Charlotte Joko Beck - Nada de Especial - Vivendo Zen

March 22, 2018 | Author: tatyviterbo | Category: Time, Zen, Life, Thought, Death


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Nada de Especial Vivendo Zen Charlotte Joko Beck Editora Saraiva 1ª edição, 1994 Capa de Ricardo de Krishna Digitalizado por ? OCR e formatação: SusanaCap HTTP://WWW.PORTALDETONANDO.COM.BR ORELHAS: PREFÁCIO I. LUTA RODAMOINHOS E ÁGUAS PARADAS O CASULO DA DOR SÍSIFO E O FARDO DA VIDA RESPONDENDO ÀS PRESSÕES A BASE DE APOIO 4 5 7 7 14 20 27 33 II. SACRIFÍCIO SACRIFÍCIO E VÍTIMAS A PROMESSA QUE NUNCA É CUMPRIDA JUSTIÇA PERDÃO A FALA QUE NINGUÉM DESEJA OUVIR O OLHO DO FURACÃO 41 41 45 52 53 54 64 III. SEPARAÇÃO E VÍNCULOS PODE ALGUMA COISA NOS FERIR? O PROBLEMA SUJEITO-OBJETO INTEGRAÇÃO OS TOMATEIROS RIVAIS NÃO JULGAR 68 68 77 85 89 95 IV. MUDANÇA PREPARO DO TERRENO EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS O DIVÃ DE GELO DERRETENDO OS CUBOS DE GELO O CASTELO E O FOSSO 102 102 106 110 120 126 V. PERCEPÇÃO CONSCIENTE O PARADOXO DA PERCEPÇÃO CONSCIENTE RECOBRANDO O JUÍZO ATENÇÃO SIGNIFICA ATENÇÃO FALSAS GENERALIZAÇÕES OUVINDO O CORPO 134 134 143 152 158 165 VI. LIBERDADE OS SEIS ESTÁGIOS DA PRÁTICA CURIOSIDADE E OBSESSÃO TRANSFORMAÇÃO O HOMEM NATURAL 169 169 175 184 190 VII. DESLUMBRAMENTO A QUEDA O SOM DE UM POMBO E UMA VOZ CRÍTICA CONTENTAMENTO CAOS E DESLUMBRAMENTO 201 201 207 211 219 VIII. NADA ESPECIAL DO DRAMA AO NÃO-DRAMA MENTE SIMPLES DOROTHY E A PORTA TRANCADA PEREGRINAR NO DESERTO A PRÁTICA É DAR 225 225 232 234 243 247 Orelhas: Viver o zen não é nada de especial: é apenas a vida como tal. O zen é a vida em si, nada mais. Quando buscamos no zen (ou em qualquer caminho espiritual) a realização de nossas fantasias, separamo-nos da terra e do céu, dos nossos seres amados, de nosso coração, pois tais fantasias nos colocam num isolamento temporário. A realidade, no entanto, se insinua de mil maneiras, e a nossa vida se torna uma correria desenfreada, um desespero mudo, melodramas confusos. Distraídos e obcecados, lutando por algo especial, buscamos outro lugar e outro tempo: não o aqui, nem o agora e tampouco o isto — tudo, menos a vida comum, esse... nada de especial. Em Nada de especial, Charlotte Joko observa: "As coisas são sempre o que são". Esse pensamento não é um conselho de desespero, mas um convite ao contentamento. Vivendo a partir do que somos, saímos de uma vida centrada em nós para uma vida centrada na realidade. Abandonando os pensamentos mágicos, despertando para a mágica do momento atual, damo-nos conta da graça do nada de especial... o zen vivido. As reflexões de Joko Beck sobre tópicos como luta, sacrifício, separação e vínculos, mudança, conscientização, liberdade e deslumbramento revelam de que maneira a verdadeira espiritualidade não implica uma vida reclusa, separada, mas um mergulhar nas vivências diárias — os sentimentos, os relacionamentos, o trabalho — com consciência, honestidade e integridade. Dotada de uma perspicácia e de um discernimento hoje célebres, esta consagrada mestra ocidental contemporânea apresenta novas dimensões para a simplificação de nosso viver. Com isso Charlotte Joko revela como quando nada é especial tudo pode sê-lo. Nada de especial fala do atemporal e do perene, com metáforas simples e claras para as coisas comuns e os incidentes do dia-a-dia, iluminando com maravilhoso bom senso a nossa vida. CHARLOTTE JOKO BECK nasceu em Nova Jersey. Só depois dos quarenta e pouco anos, é que iniciou sua prática zen, em Los lutando por algo especial.. "Não ponha uma outra cabeça em cima da sua". O zen é a vida em si. observa Joko. Ao morrermos para os sonhos do ego. mas um convite ao contentamento. Tudo menos essa vida comum. Abandonando os pensamentos mágicos. uma abertura para o vazio do aqui-agora. vivendo a partir do que somos. mudou-se para o Zen Center de San Diego. damo-nos conta. não isto. recuperamos a simplicidade da mente. Ingenuamente. melodramas confusos. De maneira lenta e dolorosa reconciliamo-nos com a vida. onde mora e leciona nos dias de hoje. É autora de Sempre zen. um mudo desespero. saímos de uma vida centrada em nós para uma vida centrada na realidade e aberta ao deslumbramento. esse. Essas fantasias nos colocam num isolamento temporário. "As coisas são sempre o que são". de nossos corações e de nossas costas que doem. das próprias solas de nossos pés. separamo-nos da terra e do céu. No jardim das experiências cotidianas desenterramos tesouros inesperados. Desde 1983. o zen vivo. Em sua vida e em seus ensinamentos..Angeles. a esperança morre. Quando buscamos no zen (ou em qualquer caminho espiritual) a realização de nossas fantasias. em sua própria presença. Distraídos e obcecados. no entanto. nada mais. declarou o mestre Rinzai. O zen vivo significa uma inversão de nossa fuga do nada. no vazio dinâmico. O coração esmorece. Essa tautologia vazia não é um conselho de desespero. nada especial. buscamos outro lugar e outro tempo: não o aqui. .. despertando para a magia do momento atual. não o agora. da graça do nada em especial.. dos nossos seres amados. Prefácio O zen vivo não é nada especial: é a vida como tal. Joko Beck manifesta a ausência notável que é o zen vivo. publicado pela Saraiva. a realidade insinua-se de dez mil maneiras e nossas vidas tornam-se correrias desenfreadas. ao abandonarmos o esforço de obter resultados. Nada especial: o zen vivo amplia e aprofunda os ensinamentos de Joko. Agradeço-lhe por sua liderança e sensatez. John Loudon. em cada simples momento" *. Como a anterior. colaborar com Joko foi a maior de todas as alegrias. ela continua servindo todas as vidas que toca. esta obra é fruto não só das idéias de Joko. Califórnia Fevereiro de 1993. Joko encarna a qualidade zen do 'nada especial'. Pat Padilla trabalhou com rapidez e precisão em minhas geralmente desordenadas revisões. como também para aqueles que estão determinados a transformar suas vidas. 112 * . Sempre zen: Como introduzir a prática do zen em seu dia-a-dia trouxe os ensinamentos e a clareza do zen para a vida diária numa forma sintonizada com os ritmos da vida ocidental contemporânea. este livro talvez não tivesse sido concluído. Suas idéias ecoaram num número incontável de leitores pelo mundo todo. Sua elevada maturidade e bem próxima atenção da prática em si fazem deste livro um texto útil não só para aqueles que desejam compreender melhor o zen no Ocidente. A clareza sem cerimônia de Joko vai longe. Poucos autores e editores podem ser mais afortunados que eu em termos de assistência editorial: com um bom humor inabalável. Sem a ajuda que prestaram. mas também do generoso apoio de muitos de seus dedicados amigos e alunos. 1987. Com uma compaixão que a sabedoria tornou madura. p.Como observa Lenore Friedman: "Em sua naturalidade absoluta. Ela está apenas ali. orientou este projeto com incentivos e sabedoria. Steve Smith Claremont. Os leitores encontrarão aqui palestras que esses alunos amigos transcreveram ou sugeriram que fossem incluídas. Boston: Shambala. Meetings with remarkable women: Buddhist teachers in America. editor-chefe da Harper em San Franscísco. Mais uma vez. saímos de cena. as coisas vão entupindo nosso rodamoinho e o processo fica confuso. então. gostamos de pensar que esses pequenos rodamoinhos que somos não fazem parte do rio. Para proteger essa nossa separação. Preferimos no entanto não pensar sobre nossas vidas dessa maneira. Não queremos nos ver como uma formação temporária e simples. um rodamoinho no rio da vida. transformar-se em outro rodamoinho. Não há nada errado em sair de cena. O fato é que assumimos uma forma por um certo tempo e. quando as condições são propícias. Assim. a água do rodamoinho é apenas o próprio rio. talvez para ser novamente retida e. coisas que deslizam para o fundo do rodamoinho e não podem fluir de novo. Se o nosso rodamoinho particular está todo entulhado de coisas. o cachorro. o gato. é uma parte natural do processo. Em conseqüência disso. A energia que foi um certo rodamoinho se dissolve e a água prossegue. o rio ou riacho encontra pedras. as árvores e as plantas —. e. Em seu fluxo. acabamos também prejudicando o rio em si. O melhor que podemos fazer por nós e pela vida é manter a água de nosso rodamoinho fluindo e limpa . Embora por curtos períodos ela pareça distinta. A estabilidade do rodamoinho é temporária. um evento separado. A energia do rio da vida forma as coisas vivas — o ser humano. Luta RODAMOINHOS E ÁGUAS PARADAS Somos bem parecidos a rodamoinhos no rio da vida. por um momento. sem empecilhos. Queremos nos ver como seres permanentes e estáveis. galhos ou irregularidades de leito que levam ao aparecimento espontâneo de rodamoinhos aqui e ali. A água que passa por esses pontos rapidamente os atravessa e se reintegra ao rio. o que mantinha o rodamoinho no lugar sofre uma modificação e aquele torvelinho é desfeito e toma a entrar no fluxo maior. criamos limites fixos e artificiais. podendo mais adiante entrar em outro rodamoinho e prosseguir depois. Os rodamoinhos próximos terão menos água em virtude de nosso apego desesperado.I. Toda a nossa energia é dirigida para nossas tentativas de proteger nossa suposta realidade em separado. O rio precisa fluir naturalmente. Ele não conseguirá ir a parte nenhuma. Contudo. acumulamos excesso de bagagem. de alguma maneira. Apesar disso. Estamos constantemente na defensiva: "Ele talvez me magoe". Quando fica represada. A prática consiste em não se estar mais preso ao que é particular. ou para. As preocupações financeiras refletem nosso esforço para manter limites fixos. eles ficam girando por ali durante um certo tempo e depois seguem adiante. controlá-lo. O rodamoinho que ergue um dique à sua volta e se isola do resto do rio se torna estagnado e perde sua vitalidade. torna-se estagnada.para que apenas continue seu curso. "E se o meu investimento fracassar? Talvez eu perca todo o meu dinheiro. apegando-nos aos nossos bens materiais. para expulsá-lo. consideramo-nos entidades separadas que precisam proteger seus limites. Noventa por cento da vida é gasta na tentativa de criar limites em torno do rodamoinho. A energia da vida busca uma rápida transformação. mas em enxergá-lo como realmente é — uma parte do todo. em maior ou menor escala. Criamos muitos . para poder servir. criamos problemas mentais. entrando e saindo. físicos e espirituais. a vida simplesmente vem e vai. Quando detritos chegam ao nosso pequeno rodamoinho. Se conseguirmos ver a vida dessa maneira e não nos apegarmos a nada. entulhamos nossas vidas. Todos pensam que isso seria uma coisa terrível. Não é assim porém que vivemos." Não queremos que nada ameace nosso suprimento monetário. Sendo protetores e ansiosos. todos nos comportamos dessa forma. "Não gosto dele de jeito nenhum". Esse é um completo mau uso da nossa função vital e. nada além do próprio rio. e se seu fluxo for harmônico e forte. fazemos de tudo para evitá-lo. È isso o que acontece quando se vive no medo. Enquanto não tivermos um vislumbre dessa verdade. Como não percebemos que somos simples rodamoinhos no rio do universo. toda nossa energia estará indo na direção errada. O próprio julgamento "Sinto-me magoado" estipula um limite ao nomear um "eu" que cobra ser protegido. para atingir qualquer outro ponto que precise ser mobilizado. mesmo assim. "Isso pode dar errado". Sempre que algum lixo flutua para dentro de nosso rodamoinho. gastamos a maior parte de nossa energia criando água parada. A melhor maneira de servirmos outros rodamoinhos é permitindo que a água que entra no nosso tenha liberdade para escorrer através dele e ir em frente solta e rápida. O medo existe porque o rodamoinho não entende o que é — ou seja. A água que deveria estar correndo. criada por nossos pensamentos centrados em nós mesmos. Não gosto de você. com limites defendidos. Prisioneiros de sonhos centrados em nós mesmos. não está próximo de nada. sofremos. não queremos dar permissão para que novas correntes de energia cruzem o espaço da consciência. / Ser somente este momento: o caminho da compaixão" * . "Será que eu fui sempre tão zangado e nunca reparei?" Assim. A verdade é que não gostamos muito de ar fresco. "Você fede. a água começa a fluir de novo. Para a maioria dos estudantes. o medo e a raiva que não são reconhecidos criam rigidez. A prática do zen ajuda-nos a ver de que maneira criamos estagnação em nossa vida. por mais rejuvenescedoras que sejam. Não gostamos muito de água limpa. A prática ajuda-nos a enxergar tais manobras com mais clareza. como dizem os votos diários de um de nossos centros de zen *. Desse esforço incessante nascem todos os nossos problemas e o nosso distanciamento da vida. Sendo assim. treinamo-nos para fazer o oposto: criar pontos de água estagnada. / A cada momento. Leva muito tempo até conseguirmos enxergar nosso sistema de defesa e manipulação da vida em nossas atividades diárias. nossa primeira descoberta na prática é reconhecer nossa própria estagnação. Ao longo de muitos anos. Quando estamos habituados à rigidez e à inflexibilidade de uma vida defendida. O frescor da vida está perdido. como ser um fluxo de vida. A mudança é em geral dolorosa. A depressão. Esses pontos estagnados em busca de proteção dentro de diques começam a brigar uns com os outros. principalmente no início. Quando reconhecemos a rigidez e a estagnação. pouco a pouco. Um rodamoinho estagnado. Não sabemos como ser íntimos. e essas constatações sempre são Os votos são os seguintes: "Preso num sonho autocentrado: somente sofrimento / Apegado a pensamentos autocentrados: exatamente o sonho. A prática é a lenta inversão disso. Essa é a nossa falsa conquista. a vida é assim: a única mestra." Águas estagnadas causam muitos problemas.pontos de estagnação que geram contaminação e doenças. Os maiores problemas são criados por aquelas atitudes que não conseguimos enxergar em nós. essa inversão é trabalho para uma vida inteira. a parte mais vital da prática é o desejo de ser a própria vida — que é apenas o conjunto das sensações que nos chegam — como aquilo que cria nosso rodamoinho. No entanto. Por isso estou exigindo cada vez mais nos ensinamentos. limitado àqueles que estão prontos e dispostos a executar o trabalho.. Faz parte desse interminável fluxo de energia.desagradáveis. Este não é um lugar para quem está interessado numa paz ou num estado de graça artificiais. Ás pessoas se indagam por que alguns bebês morrem quando ainda são tão novinhos. Um número excessivo de aprendizes está em busca de soluções fáceis e indolores para suas dificuldades.. mais despertos. ou em algum outro estado particular. Claro que não espero de principiantes o mesmo que de praticantes mais experientes. Quando todos os nossos esforços vão em direção oposta. ou "Minha vida é tão difícil. Ainda assim. Na realidade. Estamos todos aprendendo. porém. mais difícil é manter o ensino limpo e rigoroso.". Diferentemente dos rios de montanha com sua maravilhosa água percorrendo vários lugares. mais vivos.. Quem sabe? Nós não sabemos por quê. e aqueles que estão esperando encontrar um lugar fácil e rápido para descansar não deverão embarcar nessa viagem. mais prontamente poderemos reconhecer nossos padrões de defesa. O que obtemos efetivamente da prática é tornarmo-nos mais conscientes. é fundamental que vejamos o que estamos fazendo. Ele de fato me magoa". não estamos em paz. É reconhecer nossas tendências nocivas tão bem que não tenhamos necessidade de pôlas em prática com os outros.. é uma boa idéia escolher uma direção específica e concentrar ali nossa atenção. quanto maior o centro. Prefiro um centro menor. Quanto mais tempo praticarmos. Aprendemos que nunca está certo berrar com alguém só porque estamos aborrecidos. ou é melhor apenas ALUNO: . somos às vezes levados a uma imobilização com pensamentos do tipo: "Não gosto disso. os desvios são pequeninos e muito curtos: a vida rodopia por um ano ou dois em um só lugar e depois é removida. cada vez mais. só existe o fluxo incessante da água. A prática ajuda-nos a perceber onde nossa vida está estagnada. O processo nunca é fácil ou indolor. Às vezes. Em nossa vida. Quando pudermos aceitá-lo. Por esse motivo é que não me sinto à vontade com o crescimento do Centro Zen em San Diego. um rodamoinho que se forma para em seguida se desfazer. estaremos em paz. Não é importante o número de alunos que conseguimos atrair para o centro. Aquilo que chamamos de nossa vida nada mais é que um pequeno desvio. Importante é manter forte a prática. Por exemplo. mas em nossa relação com elas. o resultado final será quase sempre recompensador e terá valido a pena. . mas não ficar na dependência do resultado final? JOKO: É isso. Nesse sentido. o resultado nos servirá como uma lição. Podemos fazer escolhas que nos deixem incomodados. No minuto mesmo em que tomamos uma decisão. estamos com todo um novo conjunto de oportunidades inéditas de aprendizagem. A pessoa simplesmente faz aquilo que é preciso para atingir seu objetivo. Se estivermos atentos e despertos. Precisamos ter algumas metas. se apenas sonhamos com um objetivo e deixamos de prestar atenção ao presente. é provável que não consigamos levar nossa vida adiante — e fiquemos estagnados. Ter metas é parte de ser humano. combustível para prática. A questão é incentivar o objetivo realizando-o no presente: fazendo isto. conforme for se mostrando necessário. aqui. nem um meio ideal de se viver. ALUNO: Quando estipulo uma meta para mim. Por exemplo. Enquanto estivermos praticando com o que chega a nós. por exemplo. Isso vale não apenas para casamentos. Podemos ter remorso por certas coisas que fazemos — e aprender com essas experiências. Seja qual for a nossa escolha. Não há nada de errado nisso.aceitar as coisas como elas são? Estipular metas específicas pode bloquear o fluxo da vida. não existe uma pessoa ideal para se casar. somos confrontados com nosso próximo professor. Em algum momento iremos colar o grau. Qualquer pessoa que se interesse em obter um grau acadêmico precisa matricular-se numa escola e assistir às aulas. ALUNO: O melhor caminho é ter as metas. ignorando o fluxo do rio. ou o que for. os pais se estipulam metas. não há decisão errada. aprenderemos o que é necessário fazer em seguida. não é? JOKO: O problema está não em termos metas. As pessoas com talentos naturais têm como meta desenvolvê-los. No instante em que nos casamos. minha tendência é usar o estilo "rápido e em frente". como organizar suas finanças antecipadamente para pagar a educação de seus filhos. mas para qualquer relação. agora. É como chegamos lá que cria transtornos. Por outro lado. isso ou aquilo. Talvez é a amiga e seus quatro filhos que se convida para vir nos visitar por uma semana. Ou o trabalho muda de repente. apegamo-nos à vida e tememos a morte.JOKO: Quando o rodamoinho tenta tornar-se independente do rio. Não sabemos disso. Não há como empurrar o rio para o lado. Mesmo que tenhamos construído um dique à nossa volta e tenhamos nos tornado um lago de água estagnada. o centro aos poucos vai ficando cada vez mais fraco. Conforme a vida da pessoa vai prosseguindo. Quando só conhecemos essa segunda perspectiva. qual é a diferença entre vida e morte? O rodamoinho é um vórtice. porque temos uma forma delimitada e não enxergamos além dela. A vida parece nos apresentar justamente aquilo que seria preciso para movimentar o lago. Não há como evitarmos ser parte do rio. Em termos da analogia dos rodamoinhos e do rio. Acontece o JOKO: . não seria melhor ser sempre apenas parte do rio? JOKO: Nós sempre somos parte do rio. Como vivo em San Diego há muito tempo. ALUNO: JOKO: ALUNO: Portanto é uma ilusão que a vida seja diferente da morte? Em sentido absoluto isso é verdade. Quando enfraquecer o suficiente. embora de nosso ponto de vista sejam momentos distintos. Eles estão mudando. Se esperarmos o bastante. o aguilhão da morte é muito mais tênue. como um tornado que rodopia e sai do controle. ALUNO: Desse ponto de vista. ambas as percepções são verdadeiras: não existe vida e morte e existe vida e morte. A mudança é inevitável. ele pode causar muitos estragos. Ou morre alguém. e em torno de seu centro a água gira. desfaz-se e a água simplesmente se torna de novo parte do rio. Quando vemos as duas. porém. a verdadeira meta é sempre a vida deste momento. A linha costeira que existe hoje não é a mesma que eu contemplava há trinta anos. Mesmo que pensemos no objetivo como um certo estado futuro a ser alcançado. todos os rodamoinhos acabarão desfazendo-se com o tempo. Em níveis diferentes. alguma coisa acontecerá que não havíamos previsto. tenho observado os penhascos de La Jolla há anos. sendo rodamoinhos ou não. Quando enfim morremos. não é uma pessoa. Isso é o mesmo que o rio. Inteligência não é uma coisa. Precisamos reconhecer nossas limitações nesse sentido. com o tempo. Mesmo quando somos ainda pequenos rodamoinhos podemos já reconhecer que somos parte do rio — e não ficamos estagnados.mesmo com os rodamoinhos: eles também mudam e. 24 e s. Algo cede enfim. em nossas vidas existe de fato a necessidade de limites. . Não tem limites. How to raise an ox: Zen master Dogen's Shobogenzo. por exemplo. p. a água flui numa corredeira — e está tudo certo. Sua prática irá proporcionar-lhe um certo entendimento dessa questão. A vida humana é apenas uma forma temporária que essa energia toma. JOKO: * Francis Dojun Cook. retemos alguma coisa do que fomos ou tudo se acaba? Não vou responder a essa pergunta. vão enfraquecendo. 1978. Los Angeles: Center Publications. Tenho uma grande dificuldade em juntar isso com o que você está dizendo. JOKO: Alguns limites são simplesmente inerentes ao que somos. como um rodamoinho que se enxerga separado do rio. ALUNO: Algumas vezes você descreveu a energia da vida como uma inteligência natural que nós somos. ALUNO: Um de nossos votos comuns no Centro Zen fala de um "ilimitado campo de benesses" *. including ten newly translated essays. todos temos uma quantidade limitada de energia e de tempo. que a inteligência natural que nós somos? JOKO: Sim. No instante em que estabelecemos limites para uma coisa. Mas isso não quer dizer que tenhamos de estabelecer limites artificiais e defensivos que bloqueiam nossas vidas. nós a reinserimos na esfera fenomênica das coisas. ALUNO: Apesar disso. Essa inteligência teria algum tipo de limite? JOKO: ALUNO: Não. em nossa vida. nós não honramos a natureza buda. com drogas. muitas maneiras de reverenciar o conforto e as amenidades. teremos uma platéia tão embevecida que não precisaremos sentir nada. Se conseguirmos prever tudo antes. estamos tentando evitar toda e qualquer fonte de incômodo. O que fazemos é erigir um falso deus. raiva. Temos muitas maneiras de lidar com a vida. A verdade é que não estamos interessados nisso. corridas de automóveis. Todas elas baseiam-se na mesma coisa: o medo de deparar com qualquer tipo de incômodo. nem o Deus que engloba todas as coisas. Quando reverenciamos esse deus. o que estamos honrando? Uma maneira de responder a essa pergunta é indagar o que de fato honramos em nossa vida e que transparece naquilo que pensamos e fazemos. pensaremos que conseguimos nos furtar aos incômodos. destruímos a nossa vida. o bem e o mal. Enquanto não enxergarmos de forma honesta que é disso que nossa vida trata. sendo a estrela do espetáculo. Esperamos que. resplandecente. não seremos capazes de descobrir quem somos de fato. Se devemos ter ordem e controle absolutos. maravilhosa e eficiente. fantasias e distúrbios emocionais. Qual é o deus que construímos? O que de fato honramos. Quando reverenciam o deus do conforto e das amenidades. É certo não querermos honrar a morte. então imaginamos que as coisas desagradáveis não entrarão em nossa vida. as pessoas literalmente se matam. das amenidades e da segurança. inclusive a vida e a morte. a dor e a perda. E a verdade dessa questão é que. As nações reverenciam esse deus numa escala muito maior e destrutiva. Mas fazemos justamente isso. álcool. de momento a momento? Poderíamos chamá-lo de o deus do conforto. a que damos realmente atenção. Se conseguirmos nos afastar do mundo e entreter-nos apenas com nossos próprios sonhos. imprudências. Se conseguimos fazer com que as coisas sejam do jeito que queremos e ficamos zangados quando isso não acontece. todos os opostos. se conseguirmos ser tão espertos que nos seja possível . então pensamos que podemos sobreviver e deixar de lado nossa ansiedade a respeito da morte. A Bíblia diz: "Não tens outros deuses antes de mim". Se conseguimos agradar a todas as pessoas.O CASULO DA DOR Quando nos inclinamos no zendo. formulando um entendimento intelectual completo. apesar de todos os nossos maiores esforços. perdemos o contato com o que na verdade é. Porque os sistemas que adotamos não se baseiam na realidade. se conseguirmos ser um "buda" inconseqüente. Se conseguirmos dizer aos outros o que fazer. de todas as excitações. É sedutor. nossa vida desce em espiral. todo ser na Terra tem essa atitude. também débil. Apenas quando essas tentativas nos falham é que ficamos prontos para iniciar uma prática séria. Não teremos de sentir a ansiedade de tomar uma decisão. É o deus do nenhum desconforto e do nenhum incômodo. que irá administrar a nossa vida por nós. Ontem uma borboleta entrou voando pela porta de minha casa e ficou esvoaçando pela sala. então talvez não sejamos ameaçados.encaixar tudo em algum plano ou ordem. sob nossos pés. em maior ou menor grau. tomar-nos de assalto. E elas de fato falham. mantendo-os bem sob controle. Tem sido esse o problema da vida humana desde o início dos tempos. Infelizmente. de todas as formas de diversão. Poderemos apenas relaxar e ser felizes. Sem exceção. não teremos de assumir a responsabilidade pelos incômodos do viver. Enquanto a alimentamos. Todas as filosofias e religiões têm sido tentativas variáveis de lidar com esse medo básico. Nessa falta de contato. Se conseguirmos nos submeter a alguma autoridade. entregarmo-nos a alguma falsa autoridade ou a um pretenso guru. constatamos que está faltando algo. Todas essas são versões do deus que realmente reverenciamos. Mais cedo ou mais tarde. nós muitas vezes apenas aumentamos o nosso erro continuando com as mesmas tentativas ou revestindo nosso velho e débil sistema com um outro novo. Se vivermos alucinadamente correndo atrás de todas as sensações agradáveis. então talvez não tenhamos de sentir dor. Alguém a apanhou e a soltou lá . enquanto tentamos encontrar algo ou alguém fora de nós que se incumba de nosso medo. talvez eles não consigam nos ferir. não podem dar certo. E aqueles mesmos incômodos que tanto desejávamos evitar conseguem. então poderemos entregar a outrem a responsabilidade por nossa vida e não teremos mais que nos incumbir dela. fazê-la ditar-nos como agir. por exemplo. Se conseguirmos "viajar" num êxtase qualquer. Não percebemos tudo o que a lagarta deve suportar para tornar-se uma borboleta. ela faz um casulo e naquele espaço escuro e silencioso permanece muito tempo. Depois de um certo tempo. dos falsos deuses do prazer e da segurança. mais ela se apodera de nós. Fiquei pensando na vida de uma borboleta. sua vida no casulo. antes de se tornarem borboletas. porém. a vida nunca poderá ser de fato . Quanto mais depressa nos afastamos de nossa dor. o que significa não reverenciar mais o deus do conforto e das amenidades. Temos alguns preconceitos a respeito de ambas. como uma borboleta esvoaçando ao sol. Nesses momentos. esprememos nós mesmos ao máximo. Da mesma forma. Essa prática exige anos e anos. tentamos com mais empenho. nas trevas da dor que é a nossa vida. Por fim. literal ou figurativamente. constatando que não podemos nos esquivar do incômodo simplesmente correndo mais depressa e tentando mais um pouco. também é linda. Temos de enxergar através de nossa busca de coisas externas. podemos ter vislumbres fugazes da vida. Podemos imaginar. Diversamente das borboletas. Começamos a conhecer o mundo da borboleta apenas pelo contato com nossa própria dor. Enquanto giramos dentro do casulo de dor. depois do que deve parecer uma eternidade de trevas. No entanto.fora. quando começamos a praticar. não nos damos conta da longa e penosa transformação a que somos solicitados. Quando não funciona mais aquilo de que dependíamos para dar sentido à nossa vida. não emergimos de uma só vez. ela emerge como uma borboleta. esprememos as pessoas ao máximo. o que fazer? Algumas pessoas jamais desistem dessa falsa busca. A história de vida das borboletas é semelhante à nossa prática. preocupadas apenas com nós próprias. que sendo as borboletas seres lindos. Temos de parar de devorar isso e perseguir aquilo com nossa visão míope e simplesmente relaxar dentro do casulo. por exemplo. sentimos o absoluto deslumbramento do que é nossa vida — algo que nunca conhecemos como lagartinhas atarefadas. que se desloca muito devagar e não consegue enxergar muito longe. No esforço de adquirir controle movemo-nos cada vez mais rápido. Com o tempo podem acabar morrendo de uma overdose. Temos de desistir de nossa servil obediência a qualquer sistema que evite a dor que tenhamos elaborado. Ela começa como uma lagarta. damos tudo o que temos. E. Depois de um tempo. englobando tanto a vida como a morte. alternamos entre o casulo e a borboleta muitas vezes. podemos simplesmente sentar dentro de nosso casulo e descobrir que é o único espaço sossegado que já tivemos na vida. A prática sentada não trata de encontrar um estado feliz de graça e nele se esquecer. mais a dor aumenta. tanto o bem como o mal. Diferentemente da borboleta. . de que a vida nos deve isto ou aquilo. não o resultado de se encontrar um lugar onde podemos deixar a dor do lado de fora. O primeiro e essencial passo para nos tornarmos uma borboleta é reconhecer que não chegaremos lá sendo lagartas. Temos que enxergar mais além de nossa busca pelo falso deus do conforto e do prazer. de modo que depois só resta o entregar-se. Por exemplo. e então nos livramos dela. sentindo conforto em ser as duas coisas —. quando estivermos dispostos a estar ali — em outras palavras. Temos de abrir mão de nossa noção de que temos direitos. Esse estado pode inclusive ocorrer na prática sentada. Primeiro podemos ter apenas uma pequena faixa atandonos. Esse processo se mantém por toda a nossa vida. Então depois. quando já houvermos vivenciado nossa dor várias vezes seguidas. Conforme nossa visão vai ficando mais clara. estamos um pouco mais livres. talvez. Não o faremos senão de bom grado. Toda vez que deparamos com áreas não resolvidas dd nossa vida. tanto o prazer como a dor. quando estivermos desejando que a vida seja o que ela é. Quanto mais fugimos da realidade. sentimonos dispostos a sentar com uma parcela de nossa dor durante algum tempo. Essa dor é nossa mestra. Sesshin * sentado e a prática diária são uma questão de nos embrulharmos naquele casulo de dor. temos que construir um outro casulo e repousar nele em silêncio até que tenha se completado o período de aprendizagem. Toda vez que o casulo se rompe e nós damos mais um pequeno passo. Temos que formular uma nítida imagem desse deus. temos de abandonar a * Retiro para meditação zen intensiva. Outra vez a enrolamos à nossa volta e mais uma vez nos soltamos.submetida a um controle total. dispomo-nos a tolerar duas ou três faixas nos apertando. então o casulo começa a desfazer-se. Essa entrega a essa abertura para algo novo e virgem é a conseqüência de se viver a dor. Eis uma boa percepção. O que de fato nos abre é falar de nossas vulnerabilidades. são uma imagem vivendo com outra imagem. Às vezes vemos um casal que vem fazendo esse árduo trabalho durante toda sua vida. nem a nos abrir para a vida como uma borboleta. A verdade é que a vida dentro do casulo é frustrante e dói muito e nunca fica inteiramente para trás. Talvez tentemos nos esquivar do casulo da dor mergulhando num estado nebuloso e mal focalizado. sem essa dor. E o fato é que isso é doloroso. Ao longo desse tempo. Em vez disso. Temos de reconhecer que não temos condições de manipular a vida para nos satisfazer e que encontrar os defeitos em nós ou nos outros não é um caminho eficaz para se ajudar quem quer que seja. Não existe possibilidade de liberdade. É dor repartida". Sem dúvida podemos gostar muito de passear com nosso marido ou namorado. Mas. porém. Podemos sentir o imenso conforto. Estou dizendo que estamos sempre acordando para o que de fato nos sentimos atraídos. para aquilo que estamos fazendo com a nossa vida realmente. Não estou dizendo que da manhã até a noite sentimos algo como "Estou envolvido pela dor". Sem essa qualidade de abertura e vulnerabilidade. Quando fazemos isso. os pares não ficam se conhecendo de verdade. então o outro tem a liberdade de fazer a mesma coisa. por exemplo. como um boiar levemente agradável que pode durar horas. Não estou questionando o valor do prazer compartilhado. Isso não nos ajuda a quebrar nosso falso ídolo. envelheceram juntos. principalmente para alguém a quem estamos tentando impressionar. precisamos compartilhar com nosso companheiro aquilo que mais nos assusta falar para outra pessoa. se queremos uma relação mais próxima e autêntica. Aos poucos vamos abandonando nossa arrogância básica. queremos ficar mantendo a nossa imagem. Seria uma outra maneira de lhe estar dizendo "Estou com raiva de você".noção de que conseguimos forçar os outros a nos amar fazendo coisas para eles. Quando nos damos conta de que . Compartilhar nossa dor não significa ficar informando o outro de que maneira ele nos irrita. a qualidade recíproca de bem-estar entre os dois. É maravilhoso e muito raro. Ouvi há pouco tempo uma declaração de um atleta profissional: "Amor não é prazer compartilhado. quando saímos para jantar juntos. Essa é apenas uma outra forma de reverenciar o falso deus do conforto e do prazer. ou retornar a situações que ficaram sem resolver e tentar trabalhar com essas coisas? . Nossas vidas se desmoronam porque não conseguimos tolerar nenhuma oposição ao modo como queremos que as coisas saiam. Na verdade. mas a das pessoas ao nosso redor. Tentamos erguer um paredão mais sólido que o anterior. encontramos imediatamente maneiras de evitar a realidade. seja como for. estou me sentindo muito bem. qual seria uma boa pergunta para se fazer? ALUNO: "O que estou evitando?" ALUNO-. ou freqüentamos os sesshin. O curioso é que dizemos que queremos conhecer a realidade e ver a nossa vida como ela é. Apesar de todos os nossos esforços. ele já está em nossas vidas. Sentimos não só a nossa própria dor. ALUNO: Não é um certo desequilíbrio buscar o sofrimento e concentrar nele a atenção? JOKO: Não temos que ir buscá-lo. Então ficamos mais desesperados e nos esforçamos mais. quando começamos a praticar. ou para colocar uma concha de proteção a nossa volta. no entanto. ou evitar as pessoas que estão sofrendo. Existem incontáveis maneiras para se tentar escapar dele. Eu poderia perguntar: "O que estou vivenciando neste exato momento?". Não existe maneira de nos assegurarmos de que ela permanecerá intacta. Toda nossa "busca" é para evitá-lo. A cada cinco minutos entramos numa espécie de dificuldade.é isso que está acontecendo. A dor está constantemente em nossas vidas. contudo. JOKO: Essas são duas boas perguntas para se fazer. essa concha se rompe. refugiando-nos nesse estado nebuloso. ALUNO: Vamos supor que estou praticando e que não estou sofrendo. a dor sempre está presente. Vamos trabalhar e descobrimos que o chefe teve uma noite difícil. ou que nosso filho acaba de ligar dizendo que está com problemas na escola. É útil lembrar de momentos dolorosos pelos quais já se passou. e. sonhador. A concha está sendo o tempo todo invadida. pois sempre estamos nele. escolhemos não prestar atenção no fato de estarmos nele e deixarmos de lado parte de nossas vivências. assim como do relativo no absoluto. JOKO: Sim. Não há nada de errado com a dor em si: nós apenas não gostamos dela. Quando estamos plenamente despertos. O mundo fenomênico das pessoas. rei de Corinto. bem lembrado. Se estivermos alertas para o que está se passando em nossos pensamentos e em nosso corpo neste momento. pois assim estaríamos trazendo para a prática o faíso deus e nos recusaríamos a despertar para sua verdadeira natureza. colina acima. nem algo entre esses dois. ALUNO: Com o tempo descobri que o que começa a aparecer durante a prática não é tanto prazer ou dor. quando chega ao alto. neste momento. o rochedo rola para baixo. condenado pelos deuses ao Hades em punição eterna. são a mesma coisa. Mas não devemos ir em busca disso e tentar escapar da dor.JOKO: Não é necessário. Eu não diria que é "um meio de chegar ao absoluto". e. SÍSIFO E O FARDO DA VIDA A mitologia grega fala de Sísifo. Em vez de ir em busca de um ideal unilateral. O absoluto sempre engloba a dor e o prazer. teremos mais do que o suficiente com que trabalhar. precisamos nos curvar diante do absoluto no relativo. da energia. Porém. a prática também pode ser agradável. Não existe algo chamado absoluto que seja maior do que o relativo. Ele se esforça para empurrar a . mas apenas interesse. São os dois lados de uma mesma moeda. A vivência pode ser vista como uma espécie de curiosidade. ALUNO: Estamos falando da diferença entre o absoluto e o relativo? Podemos dizer que o absoluto é prestar atenção em tudo e que o relativo é ir apenas atrás de prazer e conforto? Relaxar no casulo da dor seria então um meio de se chegar ao absoluto? JOKO. das árvores e dos tapetes e o mundo absoluto do puro nada incognoscível. Devemos honrar todas as coisas. Para sempre ele tem que empurrar um rochedo imenso. pedra imensa colina acima apenas para vê-la descer tudo de novo, interminavelmente, eternidade afora. Como todos os mitos, essa história contém um ensinamento. Como vocês vêem esse mito? Do que ele trata? Como um koan, tem muitos aspectos. O mito sugere para mim que a vida é um ciclo. Existe um começo, um meio e um fim e então começa tudo de novo. ALUNO: Isso me faz pensar na prática de ficar limpando e limpando o espelho. Temos de fazê-lo até desistir e viver o momento presente. ALUNO: ALUNO: O castigo de Sísifo é horrível só se ele espera que um dia termine. Esse mito me recorda a ação obsessiva, quando estou preso num ciclo repetitivo de comportamentos e pensamentos. Sísifo parece uma pessoa que está lutando com a vida e seus fardos, tentando livrar-se deles. Essa história parece a nossa prática. Se vivemos cada momento, sem o pensamento de alguma meta, ou de chegar em algum lugar ou de finalmente obter alguma coisa, então nós apenas vivemos. Fazemos o que há em seguida: empurrar a rocha, ela rolar, e então empurrar de novo. ALUNO: Penso que a história de Sísifo representa a idéia de que não existe esperança. ALUNO: A natureza de minha mente é não ficar satisfeito com meus próprios feitos e ter mais interesse no desafio de chegar em algum lugar. Assim que consigo algo, ele não me diz mais muita coisa. ALUNO: ALUNO: ALUNO: Sísifo é quem eu sou. Somos todos Sísifos, tentando fazer alguma coisa com nossas vidas e dizendo "Não posso". O próprio rochedo é o "Não posso". A questão que eu gostaria de colocar é o que quer dizer fazer o mal? É interessante que alguém tenha julgado Sísifo por ele ter feito o mal e que tenha sido condenado a um local especial chamado Hades. Deixando porém essas questões de lado, se pudermos ver que só existe este momento, então empurrar a pedra colina acima ou vê-la rolar para baixo são, em certo sentido, a JOKO: ALUNO: mesma coisa. Nossa interpretação comum é que a tarefa de Sísifo é difícil e desagradável. Contudo só o que acontece é empurrar a pedra e vê-la voltar, um momento depois do outro. Como Sísifo, estamos todos apenas fazendo o que estamos fazendo, de momento a momento. Acrescentamos julgamentos a essas atividades, contudo, acrescentamos-lhes idéias. O inferno não está em empurrar a pedra, mas em pensar nisso, em criar idéias de esperança e desapontamento, em indagar-se se um dia será possível finalmente fazer com que a pedra fique lá em cima. "Trabalhei tanto! Talvez desta vez a pedra fique." Nossos esforços de fato fazem com que as coisas aconteçam e, fazendo com que elas aconteçam, chegamos ao segundo seguinte. Talvez a pedra fique no alto por um certo tempo; talvez não. Nenhum dos dois acontecimentos é, em si, bom ou mau. O peso da pedra, 0 fardo, é o pensamento de que nossa vida é uma luta, de que deveria ser diferente do que é. Quando julgamos o fardo como algo desagradável, procuramos meios para escapar. Talvez uma pessoa se embebede para esquecer do que é empurrar a pedra. Outra manipula as pessoas para ajudá-la com isso. Muitas vezes tentamos empurrar essa carga para uma outra pessoa, para fugirmos do trabalho. Qual poderia ser o estado iluminado para o rei Sísifo? Se ele empurrar a pedra alguns milhares de anos, o que por fim irá compreender? ALUNO: Ser uno com o ato de empurrar, a cada momento. JOKO: Simplesmente empurrar a pedra e abandonar a esperança de que sua vida será outra coisa. A maioria de nós imagina que o estado iluminado será algo muito mais agradável do que empurrar pedras! Alguma vez você já acordou pela manhã resmungando: "Não quero nem pensar em todas as coisas que tenho pela frente hoje'' ? Mas a vida é como ela é. E nossa prática trata não de fazer a vida ser gostosa, mesmo que essa seja uma esperança muito humana. Todos gostamos das coisas que nos fazem sentir bem. Gostamos em especial dos companheiros que nos fazem sentir bem. Se isso não acontece, concluímos que as coisas precisam ser mudadas, que ele ou ela precisa mudar! Por sermos humanos, pensamos que nos sentir bem é o objetivo da vida. Mas, se apenas empurrarmos nossa pedra atual e praticarmos para tomar consciência do que acontece em nós enquanto a empurramos, lentamente iremos nos transformar. O que significa transformar? ALUNO: Mais aceitação, menos julgamentos, descontração diante da vida, abertura para a vida. mais JOKO: Abertura para a vida e aceitação estão um pouco fora do alvo, embora seja difícil encontrar palavras exatamente corretas. ALUNO: A iluminação tem algo que ver com chegar ao zero, ao "não-Iugar". JOKO: Mas o que significa para um ser humano o "não-Iugar"? O que é esse "não-Iugar"? ALUNO: O agora, o já. JOKO: Sim, mas como o vivemos? Vamos supor que acordo de manhã com uma forte dor de cabeça e que tenho uma agenda lotada. Todos temos dias assim. O que significa "estar no zero" diante disso? ALUNO: Significa estar ali com todos os meus sentimentos e com todos os meus pensamentos — simplesmente estar ali, sem acrescentar mais nada extra. Sim, e mesmo que acrescentemos algo extra isso também faz parte do pacote, parte da vida como ela é neste momento. Parte do pacote é: "Eu simplesmente não quero fazer tudo deste dia". Quando esse pensamento é o que reconheço como presente, então estou apenas empurrando a minha pedra. Passo por esse dia difícil e o que me resta para o dia seguinte? De alguma forma o rochedo deslizou de volta para baixo enquanto eu estava dormindo, de modo que lá vou eu de novo: empurrar, empurrar, empurrar. "Eu detesto isso... sim, eu sei que detesto. Gostaria que tivesse um jeito de sair, mas não tem ou pelo menos eu não enxergo nenhum agora." Perfeito sendo como é. Quando nós vivemos de verdade cada momento, o que acontece com o fardo da vida? O que acontece com nossa pedra? Se formos totalmente o que somos, a cada segundo, começamos a sentir a vida como algo feliz. Entre nós e uma vida feliz estão nossos pensamentos, nossas idéias, nossas expectativas, nossas esperanças e nossos receios. Não é que tenhamos que ter uma completa boa vontade com respeito a empurrar a pedra. Podemos ter má vontade desde que reconheçamos nossa má vontade e JOKO: simplesmente a sintamos. Má vontade não é problema. Uma parte fundamental de toda prática séria é "Não quero fazer isso". E não fazemos. Mas, quando nossa má vontade é carregada pelos esforços para escapar, a questão é outra. "Bom, vou comer outra fatia deste bolo de chocolate. Acho que sobrou uma"; "Vou telefonar para minhas amigas e falar de como tudo é terrível"; "Vou me enfiar num canto para poder realmente ficar me preocupando com minha vida horrível e com toda a pena que sinto de mim". Que outras maneiras existem para se escapar? ALUNO: ALUNO: ALUNO: ALUNO: Ficar muito ocupado até me esgotar. Ficar adiando. Fazer planos e então refazê-los sem parar. Meu jeito é ficar doente algum tempo. JOKO: É verdade, costumamos fazer isso: ficar resfriados, torcer o tornozelo, pegar gripe. Quando rotulamos nossos pensamentos, ficamos conscientes de como escapamos. Começamos a ver as mil e uma formas pelas quais tentamos escapar de viver este momento, de empurrar a nossa pedra. Desde o momento em que nos levantamos pela manhã até a hora em que vamos dormir, estamos fazendo alguma coisa; empurramos a nossa pedra o dia inteiro. É o nosso julgamento a respeito do que estamos fazendo que causa a nossa infelicidade. Podemos nos julgar vítimas: "Estou trabalhando com alguém que não é justo comigo1';' 'Não consigo me defender''. Nossa prática é ver o que estamos empurrando — chegar nesse fato básico. Ninguém se dá conta disso o tempo todo; eu com certeza não. Mas reparo que as pessoas que estão praticando já há algum tempo começam a ter um certo senso de humor a respeito de sua carga. Afinal de contas, a idéia de que a vida é um fardo é só um conceito. Estamos simplesmente fazendo aquilo que estamos fazendo, segundo a segundo. A medida de uma prática frutífera é sentirmos que a vida é menos um fardo e mais um motivo de contentamento. Isso não significa que não existe tristeza, mas a vivência da tristeza é o que justamente traz contentamento. Se não percebermos essa mudança depois de algum tempo de prática, então ainda não teremos entendido o que é a prática; essa mudança é um barômetro muito confiável. Os fardos sempre estão aparecendo em nossos caminhos. Por exemplo, vamos supor que preciso passar um certo tempo com alguém de quem não gosto, e isso me parece um fardo. Ou tenho uma semana difícil pela frente e fico desanimada com essa perspectiva. Ou as turmas que tenho neste semestre são de alunos despreparados. Criar filhos pode nos fazer sentir sobrecarregados. Doenças, acidentes, quaisquer obstáculos que nos venham pela frente podem ser sentidos como fardos. Não podemos viver como seres humanos sem encontrar dificuldades, que podemos resolver chamar de "fardos". A vida então começa a ser tão pesada. ALUNO: Acabei de me lembrar de um conceito da psicologia que fala da "querida carga". JOKO: Sim, embora a "querida carga" não possa permanecer apenas em nossas cabeças; ela deve transformar-se em nós. Existem muitos conceitos e noções maravilhosos, mas se eles não se tornarem nós, como somos, podem tornar-se os fardos mais hostis de todos. Entender uma coisa intelectualmente não basta; às vezes é pior do que não entender nada. ALUNO: Estou com dificuldade para compreender a idéia de que estamos sempre empurrando a pedra colina acima. Talvez porque neste momento as coisas todas parecem estar a meu favor. JOKO: É possível. Às vezes as coisas realmente vão ao nosso encontro. Podemos estar vivendo o auge de um novo e maravilhoso relacionamento. O novo emprego continua excitante. Mas há uma diferença entre as coisas nos serem favoráveis e o verdadeiro contentamento. Vamos supor que estamos num desses belos períodos em que temos um bom relacionamento ou um bom emprego, e tudo está uma maravilha. Qual é a diferença entre essa sensação boa, que se baseia em circunstâncias, e o contentamento? Como saber? ALUNO: JOKO: Tememos que possa acabar. Em alguma tensão corporal. E como esse medo se manifestaria? ALUNO: JOKO: A tensão corporal sempre estará presente se nossa sensação boa for apenas aquela felicidade comum, centrada em si mesma. O contentamento não tem tensão, porque aceita tudo que é como é. Às vezes, empurrando a pedra colina acima, teremos mesmo assim uma fase boa. Como é que o contentamento aceita essa sensação boa? ALUNO: Simplesmente como é. JOKO: Sim. Sem sombra de dúvida, se estivermos num bom período de nossas vidas, vamos desfrutá-lo, mas sem nos apegarmos a isso. Nossa tendência é preocuparmo-nos com seu fim e então tentaremos nos agarrar a ele. ALUNO: É, eu percebo que, enquanto estou simplesmente vivendo e desfrutando isso, estou bem, E quando eu paro e penso "Isso está ótimo" que eu começo a me preocupar com "Quanto tempo isso ainda vai durar?". JOKO: Nenhum de nós escolheria ser Sísifo, mas, em certo sentido, todos somos. ALUNO: Todos temos pedras na cabeça. Sim. Quando nos entretemos com a pedra que está sobre nossa cabeça, o rochedo da vida parece pesado. Mas, por outro lado, nossas vidas são apenas aquilo que estamos fazendo. O modo de ficarmos mais contentes em só viver nossa vida como ela é, em só tornar mais leve o fardo de cada dia, é ser essa vivência de constante aliviar. Essa é a forma de conhecimento que vem da experiência, e o entendimento intelectual pode decorrer dela. Se eu soubesse que a pedra ia descer todas as vezes eu poderia pensar: *'Bom, vamos ver com que rapidez consigo levála até o alto desta vez. Talvez eu possa melhorar meu tempo". Eu transformaria isso num jogo ou criaria alguma espécie de significado em minha mente. JOKO: Mas se estamos fazendo isso desde sempre, ou mesmo durante uma vida inteira, o que acontecerá com o significado que criarmos? Essa será uma criação puramente intelectual; mais cedo ou mais tarde, cairá por terra. Esse é o problema do "pensamento positivo" e das afirmações: não podemos mantê-las funcionando para sempre. Esses esforços nunca são o caminho da liberdade. Na realidade, nós já somos livres. Sísifo não era prisioneiro no Hades, vivendo em eterno castigo. Ele sempre estava livre porque estava fazendo o que estava fazendo. ALUNO: JOKO: RESPONDENDO ÀS PRESSÕES Antes do serviço, recitamos o verso do Kesa: "Vasto é o manto da libertação, o campo informe de benefícios. Visto o ensinamento universal, salvando todos os seres sensíveis" *. A frase "campo informe de benefícios" é particularmente evocativa; traz à tona quem somos e qual é a função de um serviço religioso. O ponto da prática do zen é sermos quem somos — um campo informe de benefícios. Essas palavras parecem muito belas, mas vivê-las em nossa própria vida é difícil e confunde. Consideremos de que maneira lidamos com a pressão ou o estresse. Aquilo que para alguém é pressão para outro não é. Para uma pessoa tímida, pressão poderia ser atravessar uma festa apinhada de gente. Para outra, pressão poderia ser ficar sozinha, ou cumprir prazos. Há indivíduos para quem pressão seria ter uma vida lenta, monótona, sem nenhum prazo a cumprir. Um novo filho, um novo namorado, um novo amigo podem ser focos de pressão. O sucesso também. Há pessoas que lidam bem com o fracasso, mas não com o sucesso. Pressão é aquilo que nos faz ficar tensos, que nos desperta a ansiedade. Temas, diferentes estratégias. para. respondera pressões. Gurdjieff, intérprete do misticismo sufi, chamava nossa estratégia de "aspecto principal" **. Precisamos aprender qual é o nosso aspecto principal — a maneira mais comum de lidarmos com pressões. Quando está sob pressão, uma pessoa tende a recuar, outra se esforça para ser perfeita ou para ser mais estrela ainda. Há quem responde à pressão trabalhando mais, e há os que então trabalham menos. Alguns fogem, outros tentam dominar. Há os que se ocupam e falam bastante; e há os que se tornam mais calados do que o habitual. Descobre-se qual é o aspecto principal observando-se quando se está sob pressão. Todo dia quando acordamos, é provável que haja alguma coisa adiante naquele dia que irá nos causar alguma * Francis Dojun Cook, How to raise an ox. Zen master Dogen's Shobogenzo, including ten newly translated essays, Los Angeles: Center Publications, 1978, p. 24 e S. ** Para maiores comentários sobre o conceito de um "aspecto central" ver Don Richard Riso, Personatity types: Using the enneagram for self-discovery, Boston: Houghton Mifflin, 1987. pressão. Quando as coisas estão difíceis, não há senão pressão em nossa vida. Em outras épocas existe muito pouca pressão e então pensamos que as coisas estão indo bem. Mas a vida sempre nos pressiona de alguma maneira. Nosso padrão típico de responder a pressões é criado bem no início de nossas vidas. Quando enfrentamos dificuldades na infância, o macio tecido da vida começa a formar pregas. É como se essas pregas formassem uma pequena bolsa que usamos para esconder nosso medo. O modo como escondemos nosso medo — essa pequena bolsa, que é nossa estratégia para dar conta da situação — é nosso aspecto principal. Enquanto não enfrentarmos nosso "aspecto principal" e vivenciarmos nosso medo, não conseguiremos ser aquela totalidade contínua, o "campo informe de benefícios". Em vez disso estamos todos repletos de pregas, de calombos. Ao longo de uma vida inteira de prática, o aspecto principal da pessoa muda quase que inteiramente. Por exemplo, eu costumava ser tão tímida que, se tivesse de comparecer a uma sala onde estivessem dez ou quinze pessoas, por exemplo, ou a um coquetel para pouca gente, eu levaria uns quinze minutos andando de um lado para outro lá fora antes de conseguir reunir a coragem necessária para entrar. Hoje, no entanto, embora eu não prefira grandes festas, sinto-me à vontade nelas. Existe uma grande diferença entre sentir tanto medo que mal se consegue entrar na sala e sentir-se à vontade nessa situação. Não estou querendo dizer que a personalidade básica da pessoa mude. Eu nunca serei ''a alma da festa'', mesmo que viva até os 110 anos. Gosto de olhar para as pessoas que estão numa festa e de conversar com algumas delas; esse é o meu jeito. Muitas vezes cometemos o erro de supor que podemos apenas nos retreinar através de esforços e auto-analise. Podemos pensar na prática zen como um estudo de nós mesmos, para podermos aprender a pensar de maneira diferente, da mesma forma como poderíamos aprender xadrez ou culinária francesa. Mas não é isso. A prática zen não é como aprender história da antigüidade, matemática ou culinária refinada. Esses tipos de aprendizado têm seu lugar, sem dúvida, porém quando se trata de nosso aspecto principal — o modo como mais comumente lidamos com a pressão — é nosso mau uso da mente individual que criou a contração emocional. Não podemos usá-la para se corrigir; não é natural. pensamentos positivos". se estamos procurando outro trabalho. a tensão corporal. Quando nos programamos para ter pensamentos positivos ainda não chegamos realmente a nos compreender e sendo assim continuamos a entrar em dificuldades. tendemos a experimentar todas as espécies de falsas soluções. Essa que observa não é pensamento porque o observador pode observar o pensamento. Se criticamos nossa mente e nos dizemos: "Você não pensa muito bem. Sabemos que algo em nós não vai bem porque não estamos em paz. Ou. iniciam sua prática zen do mesmo modo. Se perdemos nosso emprego. então não vou forçá-la a pensar". dessa maneira. Contudo. uma vez que passaram sua vida inteira usando a mente para resolver problemas e. (Ninguém melhor que eu para saber como é assim!) A estratégia nunca deu certo e nunca dará. ainda estamos usando nossa mente para tratar de nossa mente. ou "Você alimentou todos esses pensamentos destrutivos. Esse ponto é sobretudo difícil para os intelectuais absorverem. Existe uma única maneira de se escapar a esse laço fechado e nos enxergar com clareza: temos de dar um passo além do alcance de nossa pequena mente e observá-la. a única coisa a fazer é procurar outro. torna-se mais claro.podemos usar nossa pequena mente para corrigir a pequena mente. Nosso aspecto principal irrompe em cena. Não sabemos como atacar o problema. Os pensamentos inundam a nossa mente. Temos de notar como a mente produz esses enxames de pensamentos autocentrados e cria. mas se não estamos habituados a ele parece novo e desconhecido e talvez assuste. Vamos supor que perdemos o emprego. A distorção em nosso modo de pensar distorce nossos esforços para corrigir a distorção. Uma dessas "soluções" é nos treinar a pensar de modo positivo. supondo que precisamos de dinheiro. Temos de observar a mente e reparar no que ela está fazendo. criando emoções variadas. É um problema formidável: aquilo mesmo que estamos investigando é também o nosso meio ou instrumento de investigação. O processo de dar um passo atrás não é complicado. encobrindo nosso medo para que não precisemos enfrentá-lo diretamente. em geral não é isso que fazemos. Essa é apenas uma manobra da pequena mente. podemos não agir com . agora você deve ter pensamentos agradáveis. Com persistência. Se gostamos de nos preocupar. Nossa prática sentada mostra-nos como estamos levando nossa vida e nossa vida mostra-nos o que fazemos quando nos sentamos para a prática. Quanto mais observarmos nossos pensamentos e ações.eficiência porque ficamos muito ocupados com o nosso aborrecimento e com o transtorno causado pelo aspecto principal. ficaremos preocupados. e esse observador desaparecerá. a pessoa será um ser plenamente realizado. Durante muitos anos. encontraremos em nossa prática sentada uma maneira de nos esquivar do sentar. Com o tempo. Podemos tentar esquivar-nos do problema pensando em alguma coisa inútil ou irrelevante. se gostamos de fantasiar. a prática refere-se a fortalecer o observador. observando nossos pensamentos. estaremos disponíveis para fazer o que estiver pela frente. iremos fantasiar. mais sentimo-nos disponíveis para vivenciar o medo que apareceu antes de tudo. Como lidar com isso? Nosso aspecto principal aparece no mesmo instante. Nossas próprias vidas são um vasto campo de libertação. um campo informe de benefícios. Podemos usar alguma droga para silenciá-lo. Usamos qualquer truque mental que conseguimos encontrar: preocupações. vivenciando as sensações que recebemos a cada segundo. apenas sendo quem somos. A transformação começa com a compreensão do que está dito no verso do Kesa: "Vasto é o campo da libertação". Quanto mais se desfaz. Não precisaremos então do observador para mais nada. podemos ser a própria vida. o nosso aspecto principal. Quando vestimos os ensinamentos da vida. Quando esse processo estiver completo. sem resistência. Sentar para a prática é como nossa vida diária: o que aparece quando nos sentamos é o pensamento a que queremos nos apegar. De repente sentimos a pressão. A transformação não começa com a pessoa dizendo para si mesma: "Tenho que ser diferente". então estamos nos dedicando a nos salvar e a salvar todos os seres sensíveis. recriminações. justificativas. . Se gostamos de fugir da vida. Vamos supor que alguém nos criticou. mais nosso aspecto principal tenderá a desaparecer. Aquilo que fazemos em nossa prática sentada é como o microcosmo do resto de nossas vidas. um buda — embora eu ainda não tenha conhecido ninguém cujo processo tenha ficado completo. embora possam parecer diferentes. ALUNO: Freqüentemente. Seu modo de encobri-lo é parecer ser tão boa pessoa. o que não é em absoluto da minha conta. O que realmente quero é atacar. Isso é inevitável. por algum tempo. sou um tubarão assassino. para cada pessoa. quando me sinto criticado. Quando me sinto pressionado — em especial quando me sinto criticado —. Conforme vamos desenterrando essas camadas de fúria. JOKO: Essa ira esteve ali o tempo todo. ALUNO. comportamentos diferentes em resposta à pressão advêm da mesma abordagem básica diante do medo. JOKO: Mesmo assim. no entanto. Na prática genuína. fazer tantas coisas e ser tão maravilhoso que ninguém jamais consiga ver quem você de fato é — alguém morto de medo.ALUNO: Meu "aspecto principal" parece mudar conforme a situação. tento não somente revidar. Quando elas são importantes para mim. Sinto-me como se estivesse vendo um amigo se afogar e não lhe dou um salva-vidas. porém. O processo não dura para sempre. consigo enxergar os padrões das outras pessoas com muito mais rapidez do que o meu. estamos nos tornando mais honestos e nosso falso estilo superficial está começando a se dissolver. nossa fúria é apenas um estágio que passa. E é o medo que não se vivenciou. ser uma boa pessoa e um bom profissional é seu disfarce. dominador e Fico com raiva. sentimo-nos muito mais incomodados do que quando começamos. por trás de meus esforços para agir de forma correta está uma raiva enorme. não devemos infligir nossa fúria aos outros. mas com certeza é muito desagradável enquanto dura. . Existe um tubarão assassino em todo mundo. Sob pressão em geral sou controlador. Quando de fato interfiro. De vez em quando podemos até explodir. Porém. porém. No ano passado. cheguei à constatação de que. dou duro e tento fazer bem as coisas. mas sentar-me na ansiedade e no medo. em geral me dá a sensação de que estou me intrometendo em suas vidas. posso tornar-me retraído e calado. sinto a tentação de lhes dizer o que vejo. Existe um padrão intrínseco que está sendo expresso. é importante não deixá-la vazar para nossas condutas. mas isso é melhor do que fugir ou mascarar nossa reação. Em outra situação. É como um espelho. é óbvio que podemos observar. ALUNO: Parece que uma sensação desagradável consegue me ancorar no presente e focalizar minha atenção no aqui-agora. por mais que o procuremos. está certo responder. essa é em geral a melhor resposta. o observador não está ali. um espelho vazio. O observador nem mesmo aceita. Ninguém jamais observou a percepção consciente. O observador finalmente morre quando somos apenas a percepção consciente e não precisamos mais dele. Mas podemos nos afobar muito. O observador não critica. No entanto. Sempre que julgamos. no entanto é isso que somos — um "campo informe de benefícios". Se seu pedido for sincero. De vez em quando as pessoas nos pedem ajuda.JOKO: É importante esse ponto. nos atirar em conselhos. ALUNO: O observador não é de fato parte da pequena mente? JOKO: Não. Eu sei: eu era assim. Se passam rosas à sua frente. acrescentamos um outro pensamento que necessita ser rotulado. Se não aparece um objeto (por exemplo. O espelho não julga. Nós somos percepção consciente. Mas apressamo-nos em dar opiniões quando ninguém as quer. como um espelho. O que significa ser um campo informe de benefícios? Todos vemos as pessoas fazendo coisas que evidentemente lhes são prejudiciais. ele reflete lixo. Nunca conseguimos encontrar esse observador. Uma antiga máxima zen aconselha a não responder enquanto não nos tiverem solicitado três vezes. O observador não tem emoções. Poderíamos dizer que o observador é uma dimensão diferente da mente. O espelho continua sendo um espelho. Se passa lixo à sua frente. . que existe no nível linear comum. mas não um aspecto da pequena mente. Ele simplesmente observa ou reflete. O observador é uma função da percepção consciente que só surge quando temos o aparecimento de um objeto em nossa vivência no mundo fenomênico. O que devemos fazer? ALUNO: Não basta estar consciente e ser presente para elas? JOKO: Sim. ele reflete rosas. Se a pessoa realmente quer sua opinião insistirá. Julgar não é algo que o observador faça. A maioria de nós se compõe de consertadores. no sono profundo). só observa. Tudo apenas passa à sua frente. apesar de nunca conseguirmos localizálo. Com contentamento. Nossa tendência é não aprender isso a menos que sintamos desconforto. nós o destruímos. ele começa. o desconforto e a dor nos remetem de volta ao presente. mas logo sinto um certo incômodo ao pensar que o barulho e o alarido podem recomeçar a qualquer instante. O desconforto e a dor não são a causa de nossos problemas. Em nossa tentativa de reter o prazer. Uma vez que queremos nos apegar ao prazer e afastar a dor. porém. Podemos imaginar que tem milhões de pontos de saída. Até mesmo no prazer tem um elemento de desconforto. Ambos são contentamento. JOKO: Prazer e dor são apenas pólos opostos. Quando estamos praticando bem. todos ao nosso alcance.JOKO: Temos o antigo ditado segundo o qual na última essência do homem está a oportunidade para Deus. Quanto mais conscientes estivermos de nosso desconforto e de nossos esforços para escapar. O contentamento está em ser disponível para que as coisas sejam como são. desenvolvemos um sistema — um aspecto principal para lidar com as coisas desagradáveis — e vivemos desde então com base nisso em vez de ver a vida como ela é. desenvolvemos uma estratégia de escape. a causa é que nós não sabemos o que fazer com essas sensações. A postura sentada torna mais óbvio nosso desejo de escapar ou de fugir. ALUNO: A BASE DE APOIO Na vida cotidiana estamos munidos do que podemos chamar de uma base de apoio imaginária: é elétrica e nos arremessa para cima toda vez que temos pela frente algo que nos parece um problema. Por exemplo. Quando as coisas são agradáveis. mais transtornos serão criados no mundo fenomênico: desde guerras internacionais até discussões pessoais e brigas em nosso íntimo. Se o barulho começa. Quando alguma coisa desagradável nos acontece enquanto somos crianças. é um prazer ter um pouco de paz e silêncio. não há outro lugar aonde ir. porém. não há polaridade. tentamos nos apegar às amenidades. Toda vez que nos sentimos ameaçados ou . todos esses problemas surgem porque nos separamos de nossas vivências. Quando estamos sentados na prática e verdadeiramente parados. não tínhamos suficiente maturidade para nos haver com eles de maneira sábia. Quando éramos crianças pequenas. "Afinal de contas. No que me diz respeito. Nossos pais não foram seres perfeitamente iluminados. Dessa época em diante.aborrecidos. Como resultado. tem algo de errado com ela. Assim que a base de apoio estiver construída. Os fatos em si são ela ter dito uma coisa para mim. suponhamos que Gloria falou comigo com muita arrogância. do nosso ponto de vista pessoal. Estamos ligados nela. desenvolvemos uma visão muito estranha da nossa vida. mas de ter acionado minha base de apoio. Essa reação defensiva é nossa base de apoio. Parece bobagem. E tentamos nos contrapor ao que está acontecendo. Tomamos uma decisão a respeito da vida cotidiana — a vida como ela é realmente: ela é inaceitável. ela não tem nada que ver com isso. porém é isso que fazemos. veja só o que ela fez! Ela realmente é uma pessoa desagradável!" Agora estou com raiva dela. não queríamos vivenciar coisas desagradáveis e. A verdade. no entanto. meu aborrecimento não vem dela. nem budas. a vida não foi mais vivida pelo prazer de se estar vivo. Na hora. Ela e eu podemos ter uma pequena discussão para resolver. sempre que algo desagradável nos atingir — mesmo que seja só um olhar um pouco atravessado de alguém —. Vivencio essa base como uma espécie de . Tudo isso é inevitável. mas outros seres e circunstâncias também contribuíram. Não queríamos que ninguém nos contrariasse. por exemplo. podemos acioná-la infinitas vezes. mas para assegurar nossa base de apoio. assim. Embora seja verdade que ela tenha dito algo. criamos uma reação defensiva para bloquear a possível infelicidade. é que minha diferença não é com Gloria. nós acionaremos essa base. talvez ficávamos retraídos. acionamos