve-se destacar o fato de que haviam dispositivos que facilitavam a usurpação do Poder Público da vitalidade do conjunto que integrava o sistema desportivo. 68 José Manuel Chabert 69 , a este respeito anota que: 67 Deve-se salientar que as associações têm na vontade de seus membros o princípio genérico de sua constituição e têm sua vida e atividades situadas no Direito Civil. Nas associações sem intuito de lucro não há intenção de dividir o resultado entre os associados. Todavia, não se perde a condição de associação com a realização de negócios para manutenção ou aumento do seu patrimônio. As associações civis em Portugal são reguladas pelo art. 157 do Código Civil Português. 68 CHABERT , José Manuel. As sociedades desportivas, 'in" Revista Jurídica, nº 22, Março de 1998, p. 02. Disponível em: <http://nifdl.fd.ul.pt/infoteca/publicacoes/juridica/22/451.htm>. Acesso em: 18/10/2005 69 Idem Ibidem. 67 Esta intromissão dos poderes públicos no desporto português fez-se em nome da ginástica. Com efeito, traduzindo aquilo que eram, na altura, as ideias do tempo, entendeu o legislador de 1943 que "o problema que, em primeiro lugar interessa ao Estado é o da educação física do povo português. Esta há-de fazer-se, antes de tudo, através de métodos de ginástica adequados, que, por serem executados em escola, facilitam uma vigilância contínua sobre as condições físicas dos alunos e tornam possível a graduação dos exercícios, de modo a só de harmonia com aquelas condições eles serem admitidos a praticá-los" ( 1 ). E acrescentava-se que "fora dos estabelecimentos de ensino é muito difícil criar cursos de ginástica com a garantia de que seriam frequentados", uma vez que "a ginástica pela ginástica, quere-se dizer, a ginástica praticada só com o intuito da formação física, não exerce ainda sobre a população portuguesa a sedução desejável" ( 2 ). Mas, reconhecia-se, "não exerce essa sedução a ginástica, mas exercem-na os desportos, sobretudo certos desportos. E estes já têm uma organização que se projecta profundamente por todo o País. É através desta organização que pode e deve generalizar-se o gosto pela ginástica". E a conclusão era óbvia: "Nada se opõe, portanto, e antes aconselha, a que se imponha às organizações desportivas a obrigação de manterem cursos de ginástica. Deve-se frisar que a ideologia até então predominante, apresentava que as práticas atléticas deveriam se revestir do papel meramente educativo, sem a intenção de formar atletas. Era exatamente esta a introdução do regulamento aprovado pelo Decreto nº 21.110, de 16 de abril de 1932. Confira-se: [...] não podem contudo ser aceites os desportos anglo-saxónicos e os jogos atléticos, bem como os desafios e matchs em geral, especialmente os de foot-ball, visto ser nulo ainda o seu papel educativo, e cujos malefícios são óbvios". E, mais adiante afirmava- se que "a educação física não visa a formar atletas. Toda a educação física que visa a esta finalidade é uma educação às avessas. Os atletas marcam a decadência dos grandes povos. Grécia e Roma dos atletas são precisamente Grécia e Roma da decadência. Demasiadas têm sido as vítimas. Na síntese lapidar deste Decreto nº 21.110 "os desportos estão fora do gênio do povo português. 68 Ocorrida a Revolução de Abril de 1976 e aprovada a Constituição Portuguesa, haveria que substituir a legislação anteriormente publicada para o desporto, modernizando os conceitos, definindo novas orientações políticas e, sobretudo, adequando tal legislação aos novos normativos constitucionais. Merece destaque, ainda, na nova Carta Política Portuguesa a consagração da liberdade de associação estampada que impede ao Poder Público interferir na organização estrutural e no funcionamento dos clubes e do sistema desportivo. Como desdobramento do processo de abertura e em consonância com a nova ordem constitucional, foi aprovada a Lei de Bases do Sistema Desportivo ÷ LBSD ÷ de nº 01/90, de 13 de janeiro, que alterou profundamente o sistema até então vigente. A radical transformação do sistema esportivo português fez dela um verdadeiro marco jurídico. Conforme anotação de Alberto dos Santos Puga Barbosa (2001) 70 "A LBSD incorpora o sistema desportivo como expressão inaugural, permitindo, desde logo, um desenho de integração entre o todo e as partes." Seu objetivo é, pois, promover e orientar a generalização da atividade desportiva como fator cultural indispensável na formação plena da pessoa humana e no desenvolvimento da sociedade. 71 Embora a LBSD tenha reconhecido o profissionalismo esportivo, ao nível da estrutura organizativa dos clubes, não promoveu a alteração tão esperada durante o período ditatorial. Ìsto porque, segundo a norma, os clubes continuavam estruturados sob as bases do associativismo civil. 70 BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. O Modelo societário como resposta organizativa no futebol profissional em Portugal e no Brasil, Tese de Doutoramento, Universidade do Porto, Porto, 2001, p. 23. 71 Idem Ibidem. 69 Todavia, em 21 de junho de 1995, foi publicado o Decreto-Lei nº 146 que visava regulamentar o regime jurídico das sociedades desportivas. Como anota José Manuel Chabert 72 , este Decreto: [...] adaptou um conjunto de soluções de que importa destacar as seguintes: a) A defesa da "mística associativa"; b) O carácter facultativo da criação destas sociedades desportivas; c) A proibição da distribuição de lucros; d) O valor mínimo do capital social; e) A não limitação da participação societária do clube fundador; f) A restrição à participação de estrangeiros; g) A assunção obrigatória do passivo do clube fundador; h) A inexistência de regime fiscal específico para a criação destas sociedades. Embora a intenção do legislador tenha sido preservar a forma associativa, José Manuel Chabert (1998) 73 afirma que o governo sinalizou possibilidade de promover a revisão da estrutura organizativa dos clubes de futebol, para inseri-los na esfera do direito mercantil. Ìsto porque no anunciado propósito de não questionar profundamente a lógica tradicional de funcionamento dos clubes desportivos, o legislador de 1995 estabeleceu que a criação das sociedades desportivas seria inteiramente facultativa. Ìsto é: o Dec-Lei nº 146/95 abdicou de estabelecer qualquer forma de "coação¨ para que os clubes constituíssem estas sociedades e abdicou igualmente de estabelecer qualquer regime alternativo para os clubes que optassem por não aderir ao novo modelo societário. Em razão disso, o autor informa 72 CHABERT , José Manuel. As sociedades desportivas, 'in" Revista Jurídica, nº 22, Março de 1998, p. 07. Disponível em: <http://nifdl.fd.ul.pt/infoteca/publicacoes/juridica/22/451.htm>. Acesso em: 18/10/2005. 73 Idem Ibidem. 70 [...] que referido diploma não só constituiu um dos mais rotundos fracassos das reformas que a Lei de Bases se propunha levar a cabo, como também é revelador da total incompreensão do legislador sobre as reais razões que deveriam nortear esta questão da transformação dos clubes em sociedades desportivas. 74 No dia 25 de junho de 1996, foi publicada a Lei nº 16/96 que trouxe novidades substanciais em relação ao texto original da LDBS, notadamente ao art. 20. Dentre as mudanças, José Manuel Chabert (1998) 75 destaca: a) Em primeiro lugar, avançou-se uma nova noção de clube desportivo, eliminando a exigência, constante da lei anterior, de que só pudessem ser consideradas como clubes desportivos as pessoas colectivas de direito privado que se constituam sob forma associativa e sem intuitos lucrativos. Esta alteração visa deixar claro que as sociedades desportivas também são clubes desportivos, ou, mais exactamente, clubes desportivos profissionais; b) Em segundo lugar, preceituou-se que por diploma legal adequado serão estabelecidos os termos em que os clubes desportivos, ou as suas equipas profissionais, que participem em competições desportivas de natureza profissional poderão adoptar a forma de sociedade desportiva com fins lucrativos, ou o regime de gestão a que ficarão sujeitos se não optarem por tal estatuto; c) Em terceiro lugar, referiu-se que mediante diploma legal adequado poderão ser isentos de ÌRC os lucros das sociedades desportivas que sejam investidos em instalações ou em formação desportiva no clube originário. Com efeito, o legislador português ao adotar um sistema facultativo para as sociedades desportivas, permitindo que os clubes persistissem agarrados ao anterior modelo associativo, divergia do propósito de não efetuar nenhuma reforma real estrutural. José Manuel Chabert afirma, em conclusão, que "deste ponto de vista 74 CHABERT , José Manuel. As sociedades desportivas, 'in" Revista Jurídica, nº 22, Março de 1998, p. 07. Disponível em: <http://nifdl.fd.ul.pt/infoteca/publicacoes/juridica/22/451.htm>. Acesso em: 18/10/2005. 75 Idem Ibidem. 71 o diploma de 1995 foi inteiramente conseguido, uma vez que nenhum clube demonstrou então a menor vontade ou interesse em se constituir como sociedade desportiva [...]" 76 Releva notar, a propósito, que em relação aos objetivos deste trabalho, destaca-se a afirmação de expressa de que as sociedades desportivas poderão ter intuitos lucrativos, bem como o estabelecimento de conseqüências para os clubes que, devendo adotar a tipologia societária, não o fizerem, ficarão sujeitos a um regime especial de gestão. 77 3.5.1 A sociedade anônima desportiva portuguesa A solução encontrada pelo legislador português para adequar as atividades futebolísticas profissionais e, sobretudo, impor um regime de responsabilidade mais apropriado para os dirigentes e entidades desportivas, foi realizar uma profunda reforma legislativa. A par disto, e do que já se apresentou, surgiram as sociedade anônimas desportivas que, segundo o autor lusitano José Manuel Chabert 78 tinham como objetivo "`libertar´ a gestão do desporto profissional dos impulsos incontroláveis da `mística associativa´." 76 CHABERT, José Manuel. As sociedades desportivas, 'in" Revista Jurídica, nº 22, Março de 1998, p. 07. Disponível em: <http://nifdl.fd.ul.pt/infoteca/publicacoes/juridica/22/451.htm>. Acesso em: 18/10/2005. 77 Ìmporta observar que as forças objetivas que ensejaram a reforma legislativa em Portugal, foram apresentadas de forma generalizada no início deste trabalho. 78 CHABERT, José Manuel. Op. cit. p. 05. Disponível em: <http://nifdl.fd.ul.pt/infoteca/publicacoes/juridica/22/451.htm>. Acessado em 18/10/2005. 72 A norma fundamental portuguesa que instituiu o regime jurídico das sociedades, Lei nº 67/97, está impregnada da idéia de que sua finalidade é apenas permitir que os clubes se organizem de forma empresarial, por oposição ao tradicional modelo associativo. Ìmportante observar que esta questão ganha especial importância se comparada com a solução apresentada pelo legislador brasileiro. Ìsto se dá porque o legislador brasileiro, após diversas alterações legislativas, facultou aos clubes a transformação em sociedades empresárias, de acordo com os tipos societários estabelecidos no Código Civil de 2002, como se verá. Enquanto o legislador português optou por criar tipo societário (comercial) próprio para exploração da atividade dos clubes de futebol. A esse propósito, Marcelo Weishaupt Proni (2000) 79 assevera não se tratar apenas de se promover a conversão de um clube em empresa comercial. Mais do que isso, deve-se convertê-lo em sociedade anônima, o que, segundo o autor, permitiria aos clubes mais sólidos alavancar seu potencial de acumulação. Por fim, arremata afirmando que [...] por isso que em países como Ìtália, França, Alemanha e Portugal foram feitas alterações na legislação para permitir aos clubes se transformarem em sociedade de capital aberto e lançar ações em bolsa. E é provável que esse modelo de 'Futebol S.A'- que começa a se difundir- afete profundamente o antigo equilíbrio de forças e transforme radicalmente os mercados futebolísticos mais desenvolvidos. 79 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 69. 73 Álvaro Melo Filho 80 , mirando-se na experiência européia, afirma que o modelo jurídico facultado ao clube-empresa mediante a persuasão legislativa, deve induzir a opção pela sociedade anônima desportiva, a par de outros ajustamentos, como forma de responder, com eficácia, às especificidades da atividade desportiva, à lógica do lucro e à vertente econômico-organizativa em que se assentem os clubes profissionais, sem inibir investimentos empresariais, mas também, sem olvidar que "o futebol é demasiadamente importante para deixá-lo nas mãos do mercado¨. Conclui aduzindo que a sociedade anônima desportiva revela-se como o modelo societário mais adequado, na medida em que se mesclam o risco do capital investido e responsabilidade, tanto dos administradores como, solidariamente, dos órgãos sociais e fiscais, obrigados por lei, a repararem os prejuízos causados e os atos ilícitos cometidos. A esse respeito, J.M. Meirim, citado pelo autor, informa que: A transformação dos clubes profissionais em sociedade anônima desportiva supõe não só o estabelecer de um princípio de responsabilidade limitada desta entidades, mas ainda, e o que é mais relevante, a existência de mecanismos que facilitem a percepção desta entidade, favorecedores da transparência, o que ajuda a criar um clima de segurança (e garantia) nas relações jurídicas e econômicas que surjam com terceiros¨( in Regime Jurídico das Sociedades Desportivas, Coimbra, ed. Coimbra, 1999, pág. 23). 81 Destarte, o modelo associativo dos clubes de futebol não foi pensado para a gestão do esporte em nível profissional, ou mesmo empresarial, tanto no Brasil como em Portugal. A relutância dos dirigentes amadores, o deficiente controle de 80 A Medida Provisória 2.141: Uma Revolução sem Armas no Desporto, Revista do Ìnstituto Brasileiro de Direito Desportivo ÷ ÌBDD-, OAB/SP, p. 36. 81 Idem Ibidem. 74 contas dos clubes, a pressão da "mística associativa¨ aliados ao desejo de obtenção de resultados desportivos a todo custo, são fatores que tornaram muito difícil a sobrevivência de equipes que pretendiam pautar sua gestão por critérios de prudência e rigor. Em 1997 foi editado o Decreto-Lei nº 67/97, que regulamentou as Sociedades Anônimas Desportivas ÷ S.A.D ÷ como modelo ideal para disputa de competições profissionais, facultando às associações sua adoção, sujeitando, no entanto, as que não aderissem ao novo modelo, um regime especial de gestão. José Manuel Chabert 82 ao dissertar sobre o tema, salienta que são compreendidos seis pontos essenciais acerca do regime especial de gestão: - as secções profissionais dos clubes desportivos devem ser organizadas autonomamente, dispondo de contabilidade separada; - o balanço e demais contas dos clubes desportivos não podem ser aprovadas pelas assembleias gerais sem serem previamente certificadas por um revisor oficial de contas; - os orçamentos devem ser equilibrados, não podendo o montante das despesas exceder o montante das receitas previsíveis; - até ao início de cada época desportiva, a direcção dos clubes desportivos deverá apresentar à liga profissional de clubes uma garantia bancária, não inferior a 10% do orçamento do departamento profissional do clube, que cubra a respectiva responsabilidade perante os clubes, nos mesmos termos em que os administradores respondem perante as sociedades anónimas; - os presidentes da direcção ou do conselho fiscal, o director financeiro e os directores dos departamentos profissionais são responsáveis, pessoal, ilimitada e solidariamente pelas dívidas fiscais ou à segurança social resultantes de contribuições que deixaram de entregar durante os respectivos mandatos; - enquanto não estiver aprovado um plano de contabilidade específico para os clubes desportivos, os clubes submetidos ao regime especial de gestão ficam sujeitos, com as necessárias adaptações, às regras aplicáveis às sociedades anónimas no que respeita à organização e publicação das suas contas. 82 CHABERT , José Manuel. As Sociedades Desportivas, 'in" Revista Jurídica, nº 22, Março de 1998, p. 02. Disponível em: <http://nifdl.fd.ul.pt/infoteca/publicacoes/juridica/22/451.htm>. Acesso em: 18/10/2005. 75 Com efeito, enquanto a SAD foi apresentada pelo legislador português como modelo ideal, o regime especial de gestão revelou-se como uma alternativa menor, especialmente para as equipes que não dispunham de condições econômicas e financeiras para se adaptarem ao novel modelo. O diploma em comento se divide em cinco capítulos: Das sociedades desportivas em geral, Sociedades Constituídas a partir da Transformação de um Clube Desportivo e Sociedades que Resultem da Personalização de Equipes, Sociedades que Resultem da Personalização de Equipes, Do regime Especial de Gestão, Das Disposições Finais e Transitórias. 3.6 A REFORMA LEGISLATIVA E A RE-ESTRUTURAÇÃO DO FUTEBOL PROFISSIONAL NA ESPANHA A estrutura do futebol profissional na Espanha tradicionalmente tinha suas bases fincadas nos ideais associativos. Embora cada ordenamento apresente particularidades no que diz respeito à atuação do Estado e aos motivos que levaram o legislador a reestruturar a estrutura desportiva, na Espanha propagaram-se de modo mais explícito do que em Portugal (i) a necessidade de criação de um sistema eficaz de controle das contas e da gestão dos clubes, com clara intenção em estabelecer um regime jurídico de responsabilidade dos dirigentes e (ii) a fragilidade econômica da maior parte dos clubes de futebol profissional. 83 83 Segundo informações, em nota de rodapé, de Ricardo Candeias in Personalização de equipa e transformação de clube em sociedade anonima desportiva. ÷ um contributo para o estudo das sociedades desportiva. Coimbra: Coimbra, 2000, p. 30, "Em 1989 a dívida ao Estado dos clubes de futebol participantes nas competições profissionais ascendia a 29.848 milhões de pesetas." 76 Dentro desta realidade, o governo espanhol, no mesmo sentido das diretivas portuguesas, criou a figura da Sociedade Anónima Deportiva ÷ SAD, com algumas particularidades frente ao modelo lusitano, por meio da Ley nº 10/90 (Ley del deporte), publicada em 15 de outubro de 1990, com as transformações promovidas pelo Real Decreto nº 1.084/99, de 05 de julho, Real Decreto nº 1.251/99 publicado em 16 de julho e, finalmente, pelo Real Decreto nº 1.142/2001, de 14 de dezembro. A transformação dos clubes de futebol profissional espanhóis em sociedades anônimas desportivas promoveu verdadeira revolução legislativa, chegando autores a afirmarem que se tratava da maior alteração societária, desde a década de cinqüenta 84 . Ademais, supunha, não apenas a determinação de um princípio de responsabilidade dos administradores e dirigentes desportivos, mas além disso, e o mais importante, a criação de mecanismos que facilitassem a percepção da situação da entidade, o que poderia trazer maior garantia aos terceiros que se relacionam com econômica e juridicamente com os clubes. 85 84 Nesse sentido "Es importante destacar esta perspectiva, que además no desentona en absoluto en clima general que desde 1989 acompaña la mayor transformación producida en nustro Derecho societario desde a decada de los 50." MENÉNDEZ, Adolfo Menéndez. Principios fundamenales de las nuevas sociedades anonimas deportivas. In: Transformación de clubes de futbol e baloncesto in sociedade anónimas deportivas. coord. ORTEU, Jordi Bartolomeu et ali. Madrid: Civitas S.A , 1992, p. 89. 85 LOPEZ, Mercedes Fuertes. Associaciones y sociedades deportivas. Marcial Pons, ediciones jurídicas y sociales, S.A, Madrid, 1996, p. 15. 77 O ponto de partida para a elaboração da disciplina legal da SAD espanhola era a necessidade de criação de regras capazes de responsabilizar os administradores dos clubes de futebol, bem como o saneamento econômico- financeiro dos clubes de futebol profissional. 86 3.6.1 Os princípios fundamentais da SAD O regime jurídico espanhol da sociedade anônima desportiva é caracterizado por três princípios elementares: o da intervenção pública e o da transparência econômica e máxima cautela no regime econômico. 87 O primeiro consiste na possibilidade de pessoas jurídicas vinculadas ao Estado interferirem na sistemática das sociedades anônimas desportivas, merecendo destaque: as Comissões Mistas da Liga Profissional de Futebol, bem como do Conselhor Superior de Desportes e outras entidades públicas. 88 As Comissões Mistas da Liga Profissional de Futebol têm em seus atos a natureza de direito administrativo, sujeitos às normas próprias de direito público, com competência para coordenação e supervisão do processo constitutivo das SADs, 86 O próprio preâmbulo da Ley 10/90 indicava a intenção do legislador com a promulgação da norma em referência:" en un primer nivel, la Ley propone un nuevo modelo de asociacionismo deportivo que persigue, por un lado el favorecer el asociacionismo deportivo de base, y por outro, estabelecer un modelo de responsabilidad juridica e economica para los Clubes que desarrollan actividades de caráter profissional. Lo primeiro se pretender lograr mediante la creación de Clubes deportvios elementales, de constituicion simplificada. Lo segundo, mediante la convesion de los Clubes profissionales em Sociedades Anónimas Deportivas, o la creación de tales Sociedades para los equipos profissionales de la modalidad deportiva que corresponda, nueva forma jurídica que, inspirada en el régimen de las Sociedades Anónimas, incorpora en el régimen general de las Sociedades Anónimas, incorpora determinadas especificidades para adptarse al mundo del deporte" 87 CANDEÌAS. Ricardo. Personalização de equipa e transformação de clube em sociedade anonima desportiva. ÷ um contributo para o estudo das sociedades desportiva. Coimbra: Coimbra, 2000, p.33. 88 CANDEÌAS. Ricardo. Op. cit, p.33-34. 78 incluindo a fixação do capital mínimo de cada entidade, para, ao final, emitir parecer sobre a possibilidade de constituição de determinada equipe. A Liga pode ser considerada é entidade de administração desportiva, tendo, dentre outras atribuições, promover a tutela e gestão do funcionamento interno das SADs, que lhe são associadas. Dentro de sua esfera de competência, dispõe do poder de controlar todos os atos e contratos praticados pela entidade; pode exigir a apresentação de toda e qualquer documentação relativa ao capital social, deliberações assembleares, nomeação e destituição de dirigentes; alterações estatutárias diversas, especialmente as que têm por objetivo promover a fusão, cisão, dissolução ou transformação da sociedade; além de poder promover o controle das entidades por meio de auditorias externas, dos orçamentos e da contabilidade dos clubes. Pode, ainda, promover impugnação judicial dos de acordos contrários à lei, aos estatutos ou lesivos para a sociedade, que visem beneficiar acionistas ou terceiros. Para o exercício deste mister, possui legitimidade para interpor ações de responsabilidade contra aqueles que causarem dano às SADs e que eventualmente descumprirem dos acordos econômicos com a sociedade. O Conselho Superior de Desportes exerce forte controle das atividades dos clubes de futebol profissional, especialmente nas negociações que envolvam alienação de participação societária. O Real Decreto nº 1.251/1999 estabelece as condições para alienação de significativa participação social, bem como a necessidade de informação pela sociedade, com indicação do número de ações e todas as condições da operação. O segundo princípio consiste na transparência econômica que se justifica pela necessidade de evitar o fenômeno da insolvência que atingia grande parte dos 79 clubes profissionais, normalmente em virtude de gestões ruinosas evidenciadas por previsões orçamentárias em muito superiores às reais condições do clube. 89 As medidas implantadas pelo legislador espanhol para concretização deste princípio são manifestadas por meio da obrigação de realização do capital social em dinheiro; no tratamento igualitário entre os acionistas e os administradores e fundadores da SAD, nas limitações dos poderes dos administradores das SADs, na constituição de reserva legal antes da distribuição dos lucros e na impossibilidade de reembolso em casos de não obtenção de resultados positivos nos exercício anterior. 90 O terceiro, por fim, informa a supletividade do regime das normas das sociedades anônimas ordinárias para as SADs, naquilo em que for omissa a lei especial, ou mesmo nos casos em que há remissão expressa. O preâmbulo da Ley 10/90 indica a criação de um novo tipo societários, as sociedades anônimas desportivas, que, colocando-as ao lado das chamadas sociedades anônimas ordinárias, incorporaram algumas especificidades para que pudessem adaptar-se à nova realidade jurídica. Todavia, apesar a amplitude da regulação de dito tipo societário, a própria lei preferiu deixar questões ordinárias para a lei comum. 89 CANDEÌAS. Ricardo. Personalização de equipa e transformação de clube em sociedade anonima desportiva. ÷ um contributo para o estudo das sociedades desportiva. Coimbra: Coimbra, 2000, p.34- 35. 90 CANDEÌAS. Ricardo. Personalização de equipa e transformação de clube em sociedade anonima desportiva. ÷ um contributo para o estudo das sociedades desportiva. Coimbra: Coimbra, 2000, p.34- 35. Cf. MENÉNDEZ, Adolfo Menéndez. Principios fundamenales de las nuevas sociedades anonimas deportivas. In Transformación de clubes de futbol e baloncesto in sociedade anónimas deportivas. coord. ORTEU, Jordi Bartolomeu et ali. Editora Civitas S.A ., Madrid, 1992, p. 89. 80 3.6.2 O papeI do estado no desporto espanhoI e o pIano de saneamento A postura do Estado frente à necessidade de transformação das bases desportivas em geral é determinante especialmente para tentar resolver a questão atinente à precariedade financeira das entidades. Neste sentido, mister observar que o Estado espanhol possui amplo poder de intervenção nas atividades esportivas, por força da orientação da própria Constituição daquele País. Em virtude deste princípio de ampla intervenção, foi possível ao governo implantar um plano de saneamento que visava reestruturar as dívidas dos clubes. 91 Não restam dúvidas de que a precária situação financeira e econômica dos clubes de futebol profissional espanhóis foi um dos principais motivadores da 91 A Constituição Espanhola, de 27 de dezembro de 1978, elevou o tratamento do esporte ao mais alto grau normativo, conforme se infere da redação do artigo 43 verbis: " 1. Se reconoce el derecho a la salud. 2. Compete a los poderes públicos organizar y tutelar la salud pública a través de medidas preventivas y de las prestaciones y servicios necesarios. La ley establecerá los derechos y deberes de todos al respecto. 3. Los poderes públicos fomentarán la educación sanitaria, la educación física y el deporte. Asimismo facilitarán la adecuada utilización del tiempo de ocio.¨ Pero la constitucionalización del deporte no ha resultado afortunada, desde el punto de vista del reconocimiento de un derecho subjetivo. Esto se debe, entre otros factores, a que la referencia al deporte se hace en el marco de un artículo destinado a recoger el derecho de los ciudadanos a la protección de la salud. De ahí que la mención que se hace del deporte en la Constitución no permita inferir, de su solo enunciado, la existencia de un derecho al deporte reconocido constitucionalmente. Además, el Capítulo tercero "Principios rectores de la política social y económica¨, donde se encuentra ubicado el artículo, como su propia denominación indica, no reconoce propiamente derechos subjetivos, sino principios rectores que deben de presidir la acción de los poderes públicos. Se trata sencillamente de normas dirigidas al poder público, sin una dimensión subjetiva autónoma. Sin embargo, dada la naturaleza de los Principios rectores, el sistema de protección es distinto del de los derechos. En cuanto Principios, poseen la protección general de toda la Constitución; en la medida en que se concreten posteriormente en derechos subjetivos por normas infraconstitucionales, cuentan con la protección que el ordenamiento otorgue en cada caso. Es curioso señalar que, en el proceso constituyente, fueron estudiados algunas enmiendas que proponían recoger la mención constitucional al deporte en un artículo separado, como fue el caso del Anteproyecto número 760, presentado por Don José Manuel Couceiro Tabuada, que contenía el siguiente texto: "Los poderes públicos tienen la obligación de fomentar y facilitar el desarrollo de la actividad física y el deporte, así como la adecuada utilización del tiempo de ocio.¨ La importancia de esta enmienda radica en el hecho de que propone el tratamiento al deporte desligadamente de la salud y de los otros tópicos que, sin mucho fundamento, se le han adherido. No obstante, aún el precepto, carece de un reconocimiento formal del derecho al deporte. 81 edição da Ley nº 10/90 e de suas alterações posteriores. Sensível a esta questão, o Governo Espanhol criou um plano de saneamento para os clubes de futebol, assumindo as dívidas apresentadas pelos clubes, nos termos da décima-terceira disposição adicional da supramencionada norma, [...] en el marco del Convenio de Saneamento del Fútbol Professional, y a fin de posibilitar la transformación de los clubes en Sociedades Anónimas Deportivas, o su creación según establece la Disposición adicional novena de esta Ley, la Liga de Fútbol Porfesional asumirá el pago de las siguientes deudas de las que quedarán liberados los Clubes de fútbol que hayan suscrito los correspondientes convenios particulares com la Liga Professional: a) Deudas tributarias com el Estado derivadas de tributos e conceptos autoliquidadas o, un su caso, liquidadadas por la Administracions tributária antes de la entrada em vigor de la presente Ley. Estas deudas tributarias incluirán todos los componentes previstos en el articulo 58 de la Ley General Tributaria que resultaram precedentes, así como la costas que se hubieran podido producir; b) Otras deudas com el Estado y su Organismos autónomos, Seguridad Social y Banco Hipotecario de España a 31 de diciembre de 1989; c) Las deudas expressadas en los apartados anteriores se entienden referidas a las de quellos clubes que en la temporada 1989/1990 y 1990/1991 particiban o participan en competiciones oficiales de la Primeira y Segunda división A de fútbol. O Estado espanhol, portanto, comprometeu-se a quitar todas as dívidas de natureza tributária, da seguridade social e outras mais contraídas com o Banco Hipotecário Espanhol. Todavia, este plano de salvamento dos clubes profissionais de futebol tinha como contrapartida a adoção do modelo societário regulamentado pela Ley 10/90 e nas adaptações que a procederam, ou seja, a SAD. O renomado autor brasileiro de Direito Desportivo Álvaro Melo Filho é mais categórico ao afirmar que, na verdade, o governo espanhol zerou as dívidas desses clubes, para a seguir convertê-los em sociedades anônimas desportivas. Concluindo que a transformação de clubes em empresas na Espanha foi uma 82 compensação ou contrapartida ao aporte de recursos públicos do Estado, de modo que a preocupação do legislador espanhol "no és la forma sin el fondo¨ 92 Ìmportante observar que, diferentemente do que ocorre no Brasil, o Estado espanhol possuem amplo poder de intervenção nas atividades desportivas, o que possibilitou a criação deste plano de saneamento indistintamente para todos os clubes que se amoldassem às exigências legais. Luiz Roberto Martins Castro (2002) 93 entendo ser o maior e mais importante fator de diferenciação entre o desporto brasileiro e o espanhol as fontes de recurso. Enquanto o Estado espanhol, por meio do CSD (órgão responsável pela administração do desporto em geral), concede às federações desportivas, entidades desportivas e associações desportivas subvebções econômicas, atribuindo às Federações caráter de entidade de regime público, no Brasil, a receita das federações desportivas, entidades desportivas e associações desportivas provêm de suas próprias atividades, sendo que o único auxílio governamental equivale a 10% (dez por cento) da renda líquida da loteria esportiva, pelo uso de suas denominações, marcas e símbolos, na qual somente o futebol participa. Desta forma, enquanto na Espanha as Federações Nacionais, em virtude do auxílio financeiro do Estado estão sujeitas à intervenções do Estado, passando assim, apesar de serem entes provados conforme determina a lei espanhola, a possuir um caráter de ente público, no Brasil, em virtude da autonomia constitucional e pela falta de subvenção estatal, é ente privado. Assim sendo, não pode intervir nas Federações Desportivas. 92 MELO FÌLHO, Álvaro. Novo regime jurídico do desporto, Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 98. 93 CASTRO, Roberto Luiz., Comparativo da Lei Desportiva Espanhola e Brasileira, Internet ÷ site do Ìnstituto Brasileiro de Direito Desportivo ÷ ÌBDD ÷ 2002. 83 Dentro desta realidade, após realização de ampla auditoria fiscal e contábil pela Liga Profissional de Futebol, entidade de administração do desporto, com atribuições semelhantes às da Confederação Brasileira de Futebol ÷ CBF, determinou que todos os clubes 94 que desejassem disputar competições profissionais organizassem-se como Sociedade Anônima Desportiva ÷ SAD, desde que apresentassem um saldo patrimonial líquido negativo em qualquer dos cinco anos (a partir da temporada 1985/86) 95 , sob pena de serem impedidos de participar nas referidas competições Como a obrigatoriedade para adequação dos clubes de futebol tinha alcance limitado, aqueles clubes que apresentaram resultados positivos puderam optar pela manutenção forma associativa. 96 Ìmportante observar que, casos os clubes que estivessem enquadrados dentro da situação patrimonial indicada pela lei, não adotassem a forma da SAD, sofreriam duas sanções: uma de caráter desportivo ÷ impedimento para participarem de competições profissionais e uma de caráter econômico ÷ seriam imediatamente excluídos do Plano de Saneamento. No entanto, os clubes que apresentaram resultados positivos nos períodos indicados pela lei, poderiam optar pela manutenção de sua estrutura 94 Segundo definição de CARLEZZO, Eduardo. In: Direito desportivo empresarial, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 94, "Os clubes desportivos são consideradas as associações privadas, integradas por pessoas físicas ou jurídicas, que tenham por objeto a promoção de uma ou várias modalidades desportivas, a prática das mesmas por seus associados, assim como a participação em atividades ou competições desportivas." 95 CANDEÌAS. Ricardo. Personalização de equipa e transformação de clube em sociedade anonima desportiva. ÷ um contributo para o estudo das sociedades desportiva. Coimbra:Coimbra, 2000, p.29/30. 96 Foi o caso do Real Madrid, Barcelona, Atletico de Bilbao e Osasuña. 84 jurídica, mas não poderiam deixar de se submeter a um tratamento jurídico específico que permitisse uma gestão transparente. 97 Neste sentido, o orçamento anual da equipe é submetido a aprovação da Liga Profissional de Futebol, ficando os administradores responsabilizados pelo saldo negativo contabilizado durante sua gestão, cuja ação de responsabilidade por ser proposta tanto pela Liga Profissional de Futebol, como pelo Conselho Superior de Esportes, sem olvidar da possibilidade de serem promovidas auditorias externas nas contas dos clubes. 98 97 Cf. MEGLÌOLÌ, Mauricio. Las sociedades anonimas deportivas. in Derecho y Deporte, Disponível em:<http://www.marciliokrieger.com.br/pdfs/leg_internacional/LAS%20SOCÌEDADES%20AN%D3NÌM AS%20DEPORTÌVAS-Espanha.doc>. Acessado em 25/11/2005. 98 Cf. CANDEÌAS. Ricardo. Personalização de equipa e transformação de clube em sociedade anonima desportiva. ÷ um contributo para o estudo das sociedades desportiva. Coimbra: Coimbra, 2000, p.29 e CARLEZZO, Eduardo. Direito desportivo empresarial, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 95. 85 4 O PARADIGMA MERCADOLÓGICO DO FUTEBOL BRASILEIRO: ANÁLISE DE SUAS PARTICULARIDADES 4.1 A IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO FUTEBOL PROFISSIONAL No item anterior foram apresentados, de modo geral, os elementos deflagradores implantação da lógica mercantil no esporte, notadamente no futebol, analisados a partir do desenvolvimento do profissionalismo, bem como alguns aspectos da solução adotada por Portugal e Espanha. A trajetória do futebol brasileiro também deve ser entendida tomando como referência as mudanças estruturais do futebol no plano internacional, que o converteram, ao longo do século, de esporte amador em esporte profissional, e, especialmente, de atividade associativa, de objetivo ideal, sem fins lucrativos em atividade empresarialmente orientada. 99 Apesar de terem sido apresentados os elementos e as forças objetivas gerais que conduziram à transformação das bases organizativas do esporte, convém identificar as particularidades observadas no Brasil, especialmente no que toca à implantação do esporte, desenvolvimento e implantação do profissionalismo e, sobretudo do caráter mercantil dos clubes de futebol brasileiros. Não se pretende neste trabalho, tampouco neste capítulo, aprofundar na história do esporte mais popular do País, mas apenas e tão somente identificar os fatos históricos que conduziram à transformação de suas bases organizativas que 99 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 96. 86 culminaram com as propostas legislativas para adoção de regime de gestão empresarial. Há diversas teorias que noticiam a implantação do futebol no Brasil. A versão oficialmente aceita, dá conta de que o esporte foi introduzido no país por Charles Miller, filho brasileiro do cônsul britânico de São Paulo, que teve o primeiro contato com o esporte na Ìnglaterra, durante o período no qual estudou na cidade de Southampton. Ao desembaraçar no país, entusiasmado com o esporte bretão que refletia sobremodo os valores aristocratas, passou a ensiná-lo a um seleto grupo de pessoas, em sua maioria ingleses que possuíam altos cargos em estabelecimentos britânicos aqui sediados e em estabelecimentos de ensino elitizados, assim como se dava na Europa. A primeira partida oficial foi promovida em 1886, com a presença de curiosos membros da sociedade paulistana. 100 Ìnteressante observar que durante o período no qual se dava a implantação do esporte, diversas mudanças político-sociais eram verificadas no Brasil. A escravidão havia sido abolida e o regime republicano dava os primeiros passos. As cidades de São Paulo e Rio de Janeiro iniciaram o processo de urbanização e industrialização que marcou um movimento social de absorção de valores liberais. A introdução do futebol neste cenário representou o signo de mudanças e desenvolvimento: o esporte, muito além da simples idéia de jogo. 101 100 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 96. 101 Neste sentido o antopólogo Roberto DaMatta, citado por PRONÌ, ,Marcelo Weishaupt. Op. cit., p. 99, destaca que "(...) o futebol foi introduzido sob o signo do novo, pois, mais do que um simples jogo, estava na lista das coisas moderníssmas: era um esporte. Ou seja, uma atividade destinada a redimir e modernizar o corpo pelo exercício físico e pela competição, dando-lhe a higidez necessária a sua sobrevivência num admirável mundo novo ÷ esse universo governado pelo mercado, pelo individualismo e pela industrialização. 87 Assim, considerando que o esporte introduzido tinha conotação burguesas e aristocráticas, ainda no início do século XX, era pouco conhecido e praticado nas demais cidades brasileiras. A elite que praticava e que iniciou o movimento de organização sistemática da atividade futebolística tinha como paradigma o ideal amador, que era valor inafastável da prática deste novo esporte. Com o surgimento de equipes de futebol compostas por trabalhadores de fábricas situadas em subúrbios cariocas e paulistas, a partir de 1904, o esporte começou a se popularizar no meio urbano. De forma semelhante ao que ocorrera na Ìnglaterra, os empresários brasileiros aproveitaram a projeção que o esporte poderia causar a seus negócios. Assim a prática do futebol servia como instrumento de divulgação dos próprios empresários que, em última análise, servia como facilitador de obtenção de regalias e promoções para os trabalhadores que atuavam nos torneios. Esse fato pode ser justificado pela feição personalista predominante no início do século XX, mesmo nas relações comerciais e societárias. Até o ano de 1919 já haviam sido criadas várias equipes de futebol ao longo do Brasil e sido organizados, com relativo sucesso, os primeiros torneios de vulto, que culminaram com a conquista do selecionado brasileiro do primeiro título sul-americano. Em função desta conquista e, em especial da superior demonstração de habilidade e força dos integrantes das classes mais pobres, foi despertado o interesse da elite em controlar o esporte e a em organizá-lo de forma institucional. Foi a partir do impulso do futebol que se iniciou um movimento de estruturação do desporto nacional, como um todo. 88 Na medida em que os estádios se enchiam de espectadores, que compravam ingressos para torcer por seus novos ídolos, começou a se delinear uma situação ambígua. 102 Os dirigentes burgueses dos primeiros clubes sentiram a necessidade, cada vez maior, de contratar atletas oriundos das classes economicamente inferiores e a propiciar pagamento de remunerações, cada vez mais crescentes. Esta situação era tida como ambígua, e ao mesmo tempo, constrangedora, pois, a prática deste esporte começava a se afastar do ideal amador. Cada vez mais se verificavam notícias de atletas que recebiam remunerações e, portanto, não eram efetivamente amadores. Em função disto, o meio jornalístico tratou deste momento como a época do "amadorismo marrom¨ 103 Mas o apogeu da crise amadora deu-se no Rio de Janeiro, em 1923, quando o time do Vasco da Gama foi campeão local com uma equipe que contava com negros e brancos iletrados, o que causou enorme reação dos times integrantes da elite do futebol carioca. Diante da crescente popularização do esporte e da nova possibilidade de ascensão social que se descortinava, os dirigentes dos clubes tradicionais, de elite, organizaram-se em associações com o objetivo de dirigir para a direção do futebol local. Todavia, desde o momento em que se idealizou a criação dos primeiros entes responsáveis pela gestão do esporte verificou-se um interesse, em última análise, econômico. Os dirigentes pretendiam manter o ideal amador com o objetivo de conter o profissionalismo reclamado pelos atletas das camadas sociais inferiores. 102 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 96. 103 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. Op. cit., p. 108. 89 Entretanto, a situação começou a mudar drasticamente a partir dos severos danos econômicos que assolaram o mundo com a Grande Depressão de 1929, aliados ao intenso êxodo de jogadores nacionais para os países em que o profissionalismo dava seus primeiros passos, especialmente na Ìtália e Espanha, seguidos de Uruguai e Argentina. Mas, o acontecimento determinante para o declínio do amadorismo neste período foi a realização da primeira Copa do Mundo que contava com a participação de jogadores profissionais. Neste contexto de conturbados fatos sociais, o trabalhismo de Getúlio Vargas foi decisivo, ao incluir o jogador de futebol no rol das profissões que seriam objeto de regulamentação, a partir de 1931. Este fato revela a resposta governamental aos anseios sociais, rumo ao profissionalismo do futebol brasileiro. Em 1933 foi criada a primeira liga profissional de futebol com um discurso altamente democratizante, de verdadeira inclusão social dos atletas. O esporte passou a ser legalizado e os negros e brancos pobres passaram a ser valorizados como qualquer outro jogador, o que representou grande avanço político, especialmente em função do momento histórico que se vivia. Entretanto, a modernização não rompeu de modo radical com as antigas estruturas de poder no seio dos clubes e das entidades de administração do esporte, afastando qualquer possibilidade de democratização neste meio. 104 Os jogadores poderiam ser de qualquer raça ou classe social, mas os dirigentes continuavam sendo os integrantes das elites que implantaram e ditavam os rumos da atividade. O reconhecimento legislativo e social do profissionalismo no futebol brasileiro não pode ser entendido como a consagração da lógica e do paradigma mercadológico verificado nos dias de hoje. 104 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 117. 90 Na segunda metade dos anos trinta, com a concretização do profissionalismo e a enorme profusão do futebol no meio social, foram estreitados os laços entre o esporte e o Estado. Assim como ocorreu na Alemanha nazista de Hitler e a Ìtália fascista de Mussolini, o futebol no Brasil passou a ser utilizado como ferramenta do governo para reforçar a propaganda de uma política ufanista, para a construção de uma certa unidade nacional. Com efeito, a utilização do esporte como ferramenta para alimentar o imaginário popular e despertar um sentido patriótico sempre foi altamente produtiva. Na verdade, ao acompanhar disputas internacionais, a tendência é de que os torcedores identifiquem sua seleção como representante de seu país em uma espécie de batalha contra adversário que devem ser derrotados, na defesa e representação da nação, mesmo que isto se limite a meros campos de futebol. A primeira norma regulamentadora revela o interesse de reforçar o futebol, não como atividade profissional, mas como instrumento ideológico nacionalista. O crescimento acelerado do número de adeptos e da estrutura física de vários clubes brasileiros fez como que se tornasse cada vez mais complexa a organização de torneios e, como conseqüência, cada vez mais rentável a atividade. Neste cenário a imprensa passou a dedicar maior atenção aos espetáculos futebolísticos, iniciando uma relação peculiar e determinante para o crescimento e reconhecimento de ambas as atividades. Os cronistas esportivos passaram a valorizar os sentimentos que envolvem uma partida de futebol, alimentando o imaginário popular, impondo a vontade de se tornarem verdadeiros associados dos clubes e criando, por conseqüências, vários mitos, ídolos esportivos e acirradas rivalidades regionais. 91 Em verdade, a cobertura dos diversos tipos de mídia foi essencial para a consolidação do futebol como um esporte de massas em âmbito nacional. Neste período, o profissionalismo já havia se incorporado em vários estados do Brasil, mas faltava um elo de ligação entre o interesse regional pelo esporte e o País como um todo, especialmente com as pessoas que não participavam rotineiramente dos espetáculos esportivos. Foi então, com a realização Copa do Mundo de 1950, no Rio de Janeiro, e com a derrota histórica para os uruguaios ÷ que se destacavam na época pelo alto grau de desenvolvimento do profissionalismo e da alta capacidade de organizar eventos ÷ que a população brasileira, em massa, despertou interesse para o esporte. Nunca havia se verificado um acontecimento esportivo que causasse tamanha comoção popular. A conquista das Copas de 1958 e 1962 corou o futebol como elemento da cultura popular. Nesse período o futebol consolidou-se como um importante e concreto meio de ascensão social para aqueles que não tinham acesso à educação. A decorrência lógica deste fenômeno foi o intenso crescimento do futebol como mercado de trabalho, com características semelhantes às do mercado de trabalho urbano em geral ÷ grandes dispersões salariais e relativa estabilidade. 