citoprotetores gastricos

March 31, 2018 | Author: Oziel Luciano Rosa | Category: Epithelium, Gastroenterology, Medical Specialties, Chemicals, Physiology


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REGULAÇÃO E MODULAÇÃO DA SECREÇÃO GÁSTRICARev. Ciênc. Méd., Campinas, 11(1): 55-60, jan./abr., 2002 55 REGULAÇÃO E MODULAÇÃO DA SECREÇÃO GÁSTRICA REGULATION AND MODULATION OF GASTRIC SECRETION Aparecida Érica BIGHETTI 1,2,3 Márcia Aparecida ANTÔNIO 2,3 João Ernesto de CARVALHO 1,2,3 RESUMO O aumento da secreção de ácido clorídrico, assim como alterações da integridade da mucosa e dos fatores de citoproteção gástrica podem contribuir para a patogênese multifatorial da úlcera péptica. Atualmente, o tratamento desta doença é geralmente baseado na inibição da secreção ácida gástrica por bloqueadores do receptor H 2 da histamina ou por inibição da bomba protônica ou, ainda, pelo uso de antimuscarínicos. O uso de medicamentos citoprotetores ficou restrito à carbenoxolona e ao misoprostol, que possuem diversas contra-indicações. Portanto, a pesquisa de agentes citoprotetores pode dar origem a drogas coadjuvantes ou mesmo a alternativas para o tratamento com anti-secretores. Termos de indexação: ácido gástrico, ácido clorídrico, preparações farmacêuticas, úlcera péptica. ABSTRACT Increase in hydrochloric acid secretion, as well as alterations of the mucosa integrity and of gastric cytoprotection factors, may contribute to the multifactorial pathogenesis of peptic ulcer. Nowadays the treatment of this disease is generally based on the (1) Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Centro de Ciências da Vida, PUC-Campinas. (2) Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Ciências da Vida, Universidade Estadual de Campinas. (3) Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas. Caixa Postal 6171, 13083-970, Campinas, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: A.E. BIGHETTI. E-mail: [email protected] A.E. BIGHETTI et al. Rev. Ciênc. Méd., Campinas, 11(1): 55-60, jan./abr., 2002 56 inhibition of gastric acid secretion by histamine H 2 receptor blockaders or by the inhibition of proton pump or even by the use of antimuscarinics. The use of cytoprotective drugs is restricted to carbenoxodone and misoprostol, which present several contra- -indications. Therefore, a research on cytoprotective agents may stimulate the development of supporting drugs or even treatment alternatives with antisecretory drugs. Index terms: gastric acid, hydrochloric acid, pharmaceutical preparations, peptic ulcer. INTRODUÇÃO O estômago é dividido em quatro regiões anatômicas, denominadas cárdia, fundo, corpo e antro, revestidas por uma mucosa, que apresenta uma série de depressões e glândulas. Nas depressões estão as células epiteliais superficiais, enquanto que as glândulas são constituídas por três tipos distintos de células. As parietais são responsáveis pela secreção de ácido clorídrico, as endócrinas pela secreção de muco e as principais pela secreção de pepsinogênio, localizadas primariamente no fundo e no corpo. Já no antro, estão localizadas as células G responsáveis pela secreção de gastrina 12 . Secreção gástrica e mecanismos citoprotetores Como porta de entrada de diversos agentes no organismo, o estômago desenvolveu diversos mecanismos de proteção. Entre os principais estão os fatores secretados no lúmen, incluindo ácido, muco, bicarbonato e agentes antibacterianos, como as imunoglobulinas. Ainda que o ácido clorídrico tenha o potencial de causar injúria à mucosa gástrica, é importante lembrar que sua principal função é a proteção contra microorganismos ingeridos 12 . Estes mecanismos, denominados citoprotetores, aumentam a resistência das células e limitam o acesso dos agentes agressores a elas 2 . A defesa da camada mucosa do estômago é constituída de muco e bicarbonato, cuja função principal é evitar o contato do ácido clorídrico com as células do epitélio. O bicarbonato é secretado pelas células superficiais do estômago e pelo duodeno, em resposta a vários estímulos, como as prostaglandinas, peptídeos gastrointestinais e contato com o ácido gástrico, permanecendo principalmente abaixo