esse dispositivo e reagimos à situação. durante o dia. mas damos-Ihe uma atenção especial em períodos de estresse e ameaça. Essa base de apoio representa nossa decisão fundamental a respeito do que temos de ser para sobreviver e obter da vida aquilo que queremos. Por isso acionávamos nossa base de apoio e tínhamos acessos de birra. mas a verdade da questão é que ela simplesmente disse algo. porém. fazíamos escândalos. Ainda quando éramos crianças descobrimos que a vida não era sempre do jeito que queríamos que fosse e que as coisas muitas vezes davam errado. Ela pode conter um número infinito de tomadas de acionamento e. sinto-me separada de Gloria. "Quem mais poderia ser? Ninguém mais me insultou hoje. Ele não entendia sua vida." Para revidar. me parece óbvio: o problema é Gloria. a verdadeira fonte de meu aborrecimento não é Gloria. Se o incidente for significativo. a contração está sempre lá. pensamos que vem de fora. que foi despedido do emprego em que se havia mantido por quarenta anos. mas seu comportamento não é a fonte de minha dor.tensão. Alguém ou algo nos tratou muito mal. Todavia é a minha base de apoio que está causando o meu incômodo. num tempo relativamente curto eu o terei esquecido e acionarei minha base de apoio a respeito de alguma outra coisa. gradualmente tornamonos mais conscientes de nosso corpo e percebemos que está o tempo todo contraído. como uma tensão marginal. Não quero ter nada que ver com essa sensação. Na realidade. Correu para o telhado. Algo tinha ocorrido. a contração aumenta. Não sabemos o que fazer com esse choque. Ele estava com sua base de apoio funcionando a todo vapor e seu sofrimento era tão intenso que não conseguiu suportá-lo. começo a planejar: "Como posso dar-lhe o troco? Talvez eu não fale com ela nunca mais. eu não quero que ela seja mais minha amiga. Já tenho problemas suficientes. "de lá". invisível para as outras pessoas. levamos um intenso choque de nossa base de apoio. . Quando ficamos de fato aborrecidos. Algumas pessoas estão tão fortemente contraídas que isso se toma evidente para os outros. posso tomar um curso drástico de ação. Lembro-me de um amigo da família. durante a Grande Depressão. Mesmo que a pessoa tenha tido uma vida relativamente fácil e feliz. Nos primeiros anos em que nos sentamos para praticar. Ela fez uma coisa de que eu não gostei. no entanto. mas não era caso para suicídio. Sempre que algo representativo acontece em nossa vida. O que podemos fazer com essa contração? A primeira coisa é tomar consciência de que ela existe. Se ela vai ficar fazendo isso. Não preciso de Gloria". Depende da história particular de cada um. Isso leva em gera] alguns anos de prática. é verdade. Com Gloria. então entro em guerra com Gloria. Tem de ser ela. atirou-se e assim se matou. Se o incidente for banal. Embora tenha vindo de dentro de nós. que é desagradável. A fonte de minha dor é minha base de apoio fictícia. Quando nos sentamos para a prática. Em geral a contração é muito discreta e sutil. Somos vítimas. iremos nos conscientizar da contração marginal subjacente que sempre esteve ali. raiva. mas na realidade a discussão é de cada um com sua própria base de apoio. Há muitos anos. Uma outra coisa que aumenta a confusão é que nós gostamos de nossa base de apoio. Minha vaga no estacionamento ficava perto da entrada do laboratório. A prática não diz respeito aos eventos temporários de nossa vida. eu podia saltar do . Ela se refere à nossa base de apoio. então posso exigir muita atenção discutindo com a Gloria. Esta registra os eventos temporários. E isso que constitui a prática sentada: encarar o terror e ser a tensão — secundária ou predominante — no corpo. pensam que sua briga é de um com o outro. trabalhei para uma grande companhia. Queremos lidar com nossos principais problemas através de nossa base de apoio. Dependendo dos eventos e de como nossa base de apoio os registra. em vez disso. Tenho confiado nela desde meus tempos de criança e não quero me livrar dela. chamamos nossas reações de aborrecimento. não chegamos a parte nenhuma. Esse transtorno não é pelos eventos. Ela nos confere importância própria. Se eu fosse me desfazer dela. Temos de lidar com eles e acalmar nossas vidas até que nossas reações emocionais não sejam tão destrambelhadas. prefiro enfrentar a Gloria. não é essa a fonte do problema. o que considero como minha proteção diante do mundo. A partir de então. mantenho minha base de apoio. podemos nos tornar conscientes da contração com mais intensidade do que quando algo dá errado do nosso ponto de vista. quando chovia. Não queremos fazer isso. Por exemplo. Quando ajo assim. quando tentamos resolver uma desavença lidando com nosso cônjuge de alguma maneira. Era a assistente do chefe de minha seção. Acontece uma briga quando cada uma das pessoas sintoniza sua própria base de apoio numa reação a alguém. desforrando-me dela. e assim ela fica sabendo com quem se meteu. teria de encarar todo o meu terror. um laboratório de pesquisa científica. Quando nossas vidas tiverem se tornado um pouco mais assentadas e normais. mas por nossa base de apoio. Esses pensamentos mascaram a contração subjacente. depressão.lidamos em geral com os pensamentos mais ostensivos que ruminamos a respeito dos aparentes problemas que temos com o universo. o tempo todo. se um casal está discutindo. Era bom isso. Quando não entendo minha base de apoio. Por isso. Então a secretária do vice-presidente decidiu que aquela minha vaga era o melhor lugar para estacionar. em vez de estarmos apenas as duas batendo boca. nossos chefes estavam igualmente no conflito. Assim.carro e entrar no edifício sem ficar muito molhada. porque a porta conduzia também direto para o escritório do vice-presidente. A vaga era apenas uma espécie de símbolo para outras espécies de lutas. comecei eu mesma a expedir as comunicações. Meu chefe ficou furioso comigo. a secretária me telefonou e convidou-me para almoçar. Ela começou uma confusão e as comunicações internas começaram a voar para todo lado. Uma ou duas vezes no inverno fiquei realmente encharcada da cabeça aos pés. enquanto esperava que o sinal mudasse para verde. certa noite. Eu sempre tive esta vaga. Legalmente. Se temos uma base de apoio com muitas . que a leve". As comunicações deixavam de ser expedidas e de repente — toda vez que essa secretária me via — elas começavam de novo a voar de um lado para outro. Eram para o departamento de pessoal. Pensei: "Ela está tentando me tirar esta vaga. Meu chefe. no dia seguinte. Ela estava muito contrariada porque no papel seu cargo era superior ao meu e no entanto a melhor vaga era a minha. Uma semana mais tarde. Não estou querendo dizer que a gente deva sempre abrir mão de uma vaga no estacionamento. percebi o seguinte: "Não estou casada com aquela vaga. Com permissão do departamento de pessoal. Nossas desavenças nunca são com os outros. como não era uma questão muito grave. e para alguns outros lugares. quando saía da minha vaga. A verdadeira questão não era entre mim e essa secretária. acabou se acostumando com a situação. solidarizouse comigo e começou a lutar com o vice-presidente. porém. é minha". Quem era mais importante? Não havia uma resposta clara. manteve muitas pessoas ocupadas durante meses. Nesse caso. Toda noite. mas mantivemos uma relação cordial. Nunca nos aproximamos muito. a pessoa mais importante do laboratório de pesquisa científica. mas com nossa própria base de apoio. para o chefe dela. Essa luta durou meses. em vez de sete. num cruzamento. Nessa altura. eu sabia que estava certa. cedi minha vaga. Finalmente. Porém. Se ela a quer. enquanto essa controvérsia não foi resolvida. para o meu chefe. Foi surgindo um problema com essa vaga. No entanto. Seus egos estavam envolvidos. a questão era trivial: eu passei a ter de andar talvez quarenta ou cinqüenta passos. Não tenho um interesse especial em criar aberturas na base de apoio. Em si mesmas. Estamos muito apegados a ela para isso. o trabalho real está em dissolvê-la por completo. um pouco ali. essas aberturas não são importantes. Quando regressamos ao corpo. Depois de ficar em sesshin por algum tempo. uma vez que a base de apoio em geral retorna imediatamente a funcionar assim que deparamos com uma nova situação desagradável com alguém. conforme a mente for realmente se aquietando e tornar-se menos interessada em lutar com o mundo. depois trinta minutos ou mais. ela começa a se resolver um pouco aqui. então nossa capacidade de permanecermos sentados na prática aumentará. iríamos sentir-nos aterrorizados. ao longo dos anos de prática essa base de apoio vai ficando cada vez mais fina e menos dominante. Se entendermos a nossa prática. porém. praticamente qualquer coisa será motivo. a contração é tão secundária que nem conseguem perceber que está lá. quando não tivermos mais que brigar tanto porque chegamos a ver o que está por trás. Para a maioria das pessoas. exceto voltando pelo mesmo caminho e tornando a sentir os sentimentos originais. Sabemos que a . Uma vez que a base de apoio é nossa invenção e que não tem uma realidade fundamental. Não estamos interessados nisso. Nesse ponto. Mas está. Quando simplesmente nos sentamos e mantemos uma aproximação cada vez maior da sensação dessa contração. sem elas. talvez percebamos que ela sumiu. Não há meios de se escapar desse dilema. O objetivo da prática é tornarmo-nos amigos de nossa base de apoio. a maior parte do tempo. quando desistirmos de nossas posições em algumas lutas sem sentido. Podem ocorrer aberturas momentâneas. não é que desenterramos algum grande melodrama que se desenrola em nosso íntimo. Essa dor está revestida de raiva. Não iremos nos livrar dela de uma vez por todas. tal como nos sentíamos quando éramos muito pequenos. começamos a sentir que o problema real está naquela antiga criação constituída de dor — a dor da criancinha quando descobre que a vida não é aquilo que ela gostaria que fosse. e é por isso que sentar na prática se torna tão difícil. medo e outros sentimentos parecidos. Nós gostamos de nossas bases de apoio. dez segundos.tomadas prontas para nos ligarmos em qualquer uma delas. Depois ela pode voltar. aprendemos a descansar nela por períodos cada vez maiores: cinco segundos. aos poucos. Mas. Com o passar dos anos tornei-me mais hábil para reconhecer quando estou ligada nessa base de apoio. ou em mais dificuldades. a vida é muito sem esperança. mas não existe uma saída rápida e fácil. mas evitá-la através de algum drama. Procuramos formas de castigar os outros pelo que fizeram. quando ficamos com raiva. sem questioná-las. não há paz. * . em graus variáveis. algumas delas muito difíceis. que está presente em cada um de nós. Sem sombra de dúvida temos questões no mundo externo a serem resolvidas. Não há nada de errado com isso. com nossas contrações subjacentes — pode ser mais difícil do que a prática do koan *. "Eu realmente não tenho esperança". A coragem aumenta com a prática. Esta modalidade de prática — trabalhar diretamente com a base de apoio. "A vida simplesmente é injusta comigo". Mesmo depois de muito tempo sentados na prática. Praticar exige coragem. Não perco mais tanto esses momentos. Essa atividade é não vivenciar a nossa raiva. estamos desencadeando uma falsa briga e terminamos lá onde acabam todas as falsas brigas: em parte alguma. No entanto. temos também o impulso de atacar a outra pessoa. a pessoa sempre tem um pequeno incentivo ou recompensa para passar para o próximo koan. usada para aprofundar a meditação. Todos estamos sintonizados nela. Koan: uma questão paradoxal tradicional. O que nos contraria é estarmos funcionando a partir de nossa base de apoio. impossível de ser analisada racionalmente. eu inclusive.base de apoio está em ação quando nos sentimos contrariados com algo ou com alguém. Podemos nos flagrar ligando-nos na nossa base de apoio observando o modo como falamos conosco e com os outros: "Tem alguma coisa errada com ele. Contudo essas questões não são o que nos contraria. "Eu deveria ser melhor". essa abordagem não é tão fundamental quanto o trabalho sobre a base de apoio. Temos de deflagrar a verdadeira luta: permanecer com aquilo com que não queremos permanecer. É culpa dele. Ele tinha que ser diferente". não há serenidade. Com a prática do koan. Quando isso acontece. Estamos cientes dela? Sabemos o que significa praticar? Com que seriedade encaramos nossas dificuldades com as outras pessoas e com a vida? Quando estamos ligados nessa base. e eu às vezes trabalho com koans com meus alunos. Quando executamos essas sentenças em nossa mente. "Aqueles que poderiam molestar-me não conseguem encontrar-me aqui. Quando nos sentamos para a prática dessa energia. Todavia em geral nos cria problemas. com dignidade. Minha amizade com Gloria poderá acabar. que pode ser usada de um modo compassivo. Passar por uma experiência momentânea de estar sem a base de apoio não é a verdadeira iluminação. então resta só a energia. depois se transforma num lugar de grande descanso. de alguma maneira. a raiva é muito silenciosa. A pessoa que consegue fazer isso com grande consistência é alguém que chamamos de iluminado. A questão é o que fazer com ela? Se alguém dá uma trombada no nosso carro. irá devolvê-la para mim. A pessoa realmente iluminada é aquela que consegue transformar energia quase o tempo todo. sem ter prestado atenção. Sou um funcionamento para o que é bom. Não é fácil. Se manifesto minha raiva para Gloria. Uma frase do coral de Bach me vem à mente: "Em Teus braços eu descanso". Quando a expressamos porém." Por que é que eles não conseguem encontrar-me aqui? Porque não tem ninguém em casa. No entanto muitos processos são na realidade a respeito de alguma outra coisa e são contraproducentes. Não há manifestações. embora no começo seja doloroso. não estou dizendo que um processo nunca seja justificado. Pode ser às vezes necessário para resolver uma pendência.Muitas escolas de terapia incentivam que o cliente manifeste diretamente sua hostilidade. nossa atenção dirige-se para fora. Não tem ninguém aí. então os pensamentos pessoais e autocentrados se destacam do sentimento e ficamos diante da energia pura. Essa é a verdadeira história da prática. não iremos apenas sorrir com docilidade. e para o verdadeiro problema. não há teatralizações. Refere-se apenas a estar com aquela contração fundamental que denominei a base de apoio. Não que a energia não apareça mais. Isso significa descansar em quem eu realmente sou. Quando verdadeiramente vivida. Quando de fato ficamos com raiva. não sou mais eu. Tem uma certa dignidade. Teremos uma reação: "Mas que droga!". Quando sou energia pura. Essa transformação é o motivo pelo qual estamos sentados na prática. Quando o elemento pessoal — o modo como me sinto quanto a ela — é afastado. Mas e então? Por quanto tempo permanecemos nessa reação? A maioria de nós prolonga essa reação e a amplia ao máximo. para uma outra pessoa ou coisa. ela. Expressar nossos sentimentos é uma coisa natural e não algo terrível em si. E não acontece . Um exemplo é nossa propensão a mover processos. Nesse ponto. Sem problemas. Como diz Hubert Benoit em seu maravilhoso livro The supreme doctrine (A doutrina suprema) *. 1955. nosso sentimento de que fomos sacrificados pelos outros.do dia para a noite. prejudicando a nós e aos outros. e a prática na vida são os melhores caminhos para produzir essa transformação. Uma transformação fundamental aconteceu. alguma coisa muda." Existe uma verdadeira paz quando descansamos dentro dessa contração fundamental. Mas. a prática regular. Como me sinto a respeito de Gloria agora? Oh. Sentar para a prática incinera o elemento autocentrado e nos deixa com a energia de nossas emoções. The supreme doctrine: Psychologícal studies in zen thought. Nova York: Viking. * . quando estou num desespero real. quando nos sentamos para a prática. Pouco a pouco. não poderemos mais retornar ao modo como éramos. se praticarmos bem. 145. vai acontecendo uma mudança em nossa energia e mais um trecho de nossa base de apoio é incinerado. p. iremos com o tempo nos envolver cada vez menos em equívocos interpessoais. Sesshins. pelo menos deixe-me descansar nesse diva de gelo. II. Fomos Hubert Benoit. fico impressionada pelo fato de a primeira camada encontrada. apenas vivenciando o corpo como é. ser nosso sentimento de sermos vítimas. sem a destrutividade. Se eu conseguir verdadeiramente descansar aí. tivemos um pequeno desentendimento e daremos então um belo passeio a pé para conversarmos a respeito. Conforme nossas preocupações autocentradas forem sendo deixadas de lado. meu corpo irá conformar-se com ele e não haverá mais separação. "Em Teus braços eu me descanso. Sacrifício SACRIFÍCIO E VÍTIMAS Ouvindo muitas pessoas falarem de suas vidas. ainda é verdade e dói. . Na política parece que pensamos que devemos revidar. Com a prática tomamos consciência de termos sido sacrificados e nos aborrecemos muito com esse fato. Em vez de budas. então nossa prática estará amadurecendo. rotulando nossos pensamentos). Mas o que poderia ser? Conforme praticamos. Começamos a ver não só como fomos sacrificados. Podemos revidar. à raiva e à ignorância dos outros. tomamos consciência de nossa raiva por causa das coisas. temos pais como pais: falhos. apresentam variadas abordagens a respeito do que fazer quanto a tais experiências. irados. Até mesmo os melhores pais maltratam seus filhos às vezes. especialmente quando damos vazão à nossa raiva e ao nosso ressentimento e tentamos ficar quites. Ninguém tem um par de budas como pais.sacrificados à cobiça. confusos. Sentimo-nos magoados. porque são humanos. O primeiro estágio é simplesmente tornar-se consciente de ter sido sacrificado. Quando a dor que sentimos diante do que fazemos aos outros e a dor pelo que nos fizeram começarem a ser do mesmo tamanho. Muitas terapias tratam de desenterrar nossas vivências de vitimação. ou assim parece. ou podemos fazer alguma outra coisa. retraimento e indiferença. Se continuamos praticando (mantendo a atenção. autocentrados — como todos nós. Esses desejos variam muito quanto à sua intensidade: alguns são moderados. Eu fui maltratada pelos meus pais e com certeza maltratei meus filhos algumas vezes. manipulados. outros poderosos e persistentes. O segundo estágio consiste em trabalhar com o sentimento que decorre de tal conscientização: nossa raiva. nosso desejo de ficar quites. nosso desejo de magoar aqueles que nos magoaram. à sua falta de conhecimento de quem são. então algo diferente — embora também doloroso — começa a despontar em nossa consciência. como se alguém não nos tratasse do modo como devíamos ser tratados — e isso é verdade. de nosso desejo de descontar. de nossa confusão. Muitas vezes essa vitimação é cometida por nossos pais. E a Bíblia diz: o mal perpetua-se geração após geração. E. começa a nos parecer cada vez mais evidente que agora estamos sacrificando outras pessoas. Embora inevitável. Essa constatação pode ser ainda mais penosa do que a primeira. da mesma forma como fomos sacrificados. mas também como sacrificamos os outros. fazendo o melhor que podemos. existe apenas uma coisa que realmente queremos fazer: romper a cadeia. queremos compensar. Como interrompê-lo? Nós o interrompemos quando nos retiramos de nossos pensamentos amargos a respeito do passado e do futuro e começamos a esta. porque no passado sacrificamos outras pessoas. at one. sentimentos e de nossa raiva por tudo o que nossa vida tem sido. Embora possa ser necessário. no entanto. sarar junto. atone. pode não ser suficiente. mas não realizá-los. Não podemos apagar o que fizemos no passado. Assim que esse processo se toma mais claro. Dizer que sentimos muito — desculpar-nos — nem sempre é compensar. A prática religiosa trata de uma compensação. Precisamos constatar esses desejos. sentir culpa é uma expressão do ego: podemos sentir pena de nós (e nos sentirmos até nobres) se nos perdermos em nossa culpa. em quem quer que esteja sofrendo. Se uma em cada dez pessoas do mundo se dispusesse a romper a cadeia. * Nota da Tradutora: No sentido de pensar as feridas. Alguém tem de parar o processo. Por outro lado. não teria força suficiente para se manter por si. com iluminação? Uma pessoa iluminada estaria disposta. devemos antes lidar com a primeira camada — que é a de tomar consciência de todos os nossos pensamentos. Depois precisamos desenvolver a agudeza de visão e a sensação clara de nosso atual desejo de sacrificar os outros. O que tudo isso tem que ver com integridade. segundo a segundo. Isso é muito mais importante: não o que nos foi feito. em vez de focalizarmos nossa atenção na culpa. . Na verdadeira compensação. Já está feito. Estar disponível para o sacrifício não significa ser "mais santo que você". amenizar o sofrimento do mundo. Para que esses esforços possam ser genuínos. o ciclo inteiro desmoronaria. de enxergar o nosso desejo de sacrificar os outros porque estamos com raiva. A culpa não ajuda. observando o que fazemos. mas o que estamos fazendo com os outros. O que significa a palavra compensar? Significa pensar * junto. apenas no aqui e no agora. No original. em nossos filhos. O processo de compensação leva a vida inteira. É disso que trata a vida humana: compensações intermináveis. aprendemos a concentrá-la mais em nossos irmãos e irmãs.Se estamos comprometidos com curar. de praticar com a nossa própria vida. a ser o sacrifício necessário para se romper o ciclo do sofrimento. Sentirmo-nos culpados por causa disso é uma maneira de nos sacrificarmos. escolher ser mártir é na realidade algo bastante autocentrado.) A questão principal é tornarmo-nos conscientes de termos sido sacrificados e então começarmos a ver como sacrificamos os outros. E não é que desistamos do prazer que há na vida. mais aumenta nosso conhecimento de nós mesmos e de nossa vida. observe o que está pensando. A disponibilidade para ser sacrificado é mais simples e mais básica. Quanto mais sentamos na prática. Podemos nos perguntar o que conquistamos punindonos incessantemente. No entanto. Freqüentemente ouço: "Por que é que eu não deveria revidar? Olha o que fizeram comigo!". Não que nos tornemos mártires. JOKO: Fique apenas atento aos seus sentimentos. minha sensação é que estou afundando. E quanto a estar com pessoas a quem me habituei a estar perto e de quem não gosto mais? A raiva sobe como uma sombra. Quando penso nelas. podemos escolher entre sacrificar ou não uma outra pessoa. Nós escolhemos como nos relacionar com as pessoas de quem somos próximos. ALUNO: JOKO: ALUNO: Com freqüência sinto culpa por não estar usando com qualidade o tempo despendido junto aos meus pais. quando me sinto culpado. Não estou sugerindo que você necessariamente vá atrás delas. Por exemplo. A viagem da culpa é uma atividade muito autocentrada. Tenho me observado fazendo isso várias vezes. observe como é. continuo na mesma. podemos escolher dar uma resposta atravessada para alguém. mas não é. De certo modo. (Com certeza não queremos conviver sempre com pessoas que nunca se divertem. Podemos tomar consciência desses pensamentos e sentir a tensão corporal que os acompanha.isso é puro ego. entro numa sintonia de autopunição. ALUNO: . Como posso sair dessa sintonia? O autoflagelamento é apenas pensar. Então temos uma escolha acerca do que iremos fazer. Às vezes. mas pelo menos não as evite. Isso pode parecer uma coisa trivial. Esse é um estágio que precisa ficar claro. gostamos do autoflagelamento porque é autocentrado: torna-nos o centro do acontecimento. Se houver um momento apropriado em que você precisa estar com essas pessoas. E não evite as pessoas que mobilizam essa raiva. podemos ter tantas quantas quisermos. As preferências são inócuas. mas isso apenas nos tortura. Quem sabe como você deveria ser? Nós apenas fazemos o melhor. Não tem o menor sentido que o eu tente consertar o eu. nem todos os desejos criam problemas. sempre. Quando ouço o que meus alunos têm a dizer. Muitos acreditam que por fim saciarão sua sede se enfim conseguirem dar um jeito em si mesmos. "Não sou bem-sucedido o suficiente". por baixo . Sentir sede.JOKO: Você está se avaliando segundo uma idéia mental. No entanto. Quer pareçamos seguros de nós. O tempo todo pensamos que desta ou daquela torneira iremos receber a água que exigimos. e assim por diante. "Sou mau aluno". mas insistimos em fazer isso. Podemos conseguir um pouco de água cá e lá. não valho nada". praticamente qualquer coisa pode ser vista como desejável. Como aumentar sua auto-estima. ou "o filho que se comporta sempre como deve". perderemos todo o interesse em nosso passado. O desejo que exige ser satisfeito é que é o problema. para saciá-la. Existem dois tipos de desejos: as exigências ("Tenho que ter isso") e as preferências. "Não consigo fazer o bastante". O que chamamos de nós mesmos nunca nos é muito aceitável. O resto é fantasia a respeito de como você deveria ser. A PROMESSA QUE NUNCA É CUMPRIDA Nossos problemas decorrem do desejo. Exigimos um número incontável de coisas de nós e do mundo. Dar um jeito numa relação pessoal pode parecer ser o caminho para chegar naquela água. As livrarias estão repletas de livros de auto-ajuda proclamando vários remédios para a nossa sede: Como fazer seu marido amá-la. Com o tempo. Quando você estiver com seus pais. "Estou sempre com raiva. quer não. esteja simplesmente com eles e veja o que acontece. Quais são algumas das torneiras às quais recorremos para saciar nossa sede? Uma pode ser o emprego que achamos que devemos ter. não tem graça nenhuma. É o que basta. É como se nos sentíssemos constantemente com sede e. Outra pode ser "o par ideal". como um soquete ao qual nos atarrachamos para podermos enfim conseguir a água que acreditamos necessitar. todos parecem sentir sede de alguma coisa. tentássemos ligar uma mangueira a uma torneira na parede da vida. bastante sede. Talvez tenhamos um bom emprego. Trouxemos para a própria prática todas as nossas exigências e de novo estamos com sede.dessa camada todos nós sentimos que alguma coisa está faltando. a água seca. O problema é que nada de fato funciona. Não estou querendo dizer que nunca gozamos a vida. e então vem um momento de profundo desânimo. de alguma maneira. Pensamos: "Agora sim! Consegui!". Mas o que nós queremos é uma coisa absoluta. e no entanto continuamos com sede — e nos damos conta de que nada realmente consegue satisfazer nossas exigências. É nesse momento que temos mais chance de dar início a uma prática séria. Esse pode ser um momento horrível — perceber que nada irá jamais nos satisfazer. Podemos inclusive perceber que mudarmos de vida — mudar os móveis de lugar — não vai funcionar também. É preciso que criemos essa ligação. Começamos a sentir que o problema não está em nossa incapacidade de ligar um receptor a algo lá adiante. nossa sede seria resolvida — nunca é cumprida. Essa promessa da completa satisfação nunca é cumprida. A prática tem de ser um processo de intermináveis decepções. o verdadeiro começo. Uma coisa estranha acontece quando abrimos mão de todas as nossas expectativas. Temos um vislumbre de outra torneira. Achamos que precisamos dar um jeito na nossa vida para saciar nossa sede. que até então tinha permanecido invisível. mas em que nada externo pode jamais satisfazer essa sede. certos trabalhos. Ligamos nossa mangueira a ela e. para o nosso prazer. Queremos saciar nossa sede em caráter permanente. O momento desse desespero é. que instalemos nossa mangueira na torneira e recebamos a água para beber. Começamos a descobrir que a promessa que fizemos a nós mesmos — a de que. uma bênção. na realidade. E o que acontece? Mais uma vez. certas atividades. No instante em que conseguimos algo que quisemos. o tempo todo. ficamos satisfeitos no momento e então nossa insatisfação aparece de novo. um bom relacionamento ou família. Não pode sê-lo. para que tenhamos toda a água que quisermos. Temos de enxergar que tudo o que exigimos (e até obtemos) irá . Há muitas coisas na vida que podem ser intensamente desfrutadas: certos relacionamentos. Tentamos durante anos a fio ligar nossa mangueira nesta ou naquela torneira e a cada vez descobrimos que não era o suficiente. descobrimos que a água vem jorrando com força. em pensamentos centrados na própria pessoa que nos sustentam imobilizados e sedentos. . mas conforme vamos em seu encalço. A prática não requer que nos livremos deles. É impossível eliminá-los todos. reconhecemos a inutilidade desse empenho com uma rapidez maior. Essa descoberta é nossa mestra. todos os nossos lindos sonhos a respeito da vida e da prática têm que se despedir. Para que isso aconteça. nossa prática está dando resultados. e a água começa a fluir. E então sofremos. não o é na verdade. iremos nos tornar espertos o suficiente para antecipar qual será nossa próxima decepção. Essa espécie de simpatia — que não é a verdadeira compaixão — simplesmente retarda mais seu aprendizado. Quando ocorre essa aceleração. para os quais não devemos demonstrar nossa simpatia acenando-lhes com falsas esperanças e promessas de tranqüilidade. Embora isso pareça cruel. Embora seja um período de aguda infelicidade. Já esgotamos todos os recursos de que dispomos e não vemos mais o que fazer a seguir. Temos milhares deles. Em certo sentido. não vivemos o bastante para isso. Devemos nos dar conta de que essa é uma iniciativa inútil. a melhor ajuda que podemos oferecer a alguém é apressar seu desapontamento. Uma boa prática inevitavelmente promove essa aceleração. A promessa que nunca será cumprida se baseia em sistemas de crenças. qualquer coisa — irá fazernos felizes. Os cristãos chamam essa constatação de a "noite escura da alma". Ajudamos aos outros e a nós mesmos quando começamos a enxergar que todas as nossas exigências habituais são mal direcionadas. Devemos notar a promessa que desejamos arrancar das outras pessoas e abandonar o sonho de que elas possam saciar nossa sede. mas que simplesmente enxerguemos além deles e os reconheçamos em seu vazio e em sua ausência de validade. em algum momento o sofrimento começa a se transformar. Quando assim fazemos. É por isso que devemos tomar cuidado com amigos que estão em dificuldades. às vezes continuamos buscando soluções falsas. esse sofrimento é o ponto de mudança.depois nos decepcionar. incluindo a crença de que uma boa prática — aliás. A prática nos conduz a esse profícuo sofrimento e ajuda-nos a permanecer nele. Mesmo com muitos anos de prática. para saber que nosso próximo esforço de saciar a sede também fracassará. A promessa nunca é cumprida. Com o tempo. JOKO: Sim. Quais são alguns outros sistemas de crenças? ALUNO: JOKO: Se eu trabalhar bastante. tudo será diferente" é um outro sistema de crenças. ficarei saudável. Se eu ajudar as pessoas. alimentamos expectativas de que essa seja uma época agradável e divertida. ALUNO: magoar. é tudo. devemos fazer o que é apropriado e necessário.Jogamos esses sistemas de crenças para todo lado como arroz em festa de casamento. esse é um que em geral nos desaponta. mas num sentido mais profundo não podemos ajudar ninguém. ALUNO: JOKO: Soube recentemente de um sujeito que fazia seus exercícios com regularidade. Aparecem por toda parte. mas tropeçou e fraturou o quadril. Por exemplo. Claro. Se eu fizer exercícios diariamente. quando descobrimos a prática zen. ALUNO: ALUNO: Se eu morasse em outro lugar. A prática zen trata de sermos mais e mais as nossas vidas tais quais são. Mas a prática zen simplesmente nos remete de volta à vida como ela é. quer não. quer nossas expectativas sejam realizadas. Da mesma maneira. . JOKO: É uma verdadeira armadilha essa crença. elas não vão me Sim. uma bela época do ano. então sou uma pessoa boa. Um sistema sedutor que nos trará muitos problemas. As pessoas serão como serão. Sem garantias. esse é um bom sistema de crença americano. desfrutaria mais a vida. vou conseguir. Nossas vidas são o que são. quando vai chegando perto do Natal. Se eu for simpático com as pessoas. uma outra versão da promessa que nunca será cumprida. O pensamento "Se eu cumprir essa prática com a paciência necessária. IOKO: Eu também tenho a mesma crença. o Natal será o que for. podemos alimentar a esperança de que isso irá solucionar nossos problemas e tornar nossas vidas perfeitas. ALUNO: Minha crença é que estamos todos fazendo o melhor que podemos. Na realidade. ficamos deprimidos e contrariados. Se esses dias de Natal não satisfazem nossas expectativas. e o zen nos ajuda a reconhecer esse fato. Em si. porque sempre existe uma que não vemos. Todas as pessoas infelizes que já conheci estavam prisioneiras de um sistema de crenças que alimenta alguma promessa. Em cada sistema de crenças escondemos uma promessa. As pessoas que vêm praticando bem já há algum tempo são diferentes apenas pelo fato de que reconhecem esse mecanismo que gera infelicidade e estão aprendendo a manter-se conscientes disso — o que é muito diferente de tentar mudá-lo ou dar um jeito nele. Você já é uma boa pessoa. de qualquer outra coisa. ALUNO: JOKO: A dor que eu sinto deve tornar-me uma pessoa melhor. Queremos nos agarrar aos nossos sistemas de crenças. quando acordarmos para nossas vidas. Queremos estar pensando a respeito de alguma outra coisa. o presente perfeito. Em certo sentido.ALUNO: Já faz tanto tempo que pratico sentado que acho que não devia mais me zangar. seres humanos. tudo funciona com perfeição. É útil rever nossos sistemas de crenças dessa maneira. Isso não faz nenhuma diferença. assim como é. consideramo-lo dificílimo. Quando as pessoas ouvem isso. ALUNO: Se eu trabalhar por uma causa justa. Todavia. sofremos. JOKO: Se você está zangado. O processo segue inevitavelmente adiante. então o dia correrá sem problemas. você está zangado. Quanto à prática zen: a única promessa com que podemos contar é que. ALUNO: Se meu carro pega fácil de manhã. querem levantar-se e sair. Nunca me importo quando alguém começa a prática ou a interrompe. quando o fazemos. o mundo será um lugar melhor. nós. mas. É verdade que algumas . No entanto. ou seja. no entanto mais livres. promessa que nunca foi cumprida. Por isso. Não temos em absoluto o menor interesse em manter nossa percepção consciente. o processo é tão simples quanto possível. Se acordarmos para o modo como vemos a vida e lidamos com ela. seremos pessoas mais livres. nossas vidas oferecem-nos o desestímulo interminável. Seu sistema de crenças continua mantendo-as infelizes. a vida as persegue. aos poucos iremos nos libertando — não necessariamente mais felizes ou melhores. começo a rir. Depois de algum tempo. Porém. Assim que a conscientização é despertada. A prática diminui nossa capacidade de ignorá-lo. não podemos evitá-lo. nos primeiros dois anos. Para a maioria. mesmo que digamos "Bom. nunca parecem aprender algo desse processo. vai se tornando cada vez mais agradável. mesmo quando é difícil. não vou fazer essa prática. Nossos joelhos podem doer.pessoas. mas a prática consegue ser divertida. do momento em que acordamos pela manhã até a hora de ir dormir. a prática zen existe. Muitos supõem. praticar a prática e chegar a um genuíno entendimento dela leva muito tempo. É nesse período que a prática se torna razoavelmente clara e a estaremos vivendo o tempo todo que pudermos. na prática. mesmo quando elas o ignoram. nós simplesmente praticamos. Conforme vamos praticando. Assim. existe a questão da conscientização. Não podemos evitá-la. Você poderia explicar? JOKO: Existe a prática de manter a percepção consciente. não existe isso de prática zen. Logo. Na realidade. vinte anos é o tempo que leva. Os conceitos básicos da prática são de fato bastante simples. Embora existam algumas atividades formais que nos ajudam a despertar (e que chamamos de prática zen se quisermos). em certo sentido. no entanto. Ela é apenas estar vivo. se praticarmos bem durante dez a quinze anos. É muito difícil". Depois de uma certa dose de prática. Nessa altura. enquanto dormimos. a verdadeira "prática zen" é apenas estar aqui agora e não acrescentar nada a isso. dolorosa e frustrante. nem de fazê-la. JOKO: Por que você viu uma coisa que não tinha visto antes? aluno: Claro. mesmo que ao longo de uma vida inteira. podemos enfrentar toda espécie de adversidades em nossas vidas. No entanto. não existem meios de se evitar a prática. não existe um "jeito rápido". o processo prossegue. Nesse sentido. Mas. não podemos jogá-la para dentro da caixa de novo. que a entendem claramente. ALUNO: As vezes é muito estimulante. estaremos indo bastante bem. Todos conhecemos pessoas assim. . ALUNO: Você sugeriu que. a prática até continua pela noite adentro. Sempre que fico livre da dor. enquanto estamos vivos. mais engraçada. suponha que durante seis meses você quis convidar uma moça para sair e que por fim você arrumou coragem para falar com ela e ela aceitou. No fim. não é? Sim. Religião na verdade significa religar aquilo que parece estar separado. A raiva é a emoção que nos separa. mesmo que rapidamente. A isso chamamos de conseguir água. sinto-me traído e preciso de um certo apoio de outras pessoas. depois manter um contato de longa distância e vir para praticar JOKO: . existe uma sensação imensa de contentamento. apenas um outro pensamento. senão aquilo que estamos fazendo a cada segundo. Todavia. Por um breve instante. Em todas as religiões existem algumas pessoas notáveis que verdadeiramente praticam e sabem o que estão fazendo. o zen é uma prática religiosa. mas não existe problema em lidar com eles. Uma vez que a verdadeira prática e a verdadeira religião ajudam-nos a religar aquilo que parecia estar separado. não existe prática. É mais difícil praticar sozinho. também existem aquelas que não possuem nenhum vínculo com uma religião formal e que mesmo assim praticam igualmente bem. de vez em quando. É proveitoso ir até um centro zen e obter alguns fundamentos. Mas não é uma religião no sentido de que existe algo fora de nós que irá tomar conta de nossas vidas. mas não é impossível. JOKO: "Sentir-se traído" é. conseguimos um pouco de água. Estou falando de um modo de viver em que a própria vida não é problema. Em certo sentido. Mais cedo ou mais tarde. Por exemplo.ALUNO: Retomando a analogia da parede com pequenas torneiras: quando encontramos uma torneira e nos ligamos a ela. Ela corta tudo em dois. embora você realmente estar satisfeito seja uma outra questão. Temos problemas. evidentemente. Uma grande parte das pessoas que entram na prática zen não tem uma filiação religiosa. toda prática tem que ser acerca da raiva. ALUNO: Essa não seria uma prática muito difícil para ser realizada inteiramente a sós? Quando um de meus sistemas de crenças se rompe. essa relação diminui e a vida de novo parece que se nos apresenta com novos problemas. A prática zen ajuda-nos com isso. Nada tenho contra a religião formal. Talvez todos consigam ver isso. por algum tempo saciamos ligeiramente nossa sede. tenho alguns alunos excelentes que vivem bastante longe do centro zen e que falam comigo pelo telefone. a intriga etc. Precisamos deixar que esses pensamentos irados e condenatórios . Uma vez que a raiva e seus subconjuntos — a depressão. a calúnia.com os outros. uma vida livre da raiva seria a terra prometida do leite e do mel. o oposto da injustiça não é a justiça. uma vida que não se opõe a nada e cumpre tudo. Na maturidade espiritual. não acredito. os males e as injustiças da vida são enfrentados pela contra-agressão. quando puder. torna-se óbvio para nós que o estrato subjacente de nossas vidas é a raiva. Não eu contra você. Numa comunidade de pessoas que se sentam juntas para praticar. o nirvana. — dominam a nossa vida. repletos de raiva e de uma rígida convicção das próprias certezas. o ressentimento. Para a pessoa psicologicamente madura. A idéia de que nossa raiva deve ser expressa para que sejamos mais saudáveis não passa de fantasia. Com freqüência esses esforços são ditatoriais. Mesmo assim. para alguns. não eu endireitando a situação agora adversa. o esforço de praticar com um apoio tão mínimo pode ser a coisa mais proveitosa de todas. JUSTIÇA Conforme vamos nos tornando cada vez mais sensíveis a nós e às experiências transitórias de nossas vidas — nossos pensamentos. seja de nós. mas a compaixão. seja de terceiros. uma existência em que o nosso próprio valor e o dos outros são uma realidade abençoadamente confirmada. lutando para chegar a um resultado justo para mim e para outros. na qual é feito um esforço para se eliminar a injustiça e criar a justiça. nossas emoções e sensações —. o ciúme. Pois. Quando alguém insiste "Eu nunca sinto raiva". Toda espécie de raiva é fundamentada em julgamentos. temos uma linguagem comum e um entendimento comum do que é a prática. E. Quando a pessoa pratica sozinha é como nadar contra a corrente. precisamos investigar o problema todo da raiva com bastante cuidado. mas a compaixão. Alguns deles estão indo muito bem. Não é fácil. Do ponto de vista da prática zen. Precisamos formular o seguinte voto: irei perdoar. Por que uma declaração tão forte? A qualidade de toda a nossa vida está em jogo. é seu fruto. Nada ganhamos expressando-os. O contentamento. Ninguém pode nos proporcionar essa resolução. não a felicidade. Porém a resolução virá. ferir as outras pessoas. Deixar de perceber a importância do perdão é sempre parte de um relacionamento falho e um fator em nossa ansiedade. Soren Kierkegaard Quem é a pessoa que você não consegue perdoar? Cada um de nós tem uma lista que pode incluir nós mesmos (em geral os mais difíceis de perdoar) e também acontecimentos. em nossas depres- . Uma reação apropriada e compassiva não advém de uma luta pela justiça. É um equívoco supor que nossa raiva inexpressa nos fere e que devemos expô-la e. Não é natural que nos devamos sentir assim por causa de uma pessoa ou um acontecimento que nos feriu — de maneira talvez grave e irreparável? Do ponto de vista comum. mas o quê? Nossa prática sempre deve ser a base de nossos atos. mas da radical dimensão da prática que "ultrapassa todo entendimento". mas a compaixão. a resposta é sim. a resposta é não. instituições e grupos. Sim. A dimensão radical da qual falo exige tudo o que somos e temos.passem diante de nosso Eu impessoal. PERDÃO O amor perfeito significa amar aquele por meio de quem tornamo-nos infelizes. Não adotemos uma visão fácil e psicologicamente estreita de nossas vidas. A melhor resposta para a injustiça não é a justiça. ela só pode vir de nosso Eu verdadeiro — se nos abrirmos sem reservas à prática. mesmo que custe praticar a vida inteira. meses em agonia. Talvez tenhamos de viver semanas. Você pergunta: "Mas o que é que eu faço nessa situação difícil? Tenho de fazer alguma coisa!". dessa forma. na prática. testemunha. ou o amor. são como uma gota de veneno em nosso copo de água.. Eu devo. sem nenhum apego aos pensamentos autocentrados. Esperamos que. A primeira perspectiva é o que a maioria de nós pensa que é a prática (quer o admitamos. Nossa incapacidade de conhecer o contentamento é um reflexo direto Então por que apenas não o fazemos? Se fosse fácil. está num outro plano. quem é que você não consegue perdoar? A FALA QUE NINGUÉM DESEJA OUVIR Se formos honestos. Quando acreditamos neles. Só a nítida constatação da necessidade crítica de uma espécie de prática como essa pode capacitar-nos a realizá-la com força e determinação ao longo de muitos anos. em todos os nossos problemas. Análises e esforços intelectuais podem produzir um certo abrandamento da rigidez do não-perdão. em nossos males. quer não). Mas não é fácil.sões. Eu devo. Não tem proveito nenhum dizer "Devo perdoar. Então o trabalho maior pode ser efetuado: o vivenciar ativo. e que precisam ser citadas. Mas o perdão genuíno. Então. não-pessoal. com uma prática suficiente. A transformação em perdão. pode ocorrer porque o mundo dualista da pequena mente e seus pensamentos foi abandonado pelo vivenciar não-dual. Existem na verdade duas maneiras de abordarmos a prática. teremos de admitir que o que de fato queremos da prática — especialmente no começo. Esses pensamentos desesperados ajudam muito pouco.. Eu devo. que é a única maneira de sairmos de nosso buraco infernal do não-perdão. mas em algum grau o tempo todo — é um maior conforto em nossas vidas. que está intimamente relacionada com a compaixão. completo. O não-perdão está alicerçado em nossos pensamentos habitualmente centrados em nossa própria pessoa. e a segunda é aquilo que a . seríamos todos budas realizados. do resíduo da raiva no corpo.". A primeira e monumental tarefa consiste em rotular e observar esses pensamentos até que o veneno possa evaporar. como sensação física corporal. o que nos incomoda agora não nos incomode depois. A prática madura sabe que não existe nenhuma outra escolha. se pensarmos que alcançá-las é do que trata a prática. Para aqueles com quem nos identificamos. em vez de ser insatisfatória. Esperamos ter melhor controle de nossa vida. Esperamos não ter mais que aturar aqueles horríveis sentimentos de contrariedade. Nossas exigências básicas são que nos sintamos bem e nos tornemos felizes. o trabalho certo. que tenhamos mais paz e serenidade. queremos paz. e iremos conseguir tudo o que desejamos. Esperamos ser capazes de criar condições de vida que nos sejam agradáveis. Não há nada de errado em querer qualquer uma dessas coisas. como o relacionamento certo. Entramos na prática com uma certa expectativa ou exigência de que ela. Podemos não esperar tê-los todos ao mesmo tempo. Esperamos ficar mais saudáveis. o melhor programa de estudos. Podemos ter uma certa limitação de paciência. mas. então ainda não a teremos entendido. Quando agimos movidos pela primeira perspectiva. pelo menos algo próximo. mais à vontade. Imaginamos que seremos capazes de tratar os outros melhor sem que isso seja inconveniente. Estamos todos em algum ponto desse continuum. exigimos que uma outra pessoa tome conta de nós e que as pessoas que nos são próximas atuem em nosso benefício. queremos serenidade. queremos que tudo seja maravilhoso. nossa atitude básica é que empreenderemos essa prática difícil e exigente porque esperamos obter determinados benefícios pessoais dela. irá incumbir-se de nossos problemas. Esperamos que. Exigimos que a prática nos deixe confiantes e que obtenhamos cada vez mais aquilo que queremos: se não dinheiro e fama. aos poucos passamos de uma perspectiva para outra. embora nunca abandonemos por completo a primeira. A segunda perspectiva é bem diferente: cada vez mais queremos ser capazes de criar harmonia e crescimento para todas as pessoas. queremos controle sobre as coisas. Embora talvez não queiramos admiti-lo. mas depois de alguns meses de prática podemos começar a sentir que fomos ludibriados caso nossa vida não tenha melhorado. Estamos incluídos nesse crescimento. de alguma forma. queremos ser capazes de consertar suas vidas. Conforme nossa prática vai se desenvolvendo com o tempo. mas não somos . As exigências são todas a respeito do que nós queremos: queremos ficar iluminados. nossa vida se torne mais gratificante. queremos ajuda.prática na verdade é. O que mais nos importa é que tais condições nos ensinam como servir bem a vida. obter o que queremos.o centro dele. iremos continuar conservando — muito provavelmente — aquelas preferências que definiam a primeira perspectiva. por exemplo. e não só as pessoas de quem gostamos. A prática não nos leva a perder nossas preferências. Porém. sem dúvida. temos interesse em ser responsáveis pela vida. saúde. e não nos importa mais tanto se os outros se sentem ou não responsáveis por nós. tornamo-nos mais propensos a vivenciar situações difíceis para aprender. Continuaremos preferindo ser felizes. os benefícios . aprendemos a servir a todos. de ficar mais confortáveis. A vida nos inclui. Temos mais probabilidade de nos sentir melhor. Podemos nos sentir mais à vontade com nós mesmos. Começamos a ir em busca de condições de vida — como um emprego. Em outras palavras. nós inclusive nos tornamos dispostos a ser responsáveis pelas pessoas que nos maltratam. Essas mudanças podem causar em nós a equivocada noção de que a primeira perspectiva é correta: que a prática é tornar a vida melhor para nós. quando uma preferência entra em conflito com aquilo que é mais proveitoso. A prática diz respeito a deslocar-se da primeira para a segunda perspectiva. Na realidade. somos apenas uma parte do quadro. Conforme essa segunda perspectiva vai se fortalecendo em nós. um namorado — que mais favoreçam esse serviço. À medida que nos aproximarmos mais da segunda perspectiva. nossa tendência é nos tornarmos mais saudáveis. sentir-nos bem. Talvez elas não nos sejam sempre agradáveis. Na realidade. estar em paz. o centro de nossa vida está mudando. Embora possamos não o preferir. Uma vez que não estamos punindo nossos corpos com tanta tensão. Existe uma armadilha inerente à prática. mas não somos mais o centro. então sentimo-nos dispostos a desistir da preferência. Conforme adotemos a segunda perspectiva mais e mais vezes. Uma relação difícil pode ser extremamente proveitosa. começamos a desfrutar o serviço que prestamos aos outros e temos menos interesse em saber se servir aos outros atrapalha nosso próprio bem-estar. muitas das exigências da primeira perspectiva podem ser satisfeitas. Cada vez mais. ter um certo controle sobre as coisas. da preocupação conosco para a atenção à própria vida. não fomos eliminados da segunda perspectiva. mantermo-nos saudáveis. porém: se praticarmos bem. A prática sempre é uma batalha entre aquilo que queremos e aquilo que a vida quer. . nós precisamos ser incomodados. É enxergarmos de que maneira magoamos os outros. é só que não vemos muito bem o que estamos fazendo. Enquanto estivermos presos na primeira perspectiva. E isso é muito difícil para a nossa compreensão. Não venham a este centro para se sentirem melhor. A verdadeira prática. sobretudo a princípio. este não é o lugar para isso. governados pelo desejo de nos sentir bem ou em estado de graça. É natural ser egoísta. A função de lecionar num centro como este é ajudar a enxergar a alternativa e incomodar-nos em nosso egoísmo. interesse que vai além do que meramente EU quero. "Você quer dizer que devo tomar conta de alguém que acabou de me destratar? Isso é loucura!" "Você está dizendo que devo desistir do que é conveniente para mim para servir alguém que nem gosta de mim?" Nossas atitudes centradas em nosso ego têm raízes profundas e levam muitos anos de árdua prática para afrouxá-las um pouco. A verdadeira razão da prática é servir a vida da maneira mais plena e produtiva que pudermos. Precisamos ser contrariados. Esse é o sinal de uma prática que está avançando. Um bom centro e um bom instrutor trabalham para isso. e assim por diante. de como a vida é terrível. talvez por estarmos simplesmente tão perdidos em nossos próprios pensamentos que nem sequer conseguimos vê-los.que auferimos pessoalmente são incidentais. de que iremos conseguir alguma coisa dela que seja maravilhosa para nós. Afinal de contas. do que está ME ferindo. querer o que se quer. é muito mais voltada para enxergarmos como nos ferimos e magoamos os outros com pensamentos e atos iludidos. a iluminação é apenas a ausência de todo interesse ou preocupação por si. O que quero são vidas que cresçam para que possam tomar conta de mais coisas e de mais pessoas. contudo. Não acho que de fato causemos danos aos outros. e somos inevitavelmente egoístas até que enxerguemos uma alternativa. ou iluminados. Posso saber como está indo a prática de uma pessoa vendo se seu interesse pelos outros está aumentando. E estamos convencidos de que a prática diz respeito à primeira perspectiva. Alguns testes revelaram dois tumores cerebrais — o câncer tinha se espalhado. foram removidos três quartos de seus pulmões e ele está se dedicando a sentar e praticar. Tenho notado. só o que muda é nosso modo de lidar com elas.Hoje de manhã recebi um telefonema de um antigo aluno que tem câncer no pulmão. Como um gato num teto de zinco quente. A mudança da primeira para a segunda perspectiva é difícil para nós compreendermos. Ele respondeu: "Não é isso que quero de você. Eu gostaria que todos pudessem se sentir do jeito que estou me sentindo". Ele passa por dias de uma imensa dificuldade: dor. nas conversas com as pessoas novatas quanto à prática. raiva. Ele está vivendo dentro da segunda perspectiva. Algum tempo depois da operação. Com o tempo. Numa operação anterior. ou gotas de água numa frigideira em ponto de fritura. Não quero nada de você exceto que partilhe de meu regozijo. as palavras tocam só por um momento a superfície e depois esvaecem-se. em certo sentido não importa. as exigências e os sonhos de seu ego. que muitas vezes as minhas palavras simplesmente não são registradas. amor — que nos serão as mais proveitosas de todas. ainda teria todas as lutas e dificuldades que qualquer pessoa tem. as palavras não irão mais salutar e sumir com tanta facilidade. Alguma coisa começa a afundar. a assentar. Ele conseguiu isso. Não estou sugerindo que ele é um santo. E depois acrescentou: "Não quer dizer que não sinta muita raiva e medo e fique subindo pelas paredes. Espero que as coisas melhorem". É assim para mim — e é maravilhoso. dois anos. Se pudesse recuperar-se. Eu lhe disse: "Sinto realmente muito que tudo isso tenha acontecido com você. revolta. Está de volta ao hospital para fazer tratamento. Conseguimos sustentar por mais tempo que a vida é muito diferente daquilo que . apesar disso. saúde. não era sobre essas coisas que ele queria falar. ele começou a ter problemas de visão e dores de cabeça muito fortes. Conversamos a respeito do tratamento e de como ele está indo. Vejo o que a minha vida é". Quero apenas que você se sinta confortável. Essas coisas nunca desaparecem de fato. porém. Quer viva dois meses. Todas essas coisas continuam acontecendo e agora eu sei o que é a minha vida. em especial no princípio. Essas coisas acontecem agora com ele. aquela na qual acolhemos as condições de vida — emprego. quer um longo tempo. Eu quero que você exulte de satisfação. impomos uma inconveniência a nós mesmos.achamos que poderia ou deveria ser. Porém. Ela pode ser acelerada por uma grande enfermidade ou um forte desapontamento. mas porque é necessário. Você quer dizer produtivas para a prática da pessoa ou o quê? JOKO: Produtivas para a vida. A prática zen é difícil sobretudo porque cria desconforto e nos coloca cara a cara com os problemas que temos em nossas vidas. Começamos a sentir algo. quando acontece em nossa vida. elas em geral proporcionam o aprendizado necessário. Apesar de eu não querer que crises assim aconteçam para ninguém. quero imediatamente começar a fazer planos para realizar coisas produtivas. Talvez ele seja um dos felizardos. não para sermos nobres. mais aumenta nossa motivação para praticar. Essa mudança não acontece de um dia para outro. mas. embora nos ajude a aprender e nos incentive a ir em frente. rapidamente iremos deparar ALUNO: . aumenta a capacidade de simplesmente sentar-se com o que a vida na verdade é. Não queremos fazer isso. incluindo tanto da vida quanto for possível. se agirmos assim. para participar de sessões de um dia inteiro de prática sentada. Essa parece uma afirmação bastante geral. Lentamente começamos a compreender aquilo que meu antigo aluno estava querendo dizer com a frase: "Agora eu sei o que é a minha vida". rumo à segunda perspectiva. Deixamo-nos de lado. Produtivas para a vida em geral. Estamos equivocados se sentimos pena dele. JOKO: Sim. O desejo de fazer essa prática árdua aumenta. nós a compreendemos. Você disse que. talvez ajudamos um amigo com sua mudança mesmo quando estamos muito cansados e não queremos trabalhar. Quanto mais reconhecemos o valor da prática. podemos tornar qualquer coisa um ideal a ser buscado. por uma perda grave ou outro problema sério. Com o tempo. na segunda perspectiva. Somos obstinados demais para isso. Ganhamos força para sentar e praticar dia após dia. Sentar em silêncio quando estamos contrariados e gostaríamos realmente de estar fazendo alguma outra coisa é uma lição que assenta pouco a pouco. para fazer um sesshin. exigimos que nossas vidas sejam mais produtivas. Por exemplo. ALUNO: Quando ouço esse tipo de história. Tudo é útil para nós. Algum dia desaparece? JOKO: JOKO: os sonhos parece Desaparece sim. Quando planejo como posso tornar minha vida mais segura e confortável.com nossa própria resistência — o que nos dá algo com que trabalhar. "Não quero fazer isso porque sei o quanto estarei cansada no final. Não deveríamos nos considerar como mártires." Quem quer ficar cansado? Hoje essa resistência já desapareceu para mim. Quando o sesshin começa. ALUNO. Percebo em mim uma ansiedade de agarrar a segurança e a felicidade e. Não há lugar nenhum para onde ir. apenas isso. A prática não é para mudar aquilo que fazemos. quando alcançamos o que pensávamos querer. os programas antecipados do ego aos poucos desaparecem. em contraste com o que de fato somos. Mas então surge uma questão: "Serei realmente feliz?". enxergamos com mais clareza que isso não nos dá a satisfação pela qual ansiávamos. ou se são eles que estão dando para mim. mas somente depois de anos e anos de prática. eu começava cada sesshin com uma sensação de resistência. ela se refere mais a tornarmo-nos grandes observadores e a vivenciarmos aquilo que está se passando conosco. Durante muito tempo. está uma sensação de insatisfação. Não deveríamos pensar a prática como um modo de chegar em alguma outra parte. tornamonos simplesmente mais genuínos. ALUNO: Neste momento de minha vida. Se estamos praticando. por trás desse ideal. imagino que ela irá tornar-me feliz no final. ALUNO: O processo de perseguir interminável. Há um certo valor em nós perseguirmos tais sonhos porque. Isso tem relação com a prática? JOKO: A prática muda aquele padrão de amizade calcado em cálculos da razão custo/benefício para cada envolvido. É excitante. muitos novos contatos. Não sei quem está ajudando quem — se sou eu quem está dando para eles. Em certo sentido. esse é um outro ideal. não podemos . estou fazendo muitas amizades novas. porque de alguma maneira eu seí que também não será isso. uma imagem de como deveríamos ser. Mas também não devemos fazer desse desaparecimento um outro programa antecipado. ele começa. É assim que aprendemos. Não temos de nos forçar até o ponto de nos arrebentarmos. estamos fazendo zazen o tempo todo. Quando observo minha mente e permaneço atento ao meu corpo. Se me atenho à minha prática. Não me refiro a sentar-se numa almofada apenas. sem parar. naturalmente servimos os outros tornando-nos cada vez mais quem somos. prestamos atenção aos nossos pensamentos e à tensão em nosso corpo. fazendo o que é mais proveitoso para a vida. não levamos conosco ideais nem programas antecipados. Existe um continuum. aprendemos com essa ação. cada vez mais. dizemos: "Irei praticar. vou fazer o melhor que posso e aprenderei com os resultados". . e começamos a ver com mais nitidez como agir. quando de fato. Se cometemos erros e magoamos as pessoas. Pode ser um curso de ação muito confuso. não sabemos o que é melhor para eles. A caminho da segunda. por um tempo longo o bastante. Se estamos praticando bem. como saber o que fazer? Como poderemos saber se é este emprego ou esta relação que corresponde a isso? JOKO: Quando vivemos dentro da segunda perspectiva. seja como for. nós apenas começamos a agir e então. e sentar-se na prática é avançar ao longo desse continuwn. Sentar-se para praticar com essa questão ajuda. apenas que. tornamo-nos apenas nós mesmos. ALUNO: Sonhamos que iremos chegar a saber qual é a coisa certa a fazer. É mais uma questão de enxergar claramente o que está à nossa frente. A idéia de que deverá chegar o momento em que ficaremos sabendo o que fazer é parte da primeira perspectiva. as coisas vão se tornando pouco a pouco mais claras. porém. A verdadeira prática de sentar é sempre um pouco embaralhada. ALUNO: Se queremos atuar dentro da segunda perspectiva.ajudar os outros. de alguma maneira aprenderei com esses comportamentos e isso é o melhor que posso fazer. como uni disco riscado. Não que cheguemos em algum lugar. porém. em algum ponto. decorre dessa prática de atenção uma maneira de agir. JOKO: Sim. Praticar com a nossa própria vida é o único meio de podermos ajudar alguém. Agimos sem ficar girando a questão em nossas mentes. desculpamonos. Só posso fazer o que posso fazer. Se nos mantivermos sentados para praticar. Não posso esperar saber sempre o que é melhor para a vida. ALUNO: A respeito da questão de ajudar os outros.. As pessoas me procuram com suas preocupações. nessa mesma medida começaremos a agir com mais harmonia. ALUNO: JOKO: Não acho que você aja assim para o seu próprio bem. Parece que estou menos autocentrada e mais aberta. o mais valioso para alguém não é o que fazemos por ele. Por outro lado. você parece disponível o tempo todo. Posso apenas ouvi-lo e ser quem eu sou. mais disponível para os outros.". ALUNO: Às vezes. Por exemplo. mas o que não fazemos. Às vezes. desligo o telefone. ou pelo menos a criar menos confusão. Ele está passando pelo que tem de passar. JOKO: Certo. Não posso fazer nada a respeito. JOKO: JOKO: É isso. Apenas enxergar o que estamos fazendo conforme interagimos ajuda naturalmente as pessoas. Mas esse é o meu trabalho. se vemos alguém além de nós como uma pessoa para ajudar. Parte disso está em encontrar-me mais relaxada. Não é que estejam pedindo ajuda. Muitas vezes. desse jeito. lembrem-se. esse é seu aprendizado. sem tentarmos fazer mais nada. ALUNA: Descobri em mim recentemente uma maior disponibilidade. Por isso não temos de ir longe para ajudar os outros. seria um erro se eu tentasse fazer alguma coisa por aquele meu antigo aluno que tem câncer. digamos. penso que. E. Nem sempre. Joko. Sim. conforme formos enxergando cada vez melhor os nossos sentimentos e as nossas tendências para manipular uma situação. com o tempo fazemos algo. Existem algumas pessoas que realmente se aproveitam de você.. sem que nem estejamos de fato nos esforçando para isso. para a pessoa do outro lado da linha que está me dizendo: "Quero te dizer uma coisa. Em geral só querem alguém que as escute. Tudo o que tenho de fazer é simplesmente ser eu mesma e estar disponível. o curso mais acertado de ação é apenas permitir que as pessoas sejam o que são. podemos estar certos de que arranjamos um bom problema. Se sentarmos para praticar. ninguém pode "aproveitar" de mim. JOKO: ALUNO: . acerca de nossas confusões e limitações. tirá-lo de nossa vista. Talvez essas pessoas tenham de sofrer até estarem dispostas a acordar um pouco. Como você praticaria com isso?". É melhor se pudermos aprender cada uma delas. a vida parece piorar em vez de melhorar. A vida nos apresenta lições o tempo todo. Porém. me incomodo se as pessoas querem apenas contar suas histórias. No entanto. A prática trata de aprender com cada pequena coisa que emerge de modo que. sem o menor espaço para refletir sobre o que poderiam estar trabalhando em sua vida. somos forçados a aprender com os maiores.ALUNO: Você está dizendo que sempre que alguém grita pedindo ajuda você deve sempre responder? O que fazer com aquelas pessoas que ligam e se queixam o tempo todo? Eu digo algo como "Estou escutando o que você está dizendo. Não tenho lugar nesses enredos. Quando nos recusamos a aprender com os problemas menores. Todos nos queixamos. embora possamos não admiti-lo. todas as espécies de caos aparecem. sem parar. JOKO: Certo. JOKO: . estamos numa parte da conversa que ninguém deseja ouvir. ALUNO: Fiquei muito comovido com sua história do aluno com câncer. Talvez você pudesse praticar com isso. simplesmente colocá-lo de lado. Não vai ser fácil. quando grandes questões nos confrontam. ALUNO: Tornei a me familiarizar recentemente com o fato de que. Também não quero que ele sofra. Não me importo se alguém se queixa. incluindo as pequeninas. Todos gostamos de nos queixar. nós não queremos aprendê-las. Quando começamos uma prática séria e. quando começo a me afastar do caminho em que vinha vindo e me dirijo mais para onde preciso estar seguindo. somos mais aptos a lidar com elas. JOKO: Não nos cabe dizer que todo esse sofrimento está certo. Mas é o que ele diz que importa. por algum tempo a partir do início. Queremos colocar a culpa pelo problema em outra pessoa. Tenho uma tremenda resistência a reconhecer que todo esse sofrimento está certo. acredito que depender apenas disso pode ser limitante. Se ele não responde. mas saber não é necessariamente o mesmo que ser. os koans podem ser muito úteis. Se responde. A vida é ou uma audaciosa aventura. Um furacão enorme subia pela costa e destruía a Nova Inglaterra. 1979. E trabalhar diretamente com a nossa vida é mais valioso e difícil. suas mãos não conseguem pegar um ramo sequer. newly translated with commeníary by zen master Koun Yamada. de Kyogun. Embora a prática do koan esteja baseada na idéia de que se virmos o que é verdade nós seremos essa verdade. Não responder é não cumprir com a nossa responsabilidade. principalmente. Nessa situação. porém não são todos. Vamos supor que um outro homem embaixo da árvore lhe pergunte: 'Qual é o significado de Bodhidharma vir para o Ocidente?'. isso nem sempre acontece. p.O OLHO DO FURACÃO Segurança é. pendurado de um galho pela boca. Embora haja muito a se aprender com o estudo de koans. A longo prazo. ou nada. Comecemos com um extraído do Gateless gate (Portão sem porteira) *. perde a vida. Poderíamos reformular esse koan perguntando: "Qual é o significado da vida?". o que ele deveria fazer?". Há muitos anos eu vivia em Providence. o Homem no Alto da Arvore. Os que trabalham com koans por um certo tempo podem começar a interessar-se em saber do que trata um koan. Los Angeles: Center Publications. Empurrei o berço do meu bebê para perto da parede e o cobri para que. em Rhode Island. Mestre Kyogun disse: "É como um homem no alto da árvore. evitar perigos não é mais seguro do que atirar-se e arriscarse. entendemos os koans. 