105 Entretanto a atividade não dispunha de regulamentação como atividade profissional, que limitava a atuação dos jogadores e o desenvolvimento do profissionalismo, mas que ao mesmo tempo garantia a manutenção da estrutura de poder elitista, que continuava a controlar a atividade e dela se beneficiar. Deve-se observar, ainda, que apesar da conquista do bi-campeonato mundial, a estrutura organizativa do futebol brasileiro reclamava profundas 105 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 138. 92 alterações, especialmente se comparada com o ideal e práticas profissionais dos europeus. Em razão disto, como bem observar Marcelo Weishaupt Proni (2000): "(...) o jogador não era visto como um `profissional´e sim como um `artista da bola´.¨ A derrota e a eliminação prematura do Brasil da Copa do Mundo de 1966 acirraram os debates em torno da necessidade de revisão das bases do esporte brasileiro. Ìnteressante observar que neste período se vivia em um contexto ditatorial, no qual os meios de comunicação sofriam severas censuras, especialmente se o noticiário tinha conotações políticas. Em função disto a imprensa desportiva ganhou significativo espaço, discutindo de forma veemente a organização do esporte brasileiro, tendo o técnico João Saldanha representado um ícone desta bandeira. Baseado na experiência do futebol europeu, o jornalista e ex- dirigente da seleção brasileiro, levou ao então Ministro da Educação Jarbas Passarinho, uma série de sugestões para erradicação dos problemas que assolavam o futebol brasileiro, especialmente no que se referia à sua estrutura, organização e ausência, ou parca, de regulamentação da profissão do jogador de futebol. Todavia, com a conquista da Copa de 1970, no México, e, sobretudo com a forma destacada, com atuações quase artística de jogadores consagrados, como Péle, Rivelino, Tostão, Gérson, Jairzinho e outros, os debates foram ofuscados pela glória do inédito tri-campeonato. Um aspecto importante que deve ser levando em consideração para o desenvolvimento do profissionalismo do futebol brasileiro foi a criação de um Campeonato Nacional, que representou, à época, uma nova possibilidade de receita para os clubes, com a manutenção da estrutura organizativa das federações e dos 93 clubes. O sucesso do campeonato e a repercussão na mídia, impulsionada pela conquista do tri-campeonato do mundo, exerceu verdadeira força rumo à profissionalização dos atletas. Somente em 1976 foi regulamentada a profissão de jogador de futebol, ainda que em seus aspectos mínimos, sem se verificar a intromissão do Estado nas estruturas de dominação características do modelo vigente desde a década de trinta, que conjugava valores liberais da sociedade industrial e valores patriarcais e patrimonialistas da sociedade escravocrata, consubstanciada na figura do "passe¨. 106 4.2 A CRISE FINANCEIRA E POLÍTICA E SUAS INFLUÊNCIAS NA CONSOLIDAÇÃO DO PROFISSIONALISMO A consagração do profissionalismo no futebol brasileiro, no final da década de 70, por si só, não foi suficiente para deflagrar uma profunda alteração na estrutura do futebol brasileiro, especialmente em relação à gestão do esporte e sua exploração comercial. Ao contrário. A crise financeira do início dos anos 80, mais especificamente nos anos de 1981 a 1983, que teve proporções globais, atingiu de modo expressivo as finanças dos clubes de futebol profissional. Em função disto, o "passe¨ dos atletas passou a representar a principal fonte de receita dos clubes brasileiros, que acabaram envolvidos em um círculo vicioso, empobrecendo, cada vez mais os campeonatos estaduais e nacionais. Formavam-se atletas jovens e, 106 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A Metamorfose do Futebol. Ìnstituto de Economia. Campinas: Unicamp, 2000, p. 143. 94 após o sucesso precoce alcançado, ainda em uma única temporada, vendiam-no para clubes estrangeiros, em troca, na maioria das vezes, do pagamento das dívidas que já se acumulavam. Essa solução refletia o objetivo imediatista dos dirigentes em obter significativas receitas, sem a necessidade de alterar, por completo, o modo de gestão das entidades, que não convergia com os interesses da elite que continuava a controlar a atividade. O interesse dos jovens jogadores, em contrapartida, justificava-se pela possibilidade de jogar em clubes que propiciassem melhores condições de trabalho e, por via de conseqüência, de ganhos e projeção. Estes fatores são conseqüências imediatas do avanço provocado pela adoção de um modelo de gestão empresarial, com um arcabouço jurídico que a favoreça. A este propósito convém transcrever as observações de Marcelo Weshaupt Proni (2000): De fato, enquanto os clubes de brasileiros continuavam a ser administrados de modo voluntarista e a depender de receitas oscilantes, enquanto imperava a desorganização nas federações, com alterações freqüentes de datas e horários de jogos, em alguns países da Europa o futebol começava a ser melhor planejado e administrado, com várias equipes implementando métodos modernos de gestão esportiva, procurando fontes de receita mais permanentes, e com campeonatos mais lucrativos 107 Partindo de uma análise sociológica, sem se preocupar de imediato com as questões econômicas, buscando desvendar os motivos que conduziram o futebol 107 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 148. 95 brasileiro à crise enfrentada a partir do início dos anos 80, com reflexos claros até os dias de hoje, alguns autores concordam com o fato de que este cenário somente se desenrolou em função da desorganização administrativa e do atraso institucional do esporte no país. 108 Para outros, a crise, em última instância, refletia a tensão entre o signo do tradicional e do moderno, típico de um padrão cultural dualista da cultura brasileira. 109 O fluxo cada vez mais intenso de jovens jogadores para o mercado europeu era, na verdade, o reflexo imediato do agravamento da crise financeira do futebol brasileiro. Em função disto, as mazelas da estrutura organizativa do futebol brasileiro passaram a ser discutidas com maior ênfase pela sociedade esportiva, em especial pelos dirigentes do esporte nacional. De um lado, dirigentes de clubes defendiam que a causa dos problemas do futebol era, exclusivamente, a crise econômica e financeira que assolou o País, ainda no final da década de 80. De outro 110 , havia uma minoria de dirigentes esportivos, jornalistas e atletas que reputavam como obstáculos para a saída da crise do futebol brasileiro, a arcaica estrutura administrativa e a inadequação da legislação. A divergência de posicionamentos entre os dirigentes e a imprensa esportiva ÷ que saía fortalecida com a abertura política promovida em meados da década de 80 ÷ fez com que se instalasse uma crise política na direção do esporte brasileiro, como um todo. Ìnteressante observar, que as entidades de administração do desporto ÷ de federações e confederações ÷ comandadas pela mesma elite que se fazia 108 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 149. 109 HELAL, Roberto. Passes e Impasses: futebol e cultura de massa no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. Apud PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000. 110 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. Op. cit., p. 154. 96 presente durante a implantação do futebol, ainda no início do século, era em sua integralidade, composta por dirigentes amadores, especialmente a CBF ÷ Confederação Brasileira de Futebol. Nesse contexto de crise financeira 111 e de intensa pressão política promovida pela imprensa especializada teve início a exploração do marketing esportivo, que seria uma importante ferramenta para a incorporação definitiva do ideal mercadológico no futebol brasileiro. 112 Ìnicialmente a atividade se restringia à divulgação de marcas e produtos nos uniformes dos times e nas placas estáticas de publicidade nos estádios. Com o aumento das transmissões televisivas, ao vivo, dos jogos dos campeonatos estaduais e, sobretudo, do nacional, que, como dito, alcançou enorme sucesso junto ao público, o marketing esportivo passou a ser visto como uma significativa fonte de recursos para os clubes e para a própria seleção brasileira. Os valores dos contratos de publicidade e fornecimento de material esportivo cresciam de forma vertiginosa, assim como o consumo de produtos que levavam tanto a marca dos patrocinadores, como apenas do próprio clube. Aliado ao "passe¨ dos atletas, as verbas com publicidade, patrocínio e exploração da marca, passaram a ter significativa importância no contexto mercadológico, no qual se inseriu o futebol, a partir do início da década de 90. 113 Com a edição da Lei Pelé e a suplantação da Lei do "passe¨, a exploração do marketing esportivo passou a representar a mais importante fonte de 111 Sobre o demonstrativo e a composição das dívidas dos clubes brasileiros, veja CATEB, Alexandre Bueno. Desporto Profissional e Direito de Empresa, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 115/117. 112 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 157. 113 A cerca das fontes de receita e financiamento dos clubes de futebol, veja CATEB. Alexandre Bueno. Desporto profissional e direito de empresa. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, e AZAMBUJA, Antônio Carlos de. Clube-Empresa: preceitos, conceitos e preconceitos: o 1001º gol. Porto Alegre. Sérgio Anônio Fabris Editor, 2000. 97 receita dos clubes, juntamente com as quotas financeiras oriundas das transmissões televisivas dos jogos de futebol em âmbito regional e nacional. Entretanto a manutenção da estrutura político administrativa dos clubes e, em especial, das entidades de administração do desporto ÷ federações e confederações ÷ representavam verdadeiro óbice para a concretização do ideal mercadológico no esporte e sua plena exploração. Confira-se, a propósito, a conclusão do autor Marcelo Weishaupt Proni (2000): Em suma, o caminho do marketing esportivo tinha sido descoberto, mas a continuidade da estrutura político-institucional obstruía a sua plena exploração. Além disso, os clubes brasileiros continuavam enfrentando sérios problemas financeiros e se mantinham muito vulneráveis À concorrência externa. [...] A solução para aos problemas vividos pelo futebol brasileiro ÷ afirmava-se desde o início da década ÷ passava por uma completa reestruturação das bases legais e institucionais nas quais ele se erguera. Era o momento de limpar o entulho autoritário, de criar um novo ambiente jurídico e uma configuração institucional mais moderna, que permitissem aos clubes o salto definitivo para a modernidade. 114 Amparada basicamente na necessidade de adequar a legislação brasileira à nova realidade do esporte brasileiro, em especial o futebol, e de consagrar de uma vez por todas a lógica mercantil e profissional no esporte, que foi publicada a Lei Zico e, em seguida, a Lei Pelé. O objetivo do capítulo seguinte é demonstrar a resposta da legislação brasileira, que, corporificada na figura do "clube-empresa¨, tentou transmudar a organização associativa dos clubes para os moldes empresariais. 114 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Ìnstituto de Economia, Campinas: Unicamp, 2000, p. 162. 98 5 O DIREITO COMERCIAL E A EMPRESA 5.1 BREVE PANORAMA EVOLUTIVO DO DIREITO COMERCIAL: DOS ATOS DE COMÉRICIO AO DIREITO DAS EMPRESAS Como se viu nos capítulos anteriores, a legislação brasileira tem buscado adequar o esporte profissional e sua estrutura de gestão à nova realidade social e econômica no qual está inserido. O objetivo desta adequação legislativa é, antes, afastar o esporte profissional da tutela do Direito Civil e inseri-lo no âmbito do Direito Comercial ou modernamente denominado Empresarial. Para que se possa descer ao estudo desta possibilidade nos capítulos seguintes, convém traçar um panorama histórico do Direito Comercial, com destaque para a fase atual de seu desenvolvimento, na qual sobressai a Teoria da Empresa. 5.1.1 A fase subjetiva Embora a prática comercial tenha se iniciado ainda em épocas remotas, pode-se afirmar com segurança que o Direito Comercial, somente se cristalizou e 99 teve seu início de desenvolvimento como disciplina privada da atividade econômica, durante a Ìdade Média, no seio das corporações de vários gêneros. 115 Após a queda do Ìmpério Romano e com o fim das invasões bárbaras, o mundo ocidental passou a se re-organizar política, administrativa, social e economicamente, tendo como reflexo imediato a criação dos feudos e a inevitável dominação de seus senhores. Em resposta a essa repressão e dominação, os indivíduos que mantinha laços de dependência com a estrutura de poder dos feudos passaram a se organizar em associações dos mais variados gêneros, como confrarias religiosas, associações de comerciantes, corporações de artes e ofícios, comunas, dentre outras. Num primeiro momento, tais organizações refletiam apenas a necessidade de auto-afirmação de seus integrantes, enquanto sujeitos de relativa importância dentro da estrutura econômica da época. É certo que, ao menos de início, tais associações não dispunham de poder suficientemente forte e esclarecido para regular as relações entre seus integrantes, tampouco de editar normas à altura da conjuntura política e, com a autoridade para serem fazerem-se respeitadas por todos e para se imporem coercitivamente. 116 O grau de organização das corporações foi, aos poucos, tomando maior vulto, cuidando, cada uma, de defender seus interesses. Novas corporações eram fundadas e percebeu-se em amplo movimento de união entre tais organizações, originando, e seguida, às cúrias, que gozavam de enorme prestígio e grande autoridade. 115 Cf. BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre, São Paulo: Saraiva, 1971; ESTRELLA, Hernani, Curso de direito comercial Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1973, MENDONÇA, J.X. Carvalho de. Tratado de direito comercial, São Paulo: Freitas Bastos, 1943, FERREÌRA, Waldemar. Instituições de direito comercial. V. Ì. São Paulo: Saraiva, 1956, MENDES, Octavio. Curso de direito comercial terrestre. São Paulo: Saraiva & Cia. Editores, 1930, REQUÌÃO, Rubens. Curso de direito comercial. V. Ì. 25. ed., São Paulo: Saraiva, 2004. 116 ESTRELLA, Hernani. Curso de direito comercial. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1973, p. 24. 100 O grande fluxo de riquezas no seio das corporações fez com que elas adquirissem cada vez mais força econômica e política, passando, num segundo momento, a assumir, de fato, o governo das cidades medievais. Editaram-se normas e estatutos que deveriam ser observados por todos os integrantes das corporações. Formou-se uma estrutura de poder fincada na figura do cônsul, eleito pela comunidade, que juravam observar as normas costumeiras e aplicá-las no seio de suas organizações. Pouco a pouco, foi sendo feita a compilação dos usos, costumes e das normas que emanavam dos próprios comerciantes. 117 O ponto máximo da estrutura de poder que se organizou entre os integrantes das corporações de vários gêneros pôde ser observado com a criação de um sistema judicial formado pelos próprios mercadores, em especial pelos cônsules e que, em um primeiro momento, dirimiam conflitos apenas entre seus associados. Aos poucos sua competência foi sendo ampliada para abarcar conflitos que envolviam pessoas que não integravam os quadros de tais organizações. Ìsto se deu, fundamentalmente, em decorrência da rigidez de formas e solenidades do sistema comum, de base romanística-eclesiástica que resultava em morosidade e pequena praticidade. Esses excertos justificam o subjetivismo do primeiro período de desenvolvimento do Direito Comercial, na qual a criação das normas davam-se a partir do gênio dos integrantes de determinadas classes profissionais, para sua aplicação no seio de suas organizações. Paralelamente ao desenvolvimento das associações e corporações de vários gêneros, o tráfico comercial se intensificava. Os comerciantes passaram a sentir necessidade de alcançar maiores mercados e paulatinamente organizavam 117 BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre, São Paulo: Saraiva, 1971, p. 28. 101 encontros periódicos em locais afastados da dominação feudal, assim denominados de feiras comerciais. Eram dirigidas por uma autoridade central, composta de representantes de todos os interessados. A dinâmica das feiras comerciais favoreceu, sobremodo, a criação de importantes institutos de direito comercial, como os títulos de crédito, do processo execução e da falência. Foi, então, no seio destas feiras e, sobretudo, das corporações de mercadores, que surgiram as primeiras normas de direito comercial, como reflexo dos usos e costumes comerciais Hernani Estrella (1973) apresenta esclarecedora lição sobre este período da história: É na Ìdade Média, porém, obra principalmente das corporações de mercadores, que os usos e costumes mercantis, a legislação estatutária, as decisões dos juízes comerciais (tanto das corporações quanto das comunas) e as práticas contratuais dão vida e corpo ao direito comercial. É com base nesse material que se desenvolve, nos séculos XVÌ e XVÌÌ, a construção científica do direito comercial, exposto sob a forma doutrinária, em monumentais tratados e em exaustivas e perspícuas dissertações, pela plêiade dos patriarcas da ciência jurídica mercantil. 118 Nesse período, verifica-se, também, um forte movimento de compilação de normas mercantis e de julgamentos dos consulados, sobretudo relativas ao direito marítimo, de alcance internacional. Em toda a Europa imortalizaram-se compilações mercantis, como os Rolles de Oléron, as Leis de Wisby, o Livro do Consulado do Mar, bem como a coletânea de jurisprudência da Rota de Gênova. 118 ESTRELLA, Hernani. Curso de direito comercial. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1973, p. 26. 102 Por isto, pode-se afirmar que neste período o Direito Comercial surge como ciência e que se caracteriza como um direito corporativo, profissional, consuetudinário e especial, em relação ao direito civil, ou ao direito comum. 5.1.2 A fase objetiva: a teoria dos atos de comércio O contexto social e político da França e de todo o Mundo Ocidental transformou-se profundamente a partir dos ideários de igualdade, liberdade e fraternidade nos quais se baseou a Revolução Francesa. Este contexto de profundas transformações políticas e sociais não poderia se compatibilizar, ou mesmo tolerar, instituições corporativistas como eram as corporações de ofício. Assim, em 1791, a publicação da Lei Lê Chapelier fez com que ditas organizações fossem definitivamente extintas, consagrando os ideais da Revolução e impondo a reformulação de todo o sistema jurídico comercial de feição classista. Neste passo interessante transcrever as observações de João Eunápio Borges, sobre os desdobramentos da Revolução Francesa no que toca às organizações profissionais Preocupada a Revolução Francesa com a supressão de privilégios do antigo regime, não se contentou com a proclamação da liberdade de trabalho e com a abolição das corporações. Proibiu pura e simplesmente qualquer associação entre profissionais do mesmo ofício, para evitar o renascimento das corporações extintas. O resultado foi negativo e prejudicial aos trabalhadores que, desunidos, apesar da igualdade de todos perante a lei, eram impotentes para se 103 defender contra os beneficiários dos novos privilégios ÷ os da riqueza. Somente em 1884 foi abolida a proibição pela lei que criou os sindicatos profissionais. 119 Posteriormente à abolição das corporações de vários gêneros, em meados de 1806, o Estado Francês entrou em profunda crise econômica, a partir da falência de inúmeros comerciantes, o que chegou a colocar em risco a existência e manutenção do Banco de França. Em razão disto, o Ìmperador apressou as alterações legislativas necessárias para alinhar o país com os ideais que impulsionaram a Revolução. 120 Em 1807 foi concluído e aprovado o Code de Commerce, rompendo definitivamente com a tradição subjetiva de uma classe, para substituí-la pelo objetivismo dos atos de comércio. A nova disciplina da atividade econômica dos atos de comércio difundiu-se rapidamente, sendo seguida por muitos países Europeus e Latino-Americanos. A teoria dos atos de comércio passou a ser o pilar central do direito comercial, de sorte que qualquer pessoa poderia livremente tornar-se comerciante, desde que os praticassem de forma profissional. Embora tal teoria tenha sido severamente criticada. O direito comercial passou a ser a disciplina de um conjunto de atos que, em princípio, poderiam ser praticados por qualquer cidadão, não mais sendo restrito à categoria de profissionais organizados em corporações próprias. Fábio Ulhoa Coelho assevera que 119 BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre, São Paulo: Saraiva, 1971, p. 32. 120 Idem Ibidem. 104 A teoria dos atos de comércio resume-se, rigorosamente falando, a uma relação de atividades econômicas, sem que entre elas se possa encontrar qualquer elemento interno de ligação, o que acarreta indefinições no tocante à natureza mercantil de algumas delas. Embora haja quem considere a imprecisão inerente à teoria dos atos de comércio, vários comercialistas dedicaram-se à tentativa de localizar o seu elemento de identidade no próprio elenco de atos mercantis. 121 Embora a teoria dos atos de comércio tenha representado avanço na disciplina da atividade econômica, percebeu-se enorme dificuldade da doutrina em elaborar um conceito unitário para os atos de comércio, bem como de definir quais são as atividades reputadas civis e quais devem ser consideradas comerciais. Verificada a impossibilidade de se construir um conceito científico para os atos de comércio surgiram dois sistemas legislativos empenhados em determinar quais atos seriam dotados de caráter comercial. O primeiro deles, o enumerativo, que atribui à Lei a especificação dos atos que reputa comerciais. A enumeração legal dos atos reputados comerciais tinham como objetivo precípuo, além de delimitar a matéria do comércio, definir a competências dos Tribunais do Comércio. No entanto, muito se discutiu sobre tal enumeração legal, notadamente se possuía ela caráter taxativo ou meramente exemplificativo. Surgiu então, o segundo sistema: o descritivo ou exemplificativo, segundo o qual a lei apenas traça de forma generalizada, critérios para estabelecer a definição. Tornou-se então possível promover uma extensão analógica a outras espécies de atividades não referidas na legislação, reconhecendo-lhes seu eventual caráter comercial. Tal sistema 121 COELHO, Fábio Ulhoa, Op. cit., p.120 105 predominou nas legislações que adotaram a teoria dos atos de comércio, inclusive a brasileira. Da compreensão de que o Direito Comercial é estatuto que disciplina a matéria comercial e os atos de comércio a que estavam sujeitos todos os cidadãos, foram os mesmos classificados em objetivos ÷ intrinsecamente comerciais e definidos em lei ÷ e subjetivos ÷ provenientes do exercício das atividades comerciais, por comerciantes, não comportando enumeração legal. Com bases nesses sistemas e classificações debruçou-se novamente a doutrina na tentativa de melhor explicar as bases do novo Direito Comercial. Na Ìtália, em que vigoravam os atos de comércio nos idos de 1882, Alfredo Rocco preferiu analisar os elementos comuns aos vinte e sete atos reputados de comércio, a fim de delimitar a matéria do comércio. Ìdentificou a interposição como o elemento comum a todos os atos de comércio, dividindo-os em: a) interposição na troca de dinheiro contra dinheiro a crédito; b) interposição na troca do trabalho; c) interposição na troca de risco. 122 Como possível evolução dos estudos de Rocco, em França, um professor da Faculdade de Paris, Gaston Lagarde, elaborou a teoria da intermediação, dando destaque aos elementos especulação e circulação. Aliando esses elementos com a profissionalidade, intuito lucrativo e habitualidade, poder-se- ia caracterizar o comerciante. No Brasil, entretanto, a teoria dos atos de comércio somente foi recepcionada com a publicação do Código Comercial em 1850, que cuidou de definir a competência do Tribunal do Comércio, então existente. No entanto, o Código 122 ROCCO, Alfredo. Princípios de direito comercial, Campinas: LZN, 2003, p.202/244. 106 carecia de regulamentação em diversos pontos, merecendo destaque a disciplina dos atos de comércio. Ainda em 1850 foi promulgado o Regulamento nº 737 que trazia o elenco dos atos de mercancia, além de normatizar questões de ordem processual e deliberando sobre a extinção dos Tribunais do Comércio. A exemplo do que se verificou em França, no Brasil prevaleceu a corrente que propugnava que o elenco legal dos atos de comércio era meramente exemplificativo. Desta forma, além dos atos mencionados no artigo 19 do Regulamento nº 737 foram submetidas, posteriormente, outras atividades e pessoas ao regime comercial. Assim o fez, por exemplo, mediante edição das Leis nº 6.404/76 e 4.068/62. 5.2 A EMPRESA Diante do novo cenário econômico mundial, traduzido pelo desenvolvimento da economia capitalista, pós Revolução Ìndustrial, surge a figura da empresa e do empresário, sujeito que exerce, diretamente, a maior influência na distribuição da riqueza. Passou-se, então a se vislumbrar a empresa como a organização dos fatores de produção, para criação ou oferta de bens ou de serviços, não mais compreendida como a cadeia de atos de comércio isolados, como propunha o Código Napoleônico. 107 Seguindo a tendência dos demais países de tradição romanística, a legislação brasileira aproximou-se do modelo italiano de estabelecimento de um regime geral de pretensa disciplina privada da atividade econômica. O direito brasileiro, mesmo antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, revelava, gradualmente, a tendência de adotar a teoria da empresa. 123 A recente aprovação do projeto de Código Civil conclui o período de transição do direito privado brasileiro entre os sistemas francês e italiano. Ìnspirou-se o Código Civil de 2002 no Códice Civile e, adotando expressamente a teoria da empresa, incorporou definitivamente o modelo italiano de disciplina da atividade econômica ao ordenamento jurídico brasileiro. 5.2.1 A importância da empresa Na sociedade contemporânea onde o capitalismo prevaleceu sobre o socialismo, a empresa passou a exercer função preponderante, principalmente levando-se em conta o questionamento acerca do papel a ser desempenhado pelo Estado nesta ordem, haja vista sua dificuldade em enfrentar os problemas sociais e econômicos da atualidade. Nada obstante, a derrocada do Estado-Previdência e a redução do seu papel desempenhado nas áreas que não são de sua necessária e exclusiva competência, a missão da empresa foi ampliada como o intermediária entre os particulares e o Estado, quase seja como fomentadora da economia, quer 123 OLÌVEÌRA. Rubem Folena de. A possibilidade jurídica de declaração d falência das sociedades civis com a adoção da teoria da empresa no direito brasileiro. Revista de Direito Mercantil e Econômico, nº 113, São Paulo: Malheiros, jan/mar 1999. 108 seja geração de empregos e recursos, ou por ser uma interlocutora ágil e dinâmica que dialoga constantemente com o mercado consumidor. 124 Em razão disso, a empresa passou a ser observada como fenômeno sócio-econômico valorável pelo direito, sendo notório que, atualmente, domina o panorama da economia moderna, especialmente por ser ela responsável pela produção e comercialização de produtos e fornecimento de serviços em massa; mas também pelos progressos tecnológicos revolucionários que utiliza e, conseqüentemente, pela extraordinária dimensão que alcançou 125 . Fabio Konder Comparato ao dissertar sobre a importância da empresa na realidade sócio-econômica assinala que Se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa¨ 126 Com efeito, é ainda das empresas que provem a grande maioria dos bens de serviços consumidos pelo povo, e é delas que o Estado retira a maior parcela de suas receitas e fiscais. 127 Diferentemente de Bulgarelli, neste ensaio Comparato cuida de analisar a importância da empresa não se limitando aos seus notórios efeitos econômicos, enquanto instituição. 124 COMPARATO, Fabio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 3. 125 BULGARELLÌ, Waldirio. Sociedades comerciais, São Paulo: Atlas, 1985, p. 19. 126 COMPARATO, Fabio Konder. Op. cit. p. 03. 127 COMPARATO, Fabio Konder. Op. cit. p. 9. 109 Após discorrer sobre o desenvolvimento do pensamento liberal, culminando com a consolidação das instituições democráticas, o autor demonstra a consagração, no plano constitucional, dos fins sociais da empresa. Destarte, várias das atividades desenvolvidas por empresas de segmentos específicos se revelam responsáveis pelo fortalecimento do sistema financeiro nacional, conquista e manutenção de mercados externos dentre outras atividades fundamentais para a economia brasileira 128 . A importância econômica destas empresas ensejou maior intervenção do Estado, especialmente em sua estruturação e funcionamento. Comparato chega a afirmar que a lei reconheceu a autêntica função social das empresas atuantes nestes setores 129 . Neste contexto, a empresa deve incorporar valores transcendentais ao objetivo lucrativo, buscando especialmente, o fortalecimento das bases sócio- econômicas do Estado Liberal. 130 Atualmente, grande importância tem sido conferida à função social da empresa, que veio para atender a esta necessidade de transformação dos paradigmas da empresa, tendo como marco legislativo a redação do artigo 170 da Constituição Federal de 1988 que trata da função social da propriedade. 131 128 COMPARATO, Fabio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 9. 129 Idem Ibidem. 130 Correa-Lima, Osmar Brina. Ìnteresses e valores transcendentais na empresa moderna. Atualidades Jurídicas, Del Rey:Belo Horizonte, 1993, p. 245 131 Art. 170 da Constituição Federal de 1988. 110 5.2.2 Noção econômica e jurídica de empresa O primeiro doutrinador a formular uma teoria harmônica da empresa foi Wieland, em 1921, cujas idéias foram desenvolvidas por Lorenzo Mossa, antes mesmo da publicação do Codice Civile na Ìtália. Seguindo os ideais de seus precursores, Mossa estruturou sua teoria jurídica a partir de conceitos econômicos. Assim vinha a empresa como um organismo econômico tutelado pelo direito mercantil. 132 A partir de então evidenciou-se um ambiente de grande divergência em busca de conceito jurídico unitário de empresa, haja vista que na construção inicial dos autores citados, a noção econômica era coincidente com a jurídica. Toda a discussão cingiu-se à tentativa de dissociar a visão econômica da jurídica. A conceituação da empresa sob o ponto de vista econômico foi antecipou ao desenvolvimento de um conceito jurídico. Dentro desta visão é tida como órgão que concretiza a organização dos fatores de produção e que se propõe a satisfazer das exigências do mercado. Para Waldirio Bulgarelli, talvez um dos maiores expoentes brasileiros sobre o tema, acentua que "do ponto de vista econômico, porém, tem-se como certa a idéia de que a empresa pressupõe a organização complexa dos fatores clássicos da produção." 133 132 Segundo o autor, "la empresa es la persona econômica que el derecho mercantil regula em su vida" in MOSSA, Lorenzo. Derecho Mercantil, trad, Felipe de J. Tena, Buenos Aires: Uthena Argentina, 1940, p. 05. 133 BULGARELLÌ, Waldirio. Perspectivas da empresa perante o direito comercial ÌÌ. Revista de Direito Mercantil e Econômico. Vol. 5, Malheiros: São Paulo, 1975, p. 51. Cf. Tratado de Direito Empresarial. 4ed. Atlas: São Paulo, 2000, p. 51-70. 111 Oscar Barreto Filho, em sua tese sobre a teoria jurídica do estabelecimento afirmou que a "sob o ponto de vista econômico, conceitua-se a empresa como organização de bens ou de serviços para o mercado, coordenada pelo empresário, que lhe assume os resultados e os riscos" 134 A divergência conceitual e a discussão sobre a superposição do conceito econômico sobre o jurídico remontam desde as primeiras lições dos comercialistas clássicos. É certo que grandes expoentes do tema no direito italiano, como Vivante e Rocco entendiam que os conceitos econômicos e jurídicos são coincidentes, 135 enquanto muitos outros reconhecem a dificuldade de se diferenciar os dois conceitos. A doutrina brasileira, do mesmo modo, há muito discute a distinção ente os dois conceitos de empresa. Para alguns o conceito jurídico em muito se assemelha ao conceito econômico, daí a dificuldade em se conseguir definir juridicamente o instituto de modo unitário. Os principais representantes desta corrente são J.X Carvalho de Mendonça 136 , João Eunápio Borges 137 , Trajano de Miranda Valverde 138 e Sampaio de Lacerda 139 . 134 BARRETO FÌLHO, Oscar. Teoria jurídica do estabelecimento. 2ed. Saraiva: São Paulo, 1988, p. 23. 135 ROCCO, Alfredo. Princípios de direito comercial. LZN:Campinas, 2000, p. 77. 136 MENDONÇA, J. X Carvalho de. Tratado de direito comercial. Vol. Freitas Bastos: Rio de Janeiro, 1945, p. 492. 137 BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. Forense: Rio de Janeiro, 1972, p. 111. 138 VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedades por ações. 3 ed., Vol Ì, Forense: Rio de Janeiro, 1959, p. 78. 139 LACERDA, J. C. Sampaio de. Lições de direito comercial terrestre. Forense: Rio de Janeiro, 1970, p. 76. 112 Para outros, embora com natureza distinta, a empresa se assemelha ou guarda identidade com o estabelecimento, como entendem Oscar Barreto Filho 140 e Fran Martins 141 . A maioria da doutrina, no entanto, entende que a empresa na verdade é apenas o exercício de uma atividade organizada ou a contatenação de atos coordenados, pelo empresário, com finalidade produtiva. Neste grupo inserem-se Waldemar Ferreira 142 , Pontes de Miranda 143 , Rubens Requião 144 , Hernani Estrella, 145 Wille Duarte Costa 146 , Waldirio Bulgarelli 147 , Walter T. Álvares 148 , Nelson Abrão 149 , Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira 150 Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa 151 Com efeito, a dificuldade em se determinar um conceito jurídico para empresa pode ser explicada a partir do fato de que nem todos os aspectos econômicos da empresa ÷ o fenômeno produtivo em si, ou seja, transformação técnica da matéria-prima em produto manufaturado - interessam ao Direito Comercial. Destarte, os aspectos da empresa que mais interessam ao Direito Mercantil são o exercício da atividade do empresário e sua organização, as normas 140 BARRETO FÌLHO, Oscar. Teoria jurídica do estabelecimento comercial. 2ed. Saraiva: São Paulo, 1988, p. 25. 141 MARTÌNS, Fran. Curso de direito comercial. Forense: Rio de Janeiro, 1996, p. 15. 142 FERREÌRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. V. 1, Saraiva: São Paulo, 1960, p. 285. 143 PONTES DE MÌRANDA, Tratado de direito privado. Tomo 15, Borsoi: Rio de Janeiro, 1970, p. 355 144 REQUÌÃO, Rubens.Curso de direito comercial, V. Ì. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 57. 145 ESTRELLA, Hernani. Curso de direito comercial, Rio de Janeiro: Forense, 1973, p. 83. 146 COSTA, Wille Duarte. A possibilidade de ampliação do conceito de comerciante. Tese de Doutoramento. Universidade Federal de Minas Gerais: Faculdade de Direito. Belo Horizonte, 1997, p. 128 147 BULGARELLÌ, Waldirio. Tratado de direito empresarial. Atlas: São Paulo, 2000, p.244 148 ÁLVARES, Walter T. Curso de direito comercial. Sugestões Literárias: São Paulo, 1982, p. 177. 149 ABRÃO, Nelson. Continuação do negócio na falência. Leud: São Paulo, 1975, p. 27. 150 LAMY FÌLHO, Alfredo e PEDREÌRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A., 3ed., Renovar: São Paulo, 1997, p. 48. 151 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial, vol Ì, Malheiros: são Paulo, 2005, p. 147. 113 legais atinentes à concorrência e à propriedade imaterial e o complexo de bens que constitui o estabelecimento comercial e sua disciplina¨. 152 A seguir será apresentada uma evolução histórico-dogmática do conceito jurídico da empresa, dentro da teoria dos atos de comércio e da moderna proposta do direito italiano. 5.3 AS TEORIAS E O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO JURÍDICO DE EMPRESA Ìnicialmente, há de se salientar que, para melhor compreensão do tema a posteriori, faz-se necessário a incursão em aspectos discutíveis sob o ponto de vista do Direito Comercial, tal qual a conceituação de empresa, a definição e caracterização de empresarial comercial. A dualidade nos sistemas jurídicos de disciplina da atividade econômica, o avanço das legislações e do próprio Direito Comercial, além do desenvolvimento da atividade empresarial, apresentando relações comerciais cada vez mais complexas, revelaram-se elementos que impuseram cada vez mais dificuldades para a determinação de um conceito jurídico unitário para a empresa. Para melhor compreensão desta dificuldade é necessário descer à análise dos sistemas de disciplina privada da atividade econômica, sua evolução e a posição adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro. 152 REQUÌÃO, Rubens.Curso de direito comercial, V. Ì. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 56. 114 5.3.1 Conceito de empresa dentro do sistema francês da teoria dos atos de comércio A primeira, senão uma das pioneiras manifestações legislativas da empresa pode ser atribuída ao Código Comercial Francês de 1807, notadamente no artigo 632, que incluiu no elenco dos atos de comércio "todas as empresas de manufaturas, de comissão, de transporte por terra e água¨ e "todas as empresas de fornecimento, de agência, escritórios de negócios, estabelecimentos de vendas em leilão, de espetáculos públicos¨. Um grande personagem do Direito Comercial francês, o tratadista Georges Ripert, comenta a inserção da empresa no âmbito do Código Napoleônico, explicitando a nova realidade econômica verificada no início do século XVÌÌ. Ensina que O Código Comercial marca a diferenciação entre a execução de atos de comércio e o exercício de uma profissão. O artigo 632 do Código considera em geral como ato de comércio, não no contrato em si mesmo, mas a empresa. Apesar da defeituosidade da redação, se percebe uma idéia justa; o empresário é um profissional. 153 Entretanto, apesar de o Código ter apresentado o instituto da empresa, não se prestou a apresentar qualquer outra referência ou indicação sobre a conceituação deste instituto, dando espaço para amplo debate doutrinário a respeito. 153 RÌPERT, George. Tratado elemental de derecho comercial. Vol. Ì, Comerciantes, Tipográfica Editora Argentina: Buenos Aires, 1954, p. 110. 115 Assim, iniciou-se o desenvolvimento do conceito jurídico de empresa, baseado em torno da idéia de prática de atos de comércio em massa, sem embargos do acirrado debate que se deflagrou a partir de então. Em 1947 a Association Henri Capitant pour la Culture Juridique, ao estudar a teoria dos atos de comércio, procurou elucidar a noção jurídica de empresa. Abandonou a noção de que comerciante não é mais quem faz da prática de atos de comércio profissão habitual, mas aquele que é chefe de uma empresa, coletiva ou individual, organizada para determinado fim lucrativo. E Maurice Chevier, aos estudar a evolução da comercialidade, chegou à conclusão de que há empresa comercial toda vez que nos encontrarmos em face de uma atividade metódica e profissionalmente organizada, visando a um fim lucrativo qualquer. 154 Os modernos comercialistas franceses, como o Prof. Jean Escarra, citado por Rubens Requião, ao comentar que o Código não definiu empresa ao referir-se a ela, comenta que "Consideramos aqui a empresa como repetição de atos praticados a título profissional, de sorte que esta concepção de apresenta com uma síntese da dupla noção de ato de comércio e de comerciante¨, confundindo a distinção do sistema subjetivo do objetivo. O tratadista George Ripert, por sua vez, aduziu que a empresa, do ponto de vista jurídico, se confunde com a (atividade) exploração, pois pouco importa se o comerciante explore com capitais próprios ou alheios. 155 Dentre os autores franceses, merece destaque a obra de Michel Despax, intitulada L'Entreprise et lê Droit, em que, pela primeira vez, de modo direito, atribuiu-se à empresa o caráter de sujeito de direito, próxima da interpretação 154 REQUÌÃO, Rubens.Curso de direto comercial, V. Ì. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 58. 155 RÌPERT, George. Tratado elemental de derecho comercial. Vol. Ì, Comerciantes, Tipográfica Editora Argentina: Buenos Aires, 1954, p. 110. 116 econômica deste instituto, justificada pela grande incerteza jurídica quanto a sua conceituação. Entende, portanto, que a empresa é todo o organismo que se propõe a essencialmente produzir para o mercado certos bens ou serviços, e que independe financeiramente de qualquer outro organismo. 156 Após a última ampliação dos atos de comércio franceses, realizada em 1970, a empresa passou a ser vista não mais como a prática de atos de comércio em massa. Em verdade, sua noção vem sendo objetivada paulatinamente, aproximando-se, cada vez mais da idéia de estabelecimento, ou como uma "unidade de produção mercantil que coordena uma reunião de fatores¨ ÷ capital, trabalho e insumos da natureza. 157 5.3.2 Conceito de empresa no direito itaIiano reformado Antes da reforma do Codice Civile, ocorrida em 1942, a maior parte dos comercialistas italianos indagava sobre seu conceito, baseados na enumeração dos atos de comércio, como os franceses. Nos idos de 1882, predominou no Direito Peninsular a posição de Cesare Vivante, segundo a qual a empresa se inseria dentro da teoria dos atos de comércio, basilar da teoria comercial daquela época. Neste cenário a empresa era inserida de forma qualificadora dentro do rol dos atos reputados de comércio e seria, então, exercício sistemático de uma atividade produtora. Assim, para o autor, era considerada um organismo econômico que sob seu próprio risco recolhe e põe em 156 REQUÌÃO, Rubens. Curso de direto comercial, V. Ì. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 62. 157 DUARTE, Ronnie Preuss. Teoria da empresa. Método Editora: São Paulo, 2005, p. 38. 117 atuação de forma sistemática os elementos necessários para obter-se um produto destinado a troca. A combinação dos fatores ÷ natureza, capital e trabalho ÷ e o risco assumido pelo empresário na produção de uma nova riqueza, soa os requisitos indispensáveis a toda empresa. 158 A conceituação de Vivante apresentava dois elementos indissociáveis: organização e risco, que modernamente são chamados de iniciativa e risco. Alfredo Rocco, contrapondo-se à noção de Vivante, preocupava-se em evidenciar o aspecto qualitativo da empresa, dentro de sua estruturação teórica dos atos de comércio, na qual se trata de ato essencialmente de interposição com escopo especulativo. Este notável jurista italiano privilegiava a organização interna da empresa, gravitando essencialmente sobre o elemento trabalho. Assim, destacava-se a organização do trabalho de outrem como elemento conceitual básico do fenômeno, pois segundo o autor, em todos os atos qualificados pelo código como empresa, o elemento específico constitutivo é o fato da organização do trabalho de terceiro. 159 Apesar destas preciosas lições, predominou a posição de Vivante, que foi encampada pela jurisprudência, sendo, então, admitida como uma série de atividades não expressamente indicadas, cuja listagem era eminentemente exemplificativa. 160 Hodiernamente, contudo, os estudiosos deram outra direção a seus estudos, tendo em vista o abandono da teoria dos atos de comércio e a filiação do direito peninsular à nova teoria da empresa. 158 VÌVANTE, Cesare. Instituições de direito comercial, Campinas: LZN, 2003, p. 83. 159 ROCCO, Alfredo. Princípio de direito comercial, Campinas: LZN, 2003, p. 206. 160 DUARTE, Ronnie Preuss. Teoria da empresa. Método Editora: São Paulo, 2005, p. 56 118 Embora a expressão já tenha sido referida no Código de Napoleão, Joaquin Rodriguez entende que foi o Código italiano que primeiramente introduziu a noção de empresa, sem, no entanto, se ocupar de conceituá-la. 161 Quando da reforma do Código Ìtaliano, em 1942, a empresa acabou não sendo definida, cingindo-se o legislador a apresentar a noção de empresário, pequeno empresário e da azienda. 162 Com efeito, importante observar que o Codice Civile de 1942 possuía uma estrutura jurídica destinada a servir como instrumento da ideologia estatal. Foi marcado por forte conotação corporativa, em que todas as atividades empresárias deveriam ter caráter social, sendo, portanto, insertas no setor público, formando uma parte no grande conjunto homogêneo e orgânico, que era a própria estrutura do fascismo. 163 Neste particular, curial transcrever trecho da exposição de motivos do Ministro Ìtaliano, Grandi, ao tempo da publicação do Código que dizia Recusa-se a autonomia do código do comércio porque o caráter profissional, que era uma das causas originárias do surgimento do direito comercial, não é mais uma característica dele, desde quando o fascismo enquadrou, totalitariamente, na organização corporativa, a produção e a economia nacional. Os estatutos profissionais e a empresa constituem o substrato não só dos institutos que tradicionalmente se dizem profissionais, mas também dos institutos próprios da economia agrícola, integrante da tradicional matéria do direito civil. A sua disciplina, em conseqüência, não deve mais representar a ordenação especial de um setor da economia mas 161 GARRÌGUEZ, Joaquin. Hacia un nuevo derecho mercantil. Editorial Tecnos: Madrid, 1971, p. 275. 162 PACÌELLO, GAETANO. A evolução do conceito de empresa no direito italiano. Revista de Direito Mercantil, Econômico e Bancário. nº. 29, 1978, p. 45. Segundo a redação do Codice Civile de 1942, É empresário quem exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada com o fim de produção ou troca de bens e serviços (art. 2.082). A definição de pequeno empresário está estampada no artigo 2.083, sendo assim considerados "os cultivadores diretos das terras, os artífices, os pequenos comerciantes e aqueles que exercem uma atividade profissional organizada principalmente com o trabalho próprio e com o dos componentes da família." 163 SOUZA, Ruy de. Direito das empresas ÷ atualização do direito comercial. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1959, p. 192. 