ou na camada mucosa. Deste modo, a superfície mucosa está em contato com um líquido com pH mais elevado do que o observado na luz do estômago. Em condições normais, o bicarbonato neutraliza os íons H + , enquanto se difunde através da camada de muco, estabelecendo um gradiente de pH entre a luz e as células epiteliais superficiais 14 . A secreção de bicarbonato é inibida por antagonistas muscarí ni cos, agoni st as α-adrenérgi cos, antiinflamatórios, ácidos biliares, fumaça de cigarro e provavelmente pelo processo infeccioso desencadeado pela bactéria Helicobacter pylori 21 . A camada de muco aderida à mucosa gástrica protege o epitélio contra o ácido, a pepsina e outros agent es necrot i zant es, como o ál cool e antiinflamatórios não esteroidais, sendo importante também na recuperação da mucosa gástrica 1 . Esse muco, constituído por uma camada de glicoproteínas em forma de gel (mucina) insolúvel em água 14 forma um fino revestimento sobre as células superficiais da mucosa protegendo-as das forças mecânicas da digestão, fornecendo lubrificação, retendo água e impedindo, mas não bloqueando, a difusão dos íons H + da luz para a membrana apical das células epiteliais. As prostaglandinas são sintetizadas pela ação da cicloxigenase sob o ácido araquidônico, liberado dos fosfolipídios de membrana 12 . O mecanismo pelo qual as prostaglandinas exercem sua ação citoprotetora não tem sido bem esclarecido porém, sabe-se que as prostaglandinas das séries E, F e I são sintetizadas em quantidades substanciais por todo o trato gastrointestinal 12 . Quando administradas exogenamente, estimulam a secreção de muco e bicarbonato e aumentam o fluxo sangüíneo da mucosa gástrica 24 . REGULAÇÃO E MODULAÇÃO DA SECREÇÃO GÁSTRICA Rev. Ciênc. Méd., Campinas, 11(1): 55-60, jan./abr., 2002 57 O óxido nítrico é sintetizado por uma reação enzimática entre o oxigênio molecular e a L-arginina. O óxido nítrico desempenha um papel fundamental de sinalização nos Sistemas Cardiovascular e Nervoso e atua também no sistema de defesa do organismo 13. . No trato digestivo o óxido nítrico tem influência sobre a secreção de muco, fluxo sangüíneo, bem como sobre a resistência da mucosa à elementos agressores 12 . Seu efeito citoprotetor se dá por promover vasodilatação e conseqüente- mente um aumento do fluxo sangüíneo da mucosa gástrica, acelerando a retirada dos íons H + nocivos à esta e ainda aumentando o aporte de nutrientes para a mesma 22 . A presença de um importante agente antioxidante na mucosa gástrica tem sido freqüentemente relatada. A presença de grandes concentrações de substâncias sulfidrílicas não protéicas na mucosa estomacal, representadas principalmente pela glutationa reduzida, está intimamente relacionada com a citoproteção gástrica, por impedir a ação nociva de radicais livres tóxicos para as células desta mucosa 27 . A capsaicina, o principal composto presente na pimenta vermelha, devido à sua capacidade em excitar e retardar a função de neurônios primários aferentes, tem sido usada como ferramenta para elucidar a função destes neurônios sensoriais em processos fi si ol ógi cos. Em rat os, dados experimentais forneceram evidências claras que os neurônios sensoriais, capsaicina sensitivos, estão envolvidos em um mecanismo local de defesa contra a úlcera gástrica. Em baixas concentrações a capsaicina protegeu a mucosa gástrica de ratos contra a injúria produzida por diferentes agentes ulcerogênicos, por inibição da secreção ácida gástrica. Em humanos, embora estudos recentes forneçam evidências a favor do efeito benéfico da capsaicina na mucosa gástrica, este efeito ainda necessita de melhor comprovação 28 . O suco gástrico normal é uma mistura da secreção parietal (ácido e fator intrínseco) e das secreções não-parietais (muco, bicarbonato, Na + , K + e pepsinogênio). Três mediadores químicos endógenos, a acetilcolina, a gastrina e a histamina, estimulam a secreção do ácido clorídrico 4, 23 . Al vos farmacol ógi cos para os agentes antiulcerogênicos Nos anos 70s, Black et al. 3 postularam que a histamina estimula a secreção ácida gástrica interagindo com receptores H 2 e sucessivos antagonistas foram selecionados para este