35. uma superstição. Se entendemos as nossas vidas. Apesar disso. se as janelas quebrassem o vidro. nem os filhos dos homens experimentam-na por completo. seus pés não alcançam outro galho. e tomamos * Gateless gate. responder é perder a nossa vida. este não o atingisse. contraria o desejo do interrogante. . Helen Keller Alguns alunos aqui trabalham com koans. Não existe na natureza. Para trabalhar com esse koan contarei uma outra história. deslocando-se e modificando-se. Embora não tão poderoso quanto o primeiro lado. Apesar do medo e do terror. enquanto vivermos dentro daquela enorme massa de ventos. A maioria das pessoas é como o homem no alto da árvore. O vento parou. Os ventos atingiam uma velocidade média de 200 km horários. sentados bem no meio de nosso avião. o centro. é como o piloto do avião. ficamos prisioneiros desse rodopio de ventos que é a realidade da vida: uma energia enorme. Mesmo assim. Dentro de uma hora mais ou menos. Estávamos diretamente no caminho do furacão e ele era muito intenso. o olho se deslocou. temos uma excelente carona. O homem no alto da árvore. também era muito intenso. como enfermidades sérias. para terem uma mínima chance de recuperar-se. Depois de três ou quatro horas. Podem ser ocorrências naturais. Podem ser dificuldades nos relacionamentos. somos tolos. ou o piloto dentro do avião. em vez de estarmos num avião. sem o controle e o poder do motor. pode ser excitante e delicioso — como deslizar montanha abaixo. No final tinha sobrado uma gigantesca confusão para ser arrumada. esperando conseguir sair da tempestade. Por isso fazemos o máximo possível para preservar as nossas vidas e salvar a estrutura do avião. Se temos alguma idéia de sair vivos disso. esperando em desespero conseguir salvar- . apenas agarrados. antigas. Sentimo-nos aprisionados nas oscilações da vida. Fiquei sabendo mais tarde que às vezes os pilotos são acidentalmente apanhados pelos furacões. Do nascimento à morte. Não queremos ficar onde estamos. esperando conseguir encontrar uma saída sem nos machucarmos. Quando isso acontece. eles em geral tentam voar para o olho do furacão. Somos arrastados pelos ventos arrebatadores. O sol apareceu e os pássaros começaram a cantar. estamos num planador no meio do furacão. sujeitando a si e ao avião a momentos de um terrível estresse. quebrando e caindo para todo lado. Estávamos no olho do furacão. Em frente à casa víamos árvores enormes.outras providências necessárias. os ventos recomeçaram e atravessamos o outro lado da massa rodopiante de ventos. Vamos supor que. Existe essa coisa poderosa e enorme que chamamos de nossa vida e estamos em algum ponto. Nossa meta é como a do piloto: proteger a nós e a nosso avião. agarrado para salvar sua vida. tudo ficou quieto de novo. para podermos escapar do furacão. que sempre parecem injustos. numa questão de minutos. estamos tentando proteger-nos. assim como ao fazermos zazen. porém. O . Estamos tentando fazer o impossível. Como é que ele responde? Como é que nós respondemos? Ao vivermos nossas vidas. Quantos minutos mais temos? Como o planador. que termina inevitavelmente em nossa morte. se excita. mais infelizes nos tornamos e menos vivemos realmente a nossa vida. Ele está ali só para ser levado na maior carona do mundo. Quanto mais tentamos. jogando a culpa de nossas dificuldades em outrem. Quando estamos no zazen. mais estresse sentimos. podemos observar nossos . não o do avião. Numa vida de tantas tensões e agruras. Quanto mais nossa intenção é nos proteger das oscilações de nossa atual situação. ele não tem nenhuma chance. Devemos ignorar o cenário que nos rodeia se estamos obcecados com os painéis de controle. não prestamos atenção em mais nada. salvar-nos. Será que ele de fato queria estar lá? Desde o primeiro instante. passamos a vida inteira tentando proteger a nós mesmos. Conseguimos perceber nossas impiedosas e vãs tentativas de nos salvar. a chuva quente. Não podemos fazê-lo. o uivo do vento. Pense no homem que está no planador. Mas qual conhece o significado da vida? Quem conhece o contentamento? Como o primeiro piloto. Nossos esforços não adiantam de nada. talvez tenhamos só mais um minuto. de qualquer modo. mais tensos e nervosos ficamos. Essa mente que pensa. sair do furacão. Podemos notar como tentamos explicar nossa dor e assim afastá-la. que cedo ou tarde irão nos faltar. se emociona.se das oscilações da vida. Aliás. Não importa quantos: no final. estamos todos morrendo neste exato minuto. Contudo quem estiver no planador pode desfrutar tudo — os relâmpagos. Toda a nossa atenção está em nós mesmos e em nosso painel de controles. quando tentamos nos salvar.mecanismos de proteção prestando atenção à nossa mente. caímos todos. E depois lhe perguntam: "Qual é o significado da vida?". ninguém quer ouvir qual é. Nossas próprias vidas são como essa carona. Ele pode passar momentos indescritíveis. é claro. Existe apenas uma coisa para finalmente resolver o problema. imagina. jogamos com tudo o que temos apenas para sobreviver. talvez uma centena deles. Mas aquele que pode perguntar "Qual é o significado da vida?" é o piloto do planador. é claro. culpa os outros e se sente vítima é como o piloto do avião tentando desesperadamente. O que acontecerá no final? Ambos morrem. culpamos alguém ou nós mesmos. quando a encaramos de frente. iremos encontrar o pequeno olho. podemos sentir o medo e a inutilidade. no final. Temos sistemas para encobrir nossos problemas. embora em nossa imaginação o outro sujeito talvez tenha conseguido. Em vez disso. o pequeno nirvana. de bons sentimentos. Cedo ou tarde. Ninguém consegue resolver completamente o koan da vida. dentro do furacão de nossos tumultos. o lugar onde por fim ficaremos a salvo. não aceitamos o presente. e o segundo só saberá quando gritar. Nada no mundo irá jamais nos proteger: nem nosso companheiro. Quando estamos em sua companhia. estamos tentando encontrar o olho do furacão. Claro que é interessante comprar seguro de vida e verificar que os freios em nosso carro funcionam. Não sinto pena do piloto no planador. Culpamos as outras pessoas porque pensamos que elas deveriam já ter compreendido . Morreremos sem termos vivido de fato. Vamos ao sesshin na esperança de que. Quando nossos sistemas de proteção falham. terá pelo menos vivido. Porém. Afinal de contas. O nirvana não está em encontrar aquele pequeno espaço de calma onde ficamos protegidos e abrigados por algo ou alguém. alcançamos um pontinho de sossego.primeiro saberá que no instante seguinte irá colidir. Aliás. teremos vivido de maneira estéril. Mas. No sesshin. a vida se torna uma grande viagem. mas podemos experimentá-la de maneira direta. Quando ele morrer. Só isso nos é dado. como seres humanos. as outras pessoas estão todas ocupadas se protegendo. Isso é uma ilusão. Todavia não podemos nos agarrar ao olho do furacão. Pensamos: "Deve estar em algum lugar. nem nossos filhos. Às vezes. podemos enxergar esse equívoco com mais clareza: não estamos tentando viver plenamente nossa vida. nem nossas circunstâncias de vida. Se passarmos a vida procurando o olho do furacão. O furacão segue correndo em frente. vivemos protegendo-nos. Não vivemos nossas vidas diretamente. Sinto peita daqueles que estão tão cegos por seus procedimentos defensivos e protetores que nunca sequer chegam a viver. não estamos dispostos a encarar a dor da vida de frente. Então tentamos apegar-nos a ele. até mesmo mo esses expedientes não nos salvarão. Onde? Onde está?". Ninguém pode saber o que é a vida. todos os nossos mecanismos de proteção falharão. Separação e Vínculos PODE ALGUMA COISA NOS FERIR? Uma aluna do zen telefonou-me há poucos dias para queixarse da ênfase sobre a dificuldade da prática. meticulosa. III. E ela respondeu: "Bom. Eu perguntei para ela: "Alguma vez essa abordagem já deu certo para você?".. para aqueles que amamos. para nós. Ela disse: "Penso que você comete um erro quando insiste com os alunos para que levem sua prática tão a sério.. porque serão os que mais sofrerão. Algumas pessoas jamais enxergam mais além e morrem sem jamais terem vivido. E é uma grande pena. A vida deveria ser divertir-nos e passar bons momentos". Podemos passar nossa vida culpando as outras pessoas. Nunca foi e nunca será. Mas tenho esperanças!". as circunstâncias ou o azar. Se conseguimos chegar no olho do furacão por um ano ou dois. mas não é muito divertido. Podemos morrer assim se quisermos. mas ainda achamos que os outros nunca deveriam ser confusos a respeito de como vivem. Nós não. paciente. na verdade não. Mas também fico triste por aqueles que não estão ainda dispostos a fazer esse tipo de trabalho sério. Enquanto não enxergarmos mais além desse jogo que não funciona. em vez de no verdadeiro jogo da vida. É mesmo. somos todos confusos porque todos estamos imersos nesse jogo de autoproteção. não estaremos jogando o jogo real. ainda assim não se pode contar com isso. Não existe lugar seguro para o nosso dinheiro.tudo a respeito da vida. pensando que a vida deveria ser de outro jeito. É nosso privilégio. Apesar disso. Entendo sua atitude e simpatizo com todo aquele que acha que a prática é realmente um trabalho muito duro. Nossa prática deve ser cuidadosa. A vida não é um espaço seguro. as pessoas têm de fazer suas próprias escolhas e . Temos de encarar todas as coisas. E não nos diz respeito preocuparmo-nos com isso. Na verdade. Temos de nos abrir para o enorme jogo que está em andamento e do qual fazemos parte. que temos de tentar ser felizes. quero dar-lhes apoio — porque é nesse ponto que elas se encontram e está tudo bem. Estou falando metaforicamente a respeito daquilo que não pode na realidade ser mencionado em termos comuns. Certamente essa é a impressão — parece que sou separada das outras pessoas e de tudo o mais que existe no mundo fenomênico. Essa infelicidade decorre da concepção equivocada de que somos separados. Aliás. vemos a vida através de um determinado aparato sensorial e. Levando essa metáfora um pouco mais adiante. chame-o de energia multidimensional. Somos todos expressões ou emanações de um ponto central — se quiser. cada um deles pensando que é separado de todos os outros. . Se nos sentimos separados. Essa concepção equivocada de que somos separados cria todas as dificuldades da vida humana. é que não somos separados.algumas delas não estão prontas para uma prática séria. iremos também sentir que temos de nos defender. Uma prática séria é necessária para que consigamos enxergar essa falácia bem no fundo de quase todas as ações. é como se esse ponto central irradiasse em bilhões de raios. e o centro é cada um de nós. o ponto ou a energia central não tem tamanho. no entanto. Uma vez que todas as coisas estão conectadas nesse centro. Na verdade. porque as pessoas e os objetos parecem ser externos a nós. para a maioria das pessoas. que temos de encontrar algo no mundo à nossa volta que irá tornar-nos felizes. espaço ou tempo. idéias e emoções humanas. A verdade dessa questão. Enquanto pensarmos que somos separados. vivenciamos muita infelicidade. nossa visão básica de vida em geral permanecerá em grande parte intacta. as nossas vidas não estão indo bem. cada um de nós é sempre o centro. Seja o que for que as pessoas estejam fazendo. O fato é que. a vida continua a nos fazer sentir pior e chega mesmo a piorar por si. E eu disse para a aluna do zen: "Apenas faça sua prática de acordo ou não com suas próprias idéias e eu a apoiarei". Enquanto não nos dedicarmos a uma prática séria. Sendo humanos. todos somos apenas uma coisa só. iremos sofrer. Não podemos imaginar qual seja sua forma. Mas o que é que de fato pensamos disso? Há alguma pessoa ou situação que pode nos ferir? Claro que pensamos que sim. contudo. podemos ter aprendido a dizer — no mínimo intelectualmente — que a resposta é não. No meu trabalho com os alunos. Conforme essa sensação vai assentando em nós. . Talvez se conhecermos bastante teoria da física contemporânea. sem exceção. ouço inúmeras histórias de como estão magoados ou contrariados. Conforme vamos praticando ao longo dos anos. pode ser conseguir algo que queremos. Está profundamente entranhada em nós. Uma mudança sutil está acontecendo. as pessoas. buscamos conforto em outro lugar. cá e lá. e estamos magoados. fragmentos dessa verdade começam a insinuarse em nossas vivências. essa é a nossa visão geral das coisas. não esperneamos mais tanto contra a vida: não temos de lutar contra ela. procuramos por alguma coisa além de nós para levar essa dor embora. não temos de agradá-la. nossos animais de estimação — "Isso aconteceu e me contrariou". nossos filhos. deixa de ser tão frustrante. de repente. Todos fazemos isso. Se não brigamos com a vida. É mais importante a lenta e crescente constatação de que não somos separados. pode ser alguma mudança em nossa posição profissional. mas não nos sentimos mais tão separados. As situações.Não enxergamos essa unidade. tal como acontece à nossa volta. Em outras palavras. Esse é o caminho da prática. Em termos comuns. a vida. não temos de nos preocupar com ela. Talvez as coisas corram razoavelmente mansas durante algum tempo e depois. nossos pais. somos vítimas. Nossos parceiros amorosos. algum reconhecimento talvez. Em conseqüência. Isso é a nossa vida. Todos esses relatos são versões de "Isso aconteceu comigo". porém. Podem ocorrer breves momentos nos quais temos vislumbres de percepção de quem realmente somos. isso significa que ela não irá nos ferir? Existe algo além de nós que pode nos ferir? Na qualidade de alunos zen. Uma vez que não sabemos onde procurar. ainda parece que existimos separados. poderemos entender intelectualmente a questão. Quando nos sentimos' vitimados pelo mundo. as dificuldades começam a impor-se a nós de um modo um pouco mais leve. Bom. Não nos sentimos mais tão separados dos outros. Pode ser uma pessoa. embora em si esses momentos não sejam muito importantes. algo acontece que nos contraria. quase inata. Ao longo de toda uma vida de prática esse processo aos poucos se fortalece. Você precisa ser empurrado de um lado para o outro por mais algum tempo. a estrutura enfraquece. Mesmo com seis meses de uma prática inteligente. contudo. Pode ser que não queiramos reconhecer esses lampejos. não podem mesmo. acontecem pequenos lampejos de verdadeira compreensão. insatisfeitos ou como se alguma coisa estivesse faltando. Conforme praticamos ao longo dos anos.Enquanto não percebermos que não somos separados de nada. É como se a vida nos apresentasse uma série de indagações que não podem ser respondidas. Ou fazemos bobagens. começa a haver um pequeno abalo na falsa estrutura de nossas crenças. As pessoas não devem estar num centro zen enquanto não sentirem que nada mais há para ser feito: é nesse momento que devem vir. por falar nisso. Ninguém acredita nisso e enquanto não houvermos praticado por muito tempo é difícil de captar. Continue simplesmente levando sua vida em frente. temos de ser sérios a respeito de nossa prática. A jovem que me telefonou ainda não chegou nesse ponto. Posso ficar ferido por todas essas . começa a prática séria. Sentir que algo está errado e procurar meios de consertálo — quando começamos a sentir o erro desse tipo de padrão. Vamos supor que um terremoto destruiu minha casa. Desde o começo dos começos. Ela continua imaginando que algo externo irá torná-la feliz. tudo bem. Vamos supor que todos os meus amigos me deixaram. não há nada errado. O estado iluminado existe quando essa estrutura rui por inteiro. E. já com as pessoas que praticam. Talvez US$ 1 milhão? Por outro lado. Não estão baseadas na realidade. além de se sentir acossado pela vida e sair atrás de remédio contra isso. Não há separação: tudo é um único conjunto que irradia. Quando lutamos. entramos em dificuldade. Por quê? Porque são falsas indagações. ou nos sentimos contrariados. Sim. Está certo. Vamos supor que perdi meu emprego e que estou seriamente enferma. Se você não estiver pronto para ser sério. é fato que começamos a compreender que existe um outro meio de viver. Mesmo assim. a armadura treme um pouco. A estrutura começa a desmanchar aqui e ali. iremos lutar contra nossas vidas. Voltemos à nossa pergunta: será que algo ou alguém pode nos ferir? Consideremos alguns desastres reais. a realidade — a energia básica do universo — dificilmente é sequer percebida. O que acontece se sento para praticar sobre isso? Começo a ver que meu sentimento de solidão se compõe. Enquanto estivermos mergulhados em nossa mágoa. sem mais ninguém. Porém. a mantê-las dentro do meu controle. A realidade é que estou apenas sentada aqui. ou "Se isso não der certo para mim. Não enxerguei através delas. ou "Se eu não tenho uma casa para morar. Não reconheci que minha infelicidade é fabricada por mim. Quando estamos envolvidos por inteiro em nossos pequenos egos. seremos um poço de lamentações de pouca serventia para qualquer um. Sinto-me só. Mas a realidade é que estou só sentada. Então o que acontece quando nós de fato praticamos? Por que é que a sensação de que a vida pode nos ferir começa a diminuir com o tempo? O que ocorre? Só um ego centrado em si. Vamos supor que eu acho que não tenho amigos e estou muito sozinha. mas a prática ajuda-me a dar conta de crises. A solidão e a infelicidade são meus pensamentos. meu julgamento de que as coisas deveriam ser diferentes do que são. Aquilo que chamamos "mágoa" ainda acontece. Leva um bom tempo antes de conseguirmos ver que apenas ficar sentada na prática é bom. A verdade da questão é que estou sentada em minha sala.coisas? Claro que eu penso que sim. está . será que podemos realmente ser atingidos por tais eventos? A prática nos ajuda a ver que a resposta é não. mesmo durante uma crise po'demos ser úteis. Esse ego é na realidade um conceito formado a partir de pensamentos nos quais acreditamos. Se não estivermos emaranhados em nosso melodrama de dor. Aquilo que chamamos de ego não é mais do que uma série de pensamentos aos quais estamos habituados. Talvez eu esteja sentada a sós em minha sala. apenas de pensamentos. "Se eu não conseguir isso ficarei infeliz". será horrível". por outro lado. na verdade. Ninguém me telefonou. Posso perder meu emprego. Não é objetivo da prática evitar os sentimentos que nos ferem. Por exemplo. E seria terrível se todas essas coisas acontecessem. um terremoto pode destruir minha casa. um ego apegado à sua mente e ao seu corpo pode ser atingido. isso é realmente terrível". percebemos que cada vez mais as tempestades da vida nos atingem mais de leve. a verdade da questão é que é isso mesmo. Tentamos remediar um falso problema com uma falsa solução e sem dúvida isso cria o caos. talvez tenhamos de passar seis meses fazendo uma pesquisa em algum ponto do deserto. Ela sempre existe. Não há como conseguirmos perturbá-la. Praticar ou não não é uma questão de bom ou mau. e tudo à nossa volta sofrerá também. não estou dizendo para se desistir de estar com os outros. Às vezes. Estamos começando a nos desvencilhar de nosso apego aos pensamentos que pensamos ser nós mesmos. Fico apegada ao pensamento de que sem uma companhia agradável. danos ao meio ambiente — tudo decorre dessa ignorância. Apegos dizem respeito não ao que temos.bem. pagamos o preço. Guerras. Estar com as pessoas é muitíssimo agradável. . porém. é apenas isso que estou fazendo. A lenta e difícil mudança da prática alicerça a vida e torna-a genuinamente mais pacífica. durante seis meses. Isso é o que somos. Para a maioria isso seria muito difícil. existe um preço a ser pago. Do ponto de vista da vida fenomênica que levamos. O ego é um conceito que enfraquece com a prática. Sem dúvida. mas a nossas opiniões acerca do que temos. Sem nos esforçarmos para ser pacíficos. Da mesma forma. quando não praticamos. Mas nós com certeza pensamos que estamos sendo atingidos e que podemos lutar para remediar as idéias de mágoa usando meios bastante improdutivos. por exemplo. teremos algum tipo de sofrimento. Não estou recomendando uma vida em que nos distanciamos do convívio social para ficarmos livres de apegos e dependências. Não há nada de errado com o fato de se possuir algum dinheiro. porém. Se nos recusamos a realizar esse trabalho — e não o faremos senão quando estivermos prontos —. Apego é quando não conseguimos mais ver a vida sem ele. só isso. A verdade é que nada pode nos ferir. certo ou errado. sou infeliz. Todavia. que me dê apoio. se estou fazendo uma pesquisa no meio do nada. a unidade original — o centro da energia multidimensional — permanece intacta. Mas. Temos de estar prontos. JOKO: Uno com uma mesa? Acho que com a mesa é muito mais fácil do que com as pessoas! Nunca ouvi ninguém relatar conflitos com uma mesa. no entanto. ALUNO: JOKO. se ainda resta um pouco de dor. individualmente ou em grupos. a dor é um ensinamento. JOKO: "Uno com" é a ausência de qualquer coisa que divida. ALUNO: Talvez eu não tenha entendido o que você quer dizer com "ser uno". Considerada dessa forma. Você não tem de sentir que é uma mesa. Segundo a minha experiência. isso não nos dá necessariamente autorização para . mas para mim está difícil entender o que seria ser uno com uma mesa ou coisa assim. e para ela é perfeito. estou querendo dizer que não existe senso de oposição entre você e a mesa. Por isso é que não temos problemas com elas. porém. Ela está exatamente nesse ponto. ALUNO: Consigo ver como podemos ser unos com as outras pessoas. devemos sem dúvida fazer o que nos for possível para lidar com ela. Mas depois.Não estou tentando criar sentimento de culpa em ninguém. em sentido emocional. Nossas dificuldades quase sempre envolvem pessoas. Não adianta nada acrescentar à dor julgamentos do tipo "Mas que coisa terrível! Coitada de mim! Por que é assim?". Com essa frase "ser uno com a mesa". Mas eu não me sinto uma mesa. ALUNO: Se alguém não pode nos ferir e nós não podemos ferir o outro. Não é uma questão de um sentimento especial. tudo o que podemos fazer é vivenciar esse resíduo. nossa resistência à prática diminui. Se sentimos uma dor persistente. Não estou criticando a moça que não queria levar a prática a sério. é uma falta ou ausência da sensação de distância. você diz que isso não dói? JOKO: Não. Mas sem dúvida isso leva tempo. A dor simplesmente é. Conforme praticamos. Esse sentimento em si não passa de pensamentos. As mesas em geral não despertam emoções. ALUNO: Digamos que uma pessoa tem artrite e sente dor o tempo todo. a maioria das pessoas que já passou por uma enfermidade séria e que aprendeu a usá-la terminou descobrindo que aquilo foi a melhor coisa que poderia ter acontecido para elas. estamos fingindo que ela não está ali. podemos ficar realmente confusos. É claro que. é isso que iremos fazer. isso já é uma separação. porque eu não as sentia. ALUNO: E quanto à ética samurai. Quando estamos entorpecidos. em termos práticos. Se sabemos que a verdade da prática está em nossos ossos — sem sequer pensar a esse respeito — não cometeremos esse erro.falarmos tudo o que temos na cabeça porque não podemos ferir ninguém. histórica no Japão? Por exemplo. E por isso não o fazemos. existe. simplesmente não atacamos. Se vemos que não somos separados das outras pessoas. Se vamos estragar as coisas. Antes de eu começar a sentar para praticar. sim. ALUNO: . Você está falando de dormência psicológica. quando decepar a cabeça de uma pessoa inocente não há assassinato. Até que esse momento chegue. JOKO: Em senso absoluto não há assassinato nenhum porque somos todos — "vivos" e "mortos" — apenas manifestações daquela energia central que é tudo. Porém. Toda prática séria presume uma devoção a preceitos e princípios morais básicos. Nós não atacamos os outros a menos que nos sintamos separados deles. Se consideramos que a prática é uma postura filosófica. eu não achava que as coisas pudessem me ferir. ALUNO: Em outras palavras. por certo. estaremos fazendo o que estamos fazendo. mas na vida que vivemos. se confundimos o absoluto e c relativo poderíamos usar o absoluto para justificar o que fazemos no relativo? JOKO: Sim. não estamos unos com a dor. não há um que mate e um que seja morto. fica muito mais fácil interromper o comportamento contraproducente. Os guerreiros samurais estavam confundindo o relativo e o absoluto. JOKO: Certo. um guerreiro samurai pode dizer "Uma vez que sou uno com tudo. Se entendemos erradamente esse ponto e dizemos "Vou falar tudo agora para você porque não posso feri-lo". JOKO: Isso é muito diferente. ALUNO: Quando por fim me sintonizo e percebo o quanto estou me magoando de variadas maneiras. mas só se vivemos na cabeça. essa pessoa sou eu". não concordo com a ética samurai. como você disse. Não podemos nos forçar a abandonar esse apego. Um erro comum no ensinamento zen é nos obrigar a "deixar ir". Se os outros me tratam mal ou me causam dor. A atitude ou o conhecimento interno de que não somos separados cria uma mudança fundamental em nossa vida emocional. Não funciona. ALUNO: Mas a pessoa pode se sentir ferida. O apego é pensamento. Temos de entender o que é o apego. Na prática. ALUNO: Portanto. JOKO: Sim. Então esse apego irá simplesmente fenecer. posso precisar negar e tomar alguma atitude. No entanto. ALUNO: Você está dizendo para se abrir mão do apego à mágoa? JOKO: Não.JOKO: É isso mesmo. Esse conhecimento significa que. Eu nunca diria para não nos sentirmos do jeito que nos sentimos. Mas. independentemente do que acontecer. É como se nosso entendimento cancelasse essas reações. lidamos com a situação e não ficamos mais emocionalmente envolvidos nela. Não podemos nos forçar a "deixar ir". Jamais sequer nos escutarão. Ninguém tem todas as dificuldades que eu tenho". Temos de experimentar o medo — a sensação corporal — que está por trás do apego. nós trabalhamos com o complexo de sensações físicas e pensamentos que constituem "Eu me sinto ferido". . Se alguém fez algo para mim — roubou todo o meu dinheiro para as compras —. então o "sentir-se ferido" evapora. E não estou dizendo para evitar esse sentimento. mas não podemos apenas dizer "Vou desistir disso". não estaremos mais dizendo em nosso íntimo: "Mas que coisa horrível. Temos de vivenciar o medo subjacente. não somos perturbados por isso. talvez devam saber que fizeram isso. E não estou dizendo jamais criticar aos outros e suas condutas. Ter o conhecimento não significa que não nos incumbiremos dos problemas conforme forem surgindo. nunca aprenderão aquilo que precisam aprender. sentir-se ferido são só nossos pensamentos a respeito da situação? JOKO: Sim. Se vivenciarmos totalmente as sensações e os pensamentos. se falarmos com eles com raiva. Quando não nos identificamos mais com esses pensamentos. é mais um disfarce. Para chegar a esse conhecimento intuitivo é que praticamos. por exemplo. JOKO: O PROBLEMA SUJEITO-OBJETO Nosso problema básico como seres humanos é a relação sujeito-objeto. meu trabalho. Intuitivamente. muitas vezes. o medo ou a raiva. Em termos comuns. a cadeira. penso em mim como o sujeito em relação com os objetos: vocês. ALUNO: Voltando à moça que pensava que a prática deveria ser menos séria e que não queria vir para sentar-se e praticar aqui: você está equacionando a prática séria com praticar com regularidade num centro zen? JOKO: ALUNO: Não. o mundo está dividido em sujeitos e objetos. Você está dizendo que se sentirmos nossa tristeza de verdade. Se não entendermos o dualismo sujeito-objeto. simplesmente as encobrimos. Na primeira vez que ouvi essa afirmação. Apesar da distância. A moça simplesmente ainda não está pronta para fazer isso. o que é o mais triste. não teríamos mais necessidade de chorar? Podemos chorar. eles encontram um jeito de vir aqui de vez em quando. sabemos que não somos separados do mundo e que a divisão sujeito-objeto é uma ilusão. do dia-a-dia. berram e gritam ainda não estão em contato com sua raiva. pareceu abstrata e irrelevante para minha vida. Quando dramatizamos nossas emoções. Por exemplo. Em cada um desses casos. veremos os objetos em nosso mundo como a fonte de nossos problemas: vocês são o meu problema. as pessoas que brigam. Eu olho para vocês. no entanto. Tenho alguns alunos que moram longe e praticam bastante. . existe uma diferença entre apenas chorar e dramatizar a nossa tristeza. No entanto. toda a nossa desarmonia e dificuldade decorrem de não sabermos o que fazer a respeito da relação entre sujeito e objeto.Vivenciar o apego ou o sentimento também não significa dramatizá-lo. a cadeira. A dramatização. atiram coisas. vou para o trabalho. meu trabalho é meu problema. sento-me numa cadeira. E é ela quem sofre. Apesar disso. anos e anos atrás. embora essa prática regular seja muito útil. Esse estado de samadhi. Mu — literalmente "não" ou "nada" — é normalmente proposto para os iniciantes como um meio de focalizar sua atenção. observando um objeto virtualmente vazio. tentamos acionar o sujeito também e esvaziá-lo de seu conteúdo. porém. reunimos as coisas. Quando o atingimos. Esse é um estado de graça porque o objeto vazio não me incomoda mais. tornei-me objeto. antes. Ainda há a mim e ainda há você. Esses estados de samadhi não são precursores da verdadeira iluminação porque um sujeito finamente velado está separado de um objeto virtualmente vazio. Esse estado é às vezes chamado de samadhi. Prática e vida assim não se encontram. Quando nos damos conta dessa separação. aquele estado de graça se dissipa e mais uma vez estamos num mar de sujeitos e objetos. mas. Desse ponto de vista. Não é que eliminemos alguma coisa. tenta enxergá-lo tal qual é. Quando voltamos ã vida diária. tomamos o sujeito em outro objeto ainda. não me sinto separado de você. Quando atingimos esse estado. trabalhar no Um * ou em grandes koans esvazia o objeto do condicionamento que vinculamos a ele. ainda é dualista. com um sujeito ainda mais sutil a observá-lo. uma voz interna diz: "Deve ser isso!" ou "Agora estou de fato indo bem". Conforme o objeto vai se tornando cada vez mais transparente. Permanece existindo um sujeito oculto. Estamos assim criando uma regressão infinita de sujeitos. Historicamente. Por exemplo. aprendemos o que é ser ou vivenciar. Sou uno com você. mas quando sou apenas minha vivência de você.(Quando me considero como o problema. no que acaba sendo uma separação entre sujeito e objeto. a prática zen e a maioria das outras disciplinas de meditação têm tentado resolver o dualismo sujeito-objeto esvaziando o objeto de todo conteúdo. * . tendemos a nos parabenizar por todo o progresso que já fizemos. antes. que para nós são nãoproblemas. Aos poucos. Uma prática mais límpida não tenta livrar-se do objeto. somos um sujeito contemplando um objeto virtualmente vazio. afastamo-nos dos objetos que consideramos como os problemas e vamos em busca de outros. e nesse estado não existe sujeito nem objeto. o mundo consiste em mim e nas coisas que agradam ou desagradam a mim. Quando fazemos isso.) Dessa forma. Aos poucos. Quando aparece raiva. por exemplo. estamos nos tornando cada vez mais livres e despertos. estaJOKO: ALUNO: * Shikantaza — "apenas sentar'': uma forma pura de meditação sentada. objetos que temíamos vão perdendo seu poder sobre nós e podemos lidar com eles com mais presteza. sem a ajuda da contagem da respiração ou da prática do koan. Por outro lado. ou apenas sermos nossas próprias vivências de modo que. . por exemplo. É possível entrar numa espécie de experiência bruxuleante na qual o sujeito não está incluído. Os processos de pensamento foram eliminados da percepção consciente e cancelamos nossa experiência sensorial da mesma forma como seria feito com qualquer outro objeto da percepção consciente. Esse processo nunca está completo. É fascinante observar a mudança que ocorre. nossas vidas se aquietam. em vez de concentrar-se num único objeto. inclui quase tudo) se torna farelo para o moinho da nossa prática. por exemplo. Quando trabalhamos dessa maneira. como a respiração. Essa é apenas uma outra forma de falso samadhi. Embora desse jeito a raiva seja posta de lado. ALUNO: Você disse que o verdadeiro propósito da prática é experimentarmos nossa unidade com todas as coisas. nossa prática é nos tornarmos a própria raiva. Como é aquilo que você descreve como diferente da prática shikantaza * tradicional? Corretamente entendido. Qualquer coisa que nos aborreça ou contrarie (que. para sermos honestos.Esse tipo de prática é porém muito mais lento porque. a maioria das práticas zen tradicionais nos levaria a ignorar essa raiva e a nos concentrar em alguma coisa. mas existe uma tendência a esvaziar a mente. aprendemos a nos relacionar com os objetos problemáticos de uma forma diferente. trabalha com tudo em nossa vida. Nossas reações emocionais gradualmente se minimizam. é muito parecido com o shikantaza. ela voltará toda vez que formos criticados ou ameaçados de alguma forma. Trabalhar com tudo leva a uma prática que permanece viva em cada segundo de nossa vida. vivenciando-a plenamente. alerta e calmamente cônscia do presente. na qual a mente mantém-se bastante concentrada. vejo-a acontecer nos outros e em mim também. sem separação ou rejeição. no entanto. Uma vez que nossos sentidos estão abertos. porém. e há uma riqueza da captação sensorial que é apenas o nosso estado natural . e todo o nosso input sensorial se torna mais claro. que podemos fazer: podemos reparar nos pensamentos que nos separam de nossa atividade. Existe uma coisa. na maior parte do tempo. Ou estamos na percepção conscientizadora. sempre podemos observar que não o estamos fazendo. A prática é simplesmente manter a percepção consciente — de nossas atividades e também de todos os pensamentos que nos separam de nossas atividades. nós apenas precisamos observar como bloqueamos nossa conscientização. mais intenso. Quando os pensamentos surgem. E o que somos. Em vez de dizer "Vou me unir com o ato de lixar". nós apenas lixamos as unhas ou nos sentamos para praticar. ele não faz outra coisa. Rotular nossos pensamentos ajuda-nos nesse sentido. Por isso. Depois de algum tempo sentados na prática. A percepção consciente é nosso verdadeiro ser. Se tentarmos nos tornar unos com esse movimento. Isso não é tão difícil. Podemos estar cônscios de não estarmos completamente engajados naquilo que estamos fazendo. separamo-nos dele. vivendo sua vida.mos só lixando as unhas se for isso que estivermos fazendo. A prática não tem que ver com passar por certas experiências. os sons são mais intensos. ou estamos fazendo alguma outra coisa. Somos perfeitos como somos. Nada especial. odores e assim por diante. Mas não é um paradoxo tentar chegar até nisso? JOKO: Concordo com você: não podemos tentar ser unos com o lixar. o que é dualista — pensar a respeito da atividade em vez de só executála —. fantasias. só. É tudo quanto se torna necessário. que é o nosso estado natural. O sinal do aluno maduro é que. com vivenciar grandes conclusões. opiniões e julgamentos. ouvimos e sentimos outras coisas também: sons. Ele está apenas ali. nossa habilidade para os raciocínios necessários torna-se mais aguda. o mundo parece mais brilhante. nem com chegar em alguma parte ou tornar-se algo. não temos que tentar desenvolver a percepção consciente. Com "perfeitos" quero dizer que é isso. com pensamentos. Quando nos tornamos uma percepção consciente aberta. Quando lixamos nossas unhas ou nos sentamos para praticar. observamos que surgiram e regressamos à nossa experiência direta. O próprio esforço se derrota. por quanto tempo permanecerei simplesmente disposta a vivenciar isso? Todos temos problemas constantes. Você está pensando "Estou totalmente absorvido lixando as minhas unhas". preste atenção nisso também. A conscientização de que se está absorvido numa dada experiência pode ser um passo útil no caminho. Na verdadeira presença atenta. essas divagações diminuem até quase desaparecerem. A prática inclui tanto a percepção consciente de nossa postura sentada como a percepção consciente de termos divagado. mas ainda não é ter chegado efetivamente lã. mas nossa disponibilidade para somente ser está nos últimos itens. O verdadeiro problema é: nós não queremos fazê-lo. Um outro indicador de uma prática em fase de amadurecimento é o desenvolvimento dessa confiança e dessa fé. até termos praticado o suficiente para termos fé em apenas sermos de modo que as soluções possam aparecer naturalmente. a pessoa está só fazendo. É normal que a mente produza pensamentos. ALUNO: Qual é a diferença entre permanecer totalmente absorvido no lixar das unhas e em estar consciente de estar totalmente absorvido no lixar das unhas? JOKO: Estar consciente de estar absorvido em lixar as unhas é ainda um dualismo. Essa não é a verdadeira presença atenta. A prática é tomar consciência de nossos pensamentos sem nos perdermos neles.se não estivermos bloqueando o acesso às experiências com nossas mentes rígidas e preocupadas. O zazen na realidade não é complicado. Quando começamos a prática. ALUNO: Os sons e odores e também as nossas emoções e pensamentos são todos partes da nossa prática sentada? JOKO: Sim. podemos manter a percepção consciente só por intervalos muito breves e logo desviamos a nossa atenção do presente. não reparamos nem que estamos divagando. Ainda há uma separação entre a percepção consciente e o objeto . Caso nos percamos. porque ainda há o pensar sobre isso. Se meu namorado começa a olhar para as outras mulheres. embora isso nunca ocorra de forma radical. Após anos de prática. em nossa lista de prioridades. Então nos apanhamos de volta e recuperamos a atenção na prática sentada. Prisioneiros de nossos pensamentos. Não existe tensão na atividade pura. A vida é sem acidentes. não estamos pensando "Estou na prática". Quando estamos lixando as unhas. Quase sempre existe uma sombra. Quando já estamos nessa prática há muitos anos. incluímos na atividade vários pensamentos subliminares como "Preciso conseguir fazer todas essas coisas também — ou minha vida simplesmente não serve".. Se eu fizesse apenas uma coisa por vez e depois passasse para a seguinte. ou "Não é maravilhoso eu poder tomar conta de tudo?". além da contração física exigida para que a atividade em si seja executada. ALUNO: Mas e quando uma das coisas é ter de refletir sobre um assunto. um filme sobre ela. não estamos pensando em prática. porque não há bloqueio nenhum no organismo. num sesshin. uma terceira é uma carta para se escrever. se estivermos completamente presentes. todas desenrolando-se ao mesmo tempo. então isso será suficiente. Há muitos anos. Numa boa prática. o arrancar as ervas daninhas. JOKO: . somos muito eficientes sem nos afobarmos. Fazer uma coisa de cada vez e entregar-se por completo a essa execução é o meio mais eficaz de se conseguir viver. formos tomando conta de uma coisa após a outra. eu não conseguiria dar conta de tudo que realizo normalmente durante um dia. ALUNO: Minha vida parece consistir em camadas sobre camadas de atividades. no entanto. Uma boa prática é fazer o que estamos fazendo e observar quando divagamos.. toda vez que nos voltamos para uma outra atividade. JOKO: Duvido. mas perceber apenas uma certa tensão. eu costumava ter a experiência de apenas tornar-me o cozinhar. Em geral. Mesmo assim. Quando vivemos e trabalhamos dessa maneira. a tarefa será concluída muito mais depressa e melhor. outra é atender o telefone. da manhã até a noite. de maneira completa e cabal e sem pensamentos concomitantes do tipo "Sou uma boa pessoa por ter feito isso". Focalizar a atenção em algo chamado "prática zen" não é necessário. percebemos quase de imediato quando começamos a divagar. A atividade pura é muito rara.dessa percepção consciente. Se. apenas fazendo o que estamos fazendo. Podemos não estar conscientes disso. As pessoas supõem que o estado iluminado é inundado de sentimentos amorosos e emoções calorosas.ou o que fosse que eu tivesse que fazer. existe uma diferença em como devem praticar? JOKO: Não. Podemos achar que não nos importamos com a liberdade final nesse sentido. Se não existe pessoa. se estamos apenas absorvidos no viver. é um fluxo de atividade na qual não existimos como um ser separado de nossa atividade. eu voltava completamente a toda a mesma história de sempre. ao passo que. Um certo treino e um descondicionamento desenrolam-se em qualquer situação de prática sentada. ALUNO: De volta ao exemplo de lixar as unhas: se realmente estamos apenas fazendo isso. retornamos ao dualismo sujeito e objeto e não estamos mais entregues à pura atividade. Eu não me havia tornado una com o objeto. é que nós a desejamos. Não existe uma liberdade final enquanto não houver apenas um só. no entanto. A verdade. até que tenhamos superado esse dualismo. Mas isso é tudo o que somos. somos uma presença. uma percepção consciente. uma vez que o sentimento de raiva é um objeto. E sem a menor hesitação. que quando estamos só lixando as unhas não estamos absolutamente ali? Não existimos mais? JOKO: Quando estamos entregues à pura atividade. O amor ou a compaixão genuína é uma ausência dessas duas emoções concebidas em nível pessoal. Sempre existe um certo valor na prática que tem características dualistas. essas emoções estarão ausentes. no entanto. o que fazemos é simplesmente ignorá-lo. não conseguiremos conhecer a liberdade final. ALUNO: Se uma pessoa está sentindo amor e outra pessoa está sentindo ódio. o verdadeiro amor. Em essência. ou a verdadeira compaixão. Na prática de concentração que descrevi primeiro. E isso não se parece com nada. ali. Empurramos a emoção para o lado e esvaziamos . Isso não significa. Mas. mas ainda existia um assunto sutil ali. se lembramos de que estamos fazendo isso. Porém. assim que o sesshin tinha evaporado um pouco que fosse. Somente uma pessoa pode amar ou odiar no sentido usual. é simplesmente estar não-separado do objeto. então não estamos em absoluto cientes de nós. e perdemos esse imenso tesouro de conscientização com a vivência direta da vida. eu penso que o teste do samadhi da pessoa era sua capacidade de não sentir a dor mediante o estado de graça e a concentração. E por isso que nos distanciamos dele. até certo ponto. ou até mesmo pode-se deitar. Sim. a prática shikantaza pode ser entendida dessa maneira. Mesmo assim. corremos dela quando aparece. São um território desconhecido pela prática zen clássica. A vida mesma apresenta a dor e também inconveniências. Então o objeto é cancelado. é útil sentarse com a dor para podermos recuperar uma consciência mais plena de nossa vida tal qual ela é. com minha mão sobre a chama de uma vela para saber quanta dor consigo suportar. nós apenas vivenciamos o pensamento e a emoção e suas sensações concomitantes. porque elas não foram resolvidas. Na prática da conscientização. Temos apenas que nos acautelar quanto às armadilhas. Nos sesshins mais longos e difíceis. . ALUNO: Na prática shikantaza que me ensinaram. Se não nos entendemos em relação à dor. Uma dor extrema não é necessária. o sesshin torna-se urna espécie de prova de resistência. Se não sabemos como lidar com a dor e com a inconveniência. A separação sujeitoobjeto ocorre porque não estamos dispostos a ser a dor que associamos com o objeto. pode-se usar um banco ou a cadeira. Os resultados são muito diferentes.o koan de seu conteúdo. No velho estilo da prática do samadhi. ALUNO: Nesse estilo de prática. O problema dessa abordagem é que. Se a dor for excessiva. existe um certo valor em a pessoa dispor-se a ser a dor. às vezes me sinto como Gordon Liddy. Você poderia comentar como a dor funciona nesse sistema para não ser masoquismo? JOKO: Uma dor moderada é um bom mestre. quando voltamos à vida diária. as emoções fazem parte da prática: elas aparecem e nós nos sentamos para praticar com elas. não sabemos o que fazer com as nossas emoções. De modo que. não sabemos muito a nosso próprio respeito. no entanto. JOKO: ALUNO: JOKO: Certo. Parte do que viemos aqui aprender é como estar com o desconforto e a inconveniência. De certa forma. Dentro da consciência ordinária. . desconforto. Doubleday. Sobretudo quando ficamos mais velhos. zen bones: A collection of zen and pre-zen writings. Então estão doendo: é só isso. a dor é um grande mestre. objetos incluem sentimentos e estados de ânimo. Desse ponto de vista. ALUNO: Então. Posso observar a mim mesma. o mundo inteiro existe através dela. até mesmo ele pode ser um objeto. JOKO: Sim. O que é? ALUNO: JOKO: ALUNO: A percepção consciente. NY: Anchor. Só existe um único sujeito verdadeiro — que é o absolutamente nada. dificuldade e até mesmo a tragédia podem ser grandes instrutores. no entanto. Embora pensemos em nós como sujeitos e em tudo o mais como objetos. INTEGRAÇÃO Há uma história tradicional a respeito de um instrutor zen * que estava recitando sutras ** quando foi abordado por um ladrão * * Daisan: uma entrevista formal entre aluno e instrutor no decurso da prática meditativa. posso cutucar as minhas pernas.Quando atendo alunos em daisan *. isso é um erro. sem data. a percepção consciente. Ver Paul Reps. embora a palavra seja inadequada. Garden City. "O homem que se tornou um discípulo". sou um objeto também. 41. tudo se torna um objeto. posso ouvir a minha voz. tudo o que esteja além de nós é um objeto? Se pensarmos no eu da pessoa como um objeto entre outros. além das coisas do mundo? JOKO: Sim. Sem um certo grau de desconforto. Quando nós separamos as coisas umas das outras. a maior parte do tempo meus joelhos ficam doendo. Dor. A percepção consciente não é nada e. p. a maioria das pessoas aprenderia muito pouco. compilador. Zen flesh. é útil ser capaz de estar com a nossa vivência e viver plenamente a vida. em especial quando ficamos mais velhos. de manhã até a noite. Ele não pensou duas vezes a ** Sutra: texto budista tradicional. viu quem era o homem (talvez um garoto que apanhou uma espada e esperava com ela conseguir um dinheirinho rápido) e intuitivamente soube o que fazer. Mas este insistiu que não havia sido vítima de roubo porque havia dado ao homem o seu dinheiro e este agradecera por isso. Mas não é possível querermos ser simplesmente como Shichiri Kogen. Ou que alguém roube o nosso cartão de crédito e o utilize. mas a maneira como agiu. pode ser que às vezes essa não seja a melhor maneira de reagir. inclusive o assalto ao instrutor zen. na hora do almoço. Em vez de fazer um julgamento. o modo como fazemos nossas transações bancárias. A questão não é que alguém levou o dinheiro ou o que o mestre fez. voltou até o instrutor e tornou-se um de seus discípulos. A questão é que o mestre não julgou o ladrão. podemos deixar de entender o "x" da questão. como essa. Uns dias depois foi capturado e confessou vários crimes. em geral falado em voz alta.que exigiu seu dinheiro ou a vida. sua resposta poderia ter sido outra. Por estar distante de nossa época. Eles imaginam que "deveriam ser altruístas. A atitude do mestre foi crucial. . Se a situação tivesse sido diferente. O mestre em cada uma dessas histórias foi eficiente porque foi o que ele era. Como reagir? Uma dificuldade das histórias clássicas do zen. Não é tanto o que o mestre fez. nossa reação quando o artigo que apresentamos é aceito ou rejeitado — tudo o que fazemos e dizemos reflete nossa prática. ele simplesmente lidou com a situação. Os alunos causam um grande dano quando arrastam esses ideais para a prática. Depois de o ladrão ter terminado de cumprir a pena. e pediu que ele apenas deixasse o suficiente para pagar seus impostos e que quando estivesse prestes a sair agradecesse ao instrutor pelo presente. Essas histórias parecem românticas e lindas. Isso não quer dizer que a melhor coisa seja sempre dar ao ladrão aquilo que ele quer. Estou certa de que o mestre considerou a situação. É uma armadilha do treino concluir: "Oh. Não percebemos que somos todos professores. Mas vamos supor que alguém nos peça emprestado dinheiro e não nos devolva. Tudo o que fazemos. O ladrão concordou. O instrutor disse ao ladrão onde estava o dinheiro. generosos e nobres como o grande mestre zen". é que elas parecem antigas e muito distantes. eu deveria ser desse jeito". é um ensinamento: o modo como falamos com alguém. Se conseguimos usar as histórias de forma correta. Vislumbrar por um instante a unidade última do universo não significa necessariamente que daí em diante nossas vidas serão mais livres. mas essa pessoa não vai saber o que fazer com isso. Os centros zen e outros locais de prática espiritual costumam ignorar o que tem de ocorrer com um ser humano para que aconteça a verdadeira iluminação. Quando o corpo e a mente são um só. Queremos ser os donos das idéias. Para muitas pessoas. Pegar a pessoa que ainda não integrou corpo e mente e forçá-la a passar pelo estreito e concentrado portão da iluminação pode sem dúvida produzir uma poderosa experiência de vida. Queremos ter uma estratégia para viver. De quem é o dinheiro afinal de contas? E o que torna nosso um pedaço de terra? Nosso senso de propriedade aparece porque temos medo e somos inseguros e por isso queremos ter coisas. a idéia de que poderíamos agir com naturalidade como o mestre Kogen é completamente sem sentido. esse empreendimento leva a vida inteira. A primeira coisa que tem de acontecer — ao longo de muitas etapas. enquanto não compreendermos isso. enquanto nos preocupamos com o que alguém nos fez. Quando mente e corpo tornarem-se mais integrados. para frente e para trás. Queremos possuir as pessoas. Entretanto. não deveríamos apenas tentar copiá-las em nossas vidas. Enquanto formos controlados por nossas emoções autocentradas (e a maioria de nós tem milhares dessas ilusões). A violência e a raiva que existem em nós continuam despercebidas porque nos mantemos aprisionados em nossas imagens de como deveríamos ser. não teremos ainda superado essa etapa. que segue regras a respeito de como as coisas têm de ser. Quando tentamos ser uma coisa que não somos. não somos mais constantemente puxados para cá e para lá. Pois. superando muitos desvios e armadilhas — é a nossa integração como seres humanos. O importante é quem somos a cada momento dado e de que modo lidamos com aquilo que a vida nos oferece. Enquanto estivermos fazendo todas essas coisas. Mas. o trabalho paradoxalmente irá . para que a mente e o corpo tornem-se uma coisa só. elas são maravilhosas. iremos nos iludir a respeito das coisas.respeito. Somos iluminados. como roubar o nosso dinheiro por exemplo. tornamo-nos escravos de uma mente rígida e fixa. não estamos verdadeiramente integrados. Queremos ter nossas próprias opiniões. Somos intrinsecamente perfeitos do jeito que somos. quanto mais pedregoso. Quanto maior for o tempo em que permanecemos sentados praticando. existem muitas áreas da vida que têm a qualidade de uma vida iluminada. Nossas mentes não se impõem mais tanto a nós. Os primeiros anos são mais difíceis do que os últimos. Conforme vou lecionando. embora mesmo nessa época tal etapa possa ser interrompida por todas as espécies de episódios difíceis. Nossa tarefa é integrarmo-nos com o mundo todo. talvez depois de cinco ou dez anos de prática. Mais tarde pode irromper uma nova crise. Como disse o buda: "O mundo todo são meus filhos". O mais difícil é o primeiro sesshin. o segundo já é mais fácil. Isso acontece na primeira parte da viagem. a integração com o resto do mundo se tornará mais fácil.ficar muito mais fácil. O ego está desfazendo-se. percebo os programas pré-preparados da pessoa se desfazendo. É mesmo lindo. Conforme nossa prática progride. A prática deixa de ser romântica: não se parece mais com aquilo que lemos nos livros. O que custa mais tempo e dá mais trabalho é a primeira parte. Assim que estivermos relativamente em paz conosco. esse pode ser um período árido. e assim por diante. Se sentamos para praticar com até 40% de percepção consciente. menos coisas vão acontecer durante a prática. Não temos mais tantos programas antecipados a respeito de tudo. observamos que os episódios — os obstáculos em nosso caminho — não são tão difíceis quanto poderiam ter sido. os meses mais difíceis da prática estão no primeiro ano. O ego precisa de obstáculos que o desafiem. Tem início uma genuína renúncia de nossos programas antecipados. o sonho da glória pessoal que pensávamos obter a partir da prática. Por quanto tempo aturamos enxergar toda a obstrução de nosso ego? Por quanto tempo conseguimos observá-lo antes de largar mão e simplesmente retornar ao aqui? Trata-se de um lento processo de desgaste — e . Assim que isso estiver quase alcançado. quando começamos a entender que não iremos ganhar nada com tanto tempo sentado — absolutamente nada. nem o mesmo impulso para nos tornarmos importantes ou grandes juizes. embora seja a parte difícil. O sonho acabou. Então começa a prática real: de um momento para o outro. apenas encarando cada momento. Não nos dominam mais. difícil. Alíás. pequenas fagulhas saem de nossas programações antecipadas. O caminho nunca é direto e suave. melhor. iremos aos poucos abrindo-nos para uma nova visão de vida. muito inteligentes. OS TOMATEIROS RIVAIS Há alguns instantes recebi um telefonema de uma amiga da costa leste que está morrendo. a vida nos dá um chutinho após o outro até aprendermos aquilo que precisamos aprender. Nosso medo básico é o de morrer. discussões ou transtornos — que é só calma e paz. Além de rotular nossos pensamentos. Porém. Primeiro. lembrei-me da preciosidade desta jóia que chamamos vida — e de quão pouco sabemos a seu respeito ou a apreciamos. podemos fazer com que a nossa vida entre em rota de colisão com a vida dos outros. Depois dessa ligação. Mas elas também tendem a cair nas malhas de muitas racionalizações e análises. Se trabalharmos com essas duas questões com toda a paciência possível. entre as quais o esforço de proteger nossa auto-imagem. precisamos ver que todos sentimos medo. Esse é um grande engano porque se não entendemos como o conflito é gerado. física. podem imaginar que a jóia da vida nunca tem conflitos. música. e este está na base de todos os outros. O único teste para saber se estamos fazendo a prática é a nossa própria vida. filosofia — podemos modificá-la e usá-la para evitar a prática. o ego.não de uma questão de ganhar virtudes. Inteligência ajuda. precisamos permanecer com as sensações de nosso corpo. As pessoas que vêm a um centro zen são. Ela disse que talvez tenha mais três ou quatro dias de vida e que estava telefonando para dizer adeus. Mesmo que saibamos um pouco. Ninguém pode fazer essa prática por nós. Nosso medo de sermos pessoalmente aniquilados leva-nos a condutas inúteis. de maneira típica. Dessa necessidade de . Seja qual for a disciplina — arte. Queremos uma vida que seja tão rica e ampla — e benéfica — quanto seja possível. Todos temos a possibilidade de viver assim. em especial as que pertencem a comunidades espirituais. é mais ganhar entendimento. se não o fazemos. como é pouco o quanto cuidamos dela! Algumas pessoas. então está na hora de olharmos mais de perto essa situação. Tudo bem discutir. 1988. nenhum apego à idéia do "eu ganhei. Da raiva nasce o conflito. Não é que evitem competições. E a nossa raiva com certeza não é pura também porque existe medo por trás dela. na realidade. Esses dois homens competiam em todas as oportunidades. p. em harmonia com o Tao. Se nossas discussões se dão nesse sentido. Nova York: Harper & Row. mas não creio que você precise se preocupar com isso". os dois ganhavam o prêmio de "O Melhor Tomate da Feira". mas competem com espírito esportivo. Mas quantas vezes isso acontece? Suzuki Roshi foi interpelado certa vez se a raiva poderia ser como um vento puro que varre e deixa tudo limpo. depois de tudo supostamente perdoado e esquecido. Ele disse que nunca tinha sentido uma raiva que fosse como o vento puro. Era uma delícia vê-los porque os dois sabiam que aquele bate-boca era só para brincar. mas mais especialmente na temporada do tomate. Suas discussões a respeito de seus tomates eram clássicas: iam erguendo a voz até as paredes começarem a tremer. O melhor líder segue a vontade do povo"*. nossa raiva será capaz de causar danos. mas apenas se for por diversão. Todas essas pessoas entendem o que é a competição. de uma boa troca de opiniões. Enquanto não entrarmos em contato com o nosso medo e o vivenciarmos por inteiro. Nesse sentido são como as crianças. Não estou querendo dizer que uma boa vida não tenha acaloradas discussões. O teste de um bom conflito. Quando eu era menina conheci muito bem dois senhores e suas famílias. você não". O melhor negociante serve ao bem comunitário. desacordos. E o conflito destrói nossos relacionamentos com os outros. mas. with foreword and notes. Se temos uma discussão com alguém que nos é próximo. continuamos frios e distantes. . * Tao Te Ching: A new English version. 68. tudo bem. isso é bobagem. Um verso do Tao Te Ching * afirma: "O melhor atleta quer que seu adversário esteja em sua melhor forma. Ele disse: "Sim. Estas eram amigas e era comum sairmos juntos para passeios de fim de semana. E.proteção vem a raiva. é que quando o conflito termina não resta frieza ou amargor. O melhor general entra na mente de seu inimigo. por Stephen MitchelI. Apresentavam suas safras na feira local. de incluir o outro — mesmo que possamos fingi-lo. Se tivermos paciência de esperar até que a lama (nossa mente) decante e a água fique límpida. precisamos nos acautelar. O que dissermos pode ser proveitoso. de mostrar ou ensinar algo para o outro. mas haverá uma diferença. Mas o que isso quer dizer? Vamos supor que dizemos para alguém: "Quero ser honesto com você. muitas vezes nossos esforços de honestidade não vêm da verdadeira honestidade. talvez precisemos de mais tempo.Um bom exemplo está em nosso esforço para sermos honestos. Podem inclusive ser as mesmas palavras que teríamos falado a partir de nosso ego. Viver desse jeito não é fácil. que não magoam os outros? Essas palavras podem ser muito francas. esperamos um minuto. Ninguém consegue fazê-lo o tempo todo. estamos com medo. ás palavras certas aparecerão. Pode não ser uma prática formal. e esperar. não teremos quaisquer razões. A honestidade é a base absoluta de nossa prática. Nossos sentimentos foram feridos. mas de um espírito de brincar. As palavras verdadeiras vêm quando entendemos o que é saber que estamos com raiva. se estamos tendo um grande conflito com uma pessoa. Porém. Por outro lado. . Nossa primeira reação vem da autopreservação e do medo. saber que estamos com medo. apenas respiramos fundo. ficamos com raiva. sem que precisemos pensar nelas. Quero lhe contar como vejo o nosso relacionamento". Não precisaremos justificar aquilo que estamos dizendo usando múltiplas razões. Podem comunicar exatamente o que queremos dizer. Não conseguimos isso sem uma prática sincera. As palavras certas se farão dizer se tivermos nos aquietado. Dizem as antigas palavras: "Você tem a paciência de esperar até que sua mente aquiete e a água fique clara? Você consegue se manter imóvel até que a ação correta apareça por si?". Enquanto tivermos a menor intenção que seja de ter razão. Esse é um modo maravilhoso de apontar o "x" da questão: será que conseguimos ficar em silêncio por um momento até que as palavras justas apareçam por si — palavras honestas. se permanecermos imóveis até que a ação correta surja por si. sentimos como vão as coisas bem no meio de nossa barriga e então é que falamos. às vezes. Enquanto nossas palavras tiverem a menor ligação que seja com o ego. serão desonestas. e então a raiva salta bem no meio da cena. Pode ser melhor às vezes não dizer nada durante um mês. Eu tenho falhas. todos nós fazemos essas coisas. dizer-lhes como são falhos. Quando leciono. Em vez de dirigir a alguém a nossa ira. Meu amigo não me ajudou. Vamos supor uma pessoa que nos deve dinheiro e não paga. Ou que alguém fala de nós pelas costas. Mas será que isso pode mesmo acontecer? ALUNO: Não podem se aproveitar de nós. Mas só segundo o Tao — o vazio. As pessoas se negam a esperar até que a lama assente. As pessoas que estão falando são como dois navios que passam um pelo outro à noite. Vou mostrar para ele como é que estou me sentindo. porém. do que deu errado. As palavras e condutas justas são o Tao. um marido ou mulher. Contudo. Todos temos falhas. Grande parte daquilo que chamamos de comunicação com os outros durante nossos conflitos acaba sendo. de lá para cá. ou pai ou mãe? Teríamos nós a paciência de esperar até que nossa lama assentasse e a água estivesse clara? Conseguiríamos manternos imóveis até que a ação adequada aparecesse por si? Às vezes. você também. querem nos dizer como nós temos falhas. o silêncio — é que as palavras justas e a ação justa podem aparecer. de cá para lá. Apesar de todo o barulho. Quando isso acontece. Ou que alguém deixa de cumprir uma promessa que nos fez. mas com certeza nos sentimos assim uma grande parte do tempo. é comum sentirmos que estão se aproveitando de nós. ficamos com raiva de nós. Muitas vezes ouço dos alunos histórias a respeito de seus amigos. o nosso ego nos diz que só o outro está errado. não havia realmente a participação de seus egos. no fundo. Já vinham jogando aquele jogo havia anos. nós a reencaminhamos para nós mesmos. E por aí vai. Será que essas condutas são suficientes para se abandonar um amigo. "Meu amigo fez uma coisa ruim. Então eles. E assim vai.Meus velhos amigos que discutiam por causa dos tomates não tinham nenhuma intenção de causar dano. tenho menos interesse nos conflitos que os alunos vivem e mais no caráter de suas palavras e de onde elas . Temos medo de que os outros se aproveitem de nós. Todos temos falhas. muito naturalmente. e do que querem fazer para "acertar" a situação. JOKO: Sim. Nada de útil está sendo comunicado. costumamos empregar palavras falsas e que brotam de nossa propensão a nos sentirmos magoados ou prejudicados. um filho." Acerca de tais situações Jesus disse: "Que atire a primeira pedra aquele que não tiver pecado". Podemos tentar lidar com elas eliminando-as de nossas vidas. e estudar o eu é esquecer o eu. temos em geral a oportunidade de praticar com a raiva. "Eu sei que é tudo eu. como os tomateiros rivais — mas por espírito esportivo. Com essa espécie de prática. com as pessoas que são difíceis para nós. No caso das pessoas que têm praticado por algum tempo.. de boca fechada. Quando nossa raiva se dissipa num nada. podemos descobrir a jóia preciosa de nossa vida. Para evitarmos a nossa própria culpa. Por que fazemos isso? ALUNO: ALUNO: Para facilitar a nossa vida. Como disse Dogen Zenji. Poderiam ter apenas dito: "Mas que droga! Por que é que você não pega e arruma suas roupas?". problema. até que a ação e as palavras justas aparecessem por si? A maior parte do tempo não há perigo em não se fazer nada. Porque pensamos que elas são a causa do nosso Porque elas não fazem o que queremos que façam. A ação correta aparece por . ela desaparece. não há problema.procedem. não é desse jeito que se faz isso acontecer. Não pretendo ser ranzinza nem intrometido. mas. Embora seja bom que as roupas estejam arrumadas. as palavras podem parecer melhores. estudar o budismo é estudar o eu. nós apenas achamos que faz. Eu sei que não tem nada que ver com você. ALUNO: ALUNO: ALUNO: ALUNO: Porque talvez elas nos mostrem algo a nosso respeito que não queremos enxergar.. Felizmente. Conseguiríamos nos manter imóveis. deixando a lama assentar até conseguirmos ver com mais nitidez. de qualquer maneira." O julgamento ainda está presente. JOKO: Precisamos estar dispostos a descansar na confusão e no incômodo. Poderíamos estar querendo puni-las. Quase tudo o que fazemos não faz muita diferença. Ainda poderemos ter discussões. ALUNO: Talvez na última vez em que estivemos juntos tenha sido tão confuso e doloroso que não queremos nos aproximar outra vez. haverá então uma ausência de altercações. Somos pessoas zangadas porque estamos todos assustados. apenas disfarçado. Quando estudamos a raiva a fundo. mas ainda vêm do lugar errado. ALUNO: Parece que existem algumas coisas. isso também pode ficar bem. Se agimos de maneira imprópria.si. que simplesmente não conseguimos consertar. Estou falando de uma atitude de aprendizagem. mesmo quando não sai perfeito. no entanto. O clima fica agradável. JOKO: Sim. Acabado. em oposição às autocentradas. esse processo é acelerado. quando tenho um conflito. Mesmo quando estamos morrendo ainda queremos fazer parte da experiência humana. Conforme a lama decanta e a água fica límpida novamente. Mesmo que o espírito esteja um pouco torcido. ALUNO: Joko. Então posso ser honesto a respeito disso. É maravilhoso. O eu autocentrado torna-se mais transparente. depende da atitude. Todos se sentem bem mais tarde. O teste de um bom conflito — em contraste com o conflito que causa dano — é que não restam resíduos depois. Em retiros intensivos. não estou falando de uma fórmula. Deveríamos estar sempre prontos para nos desculpar. Todos temos coisas de que pedir desculpas. se estamos aprendendo depressa enquanto agimos. Às vezes é útil dizer algo antes que a lama assente. do espírito das palavras. ou "eu amo você". dirigir o universo. JOKO: Não estou falando de consertar coisas. e assim podemos nos assentar bem no meio dele. em vez de esperar. podemos enxergar a jóia — quase como se estivéssemos em águas tropicais e conseguíssemos olhar bem no fundo e ver as plantas e os peixes coloridos. Está tudo claro. eu entendo. ALUNO: Algumas vezes. aprendo muita coisa a meu respeito que não queria saber e isso é muito valioso. Quando eu digo para esperar. o que você diz para alguém que está morrendo? JOKO: Não muito. se consigo sair e dizer algo da melhor maneira possível. Então podemos falar as palavras verdadeiras. que sempre criam desarmonia. Sim. Eu muitas vezes penso que estou sendo honesto e só mais tarde é que percebo que estava enganando a mim mesmo. mas raro. isso é tentar controlar o mundo. JOKO: ALUNO: . então nos desculpamos. mais nítido. ALUNO: Às vezes permito que as pessoas abusem de mim. pode vir a ser desnecessário dizer qualquer coisa. na vida comum ainda agimos assim. Mas que cada um veja seus próprios atos. verso 50: "Que ninguém encontre defeitos nos outros. Muitas vezes por dia vemos pessoas fazendo coisas que parecem de alguma maneira defeituosas. Por isso recomendo uma prática para nos ajudar a nos flagrar no ato de julgar: sempre que pronunciarmos o nome da outra pessoa devemos observar o que acrescentamos a esse nome. E se sentimos que abusaram de nós. Todos fazemos isso. Não sou imune a isso. JOKO: NÃO JULGAR Existe a seguinte passagem no Dhammapada. e não podemos deixar de reparar nisso. O que dizemos ou pensamos acerca da pessoa? Que espécie de rótulo usamos? Inserimos a pessoa em alguma categoria? Ninguém deveria ser reduzido a um rótulo e. julgamo-nos uns aos outros. Suspeito que se você entrar nessa prática descobrirá que não consegue passar cinco minutos sem julgar. se o fizermos com as palavras verdadeiras. fazemo-lo assim mesmo. Alguém faz algo que nos parece grosseiro. não é necessário que as julguemos. Esse é um aspecto central de nossa prática. precisamos reconhecer que talvez tenhamos consentido com esse abuso. Em vez de tentar educar ou salvar a outra pessoa (o que nunca é algo que nos diz respeito). Por sermos humanos. Tudo bem falar e esclarecer. Não é que todos ajam o tempo todo da maneira apropriada. Quando faço isso costumo obter bons resultados. Queremos que o comportamento da outra pessoa seja apenas . As pessoas em geral apenas fazem aquilo que não queremos. em razão de nossas preferências e aversões. Quando fazem o que fazem. no entanto. no entanto. percebo-me julgando os outros também. feitos ou não". Que ninguém enxergue as omissões e as fraquezas alheias. Quando faço isso. Embora a prática possa nos tornar mais cônscios de nossa tendência a julgar os outros. podemos apenas aprender. É surpreendente. Quando vemos isso. indelicado ou insensato. é importante falar e colocar um limite. A prática significa tomar consciência dos momentos em que agimos assim. acabamos estando com a razão — e gostamos disso. acrescido ao fato. nós a julgamos. Poucos de nós agredimos fisicamente os outros. Se começamos a nos julgar. É importante não negligenciar grandes áreas de