119 deve constituir um dos fundamentos da nova codificação como disciplina geral da economia organizada. As razões históricas que justificaram até hoje a autonomia do direito comercial devem ser consideradas separadas pela ordem corporativo-fascista. O enquadramento das atividades econômicas na ordenação corporativa dos estado suprimiu aquela particular posição de autonomia jurídica que possuía a atividade comercial. 164 O renomado comercialista Rubens Requião já advertia sobre o viés ideológico do Código Ìtaliano, ao propugnar pela impossibilidade de unificação do Direito Privado. Argumentava com propriedade que [...] Mas essa unificação se explicava pela preocupação ideológica e política do regime fascista, que via o comerciante como um personagem ultrapassado do decadente mundo capitalista, sendo substituído pela figura da empresa, na qual se sobressai a participação do elemento trabalho. A unificação do Direito Privado ali, portanto, foi ditada por uma intenção declaradamente política ou ideológica, sem natureza científica. O exemplo, porém, não prosperou. 165 De fato, grande parte da legislação italiana, destacando-se a Carta del Lavoro e outras legislações esparsas colocavam o Direito Comercial a serviço da economia corporativa e da ordem pública. O trabalho era visto como o centro do Estado que utilizava todo o complexo de produção como um instrumento unitário para o fortalecimento do país como potência econômica. Por isto, todas as atividades econômicas foram listadas e tuteladas pelo Estado, por serem reputadas 164 SOUZA, Ruy de. Op. cit., 190. 165 REQUÌÃO, Rubens. Aspectos modernos de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 208. 120 essenciais para a prosperidade e engrandecimento da potência que Mussolini vislumbrava. 166 Diante dos ideários fascistas predominantes à época da publicação do Codice Civile, a empresa corporativa foi elevada como centro do sistema, poscrevendo-se a figura do comerciante, que simbolizava o capitalismo combatido pela ideologia fascista dominante. A esse respeito, com propriedade, assevera Gaetano Paciello Assim, o centro de gravidade do Direito Comercial passava a ser não a empresa, mas o empresário, pelo que não parece fora de propósito a afirmação de que, no Código Civil de 1942, não obstante a pretendida superação da impostação objetiva do direito comercial, ainda se continua a considerar a empresa como fator de comercialidade, no sentido de que a teoria da empresa é edificada sobre a figura do empresário comercial, mas em uma visão do significado e da amplitude da empresa. 167 As atividades empresárias estavam insculpidas no art. 141 do Código, assim consideradas: atividade industrial diretamente aplicada à produção de bens e de serviços, atividade intermediária na circulação dos bens, atividade de transporte por terra, por água e pelo ar, atividade bancária e securitária e atividade auxiliares das precedentes. 168 No que toca ao desenvolvimento dogmático do instituto, os juristas italianos voltaram-se para a busca de um conceito jurídico para a empresa, dentro da nova realidade de um Código, pretensamente unificador. 166 SOUZA, Ruy de. Direito das empresas ÷ atualização do direito comercial. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1959, p. 191. 167 PACÌELLO, GAETANO. A evolução do conceito de empresa no direito italiano. Revista de Direito Mercantil, Econômico e Bancário. nº. 29, 1978, p. 51 168 SOUZA, Ruy de. Op. cit., p. 192. 121 Citado por Rubens Requião, Salandra, ensinava que em sentido subjetivo pode-se falar que empresa é a organização de pessoas sob a direção do empresário e que a expressão empresa é usualmente utilizada no sentido objetivo, em relação à pessoa do empresário para designar, do ponto de vista estático, a organização de pessoas e bens que aquele se vale para o exercício de sua atividade e, do ponto de vista dinâmico, a atividade exercida por meio daquela organização. 169 Giuseppe Valeri explicava a empresa devia ser considerada sob quatro elementos, uns em relação aos outros; organização; atividade econômica; fim lucrativo e profissionalidade. Propôs o conceito segundo o qual a empresa é a organização da atividade econômica destinada à produção de bens ou de serviços, realizada profissionalmente. Dentro deste panorama de grade divergência doutrinária, o jurista Alberto Asquini propôs uma nova visão do instituto, sem se preocupar em diminuí-la a um conceito unitário. Na visão do estudioso, a dificuldade na conceituação jurídica da empresa deve-se a seu caráter econômico poliédrico. Por isto, "o conceito de empresa é o conceito de um fenômeno poliédrico, o qual tem sob o aspecto jurídico, não um, mas vários perfis em relação aos diversos elementos que o integram. As definições jurídicas de empresa podem, portanto, ser diversas, segundo o diferente perfil, pelo qual o fenômeno econômico é encarado." 170 Por isto, deveria ser abandonada a tentativa de se formular um conceito jurídico para um fenômeno econômico. 169 REQUÌÃO, Rubens. Curso de direto comercial, V. Ì. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 55. 170 ASQUÌNÌ, Alberto. Perfis da Empresa. Trad. Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil e Econômico. Vol. 104. Malheiros: São Paulo, out/nov 1996, p. 109. 122 A teoria de Asquini foi, então, tendo em vista que "(...) defronte ao direito o fenômeno de empresa se apresenta como um fenômeno possuidor de diversos aspectos, e relação aos diversos elementos que para ele concorrem(...)." 171 Para justificar seu posicionamento, apresentou a empresa como a reunião de quatro diferentes perfis: (i) o subjetivo, que vê a empresa como o empresário; (ii) o funcional, que vê a empresa como atividade empreendedora; (iii) o patrimonial ou objetivo, que vê a empresa como estabelecimento e; (iv) o corporativo, que vê a empresa como instituição. O primeiro dos perfis, o subjetivo, identifica a empresa com o empresário. Para justificar este perfil, o autor indica vários dispositivos legais, tanto do Código como de leis esparsas que "consideram, com frequência, a organização econômica da empresa pelo seu vértice, usando a palavra em sentido objetivo, como sinônimo de empresário." 172 O segundo dos perfis, o funcional, é obtido a partir da visão da empresa como uma atividade empresarial. A idéia central deste perfil converge com a posição doutrinária que prevalecera posteriormente, vendo a empresa como o exercício de uma atividade econômica organizada. 171 O autor adverte, ainda, sobre a possibilidade de utilização equivocada do termo pelo Código, seja "por prática de linguagem ou por pobreza de vocabulário", recomendando que o intérprete esteja atento a seus diferentes significados.( ASQUÌNÌ, Alberto. Perfis da Empresa. Trad. Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil e Econômico. Vol. 104. Malheiros: São Paulo, out/nov 1996, p. 113. 172 ASQUÌNÌ, Alberto. Perfis da Empresa. Trad. Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil e Econômico. Vol. 104. Malheiros: São Paulo, out/nov 1996, p. 114. Neste sentido, no âmbito do Codice Civile, refere-se aos arts. 2070, 2188 e 2570. 123 A este perfil é atribuída grande importância uma vez que "(...) para se chegar à noção de empresário é necessário partir do conceito de atividade empresarial." 173 Do mesmo modo que no perfil subjetivo, vários foram os dispositivos indicados que se referem à empresa como exercício de uma atividade organizada como finalidade própria. 174 A qualificação da atividade do empresário implicaria um exercício voltado, de um lado a recolher e organizar a mão-de-obra de terceiros e do capital necessário para a produção ou distribuição de bens ou serviços. O terceiro dos perfis, o patrimonial, identifica a empresa com o seu patrimônio aziendal ou com o estabelecimento. A caracterização deste perfil dá-se em função da dinamicidade conferida ao patrimônio do empresário, obtida a partir de um complexo de relações organizadas, que tem a capacidade de "desmembrar-se da pessoa de empresário e de adquirir por si mesma um valor econômico (organização, aviamento), assim, tal patrimônio surge como uma entidade dinâmica, e não estática. A este patrimônio é dado o nome de estabelecimento, concebida como universitas iurum." 175 O último dos perfis, o corporativo, revela um viés social da empresa, vista além da organização do trabalho e da relação havida entre as pessoas que nele se envolvem. De acordo com a ideologia predominante na Carta del Lavoro, a atividade exercida pelo empresário não deve se voltar apenas para seus interesses egoísticos, 173 ASQUÌNÌ, Alberto. Perfis da Empresa. Trad. Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil e Econômico. Vol. 104. Malheiros: São Paulo, out/nov 1996, p. 116. 174 Assim tem-se os arts. 2084, 2085, 2196, 2198, 2203, 2204 e outros. Cf. ASQUÌNÌ, Alberto. Perfis da Empresa. Trad. Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil e Econômico. Vol. 104. Malheiros: São Paulo, out/nov 1996, p. 116. 175 ASQUÌNÌ, Alberto. Perfis da Empresa. Trad. Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil e Econômico. Vol. 104. Malheiros: São Paulo, out/nov 1996, p. 119. 124 mas, ao contrário, se formar como "um núcleo social organizado, em função de um fim econômico comum, no qual se fundem os fins individuais do empresário e dos singulares colaboradores." 176 Esta posição faz com que a empresa seja considerada uma instituição, que possui como elementos básicos e indissociáveis: o fim comum; o poder ordenatório do empresário em relação aos empregados e; a relação de cooperação entre os envolvidos no processo produtivo. Dentro deste panorama, surgiria uma relação diferenciada entre o empresário e seus prepostos, uma vez que estariam todos voltados para a conquista de um resultado socialmente útil, que superaria os fins individuais e egoísticos do empreendedor. O trabalho de Asquini sofreu severas críticas do professor de Florença Francesco Ferrara. Para Ferrara o problema conceitual da empresa era simplesmente de direito positivo, posto que se trata de interpretar a lei. Assevera que os perfis objetivos e subjetivos, na realidade, não passam de uma nova denominação para os conhecidos institutos de sujeito de direito e de estabelecimento comercial. Observa que, fora os casos em que a palavra fora empregada no código em sentido figurado e impróprio para designar empresário e estabelecimento comercial, a única significação que restava era a da atividade econômica organizada. 177 Não obstante, o termo empresa não poderia, ainda, ser utilizado no último dos quatro perfis apresentados por Asquini, o da organização pessoal, pois na realidade os quatro perfis são reduzidos a três. 176 ASQUÌNÌ, Alberto. Perfis da Empresa. Trad. Fábio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil e Econômico. Vol. 104. Malheiros: São Paulo, out/nov 1996, p. 122. 177 Cf. BULGARELLÌ, Waldirio. Tratado de direito empresarial. 4ed., Atlas: São Paulo, 2000, p. 86. 125 A empresa seria então, atividade organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços. Sendo uma atividade, a empresa não tem a natureza jurídica de sujeito de direito nem de coisa. Em outros termos, não se confunde com o empresário (sujeito) nem com o estabelecimento empresarial (coisa). Assim, Ferrara conclui que a empresa supõe uma organização por meio da qual se exercita a atividade; contudo, para ele o conceito de empresa não tem relevância jurídica, pois "os efeitos da empresa não são senão efeitos a cargo do sujeito que a exercita¨. 178 O renomado autor Giusepe Ferri após analisar a conceituação econômica e jurídica da empresa, imprime em seu conceito a idéia do exercício dinâmico de uma atividade exercida pelo empresário. 179 Em obra de destaque, o magistrado Aldo Fiale após apresentar os pensamentos dos principais representantes do que chama de teoria tradicional, em que destaca Santi Romano, Barbero, Asquini, Santoro Passarelli, Mossa, Carnelutti e Nicòlo, conclui tratar-se a empresa do exercício de uma atividade organizadora dos fatores produtivos. 180 Modernamente, a busca por um conceito unitário de empresa no direito Peninsular tem sido debatida, a partir das lições dos comercialistas clássicos. 178 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 18. 179 FERRÌ, Giusepe. Dirito Commerciale. 12ed. UTET, Torino, 1997, p. 39, em que se lê "Per il dirito, l´imprensa nona surge ad organismo unitario ed autonomo né da um ponto di vista soggetivo né da um ponto di vista oggetivo. Considerata come attività, cioè sotto um profile dinâmico, l´imprensa necessariamente si ricollega ala persona del´ imprenditore che l´a attività svolge. La disciplina giuridica dell´imprensa è tutela giuridica di questa attività. 180 FÌALE, Aldo. Dirito commerciale, 9ed. Esselibri-Simone: Napoli, 1991, p. 19. Segundo o autor:Da tale definizione si evince che límprensa non può considerarsi né come soggeto, né come oggetto di dirito, né come istituizione (SANTI ROMANO), né come può identificarsi com l´azienda: essa costituisce invece, un´attività organizzata, o meglio ancora un´attivitá di organizzazione dei fatori produttivi. 126 A doutrina mercantil tem se inclinado para considerar a empresa como uma verdadeira fattispecie, a partir da análise do art. 2.082 do Códice Civile 181 . Assim, sob o ponto de vista formal a empresa seria o qualificador do status profissional do empresário. 182 Um dos grandes expoentes desta posição é Túlio Ascarelli que afirma ser a empresa uma atividade econômica qualificativa do empresário. Em verdade a definição de Ascarelli segue a diretriz de Ferrara, segundo a qual o conceito de empresa deve ser extraído a partir da conjugação de artigos-base do Código Civil Ìtaliano. O mesmo pode ser observado no Brasil, se tomados os arts. 966 e 1.142, que caracterizam o empresário e o estabelecimento. A Prof. Rachel Sztajn corrobora com a posição de Ascarelli e elucidando que O art. 2.082 do códice civile, que serviu de inspiração para o legislador pátrio, foi objet o de controvérsias doutrinárias, predominando, atualmente, a concepção de que a empresa é fattispecie normativa distinta do empresário. Desfortunadamente, essa visão ficou longe do ordenamento pátrio, perdendo-se a oportunidade de efetivamente dar ao direito positivo ares mais consentâneos com as necessidades dos agentes. Portanto, no direito italiano a empresa tem sido considerada a atividade econômica organizada que é praticada pelo empresário e que, na verdade, o 181 Art. 2.082 ÷ É empresário quem exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada com o fim de produção ou troca de bens e de serviços. 182 FERRARA JR., Francesco Ferrara e CORSÌ. Gli Imprenditori e lê società. 9ed. Milano: Giuffrè Editore, 1994, p. 44-45. L´imprensa dal puento de vista formal è uma fatispecie che determina a carico del soggeto a cui imputable l´acquisito di una qualità o status professionale. 127 qualifica. Apesar das motivações ideológicas do Código Ìtaliano, deve-se observar que a nova regulamentação visava, em última análise, adequar a legislação comercial à nova realidade econômica, tendo como centro de maior importância a empresa como unidade econômica dotada de função social. 5.3.3 O conceito de empresa no direito brasiIeiro A doutrina brasileira, da mesma forma que a francesa e italiana, apresentou grandes dificuldades para elaborar um conceito unitário de empresa, tanto no período de filiação à teoria dos atos de comércio como no âmbito da teoria da empresa, inaugurada com o Código Civil de 2002. O Regulamento nº 737, de 1850, no artigo 19, ao enumerar os atos de comércio, inclui em seu elenco as empresas, inaugurando um longo período de fervorosas discussões doutrinárias, com vistas a sua conceituação. Ao incluir as empresas entre os atos de comércio, como figuras componentes da mercancia, a expressão empresa deve ser entendia como anotada no direito francês, ou seja, repetição de atos praticados a título profissional. Ìnglês de Souza, citado por Requião, assinala que: "Por empresa devemos entender uma repetição de atos, uma organização de serviços em que se explore o trabalho alheio, material ou intelectual. A intromissão se dá, aqui, entre o produtor do trabalho e o consumidor do resultado desse trabalho, com o intuito de lucro¨. 183 183 REQUÌÃO, Rubens. Curso de direto comercial, V. Ì, Ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.62. 128 J.X. Carvalho de Mendonça, por outro lado, inspirado na doutrina italiana, afirmava que "este conceito econômico é o mesmo jurídico, em que pese alguns escritores, que o distinguem sem fundamento." 184 Explica, ainda, que o direito comercial apresenta a empresa com caráter mercantil, de modo que o empresário realiza uma função de mediação, intrometendo-se na entre a massa de energia produtora e os que os consumidores, concorrendo para a circulação da riqueza. Apresenta como pressupostos para a empresa os seguintes elementos: série de negócio do mesmo gênero de caráter mercantil; emprego do trabalho ou capital de ambos ou combinados; assunção do risco próprio da produção. 185 Desta forma, conceituou a empresa como, [...] a organização técnica-econômica que se propõe a produzir a combinação dos diversos elementos, natureza, trabalho e capital, bens ou serviços destinados à troca (venda), com esperança de realização de lucro, correndo riscos por conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige esses elementos sob sua responsabilidade. 186 João Eunápio Borges, por seu turno, entende que "o elemento específico constitutivo da empresa, no sentido em que a palavra vem empregada no §3º do art. 19, é o fato da organização do trabalho de outrem". 187 184 MENDONÇA, J. X Carvalho de. Tratado de direito comercial. Vol. Freitas Bastos: Rio de Janeiro, 1945, p. 492. 185 Idem Ibidem. 186 MENDONÇA, J. X Carvalho de. op. cit. p. 492. Cf. REQUÌÃO, Rubens. Curso de direto comercial, V. Ì. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 63. 187 BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. Forense: Rio de Janeiro, 1972, p. 111. 129 É certo que o direito positivo jamais trouxe um conceito jurídico de empresa, nem mesmo dentro da sistemática do novel Código Civil como bem frisaram os Profs. Egberto de Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro, na clássica obra Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro durante os comentários da Lei das Sociedades por Ações, ao afirmarem que, A legislação não contém definição genérica e abrangente de empresa. Conceito de conteúdo acentuadamente econômico como é sabido, adquire significação crescente para o direito, a ponto de se falar correntemente em direito de empresa. Por sua relevância, o tema merece aprofundamentos teóricos a que, no entanto, não nos lançaremos, em vista das finalidades a que se propõe este livro. 188 Trajano de Miranda Valverde asseverou, sobre a dificuldade de se elaborar um conceito de empresa que não é fácil defini-la "por falta de subsídios de direito positivo" 189 Todavia, a despeito desta dificuldade, conceitua a empresa como "organismo econômico destinado a produzir bens ou serviços." " 190 O renomado comercialista Waldirio Bulgarelli reforça a dificuldade doutrinária, ao afirmar que [...] a empresa está presente, mas ressente-se o direito positivo de um regime unitário, o que tem sido lamentado inclusive pela empresa comunitária. Ela aflora nas sociedades, nos estabelecimentos e na falência, através da interpretação doutrinária e jurisprudencial, mas, sem sequer uma referência legal expressa à própria palavra, que é 188 TEÌXEÌRA, Egberto Lacerda, GUEREÌRO, José Alexandre Tavares. Das sociedades anônimas no direito brasileiro. José Bushatsky Editor: São Paulo, 1979, p. 101. 189 VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedades por ações. V. Ì. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 78. 190 VALVERDE, Trajano de Miranda. Op. cit. p. 78. 130 usada em abundância no âmbito do Direito Econômico e pelos reformistas da empresa. 191 Todavia, uma exceção deve ser registrada: a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, que coíbe o abuso do poder econômico. Em seu artigo 92 formulou o conceito legal para empresa com base da repressão que objetiva, com conotação claramente econômica. Em seu art. 6º declara que "considera-se empresa toda organização, de natureza civil ou mercantil destinada à exploração por pessoa física ou jurídica de qualquer atividade com fins lucrativos¨. No âmbito do Código Civil de 2002, sob a direta influência do Código Civil Ìtaliano de 1942, não foi definida a empresa, mas apenas o empresário. Conforme anota Rubens Requião (1988): Os Legisladores italianos reconhecendo que o Direito não havia conseguido formular o conceito jurídico de empresa, contentaram-se em figurar o empresário com pessoa que desempenha uma atividade econômica. Atividade essa organizada para produção ou circulação a circulação de bens ou de serviços. Houve assim, no art. 1.003, o transplante puro e simples do conceito de empresário do Código Civil italiano para o Projeto. 192 O Código de 2002 inaugurou uma nova era no direito brasileiro, ao afastá- lo da teoria dos atos de comércio para filiá-lo à teoria de empresa. Dentro deste novo panorama, não mais se distinguem as atividades em função da sua natureza. Antes, porém, definição do regime jurídico próprio do Direito Comercial passou a ser a 191 BULGARELLÌ, Waldirio. Tratado de direito empresarial. 4. ed. Atlas: São Paulo, 2000, p. 65. 192 REQUÌÃO, Rubens. Aspectos modernos de direito comercial, São Paulo: Saraiva, 1988, p. 59. 131 caracterização do empresário, com alcance bem maior do que o determinado pela teoria dos atos de comércio. Conforme anota Rubens Requião (1988): Os Legisladores italianos reconhecendo que o Direito não havia conseguido formular o conceito jurídico de empresa, contentaram-se em figurar o empresário com pessoa que desempenha uma atividade econômica. Atividade essa organizada para produção ou circulação a circulação de bens ou de serviços. Houve assim, no art. 1.003, o transplante puro e simples do conceito de empresário do Código Civil italiano para o Projeto. 193 O art. 966 do Código Civil brasileiro apresenta os elementos caracterizadores do empresário, e o faz da seguinte forma: [...] Art. 966 ÷ Considera-se empresário quem exercer profissionalmente, atividade organizada para a produção e circulação de bens e serviços. A compreensão da empresa passa, ainda, pela análise complementar do art. 1142 do Código Civil que trata do estabelecimento. [...] Art. 1.142 ÷ Considera-se estabelecimento todo o compelxo de bens organizados, para exercício da empresa, por empresário ou sociedade empresária. 193 REQUÌÃO, Rubens. Aspectos modernos de direito comercial, São Paulo: Saraiva, 1988, p. 59. 132 O estudo conjunto de ambos os dispositivos pode levar o intérprete, num primeiro momento, a entender a empresa como sinônimo do "exercício de uma atividade ". No entanto, esta compreensão, se vista de modo restrito, é falha, como bem observou Waldirio Bulgarelli (1985). 194 Ìsto porque o simples exercício de uma atividade, ainda que econômica, não pode corresponder à noção de empresa. Esta somente será considerada se nela for incorporada a idéia de organização. Ou seja, empresa somente poderá ser observada quando todos os seus elementos estiverem devidamente organizados pelo empresário ou pela sociedade empresária, para o exercício de uma atividade econômica para produção ou circulação de bens e serviços. Miguel Reale, reconhecidamente autoridade jurídica dentre os projetistas do novel Código, em seus comentários ao Projeto, entende que o conceito de empresa é composto por três fatores em unidade indecomponível; a habitualidade no exercício de negócios que visem a produção ou a circulação de bens ou de serviços; o escopo de lucro ou resultado econômico; a organização ou estrutura estável dessa atividade 195 . Antes mesmo da elaboração do Projeto de um novo Código Civil, Ruy de Souza (1959) já discorria sobre a empresa e sua natureza jurídica, asseverando que É a empresa a instituição jurídica não personalizada, que se caracteriza pela organização, com certa permanência e com 194 Vide BULGARELLÌ, Waldirio. Tratado de direito empresarial, São Paulo: Atlas, 1995 e BULGARELLÌ, Waldirio. Teoria jurídica da empresa. São Paulo: Atlas, 1985 e Sociedades Comerciais, São Paulo: Atlas, 1985. 195 REALE, Miguel. O Projeto de código civil: situação atual e Seus Problemas Fundamentais, São Paulo: Saraiva, 1986, p. 98-99. 133 autonomia administrativa, de uma atividade econômica destinada à produção e circulação de bens ou de serviços para o mercado, ou à intermediação deles no circuito econômico; essa organização põe em funcionamento o fundo de comércio, a que se vincula, através do empresário. 196 Os citados e ilustres professores Egberto de Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro, apesar de não descerem ao estudo do novo direito da empresa, chegaram a apresentar suas noções sobre o conceito de empresa afirmando que contentavam-se com [...] noção singela, mas expressiva, que procura resumir na idéia de atividade negocial a definição jurídica de empresa, entendendo-se como a atividade negocial a seqüência ordenada e habitual de atos ou negócios jurídicos de conteúdo econômico praticados profissionalmente com o intuito de lucro. Podemos assim dizer que, no contexto do moderno direito comercial, voltado para a realidade crescente da empresa, a atividade passa a ter um valor definido como série de atos ou negócios coordenados entre si, objetivando uma finalidade econômica. 197 O renomado Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto em seus clássicos comentários à Lei de Sociedades por Ações, escorado nas lições de Francisco Campos, afirmava que, O objeto social é o fim a que se destina a sociedade, isto é, a atividade a que ele se consagra. Em geral, quando se fala no objeto relativamente à sociedade, quer-se referir à empresa, à atividade a que ela se propõe no mundo dos negócios. É o ensinamento de 196 SOUZA, Ruy de. Direto das empresas. São Paulo : Bernardo Álvares,1959, p. 229-239. 197 TEÌXEÌRA, Egberto Lacerda e GUEREÌRO, José Alexandre Tavares. Das sociedades anônimas no direito brasileiro. José Bushatsky Editor: São Paulo, 1979, p. 102. 134 Francisco Campos: "o objeto de uma sociedade comercial é a empresa ou atividade que se caracteriza no mundo dos negócios, e que foi convencionado entre os sócios como meio destinado ao fim que eles tinham em vista ao constituí-lo, isto é, mediante o qual visavam à aquisição das vantagens que os determinaram a organizar a sociedade. O objeto social é, em suma, a causa do contrato social. 198 O professor Wille Duarte Costa, ao tratar do tema em sua tese de doutoramento, apresenta sua posição de modo direto Então, a empresa é atividade econômica, organizada para a produção de bens e serviços. Não tem personalidade jurídica. Não se confunde com o empresário (pessoa física ou pessoa jurídica), titular da empresa e sujeito das relações jurídicas dela decorrentes. 199 A Prof. Rachel Sztjan em sua obra recente obra entitulada Teoria Jurídica da Empresa, amplamente baseada nas lições de direito italiano e de grande cunho econômico, vê a empresa como uma organização voltada para a produção de bens para o mercado. Afirma que Distintos atividade e atos de empresa, se esta é a organização destinada à produção, portanto sobre ela incidem os efeitos da atividade, os atos de empresa são atos ou negócios jurídicos, via de regra contratos, cujos efeitos incidem, também, na esfera jurídica de terceiros.(...) Atividade empresarial não pode ser outra que atividade econômica, dado que a empresa é uma organização dessa natureza, econômica, 198 PEÌXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. Sociedades por ações. Vol.Ì, Saraiva: São Paulo, 1972, p. 07. 199 COSTA, Wille Duarte. A possibilidade de ampliação do conceito de comerciante. Tese de Doutoramento. Universidade Federal de Minas Gerais: Faculdade de Direito. Belo Horizonte, 1997, p. 128. 135 predisposta para a produção e circulação de bens ou serviços a serem oferecidos em mercados 200 Para Rubens Requião (1998) a empresa deve ser entendida como uma abstração. Antes de apresentar as razões que o levaram a posicionar-se neste sentido o autor adverte que [...] em primeiro lugar cumpre-nos desfazer uma serie de equívocos e preconceitos que perturbam a exata compreensão do fenômeno econômico e jurídico que é a empresa.A figuração que o leigo faz da empresa é no sentido objetivo de sua materialização. Daí a confusão entre empresa e estabelecimento comercial (art.1.142 do Cód. Civ.) e, no mesmo sentido, entre empresa e sociedade. É o empresário referir-se ao seu estabelecimento comercial, ou à sociedade de que é titular ou sócio proeminente, como a "minha empresa¨. Os conceitos, no entanto, são confundíveis. 201 A afirmativa de que a empresa na verdade é uma abstração, encontra na doutrina do mestre italiano Bruneti, citado por Requião, suas razões: A empresa, se do lado político-econômico é uma realidade, do jurídico é un' astrozione, porque, reconhecendo-se como uma organização de trabalho formada das pessoas e dos bens componentes de azienda, a relação entre pessoa e os meios de exercício não pode conduzir senão a uma entidade abstrata, devendo-se na verdade ligar à pessoa do titular, isto é, ao empresário. 202 200 SZTAJN Rachel. Teoria jurídica da empresa. Atlas: São Paulo, p. 104. 201 REQUÌÃO, Rubens. Curso de direto comercial, V. Ì. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 59. 202 REQUÌÃO, Rubens. Op. cit. p. 59. 136 Para o jurista Arnoldo Wald "trata-se de uma atividade organizada e dinâmica, para alcançar determinada finalidade, que pode ser exercida tanto por pessoa física como por determinados grupos sob a forma de sociedade. 203 O tratadisto Waldemar Ferreira afirmava que a empresa "é a atividade econômica coordenada, com capital, mão-de-obra, com fim de lucro." 204 , Já Pontes de Miranda afirmava que "chama-se empresa ou estabelecimento ao exercício profissional da atividade econômica, que se organiza para a produção ou distribuição de bens e serviços." 205 Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa por diversas vezes em sua obra afirma que "a empresa é a atividade econômica organizada pelo empresário." 206 Desta forma, como esposado por ilustres representantes da melhor doutrina brasileira, o melhor critério para elaborar-se um conceito jurídico de empresa deve partir da atividade exercida pelo empresário. 207 Nesta linha de idéias, a par da evolução conceitual da empresa ao longo do desenvolvimento do Direito Comercial que trata-se de um objeto de direito, devendo hoje ser entendida como o exercício profissional de uma atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens e serviços, praticada pelo empresário. A controvérsia estabelecida na doutrina brasileira pela busca de conceitos unitários de empresa até hoje não findou. Com a efervescência científica 203 WALD. Arnoldo. A empresa no terceiro milênio ÷ aspectos jurídicos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 29. 204 FERREÌRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. Vol. 1, Saraiva: São Paulo, 1960, p. 285. 205 PONTES DE MÌRANDA, Tratado de direito privado. Tomo 15, Borsoi: Rio de Janeiro, 1970, p. 355 206 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial, vol Ì, Malheiros: são Paulo, 2005, p. 147. 207 Há autores que, inspirados na concepção de Asquini entendem que a empresa se confunde com o próprio empresário. Romano Critiano em sua obra entitulada Empresa individual e a personalidade jurídica, (RT: São Paulo, 1977, p 122) afirma que "Em outras palavras, empresa é o próprio empresário¨. 137 desencadeada com a publicação da Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002 ÷ Código Civil ÷ parece haver, ainda, muito espaço para discussões. Certo é que a importância prática, social e econômica da instituição se sobrepõe à meros conceitos técnicos. 5.4 A NECESSIDADE DE RECONSTRUÇÃO DO DIREITO COMERCIAL Historicamente o surgimento do Direito Comercial possui como marco deflagrador o alto grau de organização dos comerciantes, ainda nos idos do séc. XVÌÌ, no seio das corporações de ofícios e dos consulados. A rigidez e formalismo excessivo do Direito Comum, intensamente influenciado pelo Direito Romano e Canônico, foram determinantes para a criação deste ramo do Direito. Estruturado como um direito corporativo, estatutário e costumeiro, tinha como escopo, num primeiro momento, tutelar as relações estabelecidas apenas entre comerciantes. Com a eficaz resposta dada às questões submetidas a julgamento nos Tribunais do Comércio, em pouco tempo sua competência foi estendida para atender não apenas à classe dos mercadores, mas também, para dirimir conflitos que envolvessem não comerciantes, nas relações havidas com os membros desta classe. Entretanto, o corporativismo da composição dos Tribunais do Comércio, bem como das decisões dos juízes consulares fez com que a sociedade em geral 138 reclamasse por mudanças estruturais no ramo do Direito que se revelara como paradigma de celeridade e capacidade de adaptação às novas práticas mercantis que surgiram naquele período. Sob os auspícios da Revolução Francesa, o Direito Comercial desvinculou-se das corporações de vários gêneros, passando a apresentar uma feição objetiva, tendo como paradigma os atos de comércio, ou seja, das ações que caracterizavam e conferiam a condição de comerciante às normas disciplinares e às instituições, seja qual fosse a pessoa que as praticasse. 208 Ìnteressa observar que ambas as concepções doutrinárias tradicionalistas, tanto a subjetiva como a objetiva, foram objeto de contundentes críticas, na mais das vezes orientadas no sentido de demonstrar a precariedade de seus métodos em relação ao desenvolvimento das estruturas econômicas. 209 Entretanto, seja qual for o momento histórico em que se analise o Direito Comercial, inevitavelmente ter-se-á presente a inafastável dificuldade de se determinar seu próprio objeto. 210 De fato, a noticiada dificuldade de definição do objeto do Direito Comercial, aliada a diversos fatos de conotação político social e econômica, ao longo de diversos momentos da História, impuseram a necessidade de revisão de suas bases legais. Observe-se que à medida em que o comércio deixou de ser "o principal propulsor da economia, surgindo inúmeras outras atividades evolvendo capital e trabalho organizados para a circulação de riquezas, o conceito que melhor se se 208 SOUZA, Ruy de. Direito das empresas ÷ atualização do direito comercial. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1959, p. 149. 209 Idem Ibidem. 210 Esta discussão ganha novos contornos do direito brasileiro com a edição do Código Civil de 2002, que adotou a teoria da empresa e estabeleceu verdadeira celeuma na doutrina ao tratar dos profissionais intelectuais, indicados no parágrafo único do artigo 966. 139 adaptou a este novo cenário não foi encontrado no direito, mas na ciência econômica.." 211 Ìsto ocorreu ainda durante o século XÌX, quando o processo de industrialização arrebatou a Europa Ocidental e a América do Norte, proporcionando uma produção econômica em massa. Este processo fez com que novas oportunidades para acumulação de riquezas surgissem, relegando a atividade comercial para um plano de menor destaque do que o da empresa. Este fenômeno possui como paradigma a Revolução Ìndustrial que teve como conseqüência imediata, um intenso e imprevisível desenvolvimento da economia moderna, oriunda de uma capacidade produtiva que a máquina tornou incomensurável. Surgiu um mercado extremamente complexo; uma competição de capita e crédito jamais vista, que fez com que fosse revista a atuação do Estado no setor privado. 212 Ante a esta nova realidade econômica, o Direito Comercial não mais poderia se limitar à tutela da tradicional intermediação especulativa. 213 Carlos Juan Zavala Rodriguez, professor catedrático de Direito Comercial da Universidade de Buenos Aires, ao se referir a este momento histórico marcado pela produção em série, afirma que tal deve se atribuir aos Estados Unidos da América e concretamente a Henry Ford, que se afirmou como um dos grandes industriais da modernidade. 214 211 RODRÌGUEZ, Frederico Viana. et ali. Direito de empresa no novo código civil. Forense: Rio de Janeiro, 2004, p. 28. 212 SOUZA, Ruy de. Direito das empresas ÷ atualização do direito comercial. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1959, p. 160. 213 Sobre a teoria da intermediação, veja: ROCCO, Alfredo. Princípios de direito comercial. Campinas: LZN, 2003. 214 RODRÌGUEZ, Carlos Juan Zavala. Derecho de la empresa. Ediciones Depalma: Buenos Aires, 1971, p. 54. 140 O renomado jurista Joaquin Rodriguez demonstra que a importância da empresa prende-se à consolidação do sistema capitalista, tendo como estandarte o regime jurídico das sociedades anônimas. 215 Nelson Abrão, em notas introdutórias de sua obra Continuidade do negócio na falência, entende que a atividade econômica realizada por empresas é dominada pela especialização, racionalização e concentração industrial. 216 A ampliação das atividades econômicas, algumas desconhecidas do Direito Tradicional, segundo Ruy de Souza, fizeram com que os juristas franceses Hamel e Lagarde cogitassem até da revisão das bases do direito objetivo francês, com o fito de "ir mais longe e definir a operação de negócios, que forma o objeto essencial do Direito Comercial." 217 Neste contexto, o Direito Comercial tradicional, fundado na teoria dos atos de comércio, não foi capaz de se adequar às transformações sociais e econômicas que se concretizaram. Dentro da nova estrutura capitalista, a máquina revelou-se como importantíssimo fator de desenvolvimento da sociedade moderna, que, devidamente organizada com outros fatores de produção, fez com que a empresa se transformasse no contemporâneo Leviatã 218 . A empresa surge, pois, como referencial de afluência de todos os interesses negociais, fazendo deslocar o centro de gravidade do sistema comercial do ato de comércio para o exercício de uma atividade organizada para produção e circulação de bens e serviços. 215 GARRÌGUEZ, Joaquin. Hacia um nuevo derecho mercantil. Editorial Tecnos: Madrid, 1971, p. 217. 216 ABRÃO, Nelson. Continuidade do negócio na falência. LEUD: São Paulo, 1975, p. 14 217 SOUZA, Ruy de. Direito das empresas ÷ atualização do direito comercial. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1959, p.158. 218 SOUZA, Ruy de. Direito das empresas ÷ atualização do direito comercial. Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1959, p. 210. 141 Neste contexto de ruptura com o tradicional objetivismo dos atos de comércio e afirmação da empresa como principal elemento da nova disciplina, o Direito Comercial acabou por voltar-se ao subjetivismo que marco sua criação. Destarte, dentro de uma perspectiva histórica da evolução do Direito Comercial, há consenso na doutrina que o advento do Direito das Empresas, inaugurou uma nova fase: a subjetiva moderna. 219 219 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. V. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. Vol. Ì, São Paulo: Saraiva, 2003, REQUÌÃO, Rubens. Curso de direito comercial. V.1. São Paulo: Saraiva, 2004, SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa. Atlas: São Paulo, 2004, VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de Direito Comercial V. Ì. São Paulo: Malheiros, 2004. 142 6 A CARACTERIZAÇÃO DO EMPRESÁRIO A caracterização de comerciante pela doutrina brasileira, enquanto perdurou a influência do modelo francês de disciplina do direito privado, pautava-se segundo a prática, em caráter profissional, do exercício de atos de comércio. Ou seja, ainda que comprovada a prática de tais atos, era imprescindível comprovar que tal prática era exercida em caráter profissional. Assim, o simples registro de um indivíduo no Registro do Comércio não tem o condão de configurar sua profissão, tampouco de lhe atribuir condição de comerciante. Desta forma o registro é meramente declaratório da qualidade de comerciante e não constitutivo, pois não havendo provas de que o inscrito no Registro do Comércio não exercita profissionalmente atos de comércio, não adquire ele a condição de comerciante. Entretanto, com a adoção do modelo italiano de disciplina privada da atividade econômica pela legislação brasileira, traduzida pela aprovação do projeto do novo Código Civil, a caracterização do empresário toma contornos condizentes, não mais com a teoria dos atos de comércio, mas com a teoria da empresa. A filiação do ordenamento brasileiro à orientação italiana da teoria da empresa alterou profundamente a teoria geral do direito comercial, especialmente no tocante ao sujeito da atividade comercial e empresarial. Nesse sentido esclarece o Celso Marcelo de Oliveira Traz o Código importante alteração quanto ao novo conceito de empresário, que vem substituir o antigo conceito de comerciante, pessoa física ou sociedade comercial. 220 220 OLÌVEÌRA, Celso Marcelo. Tratado de direito empresarial. V. 1. Campinas: LZN, 2004, p. 387. 143 Conforme afirmado anteriormente, a compreensão e definição do empresário é fundamental para a distinção das sociedades empresárias e as sociedades simples, possuindo profundas repercussões na estrutura organizativa dos clubes de futebol brasileiros. O art. 966 do Código Civil de 2002 deve ser observado como norma orientadora para solucionar esta questão. Dispõe a norma em comento que [...] Art. 966 ÷ Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens e serviços. 221 Sylvio Marcondes, integrante da Comissão de juristas que elaborou a parte de Direito de Empresa do Anteprojeto do Código Civil, aprovado em 2002, salienta a respeito que A definição do empresário, dada em relação ao empresário pessoa física, é fundamental no sistema, porque é o conceito básico, para depois, distinguir as sociedades, em sociedades empresárias e não- empresárias. O conceito está no art. 1.003 do Projeto: `Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para produção e circulação de bens ou serviços.´ Esse conceito conjuga, ou nele se conjugam três elementos que formam a noção de empresário. 222 221 Lei nº 10.406, publicada em 10 de janeiro de 2002. 222 MARCONDES, Sylvio. Questões de direito mercantil. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 10-11. 144 Na ótica do jurista, o conceito de empresário ressai da análise de três elementos fundamentais, quais sejam: atividade econômica, organização e profissionalidade. Deve-se salientar, entretanto, que a doutrina tem-se apresentado divergente quanto à definição do empresário e, sobretudo a respeito de seus elementos essenciais. Certamente, esta dificuldade se dá em função da necessidade de interpretação do aludido dispositivo, sem que hajam parâmetros objetivos, como se deu no direito peninsular. A par da dificuldade de se estabelecer um conceito unitário sobre o empresário, assim como se deu com a teoria dos atos de comércio, o Prof. Dr. Vinícius Gontijo, com muita propriedade e em um apurado exercício de hermenêutica jurídica, adverte que a melhor forma de se interpretar o aludido dispositivo é a tipológica, e não a conceitual. Curial, portanto, destacar as inferências do autor a esse respeito: Por sua vez, o raciocínio tipológico se faz a partir da verificação de certos atributos, ditos essenciais, mas que podem sofrer pequenas variações. Assim, destaca-se do fenômeno estudado os seus elementos essenciais, admitindo-se, repita-se, pequenas variações decorrentes da sua evolução ou mesmo de sua reação com o meio e com os fatos que envolvem a aplicação da norma. A partir do somatório desses atributos, ou elementos, essenciais se constrói a percepção do fenômeno, sendo a compreensão racional destes atributos fundamental para se entender o tipo estudado. Diante de tudo o quanto foi exposto neste nosso artigo, temos que o art. 966 do Código Civil está a merecer uma leitura não conceitual (hermética e imutável enquanto não haja alteração legal), mas, sim, tipológica, sendo que o dispositivo legal apresenta os elementos (ou atributos) do tipo "empresário¨ (que pode, no caso em concreto, conter variações, assim como sofrer a reação dos fatos a que se aplica a norma, como naturalmente acontece em um tipo). Estes 145 elementos são: a) profissionalismo; b) atividade econômica; c) organização; e d) produção ou circulação de bens ou serviços. 223 No que pertine à indicação dos elementos ou atributos que conferem à alguém a qualidade de empresário, há certa tranqüilidade na doutrina, ressalvadas variações próprias que a análise tipológica comporta. 224 Tem-se, portanto, a partir da análise do art. 966 do Código Civil, como elementos fundamentais para a caracterização do empresário a profissionalidade, economicidade da atividade, a organização de tal atividade e a produção e circulação de bens e serviços para o mercado. Nesta fase do trabalho mister examinar cada um dos atributos essenciais que, conjuntamente, servem para a caracterização do empresário. 6.1 ATRIBUTOS CARACTERIZADORES DOS EMPRESÁRIOS 6.1.1 ProfissionaIismo O primeiro dos elementos considerados para a caracterização do empresário é o profissionalismo e que também era determinante para a caracterização do comerciante, ainda sob a égide do Código Comercial de 1850, 223 GONTÌJO, Vinícius José Marques. O empresário no código civil brasileiro. Revista de Julgados do Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Belo Horizonte, v. 94, jan/mar 2004, p. 12. 224 Código Comercial de 1850. 146 A definição clássica do comerciante ressaía do art. 1º do Code de Commerce francês, em que prevalecia o exercício dos atos de comércio como profissão habitual. 225 Ìnteressante observar, entretanto, que a simples prática dos atos de comércio, tanto em França como no Brasil não era suficiente para a caracterização do comerciante. Em função da necessidade de se frisar o profissionalismo, o legislador acresceu a expressão "profissão habitual¨. 226 Comparando o profissionalismo nos dois momentos hitórico-normativos, o Prof. Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa em recentíssima obra, assinala que Como se sabe, o art. 4º do CcoB conceituava como `comerciante´ aquele que fizesse da mercancia profissão habitual. Qual a relação o qual a diferença entre esses conceitos? Nos dois casos estão presentes uma atividade profissional ÷ ou seja, a atuação contínua e especializada em um determinado campo de interesse , que se reveste de conteúdo econômico ÷ como sua finalidade ÷ ou seja, a apropriação privada do resultado produtivo ou o sofrimento das eventuais perdas, neste último caso em função da presença do elemento `risco´. Nesse sentido, parece ser correto afirmar que há uma coincidência parcial de conceito entre as expressões `mercancia´ e `atividade econômica organizada´ nos dispositivos comparados. 227 Certo é que o profissionalismo reclama o exercício contínuo e em nome próprio do empresário, de forma voluntária e consciente dos riscos, tendo por 225 Art. 1º "São Comerciantes aqueles que exercem atos de comércio e deles fazem profissão habitual." 