receptor. A histamina, contida em células enterocromafins, é liberada através de um mecanismo parácrino. Quando liberada, difunde-se pelos espaços intercelulares até atingir as células parietais, onde liga-se aos receptores H 2 estimulando a secreção ácida gástrica 3, 19 . Já a gastrina é encontrada principalmente nas células G do antro gástrico, no duodeno, na glândula pituitária e em algumas fibras nervosas vagais. A gastrina é liberada pelas células G pelo estímulo de proteínas presentes nos alimentos, pelos íons Ca 2+ , Mg 2+ e Al 3+ , pela estimulação vagal e pela alcalinização do antro 19 . A somatostatina, localizada nas células D do antro, controla a secreção ácida estimulada pela gastrina e, em menor proporção, a secreção por histamina 11,30 . A colecistocinina e a gastrina são liberadas endogenamente pelo estômago e parte proximal do intestino, constituindo-se em mediadores fisiológicos de várias funções, tais como a secreção e o esvaziamento gástricos 25 . Há evidências de que estes peptídeos também possuam ação sobre a manutenção da integridade da mucosa gástrica através da ligação a receptores específicos (CCK-A para colecistocinina e CCK-B para a gastrina) localizados em fibras vagais sensíveis à capsaicina 11 . A acetilcolina é liberada por neurônios eferentes vagais, que são estimulados através do olfato, visão, paladar ou mastigação e por neurônios locais da parede gástrica estimulados pela distensão do estômago 19 . Em 1922, Latarjet 5 utilizou a vagotomia pela primeira vez no tratamento da úlcera duodenal, demonstrando o envolvimento da via colinérgica no mecanismo de secreção ácido gástrico. A inibição dessa secreção pela atropina, demonstrou que a acetilcolina atua através de um recept or muscarí ni co. Post eri orment e foi demonstrado que o receptor muscarínico presente na célula parietal é do subtipo M 3 . A.E. BIGHETTI et al. Rev. Ciênc. Méd., Campinas, 11(1): 55-60, jan./abr., 2002 58 A interação da histamina com o receptor H 2 provoca a liberação intracelular de AMPcíclico, enquanto que a estimulação dos receptores muscarínicos pela acetilcolina e a atividade da gastrina aumentam a concentração de cálcio do citosol. O processo final de secreção para esses três secretagogos é realizado pela H + -K + ATPase, localizada na superfície luminal das células parietais, que funciona como bomba de prótons secretando íons H + 9 . A mucosa gástrica está exposta a vários fatores agressivos como o estresse, drogas antiinflamatórias, etanol, a bactéria Helicobacter pylori e vários irritantes endógenos como ácido clorídrico, pepsina e os sais biliares. Embora a et i ol ogi a da úl cera pépt i ca não sej a bem compreendida, acredita-se existir um desvio do equilíbrio entre os mecanismos lesivos da mucosa (ácido clorídrico, pepsina) e os mecanismos citoprotetores, representados basicamente pela secreção de muco, bicarbonato, prostaglandinas, óxido nítrico e substâncias sulfidrílicas não protéicas 12 . A identificação e isolamento do Helicobacter pylori por Marshal l & Warren, em 1983, proporci onou um enorme progresso dos conhecimentos sobre o desenvolvimento da úlcera péptica 26 . Diversos estudos comprovaram que cerca de 90% das infecções da mucosa gastroduodenal estão associadas a esta bactéria. Estes trabalhos evidenciaram, também, uma correlação entre a presença dessa bactéria nas lesões ulcerosas e a reincidência de gastrite e úlcera 10, 15 . Os compostos de bismuto e alguns outros antimicrobianos têm sido associados ao tratamento medicamentoso das gastrites e ulcerações gástricas, pois, geralmente as ulcerações estão infectadas pela Helicobacter pyl ori. Nesses casos, a associ ação de antimicrobianos tem diminuído significativamente o número de recidivas desta doença 16 . Uma outra linha de pesquisa, ainda em animais de laboratório, tenta a obtenção de vacinas contra essa bactéria 16 . Vários fármacos têm sido utilizados no tratamento das úlceras gástricas e duodenais, sendo de grande importância os agentes anti-secretores gástricos, do tipo antagonistas dos receptores H 2 de histamina 6, 8 e os citoprotetores análogos das prostaglandinas, como o misoprostol 14 . Em 1988 foram