nossa vida e boa ALUNO: Está certo dizer: "Ela disse que ia telefonar e não tele- fonou"? JOKO: Depende de como é dito. deveríamos atentar para o nosso próprio comportamento em vez de julgar.aquilo que queremos — e quando não é. nosso corpo se tensiona. Precisamos enxergar nossos verdadeiros pensamentos. o julgamento "ela é desatenta" vai além dos fatos. disse que ia me telefonar e não telefonou. um certo modo que pensamos deva ser o nosso. estamos sem dúvida emitindo um julgamento. Dizer que ela é desatenta é meu julgamento pessoal negativo. mas basta observar o ato. indiretamente. essa tensão torna-se-nos prejudicial e. Com o tempo. Os fatos são que ela fez o que fez — por exemplo. feitos ou não. Iremos reparar que ficamos incessantemente fazendo essa espécie de julgamento. Não precisamos nos julgar. Se fizermos isso. Se "apresentamos os fatos" de modo acusador. Como alguém disse: "Existem dois momentos em que se deve manter a boca fechada nadando e quando você está zangado". Como diz a passagem. "Mas que cada um veja seus próprios atos. sempre que julgamos. iremos notar que. Por trás do julgamento está um pensamento autocentrado que produz tensão no corpo. tomar consciência do que é de fato verdadeiro para nós. os julgamentos que expressamos a respeito dos outros (e de nós também) causa igualmente seus danos. A tensão não é a única capaz de causar danos. Por exemplo. O meio mais comum de agredir é com a nossa boca. Quando julgamos que os outros estão errados. mesmo que as palavras pareçam apenas descrições de fatos. Nossa vida em vigília é repleta desses julgamentos. vejamos as nossas próprias condutas: o que fizemos e o que não fizemos." Em vez de olhar à volta constantemente e julgar todo mundo. estipulamos um ideal. . Toda vez que dissermos o nome da pessoa é útil notar se afirmamos mais do que um fato. Isso também não ajuda. prejudica os outros. feitos ou não". Sim. De que maneira isso poderia ser feito? O que seria útil? ALUNO: JOKO: JOKO: Bom humor. deveríamos ser gratos por seus erros. Ambas as atitudes são nocivas e infrutíferas. o que fazemos é nos contrariar de alguma maneira. nossos pensamentos. JOKO: Sim. O que mais? ALUNO: JOKO: Sim. Para mim isso é realmente muito difícil de trabalhar. isso poderia significar estar num grupo que julga e é crítico. esse julgamento aparecerá. numa atitude que tomo ou em comportamentos passivo-agressivos. quando fico com raiva ou contrariado. "mais santos" que eles. se nosso aprendizado implica ver os outros como "errados". Quase sempre. porém. JOKO: A frase central para isso é: "Que cada um veja seus próprios atos. mas permanecer acrítica e cuidar para não agir de modo a ser diferente ou superior. é como se eu fosse alheia ou arrogante e acreditasse que sou melhor que os outros.ALUNO: Quando notamos os erros dos outros. Se todos os outros estão fazendo fofoca e nós decidimos que não vamos agir assim. Pode ser que também haja raiva contra eles. ainda estamos nas malhas do julgamento. Pode acontecer. o bom humor ajuda. de fato senti-la. é útil saber o que não fazer. Essa é uma situação difícil de se trabalhar. provavelmente estaremos nos sentindo superiores. Se nossa atitude contiver raiva e sensação de superioridade. Mas. De certo modo. nossa tendência é aprender. Se eu me recuso a participar. ALUNA: Às vezes começamos a nos queixar e fazer intrigas a respeito do patrão. Um dos sinais da prática habilidosa é estar presente sem participar de ações prejudiciais. lã no trabalho. meus julgamentos aparecem de forma indireta. nosso comportamento. Isso simplesmente quer dizer observar nossa atitude. Em nossa contrariedade julgamos os outros e nós mesmos. Se nos mantemos acordados e nos despimos de nossas emoções. E retornar à vivência corporal básica da raiva. Para você. ALUNO: Minha tendência é ficar de bico fechado a respeito dos outros. Não julgar os outros que estão tendo atitudes críticas. Mas observo que. é útil ver professores nas outras pessoas. Se hou- . podemos comentar "A introdução está realmente boa". Podemos no entanto aprovar suas condutas. nossa tendência é encontrar maneiras mais habilidosas de lidar com qualquer coisa que apareça. Em vez de "Belo trabalho o seu!". Para uma criança poderíamos dizer: "Que lindo desenho!". Conforme vamos nos tornando mais esclarecidos em função de nossa prática. Da mesma forma conosco: pensamos que deveríamos saber aquilo que estamos fazendo. fica tudo uma confusão.vermos praticado honestamente com a nossa raiva. estamos colocando-as numa caixinha. as críticas apenas aumentam. podemos dizer "Talvez seja difícil para você ter de esperar. seja positiva. ou "Seus exemplos de sustentação do argumento são muito pertinentes". Se discuto e tento apontar as boas qualidades da pessoa na berlinda. ALUNO: JOKO: O que faz«r quando me perceber julgando os outros? . Por exemplo. ALUNO: E quanto a julgamentos positivos? Existe uma escola de pensamento a respeito de como trabalhar com crianças que afirma que não é saudável para elas rotulá-las de modo algum. Quando dizemos "Como você é um menino legal!" ou "Mas que esperto!". Quanto mais específicos pudermos ser. JOKO. porém. melhor. Podemos apenas estar presentes no grupo de modo natural. se alguém diz "Essa pessoa sempre se atrasa". Sim. Quando tento interferir já no começo da situação. Já notei que. quando estou num grupo onde se faz intriga ou se critica alguém e eu simplesmente deixo que falem sem me envolver em suas opiniões. é comum eles acabarem dando a volta e vendo o outro lado da questão. ALUNO: O melhor é não julgar o outro de jeito nenhum. Esperamos deles que saibam o que estão fazendo e por isso estamos sempre prontos a julgá-los e encontrar seus defeitos. seja negativamente. Vejo que você parece contrariado". As crianças são menos ameaçadoras para nós do que os adultos. ALUNO: Em lugar de falar a respeito da pessoa criticada. é útil retomar o fio da conversa com a pessoa que está julgando e mostrar um pouco de compreensão por seus sentimentos. ele talvez seja mínimo e não crie problemas. no entanto. JOKO: Não diria que nós estamos sempre equivocados. JOKO: Sim. Nossa tendência é nos interessarmos apenas pelo que nos afeta de maneira direta. uma outra pessoa e eu concordamos que alguém é desatento. Somos incompletos. relativos a outras pessoas e acontecimentos. desatentas. esse julgamento torna-se sólido e difícil de ser abalado. Não temos o mesmo interesse pelas coisas boas que fizeram para nós. É útil sentir a raiva ou o medo em vez de permitir que essas emoções governem nossos comportamentos. Por exemplo: todas as pessoas são. O problema é que gostamos de falar de modo crítico dos outros. É por isso que. como por exemplo "pensar que é um idiota" e sentir a tensão no corpo. Se algo acontece que nos inspira uma neutralidade imparcial. nossa noção já estará fixa e poderemos observar ainda menos aspectos a respeito de como ela realmente é. Nossa tendência é recordar JOKO: . quando nos lembramos de nossa infância. a respeito de quase todas as coisas não mantemos uma neutralidade especial. e isso causa sempre problemas. uma vez ou outra. ALUNO: Observo que. esse julgamento colore a partir de então todo o meu relacionamento com essa pessoa. Na próxima vez que virmos essa pessoa. se julgo a pessoa em meu primeiro contato com ela. quando rotulamos alguém de "desatento". não prestamos toda a atenção possível. Simplesmente não refletimos sobre uma coisa do começo ao fim. Formulamos uma noção fixa. precisamos reparar nos pensamentos que constituem esse julgamento. È por isso que nossa prática tem tanta importância. ALUNO: Os julgamentos não são sempre falsos? Vemos tão pouco da outra pessoa. ALUNO: Criticar a pessoa para alguém parece tornar o julgamento ainda mais forte. Uma grande parte daquilo que denominamos amizade redunda em julgamentos e atitudes críticas que temos em comum. Sim. Minha tendência é depender desse julgamento e simplesmente esquecer de praticar com ele. não enxergamos essas outras centenas e milhares de coisas que ele faz. Por trás de nossos julgamentos está sempre a raiva ou o medo. por exemplo.JOKO: Quando nos flagrarmos julgando. Porém. em geral lidamos muito bem com a situação. Mas. sempre lembramos do que foi ruim. Se. Mas quando escorregamos para "Ela é mesmo uma desmiolada. Penso que é importante lembrar o que você assinalou quando falamos realmente mal de alguém. Se alguém nos agride. Há uma contração que ocorre quando falo mal de alguém ou mesmo só penso mal. Quando a encontramos. Isso sempre pode ser bom? JOKO: Só se essa conversa for estritamente confidencial.qualquer coisa que pareça ter sido ameaçadora. para então mencionar seus sentimentos pessoais a respeito. de muitas maneiras. Esse julgamento cumulativo é a coisa mais perniciosa que os seres humanos fazem uns com os outros. também a rejeitam. ótimo. Se nos queixamos dela para os demais e eles concordam conosco. podemos dizer "Lisa deixou uma coisa no chão onde posso talvez tropeçar. você preste atenção no que acrescenta a esse nome. não temos interesse pelas outras coisas que ela faz. No que nos diz respeito. JOKO: Sim. podemos dizer ALUNO: . pois assim estamos agredindo a nós mesmos. no minuto em que o nome de alguém escapa de sua boca. é melhor apenas descrever o comportamento da outra pessoa em termos que se refiram aos fatos. está criada uma sólida rede de transmissão de julgamentos. A atitude negativa que formamos a respeito dela envenena o modo pelo qual ela é recebida pelos outros. se Lisa deixou alguma coisa no caminho e eu posso tropeçar. consideramo-la totalmente diferente da descrição. inclusive por aqueles que não têm dela uma experiência direta. mesmo assim. Julgamos as pessoas e as rejeitamos sem conhecê-las em absoluto. O que dissemos foi um fato? Ou é um julgamento? Por exemplo. ALUNO: Às vezes é terapêutico conversar com uma pessoa amiga a respeito de uma situação difícil que existe entre mim e uma pessoa. nosso corpo e nossa mente ficam contraídos. Sempre pagamos por isso. E. Por terem ouvido a fofoca. Se conseguirmos permanecer no "Observo que estou pensando que ela é insensata". Precisamos tomar muito cuidado. É melhor eu tomar cuidado". ou "Sinto-me realmente contrariado e tenso". Sugiro que. não é?" perdemos a prática de vista. essa pessoa torna-se inaceitável. As outras pessoas também pagam. Alguma vez vocês já passaram pela experiência de ouvir alguém descrevendo uma pessoa que vocês nunca tinham visto na vida? Sentimos como se já a conhecêssemos antes mesmo de vê-la pela primeira vez. É surpreendente. E por isso que a técnica que sugeri é realmente treinar com aquilo que o budismo chama de "não-eu". sim. temos de desistir dessa identidade por um momento. Se nos queixamos. Se eu disser: "Ela está sempre me atormentando". parece que nossa disposição é. ALUNO: pessoas que respeito delas. naquele momento. quando encontro desconheço. Atravesso períodos nos quais tenho pensamentos negativos a respeito de uma pessoa vezes e vezes seguidas. ALUNO. isso é um fato. o que é delicadeza? . precisamos observar os julgamentos que tivermos formado. embora também possamos formular julgamentos sem dizer uma só palavra. se eu não disser nada de propósito a não parece que eu consiga me aferrar a opiniões a Isso me permite perceber como é importante falar julgamentos. ALUNO: Se nos flagramos justo naquele momento em que íamos começar a julgar uma outra pessoa e não dizemos nada. sermos nada. Em qualquer situação. Se estamos observando: "É verdade. para formular JOKO: Sim. Ela me atormenta". Quando julgamos. é um julgamento. Vamos supor que alguém realmente me atormente o tempo todo. JOKO: Isso é verdade. Mais uma vez. Estou intrigado pela diferença entre fatos e julgamentos. Parece que rotulo esse pensamento um milhão de vezes e continuo perdendo-o outro milhão de vezes. JOKO: Sim. Precisamos lembrar que a maior parte da prática pode ser resumida no termo delicadeza. isso é um fato ou um julgamento? JOKO: A diferença está em como o dizemos e no sentimento que está ali atrás. O tom da voz é uma das pistas. respeito delas. reforçamos nossa identidade especial como pessoa que julga."Lisa é um problema. Talvez seja preciso que o façamos muitas e muitas vezes antes que essa tendência se desfaça. Quando mantemos a boca fechada. ALUNO: Meus julgamentos parecem muito persistentes. Percebo que. é um julgamento. É tão descuidada!". Esse não é um fato. Por um instante. o nosso caminho não é nenhum caminho. mas estar no preparo do caminho. Esses resultados são maravilhosos. Como diz a Bíblia: "Prepara o caminho para o Senhor". A vida em si é repleta de obstáculos. sempre escorregamos de volta para os nossos meios usuais de fazer as coisas. Enfermidades perturbadoras e lutas de todos os tipos de repente serenam. Mudança PREPARO DO TERRENO De tempos em tempos. de que está rico. a vida ficou de ponta-cabeça. alguém entra no presente absoluto. Alguns centros zen concentram-se nessas experiências e dão-lhes muita ênfase. mais compassivos. A tarefa do aluno não é caçar resultados. Vemos as coisas como elas de fato são. O objetivo não é chegar em nenhuma parte. Mas. Mas pode assinalar-nos o caminho para estarmos no presente absoluto cada vez mais. Tornamo-nos mais eficientes em nosso trabalho. não obstante. quando a semente cair. um de meus alunos passa por uma discreta reviravolta. O máximo que nos é possível é preparar as condições necessárias. por um momento. Ter essas experiências não significa muito em si. Encontrá-los é o que em geral faz as pessoas irem aos centros zen. o "caminho" da prática não é uma estrada livre. Esse é o nosso trabalho. para que. Isso aqui não acontece. brote rapidamente. Estar no presente é o ponto central da prática sentada e da prática em geral: ajuda-nos a ser mais sensatos diante da vida. por um certo tempo. não podemos nos empenhar em consegui-los ou fazê-los acontecer. Está entulhada de pedras pontiagudas que podem fazer-nos tropeçar ou rasgar nossos sapatos. As vivências são interessantes: se. O caminho da vida . Em certo sentido. mais orientados rumo ao que precisa ser feito. Não quero dizer com isso que seja fácil. solto e fértil. ocorre uma mudança. Essa mudança não dura. uma pequena percepção especial ou kensho. talvez uma hora.IV. talvez um segundo. Precisamos ter certeza de que o solo está bem preparado. Não há grandes mistérios. O que precisamos fazer é algo direto e objetivo. na verdade. tudo o que era um problema não o é mais. talvez semanas. Uma saúde um pouco precária não elimina a possibilidade da prática. Quais são outras pedras pontiagudas que. pode ser impossível que enxerguemos um grande trauma como um presente. arrumar outro. O que muda com os anos da prática é chegar a saber alguma coisa que você não sabia antes: que não existem pedras pontiagudas. a pedra pontiaguda como um diamante. . quanto mais tempo praticamos. mais começamos a entender que aquelas pedras pontiagudas do caminho são de fato jóias preciosas. Perder o emprego. outra pode precisar desesperadamente de mais tempo com as outras pessoas. JOKO: Sim. Por exemplo. É melhor estar em condições de saúde razoáveis. Uma pode precisar desesperadamente de mais tempo sozinha. Em geral é melhor começar a prática numa época em que a vida da pessoa não está muito revirada. As pedras são diferentes conforme a pessoa. Prazos. seres humanos. A prática é fisicamente cansativa. na realidade. por coisas que nos dão trabalho. são diamantes? ALUNA: ALUNO: ALUNO: A morte do meu marido. a estrada está coberta de diamantes. quando a mulher acabou de ganhar um bebê. Existem pedras pontiagudas em todo lugar. pois nos ajudam a preparar as condições adequadas para nossas vidas. ou viver com alguém difícil de se levar. A pedra pontiaguda pode ser trabalhar com uma pessoa desagradável. qualquer pessoa. É aconselhável começar a praticar num período mais calmo. As pedras pontiagudas podem ser seus filhos. Não se sentir bem pode ser sua pedra pontiaguda.parece ser principalmente composto por dificuldades. Apesar disso. O que é necessário para nós. muito bem. preocupar-se com isso. Ajuda também a pessoa estar em condições razoavelmente boas de condicionamento físico. Doenças. mas enfermidades graves tornam-na muito difícil de começar. o primeiro mês não é uma boa hora para começar a prática — como eu mesma bem me lembro. nos darmos conta de que as pedras pontiagudas de nossas vidas são na realidade diamantes? Quais são algumas das condições que nos tornam possível praticar? Quando somos bem novatos em termos de prática. seus pais. acolhemo-las em vez de nos esquivarmos delas. uma jóia para recolher. . essa não é uma boa hora para se fazer zazen. Ninguém a vê por completo. Em minhas entrevistas com os alunos. que temos mais problemas do que suportamos. uma grande parte do tempo nós nem queremos ficar sabendo dela. Quanto mais praticarmos. Quando a pessoa ficou a noite inteira acordada com um bebê chorando e só conseguiu dormir duas horas.. Cada vez mais. em vez disso. Em lugar de pensar que é a prática que é difícil demais. Por quê? Porque havermo-nos com ela significa uma vida aberta para as dificuldades em vez de fuga diante das adversidades. Essa é uma pedra preciosa: é uma oportunidade. a vida transforma-se lentamente — e as pedras pontiagudas que odiamos se tornam jóias bem-vindas. mas não em outra. mas valorizamos a oportunidade que representam e. Se o corpo da pessoa está se despedaçando ou se ele está infeliz. Essa é a reviravolta. ouço constantes relatos a respeito dessas mudanças: "Há três anos. já hoje. mais as dificuldades da vida que se nos apresentam podem ser consideradas verdadeiras jóias.".Quanto maior o tempo de nossa prática. o preparo do terreno. Mas sem eles. os problemas não cancelam a prática. Pode ser que não exultemos quando virmos que elas aparecem em nosso caminho. mas.. menos importantes são esses pré-requisitos. Porque somos humanos. Mesmo assim devemos nos haver o tempo todo com esse problema básico. Até aquela pessoa difícil. que não respeita a sua opinião.As vezes vemos a jóia e em outras não conseguimos localizá-la. Desse jeito não conseguimos enxergar caminho nenhum para praticar. sendo assim. Não é que o problema desapareça ou que a vida "melhore". Às vezes podemos enxergá-la numa área. também não está num bom momento para começar. Isso é o que o corpo e a mente precisam para de fato acontecer a transformação. que critica você. Ninguém enxerga a jóia logo de cara. e dedicamo-nos a começar com eles um trabalho que nunca antes pudemos sonhar. eu não teria conseguido de jeito nenhum dar conta desta situação. as pedras tornam-se grandes demais. ou o que for — todos têm alguém ou alguma coisa que é a pedra no caminho. Em geral. no início. É esse o fim de nossas queixas a respeito da vida. pode ser que não queiramos ter nada que ver com ela. vemos que os problemas em si são as jóias. estimulamna. estamos . Podemos nos recusar de modo taxativo a vê-la. Depois de todo o empenho. em certo sentido. para descobrirmos que as pedras pontiagudas são verdadeiras jóias. é engraçado. Eu com certeza não. porém. Isso é o que significa preparar o terreno. É difícil. Não precisamos . momentos que acontecem de repente. Esse é o "x" da prática: ampliar o "buraquinho da fechadura" que por vezes encontramos. manifestando-se sempre em todas as espécies de coisas interessantes. Podemos ter breves vislumbres de iluminação. continuamos tentando enxergar do mesmo jeito. Apenas fazemos o melhor que podemos. É preciso a mais paciente das práticas para começarmos a enxergar isso. O significado do viver não é de fato complicado. com sermos "boas" ou "más" pessoas. mesmo que seja em nossa própria infelicidade e através de lutas. mas nos aparece como que envolto por um véu que é feito do modo como enxergamos nossas dificuldades. Nada disso tem algo que ver com julgamentos. a prática diverte: olhar para a minha própria vida e ser honesta a respeito dela é divertido. a cada momento dado. As adversidades são ao mesmo tempo terríveis e curativas. A vida humana deveria ser como um voto. Às vezes preparamos bem um pequeno setor do terreno. por exemplo. gostaríamos de devolvê-los e receber outros novos. abrindo mais e mais a nossa vida. Assim. Ainda assim. O que não vemos. não vemos. por um só segundo. estejamos com a vida tal como ela é. Ninguém o localiza o tempo todo. de escolher não lidar com aquilo. dedicado à descoberta do significado de se viver. existem muitos mais acres de terra que não foram cultivados — então continuamos indo adiante. em lugar de permanecer com a realidade de quem são. encontramos maneiras sutis de "devolvê-los". é profundamente satisfatório que. É isso tudo que de fato importa. Essa satisfação é o próprio cerne que nos constitui.tentando substituir alguma coisa pela dificuldade. Quando estamos cheios dos filhos. Engalfinharmo-nos com a realidade de nossa vida faz parte da interminável preparação do terreno. porque é estar viva. para que se torne cada vez mais largo. a evitação. A pessoa que somos está além das palavras — apenas o poder aberto da vida. Mesmo quando continuamos com eles. humilhante. Ver a mim e à minha vida como são realmente é engraçado. De certo modo. a negação e os desvios por outros caminhos. desencorajador. Lidamos com todos os outros problemas da mesma forma: temos maneiras sutis de "devolver" quase tudo. mas que coisa terrível — e ao mesmo tempo que delícia". e temos então a consciência desse ódio — "Não quero fazer isso." Pensei comigo mesma. começamos a enxergar: "Oh. Eles vêm e vão.. Quando permanecemos nessa percepção consciente não temos aquela sensação reativa a respeito da vivência — estamos simplesmente vivenciando. Se tivermos um solo fértil e bem preparado. entre estar ausente e estar presente. É o quanto basta. estamos numa encruzilhada entre a inconsciência e a percepção consciente. de meu almoço ou de meu escritório. quando dizemos "Fique em sua experiência". Por exemplo. estamos falando de maneira descuidada. num dado momento. decepções. Pode não ser proveitoso seguir esse conselho. Mas. A prática diz respeito a sair do âmbito das experiências e entrar no das vivências. O que queremos dizer com isso? Nossa tendência é nos exceder com o termo experiência e. ou entre as experiências e o vivenciar. Quando efetuamos esse trabalho com toda a paciência. sim. que bom. mas. Em geral vemos nossas vidas como uma série de experiências. Faz parte do fluxo da vida permitir que tais momentos transcorram. Vamos apenas seguindo adiante.nos preocupar a respeito dos pequenos momentos ou aberturas que irrompem. e o luto finalmente se transforma em alguma outra coisa. se ficarmos nos queixando. "Quase o tempo todo a minha vida é uma gostosura. Se temos sido conscientes do processo de nossas vidas.. mas vou fazê-lo do mesmo jeito" —. podemos semear qualquer coisa. EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS A cada segundo. preparando o terreno. chegamos numa sensação diferente de nossas vidas. Uma vida agradável inclui padecimentos afetivos. Há pouco tempo ouvi de um aluno que mora longe e falava comigo ao telefone que não conseguia acreditar no que estava acontecendo. apegados e rígidos (que é como gostamos de fazer). luto. minha vida . tenho a experiência de uma ou outra pessoa. Desse ponto de vista. que crescerá. então teremos muito pouco que desfrutar. inclusive dos momentos que odiamos. Então. a própria tomada de consciência é a vida em si. a vida é muito agradável. dirigimos nossa vida segundo aquilo que esperamos de cada objeto: "Será que ele gosta de mim?". Quando fazemos zazen. nossas experiências podem ser dominadas por nossas recordações. e dividimos o mundo em coisas a serem evitadas e coisas a serem alcançadas. Estamos sempre em estado de alerta e desconfiando até mesmo daquelas pessoas que dizemos amar e de quem nos mantemos próximos. o almoço. E então reagimos em termos de nossas associações emocionais. podemos estar certos de que não haverá amor ou compaixão genuínos entre nós. Costumamos ver nossa vida como encontros com coisas que existem "lá fora". fantasias. Por nuê? Porque qualquer objeto "lá fora" terá um discreto revestimento de tonalidade emocional. No ensino zen clássico. como resultado de nossos condicionamentos anteriores. fantasias. quando de fato acreditamos que estamos o dia inteiro encontrando objetos.nada mais é que ter uma experiência após a outra. As recordações e as esperanças são algo parecido: a vida se torna uma série de "issos" e "aquilos". "Isso me beneficia de alguma forma?". . as quais podem ser arrebatadoras. O mundo está em constante mudança e por isso nossas associações nos desorientam. o escritório. O problema com esse tipo de vida é que aquilo que me beneficia agora pode ferir-me depois e vice-versa. no entanto. pois. Em geral. Nossa história e nossas recordações assumem o comando. esperanças. "Devo temê-la?". somos escravos da cobiça. eu e as outras coisas. esperanças para o futuro — as associações que fazemos com a experiência. Quando revestimos essas experiências com tais associações. elas se tornam um objeto: um substantivo em lugar de um verbo. A vida torna-se dualista: sujeitos e objetos. esse véu assume a forma de memórias. Enquanto a outra pessoa for um objeto para nós. Sendo assim. Envolvendo cada experiência pode haver um discreto halo ou véu emocional neurótico. isso é natural. nossa vida se torna encontrar um objeto depois do outro: pessoas. Quando nosso mundo consiste em objetos. Ver o mundo exclusivamente por esse prisma é escravizador. Algo errado com isso? Os seres humanos realmente têm recordações. tornamo-nos escravizados. Não há a menor segurança num mundo de objetos. Não há nada de errado com esse processo — a menos que acreditemos nele. da raiva e da ignorância. ouvir o som do carro: apenas o vivenciar. No serviço que atendemos diz uma das dedicatórias: "Mudança incessante faz girar a roda da vida". O habitar sossegadamente enquanto muda a si mesmo liberta todos os seres sensíveis sofredores e proporciona-lhes grande contentamento.. não estamos interessados em demolir nossas vidas tal como a . genuínos? Quando ocorre a vivência. Vivenciar. fantasias. estamos criando o mundo do tempo e do espaço. recordações e esperanças. existe só o ouvir. tâp. O estado de iluminação é o vivenciar puro e intacto. O mundo do tempo e do espaço acontece quando o vivenciar se reduz a uma série de experiências. pois. Não pode ser assim.Se ter experiências é o nosso cotidiano. Francamente. segundo a segundo. No preciso momento em que se escuta algo. foi criado um objeto da experiência. Tâp. que cria o som do avião. Estamos criando-o com todos os nossos sentidos e com tanta rapidez que não nos é possível acompanhar o processo. Essa é a nossa vida. por exemplo. qual é o outro mundo. vivenciar — mudança. segundo a segundo. o saborear. e assim criamos o nosso mundo. ou do que seja." Se esse processo fosse claríssimo. tâp. em vez disso é uma ausência de todas as experiências. O mundo de nossas experiências está sendo criado do nada.. vivenciar. Isso é inteiramente diferente de se "ter uma experiência de iluminação". "O habitar sossegadamente enquanto muda a si mesmo liberta todos os seres sensíveis sofredores e proporciona-lhes grande contentamento. O estado de iluminação é não ter experiências. o outro braço da encruzilhada? Qual é a diferença entre experiências e vivências? Qual é o ouvir. "Mudança incessante faz girar a roda da vida e assim a realidade é exibida em todas as suas múltiplas formas. o tocar. Quando tocamos. ela é só vivências. existe espaço entre cada batida e cada uma delas é um ouvir absoluto. naquele momento não se dá algo num tempo e num espaço. A iluminação é a demolição de todas as construídas experiências de pensamentos. o ver etc. tâp. mas a vida em si — aquela que vivemos não está no espaço e no tempo. Até mesmo a dor está mudando minusculamente." "O habitar sossegadamente enquanto muda a si mesmo" quer dizer sentir a pulsação da dor em minhas pernas. olhamos e ouvimos. mudança. não teríamos a menor necessidade de praticar. Apenas habitar na própria experiência. mudança. quando ocorre tempo e espaço. a sentar com essa confusão em praticar? No fundo. Não estamos interessados naquela vida que está fora do espaço e do tempo. Não existe uma verdade intrínseca nisso. constantemente criando o mundo do espaço e do tempo. Depois de o termos tido mil vezes. "Mudança incessante faz girar a roda da vida e assim a realidade é exibida em suas muitas formas. cruzando para a outra calçada onde havia luz. isso nos assusta. Nossa vivência da vida também é criar a própria vida. acabamos enxergando o que é. Não tem nenhuma importância que não dê certo. onde poderia enxergar as chaves. O que nos impele a abandonar esse melodrama. Para nós é fácil falar desse processo. É apenas energia pura rodopiando a partir de nosso condicionamento sem a menor realidade. Nosso verdadeiro instrutor é apenas este: mudar. mudar. Existe uma antiga história sufi a respeito de um homem que deixou cair suas chaves no lado escuro da rua certa noite. é pura mudança. "Estou olhando aqui porque tem mais luz''. O mestre não está no espaço e no tempo — e nada mais é que espaço e tempo. aliás. Além da vida de experiências que se têm. Pois a verdadeira compaixão como o verdadeiro prazer não são coisas a serem experimentadas. Não estamos interessados nisso. trata-se enfim do incômodo com que temos de nos haver na maneira como levamos a nossa vida. ele respondeu. analisar. mas não existe nada em que estejamos menos interessados que na demolição de nossas estruturas de fantasia. remoer.. dizendo pela milésima vez "Pensamento de que isso e aquilo vai acontecer". Apenas ficamos ainda mais determinados a continuar procurando embaixo do poste de luz. uma vida de compaixão e contentamento. Temos o medo secreto de que se as demolirmos todas seremos nós mesmos demolidos.manter a loucura de nossas vidas em ordem porque é isso que estamos acostumados a fazer. Se temos um problema. Demolimos as falsas estruturas de nossas vidas rotulando nossos pensamentos. seguimos trajetos familiares de solução: pensar.conhecemos. vivenciar. vivenciar. Quando um amigo perguntou por que estava procurando debaixo do facho de luz. vivenciar. É isso o que fazemos com a nossa vida: referência conhecida é aquela que nos serve para olhar. mudar." . existe a vida vivenciada. em vez de no lugar onde tinha deixado as chaves caírem. todo ser humano decide que precisa de uma estratégia porque não podemos crescer sem deparar com oposições que procedem de fontes que para nós são "não-eu". Muitas vezes somos contrariados por pais. p. amigos. O DIVÃ DE GELO Quando vivenciamos. Preferiríamos antes nos arruinar a mudar * — mesmo que mudar seja a essência do que nós somos. H. parentes e outras pessoas. ou o que seja. por Edward Mendelson. Auden. E a cruz é também a encruzilhada. H. O relacionamento dualista não é difícil de ser comentado. W. em nossa solidão a subir pela cruz do momento e deixar que ali nossas ilusões morressem. in Collected Poems. de fontes que nos parecem ser externas. Algumas vezes essa aparente oposição é intensa. * . 407. 1976. a escolha. mas o relacionamento não-dual — o vivenciar — é mais difícil de descrever. Mas ninguém cresce sem desenvolver uma estratégia para lidar com essa oposição. Estamos aqui para fazer essa escolha. perdemos nosso relacionamento aparentemente dualista com as outras coisas e pessoas que é "Eu vejo você. tenho pensamentos acerca de você e de mim".Um poema de W. comento a seu respeito. ed. em outras. como nos expulsamos do jardim do Éden. Auden capta a essência de quase tudo que constitui nosso estado habitual: Preferiríamos nos arruinar a mudar. Preferiríamos morrer em nosso pavor A subir pela cruz do momento E deixar nossas ilusões morrerem. Enquanto cresce. é moderada ou suave. Nova York: Random House. Preferiríamos morrer em nossa ansiedade. Quero considerar como nos eximimos de viver de maneira empírica. extraído de "The Age of Anxiety". em nosso medo. Com o tempo acabamos aperfeiçoando a nossa estratégia a tal ponto que não a identificamos mais conscientemente. A contração dói. incorporando os . O estilo particular é único de cada pessoa. Embora a resposta seja inconsciente. podemos ser capazes de detectar uma leve tensão pelo corpo. vamos supor que desenvolvemos uma estratégia de recuo. Sendo assim. Mesmo assim. essa é a resposta habitual. Existem. Todo mundo emprega uma ou mais dessas estratégias de alguma maneira. desenrola-se em cada célula de nosso corpo. podemos aprender a atacar os outros antes que eles nos agridam. Toda situação ou pessoa em seu caminho começa a ser avaliada do ponto de vista da estratégia escolhida. Se isso não parece funcionar. todos se contraem.Podemos decidir que a melhor opção para se conseguir uma sobrevivência agradável é tornar-se uma pessoa adaptável. mas a leve contração nunca cessa. em todas as pessoas que existem sobre a face da Terra. Quando deparamos com algo ou com alguém. três estratégias principais para lidarmos com a oposição: conformar-se em agradar. Embora possamos formulá-la com sorrisos e civilidade. agora está no corpo. Para conseguirmos manter nossa estratégia. tensionamos o corpo. Por exemplo. Nossas percepções tornam-se seletivas. Depois de algum tempo tratamos o mundo todo como se estivesse em julgamento e perguntamos: "Essa pessoa ou acontecimento irá me ferir?". E nem sequer sabemos que estamos fazendo assim porque. Mesmo quando pensamos que estamos num momento de relativa felicidade. atacar ou recuar. Está sempre ali. nosso estômago ou alguma outra parte do corpo. está simplesmente ali. Quando tudo está a nosso favor. Não é nada de extraordinário e pode ser muito discreta. Podemos tensionar nossos ombros. portanto. ou bem recuamos. "agradável*'. a criança vai cada vez confiando mais em seus raciocínios para elaborar essa estratégia. As crianças aprendem a elaborar suas estratégias incorporando tudo o que lhes acontece nessa referência para seu sistema pessoal. temos de pensar. não nos sentimos mal. essa questão nos ocorre diante de tudo que encontramos. nosso rosto. Não temos de saber a respeito disso. torna nossa vida desagradável porque é um recuo diante da vida e um distanciar-se dela. tão logo a contração se dê. empregos que venham a confirmar nossa estratégia.. No início vai tudo muito bem. esse sistema é nós mesmos... no entanto. sempre existe um elemento de medo. não temos nenhum interesse em enfraquecê-lo com informações contraditórias. Sem saber o que fazer. evitando aqueles que a ameacem. Não encontramos paz. Vivemos a partir dele.. Se não estamos praticando. Na época em que atingimos a maturidade. a pessoa normal busca em toda parte por uma resposta. por definição. a ilusão reina soberana). e depois outro. e a desilusão começa a infiltrar-se. porque a vida fenomênica é. uma promessa que nunca se cumpre. Não conseguimos assentar. Assim. tentando localizar pessoas. É aquilo que denominamos ego. Parece que a promessa não foi cumprida. mas a natureza da satisfação de um dado desejo é encontrar imediatamente o desejo seguinte. Ele tem de estar presente. Temos um problema e. E nesse ponto que podemos começar a prática. nunca são completamente satisfatórias porque enquanto vivermos jamais conseguiremos saber com exatidão o que irá acontecer em seguida. Talvez consigamos arrumar um companheiro que é simplesmente maravilhoso (em particular nos relacionamentos. Se satisfazemos um desejo. nunca saberíamos como alcançar esse conhecimento — e nós sabemos que não sabemos. epa! Se estamos praticando. nada parece que vai funcionar.eventos que se ajustam ao nosso sistema e eliminando os que não. não sabemos do que se trata. e depois mais um e depois outro. situações. Só uns poucos felizardos na face deste planeta começam a enxergar o que precisa ser feito para se recuperar o jardim do Éden. Mesmo que tivéssemos a maior parte de nossa vida sob controle. . Não há como ficar livre da pressão ou do estresse. ficamos felizes por um breve instante. ou novo projeto. na realidade. podemos dispensar o companheiro e ir atrás de algum outro. Se estamos vivendo segundo as diretrizes de nossa estratégia. A vida se torna para nós a promessa que jamais é cumprida porque a resposta não nos satisfaz. mas depois começamos a perceber algumas ásperas verdades. Tais manobras. Ou começamos um novo emprego. Uma vez que o sistema tem a pretensão de nos manter a salvo e seguros. esses "epas!" podem ser muito interessantes e instrutivos. que é o nosso Eu em funcionamento genuíno. Casamo-nos ou vamos viver com essa pessoa e. Depois de ler uma dessas sentenças é possível que nos perguntemos aturdidos: "Mas o que foi que ele disse?" Por isso é um livro difícil. porém. . por isso. Claro que o corpo está recebendo punições porque reflete nossa autocentração. usou aqueles anos de recuperação para mergulhar profundamente nessa questão. e que é neste diva duro. e o texto não está bem encadeado. física. O problema humano era seu interesse insaciável e. No mesmo instante em que as imagens aparecem — como pensamento. Ele chama a falação incessante do nosso diálogo interno de "o filme imaginário".. as sentenças não constituem parágrafos inteiros. de um aperto paralisante. essa resposta exacerba-se em depressão ou enfermidade. fantasia ou esperança — o corpo tem de responder. O principal professor que tive em toda a minha vida foi um livro. o rodamoinho incessante em nossa mente revela-nos nossa estratégia. de um frio imobilizador. é uma certa sensação de cãibra profunda. É uma tradução do francês. Só uma coisa em nossa vida não é aprisionada por essa estratégia — a vida orgânica. como estou deprimido!". um psiquiatra francês que passou por um gravíssimo acidente que o deixou incapaz por muitos anos. deitado. A expressão de Benoit para a contração emocional que procede de nossos esforços para nos proteger é "espasmo". O ponto de transição para ele veio quando se deu conta de que "esse espasmo que vinha chamando de anormal está no caminho que leva ao satori (iluminação). Poder-se-ia inclusive dizer que aquilo que deve ser percebido.. como se estivéssemos tranqüilamente estirados contra uma rocha dura. por isso. Talvez seja o melhor livro sobre zen que já foi escrito. Tem uma resposta crônica e. é a. iremos reconhecer nossa estratégia. o corpo diz "Ai. se ela está dizendo que o mundo é um lugar terrível.melhor explicação do problema humano que já encontrei.. mesmo assim. O corpo tem de obedecer à mente. imóvel e gelado que nossa atenção deve permanecer fixa. dentro do filme imaginário. É essa própria estratégia que gera os pensamentos renitentes. Numa certa época comecei a estudar seus ensinamentos e o fiz durante dez ou quinze anos. Trata-se de A doutrina suprema de Hubert Benoit. A única coisa que podia fazer era ficar imóvel. às vezes. Se rotularmos nossos pensamentos por muito tempo.. do corpo. Meu exemplar parece que foi parar na máquina de lavar roupa.Quando nos sentamos. logo voltamos para o mesmo falatório mental de sempre. não é agradável. até que por fim. como diz Benoit. tudo o que nossa cultura nos ensina. esse repouso é o "portão sem porteira". assim. Se estiver completo. Às vezes podemos descansar por um curto período. Nova York: Viking. quando descansamos sossegados dentro de nossa dor. saltamos de volta para o filme imaginário. nem bom nem mau.mas acolhedora. E. atravessamos o processo vezes e vezes. queremos alguém que nos conforte. que nos salve. o único portão de saída. No instante em que aterrissamos na sensação de incômodo. Isso é humano. Não. O filme imaginário gera o espasmo e o espasmo gera o filme imaginário. Quando assentamos em nossa sensação de dor. enfim. mas acolhedora. planejamentos e projetos estratégicos incessantes tentam justamente isso. é apenas uma rocha dura. Costumo explicar do seguinte modo: em lugar de permanecermos com os nossos pensamentos. é aí que podemos descansar e ficar em paz. que fosse moldada exatamente para receber o nosso corpo" *. Isso contraria tudo aquilo que queremos. com conforto ao parar por ali. O que Benoit está dizendo é que. . The supreme doctrine: Psychological studies in zen thought. A capacidade para * Hubert Benoit. 140 e 145. por estarmos muito habituados. mas. que nos dê paz. moldada para ajustar-se ao nosso corpo e. Simplesmente não queremos estar na realidade daquilo que somos. e são necessários vários anos de prática para se tocar cada vez mais a realidade. É um ciclo interminável que só se romperá quando estivermos dispostos a descansar em nossa dor. achamos que ela é tão apavorante que nos agitamos tudo de novo. e todo o nosso impulso estratégico volta-se para as amenidades. Com o tempo. mas é a única solução real. ou iluminação. Nossos pensamentos. 1955. p. Esse é o último local em que queremos estar. nós os rotulamos até que se aquietem um pouco e então fazemos o melhor possível para permanecer com aquilo que de fato é — a não-dualidade que é a sensação de nossa vida neste exato momento. Apenas quando permanecemos com aquilo que está por trás do filme imaginário e ali descansamos é que começamos a ter pistas. pode ser chamado de satori. é esse incessante processo que nos leva à paz. Se não estamos decepcionados. que não esperamos mais que nossos pensamentos e sentimentos sejam a solução para alguma coisa. o que está muito bem. Tudo em nossa vida que nos decepciona é um amigo dedicado. não iremos nos contentar em permanecer no espasmo.. não haverá uma solução real. não estão aqui para fazer qualquer coisa por nós. não iremos descansar em meio às dolorosas sensações corporais. Uma é a decepção interminável. Ele só pode ser desarticulado com anos e anos de prática e com o desgaste natural que a vida traz. dotados de uma persistência enorme e que não entendem as coisas todas da vida como insultos e sim como oportunidades. Assim. é que finalmente compreenderão.". Percorrer esse caminho requer coragem. na vida não há senão oportunidades. Nossa infelicidade nos perseguirá até o nosso último suspiro. Estamos todos em diferentes momentos do caminho. A vida é uma série de intermináveis decepções e é maravilhoso que seja assim apenas porque ela não nos dá aquilo que queremos.fazer isso significa que nos sentimos até certo ponto desiludidos. mas se eu fizer isto as coisas vão melhorar. na contração emocional. então estamos apenas girando em cima de nossos calcanhares. Elas fazem parte da maravilha que a vida é. Até que nos sintamos desiludidos com o filme imaginário que . Enquanto essa ilusão não começar a se desfazer. só oportunidades. de um modo ou de outro. Temos a ilusão de que as outras pessoas irão nos fazer felizes. não o farão. Portanto. retornando logo aos nossos pensamentos: "Sim. e muitas pessoas. ninguém irá sobreviver. E estamos todos sendo desapontados. Só alguns poucos. Porém esse ainda é o nosso impulso. Até que nos livremos dessa ilusão. nesta vida. Ninguém ganha no fim. que elas irão fazer com que a nossa vida funcione. a prática compõe-se de duas partes. As outras pessoas existem para nos alegrarmos e não para qualquer outro propósito. nunca desistimos de nosso desejo de pensar e de nos recolocar no alto como vitoriosos. se investirmos toda a nossa energia tentando fazer com que a nossa estratégia funcione melhor. E isso inclui qualquer coisa em que consigamos pensar. Por isso é que nossa prática e nossa vida têm de ser a mesma coisa. Enquanto alimentarmos a esperança de que a promessa deverá ser cumprida. o nosso sistema.. Rodopiaremos imediatamente para longe disso. Portanto. digamos. Depois de algum tempo. em senso absoluto.passamos incessantemente diante dos olhos (mal os abrimos pela manhã e já começa a primeira sessão). um estágio antes de conseguirmos ser realmente nós mesmos. As pessoas alguma vez saem de cima do muro e entram no fluxo da calçada? Muitas vezes observei que as pessoas que antes eram dependentes e conformistas começam a assumir ares de uma falsa independência. A única maneira de conhecermos a realidade dessa prática é executando-a. decidir algo como "Bom. Isso é natural. JOKO: ALUNO. Faremos passar mais algum trecho do filme. Muitas vezes me ajudou em momentos difíceis pensar naquele divã gelado e imóvel e. recuar e não participar podem. a fonte das ações transparentes. É comum que as pessoas escolham uma dessas estratégias. No entanto. para algumas pessoas (às vezes intermitentemente. ocorre o que os cristãos chamam de "a paz que ultrapassa todo o entendimento". estejamos sempre bem do jeito que somos. mas depois quase o tempo todo). Com o tempo acabamos descobrindo que o divã é o único lugar tranqüilo. Quanto mais praticamos a cãibra. mas conforme o tempo passa elas podem adotar uma outra? As pessoas que escolheram. mas de contentamento. Do ponto de vista do mundo fenomênico fazemos progressos embora. Suponho que seja isso que se esteja dizendo quando se menciona a roda do carma. É esse o portão sem porteiras para o contentamento. apenas dispor-me a descansar ali. . mais a transformação se acelera. Enquanto palestra sobre dharma. mais fortes. talvez agora eu vá me conformar um pouco e agradar aos outros". tudo isso soa proibitivo. em vez de lutar e brigar. ao se tornarem. As pessoas que entendem e têm a coragem de fazer isso são aquelas que eventualmente ficam conhecendo o que é o contentamento. as pessoas que praticam o tempo todo são aquelas que estão desfrutando a vida. Bem. Não estou falando de uma felicidade interminável (porque não existe isso). não estou pedindo a ninguém que adote essa descrição como alguma espécie de sistema de crença. não nos manteremos assentados na cãibra. Simplesmente continuamos em frente e agimos. se temos pensamentos raivosos. JOKO: Não. ALUNO: Mas se eu realmente exagerar a raiva e atacar para torná-la mais consciente isso não iria agredir alguém? JOKO: Não. sem nenhuma razão aparente.ALUNO: Quando descansamos em nosso desconforto. JOKO: Evidentemente. ALUNO: Por experiência própria descubro que estou nesta cãibra terrível e. melhor. Para mim. ela pode se abrir. Não conseguimos ter um pensamento de raiva a respeito de alguém sem nos tensionar. Por exemplo. ALUNO: Outro dia eu li que. Todavia essa é a única parte desse sistema que nos fornece uma saída porque podemos vivenciar a cãibra e deixá-la intacta e. retorno para a minha contrariedade. JOKO: JOKO: Você pode fazê-lo a sós. ela pode se dissolver por si. de repente. por isso. isso parece fazer parte do sistema rígido. é bom exagerá-lo. depois. . Esse sistema é totalmente inconsciente. Não deveríamos exagerar nossos comportamentos irados. ao vivenciarmos de maneira consciente a cãibra. Quanto mais nós formos contra nosso sistema rígido. se habitualmente temos uma estratégia que é a raiva e o ataque. porém. Não temos de nos sentir bem para funcionar. Por favor lembrem-se de que o único meio de exagerar é exagerar a sensação de que a cãibra está lá. mas vai abrir. descobrimos que não é assim tão assustador e que conseguimos nos aventurar um pouco? Certo. ela é produzida pelo sistema rígido. o corpo tem de tensionar. ela muda. ALUNO: Quando você fala a respeito da cãibra. seja qual for nosso aspecto principal. isso seria o mesmo que ficar com muita raiva e agredir os outros. o corpo permanecerá contraído quase que o tempo todo. mas é a única parte do sistema aberta a oferecer-lhe uma solução. Por exemplo. você volta para o seu sistema habitual de pensamentos autocentrados. E. Alguma coisa se abre e estou num espaço onde me sinto livre e aberto. Pode custar cinco anos. podemos aprender que conseguimos estar deprimidos e ainda assim funcionar. com isso. iremos sempre voltar ao estado de contração que é "Não gosto disso!". Está sempre fluindo. o espasmo. JOKO: Sim. mas a causa real não é uma questão muscular.ALUNO: Às vezes parece como se fosse um músculo que estava contraído e agora está relaxando. em qualquer parte. então todos aqueles que trabalham corporal mente seriam sujeitos iluminados. ALUNO: Percebo que a sensação desagradável não é um estado estático. Precisamos praticar sentados por muitos e muitos anos antes de não acreditarmos mais em nossos pensamentos. mudando o tempo todo. Precisamos de fato. Acontece o tempo todo. ALUNO: Uma boa parte do meu condicionamento parece inconsciente ou subconsciente. ou que são tão agradáveis que não os rotulo. nas costas. Se houvesse alguma maneira de lidar com os músculos. no entanto. Pode ser no rosto. JOKO: Sim. nos ombros. imagens que tenho de mim e que não parecem pensamentos. Por isso posso sentir-me conscientemente muito claro e leve e. não é estático. Então estou dentro e fora. Nosso desejo básico de sobreviver está na base de todos os nossos problemas. muito embora eu não constate nada acontecendo no plano consciente. ALUNO: Estou cada vez mais consciente de que alguns de meus pensamentos parecem simplesmente coisas dadas. JOKO: A única coisa que interfere no fluxo é o fato de acreditarmos de novo em nossos pensamentos. É o pensamento que não captamos que fica dirigindo o espetáculo. Então acontecem pensamentos que não são rotulados porque parecem como uma boa prática zen. Em geral é embaixo. porque é energia pura. pelo lugar inteiro. ALUNO: Onde se situa a cãibra? JOKO: Onde você a sentir. o condicionamento ainda está lá e acaba me levando de volta para a cãibra ou o leito duro. ALUNO: Enquanto não desgastarmos a força do projeto de nos proteger da vida e de lutar contra o modo como as coisas nos são apresentadas a cada momento. na linha da cintura. . E isso é praticamente um de nossos maiores hábitos. JOKO: Certo. ou outro movimento involuntário. Uma boa parte do que estamos falando não é uma grande cãibra do tipo que se descreve como "contração muscular depois de excessos físicos". na prática que se assenta sobre vivências." Ele simplesmente emerge. Quanto mais praticarmos e tornarmos as coisas conscientes. ALUNO: O que é o espasmo ou o tremor corporal repetitivo que costuma aparecer às vezes nesse tipo de prática? JOKO: Se permanecermos com o espasmo muitas vezes. a cãibra às vezes se desfaz. não existe inconsciente nenhum e o que é revelado pode ser muito sutil. mas eu não me preocuparia com isso. nossa vida emergirá mais e mais do não-eu. Pode adotar a forma de choro. em certo sentido. ALUNO: JOKO: Você poderia falar mais a respeito de sentimentos? Sentimentos são apenas pensamentos mais sensações E se um sentimento aparece? corporais. tremor. o corpo vai tremer. nunca tinha pensado nisso antes. porque ali não há um "eu". Subitamente ele nos atinge. Isso quer dizer que o pensamento que você não capta pode se revelar se você estiver realmente vivenciando a cãibra? JOKO: Sim. "Oh. às vezes. Então veremos certas imagens do passado. mais e mais começará a boiar à beira d'água o pensamento de que não tínhamos consciência antes. ALUNO: JOKO: Fragmente-o. como uma . as lágrimas podem brotar. No entanto. Deixe apenas que venham e sumam. Se nos mantemos na vivência. Lembrem-se de que. ALUNO: Você disse que na boa prática o companheiro de rotular pensamentos é vivenciar. entre na sensação corporal. A prática não trata de analisar essas recordações. ele começará a abrir-se e a energia que estava bloqueada começará a emergir. ALUNO: Ao vivenciarmos algo. a vivência pode efetivamente desencadear recordações ou vislumbres de total entendimento? JOKO: Sim. porque se realmente pusermos nossa atenção no corpo e lhe dermos liberdade para ser quem é. Ou perceba quais são os pensamentos. que os seres humanos são grandes cubos de gelo com mais ou menos 60 cm em cada lado. Nos coquetéis. eles quebrem antes de nós. Vivenciar é a chave. congelamos o máximo que nos for possível e esperamos que. Para nos proteger. a base teórica do sentar para praticar. Qualquer obstáculo ou dificuldade inesperada tem a probabilidade de nos despedaçar. Vamos imaginar. Quando somos duros e rígidos. o melhor meio de explicar é usando metáforas simples e até tolas. por baixo. Cubos de gelo passam grandes apuros. DERRETENDO OS CUBOS DE GELO É útil compreender o aspecto técnico da prática. Nosso medo nos faz ficar rígidos. Assim. Mas os alunos costumam ter aversão pelas explicações técnicas e querem analogias concretas. independentemente do quanto possamos ser cuidadosos. dotados de cabecinhas e pés pendurados. costumamos nos suavizar um pouco e bebemos. Temos arestas pontiagudas que causam danos.vida de funcionamento direto e efetivo e — sim! — de pensamentos válidos e claros. por um instante. dando poderosas trombadas entre si. Esse abrandamento é só temporário e superficial. gostaria de falar da prática zen como "o caminho do cubo de gelo". Uma vez que estamos congelados. e ferimos não só os outros como nós mesmos também. não temos água para beber e com isso sentimos sede o tempo todo. quando entrarmos em colisão com os outros. correndo de um lado para o outro como cubos de gelo. Às vezes. . É freqüente atingirmo-nos uns aos outros com força suficiente para quebrar nossas arestas. nossa tendência é escorregar e sair de controle. mas essas bebidas em geral não são de fato satisfatórias porque há o nosso medo latejando e mantendo-nos congelados e ressecados. Nossa vida humana é assim quase que o tempo todo. ainda sentimos sede e ansiamos por alguma satisfação. Congelamo-nos porque sentimos medo. fixos e duros e criamos grandes confusões quando damos um encontrão em alguém. Cubos de gelo doem. a observar sua "natureza legada em cubos". o cubo de gelo começa a se dar conta de como foi frio e duro até aí. uma vez que ambos são rígidos e duros com arestas pontiagudas. O cubo de gelo começa a perceber que não tem de ser duro. ê como o fogo. tentam ser agradáveis e colaborar. em outro. A percepção consciente. O cubo de gelo aprende como criar seu próprio calor pelo simples processo da observação. mas o Pai em mim". não é absolutamente nada e. devemos não nos permitir aprisionar no enrijecimento e no endurecimento de nós mesmos. Porém. não nos é possível tentar nos derreter. ele começa a tomar consciência de sua própria natureza gelada. O fogo da atenção começa a derreter sua dureza. simplesmente observando o que são. Derreter é resultado da testemunha. o outro cubo de gelo — se se aproximar o mínimo que seja — tem também de começar a derreter. Que. acabam encontrando um cubo de gelo que realmente tenha derretido e se tornado uma poça. Essa atitude ajuda um pouco. a percepção consciente de sua própria atividade individual. Contudo nenhum deles consegue realmente mudar ou "consertar" o outro. que existe outro modo de se estar no mundo. E também ele começa a ter um pouco mais de sabedoria e visão. ao ver suas próprias arestas pontiagudas. um cubo de gelo é um cubo de gelo e permanece intacta a existência de arestas pontiagudas. O fogo não pode ser aumentado com esforços.Alguns cubos de gelo mais inteligentes buscam outras maneiras de sair de suas vidas miseráveis. Vamos supor que dois cubos de gelo tenham se casado. Ao observar de que maneira tromba com os outros e fere. O que acontece se um cubo de gelo encontra uma poça? A água mais quente da poça começa a derreter o cubo de gelo. Os resultados são contagiosos. Quando os cubos de gelo começam a perceber suas próprias atividades. A fim de permitirmos que a testemunha efetue seu trabalho. A sede é cada vez menos um problema. Começa então a acontecer algo estranho. é tudo — "Não eu. se um deles começa a derreter. no entanto. no entanto. Cada um está protegendo a si mesmo e tentando mudar o outro. rígido e frio. Em vez de considerar o outro cubo de gelo como um problema. a testemunha é o "Pai" — que é a nossa verdadeira natureza. Quando percebem suas arestas agudas e suas dificuldades no trato com os outros. Uns sortudos. como disse Cristo. . Ambos então aprendem que a testemunha. em certo sentido. tornam-se mais suaves e macios e sua compreensão aumenta. dando trombadas nos outros e tentando modificá-los. Quando vamos até o fundo dele. Entretanto o trabalho é difícil e alguns cubos de gelo. Não quero mais simplesmente tomar consciência de nada''. Tornam-se mais suaves. começam a derreter e a tornar-se um pouco mais macios. Você pode dizer que essa até é uma das "leis dos cubos de gelo" (com as devidas desculpas à física). é que depois de a pessoa ter começado a suavizar-se ela não consegue mais endurecer de novo. É um processo fascinante. a "lei básica dos cubos de gelo". Alguns cubos de gelo começam a perceber a idéia e a fazer o trabalho necessário. O engraçado a respeito dessas poças é que. A primeira coisa que observo a respeito dos alunos zen que estão praticando é que sua expressão de rosto muda. Aqueles que realmente entendem o caminho e praticam com afinco. tão logo tenhamos amolecido um pouco. Na maioria das vezes detestam passar pelo processo. Não há como retroceder. mas não temos condições de violar o processo. cansam-se do processo. pelo menos. se tornam de fato poças d'água. Estão um pouco "macios". Riem de um jeito diferente. somos um pouco mais macios e é isso que existe. É verdade que é uma vida solitária e fria. Podem inclusive tornar-se um pouco mais macios. não sinto tanto incômodo. Enquanto estamos congelados e perfeitamente sólidos pensamos que o nosso . o trabalho de um cubo de gelo é enfim derreter.jogando o nosso peso para todo lado. Depois de termos nos tornado um pouco mais macios. mas. por fazerem uma prática apenas esporádica. os outros à nossa volta amolecem também. A verdade. Alguns cubos de gelo. quando os outros cubos de gelo as atravessam. mudam apenas um pouco ao longo de uma vida toda e se tornam só um pouco mais macios. É por isso que digo às pessoas: "Não entre na prática enquanto você não estiver pronto para o próximo estágio". seremos para sempre um pouco mais macios. no entanto. Se fazemos essas coisas. precisamos tomar consciência para que a testemunha possa fazer seu trabalho. Um cubo de gelo que tenha começado a ficar macio nunca mais consegue esquecer essa maciez. até mesmo os que começam a amolecer. porém. Muitos alunos meus são macios. Uma vez iniciado o processo da prática. no entanto. Dizem: "Eu quero mesmo é voltar a ser um cubo de gelo confortável. Mesmo que derretamos só um pouco. Podemos inclusive pensar que conseguiremos retornar à vida que tínhamos antes e até tentar fazê-lo. Se derretemos. batemos e ricocheteamos. Fique longe. Numa vida como essa ninguém jamais consegue derreter o outro. O que funciona é cultivar a atenção. vejo as pessoas se batendo entre si na esperança de que com tantos ataques alguma coisa seja alcançada. Quero apenas ser um cubo de gelo". Porém. Não podemos retroceder. É um modo muito solitário e frio de viver. tentando controlar e manipular todas as outras criaturas congeladas que conhecemos. Precisamos apenas sentar. ela é realmente destruída? Podemos dizer que não é mais um cubo de gelo. Alguém tem de parar com os ataques e começar a sentar e praticar com sua natureza gelada e cúbica. não conseguimos mais esquecer. Na próxima vez que falarmos com aspereza. A única coisa que podemos fazer é convocar cada vez mais a presença da testemunha. Como pára-choques. Assim que tivermos começado a derreter é perfeitamente natural resistir ao derretimento e querer retomar o estado congelado. ou tentarmos consertar o outro. Mas. não é nem essa nossa incumbência. Nunca me preocupo com isso porque. ou analisá-lo. Nunca acontece isso. se o cubo de gelo tiver se tornado uma poça. afastando os outros. começamos a derreter. mas sua natureza essencial está realizada. embora não consigamos percebê-la se estamos muito ocupados dando pancadas nos outros cubos de gelo. Aliás. é muito o que há para se saber. observar e sentir como é ser o que somos — vivenciando isso de verdade. Aliás. para qualquer pessoa que venha praticando já há algum tempo. aquilo que é em nós o cubo de gelo fica destruído. e depois vamos adiante. A certos intervalos dizemos: "Me deixe em paz. estamos brincando inutilmente de ser cubo de gelo. que sempre está ali.trabalho é sair por aí batendo nos outros cubos de gelo ou sendo agredidos por eles. Talvez tudo o que se possa dizer sobre a prática é que estamos aprendendo como derreter. o que de fato queremos é derreter. Esse esforço não dá em nada. outros cubos de gelo também o fazem. Mas assim que começamos a derreter um pouco que seja. pouco a pouco. Com o tempo. Queremos ser poças. Não podemos fazer muito mais pelos outros cubos de gelo. Não podemos tornar-nos rígidos de novo porque bem no fundo sabemos de uma coisa que antes desconhecíamos. que nos queixarmos. A comparação de uma vida humana com um cubo de gelo é sem dúvida tolice. Mesmo que não . Quando nos tornamos essa testemunha. mesmo que esteja lá o tempo todo. Você poderia falar mais de como nasce a testemunha? A testemunha sempre está presente.abramos espaço em nossas vidas para a testemunha. acho que preciso olhar para mim mesmo" —. Ao nos tornarmos mais macios. Quando começamos a ver — "Oh. é como se essa atenção da testemunha não pudesse funcionar. Começamos a perceber que o problema não está "lá fora". A poça atua como um ímã para os cubos de gelo que querem derreter. ou evitá-los. a guerra. vivenciamos JOKO: .aparecem quando a pessoa está entre ser um cubo de gelo e uma poça? JOKO: É verdade. Mas assim como um cubo de gelo não consegue ver nada exceto dar trombadas em outros cubos de gelo. mais e mais atraímos trabalho para fazer — e é isso mesmo. ser um cubo de gelo funciona ou parece que funciona. contudo. ocorre-me que tudo se interpenetra com tudo — incluindo a poluição. descobrimos que ser uma poça atrai muitos outros cubos de gelo. É preciso que haja uma mudança no cubo de gelo para permitir-lhe tomar consciência de sua própria atividade. posso alimentar a ilusão de que nada pode entrar nem sair. Às vezes até a poça preferiria ser um cubo de gelo. Se não vemos o que está acontecendo. o desamparo e assim por diante. mas sempre esteve e estará aqui dentro. quanto mais pingamos. e assim me sinto protegida. o estágio intermediário até a maciez implica muito medo e resistência. o problema não é com os outros cubos de gelo. a testemunha aparece automaticamente. Perceber claramente essa interpenetração pode ser assustador e desestimulante. De certo modo. maior o trabalho a ser feito. a testemunha não pode aparecer. Assim. É quem somos. Apesar de todos tentarmos evitá-la. ALUNA: No estado de cubo de gelo. não o conseguimos. Enquanto nossa capacidade de conscientização estiver totalmente voltada para o que os outros cubos de gelo estão fazendo. Você poderia falar obre o medo e os outros estados emocionais que. ALUNO: Gostei da analogia porque quando a poça estiver limpa conterá o todo em seu reflexo. ela sempre está presente. Quando o amaciamento começa. É só que o cubo de gelo se sente solitário e sedento. Quando somos macios. Quanto mais poça nos tornarmos. somos mais vulneráveis aos outros. Nossa resistência tentará se solidificar. JOKO: Muito bom. sem recuos. Em geral não é agradável. Queremos nos enrijecer de novo porque estamos começando a receber um tipo de solicitação para o qual não estamos preparados. Não é uma coisa extra. A própria natureza da prática é resistir. ALUNA: Ser mãe pode ser um treino excelente. Mas é absolutamente necessário. Sendo assim. Mesmo assim. era como estar morta do pescoço para baixo. A prática liberou dentro de mim muito do sentimento. Antes de praticar tinham a ilusão de saber o que eram. é muitíssimo desagradável. Tenho observado o derretimento na maioria dos meus alunos. Mas conheci mães que eram uns grandes cubos de gelo — inclusive eu. As pessoas acham que resistência é uma coisa terrível. estão confusas e isso não é agradável — e pode ser horrível. é equivocada do começo ao fim. apenas elevando-se e adiantando-se. é sempre acompanhado de resistência de medo de que o mundo se abata sobre nós. mas de certo modo e maravilhoso também. podemos nos sentir totalmente desencorajados. Sempre existe resistência também. A idéia de que tudo só vai melhorar. numa certa época. que é o início do derretimento. A prática. às vezes. A menos que percebamos esse fato. por exemplo. Nas primeiras vezes em que me sentei para praticar. já chorei muito e parece que estou derretendo e me tornando uma poça. Às vezes as pessoas me dizem: "Já estou praticando há seis meses e tudo em minha vida ficou pior".mais medo. Sinto-me exatamente como o cubo de gelo que você descreveu: uma cabeça em cima. ALUNA: Ser mãe faz a gente amaciar? Minha idéia é que as mães têm de se abrir para os seus filhos e isso tenderia a fazer o cubo de gelo derreter. Sentimos que estamos nos tomando mais aquilo que somos verdadeiramente. esse estado macio. pés embaixo e um computador morto e ambulante no meio. a resistência não conseguirá durar. JOKO: . Agora. Os dois aspectos andam sempre juntos. Essas solicitações podem não ser bem-vindas. em que o problema com que nos preocupamos não é o problema real. por exemplo. .. na verdade. Logo abaixo do problema emergente está um padrão mais fundamental que devemos reconhecer e com o qual nos familiarizar. não consigo controlá-lo pela suavidade ou pela doçura. o que consideramos como nosso problema é. não consigo controlar o mundo sendo prestativa. Apesar disso.O CASTELO E O FOSSO Desde que comecei como instrutora encontrei muito poucas pessoas que não estavam de alguma maneira mergulhadas naquilo que consideravam como um problema. um pseudoproblema. Mas. pode ser "Preciso fazer as coisas com perfeição". na verdade. sou casada e meu marido vai embora sem dúvida não acho que esse seja um pseudoproblema. Trata-se de uma atitude crônica e abrangente perante a vida. Se não conseguirmos enxergá-la e. não consigo controlá-lo sendo desprotegida. Não vemos mais além do que essa ilusão. Vai passar muito tempo antes que eu consiga ver que aquilo que estou chamando de o meu problema não é a dificuldade real. e no entanto. Se. não temos tempo para ele porque estamos muito ocupados com nossas preocupações.". ou como se estivessem num quarto escuro às voltas com nossa nêmese. Quando estamos nas malhas desse conflito. ou minha agressividade. fechamos o mundo do lado de fora. "Tenho de tudo. ou pelo melodrama da vítima. o verdadeiro problema é o iceberg que está embaixo da água.. "A vida é vazia e sem sentido". uma decisão muito antiga decorrente de nossos temores infantis. não consigo controlá-lo com meus encantos. continuaremos cegos aos acontecimentos e às pessoas. como algo pendurado no ar. Nosso único interesse é solucionar nosso problema. o problema real não é a parte que podemos enxergar. Não enxergamos que nosso problema superficial é apenas a pontinha do iceberg. para outra. Na realidade. ou meu sucesso. Ouço um sem-número de variações sobre esse tema: "Estou tão sozinha". Francamente. É como se suas vidas estivessem enterradas numa densa e enorme nuvem. em vez disso. o iceberg pode ser uma crença generalizada e entranhada do tipo "Tenho tudo sob controle". Para uma pessoa. nos perdermos tentando lidar com o pseudoproblema que se apresenta. Para nós com certeza não parece que sejam só pseudoproblemas. Olho para