226 A expressão profissão habitual foi deveras criticada pela doutrina. Rubens Requião, informa que Ripert entende tratar-se de redundância enquanto Van Rin entende haver atecnia deplorável. Ìsto porque um hábito jamais será capaz de constituir uma profissão. Cf. REQUÌÃO, Rubens. Curso de direito comercial. V. Ì. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 80. 227 GONTÌJO, Vinícius José Marques. O empresário no código civil brasileiro. Revista de Julgados do Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Belo Horizonte, v. 94, jan/mar 2004, p. 12. 147 escopo a obtenção dos recursos necessários para sua manutenção e desenvolvimento dos negócios. 6.1.2 Atividade econômica O segundo atributo para a caracterização do empresário é o exercício de uma atividade econômica. Antes de se analisar detidamente todos os aspectos relevantes da atividade econômica, convém estabelecer a diferença entre ato e atividade. O ato se reveste de conotação de exaurimento, de completude e de resultado. A atividade, por sua vez, é caracterizada pela insuficiência de um ou alguns atos, pela incompletude no sentido da realização do objetivo, pela falta de se alcançar um resultado. A atividade se prolonga no tempo. 228 A Prof. Rachel Sztajn esclarece a questão afirmando que A noção de atividade econômica compreende uma série de atos, sejam jurídicos ou materiais, atos-fato, que são parte de uma cadeia ou são encadeados para atingir o resultado visado. Pensar em universalidade talvez auxilie a análise da atividade. A unidade dos tos decorre de serem eles funcionalmente necessários para atingir o fim visado. A atividade empresarial não pode ser outra que a atividade econômica, dado que a atividade econômica predisposta para a produção e circulação de bens e serviços a serem oferecidos em mercados. 229 228 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial V. Ì. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 120. 229 SZTAJN, Rachel. Teoria jurídica da empresa. São Paulo: Atlas, 2004, p. 99-105. 148 Portanto, em primeiro plano, a disciplina da atividade econômica pressupõe a contatenação de atos que se interligam e que são dependentes um dos outros. No que se refere à economicidade de tal atividade, deve a mesma ser produtora de riquezas e, por isto de bens, ou ainda de serviços patrimonialmente avaliáveis. Essas atividades podem ser exercidas como meio ou como finalidade. Na primeira hipótese ter-se-á a reversão integral do resultado obtido em benefício da própria entidade, como ocorre no seio das associações. É o caso de entidade beneficente que produz biscoitos e bolos para venda e que obtém lucro com esta atividade, destinando a integralidade da receita às atividades da associação. Assim, as associações exercem atividades não-econômicas, visto que possuem como principal motivação e objetivo a filantropia e a caridade, conforme ressai do art. 53 do Código Civil. 230 Em sentido oposto tem-se as sociedades em que sempre será observada a finalidade lucrativa. Significa dizer que o intuito de lucro é o objetivo da organização, bem como a repartição entre os sócios dos resultados. Nesse sentido tem-se o art. 981 do Código Civil. 231 Assim, para a caracterização do empresário não é necessária a verificação do lucro na atividade. Antes, porém, tem-se como fundamental a motivação para alcançá-lo, o animus lucrandi, o intuito de lucro. 230 Art. 53 ÷ Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos. 231 Art. 981 ÷ Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha , entre si, dos resultados. 149 Portanto, a atividade econômica pressupõe a realização de uma série de atos, dependentes e interligados, que objetivem a obtenção e distribuição do lucro. 6.1.3 Organização O terceiro atributo é a organização e tem-se revelado como deflagrador de grandes discussões doutrinárias, tanto para a caracterização do empresário, como também para o entendimento do "elemento de empresa¨ utilizado para distinguir os empresários dos demais praticantes de atividades econômicas, porém de cunho eminentemente intelectual, como prevê o parágrafo único do artigo 966, do Código Civil. Cuidando, entretanto, da análise da organização enquanto elemento essencial para a caracterização do empresário, as divergências giram em torno da limitação deste requisito à exploração de mão-de-obra de pessoas interpostas. Essa discussão no direito brasileiro encontra suas origens na doutrina italiana que procurava diferenciar o empresário do profissional autônomo. No plano nacional, Fábio Ulhoa Coelho, Ricardo Negrão e recentemente Ronnie Preuss Duarte buscaram no direito peninsular subsídios para a compreensão deste requisito, notadamente nos doutrinadores que entendem ser a exploração do trabalho de terceiros essencial para a caracterização do empresário. Esta orientação converge com o entendimento de Sylvio Marcondes, membro da Comissão elaboradora do Anteprojeto de Código Civil. 150 Fábio Ulhoa Coelho entende que a exploração do trabalho de terceiro é fundamental para a caracterização do empresário. Para melhor elucidar seu ponto de vista, apresenta o seguinte exemplo O comerciante de perfumes que leva ele mesmo, à sacola, os produtos até os locais de trabalho ou residência dos potenciais consumidores explora atividade de circulação de bens, fá-lo com intuito de lucro, mas não é empresário, porque em seu mister não contrata empregado, não organiza a mão de obra. 232 Ricardo Negrão, por sua vez, é categórico ao afirmar, escorado nos ensinamentos de Asquini, que "atividade deve qualificar-se como organizada ou, na expressão de Asquini, compreender `uma organização do trabalho alheio e do capital próprio e alheio´" 233 Rubens Edmundo Requião, atualizador da obra de seu memorável pai e comercialista Rubens Requião, coaduna com esta interpretação e afirma: Toda organização que contar com uma quantidade de colaboradores, deveria ser tratada como empresa. Nela haverá a organização do trabalho alheio. Difícil é conceber-se uma organização, mesmo intelectual ou científica, que pelo menos não se dedique à pesquisa, esta sempre de utilidade econômica. 234 232 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial V. Ì. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 126. 233 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e da empresa. Vol. Ì, São Paulo: Saraiva, p. 47. 234 Projeto de Código Civil. Revista de Direito Mercantil, V.17, ano XÌV, 1975, p. 133. 151 A compreensão de que a exploração de trabalho de terceiros é fundamental para a compreensão do empresário repercute diretamente na exclusão dos profissionais intelectuais do conceito de empresário. Com efeito, este entendimento conduz à compreensão de que o "elemento de empresa¨ referido na parte final do parágrafo único do art. 966, do Código Civil Brasileiro é a própria organização. 235 De outro lado, e no entendimento que parece o mais adequado, situam-se renomados autores que entendem ser a organização de trabalho alheio elemento dispensável para a qualificação do empresário. Nesse sentido, em recentíssima obra, o Prof. Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, ensina que Não é elemento essencial a organização da atividade que ela seja feita com o concurso do trabalho de outras pessoas além do empresário. [...] Ainda, segundo Ascarelli, a referência ao fato de a atividade dever ser organizada implica que o empresário deve utilizar-se necessariamente de um estabelecimento (azienda) ÷ ou seja, um complexo de bens organizados para o exercício da empresa. 236 Desta forma, tem-se que a exploração do trabalho de mão-de-obra de terceiros não é necessária para a caracterização do empresário. Antes, porém, deve-se ter em mente que a organização referida limita-se à iniciativa e orientação do empresário da forma de utilizar e contatenar os fatores de produção. 235 Art. 966 (...) Parágrafo único ÷ Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual de natureza intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. 236 VERÇOSA, Haroldo Malheiro Duclerc. Curso de direito comercial. Vol Ì, Malheiros: São Paulo, p. 14. 152 Destarte esta organização a que se refere é elemento essencial para o desenvolvimento de qualquer atividade econômica que objetiva a produção e circulação de bens e serviços, mesmo para os profissionais intelectuais. O Prof. Vinícius Gontijo, com maior acidez, elucida a questão ao afirmar que Com efeito, supor que o autônomo não possa explorar mão-de-obra alheia é um equívoco doutrinário, até porque, atualmente, se admite o exercício de atividade autônoma por pessoa jurídica, caso em que haverá fungibilidade do trabalhador decorrente da impessoalidade que orienta a prestação do serviço, que poderá ser executado por diversas pessoas empregadas da sociedade. De fato, a doutrina italiana é fundamental para a compreensão do texto legal, mas ela deve ser adequada ao sistema nacional, sob pena de se vulnerar o Direito brasileiro. Os italianos bem esclarecem o sistema nacional a partir da exclusão proposta pelo parágrafo único do art. 966 do Código Civil e que será objeto de nosso estudo no próximo item. Nós compreendemos a organização como sendo o exercício da atividade de maneira concatenada, articulada, e, não, desconexa ou caótica. Por mais rudimentar que seja a atividade do empresário, ela deve ser organizada, ou seja, bem orientada. Como conseqüência da organização legalmente imposta, o nosso legislador, por exemplo, obriga que os empresários se registrem (art. 967, CC), se identifiquem por um nome (arts. 1.155 et seq., CC), escriturem livros e documentos (arts. 1.179 et seq., CC), etc. 237 Na mesma linha e antecedendo os dois jurista, Waldirio Bulgarelli observa que A crítica a que se refere à organização do trabalho como definidor da empresarialidade também não procede, pois, que a parte final do parágrafo único do art. 1.003, inclui a profissão intelectual na 237 GONTÌJO, Vinícius José Marques. O empresário no código civil brasileiro. Revista de Julgados do Tribunal de Alçada de Minas Gerais. Belo Horizonte, v. 94, jan/mar 2004, p. 17. 153 empresarialidade quanto ao exercício da profissão constituir elemento de empresa. [...] A qualificação da atividade empresarial não passa necessariamente, como ficou demonstrado, pela organização do trabalho alheio, pretendo-se a outros fatores, com a economicidade, a profissionalidade, a organização e a produção e ou circulação de bens e serviços para o mercado. 238 Portanto, em que pesem entendimentos em sentido oposto ÷ e especialmente em função da novidade do tema ÷ a exploração de mão-de-obra de terceiros não é necessária e suficiente para a qualificação do empresário. Com efeito, é a organização em seus diferentes níveis e dimensões que irá diferenciar as diversas espécies de empresário, com repercussão, inclusive, no tratamento jurídico diferenciado dispensado aos pequenos e médios empresários. 6.1.4 Produção e circuIação de bens e serviços Para que se caracterize o empresário, mister a presença deste último requisito, conjuntamente com os demais. Para Tulio Ascarelli, [...] a atividade deve ser dirigida à produção ou à troca e me parece que se deva interpretar a produção pela troca ou para a troca [...] o titular da atividade deve ser diverso do destinatário último do produto, isto, é, a atividade deve ser destinada a satisfazer a necessidade de outrem. 239 238 BULGARELLÌ, Waldirio. Tratado de direito empresarial. São Paulo: Atlas, 2001, p. 216. 239 ASCARELLÌ, Tulio. A atividade do empresário. Revista de Direito Mercantil e Econômico, nº 132, São Paulo: Malheiros, p. 206. 154 Significa dizer que o ciclo econômico da atividade empresarial jamais poderá se exaurir no âmbito de apenas um sujeito. Antes, porém, deve ser voltado para o atendimento do interesse de várias pessoas, ou seja, ao mercado consumidor em geral. Não se deve perder de vista a possibilidade de se enquadrar no conceito de mercado, sua pré-determinação ou reserva, ou ainda o direcionamento para pessoas certas, mediante encomenda. A este respeito, convém transcrever a lição de Tulio Ascarelli que sintetiza bem a questão: A produção e a troca não devem, porém, necessariamente ser destinadas ao mercado em geral; pode ser suficiente que sejam dirigidas somente a um ambiente restrito (desde que não familiar), ou até somente a um sujeito determinado (como uma atividade que se resuma em produtos reservados de forma exclusiva para um só adquirente), ou a um mercado predeterminado, como ocorre com uma cooperativa de consumo (expressamente definida como empresa no Código) que se dedique exclusivamente à aquisição de gêneros para os cooperados. 240 A atuação do empresário, contudo, embora materialize o princípio da autonomia privada e livre iniciativa, deve ser exercida dentro dos limites constitucionais estabelecidos pelo art. 170 da Constituição Federal de 1988. Portanto, para que seja conferido a alguém a condição de empresário é imperativa a reunião de seus atributos fundamentais, ou seja, atividade organizada para a produção e circulação de bens e serviços para o mercado. 240 ASCARELLÌ, Tulio. A atividade do empresário. Revista de Direito Mercantil e Econômico, nº 132, São Paulo: Malheiros, p. 205. 155 7 A SOCIEDADE 7.1 SOCIEDADE CIVIL E COMERCIAL A origem das sociedades não possui referencial histórico exato, embora o fenômeno associativo remonte a um passado tão longíquo quanto o próprio surgimento do ser humano. Á medida em que aumentava a necessidade dos homens em buscar alimento e proteção. Nos primórdios tais organizações eram apenas situação de fato, sem qualquer forma definida. Com a evolução das civilizações e o surgimento da propriedade privada nasceram as primeiras agremiações com finalidades predeterminadas. É certo que tais organizações de pessoas passaram a tutelar interesses diversos, propondo-se a atingir fins civis e comerciais. Em Roma, as relações contratuais e negociais tinham como referência o intuito personae, destacando-se as garantias pessoais pelo adimplemento das obrigações. Em período posterior, com o crescimento e consolidação do comércio, ainda na Ìdade Média, surgiram as corporações de vários gêneros que influenciaram sobremodo a estruturação dos primeiros tipos societários comerciais. O relevo de tais organismos fez surgir a necessidade de sua regulamentação. De acordo com a mais autorizada doutrina, nos tempos medievais surgiu o primeiro tipo societário típico do Direito Mercantil, na baixa Europa: a sociedade em nome coletivo. A própria designação deste primeiro tipo societário 156 indicava a motivo de sua existência: a exploração coletiva de atividade própria do comerciante individual. Entretanto, com a evolução das instituições jurídicas, a partir do Code de Commerce de Napoleão e do desenvolvimento do direito de outros países, como Ìtália e Alemanha, e, especialmente com o incremento das relações econômicas e sociais, a sociedade passou a desfrutar de importância ainda maior. As sociedades passaram a assumir caráter contínuo e duradoro nas operações comercias, destacando-se, em grau de importância e reconhecimento, da pessoa de seus sócios. Este fato fez com que inevitavelmente se promovesse uma certa separação patrimonial entre a sociedade e seus integrantes, que não passou desapercebido dos "patriarcas do direito comercial.¨ 241 Surge, então, o fenômeno da personalidade jurídica, como meio de justificar o paulatino reconhecimento da divisão entre o patrimônio da sociedade e de seus membros. Desta forma, a sociedade passou a gozar de existência distinta dos seus membros, em todos os aspectos, especialmente obrigacional e patrimonial. Sua vinculação como sujeito de direito, impôs a necessidade de utilização de todos os elementos necessários para sua correta identificação, como nome, domicílio, nacionalidade e, especialmente, o registro. Com efeito, a personalização da sociedade somente operar-se-á após o seu registro, no órgão próprio, cuja definição leva em conta a natureza do objeto para o qual se propõe existir. Em função disto, criou-se a dicotomia entre as sociedades que visam atingir objeto de cunho civil e comercial. 241 ESTRELLA, Hernani. Curso de direito comercial. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1973, p. 200. 157 Sob a égide do Código Civil de 1916, a sociedade civil agrupava-se dentre as pessoas jurídicas de direito privado, juntamente com as associações e fundações. O elemento determinante para a diferenciação de cada uma dessas organizações repousava no objetivo ou na finalidade de cada uma. Ìnteressante observar que as sociedades de âmbito civil e comercial possuíam disciplina jurídica distinta, embora Caio Mário da Silva Pereira objetivasse a criação de um único Código para abarcar esses tipos societários. Dizia o autor: As sociedades ou associações civis têm a sua vida e a suas atividades inteiramente situadas no direito civil, no que se distinguem das sociedades mercantis, que têm tido o seu regime jurídico subordinado às leis comerciais. Com a unificação do direito obrigacional em um Código único, as associações civis e sociedades mercantis deverão ter disciplina em um único diploma (a propósito do novo regime destas últimas, ver o nosso Projeto de 1965, arts. 1.109 e segs.) 242 Durante a vigência do Código Civil de 1916, havia divergência na doutrina acerca delimitação da pessoa jurídica ÷ associação ou sociedade civil ÷ que poderia explorar atividades econômicas, em razão da existência de lacuna na lei neste aspecto. Assim, tanto as associações como as sociedades poderiam se prestar a atividades de cunho eminentemente civil e não econômicos. Caio Mário da Silva Pereira esclarece que 242 PEREÌRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol Ì 19 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 214. 158 O Código Civil, porém, deixou de se ater à distinção e, se mais adequado é utilizar-se a designação associações para as pessoas jurídicas de fins não econômicos, nenhuma obrigatoriedade existe nesse sentido, sendo admitidas as expressões como sinônimas no Código de 1916. A conceituação das sociedades comerciais sempre estará presa à verificação de seu objeto, ou de sua atividade, e à busca do lucro. Cesare Vivante, ainda dentro da fase italiana dos atos de comércio, afirmava que a sociedade comercial são pessoas jurídicas constituídas por contrato, no qual as pessoas comprometem-se em formar um fundo social, a fim de repartirem entre si os proventos que daí podem resultar, pelo exercício de um ou mais atos reputados de comércio. 243 Para o jurista Ìnglez de Souza a sociedade comercial é a reunião de dois ou mais indivíduos para um determinado fim de especulação mercantil, na qual se faz indispensável a existência do interesse comum em partilhar o lucro. 244 J. X. Carvalho de Mendonça, por seu turno, entendia que tais sociedades eram definidas como pessoas jurídicas especialmente constituídas para o exercício do comércio e, como tais, sujeitas às mesmas obrigações legais e investidas das mesmas prerrogativas dos comerciantes. 245 Modernamente, Waldirio Bulgarelli afirmava que seu objeto compreendia as atividades ditas comerciais, quer no sentido estrito, como por exemplo intermediação ou o comércio propriamente dito, ou ainda no sentido amplo, 243 VÌVANTE, Cesare. Instituições de direito comercial. Campinas: LZN, 2003, p. 80. 244 SOUZA, Ìnglez de. Preleções de direito comercial. São Paulo:DP. U. Vieira, 1906. 245 MENDONÇA, J.X. Carvalho de. Tratado de direito comercial Rio de Janeiro: Freitas Bastos, V.ÌÌÌ, Livro ÌÌ, 1963, p. 07. 159 abarcando aquelas que facilitam, complementam ou se agregam às anteriores, como o crédito, o transporte, a indústria e outras. 246 Entretanto, com a edição do Código Civil de 2002 superou-se tal distinção, na medida em que ocorreu a unificação do direito das obrigações e a adoção da teoria da empresa, que cuida apenas de sociedades empresárias e não-empresários (simples). Assim, na sistemática do novo Código, as pessoas jurídicas que se prestam a atividades não-econômicas, puramente beneficentes ou de fins morais, por exemplo, devem se estruturar sob a forma de associações. Ao passo que toda e qualquer atividade econômica somente poderá ser explorada por sociedades, sejam empresariais ou não-empresárias (simples). 247 Para os objetivos precípuos deste trabalho impende salientar que o traço distintivo das sociedades civis das sociedades mercantis ou comerciais era, exatamente, o objeto social de cada uma delas, que reflete diretamente a atividades desenvolvida em seu âmbito. 7.2 SOCIEDADES SIMPLES A similitude havia entre a sociedade civil e a sociedade simples e a sociedade civil transparece uma distinção entre o objeto social das sociedades empresárias dessa espécie. 246 BULGARELLÌ, Waldirio. Sociedades comerciais ÷ empresa e estabelecimento. São Paulo: Atlas, 1985, 93. 247 Art. 53 ÷ Constituem as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos. 160 A distinção, todavia, não reside no intuito lucrativo, mas na forma de exploração de seu objeto social, obtido a partir do art. 982 do Código Civil de 2002: [...] Art. 982 ÷ Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e simples, as demais. Como se vê o legislador pátrio optou pelo critério negativo, ou de exclusão, para caracterizar as atividades próprias das sociedades simples. Todavia, preferiu não enumerar as atividades reputadas empresariais, ou os atos de empresarialidade, como fizeram os italianos, sendo submetidos ao registro de empresa: (i) industrial destinada à produção de bens ou serviços; (ii) intermediária de circulação de bens e serviços; (iii) transporte terrestre, aéreo ou marítimo; (iiii) bancária ou securitária e; (iiiii) outras auxiliares das precedentes. 248 De outra senda, preferiu o legislador estabelecer a distinção entre as ditas sociedades, a partir dos elementos caracterizadores do empresário. Deve-se notar que esta opção não foi capaz de suplantar a dificuldade havida na distinção entre as atividades de cunho comercial e as demais, percebida claramente sob a égide do antigo ordenamento, dentro da teoria dos atos de comércio. Ao contrário, manteve no ordenamento brasileiro a dificuldade de se diferenciar as atividades, agora de caráter empresarial, das demais, objeto das sociedades simples. 248 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e da empresa. Vol. Ì, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 304 161 Ìsto se justifica pelo fato de caber ao intérprete submeter os casos concretos À apreciação da presença ou não dos elementos identificadores dos empresários. 249 Nesta ordem de idéias, para que possa ser possível a delimitação do objeto das sociedades simples, faz-se mister análisar os conceitos e elementos caracterizadores do empresário e, sobretudo, da atividade que desempenham, como demonstrado anteriormente. 7.3 SOCIEDADES EMPRESÁRIAS O objeto social das sociedades empresárias guarda similitude com a própria atividade desempenhada pelo empresário. Não poderia ser diferente, na medida em que a sociedade nada mais é do que a solução jurídica para o exercício da atividade empresarial em grupo e com menos risco pessoal. Assim, dentro da sistemática do Novo Código Civil, ressalvadas as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tenha por objeto a exploração de atividade própria de empresário sujeito a registro, e simples as demais 250 . 249 NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e da empresa. Vol. Ì, Saraiva: São Paulo, 2004, p. 304. 250 Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. 162 Desta maneira, uma sociedade que explora atividade agrícola, jamais poderá ser assim considerada, a menos que seja da vontade de seu titular. 251 Relevante notar que as sociedades empresárias, a rigor, não podem ser consideradas apenas nova nomenclatura das antigas sociedades comerciais, a despeito da redação do art. 2.037 do Código Civil de 2002 que determina a substituição dos termos "sociedade comercial¨ por "sociedade empresária¨. 252 Com efeito, durante a vigência do Código Comercial de 1850, estruturado sob os pilares da teoria dos atos de comércio, a identificação das sociedades comerciais dava-se em função da natureza de seu objeto. Excepcionava-se a sociedade por ações, em virtude da forma adotada e as construtoras em razão do critério legal. Entretanto, a adoção da Teoria da Empresa afastou a influência francesa dos atos de comércio e incorporou o ideal italiano da empresa, com diferenças marcantes. As sociedades empresárias, em verdade, possuem em seu conceito elementos diversos, dentre eles, a maneira de se organizar, a partir de instrumentos comuns de mais de um agente e a atividade econômica para produção e circulação de bens e serviços. O Código Civil de 2002, dentro do seu ideal unificador disciplinou os tipos societários nos arts. 1.039 a 1.092, deixando, contudo, para algumas leis especiais, notadamente a das sociedades por ações, a missão de regulamentar o que não fora dito na vigente codificação. 251 Art. 971 - O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode, observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro. 252 Art. 2.037. Salvo disposição em contrário, aplicam-se aos empresários e sociedades empresárias as disposições de lei não revogadas por este Código, referentes a comerciantes, ou a sociedades comerciais, bem como a atividades mercantis. 163 8 O CLUBE-EMPRESA 8.1 A LEGISLAÇÃO DESPORTIVA BRASILEIRA: APONTAMENTOS SOBRE SUA EVOLUÇÃO E O TRATAMENTO DO CLUBE-EMPRESA A necessidade de alteração da estrutura sob a qual se organizavam os clubes de futebol foi, como visto, deflagrada com a consolidação do capitalismo como sistema econômico dominante. Paralelamente a este fenômeno, verificou-se um grande desenvolvimento da atividade futebolística que conduziu o esporte a um novo patamar: o negocial. A partir disto, o setor privado vislumbrou a possibilidade de utilizar o esporte como uma importante ferramenta de divulgação de seus produtos e serviços. Este novo panorama afastou, por completo, o espírito associativo que inspirou a criação e estruturação pioneira do esporte, em especial do futebol, ainda no final do século ÌX. Ìmportante observar, como o fez de forma brilhante o Prof. Dr. Alexandre Bueno Cateb, em sua tese de doutoramento, que dentro dessa nova realidade profissional, os dirigentes dos clubes de futebol, há muito vêm desempenhando atividades, movimentando e gerindo recursos financeiros vultosos de modo que refoge ao ideal associativista, ou seja, de objetivo não lucrativo. 253 253 Nos primórdios, ascenderam nas administrações clubísticas aqueles que prestaram relevantes serviços aos clubes, de forma honesta e desobrigada de qualquer benefício, além da satisfação pessoal em ver realizado em sonho coletivo de contribuir para a organização da incipeinte atividade desportiva e de lazer no Brasil. No entanto, com o passar do tempo, modificaram-se as motivações. Ìnteresses divorciados dos objetivos dos fundadores das associações desportivas tomaram corpo. CATEB, Alexandre Bueno. Op. cit, p. 12. 164 Nesse contexto, foram propostos diversos modelos de transformação das associações esportivas em sociedades comerciais e, posteriormente, empresárias. Todavia, após aproximadamente sete anos da publicação da Lei Geral Sobre Desportos, acunhada de Lei Pelé, poucas foram as transformações concretizadas na estrutura do esporte nacional. Neste item far-se-á uma análise evolutiva do modelo organizativo brasileiro de estruturação do esporte profissional, com a finalidade precípua de adequar o futebol ao novo paradigma mercadológico, mediante a criação do que se chamou de "clube-empresa¨. 8.1.1 A Lei 8.672/93: Lei Zico No transcurso entre a vigência da Lei nº 6.521/75, de 08 de outubro e a Lei 8.672/93, de 06 de julho, passaram-se quase sete anos, em que se registraram, inúmeros fatos políticos-desportivos, que ensejaram a modernização da legislação vigente. 254 Seguido a estas sensíveis mudanças surgiu a "Lei Zico¨, assim alcunhada em função de à época de sua publicação, o mencionado ex-jogador de futebol 254 Dentre eles, Alberto dos Santos Puga Barbosa em sua obra citada, destaca: a) desatualização conceitual do esporte brasileiro diante da realidade internacional; b) a "Carta da Educação Física e Desportos¨ da UNESCO (1978), exaltando a prática do desporto como um direito todos; c) a designação da Comissão Ìnstituída para Estudos sobre o Desporto Nacional, presidida pelo Dr. Manoel José Gomes Tubino, cujo trabalho resultou no Relatório Conclusivo, que recebeu o título de "Uma Nova Política Para o Desporto Brasileiro- Esporte Brasileiro Questão de Estado¨, que constatou a necessidade de reconceituação do desporto, redefinição do papel Estado em relação ao esporte, mudanças jurídico-desportivo-institucionais; a carência de recursos humanos e físicos e financeiros comprometidos com o desenvolvimento das atividades desportivas; insuficiência de conhecimentos científicos aplicados ao esporte; d) constitucionalização do desporto, no artigo 217 da Constituição Federal de 05 de Outubro de 1988. 165 ocupar a Secretaria de Esportes, órgão diretamente ligado ao presidente da República. A lei em comento foi considerada um marco jurídico revolucionário no tratamento dispensado à prática desportiva, pois visava adaptar a legislação brasileira ao moderno sistema de desenvolvimento do esporte mundial, impulsionado pela intensa participação e investimento do setor privado no esporte. Contendo 11 capítulos distribuídos em 71 artigos, a Lei 8.672 de 06 de julho de 1993 dispunha, fundamentalmente, sobre princípios fundamentais; conceituação e finalidades do desporto; do sistema brasileiro do desporto; da prática desportiva profissional; da ordem desportiva; da Justiça Desportiva; dos recursos para o desporto; e das disposições gerais e disposições transitórias. 255 Pela primeira vez foram enunciados os princípios informadores do desporto, quais sejam: soberania, autonomia, democratização, liberdade, direito social, diferenciação, identidade nacional, educação, qualidade, descentralização, segurança e eficiência. A conceituação e as finalidades do desporto, por seu turno, foram definidas pelas manifestações do desporto educacional, de participação e rendimento ÷ com organização e prática de modo profissional e não profissional. Tal conceituação é relevante, pois o desporto não se limita a espetáculo, grandes competições ou a participações de qualquer modalidade da seleção brasileira, mas revela-se como fenômeno social que promove a educação, estimula a participação e desenvolve valores de convivência e de cidadania. 255 BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. O modelo societário como resposta organizativa no futebol profissional em Portugal e no Brasil, Porto, 2001, p. 58. 166 Diante da nova concepção do legislador foi alterada a estrutura institucional do esporte. Criou-se o Sistema Federal do Desporto que congregava pessoas físicas ou jurídicas, com ou sem fins lucrativos, encarregadas da coordenação, administração, normatização e apoio à prática do desporto. Além disto, disciplinou, dentro de sua competência, a atuação da Justiça Desportiva, do Comitê Olímpico Brasileiro, das entidades federais de administração do desporto e suas filiadas. A legislação em referência possibilitou de forma inédita a possibilidade de opção dos clubes de finalidade lucrativa, em contraposição aos modelos amadores das legislações pretéritas. Rompeu, assim, definitivamente com o modelo centralizador e autoritário vigente nas legislações anteriores. Com efeito, os principais pontos inovadores da nova lei são representados pela afirmação dos preceitos constitucionais de autonomia, liberdade de associação, elevação do desporto a direito individual, normatização da prática desportiva profissional e a estruturação da Justiça Desportiva, conforme, aliás, determina o artigo 217 da Constituição Federal de 1988. Todavia, ainda hoje, a alteração de maior repercussão no plano jurídico- desportivo, foi a proposta de transformação os clubes de futebol em sociedades comerciais, com o fito de facilitar as parcerias de investimento no esporte. Dispunha o artigo 11, in verbis: [...] Art. 11 - É facultado às entidades de prática e às entidades federais de administração de modalidade profissional, manter a gestão de suas atividades sob a responsabilidade de sociedade com fins lucrativos, desde que adotada uma das seguintes formas: Ì - transformar-se em sociedade comercial com finalidade desportiva; 167 ÌÌ - constituir sociedade comercial com finalidade desportiva, controlando a maioria de seu capital com direito a voto; ÌÌÌ - contratar sociedade comercial para gerir suas atividades desportivas. Parágrafo único. As entidades a que se refere este artigo não poderão utilizar seus bens patrimoniais, desportivos ou sociais para integralizar sua parcela de capital ou oferecê-los como garantia, salvo com a concordância da maioria absoluta na assembléia geral dos associados e na conformidade dos respectivos estatutos. É curial observar que o alto grau de intervencionismo estatal e o rígido modelo de estruturação do esporte até então vigentes inibiam, sobremodo, os investimentos do setor privado no esporte. Seguindo uma tendência mundial, a "Lei Zico¨ modificou este cenário ao disciplinar a prática desportiva profissional, propondo a transformação das entidades de prática desportiva em sociedades comerciais, com o escopo de facilitar os investimentos do setor privado no desporto nacional, e as parcerias, além de consagrar, definitivamente, a autonomia financeira e econômica dos clubes. Pela primeira vez na recente legislação desportiva brasileira, disciplinou- se a prática desportiva profissional, na qual, atletas, entidades de prática desportiva e entidades de administração do desporto eram livres para organizar a atividade profissional de sua modalidade, respeitados os termos da lei. A atividade do atleta profissional passou a ser caracterizada pela remuneração pactuada em contrato escrito com pessoa jurídica devidamente registrada na entidade federal de administração do desporto, contendo cláusula penal para as hipóteses de descumprimento ou rompimento unilateral. A Justiça Desportiva a que se referem os parágrafos 1º e 2º do art. 217 da Constituição Federal, e o art. 33 da Lei nº 8.028, de 12 de abril de 1990, foi devidamente regulada. 168 Sua organização, o funcionamento e as atribuições limitavam-se ao processo e julgamento das infrações disciplinares e às competições desportivas, definidas em Códigos próprios, a serem propostos pelas entidades federais de administração do desporto e aprovados pelo Conselho Superior de Desportos. Aos Tribunais de Justiça Desportiva, unidades autônomas e independentes das entidades de administração do desporto de cada sistema, competia processar e julgar, em última instância, as questões de descumprimento de normas relativas à disciplina e às competições desportivas, sempre assegurada a ampla defesa e o contraditório. As decisões finais dos Tribunais de Justiça Desportiva eram impugnáveis, nos termos gerais do direito, respeitados os pressupostos processuais estabelecidos nos parágrafos 1º e 2º do art. 217 da Constituição Federal, de maneira que o recurso ao Poder Judiciário não era capaz de prejudicar os efeitos desportivos validamente produzidos em conseqüência da decisão proferida pelos Tribunais de Justiça Desportiva. 256 As disposições gerais abrangiam matérias como: caracterização do exercício de natureza privada aos dirigentes de entidades desportivas; elaboração de projetos sócio-desportivos que alcançassem os portadores de deficiências físicas; recomendação aos estabelecimentos de ensino para definirem normas acerca do rendimento do aluno-atleta, quando convocado para integrar representação desportiva nacional. Finalmente, as disposições transitórias regulavam o valor do "passe¨, o estabelecimento de prazo de 180 dias para adaptação dos estatutos das entidades 256 Sobre a moderna tendência de solução de litígios no âmbito esportivo vide PERRUCÌ, Felipe Falcone. A justiça desportiva brasileira e a tendência moderna de solução dos litígios desportivos internacionais. Jornal das Faculdades Milton Campos nº 58, publicado em março de 2003, disponível no site http://www.mcampos.br/jornal/n58/menu.htm 169 desportivas; a revogação da Lei nº 6.251/75, de 08 de outubro, além de outros diplomas incompatíveis com a nova legislação. O Decreto Regulamentador da "Lei Zico¨, de nº 981/93, em nada alterou o conteúdo da Lei nº 8.672/93. Álvaro Melo Filho 257 ao comentar os avanços da nova legislação conclui que: [...] a Lei nº 8.672/93 consubstancia realidades muito vivas do sistema desportivo nacional: a iniciativa privada e o fomento público; o clube empresa; os poderes públicos e a administração desportiva autônoma; a mera recreação; o desporto-educacioanl e a alta competição; o olimpismo; a proteção dos praticantes profissionais e não-profissionais; a loteria esportiva; os incentivos fiscais para o desporto; a representação externa desportiva do país e o prestígio nacional; os patrocinadores desportivos e o direito de arena; a Justiça Desportiva; enfim, múltiplas matérias e segmentos regulados de forma sistemática e integral resumindo as grande co-ordenadas de uma política de desportiva nacional. 8.1.2 A Lei 9.615/98: Lei PeIé Em 24 de março de 1998 foi editada a Lei nº 9.615, conhecida como "Lei Pelé¨, justificada pela ocupação do ex-jogador de futebol Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, no cargo de Ministro Extraordinário dos Esportes e presidente do ÌNDESP ÷ Ìnstituto Nacional do Desenvolvimento do Esporte. A "Lei Pelé¨ foi elaborada com a finalidade de aperfeiçoar a legislação anterior, traçando normas gerais para o desporto nacional. Apesar da nova 257 MELO FÌLHO, Álvaro. A nova Lei do desporto comentada. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p.287. 170 legislação ter absolvido parte considerável da lei anterior, apresentou modificações revolucionárias, destacando-se; a concretização da proposta de implementação do clube empresa, a extinção do "passe¨, a limitação ao valor das cláusulas penais, nas hipóteses de rescisão do contrato de trabalho. Ratificou-se o abandono do espírito centralista e controlador das legislações pretéritas, sem, contudo, descuidar dos necessários vínculos de integração entre os diferentes níveis de prática do desporto e entre estes e o Estado. Elevou-se a organização desportiva do País, fundada na liberdade de associação, a elemento integrante do patrimônio cultural brasileiro e considerada de elevado interesse social. A adequação do projeto de re-estruturação das entidades desportivas tornou-se mais urgente e ansiada pela sociedade, ante à nova realidade sócio- econômica e, sobretudo, diante do caráter eminentemente comercial dos clubes de futebol em contraposição com os diversos escândalos adminitrativos. O emprego do termo "falência¨, instituto do Direito Empresarial, passou a ser amplamente utilizado, haja vista o novo perfil mercantil do esporte. Ìsto se deve, em parte, em função da gradual extinção do "passe¨, que representava sua principal fonte de obtenção de receita dos clubes de futebol. Tal fato evidenciava a necessidade dos clubes desportivos que desenvolviam atividades de natureza desportiva profissional de desvelarem seu modelo de gestão amador dos dirigentes. 258 A par dessa realidade, o Senhor Ministro dos Esportes Edson Arantes do Nascimento, por meio da Exposição de Motivos nº 22/GMEE, de 15 de setembro de 258 Relatório Setorial. Esportes ÷ uma abordagem inicial elaborado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) publicado em 1997 encerrou em seu texto informações estratégicas para o desporto brasileiro. 171 1997, encaminhou ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, o projeto de reformulação do texto da Lei de Normas Gerais sobre Desportos, enfatizando dentre outros aspectos, a desorganização, o amadorismo e a falta de transparência na gestão dos clubes desportivos que desenvolvem atividades de natureza profissional, bem o desprezo pela consolidação de atleta, retratada pela existência do "passe¨. Finalizou com as seguintes palavras: [...] Cumpre salientar, mais uma vez, que o presente projeto de lei busca o efetivo aperfeiçoamento e moralização do esporte brasileiro. Almejam-se mudanças conceituais e estruturais para o esporte. Há tempos luta-se por uma modernidade para o esporte brasileiro. Uma modernidade amparada na realidade desportiva e no valor humano daqueles que vivem do esporte. A aprovação do presente projeto de lei consolidará esta modernidade. Diversamente do que determinava a lei anterior, o desporto de rendimento era caracterizado pela organização e prática de modo profissional e não-profissional. O desporto profissional passou a ser caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva. Ao passo em que o não profissional é identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de qualquer forma de remuneração, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio. Desta forma, foram condensadas a natureza e finalidades do desporto, para enfocá-lo como meio de promoção do homem e alternativa de melhoria da 172 sociedade. A tripartição legal definida pela Lei Pelé em muito de assemelha à distinção feita pela sociologia do desporto que a fez em game, play e sport. 259 Ao contrário das legislações anteriores, afirma que a organização desportiva do País funda-se na liberdade de associação, sendo elemento integrante do patrimônio cultural brasileiro, considerada, assim, de elevado interesse social. As entidades de prática desportiva e as entidades nacionais de administração do desporto, bem como as ligas, passaram a ser pessoas jurídicas de direito privado, com organização e funcionamento autônomos, tendo suas competências definidas em seus estatutos. Cumprindo a determinação de que o Estado deve fomentar a prática desportiva, foram estabelecidas diversas formas de incentivos de natureza fiscal, além de possibilitar o repasse de recursos públicos federais da administração direta e indireta, nos termos do comando constitucional. O artigo 27 da "Lei Pelé¨ como realçado na Exposição de Motivos do Projeto Originário, "contempla a mudança mais importante do sistema desportivo brasileiro", ao "adequar a legislação pátria a atividade de natureza evidentemente comercial exercidas pelas entidades de prática desportiva, de modo a profissionalizar as relações decorrentes dessa atividade comercial.¨ Para tanto, impôs às entidades de prática desportivas participantes de competições profissionais a transformação em sociedades civis de fins econômicos; em sociedades comerciais; ou ainda a constituição ou contratação de sociedade 259 LYRA FÌLHO, João. Introdução à sociologia do esporte. São Paulo: Record, 1970. 173 comercial para administrar suas atividades profissionais. Traçou, nos artigos seguintes, as diretrizes segundo as quais o clube-empresa deve se sujeitar. 260 8.1.3 A Lei 9.940/99 O inconformismo dos dirigentes desportivos quanto à obrigatoriedade de transformação dos clubes em sociedades comerciais foi o principal elemento ensejador da publicação da Lei nº 9.940 de 21 de dezembro de 1999. O artigo 94 da Lei Pelé previa prazo de dois anos para a adaptação à proposta dos modelos societários insculpidos no artigo 27, tendo como termo a quo a publicação da Lei. Diante disso, a Lei nº 9.940/99 foi editada apenas para efeito de alterar a redação do artigo 94, mudando o prazo para adaptação dos estatutos dos clubes em empresas, de dois para três anos. 260 Cumpre destacar que na maioria das legislações estrangeiras, especialmente a européia, a matéria atinente ao clube-empresa é tratada em lei especial, com disciplina específica e detalhada, ao passo que o legislador nacional condensou a norma em apenas duas normas constantes da lei geral do desporto. O modelo organizativo predominante é a Sociedade Anônima Desportiva ÷ SAD, com ampla regulamentação e, em especial, com normas de transição próprias, atentas à realidade econômico-financeira dos clubes à época, bem semelhante à dos clubes de futebol brasileiros. 174 8.1.4 A Lei nº 9.981/00 Algumas imperfeições compreendidas na "Lei Pelé¨, especialmente em relação ao clube-empresa, foram elementos deflagradores da Lei nº 9.981 de 14 de julho de 2000. A sistemática do artigo 27, caput, da Lei nº 9.615/98 sofreu alterações, sendo-lhe concedida nova redação, segundo a qual facultava-se ao clube sua transformação, ao contrário do modelo anterior em que este ato era obrigatório. 261 Da análise do dispositivo em comento, tem-se que as alterações que merecem destaque são: a) a facultatividade como regra para transformação dos clubes ÷ de natureza profissional- em empresas; b) possibilidade de transformação em sociedades civis de fins econômicos, em sociedade comercial, ou ainda, constituição ou contratação de sociedade comercial para administração das atividades profissionais; c) restrição quanto a utilização dos bens patrimoniais, 261 Art. 27 - É facultado à entidade de prática desportiva participante de competições profissionais: Ì- transformar-se em sociedades civis de fins econômicos; ÌÌ -transformar-se em sociedades comerciais; ÌÌÌ- Constituir ou contratar sociedade comercial para administração de suas atividades profissionais. § 1 o (parágrafo único original) (Revogado). (Revogado pela Lei nº 9.981, de 14.7.2000) § 2 o A entidade a que se refere este artigo não poderá utilizar seus bens patrimoniais, desportivos ou sociais para integralizar sua parcela de capital ou oferecê-los como garantia, salvo com a concordância da maioria absoluta da assembléia-geral dos associados e na conformidade do respectivo estatuto. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.981, de 14.7.2000) § 5º - O disposto no art. 23 aplica-se, no que couber, às entidades a que se refere o caput. (Nova redação ÷ Ìncluído pela Medida Provisória nº 39) § 6 o A entidade que não se constituir regularmente em sociedade comercial, na forma deste artigo: Ì - fica impedida, ainda que presentes os requisitos da Lei n o 9.317, de 5 de dezembro de 1996, de optar pela inscrição no Sistema Ìntegrado de Pagamento de Ìmpostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte - SÌMPLES; ÌÌ - não se sujeita à contribuição de que trata o § 6 o do art. 22 da Lei n o 8.212, de 24 de julho de 1991, incidindo, no caso, as contribuições de que tratam os incisos Ì e ÌÌ do mesmo artigo, sem prejuízo das demais contribuições para o custeio da seguridade social; ÌÌÌ - fica impedida de gozar de qualquer benefício fiscal em âmbito federal. (Nova redação ÷ Ìncluído pela Medida Provisória nº 39) § 7 o Os associados demandados pelos débitos contraídos por entidade equiparada à sociedade comercial de fato ou irregular na forma do caput tem o direito de que sejam excutidos primeiramente os bens de seus dirigentes." (Nova redação ÷ Ìncluído pela Medida Provisória nº 39. 