introduzidos no mercado os primeiros inibidores da bomba protônica sendo o omeprazol e o lanzoprazol os representantes desta classe, cujo mecanismo de ação consiste na inibição da bomba protônica H+, K+ ATPase, enzima responsável pela etapa final da secreção ácida gástrica 18, 29 . Existe um interesse crescente nos efeitos gastrointestinais dos agonistas e antagonistas de receptores serotoninérgicos e estes aspectos farmacológicos apresentam implicações clínicas importantes. Derivados ativos de benzamidas como agonistas 5-HT 4 , incluindo a cisaprida, têm reforçado o arsenal terapêutico na classe dos fármacos que aumentam a motilidade intestinal. Estudos recentes têm sugerido que ela tem importância crucial na eliminação de ácido gástrico e, portanto, a diminuição da motilidade intestinal poderia ser um fator pouco considerado na patogênese da úlcera gástrica 12 . No que diz respeito aos fármacos de origem natural com atividade antiulcerogênica, vários princípios ativos tiveram sua atividade comprovada através de modelos experimentais em animais. O mais importante deles, e já comercializado, é a carbenoxolona sódica (sal sódico do hemisuccinato do ácido glicirretínico), obtida a partir das raízes e rizomas do alcaçuz (Glycyrrhiza glabra). Seu mecanismo de ação foi extensamente estudado e sabe-se que esta droga aumenta os níveis de prostaglandinas na mucosa gástrica por inibir as enzimas que promovem o catabolismo das prostaglandinas (15-hidroxi-PG-dehidrogenase e ∆ 13 -PG-redutase). Níveis elevados de prosta- glandinas aumentam a secreção de muco e bicarbonato e conseqüentemente, os mecanismos de proteção da mucosa contra o ácido clorídrico e a pepsina. Além deste mecanismo, a carbenoxolona age aumentando os níveis de AMPc por inibição das fosfodiesterases da mucosa e também por inibição da secreção de pepsina. No entanto os efeitos colaterais da carbenoxolona, aumentando a produção de muco intestinal e sua atividade mineralocorticóide, inviabilizaram a sua utilização terapêutica 12 . Na tentativa de obtenção de drogas que aument em a ci t oprot eção, e at ravés do conhecimento do papel das prostaglandinas na REGULAÇÃO E MODULAÇÃO DA SECREÇÃO GÁSTRICA Rev. Ciênc. Méd., Campinas, 11(1): 55-60, jan./abr., 2002 59 mucosa gástrica, foi desenvolvido o misoprostol, agonista dos receptores das prosta-glandinas. Dessa forma, o misoprostol aumenta a produção de muco citoprotetor e bicarbonato. Em doses elevadas o misoprostol provoca contração uterina intensa, e por isso, esse medicamento passou a ser utilizado para indução de aborto. Essa utilização impôs restrições legais à comercialização do misoprostol que limitaram sua utilização na terapêutica da úlcera gástrica. Pelo exposto, atualmente o tratamento da úlcera gástrica é realizado com drogas que diminuem a secreção ácida e com antibióticos, quando da presença do H. pylori. No entanto, a terapêutica é muito carente de drogas que estimulem a citoproteção gástrica. A descoberta de novos agentes, que possam atuar estimulando um dos mecanismos relacionados com a citoproteção, pode introduzir uma nova alternativa terapêutica para o tratamento da úlcera gastroduodenal. CONCLUSÃO Com os avanços no conhecimento dos aspectos anatômicos do trato gastrointestinal, assim como dos mecanismos fisiológicos envolvidos nos processos de secreção ácida gástrica e mecanismos de citoproteção da mucosa estomacal, foi possível eleger novos alvos farmacológicos e, desta forma, desenvolver drogas, com mecanismos de ação inéditos, capazes de intervir nos distúrbios do trato gastrointestinal. Adicionalmente, através do conhecimento dos fatores etiopatológicos destas doenças, como por exemplo o estresse e a presença de Helicobacter pylori, novas intervenções terapêuticas tornaram-se viáveis, atuando como coadjuvantes no tratamento destes distúrbios. REFERÊNCIAS 1. Al Moutaery AR, Tariq M. Effect of quinacrine, a phospholipase A 2 inhibitor on stress and chemically induced gastroduodenal ulcers. Digestion 1997; 58:129-37. 2. Allen A, Flemstrom G, Garner A, Kivilaakso E. Gastroduodenal mucosal protection. Physiol Rev 1993; 73: 823-57. 3. 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