a água. de modo que não conseguimos ir embora ainda por mais algum tempo. as árvores. Encontro-me num pequeno bote e começo a remar para ganhar distância. contudo. menor fica. continuamos tentando e. Agora. Uma luz começa a brilhar. Primeiro estamos nas malhas de nosso pseudoproblema. os pássaros. em algum momento. Talvez existam pessoas passeando de bote pela água. Conforme remo. Somos capazes de encontrar uma porta de saída e ganhar uma certa distância ou perspectiva em nossos esforços. e quanto mais me afasto. Quando começamos a remar e nos distanciar. olho para o castelo que vai ficando para trás. O fosso é imenso. Estaremos então despertos o suficiente para saber que estamos aprisionados. No entanto. podemos começar a encontrar uma porta que nos leve para fora da prisão. conseguimos colocar alguma distância entre nós e o castelo tenebroso. afinal de contas. a água pode estar encapelada e dificultar o avanço. damo-nos conta de que aquilo que parecia ser o problema não é. apreciando o ar livre.Só quando nossa abordagem de cegos diante da vida começar a apresentar defeitos é que passaremos a sentir vagos lampejos de que nosso pseudoproblema é um castelo assombrado no qual estamos como prisioneiros. Por ter recuado. Em algum ponto. O problema poderá ainda continuar nos atormentando. mas pelo menos estaremos do lado de fora. enquanto estiver desfrutando o cenário. vou olhar para onde estava o castelo e verei que ele terá sumido. O primeiro passo de qualquer prática é saber que somos prisioneiros. Depois de algum tempo. Até mesmo uma tempestade pode nos arremessar de volta à beira do lago. como um imenso castelo mal-assombrado. É como se meu problema fosse um castelo sombrio e tenebroso. podemos estar gostando tanto dela que o castelo em . olhando para ele. Algum dia desses. ele parece muito pequeno. Assim. Porém. quando começamos a reconhecer que estamos como prisioneiros. Começamos a desfrutar um pouco a vida do lado de fora do castelo. comigo vai tudo bem". não tem mais o mesmo interesse que um dia despertou em mim. Nosso problema é algo muito mais profundo. mas finalmente o atravesso e chego na outra margem. A prática é como o processo de remar pelo fosso. A maioria das pessoas não tem a menor suspeita disso: "Oh. cercado de água por todos os lados. começo a dar mais atenção para o lugar onde agora me encontro. quando olho de novo para o castelo. pode ser uma prisão.si agora parece apenas um outro resto de alguma coisa flutuando na água. As prisões mais sutis não parecem em nada com isso. O sucesso em si é ótimo. mas simplesmente um sintoma de um padrão mais profundo. Os primeiros anos de prática consistem em chegar a conhecer o castelo do qual somos prisioneiros e começar a encontrar onde está o bote a remo. Poderíamos perguntar por que continuamos presos no castelo. especialmente no princípio. mais difícil pode ser identificar o castelo onde estamos como prisioneiros. não significa necessariamente uma vida de preocupações. nem como conquistar a nossa liberdade. Qual é o seu castelo? Qual é o seu pseudoproblema? E qual é o iceberg lá embaixo. O primeiro passo na prática é sempre ver e reconhecer nosso castelo ou prisão. se não nos conhecemos. Permanecemos presos porque não reconhecemos o castelo. A viagem através do fosso pode ser tortuosa. As pessoas são feitas prisioneiras de muitas e variadas maneiras. estaremos começando a encontrar a direção da saída. Quando as primeiras rachaduras concretas aparecerem na parede do castelo. mas difíceis de conviver. então estamos começando a conhecer nosso castelo. A capacidade de manter a . tão sem importância. Tais pessoas só partem para a prática quando alguma coisa começa a não dar mais certo em sua vida — embora o sucesso externo em geral torne mais difícil reconhecer e admitir a desintegração. talvez comecemos a investigar nossas vidas. Um só elemento realiza por nós essa travessia: a percepção consciente do que está acontecendo. o problema mais profundo que dirige a sua vida? O castelo e o iceberg são uma e a mesma coisa. ansiedade e depressão. Quanto maior o nosso sucesso no mundo externo. contudo. Talvez nos aconteçam tempestades e águas agitadas quando nos separamos de nosso sonho de como somos e de como pensamos que a nossa vida deveria ser. Conheci pessoas famosas em seus campos de atividade e que apesar disso eram prisioneiras de seus castelos. um castelo pode ser a busca constante de uma vida excitante e movimentada. portanto. As pessoas que vivem assim são estimulantes. O que são para você? A resposta. Quando o conhecermos bastante bem. Viver num castelo. é diferente. Se começamos a ver que o problema atual que nos contraria não é a verdadeira questão de nossas vidas. para cada pessoa. Por exemplo. repleta de novidades e divertimentos. Podemos desenvolver doenças e perder o pouco dinheiro que tínhamos. observo meus pensamentos e a contração do meu corpo. "Minha vida foi muito dura. embora não por esforços deliberados nesse sentido.percepção consciente quando pseudoproblemas aparecem é algo que aos poucos se desenvolve pela prática. um problema. reações e julgamentos construo um castelo no qual me faço prisioneiro. A maioria apenas tenta consertar o castelo. Abusaram de mim". em vez disso. a vida não me serve. do nosso ponto de vista. É uma estrada muito diferente daquela a que estão acostumadas quase todas as pessoas. conforme vão aumentando nosso entendimento e nossas habilidades. vou construindo uma certa distância em perspectiva. Assim. ele acelera cada vez mais e chegamos depois a ver que não existem problemas. Como poderia existir algum problema? Meu "problema" ê que não gosto disso. mas. não gosto desse jeito. a prática zen não trata de nos ajustarmos ao problema. minha contrariedade deriva de minha particular maneira de olhar a vida. a cada vez que ele emerge. . Assim. "nós não enxergamos a vida dessa maneira. Não gosto disso. "Estou tão sozinha. Quando se dão acontecimentos dos quais não gostamos. partindo de minhas opiniões. criamos pseudoproblemas e ficamos seus prisioneiros: "Você me insultou! Claro que estou com raiva!". temos. Ninguém realmente se importa comigo". apesar desses transtornos. Em vez de me perder em meio a contrariedades. Nossa viagem não termina (e talvez numa única vida humana nunca chegue ao fim) enquanto não virmos que não existe castelo e que não existe problema. A prática ajuda-me a compreender esse processo. A quantidade de água que atravessamos em nosso bote é sempre aquilo que ela é. não há problema. Quanto mais tempo praticamos. mais rapidamente avançamos por esse processo. mas de vermos que não existe problema nenhum. No minuto em que se impõe a nós algo de que não gostamos. Porém. Meu bote a remo afasta-se do castelo que ergui e não sou mais prisioneiro ali dentro. em vez de ver mais além dele e encontrar o fosso que nos separa dele — e isso é o que a prática nos leva a reconhecer. O trabalho é lento e desencorajador no começo. Pouco a pouco. Começo a ver que o incidente que me transtornou não é o problema real. Escolho esta parte e começo a demolir o meu sonho. se um relacionamento parece ser o problema. "Minha perna quebrou. JOKO: Algumas pessoas vêm para a prática quando suas vidas estão caindo aos pedaços e seu sonho pessoal está ruindo. e que é a nossa fundamental decisão sobre a vida. Ainda assim. É quando talvez comecemos a procurar pelo fosso. apesar de tudo. sentindo muita pena de nós. a liberdade (o nosso ser verdadeiro) nunca cessa de nos chamar. Compreender é a chave. Aprisionados no castelo. Mas mesmo então. é o fator que nos separa da vida e nos impede de enxergar as coisas como elas são? Só quando a vida for apreciada em todos os seus momentos é que poderemos dizer que sabemos algo de uma vida religiosa. É assustador entrar no nosso pequeno bote e deixar para trás todas as coisas que até então chamávamos de a nossa vida. Por exemplo. aquilo que conhecemos. neste exato minuto. Não somos muito propensos a sair do castelo. Enquanto ficamos dentro dele. talvez um ano. Nossa vida é sombria e assustadiça. quer não. Para mim parece que não há como entrar no bote e começar a travessia do fosso enquanto a magia da prática não começar a surtir efeito." E assim por diante. a maioria não quer sair do castelo." "Meus pais não me compreendem. a depressão é. quer o percebamos. Elas ALUNO: . Queremos continuar como prisioneiros de nossas construções. Podemos não percebê-lo. Felizmente. continuamos a nos iludir. o castelo que erguemos. Depois de algum tempo. Se estamos terrivelmente deprimidos. distanciando-nos do castelo. que Deus não permita que nós devamos abandonar nossa depressão." "Meu filho usa drogas. são precisos anos e anos de prática para começarmos a entender o que estou descrevendo e é preciso coragem para nos aventurarmos na travessia do fosso." "Estou aborrecido com a minha namorada. O que. girando e revolvendo no mesmo ponto como vítimas. É preciso um interminável treinamento para cruzar aquele fosso com rapidez e eficiência. apertado. pode ser que cheguemos a ver que essa vida na realidade não funciona muito bem. ficamos constringidos a um espaço reduzido. buscando soluções que mantêm o castelo intacto e a nós como prisioneiros.Na verdade. talvez nos atiremos em outro em vez de descobrir a questão que está na base. conseguimos sentir que somos importantes. depois de meses. mas adoramos os nossos problemas. O processo de sentar e praticar coloca nosso castelo pessoal sob ataque cerrado. Depressão. Ponto. porém. o processo acontece mais devagar. em absoluto. Você está dizendo que é para não fazer nada a respeito.estão geralmente prontas para começar a demolição do castelo. A prática ajuda-nos a lidar com as coisas como elas são. Nem sempre podemos refazer o mundo para que se ajuste as nossas preferências. esse é um problema real. e não acrescentar mais nada a elas. alguém dizer algo de que não gosto. Tomamos consciência — talvez chocados — dessas primeiras rupturas. Mas em geral nos encontramos em situações a cujo respeito não há o que se possa fazer. Quais são alguns exemplos de contrariedades? ALUNO: ALUNO: JOKO: ALUNO: JOKO: ALUNO: Raiva. ALUNO: Ciúme. Se eu tenho a opção de me mudar para a Europa para ficar com ele e se isso vai ser bom para todos os envolvidos. JOKO: A depressão é em geral um sinal de que a vida não está indo pelo caminho que gostaríamos. Não gosto do jeito que ele está olhando para ela. Para outras. do ponto de vista da vida em si meu namorado vai para a Europa e eu fico aqui. O castelo é construído de emoções pessoalmente centradas. só aceitar passivamente qualquer coisa que aconteça? Não. ALUNO: Se um problema parece um problema. A minha vida tem sido um entrelaçamento com a vida dessa pessoa e fico muito infeliz com essa separação. O único "problema" é a minha opinião sobre isso. . Do meu ponto de vista. A questão não é essa. Isso parece que é um problema para mim. ótimo. não demora muito e começamos a ver rachaduras aqui e ali. mesmo que antes a construção parecesse muito sólida. ele não é real? O que faz dele um falso problema? JOKO: Vamos supor que alguém que eu amo foi mandado trabalhar na Europa por dois anos e minhas obrigações me forçam a ficar aqui. Como é que descobrimos o que é o nosso castelo? Qual é a estratégia? A chave está em notar o que nos deixa contrariados. os castelos sempre parecem que estão baseados na realidade. Temos de descobrir as várias formas pelas quais empreendemos no concreto as nossas decisões. mas não estão. embora talvez nós não lembremos mais dessa experiência. ocultar pensamentos autocentrados. mas com muitos aposentos. Todo castelo implica um conjunto pessoal de programas já estabelecidos. se escutamos um lindo trecho musical para tentar lidar com a contrariedade? JOKO: Sim. ALUNO: A decisão que tomamos decorre de alguma experiência que já tivemos no passado. JOKO: Esse é um elemento comum nos comentários feitos pelos pais: "Fiz tudo por você e qual é o agradecimento que recebo? Dediquei a você os melhores anos de minha vida!". Temos de conhecer bem o nosso castelo. ALUNO: Para quem mora dentro deles. . Para a maioria. certo? JOKO: Sim. O castelo pode ser construído em cima do que parecem ser nobres intenções e. (A questão não é se devemos ou não ajudar os sem-teto. embora essa decisão possa aparecer de muitas maneiras diferentes. mesmo assim. Nossa decisão profunda de que a vida é assim é que cria o castelo. ALUNO: Podemos ter mais de um castelo? Ou cada pessoa vive em um só castelo geral? JOKO: A maioria vive num só. porque fiz tudo e eles não me deram valor. trabalhar para os sem-teto pode ser um caminho para mostrarmos aos outros e a nós mesmos como somos bons.ALUNO: Ressentimento. não é? JOKO: Certo. mas o motivo que nos leva a essa ação. se a música for usada como escape. faz parte do castelo. Por exemplo. nosso castelo balança. o castelo aparece em decorrência de uma decisão básica com respeito à vida. Toda vez que essa decisão é questionada de alguma maneira.) ALUNO: Alguma coisa que nos dá felicidade pode também ser parte do castelo? Por exemplo. como nos importamos. Conseguimos olhar com franqueza para nossas áreas de contrariedade e observarmo-nos contrariados? Conseguimos olhar para isso de uma certa distância. ele parece estar distante e então algo acontece que não havíamos visto antes e eis-nos de volta. nós vamos lentamente destrancando a porta do castelo e encontrando o caminho até o bote que nos levará através do fosso.ALUNO: Conhecer o nosso castelo significa tomar consciência da tensão em nosso corpo? JOKO: Sim — e ver e rotular os nossos pensamentos. Com uma boa prática. Nesse sentido. Em si. JOKO: A virtude de praticar e de estar conversando como agora é esclarecer os problemas que encaramos quando voltamos para o resto de nossas vidas. De certo modo. A dificuldade não é uma coisa ruim. os aspectos predominantes de nossa personalidade dissolvem-se. ALUNO: Você diria que o castelo é o conjunto da personalidade do indivíduo? Ou apenas suas opiniões pessoais e suas idéias preconcebidas? Personalidade sugere uma estrutura interna permanente ou rígida. Embora soe fácil. essa capacidade de fato aumenta com o tempo. JOKO: ALUNO: . É um processo gradual: não há uma linha demarcatória visível. dentro dele. quanto mais sentarmos para praticar. Nossa personalidade é a estratégia que elaboramos para lidar com a vida. Ninguém conhece por completo todos os aposentos do castelo. Ao praticarmos durante um certo tempo. mas eu sei que no instante em que paro de praticar e volto para o resto de minha vida perco a minha clareza. o castelo é nossa personalidade. É verdade que podemos ser facilmente sugados de volta para os nossos velhos padrões. com alguma perspectiva? Esse é o alvo do fosso: olhar por cima do ombro para o castelo que ficou lá atrás e enxergá-lo com mais nitidez. E não é que saímos do castelo de uma vez por todas. em particular no começo. Nas pessoas que vêm praticando bem por muito tempo. a personalidade tende a desaparecer e dar lugar à abertura. menos personalidade teremos. Ao fazermos isso. é dificílimo. um colóquio como este nada pode fazer. essas atividades ajudam-nos a lidar com isso. a única coisa que importa é aquilo que as pessoas farão com ele. é só do jeito que é. Às vezes. A analogia do castelo e do fosso é útil. neste próprio segundo. não queremos fazê-la. respondemos de maneira mais livre e condizente com a situação. Quando eles de fato se movimentam. a cada momento. Quando vem o desejo. a última coisa que queremos é ficar parados. Sermos apenas o que somos é a última coisa que queremos fazer. enfim. A prática alimenta nossa capacidade de reagir apropriadamente. Na imobilidade absoluta tomamos consciência de nossa falta total de disponibilidade para sermos o que somos. de sucesso. Com o tempo. tentando tornar nossa vida algo que ela não é. de jeito nenhum. Percepção Consciente O PARADOXO DA PERCEPÇÃO CONSCIENTE Quando nos sentamos para a prática é importante manter uma imobilidade tão absoluta quanto possível: estar consciente da língua no seu espaço. O mestre Rinzai disse: "Não desperdice um pensamento sequer na perseguição do estado búdico". de amor.ALUNO: Conheço você já faz muitos anos e me parece que agora você tem mais personalidade do que em qualquer outra época de sua vida. sentada por vários períodos. quero fazer alguma coisa. empenhamonos. dos globos oculares. a boa prática nos torna mais sensíveis ao que está acontecendo. tomar conta do que tiver pela frente. nossos globos oculares se movimentam. A personalidade então não atrapalha mais. de chegar ao estado búdico. consertar algum objeto. Depois de ter ficado na prática. é importante tomar consciência do movimento. de um . Não deveríamos nos manter tensos ou duros. A imobilidade absoluta é para muitos uma instrução restritiva e desagradável. é. Isso significa que devemos ser como somos. JOKO: V. mas simplesmente manter a imobilidade tanto quanto pudéssemos. Em vez de uma resposta invariável. da inquietação dos dedos. Temos maneiras muito sutis de escapar de nós mesmos. de iluminação. Quando queremos pensar. Todos nós temos grandes desejos: de conforto. Para mim. E isso é uma coisa muito aborrecida: nós. Por isso. As pessoas pensam que iluminação é o resultado desses esforços. muito calmas. existem dois tipos de prática. de pensar." JOKO: Ou podemos nos lembrar de uma fase de nossa vida em que as coisas corriam bem.momento para outro. Se não tivermos uma única idéia de ir no encalço do estado búdico. de agitação. E esse esforço de vivermos melhor. JOKO: Estamos tentando parar de pensar em vez de tomarmos consciência de nosso pensar. um estado alterado de consciência. ALUNO: JOKO: Sim — quem somos e onde estamos. de seguir por um caminho que nos levará a alguma parte. o que estaríamos fazendo? ALUNO: JOKO: ALUNO: Não nos apegando. quase que imediatamente. . pode produzir pessoas que parecem muito santificadas. praticar exercícios. mas o desejo humano é ir em busca de algo mais. de fazer alguma coisa. Quem somos e onde estamos.. Depois. ALUNO: Ter alguma espécie de experiência corporal intensa. purificamo-nos de alguma maneira e forçamo-nos a ter uma mente clara. Ficar mais acordado. aluno: Paz. É tudo o que jamais precisaremos fazer. Ou livrar-se da raiva. Quando nos sentamos para praticar. Nos termos mais simples que consigo encontrar. Claro. fazer aquelas coisas que nos tornarão mais saudáveis. estamos nos dispondo a fazer isso por mais ou menos três segundos. comemos melhor. Tentar parar de pensar. muito impressionantes. já está ali o desejo de movimento. Um é a tentativa de nos aperfeiçoarmos rapidamente. mas não é. Não nos apegando e sendo propensos a ser. para tentarmos então recuperar essa sensação. Atrás do que nos empenhamos quando sentamos para praticar? ALUNO: ALUNO: Conforto. "Assim que conseguir me livrar desta raiva.. menos sonolento. é bom alimentar-se de maneira adequada. chegarei mais perto do estado de buda. exatamente aqui e agora. Aumentamos nossa energia. Pensamos que. Essa declaração de que estamos bem sendo como somos e pronto não faz para nós o menor sentido. Se procedermos assim. Mesmo quando despertamos para a verdade das coisas. ficamos confusos. no entanto. mas a ele acrescentamos nossas crenças condicionadas e tentamos depois nos apegarmos ao pensamento. o desejo. porém. Quando o consideramos da perspectiva de nossa percepção consciente impessoal. estamos nos transformando em alguma coisa que é uma edição aperfeiçoada. ela permanece. a dissolver-se. E essa é a diferença entre realidade e a visão ilusória da realidade que temos. Todos nós somos seduzidos pelo fascínio deste tipo de prática: queremos nos tornar outra coisa que não somos. ALUNO: Não haveria a necessidade de algum tipo de objetivo para que pudesse acontecer um processo afinal. essa noção de nos transformarmos em algo diferente e melhor não tem sentido. quando nos sentamos em sesshin. basta que nos mantenhamos olhando para eles. aquela permanece. raivosos. a tendência deles é desaparecer. esta desaparece. Por quê? Porque sendo apenas como somos está bem. Uma vez. Não podemos estar conscientes de pensar sem que o pensar comece a minguar.Do ponto de vista do segundo tipo de prática. Qualquer coisa que se desmancha no nada não é real. O que nós queremos é ser uma vida real. ele desaparece. ela desaparece? Não. quando vivemos em nossos pensamentos: quando verdadeiramente considerados com atenção. bem no fundo. Não temos de nos livrar de nossos pensamentos. Se estamos conscientes de nossos pensamentos. é querer alguma outra coisa que simplesmente não está ali. ALUNO: . Um pensamento é simplesmente um tantinho de energia. Quando olhamos para uma pessoa. que sermos como somos não parece bom. transtornados. porém. para que se chegasse em algum resultado? JOKO: O que você quer dizer com "processo1*? Processo é fazer alguma coisa. eles se desmancharão no nada. A versão pessoal da vida simplesmente se desfaz. Isso é diferente de se viver como um santo. Podemos esclarecer essa questão de uma outra maneira. Mas a realidade não desaparece apenas porque estamos olhando para ela. "Vou ser uma boa pessoa" — e a simples percepção consciente do que estou fazendo.JOKO: A percepção consciente é um fazer? Existe uma diferença entre fazer alguma coisa — por exemplo. Conforme praticamos. A base do fazer é o pensamento de que as coisas deveriam ser diferentes do que elas são. então some a percepção consciente da realidade. ela apenas permanece onde está. a distinção entre o pensamento corriqueiro e a percepção consciente parece sutil e esquiva. contudo. de tal modo que não conseguimos mais reparar no que está realmente presente em nossas vidas. Se nos atolamos nesses projetos do que obter. observar que toda vez que encontro uma determinada pessoa eu a coloco de fora. a mente sempre tem um objetivo. num outro. Em que consiste a percepção consciente? JOKO: No pensamento comum. É isso o sentar na prática: não ficar preso na mente. não se enterra em sonhos. algo acontece. A percepção consciente não tem sentenças. alguma coisa que irá obter. e torno-me uma pessoa melhor. É apenas percepção consciente. O padrão se desarticula. . a distinção se torna cada vez mais nítida: começamos a notar cada vez mais como nossos pensamentos são ocupados com a tentativa de chegarmos em algum lugar. eu deveria simplesmente tomar consciência do que estou fazendo — por exemplo. Teremos substituído a percepção consciente por um sonho pessoal. Fofocar é fazer alguma coisa. ALUNO: Parece um paradoxo. não tem pensamentos nesse sentido. Vamos supor que estou fazendo uma fofoca. nossa mente está fazendo algo de forma ativa e. não entrar na armadilha de esforçar-se para chegar em alguma parte. Em vez de dizer a mim mesma "Tenho de me tornar uma pessoa melhor" e tentar fazer isso. A percepção consciente não anda. embora eu não tenha agido segundo a instrução da sentença para ser uma pessoa melhor. Quando eu tiver me acompanhado fazendo isso uma centena de vezes. Num nível. um levar coisas a acontecerem. e como ficamos prisioneiros deles. para tornar-se um buda. estamos conscientes do que nossa mente está fazendo. A princípio. mas a percepção consciente disso não é um fazer. E um milhão de pontos de luz iluminou o que estava acontecendo na minha mente. De repente eu disse para mim mesmo: '*Qual é a prática neste exato momento?". geramos ansiedade. nosso mundo fica mais estreito. Mas quando nos prendemos em seu conteúdo. cada vez mais contrariado. Certo. minha mente estava repleta de pensamentos e sentimentos. então alguma coisa errada está ocorrendo com o que estamos fazendo. estarmos no domínio de nossas idéias a respeito do mundo: Sou ALUNO: . ALUNO. tensão física —. enquanto ia para um certo lugar. De uma perspectiva completamente impessoal ainda havia o mesmo conteúdo — raiva. Não há nada de errado com um pensamento em si. Quando levamos nossa percepção consciente para nossos pensamentos. JOKO: Sim. Se nossas vidas não estão mudando enquanto vamos praticando. e minha pista era eu estar com uma raiva cada vez maior. Não temos mais uma perspectiva do todo. ALUNO: Ficar apegado a um pensamento exige uma crença. Era quase como observar uma barata no chão da cozinha. eles começam a se dissolver. A ansiedade é algo que se estende entre o real e o irreal. Não conseguem manter-se sem a sustentação de nossa crença neles. JOKO: Quando começamos a observar os pensamentos e sentimentos. Eu acreditava que estava praticando: eu sabia que estava com raiva. Nosso desejo humano é evitarmos aquilo que é real e. A ansiedade é sempre uma distância entre o modo como as coisas são e o modo como pensamos que elas teriam de ser. em lugar dele. mas nada tinha que ver com a minha pessoa. ou ficamos atolados no conteúdo de nossos pensamentos. então o teremos arrastado para nossos domínios pessoais e quereremos ficar apegados a ele. não é? JOKO: Sim. essa estreiteza alarga e os pensamentos restritivos começam a sumir.ALUNO: A impressão que dá é que ou estamos observando o que está acontecendo. Na noite passada. que estava apressado. Quando nos atolamos em nossos pensamentos. pressa. É apenas uma dose de energia. que estava tenso. nas palavras do pensamento. JOKO: Quando nos atolamos desse jeito nos nossos pensamentos. fazendo tudo aquilo que queremos fazer. o irreal simplesmente desaparece e não temos de fazer nada.terrível". Nós usamos uma palavra como percepção consciente e em seguida as pessoas tornam-na algo especial. É isso que significa dizer que algo ou alguém é centrado. "Você é maravilhosa". A percepção consciente é como o calor que sobe num dia de verão: as nuvens no céu apenas desaparecem. Tudo o que . "Você é terrível". A ansiedade então desaparece de vista. e conseguimos ouvir e observar tudo o que está se passando. JOKO: Não. isso é um paradoxo). Se não estamos tentando (tente por apenas dez segundos parar de pensar). O que é a ausência de uma coisa? ALUNO: Não é que estamos só mudando aquilo de que estamos cônscios? Não acabamos de decidir que sempre estamos conscientes? Minha premissa é que a vida é sempre percepção consciente. e a ansiedade é a distância entre a idéia e a realidade de que as coisas são apenas como elas são. mas nós a bloqueamos com pensamentos autocentrados: sonhando. A idéia é separada da realidade. ALUNO: JOKO: ALUNO: Há mais percepção consciente depois de um sesshin que antes? JOKO: Não. talvez tornando-a mais aguda a respeito de algo. Quando nos sentamos na prática (em certo sentido. No instante mesmo em que paramos de pensar. isso é um pensamento. estamos conscientemente perceptivos. fantasiando. nosso corpo relaxa. Sempre estamos cientes de alguma coisa. Parece que fico extremamente tenso com essa tentativa de me ater à percepção consciente. Quando estamos conscientes. Tentar ser consciente é só o pensamento comum. Quando paramos de acreditar no objeto que criamos — que está por assim dizer deslocado para um só dos lados da realidade —. não é a percepção consciente. Se você está tentando ater-se à percepção consciente. temos um objetivo nesse sentar: estamos refocalizando a nossa percepção consciente. A percepção consciente não é algo que tenhamos de ser — é uma ausência de alguma coisa. isso toma a percepção consciente fazer alguma coisa. A percepção consciente é o que somos. as coisas rapidamente se realinham de volta no centro. a diferença é que não a estamos bloqueando. Embora se possa dizer que estamos fazendo uma coisa. a percepção consciente não tem espaço. a menos que estejamos aprisionados em nossos pensamentos autocentrados. tempo. A percepção consciente é a nossa vida quando não estamos fazendo mais nada. eles desaparecem na distância e nós restamos apenas ali. ALUNO: Talvez a diferença entre os pensamentos comuns nos quais acreditamos e a percepção consciente é que um pensamento em que se acredita não se sustenta na percepção consciente. não temos de tentar ser conscientes. ele não é reconhecido como um simples pensamento. Nós o consideramos real. Em termos de prática. nem identidade — e. Por exemplo: de repente me dou conta de que estou no trabalho e nem sei como cheguei lá — e então acordo. Ele não é visto apenas como o fragmento de energia que é de fato. maior a porcentagem de tempo de nossas vidas que será levada na percepção consciente. Não tem espaço. JOKO: Exceto o buda. em vez de a percepção consciente desempenhar esse papel. O que temos de fazer é observar nossos pensamentos. ALUNO: Costumo notar a percepção consciente de maneira mais acentuada quando não estava sendo consciente. Então às vezes estamos conscientemente percebendo e não notamos isso. que é o que deveria acontecer. Não devemos tentar ser conscientes. Duvido que alguém consiga um dia viver totalmente na percepção consciente. é quem somos. sempre somos conscientes. todo mundo flutua para dentro e para fora da percepção consciente. joko: É. JOKO: . Finalmente. Essa é a finalidade de rotularmos nossos pensamentos.precisamos fazer é tomar consciência de nossos pensamentos autocentrados. a percepção consciente não é uma coisa nem uma pessoa. No mesmo instante em que falamos dela ela já se foi. e acreditamos nele. apesar disso. Então ele começa a dirigir o espetáculo. JOKO: Certo. tempo. ALUNO: A simples percepção consciente não tem mais nada. nada. ALUNO: Certo. Mas quanto mais tempo de prática tivermos. JOKO: Quando conseguimos ver a dor como apenas uma sensação estável com muitas variações mínimas. nem sinto dor. da mesma forma como as substâncias causadoras de vícios. Por que a dor desaparece quando eu "viajo"? JOKO: Bom. Se eu realmente me tomo a dor. muito agradáveis. Quando observo a dor e tenho o pensamento que diz que é dolorida.ALUNO: Você disse "quanto mais tempo de prática tivermos". Depois acordo e tomo consciência. o sofrimento permanece. Todavia. se estamos sentando e praticando com a totalidade de nossa vida. ALUNO: JOKO: Não existe uma separação da realidade se sentimos dor? JOKO: Não. o sofrimento some. Não ajuda muito a vida dessa pessoa. De todo jeito. o Mu não tem de ser praticado dessa forma. produz efeitos rápidos e intensos. mas na realidade você estava se referindo à forma com que colocamos a atenção no presente? Sim. ALUNO: Durante muitos anos. JOKO: Sim. minha prática sentada consistiu em primeiro me desligar do meio ambiente e depois do meu corpo e depois recitar Mu sem parar. se nos aproximamos dela ALUNO: . essa é uma forma de prática concentrada que. Mas. mas se eu simplesmente a observo como uma sensação intensa. torna-se interessante e até mesmo bela. se a sentirmos totalmente. assim que tenho um pensamento a respeito. ALUNO: Quando focalizo a atenção na percepção consciente. parece que observo mais dor em meu corpo. para algumas pessoas. então sem sombra de dúvida o montante de percepção consciente aumenta. Eu era totalmente consciente de nada. essa dor simplesmente desaparece. sofro. Nossos sonhos e nossas fantasias são viciantes. Por isso é que gostamos tanto deles. Mas se eu simplesmente "viajar" não tenho mais problema de dor. Era "agradável''. e lá está a dor de novo. É possível praticar sentado por vinte anos e mesmo assim não ter noção do que é essa prática. Eu costumava passar metade da vida devaneando. Porém. nossos sonhos são narcóticos poderosos. Temos dores e padecimentos. Um dia eu estava jantando num restaurante que ficava na orla marítima e a vi mudar de cor. Em termos de nossa prática. desfrutando-a. devemos começar com nossas experiências. JOKO: A tensão e a dor são reais? Algo está lá. o luar estava sobre a água. É aí que começa nosso trabalho com a percepção consciente. Da mesma forma. Não existe isso de luar sobre a água. emprestamos um tipo de falsa realidade a nossos pensamentos. Eu usava meus pensamentos para bloquear a percepção consciente dela.com a idéia de que iremos fazê-la sumir. Eu teria visto qualquer coisa que ali houvesse para se ver. mas enxergando-a como de fato é. não é o absoluto. mas estava lá. com este trabalho meticuloso sobre a percepção consciente. A tensão e a dor estavam lã. para púrpura ainda mais escuro e finalmente não consegui mais vê-la. Quando não há luz sobre a água. Sinto-a como algo que está simplesmente ali do outro lado de minha percepção consciente. vemos que ela é preta. Mas. É verdade que sempre vivemos dentro de uma determinada perspectiva. isso é só um outro jeito de ir atrás de um estado búdico. Quanto às nuvens do céu: quando estamos numa nuvem. no entanto. . Como o luar sobre a água. A prática diz respeito a aprender a viver nessa realidade relativa. Hoje percebo que eu simplesmente não percebia essa tensão. Precisamos retornar à realidade de nossas vidas. com uma dor de aperto por todo o corpo. de azul para azul-escuro. O que é real? Em termos absolutos. apenas despercebidas. está lá — segundo uma certa perspectiva relativa — e não é real. Durante anos as pessoas viviam me dizendo: "Você está tão tenso!" e eu respondia "Não estou tenso". ou era o luar que realmente estava ali? O oceano realmente tem algo sobre sua superfície? Qual é essa cor? E real ou não? Nenhuma das indagações é correta. ALUNO: Quando começo a prática. torno-me consciente em geral de estar muito tenso. não teria visto luar nenhum sobre sua superfície. chamamo-la de névoa. mas o que é? Uma noite dessas eu estava andando ao longo da costa. temos adversidades. Eu conseguia ver um lampejo brilhante de luz sobre o oceano. nada disso é real. enquanto o luar brilhava sobre a água do mar. De minha perspectiva. literalmente falando. Até mesmo a água em si tem apenas uma realidade parcial. gostamos das pessoas ou não: esse é o conjunto de coisas que compõe a nossa vida. se eu tivesse me aproximado mais da tona d'água. JOKO: Sim. Teríamos nos distanciado um pouco. Pensar em mim. JOKO: Sim.. JOKO: Sim. Enquanto estivermos sentados à margem do riacho. essa é a percepção consciente. Não há nada de errado com ele. pensar num jeito de chegar na totalidade. provavelmente não teremos sensações de sabor. queremos uma sensação de completamento. Por exemplo. ALUNO: Ver o riacho. É como se. separamo-nos experiência que estamos vivendo e não somos mais inteiros. Vamos supor que estamos numa caminhada por uma montanha e que nos sentamos à margem de um riacho.RECOBRANDO O JUÍZO Todos nós desejamos a inteireza. JOKO: Esse é um tipo de pensamento que nos afasta da percepção consciente ou totalidade. quando estou num lugar tranqüilo posso sentir a ausência de dor.. em contato com as folhas e o solo. isso também é parte da experiência. Essa é uma sensação boa: não existe dor. Observar-me pensando a meu respeito. Mas vamos supor que estamos num jantar de Ação de Graças: é surpreendente como poucas pessoas realmente sentem o sabor do que estão comendo. a totalidade. disséssemos: "Mas que pôr-dosol maravilhoso!". Queremos ser pessoas completas. . queremos ficar em paz em nossas vidas. mas ainda é algo extra. da ALUNO: JOKO: Quando pensamos em nós. sentir os odores naturais da terra. ALUNO: Sentir o que não está presente. Tentamos solucionar esse problema. no meio de um pôr-do-sol magnífico a que estejamos assistindo. O que significa ser "inteiro" nesse momento? ALUNO: Ser inteiro significaria sentir o ar em minha pele e ouvir os sons. sentir o sol nas minhas costas. ALUNO: Sentir-me sentado no chão. fazemo-lo um pouco menos. Se estamos praticando sentados há alguns anos. que não são reais. pergunte para você mesmo se está verdadeiramente saboreando sua comida. no entanto. nem sentimos o cheiro da madeira. Não vemos mais a água. Somos como o peixe que está nadando de um lado para outro. não há nada aí de sensacional: estamos apenas sentados ali. mas de um pensamento muito sutil. Como o peixe. na melhor das hipóteses. Não conheço ninguém completamente presente o tempo todo. ALUNO: JOKO: . Tornamo-nos absorvidos em nossos pensamentos. Talvez você esteja falando acerca não de uma sensação. indagamo-nos sobre o sentido da vida. Nesse momento. olhando para o grande oceano da vida. debruçando-nos sobre como nos sentimos a respeito desses problemas e do que podemos fazer a respeito deles — e de repente esquecemo-nos de tudo o que estávamos sentindo há um minuto apenas. sentindo tudo o que há para ser sentido. Para a maioria. que começamos a pensar a respeito de nossos problemas na vida. nem o nosso corpo.ALUNO: Quando estou sentado perto de um riacho às vezes me dá a impressão de conseguir quase sentir esse riacho em meu corpo. quase o tempo todo. E o professor apenas ri. mas inconsciente do que o cerca. Vamos supor. Na próxima vez que estiverem num jantar de Ação de Graças. daquele tipo que leva as pessoas a escreverem livros a respeito do que é estar na natureza. aliás. Por quê? Porque o peixe jã estava no oceano e simplesmente não o havia percebido. não estamos plenamente vivos. As sensações sumiram. parcial. A vida é insatisfatória para a maioria das pessoas porque elas estão ausentes de suas vivências. aqui. teremos sacrificado a nossa vida para podermos pensar a respeito de coisas que não estão presentes. agora. Se estamos apenas sentados à margem do riacho. sem percebermos a água à nossa volta e o oceano em que estamos mergulhados. porém. O peixe finalmente encontra um professor que compreende e lhe pergunta: "Qual é o grande oceano?". a experiência de comer uma refeição é. ou em qualquer refeição. Sem a percepção consciente de nossas sensações. que se compõe daquilo que vemos. Se não estivéssemos deixando de fora o ouvir. Sempre que estamos contrariados estamos literalmente * 'de fora'': deixamos algo de fora. não conseguimos ter uma idéia do tipo: "Oh. ações e uma criatividade perfeitamente adequados. Nosso comentário pessoal sobre a vida — todas as opiniões que temos dela — é a causa de nossas dificuldades. ouvimos. Embora seja da tradição cristã. se entendemos o pensar como apenas o funcionamento natural e não . Da mesma forma. Um que me agradava em especial era chamado "Em Teus Braços Eu Me Descanso". o sentir sabores. Quando estamos no presente. sentir a vida como ela é. ouvir. esse coral trata do estar presente e desperto. se nos separarmos de nossa vida. Por que é assim? ALUNO. se quiserem chamá-lo assim — é simplesmente aqui e agora: ver. Não podemos nos aborrecer. JOKO: Sim. deixamos alguma coisa de fora. Nossa vida é sempre apenas esta vida. odores. Quando estava com dezesseis. tocamos. tocar. Esse lugar de descanso — os braços de Deus. Somos como um peixe fora d'água. sentir odores e sabores. aspiramos e assim por diante. O oceano era sua vida. dezessete anos eu gostava de tocar os corais de Bach no piano. plenamente conscientes. Às vezes apenas balançamos a cabeça e restabelecemos a base de nossa vida. Se fazemos isso. Podemos até acrescentar * 'pensar" a essa lista. não conseguiríamos nos aborrecer. Existe um lugar de repouso em nossas vidas. Tudo isso nasce desse espaço da vivência. um lugar onde devemos estar para podermos funcionar bem. Porque estamos no presente. Tão sem sentido!". Não conseguiríamos nos aborrecer se não estivéssemos deixando de fora a nossa vida. teremos perdido o contato com o que somos. A tradução prossegue assim: "Os inimigos que me atacariam não conseguem encontrar-me aqui".JOKO: Sim. essa vida é tão difícil. a menos que nossa mente nos tenha removido do presente e levado para pensamentos irreais. a sensação cinestésica de simplesmente estar sentindo nosso corpo. Só isso! Um bom aluno reconhece quando se distanciou e retorna à vivência imediata. os alicerces da vivência. o ver. em geral dualista. em que os sentidos simplesmente se encontram abertos. Desses alicerces brotam pensamentos. Separe um peixe da água e não há mais vida para ele. inclui o pensamento abstrato. Assim que recuperamos a percepção consciente. Com o tempo. ou planejar o que temos para fazer hoje. Apenas pensar. baseados no ego. Quando recuperamos completamente um dos sentidos. no sentido funcional. contudo. subimos imediatamente para nossa cabeça e tentamos resolvê-lo. Tentamos recuperar nossa segurança pensando. No instante em que algo nos contraria. então os restabelecemos todos. nenhum problema ou contrariedade pode nos alcançar. Perguntamos como podemos nos modificar ou mudar alguma coisa fora de nós — e estamos perdidos. Com excessiva freqüência. A pessoa com quem contávamos não apareceu. Se me ocorre o mais sutil pensamento de irritabilidade a respeito de alguém. Uma vida que funciona descansa sobre esses seis alicerces: os cinco sentidos mais o pensamento funcional. doenças físicas nos importunam: em vez de ficarmos girando em círculos em nossos pensamentos. Vocês podem dizer: "Isso pode ser verdade com os problemas simples. mas enxergaremos qual o próximo passo a ser dado. Dá certo. porém. Esse processo na realidade funciona. preocupando-nos com os . e a resolução pode também não ser imediata. acrescentamos pensamentos não funcionais. Essa é toda a prática de que precisamos. quão "sério" seja o problema. Quando nossas vidas estiverem apoiadas nesses seis pontos de sustentação. Uma coisa é ouvir uma palestra dharma sobre essas verdades. A ação que decorre da vivência desperta quase sempre é satisfatória. porém. a primeira coisa que faço não é começar a pensar num jeito de consertar essa situação. mas apenas perguntar para mim mesma: "Estou mesmo conseguindo escutar os carros no beco?". Para restabelecermos nossa vida em fundamentos firmes. furou o emprego que queríamos. temos de retornar àquelas seis pernas da realidade várias vezes seguidas. aprendemos a confiar no processo. vemos o que fazer a respeito da situação. mas duvido que dê certo com os grandes e complicados problemas que tenho de enfrentar". Pode ser que não encontremos a solução pela qual estamos procurando. e outra viver segundo esses ensinamentos. que nos levam às dificuldades e nos retiram dos braços de Deus. o pensamento criativo.como as reflexões do ego que se baseiam em medo e apego. como o da audição. a ter fé que as coisas irão funcionar da melhor forma possível diante de suas circunstâncias. pois todos funcionam no momento presente. nosso pensamento funcional. Essa espécie de atenção exclusiva a um só modo sensorial é o resultado de um pensamento sutil. ao lado de ver. Quando fazemos isso. quando restabelecemos os alicerces de nossa vida na experiência imediata. e fica mais clara a atitude que tomaremos como resposta. só uma outra sensação física. posso me dizer: "Bom. ALUNO: Os sentidos não funcionam numa espécie de "tempo repartido"? Se estamos totalmente mergulhados na audição de um som. por meros impulsos. Se essa pontada insistir. vamos supor que estou com dor de dente. Parece uma coisa louca dizer que. com suas brocas e agulhas e todo o incômodo. quando temos um problema. sabores etc? Ouvir realmente o barulho dos carros pode significar que estou ignorando o resto do meu corpo. do JOKO: . ou ficar pior. precisamos usar nossa inteligência natural. Não estou sugerindo que devamos agir às cegas. agora é só uma pontada. Precisamos nos informar. por outro lado. vemos como agir de maneira apropriada.problemas. JOKO: Ansiedade nada mais é que certos pensamentos e uma sensação concomitante de tensão ou contração no corpo. nossos outros sentidos também cobram vida. Mas. sentir odores etc. A percepção consciente da tensão é. telefono para o dentista e marco uma consulta". Retornar aos nossos sentidos significa observar os pensamentos em sua realidade e tomar consciência da tensão no corpo. nas minhas experiências diretas. deveríamos escutar o tráfego. fico girando em círculos dentro da minha cabeça e crio um imenso. Com essa espécie de abordagem tudo entra nos eixos. conhecer as coisas óbvias a respeito do problema. Vou ficar de olho e continuar com o que estou fazendo. Sentimos a contração em nosso corpo também. alguma coisa muda. Se começo a pensar em como odeio ir ao dentista. problema para mim mesma. Por exemplo. talvez ansioso. como se essas coisas não existissem. ALUNO: O perigo de eu retornar às minhas sensações comuns é que eu posso estar bloqueando a percepção de minha ansiedade ou preocupação de uma maneira até radical. afinal de contas. não estamos bloqueando os cheiros. se realmente ouvimos. Se regresso aos alicerces de minha vida. JOKO: Sim. em vez de algo que vem de JOKO: . Quem quer ficar prestando atenção no barulho dos carros se pode desfrutar essa sensação de ser quem tem sempre razão? Não queremos abandonar os nossos padrões. os pensamentos de quem somos. para ter fé em nossa vivência direta. Você incluiu o pensamento funcional como uma das seis pernas da experiência real. mesmo depois de nos havermos recordado que é para recuperarmos o contato com os nossos sentidos. A capacidade de deslocar-se com rapidez é o sinal distintivo de uma prática que já está acontecendo há muitos anos. é natural bloquear a atenção das outras sensações para dar uma atenção completa ao que estou fazendo? JOKO: Sim. Vamos supor que estou trabalhando num computador ou consertando um relógio. Há pouco tempo alguém estava me dizendo como ela aprecia sua sensação de estar sempre certa. Não estamos então ainda prontos para confiar inteiramente no processo. que vem dos pensamentos autocentrados geradores de uma sutil rigidez. dependendo de há quanto tempo e com quanta firmeza estamos praticando.tipo "Tenho de fazer isso" ou "Estou em perigo". Se estamos completamente abertos. ALUNO: Então. envolvemo-nos em todos os nossos sentidos ao mesmo tempo. Por isso apegamo-nos a eles e voltamos para onde estão. pode haver um estreitamento mecânico da atenção em prol de uma atividade específica. esse processo leva tempo. posso pensar sobre isso durante uma semana. se uma das tarefas que tenho enquanto me sento à margem do riacho é planejar o que fazer naquele dia. Nem sempre volto logo para os meus sentidos. apesar de meus esforços para prestar atenção no trânsito ou no que for. Algumas pessoas conseguem apegar-se à sua infelicidade durante anos. Se estou preocupado com alguma coisa. Isso é diferente do estreitamento psicológico. tudo bem? ALUNO: Sim. ALUNO: Tenho uma outra dúvida a respeito da questão do "tempo repartido". supondo que planejar o dia é uma tarefa apropriada para aquele momento. mesmo quando reconhecemos intelectualmente que eles nos causam problemas. E realmente gostam disso. ALUNO: Se meu dia está especialmente ocupado. Essa é uma resposta natural à vida. então as emoções assentam de novo. Não há problema em estreitar a atenção quando isso for necessário para realizar uma tarefa. Estamos ruminando sobre o que aconteceu na semana passada e não conseguimos dormir. existe uma sensação no corpo que é presente. faça isso. Esse transtorno não tem relação com o que está acontecendo naquele momento. ignoramos as coisas e nos metemos em apuros. ao devanear. Se um comentário que nos fizeram há alguns dias ainda está nos aborrecendo. Apenas fazemos o que tem de ser feito. porém. que então se torna um impedimento psicológico desnecessário. As emoções são uma resposta a um acontecimento real. O problema é que. E alguma coisa muda. Mas ignorá-las. esse bloqueio cessa. quando esse acontecimento não está mais se desenrolando. Olhar para essas coisas pode nos tornar ansiosos. irá fazer com JOKO: . Quando fazemos isso um número suficiente de vezes. A emoção está entalada em mim. essa emoção é falsa. quando é necessário fazê-lo. Quando estamos alienados da vida. A distinção diz respeito à falsa emoção versus a emoção verdadeira. Uma emoção verdadeira é imediata em relação à situação: talvez alguém me agride ou vejo que uma pessoa está aflita. A maioria das pessoas vive à base de emoções falsas. voltamo-nos para o que mais estiver acontecendo. É muito diferente de fechar nossa vida porque estamos pensando em nós. Aqui e ali existem pedras e tocos de árvore que se projetam para fora d'água. Isso é errado? JOKO: Se é isso que você faz. pode acumular-se uma boa dose de ansiedade e dá a impressão de ser mais agradável ficar então devaneando. SimPortanto observamos os pensamentos concomitantes e sentimos a tensão do corpo. É como estivéssemos flutuando num rio de águas revoltas. e em vez disso contemplar as lindas nuvens no céu. Assim que tivermos nos desincumbido da tarefa. Carregam lembranças do passado ou preocupações quanto ao futuro e com isso criam transtornos para si mesmas. posso senti-la.pensamentos ansiosos a respeito de si mesmo. Por um instante fico contrariada e faço alguma coisa — e depois acaba. nós nos afastamos da vida. ALUNO: Mesmo que a recordação esteja gerando falsas emoções. Não há nada de errado com a verdadeira emoção. ALUNO. JOKO: Sim. ALUNO: Voltar para a experiência direta parece como assentar os pontos de sustentação da vida da pessoa. que ainda resta algum pensar. apesar de tudo. nem o barulho nem a tensão em meu estômago. não quero vivenciar isso de jeito nenhum. JOKO: Se não mantemos nosso apoio centrado nas pernas e nos pés. nossa tendência é não enxergar o que acontece à nossa volta e dar uma trombada numa árvore ou tropeçar numa pedra. Quando retorno aos meus sentidos. você não está equilibrado". É muita ligada na realidade. "Você não consegue bater direito na bola se seus dois pés não estiverem bem apoiados no chão. o professor dizia o tempo todo. em geral tenho medo de perder o controle. No instante em que atentamos para o que vem pelo nosso conjunto de órgãos dos sentidos. Não espanta que a vida tanto pareça uma corda bamba.que mais cedo ou mais tarde nós nos afoguemos. mas é uma idéia muito boa. isso quer dizer que não estamos sentindo plenamente os alicerces. Se uma perna estiver no ar. A maior parte da vida das pessoas consiste numa rápida alternância entre o contato e o distanciamento com a experiência direta. Se ainda continuamos contrariados. Dá uma sensação de tranqüiíização permanecer nos antigos condicionamentos e tentar resolver tudo só na cabeça. Uma vida desperta não é uma coisa sem pé nem cabeça. ALUNO: Quando eu morava no alto de uma montanha em Maui era muito fácil deitar na terra e religar-me com minhas sensações. Toda prática evoca medo. Contemplar o céu me dá a ilusão de que posso controlar as coisas. Quando eu estava aprendendo a jogar tênis. JOKO: Sim. Prestar atenção à água branca e suas pedras pode parecer assustador. ou qualquer coisa assim. mas quando estou no meio de uma sala de aula barulhenta com todas as crianças berrando. Por isso alternamos entre vivenciar o medo e voltar para dentro da cidadela dos pensamentos. ALUNO: . estamos bem plantados. E importante. temos um espaço muito claro para agir. Culpamos os outros. sem fazer cálculos nem conjecturas. vivenciamos o que é. apenas acompanho as sensações. Estamos onde precisamos estar. ALUNO: Agora. sentimos pena de nós. Minha tendência é ir em busca de lugares calmos. Com o tempo aparece uma suave difusão e uma sensação de afundar por dentro. Só depois de anos e anos de prática é que somos capazes de viver no espaço aberto e desperto. porém. a maior parte do tempo. silenciosos. JOKO: Ótimo. minha tendência era exagerar o processo afundando nas sensações. Estamos fora de contato com o espaço aberto que está exatamente aqui. como um cão atrás do próprio rabo. Simplesmente sabemos o que fazer. viveremos nossas vidas em função do que estiver em nossa cabeça. onde fico tenso e distraído. JOKO: Há um pensamento por trás de tanto empenho: "Tenho de entrar no meu roteiro". a questão continua sendo: para negociar nossas vidas de maneira eficiente. estou começando a aprender uma outra maneira: eu me pergunto onde está a tensão em meu corpo. e tomo mais consciência ainda de minha ligação com todas as coisas. esse é um impulso natural e não há nada de errado nisso. Mesmo assim. em vez de apenas me abrir para a experiência que me ocorria.JOKO: Certo. queixamo-nos. tornamo-nos capazes de ALUNO: . não criar um outro ideal em nossa cabeça ("Preciso fazer com que isso aconteça") e nos esforçar para atingi-lo. Conforme nossa prática vai ficando mais forte. Esse lugar nada mais é que nosso momento presente. onde seja mais fácil abrir-me para o presente e evitar lugares como salas de aula barulhentas. Apesar disso. Se não voltarmos para esse lugar. JOKO: Sim. Antigamente. Todos esses sintomas mostram que estamos atolados em nossos pensamentos. é uma espécie de evitação. O grau de clareza que encontramos é uma função do tempo e da consistência com que tivermos praticado. quando vemos. quando isso acontece. um lugar em que nossa vida se assenta. Sem forçar nada. ouvimos. indo atrás delas de qualquer maneira. precisamos estar em contato tanto quanto possível. existem alicerces em nossa vida. ALUNO: Como dizia a letra daquele coral. Se estivermos alertas o suficiente. sem hesitação. Não há eu. ATENÇÃO SIGNIFICA ATENÇÃO Segundo uma antiga história zen * um aluno teria dito ao mestre Ichu: "Por favor. 10-11. ed. Atenção". "Não me parece que seja * Philip Kapleau. Retornamos ao que somos. A coisa importante é aprender a nos abrir para o que for que a vida nos traga. ou a tensão no queixo —. estamos absorvidos nele. voltamos aos pensamentos em vez de às experiências diretas. Se vivenciamos por completo um órgão do sentido. quando tento concentrar-me em minha experiência — digamos um sentimento de raiva. não há tráfego. de dualidade sujeito-objeto. observaremos nosso impulso de evitar e poderemos regressar à percepção consciente do presente. Não há observador e não há objeto da sensação. Mas é transitório. p. Boston: Beacon.manter a abertura e a consistência naquelas situações em que anteriormente as teríamos perdido. Essas incessantes pendulações da atenção são a prática em si. vivenciamos todos os outros também. não teremos ainda encontrado a nossa vida. Se de fato escutamos o barulho dos carros. ainda resta um elemento de pensamento. ALUNO: As vezes. escreva-me algo com grande sabedoria". parece que isso se expande e enche a sala toda. O aluno ficou irritado. Se denominamos a nossa raiva e concentramonos nela excluindo tudo o mais. ALUNO: E que tal simplesmente observar as próprias sensações? JOKO: Há valor nisso. O mestre Ichu tomou de seu pincel e escreveu uma só palavra: "Atenção". O mestre escreveu então: "Atenção. The three piliars of zen: Teaching.. enlightenment. JOKO: Há algum pensamento velado por trás dessas experiências e não simplesmente uma sensação aberta. que é simplesmente a vida em si. Quando estamos tentando evitar ou escapar de alguma coisa. O aluno indagou: "É tudo?". onde quer que estejamos. 1967. Todas as minhas outras sensações desaparecem. . practice. é axiomático que não estamos prestando atenção. cada momento é absoluto. consideramos esse ensinamento uma decepção. Atenção ou percepção consciente é o segredo da vida. não existe passado. nossa saúde etc. perdemos tudo. Atenção.profundo nem sutil. Se perdemos não apenas um só momento. é uma questão de prestar atenção. Frustrado. o serviço. e assim por diante. Como o aluno nessa história. Por quê? porque cada momento na vida é absoluto em si. não existe futuro. Não é uma questão de importância. Em lugar de atenção poderíamos usar percepção consciente." Em resposta. Isto pode ser endireitar nossos colchonetes de praticar. estamos em apuros. Não queremos nos incomodar com as "pequenas" coisas. Agora estou caminhando e subindo os degraus que levam ao . Mesmo assim. Vamos supor que fui condenada a ser decapitada na guilhotina. fatiar uma cebola. o mestre escreveu simplesmente: "Atenção. É só isso que existe e que jamais existirá. Se estamos contrariados. Como colocamos as nossas almofadas? Como escovamos os nossos dentes? Como varremos o chão ou fatiamos uma cenoura? Pensamos que estamos aqui para dar conta de questões "mais importantes". E isso é tudo o que existe. eu mesma. são esses atos que constituem o estofo de nossa vida. Mas as questões que as pessoas estão me trazendo não são mais relevantes ou importantes do que um evento "trivial" como esfolar um dedo. E o mestre Ichu disse: "Atenção significa atenção". visitar alguém que não desejamos visitar. de um momento a outro. não existe nada além disto. o alimento. nossos trabalhos profissionais. por exemplo como seguramos nossos talheres ou onde pomos a colher. Atenção". nunca ficaríamos contrariados. Por isso. E o conteúdo do isto pode ser qualquer coisa. Não existe mais nada além deste momento presente. de estar conscientemente perceptivo. é árido e desinteressante. o cerne da prática. Queremos algo excitante em nossa prática! A simples atenção entedia! Perguntamos: a prática é só isso? Quando os alunos aparecem para falar comigo. mas um momento depois do outro. o aluno exigiu: "O que significa essa palavra atenção!". quando não prestamos atenção a cada pequeno isto. como os problemas que temos com nossos cônjuges. Não importa o conteúdo do que seja o momento. Se conseguíssemos prestar totalmente atenção. ouço queixas e mais queixas: o horário do retiro. confusos. deprimidos. Temos dificuldade em compreender essa história porque temos todos um imenso apego à nossa cabeça. Quando isso não acontece. Embora essa prática seja necessária nos estágios preliminares. Preciso concluir um certo trabalho". a nossos pensamentos autocentrados: não é só este momento. Assim. em seqüência.cadafalso. mas o que eu quero. mas quem quer uma vida comandada por eles? Quando a atenção ao momento presente é desviada para alguma versão de "Eu tenho de conseguir as coisas ao meu modo". o dia inteiro. O mestre entendia bem o que era praticar. aguardem até amanhã de manhã. Nossos problemas aparecem quando subordinamos este momento a alguma outra coisa. que queremos que permaneça sobre nossos ombros. passo a passo? Consigo colocar minha cabeça na guilhotina cuidadosamente para assim servir bem ao algoz? Se eu conseguir viver e morrer dessa maneira. Ele comentou: "Por favor. neste momento preciso. bebendo chá e desfrutando. Revestimos o momento com nossas prioridades pessoais. Não é ruim em si ter esses sentimentos. Consigo manter minha atenção no momento? Consigo estar consciente de cada passo. A finalidade da prática é anular essas distâncias. ou de alguma forma contrariados. cria-se uma distância entre nossa percepção consciente e a realidade tal como é. Nessa distância ou fosso despejamos todos os males de nossa vida. No entanto. ficamos com raiva. passou a noite completando o trabalho. prisioneiros de nosso sonho autocentrado. o dia inteiro. Criamos uma distância atrás da outra. Escreveu um poema simples no qual comparava sua cabeça decepada a uma brisa primaveril e o entregou aos ladrões como um presente quando eles voltaram. é reduzir o tempo que passamos ausentes. não surgem quaisquer problemas. E é assim que começamos a ter dificuldades. Não é nosso desejo particular que nossas cabeças sejam decepadas. cometemos um erro se pensamos que a solução está em que eu presto atenção. Não é "EU varro o chão". Uma outra história antiga diz respeito a um grupo de ladrões que invade o estúdio de um mestre zen e lhe diz que iam decepá-lo. "EU fatio a cebola". Estamos determinados a que a vida prossiga do jeito como nós queremos que prossiga. ela continua alimentando os pensamentos autocentrados ao denominar a pessoa como um "EU" . "EU dirijo o carro". num estado em que tudo nos escapa. No processo de afunilamento da atenção. comumente chamadas de meditação concentrativa. Em alguns centros zen. Uma prática de concentração. com aspectos de torpor e sossego. Quando ocorrem os pensamentos autocentrados. Embora tenhamos um vislumbre do outro lado do mundo fenomênico. Um jeito melhor de entender é a simples percepção consciente: apenas vivenciar. A receita para se viver é simplesmente fazer o que estamos fazendo. não há distância. então erramos de bonde e aparece a distância. Essa abertura forçada não é realmente autêntica.para o qual a experiência está presente. Quando nos instalamos nesse foco tão estreito. por exemplo abaixando objetos e erguendo-os muito devagar. Apesar de esses momentos serem úteis. Se não levarmos em conta tudo em nosso mundo. não há espaço para pensamentos autocentrados aparecerem. concentrar-se numa imagem visual. podemos depois de um certo tempo até entrar em transe. não sabemos como agir e podemos ainda nos sentir bastante constrangidos. Os exemplos incluem recitar mantras. vivenciar. Essa distância ou fosso é o local de nascimento dos problemas e transtornos que nos atormentam. ainda existe um eu . Uma prática estreita não se transfere bem para o resto de nossa vida. tanto de natureza física como mental. se fôssemos muito persistentes (como eu costumava ser). perderemos alguma coisa. trabalhar com o Mu (de maneira concentrada) e até mesmo acompanhar a respiração se isso for feito de modo a deixar de fora os demais órgãos dos sentidos. Podemos sentir que nos esquivamos de nossos problemas porque nos sentimos mais calmos. Na simples percepção consciente. só fazendo. vivenciar. e então ter um vislumbre do absoluto. quando a levamos para o mundo. pode momentaneamente nos forçar a atravessar nossa resistência. os alunos são solicitados a se envolver em ações em câmera exageradamente lenta. toda prática que afunila nossa percepção consciente é limitada. do apenas fazer o abaixa-levanta. captando o nada ou o puro vazio. buscam estreitar a percepção consciente de alguma maneira. Não estando autoconsciente do que faz. Muitas formas de prática. essas práticas rapidamente criam certos estados agradáveis. algo fica de fora. Essa atenção autoconsciente é diferente da simples percepção consciente. a nossa percepção consciente como prática é tal que recebe tudo o que acontece. como quando presenciamos a cena de uma criança sendo atropelada por um carro. nossas emoções autocentradas. No entanto. nossas emoções do momento não são mais importantes do que encostar a cadeira de volta no lugar ou recolocar a almofada no lugar certo. se pensarmos que é fácil. Por outro lado. mas são geradas por nossas exigências autocentradas de que a vida seja como nós queremos que ela seja. esvaziado do conteúdo emocional pessoal.realizando isso. o que nós queremos de nossa vida. Começamos por esvaziar-nos nós mesmos desses pensamentos autocentrados. estaremos nos enganando. A maioria das emoções não decorre do momento imediato. Afinal de contas. Endireitar o lápis sobre a carteira é tão importante quanto se sentir abandonado ou solitário. Na prática da percepção consciente. Embora não faça mal ter essas emoções. observamos nossos pensamentos e a contração de nosso corpo recebendo tudo isso e voltando para o momento presente. O "absoluto" é simplesmente tudo em nosso mundo. Podemos nos libertar lentamente. mas. todas as nossas adversidades nos mantêm como o centro das coisas ou pelo menos assim acreditamos. aprendemos pela prática que elas não têm importância em si. estamos naquele tipo de distância de que falei. a prática da percepção consciente está aberta a qualquer experiência presente — em todo este incômodo universo — e ajuda-nos a irmos aos poucos nos desemaranhando de nossas reações e apegos emocionais. Toda vez que estivermos aborrecidos. . Preferiríamos com certeza fugir dessa cena ou então permanecer mergulhados em nossos pequenos transtornos. Toda vez que temos uma queixa a respeito de nossas vidas. A atração de nossos pensamentos autocentrados é como pisar na lama: nosso pé consegue a custo se despregar e já está preso de novo. A experiência continua sendo dualista e limitada em sua aplicabilidade. Esse é o tipo mais árduo de prática. estaremos nessa distância. Embora uma prática de concentração possa focalizar a respiração e bloquear o som dos carros ou o falatório de nossa mente (o que nos deixa perdidos quando permitimos que qualquer espécie de experiência penetre na consciência). ao aprendermos a estar cada vez mais conscientemente perceptivos em todos os nossos momentos. predominam. Quando me mantenho conscientemente perceptiva. e nada mais. Embora possa parecer uma coisa fria. e ela me telefona para dizer que não vem. como uma teia que fiamos e na qual nos enredamos. posso colocar menos expectativas nos outros e servi-los melhor. Se nos percebemos pensando que nossos sentimentos são mais importantes do que aquilo que está acontecendo num dado momento. Quando vejo meus pensamentos e observo as sensações do meu corpo. A prática é esse movimento. Se formos de fato persistentes. simplesmente percepção consciente. dia após dia. Varrer a calçada é realidade. Se conseguimos vivenciar o sentir-se solitário e enxergar nossos pensamentos a respeito de estarmos solitários. Preencher um cheque é tão importante quanto o angustiante pensamento de que não veremos um ente querido. então conseguimos sair do fosso dessa distância. todos os outros pagam um preço. quando vir minha filha outra vez. A prática é necessária para mim também. então estou me arrancando do fosso da distância e entrando na percepção consciente. Com a prática. Vamos supor que eu anseio pela visita de minha filha na época do Natal. somos todos malucos. Em certo sentido. iremos gradualmente descobrir nosso caminho para sair dessa insensata confusão que é a nossa vida pessoal. atenção. Se nos lembramos de algo que aconteceu há seis meses e com essa recordação surgem sentimentos de aborrecimento. É um processo surpreendente esse em que nos metemos — em certo sentido. atenção. vezes e vezes seguidas.por exemplo. é necessária essa atitude para que nos tornemos pessoas genuinamente afetivas e compassivas. nossos sentimentos devem ser vistos com interesse. posso amá-la com mais plenitude. posso lecionar bem. o que é uma forma de amar. amor é simplesmente atenção. Sem a prática. não trarei antigos ressentimentos para esse encontro e serei capaz de vê-la com olhos . nossos sentimentos são uma coisa que nós criamos. eu me sentiria uma velhinha solitária e desamparada. A prática ajuda-me a continuar a amá-la em vez de me sentir contrariada porque ela não fará o que eu queria que fizesse. precisamos observar a presença desse pensamento. reconheço a minha resistência para praticar com essas vivências e depois volto para terminar de escrever a carta que estava fazendo. Quando não trabalhamos com o fosso criado pela desatenção. A chave é atenção. Rimos porque temos certeza de que as duas coisas — tigres e farelo de pão — não têm nada que ver uma com a outra. Dizemos. Aliás. seja qual for seu conteúdo. nossa prática e nossas vidas costumam basear-se em falsas generalizações que nada têm que ver com a realidade. Se nossa vida está alicerçada em conceitos generalizados. a vida nunca é uma generalidade. em geral acreditamos em opiniões generalizadas e as expressamos. observamos "Não consigo suportar o meu marido . Quando um vizinho lhe perguntou por que o fazia. Ainda assim. estava um dia em seu jardim espalhando farelo de pão por todo lado. Podemos pensar. sábio e tolo sufi. Assim. espalhando farelo de pão para manter os tigres afastados. por exemplo. ou "Sou uma pessoa terrível". Conforme vamos praticando. na realidade. Quando começamos a praticar. O vizinho então comentou: "Mas não existem tigres num raio de 2. nossa tendência é abandonar nossos conceitos generalizados em favor