175 desportivos os sociais para integralizar parcela de capital ou oferecimento como garantia; d) manutenção de propriedade de pelo menos 51% do capital com direito a voto e o efetivo poder de gestão pela entidade desportiva; e) vinculação da titularidade e legitimidade para a prática de atos jurídicos somente pelos dirigentes. Todavia, segundo Alberto dos Santos Puga Barbosa 262 , outros dois aspectos destacam-se na edição desta Lei: a) a forma avassaladora com que as empresas estrangeiras, especialmente os fundos de investimento ligados aos meios de comunicação, passaram a busca parcerias com os clubes brasileiros; b) o teor do artigo 7 item 5 do Estatuto da Fédération Internacionale de Football Association ÷ FÌFA-, segundo o qual, "somente um clube afiliado poderá ser propriedade de uma mesma sociedade (compreendidas as companhias matrizes e subsidiárias)." Como forma de atender a este comando, foi publicado o artigo 27-A, que dispõe: [...] Art. 27-A. Nenhuma pessoa física ou jurídica que, direta ou indiretamente, seja detentora de parcela do capital com direito a voto ou, de qualquer forma, participe da administração de qualquer entidade de prática desportiva poderá ter participação simultânea no capital social ou na gestão de outra entidade de prática desportiva disputante da mesma competição profissional. (Art. incIuído peIa Lei nº 9.981, de 14.7.2000) § 1 o É vedado que duas ou mais entidades de prática desportiva disputem a mesma competição profissional das primeiras séries ou divisões das diversas modalidades desportivas quando: (Parágrafo incIuído peIa Lei nº 9.981, de 14.7.2000) a) uma mesma pessoa física ou jurídica, direta ou indiretamente, através de relação contratual, explore, controle ou administre direitos que integrem seus patrimônios; ou, (AIínea incIuída peIa Lei nº 9.981, de 14.7.2000) b) uma mesma pessoa física ou jurídica, direta ou indiretamente, seja detentora de parcela do capital com direito a voto ou, de qualquer forma, participe da administração de mais de uma sociedade ou associação que explore, controle ou administre direitos que integrem 262 BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. O modelo societário como resposta organizativa no futebol profissional em Portugal e no Brasil, Tese de Doutoramento, Faculdade do Porto, 2001, p. 74. 176 os seus patrimônios. (AIínea incIuída peIa Lei nº 9.981, de 14.7.2000) § 2 o A vedação de que trata este artigo aplica-se: (Parágrafo incIuído peIa Lei nº 9.981, de 14.7.2000) a) ao cônjuge e aos parentes até o segundo grau das pessoas físicas; e (AIínea incIuída peIa Lei nº 9.981, de 14.7.2000) b) às sociedades controladoras, controladas e coligadas das mencionadas pessoas jurídicas, bem como a fundo de investimento, condomínio de investidores ou outra forma assemelhada que resulte na participação concomitante vedada neste artigo. (AIínea incIuída peIa Lei nº 9.981, de 14.7.2000) § 3 o Excluem-se da vedação de que trata este artigo os contratos de administração e investimentos em estádios, ginásios e praças desportivas, de patrocínio, de licenciamento de uso de marcas e símbolos, de publicidade e de propaganda, desde que não importem na administração direta ou na co-gestão das atividades desportivas profissionais das entidades de prática desportiva, assim como os contratos individuais ou coletivos que sejam celebrados entre as detentoras de concessão, permissão ou autorização para exploração de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, bem como de televisão por assinatura, e entidades de prática desportiva para fins de transmissão de eventos desportivos. (Parágrafo incIuído peIa Lei nº 9.981, de 14.7.2000) § 4 o A infringência a este artigo implicará a inabilitação da entidade de prática desportiva para a percepção dos benefícios de que trata o art. 18, bem como a suspensão prevista no art. 48, ÌV, enquanto perdurar a transgressão. (Parágrafo incIuído peIa Lei nº 9.981, de 14.7.2000) § 5 o Ficam as detentoras de concessão, permissão ou autorização para exploração de serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, bem como de televisão por assinatura, impedidas de patrocinar entidades de prática desportiva. (Parágrafo incIuído peIa Lei nº 9.981, de 14.7.2000) Vê-se, portanto, a preocupação do legislador em limitar a ingerência externa sobre o comando das entidades de prática desportiva, representada por interesses econômicos eventualmente conflitantes. 177 8.1.5 A Medida Provisória nº 39 Após a conclusão e aprovação do Relatório Final da Comissão Parlamentar de Ìnquérito ÷ a CPÌ do Futebol - que investigou denúncias de irregularidades na administração do futebol brasileiro, foram encaminhados ao Congresso Nacional diversas proposições legislativas. A Medida Provisória nº 39, editada pelo Presidente da República em 14 de Julho de 2.002, possuí o texto idêntico ao Projeto de Lei nº 6.605/2002 que fora levado a debate na Câmara em abril de 2002. Dentre as alterações promovidas pela MP em comento, as de maior relevo e que merecem destaque são: a) a inclusão do princípio da "livre empresa no desporto profissional, caracterizado pela natureza eminentemente empresarial da gestão e exploração do desporto profissional¨; b) a equiparação da ligas desportivas às entidades de administração do desporto; c) inclusão do inciso ÌÌ no artigo 23 na Lei nº 9.615/98, versando sobre a obrigatoriedade de disciplina nos estatutos da entidades de administração do desporto, de punições relativas à conduta de seus dirigentes; d) reconhecimento do caráter empresarial da gestão e exploração do desporto profissional, impondo, por conseguinte, a transformação dos clubes em empresas, sob pena de serem equiparados a sociedades irregulares ou de fato, além de sofrerem diversas sanções; e) redução da contribuição prevista no artigo 57 para as entidades que se adaptarem na forma da nova redação do artigo 27; f) obrigatoriedade de publicação das demonstrações financeiras das entidades de prática desportiva, na forma da Lei nº 6.404/76. 178 A tentativa de se alcançar maior transparência na administração das entidades desportivas, por meio da publicação obrigatória das movimentações financeiras e, sobretudo, a previsão de responsabilidade civil e criminal dos dirigentes desportivos, fez com que a opinião pública em geral, batizasse a Medida Provisória nº 39 de "MP da Moralização do Futebol¨. Todavia, em função da absoluta ilegalidade e inconstitucionalidade de diversos de seus dispositivos, não foi a MP da moralização do futebol convertida em lei pelo Congresso Nacional. 8.1.6 A Medida Provisória nº 79 A Medida Provisória nº 39, publicada no dia 14 de julho de 2002 e alcunhada como a "MP da Moralização do Futebol¨, em pouco tempo não mais pôde ser reputada ferramenta hábil para a promover o aperfeiçoamento das relações jurídico-desportivas, como sugeriu a opinião pública. É que expirado seu prazo de vigência, com sua imediata inclusão na pauta de votação do Congresso, foi rejeitada sua conversão em Lei pelo parlamentares, deixando, assim de produzir efeitos jurídicos. À luz disso foi editada no dia 27 de novembro de 2002, a Medida Provisória nº 79, que traduz em alguns pontos a manutenção da celeuma moralizadora que norteou a Medida anterior. 179 Por esta razão o panorama da legislação desportiva brasileira e a nova feição da Lei Geral Sobre Desportes, a Lei nº 9.615/98, sofreram significativa alteração. Em presente Medida Provisório foi acabou sendo convertida na Lei nº 10.672, de 15 de maio de 2003. 8.1.7 A Lei nº 10.671/2003 A Lei nº 10.671, em 15 de maio de 2003, que estatui o Código de Defesa do Torcedor e se revelou como mais uma norma de cunho moralizador. Trata-se de lei que tem como principal objeto a relação entre clubes de futebol e os torcedores, que passaram a ser identificados como consumidores. Diversos de seus dispositivos, numa análise rigorosa, contém pechas de inconstitucionalidades, como bem frisado pelo Prof. Alberto Lima Vieira em artigo publicado no Jornal das Faculdades Milton Campos: Abro o jogo - no meu entender, o Estatuto do Torcedor é uma das leis mais esquizofrênicas jamais promulgadas no Brasil. Tal Estatuto é inteiramente divorciado da realidade social brasileira, na qual deve ser aplicado. Os direitos do torcedor, nele elencados, supõem uma comunidade ideal com alto grau de exercício efetivo da cidadania e devotado interesse ao bem comum. Basta correr os olhos no texto legal para verificar que está cheio de boas intenções e inaplicáveis disposições. Com efeito, a preconizada transparência da organização dos eventos desportivos, a instituição do Ouvidor, com suas notáveis funções, e a responsabilidade objetiva das entidades desportivas por prejuízos causados ao torcedor por falhas de segurança nos estádios 180 são apenas alguns dos dispositivos que confirmam as assertivas acima. 263 Como bem asseverado pelo autor, a presente lei não atenderá aos fins a que se destina, pelo simples fato de ter sido apenas publicada em momento político, no qual se fazia necessário atender às expectativas da opinião pública, sem qualquer intenção de solucionar as questões a que se propunha. Deve-se salientar que esta norma surgiu no mesmo contexto moralizador das anteriores, sem se preocupar, no entanto, com as reais condições de sua implementação. A breve referência a esta lei se faz-se necessária, tendo em vista os diversos desdobramentos causados nas relações clubes-torcedores, sem, no entanto, guardar relevância com a sistemática organizativa dos entes desportivos. 8.1.8 A Lei nº 10.672/2003 Ainda no afã moralizador que contagiou a opinião pública, foi publicada a Lei nº 10.672, de 15 de maio de 2003, a partir da Medida Provisória nº 79/03. A justificativa para a publicação desta norma é sintetizada por Álvaro Melo Filho, uma das maiores autoridades em Direito Desportivo mundial, ao contextualizar o novo panorama jurídico-desportivo, ao afirmar que 263 Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/03). Jornal das Faculdades Milton Campos, nº 64, outubro de 2003. Disponível em: < http://www.mcampos.br/jornal/n64/menu.htm>. Acessado em 26/10/2005. 181 Desponta claro que se vive a era da massificação e planetarização do desporto, em especial do futebol, em que há uma convicção generalizada de que é chegada a hora de se dar ao desporto profissional brasileiro nova estrutura organizativa e gestionária, conditio sine qua para assegurar sua transparência e exigível credibilidade, a partir da profissionalização de seus dirigentes. Foram inseridos cinco princípios atinentes à exploração profissional do desporto sem prejuízos daqueles doze estampados no artigo 1º da Lei Pelé. O primeiro deles impõe a transparência financeira e administrativa; o segundo a moralidade na gestão desportiva; o terceiro, a responsabilidade social dos dirigentes; o quarto tratamento, um diferenciado em relação ao desporto não profissional e o último da participação na organização desportiva do País. Aludidos princípios possuem o mesmo objetivo da Medida anterior ÷ que inclui apenas o princípio da livre empresa: moralizar as relações havidas no seio da atividade desportiva brasileira. A consagração do caráter eminentemente empresarial da exploração e gestão das atividades desportivas profissionais, na redação conferida pela MP 39, manteve-se intacta com a redação do artigo 2º da MP 79 ao determinar que [...] Art. 2º - A exploração e gestão do desporto profissional constituem exercício profissional de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, inclusive para efeito do disposto no Livro ÌÌ da Parte Especial da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. Como forma de amenizar os impactos da ausência do instituto do "passe¨ foram criadas normas específicas aos contratos de trabalho, com a previsão de 182 indenização, em caso de transferência de atletas, para o clube formador, de acordo com critérios objetivos rígidos. Assim, a prerrogativa da indenização de formação fica condiciona ao cumprimento de requisitos de cunho eminentemente social, ou seja, promoção da adequação das atividades de formação técnica e desportiva ao regular aproveitamento escolar e educacional do atleta, inclusive em relação ao cumprimento dos horários curriculares; adoção de método de formação técnica e desportiva do atleta compatível com o desenvolvimento físico, moral e psicológico; estímulo à valorização e preservação dos vínculos familiares, propiciando, além de palestras sobre o assunto, maior contato com a família; fornecimento aos atletas alimentação adequada; garantia de condições mínimas de higiene, segurança e salubridade de suas instalações físicas, no caso de manutenção do atleta em regime de internato ou semi-internato; manutenção de adequado serviço de assistência médica, odontológica e psicológica; e contração seguro de acidentes pessoais em benefício do atleta. Em razão disso, dirigentes de clubes de futebol mineiros, em sua participação no Seminário de Direito Desportivo realizado nos dias 27 e 28 de novembro de 2002 na Ordem dos Advogados do Brasil, afirmaram que tratar-se, na verdade, de uma espécie de compensação efêmera pelo fim da maior fonte de receita dos clubes profissionais, qual seja, o "passe¨. O caráter limitativo das atividades e responsabilidades dos dirigentes das entidades de prática desportiva ÷ amplamente tratado na Lei nº 9.981 de 14 de julho de 2000, bem como pela MP 39 ÷ têm proximidade com os artigos 4º, 10º e 11 da Medida Provisória em comento. 183 Todavia, a alteração mais marcante e responsável por severas críticas encontra-se na dicção do novo art. 27, eis que os bens particulares dos sócios- dirigentes, independentemente da forma jurídica adotada, ficam sujeitos aos negócios irregularmente promovidos pelos administradores. Referido artigo traz, ainda, uma série de requisitos a serem preenchidos pela entidade de administração do desporto, no caso de obtenção de financiamento com recursos públicos, dentre eles: realizar todos os atos necessários para permitir a identificação exata de sua situação financeira; apresentar plano de resgate e plano de investimento; garantir a independência de seus conselhos de fiscalização e administração, quando houver; adotar modelo profissional e transparente; e elaborar e publicar suas demonstrações financeiras na forma definida pela Lei n o 6.404, de 15 de dezembro de 1976, após terem sido auditadas por auditores independentes. Tais recursos deverão ser utilizados, na forma e nas condições da lei, de acordo com a seguinte ordem: prioritariamente, para quitação de débitos fiscais, previdenciários e trabalhistas; e subsidiariamente, para construção ou melhoria de estádio próprio ou de que se utilizam para mando de seus jogos, com a finalidade de atender a critérios de segurança, saúde e bem estar do torcedor. Contudo, a alteração que possui desdobramentos de maior importância, especialmente para os objetivos deste trabalho dizem respeito à nova orientação legislativa para a estrutura organizativa dos clubes de futebol. Há de se ressaltar que, durante muito tempo, a legislação apresentou instabilidade neste particular. Em alguns diplomas impunha a adoção de regime societário empresarial e, em outros, facultava a adoção deste modelo. A edição da presente lei finalizou a discussão acerca do poder discricionário dos clubes para optar por sua estrutura organizacional. De acordo 184 com a nova redação é facultado ao clube promover sua transformação em sociedade empresária. 264 Destarte, apesar do presente dispositivo não mais obrigar aos clubes de futebol a adoção do modelo empresarial, concedendo a faculdade de adoção dos tipos societários insertos no Código Civil de 2002, não foi capaz de solucionar o problema inicial que se colocava, qual seja, adaptar a estrutura e gestão do futebol aos novos paradigmas mercadológicos, que já foram apresentados. É que o parágrafo décimo primeiro impões àqueles que não se adaptarem ao modelo empresarial, a sujeição ao regime da sociedade em comum, especialmente com a responsabilização pessoal e ilimitada dos associados. 265 A controvérsia destes dispositivos será objeto de análise no momento próprio. 8.1.9 O Projeto de Lei nº 4.784, de 2001 (apensados os pIs nºs 4.932/01, 5342/01 e 7157/02) que institui o Estatuto do Desporto A consolidação do paradigma mercadológico no futebol e as constantes transações e investimentos realizados por grandes grupos internacionais faz com que os debates em torno da organização empresarial dos clubes chegasse novamente ao Congresso Nacional. 264 Art. 27 (...) § 9o É facultado às entidades desportivas profissionais constituírem-se regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. 265 Art. 27 (..) § 11. Apenas as entidades desportivas profissionais que se constituírem regularmente em sociedade empresária na forma do § 9 o não ficam sujeitas ao regime da sociedade em comum e, em especial, ao disposto no art. 990 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. 185 Atualmente, encontra-se em tramitação o Projeto de Lei nº 4.747/01, que altera profundamente a Lei Geral em vigor. Passados aproximadamente sete anos da publicação da Lei Pelé, que com visto, teve como principal objetivo adequar a legislação brasileira à nova realidade sócio-desportiva pode-se afirmar que poucos foram os resultados práticos alcançados, especialmente no que toca à organização dos clubes de futebol. Os mais significativos, em termos práticos, dizem respeito às relações entre atletas e entidades de práticas desportivas, especialmente as trabalhistas. Nota-se que a grande maioria dos clubes de futebol, organizados sob a forma de associações, não se adequaram aos novos padrões impostos pelas leis que se seguiram à Lei Geral sobre Desportos, a Lei Pelé. Em razão da pouca efetividade da Lei Pelé, o presente Projeto de Lei tem por escopo apresentar nova proposta de regulamentação do desporto em geral, com a revogação completa de diversas leis anteriores, dentre elas a Lei nº 9.615/98. No que diz respeito ao objeto precípuo deste trabalho observa-se uma nova tendência no ordenamento brasileiro: preservar o modelo associativo, admitir um modelo misto de gestão e incentivar a adoção do regime jurídico das sociedades anônimas aos clubes de futebol, como modelo organizativo ideal, a exemplo da solução adotada pela maioria dos países europeus. Assim, o legislador procura estabelecer critérios objetivos para identificar a autonomia constitucional do desporto e definindo as entidades de prática desportiva como unidades básicas da organização do Sistema Nacional do Desporto. 186 O Projeto traça normas objetivas que têm como objetivo fundamental identificar a real posição dos clubes de futebol, a partir da finalidade lucrativa. 266 Traz ainda os requisitos essenciais para a organização da entidade de prática desportiva organizada sob a forma de associação. 267 Reconhece a existência de clubes com organização mista, na qual deverão seguir diversas diretrizes. 268 266 Art. 38. São consideradas sem fins lucrativos as entidades de prática desportiva que, por si ou por sua associação mantenedora: Ì - não remunerem seus dirigentes e não distribuam a seus instituidores, sócios, conselheiros ou equivalentes lucros, vantagens ou benefícios a qualquer título; ÌÌ - apliquem suas rendas integralmente na manutenção e no desenvolvimento dos objetivos sociais; ÌÌÌ - em caso de dissolução ou extinção, destine7m o eventual patrimônio remanescente a entidade congênere ou ao Poder Público; ÌV - tem por objetivo principal proporcionar oportunidades de recreação, de lazer e de prática do desporto não-profissional aos associados. 267 Art. 39. A organização de desporto profissional sob a responsabilidade de entidade de prática desportiva constituída sob a forma de associação fica condicionada à existência de cláusulas estatutárias explícitas que: Ì - salvaguardem os associados, o público e o patrimônio edificado contra prejuízos causados por dirigentes em conseqüência de descumprimento de leis e regulamentos; ÌÌ - assegurem que: a) os elementos constitutivos do patrimônio, da receita e da despesa sejam escriturados em livros próprios e comprovados por documentos mantidos em arquivos; b) a contabilidade dos departamentos de desporto profissional seja feita separadamente e registrada de modo autônomo; c) o balanço geral de cada exercício, acompanhado de demonstração de lucros e perdas, discrimine as receitas e as despesas relativas a cada modalidade de desporto profissional. Parágrafo único. O balanço geral de cada exercício, acompanhado da demonstração dos lucros e das perdas, registrará os resultados das contas patrimoniais, financeiras e orçamentárias. 268 Art. 40. As entidades de prática do desporto mistas deverão observar, ainda, o seguinte: Ì - encaminhar anualmente ao Poder Público relatório circunstanciado das ações voltadas para a melhoria da prática desportiva e das condições de trabalho dos atletas profissionais, de sua contribuição ao desenvolvimento do desporto no País e de seus cuidados com o aprimoramento da disciplina desportiva; ÌÌ - prestar às repartições fiscais as informações determinadas em lei e recolher os tributos devidos sobre práticas comerciais. Parágrafo único. Qualquer que seja a forma jurídica adotada, as entidades a que se refere o caput deste artigo serão estruturadas de modo que seus departamentos profissionais sejam autônomos em relação aos demais e mantenham contabilidade própria e clara discriminação de suas receitas e despesas. 187 Sem olvidar da faculdade organizativa identificada na Lei Pelé, com as alterações promovidas pela Lei nº 10.671/02, continua a possibilitar a transformação dos clubes de futebol em sociedades empresárias, tendo disciplinado a hipótese dessa opção se consolidar segundo o modelo das sociedades anônimas. 269 Superando a ausência de regulamentação acerca do processo de transformação dos clubes de futebol em sociedades empresárias, o Projeto inova, estabelecendo as diretrizes necessárias para tal transformação. 270 De forma inovadora, o Projeto define as os parâmetros para se identificar as entidades formadora de atletas e disciplina diversas relações atualmente havidas entre clubes de futebol e setores privados, especialmente no que toca a investimentos e administração, além de trazer novas diretrizes para a disciplina das relações trabalhistas e seus consectários. Dentro dos objetivos deste trabalho, serão analisadas pormenorizadamente as implicações do Projeto de Lei na esfera organizativa dos clubes de futebol. 269 Art. 40. As entidades de prática do desporto mistas deverão observar, ainda, o seguinte: Ì - encaminhar anualmente ao Poder Público relatório circunstanciado das ações voltadas para a melhoria da prática desportiva e das condições de trabalho dos atletas profissionais, de sua contribuição ao desenvolvimento do desporto no País e de seus cuidados com o aprimoramento da disciplina desportiva; ÌÌ - prestar às repartições fiscais as informações determinadas em lei e recolher os tributos devidos sobre práticas comerciais. Parágrafo único. Qualquer que seja a forma jurídica adotada, as entidades a que se refere o caput deste artigo serão estruturadas de modo que seus departamentos profissionais sejam autônomos em relação aos demais e mantenham contabilidade própria e clara discriminação de suas receitas e despesas. 270 Art. 42. A transformação de associação desportiva ou de departamento de desporto profissional em empresa, desde que consentida pela assembléia geral, processar-se-á na forma que for estabelecida na regulamentação desta Lei. Art. 43. As associações desportivas que transformarem seu departamento de desporto profissional em empresa desportiva somente poderão utilizar seus bens para integralizar sua parcela de capital ou oferecê-los como garantia, desde que obtida a concordância da maioria absoluta na assembléia geral dos associados e na conformidade do estatuto. 188 8.2 NATUREZA JURÍDICA DO CLUBE-EMPRESA A natureza jurídica de um instituto deve ser determinada a partir da análise das normas de direito positivo específicas, para em momento posterior, passar-se à fase subseqüente da construção dogmática. 271 Ìmportante observar que o desenvolvimento e consolidação do profissionalismo, aliado a todos os elementos objetivos que modificaram a estrutura do esporte, já devidamente tratados em capítulos anteriores, foram determinantes para a modificação da natureza das atividades desenvolvidas pelos clubes. Neste sentido, tem-se que o clube-empresa possui natureza eminentemente empresarial, de acordo com os princípios que orientam a Lei Geral sobre Desportos. Confira-se: [...] Art. 2 o O desporto, como direito individual, tem como base os princípios: [...] Parágrafo único. A exploração e a gestão do desporto profissional constituem exercício de atividade econômica sujeitando-se, especificamente, à observância dos princípios: (Ìncluído pela Lei nº 10.672, de 2003) Ì - da transparência financeira e administrativa; (Ìncluído pela Lei nº 10.672, de 2003) ÌÌ - da moralidade na gestão desportiva; (Ìncluído pela Lei nº 10.672, de 2003) ÌÌÌ - da responsabilidade social de seus dirigentes; (Ìncluído pela Lei nº 10.672, de 2003) 271 BARRETO FÌLHO, Oscar. Teoria do estabelecimento comercial. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 77- 78. Para o autor, "A natureza jurídica de um instituto deve, em princípio, ser determinada através da dedução das normas do direito positivo; depois dessa tarefa preliminar pode-se passar à fase subseqüente da construção dogmática. No caso específico do estabelecimento comercial, entre nós difícil se torna a construção dogmática do instituto, com base na legislação, em virtude da carência de uma regulamentação orgânica da matéria. As normas existentes são de caráter fragmentário, e se acham esparsas por várias leis." 189 ÌV - do tratamento diferenciado em relação ao desporto não profissional; e (Ìncluído pela Lei nº 10.672, de 2003) V - da participação na organização desportiva do País. (Ìncluído pela Lei nº 10.672, de 2003) É necessário, entretanto, observar que o caráter empresarial do instituto ressai, da gestão e exploração do desporto pelas entidades de prática desportiva e não da atividade esportiva desempenhada pelos atletas. Ìmporta salientar, neste passo, que o atual modelo associativo além de não mais atender à realidade das atividades desenvolvidas pelos clubes, não se coaduna com as disposições legais e principiológicas do clube-empresa. Releve-se que o legislador de 2002, no art. 982 do Código Civil, determinou que "salvo as exceções expressas, será considerada empresária a sociedade que tenha por objeto a exploração de atividade própria de empresário sujeito a registro", enquanto as demais serão consideradas sociedades simples. Assim, o critério distintivo da atividade econômica desempenhada por estas espécies difere-se quanto ao objeto e sua exploração. 272 Com efeito, a distinção entre a atividade civil e comercial, na vigência da Primeira Parte do Código de 1850, repousava na análise do objeto da sociedade, ressalvadas as sociedades anônimas que, independentemente do objeto eram consideradas comerciais. 273 272 Sob a égide do Código Civil de 2002, Fábio Ulhoa Coelho (Manual de Direito Comercial 14. ed., São Paulo: Saraiva, p. 111) entende que "o que irá, de verdade, caracterizar a pessoa jurídica de direito privado-não estatal como sociedade simples ou empresária será o modo de explorar seu objeto. O objeto social explorado com empresarialidade (isto é, sem profissionalidade organizar os fatores de produção) confere à sociedade o caráter de simples, enquanto a exploração empresarial do objeto social caracterizará a sociedade como empresária. 273 Cf. BULGARELLÌ, Waldirio. Sociedades comerciais. São Paulo: Atlas, 1985, p. 93. 190 Neste caso o critério distintivo não era a atividade, mas a forma. 274 Ìlustrativamente, tem-se que as sociedades construtoras foram reputadas comerciais, em função da Lei nº 4.068 de 9 de julho de 1962. Neste caso o critério utilizado não foi o objeto, nem tampouco a forma. Ao contrário, decorreu de imposição legal. Tratando-se de entidade desportiva, na dinâmica da Lei Pelé, a análise do objeto explorado, embora reflita aspectos empresariais e mercantis, pode ser dispensada para determinação de sua natureza, posto que o critério utilizado pelo legislador para sua determinação foi o legal. Desta forma, a determinação da natureza jurídica do clube-empresa segue o critério legal, de modo que a exploração e administração da atividade desportiva profissional enquadra-se nas exceções legais indicadas no art. 982 do Código Civil de 2002. É de se notar, ainda, que parte da doutrina entende que o caráter mercantil das entidades de prática desportiva profissional decorre de sua similitude com as empresas de espetáculos públicos, definidas como comerciais por força do Regulamento nº 737, de 1850. Sebastião José Roque, analisou a questão, antes mesmo do advento do Código Civil de 2002 e da mais recente alteração da Lei nº 9615/98, afirmando que 274 Neste passo, importa observar que não é objetivo deste trabalho discutir a natureza da atividade desenvolvida pelo clube, se empresária ou simples. A meu ver, tal distinção perde o sentido diante dos dispositivos legais atinentes à estrutura do clube-empresa, que expressamente determinam o tratamento especifico das sociedades empresárias. Nesta ordem de idéias, tenho que a caracterização do clube-empresa enquanto sociedade empresária, ainda que sua atividade esteja no âmbito das sociedades simples, está incluída nas exceções de que trata o artigo 983 do Código Civil de 2002. 191 A sociedade desportiva é prestadora de serviços; são os serviços de promoções desportivas dirigidas a um público massivo e externo. Promove espetáculos públicos, recebendo o pagamento por eles, como preço por seus serviços. Submete-se às regras do mercado consumidor, procurando oferecer serviços cada vez melhores, conquistando clientes. Por suas atividades, é comparada a uma empresa promotora de espetáculos artísticos; promoção esportiva e promoção artística têm o mesmo sentido. O espetáculo público provoca a arrecadação de dinheiro graças ao preço cobrado pelo espetáculo. Tanto a sociedade promotora de espetáculos artísticos como a de espetáculos esportivos vendem seus produtos à sua clientela. 275 Por outro lado, a jurista Alice Monteiro de Barros, entende que as atividades desportivas enquadram-se na categoria dos espetáculos, o que, de acordo com o Código Comercial de 1850, poderia ser considerada atividade comercial. 276 Por outro lado, apesar do critério legal indicar o viés econômico e empresarial dos clubes de futebol, deve-se observar a posição daqueles que se encontram organizados sob a forma de associação, tendo como ponto de partida a análise de suas receitas. 8.2.1 As fontes de receita: aspecto mercantiI do desporto Nada obstante a possibilidade de se determinar a natureza jurídica do clube-empresa a partir dos princípios orientadores da Lei Geral sobre Desportos e 275 ROQUE, Sebastião José. Direito societário. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1997, p. 335/336. 276 BARROS, Alice Monteiro de. As relações de emprego no espetáculo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 192 da interpretação de alguns dispositivos legais que privilegiam o critério da forma sobre o objeto, há outra vertente que delineia a natureza jurídica do instituto. Trata-se de análise feita pelo Prof. Dr. Alexandre Bueno Cateb conjuntamente com o autor Antônio Carlos de Azambuja, em sua obra entitulada Clube-empresa: preconceitos, conceitos e preceitos (O 1001º gol), tomando-se como referência as fontes de receita dos clubes de futebol e das associações em geral. As associações esportivas em geral, tem como marco a contribuição espontânea para rateio das despesas correspondentes à utilização do patrimônio social e ingresso no seio desta coletividade, normalmente caracterizada pela aquisição de quotas ou frações deste mesmo patrimônio. Estas receitas advindas do condomínio são classificadas como receitas ordinárias. Todavia as atividades dos clubes de futebol profissional, aqui entendidos como clube-empresa, desvirtuaram o caráter associativo da atividade, em função da natureza das receitas advindas com a prática deste esporte, com viés claramente mercantil. Estas receitas pode ser classificadas como extraordinárias, pelo simples fato de não poderem ser equiparadas às contribuições espontâneas dos associados. A primeira das receitas consideras extraordinárias advém da audiência e televisionamento dos jogos, que compreende o valor pago pelos espectadores com a compra de ingressos, bem como o montante pago pela emissora detentora dos direitos de transmissão dos jogos. Esta receita, de acordo com o Prof. Dr. Alexandre Cateb, "nada mais é do que a remuneração paga pelos interessados para assistir a um espetáculo desportivo." Partido desta concepção, entende tratar-se "de renda típica de um empreendimento mercantil, pois as empresas de espetáculos públicos, desde o 193 Regulamento n. 737, são consideradas comerciais e sujeitas à legislação dos comerciantes." 277 Outra importante receita auferidas pelos clubes de futebol, antes do advento da Lei Pelé, era a venda dos passes dos atletas. Em verdade, esta era, tradicionalmente, a principal receita dos clubes de futebol brasileiros. Sua extinção com a edição da vigente lei, fez com que a maioria dos clubes profissionais experimentassem uma enorme perda de recursos financeiros em curto período de tempo. Dentro deste contexto várias foram as vozes ÷ de dirigentes esportivos ÷ que se levantaram contra a nova medida, em contraposição à maioria de simpatizantes a favor do fim do passe. Fato é que a "venda de atletas¨ constituiu, durante muito tempo, o principal ativo dos clubes de futebol. A pertinência da análise, ainda que perfunctória do "passe¨ se justifica por ter sido ele a principal fonte de renda dos clubes de futebol brasileiros, antes da "Lei Pelé¨. O "passe¨ foi instituído a partir do artigo 11 da Lei 6.354/76, que o definia como "importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou depois de seu término, observadas as normas desportivas pertinentes¨. Na lição de Aníbal Pellon 278 era a [...] garantia efetiva da justa compensação ao clube pelo capital investido na formação e no aprimoramento físico e técnico do atleta e o ressarcimento dos prejuízos causados à equipe, que decai no seu rendimento, com reflexos patrimoniais sobre a associação emprega 277 CATEB, Alexandre Bueno. Desporto profissional e direito de empresa, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 94. 278 MELO FÌLHO, Álvaro. Novo regime jurídico do desporto. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 116. 194 dora, em face da mutilação do seu todo harmônico, com a retirada súbita de uma das peças de seu conjunto. 279 A seu turno Manoel Tubino, citado por Alberto dos Santos Puga Barbosa assevera que "a Lei do Passe é a última forma de escravidão existente, uma vez que os clubes são donos dos atletas e ninguém de forma alguma pode ser dono da força de trabalho de alguém¨. 280 No mesmo sentido, a Exposição de Motivos da Lei nº 9.615/98 grafou que "(...) o passe escraviza o atleta e desmoraliza o desporto¨. Álvaro Melo Filho, sustenta que [...] o "passe¨ é resultante do vínculo desportivo com o atleta com o clube, após o término do contrato de trabalho desportivo, ou seja, mesmo tendo cumprido todas as sua obrigações contratuais, o atleta continua "preso¨ ao clube se não aparecer outra entidade desportiva que disponha a pagar par obter o atestado liberatório ou "carta de alforria desportiva. 281 Em que pese a importância da liberdade de trabalho que deve ser preservada e defendida por toda a comunidade, é indiscutível que o "passe¨ representava o principal ativo dos clubes de futebol e que sua extinção alterou de forma significativa a gestão financeira das entidades. 279 BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. O modelo societário como resposta organizativa no futebol profissional em Portugal e no Brasil, Tese de Doutoramento, Faculdade do Porto, 2001, p. 58. 280 MELO FÌLHO, Álvaro. Novo regime jurídico do desporto. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 117. 281 Idem Ibidem. Algumas referências à questão do passe: Marco Pólo Del Nero e Gilmar Ferreira MENDES, Direito Desportivo, são Paul;o, ed. Mizuno; Parecer do Min. Yves Gandra da Silva Martins, publicado no site do Ìnstituto Brasileiro de Direito Desportivo ÷ÌBDD-. 195 A extinção do instituto do "passe¨ deu-se com o advento da Lei 9.615/98, que alterada pela Lei nº 9.981/00, em seu parágrafo segundo do artigo 28, tornou o vínculo desportivo meramente acessório do vínculo empregatício. 282 Muito embora a extinção do "passe¨ represente imenso avanço no tratamento jurídico dispensado aos atletas profissionais, a maior parte dos dirigentes desportivos não concordou com a aludida alteração, por motivos óbvios. O Min. Ìves Gandra da Silva Martins Filho 283 , em artigo publicado no site do Ìnstituto Brasileiro de Direito Desportivo ÷ ÌBDD ÷ relatou o descontentamento de alguns dirigentes desportivos com o fim do "passe¨, refletindo um descontentamento social genérico. Deve-se observar que os contratos desportivos de atletas profissionais firmados durante a vigência do artigo 11 da Lei 6.354/76, que instituiu o "passe¨, são alcançados pelos direitos adquiridos dos clubes de futebol profissional, portanto não aplicáveis. Entretanto a vigência do parágrafo segundo do artigo 28 foi postergada para três anos após a publicação da Lei nº 9.615/98, ou seja, 25 de março de 2001. Sem embargos da possível inconstitucionalidade do instituto do passe, não se pode negar que a venda de atletas configurava verdadeiro ato de comércio, ou mesmo de empresarialidade. 284 282 Art. 28. A atividade do atleta profissional, de todas as modalidades desportivas, é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral. § 1 o Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhista e da seguridade social, ressalvadas as peculiaridades expressas nesta Lei ou integrantes do respectivo contrato de trabalho. § 2 o O vínculo desportivo do atleta com a entidade contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais, com o término da vigência do contrato de trabalho, salvo na hipótese prevista no § 3 o , inciso ÌÌ, do art. 29 desta Lei. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.193-6, de 23.8.2001) 283 Artigo publicado na Internet no site do Ìnstituto Brasileiro de Direito Desportivo ÷ ÌBDD, 2002. 284 CATEB, Alexandre Bueno. Desporto profissional e direito de empresa, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 94. 196 Apesar de não mais haver a figura do passe, como forma de minimizar as perdas dos clubes, foram criadas outras figuras como a indenização de formação, a possibilidade de instituição de cláusula penal para a hipótese de rompimento do vínculo contratual antes de seu término natural e, por fim, a criação da figura dos direitos econômicos ÷ valores fixados em moeda, advindos da inscrição do jogador profissional em determinada federação regional. Outra importante receita advinda pelos clubes de futebol, com natureza eminentemente empresarial advém do uso e exploração da marca do clube. Sendo a marca o bem imaterial mais valioso do clube, a comercialização de produtos que a ostentem, tais como camisetas promocionais, uniformes, pequenos souvernis como canecas, chaveiros, canetas, adesivos etc. Curiosamente, nos dias de hoje pode-se encontrar, inclusive preservativos masculinos que trazem as cores e símbolos da agremiação desportiva. A exploração desta marca ocorre tanto no mercado consumidor em geral, como dentro das próprias dependências dos clubes, por meio das lojas mantidas pela associações, com o objetivo de faturar com esta atividade. É bem verdade que muitas associações filantrópicas e religiosas dispõe deste ferramental para arrecadar com as visitas que recebem. Todavia, a finalidade deste negócio diverge daquele praticado pelos clubes, que não se limitam a fornecer a seus visitantes simples lembranças daquele momento. Ao contrário, servem-se de tal estabelecimento apenas para aumentar seu mercado com a exploração de sua marca. Destarte, esta exploração e utilização da marca dos clubes, mesmo que organizados sob a forma associativa, possuem natureza mercantil, "pois é a marca de um negócio que está sendo utilizada para a venda de produtos." 285 285 CATEB, Alexandre Bueno. Desporto profissional e direito de empresa, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 103. 197 Outra receita de caráter mercantil extremamente importante para os clubes de futebol profissional no mundo decorre do patrocínio no uniforme das equipes. Como visto nos capítulos anteriores, o desenvolvimento do marketing esportivo foi determinante para o deslocamento do eixo principal do esporte amador para a consolidação do caráter mercantil da atividade esportiva. Por meio do patrocínio no uniforme das agremiações esportivas, sociedades empresárias puderam ampliar sua penetração no mercado, expondo suas marcas e seus produtos. O caráter mercantil desta receita encontra explicação da contraprestação advinda pelo clube com a exposição perene da marca ou do produto do patrocinador nos uniformes das agremiações. Outra possibilidade muito comum entre os clubes de futebol profissional é a exploração econômica do patrimônio social. É certo que as associações esportivas dispõem de patrimônio imobilizado, normalmente caracterizado por sua sede social e dependências esportivas. Este patrimônio é comum de todos os associados e dispõe de proteção da Lei Geral sobre Desportos, a fim de evitar prejuízos patrimonial aos associados no processo de transformação em sociedades empresárias. 286 286 Nesse sentido é o comando parágrafo segundo do artigo 27 da Lei nº 9.615/98, com a redação dada pela Lei nº 9.981/00: Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica adotada, sujeitam os bens particulares de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros. (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003) § 1 o (parágrafo único original) (Revogado). (Redação dada pela Lei nº 9.981, de 2000) § 2 o A entidade a que se refere este artigo não poderá utilizar seus bens patrimoniais, desportivos ou sociais para integralizar sua parcela de capital ou oferecê-los como garantia, salvo com a concordância da maioria absoluta da assembléia-geral dos associados e na conformidade do respectivo estatuto. (Ìncluído pela Lei nº 9.981, de 2000) 198 Diversas são as formas de auferimento de receitas com a utilização do patrimônio social. Verifica-se com freqüência a locação ou arrendamento de parte da propriedade imóvel da entidade desportiva, especialmente para a prestação de serviços nas sedes sociais ou campestres, tais como restaurantes, bares, realização de eventos pelos associados etc. A utilização em larga escala deste expediente com a utilização do patrimônio para gerar mais patrimônio (lucro), com a inserção da associação no mercado de bens e serviços desta natureza, é capaz de desvirtuar por completo o destino do patrimônio, que, inicialmente, deveria atender somente aos associados que são seus proprietários. Para o autor Antônio Carlos de Azambuja, ainda sob a égide da dicotomia entre atividades de cunho civil e comercial, o ingresso natural de tais sociedades [...] no universo da competição mercadológica de bens e serviços, para isso usando o patrimônio para gerar mais patrimônio (lucro), ao completo arrepio do primitivamente contratado. Ìsto indubitavelmente é comércio, e o simples fato da inocorrência de distribuição de resultados pela instituição não faz civil os interesses em questão. 287 Entretanto esta não é a única forma mercantil de se explorar o patrimônio social. A forma mais comum e rentável para os clubes profissionais é permitir a exposição estática das marcas ou produtos de seus patrocinadores, por meio de placas fixas ou de letreiros nas dependências sociais, especialmente nos estádios 287 AZAMBUJA. Antônio Carlos de. Clube-empresa: preconceitos, conceitos e preceitos (O 1001º gol), Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2002, p. 90-91. 199 daqueles clubes que dispõe desta estrutura. Sem margem de dúvidas esta receita extraordinária revelam-se extremamente interessante para os clubes de futebol que disputam profissional, dispondo de larga utilização. Tratando-se de clubes que possuem estádios próprios, outra receita proveniente da exploração do patrimônio social é a venda ou locação de cadeiras cativas, bem como a exploração de vendas em shopping centers, negócios onerosos por excelência. O autor Eduardo Carlezzo coaduna com este entendimento ao afirmar que Com base nas considerações tecidas não há dúvida quanto á assertiva de que o desporto de resultado praticado de modo profissional, caracteriza-se por ser uma atividade de natureza econômica. Cabe frisar que a prática do desporto de em si não consiste em uma atividade econômica. Exemplo: um jogo de futebol, onde duas equipes disputam uma partida não é uma atividade econômica, mas sim a prática de uma modalidade desportiva. Porém, as demais circunstâncias que permeiam a realização desta partida, como a venda de ingressos, de espaços publicitários no estádio, dos direitos de transmissão do evento pela televisão, dentre outros, fazem da atividade exercida pelo clube de futebol uma atividade econômica. 288 Com efeito, todas as citadas possibilidades de exploração do patrimônio social apresentam-se como negócios de caráter mercantil, mesmo se analisados individualmente, posto que o patrimônio dos sócios passa a ter distorcida utilização. Portanto, tendo em vista que no funcionamento dos clubes de futebol há diversas receitas de caráter mercantil, pode-se afirmar, sob este aspecto, que sua natureza pode ser considerada mercantil ou empresarial. 288 CARLEZZO, Eduardo. Direito desportivo empresarial. São Paulo: Juruá, 2004, p. 30 200 8.3 A EXPRESSÃO "CLUBE-EMPRESA" A expressão clube-empresa ganhou destaque desde o início das propostas de transformação da estrutura associativa para a empresarial. Deve-se notar, neste contexto, que o termo empresa é utilizado para evidenciar o tipo de atividade desenvolvida pelos clubes de futebol profissional, em contraposição com o ideal associativo que predominava. Alberto dos Santos Puga Barbosa observando a experiência européia, comenta que denominação Sociedade Anônima Desportiva ÷ SAD ÷ modelo organizacional adotado em Portugal, teve grande repercussão no meio social, por se tratar de grande apelo de marketing, que no plano empresarial, quer no plano da comunicação social. Trata-se, segundo o autor, de "um insight que permite estreita ligação ente Direito e Desporto". 289 Com efeito, na sistemática do Código Civil de 2002, a empresa é entendida como o exercício profissional de atividade econômica para a produção e circulação de bens e serviços. 