de observações mais específicas. a generalização em si deixa de fora a realidade mutável e cambiante de uma relação real. existe uma só prioridade e é a atenção ao momento presente. ou "Eu amo meu marido". Por exemplo. ele disse: "Para manter os tigres a distância". A verdade é que ninguém ama ninguém o tempo todo e ninguém ama o marido ou a esposa o tempo todo. em lugar de "Não consigo tolerar meu marido". A prática sentada ajudanos a enxergar em meio ao nevoeiro das generalizações acerca de nossas vidas. "Sou uma pessoa atenciosa". podemos agir como Nasrudin. Essas generalidades obscurecem a realidade específica e concreta da nossa vida.000 km ao redor daqui!". No entanto. "Eu amo as pessoas". não é?". A vida sempre é específica: é o que está acontecendo neste exato momento. Porém. E Nasrudin concluiu: "Eficaz. FALSAS GENERALIZAÇÕES Nasrudin. dizer "Eu amo o meu trabalho". Claro que posso amar o marido quase o tempo todo. ou "A vida é dura comigo". como acontece com Nasrudin. Da mesma maneira. por exemplo. daquilo que está acontecendo conosco neste dado momento. a prioridade é aqui e agora. Atenção significa atenção.novos. Se lhe perguntassem. Pode incluir milhares de pensamentos e reações menores. Escutemos o que diz uma certa moça. observando e rotulando nossos pensamentos. Ao nos familiarizarmos mais com o nosso pensamento. tornamo-nos mais familiarizados com o incessante transbordamento de nossas opiniões ã respeito de tudo e de nada. de um momento para o outro. É sim. essa generalização ignora momentos tais como ' 'Por que ela é tão imatura?". Você parece ótimo ("Mas devia ter telefonado mais cedo"). Ela está saindo com um rapaz há algum tempo. — Você está achando que estou meio sem assunto? Que não sou muito de falar? Bom. Quando nos sentamos para praticar. Não ficamos mais revestindo os acontecimentos com grandes pinceladas de verniz. Tenho certeza de que você gostou muito da companhia dela ("Eu te mato!"). ela diria que realmente se importa muito com ele. Em vez de conceitos generalizados. vemos com mais clareza o que está se passando. obrigada por sua opinião ("Você mal me conhece! Como ousa fazer essa espécie de generalização a meu respeito!"). e. Um pai pode dizer "Amo a minha filha". ou "Ela está sendo ignorante". Seria ótimo vê-lo de novo! ("Finalmente me convidou! Só queria que não tivesse deixado para o último instante!") . Vamos ouvir não só o que ela diz para ele. tornamo-nos cônscios de nossos conceitos e julgamentos mais específicos. — Ah. Neste momento ele lhe telefona. Que bom para você! ("Mas está sempre pensando nele! Será que teria algum interesse pela minha vida?") — Você gostaria de sair amanhã à noite para jantar? Eu adoraria ir. Ela pensa que as coisas estão indo bem. descobrimos que estamos mudando. assim como nossas idéias mudam. ela é encantadora. — Você foi bem no exame? Fico feliz por isso. Nossa experiência de uma outra pessoa ou situação não é apenas uma coisa só. então você foi almoçar com fulana. Em vez de apenas nivelar por baixo o mundo todo em generalizações vazias. ou "Não consigo me suportar quando faço isso ou aquilo".quando ele não se cuida". mas também o que ela está pensando para si: — Que bom que você está ligando para mim. no entanto. O mundo é uno. aquela espécie de farsa que passa por comunicação. Mas. Quando conseguimos ficar com a dor como uma pura sensação física. ou "Eu sou uma pessoa terrível". Todos estão fazendo o melhor que podem. "Todos estão fazendo o melhor que podem". O mundo racional dos conceitos não é o mundo real. Mas temos de partir da vivência. temos de usá-los. e esse reconhecimento ou conhecimento lentamente se desenvolve conforme vamos praticando. É sem dúvida verdade. embora as outras religiões também tenham as suas próprias versões. "Sou una com ele". Essas pessoas provavelmente gostam uma da outra. Conceitos são às vezes elementos úteis na vida diária. um dedo apontando para a lua. Todo ser humano na face do planeta está fazendo o melhor que pode neste momento. foi como dois grandes navios que se cruzam em alto-mar à noite — total ausência de contato. teremos feito da nossa prática um exercício sobre conceitos e teremos perdido a percepção consciente do que está acontecendo conosco neste exato segundo. em algum momento ela se dissolverá e então iremos nos adiantar até a verdade. Eu sou você. Mesmo assim. Então temos de vivenciar a dor que acompanha esse pensamento. Não é que as declarações sejam falsas. Não formulamos mais julgamentos gerais do tipo: "Ele é uma pessoa terrível". que freqüentemente é dolorosa.Essa é uma conversa perfeitamente corriqueira entre duas pessoas. Todavia precisamos reconhecer que um conceito é só um conceito e não a realidade. "Todas as coisas são uma só". Dentro da prática zen costumamos debater conceitos ilusórios o tempo todo: "Tudo é perfeito sendo como é". ela estava formulando um conceito após o outro sobre ele e sobre si mesma. Observamos nossos pensamentos: "Preferia que ele não a tivesse levado para almoçar". Chamamos tudo isso de a falação inútil do zen. . Tudo é perfeito sendo como é. A boa prática sempre implica analisar nossos conceitos. Aos poucos paramos de "comprar" nossos conceitos. e entrar na verdade em vez de revestir nossas vivências com uma camada de pensamentos. se pararmos nisso. As pessoas de natureza intelectual são particularmente propensas a cometer este erro: elas pensam que o mundo racional dos conceitos é o mundo real. A conversa foi um verdadeiro mar de material conceituai. que é tudo ser perfeito do jeito que é. é apenas uma descrição dele. mas isso não significa que devemos pensar que eles são reais. Todos temos nossos conceitos favoritos. para que nossa percepção consciente se torne as sensações nuas e cruas." "Sou do tipo de pessoa que força as coisas. respostas atravessadas. . Vivenciar é algo fora do tempo: não é o passado. essa espécie de vida é ser a própria natureza búdica. racional. deve fundamentar-se naquele puro nível celular.Vamos ilustrar com a experiência de alguém ter sido agredido. é importante observar os pensamentos que temos e nos deslocar até o nível celular de nossa mágoa. momento após momento. a contração no peito. É isso que os judeus e os cristãos estão dizendo quando falam em estar com Deus. Uma perspectiva calma. fria. ou o que for que possamos estar sentindo nas células de nosso corpo. Essa serenidade nunca poderá ser encontrada se revestirmos o que está realmente acontecendo com uma camada de conceitos filosóficos como se fosse uma demão de verniz. "Sou sensível. Só quando nos embrenhamos pelo nível vivencial é que a vida tem sentido. recriminações. Em termos budistas tradicionais. opiniões. que é praticamente indescritível. Após observar nossos pensamentos autocentrados. Magôo-me com facilidade." Nossos conceitos podem ser úteis no nível cotidiano." "Sou um intelectual. Quando somos criticados ou tratados de maneira injusta. Conceitos que não foram vivenciados são uma fonte de confusão. mas precisamos enxergar sua natureza genuína. Podemos ver que "ela está fazendo o melhor que pode". Conseguimos ver que nós estamos fazendo o melhor que podemos. nosso desejo de pensar vem várias vezes à tona: julgamentos. Quando somos essa vivência não-dual podemos enxergar a nossa situação com mais clareza. Então rotulamos os nossos pensamentos e mais uma vez voltamos ao nível celular de vivências. talvez alguma coisa mais forte. no entanto. Quando permanecemos nele. nem que devemos agir com base neles. Temos necessidade de conhecer nossos pensamentos. Esse vivenciar puro é zazen. não saberemos qual é a verdadeira prática. A compaixão brota dessas raízes. talvez apenas um lampejo de energia. Não podemos dizer o que é. Se dizemos essas sentenças sem o componente corporal da vivência. Nesse espaço não há "eu" ou "você". não é o futuro. e nada mais: nosso queixo que treme. podemos apenas sê-lo. as emoções tendem a se equalizar. não é nem o presente no seu sentido usual. um uso sensato da mente humana. que também significa reconhecer quando não temos paciência. reconhecer quando não queremos praticar faz também parte da prática. Resistência e prática andam de mãos dadas. Tudo bem não estarmos preparados. ALUNO: Se a generalização ou o conceito surge de uma emoção autocentrada então pode não ser proveitosa. JOKO: Lembre-se de que o nível vivencial não é uma coisa exótica e estranha. de depressão. Todos resistimos à nossa prática. uma grande parte do que se passa em nossas cabeças não tem relação com a realidade. No entanto. Seus julgamentos a respeito do rapaz eram expressões de sua própria necessidade e nada tinham que ver com ele. a tendência deles é produzirem comportamentos que não são bons para nós nem para os outros. pouco a pouco. Enquanto vamos nos preparando. Por outro lado. precisamos de uma paciência inesgotável. Para realizar o trabalho da prática. Falsas generalizações — conceitos prejudiciais — sempre têm uma tonalidade emocional pessoal. E se acreditamos em conceitos em vez de na experiência daquele momento. Nossos momentos de evitação e resistência fazem parte do quadro conceitual que ainda não estamos preparados para examinar. porque todos resistimos às nossas vidas. precisamos ser pacientes com a nossa falta de paciência. ALUNO: JOKO: Para mim está tão encoberto o nível vivencial. abre-se um espaço e estaremos aptos a vivenciar um pouco mais e depois um pouco mais.. eram centradas em seu ego.. os julgamentos vinham de emoções e opiniões ocultas. esses. ALUNO: Às vezes. JOKO: Na conversa pelo telefone daquela moça. somos como Nasrudin: estamos espalhando farelo de pão sobre as jardineiras para manter os tigres afastados. Sendo assim. ou sobre como resolver um problema de matemática podem não ter quase nenhum contexto emocional. Esse é um bom exemplo. Pode ser um forrnigamento na pele ou uma .de ansiedade. celular. "olhe para os dois lados da rua antes de atravessar" é uma generalização útil. Qual a diferença entre um conceito que me serve e um que me confunde? Por exemplo. observações sobre como conseguir efetuar com eficácia um certo trabalho. São pensamentos úteis. os conceitos são necessários. Nossa reação a uma pessoa ou a um pensamento será diferente hoje da que teremos na semana que vem. Mesmo que acompanhemos a nossa respiração por apenas um fragmento de segundo. um rosto crispado — o nível vivencial é bastante básico e nunca está muito distante. quando penso de novo aquela mesma coisa. Podemos encontrar as mesmas pessoas e ter um pensamento a respeito delas hoje. não consigo imaginar como aquilo pôde ter me aborrecido. ALUNO: Um conceito que num certo momento é para mim muito carregado de emoção. Apenas entraria calmamente na situação e desfrutaria a entrevista. estamos todos no nível celular em algum nível. Nunca evitamos por completo o nível celular. num outro momento pode não me abalar em absoluto. Todos os pensamentos ocorrem em contextos específicos. Quanto mais rotulamos nossos pensamentos e continuamos voltando para aquilo que estiver acontecendo em nossas vivências. Nos primeiros anos de prática. ALUNO: Se eu estou sempre prestando atenção às sensações do meu corpo. imediata. posso ficar me preocupando a respeito de encontrar emprego. Depois que a entrevista estiver concluída. e já na semana que vem (dependendo das móveis situações pessoais) elas nos parecerão diferentes. como posso prestar atenção nas coisas que estão à JOKO: . há mais por vivenciar porque vivemos num tumulto de emoções que gera muitas e muitas sensações. estarei realmente preocupado com isso e vou generalizar a respeito da situação da minha carreira profissional. entre pensamentos. dependendo de cada uma das situações. Se você tivesse um milhão de dólares no banco. O nível vivencial não é aJgo especial e quanto mais nos sentarmos para praticar. Por exemplo. Passar a viver uma vida mais vivencial é algo que pode às vezes demorar um pouco e às vezes ser muito rápido. Quando nos damos conta de que precisamos praticar 24 horas por dia é impossível evitarmos o nível vivencial. Toda realidade é específica. É aquilo que somos exatamente agora. Esta é a questão: enxergar o contexto específico e não só o pensamento geral. Antes da entrevista. dependendo da intensidade da prática. provavelmente não se importaria de conseguir aquele emprego ou não.contração no meio do peito. melhor. contudo. mais básico nós o reconheceremos. Podemos estar totalmente concentrados numa certa atividade ou conscientes de várias. ao mesmo tempo. Mas nós não somos muito assim. estar cônscio de outras coisas. minha atenção está totalmente voltada para ele. "Prestar atenção em vocês" faz parte da informação sensorial total que recebo agora como a minha vida neste preciso momento. Quando um aluno e eu estamos conversando em daisan. Às vezes. me envolvo de tal maneira numa determinada atividade que me esqueço de tudo o mais. no entanto. tem um imenso acúmulo de aprendizado e formação intelectual. Mas é importante a cada momento estar percebendo conscientemente as sensações físicas e também as minhas reações a tudo o que está acontecendo. Quando não somos. A questão é vivenciar o que quer que esteja acontecendo. é claro. sua percepção consciente está totalmente no momento presente. Não é que eu fique só no meu corpo. toma-se mais fácil entrar por inteiro no que estamos fazendo. quase o tempo todo. Se tenho uma plena percepção consciente de minha vida. Minhas sensações corporais não são o foco principal do que estou fazendo. lá no trabalho. então nosso foco precisa regressar para o nosso corpo. Assim. JOKO: A essência da prática zen é ser totalmente o que você está fazendo. minha mente está repleta dessa análise de dados. no entanto. esta tem de incluir tudo. ou na tarefa que preciso executar? Por exemplo. Por exemplo. no meio do jogo. também estou muito ciente de tudo o que está se passando comigo. Isso não quer dizer que não estou prestando total atenção em vocês. mas consigo ter uma plena percepção consciente do meu corpo. Quando conseguimos isso. por exemplo. Minhas ações decorrem desse contexto total e não somente de minha cabeça. e aparece o movimento JOKO: . posso estar no meio de uma análise estatística e. Um grande mestre de xadrez. Porém. Não tenho tempo para fazer isso. como posso jogar cartas ou dirigir e ainda assim prestar atenção nas sensações de meu corpo? Podemos focalizar numa determinada atividade enquanto continuamos receptivos a um âmbito mais amplo de sensações.minha volta. minha percepção consciente não está focalizada e não é exclusiva. Quando estou analisando dados no computador. enquanto estou falando agora com vocês. mas eu estou sempre consciente de minha vida. ALUNO: A concentração naquilo que estou fazendo neste exato momento não é exclusiva. O fato é que não posso lhes dizer do que ela trata. uma parte grande dessas atividades pode ser transposta para as palavras. uma boa parte de nosso eu psicológico é revelada pelo rotular. Isso acontece muitas vezes com os alunos novos. não consigo ver do que se trata". Poder-se-ia dizer que somos as duas coisas — ou nenhuma. se ignorar meu corpo. se eu estiver apenas prestando atenção aos meus pensamentos emocionais. nossa prática será vacilante. Rotular nossos pensamentos é uma prática preliminar. mas subordinado à sua intensa percepção consciente. em todos os nossos pensamentos habituais a respeito de nós e da vida. fico descuidado em termos das notas que estou executando. Enquanto não compreendermos esse aspecto. Esse trabalho preliminar é importante e necessário — mas não tudo. não o somos. Mas não podemos explicar nossa prática zazen em palavras. Fundamentalmente. mas. Quando estou praticando algo novo no piano. O aprendizado técnico está lá. é importante tomar consciência de todos os níveis da nossa vivência. mas enquanto não soubermos o que significa permanecer na nossa vivência não iremos saborear os frutos da prática. por exemplo. somos eus fenomênicos. Rotular é um primeiro passo. é possível que me aconteça uma tendinite. Se não os saboreamos. que é o verdadeiro mestre. em outro sentido. a prática é diferente de aperfeiçoar uma habilidade como saber jogar tênis ou golfe.exato a ser feito. pois aquilo que estou tentando explicar na realidade não pode ser posto em palavras. Começamos a observar onde ficamos atolados em nossas preferências e aversões. JOKO: Até mesmo uma mínima percepção consciente de quanto tempo passamos "comprando" os nossos pensamentos autocentrados é uma prática útil. ALUNO: Quando se pratica música. No nível fenomênico. Claro que em poucos instantes nós estaremos fazendo a mesma coisa de novo. não enxergamos o que é a prática e iremos nos queixar: "Não compreendo bem a prática. De certo modo. E. OUVINDO O CORPO A prática não diz respeito a ajustar este eu fenomênico que nós pensamos ser para a nossa vida. . Uma vez que essa prática parece-nos monótona e sem sentido. entediantes.Em virtude desse dilema. Não conseguimos enxergar a transformação porque não existe drama aí. em geral por muito tempo. ver. Melhor inclusive do que esse entendimento confuso é a simples disponibilidade para persistir praticando.. sentir pelo tato. não há palavras para isso porque é uma vivência nãodual. coceiras. nenhum tipo de gratificação posterior: a vivência de nossas sensações corporais. Através do processo de rotular os pensamentos chegamos a ver que não queremos desertar de nosso próprio drama psicológico particular — composto por aquilo que pensamos de nós e dos outros e do que sentimos a respeito das coisas que estão acontecendo. Percebemos sensações nas pernas e nos joelhos. sem no entanto apreender o que é sua vida. até que meses depois de termos começado a rotular os pensamentos sua natureza estéril seja revelada. Cada segundo que passamos nesse vivenciar não-dual transforma a nossa vida. como ficar sentado sentindo. ineficaz. sabores. Realmente queremos passar nosso tempo com nos-so drama pessoal. costumamos relutar em persistir nela. em algum momento haverá uma mudança e. do ponto de vista habitual. compassivo e. Se for muito vacilante. de nosso ouvir. chato. o aluno acaba abandonando-a — e continua a sofrer —. Apesar disso. É aberto. tensão na face. nossa prática pode ser fraca. saboreando etc? É verdade que não parece estar acontecendo nada de importante quando nos sentamos para praticar. vendo. espaçoso. precisamos realizar uma prática que não oferece. por um segundo. mas por que diabos iríamos realmente querer fazer isso? Os alunos costumam reclamar para mim: "Mas que chato! Não quero fazer isso". mas apenas. assim permitindo-nos evitar uma parte de nossas inúteis divagações. criativo. mesmo quando não vemos a razão disso. Achamos que temos coisas mais importantes a fazer. aparentemente. Como passar nosso tempo em atividades monótonas. Por isso. podemos ser ajudados por um entendimento mínimo da mesma — apesar de intelectual e confuso —. a prática pode ser hesitante durante alguns meses. se persistirmos. perceber odores. Quando esse estágio do rotular está já em andamento há algum tempo. não haverá eu e o mundo. O drama sempre está em nossas . embora a prática não possa realmente ser posta em palavras.. Por causa disso. durante anos. intermitente e. Se eu realmente ouvir aquela dor do lado esquerdo. mas "eu vou simplesmente ouvir as minhas sensações corporais". Esses comentários revelam uma programação pessoal já montada. não conseguimos ouvir — ou melhor. uma espécie de ambição. ou ser. nosso desejo de pensar a nosso respeito é poderoso e sedutor. do nãoespaço. Na realidade. Não existe drama numa boa pratica sentada. No princípio. Não "vou fazer essa vivência". enquanto nosso euzinho estiver falando desse jeito. Rotulo meus pensamentos e depois sinto meu corpo. Vivenciar é o reino do não-tempo. Se nossa mente é mobilizada por interesses de ordem pessoal. de o que é isso? (Se eu não sou uma pessoa curiosa. da verdadeira natureza. dependendo da pessoa. Essa forma de sentar é . confundiremos prática com alguma espécie de empreendimento psicológico. sim. "Sim. e simplesmente me centro nisso e espero que desapareça". não estamos de verdade vivenciando. observar a mente e suas atividades. olhamos. não queremos ouvir. Esse não-estado é o que faz com que a nossa prática seja religiosa. existe um elemento de curiosidade. Embora uma prática forte inclua elementos psicológicos. Não gostamos dessa falta de excitação — até que de fato passemos a saboreá-la.) Como um bom cientista que está só observando. Nossa prática estará contaminada por programas pessoais desse tipo e todos nós temos coisas assim às vezes. as pessoas falam: "Oh. É por isso que rotular. Enquanto isso não acontecer. o existir só Deus. ouvimos. cinco. Podemos chegar mais perto de um entendimento acurado do vivenciar usando a palavra ouvir. Só o ser. possa sequer começar. Mas isso não adianta nada". dez anos ou mais antes que esse desejo enfraqueça e nós consigamos de fato apenas sentar. Queremos pensar. eu sinto um aperto no meu peito. pode levar um. estou sentindo meu corpo. No fundo. o pensamento é: "Vou ficar nesta prática para que eu — meu euzinho — possa conseguir algum benefício dela". Parece acenar-nos com infinitas promessas.criações mentais autocentradas. nós apenas observamos. sem noções preconcebidas. Esse desejo é tão poderoso que. Quando digo aos alunos que vivenciem seu corpo. é em geral necessário por um tempo bastante longo antes que esse segundo não-estado do vivenciar. sempre serei escravizada por meus pensamentos. não é disso que ela se compõe. quando cuidamos de um bebê. isso pode ser feito. é o próprio não-estado no qual deveríamos viver toda a nossa vida: quando damos aula. Podemos promover nossa integração psicológica através dos estágios iniciais da prática. Se formos pacientes e persistentes. de nossa vida e de nossos atos. enquanto o vivenciar não se tornar o fundamento essencial de nossa existência. A boa prática é simplesmente sentar-se ali — é desprovida de acontecimentos. é uma chateação. e esse contentamento é a fonte. é difícil permanecer naquilo em que temos de permanecer. Sim. Diversos alunos deixam de praticar depois de cinco anos mais ou menos. Por isso é que a prática é difícil: não posso oferecer-lhes um mapa detalhado e descrever para onde vocês estão se encaminhando. no entanto. Livro algum poderá ensinar-nos isso. nossa prática. da liberdade e da compaixão. Conforme nossa mente vai perdendo uma parte de sua obsessão com o pensamento autocentrado.entrega. aprendemos em nossos corpos que aquilo que costumávamos chamar de "entediante" é puro contentamento. somente a nossa prática direta. porém. ainda não terá se tornado madura. o solo fértil. não temos problemas porque não há nada separado de nós. por favor. Mas. não desistam. é uma prática religiosa. Quando conseguirmos "ouvir' ' o corpo por períodos cada vez mais longos. Com o tempo. quando tocamos um instrumento. Quando vivemos nesse samadhi não-dualista. nossa vida irá se transformar na direção da paz. É algo muito sutil. Até que o valor do vivenciar se torne claro e óbvio. ainda continuaremos sem saber o que a prática é. Só um certo número de pessoas efetivamente o consegue. porque não tem um eu ali. porque suas vidas ainda são um mistério para eles. Do ponto de vista habitual. É uma pena. é chamado de samadhi. enquanto não saborearmos realmente essa não-dualidade. Às vezes. É a entrega ao que é. acabaremos depois de um tempo aprendendo muito a respeito da não-dualidade. Mas. aumenta nossa capacidade de permanecer na não-dualidade. Muitos já o conseguiram. . quando atendemos um cliente. é rendição. Essa prática não é primariamente empreendida em nosso benefício pessoal. quando não o entendemos.VI. A maioria daqueles que não se entregaram a nenhuma espécie de prática (existem muitas pessoas praticando a seu próprio modo. A maioria dos adeptos volta para esse estado de dolorosa confusão às vezes. É um pouco como aprender a tocar piano. Ele não me deu nenhum motivo. provavelmente fiz isso mesmo sem entender por que era necessário. Isso pode ser verdade para quem também está praticando. A seqüência do homem montado num touro * ilustra esse aspecto. regredir de repente a estágios anteriores. Às vezes. segundo uma certa perspectiva. E (mi). só me disse que o fizesse. saltamos de Essa é uma seqüência tradicional de imagens em que um homem doma aos poucos um touro selvagem. perante uma situação de estresse. para me tornar uma pianista melhor. esta é uma revisão. adotando a visão de que a vida está acontecendo para nós. eu deveria praticar a seqüência C (dó). um professor disse-me que. com a finalidade de pôr as coisas em ordem. * . podemos estar trabalhando perto dos estágios finais e de repente. atolados no que parece uma confusão estonteante. assim aludindo ao progresso da prática. Já que eu era uma boa menina quando pequena. várias vezes seguidas. Logo no início de meu aprendizado. G (sol). Sentimo-nos fora de controle. Liberdade OS SEIS ESTÁGIOS DA PRÁTICA O caminho da prática é claro e simples. até cinco mil. Estar no pré-caminho significa estar inteiramente cativo de nossas reações emocionais diante da vida. Todas as minhas aulas falam dos aspectos desse caminho. que da desilusão chega à iluminação. No entanto. sejam ou não discípulas do zen) está naquilo que denomino o pré-caminho. Por isso quero apresentar-lhes o "porquê" da prática elucidando os passos do caminho que precisamos percorrer — por que é necessário todo esse tedioso e repetitivo trabalho. Mas nem todos somos bons meninos e meninas. Isso com certeza se aplicou a mim antes que eu começasse a praticar. ele pode parecer confuso e sem sentido. Precisamos observar tudo o que se passa. O primeiro estágio da prática é esse processo de tornar-me consciente de meus sentimentos e de minhas reações internas. apenas algo que fazemos. Estar totalmente à mercê do pré-caminho. ou "Não consigo mais agüentar o jeito como ela arruma os travesseiros!". É importante ser firme nessa fase. Essa reversão não é nem boa. por exemplo: "Eu queria que ele sumisse do mapa!". que começa de maneira típica no segundo ano e se estende até o quinto. A qualquer momento. A demarcação entre estágios nunca é precisa. porém. por exemplo. Começamos a descobrir quanto medo sentimos ou com que regularidade temos pensamentos mesquinhos ou invejosos. decompondo-os em seus componentes físicos e mentais. no entanto. começamos a romper os elos dos estados emocionais. nem ruim. resíduos dele permanecem nos dez ou quinze anos seguintes. Cada um flui no seguinte. é não ter a menor idéia de que existe um outro caminho para se ver a vida. conforme continuamos a nos conhecer cada vez mais. podemos voltar com tudo para o estágio anterior — e isso nos acontece com grande freqüência. . Rotulamos os pensamentos. nosso corpo e aquilo que chamamos de o mundo externo.volta para o período do pré-caminho. e quando começamos a saber o que significa vivenciar a nós. onde nos vemos totalmente tomados por nossas reações. esses pensamentos têm a tendência de se multiplicar conforme vamos ficando cansados e irritadiços. quando começamos a reconhecer nossas reações emocionais. Mesmo assim. caso contrário perderemos uma boa parte do que se passa em nossos pensamentos e sentimentos. porém. Nos primeiros seis a doze meses. Adentramos o caminho da prática. Rotular os pensamentos ajuda nesse sentido. que estamos sentindo raiva e começando a criar caos. Nos primeiros seis a doze meses de prática podemos sofrer muito porque começamos a nos enxergar com mais nitidez e a reconhecer o que realmente estamos fazendo. estamos começando um novo estágio. Embora esse seja o primeiro estágio da prática. Conforme prosseguimos rotulando pensamentos. É mais uma questão de ênfase. porém. No segundo estágio. Nunca desaparecem por completo. claro. abrirmo-nos para nossa vida interior pode ser um grande choque. os estados emocionais lentamente começam a se desfazer. Num retiro intensivo. Em alguns centros zen. estão muito mais fortes a compaixão e a valorização da vida das outras pessoas. é possível ser professor e ajudar os outros que se encontram em outros momentos do caminho. devemos tomar consciência de nossas reações emocionais e de nossa tensão corporal. mesmo que ocultemos as nossas reações. de como nos desincumbimos de tudo em nossas vidas. É importante lembrar que são anos e anos de prática implicados em todos esses estágios. Esse conhecimento não é nada especial ou exótico. Mesmo que a pessoa quisesse reverter do estágio cinco para o précaminho. como frases literárias de efeito. porque o pequeno eu. Nesse estágio. No estágio três. Temos que nos encaminhar para a mais nítida conscientização possível. Os que chegaram no estágio cinco provavelmente já são professores de um jeito ou de outro. Frases como "Eu não sou nada" (e "Portanto sou tudo") não são mais destituídas de sentido. ela não o conseguiria. rotulando os nossos pensamentos e começando a sentir a tensão no corpo. Resistimos a realizar esse . Do ponto de vista teórico. No estágio dois. em que a vida transcorre toda em estado vivencial puro. existe um sexto estágio. mas coisas que a pessoa sabe intuitivamente. de maneira lenta e firme nos encaminhamos para um estado não-dual de vida em que a base do existir é vivencial. Agora viver é algo muito diferente do que costumava ser. começamos a encontrar alguns momentos de puro vivenciar sem os pensamentos autocentrados: apenas o puro vivenciar em si. Podemos dizer que essa é uma vida do não-ego. ficando prisioneiro de tudo e nas malhas de suas reações emocionais. é impossível o discípulo viver como no pré-caminho.O estágio um é o começo da conscientização do que está se passando e do mal que isso causa. Não o conheço e duvido que alguém o atinja por completo. Nessa fase. No estágio cinco. Primeiro. No estágio cinco. somos motivados a desfazer os elos das reações emocionais. praticamente se foi. o estado de buda. esses estados são às vezes chamados de experiências de iluminação. No estágio quatro. 80 a 90% da vida é vivida de maneira vivencial. De longe o mais difícil de tudo é saltar do estágio um para o dois. em vez de ser dominado por falsos pensamentos. aquele preenchimento emocional através do qual víamos a vida e que nos fazia despencar. Essas sentenças brotam de nossas emoções. terapeutas bons de verdade são até certo ponto raros e a maior parte das terapias não é inteligente e inclusive incentiva a jogar culpa em outros. de determinação. fazemos julgamentos morais: "Ele realmente me deixa irado!".trabalho porque ele começa a dilacerar quem nós pensávamos ser. "Sinto vontade de me vingar". causaremos danos à vida. é útil tomar consciência de nosso temperamento básico. Todas são muito saborosas e até sedutoras: elaboramos um drama de primeira em cima de nossa posição de vítimas da vida. "Sinto-me irritado". "Sinto-me magoado". é um tédio. se recusarmos a batalhar aqui. Todos temos versões de um drama pessoal. Onde encontrar essa coragem? Ela aumenta conforme nossa prática continua e começamos a tomar consciência de nosso próprio sofrimento e (se formos de fato persistentes) do sofrimento que causamos às outras pessoas. A escolha é permanecer atolado e continuar sofrendo (o que. A boa terapia ajuda-nos a aumentar nosso campo de consciência. lentamente. "Sinto-me excitada". Temos de fazer uma escolha entre viver uma vida dramática e autocentrada e outra baseada na prática. de nossa estratégia para enfrentar a pressão de nossas vidas. Infelizmente. Apesar de nosso sofrimento todo. na verdade adoramos ser o centro de tudo isso: "Sinto-me deprimida". Ainda assim. "Sinto-me rejeitada!". do que aconteceu conosco. Do ponto de vista do pequeno eu. significa que faremos os outros sofrer também) ou encontrar a coragem para mudar. e são necessários anos de prática antes de nos sentirmos dispostos a considerar seriamente abandoná-lo. de chegar ao fim. infelizmente. Começamos a perceber que. Nesse estágio. Esse é o nosso drama pessoal. Nesse cenário de lutas que é a transição do estágio um para o dois. Adiantar-se de maneira firme do estágio um para o dois implica que nosso drama tem. esse é um sacrifício tremendo. se . "Estou aborrecida e ressentida". Vou só me sentar e ficar sonhando com alguma coisa agradável". "Sinto-me aborrecido". "Sinto-me entediada". começamos a nos dar conta de que temos escolha. de força. A psicoterapia também pode ser proveitosa nesse estágio se for inteligente. Qual é essa escolha? Uma é a recusa de praticar: "Não vou mais rotular esses pensamentos. As pessoas deslocam-se em velocidades diferentes devido a diferenças de histórico pessoal. Quando estamos nos debatendo entre o estágio um e o dois. de como tudo é dificílimo. formos persistentes. Esse processo nunca chega a ficar completo ou a finalizar. . Em qualquer momento podemos mergulhar de volta no estágio um. O solo pode ser de argila ou areia. nem mau. Descobrimos que vemos tudo com uma compaixão crescente. O solo não é nem bom. rico em húmus" e adubo. de tudo e do mundo — e nos encaminhamos para uma vida menos dualista e mais satisfatória. Quanto tempo isso tudo leva? Cinco anos? Dez anos? Depende da pessoa. emoções. ou muitas minhocas. os problemas que estamos enfrentando se atenuam quanto mais rápido percebemos o que é apropriado para ser feito. existe o solo. nossa capacidade de apreciação aumenta e descobrimos que podemos valorizar pessoas que antes não conseguíamos nem sequer suportar. começaremos a mudar do estágio um para o dois. O continuum da prática poderia ser dividido de diferentes maneiras. opiniões a respeito de nós e dos outros. Mesmo assim. Se ainda acreditamos que uma outra pessoa nos faz sentir raiva. Os casais discutem menos entre si. começamos a deixar mais em paz os filhos. Pode atrair quase nenhuma minhoca. estamos aos poucos deixando para trás o estágio dualista dos julgamentos — ter pensamentos. é aquilo com que deparamos como ponto de partida para trabalhar. podemos estar seguros de que não estamos instalados com firmeza no estágio dois. Nosso ego é muito poderoso e insistente. por exemplo. Não temos praticamente nenhum controle sobre o que os nossos pais nos deram em termos de hereditariedade e condicionamento. Poderíamos simplificar a análise com uma analogia: primeiro. mas devemos estar dispostos a passar tanto tempo quanto seja preciso em cada passo. no geral. Numa boa prática. tudo bem. que é aquilo que somos neste momento do tempo. O processo não pode ser apressado. precisamos reconhecer exatamente qual é o nosso trabalho. existe um movimento quase que inexorável. Quando nos deslocamos para o estágio três. Enquanto insistirmos nos julgamentos emocionais que mencionei (e pode haver infinitas variações dos mesmos). dependendo de sua fertilidade. Alguma coisa está de fato mudando. Não sei por que pensei que isso fosse um grande problema". começam a suceder cada vez mais períodos em que nos encontramos dizendo: "Oh. Quanto mais clara for a inserção no estágio dois. As pessoas queixamse para mim dizendo: "Ainda não sinto contentamento em minha prática". De 80 a 90% do tempo. No quinto estágio. Aparece quando aparece. Trabalhamos com o que é o chão — as sementes. afastando-nos dos esforços para tanto. o adubo. movimentamo-nos com mais liberdade no sentido de viver vivencialmente. arrancando as ervas daninhas. incluindo nosso desejo de controlar. . as minhocas —. Quando esse processo começa a tornar-se um pouco mais adiantado. Temos coisas por aprender. Agora o primeiro estágio parece bastante remoto. Pensar que deveríamos ser qualquer outra coisa é ridículo. Podemos até detestar certos aspectos do viver. Resumindo: o primeiro estágio consiste em nos conscientizarmos do que somos emocionalmente.Não podemos ser nada além do que somos neste preciso momento. A colheita é a paz e o contentamento. Não é algo que possamos esperar ou exigir. Não nos engalfinhamos mais com a vida. O tempo do pré-caminho — cativo das emoções pessoais e transferindo-as para os outros. Significa apenas que a vida é rica e interessante. a pessoa está vivenciando seu viver. como se ela lhes fosse proporcionar essa vivência. A partir do estágio dois em diante. No quarto estágio. pensando que a culpa de nossas dificuldades é alguém que não nós — agora é impossível de ser retomado. a vida vivencial está agora instalada com firmeza. Do solo que foi cultivado vem uma colheita que começa a mostrar-se bem evidente no estágio quatro e aumenta daí em diante. mas a qualquer ponto do processo somos quem somos. O segundo estágio é. sem dúvida. num plano geral. Simplesmente praticamos com aquilo que somos. Esse é o solo. a compaixão e a apreciação dos outros começam a crescer. Uma vida de contentamento não significa que estejamos sempre felizes e nada mais. podando. Quem nos dá esse contentamento? Nós nos oferecemos essa vivência por meio de uma prática incansável. mas cada vez mais é algo satisfatório de se viver. começamos — no terceiro estágio — a passar alguns momentos em puro vivenciar. usando métodos naturais para produzir uma boa safra. decompor as reações em seus componentes físicos e mentais. Ao nos entregarmos ao trabalho de cultivo do solo estamos cobrindo aqueles que denominei estágios dois a quatro. E. que para ele a motivação toda que sentia para sentar e praticar era a curiosidade. E. Suspenderemos nossas crenças por algum tempo e apenas observaremos. Ainda assim. prática é prática. Sentimos . G. Como alguém "chega ao fim" depende de cada pessoa. o coração da prática. é útil ter uma imagem do padrão geral. estamos aqui sentados. Temos simplesmente de fazê-la. apenas notaremos. A verdade é que eu concordo plenamente. No fundo. JOKO: CURIOSIDADE E OBSESSÃO Um de meus alunos disse-me. E. porém. em vez de nos preocuparmos com uma coisa ou outra. em certo sentido. Queremos investigar a nós mesmos. nós dirigimos nossa atenção para a nossa experiência imediata. Dessa sensação intrigante vem uma curiosidade e uma disponibilidade para apenas observar a nós e a nossos pensamentos. Mas às vezes nos intrigamos a nosso próprio respeito e a respeito de nossas obsessões: "Por que sou tão ansioso. G. mas veio apresentado em termos mais psicológicos porque essa forma de abordagem é mais conhecida hoje em dia. É como um mapa: não nos diz como chegar ao fim. de que modo levamos nossa vida. Prestamos atenção no que estamos escutando. O arco repetitivo do pensamento recua para segundo plano e tomamos consciência do momento presente. C. Por exemplo. O que descrevi é bastante parecido com as dez figuras clássicas da seqüência do touro e do homem. deprimido ou afobado?". Uma grande parte de nossa vida passamos presos em nossos pensamentos. a curiosidade é. para ver como nos levamos a ficar tão contrariados. G.ALUNO: A sua descrição dos estágios da prática é muito útil. Todos somos diferentes e os padrões de ego variam de pessoa a pessoa. e não verdadeiramente no presente. C. Vamos supor que. mas nos permite saber onde nos encontramos ao longo do percurso. Ele estava achando que eu iria discordar dele e desaprovar essa forma de praticar. Sendo assim. Se fizermos isso de maneira inteligente. experimentaremos a vida mais de perto e começaremos a vê-la como é. obcecados com isto ou aquilo. precisamos entrar com tudo o que somos. Se formos curiosos de verdade investigaremos sem nenhum preconceito. C. há pouco tempo. Vamos supor que estou no consultório do dentista para obturar uma cárie. Então chega a agulha. "Como é que eu estou constantemente pensando a respeito disso e não daquilo?". Observo meus pensamentos a respeito do trabalho do dentista: "Eu não gosto de levar uma injeção na gengiva!". os nossos pensamentos. Respire fundo. mas em outras oportunidades. Nossas sensações acionam pensamentos e nossa mente se lança num outro arco. Esse é o padrão normal da prática sentada. Simplesmente somos a dor. Apenas prestamos atenção naquilo que está implicado em nossa vida ou em nossa prática sentada. Então percebemos esse arco repetitivo. "No que estou pensando?". Enquanto nos cumprimentamos educadamente — "Olá. Observamos o fato de que não queremos ficar de jeito nenhum sentados aqui. Observamos nossos pensamentos rebeldes: "Quando será que vão tocar o sino para que eu possa me movimentar?". voltamos a prestar atenção. mas de nossos pensamentos a respeito delas também. Esse processo pode ocorrer não só quando nos sentamos para praticar. não pensamos na dor. um atrás do outro. Observo a suave tensão que acontece assim que o dentista entra na sala.". Quando nos damos conta de que nos desviamos. Reparar é uma forrna de curiosidade. a nossa vivência: ouvimos. sentimos. Essa percepção consciente poderia ser: "Estou sentada aqui há horas e o meu corpo todo está começando a doer". Então investigamos isso. e nossos pensamentos começam a fervilhar e formar arcos de repetição. uma investigação do que é. Depois de algum tempo. "O que é que eu faço?". O que estamos de fato fazendo é investigar a nossa pessoa. percebemos o odor das coisas.. O que dói? O que é realmente isso? Depois de algum tempo tomamos consciência não só de nossas sensações físicas. .. Apenas sinto e fico com essa sensação. Se observarmos o nosso pensamento em vez de corrermos com ele. com o tempo a nossa mente se aquietará e nós investigaremos o momento seguinte. Nosso foco de investigação muda um pouco e começamos a considerar: "O que é todo esse pensar?". É como treinar para um parto natural: quando acompanhamos a respiração.nossos joelhos doloridos e outras sensações em nosso corpo. como vai?" — observo que meu corpo está contraindo. O dentista ajuda com algumas instruções: "Continue apenas respirando. perdemos nosso foco. Temos consciência da situação conforme ela flui por nós e nos deixa para trás. independente de nossas preferências e aversões. Se temos praticado sentados. mas recebemos essa mensagem. Preciso disto pronto antes do resto. . também observamos as reações. Estamos cientes do fluxo da experiência. Então o chefe entra e diz: "Temos um prazo apertado agora. Na hora do almoço. Tenho sentimentos e pensamentos a respeito de cada incidente. indo simplesmente até a coisa seguinte. e nossos pensamentos são mais infreqüentes porque gostamos não é mais importante do que aquilo que detestamos. Quando temos a grande sorte de fazer um trabalho do qual gostamos de verdade. Ficamos absorvidos. Observamos nossos pensamentos ressentidos a respeito dele. mais o fluxo de momento a momento preside nosso viver. precisar obturar um dente é o que a vida faz comigo. em apenas estar com as coisas que acontecem do jeito que acontecem. voltando para o que temos diante de nós e precisa ser feito. Já delineamos nossas tarefas para a parte da manhã.Ou talvez estejamos no nosso ambiente de trabalho. "O que estou sentindo? O que acontece comigo quando a vida faz o que ela faz?'' As abruptas exigências do chefe são apenas algo que a vida faz para mim. Nada especial. Mergulhamos nisso. Observamos que o corpo relaxa mais. Daqui a uma hora". assento-me em apenas estar aqui. Observamos que o corpo começa a contrair-se e que alimentamos pensamentos ressentidos: "Se ele mesmo fosse fazer isso não esperaria que ficasse pronto em uma hora". Ele não disse: "O que há de errado com você?". porém. o chefe volta e pergunta: "Você ainda não terminou aquilo?". Observamos nossos pensamentos e então os abandonamos. Fazemos um almoço rápido em vez da hora inteira que tínhamos planejado levar almoçando. Sentimos nosso corpo outra vez tensionar. Quando permaneço com os sentimentos e pensamentos. Deixem o que estavam fazendo. E quanto mais tempo praticamos. o tempo passa mais depressa. Observamos que entramos com mais facilidade na tarefa. Podemos investigar toda a nossa vida dessa maneira. Estamos só fazendo o que estamos fazendo. observamos de imediato as nossas reações corporais. Depois corremos de volta para o trabalho. Da mesma forma. Mais e mais o fluxo instala-se e promove uma vida bastante boa. no mesmo instante em que começamos a fazer nossa tarefa. mantendo-nos atolados em nossos pensamentos e em nossa raiva. podemos ficar nesses arcos repetitivos quase que 95% do tempo. Atolamonos em desvios mentais obsessivos. Nunca sabemos o que está por acontecer. nem abertos para ela. Se não o sabotamos. Não observamos apenas nossos pensamentos a respeito do chefe: em lugar disso. Se nunca praticamos o zen. iremos para casa esgotados e falaremos para quem está lá como hoje o chefe estava impossível." Nessas acaloradas reações pessoais não vemos a presença de uma postura curiosa e investigativa. podemos fazer isso conosco. mais podemos simplesmente estar naquilo que precisa ser feito. Em vez dela. o arco de pensamentos pode ser: "Mas quem ele pensa que é? Ele acha que vou fazer isso tudo em uma hora? Mas é ridículo!". agora? No que estou pensando? O que estou sentindo? O que a vida está me apresentando? O que estou fazendo com isso? Qual é a coisa inteligente para se fazer a este respeito? O que é a coisa inteligente de se fazer com um chefe que já está irritado e fora do bom senso? O que faço quando obturar um dente se torna uma dor insuportável?". Em vez de examinar com interesse esse chefe difícil.Não é que tudo passe a ser agradável. Quanto mais chegamos a um acordo com nossos pensamentos e reações pessoais. Se estivemos praticando bem já há alguns anos. não sabemos que às 14 horas iremos quebrar a perna. "Ninguém consegue trabalhar com ele. Quando nos levantamos pela manhã. vemo-nos aprisionados em pensamentos e reações a essa situação. Ele está arruinando a minha vida. contudo. Tem uma mosquinha nesta sopa. A resistência aparece. É isso que compõe em essência a prática zen: funcionar de um momento para o outro. Não podemos antecipar o que a vida irá nos proporcionar. A mosca é que muitas vezes não somos curiosos acerca da vida. A prática nada mais é que essa atitude de curiosidade: "O que está acontecendo aqui. "Vou dar uma lição nele!" Podemos chegar até a sabotar o serviço que precisa ser feito. Perto do final do dia. É parte do prazer de se estar vivo. em arcos repetitivos de pensamentos. mantemo-nos atados pelo laço da obsessão mental. talvez permaneçamos nesses arcos entre 5 e 10% do tempo. Com respeito àquele chefe difícil. A prática diz respeito a essas formas de investigação. acreditamos que alguma validade existe para termos rodopiado o dia todo em torno . temos de conhecer nosso próprio estilo pessoal de fazer esses arcos e laços de nos atar. não estamos mais investigando coisa nenhuma. ou nos recriminando. apenas seguindo os ditames de uma decisão básica inconsciente que tomamos em outra época: "Preciso ser desse jeito e fazer aquilo". e. ou culpando alguém de alguma coisa. Este também pode ser de natureza filosófica. Gostamos que nossos arcos repetitivos de pensamentos cresçam. que é como justificamos nossa existência. Nossos arcos repetitivos de pensamentos são o nosso estilo pessoal e descobrimos o que são quando rotulamos os nossos pensamentos. não estamos sendo curiosos. Não existe uma verdadeira curiosidade acerca de como . E não vou mexer nisso a menos que possa sair perfeito".de nossos pensamentos enraivecidos. entendendo tudo. Outras respondem a chefes difíceis dizendo: "Vou fazer o trabalho. nos inteiramos de como é que preferimos nos ludibriar. Para algumas é: "Não consigo fazer nada enquanto não tiver entendido tudo". É por isso que rotular pensamentos é tão importante. Um perfeccionismo obsessivo pode ser o laço que nos ata. presos em nossos arcos e laços. Estamos pensando em como tudo é ruim. tanto quanto nos fosse possível. As pessoas se perdem em muitos tipos diferentes de arcos de pensamentos. Esse laço é no fundo uma tentativa de tornar segura a nossa vida: pensamos que. apenas mecânicos. Quando estamos nos enganando. Temos de saber onde e como gostamos de nos enredar em pensamentos. Não conseguimos perceber nenhuma mensagem e não conseguimos enxergar o que está acontecendo de verdade. Uma outra espécie de laço é tornar-se obsessivamente ocupado e trabalhar o tempo inteiro. mas do meu jeito. voltar para o trabalho fazendo algo que solucionasse aquele problema. e então precisamos constelar uma imagem completa de como as coisas se encaixam umas nas outras. sentindo a contração corporal que apareceu em função deles. Um estilo correlato é fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Cada pessoa tem seu estilo próprio. quando nos perdemos em nossos fios autocentrados de pensamentos. Por isso recusam-se a agir até terem analisado tudo. A prática sentada é exatamente isso: estamos investigando a nossa vida. Sentimos prazer nisso de verdade — até começarmos a perceber que eles arruínam a nossa vida. Mas. teremos mais segurança. Quando nos sentamos para praticar. em vez de enxergá-los em sua simples natureza. Gostamos de pensar de forma circular e repetitiva. é natural que surja a questão: "Para que você quer fazer isto*! Que importância isto tem?". mais dispostos vamos ficando para só enxergar esses arcos mentais e deixar que se vão. essa prática é de importância crucial porque é nesse espaço que a vida assume o comando. Nossa abertura e curiosidade básicas a respeito da vida foram-se com o vento. Baseia-se em não saber." Todos nós temos o nosso estilo particular de fracassar nesse sentido. JOKO: Isso é um laço. que se desfaçam. Quando agimos interiormente dessa maneira. "Não sei. que nosso braço esquerdo deu um leve tremor e que sentimos o ar. que é apenas estar aberto e curioso. a depressão . apenas investigarmos o que é sentir-se abatido ou deprimido. Sentar-se e praticar não é algo que se baseie em esperanças. em vez disso. Esses arcos é quem nós achamos que somos: "Sou esse tipo de pessoa". praticar dessa forma é a coisa mais tediosa do mundo. ALUNO: Quando me sinto deprimido gosto de formar uma visualização onde eu me sinta bem. mas posso investigar. Se.estamos funcionando e acerca de outros possíveis meios de se agir. Gostamos desses pensamentos e atividades de fortalecimento das nossas crenças. A vida — a inteligência ou o funcionamento natural das coisas — sabe o que fazer. Do ponto de vista de um principiante. Achamos que não interessa o modo como estamos nos sentindo. exceto que ouvimos um carro passando longe. Quando sentamos. Começamos a passar um tempo cada vez maior na parte essencial da prática sentada. O laço dos pensamentos obsessivos e autocentrados a tudo aperta e bloqueia. e termos interesse nessa pesquisa. nada está acontecendo. iremos descobrir certas sensações corporais e certos pensamentos que serviram para compor aquela sensação geral. Apesar disso. ern uma postura de simples abertura e curiosidade. Quanto mais nos sentamos para praticar e realmente nos tornamos mais familiarizados conosco. gostamos desses arcos mentais mais do que de nossa própria vida. Então substituímos isso por algo "melhor" que inventamos. mesmo que sejam estéreis. que existe alguma coisa errada com a sensação que estamos tendo de nós. Do ponto de vista de uma pessoa apegada a seus próprios arcos pessoais de pensamentos. apenas deixando a vida fluir em paz. o que me levou a fazer aquilo outro. esse apego autocentrado é cortado. É isso que é a prática: um processo de descoberta para nós mesmos. Se estamos realmente apenas observando nossas obsessões sem nos aprisionarmos nelas. de pensamentos autocentrados e obsessivos.". Não quero que as pessoas aqui apenas engulam o que estou falando em simples boa-fé. ALUNO: Algumas atividades parecem exigir que se siga uma seqüência de pensamentos. Quero que investiguem o que estou dizendo por si mesmas. Essas atividades parecem depender da capacidade de sustentar um "arco" ou uma linha de idéias tanto quanto possível. nossos pensamentos ou arcos mentais obsessivos têm muita energia. Isso é muito diferente. a respeito de como funcionamos e pensamos. nós perseguimos nossos arcos repetitivos de pensamentos porque de fato queremos retornar para nosso estilo autocentrado de pensar. no que pode estar errado com isso. tudo bem.tende a desaparecer e não sentimos mais necessidade de visualizar ou fantasiar um outro estado. a vida como ela é. mas esse ímpeto se dissipa conforme vamos aumentando os períodos de prática. e o arco perde força. ALUNO: Há algum perigo em observar o laço e segui-lo por onde ele levar? Esse processo poderia desenrolar-se para sempre? JOKO: Não. Se estamos tentando rastrear as coisas como um detetive em busca de desvendar um crime. a morrer. A função criativa de um . Por exemplo. e outra ficar preso em por que o fazemos. Em geral. e nós simplesmente seremos nossas sensações corporais. entretanto. JOKO: É uma coisa simplesmente observar o nosso processo interior como um fato.. No mesmo instante em que simplesmente observamos os nossos pensamentos.. Quando começamos a praticar sentados. Cada vez mais nossos pensamentos irão morrendo. ALUNO: A investigação em si não pode ser um laço obsessivo? Debruçar-se sobre a vida interna como um detetive que se debruça sobre uma evidência com uma lupa: "Eu fiz isso e depois aquilo. JOKO: Claro. a profissão de escritor ou uma pesquisa filosófica. elas tendem a desfazer-se. não estamos fora do laço. ^ão temos de nos preocupar com uma observação interminável de pensamentos. Como dizia o mestre Rinzai: "Não ponha outra cabeça acima da sua". enxergar nossos arcos mentais obsessivos. ALUNA: Percebo que para mim é aterrorizante a perspectiva de meus pensamentos autocentrados realmente desaparecerem. pode libertar-nos para um uso mais imaginativo de nossa mente. Preciso me organizar para uma ida ao dentista. quando estou escrevendo. ALUNA: JOKO: Sim. Não se trata mais de uma pesquisa aberta e curiosa. Por exemplo. em sua natureza real. Essa é uma cabeça extra. sem ficarmos atolados. cuidadosa. Nesse caso. mas acrescentando esperanças ou expectativas. em geral me enredo num poderoso laço de autocrítica. mas não necessariamente de uma maneira obsessiva e autocentrada. Por exemplo. JOKO: Sim. pensar sobre a prática pode ser um laço. Isso é pensar em mim.escritor ou de um filósofo só pode acontecer se a pessoa não estiver escravizada por seus próprios pensamentos pessoais ansiosos. Então o processo inteiro entra em curto-circuito e fico paralisado. ALUNO: Quando estou às voltas com alguma tarefa mental. JOKO: ALUNO: Certo. nós não estaremos simplesmente investigando os nossos pensamentos. ALUNO: Há alguma espécie de pensamento a respeito de si mesmo que não seja autocentrado? JOKO: Sim. Como você poderia praticar com isso? Apenas observando meus pensamentos autocríticos e continuando com a atividade. . começamos a desemaranhar esses laços e a reconhecer do que são feitos. Em geral temos de pensar a respeito de nossa pessoa. uma cárie aparece em um dente. Observar como nossa própria mente trabalha. é fácil para mim interromper meu fluxo criativo de pensamentos com juízos críticos a respeito do que estou fazendo. Posso formar uma fantasia de como minha vida vai ser maravilhosa se eu sempre estiver atenta aos meus pensamentos e sentimentos. Com uma prática sentada consistente. Às vezes. Meu medo é que talvez eu nem existisse mais sem esse apego fundamental a mim mesma. Em geral. Ela não pode ser forçada. Não há nada a ser forçado. conforme vamos vendo do que se compõem e sentindo qual é o medo básico que lhes está por baixo. O que você pensa a esse respeito? JOKO. O que é apenas é o que é. Lentamente eles se desmancham. Ir a festas pode encobrir a depressão por um certo tempo. Ao investigarmos nossos pensamentos obsessivos. A depressão não é mais que certas sensações corporais acompanhadas de pensamentos. Minha tendência é manter-me emaranhado nesses pensamentos ansiosos e preocupados. tornamo-nos livres para permitir que se efetue. Quanto mais observamos que não queremos que essa mudança ocorra mais. JOKO: Certo. ALUNO: Algumas pessoas dizem que meditação demais é deprimente e que precisa ser equilibrada com outras atividades mais felizes. os quais podem ser ambos investigados. Percebo que acho que as atividades são em si deprimentes ou capazes de alegrar e que minha tendência é esquecer que isso que chamamos de depressão ou contentamento é só um bando de pensamentos e sensações que temos como resposta diante das coisas. não os abandonamos nem banimos. Em si. o que consideramos como "alegre" é só uma fuga momentânea do que está se passando dentro de nós. precisamos tão-somente observar a sensação e rotular os pensamentos. paradoxalmente. Quando nos sentimos deprimidos. como celebrações.JOKO: Sim. Mas aos poucos eles perdem o poder que exercem sobre nós. Apenas observe isso. mas ela voltará. Se deixamos a depressão de lado ou nos esquivamos dela. ALUNO: Um dos meus laços é preocupar-me com o trabalho e as questões de dinheiro: "Será que terei dinheiro suficiente para as necessidades? Consigo sustentar a minha família? Meu emprego é seguro?". Disfarçar nossos sentimentos e pensamentos é apenas um outro tipo de laço. Estamos apenas sendo conscientemente perceptivos. tentando substituí-la por algo como ir a uma festa. com abertura e curiosidade. ALUNO: . não há nada na vida que seja bom ou ruim. não teremos investigado nem entendido a depressão. Então temos medo de parar e nos permitir realmente sentir. mais forte. A outra motorista não estava olhando e eu também não — então demos uma trombada. Que interessante". Essa é a nossa vida. Não sou uma pessoa indiferente. É simplesmente uma questão de investigação ou de curiosidade: "O que está acontecendo agora?". Tudo é simplesmente a vida. Sendo assim. mas com certeza é mais fácil para as supra-renais. que aparece naqueles que se sentam para praticar por muitos anos a fio. o verdadeiro contentamento está por baixo tanto daquilo que chamamos de depressão como do que chamamos de elação.JOKO: É isso mesmo. Duvido que no Kansas vocês ouvissem tantas vezes essa espécie de conversa. embora tenha desenvolvido essa qualidade impessoal em minha vida. conforme você se tomou mais "impessoal". outro dia meu carro levou uma batida. "Crescimento pessoal" é com freqüência só uma mudança . Uma grande parte do que se ouve é bobagem. O contentamento genuíno é ser este momento. você se tornou mais afetiva. Existe uma espécie de qualidade impessoal. um presente que nos é dado vivenciar. ou visão divina das coisas. Por exemplo. ou pode ser sentir a contração que chamamos receber boas notícias. ALUNA: Há anos eu já a conheço e tenho uma sensação a respeito disso que você falou. refletindo um reduzido nível de entendimento da questão. Vivenciar o momento pode ser sentir a contração que chamamos de depressão. apenas como ele é. TRANSFORMAÇÃO Na região sul da Califórnia jogamos de um lado para outro palavras que descrevem o crescimento pessoal. embora esteja certa de que seria bem diferente daquela que seria a minha reação há alguns anos. como mudança e transformação. Hoje vejo o que costumava ser tão perturbador e digo: "Oh. isso é que está acontecendo. Não estou falando de tomar-me fria e insensível ou cruel. Se alguém tivesse se machucado eu poderia ter tido uma outra resposta. Eu não tive a menor reação de qualquer espécie. mais receptiva à aproximação dos outros. JOKO: Numa certa época eu tinha medo demais para permitir que as pessoas chegassem perto. Não estou dizendo que é bom ou ruim. Na minha opinião. É como se aquilo que existia antes tivesse desaparecido e algo diferente tivesse ocupado seu lugar. Não gostamos de lidar com a prática dessa maneira porque isso significa que. é transformado. por exemplo. A verdadeira transformação implica que até mesmo o objetivo do "eu" que quer ser feliz é transformado. estão apenas buscando. Mas transformação significa que o carro talvez desapareça por completo. nossa vida irá ser muito fácil e sentiremos muito conforto sendo quem somos. Agora. Temos de nos abrir à transformação que a vida nos pede que vivamos. a verdadeira transformação significa que talvez o próximo passo seja virar uma mendiga na rua. Com certeza não é isso que traz as pessoas a um centro zen para praticar. queremos que se torne verde-água ou rosa. uma pessoa de natureza áspera. como pôr mais uma poltrona na sala de estar. corrosiva e mal-humorada se transformar em alguém delicado. existe uma implicação de que algo genuinamente novo apareceu. No entanto. "Quero ser mais feliz". por outro lado. eu não quero realmente ser uma mendiga. Na verdadeira transformação. vamos supor que eu me veja como uma pessoa basicamente deprimida. se nos transformamos. ou o que seja. . a síndrome completa que chamo de "eu". o indivíduo como um todo. uma mudança aditiva. Mas. Cirurgias superficiais não adiantam nada para isso. Isso é transformação. atemorizada. Por exemplo. Quando ouço a palavra transformação penso naqueles desenhos onde figura e fundo se alternam e. Muitos dos que o iniciam. teremos de nos dispor a ser qualquer coisa.superficial. Nossa fantasia é que. Tenho de estar preparada para a possibilidade de vir a me tornar uma mendiga. surgem faces. com a prática zen. significa que o "eu". A transformação não está em eu apenas lidar com o que chamo de a minha depressão. É como se tudo pudesse acontecer — uma roseira dar lírios. Achamos que iremos ser versões novas e maravilhosas de quem somos agora. Se o carro de nossa vida é cinza-chumbo. se quisermos sentir um contentamento genuíno. onde primeiro parece que existem vasos. Estamos aqui para conseguir dar uma ajeitada na pintura externa de nosso atual modelo. "Quero ficar menos ansiosa". quando praticarmos. Espera-se que da prática zen venham esses novos sentimentos. nossa vida desloca-se para uma base inteiramente nova. A prática zen é às vezes chamada de o caminho da transformação. contudo. Essa é uma visão de prática muito diferente daquela que é adotada pela maioria dos discípulos zen. tranqüilidade. contudo. Não. É como se fôssemos urna árvore que produz folhas e frutos de uma certa espécie. É então que existe alguma possibilidade de transformação. Um monte de terapias apenas manipula técnicas para a melhoria do modelo. Crescer não nos interessa muito. é produzir o que a vida escolhe produzir através de nós. Transformação é permitir-nos participar de nossa vida. de coisa nenhuma.Talvez em lugar de um carro seja uma tartaruga. tranqüilizadora ou inquietadora —. Transformação significa que. seja como a vida for — difícil. a melhor coisa a fazer é deixá-los lutar. A prática é abrirmo-nos para que esse "euzinho" que quer sem parar uma coisa atrás da outra — que na realidade o mundo inteiro seja seus pais — enfim cresça. Um monte de alunos meus tenta fazer de mim uma mãe substituta. Com essa palavra eu não . pensamos: "Uns aninhos de prática zen poderão oferecer-me essas coisas". no modo como vivemos. Não queremos nem ouvir falar dessas possibilidades. tem outras idéias. ao longo do tempo. ela é contentamento. A transformação. para virmos a ser aquilo que a vida pede que sejamos. Transformação é algo que decorre de uma disponibilidade que se desenvolve muito devagar. neste exato segundo. Discípulos em apuros em geral vêm correndo atrás de mim. Temos de ser o que somos. contudo. compreensão. Assim que os alunos têm alguma idéia de como poderiam lidar com o problema. de paz. Fazem a funilaria aqui e ali e podemos inclusive sentirnos muito melhor. Não há nenhuma garantia de conforto. Ainda assim transformação é contentamento. isso não é transformação. Não podemos saber o que isso irá ser. A maioria das pessoas (eu entre elas) é como um bando de crianças: queremos que algo ou alguém nos dê aquilo que a criancinha quer de seus pais. Esperamos que o professor nos ensine alguma coisa que dê um jeitinho no presente modelo. Eis um negócio tremendamente assustador. de dinheiro. não é assim. porém. tanto quanto possível. em nosso estado de saúde (inclusive com o risco de ficar pior e não melhor). No entanto. Esse não é o meu papel. Queremos ter paz. Queremos produzir isso porque é confortável. Não é disso que trata a prática. atenção. Se nossa vida não nos oferece isso. A maioria de nós. fácil. Poderá significar qualquer tipo de transformação — no trabalho que fazemos. encaminho-os para que eles mesmos lidem com suas dificuldades. Isso pode soar frio. Perguntei-lhe o que significava ser um cientista. significa que. inclusive por nossas reações emocionais: nossos gritos. Preferimos em vez disso consertar coisas para virmos a nos sentir bem. não nos importamos com curiosidade e deslumbramento. quer mal. de um segundo para o seguinte. pela primeira vez. na realidade não estão engatinhando por nenhuma razão específica. Não estão engatinhando por toda parte para absorver informação. pela coisa toda. engatinhando por todo lado. até mesmo dos desastres. porém. Ele disse: "Se há um prato numa mesa perto de você e você sabe que alguma coisa está debaixo do prato — mas você não sabe o que é —. Essa curiosidade também faz parte do contentamento. mas não é. estamos abertos para a situação e podemos aprender com ela e lidar com ela. Teríamos interesse pela situação. Por exemplo. Você tem de saber". conhecendo todas as espécies de maravilhas: podemos enxergar a curiosidade e o deslumbramento em seus rostinhos. A prática deveria cultivar essa espécie de postura. É isso mesmo. Estão simplesmente engatinhando pelo puro prazer e curiosidade de fazê-lo. Há vários anos tive uma sociedade com um cientista de grande renome.estou querendo dizer felicidade. quer estejamos nos sentindo bem. Esse trágico evento pode nos fazer mergulhar num melodrama de reações. ser um cientista significa que você não vai conseguir descansar dia e noite até ter visto o que está embaixo do prato. Mas a curiosidade da qual estou falando pode estar lá. quando estamos . em vez de com sofrimento? O que significaria considerar esse desastre com curiosidade? ALUNA: JOKO: Estar num possível estado de deslumbramento. Da mesma maneira. queremos apenas fazer com que a depressão pare. perdemos uma grande parte de nossa curiosidade a respeito da vida. nossas oscilações de humor. vamos supor que nosso companheiro de muitos anos nos abandone de uma hora para outra. nossas sensações físicas — só curiosidade. um estado de deslumbramento. Precisamos recuperar a capacidade de sentir curiosidade a respeito de tudo em nossa vida. Quando estamos deprimidos. Pensemos em bebês de mais ou menos nove meses a um ano. No entanto. Através de nossas medidas de autoproteção. Você pode se imaginar conseguindo ver essa situação com curiosidade. nem estão tentando ser melhores bebês que podem engatinhar com mais eficiência. Contentamento tem mais afinidade com curiosidade. preocupados. Um bebê na fase de engatinhar que descobre um copo para medir ingredientes. o caminho da transformação. nossa prática precisa ser impecável Isso significa estarmos tão conscientes quanto nos for possível a cada momento. é um lento deslocamento pelo tempo até a consolidação de um novo modo de se estar no mundo. que é composta de nossas estratégias de autoproteção. Em vez de "feliz" o bebê está absorvido pelo exame do objeto. * . Infelizmente. Num plano ideal. Os sujeitos que consistentemente nos fazem sentir mal vão para outra lista. colocado no chão. Journney to Ixtlan: The lessons of Don Juan. Não que a melhor prática seja ser como um bebê. precisamos enfrentar nosso estado de ânimo com curiosidade e aberto deslumbramento. comece a se desarticular e possamos assim reagir de uma maneira cada vez mais simples ao momento. A prática. Uma pessoa totalmente curiosa não é nem feliz nem infeliz. Não é ambicioso. Uma prática impecável significa. Esse é o caminho da transformação. querendo que tudo se conforme a nós e nos faça sentir bem. 1972. Em vez de ver o mundo com curiosidade e deslumbramento. solitários ou confusos. As pessoas de quem gostamos são as pessoas que nos transmitem boas sensações. porém temos mentes maduras e capacidades de adultos. para que nossa "personalidade". Os amigos que de fato queremos por perto são aqueles que nos fazem sentir que somos boas pessoas. por exemplo. menos apegados às imagens ou fantasias de como nossa vida deve ser. conservamos a abertura e a disponibilidade de um bebê. Nova York: Simon and Schuster. pelo menos não no mesmo nível. porém. não é um bebê bom ou mau. Uma pessoa que só é curiosa e aberta. Ficamos menos emaranhados em nossas medidas de autoproteção para ver a vida — querer o que se quer —. trabalhar com um ou dois projetos na prática e simCarlos Castaneda. não age assim. Com certeza esse será um caminho terapêutico. os bebês tornam-se adultos. não está nem feliz nem infeliz. Em vez disso. está apenas absorvido no deslumbramento daquilo que está vendo. Como escreve Carlos Castaneda *. Esse ouvir aberto e curioso do que a vida nos envia é contentamento — independentemente de qual seja o estado de ânimo de nossa vida. aproxi mamo-nos da vida com uma programação autocentrada. mas essa não é sua finalidade primeira. e apenas nos mantemos consistentemente atentos a esses assuntos. então iremos querer praticar e sentar com ainda mais firmeza e tentar outra vez. Se não for assim. trabalhando com um cuidado específico. Em lugar de decidir "Vou tomar consciência". Em vez de "As coisas estão tão complicadas agora que vou praticar na semana que vem". Aos poucos. que consolidemos a resistência muscular para a longa e árdua jornada. . sem tomarmos consciência dele. mas prática impecável é ter consciência disso também. ou de sermos piores caso não consigamos. talvez por dois ou três meses. com essa dificuldade que estamos atravessando. ao longo dos anos. a luta torna-se menor. No final. mas não enxergaremos isso até o dia em que enxergarmos isso. O caminho da transformação requer um guerreiro impecável — que não é o mesmo que ser um guerreiro perfeito. contudo. O caminho da transformação não significa "Oh. É preciso que nos apliquemos com constância. Apesar de meticulosa. percebemos que não é uma longa e árdua jornada. Mesmo assim. estamos apenas nos ludibriando. acho que vou sair para me divertir". Nos primeiros anos. senão bastante tempo depois. A prática impecável significa que quase nunca deixamos de perceber todas as vezes em que esse pensamento ocorre. não há meios de evitarmos as lutas. Em vez de tentar trabalhar com tudo de uma vez. como "Mas eu sou mesmo uma pessoa que não tem jeito". Se deixamos que apenas um só pensamento desses escape. já pratiquei bastante por hoje. sem desistência ou desvio. A prática não é também algo para se deixar de lado quando as coisas se tornam difíceis. prática impecável é aquela que sustenta a pressão sobre nós. a prática madura não tem esforço. precisamos ser meticulosos. precisamos decidir "Quando eu fizer isso ou aquilo vou tornar-me em especial consciente". Prática impecável significa que nunca paramos. Vamos supor que temos um hábito de acreditar em pensamentos como "Não valho nada". Mesmo que um ou outro escape de repente. Não há nada de errado em se passar bons momentos. Em vez disso. precisamos praticar exatamente agora. Não se trata de estarmos tentando ser melhores. estamos sempre fazendo o melhor que podemos.plesmente ater-se a isso. a prática é só mais um brinquedinho que estamos usando para nos divertir. De outro modo. uma simples perda de tempo. trabalhamos com um ou dois assuntos por vez. Quando estou longe do centro zen de San Diego. nossa tendência é compreender de maneira errada a natureza da prática. O que precisa ser entendido a respeito desse dilema? Pensemos num furacão. em des- . as pessoas às vezes combinam uma prática de dois dias e realizam-na. Quando nos queixamos. Nossas vidas serão "ajeitadas" e de alguma maneira agiremos melhor. Não deveríamos iniciar uma prática assim enquanto não a quiséssemos muito. Nem todos podem participar. Isso é bom. quando nos sentimos amargos a respeito do que alguém fez para nós. não há o menor problema em destruir milhares de árvores. se fizermos isto ou dominarmos aquilo. Há lutar e esforçar-se durante um longo tempo. De nosso ponto de vista pessoal. Muitas formas de terapia começam pelo suposto de que existe algo de errado com a pessoa que busca terapia. A pratica zen trata de crescer e amadurecer. amargos pelo que a vida nos fez. Mesmo assim. lutando para manter-se conscientemente perceptivo — é do que estamos falando. Imaginamos que. em destruir o sistema de encanamento. Não há como fugir disso. algo está errado. alguns têm filhos pequenos. Numa prática séria não há como evitar essa espécie de esforço. amadurecer. e que esse trabalho serviria para consertar o que está errado. em matar pessoas. então estamos sendo criancinhas. por exemplo. Presumimos que algo não está certo com nossas vidas porque não nos sentimos contentes conosco. Do ponto de vista do furacão em si. Devemos querer de verdade uma vida que se irá transformar. por fim conseguiremos superar o erro que há em nós. De um jeito ou de outro nós supomos que a prática diz respeito a corrigir um erro. O HOMEM NATURAL Não importa há quantos anos venhamos praticando. Lutar e esforçar-se desenvolve força. Deve haver um grande seio em algum lugar ao qual estamos tentando nos agarrar. Transpomos essa atitude — tão difundida em nossa cultura — para nossa própria prática espiritual. Significa crescer. entrar numa prática desse tipo — sentarse durante dois dias. porém. nada nos perturbaria. a natureza faz toda espécie de confusão. . Imaginamos que um eu iluminado é de alguma forma glorificado. Imaginamo-nos sempre nos sentindo bem. sobretudo se a nossa casa foi destruída por um furacão. Mesmo assim. Se aquilo que está acontecendo em nossa vida fosse aceito. gostamos de imaginar que podemos encontrar algo que nos conserte. O automóvel é uma bela invenção que facilita nossas vidas de inúmeras maneiras. de modo que nossos relacionamentos sempre sejam maravilhosos. Por exemplo. isso é ridículo. fazendo trabalhos que nunca dão momentos de sofrimento. Iluminação parece-nos ser uma grande conquista. quando tentamos dar um jeito nas coisas. Essa ânsia de tornar-se iluminado penetra muitos centros espirituais como uma corrente subterrânea de excitação a respeito da prática espiritual. Só que ainda não conseguimos ver o que pode ser feito. Quando alimentamos a idéia de que precisamos resolver todos os problemas da vida. Do nosso ponto de vista. porém. Entregue a si mesma. na maioria das vezes criamos um conjunto todo novo de problemas. como todos nós sabemos. daríamos um jeito nos furacões. mas essa parece ser uma confusão curativa. quando nos sentimos infelizes.truir as praias etc. Em particular. algo está muito errado. Mas nos metemos em apuros pelos contextos emocionais que acrescentamos. contudo. pela atitude de que existe uma coisa errada que precisa ser ajeitada. não nos saímos tão bem. A razão de nosso fracasso está em que nossos pontos de vista são limitados ao que nosso ego necessita. e o processo natural se restaura por si. a realização excelsa do ego. É isso o que os furacões fazem. Na realidade. ao que "eu quero". diferente. sem fazer nada a respeito? Não. Será que deveríamos apenas nos tornar passivos e permitir que tudo fosse como é. queremos nos tornar "iluminados". queremos que nossos eus pessoais sejam diferentes do que são. Se pudéssemos. que nunca nos apresentam reveses. trouxe consigo todo um arsenal de grandes problemas. Infelizmente. destacado do resto dos meros mortais comuns. ele caçaria. ou pensar a respeito. Como se comportaria? Por exemplo. ALUNA: Ele simplesmente seria. (Poderíamos falar igualmente da "mulher natural". JOKO: Mais uma vez isso é verdade. ALUNO: Ele faria guerra com o povo de sua tribo? JOKO: Possivelmente. Ele faria o que fosse preciso para sobreviver. dorme.) Na Bíblia. Como era esse homem natural? O que seria ser um homem natural? ALUNO: O homem natural seria pleno de deslumbramento. simplesmente. sempre existe uma bondade e uma propriedade inatas em nossas ações. Os cães são um mau exemplo porque nós fazemos deles o que queremos que eles sejam. ou de vez em quando sairia para caçar? ALUNO. como os nativos americanos que faziam oferendas aos animais que tinham de matar. Ele também não teria consciência dessa ausência de separação. ALUNO: Penso que um homem natural seria como o meu gato: come. mais como o homem natural. JOKO: E verdade. o homem natural seria o Adão antes de ser expulso do jardim do Éden. JOKO: JOKO: Ele faria o que fosse preciso para viver. ou seja. faz o que precisa ser feito a cada momento sem tomar nenhuma consciência disso. É muito isso. Sim. Já os gatos são mais independentes. porém. antes de ter tomado consciência de si como um eu separado. Talvez desacordos eventuais.Vejamos o que poderíamos chamar de "o homem natural". Ser uma pessoa natural não quer dizer que nos tornemos uma espécie de santo. Se necessário. ele seria santo. JOKO: . embora eu duvide que se tratasse de uma matança. O estado natural é do que trata a prática. embora ele não soubesse que era pleno de deslumbramento. Sem uma noção de separação entre nós e o mundo. mas neste exemplo falemos do homem. ALUNO: Não haveria senso de separação entre ele e o mundo à sua volta. Ele seria. nossas duas mãos não se comportam de maneira imprópria entre si porque fazem parte do mesmo corpo. porque estamos agora sempre enxergando a partir de uma perspectiva limitada e unilateral. perdemos o bonde. porém. evitando o outro. Quanto mais nos afastamos do centro. também destacamos o bem do mal. Perdemos nosso centro. porém. Depois de termos separado as coisas dessa maneira. A natureza é como o furacão. Não queremos isso em nossa vida. Desde nossos primeiros momentos de vida. mais ansiosa e excêntrica — quer dizer. A vida diz respeito a apenas viver e apreciar aquilo que vier. Contudo esse lugar não existe. Quando nos destacamos do mundo. Uma mente egocentrada é autocentrada. Nossa natureza essencial permanece inviolada em todos os momentos. Estamos longe de "só viver" como um homem ou uma mulher naturais provavelmente viveriam. Viver dessa forma é apenas olhar a vida de uma determinada maneira. permaneceremos para sempre tentando dirigir-nos para um dos lados. porém. entretida. De vez em quando fica contrariado e provavelmente não por muito tempo. pensamos que a vida se trata de protegermo-nos.Por exemplo. o satisfatório do insatisfatório. Ele aprecia amar. Estamos pensando sobre o viver. Seja o que for que aconteça. o tempo todo. Não existe nada intrinsecamente errado com isso. O homem natural aprecia alimentos. Estamos sempre atrás de um pequenino nicho de segurança em meio ao furacão da vida. confortável. de . Em contraste com esse quadro. acontece. Sentimo-nos seres separados do mundo e isso nos afasta do jardim do Éden. de modo a só encontrarmos aquelas partes da vida que nos convêm. não ameaçada. estamos desenvolvendo uma mente egocentrada. o agradável do doloroso. Isso nos mantém cativos. Não podemos vê-la. Passa todo o seu tempo pensando em como irá sobreviver e manter-se a salvo. longe do centro — nossa vida se torna. E nos espantamos de que nada parece estar certo. Talvez passemos de 80 a 90% do nosso tempo fazendo isso. a cada encruzilhada. Pode sentir medo quando sua sobrevivência é ameaçada. Queremos um furacão que arrase as outras casas. mas a nossa não. nossa vida é muito antinatural. Porque nossas mentes são egocentradas. é só que vemos a vida apenas de nosso próprio ponto de vista. Quando vivemos assim. satisfeita. No entanto. Na realidade. Basta olharmos para nós para vermos o quanto estamos distantes dessa espécie de vida. Ao que é que temos de renunciar então? ALUNO: JOKO: Aos apegos. egocentradas. você é uma estúpida". A prática não diz respeito a encontrarmos alguma coisa. É o que somos. . para podermos novamente voltar a vê-la. Entramos nesses jogos em razão de nossas mentes autocentradas. Você é quem não sabe o que está fazendo''. Não temos de encontrar a nossa natureza buda. Os apegos assentam-se no quê? ALUNO: JOKO: Pensamento autocentrado. não estamos em contato com ela porque nos desviamos para um dos lados. estamos sempre muito incomodados. O que precisamos fazer é remover nossa cegueira. causa muito pouco dano. no entanto. Caça quando precisa. desde que entendamos corretamente essas palavras. Por não se sentir separado. Nossa tarefa essencial na prática não é tentar alcançar alguma coisa. Não temos de encontrar a iluminação. É presente. Essa pessoa está só me dando sua opinião. Sempre inviolada. E com isso ficamos de bateboca. Nossa verdadeira natureza — nossa natureza buda está sempre aí. Reconhecemos que estamos simplesmente bem quando entramos em contato com ela. Diz-se com muita freqüência que a essência de qualquer prática religiosa é a renúncia do eu. o homem natural é essencialmente bom. porém. Faz o que precisa. Desse ponto de vista. De nosso ponto de vista. bastante tranqüila. Quais são algumas maneiras práticas de remover nossa cegueira? ALUNO: Rotular nossos pensamentos. Muito verdadeiro. Nos pensamentos autocentrados? Sim. Entregue a seus próprios recursos. sempre existe algo de errado com o mundo. E isso cria os problemas de nossas vidas. Suponhamos que alguém me diz: "Joko.que nada é certo. a vida em si vai bem. Eu devolvo com outra: "Não sou estúpida. O que causa as perturbações são as nossas opiniões. somos unilaterais. podemos rotular nossos pensamentos para vê-los apenas como pensamentos. Quando não agimos assim. Esses resultados não nos chegam com facilidade. Precisamos ver que eles não têm uma realidade essencial. Somos obstinados e não queremos fazer nada que não seja necessário. O trabalho que realizamos sobre a almofada é às vezes bastante árido. O que isso significa? ALUNO: JOKO: Significa uma noção do ato apropriado. Mais espontâneos. A pequena mente produz artifícios e arrogância. O que provavelmente acontece em qualquer vida autocentrada: sofrer. Tendemos a ver o outro com mais plenitude em vez de como uma coisa a ser manipulada. Mas esse não é um trabalho sem sentido. Produz amargura e a sensação de ser vítima. em mim e nas pessoas à minha volta. ALUNO: Nossa pequena mente produz queixas. Algo mais? ALUNO: Uma maior abertura. Sim. mesmo assim. Mais cooperativos. JOKO: Nossa tendência é enxergarmos com mais clareza. Impede-nos de estar em contato com as sensações de nosso corpo e com a vida em si. Quando estamos em contato. por outro lado. Nossa tendência é sermos mais divertidos. nossas vidas são mais como a do homem natural. Penso que a pessoa tem de aceitar o fato da cegueira.JOKO: Sim. Não é a única causa de uma saúde precária. JOKO: É verdade. A inteligência natural absorve informação através dos órgãos dos sentidos e funciona como uma parte de tudo o mais. Em geral não temos disposição para fazer esse trabalho de ver enquanto não estivermos sofrendo. no . Não consigo rotular nada enquanto não me dispuser a olhar para isso. embora leve anos. um corpo constantemente tenso tem uma dupla batalha para enfrentar. Nossa tendência é saber como equilibrar as coisas e o que fazer numa determinada situação. como algo que nós mesmos engendramos. Ficamos cansados de rotular nossos pensamentos e de voltar às sensações do nosso corpo. Produz saúde precária. Nossa tendência é permanecermos calmos porque não nos transtornamos diante de cada coisinha. Quando nos sentamos durante uma semana. talvez vinte ou trinta vezes. Ninguém. o som dos carros. Para tanto. Mesmo então. o odor do almoço. Tudo o que de fato queremos está envolvido nesse monótono trabalho que realizamos várias vezes seguidas. Quando nos sentamos para praticar. Esse é o estado iluminado: estar simplesmente aí. Renunciar ao eu parece exótico. Nesse segundo. porém. Resultado: apenas a vida vindo. Ninguém se apressa em nos dar uma medalhinha de ouro por termos feito esse tipo de trabalho. Sempre retornamos ao nosso pequeno eu. É isso que significa renúncia do eu. Imaginamos Cristo na cruz ou alguma outra ação notável. costumamos não fazer o trabalho que é preciso. Nossa mente sai de sua fantasia autocentrada e retorna para a sensação que está em nossos joelhos. algo muito simples e essencial. enxergar a fantasia. Mas renúncia do eu é. basicamente. aos poucos aumenta o intervalo em que . Se nos perdemos em nossos pensamentos durante quinze minutos. Se estivermos realmente alertas. Nada há nisso de maravilhoso: é o que fazemos talvez dez vezes a cada período de prática sentada. para apenas deixar acontecer o que está acontecendo. Renúncia do eu é o que acontece toda vez que vemos nossos pensamentos rodopiando e os rotulamos e abrimos mão de nosso pequeno eu — pois os pensamentos são isso — e voltamos ao que está acontecendo. vou entrar neste devaneio. Tudo — a nossa vida inteira — está implicado. o que é renunciar ao pequeno eu em favor do eu maior.entanto." Então passamos o filminho de nossa pequena fantasia e depois voltamos ao trabalho. perdemos uma parte de nosso trabalho. deveríamos fazer isso dez mil vezes: rotular nossos pensamentos. Voltamos a captar as sensações corporais. "Não importa o que a Joko diga. para perceber a tensão de nosso corpo. fazendo retiro. precisamos entender o que está implícito aí. retornar à percepção consciente do que é. Depois surgem fases em nossa vida em que simplesmente não temos disponibilidade para fazer esse trabalho durante algum tempo. a vida é dura conosco e com todos à nossa volta. renunciamos a nós. mas a mente está diferente. Em vez de permitir que nossa mente se perca. Quando nos transformamos cada vez mais em quem nós somos. a prática é apenas retornar àquilo que sempre somos. Depois de um retiro intensivo. . Não estamos tentando ser diferentes do que somos. Quando voltamos para as exigências mais complexas de nossa vida de todo dia. a maioria acha que as coisas que eram um problema antes agora são triviais. Se não fazemos isso. As interrupções não duram mais tanto e não as levamos mais tão a sério. começamos a sentir a vida de uma maneira diferente. Com o tempo. um pouco mais breves. Cada vez mais. vezes e vezes seguidas. mesmo que o quiséssemos. Palavras como estas vêm e vão: se não fazemos o trabalho. mais tempo durarão os benefícios do sesshin. É importante nos lembrarmos de que não estamos consertando nada. e essa é a única coisa que pode na verdade nos ensinar algo. costumamos esquecer de continuar praticando. Isso não tem de ocorrer. Sentimo-nos melhor. Não estamos fazendo nada especial. Não estamos tentando ficar iluminados. Manterno-nos apenas voltando. A finalidade de minhas aulas — e a do próprio sesshin — está nesse retorno à vida diária. esse processo produz uma acentuada diferença em nossa vida. a clareza que tínhamos conquistado começa a esfumaçar-se. descobrimos que não podemos mais voltar para casa. observando. os efeitos instalam-se e nossas vidas mudam. as palavras não significam nada. verdadeiramente. mas somos menos controlados por elas. Depois de um período. O "problema" não mudou. temos de continuar atentos. não temos de lutar com alguém no dia seguinte ao sesshin. Quanto mais tempo nos mantivermos praticando e mais os hábitos da prática tornarem-se simplesmente quem somos. É o trabalho que executamos que nos dá uma idéia de uma maneira diferente de sentirmos nossa vida. Aliás.permanecemos simplesmente com a vida como ela é. quando não engraçadas. Funcionamos melhor. por exemplo. renunciando ao pequeno eu. no entanto. Conforme fazemos esse trabalho. Ler um livro ou ouvir uma aula não é em si suficiente. enquanto as interrupções de nossa autocentraçao se tornam um pouco menores. chegamos num ponto em que não há mais diferença entre o sesshin e a vida diária. elas são como nuvens que vagueiam pelo céu: nós as vemos. Conforme essa idéia se torna mais firme. não estão vinculados à realidade. é um pensamento". Minhas sensações corporais são apenas o que são. "Mas como ele ousa fazer isso!" Nossos pensamentos rodopiam e giram. e a meio caminho eu paro e digo: "Epa. nem boas nem más. tenho de voltar na hora para minhas sensações corporais ou é melhor primeiro observar o pensamento completamente antes de deixá-lo de lado? ALUNO: . Quando entendemos a emoção autocentrada. Por exemplo. Os pensamentos são essencialmente irreais. sem pensamentos. Os pensamentos são autocentrados. Pode custar "dias. Não é importante. porém. Esse é um pensamento inútil. mas e se eu estiver praticando com uma emoção forte. que não deveria me atingir. mas. e um pensamento se ergue e começa a caminhar por minha cabeça. Vamos supor.Alguma pergunta? ALUNA: Você descreveu a prática como retomar a cada momento aos sons ou às sensações corporais. no entanto. O fato é que não existe nada de real numa emoção autocentrada. Quando estou rotulando pensamentos. "Mas como é que ele ousa sair com outra mulher? Ele disse que me amava!" Esses pensamentos apoderam-se de nós como um fogo. em algum momento. vemos que é desnecessária. desvinculado do real. enquanto estamos tendo esses pensamentos. que começamos a rotular os pensamentos. nossos pensamentos começam a cair por terra e resta-nos apenas este corpo tenso e sofredor. Bem. o corpo está se tensionando. Se apenas permanecemos com este corpo tenso e sofredor. "Ele não deveria agir assim!" E continuam sem cessar. Todos pensamos que nossas emoções são importantes. não existe nada menos importante que uma emoção autocentrada. posso achar que o furacão não é justo. o que acontece? A tensão aumenta e então cai por terra — e a emoção acabou. A emoção é apenas tensão e pensamentos que cozinhamos todos juntos. como luto ou ira? JOKO: O que é uma emoção? Uma emoção é simplesmente uma combinação de sensações corporais e pensamentos. Mas isso é mais como uma pequena tempestade do que como aquilo que normalmente chamamos de raiva. Quando levo minhas pequenas emoções a sério. mas como centros de real percepção consciente. quando pensamos que estamos manifestando a verdadeira raiva. ALUNA: O que é uma verdadeira emoção? JOKO: Uma verdadeira emoção é uma resposta à realidade. Essa capacidade aumenta com a prática. essa não é uma emoção real. Pode conter emoções como o amor. A compaixão talvez seja o resultado final da prática. iremos nos tornar mais compassivos. Em lugar disso. Vamos supor que um amigo tem um ataque cardíaco e cai no chão. Por ser completamente aberta. ele voltará. Com certeza eu estaria tendo uma emoção ao saltar para tentar fazer alguma coisa. ou consertadas. Ninguém é sempre compassivo. se nossa prática for real. quero permanecer no "Ele não devia ter feito isso. Se não aumenta. então estamos entendendo a prática. ALUNO: A raiva pode ser uma verdadeira emoção? JOKO. Se eu vejo alguém espancando uma pessoa e me intrometo para fazer alguma coisa. não quero saber que a minha emoção a respeito desse insulto é irreal. Você não precisa se preocupar em não tê-lo visto até o fim. quando estou com raiva de algo que aconteceu há cinco minutos. Porém. Pode. mas é raro. em si. na realidade estamos é nos enganando. ou manipuladas. Por outro lado. Se alguém me ofendeu há cinco minutos. para parar com aquela agressão. será receptiva e capaz de ver o que é melhor de se fazer e o fará. mas.JOKO: Se esse pensamento tiver uma importância decisiva para sua vida. a compaixão é apenas abertura ao que é. não só como coisas a serem controladas. É . Mas que sujeito horrível!". então reforço minha idéia de mim mesma para que eu possa me manter jogando essa espécie de jogo. Tornamo-nos mais conscientes dos outros como pessoas. talvez sinta em mim alguma raiva. ou simplesmente não a estamos realizando. ALUNA: Existe uma verdadeira emoção na empatia? JOKO: A verdadeira empatia ou compaixão não é em si uma emoção. Quase sempre. Não tenho de investigar o que alguém está fazendo na almofada se enxergo seu comportamento no resto de sua vida. Compaixão significa estar com a experiência que estão tendo. porém. Se não estivermos apegados a ele. É algo natural. A pessoa tem muito mais percepção consciente das necessidades das outras pessoas e uma disponibilidade cada vez maior para satisfazê-las — o que é muito diferente de ser um "bonzinho na vida". o que pode ser uma emoção. ALUNA: Amor e compaixão são a mesma coisa? JOKO: Às vezes. embaixo da raiva. Ou somos ou não somos. um pensamento de que iremos obter algo . Podemos amar nossos filhos e querer que eles limpem os sapatos no capacho antes de entrar em casa. o amor tem uma conotação emocional por breves períodos. podemos estar certos de que estamos aprisionados num sonho autocentrado de alguma espécie. desaparece. JOKO: A pessoa verdadeiramente compassiva nunca nem pensa a respeito. mas não na experiência. Isso não significa necessariamente reagir ao que estão sentindo ou simpatizar. ALUNO: A definição do dicionário para empatia é sentir o que o outro está sentindo. Se não somos. No caso do amor romântico. não é. Na verdadeira compaixão não existe separação. quase sempre existe um elemento de necessidade. Não resulta de sua tentativa de ser compassiva.óbvio quando uma prática está amadurecendo. simplesmente ouvimos e agimos com propriedade. Sentir irritação porque eles não fazem isso é uma emoção. mas o amor que está lá. Compaixão pode conter amor. Nenhuma separação é compaixão. amar alguém não significa que nos sentimos emotivos a respeito dele. não somos compassivos. mas em si a compaixão não é amor. O amor pelos próprios filhos permanece estável. Tentar ser compassivo é como tentar ser espontâneo. Se nós estamos de fato ouvindo com compaixão a outra pessoa. Confundimos compaixão com amor. o cerne da prática é investigar o sonho autocentrado de que tanto gostamos. o que quer dizer que não há pensamentos autocentrados entre mim e a pessoa com a qual eu esteja. ALUNA: Então a compaixão não necessariamente se parece com alguma outra coisa? JOKO: Não. podemos não sentir muito coisa nenhuma. A sensação de ser vítima. Quando estamos aprisionados em nossos pensamentos. de "coitadinha de mim". seremos compassivos. Assim. Verdadeiramente. as pessoas habituais. "Quando estou com você me sinto completa". as incumbências conhecidas). ninguém nos torna felizes ou tristes. Na realidade. as palavras mudam: "Eu realmente o detesto! Não sei nem o que um dia enxerguei nele!". O sesshin é uma crise artificial. Rimos desse homem porque sabemos o que o espera em poucos instantes. "Você me faz sentir tão feliz". a maioria dirá: "Isso é uma crise". No final do período de retiro a maioria das pessoas terá superado essa . ou compaixão. O amor romântico está repleto de ilusões. Como é que ele pode dizer que tudo está indo bem até ali? Qual é a diferença entre o segundo em que ele está no 5º andar e o segundo imediatamente anterior ao seu choque contra a calçada? O segundo logo antes de ele bater no chão é o que a maioria de nós chamaria de crise. "Me sinto tão bem quando estou perto de você". Quando passava pelo 5° andar em seu mergulho rumo ao chão ouviram-no dizer:' 'Até aqui. tudo bem!". "Você satisfaz todas as minhas necessidades". estamos acostumados com ela. a vida pode não parecer incrível. Por outro lado.dele: "Fico tão excitada por estar com você". temos de ficar e lutar com uma situação difícil. mas. VII. pelo menos. Deslumbramento A QUEDA Houve certa vez um homem que subiu ao topo de um edifício de dez andares e saltou. não tem ilusões. Consideramos essa suposta diferença entre crise e não-crise. Quando algo então acontece para destruir nossa fantasia. se nossos dias estão transcorrendo normalmente (o trabalho de sempre. Quando nos comprometemos com um retiro. O amor genuíno. nós é que fazemos isso conosco. Se pensamos que só temos alguns minutos ou dias antes de morrer. Nessas fases não sentimos que estamos em crise e talvez não nos sintamos motivados a praticar com diligência. É simplesmente quem somos. É triste que nós não compreendamos que cada momento de nossas vidas — beber uma xícara de café. fazemos aquilo que os seres humanos passam sua vida toda fazendo: a completa perda de tempo de tentar mentalmente esquematizar as coisas para que nunca tenhamos de sofrer uma crise. bem-sucedidos. em geral despertam. Quando este segundo não é eu. firmes (ou instáveis). é verdade.crise — o suficiente. Então podemos esquecer todos os nossos esquemas de nos consertar. pelo menos. Em geral. Sim. nem nenhuma outra coisa. e mais que isso. Sim. por isso afastamo-nos do viver de fato nossa vida. para o que acordamos? ALUNO: JOKO: ALUNA: JOKO: ALUNO: JOKO: O deslumbramento deste segundo. dependendo do que pensamos que vai dar mais certo no nosso caso. só o apenas — então todas as nossas preocupações são inexistentes. tanto que nossa mente é arremessada para o momento presente. andar pela rua para comprar um jornal — é isso. conforme tentamos lidar com nossa vida de tal maneira que nunca cheguemos no fundo do poço. só temos essa percepção quando nos vemos muito pressionados. Em lugar disso. ou que passam por uma circunstância muito destruidora em sua vida. É por isso que as pessoas seriamente doentes. porém. de consertar alguém ou as . Temos esquemas. Por isso é que se toma tão incrível chegar perto desse fundo. mas o simplesmente. e o que mais? Impermanência. boas pessoas. Para o deslumbramento diante disso tudo. agradáveis. Certo. Despertam para o quê? Para o que elas acordam? ALUNO: JOKO: Para o presente? Para a impermanência? Para as sensações corporais. Gastamos todas as nossas energias tentando ser amados. Por que não apreendemos essa verdade? Não a apreende mos porque nossas pequenas mentes pensam que este segundo que estamos vivendo tem centenas de milhares de segundos que o precederam e centenas de milhares de segundos ainda por vir. Oh! — e isso não significa nenhuma emoção gigantesca. para enxergar sua vida de uma maneira um pouco diferente. A maior parte de nossas energias é canalizada para esses esquemas. Despertar significa dar-se conta de que a nossa é uma situação sem esperança — e maravilhosa. Nossas vidas são absolutamente sem esperança. sucesso. Percebemos que as nossas manobras habituais — preocuparmonos com o passado. Não nos resta fazer nada exceto viver apenas este segundo. Existe só o que existe. A maioria das pessoas passa de 80 a 90% do seu tempo acordada. .circunstâncias. todos nós. fazer com que todos gostem dê nós. mas acordamos o suficiente para que mude o modo pelo qual encaramos a vida. Nada de errado com esses desejos — a menos que acreditemos na ilusão. Quem quer ser bem-sucedido? Quem quer ser apreciado? Todos nós. porque no íntimo acreditamos que isso tudo irá nos proteger. existe só esse segundo. são um desperdício de segundos preciosos. E não é nada de mais. não existe proteção nem resposta. mortos. Quando que não a achamos sensacional. projetar um futuro imaginário __não fazem sentido. Gastamos a nossa vida tentando evitar o inevitável. Nossas energias. sabendo com dor de dente? Isso também estamos na dor de dente claro a verdade não com a cabeça. ou em sesshin. mas passamos quase nossa vida toda tentando isso mesmo. Não há crise. É por isso que são maravilhosas. Quando estamos em crise. não podemos evitá-lo. nossas emoções. podemos não despertar por completo. Não podemos evitar o fundo. Num segundo estamos vivos. Todos estamos a caminho do fundo. nossos projetos encaminham-se para conseguir dinheiro. Até mesmo querer VS$ 1 milhão pode ser muito engraçado — tão divertido quanto qualquer outro jogo — se apenas o virmos como um jogo engraçado e não ferirmos os outros enquanto o jogamos. mas que "é isso". Se iremos morrer em um dado segundo. No entanto. Segundo uma outra perspectiva. noutro. Na realidade. há alguma crise? Não. É maravilhoso. Mas não vemos isso como um jogo e por isso ferimos os outros enquanto perseguimos este que se torna um plano letal. De um ponto de vista. Está é o que é — maravilhoso. Iluminação é apenas saber com todo o nosso ser. Porém a ânsia humana de fazer o impossível nos mantém afundados na lama. estamos sempre em crise: estamos sempre caindo até o fundo. Uma de nossas mais poderosas ilusões é que estar amando alguém pode nos proporcionar uma verdadeira proteção. tentando evitar o fundo do poço. não há crise. no entanto. praticamos com a mesma intensidade. nós praticamos. Imagine-se daqui a seis mil anos ainda pensando os mesmos velhos padrões de pensamento! Com uma cura para a morte. e nós não. Não conseguimos controlar isso. Na prática madura. Não existe solução nem pessoa maravilhosa que consigam deter esse movimento. tão imóvel quanto conseguisse. Claro que não permanecemos para sempre em meio a um imenso desastre. Nenhum sucesso. doendo mesmo assim. nenhum sonho. Nosso corpo está simplesmente despencando. Mas quando as folhas caíam no outono ele ainda assim continuava correndo para se esconder lá e permanecia paradinho — só que completamente visível! Apesar disso. Se alguém anunciasse uma pílula que curasse a morte e nos permitisse viver para sempre. comparecendo cada vez mais ao zendo — e fazendo tudo ao nosso alcance para enfrentar a situação. deixamos de praticar com a mesma intensidade. do outro lado da rua. Um indicador da prática madura é enxergar a vida como um processo sempre totalmente em crise e totalmente não em crise: as duas versões são a mesma coisa. Alguns de nós estamos em meio a "desastres". os animais são menos manipuladores com suas vidas. Estamos passando a vida tentando deter a queda. eles apenas vivem. mudaria por completo todo o . mas quando estamos atravessando um período desses nós praticamos muito. outros não. cães e outros animais não se embaralham tanto quanto nós a respeito do propósito de sua vida. No verão isso funcionava muito bem — ele ficava camuflado por trás das folhas. ela nunca se interrompe. nada pode fazê-lo interromper-se. É uma pena que nossas mentes humanas nos ludibriem. isso seria uma verdadeira tragédia. haja uma crise ou não. Essa queda é uma grande bênção. Nada será de fato solucionado enquanto não compreendermos que não existe solução. Estamos caindo e não existe resposta para isso. Tive uma vez um cachorro que não gostava de vir para casa quando era chamado e então ficava por trás de uma cerca. Algumas vezes podem tentar fazer joguinhos. quando a vida se acalma. Em sua maior parte. Com crise ou sem. Depois.Contudo ela é maravilhosa simplesmente por ser a vida que acontece neste segundo. Mais cedo ou mais tarde.) Quase o tempo todo não pensamos que existe alguma crise acontecendo. Sem essa compreensão. Posso imaginar que em dez minutos não sentirei dor no meu joelho esquerdo. é uma ilusão. existe uma grande diferença entre não apreciar as mudanças e tentar a todo preço detê-las. Isso não é uma crise. Quer vivamos este segundo no 5º piso. O que poderíamos ser? Este segundo não tem tempo nem espaço. Não posso ser o segundo que fui há cinco minutos. todo segundo é um inferno. A única coisa que posso ser é o remexer-me sobre a minha almofada. esperanças e preocupações também são meras fantasias. nós gostamos de ser o centro de algum melodrama. Na realidade. nós somos este segundo. tudo bem!") Ou pensamos que crise é o fato de nós não nos sentirmos felizes. ("Até aqui. assim como vocês também não. nós no fundo queremos muitas vezes ser bem infelizes. (Na realidade. Mesmo assim. ainda é o mesmo segundo. E onde iríamos colocar os novos bebês que fossem nascendo? Todos nós estamos cientes do envelhecimento: cabelos grisalhos. Ele é tudo o que existe. Estou agora. Não existe mais nada além deste segundo. damo-nos conta de que a verdade da vida é este segundo que estamos vivendo. do momento presente atemporal. Sendo assim. Não gosto deles. rugas. Nada jamais existiu exceto este momento. Desde o momento em que somos concebidos. Mesmo assim. Quando observo esses sinais. passamos quase a vida inteira tentando consertar essa entidade inexistente que pensamos que somos.significado de se estar e ser neste planeta. não me rejubilo. nossa vida não tem a menor duração: estamos sempre vivendo o mesmo segundo. . sentir dor no joelho esquerdo. estamos morrendo. Não posso ser mais nada. Isso é tudo que somos. vivenciar aquilo que estiver acontecendo agora. Isso também é pura fantasia. a maioria das pessoas gasta de 80 a 90% de seu tempo imaginando coisas. mas isso é pura fantasia. Diante dessa constatação. cada segundo é uma fonte de contentamento. Em certo sentido. quer na calçada. Não posso ser o segundo que chegará daqui a dez minutos. vivendo em sua fantasia. como poderia sê-lo? Estou aqui. Lembro-me de uma época em que eu era jovem e bela. independentemente de este segundo estar no 9º andar ou no primeiro. Isso é quem sou. Quase todas as nossas dificuldades. cacoetes. ficarei em paz e então a vida correrá bem". Todos nós porém nos atolamos em nossas reações. A prática não é algo que nós façamos apenas por nós. Pensamentos práticos — quando não estamos nos apegando a alguma fantasia. não causaria a menor diferença. mas apenas fazendo alguma coisa — é uma outra questão. conseguimos perceber o deslumbramento? Conseguimos sentir o deslumbramento que há no fato de estarmos aqui. em como nos sentimos a esse respeito. nossos filhos. nossos amigos. Mas. Isso inclui nossos companheiros. existe só o ter ouvido alguém que me xingou. Quando eu finalmente entender quem sou. Eu não sei se algum outro animal tem essa capacidade. Não é nada. você é uma droga!" e eu me perder em minhas reações (em meus pensamentos de autoproteção ou de revide e vingança). nossos pais. tudo imaginação. Os pensamentos que nos destroem são aqueles nos quais estamos tentando deter a queda para não dar de cara no chão: "Vou dar um jeito nele". no que poderia ter ocorrido. Duvido que um gato ou uma abelha tenham essa capacidade de apreciar.Pensamos no que aconteceu. Não. podemos apreciar esta vida? Nesse sentido. em como é uma pena mesmo. Se nós a desperdiçarmos e não a praticarmos de verdade. Toda recordação a que nos apegamos arruína a nossa vida. em como deveria ser diferente. de que. todos aqueles com quem nos relacionamos também . então terei perdido o deslumbramento. Enquanto seres humanos. Se alguém me xinga: "Joko. É tudo fantasia. ou "Vou começar a me entender. Memória é imaginação. não correrá bem. Se meu joelho dói. se permaneço neste momento. de deslumbramento. Apenas o deslumbramento. em certo sentido. conforme nossa vida vai entrando na realidade. Todavia. em como os outros deveriam ser diferentes. Ela será apenas aquilo que tiver de ser. como seres humanos. temos uma maravilhosa capacidade para ver o que a vida é. e assim por diante. embora eu possa estar enganada. Quando nos sentamos para praticar. Se fosse. somos mais afortunados que os animais. a cada segundo. se desviar-me deste momento. "Vou dar um jeito em mim". talvez eu devesse pesquisar um tratamento para isso. todos aqueles com quem entrarmos em contato sentirão os efeitos. E posso perder essa capacidade de apreciação. ao passar pelo quinto. Esse pode ser um momento encantador. isso é simplesmente input recebido por um destes órgãos dos sentidos: só ouvir. Por que não gostamos da voz crítica tanto quanto gostamos do arrulhar do pombo? NÓS não ouvimos simplesmente a voz. Não houve nenhum pombo. Eu respondi: "Que maravilha! Mas suponha que em vez de ouvir o pombo você ouve uma voz crítica encontrando defeitos em você. era só isto". Imagine que estamos sentados na quietude do início da manhã e de repente pela janela aberta entra só aquele arruinar do pombo. Certo. só sentir o gosto. Temos uma opinião a respeito dessa crítica — pensamentos fortes e reações intensas. contei uma história a respeito do homem que saltou do edifício de dez andares e. só ver. tudo bem!". ambos são só sons. Seja o que for que nos aconteça o dia inteiro. Ele estava esperando durar JOKO: ALUNA: . Por que isso é verdade? Afinal de contas. que é isso que é o zen. que me disse: "Quando me sentei na prática esta manhã. aliás. é esta. só sentir o odor. vamos supor que nosso chefe irrompe sala adentro berrando: "Eu já devia ter o seu relatório em minha mesa desde ontem. Já dissemos o que é igual a respeito dos dois sons. ainda berrava "Até aqui. Numa aula anterior. Nós atrelamos uma opinião ao que ouvimos.) Porém. Se há alguma coisa capaz de afetar este universo sofredor. os dois são só ouvir. não houve eu. O que é igual nestes dois sons? ALUNO: Os dois são só ouvir.sentem a mesma mudança. JOKO: Sim. só tocar. para ser franca. A pessoa então aguardou meu comentário. O SOM DE UM POMBO E UMA VOZ CRÍTICA Recebi recentemente um telefonema de uma pessoa da costa leste. Qual é a diferença entre o som do pombo e o som de uma voz crítica?". qual é a diferença? Ou. Onde está?". (Costumamos pensar. existe uma diferença? ALUNO: JOKO: Gostamos de um e não gostamos do outro. Agora. estava tudo sossegado e de repente houve só um som de pombo. "Vou planejar. Todos eles chegam a uma altura assombrosa. Vou descobrir o que fazer para conseguir sobreviver e ficar a salvo. Um outro atleta memorável que parece desafiar a gravidade é o jogador de basquete Michael Jordan. Mas nós não vivemos de acordo com o bom senso. de alguma maneira. Sendo assim. Alguns parecem de fato desafiar a gravidade. passamos o tempo todo tentando fazer aquilo que nenhum ser humano consegue. dor. provavelmente o maior mergulhador que jamais existiu. esse grande bailarino. a vida consiste em muitas coisas desagradáveis que nos atingem. nossa mente está incessantemente fantasiando. dando assim mais espaço para o movimento de descida dentro d'água. ficar doente. jamais. decepcionar-se. No entanto. Uma pessoa que me deu prazer ao longo de muitos anos foi Greg Louganis. Surpreendente. Fazemos o melhor que podemos para evitar todo e qualquer contato com a dolorosa realidade. Não podemos fazê-lo. persistimos na tentativa de fazer aquilo que não pode ser feito: evitar toda espécie de dor. Contudo. Quando nos sentamos para o zazen. A altura fornece-lhe espaço de movimentação. que às vezes parece ficar suspenso no ar. Nossa pequena mente diz: "Você não pode confiar na vida.para sempre. permanecer aqui para que nunca cheguemos no fundo. ser ferido. Tentamos evitar aquilo que não pode ser evitado. Há aquela história que lhes contei antes a respeito de sentarme num zendo perto de uma moça que ficava se mexendo o tempo . É raro a vida nos dar só aquilo que queremos. É assim que vivemos: na esperança de evitar a voz crítica. Existe crítica." Tentamos transformar a realidade com o nosso pensamento para que ela não consiga se aproximar de nós. Tentamos. a gravidade sempre prevalece. Melhor providenciar algum seguro". Não gostamos da voz crítica. Não gostamos nada dessas coisas. tentando "permanecer para sempre". não gostamos de cair. de desafiar a gravidade e permanecer para sempre. gostando ou não. Vou descobrir o melhor caminho. Como nos ensina o bom senso. E nos maravilhamos com Baryshnikov. mas em algum momento todos vêm para baixo. nunca nos esborrachemos no chão. Um mergulhador extraordinário como Louganis tem força para atingir uma altura notável quando se atira. Não existe como viver uma vida humana e evitar as coisas desagradáveis que nos atingem. na qualidade de seres humanos. Quando alguém diz: "Sinto muito por você". Ela o estendia. O monitor inclinouse e sussurou no ouvido dela: "Você deve ficar imóvel. temos uma simpatia por outra pessoa que passa pela mesma dor. Ela disse: "Mas dói". iremos nos engalfinhar. Nada há de errado com nosso auto-aperfeiçoamento em si. Queremos permanecer para sempre em nossas nuvens de pensamento a respeito de nossas providências e esquemas de nosso auto-aperfeiçoamento. podemos decidir que não vamos mais comer porcaria. a decepção. E a que se refere essa luta? Todos nós estamos nela. Ela falou: "Mas é o meu tornozelo!". Tudo bem. dobrava. Deve parar de mexer o tornozelo". Ele respondeu: "Bem. existem muitos tornozelos doendo nessa sala". a enfermidade. Enquanto acharmos que existe uma diferença entre o som de um pombo e o de uma voz crítica. ALUNO: Essa luta acontece por causa da diferença entre o que está realmente acontecendo e o que está em nossa mente. Temos um objetivo primário: queremos manter a dor tão afastada de nós que nem cheguemos a saber dela. Quandq atravessamos certas espécies de dor. provavelmente não estará mais flutuando em torno das cestas de basquete como é capaz de fazer agora. JOKO: Certo. a verdade é que não sente não.todo. ou que vamos fazer mais exercícios físicos. O que há de errado é que a esses esforços acrescentamos a esperança de que esse auto-aperfeiçoamento irá servir de vacina contra todas as adversidades — a voz crítica. Da mesma forma com os relacionamentos e casamentos: que expectativas despejamos nesses vínculos? ALUNA: Esperamos que garantam a nossa felicidade. Se não queremos que essa voz crítica exista em nossa vida e se não tivermos trabalhado com a nossa reação a ela. . É proveitoso trabalhar para se ter um bom casamento. Quando Michael Jordan estiver com 70 anos. não do jeito que sente para si. Estava mexendo o tempo todo com o tornozelo. iremos nos engalfinhar com a vida. Ela estava com dificuldades com o tornozelo e não parava. por exemplo. Mas quando alguém sente dor não é o mesmo que quando eu sinto dor. torcia-o para trás. punha para baixo. ou dormir melhor. detendo a nossa queda. o envelhecimento. Mas a esse trabalho acrescentamos a esperança de que nosso companheiro ajude-nos a desafiar a gravidade. Quando o som atinge os nossos tímpanos. vamos consolidando uma visão cada vez mais objetiva das criações mentais por meio das quais tentamos nos proteger para conseguirmos "permanecer para sempre". tive toda essa trabalheira — e agora faço o que com tudo isso? Mas que droga de vida!" Quando nos sentamos para praticar. Em razão de nossas emoções. Se formos honestos quando nos sentarmos para praticar. Porém. apenas parte delas é aceitável. Será que isso quer dizer que se você acariciar com delicadeza a minha mão ou espetar uma agulha com força nela eu vou ter que gostar igualmente das duas coisas? Não. Queremos pensar. Quando apenas ouvimos. do ponto de vista humano. A prática ajuda-nos a reverter esse processo. sem peso emocional Por exemplo.JOKO: Certo.) Não há nada errado com preferências em si. essa preferência já se tornou uma exigência: "Preparei toda essa comida. o primeiro passo é ser honesto. Queremos pensar acerca de todas aquelas idéias que nos dão esperança. (Particularmente eu detesto quando algum técnico de laboratório espeta uma agulha na ponta do meu dedo para retirar uma amostra de sangue. Todos nós sabemos que preferimos as sensações agradáveis. nossa mente sempre está acrescentando: "Esta situação é uma coisa de que gosto/não gosto". é a emoção que acrescentamos a elas que nos coloca em apuros. a desfazer as exigências. Sentar é uma iniciativa simples. uma preferência é: ''Seria melhor que hoje não chovesse". Assim. se planejamos um piquenique. iremos descobrir que não queremos ouvir nosso corpo. O dia inteiro informações sensoriais estão nos alcançando. só audição. Mas. O esforço que se faz na prática é justamente sobre esse aspecto. Com sua peculiar sutileza. não existem opiniões. transformamos preferências em exigências. nós não devotaremos muito tempo a ouvir o nosso corpo. Formulamos opiniões. fazendo com que voltem a ser simples preferências. Sem duvida nós . Enquanto nossa esperança não se esfumaçar. não existe opinião. Aprendemos a simplesmente observar as criações mentais e a retornar ao vivenciar aberto do input sensorial. Isso quer dizer ver os nossos pensamentos tanto quanto nos for possível e ouvir nosso corpo. algo terá a minha preferência. se ficamos muito contrariados porque chove. Sentar trata de enfim enxergar que não existe. bem chata". Já chegamos neste lugar onde não existe diferença entre o som de um pombo e o de uma voz crítica. CONTENTAMENTO Com freqüência sou acusada de enfatizar as dificuldades da prática. as dificuldades estão aí. E por fim podemos começar a nos dar conta de que não há solução. de mim mesma. Não há parte alguma onde chegar. para vermos o que estamos na verdade fazendo. Só os egos devem ter soluções. mais tempo seremos capazes de ficar ouvindo o que é real. jogamos fora. Será que um dia chegaremos a ser maravilhosos e perfeitos? Não. Em algum momento. não existe problema. Acreditem-me. Não iremos chegar em parte alguma. ou ainda mais tempo. Ao longo de anos de prática sentada. ficamos com algo do que aconteceu. se não existe solução. na realidade. Diz respeito a encararmos nossa vida de maneira direta. Essa honestidade nos permite ouvir mais e mais nosso corpo — por dois segundos. mas não existem soluções. Simplesmente. Honestidade: reconhecer as minhas opiniões a respeito da prática sentada. todo dia de manhã. Sentar não diz respeito a ficar em estado de graça ou sentir-se feliz. Se não as reconhecemos.não queremos ouvir. a "diferença" só existe em nossa mente. da pessoa sentada perto de mim. vinte segundos. e então voltamos para a prática simples e direta. Esse esforço é o que constitui a prática. essa indisponibilidade aos poucos se transforma. podemos até mesmo enxergar que. Essa é uma acusação verdadeira. Honestidade: "Realmente sou bem irritável. contudo. Nossa tarefa é reconhecer que já chegamos. o que estamos de fato fazendo é tentar manipular nossa vida ou a vida dos outros. uma diferença entre ouvir um pombo e ouvir alguém a nos criticar. Aulas como esta não são palavras para serem ponderadas. depois. Em geral. nem o motivo de . Não é sentar-se em estado de graça durante algum tempo. Quanto menos esperança tivermos de poder consertar as coisas pelo pensamento. observamos que estamos tentando manipular as pessoas ou os acontecimentos para que "eu" — essa ilusão construída por pensamentos autocentrados — não possa ser ferido. então. aparecerem nos é claro. podemos vivenciar o contentamento por mais algum tempo. A maioria das pessoas não está disposta dessa maneira. algo nada proveitoso — ao fato básico do que somos. Depois de um sesshin. ou em outras esferas de nossa vida. ouvimos. Contentamento é o que somos se não estivermos preocupados com alguma outra coisa. nossa tendência é nos enganar. sentimos odores etc. . revestimo-la com alguma outra coisa que chamarei de avaliação. aliás. Pode ser por acaso. quero dizer tudo aquilo que os órgãos dos sentidos registram. porque estamos oscilando de um pólo a outro. Com o passar dos anos de prática. estamos simplesmente acrescentando um pensamento — e. Com contentamento não estou querendo dizer felicidade. Isso é a realidade da vida. Nossas vidas são basicamente percepção. Quando tentamos encontrar o contentamento. No entanto. A questão é: o quê? Nossas vidas não nos oferecem contentamento e buscamos sem cessar uma solução nesse sentido. iremos ser infelizes. contentamento não. nossa vivência do contentamento aprofundase — quer dizer. Ainda assim. mas também em nossas vidas — é o contentamento. Não temos necessidade de sair em busca do contentamento. Com esse termo. se entendermos a prática e estivermos dispostos a realizá-la. Quanto mais nos entregarmos a avaliações dessa natureza. as duas vivências não são a mesma. menos contentamento haverá em nossa vida. A avaliação a que me refiro é centrada no ego: "Será que este próximo episódio de minha vida irá trazer-me algo de que gosto. O contentamento não é algo que tenhamos de encontrar. ou no decurso de nossa prática sentada. ou não? Será agradável ou desagradável? Irá tornar-me importante ou banal? Irá trazer-me vantagens materiais?". a realidade última — não só em nossa prática sentada. quase o tempo todo substituímos a percepção por alguma outra atividade. Vemos. Mas sem dúvida precisamos fazer alguma coisa. Felicidade tem um oposto. De tempos em tempos. ou não? Será que vai me magoar. como por exemplo quando examinamos um aposento desorganizado e consideramos ou avaliamos como organizá-lo e limpá-lo. vivenciamos o contentamento. Enquanto buscamos a felicidade. Com avaliação não estou querendo dizer uma análise objetiva e fria. Nossa natureza é avaliar as coisas desse jeito. tocamos. Muito drama vai nisso e gostamos dele. saltamos para o reino de nossos pensamentos. Quando permanecemos com a percepção em vez de nos perdermos em avaliações. sem considerar a nossa opinião sobre isso. De uma perspectiva comum. pode ser o inesperado período de trabalho extra. espalhados por toda a mesa. "Mas a responsabilidade é deles afinal. Contentamento pode ser a dor de garganta que estamos sentindo. A menos que esse drama se torne punitivo e prolongado. Temos uma disponibilidade espantosa para nos afundar nesse peculiar espaço de julgamentos dos outros ou de nós.É notável a rapidez com que nos instalamos na freqüência de avaliação. ou lidar com a ex-esposa que quer uma pensão maior. Quando as pessoas nos telefonam. Quando voltamos ao escritório. "Quem fez corpo mole?". Vamos supor que saímos de férias por uma semana e que agora estamos de volta. estão recadinhos "enquanto você esteve ausente". pode ser a demissão. entramos nele de bom grado porque. Talvez o serviço que passamos para outra pessoa executar tenha sido esquecido. Numa fração de segundo. permanecer num mundo de puras percepções é bastante entediante. temos uma predileção essencial pelos dramas. como seres humanos. alguma coisa aconteceu: uma nuvem tolda a clareza. seja lá o que estejam querendo. Da mesma maneira. o contentamento pode ser a pessoa que não fez o serviço enquanto estávamos de férias. Por que estão me ligando?". Depois nos espantamos de ele se dispersar. no serviço. Em geral não . Pode ser o exame de matemática que precisamos fazer. Pode ser o interessante encontro ao telefone com todas aquelas pessoas para quem temos de ligar. bem mesmo — e então. Enquanto não nos dermos conta de que contentamento é justamente o que está acontecendo. Talvez tenhamos nos divertido ou assim julguemos. Embora não tenha se dispersado. de repente. Na hora começamos a avaliar a situação: "Quem fez essa bagunça?". mais ainda do que temos consciência. isso em geral quer dizer que elas querem alguma coisa. iremos ter apenas um reduzido montante de contentamento. alguém critica o que estamos fazendo. no final de um sesshin podemos vivenciar um fluxo de vida em contentamento. Talvez venhamos funcionando bem. a caixa de trabalhos por fazer está lotada e. "Por que é que ela está telefonando? Aposto que é a mesma velha história de sempre". as pessoas aprenderam algo que para nós aqui é muito difícil: aprenderam a apreciar cada momento. Defrontadas com a vida e a morte o tempo todo. paciência. existem muitas coisas que não quero que aconteçam na minha vida. Existem outros obstáculos. Apesar disso. humildade. que essas situações sejam fontes de A prática diz respeito a lidar com o sofrimento. existe um contentamento extraordinário. Essas coisas parecem fantásticas nos livros. . O contentamento é ser as circunstâncias de nossa vida. temos mais consciência do contentamento que é a nossa vida. o sofrimento pode ser uma bênção. Se alguém está contando mentiras a nosso respeito. não irá haver nenhum contentamento. sejam elas quais forem. compaixão.costumamos pensar contentamento. e enquanto não conseguirmos enxergar todos os lados da vida. Quando aprendemos a estar com nossas vivências. Quando nos sentamos para praticar. Para ser honesta. ainda mais elementares. É por isso que o sesshin deve não ser fácil: temos de aprender a estar com o nosso sofrimento e ainda assim agir da maneira apropriada. é isso. As pessoas que viajam para a índia às vezes relatam que. sejam elas quais forem. Nossa própria prosperidade — todas as coisas que damos como certas e todas aquelas que queremos ainda mais — de certo modo age como um obstáculo. Sem dúvida eu tento evitar o sofrimento. Nenhum de nós quer reconhecer esse fato. Se alguém agiu injustamente conosco. Não que o sofrimento seja importante ou valioso em si. todos os atributos tradicionais de uma boa aluna zen são postos em xeque: resistência. mas não são tão atraentes quando estamos com dor. mas nossa abundância material é com certeza uma parte do problema. Temos a oportunidade de encarar nosso sofrimento numa situação prática. em certo sentido. também é isso. A riqueza material dos Estados Unidos dificulta. que vivenciemos o contentamento básico que somos. mas é o sofrimento que nos ensina. Não nos saímos muito bem nessa habilidade. jamais conheceremos o contentamento. Quando estamos preparados para a prática. O sesshin é a oportunidade de se aprender essa lição. se não conseguirmos aprender a ser a nossa experiência mesmo quando ela dói. o sesshin é um sofrimento controlado. ao lado da enorme pobreza. É o outro lado da vida. Não existe um verdadeiro contentamento numa vida assim. Entretanto esse conforto não é tão valioso quanto encarar aquilo que nos contraria. Isso é o que os cristãos chamam de a face de Deus: simplesmente acolher o mundo tal como ele se apresenta. E tudo o que existe. de modo a conseguirmos encontrar aquele lugar perfeito em que nada pode' nos contrariar. voltamos várias vezes à percepção. mas se nos mantivermos presos a elas ficaremos atolados no mundo das avaliações efetuadas segundo o nosso ponto de vista autocentrado. É natural pensar: "Se eu não tivesse um companheiro tão difícil (ou uma colega de quarto tão difícil ou qualquer outra coisa tão difícil). Não há .Na prática. exceto na minha mente. só ver. só sentir. Eu seria muito mais capaz de apreciar minha vida". ou pensar no que irá acontecer na semana que vem. sem dúvida. ouvimos os carros e os pássaros. nossa tendência a nos manter apegados aos nossos dramas. nenhum contentamento. ao lado da cabana. eu costumava me conceder dez minutos todo dia para devanear a respeito de uma ilha tropical e todo dia eu arrumava um pouco mais a minha cabana. Por isso fugimos das dificuldades e tentamos eliminar alguma coisa: o companheiro. Pensamos de forma obsessiva nas pessoas que nos estão dando trabalho. ou em qualquer outra coisa. Até que um dia então eu já estava com tudo de mais confortável. A maioria das pessoas passa a vida toda dentro dessa perspectiva. Alimentos maravilhosos simplesmente apareciam como por milagre. para lembrar o que aconteceu conosco na semana passada. porque é essa própria contrariedade (ou seja. o que quer que seja. a apenas sentar. perfeita para se nadar. minha vida seria muito mais calma. ou no que estamos realizando profissionalmente. a nos envolver neles com a mente acelerada e as emoções a todo vapor) que constitui o obstáculo valoroso. Por algum tempo a vida pareceria melhor. A prática é só ouvir. Minha vida de fantasia ficava cada dia melhor. a colega de quarto. aliás. Não há nada de errado com essas idéias que pipocam em nossa mente. Sentimos o nosso corpo. e aquele mar encantador e uma lagoa. Pode ser que isso desse certo por um breve período. Porém não nos dispomos a permanecer nesse espaço por mais do que uns poucos segundos. Alguém tem um lugar assim? Onde poderia ser? O que poderia ser-lhe aproximado? Há muitos anos. Logo nos desviamos. Porém meu sonho não poderia existir. E ótimo devanear se existe um limite de tempo para isso. ainda assim estaríamos pensando a respeito de alguma coisa: "Mas que atitude nobre a minha de sentar-me nesta caverna!". competição. Algo é necessário. eu o faço. Não há problemas numa vida vivida dessa maneira. depois outra coisa.lugar na Terra onde possamos nos ver livres de nós mesmos. A iluminação é simplesmente não fazer isso. Eu paro de prestar atenção e só fico pensando em terminar o que estou fazendo. Se pararmos dentro de nós e descobrirmos o que de fato estamos sentindo ou pensando. Com o tempo todas essas coisas vêm à tona. o que leva embora o . Ocupo uma parte do tempo dando uma volta a pé ou conversando com meus amigos. rejeitando. tenho um problema. ALUNO: Eu começo a me comparar com os outros e entro em Eu me preocupo se estou fazendo direito. Se a atividade está entre as que aprecio. a menos que eu. O contentamento é apenas isso: algo vem até nós. O contentamento nunca cessaria. O termo atual é "fluir". os motivos inconscientes que nos levam a fazer aquilo que fazemos. e mais outra. a natureza do ser humano é continuar tentando ajeitar as coisas. mesmo que o companheiro seja alguém de quem basicamente gostamos.o interrompesse fazendo avaliações: reagindo aos acontecimentos como se fossem problemas. ALUNO: ALUNA: JOKO: Bom. iremos notar — mesmo que estejamos trabalhando duro — um fino véu de preocupação egocentrada a respeito de nossa atividade. recriminando. Eu penso que fazer isso me toma importante. Mesmo que estejamos numa atividade de que gostamos. Quando o que acontece não se ajusta à minha idéia do que eu quero fazer. Se estivéssemos sentados numa caverna meditando. E abaixo do nível de consciência está nosso profundamente arraigado condicionamento. E depois de mais alguns instantes: "Que desculpa posso inventar para sair daqui e isso não ficar mal?". esgarçando-me: "Não quero fazer isso". Vocês conseguiram pensar em algum exemplo? ALUNO: ALUNA: ALUNA: Eu tento ser perfeito. Iluminação é fazer o que estamos fazendo — totalmente — em reação às coisas tal como elas nos chegam. eu o percebo. também posso desprovê-la de contentamento. Começo a me preocupar que isso possa acabar. que é o próprio contentamento. Se o fizermos. Onde está o contentamento? Para a maioria. Quando "fugimos" de nossos problemas. Se continuarmos em nossa vida fugindo de tudo o que nos desagrada. podemos precisar recuar. Mas não consigo fazer nada pelos outros. eles nos acompanham sem hesitação. Eles gostam de nós. não faço mais nada senão pensar no Taiti. temos de pagar um preço. apenas para mim mesma. Regressamos à vivência daquilo que estiver acontecendo. Estarmos disponíveis para perceber conscientemente que: "É sim. Dependendo de nossa capacidade. Ocasionalmente isso pode acontecer. exceto dizer-lhes o que fazer. mas pelo resto de nossas vidas. então aumentaremos a porcentagem de vivências de contentamento em nossa vida. Quando esses pensamentos surgem. Não posso realizá-lo por mais ninguém. lemos de estar dispostos a efetuar essa prática não só quando estamos sentados. Mas que interessante!". outras não. e não nos abandonarão enquanto não lhes dermos uma . mas não é importante. vemos os pensamentos e permitimos que se vão. A boa prática sentada não significa que de súbito temos um espaço muito claro no qual nada acontece. se a prática for muito facilitada e não existir um preço a ser pago. Elas acham que eu tenho alguma espécie de mágica. Para uma boa prática sentada é necessário que estejamos cada vez mais dispostos a tomar consciência do que está acontecendo. É isso que coloca diante de nós a perspectiva do contentamento. Mas. nunca sequer viraremos a chave na fechadura dessa porta. permanecer no momento presente e continuar se lembrando de que é isso que viemos fazer aqui é sofrer. ou: "Terminei com o meu namorado há seis meses e o que estou fazendo? Todos os meus pensamentos estão presos nisso. essa chave nunca se movimentará. as pessoas imaginam que consigo produzir contentamento para elas. porém.contentamento. ansiedade — e continuamos atolados em nossas obsessões. Para tanto. Às vezes. Não devemos nos forçar com exagero. preocupação. apenas os vemos e deixamos que se vão. podemos estar certos de que nossos problemas permanecerão fielmente ao nosso lado. Não é interessante?". Qualquer avaliação autocentrada de uma situação irá nublar a percepção pura. Emoções acumulam-se em função desse tipo de pensamento — depressão. vemos os pensamentos e permitimos que se vão. É por isso que. retroceder. se recuarmos. Algumas pessoas o pagarão. Lidamos com o que está ocorrendo. a nos conferir energia para fazer o que vem em seguida. Se estamos entediados. o mero sentar-se aqui. Uma vez que somos humanos. O conteúdo dessa percepção pode ser qualquer coisa. quando o que queremos na realidade é que o mundo nos agrade. Dizemos que queremos ser unos com o mundo. estar iluminado parece algo muito monótono". Mas todos temos essa capacidade. o momento se transforma: começa a dar uma sensação gostosa. podemos estar despertos e podemos sempre aumentar a quantidade de tempo em que permanecemos despertos. Ternos de enfrentar nosso condicionamento residual: é o único caminho até o contentamento. mas todos temos essa capacidade. Se estivermos com raiva. quase nunca.verdadeira atenção. devemos passar vários anos numa prática meticulosa. estão ocorrendo duas atividades: uma é a percepção pura. é apenas estar ali. cavando e esculpindo. Essa capacidade sempre pode aumentar. bem agora. Se nos sentimos desestimulados. temos de saber disso. eles roubam o espetáculo. Não existem atalhos ou caminhos que conduzem mais depressa a um contentamento e sossego relativos sem que se pague um preço. o que não nos interessa de modo nenhum. Se não virmos esses conteúdos. algo a ser pesquisado. sem sombra de dúvida. Temos de ver os pensamentos aí envolvidos. Se estivermos nas malhas dos julgamentos que elaboramos ou da convicção de estarmos exclusivamente com a razão. Quando despertamos. precisamos perceber isso. . Não existe nisso drama nenhum. exatamente aqui. quando nos sentamos para a prática. Para que possamos estar "em união com o mundo". Suzuki Roshi disse certa vez: "Do ponto de vista comum. Devemos enxergar quando estamos embaralhados em nossas questões pessoais. com essa contração e com esse pensamento repetitivo. e depois voltar para este mundo das percepções puras. Ela pode se manifestar em níveis ligeiramente diferentes. A outra atividade é a avaliação: saltar da percepção pura para os julgamentos autocentrados a respeito de qualquer coisa. Diferimos em termos de nossa capacidade de permanecer com as nossas percepções. Devemos estar conscientes do que somos neste segundo. Temos de senti-la. Para resumir: quando nos sentamos para praticar. isso é. apenas observar esse movimento interno. lidamos com essa tensão. precisamos ter isso presente. "Quero saber o que é a vida". Precisamos perceber a relação entre nossas emoções e nossa saúde física. Sentar e praticar atingem todos os aspectos de nossas vidas. não há nada de errado com nenhuma delas. se pensamos que a finalidade de sentar e praticar é atingir essas coisas. esquecemo-nos de tudo.CAOS E DESLUMBRAMENTO Quando converso com os alunos. Mas. esqueci o deslumbramento que ela é. Poderíamos chamá-la deslumbramento. "Estou só". É verdade que