290 A concepção de empresa, adotada pelo legislador desportivo brasileiro possui, então, como objetivo primevo trazer à mente do intérprete a conotação empresarial do esporte profissional. Curial observar que, mesmo antes do advento da Constituição Federal de 1988, em que predominou o ideal liberal do Estado de fomentar as práticas 289 BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. O modelo societário como resposta organizativa no futebol profissional em Portugal e no Brasil, Tese de Doutoramento, Faculdade do Porto, 2001, p. 32. 290 BULGARELLÌ, Waldirio. Tratado de direito empresarial. São Paulo: Altas, 2001, p. 246. 201 esportivas, conferindo autonomia organizativa aos clubes, já se falava em clubes- empresa. A primeira referência encontrada para o tratamento do futebol como empresa, durante a fase de pesquisa, foi verificada na obra Futebol empresa ÷ a nova dimensão para o futebol brasileiro, publicada pela editora Palestra Edições Ltda, ainda em 1980, de autoria de Roberto Carlos Vernes Mack. Embora a obra não tenha enfoque jurídico, tem como proposta apresentar a atividade empresarial desenvolvida pelos clubes de futebol. A expressão clube-empresa ou futebol-empresa foi tomada pelo autor, com o claro objetivo de denotar a atividade desenvolvida pelos clubes de futebol, convergindo com a natureza jurídica do instituto. A mesma conclusão pode ser tomada a partir da análise das alterações que procederam à Lei Pelé, na tentativa de justificar a adoção desse modelo, tendo em vista o caráter eminentemente empresarial e, sobretudo, em função do modo de gestão e exploração do esporte. Esta diretiva encontra-se insculpida no art. 2º da Lei Geral sobre Desportos que apresenta o rol de princípios fundamentais do direito desportivo brasileiro, especificamente em seu parágrafo único: [...] Art. 2 o O desporto, como direito individual, tem como base os princípios: (...) Parágrafo único. A exploração e a gestão do desporto profissional constituem exercício de atividade econômica sujeitando-se, especificamente, à observância dos princípios: (Ìncluído pela Lei nº 10.672, de 2003) Ì - da transparência financeira e administrativa; (Ìncluído pela Lei nº 10.672, de 2003) 202 ÌÌ - da moralidade na gestão desportiva; (Ìncluído pela Lei nº 10.672, de 2003) ÌÌÌ - da responsabilidade social de seus dirigentes; (Ìncluído pela Lei nº 10.672, de 2003) ÌV - do tratamento diferenciado em relação ao desporto não profissional; e (Ìncluído pela Lei nº 10.672, de 2003) V - da participação na organização desportiva do País. (Ìncluído pela Lei nº 10.672, de 2003) Portanto, a expressão clube-empresa é tomada com o objetivo de fazer referência à atividade empresarial desenvolvida pelos clubes de futebol que desempenham atividades profissionais, coincidindo, então, com a correta acepção da empresa, como objeto de direito, ou seja, a atividade profissionalmente exercida e organizada para produção e circulação de bens e serviços. 8.4 A AUTONOMIA CONSTITUCIONAL DAS ENTIDADES DE PRÁTICA DESPORTIVA No plano desportivo, configura a Carta Magna de 1988 o primeiro referencial de um novo paradigma no processo desportivo nacional, uma vez que todas as Constituições Federais anteriores silenciavam acerca da matéria, com exceção da Carta de 1967, com a Emenda de 1969, que limitava-se a atribuir à União competência para legislar e estabelecer normas gerais sobre desporto 291 . A inclusão do desporto na Constituição Federal e a nova posição adotada pelo Estado frente à atividade desportiva, representam imenso avanço no tratamento jurídico das questões que envolvem a pratica desportiva, operando-se a revogação 291 TÁVOLA, Artur da. Lei Pelé, Brasília: Senado Federal, 1998, p. 35. 203 fática da Lei nº 6.251/75 e do Decreto nº 80.228/77, conforme lição de Tubino, citado por Alberto dos Santos Puga Barbosa (2001) 292 . Se antes da Constituição de 1988, a Lei 6.251 já se encontrava defasada com o contexto internacional, principalmente depois da Carta Ìnternacional de Educação Física e Esportes da UNESCO, que reconheceu o direito de todos à prática esportiva, a promulgação da nova Carta Constitucional, tornou aqueles instrumentos legais completamente inadequados e inoperantes. Pode-se a te dizer que houve a revogação fática da Lei 6.251/75 e do seu Decreto Regulamentador nº 80.228/77(...). O artigo 217 da Constituição Federal de 1988, dispõe que: [...] Art. 217 - É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais como direito de cada um observados: Ì- A autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações quanto a sua organização e funcionamento; ÌÌ- A destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; ÌÌÌ- O tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional; ÌV- A proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. § 1º- O poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, reguladas em lei. § 2º - A justiça desportiva terá prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final. § 3º - O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social. 292 BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. O modelo societário como resposta organizativa no futebol profissional em Portugal e no Brasil, Tese de Doutoramento, Faculdade do Porto, 2001, p. 57. 204 O mais notável avanço do dispositivo constitucional, frente às legislações anteriores, é representado pela autonomia conferida às entidades desportivas dirigentes e às associações desportivas para, livremente, determinarem seu funcionamento e organização, superando, pois, o modelo de feição intervencionista estatal no desporto, além da consagração da livre iniciativa do setor privado no desporto. O parágrafo primeiro e segundo do artigo 217 da Constituição Federal institucionalizaram a Justiça Desportiva, sendo defeso ao Poder Judiciário imiscuir- se em matéria desportiva, enquanto não esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva, que, dentro do prazo máximo de sessenta dias, deve resolver quaisquer questões que lhe forem submetidas a apreciação, carecendo, apenas, de regulamentação em lei. Em um primeiro momento, questionou-se a constitucionalidade da institucionalização da Justiça Desportiva, diante do que dispõe inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, que assegura o direito a qualquer cidadão buscar providências do Poder Judiciário ao sentir lesado ou ameaçado em seus direitos. Dispõe o indigitado artigo que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Entretanto, firmou-se entendimento de que a Justiça Desportiva, nos sessenta dias previstos no parágrafo 2º do referido artigo, é soberana para processar e julgar matérias de sua competência. Assim, apenas poderia cogitar-se qualquer tipo de lesão ou ameaça de direito, suscetível de apreciação do Poder Judiciário, após esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva. Todavia, a inovação constitucional trouxe consigo diversas polêmicas. 205 A questão mais importante que se levantou na doutrina especializada, nestas duas situações, foi a autonomia conferida aos clubes de futebol para sua organização e funcionamento. A discussão tem como paradigma os limites da autonomia constitucional conferida por meio do artigo 217 da Constituição Federal e a regulamentação das associações no âmbito do Código Civil de 2.002, tendo em vista que a maioria dos clubes de futebol adotavam, historicamente, este modelo estrutural, e, em especial, em razão das diversas alterações promovidas no art. 27 da Lei nº 9.615/98. 8.4.1 A autonomia organizacionaI das entidades de prática desportiva e a nova discipIina do Código CiviI de 2002 Como observado nos capítulos anteriores, o legislador constituinte conferiu às associações autonomia para sua organização e funcionamento, sem, no entanto, estabelecer limites objetivos para sua estruturação interna, especialmente no que tocante à administração. Ìmportante observar que na época em que foi publicada a Carta Constitucional, não havia qualquer norma no Código Civil vigente que impusesse critérios objetivos para a administração das associações. Em verdade a lei limitava- se a impor os requisitos obrigatórios para seu registro, nos termos do artigo 19: [...] Art. 19 ÷ O registro declarará: Ì ÷ A denominação, os fins e a sede da associação ou fundação; ÌÌ ÷ O modo por que se administra e representa, ativa e passiva, judicial e extrajudicialmente; ÌÌÌ ÷ Se os estatutos, contrato ou compromisso são reformáveis no tocante à administração, e de que modo; ÌV ÷ Se os membros respondem, ou não, subsidiariamente pelas obrigações sociais; 206 V ÷ As condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio nesse caso. Neste contexto, pouco se discutia a respeito da autonomia organizacional conferida às associações, tendo em vista que o Estado não possuía qualquer tipo de ingerência na administração das associações. A estrutura administrativa das associações, assim como dos clubes de futebol, era composta, tradicionalmente, por uma Diretoria ÷ órgão executivo ÷ e por um Conselho Deliberativo. Ambos os órgãos eram compostos exclusivamente por associados. As decisões passavam, então, pelo dois órgãos, sendo que os membros do Conselho Deliberativo tinham por competência eleger os administradores, ou seja, os membros da Diretoria. Entretanto, com a publicação do Código Civil de 2002 foi adotada nova orientação, estabelecendo-se, objetivamente, normas que se destinam a disciplinar a administração das associações, explicitando a competência da assembléia geral, verbis: [...] Art. 59. Compete privativamente à assembléia geral: Ì - eleger os administradores; ÌÌ - destituir os administradores; ÌÌÌ - aprovar as contas; ÌV - alterar o estatuto. Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos ÌÌ e ÌV é exigido o voto concorde de dois terços dos presentes à assembléia especialmente convocada para esse fim, não podendo ela deliberar, em primeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados, ou com menos de um terço nas convocações seguintes. 207 Deve-se observar que esta nova disciplina legal das associações fez com que se levantasse grande discussão acerca dos limites da autonomia constitucional conferida às associações, tendo em vista que a lei praticamente inviabilizou o funcionamento dos Conselhos Deliberativos, deslocando para a Assembléia Geral as matérias que seriam próprias dos Conselhos, como por exemplo, a escolha e destituição dos administradores. Paralelamente ao esvaziamento das matérias de competência dos Conselhos e da discussão acerca da perda de autonomia organizacional das associações, e por via de conseqüência, dos clubes de futebol, um outro ponto passou a ser imensamente debatido: o quorum necessário para a aprovação das matérias de competência da Assembléia Geral. Conforme se inferia da redação do parágrafo único do artigo 59, do Código Civil de 2002, para a destituição dos administradores e para alteração dos estatutos sociais, fazia-se necessário o voto concorde de dois terços dos presentes à assembléia especialmente convocada para esse fim, não podendo haver deliberação, em primeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados, ou com menos de um terço nas convocações seguintes. Ora, em que pese a lei trazer este comando, deve-se observar que a realidade fática jamais poderia se adequar ao comando da norma. E esta era a principal crítica feita à nova regulamentação, pelo fato de que diversos clubes de futebol brasileiros possuírem milhares de associados, em vários Estados da Federação. Assim, a necessidade de reuni-los em Assembléias Gerais e a necessidade de presença da maioria absoluta dos associados, inviabilizaria o funcionamento de qualquer entidade de prática desportiva. 208 Diante da controvérsia estabelecida acerca da nova redação do artigo 59 do Código Civil, o Club Athletico Paulistano encomendou parecer do insigne jurista Ìves Gandra da Silva Martins. De acordo com o entendimento do autor, não seria aplicável às associações o comando acerca da escolha direta e soberana pela Assembléia Geral dos dirigentes das entidades, haja vista que a tradição na nomeação de conselheiros vitalícios e o próprio conselho de escolha confeririam estabilidade à preservação das finalidades da agremiação. 293 Neste contexto de esvaziamento das competências do Conselho Deliberativo e, especialmente, pela premente impossibilidade de atendimento das novas normas sobre a sistemática das Assembléias Gerais, foi proposta pelo Partido Democrático Trabalhista ÷ PDT, Ação Direta de Ìnconstuticionalidade 294 , buscando declaração parcial de inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 59, caput e de seu parágrafo único. Referida ação visava excluir do âmbito de incidência dos preceitos normativos em referência, as entidades dirigentes desportivas e associações desportivas, tendo como fundamento a autonomia conferida a ditas organizações pelo artigo 217 da Constituição Federal. 295 Em verdade, toda a discussão travada na doutrina e na ADÌ nº 3.045-1, girava em torna dos limites da referida autonomia constitucional. O Partido Democrático Trabalhista ÷ PDT, autor da ADÌ, argumentou em sua inicial que a [...] organização de uma entidade, seja ela pessoa jurídica de direito público, como de direito privado, compreende a sua estrutura, com a composição dos órgãos que a integram, e necessárias à realização 293 MARTÌNS, Ìves Gandra da Silva. Ìnteligência do art. 59 do código civil e do art. 217, inciso Ì, da constituição federal para as associações esportivas ÷ aspectos espaciais e temporais dos regimes jurídicos pertinentes. Revista Brasileira de Direito Desportivo ÷ ÌBDD, nº 04, segundo semestre de 2003. 294 ADÌ nº 3.045-1. 295 Idem Ibidem. 209 dos seus objetivos, com a competência para o exercício das atividades, que a cada um deles for atribuída. (...) quando o art. 59 do Código Civil dispõe que compete privativamente à assembléia geral decidir sobre a matéria nele elencada, deu-lhe poderes de decidir não só sobre a organização, como sobre o próprio funcionamento das associações, quando é certo que, em se tratando de entidades desportivas dirigentes e associações desportivas, têm tais entidades, ante a regra específica do mencionado art. 217, Ì, da Constituição, autonomia para dispor quanto a sua organização e funcionamento, podendo, deste modo, prever, nas respectivas estruturas administrativas, a existência de órgãos outros - que não a sua assembléia geral - aos quais seja atribuída competência para decidir sobre a matéria que a lei geral atribui às assembléias gerais. 296 Nesta linha de entendimento, a autonomia consistiria no poder de autogestão e de auto-ordenamento interno, assegurando às associações a possibilidade de livremente se organizarem para a consecução de seus objetivos sociais. De outro lado, há o entendimento prevalecente no qual a liberdade organizacional das associações deve ser limitada às normas internas, em respeito às normas nacionais e todos os demais princípios constitucionais que as orientam. Portanto, a autonomia organizacional deveria ser moldada dentro dos parâmetros estipulados pelo legislador. Desta forma o conceito de autonomia não se confunde com o de soberania. 297 Ìnteressante observar que o Presidente do Congresso Nacional, ao prestar suas informações, cuidou de esclarecer questões terminológicas basilares para o deslinde do feito. Num primeiro momento, especificou a quem se destinam a 296 ADÌ nº 3.045-1. 297 CATEB, Alexandre Bueno. Desporto profissional e direito de empresa, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 145. 210 norma do art. 59 do Código Civil. Ìsto porque na supracitada ação, o autor referiu-se a "entidades esportivas¨, enquanto a lei refere-se, apenas, às associações. 298 A confusão terminológica em comento tem como fundamento a própria Lei nº 9.615/98, que, ao cuidar dos clubes de futebol, a eles se refere como entidades de prática desportiva, se contrapostas com as associações, que na verdade, são a forma jurídica tradicionalmente adotada pela maioria dos clubes do futebol brasileiro. O Senhor Presidente da República, ao apresentar sua manifestação, sustentou a constitucionalidade do texto, sob o argumento de que mesmo gozando de autonomia para organização e funcionamento, as associações e entidades desportivas devem se submeter as normas de ordem pública, não podendo a autonomia ser tratada de forma absoluta, mas sim, dentro de certos parâmetros 298 Segundo o Presidente do Congresso Nacional: "Não resta esclarecido pelo Autor qual é o alcance do termo `entidade', quando se refere a entidades e associações esportivas. De fato, por entidade, pode-se ter `aquele ou aquilo que tem existência distinta e independente, quer real, quer concebida pelo espírito; ente, ser'(Aurélio, eletrônico). Essa observação é necessária quando está presente no requerimento do Autor para que as `entidades' sejam excluídas da incidência do art. 59, caput, parágrafo único, do Código Civil, e nem de longe as normas insertas no artigo citado se referem a `entidades', e muito menos a entidades desportivas. Nota-se, ainda, que, por entidade, pode-se ter a empresa unipessoal e a sociedade, esta, inclusive, assumindo as mais diversas modalidades previstas no nosso ordenamento jurídico. Desse esclarecimento pode-se chegar a duas conclusões: primeiramente, o pedido, no que tange a `entidades', é impossível, porque o art. 59 em toda a sua extensão, em nenhum momento se refere a entidade desportiva; a outra conclusão é a de que as entidades às quais o Autor se refere podem assumir as mais variadas formas que não seja a de associação. Assim, ante as normas gerais constantes do Código Civil, que não obrigam que as entidades relacionadas com desportos se organizem sob a forma de associação, seria razoável que as associações se adaptassem às normas do que a s normas se adaptassem às associações." 211 determinadas pelas normas infraconstitucionais. 299 O Advogado Geral da União, do mesmo modo, entendeu ser constitucional o dispositivo atacado, destacando em suas razões, no entanto, que a regulamentação das associações foi efetuada de maneira ampla, como regra geral, para abarcar toda e qualquer associação de finalidade não econômica, dentre elas, se incluindo, as de cunho desportivo, que podem livremente optar por sua estrutura jurídica e que o livre arbítrio para sua estruturação poderia ensejar a criação de tipos "amórficos¨. O Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, por seu turno, também opinou pela improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade, esclarecendo que a autonomia constitucional não pode anular a competência da União para estabelecer normas sobre o desporto. O Relator da ADÌ em referência, ao analisar o mérito da controvérsia constitucional, entendeu que as entidades de prática desportiva possuem a prerrogativa de impor sua própria vontade acerca da estrutura organizacional e de funcionamento, porém, sujeitas às normas gerais, posto que a autonomia referida 299 Sustenta o Senhor Presidente da República, por seu Consultor-Geral da União Substituto: O Senhor Presidente da Republica, por sua vez, ao sustentar a plena constitucionalidade das normas legais ora questionadas (fls. 128/155), fundamentou essa posição em razões que assim foram resumidas pelo eminente Consultor-Geral da União Substituto, Dr. João Francisco Aguiar Drumond (fls. 130): "Em primeiro lugar, é de se notar que, mesmo gozando de autonomia quanto à sua organização e funcionamento, as entidades desportivas dirigentes e associações estão sujeitas à incidência de normas de ordem pública. Ou seja, sua autonomia não é absoluta, nem poderia ser. Trata-se de autonomia a ser exercitada dentro de certos parâmetros. Sobretudo daqueles que dizem respeito ao próprio conceito de associação, que é estabelecido em lei. Nesses termos, só se enquadra como associação aquela união de pessoas organizadas para fins não econômicos, de acordo com o conceito legal - art. 53 do Código Civil. Assim, não obstante as associações e entidades desportivas tenham autonomia para se organizar, não é possível que se organizem para fins diversos daqueles previstos na lei, sob pena de se descaracterizarem como associações. Também não podem dispor sobre a conceituação de associação e seus elementos essenciais, o que desvirtuaria a sua natureza. Em resumo, a condição de associação decorre de conceito legal. Uma agremiação de entidades desportivas será ou não uma associação com soante atenda ou não os requisitos constantes da lei. Além disso, vale lembrar que a disciplina relativa à associação de entidades desportivas é objeto de lei especial, qual seja a Lei no. 9.615, de 24 de março de 1998, e, não exclusivamente, dos arts. 53 a 61 do Código Civil." 212 não pode ser tratada de forma absoluta, encontrando-se distantes da extensão e do conceito de soberania e de independência. Nesse particular, interessante observar a distinção entre os conceitos de soberania e autonomia, em contraposição à constitucionalidade do dispositivo questionado na ADÌ. Segundo o Ministro Relator É preciso enfatizar, bem por isso, mesmo tratando-se de organização e funcionamento de associações civis e de entidades desportivas, que o conceito de autonomia - que supõe o exercício de um poder essencialmente subordinado a diretrizes gerais que lhe condicionam a prática - não se confunde com a noção de soberania, que representa uma prerrogativa incontrastável, impregnada de caráter absoluto. Ìsso significa que entidades autônomas, como as organizações desportivas, qualificam-se como instituições juridicamente subordinadas às normas estruturantes editadas pelo Estado, que representam, nesse contexto, verdadeiros arquétipos no processo de configuração institucional de tais entes. Na realidade, as cláusulas gerais resultantes da legislação estatal qualificam-se como normas de estrutura, positivadas, em sede legal, pelo Poder Público, com o objetivo de delimitar o âmbito de atuação do poder autônomo reconhecido às entidades privadas em questão, vinculando-as a uma regra-matriz ou a uma norma- padrão que traduzem vetores condicionantes de tais entes no processo de sua própria organização. A legislação estatal, nesse contexto, define modelos hipotéticos abstratos que encerram verdadeiros arquétipos delimitadores do espaço em que as entidades privadas, inclusive as de caráter desportivo, podem atuar com relativa margem de liberdade. O Professor Alexandre Bueno Cateb, em sua obra, afirma que o conceito de autonomia deve ser interpretado de forma restrita, para que não se confunda com o de soberania.Para o autor, Não se pode, contudo, considerar absoluta essa autonomia, sob pena de confundi-la com o conceito de soberania. 213 Como explica Pinto Ferreira, o conceito de autonomia, preciso e específico, como um poder de autodeterminação, apresenta-se, no caso das entidades esportivas, com os seguintes perfis: 1º) poder de auto-regulação de seus destinos, 2º) livre critério na escolha de seus dirigentes, mediante processo democrático; 3º) na utilização de recursos e realização direcionada de seus interesses. 300 Assim, a autônima conferida às associações desportivas deve obedecer às diretrizes impostas pela lei interna, observando-se a gama de princípios constitucionais que orientam as atividades em grupo. A autonomia conferida às associações e, por via de conseqüência, aos clubes de futebol, enquanto se organizarem desta forma deve estar condicionada aos parâmetros constitucionais e infra-legais que digam respeito a sua organização e funcionamento. Ou seja, preservado o seu poder de auto-regulação, de direção e administração, de escolha democrática de seus dirigentes e da autonomia para obtenção de recursos, não há se falar em qualquer pecha de inconstitucionalidade do dispositivo questionado. Deve-se destacar que a o processo de escolha e das competências das assembléias têm como único paradigma o viés democrático, que não restou prejudicado pela Codificação Civil de 2002. A União, ao estabelecer a autonomia às entidades de prática desportiva organizadas sob a forma de associação, dispõe da prerrogativa de traçar-lhes os limites de sua atuação. Neste sentido é a lição de Luís Roberto Barroso na obra, ao afirmar que "A autonomia (...) não apenas comporta, como antes pressupõe a existência de 300 CATEB, Alexandre Bueno. Desporto profissional e direito de empresa. Juarez de Oliveira: São Paulo, 2004, p. 145. 214 determinados limites. Quem tem competência para conceder autonomia, tem competência para traçar-lhe parâmetros". 301 Daí, pode-se concluir como o faz a maioria da doutrina, que o exercício da autonomia constitucional deve ser exercido dentre de certos parâmetros, admitindo- se a intervenção normativa do Estado na própria organização e funcionamento das associações de direito privado. 302 De acordo com o Ministro Relator da ADÌ em comento, Essa mesma percepção do tema é perfilhada por José Afonso Da Silva ("Curso de Direito Constitucional Positivo", p. 482, 23a. ed., 2004, Malheiros) cujo magistério destaca que a autonomia - ainda que derivada de matriz constitucional (como sucede com as universidades, com os partidos políticos, com os Estados- membros, com os Municípios e com os Tribunais, dentre outros) - "é a capacidade de agir dentro de círculo preestabelecido", qualificando- se, por isso mesmo, como "poder limitado e circunscrito [...] Portanto, cabe ao Poder Público, mediante a edição de legislação complementar infra-constitucional, estabelecer os precisos limites do exercício de auto-regulamentação da autonomia já diversas vezes referida, assim como determina o art. 50 do Diploma Civil, ao especificar os requisitos mínimos que devem 301 BARROSO, Luís Roberto. Ìnterpretação Constitucional. Direito Constitucional Ìntertemporal. Autonomia Desportiva: Conteúdo e Limites - Conceito de Normas Gerais. Ìn: Revista de Direito Público, p. 96, item no de 1997, janeiro-março de 1991, ano 24, RT. 302 Neste particular, curial transcrever o entendimento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Comentários à Constituição Brasileira de 1988", vol. 4/88, 1995, Saraiva ), a propósito do alcance da regra constitucional consagradora da autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, em passagem na qual esse ilustre publicista adverte que " (...) a autonomia é autodeterminação dentro da lei (...)" (grifei), o que permite reconhecer a legitimidade de intervenção normativa do Estado na definição das cláusulas gerais pertinentes à estruturação das associações civis (e, também, das organizações desportivas) , eis que, não custa insistir, o exercício do poder autônomo projeta-se , necessariamente, dentro de um círculo traçado pelo próprio Estado. Na realidade, o termo "autonomia"- da forma como inserto no texto constitucional - "não é empregado no seu sentido etimológico, grego, de `independência', mas sim no de autodeterminação dentro de limites traçados por norma superior". 215 ser preenchidos para o funcionamento de toda e qualquer associação, seja de finalidade esportiva ou não. Entretanto, mesmo após a manifestação expressa do Supremo Tribunal Federal, a respeito da constitucionalidade do dispositivo em referência, foi publicada a Lei nº 11.127 de 28 de junho de 2005 que alterou o caput do art. 59 do Código Civil, conferindo-lhe a seguinte redação: [...] Art. 59. Compete privativamente à assembléia geral: Ì ÷ destituir os administradores ÌÌ ÷ alterar o estatuto. Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos Ì e ÌÌ deste artigo é exigido deliberação da assembléia especialmente convocada para este fim, cujo quorum será o estabelecido no estatuto, bem como os critérios de eleição dos administradores. A nova orientação da Lei Civil acabou por atender aos reclames dos clubes de futebol, uma vez que, tradicionalmente sua organização, funcionamento e, especialmente, processo de escolha dos dirigentes operava-se via Conselho Deliberativo. Com a referida alteração legislativa, foi também alterada a determinação do quorum necessário para deliberar sobre a destituição dos administradores e alteração do estatuto, passando o ato constitutivo da associação a ser o parâmetro a ser seguido. É de se ressaltar que, neste particular, a norma solucionar problema de significativa importância na sistemática dos clubes de futebol. Afinal, como poderia ser crível um clube da dimensão de Flamengo, Atlético Mineiro, Cruzeiro, 216 Corinthians e outros mais, atender ao quorum mínimo necessário para aprovação das matérias lá inseridas? Hipoteticamente tal fato seria inviável. 303 Desta forma, após a alteração legislativa, padece de relevância a discussão acerca da autonomia constitucional das entidades de prática desportiva, tendo como ponto de partida às normas que disciplinam as associações no Código Civil de 2002. 303 Ìmporta observar, ainda, que a alteração legislativa promovida pela Lei nº 11.127 de 28 de junho de 2005, estendeu até o dia 11 de janeiro de 2007 o prazo para as associações, fundações e sociedades se adequarem ao novo Código Civil. 217 9 TRANSFORMAÇÃO DOS CLUBES DE FUTEBOL EM SOCIEDADES EMPRESÁRIAS 9.1 OBRIGATORIEDADE OU FACULTATIVIDADE? Desde a publicação da Lei Zico, ainda nos idos de 1993, muito se discutiu acerca da facultatividade ou obrigatoriedade imposta aos clubes para adequarem sua estrutura organizacional à nova realidade social e econômica. Somente após a publicação da Lei nº 10.672, de 15 de maio de 2003, é que a questão se resolveu. De acordo com a atual redação do artigo 27 da Lei Pelé, a adoção de um dos tipos societários elencados no Código Civil de 2002 é mera faculdade, senão veja-se: [...] Art. 27 ÷ (...) (...) § 9 o É facultado às entidades desportivas profissionais constituírem- se regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. (Ìncluído pela Lei nº 10.672, de 2003) Todavia, a questão não parece ter sido bem definida, tendo em vista que a aparente faculdade, em uma análise mais criteriosa, reveste-se como verdadeira obrigação. 218 É que o parágrafo décimo primeiro do artigo supramencionado impõe o regime das sociedades em comum para aqueles clubes que não optarem pelo regime societário. Confira o dispositivo em questão: [...] Art. 27 ÷ (...) (...) § 11. Apenas as entidades desportivas profissionais que se constituírem regularmente em sociedade empresária na forma do § 9 o não ficam sujeitas ao regime da sociedade em comum e, em especial, ao disposto no art. 990 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. (Ìncluído pela Lei nº 10.672, de 2003) Ora, se o legislador, após tantos embates doutrinários e mudanças no artigo da LGSD que dispõe sobre aludida transformação, resolve optar pela facultatividade, não poderia, por princípio básico de lógica, impor a sanção mais grave para as sociedades empresárias que não promovem seu registro de maneira correta. Ou seja, não deveria o legislado, ao preferir a facultatividade da transformação dos clubes de futebol em sociedades empresárias, impor a mais grave conseqüência para os clubes que, hipoteticamente, optasse pela transformação e não levassem a cabo seu novo contrato ou estatuto social. Não é crível que a não opção da faculdade na transformação da estrutura organizativa de um clube de futebol imponha a seus associados o regime próprio das sociedades em comum, no qual os bens particulares de seus integrantes respondem pelas obrigações e, cuja responsabilidade, é, ainda, ilimitada e solidária, nos termos do artigo 990 do Diploma Civil. 304 304 Art. 990 ÷ Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade. 219 É de se observar que apenas em situações limites aceita a lei busca dos bens particulares dos sócios para garantia das dívidas sociais. Em todas essas hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica há necessidade de procedimento judicial, bem como a verificação de desobediência a algum comendo legal, seja ele relacionado ao registro regular da sociedade (sociedade em comum) ou mesmo à prática de atos abusivos ou ilegais, nos termos do artigo 50 do Código Civil. Desta forma, a imposição de tal, conseqüência, de maior relevância no direito empresarial brasileiro, em razão da simples e legal opção dos associados dos clubes em não transformarem sua estrutura jurídica, revela-se como abusiva e desproporcional, em total descompasso com os novos paradigmas do Direito Civil em geral, especialmente com Direito Obrigacional. 305 O que se percebe é uma atecnica legislativa, na tentativa de impor e a adoção às formas organizativas que poderiam ser mais interessantes para a situação dos clubes na nova ordem social e econômica, ditada pela economia de mercado. A falácia deste comando legislativo, que cuida da faculdade, pode ser, ainda, verificada com a edição do parágrafo décimo terceiro do mesmo artigo, que equipara as entidades de prática desportiva que não adotem a estrutura societária e, que por via de conseqüência já serão regidas pelas normas da sociedade em comum, às sociedades empresárias, especialmente para os fins de fiscalização e controle da atividade. Confira-se: 305 Sobre os novo paradigmas do Direito Civil consagrados com a edição do Código de 2002, confira ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. São Paulo: Ímpetus: 2005. 220 [...] Art. 27 (...) (...) § 13. Para os fins de fiscalização e controle do disposto nesta Lei, as atividades profissionais das entidades de prática desportiva, das entidades de administração de desporto e das ligas desportivas, independentemente da forma jurídica como estas estejam constituídas, equiparam-se às das sociedades empresárias, notadamente para efeitos tributários, fiscais, previdenciários, financeiros, contábeis e administrativos. (NR). Percebe-se, portanto, que, embora tenha prevalecido a facultativa da transformação das bases organizacionais dos clubes, a lei cuidou de trata-los como sociedade, mesmo se não adotarem tal estrutura. Ìnteressante observar que o tema foi objeto de entrevista conferida ao Jornal das Faculdades Milton Campos pelo Prof. Dr. Alexandre Bueno Cateb, na edição nº 63, de setembro de 2003. Na oportunidade o Prof. tratou da responsabilidade dos sócios por dívidas dos clubes, tanto na hipótese de falência da entidade desportiva, como no caso de simples inadimplemento do clube. De acordo com o entrevistado: Neste caso, segundo o professor, ficaria caracterizada a falência fraudulenta. Como conseqüência, os administradores e sócios podem responder com seu patrimônio pessoal. "Trata-se de um agravamento absurdo da irregularidade. Como sócio do Labareda, posso responder com meu patrimônio, se o Atlético não pagar a rescisão de contrato de determinado atleta" explica Cateb. O professor defendeu tese de doutoramento em junho, na UFMG (leia abaixo a entrevista na íntegra). O trabalho analisa o modelo de clube-empresa praticado no Brasil. Segundo ele, a responsabilização de sócios e administradores ainda não acontece devido à inexistência de segurança jurídica em torno do assunto. 221 Cateb lembra que a Lei Pelé já foi modificada "cinco ou seis vezes", especialmente no artigo 27, que trata do clube-empresa. 306 Em verdade, o que se tem na LGSD é um descompasso entre dispositivos legais e a real justificativa de sua existência. Trata-se, portanto, de irremediável contradição. Em segundo lugar, deve-se observar que a facultatividade do artigo 27 da Lei Pelé, se analisada sistematicamente dentro de todo o contexto da Lei Pelé, apresenta outra ambiguidade. É que o artigo 94 da LGSD, alterado pela Lei nº 9.981/00, que institui em dado momento a facultatividade, determina que as disposições próprias do artigo 27 aplicam-se obrigatória e exclusivamente aos atletas e entidades de prática desportiva da modalidade de futebol. 307 Assim, a lei obriga a aplicação de um determinado dispositivo que traz em seu bojo uma facultatividade e apresenta ao mesmo tempo uma sanção comparada ao não cumprimento de uma relevante obrigação. Ou seja, a lei torna obrigatória a facultatividade. Como se vê, não obstante aquilo que se considerou a mais importante alteração legislativa em termos de esporte, ou seja, a transformação das bases esportivas nacionais, ter se voltado quase que unicamente ao futebol, ainda não foi 306 Sócios poderão responder com patrimônio pessoal por dívidas dos clubes de futebol. Jornal das Faculdades Milton Campos, nº 63, setembro de 2003. Disponível em: <http://www.mcampos.br/jornal/n63/menu.htm>. Acessado em 26/10/2005. 307 Art. 94. Os artigos 27, 27-A, 28, 29, 30, 39, 43, 45 e o § 1 o do art. 41 desta Lei serão obrigatórios exclusivamente para atletas e entidades de prática profissional da modalidade de futebol. (Redação dada pela Lei nº 9.981, de 2000) Parágrafo único. É facultado às demais modalidades desportivas adotar os preceitos constantes dos dispositivos referidos no caput deste artigo. (Ìncluído pela Lei nº 9.981, de 2000) 222 a questão da faculdade ou obrigatoriedade totalmente esclarecida, podendo dizer que, atualmente, depara-se uma pseudo-faculdade. 9.2 AUSÊNCIA DE DIRETRIZES LEGAIS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO PROCESSO Sem embargos da deficiência da lei em definir se a transformação dos clubes de futebol em sociedades é obrigatória ou facultativa, falou ainda o legislador em concentrar toda a questão em apenas dois artigos, 27 e 27-A, da Lei Pelé. Em verdade, o legislador não apresentou qualquer parâmetro ou mesmo indicação acerca do processo a ser adotado pelas associações esportivas no caso de transformação em sociedades empresárias. Ao contrário, limitou, em sua última atuação a facultar aos clubes tal opção, impondo-lhes, porém, a maior sanção possível em se tratando de direito societário, ou seja, a responsabilização pessoal e ilimitada dos associados pelas obrigações sociais contraídas pelo clube, no caso de não opção do clube por algum dos tipos societários indicados no Código Civil de 2002. Além de apresentar algumas limitações já observadas quando dos comentários da Lei nº 9981/00. Não é crível que a alteração de maior relevância do esporte brasileiro, ou ao menos do futebol, como referido na exposição de motivos da Lei Pelé, limite-se apenas a um dispositivo e, sobretudo, que imponha tamanho ônus aos clubes, a despeito da "festejada¨ facultatividade. 223 É de se observar que a solução ideal para este processo de transformação, passe pela elaboração de uma norma específica, que seja capaz de cuidar de diversas questões delicadas que envolvem a relação clube- associado. Dentro deste contexto, pode-se destacar a real intenção ou interesse das pessoas que resolvem se filiar a um clube profissional de futebol. Como se sabe, sendo o clube uma associação, não se verificará entre os associados nenhuma obrigação ou dever recíproco, muito menos um interesse de viés econômico. Na maioria das vezes, os "sócios¨ dos clubes interessam-se, apenas e tão somente, pelo status social que o título de aquisição de sua quota lhe trará e, nas outras, busca associar-se para utilizar as dependências esportivas daquela entidade, para deleite e recreação. Não se vê entre os associados dos clubes interesses financeiros, ressalvado o real papel desempenhado pelos dirigentes, na consecução das diversas atividades desempenhadas na direção do clube que, conforme exposto, desvirtuam a finalidade não econômica das associações desportivas. Ora, no âmbito das sociedades a questão ganha outros contornos. Sendo o contrato de sociedade plurilateral, os sócios passam a ter obrigações e deveres recíprocos, e também em relação à sociedade. 308 Além disso, como é sabido, a affectio societatis, para alguns requisito de existência das sociedades 309 , não se encontra presente entre os membros de uma associação. Ìsto se dá exatamente pelo fato de ser ela o elo de ligação entre os sócios de uma sociedade, em busca do lucro. Ìnglez de Souza, ao comentar as bases das sociedades comerciais, informa que a simples reunião dos integrantes das sociedades comerciais não basta. 308 Sobre a natureza do contrato de sociedade vide ASCARELLÌ, Túlio. Problemas das sociedades anônimas e de direito comparado. Campinas: Bookseller, 2001, p 372 a 502, 309 Para Fábio Ulhoa Coelho, a existência de affectio societatis é pressuposto de existência das sociedades. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 388. 224 Para o autor é preciso, antes de tudo, a existência de um intuitus societatis, do qual possa resultar um fim de interesse comum: o lucro. 310 Waldirio Bulgarelli afirma com propriedade que a affectio societatis revela vontade de intensidade maior do que simplesmente a declaração de constituir uma sociedade. É, de fato, um plus em relação à vontade dos demais contratos, pois pressupõe, além da vontade de ingressar no contrato, a vontade de participar na comunhão do escopo comum, que é o lucro. 311 Hernani Estrela, em seus comentários deixa claro que a affetcio societatis é própria das sociedades mercantis, não podendo ser observada nas entidades sem finalidade econômico-lucrativa, como é o caso das associações. De acordo com o autor, trata-se de "meio de que se utilizam os sócios para alcançar o objetivo que os uniu, isto é, a percepção de lucros, a serem distribuídos entre todos.¨ Conclui asseverando que "Essa comunhão nos lucros e nas perdas é fundamental de toda sociedade. Aquele que a inobservar, ter-se-á como infringente de norma legal de ordem pública.¨ 312 Não pode um processo de transformação de tamanha monta desprezar esta questão. Neste contexto, o Prof. Alexandre Cateb, em sua obra, apresentar interessante comentário sobre a questão Em recente banca de exame monografia para conclusão de curso de graduação da qual participamos, tendo como tema o "clube- empresa¨, discutiu-se a possibilidade de se manter, na sociedade comercial em que se transformaria o clube,parcela de associados que teriam apenas direito de usufruir os benefícios e instalações sociais, pagando por essa utilização. 310 SOUZA, Ìnglez de. Preleções de direito comercial. São Paulo: DP. U. Vieira, 1906, p. 67. 311 BULGARELLÌ, Waldirio. Sociedades comerciais ÷ empresa e estabelecimento. São Paulo: Atlas, 1985, 97. 312 ESTRELLA, Hernani. Curso de direito comercial. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1973, p. 280. 225 De fato, alguma providência deve ser tomada dentro do processo de transformação dos clubes em sociedades, de modo a preservar o interesse dos associados, que unicamente se preocupam em utilizar as dependências sócias e lá desfrutarem de momentos de lazer com seus familiares e amigos, distantes do ideário lucrativo. É bem verdade que a Lei Pelé não se preocupou com o tema, não apresentando qualquer solução neste sentido. Entretanto, dever-se-ia regular esta situação, assim como ocorre nos Estados Unidos da América, nos chamados clubes de serviço, nos quais a instituição permite a utilização de suas dependências mediante o pagamento de determinado valor, sem qualquer outro vínculo com o interessado. Ìmporta observar, contudo, que esta modalidade de prestação de serviços não guarda relação com o modelo associativo existente no Brasil. Ìmportante observar que tal questão não poderia ser regulada internamente, de maneira contratual, na medida em que os associados, então tratados como sócios, não podem se esquivar de suas responsabilidades, ainda que limitada, em relação a terceiros, conforme o tipo societário adotado. A necessidade de se compatibilizar o interesse dos associados com os interesses ínsitos aos sócios das sociedades empresárias, ganha destaque quando a análise se dirige à distribuição de eventuais lucros. Ora, se uma pessoa se associa a determinado clube, não esta interessado em auferir qualquer vantagem financeira com seu investimento em sua quota social. Tampouco em expor-se aos riscos de um negócio empresarial e de poder responder com parcela de seu patrimônio. O professor Alexandre Cateb, comentando este fato, apresenta questionamento pertinente e que deve ser 226 transcrito: "Como, então, exigir dessa pessoa manter-se como sócio de uma sociedade comercial, por exemplo, por quotas, de responsabilidade limitada ou anônima, na qual o clube poderá transforma-se?¨ A pergunta do ilustre professor dá a exata dimensão do problema não solucionado pela Lei Pelé. Ora, é sabido o direito de participar dos resultados econômicos é conferido a todos os sócios das sociedades empresárias, não existindo qualquer tipo societário que possibilite a distribuição a apenas algumas pessoas, nem mesmo nas sociedades anônimas. Ao passo em que nas associações todo o resultado positivo eventualmente apurado deve ser revertido para a própria atividade social, o que justifica sua finalidade não econômica. Assim, percebe-se que a proposta de transformação reclama a publicação de norma própria, que trate de cada uma das peculiaridades aqui mencionadas. De outra senda, deve-se observar que tem-se a Lei Pelé não prevê qualquer solução para o imenso passivo fiscal e previdenciário que assola a maioria, senão todos os grandes clubes de futebol profissional brasileiro. Neste ponto alguns projetos de lei ganharam destaque na mídia, como por exemplo, o que prevê a criação de uma espécie de loteria, chamada de Timemania, na qual parte dos recursos auferidos seriam destinados para saldar dívidas dos clubes de futebol com o Fisco, especialmente com o ÌNSS e FGTS. Referido Projeto foi aprovado e publicado no dia 14 de setembro de 2006, devendo, no entanto ser objeto de regulamentação e autorização pelo Ministério da Fazenda e Caixa Econômica Federal. Somente podem participar do concurso de prognóstico os clubes que atenderem às exigências do art. 1º, em seu parágrafo segundo: 227 [...] § 2o Poderá participar do concurso de prognóstico a entidade desportiva da modalidade futebol que, cumulativamente: Ì - ceder os direitos de uso de sua denominação, marca, emblema, hino ou de seus símbolos para divulgação e execução do concurso; ÌÌ - elaborar, até o último dia útil do mês de abril de cada ano, independentemente da forma societária adotada, demonstrações financeiras que separem as atividades do futebol profissional das atividades recreativas e sociais, na forma definida pela Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, segundo os padrões e critérios estabelecidos pelo Conselho Federal de Contabilidade, observado o § 3o deste artigo; ÌÌÌ - atender aos demais requisitos e condições estabelecidos nesta Lei e em regulamento. § 3o As demonstrações financeiras referidas no inciso ÌÌ do § 2o deste artigo, após auditadas por auditores independentes, deverão ser divulgadas, por meio eletrônico, em sítio próprio da entidade desportiva, e publicadas em jornal de grande circulação. 313 O ponto mais importante da Lei, no entanto, refere-se à possibilidade de parcelamento de débitos tributários dos clubes, inclusive aqueles que já tinham sido objeto do parcelamento especial anteiror (PAES), conforme previsão do art. 4º: [...] Art. 4o As entidades desportivas poderão parcelar, mediante comprovação da celebração do instrumento de adesão a que se refere o art. 3o desta Lei, seus débitos vencidos até 30 de setembro de 2005 com a Secretaria da Receita Previdenciária, com o Ìnstituto Nacional do Seguro Social ÷ ÌNSS, com a Secretaria da Receita Federal, com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, inclusive os relativos às contribuições instituídas pela Lei Complementar no 110, de 29 de junho de 2001. § 1o O parcelamento será pago em até 180 (cento e oitenta) prestações mensais. § 2o No parcelamento a que se refere o caput deste artigo, serão observadas as normas específicas de cada órgão ou entidade, inclusive quanto aos critérios para rescisão. § 3o No âmbito da Secretaria da Receita Federal e da Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional, o parcelamento reger-se-á pelas disposições da Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002, não se aplicando o disposto no § 2o do seu art. 13 e no inciso Ì do seu art. 14. § 4o O parcelamento de débitos relativos às contribuições 313 LEÌ Nº 11.345, DE 14 DE SETEMBRO DE 2006. 228 sociais previstas nas alíneas a e c do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, às contribuições instituídas a título de substituição e às contribuições devidas, por lei, a terceiros reger-se-á pelas disposições da referida Lei, não se aplicando o disposto no § 1o do seu art. 38. § 5o No período compreendido entre o mês da formalização do pedido de parcelamento de que trata o caput deste artigo e o mês de implantação do concurso de prognóstico, a entidade desportiva pagará a cada órgão ou entidade credora prestação mensal no valor fixo de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). § 6o O valor de cada parcela será apurado pela divisão do débito consolidado, deduzindo-se os recolhimentos de que trata o § 5o deste artigo pela quantidade de meses remanescentes, conforme o prazo estabelecido no § 1o deste artigo. § 7o O disposto neste artigo aplica-se também a débito não incluído no Programa de Recuperação Fiscal - REFÌS ou no parcelamento a ele alternativo, de que trata a Lei no 9.964, de 10 de abril de 2000, e no Parcelamento Especial - PAES, de que tratam os arts. 1o e 5º da Lei nº 10.684, de 30 de maio de 2003, sem prejuízo da permanência da entidade desportiva nessas modalidades de parcelamento. § 8o Os saldos devedores dos débitos incluídos em qualquer outra modalidade de parcelamento, inclusive no Refis, ou no parcelamento a ele alternativo ou no Paes, poderão ser parcelados nas condições previstas neste artigo, desde que a entidade desportiva manifeste sua desistência dessas modalidades de parcelamento no prazo estabelecido no art. 10 desta Lei para a formalização do pedido de parcelamento. § 9o O parcelamento de que trata o caput deste artigo aplica-se, inclusive, aos saldos devedores de débitos remanescentes do Refis, do parcelamento a ele alternativo e do Paes, nas hipóteses em que a entidade desportiva tenha sido excluída dessas modalidades de parcelamento. § 10. A entidade desportiva que aderir ao concurso de prognóstico de que trata o art. 1o desta Lei poderá, até o término do prazo fixado no art. 10 desta Lei, regularizar sua situação quanto às parcelas devidas ao Refis, ao parcelamento a ele alternativo e ao Paes, desde que ainda não tenha sido formalmente excluída dessas modalidades de parcelamento. § 11. A concessão do parcelamento de que trata o caput deste artigo independerá de apresentação de garantias ou de arrolamento de bens, mantidos os gravames decorrentes de medida cautelar fiscal e as garantias decorrentes de débitos transferidos de outras modalidades de parcelamento e de execução fiscal. A lei cuidou, ainda, de ressalvar algumas hipóteses, especialmente no que toca à sistemática de pagamentos 229 [...] Art. 6o Os valores da remuneração referida no inciso ÌÌ do art. 2o desta Lei destinados a cada entidade desportiva serão depositados pela Caixa Econômica Federal em contas específicas, cuja finalidade será a quitação das prestações do parcelamento de débitos de que trata o art. 4o desta Lei, obedecendo à proporção do montante do débito consolidado de cada órgão ou entidade credora. § 1o Os depósitos de que trata o caput deste artigo serão efetuados mensalmente até o 5o (quinto) dia do mês subseqüente ao da apuração dos valores. § 2o O depósito pela Caixa Econômica Federal da remuneração de que trata o inciso ÌÌ do art. 2o desta Lei diretamente à entidade desportiva em conta de livre movimentação subordina-se à apresentação de comprovantes de regularidade emitidos por todos os órgãos e entidades referidos no art. 4o desta Lei que contemplem, inclusive, a quitação dos parcelamentos de que tratam o caput deste artigo e o art. 7o desta Lei ou de qualquer outra modalidade de parcelamento relativamente aos débitos vencidos até o dia 30 de setembro de 2005. § 3o A entidade desportiva deverá renovar perante a Caixa Econômica Federal os comprovantes de regularidade de que trata o § 2o deste artigo antes de expirado o prazo de sua validade, sob pena de bloqueio dos valores, na forma do art. 8o desta Lei. § 4o Para o cálculo da proporção a que se refere o caput deste artigo, a Secretaria da Receita Previdenciária, o ÌNSS, a Secretaria da Receita Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e o agente operador do FGTS informarão à Caixa Econômica Federal o montante do débito parcelado na forma do art. 4o desta Lei e consolidado no mês da implantação do concurso de prognóstico de que trata o art. 1o desta Lei. 5o A quitação das prestações a que se refere o caput deste artigo será efetuada mediante débito em conta mantida na Caixa Econômica Federal específica para cada entidade desportiva e individualizada por órgão ou entidade credora do parcelamento, vedada a movimentação com finalidade diversa da quitação dos parcelamentos de que tratam os arts. 4o e 7o desta Lei. § 6o Na hipótese em que não haja dívida parcelada na forma do art. 4o desta Lei com algum dos credores nele referidos, os valores de que trata o inciso ÌÌ do art. 2o desta Lei serão destinados pela Caixa Econômica Federal aos demais credores, mediante rateio proporcional aos respectivos montantes de débitos parcelados. § 7o Os valores destinados pela Caixa Econômica Federal na forma do caput deste artigo, em montante excedente ao necessário para a quitação das prestações mensais perante cada órgão ou entidade credora, serão utilizados para a amortização das prestações vincendas até a quitação integral dos parcelamentos. § 8o Na hipótese de os valores destinados na forma do caput deste artigo serem insuficientes para quitar integralmente a prestação mensal, a entidade desportiva ficará responsável por complementar o valor da prestação, mediante depósito a ser efetuado na conta a que se refere o § 5o deste artigo até a data de vencimento da prestação, sob pena de rescisão do parcelamento, observadas as normas específicas de cada órgão ou entidade. § 9o Ao final de cada ano civil, a Caixa Econômica Federal revisará a proporção de que trata o caput deste artigo, mediante informações 230 dos órgãos e entidades credores quanto ao montante da dívida remanescente. § 10. A revisão a que se refere o § 9o deste artigo poderá ser solicitada à Caixa Econômica Federal pela entidade desportiva ou pelos órgãos e entidades credoras, a qualquer momento. De se observar, por fim, que a benesse desta norma sofre as restrições dos arts. 13 e 14 [...] Art. 13. Fica assegurado, por 5 (cinco) anos contados a partir da publicação desta Lei, o regime de que tratam o art. 15 da Lei no 9.532, de 10 de dezembro de 1997, e os arts. 13 e 14 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, às entidades desportivas da modalidade futebol cujas atividades profissionais sejam administradas por pessoa jurídica regularmente constituída, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil . Parágrafo único. Às entidades referidas no caput deste artigo não se aplica o disposto no § 3º do art. 15 da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997. Art. 14. O § 11 do art. 22 da Lei n° 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 22...................................................................... .................................................................................. § 11. O disposto nos §§ 6º ao 9º deste artigo aplica-se à associação desportiva que mantenha equipe de futebol profissional e atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens e serviços e que se organize regularmente, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. ........................................................................... ¨(NR) Art. 15. As entidades de prática desportiva ou de administração do desporto que tiverem qualquer um dos seus dirigentes condenados por crime doloso ou contravenção, em qualquer instância da justiça, tanto federal como estadual, não podem receber recursos, nem se beneficiar de qualquer incentivo ou vantagem, conforme disposto nesta Lei. Diante de tais dispositivos pode-se concluir que, embora a intenção do Projeto tenha sido amenizar a grave situação financeira dos clubes de futebol, tal 231 iniciativa não será capaz de equilibrar as contas dos clubes a ponto de viabilizar a proposta de transformação de suas bases associativas em sociedades tipicamente mercantis. Apesar deste novo incentivo, o autor Eduardo Carlezzo, ciente da limitação do poder de intervenção do Estado no esporte, sugere que as transformações dos clubes se dêem via atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ÷ BNDES, com o escopo de eliminar o passivo fiscal dos clubes. Ao reconhecer que não é papel do Estado liquidar dívidas dos clubes, argumenta que a disponibilização de linhas de financiamento especiais pelo BNDES, com a finalidade de estimular e promover o crescimento e desenvolvimento do futebol, visto como um importante setor da economia moderna, poderia auxiliar na resolução do problema fiscal enfrentando pelo futebol profissional brasileiro. Sugere que as eventuais linhas de crédito sejam atreladas ao alcance de metas e resultados. 314 E este ponto representa a maior dificuldade dos clubes de futebol em assumirem a tipologia societária, a começar pela impossibilidade de aquisição das certidões negativas necessárias para a formalização de tal processo, nos órgãos próprios. E o pior: quem se interessaria em investir em uma sociedade que mesmo antes de surgir, pelo menos formalmente, no mundo jurídico, já se encontra em estado de insolvência? Qual seria a responsabilidade dos novos investidores? E dos antigos associados que jamais tiveram interesse econômico nas atividades da associação? 314 CARLEZZO, Eduardo. Direito desportivo empresarial. São Paulo: Juruá, 2004, p. 108-109. 232 Mais uma vez, percebe-se que as omissões do legislador neste particular, certamente inviabilizarão qualquer investimento nos clubes, com a finalidade de transforma-los em sociedades. Assevere-se que esta realidade é conhecida de todos, mesmo daqueles que não operam o Direito. Acrescente-se a isto, que sob o ponto de vista prático, a simplista proposta de transformação de uma associação em sociedade empresária encontra grandes dificuldades de ordem técnica. Ìsto porque como é sabido, as associações são constituídas a partir da contribuição espontânea de seus participantes, não desfrutando, portanto de capital social, mas apenas e tão somente de patrimônio. Assim, a mensuração do novo capital social da sociedade desportiva seria um verdadeiro desafio, especialmente se se considerar que o patrimônio social não pode ser integralizado como parcela do capital social, nos termos da Lei nº 9.981/00, A mesma dificuldade poderá ser verificada se analisada a questão sob o ponto de vista administrativo-fiscal, em que operações como esta normalmente é exigida apresentação de diversas certidões negativas de tributos, o que não é possível a maioria dos clubes brasileiros. Resta, então, concluir que a proposta legislativa de transformação das bases estruturais dos clubes de futebol, baseada, especialmente no afã moralizador que se levantou após a apresentação do Relatório da CPÌ do Futebol, não resolve o problema de nenhuma entidade desportiva. Ao contrário. Serviu apenas para criou problemas de proporções ainda maiores. Portanto, revela-se urgente a necessidade de elaboração de diploma legislativo próprio, capaz de cuidar de todas as peculiaridades próprias do processo de transformação das associações esportivas em sociedades empresárias, a 233 exemplo do que ocorreu nos países europeus, especialmente Portugal e Espanha, que tinham problemas estruturais semelhantes aos brasileiros. 9.3 AS LIMITAÇÕES LEGAIS PARA A TRANSFORMAÇÃO DOS CLUBES EM SOCIEDADES EMPRESÁRIAS Embora o legislador não tenha traçado qualquer parâmetro legal para a implantação do processo de adaptação dos clubes, cuidou de apresentar algumas limitações ao processo, como forma de proteger os interesses patrimoniais dos associados e, especialmente, com a finalidade de preservar a ética esportiva em detrimento das motivações mercadológicas dos investidores. A principal medida neste sentido é a Lei nº 9.981, publicada em 14 de julho de 2000, apresentando como causa imediata e de maior significação uma série de negócios realizados entre os clubes de futebol brasileiros e alguns fundos de investimentos internacionais e sociedades privadas, possibilitadas pela abertura concedida pela Lei Pelé. A primeira das limitações impostas pelo legislador visa impedir que os bens sociais sejam indevidamente utilizados para integralização de parcela do capital social da nova sociedade, ou que sejam dados como garantia, ressalvada a hipótese de concordância da maioria absoluta da assembléia geral dos associados, nos termos do ato constitutivo. 315 315 Art. 27 ÷ (...) § 2 o A entidade a que se refere este artigo não poderá utilizar seus bens patrimoniais, desportivos ou sociais para integralizar sua parcela de capital ou oferecê-los como garantia, salvo com a concordância da maioria absoluta da assembléia-geral dos associados e na conformidade do respectivo estatuto. (Ìncluído pela Lei nº 9.981, de 2000) 234 Foi apresentada, ainda, solução para impedir a multipropriedade de equipes de futebol por setores privados que podem trazer consigo a possibilidade de macular a incerteza dos resultados esportivos. Partindo do princípio de que os clubes passariam a se organizar como sociedades, proíbe que qualquer pessoa física ou jurídica seja detentora de parcela do capital com direito a voto de mais de um clube que dispute a mesma competição profissional. A limitação se estende, ainda, à participação na gestão de mais de um clube, seja direta, ou indireta. 316 Segundo Álvaro Melo Filho, a solução legislativa tem como objetivo "impedir a formação de cartéis de clubes profissionais para que a mesma e idêntica empresa ou grupo empresarial não venha a se atrelar a dois ou mais clubes profissionais partícipes da mesma competição de determinada competição¨. 317 Ìsto para que a lógica do lucro não prevaleça sobre a ética desportiva. Foi determinada a proibição de participação de duas ou mais entidades desportivas da mesma divisão quando houver relação contratual entre pessoas físicas ou jurídicas que controlem ou administrem quaisquer direitos que integrem seus patrimônios; que sejam detentoras de parcela do capital com direito a voto ou que participe da administração de sociedades ou associações que explorem, controlem ou administrem direitos que integrem os seus patrimônios. Ìnteressante 316 Art. 27-A. Nenhuma pessoa física ou jurídica que, direta ou indiretamente, seja detentora de parcela do capital com direito a voto ou, de qualquer forma, participe da administração de qualquer entidade de prática desportiva poderá ter participação simultânea no capital social ou na gestão de outra entidade de prática desportiva disputante da mesma competição profissional. (Ìncluído pela Lei nº 9.981, de 2000) 317 MELO FÌLHO, Álvaro. Novo regime jurídico do desporto, Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 103. 235 observar que as limitações em questão; alcançam os cônjuges e parentes até segundo grau das pessoas físicas, bem como as sociedades controladoras, controladas e coligadas das mencionadas pessoas jurídicas, dos fundo de investimento, do condomínio de investidores ou de qualquer outra forma assemelhada que resulte na participação concomitante das entidades desportivas. Apenas os contratos que tenham por objeto a administração e investimentos em estádios, ginásios e praças desportivas, de patrocínio, de licenciamento de uso de marcas e símbolos, de publicidade e de propaganda, foram excluídos da proibição, desde que não se configure ingerência ou co- gestão das referidas entidades desportivas. 318 Por fim, o legislador cuidou de proibir às sociedades concessionárias, permissionárias ou autorizadas a explorar serviços de radiodifusão sonora e de 318 Art. 27-A. (...) § 1 o É vedado que duas ou mais entidades de prática desportiva disputem a mesma competição profissional das primeiras séries ou divisões das diversas modalidades desportivas quando: (Ìncluído pela Lei nº 9.981, de 2000) a) uma mesma pessoa física ou jurídica, direta ou indiretamente, através de relação contratual, explore, controle ou administre direitos que integrem seus patrimônios; ou, (Ìncluído pela Lei nº 9.981, de 2000) b) uma mesma pessoa física ou jurídica, direta ou indiretamente, seja detentora de parcela do capital com direito a voto ou, de qualquer forma, participe da administração de mais de uma sociedade ou associação que explore, controle ou administre direitos que integrem os seus patrimônios. (Ìncluído pela Lei nº 9.981, de 2000) § 2 o A vedação de que trata este artigo aplica-se: (Ìncluído pela Lei nº 9.981, de 2000) a) ao cônjuge e aos parentes até o segundo grau das pessoas físicas; e (Ìncluído pela Lei nº 9.981, de 2000) b) às sociedades controladoras, controladas e coligadas das mencionadas pessoas jurídicas, bem como a fundo de investimento, condomínio de investidores ou outra forma assemelhada que resulte na participação concomitante vedada neste artigo. (Ìncluído pela Lei nº 9.981, de 2000) § 3 o Excluem-se da vedação de que trata este artigo os contratos de administração e investimentos em estádios, ginásios e praças desportivas, de patrocínio, de licenciamento de uso de marcas e símbolos, de publicidade e de propaganda, desde que não importem na administração direta ou na co-gestão das atividades desportivas profissionais das entidades de prática desportiva, assim como os contratos individuais ou coletivos que sejam celebrados entre as detentoras de concessão, permissão ou autorização para exploração de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, 236 sons e imagens de qualquer forma, a participar das entidades desportivas na qualidade de sócias ou patrocinadoras. 319 De acordo com Álvaro Melo Filho, co-autor da norma que estabeleceu todas essas limitações [...] ao vedar tal participação das entidades da área de comunicações, quis-se evitar não apenas situações constrangedoras de um clube patrocinado pelo SBT atuar em competição profissional transmitida pela Bandeirantes ou pela Globo, como também inibir a influência direta desse setor econômico no desporto, já que tal possibilidade significaria privilegiada divulgação na sociedade. 320 Ìnteressante observar, em sede de conclusão, que a Lei nº 9.981/00, além de ter tratada das limitações objetivas, foi o marco legal responsável pela substituição da obrigatoriedade na transformação dos clubes em mera faculdade. Todavia, não se pode negar que qualquer das hipóteses descritas acima, independente da roupagem jurídica do clube, à exceção das previsões de multipropriedade, exigem que os dirigentes e a própria estrutura administrativa adotem posturas gerenciais de conotação empresariais. bem como de televisão por assinatura, e entidades de prática desportiva para fins de transmissão de eventos desportivos. (Ìncluído pela Lei nº 9.981, de 2000) 319 Art. 27-A (...) § 5 o Ficam as detentoras de concessão, permissão ou autorização para exploração de serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, bem como de televisão por assinatura, impedidas de patrocinar entidades de prática desportiva. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.981, de 14.7.2000) 320 MELO FÌLHO, Álvaro. Novo regime jurídico do desporto, Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 113. 237 10 REGIME JURÍDICO DA SOCIEDADE EM COMUM O Código Civil de 2002 disciplinou o regime jurídico da sociedade em comum nos artigos 986 a 990, tendo como referencial as antigas sociedades irregulares e de fato. As ditas sociedades irregulares e de fato não foram objeto de regulamentação do Código Comercial de 1850. Entretanto, a doutrina comercialista cuidou de elaborar alguns conceitos, ainda que divergentes, e alguns parâmetros de responsabilidade de seus membros. As divergências doutrinárias dizem respeito à conceituação e diferenciação entre os dois fenômenos societários. O insigne jurista Ìnglez de Souza entende que a sociedade de fato é assim considerada na medida em que não possui seus atos constitutivos inscritos no órgão próprio, haja vista que, para ele, a aquisição de personalidade jurídica depende da consagração do princípio da publicidade. 321 O renomado autor Octávio Mendes não apresenta qualquer distinção entre as sociedades irregulares ou de fato. Afirma que "as sociedades irregulares são todas aquellas constituídas sem contrato, ou sociedades de fato." 322 O mestre Waldemar Ferreira 323 entendia que as sociedades de fato, embora atuassem no mundo concreto, não dispunham de personalidade jurídica, pelo fato de não possuírem contrato escrito. A sociedade irregular, por outro lado, seria caracterizada pela existência de contrato escrito entre os sócios, com disciplina 321 SOUZA, Ìnglez de. Preleções de direito comercial. São Paulo:DP. U. Vieira, 1906, p. 73-74. 322 MENDES, Octavio. Curso de direito comercial terrestre. São Paulo: Saraiva & Cia. Editores, 1930, p. 274. 323 FERREÌRA, Waldemar. Instituições de direito comercial. V. Ì. São Paulo: Saraiva, 1956, p. 209. 238 acerca das responsabilidades, obrigações e direitos de cada um, sem, no entanto, que o ato constitutivo tivesse sido levado a registro no órgão próprio. J.X. Carvalho de Mendonça, por sua vez, defendia a tese de que as sociedades irregulares eram aquelas que funcionavam sem o atendimento de alguns requisitos formais, relativos ao procedimento de constituição, registro e publicidade. Enquanto as de fato traziam em seus atos constitutivos alguns vícios que as impediam de funcionar de modo legítimo. 324 Hernani Estrella segue a posição esposada por J.X Carvalho de Mendonça, classificando as sociedades em três grandes grupos, a saber, regulares, irregulares e de fato. Assevera que "A vasta literatura, que os problemas relacionados com a sociedade irregular têm provocado,. entre nós e no estrangeiro mostra em toda evidência quão lógica e judiciosa é a classificação tripartida(...)" 325 O mestre mineiro João Eunápio Borges, com muita propriedade não via qualquer praticidade na diferenciação apontada pelos autores clássicos anteriormente mencionados, importando, apenas, o fato de que, não tendo sido consolidado o registro, não há se falar em aquisição de personalidade jurídica ou autonomia patrimonial, de modo que o patrimônio da sociedade e o dos sócios poderia ser considerado em comum. Nesse sentido, adverte que "A verdade é que não se encontra no nosso direito nenhum fundamento para as distinções preconizadas por Carvalho de Mendonça ou por Valdemar Ferreira 326 Seguindo o raciocínio do renomado autor mineiro, o Código Civil de 2002 desprezou as diferenciações entre as sociedades irregulares e de fato, no que 324 MENDONÇA, J. X Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. V.ÌÌÌ, Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1963, p. 131. 325 ESTRELLA, Hernani. Curso de Direito Comercial. Rio de Janeiro: José Konfino Editor, 1973, p. 314-315. 326 BORGES, João Eunápio. Curso de Direito Comercial Terrestre. Forense: Rio de Janeiro. 1971, p. 279. 239 concerne ao registro e criou o regime da sociedade em comum que abarca todas as situações elencadas pelos doutrinadores clássicos. Ou seja, enquanto não forem registrados os atos constitutivos da sociedade, por qualquer motivo, se a mesma estiver em funcionamento, não lhe será conferida personalidade jurídica e, por conseqüência, todos os sócios responderão solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, sem o privilégio do o benefício de ordem daquele que contratou pela sociedade. Dentro deste contexto, o legislador inseriu a sociedade em comum, cujo patrimônio é comum entre os sócios e a sociedade 327 , no rol daquelas consideradas despersonalizadas, tendo todos os sócios responsabilidade ilimitada e solidária pelas obrigações sociais. Ìmportante observar, ainda, que os sócios somente por escrito poderão provar a existência da sociedade por escrito, mas terceiros poderão provar suas relações com a sociedade e os sócios, por qualquer meio. 10.1 A POSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA DO CLUBE-EMPRESA A legislação desportiva brasileira, especialmente no que toca ao processo de transformação dos clubes de futebol em sociedades empresárias pode ser considerado inacabado, na medida em que, de um lado não apresentou solução satisfatória ou mesmo definitiva para a estrutura dos clubes de futebol e, por outro, 327 Art. 988. Os bens e dívidas sociais constituem patrimônio especial, do qual os sócios são titulares em comum. 240 pelo fato de não ter se verificada nenhuma, ou quase nenhuma, alteração de cunho prático. Algumas questões se levantam dentro deste processo dialético, merecendo destaque a possibilidade de falência dos clubes de futebol, a responsabilidade dos dirigentes e a real posição dos associados, antes, durante e após o processo de transição do modelo associativo para o empresarial. Nesta altura será verificada a possibilidade de declaração de falência do clube-empresa, dentro da sistemática da recente lei em contraposição com as normas que regem o direito societário, pós Código Civil de 2002. É bem verdade que a Lei Geral sobre Desportos, a Lei Pelé, faculta aos clubes a adoção dos modelos societários próprios do Direito Empresarial, insculpidos nos arts. 1.039 a 1.092 do Código Civil. Apesar da facultatividade ser expressa, interessa observar a questão a partir do parágrafo §11º da Lei nº 9.615/98, que equipara as associações desportivas às sociedades em comum, na hipótese de não promoveram a adaptação pretendida pelo legislador. 328 Como visto, o tratamento legislativo das sociedades em comum é próprio do Direito Empresarial e veio a englobar os regimes das sociedades irregulares e de fato. Como visto nos capítulos anteriores, as atividades desenvolvidas pelos clubes de futebol e, em especial, a composição de suas receitas conduzem à conclusão de que no contexto atual, aos clubes de futebol profissional devem ser impostos todos os ditames próprios do Direito Empresarial. 328 § 11. Apenas as entidades desportivas profissionais que se constituírem regularmente em sociedade empresária na forma do § 9 o não ficam sujeitas ao regime da sociedade em comum e, em especial, ao disposto no art. 990 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. (Ìncluído pela Lei nº 10.672, de 2003) 241 Desta forma, não tendo o clube adaptado sua estrutura organizativa de acordo com os modelos societários previstos na legislação civil, a associação será equiparada, para todos os efeitos da lei, às sociedades em comum. Tendo em vista que, em tese as associações desportivas que praticam atividade profissional devem ser submetidas aos comandos do Direito Empresarial,e que a sociedade em comum é instituto típico deste ramo do Direito, de acordo com o artigo 1º da Lei de Falências ÷ Lei nº 11.101 de 09 de fevereiro de 2005 e por não ter havido a exclusão expressa do artigo 2º, poderá a agremiação desportiva ser submetida ao processo falimentar. 329 A questão já foi objeto, inclusive, de entrevista concedida pelo Prof. Dr. Alexandre Bueno Cateb, ao Jornal das Faculdades Milton Campos, asseverando que Porém, por não estarem organizados para este modelo, os clubes se tornaram sociedades irregulares, passíveis de ter a falência decretada. Neste caso, segundo o professor, ficaria caracterizada a falência fraudulenta. Como conseqüência, os administradores e sócios podem responder com seu patrimônio pessoal. "Trata-se de um agravamento absurdo da responsabilidade. Como sócio do Labareda, posso responder com meu patrimônio, se o Atlético não pagar a rescisão de contrato de determinado atleta" explica Cateb. 330 329 Art. 1º Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a falência e a recuperação extrajudicial do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor. Art. 2º Esta Lei não se aplica a: Ì ÷ empresa pública e sociedade de economia mista; ÌÌ ÷ instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores. 330 CATEB, Alexandre Bueno. Sócios poderão responder com patrimônio pessoal por dívidas dos clubes de futebol. Jornal das Faculdades Milton Campos nº 63, agosto de 2003. Disponível em: <http://www.mcampos.br/jornal/n63/menu.htm>. Consultado em 09/12/2005. 242 O viés fraudulento da possível falência diz respeito à ausência de registro dos atos constitutivos no órgão próprio das entidades empresariais. No caso dos clubes de futebol esta análise deve ser feita de maneira análoga, uma vez que, considerados sociedades em comum, tem-se como ponto incontroverso e fundamental a ausência de registro. Ìmportante observar que a proposta legislativa, a todo tempo, teve como objetivo criar mecanismos eficazes para fiscalização da gestão e contas dos dirigentes desportivos, e, sobretudo, adaptar o regime jurídico dos clubes de futebol à real natureza das atividades por eles desempenhadas. Na medida em que o artigo 2º da Lei Pelé, declara categoricamente que a exploração e gestão do esporte constitui atividade econômica, afasta-se, de plano, a possibilidade de manutenção do regime associativo e, de outro lado, impõe-se o empresarial. Destarte, tornando-se possível a declaração de falência do agente econômico com regime jurídico equiparado ao das sociedades em comum, nada mais adequado do que impor aos clubes de futebol brasileiros os efeitos da falência, o que já é realidade nos países que adotaram o modelo das sociedades anônimas desportivas, como núcleo elementar da prática profissional. Entretanto, a Lei Geral sobre Desportos não trouxe qualquer previsão a este respeito. Ao contrário, limitou-se restringir e a traçar equiparações legais dos clubes às sociedades, especialmente as anônimas, no que toca ao regime de publicização de contas, demonstrações financeiras e balanços, bem como a peculiarizar o tratamento tributário e previdenciário das associações desportivas. Resta claro que a todo o momento o legislador busca equiparar as associações desportivas que praticam atividades de cunho profissional às sociedades empresárias e seu regime legal sem, em momento algum, traçar 243 diretrizes claras e objetivas sobre as conseqüências de tais equiparações e do modo com o que deveria ser conduzido o processo de mudança. Dentro desta realidade, a possibilidade de decretação da falência do clube-empresa apresentar-se-ia, ainda que de modo análogo, como corolário do regime de responsabilidade da entidade e de seus dirigentes. 10.2 A RESPONSABILIDADE DOS ASSOCIADOS, SÓCIOS E DIRIGENTES DE ENTIDADES DE PRÁTICA DESPORTIVA A responsabilidade dos dirigentes das entidades desportivas deve ser analisada, ainda que perfunctoriamente, a partir da estrutura organizativa dos clubes de futebol, bem como da efetividade ou não da opção pela transformação em sociedades empresárias. Tratando-se de associação, em geral, a responsabilidade de seus integrantes de é bastante restrita, haja vista que não há entre eles direitos e obrigações recíprocas, nos termos do artigo 53 do Código Civil de 2002. 331 Neste sentido, o estatuto social deve conter norma específica a fim de imputar ou não responsabilidade subsidiária aos associados pelas obrigações sociais. A responsabilidade civil dos dirigentes ou membros do conselho de administração, neste modelo, segue o regime geral de responsabilidade civil, com fundamentos específico na representação. 331 Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos. Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos. 244 Todavia, caso a associação não opte por sua transformação em sociedade empresária, terá seu regime jurídico substituído pelo da sociedade em comum, especialmente no que toca à responsabilidade dos sócios deste tipo societário. Dispõe o parágrafo décimo primeiro, do artigo 27, da Lei nº 9.615/98, que [...] Art. 27 ÷ [...] § 11. Apenas as entidades desportivas profissionais que se constituírem regularmente em sociedade empresária na forma do § 9 o não ficam sujeitas ao regime da sociedade em comum e, em especial, ao disposto no art. 990 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. (Ìncluído pela Lei nº 10.672, de 2003) Logo, todos os clubes que não promoverem sua transformação estrutural nos moldes da lei terão que se sujeitar ao regime de responsabilidade particularizado. Ìmportante observar que o tratamento da questão dentro da sistemática das sociedades em comum, especialmente o artigo 990 do Código Civil, impõe responsabilidade solidária e ilimitada de seus integrantes. 332 Ainda que pareça num primeiro momento absurdo admitir que todos os associados dos clubes que não tenham alterado sua estrutura organizativa possuam este grau de responsabilidade, não pode ser outra a resposta, se analisada a questão de modo sistêmico. Com efeito, este agravamento na responsabilidade dos associados não possui simetria hermenêutica com a solução legislativa na facultatividade da 332 Art. 990. Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade. 245 transformação societária. Ora, certamente é o regime de responsabilidade, associado às finalidades da organização que vão nortear o interesse e a escolha dos indivíduos em associarem-se ou não, seja nos moldes das associações ou mesmo das sociedades. Ìmpor aos membros de associações sem finalidade econômica, pelo menos formalmente, o regime de responsabilidade próprio das sociedades empresárias irregulares pode parecer absurdo, mas legítimo. Portanto, todos os participantes de agremiações que disputem competições profissionais, na categoria de associados, somente terão seu regime de responsabilidade reduzido, com a possibilidade de limitação, se os clubes aos quais se encontram filiados promoverem a transformação de sua estrutura para algum dos modelos societários insculpidos nos art. 1.039 a 1.092 do Código Civil de 2002. 333 Neste caso, a responsabilidade dos associados ou sócios, seguirá o regime geral de cada tipo societário. Cuidando-se de dirigentes, a responsabilidade passa a ser, ainda, mais grave. É que o Estatuto do Torcedor, Lei nº 10.671/03 impõe responsabilidade objetiva aos dirigentes pela segurança do torcedor, tendo como parâmetro a questão no Direito do Consumidor. 334 Embora a doutrina tenha se posicionado veementemente contra este agravamento da responsabilidade dos dirigentes, mais uma vez, percebe-se que, 333 O Professor Dr. Alexandre Bueno Cateb, nos idos de agosto de 2003, já advertia sobre esta possibildade, vide CATEB, Alexandre Bueno. Sócios poderão responder com patrimônio pessoal por dívidas dos clubes de futebol. Jornal das Faculdades Milton Campos nº 63, agosto de 2003. Disponível em: <http://www.mcampos.br/jornal/n63/menu.htm>. Consultado em 09/12/2005. 334 Lei nº 10.671/03 - Art. 14. Sem prejuízo do disposto nos arts. 12 a 14 da Lei n o 8.078, de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, que deverão: [...] 246 embora a norma não sentido lógico e não tenha trazido a melhor solução, deve ser observada. Ìmportante observar ainda, que, a Lei Pelé, em seu artigo 27, com a redação dada pela Lei nº 10.672/2003, impôs outro agravamento à responsabilidade dos dirigentes, ao estabelecer que as entidades de prática desportiva que disputem competições profissionais, independentemente da forma jurídica que adotar, sujeita os bens particulares de seus dirigentes, no caso de se verificar hipóteses autorizativas da desconsideração da personalidade jurídica, especialmente se aplicarem créditos e bens sociais em proveito próprio. Confira-se: [...] Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica adotada, sujeitam os bens particulares de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 da Lei n o 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros. (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003). 335 Apesar de estar estampada na lei a possibilidade de sujeição dos bens particulares dos dirigentes em caso de desconsideração da personalidade jurídica, deve-se advertir para a redundância da disposição. Ìsto porque o próprio instituto da desconsideração impõe este agravamento. Considerando o contexto social e político no qual foi editada a lei que deu nova redação ao artigo em comento, pode-se afirmar que esta disposição tem motivação e justificativa no grande apelo 335 Lei nº 9.615/98. 247 moralizador que prevaleceu à época, em período próximo à aprovação do parecer final da Comissão Parlamentar de Ìnquérito que investigou as atividades da Confederação Brasileira de Futebol e da empresa de artigos esportivos NÌKE. Na hipótese de o clube ser equiparado à sociedade em comum, seus bens sociais deverão responder pelos atos de gestão praticados, exceto se houver pacto expresso que limite os poderes dos dirigentes. 336 Por fim, caso o clube venha a se transformar em sociedade empresária, resta claro que a responsabilidade dos administradores seguirá o regime geral do tipo societário próprio. Do exposto, conclui-se que o legislador em alguns momentos utilizou-se de artifícios legais para impor um regime jurídico de responsabilidade extremamente rígido, prejudicando e colocando à margem o interesse dos indivíduos que se interessaram em associar-se a agremiações desportivas. E, em outros, não teve a habilidade necessária para criar mecanismos que realmente pudessem regular as atividades desempenhadas pelos dirigentes esportivos. Talvez por terem reservado tal situação a poucos parágrafos de um único artigo de lei, quando, o mais indicado, seria a elaboração de um diploma próprio, que cuidasse pormenorizadamente de questões esta. 336 Art. 989. Os bens sociais respondem pelos atos de gestão praticados por qualquer dos sócios, salvo pacto expresso limitativo de poderes, que somente terá eficácia contra o terceiro que o conheça ou deva conhecer. 248 11 MODELOS DE GESTÃO O desenvolvimento do profissionalismo no futebol brasileiro foi determinante para a implantação de um novo paradigma no esporte, como salientado nos capítulos iniciais. Entretanto, paradoxalmente a esse movimento que se limitou à preparação e relação dos clubes com os atletas, a gestão das entidades desportivas permaneceu de modo amador, nas mãos de dirigentes que desempenhavam as atividades administrativas sem qualquer vínculo profissional com os clubes. O mesmo ocorrendo no seio das entidades de administração do esporte. 337 É de se notar que os próprios dirigentes das entidades de prática desportiva acabaram sendo os principais elementos de resistência do processo de profissionalização. Neste sentido tem-se o depoimento de Adilson Monteiro Alves, ex-dirigente do Corinthians verbis Eu não acredito no futebol empresa. Não consigo entender que todo esse meu trabalho tenha sido de cunho empresarial. Acredito que dirigente nenhum nesse país tenha em sua cabeça essa visão futebol-empresa, pois o dirigente de futebol não precisa ser empresário futebolístico. É a administração do clube que tem que ter essa visão mais empresarial, mas só o setor administrativo e não o dirigente de futebol. 338 337 Esta postura indica a tendência de se preservar o modelo elitista de administração do esporte, como salientado por SANTOS, Luiz Marcelo Vídero. A evolução da gestão do futebol brasileiro. Dissertação de Mestrado. FGV ÷ EAESP. São Paulo, 2002, p.54 chega a afirmar que "A caracterização dos dirigentes tradicionais lembra muito a tradição oligárquica e coronelista brasileira.". 338 SANTOS. L.T. Futebol empresa e democracia corinthiana: uma administração que deu um dribling na crise. Dissertação de Mestrado em Sociologia. Campinas: UNÌCAMP, 1990 Apud PRONÌ, Marcelo Weishaupt. Apud PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Campinas: UNÌCAMP, 2000, p. 161. 249 Nos anos oitenta verificou-se a implementação de algumas práticas gerenciais mais modernas, em contraposição ao colapso financeiro vivido pelo país com a crise econômica. Um bom exemplo foi o movimento denominado democracia corinthiana 339 , liderada, dentre outros, pelo ex-jogador Sócrates, procurava demonstrar que a implantação de relações profissionais e menos paternalistas poderiam ser vitoriosas na gestão esportiva. 340 Nos idos de 1983, muito se discutiu sobre alternativas para modernizar o futebol brasileiro, com destaque para a necessidade de profissionalização da gestão dos clubes. Neste passo, interessante transcrever trecho do documento formalizado em que ficou clara a necessidade de implantar uma nova estrutura de gestão no esporte como um todo É preciso, achamos, profissionalizar os dirigentes dos clubes, levando-os a assumir suas responsabilidades à frente das entidades [...] O futebol brasileiro, enfim, precisa atingir sua maioridade. Ìsso significa voltar os olhos para os clubes de massa, que realmente contam no cenário nacional. Por antipático que pareça, a verdade é que, também no futebol, quem não tiver competência, não deve se estabelecer. Este registro histórico ganha relevo na medida em que naquela época a discussão jurídica a respeito da transformação de associações desportivas em sociedades comerciais ou atualmente empresárias, era incipiente. Com efeito, nos 339 Sobre o movimento da democracia corinthiana vide SANTOS, Luiz Marcelo Vídero. A evolução da gestão do futebol brasileiro. Dissertação de Mestrado. FGV ÷ EAESP. São Paulo, 2002, p.51.e SANTOS. L.T. Futebol empresa e democracia corinthiana: uma administração que deu um dribling na crise. Dissertação de Mestrado em Sociologia. Campinas: UNÌCAMP, 1990. 340 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Campinas: UNÌCAMP, 2000, p. 156. 250 dias de hoje, com a implantação de princípios desportivos na LGSD que tratam a gestão do esporte profissional como atividade econômica, este deve ser o paradigma de manutenção dos clubes de futebol e, que por via reflexa, identifica-se com a atuação empresarial. Marcelo Weishaupt Proni, comentando este registro nos anais do ciclo de debates sobre esporte, assevera que "(...) não se tratava de resolver os problemas financeiros dos clubes por meio de fórmulas mágicas de marketing e preservando a direção amadora, mas sim de profissionalizar por completo a administração do futebol e torná-lo um produto melhor." 341 Ìnteressante observar que foi exatamente neste cenário de crise financeira e institucional que houve grande desenvolvimento das ferramentas colocadas à disposição do marketing esportivo, inicialmente visto apenas como a utilização do futebol como instrumento de publicidade. 342 Somente anos mais tarde, com o sucesso obtido com as publicidade associada ao esporte que se percebeu que o maketing esportivo deveria propiciar uma melhor do conceito do produto à mostra pelos patrocinadores, bem como a implementação de um sistema de gerenciamento "profissional e mais racional". 343 Não se tinha noção, tampouco, de que o marketing esportivo acabaria sendo responsável por enormes transformações na estrutura do futebol brasileiro. Com o advento do clube-empresa no ordenamento jurídico e sua consolidação na Lei Pelé, alguns clubes brasileiro passaram a aproveitar todo o potencial do marketing esportivo aliando-o a novas formas de gestão dos clubes de 341 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Campinas: UNÌCAMP, 2000, p. 157. 342 Os primeiros patrocínios nas camisas de futebol e nas chuteiras deu-se no início da década de setenta, enquanto a colocação de propaganda estática nos gramados remonta dos idos de 1977, de acordo com SANTOS, Luiz Marcelo Vídero. A evolução da gestão do futebol brasileiro. Dissertação de Mestrado. FGV ÷ EAESP. São Paulo, 2002, p.51. 343 PRONÌ, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Campinas: UNÌCAMP, 2000, p. 158. 251 futebol profissional, curiosamente, mantendo os dirigentes amadorísticos, porém com uma gestão de viés profissional. Com a alteração da redação do artigo 27 da LGSD, promovido com a publicação da Lei nº 9981/00 e a inserção da facultatividade como parâmetro para a transformação dos clubes de futebol em empresas foram viabilizadas pelo legislador três alternativas para a modernização da gestão futebolística, quais sejam: a) transformação em sociedades civis de fins econômicos; b) transformação em sociedade comerciais; c) constituição ou contratação de sociedade comercial para administrar as atividades profissionais. Todavia com publicação da Lei nº 10.672/2003, foram excluídas do art. 27 a previsão expressa das três alternativas apresentadas pelo legislador, como forma de reforçar a facultatividade legal e a autonomia constitucional para a organização e funcionamento das associações esportivas. Apesar disto, o clube que se interessar em alterar sua estrutura jurídica, ainda poderá se valer de qualquer das hipóteses anteriormente previstas, ou seja, transformarem-se em sociedades empresárias, de acordo com um dos tipos societários previstos no Código Civil de 2002 ou contratarem sociedades empresárias para administrarem e gerirem seus departamentos profissionais. Neste contexto quatro modelos de gestão ganham proeminência: a) a constituição de sociedade empresária ex novo; b) a administração promovida por outra sociedade; c) o licenciamento e; d) a co-gestão. 252 11.1 CRIAÇÃO DE SOCIEDADE A primeira alternativa que se abre ao clube é, na verdade, o objetivo maior da LGSD , qual seja, promover a transformação dos clubes de futebol em sociedades empresárias. Um dos primeiros clubes de futebol pela tipo societário das sociedades limitadas foi o Rio de Janeiro Futebol Clube, posteriormente adotando o nome de CFZ Ltda. O CFZ foi constituído à época como uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, sendo que o ex-jogador Artur Anthunes Coimbra "o Zico¨ possuía 95% (noventa e cinco por cento) das cotas sociais. A principal receita do clube tinha como origem um contrato de patrocínio, em que eram pagos valores para que a marca da sociedade patrocinadora fosse exposta nos materiais esportivos utilizados pela equipe. Além disto, havia a previsão orçamentária de recebimento de verbas d eum clube de futebol do Japão que pagava para que seus jogadores pudessem treinar no Brasil e em contra-partida recebia jogadores formados naquele centro de esporte. Havia também a comercialização de espaço para publicidade, mediante placas em seu campo e do contrato de fornecimento de material esportivo. O Esporte Clube Bahia foi o primeiro clube participante da série A do futebol brasileiro a se constituir em sociedade anônima. Foi organizado em 04 de fevereiro de 1998 o Bahia Futebol Clube S.A, por meio de contrato firmado entre o Esporte Clube Bahia e o Opportunitty Beit S.A ÷ 253 posteriormente alterado sua denominação social para LÌGAFUTEBOL S.A. Tratava- se de uma sociedade anônima constituída por subscrição particular de ações, cujo objeto social era o exercício profissional ou não, do desporto de rendimento na área do futebol, compreendendo exploração comercial. 