através da prática necessitamos efetuar um bom contato com aquelas coisas que mencionamos antes: emoções. decidi limpar aquele espaço que fica embaixo da pia. o deslumbramento não aparece. então estamos em apuros. apesar disso. Pensamos que o deslumbramento é um estado extático. Enquanto não estivermos habituados a fazer essas ligações. e o deslumbramento pode . então nos equivocamos quanto ao que estamos fazendo. no entanto. Temos de considerar a nossa falta de integração e tudo o que essa não-integração implica. e nossa vida não acontece. só quando não estamos nos afobando por causa dessas coisas é que enxergamos o deslumbramento. É verdade que temos de começar a nos conhecer e a conhecer nossas emoções e como elas atuam. Essa é uma coisa que prefiro esquecer de fazer. porém. "Quero que minhas relações fiquem melhores". Difícil denominá-la. Sem ela. quando nos esquecemos de uma só coisa. "Quero uma relação". Quando nos esquecemos de nos maravilhar diante daquilo com que deparamos. Ontem. O deslumbramento não é algo diferente daquilo que fazemos. saúde — entre outros fatores. havia nisso também um deslumbramento: diante daquelas partículas de sujeira e outras coisas que encontrei. Por exemplo: se estou com alguém que me irrita. Todos estão absolutamente bem. Outro exemplo: a maravilha de fazer um serviço que não quero fazer. Existem infinitas variações para essas e outras motivações para uma prática. nada mais funciona. Nossa ligação. No entanto. não tem de ser completa. ouço muitas coisas a respeito ae por que se sentam para praticar: "Quero me conhecer melhor". assombro. "Quero conhecer o universo". "Quero ficar mais saudável". tensão. "Quero que minha vida fique mais integrada". "Talvez os artistas e os músicos achem fácil enxergar o que é deslumbrante. Essas vivências podem conter uma poderosa dimensão emocional. Quando lhe perguntei o que isso queria dizer. A solução pode não ser nem verdadeira. No entanto. nem nós conseguiríamos passar todo o nosso tempo em tal estado emocional. podem não vê-lo em outras. Dirigir pelas Montanhas Rochosas com o panorama do Grande Canyon — essas cenas são tão espetaculares que por um momento vemos o deslumbramento que há nisso. A prática diz respeito ao deslumbramento. Onde é que está o deslumbramento disso?" Mesmo que os músicos e artistas entrem de fato em contato com o deslumbramento em suas áreas específicas. Mas. e independente de gostarmos ou não. para que não se fique com coisas extras. ter a impressão de que os físicos e outros cientistas estão muito distantes do deslumbramento da vida. podemos dizer: "Eu amo você pelo que você é e amo você pelo que . Podemos. Aumenta a nossa capacidade de ver o deslumbramento da vida. na próxima vez que algo acontecer em sua vida que você não conseguir suportar. Por exemplo. Mas o deslumbramento não é sempre emocional. quando entramos numa relação com essa perspectiva. ou ser uma boa pessoa. pergunte-se: "Onde está aqui o deslumbramento?" É isso que cresce conforme vamos praticando. ele respondeu que elegância significa ir decantando até a essência. conheci alguns físicos e descobri que é muito importante para eles que uma solução seja elegante. Certa vez perguntei a um físico por que ele usava essa palavra. Em certo sentido. Isso contém um deslumbramento. seja o que for que se apresente.ser mesmo um êxtase. nenhuma fórmula é verdadeira. neste momento. Não há nada de "verdadeiro" também em nenhum relacionamento. Mas sou um contador. os físicos lidam com teorias. A prática não é estar simplesmente integrado ou em bom estado de saúde. Eis aí uma palavra interessante de surgir no meio de um monte de matemáticos e computadores. um relacionamento pode ser simplesmente deslumbrante. Ele disse apenas: "Toda boa solução tem de ser elegante". por exemplo. não nos damos conta do que é a nossa prática. Podemos pensar que o deslumbramento só é encontrado em certas atividades especiais. Se você quer averiguar como anda a sua prática. Se não nos damos conta disso. embora todas essas coisas façam parte da prática. Só podemos trabalhar com o obstáculo que está à nossa frente. Por baixo desse sentimento sinto medo. atravessando suas pequenas adversidades e dificuldades. Não podemos saber essas coisas através do pensamento. Uma prática verdadeira desloca-se ao longo de um continuum a caminho de um teor cada vez maior de percepção consciente do deslumbramento. "Mas que coisa maravilhosa — ela é exatamente como ela é!" Ou podemos encontrá-lo em alguém que tem uma doença grave. Você não fala nada. Você deixa suas roupas por toda parte. Em lugar de encontrar os defeitos — "Você fala demais. de maneira deslumbrante. JOKO: Sim. Pode ser enxergar o deslumbramento de uma pessoa de quem não gostamos. embora eu o consiga muito mais do que há cinco anos. ALUNO: Tenho pensado bastante a respeito do conflito com o Iraque. simplesmente continuamos com a nossa prática. de alguma espécie. Qual é o deslumbramento? Eu não sei. pergunte-se: "Onde está o deslumbramento?". . o deslumbramento brilha e atravessa as camadas. mas acho que esse conflito é horrível." Como sabermos se a nossa prática é uma prática real? Só por uma coisa: vemos cada vez mais o que é deslumbrante. Isso faz parte do deslumbramento também. Ambas as respostas fazem parte do deslumbramento: saber ou não saber. "Eu amo você pelo que você é e amo você pelo que você não é. Sempre estará ali. Conforme você vai passando pelo dia. não podemos nos forçar a senti-lo. Às vezes não consigo enxergar de jeito nenhum o que há de deslumbrante.você não é". Não estou dizendo viver num estado de graça. ótimo também. O obstáculo é criado por nós. Você nunca limpa a mesa da cozinha. de todo modo. Essa pessoa pode ter uma presença tão poderosa que ilumina todo o espaço à sua volta. Se não sabem do que estou falando. ótimo. Se vocês estão entendendo do que estou falando. Você me irrita o tempo todo" —. Não queremos enxergar o deslumbramento porque estamos atolados no medo. Se não o sentimos. Mas sempre sabemos quando é verdadeiro. não é causado pelo que aconteceu conosco. O deslumbramento é a natureza da vida em si. no geral isso é verdade. Não consigo enxergar nada deslumbrante nisso. ótimo. ALUNO: Não posso evitar. Tudo está sendo abalado e. ALUNA: Nós queremos tomar providências para fazer algo a respeito do câncer. podemos sentir . Nossos relacionamentos com todos os envolvidos serão diferentes. a vida na Terra não pode ser mantida numa posição fixa. Do caos emerge uma nova ordem. localizo um certo deslumbramento na perspectiva de uma maior unificação mundial. isso para mim foi um desastre. É só o que é. Porém. ao mesmo tempo. E não nos cabe julgar ou avaliar isso. mas do ponto de vista do bem-estar da Terra. claro que.ALUNA: Quando penso no conflito. até mesmo no horror existe um deslumbramento. Isso é bom ou ruim? Nenhum dos dois. Mas o caos é em si interessante. Os relacionamentos deles com todas as coisas irão ser diferentes. Deslumbrante é o que está acontecendo. Se eu sou uma das pessoas que morreram ou se conheço alguém que foi morto. que por sua vez se torna caos. Claro que se eu pudesse impedir a matança eu o faria. todos andam. o caos não é caos — é deslumbramento. Isso não quer dizer que não agimos de modo algum. de agora em diante. JOKO: Mas a célula de câncer não vê a coisa desse jeito. A guerra está produzindo o caos. fazendo tudo o que pudermos para sobreviver e. Como pessoa. todo o Oriente Médio irá ser diferente. Sempre temos dois pontos de vista: o pessoal e esse que se desenvolve a partir da prática sentada. ALUNO: É como uma célula de câncer: queremos reduzir essa célula porque vai tentar prejudicar o corpo todo. Ela só está fazendo o que está fazendo. paz é estar disponível para permanecer com o caos. e. no entanto. Isso é a vida. A Terra já tem muita gente. JOKO: Sim. Saddam Hussein é a próxima peça no tabuleiro. Não podemos enxergar ordem no caos porque somos humanos. que é o deslumbramento. Mas até a nossa ação faz parte do caos. Na disciplina da física. é só o caos. num determinado momento. JOKO: Podemos estar lutando contra o câncer. no entanto. Por exemplo: é terrível que milhares de pessoas tenham sido mortas na última guerra. Com ele surgem novas possibilidades. existe um campo relativamente novo chamado a teoria do caos. olho com horror para esse conflito. também podemos nos dar conta de seu deslumbramento. conforme ele anda. menos pessoas estão melhor. pessoalmente. Isso não faz nenhum sentido. e o caos sobrevirá. Para nós. Não é que o caos seja necessariamente ruim. um ponto de vista dos árabes apareceu-me com muita nitidez. É como se a última coisa que eu quisesse ver fosse o deslumbramento. Sou uma lutadora. Um dia. baseando-me nas coisas que me haviam sido ditas a respeito de como algumas culturas árabes são opressivas em relação às mulheres. lembro das tensões extras que recentemente pesaram sobre minhas relações. e que é realmente válida. mas. E observando o conflito do Oriente Médio consigo entender com um pouco mais de clareza o que está acontecendo comigo neste exato momento. Observei como eu reagia a eles. ALUNA: Há pouco tempo voltei de uma viagem à África. Nossa ânsia está fora de controle. Tudo na vida é deslumbramento. Há uma maneira de ver tudo isso. não conseguimos enxergar o deslumbramento. enquanto eu estava passando pelo corredor de um avião. no entanto. como a vida tal como nos aparece raramente nos convém. em casa. Sentia meu corpo ficando tenso. olhando-me nos olhos e sorrindo. Neste país. Naquele momento algo abriu-se para mim e eu o vi apenas como uma pessoa e não como um árabe. e estamos então usando os recursos de outrem para satisfazer a nossa própria ânsia. ALUNA: Pensando no novo equilíbrio de forças no Oriente Médio. Então ficamos nos indagando por que somos tão infelizes. E como um microcosmo do que está acontecendo em várias partes do mundo.o deslumbramento deste processo que nós somos. JOKO: ALUNA: . ALUNO: Quando morei no Oriente Médio por três anos. desperdiçamos uma boa parte do que usamos. Ao mesmo tempo. Faz parte do caos. porque é humilhante. Você tem razão. Enquanto viajava por lá às vezes via homens árabes com seus mantos esvoaçantes. sempre nos sentimos insultados em certa medida. Aquilo que estamos banindo de nossas vidas é o que realmente queremos e necessitamos. e estamos trabalhando em prol de um novo equilíbrio de forças. esbarrei num desses árabes e ele me disse: "Desculpe-me". A última coisa que queremos enxergar é o deslumbramento. Estamos passando por nossas pequenas batalhas e mudanças. Se eu tivesse câncer eu lutaria até o último fio de força. Temos uma necessidade ansiosa de petróleo. que os árabes têm. grande parte do petróleo vem daqui mesmo. o deslumbramento está sempre presente. ALUNO: Muitas vezes fico fascinado por todo o caos que me circunda. Observo os conflitos em minha própria mente, e outras pessoas falam para mim das coisas que estão atravessando, e depois olho para as pessoas que estão a caminho do trabalho no centro de Los Angeles. É uma confusão imensa, e praticamente todo mundo está indo para o trabalho. É quase que inacreditável! Imaginar alguém em algum lugar tentando coreografar aquilo tudo — "Anda, anda, anda!" — seria totalmente impossível. Tudo parece comprimido a ponto de explodir. No entanto, em razão da extrema pressão, as pessoas recuam um pouco e deixam os outros entrar, e tudo volta a fluir. É fascinante como afinal aquilo tudo acaba funcionando. Uma vez enquanto voava até Los Angeles eu estava conversando com um passageiro que era planejador urbano. Ele olhou pela janelinha para as autopistas e os edifícios e disse: "Não vai conseguir ficar desse jeito por muito mais tempo!". Mas as coisas acabam se mantendo em pé porque existe um ajustamento em andamento. De alguma maneira as pessoas se adaptam. Eu observo que relaxo por causa da inevitabilidade do caos — e talvez outros façam isso também. Talvez seja isso que impeça a cidade de tornar-se mais maluca do que ela já é. Qualquer pessoa que dirija por algum tempo numa autopista ou numa rua engarrafada precisa realmente deixar as coisas acontecerem para agüentar a situação. É um momento nessa cidade frenética em que as pessoas têm de ceder, de deixar que aconteça o que tiver de acontecer. É uma espécie de jogo espiritual. JOKO: Nas lutas do Oriente Médio e de outras partes vemos o resultado final da violência interna de todos nós. Imaginamos que podemos resolver os nossos problemas com lutas externas e guerras. Gastamos somas inacreditáveis em armamentos; no entanto, os índices de mortalidade infantil estão entre os mais altos no mundo industrializado. Isso também faz parte do caos. Tudo bem adotar um ponto de vista pessoal e tentar mudar essas coisas, mas nossos pontos de vista pessoais precisam ser equilibrados pelo reconhecimento de que milhões de coisas — muitas mais do que conseguiremos um dia entender — estão se agrupando, mudando e movimentando-se o tempo todo. ALUNO: JOKO: Enquanto não encararmos a nossa própria situação, com todo o caos que existe em nossas próprias vidas, não poderemos fazer muito, ou ser eficientes em outros lugares. Vai haver caos de qualquer jeito, mas, quando nós o encaramos, vemo-lo por um outro prisma. Não queremos vê-lo, no entanto. Queremos viver dentro das caixas que criamos e apenas continuar redeco-rando as paredes, em vez de sair pela porta. Realmente adoramos as nossas prisões; essa é uma razão pela qual a prática é tão difícil. Resistência é a própria natureza do ser humano. Uma pessoa como Saddam Hussein não aparece do vácuo, sem motivo; ele é o resultado de muitas e muitas circunstâncias, tal como foi Hitler. Não deveríamos no entanto pensar que se o mundo inteiro praticasse o zazen não haveria caos. Também não é assim. O caos continuará. Não precisamos nos preocupar com isso. Mas, se praticarmos, com o tempo teremos mais abertura para as coisas serem como elas são. Continuaremos tendo preferências pessoais pelas coisas irem de um certo jeito, mas não faremos mais tantas exigências. Preferências são muito diferentes de exigências. Quando as coisas não caminham do jeito que preferimos, ajustamo-nos com muito mais rapidez ao modo como elas aparecem. Isso é o que acontece após anos de prática sentada. Se vocês estiverem procurando alguma outra coisa, bem, desculpem-me... É paradoxal, mas aprender a permanecer com o caos proporciona uma espécie de paz profunda. Porém não é aquilo que costumamos imaginar para nós. ALUNA: JOKO: Isso é o deslumbramento? Isso é o deslumbramento. VIII. Nada Especial DO DRAMA AO NÃO-DRAMA Na prática zen nós saímos de uma vida dramática — espécie de novela das 20 h — para uma vida não-dramática. A despeito do que possamos dizer, todos nós gostamos muito de nossos dramas pessoais. A razão para tanto? Seja qual for o nosso drama particular, sempre estamos no papel principal — que é onde nós queremos estar. E, pela prática, nós gradualmente nos deslocamos para longe dessa preocupação com nós mesmos. Assim, sair de uma vida dramática para uma vida não-dramática, embora possa parecer sem nenhum atrativo, é do que trata a prática zen. Examinemos esse processo mais de perto. Quando começamos a praticar, é bom começar respirando algumas vezes bem fundo, enchendo a cavidade abdominal, o meio do peito e embaixo dos ombros, até estarmos repletos de ar; depois, soltamos o ar, interrompendo a expiração um instante. Faça isso três ou quatro vezes. Em certo sentido, é artificial, mas ajuda a criar um certo equilíbrio e forma uma base conveniente para se sentar e praticar. Depois de termos feito isso, o passo seguinte é esquecer exatamente isso, esquecer de controlar a respiração. Não o esqueceremos por completo, é claro, mas é inútil controlar a respiração. Em vez disso, apenas vivencie esse processo, o que é muito diferente. Não estamos tentando fazer uma respiração lenta, longa e regular, como muitos livros sugerem. Em lugar disso, o que queremos é deixar que o ar seja o comandante, para que a respiração esteja nos respirando. Se a respiração for superficial, que seja assim. Quando nos tornamos a nossa respiração, por sua própria pulsação a respiração se torna mais lenta. A respiração permanece superficial porque queremos pensar em vez de vivenciar a nossa vida. Quando fazemos isso, tudo se torna mais superficial e controlado. A palavra retesado é bastante sugestiva: descreve como subimos para a cabeça, a garganta, os ombros e lá nos tensionamos; estamos com muito medo e nossa respiração também fica alta. Uma respiração que consegue ser abdominal, como tende a ocorrer após anos de prática, é aquela que vem quando a mente perdeu as esperanças. Tudo aquilo pelo que esperamos é do que lentamente aprendemos a desistir e, então, a respiração desce. Não é algo que precisemos tentar fazer. A prática consiste em vivenciarmos a respiração como ela é. Também pensamos que deveríamos ter uma mente sossegada. Muitos livros dizem isto: que a pessoa iluminada é aquela que tem uma mente sossegada. É verdade: quando não temos nenhuma esperança, nossa mente sossega. Enquanto alimentamos esperanças nossa mente está tentando descobrir como satisfazer essas vontades maravilhosas de coisas que queremos que aconteçam, ou estamos tentando nos proteger de todas as coisas terríveis que não deveriam acontecer. Assim, a mente está tudo, menos sossegada. Agora, em lugar de forçar a mente para que ela sossegue, o que podemos fazer? Podemos nos tornar conscientes do que ela está fazendo. É isso que é rotular nossos pensamentos. Em vez de nos atolarmos em esperanças começamos a ver: "É, sim, pela vigésima vez hoje estou esperando sentir algum alívio". Depois de um bom sesshin, poderemos ter dito isso umas quinhentas vezes: "Espero que ele me telefone quando o sesshin acabar". E então rotulamos: "Com esperança de que ele me telefone quando o sesshin terminar"; "Com esperança de que ele me telefone quando o sesshin terminar". Depois de termos dito isso quinhentas vezes, o que acontece com isso? Enxergamos exatamente o que é: um absurdo. Afinal de contas, a verdade é que ou ele telefona ou não telefona. Conforme vamos observando nossa mente ao longo dos anos, aos poucos as esperanças se dissipam. E o que nos resta? Pode parecer lúgubre, eu sei: resta-nos a vida tal como ela é. É proveitoso entrar nesse processo com uma atitude de investigação. Em vez de ver a nossa prática sentada como algo bom ou mau, como algo que deve melhorar numa base firme, deveríamos só investigar, observar o que estamos de fato fazendo. Não existe uma boa ou má prática sentada; existe apenas a percepção consciente ou a inconsciência do que está se passando em nossa vida. E, quando nós mantemos mais tempo a percepção consciente, as indagações que temos a respeito da vida são vistas por um novo prisma. Não somos entregues pura e simplesmente a um outro ponto de vista, mas conquistamos uma maneira diferente de ver as coisas. Conforme esse processo se desenvolve com o tempo, muito devagar a nossa mente vai sossegando — não por completo, e o que se aquieta não são os pensamentos (poderemos praticar vinte anos e continuar vendo os pensamentos que correm pela mente). O que sossega é o nosso apego aos nossos pensamentos. Cada vez mais os vemos como uma espécie de espetáculo, parecido com o que fazemos quando olhamos as crianças brincarem. (Minha mente pensa quase o tempo todo. Que pense, se é o que quer.) E nosso apego aos pensamentos que bloqueia o samadhi. Podemos ter muitos pensamentos e mesmo assim estar em profundo samadhi, desde que não estejamos apegados a eles e só permaneçamos na vivência. É verdade que quanto mais tempo de prática tivermos, menos tenderemos a pensar, porque nossa tendência é obcecarmo-nos menos. Sendo assim, a mente de fato aquieta, embora com toda certeza não por termos dito a nós mesmos:' 'Eu tenho de ter uma mente sossegada!". Quando nos mantemos sentados na prática, de tempos em tempos alcançamos perspectivas de grande lucidez a respeito de nossas vidas, que esclarecem diferentes aspectos das mesmas. Em si mesmos esses momentos não são nem bons nem maus e, do ponto de vista da prática zen, não são nem particularmente importantes. Apesar de esses momentos de lucidez repentina terem uma certa utilidade, zazen não é ir atrás deles. Eles realmente ocorrem, e de repente vemos: "Ora, é isso — isso é o que eu faço. Que interessante!". No entanto, até mesmo captar o momento dessa repentina lucidez é só algo que vem e vai, vem e vai, por nossa mente. Tornamo-nos cientistas que vivem esse experimento chamado nossa vida. Nossos eus e nossos pensamentos estão espalhados à nossa frente; olhamos com interesse para esse espetáculo, mas não mais como nosso próprio drama pessoal. Quanto mais desenvolvida for essa perspectiva em nós, melhor será a nossa vida. Por exemplo: se estamos fazendo um experimento com sal e açúcar, não dizemos: "Que coisa terrível! O sal e o açúcar estão discutindo!". Não nos importa o que o sal e o açúcar estejam fazendo, apenas os observamos e apreciamos como interagem. Por outro lado, em geral nós nos importamos muito com o que os nossos pensamentos estão fazendo. Não ficamos apenas na sua observação, com uma atitude de interesse, como os cientistas que apenas acompanham o que acontece. "Se eu misturar isso e aquilo — interessante. Se eu puser essas coisas em proporções diferentes — interessante." O cientista simplesmente observa e acompanha processos. Quando essa qualidade de observar, de apreciar e vivenciar o que acontece estiver mais fortalecida em nossa vida, a realidade (que é só a percepção consciente) depara a irrealidade ou o nosso pequeno drama tecido de pensamentos. E vemos com mais clareza o que é real e o que é irreal, como a luz que ilumina a escuridão. Mas, quando nós trazemos mais realidade (percepção consciente) para nossas vidas, aquilo que vinha sendo problemático parece mudar. Quando instilamos mais percepção consciente em nossas vidas, começamos a eliminar nossos dramas pessoais. E não queremos fazer isso de verdade. Gostamos de nossos dramas pessoais, gostamos de alimentá-los. Cada um de nós tem sua própria encenação predileta. Por exemplo, podemos acreditar: "As circunstâncias da minha vida são em especial difíceis. A minha infância foi mais difícil que a da maioria das pessoas"; ou "Aquela coisa que me aconteceu realmente arruinou a minha vida". É verdade, essas coisas aconteceram e criaram os nossos condicionamentos. Porém, enquanto mantivermos nossas crenças de que as histórias que contamos são a verdade acerca de nossa vida, a prática genuína não irá ocorrer. As crenças interditam a prática. A menos que haja uma certa disponibilidade para abandonar essas crenças pessoais de vida, não existe nada que eu ou qualquer outra pessoa possa fazer. Às vezes, um sofrimento é o suficiente para criar por si aquela mínima brecha por onde a percepção consciente consiga se infiltrar. Mas enquanto essa pequena fenda não se abrir não há nada que alguém possa fazer. E as pessoas realmente obstinadas conseguem manter suas histórias pessoais até a morte. A vida para elas é muito dura. Uma crença pessoal desse tipo — "Sou uma vítima" — é como um armário fechado e escuro. Se queremos sentar nesse armário com a porta bem trancada, nada conseguirá penetrar nele. Infelizmente, enquanto insistimos em ficar sentados dentro desse armário (e todos fazemos isso às vezes), descobrimos que ninguém quer, na realidade, entrar e sentar-se conosco. Com franqueza, ninguém tem um interesse particular pelo drama dos outros. O que nos interessa é o nosso próprio drama. Eu posso querer me fechar dentro do meu próprio armário, mas com certeza não vou ficar sentado dentro do seu. Todos nós entramos em nossos armários particulares. O armário é o nosso drama pessoal, e queremos ficar sozinhos dentro dele para nos sentir bem no seu centro. É uma suculenta infelicidade. E quer nos demos conta, quer não, adoramos isso. Porém, quando passamos pela experiência de abrir a porta e deixar um pouco de luz entrar, depois de termos visto uma vez que seja o que é um pouco de luz genuína dentro do armário, nunca mais conseguiremos nos manter indefinidamente dentro dele. Pode nos custar anos, mas depois de algum tempo iremos abrir a porta. Uma maneira de entender os sesshins é que esses encontros fazem a porta abrir-se para algumas pessoas. Por isso é que os sesshins podem ser tão incômodos. Em algum momento começamos a ver que aquilo que acontece em nossa vida não é a questão; sempre haverá algo acontecendo. O que acontece sempre será uma mescla daquilo de que gostamos e de que não gostamos. Não há tempo em que isso cesse. No entanto, quanto mais cientistas nos tomarmos, menos nos emaranharemos no que está acontecendo e mais seremos capazes de apenas observar o que está acontecendo. A capacidade de fazer isso e a disponibilidade para tanto aumentam com o passar dos anos na prática. No início essa postura observadora pode ser mínima. Nossa incumbência é aumentar nossa abertura para desenvolvê-la, No final, não importa como nos sentimos. Não faz diferença se estamos deprimidos, inquietos, fragmentados, felizes. A tarefa do aluno é observar, vivenciar, tomar consciência. Por exemplo, a depressão, quando completamente vivenciada, deixa de ser depressão e torna-se samadhi. A inquietação também pode ser vivenciada e, quando isso acontece, dá-se um deslocamento interno e não temos mais de nos preocupar com a nossa inquietação. Nenhuma circunstância, nenhum sentimento, essa é a meta. O objetivo é a oportunidade de vivenciar. Costumamos supor que temos de mergulhar fundo nas "questões" psicológicas submersas e trabalhar com esse material. Não é bem isso. Afinal de contas, onde essas questões se escondem? Não é suposição realmente acurada a de que existam coisas por baixo da consciência que irão dar um jeito de vir à tona, embora possa assim parecer a nós. Nos sesshins, podemos ficar emocionados, tristes, desesperados, mas essas emoções não são mistérios escondidos que aparecem de repente. Essas coisas são simplesmente o que somos, e estamos vivenciando quem somos. Quando tentamos trabalhar para que essas coisas venham à tona, estamos apenas diante de uma outra forma de auto-aperfeiçoamento que não funciona. A prática não é uma questão de sentar para que essas coisas possam emergir e assim consigamos trabalhar com o material para nos tornarmos pessoas melhores. O fato é que já estamos bem. Não se trata de ir a nenhuma outra parte. Bloqueamos nossa percepção consciente com nossa culpa e nossos ideais. Por exemplo, vamos supor que eu disse para alguém: "É só que não sou uma boa professora. Não lido com todas as situações de maneira perfeita". Quando fico apegada a esse pensamento, bloqueio toda a minha capacidade de aprender. A culpa e os ideais de como eu deveria ser bloqueiam a única coisa que de fato importa: uma clara percepção consciente: "Estou vendo o que aconteceu, eu realmente fiz uma bela confusão, não foi? Bom, o que posso aprender?". Um outro exemplo poderia ser o do cozinheiro preocupado com o jantar. Vamos supor que o jantar queimou. O cozinheiro não tem de se descabelar: "Oh! é o fim do mundo! O que as pessoas vão pensar de mim? Eu acabo de queimar tudo!". Nesse ponto o que pode ser feito? Basta procurar cada pedaço de pão que ainda houver em casa e reparti-lo. Não é o fim do mundo quando o jantar queima, mas a culpa interdita o aprendizado. A única coisa que importa é a percepção consciente do que está acontecendo. Quando entramos pelo setor dos ideais e da culpa, as decisões em si tornam-se difíceis, porque nós não vemos como caímos nas armadilhas das nossas preocupações: "Será que isso vai servir para mim? O que acontecerá? Será realmente uma boa medida? Minha vida vai se tornar mais segura, mais maravilhosa, mais perfeita?". Essas perguntas são erradas. Quais são as certas? E quais são as decisões certas? Não podemos dizer antes, mas, em algum momento, saberemos se não nos emaranharmos na culpa, nos ideais e no perfeccionismo que em geral acrescentamos ao nosso processo de tomar decisões. Sentar para praticar trata dessa espécie de clarificação. Todas as técnicas são úteis e todas são limitadas. Seja qual for a técnica que inserirmos em nossa prática, ela nos servirá por algum tempo, até que deixemos realmente de empregá-la, que comecemos a devanear com ela ou a sonhar. Sendo assim, o importante com qualquer técnica é a intenção. Nossa intenção deve ser a de estarmos presentes, de tomarmos consciência, de estarmos praticando. E ninguém sustenta essas intenções o tempo todo. Elas se mantêm em caráter intermitente. Também queremos encontrar um professor que passe a tomar conta disso por nós; todos nós queremos ser salvos e cuidados. A intenção de praticar é a coisa mais importante. Não existe técnica que possa nos salvar, professor algum que venha nos salvar, centro algum que possa nos salvar. Não existe nada que venha nos salvar. Esse é o mais cruel de todos os golpes. Quando transformamos nossa vida dramática numa vida não-dramática, isso quer dizer que pegamos a nossa vida de incessante buscar, analisar, alimentar esperanças e sonhar e a tornamos um espaço para apenas vivenciar a vida tal como ela se nos aparece, neste exato momento. O fator chave é a percepção consciente, o mero vivenciar da dor que é como é. Paradoxalmente Por exemplo. nem pelo presente. Uma vez que a percepção consciente nada tem que possa servir-lhe de fingimento. acontecimentos da vida e sentir-se emocionalmente afetado por eles. podemos dizer e às vezes dizemos coisas que magoam os outros e a nós mesmos. da mesma forma como o olho consegue captar muitos detalhes ao mesmo tempo. Estar assoberbado é estar subjugado por todos os objetos. Nesse estado de confusão não conseguimos perceber que tudo o que é externo é nós. Diferente da mente simples. A prática . É um impedimento a uma vida que flui e pode ser atenciosa.isso é o contentamento. Contudo. É despretensiosa e isenta de arrogância. A percepção consciente pode absorver uma multiplicidade de coisas. Quando nos sentimos assim. Quando vivemos a partir da pura percepção consciente. o drama não é real. nem pelo futuro. Essa espécie de prática surte um efeito letal: eliminará de maneira irreversível nosso drama. de tal modo que ficamos com raiva e contrariados. não somos afetados por nosso passado. pensamentos. é humilde. O dicionário define simples como "tendo ou sendo composto por apenas uma parte". exceto este. Simples. muitas vezes ouço as pessoas se queixando de que se sentem assoberbadas pela vida que estão levando. que existe na pura percepção consciente. Mas não a nossa personalidade. MENTE SIMPLES A única mente que pode enxergar a vida de maneira transformada é a simples. sem acréscimos ou modificações. Não pode evitar de ser assim. a percepção consciente não é uma coisa. Não existe nenhum outro contentamento na Terra. Ela permanece inalterada. Mas em si mesma a percepção consciente é uma coisa só. Todos somos diferentes e continuaremos sendo assim. A prática diz respeito a desenvolver ou revelar uma mente simples. É modesta. não temos de acrescentar nada. nem de modificá-la. A percepção consciente é completamente simples. Não conseguimos enxergar que tudo existe em nós enquanto não vivemos de 80 a 90% do tempo com a mente simples. confundimo-nos pela multiplicidade do ambiente externo. para ser afetada por isto ou aquilo. E mesmo então não estou querendo dizer que todos os problemas possam ser vivenciados sem uma reação. Não é fácil. sem tentar consertá-las. Quando isso acontece. consciente apenas é. na qual tudo o que acontece pode mobilizar nossas defesas prediletas. porém. entendemos o passado. ou de falarem muito. mas representam menos dificuldade. "Você fere meus sentimentos".trata de desenvolver essa mentalidade. mais teremos períodos — breves no começo e depois mais extensos — em que sentiremos que não nos é necessário nos opor aos outros. Na mente simples. podemos desfrutar o fato de serem silenciosas demais. Conseguimos viver apreciando as pessoas e situações e sentindo uma genuína compaixão. a vida simplesmente flui. quase todo o tempo. o presente. Quanto mais tempo de prática tivermos. Mas quanto maior o contato com a mente simples. ocorre uma mudança interna e nos afastamos da vida de reações apenas. é uma postura interna em grande parte inacessível. transparente. nossa tendência é perder essa simplicidade porque recomeçamos a nos enredar no que parece ser uma vida muito complexa em torno de nós. é comum que nos comportemos de maneira destrutiva. ou de usarem maquiagem demais. mesmo quando sejam pessoas difíceis. Sentimos que as coisas não são do jeito que queremos que elas sejam e começamos a espernear e a nos pôr à mercê de nossas emoções. Às vezes as pessoas me dizem que. São anos e anos de prática. o futuro e começamos a ser menos afetados pela avalanche de experiências. mais veremos que tudo é nós e mais nos sentimos responsáveis . sem nenhum problema. dessa percepção consciente. a percepção. Desfrutar o mundo sem julgá-lo é o que constitui uma vida realizada. Aberta. Infelizmente. Isso acontece porque no sesshin a mente se torna mais simples. As mesmas questões continuam existindo. Não há nada complicado a seu respeito. mesmo então. assiduidade e determinação. começamos a apreciar suas esquisitices. Em vez de vê-las como problemas. Por exemplo. Requer uma inesgotável paciência. depois dos sesshins. Sou uma vítima total". No meio dessa simplicidade. A mente simples não é misteriosa. Nossa vida deixa de revolver em torno de julgamentos como: "Oh. "Você não é do jeito que eu quero que você seja". ele é tão duro comigo. Para a maioria das pessoas. temos de agir de outra forma. começaremos a enxergar a verdade: chegaremos a entender que o "agora" acolhe o passado. quer nos inteiremos disso. tudo no presente. quer não. em certo sentido. quando nos largamos dessa forma. apenas contrariando-nos. A verdade porém é que. o futuro e o presente. não estamos fazendo o nosso trabalho — sentindo o passado e o futuro. isso está certo. Quero falar com vocês sobre uma garota chamada Dorothy. uma cura está ocorrendo. com as idéias de que o passado determina o presente. também estão em uma busca a seu próprio modo. a cada segundo. Ela não morou no Kansas. Chegamos até a imaginar que se estamos isolados num aposento. temos de trabalhar com a nossa raiva. estou contente com a minha vida". o universo inteiro começa neste exato momento. com a autopiedade. Sarar é sempre o estar simplesmente aqui. vemos que o presente é absoluto e que. e a nossa vida é afetada em sua totalidade. Se praticarmos por um tempo longo o bastante. Para que isso ocorra. Quando ficamos presos nos fios de nossos próprios pensamentos. Quando conseguimos sentar para praticar com uma mente simples. mas em San Diego.por tudo. comparecem a workshops de crescimento pessoal — na esperança de encontrar essa peça que falta. A maioria dos seres humanos sente uma espécie de falta. Quando percebemos de que maneira estamos vinculados. com uma mente simples. se ficamos emaranhados em nossos pensamentos. com nossos julgamentos. Assim. Mesmo aqueles que dizem: "Não estou buscando nada. de algo incompleto. sem mais ninguém. para os centros zen ou de ioga. não estamos fazendo o nosso trabalho. numa imensa casa . com a nossa contrariedade. Quando mantemos a percepção consciente. Conforme essa porta se abre. as pessoas vão para esta ou aquela igreja. e busca algo que preencha o buraco que sentem. DOROTHY E A PORTA TRANCADA Todos estamos em busca de alguma coisa. E a cura da vida está nesse segundo de pura percepção consciente. algo aos poucos se esboça e uma porta que esteve até então fechada começa a se abrir. cortou o cabelo segundo a última moda. tornou-se adolescente. Ela era bastante normal. Há tanto tempo quanto as pessoas conseguiam se lembrar. ela aprendeu que algo de estranho havia naquela casa: no último andar daquela velha mansão vitoriana havia um quarto trancado. mas não conseguiu ver nada. Ela achava que ela precisava abri-lo. A fechadura daquela porta era estranha e ninguém jamais conseguira encontrar uma maneira de abri-la. Às vezes ela subia até o último andar e sentava-se diante da porta e permanecia apenas olhando para ela. Quando Dorothy ainda era uma garotinha. destrancava a porta para ela. isso dominava a sua vida. Corriam rumores de que um dia fora aberto. As janelas daquele aposento também estavam de algum modo bloqueadas. tinha uma amiga inseparável. um amigo inseparável. hipnose e muito mais. consultou diversos professores. Quando Dorothy ficou um pouco mais velha. Participou de workshops. ao longo de todos . Fez de tudo. Todavia nunca desistiu de sua obsessão pelo quarto trançado. ela sentia o quarto como um aposento ligado ao que lhe fazia falta na vida. Quase tudo a respeito da vida de Dorothy era normal para uma garotinha daquele tamanho. mas não queriam se importar com isso. Tentou de tudo: foi a vários centros. Uma vez Dorothy subiu numa escada pelo lado de fora da casa e tentou ver o que havia lá dentro. indagando-se sobre o que haveria por trás. Desde o tempo em que era muito pequenina ainda ficou obcecada com esse quarto e com o que haveria dentro dele. Sabiam que estava lá. contudo. A maioria das pessoas daquela família estava simplesmente habituada ao aposento com sua porta trancada. ficava toda excitada com as últimas novidades no campo da maquiagem e com a mais nova canção de sucesso. aquele quarto sempre permanecera trancado. Ela cresceu. Sua família morava no solar há várias gerações. buscando a fórmula para destrancar a porta. Todos tinham seu próprio quarto. Sua busca prosseguiu durante muito tempo. e havia aposentos extras e cubículos por toda parte. porém ninguém sabia o que havia lá dentro. passou por processos de renascimento. Por isso deu início a vários tipos de treinamentos e práticas na esperança de encontrar o segredo que lhe permitiria abrir a porta. De certo modo. além de um sótão e um porão.em estilo vitoriano. Dorothy porém era diferente. fizeram-lhe tranças no cabelo. Por essa razão era apenas uma coisa que mencionavam. Nada. Desapontamento e confusão. Dorothy sentiu medo e excitação ao mesmo tempo.. e continuava ainda assim incapaz de abrir aquela porta. Dorothy casou-se. Então um dia. depois de tantos anos tentando. Ela criou técnicas para se levar a vários estados alterados de consciência. Excitada. Ela estava eletrizada. Dorothy encontrou-se não num novo. Já o havia feito uma vez. Ela passava muito tempo no último andar diante da porta trancada. Tudo era apenas como sempre tinha sido. ou maravilhoso espaço naquele aposento misterioso. com sua família. Aliás. onde morava com o marido e os filhos. Correu de novo até o último andar até o aposento misterioso e o que encontrou? A porta continuava trancada. forçou-se a atravessar aquela porta. Usando uma de suas práticas esotéricas ela entrou num estado profundo de meditação.. em meio a todas as coisas antigas e tão conhecidas. sua única experiência de ter aberto a porta motivava-a sempre mais. poderia fazê-lo de novo. ela pensava: "Hoje é o dia!". . ou estranho. ela estava na mesma localização com a mesma conhecida mobília de sempre. notou que ela estava deserta. nada parecido com aquilo havia ocorrido. Dorothy havia aberto a porta — e não havia aberto a porta. Decepcionada e intrigada ao mesmo tempo. Em todos aqueles longos anos de tentativas para abrir a porta. Tremendo. quando chegou em casa. Ficou com os cabelos grisalhos. mas imediatamente de volta ao piso térreo daquela velha casa vitoriana. O que se pode fazer? Uma porta trancada é uma porta trancada. A vida seguiu em frente. Continuava passando um bom tempo sentada diante da porta trancada. Foi quando descobriu. Dorothy deu continuidade à sua vida. Era uma esposa e mãe bastante boa. Ainda assim. aconteceu de novo: ela empurrou a porta e esta se abriu. Teve um casal de filhos. Ainda morava na mesma casa vitoriana. Obedecendo a um impulso. estendeu a mão e empurrou a porta — que começou a abrir. nunca desistiu de sua obsessão. Era uma boa esposa e uma boa mãe. algumas horas depois ela subiu as escadas até o último andar e entrou no aposento misterioso. A porta ainda estava trancada. tentando abri-la. Atravessou a porta — e outra vez se encontrou no térreo da mesma velha casa vitoriana. E com certeza. de pernas cruzadas. Era a mesma perspectiva. Ela subiu até o último andar e sentou-se em frente da porta trancada.os anos da universidade e pós-graduação. plenamente visível. A casa foi ficando tão entupida que não havia mais espaço para os convidados. assídua: não desistia assim tão fácil. o que também estava ótimo porque estavam todos tão preocupados com suas próprias pessoas que mal conseguiam pensar em tomar conta de alguma outra coisa. Aos poucos. Às vezes ela ainda subia até o último andar e olhava para a porta. Cada vez mais ela se esquecia de tudo o que não fosse só viver sua vida. e quase que os moradores também ficaram sem o seu. porém sempre era remetida de volta ao térreo. tomando conta das coisas de um momento para outro. Durante todo esse tempo a casa foi aos poucos sendo preenchida com coisas. Não havia espaço para mais nada na casa exceto para Dorothy. ela começou a ficar um pouco mais com os filhos e netos. E então um dia ela subiu até o último andar e por acaso olhou para a porta que estava trancada. o marido e os filhos. Uau! Estava escancarada! Lá dentro. Diante dessa constatação a mudança começou. Foi um lento processo. mas havia sido um pouco negligenciada. Sem que fizesse muito alguma coisa. as cortinas trocadas etc. De tempos em tempos. Havia uma bela cama e uma cômoda e todos os pequenos acessórios que tornariam confortável aquele quarto para um hóspede. ela conseguia passar pela porta e entrar no aposento. Dorothy percebeu no que havia se tornado o resto da casa. E ela era uma pessoa persistente. Sua luta para abrir aquela porta começou a ficar obsoleta. exatamente para o plano onde levava a sua vida. mas se a abrisse sabia o que iria encontrar. Em vez de passar tanto tempo diante da porta. os aposentos daquela velha mansão vitoriana começaram a desentulhar-se por . Ela via como tudo estava entulhado e confuso e como era difícil andar livremente pela casa. a obsessão de Dorothy esgarçou-se. estava um confortável quarto para hóspedes. Os membros da família pareciam acumular cada vez mais coisas e os quartos extras tornaram-se depósitos de lixo. tomando também conta da casa: os pisos foram renovados. Ao ver aquele espaçoso e delicioso quarto de hóspedes. o desencorajamento e o desapontamento instalaram-se.mas sua atenção ainda se dirigia sobretudo para a porta trancada. Sua atenção lentamente foi deslocada de voíta para o cuidado necessário às coisas diárias que precisavam ser atendidas. porque Dorothy tinha se ocupado apenas de seu projeto de sentar diante da porta. A casa não estava em mau estado. Muito devagar. não torturaríamos os outros nem a nós da maneira como o fazemos. Não somos gentis. Temos de dar à nossa prática tudo o que temos para conseguirmos perceber que. A ilusão é inevitável: todos a temos. se não a entulharmos com lixo inexistente. Apareceu espaço. Essa é a nossa ilusão essencial a respeito da prática: que a porta está trancada. participamos de workshops. O quarto está aberto. sempre tinha existido muito espaço para convidados. Essa radiação não está escondida em algum lugar muito distante. Aliás. desonestos. Enquanto pensarmos que a porta está trancada. Enquanto . Começou a haver mais espaço para as coisas e as pessoas naquela casa. a casa está aberta. para. Só sua rígida postura de empurrá-la mantivera-a fechada. somos manipuladores. lixo fantasmagórico. ela está trancada. Isso não abre a porta. não existe senão perfeição. experimentamos isso e aquilo. Nem estava lá realmente. não em razão de algum mandamento ou interdição. e agora Dorothy percebia que a porta nunca estivera trancada. mas bem aqui e agora. Na dade. descobrirmos que nunca esteve fechada. Era isso que ela precisava fazer. Para tentar abri-la fazemos de tudo. mas só porque veríamos a vida tal como ela é. Uma forma de disciplina espiritual cristã é a prática da presença de Deus. Apesar disso. Como cristãos. Dorothy percebeu que aquilo que tinha buscado sua vida inteira era simplesmente a sua própria vida: as pessoas. Todos estes eram a face de Deus. estamos em busca daquela radiação em todas as coisas que os místicos chamam de a face de Deus. num grau ou noutro. para início de conversa. mas uma grande parte do que chamamos prática — caçar ideais ou a iluminação — é uma ilusão. afinal de contas. Se víssemos que essa vida que estamos levando é a própria face de Deus. Não é que a prática — sentar-se diante da porta — seja inútil. exatamente embaixo do nosso nariz: Da mesma forma. a vida de esforços inúteis que Dorothy levou para ela foi perfeita. Mas não existe meio de sabermos disso antes de sabermos disso. A casa voltou ao que tinha sempre sido. é isso que todos nós temos de fazer. Era como se todo o monte de coisas fosse imaterial. Se realmente o víssemos. os quartos. Sempre estivera aberta. Vamos a todo centro possível. por fim.si. não seríamos capazes de nos comportar dessas maneiras. desde o início. a casa. Nós porém não enxergamos isso. ALUNO: Se a história é a respeito de um quarto de hóspedes. mas ser de fato hospitaleiro significa ser apenas quem se é. é só como as coisas são. Se dissermos para nós mesmos: "O caminho para abrir a porta está em ficar mais tempo com meus filhos". o parceiro que nos magoou. mais cedo ou mais tarde esse quebra-cabeça fica mais claro e a porta abre-se com mais freqüência. Não .não enxergarmos esse fato com a mesma clareza com que comemos nosso mingau de aveia pela manhã. E ela descobriu que.. Isso não é bom nem mau. não o veremos. JOKO: Certo. como somos. Passar tempo com meus filhos para tornar-me iluminada talvez não vá me tornar uma mãe melhor. mais hospitaleiro". Os pais que não conseguimos agüentar. no meio de sua família e de seus afazeres cotidianos. mais educado. em vez de se retirar para o último andar da casa. afinal de contas. Ela nem pensaria nisso. Fazemos o que fazemos até que não o fazemos mais. JOKO: Sempre buscaremos lá onde pensamos que a resposta está enquanto não estivermos prontos para enxergar. Enquanto não estivermos prontos para ver isso porém. se estamos emaranhados em nossas ilusões. Até desempenhamos os movimentos nesse sentido. também isso se torna apenas uma outra idéia obsessiva. JOKO: Certo. teremos de atravessar muitos desvios e atalhos. muitos desapontamentos e enfermidades — que são nossos mestres na vida. o amigo que irrita: não há nada de errado com eles.. Nós pensamos: "Eu deveria ser mais simpático. distante de tudo o mais.? ALUNO: Que seu coração já estava aberto. então Dorothy nunca nem chegou a pensar em ter convidados. a menos que pensemos que há. Se praticamos bem. ALUNA: A prática não diz respeito a abrir o coração? Não é isso que Dorothy estava realmente tentando fazer? JOKO: Sim. Contudo. Temos de desbastar-nos de nossas ilusões. Todas essas lutas fazem parte do aprendizado relativo à porta. não podemos ser verdadeiramente hospitaleiros. essa é uma forma de descrever a coisa. ALUNA: Parece que Dorothy poderia ter perdido menos tempo se tivesse sentado na cozinha. Num dado momento. Minha prática tem sido uma série de decepções. Não temos espaço para isso.podemos acolher ninguém em nossa casa se primeiro não tivermos acolhido a nós mesmos. conseguimos ver com mais objetividade as necessidades dos outros e responder a elas. Todos nós já passamos pela experiência de estarmos tão contrariados que simplesmente somos incapazes de ouvir os problemas de um outro indivíduo. que temos de destrancar a porta e descobrir o que está do outro lado. Pois então achamos que ainda há um buraco em nossa vida. em última análise é desapontador. Não temos nenhum "quarto de hóspedes". Acho muito difícil simplesmente permanecer com o meu desapontamento. tudo no esforço de destrancar a porta. Vou descobrir um outro workshop". Temos de ser crucificados antes de nos entregar. Quando enxergamos mais além de nosso melodrama pessoal. Em vez disso. sentir a minha vulnerabilidade. E isso também está certo. não estamos verdadeiramente disponíveis aos outros. ALUNA: . Mesmo assim. JOKO: Sim. ALUNO: Parece como se tivéssemos que atravessar um certo tanto de sofrimento. que desperdicei momentos preciosos de minha vida queixando-me de meus pais e de minhas condições de vida. ALUNO: Sinto que perdi muito tempo e energia. isso é verdade. somos do jeito que somos e vemos o que somos capazes de ver. Eu imagino: "Esse workshop vai resolver essa situação para mim". encubro-os de alguma forma e digo para mim mesmo: "Basta continuar tentando. a culpa sempre é inapropriada. Todo o nosso espaço está ocupado com nossas próprias coisas. JOKO: Sem exagerarmos na dramatização desse aspecto. ALUNO: Quando estamos emaranhados em nossos melodramas pessoais. não podemos simplesmente dizer "Não vou ficar obcecada" e desejar que isso aconteça. Participo dele e embora possa ser útil de alguma maneira. JOKO: Não adianta nada olhar para trás e dizer: "Eu deveria ter sido diferente". como Dorothy estava. Somos muito teimosos. Por essa razão. Na história sobre Dorothy o que vocês pensam acerca dos aposentos entulhados na casa? ALUNO: Apegos. Luto contra a minha vida ALUNA: . imagino que ela às vezes desfrutou sua vida. quando temos uma coisa imediata a fazer. ou a ansiedade. Uma época de momentos prazerosos não elimina essa inquietude subliminar. Devemos enfim enxergar quem somos e o que é esse aposento que está atrás da porta. Pensamos: "Se eu tivesse isto ou aquilo seria feliz". Minha vida toda não fui plenamente consciente dele. De certo modo. Recordações. esperanças. ou qualquer outra coisa — a porta trancada — e esquecer de prestar atenção na tarefa que está à nossa frente. fantasias. Existe essa tarefa a ser feita e só precisamos fazê-la. JOKO: Certo. nossa tendência é focalizar. Mas por baixo do contentamento e da gratificação está a ansiedade.ALUNA: Dorothy conseguiu desfrutar sua vida? Me incomoda que alguém tenha de lutar por tanto tempo. o medo. o medo (ou o que for) é irrelevante. antes mesmo de ter visto o que era. JOKO: Sim. Isso quer dizer notar nossos pensamentos e as sutis contrações de nosso corpo. JOKO: Recordações. JOKO: Quando sentamos para praticar. Parece que. ALUNO: Comigo o sentimento que está por baixo de tudo é o medo. levamos nossa atenção para essa sutil corrente subterrânea. Todos nós desfrutamos a nossa vida às vezes. Ainda estamos em busca de algo atrás da porta e temos medo de nunca o encontrarmos. Não existem atalhos. dirigindo a minha vida. E tomar conta do que precisa ser cuidado remete-nos de volta ao que somos neste momento. É como uma corrente subterrânea sutil que flui junto com tudo o que eu faço. Pensamentos a respeito de um monte de coisas. mas ele estava lá. com ou sem medo. ALUNA: Basta que tomemos conta de nossas tarefas imediatas. em vez disso. Suas esperanças começaram a morrer. Para Dorothy isso aconteceu quando sua obsessão com a porta trancada começou a abrandar e ela começou a prestar mais atenção nas condições do resto da casa. tentando imaginar o modo de abri-la. Paradoxalmente. chegamos à desanimadora conclusão de que isso não irá acontecer: nossas vidas não vão melhorar em nada! JOKO: Paradoxalmente. Os alunos costumam queixar-se comigo de que. poderemos descobrir técnicas de abri-la por alguns momentos. As pessoas se dão a imensos trabalhos quando se trata de eliminar sentimentos desagradáveis. estamos aéreos. algo interfere em sua percepção consciente: "Fico aéreo".porque em vez de fazer o que precisa ser feito. JOKO: Certo. mas então iremos nos perceber remetidos de volta a nossas vidas.duas tínhamos esperanças de que as coisas fossem melhorar para nós. o único meio de abrir a porta é esquecendo a porta. nós . a porta trancada tem de ser aberta para podermos alcançar todas as coisas agradáveis. o que significa limpar a casa. precisamos ir tocando a nossa vida adiante. quando se sentam para praticar. Por trás dessas queixas está o pensamento de que. Se nos obcecarmos com essa idéia de abrir a porta. tal como elas são. . tenho de participar de um workshop para relaxar. ir para o trabalho etc. Em vez de nos obcecarmos com a porta trancada. tomar conta das crianças. ALUNA: Uma amiga e eu estávamos há pouco falando de como tínhamos tido um ano difícil. temos de nos livrar de todas as coisas desagradáveis. estamos nervosos. "Estou tenso. Uma boa prática sentada significa simplesmente estar presente com isso: ser esse nervosismo ou esse alheamento. Se estamos aéreos. "Fico tão nervosa! Não consigo ficar quieta". vivendo na mesma velha casa de sempre." Então a pessoa vai para o workshop e isso a faz relaxar — mas por quanto tempo? Querer aliviar a tensão é como olhar para a porta trancada. eu luto contra o medo subliminar. Enquanto estávamos com vinte. trinta anos. tento destrancar aquela porta. Se estamos nervosos. Essa é a realidade de nossa vida naquele momento. Agora. essa dolorosa decepção com o futuro ajuda-nos a apreciar a vida como ela é. a fim de sentar e praticar com alguma eficiência. na casa dos quarenta. Só quando desistirmos da esperança de que as coisas fiquem melhores é que poderemos chegar à constatação de como elas estão bem do jeito que estão. ajuda-nos a ver o que nossa vida realmente é. Teria mais tempo de fazer uma prática mais consistente. desestimu-la. do que é chegar à percepção consciente da natureza buda. Podemos ter lido livros que retratam uma bela imagem da Terra Prometida. percebemo-nos peregrinando. Se estou tentando terminar alguma coisa e alguém entra e me distrai. Constatarmos que estamos tentando destrancar a porta é imensamente valioso. Queremos que o sofrimento acabe. A disciplina do sesshin intensifica essa impressão da peregrinação. No entanto. onde o sofrimento não existe mais. no trabalho. . Agora estou começando a me dar conta de que o que preciso fazer está justamente aqui. de ler mais etc.ALUNO: Há pouco tempo tive uma percepção semelhante. O que eu deveria estar fazendo é exatamente o que estou fazendo. decepciona. tendo atravessado a aridez e a sede. isso é justamente o que preciso fazer naquele instante. encontrar a fórmula certa. o sesshin parece que nos contunde. seja e!e qual for. Conhecemos nossa dor e nosso sofrimento. Queremos chegar na Terra Prometida. vamos perguntar a nós mesmos: "Como é que estou tentando destrancar a porta em vez de estar simplesmente vivendo a minha vida?". PEREGRINAR NO DESERTO Peregrinar no deserto em busca da Terra Prometida: eis o que a nossa vida é. Teria mais tempo para um serviço voluntário. O máximo que podemos fazer é simplesmente ser a própria peregrinação. da iluminação etc. do emprego inacreditável etc. do parceiro perfeito. Ser a peregrinação significa ser cada momento do sesshin. JOKO: Para concluir. Durante anos eu viera me dizendo que minha vida seria melhor quando eu tivesse poupado dinheiro suficiente para viver em semiaposentadoria. É muito duro compreendermos isso. Todos estamos tentando destrancar a porta. Estamos em busca do professor certo. Quando sobrevivemos. chegamos talvez a uma descoberta: peregrinar pelo deserto é a Terra Prometida. um certo trabalho. aquilo que o universo nos apresenta. evitarmos ou racionalizarmos. nós vemos essa batalha conjunta com mais nitidez. Healing into life and death. amores e parentes continuam em nossa vida e são parte de quem somos. onde toda luta e todo sofrimento cessem de vez. uma relação pode se manifestar de uma forma particular. Pode-se observar o mesmo aspecto quanto aos relacionamentos. No entanto. Nossas vidas estão reunidas. Assim que encararmos a nossa própria dor e estivermos dispostos a vivenciá-la. Queremos. cada momento em que perseveramos com as nossas dificuldades e sofrimentos é uma pequena vitória. existe só uma dor. abrimos a nossa relação para a vida e para os outros. vemos nossas esperanças de encontrar uma porta de acesso para a Terra Prometida. nosso padrão não se reverte da noite para o dia. Nova York: Doubleday. O processo é lento. só um contentamento. Lutamos numa batalha incessante entre o que queremos e o que é. Continuamos em alguma espécie de relação mesmo com aqueles que já faleceram. um certo relacionamento. No sesshin. mas antes dessa manifestação essa ligação já existia e. de nossa vida e dos outros. . sempre vinculados a alguém. e é o nosso. Antigos amigos.Em seu trabalho com moribundos e pessoas gravemente perturbadas. em vez de a disfarçarmos. duram algum tempo e terminam. Pode ser necessário que a manifestação visível termine. Numa certa altura da história. Vemos as nossas fantasias. depois que ela "terminar". Como observa Stephen Levine. Stephen Levine * observa que a verdadeira cura acontece quando entramos com tanta profundidade em nossa dor que não a vemos mais como a nossa dor apenas. 1987. Uma vez que nenhum querer desses pode algum dia ser completamente resolvido. continuará. sempre estamos em relacionamentos. Nossa tendência é pensar neles como eventos discretos no tempo: começam. Ao permanecermos com a nossa dor e com a nossa irritabilidade. ocorrerá um deslocamento interior quanto à nossa visão de nós. queremos. nossos esforços para entender as coisas e para defender nossas teorias. temos * Stephen Levine. Não estamos realmente separados uns dos outros. mas a relação real nunca acaba. e sim como a dor de todo mundo. É imensamente mobilizador e solidarizante descobrir que minha dor não é exclusiva. queremos uma certa pessoa. A prática ajuda-nos a ver que o universo inteiro está na dor. A vida é muito curta. Até mesmo a felicidade pode ser dolorosa porque sabemos que podemos perdê-la. Em vez de nos preocuparmos interminavelmente com o que está errado lá fora — com o parceiro. Por exemplo. ou outra coisa —. Esse tédio — essa peregrinação no deserto — é na realidade a face de Deus. nossa dor e prazer. temos de comprar comida. Às vezes. Aprendemos a ser aquilo que somos neste momento. temos de fazer o canhoto do talão de cheques. é útil acentuar a ansiedade. Então. Não somos especialistas. uma médica que não tem uma relação com seus pacientes irá vê-los simplesmente como um problema atrás do outro. Os momentos que agora vivenciamos rapidamente se vão para sempre. Vemos que a nossa dor também é a deles. Nossa relações. podemos começar a mudar nossa relação com o que é. Nunca mais os veremos. Começamos a enxergar a ligação entre nós e os outros. o relatório que não queremos escrever — essas coisas são a Terra Prometida. problemas a serem esquecidos assim que saírem de seu consultório. nossas derrotas e vitórias. nosso trabalho e todas as pequenas tarefas necessárias que não queremos. Somos especialistas na produção de pensamentos acerca de nossa vida. O médico que percebe que seu próprio desconforto e aborrecimento são o desconforto e o aborrecimento de seus pacientes terá apoio desse senso de vinculação e irá trabalhar com mais precisão e eficiência. ter uma outra maneira de olhar para o que está acontecendo. realizar são todos presentes. Todo dia que passa leva consigo milhares e milhares de momentos desses. Temos de escovar os dentes. temos de lavar a roupa. São gêmeos inseparáveis. neste relacionamento ou naquele aspecto aborrecido de nosso trabalho. a distância de um passo atrás. De que maneira iremos passar o pequeno intervalo que nos resta? Iremos gastá-lo rodopiando em torno de nossos pensamentos a . no entanto. e que a dor deles também é a nossa. Nossas dificuldades. o trabalho.uma tensão e uma ansiedade incessantes que acompanham de perto nossos quereres. O tédio cotidiano de nossas vidas é o deserto pelo qual peregrinamos em busca da Terra Prometida. em apenas sermos nossas vidas. podemos estar dispostos a recuar e. chegando num ponto em que simplesmente não a consigamos mais tolerar. o parceiro que nos leva à loucura. esse trabalho de curar-nos na vida. A finalidade de nossa vida é sermos a própria abertura. Esse tipo de cura é do que a nossa vida se compõe. Não conseguimos terminar com a relação com nossos filhos. Teremos pensamentos assim. Sendo assim. é cumprir aquilo para que nascemos. Como diz Stephen Levine. Isso quer dizer que nos curamos na nossa dor e que nos curamos na dor do mundo. felicidade. o sofrimento se transformará no universal. mas podemos saber que os estamos pensando em vez de nos emaranharmos neles. o sofrimento recomeça por toda parte. divorciar-nos. separado e constrito. que é o contentamento. sem nenhum pensamento a respeito. Para realizar esse trabalho. até mesmo agora. já alcançamos a Terra Prometida. mas não podemos acabar com eles. que é contentamento. como Stephen Levine diz. ou seja. nascemos para curar-nos na vida. Quando curo a minha dor. Para cada um de nós. Contentamento inclui sofrimento. porém o objetivo básico é o mesmo. temos de ir contra a corrente de nossa sociedade. essa cura acontece de um modo diferente. Podemos ir embora. e chegarmos a ver que. Na prática diária. A prática consiste em descobrir que a minha dor é a nossa dor. Quando conseguirmos sentar e atentar para nossas sensações corporais e pensamentos que são a dor. temos ajuda para fazermos o trabalho. A finalidade de nossa vida. todos sofrem.respeito de como a vida é terrível? Esses pensamentos não são nem sequer reais. na manutenção do contato quando moramos longe. pessoas separadas das demais. não podemos nem sequer encerrar uma relação com quem não apreciamos. Esse término iria exigir que fôssemos algo que não somos e nunca seremos. e tornarmo-nos abertura. sararmos na vida. Quando tentamos ser separados. Precisamos ouvir essa verdade e lembrá-la várias vezes seguidas. Isso significa sarar a partir da dor de nosso "eu quero" pessoal. não conseguimos encerrar nossos relacionamentos. que nos ensina a ir em busca do número um: cada qual para si. eu também curo a sua. milhares de vezes. Quando achamos que podemos encerrá-los. tudo o que é. . em sesshins dos quais participamos. Por exemplo. dar. e isso leva tempo. Alunos iniciantes têm idéias tipicamente autocentradas a respeito da prática: "Vou praticar para conseguir uma integração completa". Em vez disso. Também Steps toward inner peace — A discourse by Peace Pilgrim: Suggested uses of harmonious principles for human living. "Vou praticar para ficar iluminado". corremos o risco de cometer erros — e está tudo bem.000 km. a prática é a respeito de dar. contudo. As vezes precisamos dizer não. temos de dar. Praticamos com os resultados de nossos atos. Há pouco tempo li um livro cuja autora se chamava Peregrina da paz *. receber e receber.A PRÁTICA É DAR A prática é de fato algo para se aprender a dar. 43480 Cedar Avenue. a maioria quer receber. o treinamento foi dar totalmente. Em vez disso. Dar não diz respeito a pensar. Mas cometemos um erro se simplesmente adotamos essa postura como um novo ideal. Ela diz que. Como não existem fórmulas. Isso pode nos manter ocupados por muitos anos. Seu livro mostra que ela de fato entendia a prática. Essa é a natureza do ser humano. . dar. Um professor zen no * Peace Pilgrim: Her life and work in her own words. Devemos perguntar a nós mesmos: "O que é dar?". pregando a paz. ou simplesmente sair do caminho. CA 92343. se quisermos ser felizes. Foram necessários muitos anos de árduo treinamento para que a Peregrina da Paz transformasse a sua vida. Para ela. compiled by some of her friends. por isso temos de ser cuidadosos. e isso continuará sendo válido enquanto nossa prática não estiver bastante sólida. Isso é maravilhoso — se entendermos de modo correto o intuito da atitude. mas isso pode ser facilmente mal-entendido. dar é confundido com motivações autocentradas. deveríamos dar aos outros tudo o que eles quiserem? Às vezes — mas às vezes não. 1991. dar e dar. Santa Fé. que ela descreve com muita simplicidade. "Vou praticar para ficar calma". Talvez depois de muitos anos comecemos a apreender a verdadeira natureza do dar. NM: Ocean Tree. Para a maioria.Em três décadas caminhou mais de 40. Nem nós deveríamos dar em função de obter melhores resultados para nós mesmos. Friends of Peace Pilgrim. Hemet. levando seus bens consigo. Eu disse: "A iluminação diz respeito a despertar. Não podemos nos fazer ser de uma certa maneira. pintando. ele lhes diz que voltem a praticar sentados por mais dez. Precisamos vivenciar isso. Não é ter algumas experiências extraordinárias. cozinhando —. A verdade é que. Quando a . Por exemplo. saber quais são nossos pensamentos e sensações corporais. Embora não seja assim o meu estilo de ensinar. Iluminação é a capacidade de dar totalmente a cada segundo. e a prática ajuda-nos a perceber o quanto somos autocentrados. Nós não temos de fazer isso. Isso se volta sobre si mesmo por si. Uma delas dizia que sua amiga tinha vivido uma percepção espiritual um pouco desintegrada e que queria saber qual era o livro certo que ajudasse a amiga a aprumar-se. Ela respondeu: "Oh. nossa vivência pode voltar-se sobre si mesma. Quando os alunos voltam depois de dez anos. e. Quando percebemos como somos de verdade. Na semana passada recebi dois telefonemas de pessoas em busca de conselhos a respeito da prática. Precisamos perguntar: "O que significa para mim dar. É maravilhoso assistir a isso.Japão exige dos novos alunos que pratiquem por dez anos sem um trabalho direto com ele. A outra pessoa ligou-me à 1:30 h da madrugada para dizer que tinha lido um livro maravilhoso sobre iluminação e achado que sua própria prática não estava muito iluminada. então. mas não tornam uma vida iluminada. o que significa dar totalmente? Embora não possamos nos tornar pessoas capazes de dar totalmente apenas pensando sobre isso. podemos notar quando não damos totalmente. aos poucos. já está de madrugada?". ele tem uma finalidade. Leva tempo descobrir o que a vida é. Eu lhe disse que não era uma boa idéia telefonar para as pessoas no meio da noite. quando o telefone toca. as coisas lentamente começam a virar — como acontece com tantos alunos que tenho. Ela disse: "Isso nunca me ocorreu". com nossa preguiça e com os outros jogos que jogamos. Esses momentos podem ocorrer. E para que você desperte você tem de saber que horas são". a qualquer momento. Mas podemos tomar contato com a nossa intolerância e grosseria. Ela queria ajuda para entender o que se passava. neste momento?". como podemos dar? Quando estamos num trabalho físico — limpando. Ocultamos de nós mesmos nossas motivações autocentradas. somos como somos. Imaginar que podemos é uma das maiores armadilhas da prática. Então. agimos e vivenciamos o que acontece dentro de nós. É disso que trata a prática. essa gentileza ou capacidade de doação difunde-se. por favor: dar. . dar. Em vez de um novo ideal — "Eu não quero visitá-lo hoje à tarde — mas eu deveria estar dando" —. É esse o Caminho. praticar.reviravolta acontece. dar — e praticar. praticar.
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