344 O MALUTRON S.A foi fundado em 30 de julho de 1998 e tem sua gênese na integração da famílias Maucelli e Trombini. Seu objeto social é a prática do desporto de rendimentos, de modo amador e profissinal, a formação de atletas e técnicos, a locação de espaços destinados à prática desportiva, a negociação e comercialização de transmissões de espetáculos ou eventos desportivos que a sociedade venha a participar ou coordenar, o licenciamento e a exploração do nome, da marca, da imagem e dos símbolos do time de futebol Malutrom. 345 O outro clube baiano de tradição, o Vitória da Bahia, nesta mesma época negociou com o Banco Excel e criou o Vitória S.A. Para a realização do capital social o clube cedeu à nova sociedade todos os ativos relacionados à prática desportiva profissional. O investidor, por sua vez, de maneira direta ou por meio de subsidiária integral celebrava um contrato de compra e venda das ações da nova sociedade esportiva, juntamente com a celebração de um acordo de acionistas, que vinculava todas as atividades relativas à fiscalização e administração da nova companhia. 346 Recentemente o Coritiba Futebol Clube sinalizou o interesse de se transformar em clube-empresa, mediante transformação de suas bases associativas 344 Cf. BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. O modelo societário como resposta para o futebol profissional em Portugal e no Brasil. Tese de Doutoramento, Faculdade de Direito do Porto, 2001, p.125 Cf. BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. O modelo societário como resposta para o futebol profissional em Portugal e no Brasil. Tese de Doutoramento, Faculdade de Direito do Porto, 2001, p.137. 346 CATEB, Alexandre Bueno. Desporto profissional e direito de empresa. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 161-162. 254 em societárias, com a constituição de uma sociedade anônima para lançamento de ações no mercado. 347 Álvaro Melo Filho, mirando-se na experiência européia, afirma que o modelo jurídico facultado ao clube-empresa mediante a persuasão legislativa, deve induzir a opção pela sociedade anônima desportiva, a par de outros ajustamentos, como forma de responder, com eficácia, às especificidades da atividade desportiva, à lógica do lucro e à vertente econômico-organizativa em que se assentem os clubes profissionais, sem inibir investimentos empresariais, mas também, sem olvidar que "o futebol é demasiadamente importante para deixá-lo nas mãos do mercado". Conclui aduzindo que a sociedade anônima desportiva revela-se como o modelo societário mais adequado, na medida em que se mesclam o risco do capital investido e responsabilidade, tanto dos administradores como, solidariamente, dos órgãos sociais e fiscais, obrigados por lei, a repararem os prejuízos causados e os atos ilícitos cometidos. 348 A esse respeito, J.M. Meirim, citado por Álvaro Melo Filho (2002) 349 , informa que: 347 Clube-empresa e internacionalização Paralelamente a isto, foi criado o Coritiba Futebol S/A, protótipo do clube-empresa e iniciativa inédita no país. Antecipando-se à assinatura da Lei de Moralização do Futebol, o Coritiba aposta na venda de ações como principal fonte de captação de recursos. A expectativa de Giovani Gionédis é que o Cori S/A esteja andando normalmente ainda este ano de 66 anos de Federação Paranaense de Futebol. "Meu interesse é deixar o Coritiba pronto para o futuro", repete. A busca de parceiros ultrapassa as fronteiras do Brasil. Com a intenção de internacionalizar a imagem e os negócios do clube, o Coxa assinou em julho um contrato de parceria com o empresário uruguaio Juan Figger. Na pauta dos negócios estão a projeção através de excursões, aparições e mesmo negociações de jogadores para o exterior. O clube tenta fazer o máximo para evitar o êxodo de suas principais revelações, mas o saneamento da situação financeira às vezes torna isto inevitável. Por enquanto, o mais importante, segundo o presidente, é colocar o Coritiba no mercado internacional de uma forma que o clube ainda não viu, nem mesmo nas vitoriosas excursões da década de 70, quando conquistou o troféu Fita Azul, ou na Taça Libertadores de 86. O primeiro passo é a próxima Libertadores, que viria com a classificação entre os quatro primeiros do campeonato brasileiro. Por enquanto, o time está no caminho certo. Disponível em http://72.14.209.104/search?q=cache:KAl9QAhGSvQJ:www.campusweb.com.br/desp013.htm+%22cl ube-empresa%22&hl=pt-BR&gl=br&ct=clnk&cd=1. Acesso em 15 de setembro de 2006. 348 MELO FÌLHO, Álvaro. A medida provisória 2.141: uma revolução sem armas no desporto, Revista do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo ÷ IBDD-, ed. OAB/SP, 2002, p. 36 349 Idem Ibidem. 255 A transformação dos clubes profissionais em sociedade anônima desportiva supõe não só o estabelecer de um princípio de responsabilidade limitada desta entidades, mas ainda, e o que é mais relevante, a existência de mecanismos que facilitem a percepção desta entidade, favorecedores da transparência, o que ajuda a criar um clima de segurança (e garantia) nas relações jurídicas e econômicas que surjam com terceiros. Alguns clubes de futebol profissional brasileiro optaram pela transformação de sua estrutura associativa em sociedades anônimas, ou seja, aquelas em que o capital social é dividido em ações, limitando a responsabilidade do sócio ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. Tal tipologia societária tem modo de constituição próprio e seu funcionamento está condicionado a normas estabelecidas na lei ou no estatuo. São consideradas sociedades institucionais ou normativas e não-contratuais, já que nenhum contrato liga os sócios entre si. As sociedades anônimas são, naturalmente, reguladas por lei especial. A grande vantagem das Sociedades Anônimas Desportivas, como não poderia ser diferente, é a possibilidade de lançamento de ações no mercado de balcão e na bolsa de valores. Na Europa a maioria dos clubes de futebol profissional são organizados como Sociedades Anônimas Desportivas , com regulamentação própria, sendo que praticamente todos lançaram suas ações nas bolsas de valores da Ìtália, Espanha, Portugal e Ìnglaterra. Apesar disto, cumpre salientar que todas as dificuldades apresentadas nos tópicos anteriores, especialmente as de cunho administrativo-fiscal, poderão, de fato, inviabilizar este propósito. 256 11.2 A CONSTITUIÇÃO OU CONTRATAÇÃO DE SOCIEDADES COMERCIAIS PARA ADMINISTRAÇÃO DAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS A proposta legislativa de constituição ou contratação de sociedades comerciais para administração das atividades profissionais dos clubes de futebol, aumentou o interesse do setor privado, especialmente dos fundos de investimento desportivos internacionais, em atuar junto a clubes de futebol brasileiros, nos idos de 2000. O modelo de administração das atividades esportivas profissionais desenvolvidas pelos clubes de futebol foi pretendido pelo Clube Atlético Mineiro e pelo Santos Futebol Clube, em negociações com o consórcio CÌE-Octagon Koch Tavares. 350 Nesta modalidade de negócio o comando interno do clube fica a cargo de seus próprios dirigentes, enquanto o administrador conduz apenas as questões de ordem financeira, com isso poderia ter amplas condições de captar recursos junto a investidores. A remuneração do administrador depende apenas dos termos do contrato celebrado, sendo, contudo, verificado mais rotineiramente na prática do mercado do futebol a fixação de um piso, acrescido de certo percentual da importância relacionada com os novos negócios celebrados. 350 CATEB, Alexandre Bueno. Desporto profissional e direito de empresa. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 162. 257 Não há na lei restrições quanto à organização de sociedades empresárias para a administração das atividades profissionais, a não ser àquelas que se prestam a proteger o patrimônio social e evitar a multipropriedade, como indicadas na Lei º 9.981/00. Entretanto, a adoção deste modelo não será capaz de afastar do clube ÷ organizado como associação ÷ a possibilidade de se sujeitar ao regime da sociedade em comum, previsto nos arts. 27 da Lei Pelé e art. 986 e 990 do Código Civil. Por outro lado, interessante destacar que a contratação de sociedade para administrar e gerir departamentos de esporte profissional de clubes de futebol está prevista do Projeto de Estatuto do Esporte, em seu art. 37: Art. 37. O desporto de rendimento profissional poderá ser praticado e promovido em sociedade constituída na forma do Código Civil e desta lei, sociedade anônima ou sociedade por cotas de responsabilidade limitada. § 1º Em qualquer caso, é permitido constituir ou contratar administradora de bens e serviços para explorar marca de entidade de prática do desporto ou gerir a produção de departamento de desporto profissional. § 2º Serão de natureza especial as entidades de prática do desporto mistas. Dentro desta possibilidade, como visto, pode-se constituir uma sociedade para gestão da parte profissional ou ainda contratar alguma já existente. No caso de constituição de uma sociedade para este propósito, uma alternativa viável seria a estruturação de uma sociedade empresária para gerir as atividades esportivas da associação, por meio de uma operação societária conhecida como drop-down de ativos. 351 351 Cf. MEÌRELLES, José Carlos Barbosa. Alternativas para a adoção de novos modelos societários pelos clubes de futebol ÷ adaptação dos estatutos sociais às disposições do novo Código Civil e da "Lei Pelé¨. Disponível em http://www.ibdd.com.br/arquivos/artigos/1821.pdf. Acesso em 19.02.2006. 258 Nesta hipótese os ativos do clube seriam transferidos, sob a forma de contribuição do capital social a uma nova sociedade, a uma nova sociedade empresária, cujo objeto abarcaria as atividades de administração das atividades relativas ao clube e prática de atividades esportivas profissionais. Referida sociedade poderia ser controlada pelo clube (associação), contando, ainda, com a participação de terceira pessoa apenas para atender à necessidade de pluralidade social, tais como o Presidente do Clube ou mesmo um investidor. 352 Assim, a entidade desportiva continuaria com o seu patrimônio relativo às suas atividades sociais, ao passo que a nova sociedade possuiria apenas os ativos do clube relacionados ao futebol profissional. Entretanto, para tal operação seria necessária a exibição de diversas certidões negativas, especialmente dos tributos federais que historicamente os clubes brasileiros são grandes devedores, tais como: FTGS, ÌNSS e Ìmposto de Rende. Ademais, em tal situação poder-se-ia configurar sucessão tributária e trabalhista para a nova sociedade, o que, na prática, poderia inviabilizar a operação. Com efeito, é de se notar que esta alternativa, embora possa tornar confusa a análise sistêmica da natureza de um clube de futebol que pratica atividades de cunho profissional, ou até mesmo controvertida. Ìsto porque a economicidade das sociedades empresárias confundir- se-á, inevitavelmente, com a natureza das atividades que devem ser desenvolvidas pelas associações. Desta forma, em tese, ter-se-ia uma sociedade, cuja finalidade é o lucro, administrando a principal atividade de uma associação, que tem por escopo apenas objetivos não-econômicos, entendidos restritivamente, como não-lucrativos, Cf. MEÌRELLES, José Carlos Barbosa. Alternativas para a adoção de novos modelos societários pelos clubes de futebol ÷ adaptação dos estatutos sociais às disposições do novo Código Civil e da 259 sem que seja afastada a mais nociva das sanções ao empresário: o regime da sociedade em comum. 11.3 PARCERIA E CO-GESTÃO A rigor, o contrato de parceria em muito se assemelha ao de co-gestão, diferenciando-se apenas na participação da empresa contratada no que concerne a seu grau de intervenção nas decisões de cunho administrativo do clube. A semelhança e a proximidade de tais tipologias contratuais levou vários autores a referirem-se à co-gestão como parceria. O contrato de parceria, ou co-gestão, segundo Álvaro Melo Filho, segundo citação de Alberto dos Santos Puga Barbosa: [...] vai mais além do que a cessão de espaço da camisa de jogo e de propaganda estática no estádio de futebol. No contrato de parceria, a empresa parceira participa efetivamente do processo de administração do clube parceiro. 353 Em linhas gerais, a co-gestão pode ser entendida como o estabelecimento de equilíbrio de poderes, com a finalidade de se obter o bom funcionamento da empresa. "Lei Pelé¨. Disponível em http://www.ibdd.com.br/arquivos/artigos/1821.pdf. Acesso em 19.02.2006. 353 BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. O modelo societário como resposta para o futebol profissional em Portugal e no Brasil. Tese de Doutoramento, Faculdade de Direito do Porto, 2001, p.114. 260 A co-gestão de natureza desportiva pode ser definida como aquela técnica gerencial que atua no âmbito de esporte com o objetivo de fazer com que as ações de um determinado processo de patrocínio sejam administrados em conjunto. Na verdade, a importância da técnica da co-gestão esportiva reside no fato de que nenhuma decisão que envolve um determinado patrocínio entre duas ou mais organizações pode ser tomada isoladamente, mas sim, em conjunto obedecendo às metas preestabelecidas para o alcance dos objetivos propostos. 354 Assim, a dualidade patrocinador e patrocinado, em nome do objeto comum construído ÷ o investimento - dá lugar à elaboração de um espaço e tratamento comum: parceiros. 355 Contudo, o modelo de parceria, ou co-gestão, não é imune a críticas. Álvaro Melo Filho assevera que em alguns casos a empresa torna-se "proprietária¨ do clube, em decorrência de sua estratégia de marketing e posicionamento de seus produtos no mercado brasileiro, concluindo que a empresa tornou-se mais rentável que o clube. 356 Alguns dos maiores clubes de futebol profissional do Brasil adotaram esse tipo de estrutura organizacional. A Sociedade Esportiva Palmeiras inaugurou a relação clube-empresa no Brasil com assinatura do contrato de parceria, ou co-gestão, com a empresa de gêneros alimentícios Parmalat Brasil Administração e Participação, subsidiária da Parmalat SpA (S.A) Ìtália. 357 354 BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. O modelo societário como resposta para o futebol profissional em Portugal e no Brasil. Tese de Doutoramento, Faculdade de Direito do Porto, 2001, p.115. 355 Idem Ibidem. 356 Idem Ibidem. 357 BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. O modelo societário como resposta para o futebol profissional em Portugal e no Brasil. Tese de Doutoramento, Faculdade de Direito do Porto, 2001, p.115. 261 O contrato era caracterizado pela administração das atividades profissionais do clube pela empresa italiana e investimento para contratação de jogadores de futebol, além da exploração da marca do clube. O mesmo se deu em seguida com o Esporte Clube Juventude e a mesma empresa de gêneros alimentícios. Durante a vigência deste modelo de gestão ambos os clubes obtiveram sucesso nas competições esportivas que participaram. O Palmeiras sagrou-se campeão nacional nos anos de 1992, 1993 e 1997 e a equipe gaúcha experimentou sensível melhora em seu desempenho. Este resultado deve ser atribuído a diversas causas, destacando-se o grande aporte de recursos na contratação de jogadores de nível internacional, mas, também, à nova mentalidade profissional de que se ocupou a gestão do clube. Após o término dos contratos dois panoramas distintos puderam ser observados. O time paulista passou a enfrentar severa crise que culminou com seu rebaixamento para a série B do Campeonato Brasileiro, em 2002. Enquanto o Juventude, no último ano de vigência do contrato conquistou a Copa do Brasil e disputou a Copa Libertadores da América, mantendo-se, posteriormente, na primeira divisão do futebol brasileiro. O Prof. Dr. Alexandre Bueno Cateb, em sua obra, faz interessante observação acerca destes fatos [...] não se pode concluir que a parceria foi bem sucedida ou malsucedida para os clubes. Enquanto durou, não há dúvidas, ambos lograra êxitos e conquistas. Porém, o investidor relegou a segundo plano as categorias de base das duas agremiações, optando por contratar jogadores já formados. Findada a parceria, a torcida já acostumada a grandes contratações, os clubes foram obrigados a se adequar à carestia da nova realidade. [...] 262 Não se pode, portanto, diante da análise prática em duas parcerias semelhantes, mantidas com o mesmo investidor, dizer se foi benéfica ou prejudicial para os clubes o regime de co-gestão, após seu término. Sabe-se apenas que, passados mais de dois anos do final da relação com o mercado, nenhuma das entidades desportivas conseguiu ainda emplacar um novo regime empresarial de parceria. 358 Todavia, é inegável que a adoção desta modalidade de parceria aproxima-se do interesse do legislador em promover a profissionalização da atividade diretiva dos clubes de futebol. Sensível a isto, o legislador procurou disciplinar este modelo de gestão no Projeto de Lei nº 4874/2001, que regula o Estatuto do Esporte, notadamente em seu art. 39, que dispõe [...] Art. 39 - Entende-se por parceria a associação de fundo de pensão, companhia de seguros, fundo de investimento, empresas de marketing esportivo e investidores individuais, com a entidade de prática do esporte, para fins de administração do departamento de esporte profissional §1º - A parceria que se refere o caput tem por finalidade assegurar à entidade de prática do esporte estabilidade financeira, sendo vedada a cessão do domínio administrativo sobre o departamento de esporte profissional. §2º - Concorrerão solidariamente nas responsabilidades a entidade de prática desportiva e a entidade associada. A fim de assegurar a lisura nos contratos de parceria e minimizar conflitos de interesses o legislador do Projeto de Lei incluiu os impedimentos criados pela Lei nº 9981/2000, proibindo a participação de empresas detentoras de concessão, 358 CATEB, Alexandre Bueno. Desporto profissional e direito de empresa. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 165-166. 263 permissão ou autorização para exploração de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens ou televisão, sendo o clube organizado como associação ou mesmo sociedade anônima. 11.4 LICENCIAMENTO Ato contínuo às parcerias firmadas sob a modalidade de co-gestão, uma nova figura, prevista no artigo 87 da Lei Pelé, surgiu no cenário empresarial: o licenciamento, ou seja, a concessão da marca mediante adiantamento de recursos. Esta nova figura possibilita, não a co-gestão das atividades profissionais do clube, mas a exploração da marca, do nome, da imagem e dos símbolos do parceiro. Por isso, as empresas estrangeiras que firmaram esta modalidade de contrato, buscaram os clubes de futebol que possuem maior número de torcedores e popularidade no país. Na parceria firmada pelo Vasco da Gama, o Bank of América e Banco Liberal S.A viabilizou a criação em 04 de março de 1998 da sociedade Vasco da Gama Licenciamentos S.A, cujo objeto social era o licenciamento e exploração do nome, da marca, da imagem e dos símbolos do Clube de Regatas Vasco da Gama. 359 Os referidos direitos foram auferidos por meio de emissão de debêntures, conjugados com recursos próprios. As ações eram ordinárias e correspondiam a 359 BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. O modelo societário como resposta para o futebol profissional em Portugal e no Brasil. Tese de Doutoramento, Faculdade de Direito do Porto, 2001, p.132. 264 direito a vota na Assembléia Geral. A Ìnstituição depositária era o Banco Liberal S.A A Companhia era administrada por um Conselho de Administração composto por quatro membros e uma Diretoria. A parceria permitia que o Banco cuidasse de todos os contratos de marketing, licenciamento e direitos de imagem do clube, não se tornando proprietário, mas sócio nos lucros. O ano de 1999 caracterizou-se pela busca desmedida de grupos estrangeiros, particularmente os fundos de investimentos, em estabelecerem parcerias com clubes de futebol brasileiros. O Sport Club Corinthians Paulista e o fundo de investimentos Hicks, Muse, Tate & Furst (HTMF) assinaram contrato de parceria em 28 de abril de 1999, sendo caracterizado pela concessão da marca mediante adiantamento de recursos e pela administração do futebol profissional pela empresa estrangeira por dez anos. O contrato incluía também a construção de um estádio com capacidade para quarenta e cinco mil pessoas e participação no importe de 15% (quinze por cento) da então criada Corinthians Licenciamentos Ltda. 360 Na relação investidor/clube, relativamente à divisão de lucros, cabia 85% (oitenta e cinco por cento) ao investidor e 15% (quinze por cento) ao clube. A parceria Cruzeiro Esporte Clube ÷ HTMF foi concretizada em setembro de 1999, já sob o pálio da Medida Provisória ÷hoje convertida na lei nº 9.981/00- que restringia a atuação dos investidores em mais de uma entidade de prática desportiva. Do mesmo modo, o contrato firmado com o Sport Club Corinthians Paulista, o contrato era caracterizado pela concessão do uso da marca com 265 adiantamento de recursos, prevendo a criação da empresa Cruzeiro S.A, responsável pelo administração do futebol amador e profissional do clube. 361 O Clube de Regatas Flamengo celebrou à época com a Ìnternational Sports Leisure ÷ ÌSL o maior contrato entre um clube de futebol brasileiro e um empresa estrangeira, compreendendo a concessão da marca, com adiantamento de recursos, por quinze anos. A divisão de lucros seria no importe de 40% (quarentapor cento) ao clube e 60% (sessenta por cento) ao investidor. 362 Há de se esclarecer, por oportuno, que atualmente todas as parcerias firmadas entre os clubes acima citados e as empresas estrangeiras não estão mais vigendo. A parceria firmada entre o Clube de Regatas Flamengo e a Ìnternational Sports Leisure era praticamente igual aos contratos firmados com o Vasco, Corinthians e Cruzeiro. Todavia ambas cessaram com a declaração de falência da parceira decretada na Suíça. O legislador sensível aos vultosos negócios que se voltavam para o licenciamento das marcas dos clubes, procura regular a questão no Projeto de Lei nº nº 4874/2001, que regula o Estatuto do Esporte, notadamente em seu art. 44, que dispõe [...] Art. 44 - Entende-se por licenciamento de marcas o sistema de parceria pelo qual a entidade de administração ou prática do esporte 360 BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. . O modelo societário como resposta para o futebol profissional em Portugal e no Brasil. Tese de Doutoramento, Faculdade de Direito do Porto, 2001 p.139. 361 BARBOSA, Alberto dos Santos Puga. O modelo societário como resposta para o futebol profissional em Portugal e no Brasil. Tese de Doutoramento, Faculdade de Direito do Porto, 2001, p.142. 266 recebe participação na venda de produtos ou serviços associados à sua marca e imagem. Seguindo a este definição, o legislador, a partir dos negócios já realizados no passado, abriu a possibilidade legal de ser criada sociedade a partir de parceria entre entidade esportiva e investidor que tenha como propósito gerenciar marcas e negociar contratos de transmissão de imagem; administrar contratos comerciais; investir nas categoria de base; contratar atletas e arcar com a folha salarial; captar investimentos com a garantia de lisura dos resultados esportivos. Apesar destas tendências legislativas, e da possibilidade de criação de contratos atípicos, respeitados os ditames legais, a maioria dos clubes de futebol continua atuando como antes, ou seja, sob a forma de associação. Entretanto, como já se fez demonstrado, ao rigor da lei, essas entidades e seus associados encontram-se vulneráveis em razão da possibilidade de aplicação dos efeitos patrimoniais próprio das sociedades em comum: a responsabilização pessoal patrimonial e ilimitada de cada um de seus membros, nos termos do art. 990 do novo Código Civil. 11.5 OS MODELOS EMPRESARIAIS E OS RESULTADOS ESPORTIVOS E FINANCEIROS DOS CLUBES Como visto ao longo do trabalho, tem-se observado não só no Brasil, mas destacadamente em países europeus uma tendência de migração dos modelos associativos para os de índole societária e empresarial. 267 As motivações que conduziram a este processo podem ser divididas em dois grupos que abarcam cada um com interesses e motivações de naturezas distintas. No primeiro grupo encontram-se os interesses de ordem pública, no qual se inserem a necessidade imposição de um rígido sistema de controle das contas dos clubes e de um sistema de responsabilidade dos dirigentes. Neste contexto, o interessado direto é o Estado. No outro grupo são observadas as motivações de viés privado, em que a preocupação primeira dos legisladores é inserir o clube de futebol profissional numa realidade mercadológica e, mais do que isso, apresentar alternativas para a adoção de um regime de gestão eficaz neste novo ambiente. Neste grupo o Estado tem interesse apenas indireto, ao passo que os setores privados da economia, especialmente grandes investidores, possuem interesse mais destacado e direto. De fato, a nova orientação legislativa sedimentada a partir da possibilidade de implementação de novos paradigmas no futebol profissional apresentou significativos resultados sob o ponto de vista esportivo e econômico. Pode-se afirmar que a maioria dos clubes que alteraram seus modelos de gestão, em curto ou médio prazo, obtiveram êxito esportivo e econômico, pelo menos enquanto tal política foi adotada. Com efeito, deve-se advertir para o fato de que o sucesso esportivo não pode ser totalmente atribuído a políticas de administração profissional, na medida em que, sendo o futebol um esporte coletivo, a incerteza do resultado sempre será o mais intrigante dos componentes da dinâmica deste esporte. E, de fato, esta é a mais sedutora de todas as facetas deste esporte. 268 Apesar disto, empiricamente os resultados positivos alcançados pelas equipes que adotaram tais modelos foi bastante expressivo. De outro lado, o êxito econômico alcançado pelas equipes que adotaram tais medidas e que promoveram grandes investimentos, especialmente na estruturação das equipes, tanto sob o ponto de vista técnico como estrutural, pôde ser mais facilmente previsto. A aplicação de princípios de administração de empresas e marketing esportivo possibilitam a elaboração de planejamentos estratégicos e o alcance de metas financeiras, com um grau de incertezas muito menor do que no âmbito dos resultados esportivos. Todavia, na conjugação esporte e negócios as regras sempre comportarão um grande número de exceções. Sob o ponto de visto esportivo, não é raro se deparar com equipes de pequena expressão sagrando-se vitoriosas em competições profissionais, mesmo que não tenham adotado políticas de gestão empresarial. O mesmo se pode dizer de equipes que investem grandes quantidades de recursos em atletas e que muitas vezes encontram dificuldade até mesmo para se manterem na primeira divisão do futebol profissional, tendo um não um modelo de gestão empresarial. Todavia, tratando-se de uma análise privilegie os aspectos econômicos uma dicotomia poderá ser observada. Num primeiro plano, por óbvio, têm-se as equipes que possuem melhor desempenho esportivo em determinada competição tendem a obter melhores resultados econômicos, pelo menos sob o ponto de vista da arrecadação de recursos com a venda de ingressos e venda de materiais esportivos. 269 Num outro plano, as equipes que adotam um sistema de gestão baseado em algum dos modelos apresentados nos tópicos anteriores tendem a obter melhores resultados a médio e longo prazo e, o mais importante, de modo mais regular. Na maioria dos casos a conjugação de estabilidade financeira e perfectibilização da gestão conduzem à melhoria dos resultados esportivos, comportando-se aqui, também, algumas exceções, como foi o caso do clube inglês Chelsea, na temporada 2005 e, sob o ponto de vista esportivo do espanhol Real Madrid na mesma temporada 2006. 363 Além deste, pode-se destacar: o tradicional clube italiano Fiorentina e o argentino Racing Club que tiveram suas falências decretadas; o italiano Milan que fechou o exercício econômico da temporada 2001/02 com um prejuízo líquido de 33,2 milhões de euros (cerca de R$121 milhões), inferior à de 2000/01, em que o clube amargou um prejuízo de 35,6 milhões de euros; em Portugal o conhecido Benfica e tanto outros tornaram-se inexpressivos e lutam contra as dívidas e tanto outros mais. 364 Ìmportante observar que sob o ponto de vista econômico, sempre deverão ser levados em consideração vários fatores para o sucesso de um clube, não apenas as políticas de gestão ou mesmo o desempenho dos clubes nos gramados. Em verdade, um dos principais elementos a serem observados é o aproveitamento 363 Milionário Chelsea anuncia novo prejuízo recorde na Grã-Bretanha. Atual campeão da Ìnglaterra turbinado pelo bilionário russo Roman Abramovic, o Chelsea anunciou nesta sexta um prejuízo de 204 milhões de euros na temporada 2004/05. É o maior prejuízo de toda história do futebol britânico, batendo um recorde do mesmo clube na temporada menor (129 milhões de euros). O diretor geral do Chelsea, Peter Kenyon, não se mostrou preocupado, disse que as finanças só vão melhorar em 2009 e as perdas devem ser absorvidas pelo patromônio de Abramovic, dono de empresas petroleiras e siderúrgicas na sua Rússia natal. "Essas cifras são resultado da reestruturação do clube. Precisávamos de sucesso no curto prazo, então gastamos muito em contratações. Só vamos equilibrar em três anos", afirmou Kenyon. (...).Disponível em http://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas/2006/01/27/ult59u99372.jhtm: Acesso em 27/01/2006. 364 Somoggi, Amir. Futebol brasileiro: um produto movido pela paixão. Disponível em www.sportsmagazine.com.br/11futebolBrasil.htm - 66k: Acesso em 18 de agosto de 2006. 270 do principal mercado dos clubes, que de modo decisivo influenciam todas as suas fontes de receita, ou seja, o tamanho de sua torcida. Neste ponto, interessante destacar que as torcidas dos chamados grandes clubes em diversos casos supera a dos principais clubes europeus. No entanto, o balanço dos clubes mais ricos do mundo indica que nem sempre os de maior torcida estão em destaque nesta classificação. 365 Entretanto, dentre a classificação dos vinte clubes de futebol profissional, que obtiveram maior faturamento no mercado mundial na temporada 2003-2004, apenas três adotam o modelo associativo. Confira a tabela abaixo: CLUBE PAIS FATURAMENTO 2004-2005 (em miIhões de Euros) TIPO SOCIETÁRIO ADOTADO Real Madrid Espanha C275.7m Associação Manchester Utd Ìnglaterra C246.4m S/A capital aberto AC Milan Ìtália C234m S/A capital fechado Juventus Ìtália C229.4m S/A capital aberto Chelsea Ìnglaterra C220.8m S/A capital fechado Barcelona Espanha C207.9m Associação Bayern Munich Alemanha C189.5m S/A capital fechado Liverpool Ìnglaterra C181.2m S/A capital fechado Ìnter Milan Ìtália C177.2m S/A capital fechado Arsenal Ìnglaterra C171.3m S/A capital aberto AS Roma Ìtália C131.8m S/A capital aberto Newcastle Utd. Ìnglaterra C128.9m S/A capital aberto Tottenham Hotspur Ìnglaterra C104.5m S/A capital aberto Schalke 04 Alemanha C97.4m Associação Lyon França C92.9m société à objet sportif Celtic Escócia C92.7m S/A capital aberto Manchester City Ìnglaterra C90.1m S/A capital aberto 365 Prova disto foi a pesquisa realizada pelo jornal Lance e o Ìbope sobre o número de torcedores dos maiores Clubes do Brasil. De acordo com a pesquisa, o Flamengo tem 25,6 milhões de torcedores, seguido pelo Corinthians, com 17,4 milhões, São Paulo, com 9,2 milhões, Palmeiras, 9,1 milhões e Vasco, com 8,5 milhões. Com um universo de torcedores deste não é difícil chegar à conclusão da potencialidade do futebol. A grandeza dos nossos Clubes evidencia-se na comparação com os Clubes europeus. De acordo com a pesquisa realizada pela Sport + Markt Ag., a torcida do Juventus de Turim, da Ìtália, é a mais popular, com 17 milhões de torcedores, seguida pela torcida do Real Madrid da Espanha, com 16 milhões, e Manchester United, da Ìnglaterra, com 13,4 milhões. Completam a relação o Bayern de Munique, da Alemanha, e o Milan, da Ìtália. Ìnfelizmente, a comparação pára por aí. Ao analisarmos os 20 Clubes mais ricos do mundo, com base nas temporadas de 1999/2000, não encontramos nenhum brasileiro, e o que é pior, não há grandes esperanças para que algum Clube do Brasil entre na lista em breve. Somoggi, Amir. Futebol brasileiro: um produto movido pela paixão. Disponível em www.sportsmagazine.com.br/11futebolBrasil.htm - 66k: Acesso em 18 de agosto de 2006. 271 Everton Ìnglaterra C88.8m S/A capital aberto Valencia Espanha C84.6m S/A capital aberto Lazio Rome Ìtália C83.1m S/A capital fechado De fato, percebe-se, ainda que de modo empírico que os clubes que apresentam melhores resultados sob o ponto de vista esportivo e financeiro adotam sistemas de gestão baseados em princípios de administração e mercado. Entretanto, pode-se afirmar, com absoluta certeza que a implementação de tais modelos, por si só, não é suficiente para conduzir os clubes de futebol profissionais brasileiros a uma situação de supremacia técnica-esportiva em relação aos demais e, muito menos, a uma condição de plena liquidez e solvabilidade. Mais importante do que os modelos é por quem e como os clubes são conduzidos, especialmente se estiverem sujeitos à legislação comercial. O que se pode afirmar, apenas, é que tais modelos devem servir como meio para a implementação de uma ideologia empresarial no trato do futebol profissional brasileiro. 272 CONCLUSÃO O esporte no decorrer das últimas décadas passou por um profundo processo de transformação. O ideal olímpico de competição por competição, aos poucos foi substituído pela lógica do mercado, pela necessidade de se lucrar com a atividade esportiva. Com o futebol não foi diferente. A consolidação do capitalismo como sistema político e econômico hegemônico, a premente evolução tecnológica e o desenvolvimento dos meios de transmissão eletrônicos, revelam-se como alguns dos fatores responsáveis pelo advento de um novo paradigma no desporto: o mercadológico. É bem verdade que, outros fatos sociais deflagraram este processo de transformação. Além da presença cada vez maior do setor privado em todos os aspectos do esporte, ganharam relevo os constantes escândalos envolvendo a gestão administrativa dos clubes e as crescentes dívidas contraídas pelas equipes, especialmente com os governos locais. O futebol deixou, então, de ser uma atividade com mera conotação de paixão clubística e transformou-se, ao longo dos anos, em peça fundamental na engrenagem da indústria de entretenimento nacional e internacional. O modelo associativo predominante até o início da década de noventa, tornou-se inadequado ante a nova realidade mercadológica que se estabeleceu. A idéia de "futebol-empresa¨ passava a implicar não apenas uma mudança na composição das receitas e a profissionalização da gestão esportiva, mas uma profunda alteração na relação entre clube e sua torcida. 273 O clube de futebol não mais se limitava a exercer suas atividades com as receitas compatíveis com sua estrutura associativa. Os recursos próprios da estrutura associativa cada vez representavam menor parcela de suas receitas. A tradicional estrutura associativa com vedação expressa a fins lucrativos não mais se enquadrava na realidade do futebol, que passaram a ser identificados pelo viés econômico de sua atividade, seja com a prática habitual de atos de empresarialidade, identificados como atos de comércio, ou por desvirtuarem a natureza não econômica de sua atividade esportiva ou recreativa. Os clubes cada vez mais se aproximaram da tutela do Direito Comercial, tendo em vista as reais atividades que desempenhavam. Nada mais adequado, então, de que possibilitar às entidades de prática desportiva adquirirem formalmente caráter empresarial, posto que há muito praticam atividades de cunho eminentemente comercial, à luz da teoria dos atos de comércio ou mesmo pela teoria da empresa. Em razão disso, o legislador brasileiro seguindo tendências mundiais e mirando-se, sobretudo, na experiência européia, revolucionou o tratamento jurídico dispensado ao desporto, passando a admitir a lucratividade dos clubes de futebol, promovendo a transição da estrutura associativa para o modelo empresarial. A Lei nº 8.672/93, que inovou ao admitir a lucratividade como objeto das pessoas jurídicas de direito privado do desporto, com a facultatividade para adoção de três modelos distintos, não apresentou respostas adequadas aos anseios da sociedade. A edição da Lei nº 9.615/98, conhecida como Lei Pelé, promoveu ampla discussão sobre a transformação do clube em clube-empresa, inclusive quanto à sua constitucionalidade. 274 A Lei nº 9.981/00 retirou a obrigatoriedade predominante na lei anterior, facultando à entidade de prática desportiva profissional adequar-se à nova realidade desportiva, segundo os modelos descritos na "Lei Pelé¨. Além disso, fixou regras de proteção de bens patrimoniais, desportivos e sociais, até então inexistentes. Apesar de todas as adequações promovidas na Lei nº 9.615/98 e suas posteriores alterações, a experiência brasileira de modernização do desporto, fundamentalmente no que concerne ao clube empresa, têm-se revelado imprópria e imprecisa, por diversos motivos. A primeira questão que se levanta diz respeito à insegurança causada pela indefinição do legislador em obrigar ou não os clubes a adotarem a tipificação societária. Após inúmeros embates doutrinários e sociais, o legislador, acabou facultando aos clubes de futebol profissional a adoção do modelo empresarial. Todavia, promoveu um agravamento incomensurável na responsabilidade dos associados dos clubes que não optarem pelo modelo prescrito. Significa dizer que aqueles clubes que não se transformar em clube- empresa, ficará equiparado às sociedades em comum, na qual os bens particulares de seus integrantes respondem pelas obrigações e, cuja responsabilidade, é, ainda, ilimitada e solidária, nos termos do artigo 990 do Diploma Civil. E esta é a realidade de quase todos os clubes de futebol brasileiro, especialmente os mais conhecidos e de grande torcida. Não bastasse isto, o legislador brasileiro preferiu utilizar-se de uma legislação genérica sobre o desporto, ou seja, a própria Lei Pelé ÷ para implantar o novo regime, desprezando as peculiaridades sociais e econômicas que envolvem os clubes de futebol, com destaque para as dívidas vultosas e o conflito criado entre os 275 interesses motivadores dos associados dos clubes e dos sócios de sociedades empresárias. Ora, é óbvio que as dívidas estratosféricas dos clubes, principalmente com o governo, inviabilizam a concretização do clube-empresa como modelo organizativo. A menos que possam ser saneadas por algum programa econômico, sem que isso desvirtue o papel do Estado de mero fomentador da atividade desportiva, jamais o clube-empresa poderá ser realidade. O segundo fator inviabilizador deste processo à carência de normas específicas que tratam das peculiaridades atinentes ao desporto. É certo que a Lei Pelé tem o caráter de norma geral. Deste modo, questões peculiares e especiais deveriam ser tratadas como tal. A previsão de transformação das bases centenárias das associações desportivas não cabe em apenas um ou dois artigos desta norma genérica. Nem deveria ser este o propósito do legislador. A experiência européia, efetivada no início dos anos noventa com as Sociedades Anônimas Desportivas, informa que a eficiente estrutura organizativa do desporto reclama disciplina específica, transcendendo normas comerciais próprias de tipologias societárias já existentes. É certo que na Europa, especialmente na Espanha e Portugal, os principais motivos para a elaboração de um novo diploma foram a necessidade de criação de um sistema eficaz de controle das contas e da gestão dos clubes, com clara intenção de se estabelecer um regime jurídico de responsabilidade dos dirigentes e a fragilidade econômica da maior parte dos clubes de futebol profissional. 276 Para que se possa aproximar do interesse exposto de adequar a legislação nacional à verdadeira atividade desenvolvida pelos clubes, mister seja criado um diploma próprio, capaz de disciplinar todas as peculiaridades do futebol profissional, nos moldes das Sociedades Anônimas Desportivas. Ìsto porque uma adaptação do modelo europeu das SAD facilitaria a captação de recursos junta a investidores do setor privado. Certamente compatibilizaria os interesses dos investidores e retiraria o atual estado de agravamento da responsabilidade dos associados. Dentro de sua sistemática, poderia ser disciplinando o conflito de interesses entre os membros de organizações de caráter não econômico daqueles integrantes de sociedades empresárias, que atuam de forma profissional e organizada, para a produção e circulação de bens e serviços, nem que isto representasse a ruptura com a tradicional vedação de distribuição de lucros para uma classe de sócios e vedação para outra. Todavia, a simples transformação das bases associativas, por si só, não se revelou capaz de resolver os problemas financeiros e estruturais dos clubes de futebol. Um exemplo desta realidade pôde ser observado com o clube inglês que apresentou maior volume de investimento nos últimos dois anos e que, mesmo com uma estrutura societária empresarial e com uma gestão profissional, registrou o maior prejuízo da história do futebol mundial. 366 366 Milionário Chelsea anuncia novo prejuízo recorde na Grã-Bretanha Atual campeão da Ìnglaterra turbinado pelo bilionário russo Roman Abramovic, o Chelsea anunciou nesta sexta um prejuízo de 204 milhões de euros na temporada 2004/05. É o maior prejuízo de toda história do futebol britânico, batendo um recorde do mesmo clube na temporada menor (129 milhões de euros). O diretor geral do Chelsea, Peter Kenyon, não se mostrou preocupado, disse que as finanças só vão melhorar em 2009 e as perdas devem ser absorvidas pelo patromônio de Abramovic, dono de empresas petroleiras e siderúrgicas na sua Rússia natal. "Essas cifras são resultado da reestruturação do clube. Precisávamos de sucesso no curto prazo, então gastamos muito em contratações. Só vamos equilibrar em três anos", afirmou Kenyon. (...).Disponível em http://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas/2006/01/27/ult59u99372.jhtm: Acesso em 27/01/2006 ÷ 277 É certo que todos os empresários encontram-se sujeitos aos riscos de infortúnio nos negócios e com o clube-empresa não será diferente. A grande diferença será percebida no momento em que os clubes, seus dirigentes e filiados sofram os efeitos dos prejuízos e de um eventual processo concursal. 367 A experiência européia não se limitou à criação de um diploma legal específico abrangendo todas as peculiaridades do futebol e da sua migração para o terreno empresarial. Em verdade, o aspecto mais importante do sucesso do modelo europeu foi a profissionalização da gestão esportiva, com a adoção de uma ética e lógica mercantil, divorciada da antiga estrutura de poder associativa. De nada adiantaria aos clubes brasileiros ou estrangeiros constituir uma sociedade anônima desportiva, de claros fins econômicos, se os dirigentes de tais instituições não promoverem uma gestão eficaz e responsável, sob o ponto de vista empresarial. Uma alternativa viável para a incorporação de tais valores seria o desenvolvimento, no âmbito do clube-empresa, de práticas negociais semelhantes às propugnadas pela Governança Corporativa, para as futuras Sociedades Anônimas Desportivas brasileiras. Por outro lado, a criação de um modelo empresarial específico, sob o ponto de vista prático, acabaria obrigando aos clubes de futebol a otimizarem seu sistema de gestão, caso contrário estariam expostos a todos os efeitos da falência, 367 Ao redor do mundo já há notícias de equipes de futebol que já sofreram processo de falência, como é o caso do tradicional time argentino Racing Club de Avellaneda, que acabou sendo recuperado por sua torcida e atualmente é administrado por um grupo privado, conforme notícia vinculado no site http://pt.wikipedia.org/wiki/Racing_Club_de_Avellaneda: Acesso em 15/01/2006. "O Racing foi o primeiro time de futebol da Argentina que ganhou um campeonato internacional (e o primeiro a ganhar a Supercopa), e o primeiro time a ganhar três campeonatos locais seguidos. Em 1999 o Racing Club abriu falência, mas seus torcedores ajudar o time a se recuperar. É o primeiro clube argentino a ser administrado por uma empresa: Blanquiceleste S.A., dirigida por Fernando Martín. Em 2001 o Racing ganhou o campeonato Apertura, quebrando um jejum de 35 anos sem títulos." 278 não apenas os dirigentes, mas também todos os associados do clube, assim como se dá com todo e qualquer empresário ou comerciante, desde os idos da Ìdade Média. Portanto, para que o modelo empresarial consolide-se como resposta organizativa para o futebol brasileiro é necessário que a situação econômico- financeira dos clubes profissionais seja saneada, mediante a criação de mecanismos capazes de equacionar suas contas. É imprescindível que neste novo panorama sejam elaboradas normas específicas que disciplinem o clube-empresa, semelhantemente à experiência européia, sobretudo no que concerne à sistemática de sua criação e estruturação, responsabilidade perante terceiros, transparência e lisura na gestão do negócio e, por fim, previsão quanto às hipóteses de extinção ou encerramento das atividades e seus desdobramentos. 279 REFERÊNCIAS Livros e Revistas Jurídicas ABRÃO, Nelson. Continuação do negócio na falência. São Paulo: Leud, 1975. _____________. Sociedade simples: novo tipo societário? São Paulo: Leud, 1975. ALMEÌDA, Amador Paes de. Direito de empresa no novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2004. ÁLVARES, Walter T. Curso de direito comercial. Sugestões Literárias: São Paulo, 1982. ASCARELLÌ, Tulio. A atividade do empresário. Revista de Direito Mercantil e Econômico, nº 132, São Paulo: Malheiros. _______________. Problemas das sociedades anônimas e de direito comparado. 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